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I SÉRIE - Número 58

Sexta-feira, 15 de Março de 1985

III LEGISLATURA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA (19984-1985)

REUNIAO PLENÁRIA DE 14 DE MARÇO DE 1985

Presidente: Ex.º Sr. Manuel Pereira
Secretários: Exmos. Srs.
Leonel de Sousa Fadigas
José Mário de Lemos Damião
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 45 minutos.

Antes de ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação de requerimentos e da resposta a alguns outros.
O Sr. Deputado Lopes Cardoso (UEDS) repudiou o atentado bombista ocorrido durante a noite e perpetrado contra a Associação de Proprietários Lisbonenses, no que foi corroborado pelos Srs. Depurados Zita Seabra (PCP), Rocha de Almeida (PSD), António Macedo (PS) e Raul e Castro (MDP/CDE).
O Sr. Deputado Reis Borges (PS), depois de ter manifestado o seu repúdio por noticias difamatórias da sua dignidade pessoal, veiculadas através de um órgão de comunicação social, anunciou à Câmara a intenção de o seu grupo parlamentar apresentar um pedido de inquérito ao mesmo.
O Sr. Deputado Paulo Barral (PS) abordou a problemática da agricultura no Alentejo, rendo respondido, no fim, a pedidos de esclarecimento e protestos dos Srs. Depurados Rogério de Brito e Custódio Gingão (PCP).
Em declaração política, o Sr. Deputado Luís Beiroco (CDS) anunciou à Câmara o propósito de o seu grupo parlamentar propor a revisão da parle económica da Constituição. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Jorge Lacão (PS).
O Sr. Deputado José Manuel Mendes (PCP), a propósito das comemorações do centenário do nascimento de Aquilino Ribeiro, evocou o sua figura e obra.
O Sr. Deputado Guerreiro Norte (PSD) abordou a questão da mendicidade infantil e expôs a acção que nesse campo a Secretaria de Estado da Segurança Social está a desenvolver no Algarve.
O Sr. Deputado Araújo dos Santos (PSD) congratulou-se com o incentivo que no concelho de Gondomar vem sendo dado à cultura do milho.

Ordem do dia. - A Câmara concedeu a prorrogação do prazo de trabalho à Comissão Eventual de Inquérito sobre os critérios de atribuição de verbos pela Secretaria de Estado do Emprego e Formação Profissional e o controle da sua aplicação e a Comissão Eventual de Inquérito para apreciação dos antecedentes da Resolução do Conselho de Ministros n.º 34/84 (viabilização da Torralta).
Seguidamente, concluiu-se a discussão na generalidade da proposta de lei n.º 77/III (regime das rendas para fins habitacionais), que, agás ter sido aprovada, baixou à comissão respectiva para exame na especialidade.
Intervieram no debate, a diverso título, além do Sr. Ministro de Estado e Ministro dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos) e do Sr. Secretário de Estado da Habitação (Fernando Gomes), os Srs. Deputados Eugénia Anacoreta Correia (CDS). Leonel Fadigas (PS). José Vitorino (PSD), Lopes Cardoso (UEDS), Zita Seabra e Anselmo Aníbal (PCP), Dorilo Seruca (UEDS/, Raul e Castro (MDP/CDE), Roque Lino (PS), Marques Mendes (PSD), Fernando Costa (PSD), Nogueira de Brito (CDS), João Porto (CDS), João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), Paulo Barral (PS), João Amaral (PCP), Ruben Raposo (ASDI), Joaquim Miranda (PCP), Silva Domingos (PSD), António Gonzalez (Indep.) e Luís Barbosa (CDS). O Sr. Presidente encerrou o sessão eram 3 horas e IS minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 45 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros. Agostinho de Jesus Domingues. Alberto Manuel Avelino. Américo Albino da Silva Salteiro. António Cândido Miranda Macedo. António da Costa. António Domingues Azevedo. António Frederico Vieira de Moura. António Gonçalves Janeiro. António José Santos Meira. Bento Gonçalves da Cruz. Carlos Augusto Coelho Pires.

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Carlos Cardoso Lage. Ferdinando Lourenço Gouveia. Fernando Fradinho Lopes. Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues. Francisco Lima Monteiro. Francisco Manuel Marcelo Curto. Frederico Augusto H andel de Oliveira. Gaspar Miranda Teixeira. Gil da Conceição Palmeiro Romão. Henrique Aureliano Vieira Gomes. Hermínio Martins de Oliveira. João de Almeida Eliseu. João Joaquim Gomes. João do Nascimento Gama Guerra. João Rosado Correia. Joaquim José Catanho de Menezes. Joaquim Manuel Ribeiro Arenga. Joel Maria da Silva Ferro. Jorge Alberto Santos Correia. Jorge Lacão Costa. Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda. José de Almeida Valente. José António Borja dos Reis Borges. José Augusto Fillol Guimarães. José Barbosa Mota. José da Cunha e Sá. José Luís Diogo Preza. José Manuel Lello Ribeiro de Almeida. José Manuel Nunes Ambrósio. José Manuel Torres Couto. José Martins Pires. Juvenal Baptista Ribeiro. Leonel de Sousa Fadigas. Litério da Cruz Monteiro. Luís Abílio da Conceição Cacito. Luís Silvério Gonçalves Saias. Manuel Fontes Orvalho. Maria do Céu Sousa Fernandes. Maria da Conceição Pinto Quintas. Maria Helena Valente Rosa. Maria Luísa Modas Daniel. Nelson Pereira Ramos.
Nuno Álvaro Freitas Alpoim.
Paulo Manuel Barros Barral.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Victor Hugo Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.
Zulmira Helena Alves da Silva.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Agostinho Correia Branquinho.
Alberto Augusto Faria dos Santos.
Anacleto Silva Baptista.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Gaspar de Castro Pacheco. Guido Orlando Freitas Rodrigues. João Evangelista Rocha de Almeida. João Maria Ferreira Teixeira. José Adriano Gago Vitorino. José de Almeida Cesário. José Augusto Santos Silva Marques. José Luís de Figueiredo Lopes. José Mário de Lemos Damião. José Silva Domingos. Leonel Santa Rita Pires. Licínio Moreira da Silva. Manuel António Araújo dos Santos. Manuel Ferreira Martins. Manuel Maria Portugal da Fonseca. Manuel Pereira. Mariana Santos Calhau Perdigão. Mário Júlio Montalvão Machado. Mário de Oliveira Mendes dos Santos. Vasco Francisco Aguiar Miguel. Virgílio Higino Gonçalves Pereira. Vítor Manuel Ascenção Mota.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro. António Anselmo Aníbal. António Dias Lourenço. António José Monteiro Vidigal Amaro. António da Silva Mota. Belchior Alves Pereira. Carlos Alberto da Costa Espadinha. Carlos Alfredo de Brito. Custódio Jacinto Gingão. Francisco Manuel Costa Fernandes. Francisco Miguel Duarte. Jerónimo Carvalho de Sousa. João António Gonçalves do Amaral. João Carlos Abrantes. Jorge Manuel Abreu de Lemos. José Manuel Antunes Mendes. José Manuel Maia Nunes de Almeida. José Manuel Santos Magalhães. José Rodrigues Vitoriano. Manuel Gaspar Cardoso Martins. Manuel Rogério de Sousa Brito. Maria Luísa Mesquita Cachado. Maria Margarida Tengarrinha. Maria Odete Santos.
Mariana Grou Lanita.
Zita Maria Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Alexandre Carvalho Reigoto. Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares. António Filipe Neiva Correia. Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira. Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia. Francisco Manuel de Menezes Falcão. Hernâni Torres Moutinho. Horácio Alves Marçal. João Carlos Dias Coutinho Lencastre. João Gomes de Abreu Lima. Jorge Manuel Gomes Barbosa. José Luís Nogueira de Brito.

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José Miguel Anacoreta Correia.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel António Almeida Vasconcelos.
Manuel Jorge Forte Góes.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Corregedor da Fonseca.
Raul Morais e Castro.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

Dorilo Jaime Seruca Inácio.
António Poppe Lopes Cardoso.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Ruben José de Almeida Raposo.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de alguns requerimentos entrados na Mesa.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, na última sessão, os requerimentos seguintes:

Ao Ministério da Indústria e Energia, formulado pelo deputado José Manuel Ambrósio; ao Comando-Geral da PSP e da GNR, no total de dois, formulados pelo Sr. Deputado José Magalhães e outros; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Batista Ribeiro; a diversos ministérios, no total de 50, formulados pelo Sr. Deputado Figueiredo Lopes.

O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados:

Magalhães Mota, nas sessões de 3 de Abril, 30 de Outubro, 23 de Novembro, 14 e 18 de Dezembro e 24 de Janeiro; Álvaro Brasileiro, na sessão de 3 de Maio; Licínio Moreira, nas sessões de 26 de Outubro e 27 de Novembro; João Amaral, nas sessões de 13 de Novembro e 18 de Dezembro; Francisco Fernandes, na sessão de 20 de Novembro; João Corregedor da Fonseca, na sessão de 23 de Novembro; Custódio Gingão, na sessão de 29 de Novembro; José Pereira Lopes, na sessão de 4 de Dezembro; João Rodrigues e outros, na sessão de 5 de Dezembro; Carlos Brito e outros, nas sessões de 5 de Dezembro e 15 de Fevereiro; Jorge Lemos e outros, na sessão de 5 de Dezembro; Manuel Jorge Gois, na sessão de 11 de Dezembro; Fernando Condesso e Mário Santos, na sessão de 21 de Dezembro; Bento da Cruz, na sessão de 21 de Dezembro; Paulo Areosa, na sessão de 4 de Janeiro; Armando de Oliveira e Manuel Leão Tavares, na sessão de 12 de Fevereiro; Jaime Ramos e Luís Monteiro, na sessão de 12 de Fevereiro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra aos Srs. Deputados que a pediram para fazer intervenções no período de antes da ordem do dia, comunico que na conferência de líderes dos grupos e agrupamentos parlamentares foi estabelecido o tempo de uso da palavra para cada grupo e agrupamento parlamentar que foi distribuído do seguinte modo: o PS dispõe de 14 minutos, o PSD de 12 minutos, o PCP de 10 minutos, o CDS de 9 minutos; o MDP/CDE, a UEDS e a ASDI de 5 minutos respectivamente. A divisão do tempo resulta do coeficiente da hora que temos para o período de antes da ordem do dia. Como é óbvio, se não houver transferência de valores, os prazos serão escrupulosamente respeitados.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Intervenho apenas para manifestar o repúdio da minha bancada, e o meu próprio, pelo atentado bombista de que esta noite foi vítima a Associação de Proprietários Lisbonenses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No Portugal de Abril os atentados, antes de serem atentados contra esta ou aquela pessoa ou contra esta ou aquela entidade, são atentados contra a liberdade e contra a democracia.

Vozes da UEDS e do PS: - Muito bem!

O Orador: - Neste caso concreto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o atentado assume um significado particular, isto porque ele tem lugar no exacto momento em que nesta Assembleia se discute a proposta de lei de alteração do regime de rendas de casas, apresentada pelo Governo.
Em democracia, Sr. Presidente e Srs. Deputados, as ideias debatem-se, discutem-se, confrontam-se e afirmam-se através da expressão livremente transmitida e exercida pelo voto e não pelo argumento da força.

Aplausos da UEDS, do PS, do PSD e do PCP.

Para além do meu repúdio e do da minha bancada, quero também afirmar a nossa certeza de que nenhum dos deputados desta Assembleia, seja qual for a posição que tenha sobre a matéria em discussão, deixará intimidar-se e condicionar o seu voto por qualquer espécie de ameaças, venham elas de onde vierem.

Aplausos da UEDS, do PS e do PSD.

Aqui também reside a grande força da democracia. Aplausos da UEDS, do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Peço a palavra apenas para me soli-

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darizar com a intervenção do Sr. Deputado Lopes Cardoso e, em nome da minha bancada, manifestar uma total repugnância pelo atentado que ocorreu esta madrugada. Tais métodos e tais formas só servem aqueles que, neste momento, querem aprovar uma lei como a que estamos a discutir e para ensombrar os argumentos dos que estão contra a medida proposta pelo Governo.
Daí a nossa repugnância por tais atentados e métodos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rocha de Almeida.

O Sr. Rocha de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para, em nome da minha bancada, me solidarizar totalmente com as palavras proferidas pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso e dizer que também, da parte da minha bancada, o repúdio é veemente porque, tal como o Sr. Deputado Lopes Cardoso afirmou, este atentado é um atentado à democracia, é uma forma de intimidação em relação ao comportamento dos deputados desta Assembleia.
Da parte da minha bancada, Sr. Presidente e Srs. Deputados, temos a certeza de que não são métodos como este, nem acções como esta, que intimidarão os deputados do PSD, que, enquanto representantes de todo o povo português, estão no cumprimento das suas obrigações.

Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, ao que parece, tem a palavra o Sr. Deputado Raul e Castro.

O Sr. Raul e Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma curta intervenção, em jeito de pedido de esclarecimento, apoiando a intervenção do Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Presidente: - Se V. Ex.ª deseja fazer uma intervenção, fica inscrito.

O Sr. Raul e Castro (MDP/CDE): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Macedo.

O Sr. António Macedo (PS): - Sr. Presidente, quase que era desnecessário usar da palavra porque é sabido que o Partido Socialista está de alma e coração, inteiramente, ao lado do protesto apresentado pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso.
Aproveito esta oportunidade para dizer que o Partido Socialista não está só contra essa espécie de terrorismo mas contra toda a espécie de terrorismo. O Partido Socialista não está só contra o terrorismo praticado por actos como também contra o praticado por palavras.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Há, na verdade, atitudes que estimulam, por assim dizer, estes actos de terrorismo. Sou contra todas essas actividades que são particularmente propensas à criação do terrorismo.
Direi, Sr. Presidente, nesta Casa, onde se ouvem palavras tão solenes, firmemente: «Abaixo o terrorismo.»

Aplausos do PS, do PSD e de alguns deputados do CDS.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Raul e Castro ficou inscrito para fazer uma intervenção ...

O Sr. Raul e Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, houve aqui um equívoco resultante, com certeza, da aplicação do novo Regimento. É que eu queria fazer uma breve intervenção. Aliás, há pouco cheguei a dizer que queria fazer uma curta intervenção, em jeito de pedido de esclarecimento, sobre a matéria levantada pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Raul e Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desde sempre, desde anos recuados e após o 25 de Abril em que começou a haver, neste país, actos de terrorismo, o MDP/CDE tomou a posição clara de condenação de todas as formas de terrorismo. Essa posição inalterada, que já vem de há muitos anos, de condenação do terrorismo mantém-se. Agora, a propósito de um acto terrorista que o Sr. Deputado Lopes Cardoso informou a esta Câmara, reafirmamos a condenação desse e qualquer outro acto de terrorismo.

Aplausos do Sr. Deputado Vítor Hugo Sequeira (PS).

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Reis Borges.

O Sr. Reis Borges (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um órgão de comunicação social produziu, há dias, afirmações infamantes com as quais proeurou atingir-me na minha dignidade e em termos de escândalo público.
Repudio inteiramente tais afirmações, as quais, de resto, foram já todas apreciadas em sede própria. Por isso não posso, nem devo aceitar, que essas mesmas afirmações, 10 anos depois e envolvidas na poeira do tempo, voltem sequer a ser colocadas na penumbra da dúvida. Daí que tenha solicitado ao meu grupo parlamentar que, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, requeira à Assembleia para que esta proceda a inquérito parlamentar relativamente ao teor das imputações feitas pelo órgão de comunicação social em causa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O meu grupo parlamentar entregará hoje o requerimento referido. Submeto-me, deste modo, à total e completa apreciação por parte dos meus pares. Assim o exige a condição de deputado da República e a dignidade no desempenho do respectivo mandato.
Para além disso, o cidadão irá proceder, judicialmente, no foro criminal e cível.

Aplausos do PS, do PSD, do CDS e da UEDS.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Barral.

O Sr. Paulo Barral (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Existe neste pequeno país «à beira-mar plantado» uma vasta área do seu território (cerca de uma sua quarta parte), onde a excepção é a regra, onde as maleitas de ontem continuam como praga hoje.
Terras onde os sóis queimam e os frios enregelam, e onde os homens e as mulheres, desencantados, se não revêem na esperança de um futuro diferente. Terras onde as gentes cantam desesperos e se reconhecem no fatalismo que as persegue desde tempos imemoráveis. Terras de longínquos horizontes matizados por casarios brancos, a região transtagana mantém-se numa letargia que se agrava, numa letargia que vai invadindo muitos daqueles que ainda arranjam ânimo e coragem para se não aceitarem como espectadores e participantes passivos do estado de enjeitamento que continua a abater-se sobre a sua terra.
Não queremos, nem é nosso propósito, carregar de negras tintas o estado de espírito colectivo que invade o povo alentejano, mas estamos conscientes de que é cada vez mais necessário e urgente que a situação de crise por que vem passando o Alentejo seja rapidamente superada.
Reclama-se insistentemente por uma alternativa global às medidas que têm vindo balbuciantemente a ser tomadas, e que permita às gentes que ali nasceram e ali vivem, sentirem-se cidadãos de corpo inteiro, reabilitados de ideias e de juízos preconcebidos, que, por via desse histórico fatalismo, os tem transformado em eternos deserdados.
É essencial ao País a estabilidade política e social do Alentejo. Só aos adversários da liberdade e da democracia aproveita o estatuto de suspeita e de enjeitamento que tombou sobre esta vasta região.
Palco de injustiças no passado e no presente, alvos de teses teorizadas a partir de modelos alheios, os povos da charneca e dos montados, dos lugares e das vilas e cidades do Alentejo, aguardam que os poderes instituídos assumam as suas responsabilidades no que àquela região concerne.
De uma economia endemicamente frágil, sustentada em poderios, concepções e processos antidemocráticos e elitistas, passou-se a uma economia ainda mais frágil de base pseudovanguardista, arquitectada em processos tão rejeitáveis quanto os outros.
O Alentejo de hoje não é, infelizmente, aquele que há 10 anos os Alentejanos desejavam que fosse.
O seu sector fundamental, a agricultura, não viu ainda estatuído, e em termos eficazes, um plano que o redima dos erros do passado próximo e remoto.
Aos conflitos levianamente exacerbados nos campos e nas povoações, a seguir à Revolução, juntou-se o desregramento posterior que a instabilidade política favorece.
A estruturação agrária, imprescindível, que deveria ser sustentada em critérios de ordenamento agrário e em critérios de produtividade, foi prejudicada pela falta de coerência nas medidas preconizadas. As soluções propostas em 1977 não foram, por isso, as melhores. A lei, que foi aprovada, não foi regulamentada por razões várias e os resultados dela esperados não foram, por isso, atingidos.
A democracia portuguesa herdou no Alentejo, como é sabido, uma agricultura assente numa estrutura predominantemente latifundiária. Em termos de economia agrária, podemos hoje afirmar que todos ou a maioria dos factores de produção eram subutilizados. A terra é aproveitada abaixo das suas capacidades em sistema de cultura extensiva, com largos pousios, sendo as benfeitorias evitadas e a mão-de-obra utilizada nos níveis mínimos indispensáveis, e só em certas épocas. O latifúndio servia para obter, com o mínimo de riscos, de capitais e de mão-de-obra, em grandes extensões, o rendimento que, com investimento bem aplicado e trabalho bem dimensionado, poderia ser conseguido em áreas mais reduzidas.
Com muito poucas excepções, era este o regime de exploração da terra que predominava e que continua a predominar, hoje, no Alentejo.
Com o projecto de colectivização encetado em 1975, o sistema produtivo foi mantido no essencial. A constituição de empresas colectivas, a partir de um ou por associação de vários latifúndios, veio exclusivamente permitir uma precária situação de emprego permanente aos muitos milhares de trabalhadores rurais que antes trabalhavam em regime sazonal, aliás só possível ser mantido com o suporte financeiro do Estado. O subemprego era generalizado, dada a baixa produtividade da terra.
Seríamos injustos se, também neste domínio, não admitíssemos honrosas excepções.
As tentativas de enquadramento legal, intentadas com a Lei de Bases Gerais da Reforma Agrária, foram bastante dificultadas pelas situações de interposição subjectiva e pela sucessão de comandos discricionários, administrativos e políticos que deram execução distorcida ao texto legal.
Desde a atribuição de reservas de pontuação superior ao que estava estabelecido, até à multiplicação de reservas a quem apenas a uma tinha direito, passando por uma generalizada concessão de majorações, apenas previstas para casos excepcionais, fizeram com que essa lei não tivesse atingido o objectivo esperado.
Um estado de suspeição e de revanche sucedeu-se à margem dos mecanismos legais previstos.
Estamos, todavia, em 1985 e o Alentejo carece de uma via que normalize as situações existentes.
Muitas medidas terão de ser adoptadas, e desde já.
É essencial a definição clara do estatuto da posse das terras e é igualmente necessário que os serviços do Ministério da Agricultura se reorganizem na base de funcionários, técnicos e agentes competentes e isentos, para que as medidas possam ser aplicadas num clima de respeito e credibilidade mútuos.
Uma política de apoio aos agricultores de pequena e média propriedade é factor basilar para o êxito de uma eficaz política agrícola na região.
O reconhecimento das explorações cooperativas viáveis e com programas de exploração bem estruturados é igualmente essencial.
A fixação das contraprestações pelo uso da terra e o pagamento de indemnizações impõe-se que sejam desencadeados de forma consentânea com os interesses do Estado e no respeito dos expropriados.
O incremento de uma política de formação profissional, designadamente vocacionada para os jovens, com a consequente distribuição de terras pertencentes ao Estado em regime de arrendamento, revela-se também como uma das medidas necessárias no curto prazo.
A melhoria e o reacerto das políticas de preços garantidos à produção e a redefinição das políticas de cré

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ditos são igualmente medidas que têm de ser tomadas a curto prazo.
Com uma excessiva percentagem de trabalhadores, cerca de 32%, a agricultura portuguesa e alentejana tem de ser redimensionada por forma a que esta componente baixe para cerca de metade, a médio prazo, e venha a atingir os níveis da Comunidade Económica Europeia durante a próxima década.
O aproveitamento dos recursos disponíveis é igualmente medida que se terá corajosamente de implementar.
A modernização da agricultura alentejana passa pelo
integral aproveitamento da rede de regadio existente e
pelo seu aumento nos anos próximos.
Inadmissível é igualmente a situação em que se encontram os complexos agro-industriais. Verdadeiramente escandalosa a situação da unidade do Divor para
a qual urge encontrar medidas imediatas em ordem à
sua plena laboração, as quais passam por uma activa
actuação dos Ministérios da Agricultura e das Finanças e do Plano.
O mesmo se poderá dizer relativamente à Fábrica de óleos e Rações de Évora (FORE), à INALI e ao complexo agro-industrial do Caia.
A concretização do empreendimento do Alqueva, já por demais aguardado, permitirá não só o fomento do regadio no Baixo Alentejo, como fará diminuir a nossa dependência energética.
A urgente demarcação das regiões vinícolas do Alentejo permitirá que os seus vinhos se transformem num produto competitivo e exportável com os consequentes benefícios económicos e sociais.
A redução da área de cultivo do trigo aos solos com aptidão para tal permitirá o aumento de produtividade deste cereal e aumentará a produção de cereais secundários e pastagens nos terrenos marginais.
A reconversão da agro-pecuária, face às condições naturais existentes, proporcionará economias importantes nos componentes importados para rações. No Alentejo, o gado bovino de engorda para abate come mais dólares do que ervas e fenos.
O aproveitamento e o ordenamento florestal tem de ser decididamente levado a cabo, sendo necessário que se recomecem a instalar na região unidades transformadoras de cortiça. Pela primeira vez, em 1984, a cortiça deixou de figurar como o primeiro produto florestal na lista de exportações. A defesa dos montados de sobro não pode esperar pelos papéis do Terreiro do Paço. Há que accionar urgentemente intervenções fitossanitárias e de valorização do montado para que, a médio prazo, Portugal não esteja confrontado com enormes perdas nesta nossa tradicional riqueza nacional.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Poderia continuar a listagem de medidas que urge serem tomadas no Alentejo.

Poderia ainda dizer-vos que no sector mineralífero muitas riquezas estão por explorar e muitas outras carecem de profunda reforma, das quais avulta a extracção dos mármores, feita sem rei nem roque, num completo desprezo pelas potencialidades existentes e pondo em causa a produtividade que esse sector deveria prosseguir.
Sistematicamente marginalizados, os Alentejanos não podem mais permitir o adiamento da resolução dos seus problemas.
Tem a coligação perdido a oportunidade de levar à prática muitas destas medidas que estão consagradas no seu Programa de Governo sem se perceber muito bem porquê!
Gozando, como goza, de uma maioria jamais alcançada esperava-se que o Governo fosse mais ousado e empreendedor no Alentejo. Para além da sua maioria nacional, a nível regional ela também existe.
Na agricultura, e passando pelas riquezas do solo e subsolo, passando pela pecuária e floresta, muito há a fazer no e pelo Alentejo.
Deixar a outros o que nós poderíamos fazer, parece-nos ser desmotivador e em nada contribuir para o crédito que merecemos de quem em nós votou.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Estava a ouvir as palavras do Sr. Deputado Paulo Barral e a recordar-me do romance O Pão não Cai do Céu, de José Rodrigues Miguéis. Aí se diz que a revolução liberal traiu os trabalhadores agrícolas assalariados do Alentejo, entregando as terras à burguesia liberal.
Também na 1ª República, os trabalhadores assalariados do Alentejo não viram ser-lhes feita justiça. O fascismo impediu-o.
Na 2.ª República, o Partido Socialista parece vocacionado a, mais uma vez, trair os trabalhadores agrícolas alentejanos.
Esta intervenção do Sr. Deputado Paulo Barral é claramente a abertura da porta para as pressões do PSD, através de algo que está na forja com o actual Ministro da Agricultura.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Sr. António Capucho (PSD): - De facto, está!

O Orador: - Teve-se aqui a percepção das concepções vanguardistas da Reforma Agrária e o Sr. Deputado Paulo Barral falou em elites. Ora, eu não tenho dúvida nenhuma de que estas apreciações quanto à organização dos trabalhadores são apreciações feitas exactamente pela tal elite do Alentejo, pela burguesia alentejana. Porque essas não são as concepções daqueles que fizeram a Reforma Agrária e a defendem e que carecem da terra como meio de produção para realizarem o seu presente, construírem o seu futuro e o dos seus filhos e para poderem produzir mais pão para este país, isto é, dos trabalhadores.
No Alentejo, a composição do produto interno bruto assenta fundamentalmente na agricultura, apesar do seu extremamente baixo índice de produtividade. Seguem-se-lhe os serviços e, só por último, a indústria.
O Sr. Deputado tem a noção do que é quê isso significa? Significa que o Alentejo representa, ao longo de décadas, uma economia permanentemente saqueada. E foi saqueada fundamentalmente pelos grandes latifundiários.
Nunca o rendimento da terra foi investido em áreas produtivas daquele Alentejo. É por isso que os trabalhadores sofrem a miséria acumulada ao longo de décadas.
A Reforma Agrária foi a perspectiva de construir o futuro. O futuro que agora, e mais uma vez, o PS ameaça vir a condenar.

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Pode o Sr. Deputado Paulo Barral fazer a sua análise, está no seu pleno direito, mas o que o Sr. Deputado Paulo Barral não pode é pôr em causa a dignidade de milhares de trabalhadores, que, com as suas mãos, com a sua inteligência, com a sua criatividade têm dado tudo de seu para produzir e para construir o futuro. Os trabalhadores agrícolas do Alentejo não levam a terra nos bolsos; os trabalhadores agrícolas do Alentejo querem a terra porque querem trabalhar e ela é a fonte do seu próprio pão.
É isto que o Sr. Deputado Paulo Barral tem de meter na cabeça. E estou certo que houve muitos colegas da sua bancada que sentiram vergonha com as palavras que o Sr. Deputado proferiu.

Aplausos do PCP.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - É falso!

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado Paulo Barral pretende responder só no final, tem a palavra o Sr. Deputado Custódio Gingão, também para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Paulo Barral.

O Sr. Custódio Gingão (PCP): - Sr. Deputado Paulo Barral, ao ouvir a sua intervenção, fiquei com a ideia de que o Sr. Deputado é um alentejano desenraizado dos problemas reais do Alentejo. Falou em muita coisa mas não disse nada. Não disse que há no Alentejo dezenas de trabalhadores desempregados, não disse que no Alentejo há centenas de herdades abandonadas, não disse que no Alentejo há hectares e hectares de sobro num estado calamitoso, não disse que tudo isto é por culpa do Governo que o Sr. Deputado apoia. Mas vem aqui dizer que têm de se tomar medidas para apoiar os pequenos agricultores.
Ó Sr. Deputado, é ou não verdade que é este Governo quem está a tirar a terra aos pequenos e médios agricultores?
Ainda há cerca de 15 dias, agricultores do Alandroal, a quem tinha sido entregue terra com base no Decreto-Lei n.º 111, a viram ser-lhes retirada. 15so é apoiar os agricultores ou é atirá-los para a ruína?
O Sr. Deputado falou também na questão dos regadios.
Ó Sr. Deputado, já aquando da discussão do orçamento, aqui levantámos a questão da barragem da Vigia e do Lucefefit, uma barragem que tem 18 milhões de metros cúbicos de água, parados há 4 anos, não regando um hectar. 15to é ou não é um atentado contra a economia? É ou não um crime que este Governo está a cometer?
É que isto cria condições para o desemprego. Já há milhares de desempregados porque as terras são abandonadas, porque têm sido roubadas aos trabalhadores pelo vosso Governo.
Mesmo assim, vêm aqui dizer que a Lei da Reforma Agrária não foi cumprida. Ah, pois não! Foi violada! Mas quando fizeram a campanha eleitoral, os senhores diziam que iam cumprir a Lei da Reforma Agrária e que tinha sido a AD que não tinha sido capaz de a cumprir. Mas, agora, os senhores vêm espezinhá-la, não respeitando aquilo que vocês mesmo aprovaram e aquilo com que se comprometeram para com os trabalhadores. Mas, Sr. Deputado, já não está muito longe o dia em que os trabalhadores alentejanos vão dizer o que pensam da Reforma Agrária e do Alentejo. Nessa altura, certamente, o Sr. Deputado já aqui não estará!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Barral.
Lembro-lhe que o PS dispõe de 6 minutos.

O Sr. Paulo Barral (PS): - Não utilizarei tanto, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A intervenção que entendi fazer nesta altura resulta de uma profunda reflexão, feita ao longo de todos estes meses de mandato do Governo e tem a ver com uma análise das questões fundamentais por que o Alentejo passa. É claro que os Srs. Deputados do PCP - que, mais do que pedidos de esclarecimento, fizeram intervenções em defesa da sua concepção de reforma agrária, o que é legítimo - têm de compreender que, passados 10 anos sobre o estatuto a que o Alentejo está submetido, a resultante destes 10 anos é negativa, Srs. Deputados.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Para quem?

O Orador: - E os Srs. Deputados do PCP sabem perfeitamente que não têm respostas, sabem que o Alentejo, em 1974...

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Era óptimo! No tempo do fascismo é que era óptimo!

O Orador: - ..., produzia 7 % do produto interno bruto e actualmente não chega a 3,5 %, considerando os 3 distritos alentejanos.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

Vozes do PCP: - É mentira!

O Orador: - Relativamente às questões do desemprego de que o Sr. Deputado Custódio Gingão falou, devo dizer-lhe que o Sr. Deputado não ouviu bem a minha intervenção porque perpassa nela, logo desde o início, essa questão. O Alentejano continua em estado de precariedade relativamente ao emprego.
Mas, Sr. Deputado, a solução não é dar emprego ao trabalhador à custa do Orçamento do Estado ou à custa das receitas estatais, é à custa daquilo que a agricultura pode produzir. E foi por isso que disse no princípio da minha intervenção que toda e qualquer reforma agrária deve assentar num plano de ordenamento agrário, tendo em conta a produtividade, porque só assim, se conseguem ter postos de trabalho efectivos.

Aplausos do PS.

Os senhores sabem que nas UCP que dominam - eu tenho números - manifestam como trabalhadores efectivos 10% do contingente dos trabalhadores e manifestam todos os outros como eventuais. Os senhores sabem que isso é verdade. E têm de assumir essa responsabilidade.

Protestos do PCP.

O Orador: - É mentira, Srs. Deputados? Eu posso dar-lhes números. Têm no Alandroal 7 UCP com 503

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trabalhadores, efectivos, estando 1648 manifestados como trabalhadores eventuais.
Os senhores sabem que é assim!

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Não sabe do que fala.

A Sr.ª Margarida Tengarrinha (PCP): - Está desactualizado!

O Orador: - Srs. Deputados, não pensem que esta situação se pode manter por mais tempo.
E apelo ao PCP para que no Alentejo aceite a verdade como ela está no terreno porque só assim, Srs. Deputados, podem ser úteis àqueles que votam em vós por convicção. É que há muitos que vão deixar de votar em vós porque já não acreditam no PCP.

Aplausos do PS, do PSD e do CDS.

Vozes do PCP: - Tem-se visto isso!...

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - É o novo Messias!

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito de defesa, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Hugo Sequeira.

O Sr. Vítor Hugo Sequeira (PS): - Sr. Deputado Rogério de Brito, há pouco, no pedido de esclarecimento que formulou ao meu camarada Paulo Barral, terminou dizendo que a sua intervenção teria certamente envergonhado alguns camaradas da minha bancada.
Em nome da minha bancada, Sr. Deputado Rogério de Brito, tenho a dizer-lhe que naturalmente a intervenção do meu camarada Paulo Barral não lhe agradou, mas pode ficar certo de que não envergonhou nenhum deputado do Grupo Parlamentar do PS.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Margarida Tengarrinha (PCP): - Já os consultou?

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 10 anos depois, Portugal é um país mais pobre e mais dependente do que era em 11 de Março de 1975.
O aparelho produtivo nacional, cujas deficiências estruturais eram por demais conhecidas, foi então profundamente destruído pelas vanguardas revolucionárias, civis e militares, que, tendo pouca ou nenhuma confiança nas virtudes do sufrágio universal, se anteciparam ao juízo do povo, definindo um novo sistema económico baseado na apropriação colectiva dos principais meios de produção e na iniciativa económica do Estado como motor do processo de desenvolvimento.
A Constituição de 1976, ainda que aprovada depois do 25 de Novembro, veio a consagrar na ordem jurídica portuguesa a inspiração colectivista do 11 de Março, o que significa que, por razões que nem sempre se compreendem, mas que configuram uma responsabilidade histórica dos socialistas portugueses no campo da economia, ainda hoje o 25 de Novembro está por fazer, perdida que foi a oportunidade que a primeira revisão efectivamente representou.
Entretanto, e ao longo dos últimos anos, todos os principais partidos portugueses passaram pelo poder. Os governos sucederam-se, uns melhores do que outros, mas todos incapazes de inverter a lógica que o 11 de Março definiu e que os deputados constituintes quiseram consagrar para todo o sempre. Os resultados estão à vista de todos e não podem mais ser dissimulados:

Endividamento externo que não pára de crescer e que representa hoje já não apenas o delapidar da poupança das gerações passadas, como também o consumo antecipado da poupança das gerações futuras, a quem se pretende agora expropriar o próprio futuro;
Degradação sensível das condições de vida dos Portugueses, sobretudo dos mais desfavorecidos, à medida que vai baixando o efectivo poder de compra dos salários;
Aumento desmesurado de défice público, sobretudo do sector empresarial do Estado, que constitui a principal fonte de inflação e da consequente destruição das classes médias que, quer se goste, quer não se goste, são em Portugal, como por toda a parte, o principal suporte dos
regimes de democracia pluralista.

Donde se pode concluir que hoje em Portugal para vencer a crise já não basta mudar de Governo: é preciso mudar de sistema.
Haverá porventura quem, de forma resignada, entenda que não há alternativa para um país europeu, pequeno e pobre, que hoje não tem meios para sustentar o peso de uma história antiga.
A esses, Sr. Presidente e Srs. Deputados, há que responder com frontalidade que existe outra lógica. Uma lógica que assenta na liberdade de iniciativa dos cidadãos, no espírito de empresa, na eficácia do mercado e da livre concorrência, na capacidade de inovação e de risco.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Foi, aliás, em nome dessa outra lógica que o CDS entendeu dever retomar a sua iniciativa de propor à Assembleia da República que assuma poderes extraordinários de revisão constitucional, a fim de, completando a revisão de 1982, substituir o modelo económico de transição, que a lei fundamental consagra, por um modelo aberto de uma verdadeira economia de mercado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É também em nome da liberdade que o CDS, mais uma vez, vem propor a revisão da chamada Constituição económica. De uma liberdade que, em matéria económica, não deve encontrar limites que não sejam os que naturalmente decorrem do princípio da solidariedade, seja a solidariedade dos mais ricos para com os mais pobres, seja a solidariedade das regiões mais desenvolvidas para com as mais atrasadas ou mais deprimidas e que ao Estado cabe arbitrar, bem como da necessidade de, em todas as circunstâncias, se protegerem os superiores interesses da comunidade nacional que ao Estado cabe acautelar.
E é também em nome da defesa do regime democrático e do prestígio das instituições representativas que o CDS, hoje e aqui, no Parlamento, propõe a re-

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visão constitucional, nos termos previstos e com inteiro respeito das normas e dos princípios constitucionais.
Não ignoramos que alguns dirão que a nossa iniciativa é inoportuna, que outros pretenderão que ela é desestabilizadora, que outros, enfim, comentarão que ela está de antemão condenada ao fracasso.
Temos, porém, a consciência tranquila. E por isso, aos primeiros, havemos de responder que a oportunidade das iniciativas legislativas não é função da dimensão dos seus proponentes e que não é por termos um partido minoritário nesta Câmara que a nossa legitimidade sofre qualquer diminuição. Muito pelo contrário, quem melhor do que o CDS, que votou contra a Constituição de 1976 e que sempre soube apontar claramente os limites da primeira revisão, pode tomar a iniciativa da revisão extraordinária?
Quanto aos segundos, teremos de retorquir que a desestabilização não é nunca provocada por aqueles que no Parlamento levantam as grandes questões nacionais.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Aliás, nós propomos a revisão constitucional, quando já se começam a ouvir vozes a favor da ruptura constitucional.
Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, aos últimos diremos apenas que a estratégia ensina que se podem perder todas as batalhas menos a última.
E nós estamos certos de que a revisão constitucional que preconizamos acabará por ter lugar, porque para além dos mitos do socialismo novecentista e para além dos limites materiais de revisão está a vontade das portuguesas e dos portugueses, que não pode ser limitada por uns e outros.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Vítor Hugo Sequeira, recorrendo ao disposto no artigo 89.º do Regimento, entendeu solicitar a palavra para defender a honra da sua bancada, que eventualmente teria sido ofendida por expressões utilizadas pelo meu camarada de bancada Rogério de Brito.
Entretanto, o meu camarada Rogério de Brito inscreveu-se - pode ter-se dado o caso de a Mesa não ter visto o seu gesto - para, usando o direito previsto nesse mesmo artigo, dar explicações relativamente às expressões consideradas ofensivas pelo PS.
Assim, solicito à Mesa que seja dada oportunidade ao meu camarada Rogério de Brito de usar da palavra para esse efeito.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu mesmo verifiquei o gesto feito pelo Sr. Deputado Rogério de Brito. Esse gesto significava que pretendia interromper o Sr. Deputado Vítor Hugo Sequeira. Foi assim que o interpretei, não como pedido de palavra, mas como pedido de interrupção, que o Sr. Deputado Vítor Hugo Sequeira não concedeu, estando no seu pleno direito. Apelo para que o Sr. Deputado Rogério de Brito confirme as minhas palavras.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, tal como já tivemos oportunidade de trocar impressões, eu não pretendia com o meu gesto interromper o Sr. Deputado Vítor Hugo Sequeira. Efectivamente, em lugar de fazer aquilo que é comum, o simples toque - ele tem toda a razão - fiz o sinal habitualmente considerado para interrupções. É que, tendo conhecimento das limitações de tempo que agora regimentalmente são colocadas, eu pretendi com este sinal pedir a palavra.
Foi realmente isto que se passou. É evidente que julgo que no Regimento não estão previstos os sinais.
Contudo, peço ao Sr. Presidente que aceite que efectivamente a minha intenção era pedir a palavra e não interromper o Sr. Deputado Vítor Hugo Sequeira. Reconheço, no entanto, que o meu gesto não terá sido o mais comum nestas ocasiões. A intenção era esta. Deixo agora ao Sr. Presidente a decisão que entender dever tomar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, fica portanto confirmado que a Mesa não teve qualquer responsabilidade nessa matéria, pelo contrário. Julgo que a Assembleia não vê qualquer inconveniente em que V. Ex. e possa dar os necessários esclarecimentos ao Sr. Deputado Vítor Hugo Sequeira. Assim, tem a palavra.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Deputado Vítor Hugo Sequeira, devo dizer-lhe que, quando disse que certamente alguns deputados da sua bancada teriam ficado envergonhados com a intervenção do Sr. Deputado Paulo Barral, disse-o muito conscientemente. E se assim não for, então, será mais grave porque a coerência estará a ser posta em causa entre vós.
É que, ao longo de alguns anos que já tenho nesta Casa, muitas vezes - e nem sequer me estou a referir às chamadas conversas de bastidores -, aqui neste hemiciclo e em períodos em que a questão da estrutura da Reforma Agrária poderia ser apreciada desta forma - reporto-me rigorosamente ao fim da anterior legislatura -, deputados da sua bancada defendiam com firmeza a Reforma Agrária, as suas cooperativas, reconhecendo mesmo que os bloqueios que nela existiam decorriam exactamente da política que vinha sendo executada. Então, somos confrontados com esta situação: ou as pessoas diziam as coisas sem as sentir e apenas porque estavam na oposição e precisavam de atacar a AD ou diziam-no convictas e, se estavam convictas, certamente que o continuam a estar. E se continuam a estar, bom, quando muito, em vez de ter utilizado o termo «envergonhado», eu podia ter usado a expressão: «estarão em desacordo».
Mas aqui parece-me que se trata de um problema vosso, e não nosso, e que é efectivamente o da descaracterização política de um partido que assume uma determinada posição ideológica face à sociedade, face à economia do Pais. Foi somente neste sentido que me quis pronunciar. Gostaria de dizer-lhe, Sr. Deputado, que não reconheceu que os permanentes ataques às UCP cooperativas, o não cumprimento da lei, a marcação de reservas de qualquer forma e feitio - agora já nem há processos, é por carta enviada a executar no dia seguinte -, a falta de apoio técnico, entre outras, são questões que efectivamente têm condicionado o desenvolvimento da Reforma Agrária, sem prejuízo de que, nas zonas das cooperativas da Reforma Agrária, a agricultura se tem desenvolvido, muito mais do que nas restantes regiões do latifúndio. E quanto a isto não há sombra de dúvida, a não ser que não queiram ver as coisas que entram pelos olhos dentro.

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Por outro lado, e para terminar, gostaria ainda de dizer que os números que aqui foram dados não obedeceram a qualquer critério. Não sei onde é que os foram buscar.
Anualmente realiza-se a conferência da Reforma Agrária, para a qual se realiza um levantamento através de inquérito rigoroso de amostragem a mais de 85% das UCP cooperativas. São números válidos que os senhores não podem contestar. Mas eu posso contestar os números indicados pelo Sr. Deputado Paulo Barral, pois não têm qualquer fidedignidade.
E quanto aos quinhentos e tal trabalhadores, isso foi no princípio, quando as cooperativas ainda não tinham sido destruídas no Alandroal. Hoje, infelizmente, há muito menos trabalhadores com trabalho nas UCP-cooperativas.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Luís Beiroco, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão. Lembro-lhe que a sua bancada dispõe de 4 minutos e o Sr. Deputado Luís Beiroco de 3 minutos para responder.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Luís Beiroco, apreciei, como aliás é timbre seu, a qualidade da sua intervenção e aquilo que me pareceu ser a coerência intrínseca dos argumentos que o Sr. Deputado expendeu em nome da sua bancada.
Em todo o caso, gostaria que clarificasse algumas dúvidas que ficaram no meu espírito.
O Sr. Deputado falou da mudança do sistema como uma necessidade, mas, ao mesmo tempo, referiu que a iniciativa do CDS visava a revisão da chamada «Constituição económica».
A minha primeira pergunta vai no sentido de pedir-lhe que clarifique se aquilo que entende por mudança de sistema é, do ponto de vista do CDS, apenas uma necessidade de mudança do sistema económico ou também, e para além disso, uma necessidade de mudança do sistema político. Assim, pergunto-lhe se a iniciativa da revisão, proposta pelo CDS, está apenas balizada contra os aspectos económicos da Constituição ou se vai mais longe, visando a alteração de outros dispositivos fundamentais, ou seja, daquilo a que poderíamos chamar a «Constituição política».
Por outro lado, o Sr. Deputado também referiu que a iniciativa do CDS está amplamente justificada pela necessidade de constituir no País, uma verdadeira economia de mercado, dando todas as condições ao desenvolvimento da iniciativa privada.
Assim, na actual circunstância, sobretudo depois da revisão de alguns mecanismos fundamentais, designadamente a lei de investimentos e dos sectores e face a outras propostas já anunciadas pelo Governo, tais como a da possibilidade de participação dos capitais privados no capital das empresas públicas, pergunto-lhe quais são os domínios efectivos em que o Sr. Deputado considera que está prejudicada actualmente a possibilidade do normal desenvolvimento da iniciativa privada. E, depois de identificar claramente esses sectores, gostaria que me dissesse qual o tipo de iniciativas concretas no plano económico, para além daquelas que visa instituir no plano institucional ou constitucional, que o CDS propugnaria desde já e quais as iniciativas concretas que o CDS, pretendendo propugnar, entende que não pode levar à prática devido à limitação do texto constitucional.
São estas as perguntas a que gostaria que me respondesse.

O Sr. Presidente: - Uma vez que o Sr. Deputado Luís Beiroco pretende responder só no final, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dado que a última parte da intervenção do Sr. Deputado Jorge Lacão cobriu muito daquilo que gostaria de, colocar ao Sr. Deputado Luís Beiroco e como creio que ele já não terá muito tempo para responder a todas as questões, prescindo da palavra. Quando o Sr. Deputado Luís Beiroco responder ao Sr. Deputado Jorge Lacão estará, em certa medida, a fazê-lo também relativamente a algumas das questões que eu gostaria de lhe ter colocado.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Srs. Deputados Jorge Lacão e Lopes Cardoso, em primeiro lugar, quanto à questão de mudança do sistema, é óbvio que me referia ao sistema económico e não ao regime político. Aliás, fiz questão de sublinhar que se tratava essencialmente de completar a revisão de 1982 nas matérias onde ela praticamente não se fez sentir - na organização económica - e também fiz questão de sublinhar o nosso respeito pelas instituições representativas. E tanto assim é que o CDS vem, na sede própria - no Parlamento -, colocar a questão da revisão constitucional nos próprios termos em que está constitucionalmente prevista, num momento em que pelo País se vai falando cada vez mais em ruptura.
Quanto à segunda questão que me colocou, é bastante ampla e para ser integralmente respondida necessitava com certeza de um vasto debate. Há, no entanto, um outro ponto que para mim e para a minha bancada é fundamental: sabemos perfeitamente que apenas a revisão da Constituição não constitui a poção mágica que resolverá todos os problemas da economia e da sociedade portuguesas. Entendemos que a revisão, no que respeita à organização económica, será um sinal, um símbolo e o início de um caminho e não, com certeza, o fim de um caminho.
É evidente que há medidas legislativas que podem minorar os males do actual sistema económico - estamos inteiramente de acordo com isso - mas não podemos ignorar que a lógica da economia portuguesa foi efectivamente definida pelo 11 de Março. Houve uma tese que de forma não democrática foi colocada no 11 de Março e o mais que tem havido são, porventura, de vez em quando, tentativas de colocar algumas antíteses a essa tese. Mas sabemos, e o Sr. Deputado sabe tão bem como eu, que mesmo em termos dialécticos as sínteses são sempre fundamentalmente influenciadas pelas teses.
O que é preciso em Portugal é sair-se desse quadro, sair-se do quadro onde existe uma tese não democraticamente apresentada que fez vencimento e que tem dominado toda a vida económica portuguesa, sair-se deste ciclo vicioso e colocar-se os problemas de organização económica e social num quadro aberto, que não seja dominado por preconceitos nem ideológicos, nem doutrinários, nem por reservas mentais.

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É isso que é necessário fazer; é por isso que digo ser preciso mudar de sistema. Essa mudança não se esgotará, com certeza, na revisão da Constituição económica mas não se conseguirá mudar de sistema e não se conseguirá vencer a crise portuguesa sem rever a Constituição económica.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lacão deseja a palavra?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça o favor, Sr. Deputado. Dispõe de 1 minuto:

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Tendo em vista que o CDS não dispõe de tempo não vou utilizar a minha intervenção para fazer novas interpelações ao Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Presidente: - Desculpe-me interrompê-lo, Sr. Deputado, mas o Sr. Deputado Lopes Cardoso está a fazer-me sinal parece-me que no sentido de ceder tempo. É isso, Sr. Deputado?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, a UEDS cede o seu tempo ao Sr. Deputado Luís Beiroco. Caso o Sr. Deputado Jorge Lacão também já não disponha dele sugiro que o repartam equitativamente entre si.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, queria saber se o pedido do Sr. Deputado Jorge Lacão é ou não regimental.

O Sr. Presidente: - É perfeitamente regimental, Sr. Deputado, trata-se de um protesto.
Sr. Deputado Jorge Lacão, faça o favor de continuar.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Obrigado, Sr. Presidente. Naturalmente que este protesto tem, como é óbvio, apenas o significado de figura regimental.
Da resposta que o Sr. Deputado Luís Beiroco me deu consta uma coisa que considero bastante interessante: por um lado, parte do reconhecimento de que um conjunto de iniciativas na ordem legislativa e mesmo na ordem programática podem em grande parte convergir - e nisso podemos até estar de acordo para a solução de muitos dos problemas estruturais da economia portuguesa e que não é o desenho constitucional, tal como está actualmente concebido, que é em si mesmo limitativo da possibilidade de implementação, quer dessas medidas na ordem legislativa, quer das medidas concretas na ordem prática para debelar muitos dos problemas que afectam estruturalmente alguns sectores da economia portuguesa.
Mas disse ainda algo mais que registei: que esta iniciativa do CDS tem o valor político de um sinal e de um símbolo contraposto a uma certa lógica instalada na economia portuguesa desde o 11 de Março. E aí registo o valor, para o CDS, desse sinal e desse símbolo para lhe dizer que em termos políticos há maneiras de gerir os sinais e os símbolos e que talvez possamos convergir com o CDS quanto à necessidade de alterar alguns sinais e símbolos e divergir do CDS quanto à oportunidade política de fazer agora da questão do sinal e do símbolo o ponto essencial para o País quando muitas outras questões se colocam de per si, no dia-a-dia, talvez com muito mais acuidade do que apenas uma inversão na ordem ideológica já que a inversão de que precisamos é fundamentalmente na ordem política.
Naturalmente que fica em aberto um largo espaço de diálogo. Noutra oportunidade haverá possibilidade de dialogar com o CDS e designadamente com o Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Presidente: - Para um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Deputado Jorge Lacão, a questão não é apenas de um sinal e de um símbolo. E evidente que os símbolos e os sinais têm muita importância, designadamente em matéria de organização económica porque há aí realidades que não são quantificáveis - a confiança, por exemplo, é uma delas, e esta não existirá em Portugal enquanto não mudarmos alguns sinais e alguns símbolos.
Mas não se trata apenas de sinais e de símbolos. Trata-se também de uma efectiva limitação da capacidade, quer do legislador, quer dos executivos para gerirem a economia portuguesa. Basta pensar, por exemplo, quando tentamos questionar e reorganizar os sistemas bancário e financeiro portugueses, nas enormes limitações resultantes da actual Constituição. Basta ver que provavelmente estamos a ser conduzidos para a seguinte lógica: como a Constituição declara que as nacionalizações são conquistas irreversíveis e que não podemos ultrapassar no respeito a ela devido, vamos criar dois sistemas bancários - um privado, que funcionará, e um público, que vai funcionando. Mas ainda que isto seja possível - e com certeza demorará o seu tempo a implementar - acarretará custos incomportáveis para o País que pagará dois sistemas para estes fazerem, no fundo, aquilo que podia ser feito só por um.
Este é, em concreto, um caso claro em que não se trata apenas de sinais e de símbolos - trata-se de uma limitação para o legislador ordinário.
Por outro lado, Sr. Deputado, estamos fartos de ouvir dizer que as nossas iniciativas podem merecer a convergência mas que são inoportunas. O problema é muito claro: é preciso travar o caminho para o abismo que a economia portuguesa está a seguir e inverter essa marcha. Sabemos que isso irá demorar muitos anos mas tem de haver um momento de viragem. O argumento da falta de oportunidade política conduz a que nunca mais se chegue a esse momento e os custos que isso comportará ao País serão pesadíssimos, pois por cada ano que passar a viragem será mais difícil, imporá mais sacrifícios e a ausência dessa viragem, atempadamente, comprometerá cada vez mais o futuro das gerações vindouras.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

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O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pretendemos hoje evocar, nesta Câmara, uma das mais imperecíveis personalidades da cultura portuguesa: Aquilino Ribeiro. Enseja-o uma efeméride que propiciará, assim o desejamos, vastas comemorações: o centenário do seu nascimento. Reclama-o a estatura singularíssima da obra que nos legou, o percurso combativo e honrado de uma vida exausta na calcinação lenta dos velhos muros do obscurantismo.

De muitas viagens se impregnou o bornal deste nómada intrépido que levava a Pátria no sangue: do Carregal da Tabosa a Paris, da Soutosa a Lisboa, o seu verdadeiro itinerar foi o da humana avidez do devir, numa instante relação de comunhão e recusa com a realidade do mundo. As rudes vicissitudes como as horas fagueiras industriaram-lhe o engenho com os nutrientes da experiência, mas nunca deixou de vergastar as injustiças, batendo-se pela sua erradicação sem desfalecimentos. A amarga sedimentação de dissabores e tormentos, sendo legítima, não o dessorou nem o compeliu à inacção. Pelo contrário, dele se dirá, como Sá de Miranda, num verso tornado lugar-comum, aqui uma vez mais reabilitado, que era homem «de antes quebrar que torcer». Por isso, ao longo dos anos, militando em sucessivas gerações de rebeldes, pôde merecer o apreço dos camaradas de letras e dos democratas, dos leitores e amigos ou companheiros de acaso num exemplar gregarismo.

Desde cedo, Aquilino participou nas lutas das correntes progressistas do seu tempo. Tendo vindo residir para Lisboa em 1906, logo o ambiente republicano revolucionário o mobilizou. No período agitado que se seguiu, conheceu o drama, o cárcere, a fuga e o exílio. O País vibrava de ideias novas, multiplicavam-se os comícios e as actividades políticas de diverso matiz, desenvolvia-se, em Coimbra, uma greve estudantil de largas proporções, o desacreditado governo monárquico impunha a lei celerada enquanto se procedia ao encerramento do Parlamento; a fronteira da mudança surgia no horizonte do olhar e seria ultrapassada, em 5 de Outubro, com uma imensa saga de expectativas fraternas. É neste clima que ocorre, no quarto do escritor, um rebentamento que determinará a radical metamorfose do seu quotidiano.

Em Paris, frequentando a Sorbonne e os meios artísticos e literários, de cuja agudeza de espírito nos ficaram relatos admiráveis em Leal da Câmara, é aluno de alguns dos nomes nodais da Sociologia e do Pensamento francês da época: Durckheim, Lalande, Georges Dumas, Levy Bruhl, Léon Brunswick. Escreve e publica Jardim das Tormentas, assim iniciando um infatigável labor que, até à morte, lhe granjearia uma dimensão rara no conspecto global das nossas letras. Não cabe agora rastrear os sinais da vivência europeia na formação estética de Aquilino, ligado intimamente, segundo sempre confessou, ao percurso inovador e aos propósitos fundamentadores da escrita de Anatole France. Acentue-se, no entanto, o seu pendor permanente para o tratamento de temas nacionais, enraizados na terra e na circunstância portuguesas, sob a égide de uma visão arejadamente humanista, que se formou, sem dúvida, no confronto das teses e pesquisas do seu tempo. «A escola não se define pelo lugar geográfico», afirmou, num importante depoimento sobre a questão do regionalismo na sua obra. E a sua escola era, antes de tudo, a do compromisso resgatador com a comunidade dos explorados e oprimidos. Não produziu este beirão insubmisso literatice de trejeito mundano e desvairados delíquios. A sua prosa, rija e pessoalíssima, substanciou-se numa indescurada atenção ao real, no projecto, que o neo-realismo alargaria e aprofundaria, de diagnóstico da sociedade, dando voz aos carenciados, aos anónimos heróis populares, pícaros ou apologéticos, aos desvalidos que irradiam ímpetos altruístas e uma ânsia de liberdade maior do que o espaço que «a rosa do sol» cobre.
Ouçamos Aquilino:

Para que o escritor possa exercer o grande ministério que lhe cabe dentro de uma sociedade consciente e solidária, é indispensável que não traia o génio que lhe é próprio, a sua índole, a sua raça, seja livremente no meio o que uma antena é no éter, quando capta os sons infinitesimais que o sulcam;

ou, partindo de um outro ângulo de abordagem:

O escopo da literatura, bem entendido, não se confina no papel platónico, arte pela arte. Seja a noção motriz do progresso formulada assim ou assado: marcha geométrica frontal; eterno retorno; passagem do homogéneo ao diferenciado, a literatura é uma sorte de catalisador do facto social pelo que envolve de informação, impulsionamento, construtura.

E, finalmente, o que bem poderia escolher-se como uma das legendas, fecundas a ladear o perfil do romancista de Quando os Lobos Uivam:

O homem de letras é um interventor no mundo, não deixando por isso de fazer arte.
O romance naturalmente esposará a causa do povo, se assim se pode chamar a ocupar-se com as misérias e virtudes, os sonhos e as realidades, os anseios e as cruezas do magma humano no que oferece de mais rico e profundável.

Membro destacado do Grupo da Biblioteca Nacional assistiu à formação da Seara Nova, acompanhou os êxitos e fracassos de inúmeras iniciativas de intervenção ideológico-literária bem como a evolução dos movimentos culturais que agiratam, muitos deles fecundando, o solo da criatividade entre nós. Colaborou no Guia de Portugal, trabalho ímpar que congraçou, num plano arrojado de levantamento do nosso património, algumas figuras intelectuais de topo da 1.ª República. Tomou parte, como cidadão, nos eventos da pugna antifascista, o que lhe valeu perseguições, detenções, êxodos rocambolescos, o exílio, tormentos sem conta. Reassumiu sempre, com determinação, a sua oposição diligente à ditadura.
Entretanto, sucediam-se os títulos na sua extensa bibliografia: contos, novelas e romances; traduções, monografias; crónicas de guerra e da quotidianeidade social; excursos históricos, biográficos e crítico-literários; estudos e divulgações etnográficas; textos polémicos; literatura infantil. É uma compósita galeria de situações e seres que se nos oferece aos nossos olhos deslumbrados: pícaros ladinos, burlões, troca-tintas, jograis-aedos finisseculares, chamem-se eles Malhadinhas, Milfomes ou Manuel Louvadeus; personagens históricas, envoltas em grandezas e misérias; faunos da estirpe de Baltazar Maluco ou de João Bispo; camponeses, rendeiros, tra-

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balhadores rurais, volframistas; gente das sete partidas em constantes bolandas; caçadores; entes fantásticos povoando a assombração dos montes; homens e mulheres irmãos da nossa condição precária. E ainda, como talvez em nenhum outro escritor, o universo, em certa medida humanizado, dos bichos.
Rompendo com o moralismo dessorante que impregnara a escrita narrativa entre dois séculos, com os charcos da sentimentalidade piegas, Aquilino privilegiou os temas relevantes de décadas de profundos conflitos. Das lutas dos povos pelos baldios e ao retrato penetrante da burguesia urbana, do libelo antinazi, atravessado de pessimismo (como diversos dos seus livros), à memoração do paraíso da infância, dos mitos e valores da existência rural à plena afirmação do amor livre de quaisquer sensos de pecado ou censura moral, da denúncia da opressão aos territórios do sonho sem peias, o ficcionista de Terras do Demo afirmou numa poderosa sensibilidade pessoal, uma estatura invulgar.
Daí que recordar hoje, na Assembleia da República, mestre Aquilino Ribeiro (mestre, porque assim o quiseram quantos com ele privaram no decurso de uma vida modelar) seja, para lá de um acto de justiça elementar, honrar o mais aceso passado da nossa esperança transformadora, renová-la à luz dos sinais e experiências da hora que passa, das suas exigências e inundá-la profundamente de um mais justo porvir em construção.

