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I Série-Número 71

Sexta-feira, 19 de Abril de 1985

DIÁRIO da Assembleia da República

III LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1984-1985)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 18 DE ABRIL DE 1985

Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral

Secretários: Exmos. Srs.

Leonel de Sousa Fadigas
José Mário de Lemos Damião
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo a Vasconcelos

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente, da apresentação de requerimentos e de respostas a alguns outros.
O Sr. Deputado Carlos Brito (PCP} referiu-se ao património histórico e cultural do Algarve, nomeadamente à venda do Palácio de Estói e à ameaça de demolição que paira sobre a Quinta do Rio Seco.
A Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura (MDP/CDE) teceu vários comentários à notícia de que o Sr. Ministro da Educação teria anunciado a sua disposição para legislar sobre os 9 anos de escolaridade obrigatória.
O Sr. Deputado João Amaral (PCP) criticou a actuação do Governo e do PSP de Cascais e de Lisboa a propósito da realização de um inquérito aos trabalhadores do Hotel Palácio, no Estoril, para elaboração de uma ficha com vista à realização próxima naquele local de uma conferência da NATO.
A Sr.ª Deputada Zita Seabra (PCP), a propósito das conclusões de um encontro de saúde realizado pelas organizações de saúde do PCP, criticou a actuação do Governo relativa ao sector da saúde.
O Sr. Deputado Horácio Marçal (CDS), referindo-se aos problemas vividos no interior do País, considerou que as assimetrias existentes têm de ser urgentemente corrigidas, para que diminuam os obstáculos que se opõem ao seu desenvolvimento.
O Sr. Deputado Rocha de Almeida (PSD), referiu-se ao estado degradado, calamitoso e de destruição em que se encontra a estrada nacional que liga Aveiro à Figueira da Foz, criticando neste aspecto a incapacidade e a falta de vontade da Junta Autónoma de Estradas para resolver o problema.

Ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 62, 63 e 64 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias de 26, 28 e 29 de Março.
Procedeu-se as votações de diversos pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos que autorizam os Srs. Deputados Manuel Queiró e Carlos Espadinha e não autorizando os Srs. Deputados Menezes Falcão, Costa Fernandes, Frederico Vieira de Moura, Abílio Curto e Alberto Avelino, a prestarem declarações.
Procedeu-se ainda à votação por escrutínio secreto do parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a suspensão do mandato do Sr. Deputado Leonel Santa Rita e à eleição para o cargo de Provedor de Justiça, não tendo sido anunciado os resultados.
Depois da leitura do respectivo relatório, procedeu-se à discussão na generalidade - após ter sido rejeitado um recurso apresentado pelo PCP relativo à distribuição de tempos para a discussão - da proposta de lei n. º 72/III (Regula o exercício da tutela sobre as autarquias locais), que foi aprovada, tendo baixado à Comissão respectiva para exame na especialidade. Intervieram no debate, a diverso título, além do Sr. Ministro da Administração interna (Eduardo Pereira) e da Sr.ª Secretária de Estado da Administração Autárquica (Helena Torres Marques), os Srs. Deputados Abreu Lima (CDS), Hasse Ferreira (UEDS). Helena Cidade Moura e Raul Castro (MDP/CDE), João Amaral (PCP), Carlos Cordeiro (PS), Belchior Pereira (PCP) e Duarte Lima (PSD).
A Assembleia aprovou ainda o pedido de prorrogação, por 15 dias, do prazo da Comissão Eventual de Inquérito à Secretaria de Estado de Emprego e Formação Profissional, sobre o que intervieram os Srs. Deputados Ilda Figueiredo (PCP), António Costa (PS), Correia de Jesus (PSD), Luís Beiroco (CDS) e Raul Castro (MDP/CDE).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Américo Albino da Silva Salteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa. António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
António José Santos Meira.
António Manuel Azevedo Gomes.
Avelino Feleciano Martins Rodrigues.
Beatriz Almeida Cal Brandão.

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Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Luís Filipe Gracias.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Ferdinando Lourenço Gouveia.
Fernando Fradinho Lopes.
Fernando Henriques Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto Handel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João do Nascimento Gama Guerra.
João Rosado Correia.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José António Borja dos Reis Borges.
José Augusto Fillol Guimarães.
José da Cunha e Sá.
José Luís Diogo Preza.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Manuel Torres Couto.
José Maria Roque Lino.
José Martins Pires.
Juvenal Baptista Ribeiro.
Leonel de Sousa Fadigas.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Fontes Orvalho.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Maria Helena Valente Rosa.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Nelson Pereira Ramos.
Paulo Manuel Barros Barrai.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Amadeu Vasconcelos Matias.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro Amaral.
Francisco Jardim Ramos.
Gaspar de Castro Pacheco.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
José de Almeida Cesário.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Luís de Figueiredo Lopes.
José Mário de Lemos Damião.
José Silva Domingos.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.

Partido Comunista Português (PCP):

António Anselmo Aníbal.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Custódio Jacinto Gingão.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Joaquim António Miranda da Silva.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Luís Francisco Rebelo.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Octávio Augusto Teixeira.
Zita Maria Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
Alexandre Carvalho Reigoto.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João Gomes de Abreu Lima.
João Lopes Porto.
Joaquim Rocha dos Santos.
Manuel António Almeida Vasconcelos.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Corregedor da Fonseca.
Helena Cidade Moura.

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Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António César Gouveia de Oliveira.
António Poppe Lopes Cardoso.
Francisco Alexandre Monteiro.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Remetida pelo Sr. Presidente da República recebemos a seguinte carta:

Sr. Presidente da Assembleia da República:

Excelência,

Nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 132.º, n.º 2, e 136.º, alínea d), da Constituição, tenho a honra de dar conhecimento à Assembleia da República de que efectuarei uma viagem, sem carácter oficial, à República Popular de Moçambique, entre os dias 28 do corrente mês e l de Maio próximo, estando a partida prevista no voo TAP 221 (1 hora e 45 minutos) e o regresso no voo TAP 222 (8 horas e 30 minutos).
Apresento a V. Ex.ª os meus melhores cumprimentos.

Palácio de Belém, 15 de Abril de 1985. - António Ramalho Eanes.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Ofícios

Da Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia, a remeter fotocópia de uma moção na qual reclama da administração dos Correios, Telégrafos e Telefones a construção de instalações condignas para a estação daquela localidade, além de novas instalações na área do município, tendo em conta a evolução demográfica e das actividades sócio-económicas;
Da comissão de trabalhadores da firma H. Parry & Son, com uma moção na qual manifestam o seu repúdio e oposição às tentativas de revisão, nomeadamente da legislação laboral;
Da Câmara Municipal de Grândola, a enviar fotocópia de uma moção na qual protesta contra o que consideram uma nova ofensiva dirigida às UCP e cooperativas agrícolas, a cujos trabalhadores manifestam a sua solidariedade;
Da Câmara Municipal da Amadora, a juntar cópia de uma moção na qual manifesta publicamente ao Governo a sua preocupação pelos problemas humanos, familiares e sociais que afectam os trabalhadores da empresa Indústrias Pereira e Brito, solicitando a tomada de medidas tendentes à viabilização da mesma e ao reinicio da sua normal laboração.

Telegrama

De diversos sindicatos e secretariados de UCP/cooperativas agrícolas, protestando contra a tentativa de entrega da reserva UCP e manifestando a sua solidariedade aos trabalhadores em luta pela defesa da Reforma Agrária.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Foram apresentados na Mesa, na última reunião plenária, os requerimentos seguintes: a diversos ministérios e direcções-gerais (7), formulados pelo Sr. Deputado Magalhães Mota; ao Ministério do Equipamento Social, formulado pelos Srs. Deputados Carlos Coelho e Luís Monteiro; ao Ministério do Equipamento Social (2), formulados pelo Sr. Deputado Gomes de Almeida; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado João Amaral; aos Ministérios do Trabalho e Segurança Social e da Educação (3), formulados pelo Sr. Deputado Jorge Lemos; à Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional, formulado pela Sr.ª Deputada Maria Ângela Pinto Correia; ao Ministério da Agricultura, formulado pelo Sr. Deputado Custódio Gingão e outros.
O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: José Vitorino, na sessão de 14 de Fevereiro e 19 de Junho; Magalhães Mota, nas sessões de 21 de Março, 16 de Abril, 29 de Maio e 26 de Junho, de 27 de Novembro, 21 de Fevereiro e 5 de Março; João Abrantes, na sessão de 7 de Maio; Octávio Teixeira, nas sessões de 22 de Maio, 16 de Novembro e 15 de Fevereiro; José Magalhães e outros, nas sessões de 29 de Maio e 14 de Março; Gomes de Pinho, na sessão de 1 de Março; Paulo Areosa e outros, na sessão de 9 de Maio; Duarte Lima, na Comissão Permanente do dia 19 de Setembro; João Amaral, na sessão de 13 de Novembro; Paulo Barrai, na sessão de 22 de Novembro; Carlos Brito e Joaquim Miranda, na sessão de 27 de Novembro; Ilda Figueiredo e António Mota, na sessão de 28 de Novembro; Custódio Gingão, na sessão de 29 de Novembro; Roleira Marinho, nas sessões de 7 de Dezembro, 21 de Fevereiro e 14 de Março; Gomes de Pinho, na sessão de 21 de Dezembro; Jorge Lemos, nas sessões de 8 de Janeiro, 12 de Fevereiro, 5 e 7 de Março; Jaime Ramos e Portugal da Fonseca, na sessão de 15 de Janeiro; Leonel Fadigas, na sessão de 23 de Janeiro; João Corregedor da Fonseca e Raul Castro, na sessão de 12 de Fevereiro; Álvaro Brasileiro e outros, na sessão de 5 de Março; Nuno Tavares, na sessão de 5 de Março; António Gonzalez, na sessão de 12 de Março.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou levantar duas questões que se relacionam com o património histórico e cultural do Algarve.
Os jornais do fim do passado mês de Março noticiaram largamente a surpresa da Assembleia Distrital de Faro, em face da revelação pública feita pelo Sr. Ministro da Cultura sobre a possível venda do Palácio de Estói (classificado como património nacional) a um grupo privado federal alemão.
A surpresa das autarquias algarvias tem plena razão de ser, pois sabe-se que a Assembleia Distrital de Faro deliberou a favor da aquisição pelo Estado daquele imóvel, para nele ser instalado ou o museu ou casa da cul-

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tura do Algarve, desenvolvendo através de uma comissão criada para o efeito contactos com o Ministério da Cultura.
Mas também os deputados comunistas pelo Algarve têm de manifestar surpresa e estupefacção em face das revelações ministeriais. Pensamos que o mesmo acontecerá com os deputados algarvios de outros partidos.
No que a nós nos respeita, deputados comunistas, pedimos esclarecimentos ao Ministro da Cultura, através de requerimento de 4 de Julho de 1984, sobre os propósitos do Governo em relação ao Palácio de Estói. Foi-nos respondido em 16 de Julho de 1984 que:
A aquisição do referido Palácio encontrava-se prevista para o presente ano (1984). No entanto, devido a grandes restrições de ordem orçamental, o Ministério viu a verba prevista para este efeito excluída do seu plano orçamental.
Por isso mesmo, quando em 29 de Janeiro deste ano foi discutido na Comissão de Economia o orçamento do Ministério da Cultura para 1985, com a presença do Ministro, propusemos o reforço da sua verba orçamentada em mais de 120 000 contos para que pudesse ser realizada a aquisição e restauro do Palácio de Estói. Significámos na altura que não se trata apenas deste imóvel, a aquisição tinha um significado para o património histórico e cultural algarvio e para os que se preocupam com a sua defesa.
Os Srs. Deputados José Vitorino, do PSD, e Luís Saias, do PS, manifestaram-se também pela aquisição do Palácio e apresentaram propostas de reforço de verba do orçamento do Ministério da Cultura embora de montante inferior.
Foi com verdadeiro espanto que se viu o Sr. Ministro da Cultura, manifestamente incomodado pronunciar-se contra o reforço da verba do seu Ministério.
O que é que se passou entretanto, ou o que é que já se estaria a passar naquela altura, pois o dia 29 de Janeiro não foi há muito tempo?
Mas o que é profundamente chocante e politicamente inaceitável é a ligeireza com que o Ministro da Cultura passa por cima da opinião e das iniciativas das autarquias do Algarve e da posição de deputados das forças políticas mais representativas da região e anuncie como facto praticamente consumado a alienação de um monumento classificado como património nacional. É uma atitude deplorável e que não pode ser consentida, trate-se de que região se tratar, desde que se trate do património cultural.
Para o Algarve, como já disse noutra altura, a posição do Governo face ao Palácio de Estói tem o valor de um símbolo. A tibieza na defesa do património histórico e cultural cria o clima favorável a novos atentados.
Neste momento chega-nos um apelo da Casa do Algarve e do seu conselho superior regional, alertando para a ameaça de demolições que paira sobre a Quinta do Rio Seco, entre Faro e Olhão, que a Junta Autónoma de Estradas pretende sacrificar para a rectificação da estrada nacional n.º 125. Desde já anunciamos o nosso apoio à proposta feita ao Instituto Português do Património Cultural para a classificação de todo o conjunto da Quinta e juntamos a nossa voz a favor do apelo para salvar a Quinta do Rio Seco.
Voltaremos ao assunto.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - A Comissão de Educação foi surpreendida pela notícia, veiculada pelo jornal Correio do Minho, de que o Sr. Ministro da Educação teria anunciado, numa intervenção feita numa escola, a sua disposição para legislar os 9 anos de escolaridade obrigatória.
Os Srs. Deputados compreenderão que isso, para além de ser uni perigo iminente nas medidas que este Governo poderá ter na cabeça para implementar a nossa integração na CEE - quanto a nós mal concebida -, tem ainda, internamente, em Portugal, graves problemas, que irão desde a maior ruptura do sistema escolar até à maior desigualdade de oportunidades entre os Portugueses.
Seis anos de escolaridade não estão ainda efectivados, o que significa que parte dos portugueses não têm acesso ao mercado de trabalho especializado. Ora, com a legislação possível de 9 anos de escolaridade obrigatória o mercado de trabalho mais especializado ficaria reduzido às áreas de Lisboa, Porto, Coimbra e pouco mais - e já não digo às áreas suburbanas, mas só às áreas centrais dessas cidades.
Isso pareceu-nos impossível por aquilo que representava de monstruoso sob o ponto de vista de' igualdades sociais, de realidade em relação à ruptura de um sistema escolar que já é patente em. relação à formação de professores, que é hoje um problema candente em Portugal e ainda por aquilo que tem de ilegal por eventualmente ter sido o Sr. Ministro a' propor informalmente numa escola qualquer coisa que é, de facto, da exclusivíssima responsabilidade desta Assembleia - a alteração do sistema educativo.
Isso levou-nos a um contacto indirecto com o Gabinete do Sr. Ministro, que nos disse não ser válida essa notícia.
A Comissão de Educação vai procurar que essa posição - que louvamos - seja explícita por parte do Sr. Ministro. Em todo o caso, o facto de levantarmos neste momento o problema é no sentido de alertar a consciência dos Srs. Deputados para o facto de, na euforia de medidas de adesão à CEE, se poderem ultrapassar as realidades nacionais, podendo isso ser extremamente grave para equilíbrio do nosso país.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os 300 trabalhadores do Hotel Palácio, ao Estoril, foram no passado mês de Março submetidos a interrogatório que, segundo relata o Sindicato dos Trabalhadores de Hotelaria, foi conduzido pelo comandante da PSP de Cascais, por um comissário da PSP de Lisboa e por 3 outros indivíduos não identificados.
O interrogatório foi efectuado com vista à elaboração, de uma ficha. Entre muitas outras, foram feitas perguntas sobre estabelecimentos escolares frequentados, empresas onde trabalhou, locais de residência, eventuais saídas ao estrangeiro. Foram também feitas perguntas sobre a identificação de familiares, incluindo pais, cônjuge, filhos, irmãos, cunhados, sogros, etc. O motivo alegado para a realização deste inquérito tipo «inquisição» foi a próxima realização em Lisboa de um conferência da NATO, a efectivar no Estoril entre 5 e 8 de Junho.

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Daí, a afirmação explicitamente feita de que os trabalhadores que não gostassem da NATO ou estivessem contra ela seriam «dispensados» de comparecer ao serviço durante a realização da conferência da NATO.
Srs. Deputados, os factos descritos configuram, em primeiro lugar, uma intromissão despudorada da NATO dentro do nosso país, a que o Governo dá apoio e cobertura e, em segundo lugar, uma violação dos direitos e garantias individuais através de uma devassa da vida privada realizada com métodos e objectivos que não podem deixar de ser classificados como os de uma polícia política.
O inquérito realizado não tem qualquer base legal. O direito ao trabalho não pode ser negado por motivos ideológicos. São tão proibidos os despedimentos por motivos políticos ou ideológicos como o são os impedimentos ao exercício de funções pelas mesmas razões.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A PSP não está ao serviço da NATO e constitucionalmente cabe-lhe defender a legalidade democrática, não violá-la.
Entregaremos hoje mesmo um requerimento ao Governo.
Mas não queremos deixar de sublinhar, aqui no Plenário, que a actuação descrita é bem um sintoma da forma antidemocrática como actua o Governo e do tenebroso papel que este reserva para os famigerados serviços de informação que pretende criar.
Não pode ser, Srs. Deputados.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se nas galerias crianças da escola A Voz do Operário, com a circunstância feliz de entre elas se encontrarem a filha do Sr. Deputado João Amaral e a do Sr. Deputado Carlos Brito e esposa, Sr.ª Deputada Zita Seabra.

Aplausos gerais.

Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No passado sábado realizou-se em Lisboa um encontro de saúde promovido pelas organizações de saúde de Lisboa, do PCP. Gostaria de aqui trazer algumas das conclusões a que se chegou.
A primeira conclusão que fazemos da política governamental no sector da Saúde é que este governo PS/PSD visa a destruição do sector público em benefício do sector privado e em prejuízo do direito do povo à saúde.
Vieram múltiplos exemplos, do próprio distrito de Lisboa, em como isto se faz. Foi considerado inadmissível que num país em crise, cheio de problemas, se paralizem centenas de milhões de contos em laboratórios públicos para proliferarem ao lado laboratórios do sector privado, pagos todos eles com dinheiros públicos.
Mas é ainda uma vergonha maior o que se está a passar com os medicamentos. São milhões de contos transferidos anualmente do Orçamento do Estado, sem nenhum controle, para os lucros fabulosos das multinacionais. Só aqui no distrito de Lisboa 62% do orçamento da Saúde foi gasto em pagamentos ao sector privado, convencionado ou de medicamentos. Simultaneamente, verifica-se ainda que da parte do governo PS/PSD há uma completa irracionalização nos serviços públicos e um não aproveitamento de uma distribuição de recursos humanos. Para o Ministério da Saúde contam muito mais os interesses de pressão, os lobbies dos senhores da Ordem dos Médicos ou das quintas de alguns serviços do que o direito do povo à saúde.
Hoje, Portugal dispõe de um número de médicos utentes que está dentro dos parâmetros europeus e tem índices sanitários que nos colocam ao nível do Terceiro Mundo. Aqui, neste encontro, foi trazida, por exemplo, a crise de sarampo que existe no distrito de Lisboa e que é inadmissível num país europeu, que pretende ter índices sanitários compatíveis com a sua situação geográfica. Isto é, temos médicos e não temos saúde e esta é, sem dúvida, uma das questões chave actuais da política de saúde!
Desde que tomou posse, o Ministro Gonelha anuncia todas as semanas que colocou milhares de médicos, mas milhares de médicos estão por colocar. Quando dizemos que esta é uma questão chave da política de saúde dizemo-lo em duas perspectivas: na dos trabalhadores da saúde e na do povo.
É evidente que o completo subaproveitamento em que se encontram milhares de jovens médicos pagos pelo Estado é uma afronta àqueles que não têm acesso aos cuidados de saúde e os pagam, mas é também um perigo imenso para o emprego dos trabalhadores da saúde, pois um dia este Ministro ou outro igual dirá, cheio de razão, que não é legítima a situação existente e proporá exportá-los para África ou rescindir-lhes o contrato.
No distrito de Lisboa, estão ainda por colocar cerca de 600 médicos clínicos gerais - só metade dos clínicos gerais estão colocados -, verificando-se aqui algumas das maiores distorções que é possível conceber em termos de saúde, isto é, temos hospitais centrais com mais médicos do que doentes e temos milhares de médicos ainda por colocar, particularmente clínicos gerais.
Mas, simultaneamente a estes médicos a mais nos hospitais centrais e que estão a ser pagos com dinheiros do Estado, há falta deles nos hospitais distritais, até no próprio distrito de Lisboa. Por exemplo, o Hospital Distrital de Castelo Branco tem estado paralisado por falta de anestesistas. No entanto, em Agosto, o Ministro Gonelha publicou uma portaria com as normas do concurso de colocação de mais de 1000 especialistas; em Fevereiro o mesmo Ministro publicou nova portaria revogando a anterior, alterando as normas do concurso. Resultado: os especialistas continuam por colocar, os serviços, nos hospitais distritais, continuam encerrados ou subaproveitados e os hospitais centrais dispondo de mais médicos que doentes.
No entanto, para forçar a necessária e urgente hierarquização de serviços para uma regionalização e descentralização da saúde é fundamental uma distribuição racional dos recursos humanos. Essa distribuição terá inegavelmente como consequência forçar a uma racionalização de meios e matérias existentes, tanto no que respeita aos cuidados primários, como no que respeita aos cuidados diferenciados. Nos cuidados primários reina também a completa confusão com uma integração de serviços feita à pressão, apressadamente, sem condições e sem a devida planificação.

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Mas os hospitais são também transformados em mera demagogia eleitoral. Neste momento, alguns edifícios já prontos e equipados aguardam as eleições para serem inaugurados; outros dois, por exemplo, em Lisboa, são sistematicamente prometidos nas vésperas de eleições como se fossem uma necessidade, mas ao mesmo tempo não se planificam nem se fazem obras nos hospitais existentes e que há muito deviam ter sido remodelados, como por exemplo a criação da urgência no Hospital de Egas Moniz ou a remodelação dos hospitais civis.
Em síntese, Sr. Presidente e Srs. Deputados, aquilo que constatámos neste encontro de saúde das organizações, do distrito de Lisboa, do PCP, foi o seguinte: a Lei do Serviço Nacional de Saúde está em vigor, foi aprovada por esta Assembleia - e até hoje a maioria não teve a coragem de a revogar - mas não é cumprida, foi metida na gaveta. Simultaneamente, toda a política de saúde é feita em benefício do sector privado, em benefício do sector convencionado e das multinacionais de medicamentos, enquanto no sector público - aquele que serve a imensa maioria dos portugueses, tanto no que diz respeito aos cuidados primários como no que diz respeito aos cuidados diferenciados de saúde - a situação continua a degradar-se de dia para dia.
Eram estas as conclusões do encontro que gostaria de apresentar à assembleia, pois pensamos que também no campo da saúde a política deste Governo é inaceitável e tem prejudicado o nosso país.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Horácio Marçal.

