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I Série - Número 84 Sexta-feira, 24 de Maio de 1985 428
DIÁRIO da Assembleia da República
III LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1984-1985)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 23 DE MAIO DE 1985
Presidente: Exmo. Sr. Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca
Secretários- Exmos. Srs. Leonel de Sousa Fadigas
José Mário de Lemos Damião
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos
SUMÁRIO. - O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 40 minutos
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente e da apresentação de requerimentos
O Sr. Deputado Gaspar Teixeira (PS) teceu algumas considerações sobre a necessidade da conclusão das obras da estrada nacional n º 311
O Sr. Deputado Bento da Cruz (PS) referiu-se à situação que se vive nas minas da Borralha, em Barroso
O Sr. Deputado Manuel Fernandes (PCP) abordou a situação de deterioração da rede viária na região de Torres Vedras.
O Sr. Deputado Menezes Falcão (CDS) alertou a Câmara para o problema dos incêndios florestais, manifestando-se a favor do estabelecimento de um esquema de prevenção contra incêndios
O Sr. Deputado Carlos Brito (PCP) teceu algumas considerações sobre a actual situação política Respondeu, no fim, a um protesto do Sr Deputado Antónia Capucho (PSD) - que, ainda a este propósito, produziu um intervenção - e a pedido de esclarecimentos do Sr Deputado César de Oliveira (UEDS)
Ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 76 e 77 do Diário
A Assembleia também aprovou a criação de uma comissão de inquérito parlamentar, com o objectivo de averiguar da veracidade das acusações formuladas pelo jornal O Diário Após a votação, produziram declarações de voto os Srs Deputados Carlos Lage (PS), António Capucho (PSD), Menezes Falcão (CDS) e Joaquim Miranda (PCP)
Por ultimo, foi rejeitado o projecto de resolução n º 43/III (Assunção pela Assembleia da Republica de poderes extraordinários de revisão da Constituição), apresentado pelo CDS, tendo intervindo, a diverso título, os Srs Deputados Lucas Pires (CDS), César de Oliveira (UEDS), Carlos Lage (PS), Lopes Cardoso (UEDS), Raul Castro (MDP/CDE), Marcelo Curto (PS), José Magalhães (PCP), Jorge Lacão (PS), Nogueira de Brito, Luis Beiroco e Narana Coissoró (CDS), Correia Afonso (PSD), José Manuel Mendes (PCP), José Luís Nunes (PS), João Paulo Oliveira (UEDS) e Vilhena de Carvalho (ASDI)
O Sr Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 1 minutos
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 1O horas e 45 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Abílio Aleixo Curto.
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Américo Albino da Silva Salteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
António José Santos Meira.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Manuel do Carmo Saleiro.
Avelino Feleciano Martins Rodrigues.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Edmundo Pedro.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto Handel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João Joaquim Gomes.
João do Nascimento Gama Guerra.
João Rosado Correia.
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Joaquim Manuel Ribeiro Arenga.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Alberto Santos Correia.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José de Almeida Valente.
José António Borja dos Reis Borges.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José da Cunha e Sá.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Maria Roque Lino.
José Martins Pires.
Juvenal Baptista Ribeiro.
Leonel de Sousa Fadigas.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Filipe Santos Loureiro.
Manuel Fontes Orvalho.
Maria Ângela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Maria Helena Valente Rosa.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Nelson Pereira Ramos.
Paulo Manuel Barros Barrai.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Hugo Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Agostinho Correia Branquinho.
Amândio Domingues Basto Oliveira.
Alberto Augusto Faria dos Santos.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Guido Orlando Freitas Rodrigues.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maurício Fernando Salgueiro.
João Pedro de Barros.
José de Almeida Cesário.
José António Valério do Couto.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Mário de Lemos Damião.
José Silva Domingos.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Paulo Manuel Pacheco Silveira.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Francisco Miguel Duarte.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Alberto Ribeiro Rodrigues.
José António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Luís Francisco Rebelo.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Margarida Tengarrinha.
Mariana Grou Lanita.
Octávio Augusto Teixeira.
Octávio Rodrigues Pato.
Paulo Areosa Feio.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Alexandre Carvalho Reigoto.
António Filipe Neiva Correia.
António Gomes de Pinho.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Horácio Alves Marçal.
João Carlos Dias Coutinho Lencastre.
João Gomes de Abreu Lima.
João Lopes Porto.
José Luís Nogueira de Brito.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel António Almeida Vasconcelos.
Narana Sinai Coissoró.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
Helena Cidade Moura.
Raul Morais e Castro.
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Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
António César Gouveia de Oliveira.
António Poppe Lopes Cardoso.
João Paulo Oliveira.
Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se à leitura do expediente.
Deu-se conta do seguinte.
Expediente Ofícios
Da Associação dos Deficientes das Forças Armadas, a juntar cópia da acta final de Helsínquia, que foi discutida durante a reunião da Comissão Permanente dos Assuntos Europeus (CPAE) da Federação Mundial dos Antigos Combatentes, realizada em Lisboa, de 25 a 27 de Fevereiro do corrente ano.
Da Assembleia Municipal de Tomar, remetendo fotocópia de uma proposta aprovada por esse orgão na reunião ordinária de 3 de Maio, chamando a atenção do estado de degradação do rio Nabão e das suas margens.
Telex
Dos trabalhadores da CONSOL, chamando a atenção para a grave situação económica que a firma atravessa.
O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Foram apresentados na Mesa nas últimas reuniões plenárias os seguintes requerimentos: a diversos Ministérios (9), formulados pelo Sr. Deputado António Gonzalez; ao Ministério do Trabalho e Segurança Social (2), formulados pelos Sr. Deputado António Mota; ao Instituto Nacional de Defesa do Consumidor (2), formulados pelos Sr. Deputado José Magalhães e Octávio Teixeira; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Lemos e outros; à Secretaria de Estados das Pescas, formulados pelo Sr. Deputado Carlos Espadinha; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Lage; ao Ministério do Equipamento Social, formulado pelos Srs. Deputados Anselmo Aníbal e Costa Fernandes.
Deu entrada na Mesa o pedido de ratificação n.º 1571/III, iniciativa do Sr. Deputado Carlos Alfredo de Brito e outros do Partido Comunista Português, sobre o Decreto-Lei n.º 168/85, de 20 de Maio, que cria a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gaspar Teixeira.
O Sr. Gaspar Teixeira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi com algum regozijo que recebemos a notícia de que vão ser postas a concurso, no próximo dia 5 de Junho, a pavimentação, sinalização, segurança e obras de arte da estrada nacional n.º 311, no troço, com a extensão de 27,7 km, entre Campos, do concelho de Boticas, e Salto, do concelho de Montalegre.
Esta via de comunicação, que liga o concelho de Boticas ao concelho de Fafe, e é importantíssima para a ligação ao litoral de uma vasta região tão desprotegida do interior, tem de facto andado a «passo de caranguejo» conforme referi em intervenção nesta Assembleia, em 20 de Outubro de 1983, e repeti em requerimento dirigido à Secretaria de Estado das Obras Públicas em 13 de Novembro de 1984. E tão devagar tem andado a construção desta via que, quando se entra na fase final da construção de um troço, os outros troços, previamente construídos, devido ao tempo e ao desgaste provocado pela circulação de veículos, ficam intransitáveis.
É precisamente o que acontece com a ligação entre Salto e Lodeiro d'Arque, já concluído há vários anos, e com a ligação entre a freguesia de Outeiro, do concelho de Cabeceiras de Basto, e o concelho de Fafe.
Aliás, este troço da estrada nacional n.º 311, entre os concelhos de Cabeceiras de Basto e Fafe, nunca foi concluído, pois só levou o asfalto correspondente à semipenetração e não lhe foi, de seguida, feita a aplicação de revestimento, que segura o pavimento e vai tapar os poros para que as chuvas se não infiltrem.
Falta referir, por último, que depois da ligação entre Campos e Salto falta ainda construir o troço dentro da vila de Cabeceiras de Basto, pois quem percorre a estrada nacional n.º 311 chega a este concelho e tem de fazer um desvio para uma estrada municipal que não oferece o mínimo de segurança para a circulação de veículos pesados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já aqui referimos que as estradas são as autênticas artérias onde pode correr o sangue do desenvolvimento.
Mas que desenvolvimento é possível para um concelho, essencialmente agrícola, como o de Cabeceiras de Basto, com as poucas estradas nacionais que o atravessam praticamente intransitáveis (assistindo ao trabalho «exemplar» da Junta Autónoma de Estradas a tapar muito mal os buracos das fracas vias de comunicação em pleno Inverno e a limpar as valetas no início do Verão) e esperando há mais de 20 anos pela conclusão de uma estrada importante?
Será possível haver uma agricultura modernizada, exigida pela entrada de Portugal na CEE, em que haja garantia da venda dos produtos agrícolas, quando eles têm de ser transportados, para fora do concelho, em carros de bois?
Será possível haver uma industrialização, apoiada nos recursos naturais, que fixe os quadros no interior do País, quando para se percorrer a distância de 20 km leva sensivelmente o mesmo tempo que demora a percorrer 80 km em estradas normais?
Será possível desenvolver um turismo do interior, aproveitando as raras belezas com que a natureza brindou a região de Basto quando os turistas para aqui chegar terão duas hipóteses, ou virem de burro ou de helicóptero?
Será justo continuarmos a oferecer ao grande número de emigrantes desta região estradas esburacadas, a troco das suas poupanças, ganhas com sangue, suor e lágrimas, no estrangeiro?
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Foram as respostas concretas a estas questões que me levaram a dissertar sobre as peripécias da construção da estrada nacional n.º 311 e me levaram em anteriores intervenções a falar sobre o estado degradado das estradas que atravessam o concelho de Cabeceiras de Basto, cuja população, composta essencialmente por gente habituada a trabalhar de sol a sol, continua, em vão, a esperar que se concretizem as suas justas aspirações.
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bento da Cruz.
O Sr. Bento da Cruz (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No curto espaço de tempo em que tenho a honra de compartilhar convosco um lugar neste hemiciclo, várias vezes tenho visto ilustres oradores subirem a esta tribuna para reclamar justiça social. Seja-me permitido seguir-lhes o exemplo na reclamação, já que me não é possível segui-los na profundidade dos conceitos ou na arte da oratória.
Por via de regra, quando se reivindica justiça social é para cidadãos carecidos dela. Hoje vou reivindicá-la para uma região. A região mais abandonada de Portugal. Estou a falar do Barroso, é evidente.
Há 126 anos, escrevia Camilo Castelo Branco, após uma noite passada na aldeia de Cerigo:
Agradeci a hospitalidade desta boa gente e perguntei a mim mesmo se, porventura, Barroso seria retalho de um país civilizado, e se, a 70 léguas daquele sertão, estaria Lisboa.
O que foi o maior prosador português de todos os tempos, morreu vai para 100 anos. O Barroso, esse continua o mesmo «sertão».
O caminho de ferro nunca lá chegou!
A estrada que o liga a Braga, a mais racional, porque seguindo os rios Rabagão e Cávado e a antiga via romana, ainda não conta 50 anos - e está hoje intransitável.
Os aproveitamentos hidro-eléctricos levaram-lhe o melhor dos vales e os serviços florestais o melhor dos montes.
A entrada na CEE ameaça levar o que resta da pecuária e da cultura da batata de semente - as duas únicas e débeis fontes de sobrevivência das boas gentes barrosanas.
Neste deserto económico, apenas uma indústria: o couto mineiro das minas da Borralha.
Desde sempre o Baixo Barroso se habituou a ver na Borralha o seu Eldorado. Direi mesmo: o seu orgulho! Mas agora o Baixo Barroso anda apreensivo. Apreensivo com um fenómeno à primeira vista inexplicável. Enquanto laboraram por métodos artesanais, as minas da Borralha estiveram sempre prósperas. Hoje, que dispõem de maquinaria moderna e técnicos que bebem do fino, estão às portas da falência. Como lá diz o outro: aqui anda pardal...
Deixo à Inspecção do Trabalho a tarefa de o descobrir e, se for caso disso, o meter na gaiola. Por mim, limitar-me-ei a carrear algumas razões justificativas de um inquérito à gestão da empresa, antes que ela feche definitivamente as portas e lance no desemprego e na miséria 600 trabalhadores e respectivas famílias.
Em 1977, as minas da Borralha foram adquiridas pela Beraltine, multinacional proprietária da Panasqueira, por 200 000 contos.
Segundo dados confidenciais, de 1977 a 1981, deram lucros de 170 000 contos.
Em princípios de 1982, apareceu uma nova gestão. E foi a derrocada!
Logo em 1983, deram um prejuízo mensal de 18 000 contos. Bastará dizer que os salários dos trabalhadores rondavam, na altura, os 10 000 contos/mês, para classificar a gestão de incompetente ou dolosa.
Perante tal descalabro, a Beraltine sacudiu a água do capote: formou uma nova empresa, a quem vendeu, ficticiamente, a Borralha por 100 000 contos. Segundo dados recentes, colhidos, in loco, pela Comissão de Trabalho da Assembleia da República, as minas estão hoje oneradas em cerca de 250 000 contos...
Como foi isto possível?
Os responsáveis desculpam-se com a baixa de cotação do volfrâmio no mercado internacional.
Os trabalhadores rebatem este argumento dizendo que a baixa de cotação é sobejamente compensada pela subida do dólar, moeda em que o volfrâmio é pago.
Nesse caso, a que atribuem os trabalhadores esta rápida e inesperada ruína económica das minas?
Exclusivamente à incapacidade ou má fé do chefe, cujas primeiras ordens levantaram logo a suspeita: teria ele vindo da Panasqueira com a missão oculta de fechar a Borralha?
Provavelmente não. Mas se, na realidade, tivesse vindo com a incumbência de levar as minas à ruína, não teria tomado medidas mais ruinosas. Eis algumas, de entre muitas outras, de que os trabalhadores o acusam:
Substituição de técnicos antigos, alguns com mais de 30 anos de mina, senhores de todos os segredos de prospecção e exploração, por outros literalmente virgens no assunto;
Regresso a métodos de perfuração e carregamento de fogo há muito postos de parte por ineficazes;
Despedimento de mineiros-mestres e efectivos e admissão de aprendizes e a prazo; aqueles vão para a rua por 10 faltas; estes, podem dar 20, 30, 40 e mais, impunemente.
Resultado imediato: a produção, que há anos vinha mantendo-se na média de 30 t/mensais, baixou para 20 t. E aqui é que bate o ponto: as actuais dificuldades económicas da Borralha não advêm, como quer a administração, da baixa de preço do volfrâmio e de ferro-tungsténio nos mercados internacionais, mas sim, como afirmam (e provam), os trabalhadores, da baixa produção das minas.
Para ajudar à festa, o novo gestor introduziu modificações no sistema de bombagem da água das «baixadas». E tão bem o fez que inundou as minas, coisa nunca antes vista nem sonhada. Resultado: além de 15 dias de trabalhos paralisados, milhares de contos para enxugar as galerias com moto-bombas requisitadas aos bombeiros.
Lembrou-se de instalar uma lavaria nova e ultra-moderna. Posta em funcionamento, o pessoal reparou, espantado, que o volfrâmio ía parar todo ao rio... E não houve outro remédio senão voltar à lavaria velha.
Sendo a Borralha uma empresa cuja sobrevivência depende exclusivamente da extracção de minério, estando em dificuldades, natural seria que os responsa-
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veis se esforçassem por aumentar o número de mineiros e reduzir o dos chamados serviços de apoio. Pois o que nos últimos 3 anos se tem feito é precisamente o contrário. Sirva de exemplo o que se passa no escritório. Ainda não há muito, nos supracitados tempos de prosperidade e dos métodos artesanais, bastavam 3 escriturárias. Hoje, com todo o serviço computadorizado, passam de 30. Nas outras secções ditas do exterior, mecânica, eléctrica, carpintaria, construção civil, o panorama é o mesmo - os funcionários acotovelam-se uns aos outros sem espaço de manobra nem tarefas distribuídas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Poderia prolongar, quase infindavelmente, este rol de malfeitorias. Falar ainda:
Do material que vai parar novo em folha ao sucateiro;
Das viaturas pesadas que fazem viagens a Braga e ao Porto por encomendas que poderiam muito bem ser despachadas pelo correio;
Das viaturas ligeiras que passeiam o pessoal do quadro pela Venda Nova e por Salto, a pretexto de um café, de um maço de cigarros e de outros pretextos ainda mais fúteis;
Da energia recentemente oferecida de graça aos particulares moradores adentro do couto mineiro, que a estavam a pagar à Câmara, mau grado a empresa dever cerca de 20 000 contos à EDP;
Da prepotência da direcção que, quando se quer ver livre de trabalhadores incómodos, não encontra melhores meios do que cortar-lhes a luz e a água e destelhar-lhes as casas.
Mas vou tão-somente chamar a atenção de VV. Ex.as para o significado de um empréstimo de 50 000 contos concedido pelo Fundo de Desemprego às minas da Borralha.
Nos termos do despacho, esse apoio financeiro destina-se à «Manutenção dos postos de trabalho».
Ora os trabalhadores temem que, muito pelo contrário, este empréstimo vá, por falta de cumprimento das clausulas exigidas pelo despacho, servir os argumentos da direcção para fechar as minas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como prometi, creio ter carreado razões mais que justificativas de um rigoroso inquérito às contas da empresa Minas da Borralha, S. A. R. L., nestes últimos 3 anos bem como uma rigorosa fiscalização à maneira como os 50 000 contos estão a ser aplicados.
Mesmo que assim não fosse, VV. Ex.as, inteligentes como são, terão compreendido o S. O. S. que os 600 trabalhadores da Borralha e respectivas famílias, ameaçados do desemprego e da fome, enviam à Assembleia da República.
Aplausos do PS, do PSD e do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Fernandes.
O Sr. Manuel Fernandes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos últimos anos, o concelho de Torres Vedras, um dos mais importantes pólos da Região Oeste, tem sofrido uma completa deterioração nas suas estradas, situação essa que, devido a não terem sido tomadas a tempo e horas as necessárias medidas, se tornou num verdadeiro pandemónio para todos os que se vêem obrigados a nelas circular.
Esta situação tem merecido o mais vivo repúdio das populações, e tem levado o Município torreense por várias vezes a desenvolver esforços junto do Ministério do Equipamento Social a fim de se pôr cobro a esta situação. Para os utentes tudo continua na mesma, com excepção da diminuição do número de buracos, diminuição essa que, fique bem entendido, se deve à sua sistemática junção. Isto não se deve com certeza ao desconhecimento dos repensáveis governamentais do sector, visto que, para além de inúmeras exposições feitas pela Câmara, nos últimos 19 meses, Torres Vedras foi visitada oficialmente duas vezes pelo então Ministro do Equipamento Social, cinco pelo então Secretário de Estados das Obras Públicas, engenheiro Eugénio Nobre, e há dias teve mais uma visita, esta semioficial, do actual Secretário de Estado das Obras Públicas. Este ritmo de visitas, quase uma de 2 em 2 meses não impede que a situação se mantenha com inegáveis prejuízos para a população do concelho de Torres Vedras, da Região Oeste e para o País em geral tendo em conta as características desta região.
O eixo Lisboa-Malveira-Torres Vedras-Lourinhã-Peniche é já hoje um importante eixo a nível turístico. Toda a costa de Torres Vedras até Peniche, preenchida por inúmeras praias de beleza indiscutível, equipadas com alguns bons parques de campismo, nomeadamente em Santa Cruz e Peniche, tem ainda a característica de as praias entre a norte de Torres Vedras até Peniche serem reconhecidas a nível mundial, como importante centro de talassoterapia, visto serem das praias mais iodadas. Aqui igualmente se encontram as conhecidas Termas do Vimeiro, o maior complexo turístico/hoteleiro e termal da Região Oeste e dos mais importantes do País. Para servir esta área encontram-se no concelho de Torres Vedras as estradas nacionais n.ºs 8-2 e 247, qual delas em pior estado, com troços quase impraticáveis.
Mas, Sr. Presidente, Srs. Deputados: A situação no interior do concelho de Torres Vedras é ainda pior!
A estrada nacional n.º 8, que vem de Lisboa e que liga Torres Vedras a Caldas da Rainha, passando por Óbidos, é uma autêntica armadilha para os turistas. Ela liga duas outras conhecidas termas, Cucos e Caldas da Rainha, passando por Óbidos que já hoje constitui um conjunto arquitectónico monumental e que em breve se prevê ser classificado pela UNESCO como património da humanidade. Dizia eu, a estrada nacional n.º 8 entre Torres Vedras e o Bombarral é uma verdadeira armadilha, porque, não obstante estar classificada nos mapas como estrada nacional de primeira, ela tem troços que não mereciam outra classificação senão a de atalho, tendo em conta o vergonhoso estado em que se encontram. De uma coisa podemos estar certos: é que os muitos milhares de turistas que por lá passam não voltam com certeza a ter vontade de passar.
Idêntica situação se verifica dentro do concelho de Torres Vedras em relação à estrada nacional n.º 9, na parte que liga Torres a Alenquer, à estrada nacional n.º 115/2 que liga Torres Vedras ao Cadaval, à estrada nacional n.º 374 (Carvoeira/Carmões/Dois Portos) e à estrada nacional n.º 361-1 (Campelos/Outeiro da Cabeça). Em relação a estas duas últimas estradas nacionais a situação é de se encontrarem completamente intransitáveis, transformadas em autêntico caminho de cabras, numa permanente dor de cabeça para os utentes e numa autêntica vergonha para todos nós.
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Dentro do concelho de Torres Vedras há 118 km de estradas nacionais, dos quais 59 km são considerados de primeira. Em Torres Vedras está sedeada uma secção da Junta Autónoma de Estradas que, para além das estradas nacionais do concelho, tem ainda a responsabilidade das estradas nacionais dos concelhos da Lourinhã, Cadaval, Alenquer e Sobral de Monte Agraço. São centenas de quilómetros de estradas que se encontram na jurisdição desta secção que para o efeito conta com 18 cantoneiros, 3 jornaleiros e l capataz, o que corresponde a uma média superior a 15 km por cantoneiro. Deste facto está com certeza uma das explicações para o estado das estradas. É que estes homens não podem fazer milagres, restando-lhes a inglória tarefa de tentar tapar alguns buracos que imediatamente se abrem às primeiras chuvadas.
Com certeza que neste momento muitos dos Srs. Deputados estão a pensar que nas suas regiões estas situações se repetem. Disso, infelizmente, não tenho qualquer dúvida e temos a consciência que a verba dotada no Orçamento do Estado para 1985, na rubrica «Conservação periódica», no valor de 740 000 contos, é completamente irrisória.
Questionado por mim e pelos meus camaradas na Comissão de Equipamento Social e Ambiente o então Secretário de Estado das Obras Públicas afirmou que seria necessária uma verba pelo valor do quíntuplo da atribuída. O Grupo Parlamentar do PCP propôs o aumento dessa verba, o que foi recusado. Na realidade, também aqui o governo PS/PSD e a maioria que ainda o apoia faz o mal e a caramunha, não aceitaram o aumento da verba para conservação periódica das estradas e depois queixam-se de que a verba é insuficiente.
Por último refiro a grande urgência do prolongamento da via rápida Lisboa-Loures-Malveira-Torres Vedras, a variante a Torres Vedras e o seu prolongamento para Norte pelo Bombarral.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Menezes Falcão.
O Sr. Menezes Falcão (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pretendo aproveitar estes momentos que me são conferidos a propósito das intervenções que estão à disposição dos grupos parlamentares, para trazer aqui um problema que nos preocupa a todos e que, de certo modo, tem interesse nacional.
uma das últimas intervenções que aqui tive oportunidade de fazer falei do problema dos incêndios das florestas devidos ao calor que se aproxima e que traz consigo os resultados catastróficos que todos nós conhecemos.
Acontece que ainda ontem, ao folhear os jornais - como, aliás, deve fazer todo aquele político que está a par daquilo que nos dá a conhecer a comunicação social - deparo com esta notícia insólita: «Por falta de 500 000 contos não está estabelecido no País o esquema de prevenção contra incêndios por forma a que possamos ficar com a ideia de que, efectivamente, se faz alguma coisa para combater esse flagelo».
Faltam 500 000 contos!
E quando pensamos que neste país se distribuem 500 e mais 500 milhões de contos para coisas que nem sabemos que destino levam, perguntamos porque é que faltam 500 000 contos para combater a praga dos incêndios!