Aplausos do PCP, da UEDS e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Cunha e Sá.

O Sr. Cunha e Sá (PS): - Sr. Presidente, a UEDS cedeu-me um minuto para fazer um pedido de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a UEDS já não tem tempo. A única bancada que ainda dispõe de tempo é a do PSD.

O Sr. Cunha e Sá (PS): - Tenho pena, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Se V. Ex.ª desejar pode ficar já inscrito para um pedido de esclarecimento para a próxima sessão.

O Sr. Cunha e Sá (PS): - Então, ficarei inscrito, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o novo sistema introduzido de fazer a distribuição de 60 minutos correspondentes ao período de antes da ordem do dia por todas as bancadas faz exceder o período normal de 1 hora, em princípio destinado ao período de antes da ordem do dia.
Em todo o caso, julgo que as inscrições feitas e o tempo atribuído a cada partido - o PSD dispõe ainda de 12 minutos - não poderão de modo algum ser prejudicados. Assim, a Mesa considera automaticamente prorrogado o período de antes da ordem do dia.
O sistema talvez não seja o mais conveniente e poderá, eventualmente, ser estudado em conferência de líderes, mas, entretanto, deverá ser cumprido e portanto as bancadas que ainda têm tempo poderão usar da palavra, se o desejarem.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guerreiro Norte.

O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ninguém com responsabilidade se pode alhear da triste e diária realidade que constitui a existência de inúmeras crianças de ambos os sexos vagueando nas nossas vilas e cidades, estendendo a mão à caridade.
Não se ignora também que esta situação se deve a factores estruturais de vária ordem onde imperam a pobreza material e espiritual.
A falta de ocupação de tempos livres e a dificuldade de acesso ao ensino figuram entre os factores preponderantes e impeditivos da integração destes jovens na sociedade. Na verdade, a mendicidade é uma forma marginal de conduta, inadmissível numa sociedade democrática defensora dos direitos humanos, particularmente dos mais desprotegidos, nos quais se incluem as crianças enquanto seres dependentes.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Pior do que uma sociedade que não cria condições de vida para os idosos é uma sociedade que não cuida da sua infância, que constitui o suporte e a essência do futuro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Infelizmente durante muito tempo se abordou esta problemática como se constituísse um mal social inevitável, diria mesmo quase hereditário.
Porém, não é assim, nem tão-pouco é uma opção, já que ela pode e deve ser eliminada.
Para isso é preciso encarara questão frontalmente, sem hipocrisia, e denunciar a privação dos mais elementares direitos da criança, que se podem resumir sinteticamente em «amor, pão e educação». É urgente fazer cumprir a Declaração dos Direitos da Criança, aliás consagrados em diploma internacional emanado da ONU.
Nenhuma sociedade pode evoluir enquanto as suas crianças estenderem a mão à caridade e em que o dia-a-dia significa uma luta pela sua subsistência. Que valores e que exigências sociais podem ser feitos àqueles que carregam um passado de miséria e de revolta?
É que o progresso de uma sociedade passa inevitavelmente por uma atitude pedagógica na infância.
Neste contexto não é lícito culpar as crianças pelos seus insucessos, mas, sim, a falta de coragem para abordar um problema tão complexo que diz respeito a todos nós.
Como seria de esperar, este horrível fenómeno social agudiza-se em zonas que pela sua envolvência e explosão turísticas funcionam como pólo de atracção para toda a espécie de marginalidade.
O distrito de Faro é prova evidente do que acabo de dizer.
Atenta a estes problemas a Secretaria de Estado da Segurança Social encetou no Algarve um conjunto de acções tendentes a minorar a situação e de alguma forma resolver pontualmente os casos mais gritantes, que em nada abonam a imagem do nosso país aos olhos de quem nos visita.

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Aquele departamento governamental iniciou na passada semana uma campanha que procura erradicar e prevenir novos casos de mendicidade, dando assim resposta imediata a situações que urgia resolver. Foi assim que foram detectados e analisados 320 casos de mendicidade infantil em todo o Algarve, dos quais cerca de 50 crianças, de idades compreendidas entre os 9 e os 19 anos, foram internadas em instituições particulares de solidariedade social - Santa Casa da Misericórdia de Albufeira e Lar de Santo António, em Faro. Outras foram para as casas de Lisboa e Évora e ainda outras para estabelecimentos dependentes da Segurança Social, em Lisboa.
Os que inspiravam menos cuidados não foram internados, sendo contudo concedidos apoios financeiros às respectivas famílias para lhes garantirem meios de subsistência.
Esses apoios financeiros consistem na atribuição de subsídios mensais, devidamente controlados para verificar a justeza e regularidade da sua aplicação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sabemos e temos a consciência de que tais medidas, embora justas e oportunas, não eliminam necessariamente as causas, já que as mesmas têm a ver com reformas de estrutura que criem postos de trabalho que permitam a obtenção do primeiro emprego e facilitem o acesso a todos os graus de ensino, satisfazendo assim naturalmente as necessidades básicas inerentes à natureza humana.
No entanto, queremos manifestar o nosso aplauso à actuação da Secretária de Estado e alertar para que rapidamente o seu departamento implemente, em todos os distritos do País, acções de solidariedade social idênticas que contribuam para amenizar o flagelo que é a mendicidade infantil.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Araújo dos Santos.

O Sr. Araújo dos Santos (PSD): - Sr. presidente, Srs. Deputados: Ninguém contesta a importância sócio-económica de Gondomar e das suas gentes na vida da região nortenha e do País.
São as suas indústrias de agricultura, de ourivesaria, de marcenaria, de têxtil, de confecções e outras. É o seu comércio e a sua riquíssima vida associativa. É o rio Douro, a sua barragem de Crestuma-Lever e as potencialidades turísticas daí advenientes. São as suas áreas florestais. É a sua agricultura transformada nos últimos anos num dos fornecedores diários e fundamentais de produtos hortícolas à cidade do Porto.
Todos reconhecemos a importância do sector agrícola na vida dos povos. Em Portugal tem-se como fundamental para a resolução das dificuldades que atravessamos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É um acontecimento ligado à agricultura gondomarense que hoje gostosamente trazemos a esta Assembleia.
Unta das culturas tradicionais e em pleno desenvolvimento no concelho de Gondomar é a do milho.
Em boa hora e numa perfeita comunhão de esforços, entre a Cooperativa dos Agricultores de Gondomar, a Câmara Municipal e o Ministério da Agricultura, foi estabelecido um protocolo de colaboração, visando incentivar a cultura do milho nos seus aspectos qualitativo e quantitativo.
Fornecedor de toda a assistência técnica, a Direcção Regional da Agricultura de Entre Douro e Minho e acompanhou em todas as fases o processo produtivo. Atribuidora dos prémios, a Câmara Municipal. Sensibilizadora dos seus associados, a Cooperativa dos Agricultores de Gondomar.
Todos merecem o nosso comum elogio, já que souberam em conjunto pôr de pé mais uma iniciativa. que servindo uma melhor agricultura gondomarense servirá com certeza o nosso país.
O facto que hoje à tarde se realiza nos Paços do Concelho é a atribuição dos prémios aos três melhores produtores de cada uma das 11 freguesias e ainda ao melhor produtor concelhio.
Destes e de todos os demais agricultores gondomarenses, que tão bem e empenhadamente têm sabido responder a esta e outras iniciativas, fique para todo o País o exemplo positivo.

Aplausos do PSD.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar no período da ordem do dia. Há dois pedidos de prorrogação do prazo de trabalhos de duas Comissões, que irão ser lidos e depois votados.
Vai ser lido o pedido de prorrogação de prazo da «Comissão Eventual de Inquérito sobre os critérios de atribuição de verbas pela Secretaria de Estado do Emprego e Formação Profissional e o controle da sua aplicação».

Foi lido. É o seguinte:

Terminando no próximo dia 12 do corrente o prazo estabelecido para conclusão dos trabalhos da «Comissão Eventual de Inquérito sobre os critérios de atribuição de verbas pela Secretaria de Estado do Emprego e Formação Profissional e o controle da sua aplicação» - Resolução da Assembleia da República n.º 2/85 -, e não tendo sido possível fazê-lo em virtude de o debate do Orçamento Geral do Estado e Grandes Opções do Plano ter impossibilitado a realização de reuniões da Comissão, solicito a V. Ex.ª se digne prorrogar o prazo por mais 30 dias.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do MDP/CDE e do deputado independente António Gonzalez.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido o pedido de prorrogação de prazo da Comissão Eventual de Inquérito para apreciação dos antecedentes da Resolução do Conselho de Ministro n.º 34/84, que viabiliza a Torralta.

Foi lido. É o seguinte:

Terminando dia 14 de Março o prazo estabelecido para conclusão dos trabalhos da Comissão Eventual de Inquérito para apreciação dos antecedentes da Resolução do Conselho de Ministros n.º 34/84, que viabiliza a Torralta - Resolução da Assembleia da República n.º 3/85 -, e não tendo sido possível fazê-lo em virtude de o debate do Orçamento Geral do Estado e Grandes Opções

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do Plano ter impossibilitado a realização de reuniões da Comissão, solícito a V. Ex.ª se digne prorrogar o prazo por mais 30 dias.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do MDP/CDE e do deputado independente António Gonzalez.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos continuar a discussão da proposta de lei n.º 77/III - Regime das rendas para fins habitacionais.
Tem a palavra o Sr. Deputado Eugénio Anacoreta Correia.

O Sr. Eugénio Anacoreta Correia (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A ausência de uma política coerente, baseada num modelo dotado de racionalidade económica e social e aplicada com continuidade e estabilidade no tempo, constitui, seguramente, a causa mais relevante do progressivo agravamento da crise habitacional a que, na última década, se vem assistindo no nosso país.
Vários são os factores que espelham e induzem esse agravamento.
Desde logo e em primeiro lugar o modesto volume de habitações construídas.
Enquanto na década de 70, na generalidade dos países da Europa Ocidental se atingiram níveis médios de produção de 8 fogos/1000 habitantes, em Portugal não se conseguiu alcançar metade daquele valor.
Tal facto, que representa em si mesmo um sintoma eloquentemente negativo, ganha uma expressão mais sombria quando se atende, por um lado, a que nessa época as necessidades habitacionais em grande parte dos países europeus tinham sido eliminadas ou estavam significativamente reduzidas, o que não sucedia em Portugal, onde, por outro lado, a produção anual depois de ter obtido um máximo de 42 500 fogos em 1974, jamais voltou a atingir os 40 000 alojamentos, situando-se a média dos últimos 5 anos em menos de 37 000 unidades.
A única conclusão que estes números consentem é que a produção habitacional longe de manter o pendor para o crescimento que revelara no início da década, se inflectiu e estabiliza-se agora num nível que não chega para satisfazer as carências anuais decorrentes da procura resultante da constituição de novas famílias e do desaparecimento do mercado dos fogos que são atingidos pela ruína e pela demolição.
A não se alterar rapidamente esta tendência, em 1990 as carências serão superiores e bem mais graves que as existentes em 1970.
Uma segunda causa do agravamento do panorama habitacional português, que influencia muito negativamente os baixos níveis de produção, resulta da quase total extinção do mercado de arrendamento.
Alimentado até 1975 com mais de metade dos fogos que anualmente se iam construindo, este mercado não resistiu aos efeitos da lei gonçalvista do congelamento das rendas e limita-se, hoje, a absorver menos de 5 % do total das habitações produzidas, quase todas oriundas da promoção pública.
Para além das injustiças sociais que esta situação provoca e que incidem, sobretudo, nas camadas mais jovens e nas mais idosas da população, o congelamento das rendas é também responsável pelo deficiente serviço prestado pelo parque habitacional arrendado, e pela sua precoce degradação.
Com efeito, a inexistência de casas para alugar, gera imobilidade habitacional que provoca a persistência de situações de inadequação entre a dimensão da família e a tipologia do fogo, com recurso abundante a condições de coabitação que o degradam prematuramente. Por outro lado, a impossibilidade de actualização das rendas, desincentiva, não apenas a conservação, mas também a produção de novos fogos.
De tudo isto resulta termos um parque arrendado vetusto (metade das casas tem mais de 40 anos) degradado (só nas áreas do Grande Porto e da Grande Lisboa existem cerca de 360 000 fogos carenciados de obras imediatas de conservação) e não dispondo, em elevada percentagem, dos equipamentos rudimentares de saneamento básico.
Inquéritos realizados no Verão de 1982 confirmam que este parque era propriedade de um estrato populacional idoso (84 % dos senhorios tinha mais de 50 anos) que dispunha de níveis de renda mensal genericamente baixa (57 % apresentava receitas inferiores a 25 contos e só 13 % tinha mais de 50 contos) e para quem as rendas constituem uma importante fonte de receita. Com efeito, cerca de 93% das famílias com menos de 15 contos mensais recebiam rendas até ao montante de 10 contos para os restantes 7 % deste estrato, o valor das rendas representava, senão a totalidade, pelo menos a quase totalidade dos recursos de que dispunham.
Do lado dos inquilinos verificava-se que 38% dos chefes das famílias locatárias tem mais de 50 anos e era sobretudo constituído por empregados e pensionistas que, em mais de metade dos casos, não ultrapassava os 25 contos de receitas mensais.
No conjunto pode-se afirmar que era demasiado insignificante o encargo que a habitação arrendada representava para a maioria dos orçamentos familiares pois, cerca de um quarto das famílias pagava menos pelos serviços de habitação do que pagava pelo serviço prestado por equipamentos, como o telefone, a televisão ou a telefonia.
A renda média apenas quintuplicou em 40 anos enquanto que as receitas das famílias sofreram tal acréscimo na década de 70. Não admira assim que cerca de 83 % das famílias locatárias apresentassem taxa de esforço com a habitação inferior a 10% o que diz da insignificante rentabilidade económica actual deste mercado comparativamente ao valor do património construído.
Creio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não serem necessários mais números nem mais explicações para se entender porquê o parque habitacional arrendado sofreu, entre 1970 e 1981, um decréscimo de 6 % e o seu mercado se encontra hoje praticamente extinto.
Com essa desaparição a oferta de habitações ficou praticamente cingida ao mercado de habitação própria. Para ele se orientou a procura que viu facilitada e estimulada essa opção com os esquemas de crédito bonificado que, desde 1976 quase todos os governos, com maior ou menor generosidade, têm apoiado. Resulta daqui que tem sido mais acessível comprar casa do que alugá-la, constituindo a política de casa própria o único instrumento capaz de escoar o, apesar de tudo, insuficiente esforço produtivo.

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Contudo, mesmo este mercado encontra-se actualmente em recessão, como consequência das gravosas condições de crédito e da quebra do poder de compra das famílias.
Um derradeiro aspecto do agravamento da crise habitacional resulta do volume e das consequências do esforço financeiro suportado pelo Estado no apoio aos sistemas de crédito à aquisição de casa própria.
Tal apoio, que na maioria dos países europeus, se concretiza em fórmulas personalizadas de subsídio à família, variável no tempo e acompanhando a evolução dos seus rendimentos, não teve entre nós essa característica, antes e tendo comportado como um subsídio à oferta, criando uma procura solvente que absorvesse a produção.
Entre 1978 e 1983 o sector foi injectado com um total de crédito de quase 250 milhões de contos o que representa elevados encargos directos e indirectos para o Estado. Só os subsídios de juros devem atingir neste ano 85 milhões de contos que adicionados aos resultantes das reduções e isenções de taxas e impostos diversos fazem com que o saldo de crédito à habitação atinja, no crédito à economia global, valores incomportáveis para o Estado.
É, portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, num quadro em que o País não consegue construir senão metade do que necessitaria para, em 10 anos, eliminar o seu défice habitacional; em que o parque arrendado diminui e se degrada contínua e precocemente; em que 30 % das famílias portuguesas não possuem solvência que lhes consinta o acesso a uma habitação condigna e em que o Estado tem exauridas as suas capacidades para sozinho continuar a apoiar os esquemas de aquisição de casa própria, é neste quadro que hoje temos, nesta Assembleia, a discussão da proposta de lei n.º 77/III.
A gravidade da situação e o sofrimento que provoca obrigam-nos a todos a encarar esta discussão com a responsabilidade, o rigor, a serenidade e o pragmatismo que objectivamente contribuam para a definição da melhor solução possível.

É com esse sentido de responsabilidade que não ignora que o problema das rendas afecta metade da população portuguesa, com o espírito de rigor que não receia afirmar que o demasiado perdido impossibilitam que hoje se possam formular soluções fáceis e cómodas, com a serenidade de quem é capaz de reconhecer, pela evidência dos factos, os efeitos iníquos da lei gonçalvista de Setembro de 1974 e com o pragmatismo de quem privilegia soluções que, ainda que impopulares hoje, são as únicas que consentem alguma esperança de um amanhã melhor, é com este sentido que o CDS intervém neste debate.

E a primeira coisa que cabe dizer a propósito da proposta de lei n.º 77/III é que, só por si, o descongelamento das rendas não vai solucionar o problema das carências habitacionais. Sendo, como é, a questão de natureza estratégica mais relevante, a pouco nos levará se não for acompanhada de outras formas estruturais na política de habitação que, nomeadamente, incluam:

A implementação de políticas urbanísticas, de construção, de crédito fiscais e outras que garantam a contenção dos custos e preços finais das habitações;
A criação de sistemas de captação de poupanças que assegurem, em grau razoável, a auto-alimentação financeira do domínio habitacional libertando fundos públicos para outros fins;
A decisão de critérios que garantam que o apoio financeiro do Estado se destina prioritariamente às famílias mais carecidas;
A elaboração de programas que privilegiem a recuperação e equipamento dos imóveis degradados em vez da sua demolição para novas construções.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A definição de uma nova política de rendas é, como já referi, a questão mais urgente e indispensável para se inverter o sentido de agravamento da crise habitacional portuguesa.
Não porque se espere que dela resulte a imediata reanimação do mercado de arrendamento - o que seguramente não sucederá - mas porque ela vai induzir a formação da poupança privada indispensável à reposição do parque habitacional e à contenção da sua degradação e, simultaneamente, determinar uma maior mobilidade habitacional com o lançamento no mercado de uma percentagem significativa do stock construído e actualmente desocupado.
Uma política de rendas que tenha estes objectivos imediatos e que se proponha estabelecer, num prazo máximo de 5 anos, um novo equilíbrio entre os mercados de arrendamento e de habitação própria, deve contemplar as seguintes quatro condições:

Em primeiro lugar, deve fundar-se no princípio de racionalidade que considera a habitação como um serviço que tem um custo e cuja utilização implica o pagamento pelo utente de um preço justo estabelecido em termos de cálculo económico;
Em segundo lugar, deve reservar ao Estado a missão de auxiliar as famílias que não disponham de solvência para suportar, sozinhas e na totalidade, os encargos decorrentes do serviço prestado pela habitação;
Em terceiro lugar, deve admitir a coexistência de regimes de renda condicionada ou protegida e de renda livre, consagrando o princípio da liberdade de opção do locador e assegurando-lhe satisfatórios níveis de actualização periódica das rendas;
Finalmente, deve estabelecer regras para a actualização progressiva das chamadas «rendas de situação», segundo um processo gradual, relativamente lento, atendendo aos impactes sociais e económicos deles emergentes.

Estes princípios encontram-se consagrados na legislação da maioria dos países europeus que, reconhecendo que representa um preço demasiado elevado oferecer como única alternativa a aquisição de casa própria, vêm promovendo a redinamização recente do mercado de arrendamento e fazendo da política de rendas um dos principais instrumentos da sua política habitacional.
Estes mesmos princípios encontram-se genericamente contemplados na proposta de lei n.º 77/III e por isso o CDS não lhe recusará o seu voto favorável. Entendemos, porém, que alguns aspectos do diploma carecem de revisão e, nesse sentido, apresentaremos um conjunto de propostas, para debater na especialidade.
Fundamentalmente, temos em vista suprir omissões como as que respeitam, por exemplo, à ausência de

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qualquer referência às condições em que se possa processar o arrendamento de habitações para fins comerciais ou de serviços, desviando-as, portanto, dos objectivos iniciais.
Não encontramos, por outro lado, razão para o disposto no n.º 2 do artigo 2. º nem para o disposto nos artigos 33.º e 39.º cuja eliminação preconizamos.
Finalmente, não podemos deixar de exprimir a nossa estranheza por, a propósito deste diploma, se avançarem propostas de alteração do Código Civil que, como no caso do artigo 35.º por ausência de precauções podem abrir caminho a irregularidades e arbitrariedades várias.
Mas, tendo-se enveredado pelo caminho de propor alterações ao Código Civil, parece ser esta a oportunidade para rever as condições em que os proprietários podem recuperar a habitação para uso próprio ou da sua família. O sentido do voto do CDS e o das propostas de alteração que apresentará integram-se coerentemente no que tem sido a nossa intervenção e o nosso contributo para a resolução do problema habitacional e de que sobressai a actuação do Ex.º Sr. ex-Ministro Luís Barbosa, autor dos Decretos-Leis n.ºS 148/81 e 328/81 que reviram, respectivamente, o regime de novas rendas e o da transmissão de contratos de arrendamento urbano.
Mais que pelos seus efeitos (que, de antemão, se sabiam serem limitados) essa legislação valeu pela sua coragem, pela sua lucidez e pelos caminhos que abriu ao tratamento adequado do problema de arrendamento, ultrapassando definitivamente os tabus gonçalvistas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Afirmei, no início desta minha intervenção, que a atenuação das carências habitacionais apenas se pode verificar a médio e longo prazos e requer a definição de «uma política coerente, baseada num modelo dotado de racionalidade económica e social e aplicada com continuidade e estabilidade no tempo».
Portugal e os Portugueses não podem continuar a sofrer os efeitos de sucessivos ensaios de políticas, excessivamente diferenciadas, orientadas para o imediato, sem uma visão global e integrada dos diferentes domínios de intervenção.

Neste, como em outros campos, a realidade marcou prazo à utopia e não deixa mais espaço, nem ocasião, para prosseguirem experiências que, em todo o mundo, se caracterizaram pelo fracasso.

Estou certo de que não exagero ao afirmar que o País espera que tratemos este problema com a abertura e o realismo que a sua importância impõe e a nossa condição de deputados exige, demonstrando que somos capazes de atingir consensos mínimos sobre as reformas necessárias à resolução de um dos mais graves problemas da sociedade portuguesa.

O País espera da Assembleia da República uma palavra, palavra essa de responsabilidade e de serenidade, mas, especialmente, palavra motivadora de confiança, de mobilização e, sobretudo, de esperança, quanto é resolução de um problema que respeita a todos os Portugueses. Problema este que há 10 anos era grave mas não dramático, que é hoje dramático mas não irresolúvel, problema que o País pode e deseja que esteja extinto daqui a 10 anos.

A intervenção e o voto do CDS neste debate têm esse sentido e essa esperança.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Inscreveu-se, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Leonel Fadigas, a quem concedo, de imediato, a palavra.

O Sr. Leonel Fadigas (PS): - Sr. Deputado Anacoreta Correia, V. Ex. º referiu, ao longo da sua intervenção algumas notas de comentário à proposta de lei e fez, nomeadamente, uma referência ao artigo n.º 35 que chamou a minha atenção.
Penso que a matéria constante do artigo 35.º, referente à alteração do Código Civil, constitui um elemento de relevante importância social e traduz as preocupações que neste campo animam o Governo e também as que nos animam a nós.
V. Ex. º referiu que o artigo poderia abrir a porta a situações menos claras e seria um elemento que o CDS entendia e entende dever ser revisto. Como não explicitou em que termos e de que forma a alteração do artigo 35. º deveria ser feita em relação ao que está na proposta de lei, eu queria perguntar-lhe, Sr. Deputado, em que termos, e de que maneira, entende o CDS, que deve ser mexido este artigo. Ou será que entende o CDS que não devem ser contempladas as preocupações de natureza social que estão subjacentes à proposta de alteração do Código Civil?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Eugénio Anacoreta Correia, para responder.

O Sr. Eugénio Anacoreta Correia (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Leonel Fadigas: Queria dizer-lhe, em primeiro lugar, que a posição da minha bancada é a de que as alterações ao Código Civil não devem ser feitas por legislação avulsa. Esta foi a primeira ideia que exprimi na minha intervenção.
Quanto à questão concreta que levanta, quero dizer-lhe que entendemos que uma legislação com esta importância e com este significado deve, em primeiro lugar, atender aos interesses da família, como célula essencial, fundamental e estável da sociedade, e, ao contemplarem-se situações de facto, devem, pelo menos, ter-se as cautelas devidas para que não haja uma interpretação extensiva dessas situações de facto que se constituam em abusos e que representem, no fundo, uma possibilidade de desvalorizar a importância, o significado e o valor da família.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Roque Lino (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para um protesto, se isso for possível.

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado. Não é possível.

O Sr. Roque Lino (PS): - Só pode fazê-lo o Sr. Deputado que interpelou?

O Sr. Presidente: - Sim, sim!

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - É uma interpelação relativa à interpretação que V. Ex.ª acaba de dar ao Regimento.

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Eu creio que, há momentos, verificámos o inverso, isto é, não foi o mesmo deputado da bancada socialista a fazer o pedido de esclarecimento e o protesto em nome da respectiva bancada. Ainda há momentos isso se verificou e esse deputado falou em nome de toda a sua bancada.

O Sr. Presidente: - Suponho, Sr.ª Deputada, que não foi sob a figura regimental do protesto; foi, sim, sob a figura do direito de defesa da sua própria bancada.
Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Barral, para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Paulo Barral (PS): - Sr. Presidente, a minha interpelação vai neste sentido: a nossa bancada não estava bem atenta ao preceito regimental e o meu camarada Leonel Fadigas considerou que não estava em condições de fazer o protesto.
Neste sentido, eu queria apelar à Mesa para conceder a palavra ao meu camarada Roque Lino.

O Sr. Presidente: - Em que termos, Sr. Deputado?

O Orador: - Nos termos do artigo 90.º, n.º 1, do Regimento em vigor, Sr. Presidente.

O Sr. Roque Lino (PS): - Sr. Presidente, se vamos estar aqui a criar estas dificuldades para fazer um breve protesto em relação a palavras do Sr. Deputado do CDS sobre o que, no fundo, integraria uma figura que seria o de um pedido de esclarecimento, pela minha parte prescindo do pedido, pois não vale a pena arrastar mais o debate neste sentido.
Se houver consenso neste sentido eu faço o protesto num minuto e se o não houver não faço o protesto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco, para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, quero interpelar a Mesa no sentido de que ela esclareça claramente a sua posição perante este incidente regimental.
Eu creio, efectivamente, que apenas pode fazer um protesto um deputado que tenha pedido esclarecimentos. Se forem vários a pedi-los, apenas poderá ser feito um protesto por cada bancada.
A situação que há pouco se passou no período de antes da ordem do dia foi diferente; foi o exercício do direito de defesa, que creio não estar em causa neste momento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso, também para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, o Regimento é claro. O n.º 3 do artigo 90.º diz que não são admitidos protestos quanto a respostas a pedidos de esclarecimento e, portanto, não tem cabimento o protesto do Sr. Deputado Roque Lino. Foi a maioria - aliás contra a nossa opinião - que introduziu este espartilho e se o PS pretender o nosso acordo para que se não respeite este dispositivo está a pretender instaurar aqui uma praxe que dê por nulo este dispositivo e, aí, tem o nosso acordo pois sempre estivemos contra ele. Mas só nesse sentido, pois são o PS e o PSD os responsáveis por esta disposição contra a qual
nós nos insurgimos. Se se pretende definir uma praxe que torne caduco este dispositivo têm o nosso acordo, mas se não têm o nosso desacordo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não vale a pena prolongarmos mais este debate. A Mesa tem a consciência de que interpretou correctamente o Regimento.
Tem, pois, a palavra, o Sr. Deputado José Vitorino, para uma interpelação à Mesa.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, queria pôr à Mesa uma questão sobre tempo das intervenções. A minha intervenção durará um pouco mais do que 15 minutos, isto porque o entendimento do Grupo Parlamentar do PSD sobre a questão é de que, nos debates em que há tempos distribuídos por partidos as intervenções deverão ter a duração que cada Sr. Deputado entender dentro do tempo distribuído ao seu partido.
Queria saber se é este o entendimento da Mesa para ficar isto esclarecido, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa pensa que, se tiver havido consenso para que se proceda neste debate nos termos que V. Ex.ª indica, não haverá inconveniente algum em que cada um dos partidos administre o tempo como entender, salvo, obviamente, no que diz respeito a pedidos de esclarecimento e protestos.
Se não há objecção alguma a este respeito, tem a palavra, Sr. Deputado José Vitorino.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Sem dúvida que o PSD tem liderado; desde sempre, a linguagem e as propostas concretas de profundas mudanças e estruturas na sociedade portuguesa do pós-25 de Abril e em particular do pós-11 de Março.
Temo-lo feito consciente e persistentemente sem qualquer demagogia e independentemente de tais propostas representarem dividendos eleitorais ou penalizações eleitorais a curto prazo. São aspectos muito importantes que se prendem em geral com o excessivo peso do Estado na economia ou com o seu excessivo controle e tutela no funcionamento do País. E para o PSD nada disto é um dogma, antes se radica na certeza de que numa sociedade livre e moderna, e num mundo fortemente competitivo e acelerada evolução técnica e tecnológica, além do papel que o Estado deve assumir de coordenador e de árbitro na defesa dos grandes interesses colectivos e dos mais carentes, o progresso tem de assentar essencialmente na criação de condições para o adequado aproveitamento de todas as potencialidades naturais e materiais do País e dos cidadãos. E isso só é possível desde que ao indivíduo, como base das transformações e da mobilização colectiva, se deparem oportunidades para aplicar o máximo da sua capacidade e lhe seja feito sentir que vale a pena fazê-lo em Portugal, de forma activa, em vez de se virar para o estrangeiro ou tomar uma atitude passiva não dando o máximo de si mesmo.
Digamos que, para o PSD, esta é a questão crucial, que se consubstancia e personaliza numa só palavra «confiança». E trata-se naturalmente de confiança de todos os cidadãos e da «dinâmica da confiança» que vencerá o ciclo da descrença ou dos «braços caídos».

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Mas é evidente que a grande dificuldade para uma qualquer sociedade reside em quebrar os «ciclos passivos ou de pessimismo» e transformá-los em «ciclos activos ou de optimismo». Ao fim e ao cabo, é a perspectiva do acreditar ou do não acreditar, porque nós entendemos que é urgente virar a página da história, facto por que o PSD se tem batido e empenhado. Quando for alcançado, aí sim, ter-se-á mudado de página na nossa história colectiva, isso porque, quanto a mim, mais do que as mudanças de regime, embora importantes quando se trata de passagem para o regime democrático, haverá que garantir que tais mudanças são precursoras de efectivas melhorias para os cidadãos e a grande responsabilidade dos democratas é consegui-lo, hoje, para Portugal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje, ao debatermos a proposta de lei das rendas, é indiscutível que estamos perante o início do debate de uma matéria fundamental, que além das suas fortes implicações estruturais a médio e longo prazos, e nos mais diversos aspectos, toca directamente uma larga maioria de portugueses considerando a sua qualidade de senhorios ou de inquilinos e mesmo daqueles que são, simultaneamente, as duas coisas. No fundo isto é matéria que diz respeito directamente a quase todos nós.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Daí compreender-se e justificar-se o largo destaque que o problema tem merecido e as polémicas suscitadas, até pela profunda preocupação que provoca a situação degradante em que vivem muitos milhares de portugueses. É que, se é certo que outras matérias podem ter tanta ou mais relevância que a questão da lei das rendas esta tem efeitos directos e quase imediatos que se repercutem na vida familiar dos cidadãos.

Aplausos do PSD.

Tal como uma andorinha ou uma flor não fazem a Primavera também uma lei das rendas não resolve, só por si, os complexos problemas da habitação e, muito menos, a situação económico-financeira do País. Mas é indiscutível que uma lei das rendas equilibrada e ajustada aos interesses do País contribuirá decisivamente para dar resposta a prazo aos problemas de habitação, para dinamizar o sector da construção civil, e para dinamizar a recolha e canalização de poupanças para investimentos produtivos.
É sabido que a economia funciona como um todo e daí que uma determinada medida que pode levar a excelentes resultados quando integrada num vasto plano inter-sectorial, quando tomada isoladamente possa não contribuir para o impacte que se esperava.
De qualquer modo, afigura-se ao PSD que no presente caso uma nova lei das rendas pode, só por si, representar um passo importante. Mas convirá que para lá do próprio equilíbrio económico-social da lei, ela se enquadre, no mais curto prazo, no conjunto de medidas eficazes tanto a nível de habitação (loteamentos, urbanizações, tipificações, habitação para famílias insolventes, política de crédito, etc.) como também no âmbito mais vasto de toda a actividade económico-financeira.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Frequentemente se invoca a Constituição para justificar o direito à habitação, que os Portugueses têm. Para o PSD o direito constitucional a ter uma casa para viver assenta, antes de mais, no direito inalienável à própria natureza do ser humano, indispensável à realização individual, estabilidade familiar e social, educação das gerações vindouras e condição básica para uma boa saúde física e mental.
Para nós, não é a questão da Constituição que nos faz bater pelas questões da habitação, é, sim, o direito implícito à própria natureza do ser humano que nos faz bater por esta matéria.

Aplausos do PSD.

E sabe-se como em Portugal, hoje, estamos muito longe de alcançar tal objectivo, com mais de 40 000 barracas ou outras habitações improvisadas, cerca de 360 000 fogos, só em Lisboa e Porto, a exigir urgente reparação como consequência, naturalmente, de mais de 42% das habitações terem mais de 60 anos. E ao mesmo tempo está-se perante um terrível e aparente paradoxo: há falta de casas para alugar (os jovens sentem-na), faltarão entre 500 000 e 1 000 000, e há casas fechadas (40 000 novos andares por vender e entre 70 000 e 100 000 fogos devolutos).
A construção para arrendamento quase paralisou, estando reduzida a uma média de 2000 fogos/ano. Por outro lado, cerca de 35% das rendas são inferiores a 500$ por mês.
O mercado de habitação está estrangulado e desregulado através de sucessivas iniciativas legislativas que em maior ou menor grau têm pretendido dar ao sector da habitação, cujos fogos são propriedade de particulares, um carácter eminentemente social. E o ponto mais grave verificou-se em 1974, com o então Primeiro-Ministro Vasco Gonçalves, com a extensão do congelamento das rendas a todo o País, além de outras medidas que levaram à retracção da oferta, ocupações, etc. É óbvio que a habitação tem uma forte componente social pelo que representa, sobretudo nos orçamentos das famílias mais pobres, mas não podem ser exclusivamente os senhorios a suportar tal situação, tendo, naturalmente, de ser o Estado a assumir essas responsabilidades.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Então e os inquilinos?

O Orador: - Posteriormente, e designadamente em 1982, foi produzido um conjunto de diplomas que visavam corrigir transitoriamente alguns aspectos, já que estava em preparação um adequado, enquadramento legal através de uma nova lei. Lei que o Governo de então, por ter caído entretanto, não teve tempo de apresentar à Assembleia da República.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, vejamos no entanto, de forma pontual, mas clara, o conjunto das situações ligadas a esta problemática:
Temos inquilinos a pagar rendas antigas que, obviamente, ou não se queixam porque as rendas são baixas, ou reclamam obras;
Temos inquilinos sujeitos a novos arrendamentos, pagando rendas muito elevadas e lamentando-se' por tal facto;
Temos inquilinos a pagar rendas baixas em casos de rendas antigas de casas arrendadas recentemente mas que pagaram elevadas «luvas»;
Temos candidatos a inquilinos que não conseguem casa;

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Temos senhorios com casas antigas por alugar, que não alugam - são as tais 70 000 a 100 000 - por não poderem, depois, actualizar as rendas.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Bem mais!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Temos senhorios com casas antigas alugadas e muitos deles choram a sua situação, em que investiram o resultado de uma vida de trabalho não chegando a renda mensal sequer para pagar a assinatura do telefone ou a taxa da televisão, ou para comprar um quilo de peixe, ou um quilo de carne;
Temos casas novas por vender, que não são adquiridas para habitação própria nem para arrendamento porque o mercado está paralisado;
Temos pequenas e grandes empresas de construção civil que também estão paralisadas porque o mercado da habitação não funciona e a construção civil é um sector fundamental;
Temos cidadãos residentes com dinheiro e dispostos a investir as suas poupanças, bem como emigrantes, dispostos a investir o que já cá têm ou a trazer ainda mais e que não o fazem por falta de expectativas;
Temos companhias de seguros e outras actividades captadoras de poupanças em que o investimento imobiliário representava um sector fundamental e que, neste momento, se encontra paralisado pela falta de rentabilidade desses mesmos capitais.
Enfim, sem ter a pretensão de ser exaustivo, a enumeração acabada de fazer permite concluir, com seriedade, como é complexo o problema em que o País e esta Assembleia estão neste momento confrontados, face à necessidade de evitar os males enunciados e corrigir, tanto quanto possível, os desajustamentos.
E, Sr. Presidente e Srs. Deputados, do que expus, o PSD queria tirar desde já a primeira conclusão: não é sério e é profundamente demagógico e desestabilizador pretender resumir ou limitar a questão das rendas e da habitação em geral a um conflito de interesses entre inquilinos e senhorios, como o têm pretendido fazer algumas forças políticas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. João Amaral (PCP): - É o que o Sr. Deputado faz!

O Orador: - E quem o faz fá-lo cientificamente sabendo que uma qualquer lei deste género, colocada nessa perspectiva, tenderá sempre a nunca ter o apoio das duas partes, porque os inquilinos desejam naturalmente pagar o menos possível, enquanto os senhorios querem tirar os produtos que consideram justos. E pior ainda será, quando uma qualquer força política toma clara posição por uma das partes, sejam os inquilinos ou os senhorios, procurando atirá-las uma contra a outra. É designadamente esta a posição do PCP e da Intersindical, procurando, através da exploração das dificuldades de muitos inquilinos, que são reais e o PSD reconhece e luta por ultrapassar, pretendendo o PCP e a Inter dar força à sua estratégia do conflito permanente da sociedade portuguesa usando os habituais chavões de «ricos contra pobres», «proprietários contra trabalhadores», «exploradores contra explorados». E na sequência de tal conduta procura mobilizar os mais pobres contra o Governo e os partidos da coligação. Mas é procedimento que cada vez colhe menos adeptos por a demagogia já ser perfeitamente evidente.
O Partido Social Democrata, como partido interclassista e, portanto, defensor intransigente dos mais desfavorecidos rejeita completa e liminarmente tal tipo de filosofia e de procedimento resultando daí que as nossas propostas não visam qualquer objectivo em beneficiar uma das partes prejudicando a outra...

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Não? ... Vê-se!

O Orador: - ..., antes procurando soluções de equilíbrio e justeza que permitam encarar o presente sem grandes desajustamentos mas que, acima de tudo, permitam ter no futuro casas para todos, em condições de dignidade e com rendas compatíveis, para os inquilinos, face ao nível dos seus salários, e para os senhorios, face aos investimentos feitos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: E é neste complexo contexto que surge a discussão da proposta de lei n.º 77/III sobre a lei das rendas que nos é apresentada pelo Governo. Sem descer a pormenores que sem dúvida podem ser importantes mas que terão como lugar próprio de debate na comissão especializada, mais do que propriamente analisar a presente proposta, importa referenciar algumas das grandes linhas que, segundo o PSD, devem ser estabelecidas numa lei de rendas para que ela contribua para dar resposta aos vários problemas atrás suscitados. Assim, é de destacar:

O descongelamento das rendas;
O tipo de regime contratual;
O estabelecimento de renda inicial e forma normal de actualização;
A duração dos contratos;
Os prédios devolutos;
A transmissão dos contratos de arrendamento;
A realização de obras e sua amortização;
A correcção extraordinária das rendas;
A atribuição do subsidio de renda para as famílias mais carenciadas.

Quanto ao descongelamento das rendas hoje está praticamente ultrapassado este tabu e mesmo aqueles que eram contra, passada a fase revolucionária, perante a evidência dos factos, já hoje dizem que até não está mal e o que temos é que pronunciar-nos contra tudo o resto.

Risos do PCP.

Quanto ao regime contratual, afigura-se ao PSD que em geral o facto de haver uma nova lei das rendas não deve permitir a sua alteração e, por isso, o regime terá de manter-se o mesmo, livre ou condicionado, em termos de carácter geral consoante estiver estabelecido a data da saída e da promulgação da lei.
Garante-se assim, antes de mais, a estabilidade das justas expectativas dos inquilinos defendendo-se os seus legítimos interesses. Por outro lado, no caso de prédios devolutos toda a lógica normal de mercado aponta para a liberdade de opção de regime por parte do senhorio em relação a novos arrendamentos. Há quem defenda a liberdade de opção apenas para os prédios novos, mas a criação de condições que possibilitem a realização de obras de conservação e beneficiação, bem como a necessidade de pôr termo ao escandaloso negócio de luvas pela «compra das chaves», recomendam

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uma igualdade de tratamento quanto à possibilidade de optar entre o regime da renda livre ou condicionada.
No que diz respeito ao estabelecimento da renda inicial e forma normal de actualização, no caso de novos contratos de arrendamento a opção entre o regime de renda livre e de renda condicionada é a solução mais adequada, devendo as actualizações de renda ser anuais, e orientando-se a determinação do respectivo coeficiente, tanto quanto possível, pelo índice de preços no consumidor ou pelo índice de custo de construção. De qualquer modo, anualmente deve estabelecer-se um valor que será fixado entre um mínimo e máximo, a prever desde já na lei.
Porque se por um lado a habitação é um bem de consumo duradouro pelo que o valor da renda terá de ser actualizado compensando o investimento, por outro, a sua natureza de imprescindibilidade obriga a que não fique sujeito a acções especulativas lançando a intranquilidade e insegurança nos inquilinos.
Quanto à duração dos contratos, um princípio fundamental que o PSD salienta e terá de ser salvaguardado é o de que após o estabelecimento de um contrato de arrendamento, o prazo estipulado é o que vigorará até ao fim do mesmo sendo inaceitável qualquer nova lei que o venha alterar. As famílias não podem ficar sujeitas a tal insegurança. Deste modo, os contratos actualmente estabelecidos sem limite de tempo assim se devem manter. Não pode haver dúvidas sobre esta matéria. Contudo, situação diversa é a dos contratos resultantes de novos arrendamentos a estabelecer. Como se sabe, na Europa, há situações distintas desde os contratos sem limite até aos contratos por um determinado período. Entendo o PSD que, pelo menos, por um período transitório, a fixar desde já, a lei deverá prever a possibilidade do estabelecimento de contratos por um determinado período como forma de mais rapidamente se desbloquear o mercado da habitação, lançando mais fogos e conseguindo-se simultaneamente um maior equilíbrio entre a oferta e a procura.

Vozes do PCP: - É um escândalo; é uma vergonha, é incrível.

O Orador: - Prédios devolutos: são hoje em número muito elevado os prédios devolutos (60 000 a 100 000), destinados ao arrendamento, tanto novos como antigos. As razões são conhecidas e prendem-se com a falta de expectativas minimamente compensadoras por parte dos senhorios. Contudo, após a publicação de uma nova lei, desde que equilibrada, o PSD entende que as autoridades deverão ser muito mais rigorosas nesse controle devendo ser previstas medidas especiais para os casos em que por razões imputáveis ao locador o fogo não for alugado. Mas, estamos em crer que, aprovada uma nova lei, os próprios senhorios tomarão a iniciativa de alugar os seus prédios sem ser necessário recorrer a métodos coercivos dado que isso também é do seu interesse.
Quanto à transmissão dos contratos de arrendamento, sem dúvida que esta é uma das matérias mais delicadas, pois se por um lado o senhorio tem interesse em resolver o contrato após a morte do inquilino, por outro há situações em que é legítimo que o contrato se transmita.
Ao PSD afigura-se que a boa solução está em evitar o que se poderá designar por «eternização da transmissão» e, por outro lado, salvaguardar alguns direitos de transmissão, no caso do cônjuge sobrevivo, aos parentes ou afins na linha recta aos chamados concubinos em situações precisas, evitando abusos que a ninguém servem. Para lá do que é normal, e que é a transmissão verificar-se apenas uma vez, no caso do cônjuge sobrevivo passar a ser o arrendatário terá este posteriormente o direito de transmitir o arrendamento aos parentes ou afins na linha recta.
Realização de obras e sua amortização: é conhecido o lastimável estado em que se encontra o parque habitacional em todo o País e o espectáculo degradante e perigoso, decorrente da derrocada de prédios muitas vezes com mortes de pessoas e avultados prejuízos de bens, é bem conhecido e começou a tornar-se corrente. A causa é em geral a falta de meios dos senhorios para efectuarem obras. De facto, como é possível ou legítimo, pedir obras de conservação que podem orçar os 200/300 contos, quando as rendas por vezes nem sequer atingem os 500$ por mês.
Situação delicada esta. Afigura-se que a melhor solução é a que surge na base de acordos entre os senhorios e os inquilinos, como por vezes acontece, esperando-se também que as actualizações previstas possam, naturalmente, ajudar a resolver o problema. É sabido também que o parque habitacional está envelhecido, havendo prédios cujas obras já não se justificam. Em qualquer circunstância sempre que se realizem obras nos prédios, sendo o senhorio substituído pelo município ou pelo locatário, nos termos da lei, haverá que garantir que uma parte da renda lhe será sempre destinada enquanto a outra parte se destinará a amortizar as despesas. E o bem sujeito a execução deverá ser apenas a própria renda.
Quanto à correcção extraordinária das rendas, é sabido que a maioria das rendas estão desactualizadas e, a tal ponto, que são os próprios inquilinos a reconhecer que é justo proceder a actualização como revelam os inquilinos.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Aonde?

O Orador: - Mas sendo certo que as rendas são em muitos casos de miséria para os senhorios; não se poderá permitir que subitamente, de um ano para o outro, passem para montantes para os quais os orçamentos familiares dos inquilinos não estão preparados. E por certo, os próprios senhorios reconhecerão isto. Daí que, para nós, seja fundamental o princípio da actualização extraordinária progressiva.
Quanto à atribuição do subsídio de renda para as famílias mais carenciadas, este princípio é essencial para o PSD, pois permite distinguir os locatários que podem suportar os ajustamentos progressivos das rendas antigas e aqueles que por carência económica o não podem fazer. Esta é uma questão fundamental da proposta de lei, em discussão. Não há, portanto, motivo para a especulação e exploração que por vezes é feita com insistência, além de que, em casos mais gravosos, ainda deverá prever-se a hipótese de subsídios especiais ou ainda outro tipo de mecanismos. Entendemos nomeadamente, que a lei não poderá, nem deverá entrar em vigor sem que o mecanismo da atribuição dos subsídios esteja garantido.

0 Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!

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O Orador: - Não pode haver um diferimento entre a atribuição dos subsídios e a actualização das rendas. Nesta matéria, tanto a Secretaria de Estado da Segurança Social como a Secretaria de Estado da Habitação têm um papel crucial.
Por outro lado, entendemos que, no caso dos reformados a questão terá que ser vista com particular atenção, quer em termos de proposta de lei quer em termos de legislação complementar.

O Sr. Paulo Barral (PS): - Muito bem!

O Orador: - Mas, sobretudo, neste conjunto assume particular valor aquilo que o Governo já anunciou e que aponta, para linhas de crédito aos municípios para que haja condições para criar habitação para as famílias insolventes. É porque, desde o 25 de Abril, tem-se falado muito de habitação social, dos milhões de contos em subsídios e bonificações mas tem de se dizer com clareza que desses milhões de contos não beneficiaram os que mais deles careciam.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Foram subsídios indiscriminados aos quais os mais carentes não tiveram acesso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estes são alguns dos princípios gerais que de forma séria o PSD sempre tem defendido e será neste sentido que orientaremos a discussão e as propostas a fazer durante o debate na especialidade, em Comissão, e que por certo merecerão também o apoio do PS. Daremos assim à lei das rendas a sair desta Assembleia um sentido efectivamente útil, de características mais europeias.
Pelo que precede fica claro que são completamente destituídas de fundamento as acusações que por vezes nos são feitas de defender os senhorios contra os inquilinos. Fica também demonstrado como são falsos, ou caracterizados pela interpretação voluntariamente errada, os juízos feitos nesse sentido sobre diversos aspectos da lei.
Mas, ao fim e ao cabo, o problema é muito simples para os que de forma violenta se pronunciam contra a lei. Perante a evidência: da necessidade de descongelar as rendas e já não conseguindo argumentar contra, então criticam tudo o mais.
Daí que até, de certo modo, seja tempo perdido tentar convencer aqueles que estão determinados ideologicamente a dizer sempre não.
No fundo, o que tais forças pretendiam era acabar com o mercado de habitação livre tornando o Estado em construtor ou promotor da habitação para todos. Aparentemente seria uma boa solução, se houvesse disponibilidades para isso, mas mesmo a prática dos países onde isso se verifica demonstra que não resulta e aí a falta de condições e a promiscuidade é absolutamente aterradora. Por isso não nos convencem e não nos conduzirão para essa opção!
O Partido Social-Democrata está assim convicto da importância da presente lei, considera-a um passo no caminho da harmonia e justeza de posições entre inquilinos e senhorios mas, acima de tudo, entende que através dela, e conjuntamente a outras medidas, podemos, obviamente, não no imediato mas a prazo, ter no futuro mais casas e melhores casas com rendas compatíveis e um sector de construção civil dinamizado.

O PSD e o PS, e o Governo que apoiam, estão convencidos è seguros de que dão um passo positivo numa alteração fundamental que o futuro do País exige, daí que estejam seguros de estar a prestar um bom serviço.

Aplausos de alguns deputados do PSD e do PS.

O Sr. João Amaral (PCP): - Olhem para aquilo; parece um funeral.

Risos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Lopes Cardoso, Zita Seabra, Anselmo Aníbal, Dorilo Seruca e Raul e Castro.
Chegamos à hora regimental do nosso intervalo mas queria lembrar os Srs. Deputados, a pedido do Sr. Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais e Direitos, Liberdades e Garantias, que a reunião que se devia ter efectuado às 11 horas de hoje ficou transferida para as 15 horas.
Srs. Deputados, está suspensa a sessão.

Eram 13 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado José Vitorino, estas interrupções cortam de certo modo o diálogo e vou, portanto, limitar-me a pôr-lhe duas questões. Uma primeira no sentido de saber o que é que o Sr. Deputado entende da situação que a proposta de lei, a ser aprovada, irá criar em relação ao regime das rendas daqueles fogos em que os locadores tinham optado pelo regime da renda livre, rendas essas que, nos termos da proposta de lei, passavam a ser actualizadas. 15to é, aqueles locadores - para usar a expressão do Sr. Secretário de Estado - que anteciparam as actualizações recorrendo â renda livre, vão agora receber o prémio de verem essas rendas actualizadas? Qual a sua posição em relação a esta questão, Sr. Deputado?
Outra questão refere-se à afirmação do Sr. Deputado de que há uma parte do parque imobiliário que está de tal modo degradada que a sua recuperação hoje já não tem sentido, inclusivamente pelos custos que comportaria. Não vou questionar essa posição, mas dir-lhe-ei que, sobre reserva de uma análise mais aprofundada, até estarei disposto a comungar com o Sr. Deputado dessa ideia. Mas, então, Sr. Deputado, acha legítimo que nesses prédios que são irrecuperáveis, o que significa que estão num estado de absoluta degradação e que aqueles que os habitam - seguramente não por vontade própria mas porque não têm meios financeiros que lhes permitam habitar noutras condições - vejam, não obstante, a sua renda actualizada? Esses prédios não servem para nada, nem sequer para serem recuperados mas os inquilinos terão de pagar as actualizações desses prédios condenados à demolição. 15to, na opinião do Sr. Deputado, é também uma solução justa?
Quanto à questão que o Sr. Deputado levantou aqui, aliás já anunciada pelo Sr. Secretário de Estado, da eventualidade de se voltar ao regime de contratos a

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prazo em arrendamentos para a habitação, limitar-me-ia, neste momento, a dizer-lhe que a vingar isso já não estaremos, para parafrasear alguns slogans muito em voga, a pôr em causa as conquistas do 25 de Abril, estaremos a ir muito mais atrás, estaremos a pôr em causa uma das primeiras conquistas da República que foi a introdução da renovação automática dos contratos de arrendamento para a habitação. Já não estamos sequer em 25 de Abril de 1974, voltamos a estar em não sei quantos de 1909.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Deputado José Vitorino, é realmente pena ter havido um almoço entre a sua intervenção e estes pedidos de esclarecimento. Mas a primeira pergunta que me dá vontade de lhe fazer, depois de o ter ouvido, é se o Sr. Deputado participou naquela campanha eleitoral da AD em que o slogan principal era, «uma casa para cada português». O Sr. Deputado José Vitorino na altura também disse isso e também andou a prometer casas?
A segunda questão que gostaria de lhe colocar é a seguinte: o Sr. Deputado considera que há uma grande carência de habitação, há uma situação habitacional muito grave no País. É verdade, estamos todos de acordo. Só que o Sr. Deputado considera que a culpa disso é dos inquilinos. 15to é, se não houvesse aqueles inquilinos, naquelas casas, a ocuparem aqueles fogos todos, havia casas para arrendar, havia casas para vender, não havia esta carência enorme de fogos que existe. Mais, eles até são responsáveis pela situação caótica em que se encontra a construção civil.
Mas há um aspecto, Sr. Deputado, que creio que vale a pena trazer aqui. V. Ex. ª disse uma coisa que o Sr. Secretário de Estado não disse ontem - e não foi por acaso que o Sr. Secretário de Estado ontem não a disse. O Sr. Deputado disse que esta lei é fundamental para incentivar a construção civil, que é importante e que isso é fundamental, a partir do momento em que as rendas passam a estar descongeladas. Penso que essa é, exactamente, uma das falsas questões que se levantam com esta proposta de lei. É que, na verdade, é preciso que se diga que as novas rendas - as tais dos casais jovens que o Sr. Deputado falava -, todos os novos arrendamentos desde 1981 estão descongelados. Aqui trata-se apenas, em relação a esse decreto-lei que as descongelou em 1981, de uma diferença de 1% sobre o valor da casa. Na altura era 7 % e esta proposta de lei prevê 8 %. Mas essas rendas já estão descongeladas, como já estão descongeladas aquelas que resultam de obras do senhorio e os arrendamentos comerciais. Só não estão descongeladas as rendas antigas, anteriores a 1981.
Ora, não há nenhum incentivo na construção civil a partir de 1981. Pelo contrário, a situação na construção civil mantém-se. Sr. Deputado, explique-me, então, como é que o descongelamento das rendas mais antigas vai provocar esse tal incentivo e incremento à construção civil. É evidente que isso é uma mera cortina para escamotear o que está em causa nesta discussão. E creio que um aspecto importante desta discussão é o de que há uma preocupação nítida dos partidos governamentais em esconder da opinião pública a realidade do que se está a debater aqui, a realidade do conteúdo da proposta de lei, a gravidade das soluções que aqui estão preconizadas!
Uma última questão, Sr. Deputado. V. Ex.ª também disse que há fogos devolutos que não são locados, os senhorios não os locam por não terem as rendas descongeladas. É falso! Desde 1981 que todos esses fogos que estão devolutos estão «descongelados» e os senhorios já os podiam locar em regime de renda livre ou de renda condicionada. E o que é certo é que desde 1981 para cá aumentaram o número de fogos devolutos e não diminuíram, ao contrário do que disse. Trata-se, pura e simplesmente, de escamotear, com uma série de questões, o fundamental do que está aqui em debate!
A questão dos contratos a prazo é particularmente grave, Sr. Deputado. Ela não está no conteúdo da proposta de lei, mas consideramos na verdade um recuo de 100 anos o vir-se retirar ao inquilino um direito que resultou de grandes lutas que houve na altura, (já lá vão 100 anos), para conseguir que o inquilino tenha direito a um contrato estável em vida. 15so, para nós, seria um recuo inaceitável e geraria uma insegurança total, para além da insegurança que esta proposta de lei já vai gerar.
E aqui respondo a outra questão que o Sr. Deputado colocou. É na verdade muito grave que o Sr. Deputado venha acusar o PCP de fomentar as lutas entre inquilinos e senhorios, quando elas são provocadas por uma proposta de lei vossa. Ou o Sr. Deputado queria que o PCP fosse dizer às pessoas que é muito agradável mudar de um andar para uma barraca e que até deviam gostar e ficar agradecidos ao PS e ao PSD?!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Anselmo Aníbal.

O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Sr. Deputado José Vitorino, estamos habituados, em alguns debates, às suas intervenções tingidas de um voluntarismo generalista e, algumas vezes, atrever-me-ia a dizer, com laivos de diletantismo. Na sua intervenção proeurou profetizar algumas coisas a que a vigência dos Decretos-Lei n.ºS 148/81 e 294/82 não o autoriza, dizendo, com elementos e dados na mão, que vai acontecer de determinada forma.
O Sr. Deputado José Vitorino diz que vai haver um relançamento da construção civil, mas os dados são continuadores da política «adêista» consubstanciada no Decreto-Lei n.º 148/81. Quais são os novos dados que o Sr. Deputado tem para dizer que vai haver uma nova política e um novo relançamento?
Em relação às obras e ao Decreto-Lei n.º 294/82, o Sr. Deputado espera que as actualizações resolvam o problema das reparações. Mas espera em que base? Na base de algum profeta, qual Zaratrusta de ocasião?
Uma última questão: o Sr. Deputado avança por um caminho perigoso que é o caminho a que poderia chamar - à falta de melhor, já que o Sr. Deputado não denominou a sua teoria - a teoria das demolições. A certa altura o Sr. Deputado avança por um caminho que se conjuga, por exemplo, com o caminho do engenheiro Abecassis na Câmara Municipal de Lisboa, baseado na teoria de que há um certo parque urbano

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que está tão degradado que é melhor deixar ir ao fundo, ganhando-se a mais-valia dos terrenos.
Sr. Deputado, perguntar-lhe-ia, embora, naturalmente, de si venha uma resposta generalista e voluntarista, qual é a zona do parque urbano em Lisboa e Porto que o Sr. Deputado nos seus estudos considera como área critica da sua teoria das demolições, se é que a tem, porque pode ser que as suas palavras não correspondam a qualquer teoria.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Dorilo Seruca.

O Sr. Dorilo Seruca (UEDS): - O Sr. Deputado José Vitorino defendeu o sistema de atribuição de subsídios ao aumento das rendas e queria focar-lhe aqui o seguinte exemplo: um pensionista residente em Lisboa que, por acaso, por azar, habita numa casa com ascensor e porteira e que neste momento paga uma renda de 500$, passará a pagar, segundo a tabela a que refere o artigo 11.º, 4710$. 15to é, pagará mais 4210$, valor substancialmente superior àquele que aufere para fazer face à difícil situação em que se encontra. Pergunto: como e quem atribuirá os subsídios?

O Sr. José Vitorino (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Deputado, desculpe mas a renda de 500$ é relativa a que ano?

O Orador: - É relativa ao primeiro ano de tabela, 1955. Pode ver na tabela, Sr. Deputado.
Pergunto: que mecanismos garantirão a celeridade da organização, classificação e processamento desses subsídios, sabendo-se que, conforme refere o artigo 26.º, o Governo poderá atribuí-los excepcionalmente por períodos limitados, em casos especiais de manifesta carência e o seu montante será determinado caso a caso. Não lhe parece, Sr. Deputado, que não será fácil compatibilizar a criação de uma monstruosa estrutura burocrática com a anunciada intenção do Governo de tornar mais leve e transparente o aparelho do Estado?
É que, Sr. Deputado, afigura-se-me extraordinariamente difícil, ou mesmo impossível, a consecução deste objectivo, sendo de prever um trágico desenlace desta política que, por ser infiel aos princípios que aparentemente defende, viverá perpetuamente no desmentir de si própria.

O Sr. Presidente: - Para pedir explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Raul e Castro.

