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I Série-Número 72
Sábado, 20 de Abril de 1935
DIÁRIO da Assembleia da República
III LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1984-1985)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 19 DE ABRIL DE 1985
Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral
Secretários: Exmos. Srs.
Leonel de Sousa Fadigas
José Mário de Lemos Damião
José Manuel Mala Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos
SUMÁRIO. - O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 30 minutos
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta dos diplomas entrados no Mesa na última sessão
O Sr. Presidente informou dos resultados da eleição para o cargo de Provedor de Justiça e da votação do Relatório da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a suspensão do mandato do Sr Deputado Leonel Santa Rita Pires
Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão, conjunta, da proposta de lei n º 72/III - lei reguladora do exercício da tutela sobre as autarquias locais - e dos projectos de lei n º 393/III (PS e PSD) - Isenta as autarquias locais do pagamento dos emolumentos previstos na alínea n) do artigo 1 º do Decreto-Lei n º 54/71, de 25 de Fevereiro - e n º 410/III (PCP) - Isenta as autarquias locais do pagamento de preparos, taxas e imposto de selo nos actos de registo predial. Intervieram, a diverso titulo, os Srs Deputados Rui Picciochi (PS), Vilhena de Carvalho (PCP), Roleira Marinho (PSD) e Horácio Marçal (CDS)
Após a leitura, pelo Sr Deputado José Magalhães (PCP), do relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias iniciou-se o debate da proposta de lei n. º 100/III, que extingue o Serviço de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS e LP e determina que os arquivos das extintas PIDE/DGS e LP sejam integrados no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, no qual Intervieram, a diverso título, além do Sr Ministro da Justiça (Mário Raposo) os Srs. Deputados António Gonzalez (Indep ), Hasse Ferreira e César Oliveira (UEDS), Raul Castro (MDP/CDE), João Amaral (PCP), Luís Sais (PS) e José Augusto Seabra (PSD)
O Sr Presidente encerrou a sessão eram 13 horas e 5 minutos
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 30 minutos. Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Américo Albino da Silva Salteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa.
António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
António José Santos Meira.
António Manuel do Carmo Saleiro.
Avelino Feleciano Martins Rodrigues.
Armando António Martins Vara.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Luís Filipe Gracias.
Ferdinando Lourenço Gouveia.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Fernando Henriques Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto Handel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João Luís Duarte Fernandes.
João do Nascimento Gama Guerra.
João Rosado Correia.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Lacão Costa.
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Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José da Cunha e Sá.
José Luís Diogo Preza.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Martins Pires.
Juvenal Baptista Ribeiro.
Leonel de Sousa Fadigas.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Filipe Santos Loureiro.
Manuel Fontes Orvalho.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Ângela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Maria Helena Valente Rosa.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Nelson Pereira Ramos.
Paulo Manuel Barros Barrai.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Hugo Sequeira.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Abílio Gaspar Rodrigues.
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Amândio Domingues Basto Oliveira.
Amadeu Vasconcelos Matias.
António d'Orey Capucho.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando Monteiro Amaral.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Jardim Ramos.
Gaspar de Castro Pacheco.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maurício Fernando Salgueiro.
João Pedro de Barros.
José de Almeida Cesário.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Luís de Figueiredo Lopes.
José Manuel Pires das Neves.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
José Silva Domingos.
José Vargas Bulcão.
Leonel Santa Rita Pires.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Paulo Manuel Pacheco Silveira.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
António Guilherme Branco Gonzalez.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Torrinhas Paulo.
João António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
José Rodrigues Vitoriano.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Margarida Tengarrinha.
Mariana Grou Lanha.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Areosa Feio.
Zita Maria Seabra Roseiro.
Centro Democrático Social (CDS):
Alexandre Carvalho Reigoto.
António Gomes de Pinho.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
António Maria Gomes de Sá.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João Lopes Porto.
Joaquim Rocha dos Santos.
Luis Filipe Paes Beiroco.
Manuel António Almeida Vasconcelos.
Narana Sinai Coissoró.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE)):
João Corregedor da Fonseca.
Raul Morais e Castro.
Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
Francisco Alexandre Monteiro.
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Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Ruben José de Almeida Raposo.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura dos diplomas entrados na Mesa durante a sessão de ontem.
O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: projecto de resolução n.º 48/III, do PCP - «Prorrogação por mais 30 dias do mandato da Comissão Eventual de Inquérito sobre os critérios de atribuição de verbas pela Secretaria de Estado do Emprego e Formação Profissional, criada pela Resolução n.º 2/85 da Assembleia da República»; projecto de lei n.º 476/III, da iniciativa do Sr. Deputado João Rocha de Almeida e outro, do PSD e do PS - «Criação da freguesia de Lentesqueira no concelho de Mira»; projecto de lei n.º 477/III, da iniciativa do Sr. Deputado Vidigal Amaro e outros, do PCP - «Criação da freguesia de Aguiar no concelho de Viana do Alentejo»; projecto de lei n.º 478/III, da iniciativa do Sr. Deputado Alberto Manuel Avelino e outros, do PS - «Fixação dos limites da freguesia de Ponte de Rol do concelho de Torres Vedras»; projecto de lei n. º 479/III, da iniciativa do Sr. Deputado Alberto Manuel Avelino e outros, do PS - «Fixação dos limites da freguesia de Santa Maria e São Miguel do concelho de Torres Vedras»; projecto de lei n.º 480/III, da iniciativa do Sr. Deputado Alberto Manuel Avelino e outros, do PS - «Fixação dos limites da freguesia de São Pedro e São Tiago do concelho de Torres Vedras»; projecto de lei n.º 481/III, da iniciativa do Sr. Deputado Alberto Manuel Avelino e outros, do PS - «Fixação dos limites da freguesia de A-dos-Cunhados, do concelho de Torres Vedras»; projecto de lei n.º 482/III, da iniciativa da Sr.ª Deputada Rosa Maria Albernaz e outros, do PS e do PSD - «Elevação a vila da povoação de Santa Maria de Lamas»; projecto de lei n.º 483/III, da iniciativa da Sr.ª Deputada Rosa Maria Albernaz e outros, do PS e do PSD - «Elevação a vila da povoação de Lourosa»; projecto de lei n.º 484/III, da iniciativa da Sr.ª Deputada Rosa Maria Albernaz e outros, do PS e do PSD - «Elevação a vila da povoação de Friães»; projecto de lei n.º 485/III, da iniciativa do Sr. Deputado Silvino Manuel Gomes Sequeira, do PS - «Alteração do nome do lugar de Casais da Memória, freguesia do concelho de Rio Maior, distrito de Santarém»; projecto de lei n.º 486/III, da iniciativa do Sr. Deputado Manuel Moreira e outros, do PSD e do PS - «Elevação da vila de Amarante à categoria de cidade»; projecto de lei n.º 487/III, da iniciativa do Sr. Deputado Adérito Campos e outros do PSD e do PS - «Elevação da povoação de Argoncilhe, no concelho da Feira à categoria de vila»; projecto de lei n.º 488/III, da iniciativa do Sr. Deputado Adérito Campos e outros, do PS e do PSD - «Elevação da povoação de Arrifana no concelho da Feira à categoria de vila»; projecto de lei n.º 489/III, da iniciativa do Sr. Deputado Adérito Campos e outros, do PSD e do PS - «Elevação da povoação de Paços de Brandão, no concelho da Feira, à categoria de vila».
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou proceder à proclamação dos resultados respeitantes à eleição do Sr. Provedor de Justiça ontem realizada:
Votos entrados nas umas, 212:
Votos sim - 146; Votos não - 59;
Votos de abstenção - 3;
Votos brancos - 4;
Votos nulos - 0.
Verificou-se assim que o candidato apresentado a sufrágio recebeu os votos necessários à sua eleição para o respectivo cargo, pelo que proclamo eleito para o cargo de Provedor de Justiça o candidato Ângelo Vidal de Almeida Ribeiro.
Quanto à votação a que ontem se procedeu do Relatório da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a suspensão do mandato do Sr. Deputado Leonel de Santa Rita Pires, a fim de ser julgado em processo de transgressão, verificou-se o seguinte:
Votos entrados nas umas, 211:
Votos sim - 190;
Votos não - 16;
Votos de abstenção - 2;
Votos brancos - 3;
Votos nulos - 0.
Verifica-se que o relatório foi aprovado e o Sr. Deputado não foi autorizado a suspender o mandato.
Srs. Deputados, vamos entrar no período da ordem do dia.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Está em discussão, para posterior votação, o projecto de lei n.º 393/III, apresentado pelo PS e PSD, que isenta as autarquias locais do pagamento dos emolumentos previstos na alínea n) do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 54/71, de 25 de Fevereiro, e o projecto de lei n.º 410/III, apresentado pelo PCP, que isenta as autarquias locais do pagamento de preparos, taxas e imposto do selo nos actos de registo predial.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Picciochi.
O Sr. Rui Picciochi (PS): - Sr. Presidente, é apenas para uma curta intervenção para apresentação do projecto de lei n.º 393/III.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A legislação que criou os emolumentos em causa é uma legislação extremamente antiga - Decreto-Lei n.º 14 873, de 10 de Janeiro de 1928, tendo a sua origem num contexto político e social totalmente diverso do actual - ditadura militar de 1928 versus regime democrático de autonomia Financeira local de 1984.
O argumento de que os emolumentos seriam um factor de ponderação, evitando obras inúteis ou menos necessárias, não colhe face à estrita regulamentação e à necessidade de obtenção de permissão da Junta Autónoma de Estradas para a realização de quaisquer obras, prevista nomeadamente nos artigos 6.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro.
Há notícia, documentada e actual, de inobservância do disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 54/71, de 25 de Fevereiro, isto é, concretizando, há direcções
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de estradas que estão a exigir o pagamento por vale postal dos emolumentos que nos termos do referido decreto-lei deveriam ser pagos por meio de estampilhas a fixar nos requerimentos.
É difícil quantificar face aos elementos disponíveis o montante resultante da cobrança de tais emolumentos, mas não é difícil calcular que tal montante será apenas uma pequena parcela das receitas da Junta Autónoma de Estradas, enquanto que para cada uma das câmaras do País ele representa um pesado e incompreensível encargo em certos casos inibidor da realização de obras importantes.
O presente projecto beneficiará todas as autarquias locais, seja qual for a região do País em que se encontrem e seja qual for a cor política do respectivo executivo autárquico, é portanto um projecto capaz de congregar facilmente o apoio dos diferentes quadrantes parlamentares.
Não obstante a possibilidade constitucional de o pôr em vigor de imediato, vai-se propor a solução de fazer coincidir a sua entrada em vigor com o início do ano económico de 1986. Efectivamente as receitas resultantes da cobrança dos emolumentos enquanto receitas próprias de um organismo que goza de autonomia administrativa e financeira não estão abrangidos na proibição contida no § 2.º do artigo 170.º da Constituição da República. Não obstante este facto optou-se pela coincidência com o início do ano de 1986 a fim de permitir à Junta Autónoma adaptar-se à nova situação com alguma antecedência.