O Sr. Horácio Marçal (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Primeiro-Ministro, o Ministro da Indústria e outros membros do Governo, participaram no passado fim-de-semana, em Vale de Cambra, concelho serrano mas próspero, do distrito de Aveiro, no seminário subordinado ao tema: A grande prioridade da nova política industrial - A valorização do interior.
Este seminário, promovido por uma grande unidade industrial local, a COLEP, teve a participação, além de governantes, de deputados, de autarcas, de associações, de industriais, etc.
Ouvimos com atenção as intervenções naquele colóquio e de um modo muito especial as palavras do Sr. Primeiro-Ministro, do Sr. Ministro da Indústria e Tecnologia, bem como de outros membros do Governo.
O desenvolvimento do interior, as suas reconhecidas carências, e a nossa integração na CEE, suscitaram-me algumas reflexões que decidi trazer aqui a este Plenário, câmara política mas também de ressonância junto do Governo Central se os dignos órgãos de comunicação social que respeitamos e estimamos pela sua isenção e espírito de servir, quiserem, sem intenções políticas, colaborar nesta cruzada, que é a acção do deputado na defesa dos interesses do seu distrito mas sempre subordinados ao superior interesse nacional.
Nós somos dos que concordamos com a tese: defesa do interior.
O interior do País tem assimetria que urge corrigir, para que se diminuam os obstáculos que têm obstado ao seu desenvolvimento.
Mas defender e solucionar os problemas com que se debate a interioridade que vai das terras da Guarda a Aveiro e de Trás-os-Montes e Minho até à Beira Baixa e Alentejo, não é só anunciar medidas que respeitem os sãos costumes da gente serrana, as suas nobres tradições e o implemento de acções sociais, económicas, culturais e financeiras que promovam o desenvolvimento concreto dessas regiões e a solução a curto prazo, das aspirações justas e comuns de várias gerações.
Não basta anunciar e prometer em grandes recepções, previamente organizadas e algumas vezes com intenções mal definidas, para além das que referi.
Impõe-se concretizar com acções práticas esse ideal, esse programa de desenvolvimento. De contrário o eleitorado continua a ser manipulado com promessas vãs, adornadas de lindas e prometedoras frases, acompanhadas de largos sorrisos, efusivos cumprimentos, mas que chegada a hora de concretização se constata que tudo ficou como dantes ou ainda pior, porque se criaram falsas expectativas.
Depois da esperança, o dia amanhece envolvido na penumbra das promessas e as obras, as obras prometidas e tão ambicionadas, continuam a ficar para as calendas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não venho aqui só para criticar e discordar.
Entendo que a acção de um deputado deve ser interveniente, e deve ser séria. Para além da crítica, que a deve fazer, deve preocupar-se com a construção de um futuro melhor e imprimir-lhe um cunho de isenção apanágio de que nunca devemos abdicar. Deve alertar esta Assembleia da República e o Governo para a correcção de desigualdades e para o desencadeamento de iniciativas de que beneficiem não só as populações locais, como todas as outras, utentes que são, do bem público ao seu dispor.
É nesta linha de rumo que eu profiro, hoje, aqui, estas palavras.
Desenvolver o interior, sim.
Mas como havemos de desenvolver nós o interior e festejar concomitantemente a entrada na CEE se não temos ainda resolvidos os problemas prioritários com que se debate o litoral português, para uma perfeita entrada na Comunidade Económica Europeia?
É que o interior só se pode desenvolver quando tiver ao seu dispor vias rodoviárias condignas, electricidade, telefones, telex, escolas, hospitais, infantários, etc.
Mas para que o desenvolvimento seja harmónico, urge dotar o litoral - grande eixo económico do País - com infra-estruturas, que lhe permitam uma livre circulação a caminho de uma acção centrífuga de irradiação para as zonas mais isoladas e mais carenciadas.
Prometer solucionar os problemas com que se debate a interioridade, sem resolver as carências graves que impendem sobre a litoralidade, é prometer uma parte, para nunca revolver um todo.
É defender a árvore sem cuidar da floresta.
E quais são essas carências?
É evidente que só enumerarei algumas das mais notórias.
Desde a crise das salinas, sem medidas que as protejam antes pelo contrário, à agricultura, à falta de hospitais, ao ensino politécnico que devia existir em alguns concelhos industriais não só de Aveiro, como noutros,

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aos meios de combater a poluição, à necessidade urgente da ampliação das zonas portuárias de Viana do Castelo, Leixões, Aveiro e Figueira da Foz, tem de se pensar com realismo que para uma efectiva entrada na CEE Portugal não pode ter as rodovias que tem.
É neste último sector que eu centro a parte final da minha intervenção, não por mero bairrismo mas por que sinto, e o meu grupo parlamentar também, o drama dos que querem e se preparam para entrar na grande família europeia mas continuam a ter essa grande barreira alfandegária, que é o trânsito rodoviário no principal eixo nacional que é a estrada nacional n.º 1.
Sem auto-estrada entre Albergaria-a-Velha-Mealhada e depois de Condeixa até 50 km de Lisboa e com a agravante de os serviços se debaterem com ambiguidades no traçado da zona aveirense sem definição dos terrenos a expropriar na região bairradina, não se vislumbra a curto prazo a utilização dos troços referidos.
Mas, mesmo na hipótese, de que o Governo não descure a ligação por auto-estrada Lisboa-Porto e das outras programadas, justifica-se de igual modo a execução urgente dos desvios onde aquela via se encontra estrangulada e das suas ligações às zonas interiores.
Daí, eu vir aqui, mais uma vez na esperança de que seja a última, levantar a minha voz neste areópago, focando a necessidade premente, económica, humana e política, a caminho do desenvolvimento do País, de acesso à Europa, para que se desencadeie com brevidade a construção dos desvios da estrada nacional n.º 1 do distrito de Aveiro, com autênticos nós górdios em São João da Madeira, Oliveira de Azeméis, Águeda e Malaposta (Anadia).
Se o Governo tiver na verdade vontade política como espero para dar seguimento a estas aspirações que não são aveirenses, mas nacionais e até internacionais, urge então que se tomem medidas concretas e urgentes para tornar viável a execução das referidas obras.
E quais são as medidas a tomar?
É a inclusão de verbas no próximo orçamento suplementar do Estado, a discutir provavelmente em breve nesta Assembleia da República para que se possa dar início às estruturas mínimas para uma adequada rede viária e para que seja possível, aos Portugueses e aos estrangeiros, poderem dispor em breve, de rodovias adequadas no litoral, com bons acessos ao interior, para podermos caminhar com verdade, com passo certo, seguro e rápido, para a Europa, não porque ela seja o eldorado que muitos apregoam mas que seja, na essência, o alvo para onde aponta o ponto de mira do nosso desenvolvimento nacional.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rocha de Almeida.

O Sr. Rocha de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quem se desloca a Mira nesta data fica horrorizado com o estado degradado, calamitoso e de destruição em que se encontra a estrada nacional que liga Aveiro à Figueira da Foz.
Há anos que a inércia, a incapacidade e a falta de vontade da Junta Autónoma de Estradas tem vindo a prejudicar os seus habitantes, o bom nome da terra e das entidades autárquicas. Há anos que vem prejudicando o seu comércio e o seu desenvolvimento.
Zona rural, produtor de vasta gama de produtos hortícolas e agro-pecuários, o escoamento destes tem sofrido bastante, porquanto quem demanda aquelas terras de Mira fá-lo sempre com o «credo na boca». É uma aventura que não sabe como acabará nem como sairá naquele labirinto de buracos, de trancos e barrancos.
A Câmara Municipal de Mira sofre por ver sofrer os seus concidadãos, por não poder responder mais aos inúmeros problemas que aquela famigerada estrada lhes cria. Tem-se pedido, solicitado e exigido e até agora nada foi feito.
Foi adjudicada a sua reparação. Começaram os trabalhos e o empreiteiro sumiu-se sem deixar rasto e sem que alguém saiba em que ponto ficou ou está a referida adjudicação.
Hoje foge-se de Mira, evita-se Mira. Mira não consta do mapa de quem circula naquela região.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aproxima-se a época balnear. Todos conhecem as qualidades da praia de Mira. A óptima estância balnear e o que ela representa para milhares e milhares de cidadãos anualmente. Todos conhecem, porque a praia de Mira se impôs como uma das mais belas praias do País, onde a natureza caprichou em dar àquela zona do mais belo que tem para dar. Dotou-a de mar limpo e úbere onde os pescadores na velha arte da pesca à xávega tiram o peixe que alimenta grande pane daquela região e propicia os convívios, as sardinhadas, a quem demanda aquela praia. Dotou-a daquela bela e esplêndida barrinha, lago de água doce a 100 m do mar, onde o veraneante se recreia, o sol brinca e na sua limpidez a alma calma e boa da sua população se revê. Dotou-a da maravilhosa mata que retempera, refresca e acolhe o visitante cansado de 1 ano ou de 1 semana de trabalho.
São qualidades da natureza mas são também as qualidades da sua gente trabalhadora e honesta, firme e responsável que levam milhares de pessoas a procurarem no seu seio o descanso, o convívio, as férias.
Mas como será possível no próximo Verão, se não se atalhar de imediato àquele cancro que é a estrada da praia de Mira?
Quem se arriscará a demandar a praia de Mira?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: E um grito, é um alerta!
Mira não pode ficar lançada ao ostracismo. Tem direito a que se repare - e já! - aquela estrada nacional.
Exige-o e exigem-no os milhares de cidadãos deste país que a procuram.
Exige-o essencialmente o bom senso das entidades oficiais.

Aplausos do PSD.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entrando agora na primeira parte do período da ordem do dia, estão em aprovação os n.ºs 59 a 64 do Diário, respeitantes às sessões plenárias de 19, 21, 22, 26, 28 e 29 de Março findo.

Pausa.

Como não há oposição, consideram-se aprovados.
Srs. Deputados, vamos proceder à eleição do Sr. Provedor de Justiça. Há apenas um candidato.

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Vamos abrir as umas, as quais fecharão às 18 horas. Agradeço aos Srs. Vice-Secretários que desempenham o papel de escrutinadores o favor de, com os correspondentes serviços, prepararem a uma.
Entretanto, Srs. Deputados, vou colocar à vossa consideração, para votação, pareceres vindos da Comissão de Regimento e Mandatos, quanto aos factos que se irão seguir.
Há um primeiro parecer, que autoriza o Sr. Deputado Manuel Tomás Rodrigues Queiró a prestar depoimento como testemunha em processo que corre pela Polícia Judiciária.
Srs. Deputados, vamos proceder à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Um segundo parecer, autoriza o Sr. Deputado Carlos Alberto do Carmo da Costa Espadinha a prestar declarações num processo que corre os seus termos pela 20.ª Esquadra da Polícia de Segurança Pública.
Srs. Deputados, vamos proceder à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Um terceiro parecer, não autoriza o Sr. Deputado Francisco Manuel da Costa Fernandes a depor como testemunha no Processo n.º 103/84, do Tribunal Judicial da Comarca de Torres Vedras.
Srs. Deputados, vamos proceder à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Um outro parecer, respeitante ao Sr. Deputado Frederico Vieira de, Moura, não autoriza o referido Sr. Deputado a depor como testemunha num processo judicial do Tribunal Judicial da Comarca de Vagos.
Srs. Deputados, vamos proceder à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Um outro parecer, também dá Comissão de Regimento e Mandatos, não autoriza o Sr. Deputado Abílio Aleixo Curto a depor como testemunha no Processo n.º 59/83, do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda.
Srs. Deputados, vamos proceder à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Um outro parecer, da Comissão de Regimento e Mandatos, não autoriza os Srs. Deputados Alberto Manuel Avelino e Francisco Manuel Costa Fernandes a deporem no Processo n.º 3106/84, da 3.ª Secção do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.
Srs. Deputados, vamos proceder à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Por último, há um outro parecer, respeitante ao Sr. Deputado Francisco Manuel de Menezes Falcão, que não o autoriza a depor como testemunha no Processo n.º 55/85, da 3.ª Secção do Tribunal Judicial da Comarca de Pombal.
Srs. Deputados, vamos proceder à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, levo ao conhecimento de VV. Ex.ªs que vai proceder-se à votação, por escrutínio secreto, como determina o Regimento, do parecer da Comissão de Regimento e Mandatos respeitante ao Sr. Deputado Leonel Santa Rita Pires. - O parecer não autoriza o referido Sr. Deputado a comparecer no Tribunal em referência.
Este parecer tem que ser votado por escrutínio secreto. Por isso, no boletim de voto têm uma quadrícula para votarem «sim», ou «não» ou «abstenção». Agradeço o favor de prestarem muita atenção, para não haver confusões: o que se vai votar é o parecer. Os Srs. Deputados que concordam com o parecer têm que votar «sim»; quem não concordar com o parecer vota «não» e quem se quiser abster tem a quadrícula respectiva.
O que se vai votar é o parecer. E o parecer não autoriza o Sr. Deputado a comparecer no Tribunal, precisamente porque não se permite a suspensão do mandato.
Penso que fui suficientemente claro para que os Srs. Deputados fiquem orientados quanto ao processo de votação.

Portanto, como não há dúvidas, assim se fará. Agradeço aos serviços que ponham a uma correspondente para a votação que acabei de anunciar.

Pausa.

Srs. Deputados, a Comissão de Inquérito sobre os critérios de atribuição de verbas pela Secretaria de Estado do Emprego e- Formação Profissional vem requerer que seja prorrogado, por mais 15 dias, o prazo que lhe havia sido consignado para apresentar as respectivas conclusões.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo pede a palavra para interpelar a Mesa?

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Não, Sr. Presidente. Era para uma intervenção sobre este projecto de resolução, quando o Sr. Presidente o puser à discussão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, termina hoje o prazo de que dispunha a Comissão de Inquérito sobre os critérios de atribuição de verbas pela Secretaria de Estado do Emprego e Formação Profissional e controle da sua aplicação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 2/85, para elaborar o seu relatório. Necessitando a Comissão, para conclusão dos seus trabalhos, de mais de 15 dias, requere-se a prorrogação por esse período.
Está em apreciação.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada quer pronunciar-se sobre este requerimento, mas é um simples requerimento e os requerimentos não têm discussão. A não ser que queira interpelar a Mesa, porventura, prestando, dando ou fazendo algum comentário.

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A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, nos termos da Lei das Comissões de Inquérito, estava convencida que o que estava apresentado à Mesa era um projecto de resolução, para que a Assembleia pudesse deliberar.
Sendo assim e se foi apresentado um requerimento, faço chegar já à Mesa um projecto de resolução sobre este mesmo assunto, nos termos da legislação sobre as comissões de inquérito.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, entretanto vou pôr este requerimento à votação, que é aquilo que me compete.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, a interpelação feita à Mesa ia no seguinte sentido: o que a Assembleia é chamada a votar é uma proposta que surge por parte da Comissão Eventual de Inquérito à Secretaria de Estado de Emprego e Formação Profissional, e não um requerimento.
Trata-se, efectivamente, de uma proposta da Comissão, que propõe à Assembleia da República que seja alargado o prazo do seu funcionamento, uma vez que considera que o prazo que lhe foi fixado pelo Plenário não foi suficiente para a conclusão dos seus trabalhos.
É, portanto, possível, Sr. Presidente, que na Assembleia da República possam surgir, a partir dos Srs. Deputados, propostas alternativas quanto a prazos de prolongamento para o funcionamento da referida Comissão.
É neste sentido que me parece que o que tem de se votar, Sr. Presidente, são as diferentes propostas que possam surgir quanto ao prazo que é solicitado para o prolongamento dos trabalhos da comissão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, chamo a atenção de V. Ex.ª para o n.º 3 do artigo 154.º do Regimento, que se refere:

Se o relatório não for apresentado no prazo fixado, a Comissão deverá justificar a falta e solicitar à Assembleia a prorrogação do prazo.

É essa solicitação que vem ser feita por este requerimento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, penso que estamos de acordo.
Quando a Assembleia da República votou, há cerca de 2 meses, a constituição desta Comissão Parlamentar de Inquérito fê-lo através de uma proposta de resolução, da qual constava um prazo de funcionamento.
Trata-se, neste momento, de a Assembleia da República alterar o prazo constante dessa proposta de resolução. E não o faz através de um requerimento, mas através de uma outra resolução, que logicamente a Assembleia aprovará ou não.
Portanto, uma vez que se trata de alterar uma resolução da Assembleia, só por resolução tal pode ser feito.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não se trata da alteração de uma resolução, mas de uma prorrogação do prazo. Não é uma nova resolução, mas uma solicitação que é feita à Assembleia para prorrogação do prazo.
Os termos são claros, são os que existem na letra da lei e não temos o direito de, porventura, estar a alterar o contexto do n.º 3 do artigo 254.º, quando se me afigura inteiramente claro.
Portanto, é prorrogação e não alteração da resolução - é uma prorrogação que, aliás, está prevista no próprio Regimento.
Srs. Deputados, vou pôr este requerimento à votação.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Vou pôr à votação, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, então requereria a contagem ou, pelo menos, a verificação do quórum para que se pudesse efectuar uma votação.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há quórum para votação. Ficará a votação deste requerimento para as 18 horas.

Pausa.

Srs. Deputados, vamos entrar na segunda parte da ordem do dia, pela apreciação da proposta de lei n.º 72/III - Lei reguladora do exercício da tutela sobre as autarquias locais.
Está em apreciação.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, constatei que o Sr. Secretário de Estado António Vitorino tinha pedido a palavra. Não sei se há algum problema com a presença do Governo...

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Vitorino): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Administração Interna e a Sr.ª Secretária de Estado da Administração Autárquica, que são os membros do Governo encarregues de o representar neste debate encontram-se na residência oficial do Sr. Primeiro-Ministro, na reunião do Conselho de Ministros.
Há 5 minutos comuniquei-lhes que o debate ia começar. Portanto, estou convencido que dentro de 2 ou 3 minutos eles estarão aqui para iniciar o debate da proposta de lei n.º 72/III.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado pelo esclarecimento, Sr. Secretário de Estado. Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Pedia a palavra para anunciar que vamos interpor recurso dos tempos fixados para o debate. E como o Governo não votou na conferência de presidentes, pois não tem esse direito, suponho que o debate do recurso poderá ser feito desde já.
Da nossa parte, prontificámo-nos a entregar o recurso e a fazer esse debate sem a presença do Governo.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido o recurso que foi presente à Mesa, respeitante à matéria que fora posta em apreciação e relacionada, como disse o Sr. Deputado João Amaral, com a deliberação da conferência.

Foi lido. É o seguinte:

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:

O n.º 1 do artigo 146.º do Regimento condiciona a fixação de tempo global da discussão à «natureza e importância» da matéria. Por sua vez, o n.º 2 do mesmo artigo implica que o tempo global seja distribuído proporcionalmente entre os grupos parlamentares e agrupamentos parlamentares.
Por imposição do PS e do PSD, os tempos distribuídos para a discussão da proposta de lei n.º 72/III - Lei reguladora do exercício da tutela sobre as autarquias locais - implicam 25 minutos para o PCP (grupo parlamentar com 40 deputados), enquanto, por exemplo, um agrupamento parlamentar independente com 3 deputados tem 15 minutos.
Considerando que a matéria da tutela administrativa, conformando poderes do Governo sobre as autarquias locais, se repercute, por sua natureza, de forma particularmente significativa, na autonomia do poder local;
Considerando que a proposta de lei n. º 72/III, propondo formas inconstitucionais de ingerência governamental no exercício das competências dos órgãos autárquicos se revela ser da maior gravidade e importância;
Considerando que a «natureza e importância» da matéria não se compaginam com as brutais limitações de tempo impostas pela maioria;
Considerando, por outro lado e finalmente, que não é respeitado o princípio da proporcionalidade da distribuição de tempos, o que é desde logo evidenciado na comparação dos tempos atribuídos;
Os deputados abaixo assinados, ad abrigo das disposições combinadas dos artigos 146.º e 87.º do Regimento, interpõem recurso da deliberação de fixação dos tempos para o debate da proposta de lei n.º 72/III.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Regimento aprovado pela Assembleia introduziu - mal, a nosso ver - no artigo 146.º a possibilidade de a conferência de presidentes fixar tempo para os debates. No entanto, restringe esse direito da conferência ao cumprimento de duas regras: a primeira, a de que os tempos correspondam à natureza e importância das matérias; em segundo lugar, que os tempos sejam distribuídos proporcionalmente pelos grupos e agrupamentos parlamentares.
Nenhuma destas regras foi respeitada nesta fixação de tempos.
Por um lado, a matéria da tutela administrativa, correspondendo à regulamentação de um preceito constítucional, é da maior importância para as autarquias locais. É uma matéria relevante, de fronteira, no relacionamento entre o Governo e as autarquias. Portanto, acabará por ser uma lei que vai projectar ou não o respeito da autonomia local.
Devo dizer que a matéria é tão importante, ou tão pouco, que depois de ter obtido autorização legislativa para a regular entendeu o Governo não o fazer, apresentando aqui uma proposta de lei.
Em segundo lugar, a segunda regra também não é respeitada, porque não há proporcionalidade quando se atribuem 25 minutos a um partido com 40 deputados e 15 minutos a um agrupamento parlamentar com 3 deputados.
A proporcionalidade está corripletamente viciada, como o está também a graduação da distribuição de tempos entre as diferentes matérias, quando se atribuem os mesmos tempos, para a discussão desta proposta, que são atribuídos para a discussão da proposta seguinte.
Está também a demonstrar-se que a introdução deste preceito, do artigo 146.º, leva a maioria a tentar estabelecer rigidamente um tempo mínimo de tabela.
Isso é muito mau, Sr. Presidente, e este nosso recurso tem, nessa dimensão, importância real. Isto porque é bom que se saiba que, com tempos como os que estão atribuídos, não pode haver debate na generalidade aprofundado como esta Câmara o deve realizar.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É nessa medida, Sr. Presidente, que interpomos recurso e que estamos convencidos que poderemos fazer vencimento, se a maioria quiser respeitar o Regimento que ela própria aprovou.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou pôr à votação o recurso interposto pelo PCP.
Como sabem, estes recursos não estão sujeitos a debate, tendo apenas direito de intervenção o recorrente.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lemos pretende usar da palavra para interpelar a Mesa?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar era para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - E em segundo lugar para que é, Sr. Deputado?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Em segundo lugar, era para pedir a V. Ex.ª, caso a minha interpelação não tenha razão de ser, que fossem verificadas as condições na Sala para se poder proceder a uma votação.
Mas, em primeiro lugar, queria interpelar a Mesa, no sentido de ser clarificado ao abrigo de que normativo regimental vai decorrer a apreciação deste nosso recurso.

O Sr. Presidente: - Ao abrigo do artigo 54.º, n.º 4, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Penso que não, Sr. Presidente.

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Penso que se trata de um recurso ao abrigo do artigo 87.º Não se trata de um recurso sobre a fixação da ordem do dia, mas de um recurso que tem a ver com o modo de funcionamento do Plenário e, como tal, deve estar abrangido pelo artigo 87.º do Regimento, que prevê que, fundamentado e apresentado o recurso, há possibilidade de os grupos e agrupamentos parlamentares produzirem uma intervenção não superior a 3 minutos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, entendo que o que está em causa é, realmente, a ordem do dia, que foi fixada pelo Presidente, depois de ouvida a conferência, e que se subordina ao n.º 4 do artigo 54.º e não nos termos do artigo 87.º
Quanto ao segundo aspecto que V. Ex.ª tinha focado, devo referir que é meu entendimento que os recursos que respeitam à dinâmica do Parlamento, e não estejam em causa questões de ordem substancial, se não houver quórum de votação, subsiste a deliberação da Mesa.
Nos chamados recursos de direito adjectivo, que respeitam apenas e tão-só ao funcionamento, mantém-se a deliberação da Mesa se não houver quórum de votação.
Depois haveríamos de estudar também esse problema - se o desejarem-, mas presumo que não é esta a ocasião própria.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, é para que fique registado que o recurso não é interposto da ordem do dia - não é isso que se questiona -, mas de uma deliberação da conferência, tomada nos termos do artigo 146.º, sobre os tempos.
O seu cabimento não está na ordem do dia, que não é questionada, mas nos limites de tempo, introduzidos ao abrigo do artigo 146.º
Por isso, é o preceito do artigo 87.º que é aplicável a este recurso.
Em segundo lugar, pedi a palavra para que fique também registada a nossa completa discordância quanto à doutrina acabada de ser expendida pela Mesa, no que toca à não procedência do recurso por falta de quórum, por tantas razões, que suponho que o Sr. Ministro não chegaria a falar hoje se começasse a enumerá-las.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, quanto aos recursos, penso que poderemos encontrar melhor oportunidade para fazer doutrina, de modo a fixar critérios. O problema tem alguma complexidade.
Entretanto, continuo a pensar que os recursos - que continuo a classificar de direito adjectivo - respeitem apenas ao funcionamento. Se não houver quórum, mantêm-se as decisões do Presidente ou da conferência de líderes, porque não houve vencimento em contrário.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, não sei se será o momento mais oportuno para discutir isso.
De qualquer modo, queria deixar claro que, do nosso ponto de vista, essa decisão é inaceitável. Não poderemos aceitar, nunca, que seja posto em causa um direito fundamental de qualquer deputado recorrer para o Plenário das decisões da Mesa. É uma doutrina perfeitamente inaceitável, Sr. Presidente. Diria que era só o que nos faltava para juntar ao Regimento que já foi aprovado nesta Assembleia.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, V. Ex.ª fez uma confusão tão grande que me leva a dizer que V. Ex.ª certamente não estava atento.
É que a Mesa aceita o recurso, nem pode negar-se a isso. Não é isso que está em causa, Sr. Deputado.
O que está em causa é saber se, pelo facto de não existir quórum, a dinâmica do movimento parlamentar fica ou não em suspenso, e se, uma vez que não há quórum -e, portanto, o recurso, apesar de admitido, não teve vencimento -, a decisão que lhe der causa é também posta em suspenso, o que iria bloquear o movimento do Plenário.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, então será sempre possível bloquear qualquer recurso pela ausência de quórum.

O Sr. Presidente: - Precisamente por isso, Sr. Deputado, é que uma coisa é a aceitação de recurso e outra é a respectiva votação; são momentos distintos.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
Entretanto, vou dar o assunto por terminado, depois de ouvir o Sr. Deputado, e discutiremos depois isso numa conferência de líderes.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, o que pode bloquear o funcionamento da Assembleia é a falta de quórum, e esse é o único facto relevante nesta matéria. Isto porque considerar precludido o direito de esta Assembleia, soberanamente, se pronunciar sobre o recurso pela falta de quórum, é uma petição de princípios; é negar que é a esta Assembleia que compete decidir o recurso, pela existência de quórum e pela votação, e não, pelo contrário, decidir o recurso, retirando o quórum. É, Sr. Presidente, algo que não pode ser deixado sem este registo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, depois chamarei a atenção de V. Ex.ª, numa conversa a haver numa conferência de líderes, pois não voltamos a alargar a discussão deste problema.
Só queria chamar a atenção do Sr. Deputado João Amaral para o facto de haver três tipos de recurso - isto em resposta à sua interpelação -, que têm, necessariamente, não só motivações, mas também sequelas e consequências diferentes. E enquanto há determinados recurso, cujas votações têm de ser marcadas para determinada hora - e se não foram marcadas, ficarão para as 18 horas -, os outros são chamados recursos de funcionamento e têm um tratamento diverso.
No entanto, isto ficará para depois, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, na linha das intervenções até agora produzidas, penso que a leitura do Regimento, designadamente a leitura do artigo 68.º, demonstra que, nesta matéria, a Mesa não tem razão.

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De facto, Sr. Presidente, é doutrina geral que as reuniões não podem ser interrompidas. Veja-se que se trata de um recurso de uma decisão que tem a ver com o funcionamento da Assembleia.
Resta saber se o meu grupo parlamentar tem ou não direito a usar 25 minutos ou mais durante um debate que se vai iniciar - e certamente esta decisão não pode deixar de ser tomada neste momento.
No nosso entender, V. Ex.ª deverá fazer accionar a campainha, para que seja possível votar o nosso recurso.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, apesar de tudo, está a fazer-se isso.
Em todo o caso, não é o critério que, certamente, irei adoptar, a não ser que na conferência de líderes consigamos fazer um melhor esclarecimento - e estou sempre disposto a rectificar as minhas posições se, porventura, elas estiverem consentâneas com o espírito e com a letra da lei. Está a proceder-se precisamente nesses termos.
Entretanto, Sr. Deputado Jorge Lemos, enquanto estamos a aguardar que sejam chamados os Srs. Deputados, agradecia a V. Ex.ª o favor de confrontar a parte final do artigo 63.º do antigo Regimento, em que se retirou determinada parte desse artigo, precisamente para melhor podermos interpretar o texto destas disposições, quando formos para uma conferência tratar desta questão, que se me afigura ser de muito relevo.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Mas que conferência? É uma coisa tão clara que não tem interpretação possível.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início às votações para a eleição do Provedor de Justiça e do Parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a suspensão do mandato do Sr. Deputado Santa Rita Pires, para as quais estão abertas as umas.

Pausa.

Srs. Deputados, vai proceder-se à verificação do quórum, a fim de ver se é possível prosseguirmos os nossos trabalhos.

Pausa.