Fala-se também numa escola regional ou nacional de bombeiros, onde se faça uma preparação de todo esse pessoal que há-de ficar tecnicamente preparado para o incêndio específico das florestas. Ora, discute-se há 2 anos se há-de ficar em Castanheira de Pêra, em Figueiró dos Vinhos, em Pombal ou em Santarém e nesta discussão perde-se tempo, não se aproveita nada e, entretanto, continuam a faltar os 500 000 contos para uma acção elementar de prevenção contra incêndios.
Ora, quero dizer que estou de acordo com a escola regional, ou nacional, de prevenção contra incêndios porque aí se pode preparar uma escola de pessoal voluntário - que são sempre aqueles que dão mais rendimento em questões desta natureza. Aí se podiam preparar bombeiros porque é um centro de onde irradia uma série de estradas para o Norte, Centro e para o Interior do País - onde está a estrada nacional n.º l, o caminho-de-ferro do Norte, onde há todas as vias de acesso e condições, onde a Câmara Municipal põe à disposição o terreno necessário para essa construção, para esse campo de manobra, para essa escola de bombeiros. E quero defender aqui Pombal, como centro essencialmente propício à instalação dessa escola. Mas, mais importante do que a localização, é a construção da escola. Mais importante do que dizer onde fica é saber se realmente fica em qualquer parte.
E que não se venha argumentar que não há 500 000 contos para a tal prevenção de que falei quando verificamos que no chamado «mercado de votos» se distribuem contos aos milhares para coisas que não sabemos o que é que significam. Chega a ser um crime de lesa-pátria não defendermos o património nacional por causa de 500 000 contos, que facilmente se desviavam das despesas supérfluas para aquilo que é essencial à segurança do nosso património.
É este desabafo que trago aqui no aproveitamento destes minutos, pedindo a VV. Ex.as que meditem sobre ele e que nos ajudem a resolver o problema com a capacidade que cada um tem de penetração junto dos órgãos do Governo, que é responsável, e a quem pedi-mos responsabilidades.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito, para uma intervenção.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Falava-se de uma declaração política do PSD sobre o seu Congresso o que considerávamos, mais do que natural, necessário dadas as implicações que o Congresso do PSD está a ter e terá na vida política do País e, especialmente, no Governo e na coligação governamental.
Uma vez que tal declaração política não foi feita - e como o Sr. Presidente já anunciou o termo do período de antes da ordem do dia - não queremos deixar de manifestar a nossa surpresa, não tanto para obter esclarecimentos que os responsáveis partidários desse partido parecem não desejar produzir mas, ao menos, para dizer que «o rei vai nu» e retirar do facto as necessárias ilações políticas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Então, os Srs. Deputados da coligação governamental andam para aí numa azáfama de corredores, com muitas aflições e negociações e depois che-
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gam aqui ao Plenário e disfarçam e discursam sobre coisas naturalmente importantes mas como se não houvesse grandes questões políticas nacionais que estão em causa e são colocadas perante o País.
O congresso do PSD não pode ser considerado uma questão privada do PSD, dadas as responsabilidades desse partido no Governo e na coligação governamental.
O congresso do PSD substituiu a liderança e promoveu um novo líder que se notabilizou por afirmar que a coligação «não vai bem em todos os aspectos», que «há limites para a nossa tolerância e abusos que não podemos tolerar», que fez o elogio de Freitas do Amaral e proclamou que a campanha do PSD deve ser «Ele para Belém e o nosso líder para Primeiro-Ministro», que se notabilizou também por, referindo--se ao Primeiro-Ministro Mário Soares, afirmar que «não serve os objectivos essenciais do PSD, que com ele estaria sempre longe das carruagens da frente».
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Notoriamente, o congresso do PSD pronunciou-se por uma estratégia e uma liderança que não são os desta coligação e deste Governo.
Mas vem agora o PS exigir dos novos dirigentes que:
Declarem apoiar a coligação até 1987; Não apoiem uma candidatura hostil à coligação; O líder recém-eleito do PSD embarque no Governo de Mário Soares.
Isto é, o PS pretende pouco mais ou menos anular o congresso do PSD e como acontece algumas vezes no futebol pretende ganhar na secretaria o que perdeu no terreno.
Vão seguir-se as «reuniões de trabalho», um novo discurso do PSD e não «cimeiras com flores» que passam a partir de agora a estar condenadas.
O que espanta é que os dois partidos do Governo entendam que nada disto interessa à Assembleia da República, à Câmara política perante a qual o Governo é responsável.
É mais uma significativa anomalia política dos dirigentes partidários que têm a responsabilidade de governar o País.
A coligação PS/PSD não tem a partir do congresso do PSD qualquer consistência política. Digam o contrário, Srs. Deputados! O congresso e as peripécias que se lhe estão a seguir são um novo episódio a confirmar a profunda instabilidade e o carácter completamente artificial da coligação PS/PSD.
O Sr. Lacerda de Queiroz (PSD): - Muito mal!
O Orador: - Num primeiro comentário ao congresso do PSD o meu partido afirmava:
O Governo PS/PSD é hoje o mero resultado de uma coligação a prazo de dois partidos que, sendo cúmplices na mesma política desastrosa e antipopular e procurando obter rapidamente a destruição de todas as conquistas alcançadas com o 25 de Abril, estão corroídos por desconfianças, suspeições, rivalidades e lutas pela hegemonia na realização da política de direita e pela conquista de todos os órgãos de soberania.
Entretanto, Srs. Deputados, continua o marasmo económico e agrava-se a crise social e moral com todas as consequências nefastas para o nosso povo.
A verdade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é que as instituições que deixaram de ter um funcionamento normal e regular desde há mais de um ano a esta parte, continuarão a ser paralisadas e prevenidas por este Governo e esta coligação.
O Sr. Lacerda de Queiroz (PSD): - Muito mal!
O Orador: - É urgente pôr termo a esta situação apodrecida e escandalosa e a forma de o conseguir é a demissão do Governo e a dissolução da Assembleia da República, devolvendo a palavra ao povo português que ditará a sua vontade.
O congresso do PSD acrescenta novas razões às múltiplas razões que já tornavam imperiosa e urgente uma intervenção institucional com estes objectivos.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não me admira esta intervenção do Partido Comunista, que sempre tenta tirar dividendos políticos com o seu oportunismo habitual.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Muito bem!
O Orador: - O nosso congresso, obviamente, não foi um acontecimento privado mas sim público a que assistiram jornalistas que fizeram os seus comentários. As nossas conclusões são públicas. O Sr. Deputado Carlos Brito certamente tem conhecimento delas, como observador atento que é de todos os acontecimentos, designadamente no interior do Partido Social-Democrata.
Nada de extraordinário aconteceu no PSD que lhe possa permitir tirar as ilações que tirou.
O Sr. António Lacerda (PSD): - Muito bem!
O Orador: - A consistência da coligação é exactamente a mesma, a postura do Partido Social-Democrata é idêntica aquela que era antes do congresso. Mudou a liderança, o que é normal num partido democrático.
O Sr. António Lacerda (PSD): - Só no vosso é que não muda!
O Orador: - Todos os anos submetem-se a sufrágio uma ou várias listas, ganha aquela que tem maioria e é assim assumida a liderança do partido com toda a naturalidade.
Mas se V. Ex.ª tem dúvidas em relação às principais conclusões do nosso congresso posso recordar-lhe os seguintes pontos: em matéria de presidenciais não abdicamos de assumir uma estratégia própria e autónoma. Como sabe, fizemos um referendo interno que apontou para o apoio a um candidato independente, que possa protagonizar um projecto de mudança regeneradora do nosso país, candidato que deverá comprometer-se a não promover directa ou indirectamente o aumento dos poderes presidenciais definidos na Constituição e a não favorecer qualquer dos partidos já existentes ou outro que se queira instalar no xadrez político.
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Quanto ao Governo a nossa postura não se alterou: reafirmamos a nossa lealdade à coligação mas não baixámos bandeiras em matéria de exigências relativamente a uma série de medidas que estão acordadas com o Partido Socialista.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É normal! Não são exigências em termos de satisfação de interesses partidários. Entendemos que a concretização desse acordo e dessas medidas tem a ver com os superiores interesses nacionais e decorrem de um imperativo nacional, designadamente depois de acordarmos a integração na CEE.
O Sr. António Lacerda (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Em matéria autárquica, aí sim, o Partido Comunista deve estar preocupado porque efectivamente o nosso congresso reafirmou, como maior partido nas autarquias que somos, o empenhamento no prestígio dos órgãos das autárquicas locais. Apresentaremos listas próprias a todos os órgãos mas também admitiremos coligações. O nosso partido é um partido eminentemente descentralizado e orgulhamo-nos disso; sempre que as estruturas locais e distritais entendam que o interesse local aponta nesse sentido estamos abertos a coligações com outras forças democráticas, designadamente para afastar o Partido Comunista e a APU dos municípios onde ainda detêm maioria.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É esta, em resumo, a nossa postura. Não tem nada de novidade em relação ao antecedente!
Aplausos do PSD.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para um pedido de esclarecimento.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, antes de fazer o pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Carlos Brito quero dizer que cedo ao Sr. Deputado, do meu tempo, um tempo igual ao que eu gastar neste pedido de esclarecimento.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, V. Ex." deseja responder já ao protesto feito pelo Sr. Deputado António Capucho ou deseja ouvir o pedido de esclarecimento e depois, no fim, responder aos dois?
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, responderei conjuntamente ao protesto e ao pedido de esclarecimento, uma vez que o tempo é muito pouco e talvez assim se possa poupar algum, no fim.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Deputado Carlos Brito, devo dizer-lhe que só lhe dou tempo para responder ao meu pedido de esclarecimento. O PSD tratará da sua gestão de tempo.
V. Ex.ª disse que há mais de l ano - eu tomei nota e vou transcrever - que se «assiste ao funcionamento não regular e anormal das instituições». Eu gostaria de pedir a V. Ex.ª que, se não se importasse, fizesse o favor de dizer à Câmara porque é que não há funcionamento regular das instituições e que desse alguns exemplos da irregularidade e da anormalidade do funcionamento dessas instituições.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, e com tempo cedido em parte pela UEDS e em parte pelo MDP/CDE, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Vou procurar, em relação à UEDS, responder dentro do tempo que me foi cedido.
Rapidamente lhe direi, Sr. Deputado César Oliveira, que V. Ex.ª se revela, mais uma vez, um homem mais atento ao passado do que ao presente o que é natural num historiador, que, aliás, todos nós apreciamos. Isto porque, na verdade, a qualquer observador atento não passará despercebido que desde há pouco mais de l ano começaram os solavancos, as peripécias, as grandes dificuldades no interior da coligação, que depois, a partir de Outubro, tiveram episódios perfeitamente evidentes - por exemplo, a paralisação do Governo quando o PS exigiu ao PSD uma clarificação da situação que levou a que o Governo estivesse praticamente parado durante l mês.
Seguiram-se várias outras crises, umas maiores outras menores, depois foi a crise Mota Pinto dentro do PSD, com todas as consequências que sabe - a substituição do Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa - e, novamente, vamos ser colocados perante essa situação com a substituição provável do Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa, enfim, com todas as consequências que o Sr. Deputado César Oliveira sabe que isso tem no próprio funcionamento das instituições - ministros parados, ministros que não trabalham, secretários de Estado em greve, etc. O Sr. Deputado tem acompanhado isso e, portanto, não se admirará, certamente, que eu tenha referenciado esse período, que é o mais típico.
E se calhar eu até atenuei as coisas. Sim, porque este Governo nunca teve um funcionamento normal, desde o seu início que as disputas dentro do Governo se verificam.
Em relação ao protesto do Sr. Deputado Capucho, quero sublinhar a seguinte circunstância: de facto, eu obtive mais do que esperava. Não esperava que o Sr. Deputado Capucho viesse, tão solícito, prestar esclarecimentos em relação às questões que eu tinha colocado.
O Sr. António Lacerda (PSD): - Isso sabemos nós!
O Orador: - Em todo o caso é significativo que só o tenha feito depois de instado pelo PCP. Nós honramo-nos por ter permitido esses esclarecimentos.
Nós desejamos o funcionamento regular e normal das instituições e exercemos os nossos direitos de maneira a proporcionar que as instituições funcionem regular e normalmente.
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Mas, Sr. Deputado António Capucho, não esconda por trás de fórmulas vazias e vagas e sobretudo por trás de um anticomunismo militante, de que mais uma vez deu provas, as sérias dificuldades e os graves problemas que estão colocados.
Não queira iludir, Sr. Deputado António Capucho, que o que se passou, aquilo que o congresso votou, foi uma estratégia oposta a esta coligação.
Não é com o PS que as bases, que ali se manifestaram, desejam estar unidas, coligadas; isso é uma evidência.
Os senhores podem tentar anular agora a vontade que aqui se manifestou, mas ela vai claramente nesse sentido. Além disso há as afirmações do novo líder do PSD, Dr. Cavaco e Silva.
Vozes do PSD: - Professor!
O Orador: - Os senhores não podem iludir-nos, quer em relação às eleições presidenciais quer em relação a Freitas do Amaral e Mário Soares. Se Freitas do Amaral não é um líder hostil à coligação governamental, então explique-nos isso para que saibamos o que é que ele é.
Mesmo em relação ao próprio Governo, em relação à consistência dele e em relação ao seu próprio programa, há diferenças. Os senhores vêm dizer agora que há coisas que não estão no programa da coligação e que desejam ver introduzidas nesse programa. O PS diz que não, que não deseja que entrem novas coisas.
É sobre isto que nós queremos que os senhores esclareçam a Câmara para percebermos qual é a consistência deste Governo, pois temos o direito de fiscalizar o Governo em todos os seus aspectos, incluindo o da sua consistência política. É isso o que estamos a fazer e é por falta de consistência política, além da política errada que conduziu o País à situação desastrosa em que nos encontramos, que nós reclamamos a demissão do Governo e a dissolução da Assembleia da República.
Esta «maior maioria de sempre», afinal de contas, foi a maioria mais instável de sempre, a que produziu o Governo mais ineficaz e mais prejudicial de sempre, ao País, e é por isso que nós exigimos a dissolução da Assembleia da República e queremos que se dê a palavra ao povo para que haja um Governo capaz de governar o País na defesa dos interesses nacionais.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho, para uma intervenção.
O Sr. António Capucho (PSD): - Utilizo esta figura regimental apenas para um esclarecimento adicional muito simples.
Em relação à coligação, Sr. Deputado Carlos Brito, as negociações que têm tido e que continuarão a ter lugar em relação às medidas a que se refere, ou que estão implícitas na sua intervenção, irão ter lugar entre o Primeiro-Ministro e o líder do PSD - entre o Dr. Soares e o professor Cavaco e Silva - e não entre os Srs. Deputados Carlos Brito e António Capucho.
Aplausos do PSD.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sem flores, não é?!...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado António Capucho.
O Sr. Presidente: - Tem l minuto para esse efeito, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado António Capucho, V. Ex.ª revela um grande respeito pelas altas esferas que vão tratar dos nossos negócios e dos nossos assuntos. Está muito bem, está muito certo, mas eu pergunto-lhe o seguinte: apesar de serem essas altas esferas, o Sr. Primeiro-Ministro e o professor Cavaco e Silva, que vão tratar desses assuntos, V. Ex.ª entende que os Srs. Deputados António Capucho e Carlos Brito não têm nada com isso, e que não lhes é permitido, ao menos, fazer um comentário, manifestando as suas preocupações e ideias em relação ao que essas negociações podem trazer ao País, de bom ou de mau?
O Sr. António Capucho (PSD): - Têm, têm!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Aqui comenta-se, no corredor intriga-se!
Aplausos do PCP.
O Sr. António Lacerda (PSD): - Vocês já estão à rasca com a nova direcção do PSD.
O Sr. Presidente: - A Mesa não tem mais inscrições neste período de antes da ordem do dia.
Srs. Deputados, está encerrado o período de antes da ordem do dia e vamos seguidamente passar ao período da ordem do dia.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Estão em aprovação os n.ºs 76 e 77 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias de 2 e 3 do corrente mês de Maio.
Pausa.
Não havendo nenhuma objecção, consideramo-los aprovados.
Passamos ao segundo ponto do período da ordem do dia, que é o da apresentação do pedido do PS para a criação de uma comissão eventual de inquérito n.º 16/III.
Vai ser lido.
Foi lido. É o seguinte:
1 - O Grupo Parlamentar do Partido Socialista vem, ao abrigo do disposto no artigo 183.º, n.º 2, alínea e), da Constituição e demais legislação aplicável, requerer se proceda a inquérito parlamentar, nos termos e com os fundamentos seguintes:
2 - O jornal O Diário publicou, no seu número do dia 2 de Março corrente, um artigo de «O. C.» sob o título de primeira página «Demitido da função pública por corrupção é hoje deputado pelo PS», artigo que contém afirmações infamantes relativamente ao deputado a esta Assembleia pelo círculo de Lisboa, José António Borja Santos dos Reis Borges.
3 - Ora, tais afirmações ferem o prestígio e a dignidade da Assembleia da República, quando se
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afirma que um seu deputado esteve envolvido, no passado, em situações ilícitas e lesivas do interesse público, em acusação que tanto tem de falsa como de caluniosa.
4 - Em face do exposto, apresenta-se o seguinte
Projecto de resolução
A Assembleia da República resolve, ao abrigo do disposto nos artigos l.º e 2.º da Lei n. º 43/77, de 18 de Junho, e demais legislação aplicável, constituir uma comissão eventual de inquérito com o objectivo de averiguar da veracidade das acusações infamantes formuladas pelo jornal O Diário na sua edição de 2 de Março de 1985.
5 - Para tanto, requer a V. Ex.ª se digne mandar publicar o presente requerimento, nos termos e para os efeitos do artigo 253.º do Regimento da Assembleia da República.
O Sr. Presidente: - Está em discussão, Srs. Deputados.
Pausa.
Não havendo inscrições, vai ser submetido à votação.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do deputado independente António Gonzalez.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acabamos de votar a constituição de uma comissão parlamentar de inquérito, que esperamos realize o seu trabalho em tempo oportuno, com transparência e com verdade, como é timbre das comissões parlamentares de inquérito.
Este inquérito foi solicitado pelo Grupo Parlamentar do PS, a pedido do Sr. Deputado Reis Borges, que se sentiu caluniado e vexado com afirmações vindas a público num jornal que ele repudia veementemente, porque são falsas e carentes de qualquer fundamento.
O Grupo Parlamentar Socialista exprimiu, oportunamente, ao Sr. Deputado Reis Borges a sua solidariedade e encarou com muita satisfação o seu pedido para que se constituísse a comissão parlamentar de inquérito no sentido de que o seu bom nome e a sua reputação - direito fundamental do homem - possam ser publicamente lavados e desagravados de ofensas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nada mais temos a dizer. As intenções do Grupo Parlamentar do PS e do Sr. Deputado Reis Borges são claras e simples. Pretendemos que a Assembleia da República dê oportunidade a um dos seus deputados de ver clarificada a verdade e de ver a sua honra desagravada. Esperamos que haja também justiça, o que é fundamental para que o homem não seja constantemente vilipendiado sem que haja qualquer forma de a sua honra ser reposta e de aqueles que prevaricam virem a ser moralmente punidos.
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.
O Sr. Antonino Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos favoravelmente, apesar de, há algum tempo atrás, termos dito que não poderíamos aceitar novos inquéritos parlamentares enquanto não fossem concluídos aqueles que se encontram pendentes. No entanto, este é uma excepção à regra e é-o porque existem em O Diário acusações infamantes para um deputado. Essas acusações não ferem apenas esse deputado e a sua dignidade, mas também o prestígio e a dignidade da própria Assembleia da República.
Por isso nos empenharemos nesta comissão de inquérito na expectativa de ilibar o nosso colega e de, com isso, mantermos intactos o prestígio e a dignidade da Assembleia da República.
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma declaração de voto, o Sr. Deputado Menezes Falcão.
O Sr. Menezes Falcão (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos favoravelmente porque temos muito respeito pela dignidade das pessoas e estamos sempre abertos a todas as diligências que visem a clarificação de problemas desta natureza e a eventual desafronta dos ofendidos.
Essa é a razão da nossa forma de votar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, também para uma declaração de voto, o Sr. Deputado Joaquim Miranda.
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP votou favoravelmente a constituição desta comissão de inquérito, porque havendo um deputado que invoca o direito de ver esclarecidas acusações que lhe foram feitas, não seria o nosso grupo parlamentar que iria obstaculizar um tal esclarecimento.
Queremos dizer que, com a consagração da liberdade de imprensa, os jornais adquiriram o direito e o dever de emitirem opiniões sobre documentos e factos de que tenham conhecimento, digam eles respeito a quem quer que seja. Os factos concretos, como conclusões de sindicâncias, processos crimes instituídos, despachos ministeriais e outros actos da Administração Pública, deverão merecer, em nosso entender, a devida consideração pelos efeitos pertinentes na Constituição e na Lei.
Foi este o sentido com que votámos favoravelmente a constituição da comissão de inquérito.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão a assistir à nossa sessão alunos da Escola Preparatória de Oliveira de Frades. A Mesa saúda-vos e deseja-vos uma útil sessão de trabalho.
Pausa.
O Sr. Menezes Falcão (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Menezes Falcão (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por razões que se prendem com a oportunidade da apresentação do nosso projecto de revisão constitucional, ao abrigo das disposições regimentais, peço a suspensão dos trabalhos por meia hora.
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O Sr. Presidente: - Porque é regimental, declaro suspensa a sessão por 30 minutos. Os trabalhos recomeçam às 12 horas.
Eram 11 e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 12 horas.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra, para uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, tendo em vista a grande importância de que se reveste o debate que aqui vamos travar sobre a assunção pela Assembleia da República de poderes extraordinários de revisão constitucional, em nome da minha bancada, solicito à Mesa que consulte os restantes grupos políticos para saber se estão dispostos a dar o seu acordo a que a sessão seja agora suspensa para retomarmos os trabalhos após o intervalo para o almoço.
Parece-nos, com efeito, que a grande importância deste debate justifica que, na medida do possível, ele possa ser realizado de forma continuada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para interpelar a Mesa, o Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós damos o nosso acordo não exactamente pelas razões invocadas pelo Sr. Deputado Luís Beiroco - a importância excepcional deste debate -, mas porque pretendemos favorecer a boa organização do debate de forma a ser mais cómodo para todos os grupos parlamentares. Foi essa, aliás, a questão que o CDS nos colocou.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, para interpelar a Mesa.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, quero exprimir a posição da bancada do PCP sobre a questão que neste momento está em debate.
A bancada do PCP não deduzirá impedimento ou objecção a que se faça como foi sugerido e proposto pelo CDS, embora não certamente por ser um debate excepcional, designadamente porque parte do CDS, pois nós sabemos que é preciso uma maioria de quatro quintos para aprovar o que o CDS propõe. Atendendo à composição e à situação um pouco rala e esquálida das bancadas, não nos oporemos a que se interrompa, de imediato, a sessão.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso, para interpelar a Mesa.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, dado que para nós o debate só é importante na aparência - tanto nos faz que comece de manhã como à tarde - não nos opomos a que ele se inicie à tarde.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para interpelar a Mesa, o Sr. Deputado António Capucho.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, é claro que reconhecemos a importância do debate e daremos o nosso acordo.
Lamentamos, no entanto, que a proposta não tivesse sido formulada há meia hora quando o CDS pediu o intervalo - teria sido mais lógico.
De qualquer maneira, damos o nosso acordo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para interpelar a Mesa, o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, é apenas para dizer que não nos opomos ao pedido que é formulado.
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado pede a palavra para se pronunciar sobre esta matéria devo concluir que há unanimidade da assembleia quanto ao pedido formulado pelo Sr. Deputado Luís Beiroco.
Sendo assim, os nossos trabalhos recomeçarão às 14 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados, está suspensa a sessão.
Eram 12 horas e 5 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar no segundo ponto da ordem do dia com a discussão do projecto de resolução n.º 43/III - assunção pela Assembleia da República de poderes extraordinários de revisão da Constituição - apresentado pelo CDS.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lucas Pires.
O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Porquê, pela segunda vez depois de 1984, esta proposta de assunção de poderes de revisão pela Assembleia da República?
Eu diria que não se trata, do ponto de vista do CDS, de uma espécie de romaria anual, mas simplesmente da necessidade de decidir, em Portugal, a questão mais essencial que se põe ao futuro do nosso país.
Parece que a vida portuguesa está sempre a mudar e, no entanto, quando conferimos os resultados todos nós temos a consciência de que, de facto, nada mudou efectivamente.
