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I Série-Número 70
Quarta-feira, 17 de Abril de 1985
DIÁRIO da Assembleia da República
III LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1984-1985)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 DE ABRIL DE 1985
Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral
Secretários: Exmos. Srs.
Leonel de Sousa Fadigas
José Mário de Lemos Damião
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida do Azevedo e Vasconcelos
SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente, da apresentação dos requerimentos e das respostas a alguns outros.
Em intervenção política, o Sr. Deputado César Oliveira (UEDS) alertou a Câmara para os problemas com que se debatem os pescadores da Fuseta devido às fracas condições de trabalho, nomeadamente no que respeita ao canal da doca de pesca e ao estado da barra. Respondeu no fim a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), Carlos Brito (PCP) e Luís Beiroco (CDS).
O Sr. Deputado Gaspar Martins (PCP) criticou o Governo por não apresentar as medidas necessárias com salários em atraso, respondendo no fim a um pedido de esclarecimento da Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura (MDP/CDE).
O Sr. Deputado Reinaldo Gomes (PSD), a propósito da declaração política do Sr. Deputado César Oliveira (UEDS}, referiu-se à acção que a Subcomissão de Pescas pretende desenvolver, com vista à valorização do trabalho dos pescadores.
O Sr. Deputado Raul de Brito (PS) abordou os problemas da população do concelho de Valongo, na área do Porto, em especial os que se relacionam com o desemprego e os salários em atraso.
Ordem do dia. - Foi lido o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre os recursos interpostos pelo MDP/CDE e pelo PCP da admissibilidade da proposta de lei n.º 102/III - estabelece o quadro normativo em que empresas públicas, ainda que nacionalizadas, podem dispor de elementos autónomos do seu património e em que podem ser transformadas em empresas de economia mista -, cuja admissão pela Mesa suscitou a apresentação pelo PCP de um recurso, que foi rejeitado, tendo-se em seguida procedido à discussão e votação do referido parecer, que foi aprovado.
Intervieram, a diverso título, incluindo declaração de voto, os Srs. Deputados José Magalhães (PCP), Margarida Salema (PSD), Raul Castro (MDP/CDE), Jorge Lacão (PS), Luís Beiroco (CDS), Lopes Cardoso (UEDS), Octávio Teixeira (PCP) e Vilhena de Carvalho (ASDI).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 20 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Agostinho de Jesus Domingues.
Américo Albino da Silva Salteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa.
António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António José Santos Meira.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Manuel do Carmo Saleiro.
Avelino Feleciano Martins Rodrigues.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Edmundo Pedro.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Fernando Henriques Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
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João Joaquim Gomes.
João Luís Duarte Fernandes.
João do Nascimento Gama Guerra.
João Rosado Correia.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Manuel Ribeiro Arenga.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José António Borja dos Reis Borges.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Carlos Pinto Basto Torres.
José da Cunha e Sá.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Manuel Torres Couto.
José Maria Roque Lino.
José Martins Pires.
Juvenal Baptista Ribeiro.
Leonel de Sousa Fadigas.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Maria Helena Valente Rosa.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Paulo Manuel Barros Barrai.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rui Monteiro Picciochi.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Manuel Caio Roque.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
António d'Orey Capucho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Domingos Duarte Lima.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro Amaral.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Jardim Ramos.
Gaspar de Castro Pacheco.
Guido Orlando Freitas Rodrigues.
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Eduardo Gomes.
José Adriano Gago Vitorino.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Luís de Figueiredo Lopes.
José Mário de Lemos Damião.
José Silva Domingos.
Licínio Moreira da Silva.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Guilherme Branco Gonzalez.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
José Rodrigues Vitoriano.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Margarida Tengarrinha.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Mariana Grou Lanita.
Centro Democrático Social (CDS):
Abel Augusto Gomes Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
António Filipe Neiva Correia.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
Basílio Adolfo Mendonça Horta Franca.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João Gomes de Abreu Lima.
João Lopes Porto.
José António Morais Sarmento Moniz.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel António Almeida Vasconcelos.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
João Corregedor dá Fonseca.
Helena Cidade Moura.
Raul Morais e Castro.
Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
António César Gouveia de Oliveira.
António Poppe Lopes Cardoso.
Francisco Alexandre Monteiro.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
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Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início aos nossos trabalhos pela leitura do resumo do expediente.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Abaixo-assinado
De reclusas da Cadeia das Mónicas reclamando contra o facto de, após a evasão de uma das detidas do caso FP-25, ser aplicado às restantes presas daquele presídio um regime em tudo igual àquele que existia antes da greve de fome que levaram a efeito.
Ofícios
Do Sindicato dos Bancários do Norte, a remeter documentos aprovados no decurso dos trabalhos do seu congresso levado a efeito em 19 e 20 de Março próximo passado.
Da Assembleia Municipal de Tomar, a enviar moção na qual se congratula com a adesão de Portugal à CEE, por considerar que a mesma facilitará em parte o desenvolvimento da regionalização do País, pondo termo às assimetrias das diversas partes do território.
Da Junta de Freguesia de Bencatel, campeando um abaixo-assinado de residentes naquela localidade, no qual solicitam a permanência do posto da GNR na vila.
Da Comissão Instaladora da Freguesia da Pontinha, a enviar um documento sobre a falta de condições que possibilitem o cumprimento das funções para que foi constituída.
Do Sindicato dos Operários Corticeiros do Norte, a remeter uma moção aprovada no Plenário dos corpos gerentes, delegados sindicais e membros de comissões de trabalhadores daquele sindicato, a propósito da discussão pública dos projectos governamentais, relativos à greve, despedimentos, contratos a prazo e trabalho temporário.
O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Foram apresentados na Mesa, nas últimas reuniões plenárias, os seguintes requerimentos: No dia 9 de Abril de 1985, aos Ministérios da Educação e do Equipamento Social (3), formulados pelo Sr. Deputado Jorge Lemos; a diversos ministérios (11), formulados pelo Sr. Deputado José Magalhães; a diversos ministérios (3), formulados pelo Sr. Deputado Magalhães Mota; às Câmaras Municipais de Lisboa e de Chaves e ao Ministério do Equipamento Social (3), formulados pelo Sr. Deputado António Gonzalez; ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes; ao Ministério da Educação, formulado pela Sr.ª Deputada Luísa Cachado; ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Alegre e outros.
No dia 11 de Abril de 1985, ao Ministério da Qualidade de Vida, formulado pelos Srs. Deputados Gaspar Martins e José Manuel Mendes; ao Ministério do Trabalho e Segurança Social, formulado pelo Deputado António Mota e outros; ao Instituto da Qualidade Alimentar, formulado pelo Sr. Deputado Paulo Barrai; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Abel Gomes de Almeida; ao Ministério da Cultura (2), formulados pelo Sr. Deputado António Gonzalez; ao Ministério da Justiça (2), formulados pelos Srs. Deputados José Magalhães e José Manuel Mendes; à administração da Televisão, formulado pelo Sr. Deputado Daniel Bastos.
No dia 12 de Abril de 1985, aos Ministérios do Trabalho e Segurança Social e da Agricultura, Florestas e Alimentação (2), formulados pelo Sr. Deputado António Mota; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado José Magalhães; ao Ministério do Equipamento Social, formulado pelo Sr. Deputado José Vitorino; aos Ministérios da Indústria e Energia e da Justiça (2), formulados pelos Srs. Deputados José Manuel Mendes, Manuel Lopes e José Magalhães; ao Governo Civil de Setúbal e aos Ministérios da Educação e do Equipamento Social (2), formulados pelos Srs. Deputados Maia Nunes de Almeida e Jorge Lemos; aos Ministérios da Defesa Nacional e do Trabalho e Segurança Social (2), formulados pelo Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uso hoje da palavra nesta Câmara para vos falar das condições de trabalho dos pescadores da Fuseta,, freguesia do concelho de Olhão, com cerca de 4000 habitantes e importante centro pesqueiro do Sotavento algarvio.
A Fuseta vive centrada na faina da pesca, na comercialização de pescado ou em actividades subsidiárias destas actividades fundamentais. Cerca de 80 % da sua população activa é constituída por pescadores, que podem dividir-se em três grandes grupos:
a) Cerca de 600 que trabalham a bordo de embarcações que exercem a sua actividade nas águas atlânticas dos mares do Norte de África;
b) Cerca de 80 pescadores que labutam em embarcações de pesca (redes, «caçada» e outras artes) com 8 m a 15 m de comprimento e exercendo a sua actividade junto à costa ou na «caçada» da pescada entre as 10 e as 15 milhas;
c) Cerca de 120 homens utilizando embarcações individuais, com 4 m a 6 m de comprimento, com motor fixo ou fora-de-borda, trabalhando junto à costa e utilizando diversos tipos de artes de pesca.
A lota da Fuseta registou um movimento de 210 000 contos em 1981, de 264 000 contos em 1982 e de 340 000 contos em 1983 estimando-se o montante referente a 1984 em perto de 400 000 contos. Estes valores seriam já suficientes para demonstrar que a Fuseta é um dos mais importantes centros piscatórios do litoral algarvio. No entanto, é bom recordar que cerca de 50 % do pescado transaccionado na mais importante lota do País - a lota de Olhão - é assegurada por cerca de 22 barcos da Fuseta, que aí descarregam pescado e dali partem para a faina pois não podem utilizar a barra da Fuseta nem o canal exíguo que da barra conduz à doca de pesca da Fuseta.
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Ainda recentemente perderam a vida 4 pescadores quando pretendiam, em dia de forte ondulação de levante, demandar a barra de Tavira. Na Fuseta só por puro acaso não têm ocorrido ultimamente acidentes graves: a barra é uma das mais perigosas do litoral algarvio, mormente em situações de vazante e com mar com ondulação pronunciada de levante ou de sul-sudoeste. Muitos dias em cada mês os pescadores da Fuseta vêem-se obrigados à inactividade pois torna-se extremamente arriscado utilizar a barra. Outras vezes são compelidos a sair da barra muitas horas antes de poderem iniciar a faina ou a regressar largas horas depois de terminado o trabalho em virtude da necessidade de utilizar a barra nas melhores condições possíveis que são, sempre, deficientes.
É certo que em Olhão, a 10 km vem construindo-se um moderno porto de pesca e aí existe uma barra que lhe dá acesso que é utilizável mesmo em condições de mar difícil. Os pescadores da Fuseta não reclamam a construção de um porto de pesca ou a edificação de uma barra por onde possam passar embarcações de grande calado. Tão-só esperam, porque a isso se sentem com legítimo direito, que a actual barra seja afundada e, posteriormente, protegida. Há cerca de 6 meses o anterior Ministro do Mar prometeu que faria deslocar para a barra da Fuseta uma draga adequada ao seu afundamento e nas verbas orçamentadas para o Ministério do Mar figura uma dotação destinada ao trabalho da referida draga. Até hoje, porém, nada se sabe da draga. A protecção à barra afundada da Fuseta far-se-ia facilmente com um esporão para o qual há pedra suficiente e gratuita e para cujo transporte se obteria rapidamente a colaboração dos seus pescadores. A barra como está é uma cilada que não tardará infelizmente, a produzir vítimas.
Um outro problema de igual ou maior gravidade que o anterior reside no completo assoreamento de canal que liga a doca de pesca à ria Formosa. O canal, com cerca de 50 m de largura, fica completamente inutilizável cerca de 6 horas por dia. Um simples barco de fundo chato e com um fora-de-borda de coluna curta não pode navegar em um terço do referido canal dadas as suas condições de assoreamento. Este ano, por força das chuvas intensas que ocorreram no Algarve pioraram as condições de assoreamento do canal da doca. Na zona fronteira à lota -local de amarração da esmagadora maioria das embarcações de pesca da Fuseta - botes, traineiras e «caçadeiras» ficam completamente imobilizadas na lama, sem poderem sequer mover-se. Na vazante e durante um número significativo de horas por dia o canal de 50 m de largura fica reduzido a 10 m e, em alguns dos seus troços, a 1 m ou 2 m. É um escândalo obrigar estes pescadores a trabalhar nestas condições!
Recentemente as autoridades marítimas intensificaram a fiscalização das actividades pesqueiras e das artes nelas utilizadas. Sabe-se dos problemas criados pela aplicação rigorosa de legislação que carece ser revista e actualizada. No entanto, o que os pescadores da Fuseta não podem compreender é que o Estado que ultimamente se mostrou tão rigoroso na exigência do cumprimento da legislação em vigor se mostre completamente negligente quanto às condições de trabalho que tem de proporcionar-lhes. O que os pescadores da Fuseta não podem entender é que, descontando mais de 18 % paia os cofres públicos do valor do seu pescado, o Estado não possa dispor de recursos - que seriam, de resto, mínimos - para solucionar, ainda que parcialmente, dois dos problemas que afectam profundamente as suas condições de trabalho. O que os pescadores da Fuseta não podem entender é que tendo o Governo nas recentes negociações com a CEE e com a Espanha insistido, e, ao que parece bem, na preservação das águas compreendidas nas 12 milhas de modo a assegurar a perenidade das espécies e a subsistência dos pescadores portugueses, não diligencie no sentido da resolução de problemas fundamentais quando sabem e vêem de tanto dinheiro esbanjado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desta breve e despretensiosa intervenção enviarei cópias, acompanhadas de requerimento aos diferentes departamentos governamentais. Sugiro, por outro lado, à Subcomissão Parlamentar de Pescas que se desloque à Fuseta para que - parece que as visitas ministeriais são sempre feitas em maré-cheia, o que não permite ver coisa nenhuma! - possa ajuizar das condições de trabalho dos seus competentes e destemidos pescadores, nomeadamente no que concerne ao canal da doca de pesca e ao estado da barra. Espero, muito sinceramente, que não seja necessário que percam a vida pescadores da Fuseta como recentemente ocorreu com pescadores idosos de Tavira, para que as autoridades e os Srs. Deputados encarem frontalmente o começo da solução destes problemas.
Gostaria de sublinhar, porque é justo fazê-lo, o interesse e as diligências que a Junta de Freguesia da Fuseta e o seu presidente, o nosso colega Francisco Leal, têm demonstrado na resolução destas questões. Como deputado pelo círculo e profundo conhecedor, que me honro de ser, desta zona e das suas gentes, não podia deixar de levantar aqui estas questões colocando-me inteiramente à disposição da Subcomissão de Pescas e dos diversos departamentos governamentais para tudo o que for necessário. A rápida salvaguarda de condições mínimas de trabalho para os pescadores da Fuseta exige uma resposta pronta "desta Câmara e a eficácia necessária dos departamentos oficiais.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado César de Oliveira os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca, Carlos Brito e Luís Beiroco.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE - Sr. Deputado César Oliveira, ouvi com muita atenção a intervenção de V. Ex.ª E evidente, Sr. Deputado, que a generalidade dos portos de pesca do nosso país se encontram num estado que só cria graves problemas aos pescadores que têm grandes dificuldades de acesso.