Srs. Deputados, dado haver quórum de votação, vamos de imediato proceder à votação do recurso interposto pelo PCP, quanto aos tempos que foram atribuídos por deliberação da conferência de líderes.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS, votos a favor do PCP e do MDP/CDE e abstenções da UEDS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão a proposta de lei n.º 72/III - lei reguladora do exercício da tutela sobre as autarquias locais.
Tem a palavra a Sr. º Secretária de Estado da Administração Autárquica.

A Sr.ª Secretária de Estado da Administração Autárquica (Helena Torres Marques): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo pediu em Junho de 1983 a esta Assembleia autorização para legislar em diversos domínios da Administração Autárquica, que há muito deviam ter sido objecto de revisão.
Tendo passado a existir em Portugal, a partir de 1974 e mais concretamente a partir de 1976, com a nova Constituição, um verdadeiro poder local, com autonomia de decisão e eleições directas dos seus órgãos, houve que elaborar leis inovadoras nestes domínios, que, por essa razão, assumiram carácter experimental.
Por isso mesmo, as leis então aprovadas, a Lei n.º 79/77 sobre as «Atribuições das autarquias e competências dos respectivos órgãos» e a Lei n.º 1/79 sobre as «Finanças locais» marcavam elas próprias prazos para a sua revisão.
Os deputados pensavam então que a nova experiência autárquica deveria ser testada e a legislação reanalisada de acordo com a sua prática de funcionamento. Apesar deste imperativo legal e das sucessivas tentativas efectuadas chegou-se a 1983 sem que a revisão destas leis se tivesse efectuado.
Fizemo-la nós, e com autorização desta Assembleia definimos as atribuições das autarquias e as competências dos respectivos órgãos, tendo alargado o mandato dos autarcas de 3 para 4 anos; delimitámos o âmbito dos investimentos entre as administrações central e local; revimos a Lei das Finanças Locais; legislámos no sentido da reorganização técnico-administrativa das câmaras municipais, revogando nesta matéria o Código Administrativo de 1940. Criámos as bases legais da constituição da Associação Nacional dos Municípios Portugueses; descentralizámos os transportes e acção social escolar para os municípios; definimos o novo sistema contabilístico das autarquias, tendo em vista a sua modernização, simplificação e adequação às necessidades actuais das autarquias e institucionalizámos o Centro de Estudos e Formação Autárquica, que até agora vivia em regime de instalação e que assim permitirá a formação dos funcionários necessários à nova administração autárquica.
Outros decretos-leis estão actualmente em preparação, em especial para regulamentarem aspectos da legislação já aprovada, que no seu conjunto constituem uma verdadeira reforma estrutural do sector no sentido do alargamento da sua capacidade de intervenção, da sua liberdade de organização e do reforço e dignificação do poder local.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acabei de vos dar conta, sucintamente, da acção legislativa que no domínio da Administração Autárquica temos vindo a realizar no Ministério da Administração Interna, tendo assim dado cumprimento a parte significativa do Programa do Governo por vós aprovado, na parte que a este Ministério respeita.
Falta, no entanto, uma lei fundamental para a qual vos tínhamos pedido autorização para legislar, mas que em Junho do ano passado o Governo resolveu que seria mais adequado apresentá-la a esta Assembleia sob a forma de proposta de lei, para que, conhecedores da nossa posição, pudessem os Srs. Deputados ter, desde já, a palavra final sobre tão importante matéria: trata-se da lei da tutela que foi apresentada a esta Assembleia em 15 de Junho de 1984, como a proposta de lei n.º 72/III.
Porquê apresentar uma lei de tutela?
Em primeiro lugar, porque não poderão ser alguns artigos ainda em vigor da lei das «atribuições das autarquias» a regular a sua aplicação. Com efeito, a tu-

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tela não é uma atribuição das autarquias mas, como diz a Constituição, uma competência do Governo.
Por outro lado, estes 3 artigos da Lei n.º 79/77 que ainda estão em vigor e que regulam a tutela são muito pouco claros e deram, durante estes últimos 6 anos, azo a bastantes dúvidas.
A tutela é uma matéria que não pode deixar de ser precisa: há que saber onde, quando e como o Governo pode actuar, sem deixar margem a interpretações subjectivas, pouco claras e que possam de alguma forma dar insegurança aos autarcas ou aos governantes na sua actuação.
O objectivo do Governo ao elaborar esta proposta de lei, Sr. Presidente e Srs. Deputados, foi contribuir para conseguir, em conjunto convosco, definir um sistema que dignifique o poder local, pois só a actuação correcta, competente, transparente e legal pode dar à nossa administração autárquica a dignidade que este novo poder merece.
Dignificar também a acção do Governo no exercício da tutela administrativa que apenas se circunscreve, como a Constituição determina, à verificação da legalidade dos actos praticados e nunca à apreciação da bondade ou da oportunidade das decisões autárquicas, cuja avaliação cabe exclusivamente aos eleitores.
Mas é fundamental que as nossas autarquias cumpram a lei, assumam os compromissos que aceitaram para com terceiros, em especial compromissos financeiros com o sistema bancário e com fornecedores, cumpram com isenção as regras dos concursos públicos, quer para adjudicações de empreitadas, quer para admissão e promoção de pessoal, cumpram as decisões dos tribunais e subordinem as suas decisões às leis gerais da República.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!

A Oradora: - O poder local, tenho-o afirmado muitas vezes por este país fora, tem tido e terá no futuro um papel decisivo na consolidação da democracia e no/desenvolvimento sócio-económico do País. Mas para isso tem de estar à altura do trabalho realizado e das esperanças que nele depositamos.
Se as arbitrariedades se espalharem, se as ilegalidades ficarem impunes, se a situação financeira de ruptura de algumas câmaras se generalizar, este novo poder local em que nós acreditamos acabará por não passar de um mito e os defensores da centralização, os descrentes da capacidade dos autarcas virão então mostrar que afinal a razão eram eles que a detinham.
Não deixemos que as câmaras municipais se possam transformar em empresas públicas falidas, como alguns «velhos do Restelo» já começam a murmurar. Se tal vier a acontecer, de responsáveis pelo ressurgimento económico e social passarão, as autarquias, não nos iludamos, a ser responsáveis pelo desastre financeiro do País.
A legislação sobre tutela que agora vos propomos é das mais liberais da Europa. Nós acreditamos, porém, que é a suficiente para manter e consolidar este novo poder local em Portugal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os 3 artigos ainda em vigor da Lei n.º 79/77 (o 91.º, 92.º e 93.º), sobre a tutela administrativa circunscrevem, de forma pouco clara, ao governador civil o essencial das funções de tutela.
Com efeito, o artigo 91.º diz que compete ao Governo o exercício da tutela administrativa, a qual, enquanto subsistir o distrito será exercida pelo governador civil na área da sua jurisdição, cabendo aos Ministérios da Administração Interna e das Finanças superintenderem nesta matéria.
Depois, o artigo 92.º refere que, enquanto entidade tutelar, compete ao governador civil velar pelo cumprimento das leis gerais do Estado por parte dos órgãos autárquicos e promover a realização de inquéritos à actividade dos seus órgãos e serviços - precedente de parecer do Conselho Distrital -, os quais, só se necessário, serão realizados através dos serviços da administração central.
Como se pode ver, o poder que se dá aqui ao governador civil é enorme e pouco claro, ao ponto de algumas câmaras municipais terem interposto recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisões do Governo sobre realizações de inquéritos aos respectivos órgãos, advogando que não é o Governo, mas o governador civil, quem tem capacidade de decisão nesta matéria.
Embora consideremos improcedente tal raciocínio, consideramos que uma clarificação se torna necessária neste domínio.
Para além destes dois artigos, apenas existe um terceiro onde se prevêem, embora não de forma taxativa, situações que podem determinar a dissolução do órgão, única sanção prevista.
Concordarão, certamente, os Srs. Deputados que com mandatos extremamente curtos como os verificados até aqui para as autarquias, a dissolução do órgão como única medida tendente a sanar situações de ilegalidade, significa a introdução de processos de instabilidade na vida municipal e a redução a mandatos de tal maneira curtos que inviabilizam a realização de quaisquer programas inovadores, com óbvios prejuízos para as populações, além de gerarem o mau aproveitamento dos dinheiros públicos. E de tal medida podia nada resultar, já que os causadores da dissolução poderiam ser reeleitos, o que significava na prática o sancionamento das ilegalidades cometidas.
Se me permitem a expressão, eu diria que a Lei n.º 79/77 a única arma que colocava nas mãos do Governo era «a bomba atómica». Qualquer ilegalidade, desde a obstrução à realização de inquéritos, à não apresentação a julgamento do tribunal das contas de gerência na data prevista, só podiam ser objecto de uma sanção: a dissolução do órgão e a realização de novas eleições.
Considera o Governo que é possível e desejável graduar a aplicação das sanções, responsabilizando os causadores dessas situações e fazendo-os substituir por outros autarcas eleitos pelas mesmas listas e que não sejam responsáveis pela situação existente.
A palavra final caberá, no entanto, aos tribunais.
De todas as decisões tomadas pelo Governo nesta matéria se prevê o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, recurso que terá sempre carácter urgente.
As decisões do Governo ou serão acatadas pelos órgãos autárquicos por óbvias e justas, ou se alguém se sentir lesado terá todas as possibilidades de se defender perante os tribunais, a quem caberá, em última instância, a decisão sobre esta matéria.
O Governo exerce a tutela. Os autarcas terão todas as garantias de defesa. Os tribunais a decisão final.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para clarificar a acção dos diversos intervenientes e as diversas formas de actuação do Governo, elaborámos esta proposta de lei que agora vos apresentamos.
Definimos em primeiro lugar o âmbito da tutela administrativa, excluindo da sua aplicação, naturalmente, as associações que foram constituídas de acordo com o previsto no artigo 1.º do Decreto-Lei n. º 99/84, de 29 de Março, no caso presente, a Associação Nacional dos Municípios Portugueses.
Em seguida, define-se o respectivo conteúdo, referindo que a tutela se exerce, através de inspecções, inquéritos e sindicâncias, mas que em caso algum poderá abranger o exercício pela entidade tutelar das competências legalmente cometidas aos órgãos das autarquias.
No que respeita à titularidade, fica agora absolutamente claro que a tutela administrativa cabe ao Governo, sendo assegurada pelo Ministro da Administração Interna e pelo Ministro das Finanças e do Plano.
Enquanto subsistir o distrito, também tem competência no domínio da tutela, como prevê a Constituição no seu artigo 295.º, o governador civil, só que agora da forma prevista nesta lei.
No que respeita às regiões autónomas, prevê-se que a tutela administrativa seja aí exercida nos termos dos respectivos estatutos.
As atribuições do Governo passam agora a estar completamente clarificadas. Assim, compete-lhe:

Mandar realizar inspecções ordinárias aos órgãos e serviços das autarquias e associações de municípios de acordo com a lei, ou seja, pelo menos uma vez por mandato;
Promover a realização de inspecções extraordinárias, inquéritos e sindicâncias, por sua iniciativa, em consequência de proposta derivada de inspecção ou de solicitação dos órgãos autárquicos, entidades ou organismos oficiais ou em consequência de queixas de particulares, devidamente confirmadas e esclarecidas pelos próprios, junto das entidades competentes;
Finalmente, compete ao Governo determinar a aplicação das medidas em cada caso julgadas adequadas à correcção ou suspensão das irregularidades verificadas.

Também se definem concretamente as competências do governador civil, que deixa de poder promover por iniciativa própria a realização de inquéritos, só podendo propor a sua realização ao Governo após parecer do Conselho Distrital e apenas podendo realizar inquéritos desde que o Governo expressamente lhe delegue esta competência.
Fica, assim, substancialmente reduzida a acção dos governadores civis nesta matéria.
Na actual proposta de lei define-se ainda a competência das inspecções-gerais, demarcando-se-lhes a sua característica de órgãos instrumentais e o respectivo campo de actuação, cabendo à Inspecção-Geral da Administração Interna a verificação da legalidade dos actos e da regularidade da constituição e funcionamento dos órgãos e serviços autárquicos e à Inspecção-Geral de Finanças a verificação da legalidade dos actos relativos à gestão patrimonial e financeira.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Definidos o âmbito, o objecto, o conteúdo, a titularidade e as competências respectivamente do Governo, do governador civil
e das inspecções-gerais, passarei a referir as sanções previstas, dizendo-se na proposta de lei expressamente que a prática, por acção ou omissão, de irregularidades graves, ou a conduta delituosa continuada, darão lugar, nos termos previstos na lei, à perda de mandato, se tiverem sido praticadas individualmente por um ou vários membros dos órgãos autárquicos, ou à dissolução do órgão, se forem resultado de deliberação deste.
As causas da perda de mandato são as que vêm definidas no artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 100/84. Prevê-se ainda que constitua causa de perda de mandato a verificação, em momento posterior ao da eleição e sempre através de inspecção, inquérito ou sindicância, da prática, por acção ou omissão, de ilegalidade grave ou de conduta delituosa continuada em mandato imediatamente anterior, exercido em qualquer órgão da mesma autarquia.. Este regime aplica-se também aos membros da comissão administrativa que tenha antecedido a eleição do órgão autárquico.
Compreendem facilmente os Srs. Deputados as situações que estão na base desta proposta. Com efeito, as inspecções, inquéritos e sindicâncias realizadas no último ano dos mandatos, normalmente só ficam concluídas para decisão governamental algum tempo após as eleições e, embora se verifiquem nalguns casos graves ilegalidades praticadas por autarcas reeleitos, a situação do órgão ser novo não permitia até agora qualquer actuação, o que significa que tais práticas delituosas são artificialmente sanadas, como por uma absolvição, por se tratar de novo mandato.
Ora, as pessoas, os eleitores funcionam numa base de bom senso: como será possível que a lei permita que alguém acusado da prática de ilegalidades; nalguns casos muito graves, não só fique impune, mas sobretudo se possa recandidatar?
É realmente uma situação inadmissível que se traduz na prática no facto dos autarcas, que no fim do seu mandato foram objecto de uma acção inspectiva cujos resultados lhe tenham 'sido completamente negativos, vejam, se se recandidatarem, a sua votação normalmente acrescida. É que para quem está de boa fé a acção inspectiva aparece como uma perseguição e a «inocência» do autarca está clara, dado que a lei lhe permite a recandidatura.
Os exemplos que vos poderia dar, e que muitos de vós conhecem, ilustram à saciedade o que acabo de dizer. Mas são situações passadas que não cabe aqui trazer e que em nada abonam o bom nome e o bom trabalho da maioria dos autarcas, nem dignificam o poder local.
Conhecemos as teses do Partido Comunista sobre a inconstitucionalidade deste preceito. O Sr. Ministro da Administração Interna já teve oportunidade de refutar tais argumentos, tendo esta Assembleia votado maioritariamente a admissão desta proposta de lei.
A perda do mandato em consequência da dissolução de orgão autárquico está inserida no regime de tutela consagrado no artigo 243.º da Constituição.
A inelegibilidade a que se referem o artigo 9.º, n.º 4, e o artigo 11.º, n.º 1, da proposta justifica-se pela necessidade de subordinar o exercício de cargos políticos ou públicos aos princípios fundamentais que devem nortear a actuação da administração pública e que caracterizam a função administrativa: a prossecução do interesse público; a defesa da legalidade; a justiça e a imparcialidade.

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Ora, não parece excessivo que àqueles que, na sua actuação concreta, se afastaram do rigoroso cumprimento de tais princípios sejam aplicadas restrições ao exercício dos seus direitos políticos. Tais restrições estão também claramente inseridas nos limites do artigo 18.º da Constituição, porquanto elas resultam da necessidade de salvaguardar a legalidade e dignidade da actuação da Administração Pública que está subjacente a todos os normativos constitucionais sobre a matéria.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permito-me chamar de novo a vossa atenção para a importância deste aspecto.
Para bem do poder local, é preciso que quem comete ilegalidades graves na gestão autárquica seja afastado, por forma que a sua má actuação não possa ser considerada «normal» pela opinião pública e assim desonre e diminua a actuação dos restantes autarcas.
Finalmente, retoma-se a figura da dissolução do órgão, mas agora só possível nos casos expressamente definidos na lei, com o objectivo de acrescentar estabilidade ao funcionamento dos órgãos.
A dissolução não deve ser a primeira mas a última das sanções que o Governo possa aplicar e porque só razões muito fortes, e todas referidas na lei, o podem motivar consideramos que também neste caso e pelo período de um novo mandato completo os autarcas responsáveis pela dissolução, e apenas estes, não se poderão recandidatar.
É fundamental que os causadores de tais perturbações na vida autárquica não possam ficar impunes perante a opinião pública, sob pena de subversão de todos os valores morais na qual assenta a democracia.
Como é óbvio, a dissolução de um órgão autárquico continuará a só ser possível por decreto fundamentado do Governo, precedido de parecer da assembleia distrital, e podendo ser contenciosamente impugnável junto do Supremo Tribunal Administrativo, tendo este recurso carácter urgente e devendo sobre ele recair decisão no prazo máximo de 60 dias.
A necessidade de exercer a tutela com eficiência, celeridade e isenção levou-nos a escolher este momento para alterar igualmente a Lei Orgânica da Inspecção-Geral da Administração Interna.
A alteração deste diploma poderia ter sido efectuada por simples decreto regulamentar. Todavia, a vontade de possibilitar a intervenção da Assembleia da República - se tal for a vontade dos Srs. Deputados - levou o Governo a adoptar a forma de decreto-lei.
O projecto de diploma, já em Conselho de Ministros, reforça os meios de actuação e as garantias de isenção da inspecção administrativa.
Destaco neste projecto a criação de uma comissão técnica destinada a permitir a consolidação de uma jurisprudência própria, devidamente fundamentada.
A esta comissão, constituída pelo inspector-geral e por 3 inspectores superiores administrativos, compete, nomeadamente, preparar os planos gerais das inspecções, estudar os modelos de questionários e as normas a adoptar na organização dos processos de inquérito, sindicância e inspecção, analisar os processos de inspecção e emitir parecer sobre os relatórios, em especial no que concerne às medidas concretas preconizadas.
Será assim obtida a necessária uniformização doutrinária e reforçada a independência no exercício da tutela.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acabei de vos definir nas suas principais linhas a proposta de lei n.º 72/III sobre a tutela administrativa.
É uma matéria delicada e complexa e que por isso mesmo consideramos que não devia ser decidida apenas pelo Governo.
Como já foi afirmado pelo Sr. Ministro da Administração Interna aquando da discussão da admissibilidade desta proposta de lei pela Assembleia da República e como tem sido prática deste Governo, estamos abertos, em sede de especialidade, a analisar convosco eventuais sugestões de alterações e ajustamento que se enquadrem dentro do espírito e da filosofia que enformam este projecto de diploma.
Alguns julgarão que fomos longe de mais nas medidas preconizadas; outros nos dirão - talvez não em voz alta e talvez não neste hemiciclo - que as medidas previstas são insuficientes para obstar à prática de ilegalidades e ao perigo de ruptura financeira que a lei impede. Com efeito, se as leis forem cumpridas, nenhuma autarquia poderá ficar em situação de ruptura financeira.
Somos talvez o país da Europa onde a autonomia das autarquias é levada mais longe.
Mas é esse o objectivo da nossa Constituição e o firme propósito do Governo em geral e da equipa do Ministério da Administração Interna em especial.
Esperamos que o tempo e os Srs. Deputados nos dêem razão.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Abreu Lima.

O Sr. Abreu Lima (CDS): - Sr.ª Secretária de Estado da Administração Autárquica, o texto da proposta de lei que neste momento está em debate merece o nosso apreço e a nossa cobertura, pois achamo-lo equilibrado e suficientemente prudente para salvaguardar uma arma que pode ser perigosa em relação à autonomia do poder local e à descentralização administrativa.
Contudo, para um melhor entendimento deste texto, gostaria de fazer à Sr.ª Secretária de Estado algumas perguntas.
Em primeiro lugar, tratando-se inequivocamente do exercício de uma tutela inspectiva - e sabendo-se que nos tratados de Direito Administrativo é evidente a qualificação dos diversos tipos de tutela -, pergunto porque é que não foi expresso no texto que se trata de uma tutela inspectiva, tal como na Lei n.º 97/77, que fala expressamente em tutela inspectiva. Seria mais um adjectivo qualificativo que caberia dizer, embora venha lá declarado e especificado que a tutela se destina à verificação do cumprimento da lei e que não pode, de maneira alguma interferir nos actos de administração e gestão.
Em segundo lugar, temos algumas reservas em relação às atribuições dadas aos Srs. Governadores. Mas há aqui um aspecto que me impressiona um pouco, que é o seguinte: se é possível a qualquer particular, instituição ou serviço social solicitar ao Governo uma inspecção a uma autarquia, por que é que um governador civil, quando tiver de propô-la ou solicitá-la terá de ouvir previamente um conselho especial - neste caso, o Conselho Distrital? Será apenas para, formalmente, dar cumprimento à Constituição? É que, deste modo, o governador civil, que tem o poder tutelar, fica

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numa situação desfavorável em relação a qualquer outra pessoa.
Outra pergunta que gostaria de fazer era esta: foi por acaso ouvida a Associação Nacional dos Municípios sobre este diploma? Não acha, Sr.ª Secretária de Estado, que seria de a ouvir, na medida em que ela representa, a nível nacional, todos os municípios deste país? Colheu-se dela algum auxílio ou alguma colaboração na elaboração deste texto, Sr.ª Secretária de Estado?
Fundamentalmente, eram estas as questões que lhe queria colocar.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Secretária de Estado da Administração Autárquica, dado haver mais Srs. Deputados inscritos para pedidos de esclarecimento, pergunto-lhe se V. Ex.ª deseja responder já ou apenas no fim.

A Sr.ª Secretaría de Estado da Administração Autárquica: - Se me permite, respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr.ª Secretária de Estado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr.ª Secretária de Estado da Administração Autárquica, gostaria de lhe colocar uma questão prévia, que poderá vir de uma dificuldade minha de interpretação do texto ou de ele próprio não ser explícito.
Na proposta de lei apresentada é, efectivamente, aberto caminho, como referiu na sua intervenção, à interposição de um recurso. Porém, não é completamente explicitado - e não sei se se vai recorrer às regras gerais que o direito fixa para a interposição de recursos - o que é que se passa nesse período. Quer dizer, quando no decreto de dissolução do orgão autárquico sai a nomeação de uma comissão administrativa num prazo determinado, esse recurso, a ser interposto no prazo previsto, tem ou não efeito suspensivo? É que, se tem esse efeito, cria-se uma situação em que há uma comissão administrativa que ainda não tomou posse, mas, se não o tem, então cria-me uma situação que pode ser mais complicada, que é a de, no prazo de 60 dias, eventualmente, o tribunal dar provimento ao recurso e, portanto, a comissão administrativa desaparecer e voltar o órgão executivo.
Quanto à nomeação da comissão administrativa, não são estabelecidas nenhuma restrições. Compreendendo que numa dissolução, de uma maneira um pouco diversa do que se passa com a criação de novas autarquias, possa não ter de se respeitar o princípio de uma certa proporcionalidade ou ter em atenção exactamente os resultados eleitorais. Mas não está nada explícito quanto a, não digo respeitar-se rigorosamente mas ter em conta a relação de forças resultante dos actos eleitorais. Ou seja, da aplicação estrita desta lei poder-se-á deduzir que uma câmara de maioria absoluta APU dissolvida poderá ter uma comissão administrativa composta só por elementos do CDS, ou, vice-versa, uma câmara do CDS dissolvida ser integrada apenas por elementos da APU?
A terceira questão que lhe queria colocar era a seguinte: é posta aqui a hipótese de o governador civil participar judicialmente. Mas supondo que num órgão autárquico, por exemplo um órgão executivo, há membros que, para além de terem incorrido no risco de dissolução, deram cobertura ou praticaram fraude - ponho esta hipótese, embora espere que geralmente seja teórica -, deduz-se alguma obrigação para o Governo de, após o acto de dissolução, fazer uma participação automática no sentido de se proceder criminalmente, terão de ser os outros autarcas desse órgão administrativo ou um determinado número de cidadãos eleitores a fazê-lo, ou pensa-se que o Ministério Público, tendo conhecimento do decreto, desencadeará o processo?
Parece-me que esta questão é importante, porque penso que para um certo tipo de crimes, a serem provados, não bastará a sanção eleitoral; será necessário um outro tipo de sanção. É por isso que pergunto a quem caberia a iniciativa de propor essa sanção.
Para terminar, subscrevo a pergunta feita pelo Sr. Deputado Abreu Lima, sobre se terá ou não sido feita uma consulta formal à Associação Nacional de Municípios.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr.ª Secretária de Estado da Administração Autárquica, como habitualmente o seu discurso tem uma lógica intempestiva e, quanto a mim, objectivos errados.
Dado que temos muito pouco tempo, apesar de se tratar de uma matéria reservada à Assembleia da República, gostaria de lhe colocar apenas uma pergunta, visto que não posso fazer-lhe mais...Julgo que a Sr.ª Secretária de Estado se referiu às excelências do artigo 6.º da Lei n.º 97/77, em relação à participação do Governo em desfavor dos governadores civis.
É evidente que o espírito das leis foi inventado quando, no século XVIII ou XIX, se constatou a necessidade da participação das pessoas.
O artigo 92.º da Lei n.º 97/77 diz o seguinte:

.[...] Promover a realização de inquéritos, se necessário, através da administração central à actividade dos órgãos autárquicos e respectivos serviços, precedendo parecer do Conselho Distrital.