Há 10 anos que assistimos a isto: os governos caem, mas a fonte de instabilidade continua de pé.
Há 10 anos que assistimos a isto: a estabilidade do 11 de Março continua, a instabilidade dos governos e da democracia continua ao mesmo tempo.
Há 10 anos que se prefere a estabilidade das nacionalizações à estabilidade e ao progresso do nosso país e dos nossos cidadãos.
Sendo esta a questão essencial do País, ela será para o nosso partido uma batalha permanente. Se o CDS é reincidente na sua proposta de revisão constitucional é apenas porque o actual sistema económico e social da Constituição é reincidente no fracasso que causa permanentemente ao País.
Uma voz do PS: - Não apoiado!
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O Orador: - As razões desta proposta foram já largamente explicadas, mas são cada vez mais evidentes e são cada vez mais partilhadas por um número crescente de portugueses.
A verdade é esta: já foram experimentadas todas as políticas de estabilização - políticas de estabilização anti-inflacionistas e políticas de estabilização antideficitárias.
Já foram experimentadas todas as maiorias políticas - ora maiorias políticas mais direitistas, ora maiorias políticas mais centristas.
Já se fez recurso a todos os apoios, a todos os recursos financeiros, os próprios e os alheios, os herdados e os emprestados, os expropriados, os impostos e os doados.
E depois disto tudo, o que é que aconteceu? Aconteceu que a crise não foi vencida, que a crise não foi sequer estancada, que a crise pelo contrário, cresceu e tornou-se mesmo, na aparência, incontrolável.
A crise é pois do ponto de vista da análise do nosso partido uma crise de raiz, a crise do próprio modelo de organização social e económica imposta a partir de 11 de Março de 1975. O País já não suporta, aliás, muito facilmente, novas experiências de mera administração desta mesma crise.
De facto, temo-la pago de todas as maneiras e sempre mais agravadamente, através do endividamento crescente; de uma inflação muito elevada; de um desemprego em alta, salários em atraso, da baixa dos salários reais; da desvalorização do escudo; da hipoteca de ouro e divisas; de uma carga fiscal galopante.
Temo-la pago em geral, pela paralisia, atraso e até recuo da economia e da sociedade portuguesa na maioria dos seus sectores de actividade.
Quem a pagou primeiro, em 11 de Março de 1975, através das nacionalizações, foram os capitalistas, os empresários e as empresas portuguesas.
Mas quem a paga hoje são, sobretudo, os trabalhadores e o trabalho; eles são a principal vítima desta situação, pois só num ano viram os seus salários reais descer de cerca de 15%.
O que se demonstra, aliás, durante estes 10 anos é que, afinal, quando os lucros descem também os salários descem e quando os lucros sobem também os salários sobem.
Esta realidade que foi ignorada e talvez seja por isso que ao fim de 10 anos da Constituição socialista tenhamos podido constatar que 1984 foi, nos 40 anos que levo de vida, o pior ano da minha geração e terá sido mesmo o ano em que, no caminho do afundamento, o nosso país passou abaixo da linha de flutuação.
Pela primeira vez, na nossa história das recentes décadas, o País conheceu um crescimento negativo; pela primeira vez chegámos à crise do sistema bancário e financeiro; pela primeira vez houve um estrondoso falhanço da mais exigente política de rigor até agora posta em prática.
Dir-se-ia que em 1984 o quadro passou do cinzento ao eseuro e que a continuidade deste sistema e a continuidade desta política representa já uma perspectiva de falência permanente, perante a qual o Fundo Monetário Internacional e a CEE podem parecer, apenas, como a forma de tomada em mão (ou hipoteca) do nosso país pelos credores.
O sistema apenas procura manter a face, quando um terço das empresas nacionais, entre as quais as maiores, estão tecnicamente falidas e ameaçam, por contaminação, arrastar o terço seguinte. Isto tudo acontece, por sua vez, quando o sistema económico em Portugal já não tem mais qualquer atenuante.
De facto, não há seca como houve há alguns anos; de facto não há alta do dólar, e curiosamente os economistas manifestam-se até preocupados com a descida do dólar; não há crise do petróleo nem recessão internacional e não há obstrução do Presidente da República ao Governo.
A maioria do Governo é a maior de sempre, dura há 2 anos, é a que mais se identifica com o sistema depois da revisão constitucional e a que mais reformas estruturais tem anunciado ao País.
O fracasso, porém, é evidente e confirma o esgotamento da tentativa mais vasta e mais poderosa, em termos democráticos, para resolver a crise deste sistema.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Muito bem!
O Orador: - O mais elucidativo, Srs. Deputados, é o fracasso das chamadas reformas estruturais que se continuam a pedir e a anunciar e que, ainda ontem, o PSD mais uma vez num novo pacote de medidas estruturais, acaba de endereçar ao PS.
O que a experiência demonstra, porém, é que já não chegam, nem reformas parciais nem reformas limitadas. Nenhumas delas podem ser eficazes e é essa a lição, por exemplo, que aprendeu o Sr. Ministro da Agricultura quando, tendo começado a falar da revisão das leis da Reforma Agrária, acabou a pedir a revisão da Constituição.
A primeira demonstração da estrondosa falência dessas reformas estruturais parciais ou limitadas foi o lay of. Para que é que serviu, afinal, o lay of? Exactamente para nada.
Depois de ter consumido várias semanas de actividade televisiva com o lay off o Sr. Ministro do Trabalho não conseguiu até hoje pôr em marcha prática este empreendimento legislativo.
Outro caso exemplar foi a reforma que criou duas agências noticiosas quando se tratava apenas, e modestamente, de reformar uma delas.
As restantes reformas do sector público, até agora anunciadas, serviram apenas para mostrar como esse sector público precisava de mais dinheiro para sobreviver.
As outras reformas estruturais, como as do trabalho, estavam ainda há pouco no «congelador», passaram agora para o frigorífico, mas continuam muito «frias» e se calhar estão a servir apenas como a teia de Penélope serviu à espera de um Ulisses qualquer.
Sem desnacionalizações da banca pública, a abertura à banca privada vai equivaler no nosso país ao financiamento de mais 6 ou 7 investimentos porque é evidente que l 500 000 contos de capital para um banco privado chega hoje em Portugal para o financiamento de 5 ou 6 investimentos, mas não mais do que isso. Em qualquer caso a banca privada não equivalerá a mais de 2% ou 3% do mercado.
A lei das rendas é importante para os senhorios e os inquilinos, mas não vai alterar a atitude dos investidores imobiliários nem o mecanismo produtivo.
Nenhuma destas leis chegará, por si só, para alterar o quadro global, um quadro de desconfiança, de laxismo e de decadência que continuará a existir se nenhuma destas reformas puder ser enquadrada pela
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grande reforma e pela grande via de mudança que há-de ser a revisão da Constituição.
Aplausos do CDS.
Uma voz do PS: - Muito mal!
O Orador: - Perguntar-me-ão: mas o que é que há a mudar na Constituição? Trata-se, no fundo, Srs. Deputados, de rever a «pesada herança» da revolução socialista.
Muitas vezes se falou de pesada herança, mas nenhuma herança é tão pesada sobre a vida económica e social portuguesa como a pesada herança da Constituição económica e social que temos. E essa pesada herança não é apenas um conjunto de normas nem apenas um conjunto de instituições nem apenas um conjunto de princípios.
Essa pesada herança, além de representar 49 empresas públicas, entre as quais se contam as maiores empresas da área da banca, da área da agricultura, da área da indústria, além disso, essa pesada herança compreende todas as estruturas, todas as mentalidades, todas as leis assentes e crentes no produtivismo e no consumismo de Estado que continua a devorar o nosso país.
É aí que residem os alicerces e o centro de toda a nossa vida económica e social, é aí que se põe em dúvida, inclusive, a legitimidade e a funcionalidade das estruturas básicas da democracia portuguesa.
De facto, essas estruturas assentam numa série de originalidades. A primeira dessas originalidades é esta: o carácter «irreversível» das nacionalizações.
Não há nenhum país da Europa Ocidental onde as nacionalizações tenham um carácter irreversível. Em todos os países onde prevalece o princípio da maioria é possível à maioria, permanentemente e em qualquer momento, pôr em causa essas nacionalizações.
A segunda originalidade: o carácter «ilimitado» da iniciativa económica do Estado. O Estado pode-nos entrar em casa de todas as maneiras, a qualquer momento, impunemente, mas não há para essa intervenção qualquer limite na nossa Constituição, nem sequer o limite das indemnizações devidas e justas, como recentemente pôde relembrar um comunicado da Presidência da República.
Em terceiro lugar, outra originalidade: a divisão em três sectores estanques da vida económica - a que o Sr. Primeiro-Ministro, com a sua habitual imaginação política, chamou «um sistema de concorrência coexistencial».
Mas qual é o país do mundo que em vez de um sistema económico tem três sistemas económicos e neste caso discriminando e diminuindo a iniciativa privada e o mercado, que é de todos eles aquele que mais sustenta a sobrevivência que ainda nos é autorizada.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Em quarto lugar, uma outra originalidade que é a da maximização do controle público. Controle público da televisão, controle público da educação, controle público da saúde e da cultura.
Isto porque é ideia desta Constituição não que haja apenas um Serviço Nacional de Saúde mas que houvesse um serviço nacional de informação, um serviço nacional de educação, um serviço nacional de cultura, como se bens sociais por excelência só pudessem ser produzidos pelo Estado como se produzem regulamentos, em vez de serem produzidos pela energia, capacidade e invenção dos cidadãos portugueses.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Quinta e última originalidade: a de limites não democráticos à revisão da Constituição.
A verdade, Srs. Deputados, é que não é estranho que se diga que há nesta Constituição a marca do Partido Comunista e não é estranho porque o artigo 83.º da Constituição, o artigo que fala de transição para o socialismo e algumas alíneas do artigo 290.º da Constituição poderiam bem ser normas de uma qualquer Constituição de um país de Leste.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - É por isso que dizemos que esta Constituição e esta contradição não se poderá manter no longo prazo da vida portuguesa.
É incompreensível, por exemplo, que o Sr. Primeiro-Ministro defenda na área externa uma posição ocidentalista, uma posição moderada, uma posição atlantista e mantenha na área interna, entre os próprios portugueses, uma estrutura económica e social próxima da do Terceiro Mundo.
Há que rever esta situação e não nos podemos mais limitar a fazer reformas do sector público porque temos de pôr em marcha, exactamente, um plano de desnacionalizações.
Aplausos do CDS.
O Orador: - Também aqui há anos, antes do 25 de Abril, se dizia que nós não podíamos fazer a descolonização porque éramos um país pobre.
Uma voz do PS: - Nós!
O Orador: - E depois tivemos de fazer a descolonização quando éramos ainda um país mais pobre.
Também agora se diz muitas vezes que não podemos fazer as desnacionalizações porque somos um país pobre. Qualquer dia seremos obrigados a fazê-la quando formos ainda mais pobres e em piores condições.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A metáfora não dá resultado.
O Orador: - A imponência da assunção dos poderes de revisão pela Assembleia da República baseia-se em que a Constituição foi sempre importante para defender a democracia portuguesa.
Foi importante, em 1975, para derrotar o Partido Comunista e suas veleidades de conquista do Poder.
A primeira revisão foi também importante porque foi ela que permitiu extinguir o Conselho da Revolução. Mas esta revisão da Constituição não será menos importante que todas as anteriores e também ela há-de corresponder ao espírito de defesa da Constituição democrática.
Mas o que está agora em causa não é apenas derrotar o Partido Comunista, não é apenas extinguir o Conselho da Revolução, é escolher um outro «modelo de sociedade», numa altura em que a sociedade portuguesa sente que há um vazio e uma contradição a esse respeito. Numa altura em que todos sentimos que é pré-
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ciso passar para a outra margem do rio porque não toleramos mais viver em Portugal com uma sociedade de modelo revolucionário...
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Passa para outro lugar!
O Orador: - ... e queremos viver em Portugal, agora que vamos entrar no Mercado Comum, com um modelo de sociedade aberta e democrática.
Aplausos do CDS.
O drama, Srs. Deputados, é que há 8 ou 9 anos que as forças democráticas resistem à pressão conseguida pelo Partido Comunista através do 11 de Março.
Mas há uma coisa que as forças democráticas têm de reconhecer: é que até hoje puderam resistir - como no 25 de Novembro - ao Partido Comunista, mas até hoje não foram capazes de vencer o Partido Comunista no terreno principal da luta contra esse Partido.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Ainda hão-de perder mais!
O Orador: - E é essa batalha que o CDS traz hoje aqui à Assembleia da República porque enquanto ela não for vencida não teremos em Portugal um modelo pacifico e um modelo próspero de vida colectiva.
Não é por acaso que este é o primeiro objectivo do CDS e que esta é a última barricada do Partido Comunista Português.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Do CDS!
O Orador: - Não é por acaso que é da solução deste problema que depende o futuro da própria autoridade democrática em Portugal, porque enquanto a autoridade da maioria não for capaz de vencer a obra do Partido Comunista, essa autoridade democrática será permanentemente uma autoridade fraca e uma autoridade incapaz, em crise permanente.
Aplausos do CDS.
Srs. Deputados, perguntar-me-ão: porquê agora? Perguntar-me-ão: porquê outra vez?
Mas a verdade é que enquanto isto for assim, enquanto não estiver completada a obra de democratização do nosso país, o CDS trará aqui todos os anos uma proposta de revisão constitucional.
Uma voz do PS: - Todos os anos! Muito bem!
O Orador: - Mas se todas as vezes ela teve razão de ser, ela terá agora mais razão de ser.
Em primeiro lugar, por uma razão: estamos em vésperas da integração europeia de Portugal. Nós quereríamos que a liberalização do nosso país não fosse uma liberalização importada, não fosse uma liberalização decretada em Bruxelas, não fosse uma liberalização por invasão, mas fosse a liberalização que os Portugueses são capazes de fazer através dos seus próprios meios democráticos.
Em segundo lugar, há uma outra razão, Srs. Deputados: estamos em vésperas de um novo ciclo eleitoral que aponta para uma nova mudança, ciclo eleitoral que compreende eleições presidenciais, eleições locais, se calhar, e, quase de certeza, eleições legislativas.
É preciso que todas essas eleições correspondam no nosso país à abertura de um novo decénio e que se passe a viver não segundo um modelo negativo, mas segundo um modelo que seja um factor de força colectiva e um factor de esperança e de produção para todos nós.
Em terceiro lugar, todos já aderiram, em princípio, à revisão constitucional. A verdade é que o próprio Partido Socialista já aderiu à revisão constitucional. O seu Primeiro-Ministro tem dito, várias vezes e em várias ocasiões, que a única coisa que se discute a respeito da revisão constitucional é a altura em que ela deve ser feita.
É certo que há uma gradação entre as forças democráticas, é certo que normalmente o CDS faz o grande combate da revisão constitucional, o PSD limita-se a fazer o eco desse combate, e o Partido Socialista, esse, quer reservar-se o direito de ser ele a escolher o momento de fazer essa revisão.
Uma voz do PS: - Claro!
O Orador: - Mas nós perguntamos: qual é a lógica que há neste comportamento? Porquê esperar por uma solução em que todos concordemos já hoje? Porquê cair num vício que é o pior vício da vida portuguesa, que é o adiantar as questões, que é a falta de clareza?
Porquê deixar para o último momento uma questão que todos nós sabemos que é a primeira questão portuguesa?
Uma voz do PS: - Não apoiado!
O Orador: - Porquê adiar uma solução sobre a qual todos estamos de acordo e que o Partido Socialista se quer limitar a gerir como uma questão de poder, em vez de a gerir como uma questão de vontade da maioria de todos os portugueses?
Aplausos do CDS.
Hoje em Portugal, Srs. Deputados, há quatro quintos dos deputados que poderiam votar uma revisão constitucional. Mas quem nos diz que em 1987 haverá sequer dois terços de deputados que queiram essa revisão?
Não podemos esquecer uma coisa: o autoritarismo em Portugal, ainda que por uma via silenciosa, está a crescer. Quem nos diz qual o caminho a que esse autoritarismo já terá chegado em 1987?
É por isso que só uma teimosia suicida poderá levar o Partido Socialista a recusar, ainda desta vez, a revisão constitucional.
Meus amigos, vou terminar da seguinte maneira: consideramos, de facto, que esta é a primeira, a mais fundamental e a mais urgente das grandes questões nacionais.
É por isso que há uma coisa que nós não compreendemos sequer na vida política actual.
A Sr.ª Margarida Tengarrinha (PCP): - Só uma?!...
O Orador: - Não compreendemos como é que pode haver uma maioria e um governo que está dividido perante a mais importante e a mais fundamental questão da vida portuguesa.
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Uma questão que queríamos pôr ao chamado novo PSD, saído do novo congresso, é esta: será legítimo, justo, adequado, compreensível que se mantenha uma maioria que não está de acordo com a mais importante, a mais premente e a mais urgente das soluções para a vida nacional?
Vozes do CDS: - Muito bem!
Uma voz do P§: - Só cá faltava essa!
O Orador: - Outra questão que também não percebemos é que haja candidaturas presidenciais que ao fim de 10 anos de experiência portuguesa digam que estão de acordo com a revisão constitucional, mas que não é ainda o momento adequado para proporem essa revisão constitucional. Estas são duas questões que nos parecem de lógica elementar.
Uma terceira questão que nos parece incompreensível e fundamental é esta: como é que nós aceitamos, no próximo dia 12 de Junho, entrar para o Mercado Comum e manter uma Constituição que se diz «em transição para o socialismo»?
Até onde é que vamos manter a contradição da vida portuguesa, a violência sobre o povo português, que é hoje manter em Portugal uma Constituição que se diz em «transição para o socialismo»?
Srs. Deputados, era bom que a este propósito as três forças democráticas, que demonstraram a respeito da integração europeia uma grande lucidez, um grande sentido de solidariedade, um grande entendimento ao longo de 10 anos, fossem capazes de encontrar, a propósito da revisão constitucional, um motivo verdadeiro de consenso.
Numa altura em que a vida portuguesa entra numa nova fase de desagregação e de divisão, numa altura em que o poder político se fragmenta de novo, seria bom que os três partidos democráticos fossem capazes de construir, aqui nesta Assembleia, um novo tronco comum da democracia portuguesa.
Seria bom que perante a desagregação do poder político, perante novos conflitos no seio da maioria, pudéssemos, interna ou externamente, apresentar uma convicção de mudança, de decisão e de força comum da democracia e do nosso país.
São esses os votos que apresentamos em nome do CDS.
Aplausos do CDS e da deputada Mariana Perdigão do PSD.
Gostava de lhe colocar três questões razoavelmente concretas. A primeira é a seguinte: considera V. Ex.ª que uma Constituição asséptica, neutra, ideológica e programaticamente obstaculiza a assunção, em Portugal, de uma ditadura ou de um regime autoritário?
Considera V. Ex.ª que é ou não de pensar nos exemplos que são a Constituição de Weimar de 1919-1920 e a Constituição da República Espanhola de 1931, constituições essas que não obstaculizaram coisa nenhuma, apesar de, no caso mais concreto da Constituição de Weimar, esta ser uma constituição asséptica perfeitamente neutra, um modelo dos modelos constitucionais?
Uma segunda questão é a seguinte: V. Ex.ª, que contacta com a Sr.ª Margareth Thatcher, com o Sr. Ciriaco de Mitta, com o Sr. Amintore Fanfani, enfim, com todos esses expoentes máximos da democracia cristã italiana, que se senta com eles à mesa - presumo que ao almoço, jantar, toma o pequeno-almoço, lanche e eventualmente ceia -, pode indicar-nos, no caso concreto da Itália onde a democracia-cristã está no Poder desde 1945, qual é a percentagem relativamente aos sectores económicos fundamentais da vida italiana do sector público e do sector privado e quais são as relações entre ambos?
Em terceiro lugar, V. Ex.ª pode indicar à Assembleia um projecto, um só que um grupo empresarial, que um capitalista, que qualquer entidade, em Portugal, tenha tentado implementar e não o tenha podido fazer porque a Constituição a isso o impediu?
Diga, V. Ex.ª, um só projecto capaz de demonstrar que a Constituição é verdadeiramente um obstáculo ao desenvolvimento económico do País ou ao progresso do povo português. Isto porque é outra mistificação pensar que a questão da revisão constitucional é questão fundamental.
V. Ex.ª elevou-a a questão fundamental e, portanto, a partir daí todo o seu discurso político passa por aí.
Mas a questão fundamental não é essa e o CDS sabe-o. A questão é a de um projecto político, a questão é de vontade política. Essa é que é a questão fundamental, essa é que é a questão decisiva. O CDS sabe isso.
Mas como sabe que nunca poderá ser projecto político maioritário em Portugal e que a sua vontade política só a outras associadas poderá ser governo, o CDS, então, ilude-se a si próprio, brandindo sempre com a revisão da Constituição e continuando para a simulação e para a mistificação política em Portugal que é uma das pechas da vida política em Portugal.
O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Até para o ano, Lucas!
O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para formularem pedidos de esclarecimento, estão inscritos os seguintes Srs. Deputados: César Oliveira, Carlos Lage, Lopes Cardoso, Correia Afonso, Raul Castro e Marcelo Curto.
Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Deputado Lucas Pires, V. Ex.ª tem-nos habituado ao uso de metáforas na política, aliás saudavelmente, e eu esperava que V. Ex.ª e o CDS conseguissem tirar da vossa cartola política animais diferentes, elefantes, coelhos e não só o mesmo animal.
Ora, verifico que, repetidamente, é sempre a mesma galinha depenada aquela que V. Ex.ª vem exibindo como bandeira política.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Deputado Lucas Pires, esperávamos - não digo com ansiedade nem com grande expectativa - que o Sr. Deputado nos trouxesse uma argumentação nova, original, esperávamos que reforçasse argumentos anteriormente produzidos no sentido de se abrir um novo período de revisão constitucional; contudo, ficámos completamente desapontados. Isto porque o Sr. Deputado Lucas Pires não apresentou nenhum argumento novo nem original para justificar a abertura de um período de revisão constitucional quando, ainda recentemente, um projecto de lei do tipo que estamos a discutir foi rejeitado nesta Câmara.
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Não nos parece, pois, que a iniciativa do CDS se caracterize pela seriedade nem a argumentação do Sr. Deputado Lucas Pires nos merece qualquer credibilidade.
De facto, hoje foi longe de mais: fez uma análise simplificadora e redutora dos problemas nacionais, que não é digna de um líder com a altura política e com o valor intelectual que tem o Sr. Deputado Lucas Pires.
Com efeito, é lamentável que um dirigente político com a responsabilidade que o Sr. Deputado Lucas Pires tem, nos venha aqui garantir que os problemas do País - e não me compete neste momento analisar as suas raízes e causas estruturais - se devem à Constituição da República Portuguesa e que basta a revisão constitucional para ficarem desbloqueadas as soluções para esses problemas.
Era bom que fosse assim, Sr. Deputado Lucas Pires, porque mais fácil era a resolução desses problemas, mas, infelizmente, não é. Com certeza que a Constituição não é um obstáculo a que se tomem medidas, a que se encontrem soluções para os problemas nacionais.
Tal não significa que nós, socialistas, recusemos a revisão da Constituição. Temos uma posição sobre essa matéria - e o Sr. Deputado Lucas Pires já aqui a sublinhou - que é a de escolhermos nós o momento da revisão constitucional.
Até nesse capítulo o Sr. Deputado Lucas Pires andou mal, porque se limitou a fazer um ataque aos partidos da coligação governamental - e em particular ao PS -, esquecendo-se que para fazer a revisão constitucional são necessários quatro quintos dos votos.
Por conseguinte, o seu papel seria o de concitar os diversos deputados desta Câmara a segui-lo numa questão estrutural da vida política portuguesa e não o de entrar numa polémica miudinha, sem largueza de vistas e sem perspectivas.
Aliás, o Sr. Deputado Lucas Pires chegou ao ponto de dizer: «Que interessa a lei das rendas? A lei das rendas não resolve os problemas da construção civil em Portugal», como se a revisão da Constituição os resolvesse! ...
O Sr. Deputado Lucas Pires não se apercebeu da contradição em que caiu e menosprezou outras reformas, remetendo tudo para a fórmula redutora «Há que rever a Constituição porque ela é a fonte de todos os males».
Sr. Deputado Lucas Pires, parece-me que essa é uma análise redutora e não me parece ser uma análise séria.
A posição do Partido Socialista está assim mais facilitada porque, afinal de contas, está a tratar-se de uma discussão requentada, de uma segunda versão de uma discussão que nem sequer tem originalidade.