Não parece justo nem sobretudo lógico, fazer pagar às autarquias locais, por sobre o valor da obra, que já tem a obrigação de depositar previamente, com os consequentes encargos financeiros inerentes, um adicional astronómico de 60%, adicional esse que irá para um organismo, que nem por ser um organismo dotado de autonomia administrativa e financeira deixa de ser um organismo do Estado também.
Aplausos do PS e de alguns deputados do PSD.
O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Vice-Presidente o favor de vir substituir-me na medida em que tenho de me ausentar para presidir a uma conferência de líderes.
Neste momento assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano.
O Sr. Presidente: - Para pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Sr. Deputado Rui Picciochi, permita-me que lhe diga que o projecto de lei n.º 393/III, de que é primeiro subscritor, encontra, a meu ver, plena justificação. Releva de uma preocupação salutar, de defesa do poder local, mas sobretudo põe em destaque a autêntica extorsão que representa, em relação às autarquias, a cobrança de cerca de 60% do valor das obras levadas a cabo pela Junta Autónoma de Estradas, nos termos dos decretos--lei que acabou de citar.
Todavia, desejava pôr-lhe à consideração o seguinte: se considera os 60% -alínea n) do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 54/71, com a actualização feita de 10% para 60%, pela aplicação do factor 6 - um exagero plenamente injustificado em relação às autarquias locais, pergunto-lhe se o pagamento de uma tal percentagem não é igualmente injustificada em relação a qualquer cidadão.
Parece-me que os serviços do Estado terão todo o direito de serem pagos pelos serviços que prestam. Porém, não considero justo que depois de a Junta Autónoma de Estradas elaborar, ela própria, orçamentos sem qualquer controle, feitos como ela entende - mesmo que demos de barato não irem muito além da realidade -, se venha ainda a exigir a qualquer cidadão o pagamento adicional de 60% sobre esses orçamentos. Aliás, essa taxa incide também tanto no caso de obras a levar a efeito como no caso da arrematação de máquinas usadas, de árvores abatidas ou de frutos das mesmas árvores e é paga pelos particulares.
Assim, pergunto ao Sr. Deputado se seria ou não receptivo e se encontraria plena justificação na extensão a todos os cidadãos da eliminação da alínea AI) do artigo l. º do decreto-lei referido que se pretende ver revogada quanto às autarquias locais, o que acarretaria a eliminação pura e simples dessa alínea?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr, Rui Picciochi.
O Sr. Rui Picciochi (PS): - Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, em primeiro lugar, quero agradecer-lhe as suas palavras e, em segundo lugar, dizer-lhe que não estou em desacordo quanto aos problemas levantados por V. Ex.ª. Penso, no entanto, que essa é uma matéria que deverá ter outro tipo de ponderação e que o projecto de lei em causa não contempla, visando exclusivamente as autarquias locais.
Estou, porém, de acordo com o princípio que V. Ex.ª levantou.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Abrantes.
O Sr. João Abrantes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Somos hoje chamados a pronunciarmo-nos sobre o projecto de lei n.º 393/III que isenta as autarquias locais do pagamento dos emolumentos previstos na alínea n) do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º-54/71, de 25 de Fevereiro.
Estes emolumentos têm sido cobrados pela Junta Autónoma de Estradas desde a promulgação do Decreto n.º 14 873, de 10 de Janeiro de 1928, têm vindo a sofrer sucessivos aumentos, através nomeadamente do já referido Decreto-Lei n.º 54/71, que os fixou em 10% e mais .recentemente do Decreto-Lei n.º 234/82, que fez incidir sobre esta percentagem o coeficiente de actualização 6.
O pagamento destes emolumentos por parte das autarquias tem como finalidade dar cumprimento ao que dispõe o estatuto das estradas nacionais, aprovado pela Lei n.º 2073, de 19 de Agosto de 1949, que fixou o regime legal dos trabalhos de reposição dos pavimentos das estradas nacionais ou de outras áreas sobre jurisdição da Junta Autónoma de Estradas que tenham sido destruídas ou danificadas por motivo de obras, executadas ou de interesse, para terceiros, neste caso concreto de interesse das autarquias locais ou por elas executadas.
Os emolumentos a pagar à Junta Autónoma de Estradas pelas autarquias locais, calculados sobre o montante das obras de recuperação efectuadas, atingem hoje os 60% do valor total das declarações.
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Esta situação que teria alguma coerência à luz do Código Administrativo de Marcello Caetano, que na sua cruzada centralizadora e submissão das autarquias aos ditames do Governo Central, o que levou a uma profunda restrição das suas competências e recursos financeiros, está hoje completamente fora do actual panorama jurídico-constitucional.
Este regime legal não é aceitável à luz da Constituição da República, sobretudo depois da entrada em vigor da Lei n.º 1/79 - Lei das Finanças Locais. Esta sua profunda desactualizacão, no quadro legal vigente, tem levado a que já muitas autarquias não o tenham em conta o que leva a impor-se esta revogação que de facto em muitos municípios já na prática está feita.
A Constituição da República Portuguesa e a legislação que nela baseada já foi aprovada como seja: a Lei n.º 79/77, conhecida como «Lei das Autarquias», que vigorou durante anos, provando no essencial a sua justeza e tendo sido factor importante no reforço do poder local de Abril; a Lei n.º 1/79, Lei das Finanças Locais, que por responsabilidade de sucessivos governos do PS/PSD/CDS nunca foi aplicada na íntegra, o que correspondeu a um profundo esbulho das autarquias, colocando-as hoje, na generalidade, numa gravíssima situação financeira que se deve no fundamental ao incumprimento da Lei. Estes diplomas, mostram que aquilo que nos propomos hoje revogar não se enquadra no quadro constitucional em que actua o poder local, que aponta claramente para o seu fortalecimento, com autonomia financeira e não dependente do poder central. Mesmo à luz do conjunto de decretos-leis que constituem o pacote antiautárquico da autoria do governo PS/PSD, nomeadamente os Decretos-Leis n.ºs 77/84, 98/84 e 100/84, de tendência profundamente centralizadora, é visível o completo desenquadramento da imposição de pagamento destes emolumentos.
Se por um lado o consenso verificado sobre esta matéria na Comissão de Administração Interna e Poder Local nos leva a pensar que este projecto terá a necessária aprovação desta Assembleia é importante não perdermos esta oportunidade sem tentar encontrar igualmente consenso no sentido de isentar as autarquias locais de outros encargos que sobre elas incidem e se tornam gravosos, tendo em conta as profundas preocupações financeiras da generalidade das autarquias.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O pagamento de preparos, emolumentos, taxas e imposto do selo nos actos praticados nos serviços de Registo Predial é uma, entre várias situações, em que é urgente igualmente isentar as autarquias locais. Estas custas são hoje sem dúvida o novo encargo que as autarquias passaram a suportar.
No Código de Registo Predial de 1965, e também em legislação avulsa, previa-se um regime de isenção ou gratuitidade em matéria de preparos, emolumentos, taxas e imposto do selo dos registos requeridos a favor das autarquias locais e em outros actos praticados nos serviços de Registo Predial.
Este regime veio ser alterado pelo actual Código de Registo Predial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224/84, de 6 de Julho, estando, por esse facto, as autarquias locais oneradas com mais um encargo, apesar da sua já notória debilidade financeira.
Acontecendo que as autarquias locais, que são pessoas colectivas de direito público, prosseguindo fins de interesse público, não nos parece, por isso, razoável a alteração do regime de isenção e gratuitidade de que vinham gozando.
Nesse sentido apresentámos em devido tempo o projecto de lei n.º 410/III que à semelhança do que acontece com o projecto de lei n.º 393/III, respeita a matérias de grande interesse para a autonomia e fortalecimento do poder local.
Este projecto de lei visa isentar de preparos, emolumentos, taxas e imposto do selo os registos pelas autarquias requeridos a seu favor assim como outros actos praticados por elas nos serviços do Registo Predial.
É importante que a Assembleia da República aprove hoje estes dois projectos porque sendo claro que com eles não se vão resolver os inúmeros problemas criados pela revisão da Lei n.º 1/79 e sua substituição pelo Decreto-Lei n.º 98/84, mas sem dúvida que daremos uma contribuição para minorar os múltiplos problemas financeiros das autarquias, respeitando a sua legítima autonomia, indo assim ao encontro dos interesses das populações.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Roleira Marinho.
O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Porque à luz da autonomia que ao poder local é reconhecida e particularmente porque após a entrada em vigor da Lei das Finanças Locais se tornava incompreensível que as autarquias locais se vissem obrigadas ao pagamento dos emolumentos previstos na alínea n) do Decreto-Lei n.º 54/71, o PSD votará favoravelmente o projecto de lei n.º 393/III, que vem introduzir uma benfeitoria, que de um modo mais que simbólico, como à primeira vista poderia parecer, virá dar às autarquias mais independência e permitir que as verbas que eram canalizadas para suportar tais encargos possam ter uma melhor e mais justa aplicação para benefício das populações, de modo a dotá-las com melhores condições de vida em cada lugar em que habitam.
Por outro lado, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não fazia sentido que obras de beneficiação que, sendo realizadas pelas próprias autarquias, estivessem sujeitas ao pagamento de emolumentos que eram arrecadados por organismos do Estado com autonomia administrativa e financeira, o que desde logo impedia que tais receitas viessem a ser consideradas no cálculo a efectuar para o cômputo geral das verbas a canalizar para as autarquias.
Os projectos de lei em questão merecem-nos ainda concordância - portanto, concordamos também com o projecto de lei n.º 410/III - porque por esta via se fecha mais uma porta à burocracia, que em cada canto nos enleia e emperra a máquina administrativa, retirando do circuito papéis, guichets, funcionários e tudo o mais que impede uma pronta e eficaz acção, que é isso que os munícipes esperam dos seus autarcas.
Aplausos do PSD e do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Horácio Marçal.
O Sr. Horácio Marçal (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A lei de 19 de Agosto de 1949 e o Decreto-Lei n.º 14 873 de 10 de Janeiro de 1928 fixa-
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ram o regime dos trabalhos de reposição dos pavimentos nas estradas nacionais ou de outras sob a sua jurisdição, que tinham sido destruídas ou danificadas.
Esta legislação manteve-se na integra, só sendo modificada em Fevereiro de 1944, com a isenção de taxas por parte dos CTT.
Em 1971 o Decreto-Lei n.º 54/71, de 25 de Fevereiro, fixou em 10% o valor dos emolumentos e mais recentemente o Decreto-Lei n. º 234/82 fez incidir sobre essa percentagem o coeficiente de actualização de 6.
Assim, fácil é de constatar que os emolumentos a pagar por terceiros responsáveis, e entre eles as autarquias locais, atingem os 60% do valor total das reparações a efectuar.