A classe dos pescadores, das mais sacrificadas do País, sofre muitas vezes grandes tragédias, não raro por falta de um simples esporão ou de um desassoreamento das barras.
A Assembleia da República tem e deve ter sempre a obrigação de acompanhar de perto a actividade dos nossos sectores mais produtivos onde se conta, com certeza, o sector das pescas. Devo lembrar-lhe, Sr. Deputado, que a Subcomissão de Pescas da Assembleia da República tem previstas várias deslocações a portos do Norte, Centro e Sul do País. Parece-me, no entanto, Sr. Deputado, que infelizmente o porto de pesca da Fu-
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seta e a Fuseta não estão integrados nessa deslocação. A sua problemática não foi considerada na calendarização destas viagens.
Pela minha parte, Sr. Deputado, na próxima reunião da Subcomissão de Pescas vou salientar a necessidade de visitar a Fuseta e penso que nenhum Sr. Deputado se irá opor. Creio que seria oportuno, Sr. Deputado César de Oliveira, que o seu partido se fizesse representar por V. Ex.ª nessa deslocação, uma vez que o seu conhecimento específico facilitará o trabalho da Subcomissão e concorrerá, por certo, para a elaboração do relatório final, que as entidades oficiais deverão depois ter em devida conta para que os problemas existentes não só na Fuseta como em todos os portos de pesca do País, venham finalmente a encontrar solução.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado César Oliveira: Queria, antes de mais nada, solidarizar-me por inteiro com a intervenção que fez no que respeita aos problemas do porto da Fuseta e aos problemas com que se debatem os seus pescadores.
Quero-lhe dizer de passagem que não serei tão optimista como o Sr. Deputado em relação aos acordos com a CEE, mas vamos deixar isso para uma outra ocasião e particularmente para depois de conhecermos os acordos que estão em curso com a Espanha.
O Sr. Deputado, ao falar da Fuseta, referiu-se de passagem a outros portos algarvios, como a barra de Tavira, tendo também falado do acesso ao porto de Cabanas e ao de Santa Luzia. É conhecida também a situação com que se debatem outros pescadores, de outros grandes portos pesqueiros do Algarve, como é o caso, por exemplo, do da Quarteira. Estão neste momento em construção, no Algarve, dois grandes portos - um porto comercial em Portimão e um porto de pesca em Olhão - e o resto está votado ao completo abandono. Não lhe parece, Sr. Deputado César Oliveira, que aquilo que falta é um plano global de desenvolvimento dos portos do Algarve? Era esta a questão que lhe deixava.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado César Oliveira: É com muito prazer que a minha bancada vê o seu regresso às lides parlamentares e que verifica que não aproveitou o seu tempo apenas para enriquecer a historiografia nacional mas também para poder contactar com alguns problemas da população portuguesa, neste caso específico, dos pescadores portugueses.
Referindo-lhe que a minha bancada se associa, desde já, à sua sugestão de que a Subcomissão de Pescas possa incluir a Fuseta no seu programa de visitas, gostaria, no entanto, de lhe perguntar em concreto se não pensa que aquela Subcomissão possa ir um pouco mais longe e procurar fazer um inventário das grandes carências nacionais em matéria de portos de pesca e se a sugestão feita pelo Sr. Deputado Carlos Brito em relação ao Algarve não deveria ser retomada dando-se-lhe um âmbito mais vasto, no sentido de abranger todo o território nacional.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira. Informo-o, no entanto, de que dispõe apenas de 2 minutos.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Agradeço em primeiro lugar as palavras amáveis do Sr. Deputado Luís Beiroco. Espero que a minha contribuição, embora modesta, seja positiva, como de resto proeuro que aconteça sempre.
Começo por responder desde já aos Srs. Deputados Carlos Brito e Luís Beiroco, deixando para o fim o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
Receio muito que a visita da Subcomissão de Pescas ao Algarve se traduza apenas no contacto com aquilo que é mais espectacular naquela região, ou seja, as obras dos portos de Portimão e de Olhão, deixando para segundo plano, porventura, portos de pesca que abrangem uma população maior e que são, como o Sr. Deputado Carlos Brito disse, Fuseta, Quarteira, Cabanas, Santa Luzia, Burgau, Salema, etc.
Estes portos são aqueles onde se põem problemas que importa solucionar de imediato. As soluções para eles serão porventura mais simples e parcelares, mas é necessário - e nisto estou de acordo com o Sr. Deputado Carlos Brito - integrá-los num plano global de ordenamento dos portos de pesca do Algarve, podendo--se, desta forma, obviar a que se verifique o que aconteceu recentemente em Tavira, em que morreram 4 pescadores, tendo o mais novo deles 68 anos e o mais velho 82, o que é incrível!
É um verdadeiro escândalo que esta situação aconteça e que andem homens à pesca com 82 anos, quando estamos praticamente no limiar do século XXI! Receio, assim, que a Subcomissão de Pescas apenas visite o que há de espectacular. Sublinho, portanto, a minha sugestão no sentido de visitarem outros portos de pesca.
O problema da Fuseta é mais grave do que o de Cabanas e o de Santa Luzia porque a barra de Tavira que dá acesso a estes portos ainda oferece condições mínimas. Agora no da Fuseta, Sr. Deputado, pode-se lá passar de um lado para o outro, na maré vaza, com a água pelo joelho! Ora, isto em situações de vazante e com forte ondulação é uma autêntica cilada para as embarcações de pesca.
São estes os problemas com que a Subcomissão de Pescas se deve defrontar. Estou de acordo com o Sr. Deputado Luís Beiroco em que se deve fazer o levantamento não apenas do Algarve mas das carências dos portos pesqueiros e da frota de pesca nacional a nível de todo o País.
Pela minha parte, no que toca ao Algarve e à zona que melhor conheço - que é a de Olhão, Tavira, Santa Luzia e Cabanas, porque conheço a ria como as minhas próprias mãos -, estou à inteira disposição para trabalhar e auxiliar a Subcomissão, pois, embora não faça parte dela, desde já me ofereço como voluntário.
Penso que a Assembleia da República não pode demitir-se de encarar frontalmente estes problemas, evitando assim que quando haja mortos e tragédias venham os Srs. Deputados, de resto legitimamente, lamentar-se e apresentar votos de pesar pela morte dos pescadores, quando era mais fácil - e era a nossa obrigação - encarar os problemas de frente e clamar junto às autoridades para que se criem condições a fim de que não possa haver tragédias e lamentações.
É muito mais positivo este trabalho do que depois tentar tirar dividendos eleitorais - isto sem qualquer
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parti pris contra quem o faz - com a morte e as tragédias que vão acontecendo por esse País fora em matéria de pescas.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Reinaldo Gomes pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Reinaldo Gomes (PSD): - Sr. Presidente, quando entrei no Plenário ouvi alguns Srs. Deputados estarem a pronunciar-se sobre as intenções da Subcomissão Parlamentar de Pescas. Se V. Ex.ª me permitisse, gostaria de intervir neste momento para dar algumas explicações sobre este assunto.
O Sr. Presidente: - Neste momento, não poderá ser. Fica no entanto com a palavra reservada para oportunamente dizer aquilo que entender através de uma intervenção.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gaspar Martins.
O Sr. Gaspar Martins (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por diversas vezes, nesta Câmara, o Grupo Parlamentar do PCP tomou iniciativas para pôr fim ao flagelo e à tragédia social dos salários em atraso. A todas elas se opôs a maioria que apoia o Governo, inicialmente com os descabelados argumentos de que o Estado não deve interferir nas relações de trabalho, depois - e após se tornar demasiado escandaloso interna e internacionalmente tal descalabro - que o Governo preparava medidas para atalhar o mal.
De facto, confrontado com denúncias de vários sectores, incluindo da hierarquia da Igreja e com a condenação da OIT, o governo PS/PSD publicou os Decretos-Leis n.ºs 398/83 e 50/85 e o Despacho Normativo n.º 35/84, autênticos placebos para disfarçar a sua má consciência, já que tais diplomas nem sequer travaram o alastramento da praga dos salários em atraso.
No passado sábado, por iniciativa da União dos Sindicatos do Porto, realizou-se nesta cidade uma reunião do Tribunal de Opinião Pública sobre salários em atraso. Durante todo o dia, assistimos, entre numerosa audiência, ao relato e à prova de pungentes factos e atrozes situações.
Obviamente, como não se tratava de uma reunião de meia dúzia de figuras avindas ou desavindas do PS, PSD ou CDS num hotel de luxo ou estância de veraneio, a comunicação social ao serviço do Governo cumpriu o seu ignominioso papel: praticamente ignorou tal evento!
Não querem que o povo saiba que os salários em atraso afectaram, em 1984, mais de 200 000 trabalhadores de todo o País em cerca de 1000 empresas e que, só no distrito do Porto, entre Junho de 1983 e Fevereiro deste ano, foram lançados nesta situação mais de 30 000 trabalhadores de 203 empresas. Isto quanto a casos comprovados, admitindo-se que haja inúmeras pequenas empresas que, vítimas da política de desastre deste Governo, estejam mergulhadas na mesma situação.
Do mesmo modo, ficou provado no Tribunal que, em Fevereiro deste ano, só no distrito do Porto, a dívida aos trabalhadores ultrapassava 1 600 000 contos, afectando sobretudo os concelhos de:
Porto, com 7300 trabalhadores com salários em atraso, o que corresponde a 5,2% da população activa;
Vila Nova de Gaia, com 5000, o que corresponde a 5,3% da população activa;
Valongo, com 7,1 % da população activa com salários atrasados;
Matosinhos, 8,2%;
Santo Tirso, 8,6%; e
Amarante, 10,5%.
É um escândalo que vos devia envergonhar, Srs. Deputados da maioria!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Mas mais custoso foi ouvir os depoimentos de alguns dos milhares de vítimas desta situação criminosa. Como o daquela mulher de 39 anos com 6 filhos, de idades compreendidas entre os 3 meses e os 12 anos, cujo marido, há mais de 20 anos da CIFA, está sem receber há dezenas de meses. Vive de esmolas na mais extrema miséria.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É um escândalo!
O Orador: - Ou o da professora de uma escola primária de Valongo que refere que, de 100 alunos da 4.ª classe, só 3 continuam o ensino obrigatório; os outros, naturalmente filhos de trabalhadores sem salários, empregam-se em pequenas oficinas de marcenaria sem qualquer protecção legal.
Ou o caso de tentativa de suicídio na ex-Fiação de Crestuma e mesmo de suicídios consumados, como o da trabalhadora da Mário Navega e o da trabalhadora da Fábrica de Monte dos Burgos a quem a empresa se negou a emprestar-lhe (!) algum dinheiro para comprar os medicamentos necessários ao tratamento da sua doença ou o do delegado sindical da CIFA, que se suicidou por a empresa se negar a entregar-lhe o abono de família de que criminosamente a empresa se apropriou; e sabemos lá, com este nefando Governo, quantos mais ocorrerão para além dos que já ocorreram por esse país fora.
Uma operária da Têxtil da Maia relatou que há trabalhadoras que fingem comprar um pouco de carne e pedem, no talho, restos para o cão. Claro que não há cães nestas famílias, mas pessoas tratadas como tal pelo patronato e o seu Governo.
A Fábrica de Malhas do Ameal paga o trabalho com uma sopa. Há operárias que recolhem a sua em marmitas para levar para o jantar dos filhos!...
O pequeno comércio sofre também os efeitos deste drama. Um comerciante de Valongo referiu que as vendas baixaram para um terço em consequência da situação na CIFA, na MONDEX e agora na UNITECA. As mercearias viram, sim, aumentado o volume dos fiados e não têm capacidade para fiar mais.
Numa homilia recente, o bispo do Porto afirmou:
Avolumam-se os salários em atraso, nem sempre motivados por situações de falências técnicas, mas cobertos por manobras financeiras inadmissíveis e calculadas.
De facto, depoimentos de várias testemunhas no Tribunal de Opinião Pública confirmaram que empresas em situação normalizada obtêm subsídios da Secretaria de Estado do Emprego e logo começa a fita dos salários atrasados. É o caso, entre outros, da Ameal,
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dos Grupos Mondego e Wandschneider, da Companhia Industrial de Fundição, da EFI, da Handy, etc.
Empresas que recebem tais subsídios para assegurarem postos de trabalho e pagarem salários desviam-nos para outros fins, por vezes na ignorância dos trabalhadores. Os da Fiação de Crestuma só 1 ano depois souberam do financiamento da Secretaria de Estado do Emprego. A CIFA recebeu 130000 contos; o Grupo Mondego, adquirido pelos Mellos, 170 000 contos; a Companhia Industrial de Fundição, 45 000 contos; a Handy 169 000 contos; a Equimental 650 000 contos, etc.
Que não é a crise a justificação para este lamentável estado de coisas, provaram-no vários depoimentos: há empresas com produção e escoamento assegurados até para a exportação:
A Fábrica de Malhas do Ameal tem boa carteira de encomendas, que até exporta, dada a boa fama da qualidade dos seus produtos;
A Tabopan não tem stocks, tudo o que produz sai;
A Handy tem tantas encomendas que trabalham à noite, aos sábados e aos domingos;
A Electro-Cerâmica facturou, em 1984, mais 10 000 contos que no ano anterior.
Não há dinheiro para salários, mas não falta para comprar carros novos e terras (caso da Tabopan); para comprar outras empresas (como a UNITECA pelo Grupo Wandschneider ao Grupo Melo - e logo começaram os atrasos na UNITECA); para comprar uma quinta e um carro de luxo (Companhia Industrial de Fundição); para renovarem a frota e pagarem principescamente, sem atrasos, a quadros directivos e administrativos e sócios (Handy, Vilar); para pagarem indemnizações por rescisão do contrato a trabalhadores, alguns dos quais, apertados pela fome, aceitam algumas dezenas de contos: Handy, Equimetal, etc.
Por outro lado, quando os trabalhadores, organizados e determinados, sem o boicote dos divisionistas, lutam pelos seus direitos, o dinheiro aparece como por encanto. Assim tem acontecido na Têxtil da Maia, na José Alves, na Fibra Comerciai Lusitana, entre outras.
No Tribunal, ficou amplamente demonstrado que se trata não de uma situação conjuntural, mas de uma acção concertada do patronato tacanho e retrógrado, do Governo e dos seus apoiantes para porem os trabalhadores a financiarem a exploração que os vitima, de os vergarem pela fome e a miséria, de criarem condições para a repressão generalizada, em suma, de garantirem aos patrões nacionais e internacionais, sobretudo da CEE, que o País lhes assegura não só os salários mais baixos da Europa mas até a impunidade do trabalho não pago.