Aliás, o Sr. Deputado Lucas Pires meteu-se em enormes contradições. Disse uma frase bombástica: «Já se fez a revolução socialista em Portugal, já houve revolução socialista», e a seguir disse: «É necessário eliminar a transição para o socialismo que consta da Constituição.» A contradição é evidente, mas esta também não é uma questão de base.
As questões de base foram aquelas que o Sr. Deputado Lucas Pires deixou patentes na sua intervenção e que, afinal de contas, se relacionam com a oportunidade, com a capacidade para o CDS conduzir a uma revisão da Constituição, ou então assumir o seu papel modesto nesta matéria.
O espírito de cruzada aqui não conta; vamos ter uma batalha, vamos repetir uma batalha todos os anos. Esse espírito de cruzada ou de peregrinação poderá ficar bem em termos subjectivos, poderá enriquecer o imaginário do CDS, pode ser uma questão ideológica, mas para esta Câmara, onde todos já temos experiência dessas coisas, temos de reconhecer, Sr. Deputado Lucas Pires, que foi apenas um interregno na actividade parlamentar a intervenção do Sr. Deputado Lucas Pires.
Aplausos do PS e da ASDI e protestos do CDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Reflectindo melhor, prescindo da palavra; no entanto, se o Sr. Presidente me permite, diria apenas ao Sr. Deputado Lucas Pires o seguinte: Até para o ano, Sr. Deputado!
Risos.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Já se despede, o Lopes Cardoso!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - O Sr. Deputado Lucas Pires afirmou que preferia a instabilidade das nacionalizações à instabilidade dos Portugueses e que o sector público, cada vez mais, precisa de mais dinheiro para sobreviver.
Isto leva-me a formular-lhe alguns pedidos de esclarecimento.
Ainda ontem, os jornais publicaram o relatório e contas do Banco Espírito Santo, que apresenta um lucro de 477 milhões de contos.
Risos do CDS.
Uma voz do CDS: - Pudera!...
O Orador: - O Sr. Deputado Lucas Pires fala na instabilidade dos Portugueses e eu desejava saber se se refere à instabilidade da generalidade dos portugueses ou se se refere à instabilidade, por exemplo, da família Espírito Santo, para quem revertiam os 477 milhões de contos, se acabassem as nacionalizações.
A Sr.ª Margarida Tengarrinha (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, se o Sr. Deputado afirma que o sector público precisa de mais dinheiro para sobreviver, como é que se pode entender que o sector privado tenha tanto interesse nas desnacionalizações e em tomar conta do sector público? Então o sector privado está interessado em tomar conta daquilo que dá prejuízo? É uma situação paradoxal!...
O Sr. Deputado afirmou que, quando os lucros sobem, os salários também sobem! Todas as estatísticas conhecidas, em especial nos últimos anos em Portugal, evidenciam o contrário.
Risos do CDS.
O Sr. Antonino Capucho (PSD): - Asneiras!
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O Orador: - Naturalmente que o Sr. Deputado terá, dentro da excelência dos seus serviços, estatísticas próprias que ninguém conhece porque só aí é que pode constar a afirmação de que, quando os lucros aumentam, os salários também aumentam. O que se passa em Portugal nos últimos anos é o contrário e isso desmente a afirmação do Sr. Deputado.
Gostava pois de conhecer quais as estatísticas - que ninguém conhece - onde constam tais elementos.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marcelo Curto.
O Sr. Marcelo Curto (PS): - Sr. Deputado Lucas Pires, ouvi atentamente a sua intervenção e julgo que ela, completada com a justificação do projecto de resolução apresentado a esta Assembleia, padece de um preconceito ideológico, que nem sequer se afirma claramente. É um preconceito liberal ou de liberalismo puro, mas é, essencialmente, um preconceito negativo.
Na verdade, o Sr. Deputado invoca o crescimento negativo em 1984 mas esquece-se de dizer de quem é a responsabilidade da política de austeridade adoptada em 1984; fala no crescimento do endividamento mas esquece-se de dizer qual foi o ritmo do endividamento durante os governos AD.
Dentro deste preconceito ideológico, dentro desta argumentação, pergunto: o que é que isto tem a ver com o sistema constitucional?
Na verdade, o que o Sr. Deputado Lucas Pires aqui nos propõe é um outro sistema e esse tem exemplos: tem o exemplo da Sr." Thatcher, um exemplo frisante do desemprego de quase metade da população activa da Grã-Bretanha.
Vozes do CDS: - Eh!...
O Orador: - Srs. Deputados, eu disse «quase metade». No entanto, é o próprio representante dos conservadores, o Sr. Francis Pymn, que diz que a Sr. º Thatcher despreza metade da população da Grã--Bretanha.
Vozes do CDS: - Ah!
O Orador: - O Sr. Deputado quer também esse sistema? Quer que os pobres fiquem mais pobres?
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Mesmo assim a Sr.ª Thatcher ganha as eleições. São masoquistas, os Ingleses!
O Orador: - Quer que não haja qualquer projecto de criação de emprego?
O Sr. Deputado fala na irreversibilidade das nacionalizações. O Sr. Deputado sabe que a nossa Constituição não é colectivista nem foi feita pelo Partido Comunista; todavia, utiliza o Partido Comunista como fantasma contra a pretensa rigidez do Partido Socialista.
Sr. Deputado, o Partido Socialista não é contra a revisão da Constituição, mas pergunto-lhe se a irreversibilidade das nacionalizações impede os projectos de iniciativa privada.
Pergunto-lhe também se sabe - e pergunto-lhe isto porque nem eu nem ninguém aqui conhece - se o Tratado de Roma impõe quaisquer modificações à nossa Constituição. Isto está dito e redito, mas o Sr. Deputado diz que a CEE impõe modificações no nosso sistema económico e na nossa Constituição. Pergunto-lhe, pois, se há alguma imposição no Tratado de Roma quanto à modificação da nossa Constituição.
Quanto às desnacionalizações, pergunto-lhe para que quer o Sr. Deputado as desnacionalizações. Com que objectivo? Para melhorar a economia? Para aproveitar recursos inexplorados ou para aproveitar esses mitos liberais, ultrapassados, que aqui nos trouxe?
Por último e para sublinhar o que disse, lembro-lhe que em todas as alíneas que somam o vosso projecto de resolução se fala em barreiras ideológicas, em transição para o socialismo, em conceitos ideológicos. Tem-se até o desplante de dizer na alínea f) que se pretende o «fomento da participação responsável dos trabalhadores na vida das empresas».
Pergunto ao Sr. Deputado Lucas Pires em que é que a actual Constituição impede a participação responsável dos trabalhadores na vida das empresas. Na verdade, isto é de mais, Sr. Deputado!...
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Impede completamente!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Lucas Pires, esperámos gostosamente que acabasse na hora do almoço o discurso que não nos pôde fornecer da parte da manhã; em todo o caso, constatámos todos, honestamente, que realmente não valeu a pena e que podia ter poupado tanto trabalho se tivesse fotocopiado o discurso do ano passado. Enfim, com 15 páginas e dois ou três copos de água teríamos ouvido fundamentalmente o que já ouvimos.
Em todo o caso, ouvir apelar à ruptura aqui, ali ou acolá é sempre coisa similar. O Sr. Deputado Lucas Pires disse hoje: «A ruptura»; dizia ontem: «A ruptura»; dirá amanhã, suponho eu: «A ruptura», e encontrar-se-á numa situação de ruptura no seu próprio partido! Mas não se trata dessas situações similares, que não podemos imaginar. Não é essa a questão.
Creio que o seu discurso imputa tudo à Constituição, ela é a culpada de tudo e de todos os males. O sistema político funciona mal, os partidos são o que são, o seu partido é o que é, a sua conduta parlamentar é o enormíssimo deserto, o caos e a desorientação que toda a gente vê e que é quebrada ou por uma moção de censura - que é logo retirada -, por um anúncio de uma interpelação que nunca vem, por uma presença de deputados que nunca aparecem ou por um discurso, como o que agora acaba de fazer, para desaparecer no mesmo silêncio. Isto é significado de uma profundíssima desorientação. Nós compreendemos! A culpa é da Constituição, é claro!...
«O professor Freitas do Amaral voltou: é a maldita Constituição; cá está ela a atormentar-nos.» «O professor Cavaco e Silva está aí: diabos da Constituição, é ela a atanazar-nos, a atormentar-nos, a fechar-nos. Era preciso uma outra Constituição livre, sem Cavacos e sem Freitas.»
Sr. Deputado Lucas Pires, nenhuma Constituição lhe dá esse alívio. O Sr. Deputado Lucas Pires tem de bus-
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car essas coisas por outros meios: no terreno da luta política e não tanto na barganha jurídica, jurisdicista, fixista que aqui nos exibiu.
«A questão é a Constituição.» Ó Sr. Deputado Lucas Pires, a Constituição impede ou é a causa da censura na RTP? A Constituição é a causa dos almoços dos industriais de Vale de Cambra com o Sr. Primeiro-Ministro? A Constituição é a causa terrível da presença do Sr. Reagan aqui nas condições que V. Ex." aplaudiu? Por amor de Deus, a Constituição não é causa de nenhuma dessas coisas!
Risos do PCP e do PS.
Compreendemos, no entanto, que tenha feito o que fez: subiu à tribuna, agitou os véus de Salomé e apresentou ao PS o prato de lentilhas habitual, sempre o mesmo.
O PS diz, como tem vindo a dizer ultimamente - não sabemos durante quanto tempo se manterá nessa posição: «Não, tais lentilhas nós não queremos...
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Por enquanto!...
O Orador: - ... por enquanto, por essa quantidade ou por esse preço. Venham cá outra vez.» Isto como quem despede o caixeiro viajante que traz uns livros e diz: «Olha, hoje não, passas cá depois!»
Risos do PCP, do PS e do MDP/CDE.
O Sr. Deputado Lucas Pires, presidente do CDS, na presente circunstância sujeita-se a esse papel, sobe à tribuna e, periodicamente, vem perguntando: «PS, queres? É hoje?» E o PS diz: «Não gostei, não quero mais. Passa cá depois.»
Risos do PCP e do PS.
O Sr. Deputado Lucas Pires insiste nesse esforço atlético, digamos que com pouco fôlego, como já se constata.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Tudo isto para quê, Srs. Deputados?
Ouvi o Sr. Deputado Lucas Pires verdadeiramente fascinado. Ele queria uma Constituição que não dominasse, que não fosse estanque, que não maximizasse controles, que fosse uma Constituição sem o maldito carácter irreversível das nacionalizações.
Eu estava a ouvi-lo e a dizer: «Mas este homem quer a Constituição de 1933» - aliás, sempre quis - «com retoques, sem corporações». Vá lá!
Mas essa Constituição tinha uma coisa maravilhosa, na óptica de V. Ex.ª: a proibição da intervenção do Estado para além de certos limites. Bela cousa! Bela cousa!
Risos do PCP.
Estava lá, numa cláusula específica, numa excelente cláusula!
Essa nova Constituição - velha, arquivelha e bolorenta - serviria, então, para desfazer as necessidades dos Portugueses, estava virada para o futuro, etc.
Sr. Deputado Lucas Pires, esse seu discurso tem um poder de convicção baixo. Percebo que se deu ao trabalho de subir à tribuna para o repetir pela circunstância desafortunada de ter um problema dramático: é que eu sei que o regresso do filho pródigo é uma coisa encantadora; o regresso do pai pródigo deve ser uma grandíssima dor de cabeça. Tome uma aspirina e deixe a Constituição em paz!
Aplausos do PCP, do MDP/CDE e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar fazer, tem a palavra o Sr. Deputado Lucas Pires.
O Sr. Lucas Pires (CDS): - Em primeiro lugar, o Sr. Deputado César Oliveira falou - censurando, segundo julgo - a falta de metáforas em que, desta vez, eu teria caído.
Enfim, não tenho muito para dizer sobre isso a não ser que estranho o facto de a crítica ser no sentido inverso àquela que é habitual, isto é, a de que há um excesso de metáforas da minha parte.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Foi falta de imaginação!
O Orador: - Em segundo lugar, parece-me estranha essa crítica, na medida em que não há motivo para ser imaginativo perante uma situação que se repete e que tem somente uma coisa nova: é que é cada vez mais grave!
Embora, de facto, seja fácil divertirmo-nos um pouco sobre algum destes temas, a mim parecia-me bastante mais fácil constatar a evidência de que a situação é cada vez mais grave e que não tem havido na mudança de maiorias, de políticas, qualquer solução para essa mesma questão.
V. Ex.ª disse que eu defendia porventura uma Constituição asséptica e perguntou-me se achava que essa mesma Constituição evitaria o caminho da ditadura. Julgo que se há um caminho da ditadura ele está nesta Constituição - e digo-o sinceramente!
Esta Constituição com uma maioria de esquerda - que felizmente nunca houve em Portugal desde que está em vigor esta Constituição - levaria exactamente ao caminho da ditadura. Afirmo-o porque esta Constituição não coloca nenhum obstáculo a que a tal transição para o socialismo se complete e a que o País seja transformado, do ponto de vista económico, num campo de concentração.
Na verdade, o que ninguém percebe é que se pode facilmente passar do campo de concentração económico ao campo de concentração político.
Risos do PS, do PCP e da UEDS.
Essa é, pelo menos, a minha análise e o meu juízo sobre as coisas. E não é por acaso que não há iniciativa privada nas sociedades do Leste, como também não é por acaso que as sociedades mais democráticas do mundo são as que têm uma economia de mercado. E até alguém, sem metáforas, me ser capaz de demonstrar o contrário, o que aceitarei se for possível, pensarei assim. Portanto, como julgo que ninguém é capaz de demonstrar isso, continuarei a pensar assim.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Mas o seu partido é do «centro democrático cristão»!...
O Orador: - Peço desculpa ao Sr. Deputado César Oliveira, mas, no fim, poderemos comentar as suas últimas observações...
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A terceira questão é sobre a Constituição de Weimar. Devo dizer que a experiência dessa Constituição é basicamente o fracasso do modelo social-democrático, como, com certeza, o Sr. Deputado César Oliveira sabe confirmar. O que ela assinala é o fracasso e o vazio da solução política, social-democrata, perante uma crise económica acrescentada. Weimar era um modelo de governo social-democrata, bem como um modelo constitucional social-democrata, embora não socialista, expresso claramente na Constituição. A Constituição de Weimar era a de um Estado social, embora não socialista, e não, de modo nenhum, um Estado liberal. Isso, segundo julgo, é perfeitamente susceptível de ser subscrito por todas as pessoas presentes nesta Sala que conhecem alguma coisa deste exemplo histórico.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - O seu partido é «centro-social» e não «social-democrata»!...
O Orador: - A Constituição de Weimar é exactamente muito ilustrativa da situação que se vive hoje em Portugal. É que o modelo neutro, social-centrista, tipo social-democrata, perante uma situação de crise é completamente incapaz de resolver as questões que existem no País e aí é que há uma lição a tirar para nós da Constituição de Weimar.
Por outro lado, V. Ex.ª quis comparar a situação com a Itália. Haverá muitos termos de comparação, mas a verdade é que a Itália não tem nenhuma Constituição em «transição para o socialismo». Não tem nenhuma Constituição socialista e inclusive está também num processo de diminuição do seu sector público. Portanto, não me parece que haja aí qualquer comparação possível.
Para terminar esta questão, quando V. Ex.ª refere que a Constituição asséptica conduziria à ditadura, eu responderei que há na nossa Constituição um afunilamento que porventura reserva para o Partido Socialista um permanente monopólio eleitoral na vida política portuguesa. Na verdade, é evidente que um partido socialista, com uma constituição socialista, está em permanente vantagem. Se calhar é por isso que o Sr. Primeiro-Ministro não quer rever a Constituição antes das eleições presidenciais...! De facto, a grande questão que muito eleitorado coloca à direita portuguesa é esta: como é que vocês querem ganhar umas eleições com uma Constituição socialista?
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Já ganharam!
O Orador: - Acontece que a Constituição socialista é um instrumento da ditadura eleitoral, da semi-ditadura eleitoral do Partido Socialista em Portugal. Isto tem de ser dito!
Risos do PS.
E é por isso que o Partido Socialista funciona em Portugal permanentemente como uma espécie de mini-partido institucional à mexicana, que, embora agregue outros partidos ao Governo, seja o CDS, seja o PSD, aspira, no entanto, a ser duradouramente o partido central, o «padrinho», se quiser, o que será uma fórmula adequada aos tempos de corrupção que se vivem na situação portuguesa.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado Carlos Lage insistiu no argumento de saber de onde é que eu extraía a conclusão de que a Constituição era a responsável por quase todos os defeitos da vida portuguesa. Mas não sou eu que o digo, Sr. Deputado! Há ministros do Partido Socialista, como o Sr. Ministro Veiga Simão, por exemplo, que fizeram já alusão à necessidade da revisão constitucional! O Sr. Ministro Almeida Santos fez igualmente alusão à necessidade da revisão constitucional; O Sr. Ministro Álvaro Barreto, do Partido Social-Democrata, tem insistido, nos últimos tempos e com particular veemência, na necessidade da revisão constitucional, acrescentando que sem esta última não se consegue chegar a parte alguma.
Portanto, mais uma vez não estou a ser original, nem imaginativo, nem estou sequer a referir o que o povo diz, mas simplesmente o que dizem membros da classe política reinante em Portugal e membros da maioria. Assim, parece-me que não preciso de mais abonações para esta afirmação.
Outra coisa estranhada pelo Sr. Deputado Carlos Lage foi o facto de o meu discurso ter sido excessivamente pouco argumentativo, dialogante, e exagerada-mente contundente para quem quer seduzir o voto dos socialistas. Isso é uma questão, enfim, táctica, mas a verdade é que tentámos dialogar sob várias formas, isto é, oralmente, através da presidência do grupo parlamentar; epistolarmente, através de cartas por mim dirigidas ao Sr. Primeiro-Ministro. Portanto, é evidente que chegamos aqui ao cúmulo de um processo que não teve resposta, ou que não obteve resposta positiva em todo o caso. Ora, é evidente que temos todo o direito de apresentar aqui perante o País e não apenas face aos Srs. Deputados do Partido Socialista, ou de quem quer que seja, uma convicção que é profunda, absoluta e radical. De facto, não cremos, não acreditamos que seja possível resolver os problemas portugueses enquanto tivermos uma Constituição que, do ponto de vista económico-social, é socialista. Isto é extremamente claro e convidamos o Partido Socialista, o Partido Social-Democrata e o Partido Comunista a assumirem as suas responsabilidades.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - E não deixará de ser relevante politicamente que mais uma vez se mostre nesta Assembleia que em todas as questões essenciais da vida portuguesa o Partido Socialista vota com o Partido Comunista.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - E não será irrelevante para o País que a toillete moderada, conservadora, liberal do Partido Socialista caia sempre quer se trate da questão do aborto, ou da revisão constitucional, ou de qualquer outra fundamental para este país.
Aplausos do CDS.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Os PS's são perigosos esquerdistas!
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - No fim até são!
O Orador: - Terá, portanto, sentido lembrar estas questões sempre que é importante recordá-las.
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O Sr. Deputado Lopes Cardoso fez aqui um aceno de despedida que não sei se equivaleu a um voto sobre a dissolução da Assembleia e uma esperança de ser reeleito, inclusive, não sei em que termos de acordo com o Partido Socialista...
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Em qualquer caso, espero realmente que nos vejamos aqui para o ano.
O Sr. Deputado Lopes Cardoso pode ter a certeza absoluta de que, se estivermos aqui para o ano no exercício das mesmas responsabilidades que temos neste mesmo momento, terá de votar e discutir aqui uma proposta do CDS de revisão da Constituição. Talvez nessa altura tenha ocasião de, mais uma vez, nos censurar pela nossa falta de imaginação, de originalidade, porque não desistiremos. É que nós sabemos que os problemas do País não serão solúveis enquanto essa revisão não for possível.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Isso é que é ser conservador!
O Orador: - O Sr. Deputado Raul Castro falou aqui num banco que apresentava alguns milhões de contos de lucro, mas esqueceu-se talvez que existem dois bancos em Portugal que, como toda a gente sabe e também os jornais, pois estes, inclusive, até explicam, que têm de ir em socorro dos outros bancos. Há inclusivamente em prática mecanismos de compensação para essas dificuldades, há fundos incobráveis dos bancos que são em alguns casos maiores do que as suas próprias reservas, sendo isto descrito em várias inconfidências públicas trazidas nos jornais. Essa realidade é infelizmente conhecida de toda a gente.
Por outro lado, há uma questão que me coloca em relação à qual julgo que V. Ex. tem alguma razão. Isto é, V. Ex.ª questiona como é que o sector privado tem tanto interesse no sector público se ele está tão mau. A verdade é que, neste aspecto, partilho a sua dúvida. Acho que o sector privado não tem tanto interesse no sector público como isso. Talvez até fosse, nesse tal plano das desnacionalizações, necessário fazer alguma coisa que estimulasse o interesse do sector privado. Agora, devo dizer-lhe que pela, minha parte não vejo nenhum mal no interesse do sector privado. Não há nenhum mal no dinheiro! Não há nenhum mal no lucro! Não há nenhum mal no interesse do sector privado! Não temos nenhum preconceito a esse respeito. O lucro não é pecado, mesmo para um partido democrata-cristão, nem sequer um pecado venial, muito menos «capital». É perfeitamente legítimo! É este tipo de mentalidade que queremos introduzir em Portugal e não temos nenhuma vergonha, nenhum problema em dizê-lo, sendo certo que quase nenhum de nós, e muito menos eu próprio, alguma vez viveu dessa forma de remuneração que se chama lucro.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - E então os pecados capitais?!
O Orador: - Mas, apesar disso, não temos nenhum problema, complexo, ressentimento e achamos que só por essa via, por essa lógica conseguiremos fazer do nosso país aquilo que queremos. Aliás, quando o Partido Socialista fala de liberalização uma coisa que tive algumas vezes ocasião de lhes dizer foi que há uma diferença: acontece que nós podemos dizer que «viva o lucro» e o PS, por muita liberalização que pregue, não pode dizer tal. E nós podemos dizer claramente: «viva o lucro»!
O Sr. César Oliveira (UEDS): - O slogan do CDS para as próximas eleições legislativas poderia ser: «Vote no CDS! Viva o lucro!»
O Orador: - O Sr. Deputado Marcelo Curto começou por dizer que a minha intervenção estava afectada de um preconceito ideológico. Não, Sr. Deputado! Nenhum ... O preconceito ideológico está na Constituição que se diz socialista e a opção é esta, em Portugal: entre aqueles que acham que a democracia plena está no socialismo ou aqueles que, como eu, acham que tal está apenas em dar ao socialismo um lugar exactamente igual àquele que têm as outras ideologias. E no fundo é esta a questão! Na verdade, o que o partido socialista produziu foi a pior de todas as expropriações, ou seja, a expropriação do documento que é a base da vida colectiva: a Constituição.
Aplausos do CDS.
O que queremos em Portugal, Sr. Deputado Marcelo Curto, é acabar com a expropriação e o confisco da base moral da comunidade em que vivemos. Enquanto a Constituição for socialista teremos um privilégio dessa bancada,- desse partido, do conjunto das forças de esquerda em Portugal que combatem contra nós. É um combate desigual porque é o combate do privilégio constitucional.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Tem-se visto!...
O Orador: - Sr. Deputado Marcelo Curto, há mais algumas questões que me colocou, como seja, a do desemprego, por exemplo. Perguntou-me se quero um «modelo à Sr.ª Thatcher». Realmente, não quero um modelo à moda da Sr.ª Thatcher e devo dizer que nos bastaria uma liberalização semelhante àquela que existe na maioria dos países europeus. Agora, o drama em Portugal é este: temos um modelo que não é o da Sr.ª Thatcher mas que produz os mesmos inconvenientes que o da Sr.ª Thatcher. Quer dizer: não temos as vantagens e temos os inconvenientes da política da Sr.ª Thatcher. A nossa política não produz o suficiente para pagar aos desempregados os subsídios que lhes são devidos, mas produz o mesmo número de desempregados. Não é por acaso que, em fins de 1984, a percentagem de desempregados em Portugal era de 13,4%, segundo as estatísticas oficiais, e há 10 anos era de 2%. É esta a questão!
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Isso tem a ver com a Constituição! O CDS «virou» gonçalvista!
O Orador: - É que o argumento do desemprego contra as políticas liberais não existe, porque quem produz desemprego em Portugal são as políticas socialistas.