À base do Código Administrativo de 1940, em que as câmaras municipais e freguesias viviam sob o regime de comparticipações oriundas do Ministério das Obras Públicas, poder-se-ia aceitar o espírito do referido decreto-lei.
Ora, com a entrada em vigor do Decreto-Lei 1/79 (Lei de Finanças Locais), não se justifica a continuação de tal sistema, pelo que parece justo introduzir correcções nas leis que isentam do pagamento à Junta Autónoma de Estradas dos emolumentos consignados na alínea n) do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 54/71, de 25 de Fevereiro.
Ora, este projecto de lei n.º 393/III, aqui em discussão, vem repor essa correcção.
As autarquias não podem continuar a ser sobrecarregadas com verbas sobre obras que são de utilidade não só regional como nacional e daí a nossa concordância ao referido projecto de lei.
Todavia, não podemos deixar de alertar os órgãos de tutela respectivos para alguns abusos que porventura se possam verificar na actuação quotidiana das autarquias, que dos 60% do pagamento passam para zero esses encargos.
Assim, colocava à consideração dos subscritores do projecto se ele não deve consignar que as autarquias, embora isentas do pagamento dessa taxa, devam sempre solicitar autorização à Junta Autónoma de Estradas para obras nos pavimentos, salvo casos de reconhecida urgência, para que não venhamos a deparar no futuro com estradas em estado ainda mais degradado do que aquele que às vezes constatamos.
Salvo o pormenor referido, damos a nossa concordância ao referido projecto de lei que vem repor justiça para com os órgãos autárquicos, base concreta e real do nosso poder local.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Picciochi.
O Sr. Rui Picciochi (PS): - Sr. Deputado Horácio Marçal, penso que deve haver uma ligeira confusão pois o projecto de lei n.º 393/III só isenta de emolumentos. O pedido de licença à Junta Autónoma de Estradas mantém-se exactamente na mesma como a própria legislação prevê.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Horácio Marçal deseja responder?
O Sr. Horácio Marçal (CDS): - Não, Sr. Presidente. Estou esclarecido.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Picciochi.
O Sr. Rui Picciochi (PS): - Sr. Presidente, há uma proposta de alteração na Mesa.
O Sr. Presidente: - Mas é para discussão na especialidade, Sr. Deputado.
O Sr. Rui Picciochi (PS): - Tem razão, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Não havendo mais inscrições considera-se encerrado o debate. Os diplomas serão votados na próxima terça-feira, às 18 horas.
Srs. Deputados, passamos ao diploma seguinte, a proposta de lei n.º 100/III, que extingue o Serviço, de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS e Legião Portuguesa e determina que os arquivos das extintas PIDE/DGS e Legião Portuguesa sejam integrados no Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
O Sr. Rui Picciochi (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Rui Picciochi (PS): - Sr. Presidente, é que não tive consciência de que o projecto de lei n.º 410/III também estava em discussão.
O Sr. Presidente: - Estava, sim, Sr. Deputado, estava em discussão simultaneamente com o projecto de lei n.º 393/III.
O Sr. Rui Picciochi (PS): - Sr. Presidente, eu desejava fazer uma pequena intervenção acerca do projecto de lei n.º 410/III.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, declaro encerrado o debate na generalidade do projecto de lei n.º 393/III...
Pausa.
Srs. Deputados, apesar de o debate dos dois diplomas ser conjunto, uma vez que houve esta confusão, declaro reaberta a discussão.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Picciochi.
O Sr. Mui Picciochi (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria fazer uma pequena intervenção, em estilo telegráfico, para dizer que o meu grupo parlamentar está também de acordo com o teor do projecto de lei n.º 410/III, apresentado pelo PCP, independentemente de ir apresentar uma proposta de aditamento relativa à entrada em vigor deste diploma.
Quero ainda dizer que o meu camarada Cunha e Sá, na sua intervenção de dia 27 de Março, já tinha dado pistas no sentido do nosso acordo em relação a este projecto.
Era só isto que eu pretendia dizer.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Rui Picciochi, tem a palavra o Sr. Deputado João Abrantes.
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O St. João Abrantes (PCP): - Sr. Deputado Rui Picciochi, registámos a sua intervenção e, de alguma forma, gostaríamos de conhecer o teor da proposta de aditamento que anunciou iria ser entregue. Sobretudo gostávamos de saber qual é a motivação da apresentação da proposta e qual o seu conteúdo, tendo, efectivamente, presentes as declarações do seu camarada Cunha e Sá na reunião plenária de 26 de Março de 1983, que referiu.
O Sr. Presidente: - Para responder ao pedido de esclarecimento formulado, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Picciochi.
O Sr. Rui Picciochi (PS): - Sr. Deputado João Abrantes, a proposta de aditamento refere-se apenas à entrada em vigor do diploma, isto é, no sentido da sua entrada em vigor em l de Janeiro de 1986.
A proposta de aditamento tem como objectivo o problema da «lei travão». Como sabe, isto mexe em receitas do Estado e, se não entrar em vigor em 1986, cairá.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições para pedidos de palavra, declaro encerrada a discussão na generalidade dos dois diplomas, que serão votados pelas 18 horas da próxima sessão plenária, ou seja, na terça-feira.
Vamos portanto passar à discussão do diploma agendado a seguir, a proposta de lei n.º 100/III, que extingue o Serviço de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS e Legião Portuguesa e determina que os arquivos das extintas PIDE/DGS e Legião Portuguesa sejam integrados no Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
Há um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que vai ser lido pelo respectivo relator.
Pausa.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor; Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, pedi a palavra apenas para esclarecer que o Sr. Deputado José Magalhães, relator do parecer cuja leitura o Sr. Presidente acabou de anunciar, está na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Solicito, pois, ao Sr. Presidente o favor de aguardar uns momentos enquanto vamos mandar chamar o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Vitorino): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Secretario de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Vitorino): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 100/III será apresentada por parte do Governo pelo Sr. Ministro da Justiça.
Sucede que o Sr. Ministro ainda não se encontra no hemiciclo, em virtude de estar a receber o Sr. Ministro do Interior francês, que se encontra hoje em Lisboa.
O Governo não contava que o debate dos dois projectos de lei antecedentes se desenvolvesse com tanta rapidez e pede desculpa à Câmara pelo facto de não poder, neste momento, estar habilitado a proferir a sua intervenção.
Já comuniquei com o Sr. Ministro da Justiça e estou confiante de que, dentro de 15 minutos, ele estará presente perante a Câmara.
Peço, mais uma vez, desculpa. Decerto compreenderão as razões de Estado que presidem à situação que assim se encontra criada à Câmara e ao próprio Governo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se não houver objecções, podemos suspender a sessão durante 10 ou 15 minutos, enquanto aguardamos a chegada do Sr. Ministro da Justiça.
Há alguma objecção à suspensão da sessão?
Pausa.
Como não há objecções, suspendo a sessão por 15 minutos. Retomaremos os trabalhos às 11 horas e 20 minutos.
Srs. Deputados, está suspensa a sessão.
Eram 11 horas e 5 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 11 horas e 45 minutos.
Após a interrupção, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Fernando Amaral.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Deputado José Magalhães vai ler o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, de que foi relator.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É o seguinte o teor do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias:
Parecer
Com vista à emissão de parecer, nos termos do artigo 137.º e seguintes do Regimento, sobre a proposta de lei n.º 100/III, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias deliberou constituir uma subcomissão em cujos trabalhos participaram os deputados Luís Saias, Margarida Salema, Raul Castro e José Magalhães, que relatou. Na sequência, a Comissão discutiu e aprovou, em reunião plenária, realizada no dia 18 de Abril de 1985, o seguinte parecer:
1 - A proposta de lei n.º 100/III visa extinguir o Serviço de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS e LP (artigo 1.º) e determinar que os arquivos das extintas PIDE/DGS e LP sejam integrados no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (artigo 2.º), definindo o quadro legal que deve presidir à sua futura consulta (artigo 3.º). A proposta inclui ainda disposições relativas à situação do pessoal do Serviço a extinguir (artigos 4.º e
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5.º), ao destino do respectivo património (artigo 6.º) e ao regime aplicável à investigação dos crimes cometidos por agentes e responsáveis da ex-PIDE/DGS (artigo 7.º).
2 - Através da proposta de lei n. º 100/III pretende o Governo dar cumprimento ao disposto no artigo 242.º da Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro, que, a título transitório, confiou à guarda conjunta do Presidente e dos Vice-Presidentes da Assembleia da República os arquivos das extintas PIDE/DGS e LP e determinou que a fixação do seu destino deveria fazer-se mediante lei a aprovar por maioria qualificada de dois terços dos deputados em efectividade de funções. No seu n.º 2, a mesma disposição, aprovada por unanimidade nó quadro da revisão constitucional, colocou na dependência da Assembleia da República os serviços de extinção da ex-PIDE/DGS e LP, até lhes ser fixado destino por lei a aprovar igualmente por maioria de dois terços.
2.1 - Suscita-se desde logo a questão de saber se o cumprimento dos dispositivos constitucionais referidos se deve operar necessariamente através de duas leis que, aprovadas simultaneamente ou em momentos distintos, regulem formal e autonomamente cada uma das matérias em causa ou se, por razões de conexão, podem ser objecto de tratamento num único diploma.
A proposta de lei optou pela segunda das vias apontadas.
2.2 - Questão que igualmente haverá que ponderar é a de saber as exactas implicações do artigo 242.º da Lei Constitucional n.º 1/82 numa outra perspectiva, qual seja a de apurar que situações devem necessariamente ser contempladas em lei a aprovar pela Assembleia da República nas condições referidas e qual o espaço em que pode exercer-se a normal competência do Governo para boa execução das leis.
Dada a complexidade, melindre e relevância das questões implicadas, a Comissão salienta que o regime jurídico a estabelecer através de lei deve ser de molde a assegurar o seu adequado tratamento.
3 - Tendo examinado as disposições propostas com vista à realização do primeiro dos objectivos da iniciativa legislativa em apreço:
3.1 - A Comissão não põe em causa a extinção do Serviço de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS e LP, nem a sua oportunidade, entendendo no entanto que o regime da extinção deve contemplar o elenco das providências necessárias e adequadas para assegurar o cumprimento do disposto na Constituição, especialmente no seu artigo 298.º, quanto à investigação dos crimes nele previstos e à descoberta dos respectivos agentes. Importa designadamente precisar o alcance da previsão do artigo 7.º, por forma a definir com clareza os termos em que se operem transferências de competências, mormente as contempladas no Decreto-Lei n.º 468/79, de 12 de Dezembro (cuja revogação deve ser feita expressamente).
3.2 - Necessário se afigura prever, por outro lado, por quem devem passar a ser desenvolvidas certas actividades - tais como passagem de declarações e certidões - que hoje vêm sendo realizadas pelo serviço a extinguir.
3.3 - Oportuna e necessária se revela igualmente a inclusão de disposições que confiram maior precisão e segurança à situação do pessoal que presentemente exerce funções no Serviço.