Na verdade, testemunhos vários evidenciaram que o patrão Abreu da Tabopan alicia outros patrões, alguns até com dificuldades mas não relapsos como ele, a atrasarem os salários.
Que aquele e outros patrões romboédricos criam nas suas empresas um clima policial, negando direitos dos trabalhadores, despedindo delegados e activistas sindicais, proibindo plenários, discriminando filiados em Sindicatos da CGTP-IN dos filiados na UGT (os despedimentos atingem os trabalhadores filiados nos sindicatos da CGTP e os salários são pagos atempadamente e por valores mais elevados aos da UGT). Todas estas situações ou algumas delas estão confirmadas na Tabopan, na Electro-Cerâmica, na Vilar, na Handy, na EFI, na Electro-Iris, na Fiação de Crestuma, etc.
Que algum patronato faz chantagem para quebrar o poder reivindicativo dos seus trabalhadores, ameaçando-os com o atraso de pagamentos. Na EU-ROFER, chegam ao descaramento de afirmar que receberem a tempo e horas é um privilégio.
O Governo é conivente nesta marosca!
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sem dúvida!
O Orador: - O Primeiro-Ministro não ouve os trabalhadores. Manda prender os dirigentes sindicais e os trabalhadores que querem dialogar ou instrumentaliza as autoridades para espancar e prender quem reclama os seus direitos. Que o digam, por exemplo, os trabalhadores da CIFA e da Varandas, Ld.ª
Não admira, se atentarmos na apetência do Dr. Mário Soares pelas almoçaradas e jantaradas com o patronato mais reaccionário.
O Ministério do Trabalho dá instruções à Inspecção do Trabalho para obter apenas «dados estatísticos». Esta, quando não alega falta de combustível para se escusar de ir às empresas, se lá vai, ouve apenas o patronato e não levanta autos. Pudera! O Sr. Ministro só ambiciona ver o pacote laboral, encomendado por este patronato, aprovado urgentemente.
O divisionismo é outra arma ao serviço dos patrões para quebrar a luta dos trabalhadores. Já vimos atrás alguns exemplos, mas basta relembrarmos a posição que tomaram os deputados dirigentes da UGT contra as nossas iniciativas para vermos até que ponto bate tudo tão certinho...
A insensibilidade deste Governo e da sua maioria parlamentar só por si bastam para caracterizar uma política que institucionaliza, como questões de somenos, a fome, a miséria, a criminalidade, a prostituição, a corrupção, a fuga de capitais, a desagregação da família.
Para tal Governo e tal maioria, prioritário é:
O aumento das rendas de casa;
Os privilégios afrontosos dos membros do Governo e dos deputados; A lei de segurança interna; O pacote laboral contra os direitos e garantias dos trabalhadores; E, agora, a revisão da Constituição.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Tribunal de Opinião Pública sobre salários em atraso elaborou desenvolvido veredicto e proferiu uma fundamentada sentença que condena inexoravelmente o Governo e o patronato. Com a autoridade moral dos elementos que o constituíram, incluindo elementos do PS e um sacerdote, as instâncias nacionais e internacionais conhecerão pormenorizadamente esta vergonhosa situação. Em termos nacionais, a condenação há muito que está dada pelos trabalhadores. Internacionalmente, já a OIT, na sequência de uma queixa apresentada pela CGTP-IN, caracterizou esta infâmia como o «limiar da escravatura».
Termino parafraseando esse grande vulto das letras que é Manuel da Fonseca, citando o poema populari-
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zado por esse enorme trovador militante que foi Adriano Correia de Oliveira Tejo Que Levas as Águas:
Lava bancos e empresas Dos comedores de dinheiro Que dos salários de tristeza Arrecadam lucro inteiro Srs. Deputados, o impetuoso caudal popular em breve vos atirará para longe da barra de Abril.
Aplausos do PCP, do MDP/CDE e do Deputado independente António Gonzalez.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.
A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Deputado Gaspar Martins, primeiro que tudo queria regozijar-me - regozijar-me tanto quanto uma pessoa se pode regozijar com assuntos desta natureza - e louvar que o Sr. Deputado tenha trazido à Assembleia este assunto. Devo dizer-lhe que à medida que o ia ouvindo me lembrava dos dossiers clandestinos que nos anos 40 o padre Abel Varzim guardava na sua casa e até na própria Acção Católica, que eram olhados e vistos por nós com um arrepio.
Nessa altura, o contexto político em que se vivia explicava tal situação. Hoje, iguais dossiers, iguais histórias, mais tenebrosas porque a consciência das necessidades do povo aumentou, são, de facto, em relação ao contexto democrático em que vivemos, uma violência.
O tribunal de opinião pública, que, penso, também se irá fazer em Lisboa, tem como obrigação a denúncia e a consciencialização de todas essas violências. Em todo o caso, queria questionar o Sr. Deputado e lembrar aos poucos colegas que estão com atenção a um tal assunto que a violência feita com os trabalhadores é a violência feita com todas as outras camadas sociais. Todos nós somos responsáveis por esta situação e todos nós sofreremos o impacto que ela trará no contexto e na textura do tecido social.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Gaspar Martins, V. Ex.ª já não tem tempo para responder, mas, se lhe for possível fazê-lo em 30 segundos, a Mesa, conceder-lhe-á esse privilégio.
O Sr. Gaspar Martins (PCP): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, agradeço as suas palavras; vejo que, apesar de tudo, há nesta Câmara gente sensível a estes dramas e não sensíveis apenas ao seu próprio umbigo.
Gostaria apenas de lhe chamar a atenção para o seguinte: apregoa-se muito a legalidade democrática, mas a Sr.ª Deputada sabe quantos normativos legislativos são infringidos por este tipo de política, pelo desinteresse e insensibilidade do Governo da maioria? É a Constituição da República Portuguesa, é a Declaração Universal dos Direitos do Homem, são as convenções que o Estado ratificou, etc. E não me refiro a mais para não abusar da benevolência do Sr. Presidente.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Reinaldo Gomes, tem V. Ex.ª a palavra para intervir.
O Sr. Reinaldo Gomes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente à questão que aqui foi levantada, e com muita pertinência, pelo Sr. Deputado César Oliveira quanto ao problema da Fuseta, gostaria de dar um esclarecimento a esta Câmara sobre o que se passa em matéria de Subcomissão das Pescas.
Temos uma preocupação profunda no que diz respeito a tudo quanto se relaciona com o sector e, nestas circunstâncias, a Subcomissão das Pescas agendou e tem programada uma visita aos portos do Norte do País, designadamente a Viana do Castelo, Póvoa de Varzim, Vila do Conde e Matosinhos, nos próximos dias 3, 4 e 5 de Maio. Também já temos agendada uma visita aos portos do Sul do País, desde Sagres a Vila Real de Santo António, sem esquecer - e aqui fica já uma posição assumida perante esta Câmara, e nomeadamente pelo Sr. Deputado César Oliveira - as localidades de Quarteira, Cabanas e Fuseta.
Todos nós temos consciência do que representa de valorização para a economia nacional o contributo dado pelos valorosos pescadores da Fuseta e das condições péssimas de trabalho em que eles são obrigados a exercer a sua actividade.
Nesse reconhecimento, a Subcomissão das Pescas, para além do que já tem programado, e porque o Sr. Deputado César Oliveira se mostrou - como, aliás é seu apanágio - profundamente interessado na ajuda da solução destes problemas, convida o Sr. Deputado a integrar a própria Subcomissão na visita que vai fazer aos portos do Algarve, nomeadamente ao da Fuseta. Pretendemos com isto prestar um esclarecimento à Câmara por forma a que publicamente se fique a saber que a Subcomissão das Pescas está atenta a este sector e a tudo aquilo que possa valorizar o trabalho dos pescadores e a própria economia nacional.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chamo a vossa atenção para o facto de o Parlamento se encontrar hoje emoldurado com a juventude das escolas a que passo a fazer referência para que VV. Ex.ªs possam manifestar-se como julgarem conveniente. São elas: Escola Secundária de Tomás Cabreira, em Faro; Escola Secundária de D. Dinis, em Cheias; escola secundária do Feijó, e Escola Secundária de Rafael Bordalo Pinheiro, das Caldas da Rainha.
Aplausos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul de Brito.
O Sr. Raúl de Brito (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não estranhará certamente aos membros desta Câmara que hoje abordemos as preocupações e dificuldades da laboriosa população de um pequeno concelho da área metropolitana do Porto. Trata-se do concelho de Valongo. Não seremos pioneiros no alerta que faremos e muito menos originais nos apelos e sugestões que deixaremos nesta Assembleia. Tão-pouco ousaremos ter a pretensão de, nesta curta intervenção, resolver questões que, pela sua gravidade e complexidade, têm constituído um desafio e uma prioridade aos consecutivos governos e governantes deste país.
Reportamo-nos à situação dos trabalhadores afectados pelo desemprego e pelos salários em atraso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma das consequências da crise económica é o aumento do desemprego. Certas categorias de pessoas, certas profissões e certas
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indústrias são por sua vez mais afectadas do que outras.
Estão no primeiro caso, os jovens, os deficientes, as mulheres; no segundo caso os trabalhadores desqualificados que abandonam um sector para trabalhar noutro; no terceiro caso certos grupos de empresas em dificuldades, como aquelas que enfrentam problemas de reconversão.
Outros factores podem contribuir para a evolução do desemprego, tais como a tendência demográfica, a política de investimentos, uma nova repartição do trabalho, a presença ou ausência de infra-estruturas básicas, as acções de formação profissional, para dar alguns exemplos.
A conjugação dos aspectos e das situações mais negativas numa determinada área acentua naturalmente o desequilíbrio social local, podendo em determinadas circunstâncias ocasionar situações de autêntica calamidade.
Se na situação de desemprego o trabalhador tem recurso, ainda que transitório, a um subsídio, no caso dos salários em atraso, o trabalhador não tem qualquer mecanismo que o proteja. De um momento para o outro, sem que qualquer responsabilidade lhe possa ser assacada, vê-se impossibilitado de assistir ao seu lar e de lhe assegurar a satisfação das necessidades básicas.
É uma situação nova, original, não contemplada por qualquer sistema de segurança social.
Como veremos, o concelho de Valongo é uma região deprimida e fortemente atingida pelo desemprego e pelos salários em atraso.
Com 64 234 habitantes, é o concelho menos populoso da área metropolitana do Porto, representando apenas 6,6% da população, estimada em cerca de l milhão de habitantes, pelo Censo de 1981.
No entanto, a sua taxa de crescimento demográfico foi a mais espectacular no último decénio, 34,4%, contra uma média de 19,4% dos restantes concelhos.
As previsões para o ano 2000 acentuam esta tendência, atribuindo-lhe a maior taxa de acréscimo anual da população: 1,674% contra 1,635% da área metropolitana do Porto.
Tomando como referência o mesmo ano de 1981, Valongo tinha uma população activa residente de 29 121 trabalhadores, dos quais 2 398 na situação de desemprego, o que lhe conferia a mais alta taxa de desemprego: 8,2 % contra 7,36 % da área metropolitana do Porto.
Da população activa, 2,6% exercia a sua profissão no sector primário, 57,5% no sector secundário e 39,9% no sector primário.
Dos desempregados, 58,3% tinha apenas conhecimentos escolares ao nível do primário elementar, contra 54,3% da área metropolitana do Porto.
A taxa de desemprego do primeiro emprego era igualmente a mais significativa: 5,4% contra uma média de 4,2%.
Igual comportamento se verificava com a taxa de desemprego feminino, que se situava em 14,2% contra 12% de média geral.
Um inquérito a 88 % dos residentes activos efectuado na mesma data (1981) mostrava que 49% dos trabalhadores exerceram a sua actividade profissional no próprio concelho da seguinte forma:
1603 (52,1%) na construção civil; 6573 (56%) no sector secundário; 3732 (36,6%) no sector terciário.
Um outro importante elemento de avaliação do dinamismo económico diz respeito às intenções de investimento manifestadas pelas unidades produtivas instaladas no concelho.
A base de informação disponível, reportada a 31 de Dezembro de 1981, respeita aos projectos de investimentos submetidos no âmbito do SIII. O concelho de Valongo responde, mais uma vez no contexto da área metropolitana do Porto, pelo menor número de projectos (20 contra uma média de 96) e pelo menor valor médio de cada projecto (382 contos contra 2694 contos).
O último estudo divulgado sobre a função comércio, datado de 1977, demonstra uma tendência para a fixação no concelho de armazéns de comércio por grosso, armazéns de géneros alimentares, bebidas e produtos químicos e farmacêuticos, bem como de depósitos de combustíveis, que, como é do conhecimento geral, são actividades com pouca utilização de mão-de-obra.
O único sector que mostrava um certo dinamismo era o da construção civil, conquanto não fosse previsível nem aconselhável esperar nos próximos anos um grau de crescimento comparável ao do último decénio.
As actividades tradicionais do concelho estavam, à data deste censo, em crise, o caso da ardósia, ou apresentavam indícios de poderem vir a estar; referimo-nos à indústria de mobiliário e à indústria têxtil.
A agravar a situação, o concelho era mal servido de acessos e a rede rodoviária suportava com dificuldade os volumes de trânsito.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta era a situação económica e social do concelho de Valongo de 1981.
A leitura destes indicadores deveria ter alertado os poderes constituídos e provocado uma actuação coordenada da administração central, da autarquia local e dos agentes económicos de forma a que a área fosse objecto de um plano de ataque às causas profundas da crise.
Por inadequação das estruturas periféricas da administração central, um certo laxismo das autoridades locais então instaladas à frente do município e face ao desinteresse da iniciativa privada e de outros agentes económicos na instalação de novas indústrias ou na modernização e reconversão das empresas existentes, assistiu-se a um contínuo degradar da situação, pelo que o concelho de Valongo pode hoje considerar-se uma das áreas mais deprimidas do País.
Conquanto não hajam informações oficiais disponíveis e completas sobre a situação posterior ao censo de 1981, foi possível recolher junto do actual executivo da Câmara Municipal de Valongo e do SINDE-TEX informação avulsa que nos permite caracterizar a degradação da situação.
Constatamos, assim, que três das maiores unidades fabris do concelho ou paralisaram a produção, caso da CIFA, ou, continuando a laborar, defrontam-se com graves problemas económico-financeiros ou de reconversão, exemplos da Fábrica de Tecidos da Formiga e da UNITECA.