Chegámos em Portugal a um absurdo completamente insuportável que é este: temos um país em que é proi-
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bido o despedimento e em que o desemprego aumenta todos os dias. Esta é a questão! É por isso que esse argumento não pode mais ser invocado contra qualquer política liberal.
Quanto ao Sr. Deputado José Magalhães que está sem dúvida obcecado pelo fantasma...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Do Freitas.
O Orador: - .. .que deve representar no seu partido o chefe do mesmo partido...
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador:- ...e que, querendo libertar-se desse fantasma, faz aquilo a que os psiquiatras chamam um «fenómeno de transferência».
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Pela nossa parte, não há qualquer fantasma, qualquer complexo do pai. Aliás, devo lembrar-lhe que o «pai pródigo» não é uma figura bíblica. É antes uma figura antinatural, uma figura que não existe.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Fie-se na Bíblia e logo vê onde vai parar!
Risos do PS, do PCP e da UEDS.
O Orador: - Não haverá no «novo testamento» do CDS qualquer «pai pródigo». Esteja seguro disso, Sr. Deputado!
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Suponho que se tudo se pudesse reduzir à argumentação aqui expendida pelo Sr. Deputado Lucas Pires, relativamente à iniciativa da abertura do período de revisão constitucional, não valeria a pena com proveito para esta Câmara e muito menos para o País continuar este debate.
Os argumentos valem o que valem! O meu camarada Carlos Lage pôde já explicitar o que valiam os argumentos do Sr. Deputado Lucas Pires; soaram a argumentos requentados, pois não foi sequer capaz de passar da questão táctica do CDS para poder realmente colocar o problema da revisão constitucional no domínio do interesse nacional, à luz da situação política actual.
Uma questão tão importante como a da revisão constitucional - o que quer o CDS quer o PS reconhecem - não pode ser trazida a esta Câmara apenas com um discurso ideológico. Tem de ser trazida a esta Câmara com responsabilidade política, tendo em vista quais são as prioridades políticas do País, quais são os compromissos essenciais que temos pela nossa frente e qual é a nossa capacidade de responder a esses desafios.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Acerca destas questões o CDS disse nada! Naturalmente por, como partido da oposição, não se achar no direito de dar respostas a certos problemas nacionais. Mas creio que para o CDS essa ausência de resposta não é apenas por o CDS ser actualmente um partido da oposição... E vale a pena situar determinadas questões no tempo e relembrar alguns factos que a nossa história recente pode ilustrar e ajudar a compreender melhor certos aspectos deste debate. Assim, aquando da revisão constitucional de 1982, muitos foram aqueles que se empenharam, designadamente o PS, a constituir uma democracia autenticamente civilista, dando a máxima expressão às regras da soberania popular, criando um equilíbrio salutar nas relações entre os órgãos de soberania, fazendo uma subordinação definitiva das Forças Armadas ao poder político, participando assim na consagração constitucional, e institucionalmente democrática, de um Estado de Direito pluralista, onde todas as correntes de opinião se pudessem exprimir em condições de igualdade. Dessa circunstância e através dela pôde então a maioria formada nesta Câmara dizer que tinha chegado o momento para finalmente se poder fazer aquilo a que também chamaram a libertação da sociedade civil. Acontece que, quando estavam criadas as condições institucionais para o CDS protagonizar essa libertação da sociedade civil, vimos os dirigentes políticos do CDS «fazerem as malas e irem para casa», isto é, depois de não terem mais alibis para justificar por que é que não governava o País em condições, o CDS demite-se das suas responsabilidades, abandona o País à deriva, provoca eleições antecipadas em Portugal, destrói uma maioria e revela-se totalmente incapaz de protagonizar a modernização da sociedade portuguesa.
Aplausos do PS.
E é esta, Srs. Deputados do CDS, a questão essencial: saber como e por que forma é possível, não apenas em termos de discurso ideológico mas em aplicação programática de um projecto, ter capacidade de resposta para as dificuldades nacionais.
O que sucede é que vimos, por exemplo, o CDS dizer que não é possível governar o País porque os sectores tal como se encontravam, estanques, não permitiam o livre investimento da iniciativa privada. Queixavam-se mesmo de que isso era uma situação de total injustiça relativamente à capacidade de investimento externo em Portugal; que essa era uma questão a resolver, pelo que a partir dela teríamos encontrado uma mola real para o desenvolvimento do País. E quando o CDS tinha nas mãos a possibilidade de apresentar, à luz da revisão Constitucional então produzida, uma nova lei de sectores ou, no plano institucional, regulamentar a subordinação das Forças Armadas ao poder civil, ou seja, dar plena institucionalização democrática à revisão constitucional de 1982, o CDS, como referi, «fez as malas e foi para casa».
O que não é bonito é que agora seja o CDS, depois de estar afastado de certas ameaças graves de ruptura na sociedade portuguesa, vir procurar protagonizar o desenvolvimento e a mudança que no momento crítico não foi capaz de fazer.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Há certas espécies de pássaros que põem os ovos nos ninhos dos outros! Gostaria que o CDS não cedesse à tentação aliciante de fazer o mesmo, porque no plano político e em termos de ética política
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essa é seguramente uma atitude que não dá dividendos perante o País. Em todo o caso, gostaria de situar o problema tal como ele também agora se coloca ao Partido Socialista.
Nas eleições legislativas de 1983 nenhum grupo parlamentar, ou melhor, nenhum partido político apresentou ao eleitorado o tema da revisão constítucional como terna para a legislatura que entretanto .decorre. Isto é, em 1983, para nenhum partido político face ao seu eleitorado a questão da revisão constitucional foi uma questão essencial. Então, se o CDS sabia, como diz que sabia, que ela era uma questão estrutural, indispensável no processo de reforma do País, porque é que se esqueceu de dizer ao eleitorado que a questão da revisão constitucional era também essencial para esta legislatura?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Grave imaturidade política do CDS, Srs. Deputados!
Mas creio que a questão se coloca à luz de outros problemas. Na necessidade de constituir uma maioria sólida, o Partido Socialista e o Partido Social-Democrata estabeleceram um acordo de coligação pelo prazo da legislatura. Nesse acordo voluntariamente colocaram de lado o problema da revisão constitucional em virtude de ambos os partidos, no momento em que celebraram o acordo de coligação, não consideraram ser essa uma questão essencial, sequer necessária, para o processo de modernização e recuperação da sociedade portuguesa.
O Partido Socialista tem-se mantido seguramente numa perspectiva de abertura para encarar o problema da revisão constitucional, mas se não o f az à luz de compromissos ou complexos ideológicos muito menos nos termos em que o CDS faz, ou seja, em moldes de querela institucional. É que o CDS, designadamente através do Sr. Deputado Lucas Pires, vem aqui fazer a «conversa da cigarra», mas antes não foi capaz de produzir o «trabalho da formiga». E quando diz que escreveu ao Partido Socialista e se lamenta por não ter obtido resposta é porque a questão é simples: há certo tipo de responsabilidades que só podem ser assumidas por quem tem capacidade para as assumir. Ora, o CDS, com 30 deputados nesta Câmara, não tem capacidade para liderar o «barco» da revisão constítucional.
Vozes do P§: - Muito bem! Vozes do CDS: - Não apoiado!
O Orador: - A revisão constitucional, como já aqui foi salientado, exige para a sua abertura um largo consenso - quatro-quintos dos deputados desta Câmara - ou seja, a necessidade, mais do que partidária, nacional de fazer um grande debate acerca de quais são os temas essenciais num processo de revisão constítucional.
Porque aí, Srs. Deputados, não basta dizer, como agora diz o CDS, que se quer uma revisão limitada à parte económica da Constituição. E quando o CDS o diz não consegue justificar este propósito senão pela ideia fixa de que quando mais depressa desnacionalizar um conjunto de empresas nacionalizadas melhor.
Não, Srs. Deputados do CDS! O problema económico do País é muito mais grave do que isso, e quando se revelar necessário, se se revelar necessário, operar a desnacionalização de empresas nacionalizadas, tudo isto tem de estar inserido num quadro de modernização da estrutura produtiva nacional e de verdadeira adaptação às estruturas económicas europeias, e acerca deste debate, até hoje, o CDS não foi capaz de ter qualquer participação positiva.
Aplausos do PS.
Mas não se iludam. Se agora fosse aberto um período de revisão constitucional, ele não estava limitado - porque o CDS não tem essa capacidade constitucional de o fazer - aos propósitos da revisão do CDS. No período de 30 dias subsequentes à abertura do período de revisão constitucional, os deputados têm a iniciativa de apresentar os projectos de revisão constitucional com o mais largo objecto de revisão que entenderem.
E o que sabemos é que na área política onde o CDS se situa há outras personalidades que dizem que não existe apenas o problema económico da Constituição mas falam também em rever outras matérias, como a do sistema eleitoral. Mas de que maneira? Para manter o princípio do sistema proporcional? Para criar um sistema maioritário? Para definir um sistema misto? Mas já alguém designadamente o CDS, tem ideias verdadeiramente sólidas sobre isto? Que se saiba não tem!
O Sr. Neiva Correia (CDS): - Tem o PSD!
O Orador: - E quando falam no problema do referendo, há dentro do seu partido quem o defenda e quem o ataque. E quando se fala no reforço da componente presidencial, há dentro do seu partido quem entenda que tal se deve fazer e quem, dentro do seu partido ou fora dele mas nas mesmas «águas», defenda que o sistema tal como se encontra está muito bem.
Ou seja: também nestas matérias o CDS não tem ideias claras e, sobretudo, não tem capacidade política de produzir uma linha de orientação consistente.
O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Isso é falso!
O Orador: - E o que seria curioso era abrirmos agora, precipitadamente, um período de revisão constitucional pretensamente limitado apenas ao aspecto da revisão económica da Constituição, para pouco tempo depois se voltarem a levantar não sei quantas vozes a dizer que afinal voltava a ser necessário outro período extraordinário da revisão constitucional para rever não sei que outras matérias, que afinal não tinham sido revistas, por tal não ser necessário, da primeira vez.
Srs. Deputados, não façamos da Constituição a querela do impasse, quando o impasse é de ordem intrínseca ao partido que tanto fala na revisão constitucional.
E já que o Sr. Deputado Lucas Pires tanto falou do liberalismo, quero dizer-lhe que essa questão não é um fantasma para o PS, porque a atitude liberal estamos nós a tê-la, por muito que lhe custe. Temos capacidade de renovar o nosso sistema, quer no plano das reformas de fundo, quer no que às instituições diz respeito, quer no plano das reformas estruturais.
Referiu a Lei das Rendas, sabe que foi apresentado nesta Câmara um projecto de lei para participação de capitais privados juntamente com capitais públicos no domínio das empresas públicas, e para a possibilidade de constituição de empresas de capitais públicos? Sabe
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que foi com a a participação do Partido Socialista que se fez a revisão da Lei de Sectores e que foi com o PS no poder que realmente a iniciativa privada teve acesso a áreas do domínio económico, quando o CDS tinha a possibilidade de o fazer e não teve capacidade política para tal?
O Sr. Bagão Félix (CDS): - É preciso um descaramento! ...
O Orador: - Portanto, não vale a pena vir procurar dar lições de liberalismo ao Partido Socialista, porque, sem abdicarmos das nossas convicções socialistas e democráticas, a capacidade de liberalizar o sistema é o PS que a está a conduzir, por muito que isso custe ao CDS.
Depois, também neste plano do liberalismo, vale a pena outra reflexão: vimos aqui, Srs. Deputados, no dia 25 de Abril, o Sr. Deputado Gomes de Pinho produzir uma intervenção a propósito do Dia da Liberdade em Portugal verdadeiramente condenatória da própria Liberdade.
O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - É falso!
O Orador: - Vimos aqui, no dia 25 de Abril, o discurso de D. Miguel contra D. Pedro.
Risos do CDS.
Vimos aqui, no dia 25 de Abril, por parte do CDS, o integralismo contra o liberalismo. E são os senhores que vêm falar de liberalismo ao Partido Socialista?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Srs. Deputados, perguntar-se-á: qual é afinal a posição do PS? A posição do PS, como é sabido, tem-se baseado nalgumas linhas mestras de orientação, às quais nos mantemos persistentes. Definimo-las pela estabilidade, pelo trabalho e pela eficácia.
Risos do CDS.
Relativamente à estabilidade, dir-lhes-emos que é uma verdadeira irresponsabilidade política, num ano em que há os processos eleitorais, que o Sr. Deputado Lucas Pires aqui referiu, procurar vir agora alterar o ordenamento constitucional sem ter tido a capacidade prévia de avaliação de até onde isso nos poderia levar.
E quem privilegia a consolidação das instituições democráticas tem que ter a capacidade política bastante para não estar a criar desequilíbrios no ordenamento constitucional, a criar paixões de debate sobre o problema do ordenamento constitucional num ano em que há mutações nos próprios órgãos de soberania.
Se o CDS não compreende esta realidade política, o problema é uma limitação para o CDS, mas dir-lhes-emos que o Partido Socialista não os acompanha nessa vossa prece.
Naturalmente que quando definimos objectivos de estabilidade e de trabalho estamos conscientes de que para que isto seja eficaz tem que se saber definir prioridades. E nós, Partido Socialista, sabemos que definimos essas prioridades através de um acordo celebrado com o PSD. É no quadro dessas prioridades, que permitiram a recuperação da crise nacional e que vão permitir a modernização do País, que estabelecemos a nossa linha essencial de comportamento político.
Naturalmente que o CDS fica nervoso porque continua a existir uma maioria nesta Câmara.
O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Vamos ver qual é!
O Orador: - Naturalmente que o CDS fica nervoso porque está ansioso por reconstituir as ideias da bipolarização política em Portugal, mas o CDS tem de compreender que foi a bipolarização política que afastou a capacidade de consenso, de diálogo e de fazer convergir, em termos construtivos, os esforços necessários para a recuperação do País.
Recordo aqui que, quando tive oportunidade de fazer nesta Câmara uma comunicação acerca da visita de uma delegação da Assembleia da República à Áustria e depois de aqui ter referido o exemplo de 20 anos de uma maioria estabilizada entre os dois maiores partidos desse país, foi o Sr. Deputado Luís Beiroco que se levantou na primeira bancada do CDS para se congratular com uma experiência política na qual reconhecia também os reflexos de um partido similar ao CDS.
Que estranha situação é esta em que o CDS é capaz de admirar as experiências que outros fazem em nome da estabilidade, do trabalho e da eficácia e não é capaz no plano interno de reconhecer o valor desses mesmos propósitos.
Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, dir-lhes-ei que estamos tranquilos. Não corremos atrás do labéu que o Sr. Deputado Lucas Pires pretendeu mais uma vez levantar sobre o Partido Socialista, de ele ser suspeito de colectivismo. Não precisamos, Sr. Deputado Lucas Pires, porque se alguém em Portugal, em todos os domínios da vida política portuguesa, soube combater na primeira fila o Partido Comunista e as ideias do colectivismo, foi o Partido Socialista. E não fora o PS e talvez o CDS não estivesse sentado nessa bancada.
Aplausos do PS.
E não fora o PS e talvez a Constituição da República na revisão de 1982 não desse a estabilidade institucional e democrática que permite agora aos partidos da oposição calmamente - o problema é saber se com alguma eficácia - procurar constituir alternativas às maiorias existentes.
É por estas razões que nos mantemos tranquilos na nossa posição, uma posição que obviamente não tem nada a ver com as posições maximalistas do Partido Comunista sobre a Constituição, como, aliás, sobre os outros domínios da vida portuguesa. Agora o que dizemos é que não precisamos de declarar aqui que somos contra a revisão da Constituição porque, naturalmente, somos favoráveis à revisão da Constituição, Sr. Deputado Lucas Pires.
Vozes do CDS: - Ahhh...!
O Orador: - Só que como comecei por dizer na minha intervenção, sabemos apreciar o contexto político, as responsabilidades políticas e as prioridades nacionais.
E é, no enquadramento da avaliação das circunstâncias políticas, que sabemos determinar em cada momento aquilo que é adequado e aquilo que é responsável fazer no quadro dos problemas nacionais.
O Sr. Vítor Hugo Sequeira (PS): - Muito bem!
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O Orador: - E é por isso também que nos temos empenhado em não produzir declarações de guerra para criar problemas contra a paz institucional que temos vivido nos últimos 2 anos, porque é sempre mais fácil produzir a ruptura do que fazer o consenso.
Vozes do P§: - Muito bem!
O Orador: - E é mais simples vir aqui fazer alegações em nome de pretensas ideias clarificadoras do que ter a capacidade diária de fazer um esforço quotidiano em nome do entendimento entre aqueles que têm que se entender para resolver os problemas nacionais.
Aplausos do PS.
E é por isso e em conclusão, Srs. Deputados do CDS, que somos socialistas, porque o somos e não enjeitamos! Mas somos muito mais liberais do que o CDS, porque somos nós que temos a capacidade para formar os consensos que o CDS não soube formar na sociedade portuguesa.
O Sr. Neiva Correia (CDS): - Latifundiários!
Risos do CDS.
O Orador: - E quando acharmos que esses consensos estabilizaram suficientemente a vida política portuguesa, então cooperaremos activamente num processo de revisão constitucional para que possamos levar o País à modernização necessária sem sequelas, sem rupturas e num espírito de máxima unidade nacional.
Aplausos do PS e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Jorge Lacão, inscreveram-se os Srs. Deputados Nogueira de Brito, Luís Beiroco, Lopes Cardoso e Narana Coissoró.
O Sr. Deputado responde no fim às interpelações destes Srs. Deputados?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Respondo no fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: Nogueira de Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado neo-liberal... perdão, socialista...
Risos.
... Jorge Lacão: V. Ex.ª, talvez para compensar a queixa de falta de imaginação do Sr. Deputado César Oliveira, fez um discurso perfeitamente recheado de imaginação. Imaginação delirante, devo dizer-lhe.
Risos do CDS.
V. Ex.ª, para caracterizar a acção do seu partido, chegou a falar de responsabilidade, trabalho e eficácia. Veja lá, Sr. Deputado, que coisa verdadeiramente espantosa!
Risos do CDS.
O País julga-vos, Sr. Deputado. A vossa responsabilidade, do vosso Primeiro-Ministro, ao clarificar, por exemplo, um decreto-lei como uma proposta de lei e quejandas, é enorme, Sr. Deputado, é pesadíssima.
Mas o Sr. Deputado entendeu centrar toda a sua intervenção no tema das prioridades políticas. Foi por mau caminho, Sr. Deputado. É porque eu gostaria de saber quais são as vossas prioridades políticas: as do plano de recuperação de emergência ou as do plano de recuperação económica e financeira, que ninguém conhece? Ou são aquelas que vos permitem chegar a acordo com o vosso parceiro de coligação ou não chegar a acordo nenhum, e não se entenderem sobre uma única reforma estrutural?
V. Ex.ª agarrou-se à lei das rendas. Ë efectivamente a única e o Partido Socialista vai ficar conhecido, se o processo legislativo chegar ao fim, pelo «partido da lei das rendas». É a vossa grande opção e prioridade. Foi a única grande prioridade que conseguiram definir. Porque de resto, Sr. Deputado, a vossa prioridade conhecemo-la nós: é a da circunstância política. E V. Ex.ª, acusando o nosso partido, falou em fazer as malas e ir embora. Em compensação, no vosso partido há quem tenha tentado fazer as malas, instalar-se e ficar definitivamente.
Aplausos do CDS.
A vossa grande prioridade, Sr. Deputado, é, desde a primeira hora, a prioridade das eleições presidenciais. É a prioridade de fazer toda a política tendente a uma campanha: a definir um perfil, a apoiar uma personalidade.
E isso é que foi grave, Sr. Deputado, porque foi sacrificar tudo o mais a essa prioridade que realmente deu o exemplo espantoso desta coligação, que não é para louvar como a coligação austríaca - que o meu colega de bancada Luís Beiroco louvara aqui - porque não há nada para louvar nesta vossa experiência e nesta vossa coligação. Antes pelo contrário, Sr. Deputado. Esta coligação é um sinal de fraqueza e encontramos razões de sobra para essa fraqueza no enquadramento constitucional que a ela preside. E por isso periodicamente sentimos necessidade de a vir aqui denunciar. É este comentário que gostava de ver respondido pelo Sr. Deputado Jorge Lacão.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.
O Sr. Luis Beiroco (CDS): - Sr. Deputado Jorge Lacão, foi por demais evidente que nesta sua intervenção, embora a propósito da questão da revisão constitucional, estava porventura mais preocupado com outros aspectos da conjuntura portuguesa.
O Sr. Deputado, talvez porque sabia que ia intervir num debate onde ia falar o presidente do meu partido, também quis trazer aqui algumas metáforas. E falou, por exemplo dos «pássaros que põem os ovos no ninho dos outros». Ã propósito de pássaros, recordei--me daqueles que anseiam por sair da gaiola e que talvez venham a ter, mais uma vez, essa oportunidade dentro de muito pouco tempo.
Risos do CDS.
O que a revisão constitucional significa, Sr. Deputado Jorge Lacão, não é a resolução de todos os problemas do País, como é óbvio. O que ela significa é que os Portugueses estão convencidos de que pode exis-
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tir outra lógica diferente da que nos tem movido nestes 10 anos e que nos tem conduzido a um país cada vez mais pobre.
E essa outra lógica, que existe e que se exercita em todos os países da Comunidade a que vamos aderir, passa evidentemente em Portugal por uma revisão da Constituição, embora não passe só por isso.
Não basta vir aqui afirmar-se, como dizia o meu colega de bancada Nogueira de Brito, como um novo neoliberal - não sabia das suas simpatias pelo movimento da esquerda liberal -, é preciso que esse liberalismo se traduza em factos. É preciso que o País saiba quem está contra a Lei da Reforma Agrária, que é urgente rever e quem é que está contra a flexibilização das leis laborais, que é necessário fazer. Essas é que são as questões nacionais e é sobre elas que o PS vai com certeza ter de se pronunciar a muito curto prazo.
Quanto à Áustria, queria dizer-lhe que foi uma má escolha, porque se no outro dia tive aqui palavras de simpatia pela Áustria, que é um país com quem temos as melhores relações, com certeza que nessas circunstâncias não iria recordar as graves limitações de soberania que a Áustria tem.
O povo austríaco também tem limitações como o povo português. As nossas derivam da Constituição e podemos alterá-las. Infelizmente as da Áustria derivam de um estatuto de Direito Internacional diminuído e os Austríacos não as podem alterar.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Assinado pelos Soviéticos e pelos Americanos!
O Orador: - De resto, Sr. Deputado Jorge Lacão, a sua grande preocupação pelo consenso e o anátema que tentou lançar contra a bipolarização são apenas um sinal de que alguma coisa está a mudar e de que o Partido Socialista está com medo.
E quanto ao facto de V. Ex.ª ter dito que o CDS se tinha ido embora - e o CDS não se foi embora porque está e esteve sempre aqui -, quero dizer-lhe que é preferível sair voluntariamente do que ser empurrado.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado Jorge Lacão, compreenderá V. Ex.ª que a questão que lhe vou colocar não tem directamente a ver com a matéria que formalmente nos ocupa aqui. E digo «formalmente» porque acabamos de ver um Sr. Deputado da bancada que promoveu este debate vir aqui afirmar que, afinal, a questão essencial não é a revisão constitucional mas as leis da reforma agrária ou a flexibilização das leis laborais.
A questão que lhe coloco é uma outra: a dado passo da sua intervenção, o Sr. Deputado entendeu dizer que valia a pena recordar factos recentes da vida política nacional, para deles tirar as lições que são sempre úteis nestas circunstâncias; referiu-se à crise de 1982, responsabilizando o CDS por essa crise e por ter, inopinadamente, abandonado o Governo.
Sr. Deputado, ao fazer essa análise não terá V. Ex.ª, por razões tácticas, caído no mesmo erro de que tinha acusado o CDS, isto é, limitar essa análise para dela tirar não as verdadeiras lições mas as que tacticamente lhe interessavam?
cha o Sr. Deputado que a responsabilidade da crise de 1982 é apenas do CDS, não tendo o seu parceiro de coligação, o PSD, nenhuma responsabilidade, como eventualmente hoje não terá qualquer responsabilidade no que já ouvi chamar de «instabilidade que se gera dentro da aparente estabilidade em que somos governados há 2 anos?»