O Sr. Raul e Castro (MDP/CDE): - Sr. Deputado José Vitorino, não vou entrar na primeira questão que o Sr. Deputado suscitou, respeitante a ideologias, porque em matéria de ideologias cada um escolhe a que quer. Porém, parece-me que necessitaria de ser esclarecida a afirmação através da qual o Sr. Deputado parece insinuar que quem defende ideologias é apenas quem critica a proposta de lei do Governo, em particular quando afirma que por exemplo a CGTP-IN ataca a proposta de lei por razões ideológicas.

Queria perguntar ao Sr. Deputado se, por exemplo, a afirmação da Associação dos Inquilinos Lisbonenses - a quem na proposta agora apresentada é reconhecido o direito de representação - de que o governo PS/PSD, ao enviar à Assembleia da República a referida proposta de lei, demonstra uma total falta de sensibilidade perante a grave situação económica com que se debate a maioria das famílias portuguesas, se deve a influência ideológica da CGTP-IN. Este era o primeiro esclarecimento que desejava.

Segundo esclarecimento: o Sr. Deputado fez uma intervenção tocante, sentimental e exaltada ao referir que o direito à habitação seria até um direito humano. Mas gostaria que revertêssemos ao texto constitucional, porque na sua intervenção, para lá das palavras tão tocantes em que considera o direito à habitação um direito humano, antes mesmo de ser um direito constitucional, o Sr. Deputado referiu-se ao direito à habitação em termos de considerar o arrendamento - que, afinal, é constitucional - um bem de consumo.

Ora, a Constituição não considera o arrendamento um bem de consumo. Pelo contrário, a Constituição considera o direito à habitação um direito social idêntico à segurança social e à saúde. E como é que o Sr. Deputado consegue conciliar esta definição constitucional de direito à habitação com afirmações como, por exemplo, a de que o valor da renda deve corresponder ao valor do investimento do proprietário, que devem ser compensadas as expectativas dos proprietários, e outras?

O Sr. Deputado falou no descongelamento das rendas como se isso fosse introduzido apenas por esta proposta de lei. Mas toda a gente sabe que a AD, em 1981, com o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 184/81, introduziu o descongelamento das rendas, que passou a ser livre a fixação das rendas dos novos arrendamentos, o que até aí não era possível, porque vigorava uma tabela vinculativa dos aumentos possíveis das rendas de prédios já arrendados. Portanto, parece que, afinal, quando o Sr. Deputado fala em descongelamento, quer é referir-se a aumentos de rendas, o que são figuras inteiramente diferentes.

Finalmente, o Sr. Deputado referiu-se aos malefícios do congelamento das rendas no tempo dos governos do general Vasco Gonçalves. Mas, se compararmos a situação da habitação nos anos de 1974 e 1975 com a grave e crescente crise que se verificou a partir de 1976, parece que não restam dúvidas de que todas as medidas tomadas, inclusivamente pelos governos da AD, só contribuíram para agravar o problema da habitação. A verdade é que o governo Sá Carneiro prometeu a construção de 20 000 casas de habitação social, o que nunca cumpriu, e, para além disso, foi a AD que extinguiu o Fundo de Fomento da Habitação, tendo tomado, de certo modo, medidas negativas que agravaram o problema da habitação. Ora, esta proposta de lei insere-se no mesmo domínio de actuação e, portanto, não se vê onde é que esteja o malefício desse tempo e as virtudes do tempo posterior.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Srs. Deputados, também teria preferido que as perguntas e as respostas tivessem tido lugar imediatamente após a minha inter-

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venção, mas, realmente, a hora regimental do almoço não o permitiu.
Quanto à afirmação do Sr. Deputado Lopes Cardoso, em relação ao meu pensamento quanto aos prédios que actualmente estão arrendados, face à legislação vigente, em regime de renda livre, dir-lhe-ia que na minha intervenção fui claro. Entendo que o regime que está consignado de uma forma geral deve manter-se. Portanto, desde que não haja mudança...

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Muito obrigado, Sr. Deputado. Para que tudo fique claro, V. Ex. ª considera, portanto, que essas rendas devem continuar congeladas?

O Orador: - Fui claro, dizendo que se deve manter o tipo de regime em si, e quando me refiro ao regime refiro-me aos regimes de renda condicionada ou de renda livre.
Quanto à questão de sim ou não à actualização, entendo que houve, de facto, uma preocupação dos senhorios, dado que não podiam fazer a actualização anual, no sentido de arrendar os seus fogos o mais caro possível. Daí que nesses casos não devam fazer-se, desde já, as actualizações anuais correspondentes aos coeficientes que o Governo vier a determinar, em termos de só se dever fazer isso alguns anos depois, procurando assim compensar-se esse aumento que o próprio senhorio proeurou incluir à partida no valor da renda. Penso que só 5 ou 6 anos depois, após o início da data do contrato, é que deverão iniciar-se as actualizações que o Governo vier a determinar. É isto o que penso e foi isto que disse. O Sr. Deputado reparou, por certo, que mais do que estar a falar sobre o articulado da proposta de lei do Governo, procurarei reflectir aqui sobre alguns dos aspectos mais importantes para o PSD, face a essa mesma lei.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Está certíssimo, mas chamava-lhe à atenção, Sr. Deputado, de que não é isso que está na lei!

O Orador: - Procuraremos dialogar sobre esse assunto, aquando da discussão na especialidade.
Quanto ao parque habitacional degradado, de prédios irrecuperáveis - e isto responde de algum modo ao Sr. Deputado Anselmo Aníbal, que julgo que hoje ficou preocupado por eu ser menos generalista e talvez por isso tenha sido muito generalista nas suas perguntas - devo dizer que o meu partido não sustenta que se faça uma política de demolição de tudo quanto são fogos velhos.
Agora, o que é evidente é que fogos e prédios cuja estrutura tem, neste momento, 60, 70 anos (alguns menos), têm a sua estrutura básica perfeitamente degradada e praticamente irrecuperável. 15to é evidente e até o Sr. Deputado o reconheceu.
Quanto à questão de serem ou não justos os aumentos para os actuais inquilinos, penso que obviamente essa questão é importante que se ponha, mas naturalmente que há fogos em melhor estado e fogos em pior estado. O Sr. Deputado também reconhece que será impossível numa lei estar a prever caso a caso...

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado, não seria impossível que a lei consignasse que os prédios considerados, pelas respectivas câmaras municipais, como insusceptíveis de recuperação não seriam objecto de actualização)

O Orador: - Bom, enfim, aí podia responder de outra forma. Podia dizer que aqueles que se consideram sem os níveis médios de habitabilidade, então, obviamente que passavam à demolição e o problema não se punha.
Penso que das duas uma: ou há condições para o inquilino aí viver ou não há. Pode haver condições, ainda que mínimas, para o inquilino estar numa casa, mas, de qualquer forma, não se justificar a recuperação dessa casa no que respeita à sua estrutura básica. O Sr. Deputado sabe que isto é assim e, portanto, há também que não confundir estas situações diversas.
Quanto ao problema das rendas a prazo, que a Sr.ª Deputada Zita Seabra também referiu, a questão que se põe, e a reflexão que o PSD aqui suscitou sobre a matéria, prende-se com aquilo que o meu partido entende ser necessário, que é o lançamento imediato no mercado de umas dezenas de milhares de fogos. Pensamos que isso é absolutamente indispensável para regularizar o mercado, em termos de diminuir a pressão da procura sobre a oferta. Daí que nos pareça que esse tipo de solução, como já referi - disse-o aqui, está expresso, escrito - não deva ser uma forma transitória. Quanto aos fogos que já estão arrendados, não deve haver limite mínimo, na hipótese desses contratos estarem feitos sem limite de prazo.
Em termos de liberdade contratual durante um período transitório e como hipótese de trabalho, o meu partido admite que para lançar no mercado alguns milhares de fogos se possa ir por essa solução, mas de forma transitória - durante 1, 2 ou 3 anos, não mais. Convinha que o nosso juízo ficasse perfeitamente expresso. Não se trata, naturalmente, de regredir a 1910, a Sr.ª Deputada pode ficar descansada que não iremos para ai, nem sequer chegaremos a 1983, mas também não iremos com certeza para 1985!
Quanto à questão de slogan, «uma casa para cada português», usado durante a campanha do Partido Social-Democrata, obviamente sempre defendemos e continuamos a defender isso, Sr.ª Deputada. Nada da intervenção que fiz contraria esse principio, diria antes que, pelo contrário, toda ela sustenta o principio fundamental de que cada português deve ter uma casa. Mas há aqui uma questão de fundo que é a de saber se se deve privilegiar, a casa própria ou a casa em termos de regime de arrendamento.
Aliás, da minha intervenção constavam duas folhas sobre esta matéria, mas, para não alongar a intervenção, passei-lhes por cima. De qualquer forma, isso está escrito.
Pensamos que se deve continuar, tanto quanto possível, o esforço no sentido de proporcionar ao maior número possível de cidadãos a aquisição de casa própria.
Porém, como a Sr.ª Deputada sabe, em situação de crise a política que mesmo na Europa se segue é a de privilegiar a questão do regime de arrendamento e, portanto, de favorecer o direito à casa através do arrendamento. Esta é uma política que se segue.
Portanto, o problema que se coloca - disse-o claramente na minha intervenção e a Sr.ª Deputada tam

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bem já o disse aqui várias vezes - é que há milhões de contos de subsídios e de bonificações que não beneficiaram minimamente as classes mais desfavorecidas deste país. A Sr.ª Deputada sabe isto e entendemos que esta não é política a seguir; que não devemos continuar nessa linha!

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - É aumentar-lhes as rendas?!

O Orador: - Não é aumentar as rendas, mas sim fazer as duas coisas, como também disse isso na minha intervenção.
Por um lado, trata-se de dar subsídios directos a quem deles carece - esperemos que não se criem estruturas preparadas para darem subsídios, para, depois, alguns usufruírem de rendimentos à custa da pobreza de cada um. Teremos de acautelar isso, e nós, deputados, estaremos atentos a essas redes que certamente irão tentar surgir de imediato. Mas, por outro lado e simultaneamente, deve avançar-se com a linha de crédito já referida várias vezes pelo Sr. Secretário de Estado, a conceder às câmaras para as famílias insolventes.
O que não se pode confundir é a actualização das rendas de casa e o desbloqueamento do mercado da habitação com as carências das famílias insolventes, que não podem, obviamente, ser resolvidas através desta legislação. O juízo da Sr.ª Deputada, se fosse levado até às últimas consequências, considerando aqueles que são mais carentes; levaria ou a que o Estado fosse o único a construir ou, então, a que os senhorios deixassem de receber rendas, porque as pessoas que lá estavam não as queriam pagar.
Portanto, há que distinguir entre quem pode pagar e quem não pode pagar. E quem não pode pagar ou é apoiado através do subsídio, ou, então, terá de se criar um mecanismo para habitação social destinada às famílias insolventes.
15to para já não referir outro aspecto fundamental, que, aliás, já está criado, faltando agora entrar em aplicação. Trata-se do facto de o regime de casa própria, que se privilegiou desde o 25 de Abril até agora - não se tendo curado, como eventualmente se deveria ter feito, em termos de aumentar a percentagem do parque arrendado sobre o parque de habitação própria -, ter levado, como sabe, a um travão muito forte à mobilidade social.
Em termos de descentralização e de regionalização, julgo que, se não se cria um mecanismo que favoreça a mobilidade social, teremos grandes dificuldades em fazer essa regionalização que todos defendemos. Sabe que, hoje nenhum quadro ou trabalhador especializado de Lisboa vai para o Algarve ou para outra zona do País. Não vai porque não consegue casa ou, se a consegue, não consegue suportar o seu custo. Este é outro aspecto importante e daí que o tenha exposto com todo o pormenor e seriedade.
Hoje tive o cuidado de não ser muito generalista, tipifiquei todas as questões e julgo que as abordei quase todas. Independentemente de o Sr. Deputado Anselmo Aníbal e o PCP concordarem ou não, hão-de reconhecer ,pelo menos, com o mínimo de justiça, que procurei analisar quase todas as situações, sem prejuízo de os nossos pontos de vista serem discordantes - em muitos casos são-no com certeza e não há mal nenhum
nisso.
Não disse que a culpa de haver carência de habitações é dos inquilinos, Sr.ª Deputada. Não lhe respondo a isso, nem sequer lhe digo se isso é ou não uma provocação, pois não vale a pena. Não o disse, pelo que passo adiante.
O Sr. Deputado referiu que eu disse que a lei é fundamental para incrementar o sector da construção civil e que isso é, realmente, o objectivo fundamental desta lei. Sr. Deputado, indiquei-lhe muitos objectivos que a nova lei das rendas tem, sendo um deles a construção civil. Penso em dinamizar o sector e penso também que, com 5000 a 6000 trabalhadores da construção civil por mês a passarem ao desemprego, não é o Sr. Deputado nem o seu partido que virão dizer - aliás, muitas vezes o têm dito - que não querem um sector da construção civil dinâmico e eficaz.
Portanto, julgo que não é crime nenhum conseguir-se, através disto, uma dinamização do sector da construção civil.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Só que não consegue!

O Orador: - Vou já referir isso, Sr.ª Deputada. Hoje não estou na generalidade, pelo que vou a tudo. Não se preocupe!
Quanto a ter dito que as rendas já estão descongeladas, a Sr.ª Deputada sabe que isso nem sequer chega a ser meia verdade. Deu-se aos inquilinos a possibilidade de optarem entre o regime de renda livre e o de renda condicionada.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Aos senhorios!

O Orador: - Exactamente, aos senhorios. Enganei-me! É que olho para si e só vejo inquilinos...

Vozes do PCP: - Ah!

O Orador: - ... com todos os erros que isso implica em termos de análise do processo. .

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Eu olho para si e só vejo senhorios!

O Orador: - Não vê nem ouve; nem uma coisa nem outra!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço-lhes o obséquio de não estabelecerem diálogo.

O Orador: - Portanto, há a possibilidade de opção entre o regime de renda livre e o regime de renda condicionada, mas, depois, não há mais possibilidades de actualizar minimamente a renda, a não ser que seja uma renda condicionada - com uma renda livre, não consegue.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Não é verdade!
Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Peço-lhe que intervenha no fim, Sr.ª Deputada, para que o diálogo não corte a minha intervenção.
Quanto à questão dos fogos devolutos, penso que, se houve algum aspecto em que fui claro, sem dar lugar a ambiguidades, foi em relação a esta questão. Julgo que, a partir do momento em que entrar em vi-

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gor uma lei que seja minimamente equilibrada - só na especialidade iremos decidir isso -, deverá haver então, obviamente, um muito maior rigor em termos de lançar no mercado todos os prédios ou fogos devolutos destinados ao arrendamento.
Em relação às questões colocadas pelo Sr. Deputado Anselmo Aníbal, penso que já respondi a quase tudo. Só ficou uma questão, que é a de saber como é que se vão fazer as obras com a actualização das rendas, se não houver nenhuma obrigatoriedade.
Há aqui uma diferença de fundo. Apesar de tudo, acreditamos no funcionamento da economia de mercado, com um determinado tipo de regras que salvaguardem a defesa dos interesses colectivos e dos mais carecidos - o Sr. Deputado e o seu partido não acreditam minimamente no funcionamento da economia de mercado -, por isso, estamos em crer que uma nova estrutura no mercado de arrendamento, designadamente a que esta lei pode consignar, irá levar fatalmente a uma melhoria do parque habitacional.
Quanto ao Sr. Deputado Dorilo Seruca, não sei quais foram os cálculos que fez. De qualquer forma, lembro-lhe que uma renda de 500$ por mês, se for anterior a 1955, se se referir a prédio sem porteira e sem elevador e aos concelhos de Lisboa e do Porto, tem um índice de actualização de 6,51. Porém, ela só vale até ao fim do período e está-se aqui a prever uma correcção extraordinária diferida no tempo, durante um determinado número de anos. A fim de não ficarem equívocos, direi que, nesta renda, o índice de actualização para o primeiro ano é de 3,15.
Portanto, uma renda que seja de 500$ em 1985 passa, em 1986, para cerca de 1600$. Convém ter isto na devida conta.
Daí aquilo que eu também disse na minha intervenção, ou seja, que, para nós, seria completamente impensável fazer uma actualização imediata para repor, minimamente que fosse, as rendas em termos de alguma justiça face ao investimento.
Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado Raul e Castro, sobre a justiça ou injustiça da renda como um bem de consumo ou como um direito social, dir-lhe-ei que a minha intervenção contemplava as duas situações. Fui claro nesse aspecto.
Considero a habitação um bem de consumo duradouro, no caso em que o fogo ou do prédio foi proveniente da iniciativa privada. Naturalmente que aí tem de funcionar minimamente a regra de mercado. Se o inquilino não pode pagar, entra o subsídio. O que eu disse - e está escrito - foi que não pode ser o senhorio a suportar o custo social desse bem e direito social que é a habitação. Deve ser o Estado, colectivamente, a assumi-lo.
Quanto à questão dos mais carentes, o Estado deve assumi-la integralmente através do lançamento de fogos para o efeito, o que até agora, infelizmente, não tem acontecido, mas que esperamos que venha a acontecer com a nova linha de crédito que foi já aprovada.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Deputado José Vitorino, estávamos aqui a ouvi-lo e há pouco concluímos que o Sr. Deputado não tinha lido a proposta de lei. E não leu mesmo!
O Sr. Deputado diz que o regime de renda livre não será aumentado. A proposta de lei, logo no artigo 3.º, diz o contrário. Eu leio-lhe, porque - isto é espantoso - os senhores nem sequer sabem o que estão aqui a discutir! 15to é verdadeiramente inaceitável!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. José Vitorino (PSD): - Eu não disse isso!

A Oradora: - Inclusive, o Sr. Secretário de Estado explicou isso aqui ontem. O artigo 3.º diz, no seu n.º 1, o seguinte:

As rendas, qualquer que seja o regime aplicável, ficam sujeitas a actualizações anuais [...]

O mesmo artigo reza, no seu n.º 2, o seguinte:

Relativamente a cada um dos regimes de renda, as actualizações terão por base coeficientes, iguais ou diferentes [...]

15to é, podem ser iguais ou podem ser diferentes, mas são actualizados todos os regimes! Verificou-se que o Sr. Deputado nem sequer conhecia isto.
Mas também já tínhamos notado há pouco que também não tinha lido o artigo 38.º

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - No artigo 38.º diz-se exactamente que os fogos que foram arrendados em regime de renda livre só serão actualizados anualmente daqui a 7 anos. Quanto aos que já estão em vigor, o Sr. Deputado falava para aí em 5 ou 6 anos e dizia que isso não está na lei, mas que o PSD o proporá. 15so não é assim - leia o Diário da Assembleia da República - e o PSD não o pode propor porque já está aqui!
Agora, o que é espantoso é que os senhores venham aqui sem terem discutido, pensado, estudado ou sequer lido a proposta de lei!

Aplausos do PCP e do Sr. Deputado Independente António Gonzalez.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr.ª Deputada Zita Seabra, V. Ex.º acusou-me de não ter lido a proposta de lei e de não a conhecer. Respondo à provocação...

Vozes do PCP: - Não é provocação!

O Orador: - ... dizendo que esse é um juízo subjectivo, porque a Sr.ª Deputada não viu se li ou não.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - De que não leu a prova está feita! A sua intervenção é prova disso! Pergunte ao Sr. Secretário de Estado!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço-lhes o favor de não estabelecerem diálogo.

O Orador: - Agora, o que é evidente, não é subjectivo e que toda a Câmara o pode concluir é que a Sr.ª Deputada não ouviu, não quis perceber ou não lhe convinha perceber aquilo que eu disse durante as minhas respostas e que está escrito na minha intervenção.

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A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Percebi!

O Orador: - Mas vou explicar-lhe, porque, apesar de tudo, a Sr.ª Deputada tem o direito de saber, para não continuar a laborar em equívocos.
Quando afirmei que o regime de renda livre não podia ser actualizado, fi-lo para responder à sua questão, quando disse que, pela legislação anterior, já se podia fazer a actualização das rendas. Eu disse-lhe que no regime da renda livre não se podia fazer actualizações anuais. Foi isto o que eu disse, até porque, antes, tinha dito ao Sr. Deputado Lopes Cardoso - e não estou a arranjar agora uma argumentação de circunstância - que, em termos de regime de renda livre, se pode actualizar anualmente, a não ser que ainda não se tenha atingido os 5, 6 ou 7 anos.
Também já tinha dito, tanto na minha intervenção como durante as respostas, que não me referi ao articulado da legislação, mas àquilo que o PSD entendia.
Sr.ª Deputada, não confunda o que está na proposta de lei, que eu li e que conheço, com aquilo que eu disse na minha intervenção e nas respostas. Disse expressamente que a proposta de lei é uma base de trabalho e que o que aqui temos estado a definir e a defender é o que achamos dever ser uma lei das rendas equilibrada.
Felizmente - não vou usar um termo menos correcto -, a Sr.ª Deputada percebe as coisas: percebe aquilo que quer, mas também não percebe aquilo que não quer, e isso é que é grave, Sr.ª Deputada.
Portanto, perceba não aquilo que quer ou não quer, mas aquilo que deve perceber, para não ser injusta com os outros e para não acabar por cair no ridículo.

O Sr. João Amaral (PCP): - Já não percebe é o que está a dizer! Enrolou-se nas suas próprias palavras!

Risos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Dorilo Seruca.

O Sr. Dorilo Seruca (UEDS): - Sr. Deputado José Vitorino, não respondeu à minha pergunta. Quando vi o Sr. Deputado defender com tanta veemência este diploma e este regime de atribuição dos subsídios, pensei que o Sr. Deputado soubesse o que estava a defender. No fundo, o Sr. Deputado não me respondeu.
Quanto à questão ao exemplo dos 500$ que foquei, é certo que as pessoas não irão pagar isso no primeiro ano, mas uma pessoa que tenha uma casa com porteira e com elevador cuja renda seja de 500$ irá pagando até atingir, com o factor de correcção de 8,42, os 42105, que serão depois agravados com os aumentos anuais.
Mas a questão que lhe tinha colocado é a seguinte: que mecanismos é que estão previstos para garantir a celeridade dos subsídios e para que, até Outubro, data prevista para a entrada em vigor deste diploma, eles estejam atribuídos ou, pelo menos, codificados e processados?

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Diria, antes de mais, que em política, quando não se têm argumentos ou quando não se tem a humildade para se reconhecer que não se têm argumentos, argumenta-se como se pode.

Risos do PCP.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Tem-se visto!

O Orador: - O PCP, à falta de argumentos - porque de facto não os tem - apenas consegue fazer a política demagógica que faz num comício ou numa qualquer manifestação. A debater em cima da mesa o projecto, face ao País e a toda uma complexidade de realidades que estão aqui subjacentes, o PCP não consegue argumentar coisa nenhuma, e por isso tem necessidade de recorrer deliberadamente a uma tentativa de confusão daquilo que é perfeitamente claro e inequívoco.
Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado Dorilo Seruca, dir-lhe-ia aquilo que eu disse na minha intervenção: no caso de ter direito a subsídio, o inquilino não pode minimamente ficar sujeito a uma situação em que se lhe vá actualizar a renda, não tendo ele possibilidade de, entretanto, contar com o subsídio.
Pergunta-me como é que o subsídio será atribuído. Obviamente que terá de ser através do mecanismo que está previsto.
O Sr. Deputado diz que há aqui uma contradição entre uma certa leveza que se pretende do aparelho do Estado e este mecanismo. É evidente que pode haver, mas, dado objectivo social que o justifica, penso que também está correcto que assim se faça.
Mas também lhe pergunto o seguinte: o que é que o Sr. Deputado propunha? Como é que se vão garantir esses subsídios, senão com um mecanismo que possa saber a quem se deve e a quem não se deve atribuir?

O Sr. Dorilo Seruca (UEDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Dorilo Seruca (UEDS): - Sr. Deputado José Vitorino, o que lhe pergunto é se já estavam criados esses mecanismos quando se pensou na data da entrada em vigor do diploma (Outubro), visto que se vai ainda criar toda essa máquina - se for possível criá-la na prática. Pergunto-lhe se essa máquina está criada, se já estão previstos esses mecanismos.

O Orador: - Sr. Deputado, o que lhe posso dizer, pelo que sei, é que já há legislação regulamentar sobre a matéria e que estão a ser montados os mecanismos para o efeito. Esperemos que possam ser implementados de forma rápida.
O que se tem de garantir - disse-o expressamente na minha intervenção, porque tenho em consideração as suas preocupações, que são também as minhas e as do PSD - é que não poderá verificar-se situação de necessidade de subsídios em termos de a renda ser actualizada antes de eles poderem ser atribuídos. 15so não pode jamais verificar-se!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Roque Lino.

O Sr. Roque Lino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Aquando da discussão pública do anteprojecto de proposta de lei das ren-

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das, houve alguém que afirmou que nem Salazar se atrevera a mexer nesse regime. Ter-lhe-á faltado coragem para tanto. Mas quem se atreverá a afirmar que um regime democrático funda a sua natureza na anestesia das realidades políticas, sociais e económicas? Tem a fraqueza e a franqueza de as afrontar e enfrentar? Daí lhe nasce a força, porque tem legitimidade democrática, porque actua com o sentido das realidades, porque deve postergar o curto prazo em benefício do médio e do longo prazos, porque, em suma, não deve recusar o sacrifício de pedir sacrifícios se estes são o meio de atingir objectivos de estabilidade e progresso. E quão fácil seria adiar, quão cómodo seria endeusar a utopia, quão leve seria a carga social e política se ao sentido das responsabilidades se substituíssem a demagogia, o eleitoralismo, a defesa cínica dos cidadãos, dizendo-lhes, por exemplo, que os senhorios estão a deixar cair os prédios de podres, ou que os empresários da construção civil não querem construir ou, se constroem, não querem arrendar.

As contradições sociais só podem ser ultrapassadas desde que o Estado tenha um papel fundamental na intervenção no mercado imobiliário habitacional, procurando conciliar a justa retribuição do capital dos investidores com o direito à habitação dos Portugueses. Tal desiderato passa, indiscutivelmente, pela procura de soluções que respondam equilibradamente a uns e a outros, sem se perder de vista que uma política de habitação não se esgota na conciliação daqueles interesses. Pelo contrário, uma política de habitação passa essencialmente por um correcto ordenamento do território, pela revisão dos financiamentos à habitação com as necessárias bonificações, pelo aperfeiçoamento do regime de crédito à promoção habitacional pelos municípios, entidades parapúblicas e de solidariedade social, pela reformulação dos sistemas de crédito às cooperativas e, ainda, pelo apoio à mobilização e infra-estruturação de solos urbanos por parte do poder local.
Só que esta proposta de lei parte de uma realidade, que é, em síntese, a seguinte: desde 1943 que as rendas habitacionais em Lisboa e no Porto estão efectivamente congeladas por efeito da Lei n.º 2030. E desde 1974 que foram suspensas as avaliações fiscais quinquenais para correcção do rendimento ilíquido inscrito na matriz quanto ao resto do País, de que resultou o congelamento de todas as restantes rendas. Uma tal situação não poderia deixar de produzir os efeitos dolorosos que estão à vista. Temos hoje uma carência de algumas centenas de milhares de fogos novos e 400 000 habitações degradadas. E porquê, afinal?

No seu manifesto eleitoral de 1983, o Partido Socialista punha a seguinte questão: « É socialmente justo que os cidadãos tenham de suportar o aumento de todos os preços - dos alimentos, do vestuário, da energia, dos transportes, etc. - menos do preço da habitação?» Daí que o meu partido tenha logo nessa campanha eleitoral apontado, como indispensáveis, algumas medidas, entre as quais a urgente recuperação de habitações antigas e degradadas, a revisão do regime de arrendamento para novos contratos de habitação, a fixação do valor das rendas através de critérios informados por «normas de renda justa» com actualização e, ainda, a criação de esquemas de subsídios à habitação, alimentados, em parte, por uma percentagem sobre o montante da correcção de rendas. Tal proposta já tinha sido consagrada no congresso do PS de 1978 e integra o documento, também do PS, «Portugal - Anos 80».

Tratou-se de um discurso político que nada teve de eleitoralista, mas que disse a verdade aos seus eleitores potenciais, na altura em que era necessário alertá-los para as suas intenções de voto. Não lhes mentiu. E, logo que este Governo de coligação se constituiu, essas medidas foram vertidas no respectivo programa, discutido e aprovado nesta Assembleia. Recordo algumas delas, para avivar a memória daqueles que esqueceram o contrato assumido pelo Governo: «revisão do regime de arrendamento urbano e instituição da renda justa, quer em função do fogo (renda técnica) quer em função do rendimento do agregado familiar (renda social), com subsídio ao diferencial, quando exista, a retirar de um fundo alimentado por um imposto sobre o montante dos aumentos de renda».

Antes de passarmos à análise dos grandes princípios que enformam a proposta de lei n.º 77/III, onde aquelas medidas foram vazadas, convirá ainda fazer uma retrospectiva histórica da habitação em Portugal. Dos cerca de 3 200 000 fogos que hoje temos em Portugal, 25% foram construídos antes de 1919, 20% desde este ano até 1946, 30% entre 1946 e 1971 e 2501o entre 1971 e 1981. Do total de fogos, apenas cerca de um terço foi afectado a arrendamento, o que aliás corresponde à média mais baixa da Europa, onde o stock habitacional arrendado varia entre 40% a 60%, sendo o restante parque habitacional próprio dos proprietários.

Se considerarmos, todavia, a evolução da construção, verificamos que, de 27 193 fogos construídos em 1970, a 14 269 em 1975, a construção atingiu 37 302 em 1981 e 39 790 em 1982, E aqui já podemos constatar um fenómeno que resulta do congelamento das rendas. Daquele total construído, foram arrendados, respectivamente, em Portugal continental e em Lisboa, apenas 11 250 e 1844 em 1970, 6380 e 1622 em 1975 e apenas 531 e 30 em 1981. Esta tendência, aliás, tem vindo a decrescer em proporções alarmantes, designadamente desde 1975, como efeito do congelamento das rendas, por um lado, e por efeito da indisponibilidade de novos fogos para arrendamento, por outro, em virtude dos seguintes factores: inflação galopante, aumento dos custos de produção, taxas de juro e especulação resultantes do próprio congelamento.

Ou seja: não se arrenda, em virtude de os factores que influenciam os novos locatários não serem convidativos, por um lado, e não se constrói pelas mesmas razões. Aliás, é do conhecimento dos Srs. Deputados que existe hoje um stock de algumas dezenas de milhares de fogos novos devolutos, colocados no mercado de compra e venda, mas que continuam indisponibilizados por falta de condições para arrendamento e, ainda, por falta de uma ajustada política de crédito à compra de casa própria. Se levarmos em linha de conta que houve um aumento demográfico significativo em Portugal entre 1970 e 1981, quer por força de retorno de emigrantes, quer por efeito da descolonização, e sabendo que o parque arrendado diminuiu 6% no mesmo período, temos de perguntar-nos: como foi possível chegar a esta situação? Onde se alojaram esses cidadãos? Provavelmente em ilhas e bairros de lata, para além de sobreocupação de habitações no parque arrendado dos principais centros urbanos, sendo 15% em Lisboa e 22% no Porto, para uma taxa de subocupação de 19% em ambas as cidades.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: A situação actual do arrendamento em Portugal caracteriza-se, essencialmente, pelo seguinte quadro habitacional e jurídico: cerca de 36% dos fogos arrendados apresentam evidentes sinais de degradação, o que corresponde a 360 000 habitações. Não têm energia eléctrica 10%, carecem de água canalizada 25% e 600 000 habitações não têm instalações sanitárias. Dos locatários, 82% pagavam, em 1982, menos de 10% dos respectivos rendimentos, sendo as rendas médias de 1350$ na Grande Lisboa, 1170$ no Grande Porto e 1250$ nos distritos-padrão, Viseu, Évora e Faro. Mas, para se ter uma visão mais realista da actual estrutura do parque habitacional em Portugal continental, diremos que 34,3% pagam menos de 500$, 26,4% entre 500$ e 1000$, e 28,4% entre 1000$ e 3000$.
Com este parque, com esta estrutura, com estas taxas de esforço de pagamento, tendo em linha de conta as carências de toda a ordem, quer no que respeita à degradação dos fogos existentes, quer no que respeita à sua insuficiência, atingiu-se a ruptura. Estamos agora confrontados com ela. E isso decorre também, mas não exclusivamente, do actual regime jurídico do inquilinato.
Assim é que a lei n.º 2030 congelou os preços locativos em Lisboa e no Porto em 1948 com efeitos a partir de 1943. O Decreto-Lei n.º 445/74 veio suspender a avaliação quanto ao resto do País, o que, na prática, conduziu também ao congelamento. E só com o Decreto-Lei n.º 148/81 foi possível desbloquear novos contratos de arrendamento, em ordem a permitir a estipulação de rendas livres e de rendas condicionadas, estas sujeitas a actualizações anuais através de quocientes calculados na base de variações do índice médio ponderado de preços no consumidor, sem habitação, correspondente aos últimos 12 meses, para os quais existissem valores disponíveis. Se tomarmos em conta que o Decreto-Lei n.º 294/82 veio introduzir a repercussão das obras de reparação e beneficiação nos preços locativos, ficaremos com um quadro jurídico complexo que, nas suas linhas gerais, se pode apresentar do seguinte modo: .

A) Rendas congeladas, como efeito da Lei
n.º 2030 e do Decreto-Lei n.º 445/74;
B) Rendas livres e rendas condicionadas, cujo regime é regulado pelo Decreto-Lei n.º 48/81;
C) Rendas actualizadas por força da imputação do custo das obras de reparação e beneficiação, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 294/82;
D) Rendas limitadas;
E) Outros arrendamentos especiais, designadamente os previstos no n.º 2 do artigo 1083.º do Código Civil.

Iremos agora fazer uma análise aos princípios que enformam a proposta de lei n.º 77/III, posto o que acrescentaremos algumas sugestões e críticas com vista à sua melhoria.
No programa eleitoral do Partido Socialista e no próprio Programa do Governo, foi afirmado e aprovado, respectivamente, que uma das medidas imediatas consistiria na consagração do princípio da renda justa, assente em critérios de justiça social, o que postulava um modelo que fosse talhado dentro dos seguintes limites: a actualização seria periódica (em princípio após o decurso de períodos anuais) e atenuada por subsídios diferenciais suportados por receitas fiscais decorrentes da contribuição predial. Por outro lado, não poderão os coeficientes de actualização ultrapassar determinados limites, em ordem a mantê-los abaixo dos preços dos índices no consumidor, sem habitação.
A proposta de lei vem consagrar ainda três regimes de renda, quais sejam o de renda livre, renda condicionada e renda apoiada. Em relação ao regime de renda apoiada, a proposta de lei pouco ou nada diz, já que se limita a fazer a remissão para preceitos legais em vigor e até que o Governo fixe o respectivo regime legal. Mas, já no que toca aos regimes de renda livre e condicionada, foi preocupação do Executivo estabelecer algumas regras que impedissem o efeito multiplicador do desnível na lei da oferta e da procura, levando necessariamente à especulação ou ao pagamento de lucros extracontrato. Assim, estabeleceu-se um regime de compatibilização, que passa pela concessão de isenções fiscais no regime de rendas condicionadas e fixa as regras de suporte da renda inicial, que distancia o volume locativo em montantes mais ou menos atractivos, quer para senhorios, quer para inquilinos. Digamos que o princípio geral é o da fixação de rendas condicionadas, tornadas obrigatórias em algumas situações, sendo as rendas livres negociadas livremente e sem incentivos fiscais. Nesse domínio, a proposta de lei não foi tão longe como devia, já que deveria ter sido afirmado que os coeficientes terão de ser desiguais, obviamente - uns para as rendas livres e outros para as rendas condicionadas. Mais: pensamos que o coeficiente de actualização deverá ser contido anualmente entre dois terços a três terços do índice médio dos preços do consumidor sem habitação, nos últimos 12 meses, como limites mínimo e máximo. Pensamos que é importante que isto fique desde já exarado na lei, para evitar que as sucessivas políticas dos sucessivos governos venham porventura a fixar coeficientes da ordem dos 100%, quando, por razões de natureza política, isso possa, à luz dessa orientação, ser justificado. Por isso, defendemos que já nesta proposta de lei deveremos fixar coeficientes cujo limite mínimo seja de dois terços e máximo de três terços, obviamente para actualizações anuais das rendas de casa.

No contexto social e económico actual, o que é mais gravoso nesta lei não são as actualizações anuais. São-no indiscutivelmente as correcções extraordinárias, que, em inúmeras situações, poderão criar a rotura nos orçamentos familiares mais débeis. Temos perfeita consciência disso. Sabemos, todavia, que, nesses casos, o subsídio de renda poderá atenuar ou eliminar o défice dos rendimentos do agregado, desde que haja a preocupação de fixar os subsídios em função do rendimento bruto do agregado familiar do locatário, da dimensão média da família e da renda paga. Esperamos que o Governo atenda ainda àqueles casos excepcionais de manifesta carência, como, por exemplo, todos os que trabalham sem receber a contrapartida do salário, os desempregados e outros estratos que sofram carências iguais ou inferiores àqueles, que, afinal de contas, poderemos considerar situados em posição igual ou inferior aos próprios reformados e pensionistas. Pensamos que o subsídio de renda deverá também ser alargado a todos esses estratos da população activa ou não activa.
Mas o gravame das correcções extraordinárias, apesar de serem um mal necessário face à degradação do

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parque habitacional, terá de ser distribuído no tempo, por forma a que os sucessivos aumentos anuais não venham criar a rotura, apesar das medidas de subsídio diferencial.
Aliás, entendemos, nessa perspectiva, que esse período nunca deverá ser inferior a 6 anos, como, segundo penso, se prevê fazer relativamente ao regulamento desta lei. Mas penso também que este período poderia ir até um máximo de 12 anos, para desagravar, até onde fosse possível, os rendimentos dos agregados familiares mais débeis.
Um outro princípio importante que este diploma vem consagrar tem a ver com o novo regime legal relativo às obras de conservação e beneficiação, quer no que toca à sua diferenciação, quer no que respeita à garantia da sua realização após vistoria das câmaras, dependente embora de elaboração do respectivo orçamento dos custos.
É de aplaudir a realização de obras por iniciativas das câmaras ou dos próprios inquilinos, dentro de determinados condicionalismos, mas com a possibilidade de recurso a crédito acessível e o pagamento do custo por dedução directa nos preços locativos até 75 % do respectivo montante. De aplaudir é ainda o combate ao loteamento não licenciado e à construção clandestina, por força do princípio contido no artigo 29.º, n.º 2, da proposta que, lembrando de memória proibirá as actualizações anuais ou as correcções extraordinárias, sempre que esses fogos não tenham sido efectivamente inscritos na matriz e em relação aos quais não tenha sido emitida a respectiva licença de utilização, o que, obviamente, irá acontecer no respeitante a todas as construções clandestinas.
Penso que também é importante admitirmos a possibilidade - aliás, já reconhecida por um membro de um governo - de que a recuperação daqueles prédios praticamente irrecuperáveis que se situem nos grandes centros históricos dos grandes centros urbanos ser feita à custa de orçamentos próprios a suportar pelo Estado, pelo menos, dentro de determinados limites. De outra maneira, e acolhendo algumas críticas que têm sido formuladas, pensamos que, quer as correcções extraordinárias, quer as anuais não poderiam só por si incentivar, quer os inquilinos, quer as câmaras municipais, quer os senhorios a fazerem essas obras de recuperação.
Apraz-nos ainda registar as inovações agora introduzidas quanto à transmissão do direito ao arrendamento para aqueles que, comprovadamente, tenham vivido em comunhão de facto com o de cujus por período igual ou superior a 5 anos. Embora, no domínio da caducidade dos contratos tenhamos algumas críticas a fazer, como, aliás, no domínio do direito de preferência à celebração de novos contratos de arrendamento. E se a duração do prazo contratual o Governo proponente teve o bom senso de manter o quadro jurídico actual, o que de todo em todo não é aceite pelas associações de proprietários que desejariam considerar equivalentes os rendimentos das rendas aos rendimentos dos depósitos a prazo no que concerne à respectiva resolução, entendemos mesmo assim que nos casos de transmissão esta deveria obstacular a caducidade em algumas situações especiais. Di-lo-emos mais à frente. Mas também não defendemos a perpetuação ad infinitum dos contratos, como desejariam algumas associações de inquilinos.

Enunciados que foram os grandes princípios gerais que enformam a proposta de lei do Governo, iremos agora formular algumas críticas com vista à melhoria do texto, paia além das que foram já formuladas atrás.
Quanto aos regimes de renda previstos no quadro jurídico da presente proposta, julgamos importante introduzir algumas alterações. Desde logo há que evidenciar que os coeficientes de actualização anual deverão ser dissemelhantes para as rendas livres e condicionadas, porque se estas podem ser mais convidativas para os locatários, também o são para os locadores por efeito das isenções fiscais nos domínios da contribuição predial e do imposto complementar que, no primeiro caso, julgamos dever ser prorrogada até 5 anos, como se vinha já praticando, e não 3 anos, como agora se propõe. Mas também os inquilinos, agora pesadamente onerados com as pesadas tabelas, deveriam ser beneficiados com a dedução das rendas pagas anualmente, até determinado montante, no imposto complementar.
Parece-me obviamente uma regra jurídica, mas também moral e social, de indiscutível alcance e que deveria ou deverá ser implementada nesta lei e na especialidade.
A habitação desempenha uma função vital na sociedade, está ligada à família e, se os critérios de dedução andam ligados ao próprio núcleo familiar e aos seus rendimentos, deveremos por acréscimo deduzir no imposto o esforço das novas taxas de rendas.
Entendemos ainda que não deverá haver isenções fiscais sempre que o regime de renda condicionada seja obrigatório, porque, efectivamente, a proposta de lei - como os Srs. Deputados deverão ter reparado - alarga a toda a renda condicionada as isenções fiscais. Ora, entendemos que, nos casos em que a renda condicionada é obrigatória por força deste diploma, não deverá então haver lugar a essas isenções fiscais.
A correcção extraordinária constituirá um gravame de consequências incalculáveis. Se é certo que não devem ser só os locadores a suportar o esforço de recuperação do parque habitacional, julgamos todavia que os coeficientes correctores deveriam ser inferiores aos previstos para as actualizações actuais, alargando assim o prazo para atingir os valores constantes da tabela. Digamos, por hipótese, que esse coeficiente nunca poderia ser superior ao coeficiente fixado para as actualizações anuais.
Mas também não concordamos com a possibilidade de ajustamento de rendas por obras de beneficiação efectuadas, o que iria acumular-se, a nosso ver, com os agravamentos previstos nesta proposta, como parece decorrer do artigo 17.º No domínio da duração dos contratos, parece-nos importante contemplar a situação especial dos parentes ou afins na linha recta que viviam com o autor da sucessão há mais de 1 ano. Trata-se de situações muito peculiares do agregado familiar, em que as pessoas que o integram devem conservar o estatuto económico que tinham à data da morte do familiar. Assim, sempre que haja lugar à transmissão do direito de arrendamento, e só nestes casos, pensamos que os sucessores não devem ver agravado o peso da renda por efeito da aplicação do disposto no artigo 6.º da proposta da lei. O mesmo diremos em relação às uniões de facto, hoje largamente acolhidas na lei civil como situações equivalentes às situações de casamento, designadamente para efeito de pensões alimentares a cargo da herança. De resto, nem sequer seria lógico que através da eventual diminuição dos rendimentos do agregado, decorrentes da morte do

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arrendatário, os sucessores vissem agravados os seus encargos.

Vozes do PS: -- Muito bem!

O Orador: - No que toca ao peso da taxa de 8 % prevista no artigo 6.º, bem como à indeterminação do que seja o valor actualizado do fogo, o Governo proponente pisa terrenos perigosos. Na Europa, em geral, a taxa não vai além de 7 %, e talvez fosse mais transparente e seguro fixar desde já os índices que conduzirão ao valor actualizado, sob pena de se viver permanentemente sob a ameaça de componentes que dependerão de factores aleatórios. A certeza no direito e a segurança dos locatários pressupõe essa melhoria na especialidade.
Duas palavras ainda para o direito de preferência a novo arrendamento e para a mobilização dos prédios actualmente devolutos. Quanto ao primeiro, regulado pelo Decreto-Lei n.º 148/81, julgamos dever ser introduzido neste diploma o regime em vigor, mas deverão ser reduzidas as limitações actualmente consagradas, sob pena de o direito não passar de uma panaceia jurídica, completamente esvaziado de conteúdo.

No que respeita às habitações actualmente colocadas no mercado imobiliário - e sei já que o Partido Comunista não vai gostar nada desta parte da intervenção -, pensamos que pode ser importante abrir uma excepção no que toca à duração dos contratos, permitindo que aqueles prédios possam ser colocados no mercado habitacional durante os próximos 2 anos, sendo a vigência de 7 anos em regime de renda condicionada, renovando-se por períodos iguais de tempo se o locador e o locatário nisso acordarem. Seria uma forma de dar resposta imediata às carências habitacionais e de remunerar o capital investido, tanto mais que como sabemos há uma carência actual, em todo o Portugal, de cerca de 800 000 fogos.

E com as dezenas de milhares de fogos que estão devolutos a aguardar renda ou o primeiro arrendamento, penso que esta medida não é demagógica, nem contra os inquilinos, mas, pelo contrário, poderá eventualmente resolver milhares de problemas de pessoas que hoje querem casa e não a têm.

Uma palavra também para o cálculo do subsídio de renda. preciso distinguir claramente os regimes de segurança social dos rurais do regime geral de segurança social. Ora, em nosso entender, o subsídio deve ser calculado não a partir de um daqueles regimes - o que obviamente reduziria o leque de cidadãos abrangidos pelo regime -, mas sim a partir de uma indexação ao salário mínimo nacional, o que viria aumentar o leque de todos os beneficiários do subsidio de renda.

Para concluir, direi que há medidas legislativas que todos gostaríamos que ficassem na gaveta ou que, tal como as avestruzes, os responsáveis políticos enterrassem a cabeça na areia. Essa seria a postura, como disse no início desta intervenção, dos demagogos, dos eleitoralistas e dos cínicos. Mas o problema que se põe hoje em Portugal é se vale ou não a pena sacrificar dividendos políticos aos superiores interesses da reanimação da actividade económica da construção civil e, por via dela, da habitação.
Para que haja uma casa para todos. Para que o direito à habitação seja efectivo e não apenas problemático.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Outras medidas de natureza social são necessárias, como também já referi atrás. Sem elas tudo ficará como está, ou bem pior, e para que isso não suceda é que lançamos daqui ao Governo o desafio de promover a habitação social e de desapertar um pouco os cordões às taxas de crédito para habitação, bonificando-as dentro do possível. Se assim não for, estaremos condenados, a médio ou a longo prazo, a voltar à idade das cavernas.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem! ...

O Orador: - Se ainda houver cavernas para todos habitarem, transformando-nos em trogloditas que, com um cacete na mão, defendem o seu espaço exíguo contra o egoísmo e a promiscuidade de outros trogloditas!
As leis podem ser pouco justas, mas mais injusto é o imobilismo - é o summum ins summa iniuria de que falavam os romanos - onde se situam as forças políticas para quem tudo deve ficar como está. Não é essa a nossa concepção da justiça e do progresso social.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Durante a intervenção do Sr. Deputado Roque Lino inscreveram-se, para formular pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados João Porto, Lopes Cardoso e Marques Mendes.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Porto.

O Sr. João Porto (CDS): - Sr. Deputado Roque Lino, gostava efectivamente de lhe colocar algumas questões, aliás poucas.
A primeira respeita à frase com que abriu a sua intervenção, relativamente à qual confesso não ter atendido muito bem o seu sentido. Penso que alguém teria dito «que nem Salazar teve coragem para alterar o regime das rendas», mas gostava que me esclarecesse se, pelo facto de o Sr. Deputado ao invocar essa frase - que, pelo que percebi, não é sua -, está a querer dizer que o PS e o Governo estão agora a fazer aquilo que Salazar não foi capaz de realizar, porque não teve coragem. Por outras palavras: quer dizer que os senhores estão a ser mais salazaristas que Salazar?

Risos do PS e do PSD.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Se os senhores estivessem no Governo, nem lhe mexiam!

O Orador: - É evidente que isto é para amenizar o ambiente!
Mas pergunto-lhe ainda outra coisa acerca do mesmo tema: que razões o levam a afirmar que Salazar queria fazer a actualização das rendas e só não o fez porque não teve coragem? Esta é uma questão histórica, aliás, sem grande interesse para o problema que estamos a debater, mas, por curiosidade e já que referir o assunto, gostaria de conhecer a sua opinião.
Uma outra questão ou conjunto de questões que lhe quero colocar respeitam aos coeficientes de actualização. O Sr. Deputado diz que eles devem ser diferentes para o caso da renda livre e da condicionada. Aliás, a proposta de lei n.º 77/III prevê isso, mas, de toda a maneira, como o Sr. Deputado frisou este aspecto, gostaria de saber quais as diferenças que considera fundamentais nestes dois casos? Quais os coeficientes que

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deveriam ser maiores e quais os menores? E de uma forma mais ampla, quais os factores que, afinal, devem influenciar a fixação desses coeficientes? Pergunto isto a fim de que tenhamos a perfeita noção do que é que esses coeficientes significam. Será que querem apenas significar uma actualização para compensar a desvalorização da moeda, atendendo, naturalmente, à desvalorização da própria habitação e também à evolução do poder de compra dos cidadãos? Gostava de conhecer exactamente quais os factores de que faz depender isso.
Esta dúvida resulta ainda agravada porque, a certa altura, o Sr. Deputado disse que esses coeficientes deviam situar-se entre dois terços e três terços e depois afirmou que não era aceitável que eles fossem de 100 %. Ora, três terços são precisamente 100 %, pelo que houve qualquer coisa que não entendi e que gostava de ver esclarecido.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Roque Lino deseja responder imediatamente ou no final?

O Sr. Roque Lino (PS): - No final, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Deste modo, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado Roque Lino, muito rapidamente, quero começar por pedir-lhe desculpa, já que não tive ocasião de ouvir toda a sua intervenção, pelo que é possível que a minha questão tenha encontrado resposta em algo que o Sr. Deputado tenha antes dito e que eu não tenha tido ocasião de ouvir.
De qualquer forma, ouvi o Sr. Deputado invocar, uma vez mais, o argumento que tem sido repetido à saciedade, mas que, infelizmente, suponho que não pode convencer ninguém que esteja de boa fé a discutir esta questão. Refiro-me ao argumento baseado na necessidade de relançar o sector da construção civil para dar resposta à crise de habitação. Os que assim falam, tendem a colocar-se exclusivamente do ponto de vista da oferta, esquecendo-se que no tal mercado livre que certos sectores defendem, a oferta tende a equilibrar-se em relação à procura. Ora, o Sr. Deputado acredita que há procura com capacidade económica pata dar resposta à oferta de fogos para habitação, ao nível em que necessariamente esta liberalização de rendas vai colocar esta oferta. E se não há resposta, a oferta tenderá, muito naturalmente, no livre jogo de mercado, a equilibrar-se com a procura e a estagnação continuará.
Sr. Deputado, a verdade é esta: não há capacidade económica por parte da procura para responder à oferta de habitações para alugar, ao nível em que as rendas tenderão a fixar-se no esquema que a lei vem agora instituir.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Deputado Roque Lino, ouvi atentamente a intervenção que acabou há pouco de proferir, na qual dirigiu algumas críticas no sentido de ser necessário melhorar o texto da proposta de lei. No entanto, há dois pontos, além de outros que o Sr. Deputado não referiu, em relação aos quais gostaria de ouvir a sua opinião para saber se também aí V. Ex.ª entende que se não deveria melhorar ou mesmo eliminar, por exemplo, o n.º 1 do artigo 29. º da referida proposta, quando se refere determinadas exigências para a transmissão da propriedade de um determinado prédio, como seja a sua inscrição na matriz predial e correspondente licença de construção ou de utilização quando exigível, para se mencionar na escritura. Pergunto também se acha, uma vez que estamos no domínio de uma lei de rendas apenas para fins habitacionais, que aqui é o lugar próprio para uma disposição dessa natureza.
Uma outra coisa que quero referir - e o Sr. Deputado como jurista sabe isso perfeitamente - prende-se com o facto de no n.º 1 do artigo 31.º aparecer uma «excepção», que é o traspasse. Ora, o traspasse em arrendamentos para fins habitacionais é algo que, no nosso ordenamento jurídico, nunca foi consagrado. Assim, como estamos no domínio de uma lei de rendas para fins habitacionais, parece que o falar em traspasse não faz sentido nenhum. Portanto, questiono se foi uma omissão por parte de V. Ex.ª não fazer esta crítica, pois parece-me ser realmente grave constar tal figura jurídica nesta proposta de lei. Pergunto-lhe se pensa que a proposta de lei não precisa de correcções, na especialidade, eliminando-se um sistema que se acha consagrado para fins comerciais. A menção ao traspasse explicar-se-ia se, porventura, esta lei regulasse - e, talvez devesse ter algo sobre tal - o respeitante a arrendamentos mistos. Sabemos que há arrendamentos mistos para fins habitacionais e comerciais, que aqui também não são efectivamente versados. Portanto, a questão que lhe coloco prende-se com a ideia de saber se entende que faz algum sentido a menção da dita figura jurídica.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Roque Lino.

O Sr. Roque Lino (PS): - Sr. Deputado João Porto, antes de mais nada, em relação às considerações que fez e que, a certa altura, afirmou terem o sentido de amenizar o clima quente que se vive neste hemiciclo, pergunto se não haveria, porventura, outro tipo de graças que poderíamos aqui inventar ou reinventar para esse fim. Em todo o caso, quero dizer-lhe que independentemente das verdades históricas ou não, o certo é que os congelamentos se mantêm em Lisboa e no Porto desde 1948, como V. Ex. e sabe, porque em 1984 a lei veio acabar com a avaliação fiscal nestas duas últimas cidades, que deveria ser retomada 5 anos depois e, nessa data, a lei «matou» as actualizações anuais. Quanto ao resto do País, foi em 1974 que se congelaram as rendas.
Bem, é uma graça! V. Ex.ª pode chamar-lhe assim, mas, de facto, não sei quem proferiu exactamente a expressão; recordo-me que ao longo destes últimos 6 meses alguém terá dito publicamente que «esta coligação e este Governo tinham a coragem de fazer o que o Salazar não tinha feito». No entanto, penso que não vai mal ao mundo, nem a ninguém ter feito essa referência.
Contudo, aquilo que é importante é a questão que o Sr. Deputado João Porto aqui me colocou e que respeita aos coeficientes.
Sr. Deputado, é evidente que no regime de renda condicionada os senhorios vão ser extremamente bene-

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ficiados com o regime de isenções fiscais, pois, como sabe, no que toca à contribuição predial, ela vai até 15 anos, se não estou em erro, mantendo-se depois a 50 % do seu valor durante um determinado período de tempo; quanto à isenção respeitante ao imposto complementar, propõe-se também que vá até a um período de 3 anos.
Devo dizer a V. Ex.ª que compreendo obviamente que os coeficientes destas rendas devam ser inferiores aos das rendas livres, quer porque elas constituem, de certa forma, a tendência ou o espírito geral desta lei - e, nesta medida, beneficiam tanto senhorios como inquilinos -, quer ainda porque, se os senhorios são já beneficiados com algumas isenções fiscais, pensamos também que o coeficiente para o seu aumento deve ser ligeiramente superior. Mas, propus também, se está recordado da minha intervenção, no respeitante a este assunto em particular, que não só os senhorios devem beneficiar das isenções fiscais mas também aqueles a quem seja atribuído um subsídio de renda ou, se quiser, aqueles que tenham rendimentos familiares mais débeis devem poder descontar ou deduzir no imposto complementar, até determinado montante, as suas rendas anuais.
Pergunta-me também quais são os factores que deverão ser fixados desde já. Ora, devo dizer-lhe que nessa matéria não sou técnico. Confesso-o com toda a franqueza e humildade - se a palavra pode ser usada - e, portanto, não estou em condições de lhe dizer, porque não sou economista, nem empresário de construção civil, quais deverão ser esses factores.
Porém, o que a mim me parece é que se o factor de actualização anual para o regime de renda condicionada deve ser, por hipótese, de 17 %, penso que relativamente à renda livre o factor deve ser indiscutivelmente mais baixo.
No respeitante aos limites máximo e mínimo das actualizações anuais, o Sr. Deputado sabe que, um pouco por toda a Europa, se fixou um índice médio de 75 %, enquanto que em Portugal estamos a fixar, em princípio, coeficientes que partem de um limite mínimo. inferior a isso, embora pense que, em situações conjunturais, esse limite pode obviamente ser elevado além disso. Tudo depende da inflação, da recuperação dos salários reais, da capacidade económica dos próprios empresários da construção civil, isto é, de muitas coisas que são futuras e, por isso mesmo, não posso, neste momento, responder-lhe com algum pormenor.
De qualquer modo parece-me que o coeficiente deveria desde já ser fixado em termos gerais para dar aos cidadãos a segurança de que as suas rendas não serão agravadas anualmente mais do que determinada percentagem e também para se estabelecer um pouco a certeza no direito que, com a publicação diária de leis extravagantes, conduz muitas vezes à maioria das confusões no respeitante à interpretação das leis.
O Sr. Deputado Lopes Cardoso, se percebi a sua pergunta, questionou-me acerca de saber como é que esta lei poderia ajudar ao relançamento da construção civil e à recuperação das habitações. Creio que foi isto que me perguntou.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado Roque Lino, perguntei-lhe como é que se pode argumentar que esta lei propiciará o incremento da construção civil, na medida em que a oferta de fogos para habitar está condicionada pela capacidade económica da procura e nós sabemos que não temos uma procura com capacidade económica para responder à oferta de fogos que surgirá no quadro desta lei.

O Orador: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, poderei responder-lhe da seguinte forma: quando no artigo 2. º da proposta de lei se refere a regime de rendas condicionadas diz-se que a negociação da renda inicial é fixada por mútuo acordo entre locatário e locador. Quando isso assim não for, então, o preço locativo mensal é fixado através de determinada fórmula. Simplesmente, o que a mim me parece é que se houver efectivamente um aumento de fogos no mercado da habitação, é possível que este aumento da oferta venha eventualmente a reduzir os próprios preços locativos mensais. Esta é uma das razões - mas poderá haver outras mais - que justificam que esta lei possa efectivamente lançar e reanimar a actividade económica na construção civil.
De todo o modo, poderia também responder-lhe pela negativa, dizendo que com o regime actual é que a actividade económica da construção civil por parte de particulares não é, com certeza, relançada. Disso estamos todos seguros e as últimas estatísticas que possuímos - desde 1971 até hoje - comprovam-no manifestamente.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado, o problema não é esse, pois acontece que não estamos aqui a. votar o regime em que vivemos. Estamos a votar uma proposta de lei que tende a alterar o regime e é da bondade desta proposta de lei e não da bondade do regime actual que se espera, da nossa parte, uma resposta. Não é o regime actual que está em causa, mas antes se, de facto, a proposta de lei dá resposta às questões que o regime actual suscita.

O Orador: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, a meu ver, dá resposta. Veremos se, na prática, isso é assim ou não.
Finalmente, respondo às duas perguntas do Sr. Deputado Marques Mendes. O Sr. Deputado sugeriu-me que, para além das propostas que apresentei na minha intervenção acerca de melhorias a introduzir na especialidade, o n.º 1 do artigo 29. º deveria ser eliminado numa determinada parte. Relendo esse n.º 1 do artigo 29.º, para avivar a memória, verifica-se que ele refere que:

Não podem ser celebrados contratos que envolvam a transmissão da propriedade de prédios urbanos sem que se faça, perante o notário, prova suficiente da inscrição na matriz predial e de existência da correspondente licença de construção ou de utilização, quando exigível, da qual se fará sempre menção na escritura.