Em consequência deste estado de coisas, há 1400 trabalhadores da CIFA, 250 da Fábrica de Tecidos da Formiga e 760 da UNITECA na situação de salários em atraso.
Se tivermos presente que nestes sítios é normal que uma família inteira trabalhe na mesma unidade e que os 2100 trabalhadores da CIFA e UNITECA são predominantes de três pequenas freguesias - Campo,
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Sobrado e Valongo -, que no seu conjunto têm uma população activa de 9564 trabalhadores, com facilidade passamos a compreender quão dramática deve ser a vida dessas populações e nessas povoações.
Por sua vez, o Governo Central não promoveu na zona qualquer pequeno ou grande projecto, nem tão--pouco, pelo que nos é dado conhecer, tem em curso, por parte das suas estruturas periféricas, qualquer plano tendo em vista a inventariação, mobilização e valorização dos recursos endógenos existentes.
A única obra de vulto projectada para a área - a auto-estrada Porto-Amarante e os respectivos acessos - seria, sem dúvida, um empreendimento cujo arranque traria, inevitavelmente, consequências muito positivas quer no mercado do emprego - curto prazo - quer no descongestionamento do tráfego da estrada nacional n.º 208, quer, finalmente, no desenvolvimento global de toda uma região do hinterland.
Temos a certeza de que este Governo continuará a dar toda a prioridade a esta ligação com o Nordeste e que a próxima adesão de Portugal à CEE porá à disposição do nosso país os recursos necessários para que esta via possa ser rapidamente concluída.
À Assembleia da República também poderá ser atribuída, ainda que indirectamente, alguma responsabilidade. De facto, é da nossa iniciativa, como deputados, que depende a criação das regiões administrativas e das áreas metropolitanas.
Estes tipos de organização administrativa, reconhecidos constitucionalmente, com a unanimidade de todos os partidos, são hoje comummente aceites como as soluções mais eficazes e adequadas para a resolução de situações como as que acabamos de expor: ordenamento, coordenação e desenvolvimento regionais, melhor redistribuição espacial do emprego, etc.
O rápido agendamento e aprovação por esta Câmara do projecto de lei do PS que cria a área metropolitana do Porto será, certamente, um serviço prestado ao País e um acto político que as populações apreciarão.
Deixamos aqui o desafio e, pela nossa parte, podem contar os Srs. Deputados que tudo faremos para que sejam criados os consensos e as condições práticas para que este projecto possa ser brevemente apreciado.
A política de intervenção da iniciativa do actual município pode, louvavelmente, considerar-se como exemplar no contexto de comportamentos das entidades envolvidas ou com responsabilidades nesta questão.
Por um lado e no campo das suas competências estritas, as acções da Câmara Municipal de Valongo têm procurado e conseguido, com êxito, minimizar e alterar as condições desfavoráveis à reanimação da vida económica concelhia.
Inserem-se neste sentido as acções de ordenamento do território, de reforço da rede viária municipal, de criação de novos acessos e de instalação de um parque industrial, para dar alguns exemplos.
Por outro lado, para defesa dos interesses económicos e sociais da população residente, tem o Município de Valongo vindo a desenvolver todo um outro conjunto de iniciativas, cujo mérito deve merecer o reconhecimento desta Assembleia.
A criação da Cooperativa de Prestação de Serviços em Edifícios, que, neste momento, emprega em permanência 50 trabalhadores, e a promoção de uma nova Cooperativa de Serviços de Limpeza Doméstica são paradigmas de como o poder local pode, na ausência dos agentes económicos tradicionais, contribuir para o
desenvolvimento e combater, com eficácia, o desemprego.
O apoio dado pela autarquia aos trabalhadores afectados pelos salários em atraso e os esforços permanentes desenvolvidos junto do Governo e dos empresários para a regularização dessas situações, para a manutenção dos postos de trabalho existentes e para a criação de novos empregos são outras acções cujo mérito deve ser por nós reconhecido.
Feitas estas considerações, julgamos estar em condições para poder afirmar que a situação económica e social do concelho de Valongo exige, de facto, uma imediata e concertada intervenção, de instrumentos e meios, de entidades tão diversas como o Governo Central, autarquia local, Comissão de Coordenação da Região Norte, empresas públicas com actividade concelhia, IAPMEI, IPE, para dar alguns exemplos.
A criação de uma estrutura coordenadora, à falta da área metropolitana do Porto, a inventariação dos problemas, a elaboração de planos, a mobilização de recursos é tarefa demorada e complicada, inconciliável, ainda que compatível, com a urgência na resolução dos problemas de carácter social que afectam penosamente uma parte significativa da população desempregada ou com salários em atraso.
Por tal motivo e sem pôr de parte outras medidas positivas e louváveis de carácter geral que o Governo tem vindo a tomar, o conhecimento de factos, a gravidade das situações e a circunstância de sermos um seu apoiante dá-nos outras obrigações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estas condições legitimam-nos a exigir desta Câmara, e perante os legítimos representantes do povo português, que o Governo declare o concelho de Valongo como área de calamidade social e, como tal, beneficiária de um programa de auxílio extraordinário que atenda às situações mais dramáticas.
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Gaspar Martins (PCP): - Peço a palavra para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Como V. Ex.ª sabe, já não tem tempo, aliás o que aconteceu há pouco foi que a Mesa lhe concedeu 30 segundos para responder.
O Sr. Gaspar Martins (PCP): - Nesse caso, Sr. Presidente, não quero abusar da sua benevolência, pelo que fico inscrito para uma próxima oportunidade.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegou o momento de entrarmos no período da ordem do dia, de cuja primeira parte consta a apreciação dos recursos da admissibilidade da proposta de lei n.º 102/III, que estabelece o quadro normativo em que as empresas públicas, ainda que nacionalizadas, podem dispor de elementos autónomos do seu património e em que podem ser transformadas em empresas de economia mista, apresentados pelo MDP/CDE e pelo PCP.
Porém, dada a necessidade de aguardarmos que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias nos remeta um parecer acerca dês-
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tes recursos, vamos interromper os nossos trabalhos por 10 minutos. Está, pois, suspensa a sessão, Srs. Deputados.
Eram 16 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 16 horas e 55 minutos.
Srs. Deputados, a meu pedido e mercê das diligências feitas pelo Sr. Secretário da Mesa, Maia Nunes de Almeida, foi possível conseguir-se consenso por parte de todas as bancadas parlamentares no sentido de, dada a morosidade do parecer sobre os recursos emitido pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, se ultrapassar a primeira parte da ordem do dia e entrar na segunda parte da mesma, ou seja, na apreciação da proposta de lei n.º 12/III - lei reguladora do exercício da tutela sobre as autarquias locais.
Deste modo, poderíamos ainda aproveitar os 35 minutos que nos restam até ao intervalo.
Porém, tal não é possível, na medida em que fui agora informado de que o Governo não pode estar neste momento presente, pelo que suspendo de novo os trabalhos até às 18 horas.
Eram 16 horas e 57 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre os recursos de admissibilidade da proposta de lei n.º 102/III, apresentada pelo PCP e pelo MDP/CDE.
O Sr. Secretário (Lemos Damião): - É do seguinte teor o referido parecer:
Comissão da Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
Parecer - Sobre o recurso da admissibilidade da proposta de lei n.º 102/III - estabelece o quadro normativo em que Empresas Públicas, ainda que nacionalizadas podem ser transformadas em empresas de economia mista - apresentado pelo PCP e MDP/CDE.
Os recursos interpostos pelo PCP e pelo MDP/CDE sobre a proposta de lei n.º 102/III tem por fundamento a violação de preceitos constitucionais que um e outro partido indicam.
O PCP, porém, fundamenta o seu recurso indicando as normas supostamente violadas da Constituição da República, e também as violadoras da proposta.
Não procede assim o MDP/CDE, que indica apenas as normas constitucionais alegadamente violadas.
Da discussão em Comissão não ficou demonstrada a existência de ofensas à Constituição, impeditivas da discussão da proposta de lei em Plenário, nomeadamente aos seus princípios fundamentais sobre a organização económica.
Sendo certo que esta Comissão vem estabelecendo a doutrina de que só ofensas notórias, consensualmente admitidas, podem servir de suporte à procedência de recursos nos termos do artigo 134.º do Regimento, não deve, por este meio, evitar-se a discussão de fundo da proposta de lei.
Em conclusão, a Comissão é de parecer que os recursos devem ser rejeitados, mantendo-se, em consequência, o despacho de admissão.
Palácio de São Bento, em 16 de Abril de 1985. - O Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, Luís Silvério Gonçalves Saias.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão o referido parecer.
Pausa.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente a minha bancada gostaria de ser esclarecida face ao andamento dos trabalhos do Plenário.
Quando há pouco V. Ex.ª interrompeu os trabalhos do Plenário devido ao facto de a Comissão não estar ainda em condições de emitir o parecer e, por outro lado, por ainda não se encontrar o membro do Governo que iria intervir sobre a matéria agendada logo a seguir na ordem de trabalhos - concretamente a proposta de lei relativa ao exercício da tutela sobre as autarquias locais -, ficámos com ideia de que o ponto relativo aos recursos sobre a admissibilidade da proposta de lei n.º 102/III teria transitado para a ordem do dia de quinta-feira, pelo que o mesmo aconteceria ao parecer que acaba de ser lido. Ficámos um pouco surpreendidos ao ver a Mesa ler neste momento o referido parecer.
É neste sentido que interpelo a Mesa, para obter mais algum esclarecimento.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lemos, efectivamente houve a pretensão de se ultrapassar a primeira parte e se entrar na segunda, dada a demora na apresentação do parecer. Aliás, foi nesse sentido que, a meu pedido, o Sr. Secretário da Mesa Maia Nunes de Almeida percorreu as bancadas. Entretanto, pretendia-se entrar na segunda parte, mas só com a presença do Governo, que também não compareceu.
Imediatamente a seguir a ter interrompido os trabalhos, deu entrada na Mesa o referido parecer. Simplesmente, como já havíamos interrompido os trabalhos, não era possível voltar a trás.
Por ter ficado sem efeito aquela primeira pretensão, retomámos a ordem de trabalhos tal como ela está prevista na respectiva agenda. É por isso que vamos agora discutir o parecer sobre os recursos relativos à admissibilidade da proposta de lei n.º 102/III.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Ainda assim, o Sr. Presidente compreenderá a atitude da minha bancada. Quando demos aquiescência e depois fomos in-
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formados de que se tinha gerado consenso sobre essa matéria, tomámos algumas disposições. Para nós, este momento não seria a altura ideal para discutirmos uma matéria sobre a qual já tínhamos o entendimento de que não seria discutida hoje. É esta a questão que também queria colocar.
O Sr. Presidente: - Queira desculpar, Sr. Deputado, mas esse entendimento não tinha transitado em julgado. Por isso, vamos retomar a ordem de trabalhos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Com certeza, Sr. Presidente. Ainda assim, não quisemos deixar de colocar esta questão a V. Ex.ª
O Sr. Presidente: - Certo, Sr. Deputado. De qualquer forma, é legítima a sua apreensão, mercê de toda esta confusão que se gerou, pelo facto de não ter sido possível cumprirmos, tanto quando desejávamos, a agenda de trabalhos que havia sido proposta.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, quero perguntar à Mesa se o texto que acaba de ser lido foi admitido pela Mesa como parecer fundamentado, nos termos do artigo 134.º do Regimento.
O Sr. Presidente: - Foi admitido, Sr. Deputado, embora, segundo a minha opinião, ele não esteja absolutamente correcto e de acordo com os preceitos regimentais. Segundo o meu entendimento, deveria haver dois pareceres, dado tratar-se de dois recursos, cada recurso deveria ter o seu parecer.
Entretanto, a Comissão entendeu que devia apresentar um só parecer em relação aos dois recursos que foram interpostos, tendo-o a Mesa admitido como tal, mas sujeitando-se necessariamente ao recurso e à impugnação correspondente.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, é nosso parecer que a Comissão foi longe de mais na fundamentação que é devida regimentalmente. Nesse sentido, não nos parece que o texto possa ser tido como parecer.
Sendo assim, gostaria de anunciar à Mesa que somos forçados a fazer aquilo que não desejaríamos fazer isto é, a interpor recurso da decisão de V. Ex.ª, que, ainda que nos termos que acabou de exprimir, admitiu este texto. Parece-nos que isso é um péssimo e muito grave precedente.
Por isso, peço licença ao Sr. Presidente para proceder à entrega na Mesa de um texto de recurso, cuja distribuição igualmente solicito de imediato. Além disso, peço desde já a palavra para ulteriormente fundamentar, nos termos regimentais, aquilo que acabámos de interpor.
Se V. Ex.ª atender como reclamação aquilo que entregarei agora na Mesa, parece-nos que essa convolação pouparia algumas démarches e seria prestigiante para a Assembleia da República. Em todo o caso, o julgamento será feito pela Mesa.
O Sr. Presidente: - Peco-lhe o favor de esperar um momento e de não apresentar já o recurso, porque vou primeiro consultar a Mesa quanto à reclamação que deduziu. Se porventura ela não for julgada procedente, V. Ex.ª terá a amabilidade de ler o referido recurso, porque, estando ele escrito à mão, sempre temos uma certa dificuldade em ler a sua letra.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Certo, Sr. Presidente, esperarei.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, a Mesa entende, embora não por unanimidade, que deve manter a decisão de recepção do parecer fundamentado. Por isso, aceita o recurso que o Sr. Deputado pretende fazer.
Como temos uma certa dificuldade em ler o referido recurso, peço a V. Ex.ª o favor de o ler e de o entregar depois na Mesa.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Certo, Sr. Presidente. Vou então proceder à leitura do recurso, para efeitos de mero registo no Diário da Assembleia da República, que é do seguinte teor:
Considerando que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias não deu cumprimento ao disposto no artigo 134.º do Regimento, não tendo elaborado parecer fundamentado e, menos ainda, dois pareceres sobre a constitucionalidade da proposta de lei n.º 102/III;
Considerando que, em vez de aduzir um só fundamento para legitimar o juízo de constitucionalidade que emite sobre a proposta, a Comissão se limitou a afirmar rotundamente que esta não acarretaria ofensa à Constituição, sendo certo que, como o PCP demonstrou, o diploma infringe clara e gravemente a garantia constitucional das nacionalizações e os princípios fundamentais da organização económica democrática consignada na Constituição da República;
Sendo certo ainda que o texto aprovado pela Comissão, além de não especificar os fundamentos de facto e de direito da sua tomada de posição, não se pronuncia sobre as questões que era suposto apreciar, não equacionando os termos em que se coloca a garantia constitucional das nacionalizações e não reflectindo minimamente sobre as implicações da posição constitucional de reprivatização, nos casos em que existe, os limites aos poderes de disposição de património nacionalizado directa ou indirectamente e outros importantes problemas suscitados pela proposta de lei n.º 102/III;
Considerando que, pelo seu objecto e implicações, o diploma em apreço suscita melindres e dificuldades de apreciação que não são compatíveis com a grosseira e dogmática proclamação de constitucionalidade, nos termos em que o texto da Comissão o faz;
Sendo certo que não se conhece autor de qualquer quadrante ideológico que deixe de reconhecer as implicações proibitivas de reprivatizações decorrentes do artigo 85.º, n.º 1, da Constituição.