Isto pode parecer uma pequena questão de chicana política, mas não é, Sr. Deputado. Creio ser mais do que isso: enquanto continuarmos de facto a analisar as coisas motivados apenas por razões de ordem táctica, a querer tirar delas não as verdadeiras lições mas as que nos convêm, não continuaremos, não avançaremos. É esse comportamento diferente que julgo ser muito mais importante para ultrapassar a situação de crise que o País atravessa do que qualquer espécie de revisão constitucional. Como os factos estão a provar, ela é mais um pretexto para servir discursos simulados, para servir tácticas, não tendo nada a ver com as questões reais com que o nosso país se defronta.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Jorge Lacão, o meu colega de bancada, Sr. Deputado Luís Beiroco, disse que o seu discurso era um discurso de medo. E era um discurso de medo porque o que V. Ex.ª aqui quis trazer não foi um discurso para o CDS, mas para o interior do PSD. E nesse discurso para o interior do PSD quis V. Ex.ª aqui repetir os argumentos derrotados na Figueira da Foz, quando quiseram mostrar que determinada personalidade candidata à Presidência da República tinha responsabilidades na destruição da AD. V. Ex.ª quer trazer para a Assembleia da República, por causa dos vossos desentendimentos dentro da coligação, argumentos com os quais foram derrotados há poucos dias, para criar uma chantagem sobre o seu parceiro de coligação e sobre a nova liderança da coligação. E é, também, um discurso para o interior do seu próprio partido, quando V. Ex.ª traz aqui um discurso do Dr. Zenha no Grémio Literário, onde se diz que ao fazer as eleições ninguém pensou na revisão constitucional, para a qual é preciso haver um motu ou um item, como dizem os Ingleses, da própria eleição legislativa para depois a Câmara debater esse problema.
Sabe o Sr. Deputado Jorge Lacão que ninguém esperava que quer o PSD como o PS fizessem o que se chamou - desgraçadamente para este país - a maior das maiorias de impasse, a maior das maiorias da desgraça, a maior das maiorias que veio a verificar-se? E era perante estas circunstâncias, perante a política seguida pela PS e pelo PSD de terem uma maioria, a que o CDS poderia aliar-se para uma revisão constitucional com quatro quintos, que se poderia levantar aqui, nesta Câmara, o problema da revisão constitucional antecipada. Nunca ninguém de bom senso poderia esperar que houvesse, desgraçadamente, repito--o, esta maior das maiores maiorias do impasse nas histórias constitucional e política portuguesas.
Finalmente, veio também V. Ex.ª trazer aqui um outro discurso: dizer que a bipolarização está vencida. Quer V. Ex.ª dizer que a bipolarização está vencida, na tese geral, para todos os partidos que estão aqui ré-
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presentados? Isto é, mesmo àqueles partidos que ganharam há poucos dias uma tese de que a bipolarização é necessária, quer V. Ex.ª dar lições ao CDS ou quer dar lições e mandar recados para outros lados, servindo-se do CDS e de uma questão grave, como é a da revisão constitucional, para se intrometer nas questões internas do seu parceiro?
Em último lugar, desejo perguntar o seguinte a V. Ex.ª: andam VV. Ex.as a propagandear por todos os lados que a entrada na CEE foi a maior das maiores reformas estruturais; entende, ou não, V. Ex.ª que a revisão da parte económica da Constituição seria a maior das maiores reformas estruturais, a única que o PS poderia ter feito durante o seu desgraçado governo, o seu segundo governo na nossa recente história política?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de começar por fazer uma consideração geral resultante das questões colocadas pelos Srs. Deputados Nogueira de Brito, Luís Beiroco e Narana Coissoró. Essa consideração é a de que me impressiona sinceramente como é que um partido, que quer convencer o País da oportunidade e justeza da iniciativa que veio tomar nesta Câmara, se permite utilizar argumentos tão displicentes, tão mal fundamentados e, eles próprios, tão desfasados do próprio tema que aqui os trouxe, ou seja, a revisão constitucional.
Ficamos, então, a saber que para o CDS a revisão constitucional é um pretexto político, à sombra do qual o CDS possa procurar algum espaço táctico para se afirmar, o pretexto político para o CDS demonstrar que existe e que tem alguma capacidade da dinamizar o que quer que seja na vida política portuguesa. Isto porque os Srs. Deputados do CDS que me interpelaram não vieram discutir a bondade ou a maldade da revisão, ou da não revisão, da Constituição mas, sim e apenas, as questões menores - porque outras questões maiores há - do contexto da política portuguesa.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito limitou-se a esgrimir com palavras. Disse:
O PS reivindica essa responsabilidade do trabalho e da eficácia e não vai ficar para a história senão como o partido que fez a lei das rendas na Assembleia da República.
Bem, o PS vai ficar para a história por muitas razões; mas, neste período e nesta legislatura, o PS vai ficar para a história por ter recuperado o País de uma crise financeira eminente, por ter viabilizado uma balança de transacções, que há muitos anos não tinha o equilíbrio que actualmente tem, por ter conseguido fazer aderir Portugal à Comunidade Económica Europeia, razões históricas essenciais das quais o Partido Socialista tem toda a razão para se orgulhar.
O Sr. Luís Saias (PS): - Muito bem!
O Orador: - E se houver a responsabilidade política bastante, não apenas o PS, nesta Câmara, mas com quem desejar acompanhá-lo, pode orgulhar-se para a história de não apenas ter evitado uma ruptura no País mas ter, ainda respondido positivamente aos desafios da modernização. E essas prioridades políticas, de que o Sr. Deputado Nogueira de Brito falou estão definidas nos acordo PS/PSD. E não há nenhuma hesitação da parte do Partido Socialista em dar o melhor de si para o cumprimento desses objectivos políticos. Naturalmente que se aqui e ali há dificuldades - porque também as há, reconheça-se! - entre o Partido Socialista e o Partido Social-Democrata, é disposição do Partido Socialista não deixar cair no percurso as regras do entendimento e do diálogo.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E se assumimos isto com total transparência, nesta Câmara e perante o País, é porque este é o nosso propósito, não resultante de uma concepção táctica do poder, mas do reconhecimento de que o País precisa de estabilização democrática, de um Governo que efectivamente governe, de ter realmente condições para fazer, nos anos que estão para a frente, aquilo que o CDS, ele próprio, tão levianamente destruiu na sua passagem pelo Governo.
Diz-me o Sr. Presidente Luís Beiroco que «há pássaros que querem sair da gaiola, e que é melhor sair voluntariamente do que ser empurrado». Sr. Deputado, em democracia não é assim que as coisas se colocam. Uma regra essencial em democracia é a de as pessoas assumirem as suas responsabilidades até ao fim, porque só quem o faz, pode ser seriamente julgado pelo povo português. É típico do Partido Socialista assumir as suas responsabilidades até ao fim, sejam quais forem as consequências da forma como o faz.
O Sr. Deputado Luís Beiroco falou-me da Áustria, a propósito dos condicionamentos desse país, designadamente do problema da neutralidade austríaca.
Mas há-de o Sr. Deputado reconhecer que a limitação da soberania austríaca em matéria de neutralidade foi voluntariamente explicitada na Constituição austríaca pelos próprios partidos eleitos pelo povo austríaco. Ou seja: se a Aústria é um país neutral é porque o próprio povo austríaco soberanamente optou nesse sentido.
Vozes do CDS: - Que ideia!
O Orador: - Não me compete, portanto, fazer juízos precipitados acerca das opções de soberania dos outros países. Naturalmente que as razões históricas que conduziram à neutralidade austríaca são bem compreensíveis. Naturalmente que essa questão não tem nada a ver com o enquadramento geo-estratégico de Portugal. Naturalmente, também não foi essa razão que determinou a unidade nacional dos partidos responsáveis no interior da Áustria, que precisava de ser reconstruída, mas, sim, a consciência nacional de que era preciso levantar um país da ruína, fazer as suas recuperação e modernização. E isso souberam fazê-lo, felizmente para o povo austríaco. Desejamos, também nós, que em Portugal tenhamos consciência da nossa necessidade histórica em sabermos convergir, e não dividir, esforços.
O Sr. Deputado Lopes Cardoso disse-me que o meu julgamento acerca dos problemas da crise de 1982 poderia ser unilateral na medida em que só responsabilizei o CDS e esqueci, na altura, o Partido Social-Democrata como membro de uma maioria.
Quero dizer-lhe, Sr. Deputado, o seguinte: o Partido Socialista, quando estabeleceu o acordo que estabeleceu com o Partido Social-Democrata - como, aliás,
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o Partido Social-Democrata -, não desconhecia que eram ambos os partidos mais concorrenciais no cenário político português. E foi não desconhecendo isso que tiveram a capacidade nacional de se entenderem para realmente procurar estabilizar as condições da política portuguesa. Dir-lhe-ei, também, singelamente, que em política é preciso saber curar os males e não vingá-los. A atitude do Partido Socialista nesta legislatura não é vingar os males do passado mas, sim, curá-los, para que não se mantenham como sequelas para o futuro.
O Sr. Deputado Narana Coissoró veio fazer-me uma alegação, que, sinceramente, tive muita dificuldade em acompanhar...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É natural!
O Orador: - ... talvez por limitação minha. A complexidade do argumento ou a contradição dos próprios argumentos, pretendendo apenas transformar a minha intervenção numa simples questão de chicana política é, a meu ver, um tipo de alegação que não tem resposta possível.
Limitar-me-ei a responder-lhe, quando me pergunta se em tese geral o Partido Socialista é contra a bipolarização, que, inequivocamente, em tese geral, o Partido Socialista é contra a bipolarização, porque sabe que a bipolarização na sociedade portuguesa dividiu os Portugueses, impediu o consenso social, inviabilizou a concertação económica, produziu um estado de greves sistemáticas em momentos críticos no nosso país, criou uma maioria artificial não ligada devidamente ao País real ao qual importava estar ligado. O Partido Socialista, na oposição, foi contra a bipolarização; na maioria é contra a bipolarização. Em tese geral, por profunda convicção política, somos a favor do consenso.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: com o projecto de resolução n.º 43/III, sobre o qual neste momento se debruça esta Câmara, pretende o CDS que a Assembleia da República delibere assumir poderes extraordinários de revisão da Constituição.
A iniciativa tem suporte constitucional, aliás invocado no próprio texto do projecto de resolução, e dirige-se expressamente à parte económica e social da Constituição.
A questão preambular - e é necessário que isto seja realçado - que neste momento se põe é portanto a seguinte: merece apoio ou voto favorável este projecto de resolução para revisão constitucional?
Não está agora em causa geral o sentido da revisão da lei fundamental. Não se discutem ainda as alterações a introduzir nem a filosofia que lhes será comum. Pergunta-se apenas neste momento: deve esta Assembleia assumir poderes extraordinários para rever a Constituição, independentemente do projecto de revisão que ainda não conhecemos?
O CDS aponta vários objectivos para a revisão proposta. Citarei apenas, como exemplo, entre outros, a eliminação da referência à «Transição para o Socialismo»: a eliminação do princípio das conquistas irreversíveis de natureza colectivista; a eliminação das expressões, objectivos e conceitos de carácter partidário, ideológico e classista. A pergunta que se põe já perante estes objectivos mais concretos é esta: porquê esta definição? Qual o sentido que o CDS pretende imprimir, eventualmente, ao projecto de revisão que irá apresentar? Como escreveu recentemente Paolo di Ruffia:
Todos os Estados modernos contemporâneos, com excepção da Inglaterra, têm Constituições escritas e rígidas, mas o significado e o valor que as caracterizam nos Estados ditos socialistas são diferentes das dos Estados ou democracias ocidentais. Nestes a Constituição limita a autoridade dos governantes e assegura aos cidadãos os direitos liberdades e garantias. Nos Estados ditos socialistas a Constituição tem por objectivo conferir uma formulação jurídica às novas instituições sócio-económicas e políticas e, ao mesmo tempo, oferecer uma enunciação explícita das directivas ideológicas fundamentais que nortearão a evolução em curso.
No seu enunciado de objectivos, o projecto de resolução do CDS parece querer criar, portanto, uma dinâmica que, na generalidade, reponha o diploma fundamental português no curso da nossa tradição constitucional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Social-Democrata sempre mostrou insatisfação perante o texto da Constituição, quer antes, quer depois da revisão de 1982.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Falso!
O Orador: - Para nós, sociais-democratas, embora por razões diversas das do CDS, a Constituição deve ser o quadro voluntário da nossa liberdade permanente. Não pode representar a clausura e a perpetuação forçada de uma liberdade momentânea e passada.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A Constituição consagra os direitos e liberdades fundamentais, mas dificulta ou impede efectivamente mudanças e transformações das estruturas económicas e sociais e opõe-se ao funcionamento efectivo do pluralismo político.
Assim, à pergunta «O PSD apoia a iniciativa do CDS no sentido de que a Assembleia assuma poderes extraordinários de revisão constitucional?», a resposta clara e frontal só pode ser afirmativa.
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Fosse qual fosse a origem da proposta para que a Assembleia assumisse poderes de revisão constitucional...
O Sr. José Magalhães (PCP): - ía a todas!
O Orador: - .... viesse essa proposta do CDS ou de qualquer outro partido, e independentemente do seu conteúdo, o PSD diria sempre «sim».
O Sr. José Magalhães (PCP): - A tudo!
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O Orador: - E isto porque, como é sabido, e nos termos constitucionais, se a Assembleia assumir poderes extraordinários de revisão, o PSD poderá apresentar o seu próprio projecto, na sua perspectiva de interesse nacional, sem sujeição aos dos outros partidos representados nesta Assembleia.
Um partido que se assume de mudança - como o PSD, que defende grandes reformas das estruturas económicas e sociais da sociedade portuguesa - não pode aceitar, conformado, que a Constituição da República cristalize e que seja o retrato de uma vontade política há muito ultrapassada, que se desviou num curto espaço de tempo da nossa tradição constitucional, e que não tem eco no sentir dos Portugueses.
O conteúdo da nossa proposta de revisão constitucional é, naturalmente, muito diferente da visionada pelo CDS.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Olhe que não, olhe que não!
O Orador: - Para nós, a liberdade que a Constituição consagra deve ser alargada e reflectir-se também no campo económico.
Como o Conselho Nacional do PSD já dizia, em 9 de Março de 1985, «deve proceder-se à revisão da Constituição, eliminando as disposições programáticas e marcadamente ideológicas e eliminando os limites materiais da revisão». Mas, neste momento, a questão que se coloca não é sobre a substância da revisão, mas apenas sobre a assunção pela Assembleia de poderes extraordinários para essa revisão.
A resposta do PSD, que sempre exprimiu o seu inconformismo perante o texto constitucional, é claramente afirmativa.
Não se diga, no entanto, invocando o texto constitucional que resultou da revisão de 1982, que ele impede a governação. Neste aspecto divergimos comple-tamente da fundamentação exposta pelo Sr. Deputado Lucas Pires. As medidas que parecem indispensáveis ao relançamento da nossa economia e à estabilidade e justiça social são claramente permitidas pela Constituição.
O PSD está, portanto, atento e será sempre sensível a iniciativas deste género, mesmo quando os seus objectivos e intenções em sede de revisão possam ser claramente diferentes das dos proponentes, como acontece neste caso com o CDS.
Mas as responsabilidades de um grande partido nacional, como o PSD, com as suas preocupações de modernização económica e de justiça social, impõem uma forte vontade política que contribua para desbloquear o ordenamento constitucional e permitam modernizar a sociedade portuguesa.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados César Oliveira, Raul Castro, José Manuel Mendes, Lopes Cardoso e Luís Beiroco.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Deputado Correia Afonso, pela intervenção que V. Ex.ª formulou sou levado a concluir que, se o PCP apresentar um projecto de resolução para a assunção pela Assembleia da República de poderes de revisão da Constituição no sentido de novas expropriações, nacionalizações, etc., ò PSD vota a favor porque é pela revisão da Constituição.
Ora, como julgo que não deverá ser assim, gostaria de colocar algumas questões.
A primeira delas é no sentido de saber que medidas e que reformas estruturais são impedidas pela Constituição. E volto a colocar uma pergunta que formulei ao Sr. Deputado Lucas Pires, que curiosamente não respondeu, e que é a seguinte: aponte-me um projecto de investimento e de desenvolvimento do País que tenha sido impedido pela Constituição da República, um exemplo concreto citando que «Fulano tal» queria investir em tal domínio e não pôde porque a Constituição o impediu.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não há um único!
O Orador: - A segunda questão é a de saber que limites ao pluralismo é que o Sr. Deputado Correia Afonso vê na Constituição. Diga concretamente quais são esses limites, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Correia Afonso, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim de todos os pedidos de esclarecimento?
O Sr. Correia Afonso (CDS): - Prefiro responder no fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raúl Castro (MDP/CDE): - Sr. Deputado Correia Afonso, da intervenção que V. Ex.ª formulou entendi claramente que o PSD diz e dirá sempre que «sim» à revisão da Constituição. Porém, os fundamentos da posição do PSD não são fáceis de compreender e por isso gostaria de formular alguns pedidos de esclarecimento.
Em primeiro lugar, o Sr. Deputado começou por dizer que o que interessa é o projecto de resolução proposto pelo CDS no sentido de a Assembleia assumir poderes de revisão constitucional e não o sentido da revisão que o CDS apresenta. No entanto, embora não interesse, o Sr. Deputado foi citando alguns dos objectivos que constam do projecto de revisão do CDS. Mas, então, interessa ou não o sentido da revisão, Sr. Deputado?
Mais adiante, o Sr. Deputado afirmou que o PSD defende uma revisão que reponha a Constituição numa dinâmica da nossa evolução constitucional. Mas, então, há dinâmicas a andar para trás? Essa será uma nova figura! Uma revisão que reponha a dinâmica da nossa evolução constitucional, fazendo-nos regressar a uma fase anterior àquela que consta da Constituição de 1976... Mas que estranha dinâmica esta, Sr. Deputado!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Para além disto, o Sr. Deputado afirmou - e, permita-me que diga, essa afirmação não é verídica - que a Constituição não reflecte o sentido da vontade dos Portugueses. Ora, o Sr. Deputado esquece-se de que a Constituição foi aprovada por qua-
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tro dos cinco partidos que constituíam a Assembleia Constituinte. Quem é que pode ter legitimidade para afirmar que esta Constituição que o PSD também se propõe agora alterar não reflecte a vontade da grande maioria dos Portugueses?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado Correia Afonso, a intervenção que produziu apenas teve o mérito de redizer o que já sabíamos, isto é, que o PSD está aberto à revisão da Constituição e diz «sim» ao desafio lançado pelo CDS. Quanto ao mais, a argumentação e a fundamentação não trouxeram nada de esclarecedor, a não ser aquele quadro de referências estafadamente conhecido, ou seja, o que é preciso é eliminar da Constituição tudo o que nela é o sinal da Revolução do 25 de Abril, de maneira a que seja possível um quadro normativo que dirija o País nos caminhos do passado e nunca naqueles que, irrecusavelmente, importam para a época e para os tempos que estamos a viver.
Vozes do PSD: - Não apoiado!
O Orador: - Através deste discurso, o PSD demonstrou que vive, desde há algum tempo e agora de modo indiscutível, em perfeita desorientação: não sabe o que quer, não afirmou claramente o que quer, apanha todos os «comboios», de momento, aquele que foi disparado pelo CDS - que, de resto, é velho e vai descarrilar, não tarda muito, porque os carris não são famosos. O PSD assume perante esta Câmara uma clara postura de oposição: continua a jogar em todos os tabuleiros; está no Governo e fora dele.
Sr. Deputado Correia Afonso, se, com o voto favorável do PSD, fosse por esta Assembleia aprovado que se abrisse um período de revisão constitucional, o que é que daí resultaria? Tal facto foi previsto com o seu parceiro de coligação? Em que posição ficaria a coligação perante tudo isto? Como qualificar a postura de um partido que está na coligação e joga fora da coligação em termos absolutamente opostos àqueles que utiliza no interior da maioria?
A questão que se levanta é a de saber se o PSD, como partido do Governo, pode dar-se ao luxo - se é que de luxo se trata - de vir aqui disparar tiros de pólvora seca. Há pouco, o Sr. Deputado Jorge Lacão falava em cucos a propósito do discurso produzido pelo CDS - fez a defesa da teoria do CDS-cuco -, mas a verdade é que, nesta matéria, o PSD é o super-cuco porque não quer apenas pôr os ovos no ninho dos outros, como apropriar-se do ninho e se possível da ave. Isto revela uma capacidade inacreditável de fagia, que acaba por ser também autofagia e traduz ainda que, no meio de toda a desorientação, de todo o desconchavo, de todo o exemplo escabroso da sua actividade quotidiana, o PSD não deixa de ser profundamente voraz, mais agora, no período em que sai de uma nova liderança, pelos vistos bastante encavacado.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado Correia Afonso, o seu discurso é a demonstração clara de que, com pequeninas alterações, o PSD apenas visa repristinar a Constituição de 1933. E, desde já, é importante dizer que, para isso, não podem os democratas - tanto nesta Câmara como fora dela - deixar de alertar para as medidas urgentes que ponham termo a tão determinada e perigosa aventura, como a essa que estão a conduzir.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado Correia Afonso, na intervenção que produziu, V. Ex.ª começou por afirmar que a Constituição não impede a governação. Presto-lhe, pois, a minha homenagem pela forma vertical como V. Ex.ª recusou as desculpas que numa bandeja o Sr. Deputado Lucas Pires aqui tinha trazido ao Governo quando explicava que este era mau e que a culpa não era dele, mas, sim, da Constituição, pois se a Constituição fosse outra talvez este Governo fosse bom.
O Sr. Deputado também referiu que a Constituição não impede as reformas fundamentais, pois há reformas fundamentais e prioritárias que podem ser feitas no quadro da Constituição. Contudo, acabei por não ficar esclarecido por que razão entende o PSD que a Assembleia assuma poderes constituintes, poderes extraordinários, que só em circunstâncias extraordinárias se justificariam. Ora, como não é necessário para a governação nem para as reformas prioritárias, então por que razão é que a Assembleia deve assumir neste momento poderes constituintes extraordinários?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Deputado Correia Afonso, gostaria de sublinhar que, como todos pudemos verificar, depois de o PSD ter ficado silencioso perante a intervenção do Sr. Deputado Jorge Lacão, o PS ficou agora silencioso perante a intervenção de V. Ex." Talvez um pouco apressadamente, mas atrevo--me a concluir que a regra do silêncio é o novo meio de comunicação entre os parceiros da coligação.
Risos do CDS.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - O PS não deu «cavaco»! ...
O Orador: - Posto isto, também tive oportunidade de verificar que o Sr. Deputado Correia Afonso se colocava numa posição de grande formalismo em que, por um lado, dizia que o PSD seria favorável à assunção pela Assembleia de poderes de revisão constitucional, viesse de onde viesse uma iniciativa legislativa nesse sentido, para depois dizer quanto ao fundo da questão que aí as posições do PSD e do CDS seriam divergentes.
Como o projecto de revisão da Constituição do CDS é conhecido há, pelo menos, l ano, e o Sr. Deputado Correia Afonso é um dirigente político atento, certamente que o conhece. Para além disso, muitas das propostas que constam do nosso projecto são propostas que em algumas questões essenciais - como, por exemplo, a da irreversibilidade das nacionalizações ou a dos
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limites materiais de revisão - já constavam do projecto de revisão constitucional da Aliança Democrática, subscrito pelo PSD e pelo CDS.
Nestas circunstâncias, atrever-me-ia a perguntar quais são as divergências que existem entre o PDS e o CDS em matéria de revisão constitucional. Quais são as propostas de revisão constitucional do CDS com que o PSD não está de acordo? Ou o PSD quer ir mais além do que o CDS na revisão constitucional; mais além, na extensão da revisão, não a circunscrevendo apenas à matéria económica e social da Constituição e alargando-a a outros domínios, designadamente domínios que têm a ver com a estrutura e com o acesso ao poder político, ou mais longe e mais fundo em matéria de Constituição económica?
Esse era um esclarecimento que creio que seria interessante para esta Câmara e para o País e que estou certo que o Sr. Deputado Correia Afonso não deixará de abordar.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As minhas palavras serão dirigidas a todos os deputados que me colocaram questões, que efectivamente agradeço, e devo dizer que elas têm o mesmo sentido para todos e que não divergem.
Há que situar a perspectiva com que o PSD encara uma revisão constitucional.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Deve ser difícil!
O Orador: - Uma constituição não é um texto sagrado, não é uma bíblia. Só merece respeito se representar a vontade popular e, caso assim não seja, é um papel que se deve deitar fora porque é perigoso para a paz social e para a democracia.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. José Magalhães (PCP): - O que é que isso quer dizer em concreto?