3.4 - Também haverá que definir mais rigorosamente:
Os exactos contornos do património do Serviço susceptível de transitar para a Assembleia da República por força da extinção (nos termos propostos no artigo 6.º);
O destino a dar aos diversos tipos de documentação oriunda da actividade do próprio Serviço a extinguir, em particular os documentos respeitantes a sua função investigatória.
4 - Quanto ao destino dos arquivos das extintas PIDE/DGS e LP, a proposta de lei n.º 100/III visa determinar que sejam integrados no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, solução que a Comissão entende adequada, impondo-se, no entanto, uma definição cuidada do respectivo regime.
4.1 - Saliente-se desde logo que a integração jurídica no Arquivo Nacional deverá ser acompanhada de medidas de garantia de instalação e guarda da documentação em locais adequados à sua boa conservação e segurança.
4.2 - A Comissão entende, por outro lado, que deve ser regulada a adequada inventariação dos arquivos a transferir.
4.3 - Quanto ao regime de consulta pública proposto no artigo 3.º, afigura-se conveniente aprofundar o exame do tratamento legal a adoptar, designadamente quanto ao prazo previsto no n.º 1 da disposição citada. O regime transitório de consulta para além de dever revestir-se sempre de carácter excepcional deve, no entender da Comissão, assegurar, através das necessárias cautelas, a realização dos objectivos que presidiram à aprovação das normas constitucionais a que se visa dar cumprimento.
4.4 - Afigura-se, finalmente, conveniente consignar preceitos que estabeleçam claramente as condições em que devem ser devolvidos aos seus proprietários ou - legítimos possuidores bens apreendidos pelas extintas PIDE/DGS e LP.
5 - Tudo visto, a proposta de lei n.º 100/III obedece às condições constitucionais e regimentais necessárias à sua discussão, votação e aprovação pelo Plenário da Assembleia da República.
Tal é, nos termos e para os efeitos dos artigos 137.º e seguintes do Regimento, o Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, - Liberdades e Garantias.
O Relator, José Magalhães.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão o parecer que acabou de ser lido.
Pausa.
Não havendo inscrições, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça para apresentar a proposta de lei n.º 100/III.
O Sr. Ministro da Justiça (Mário Raposo): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais apre-
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sento à Câmara um pedido de desculpa pelo meu atraso, que me não é imputável. Realmente, não tinha notícia que o debate desta proposta de lei se efectuaria a esta hora.
Acontece que tenho hoje, como convidado, um ministro do Governo Francês, pelo que tive de me despedir dele rapidamente a fim de poder, como é lógico, dar prevalência ao Parlamento português.
Sobre a proposta de lei n.º 100/III, direi que ela tem, fundamentalmente, uma intencionalidade de reforma legislativa - por assim dizer.
No entanto, quando se aborda, de uma forma ou de outra, um tema como aquele que, neste momento, diz respeito à PIDE/DGS, é sempre bom sublinhar que na memória de um povo não pode nunca esquecer-se ou, por qualquer modo, dar-se como um caso arrumado aquilo que representou, durante longas e sofridas décadas, uma polícia política ao serviço de uma ditadura que ignorava os princípios fundamentais dos direitos do homem e da democracia.
E no mês de Abril em que estamos, a escassos dias do 11.º aniversário do 25 de Abril, também é bom que na nossa memória saibamos conferir a verdadeira dimensão e o significado que para a vida de todos nós, para os nossos desígnios colectivos, para os nossos destinos individuais, teve a oportunidade histórica que se abriu naquela manhã de Abril de 1974.
Quanto ao tema e ao texto da proposta de lei em discussão, acabo de ouvir o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Não o tendo conhecido, a não ser neste momento, devo dizer que estou em sintonia - e suponho que posso afirmar que o Governo a eles estará receptivo - com grande parte dos seus alvitres e das suas sugestões e com uma afirmada vontade de preencher algumas indefinições que poderão ser detectadas na proposta de lei e que foram enunciadas no parecer da Comissão.
Na realidade, é demasiado importante para a história - e a história tem de estar sempre presente, porque é a ressurreição de actos vividos e é através dela que se pode projectar um futuro - que seja devidamente acautelado em termos operacionais, por assim dizer, o destino dos arquivos das extintas PIDE/DGS e Legião Portuguesa.
É uma fórmula um tanto vaga, embora certa - aliás, como reconheceu a Comissão -, aquela que refere que serão integrados no Arquivo Nacional da Torre do Tombo. É indiscutível que esta será a sede própria e adequada para receber este acervo de documentos e de textos.
No entanto, esta imputação e este destino devem ser acautelados através de medidas que assegurem que seja viabilizada essa conservação e que haja meios humanos e estruturais, que permitam que ela, e a consequente ordenação, inventariação e descrição não caia numa rotina burocrática, com todas as permeabilidades para que esta estará vocacionada.
Da mesma forma, Sr. Presidente, Srs. Deputados, compreendo perfeitamente a dúvida suscitada - se bem me recordo, pela comissão - sobre as transferências de competências do actual Serviço de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS e sobre as normas reguladoras, em matéria de Processo Penal, que doravante deverão ser aplicadas.
É realmente uma transferência relativamente complexa, que tem de ser devidamente acautelada. Considero, por isso, que este texto, assim submetido à consideração e à apreciação da Assembleia da República, vale, fundamentalmente, como uma declaração de intenção, como um ponto de partida, que será preenchido em sede de especialidade, com base, designadamente, em alguns dos alvitres trazidos pela Comissão Especializada da Assembleia.
Portanto, Sr. Presidente, Srs. Deputados, acho que, neste momento, mais palavras serão dispensáveis. Há realmente um texto, há realmente um parecer, muito bem elaborado, da Comissão adequada e estou convencido que do debate neste Plenário e em prosseguimento da discussão e da análise na Comissão, o texto será melhorado e prosseguir-se-ão os objectivos a que ele se destina.
Aplausos do PS, do PSD e do MDP/CDE.
O Sr. Luís Saias (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Luís Saias pede a palavra para que efeito? É para formular um pedido de esclarecimento?
O Sr. Luis Saias (PS): - Não, Sr. Presidente. Era para uma pequena intervenção nesta matéria.
O Sr. Presidente: - Então, na altura própria, darei a palavra a V. Ex.ª
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Gonzalez.
O Sr. António Gonzalez (Indep.): - Sr. Presidente, desejava saber se já tem alguma informação sobre aquele pedido que tinha formulado, no sentido de saber os meus limites de actuação neste Plenário.
O Sr. Presidente tinha pedido à Comissão de Regimento e Mandatos que emitisse um parecer sobre esse assunto e gostava de saber se já tem ou não essa informação.
O Sr. Presidente: - Ainda não, Sr. Deputado. E depois de vir o parecer terá de ser apresentado à Mesa - Mesa no seu conjunto -, para que crie doutrina sobre esse assunto.
O Sr. António Gonzalez (Indep.): - Entretanto, Sr. Presidente, queria saber se, no entendimento da Mesa e do Sr. Presidente, neste momento, posso ou não fazer perguntas ao Sr. Ministro e se posso ou não fazer intervenções, enquanto não haja uma decisão da Comissão.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, na medida em que há tempos globais, penso que V. Ex.ª o poderá fazer, ficando o tempo que gastar integrado naquele que cabe ao PCP.
O Sr. António Gonzalez (Indep.): - Sr. Presidente, desculpe-me mas não aceito essa situação.
Sou um deputado independente e entrei aqui precisamente como os deputados da ASDI e da UEDS. Portanto, cá dentro, quero que o Plenário me reconheça com o direito a utilizar do tempo que me é atribuído, pois sou um deputado.
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De qualquer maneira agradeço a sua informação, mas não posso aceitar. O tempo de que eu dispuser terá de ser reconhecido, porque sou deputado.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, nessa medida não lhe posso reconhecer esse direito e não lho posso conceder.
Entretanto, ia propor à Mesa que, por uma concessão especial, V. Ex.ª pudesse colocar a questão que pretende formular, pois ela terá certamente interesse, não só para o Sr. Ministro da Justiça, mas também para o Plenário.
No entanto, não sei se V. Ex.ª aceitará essa concessão e se a Mesa estará disposta a isso.
É que perderemos mais tempo na interpelação e na discussão do tema, do que se proceder à concessão.
É só um momento, Sr. Deputado.
Pausa.
Sr. Deputado, queira ter a bondade de formular a questão, visto que o problema que põe ainda está pendente do tal parecer que já pedi à Comissão de Regimento e Mandatos.
Portanto, faça favor de formular a questão. Para nós é mais rápido, é mais simples e poupamos tempo.
O Sr. António Gonzalez (Indep.): - Sr. Ministro, queria saber, em relação à documentação que vai para a Torre do Tombo, qual é a garantia de que, por interpostas pessoas, os serviços de informação que venham a ser criados não lhe tenham acesso.
O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.
O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Ministro da Justiça,, muito rapidamente, gostaria de colocar a y. Ex.ª uma questão.
Todos nós sabemos a importância que terão para a história do fascismo, para a história do século XX deste país, os arquivos da PIDE/DGS.
O Sr. Ministro, como acabou de dizer, teve agora conhecimento do relatório da Comissão, em que se refere como conveniente aprofundar o exame do tratamento legal a adoptar, designadamente quanto ao prazo previsto.
Assim, a minha pergunta era a seguinte: sobre esta questão do prazo, considera o Sr. Ministro que todo o tipo de documentos existentes deve, eventualmente, merecer o mesmo tratamento?
Considera ainda que este prazo de 1994 é adequado, admitindo que possam constar informações falsas ou de índole pessoal? Por outro lado, será que não poderão constar documentos de outra importância? Gostava que o Sr. Ministro, se pudesse, desse a sua opinião - não só como Ministro, mas como jurista - sobre este assunto.
O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Ministro da Justiça, eram duas ou três questões que gostaria de colocar a V. Ex.ª
Por razões de ordem profissional, conheço, minimamente, os arquivos da ex-PIDE/DGS e aqueles que lhe estão acoplados, que são os da União Nacional, da Legião Portuguesa, da Acção Nacional Popular e da Liga dos Combatentes, salvo erro ou omissão.
Julgo que todo esse acervo de material fica abrangido pelas disposições contidas nesse diploma e esta é uma primeira questão que gostaria que o Sr. Ministro deixasse clara.
A segunda questão tem a ver com a pergunta - aliás, muito pertinente - que o meu camarada Joel Hasse Ferreira fez e que é a seguinte: do meu conhecimento, julgo que deveriam ser aproveitados estes 9 anos que medeiam até à abertura do arquivo no sentido de ordenar, reclassificar e, não diria propriamente inventariar, mas separar algumas coisas importantes do arquivo.
Isto porque 70% ou 80% do arquivo tem inegável interesse para a história portuguesa contemporânea - refiro-me aos documentos clandestinos, à imprensa clandestina e a muitas outras informações.