Sendo este procedimento desprestigiante e frontalmente anti-regimental, os deputados abaixo assinados recorrem da admissão do texto acima identificado, solicitando a sua devolução à Comissão competente, a fim de ser refundido e fundamentado, nos termos regimentais.
Assembleia da República, 16 de Abril de 1985.
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Vou proceder à entrega deste texto na Mesa, pedindo desde já a palavra para fazer alegações nos termos do Regimento.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão o recurso que acabou de ser lido.
Como VV. Ex.ªs sabem, cada grupo parlamentar - e só este - pode usar da palavra por 3 minutos, nos termos do artigo 87.º do Regimento.
O primeiro Sr. Deputado inscrito é o Sr. Deputado José Magalhães, pelo que lhe irei dar a palavra de imediato.
A Sr.ª Margarida Salema (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr.ª Deputada?
A Sr.ª Margarida Salema (PSD): - É para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Certo, Sr.ª Deputada. Peço desculpa ao Sr. Deputado José Magalhães, mas terá de aguardar um momento. Tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Salema.
A Sr.ª Margarida Salema (PSD): - Sr. Presidente, lamento intervir neste momento usando a figura da interpelação à Mesa, mas não estou a entender o processamento do recurso que agora está em apreciação.
Por essa razão perguntaria ao Sr. Presidente se estão ou não sujeitos a admissão pela Mesa os pareceres das comissões especializadas permanentes.
O Sr. Presidente: - Penso que sim, Sr.ª Deputada.
A Oradora: - Gostaria de saber ao abrigo de que disposição regimental isso se verifica, na medida em que, parecendo-me ser a primeira vez que se coloca nesta Casa uma questão de admissiblidade de pareceres de comissões, nunca foi posta em causa a admissibilidade de pareceres elaborados por comissões especializadas permanentes.
Uma voz do CDS: - Muito bem!
A Oradora: - Se V. Ex.ª entende que um parecer está sujeito a admissão, que a Mesa se pronuncie, que o Presidente admita ou não e que depois haja recurso de admissão, então temos aqui uma questão que, segundo entendo, é importante, que pode constituir um precedente e que não dever ser tão rapidamente ultrapassada como foi.
Lamento ter de intervir e de interpelar a Mesa sobre esta matéria.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, entendo que todos os documentos que entram na Mesa têm de ser necessariamente sujeitos à admissão da Mesa, sob pena de isto constituir um vazadouro de todas as pretensões ou questões que se levantam.
A Mesa tem o direito de admitir ou não os documentos que lhe são entregues, constitui um filtro de toda a documentação, de todos os papéis ou documentos que lhe sejam entregues. Daí, a possibilidade de admitir ou recusar esses documentos.
Penso mesmo que a Mesa não pode pôr à discussão seja o que for sem que primeiro tenha admitido o elemento que vai ser ou que é passível de discussão.
Se fosse negada à Mesa a possibilidade de admitir ou não os documentos, teríamos certamente criado aqui um depósito de documentos, de pretensões ou desejos de toda a ordem, incluindo de pareceres.
Mas, V. Ex.ª, como regimentalista, estará em condições de nos prestar depois os esclarecimentos convenientes através da resposta a um pedido que farei à Comissão de Regimento e Mandatos no sentido do esclarecimento deste e de muitos outros pontos.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Salema.
A Sr.ª Margarida Salema (PSD): - Sr. Presidente, obviamente, não é minha intenção prolongar a discussão da questão que coloquei nem é minha intenção discordar da interpretação que, neste momento, V. Ex.ª está a fazer, nos termos da competência que detém.
Porém, obviamente que discordo da interpretação de V. Ex.ª e estou a fundamentar-me nomeadamente no próprio texto do Regimento, no que diz respeito à competência do Presidente quanto dos trabalhos da Assembleia da República, isto é, fundamento-me na alínea c) do artigo 17.º
Mas pior do que esta minha posição de discordância sobre a matéria é que penso - e reafirmo - que nunca na Assembleia se colocou a questão da admissibilidade ou não de pareceres elaborados por comissões parlamentares. Os partidos com assento na Assembleia da República podem discordar do conteúdo dos pareceres e expressam essas suas posições nos debates, mas nunca vi pôr em causa a admissibilidade pela Mesa ou pelo Presidente de um parecer de uma comissão!
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Margarida Salema, o princípio está fixado pela Mesa. Certamente que não será uma posição definitiva, mas, entretanto, entendemos que estamos no bom caminho. Se, porventura, vier depois a ser prestado um esclarecimento em sentido diferente, criar-se-á a doutrina necessária para que o Regimento seja esclarecido nessa parte.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, a minha interpelação é no sentido do que vem sendo dito pela Sr.ª Deputada Margarida Salema.
Efectivamente, parece-me que a Mesa tem de admitir todos os documentos que lhe são presentes no início de um qualquer processo, seja ele legislativo ou parlamentar em sentido lato, mas não no meio de um processo.
O recurso deu entrada; a Mesa admitiu-o ou não, pois trata-se de um poder da Mesa. Nos termos regimentais, esse recurso baixa a uma comissão; a comissão emite o seu parecer e nesse momento, quando a comissão emite o seu parecer,...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Emite um papel!
O Orador: - ... há já uma decisão, tomada por maioria, que é uma decisão da Assembleia da Repú-
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blica. Uns partidos estarão de acordo com essa decisão e outros estarão contra, mas a Assembleia da República já se pronunciou.
A partir desse momento, creio não haver lugar a que a Mesa admita ou não esse parecer do mesmo modo que não há lugar a que, no meio de um processo legislativo, a Mesa admita ou não propostas de alteração a um determinado diploma que lhe são entregues.
Trata-se de situações que creio serem perfeitamente diferentes e é neste sentido que interpelo a Mesa.
O Sr. Presidente: - Também para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, no seguimento dos colegas que me precederam no uso da palavra, entendo, salvo o devido respeito, que não se trata de um problema de competência da Mesa, tal como se configura no recurso interposto pelo Partido Comunista Português.
É evidente que a Mesa recebeu, dentro da sua competência, o relatório da comissão parlamentar respectiva; recebeu-o, tal como lhe cumpria.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mal!
O Orador: - Se em lugar de um relatório, a comissão parlamentar respectiva tivesse enviado a V. Ex.ª, por hipótese - e perdoe-se-me a ironia -, um relato de um desafio de futebol, é evidente que o Sr. Presidente não podia recebê-lo. E também aí estava dentro da competência da Mesa.
Quanto à Mesa ter ou não competência para receber o relatório, pelo facto de esse mesmo relatório estar ou não fundamentado, é um problema totalmente diferente: é um problema do Plenário e não um problema da Mesa.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o exemplo que V. Ex.ª apresentou, caricaturando a situação, vem, ao fim e ao cabo, dar-nos razão.
Vozes do PCP: - É exemplar!
O Sr. Presidente: - Vejo que outros Srs. Deputados estão a pedir a palavra. Agradeço-lhes que não voltem a insistir em interpelações respeitantes a este assunto porque a Mesa já tomou uma posição. Entretanto, aguardamos que, eventualmente, mais tarde, se venha a estabelecer doutrina mais clarificadora acerca do assunto. De outro modo, penso que estamos a perder tempo.
O Sr. João Amaral (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, pretende interpelar a Mesa sobre este mesmo assunto?
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, considero que V. Ex.ª tem razão: a questão está suficientemente elucidada a partir da decisão da Mesa.
Entretanto, gostaria de sublinhar o seguinte: a questão colocada é nova porque também é novo o disposto no artigo 134.º, n.º 4, do Regimento, que diz
A comissão elabora parecer fundamentado acerca dos recursos feitos sobre a admissibilidade de projectos ou propostas de lei.
Trata-se aqui, só e tão-só, de saber se o parecer está ou não fundamentado e esse é um papel relevante da Mesa, de que esta não pode abdicar sob pena de
- como disse o Sr. Deputado Montalvão Machado - receber e incorporar como pareceres relatos de futebol.
Sr. Presidente, fazendo uma analogia com o que se passa em termos de Código de Processo Civil - que diz, no artigo 668.º, n.º 1, alínea b), «é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão» - acrescento o seguinte: a norma que citei exige a fundamentação tal como a norma regimental exige que o parecer seja fundamentado e tem toda a aplicação aqui, ou seja, é nulo o parecer que não seja fundamentado!
A Mesa e o Sr. Presidente têm toda a legitimidade e têm o dever de verificar se o parecer está fundamentado. Se não está fundamentado, não poderão admiti-lo. E se o admitirem sem estar fundamentado, os deputados poderão, naturalmente, interpor recurso, que é o que estamos a fazer.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista comunga da interpretação regimental feita pela Sr.ª Deputada Margarida Salema e pelo Sr. Deputado Luís Beiroco.
Nesse sentido, reproduzimos como boas as alegações feitas pelos Srs. Deputados que acabo de referir. Naturalmente, se a Mesa entender confirmar a sua própria decisão, interporemos recurso dessa decisão.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tenho receio de que nos venhamos a enlear em recursos, ao fim e ao cabo, inúteis.
É preciso notar-se que o recurso apresentado pelo PCP foi interposto relativamente a uma decisão da Mesa, que aceitou o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, isto é, a Mesa aceitou o parecer e foi pelo facto de a Mesa o ter aceite que o Partido Comunista Português entendeu por bem interpor recurso.
Se se interpuserem recursos de recursos, daqui a pouco não sairemos disto e bloqueamos o desenvolvimento da actividade parlamentar.
Vamos, pois, prosseguir os nossos trabalhos.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, para dizer o que se lhe oferecer acerca do recurso que interpôs ao abrigo do disposto no artigo 87.º do Regimento.
Pausa.
Sr. Deputado José Magalhães, desistiu do uso da palavra?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Infelizmente, Sr. Presidente, não posso desistir do uso da palavra
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porque subsiste o facto que fundamentou a interposição do recurso.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, certamente que todos estaremos de acordo que não é o rótulo que transforma a lixívia em perfume e não é certamente o facto de se apor, num papel a designação «parecer fundamentado» que o fundamenta, aí, onde não há um só fundamento. E este é perfeitamente o caso!
O Regimento exige, no seu artigo 134.º, um parecer fundamentado e eu peço que algum dos Srs. Deputados me demonstre, que demonstre aos Portugueses, ao País, a alguém, que há um só fundamento no papel que acaba de ser lido e em má hora admitido pela Mesa, que é um papel desprestigiante, que é uma vergonha colectiva da qual nos dissociamos formalmente.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Os fundamentos podem ser expressos sinteticamente, podem ser breves, podem ser fulminantes mas têm de ser fundamentos!
Ora, nós não encontramos nenhum fundamento no texto que foi elaborado depois de peripécias rocambolescas: Srs. Deputados, passámos uma manhã inteira na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e, ao fim dessa manhã inteira, assistimos ao espectáculo caricato de o PSD empurrar para o PS a elaboração de parecer, de o PS empurrar para o PSD a elaboração de parecer, de o PS e o PSD fugirem cada qual para o seu canto para não fazerem o parecer, porque este parecer escalda, porque este parecer é uma vergonha, porque este parecer infama quem o subscrever!
E, ao Fim desse trabalho todo, houve um cálamo ágil - mas não, porventura, loquaz - que jactou sobre o papel umas gotas de tinta que disseram isto: «O artigo 83.º da Constituição não existe, nem nos interessa que exista tal artigo da Constituição! Não cuidaremos disso. O PCP interpôs um recurso, o MDP/CDE interpôs um recurso, mas nós achamos que o recurso não tem provimento.» Ponto parágrafo, travessão...
Isto é verdadeiramente infamante e é a degradação da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, certamente um cenáculo onde alguns rapazes simpáticos conversarão umas coisas mas onde o povo português não pode encontrar o mínimo arrimo para qualquer coisa de sério!
Uma voz do PCP: - Muito bem!
O Orador: - E isto desprestigia a Assembleia da República!
Ler um papel destes, que diz «Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais [...]», é dar ao povo português a imagem de que os assuntos constitucionais são verdadeiramente coisíssima nenhuma, são uma treta!... É dar da Assembleia da República a imagem de um grupo de caros senhores que escrevem papéis com a valia nula daquele que ali está em cima, na Mesa, para desprestígio colectivo!
Dizer-se que é constitucional uma proposta de lei que viola frontalmente a Constituição em relação a um aspecto que autores de todos os quadrantes - de todos, repito, dos mais notoriamente situados à direita até democratas de diversíssimos quadrantes - consideram inconstitucional e dizer-se que o artigo 83.º da Constituição - que bem ou mal os Srs. Deputados do CDS consideram uma porta horrenda, que impede o acesso ao desenvolvimento económico e que nós achamos ser uma garantia de conquistas adquiridas - não existe e que é uma ficção, é grave! Isso é o que faz o Governo.
Mas não dizer nada - que foi o que fez a Comissão -, isto é, dizer, pura e simplesmente, «a Comissão entende que o recurso não tem fundamento» (mas porquê, senhores?), «logo, não há ofensa à Constituição», é reduzir a noção de fundamentação a coisa nenhuma, a uma gargalhada...
Que o PS e o PSD fujam a fundamentar uma vergonha como é a proposta governamental, bem se compreende. Muitos dos deputados que estavam na Comissão já sustentaram, em várias alturas, posições que levam a que hoje, em honestidade, não possam senão defender que a proposta é inconstitucional. Mas que tentem, sem a mínima fundamentação, fazer um dictat negativo, considerando que o recurso do PCP não está adequadamente fundamentado, isso é um insulto à inteligência, é um insulto à coerência.
Se o PS, para fazer passar uma proposta inconstitucional, renega tudo o que até hoje proclamou, isso é com ele! Mas que arraste nesse processo a Assembleia da República, isso nós não aceitamos, e contra isso protestamos e é esse o sentido fundo do recurso agora interposto.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se na tribuna do corpo diplomático representantes dos jovens quadros políticos da Associação Luso-Atlântica que está a fazer um Seminário Ibero-Atlântico.