O Orador: - O PSD está sempre aberto a assumir poderes de revisão constitucional, porque só depois de os poderes de revisão estarem assumidos é que a vontade popular poderá dizer se quer ou não alterar a Constituição.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O Cavaco e o Freitas é que sabem!
O Orador: - Por outro lado, defender uma dinâmica de revisão é uma posição de progresso. Conservadores são os Srs. Deputados que defendem que a Constituição se deve manter imutável, sem sequer quererem saber se ela ainda corresponde à vontade e ao desejo do povo português. Isso é conservadorismo e é assim que ele deve ser assumido.
Aplausos do PSD.
Por outro lado, devo dizer aos Srs. Deputados que o PSD não tem de discutir, nem na praça pública nem na Assembleia, os seus problemas de coligação. A sua responsabilidade e ética políticas fazem com que os discuta com õ seu parceiro, e não é este o local próprio. Aquilo que tivermos a dizer ao PS di-lo-emos, mas não aqui porque não é este o sítio próprio.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Aliás, devo dizer que não reconheço autoridade a nenhum daqueles Srs. Deputados que pretendem interrogar acerca do que se passa; não reconheço autoridade e nem sequer a manifestaram acerca dos problemas nacionais que neste momento afligem o PS e o PSD. São dois partidos responsáveis...
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Responsáveis? Tem-se visto!...
O Orador: -... que se preocupam com a situação do País e os problemas da coligação serão resolvidos com responsabilidade e com ética entre esses dois partidos.
Aplausos do PSD e do PS.
O Sr. Deputado César Oliveira pediu que referisse um projecto que tivesse sido impedido pela Constituição e devo dizer-lhe que foi o da televisão privada. Chega-lhe?
Risos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Quer mais!
O Orador: - Quer saber limitações da Constituição? Forçar o povo português a caminhar para o socialismo sem ele poder dizer que não quer.
Se o Sr. Deputado César Oliveira não sabe qual é a diferença entre o socialismo e a social-democracia vou dizer-lhe: para já, o socialismo assume-se como representante de uma única classe, que é a dos trabalhadores, ao passo que a social-democracia é interclassista.
Aplausos do PSD.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Quem é que lhe disse isso?
O Orador: - Outra limitação da Constituição é a apropriação colectiva dos meios de produção. O PSD só defende a apropriação dos meios de produção dos sectores básicos da economia e, portanto, não a aceita com uma largueza tão grande como a que está inserida na Constituição.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não há aí um lapso, Sr. Deputado?
O Orador: - Srs. Deputados, em democracia não há nada irreversível. A única coisa que conta é a vontade em cada momento do povo português.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Reprivatização das empresas públicas: a proibição da reprivatização é também uma cláusula da vontade do povo português quando se manifestou em 1975.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas aprovaram-na nessa altura!
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O Orador: - Quando o PSD diz que tem uma posição de abertura para qualquer projecto de assunção de poderes extraordinários de revisão da Constituição apenas quer dizer que não aceita que os Srs. Deputados conservadores enclausurem a vontade do povo português nas páginas da Constituição e não admitam que neste momento diga o que quer.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS, de longe a longe, sai do torpor parlamentar que o caracteriza e comete algumas «ousadias»; avança aqui com uma moção de censura; reivindica ali a realização de eleições antecipadas para, a breve trecho, dar o dito por não dito e afagar o Governo no primeiro corredor sombrio; clama pela eficácia de labor dos deputados mas, porque anda à deriva, furta-se ao trabalho de várias comissões e subcomissões enquanto flana, escassamente, pelo hemiciclo, como hoje sucede. Fora da Assembleia, tanto se contorce por sentir-se sem pai, como, de repente, vendo-se com pai a mais e na contingência de sufragá-lo na corrida para Belém, range de opostas dores. Ciclicamente, de ano a ano, reencena o seu número predilecto e apresenta o estafado projecto de resolução visando a assunção, pela Assembleia da República, de poderes extraordinários de revisão constitucional. Chega junto do Partido Socialista e oferece-lhe o escalracho do seu prato de urtigas travestidas de alface, com ademanes de circunstância. Tenta-o, sabe-o dado a lastimáveis fraquezas e alicia-o, adoptando, face ao eventual silêncio incómodo, a postura entre capadócea e libertina do que pergunta, com o lenço farfalhudo nos dedos:
Para já ou para mais tarde? Eu espero, filhos. Vocês não resistirão aos meus encantos.
Vozes do PSD: - Ah!
O Orador: - O quadro seria caricato se não vivêssemos numa situação, de facto, inconstitucional. Se não campeasse o golpismo, se o adiado cadáver governamental não procriasse no meio dos estrebuches crescentes, males gravíssimos contra o regime democrático.
Enquanto se assiste ao espectáculo de líderes que não aceitam assumir funções de vice-primeiro-ministro e de vices que não são dirigentes partidários, de titulares de pastas que preparam a mala para novos périplos europeus e economistas que espreitam, na antecâmara, a ocasião de entrar em cena, de ministros que se acusam, desresponsabilizam, espingardeiam, o País debate-se com dificuldades sem paralelo, com uma crise a que a política do «bloco central» deu proporções de alarme. O Governo, colocando-se à margem da legalidade, sobrevive penosamente, sobressalta-se com o fim inelutavelmente próximo e, entretanto, distribui prebendas a beltalante, discrimina, persegue, de forma ominosa, quem se não rende ao novo apodrecido instalacionismo, assalta a Reforma Agrária, as empresas nacionalizadas, os direitos elementares dos trabalhadores. Há membros da equipa de Mário Soares que se confessam, publicamente, comprimidos pela Constituição, reclamam outra, acham « incrível que a Constituição do País estabeleça normas constrangedoras para a governação». Desde os tempos do despotismo iluminado, pelo menos, que se não ouvia desabafo tão radicalmente adverso à ideia de Estado democrático. É obra, Srs. Deputados!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Os escândalos avolumam-se. A informação estatizada, inconstitucionalmente, promove, sem desfalecimentos e pelos métodos mais descabelados, a candidatura presidencial do secretário-geral do PS. A própria defunta Comissão Política do PSD, num desarrincanço de feitor que vê a quinta invadida impunemente, teve que bradar umas quantas exigências, proclamando: «Isto não pode continuar». Mas continua. A RTP pulveriza, em cada dia que passa, as regras constitucionais e legais do pluralismo, da isenção, da objectividade. O presidente do seu conselho de administração utiliza o carro da empresa para se deslocar, em veste profissional, a julgamentos incompatíveis com o cargo que desempenha; com o mesmo escrúpulo, no entanto, proíbe, farisaicamente, a exibição de películas, por alegados motivos morais, permitindo que certames inqualificáveis disputem espaços vitais da programação.
Em nome de idênticos valores se distorcem factos, amalgamam espécimes informativos, ostracizam eventos relevantes, agigantam medíocres, empreendem esforços na anticultura e na propagação de retrógados ideários.
Vozes do PCP: - Que vergonha!
O Orador: - Convergindo com estes, outros escândalos proliferam.
A extinção da CTM e da CNN, abrindo os túneis da miséria a milhares de homens e mulheres, generalizando o desemprego e a injustiça social, operou-se contra a moldura constitucional, em favor do nepotismo, da arbitrariedade, dos interesses privados de desbarato e rapina. Recentemente, o Governo criou, por decreto--lei, um fundo de apoio financeiro do Primeiro-Ministro, prestado pelos Estados Unidos no âmbito da Fundação Luso-Americana, gerido mediante a intromissão directa do embaixador daquele país em Lisboa. O procedimento, para lá das coordenadas políticas em que está envolto, é inepto e inconstitucional: desvia do Orçamento do Estado e da fiscalização pública dinheiros concedidos a Portugal, num montante originário de 38 milhões de dólares. Vergonhoso é, porém, que o preço das facilidades doadas às Forças Armadas Americanas à custa da soberania portuguesa, num processo inçado de obscuridades, atropelos e claudicações por parte do Governo que suportamos, seja canalizado expeditamente para o comité eleitoral dos negociadores! Aliás, com vista aos actos de apuramento da vontade popular que se avizinham, surgem já as medidas demagógicas, o entreluzir das falsas abundâncias para iludir incautos e os apoios discriminatoriamente estabelecidos. Que culpa tem a Constituição de tudo isto? Absolutamente nenhuma!
A realidade económica, financeira e social do País não se compadece com práticas irresponsáveis em todos os azimutes e exige, imperativamente, que a Constituição, em vez de ser violada, seja cumprida. A Constituição consagra todos os direitos fundamentais mas, por força
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da acção governativa, sobe o número de desempregados, sobretudo entre os jovens e as mulheres; alastra a chaga dos salários em atraso; aumenta o surto dos contratos a prazo. O direito à saúde, ao ensino, à cultura, à habitação, à qualidade de vida vai-se transformando numa quase ficção macabra, grassando a precaridade, a desprotecção, a insuficiência, a sobranceira insensibilidade onde se exige a acção determinada do Estado, a competência dos governantes sintonizada com as prescrições constitucionais. Aprofunda-se a recessão, cai o investimento produtivo, recorre-se ao mercado estrangeiro em substituição do incremento da produção nacional, posta-se todo o nosso aparelho económico na dependência das multinacionais, agudiza-se o colapso do sistema bancário ao tempo em que o executivo PS/PSD autoriza a abertura da banca ao grande capital. Arremete-se contra as nacionalizações e a Reforma Agrária visando a reimplantação dos grupos monopolistas e a recuperação dos latifúndios. Provoca-se a inviabilidade e o garroteamento das pequenas e médias empresas. Vicejam as actividades especulativas, o contrabando impune, a corrupção. A dívida externa bloqueia o desenvolvimento, exprime-se por cifras galopantes que contendem com a independência nacional.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - ...; nos jovens, não dispostos a pactuar com a alienação, o adormecimento das capacidades volitivas, o narcotizar dos seus impulsos de rebeldia inovadora e criativa; nos intelectuais, que não negoceiam a liberdade nem a lúcida apetência por um devir descoactivizado e pugnam agora, entre outras finalidades urgentes, por um código do direito de autor expungido das normas intoleráveis que integram o aprovado pelo Conselho de Ministros...
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - ...; no povo, que fala a linguagem da esperança quando o impelem ao desespero, caminha em frente, ainda que recuando transitoriamente, se o compelem à inércia, ama a fraternidade e a justiça, não esmorece na busca do melhor dos mundos.
A Constituição está viva, apesar de atentados e desfigurações, e tem enormes potencialidades, aguardando as forças capazes de as propulsionarem. A crise vincada que Portugal atravessa não é fruto da Constituição; sim do seu não cumprimento.
O Sr. José Magalhães(PCP): - Ë a modernização?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Que culpa tem a Constituição da República de tudo isto?
Vozes do PCP: - Nenhuma!
O Orador: - Dos Governos que prometeram grotescos eldorados a partir da sua jugulação progressiva? Da falência irredimível dos ensaiadores e reensaiadores de bolorentas soluções expoliadoras do povo? Dos funambulescos arautos do retrocesso e do desrespeito pelas leis fundamentais? Que culpa tem a Constituição?
Nenhuma, Sr. Presidente e Srs. Deputados!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Apesar de tudo aquilo por que passou, a Constituição está viva.
Está viva nas mãos dos trabalhadores que combatem o sinistro pacote laboral, que resistem à degradação aviltante do poder de compra, às chantagens do patronato e dos seus agentes político-partidários, à ignomínia do trabalho não remunerado; à lepra dos despedimentos sem justa causa, ao desemprego, ao obturar gradativo da justiça laboral.
Aplausos do PCP, do MDP/CDE e do Deputado Independente António Gonzalez.
Está viva nos que defendem, se necessário com o próprio sangue, a Reforma Agrária, se batem contra as calúnias de um poder insano, contra os expedientes liquidacionistas de todo o jaez, a entrega de terras a falsos agricultores e rendeiros, o regabofe das reservas, o esbulho, o regresso às conjuras abandonadas pela torpeza dos príncipes ao pé da multidão dos carenciados.
Viva, Srs. Deputados, em quantos se não deixam vassalizar, nas mulheres que, enjeitando a passividade e o domesticismo pifado que lhes querem impor, dão exemplares testemunhos quotidianos de porfia combativa...
O Orador: - Daí que a «reprise» ritual do CDS se configure a um projecto que, nada tendo a ver com o País em que a Constituição está viva, intenta a ruptura institucional para a estabilização de uma sociedade opressora, cujos traços fundamentantes são os que agora avultam, nestes eseuros dias que os governos de direita geraram.
O que urge, contudo, é pôr termo à marcha para o abismo. Impedir o enfarte do miocárdio da democracia. Erradicar as abjectas estratégias de golpe permanente, a intriga palaciana, a reinstalação do baronato, vindo da fundura do obscurantismo disputar o topo dos partidos reaccionários e do Estado, o surdir energumenesco dos Tios Sams da nossa miraculosa prosperidade, os pífios resgatadores da Pátria que prorrompem da Quinta da Marinha entre nevoeiros e bolor, os prestidigitadores da política, sem espinha, atreitos a todas as acrobacias e esgrimas apontadas à medula dos interesses populares, os que se dispõem a tudo para levar Soares à presidência, assegurando até que seria excelente Presidente da República o péssimo Primeiro-Ministro, chefe dos que, brandindo o pau de adesão à CEE, almejam incrementar involuções contra--revolucionárias que não obtiveram em nome de anteriores cruzadas.
Vozes do PCP: - Que vergonha!
O Orador: - O CDS, remontando a sua peça dilecta, quer enterrar a Constituição em vida. Fá-lo por si e pelo PSD, conte este com velhíssimas ou neófitas lideranças. Age em representação da direita miguelista e dos seus ancestrais propósitos. Aproveita o atordoamento institucional, perpetrado pela coligação no poder e, não regateando a sua achega à panóplia de instrumentos marasmáticos com que ela anseia e agencia a ultrapassagem do cabo das tormentas de 14 de Julho, acomete o PS no terreno lodoso em que se move e pede tudo: a destruição das normas essenciais da nossa vivência colectiva, a mudança antidemocrática do
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regime. Mas engana-se. Muitas e poderosas são as forças que lutam pelo 25 de Abril, pela pátria livre, realizadora e equânime que a história nos impõe nestes finais do século.
Se algum mérito tiver o debate será o de, salientando estas realidades e funcionando como um alerta, evidenciar a necessidade imperiosa de pôr termo à aventura dementada, à paralização das instituições, ao desgoverno do País.
Aplausos do PCP, do MDP/CDE e do deputado independente António Gonzalez.
O Sr. Presidente: - Está inscrito, talvez para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado José Manuel Mendes ou para lhe formular um protesto, o Sr. Deputado José Luís Nunes.
Uma vez que já passaram 5 minutos da hora regimental para o intervalo, sugiro-lhe, Sr. Deputado José Luís Nunes, que produza a sua intervenção após o intervalo.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, não tenho qualquer dúvida em seguir a sua sugestão, mas vou demorar apenas 2 minutos ou até só l minuto.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra, Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - A questão é esta: o Sr. Deputado José Manuel Mendes fez uma intervenção retórica, que não teria da nossa parte o mínimo comentário. Simplesmente, fez uma afirmação que é terrível...
O Sr. José Magalhães(PCP): - Foi a Fundação Luso-Americana!
O Orador: - Não, não foi a Fundação Luso-Americana.
O Sr. Deputado José Manuel Mendes disse que a Constituição estava viva. Mas a Constituição, depois de revista pelo PS, pelo PSD, e pelo CDS e com os votos contra do PCP continua viva?! Então isto não foi uma traição ao 25 de Abril?! Não foi um «golpe de Estado constitucional», como os senhores lhe chamaram na altura?!
E, a esta luz, as declarações retóricas que VV. Ex.as fazem valem a mesma coisa que valeriam aquelas que fizeram na altura em que a Constituição foi revista?
Aplausos do PS e do PSD.
Vozes do PCP: - Muito mal!
O Sr. Presidente: - Para responder ao Sr. Deputado José Luís Nunes, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado José Luís Nunes, a Constituição tanto está viva que há quem queira matá-la e enterrá-la o quanto antes. E, para lá de todas as caracterizações que pudemos fazer ao processo de revisão constitucional de 1982, que reiteramos, o facto é que, quando o CDS e as forças mais retrógradas da direita doméstica acenam com o prato de lentilhas ao Partido Socialista, o Partido Socialista diz: não é ainda o momento azado; ver-se-á
qual é a altura apropriada para se proceder a uma significativa alteração da lei fundamental. Isto quer dizer que o próprio PS não é imune...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Este PS!
O Orador: - ... pelo contrário -, à acusação concreta de que fez a revisão constitucional de 1982 com reserva mental.
Risos do PCP.
E a verdade é que, para além de tudo o que acaba de ser dito, o Partido Socialista - este Partido Socialista - continua a adoptar, em relação à Constituição que temos, a postura do transgressor qualificado: vai fazendo a revisão constitucional, de facto, dia após dia, independentemente daquela que o CDS e as forças mais à direita preconizam nesta Câmara - mais à direita do que o actual Partido Socialista, o que é difícil -, que é a de procederem, preto no branco, nos termos de uma solução normativa.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Dá-me licença, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - O Sr. Deputado vai arranjar um sarilho, não connosco, obviamente, mas com o seu partido.
Primeiro: acaba de afirmar que nós somos mais à direita...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Alguns, alguns!
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Pronto, alguns de nós - não todos - somos mais à direita do que...
Risos do PCP.
... E acaba de fazer uma outra afirmação, que é fundamental, e eu gostava que me respondesse concretamente ao seguinte: esta Constituição, depois da revisão, é um golpe de Estado constitucional, é uma traição ao 25 de Abril ou é uma Constituição viva? É que precisamos de saber se, na altura em que ouvimos dizer estas coisas todas, quando votámos a revisão constitucional com o PSD e com o CDS, os senhores se enganavam ou se estão enganados agora! Isto é o que interessa à Câmara, o resto não interessa.
Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado José Luís Nunes, naturalmente que um corpo a que cortam uma perna, e mesmo a que cortam uma perna e um braço, continua vivo.
Reiteramos as afirmações produzidas ao longo de todo o processo de revisão constitucional e mantenho inteiramente o que afirmei do alto daquela tribuna. O que certos dos senhores querem, neste momento, é cortar-lhe a cabeça.
Risos do PCP.
Querem alguns senhores, os que se sentam na bancada do CDS, os que se sentam na bancada do PSD e, provavelmente, um ou outro dos que terão voz no interior da bancada do Partido Socialista.
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Mas, Sr Deputado, concluo a resposta nestes precisos termos: há, em relação a processos deste teor, liquidacionista, os matadores e os gatos-pingados.
Risos do PCP
Deixo ao Sr. Deputado José Luis Nunes o tremendo exercício intelectual de escolher a situação em que colocará o partido a que pertence.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE
O Sr. Presidente: - Srs Deputados, vamos fazer o intervalo regimental. Recomeçaremos os nossos trabalhos às 18 horas e 10 minutos.
Eram 17 horas e 40 minutos
O Sr. Presidente: - Srs Deputados, está reaberta a sessão
Eram 18 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro
O Sr Raúl Castro (MDP/CDE)- - Sr Presidente, Srs. Deputados: Todos os anos, pela Primavera, o CDS se embriaga com o perfume do seu sonho rever a Constituição
Assim aconteceu em Junho de 1984, e assim volta agora a acontecer
O Sr Narana Coissoró (CDS): - São tão coincidentes com o PCP.
O Orador: - E em 1984, ou agora, em 1985, e sempre o mesmo o objectivo desta chamada «revisão» da Constituição- rasgar a Constituição de Abril.
Logo em 1976, quando se procedeu à aprovação final global da Constituição, consta do n.º 132 do Diário da Assembleia Constituinte, o seguinte:
[ ] Os Srs. Deputados que votam contra, fazem favor de se levantar Levantam-se os Deputados do CDS
Uma voz Reaccionários!
O Sr Presidente- Pede-se a atenção da Assembleia[ ]
E na sua declaração de voto, depois de ter sido o único dos 5 partidos que compunham a Assembleia Constituinte a votar contra a Constituição, o CDS não se coibiu, ainda por cima, de afirmar que «o nosso voto e, na essência do 25 de Abril
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - no reconhecimento efectivo da sua grandeza histórica, um voto revolucionário», afirmação recebida, com «risos», segundo consta do referido numero do Diário da Assembleia Constituinte.
Mas o mais sério viria depois, na mesma declaração de voto
[ ] De forma solene e inequívoca queremos, todavia, afirmar, sem ambiguidades e com toda a força moral e política que respeitaremos sempre a Constituição da República Portuguesa [ ]
Todavia, ficou já demonstrado, em 14 de Junho de 1984, perante igual projecto de resolução, que a revisão que o CDS vem sonhando fazer não representa o respeito proclamado pela Constituição, mas, pelo contrário, o seu ostensivo desrespeito.
Na verdade, bastaria, para quem tão solenemente se comprometeu a respeitar a Constituição, o que consta do projecto em discussão, logo na alínea a) do n.º 10, quanto à eliminação no artigo 290.º de múltiplos elementos que forçosamente têm de ser observados na revisão constítucional, para se ter de concluir que, das duas, uma. ou o CDS produziu uma afirmação jocosa em 1976, ou então a de agora não e para se tomar a sério
E como se isto não bastasse, o CDS propõe-se violar os limites materiais da revisão com tamanha facilidade e tão grande à-vontade, que se permite ignorar as próprias posições existentes, quer quanto ao carácter absoluto desses limites, quer quanto à chamada «dupla revisão», de forma a só encontrar amparo tal tese na interpretaçâo do Prof. Marcelo Caetano, insustentável num Estado de direito democrático, de que tudo o que está numa lei constítucional pode ser alterado por outra lei constítucional!
Mas, infelizmente, há mais! O CDS considera que a grave situação económica, social e financeira a que a política do actual Governo conduziu o Pais, não teria solução no «actual quadro» constítucional, em especial no que respeita à sua parte económica
E tem de se perguntar: mas afinal que pretende o CDS? Rever a Constituição ou absolver o Governo da responsabilidade da sua política?
É claro que já no tempo dos governos da AD (de que o CDS fez parte, como é sabido), se ouvia o CDS assacar as responsabilidades da crise, decorrente da política desses governos da AD, à necessidade de se rever a Constituição.
Era necessário, dizia o CDS «libertar a sociedade civil», acabar com o Conselho da Revolução, restringir os poderes do Presidentes da República, etc
E, em 1982, já lá vão 3 anos, o CDS, contando com o apoio do PSD e do PS, lá conseguiu a almejada revisão da Constituição e lá foi «libertada a sociedade civil», extinto o Conselho da Revolução, etc
O Sr. Luís Beiroco (CDS)- - Também se vai conseguir esta; é uma questão de tempo!
O Orador: - E na declaração final de voto, o CDS afirmou mesmo que da revisão da Constituição passo a citar «esperamos o princípio de melhores dias para Portugal» (Fim de citação )
E nós perguntamos- desde 1982 ate hoje, 3 anos decorridos, onde está o princípio desses «melhores dias»7
Diminuiu o custo de vida? Baixou a inflação? Ha menos desempregados? Baixou o número de trabalhadores sem receberem salários? Foi recuperado o aparelho produtivo nacional Diminuiu o endividamento do País? Melhorou a situação dos agricultores? Os pequenos e médios comerciantes e industriais viram a sua situação beneficiada?
Talvez chegue de perguntas cujas respostas são evidentes, através da situação da ruína para que tem caminhado aceleradamente o nosso país.
Vozes do PCP: - Muito bem'
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O Orador: - E tornou-se, assim, evidente, que os «melhores dias» não têm nada que ver com a sonhada revisão da Constituição mas com as características concretas e reais, da política que este Governo e os anteriores têm posto em prática.
A revisão da Constituição não passa de um bluff para ocultar a falência das sucessivas políticas governativas contra Abril e contra a Constituição.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS afirma, no seu projecto de resolução, que «o espírito da Revolução de Abril está morto».
Trata-se de uma evidente confusão dos desejos do CDS com a realidade. Pura confusão!
O espírito da Revolução de Abril está vivo e bem vivo e não há forças capazes de o enterrarem. O que mais uma vez morrerá é a aspiração do CDS de rasgar a Constituição de Abril. O que mais uma vez morrerá, nesta Primavera de 1985, como na Primavera de 1984, é o projecto de resolução n.º 43/III, de destruição da Constituição. Morrerá de morte natural, fenecerá, como as rosas de Malherbe, condenado à vida efémera das ilusões restauracionistas.