Sr. Deputado, penso que esta disposição, embora seja de cariz processual, o que poderá eventualmente criar algumas dificuldades burocráticas, é indispensável. E é-o por uma razão muito simples, porque V. Ex. e sabe que há uma outra disposição nesta proposta de lei em que, a certa altura, se diz que «aque-

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les prédios que se encontrem em situação de impedimento clandestino ou de não emissão de licença camarária, não podem beneficiar deste novo regime». Se nós queremos agravar estas situações, não permitindo as actualizações e se, por outro lado, fôssemos eventualmente simplificar o processo que vem aqui no n.º 1 do artigo 29.º, estaríamos a correr o risco de permitir a certas habitações ou a certos senhorios a prática de correcções anuais, sem que os prédios tivessem sido licenciados ou sem condições de habitabilidade mínima. De resto, só procedendo a uma vistoria, pela câmara municipal, é que é possível saber se o fogo respondeu às exigências técnicas e não só, impostas por aquele órgão, aquando da aprovação dos projectos.
Penso que isto não vem agravar de forma sensível a disponibilidade dos prédios para o mercado da habitação e, por isso mesmo, acho que a disposição deve constar do diploma tal como foi elaborada.
É verdade quando afirma que no direito da habitação não há traspasse. Efectivamente, não existe esta figura na ordem portuguesa no respeitante ao direito de habitação. Há uma situação muito peculiar, que são as situações de arrendamento misto. Na verdade, sempre que tenhamos um arrendamento que é simultaneamente destinado a habitação e, por exemplo, a escritório, desde que haja o trespasse de tal, existe juridicamente esta figura. Assim, penso que, pelo menos, esta disposição legal engloba estas situações.
Digamos que a palavra «trespasse», estando aqui inserida num contexto em que se discute a lei do inquilinato, pareceria estar deslocada. Mas, mais vale prevenir do que remediar e deixar fixar a expressão técnico-jurídica «trespasse», que não faz mal a ninguém e, antes pelo contrário, clarifica essas situações.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Deputado Roque Lino, eu disse-lhe que «efectivamente, reconheço que nos arrendamentos mistos...» Foi uma observação que fiz ao Sr. Deputado. Só que toda a proposta trata exclusivamente os fins habitacionais e assim eu sugeria que se previsse aqui o arrendamento misto, pois deste modo essa referência já estaria correcta.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Não há protestos, Sr. Presidente, e eu pedi a palavra justamente para interpelar a Mesa no sentido de que a Mesa me dissesse ao abrigo de que disposição regimental concedeu a palavra ao Sr. Deputado Marques Mendes para fazer o protesto.
O Regimento não o permite! Vamos entrar numa interpretação do Regimento em que se vai dar por nulo o n.º 3 do artigo 90.º do Regimento imposto pela maioria? Têm o nosso acordo para isso mas, então, de uma vez por todas, vamos criar a praxe do protesto a pedidos de esclarecimento!
Agora, quem estabeleceu este figurino espartilhador tem de ser o primeiro a dar o exemplo, reconhecendo que ele deve ser considerado caduco por consenso da Assembleia ou respeitando-o.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª tem razão, Sr. Deputado. Foi lapso da Mesa, pois o n.º 3 efectivamente não o permite.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Rocha de Almeida.

O Sr. Rocha de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Peço desculpa por esta interpelação à Mesa, porquanto não é minha intenção desviar as atenções e o interesse dos Srs. Deputados da discussão e do debate que se está a proceder.
Entretanto, acontece que estando presentes nas galerias os alunos da Escola Secundária n.º 1 de Aveiro - e sem perder o interesse e a dinâmica do debate -, não queria que pudéssemos correr o risco de deixar de saudar, de cumprimentar esta juventude em quem a minha cidade deposita toda a confiança, como mulheres e homens de amanhã.
Porque eles têm os seus horários de saída, a minha interpelação vai no sentido de entender que a Câmara não pode cometer a falha de permitir que os referidos alunos possam sair sem serem felicitados e cumprimentados pela Câmara.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, gostaria de lhe dizer que a Mesa não deixaria de referir esse facto, tal como tem feito sempre. Em todo o caso, agradeço a sua lembrança.
O Sr. Deputado Horácio Marçal pediu a palavra para interpelar a Mesa?

O Sr. Horácio Marçal (CDS): - Sr. Presidente, pedi a palavra pelo mesmo motivo do colega do PSD, Rocha de Almeida. Porém, como já saudámos a Escola Secundária n.º 1 de Aveiro, prescindo da palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Espero bem que não se crie aqui um grave precedente, que é o de os deputados a anunciarem a presença nas galerias de pessoas do seu distrito ou do seu conhecimento. Acho que deve ser exclusivamente a Mesa a desempenhar esse papel.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Foi precisamente isso que referi ao Sr. Deputado Rocha de Almeida.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (Mário Raposo): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem sido afirmado que a lei se tornou, e cada vez mais, um meio de intervenção social, no objectivo de fazer com que o Direito promova, ou ajude a promover, a normalização da vida em comunidade e o possível equilíbrio daqueles que a protagonizam. Foi esta a decisiva intencionalidade do Governo com a presente proposta de lei, destinada a corrigir distorções e a ultrapassar bloqueamentos numa área de tão evidente relevo como é a habitacional.
Sendo uma área maximamente sensível ao entrecruzar de interesses legítimos e de apegos ilegítimos, não ignorava o Governo que nem poderia contar com o

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aval de um conseguido perfeccionismo, nem com o resguardo de uma universal aceitação. Sabia, logo à partida, que iria incorrer em custos políticos, o mais perspectivável dos quais seria o de se não acomodar aos portadores dos interesses em quase inarredável conflito.

Valer-lhe-á, pois, e como um primeiro e decisivo dado, o de ter optado pela coragem de estar presente onde mais fácil lhe teria sido manter-se alheio; o de ter trocado uma mera e prudencial contabilização de ganhos e perdas políticos pelo declarado propósito de observar as responsabilidades assumidas perante o País. Preferiu a mudança ao imobilismo, o risco da definição à por certo, mais aliciante postura de deixar que as coisas continuassem a, correr pelos cómodos canais da neutralidade e da indiferença.

Mas, ao fazer esta opção, que não foi, seguramente; a mais prudencial no jogo das suas próprias vantagens imediatas, pretendeu o Governo agir com prudência. Não encontrou as soluções com base em dogmas ou em certezas prévias; foi ao encontro dos interesses e dos valores sociais em presença e proeurou compatibilizá-los naquilo que, no círculo dos inderrogáveis desajustamentos, pudesse ser objecto de mediação. Foram os problemas postos objecto de público debate e de amadurecida reflexão; arrastar a triagem das possíveis sugestões e o itinerário da prévia meditação legislativa, apenas poderia ter tido como resultante o adiar, por tempo indefinido, a tarefa e, a responsabilidade de uma definição.
Proeurou o Governo subtrair-se a esta tentação, a que outros talvez não ficassem imunes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem o Governo a consciência de que o texto que agora submete à decisão parlamentar corresponde, na sua essencialidade, às soluções que melhor se adequam, à resolução do problema habitacional, naquilo que ela depender dos esquemas normativos e de uma vontade política consequente. Parte, no entanto, da expectativa de que da ulterior intervenção desta Assembleia da República algumas das previstas formulações poderão ser, na especialidade, aperfeiçoadas.
É evidente que a perfeição do processo legislativo advirá de uma confluência de propósitos entre o Governo e o Parlamento. Ambos os órgãos do Estado estarão determinados pela preocupação de que as soluções finais sejam dotadas de praticabilidade e de inteligibilidade, tendo sempre em vista o proveito e a confiança dos destinatários últimos da actividade legiferante - que são todos os cidadãos, nem sequer hoje compartimentáveis em dois espaços estanques, como seriam, os dos inquilinos e os dos senhorios.

Será, no entanto, de sublinhar o marco fundamental que poderá ser a consagração explícita e por assim dizer pioneira, da tutela dos direitos colectivos dos inquilinos - como espaço tendencialmente mais fraco da relação de inquilinato. É essa consagração feita no artigo 33.º da proposta de lei, uma justa e realística ultrapassagem do individualismo jurídico num exacto objectivo de convolar uma justiça meramente civil para uma justiça cívica. Tudo dependerá, a partir daí, de que as associações representativas dos inquilinos sejam dotadas da necessária representatividade. A remissão feita para a Lei de Defesa do Consumidor acautelará, por certo, essa representatividade.
Será ainda de assinalar que a praticabilidade dos esquemas legais previstos na proposta em debate em muito dependerá, na sua eficácia; da forma como vier
a ser praticado o subsidio de renda - que é um elemento nuclear do sistema. Houve o declarado propósito de obstar a que a sua atribuição pudesse ficar condicionada por uma burocratizante e casuística apreciação das situações que a justificarão. E tudo fará pensar que, na prática, assim se passarão as coisas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nenhuma obra humana é perfeita. Mas nenhuma actuação necessária deverá deixar de ser assumida pelo risco de não ser a mais perfeita. Retomando o apelo à confluência de objectivos que deverá existir entre o Governo e a Assembleia da República, espera o Governo que a presente proposta de lei venha a significar o ponto de partida para que o silêncio, do legislador sobre tão decisiva matéria venha, finalmente, a ser removido. É uma obrigação do Estado que isso aconteça. É um imperativo social que o fatalismo de que tal matéria é intocável ou politicamente arriscada se dissipe e que a realidade mude para melhor. Pondo de parte os preconceitos e as frases feitas e fáceis, há que lançar mãos à obra - e neste caso à obra de preparação. legislativa, para que, na moldura da humana imperfeição, ela seja o mais útil possível ao País e à dignidade e estabilidade da vida social e de todos os cidadãos.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados Zita Seabra, Fernando Costa, Lopes Cardoso, Raul e Castro e Nogueira de Brito.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Ministro da Justiça, o discurso do Sr. Ministro espantou-nos verdadeiramente.
É que, na verdade, sobre as questões que estão em
discussão, em concreto, não disse nada. 15to é, o Governo vem aqui, com uma arrogância notável, dar-nos
lições no sentido de que ao fazermos a lei temos de
ter uma bela técnica jurídica, temos de fazer uma lei
bem feitinha, «jeitosinha» do ponto de vista jurídico,
com toda a ciência que advém da sua postura de jurista.

Mas nós também cá temos alguns juristas que sabem dar conselhos é que sabem fazer leis! ...
Sr. Ministro; penso que é, apesar de tudo, significativo que o Sr. Ministro tenha falado neste debate, isto é, que o Governo tenha enviado, não o Ministro do Equipamento Social -,aquele de quem depende directamente a área da habitação è que, portanto, é o responsável pelos investimentos do Estado em matéria de habitação e pela política habitacional -, mas o Ministro da Justiça. É que isto significa claramente que os senhores aceitam que essa lei vai provocar conflitos entre inquilinos e senhorios e que o seu Ministério vai ser aquele que vai ter mais trabalho, a partir do momento da aplicação desta lei.

dozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora:.- É por isso que é o Sr. Ministro que fala.
E nem sequer podemos dizer que isso, se deve ao facto de o Sr. Ministro do Equipamento Social ainda não ter tido tempo para ver os dossiers, porque o Sr. Ministro está no seu Ministério há tanto tempo como está o Ministro que transitou do Ministério do

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Mar para o Ministério do Equipamento Social. No entanto, creio que é esse o significado de o Sr. Ministro ter aqui falado.
Por outro lado, há ainda uma outra consideração que gostaria de fazer sobre a sua intervenção.
O Sr. Ministro disse, logo no início da sua intervenção, que o Governo mediu votos, isto é, que avaliou, do ponto de vista eleitoral, as consequências desta lei e teve a coragem de a apresentar.
O que penso ser significativo é que o Sr. Ministro diga isso e não diga que o Governo avaliou as consequências sociais desta lei, isto é, qual a camada de população que vai ser atingida por esta lei e que consequências sociais é que uma lei destas vai ter.

É que é isso que se espera de um governo democrático e não que meçam votos!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro da Justiça deseja responder já ou no final?

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, se me permite, vou respondendo a par e passo, até por ser mais eficaz.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr.ª Deputada Zita Seabra, queria explicitar-lhe o seguinte: para já, e desde logo, o Governo não «mandou» aqui ninguém. O Governo assumiu a sua responsabilidade de se fazer representar perante a Assembleia da República, numa relação institucional dignificada, por um dos seus membros - no caso o Ministro da Justiça - que disponivelmente assumiu o encargo, que é sempre honroso, de representar um órgão do Estado que a todos os cidadãos deve merecer um assumido e necessário respeito.
Por outro lado, Sr.ª Deputada Zita Seabra, não vim aqui dar conselhos a ninguém, vim aqui pedir uma coisa muito simples, que é a de sugerir uma colaboração institucional entre dois órgãos do Estado.
Entendo que esta sugestão não faz mal a ninguém. Não estamos aqui numa relação conflitual, estamos aqui numa relação de colaboração. Penso que nesta Assembleia ninguém a entenderá em sentido diferente. Todos estaremos aqui com o intuito que, no século XVIII, Hobbs se referia como o de on behalf of the people (em proveito do povo). Não se estará aqui apenas no exclusivo dos interesses partidários, salvo o muito e devido respeito por todos os que se sentam neste hemiciclo - como é o caso da Sr.ª Deputada - pensar em termos diversos, não seria cumprir a sua função, aquilo para que se foi eleito.
Quanto à ideia de que o Governo teve a coragem de perder votos, tratar-se-á da coragem maior que um governo pode ter. Será a coragem de assumir o risco de criar uma aparência que, porventura - por virtude de frases feitas e das palavras demagógicas -, possa ser mal entendida, não obstante nascer de uma exacta intencionalidade e de um sentido de contribuir para a melhoria e o progresso do País.
Finalmente, Sr.ª Deputada, queria apenas dizer que o significado decisivo desta proposta de lei é o de ser uma contribuição e uma base de debate, já que é à Assembleia da República que compete, em última análise, definir as opções a assumir. O Governo tomou a iniciativa legislativa, mas a quem caberá a determinante análise e a formulação final será à Assembleia da República.
Foi esse o sentido da minha intervenção.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Costa.

O Sr. Fernando Costa (PSD): - Sr. Ministro da Justiça, gostaria de começar por felicitar a sua pessoa, nomeadamente porque há algum tempo fez parte desta bancada e contribuiu com diversas intervenções para abrilhantar os trabalhos desta Câmara.
E, Sr. Ministro da Justiça, no seguimento do que acabou de expor, é também para nós motivo de agrado a sua presença, nomeadamente porque este diploma tem, é certo, uma vertente económico-social mas também tem uma vertente estritamente jurídica, já que vai bulir com aspectos importantes da matéria contida no contrato de locação do Código Civil e penso que a sua presença e a sua colaboração nesta matéria é extremamente importante porque sabemos que o contrato de locação tem uma certa especificidade dentro do nosso Direito e a colaboração das personalidades mais qualificadas é sempre desejável.
Sr. Ministro, a pergunta que lhe queria fazer - que, talvez mais do que uma pergunta, é um repto - é a seguinte: todos sabemos que no pós 25 de Abril o contrato de locação tem sido, nas suas diversas disposições, sucessiva e repetidamente alterado. Refiro-me aos artigos 1051. º, l083. º e 1097. º - no que concerne à denúncia do contrato de arrendamento para habitação própria dos senhorios - e a tantas outras disposições.
Mas, Sr. Ministro, aquilo que os juristas começam a pressentir é que o contrato de locação começa a ser uma manta de retalhos, dissipado e distribuído por um conjunto de diplomas avulsos, todos eles a reflectirem a necessidade de revisão de alguns princípios que fazem parte do contrato de locação e que hoje dificultam o trabalho dos juristas, dado a multiplicidade de diplomas, muitos dos quais em contradição, quer com os próprios princípios que orientaram o contrato de locação quer com os diplomas que entretanto se vieram sucedendo.
Sr. Ministro, a par da revisão de outros institutos jurídicos de Direito Civil - e penso que aí o Ministério da Justiça terá uma palavra determinante -, penso que é altura de começarmos a rever todo o regime do contrato de locação para lhe dar uma melhor sistematização, para poder reunir todos os últimos diplomas legislativos que o pretenderam alterar.
Penso, Sr. Ministro, que esta é uma necessidade que todos começam a sentir e, aproveitando a sua presença, gostaria de saber se o Ministro da Justiça e o Governo em geral têm ou não algo a dizer sobre este problema que cada vez mais é sentido por todos os juristas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça, para responder.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Deputado Fernando Costa, começo por agradecer as palavras amáveis e amigas que me dirigiu.
Devo dizer que o Sr. Deputado tocou um ponto que, a meu ver, é essencial. A lei tem de ter um mínimo de estabilidade, tem de gerar um mínimo de confiança.

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As pessoas não podem flutuar ao sabor de um legislador demasiado mutante, demasiado improvisador. Daí o apelo que fiz e que, pelos vistos, foi mal entendido. Foi nessa perspectiva que pedia colaboração desta Câmara, da qual fazem parte juristas de mérito, que representam os justos interesses deste país, que são os interesses de todos os cidadãos. São os interesses vivos deste país, e será para lhes dar resposta que a lei deverá encontrar uma formulação tanto quanto possível estável, que corresponda a valores estáveis e que gere confiança. Ninguém quererá a instabilidade e a precariedade.

Devo dizer ao Sr. Deputado Fernando Costa que, realmente, nesta lei se apresenta mais uma formulação do artigo 1111. º, respeitante à transmissão do direito ao arrendamento.

Se bem me recordo, talvez desde 1976, já houve diversas formulações deste artigo 1111.º do que resultou que os destinatários da lei, as pessoas visadas pela mensagem legislativa, têm estado nas mais diversas situações - ou têm direitos ou não têm direitos... Ora, tais condicionalismos gerarão, realmente, uma instabilidade nociva.

Peço, portanto, que, com a serenidade de todos, com o espírito de colaboração de todos e com a sensatez de todos, se procure uma formulação estável e certa em sede de especialidade. Estará aí a vontade política do Governo, que é a de criar uma lei que a todos aproveite.

Quanto à participação do Ministério da Justiça, é evidente que sem ser o Ministère de La Loi, como queria Alain Peyrefitte, é realmente um Ministério vocacionado para acções de reforma legislativa. Pode, pois, dar o seu apoio, por assim dizer, tecnológico ou logístico, à preparação de quaisquer leis.

Nessa medida e no sentido da pronta e aberta colaboração que deverá existir entre o Ministério da Justiça e todos os grupos parlamentares desta Assembleia, estará sempre disponível esse apoio técnico. Refiro o apoio técnico, já que o apoio político, a cooperação institucional é uma obrigação e uma responsabilidade política.

Era isto que queria dizer ao Sr. Deputado Fernando Costa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Ministro da Justiça, como o Sr. Ministro sabe por experiência própria, por experiência parlamentar, nem sempre nos é possível daqui acompanhar, não diria apenas com a devida atenção, mas, no caso concreto, com a merecida atenção, as intervenções que são produzidas. Assim, ficou-me uma dúvida quanto à parte final da sua intervenção.
Não vou pedir-lhe que ma repita, mas vou pedir-lhe, apesar de tudo, que me confirme se, efectivamente, o Sr. Ministro fez uma referência aos subsídios e disse qualquer coisa semelhante a isto: tudo dependerá do modo como os subsídios vierem a ser atribuídos.

Faço-lhe esta interrogação porque, evidentemente, se entendi mal, a questão que lhe queria colocar não terá qualquer espécie de sentido; não vale a pena estarmos a laborar no que terá sido um erro meu de audição. Assim se, efectivamente, o Sr. Ministro disse alguma coisa parecida com isto, teria uma questão a colocar-lhe.
O Sr. Ministro confirma, de facto, esta referência?

O Sr. Ministro dm Justiça: - Confirmo sim, Sr. Deputado.

O Orador: - Então, Sr. Ministro, de facto, penso que tudo, ou quase tudo, que está relacionado com estes subsídios e com o significado social destes subsídios, está dependente do modo como eles vierem a ser atribuídos.
E quando o Sr. Ministro faz esta afirmação não pode deixar de comungar com o entendimento que tenho da lei, após a sua leitura, no sentido de que ela não esclarece cabalmente sobre os modos, os critérios e os processos como esses subsídios serão atribuídos. E como tudo depende disso, pergunto ao Sr. Ministro da Justiça como é que eu, deputado, posso, em verdade, pronunciar-me sobre a bondade deste mecanismo que está dependente de outros que ignoro totalmente?
Era apenas esta a questão que lhe queria pôr, Sr. Ministro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça, para responder, se o desejar.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, tem V. Ex.ª inteira razão quando faz depender em relevante medida a praticabilidade e a vantagem social desta lei da eficácia e da prontidão com que vier a ser atribuído o subsídio de renda. Porque, a não ser assim, a lei - vocacionada para criar a normalidade e o equilíbrio social - pode gerar situações de ruptura, como aliás, na exposição de motivos se reconhece.
Daí que, incorrendo o risco de não ser compreendida a minha atitude, faço apelo já não à Câmara, mas aos meus colegas de Governo, no sentido de a regulamentação que resultar desta lei - que é uma lei quadro, uma lei de bases, embora de aplicação imediata nalguns aspectos - seja feita da forma mais desburocratizaste, mais imediata, mais operacional.
Creio, realmente, que o Sr. Deputado pôs a tónica num problema que eu próprio considero nuclear na estrutura, na arquitectura, desta lei, ou seja, o subsídio de renda.
Porque se a lei tem uma intencionalidade social, como declaradamente tem, ela terá de acudir às situações de desfazamento entre a situação actual e a situação que da sua execução nalguns casos se criará. 15to reconhecendo que noutros casos não ocorrerá essa resultante.
Portanto, estou certo de que, através da regulamentação desta lei e da vontade política de quem a aplicar - e estou certo que neste Governo isso será assumido - não se gerarão situações de ruptura, respeitando-se a intencionalidade de criar normalidade. Tudo se fará para que dela não advenha instabilidade, preocupação, desconfiança e insegurança para os cidadãos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul e Castro.

O Sr. Raul e Castro (MDP/CDE): - Sr. Ministro da Justiça, V. Ex.ª fez uma intervenção breve, com

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carácter genérico e nada caloroso em relação à proposta de lei do Governo.
Procurei compreender as características de que se revestiu a sua intervenção além do mais porque o Sr. Ministro não participou sequer na elaboração desta proposta de lei, visto que na altura era o seu antecessor que ocupava a pasta da Justiça. Por isso, o Sr. Ministro vem defender um diploma alheio, elaborado por um outro Ministro da Justiça.
Contudo, o Sr. Ministro põe a tónica no artigo 33.º e na atribuição da representatividade às associações de inquilinos e eu permitia-me lembrar-lhe que são precisamente estas associações que têm exprimido a maior e mais profunda divergência em relação a esta proposta de lei. Essas associações não se limitaram a apresentar sugestões, algumas das quais foram acolhidas, pois mesmo depois disso continuaram a defender que esta proposta de lei é profundamente injusta e que devia ser retirada. 15to é a reacção que a lei provoca.
Ora, quando o Sr. Ministro diz, como afirmou, que o Governo, ao apresentar esta proposta de lei, não hesitou perante a perspectiva de perder votos, creio ser lícito tirar a conclusão que o Sr. Ministro da Justiça tem a consciência de que esta proposta de lei é impopular, que tem contra ela a generalidade da população não só representada por associações de inquilinos mas até por outras associações profissionais.
Mas, queria perguntar ao Sr. Ministro da Justiça o seguinte: V. Ex.ª - que, aliás é um jurista consciencioso - acredita que é possível resolver, como se propõe nesta proposta de lei, o problema da degradação do parque habitacional do nosso país e o problema da carência de habitação apenas através de uma manipulação de rendas, apenas com medidas sobre os aumentos de rendas?
O Sr. Ministro acredita que actuando apenas sobre as rendas e deixando de lado aspectos fundamentais como são a política de solos ou o crédito à habitação, é efectivamente possível assegurar que se venha a obstar à degradação do parque habitacional, que se passe a vender os fogos desocupados, que se computam em cerca de 40 000?
Ou será que, deste modo, todos estes fenómenos e as grandes dificuldades que presentemente as pessoas têm para se alojar e até para constituir família, irão ser resolvidos através deste mecanismo de aumentos de rendas?
Tudo isto na situação concreta de um país que atravessa uma profunda crise e em que não há poder de compra que permita comprar fogos ou mesmo, na generalidade dos casos, fazer face a estes aumentos!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Raul e Castro: Quereria começar por dizer que não fui muito caloroso porque não é meu hábito ser muito caloroso perante uma Assembleia que respeito e perante a qual me sinto na obrigação de não fazer mera propaganda política. Venho aqui prestar esclarecimentos, dar o meu depoimento, prestar a minha contribuição, sem o propósito de fazer, digamos, grandes afirmações de retórica. Penso que essas afirmações altissonantes não teriam aqui cabimento.
Devo sublinhar, Sr. Deputado Raul e Castro, que quanto ao problema que me pós de representatividade da associação dos inquilinos - e devo dizer que me considero com alguma legitimidade e com alguma representatividade, por assim dizer, para poder defender esta perspectiva -, há muito que entendo que devem existir mecanismos de protecção dos chamados interesses colectivos, interesses difusos ou fragmentados. Interesses que são fundamentalmente jurídicos, embora ganhando com isso uma equivalência social.
No entanto, Sr. Deputado, o que no artigo 33.º se contempla, aliás numa formulação que, como tive ocasião de dizer nesta Câmara salvo erro no debate do artigo da Constituição sobre o direito ao ambiente, que não corresponde ainda à cabal protecção dos interesses difusos ou fragmentados, que deveria ser mais ampla, é uma tutela jurídica e processual.
No entanto, alguma coisa terá ressoado da velha «pregação» que nesta Câmara foi feita por mim e por outros Srs. Deputados. E, na verdade, já se acolhe o princípio da representação de interesses individuais através de associações plurais com muito maior expressão do que há anos atrás.
Portanto, entendo que o debate parlamentar, quer pelo lado dos Srs. Deputados, quer pelo lado do Governo, pode ser útil e producente.
Por outro lado, e para terminar, é evidente, Sr. Deputado, que todos nós sabemos que nenhum diploma legal pode ter a ambição de constituir o remédio miraculoso, a panaceia universal para resolver problemas sociais e económicos.
No entanto, pode ajudar a que eles se resolvam. Ora estou sinceramente convencido que uma lei deste tipo, e com esta vocação, é necessária, desde que melhorada num ou outro aspecto parcelar. O que relevará é que a sua intencionalidade última se mantenha.
Foi o que quis dizer na minha intervenção.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Ministro da Justiça, o Ministério que V. Ex.ª dirige tem tido elevadas responsabilidades no estudo deste problema das alterações a introduzir ao contrato de arrendamento e tem feito estudos, sobre este assunto nos últimos tempos, que podem classificar-se de notáveis.
É nessa perspectiva de uma responsabilidade que considero repartida, que eu gostaria de pôr algumas questões a V. Ex. e sobre o regime consagrado na proposta que estamos a discutir.
Em primeiro lugar trata-se do problema, que já hoje foi focado na intervenção do meu colega de bancada Eugénio Anacoreta Correia e que voltará a sê-lo na intervenção do meu colega João Porto, do n.º 2 do artigo 2.º
Como é que V. Ex.ª, na qualidade de Ministro da Justiça, considera esta alteração introduzida ao regime actual? 15to é, como é que V. Ex.ª considera esta alteração principalmente na perspectiva da sua aplicação aos fogos presentemente devolutos e que irão ser objecto de contrato depois da entrada em vigor desta proposta, se assim acontecer, ou do diploma que dela resultar?
Outro problema que lhe ponho, Sr. Ministro, diz respeito à própria alteração do Código Civil que aqui é proposta e estou-me a referir à alteração do disposto no artigo 1111.º

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Já hoje de manhã chamámos a atenção para a inconveniência que considerávamos existir na introdução de alterações pontuais a um diploma básico do nosso ordenamento jurídico, básico principalmente no que respeita às relações de direito privado, sendo certo que o actual regime do artigo 1111.º resulta já de uma alteração que lhe foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 293/77, de 20 de Julho, e sendo certo que nessa altura se consagrou, em relação às pessoas hoje mencionadas e referidas na alteração do artigo 1111.º, um esquema diferente - o esquema do direito de preferência -, na sequência, aliás, do que resultava já de um diploma de 1976.
15so parece-me tanto mais grave sendo certo ainda que, nessa altura, depois disso ou na alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 293/77, foi introduzida uma alteração global ao Código Civil, pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, no qual se versaram, principalmente, questões relativas ao regime do direito matrimonial, não se tendo tocado neste problema. A que propósito vem agora esta alteração? Gostaria de saber se V. Ex.ª considera conveniente que ela seja introduzida de uma forma fragmentária como é num diploma que realmente não versa fundamentalmente introduzir alterações no Código Civil.
Gostaria ainda de saber se V. Ex.ª não considera que as alterações ao Código Civil deverão ser antes objecto de uma proposta ou de um projecto autónomo estudado globalmente pelo Governo e porventura proposto sob qualquer das formas possíveis à consideração desta Câmara.
Eram estas as questões que neste .momento queria deixar à consideração de V. Ex.ª na sua qualidade de Ministro da Justiça e portanto de co-responsável pela alteração do regime jurídico de um contrato fundamental como é o contrato de arrendamento.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Nogueira de Brito: Devo dizer que recaímos, e que tenho uma opinião própria sobre alguns aspectos parcelares desta lei.
Atentando no n. º 2 do artigo 2. º, reconheço realmente que ele é susceptível de opção.
Penso que tudo aquilo que cria constrangimento pode ser uma nova e redobrada fonte de insegurança, pois o cidadão tem de viver na expectativa que os seus direitos estão estabilizados e que não podem flutuar ao sabor dos ímpetos do legislador.
Penso, no entanto, que se trata de um aspecto parcelar. Na discussão na especialidade ele poderá ser corrigido e melhor afeiçoado.
Foi exactamente esse o sentido do meu apelo à Câmara em ordem à eventual melhoria do texto e, portanto, para a melhoria da vontade política, enquanto textualizada.
Quanto ao artigo 1111. º do Código Civil penso que ele teria sido nos últimos anos um exemplo característico da instabilidade do direito locativo.
Como há pouco incidentalmente referi, os protagonistas da moldura normativa, do desígnio normativo do artigo 1111.º já flutuaram ao sabor das mais desencontradas volubilidades dos sucessivos legisladores.
Considero que isso é negativo. Importa agora fazer uma opção, uma opção feita reflectidamente. E essa reflexão pode ser feita num âmbito da Assembleia.
Sou partidário que os grandes códigos, e o direito locativo faz parte do espaço dos grandes códigos, devem sempre ter uma certa unidade de sistema, e que só se devem convocar as leis avulsas naquelas situações de emergência que decisivamente as imponham. Portanto esta lei, para o efeito, será uma lei avulsa. Só que como já tem havido uma sucessão de leis avulsas, poderá ser uma lei avulsa que faça melhorar o sistema anterior.
Neste momento não quero tomar posição, porque em consciência não a posso tomar. Devo, no entanto, dizer ao Sr. Deputado que a sua observação é perfeitamente pertinente e que pode contribuir para um melhor acerto das soluções a serem encontradas. 15to embora tenha a ideia de que a nova formulação dada ao artigo 1111.º do Código Civil teve a intencionalidade de dar um acento mais social, mais amplificador, à tutela dos interesses que a anterior redacção já consagrava.
No entanto, isso será realmente um problema que em sede de especialidade deve merecer ponderada reflexão à Câmara.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de declarar a interrupção dos trabalhos para efeitos do intervalo regimental, desejo fazer dois anúncios.
O primeiro deles para convocar os representantes dos grupos parlamentares para uma reunião no meu gabinete durante o intervalo.
O segundo para anunciar que está presente uma delegação dos alunos da, Escola Secundária da Moita, a quem a Mesa saúda pela iniciativa de se encontrarem aqui neste momento e deseja que levem boas recordações acerca do funcionamento da Assembleia da República.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está suspensa a sessão.

Eram 17 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul e Castro.

O Sr. Raul e Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo trata a habitação como um bem de consumo.
Mas a Constituição, ao inscrever o direito à habitação no capítulo «Direitos e deveres sociais», ao lado da segurança social e da saúde, evidencia a concepção errada que o Governo possui do problema da habitação e em que se insere a proposta de lei n.º 77/111. A habitação é um direito social e não um bem de consumo.
E o que é ainda mais grave é que tal concepção inconstitucional tem a mais íntima ligação com outro direito constitucional, o de constituir família, o qual vem a afectar gravemente, limitando e até frustrando, tal direito de constituir família e de contrair casamento e até as próprias relações familiares.
Em vez de medidas restritas às rendas, o problema da habitação em Portugal, que é da maior gravidade,

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exige a adopção de uma política nacional de habitação, concretizada num plano nacional de habitação.
E importa recordar que o Partido Socialista, ao apresentar, em Fevereiro de 1982, o seu projecto de lei n.º 310/11, Lei Quadro da Habitação, com as Bases Gerais de Uma Política Nacional de Habitação, reconhecia então, enquanto partido da oposição, à coligação AD, PSD/CDS, aquilo que esquece agora, enquanto partido do Governo, coligado com o parceiro da antiga AD que escolheu, o PSD, ou seja, reconhecia que o problema da habitação não se resolve com medidas isoladas sobre as rendas, mas com a adopção de um Plano Nacional de Habitação.
Por outro lado, mesmo no seu âmbito restrito, e que só por isso a vota ao malogro dos seus objectivos, a proposta de lei n.º 77/111 assenta em aspectos pontuais errados.
Teremos de recordar que, a partir de 1976, no domínio do direito social à habitação, se tem assistido a uma continua ofensiva legislativa, no sentido de alterar, desvirtuando-os, ou de revogar os diplomas legais publicados após o 25 de Abril e em coerência com os seus princípios. Desde a tabela de actualização das rendas antigas e a proibição de demolição de edifícios, estabelecidas no Decreto-Lei n. º 445/74, de 12 de Setembro, até ao arrendamento compulsivo pelas câmaras municipais de casas desocupadas e à intervenção destas nos casos de sobreocupação de habitação, consignados no Decreto-Lei n.º 198-A/75, de 14 de Abril, sem esquecer a suspensão dos despejos ou a regulamentação do direito a novo arrendamento habitacional, tudo foi sucessivamente eliminado, em especial pela sanha anti-25 de Abril dos governos AD.
Regressaram as acções de despejo, e o verdadeiro pas de deux da entrega da casa ao senhorio para habitação própria, em que tudo fica na mesma, pois entra um ocupante mas sai o antigo, que fica sem casa, e o Decreto-Lei n.º 328/81, de 4 de Dezembro, ao estabelecer seis diversos fundamentos para o senhorio recusar o novo arrendamento, veio, praticamente, eliminar tal possibilidade de o ocupante há mais de 5 anos conseguir um novo arrendamento. As demolições passaram a campear, escandalosamente, ao serviço de meros propósitos especulativos e o Decreto-Lei n.º 184/81, de 4 de Junho, veio consagrar a livre fixação de renda nos prédios anteriormente arrendados.
O Fundo de Fomento da Habitação, que, ao que parece, constituía um obstáculo à promessa do governo de Sá Carneiro da construção de 20 000 fogos por ano de habitações sociais, foi extinto.
E de toda esta política o que resultou?
Nos tribunais, há cerca de 10 000 acções de despejo pendentes.
Segundo dados do Gabinete de Estudos e Planeamento da Habitação e Obras Públicas, 729 731 famílias vivem em alojamentos sem electricidade e 606 111 em residências sem instalações sanitárias.
Só em Lisboa, 16 247 famílias vivem em barracas.
Na actualidade, existem 230 000 fogos em situação de sobreocupação, e não pode estimar-se em menos de 375 000 habitações as carências actualmente existentes.

Acresce que é de cerca de 40 000 fogos o número de habitações para venda, que não encontram comprador, e 700 000 habitações têm mais de 60 anos.

Daqui resulta que a política anti-25 de Abril, que vem sendo posta em prática pelos sucessivos governos, desde 1976, nada resolveu no problema da habitação,
e, pelo contrário, veio agravar e agudizar o que constitui um direito social, o direito à habitação.
Acresce que, Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, a proposta de lei n.º 77/111 assenta ainda em alguns pressupostos falsos.
Por um lado, desde 1981 que as rendas são livres, através do disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 148/81, de 4 de Junho, e, por outro lado, desde 1982 que os senhorios podem repercutir nas rendas as obras de conservação ou de beneficiação que hajam executado, como veio permitir o Decreto-lei n.º 294/82, de 27 de Junho.
A prática tem mostrado que nem uma nem outra destas alterações legislativas produziram quaisquer efeitos visíveis e relevantes como meios de combate à degradação do parque habitacional.
E, não obstante, a proposta de lei não só ignora tais regimes legais, já existentes há alguns meses, como retoma tais medidas como novidades, susceptíveis de constituírem a resolução do problema da habitação.
Mas, o que é ainda pior, a proposta de lei ignora outros dados essenciais sobre o problema que se propõe resolver.
Por um lado, não toma em linha de conta que mais de 50 % das rendas em vigor são rendas de valores mensais entre 500$ e 2000$ e, por outro lado, não considera as condições sociais da maior parte dos inquilinos. Com efeito, e com base nos dados do Gabinete de Estudos e Planeamento da Habitação e Obras Públicas, verifica-se ainda que 31 % dos arrendatários são operários e 23,7 % são inactivos, entre os quais se incluem os pensionistas e reformados.
De forma que os aumentos de renda previstos na proposta iriam incidir, na proporção de cerca de 55 %, sobre aqueles que menos condições possuem para suportar tais aumentos.
Aumentos estes que não são pequenos, pois um arrendatário em Lisboa ou no Porto, em prédio sem porteiro nem elevador e que pague actualmente 1100$, viria a pagar 3270$ em 1986, 4380$ em 1987, 5880$ em 1988 e 4 anos depois estaria a pagar 15 800$.
Mas pagar, como?
Mas suportar aumentos como, em plena crise económica, em que a inflação excede os aumentos salariais, e os salários têm perdido progressivamente o seu poder de compra?
E como irão pagar os 150 000 operários sem salários, ou os 500 000 desempregados? E os reformados, cujas pensões nem sequer lhes permite subsistir, quanto mais pagar o triplo da renda?

Parece evidente que não é nas actuais condições de aguda crise económica e social que é possível implementar este aumento de rendas da proposta de lei.
Nem o subsídio, previsto na mesma proposta de lei, ultrapassa os meros limites de um improvisado paliativo destinado apenas a amortecer na opinião pública os efeitos dos aumentos de renda.
Por um lado, é uma medida que surge enredada num complexo burocrático que logo afecta a sua operacionalidade, e, por outro lado, não há nem uma quantificação do montante global de tal subsídio, nem das receitas para lhe fazer face, que tornem credível que tal subsídio possa acorrer às reais carências de todos que dele necessitam.
Acresce que o próprio aumento das rendas não é medida susceptível de modificar a situação, quanto a fogos vagos, estimados em 190 300 em 1982, dos quais

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43 000 destinados a arrendamento, 40 000 à venda e 16 000 a serem demolidos.
Se os arrendamentos para habitação são livres desde 1981 e se os senhorios podem optar pela renda condicionada, que permite a sua actualização periódica, não se viu que tais medidas tenham correspondido a uma modificação sensível da situação quanto a fogos para arrendar ou para vender.
É que não se pode esquecer que tendo Portugal os salários mais baixos na Europa, na construção civil, tem o preço mais alto na construção por metro quadrado.
Tal significa que uma intervenção a sério e eficaz no problema da habitação passa por um plano nacional, que tendo em conta aspectos fundamentais, nomeadamente os que respeitam à política de solos, ao crédito à habitação, à habitação social, à intervenção do Estado e das autarquias locais.
Contudo ao afirmar, no anteprojecto desta proposta de lei, que ela visava repor um aceitável nível de rendibilidade no mercado do arrendamento, o Governo não só põe à vista de toda a gente a sua concepção do direito social à habitação como um mero bem de consumo, em cujo mercado intervém para aumentar a sua rentabilidade, como espelha a sua convicção errónea de que é possível actuar no problema da habitação com medidas centradas nas rendas e no seu aumento, ignorando todos os outros factores condicionantes, da maior importância:
Nem sequer o Governo se preocupou com um aspecto central, que é o agravamento da inflação, como consequência dos vertiginosos aumentos de renda que a proposta de lei vem impor. Aumento da inflação que não só virá agravar ainda mais o custo de vida, como até seria feito ao arrepio das promessas de contenção da inflação que o Governo apresentou nas Grandes Opções do Plano e no Orçamento para 1985.
Respondendo a perguntas que formulámos ontem, o Sr. Secretário de Estado da Habitação esclareceu que contaria com 2 milhões de contos, no primeiro ano, respeitantes a 20 % da contribuição predial implementada com os novos aumentos de renda, para ocorrer aos subsídios, que se destinariam a 110 000 reformados.
São números impressionantes estes.
Impressionantes por um lado quanto ao acréscimo brutal da contribuição e ao correlativo aumento das rendas,
E impressionantes ainda quanto ao subsídio concedido a cada pensionista, que seria de 1500$ mensais, média, o que nem sequer cobriria o aumento da renda, no primeiro ano, de uma renda baixa, por exemplo, de 1100$, para a qual o subsídio cobriria apenas cerca de metade do aumento.
E os desempregados, e os operários sem salário, e os trabalhadores carenciados, que subsídio teriam?
Nenhum, pois os 2 milhões de contos destinar-se-iam apenas a 1 10 000 pensionistas ou reformados.
Com razão se chama já a esta proposta de lei uma catástrofe, que devia ser retirada.
E isto não tem de ver com a necessidade de uma actualização de rendas, que o MDP/CDE aceita e reconhece, como resulta até da referência que já fizemos à tabela de actualização de rendas antigas, constante do Decreto-Lei n.º 445/74, de 12 de Setembro, no sentido de lhes darmos a nossa concordância.

Mas uma coisa é actualizar rendas antigas, ocorrendo a situações de injustiça, e outra é desencadear um processo de ruptura social, ignorando-se a profunda crise em que o País foi lançado, e manipulando os aumentos de renda como medida isolada e contraproducente, como acontece com esta proposta de lei.
Por isso, se ela não for retirada, o MDP/CDE não lhe dará o seu voto. Esta lei não. De maneira nenhuma.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Porto.

O Sr. João (Porto (CDS): - Sr. Deputado Raul e Castro, V. Ex.ª referiu-se à política anti-25 de Abril que vem sendo praticada entre nós desde 1976. Gostaria de saber o que é isso de política anti-25 de Abril, sobretudo quando referida a um período tão largo em que os governos se sucederam e de feição bem diferente uns dos outros. Mas gostaria também que o Sr. Deputado me confirmasse se devo interpretar essa referência à política anti-25 de Abril desde 1976 como querendo dizer que a política pró-25 de Abril foi a política até 1976, ou sejam, do período de 1975-1976, durante o qual a produção habitacional atingiu os mais baixos valores dos últimos 15 anos.
A segunda questão refere-se à afirmação com que V. Ex.ª abriu a sua intervenção, no sentido de que a habitação não é um bem de consumo, fundamentando tal posição na própria Constituição. Gostaria então de saber como é que o Sr. Deputado encara o artigo 33.º da proposta de lei em apreço que reitera às associações de moradores os direitos das associações de consumidores, que afinal nelas considera integradas, alargando esses mesmos direitos aos processos cíveis e administrativos. Gostaria de saber se em face disso rejeita - como parece poder concluir-se da sua afirmação - esta inclusão das associações de moradores como associações de consumidores ou se, ao contrário, encontra outra justificação para manter a posição do artigo 33. º

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Costa.

O Sr. Fernando Costa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Raul e Castro: Ouvi-o com atenção, como é habitual, porque embora discorde dos seus pontos de vista, habituei-me a ver nas suas intervenções um ar sério no tratamento das questões. Quero desde já discordar da sua intervenção nos aspectos essenciais que ela foca.
O Sr. Deputado Raul e Castro veio fazer aqui a apologia do Decreto-Lei n.º 445/74 e referiu como política anti-25 de Abril - se bem entendi - todos os diplomas que o vieram alterar. A primeira pergunta que lhe faço é a seguinte: é ou não o Decreto-Lei n.º 445/74, de 12 de Setembro, o responsável pela grave situação a que chegámos?
Perguntaria ao Sr. Deputado, já que tentou enquadrar as questões do ponto de vista constitucional, se entende, como eu entendo, que o parque habitacional, que o problema do arrendamento, mais do que uma questão meramente particular e privada de relação entre inquilino e senhorio, é também uma questão de interesse e de património público. Se assim é, como penso que concordará, pergunto-lhe se é defensável a situação a que chegámos hoje, ou seja, a do senhorio que

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não recupera os seus prédios porque os rendimentos que deles aufere não lhe dão qualquer possibilidade de os reparar. O Sr. Deputado conhecerá situações de senhorios que recebem por prédios de terceiro e quarto andar rendas mensais de 2, 3 e 4 contos; o Sr. Deputado não desconhece, por certo, que mais de 50 % das rendas se situam a um nível inferior a 1000$; o Sr. Deputado não desconhece que mais de 80% das rendas em Portugal se situam a níveis inferiores a 2000$ e que a maioria delas não dão para que um senhorio possa sequer beber uma bica ou comprar um maço de cigarros por dia!
Pergunto ao Sr. Deputado se para o património público é defensável o congelamento das rendas, como me pareceu defender, de forma a que nem senhorios nem inquilinos façam as reparações que os prédios exigem e que prédios que deviam durar, em termos normais, um período de 100 a 150 anos comecem a ruir a fim de 20, 50 ou 60 anos devido à falta de reparações que eles necessitavam. Tenho conhecimento que inclusivamente um dos prédios que há pouco tempo acabou de ruir na cidade de Lisboa tinha uma idade na casa dos 50 anos. Ruiu precisamente devido à falta de obras de reparação.
Dirá o Sr. Deputado que o culpado é o senhorio que não reparou o prédio. No entanto, o Sr. Deputado por certo que conhecerá situações em que as rendas do prédio não dão sequer para a reparação do telhado, havendo casos caricatos, que lhe posso provar, em que elas nem sequer chegam para a conservação do elevador!
Será essa, Sr. Deputado, a melhor maneira de defender o nosso parque habitacional e de promover o mercado de arrendamento? O Sr. Deputado é a favor da existência de habitação privada para o arrendamento ou defende que o instituto do arrendamento e do senhorio deve ser definitivamente eliminado?
Da sua intervenção, Sr. Deputado, a única conclusão séria a que se pode chegar é que o Sr. Deputado, defende que o instituto do arrendamento, ou seja, a relação senhorio-inquilino deve definitivamente acabar.
Sendo assim, gostaria de saber qual é o sucedâneo para o instituto do inquilinato.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Leonel Fadigas.

O Sr. Leonel Fadigas (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Raul e Castro: V. Ex.ª traçou um quadro crítico e manifestou uma posição fortemente crítica em relação à proposta de lei, que não nos surpreende e sobre a qual não iria neste momento debruçar-me. Entendo que V. Ex.ª parte de princípios que são diferentes daqueles que enformam a posição que temos sobre a matéria e a intervenção não justificaria por si só que eu tomasse à Câmara o tempo deste pedido de esclarecimento. Mas V. Ex.ª fez duas afirmações que penso que valeria a pena serem aprofundadas ou pelo menos aclaradas, para que possamos ter uma ideia clara das diferentes posições e do entendimento que as diferentes forças políticas têm perante esta matéria.
Começou V. Ex.ª por afirmar que o Governo trata a habitação como um bem de consumo. Gostaria de dizer que só uma leitura possivelmente apressada do texto da proposta de lei pode levar a esse sentimento, pois ela é enformada por princípios onde a componente social tem uma forte incidência e representa, aliás, um contributo importante para a discussão dos problemas do inquilinato. Disse já aqui o meu camarada Roque Lino que esse era um dos elementos novos e importantes para o debate da questão do inquilinato, reportando até a retoma de algumas posições que nós, PS, desde há bastante tempo vínhamos defendendo.
Ao mesmo tempo, V. Ex. ª referiu que o MDP/CDE aceita e reconhece como necessária a actualização das rendas. Penso que valeria a pena - e todos nós ganharíamos com isso - se V. Ex.ª nos pudesse informar em que termos, de que modo e em que horizonte temporal o MDP/CDE entende que deve ser feita a actualização de rendas, sobre que tipo de rendas, com que coeficientes, etc. Penso que a resposta a esta questão poderia aclarar muito do que aqui se possa vir a dizer. Seria importante que soubéssemos qual a posição de V. Ex.ª e do seu partido depois de ter dito aquilo que disse acerca da proposta que estamos aqui a debater.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Raul e Castro.

O Sr. Raul e Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começaria por responder às perguntas do Sr. Deputado João Porto, o que não me parece difícil. Começou por perguntar o que é isso de política anti-25 de Abril e política ao serviço do 25 de Abril. Compreendo a sua dúvida, visto que o Sr. Deputado pertence a um grupo parlamentar que foi o único que não aprovou a Constituição de 1976! Os princípios de fidelidade ao 25 de Abril são os que constam da Constituição de 1976 e, em grande parte, da actual Constituição, depois da sua revisão. Um desses princípios é justamente considerar-se que o direito à habitação - e com isto passo a responder a uma outra pergunta - não é um bem de consumo, porque não se pode considerar como tal algo que é regulamentado, num capítulo em que figura, por um lado, o direito à habitação e, por outro, por exemplo, o direito à saúde. Creio que ninguém com o mínimo de senso poderá admitir que a saúde seja considerada um bem de consumo. Nos mesmos termos, o direito à habitação não é considerado pela Constituição um bem de consumo, mas um direito social.
O Sr. Deputado Fernando Costa - a quem agradeço a referência inicial que fez no sentido de que está habituado a ver um ar sério nas intervenções que faço na Assembleia - pretendeu afirmar que o Decreto-Lei n.º 445/74 é o responsável pela situação a que chegámos hoje. Creio que o Sr. Deputado está profundamente enganado, porque da minha própria intervenção resulta que não se pode, com base apenas no fenómeno das rendas, tirar conclusões quanto ao problema da habitação. Há outros factores da maior importância, como seja a política de solos e a política de créditos, que têm uma influência decisiva.
Por outro lado, se consultar as estatísticas, verá que o aumento das taxas de juro do fenómeno crédito, a especulação com terrenos e o seu aumento de preço, que se começa a verificar de forma sensível depois de 1976, é que são os grandes responsáveis pela situação criada no sector da habitação, nomeadamente quanto à degradação dos fogos, quanto ao preço alto que estes atingem e agora até, pelo aumento acelerado do

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custo de vida, à falta do poder de compra para adquirir os fogos que estão à venda.
Naturalmente que da minha intervenção não resulta que o MDP/CDE seja contrário à habitação privada e que entenda que o instituto do arrendamento deva terminar. O que se depreende da minha intervenção é que o MDP/CDE, até porque consta da Constituição o reconhecimento da iniciativa privada, admite que continue a haver iniciativa privada e senhorios. Mas os direitos destes têm de ser exercidos no quadro que diz respeito a um direito social, que é o direito de habitação.
Penso que já terei de algum modo respondido ao Sr. Deputado Leonel Fadigas. Mas, quanto à primeira questão que levantou, no sentido de saber porque é que o Governo trata a habitação como um bem de consumo, queria dizer-lhe que apenas transcrevi uma afirmação do anteprojecto desta proposta de lei, que posso repetir-lhe, em que se apresenta como finalidade da proposta o Governo repor um nível aceitável de rentabilidade no mercado do arrendamento. 15to é, um conceito que ignora por completo a noção de direito social de habitação, que consta da Constituição, reduzindo a habitação a um bem de consumo. Foi por isso que eu disse que nesta proposta de lei o Governo parte de um pressuposto errado e até inconstitucional, que é o de considerar o direito à habitação como um bem de consumo.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Quanto à actualização das rendas e à pergunta do Sr. Deputado no sentido de saber a opinião do MDP/CDE sobre esta matéria, queria dizer-lhe que fico desvanecido com o convite que me fez, porque não estávamos habituados a ver esta sensibilidade da maioria às opiniões dos partidos da oposição! Não sei mesmo se o Sr. Deputado pretende que o MDP/CDE apresente um projecto de lei, que seria imediatamente subscrito pelos partidos da maioria! Não estamos habituados a tanta generosidade, mas se calhar trata-se apenas de uma iniciativa individual do Sr. Deputado!
Para seu esclarecimento, queria dizer-lhe que se o MDP/CDE tivesse possibilidade, nesta situação em que vemos sistematicamente recusadas até simples propostas de alteração na especialidade por parte dos partidos da maioria, apresentaria um projecto de actualização de rendas que tivesse em conta a grave situação económica e social em que o País se encontra. 15to para nós é que é o fundamental.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Porto pediu a palavra para que efeito?

O Sr. João Porto (CDS): - Era para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Mas não pode, Sr. Deputado, porque não pode haver protestos a pedidos de esclarecimento. 15so ficou aqui definido há cerca de 2 horas.

O Sr. João Porto (CDS): - Peço desculpa, Sr. Presidente, mas ainda não consegui interpretar completamente o novo Regimento.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, gostaria de saber em que é que se baseia o critério da Mesa quando diz que não há protestos a pedidos de esclarecimento. Creio que o que o Regimento diz é que não pode haver um protesto a um pedido de esclarecimento feito por um outro Sr. Deputado, ou seja, não pode haver protestos cruzados. Mas, pode perfeitamente um Sr. Deputado fazer um pedido de esclarecimento e em seguida fazer um protesto à resposta que lhe foi dada. No caso de haver vários pedidos de esclarecimento feitos por, deputados da mesma bancada só poderá ser formulado um protesto. Contudo, creio que ele pode ser feito e que é esse o espírito do Regimento.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, quero dizer-lhe que da parte da Mesa - e falo a título pessoal porque fui eu que tomei a decisão, sem consultar os restantes colegas - não há nenhuma objecção a que seja dada essa interpretação e acatá-la-ia sem nenhuma dificuldade.

No entanto, o que se passou há pouco, antes do intervalo, foi uma situação semelhante, em que se fez um pedido para protestar, tendo ele sido concedido pelo Sr. Presidente, que então presidia à Mesa. Daí resultaram objecções, tendo um Sr. Deputado de uma outra bancada referido que o actual Regimento não permitia protestos a pedidos de esclarecimento. Esse entendimento ficou tacitamente aceite, porque a palavra não foi concedida. Ora, é no seguimento dessa interpretação que respondo agora ao Sr. Deputado João Porto nos termos em que respondi. Mas não tenho nenhuma dificuldade, desde que seja aceite o entendimento aqui exposto pelo Sr. Deputado Luís Beiroco, em lhe conceder a palavra para formular um protesto.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Dorilo Seruca.

O Sr. Dorilo Seruca (UEDS): - Sr. Presidente, o que o meu camarada Lopes Cardoso disse, há pouco, é que a figura do protesto não existe no Regimento quando se trata de um protesto cruzado, o que não é o caso presente.

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado, trata-se exactamente da mesma situação que há pouco surgiu.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, a doutrina que foi seguida nos primeiros dias de aplicação do Regimento foi a de permitir, nas circunstâncias em que o Sr. Deputado João Porto agora requereu, o exercício do direito de protesto. Houve, de facto, o incidente a que o Sr. Presidente se refere, mas não houve nenhuma aceitação tácita por parte dos deputados e das diferentes bancadas acerca desse entendimento, que ia ao arrepio daquele que era já corrente na Assembleia depois da aplicação do Regimento. Houve, sim, da parte do deputado que invocou esse direito - e que o estava afazer de forma cruzada - a aceitação da posição de dúvida que foi assumida pela Mesa. Nestes termos, Sr. Presidente, suponho que o incidente está suficientemente sanado, nomeadamente no sentido de que a prática normal da Assembleia no decurso da apli-

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cação do Regimento tem sido a de conferir o direito que agora o Sr. Deputado João Porto requereu.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Branquinho.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): - Sr. Presidente, era para lhe perguntar qual a interpretação que a Mesa dá ao n.º 3 do artigo 90. º do Regimento em vigor,

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a interpretação que se dá é exactamente essa que está de acordo com a resposta que dei ao Sr. Deputado João Porto.

No entanto, há depois o n. º 1 do artigo 90. º que diz que cada grupo ou agrupamento parlamentar, sobre a mesma intervenção, só pode haver um protesto por bancada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Porto.

O Sr. João Porto (CDS): - Sr. Presidente, era para dizer que a interpretação que tinha colhido, mais talvez por conversa do que pela leitura que fiz do Regimento, era no sentido de que eu teria esse direito. Mas preferia retirar o meu pedido, com o fim de ultrapassar este problema, porque julgo que estamos a perder tempo inutilmente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Barral.

O Sr. Paulo Barral (PS): - Sr. Presidente, o artigo 90. º é claro em relação a esta matéria. A questão que se passa é que estamos numa fase de transição do antigo Regimento para o novo e, portanto, estamos habituados a um outro tipo de prática. Mas não há, de facto, outra interpretação a tirar do n. º 3.
No n.º 1, quando se refere «sobre a mesma intervenção», penso que é liquido que se está a referir à intervenção sobre a qual é exarado o protesto ou o pedido de esclarecimento. Há, portanto, a nosso ver, que manter estas regras, que são as que foram aprovadas e que estão agora em vigor.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, como se verifica claramente que já houve neste Plenário duas interpretações quanto à aplicação deste artigo, sugiro que esta questão seja discutida numa reunião de lideres.
Mas, para além de se andar à volta de uma interpretação literal desta questão, não faz sentido nenhum que em debates com tempo limitado se pretenda seguir esta segunda interpretação. Aliás, toda a lógica do Regimento era evitar que nestas matérias os incidentes se multiplicassem e se perdesse demasiado tempo. Por um lado, limitaram-se os protestos a um por bancada, o que já é uma limitação considerável. Por outro, desde que um debate tem tempo limitado, o principio geral deve ser, mantendo-se certas regras, o dos grupos e agrupamentos parlamentares poderem gerir o seu tempo. Esta segunda interpretação é, do nosso ponto de vista, limitativa dos debates nesta Câmara. Por isso, solicitava ao Sr. Presidente que numa futura conferência de líderes fosse colocada esta questão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, este problema tem suscitado algumas dúvidas de interpretação, facto que não surpreende, visto que, tal como disse o Sr. Deputado Paulo Barral, houve uma transição de um Regimento para outro. Estou inteiramente de acordo em que o problema seja analisado numa próxima conferência de líderes, que definiria a situação para futuro, a fim de evitar estes equívocos e para não estarmos constantemente a perder tempo a saber se se pode ou não protestar ou contraprotestar. Penso que a solução estaria realmente em suscitar o problema em conferência de lideres.

O Sr. Presidente: - Estou inteiramente de acordo com os Srs. Deputados, mas penso que para que a execução do Regimento não se faça por defeito, visto que é preferível fazê-la por excesso, enquanto não é definido o conteúdo desta norma, talvez fosse de dar a palavra aos Srs. Deputados nas condições em que era concedida anteriormente, ou seja, um por bancada para protesto. Entretanto, a conferência decidiria definitivamente qual a interpretação correcta a dar a esta disposição.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Salema.

A Sr.ª Margarida Salema (PSD): - Sr. Presidente, fiquei na dúvida de qual a posição que a Mesa ou o Sr. Presidente assumiu quanto a esta questão particular que estava a ser debatida, ou seja, de se saber se o Sr. Deputado João Porto tinha ou não direito a fazer o protesto. Com efeito, fiquei sem saber qual a decisão final da Mesa sobre esta matéria e, portanto, gostaria de saber qual a posição da Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, segundo a minha observação nos trabalhos do Plenário, desde a aplicação do Regimento, durante o dia de ontem e de hoje até um certo momento, foi dada a palavra para protestos a seguir a pedidos de esclarecimento a um Sr. Deputado por bancada.
Há pouco a questão foi suscitada porque houve um Sr. Deputado que pediu a palavra para protestar em resposta a um pedido de esclarecimento. A questão foi suscitada por outro deputado e, nessas condições, não haveria direito a protesto e, portanto, a Câmara aceitou tacitamente esta correcção, digamos assim.
Entretanto, agora houve pedidos de palavra para protestos a pedidos de esclarecimento. Baseando-se no último exemplo, portanto, disse que não havia direito a pedidos de esclarecimento. A questão foi suscitada aqui, vários Srs. Deputados se pronunciaram, com interpretações não coincidentes. Surge então a sugestão de dois Srs. Deputados - Srs. Deputados Luís Beiroco e Marques Mendes - no sentido de que esta questão seja levada a
definida.
A questão que levanto é esta: estou de acordo, como Presidente da Mesa em exercício, que numa futura conferência dos presidentes dos grupos e agrupamentos parlamentares a questão seja tratada e definida. Mas, entretanto, como não sabemos qual vai ser a interpretação que vai fazer vencimento, e para que não estejamos neste momento a executar o Regimento por «de-

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feito» - admitindo que a interpretação vai ser aquela que anteriormente se aplicou aqui - preferia que ele fosse executado, entretanto, por excesso e, portanto, que a palavra fosse dada como vinha sendo feito -, no caso de ser solicitada, aos Srs. Deputados que pedem para protestar contra um pedido de esclarecimento, mas apenas um por cada bancada - mesmo que houvesse mais pedidos de palavra - e depois a conferência decidiria em definitivo.
Assim; era esta a sugestão que queria prestar para resolver de imediato as questões que estão aqui colocadas de pedidos de palavra para protestos e que a Mesa tem de decidir se é ou não possível. Esta era a minha sugestão.
Mas, como sou apenas um elemento da Mesa, vou de imediato consultá-la.