Ora, isto era feito pelo governador civil, enquanto na sua proposta de lei o Governo, embora também possa delegar no governador civil, adoptou em vez da formulação da Lei n.º 79/77 aquilo que está na alínea á), que é a realização de inquéritos, e na alínea b), que é a fiscalização do cumprimento das leis e regulamentos por parte dos órgãos autárquicos. Quer dizer, para além de um aumento enorme de poderes por parte do Governo e do governador civil - é a mesma coisa, pois, como sabemos, eles são mandatários do Governo - está aqui ausente um parecer do Conselho Distrital.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr.ª Secretária de Estado da Administração Autárquica, V. Ex.ª apresentou como justificação desta proposta de lei o facto de a anterior lei conter apenas três disposições sobre a matéria de tutela administrativa. Parece-me, assim,

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que foi por razões de ordem quantitativa e não qualitativa que o Governo foi levado a apresentar esta proposta de lei.
Contudo, como é sabido, o 25 de Abril e a Constituição da República Portuguesa consagraram as autarquias locais como integradas no poder local democrático, sendo uma das suas características essenciais a sua autonomia. Ora, esta proposta de lei contende frontalmente com a autonomia do poder local, visto que numerosas disposições, nomeadamente aquela que ainda agora foi referida pela Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, são contrárias a essa autonomia.
Gostaria que a Sr.ª Secretária de Estado explicasse se afinal foi por razões quantitativas, e no sentido de regulamentar o que já constava da lei, que apresentou esta proposta de lei. Ou não entende que o Governo foi muito além desse propósito de regulamentar as três disposições da lei, apresentando uma proposta que viola frontalmente a autonomia do poder local democrático?

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr.ª Secretária de Estado, suponho que o princípio central do tratamento da questão da tutela está na garantia e respeito pelo princípio da legalidade e que um segundo princípio fundamental está na garantia e respeito do princípio da autonomia do poder local. A questão que estamos a tratar é, então, uma questão de fronteira do relacionamento entre um órgão de soberania, que é o Governo - com poderes administrativos e executivos, não de julgamento -, e órgãos de poder local dotados de autonomia garantida constitucionalmente.
A Sr.ª Secretaría de Estado sabe, pelos textos que já foram aqui produzidos em nome da minha bancada, que discordamos profundamente desta proposta por duas razões fundamentais, que estão relacionadas com o que acabei de dizer.
Por um lado, porque é subvertido o princípio da legalidade - em diferentes aspectos a proposta o faz. Por outro lado, apesar de tudo e para de alguma maneira se reflectir sobre aquilo que disse no início do debate, recordo-lhe que V. Ex.ª disse que o Governo pensa constituir uma comissão técnica para fazer «jurisprudência». Ora, desculpe que lhe diga, mas as comissões técnicas podem fazer apenas uniformação administrativa, pois que a jurisprudência é feita pelos tribunais. É dessa subversão permanente do princípio, e dos critérios de legalidade de que enferma toda a proposta.
Ela nega e abafa, também, o princípio da autonomia. De tal forma que, como a Sr.ª Secretária de Estado sabe, o anúncio da proposta provocou, por parte dos órgãos de autarquias locais situados em todos os quadrantes políticos, um coro de protestos.

Pausa.

Mas, dizia eu à Sr.ª Secretária de Estado que órgãos de autarquias locais de todos os quadrantes políticos protestaram em Agosto quando saiu uma nota oficiosa - uma espécie de nota veiculada para a imprensa -, acerca do conteúdo da proposta. A sua divulgação provocou uma reacção imediata de autarcas de todos os quadrantes políticos. Porquê?, pergunto.
Sr.ª Secretária de Estado, está ou não incluído na proposta o poder de dar directivas aos órgãos das autarquias? O que é que significa o disposto na alínea c) do artigo 5.º senão o poder de dar directivas? Isto é ou não é ultrapassar a tutela inspectiva?
Em segundo lugar, é ou não é um facto que está expressamente prevista na proposta a possibilidade de alguns órgãos da administração central emitirem normas, circulares, etc., vinculando as autarquias? Isto é ou não é subverter o princípio da legalidade? Isto é ou não é configurar a tutela administrativa como uma forma de atacar o poder local?

A Sr.ª Secretária de Estado utilizou aí a expressão «bomba atómica» e eu digo-lhe que esta proposta de lei é, realmente, uma bomba atómica contra o poder local.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a Sr.ª Secretária de Estado o direito de responder, se o desejar fazer, às perguntas que lhe foram formuladas.

A Sr.ª Secretária de Estado da Administração Autárquica: - O Sr. Deputado Abreu Lima fez uma explicação geral da sua perspectiva sobre a proposta de lei que agora apresentámos ë que, penso, transmite bem a ideia que estava subjacente à sua realização.
Perguntou-me a razão de não termos usado o termo «inspectivo». Não nos pareceu que fosse necessário, mas não vemos nenhuma razão impeditiva de o fazer se, na especialidade, considerarem que esse termo acrescenta ou torna mais clara esta matéria. Se assim for, com certeza que os Srs. Deputados poderão propor a sua introdução.
Em relação aos governadores civis, esclarecemos, efectivamente, a posição que o governador civil tem e que era muito maior. Como viram, a Lei n.º 79/77 dizia que cabia ao governador civil velar pelo cumprimento das leis e realizar directamente inquéritos. Agora não o poderá fazer, a não ser que haja delegação de competências ou terá de, primeiro, propor a sua realização. Mas já na Lei n.º 79/77 se dizia que era precedente de parecer do Conselho Distrital. Aliás, a propósito, a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura levantava o problema ao contrário: parece que agora se daria menos relevo ao parecer do Conselho Distrital enquanto que o Sr. Deputado Abreu Lima perguntava a razão de ser deste parecer no caso do governador civil quando, nos outros casos, ele não está presente. Pois, pensámo-lo no caso do governador civil porque ele é um órgão de consulta do governador civil.
Relativamente a todas as outras propostas, gostaria de dizer aos Srs. Deputados que fizemos um despacho - já há uns tempos e assinado pelo Sr. Ministro - em que se diz qual o processo a seguir por todas as pessoas que querem apresentar queixa. Ora, neste processo eles terão de ser ouvidos, pelo governador civil ou pelo IGAT, para confirmar as críticas que são feitas e responsabilizarem-se por elas para que não apareça qualquer particular, de forma pouco responsável, a levantar problemas sobre as autarquias ou que isso os fizesse actuar muitas vezes sem qualquer razão e com grandes custos para a administração central. Como sabem, todos estes processos custam muito dinheiro.
Perguntou-me, por fim, se a Associação Nacional dos Municípios Portugueses tinha sido ouvida. Queria lembrar ao Sr. Deputado e à Sr.ª Deputada Helena Ci-

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dade Moura que esta proposta de lei deu entrada nesta Assembleia em Junho de 1984, altura em que a Associação ainda não estava constituída. Agora, já a Associação tem este diploma e está previsto que nesta fase - entre a discussão na especialidade e na generalidade -, nós tenhamos uma conversa conjunta para a análise deste diploma, que aliás na generalidade é aceite pela Associação.
O Sr. Deputado Hasse Ferreira pergunta-me se tem carácter de suspensão ou não a dissolução que aqui propomos. Pois, não tem. Não prevemos, efectivamente, esta situação. Os Srs. Deputados analisarão depois esta proposta mas, na nossa perspectiva, ela não terá efeito suspensivo.
Em relação à representatividade da comissão administrativa, a Lei n.º 100/84 define como é que esta comissão é formada e os casos em que tem lugar vêm referidos no n.º 5, alínea b), do artigo 46.º Pelo que aqui está referido é sempre a assembleia municipal que designará o presidente e a constituição da assembleia municipal do órgão que for dissolvido. Portanto, em princípio, tudo está assegurado para que se mantenha a distribuição por partidos preexistentes.
Relativamente à participação criminal, quero dizer que isso já acontece agora. Nem sequer é o Governo que o faz. A lei manda que qualquer serviço público que seja confrontado com uma situação de crime tem de, imediatamente, participar. Portanto, é a própria Inspecção que, uma vez confrontada com essas decisões, manda directamente para os tribunais todos os casos de crime que são detectados.
Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, creio que já lhe respondi em relação ao Conselho Distrital. Não há objectivo de reduzir a intervenção do Conselho Distrital, mantém-se a sua participação.
O Sr. Deputado Raul Castro pergunta-me se fiz essa lei em termos quantitativos. É óbvio que não é essa a razão. Volto a dizer que a tutela não é uma atribuição das autarquias e que, por tal, não tem de estar uma lei das atribuições das autarquias. Por isso fizemos uma nova lei...

O Sr. João Amaral (PCP): - É uma imitação!

A Oradora: -.. .que, como dizia o Sr. Deputado João Amaral - e aqui estive várias vezes de acordo com ele -, respeita a legalidade e a autonomia do poder local. Foi exactamente esse o nosso objectivo.

O Sr. João Amaral (PCP): - Mal conseguido!

A Oradora: - Esperemos que, efectivamente, o tenhamos conseguido; a maioria desta Câmara nos dirá se o fizemos ou não.
Portanto, na nossa perspectiva, não só não violamos frontalmente a autonomia do poder local como, pelo contrário, conseguimos fazer um diploma que poderá ser melhorado com o concurso dos Srs. Deputados, mas que tem como objectivo reforçar a legalidade e a autonomia do poder local.
Quanto as aspecto que referiu da jurisprudência, parece que o Sr. Deputado é que tem razão. Temos de o corrigir, pois não foi nessa perspectiva que essa expressão foi utilizada. Mas gostaria de chamar a atenção do que é que pretendemos com esta expressão.

O Sr. João Amaral (PCP): - Há aqui qualquer coisa!

A Oradora: - Actualmente existe um conjunto de inspectores na Inspecção-Geral, que fazem relatórios que são objecto de parecer pelo inspector-geral e de despacho do Governo. O nosso objectivo é que passe a existir uma comissão - que chamámos de comissão técnica -, formada por 3 inspectores superiores, pelo relator do inquérito ou da inspecção e pelo inspector-geral. O objectivo foi o de fazer, à escala devida, um funcionamento do tipo da Procuradoria-Geral da República. Quisemos criar um grupo que permita uma harmonia de tratamento de situações semelhantes, que dê origem a um tratamento e propostas também semelhantes e que permita que haja uma isenção completa sobre todos os resultados do que se faça. Além disso, haverá uma acta do debate em relação a cada inquérito que permitirá, portanto, perceber-se exactamente por que é que se chegou àquela informação de decisões. Penso que esta é uma informação útil trazê-la aqui aos Srs. Deputados.
Mais uma vez volto a dizer que está no Conselho de Ministros e que se trata de um decreto-lei, como podia tratar-se de um simples decreto regulamentar. Os Srs. Deputados têm, se o desejarem, poder de intervenção, mas pensamos que a reformulação que fizemos da Inspecção-Geral vai acrescentar não só a capacidade de actuação, como dar garantias de uma maior isenção e de formação de uma lógica comum de respostas - que, pelos vistos, não segui porque, indevidamente, utilizei o termo «jurisprudência» para explicar o que é quê queria dizer com isso.
Não damos ordens pelas circulares às câmaras. O que aqui se diz quanto às normas que não são cumpridas é que quando uma câmara municipal - e acontece em muitos casos - muitas vezes por desconhecimento, toma decisões que são nulas, o que fazemos é mandar para o Supremo Tribunal Administrativo dizendo que, se o tribunal assim o entender, deve mandar anular essas mesmas decisões. É nesse aspecto que a referência é feita.
Penso que a utilização das palavras finais do Sr. Deputado João Amaral não têm nenhuma razão de ser e o Sr. Deputado sabe-o melhor do que eu. A única sanção prevista era a dissolução do órgão. Ora, qualquer ilegalidade, não era das previstas na lei porque como a Lei n.º 79/77 estava feita, podia levar a que se pensasse que eram outras; isto porque ela dizia «nomeadamente», enquanto nós dizemos: são só aquelas. Portanto, só as que estão definidas na lei é que podem dar origem à dissolução. Portanto, este é o último recurso. Poderemos é arranjar outros. E como? Responsabilizando individualmente as pessoas que cometeram a ilegalidade - que serão afastadas -, mas substituindo-as por outras do mesmo partido.
Haverá, pois, outras medidas que permitirão que o orgão continue a funcionar sem que seja prevista a sua dissolução.
Penso, finalmente, que esta Assembleia nos vai dar razão e vai concordar que esta é uma forma que dá garantias de funcionamento às autarquias locais e não, como foi referido, alguma coisa que viesse prejudicar o seu funcionamento.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, somos chegados ao termo do período da parte da manhã.
Declaro interrompida a sessão, a qual será reaberta às 15 horas.

Eram 13 horas.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa verificou que não há inscrições para uso da palavra, pelo que peço aos Srs. Deputados que desejem usar da palavra o favor de se inscreverem desde já, sob pena de me ver obrigado a encerrar a sessão.

Pausa.

Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, solicito à Mesa que proceda à leitura do relatório e parecer da Comissão de Administração Interna e Poder Local sobre a proposta de lei n.º 72/III, que, provavelmente por lapso, não foi lido no início do debate, mas que tem bastante interesse.
Devo desde já dizer que não estou a requerer a leitura da declaração de voto que produzimos. Prescindo da leitura dessa declaração de voto, mas entendo que teria o máximo interesse que o texto do relatório constasse deste debate.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - É de deferir o seu pedido, Sr. Deputado João Amaral, pelo que irei proceder de imediato à leitura do referido relatório.
O Sr. Deputado Carlos Cordeiro, que se encontra inscrito para usar da palavra, terá de aguardar mais uns momentos.
É do seguinte teor o relatório e parecer da Comissão de Administração Interna e Poder Local respeitante à proposta de lei n.º 72/III:
A presente iniciativa legislativa, da autoria do Governo, visa regulamentar o artigo 243.º da Constituição da República e revogar simultaneamente o que, no tocante à tutela administrativa, se acha regulado na Lei n.º 79/77, de 25 de Outubro, diploma nessa parte ainda em vigor.
É indiscutível que a Constituição consagra expressamente a sujeição das autarquias locais à tutela administrativa, dispondo o n.º 1 do seu referido artigo 243.º que esta «consiste na verificação do cumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos e é exercida nos casos e segundo as formas prescritas na lei».
Antes de mais, há que referir que o legislador constituinte dispôs de forma inequívoca que os órgãos autárquicos estão sujeitos à «verificação do cumprimento da lei», remetendo, no entanto, para o legislador ordinário a consagração dos casos em que deve ser, e como deve ser, efectivada essa mesma verificação.
Embora o poder local se encontre constitucionalmente compreendido na «organização democrática do Estado», verdade é que as autarquias e seus órgãos não são, segundo o preceituado no n.º 1 do artigo 113.º da Constituição, órgãos de soberania; por isso, não surpreende que, sem prejuízo do direito que aos cidadãos assiste de recorrer junto dos tribunais de deliberações dos órgãos autárquicos, seja conferido a um órgão de soberania o direito-dever de verificar se os órgãos do poder local cumprem a lei, verificação que visa obviamente o próprio prestígio das instituições e do Estado de direito democrático.
Porém, essa verificação não pode, como cremos ser evidente, ficar ao sabor de critérios meramente arbitrários, mas tem antes de obedecer a regras e princípios gerais, e bem definidos, tanto no que se refere aos casos como às formas a que deve respeitar tal verificação.
Daí a necessidade de legislação ordinária que regulamente o preceito constitucional que ficou parcialmente transcrito, legislação que cai no âmbito da competência reservada da Assembleia da República, por virtude da alínea a) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição.
Esta, na alínea e) do seu artigo 202.º, diz-nos qual o orgão de soberania ao qual incumbe o direito-dever de exercer essa verificação do cumprimento da lei.
Consideramos ser aqui de salientar que a verificação do cumprimento da lei no desenvolvimento da tutela administrativa não se confunde, nem pode confundir, com a apreciação, caso a caso, da legalidade ou ilegalidade de deliberações de órgãos autárquicos a fazer pelos tribunais, em via de recurso.
É que, como bem se alcança, as finalidades e as consequências são totalmente distintas, pelo que é indispensável que a consagração constitucional e legal de recurso por parte dos cidadãos interessados aos respectivos tribunais não consome essa sujeição dos órgãos autárquicos à tutela administrativa; enquanto a intervenção judicial visa a apreciação e possível anulação do respectivo acto administrativo, a tutela tem como objectivo a apreciação da acção dos órgãos autárquicos, tendo em conta as normas legais aplicáveis, sendo diversas as consequências da verificação do incumprimento da lei.
Porém, o exercício pelo Governo da tutela administrativa sobre os órgãos autárquicos relativamente à «verificação do cumprimento da lei», não pode perder de vista, e muito menos violar, o que constitucionalmente se acha consagrado, desde logo, nos artigos 237.º, n.º 2, 239.º, 270.º e 272.º da Constituição, disposições donde emerge, além do mais, o próprio princípio da autonomia do poder local, indiscutivelmente uma das grandes e importantes consequências saídas do regime democrático.
A presente proposta de lei - sem embargo de dever merecer diversas correcções e melhorias de redacção em sede de especialidade, algumas inclusivamente para clarificar o conceito de tutela e formas do seu exercício - está em condições de ser apreciada em Plenário da Assembleia da República, já que se enquadra nos normativos constitucionais respectivos.
Não quer, todavia, a Comissão de Administração Interna e Poder Local deixar de abordar, em linhas muito gerais, um dos problemas que de forma candente tem suscitado, e continua a suscitar, a questão da competência do governador civil, como representante do Governo, para exercer a tutela.

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É indiscutível, face à norma transitória constante do artigo 295.º da Constituição, que ao governador civil compete «representar o Governo e exercer os poderes de tutela na área do distrito». Contudo, esta norma não significa que não caiba ao legislador ordinário - no caso a Assembleia da República - definir os termos e o modo como essa competência tutelar pode e deve ser exercida.
A proposta de lei n.º 12/III apresenta-nos uma forma do exercício dessa competência, que não cremos inconstitucional, mas tal não impede que a Assembleia da República não possa adoptar forma diversa para o exercício dessa competência, e isto porque o citado artigo 273.º é bem claro em prescrever que à lei é que cabe definir os «casos» e as «formas» pertinentes ao exercício da tutela administrativa.

Palácio de São Bento, 14 de Março de 1985. - O Relator, António Marques Mendes.

Para uma intervenção, tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Carlos Cordeiro.

O Sr. Carlos Cordeiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A Constituição de 1976 restituiu ao poder local, em Portugal, uma dignidade consentânea com a sua tradição histórica, que durante cerca de 50 anos lhe fora negada.
A essa restituição aderiram, entusiasticamente, alguns milhares de portugueses, homens e mulheres, situados nos mais diversos posicionamentos do quadrante político nacional, que, a partir de Janeiro de 1977, por força dos votos dos seus concidadãos, foram chamados a desempenhar nos vários órgãos autárquicos uma tarefa que então se apresentava da maior importância para consolidação do regime democrático, relevância que, com o decorrer dos vários mandatos, longe de perder a sua validade, antes se confirmou e reforçou.
Nascia, assim, com um entusiasmo e uma dedicação à causa pública, que nunca será por demais pôr em evidência, porque totalmente voltada para a resolução dos problemas concretos das populações, numa luta constante para a obtenção das mais rápidas soluções conducentes à melhoria das suas degradadas condições de vida, uma nova classe política nacional - a dos autarcas.
Em cada freguesia e em cada concelho deste país a renovar-se, utilizando o seu entusiasmo e a sua dedicação como armas para vencer a sua quase total inexperiência, ultrapassando incompreensões e vencendo inércias, fazendo do diálogo constante com as populações a regra geral do seu trabalho, esses autarcas podem orgulhar-se hoje de apresentar, aos olhos da opinião pública, uma obra que os dignifica e que transformou radicalmente este país.
A Constituição distinguiu, de forma significativa, os órgãos autárquicos e os cidadãos que neles eram chamados ao desempenho de funções, atribuindo a uns e a outros, numa perspectiva totalmente inovadora, um elevado grau de autonomia, a que, regra geral, têm sabido corresponder. Mas, numa bem equacionada jurisprudência das cautelas, significando que autonomia não pode ser sinónimo de irresponsabilidade, não deixou de instituir as linhas gerais de um mecanismo da tutela, deixando, no entanto, e como se apresentava lógico, para a legislação ordinária a tarefa da sua regulamentação.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É disso que estamos aqui, hoje, a tratar, ao discutir e votar esta proposta de lei que o Governo nos apresenta, o que fazemos sem deixar de ter presente, por um lado, o melindre de que se reveste uma legislação desta índole e, por outro lado, a necessidade da sua existência, o que vem pôr em destaque a forma prudente como esta legislação nos é apresentada.
Se, como atrás dissemos, a regra geral por que se tem pautado a actuação dos autarcas deste país é a da dedicação às suas tarefas, do entusiasmo e da honestidade no desempenho das suas funções, não podemos ignorar que em todos os rebanhos existem ovelhas tresmalhadas e que, portanto, também no meio desta regra geral, se situam algumas excepções.
São os intérpretes dessas excepções os que devem recear os princípios por que se rege esta proposta de lei, porque com ela se pretende combater a sua forma de actuar, sujeitando-os à «verificação do cumprimento da lei», a que se faz referência no n.º 1 do artigo 243.º da Constituição.
Mas, se o legislador constituinte teve a preocupação de diferir para a legislação ordinária a regulamentação do regime da tutela administrativa, através do qual se processa a já referida «verificação do cumprimento da lei», a verdade é que essa preocupação não teve então o mesmo grau de correspondência, pois todas as medidas tomadas nesse sentido pecaram, ou por insuficientes - apenas 3 artigos com os n.ºs 91.º, 92.º e 93.º da Lei n.º 79/77 - ou por inclusão em local impróprio - num diploma que tratava das «atribuições das autarquias e das competências dos respectivos órgãos».
Urgia, por isso, que o assunto fosse devidamente colocado em diploma autónomo, onde pudesse ter o tratamento que merece e onde fosse possível definir, com o maior desenvolvimento e com o maior rigor, o conteúdo e os fins da tutela, reduzindo ao mínimo as situações dubitativas.
E não deixa de ser curioso e merecer ser assinalado que a forma insuficiente e manifestamente vaga como o problema era abordado na Lei n.º 79/77, a permitir as mais variadas interpretações, com possibilidades 1 de capear as intervenções mais diversas, a permitir até, eventualmente, a existência de abusos por parte do poder central, sem definir quaisquer possibilidades de defesa para os acusados, não tenha merecido qualquer contestação e que seja agora que se definam com clareza as regras do jogo, os direitos e as obrigações de cada uma das partes intervenientes na aplicação da tutela, que se fixem para os atingidos as mais claras condições de defesa, que venha o Partido Comunista a acusar a proposta de lei e o Governo seu autor de todos os malefícios possíveis e imagináveis, erigindo-a em atentado contra o poder local, a autonomia das autarquias, os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos autarcas e de tudo o mais que poderá ler-se na intervenção feita aquando da apreciação do recurso que interpôs da sua admissão pela Mesa da Assembleia.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Porque estamos em discussão da proposta de lei na generalidade, o que nos interessa sublinhar, neste momento, é a nossa concordância com a filosofia da proposta de lei e com os princípios por que se rege - e essa concordância é um facto.
Esta nossa posição não é, porém, impeditiva de que analisemos, embora sucintamente, alguns aspectos de

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pormenor da proposta de lei, que nos parecem positivos, como sejam:

d) A distinção clara que se faz, pela primeira vez, dos actos praticados pelos autarcas a nível individual, que não penalizam o órgão a que pertencem, evitando a sua dissolução, com todos os inconvenientes que a experiência nos diz aí resultarem, mas que conduzem apenas à perda de mandato por parte dos prevaricadores;

6) A definição, tão clara quanto possível, das situações que podem conduzir à dissolução dos órgãos autárquicos;

c) A dignidade e consequente responsabilidade de que se reveste a decisão da dissolução, através de decreto da responsabilidade colectiva do Governo e não apenas do Ministério da Tutela;
d) As vastas possibilidades de defesa que se concedem aos acusados, através da interposição de recurso para os tribunais, o que afasta, à partida, eventuais hipóteses de se verificarem penalizações baseadas em aspectos menos claros, como sejam os de ordem meramente política, recurso que, no nosso entender, deve ter efeito suspensivo, e o curto período de tempo definido para o seu julgamento;
e) A impossibilidade de candidatura, no acto eleitoral destinado a completar o mandato e no subsequente, dos membros dos órgãos autárquicos que tenham sido objecto de dissolução.

Para o Partido Comunista, esta impossibilidade constitui uma grave ofensa para os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, definidos na Constituição.

O Sr. João Amaral (PCP): - E para o Tribunal Constitucional!

O Orador: - Para nós, pelo contrário, constitui um passo importante na dignificação da vida autárquica nacional, impedindo que os elementos afastados por prevaricação às normas legais, por vezes revestida de aspectos da maior gravidade, possam vir a reocupar o lugar que anteriormente desempenhavam e de que haviam sido compulsivamente afastados. Ofensa grave aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, ofensa grave às próprias regras democráticas por que se deve reger a nossa vida em comunidade seria a permissão de que isso sucedesse.
Esta nossa adesão aos princípios gerais da proposta de lei não significa, no entanto, que a não entendamos passível de ser melhorada, em sede de discussão na especialidade, em alguns dos seus aspectos parciais - e, desde já, nos apresentamos disponíveis para esse trabalho.
Na generalidade, como já dissemos, entendemos que corresponde àquilo que sempre pensámos dever ser uma lei de tutela sobre as autarquias e que vem de encontro aos desejos nesse sentido tantas vezes manifestado pelos autarcas do Partido Socialista e, também, pela maioria dos autarcas deste país.
Isto é, que defina, claramente e com respeito pelos dispositivos constitucionais, a já referida separação entre autonomia e responsabilidade, que defenda e dignifique o trabalho daqueles que norteiam as suas normas de gestão autárquica pelo respeito à primeira, mas que constitua base solida e de concreta definição para a penalização daqueles para quem a confusão entre uma e outra é prática generalizada.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Carlos Cordeiro, há duas questões que quero registar através deste pedido de esclarecimento.
A primeira é a de que a expressão «ovelhas tresmalhadas», aplicada a cidadãos que exercem cargos autárquicos, pode ser, no mínimo, uma expressão pouco adequada.
A segunda é a de que a questão da limitação do direito de participação política pela restrição da capacidade eleitoral passiva não é uma questão que se possa tratar a esse nível de pouco cuidado. Sr. Deputado, tanto cuidado tem tido o Tribunal Constitucional que tem declarado sucessivamente inconstitucionais uma série de normas constantes da lei das atribuições das autarquias locais e da competência dos seus órgãos, precisamente por violação dessas regras.
Suponho que o mínimo de seriedade no tratamento de uma matéria tão delicada como é a dos direitos, liberdades e garantias levará a não confundir aquilo que não pode ser confundido, isto é, a necessidade de dar transparência, legalidade, critério e honestidade a todo o trabalho das autarquias com outra questão muito diferente, que é a de saber em que termos é que podem ser limitados os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. E, do nosso ponto de vista, essa questão tem de ser tratada com todo o cuidado por esta Assembleia, sob a inevitável sanção de o Tribunal Constitucional vir a declarar inconstitucional essa norma -o Sr. Deputado saberá isso se ler todos os acórdãos referentes à matéria que têm sido emitidos, nomeadamente o Acórdão n.º 4/84.
Só lhe quero colocar uma pergunta, que se refere à questão do local impróprio. Descobriu-se agora que a lei tem de ser uma lei autónoma, porque a matéria da tutela não teria nada a ver com as atribuições das autarquias e com a competência dos seus órgãos. O que lhe pergunto é se entende ou não que não há matéria que tenha mais a ver com as atribuições das autarquias e com a competência dos seus órgãos do que aquele aspecto em que precisamente essas atribuições e competências são limitadas, e se entende ou não que está mal colocado o artigo da Constituição relativo à tutela administrativa quando é colocado em sede do poder local, porque a única sede em que ele pode ser colocado é na sede do confronto entre o poder administrativo do Governo e a autonomia local garantida pela Constituição. Desculpe-me que lhe coloque a pergunta nestes termos: é essa a razão de ser desta proposta de lei?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Cordeiro.