Aplausos do MDP/CDE e do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Paulo Oliveira.
O Sr. João Paulo Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ciclicamente, através de um dos seus afloramentos institucionais, a direita que temos aparece a tomar o pulso à Assembleia da República, com vista a desencadear um processo de revisão constitucional. Reprovamos-lhe ter, mais uma vez, erigido o Parlamento em palco de uma iniciativa que, dada a ausência dos consensos imprescindíveis para levar a cabo uma revisão constitucional, se confina a uma acção de propaganda, mas não lhe regateamos a perseverança no combate nem, obviamente, a legitimidade para o travar.
Se arredarmos o pecado oportunista de ter, na Constituinte, votado a favor de uma sociedade sem classes, haveremos de reconhecer ainda a coerência do CDS - e também a do PSD, se arredarmos outros pecados como os de, nas mesmas circunstâncias históricas, ter aplaudido os preceitos consagrando a transição para o socialismo e a irreversibilidade das nacionalizações - nesta prova por etapas, cuja meta consiste, afinal, em descaracterizar o regime saído do 25 de Abril, em escavacar o sistema constitucional vigente e, ao redor dessa bandeira, em aglutinar a direita que a revolução desnorteou.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado Correia Afonso foi, há pouco, esclarecedor a este respeito: não repugna ao PSD rasgar a Constituição. As dúvidas nesta matéria provêm exclusivamente da especulação sobre quem será o herói da cruzada, pois os candidatos multiplicam-se e o último parece ser sempre o mais bem fadado: o Dr. Lucas Pires, o Prof. Adriano Moreira ou o Prof. Freitas do Amaral... agora com a muleta do Prof. Cavaco Silva.
Em 1982, a Aliança Democrática seleccionava, no armário dos supostos remédios para a crise, a revisão constitucional. No termo desta primeira etapa, dir-se-ia ter sido atingida meta razoável e para durar uns anos, julgando pelas declarações dos responsáveis centristas e sociais-democratas. O CDS confessava ter alcançado quase todos os seus objectivos, reconhecia que, não sendo embora o casco novo, o vinho era outro; o PSD proclamava que o texto constitucional revisto era representativo das mais caras aspirações dos Portugueses e prevenia que não era impeditivo da realização de políticas económicas capazes de levar a cabo o dimensionamento adequado do sector público, privado e cooperativo. Espíritos ingénuos viram nisto a saciação dos apetites restauracionistas e prepararam-se para descansar de revisões constitucionais até 1987, baseados na convicção sensata de que as Constituições não têm, como a plasticina, de permanentemente se oferecer ao capricho de modeladores furiosos. Enganavam-se de todo, conforme viria a demonstrar-se e os mais avisados previam.
A extinção do Conselho da Revolução, posteriormente a Lei de Delimitação dos Sectores, entre outras mezinhas às quais a direita atribuía a virtude de tirar o País dos seus múltiplos apertos, não encerravam nenhuma das virtualidades que a direita lhes emprestara. Assim era porque os males do País não estavam, como não estão, no texto constitucional; a direita, porém, fingiu ver insuficiência onde só havia despropósito, e quis mais.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - É verdade!
O Orador: - Em 1982, o CDS ocupou esta Assembleia com o debate de uma iniciativa idêntica à que hoje examinamos. Dispensado já, pelos novos tempos, de sacrificar no altar da sociedade sem classes, o CDS encontrou-se publicamente consigo próprio e anunciou lapidarmente o óbvio: que estava farto de «excessos de universalismo igualitários de tudo e para todos». Ontem como hoje, o CDS tomava o pulso à Assembleia. O líder parlamentar do PSD, com singular clarividência, reconhecia que a Constituição não pode ser culpabilizada pela crise e chamava infantil à intenção do CDS. Imolando-se a um estatuto de menoridade política, votou, porém, a favor da investida centrista. Não primou pela coerência, mas refulgiu às luzes de uma aliança que o bloco central atrapalhava.
Passou l ano e a direita reincide, nas mesmas condições de antecipada derrota, com o mesmo discurso de grosseira mistificação, enriquecido pelas circunstâncias de momento, a responsabilizar agora, com ladina desfaçatez, o Mercado Comum pela necessidade de revisão constitucional, tremendo embuste que não se cansa de propalar aos quatro ventos.
A revisão das leis laborais que tem no actual primeiro vice-presidente da Comissão Política do PSD um intrépido cavaleiro andante, e das leis agrárias; a lei de segurança interna, a lei das rendas, são o aperitivo de uma refeição previstamente copiosa. A nova direcção do PSD anuncia já que vai requintar o festim.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O objectivo estratégico anunciado pelo CDS é o de remover o socialismo - como se o poder fosse socialista; o seu propósito imediato é reconstruir a Constituição- como se a Constituição estivesse em ruínas, como se rever um texto constitucional pudesse assimilar-se à ruptura com a sua essência; a razão para isto estaria em que, dizem, já ninguém acredita na Constituição - como se repetidos actos eleitorais não demonstrassem o contrário; a prova da incapacidade constitucional reside em
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que, afirmam, este Governo não achou solução para a crise - e com isto isentam o Governo das culpas que não há muito lhe atiraram, embrulhadas numa moção de censura; associam a revisão constitucional ao processo de candidaturas para as eleições presidenciais - como se esta matéria não fosse de exclusiva competência parlamentar; invocam a liberdade na tradição contra um texto constitucional que é um marco na luta pelo reatamento da tradição da liberdade. De liberdade, que não de liberalismo.
É que a direita já não se contenta com o casco velho de 1976, cheio do vinho novo de 1982, como há 3 anos metaforizava o CDS. Quer um casco novo. Para quê? Para encher de uma zurrapa à qual ousa chamar robustez do senso comum, uma nova crença e um novo modelo. Para quem se eriça contra o conteúdo ideológico da Constituição, estas propostas, coroadas pelo desiderato de tornar a sociedade e a economia mais independentes da política - isto é, de perverter o princípio da subordinação do económico ao político - esta desavergonhada defesa do neo-liberalismo radical que a própria democracia-cristã rejeita pede meças à lastimável hipocrisia de um paladino da abstinência surpreendido numa adega.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A iniciativa do CDS não é uma proposta de revisão do texto constitucional; é uma proposta de subversão do texto constitucional.
A UEDS, que não sacraliza a Constituição, jamais poderia dar o seu acordo a tal propósito. A UEDS rejeita mais uma vez, nesta oportunidade, as tentativas de inculcar a Constituição como responsável pela grave e generalizada crise em que o País soçobra e denuncia o verdadeiro cerco que as forças da direita executam, com despudor crescente, em torno do regime saído do 25 de Abril, cerco que às forças de esquerda compete romper, em obediência aos seus princípios e às responsabilidades contraídas perante o povo português.
A UEDS reafirma que é na concretização do projecto constitucional que se contêm as soluções para a crise, o mesmo é dizer que só um governo da esquerda democrática poderá dar corpo às justas aspirações dos Portugueses.
Não há, Sr. Presidente e Srs. Deputados, um socialismo a remover; há um socialismo a cumprir.
Aplausos da UEDS e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para interpelar o Sr. Deputado João Paulo Oliveira, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado João Paulo Oliveira, na intervenção que acabou de produzir, V. Ex.ª citou o meu nome para afirmar que eu dissera, há pouco, que rasgaria a Constituição.
Não vou fazer-lhe a injustiça de dizer que V. Ex.ª tenha intencionalmente retirado quaisquer palavras do contexto em que as produzi. Mas, de qualquer forma e porque a lembrança faz bem aos homens - e talvez V. Ex.ª também se enriqueça se se lembrar do que eu disse -, vou recordar-lhe o que disse.
Disse apenas o seguinte: a Constituição, a nossa como qualquer outra, não é um texto sagrado. Nessa altura VV.Ex.as, aplaudiram. E acrescentei ainda: não é uma Bíblia nem um Corão, só merece o nosso respeito enquanto representar a vontade popular.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Se assim não for, é um papel como outro qualquer, que pode ser rasgado.
Mas agora vou acrescentar: a Constituição, se representar a vontade popular, é um quadro de liberdade.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Se, pelo contrário, for aquilo que VV. Ex.as pretendem - um texto cristalizado, sem sentido, ultrapassado -, é um quadro de opressão.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É, portanto, indispensável que eu acrescente que não costumo rasgar livros e muito menos constituições.
É indispensável que V. Ex.ª compreenda o seguinte: dizer-se que se rasga a Constituição tem apenas o sentido de que ela não serve, porque as constituições, mesmo ultrapassadas, devem ficar na estante, pois pertencem à história.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Paulo Oliveira.
O Sr. João Paulo Oliveira (UEDS): - Sr. Deputado Correia Afonso, agradeço o seu esclarecimento.
Realmente penso que posso reafirmar as palavras que pronunciei há pouco. Com efeito, V. Ex.ª diz-me que as constituições devem ser rasgadas quando não servem, isto é, quando não representam a vontade do povo.
Presumo, na sequência do discurso que há pouco proferiu, que V. Ex.ª tem indicações seguras sobre a vontade do nosso povo, as quais...
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Dá-me licença, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado, só poderíamos saber se fosse votada favoravelmente uma proposta de resolução para a assunção de poderes de revisão constitucional.
V. Ex.ª nunca chegará a saber se o povo quer isso se rejeitar a proposta de resolução. Daí, a posição de abertura do PSD, dizendo: aceitamos a proposta de resolução e vamos depois ver se devemos efectivamente mudar o texto constitucional.
O Orador: - Eu preferiria que o partido do Sr. Deputado Correia Afonso se tivesse candidatado às eleições com um claro programa de revisão constitucional.
Porém, como isso não aconteceu, permito-me classificar esta sua última afirmação - salvo o devido respeito - de extremamente leviana.
Por outro lado, Sr. Deputado Correia Afonso, nós não somos adeptos da sacralização de constituições. Para nós, a Constituição não é, realmente, uma Bíblia. Admitimos que a Constituição pode e deve ser revista, no sentido de ser melhorada e nunca no sentido de ser
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adulterada. Mas para isso a própria Constituição estabelece os prazos normais. Não podemos andar per-mantemente a suscitar a questão da revisão constitucional pois, a nosso ver, isso não favorece a estabilidade de que o partido de V. Ex." tantas vezes se reclama.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.
O Sr. Villhema de Carvalho (ASDI): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 13 de Março de 1984, os Srs. Deputados Lucas Pires e Nogueira de Brito, apresentaram na Assembleia da República uma proposta de resolução visando a assunção, por parte deste orgão de soberania, de poderes extraordinários de revisão da Constituição.
Havia decorrido, àquela data, menos de ano e meio sobre a promulgação da Lei n.º 1/82, através da qual se pôs fim, numa base de alargado entendimento partidário, ao chamado período transitório da Constituição, ao mesmo tempo que nesta se introduziram alterações justamente saudadas em geral, quer pelos partidos que constituíram a extinta AD, quer pelos partidos que constituíram a Frente Republicana e Socialista.
É conhecida a posição que assumimos, quer no processo de revisão, desencadeado, aliás, pelo projecto que a ASDI apresentou em 23 de Abril de 1981, quer no debate da mencionada proposta de resolução, a qual teve lugar na sessão plenária de 13 de Junho do ano findo.
Recordou-se então, naquele debate, que o CDS se congratulara vivamente com a aprovação do decrto de revisão da Constituição; revisão que considerou «de um modo geral bem feita», «globalmente positiva e satisfatória» e ainda «correspondente a quase todos os objectivos por que o CDS e a Aliança Democrática se bateram».
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Era outro tempo!
O Orador: — Outros tempos, outras palavras, afinal esquecidas pelo partido de onde provinham, ao reerguer de novo a bandeira da revisão da Constituição, como se esta fosse a fonte de todos os males e dificuldades (umas reais, outras imaginadas) do nosso viver quotidiano.
O debate então travado, não pôs, porém, o CDS em maior sossego e menos de l ano volvido, aqui nos achamos confrontados com nova proposta de resolução para que a Assembleia da República assuma poderes extraordinários de revisão constitucional, proposta esta assinada não já só por 2 deputados, como a anterior, mas por 9, entre os quais se não conta, todavia, o Sr. Deputado Lucas Pires. Distracções...
Risos.
A originalidade desta proposta de resolução, consiste' em não apresentar qualquer originalidde em relação à anterior.
De facto, feito o seu cotejo vê-se que se desdobram nas mesmas 7 alíneas os objectivos fundamentais que a propugnada revisão visaria alcançar, sem alteração de uma só palavra ou vírgula que seja.
Não há, assim, objectivos novos trazidos ao debate reduzido, como de resto se tem visto, à repetição e ao reassumir de posições já conhecidas.
Não se nega ao CDS a legitimidade de renovar a sua iniciativa anterior, quanto à assunção de poderes extraordinários de revisão da Constituição por parte desta Assembleia mas, tratando-se, como se trata, de um processo para a abertura do qual se tornam indispensáveis 4/5 de votos dos deputados em efectividade de funções, sendo esse número de votos impossível de reunir, numa prudente avaliação, perguntamo-nos o que faz correr o CDS? Trata-se de uma obsessão política? Cumprimento de promessa eleitoral ou de outra natureza? Mero voto de peregrinação ou romaria anual? Ou convicção segura de que o interesse nacional o exige, em termos de excepcionalidade quanto ao tempo e forma não compadecente com a normalidade de processo?
Vamos admitir que o CDS é inspirado intérprete desse interesse e que se propõe, na sua persistência de água a bater na rocha, a convencer 4/5 da Câmara. Está o CDS mobilizado para votar com os seus 30 deputados a proposta de resolução que nos apresenta? Aqui está um bom desafio ao seu poder de convencer.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há um tempo de fazer leis e há um tempo de as cumprir.
A consciência da sua obrigatoriedade, ou não chega a adquirir-se, ou degenera, sempre que o legislador é o primeiro a ser infiel ao tempo normal de vigência das leis.
Tão nefasto é a uma sociedade o imobilismo do Direito que a rege, quanto a sua constante mobilidade.
Isto é assim a respeito de todas as leis e é-o, por maioria de razão, quanto à Constituição, que é a princesa, no sentido de primeira, de todas as leis que constituem a nossa ordem jurídica.
Esta é já uma razão forte em que assenta o nosso posicionamento em relação ao proposto processo extraordinário de revisão da Constituição.
Mas será que a Constituição enferma de tais males ou os provoca, na vida portuguesa, que se imponha, ex abrupto, a sua revisão?
Da Constituição, tem-se dito o que Maomé não disse do toucinho:
Canhão de um exército em marcha;
Raiz de exclusões sucessivas;
Arma de agressão;
Semente de uma revolução totalitária;
Instrumento persecutório;
Tesoura ao serviço do Estado;
Fêmea de uma revolução macho... etc.
Risos.
Oh, quanto é rica a língua portuguesa ao permitir a construção de tanto disparate!
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Muito bem!
O Orador: — Não se podem tomar mais a sério, embora sendo mais sérias, certas acusações que se lhes fazem.
De facto, quando continua a propalar-se o seu suposto carácter instrumental, de «via para o socialismo», esquece-se que hoje, o «socialismo», nos termos constitucionais, não é já uma meta da sociedade portuguesa, mas apenas uma das possibilidades, ao lado das demais
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ideologias, susceptíveis de realização. Isto foi, aliás, dito - e muito bem - pelo Sr. Deputado Luís Beiroco, aquando da sua declaração de voto no decreto de revisão constitucional.
Aliás, impediu a Constituição que o CDS tivesse sido governo em Portugal?
Impediu, outrossim, a sua queda eleitoral, possibilitando a alternância democrática?
Por outro lado, ergue-se o pendão da «propriedade e iniciativa privadas», como sendo a indispensável alavanca para o nosso desenvolvimento.
Mas não é verdade que a partir de 1982, a iniciativa privada passou mesmo a ser um direito fundamental dos cidadãos?
Não é verdade ainda que tem sido sucessivamente restringido o âmbito em que inicialmente se inscrevia o sector público da economia? E, apesar disso, onde estão as cervejeiras particulares? E as cimenteiras? E os bancos? E as companhias de seguros?
Tal como não é a Constituição que obriga os «reservatórios» do Alentejo a deixar a azeitona nas oliveiras e as terras por semear, também não é ela a deusa que propiciou a excepcional colheita cerealífera que tivemos no ano passado.
Não foi ela que provocou a aceleração da dívida externa e do défice da balança de transacções nos governos da AD, como também não foi ela que permitiu a descida deste défice com o actual Governo.
Vozes do P§: - Muito bem!
O Orador: - E os exemplos poderiam multiplicar-se.
Não é a Constituição que faz «o mal e a caramunha» no nosso País. Não é o amor de todos nós, mas também não é a fonte da nossa desventura. Não é, quanto a nós, motivo de divisão dos Portugueses, nem a sua revisão se tornaria no instrumento da sua união.
Tem ainda imperfeições a Constituição? Seríamos dos últimos a não o reconhecer. Mas não podemos deixar de lembrar que somos um povo que ostenta orgulhosamente como monumento nacional e de valor ímpar do nosso património cultural as «Capelas Imperfeitas» do Mosteiro da Batalha.
São elas de uma época histórica, claro, tal como a Constituição é um monumento jurídico da sua época. Não há que fugir a isso.
Dir-se-á que o CDS está para além desta época e não temos capacidade para o entender.
Quanto a nós, porém, ele situa-se antes dela e o seu projecto, longe de ser um projecto de futuro é, ou pelo menos parece-o, um projecto do passado.
E andar para trás, diz o nosso povo, não é andar de gente.
Aplausos da ASDI, do PS e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se não há mais inscrições, penso que podemos passar à votação.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, era para, ao abrigo das disposições regimentais, pedir a
V. Ex.ª que quando se procedesse à votação indicasse o número de deputados que votam a favor e contra, por bancada.
O Sr. Presidente: - A Mesa assim fará, Sr. Deputado.
Pausa.
Vamos seguidamente proceder à votação do projecto de resolução n.º 43/III, apresentado pelo CDS, que tem a ver, como é sabido, com a assunção pela Assembleia da República de poderes extraordinários de revisão da Constituição.
Submetido à votação, foi rejeitado, com 94 votos contra (64 do PS, 21 do PCP, 2 do MDP/CDE, 4 da UEDS e 3 da ASDI) e 65 votos a favor (44 do PSD e 21 de CDS).
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Como diria o Sr. Deputado Correia Afonso, o povo português não quer a revisão da Constituição.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos de hoje.
A próxima sessão será amanhã às 10 horas e tem como ordem do dia a continuação da apreciação da lei quadro de criação de municípios.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 5 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Armando António Martins Vara.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Eurico Faustino Correia.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
João Luís Duarte Fernandes.
Jorge Lacão Costa.
José Carlos Pinto Basto Mota Torres.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Torres Couto.
Manuel Laranjeira Vaz.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Abílio Gaspar Rodrigues.
Adérito Manuel Soares Campos.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Domingos Duarte Lima.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Francisco Antunes da Silva.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
Joaquim dos Santos Pereira Costa.
José Ângelo Ferreira Correia.
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José Luís de Figueiredo Lopes.
José Pereira Lopes.
Licinio Moreira da Silva.
Manuel António Araújo dos Santos.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Partido Comunista Português (PCP):
António Guilherme Branco Gonzalez.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Rodrigues Vitoriano.
Lino Carvalho de Lima.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Zita Maria Seabra Roseiro.
Centro Democrático Social (CDS):
Abel Augusto Gomes Almeida.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
Hernâni Torres Moutinho.
Joaquim Rocha dos Santos.
José Augusto Gama.
Manuel Jorge Fortes Góes.
Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
Francisco Alexandre Pessegueiro.
Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Ruben José de Almeida Raposo.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa.
Almerindo da Silva Marques.
António da Costa.
Carlos Luís Filipe Gracias.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
José Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
Joaquim José Catanho de Menezes.
José Luís Diogo Preza.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Fernando José da Costa.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Jardim Ramos.
Gaspar de Castro Pacheco.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Luís Malato Correia.
Joaquim Eduardo Gomes.
José Adriano Gago Vitorino.
José Bento Gonçalves.
José Vargas Bulcão.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Pereira.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Partido Comunista Português (PCP):
Domingos Abrantes Ferreira.
João António Torrinhas Paulo.
Manuel Correia Lopes.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete Santos.
Centro Democrático Social (CDS):
António José Bagão Félix.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Henrique Manuel Soares Cruz.
José António Morais Sarmento Moniz.
José Miguel Anacoreta Correia.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
João Corregedor da Fonseca.
Voto de protesto enviado à Mesa para publicação em 14/5/85
Considerando a gravidade de que se revestem os últimos acontecimentos verificados na zona da Reforma Agrária, em que a entrega ilegal de terras e gados aos latifundiários é acompanhada do cerco de aldeias e vilas por parte de forças da GNR, actuando a mando do Governo, num claro atentado aos direitos, liberdades e garantias fundamentais consagrados na lei;
Considerando que tais actos ocorrem em clara violação da lei e da Constituição e à revelia das decisões dos tribunais, designadamente dos cerca de 300 Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo;
Considerando que assume particular gravidade, pelo que tem de ilegal, as entregas de terras e gado, nos casos das UCP e Cooperativas de Aguiar, Galerias, Alcaçovense, São Brás do Regedor, Salvador Joaquim do Pomar, 5 de Outubro, 25 de Abril, Estrela Negra, Vida Nova, Planície Dourada, entre muitas outras, actos que se inserem numa vasta operação de reconstituição dos latifúndios;
Os deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte voto:
A Assembleia da República protesta contra as entregas ilegais de terras e gado na zona da Reforma Agrária, feitas à revelia das decisões dos tribunais e pronuncia-se pela rápida reposição da legalidade democrática, pondo-se cobro às acções do Governo, que violam direitos fundamentais, a lei e a Constituição da República.
Assembleia da República, 14 de Maio de 1985. - Os Deputados do PCP: Custódio Gingão - Álvaro Brasileiro - Margarida Tengarrinha - Rogério Brito - Belchior Pereira - Joaquim Miranda - Francisco Miguel - Jorge Lemos.
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Relatórios e pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos enviados à Mesa para publicação
Em reunião realizada no dia 21 de Maio de 1985, pelas 15 horas, foi apreciada a seguinte substituição de deputado solicitada pelo Partido Comunista Português:
Georgette Oliveira Ferreira (círculo eleitoral de Lisboa) por Luís Francisco Rebelo. Esta substituição é pedida para os dias 17 a 31 de Maio, inclusive.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.
A Comissão: A Presidente, Beatriz Cal Brandão (PS) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Secretário, Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (CDS) - José Manuel Niza Antunes Mendes (PS) - Luís Silvério Gonçalves Saias (PS) - Teófilo Carvalho dos Santos (PS) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Fernando José da Costa (PSD) - Maria Margarida Salema Moura Ribeiro (PSD) - José Manuel Mendes (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Alexandre Correia Carvalho Reigoto (CDS) - João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).
Em reunião realizada no dia 23 de Maio de 1985, pelas 15 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:
Solicitadas pelo Partido Social-Democrata:
César Augusto Vila Franca (círculo eleitoral de Castelo Branco) por José Pereira Lopes. Esta substituição é pedida ao abrigo da alínea e) do artigo 4.º do Estatuto dos Deputados e artigo 3.º do Regimento da Assembleia da República, a partir do dia 22 de Maio corrente, inclusive. Mário Martins Adegas (círculo eleitoral de Aveiro) por Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro. Esta substituição é pedida por mais trinta dias, a partir do próximo dia 27 de Maio corrente, inclusive.
Solicitada pelo Partido do Centro Democrático Social:
José Vieira de Carvalho (círculo eleitoral do Porto) por Manuel Eugénio Pimentel Cavaleiro Brandão. Esta substituição é pedida para os dias 23 de Maio corrente a 6 de Junho próximo, inclusive.
Analisados os documentos de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.
A Comissão: O Vice-Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Secretário, Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (CDS) - Manuel Fontes Orvalho (PS) - Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves (PS) - Luis Silvério Gonçalves Saias (PS) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Reinaldo Alberto Ramos Gomes (PSD) - João António Gonçalves do Amaral (PCP) - Álvaro Favas Brasileiro (PCP) - Alexandre Correia Carvalho Reigoto (CDS) - Francisco Menezes Falcão (CDS) - Raul Castro (MDP(CDE) - António Poppe Lopes Cardoso (UEDS) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).
As REDACTORAS, Cacilda Nordeste - Leonor Ferreira - Maria Amélia Martins.
Depósito legal n. º 8818/85
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.
PREÇO DESTE NÚMERO 120$00