Pausa.

Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Margarida Salema: Informo que a Mesa, por maioria, aceita a sugestão que fiz no sentido de entretanto se dar a palavra aos Srs. Deputados, um por bancada, que pedem a palavra para protestar.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Salema.

A Sr. a Margarida Salema (PSD): - Sr. Presidente, lamento ter de o fazer nestas condições. Tendo em atenção que a Mesa agora deliberou diversamente ao que o Sr. Presidente há pouco tinha decidido, ou seja, que não admitia protestos a pedidos de esclarecimento e respostas aos mesmos, nos termos exactos do n.º 3 do artigo 90.º do Regimento.
Vejo agora que a Mesa, na dúvida, resolve dar a palavra para esse efeito. Discordo - e peço desculpa de o fazer, mas não o posso deixar em branco! profundamente da decisão que a Mesa acaba de tomar. De facto, se a Mesa tem dúvidas deve fazer o que o Regimento manda, salvo melhor opinião, e submeter a questão em causa à Comissão de Regimento e Mandatos. Quando a Mesa, o Presidente ou a Assembleia da República têm dúvidas, o que é legítimo e normal é fazer o que o Regimento manda e submeter a questão em causa - de interpretação do Regimento - a quem tem competência para o fazer, que neste caso é a Comissão de Regimento e Mandatos. 15to embora não tenha nada contra o facto de o Sr. Deputado Luís Beiroco e outro Sr. Deputado terem sugerido que a questão fosse levada à conferência de líderes. Nada tenho a opor contra isso, mas acho que havendo dúvidas submeta-se a quem, nos termos regimentais, tem competência para dar a interpretação nesta sede.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, esta é a decisão da Mesa, correcta ou incorrecta. Qualquer Sr. Deputado pode ainda recorrer da decisão da Mesa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Leonel Fadigas, para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Leonel Fadigas (PS): - Sr. Presidente, queria informar que, tendo sido um dos deputados que levantou - no entusiasmo do debate - o braço para pedir a palavra para um protesto, prescindo, de momento, de usar da palavra, independentemente da decisão que venha a ser tomada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes, para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, a manter essa interpretação, gostava de saber se se desconta no tempo, uma vez que estamos num debate com tempo limitado.

O Sr. Presidente: - É evidente que se desconta no tempo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Costa.

O Sr. Fernando Costa (PSD): - Sr. Presidente, em minha opinião a questão importante não é eu prescindir ou deixar de o fazer, mas sim que este assunto se resolva de uma vez por todas para que saibamos as normas por que nos devemos regular. Evidentemente que se prescindir da palavra posso contribuir para que os trabalhos andem mais rapidamente, então digo desde já que prescindo da palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr. ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República está debatendo hoje uma das mais graves propostas de lei que já discutimos, um monstruoso atentado ao direito social dos cidadãos - o direito à habitação.
É uma proposta de lei profundamente inoportuna, injusta e inadequada à realidade social do País.
Inoportuna, pois os Portugueses vivem uma gravíssima crise social. A proposta é agendada pelo Governo no momento em que se levantam vozes, de todo o lado, denunciando a fome que bate em muitos lares, no momento em que as condições de vida se degradam (os salários reais descem), o desemprego atinge centenas de milhares de portugueses e os salários em atraso são uma praga social que envergonha o País...
É uma proposta injusta porque esta lei ameaça o tecto de mais de 3 milhões de portugueses e coloca em risco os pensionistas, os desempregados, os trabalhadores que vivem exclusivamente do seu salário; cerca de 60 % dos fogos habitados são arrendados; 28 % dos inquilinos são reformados e 75 % são trabalhadores por conta de outrem. 15to é: são as camadas mais desfavorecidas da população que são inquilinos e são os inquilinos que irão ser atingidos nos seus direitos. É a estes que a lei vai exigir que paguem e paguem o que na imensa maioria dos casos não é compatível com as suas possibilidades. É, pois, uma proposta anti-social que atinge as camadas da população mais desprotegidas economicamente, e que visa exacta e friamente isso mesmo.
A proposta de lei, de aumento das rendas é ainda inadequada porque não visa dar casa a quem não a tem, e visa sim retirar casa a quem por direito a habita. É verdadeiramente espantoso que se venha apresentar esta proposta quando não há nenhuma política habitacional séria. Que consciência democrática têm aqueles que apresentam esta proposta quando faltam 600 000 habitações, quando a maior parte do parque habitacional está velho e não tem condições mínimas de habitabilidade, quando só em Lisboa e Porto a 39 000 famílias falta água canalizada, a 11 000 luz eléctrica e 230 000 habitações não têm casa de banho. Todos os meses caem prédios em Lisboa, mais de 36 000 fami

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lias vivem em bairros de lata... É politicamente muito significativo e o povo, esse povo que todos os dias vende a sua força de trabalho, não esquecerá, que a prioridade política para este Governo não são as famílias de Bairro Chinês, do Casal Ventoso, das ilhas do Porto ou do Bairro da Sé, não são aqueles que vivem amontoados, filhos, pais e avós, numa barraca infecta, e sobrevivem no limiar da condição humana. Em Lisboa, há pessoas, famílias a viver em fumas de terra batida, há uma encosta inteira, a encosta ocidental da cidade, que de Moscavide até Xabregas ao longo do rio, é uma sucessão de milhares e milhares de barracas onde vivem pessoas cujo sonho maior é um tecto de pedra e cal.
Se pudéssemos penalizar quem teve a desvergonha de neste país, nesta conjuntura, apresentar tal proposta preconizaríamos que fossem viver alguns dias num desses bairros de lata e viessem aqui depois discutir a habitação que falta aos Portugueses!

Aplausos do PCP.

O facto de o governo PS/PSD considerar esta uma prioridade política, uma das medidas estruturais do acordo entre o PS e o PSD, é bem significativo do conteúdo de classe deste Governo e da sua política. É o capitalismo da miséria! E é por sabê-lo que o Governo esperou pelo novo Regimento para pôr uma mordaça neste debate e tentar esconder da opinião pública as questões em causa. Tudo farão para que as pessoas só se apercebam da gravidade desta proposta de lei quando esta vier a ser aplicada e tiverem de pagar ou forem postos com os haveres na via pública.
Esta lei visa, porém, única e simplesmente, reajustar o rendimento dos senhorios através de um aumento brutal das rendas de casa, aumento este simultâneo e por 3 vias: por uma «correcção extraordinária», pela actualização anual e ainda por via das obras.
Esta proposta «liberaliza» o mercado habitacional, mesmo quando as leis de mercado aconselhariam a intervenção disciplinadora do Estado tendo em vista alcançar objectivos de interesse social e colectivo.
E isto é tanto mais grave quanto os inquilinos não têm alternativas e não há uma verdadeira política de habitação. Não há um plano nacional de habitação! Não há uma política de solos que combata a especulação e o uso incorrecto de solos e que ponha termo aos pesados encargos que por essa via recaem no custo final da habitação. Não há uma normalização dos métodos e técnicas de construção civil, nem uma tipificação suficiente dos modelos de fogos que permita uma rentabilização de meios e as adequadas economias de escala.
O acesso ao crédito para habitação própria é cada vez mais restritivo e comporta custos tão elevados que é verdadeiramente inacessível à imensa maioria dos cidadãos. Para este Governo há só o aumento das rendas de casa!
É verdadeiramente ridícula a afirmação de que esta proposta de lei seria a salvação da construção civil. Se o descongelamento das rendas tivesse esse efeito, então a construção civil já devia estar salva porque, Srs. Deputados, desde 1981 que estão descongelados os novos contratos de arrendamentos habitacionais, os arrendamentos comerciais, entre outros.
Não há nenhum país que tenha resolvido os seus problemas de habitação à custa exclusivamente do investimento privado e, muito menos, se se entender o investimento privado como um domínio tendente a assegurar lucros iguais ou, pelo menos, superiores, aos resultantes das taxas bancárias. A habitação seria, assim, transformada num negócio superprivilegiado em que sem risco, sem incorporação de trabalho, o investidor iria buscar lucros superiores a qualquer outro ramo comercial ou industrial à custa de um direito fundamental dos cidadãos, o direito à habitação.

O Sr. João Amaral (PCP)- É um escândalo!

A Oradora: - Tudo isto seria inaceitável mesmo se o Estado investisse em habitação social e garantisse casa às famílias, aos jovens casais, aos cidadãos que não podem pagar rendas especulativas. Mas o Estado não garante nada disso!

O Sr. João Amaral (PCP): - Um escândalo!

A Oradora: - Este ano, por exemplo, não há no Orçamento do Estado nenhum lançamento de novos programas de habitação social de promoção directa!
O direito à habitação é assim encarado não como um direito que o Estado tem de garantir aos cidadãos, tal como a saúde ou a educação, mas sim unicamente como um negócio onde funciona apenas a lei do maior lucro!
Esta proposta conduz a uma brutal concentração da riqueza, de capital, dando mais a quem mais tem e obrigando a pagar mais quem menos tem. Mas visa também fomentar uma escalada de despejos, sem precedentes e de consequências sociais imprevisíveis. É isto que no preâmbulo o Governo confessa quando chama falaciosamente aos despejos «mobilidade dos inquilinos»! É uma notável mobilidade, Srs. Deputados! De casas para barracas, para subalugueres, ou para a rua se a lei vier a ser aprovada. Mas cuidado, Srs. Ministros, porque a mobilidade chegou ao Governo e os despejos hão-de começar por aí.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Para atingir estes objectivos, a proposta é brutal e inaceitável. Os inquilinos de rendas antigas anteriores a 1981, que estão congeladas em Lisboa e Porto desde 1948 e no resto do País desde 1974, vêem as suas rendas aumentadas pelo chamado ajustamento inicial, mais um aumento anual e ainda podem ser aumentadas pelas obras.
Vale a pena trazer aqui dois ou três exemplos. Uma renda de 1960 de 1100$, de prédio sem porteira nem elevador, pagaria em 1985, 3270$; em 1986, 4380$; em 1987, 5880$; em 1988, 7880$; em 1989, 10 550$; em 1990, 13 500$ e em 1991, 15 800$.
Fora de Lisboa e Porto um arrendamento de 800$ teria de pagar em 1985, 1680$; em 1986, 2240$ e em 1991, 7130$.
Este aumento incrível das rendas antigas é ainda particularmente grave porque os únicos factores correctores para o seu cálculo são a existência ou não de porteiro e elevadores. 15to é: a lei aplicaria o mesmo facto para prédios do mesmo ano quer se encontrem na baixa da capital ou nos bairros suburbanos, quer a casa tenha ou não cozinha, casa de banho ou luz eléctrica. Aplica o mesmo corrector a todos os fogos de um prédio com rendas diferentes, desde que o contrato seja do mesmo ano. Para cúmulo trata de igual forma o senhorio que realizou obras de conservação ou benefi-

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ciação e aquele que nunca mais investiu um tostão no prédio. E prejudica (muito) os inquilinos que num gesto de boa vontade tenham aceite alguma vez aumentar a sua renda! E aqui temos, Sr. Secretário de Estado, o exemplo daquilo que ontem lhe dizia para uma renda de 3000$!
A forma como o Governo chegou ao coeficiente de actualização é altamente reveladora. O cálculo pressupõe que o dinheiro investido na compra da casa teria sido depositado no banco e capitalizaria juros. Pressupõe ainda que estes nunca tivessem sido levantados. Mas se o proprietário tivesse depositado o dinheiro no banco teria recebido assim apenas os juros! Mas o capital investido em habitação que se valoriza, mesmo em situação de congelamento das rendas e para além das, rendas recebidas ao longo dos anos, seria agora compensado pela correcção extraordinária como se o senhorio não tivesse recebido as rendas de casa.

O Sr. João Amaral (PCP): - É uma vergonha!

A Oradora: - Além do chamado «factor de correcção inicial», que no projecto do decreto regulamentar aparece diferido por 7 anos, todas as rendas são descongeladas, passando a estar sujeitas àquilo que o Governo chama o facto anual de correcção.
Esta conjugação de aumentos é incomportável para a imensa maioria dos inquilinos. É criminoso, Srs. Deputados, pôr as pessoas a viver na constante ameaça dos despejos. Aguentariam uns o primeiro ano, ao segundo já se veriam aflitos, ao terceiro desistiam mudando-se para quartos, barracas ou para a «terra». É a tal mobilidade de que fala o preâmbulo da proposta de lei. Veriam subir rendas, como vêem subir todos os preços, os que foram habituados desde 1948 a ter como pilar seguro na sua vida a casa. Apesar do nosso povo não confundir as instituições democráticas como o Governo e a maioria PS/PSD, se esta lei for aprovada não faltarão os que junto dos inquilinos fomentem a comparação entre este Governo e os de Salazar para minar a confiança no regime democrático, como há pouco assistimos aqui mesmo na Assembleia da República.

O Sr. João Amaral (PCP): - É isso o que quer a direita!

A Oradora: - Partindo da filosofia de que há uma grande injustiça social, cujas vítimas seriam os senhorios e uma camada de gananciosos exploradores destes - os inquilinos -, a proposta de lei inventa todos os mecanismos possíveis para buscar dos inquilinos e entregar aos senhorios. A realização de obras na habitação arrendada é transformada num desses mecanismos. A proposta começa por tornar ainda mais fluidos os conceitos de obra de conservação e de beneficiação: 15to não é casual, pois, as obras de beneficiação serão repercutidas no valor da renda. Mas mais ainda! Se o senhorio e as câmaras não fizerem as obras, o inquilino vai fazê-las, pagá-las ficando o senhorio apenas responsável pelo montante previsto no orçamento elaborado pelas câmaras e com a garantia de que a dedução à renda mensal lhe deixará sempre 25 % das rendas já corrigidas e descongeladas, ou seja, pelo menos o que estão a receber hoje! Vamos certamente ver senhorios passear frente aos seus prédios, felizes com as obras que os inquilinos fazem na propriedade deles, tão rentável graças ao governo PS/PSD! Tanto mais quanto o aumento das rendas por obras é repercutido no aumento anual.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP). - Um escândalo!

A Oradora: - Este é o quadro sintético do que de mais grave nos é apresentado na proposta de lei, no que respeita aos prédios antigos. Mas no que se refere aos novos contratos a lei contém uma fraude monumental. É que tanto o chamado regime de renda livre, como no regime condicionado as rendas aumentarão anualmente! A renda condicionada é, assim, apenas o mínimo para o senhorio calcular o valor de partida. Mas a fraude ainda é maior se se atentar que o primeiro arrendamento neste regime é fixado não na base do valor do prédio mas do valor declarado, sublinho declarado, de transmissão! Esta é uma das formas como o Governo do PS/PSD premeia a especulação. E conjugando isto com o Orçamento do Estado para 1985 fica tudo claro, se nos lembrarmos que foram isentos de sisa os prédios até 15 000 contos...

O Sr. Jorge (Lemos (PCP): - Um escândalo!

A Oradora: - Agrava-se, assim, o regime em vigor criado pela AD através do Decreto-Lei n.º 148/81 para os novos arrendamentos. Desde 1981 os senhorios podiam optar pela renda livre ou condicionada mas só a condicionada aumentava anualmente. Nesta proposta de lei aumentam todas anualmente: as antigas, as novas, as livres ou as condicionadas. É exactamente este facto que vai provocar maiores problemas sociais pois os rendimentos dos reformados, os salários dos trabalhadores, não aumentam da mesma forma. Vai, assim, esta proposta - se algum dia chegar a lei - exigir-lhes ano a ano, numa proporção geométrica, um aumento brutal da taxa de esforço com a habitação! 15to não se faz nem sequer em países desenvolvidos, que sucederá num país carenciado como o nosso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com o objectivo de esconder a brutalidade do conteúdo da proposta o Governo sossega o País com o «subsídio de renda». Convém dizer, antes de mais, que este subsídio, nos termos da proposta, só abrange os arrendamentos antigos agora actualizados. 15to é, ao contrário do que disse na TV o Primeiro-Ministro e do que diz a propaganda governamental, o jovem casal à procura de casa e que só encontra rendas de 30 contos não tem direito a nenhum subsídio. E vão ser de 30 e mais contos as rendas iniciais nas fórmulas previstas na proposta.
Mas o aspecto mais grave é que o subsídio é, efectivamente, um subsídio ao senhorio. O inquilino é um mero, intermediário. Então o Governo que tenha a coragem de dizer que na gravíssima situação económica e financeira do País vai subsidiar os senhorios! (Mas não subsidia trabalhadores com salários em atraso!) E vai subsidiar senhorios com dinheiros públicos (no fundamental extorquidos às autarquias). 15to é: não se trata sequer de um subsídio aos chamados senhorios pobres. O senhorio que é proprietário de uma rua inteira como por exemplo a Avenida de António Augusto de Aguiar ou da Avenida de João XXI, vai ter direito a receber subsídios do Estado por conta dos inquilinos que eventualmente estejam nas condições de recurso fixadas na lei. Mas os senhorios que recebem os subsídios a esses não lhes é exigida qualquer condição de

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recurso: nem capitação, nem se recebe centenas de contos de outras casas, nada! É-lhe pago o subsidio de mão beijada.

Risos do CDS.

Mas o chamado subsidio é sobretudo uma fraude, uma brutal hipocrisia. A base da atribuição do subsidio é a prestação mínima da Segurança Social. E este é o único dado que nos é fornecido sobre a matéria! É preciso que o Governo esclareça claramente quem vai ter direito ao subsidio para o seu senhorio e em que condições, sob pena de o Governo estar a enganar criminosamente as pessoas criando-lhes falsas expectativas.
Uma casa, Srs. Deputados, é um factor de inestimável importância na vida de toda a gente! A sua localização, as suas condições, o conforto, a intimidade que proporciona decidirá tanto na vida e na felicidade de cada um que este é, sem dúvida, um debate dos mais decisivos para o viver dos portugueses nos próximos anos.
A ser aprovada esta lei ficariam mais desumanizadas as nossas cidades, expulsos os idosos que nelas ainda residem, em favor de bancos e de escritórios de dia e de marginais à noite. Viver-se-ia cada vez mais em subúrbios e dormitórios e estes sempre mais caros.
Não é isto que as pessoas querem. Por isso a proposta provocou a maior repulsa no País. Por isso hoje é exigido que aprovemos aqui o que a Constituição estabelece, «Um sistema de renda compatível com o rendimento familiar» e não o contrário.
Por isso, votaremos contra esta proposta.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Zita Seabra: Ouvi atentamente a sua exposição. Concordo quando V. Ex.ª diz que esta proposta de lei é extremamente preocupante. Todos nós temos razões suficientes para criticar esta intenção governamental.
Pergunto-lhe, Sr.ª Deputada Zita Seabra, se V. Ex. ª quer fazer algum comentário sobre a proposta de lei que entrou hoje, de sopetão, nesta Assembleia da República. Com efeito, ao mesmo tempo que se discute esta proposta de lei, aparece uma outra propondo que a partir deste momento qualquer novo inquilino fique sem qualquer segurança no novo contrato de arrendamento que vai fazer com o senhorio e em que, ao fim de 1 e até aos 7 anos, pode ser posto automaticamente na rua!
V. Ex.ª quererá realmente comentar esta incrível proposta de lei, aonde se declara, nomeadamente no preâmbulo que «o construtor pode conseguir para os seus excedentes de oferta um rendimento razoável, que minore o peso dos seus encargos, com antecipada certeza de que, 7 anos volvidos, poderá vender em melhores condições de procura, ou voltar a arrendar por nova e mais compensadora renda», pondo na rua, pura e simplesmente, quem arrendar uma casa nova que até este momento não tenha sido arrendada.
Quererá V. Ex. ª formular um comentário, tanto mais que nesta proposta de lei o novo inquilino poderá ser colocado na rua, sem qualquer segurança, sem ter direito a qualquer tipo de indemnização. Quer dizer: a partir deste momento o inquilino não tem qualquer segurança quando vai celebrar o contrato de arrendamento com o seu novo senhorio.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Barral.

O Sr. Paulo Barral (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O nosso protesto vai no seguinte sentido: O PCP coloca - e tem colocado - nas suas intervenções, quer públicas quer' nesta Câmara, a discussão na base dos cenários mais excessivos que se podem encontrar no universo do arrendamento habitacional. O PCP faz, por isso, uma interpretação parcial e distorcida da proposta de lei.
O PS, ao contrário, considera que a proposta é moderada e vai ser melhorada, por certo, em sede de Comissão, porque para além de prever critérios moderados de actualização compatíveis com a generalidade das famílias portuguesas, não deixa de pôr como pedra de toque para os casos que isso não suceda a atribuição de um subsidio de arrendamento para estes casos.
E digo mais, Srs. Deputados: Esta proposta de lei institucionaliza, neste diálogo, a participação das associações de inquilinos - está previsto na lei, Srs. Deputados!
Este é o nosso protesto. Pensamos que o PCP não ganha esta batalha, porque nesta matéria a sua luta é a da distorção e da demagogia.

Aplausos do PS.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. João Amaral (PCP): - Fraco, fraco!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Costa.

O Sr. Fernando Costa (PS): - A Sr.ª Deputada Zita Seabra trouxe aqui, a respeito desta proposta de lei, todos os problemas envolventes da habitação, muitos dos quais não têm aqui, efectivamente, o seu tratamento. Já esperávamos que trouxesse à colação todas as situações mais condenáveis e que estão nos nossos propósitos procurar resolver. Mas, digamos, é completa demagogia, a propósito desta questão do aumento e da actualização das rendas, trazer aqui questões que nada têm a haver com a questão em apreço.
A Sr.ª Deputada classificou esta proposta - e teve a hombridade de o fazer - como de um capitalismo de miséria, como se a actualização das rendas fosse uma proposta dos países capitalistas.
Vou perguntar à Sr.ª Deputada, que por certo me vai responder - e um único exemplo satisfaz-me quais os países da Europa Ocidental ou de Leste em que as rendas não sejam actualizadas!
Dou-lhe um exemplo que gostaria que comentasse: como é que a Sr.ª Deputada classifica - já que o nosso será de capitalismo de miséria - o ordenamento jurídico da Hungria, que ainda no ano passado actualizou as rendas em percentagens de duas vezes e meia? Gostaria que me classificasse - e se quiser dou-lhe documentos sobre isso - o regime da Hungria que, a propósito de despesas de manutenção e de reparação geral dos prédios, viu-se obrigado a actualizar as ren-

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das, em geral, duas vezes e meia mais do que aquelas que vinham sendo praticadas.
Classifica ainda V. Ex.ª esta proposta como profundamente injusta para os inquilinos. O Sr. Deputado Raul e Castro classificou o direito do inquilino como um direito social - convenhamos que aceitamos este princípio. Mas, Sr.ª Deputada Zita Seabra, o direito social que assiste ao inquilino, em contrapartida, implica que o senhorio tenha que suportar encargos que ficam muito aquém das receitas que o prédio lhe dá? Ainda há pouco tempo ouvi o secretário-geral do seu partido defender a iniciativa privada e a propriedade privada. Que tipo de iniciativa e de propriedade privada é aquela que o secretário-geral do seu partido diz defender - e a Sr.ª Deputada por certo! - em que, por hipótese, os encargos de mera manutenção de um prédio são muito superiores às receitas que para o seu proprietário daí advêm?

O Sr. João Amaral (PCP): - Não tem encargos nenhuns! Não fazem obras!

O Orador: - É justo, Sr.ª Deputada, que por exemplo hoje se pratiquem em regra rendas - mais de 50 % - inferiores a 1000$ e que os senhorios tenham encargos de reparações gerais muito superiores? É justo, é um direito social, que o senhorio de um prédio de 4 andares - aqui bem perto - receba pouco mais de 1500$ de rendas e que tenha sido compelido a fazer obras que ultrapassavam os 500 000$? É justo que um senhorio de um prédio de 4 andares, que recebe 1500$ tenha despesas de conservação com o elevador na ordem de 1200$? É isto o direito social?
Estas situações não são também de precaver? É direito social, Sr.ª Deputada, que um inquilino que paga 500$ de renda tenha em casa três estudantes a pagar 7 000$ cada um, por mês, daí auferindo um rendimento líquido de 20 500$? São estas as situações de justiça que o Decreto-Lei n.º 445/74 impôs e que vocês defendem?
Para este tipo de situações que resposta é que a Sr.ª Deputada dá?

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - A Sr.ª Deputada Zita Seabra referiu-se a um dos aspectos - que aliás tinha, até este momento, sido pouco mencionado neste debate - invocados, entre outros pelo Governo para justificar esta proposta de lei: o da famosa mobilidade.
Diz o Governo que, dada a disparidade entre as rendas antigas e as rendas novas, não há mobilidade, o que leva a uma desadaptação entre as necessidades do agregado familiar e a dimensão do fogo que está à sua disposição. Para resolver isto, o Governo propõe concretamente, pois as pessoas não mudam de casa porque têm rendas baratas, tornar, então, todas as rendas caras.
A questão que se coloca aí é a de saber se, tornadas todas as rendas caras, as pessoas que não mudaram irão mudar e, mudando, para onde é que vão. Só que aqui o Governo diz-nos outra coisa: - «não, se elas não puderem pagar a renda não há problema porque têm o subsídio», o que quer dizer então, que o subsídio vai contrariar a tal mobilidade e esta deixa de existir, pois tendo o subsídio as pessoas continuam lá. Será que o subsídio vai ter em conta a adaptação, ou não, do agregado familiar? São os tais mistérios que envolvem toda a regulamentação que dá sentido a esta lei - aliás, posição comungada, como se viu há pouco, com o Sr. Ministro da Justiça - da qual nós continuamos na total ignorância. Como é que para além de todos estes aspectos, Sr. Deputado, é possível neste caso concreto, haver um pronunciamento minimamente claro da nossa parte, quando no fundo tudo parece eseuro menos uma coisa: que as rendas vão aumentar?

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Leonel Fadigas.

O Sr. Leonel Fadigas (PS): - Sr.ª Deputada Zita Seabra, a sua intervenção tem, quanto a mim, o mérito de colocar este debate num confronto de duas concepções, que é importante serem confrontadas. Esta proposta de lei é importante, até porque nos permite, aqui na Assembleia, confrontarmos soluções, propostas e modelos de resolver problemas que todos nós, independentemente do nosso posicionamento nas bancadas, reconhecemos que são graves na sociedade portuguesa.
O quadro que a Sr.ª Deputada Zita Seabra traçou sobre as áreas degradadas e o das condições de vida da parte da população urbana portuguesa levam-me a perguntar-lhe, perante o indício de algumas soluções que apontou, se não há aqui qualquer coisa de errado no entendimento e na própria formulação das críticas que colocou à proposta de lei.
V. Ex.ª colocou-se numa posição que para nós não é aceitável, embora seja legítima, entendendo que o problema - a luta final - se resolverá apenas por uma profunda intervenção do Estado. V. Ex.ª colocou a resolução do problema habitacional a partir de uma concepção de economia e de sociedade de forte componente estatal, de intervencionismo rígido e burocrático, modelo que não é o nosso e que é diferente daquele que esteve na origem e que resulta da filosofia da própria proposta de lei. Penso que esta discrepância de modelos retira sentido às críticas que a Sr.ª Deputada fez à proposta de lei porque me parece que a está a criticar, tendo perante ela um posicionamento diferente, ou seja, critica-a porque ela não se adapta nem se enquadra no modelo político institucional que V. Ex. ª defende. Penso que este é que é o grande confronto.
Valeria a pena, no fim de contas, verificarmos a discussão desta proposta de lei no quadro da sua aplicabilidade imediata. Quer em termos constitucionais, quer em termos do quadro jurídico vigente, quer do quadro daquilo que é a opção maioritária dos portugueses, as soluções que V. Ex.ª pretende não tem aplicabilidade prática. Seria útil verificar em que termos e de que modo V. Ex. ª nos propõe aqui soluções compatíveis com o nosso quadro vigente.
Perdoe-me a maneira como termino, que é a de concluir que V. Ex.ª se coloca numa posição que, para nós, é duplamente grave porque junta o modelo Salazarista - que recusamos - do congelamento, ao modelo comunista - que também recusamos - da profunda intervenção estatal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

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A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começava por responder ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca. É extremamente grave - e ainda não tive oportunidade de ler a proposta governamental dos contratos a prazo de arrendamento - a filosofia inerente a esta proposta de lei, isto é, que a estabilidade do contrato do inquilino possa ser posta em causa, mesmo que momentaneamente. Nós sabemos como neste campo da habitação o «momentaneamente» depois se instala, criando um sistema de contratos que permitem que em qualquer momento a pessoa seja despejada e vá para a rua.
Nós só conhecemos o exemplo de um pais onde isto acontece - o Brasil, e ainda não há muito tempo houve uma telenovela, passada na televisão em que, se os Srs. Deputados tiveram oportunidade de ver, o drama de uma daquelas famílias era exactamente o de caducar o contrato de arrendamento que tinham. Simplesmente, o Brasil tem mais terreno para fazer favelas do que Lisboa e entendemos que, na verdade, esta proposta de lei, que vem no seguimento dos gravíssimos problemas sociais que já trouxeram os contratos a prazo para os trabalhadores, é insuportável e inadmissível no momento que atravessamos e na situação de gravidade social que o País atravessa, É um recuo de quase 100 anos, quando sabemos que uma das grandes lutas populares havidas no início do século em Portugal foi exactamente pela garantia do contrato do inquilino.
Respondendo agora a outra questão do Sr. Deputado Paulo Barral - que, no fundo, está no seguimento da intervenção que o Partido Socialista já fez e que nos vem acenar com o facto de virem a haver depois em Comissão e na especialidade possíveis melhorias da proposta de lei presente - não quero deixar de dizer que essa tem sido uma técnica usada pelo Partido Socialista em todas estas leis graves que tem apresentado à Assembleia da República. Já foi assim, por exemplo, na lei dos Serviços de Informação e na lei de Segurança Interna e o que é certo, é que depois essas propostas de lei saem exactamente como entraram para lá. E nós não acreditamos que o Governo seja um Governo de masoquistas, isto é, que venha aqui apresentar uma proposta impopular e gravíssima, para depois a Assembleia da República poder ser muito boazinha perante o povo e o País e melhorar um bocadinho os textos das leis.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - 15so não é verdade!

A Oradora: - Não é verdade, Sr. Deputado? Aquilo que se anuncia da parte do Governo, por exemplo, com esta proposta dos contratos a prazo, é mais um agravamento ainda do que já está contido e do que de já muito grave tem esta proposta de lei.
Em segundo lugar, junto as questões postas pelo Sr. Deputado Fernando Costa e pelo Sr. Deputado Leonel Fadigas que, no fundo, se resumem ao seguinte: qual é então a solução, isto é, que solução preconiza o Partido Comunista, e porque é que trouxe aqui todos os outros problemas de habitação?
Este é um dos pontos-chave deste debate. É que se houvesse solução para os milhares de portugueses que vivem em barracas, que não têm luz eléctrica, que estão em casas a cair, se estivessem a alojar essas pessoas em habitação social, em casas de pedra e cal, nós poderíamos então admitir que houvesse um descongelamento das rendas de casa dentro de determinados moldes, isto é, se os inquilinos tivessem alternativa, se tivessem casas à dimensão da sua família e não fossem atirados para dezenas de quilómetros do seu local de trabalho e se houvessem preços compatíveis de rendas onde as pessoas pudessem habitar.
Mas não há nada disso. O investimento do Estado é extremamente reduzido e ainda este ano no Orçamento do Estado, que votámos há semanas atrás, não há um único tostão para novos investimentos de habitação social, ou seja, para novos programas de habitação social directa. O apelo às cooperativas está num dos pontos mais baixos, não há apoio à auto-construção, não há soluções, não há alternativas.
Ora, o que é grave é que, não havendo alternativas e estando o País a viver uma crise social extremamente grave - com salários reais a descer, com o desemprego a aumentar e com a fome a bater a muitas casas esta seja a prioridade política do Governo e a única medida a sério que toma no campo da habitação, isto é, o descongelamento das rendas. O Governo começa e acaba aqui em matéria de política de habitação e quando o Sr. Deputado Leonel Fadigas diz que o nosso modelo não é o seu modelo, pergunto-lhe qual é o Partido Socialista da Europa que tem como único modelo o considerar que a habitação é exclusivamente um negócio onde funcionam todas as leis capitalistas.

O Sr. Leonel Fadigas (PS): - Eu não disse isso!

A Oradora: - 15to é, qual é o país que se demite de qualquer investimento público ou do Estado para garantir casa àqueles que não podem pagar rendas especulativas e que não podem entrar nesse negócio? E quando aqui se pergunta o que é que se passa nos países capitalistas ou nos países de Leste - se há rendas congeladas ou descongeladas - eu pergunto-lhes, Srs. Deputados, qual é o pais capitalista da Europa da CEE que não tem investimento público em habitação para garantir casas às camadas mais desfavorecidas da população, Os números estão aqui e podemos comparar. Por exemplo, só em Inglaterra, as habitações construídas pelo Estado são 36%.
Ora, é neste quadro, no da nossa realidade nacional, da situação social que o País atravessa neste momento, que temos de falar. Ora, esta lei é particularmente inaceitável porque vem exactamente no momento em que se estão a atingir as condições de vida inaceitáveis da população portuguesa, particularmente nas camadas mais desfavorecidas, que são exactamente os inquilinos.
A outra questão que me foi colocada foi posta pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso e é a tal questão da mobilidade.
O Sr. Deputado tem toda a razão quando diz que esta mobilidade que aqui está prevista - e à qual ainda agora o Sr. Deputado Fernando Costa se referia - é a mobilidade dos inquilinos que vão sair das casas porque não podem pagar a renda. Vão libertar casas e vão para barracas, para os subúrbios ou para a sua terra.

O Sr. Paulo Barral (PS): - E deixam as casas desocupadas!

A Oradora: - Diz o Sr. Deputado num aparte «e deixam as casas desocupadas». Pois deixam, deixam-

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-nas desocupadas e vão para uma barraca. Aí está a grande solução para a habitação e a grande alegria dos senhorios e do Governo deste país.

Pergunta-se a quem é que essas casas vão ser alugadas com as rendas especulativas que se praticam no mercado, tanto mais que, por exemplo, em matéria da própria política de arrendamento nesta lei - que nós não consideramos ser uma lei de arrendamento, mas sim uma lei, exclusivamente, de aumento das rendas não se prevê nenhuma medida para garantir que as casas de habitação continuem a ser usadas para esse fim.

O que se vai passar, portanto, é que essas casas libertadas vão passar a ser alugadas para escritórios, consultórios, para centros comerciais e as pessoas vão continuar a viver numa situação dramática.

Gostaria só de pegar numa última questão que foi posta pelo Sr. Deputado Fernando Costa, do PSD. Sr. Deputado, a acreditar na sua intervenção estávamos aqui, na nossa bancada, quase a chorar pelos pobres dos senhorios que têm sido tão explorados por essa camada de gananciosos exploradores que são os inquilinos. Olhe que não conheço nenhum senhorio a quem a casa dê tanto prejuízo que a ofereça aos inquilinos. Eu não conheço nenhum exemplo e os que conheço são todos exemplos contrários.

Agora o que é grave, Sr. Deputado, é também a forma como esta lei programa e prevê o aumento das rendas de casa através de um aumento - o chamado ajustamento inicial -, depois através de um aumento anual e ainda através de um aumento pelas obras. São estas três conjugações de aumentos que são, quanto a nós, insuportáveis para a imensa maioria dos inquilinos, não se tratando aqui, portanto, de uma mera proposta de ajustamento das rendas. É um ajustamento com um descongelamento e ainda com um aumento por conta de obras, que atinge, como eu já disse, a imensa maioria dos inquilinos, dos quais 75 % são trabalhadores por conta de outrem. Se o Sr. Deputado refere aqui a situação desgraçada em que vivem a maior parte dos senhorios, digo-lhe o seguinte: aquilo que a nós nos preocupa, porque aí é, que se atinge o limiar da sobrevivência humana, são a maioria dos portugueses que não têm casas em condições mínimas de habitação. E esta lei a única coisa que vai fazer é aumentar-lhes ainda mais a sua renda de casa.

Por último, gostaria aqui de chamar a atenção dos Srs. Deputados para um aspecto que me parece extremamente grave e que referi na minha intervenção. É a questão do subsídio de renda, que, foi referido mais uma vez como sendo a resolução de tudo isto. Porém, o subsídio de renda não é aplicado a nenhum novo contrato, isto é, o jovem casal a quem neste momento pedem 30 contos ou 35 contos por uma casa não tem direito a subsídio de renda porque ele só se aplica, nos termos da proposta de lei, aos senhorios antigos, e a poucos. Nós pretendemos que até ao fim deste debate o Governo esclareça claramente quais são os critérios que propõe para a atribuição do subsídio, isto é, quem e com que capitação vai ter direito ao subsídio de renda. E pergunto a capitação do inquilino, uma vez que eu própria já disse que este subsídio do Estado vai ser atribuído a todos os senhorios independentemente da sua capitação, o que quer dizer que um senhorio que tem um quarteirão inteiro ou uma rua inteira, vai receber subsídios do Estado por conta dos inquilinos que eventualmente tenha em condições de recurso para receber o subsídio. É isto que é um escândalo, além de tudo o resto, nesta proposta de lei.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Cargos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, queria interpelar a Mesa a propósito do prolongamento da sessão. Cremos existir consenso no sentido de que a sessão se prolongue até terminar a discussão deste diploma. Se assim for, não faremos nenhum requerimento no sentido de ser votado o prolongamento da sessão.

O Sr. Presidente: - Uma vez que há consenso, Srs. Deputados, está interrompida a sessão até às 22 horas.

Eram 20 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 22 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, queria fazer um requerimento, que passo a apresentar.

Ex.º Sr. Presidente da Assembleia da República:

No decurso do debate da proposta da lei n.º 77/III foi anunciado por uma das bancadas da coligação governamental (pela bancada do PSD) como uma das matérias que deveriam, em seu entender «ser estabelecidas numa lei das rendas», a previsão da «possibilidade do estabelecimento de contratos de arrendamento por prazo determinado» (ou seja, sem renovação automática como hoje sucede). Trata-se, ao fim e ao cabo, da institucionalização do contrato a prazo na habitação, pondo nas mãos dos senhorios uma arma inelutável de despedimento dos inquilinos.
A alteração referida representa assim uma alteração radical do regime legal do arrendamento de prédios urbanos para fins habitacionais, traduzida numa brutal e insuportável instabilidade para os direitos de inquilinos, representando um recuo de dezenas e dezenas de anos em relação ao que é hoje um património histórico de conquistas jurídicas de defesa dos inquilinos e do direito à habitação, que o próprio fascismo não ousou quebrar!
Na sequência do anúncio da bancada do PSD, o Governo acaba de depositar na Mesa uma proposta de lei de alteração do regime legal do arrendamento para habitação institucionalizando precisamente o contrato a prazo na habitação.
O anúncio desta proposta de alteração torna inviável a continuação deste debate na generalidade, desde logo porque, representa uma radical alteração de fundo e sobre ela não foi feito qualquer debate público (nem análise por parte da Comissão Parlamentar competente).

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Considerando, assim, a gravidade da situação criada, que atinge e subverte o regime legal em vigor, destruindo uma garantia básica dos inquilinos, que é a da permanência do respectivo contrato;
Considerando em geral as gravíssimas consequências sociais das propostas de lei sobre largas camadas do povo português, tal como foi cabalmente demonstrado ao longo do debate;
Considerando assim a necessidade de um trabalho aprofundado da Comissão Parlamentar (trabalho que não foi feito desde logo porque o Governo não forneceu os elementos suficientes nem respondeu às questões que lhe foram postas) e, por outro lado porque nenhuma análise foi feita ás novas (e brutais) propostas de alteração;
Considerando finalmente a necessidade de aprofundar o debate público, com vista a possibilitar o conhecimento real do conteúdo das propostas do Governo.
Os deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, requerem a imediata baixa às Comissões de Equipamento Social e Ambiente e de Direitos, Liberdades e Garantias da proposta de lei n.º 77/III, para reapreciação (com a correspondente suspensão do debate em curso).

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: -- Suponho que todos os Srs. Deputados tomaram conhecimento integral do conteúdo do requerimento. Assim, se VV. Ex.ªs estão de acordo, parece-me ser dispensável a sua distribuição e, portanto, passaremos à sua votação.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, como compreenderá, trata-se de uma matéria suficientemente grave para que a Assembleia da República deva deliberar com o quórum necessário. Solicitava, portanto, a V. Ex. ª que se procedesse à respectiva contagem.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, a Mesa procederá à respectiva contagem depois de passar o tempo regimental do chamamento dos Srs. Deputados.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, solicitava-lhe que fizesse distribuir pelas bancadas o requerimento do Partido Comunista.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o requerimento já foi entregue aos serviços, que vão proceder à sua distribuição.

Pausa.

Srs. Deputados, há 130 deputados na Sala e, portanto, temos quórum.
Vamos proceder à votação do requerimento apresentado pelo Partido Comunista Português.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD, do CDS e da ASDI e votos a favor do PCP, do MDP/CDE, da UEDS e do deputado independente António Gonzalez.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começaria por dizer que dou aqui por inteiramente reproduzido o diagnóstico da crise que atravessa o sector da habitação no nosso país. É que não creio que as divergências se situem a este nível e repetir o que é de sobejo conhecido e, no fundo, não é objecto de controvérsia, seria estar a desperdiçar o meu tempo, o vosso tempo e a abusar da paciência de todos.
A questão-chave que importa levantar neste momento está em saber-se em que medida a proposta de lei trazida pelo Governo traz um contributo, por mínimo que seja, para dar resposta não apenas aos problemas do sector, mas, sobretudo, para contribuir para que se avance na concretização de um dos direitos fundamentais que a Constituição consagra no domínio económico-social, e que é o direito à habitação.
E colocado o problema neste pé acrescentaria, desde logo e sem rodeios, que a proposta de lei não dá resposta nem a uma nem a outra dessas questões.
Foi aqui dito que o regime de rendas de casa não pode, a menos que se pretenda enveredar pelo terreno da demagogia, ser reduzido a um conflito entre senhorios e inquilinos. Pela nossa parte, pensamos que essa afirmação é verdadeira. Mas pensamos também que, no fundo, quem acaba por colocar a questão nesses termos de conflitos entre inquilinos e senhorios é o próprio Governo e, colocando-a nestes termos, acaba por dar uma resposta parcial em beneficio de uns e em prejuízo de outros.
Não ignoramos nem queremos escamotear que o congelamento das rendas antigas pode ser e é, em muitos casos, socialmente injusto. Não ignoramos nem procuramos escamotear o facto de que não poucos senhorios investiram em fogos para arrendamento de pequenas poupanças e vêem hoje o rendimento dessas poupanças completamente degradado. Mas, do mesmo modo, não ignoramos nem queremos escamotear que mesmo um ligeiro aumento de rendas pode provocar em orçamentos familiares débeis rupturas extremamente graves.
Em resumo, se reconhecemos que exigir um aumento de renda a quem o não pode satisfazer conduz a agravar situações de injustiça social, também reconhecemos que é socialmente injusta a situação a que o congelamento das rendas pode conduzir quando permite que se criem distorções entre o rendimento real e o custo da renda em relação a determinados locatários.
Por tudo isto, recusamos nesta matéria ter opções dicotómicas, que tendem a escolher entre os bons e os maus - inquilinos ou senhorios -, conforme o ponto de vista em que cada um se coloca.
Só que este é apenas um dos aspectos da questão maior que, no fundo, está subjacente à matéria aqui objecto de discussão - questão maior que se não es-

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gota. aí, mas que só ela, afinal, encontra resposta na proposta de lei do Governo e de uma forma, em nosso entender, desequilibrada, mesmo quando o Governo a pretende fundamentar a coberto de propósitos louváveis de relançamento do sector da construção civil por essa via de relançamento da oferta de fogos para arrendamento e até para a recuperação do parque imobiliário degradado.

E isto de uma forma distorcida porque conduz a um tratamento totalmente desigual: os locadores irão ver de imediato as rendas descongeladas e progressivamente actualizadas a um ritmo que, aliás, ignoramos qual seja; os locatários ficarão a aguardar uma suposta dinâmica do sistema que assim se criará. Portanto, uns ficarão à espera do, anunciado aumento da oferta de casas - e a que preços no livre jogo do mercado. habitacional e financeiro? - e outros ficarão à espera pelas obras de conservação, entregues à consabida burocracia do sistema. 15to é, os aumentos são para já, mas a oferta de casas novas e a conservação das antigas não se sabe para quando.
Mas vejamos mais de perto estes dois problemas.
Questionado aqui o Sr. Secretário de Estado sobre qual credibilidade pode merecer o argumento de que a actualização das rendas permitirá a recuperação do parque imobiliário e, por essa via, estimular as pequenas empresas da construção civil mais do que não, seja em face da própria dimensão dos aumentos previstos e dos esquemas burocráticos que se mantém, argumentou que se porventura os aumentos não permitiram realizar as obras no primeiro ano, já é possível admitir-se que esses aumentos venham a tornar possível essas obras no segundo ou no terceiro ano de vigência das actualizações.
Porém, o Sr. Secretário de Estado esqueceu-se que se porventura os rendimentos dos senhorios aumentarem no segundo, terceiro e quarto anos em relação ao primeiro ano, os custos das obras também aumentarão por efeitos da inflação e do acréscimo do próprio custo de conservação decorrente do facto de não terem sido feitas no momento oportuno.
O Sr. Secretário de Estado desculpar-me-á uma observação que contém alguma coisa de caricato - e é pelo que ela contém de caricatural que lhe peço desculpa -, mas um pouco na esteira do raciocínio de V. Ex.ª e com um pouco mais de boa vontade para demonstrar o que é indemonstrável, creio que se poderia ter afirmado também que no segundo, terceiro e quarto anos de vigor das actualizações subirão as remunerações dos senhorios, a sua disponibilidade para fazer as obras e até talvez baixe o custo dessas obras.

Mas, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados da maioria, Srs. Membros do Governo: Se admitem que o aumento das rendas conjugado com as linhas de crédito especiais que se anunciaram - e que não sabemos exactamente quais sejam - serão suficientes para proporcionar aos senhorios os recursos financeiros necessários para a realização das obras, ouso afirmar que estou certo de que o Governo e a maioria não hesitarão um único momento em aprovar as propostas de artigos novos que já apresentámos a esta Assembleia e que me permito muito rapidamente resumir.
Se de facto as actualizações conjugadas com as linhas de crédito vão permitir e colocar ao dispor dos senhorios meios-financeiros necessários, por que não se aceitar aquilo que sugerimos? É simples: os senhorios que pretendam actualizar as rendas requererão às câmaras municipais respectivas uma vistoria para definir as obras de conservação necessárias, a câmara notificará o senhorio dessas obras; notificado o senhorio procederá aos aumentos, comprometendo-se a, no prazo de 1 ano, realizar as necessárias obras de conservação; se o não fizer devolverá os aumentos e voltaremos à renda inicial.
Ora, se não se aceita este mecanismo porque se considera que as rendas e as linhas de crédito não criam as condições necessárias para que os senhorios possam satisfazer os custos de conservação dos prédios, então, Srs. Deputados da maioria e Srs. Membros do Governo, não pretendam fazer aprovar esta proposta de lei sob o pretexto que ela contribui para a recuperação do parque habitacional degradado.

E quanto ao tão falado efeito de relançamento sobre a construção de fogos novos que esta proposta de lei traria implícita em si própria? Antes de mais nada, importa ver o que é que de novo esta proposta de lei traz em relação ao regime actualmente vigente para os fogos novos. Mantém em vigor os regimes que já existem da renda livre e da renda condicionada. Porém, introduz uma alteração que não é de somenos importância nem destituída de significado: é que tornam actualizáveis as rendas livres e, mais ainda, as rendas livres à data da publicação da proposta de lei - se eventualmente vier a ser aprovada -, passarão a ser actualizáveis também, premiando-se assim aqueles senhorios que haviam já antecipado as actualizações de renda (para utilizar a expressão do Sr. Secretário de Estado) e que verão aberto o caminho para duas actualizações.
Do efeito que sobre a construção civil a existência do regime de rendas condicionadas e do regime de rendas livres pode trazer a experiência concreta desde 1981, que fala por si.

Quanto ao efeito da novidade - a única e que não é de somenos importância nesta matéria -, que é afinal o da actualização das rendas sujeitas ao regime livre, o que é que haverá a esperar? Antes de mais, vale a pena chamar a atenção para o seguinte: se os incentivos fiscais criados ou alargados para as rendas condicionadas não são suficientemente aliciantes a tal ponto que se entendeu necessário abrir também a actualização das rendas para o regime de rendas livres, julgo que não será abusivo se concluirmos que será finalmente o regime de rendas livres actualizáveis aquele que virá a constituir a regra.
Sendo assim, volto a perguntar, como já tive ocasião de o fazer durante o debate, como é que a oferta de fogos nessas condições encontrará uma procura capaz de lhe dar resposta, uma procura com capacidade económica que possa corresponder a este tipo de oferta num mercado que se quer voluntária e propositadamente um mercado livre. Creio que ninguém ousará afirmar que essa resposta existe. Aquilo que inevitavelmente se passará num mercado deste tipo é que a oferta tenderá a ajustar-se à procura e a estagnação na construção de habitações neste quadro manter-se-á exactamente na mesma situação em que se encontra.
Aliás, é curioso ver que se não se acredita que os incentivos para as rendas condicionadas tenham qualquer efeito sobre os senhorios é que se tem a preocupação de introduzir no n. º 2 do artigo 3. º a obrigatoriedade do regime de renda condicionada para o arrendamento de fogos habitados já à data da promulgação deste diploma ou já com licença de habitação.

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E isto porque parece que no fundo não se acredita que os incentivos fiscais fossem de tal natureza de per si o senhorio a optar por este regime condicionado e introduz-se um mecanismo de obrigação de opção - se o termo «opção» pode ser usado neste caso - por esse regime. Verifica-se aqui que, no fundo, o Governo acredita muito pouco na eficácia dos mecanismos que cria tendentes a tornar em regra a renda condicionada. Também aqui a distância que vai entre os propósitos que o Governo proclama e a realidade que sem demagogia se pode antever, é imensa.
Proclama ainda o Governo - e repetiu-o aqui que tem objectivos de luta contra a especulação no domínio dos arrendamentos para habitação. Porém, também aí continua a não nos dizer de que instrumentos reais se pretende dotar. Mas, ao mesmo tempo, vem - como já tive ocasião de referir há alguns minutos atrás - premiar os senhorios que ao abrigo do regime das rendas livres actualizaram por antecipação essas rendas, concedendo-lhes agora o direito a novas actualizações. Será isto, Srs. Deputados, um exemplo dissuasor das práticas especulativas?
E que dizer da indefinição quanto a todos os dispositivos regulamentares que, ao fim e ao cabo, definirão os verdadeiros contornos da lei, clarificarão o seu significado, poderão, inclusive, alterar-lhe o alcance?
Os coeficientes de actualização, os ritmos de aplicação da correcção das rendas, o nível dos subsídios de renda, o processo da sua atribuição, os esquemas de crédito, tudo isso permanece totalmente vago. O Governo «fará», o Governo «dirá», o Governo «regulamentará». Entretanto, de certo e de seguro apenas fica uma coisa, ou seja, que as rendas serão aumentadas.
E quanto ao Conselho da Concertação Social? Por que atribuir funções consultivas nesta matéria, nomeadamente na definição de coeficientes de actualizações de rendas? Parece que no Conselho da Concertação Social o Governo terá descoberto um brinquedo que gosta de usar a todo o momento e do qual se não quer separar! Não seria muito mais lógico que se consultassem as associações directamente representativas dos interesses em jogo, como sejam as associações de proprietários, de inquilinos, de construtores, de arquitectos e engenheiros? Nesse sentido vai uma das propostas que apresentámos e aguardamos pela reacção da maioria e do Governo perante ela.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O problema da habitação em Portugal não é só nem principalmente um problema de rendas nenhum de nós ousará negar isso. Todos nós temos consciência de que não se encontrará nunca uma solução fora de uma política global que integre uma intervenção simultânea no domínio da política de solos, do crédito, da construção civil.
A proposta de lei mais não é do que uma proposta de alteração do regime de rendas de casas de habitação. Dir-se-á que nem outro seria o propósito do Governo já que é nesses exatíssimos termos que a intitula. Até aí tudo bem! Só que se o Governo assim o faz, não deixa de tentar apresentar e justificar essa proposta de lei como se se tratasse de um elemento chave, primordial mesmo, para a solução do problema habitacional. Só que não consegue demonstrar os efeitos positivos que a sua aprovação possa ter nem sobre a oferta de casas novas nem sobre o relançamento do sector da construção civil, nem sobre a recuperação do parque habitacional e degradado, nem sobre a tão falada mobilidade nos arrendamentos, nem sobre a melhoria das condições de habitação. Mas há um efeito que ninguém consegue escamotear: o efeito que terá de imediato no plano social, sem contrapartidas que colectivamente justifiquem os sacrifícios que individual e colectivamente vai impor.
E é por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que não daremos o nosso voto à proposta de lei em discussão.

Aplausos da UEDS.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Costa.

O Sr. Fernando Costa (PSD): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, um dos pontos referidos na sua intervenção e que me deixou alguma perplexidade - porque não compreendi se V. Ex.ª pretendia ser esclarecido ou se estava a dar uma opinião - diz respeito à questão das casas que ultimamente foram arrendadas no sistema de renda livre, pois o Sr. Deputado parece insurgir-se contra a sua actualização. Ora, acontece que o diploma que estamos a apreciar prevê que as casas arrendadas em regime de renda livre e posteriores a 1978 venham a ser actualizadas ao fim de 7 anos.
Nesse sentido, a questão que gostaria de colocar é a seguinte: mesmo que se admita que neste período as casas arrendadas em regime de renda livre possam ter sido arrendadas por rendas relativamente altas, mesmo exageradas, ou até especulativas, tendo em conta que o senhorio arrendou a casa na suposição de que jamais poderia aumentar a renda na medida em que se mantivesse em vigor, não considera o Sr. Deputado como louvável que essas rendas venham a ser actualizadas depois de decorridos 7 anos? Ou afigura-se-lhe que o decurso deste prazo com a inflação que entretanto se tenha verificado pode ter desajustado já substancialmente as rendas entretanto praticadas?
Sr. Deputado, coloco-lhe esta pergunta que, ao mesmo tempo, pode ter implícita uma resposta para a tal dúvida que se me afigurou estar subjacente à intervenção que produziu.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Copes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado Fernando Costa, se o senhorio arrendou a casa na pressuposição de que jamais a poderia aumentar terá tomado livremente a sua decisão sabendo as condições em que o fez. Porém, o Sr. Deputado esquece-se que o inquilino também arrendou a casa na pressuposição de que a sua renda não seria aumentada.
Ora, o que acontece é que ambas as expectativas não foram respeitadas, tendo uma efeitos negativos e a outra positivos.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Barral.

O Sr. Paulo Barral (PS): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, ouvi com atenção a intervenção que V. Ex. ª formulou, mas há algumas questões que gostaria de colocar.
Por um lado, o Sr. Deputado referiu que há situações de proprietários socialmente injustas. Por outro lado, disse que também havia inquilinos que estão em

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situações económicas extremamente débeis. Ora, gostaria que o Sr. Deputado dissesse como é que se poderia tentar resolver este problema que é dilemático, pois, se os senhorios são pobres, certamente que as casas também serão pobres. E pergunto isto porque, ao longo da intervenção que produziu, o Sr. Deputado teceu toda uma filosofia contra o diploma, não apontando qualquer hipótese de um sinal positivo acerca das intenções e das propostas do Governo.
O Sr. Deputado colocou uma outra questão em termos de anúncio de propostas concretas que diz respeito à situação da contrapartida para os inquilinos em termos de obras de conservação de que os fogos carecem - e fê-lo em termos algo diferentes daqueles que constam da proposta de lei.
Referiu o Sr. Deputado - e se me engano peço-lhe que me corrija - que com a actualização das rendas e das linhas de crédito que o Governo punha ao dispor dos proprietários, a questão poderia ser colocada da seguinte maneira para proteger mais os senhorios: estes requeriam uma vistoria à câmara no sentido de saber de o fogo necessitava ou não de obras de conservação, a câmara notificava e no prazo de 1 ano o senhorio seria obrigado a realizar essas obras e até essa altura as rendas não sofreriam alteração.
Gostaria, pois, de ser esclarecido sobre este assunto que merece da nossa parte uma atenção especial.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado Paulo Barral, antes de responder concretamente às perguntas que V. Ex.ª me colocou, gostaria de esclarecer um ponto e não sei se esse esclarecimento irá pôr em causa todas as outras questões que na sequência me queria levantar. Portanto, se assim for, permitir-lhe-ei que V. Ex.ª me interrompa para poder completar o seu pedido de esclarecimento.
Quanto à questão da actualização das rendas devo dizer que o que sugeri foi que, uma vez notificado, o senhorio poderia proceder ao aumento da renda. Tinha o prazo de 1 ano para realizar as obras e se no fim desse prazo as não tivesse realizado, então devolveria os aumentos percebidos e a renda regressaria à fase inicial. Na sequência disto que referi, não sei se V. Ex.ª se encontra esclarecido ou se terá outras questões complementares a colocar.

O Sr. Paulo Barral (PS): - Não tenho não, Sr: Deputado!

O Orador: - O Sr. Deputado disse que não vi nenhum ponto positivo nas intenções do Governo. Ora, Sr. Deputado, devo dizer-lhe que não estou aqui a julgar as intenções do Governo; de boas intenções está o inferno cheio. Porém, a verdade é que não tenho que julgar das intenções do Governo e não tenho que questionar o facto de o Sr. Deputado achar à partida que as intenções do Governo são boas nem questionam o facto de qualquer outro Sr. Deputado achar à partida que as intenções do Governo são más, porque não são as intenções do Governo que aqui estão em causa.
Aliás, uma das críticas que fiz foi precisamente pelo facto de, por um lado, haver aquilo que há de concreto na lei e, por outro lado, haver um enunciado de toda uma série de intenções que é muito pouco esclarecedor.

O Sr. Paulo Barral (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Paulo Barral (PS): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, talvez não me tivesse feito compreender bem, pois não me referi tanto às intenções do Governo, mas sim ao texto da proposta de lei que o Governo submeteu à Assembleia. Mas como o Sr. Deputado coloca as intenções do Governo com tanta ênfase, também lhe quero dizer que esta proposta é nossa, digamos que estamos a trabalhar numa coisa que é nossa.
Nesse sentido, pergunto se no texto da proposta de lei V. Ex.ª não vê nenhum sinal que tenha qualquer aspecto positivo; qualquer sinal que responda a situações que têm de ser resolvidas.

O Orador: - Sr. Deputado, os sinais que existem são insuficientes porque o que pode tornar positivos esses sinais é a parte do sinal que está escondida. E quando digo que «está escondida» não o digo em sentido perjurativo, mas sim no sentido em que não conhecemos. Aliás, posso exemplificar, nomeadamente, com o problema dos subsídios. O Sr. Ministro da Justiça referiu há pouco - e tem o meu pleno acordo que o real, significado destes subsídios dependerá da forma como vier a ser regulamentada e aplicada. Ora, como não sei qual é essa forma, isso para mim é um sinal - e não lhe queria chamar negativo - que sinaliza muito pouco; portanto, ele é, pelo menos, um sinal insuficiente.
Sr. Deputado, quanto ao problema das situações justas ou injustas, elas têm de ser resolvidas.
Primeira questão: para que as possamos abordar é necessário que tenhamos a coragem de reduzir claramente os objectivos às suas verdadeiras dimensões.
É necessário que o Governo, em vez de nos dizer que, através desta lei, vai resolver mil e um problemas, diga claramente que esta lei tem apenas como objectivo rever o nível de remuneração dos senhorios e acabar com distorções sociais que eu reconheço que são gritantes. A partir daí, podemos discutir.
Mas digo-lhe que neste capítulo, e reduzido a esta dimensão - que o Governo não assume - as soluções que aponta, porque são pouco claras, insuficientes, inacabadas e porque nada do que nessa medida é definitivo está dito, ficam apenas no seu aspecto perfeitamente injusto e tendente, não para resolver situações de injustiça social mas, no fundo, para agravar essas situações de injustiça social.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra para uma intervenção e com as desculpas da Mesa, o Sr. Deputado Ruben Raposo.