Sr. Ministro, tenho estado ausente do Parlamento e gostaria de lhe colocar esta questão, pois parece-me importante: é que o arquivo tem partes perfeitamente de devassa individual da vida dos cidadãos - ligações amorosas, etc., que julgo que deveriam ter um tratamento diverso do outro material.
Portanto, queria fazer duas perguntas ao Sr. Ministro: em primeiro lugar, pensa o Governo implementar um serviço anexo à Torre do Tombo, ou dotá-la de condições no sentido de fazer este trabalho fundamental no arquivo?
Em segundo lugar, aceita o Governo que, no diploma em discussão, se salvaguarde a perenidade da reserva ao público do material que, no arquivo da PIDE/DGS, contenha elementos da vida estritamente pessoal de cada cidadão? Isto pressupõe que o Governo esteja interessado em dotar o Arquivo da Torre do Tombo dos meios económicos, financeiros e humanos, para poder fazer esta destrinça.
Esta pergunta é para mim fundamental, pois em 1994 haverá ainda muitas pessoas que constam desses arquivos, que estão vivas e cuja vida estritamente pessoal não pode ser devassada por, por exemplo, consulta dos arquivos das escutas telefónicas da PIDE/DGS.
Na minha opinião pessoal, penso que há muitos documentos, muitas coisas, que podem ser já do domínio público, mas haverá também muitas coisas que nem em 1994 podem ser do domínio público.
Oferecer-me-ia para poder melhorar este diploma, no sentido de obviar a que este tipo de questões possa continuar a ser salvaguardada. Porém, tal pressupõe dotações e um trabalho prévio no arquivo, nestes anos que vão até 1994; de contrário não vale a pena.
Não quero explicar-me mais sobre o modo como está o arquivo, mas, por exemplo, já se devia estar a trabalhar nele, o que nunca aconteceu.
Se V. Ex.ª assinasse, juntamente com mais 2500 indivíduos, um panfleto de oposição à ditadura, em 1931, a Polícia mandava copiografar 2500 exemplares e abria processos para os 2500 indivíduos.
Portanto, como está, este material é praticamente inutilizável e haveria que destrinçar aquilo que pode ser do conhecimento público - de imediato, na minha opinião - e aquilo que nunca, em nenhuma circunstância, poderá ser do domínio, do conhecimento público.
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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto ao que o Sr. Deputado António Gonzalez referiu, diria que se trata de uma questão meramente académica, para não utilizar um termo mais adequado. Não há dúvida de que se trata de mera futorologia e não há razão nenhuma para acreditar que os seus receios possam concretizar-se.
Quanto à problemática que o Sr. Deputado Hasse Ferreira acaba de colocar, penso que ela é da maior oportunidade. Penso que o que se pretendeu, quando o legislador constitucional tomou a cautela de remeter para um determinado prazo, para um determinado distanciamento, o acesso público a este tipo de documentos, foi, evidentemente, o de salvaguardar interesses relacionados com a paz pública, com uma certa acalmia geral. É evidente que não se poderá ter pretendido que o relevo e o valor histórico desta documentação se venham a perder, a dissipar pela sua mera arrumação, sem qualquer tratamento, análise e selecção, que não envolva acesso ou divulgação pública durante os 10 anos que medeiam entre este momento e aquele em que haverá realmente a disponibilidade pública de tão importante acervo documental. Consequentemente, entendo que o artigo 2.º, ao referir que devem ser tomadas as medidas necessárias à conservação, ordenação, inventariação e descrição dos arquivos, tem exactamente a intencionalidade de recomendar o seu tratamento adequado em ordem a que, mais tarde, possa ser, em relevo histórico e em valor hermenêutico, um dado para melhor se compreender o que foi uma época triste. E também para fixar na memória daqueles que nos sucederão aquilo que nessa época se passou.
Entendo, portanto, que deve haver um tratamento dos documentos. Desse tratamento pode advir, realmente, o encontro de alguns documentos que tenham um valor cultural imediato e que nada tenham a ver com a actividade da PIDE/DGS. É um problema a considerar, e que deve ser levado em conta, creio ser isso que está, porventura, ínsito na moldura do n.º 2 do artigo 3.º Cabe, evidentemente, ao Presidente e aos Vice-Presidentes da Assembleia da República autorizar, com carácter excepcional, a consulta desses documentos. É que pode haver, por exemplo, interesse directo de um historiador ou de um homem de cultura; por certo se encararão caso a caso essas situações. Não compete ao legislador prever casos, mas definir parâmetros de actuação. Aliás, o legislador ordinário está neste caso limitado pela injunção constitucional.
O que o Sr. Deputado César Oliveira referiu, sensivelmente com o mesmo objectivo, tem também razão de ser.
Não há dúvida sobre a necessidade de ordenar e classificar a documentação. Não se poderão passar 10 anos com os documentos a serem corroídos pela traça e pelo bicho do papel! É óbvio que têm de haver um tratamento e uma conservação. Entendo que a Torre do Tombo deve ser dotada dos meios tecnicamente aconselháveis para conservar, ordenar, inventariar e descrever tais documentos. Isso está, como é evidente, no propósito deste Governo e por certo no daqueles que lhe sucederem e que tiverem de encarar o problema.
Quanto à questão que referiu de em 1995 a vida privada de determinadas pessoas poder ser devassada numa violação dos direitos à intimidade e ao resguardo, dir-lhe-ei, Sr. Deputado, que, salvo o devido respeito, o diploma não terá que considerar esse aspecto. O diploma visa apenas a problemática pública da questão. O problema que põe é regido pelas leis de direito privado, em decorrência da Constituição, que garante no artigo 26.º a reservada intimidade da vida privada e familiar. Há um conjunto de mecanismos legais que obviarão a esse risco.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raúl Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça: Quando a Comissão- de Assuntos Constitucionais considerou, relativamente a esta proposta de lei, tratar-se de matéria complexa, melindrosa e relevante, compreende-se que se tenha referido nestes termos, porquanto, como aliás justamente o Sr. Ministro da Justiça reconheceu, trata--se de legislar sobre a extinção da Comissão de Extinção da PIDE/DGS e, portanto, sobre matéria que diz respeito ao aspecto mais sinistro do sistema repressivo do antigo regime fascista. Por isso, a Comissão entendeu que se impunha rodear o diploma legislativo respectivo das maiores cautelas.
Apraz-nos aqui registar a concordância manifestada, de forma genérica, pelo Sr. Ministro da Justiça quanto às observações críticas constantes do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais. Efectivamente, este diploma carece em diversas matérias de ser aperfeiçoado. Desde o que consta no artigo 7.º até ao problema de se assegurar a continuação da actividade investigatória da Comissão, que este diploma extingue, até à necessária inventariação dos arquivos da extinta PIDE/DGS e a assegurar-se a inventariação aquando da sua entrega, de forma a que a entidade que recebe possa garantir a entrega integral daquilo que passa a ser da sua competência, colocam-se questões que impõem ser completadas em sede de apreciação especializada.
Queria lembrar-lhe, por exemplo, que na delegação do Porto da PIDE/DGS existe um volume com cerca de 20 m3 de documentação, enquanto, na de Coimbra, esse mesmo volume de documentação ocupa 30 m3. Além desta documentação e de 250 000 processos crime instaurados pela ex-PIDE/DGS existem ainda numerosíssimos processos individuais e também processos que foram mandados aguardar produção de melhor prova e que de harmonia com a lei constitucional ficam sempre sujeitos a que o seu andamento seja reaberto no futuro, visto tratar-se de infracções que não prescrevem.
Isto mostra que se torna efectivamente urgente introduzir numerosos aperfeiçoamentos na proposta de lei agora apresentada, visto que está em causa não só a salvaguarda de um património que o Sr. Ministro da Justiça considerou, correctamente, histórico, mas ainda assegurar a continuidade das funções que a Comissão que agora desaparece desempenhava e que dizem respeito não só à reabertura de processos mas também ainda a processos que se encontram pendentes e a que incumbe dar andamento no futuro.
Relativamente ao regime de consulta pública, há ainda algumas questões que aqui foram colocadas, e há, necessariamente, que se ter em conta outros aspectos, nomeadamente o que resultou do facto de terem
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sido criados obstáculos - e de outros poderem vir a ser criados no futuro à própria consulta dos arquivos -, por exemplo, à Comissão do Livro Negro sobre o Fascismo que tem, necessariamente, de ter livre acesso a esses documentos para continuar a elaborar o seu trabalho.
Por outro lado, torna-se necessário ter em conta, na medida em que o património desta Comissão deixa de estar sob a alçada da Comissão de Extinção, que além da documentação se deve também salvaguardar o direito de restituição de bens móveis, apreendidos pela ex-PIDE/DGS, aos seus legítimos possuidores ou proprietários.
É por isso, Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça, que o debate, hoje, nesta Assembleia da proposta de lei é importante, porque se trata de uma matéria fundamental, de um ponto de vista histórico, profundamente ligada ao futuro da própria democracia portuguesa e foi essa a razão por que a Comissão de Assuntos Constitucionais proeurou acompanhar e examinar com o maior empenho esta proposta de lei. Apraz-nos registar a concordância quanto à necessidade de introduzir múltiplas modificações neste texto, em ordem a que ele possa ter a dignidade que se impõe em matéria de tanta importância e mais ainda se impõe, como o Sr. Ministro da Justiça ressaltou, no mês em que decorre o 11.º aniversário do 25 de Abril.
Aplausos do MDP/CDE, do PCP e do deputado independente António Gonzalez.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado: As reservas que o conteúdo da proposta de lei n.º 100/III levanta estão logo à vista no teor do relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
De facto, uma análise mais aprofundada da proposta de lei evidencia que ela não equaciona uma larga zona dos problemas levantados pelo artigo 242.º da Lei Constitucional n.º 1/82, contém numerosas imprecisões e omissões e acaba por apontar medidas que não correspondem à solução das. questões que se lhe impunha resolver.
Importará reflectir sobre duas questões nesta matéria.
Em primeiro lugar, importa saber o que são os arquivos das extintas PIDE/DGS e Legião Portuguesa; em segundo, que funções exerce o Serviço de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS e LP.
Por uma razão óbvia: porque só depois de determinar o que contêm os arquivos é que se poderá definir o seu destino e só depois de analisar as funções do Serviço é que se poderá encontrar as soluções adequadas e, inclusivamente, perspectivar se as opções sobre uma e outra matéria devem ser tomadas através de uma só lei ou de duas, aprovadas porventura em momentos distintos, como faculta a Lei Constitucional.
Quanto aos arquivos, tem sido sublinhada a diferente natureza da documentação existente.
Podem definir-se pelo menos 5 grupos: os processos individuais dos cidadãos vigiados e perseguidos pela PIDE, onde se encontra não só documentação relativa à actividade política e cívica, como outra de natureza pessoal, correspondente a canas apreendidas, etc.; os processos relativos a temas políticos, organizações, etc.; os processos das ex-colónias; os processos instruídos pela PIDE com vista a remessa a tribunal; os processos individuais relativos aos próprios agentes.