O Sr. Carlos Cordeiro (PS): - Sr. Deputado João Amaral, ninguém mais do que eu, porque também sou autarca, respeita o trabalho dos autarcas e a actuação que eles têm tido para o desenvolvimento e para a transformação deste país. Por isso mesmo, a expressão «ovelhas tresmalhadas» apenas pode ser entendida como uma figura de retórica, e nada mais.

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De facto, há autarcas bons e autarcas maus; se a regra geral é a de que os autarcas têm sabido cumprir as suas obrigações, também temos verificado, infelizmente, que uma pequena minoria não as tem sabido cumprir.
Quanto às restrições e ao Tribunal Constitucional, o assunto já foi suficientemente discutido aquando da interposição do recurso que o PCP apresentou nesta Assembleia.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não foi!

O Orador: - Penso que está suficientemente definido que esta proposta de lei não ofende de qualquer forma os preceitos constitucionais. A opinião do Sr. Deputado e do PCP é contrária, mas penso que ficou suficientemente definido, através da intervenção que o Sr. Ministro da Administração Interna fez nessa altura, que esta lei não ofende de qualquer forma os princípios constitucionais.
Penso que a situação que se mantinha até agora é que era, de facto, ofensiva dos princípios constitucionais, que era a de permitir que um autarca que não fosse suficientemente sério na sua actuação pudesse vir a voltar a desempenhar o cargo, depois de ter sido afastado, por prevaricação, do desempenho desse cargo. Essa é que era, na minha opinião, a ofensa grave e não qualquer eventual ofensa aos preceitos constitucionais que possa vir a resultar da limitação que esta proposta de lei faz à sua reeleição.
Quanto àquilo que me pergunta - se isto não é uma proposta de lei das atribuições das autarquias -, penso que não. A Sr.ª Secretária de Estado já disse há pouco, na sua intervenção, que isto é uma proposta de lei das atribuições do Governo. O facto de estar situada na Constituição no capítulo que diz respeito ao poder local está absolutamente certo, porque se trata de uma proposta de lei cuja actuação se refere e se vai reflectir na actuação do poder local em Portugal. Mas é uma proposta de lei que define, por parte do Governo, as formas como este deve actuar em relação à tutela sobre as autarquias.
E, Sr. Deputado, entre haver uma lei que defina claramente àquilo que deve ser a tutela inspectiva sobre as autarquias e haver apenas três artigos que constituem um princípio genérico dessa lei, penso que todos nós, que defendemos o poder local e as autarquias em Portugal, devemos optar por que haja uma lei onde as regras do jogo sejam absolutamente claras, as situações, esteiam definidas e os acusados se possam defender concretamente, e não por princípios vagos como aqueles que existiam até agora.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Administração Interna, Srs. Membros do Governo: As contradições envolvem-nos e fazem parte do dia-a-dia do actual Governo. A legislação do poder local é particularmente rica de exemplos desta luta que o Governo trava com a realidade que se lhe opõe.
Alguém, comentando ironicamente esta insólita situação em democracia, dizia: «Pois se o Governo não se adapta à realidade, adapta-se a realidade ao Governo!»
Esta angústia do não domínio da realidade alimenta as sucessivas transferências expiatórias, que levam actualmente a clamar todas as semanas pela revisão urgente de uma Constituição acabada de rever, e com os votos favoráveis dos partidos, auto designados democráticos, que agora a reclamam.
Forçoso será, de facto, acertar o conceito de democracia, antes que ela definhe por falta de alimento institucional e passe, de novo, a reserva moral do nosso povo.
Cabe a esta proposta de lei alguma exemplaridade dos múltiplos desalinhes e contradições que roem o poder central.
Cabe-lhe ainda ser exemplo de incoerência não só política, como programática.
Recusado o recurso interposto pelo PCP, sobre a admissão desta proposta de lei n.º 72/III, ela baixou à respectiva Comissão. Não nos foi possível estar presentes, pelas circunstâncias do nosso trabalho, mas, mais que não fosse, apenas a leitura do relatório da respectiva Comissão alerta-nos -ainda bem que esse relatório vai constar do Diário porque vai ser importante lê-lo - para a necessidade (cito) de «diversas correcções e melhorias de redacção, em sede de especialidade, algumas inclusivamente para clarificar o conceito de tutela e formas do seu exercício».
Grave é, de facto, que, numa proposta de lei reguladora do exercício da tutela sobre as autarquias locais, o «conceito de tutela e formas do seu exercício» sejam passíveis de leituras dúbias por falta de clareza.
A nosso ver, o mal não está na falta de clareza, mas no nítido conceito de tutela, bem explicitado na proposta de lei do Governo e reforçado pela proposta da Sr.ª Secretária de Estado à pergunta formulada pelo MDP/CDE. Ficou bem claro, pela sua resposta, que o Governo poderá, por exemplo arbitrariamente, sem consulta do Conselho Distrital, instalar inquéritos às autarquias.
De facto, desta proposta de lei emana, servido por forma idêntica, o mesmo espírito da tutela directiva proposta pela lei de tutela da AD; só que, em Dezembro de 1981, esta tutela directiva não estava limitada pela Constituição; contrariava apenas a legislação ordinária (Lei n.º 79/77), que, no seu artigo 91.º, n.º 2, consagra a tutela inspectiva.
Apesar da coerência no tempo legal, esta proposta de lei da AD amortalhou-se na própria Assembleia.
Aquando da revisão constitucional, o Partido Socialista, consciente do problema, propôs que a expressão «a tutela sobre as autarquias locais será exercida» fosse substituída por outra expressão que, definindo expressamente outro tipo de tutela, melhor se adaptasse à Lei n.º 79/77 e à experiência dos anos decorridos. Foi assim que, por proposta do Partido Socialista, foi aprovada e registada na Constituição uma nova formulação: «A tutela administrativa sobre as autarquias locais constituirá na verificação do cumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos.»
Assim, pela mão do Partido Socialista, se dava dignidade constitucional à tutela inspectiva inspirada na Lei n.º 79/77.
Estranho será, agora, verificarmos que é um governante do Partido Socialista que, passados 2 anos, vem propor a esta Assembleia que se faça tábua rasa de um conceito interpretativo da experiência dos órgãos autárquicos e comprovativo da eficácia do poder local,

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factores naquele tempo tão importantes para o PS que o levou a consagrá-los constitucionalmente.
O Sr. Ministro da Administração Interna conhece directamente as dificuldades da aplicação dos critérios vinculados por esta lei.
Por isso mesmo ela teve de ser excluída do âmbito da Autorização Legislativa n.º 19/83, que os partidos da maioria gentilmente concederam ao Governo.
Oportunamente, em 27 de Junho de 1984, tivemos ocasião de perguntar ao Sr. Ministro por que razão tinha sido trazida de visita à Assembleia da República esta irmã enjeitada do pacote legislativo autorizado pela maioria. Foi-nos então claramente explicado - peço licença para citar o Sr. Ministro - que «de todos os diplomas» aquele que suscitara observações que maiores objecções levantava era o da tutela.
Objecções justas que tentaremos minorar colaborando, como sempre, com propostas de alteração e de eliminação, mas de onde será impossível arrancar a moléstia que a corrói, o espírito que elas contêm. Esta lei da tutela é de facto pedra-de-toque dos intuitos do poder central, da forma do Governo de conceber hoje o poder local e a participação das populações, da forma de expressar um projecto político que se opõe hoje, como vimos, às recentes intenções do Partido Socialista, aquando da revisão da Constituição.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O 25 de Abril começa de facto, a ser para alguns um peso. E este Governo tenta libertar-se dele; o povo insiste, porém, e com ele os autarcas que estão em contacto com os problemas reais. Daí que a lei da tutela, difícil de encontrar consensos junto da realidade viva, tenha vindo refugiar-se nesta Assembleia.
Pede-se aos Srs. Deputados a co-responsabilização expressa por esta lei, será pedido aos autarcas deputados que abram as portas à arbitrariedade e à ingerência e deixem morrer a criatividade e a eficácia que a responsabilização sempre traz.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A muita experiência honestamente vivida por centenas de autarcas do MDP/CDE em todo o País - são só seis ou sete centenas, mas o suficiente, porque é gente séria e trabalhadora - leva-nos a remeter à consideração desta Assembleia parte do parecer que aos deputados foi enviado pelo grupo de trabalho do poder local do nosso partido.
Cito o seguinte trecho desse parecer:

A sua aplicação (a aplicação da proposta de lei) gerará a breve trecho sentimentos de revolta que se traduzirão na tendência para a não aceitação ou desobediência a qualquer ordem ou indicação oriunda do poder central; funcionará assim como algo de desestabilizador e impeditivo do bom funcionamento dos órgãos autárquicos.

A nossa posição crítica não significa a defesa na prática de irregularidades eventualmente cometidas por autarcas, mas o que não aceitamos é a transformação da tutela administrativa, que deveria ter carácter inspectivo, em juiz da actuação das autarquias, numa submissão aos ditames do poder central; registe-se, aliás, o contributo das reacções altamente negativas de grande número de autarcas, face aos postulados desta proposta de lei.
No capítulo da análise específica lê-se ainda o seguinte:

Consideramos especialmente gravosos para a preservação, autonomia e dignidade do poder local, para além de serem manifestamente inconstitucionais, os seguintes artigos:

Artigo 3.º - Neste artigo não estão regulamentadas nem previstas justificações para inspecções, inquéritos ou sindicâncias exercidas sobre os órgãos e serviços das autarquias, o que introduz um grave vector de aleatoriedade nas relações tutelares do poder central sobre os órgãos autárquicos. Por outro lado, a aplicação aos serviços desta tutela poderá provocar complicações nas relações internas das autarquias, minimizando o papel directivo e a responsabilidade dos órgãos em relação aos serviços do aparelho de Estado local.
Artigo 5.º, alínea c), e artigo 6.º, n.º 2, alínea b). - Estes artigos estão em contradição com o artigo 2.º, que indica o objecto da tutela, defendendo o carácter correctivo e conselheiro das inspecções na verificação do cumprimento das leis e regulamentos por parte dos órgãos e serviços das autarquias locais e associações de municípios. Com efeito, nestes artigos transfere-se para o Governo, directamente ou através do governador civil, não só a fiscalização do cumprimento das leis e regulamentos, mas também a determinação da aplicação das medidas em cada caso julgadas adequadas à correcção ou superação das irregularidades verificadas, ultrapassando assim o referido carácter «correctivo e conselheiro das inspecções».
Este artigo é particularmente gravoso para a autonomia do poder local, pois retira a obrigatoriedade de a actuação do Governo dever ser precedida de um parecer do Conselho Distrital, como estava consignado no artigo 92.º, alínea b), da Lei n.º 79/77.

Artigo 100.º, n.º 1, alínea g), e n.º 2. - Este artigo propõe a dissolução do órgão autárquico «quando o mesmo se recuse a [...]». Tal significa a menorizacão em que o Governo procura colocar as autarquias, como se elas correspondessem a infra-estruturas do poder central, em vez de sedes devidamente autónomas do poder.
A alínea g) inclui formas impositivas do poder central na actividade das autarquias através da obrigatoriedade de dar cumprimento aos actos normativos da administração central.

Em conclusão, dizem os autarcas do meu partido:
Pensamos que esta proposta de lei é coerente com o pacote legislativo aprovado pelo Governo Central, o qual não visa mais do que controlar as autarquias e, em especial, alguns elementos dos órgãos que se têm destacado na defesa dos interesses das populações que representam, pretendendo assim impor coercivamente a aceitação do pacote autárquico que reduz o descentralismo democrático dos órgãos do poder local e aumenta o «absolutismo» do poder central.
Por outro lado, a aplicação aos serviços desta tutela poderá provocar complicações nas relações

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internas das autarquias, minimizando o papel directivo e a responsabilidade dos órgãos autárquicos.
Por último, pode concluir-se que, para além de uma concepção político-partidária sobre poder local que põe em causa o artigo 243.º da Constituição da República, a proposta de lei vai tornar menos operantes os órgãos do poder local no aspecto de resposta concreta às necessidades das populações, quer cerceando as suas capacidades - o que é pior -, quer intimando os seus executantes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por estranha ironia é o próprio Ministro das Finanças deste mesmo Governo que refere a necessidade absoluta de programas regionais integrados como um dos «abre-te Césamo» da entrada na CEE.
Vivendo de palavras tautológicas e tendo recebido não sei de que divindade a sabedoria absoluta e definitiva, o Governo prescinde do poder local no momento mesmo em que, para servir com lógica o seu programa político, mais necessitava da dinamização do País, da colaboração das populações, da vida participada das regiões.
Ou será que o poder deste Governo lhe possibilitará criar regiões no próprio Terreiro do Paço?
Compete à maioria julgar da correcção do programa que se propôs levar a cabo nesta Assembleia.
Para o MDP/CDE, que escolheu a oposição tolerante, objectiva e coerente, cabe-lhe alertar para o facto de este Governo se ter enfiado pelas suas próprias mãos, demasiado instáveis, diversificadas e possessivas, num chão de areia movediça, onde cada passo tende para o inevitável sorvedouro.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Cordeiro pediu a palavra para um pedido de esclarecimento. No entanto, informo o Sr. Deputado que a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura não dispõe de tempo para lhe responder.

O Sr. Carlos Cordeiro (PS): - Sr. Presidente, se a Sr.ª Deputada não dispõe de tempo para responder, conceder-lhe-emos 2 ou 3 minutos para esse efeito.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
Tem a palavra.

O Sr. Carlos Cordeiro (PS): - Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, registamos com apreço que, na intervenção que fez, V. Ex.ª reconheceu que o PS tem tido para as autarquias e para os autarcas deste país um comportamento extremamente correcto e que foi pela sua mão que foi introduzida na Constituição esta alteração, de que resulta o actual artigo 243.º
Diz V. Ex.ª que, posteriormente a isso, o PS fez tábua rasa desta forma de actuação, permitimo-nos não estar de acordo, na medida em que pensamos que toda esta série de leis sobre autarquias que o Ministério da Administração Interna tem vindo a apresentar ao País se situa exactamente nessa linha ou rumo de actuação, isto é, no sentido da dignificação do poder autárquico e do trabalho dos autarcas em Portugal.
Considera V. Ex.ª que alguns aspectos desta proposta de lei são extremamente gravosos par a actuação e a dignificação do poder local. Pergunto a V. Ex.ª se não seria muito mais gravoso permitir que autarcas que tivessem sido afastados da sua função por terem cometido graves irregularidades, algumas delas até no âmbito de actuação da lei penal, pudessem voltar a ocupar os seus lugares através da possibilidade de se candidatarem novamente à eleição dos seus concidadãos. Penso que isso seria de facto muito mais gravoso para a dignidade dos autarcas e para a dignificação do poder local do que este mecanismo que se pretende incluir nesta lei no sentido de impossibilitar que esses autarcas prevaricadores, alguns até com prevaricações extremamente graves - como disse a V. Ex.ª -, se possam vir a candidatar.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, dispondo para o efeito do tempo que lhe foi concedido pelo PS.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Deputado Carlos Cordeiro, serei muito breve, atendendo à amabilidade do PS.
De facto, penso que há autarcas do PS que merecem todo o nosso respeito e toda a nossa gratidão.
O que mudou no PS Não foi nada mais do que o conceito de poder, mudança que é extremamente expressiva nesta proposta de lei. Hoje, o PS não sabe o que é o poder democrático porque, se soubesse, nunca teria feito esta lei.
Quanto ao pormenor da lei a que o Sr. Deputado se refere, assente que realmente a Constituição não considera as elegibilidades para as autarquias, é evidente que elas estão sujeitas à lei comum de qualquer cidadão ordinário. Penso que poderemos depois fazer modificações em sede de Comissão, de maneira a que nessa pequena parte, que é, quanto a mim, uma pane circunstancial, seja possível chegarmos a um acordo.
Agora, o que é difícil mudar é o fundo da questão, isto é, o conceito de poder local que hoje o PS, pelo menos teoricamente, quer impor aos seus deputados.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Abreu Lima.

O Sr. Abreu Lima (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado: A tutela administrativa não respeita, com efeito, no nosso entender, à organização e à competência das autarquias locais. Daí achar correcto e certo que ela não faça parte integrante do Decreto-lei n.º 100/84. A tutela, e o seu exercício, desempenha a função e justifica a acção do Estado democrático, e parece-me indispensável para constituir a garantia e a dignidade do próprio poder local. É evidente que o poder local e a sua dignidade mantêm-se através da soma dos poderes que lhes estão conferidos.
Ao longo deste tempo, e depois do 25 de Abril, numerosas leis - e fundamentalmente a lei das atribuições e das competências - atribuíram e reconheceram ao poder local a sua autonomia, reconhecendo e perfilhando a descentralização administrativa. Sem dúvida nenhuma que com a publicação dessas leis o poder local, as câmaras municipais, as freguesias, principiaram a ter a sua personalidade, a sua independência, começaram a ter a faculdade de poder gerir e de poder administrar. A própria Lei das Finanças Locais, através das disponibilidades financeiras maiores ou menores,

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mais ou menos cumprida ao longo do tempo e de todas as suas vicissitudes, atribuiu às autarquias locais a possibilidade e a faculdade de utilizar os meios financeiros disponíveis, com o objectivo de servir e a intenção de minorar, tanto quanto possível, as carências dos concelhos e dos munícipes. Nesse aspecto correu-se e andou-se bastante, alcançaram-se, sem dúvida nenhuma, metas que até aí não existiam, não se podendo deixar de reconhecer hoje que o poder local é autónomo e está descentralizado.
Este instituto de tutela, tal como está individualizado, por curiosidade constituindo um instituto de per si, veio garantir, no entender do meu partido, bem como no meu entender pessoal, a própria autonomia, a descentralização e sobretudo a dignidade do poder local. Este instituto da tutela, que aqui está prescrito na proposta de lei n.º 12/III, limita-se, pura e simplesmente, a uma tutela inspectiva - e por isso, há pouco, na pergunta que me foi feita, insistia para que ficasse explícito de que se trata unicamente de uma tutela inspectiva - para que aos senhores agentes que porventura apareçam nas autarquias a verificar o cumprimento da lei e dos regulamentos não possa surgir, numa interpretação de qualquer norma, qualquer desvio, qualquer deslize para uma coisa que não seja tutela inspectiva. Estou inteiramente de acordo com a tutela inspectiva porque se assim não for, teremos situações neste país - como as há, não na generalidade, mas existem alguns casos - em que as autarquias locais têm numerosos casos de desmandos.
Cito um exemplo, que vejo repetir com muita frequência, que é o problema do endividamento das autarquias. O problema da capacidade de endividamento das autarquias está claro e indiscutivelmente estipulado na Lei das Finanças Locais, mas há normas e caminhos enviesados deste endividamento ser ultrapassado e não ser cumprido. São conhecidos os factos e os procedimentos das autarquias quando passam confissões de dívida; são documentos utilizados normalmente por empreiteiros, para poderem descontar letras junto dos estabelecimentos bancários, mas simplesmente à custa das responsabilidades das câmaras. E o facto é que se judicialmente as responsabilidades não podem vir a recair sobre as câmaras, porque elas não intervêm normalmente nas formas em que esses empréstimos ou comprometimentos financeiros bancários são assumidos pelos empreiteiros, o facto é que os bancos o fazem com o beneplácito e com a honra das autarquias que muitas vezes não cumprem os compromissos assumidos. Isto significa senão um endividamento claro e concreto da capacidade de financiamento das câmaras, pelo menos, um endividamento moral que muitas vezes é pernicioso.
Há factos correntes de «fundos azuis», que aparecem por diversas autarquias, utilizados para fins nem sempre claros e lícitos. E, no fundo, ninguém tem de se envergonhar nem de se sentir diminuído pelo facto de se verificar se a pessoa cumpre ou não a lei. Suponho que isto é fundamental para que se não deixe escorregar o poder local, que ainda está incipiente, para situações que podem vir a ser graves na vida nacional.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Se nos lembrarmos de que as câmaras municipais são hoje, talvez, as pessoas que melhor têm correspondido ao Estado democrático pelo que têm realizado neste país e pela satisfação que tem ido ao encontro dos munícipes, vamos não permitir que desmandos em determinados pontos venham comprometer a dignidade e o prestígio do poder local. Daí o nosso acordo a esta proposta de lei que aqui está e que aprovamos na generalidade.
O facto de lhe darmos a nossa aprovação, o nosso consentimento e o nosso voto favorável na generalidade, não significa que não tenhamos de fazer alguns reparos ao seu conteúdo ou a um ou outro ponto. Há fórmulas um pouco imprecisas, situações ilegais graves, situações como a de classificar um resultado mais ou menos favorável, uma conclusão mais ou menos dolosa em relação a uma autarquia, que podem ficar um pouco ao critério de um elemento que faz um inquérito, uma sindicância, uma inspecção, o qual pode variar de pessoa para pessoa. Se fosse possível que estas expressões, um pouco vagas em três ou quatro artigos desta proposta de lei, pudessem ser corrigidas ou evitadas, melhor seria.
Para mim, o problema que aqui se me afigura como um pouco mais duvidoso é o problema que se refere ao governador civil. Compreendo e aceito perfeitamente que a tutela provenha de um órgão da administração interna, nomeadamente, até, do Ministério das Finanças, mas custa-me um pouco a aceitar os termos em que está aqui atribuída ao governador civil a sua capacidade tutelar. É certo, é evidente, é indiscutível, que a Constituição atribui ao governador civil o poder de tutela no respectivo distrito. Mas suponho que talvez não devesse ir tão longe quanto aqui se prevê.
Estamos de acordo com a alínea a) do artigo 6.º onde se diz que o governador civil, como qualquer particular, pode pedir ao ministério da tutela uma sindicância, uma inspecção. O que não sei é se para o fazer será necessário e imprescindível uma opinião, um parecer, do Conselho Distrital - tenho certas dúvidas! A alínea b) permite e consente ao governador civil participar ao Supremo Tribunal Administrativo factos que previsivelmente considere ilegais, irregulares ou irregulamentares; pode ser uma situação em que se permite aos governadores civis a faculdade de poder exercer pressões sobre as autarquias. Não nos podemos esquecer de que a figura do governador civil não é a figura de um membro do Governo. Um membro do Governo pode ser questionado nesta Câmara; o Governo pode vir aqui responder a perguntas que se façam sobre problemas em que possa haver um abuso, isto é, tem uma tutela e um controle desta Câmara, o que não acontece com um governador civil. Assim sendo, atribuir isto ao governador civil, se porventura não for bem formado, pode ser um acto de pressão junto das próprias autarquias.
Não estamos, porém, de acordo com n.º 2 do artigo 6.º; suponho que tal devia ser remodelado porque não vejo vantagens em que o membro do Governo que tem o poder de tutelar delegue no governador civil a realização de inquéritos. Que vantagens podem advir daqui? Que benefícios podem advir daqui se os órgãos, os instrumentos que hão-de verificar o inquérito dependem exclusivamente do membro do Governo, do Ministro da Administração Interna ou do Ministro das Finanças? Todos sabemos que as composições, os elementos humanos, os instrumentos técnicos e as capacidades técnicas dos governadores civis não estão à altura de, por si, ir verificar estes inquéritos e realizar estas inspecções junto das autarquias, parecendo-me

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mesmo perigoso. Na medida em que se parece perigoso, haveria que reponderar e reconsiderar esta circunstância. Também me parece um pouco arriscado, na generalidade, delegar na possibilidade da fiscalização do cumprimento de leis e regulamentos por parte dos órgãos das autarquias locais e seus municípios. E isto na medida em que, - repito-o - sem afectar, sem desconsiderar, sem menosprezar de maneira alguma a figura do governador civil, ele não tem, normalmente, a independência que tem um órgão governamental que exerça ou que detenha a tutela. É muito fácil a um governador civil que tenha estes poderes, exercer pressões, neste ou naquele sentido, sobre as autarquias.
São estes os aspectos que me parecem mais relevantes, os quais penso que deveriam ser reconsiderados. Pensamos apresentar algumas alterações ou eliminações a este projecto, no sentido de contribuir para um melhor esclarecimento e no sentido de que a tutela seja tida e havida como um instrumento perfeitamente cristalino destinando-se, pura e simplesmente, a saber se as autarquias cumprem ou não as leis e os regulamentos. Isto para evitar que hajam exageros em algumas autarquias, que os há o que devia ser corrigido. E não é pelo facto de existirem estas circunstâncias que o poder local deixa de ser menos autónomo ou que a administração central vem a absorver as faculdades, os poderes, as competências e as atribuições que hoje estão atribuídas às autarquias locais.
São, pois, estes os aspectos que considerei mais relevantes e, consequência disto, iremos votar favoravelmente esta situação não obstante irmos apresentar algumas alterações e propostas de modificação para sua discussão na especialidade.