Aplausos do PS, do PSD, do CDS, da UEDS e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, creio que estamos perante mais um caso como aqueles que já têm surgido nesta Assembleia, em que o novo Regimento, as novas alterações ao Regimento, vem colocar a maioria e aqueles que elaboraram essas alterações na situação de descontentes, de vítimas. Nisso não temos qualquer responsabilidade...
Efectivamente, o que se passa hoje, quando há a elaboração de um parecer, é que, pelo novo Regimento, é o parecer que é colocado em apreciação e em discussão na Assembleia da República.
Na realidade, este parecer - que é um parecer dos mais sucintos que seria possível fazer -, depois de nos dois primeiros parágrafos fazer uma abordagem dos termos dos recursos, decide, no § 3.º, que não existe violação da Constituição. No entanto, ao contrário do que exige o artigo 134.º, que fala em parecer fundamentado, não fundamenta a decisão.
Depois de se dizer que não ficou demonstrada a existência de ofensas à Constituição impeditivas da discussão da proposta em Plenário, a verdade é que não se apresenta uma única razão justificativa desta afirmação.
Parece assim mais do que claro que o parecer não contém a fundamentação exigida pelo artigo 134.º, nem
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mesmo qualquer espécie de fundamentação; faz-se uma afirmação despojada de qualquer justificação.
É evidente que, ainda que o Regimento o não dissesse, a própria lei processual exige justificação das decisões, pois é impossível discutir uma decisão sem se conhecerem as razões que a motivaram.
Naturalmente que a história - que já foi aqui referida pelo Sr. Deputado José Magalhães - do que se passou na Comissão, com o jogo de empurra entre os representantes do PS e do PSD quanto à elaboração deste parecer, veio a criar esta situação. No entanto, e como é evidente, também aqui não nos cabe nenhuma responsabilidade e não temos senão de notar, mais uma vez, a existência de tais divergências dentro da chamada maioria. Mais uma vez, e através das divergências da maioria quanto a esta questão, a Assembleia da República ficou com um parecer pobre nas mãos, que nem sequer tem qualquer fundamento.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, na opinião do MDP/CDE bem se justifica que o recurso interposto seja provido e que seja minimamente fundamentado, como o artigo 134.º exige, o parecer ora apresentado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não valerá certamente a pena discutir se o conceito de parecer fundamentado deveria ser sinónimo - como o parece ser para o PCP e para o MDP/CDE - de parecer prolixo.
Naturalmente que este parecer é um parecer bastante austero de palavras. No entanto, o que é curioso é notar o seguinte: acabamos de ouvir o Sr. Deputado Raul Castro insurgir-se pelo facto de o Regimento exigir um parecer fundamentado e, do ponto de vista do MDP/CDE, o parecer não ter fundamento bastante.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Nenhum!
O Orador: - Mas já não importa ao MDP/CDE e ao Sr. Deputado Raul Castro que o mesmo Regimento que invoca afirme que qualquer deputado pode requerer, por requerimento escrito e fundamentado. Ora, o recurso apresentado pelo MDP/CDE - tenho-o na minha mão - não tem nenhum fundamento.
O Sr. Deputado Raul Castro apresenta um requerimento sem fundamento para impugnar a admissão de uma proposta de lei e não se importa com a disposição regimental, mas insurge-se pelo facto de, por parte da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, não ser cumprido o Regimento! ...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ah, reconhece!
O Orador: - Dois pesos e duas medidas para o MDP/CDE, ou seja, apenas um critério de oposição, que não se importa de recorrer a todos os instrumentos parlamentares apenas para criar dificuldades ao normal exercício da actividade parlamentar.
É apenas este o ponto e não outro. Isto porque se realmente o MDP/CDE quisesse pôr em causa a questão da constitucionalidade do diploma, não vinha apenas invocar um conjunto de normas da Constituição supostamente violadas, mas viria explicar porquê, viria dizer quais as normas da proposta de lei que violariam as normas da Constituição e acerca disso nada diz. Limitou-se apenas a utilizar um dispositivo regimental para dificultar os trabalhos parlamentares, como se compreende.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Quanto à fundamentação do parecer disse zero!
O Sr. Raúl Castro (MDP/CDE): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito pediu a palavra, Sr. Deputado? É para interpelar a Mesa?
O Sr. Raúl Castro (MDP/CDE): - Não, Sr. Presidente, era para usar do direito de defesa em relação ao MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, infelizmente o Regimento não autoriza que os Srs. Deputados defendam os partidos. A não ser que V. Ex.ª se sinta ofendido...
O Sr. Raúl Castro (MDP/CDE): - Queria usar do direito de defesa também em relação a mim, que subscrevi o requerimento.
O Sr. Presidente: - Se é em relação à pessoa está certo, pois o novo Regimento não previne a figura da defesa do partido, mesmo que seja o líder do partido.
Tem então a palavra, Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Naturalmente que não será o Sr. Deputado Jorge Lacão o juiz da actividade do MDP/CDE. No entanto, ainda que quisesse ser juiz, seria um juiz que emite juízos totalmente desfasados da realidade.
Em primeiro lugar, o Sr. Deputado afirmou que o MDP/CDE se insurgia com o facto de o Regimento exigir um parecer fundamentado, mas só por distracção o Sr. Deputado pode ter feito tal afirmação.
O que o MDP/CDE disse, muito claramente, foi que a maioria que fez o Regimento é que agora se insurge contra as normas que ela própria introduziu.
Isto não tem nada a ver com o facto como o MDP/CDE se insurgir contra o Regimento!
Em relação aos dois pesos e às duas medidas que V. Ex.ª referiu relativamente à actuação do MDP/CDE, devo dizer que o recurso interposto pelo MDP/CDE está fundamentado, porque diz que a proposta de lei viola numerosas disposições da Constituição que nele são apontadas.
Porém, o que não está fundamentado é a afirmação contrária, genérica, constante, do parecer em que se diz que o diploma não viola a Constituição, seria necessário dizer porquê e isso não se diz.
Aliás, na própria reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, na minha declaração de voto, tive precisamente ocasião de fazer a afirmação que repeti neste Plenário. É que, efectivamente, a declaração que fiz foi textualmente esta: há doenças contagiosas e parece que as maleitas de que enferma a proposta de lei foram contagiosas para o parecer, porque o parecer não tem qualquer justificação da afirmação que faz de que as disposições da proposta de lei são constitucionais.
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Portanto, Sr. Deputado, seria conveniente que, quando se referisse ao MDP/CDE, prestasse mais atenção àquilo que o MDP/CDE afirma e não fizesse afirmações que não correspondem à realidade.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É óbvio que, do nosso ponto de vista, o parecer é fundamentado, senão não teria sido favoravelmente votado pelo nosso representante na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Isso é espantoso!
O Sr. Deputado Luís Beiroco não esteve lá...!
O Orador: - De qualquer forma, e uma vez que se está perante uma questão que nunca tinha sido levantada nesta Câmara, penso que o que interessa neste momento é analisar este tipo de questões.
É evidente que, do meu ponto de vista e do ponto de vista do meu partido, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias poderia optar pelos pareceres sucintos que tem vindo a proferir ou por pareceres que discutissem mais ex professo as matérias sujeitas a impugnação.
Naturalmente que a Comissão tem usado este procedimento e está assim a fazer doutrina, porque assistimos constantemente nesta Câmara ao uso e abuso dos recursos de admissão.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado diz uma coisa aqui e outra lá?!
O Orador: - De qualquer forma, é evidente que saber o que é um parecer fundamentado é uma coisa que compete apreciar à própria Comissão.
Os partidos que não estão de acordo - e que têm obviamente o direito de não estar de acordo -, o que têm a fazer é juntar a esses pareceres uma declaração de voto em que demonstrem o seu desacordo.
Agora, o que não se pode é estar a discutir duas vezes a mesma coisa e a arranjar uma forma ínvia de ultrapassar o Regimento e o regime que o Regimento estabelece para a discussão dos recursos de admissão!
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nas poucas semanas de existência que leva este Regimento, ele já foi de tal maneira retalhado, violado e ultrapassado pela maioria que, neste momento, já nem sequer sabemos por que lei nos regemos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Quando se definiu o princípio de que o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias nestas matérias deveria ser fundamentado, isso não se fez por acaso. Fez-se até como justificação para o facto de se transpor uma discussão que anteriormente tinha lugar neste Plenário para uma discussão que teria lugar numa comissão parlamentar.
De facto, só admitindo que os pareceres são ou deixam de ser fundamentados por definição - como dizia o Sr. Deputado Luís Beiroco -, é que se pode pensar que este parecer é fundamentado.
Não se trata de o parecer ser parco em palavras. Aliás, ele será parco em palavras, mas, em matéria de fundamentação, é muito mais do que parco; é totalmente omisso!
Também não se trata aqui de discutir o parecer do MDP/CDE, pois não é isso que está em causa, mas o parecer da Comissão. E se a Comissão entendia que o parecer do MDP/CDE não respeitava as regras regimentais, não tinha mais que indeferir liminarmente o recurso do MDP/CDE e nem sequer o considerar. No entanto, não é isso que está em causa.
O que está em causa é que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias deveria ter submetido a este Plenário, para que ele se pudesse pronunciar em consciência, um parecer fundamentado, num sentido ou noutro. Uma vez mais não o fez, por via do poder da maioria, limitou-se a rasgar mais um dos artigos deste Regimento!
De facto, estamos a caminhar para uma situação em que nenhum de nós acabará por saber as linhas com que se cose, ou o modo como este Plenário funcionará e haverá apenas uma verdade no funcionamento destes trabalhos: eles serão determinados pelo que, em cada caso concreto, for a vontade da maioria.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não existirem mais inscrições, vai ser submetido à votação o recurso interposto pelo PCP sobre a admissibilidade pela Mesa do Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo ao recurso de admissibilidade da proposta de lei n.º 102/III.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lemos pede a palavra para que efeito?
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, solicito a V. Ex.ª que seja verificado se existem as condições para se proceder a uma votação.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, irá proceder-se à verificação do quórum.
Pausa.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão verificadas as condições para que se proceda à votação do recurso de admissão do parecer em discussão, pelo que a mesma irá ter lugar de imediato.
Vamos votar.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD, do CDS e da ASDI e votos a favor do PCP, do MDP/CDE e da UEDS.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão o Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o recurso de admissibilidade da proposta de lei n.º 102/III.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Bem ao contrário do que sustenta o parecer não fundamentado da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a proposta de lei n.º 102/III viola directamente e por várias formas o disposto no artigo 83.º da Constituição (irreversibilidade das nacionalizações), bem como a regra da vedação dos sectores básicos da economia ao capital privado (artigo 85.º, n.º 3), particularmente quando tomadas à luz dos princípios fundamentais da organização económica consagrados no artigo 80.º da Constituição da República.
A proposta de lei n.º 102/III culmina uma série de atentados contra a garantia constitucional das nacionalizações, alguns dos quais, por que mais directamente ligados com a proposta em apreço convém agora recordar. Assim: a Lei n.º 3/80, de 29 de Março que, com o objectivo de promover de forma enviesada e inconstitucional, como a prática veio a confirmar, a alienação ou oneração, a qualquer título, de participações do sector público no capital de sociedades e de bens do activo imobilizado de empresas directa ou indirectamente nacionalizadas, revogou, sem a substituir a Lei n.º 77/79, de 4 de Dezembro, que regulava e delimitava as condições em que era vedada aquela alienação; as sucessivas alterações da lei de indemnizações (Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro), alterando e alargando as condições em que os detentores de títulos de indemnização podem trocar o valor das indemnizações por participações públicas noutras empresas; a alienação de numerosas participações do sector público, incluindo participações a 100%, pelo Investimento e Participações do Estado - IPE, e algumas empresas públicas; a extinção de empresas públicas, alienando o respectivo património e cedendo a respectiva actividade ao capital privado ou empresas de natureza privada; a alteração da lei de delimitação de sectores, abrindo ao capital privado os cimentos, os adubos e os seguros bem como o sector chave da economia, o sector básico para a constituição do capital financeiro, o sector bancário.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os iluminados autores desta proposta de lei vêem agora facilidades onde, até agora ninguém viu senão uma clara proibição de reprivatização. Ainda ontem protestavam contra a «porta blindada» que defende as nacionalizações. Hoje dizem que não há blindagem, nem porta: o caminho sempre esteve livre para o leilão das nacionalizações. Só faltavam os leiloeiros - e esses cá estão finalmente!
É uma sórdida mistificação, um expediente grosseiro. Toda a doutrina portuguesa, de todos os quadrantes, tem reconhecido as implicações do artigo 83.º da Constituição - para nelas se reconhecer ou delas discordar.
Sobre este alcance da configuração constitucional da irreversibilidade das nacionalizações pronunciam-se frontalmente Gomes Canotilho e Vital Moreira, mas também Braga de Macedo, para alegar a suposta «ilógica do sistema constitucional português», ou o Prof. Sousa Franco, sublinhando que a revisão constitucional não alterou o regime aprovado em 1976, ou
o Dr. Ferreira de Almeida, ou o Dr. António Menezes Cordeiro ou o Dr. José Simões Patrício. A lista é infindável e nela se inclui até o famigerado Prof. Martinez e o próprio Prof. Mota Pinto, que, no seu Direito Económico Português - Desenvolvimento Recente, lamenta a regra constitucional da irreversibilidade das nacionalizações, reconhecendo-lhe porém os efeitos e implicações proibitivos das reprivatizações fora dos casos do artigo 83.º, n.º 2. Isto para não falar já dos Srs. Deputados do PS e até do PSD que sempre sustentaram o que agora desmentem - como é escandalosamente o caso do Sr. Deputado José Luís Nunes, que em 1979 proclamava do alto desta tribuna que «as desnacionalizações só se podem fazer em fraude à lei». Pois é essa fraude que o PS agora se apresenta a consumar!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É estultícia argumentar, como se faz no preâmbulo da proposta de lei, com o pseudo «contra-senso» a que a rigidez e imutabilidade da alegada «absolutização do princípio da irreversibilidade das nacionalizações» conduziria, não permitindo a adopção de novas tecnologias ou a alienação de equipamentos obsoletos. Só a estultícia larvar de quem não tem quaisquer argumentos sérios e honestos permite confundir, por exemplo, a possibilidade de modernizar o alto forno da Siderurgia Nacional com a impossibilidade constitucional de, pura e simplesmente, alienar esse mesmo alto forno sem o substituir. Tal como nunca ninguém alegou inconstitucionalidade na venda pela Rodoviária Nacional dos elementos da sua frota que se tornaram obsoletos. Mas seria da mais gritante inconstitucionalidade a liquidação de toda a frota da Rodoviária Nacional. E isso seria permitido pela presente proposta de lei. De igual modo se mostra grotesca a defesa da proposta «no quadro da sua aptidão para viabilizar empresas em situação económica difícil». É que, para além das profundas e manifestas inconstitucionalidades que a proposta de lei n.º 102/III contém, ela não visa sequer a entrada de dinheiro fresco nas empresas nacionalizadas que, no todo ou em parte, o Governo pretende alienar. Como expressamente refere o seu artigo 5.º, ao atribuir o direito de preferência «aos ex-titulares de capital de empresa objecto da nacionalização» em primeiro lugar, e «aos portadores de outros títulos de indemnização não liberados» em segundo lugar.