Quanto ao Serviço de Extinção e às suas funções encontram-se as seguintes: funções de investigação criminal, por força do artigo 298.º da Constituição; execução subordinada da guarda dos arquivos; manutenção do arquivo próprio resultante da investigação; funções de expediente e secretaria, particularmente na emissão de certidões e declarações; administração do património que lhe está confiado.
Este enunciado está necessariamente incompleto, mas, reflectindo a complexidade dos problemas, demonstra só por si a insuficiência da proposta de lei.
De facto, o Governo propõe a integração jurídica dos arquivos na Torre do Tombo, sem definir o que são, se e em que condições seria feita a transmissão material, onde ficariam localizados e como seria assegurada a sua guarda.
Por outro lado, extingue o Serviço sem distribuir relevantes funções que hoje exerce, sem esclarecer o destino da documentação existente no serviço, que é produção dele próprio, e sem adoptar quaisquer providências transitórias que assegurassem correctamente a transmissão, de materiais e funções.
Pretendo sublinhar a nossa inteira concordância com o ponto 2.2 do Relatório da Comissão, onde se evidenciam preocupações relativamente à margem da regulamentação deixada ao Governo.
Do nosso ponto de vista, entendemos que, para execução do artigo 242.º da Lei Constitucional n.º 1/82, deve ser a Assembleia da República e definir (por maioria de dois terços dos deputados em efectividade de funções) o destino dos arquivos e dos serviços, em termos de ser a própria lei a esclarecer e resolver todas as questões fundamentais. Ao Governo caberá o necessário à boa execução do que a lei determine, mas não mais. A lei deve balizar com rigor o campo em que há-de ter lugar a execução e fazer todas as opções não situadas na esfera executiva.
Os arquivos da PIDE/DGS e da Legião Portuguesa constituem património histórico do povo português, registando a memória de uma ditadura repressiva e terrorista através dos documentos dos dois mais tenebrosos instrumentos de que se servia. Na ocasião da aprovação do artigo 242.º, foram postas várias hipóteses em relação à guarda desse arquivo. Foi posta a hipótese de ficarem à guarda das Forças Armadas, do Presidente da República, da Assembleia, dos Tribunais. Houve também quem propusesse a sua destruição, a devolução aos próprios e também a destruição parcial.
A solução encontrada foi transitória, demasiado assinalada pela precipitação dos que, votando a extinção do Conselho da Revolução, não acautelaram a resolução de todos os problemas. Mas uma precipitação não justificaria a seguinte.
A massa dos arquivos da PIDE/DGS e da Legião é enorme nas suas dimensões. Não pode - é do conhecimento de todos - ser transferida para as actuais instalações da Torre do Tombo. A integração jurídica no Arquivo Nacional não significa, aliás; a incorporação material na Torre do Tombo - como sublinha a Comissão de Assuntos Constitucionais.
Assim sendo, importa fixar: onde ficam afinal os arquivos? No mesmo sítio onde hoje estão? Mas quem
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executa a guarda? Os mesmos que hoje a fazem mas passando a depender de um serviço governamental? E em que condições é feita a transmissão?
Por outro lado, importa questionar: se a investigação de crimes deixa de ser feita por quem executa a guarda, em que condições trabalham as novas entidades de investigação?
E os processos individuais dos PIDE? Porque se conservam ainda hoje uns milhares de processos no Ministério da Administração Interna, quando deveriam estar incluídos no conjunto dos arquivos?
Se se pretende defender os arquivos como património histórico e como registo do fascismo, dos seus responsáveis e dos que com eles colaboraram e, ao mesmo tempo, garantir que não serão nunca usados contra os democratas, nem poderão servir para ofender a reserva da intimidade da vida privada, então as soluções apontadas são insuficientes, descuidadas e pouco claras.
A extinção dos serviços levanta também numerosos problemas.
Desde logo, porque não é possível extinguir em 30 dias um serviço que executa a guarda dos arquivos sem ter definidos e resolvidos na lei todas as questões referidas. Depois, e fundamentalmente, porque não há nada que possa justificar que se deixem sem destino funções que têm efectivamente de vir a ser exercidas.
A função de investigação criminal decorre do Decreto-Lei n. º 468/79, de 12 de Dezembro.
Nos termos da Lei n.º 8/75, de 25 de Julho, com as alterações das Leis n.º 16/75, de 23 de Dezembro, e n.º 18/75, de 26 de Dezembro, a competência para julgamento é dos tribunais militares (artigo 13.º, n.º 1), a execução das sentenças regula-se pelas disposições do Código de Justiça Militar (artigo 14.º) e o regime processual é o do Código de Justiça Militar (esta é a posição sustentada, por exemplo, pela Procuradoria-Geral da República, nos pareceres n.ºs 229/77 e 35/83, este último homologado pelo Presidente da Assembleia da República).
A Constituição, no artigo 309.º e, depois da revisão, artigo 298.º, acolheu a Lei n.º 8/75 como lei constitucional.
Neste quadro, o que significa afirmar, como se faz no artigo 7.º da proposta, que às investigações dos crimes respectivos se aplicam «as normas reguladoras do processo penal»? Que se passa com todas e cada uma das competências do Serviço definidas no Decreto-Lei n.º 468/79? Que se passa com os processos arquivados ou em fase de investigação, instrução e julgamento?
Nada disto pode ser tratado com nebulosidade ou precipitação. Recorde-se como foi precisamente a falta de prudência e de previsão com que, extinto o Conselho da Revolução, se tratou de toda esta problemática, que conduziu a deixar sem destino a competência do Conselho da Revolução prevista no n.º 5 do artigo 13.º da Lei n.º 8/75 (na redacção da Lei n.º 18/75), o que, como é sabido, veio a levantar sérios problemas ao Presidente da Assembleia da República.
As funções administrativas exercidas pelo Serviço não podem ser pura e simplesmente ignoradas, como o faz a proposta. Aliás, a eventual distribuição, por entidades diferentes, do arquivo da PIDE/DGS propriamente dito e da documentação produzida pelo Serviço criaria óbvias dificuldades, que não estão equacionadas, quanto mais resolvidas!
Sublinhe-se a propósito que o equívoco resultante de se ter reduzido à função investigatória o papel dos Serviços de Coordenação, ignorando as outras funções, conduziu a Assembleia a uma insuficiente gestão administrativa, que, por força do n.º 2 do artigo 242.º da Lei Constitucional n.º 1/82, lhe cabia inteiramente.
Outras questões haveria que analisar, mas vou praticamente limitar-me a enunciá-las.
Assim, não estão circunscritas as medidas de ordenação, inventariação e descrição que se prevêem no artigo 2.º
Não está justificado o processo e o prazo de interdição de consulta pública, nem resolvidas questões que se irão inevitavelmente levantar. Recorde-se - já aqui foi referido - o que se passou com a actividade da Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista quando, com a publicação do Decreto-Lei n.º 77/81, de 18 de Abril, foi interditada a consulta pública dos arquivos de Salazar e Marcelo Caetano, o que veio a obrigar à publicação, em 31 de Janeiro, do Decreto-Lei n.º 33/85 destinado a corrigir a precipitação com que foi elaborado o anterior.
Não estão devidamente garantidos os direitos dos funcionários que beneficiaram do regime do Decreto-Lei n.º 519-H2/79, de 29 de Dezembro.
Não está prevista a possibilidade de devolução de objectos pertença de particulares, respectivo regime e entidade competente. Não está definido o que é o património dos Serviços de Extinção, que, por força do artigo 6.º, transitaria para a Assembleia da República. Até diria que isto é capaz de ser um mau negócio para a Assembleia. Aliás, para quem argumenta com a falta de vocação da Assembleia para guardar arquivos, é, pelo menos, estranho que a ache vocacionada para gerir patrimónios.
Talvez nesta questão das vocações dos diferentes órgãos de soberania esteja uma questão central. Quando os arquivos e os serviços passaram para a Assembleia, rejeitou-se propostas tendentes a conservá-los na dependência das Forças Armadas, com o argumento que estas iriam passar a ficar na dependência do Governo e que, assim, seria o Governo a guardar o arquivo, o que era inconveniente. Agora, na proposta, o arquivo sempre vai parar a um serviço governamental.
E mau seria que alguém se lembrasse de interconexionar este serviço governamental com outros serviços também governamentais! É tudo matéria a exigir muito mais reflexão do que a que foi feita na elaboração da proposta. Não basta atirar com números de processos pendentes em investigação, em instrução e em julgamento. E não se extinguem serviços só, para efeitos estatísticos, inundar o País com a demonstração da fúria arrasadora do Governo sobre a Administração Pública.
A falta de adequado tratamento das questões e as omissões da proposta justificam as nossas reservas.
Tratando da matéria que hoje nos ocupa, estamos de alguma forma a testemunhar o longo período de 48 anos da ditadura de Salazar e Caetano, que oprimiu o povo português, lançou o País numa guerra de opressão contra outros povos, rasgou as liberdades e os direitos dos cidadãos, provocou a miséria, deformou gerações.
Mas nos arquivos da polícia política, da PIDE, e nos arquivos da Legião, está também muito da história da luta do povo português contra a ditadura; está o sangue dos que deram a vida e dos que foram torturados; estão os anos e anos de prisão dos que lutaram
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pela liberdade e pela democracia que o 25 de Abril abriu ao País.
São essas próprias 'páginas da nossa história que reclamam ponderação e todas as cautelas.
Aplausos do PCP, do MDP/CDE e do deputado independente António Gonzalez.
O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.
O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Deputado João Amaral, na medida em que me pareceu notar bastantes reservas ao tipo de solução que está previsto nesta proposta, gostaria de saber se considera ou não que o caminho que estava a ser seguido - o de manter este serviço em funcionamento - justificaria o não se fazer nada, ou seja, se V. Ex.ª pensa ou não que seria útil e positivo prosseguir com o tipo de funcionamento que existia em relação a este problema.
A segunda questão refere-se ao facto de V. Ex.ª ter dito que nos arquivos da ex-PIDE/DGS está muito da luta e da história do povo português nos últimos 50 anos. Eu gostaria que estivesse. Mas está V. Ex.ª convencido de que, de facto, está lá tudo o que deveria estar?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Hasse Ferreira, quanto à primeira questão acerca do Serviço de Coordenação da Extinção da ex-PIDE/DGS e da Legião Portuguesa, não fiz nenhum balanço ou relatório de actividade. Expliquei quais eram as funções que ela exercia e demonstrei a nossa preocupação por no quadro da proposta de lei, de forma imponderada, não ser dado encaminhamento a todas essas funções. Limitei-me a fazer um balanço, não da actividade, mas do quadro legal em que se movimenta o Serviço de Extinção e das funções que ele exerce, para tirar a conclusão de que a proposta, não resolvendo questões centrais que deveriam ser resolvidas, cria um vazio e não dá solução a problemas que têm de ser resolvidos. Foi nessa base que exprimi reservas.