Aplausos do CDS e de alguns deputados do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formularem pedidos de esclarecimento, estão inscritos o Sr. Ministro da Administração Interna e o Sr. Deputado Belchior Pereira.
Tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna (Eduardo Pereira): - Sr. Deputado Abreu Lima, muito obrigado pela sua colaboração para o esclarecimento da matéria que nos ocupa. Gostaria de chamar a sua atenção para alguns pontos: primeiro, e assim posso, simultaneamente, prestar alguns esclarecimentos à Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura sem obrigar a gastar tempo que não tem, é a Constituição que no seu artigo 295.º diz:

Competir ao governador civil, assistido por um conselho, representar o Governo e exercer os poderes de tutela na área do distrito.

De acordo com legislação que ainda hoje nos rege, ao governador compete «velar pelo cumprimento das leis gerais do Estado, por parte dos órgãos autárquicos e promover a realização de inquéritos». Repare que, indo ao encontro das suas preocupações, não dizemos «promover» mas, sim, «propor». Portanto, o Governo está aberto, em sede de comissão, à discussão deste problema porque, por um lado, não pretende deixar de continuar a confiar no governador civil, representação do Governo, e permitir-lhe que desempenhe o papel que constitucionalmente lhe está destinado, mas no respeito pela autonomia dos municípios, quer discutir este problema com os Srs. Deputados e chegar a uma posição equilibrada e, por outro lado, chamo a atenção da Câmara, e em particular a da Sr.ª Deputada, para que o Ministério da Administração Interna, mais do que isto, está obrigado a fazer inspecções periódicas, pelo menos, uma por mandato, a todas as autarquias - câmara municipais, juntas de freguesias - que tenham rendimentos superiores a 5000 contos anuais. Portanto, por um lado compete ao Governo zelar por essa situação, compete constitucionalmente ao governador civil intervir directamente - é a Lei n.º 79/77 que lho permite. O Governo, com este projecto...

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, queira concluir o seu pedido de esclarecimento. O Governo esgotou o seu tempo.

O Orador: - Sr. Presidente, não acredito que o Governo tenha esgotado o seu tempo. Acredito que do ponto de vista do relógio de V. Ex.ª essa seja a situação, mas o que é facto é que o Governo tem tempo para resolver estes problemas.

Risos.

O Sr. Presidente: - Para resolver os problemas, sim, Sr. Ministro, e não coloco tal aspecto em dúvida. Mas no que diz respeito às figuras regimentais, o Governo esgotou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Terminarei rapidamente, Sr. Presidente.

Portanto, gostaríamos de levar este debate à Comissão e chegar à formulação adequada no equilíbrio da representação no distrito e da autonomia do poder local.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Belchior Pereira.

O Sr. Belchior Pereira (PCP): - Sr. Deputado Abreu Lima, V. Ex.ª afirmou que o CDS iria aprovar na generalidade esta proposta de lei porque concordava com a filosofia nela contida. Resumindo, o CDS vai aprovar a proposta de lei porque a tutela que está aqui consignada é uma tutela meramente inspectiva e, portanto, respeita o que está consignado no artigo 243.º da Constituição.
Assim sendo, gostaria de confrontá-lo com a alínea g) do artigo 10.º que, como sabe, é consagrado à dissolução dos órgãos. E essa mesma alínea diz o seguinte: «[...] quando se recusa, de forma sistemática e reiterada, a dar cumprimento aos actos normativos [...]» e sublinho «[...] aos actos normativos dos órgãos de soberania ou [...]» e isto é extremamente importante «[...] ou da administração central». Estamos ou não aqui a quilómetros de distância da tutela inspectiva, mas já confrontados com a tutela directiva. O Sr. Ministro, a Sr.ª Secretária de Estado, qualquer outro membro da Administração emite uma circular, dá uma ordem à autarquia e se ela se recusar a cumprir essa ordem, porque é inconstitucional e ilegal, então temos aqui uma causa de dissolução do órgão.
Gostaríamos, portanto, de saber se V. Ex.ª considera ou não que a alínea g) nada tem a ver com a tutela inspectiva.

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Abreu Lima.

O Sr. Abreu Lima (CDS): - Em relação ao Sr. Ministro da Administração Interna, direi que quando referi o facto de que para propor fosse necessário ouvir o conselho municipal, aí o governador fica diminuído em relação a qualquer outro órgão oficial, inclusivamente em relação a um particular; qualquer particular pode, junto do Sr. Ministro da Administração Interna ou do Sr. Secretário de Estado, dizer que se passam determinados factos numa determinada autarquia e daí se originar uma inspecção. O Sr. Governador Civil, que é o representante da administração central no distrito, não tem de merecer ao poder central o respeito necessário e a aceitabilidade precisa para que ao denunciar determinada ilegalidade não tenha necessidade de ouvir previamente um conselho? Penso que é exigir demais. Por isso é que fiz há pouco a pergunta: será para respeitar formalmente a Constituição quando nela se diz que deve ser ouvido? É claro que aqui a Lei n.º 79/77, era mais exigente, quando consentia ao governador civil a faculdade de promover, pelas suas próprias forças, um inquérito, enquanto aqui a não tem. Por isso mesmo, porque não tem normalmente a capacidade para o fazer, nem os instrumentos precisos, nem as pessoas à altura, é que penso que o n.º 2 do artigo 6.º não tem razão de ser. Não é necessário ao Sr. Ministro, seja o das Finanças, seja o da Administração Interna, delegar no governador para ir fazer um inquérito a uma determinada câmara ou a uma determinada freguesia; ele tem na sua mão os instrumentos precisos, porque pode acontecer que o governador lhe vá pedir que lhe sejam emprestados os inspectores para dar satisfação ao seu cumprimento. Parece-me, portanto, exagerado este n.º 2 do artigo 6.º
Em relação ao Sr. Deputado Belchior Pereira, não dou à alínea que referiu a sua interpretação. Tenho de interpretar este texto logo que seja constituído, se for constituído desta forma, como um texto publicado, partindo do princípio do artigo 3.º que diz o conteúdo. Por isso é que há pouco acentuei a necessidade de definição em ser uma tutela inspectiva: «a tutela exerce-se através de inspecções, inquéritos e sindicâncias, bem como da recolha e análise de informações» - isto é um termo vago que não sei bem o que é - «[...] e esclarecimento com interesse à verificação do cumprimento das leis e regulamentos pelos órgãos e serviços das autarquias locais e associações municipais». E há adiante outra disposição legal que conclui, ou afirma pela negativa «não é permitido às inspecções analisarem os actos de gestão e de administração das autarquias». Quer dizer, está definida pela positiva e pela negativa. Se assim é - e esta é a alma, o âmago, desta disposição - não podemos interpretar a alínea g) com o sentido que lhe querem dar quando e nela se diz «quando se recusa, de forma sistemática e reiterada, a dar cumprimento aos actos normativos». Quais são estes actos normativos do Governo ou estes actos normativos dos órgãos de soberania... ?

O Sr. João Amaral (PCP): - E os da administração central?

O Orador: - Não, estes não estão, nem é essa a minha interpretação.

O Sr. João Amaral (PCP): - Mas não há outros!

O Orador: - Isso é que há. Esta disposição que aqui está tem de ser interpretada dentro do objectivo, dentro do conteúdo, dentro da finalidade deste próprio texto.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apresenta-nos o Governo a proposta de lei n.º 72/111 - lei reguladora do exercício da tutela sobre as autarquias locais.
Ao exprimir a posição da minha bancada sobre esta matéria, gostaria, para um entendimento mais claro da minha intervenção, de a dividir em quatro pontos, a saber:

O fundamento e as finalidades da tutela sobre as autarquias locais em regime democrático;
O relacionamento entre as diversas formas que a tutela sobre as autarquias pode revestir e o maior ou menor grau de autonomia do poder local;
As disposições constitucionais portuguesas relativas à autonomia do poder local e à tutela e a adequação da lei reguladora do exercício da tutela a essas disposições;

Observações à proposta de lei.

À semelhança do que sucede com a administração estadual, também a administração autárquica deve ser exercida nos termos e pelas formas prescritas pelas leis.
Os órgãos autárquicos, seja qual for o grau de autonomia de que gozem, exercem as suas competências em obediência ao império do direito, porque o poder local, no nosso ordenamento jurídico-constitucional, é um poder do Estado, não um poder independente do Estado, fora dele, e muito menos acima dele. Assim, se os titulares ou agentes dos órgãos autárquicos violarem a lei, ou usarem da sua competência para fins diversos dos que a lei visou ao conceder-lha, garante-se a qualquer interessado, lesado, o direito de promover perante tribunais o restabelecimento da ordem jurídica quebrantada.
O direito de recurso, fundado na incompetência, usurpação ou desvio de poder, vício de forma ou violação de lei, regulamento ou contrato administrativo, constitui o processo de defesa dos particulares contra os abusos da administração. Para além deste tipo de fiscalização - conhecida como «tutela jurisdicional» - existe uma outra - designada de tutela administrativa - e que consiste normalmente na verificação, pelo Governo, não só do cumprimento das leis por parte das autarquias mas igualmente na fiscalização da actividade dos serviços da administração local comum.
Em regimes não democráticos, em que a autonomia do poder local é reduzida ou nula, a função da tutela administrativa é mais ampla: entendida a administração autárquica como administração indirecta do Estado - e não como auto-administração - a tutela surge como uma forma de suprimento da tutela jurisdicional, procurando garantir que a administração autárquica, para além de se exercer em todos os casos com respeito pela lei, se exerça também com o sentido da conveniência e da oportunidade definidos pela administração central. Nesta lógica - que não é a do nosso actual ordenamento jurídico - permite-se que o Estado

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intervenha por várias formas junto das autarquias, através do Governo, normalmente chegando mesmo ao ponto de exercer poderes de ingerência sobre os seus órgãos e podendo substituir-se-lhes na prática de determinados actos. Este era, por exemplo, o sistema adoptado no Código Administrativo Português de 1936-1940.
Nos regimes democráticos que consagram os princípios da descentralização e da autonomia do poder local, tal não sucede por via de regra. Aqui, o fundamento da tutela sobre as autarquias, relativamente aos actos que os seus órgãos praticam no exercício de competências próprias é, como sempre, o da submissão das mesmas ao império do direito, e a sua finalidade é tão-só a de averiguar se os seus órgãos e serviço cumprem efectivamente as leis. São normalmente afastados juízos de oportunidade e de conveniência, relativamente ao exercício dessas competências, que brigariam frontalmente com o princípio da autonomia do poder local.
O conceito de autonomia do poder local não é um conceito uniforme, padronizado na sua extensão e nos seus limites, na generalidade dos sistemas constitucionais democráticos. Ele comporta uma variabilidade acentuada de país para país, podendo no entanto ser traçada uma meridiana englobante dos seus caracteres comuns.
Em termos muito genéricos, é pacificamente aceite que a autonomia se concretiza, sempre, por qualquer forma de descentralização. Mas a simples descentralização, por si só, não é via suficiente para conduzir às liberdades locais. Estas não se atingem pela singela existência de poderes locais, mas sim pela existência de poderes locais autónomos quer dizer, responsáveis perante os cidadãos locais e não perante o Estado.
A descentralização será apenas administrativa, se as competências do orgão autárquico se reduzirem à prática de actos administrativos só impugnáveis por via de recurso contencioso: ou meramente financeira, se se reduzir à possibilidade de arrecadar certos rendimentos e dispor deles como receita própria. A atribuição de ambas a uma pessoa colectiva de direito público configurará um elevado grau de liberdade de agir. E embora tal liberdade de agir possa ser susceptível de limitação, em maior ou menor extensão, através da sujeição à tutela administrativa, não restam dúvidas de poder concluir-se pela verificação - genérica - da seguinte regra: quanto maior o grau de autonomia, menor será o âmbito sobre que se exerce a tutela; quanto menor o grau de autonomia, e consequentemente a zona de poderes próprios de que goza uma pessoa colectiva de direito público, maior será o âmbito sobre o qual a tutela poder ser exercida.
A autonomia local mede-se exclusivamente pela amplitude dos poderes outorgados às autoridades descentralizadas e, correlativamente, pela importância dos meios jurídicos, humanos e financeiros colocados à sua disposição.
A repartição entre o Estado e as colectividades locais das competências e dos recursos fiscais dá-nos a medida da realidade da autonomia local.
Fazendo uma pequena análise sobre a situação nalguns países membros do Conselho da Europa, podemos concluir o seguinte:

1.º Num estado federado como a Áustria e no qual os poderes locais gozam de uma razoável autonomia, a Constituição Federal garante-lhes, para além de uma esfera de competências no quadro da qual gerem determinados interesses do Land ou da federação, uma esfera de competências próprias, que eles administram, sob a sua exclusiva responsabilidade, na obediência às leis e regulamentos federais e do Land a que pertencem. Não estão submetidos a nenhuma directiva ou intervenção de órgãos administrativos exteriores, no tocante ao exercício de competências próprias. Estão sujeitos apenas a controle, que se exerce da seguinte forma:

As previsões e o equilíbrio orçamental são fiscalizados pelo organismo de controle do Land e pelo Tribunal de Contas.

A finalidade de tal controle é verificar se a política financeira das autarquias é eficaz, económica, ordenada, e se obedece às leis e regulamentos que lhe respeitam;

O controle da legalidade é exercido pelo Tribunal Administrativo. Não encontramos, pois, aqui, vestígios de qualquer intervenção do Governo na fiscalização e controle do cumprimento da legalidade.

2.ª Num país como a Dinamarca, por exemplo, com os órgãos do poder local eleitos por sufrágio universal, e com um grau de autonomia administrativa e financeira mais reduzida, a tutela exerce-se a três níveis:

Controle económico: as colectividades locais devem estabelecer planos financeiros respeitantes a cada triénio, e a aprovação dos empréstimos previstos dependem da concordância dessas previsões com o plano financeiro nacional;
Controle da legalidade: o Ministro do Interior tem poderes de anulação de decisões ilegais emanadas dos órgãos de poder local e dispõe de determinados poderes tendentes a obrigá-los a respeitar a lei. Isto, claro, independentemente da competência genérica dos tribunais de direito comum para dirimirem os litígios relativos à legalidade dos actos dos órgãos do poder local;
Controle de oportunidade: o controle sobre a oportunidade de actos específicos de administração dos órgãos autárquicos pertence a diversos ministérios.

Vejamos o caso italiano, país onde o esquema de articulação dos poderes locais é bastante semelhante ao português. Podemos verificar que as autarquias locais exercem, essencialmente, competências próprias. Porém, exercem também funções administrativas de interesse geral, por delegação legislativa, como órgãos descentralizados do Estado, embora em casos limitados.
Aqui poderíamos chegar à conclusão seguinte: o controle da legalidade sobre os actos das autarquias é exercido por um órgão da região - entidade autónoma e territorial, dotada de poderes legislativo e administrativo - constituído nos termos da lei.

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Concluiríamos a sujeição das autarquias à tutela, exercida por um órgão especializado na dependência do Governo. Poderíamos sumariamente concluir:

A sujeição das autarquias à tutela administrativa é um dado constante;
Os limites e a extensão da tutela são variáveis, raramente se equiparando em todos os seus aspectos;
A competência para exercer a tutela é repartida normalmente pelos tribunais e pelo Governo, ou por um seu agente, em casos muito limitados;
Quanto mais desenvolvido é o nível de autonomia das autarquias, menores são, normalmente, os poderes tutelares dos governos, cabendo aos tribunais, por via de regra, o seu exercício;
Quanto mais se acentua a dependência, sobretudo financeira, da autarquia face ao Governo, maiores são, normalmente, os meios de controle e fiscalização que a tutela coloca à disposição das administrações centrais sobre as administrações locais.

Relativamente ao caso português e a esta proposta de lei, caberia dizer o seguinte: o princípio da autonomia das autarquias locais é um princípio fundamental da organização do Estado Português, nos termos do artigo 6.º da Constituição, e tem como limites a unidade do Estado e a conformidade dos actos dos órgãos autárquicos à Constituição e às leis. Este princípio constitucional é uma trave mestra do nosso ordenamento jurídico, e a sua inserção sistemática na parte respeitante aos princípios fundamentais é desde logo indicativa da proeminência, da importância e do realce que lhe quis dar o nosso legislador constituinte.
A tutela sobre as autarquias [que o artigo 243.º da Constituição diz consistir na verificação do cumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos, e que o artigo 202.º atribui ao Governo ou ao seu representante (artigo 259.º)] deverá ser exercida não perdendo de vista o alcance deste princípio. Significa isso que o exercício da tutela não deverá ofender o princípio da autonomia do poder local, sob pena de ser considerado inconstitucional.
É dentro deste espírito que caberá analisar a proposta do Governo ora em discussão. No nosso sistema jurídico-constitucional não se atribui ao Governo a possibilidade de exercer um controle sobre a oportunidade ou a conveniência dos actos dos órgãos da administração local, nem a possibilidade de exercer poderes legalmente cometidos aos órgãos e serviços da administração local.
A tutela é exercida pelo Governo, no âmbito de dois Ministérios: Ministério da Administração Interna e Ministério das Finanças e do Plano, através de dois órgãos instrumentais: IGAI e IGF. A acção do primeiro visa aferir a legalidade e regularidade da constituição e do funcionamento dos actos da administração local; a do segundo restringe-se à verificação da legalidade dos actos relativos à gestão patrimonial e financeira.
Quando a proposta de lei ora em debate veio ao conhecimento do público, grande pane das críticas que sobre ela recaíram incidiam sobre o facto de o governador civil exercer a tutela em nome do Governo, na área da sua região. Consideravam os autores da crítica, em abono das suas razões, ser o cargo de governador civil um cargo em vias de desaparição, em função da regionalização que a Constituição impõe que se faça.
A crítica, feita nestes termos e com estes contornos, não é inteiramente procedente. E isto porque tal questão - a do exercício do poder tutelar do governador civil - não resulta da lei, mas, sim, da Constituição que no artigo 295.º - que é uma norma transitória - lhe atribui a possibilidade desse exercício. Enquanto perdurar o cargo de governador civil, a existência, no campo das suas atribuições e competências, de um qualquer poder tutelar - exercido em nome do Governo - é um facto inelutável. Agora o que não é um campo aberto à livre disponibilidade e arbítrio do legislador é a forma por que se vão exercer essas competências e atribuições.
Não são indiferentes o modo, a extensão e os limites a definir para os poderes do governador civil.
Penso que deveria ser assim repudiada a possibilidade que o governador civil tem como agente político do Governo de, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º da proposta de lei, realizar inquéritos aos órgãos e serviços das autarquias locais.
Como agente político do Governo na área do distrito, o poder de realizar inquéritos aos órgãos e serviços das autarquias pode redundar numa forma acentuada de pressão e controle sobre os mesmos.
O limite dos poderes do governador civil, a este respeito, deveria, quando muito, circunscrever-se à possibilidade também admitida na proposta de propor ao Governo a realização de inquéritos, através do órgão instrumental do exercício da tutela, que é a Inspecção-Geral da Administração Interna (que deveria possuir delegações distritais ou regionais), para poder exercer uma acção mais pronta e eficaz.
Na realidade, é este serviço que está especialmente vocacionado para tal tipo de tarefa, com um corpo de funcionários tecnicamente habilitados. Num regime como o nosso, em que as autarquias são instituições de auto-administração, pelo que não dependem do Governo e não podem ser por este orientadas ou dirigidas, mas tão-somente fiscalizadas para garantia da legalidade, a atribuição deste poder aos governadores civis -pela característica de agentes políticos de confiança do Governo que as suas funções revestem e sem que isto implique um juízo negativo e apriorístico - torna-se potencialmente mais perigosa para a autonomia do poder local de que a sua atribuição- como a proposta de lei igualmente prevê - a um serviço constituído por um corpo de técnicos altamente especializados nessa matéria.
As actividades da Inspecção-Geral da Administração Interna têm sobretudo por objecto os aspectos jurídicos, disciplinares e administrativos da actuação da administração local e tais atribuições quedar-lhe-ão melhor do que ao governador civil, que para além de ser um agente político do Governo, é uma figura transitória e com duração e prazo.
Penso, pois, que a Assembleia da República deveria acautelar devidamente para que esta parte do articulado fosse alterada na especialidade dentro dos parâmetros enunciados.
Vemos igualmente com muitas dúvidas, pelas mesmas razões que têm a ver com as características do cargo de governador civil, o poder que a proposta de lei lhe confere de participar ao agente do Ministério Público as irregularidades presumíveis (e sublinho presumíveis já que não são irregularidades provadas de facto) de que enfermam os actos das autarquias. Este poder poderá tornar-se numa forma velada de ameaça

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constante sobre os órgãos autárquicos, já que a mera presunção pode vir a redundar num poder quase discricionário de intervenção.
Referir-me-ei por último a uma questão nesta proposta de lei que, no meu entender, carece igualmente de revisão. Refiro-me às sanções aplicáveis aos órgãos autárquicos e seus titulares, após verificação da prática de irregularidades graves. Em primeiro lugar, a sanção de dissolução do órgão autárquico que não tenha aprovado, até à segunda sessão ordinária da assembleia deliberativa, o seu orçamento. Não se discute, em abstracto, o poder de fiscalização dos órgãos deliberativos sobre os executivos. Não se discute, sequer, que o órgão deliberativo tenha sobre o executivo um poder de sanção tal que possa conduzir à dissolução daquele. Só que tal não poderá acontecer enquanto o método de eleição para os órgãos autárquicos não for alterado, no sentido de permitir uma relação de maior responsabilização recíproca de órgãos deliberativos e executivos.
As melhores leis não são aquelas que formalmente estão mais bem arquitectadas, mas sim aquelas que melhor se adaptam à realidade das coisas. Entendemos que, também aqui, os exercícios da lógica formal não deverão prevalecer sobre a substância real em que se alicerça e estrutura o funcionamento dos órgãos autárquicos.
Se quisermos esfarelar, fragmentar e instabilizar a vida local do País oferecemos-lhe uma disposição legal como esta, sem a correlativa alteração do sistema eleitoral.
Deixo finalmente uma última referência: deveria igualmente ser repensada a redacção da alínea h) do n.º 1 do artigo 10.º da proposta, que reza assim:
Qualquer órgão autárquico pode ser dissolvido em consequência de quaisquer outras acções ou omissões ilegais graves [...].
Aquilo que aqui temos, em termos técnico-jurídicos, é a consagração de uma causa genérica de dissolução. É a referência a um conceito indeterminado. Acções ou omissões ilegais graves é algo que não se sabe muito bem onde começa, e muito menos onde acaba. Ë um desafio à consagração do arbítrio, da imprudência e do decisionismo casuista em matéria tão importante como esta, pois redunda numa restrição incontrolável do princípio da autonomia do poder local.
O PSD pretende que se consiga um enraizamento vivo e autêntico desta autonomia, e não que ela se resuma a arremetidas meramente gongóricas, a lanços de pura retórica eivada de demagogia de circunstância.
Temos a convicção que para isso é preciso responsabilizar e moralizar cada vez mais os órgãos autárquicos e os seus titulares, que pela grandeza das tarefas a prosseguir gerem hoje, anualmente, recursos elevadíssimos, que são recursos de toda a comunidade nacional e que devem ser bem administrados.
Porém, essa boa administração não irá conseguir-se com a consagração atípica de uma causa genérica de dissolução. As causas de dissolução, pela gravidade penalizadora de que se revestem, deverão ser rigorosamente tipificadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos os diplomas que dizem respeito à arquitectura jurídica do poder local são para nós muito importantes, porque o poder local é um dos pilares mais sólidos da nossa democracia. Entendemos por isso que diplomas como este, que regulamentam uma zona potencial de tensão, de conflitualidade, entre duas formas diferentes de poder do Estado democrático deverão ser alvo de um especial cuidado e prudência, de modo a não perturbarmos o equilíbrio já conseguido. Também aqui a regra «devagar que tenho pressa» deverá estar presente nos nossos espíritos.
O Governo deu um passo importante com esta proposta de lei, que deixou à nossa consideração durante alguns meses:

Ela tem algumas virtualidades, que cumpre destacar e que já aqui foram destacadas, nomeadamente pela Sr.ª Secretária de Estado da Administração Autárquica, na sua intervenção inicial, e alguns defeitos, que cumpre corrigir. Tratei nesta intervenção mais dos segundos do que das primeiras, como me cumpria. Na perspectiva construtiva que venho de enunciar, dará o grupo parlamentar do meu partido a sua aprovação a esta proposta de lei, desde que lhe sejam introduzidas algumas alterações que visem melhorar alguns dos aspectos menos positivos que atrás deixei referidos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Carlos Cordeiro (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Cordeiro (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para informar que o Partido Socialista, que creio dispor ainda de 24 minutos, concede ao Governo 15 minutos desse tempo.

O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr. Deputado.

Nesse caso, para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Duarte Lima, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna (Eduardo Pereira): - Sr. Deputado Duarte Lima, pedi a palavra, não para apresentar outro problema, mas, apenas, para dar um esclarecimento acerca de um ponto que me parece que tem mantido uma determinada importância ao longo deste debate, até pelo conhecimento que temos das várias posições, e que é o papel do governador civil no meio de toda esta questão.
Peço ao Sr. Deputado que conjugue os artigos 295.º e 262.º da Constituição: não há qualquer dúvida de que o artigo 295.º diz «[...] enquanto não existirem regiões [...]» e estabelece um determinado papel para o governador civil, um papel de representação do Governo e de exercício dos poderes de tutela na área do distrito.
O Sr. Deputado, jogando um pouco com o artigo 295.º, vem dizer que é uma situação transitória. Mas chamo a sua atenção - e chamo-a como representante do Governo - visto que me parece importante que continuemos a pensar que, depois de terminado o cargo de governador civil, haverá, por força do artigo 262.º da Constituição, um representante do Governo junto da região, «cuja competência se exerce igualmente junto das autarquias existentes na área respectiva», ou seja, é a própria Constituição e são os próprios constituintes que continuam a atribuir um certo relevo a essa posição.
Pois, muito bem, dentro do que a Constituição prevê, o Governo está disposto a discutir esse papel.

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Portanto, seguramente que nos iremos pôr de acordo em relação ao papel a desempenhar. Na verdade, na nossa opinião, esse papel deve manter-se e deve ter uma posição moralizadora de tutela, em representação do Governo. E gostaríamos que isto fosse aceite pela Câmara.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Duarte Lima, está também inscrito, para lhe pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado João Amaral.
V. Ex.ª deseja responder já ao Sr. Ministro da Administração Interna, ou responde no final?