O Sr. Ruben Raposo (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo: Com um quadro de fundo, caracterizado pela inexistência de novas habitações para arrendamento, a venda impossível de numerosos fogos entretanto concluídos, com um parque habitacional velho e degradado, o Governo remeteu a esta Casa, uma proposta onde formula um novo modelo jurídico de arrendamento.
No regime proposto, prevê-se a actualização periódica do valor das rendas, a atribuição de subsídios de renda a famílias de fracos recursos económicos, a partir de um fundo auto-sustentado por um imposto

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lançado sobre o montante dos aumentos de renda recebidos pelos senhorios.
De acordo com dados oficiais, o parque habitacional arrendado representa cerca de 40% do total das habitações, ou seja cerca de um milhão de habitações.
Os distritos de maior concentração urbana como Lisboa, Porto e Setúbal representam, só eles, cerca de 65% do parque habitacional arrendado.
Noutros distritos, predomina a casa própria.
Compulsando os dados do recenseamento à habitação de 1970 e 1981, constate-se que o parque arrendado diminuiu cerca de 6%. Através dos dados analisados, pode-se afirmar que a oferta habitacional para arrendamento, praticamente estagnou no período compreendido entre os dois recenseamentos. Com efeito, o número de fogos construídos para arrendamento passou de uma média de 14000 fogos em 1972-1974, para menos de 2000 fogos em 1979, deixando de ter significado nos anos subsequentes. Redução, que foi particularmente significativa, nas áreas onde o arrendamento tem maior peso, nomeadamente nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.
Em termos médios, os valores das rendas são baixos. 34% das habitações arrendadas têm rendas inferiores a 500$, 27% rendas compreendidas entre 500$ e 1000$, e 25% rendas situadas entre 1000$ e 3000$, ou seja as rendas são inferiores a 3000$, em cerca de 90% do parque arrendado.
Pondo agora o enfoque nas categorias sócio-económicas, conclui-se que as casas arrendadas são ocupadas por operários (31 %), por reformados e pensionistas (24%), por trabalhadores de serviços e da administração pública (23%), por empresários e trabalhadores por conta própria (10%), por profissões liberais e quadros técnicos dirigentes (7%) e finalmente por activos ligados ao sector agrícola (5%).
De acordo, ainda com números oficiais, os trabalhadores de serviços e da Administração Pública pagam em regra, uma renda que se situa entre 1000$ e 3000$.
No caso dos operários, a distribuição é mais homogénea, dividindo-se pelos três estratos, em partes iguais.
Pelo contrário, os pensionistas e reformados ocupam, em larga medida, habitações com rendas inferiores a 500$ (cerca de 60%).
O quadro que vimos traçando é o resultado dos vários regimes jurídicos que se têm sucedido, regulando o arrendamento urbano, desde 1948.

Com efeito, até Setembro de 1974, as rendas estavam congeladas nas cidades de Lisboa e Porto. Havia renda livre em todo o País, para os novos arrendamentos. Havia ainda, a possibilidade de actualização quinquenal das rendas, mediante avaliação fiscal, fora dos concelhos de Lisboa e Porto.

Mais tarde, estendeu-se a todo o Pais, o congelamento das rendas. Manteve-se a liberdade de negociação das rendas nos primeiros arrendamentos. Condicionou-se o acréscimo da renda de casa de novo arrendamento, variando esse acréscimo em função do ano em que fora fixado o valor da renda anterior.

A partir de Junho de 1981, confirma-se o congelamento das rendas em constância de arrendamento em todo o País. Nos novos contratos de arrendamento, institucionalizam-se dois regimes de renda: o primeiro é a renda livre, sem direito a actualizações posteriores e o segundo é a renda condicionada, com possibilidade de actualizações anuais posteriores.

Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo: A situação que hoje se vive no sector da habitação é injusta, imoral e irracional, a todos os títulos.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem.

O Orador: - Desde logo, porque beneficia as famílias já instaladas, penalizando as famílias recém-formadas, os jovens casais, as famílias que chegam às grandes cidades. De um lado são as rendas baixas, do outro as rendas altíssimas, impossíveis de suportar.

Não há mobilidade habitacional, porque mudar de casa é mudar de renda, ou seja ver a sua renda subir vertiginosamente. Daí, a subocupação e a sobreocupação das habitações.
Numa economia onde a inflação não está jugulada, onde tudo aumenta, vemos os senhorios pauperizarem-se, vêem os seus rendimentos ser cada vez mais reduzidos. Os inquilinos assistem à degradação da residência pela ausência de obras de conservação e de restauro das habitações, que não são feitos pelos senhorios.

De um lado, a existência de novas habitações para arrendar. Do outro, a venda impossível de numerosos fogos já concluídos, sem comprador.
A política de habitação só será justa se conseguir introduzir racionalidade no mercado.
Ou, dito de outra forma, só haverá autoridade moral para elevar as rendas antigas que estão abaixo da justa medida, se simultaneamente se conseguir a redução das rendas recentes que estão acima daquela justa medida. Esta será a pedra de toque da justiça social de uma política de habitação.

O Governo mantém os regimes de renda livre e de renda condicionada impondo a renda condicionada aos fogos já habitados, de modo a conter as rendas quando descongeladas.
Perspectiva-se assim a expansão privilegiada do regime de renda condicionada a longo prazo.
Desejando manter equilibrado o mercado da habitação arrendada, prevê-se também a actualização periódica das rendas. Assim, estipula-se que as rendas, qualquer que seja o seu regime, sejam anualmente actualizadas de acordo com coeficientes, fixados em função dos índices de preços no consumidor.
Para as rendas que vigoram nos concelhos de Lisboa e Porto de 1943 e nos outros concelhos desde 1974, prevê-se um mecanismo de correcção extraordinária.
Correcção que é diferida no tempo, de forma a possibilitar a adaptação progressiva dos orçamentos familiares ao acréscimo de despesas com a habitação.
Correcção que é feita com base em vários índices: «sem porteira e sem elevador», «sem porteira com elevador», «com porteira, sem elevador», «com porteira e com elevador».

Porquê estes índices? e não outros, como sejam o número de divisões, níveis de equipamento de instalações, nomeadamente as instalações sanitárias, obras de beneficiação ou reparação, o número de anos da construção, área útil?
Quais são os critérios que estão na base dos índices pelos quais a proposta optou?
Diz a proposta de lei - e bem - que «a aplicação isolada de critérios puramente económicos levaria inevitavelmente, à ruptura de muitos orçamentos familiares. Assim, houve que prever a atribuição de um subsídio de renda às famílias de mais baixos rendimentos».

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Quanto vai custar o subsídio de renda? Qual é a protecção que será dispensada aos inquilinos com menores rendimentos, como os pensionistas e reformados, mediante um subsídio: chegará ele para cobrir os aumentos das rendas?
A proposta fala em regime de renda livre e condicionada. Refere também, mas não explicita o regime de renda apoiada e o regime geral do arrendamento da habitação social. Qual o seu âmbito? Qual o seu regime jurídico?
No texto que debatemos, prevê-se que os senhorios irão realizar as obras de conservação e de beneficiação. Mas os senhorios irão mesmo fazê-las, sabendo que só serão obrigados a executá-las após os serviços camarários os vistoriarem e considerarem urgente essas obras?
A proposta de lei altera, e bem, as normas relativas à contribuição predial de prédios devolutos, na perspectiva de fazer diminuir o seu número, agora que o descongelamento das rendas funciona como maior incentivo à sua locação.
Também se alarga a legislação em vigor, que protege os reformados contra a denúncia do contrato, quando o senhorio invoque razões de necessidade da casa para habitação própria.
Dão-se passos no sentido de se caminhar para a negociação entre senhorios e inquilinos. Nesse sentido reconhecem-se as associações de inquilinos, os direitos das associações de consumidores. Prevê-se que possam ser estabelecidos acordos entre senhorios e inquilinos, como sucede com a realização de obras pelo inquilino em alternativa ao aumento da renda ou a sua participação nas despesas de funcionamento.
Ainda não é o reconhecimento das relações colectivas de locação, na esteira da lei francesa, a Lei Quillot. Mas estimula-se a negociação e os acordos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo: A proposta de lei n.º 77/III é uma proposta positiva. Positiva porque será factor de racionalização do mercado. Será factor de confiança no sector, que permitirá a animação do sector da construção civil.
Ela, por si só, não resolverá o problema da habitação em Portugal, mas, estamos certos, ajudará a solucioná-lo.
O problema da habitação será resolvido se houver uma estratégia articulada para o seu combate, estratégia que passa pelo Estado, pelo poder local, pela iniciativa privada e pelas cooperativas que serão os elementos motores dessa transformação.
Ela passará pela dinamização da auto-construção, na linha do diploma sobre a habitação evolutiva e de auto-acabamento, como modalidade de grandes potencialidades e baixos custos; passará por uma política de apoio às cooperativas de construção de habitação, pela recuperação da intervenção estatal na produção da habitação social. Passa também pelo reforço da intervenção autárquica na construção (nesta linha importa que se sublinhe uma intervenção reguladora no mercado de terrenos, conseguindo-se a aquisição e infra-estruturação de terrenos destinados à reserva urbanística dos municípios). Conseguir-se-á assim o controle do preço dos terrenos, elemento essencial no controle do custo final da habitação.
Por último, importa sublinhar a necessidade de uma política de crédito ajustada à aquisição de casa própria.
Disse.

Aplausos da ASDI, do PS e do PSD.

Uma voz do PCP: - Disse mal!

Vozes do PS: - Disse bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Porto.

O Sr. João Porto (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: A proposta de lei em discussão, incidindo sobre o regime das rendas para fins habitacionais, aborda afinal um dos aspectos mais importantes da política da habitação.
Esta importância resulta simultaneamente do peso da parcela arrendada no conjunto do parque habitacional português e das potencialidades do arrendamento como contribuição para uma solução a prazo do problema da habitação.
Segundo os resultados do último censo, o parque habitacional do continente em 1981 tinha 44,1 % dos alojamentos arrendados e destes 39,5% era propriedade de particulares ou de empresas privadas.
Tal situação não se afastava do panorama dos países europeus que, na sua maioria, possuíam parques arrendados situados entre os 35% e os 50% dos totais. Era o caso, por exemplo, da Áustria, da Bélgica, da Dinamarca, da França, da Itália, da Suécia e da Turquia.
Fora destes limites também se registavam alguns casos, tanto abaixo como acima do intervalo considerado. Na primeira destas situações podemos citar a Espanha, com 20%; a Finlândia, com 20,9%; e a Hungria, com 27,4%; é na segunda, a República Federal da Alemanha, com 60,5%.
Em face do exposto, parece que, pelo menos comparativamente, Portugal se encontra numa situação equilibrada, semelhante à da generalidade europeia; e assim será, de um ponto de vista estático.
No entanto, uma diferença fundamental nos separa daqueles países: é que neles continua a existir mercado de arrendamento, alimentado por novas construções que proporcionam ao parque arrendado um crescimento paralelo ao da habitação própria, enquanto entre nós aquele mercado se extinguiu quase completamente. Foi, aliás, esta a principal causa da profunda quebra de produção de habitações verificada nos anos de 1975-1976.
Ora, a revitalização do mercado de arrendamento habitacional impõe-se hoje como uma necessidade, por diversas razões, das quais salientamos, de momento, apenas três.
A primeira é a de que ele permitirá o acesso à habitação de um largo conjunto de famílias cuja situação económica, por insuficiente, não permite abraçar, com prudência, os encargos do crédito bonificado para aquisição de habitação própria; mas, em contrapartida, não é suficientemente pobre para esperar, com realismo, ser abrangida por programas de habitação social. O arrendamento, sendo mais acessível - é sobretudo envolvendo menos riscos - que o crédito para aquisição, pode ser a solução para tais casos.
A segunda razão está na possibilidade de assim se canalizarem para a habitação poupanças de famílias sem necessidades de alojamento, que doutro modo teriam destino diverso, porventura o consumo.
Em terceiro lugar, o mercado de arrendamento facilita uma mobilidade habitacional que é tendência da vida moderna: seja por razões de trabalho, que a família se desloca temporariamente para outra localidade;

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seja porque a família cresce, necessitando alojamento maior; seja porque a situação económica lhe não permite concretizar, de momento, os seus sonhos; seja, enfim, porque não está interessada em imobilizar as suas economias na aquisição de uma casa.

Por outro lado, não são de desprezar as potencialidades do mercado de arrendamento na minoração do problema habitacional.

Em estudo recente do Gabinete de Estudos e Planeamento da Habitação e Obras Públicas, do Ministério do Equipamento Social, avaliam-se as carências habitacionais estáticas em 1981, em cerca de 600 000 alojamentos. Número discutível, sem dúvida, mas que, como ordem de grandeza, nos serve para o raciocínio subsequente.

Importa, no entanto, sublinhar que há premências diferentes naquele conjunto de necessidades: segundo o mesmo estudo, dos 600 000 fogos 145 000 representam as carências mais gritantes, designadas por quantitativas; que, por sua vez, incluem 37 000 famílias vivendo em barracas e outros alojamentos não clássicos, sendo as restantes situações de coabitação.

Para fazer face, no longo prazo, a estas necessidades - sem esquecer que anualmente há que juntar-lhes uma parcela para a formação de novas famílias e outra para a renovação do parque habitacional - podemos admitir que precisaremos de construir, em média, cerca de 75 000 novos alojamentos por ano. Este número é igualmente discutível, mas também como ordem de grandeza o julgamos aceitável; aliás, ele corresponderia a uma produção anual de 8 fogos por milhar de habitantes, valor semelhante ao que, em média, foi praticado na Europa até há alguns anos, quando a recessão ainda não tinha imposto as limitações que também na habitação teve significativos reflexos.

Se for possível revitalizar o mercado de arrendamento na proporção do respectivo parque, isto é, na ordem dos 40 % - o que não parece excessivo, dado que no início dos anos setenta chegou a ocupar mais de metade da produção anual - então ele oferecerá 30 000 fogos por ano, ficando os restantes 45 000 a cargo dos agentes actualmente em exercício. Ora, não obstante serem desencorajadoras as estatísticas dos últimos anos, julgamos que seria perfeitamente viável alcançar-se uma tal situação num prazo de 4 ou 5 anos.

E se falamos no condicional ao fazer esta afirmação, é porque temos consciência de que a alteração do regime das rendas para fins habitacionais, mesmo que seja perfeita - e não é o caso da presente proposta de lei - não bastará para garantir aquele resultado, pois será necessário articulá-la com outros instrumentos de política, designadamente nos campos do crédito e da fiscalidade.

De todo o modo, é legítimo concluir que o mercado de arrendamento pode - e deve - ocupar um espaço na promoção habitacional que a experiência dos últimos 10 anos já demonstrou não ser possível preencher doutra maneira.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um regime de rendas fixas ajusta-se perfeitamente a uma situação sem inflação e com baixas taxas de juro.

Se a inflação e as taxas de juro foram significativas, mas mantiverem uma certa constância ao longo do tempo - hipótese porventura académica - ainda a renda constante pode responder razoavelmente, pelo menos na perspectiva financeira, mas com o inconveniente de conduzir a taxas de renda elevadas nos primeiros anos.

Ao contrário, se a inflação e as taxas de juro variam, como tem acontecido entre nós, o regime de rendas fixas resulta completamente desajustado. E se uma dada renda foi fixada em período sem inflação e baixa taxa de juro, no pressuposto que essa situação se mantinha, quando ambas crescerem o senhorio fica prejudicado e o inquilino em vantagem; e, inversamente, se ela for fixada no segundo tempo e, inesperadamente, surgir um período sem inflação, ou mesmo deflacionário, ficará em vantagem o locador e prejudicado o locatário.

Gera-se deste modo um outro problema, não menos importante que os atrás referidos: o da justiça do contrato de arrendamento ao longo do tempo.

Conclui-se assim que, na impossibilidade de prever com segurança - sobretudo no longo prazo - aqueles parâmetros, se torna necessário recorrer a um sistema mais flexível, de renda variável, «dinâmica».

Esta é, aliás, a solução correntemente utilizada, embora sejam muitas as variantes possíveis na sua concretização. É o que se passa com os países da Europa referidos no inicio, todos tendo, sem excepção, consagrado o princípio da actualização das rendas, muito embora se verifiquem diferenças significativas de uns para outros, no modo como funcionam os mecanismos de fixação e de revisão das mesmas.

De resto e curiosamente, este mesmo princípio há muito que está legalmente estipulado em Portugal para o caso das rendas das habitações sociais promovidas pelo Estado.

Uma atitude realista não pode, pois, ignorar a conjuntura inflacionista que nos envolve, nem os problemas que dela resultam: problemas sociais, de justiça; e problemas económicos, já que a habitação, sem prejuízo de ser um direito social, é indissociavelmente uma realidade económica.

Assim sendo, o regime das rendas habitacionais terá de visar a justiça social e, ao mesmo tempo, encarar com realismo as condicionantes económicas do problema.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 77/III, não obstante as suas imperfeições, adopta o principio da renda dinâmica e procura acautelar outros aspectos de incidência social, em termos que globalmente consideramos positivos.

De igual modo, julgamos que a proposta pode contribuir significativamente para a recuperação do parque imobiliário arrendado, embora também aqui se imponham outras medidas complementares, sem prejuízo de que muito ficará dependente da vontade política das autoridades locais.

Dúvidas maiores se poderão levantar quanto ao seu realismo no plano económico, sobretudo por não acautelar devidamente aspectos que podem comprometer a eficiência da lei na revitalização do mercado de arrendamento, hipótese que a própria «nota explicativa» do primeiro anteprojecto da proposta admitia como provável.

De todo o modo, o CDS reconhece o passo positivo que esta aprovação constituirá, pelo que votará favo-

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ravelmente, na generalidade, a proposta de lei em análise. E apresentará, em devido tempo, um conjunto de propostas de alteração na especialidade que poderão melhorar significativamente o alcance da lei, pelo que espera o seu bom acolhimento pela Câmara.
De momento, limitamo-nos a assinalar, a título de exemplo, alguns dos pontos que merecerão o nosso reparo na discussão na especialidade.
Assim, logo no artigo 2.º, não se entende por que motivo os novos arrendamentos dos fogos licenciados antes da publicação da lei não dispõem da mesma liberdade de opção que os licenciados posteriormente. Estando o fogo liberto, não permanece então nenhuma razão para condicionar a liberdade de contratação do proprietário; e, pelo contrário, a limitação imposta constituirá obstáculo à confiança que se pretende recriar no investidor que, não ficando de momento abrangido, poderá sê-lo em alteração futura que retome o mesmo critério.
Quanto ao artigo seguinte - o 3.º - não pondo em causa que os coeficientes de actualização anual das rendas sejam fixados pelo Governo, entendemos no entanto que a lei deveria estabelecer uma orientação sobre o assunto, relacionada naturalmente com o índice de preços no consumidor, e fixar limites dentro dos quais aquela decisão deveria conter-se.
O valor limite de 8 %, estabelecido no artigo 6. º para a taxa de renda no primeiro ano do contrato de renda condicionada também merece algumas reservas; porque sendo correcto para determinada gama de situações, não o será para outras. A taxa de renda deveria depender, fundamentalmente, dos valores assumidos pelas taxas de juro e da actualização anual das rendas, podendo ser também entregue ao Governo a sua fixação anual, em função de tais parâmetros e dentro de determinados limites.
Sem prejuízo dos direitos das associações de inquilinos consignados noutros diplomas, designadamente, relativos mais genericamente às associações de consumidores, não compreendemos entretanto que numa lei como esta, reguladora das relações contratuais entre duas partes - os locadores e os locatários - possam ter cabimento disposições conferindo privilégio em tribunal apenas a uma das partes, como acontece no artigo 33. º A observância do elementar princípio da igualdade perante a lei levaria a atribuir os mesmos privilégios a ambas as partes, ou não o fazer a nenhuma delas; pessoalmente, optaríamos por esta última solução.
Aliás, não tendo nós a honra de sermos juristas, correremos porventura o risco de assumirmos uma sensibilidade defeituosa perante estas questões da justiça - no sentido forense - e da lei; mas, esperamos, desculpar-se-nos-á a imperfeição.
É também com esta reserva que nos atrevemos a considerar como menos curial a introdução de alteração avulsas no Código Civil, que parece assim encarado como uma lei menor, sujeita às adaptações que resultarem convenientes, como consequência da presente proposta. Ora a posição que julgamos correcta é justamente a contrária; já que esta lei, não obstante a sua grande importância social, no plano jurídico se limita a regular um determinado tipo de contrato, devendo portanto respeitar a doutrina do Código Civil. E se for imperioso alterar este Código, tal alteração deve ser introduzida através de processo legislativo próprio.
Para além destas considerações de carácter formal, também não concordamos com a substância da alteração proposta no artigo 35. º para o artigo 1111. º do Código Civil.

Finalmente, para não nos alongarmos mais na exemplificação das questões que nos vão preocupar na especialidade, no que toca ao artigo 39.º, que ressalva o atraso no pagamento do subsídio de renda, gostaríamos de ver explicitada a garantia do empenhamento dos serviços do Estado no cumprimento da lei, para que não recaiam sobre terceiros as consequências de uma eventual inoperância só imputável àqueles.

Estamos certos que uma discussão serena e objectiva sobre estas e outras questões, que surjam na análise da especialidade, poderá conduzir a uma melhoria significativa do diploma.

É com tal espírito que o CDS tem participado deste debate - e continuará a dar o seu contributo nesta e noutras iniciativas - na convicção de que o passo dado com a presente lei, sendo de fundamental importância, constitui apenas um passo na resolução do magno problema da habitação em Portugal.

Aplausos do CDS, de alguns deputados do PSD e do deputado do PS, Roque Lino.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado João Porto, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Miranda.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Deputado João Porto, na intervenção que produziu e após partir de número de carências que situou na ordem dos 600 000 fogos - aliás, é o que tem sido referido normalmente -, depois de ter feito algumas considerações em relação a este número e à sua subdivisão em termos de carências mais ou menos gritantes e às necessidades que haveria em termos de construção e após ter feito também uma análise da situação e da importância do parque habitacional para arrendamento ao nível da Europa, concluiu - de uma forma que poderá ser discutível ou não pelos números e pela forma que utilizou - que seria necessário, para um relançamento e para se suprimir este tipo de carências, um nível de construção na ordem dos 75 000 fogos/ano, ou seja, 8 fogos por 1000 habitantes.
E, fazendo comparações com o que se passa noutros países da Europa, chegou à conclusão de que 40 % desse valor deveria ser para arrendamento, ou seja, 30 000 fogos/ano.
O Sr. Deputado tirou uma conclusão: a alteração da lei das rendas não é suficiente para isto. Foi uma das conclusões que tirou e penso que a ,tirou bem.
Em nosso entender, não só não é suficiente como não é fundamental para isso; para nós, há outras questões fundamentais para o relançamento do parque habitacional no nosso país.
E essa é uma questão que, desde logo, lhe coloco: qual é, efectivamente, a posição do CDS relativamente a isto?
O Sr. Deputado foi muito pouco claro em relação às alternativas ao que considerou não ser suficiente - a lei das rendas -, pois limitou-se a dizer que não bastava e que eram necessários outros instrumentos, nomeadamente, de crédito e fiscalidade.
Bem, penso que, ao referir-se ao crédito e à fiscalidade, tenta chegar à conclusão de que, para além das rendas, a única via para suprir este problema é a iniciativa privada.

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O Sr. Deputado, que se deu ao trabalho de fazer uma comparação ao nível europeu, com os valores do parque para arrendamento, não fez o mesmo tipo de análise, para esses mesmo países, em relação à intervenção do sector público na construção da habitação social - e lembro-lhe a construção dos tais 145 000 fogos de habitação social que são de carência mais gritante e que aqui referiu!
Finalmente, porque o Sr. Deputado esteve no Governo, nesta área? E teve alguma interferência nestas questões, nomeadamente? Em termos de política de solos, gostaria de lhe colocar a seguinte questão: é ou não fundamental uma outra política de solos? É ou não fundamental uma política de solos, nomeadamente, com maior capacidade de intervenção municipal?
15to é ou não também decisivo e fundamental para o relançamento do parque habitacional?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Porto, se desejar responder já ao Sr. Deputado Joaquim Miranda, tem a palavra.

O Sr. João Porto (CDS): - Sr. Deputado Joaquim Miranda, efectivamente, a posição do CDS em relação à lei das rendas é a de considerar que ela uma condição necessária mas não suficiente. Mas que fique claro: é uma condição necessária.
E porque dizemos isto? Dizemo-lo - corro um pouco o risco de me repetir em relação à minha intervenção - porque, para nós, está amplamente demonstrado que a ausência de um mercado de arrendamento limitou as capacidades de produção de habitação em Portugal. Julgo que a prova destes 10 anos foi bem clara; ainda não conseguimos ultrapassar os limites, salvo erro, de 1973. Portanto, não conseguimos ainda voltar aos volumes de produção de 1973.
Por outro lado, temos uma experiência de pouco mais de 10 anos, que nos deu a imagem efectiva da capacidade do mercado de arrendamento. Fundamentei-me, para isso, não em números relativos a outros países, mas em números nacionais, porque quando «apanhei» os 40 % fui buscar a situação que ainda hoje se verifica no parque arrendado e só chamei os exemplos do exterior para termos a noção de que não somos uma situação estranha na Europa. Foi, portanto, a partir dos nossos próprios números que procurei fazer as minhas projecções e que considerei que é perfeitamente possível atingir esse objectivo.
É evidente que há outras condições. Assinalei apenas aquelas duas, porque, na verdade, esta discussão é apenas sobre o problema de uma proposta de lei relativa ao regime de arrendamento. Por conseguinte, não estava em causa uma discussão em termos de política habitacional.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Deputado, queria apenas perguntar-lhe se é possível desligar as duas questões. É possível desligar esta questão de toda a política habitacional?

O Orador: - Evidentemente que no desenvolvimento de uma política de habitação não é possível desligá-las.
Mas, ao discutir-se um problema, teremos de falar de cada coisa por sua vez e, neste momento, é a altura de falarmos da lei das rendas. Foi por isso que não fizemos desenvolvimentos de outros aspectos. Quando a altura for própria, teremos muito gosto em abordar essa questão e outros aspectos deste mesmo problema.
É evidente que este assunto também não está desligado da política de solos, embora deva dizer, sobre isto, que já existem entre nós os instrumentos necessários para uma política de solos, com o vigor que a Administração Pública entender imprimir-lhe. Se a Administração Pública os utiliza ou não, é outra questão.
Creio que esse problema não é um problema com tantas carências ao nível de legislação, mas que tem tido, sobretudo, carências ao nível da vontade política das autoridades.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado João Porto, tem a palavra o Sr. Deputado Roque Lino.

O Sr. Roque Lino (PS): - Sr. Deputado João Porto, ouvi com muita atenção a sua exposição que me pareceu extremamente clara. Penso, até, que fez uma análise histórica muito correcta no que toca, designadamente, ao congelamento das rendas. É que, de facto, e como sabemos, o problema do congelamento das rendas andou sempre ligado ao problema das taxas de inflação e das próprias taxas de juro.
De facto, verificamos que foi a partir de 1970 que o fenómeno inflacionista teve como efeito que as rendas de casa começassem a ficar bastante abaixo dos rendimentos dos agregados familiares.
De todo o modo, queria também dizer-lhe que estou de acordo com muitas das questões que colocou, embora deva referir que não estarei, talvez, de acordo com outras que não colocou, ou seja, aquelas questões que aflorou e que anunciou ir colocar na discussão na especialidade. Concretamente, não sei quais serão essas questões e, como é óbvio, deixaremos para a sede própria a discussão desses problemas, embora possa supor quais sejam as alterações que o seu partido irá propor em sede de especialidade.
Relativamente ao artigo 2.º da proposta, penso que tem razão. Não faz sentido, do ponto de vista lógico, que rendas anteriores possam, a partir da promulgação deste diploma, ser obrigatoriamente convertidas em rendas condicionadas.
Julgo que, quer do ponto de vista de lógica jurídica, quer até do ponto de vista moral, não se justificará que isso aconteça. Penso, portanto, que se trata de uma alteração que, de uma forma geral, ira recolher o consenso da própria coligação.
Em relação ao artigo 3. º e a propósito dos coeficientes, o Sr. Deputado não disse qual é a posição do seu partido relativamente ao coeficiente que considera razoável. Mas, eu próprio, na intervenção que tive oportunidade de fazer esta tarde, disse que considerávamos razoável a fixação de um coeficiente entre os dois terços e três terços da variação dos índices médios de consumo sem habitação, nos últimos 12 meses.
Penso que, efectivamente, se trata do coeficiente que deve vir a ser consagrado, embora, obviamente, ainda possamos discutir os limites máximo e mínimo.

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Em todo o caso, penso que será razoável que se estabeleça o coeficiente dentro destes limites e também penso que será fácil obter-se o consenso sobre isto.
V. Ex. ª disse, a propósito da taxa de 8 %, que poderá não parecer muito correcta esta taxa. Recordo que, de, uma forma geral, na Europa essa taxa é de 7 %. Bem sei que, de maneira geral, nos países europeus o nível de vida é bastante mais elevado. Mas exemplificando e aplicando a taxa de 8 % - que me parece ser já bastante elevada - a um fogo de, aproximadamente, 5000 contos, teríamos uma renda mensal da ordem dos 35 OOO$, que me parece situar-se bastante acima das possibilidades económicas da maior parte da população portuguesa. Daí parecer-me que esta taxa deve, em princípio, ser alterada.

A propósito das associações de inquilinos, V. Ex.ª, não ignora, certamente, que se trata aqui de um direito social, que é o direito à habitação e que o inquilino é, de facto, uma parte contratual bastante mais débil do que a outra parte - o locador - que, obviamente, poderá assegurar mais facilmente a sua própria representação nos litígios em tribunal. Pensamos ser uma inovação que deve ser considerada, pois a maior parte dos inquilinos - e isto resulta até da minha própria experiência profissional - não têm, infelizmente, a possibilidade de recurso aos tribunais.
Aliás, é até uma forma indirecta - digamos assim de considerar, por esta via, o chamado direito de acesso aos tribunais. Para terminar queria dizer ao Sr. Deputado João Porto que não estou muito de acordo consigo quando diz que o artigo 1111.º do Código Civil não deve ser alterado através de legislação avulsa. Aliás, as alterações ao Código Civil, não obedecem a uma proposta sistemática de alteração. Portanto, podemos, por via desta proposta de lei, introduzir-lhe uma alteração.
Finalmente, gostaria que o Sr. Deputado me esclarecesse sobre o que pensa que não está bem na alteração do artigo 1111.º do Código Civil. Será que, porventura, se está a referir às uniões de facto, quando sabemos que o próprio Código Civil já consagra, no artigo 2020.º, as uniões de facto no que toca a pensões de alimentos que ficam a cargo da herança?
Penso que foi essa a questão que o Sr. Deputado pretendeu levantar, mas, pela nossa parte, dir-lhe-emos o seguinte: do ponto de vista moral temos de reconhecer que, em Portugal, se trata de uma situação real que deve ser consagrada legalmente, porque, por razões que não importam serem aqui discutidas, muitos casais em Portugal vivem hoje esta situação. Por isso, esses casais devem ver assegurada a sucessão do direito ao arrendamento.
Em linhas gerais, eram estas as questões que lhe queria colocar e, de entre elas, ficam também formulados algumas perguntas para as quais gostaria de obter resposta, se o Sr. Deputado puder e quiser responder-me.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Porto.

O Sr. João Porto (CDS): - Sr. Deputado Roque Lino, tenho muito gosto em responder às questões que me colocou.
Em primeiro lugar, não foi minha intenção entrar agora no debate na especialidade.
A exemplificação que procurei fazer foi mais para dar um pouco «o tom» das razões que temos e que vamos colocar na fase da discussão na especialidade. Até para que não parecesse que estávamos aqui a pôr ressalvas ao diploma de uma forma pouco fundamentada ou a fazer bluff, apenas para dar o tom da oposição quando estamos a concordar convosco na essência da matéria!
Efectivamente, vamos propor alterações, que têm o seu significado. Mas é evidente que tais alterações não neutralizam a nossa posição global face à proposta de lei em discussão.
Quanto ao segundo artigo, o Sr. Deputado concorda comigo pelo que fico satisfeito. Creio que não justificava nova observação.
Quanto ao artigo 3.º diz-me haver já uma proposta que estabelece determinados limites. Creio que vamos facilmente chegar a acordo quanto a isso. No fundo, a minha intervenção foi nesse sentido. Entendemos que devem ser estabelecidos certos limites mas sem coarctar a liberdade ao Governo de, anualmente, fixar esse valor, por reconhecermos constituir instrumento de política habitacional embora com um alcance limitado.

Quando fala no coeficiente - aquilo a que chamo a taxa de renda - e me diz que propomos 8 % enquanto em muitos países da Europa não ultrapassa os 7 %, acho que essa é uma questão de matemática financeira porque se formos ver as formas que nos permitem calcular, em renda dinâmica, o valor da renda no primeiro ano, verificamos que a taxa de renda sai, precisa e fundamentalmente, em função da taxa de juro e da taxa de crescimento anual da renda, de entre outras variáveis. É evidente que em países onde a inflação seja menor do que a nossa a taxa de renda deve ser logicamente mais baixa. Aceito isso perfeitamente, só que não é o nosso caso. Aliás, se quiser ter uma ideia clara do que quero dizer com isto, imagine a situação contrária. Imagine uma situação em que não haja praticamente inflação; e dir-lhe-ei que a taxa da renda é demasiado elevada para esse caso. É por isso que entendo ser este o assunto a ser fixado anualmente, em função das condições da conjuntura sócio-económicas, pelo Governo, a quem seria deixada essa liberdade, embora lhe fosse estabelecida uma certa orientação sobre a forma como devia comportar-se na fixação desse valor, bem como certos limites dentro dos quais esse mesmo valor se deveria conter.
Quanto à questão das associações dos inquilinos, mantenho a posição. Perante a lei e sobretudo perante um tribunal não vejo que possa haver duas posições, uma para cada uma das partes, limitar-me-ei a perguntar ao Sr. Deputado se nos outros processos o juiz, antes de julgar, ou a parte administrativa do tribunal, antes de cobrar as custas, pergunta às duas partes qual a sua respectiva situação económica.

O Sr. Roque Lino (PS): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Roque Lino (PS): - Primeiro; devo dizer ao Sr. Presidente que esta interrupção é um artifício a que recorro, uma vez que não posso formular um protesto.
Ao Sr. Deputado, a quem agradeço a autorização que me concede em o interromper, permito-me dizer o seguinte: se o Sr. Deputado reconhece, efectivamente, o direito à habitação, como um direito social para além de ser também um direito económico, não se justifi-

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cará a intervenção de uma associação deste tipo? Não só por isso mas também como referi e repito-o, porque os senhorios representados através das suas associações de proprietários, que com a promulgação desta lei vêm a ter maiores possibilidades económicas, não precisarão tanto assim de recorrer ao apoio da associação dos proprietários.
Já agora, Sr. Deputado, gostaria de lhe dizer, em relação à taxa dos 8 %, que se é verdade que na Europa as taxas são bastante mais baixas do que em Portugal, por um raciocínio meramente matemático e economicista parece que em vez de 8 % devíamos ter 10 %, 12 % ou mesmo mais. Porque habitação em Portugal é de facto um problema gravíssimo do ponto de vista social, pergunto-lhe se, elevando de uma forma gravosa esta taxa, mesmo acima do valor dos 8 %, haveria eventualmente procura no mercado de arrendamento, quando mesmo a estas taxas tenho dúvidas que a procura seja possível. A meu ver as rendas de casa passarão para níveis incomportáveis.

O Orador: - Sr. Deputado, já que voltou atrás, à questão do coeficiente com o valor de 8 %, retomo-a e só depois voltarei à questão da associação dos inquilinos.
Não é para nós grave a lei ficar como está. O que julgo é que ela ficaria mais perfeita se anualmente deixássemos ao Governo a fixação desse valor. Julgo que aí não há riscos nenhuns. O Governo é democrático, representado por maioria que representa maioritariamente o povo, pelo que não valerá a pena discursar mais sobre o assunto. A minha fundamentação nessa matéria é apenas esta. Não estou a defender a tese de que a taxa deve ser necessariamente maior. Até pode ser que se justifique que em determinado período ela seja menor.
Em relação à associação dos inquilinos também penso que deverão ser diferentes as situações de cônjuge legal e do que o não é.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Anselmo Aníbal.

O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A discussão até aqui realizada tem vindo a provar a insensibilidade global do ainda Governo à gravidade da situação social que seria criada com esta lei do aumento de rendas. Formalmente o Governo e os deputados de apoio reconhecem que o parque arrendado é habitado maioritariamente por pessoas de parcos recursos, que já tiveram taxas de esforço significativas durante o arrendamento, e que, hoje, têm, com a diminuição gravosa do poder de consumo, que o Governo impõe, parquíssima possibilidade de resposta a variações de valores impostas por uma brutal correcção extraordinária. Mas, na prática, pretendem legitimar uma proposta que a discussão até aqui realizada, comprovou ser iníqua, face ao quadro dos locatários e ter gravíssimas opções que nós criticamos.
Aumentos de percentual igual para casas desiguais, é um dos nós da filosofia de actuação deste Governo e desta proposta. 15to é, iria render tanto para aqueles que minimamente valorizaram o seu património como para aqueles que não o valorizaram, na expectativa da demolição tantas vezes conseguida, como em Lisboa, várias vezes ocorreu durante os últimos anos.

Este Governo não olha ao parque existente, ao estado das habitações, às pessoas que os habitam, aos metros quadrados de utilização, às zonas comuns do prédio, à situação global dos fogos. Em solução expedita, porém criadora potencial de inúmeras situações de conflito e drama, utiliza o mero ano do arrendamento como base para uma aceleração brutal de uma chamada correcção extraordinária, já aqui devidamente explicitada, que configura brutais extorsões à capacidade financeira dos cidadãos.
Em segundo lugar, o Governo pretende uma transferência graúda para os bolsos dos senhorios quaisquer que sejam. Dois exemplos: num prédio de 6 fogos com arrendamentos inferiores a 1955, um senhorio que não tem feito obras, que não tem providenciado qualquer beneficiação do imóvel, com um conjunto de rendas médio de 250$, recebendo, portanto 18 0003 por ano, passaria a receber no primeiro ano da aceleração cerca de 56 900$ e em anos seguintes iria receber cerca de 76 000$ (no 2.º ano) e cerca de 306 000$ ao fim de 6 anos. Da mesma forma, em arrendamentos de 1960, de um prédio sem porteira nem elevador, um senhorio, quer tenha ou não feito obras de conservação e beneficiação, num prédio de 6 fogos de 1110$, teria, recebendo agora 80 000$ por ano, a receber 236 000$ ao fim do primeiro ano, 316 000$ no segundo ano, e 1 140 000$ ao fim de 6 anos.
Estes valores indicam bem que se pretende um transferência graúda para os bolsos de senhorios quaisquer que eles sejam, necessitados ou não, zelosos ou não dos prédios que detêm.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É preciso questionar duas coisas: à custa de quem?
Em benefício de quem? O Governo designadamente o Dr. Soares com o particular rigor que utiliza dirá que em benefício da indústria de construção e até, se for na televisão, com o benefício geral do País. Mas nós temos de referir que é à custa do conjunto dos locatários, quaisquer que eles sejam e a favor dos locadores, quaisquer que eles sejam. mas perguntar-se-ia, ainda com esta transferência graúda para os bolsos dos locadores, teremos alterações sensíveis na construção civil, nas suas empresas?
Há que recordar apesar de tudo que durante os 5 anos de desgovernos AD, com o governo propedêutico do Dr. Mota Pinto em 1978-1979, o do Dr. Sá Carneiro em 1980, os do Dr. Balsemão entre 1981 e 1983, assistiu-se a alterações de carácter pontual mas não avulso, no sentido global de dificultar a vida dos locatários - alterando regras de transmissão, facilitando despejos - de criar os sistemas de renda livre e da condicionada, designadamente através do Decreto-Lei n.º 148/81, e de indexar os valores dos arrendamentos às obras de conservação e beneficiação, através do Decreto-Lei n.º 294/82. Tudo isto feito ao mesmo tempo que se desmantelava o Fundo de Fomento de Habitação e bloqueava o investimento público, ao mesmo tempo que se sentenciavam as autarquias a não disporem dos terrenos, a não poderem disponibilizá-los. Tudo isto era feito com as habituais profecias e com as mesmas justificações habituais: iremos ter uma oferta mais capaz e adaptada às necessidades.
Mas a construção para arrendamento continua, nestes anos como em 1976, no conjunto dos fogos novos, a ter dados percentuais da ordem dos 5% e 6% do conjunto da produção habitacional. O investimento em ha-

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bitações para venda pula de 50% aos 95% nos últimos anos. Dir-se-á que foi a dinamização da promoção habitacional privada, recorrendo a contrapartidas com ónus orçamentais específicos, previstos e não previstos. Dir-se-á, e diz-se bem que foi procurando criar uma procura para essa promoção privada, com o sistema de crédito bonificado. Entretanto e cumulativamente não podemos esquecer que o esforço promocional público foi posto entre parênteses, o esforço promocional privado estritamente dirigido a estratos da população bastante solvente, rapidamente entrou em crise de escoamento do produto habitacional.
Daí que a compra de habitação celebrada nos últimos anos de 48 912 em 1981, desceu-se para 36 857 em 1982 e para 27 060 em 1983. Os números em 1984 apontam para 25 000. São números significativos de uma franja de procuradores de fogos, em decréscimo, e que os fogos para venda que continuam por vender.
Tudo aponta, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que não é por este tipo de medidas, de carácter avulso e expedito, violentamente acelerado de mais penúria para faixas de portuguesas e portugueses com parquíssimo poder de consumo, que a construção civil terá a viabilização que é necessária. Trata-se de um sector sensível, mais do que os outros, às políticas económicas ou aos caprichos governamentais, onde as promessas adêistas e os programas PS-PSD de uma casa para cada português, não passaram de cânticos eleitorais, de frases para engrossar discursos magros de conteúdo. O número e as características das empresas (cerca de 15 000), das quais apenas 2,9%, em números de 1981, assegurava 64,3% da produção e cerca de 53% do emprego, são elementos fundamentais dá análise do sector que é frágil na sua estrutura e que actua quase sempre ao sabor das flutuações do mercado e a quem este Estado, dizendo-se defender os interesses privados, não consegue nem sabe apoiar devidamente. O ziguezague dos interesses políticos imediatos, a não sistematização do planeamento fazem com que as adjudicações correspondam a altos de expressão «eleiçoeira» e os intervalos decorram com mera sobrevivência. E a indústria de construção civil sabe que é assim.
Tais medidas não levarão, como não levou o conjunto de medidas de 1981, a uma aceleração da construção para arrendamento.
Para tal, ter-se-iam de verificar outras condições: ter-se-ia de ver os exemplos da Europa Ocidental e a de Leste, a forma de empenho do sector público com a adopção de políticas de financiamento sectorial francamente inovadoras.
Não poderá haver apenas crédito à construção - com crédito à obra - e crédito hipotecário à aquisição de casa própria: teria de se estruturar um sistema de financiamento autónomo à promoção pública e formas de financiamento flexível que se ajustassem com uma política macroeconómica que conjuguem também com a política de recurso de municiamento a solventes. Não podemos ser um país em que mesmo os grupos médios de população sejam claramente insolventes para as rendas de habitação ou para os encargos de amortização e juros que se vencem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não irão ser recuperadas, beneficiadas ou simplesmente conservadas as casas do parque velho dos grandes centros urbanos do País, zona privilegiada do mercado de arrendamento. Perfilam-se, aqui, os resultados do Decreto-Lei n.º 294/82.

Permitam-me que lembre, com alguma experiência, como vereador da Câmara de Lisboa há 8 anos, que este decreto-lei na sua aplicabilidade a Lisboa tem sido de facto mais um fracasso. Esse fracasso não é pelos valores que as obras teriam em face daquele diploma, mas fundamentalmente pela incapacidade, pela incúria, da Administração Pública em global. De acordo com as obras de conservação e beneficiação aqui presentes, se o senhorio não fizer obras, a peregrinação do locatário leva-lo-á ao município. Este, de acordo com o artigo 20.º, poderia mandar proceder à execução das obras. O locatário poderia intentar fazê-las, poderia pagar uma renda de 25 %, isto é, pagaria a renda antiga e não a nova, e sempre ao abrigo do artigo 20.º Mas faria obras. As benfeitorias assim feitas, valorizando-lhe a propriedade, feitas pelo inquilino, talvez desse azo, em circunstâncias que este Governo emblemático rapidamente legislaria, à medalha para o melhor inquilino, o que fizesse melhores e maiores obras na propriedade de outrem.

Aplausos do PCP.

Não há no texto da proposta qualquer linha que se oriente para um sistema eficaz de sancionamento pela não feitura de obras. Conhecem-se os valores das linhas de crédito para a recuperação dos imóveis anunciadas para a Secretaria de Estado da Habitação; conhecem-se algumas das declarações sobre as matérias desenvolvidas recentemente. Mas também temos a lembrança do que é o Orçamento de Estado para 1985. E o Governo tem uma capacidade de intervenção, nesta área, que é muito pequena em relação às necessidades.
Uma última indicação ligada às autarquias.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há da parte do Governo também tem empenhamento não inocente em agravar e lesar a situação das autarquias. As leis do financiamento às municipalidades determinam, desde 1979, que as verbas da contribuição predial fossem receitas exclusivas dos municípios. Ao propor que a única fonte de recursos para o famigerado subsídio, seja a contribuição predial, na proporção de 20%, o Governo está a adulterar, por um lado, o princípio de que toda a receita da contribuição predial é destinada aos municípios. Por outro lado está a provocar uma diminuição, em termos absolutos, do valor a atribuir aos municípios onde o parque arrendado não tenha um peso significativo e onde o aumento do valor da contribuição pela alteração das rendas seja inferior ao valor que resulta da .aplicação de 20 % à receita global.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É preciso que se diga mais uma vez que não compete aos municípios, às autarquias locais, serem o suporte de uma política de subsídios de responsabilidade do Governo central e exclusivamente por este determinada, na conhecida prática de entregar novos encargos sem contrapartida de receitas.
Com o desmuniciamento das autarquias é daí decorrente todo um crescimento do loteamento clandestino e das urbanizações espontâneas, bem significativos de uma parte das carências habitacionais dos agregados que não encontravam resposta por parte da oferta formal de habitações, procuraram a via do clandestino, podendo estimar-se que, no período 1975-1982, 20 % a 30 % da produção anual se enquadrou neste tipo de operações.
Alguma coisa com esta proposta de lei alteraria esta situação? Nada o indica. Pelo contrário, os valores das

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rendas livres e condicionadas, perfilam-se por forma a que grande parte dos agregados procuradores da habitação, continuarão a não poder a elas chegar.
Há pouco o Sr. Deputado Roque Lino fez um cálculo de um valor de 5000 contos de uma renda condicionada pelos 8 % indicados, e de uma renda a orçar os 35 000$.
A oferta de habitações, sem alterações significativas na capacidade de intervenção dos municípios na disponibilidade de solos, continuará a ser feita em bases que não permitem aos procuradores sustentar essa oferta. Por outro lado, a política macroeconómica de rendimentos e preços está a inviabilizar a vida a larguíssimos sectores da produção.
A proposta de alteração do regime das rendas habitacionais não surge, aliás, na sequência da implementação de uma política habitacional global mas surge numa situação de profunda carência habitacional, de redução drástica do nível de vida da população, e em que o Governo relega o sector de intervenção estatal na habitação, para uma posição meramente subsidiária. Apesar do texto constitucional, esta proposta de lei não é senão um ataque ao direito à habitação, este texto não indicia qualquer promoção, qualquer relançamento dos sectores económicos da construção e recuperação de habitações. Este texto é, todo ele, altamente lesivo e desmuniciador financeiro das autarquias locais. Sobre ser inoportuno e iníquo, é também ele ineficaz para a construção civil e lesador das autarquias e das populações.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Leonel Fadigas.

O Sr. Leonel Fadigas (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Partido Socialista encarou este debate sem complexos e sem demagogia. Trata-se de um debate sobre matéria política relevante e nesse sentido pensamos que estamos a iniciar aqui uma discussão sobre a modernização e reestruturação da sociedade portuguesa. Modernização e reestruturação essas que sempre defendemos porque entendemos não ser possível mudar a vida dos Portugueses, nem a nossa sociedade se não formos capazes de, com coragem, e pensando mais nos interesses nacionais do que nos imediatos interesses partidários, intervirmos nas modificações naquilo que mesmo durante os momentos mais atribulados da revolução não houve coragem para mexer. Nós socialistas, empenhamo-nos num projecto político. E é na sua defesa, porque entendemos que devemos dar aos jovens, aos estratos economicamente mais débeis da sociedade portuguesa, melhores condições de vida que avançamos solidariamente com o Governo na defesa desta proposta de lei.
O retrato da situação, o diagnóstico sobre o que é a realidade do parque habitacional já foi aqui feito e porventura nem sempre foi bem entendido. Não queremos continuar a gerir uma situação que a prazo se agrava com resultados que serão catastróficos para os actuais inquilinos e também para aqueles que nunca o chegarão a ser por não termos possibilidades de lhes oferecer as casas de que necessitam. Neste aspecto pensamos discutir-se aqui a destruição deste mito que tem sido o do descongelamento das rendas. É de facto a primeira acha da modernização, das medidas estruturais que nós, socialistas, defendemos para Portugal há muitos anos. Estamos em condições políticas no momento de iniciar essas mudanças. É na prática, com coragem, sem demagogia, que fazemos este debate.
O Governo trouxe-nos uma proposta de lei depois de um longo debate público, depois de largos meses em que esta questão foi posta à consideração dos Portugueses. Nós próprios, Grupo Parlamentar do Partido Socialista, temos feito sobre esta lei, conjuntamente com os nossos colegas de coligação, o debate necessário para encontrarmos as fórmulas mais correctas de aperfeiçoarmos esta proposta de trabalho e de lhe introduzir-mos as modificações necessárias em colaboração com o Governo e com aqueles que estejam honestamente dispostos a criar melhores condições de vida e melhorar o quadro habitacional do País, e, assim, para que esta lei seja de facto uma lei de arranque para uma nova política habitacional. 15to, porque não podemos reduzir a política habitacional ao problema das rendas, como a não podemos reduzir ao problema da aquisição de casa própria, ou à política da habitação social, e embora muito tenha vindo a ser feito neste campo. É preciso não o esquecer, e de vez em quando reavivar a memória de alguns. O que entendemos é que não podemos ignorar que para largos segmentos da sociedade portuguesa o arrendamento de habitação é a única forma de acesso à habitação.
Temos de nos envolver, empenhar, solidariamente na resolução do problema habitacional português. Mas a resolução desse problema, o empenhamento a ele dedicado, é uma empenhamento de solidariedade nacional. Já não se trata aqui das velhas guerras entre senhorios e inquilinos. Envolvem novos agentes da vida económica na construção civil, quer na promoção de novas habitações quer também e não menos importante, num lançamento de um novo mercado que é o da recuperação de imóveis.
Por outro lado, entendemos, e isso está a ser feito pelo Estado, que em paralelo com estas medidas terá de haver um forte empenhamento em termos de recuperação, de intervenção, nas zonas mais degradadas, nos cascos velhos das nossas cidades.
É neste esforço colectivo e solidário, no empenhamento de todas as forças vivas e de todos os sectores políticos e sociais que entendem que para mudar Portugal todos não somos de mais, é nesse empenhamento que estamos.
Começamos aqui talvez a mexer naquilo que tem sido razão de algum imobilismo.
Hoje de manhã, o meu camarada Paulo Barral, numa importante intervenção sobre os problemas do Alentejo e da Reforma Agrária, introduziu também um outro toque de mudança que é importante operar na sociedade portuguesa. Estamos no caminho de mudar o País em que vivemos. Estamos no caminho de mudar o Portugal que queremos para os nossos filhos, a sociedade de amanhã.
É sem coragem que alguns continuam a bater e a agitar velhos fantasmas. Não nos assustam nem nos intimidam. Aqueles que pensam que é mantendo o status quo, o imobilismo, que se cria o progresso e se entra na via do desenvolvimento, estão enganados. Não pensamos assim. Continuamos a pensar que vale a pena dar a cara, como nós socialistas o temos dado, para que Portugal de amanhã seja melhor do que o Portugal de hoje, mas não continuemos aqui permanentemente a gerir um pais que ficou antes do 25 de Abril imobilizado por muito tempo e que por razões conhe

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cidas em muitos sectores continuou imobilizado depois do 25 de Abril.
É altura de mudar as coisas. O nosso contributo aqui fica.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados João Porto, Eugénio Anacoreta Correia, Zita Seabra, Raul e Castro e Lopes Cardoso.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Porto.

O Sr. João Porto (CDS): - Sr. Deputado Leonel Fadigas, começaria por lhe desejar as boas melhoras para a sua garganta.

Voz do PCP: - Para a garganta e não só!

O Orador: - Em todo o caso, isso não o impediu de transformar uma intervenção, que esperava técnica e serena, em quase um comício. Talvez se tenha entusiasmado com a atenção.da assistência que com muito gosto estava a ouvi-lo. De todo o modo, não tanto sobre o fundo da sua intervenção, mas sim no que se refere às leis das rendas, porque praticamente não falou sobre elas, fiquei sensibilizado com uma frase que enunciou logo no princípio e que seria desnecessária, até porque terei, efectivamente, de a contestar. Foi a frase segundo a qual, em sua opinião, o PS sempre defendeu os princípios que estão implícitos nesta lei. Tenho de testemunhar contrariamente. .
Sob a forma de pedido de esclarecimento, já que é essa afigura que estou a utilizar, gostava de saber como é que consegue compatibilizar essa sua afirmação com a já velhinha tentativa que o então Ministro Sousa Gomes - com quem eu tive o prazer e a honra de colaborar -, fez e propôs a Conselho de Ministros precisamente sobre a revisão do regime de rendas habitacionais e que, como sabe, não chegou a entrar nesta Casa. Parece que, afinal de contas, houve alguma modificação no seio do PS e que eu, tirando-vos o chapéu agora...

Vozes do PS: - Mas se nem tem. chapéu! ...

O Orador: - ... , tenho de reconhecer que é realmente muito profunda!

O Sr. (Presidente: - Visto o Sr. Deputado Leonel Fadigas só desejar responder mais tarde, tem a palavra o Sr. Deputado Eugénio Anacoreta Correia.

O Sr. Eugénio Anacoreta Correia (CDS): Sr. Deputado Leonel Fadigas, creio que a sua intervenção é marcada por um cunho de optimismo e por uma afirmação de boa vontade que, espero, não seja só garganta!

Risos do PCP.

Tenho uma pergunta a fazer-lhe que é a seguinte: no momento em que o Sr. Deputado afirma que é altura de se mudar as coisas, de modernizar o País, de dar uma nova visão à política de habitação, neste seu optimismo e nestas suas promessas cabe alguma mudança e alguma melhoria na política fiscal e na política de crédito?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.º Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - O Sr. Deputado Leonel Fadigas é um deputado do Partido Socialista.
Ouvi a sua exortação com atenção e há uma dúvida que me suscita e que, penso, vale a pena colocar, apesar de tudo. Era se o Sr. Deputado já pensou nas consequências que esta lei vai ter para os milhares e milhares de inquilinos que, porque não vão ter direito ao subsídio, não podem comportar, no seu rendimento familiar, o aumento de renda previsto neste projecto de lei. Comportá-lo-!aõ no primeiro ano, não o comportarão no segundo e já não o aguentarão no terceiro, tendo se de mudar para uma barraca ou para a terra.
O Sr. Deputado e o seu partido mediram bem as consequências sociais desta lei e pensaram nos dramas que ela vai criar a milhares e milhares de famílias portuguesas? O Sr. Deputado disse que isto era um sinal de mudança para os nossos filhos. Será sua a expressão! Quanto a mim acho que só pensou nos filhos de alguns e não na maioria dos filhos dos portugueses!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul e Castro.

O Sr. Raul e Castro (MDP/CDE): - Sr. Deputado Leonel Fadigas, em primeiro lugar queria notar que tenho ideia de já ter ouvido a expressão «medidas estruturais», embora não da bancada do Sr. Deputado, de onde ela veio hoje.

Vozes do CDS: - A maioria está-se a consolidar por osmose!

O Orador: - Esta proposta de lei é, segundo o Sr. Deputado, uma das medidas estruturais. Novidade para nós!
Em segundo lugar, o Sr. Deputado apresentou um quadro de tal modo idílico em relação a esta proposta, que eu fiquei na dúvida se se estaria a referir à proposta de lei n.º 77/111 ou se se seria à outra... Mas é evidente que o Sr. Deputado não poderia estar distraído; era mesmo a esta que se referia. E quanto a ela, não falando já desta bonita figura de retórica que é o esforço solidário com todas as forças vivas...

Risos do PCP.

... e naturalmente o Sr. Deputado não ignora que as forças vivas dizem «Lei das rendas, não, obrigado», dizer-se que o PS sempre defendeu os princípios constantes desta proposta de lei, leva-me a pedir apenas o seguinte esclarecimento: Sr. Deputado, em 1982 o PS apresentou o projecto de lei n.º 310/11, que tinha um nome completamente diferente deste, porque visava criar uma lei quadro de habitação com as bases gerais de uma política nacional de habitação. Será que isto representa, então, a continuidade dessa atitude de 1982 ou há aqui uma profunda viragem?

Vozes: - Muito bem!

Vozes do CDS: - É uma evolução na continuidade!...

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado Leonel Fadigas, não me levará seguramente a mal que eu comece por lhe dizer que a sua intervenção, quanto aos costumes, disse nada! É que, efectivamente, em relação à proposta de lei que estamos aqui a discutir, o Sr. Deputado, apesar de ter falado muito, ficou completamente quedo.
De facto, falou-nos com empenhamento, num empenhamento meritório, nos diferentes empenhamentos do Governo e do Partido Socialista, empenhamentos na mudança, na recuperação, no bem-estar social! Chegou até a falar-nos da Reforma Agrária...

Risos do PCP.

... embora não tenha falado da proposta de lei das rendas de casa! ...

Vozes do PCP: - É preciso ter lata! ...

O Orador: - Falou-nos também da coragem do Partido Socialista!

Vozes do PCP: - É preciso ter coragem!

O Orador: - A coragem de mudar, a coragem de transformar, a coragem de contribuir para um país melhorado!
Das rendas de casa não disse nada, a não ser da coragem que representaria apresentar esta proposta de lei! E aqui comungo da sua opinião: é, efectivamente, preciso ter coragem para apresentar esta proposta de lei!

Risos do PCP e do CDS.

Falou-nos ainda da coragem e do empenhamento do Partido Socialista e do Governo em introduzir as modificações necessárias a esta lei! Só que o Sr. Deputado não se dignou explicar-nos quais as modificações necessárias que o Partido Socialista, em colaboração com o Governo e com o PSD, está tão empenhado em introduzir na discussão na especialidade. Não lhe vou pedir - seria abusivo da minha parte - que venha agora, Sr. Deputado, na resposta a um simples pedido de esclarecimento, explicar-nos o porquê desta proposta de lei do seu ponto de vista, ou contrabater as criticas que já aqui foram levantadas. Pedia-lhe, no entanto, que nos dissesse, ao menos, alguma coisa sobre essas tais transformações e modificações necessárias da lei para que ela possa, de facto, ser uma lei positiva, e das transformações nas quais, pelos vistos, o Partido Socialista, o PSD e o Governo estão empenhados!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Leonel Fadigas, perdoará que também eu comece por ...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Não bata mais no ceguinho!