Quanto à segunda questão - se nos arquivos devia ou não estar tudo -, referi um caso concreto, que é o seguinte: há uns milhares de fichas de agentes da ex-PIDE/DGS que estão abusivamente no Ministério da Administração Interna, mas que devem ser entregues aos arquivos da ex-PIDE/DGS.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Saias.
O Sr. Luís Saias (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado: O Partido Socialista congratula-se pelo facto de o Governo ter apresentado esta proposta de lei. Efectivamente, entendemos que chegou a altura de o Serviço de Extinção da ex-PIDE/DGS e Legião Portuguesa ser ele próprio extinto.
Portanto, pensamos que esta proposta de lei, além de necessária, é oportuna.
No entanto, o PS deseja salientar que, tendo intervindo integralmente nos trabalhos da Comissão, dá a sua inteira adesão ao relatório dessa mesma Comissão. Isto quer dizer que também o PS entende que a proposta de lei, na formulação que ela trouxe, é insuficiente e deve ser melhorada, não porque discordemos das soluções propostas pelo Governo. Na realidade, pensamos que o Serviço deve ser extinto e que a massa documental deve ser transferida para a guarda jurídica da Torre do Tombo. Pensamos também que devem ser opostas restrições, durante algum tempo, à consulta dessa documentação.
Porém, dada a importância política, social e histórica que conferimos a esses documentos, entendemos que esta lei- deverá ser mais pormenorizada e melhorada e deverá regular e prever outros aspectos além daqueles que constam da proposta de lei. Por isso, o PS irá dar o seu voto favorável na generalidade à proposta de lei do Governo, mas dispõe-se, depois, juntamente com os outros partidos e Srs. Deputados, a melhorar o texto da lei.
Na verdade, entendemos que a perspectiva que presidiu à proposta, que, na- minha opinião, seria a de consignar na lei apenas princípios de ordem geral, deve ser inflectida no sentido de serem regulados todos os aspectos essenciais e de importância nesta matéria, deixando, portanto, uma margem menor de regulamentação ao Governo. Julgamos realmente que, em tal matéria, se devem tomar estas cautelas.
Portanto, o PS votará favoravelmente na generalidade esta proposta de lei, mas reconhece que ela deve ser levada mais além e pormenorizada. Para esse trabalho estará o PS à disposição com os outros partidos. Estamos certos de que acabaremos, finalmente, por aprovar na especialidade uma lei mais completa e melhor do que aquela que foi proposta à Assembleia.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Concordo inteiramente com o que acaba de ser dito pelo Sr. Deputado Luís Saias, aliás, em sintonia com Srs. Deputados de outras bancadas. E sublinharei que a decisiva intencionalidade do Governo foi a de movimentar o impulso legislativo.
Trata-se de um tema em que o Governo não deveria evocar um demasiado pendor regulamentar, mas antes conferir à Assembleia a disponibilidade de poder, ela própria, assumir um propósito e definir um texto.
Portanto, aquilo a que essencialmente o Governo se propôs foi caracterizar os grandes parâmetros de actuação que poderá assumir, deixando à Assembleia da República, como sede própria, enquanto representante directa do povo português, a tarefa de escolher a melhor forma para preencher certos espaços, que reconheço poderem ser considerados ainda em branco. Nessa medida, estou de acordo com quase tudo o que foi dito pelos Srs. Deputados e apoio inteiramente o que foi dito pelo Sr. Deputado Luís Saias. Entendo que deve ser a Assembleia da República a completar esta proposta de lei. Ela mais não foi do que uma iniciativa legislativa tomada na sua verdadeira acepção, isto é, na de um passo inicial para que se resolva um assunto, embora pedindo a outro órgão de soberania, no
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caso, à Assembleia, o exercício das funções indeclináveis que a lei e a vontade nacional lhe conferem.
Vozes do P§: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para intervir, tem a palavra o Sr. Deputado José Augusto Seabra.
O Sr. José Augusto Seabra (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado: Creio que ficou já evidenciado ao longo deste debate tudo aquilo que representa e representará para o nosso país, como memória histórica, esse acervo de documentação da famigerada PIDE/DGS e de todas as organizações parafascistas existentes em Portugal. Por isso, penso que não devemos, como representantes do povo português, minimizar consequências que poderão advir para o futuro de um tratamento insuficiente desta questão.
Sabemos que, por exemplo, a herança do fascismo italiano, a herança do nazismo alemão provocaram e ainda hoje estão a provocar muitos problemas, porque os efeitos retardados normalmente não são previstos quando se procura, em democracia, tratar convenientemente dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Creio que esta proposta de lei, que, como o Sr. Ministro da Justiça disse, foi um impulso legislativo, deve ser melhorada na especialidade com os cuidados devidos, quer do ponto de vista jurídico e técnico, quer até do ponto de vista ético.
Gostaria de trazer aqui um depoimento que parece poder servir de pano de fundo à discussão deste problema. Este depoimento é muito recente, é uma carta que recebi da viúva do poeta Jorge de Sena, que tem a data de l de Abril de 1985, e oxalá que tivesse sido uma carta apenas fictícia, porque, apesar da data, ela tem um significado de veracidade que gostaria de aqui apresentar.
Diz essa carta de Mécia de Sena o seguinte:
Creio que lhe falei, em tempos, de que me decidira tentar mexer a máquina, no sentido de que os dossiers da PIDE fossem entregues às pessoas atingidas ou aos seus legítimos herdeiros que os reclamassem, sendo o remanescente selado e mantido até que os 50 anos do domínio público se cumprissem.
Tudo isto como recurso a um legalismo em que ninguém acredita e depois de, como sabe, aquelas fichas e dossiers terem sido violados, manipulados e roubados por quem acha que democracia, sim, mas não para todos, só os eleitos, para quem a palavra tem significado de abracadabra.
Enfim, depois de uma luta de mais de 2 anos em que pus a Sociedade de Autores, com o Luís Francisco Rebelo, a tratar do caso, foi-me concedido que tivesse duas cópias das minhas, e do Jorge, cartas e para nós dirigidas. Berrei, barafustei, dizendo que de um roubo se devolviam os objectos e não as fotografias, que fazer cópias implicava pessoa cuja confiança poderia não merecer-me, tocar no dossier e manejá-lo, escolhê-lo e separá-lo, etc., e que, além disso, eu me considerava com o direito de conhecer tudo[...] - «tudo» está sublinhado na carta - [... ] o que de nós se dizia, ou de possuir os relatórios para lhe dar a publicidade que eu entendesse, etc.
Creio que este depoimento de uma senhora que foi objecto de uma violação da relação com o seu marido deve fazer-nos reflectir, porque aqui está vox populi mas também está a voz da consciência dos nossos intelectuais que foram perseguidos durante o antigo regime.
Na verdade, devemos ter em conta como já aqui foi relevado, que a perseguição feita aos democratas, aos oposicionistas do antigo regime não era apenas uma perseguição política; era uma perseguição que visava pôr em causa a dignidade em todos os níveis...
Vozes do PSD e do PS: - Muito bem!
O Orador: - ..., às vezes a dignidade familiar, outras vezes a própria dignidade intelectual, sem falar daquilo que há de mais íntimo, que é o amor entre, por exemplo, um homem e uma mulher, como era o caso de Jorge de Sena e de Mécia de Sena.
Lembro que, por exemplo, o livro de Jorge de Sena As Evidências foi objecto de apreensão durante um certo tempo, justamente por se tratar de um livro essencialmente de amor.
Ora, como disse o Sr. Deputado César Oliveira (e muito bem!), com autoridade que tem como historiador, era importante que no tratamento jurídico se separassem os tipos de documentos. Isto porque, de facto, há documentos, como estas cartas de Jorge de Sena e de Mécia de Sena, que devem ser entregues aos próprios...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... ou àqueles que são seus herdeiros legítimos. Lembro, aliás, que ainda há pouco tempo se levantou um grave problema a respeito da publicação de cartas, porque, pura e simplesmente, se esqueceu que não há apenas os destinatários mas também os autores das cartas...
Vozes do PSD, do PS e do CDS: - Muito bem!
O Orador: - ..., e esses autores também têm o direito, penso, a uma determinada reserva.
Por outro lado, foram aqui referidos alguns aspectos lacunares que, de facto, têm a sua pertinência.
Um deles é este: para lá dos arquivos da ex--PIDE/DGS e da Legião Portuguesa há outra documentação, alguma da qual, aliás, já não se encontra no Serviço de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS, e há, ainda, o próprio conjunto de documentos resultantes da investigação do próprio Serviço de Coordenação.
Eu próprio posso dar aqui um depoimento porque também depus perante este Serviço e chamei a atenção para o facto - isto porque havia um relatório relativo a torturas de que fui vítima - de ser importante que os documentos supervenientes sobre a PIDE/DGS, sobre a Legião Portuguesa, etc., fossem acautelados porque, na verdade, há muitos depoimentos que perante o Serviço de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS e da Legião Portuguesa são importantes, até para dar o contexto dos documentos que existem nos arquivos da ex-polícia política.
Por isso, era conveniente que o articulado tivesse isso em conta, como, aliás, refere o artigo 242.º da Lei Constitucional n.º 1/82, que fala em fixar o destino
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dos arquivos das extintas PIDE/DGS e da Legião Portuguesa e dos Serviços de Coordenação da Extinção da ex-PIDE/DGS e da Legião Portuguesa, o que também é dito na exposição de motivos da proposta de lei.
Quanto ao prazo da consulta pública, penso que também ai o historiador César Oliveira tem razão, porque não são documentos do mesmo tipo. Lembro, por exemplo, este problema: se aparecerem nesses arquivos originais literários, se aparecerem poemas ou fragmentos de romances, ou textos críticos não se terá de ter em conta o domínio público, que, como sabemos, tem um prazo específico?
A verdade é que, talvez por ter feito um tratamento demasiado global do problema, a proposta de lei não prevê uma diversidade de prazos.
O prazo de 20 anos posterior a 1974 talvez seja bastante perigoso pelas razões que foram aqui aduzidas.
Tudo isto significa, sem querer agora entrar em detalhes, que o que disse o Sr. Deputado Luís Saias é também assumido pelo Partido Social-Democrata. Com efeito, vamos votar na generalidade a favor da proposta de lei, mas entendemos que ela terá de ser enriquecida.
Creio, aliás, que o Sr. Ministro da Justiça se dignificou aqui perante nós. Assim, queria prestar-lhe homenagem por ter chamado a atenção para o facto de que este órgão legislativo tem, nesta matéria, historicamente - segundo penso - talvez maior razão para assumir a lei do que o próprio Executivo, porque embora este último emane de uma maioria a verdade é que este problema deve merecer - e, aliás, quero-o saudar positivamente - o consenso de todos os partidos desta Câmara. Essencialmente, queremos que se volte uma página sobre o nosso passado mas desejamos, igualmente, que essa mesma página não seja apagada, na medida em que voltar a página não é apagá-la, pois ela ficará indelével na memória do povo português.