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Duarte Lima, a questão que se coloca a partir dos considerandos que fez, nomeadamente no que respeita à afirmação explícita da garantia da autonomia do poder local quando confrontada com a legalidade, é a de saber se, também por via da lei, não se pode criar uma margem de arbítrio de tal ordem que, ao fim e ao cabo, a tutela vem a exercer-se, de forma encapotada, através da própria lei.
E a questão que lhe coloco é simples: se uma lei disser que certo acto, que é da competência das autarquias, está sujeito a homologação de uma direcção-geral, isto é ou não um desvio ao princípio da autonomia e uma forma encapotada de tutela correctiva?
A segunda questão que lhe quero colocar refere-se ao conteúdo da própria proposta de lei.
Já há pouco aqui referimos o disposto na alínea g) do artigo 10.º, quando se fez a previsão de actos normativos da administração central.
O que são actos legislativos está definido na Constituição, no artigo 115.º Aí estão claramente tipificados esses actos e neles não podem caber, Sr. Deputado Duarte Lima, actos normativos de administração central que, naturalmente, terão toda a eficácia dentro da Administração mas que:

a) Não podem vincular os particulares, alias, sempre se soube isso;

6) Nunca poderão vincular as autarquias, sob pena de, por um lado, se negar o princípio da autonomia e, por outro lado, se introduzir uma forma de tutela directiva sobre as autarquias locais.

O que lhe pergunto, Sr. Deputado Duarte Lima, é o seguinte: porque é que na sua intervenção não referiu este aspecto que, do nosso ponto de vista, é central? Ou considera-o um dos aspectos menores?

O Sr. Carlos Brito(PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Começo por dizer ao Sr. Ministro da Administração Interna que, obviamente, nós não negamos que o governador civil, actual e futuramente o representante do Governo junto das regiões, tenha poderes de representação do Governo. O poder de exercer a tutela, que a Constituição lhe confere, é um entre muitos, mas não é o único.
Devo dizer-lhe que o nosso pensamento acerca desta questão é um pensamento problemático, não é um pensamento definitivo; é um pensamento tópico, se assim quiserem. Aquilo que entendemos é que efectivamente, dadas as características - e não podemos fazer uma leitura meramente abstracta do que é a função do governador civil - de confiança política que o governador civil tem de ter em relação ao Governo e até, de certa forma, a variabilidade e a mutabilidade existentes com as mudanças de governo em relação aos seus representantes nas regiões, esta questão devesse, eventualmente, de jure constituendo, ser repensada no sentido de dar uma maior estabilidade ao exercício da tutela. Entendemos também que o exercício de tutela deveria estar confinado, configurado e limitado a um orgão próprio, isto é, ao Governo pois, obviamente, alguém tem de exercer a tutela.
Como eu disse no princípio da minha intervenção, o poder local não pode exercer as suas atribuições e as suas competências fora do império do direito: tem de lhe obedecer e alguém tem de exercer essa fiscalização.
Também referi que essa fiscalização pode ser atribuída aos tribunais e já o é dentro do nosso ordenamento jurídico. Mas há um limite dentro do qual o Governo pode também exercer a sua competência.
Devido à configuração prática e política que o cargo tem, parece-nos que não deveria ser o governador civil a exercê-lo no sentido de fazer realizar o inquérito - sabemos que, entre nós, os serviços dos governos civis não têm, normalmente, uma máquina burocrática capaz de fazer os inquéritos. Parece-nos que esta função deverá estar reservada a um orgão específico, habilitado tecnicamente para isso e penso que a Inspecção-Geral da Administração Interna resolve cabalmente o assunto. Isto sem ter de ver que, enquanto existir o cargo de governador civil e depois, quando houver o representante do Governo junto das regiões, possa haver outros poderes de delegação do Governo, que hoje já existem.
Relativamente à questão colocada pelo Sr. Deputado João Amaral, devo dizer-lhe que não fiz uma análise exaustiva de todo este diploma porque estava previsto que um outro companheiro meu, o deputado Marques Mendes, fizesse uma intervenção na qual, naturalmente, iria ser abordada esta questão. Portanto, não a abordei, por esta razão.
Penso, efectivamente, que esta é uma das zonas a que chamei «as zonas potenciais de conflito, de melindre, de conflitualidade potencial entre poder local e poder central, que é a área de eventual ignorância junto do poder local, através de directivas, de ordens, de conselhos ou de outra coisa qualquer».
Estamos abertos - e no nosso grupo parlamentar, entre os nossos membros da Comissão de Administração Interna e Poder Local, isso tem sido debatido - para que esta questão venha a ser repensada e debatida com mais profundidade.
Mas, Sr. Deputado João Amaral, penso que não é por isso que a proposta deve ser rejeitada in limine. Penso que não é uma questão menor nem é a questão maior: é uma questão com alguma importância, que podemos perfeitamente regulamentar na especialidade.

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O Governo mostrou toda a sua abertura; não veio para aqui com uma posição fixista e rígida: pôs-se à disposição da Assembleia para aceitar as alterações, dentro do respeito do quadro da filosofia que aqui acabou de definir, na intervenção da Sr.ª Secretária de Estado. E penso que o acerto desta questão não foge da filosofia que a Sr.ª Secretária de Estado da Administração Autárquica enunciou.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A questão central que a regulamentação da tutela administrativa levanta é a de saber se são respeitados os limites constitucionais que postulam a autonomia do poder local num sistema de controle do cumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos, ou, se ao contrário, se institui um sistema de ingerência discricionária nas competências próprias dos órgãos das autarquias e de orientação da sua actividade. De outra forma, a questão é saber se se trata de regulamentar o controle respeitando a autonomia, ou de instituir o arbítrio apontando para a centralização e governamentalização.
Na proposta de lei n. º 72/III, o Governo opta pelo arbítrio e pela discricionaridade contra o poder local e a autonomia.
Dois dispositivos fundamentais demonstram esta afirmação.
Em primeiro lugar, a proposta de lei pretende criar para as autarquias locais o dever da obediência às circulares e instruções genéricas da administração central, que é dizer direcções-gerais, comissões de coordenação regional, etc. [cf. artigo 9.º, n.º 3, alínea g)].
Em segundo lugar, a proposta visa permitir ao Governo a determinação de ordens concretas aos órgãos das autarquias nas matérias que constituem objecto das suas competências próprias [cf. artigo 5.º, alínea c)].
No seu conjunto a malha tecida pela proposta aponta para conferir ao Governo o poder de dar instruções e ordens aos órgãos autárquicos, promover discricionariamente inspecções, facultar o «julgamento» de órgãos ou eleitos, determinar administrativamente a dissolução ou a perda de mandato, constituir arbitrariamente comissões administrativas e, para cúmulo, impedir a seu bel-prazer certos eleitos de se recandidatarem.
No esquema proposto o Governo ficaria com o poder de seleccionar os seus alvos de entre eleitos e órgãos autárquicos, nomear obedientes comissões administrativas, constituídas ao arrepio da vontade do eleitorado e de, por sobre tudo isso, impedir eleitos autárquicos de se recandidatarem e exercerem as suas funções.
Este sistema não tem nada a ver com a autonomia do poder local, como nada tem a ver com o regime constitucional da tutela administrativa.
De facto, circulares, instruções e ordens concretas, são institutos que violam o artigo 243.º, n.º 1 da Constituição (na redacção que lhe foi dada depois da revisão constitucional), que diz explicitamente consistir a tutela unicamente na verificação «[...] do cumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos [...]». O regime constitucional da tutela administrativa é exclusivamente o da tutela inspectiva, que se traduz no poder de fiscalizar os actos dos órgãos autárquicos com vista a averiguar se existe ou não ilegalidade; inconformado, o Governo quer mais, quer a tutela directiva com o poder de dirigir aos órgãos autárquicos instruções, designadamente sobre a forma de interpretarem e aplicarem a lei.
Assim se reporia em vigor encapotadamente o disposto no artigo 377.º do Código Administrativo de Marcelo Caetano, segundo o qual o Governo podia «transmitir aos corpos administrativos instruções destinadas a uniformizar a execução das leis e o funcionamento dos respectivos serviços».
Com duas diferenças. A primeira é que Marcelo Caetano, como legislador e alto responsável do regime fascista, adoptou a norma, mas enquanto como professor de Direito não podia deixar de considerar que, não havendo poder hierárquico do Governo sobre os corpos administrativos, o carácter de tais instruções lhes suscitava «dúvidas [...]». Agora, nem isso sucede, porque, como é sabido, o Ministro da Administração Interna não é professor de Direito ... A segunda diferença é que era da lógica do regime fascista transformar a tutela num poder de ingerência, direcção e arbítrio. A lógica do regime democrático-constitucional é a contrária: a de garantir o respeito pela autonomia do poder local, a de o dignificar, respeitar e fortalecer.
É precisamente isso que esta proposta de lei nega frontalmente!
Srs. Deputados, impõe-se desfazer um equívoco: o de que uma lei com este sentido se teria tornado necessária face à revisão constitucional.
O que se passou é coisa muito diferente. O artigo 243.º da Constituição, antes da sua revisão, não proibia formas de tutela que excedessem a inspectiva. A Lei n.º 79/77, aprovada nesta Assembleia por unanimidade, é que veio a consagrar que a tutela governamental sobre as autarquias se deveria cingir à verificação do cumprimento da lei. E é esse regime da Lei n.º 79/77 que se encontra hoje e ainda em vigor!
A alteração introduzida em sede de revisão constitucional não desconstitucionalizou as normas sobre tutela administrativa constantes da Lei n.º 79/77. Pelo contrário, e como afirma, por exemplo, António Vitorino (hoje Secretário de Estado), na anotação a esse artigo, a alteração do n.º l do artigo 243.º é que «constitucionaliza algo que já decorria da Lei n.º 79/77», ou seja, «a tutela sobre as autarquias é meramente inspectiva»!
Não podia ser de outra forma, para quem respeite e queira respeitar a autonomia do poder local.
E facto, e é bom sublinhá-lo claramente, que é do interesse da democracia e do poder local que a actuação dos órgãos autárquicos se conforme à legalidade democrática, que a sua gestão seja empenhada, transparente e rigorosa, e que conduza eficazmente, através do exercício das suas competências, à satisfação dos interesses das populações. O poder local fortalece-se e prestigia-se com uma gestão honesta, responsável, isenta e conforme à lei - e é por estes princípios que pautamos a nossa conduta, aqui e no exercício de cargos autárquicos.
Só que o poder local democrático afirma-se, como regra fundamental, no princípio da autonomia. As autarquias locais são «formas de administração autónoma territorial [...], dotadas de órgãos próprios, de atribuições específicas correspondentes a interesses próprios, não meras formas de administração indirecta ou

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imediata do Estado» (Vital Moreira e Gomes Canotilho, na sua Constituição Anotada).
As balizas do poder local estão na Constituição e na lei. O mérito da gestão autárquica, Srs. Deputados, não é fiscalizável pelo Governo, não cabe na tutela e tem de lhe estar excluído sob pena de se negar a autonomia.
Que se esperaria então, neste quadro, de uma lei da tutela administrativa? Que se esperaria dessa lei, se ela pretendesse corrigir as evidentes insuficiências da Lei n.º 79/77, mas respeitando o artigo 243.º da Constituição?

1.º Que definisse rigorosamente a tutela como inspectiva, destinada exclusivamente à verificação do cumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos.
2.º Que definisse claramente as formas pelas quais se exerce a tutela. Não basta falar em inspecções, inquéritos e sindicâncias. É necessário circunscrever os respectivos âmbitos, tipificar as situações em que podem ocorrer, com que fundamentos podem ser determinados, que processo lhes é aplicável, tudo como determina, aliás, o n.º 1 do artigo 243.º ao remeter para a lei os «casos» e as «formas» de exercício da tutela.
3.º Impunha-se dar cumprimento ao n.º 2 do artigo 243.º, definindo que as medidas restritivas da autonomia (ou seja, incluindo as inspecções, inquéritos e sindicâncias) são precedidas de parecer prévio de um órgão autárquico, indicando o órgão competente, o processo e a eficácia do parecer.
4.º Finalmente, a lei deveria regulamentar o n.º 3 do artigo 243.º em termos de indicar taxativamente quais as acções ou omissões ilegais graves que podem dar lugar à dissolução, definindo o processo e apontando para a competência exclusiva dos tribunais no julgamento dos factos integradores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A questão, Srs. Deputados, é que a proposta de lei n.º 72/III não faz o que era exigível e, ao contrário, propõe o que não deve ser feito.
Assim, a proposta procura instituir um quase poder hierárquico do Governo e da administração central sobre as autarquias locais, apontando para a consagração do poder de dar ordens e de emitir instruções genéricas, e por isso, se a proposta fosse aprovada nestes termos, seria inevitavelmente declarada inconstitucional.
A proposta faculta ao Governo e aos seus membros e agentes um poder que constitucionalmente é exclusivo dos tribunais, ao permitir o «julgamento» dos actos dos órgãos autárquicos, como o faz, quando, nos artigos 8.º, 9.º, n.º 2, e 10.º, põe nas mãos do Governo e agentes governamentais o poder de apreciar (e portanto julgar) se certas actuações são ilegais, se a ilegalidade é grave e se determina dissolução do órgão ou perda do mandato.
A proposta, ao prever nos artigos 8.º e 11.º que uma mera decisão governamental pode implicar perda de mandato e inelegibilidade para membros dos órgãos das autarquias locais, institui um sistema administrativo de apreciação e julgamento de actos concretos, configurando na prática uma espécie de poder disciplinar do Governo sobre os eleitos das autarquias! Quanto a esta matéria e, em parênteses, é crucial sublinhar que a jurisprudência do Tribunal Constitucional é clara no sentido de que as únicas inelegibilidades admissíveis constitucionalmente são, no máximo, as que resultam de incompatibilidades locais ou do exercício de certos cargos, pelo que a previsão da inelegibilidade pela prática de certos actos virá inevitavelmente a ser considerada inconstitucional pelo órgão competente! Quanto ao que a proposta não faz e devia fazer:

Nada se diz sobre as condições do exercício da tutela administrativa, continuando assim a manter--se a decisão ministerial discricionária quanto a quem é objecto de medidas de tutela, quem é inspeccionado, porquê e em que condições, que processo é aplicável e quais as garantias de isenção;
Nada se diz sobre a obrigatoriedade de publicação dos resultados dos actos tutelares efectuados;
Nada sobre a obrigatoriedade de participação ao Ministério Público dos actos e omissões ilegais, para que este promova a sua anulação e a responsabilização (civil e criminal) dos seus autores;
Nada sobre a audição para parecer dos órgãos autárquicos quando são decretadas medidas restritivas da autonomia, como inspecções extraordinárias, inquéritos e sindicâncias;

Nada sobre a limitação de poderes dos governadores civis, que já estão bastante debatidas - que a proposta de lei pretende, na linha da proposta de lei de segurança interna, fazer reviver, tudo ao contrário do que determina a Constituição, que o conserva como figura «em extinção» até à criação de regiões administrativas.
Srs. Deputados, nestes traços fundamentais da proposta de lei está a opção do Governo pela ambiguidade que permite o dirigismo, pela indefinição que abre campo ao arbítrio e pela subordinação que é timbre do centralismo.
Ao fim e ao cabo, é tudo o que tem vindo a pautar a actuação governamental no uso dos seus poderes de tutela, quer na área da determinação de inspecções extraordinárias, quer na área da divulgação dos seus resultados, quer na área da adopção de medidas legais de responsabilização.
O Ministro faz inspecções onde quer, pelas suas conveniências políticas conjunturais. Actua ou não, sem dar explicações, conforme sabe e quer. Em Loures, foi retido ilegalmente pelo Ministério um recurso apresentado pela Câmara junto do Supremo Tribunal Administrativo. Na Câmara da Amadora, foi determinado um inquérito sem parecer prévio do Conselho Distrital e sem notificação do presidente da Câmara. A margem de manobra atinge as raias do ofensivo, quando o Governo se permite publicar (ou deixa «saltar» para os jornais) os resultados de certos inquéritos, enquanto retém outros ou os deixa sem sequência ou actuação adequada.
As formas encapotadas de tutela directiva que vão desde a simples asfixia financeira, passando pela discricionaridade na atribuição de verbas, e vão até à ingerência na actividade, perpassam em todo o pacote autárquico aprovado pelo Governo.
E o que se passa quando se institui a tutela substitutiva, como no n.º 7 do artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 400/84 (sobre loteamentos urbanos), que permite ultrapassar as competências das autarquias e executar certos actos eventualmente contra a vontade dos respectivos órgãos.

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É o que se passa com a instituição de formas de tutela preventiva, de que é exemplo, entre muitos outros, o disposto no n.º 1 do artigo 18.º do mesmo Decreto-Lei n.º 400/84, que institui um sistema de ratificação ministerial de deliberações camarárias sobre processos de urbanização, ou com o artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 116/84 (serviços técnico-administrativos), que dá ao Ministro um poder prévio de análise e decisão das deliberações camarárias sobre a organização dos seus serviços próprios!
Escandaloso é o disposto nos artigos 63.º e 64.º, ainda do Decreto-lei n.º 400/84, quando prevêem a fixação de normas emanadas por direcções-gerais e quando prevêem a intervenção da Direcção-Geral do Planeamento Urbanístico e da Direcção-Geral do Ordenamento no exercício da tutela administrativa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta suscitou, da parte de eleitos autárquicos de todos os quadrantes, vivo repúdio e condenação.
Foi particularmente evidenciado o carácter arbitrário da dissolução resultante do nível de endividamento: os autarcas sublinharam que os níveis de endividamento resultavam da crescente asfixia financeira das autarquias, de que o orçamento proposto e a legislação aprovada pelo Governo são causa directa. Era o mal e a caramunha!
O Governo, nos limites constitucionais exerce uma tutela inspectiva, destinada a verificar o cumprimento da lei.
Mas o papel de um governo que se queira respeitador das regras democráticas, é o de utilizar a tutela de forma pedagógica e construtiva, para defesa da legalidade.
O papel de julgar, o papel de aplicar sanções tão graves como a dissolução ou a perda de mandato, essa deverá ser função jurisdicional, reservada aos tribunais.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Os eleitos locais, os órgãos do poder local, têm de assumir as suas responsabilidades. Mas não são funcionários do Governo.
Uma lei como esta, tão claramente inconstitucional e tão visivelmente afrontadora da autonomia do poder local, é uma lei que não serve e, por isso, deve ser rejeitada!

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado João Amaral, tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Deputado João Amaral, há apenas dois pontos em relação aos quais gostava de poder obter, da sua parte, alguns esclarecimentos ou algum comentário.
Um desses pontos é o aspecto da recandidatura ou do impedimento da recandidatura nos termos em que vem consignado na proposta de lei.
É a seguinte a questão que lhe quero colocar: a maneira como contestou a possibilidade de se impedir a recandidatura tem mais a ver com o facto de o impedimento dessa recandidatura ser imposto por decisão governamental, ou admitiria uma medida desse tipo, caso tivesse uma cobertura judicial, ou seja, caso os tribunais tivessem emitido qualquer sentença sobre isso, designadamente na sequência de um eventual recurso interposto por aqueles que tivessem - digamos - sido objecto de uma medida desse tipo?
Passo a colocar-lhe a segunda questão. O Sr. Deputado levantou o problema da tutela inspectiva, da iniciativa do inquérito, etc. Fiquei na dúvida sobre quais os termos em que pensa que o Ministério da Administração Interna pode ter a iniciativa do inquérito. Pensa que deveria vir claramente tipificado na lei em que termos e em que condições o MAI poderia desencadear o inquérito?
Como me pareceu que contestava a forma como aqui está prevista, pergunto-lhe de que forma vê que o MAI possa ter, efectivamente, a iniciativa desse inquérito: a pedido de certos eleitos, a pedido de um grupo de cidadãos, por um processo aleatório? Por que tipo de forma pensa que poderia estar prevista essa iniciativa do inquérito a uma determinada autarquia?
Haveria mais questões a colocar-lhe mas, para mim, estas duas são essenciais, neste momento.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, estão inscritos para pedidos de esclarecimento outros Srs. Deputados. V. Ex.ª deseja responder já ou só no final?

O Sr. João Amaral (PCP): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Deputado João Amaral, penso que algumas das observações feitas na sua intervenção - naturalmente engano-me - se referem numa posição de princípio, ou seja, de quando o Governo aqui apresente uma proposta de lei como esta, V. Ex.ª parte de uma noção de desconfiança em relação à actuação do Governo, noção de desconfiança que eu penso ser apriorística.
Nós não partimos desse princípio. Partimos de uma presunção, que, em princípio, seria dada relativamente à actuação do Governo.
Reconhecemos alguma necessidade de correcção da proposta, por isso adiantámos aqui essas correcções.
Parece-me - e se me engano faça o favor de me corrigir - que, na sua intervenção, V. Ex.ª denotou uma certa confusão entre o que é a função jurisdicional e as finalidades da tutela, na medida em que a função jurisdicional se refere, essencialmente, à anulação dos actos administrativos - e tão-só, nada mais do que isso - e as finalidades da tutela têm que ver com mais qualquer coisa do que isso, nomeadamente, com a reposição da legalidade nos actos praticados pelos órgãos autárquicos.
Para além desta observação preliminar, que V. Ex.ª me poderá esclarecer melhor dentro do quadro axiológico de que parte, gostava de lhe colocar duas questões.
Na sua intervenção, referiu que o Governo queria impedir os eleitos de se recandidatarem. Acerca disto ponho-lhe o seguinte problema: entende que, se um órgão autárquico for dissolvido pela prática comprovada de irregularidades ou se um autarca perder um mandato pela imputação - provada também - de irregularidades, isso é curial, normal e que no mandato seguinte esse autarca se deve poder recandidatar? Qual é, aqui, no fundo, o efeito e a função de sanção?

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Era esta a primeira questão a que gostava que me respondesse.
O Sr. Deputado disse depois, globalmente, que esta proposta de lei queria repor em vigor o «Código de Marcelo Caetano», na medida em que permitia a intromissão e a orientação - e especificou citando um artigo, que penso terá sido o artigo 5.º ou o artigo 6.º, fazendo talvez referência àquilo a que no «Código de Marcelo Caetano» se chamava o regime da tutela, em que o órgão autárquico não apenas poderia, em determinadas situações, ser nomeado pelo Governo mas em que, em toda a sua actuação, tinha de obedecer às normas e às directivas do Governo.
Embora a formulação desta proposta de lei possa ser sujeita a melhoria ou correcção, não me parece que seja isto que se pode concluir da proposta apresentada pelo Governo. Quando na alínea c) do artigo 5.º consta da proposta «determinar a aplicação de medidas em cada caso julgado adequadas à correcção ou superação das irregularidades verificadas», penso que não se refere a uma solução de continuidade e de normalidade da gestão autárquica, em que, no dia-a-dia, o Governo dá normas de orientação para o funcionamento da autarquia, como acontecia no conhecido regime da tutela do Código Administrativo de 1936/1940.
Sr. Deputado, é esse também o seu pensamento ou não?
Era isto que gostava que o Sr. Deputado João Amaral me esclarecesse.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Administração Autárquica.

A Sr. Secretária de Estado da Administração Autárquica: - O meu pedido de esclarecimento também não revestirá exactamente o carácter do pedido de esclarecimento tal como o Sr. Deputado João Amaral imaginará que é o pedido de esclarecimento, a não ser que se possa dizer que é um esclarecimento de carácter global.
Ouvi-o com toda a atenção e fiquei com dúvidas sobre se estaríamos a discutir a mesma lei e a lei que todos os outros Srs. Deputados das outras bancadas discutiram aqui também.
Efectivamente, os senhores conseguem ler o que aqui não está, conseguem fazer interpretações completamente diferentes daquelas que cá estão e que foram objecto desta lei.
O nosso objectivo foi garantir a legalidade do funcionamento das autarquias, para que assim se possa reconhecer que, dentro do País, existe um poder local cumpridor das leis, que cada vez mais se reforça e que cada vez mais consegue desempenhar eficientemente as suas funções.
Creio que os autarcas, tal como os Srs. Deputados, entenderam que foi esse o nosso objectivo ao elaborarmos esta lei. Não há nenhuma tutela dirigista; a tutela que pretendemos ver aplicada é a do controle da legalidade por um órgão, que actuará com toda a isenção. Por isso, fiz questão de vos trazer também aqui elementos sobre o decreto-lei da IGAI, hoje em discussão no Conselho de Ministros. Efectivamente, pretendemos actuar com toda a isenção e sem intervenções dirigistas, como o Sr. Deputado acabou de referir.
Creio que isso ficou claro, mas se, por acaso, os Srs. Deputados entenderem que algum destes aspectos não está tão rigorosamente escrito como era nossa intenção - como dissemos desde o princípio e volto a insistir -, estamos abertos às alterações que, dentro da filosofia da proposta de lei, consigam chegar ao objectivo de se alcançar a melhor lei possível em matéria de tutela.
E lembro que, já em relação aos três artigos em vigor da Lei n.º 79/77, o Partido Comunista votou contra. Portanto, nada me faz espantar que, mais uma vez, tome esta atitude.

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Srs. Deputados, começo por uma questão prévia, que é a questão da inconstitucionalidade da inelegibilidade fixada nesta proposta.
Sr. Deputado Duarte Lima e Sr. Deputado Hasse Ferreira: Podemos discutir aqui longamente se a Constituição constitucionalizou bem ou mal, mas é facto que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem sido a seguinte: o direito de participação na vida pública, definido na parte respectiva da Constituição da República - capítulo sobre Direitos, Liberdades e Garantias -, só pode ser limitado nos casos expressamente previstos na Constituição. Há casos expressamente previstos na Constituição para o Presidente da República: terá de ser um cidadão português, terá de ter mais de 35 anos, etc. Há casos expressamente previstos para a Assembleia da República, que é a incompatibilidade para o exercício de certas funções e de certos cargos, bem como certas incompatibilidades locais, e o Tribunal Constitucional nunca ultrapassou este limite. Isto é, mesmo aqueles juízes do Tribunal Constitucional que consideram que a norma relativa às inelegibilidades referentes aos deputados se podia aplicar, analogicamente, aos órgãos do poder local, sempre consideraram que esse quadro de inelegibilidade não poderia ser excedido. E isso está escrito em numerosos acórdãos, Srs. Deputados.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Deputado, reconhecendo e ponderando o peso da argumentação que acaba de expender, só queria tirar uma conclusão política, que é a seguinte: sempre que há presunção - mesmo sem ser facto provado - de que um membro qualquer do Governo possa ter extravasado os limites das suas competências ou ter actuado de forma mais ou menos irregular, V. Ex.ªs são os primeiros a defender politicamente que ele deve ser demitido.
Era está a conclusão a que eu queria chegar, independentemente de reconhecer o valor e o peso específico e ponderado da argumentação que V. Ex.ª está a utilizar.
Não sei se me faço entender, Sr. Deputado!?