O Orador: - ... salientar a manifestação de fé na mudança que o Sr. Deputado fez esta noite! Mudança
em que sentido? Não ficámos a saber bem! Entretanto, em torno desta proposta de lei, somos levados a concluir que ela está dirigida no sentido de uma mudança no sentido de uma maior confiança na sociedade e nos indivíduos, mudança no sentido de desconfiança na burocratização da sociedade!
Esta mudança e esta vossa intervenção neste debate têm, portanto, um significado: o significado de uma confissão de culpa! Esperamos que a assumam até ao fim e esperamos, também nessa linha, como disse o meu colega de bancada Anacoreta Correia, que a vossa atitude de protelamento da entrada em vigor da medida respeitante à isenção de sisa não seja mais do que um deslize a destoar neste conjunto de mudança.

O Sr. Presidente: - Se deseja responder, tem a palavra o Sr. Deputado Leonel Fadigas.

O Sr. Leonel Fadigas (PS): - Agradeço as intervenções que foram feitas, mesmo os comentários acerca da minha sanidade mental, dizendo que, felizmente, não corro o risco, em Portugal, de ir parar a um hospital psiquiátrico mandado por VV. Ex.ªs !

Vozes do PS: - Muito bem! ...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Talvez ao pediatra! ...

O Orador: - Não diga asneiras, Sr. Deputado!

Risos do PCP.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Está muito nervoso!

O Orador: - Começava por responder ao Sr. Deputado João Porto dizendo-lhe que o PS sempre defendeu estes princípios, que constituem a linha de força desta proposta de lei, e dispensar-me-ia de ler aquilo que consta de documentos que foram aprovados, em 1978, no nosso Congresso e que constam até do documento do Projecto do PS para os anos 80.
Agora ao Governo, fomos buscar aquilo que são os nossos compromissos, assumimo-los no Governo, assumimos aquilo que afirmámos no nosso programa eleitoral, nas últimas eleições, traduzimos e vertemos isso numa proposta de lei. Se em 1978 não conseguimos com esta facilidade introduzir as mudanças e fazer mudar a sociedade portuguesa no sentido que queríamos, talvez o nosso então parceiro de coligação - que fez um percurso breve de 6 meses connosco - saiba porquê e por que razão quis deixar o comboio e a carruagem depois de tão pouco tempo de convivência conjunta! Não fomos nós que rompemos a possibilidade de intervir nessa mudança! E aproveitava para responder ao Sr. Nogueira de Brito dizendo-lhe que, de facto, estamos empenhados numa mudança, numa mudança no sentido de modernidade para Portugal. Esse tem sido o sentido do nosso combate!
Quanto ao que a Sr.ª Deputada dizia ser uma confissão de culpa, penso que se há alguém que neste momento poderá ter complexos de culpa e ter que assumir aqui a confissão da sua incapacidade é o CDS. O CDS esteve no governo durante vários anos, também em situação de maioria, que funcionou em certo momento, e não foi capaz, não quis, ou não se sentiu suficientemente empenhado para trazer aqui o projecto para que nós apregoamos neste momento e que vem subscrito pelo Governo!

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É fácil, por vezes, vir aqui acusar os outros mas, no momento próprio fomos nós, foi o Governo que avançou com isto! Não foi o CDS!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É o chamado salto para a frente! .. .

O Orador: - A Sr.ª Deputada Zita Seabra fala nas consequências que esta proposta vai ter para os milhares e milhares de inquilinos que não estão abrangidos pelo subsídio! Gostaria de saber como é que a Sr.ª Deputada tem estes números e faz estes cálculos, estes valores, sendo certo que o Governo ainda não publicou as disposições regulamentares no que diz respeito ao subsidio. Ultrapassa-me, espanta-me mesmo, esta capacidade de previsão! ...
Quanto ao Sr. Deputado Raul e Castro ...

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Já tem os números?

O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado... .

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - O Sr. Deputado dá-me licença?

Protestos do PS e do PCP.

Vozes do PS: - Deixem o Sr. Deputado falar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradecia a vossa atenção!
Queira continuar, Sr. Deputado Leonel Fadigas.

O Orador: - Sr. Presidente, alguns dos Srs. Deputados estão muito nervosos. Vou portanto, concluir.
O Sr. Deputado Raul e Castro estranhou que eu tivesse falado de medidas estruturais, porque ouviu esta expressão noutra boca, que não na da bancada do Partido Socialista! Não sei em que é que isso o incomoda: se é o facto de termos também dito - dizemo-lo desde há muito tempo -, que é possível e é necessário introduzir mudanças - aliás, é para isso que estamos no Governo -, ou se é o facto de nós estarmos coincidentes numa coligação onde os dois parceiros, até por falta de hábito de alguns Srs. Deputados entenderem isso, têm uma linguagem comum e uma unidade de acção e de pensamento em relação aos problemas nacionais.

Vozes do PCP: - É demais!

O Orador: - E se é certo que o Partido Socialista é o maior partido da coligação, nós assumimos a nossa quota-parte nas transformações! Somos e queremos ser o motor dessas! Não nos envergonhamos de ser maioria ...

Vozes do PCP: - Nota-se, vê-se! ... .

O Orador: - Nem abdicamos de o ser, custe a quem custar! Enquanto tivermos a legitimidade democrática que nos é dada pelo povo português, enquanto formos esta maioria que somos, não abdicaremos dela!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Por pouco tempo será!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Estão a cavar a própria sepultura! Mas é um direito seu, logicamente!

O Orador: - O Sr. Deputado lá sabe as informações que tem e de onde é que elas lhe vêm! ...

Protestos do PCP.

O Orador: - Os senhores ainda não chegaram ao momento de me tirarem o direito de falar aqui!

Aplausos do PS e do PSD.

O Orador: - Não estamos neste debate pedindo desculpas por estar aqui! Fomos nós, apoiantes deste Governo, que suscitámos o debate nesta Assembleia! Fomos nós que o suscitámos e assumimo-lo publicamente! Não estamos, neste debate, envergonhados!
É preciso que os Srs. Deputados entendam isto, e que entendam que não nos coíbem, não nos intimidam, por maior barulho que façam em relação àquilo que pensamos que deve ser feito. Vamos andar com esta lei para a frente, vamos com ela para a Comissão, vamos introduzir-lhe algumas modificações e vamos fazê-la aprovar! Os Srs. Deputados vão protestar, vão continuar nervosos, mas o problema é vosso. Há uns comprimidos que poderão ajudar a resolver o problema! ...

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Também há uns comprimidos para a garganta!

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para um protesto.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, foi V. Ex.ª quem, há pouco, introduziu a figura de que não haveria protestos nesta situação! Acho um pouco estranho que o venha agora pedir...

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, eu só não me admiro da estranheza de V. Ex.ª porque, de facto, o regime de Presidências desta Assembleia conduz a isto! É que o Sr. Presidente, porque não estava presente, ignora, naturalmente, que esta tarde a Assembleia, por decisão da Mesa e do Sr. Presidente na altura em exercício, entendeu que, tendo surgido dúvidas quanto à interpretação do dispositivo regimental que vi invocado, ele deveria ser objecto de análise numa reunião dos líderes.
Entendeu-se ainda que, até lá, se admitisse a manutenção do regime, de modo que os protestos e os contraprotestos pudessem vigorar, sendo certo que contam no tempo e que, de facto, o dispositivo do Regimento só tem sentido útil na medida em que impede o prolongamento dos debates, e neste caso, como o tempo conta, esse sentido útil se tinha perdido.
De qualquer forma estava não em contradição com as posições que tinha assumido, mas a utilizar as regras que tinham sido definidas pelo Sr. Presidente em exercício esta tarde, com a aquiescência desta Assembleia!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se V. Ex. ª entende, realmente, que a decisão anterior é caso julgado, tenho, naturalmente, de a respeitar.
Tem a palavra, Sr. Deputado!

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, o meu protesto era, simultaneamente, uma contestação.

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O Sr. Deputado Leonel Fadigas não respondeu a nenhuma das questões que lhe coloquei! De facto, o Sr. Deputado veio a este debate com o objecto claro e nítido de não discutir a proposta de lei que está submetida ao debate! Quanto a isto, está no seu direito, também não o questiono.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Leonel Fadigas.

O Sr. Leonel Fadigas (PS): - Sr. Presidente, peço desculpa ao Sr. Deputado Lopes Cardoso de não o ter referido nas respostas que dei. Não foi por falta de consideração...

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Ainda não leu a proposta?

O Orador: - Já, sim, Sr.ª Deputada, há muito tempo. Talvez a Sr.ª Deputada não a tenha lido bem!
Voltando ao Sr. Deputado Lopes Cardoso, reitero as minhas desculpas pelo lapso de não o ter referido ...

Vozes do PCP: - Está desculpado! ...

O Orador: - O que acontece é que entendo que o debate, na generalidade, sobre a proposta de lei está feito. Os diagnósticos estão avançados, foram, por várias vezes, aqui lidos e repetidos! Haverá agora que proceder ao seu debate na especialidade! Nesse momento, terei muito gosto em confrontar com o Sr. Deputado Lopes Cardoso algumas soluções de pormenor que nós iremos avançar conjuntamente com o PSD, e confrontá-los também com aquelas que o Sr. Deputado já avançou ou com outras que nos fará chegar à Comissão em momento próprio!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, pedia a palavra para um protesto!

O Sr. Presidente: - Seguindo a mesma jurisprudência, V. Ex.ª tem direito a usar da palavra para o efeito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Protesto contra as afirmações do Sr. Deputado Leonel Fadigas, só para lhe comunicar, muito singelamente, que não temos qualquer complexo de culpa! Não fomos nós que metemos na gaveta esse projecto no II Governo Constitucional! Não temos portanto, qualquer responsabilidade nesse sentido! Se o Sr. Deputado falou aqui em dificuldades do partido majoritário de coligação, saberá que não nos cabem quaisquer culpas nem responsabilidades.

Vozes do PS: - Mas ajudaram! ...

O Orador: - Aliás, a atitude que assumimos agora como oposição é bem o sinal evidente disso!

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Leonel Fadigas.

O Sr. Leonel Fadigas (PS): - Sr. Presidente. vou responder rapidamente para, no fundo, constatar aquilo
que é história antiga, mas que o CDS entende vir aqui acusar. Penso que é um pouco falta de lealdade neste momento dizer que as dificuldades se deviam pôr ao então parceiro maioritário da coligação.

Vozes do CDS: - Tivemos 2 parceiros maioritários!

O Orador: - São contas antigas que nada têm a ver connosco, mas não podemos deixar de dizer que não é este o momento indicado para se vir aqui ajustar essas contas, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Domingos.

O Sr. Silva Domingos (PSD): - A problemática da habitação tem constituído matéria de interesse privilegiado dos deputados e dos governos já que se impõe construir o bem-estar mínimo dos cidadãos e garantir um direito fundamental dos cidadãos, consignado, necessariamente, no artigo 65. º da Constituição da República.
Se bem que todos estejamos de acordo quanto ao preceito, já não o estaremos quanto ao modo de o cumprir. Mas as posições mais extremadas provêm de concepções ideológicas alternativas quanto à organização do Estado, pelo que não será possível encontrar o acordo entre essas posições nos aspectos mais essenciais.
Daí que, também neste debate, se cavem nitidamente duas concepções divergentes quanto ao regime de rendas, tornando grande parte desta discussão numa reafirmação de opções já há muito tomadas e não, o que lamentamos, numa procura determinada e construtiva de um consenso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos aqui para apreciar, na generalidade, uma proposta do governo sobre um novo regime de rendas para fins habitacionais, cumprindo-se, deste modo, um dos pontos do Programa do Governo.
Poderemos questionar, naturalmente, a bondade, a coerência, a exequibilidade, a aderência à conjuntura, a oportunidade, enfim, a qualidade do projecto. Mas parece-me não se dever questionar o princípio de que as rendas terão de evoluir regularmente no tempo, tendo em conta, necessariamente, a evolução dos custos de produção. E, afinal, é esse princípio que aparece mais contestado em certos sectores da opinião pública e das forças políticas, sectores, aliás, claramente minoritários na sociedade portuguesa.
Pretende-se, deste modo, ignorar que a renda é o preço do serviço de habitação - e não pomos em dúvida que este serviço tem uma componente social bastante elevada -, que a actividade produtora desse serviço arrasta o consumo de bens e serviços, que o correr do tempo degrada os fogos, desvalorizando-os e obrigando à sua conservação.
Ora, haverá que aceitar que as rendas não são um rendimento bruto mas sim um volume de vendas e que a diferença entre receitas e custos, incluindo nestes as reservas destinadas à construção de um novo imóvel equivalente logo que aquele esteja definitivamente inutilizado, constitui um lucro sujeito a imposições fiscais.
Se este conceito não encontrar guarida no pensamento do legislador, do cidadão e da opinião pública, o capital imobiliária será consumido pela sua transformação em rendimentos, inviabilizando a sua manuten-

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ção através das amortizações e consequente criação de reservas.
Neste tipo de erro caiu a França depois da Guerra de 1914, e nele caiu também o nosso país, depois de Setembro de 1974, através da legislação estabilizadora das rendas.
O legislador pretendeu ignorar que o possuidor de liquidez interessado em obter rendimentos vê oferecer-se-lhe, à sua escolha, o depósito a prazo, com toda a sua ilusão monetária, a aquisição de valores mobiliários e a de bens imóveis susceptíveis de produzir alugueres, e só optará por estes se o lucro real líquido de impostos for superior ao que obteria noutras aplicações, para o compensar da maior rigidez e risco deste tipo de investimento. E o congelamento de rendas, impedindo a recuperação do valor real das rendas e a cobertura dos custos, é incompatível com a viabilidade da aplicação de fundos em habitações para arrendamento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Uma vez mais, em Portugal, seguiu-se o caminho da utopia para tentar a construção numa maior justiça social. Numa primeira fase, o efeito terá sido muito apreciado. Pretendeu-se um Estado providência nascido, como por encanto, num país pobre, em convulsão social, com a produção desorganizada e com o regresso maciço de residentes nas ex-colónias. Mas a marcha inexorável das leis naturais chamou-nos cedo à realidade. E, hoje, é geralmente aceite que o regime de congelamento de rendas, em conjuntura de elevada inflação, é socialmente injusto porque beneficia grande número de cidadãos não carenciados e determina o recurso a elevados volumes de bonificações e subsídios suportados pelos contribuintes, é desmotivador do investimento privado e economicamente inaceitável, transfere rendimentos do senhorio para o inquilino, os quais beneficiam ainda de total isenção tributária, determina a ruína do tecido urbano e a desertificação dos centros das principais cidades, provoca distorções nos padrões de consumo dos cidadãos, faz florescer um mercado negro de casas e a praga das «luvas». Trará certamente benefícios imediatos aos inquilinos com rendas baixas mas não serve, seguramente, os candidatos à habitação que assim a não encontram a preço justo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A continuarmos por este caminho, estaríamos a negar a participação futura do sector privado na oferta de fogos para arrendar.
Mas pergunta-se se será correcta esta opção e como disponibilizar os 150 000 fogos de que já hoje carecemos, mais os 700 000 de que careceremos nos próximos anos e como reparar as 360 000 habitações que necessitam de reparação urgente, como resolver, enfim, os problemas dos que necessitam prementemente de casa. Será que os nossos críticos entendem que o problema da habitação deverá ser resolvido pelo Estado, promotor e subsidiador, e pela compra de casa própria, não havendo lugar ao desenvolvimento do mercado livre, tendendo este para o seu desenvolvimento a curto prazo?
Nós, PSD, sempre defendemos que uma nova política de rendas teria de se enquadrar numa política global de habitação que desse resposta a 2 objectivos fundamentais: expandir a oferta de fogos e apoiar as famílias mais carenciadas.
Para a expansão de oferta penso que todas as iniciativas são indispensáveis. A do Estado, apoiando pelo subsídio e bonificação e pela criação de condições especiais de crédito e ainda pela criação de condições que disponibilizem teremos as acções das cooperativas, as acções das câmara municipais e as iniciativas dos particulares na obtenção da habitação própria. O Estado terá ainda de viabilizar o mercado social, de preferência de propriedade resolúvel, e os contratos de desenvolvimento para oferta de rendas baixas.
A disponibilização de terrenos, em boas condições, para as cooperativas e para servir os contratos de desenvolvimento constituirá um grande desafio aos nossos municípios.
A iniciativa dos particulares, construtores, cooperativas adquirentes de casa própria, proprietários, cuja participação e confiança pretendemos estimular é outro dos elementos indispensáveis a este processo.
O apoio às famílias mais carenciadas terá de pagar-se pela oferta de casas de rendas baixas e pela subsidiação das rendas.
Também temos defendido que o desbloqueamento das rendas deveria ser ligado - e terá de o ser, forçosamente - à conservação de fogos e a um programa de recuperação de imóveis degradados verdadeiramente eficaz.

Mas em matéria tão complexa não colhe o voluntarismo, ainda que bem intencionado. Não poderão ser ignoradas as condicionantes financeiras de qualquer política de habitação no Portugal de hoje. O Estado não tem recursos financeiros suficientes; com as elevadas taxas de juro e com a quebra generalizada dos rendimentos reais, haverá cada vez menos cidadãos com capacidade para adquirir casa; a disponibilidade do crédito para habitação não é ilimitada, antes tem de ser encarada em termos de utilização alternativa ao financiamento da restante actividade económica, e se hoje a percentagem do crédito à habitação no crédito interno total a empresas e particulares ultrapassa já os 10%, a médio prazo essa percentagem poderá vir a atingir valores incompatíveis com as necessidades prioritárias do nosso processo económico.

Em simulações do impacto do crédito e subsídios relativos à habitação, no crédito interno global à economia e para um investimento anual em novos fogos em 1988 de 60 000 unidades - estamos a falar de uma simples hipótese - dos quais 13 650 para arrendamento e destes 9650 do sector público, contratos desenvolvimento de habitação e 4000 do sector privado, tendo-se assim 46 400 fogos para casa própria, nesta simulação a referida percentagem atingirá 24%, valor claramente incomportável.
Mas para uma simulação em que aquele peso não exceda 14 % em 1928, valor que consideramos razoável, seria necessário reduzir o volume de fogos novos para 40 000, como teríamos ainda de subir para 15 150 o número de fogos para arrendamento, dos quais 10 000 para arrendamento pelos particulares. Nesta hipótese, a promoção pública, as cooperativas e os contratos de desenvolvimento de habitação atingiram cerca de 12 000 fogos. Estes números têm o valor que têm as simulações baseadas em meras hipóteses.
Mas permitam-nos tirar algumas conclusões: uma primeira é a de que será necessário reduzir o valor do empréstimo médio à habitação, por crescimento da

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poupança prévia e ou pela redução do custo da habitação. Assim, será necessário reduzir o custo de cada fogo de habitação social e cooperativa, será necessário criar um sistema normal de crédito à aquisição para as classes mais solventes e para habitações de maior custo que absorva uma parcela significativa da oferta para casa própria. E não estou a considerar que esta disponibilidade de crédito seja beneficiário de qualquer bonificação. Finalmente, e não menos importante, a conclusão de que é necessário expandir a oferta de casas, para arrendamento, sem recurso a crédito.

Em contrapartida, não se pode falar em elevada participação do investimento em habitação na formação bruta de capital fixo ou na despesa interna, quando se compara com outros países onde os problemas da habitação não assumem a gravidade dos nossos, podendo-se afirmar que a poupança interna nacional não é satisfatória face às nossas necessidades de investimento global, mas a sua correcção depende decisivamente da redução do défice corrente do sector público administrativo, tarefa muito difícil, como se sabe.

Assim, parece ser necessário, para se atingirem metas razoáveis de oferta num plano nacional de habitação, a criação de novos sistemas de captação de poupança para a habitação, análogos aos que existem noutros países, e que contribuíram com assinalado êxito para o desenvolvimento do sector da habitação. De entre eles destacarei as sociedades de locação financeira e imobiliária, as sociedades e fundos de investimento imobiliário, as sociedades de desenvolvimento regional de economia mista.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Parece-nos claro que o Governo vem a dar passos no sentido da definição e concretização de uma política global da habitação adequada aos nossos recursos e satisfatória nos seus objectivos e acção.

Quando da discussão do Orçamento do Estado e das Grandes Opções do Plano para 1985 tivemos ocasião de ser informados dos programas governamentais nesta matéria e, na sua globalidade, parece-nos coerentes e exequíveis.

Pensamos, assim, estarem criadas as condições de base para discussão e aprovação de um novo regime de rendas habitacionais.

Parecem-nos suficientes as razões invocadas para esta reforma estrutural, de há muito necessária e cujo adiamento traz um rol de distorções e problemas difíceis de corrigir e resolver, no curto prazo. A implementação deste regime determinará um ajustamento do orçamento das famílias atingidas às novas condições. A taxa de esforço irá subir, mas tal seria inevitável, mais dia menos dia. Aliás, em vários países - RFA, França, Bélgica, Dinamarca, Hungria, etc. - as rendas são actualizáveis regularmente e o parque de fogos de arrendamento tem dimensão elevada, entre 40 e 60%.

Porém, parte importante neste parque é de propriedade pública, não ignoramos, de rendas moderadas, beneficiando de importantes ajudas estatais. Mas a propriedade privada tem dimensão e importância assinaláveis porque lhe foram criadas as condições indispensáveis ao seu desenvolvimento.

No entanto, só se exige a um estado pobre como é o nosso, numa situação de oferta de habitação pública de dimensão aproximada. Exija-se, sim, a política económica e sectorial que viabilize, no futuro, tais objectivos.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos, pois, a discutir, na generalidade, a proposta de lei n.º 77/III.
O meu companheiro José Vitorino já afirmou o apoio do Grupo Parlamentar do PSD a esta iniciativa legislativa e apontou alguns dos princípios e propostas que nortearão a nossa participação na discussão na especialidade.
Não temos dúvidas que não estaremos perante um projecto acabado ou perante um regime perfeito. Da conciliação de interesses divergentes e da compatibilização do novo articulado com a lei vigente não poderia resultar um diploma inatacável. Mas também reconhecemos que quanto mais tarde reformarmos, mais difíceis serão as reformas e mais elevados serão os seus custos de implementação.
O PSD, como partido interclassicista, não se sente perturbado pelo apoio que expressa às linhas gerais desta proposta. Sabemos que os nossos apoiantes compreenderão a justeza e a razoabilidade das nossas posições e não se deixarão sensibilizar e desorientar pela avalanche de criticas propagandeadas pela oposição comunista.
Compete e é obrigação das maiorias legislar seguindo os seus programas políticos e objectivos e não a reboque das pressões das oposições.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - As críticas destas, quando construtivas, serão objecto de cuidadosa ponderação, porque está em questão o interesse do Pais e não a defesa intransigente de teimosias arrogantes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A liberdade contratual, a correcção extraordinária das rendas associadas a um esquema de diferimento, as convenções anuais das rendas, a fixação de intervalos de variação em percentagem do IPC para as referidas convenções anuais, a disciplina das reparações, de conservação e beneficiação, as limitações à transmissibilidade do arrendamento, a taxa de cálculo da renda condicionada, o regime especial tributário, a criação do subsidio de renda a favor dos inquilinos, assim como a duração convencionada não renovável automaticamente dos contratos do arrendamento, entre outras matérias, irão pois ser objecto da nossa participação cooperante, no sentido de criarmos uma lei que louve este Parlamento porque serve bem o interesse nacional.
É uma tarefa prioritária do Estado recuperar a confiança dos cidadãos.
O actual regime das rendas não serve bem inquilinos nem proprietários e contribui decididamente para agravar a falta de confiança do cidadão no Estado, pois que todos sentimos tratar-se de um regime sem futuro porque sem fundamento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD espera que este novo regime ajude á recuperação da confiança dos cidadãos, que venha a determinar a criação de um mercado de habitação com oferta suficiente a preços justos, que acelere a reparação do nosso parque habitacional degradado, que facilite a mobilidade das pessoas (não o seu despejo, Srs. Deputados), que minimize a tendência de antecipação das rendas para o início dos arrendamentos, reduzindo o seu valor inicial, que contribua para a redução de número de fogos devolutos,

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colocando-os no mercado do arrendamento, que contribua, enfim, para o relançamento do sector da construção civil tão vital para o nosso desenvolvimento económico.
O PSD coloca-se nesta iniciativa, no estrito cumprimento do artigo 65. º da Constituição da República que reconhece o direito dos cidadãos à habitação, podendo compatibilizar este direito com o direito à propriedade e à justa remuneração dos capitais investidos.
É que só, assim, Sr. Presidente, Srs. Deputados, se atingirá uma situação de justiça social.

Aplausos do PS e do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente José Vitoriano.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr, Deputado Eugénio Anacoreta Correia.

O Sr. Eugénio Anacoreta Correia (CDS): - O Sr. Deputado Silva Domingos citou - e é verdade que nos países da Europa Ocidental, que constituem de resto o nosso modelo, o parque arrendado situa-se numa percentagem de entre 40 % a 60 % do parque nacional desses países. Essa mesma percentagem verifica-se actualmente em Portugal, mas o problema não é essa: o problema é que nós tivemos equilíbrio entre os dois parques e os respectivos mercados e esse equilíbrio está hoje profundamente invertido. Aliás, referi na minha intervenção desta manhã que da totalidade dos fogos que actualmente são construídos, apenas 5 % se destinam ao mercado do arrendamento e quase todos eles resultado da promoção pública.
Em conclusão, isto significa que ainda que hoje a situação em Portugal mantenha níveis estatísticos semelhantes aos europeus, a não haver alteração do caminho que se está a seguir caímos rapidamente em situações paralelas àquelas que existem, por exemplo, na Hungria.
O Sr. Deputado preocupou-se, na sua intervenção, em referir que uma lei de rendas deveria estar integrada numa política global de habitação e a verdade é que esta política, esta lei de rendas, aparece neste Parlamento desinserida de uma política nacional de habitação, pese embora a sua afirmação de que assim não é.
O Sr. Deputado referiu ainda que era necessário ter cautelas e preocupações com políticas urbanísticas e de construção e aqui chegamos à pergunta que lhe queria formular, pois não obtive resposta nem atenção da parte do deputado do PS a quem coloquei esta mesma questão. Contudo, dado que o PSD é o partido que tem a responsabilidade da área financeira do Governo talvez isso possibilite a resposta à seguinte questão: não acha que é fundamental a uma política que verdadeiramente se empenhe no aumento da construção haver uma política de estímulo que imponha uma reforma fiscal e uma atitude diferente no que respeita ao crédito.
A questão que lhe queria colocar, Sr. Deputado, é se uma verdadeira política nacional de habitação, que agora tem a primeira manifestação numa lei de rendas, pode deixar de ter também manifestação em política fiscal e em política de crédito!

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Domingos.

O Sr. Silva Domingos (PSD): - Sr. Deputado Eugénio Anacoreta Correia, antes de mais, uma rectificação:
é que o PSD não tem, digamos, a pasta das Finanças; todavia, é co-responsável pela política
financeira prosseguida pelo Governo, como não podia
deixar de ser. Aí pergunta-me o Sr. Deputado se acho
fundamental, para a definição de um plano nacional
de habitação, uma política fiscal coerente e ajustada
e uma política de crédito. Ora, é natural que assim pensemos. Aliás, tem sido nossa preocupação, quer na discussão do Orçamento do Estado, quer agora na discussão desta proposta, encontrarmos alterações ao
regime fiscal que possam contribuir de alguma maneira
para o estímulo do desenvolvimento da habitação. Contudo, temos hoje constrangimentos fiscais bastante pronunciados. Todos sentimos que há distorções no nosso
sistema fiscal que têm de ser corrigidas, mas a Hidra
das sete cabeças ou a despesa pública impede uma política fiscal verdadeiramente racional. Daí que as correcções à nossa fiscalidade tenham de ser introduzidas
através de profundas reformas, quer da estrutura legalista dos impostos, mas também com profundas reformas da estrutura de custos do sector público administrativo e até do sector público empresarial.
Quanto à referência à política de crédito, tive o cuidado, na minha intervenção, de referir que uma condicionante fundamental para qualquer plano de habitação ou qualquer política de habitação é uma política de crédito ajustada e também que essa política de crédito sofre hoje grandes limitações, desde logo porque uma parte grande da nossa poupança é absorvida pela poupança negativa do Estado.
Contudo, em todo o caso, há uma parcela do crédito disponível que tem de ser destinada à habitação, quer para a promoção indirecta do Estado, quer para a promoção de habitação por particulares e ainda para a habitação de casa própria, etc. É, no entanto, indiscutível que não é possível desenvolver aqui, ou em qualquer parte do mundo, o sector da habitação sem uma política de crédito realista e ajustada.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Gonzalez.

O Sr. António Gonzalez (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: No nosso planeta, desde há muitos milhões de anos que os animais procuram e constroem estruturas de esconderijo, para si, para os filhos e para guardar alimentos ...

Risos.

Congratulo-me com a boa disposição que, pelos vistos, a novidade do discurso aqui trouxe.

Risos.

Na realidade, tentei sair um pouco do contexto normal do discurso para compreenderem lá fora que isto é um discurso novo. Hoje, os ecologistas não vêem a coisa assim como remendos desta sociedade, têm uma perspectiva continuada da evolução do homem e da sua relação com a natureza; é por isso que esta pequena nota poética aqui tem lugar, mas talvez sirva de reflexão, além de que, a esta hora da noite, um pouco de boa disposição também não faz mal.
Como há pouco ia dizendo, no nosso planeta, desde há muitos milhões de anos que os animais procuram e constroem estruturas de esconderijo, para si, para os filhos e para guardar alimentos...

Risos.

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Embora com vários pedidos, não vou repetir...

Aplausos.

Uma espécie evidenciou-se, porém, na sua evolução e criou uma diversidade espantosa de estilos de abrigo, adaptados aos frios intensos, aos calores tórridos, aos pântanos, e conseguiu mesmo que até eles chegasse a água, o calor e a luz.
Essa espécie, está bem de ver, é o Homem!

Risos.

Do habitat nas grutas à moderna casa, é toda uma caminhada, semeada inicialmente de soluções engenhosas, equilibradas, adaptadas ao meio natural em que as comunidades humanas viviam.
As casas antigas das nossas aldeias e vilas reflectem esse saber milenário, feito da experiência das múltiplas gerações de habitantes dessas regiões.
Mas não só as técnicas e os materiais utilizados eram harmoniosamente adaptados; a própria gestão do solo a urbanizar, tal como os espaços de construção, eram colectivos e representavam uma verdadeira solidariedade social, que se perdeu quase por completo e que os movimentos ecologistas, cooperativos, etc., estão a reanimar como alternativa económica, social, cultural, ecológica.
Hoje, porém, nas nossas cidades, o homem e a mulher do «casal moderno» lutam toda a sua vida útil para pagar ao banco ou ao senhorio o seu ninho, um cubículo construído sem qualidade, onde quando chove o bolor destrói o papel de parede e cria alergias e outras doenças em todo o agregado familiar, onde se ouvem os vizinhos de cima, de baixo, dos lados nas suas movimentações quotidianas, onde se treme com o frio do Inverno...

Risos.

Eu não quis entrar em pormenores!

Risos.

E essa parte, infelizmente, é muito importante...

Risos.

Nós falamos aqui com um certo humor, mas, na realidade, isto é dramático para os casais que não podem exercer naturalmente...

Risos.

Aliás, ao ver algumas caras sérias, penso que há realmente problemas desse estilo nas suas habitações.

Risos.

Mas, como dizia, nessas casas treme-se de frio no Inverno e é-se assado com o calorzinho do Verão!
Para ir para o emprego e dele voltar, são horas nos transportes apinhados, lentos e cada vez mais caros!
Come-se à pressa e em pé em qualquer balcão de restaurante ou, como vai sendo cada vez mais vulgar, uns croissants com recheios para enganar a fome numa das centenas de vistosas e coloridas croissanteries que proliferam por este país, como cogumelos nos bosques! Sinais de crise, na área da alimentação, com solução de tipo europeu!...

Mas ei-los que voltam à tarde, cansados, nervosos, frustrados, com a saúde física e mental ameaçada a médio prazo, para o seu lar, doce lar. As crianças vêm da creche ou da casa das pessoas que delas cuidam, não se sabe se bem se mal; é o engolir qualquer coisa à pressa e o deitar ou ver a televisão que temos, como quem toma um suporífero!

A estabilidade do nosso «mundo organizadinho» é ameaçada quando o homem, a sua estabilidade psicofísica, se afunda e rebenta pelas costuras, sujeito a pressões, ao stress continuado e, no nosso caso português, galopante e suburbano.

Mas essa ameaça para o sistema, que nos utiliza, tem sido exorcizada pela existência de válvulas oficiais de segurança, como são os psiquiatras, por um lado, e os tribunais e os policias, por outro, como válvulas de contenção.
E vêm também os tecnocratas do ambiente com vista ao remendo de todas as situações de ruptura ecológica, com o mesmo fim, ou seja, o de evitar contestações demasiado perigosas ao sistema.
Poderão dizer-me que isto é o progresso, é a qualidade de vida, é o futuro, é o alto preço que se paga por se viver no conforto, na comodidade da cidade! Eu digo-lhes que não, que este é o preço que pagamos por não gerirmos o nosso território numa perspectiva humana e sim sob o ponto de vista do lucro cego, estúpido e escravizante, sob a batuta das grandes empresas transnacionais que geram e gerem à distância a nossa crise, na falta de dirigentes políticos com coragem para enveredar pelo desenvolvimento equilibrado e seguro, baseado nas realidades deste pais, nas suas potencialidades e preservando as suas condições naturais e humanas.
Regionalizar o Pais e fazer desaparecer a pressão populacional sobre as cidades da costa - como Lisboa, Porto, etc. - é ter terrenos mais baratos, onde a especulação não chegou nem chegaria se ao Poder Central fossem dados meios para elaborar e fazer cumprir os seus planos directores, para apoiar as cooperativas de habitação existentes no nosso país desde há muitos anos, mas que aumentaram grandemente em número e em qualidade de acção no pós-25 de Abril.
Essa acção, essas cooperativas têm sido abafadas, desmobilizadas pela política levada a cabo nesse sector pelos representantes dos interesses dos especuladores de solos, dos construtores privados desonestos (que muitos há honestos!) e outros vampiros do sistema lucrativista em que vivemos e que hoje aqui manobram os cordelinhos com vista a aprovar mais uma lei altamente gravosa para largos milhares de famílias portuguesas que vivem já hoje em situação dramática.
Tal como dizia Zeca Afonso: «Eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada!»
Vão dizer-me que venho defender aqui posições utópicas perfeitamente desligadas do mundo moderno, onde Portugal se quer integrar a todo o custo!
No entanto, em Estrasburgo, em Dezembro de 1984, organizações europeias da Bélgica, França, Holanda e Inglaterra divulgaram um manifesto por elas assinado em que lembravam aos Estados da Europa actual que a dignidade dos homens, das mulheres e das famílias passa socialmente pelo facto de viverem numa habitação condigna; que este direito é fundamental para o exercício primário da liberdade; que todos os Estados devem assegurar um regime de direito que consagre e defenda o direito à habitação.

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Assim, todo o indivíduo tem direito a uma habitação e que essa habitação e o meio envolvente devem corresponder à totalidade das necessidades da pessoa necessidades elementares, culturais e comunitárias.
dever e responsabilidade do Estado velar para que elas sejam satisfeitas.
Essa habitação e meio ambiente devem ser adaptados à situação familiar, ao modo de vida, ao nível de civilização e de progresso técnico.
A habitação e o meio ambiente devem estar ligados aos equipamentos colectivos, ao ordenamento urbano, no respeito pelo bem-estar e pela saúde dos moradores.
O direito à habitação deve reconhecer ao morador a estabilidade e a protecção da lei, qualquer que seja o seu estatuto jurídico. 15to implica, nomeadamente, que não haverá despejos sem realojamento.
O direito à habitação deve levar o morador a pagar um valor que tenha em conta os seus rendimentos e o serviço que lhes é prestado. Sempre que os seus rendimentos sejam insuficientes, a solidariedade nacional deve-lhe ser prestada, em função das estruturas de cada país - isto parece poesia, realmente! ...
O direito à habitação significa o primado da pessoa sobre os problemas financeiros, técnicos e administrativos; significa também o controle e a participação do morador na concepção, construção e gestão da sua habitação e respectivo ,meio ambiente.
Para finalizar, a acção colectiva organizada, como meio privilegiado dos moradores e dos desalojados realizarem estes objectivos, deve ser reconhecida como um direito imprescritível.
O diálogo do Estado Português com as organizações portuguesas representantes do movimento cooperativo, dos inquilinos, etc., é o primeiro passo para a resolução de um problema tão grave como o da habitação em Portugal. Mas onde está esse diálogo?!
Por tudo o que atrás foi dito, o Partido Os Verdes, não acreditando que as preocupações anteriores tenham sido levadas em conta, toma as seguintes, posições perante a proposta de lei n.º 77/III - Regime de rendas para fins habitacionais:

1 - A proposta de lei do aumento das rendas é anti-social porque, não contribuindo para a resolução do problema da habitação, conduzirá à perda de casa por muitos cidadãos.
2 - Interessava antes um plano nacional de habitação social em que as forças públicas tivessem um papel preponderante, dada a não vocação para a construção social da iniciativa privada.
3 - Para os pequenos aglomerados, preconizados por Os Verdes, defendemos a construção pelos próprios cidadãos (iniciativa própria não privada) apoiados pelo poder local.
4 - É, pois, clara a posição de Os Verdes a este aumento das rendas por não ser a via que conduz à resolução do problema da habitação do povo português, antes pelo contrário, agrava-lhe as condições de vida já tão difíceis.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O debate
sobre a proposta de lei do aumento geral das rendas - um dos mais importantes debates desta Assembleia da República nesta legislatura - decorreu significativamente já dentro do espartilho do novo Regimento.
O que se passou até agora neste plenário demonstrou que não foi por acaso que o Governo, o PS e o PSD esperaram pelas brutais limitações introduzidas no Regimento que aprovaram.
Fixaram tempos reduzidos para a intervenção da oposição. Fecharam os canais da RTP ao debate vivo, directo e esclarecedor.
Apresentaram-se aqui, sossegados na eficácia dessas medidas, mal preparados, quando não mesmo em estado de «santa ignorância».
Um exemplo flagrante disso foi dado por um porta-voz da bancada do PSD que ignorava que na proposta de lei n.º 77/III eram propostos aumentos anuais para todas as rendas, mesmo para os regimes de renda livre de novos arrendamentos...
Governo e maioria procuraram deliberadamente o debate espartilhado, baço e que escondesse do País o real alcance da proposta de lei.
Compreendem-se naturalmente as razões. Estão à vista na fragilidade da argumentação com que a proposta foi defendida, nas «prudentes» distâncias com que alguns dos intervenientes se procuraram resguardar face às brutais soluções nela contidas, e, fundamentalmente, na profunda e inquestionável injustiça que dela decorre no seu conjunto.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Dentro ou fora destas paredes, com mais ou menos RTP, o debate deixou claro o que à partida era evidente.
Primeiro, que, no fundamental, a proposta de lei se traduz no aumento anual e geral de todas as rendas, das passadas, das presentes e das futuras e seja qual for o regime em que forem estabelecidas. Ninguém escaparia: nem o reformado que fez o seu arrendamento há 20, 30 ou 40 anos, nem o jovem casal que faça amanhã o arrendamento do que irá ser a sua casa no futuro.
A segunda nítida evidência do debate é a de que aos aumentos anuais que todos os inquilinos passariam a ser sujeitos se somam - sublinho, somam - os aumentos da chamada «correcção extraordinária para os arrendamentos antigos». A brutalidade dos resultados desta conjugação está nos números. Por exemplo, à taxa de aumento anual de 17 %, um arrendamento de 1960 aumentaria até perto de 20 vezes num espaço de 7 anos.
A terceira grande evidência do debate é a de que a proposta de lei configura um sistema de responsabilização pelas obras, que se traduz em isentar os senhorios, sobrecarregar burocraticamente as câmaras e encostar à parede os inquilinos, em tais termos que ao inquilino não resta saída: ou faz as obras à sua custa e suporta-as inteiramente ou então põe-nas a pagamento ao senhorio e este aumenta-lhe a renda novamente e precisamente com esse fundamento!
É um espanto e um escândalo gravíssimo, porque em relação às rendas antigas se torna, assim, possível ao senhorio acrescentar uma outra forma de aumento, que se soma - sublinho novamente, que se soma - às duas já referidas.
A quarta evidência que transpareceu do debate é a de que a proposta não só mantém como garante « os

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enormes valores de renda que hoje são pedidos». E isto é de prova simples: faça qualquer um as contas para a renda de um prédio que hoje seja vendido, por exemplo, por 4000 contos. Some 12% de despesas aos 4000 contos. Aplique a taxa de 8%. Divida por 12 e o resultado é 32 contos mensais, isto é, o valor do salário médio nacional!
Só que este valor - um salário médio nacional a tempo inteiro para a renda - vai funcionar para os senhorios tão-só como um valor mínimo. Porquê? Porque, quando, como se faz na proposta, o valor da renda no chamado «regime livre» aumenta todos os anos de acordo com os respectivos coeficientes, então para o senhorio não há nenhum incentivo a fixar uma renda mais baixa (a condicionada), quando pode fixá-la mais alta (a livre) precisamente com o mesmo efeito de aumento regular e anual!
Diria o povo: só se o senhorio for parvo... E não é dos senhorios parvos que está o Governo a curar!

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, esperar-se-ia, porventura, do Governo um discurso de citações e números - formação bruta de capital fixo (FBCF), taxas de juros, valor acrescentado bruto (VAB), etc. -, tudo para justificar solenemente o relançamento da construção civil que esta proposta iria operar.
Esse discurso não foi feito nem sequer ensaiado.
Por uma razão evidente: porque toda a campanha governamental em defesa da proposta parte de um pressuposto falso e hipócrita: o de que as rendas estariam congeladas.
Mas não estão! Não estão congeladas as rendas dos novos arrendamentos desde 9 de Junho de 1981 (data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 148/81).
Não estão congeladas e podem ser aumentadas as rendas dos fogos em arrendamento antigo, onde sejam feitas obras - e isto, pelo menos, desde 27 de Julho de 1982, data da publicação do Decreto-Lei n.° 294/82.
Não estão congeladas as rendas dos fogos em que tenha havido transmissão e os descendentes tenham ou atinjam 25 anos.
Não estão congeladas as rendas dos prédios em que tenha havido direito a novo arrendamento.
Não estão congeladas as rendas para comércio e indústria.
Todas estas rendas aumentam (e aumentaram desde 1981!) todos os anos e o mesmo sucederia em relação a todos os novos arrendamentos que hoje, amanhã ou depois se celebrassem na vigência da legislação actual.
Só que, ao contrário do que foi invocado pêlos que aprovaram essa legislação, dela não resultou nada do que foi apregoado: nem aumento do número de construção de fogos; nem aumento da aquisição e oferta de fogos para arrendamento; nem redução dos valores da renda; nem aumento das obras de beneficiação; nem dinamização da construção civil.
Foi, assim, feita a demonstração, preto no branco, da falência da tese de que o descongelamento das rendas provocaria uma melhoria do parque habitacional existente e o incremento e dinamização da construção e oferta de fogos habitacionais.
O fracasso foi evidente - e daí o silêncio que sobre toda essa matéria imperou!

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Deve dizer-se que a consciência de que o problema da habitação não se resolve por via do aumento das rendas é universal.
Quando, por razões que agora se mostram claramente eleitoralistas, até o PS e o PSD votaram contra o decreto-lei de Mota Pinto que propunha o que hoje está proposto, o argumento de fundo de todas essas bancadas foi sempre o mesmo: que a questão das rendas era a «última a mexer», que «só no quadro de urna política global de habitação», etc...
Um ministro deste Governo (o Ministro Sousa Tavares) clamava pela municipalização do solo urbanizável. Outro ministro (o Ministro Almeida Santos) afirmava: «ponto é, se não temos até hoje esperado de mais do regime das rendas». Concluía em conjunto o Grupo Parlamentar do PS: o que é preciso é uma «Lei Quadro da Habitação» - e apresentou-a -, que aqui esteve pendente de apreciação, estendendo-se por 19 páginas do Diário da Assembleia da República, a 2 colunas.
A coerência de que falava o Sr. Deputado Leonel Fadigas está, assim, à vista. Não há, afinal, política de habitação...

Aplausos do PCP.

... mas é proposto, à cabeça, o aumento geral das rendas!
Para alguns fica, entretanto, a pergunta. Porquê? Porquê tanta pressa? Porquê já, em ano eleitoral? Será tão forte como isso o lobby dos senhorios (dos senhorios ricos, porque só esses é que podem formar um lobby com força suficiente para pressionar o Governo)?
A resposta foi dada com brutal clareza, através da apresentação da proposta de lei n.° 101/III, que estabelece o regime de prazo nos arrendamentos urbanos.
Brutalmente, de sopetão, sem pré-aviso, nem debate público o Governo vem propor à Assembleia da República, nem mais nem menos, que abra caminho e consolide o estabelecimento de prazos nos contratos de arrendamento.
Isto é: o inquilino na situação da proposta de lei sabe desde logo que o senhorio, findo certo prazo, pode, pura e simplesmente, pô-lo na rua. Acabaria, assim, uma garantia fundamental dos inquilinos, garantia de que, pagando a renda e cumprindo as suas outras obrigações gerais, pode permanecer tranquilamente na sua residência.
Como no mundo do trabalho, o contrato a prazo representa uma das violências extremas que o capital pode exercer sobre quem dele depende.
O poder majestático é afirmado no «quero, posso e mando». Não bastava aumentar-lhes as rendas. Foi necessário afirmar publicamente que manda quem pode - o senhorio - e obedece quem deve - o inquilino.
Não há «socialismo» nem «social-democracia» nesta proposta de lei. Dirão que a proposta de lei é só para os novos arrendamentos, é só para 2 anos, é só nestas ou naquelas circunstâncias.
Dirão o que quiserem. Mas violar este princípio da renovação automática, violar um princípio que foi reclamado e foi bandeira dos homens da 1.ª República, violar um princípio de progresso que honrou ao longo do tempo os republicanos, os democratas que o subscreveram, é, tudo resumido, recuar decénios e decénios e deslustrar a luta de um povo que incorporou de ma-

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neira tão forte este princípio que não pode deixar de o considerar um património histórico.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

A proposta do prazo não se torna relevante por ter condicionalismos. Pelo contrário, torna-se relevante e significativa por admitir o condenado princípio do prazo!
O Sr. Deputado Roque Lino, do PS, muito antes da proposta entrar na Mesa da Assembleia, dizia candidamente: «na duração do prazo contratual o Governo proponente teve o bom senso de manter o quadro jurídico actual». Não teve, Sr. Deputado, não teve esse bom senso!
E a explicação, como o Sr. Deputado sabe, como sabem todos os Srs. Deputados, como sabe o Governo, está naquilo que disse quando explicitou que a introdução do prazo era o que era reclamado pelas associações de proprietários.
Que proprietários? A proposta, na nota justificativa, dá a explicação! São os proprietários da indústria de construção. E é aqui que temos a explicação de todos estes projectos.
O lobby da construção civil associado ao Governo e ao capital financeiro (e, naturalmente, com esperanças dos subsídios e apoios nos recursos públicos) quer fazer da habitação, do arrendamento, quer fazer de um dos direitos fundamentais dos cidadãos uma fonte de negócio permanente geradora de altos lucros, obtidos, como sempre são obtidos, de uma forma imoral, especulativa e desumana.
O inquilino que pague - o capital que se encha!
Para os Srs. Deputados que invocaram aqui critérios de justiça para justificar a proposta de lei, é o próprio Governo que lhes responde.
Aumentar 20 vezes uma renda de 500$ é uma injustiça flagrante para quem vive com o salário mínimo nacional. E sabem os Srs. Deputados que este cidadão não vai auferir qualquer subsídio!
Como injusto é dar subsídios a senhorios - porque são os senhorios que os vão receber - que são donos de prédios, de ruas inteiras, cobrando altas e especulativas rendas em andares e lojas comerciais e em novos arrendamentos.
Quanto ao pequeno senhorio, que o seja mesmo pequeno, esse fica na mesma. Recebe mais? É óbvio, mas se tinha reais dificuldades não é por receber mais 3, 4 ou 5 contos por mês que vai poder fazer as obras que a proposta de lei diz, hipocritamente, que lhe vai exigir!
Está tudo errado na concepção desta proposta de lei!
Nenhum Estado conseguiu avançar na solução do problema da habitação sem um esforço público e orçamentalmente inscrito. Em Portugal, isso é uma verdade particularmente evidente.
O défice habitacional é enorme. Ronda os 600 000 a 700 000 fogos. O parque existente está degradado. Centenas de milhares de fogos precisam de obras urgentes de conservação. Muitas dezenas de milhares precisam de obras mínimas de conservação.
Isto, Srs. Deputados, a realização desta tarefa não nasce aqui em Portugal, porque em nenhum país do mundo nasceu dos ares, dos sorrisos, ou da pompa.
Exige-se um plano nacional de habitação, coerente e articulado, suscitando o esforço da administração central e local, das cooperativas, das associações empresariais e sindicais.
Exige-se aquilo que aqui não foi referido: o controle do solo urbanizável, a municipalização do solo urbano, tal como está inscrita na Constituição.
Exige-se a salvaguarda e recuperação do parque existente, como um esforço público inalienável. Não nos podemos dar ao luxo de prescindir do que temos.
Exige-se que os fogos devolutos possam ser ocupados e passem a sê-lo obrigatoriamente. Não nos podemos dar ao luxo de não utilizar o que temos.
Impõe-se limitar drasticamente a alteração para fins de comércio ou indústria do uso dos fogos hoje destinados à habitação. Não podemos acrescentar novas carências às que hoje já temos.
Há que reconduzir o processo de despejo a regras que garantam os direitos dos inquilinos, como também se impõe revogar o Decreto-Lei n.° 328/81, relativo ao artigo 1111.° do Código Civil, em termos que salvaguardem os direitos de transmissão.
Estes e outros temas são objecto de projectos de lei do PCP já apresentados e de outros que apresentaremos hoje mesmo.
O direito à habitação é, hoje, uma conquista e um património da humanidade.
A Organização das Nações Unidas (ONU) declarou o ano de 1987 como o Ano Internacional para a Habitação dos que não têm alojamento.
Vale a pena ler a documentação distribuída pela ONU onde se solicitam aos governos os seus programas especiais em diferentes domínios.
O Governo Português apresenta-se hoje, aqui, já com um programa: aumentar o número dos que não têm abrigo, provocar o aumento geral das rendas e pôr a prazo o direito à habitação.
Alguém, da maioria, falou aqui em restabelecer a confiança como fundamento para esta proposta. Não, seguramente, a confiança dos reformados, dos trabalhadores, das centenas de milhares de inquilinos deste país. A confiança, sim, do capital.
É altura de dizer basta!
É a instabilidade, a insegurança, a pobreza que, por esta forma, o Governo prossegue em instituir no País.
A democracia funda-se na justiça, e desde logo na justiça social.
Atacando-a, como faz o Governo, são as instituições democráticas que estão a ser atacadas.
Repito, Srs. Deputados, é tempo de dizer basta!

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados Marques Mendes, Roque Lino, Fernando Costa e Luís Barbosa.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Deputado João Amaral, gostaria de fazer-lhe uma pergunta muito simples, que é a seguinte: vários Srs. Deputados intervenientes neste debate falaram de um facto que é conhecido de todos e que, creio, ninguém põe em dúvida. Trata-se daquilo que se vem passando no domínio do arrendamento no que respeita a «luvas», sendo esta lei uma das medidas adoptadas para pôr cobro a essa situação.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Em quê?

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O Orador: - Uma vez que o Sr. Deputado defende a manutenção da situação vigente, pergunto-lhe se V. Ex.ª e a sua bancada defendem que se continue a permitir essa autêntica especulação encoberta, que são as «luvas» em novos arrendamentos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Já não há «luvas» em novos arrendamentos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, V. Ex.ª pretende responder já ou apenas no fim de todos os pedidos de esclarecimento?

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, se me permite, respondo no fim. Mas já agora, gostaria de obter uma informação da Mesa sobre o tempo de que disponho para as respostas.

O Sr. Presidente: - Dispõe de S minutos, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Roque Lino.

O Sr. Roque Lino (PS): - Sr. Deputado João Amaral, antes de formular-lhe algumas perguntas, gostaria de dizer-lhe que entendo o fervor e o entusiasmo com que expôs ali as posições habitualmente conhecidas do seu partido.
No entanto, o que, apesar de tudo, esperava da sua intervenção era que o Sr. Deputado tivesse feito aquilo a que já nos habituou desde há longo tempo, isto é, que tivesse feito uma exposição com rigor, onde apresentasse soluções alternativas a esta proposta de lei.
Não quero com isto afirmar que esta proposta de lei é perfeita, pois o homem é necessariamente um ser imperfeito e, como tal, não produz obras perfeitas. Queria, contudo, dizer-lhe que, para além de algumas afirmações, que, a meu ver, constituem meros juízos de valor e que por isso mesmo não se fundam em razão de ciência, surpreendi nas suas palavras algumas afirmações - e penso que o Sr. Secretário de Estado da Habitação irá, dentro em breve, procurar esclarecer melhor essas questões - que me pareceram puras falsidades.
Sr. Deputado, explique-me lá como é que uma renda de 1960 pode, em 7 anos, aumentar 20 vezes. É que, nem virando de trás para a frente e da frente para trás a proposta de lei, francamente não chego lá.
Isso é falso, Sr. Deputado. É impossível uma renda de 1960 aumentar 20 vezes em 7 anos. Não sei que contas terá feito, não sei se o Sr. Deputado aprendeu outra matemática, mas a verdade é que não consigo chegar a esse resultado.
Sr. Deputado, se me conseguir explicar e convencer, então darei a mão à palmatória.
Quanto à sua afirmação de que as actualizações anuais se somam às actualizações extraordinárias, ou isso é uma interpretação errada da proposta de lei ou então é uma invenção sua. Tanto quanto julgo saber - e posso afirmar que esta questão vai ser objecto de um regulamento próprio que irá prever essa situação -, enquanto estiver em curso a actualização extraordinária não haverá actualizações anuais.
Por outro lado, o Sr. Deputado falou no meu nome, dizendo que, de certa forma, tinha defendido decisivamente os contratos a prazo. Não é nada disso, Sr.
Deputado! O que esta tarde disse naquela tribuna foi que assumir aqui, com realismo, a posição de podermos desbloquear, porventura, 15 000 ou 20 000 fogos nos próximos 2 anos, colocando-os no mercado de arrendamento, será, a nosso ver, uma posição não demagógica e mais realista face às carências habitacionais que o País tem.
Pergunto-lhe, Sr. Deputado, se na sua óptica e na óptica do seu partido será preferível manter durante 2 ou 3 ou 4 anos, essas 15 000 ou 20 000 habitações devolutas, fechadas, sem qualquer utilidade social ou, pelo contrário, introduzindo uma norma, que é excepcional - e é preciso não esquecermos isto - e, necessariamente, provisória, dar a possibilidade de, apenas durante os próximos 2 anos, serem colocadas no mercado de arrendamento essas habitações por períodos de 7 anos.
Sr. Deputado, esta norma, que é de natureza excepcional mas transitória, é, a nosso ver, uma norma de utilidade social, porque vai possibilitar que esses fogos sejam colocados no mercado de arrendamento.
Por isso, Sr. Deputado, não concordo consigo quando afirma que nesta nova proposta de lei - que, aliás, nem sequer está a ser discutida aqui, embora, obviamente, possa ser objecto de alterações em sede de especialidade - é violada a norma dos tempos da República da durabilidade dos contratos por tempo indeterminado.
Sr. Deputado, normas excepcionais são normas excepcionais e quando são transitórias ainda mais excepcionais são.
Por isso mesmo, não posso compreender nem aceitar a sua argumentação. Em todo o caso, fico à espera que me esclareça as tais dúvidas que tenho sobre afirmações suas, que considero - repito-o - má interpretação da proposta de lei ou então puras falsidades.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Costa.

O Sr. Fernando Costa (PSD): - Sr. Deputado João Amaral, aproveito a sua intervenção para, no que toca à referência que fez aos contratos a prazo, lhe responder a si e também à sua colega de bancada Zita Seabra que não é verdadeira a afirmação que há momentos fez de que o único país onde existem contratos a prazo é o Brasil.
Assim, já que o Sr. Deputado se atreveu a classificar de ignorantes alguns dos deputados que aqui intervieram, dizendo, nomeadamente, que um dos deputados da maioria ignorava que todas as rendas eram actualizadas, para seu esclarecimento, Sr. Deputado, venho dizer-lhe que o contrato, em matéria de arrendamento, é, na sua essência, um contrato a prazo, embora a regra geral em todos os ordenamentos do sistema ocidental seja a da sua renovação.
Mais, Sr. Deputado, vou citar-lhe diversos ordenamentos jurídicos onde o contrato é um contrato a prazo e onde assiste ao locador a faculdade de, no termo desse prazo, não renovar o contrato. Cito-lhe exemplos, sem necessidade de ir ao Brasil. Vai ficar, por certo, aqui mais perto e talvez por países onde uma visita seria muito mais agradável para a sua bancada.
Começo, por exemplo, pela França, que admite contratos a prazo; a Bélgica onde a regra é livre, pois o contrato é a prazo e só se renova se o locador assim

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o entender; a Dinamarca, a Finlândia, a própria Itália onde os contratos têm o prazo de 4 anos, dependendo a sua renovação do consentimento do locador; e a Suécia. Mas não fiquemos pelos países ditos capitalistas, Sr. Deputado. Vá ao ordenamento jurídico da Hungria e tem aí os contratos a prazo. E mais: tem aí, além de contratos a prazo, os contratos condicionais, em que o termo se dá pela pura e simples verificação de determinadas condições.
Sr. Deputado, parece-me que, nesta matéria, a sua bancada tem muito a aprender.
Aplausos do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Barbosa.