O que na verdade se visa é, exclusivamente, a revisão de facto do princípio da irreversibilidade das nacionalizações, e a restauração do exacto e personalizado poder do capital monopolista vigente antes de 25 de Abril de 1974. A proposta visa, de forma revanchista e intolerável, através do direito de preferência atribuído caso a caso, de forma selectiva e arbitrária, que sejam os próprios ex-monopolistas a assumir a propriedade, gestão e fiscalização das empresas cuja titularidade detinham ao tempo da nacionalização. Isto é, o Banco Pinto & Sotto Mayor e a Siderurgia Nacional para António Champalimaud, o Banco Totta & Açores e a Quimigal para Jorge e José de Melo, etc.
O Sr. José Magalhães (PCP): - E as cervejas?
O Orador: - As cervejas para os Vinhas e seus descendentes!
Acresce que a proposta de lei n.º 102/III faz acompanhar todo este negócio político de um grande negócio financeiro. É que o direito de preferência atribuído
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aos ex-monopolistas pode ser realizado com a entrega de títulos de indemnização «até a concorrência do respectivo valor nominal». Ou seja, os ex-monopolistas não só se tornariam donos e senhores das empresas nacionalizadas como veriam os títulos de indemnização valorizados dos 180$ a que são cotados na Bolsa para os 1000$ do valor nominal, isto é, os títulos de indemnização dos 1222 indemnizandos da classe XII seriam valorizados dos actuais 18,5 milhões de contos de valor actual para 102,8 milhões de contos! É um escândalo.
A proposta tem também a implicação de abrir ao capital privado todos os sectores que ainda lhe estavam vedados depois da primeira revisão da chamada lei de delimitação de sectores. O Governo pretende alienar partes rentáveis de empresas nacionalizadas, conceder a exploração de outras, abrir portas a gestores directamente nomeados pelo grande capital em empresas-chave de sectores básicos.
Este golpe contra a Constituição é o negócio mais chorudo de sempre para os ex-monopolistas. E é a primeira prestação que o candidato presidencial Mário Soares quer pagar desde já enquanto promete para mais tarde a entrega do que reste da Constituição aos desejos de destruição da direita mais revanchista e do grande patronato, numa revisão inconstitucional da Constituição.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto! Voz do PS: - Não diga isso!
O Orador: - O PS transformado em comité eleitoral de Mário Soares não só aceita vibrar de imediato um profundo golpe nas nacionalizações como promete já o seu leilão final, na mira dos votos almejados, nos almoços e jantares com o grande patronato.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - É uma vergonha.
O Orador: - A proposta de lei n.º 102/III é por isso uma peça inconstitucional de um plano que põe em risco a sobrevivência do regime democrático. Também por isso o PCP interpôs o presente recurso e usaremos todos os instrumentos constitucionais na batalha de defesa de todas as nacionalizações após o 25 de Abril, conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No parecer agora em discussão considerou-se que a proposta de lei n.º 102/III não ofendia disposições da Constituição, estabelecendo a possibilidade de criação de chamadas empresas mistas, isto é, abrindo as empresas públicas, incluindo as nacionalizadas, ao capital privado, com preferência para os ex-titulares do capital das empresas nacionalizadas.
Certo é que tal parecer, embora sem fundamentar as suas afirmações, na realidade colide com numerosas disposições da Constituição. No recurso interposto pelo MDP/CDE foram já referidas algumas dessas disposições constitucionais, nomeadamente o artigo 80.º, alínea c), que estabelece a apropriação colectiva dos principais meios de produção e solos; o artigo 80.º, alínea é), que assegura o desenvolvimento da propriedade social; o artigo 83.º, n.º 1, que considera irreversíveis as nacionalizações; o artigo 85.º, que estabelece os sectores básicos da economia; o artigo 168.º, n.º 1 que estabelece a competência desta Assembleia - e não do Governo - relativamente aos sectores básicos vedados à iniciativa privada, e ainda outras disposições, como o artigo 90.º, ou o artigo 89.º da Constituição.
É realmente difícil de entender que se possa dizer com tamanha facilidade, de uma só penada, de uma limitada penada e com parcas palavras - segundo a expressão de um Sr. Deputado que votou -, que o parecer agora em recurso não ofende a Constituição.
O que fica da história deste parecer é o choque entre as posições dos Srs. Deputados do PS e do PSD. Só essa divergência, esse antagonismo de posições pode conduzir a este parecer. E isto pela seguinte razão: o PSD - como aliás aqui o afirmou o Sr. Deputado João Salgueiro no debate sobre a CEE - pretende a revisão da Constituição, ou seja, a revisão da sua parte económica, o que foi, aliás, reafirmado em recente reunião do PSD pelo mesmo Sr. Deputado e dirigente nacional do PSD. Se se considerar a Constituição como um muro aos objectivos do PSD, verifica-se que enquanto o PSD pretende pura e simplesmente derrubar esse muro, o PS quer apenas retirar-lhe algumas pedras, o que representa a presente proposta de lei. Simplesmente, a gravidade da situação implica que ao retirar algumas pedras ao muro, se criem as condições para que a breve prazo esse mesmo muro venha a ruir!
A proposta de lei assenta, aliás, em alguns pressupostos que são erros primários: em primeiro lugar, tenta convencer de que o que estaria em causa seria a imutabilidade do património e que se procuraria ocorrer a essa imutabilidade através da transformação dessas sociedades e empresas públicas em empresas mistas; afirma-se até no preâmbulo, com um grande ar de vitoria, que não se compreende como é que o Decreto-Lei n.º 260/76, de 8 de Abril, previu a fusão e o agrupamento das empresas públicas sem ter previsto, contudo, a sua transformação.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não foi por acaso!...
O Orador: - A transformação da empresa pública em empresa privada seria assim a fácil solução que esta proposta de lei apresentava.
Mas é evidente que a questão não é, afinal, a da disposição dos elementos do património, mas sim a de quem são ou de quem serão os titulares desse património.
Há já alguns anos, tivemos ocasião de estudar o problema de transformação de sociedades e, num trabalho sobre o tema, tivemos oportunidade de afirmar o seguinte: a história ensina-nos que «desde a sociedade em nome colectivo, paradigma transitório de ente moral, até à sociedade de responsabilidade limitada e consoante os princípios nelas incorporados, o capitalismo criou, à medida das suas necessidades, quatro pessoas jurídicas diferentes. A evolução temporal do capitalismo veio assim a definir quatro pessoas jurídicas diferentes».
E neste mesmo sentido, no sentido de que a determinada forma de sociedade corresponde uma pessoa moral, pronuncia-se por exemplo, o Dr. Cunha Gon-
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çalves, no Comentário ao Código Comercial Português, vol. I, p. 257, afirmando que «quando se dá essa transformação, o que em rigor se passa é a extinção de uma sociedade de certa espécie para se constituir outra, de espécie diversa», acrescentando que, «quando se fala de transformação de uma sociedade noutra de diversa espécie, há uma substituição no sentido de, em vez de subsistirem a par a antiga entidade e a nova - que com ela se formou -, a nova toma o lugar da anterior, a qual desaparece do mundo do Direito».
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, ainda que assim não fosse, e no que diz respeito a esta fácil solução da transformação de sociedades, o certo é que o artigo 89.º da Constituição, ao definir empresas públicas e empresas privadas pelos seus titulares, vem mostrar que não é efectivamente possível uma empresa pública passar a ter como titular - como o Governo pretende - uma entidade pública e, simultaneamente, entidades privadas.
Os objectivos desta proposta de lei - agora considerada, bizarramente, constitucional - são, afinal, os de abrir as empresas públicas ao capital privado, o que no Portugal de Abril, no Portugal da Constituição da República é um verdadeiro espanto!
E por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que nós defendemos que o parecer aprovado mas não fundamentado na Comissão Constitucional deve ser rejeitado pela Assembleia da República.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Normalmente quando se discutem nesta Câmara recursos de admissão de projectos ou propostas de lei temos adoptado sempre o mesmo critério, ou seja, o de considerar que esta Câmara não se deve substituir ao Tribunal Constitucional, fazendo abundantes e aprofundadas discussões e emitindo juízos de conformidade entre as normas de um determinado projecto de diploma e as normas e os princípios que estão inscritos na Constituição da República. Pensamos que este debate terá interesse apenas para, no caso de inconstitucionalidades gritantes ou grosseiras, poder evitar à Câmara um debate sobre um diploma que pode estar enfermado por um desses vícios, que é sempre possível de corrigir.
Porém, neste caso e tratando-se da matéria que se trata - uma matéria importante e melindrosa -, pensamos que valerá a pena ir um bocadinho mais longe.
Os recorrentes entendem que a proposta de lei em debate viola o artigo 83.º da Constituição, entre outros.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Abertamente!...
O Orador: - Sim, mas é o artigo cuja violação consideram mais grave. Ora, o artigo 83.º da Constituição diz no seu n.º 1:
Todas as nacionalizações efectuadas depois do 25 de Abril de 1974 são conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras.
Para além do sentido que, de um ponto de vista psicológico e até emocional, este artigo possa ter para alguns dos Srs. Deputados nesta Câmara, importa também tentar determinar o que é que o artigo quer essencialmente dizer. E o que ele quer dizer é-nos rapidamente dado pela consideração do n.º 2 deste mesmo artigo, que, sendo uma norma excepcional interpretada a contrario, dá-nos a resposta exacta sobre o princípio contido no n.º 1, que é o da proibição de integração das empresas nacionalizadas no sector privado.
É isto que o artigo diz e absolutamente mais nada em termos de conformação da ordem jurídica, para além de algum sentido emblemático que alguns dos Srs. Deputados lhe podem dar.
Ora, quando verificamos outras disposições constitucionais, constatamos que o n.º 3 do artigo 85.º - que aqui já foi também citado - veda os sectores básicos da economia à actividade das empresas privadas e, portanto, é necessário determinar o que é que de acordo com o texto constitucional são empresas públicas e o que é que são empresas privadas.
O artigo 89.º é muito claro e define as empresas públicas através de dois elementos: por um lado, a pertença ou a titularidade do Estado ou de outras entidades públicas e, por outro lado, o modo social de gestão, que pode pertencer ao Estado ou a entidades públicas, a colectivos de trabalhadores ou a colectividades locais.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sustentou o contrário da revisão constitucional!
O Orador: - A proposta de lei não viola claramente este artigo, visto que não pretende transferir nem a maioria da titularidade do capital nem a maioria da totalidade de gestão para entidades privadas.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Já reviu a revisão?!
O Orador: - Assim, sendo as empresas a quem seja aplicado este novo normativo - se ele vier a ser aprovado por esta Câmara - continuarão a ser empresas do sector público. Não são empresas do sector privado, e não o sendo, não são, portanto, abrangidas pelo n.º 3 do artigo 85.º nem pelo n.º 1 do artigo 83.º da Constituição.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Já reviu a revisão?!
O Orador: - Só não será assim para quem pretenda que o n.º 1 do artigo 83.º da Constituição, ao consagrar as nacionalizações, se refere a sectores da economia e não a empresas. Nunca tivemos esse entendimento e por isso não temos quaisquer dúvidas nesta matéria.
Porém, questão claramente diferente foi aquela aqui levantada pelo Sr. Deputado Raul Castro e que é a de saber se uma proposta de lei deste tipo é, numa certa perspectiva - que é a nossa mas que não é obviamente a do MDP/CDE -, suficiente para alcançar determinados objectivos económicos e financeiros.
Entendemos que é efectivamente necessária a revisão constitucional e isto para, entre outras coisas, permitir não apenas a constituição de empresas mistas com a maioria de capitais públicos mas também a privatização de empresas públicas.
É isto que nós muito claramente defendemos e não nos venham dizer em sede de apreciação da constitucionalidade - aquela em que estamos neste momento - que isto é uma forma enviesada de fazer
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a revisão da Constituição. Não é forma nenhuma de fazer a revisão da Constituição, que terá de ser obviamente discutida noutra sede.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Fernando Amaral.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Toda a Câmara compreende que a questão suscitada pelo Partido Comunista e pelo MDP/CDE...
O Sr. José Magalhães (PCP): - E pelo PS, até agora.
O Orador: -...tem a ver com uma dada interpretação da Constituição feita por estes dois partidos. Essa interpretação pretende ver no sector público não apenas um dos sectores da economia portuguesa, como a Constituição define, mas uma espécie de «vaca sagrada» na estrutura económica portuguesa, que não deveria poder ser alterável por qualquer medida legislativa ou reforma económica fosse de que tipo fosse. É sabido que esta posição do Partido Comunista corresponde a uma visão colectivista do modelo económico e é sabido também que o Partido Socialista não comunga da perspectiva colectivista no que ao modelo económico diz respeito.
É pôr isso que temos dito que uma leitura moderada da Constituição tem permitido e permite encontrar os instrumentos legais necessários para responder a várias exigências de transformação económica...
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - O contrário!
O Orador: -...em curso no nosso país.
Vozes do PCP: - Do Salvador Caetano?!
O Orador: - Uma dessas exigências de transformação económica passa pela duralização do mercado de capitais...
Vozes do PCP: - Pois, pois.. .
O Orador: -.. .e passa também pela modernização do sector produtivo, onde se encontram algumas das empresas nacionalizadas do sector público da economia.
Entende o Grupo Parlamentar do Partido Socialista como uma medida económica defensável e como uma medida legislativa perfeitamente enquadrável no quadro da Constituição, a possibilidade de se associar capitais privados aos capitais públicos no caso sub Júdice, na justa medida em que os capitais privados não retirem nessas empresas - que passarão a ser de tipo misto -, a dominância do capital público sobre o capital privado.
E como muito bem acaba de salientar o Sr. Deputado Luís Beiroco.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mal...
O Orador: -.. .desde que esta cláusula e esta garantia se mantenham, estas empresas continuarão, naturalmente, no sector público da economia e, como tal, a Constituição não é, obviamente, violada por esta proposta do Governo. É esta a posição sustentável pelo PS.
Naturalmente que quanto aos fundamentos económicos da proposta do Governo, teremos oportunidade de os debater mais profundamente com o Grupo Parlamentar do PCP, na altura própria. Fica para já e tão-só o nosso testemunho de que a proposta, do nosso ponto de vista, está claramente enquadrável no normativo constitucional.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Que falta de princípios, Sr. Presidente!