O Orador: - Sr. Deputado, entendi tão bem que lhe digo que estou de acordo com isso, como concordo que o eleito local que infringe a lei, de forma grave, deva perder o mandato. Mas isso não tem nada a ver, nem

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com os direitos gerais e o exercício dos direitos, liberdades e garantias desse membro do Governo, nem com os desse eleito autárquico.
Agora, Sr. Deputado, vamos pôr os pés na terra! Quando for o Governo a apreciar administrativamente o que se passa com o eleito autárquico vai com isso negar o exercício dos direitos, liberdades e garantias deste, coisa que nem sequer o Tribunal Constitucional lhes nega. Quero resolver esta questão à partida, para que não se estabeleçam mais confusões. Este problema é um problema de leitura da Constituição e dos acórdãos do Tribunal Constitucional e nada mais.
Quanto à questão da desconfiança do Governo, devo dizer que não desconfio nem confio no Governo, nem é isso que me interessa! Sr. Deputado Duarte Lima, eu li aquilo que a proposta contém e o Sr. Deputado também. Mas o senhor também não foi muito caloroso, e, portanto, sobre isso estamos entendidos!
Quanto à questão da confusão entre a função jurisdicional e a tutela, quero dizer-lhe que não fiz qualquer espécie de confusão. As medidas tutelares são também as formas de a exercer como, por exemplo, as inspecções, etc. Não está definido na Constituição, e há muito boa gente que já o defendeu, que tenha que ser o Governo a decretar a dissolução, e até este admite o controle jurisdicional da medida de dissolução. Então o que é que nos tolhe para entregarmos aos tribunais, com base em causas taxativas indicadas e na base dos inquéritos, sindicâncias, etc., que o Governo faça a acusação relativa aos factos e requeira - o Governo ou o tribunal - a dissolução do órgão com prazos curtos? Fiz-me entender, Sr. Deputado? Não há qualquer espécie de confusão nesta matéria.
Quanto ao «Código de Marcelo Caetano» a questão que se põe é que nele eram admitidas instruções e circulares com dúvidas apontadas pelo próprio Marcelo Caetano, quando passava do Governo para doutrinador e legislador. O que eu digo é que quando se admite como causa de dissolução o desrespeito às normas emitidas pela administração central - e refiro-me ao artigo 115.º ou 116.º da Constituição para dizer que eles não cabem no quadro do que nós definimos aqui como lei - então o que se está a repor em vigor é essa norma do «Código de Marcelo Caetano».
Finalmente, queria responder ao Sr. Deputado Hasse Ferreira quanto à questão das formas de tutela. O que eu esperava da proposta era que toda essa matéria fosse tipificada. Mas se se trata aqui de considerar que a proposta irá passar e que o que é importante é definir - como está no relatório da Comissão, subscrito pelo Sr. Deputado Marques Mendes e aprovado pela Comissão com o nosso voto contra, por razões que não têm a ver com essa observação - as formas e os casos, tal como determina o n.º l do artigo 253.º, então daremos, quer em sede de Comissão, quer de Plenário, intensa colaboração para que isso seja rigorosamente definido e circunscrito, em termos de a tutela não significar arbítrio.
Isto porque esta é que é a forma de negar a relação saudável, constitucional e democrática entre o Executivo e a administração local. Este é que será o sentido do trabalho que teremos de fazer, até porque, pelos vistos, vão votar favoravelmente a proposta. Trata-se de garantir a autonomia do poder local e de reduzir a tutela à sua função constitucional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Esqueci-me de dizer à Sr.ª Secretária de Estado que gostei muito de a ouvir ou não gostei, tanto faz! Queria dizer-lhe, no entanto, que não se tratou, nem de um pedido de esclarecimento, nem de um protesto, mas de um desabafo. Isto ficará registado na acta e V. Ex.ª ficará, com certeza, satisfeita com isso!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Vitorino): - Para nós tanto faz. O que é preciso é ter o espírito da coisa.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Belchior Pereira.

O Sr. Belchior Pereira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O debate na generalidade da proposta de lei n.º 72/III não trouxe argumentos novos, ao contrário, levantou dúvidas sobre a bondade da proposta e ninguém contrariou os argumentos que desenvolvemos durante o debate e nenhum deputado conseguiu demonstrar que não tinham pleno cabimento os argumentos que aqui apresentámos sobre a questão central aqui colocada e que são os seguintes:

1.º A proposta de lei viola o espírito e a letra de vários artigos da Constituição, nomeadamente o disposto no artigo 243.º;
2.º A proposta de lei viola o princípio da autonomia do poder local e aponta claramente para a governamentalização das autarquias locais e tenta introduzir o dirigismo centralizador do Código Administrativo de Marcelo Caetano;
3.º A proposta viola o princípio da excepcionalidade e da natureza exclusivamente inspectiva da tutela que só pode consistir na verificação do cumprimento da lei pelos órgãos autárquicos;
4.º A proposta reinventa a tutela directiva, correctiva e substitutiva sobre as autarquias por parte do Governo, designadamente as marcelistas circulares, instruções ou determinações. A tutela é aqui concebida não para garantir a legalidade e o interesse dos cidadãos, mas sim como um instrumento que permite ao Governo ingerir-se discricionária e arbitrariamente na vida interna das autarquias;
5.º A proposta viola os direitos de participação na vida pública e o direito de acesso a cargos públicos, violando por isso o disposto nos artigos 48.º, 50.º, 13.º e 18.º da Constituição da República;
6.º A proposta tenta arvorar o Governo através do Ministro da Administração Interna não só em polícia como também em juiz supremo dos actos, da legalidade, do mérito ou demérito dos órgãos autárquicos e dos eleitos, aplicar as penas de perda de mandato, dissolução dos órgãos e proibir cidadãos de concorrer a actos eleitorais, arrogando-se poderes que a Constituição da República confere exclusivamente aos tribunais.

O debate demonstrou que há reservas, dúvidas, sugestões críticas, e que a proposta de lei é inadequada, violadora da autonomia do poder local e subverte a ac-

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cão pedagógica que seria lícito esperar, no sentido de sugerir formas que melhorem os serviços e possam eventualmente evitar possíveis erros ou omissões, contribuindo assim para que os municípios respondam como a máxima eficácia possível aos anseios e necessidades das populações.
A proposta de lei n.º 72/III não faz nada disto, faz o contrário. Por isso o Grupo Parlamentar do PCP vota sem rodeios contra esta proposta de lei.
As reservas formuladas por outras bancadas ficam registadas no Diário da Assembleia da República e deviam implicar a recusa desta proposta de lei. Da nossa parte é o que inequivocamente vamos fazer.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições vou dar por encerrado este debate, cuja votação se processará, nos termos regimentais, às 18 horas.
Como os Srs. Deputados sabem, pela súmula que foi distribuída, a sessão de hoje vai terminar depois das votações que têm lugar às 18 horas, a pedido do CDS. Faltam 20 minutos para essa hora e não sei se será oportuno - pela minha parte penso que é - entrar-se na discussão dos projectos de lei n.ºs 393/III e 410/III.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, atrevia-me a fazer uma sugestão a V. Ex.ª Creio que o objectivo de terminarmos a sessão hoje às 18 horas tem em vista facilitar a um grupo parlamentar uma actividade que tem prevista com início a essa mesma hora. Como há muitas comissões a reunir creio que seria útil que o Sr. Presidente fizesse accionar a campainha, que convocássemos os deputados e procedêssemos de imediato às votações. Como são várias, se esperarmos pelas 18 horas correremos o risco de acabar a sessão bastante depois, prejudicando logicamente a pretensão do grupo parlamentar que fez o pedido.

O Sr. Presidente: - Penso que só temos 2 votações, Sr. Deputado.

O Orador: - Mas de qualquer maneira eu deixava a sugestão, Sr. Presidente, porque penso que não vale a pena entrarmos noutra matéria agora, visto que faltam apenas 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem razão, Sr. Deputado. Penso que dessa forma se poderia satisfazer o pedido formulado pelo CDS. Informo, entretanto, os Srs. Deputados que às 18 horas, antes das votações, será encerrada a uma de voto, feito por escrutínio secreto, não só em relação ao Sr. Deputado Santa Rita Pires mas também em relação ao Sr. Provedor de Justiça.
Srs. Deputados, devo ainda informar que a Mesa deliberou submeter à vossa apreciação a solicitação feita à Assembleia pela Comissão de Inquérito sobre os critérios de atribuição de verbas pela Secretaria de Estado de Emprego e Formação Profissional para prorrogação do prazo que lhe foi cometido.
Vamos conceder 3 minutos a cada partido para se pronunciar quanto ao que aqui vem requerido e que passo a ler:
A Comissão de Inquérito sobre os critérios de atribuição de verbas pela Secretaria de Estado de Emprego e Formação Profissional e o controle da sua aplicação, Resolução da Assembleia da República n.º 2/85, termina hoje o prazo que lhe foi concedido. Necessitando a Comissão para conclusão dos seus trabalhos de mais 15 dias requere-se a prorrogação por esse período.
A Mesa deliberou, como já referi, que cada partido poderá usar de 3 minutos para se pronunciar acerca desta solicitação, que é feita directamente à Assembleia da República.
Entretanto, devo informar os Srs. Deputados de que se encontra na Mesa uma proposta de substituição, apresentada pelo PCP, que vai ser lida.

Foi lida. É a seguinte:

Proposta de substituição relativa á prorrogação da duração do mandato da Comissão Eventual da Inquérito .sobre os critérios de atribuição da verbas pela Secretaría de Estado, do Emprego e Formação Profissional, criada pela Resolução n.º 2/85 pela Assembleia da República.
Considerando que só ontem forem entregues à Comissão vários elementos fundamentais para a análise do processo - de que depende a realização dos objectivos da Comissão - aguardando-se ainda o envio de outros já solicitados e não menos importantes;
Considerando que a Comissão não dispõe ainda sequer de todas as actas dos depoimentos que recolheu, delas carecendo para ajuizar o que lhes cabe nos termos da Resolução da Assembleia da República;
Considerando que o trabalho colectivo de análise da documentação enviada, e dos depoimentos ainda não se iniciou não podendo concluir-se enquanto não chegarem os documentos solicitados e não se ouvirem os depoimentos previstos;
Considerando que ainda não foi possível ouvir até ao fim o Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional por este ter alegado assuntos inadiáveis a tratar;

Os deputados abaixo assinados entendem dever ser prorrogada por mais 30 dias a duração do mandato da Comissão Eventual de Inquérito criada pela Resolução n.º 2/85.
A deliberação da Assembleia da República sobre esta matéria deve revestir, nos termos do artigo 169.º, n.º 4, da Constituição, a forma de resolução a elaborar e aprovar nos termos regimentais.
Estando pendente na Mesa uma iniciativa tendente à prorrogação do mandato da Comissão em referência pelo prazo de 15 dias, propõe-se a respectiva substituição, nos seguintes termos:

É prorrogada por 30 dias a duração do mandato da Comissão Eventual criada pela Resolução n.º 2/85.
Assembleia da República, 18 de Abril de 1985. - Os Deputados do PCP: Ilda Figueiredo - Jerónimo de Sousa - Jorge Lemos - João Amaral.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

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A Sr.ª Ida Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como tivemos ocasião de manifestar na Comissão Eventual de Inquérito à Secretaria de Estado do Emprego e da Formação Profissional, o prazo de 15 dias proposto pela Comissão é manifestamente insuficiente para a realização do trabalho que ainda está em curso.
De facto, como é referido na proposta de substituição que entregámos na Mesa, há atraso no envio da documentação e uma parte importante dela só foi recebida esta semana, aguardando-se o envio de outros elementos fundamentais já solicitados a diversas entidades e não menos importantes. A Comissão não dispõe ainda, sequer, de todas as actas dos depoimentos que recolheu, faltando ainda algumas, delas carecendo para ajuizar o que lhe cabe nos termos da Resolução n.º 2/85 da Assembleia da República. Ainda não foram ouvidas todas as entidades e, nomeadamente, como já se referiu, não foi completada a audição do Sr. Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional por este ter alegado assuntos inadiáveis a tratar. Assim, não foi ainda possível iniciar o trabalho colectivo de análise da documentação e dos depoimentos.
Por outro lado, notícias que têm vindo a público, nomeadamente em diversos órgãos da comunicação social, apontam para a existência de pressões sobre a Comissão de Inquérito tentando impedir uma análise aprofundada de todos os dados da situação. Veio nos jornais, foi dito na rádio e não foi desmentido, pelo menos que eu saiba, que o Sr. Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional só reiterou o pedido de demissão, que entretanto tinha apresentado, após os deputados do PSD terem subscrito um abaixo-assinado de apoio e de os deputados do PS e do PSD se terem comprometido a acabar rapidamente com o inquérito. É sintomático, aliás, dessa situação que o único deputado do PSD que fazia e faz parte da Comissão, que não assinou o tal abaixo-assinado, tenha pedido a demissão de vice-presidente da Comissão.
Nesse sentido, a proposta de resolução de prorrogação do prazo apenas por 15 dias, aprovada exclusivamente pelos Srs. Deputados do PS e do PSD da Comissão, é claramente insuficiente e visa, na nossa opinião, apenas impedir uma análise aprofundada dos elementos fundamentais e depoimentos que também consideramos fundamentais para a clarificação de todo o processo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A dignidade da Assembleia exige, por um lado, que seja dado todo o tempo necessário para que a Comissão de Inquérito possa realizar o seu trabalho com toda a brevidade possível, sem pôr em causa o aprofundamento necessário do trabalho em curso, tudo aquilo que é essencial para o aprofundamento e para a análise da verdade que se impõe. É com esse objectivo que apresentámos na Mesa a proposta de substituição visando a prorrogação do prazo por 30 dias.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado António Costa.

O Sr. António Costa (PS): - Srs. Deputados, não iria falar do estado em que se encontram os trabalhos da Comissão de Inquérito. Realmente, não há possibilidade de fazerem declarações públicas sobre o estado em que se encontra o trabalho dessa Comissão.
Irei apenas dizer que a solução defendida pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo não pode ser aceite pelo Plenário. E não pode, por razões que se prendem com a própria forma de funcionamento das Comissões de Inquérito.
Criada a Comissão de Inquérito, ela desenvolve o seu trabalho até final, apresentando um relatório e podendo ainda apresentar um projecto de resolução.
Essas comissões são, a partir da sua criação, as únicas responsáveis pelo resultado final. Quais os meios de prova, qual a forma de actuação, são assuntos sobre os quais só à Comissão compete decidir.
Contudo, não lhe compete decidir apenas sobre esse assunto. Devendo cumprir o prazo que lhe está assinalado na resolução, entendeu o Plenário que, sendo esse prazo razoável, poderia, no entanto, a Comissão carecer de mais tempo. Por isso dá à Comissão, e só a ela, o poder de vir pedir à Assembleia a prorrogação desse prazo.
Não pode nenhum deputado, mesmo que membro da Comissão de Inquérito, pedir um prazo diferente daquele que a Comissão fixou. O entendimento contrário levaria a admitir que o Plenário poderia avocar sempre a competência da Comissão de Inquérito - sendo certo, no entanto, que ninguém assim pensa, dada a natureza dessas comissões.
A Comissão cria-se sob a forma de resolução. O prazo é acessório, altera-se por requerimento. Para nós, é esta a posição correcta.
Sobre a questão de saber se o meio utilizado é o apropriado, ou se devia ser a resolução, penso que o n.º 3 do artigo 254.º do Regimento é suficientemente claro, pois dele se extrai que a Comissão, só ela, pode ter a iniciativa do projecto - e só uma iniciativa -, de resolução final. As resoluções, nos termos do Regimento, não cabem às comissões de inquérito, a não ser nesse caso. As resoluções são da competência dos grupos parlamentares e dos Srs. Deputados.
Entendemos que o projecto de resolução não devia ter sido aceite pela Mesa, pelas razões apontadas. Não devia ser sujeito a discussão, sem que previamente fosse agendado. É um projecto de resolução e, logo, devia ter sido agendado.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Ó Sr. Deputado, mas o que eu apresentei foi uma proposta de substituição do prazo!...

O Orador: - Votamos contra este projecto de resolução, querendo significar, não só que discordamos do prazo de 30 dias, mas, também, que discordamos do meio agora utilizado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queria apenas informar V. Ex.ª de que a resolução foi retirada e de que o que foi apresentado foi um requerimento pedindo a substituição do prazo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Jesus, para uma intervenção.

O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente à questão introduzida pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo - e depois da intervenção feita pelo Sr. Deputado António Costa -, por parte da minha bancada, limitar-me-ei a dizer que subscrevemos inteiramente a intervenção feita por V. Ex.ª, com cujos fundamentos e argumentos concordamos e cujas conclusões aceitamos.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco, para uma intervenção.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora nesta questão, e durante os trabalhos da própria Comissão de Inquérito, o CDS, pela voz do meu colega de bancada Hernâni Moutinho, tenha colocado algumas reservas sobre se o prazo de 15 dias seria suficiente para a Assembleia da República poder terminar os trabalhos dessa Comissão, pensa, em todo o caso, a minha bancada, que em relação a comissões de inquérito, com a natureza de que se reveste esta, cuja prorrogação do mandato se está a apreciar, se por um lado nos devemos pautar pelo princípio de que à Assembleia devem ser facultados todos os meios de poder concluir nas melhores condições o seu trabalho - e, portanto, também o factor tempo -, por outro lado, é também necessário ter presente que não é útil para ninguém, e sobretudo para as instituições, que o trabalho destas comissões se arraste durante um lapso de tempo excessivamente longo.
É, portanto, nestes termos que a minha bancada entende que a Assembleia da República deve fazer todo o esforço para terminar o seu trabalho e produzir as suas conclusões neste lapso de tempo que agora se propõe, obviamente sem prejuízo de voltarmos a discutir esta questão, se for de todo em todo impossível evitá-lo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para nós, a questão da iniciativa da prorrogação do prazo foi já introduzida pelo requerimento da respectiva Comissão, que neste momento está em discussão, e no qual se pede a prorrogação por 15 dias. Portanto, o processo, no seu aspecto formal, está rigorosamente observado, pelo que o que agora está em causa não é o aspecto formal, que tanto preocupou o Sr. Deputado António Costa, mas, sim, o aspecto incidental da natureza do prazo, ou seja, se ele deve ser de 15 ou de 30 dias, consoante, e apenas, vem requerido pelo Partido Comunista.
Nesta matéria, o que para nós constitui objecto a ponderar são as razões que foram aqui apresentadas quanto ao facto d& ser incompatível com o prazo de 15 dias a concretização das diligências em curso no inquérito pendente.
Posto isto, pensamos que com a referência aos factos de não ter terminado ainda a audiência do Sr. Secretário de Estado, de só esta semana ter sido enviada para a Comissão a respectiva documentação, de faltar ainda ouvir outras entidades, etc., não se faz a enumeração de nenhum facto com carácter sigiloso de inquérito mas apenas de evolução dos trabalhos, o que não tem nada a ver com o conteúdo dos mesmos.
Pensamos que esta Assembleia está confrontada com dois aspectos: por um lado, por parte da proposta de prorrogação do prazo, visa-se, como é evidente, atingir os objectivos que o próprio inquérito pressupõe e, por outro lado, a recusa desse prazo vem a confundir-se com o propósito de impedir que o inquérito atinja os seus objectivos. A Assembleia está, assim, confrontada, bem como o próprio Sr. Secretário de Estado visado, com este facto: ao recusar um prazo suficiente para serem atingidos os objectivos do inquérito, a Assembleia pronunciar-se-á contra o objectivo fundamental deste inquérito, que é o de se alcançar a verdade. Por isso, pela nossa parte, daremos a nossa concordância à prorrogação do prazo por 30 dias pedida para a Comissão de Inquérito à Secretária de Estado do Emprego e Formação Profissional.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço o favor a quem ainda não exerceu o direito de voto em relação à eleição do Provedor de Justiça e dos Pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos de o fazer imediatamente.

Pausa.

Julgo que já não há mais ninguém que pretenda exercer esse direito, pelo que peço aos Srs. Deputados escrutinadores o favor de encerrarem o correspondente processo e procederem à verificação do resultado.
Srs. Deputados, uma vez que não há mais inscrições, vamos proceder à votação da proposta alternativa à da Comissão, quanto à prorrogação do prazo, apresentada pelo PCP. Esta proposta, pelos fundamentos indicados, prorroga o prazo por 30 dias, enquanto que a apresentada pela Comissão prorroga-o por 15 dias.
Está, pois, em votação a proposta apresentada pelo PCP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD, do CDS e da ASDI e votos a favor do PCP, do MDP/CDE e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em votação a proposta apresentada pela Comissão, a qual, como disse, requer a prorrogação do prazo por 15 dias.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS, da UEDS, e da ASDI e abstenções do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação na generalidade da proposta de lei n.º 72/III - Lei reguladora do exercício da tutela sobre as autarquias locais.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS e da ASDI, votos contra do PCP e do MDP/CDE e a abstenção da UEDS.

O Sr. Presidente: - Deu entrada na Mesa um requerimento respeitante a esta proposta de lei, que o Sr. Secretário vai ler.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - É do seguinte teor o referido requerimento:

Os deputados abaixo assinados, do Partido Socialista e do Partido Social-Democrata, requerem a baixa à Comissão de Administração Interna e Poder Local da proposta de lei n.º 72/III - Lei reguladora do exercício da tutela sobre as autarquias locais -, para aí ser organizada a sua votação na especialidade. O prazo para esse efeito é de 15 dias.

O Sr. Presidente: - Vamos votar este requerimento, Srs. Deputados.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

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2910 I SÉRIE-NÚMERO 71

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a ordem do dia da sessão de amanhã será a continuação da agenda que hoje não nos foi possível terminar, da qual consta a apreciação dos projectos de lei n.ºs 393/III e 410/III e da proposta de lei n.º 100/III.
Está encerrada a sessão, Srs. Deputados.

Eram 18 horas e 5 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Almerindo da Silva Marques.
António Gonçalves Janeiro.
António Manuel do Carmo Saleiro.
Armando António Martins Vara.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
João Joaquim Gomes.
João Luís Duarte Fernandes.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Manuel Ribeiro Arenca.
José de Almeida Valente.
José Barbosa Mota.
José Carlos Pinto Basto Mota Torres.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Luís Albino da Conceição Cacito.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Filipe Santos Loureiro.
Maria Ângela Duarte Correia.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Victor Hugo Sequeira.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Agostinho Correia Branquinho.
Amândio Domingues Basto Oliveira.
Alberto Augusto Faria dos Santos.
António Nascimento Machado Lourenço.
Carlos Alberto da Mota Pinto.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Fernando José da Costa.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Francisco Antunes da Silva.
Guido Orlando Freitas Rodrigues.
João Maurício Fernandes Salgueiro.
João Pedro de Barros.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
José Adriano Gago Vitorino.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Seabra.
José Bento Gonçalves.
José Manuel Pires das Neves.
José Pereira Lopes.
Licinio Moreira da Silva.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Paulo Manuel Pacheco Silveira.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Rui Manuel de Oliveira Costa.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Dias Lourenço.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
João António Torrinha Paulo.
José Manuel Santos Magalhães.
Manuel Correia Lopes.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Maria Margarida Tengarrinha.
Maria Odete Santos.
Mariana Grou Lanita.
Octávio Rodrigues Pato.
Paulo Areosa Feio.

Centro Democrático Social (CDS):

Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
António Filipe Neiva Correia.
António Gomes de Pinho.
Basílio Adolfo Mendonça Horta Franca.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
José Augusto Gama.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

Raul Morais e Castro.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
Ruben José de Almeida Raposo.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa.
Edmundo Pedro.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
Jorge Alberto Santos Correia.
José Luís do Amaral Nunes.
Rui Fernando Pereira Mateus,

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
Fernando dos Reis Condesso.
José Vargas Bulcão.
Manuel da Costa Andrade.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.

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19 DE ABRIL DE 1985 2911

Partido Comunista Português (PCP):

António Guilherme Branco Gonzalez.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Domingos Abrantes Ferreira.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
Lino Carvalho de Lima.

Centro Democrático Social (CDS):

Américo Maria Coelho de Sá.
António José Bagão Félix.
Francisco António Lucas Pires.
João Carlos Dias Coutinho Lencastre.
José António Morais Sarmento Moniz.
José Luís Nogueira de Brito.
José Miguel Anacoreta Correia.
Manuel Jorge Forte Góes.
Narana Sinai Coissoró.

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos Enviado à Mesa para publicação

Em reunião realizada no dia 18 de Abril de 1985, pelas 14 horas e 30 minutos, foi apreciada a seguinte substituição de deputado solicitada pelo Partido do Centro Democrático Social:

José Vieira de Carvalho (círculo eleitoral do Porto) por Américo Maria Coelho Gomes de Sá. Esta substituição é pedida para os dias. 18 de Abril corrente a 2 de Maio próximo, inclusive.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral, apresentada a sufrágio no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: Vice-Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Secretário, Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (CDS) - José Manuel Niza Antunes Mendes (PS) - Rui Monteiro Picciochi (PS) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - José Mário Lemos Damião (PSD) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Alexandre Correia Carvalho Reigoto (CDS) - Francisco Menezes Falcão (CDS) - João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE) - António Poppe Lopes Cardoso (UEDS) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).

Os REDACTORES: Carlos Pinto da Cruz - Ana Maria Marques da Cruz - Leonor Ferreira.

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PREÇO DESTE NÚMERO 126$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

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