O Sr. Luís Barbosa (CDS): - Sr. Deputado João Amaral, não era minha intenção intervir neste debate, mas, dado que foi citada a política de habitação de 1981, pela qual fui responsável, gostaria de colocar-lhe uma questão e, simultaneamente, dar-lhe um esclarecimento.
Pergunto-lhe se alguma vez me ouviu referir que o aumento das rendas, que então se processava através do sistema de renda condicionada, iria aumentar a oferta de novos fogos.
Penso que nunca fiz essa afirmação nem publicamente nem nesta Assembleia, porque não é minha convicção que a aumente.
A política de habitação de 1981 baseava-se numa correcção, que se pretendia que fosse gradual, aproveitando oportunidades específicas no que respeita à situação dos inquilinos mas sem procurar contribuir para injustiças ou preocupações sociais de grande gravidade, e que resolvesse o problema da conservação dos fogos, que é, realmente, um problema grave, ao qual há que acudir. Restam-me dúvidas sobre se esta lei o vai conseguir resolver.
Gostaria de acrescentar que a política de habitação se baseava, essencialmente, em dois outros aspectos, o primeiro dos quais era o sistema de crédito poupança--habitação para a aquisição de habitação própria. Este decreto está em vigor desde 1981, sofreu algumas alterações em 1982, mas nunca foi posto em prática. Ora, bastava que esse diploma fosse posto em prática para que o problema da aquisição de habitação própria se resolvesse, a construção se dinamizasse e a oferta de novos fogos aumentasse substancialmente, bem como as possibilidades de as pessoas de menores rendimentos os adquirirem.
É pena que não se cumpra uma lei que foi largamente discutida por dois governos de que o PSD fez parte e em que teve oportunidade de discutir e rever essa legislação.
O outro diploma que também está em vigor, pilar fundamental dessa política de habitação, diz respeito às zonas de urbanização e de construção prioritárias e destina-se a embaratecer e a tornar racional a urbanização de uma vez para sempre.
Também este decreto-lei está em vigor, mas não é cumprido e ninguém lhe liga nenhuma. Até me dei ao trabalho de vir aqui, a esta Assembleia, pedir autorização para que, rapidamente, ele pudesse ser implementado ao nível das autarquias.
A política de 1981 era esta. A legislação até existe, mas, realmente, não chegou nunca a ser utilizada, o que lamento profundamente.
Era este o esclarecimento que lhe queria dar, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral. Devo informá-lo de que o seu partido dispõe de 5 minutos.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou tentar responder em menos de 5 minutos para ver se sobra tempo para o debate com o Sr. Secretário de Estado da Habitação.
Quanto à questão do rigor, Sr. Deputado Roque Lino, remeto-o directamente para a proposta de lei. Basta ler o artigo 12.°, n.° 1, onde se diz:

[... ] a correcção extraordinária das rendas far-se-á anual e sucessivamente até que os factores anuais acumulados atinjam os valores indicados na tabela, actualizados pela aplicação dos coeficientes previstos no n.° 2 do artigo 3.°
O Sr. Deputado também podia ter obtido esse esclarecimento perguntando directamente ao Sr. Secretário de Estado da Habitação, que, aliás, estava um pouco incomodado, como se deve calcular.
Quanto à questão de a norma ser transitória, Sr. Deputado Roque Lino, o ser transitório neste domínio da habitação é, de facto, um abrir caminho ao definitivo. E quando o Sr. Deputado ou o Governo propõem que se inverta uma tradição jurídica que tem mais de 60 anos, está a abrir caminho para transformar em definitivo aquilo que hoje é apresentado, falsa e hipocritamente, como transitório.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à questão que o Sr. Deputado Fernando Costa colocou de o contrato de arrendamento ser, na sua essência, um contrato a prazo, realmente essa discussão de juristas é interessantíssima.
De facto, é um contrato a prazo, mas, como o Sr. Deputado sabe perfeitamente, tem uma renovação automática. Ora, como tem uma renovação automática, para mim, como inquilino, é um contrato que dura a minha vida.
Essa é que é a questão, Sr. Deputado! Não a queira iludir, falando, um pouco a vol d'oiseau - para não dizer outra coisa -, de legislações várias para confundir arrendamentos de férias, arrendamentos para fins específicos e outras formas de arrendamento que também existem na legislação portuguesa.
Quanto às questões colocadas pelo Sr. Deputado Luís Barbosa, não posso deixar de lhe dizer que o preâmbulo do Decreto-Lei n.° 148/81 fala nas carências de habitação, na necessidade de as combater, dizendo, nomeadamente, que «estabelece um novo regime de renda condicionada cujo objectivo será, essencialmente, o de proporcionar mais casas para arrendar».
Admito que não tenha sido o Sr. Deputado quem escreveu este preâmbulo, pois, provavelmente, o que fez, como técnico, foi escrever os articulados. Os preâmbulos, esses eram escritos pelos políticos. O Sr. Deputado escrevia os textos mas quem falava eram os políticos. Talvez até seja esse o drama do Sr. Deputado!
Finalmente, ao Sr. Deputado Marques Mendes gostaria de dizer que histórias de «luvas» e outras só servem para confundir este debate. A questão que está aqui colocada é a do aumento geral das rendas e devo

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dizer-lhe que não defendemos a manutenção da situação actual, mas, sim, uma profunda alteração da mesma, precisamente pela promoção pública de habitação. Defendemos o controle do solo urbanizável, defendemos um conjunto de medidas que permitam - e o Sr. Deputado sabe perfeitamente que estas são as únicas que o permitem - dinamizar o mercado de habitação. Combatemos e continuaremos a combater as «luvas». Mas combatemo-las no terreno próprio, que é o de oferecer habitação aos Portugueses - a que eles possam ter real acesso - pela única forma que, neste momento, é possível para prosseguir esse objectivo, isto é, promover a oferta de habitação pela via pública, pelo esforço do Orçamento e sem prejuízo do esforço dos particulares.
O Sr. Deputado sabe disto perfeitamente e sabe também que foram estas, e não outras, as propostas que daquela tribuna adiantei e que são as únicas que podem levar à resolução do problema.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Roque Lino.
O Sr. Roque Lino (PS): - Sr. Deputado João Amaral, no seguimento da jurisprudência seguida - pelo menos transitoriamente -, sob forma de protesto gostaria de dizer-lhe que, no que toca à leitura e à notação que fez desse preceito, isso não é bem assim, como verá em sede de especialidade. O que a tabela refere são valores globais, os quais já incluem as actualizações anuais.
Em todo o caso, esse esclarecimento ficará para mais tarde quando for publicado o decreto-lei que regulamentará essa matéria.
Gostaria ainda de lhe colocar uma outra questão, que há pouco me falhou, que é a seguinte: compreendo que diga que parvos serão os senhorios que optarem pelo regime de renda condicionada em vez do regime de renda livre. Simplesmente, o Sr. Deputado não ignora que, tendo sido instituído esse regime como regime tendencial desta lei, há incentivos fiscais para que os senhorios tomem essa opção, designadamente a isenção de contribuição predial e de imposto complementar por um período de 3 anos - que entendemos dever ser elevado para 5 anos - e ainda a redução de 50% da contribuição predial, que, em nosso entender, também deveria ser por um período maior.
Penso que isto constitui benefícios que podem incentivar, de facto, a celebração de contratos de arrendamento. Daí que me pareça que, efectivamente, a afirmação que fez não é realista, porque os senhorios não são tão parvos como isso.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado, o Sr. Secretário de Estado explicar-lhe-á o que significa a norma.
O Sr. Deputado não se ofenda, mas já foi cândido na questão dos prazos e está a sê-lo outra vez. No essencial, quanto à questão dos incentivos, se esta lei entrasse em vigor então veríamos, e não pense que os senhorios iriam ser parvos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Habitação.

O Sr. Secretário de Estado da Habitação (Fernando Gomes): - Srs. Deputados, durante o debate penso terem ficado por esclarecer algumas questões. Essencialmente, foram solicitados esclarecimentos.
Antes de o Sr. Ministro de Estado usar da palavra, eu gostaria de esclarecer essas posições.
Uma das questões aqui levantadas e que ficou sem resposta foi o porquê dos índices que o Governo definiu: porquê esses e não outros que entrassem em relação com o número de divisões, o nível de conforto, etc. A filosofia fundamental da lei está em manter as correcções extraordinárias de rendas no seu automatismo e em evitar as avaliações morosas e muitas vezes subjectivas que viriam a fazer-se.
O princípio fundamental foi este: há um valor, um preço determinado por livre acordo entre senhorio e inquilino num determinado momento. Os anos, a evolução da inflação vieram a destruir totalmente esta relação, portanto há que repô-la, não compensando o senhorio pelo que perdeu, mas repondo o valor que esteve na base do investimento e do contrato. E quando digo sem compensar significa que perdeu quem tinha de perder. Nesta lei não se procura de maneira alguma fazer pagar aquilo que o senhorio não cobrou ao longo dos anos. Procura-se, sim, estabelecer um valor que seria aquele que hoje corresponderia não aos juros capitalizados dos depósitos a prazo, como aqui foi dito, mas às expectativas do investidor aferidas pela evolução das despesas de conservação, numa parte pelas taxas de juro e noutra pela evolução dos impostos e determinar hoje qual esse valor, diferindo-o posteriormente no tempo.
Houve, pois, a preocupação do automatismo e de evitar que houvesse avaliações morosas que acabariam por tornar o processo incontrolável.
Uma outra questão aqui levantada tem a ver com uma afirmação minha de que provavelmente num primeiro ano, para as rendas muito degradadas, não seria ainda possível - apenas excepcionalmente - compatibilizar o valor do aumento da renda com a prestação do financiamento necessário para a execução das obras. Inicia-as provavelmente num segundo ano e como aumenta num terceiro ano essa compensação seguramente se dará.
O Sr. Deputado disse: «Bom, mas isso era admitir que os custos de construção também não subiriam.» Aquilo que dizemos é que há uma correcção extraordinária de rendas para além da correcção normal. No primeiro ano há um impacte inicial relativamente maior e há depois no segundo ano uma recuperação que vai além do próprio coeficiente definido para a actualização das rendas estipuladas nesse ano que, disse-o há pouco, poderia ir entre uma vez e meia ou duas vezes o coeficiente definido.
No exemplo colocado à discussão pública admitíamos nós que a taxa de inflação poderia ser da ordem dos 23%, que o coeficiente definido pelo Governo para a actualização seria de 17%, o que significaria uma recuperação a 34%. Ora, os custos de construção nunca subirão ao dobro do coeficiente que o Governo vier a definir.
Vejamos o que aconteceu relativamente ao ano passado: os custos de construção aumentarem 17% e se quiséssemos fazer a actualização de rendas no ano de 1985 ela far-se-ia a 34%.

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Foi também levantada a questão de que se o senhorio tivesse depositado o valor do seu investimento num prédio construído em 1960 teria hoje um valor profundamente superior - 14 vezes superior - porque os juros teriam sido capitalizados e que o que a lei das rendas, no fundo, procura é actualizar os valores com base nas taxas dos depósitos a prazo. Isso não é verdade. Por exemplo, para uma renda de 1960, se o valor do investimento tivesse sido depositado aumentaria 14 vezes e a nossa proposta de lei diz que ela deveria aumentar 6.9, ou seja, menos de 50% do que renderiam os depósitos a prazo.
Uma outra questão aqui aflorada foi a do subsídio. Levantou-se uma preocupação nos exemplos referidos para o primeiro ano. Disse-se que no primeiro ano se estimava que o custo do subsídio andasse à volta de 2 000 000 de contos. Um Sr. Deputado concluiu imediatamente que, quando dizíamos haver cerca de 110 000 pensionistas - coincide mais ou menos com a amostragem feita - e sendo o número de pessoas que tem direito a subsídio quase todo ele composto por pensionistas, isso significaria, portanto, um subsídio médio na ordem dos 1800$. Rapidamente fez uma conta, também para uma renda anterior a 1960, e concluiu que o subsídio médio não dava, se quiséssemos abranger a grande maioria dos casos.
Efectivamente dava e sobrava. Como as rendas anteriores a 1960 são, em média, de 600$ o valor seria multiplicado pelo factor 3.5, o que daria uma renda na ordem dos 2100$ - se fosse um pensionista não teria sequer aumento de renda - e o necessário para cobrir esse aumento seriam 1500$. Como o subsídio médio é de 1800$, até sobra dinheiro. Evidentemente que no segundo ano o montante das despesas com subsídio já não será de 2 000 000 de contos mas sim de 3.2 mas também a contribuição predial será maior devido às actualizações.
Um outro ponto aqui referido que não se pode deixar passar em claro é o dizer-se haver três agravamentos da renda: um primeiro em consequência da correcção extraordinária; um segundo, em consequência da correcção anual; e um terceiro em consequência da correcção por obras.
Há efectivamente o agravamento resultante da correcção extraordinária, o impacte no primeiro ano, depois existe um coeficiente de correcção anual que é somado ao da correcção extraordinária mas não há nunca aumento decretado determinado para as obras. Apenas por acordo - isso está claramente dito - entre senhorio e inquilino, se o inquilino consentir - isto no caso de obras de beneficiação, porque daí resulta um maior conforto no fogo -, poderá haver aumento de renda.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Aí está o terceiro caso.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Se o inquilino não consentir nas obras cai a casa.

O Orador: - Deve também ficar claramente dito que todos os fogos ilegais, nomeadamente os clandestinos, não têm aumentos de renda. Não são permitidas actualizações de renda para os fogos que não estejam legitimados por licença de construção e de habitação.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Essa é boa!

O Orador: - Finalmente, um aspecto que não pode deixar de ser mencionado é o do caso especial de subsídio referido no artigo 26.° Disse-se, em determinada altura, que o subsídio apenas cobriria os pensionistas e os que entrassem na regra geral e não os desempregados e os trabalhadores com salários em atraso. Foi realmente para este tipo de situações pontuais que o Governo propôs poder dispor de uma determinada verba para pontualmente fazer face a estas situações. A regulamentação se encarregará de limitar a actuação do Governo neste campo. Agora, não é possível, num decreto ou numa lei que se quer rigorosa, prever-se o encobrimento dos casos dos salários em atraso, indiscriminadamente, ou os dos desempregados.
Algumas apreensões me ficaram - e falo agora em termos exclusivamente pessoais - do debate aqui estabelecido. Provavelmente a discussão na especialidade virá a minimizar este tipo de apreensões. Uma delas é a que se refere ao montante do subsídio. Inicialmente o Governo propôs que a base de cálculo fosse a família de uma pessoa com a pensão mínima do regime geral da segurança social.
Há realmente que verificar que a actualização da pensão mínima não tem acompanhado a evolução da inflação. Tem-se degradado porque não tem sido pontualmente utilizada - há que reconhecê-lo - e para que o subsídio possa cobrir seguramente toda esta classe há que encontrar um outro indicador. Como já aqui foi sugerido, e penso que muito bem, esse indicador poderá ser a definição de uma percentagem do salário mínimo nacional.
Também julgo ser de acolher a alteração aqui proposta no sentido de fazer desaparecer o n. ° 2 do artigo 2.° Realmente, se se fala de luvas e se se estabelece um controle e uma definição à partida de qual a renda que temos que impor, podemos, por outro lado, estar a sujeitar ou até, de alguma forma, a incentivar preços especulativos não determinados.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou colocar três questões muito rapidamente porque a hora vai já adiantada.

O Sr. Secretário de Estado, para justificar a uniformidade dos índices de correcção, referiu que, no fundo, o Governo teve em conta apenas esta realidade: havia um contrato fixado no tempo entre senhorio e inquilino. A inflação pôs em causa o equilíbrio desse contrato e, portanto, há que o restabelecer. Mas, o tempo não pôs em causa apenas o montante da renda, pôs também em causa as condições de habitabilidade dos fogos arrendados e não os pôs em causa a todos da mesma forma. E o inquilino de um prédio, que ao longo dos anos se degradou e não foi conservado, vai ser submetido ao mesmo coeficiente de actualização que um inquilino de um prédio cuja conservação foi minimamente assegurada.
Ora, há aqui um esquema duplamente injusto, em relação ao inquilino e em relação aos senhorios que beneficiarão igualmente, qualquer que tenha sido o seu comportamento em relação ao imóvel arrendado.
Depois, V. Ex.ª deu uma explicação que foi extremamente importante, o que não quer dizer que as outras o não tivessem sido também, que permitiu esclarecer, afinal, e nomeadamente, uma questão levantada

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pelo Sr. Deputado Roque Lino que disse a certa altura - se eu bem entendi - que estava seguro de que as correcções normais não teriam lugar senão quando estivesse completado o ciclo da correcção extraordinária.
O Sr. Secretário de Estado afirmou aqui claramente que as duas correcções terão lugar simultaneamente quando disse que, no segundo ano, para além da actualização extraordinária, se introduziria a actualização normal correctora dos custos de construção, etc., não vale a pena repetir. Estamos esclarecidos, Sr. Deputado Roque Lino, que também aí, sem plágio, V. Ex.ª foi cândido.
Por outro lado, e para terminar, o Sr. Secretário de Estado afirma, no fundo e em resumo, que o Governo considera que as actualizações, tal como estão esquematizadas, concederão ao senhorio coordenadas com os esquemas de créditos que eventualmente venham a ser criados, os meios financeiros para poderem realizar as obras de conservação. Então, Sr. Secretário de Estado, talvez valha a pena ponderar, com um mínimo de atenção, a proposta que nós avançámos para que o esquema real de actualizações esteja condicionado à efectiva realização das obras de conservação porque, neste momento, resta apenas ao Governo, se o senhorio dispõe de meios, o argumento de que o processo burocrático, que se introduz pela vistoria prévia, vai dilatar no tempo, por incapacidade de resposta, essa actualização. Mas, então, esse argumento funciona a contrário quando se faz depender dessa mesma burocracia o direito do locatário forçar o senhorio a realizar essas obras.
Então, Sr. Secretário de Estado, perante o mau funcionamento da burocracia, teremos de ver qual vai ser a opção do Governo, ou seja, que ela funcione mal em favor do senhorio ou que funcione mal a favor do inquilino.

O Sr. Presidente: - Uma vez que o Sr. Secretário de Estado pretende responder só no final, tem a palavra o Sr. Deputado Raul e Castro.

O Sr. Raul e Castro (MDP/CDE): - Sr. Secretário de Estado, em primeiro lugar quero discordar da justificação que V. Ex.ª deu para o facto de não se atender às características dos fogos em nome do automatismo da aplicação dos coeficientes.
Esse automatismo é desmentido porque na proposta de lei ele não existe, uma vez que há distinção, pelo menos, entre os prédios com elevador e com porteiro e os prédios que não têm porteiro nem elevador. Portanto, Sr. Secretário de Estado, o automatismo só existe para ignorar prédios que têm ou não luz, prédios que têm ou não água, prédios que têm ou não instalações sanitárias.
Em segundo lugar, relativamente ao exemplo resultante dos elementos fornecidos pelo Sr. Secretário de Estado quanto à receita dos 20% da contribuição predial, de 2 milhões de contos, e do seu destino para subsídios a atribuir a 110000 pensionistas, em primeiro lugar, noto que o Sr. Secretário de Estado manteve esta explicação, da qual resulta que não está no propósito do Governo abranger com o subsídio milhares de outras pessoas carenciadas.
Quanto a este subsídio, o Sr. Secretário de Estado alega que o exemplo que apresentei, que é o de uma renda de 1000$, não colhe, porquanto num exemplo
de uma renda de 600$ já o subsídio seria suficiente. Ora, eu queria dizer ao Sr. Secretário de Estado que, nesta matéria, me socorri do quadro II da própria proposta de lei, do qual resulta que na maior parte das rendas - excede mesmo os 50 % - situadas entre 500$ e 2000$ (e desses valores eu escolhi um valor médio de 1000$) a média do subsídio não chega, pois tem um valor médio de 500$ a 1000$.
Sr. Secretário de Estado, sei que todos nós, a esta hora, sentimos necessidade de descansar, mas não fomos nós que fizemos o Regimento nem nos mostrámos empenhados em que o debate acabasse hoje. Portanto, o Governo terá de ter paciência como nós e esperar.
Mas, dizia eu, que o Sr. Secretário de Estado refere que, de acordo com o seu ponto de vista, a proposta de lei visa acorrer também às despesas de conservação. Mas, a quais despesas de conservação?! Toda a gente sabe que os senhorios não fazem quaisquer despesas de conservação, não fazem obras nos prédios. Portanto, nesta matéria como em todas as outras, a intervenção final do Sr. Secretário de Estado só mostra que efectivamente o Governo, em vez de apresentar uma proposta que respeite a característica do direito social à habitação, se apresenta como mero procurador dos senhorios ricos!

Vozes do MDP/CDE e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Habitação.

O Sr. Secretário de Estado da Habitação: - Terei de ser telegráfico porque a hora vai adiantada.
Também as condições de habitabilidade foram postas em causa e não só o valor da renda. Diz o Sr. Deputado que houve quem fizesse obras e houve quem não as fizesse e, portanto, dar-se-á uma situação de injustiça relativa quanto aos senhorios mais cumpridores, relativamente aos senhorios menos humanos ou menos cumpridores. Pensamos que isso não acontecerá, pois aqueles senhorios que já fizeram obras hoje terão de fazer menos, porque os seus prédios estão menos degradados.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Essa é boa!

O Orador: - A filosofia é a de que os senhorios vão ter hoje de fazer obras de conservação e aqueles que mantiveram os seus prédios farão hoje menos do que aqueles que os não mantiveram ao longo do tempo.
Por outro lado, o Sr. Deputado Raul e Castro falou no automatismo por causa da porteira e do elevador. Bom, não vejo como é que a existência de porteira ou de elevador pode travar o automatismo.
Toda a gente sabe se o prédio tem ou não tem porteiro ou elevador, não há subjectivismo na apreciação, não são necessárias avaliações e se o senhorio aplica um factor diferente o inquilino imediatamente riposta e não paga essa renda. E visível, quer pelo senhorio quer pelo inquilino, se este factor pode ou não influenciar a renda.
Diz ainda o Sr. Deputado que milhares de pessoas carenciadas não serão abrangidas.
Porém, o subsídio tem uma filosofia de base, que é a de uma família de uma pessoa, com um rendimento considerado mínimo, que deveria ser a pensão mínima da segurança social, mas nós propomos, pois julgamos

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que assim deve ser, o salário mínimo nacional e, a partir daí, considerada a família-padrão (que é três vezes e meia) far-se-ia a respectiva proporção. Haverá, portanto, famílias que, sendo carenciadas, são-no apenas relativamente a outras e, portanto, terão direito a subsídio sem que ele cubra a totalidade da renda.
O exemplo arranjado pelo Sr. Deputado Raul e Castro foi realmente infeliz, pois não cabia neste caso. Com certeza que conseguirei muitos exemplos em que o subsídio não é igual ao aumento da renda, mas neste exemplo, por acaso, V. Ex.a foi infeliz.
Diz V. Ex.ª que os senhorios não fazem despesas de conservação. Pois não, e o que nós queremos é que eles façam!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul e Castro, para um protesto.

O Sr. Raul e Castro (MDP/CDE): - É só para dizer o seguinte ao Sr. Secretário de Estado: quanto ao automatismo e à evidência do elevador e do porteiro, Sr. Secretário de Estado, ela é tão evidente como é o facto de um prédio não ter luz ou água. Não é isso que pode justificar que não se atenda a esses factores!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro de Estado e Ministro dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi dito o que importava dizer. Dito antes deste debate - na consulta pública que o precedeu - e no seu decurso. E dito da melhor maneira, isto é, segundo o princípio do contraditório. No clássico maniqueísmo que divide senhorios e inquilinos (os Capuletos são bons e os Montagues uma peste) a dialética do arrendamento urbano foi tão viva quanto o tema era dramático.
Uma primeira constatação: todos estiveram de acordo num ponto - o congelamento das rendas foi um erro! E quando se esperava que logicamente coincidissem quanto à urgência da correcção desse erro, não faltou quem afirmasse que não era pressa. A inflação acumulada desde 1948, ano do primeiro congelamento das rendas, vai no bonito rol de 1463%? A acumulada desde 1974, ano do segundo congelamento, já galga os 663%? Mesmo os que param ou tentam parar importantes sectores da economia por 1 % a mais ou a menos de salário, acham que as rendas podem continuar a realizar-se, até porque quanto às mais velhas, já agora, era pena não atingirem aquele ambicionado ponto em que o arrendamento deixa de ser um acto oneroso e passa a gratuito! A sedução é grande!
Só que, a esse respeito, são dispensáveis os argumentos. Com espantosa regularidade recordatória, de vez em quando cai um prédio. Quando não cai um prédio cai caliça. Sem um bom seguro de vida não pode um cidadão sair à rua! ...
A Lisboa de Carlos Botelho e o Porto de António Cruz, se lhes não deitamos a mão, reforçando vigas e avivando pinturas, transformam-se, a curto prazo, noutras «Sodoma e Gomorra», ainda que sem pecado.
É claro que a culpa é da civilização, ou mais precisamente das artes, das letras e das ciências, segundo Rousseau. Tivéssemos nós tido a premonição de nos ficarmos pelas árvores - nossa primeira casa na lição do evoluidíssimo Darwin - e não estaríamos nada mal apetrechados de parque habitacional! Com a vantagem acrescida de que os trabalhos de conservação e beneficiação seriam de conta do erário celeste!

Risos do PS.

Mas não! Experimentada a doce novidade da caverna; a inovação tecnológica da anta; a segurança confortável da casa lacustre; e por aí adiante, passando pela palhota maticada e pela casa de alvenaria, até ao geométrico betão armado dos nosso dias, foi um avolumar de exigências, tão certo como uma soma. Termos passado a dizer «entre» à nossa visita, em vez de «suba» ...

Risos do PS e do PSD.

... foi talvez o nosso mais grave deslize civilizacional!
Assim se explica o inato horror dos hedonistas, e a que só os poetas são verdadeiramente imunes, aos deprimentes bairros de lata, que teriam feito as delícias dos nossos irmãos do megalítico!
E assim viemos a cair no «exagero» de considerar o direito à habitação, logo a seguir ao direito à vida e à saúde - aliás sem bem se distinguir deste último - e antes mesmo do direito à educação, com um dos dígitos direitos fundamentais.
De facto, se a saúde é condição de vida; se a habitação é condição de saúde; e se apesar de tudo é menos penoso viver na ignorância do que numa dorna, certo está o ordenamento destes fundamentalíssimos direitos.
Com esta frustrada tentativa de amenizar o peso de apreensões que são de nós todos, quis introduzir uma reflexão que tem a ver com o tema que aqui nos junta. Tem lógica - desejo perguntar - que o Estado chame a si em crescente medida o custo social da saúde e da educação, e que aparentemente se ponha à margem do custo social da habitação?
Como é? Se adoeço, tenho, gratuito, um hospital; se desabrocho, tenho, de graça, uma escola; e se não tenho um tecto fico mesmo à chuva?
Esta tem sido a dura verdade. Onde começa o despejo do pobre começa a caridade, quando não o regresso à árvore.
Como, assim se transmuda um direito num gesto de caridade, quando não num desamparo de cortar a alma?
Isto para significar que, não há muito, a questão deixou de ser académica. Pois como pode o Estado manter-se alheio, ou pouco menos, ao flagelo de famílias sem casa, ou vivendo em barracas, tão degradantes que ninguém se atreve a dizer que a têm, depois de termos inscrito na nossa lei fundamental, com a solenidade dos grandes actos, que «todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar»?
Bem sei que estamos em face de uma norma programática, como tal de execução não imediata nem simultânea. A realidade é uma coisa, as utopias outra. E não basta programar objectivos para que logo surjam os meios de atingi-los.
O que porém questiono é se o esforço que vem sendo feito para dar resposta ao grave problema do parque habitacional tem sido proporcional à importância atribuída a essa incumbência do Estado.

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A minha resposta - que só me vincula a mim - é, não! Sopeso a utilidade marginal de tanta despesa inútil ou rotineira e concluo que mais bem aplicada era, na habitação, a correspondente taxa de esforço colectivo.
Vim eu então aqui colher aplausos das oposições, zurzindo o Governo de que sou Ministro? Sem que isso deixe de estar na moda, devo à vossa perspicácia a certeza de que não esperais isso de mim.

Risos do CDS.

O que me proponho evidenciar - correndo embora o risco desse requinte de sensaboria que é dizer bem de um governo, qualquer que seja - é que este Governo resolveu pôr termo à resignação com que vinha sendo encarado o problema do envelhecimento das rendas habitacionais, e em consequência as próprias habitações, e meteu a lanceta do fleimão.
A coragem com que o fez é por esta proposta de lei que se mede. Por isso é tão polémica. Por isso comporta o risco assumido de alguma aventura, no bom sentido da descoberta de novos caminhos. Mas dela se não dirá que deixou as coisas como estavam, limitando-se aos expedientes clássicos das linhas de crédito bonificado ou dos estímulos fiscais.
Pode chamar-se-lhe «desumana», como o Sr. Deputado Corregedor da Fonseca; pode-se julgá-la «escandalosa», como a julgou o Sr. Deputado João Amaral; pode-se considerá-la «um verdadeiro crime social», como a considerou a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

Vozes do PCP: - E é!

O Orador: - A adjectivação é livre. O que ninguém dirá é que este Governo continuou a fechar os olhos, como os que nas últimas quatro décadas o precederam, à vergonhosa realidade que aqueles Srs. Deputados se abstiveram de qualificar.
É decerto tentador tomar o partido dos pobres. Infelizmente, em política, não raro as realidades desvalorizam os sentimentos.
Que ninguém iluda ninguém. A problemática da renda habitacional não é sempre, nem sequer o mais das vezes, uma questão entre ricos e pobres. É também, queira-se ou não, uma questão entre pobres e pobres. Se há senhorios com meios para «comprarem um hotel para beberem um copo de genebra» - na conhecida imagem de Chesterton - há também senhorios mais pobres do que os seus inquilinos. Não pode o Governo eximir-se a pensar nestes também.
A gama dos expedientes tentados após o 25 de Abril, desde a legalização de ocupações selvagens, ao alastrar do congelamento e à compulsividade do arrendamento dos prédios devolutos, tentados pelo primeiro-ministro Vasco Gonçalves, até à introdução da renda livre e da renda condicionada, esta corrigível em certos termos, pelo primeiro-ministro Sá Carneiro, o que foi feito, ou bem que agravou a situação, ou bem que manteve inerte, e a cair de podre, o nosso parque habitacional.
A doença era profunda, e o corpo social não reagiu a esses estímulos.
Com razão - reconheça-se. Com o nominal de uma renda anterior a 1948 - ano do congelamento por Salazar das rendas de Lisboa e Porto - compra-se hoje um prego. Um «prego» de pregar, não de comer! E como as rendas mais minguadas correspondem aos arrendamentos, logo aos prédios, mais antigos, tudo se conjuga para que o proprietário empobreça e o prédio
caia. Chega-se ao contra-senso de o senhorio desejar ardentemente a ruína do prédio como única forma de despejo que a lei na maioria dos casos lhe faculta.
Não é para menos. Com o prédio no chão, o senhorio recupera a disponibilidade do terreno, que não raro vale, só por si, 10 vezes e mais do que o próprio prédio, quando erecto. Com o prédio no ar, 16,9% dos senhorios da Grande Lisboa, 33% dos do Grande Porto, e cerca de 30% das restantes áreas, recebem rendas inferiores a 500$, o que lhes assegura o direito a almoçarem - não muito bem - uma vez em trinta! Dá para «morrerem acima das suas posses»!
Mas não quero ser acusado de esquecer os inquilinos. E boa é, decerto, esta minha premonição dado que, sendo também senhorio, correria o risco da suspeita de pertencer ao «pequeno lobby dos senhorios» de que falava o Sr. Deputado João Amaral.
Não pertenço. E vai nisso alguma magnanimidade, dado que, se tivesse de viver das rendas que me pagam, há muito já teria morrido de fome. Sei no entanto bem o que a renda, mesmo modesta, representa em taxa de esforço para orçamentos familiares de subsistência.
Só não sou capaz de achar normal, embora pouco cristão, que as famílias de modestos recursos suportem a correcção periódica dos preços de tudo, menos o da habitação! E dou em matutar com base em que mito o farisaísmo isola dos mais este bem, único que não sujeita às regras inclementes do mercado.
Por mim, acho com toda a franqueza que sendo o dinheiro por definição fungível, e intermediário geral de trocas, tanto bonda ao pobre poupar na casa como na saúde ou no leite do filho, como tanto lhe faz, dentro do que pode, pagar renda ao senhorio, taxa à câmara ou imposto ao Estado.
Pois faz lá sentido que, dependendo o parque habitacional, fundamentalmente, da construção privada - que pela Constituição ao Estado compete estimular - se procurem rentabilizar todos os demais investimentos menos esse, e ao mesmo tempo se deseje esse de preferência aos demais?
Faz sentido que o inquilino, por mais modesto, pague tudo a preços de hoje e só a habitação a preços do neolítico, numa taxa de esforço por vezes da ordem do maço de cigarros - desde que de marca Kentuky ou da bica, desde que ao balcão?
Faz sentido que o congelamento das rendas beneficie em pé de igualdade o rico e o pobre, de igual modo, em ambos os casos, impondo uma autêntica expropriação por utilidade particular de um bem, cuja multiplicação, por outra via, se deseja estimular? Não podemos, com efeito, abstrair desta constatação elementar: se estivessem em causa apenas os arrendamentos de pretérito e o parque habitacional de que já dispomos, do mal o menos: deixávamos ir caindo os prédios e morrer de fome os donos. Como, porém, do que precisamos é de mais prédios e mais arrendamentos, há que estimular essa planta cada vez mais rara que é quem constrói e quem arrenda.
Quem não perceber isto, preferindo gastar-se em prantos de pietismo póstumo, põe o ramo onde não está o vinho e renuncia a encontrar a solução.
Sei bem que recorro à caricatura e que as situações se não medem todas pela mesma bitola. Sei bem que, a par de rendas tão aviltadas que não valem a maçada de cobrá-las, se praticam por aí verdadeiras extorsões, aproveitando a aflição dos sem casa. E não desconheço

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a praga dos contratos sem papel, dos pagamentos sem recibo, dos chamados pré-pagamentos, das mil formas de desestímulo à permanência dos fogos.
De par com senhorios que viveram bem, quando o valor real da renda correspondia ao seu valor nominal, e que hoje são mais pobres que o seu mais pobre inquilino, senhorios há com artes de, apesar de tudo, converterem o arrendamento em altíssimo negócio. Mas só recorrendo à fraude. Pêlos canais da honestidade não é atingível esse resultado. E não é boa a lei que estimula a fraude, nem o investimento que precisa dela para ser rentável.

Protestos do PS e do PSD.

Dito isto, ninguém se há-de espantar de as coisas terem chegado ao ponto a que chegaram. A ninguém, com efeito, há-de causar espanto:
Que o número de fogos construídos para arrendamento tenha caído de uma média anual de cerca de 14 000 entre 1972 e 1974, para menos de 2000 fogos em 1979, e desde este ano para números sem real expressão; em Portugal arrenda-se tudo menos casas;
Que o Estado «latu sensu» se empenhe em vender as casas de que é proprietário aos seus inquilinos por preços que dissimulam verdadeiras doações, e que nem assim desperte neles o instinto da propriedade, de tal modo desestimulante é o baixo custo da sua posse;
Que debalde se esperem de senhorios com rendas irrisórias obras de conservação dos prédios que custariam, por mais somenos, um ou mais lustros da respectiva renda.
Tudo agravado pelo facto de as altas taxas de juro e os galopantes custos dos materiais de construção - para já não falar na explosão especulativa do preço dos terrenos - por seu turno tornarem inacessível a bolsas que já nem precisam de ser modestas a aquisição de casa própria.
Pode o Estado espremer-se a bonificar os juros. O que fica para lá da bonificação, chega para desanimar o mais pintado.
Resultado agravante: constrói-se cada vez menos, em termos de mercado, e o pouco que se constrói vai-se acumulando à flor das ruas, com os bancos cada vez mais credores, com os construtores cada vez mais falidos, e com o problema cada vez mais problema.
Que fez este Governo?
Disse alto lá! E propôs aos Srs. Deputados que declarem guerra:

Ao envelhecimento das rendas;
À degradação do parque habitacional;
À fuga ao arrendamento das casas.

As soluções preconizadas baseiam-se em princípios simples:

Na correcção extraordinária das rendas degradadas, aproximando-as progressivamente, e segundo critérios objectivos, da renda justa;
Na actualização anual das rendas dentro de parâmetros a fixar pelo Governo, entre 67% e 100% do índice de preços no consumidor, sem habitação;
No pagamento aos agregados familiares de mais modestos recursos de um subsídio igual à diferença entre a renda que razoavelmente podem pagar e a renda corrigida e actualizada que passam a ter de pagar;
No estímulo à estipulação de rendas condicionadas por um tecto de rendibilidade/limite do investimento de 8%;

No estímulo à entrada no mercado do arrendamento de milhares de fogos já construídos ou em construção, desocupados e sem procura para venda, consistente na permissão objecto de resposta em separado de contratos a prazo não compulsivamente, renovável além de determinado limite temporal.
Isto é: recupera-se o que está degradado, seja o nível de conservação dos prédios, seja o valor económico das rendas, impede-se, tanto quanto possível, a sua degradação futura; tenta-se a animação do mercado do arrendamento; estimula-se o investimento imobiliário.
Reconheça-se que passou por aqui a coragem!
Com a nota positiva, e portadora de preocupações sociais, de que é a primeira vez que com algum significado o Estado subsidia, já não a construção de casas, mas o seu uso!
Não mais o nivelamento injusto do preço da habitação do rico e do pobre. Aquele passa a pagar o que deve, este o que pode.
Sinto alguma satisfação por ter podido estar na génese deste despertar do Estado Português para encarar a sério a incumbência constitucional de «estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar».
Mas sempre identificarei como uma das minhas frustrações o facto de me ter atribuído o copyright do sistema e de, só depois, ter descoberto que ele vigora há anos, com gradações sem significado para o essencial da ideia, pelo menos na Áustria, na Dinamarca, na Finlândia, na França, na Itália, na Suécia, na Bélgica, na Hungria e na República Federal da Alemanha - e já me falta o fôlego, nada me permitindo supor que não vigore em muitos mais países. Perdi em ignorância e em toleima o que ganhei em conforto de tão excelentes companhias. Só por doentio derrotismo, com efeito, insistiríamos em suspeitar da bondade de uma solução tão comum e tão experimentada!
O verdadeiro ovo de Colombo, de resto, não foi esse; mas antes o de nos termos apercebido de que a clássica objecção à rejeição de subsídios - a falta de meios financeiros - cedia, no caso, perante a evidência de uma solução auto-sustentada. O aumento das rendas reforça a massa colectável da contribuição predial, logo o produto desta, em proporções que ultrapassam o necessário à cobertura do previsível montante global dos subsídios.
Objectou-se com a aparência fácil de o Estado nada dispender, tudo se resumindo a um fenómeno de causalidade circular, em que os inquilinos pagam a si próprios. Bom é que não joguemos com aparência. Por um lado, retira-se aos municípios uma parcela da contribuição predial sobre o aumento das rendas, e sobre o produto da correcção das matrizes prediais dos prédios não arrendados - aliás inferior àquela parcela - para amenizar a taxa de esforço com a habitação dos agregados familiares de baixos recursos.
Por outro, no máximo se poderia dizer que os inquilinos ricos e remediados ajudam a pagar a habitação dos inquilinos pobres, o que é equitativo, justo e

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cristão. Além de socialismo e social-democracia, evidentemente.
E deste modo, se globalmente vai sofrer agravamento a nossa baixa taxa de esforço médio, com a habitação - da ordem de metade da da Suécia, por exemplo nem por isso a taxa de esforço dos agregados familiares mais modestos deixa de permanecer compatível com os seus magros orçamentos.
Não se há-de esquecer, com efeito, que relativamente aos inquilinos cujo rendimento mensal bruto seja igual ou inferior à prestação mínima do regime geral da Segurança Social, o subsidio de renda será igual ao aumento de renda por correcção extraordinária.
Foi questionado o facto de a actualização anual da renda se situar entre 67 % e 100 % do índice de preços no consumidor, sem habitação. Acham uns que peca por excesso, outros por defeito. E não falta quem ache que não deveria ser deixada ao Governo a discricionaridade de se mover entre aqueles limites.
Ainda assim, neste tot caput tot setentia ficou-se o Governo pela solução proposta. Se aparentemente seria mais lógico o alinhamento da actualização pelo próprio índice de preços do consumidor, a verdade é que sempre se entendeu que o valor do imóvel de algum modo acompanha a inflação, independentemente da actualização da renda, pelo que existe margem para poupar o inquilino a uma fatia do índice. Não é por acaso que, no Direito Comparado, a taxa de actualização se queda entre 75 % e 80 % do índice de preços, embora não custe reconhecer que aquela taxa brilha tanto mais quanto mais infixa é a duração dos contratos.
Tudo afinal depende de se caminhar ou não para a normalização do mercado. A esse respeito, tenho para mim que a garantia de uma rentabilidade não inferior a 8 % do valor do investimento, mais a garantia de uma actualização anual mínima iguala dois terços do índice dos preços no consumidor, sem habitação, passa a constituir estímulo razoável para a retoma do investimento imobiliário para arrendamento. As associações de construtores civis e de proprietários dirão que não. Mas, digo eu que sim. Sobretudo se cotejarmos a rentabilidade real desse tipo de investimento com a corresponde ao depósito bancário ou ao recurso ao mercado de títulos, que para mais não vem dando a imaginação do aforrador português, não falando, é claro, na tentação do dólar, enquanto este continuar a bater recordes sobre recordes de salto à vara!
Uma coisa é certa. Demonstrado que o Estado não pode construir ele próprio ao ritmo do défice crónico de casas, há que estimular o sector privado a fazê-lo. Reconhece isso mesmo a Constituição, ao cometer ao Estado a incumbência de «estimular a construção privada».
Com esse objectivo, está o Governo convicto de ter proposto estímulos que bastem. O futuro dirá se acertou ou errou por defeito, já que, por excesso, debalde se pretenderá ter ele errado.
Reconheço a pertinência de uma objecção: um governo da AD, animado de idênticos propósitos, lançou a renda condicionada corrigível em certos termos e o mercado não se moveu.
Mas distingamos: fixou em 7 % o limite que agora é de 8 %. E deixou a actualização anual de renda na total disponibilidade do Executivo, sem a garantia do mínimo de dois terços do índice de preços no consumidor que agora se garante. Acresce que o parque então e agora construído e em construção o foi na perspectiva da venda, que não é a mesma da locação. Ao escoamento desse parque se dirige, durante 2 anos e só 2 anos, a faculdade de arrendamentos a prazo não renovável acima de certo limite. Ao despertar de outro, dirigido ao arrendamento, se destina o novo esquema todo ele, sem esquecer o estímulo fiscal consistente em 3 anos de isenção total e 15 anos por metade!
Questão de tirar o sono é a de saber qual o ritmo a programar para a consumação da correcção extraordinária. Para trás fica a tragédia da sua medição. Propôs o Governo o que deram os números, embora não seja aqui exigível o rigor logarítmico. Também a este respeito se achou pouco e demais. Era natural. Mas o que agora importa é o que acha esta Assembleia. O assunto está em boas mãos.
Quanto ao ritmo, não se há-de esquecer que em nenhum país foi porventura levado tão longe o processo de envelhecimento das rendas. Este facto, por um lado impõe alguma pressa, por outro algum comedimento. Talvez que o equilíbrio se encontre num razoável salto inicial, tanto maior quanto maior for a desactualização da renda, seguido de uma sequência de pequenos saltos distribuídos pelo transcurso de uma boa meia dúzia de anos.
Assim se fez lá fora - embora com oscilações de ritmo - assim se deve proceder cá dentro.
Menos fundada é a minha esperança quanto aos resultados das inovações propostas em matéria de recuperação do parque. Está tão degradado, e parte-se de rendas tão aviltadas, que o novo regime de renda urbana pode ajudar, mas não resolve.
Não obstante, seria negar a evidência recusar que a introdução do conceito de obras de beneficiação como causa de correcção da renda, pode justificar alguma expectativa, se não alguma esperança. Outro tanto se pode dizer dos termos em que as câmaras ou os próprios inquilinos passam a poder substituir-se aos senhorios na iniciativa e até na execução das obras, e de conta deste.
Terão de intervir aí os adjutórios clássicos - creditícios, fiscais, e outros - sob pena de não passar de piedosa intenção a previsão de obras por iniciativa do senhorio, por compulsão das câmaras ou por imposição legal. Vêm previstos e garantidos alguns, como se sabe.
É talvez esse um dos domínios à espera de que o Estado alargue a sua intervenção directa, até porque, apesar de tudo, será sempre mais oneroso construir casas novas do que não deixar cair as velhas.
Não obstante, é realista admitir que, durante alguns anos, o Estado não possa distrair das armadilhas da rotina meios significativos para animar a construção de casas. Daí talvez que relendo a Constituição valha a pena cogitar nas virtudes da auto-construção e das cooperativas de habitação, caminhos entre outros que a Constituição aponta.
A construção privada, numa economia de mercado, terá de ter sempre a base desde que o mercado volte a funcionar como se espera. Mas, num domínio tão chegado ao essencial das nossas vidas, não é legítimo esperar que o sector privado faça tudo e o Estado apenas o resto!

Aplausos do PS e do PSD,

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para protestos e pedidos de esclarecimentos, os Srs. Deputados Raul e Castro e Zita Seabra.
Tem a palavra o Sr. Deputado Raul e Castro.

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O Sr. Raul e Castro (MDP/CDE): - Sr. Ministro de Estado e Ministro dos Assuntos Parlamentares, pela minha parte lamento ter de intervir tendo apenas 2 minutos para o fazer. Neste ponto estamos em igualdade de circunstâncias ou talvez eu esteja em pior situação porque, afinal, o Sr. Ministro de Estado teve tempo suficiente para intervir.
Queria apenas dizer que V. Ex.ª fez um bonito discurso - como, aliás, nos habituou enquanto foi deputado - e se efectivamente encerrar um debate é produzir uma peça oratória de fino recorte literário, então o debate foi muito bem encerrado. Mas se encerrar o debate é responder às graves questões que foram apresentadas no seu decurso, então, Sr. Ministro de Estado, infelizmente V. Ex.ª não encerrou o debate porque não deu resposta às graves questões que a proposta de lei aqui em discussão vai inevitavelmente trazer em relação ao povo português.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Ministro de Estado e Ministro dos Assuntos Parlamentares, acompanhámos o seu discurso, brilhante como sempre. Foi tão brilhante como um discurso que ainda não há muito tempo fez nesta Câmara, do ponto de vista inverso.
Cito-lhe desse seu discurso de 1980, apenas a seguinte frase: «o meu partido» - que penso que é o mesmo «não é indiferente ao drama dos modestos proprietários urbanos; mas esse drama não pode ser resolvido à custa da tragédia de muitos mais que sempre foram pobres até aquele grau em que a pobreza põe em causa o direito de existir. Aqueles ao menos têm um tecto. Estes nem isso».
Preferíamos o brilho que o Sr. Ministro tinha nesta altura!

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro de (Estado e Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Deputado Raul e Castro, lamento também que tenha tido só 2 minutos, porque gostaria que pudesse formular mais perguntas. Mas, pelo que vejo - é corriqueiro dizermos aqui isto uns aos outros -, gere tão mal o seu tempo como a sua razão.

Risos do PS, do PSD, do CDS e da ASDI.

Penso que dei resposta a algumas das questões que foram aqui levantadas. Não dei necessariamente a todas, porque já o Sr. Secretário de Estado as tinha dado, ainda que em parte.
Deixe-me dizer-lhe também que, em matéria de resposta às questões que foram aqui levantadas, também competia à oposição trazer soluções e não vi que os senhores tivessem dado melhores soluções do que aquelas que o Governo propõe. É muito fácil dizer que a constância do arrendamento é um património histórico, como disse o Sr. Deputado João Amaral, mas a verdade é que há um património que está a cair de podre.
Mas sinceramente - e com isto respondo já à Sr.ª Deputada Zita Seabra - a verdade é que o que eu disse não foi desmentido no meu discurso de hoje. Compreendo os senhorios e os inquilinos, compreendo os dois. Há uma dialéctica entre ambos como diria o Herman José, a diálise tem de se fazer.
Agora, há uma coisa que lhe digo e que queria que considerasse como resposta séria: não há inquilinos sem senhorios.

Protestos do PCP.

Este é que é o drama da nossa falta de casas.

Protestos do PCP.

Srs. Deputados, agradeço que me deixem responder. Ouvi-os com tanta paciência e tanto gosto que seria talvez um gesto de correcção elementar deixarem-me responder. Oiço-os sempre com muita atenção, pelo que exijo a vossa reciprocidade.
O que queria dizer era o seguinte: se acham que acabando com a figura do proprietário de casas que as arrenda, do senhorio, resolvem o problema da habitação, estão-se a auto-iludir. Essa não é a solução para o problema do inquilinato em Portugal. No dia em que os senhores acabarem com o último senhorio, só restará aos inquilinos, depois de caída a última casa, serem inquilinos de Nosso Senhor e irem para debaixo da árvore outra vez.

Risos do PS e do PSD.

Desculparão, mas é a resposta que vou dou. Desculpem, mas, por mais que os respeite, não posso levar estas objecções a sério.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra. Dispõe de 1 minuto, Sr. ª Deputada.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Ministro de Estado e Ministro dos Assuntos Parlamentares, afinal percebemos tudo: aos senhorios o Sr. Ministro dá a lei, aos inquilinos a compreensão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro de Estado e Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr.ª Zita Seabra, apenas quero dizer que isto também é uma frase bonita, como o discurso, mas que continua a não ser séria.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições.
Vamos votar na generalidade a proposta de lei n.º 77/III, sobre o regime das rendas para fins habitacionais.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS e da ASDI e votos contra do PCP, do MDP/CDE, da UEDS e do deputado independente, António Gonzalez.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa dois requerimentos que vão ser lidos e votados, pela ordem da sua entrada.
O Sr. Secretário da Mesa vai proceder à leitura do
primeiro requerimento, subscrito pelos Srs. Deputados
do PS e do PSD.
Foi lido. É o seguinte:

Requerimento

Nos termos regimentais, os deputados abaixo assinados requerem a baixa à Comissão de Equipamento Social e Ambiente da proposta de lei n.º 77/III, por um período de 30 dias, para que esta proceda à discussão e votação na especialidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do anterior requerimento.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a
favor do PS, do PSD, do CDS e da ASDI e votos contra do PCP, do MDP/CDE, da UEDS e do deputado independente, António Gonzalez.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário da Mesa vai proceder à leitura do outro requerimento, apresentado pelo PCP, que contém as assinaturas regimentais.
Foi lido. É o seguinte:

Requerimento

Ao abrigo dos artigos 153.º e 39.º do Regimento
da Assembleia da República, os deputados do
Grupo Parlamentar do PCP propõem:
a) A baixa da proposta de lei n.º 77/III a
uma comissão eventual especialmente constituída para a discussão e votação na especialidade, integrando os deputados da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e da Comissão de Equipamento Social e Ambiente;
b) Que a referida comissão seja integrada por
8 deputados do PS, 6 deputados do PSD, 4 deputados do PCP, 3 deputados do CDS, 1 deputado do MDP/CDE, 1 deputado da UEDS e 1 deputado da ASDI;

c) Que seja fixado o prazo de 3 meses para Pausa.
a comissão apresentar o relatório-parecer.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados proponentes não consideram este requerimento prejudicado pela
votação do anterior?

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado
João Amaral.
O Sr. João Amaral (P CP): - Sr. Presidente, suponho que a questão está um pouco resolvida, nos seus próprios termos.
Entretanto, não queria deixar de sublinhar, num debate em torno de uma proposta que tema ver com alterações ao Código Civil e à legislação que se insere no seu âmbito, a importância que teria que nele participassem deputados da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

No que respeita à constituição da comissão, e tanto quanto fosse possível conseguir-se uma formulação que permitisse a constituição desta comissão com representantes das duas comissões, parecia-nos que -se isso ainda fosse possível, considerando o interesse de todas as bancadas - seria um passo positivo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Roque Lino.

O Sr. Roque Lino (PS): - Sr. Presidente, compreendemos estas razões apresentadas pelo Sr. Deputado João Amaral.

Simplesmente, o que me parece é que na Comissão de Equipamento Social, os Srs. Deputados que não forem juristas ou que não tiverem alguma vocação para discutir estas questões, podem fazerem-se substituir por juristas ou por pessoas que tenham essa vocação.
Portanto, penso que essa proposta não tem razão de ser e ela está prejudicada. Mas também não irei aqui levantar qualquer questão em volta disso para que não alonguemos os trabalhos.
Pela nossa parte estamos dispostos a votar imediatamente esse requerimento para fecharmos o ciclo desta discussão.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, nos requerimentos não é necessário debate, pelo que sugiro que passamos à votação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Entendo que relativamente ao requerimento que acabou de ser apresentando não cabe votação, na medida em que está prejudicado, como já disse, e, portanto, é retirado por nós. De qualquer forma, como vi da parte de alguns Srs. Deputados interesse na constituição dessa comissão eventual, não deixei de sublinhar a possibilidade de se chegar a essa solução. Se não é esse o entendimento dos Srs. Deputados, obviamente que o requerimento está prejudicado e, pela nossa parte, é retirado.

O Sr. Presidente: - Um momento, Srs. Deputados. O Sr. Deputado-Secretário, vai anunciar os diplomas que deram entrada na Mesa e que foram admitidos.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: proposta de lei n.º 99/III, sobre regime de estado de sítio e do estado de emergência, que baixa à 10. º Comissão; proposta de lei n.º 100/III, que extingue o Serviço de Coordenação e Extinção da PIDE/DGS e da Legião Portuguesa e determina que os arquivos das extintas PIDE/DGS e Legião Portuguesa sejam integrados no Arquivo Nacional da Torre do Tombo e que baixa à 1.º Comissão; proposta de lei n.º 101/III, sobre o estabelecimento do regime especial de arrendamento urbano e que baixa à 9. º Comissão; projecto de resolução n.º 43/III, da iniciativa do CDS, sobre a assunção

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pela Assembleia da República de poderes extraordinários da revisão constitucional, que baixa à 1. a Comissão; ratificação n.º 141/III, da iniciativa do Sr. Deputado Jerónimo de Sousa e outros do PCP, sobre o Decreto-Lei n.º 50/85, de 27 de Fevereiro, que institui o sistema de garantia salarial com o objectivo de garantir aos trabalhadores o pagamento das retribuições devidas e não pagas pela entidade empregadora, declarada extinta, falida ou insolvente; projecto de lei n.º 452/III, da iniciativa do Sr. Deputado Dinis Alves e outros, do PS, sobre a criação do fundo de apoio à introdução de novas tecnologias na Educação, que baixa à 4.ª Comissão; projecto de lei n.º 456/III, da iniciativa da Sr.ª Deputada Maria Odete Santos e outros, do PCP, sobre a garantia aos inquilinos da informação atempada da eminência de caducidade do arrendamento, que baixa à 1. ª Comissão; projecto de lei n.º 458/III, da iniciativa do Sr. Deputado João Amaral e outros, do PCP, sobre a instituição de medidas para garantir o destino habitacional dos prédios, que baixa à l.ª Comissão; projecto de lei n.º 455/III, da iniciativa da Sr.ª Deputada Maria Odete Santos e outros, do PCP, sobre a transmissão por morte do arrendatário e do direito a novo arrendamento, que baixa à 1.ª Comissão; projecto de lei n.º 453/III, da iniciativa da Sr.ª Deputada Maria Odete Santos e outros do PCP, que estabelece a obrigação de arrendamento de fogos devolutos e que baixa à 3.ª Comissão; projecto de lei n. 1 454/III, da iniciativa da Sr.ª Deputada Maria Odete Santos e outros, do PCP, sobre garantia especial do direito à habitação, que baixa à 9.ª Comissão; projecto de lei n.º 457/III, da iniciativa da Sr.ª Deputada Maria Odete Santos e outros, do PCP, sobre o reforço das garantias processuais nas acções de despejo, que baixa à 1. ª Comissão.
O Sr. Presidente da Comissão de Equipamento Social e Ambiente, deputado Leonel Fadigas, solicitou à Mesa para avisar que fica desconvocada a reunião da Comissão de Equipamento Social e Ambiente, marcada para hoje às 9 horas e 30 minutos. A Comissão fica desde já convocada para quarta-feira, dia 20, às 9 horas e 30 minutos, com a mesma ordem de trabalhos.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente. É para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, se bem ouvi, a proposta de lei do Governo sobre a regulamentação do estado de sítio e de estado de emergência teria tido um despacho para baixar à 10. ª Comissão.
Se é efectivamente assim, parece-me, Sr. Presidente, que, salvo melhor opinião, essa proposta de lei deve baixar também à 1. a Comissão, visto que uma das consequências desse diploma é a limitação de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, assim se fará.
Srs. Deputados, a próxima sessão plenária terá lugar na terça-feira, às 15 horas, tendo por ordem de trabalhos a apreciação dos recursos sobre a admissibilidade das propostas de resolução n.º'21 e 22, relativas à Base das Lajes, e a discussão da proposta de lei n.º 78/III - autorização legislativa sobre o Estatuto das Carreiras da Administração Pública.

A sessão plenária seguinte é na quinta-feira, às 10 horas, com período de antes da ordem do dia, tendo como ordem do dia a votação final global do projecto de lei n.º 85/III, do CDS, sobre património cultural português, a apreciação do projecto de lei n.º 105/III, da ASDI, - balanço social - e ainda a eleição do Provedor de Justiça e a eleição de dois vice-secretários.
O pessoal que deu apoio a esta sessão fica dispensado amanhã.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 3 horas e 15 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Jorge Duarte Rebelo de Sousa. António Manuel Azevedo Gomes. Avelino Feliciano Martins Rodrigues. Beatriz Almeida Cal Brandão. Carlos Justino Luís Cordeiro. Dinis Manuel Pedro Alves. Edmundo Pedro. Fernando Alberto Pereira de Sousa. Francisco Igrejas Caeiro. João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu. João Luís Duarte Fernandes. José Carlos Pinto Basto Mota Torres. José Luís do Amaral Nunes. José Manuel Niza Antunes Mendes. José Maria Roque Lino. Manuel Alegre de Melo Duarte. Manuel Laranjeira Vaz. Manuel Luís Gomes Vaz. Maria Ângela Duarte Correia. Maria Margarida Ferreira Marques. Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia. Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo. Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo. Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz. Rui Fernando Pereira Mateus. Rui Monteiro Picciochi. Teófilo Carvalho dos Santos.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Adérito Manuel Soares Campos. Amândio Domingues Basto Oliveira. António Nascimento Machado Lourenço. Arménio dos Santos. Carlos Miguel Almeida Coelho. Cecília Pita Catarino. Domingos Duarte Lima. Fernando José da Costa. Fernando Manuel Cardoso Ferreira. Fernando dos Reis Condesso. Francisco Antunes da Silva. Francisco Jardim Ramos. João Luís Malato Correia. João Maurício Fernando Salgueiro. João Pedro de Barros. Joaquim Eduardo Gomes. Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro. José Ângelo Ferreira Correia. José Augusto Seabra. José Bento Gonçalves.

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José Vargas Bulcão.
Luís António Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Paulo Manuel Pacheco Silveira.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui Manuel de Oliveira Costa.

Partido Comunista Português (PCP):

António Guilherme Branco Gonzalez.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
João António Torrinhas Paulo.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Correia Lopes.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Areosa Feio.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
António Gomes de Pinho.
Basílio Adolfo Mendonça Horta Franca.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João Lopes Porto.
José Henrique Meireles Barros.
José Vieira de Carvalho.
Narana Sinai Coissoró.
Ruy Manuel Correia Seabra.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Joaquim Jorge de Magalhães Mota.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Abílio Aleixo Curto.
Alberto Rodrigues Ferreira Camboa.
Almerindo da Silva Marques.
Maria de Jesus Simões Barroso.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
Carlos Alberto da Mota Pinto.
Fernando Monteiro do Amaral.
José António Valério do Couto.
Manuel da Costa Andrade.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.

Partido Comunista Português (PCP):

António José Almeida Silva Graça.
Domingos Abrantes Ferreira.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes Almeida.
Francisco António Lucas Pires.
José António Morais Sarmento Moniz.
José Luís Cruz Vilaça.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

José Manuel Tengarrinha.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

Francisco Alexandre Monteiro.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.

Relatórios e pareceres da Comissão de Regimento
e Mandatos enviados à Mesa para publicação

Em reunião realizada no dia 14 de Março de 1985, pelas 10 horas e 30 minutos, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:

Solicitados pelo Partido do Centro Democrático Social:

José Augusto Gama (círculo eleitoral de Fora da Europa) por Jorge Manuel de Morais Gomes Barbosa. Esta substituição é pedida para os dias 14 e 15 de Março corrente.
Francisco Manuel de Meneses Falcão (círculo eleitoral de Leiria) por David José Leandro Duarte Ribeiro. Esta substituição é pedida por um dia (15 de Março corrente).
Manuel Eugénio Pimentel Cavaleiro Brandão (círculo eleitoral do Porto) por José Henrique Ribeiro Meireles Barros. Esta substituição é pedida para os dias 14 e 15 de Março corrente.

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: O Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Secretário, Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (CDS) - Beatriz Cal Brandão - (PS) - Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves (PS) - José Maria Roque Lino (PS) -
Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Manuel Portugal da Fonseca (PSD) - José Mário Lemos Damião (PSD) - José Manuel Mendes (PCP) - João António Gonçalves do Amaral (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Luís Filipe Paes Beiroco (CDS).

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Em reunião realizada no dia 14 de Março de 1985, pelas 17 horas e 30 minutos, foi apreciada a seguinte substituição de deputado:

Solicitada pelo Partido Social-Democrata:

Rogério da Conceição Serafim Martins (círculo eleitoral de Lisboa) por Amadeu Vasconcelos Matias. Esta substituição é pedida para os dias 15 a 29 de Março corrente, inclusive.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: O Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Vice-Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Secretário, Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (CDS) - Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves (PS) - José Maria Roque Lino (PS) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Fernando José da Costa (PSD) - Maria Margarida Salema Moura Ribeiro (PSD) - João António Gonçalves do Amaral (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Luís Filipe Paes Beiroco (CDS) - Francisco Menezes Falcão (CDS) - António Poppe Lopes Cardoso (UEDS) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).

Os REDACTORES: Leonor Caxaria - Maria Amélia Marques - Carlos Pinto da Cruz - Ana Maria Marques da Cruz.

PREÇO DESTE NÚMERO 270$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

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