Aplausos do PSD, do PS, do CDS, do MDP/CDE, da UEDS e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Já muita coisa foi dita sobre esta matéria. Corroboro e aplaudo o mais veementemente que posso a intervenção do Sr. Deputado José Augusto Seabra, que acabámos de ouvir.
Julgo que o problema dos arquivos da PIDE/DGS não é, apenas, um problema meramente político ou jurídico, pois associado a esta problemática há todo um conjunto de problemas que importa referir aqui.
Assim, acentuarei primeiramente o problema dos arquivos da história contemporânea portuguesa recente. Esta é uma problemática fundamental, senão vejamos o absurdo em que podemos cair nesta matéria, Sr. Ministro e Srs. Deputados. Os arquivos da extinta PIDE/DGS estão sob reserva até 1994, segundo o novo diploma. Mas, por exemplo, o que é que acontece aos relatórios que a polícia enviava para o Ministério que, formalmente - e sublinho o termo «formalmente» -, era a sua tutela, ou seja, o antigo Ministério do Interior?
Devo dizer que nada se diz a esse respeito e que não há legislação sobre os arquivos do ex-Ministério do Interior.
No entanto, avanço ainda mais neste assunto. Perdoar-me-ão, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Presidente, mas tenho de afirmar que serei das poucas pessoas nesta sala, nesta Câmara, que têm um conhecimento mínimo dos arquivos da história contemporânea portuguesa recente, porque efectivamente o objecto da minha tese de doutoramento, que está em curso, é a citada história contemporânea portuguesa recente.
Ora, o problema dos arquivos é extremamente importante. Exemplificando: em relação a arquivos fundamentais, tão fundamentais para o conhecimento da história contemporânea portuguesa recente, como o arquivo da extinta PIDE/DGS e o do ex-Ministério do Interior, devo confessar que encontrei já um documento deste último Ministério dentro de um saco de sarapilheira, misturado com latas de conservas abertas e garrafas de cerveja! O arquivo do ex-Ministério das Corporações está instalado na zona de Algés, sujeito à acção de ratos e sem qualquer espécie de protecção! São os arquivos do Governo Civil e em relação aos arquivos que estavam na PIDE existem ainda outros problemas para colocar, como seja, os processos transitados em julgado - julgo que é assim que se diz em linguagem técnica. Pergunto: onde é que estão tais processos?
A PIDE instruía processos. Estes, por sua vez, eram julgados, sendo as pessoas condenadas ou absolvidas. Ora; tais processos não estão em Caxias. Estarão na Rua de António Maria Cardoso?
O Sr. Luis Saias (PS): - Nos arquivos da Boa Hora, Sr. Deputado!
O Orador: - Não, Sr. Deputado. Uma boa parte deles está nos arquivos da António Maria Cardoso. Repito, uma boa parte desses processos está nos arquivos da António Maria Cardoso. Mas não vale agora a pena entrarmos, agora, em muitos pormenores.
Portanto, julgo que o que acabei de expor se refere a um conjunto de problemas. Assim, penso que seria uma boa oportunidade para se encarar de frente a problemática global do arquivo da história contemporânea portuguesa recente, sob pena de se poder cair numa situação que a mim não me parece correcta. Refiro--me, por exemplo, ao facto de os arquivos de Salazar e Caetano estarem depositados na Biblioteca Nacional e o arquivo afim, que é o respeitante à extinta PIDE/DGS, estar à guarda e sob tutela de uma entidade diferente da do arquivo de Salazar e Caetano, como seja, a Torre do Tombo.
Acho que tudo isto daria uma óptima oportunidade para encararmos de frente o problema dos arquivos da história contemporânea portuguesa recente.
Posso enumerar uma série deles que já disse: arquivos de Salazar e Caetano, da PIDE, da António Maria Cardoso, da Boa Hora, este último referente aos processos políticos, dos ex-Ministérios do Interior e das Corporações, dos governos civis, da Polícia de Segurança Pública, da Guarda Nacional Republicana, enfim, toda uma série de arquivos cujo tratamento a mim me pareceria que deveria ser atacado de um modo global e não por mero imperativo jurídico-constitucional, como é este caso concreto.
Por outro lado, e pegando nas palavras do Sr. Ministro, julgo que o movimento para o impulso legislativo
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poderia ser levado até às últimas consequências, isto é, o mais longe possível, dentro daquilo que o Sr. Deputado Luís Saias afirmou, bem como o Sr. Deputado José Augusto Seabra, outros deputados e até da própria intervenção do Sr. Ministro.
Então, vamos tratar de solucionar muitos dos problemas referentes aos arquivos portugueses, pois acho que será um crime permitirmos o que está a acontecer no antigo Ministério das Corporações. Efectivamente, o arquivo deste antigo Ministério está em Algés em condições de humidade ou de calor extremo, sujeito a acção de insectos, de ratos, etc., e que, para mim, na minha modesta opinião, é tão valioso para a história contemporânea portuguesa recente como o arquivo da extinta PIDE. Ora, esse referido arquivo corre o risco de ficar completamente inutilizado, destruído.
Por outro lado, vou muitas vezes a livreiros alfarrabistas e verifico um outro problema que temos de defrontar, ou seja, o êxodo maciço, que tem a ver com esta problemática, de documentação portuguesa para fora de Portugal. Esta é comprada por universidades holandesas, americanas, alemãs, francesas e sei lá que mais.
Este é um problema, afim a este, que tem a ver com o conhecimento da nossa história contemporânea portuguesa recente, sobre o qual urge tomar medidas mas que ainda não se tomaram, ao fim e ao cabo.
Relativamente aos prazos de consulta, julgo que Portugal deve ser dos poucos países da Europa onde não há critérios uniformes para esses mesmos prazos de consulta dos arquivos. Há arquivos que não se podem consultar, pura e simplesmente, devido ao arbítrio de quem dirige os departamentos onde se incluem tais arquivos e, por outro lado existem outros que se podem consultar. Enfim, repito, não há critérios uniformes para a consulta dos arquivos portugueses.
Dever-se-ia tentar que, pelo menos, em relação a estes arquivos associados à história do regime que caiu em 25 de Abril, se inventariassem, em primeiro lugar, todos aqueles que são complementares e referentes a esse período histórico; em segundo lugar, que se procurasse uniformizar e homogeneizar o tratamento destes arquivos; em terceiro e último lugar, que se procurasse fazer no arquivo do ex-Ministério das Corporações, para já, o que se está a realizar no arquivo de Salazar, como seja, a sua classificação, inventariação e descrição de documentos.
Acontece, por exemplo, que o arquivo da PIDE/DGS não está exactamente como no dia 25 de Abril, pois a sua organização, o seu ordenamento - e faltam muitos documentos nesse arquivo - está inutilizável para quem quer que seja, isto é, para quem queira fazer um trabalho sério nesse arquivo.
Portanto, associo-me inteiramente às palavras do Sr. Deputado José Augusto Seabra e dos Srs. Deputados que intervieram sobre esta matéria. Sublinhava, ainda, que se nós perdermos a oportunidade que anteriormente referi, estamos a negligenciar um trabalho que poderíamos fazer e que para mim, pois julgo ser isso evidente, é fundamental para reunir, com critérios uniformes e rigor, todo o acervo de documentação que me parece fundamental para o conhecimento da história contemporânea portuguesa recente.
Não pensemos somente no arquivo da PIDE/DGS, mas também numa série de outros que urge inventariar, classificar, sob pena de se perderem irremediavelmente.
Pelo menos, com o meu beneplácito e do ponto de vista profissional, não queria ficar na história parlamentar portuguesa sem me ter referido a este assunto que julgo ser de fundamental importância, como também não deve ser tratado de ânimo leve.
Por fim, penso que, pela disposição evidenciada pelo deputado Luís Saias, pelo Sr. Ministro, pelo Governo e por todos nós, há oportunidade e disponibilidade psicológica, política e sobretudo patriótica para tratar este assunto como deve ser.
Aplausos da UEDS e de alguns deputados do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao termo da nossa sessão.
Informo os Srs. Deputados que a próxima sessão terá lugar no dia 23, pelas 15 horas, com a seguinte ordem do dia: haverá período antes da ordem do dia, com uma comunicação do Sr. Deputado Jorge Lacão sobre a deslocação de uma delegação parlamentar à Áustria; o período da ordem do dia incluirá a continuação do debate que está em curso - a proposta de lei n.º 100/III -, a discussão do projecto de lei n.º 470/III, acerca do Estatuto Jurídico do Pessoal da Assembleia da República em votação final global teremos os projectos de lei n.ºs 319/III e 279/III, bem como a proposta de lei n.º 98/111 e para votação na generalidade, especialidade e global final, os projectos de leis n.ºs 393/III e 410/III.
Visto não haver mais nenhum assunto para discussão, a sessão está encerrada.
Eram 13 horas e 5 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
António Manuel Azevedo Gomes.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Francisco Igrejas Caeiro.
João Joaquim Gomes.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Manuel Ribeiro Arenga.
José de Almeida Valente.
José António Borja dos Reis Borges.
José Carlos Pinto Basto Mota Torres.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Torres Couto.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Adérito Manuel Soares Campos.
Carlos Alberto da Mota Pinto.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José da Costa.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
José Augusto Seabra.
José Bento Gonçalves.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
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I SÉRIE - NÚMERO 72
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Partido Comunista Português (PCP):
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Manuel Antunes Mendes.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Centro Democrático Social (CDS):
Abel Augusto Gomes Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
António Filipe Neiva Correia.
Basílio Adolfo Mendonça Horta Franca.
Francisco António Lucas Pires.
José Augusto Gama.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Manuel Jorge Forte Góes.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
Helena Cidade Moura.
Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista UEDS):
António César Gouveia de Oliveira.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa.
Almerindo da Silva Marques.
Edmundo Pedro.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
Jorge Alberto Santos Correia.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Maria Roque Lino.
Victor Manuel Caio Roque.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Agostinho Correia Branquinho.
Alberto Augusto Faria dos Santos.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Fernando dos Reis Condesso.
Guido Orlando Freitas Rodrigues.
José Adriano Gago Vitorino.
José Ângelo Ferreira Correia.
Manuel da Costa Andrade.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Partido Comunista Português (PCP):
Domingos Abrantes Ferreira.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Lino Carvalho de Lima.
Luís Francisco Rebelo.
Manuel Correia Lopes.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Maria Odete Santos.
Octávio Rodrigues Pato.
Centro Democrático Social (CDS):
António José Bagão Félix.
João Carlos Dias Coutinho Lencastre.
João Gomes de Abreu Lima.
José António Morais Sarmento Moniz.
José Luís Nogueira de Brito.
José Miguel Anacoreta Correia.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista UEDS):
António Poppe Lopes Cardoso.
Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
Os REDACTORES: Maria Amélia Martins - José Diogo.
PREÇO DESTE NÚMERO 54$00
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.