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para uma interpelação, tem a palavra o Sr. Deputado Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, se V. Ex.ª vai passar à votação, gostaria que verificasse a existência de quórum.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vamos verificar a existência de quórum, depois de proceder à chamada dos Srs. Deputados que porventura estejam nas comissões, tal como prevê o Regimento.
Pausa.
O Sr. João Lacão (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, relativamente à votação de outros pareceres emitidos pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, já se entendeu que, ultrapassado o período das votações das 18 horas, a transferência dessa votação passava para o dia seguinte num momento regimentalmente definido, ou seja, justamente às 18 horas. Assim, e tendo em atenção que essa hora já está regimentalmente ultrapassada, penso que, nos termos do Regimento, esta votação deverá ter lugar às 18 horas de amanhã e que o quórum, neste momento, é apenas de funcionamento, o qual suponho está claramente assegurado no Plenário da Assembleia da República.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, V. Ex.ª está a fazer uma interpretação extensiva ou por analogia que o Regimento não permite. É que as votações das 18 horas estão destinadas a um contexto muito próprio, para além do qual não é possível estar a pretender incluir votações do género, do recurso, nos termos do n.º 4 - salvo erro - do artigo 134.º do Regimento.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, estou naturalmente de acordo com V. Ex.ª, contudo queria apenas chamar a atenção de que o Plenário, em reflexão sobre essa norma e de acordo com a Mesa, já entendeu fazer uma interpretação extensiva também aos pá-
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receres. Naturalmente que se neste momento for outro o entendimento da Mesa nós nos conformaremos com o mesmo.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Dava-lhe jeito, mas não é assim!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, julgo que a Mesa tem razão na interpretação que fez e não houve nenhuma interpretação extensiva. Contudo, penso que é possível, se houver consenso na Câmara e pela nossa parte dá-lo-emos, que se adie a votação sem que isso signifique nenhuma interpretação do Regimento nem nenhum precedente. É que, adiando a votação desta matéria para amanhã às 18 horas, evitar-se-á que fiquemos aqui paralisados à espera de conseguir o quórum.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como determina o Regimento, sempre que um Sr. Deputado pretenda a verificação de quórum, temos de aguardar que os serviços chamem os Srs. Deputados que se encontrem nas comissões. De facto, estava uma comissão a trabalhar, os Srs. Deputados já foram chamados e presumo que já há quórum.
Em suma, estamos a cumprir o Regimento.
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, sem estar a querer retardar a votação, sugeria ao Sr. Presidente da Assembleia da República que peça à Comissão de Regimentos e Mandatos, um parecer sobre a questão que o Sr. Deputado Jorge Lacão levantou. É que em reunião anterior houve divergências de interpretação e foi sugerido que se pedisse o referido parecer, daí o meu pedido de interpretação sobre o artigo citado, evitando que em ocasiões posteriores se volte a abrir polémica nesta matéria.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado, pode ficar certo de que o farei.
Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação do parecer apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS, da ASDI e votos contra do PCP, do MDP/CDE e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não se ignora que aos recursos interpostos, em perfeita e significativa sintonia, pelo PCP e MDP/CDE, do despacho de admissibilidade da proposta de lei n.º 102/III, estão subjacentes tanto quanto questões jurídicas, questões de índole acentuadamente política.
O vencimento dos recursos equivaleria, além do mais, a ver confinado aos aspectos técnico-jurídico-constitucionais examinados preliminarmente em Comissão, o debate que amplamente se impõe sobre a matéria da proposta de lei, dado que a importância desta releva muito da carga política nela substanciada.
De resto, mesmo de um ponto de vista estrito de constitucionalidade, o vencimento dos recursos em questão fecharia as portas, definitivamente, a uma apreciação e aprovação da proposta de lei, salvando dela o que for julgado salvável, no todo ou em parte, face à Constituição da República, em termos de válido contributo para o desejável e indispensável desenvolvimento da economia do País.
Na medida em que a Constituição estrutura a sociedade portuguesa numa base plural de um ponto de vista político, não pode, sob pena de se contradizer, deixar de aceitar que, também de um ponto de vista económico, tenha expressão aquele pluralismo e nós pensamos que uma interpretação actualista da Constituição propenderá a não inviabilizar, ao menos à partida, a proposta de lei n.º 102/III.
Estas, resumidamente e sem prejuízo das posições jurídico-políticas a assumir sobre a proposta de lei em causa, ulteriormente, as razões do nosso voto favorável às conclusões do parecer emitido pela Comissão de Assuntos Constitucionais, em contrário da procedência dos recursos interpostos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se não há mais declarações de voto, vamos passar à discussão do tema seguinte.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, pretendia colocar a V. Ex.ª uma reflexão e através de V. Ex.ª aos Srs. Deputados aqui presentes. Neste momento são 19 horas e 45 minutos, daí que se nos coloque a questão de saber se valerá a pena iniciar um debate com a importância que este deve ter. No nosso entender, a solução mais ajuizada seria a de encerrarmos os nossos trabalhos e darmos à matéria que se segue na agenda de trabalhos a dignidade que ela deve ter, ou seja, permitir um debate seguido.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Algum dos Srs. Deputados se opõe ao que está a ser requerido pelo PCP?
Tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, em nossa opinião, se a Sr.ª Secretária de Estado, que penso que vai intervir em representação do Governo, não demorar - aliás a sua intervenção é de menos de 20 minutos -, creio que a deveríamos ouvir, o que aliás faremos com muito gosto.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lemos, uma vez que há objecção, não poderemos alterar a ordem de trabalhos e por isso tenho de dar a palavra ao membro do Governo que intervém neste debate.
O Sr. João Amaral (PCP): - Peço a palavra. Sr. Presidente.
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O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, eu não sei, mas talvez o Sr. Deputado António Capucho saiba se a Sr.ª Secretária de Estado tem uma intervenção de menos de um quarto de hora, de mais de um quarto de hora ou assim, assim. O que sei é que a apresentação deste diploma pelo Governo solicita um debate em que haverá naturalmente períodos de esclarecimento, haverá respostas e haverá tudo o que puder haver em torno dessa mesma intervenção.
Em suma, voltamos a solicitar - já que foi o Sr. Deputado António Capucho o representante da única bancada que se pronunciou de forma desfavorável - que o debate tenha continuidade, tenha uma formulação adequada e que uma matéria com a importância da tutela administrativa não seja tratada pela Assembleia nestas condições. Neste sentido, pela nossa parte, digo desde já ao Sr. Deputado António Capucho que não colaboraremos numa postura que coloca a Assembleia a discutir a questão da tutela administrativa às arrecuas, ao fim da tarde e com ar distraído.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, presumo que não haverá distracção, pois todos os Srs. Deputados são, felizmente, pessoas responsáveis e sabem da dignidade do debate. Contudo, o Regimento determina que o cumpramos até às 20 horas e como temos tempo, segundo penso, para ouvir a Sr.ª Secretária de Estado e havendo a objecção ao que fora requerido, pelo PCP, devemos prosseguir os nossos trabalhos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, acrescento a seguinte sugestão: caso haja perguntas à Sr.ª Secretária de Estado e se queira prosseguir os trabalhos até ela poder responder às mesmas, não temos nenhuma objecção a que se prolongue a sessão um pouco para além das 20 horas.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado, desde que na altura própria surja o requerimento nesse sentido.
O Sr. João Amaral (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para uma interpelação, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, colocando claramente as questões, gostaria de referir, em primeiro lugar, que temos um recurso relativo à atribuição de tempos que inviabiliza completamente que a Sr." Secretária de Estado possa falar neste período.
Em segundo lugar, referia que se da parte das bancadas da maioria existe alguma objecção a que este debate tenha a dignidade devida, então da nossa parte requereremos que a sessão seja interrompida através do exercício da nossa faculdade de pedirmos a interrupção dos trabalhos do Plenário.
Por isso, Sr. Presidente, desde já o faço, dando o direito, a V. Ex.ª de encerrar os trabalhos, anunciando a ordem de trabalhos de amanhã.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, reconheço-lhe esse direito, ainda que a meu contragosto, mas não tenho outro remédio senão aceitar a interrupção dos trabalhos.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente...
O Sr. João Amaral (PCP): - Desculpe, Sr. Presidente, mas a questão é esta: ou V. Ex.ª interrompe os trabalhos ou eu peço mesmo a meia hora de interrupção! Concedo a V. Ex.ª, com toda a boa vontade, o direito de encerrar a sessão, só que, Sr. Presidente, não se vai levantar nenhum debate em torno do meu direito regulamentar de interromper os trabalhos!...
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado João Amaral acaba de anunciar o exercício ilegítimo de um poder que acaba por nos reconduzir à situação de, depois de esgotada a meia hora concedida, se retomar a sessão!
Nunca houve aqui nenhuma interpretação no sentido de que pedir meia hora de interrupção dos trabalhos antes do final da sessão implicava o fim desta!...
Sr. Presidente, com isto não quero pôr objecções a que V. Ex.ª encerre a sessão por razões de ordem prática. Mas, sob o ponto de vista formal, que fique claro que não aceitamos essas medidas retaliatórias, que está na nossa mão retomar a sessão depois de passada a meia hora de interrupção e, inclusive, prolongá-la, se assim o entendermos.
Simplesmente, como somos sensatos e não queremos alinhar neste tipo de esquemas, estamos de acordo em que o Sr. Presidente encerre a sessão. Isto é só para que fique claro que não há nenhum poder retaliatório do PCP nesta matéria e que o Partido Comunista não pode usar esse instrumento regimental da maneira que usou.
Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, queria informar esta Câmara de que tomei a decisão - embora ainda não como critério definitivo - de que todo o expediente entrado na Mesa, embora com a data de hoje, deverá ser lido no período de antes da ordem do dia da próxima sessão. Assim, hoje não se lerá o expediente e de futuro vai-se seguir este critério, por ele me parecer o mais consentâneo com o Regimento.
Da ordem dos trabalhos para a próxima sessão, que terá lugar na quinta-feira, dia 18, às 10 horas, consta o debate dos diplomas agendados para hoje cuja discussão ainda não se efectuou - ou seja, a proposta de lei n.º 72/III e o projecto de lei n.º 393/III - e ainda o debate dos diplomas já agendados para quinta-feira: proposta de resolução n.º 46/III, proposta de lei n.º 100/III e eleição do Provedor de Justiça.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Dá-me licença que interpele a Mesa, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
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2868 I SÉRIE-NÚMERO 70
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, da ordem do dia para a próxima sessão, pelo que compreendi, constará a continuação da ordem do dia de hoje e o que já estava previsto para quinta-feira.
O Sr. Presidente: - Exactamente, Sr. Deputado. Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 50 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Alberto Manuel Avelino.
António Gonçalves Janeiro.
Armando António Martins Vara.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Frederico Augusto Handel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Alberto Santos Correia.
José Luís Diogo Preza.
Litério da Cruz Monteiro.
Manuel Fontes Orvalho.
Maria Ângela Duarte Correia.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
bílio Gaspar Rodrigues.
Adérito Manuel Soares Campos.
Agostinho Correia Branquinho.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amândio Domingues Basto Oliveira.
Alberto Augusto Faria dos Santos.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Nascimento Machado Lourenço.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Fernando José da Costa.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Maurício Fernando Salgueiro.
João Pedro de Barros.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
José de Almeida Cesário.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Bento Gonçalves.
José Manuel Pires das Neves.
José Vargas Bulcão.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Partido Comunista Português (PCP):
António Dias Lourenço.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
João António Torrinhas Paulo.
João Carlos Abrantes.
João Gomes dos Santos.
Manuel Correia Lopes.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Areosa Feio.
Zita Maria Seabra Roseiro.
Centro Democrático Social (CDS):
Alexandre Carvalho Reigoto.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
José Augusto Gama.
José Luís Nogueira de Brito.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Manuel Jorge Forte Góes
Narana Sinai Coissoró.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Ruben José de Almeida Raposo.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa.
Almerindo da Silva Marques.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
Carlos Luís Filipe Gracias.
Ferdinando Lourenço Gouveia.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
José de Almeida Valente.
José Barbosa Mota.
José Luís do Amaral Nunes.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Filipe Santos Loureiro.
Nelson Pereira Ramos.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Victor Hugo Sequeira.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
Carlos Alberto da Mota Pinto.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando dos Reis Condesso.
José Augusto Seabra.
José Pereira Lopes.
Manuel Pereira.
Paulo Manuel Pacheco Silveira.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Partido Comunista Português (PCP):
Lino Carvalho de Lima.
Octávio Rodrigues Pato.
António Gomes de Pinho.
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Centro Democrático Social (CDS):
António José Bagão Félix.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco António Lucas Pires.
João Carlos Dias Coutinho Lencastre.
Joaquim Rocha dos Santos.
José Miguel Anacoreta Correia.
José Vieira de Carvalho.
Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos enviado à Mesa para publicação
Em reunião realizada no dia 16 de Abril de 1985, pelas 15 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:
Solicitada pelo Partido Socialista:
Eurico Faustino Correia (círculo eleitoral de Faro) por Ferdinando Lourenço de Gouveia. Esta substituição é pedida para os dias 16 de Abril corrente a 5 de Maio próximo, inclusive.
Solicitada pelo Partido Social-Democrata:
José António Valério do Couto (círculo eleitoral da Guarda) por José Manuel Henriques Pires das Neves. Esta substituição é pedida para os dias 16 a 30 de Abril corrente, inclusive.
Solicitada pelo Partido Comunista Português:
Maria Alda Nogueira (círculo eleitoral de Lisboa) por Luís Francisco Rebelo. Esta substituição é pedida para os dias 17 de Abril corrente a 1 de Maio próximo, inclusive.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.
A Comissão: Vice-Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Secretário, Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (CDS) - José Manuel Niza Antunes Mendes (PS) - José Maria Roque Lino (PS) - Rui Monteiro Picciochi (PS) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Maria Margarida Salema Moura Ribeiro (PSD) - José Manuel Mendes (PCP) - João António Gonçalves do Amaral (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Francisco Menezes Falcão (CDS) - João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE) - António Poppe Lopes Cardoso (UEDS) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).
Rectificações ao n.º 66
Na 1.ª col. da p. 2673 nas 11. 25 e 37 e na 2.ª col. das pp. 2687, 2711 e 2717, respectivamente nas 11. 50 e 51, 22 e 23 e 28 e 29, onde se lê «Raul e Castro», deve ler-se «Raul Castro».
As REDACTORAS: Cacilda Nordeste - Maria Amélia Martins.
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PREÇO DESTE NÚMERO 78$00
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.