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I Série - Número 93

Quarta-feira, 19 de Junho de 1985

DIÁRIO
da Assembleia da República

III LEGISLATURA

2." SESSÃO LEGISLATIVA (1984-1985)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 18 DE JUNHO DE 1985

Presidente: Ex.º Sr. Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca

Secretários: Ex.ºs Srs. Luís Abílio da Conceição Cacito

José Mário de Lemos Damião
José Manuel Mala Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente, da apresentação de requerimentos, de respostas a requerimentos e da entrada na Mesa de vários diplomas.

Em declaração política, o Sr. Deputado José Vitorino (PSD) abordou diversas questões relacionadas com o turismo no Algarve.

Em declaração política, o Sr. Deputado Lucas Pires (CDS) referiu-se à actual situação política, designadamente à ruptura da coligação governamental e suas consequências. Respondeu no fim a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados César Oliveira (UEDS), António Capucho (PSD), Lopes Cardoso (UEDS), João Amaral (PCP), José Luís .Nunes e Marcelo Curto (PS), Raul Castro (MDP/CDE) e Ângelo Correia (PSD).

Também em declaração política, o Sr. Deputado Rogério de Brito (PCP) falou das consequências económicas e sociais, em seu entender graves, que com a assinatura do Tratado de Adesão de Portugal à CEE advém para o País.

Ainda em declaração política, o Sr. Deputado José Luís Nunes (PS) pronunciou-se sobre a actual situação política, tendo, no fim, respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados António Capucho (PSD), Luís Beiroco ICDS/, João Amaral (PCP) e Raul Castro (MDP/CDE).

A Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura (MDP/CDE) referiu-se a uma corta enviada pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros ao Director-Geral da UNESCO de que os jornais portugueses se fizeram eco.

Ordem do dia. - Depois de lido o respectivo relatório, a Assembleia aprovou na generalidade, na especialidade e em votação final global, o projecto de lei n.º l96/III, que amnistia as infracções disciplinares nos órgãos da comunicação social (apresentado pela UEDS). Usaram da palavra, a diverso título, incluindo declaração de voto, os Srs. Deputados Agostinho Brinquinho (PSD), Narana Coissoró (CDS), José Manuel Mendes (PCP), Igrejas Caeiro (PS) e Lopes Cardoso (UEDS).

Foram, entretanto, aprovados os n.ºs 83 a 86 do Diário.

Foi ainda aprovada a prorrogação do prazo, por mais 60 dias, de funcionamento da Comissão Eventual para apreciação e votação na especialidade dos projectos de lei referentes à associação de estudantes, lendo o Sr. Deputado José Magalhães (PCP) proferido uma declaração de voto.

Finalmente, a Assembleia aprovou um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos, autorizando dois Srs. Deputados a prestarem declarações como testemunhas.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Abílio Aleixo Curto.
Acácia Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Américo Albino da Silva Salteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa.
António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
António José Santos Meira.
António Manuel Azevedo Gomes.
António do Manuel do Carmo Saleiro.
Avelino Feliciano Martins Rodrigues.
Armando António Martins Vara.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Luís Filipe Gracias.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Edmundo Pedro.
Ferdinando Lourenço Gouveia.

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Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto- Hãndel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Joaquim Gomes.
João Luís Duarte Fernandes.
João do Nascimento Gama Guerra.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Alberto Santos Correia.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José de Almeida Valente.
José António Borja dos Reis Borges.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José Carlos Pinto Basto Mota Torres.
José da Cunha e Sá.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Manuel Torres Couto.
José Maria Roque Lino.
José Martins Pires.
Leonel de Sousa Fadigas.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Filipe Santos Loureiro.
Manuel Fontes Orvalho.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Ângela Duarte Correia.
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Victor Hugo Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.
Walter Ruivo Pinto Gomes Rosa.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Agostinho Correia Branquinho.
Amândio Domingues Basto Oliveira.
Alberto Augusto Faria dos Santos.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Antunes da Silva.
Guido Orlando Freitas Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Pedro de Barros.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
José de Almeida Cesário.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Augusto Seabra.
José Bento Gonçalves.
José Luís de Figueiredo Lopes.
José Mário de Lemos Damião.
José Silva Domingos.
Leonel Santa Rita Pires.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Paulo Manuel Pacheco Silveira.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Custódio Jacinto Gingão.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Francisco Miguel Duarte.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
José António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
José Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Maria lida Costa Figueiredo.
Maria Odete Santos.
Mariana Grou Lanita.
Octávio Augusto Teixeira.

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Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
Alexandre Carvalho Reigoto.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
António Filipe Neiva Correia.
António José Bagão Félix.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Horácio Alves Marçal.
João Carlos Dias Coutinho Lencastre.
João Lopes Porto.
José Augusto Gama.
José Miguel Anacoreta Correia.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel António Almeida Vasconcelos.
Manuel Jorge Forte Goes.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Narana Sinai Coissoró.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Corregedor da Fonseca.
Helena Cidade Moura.
Raul Morais e Castro.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António César Gouveia de Oliveira.
António Poppe Lopes Cardoso.
Francisco Alexandre Pessegueiro.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Ruben José de Almeida Raposo.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido o resumo do expediente.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Ofícios

De José Bento Pedroso & Filhos, Ld.ª, empresa de construções e obras públicas de Cascais, solicitando a superior atenção da Câmara para a detenção de créditos na Região Autónoma da Madeira, que podem conduzir ao encerramento da empresa e consequente despedimento de cerca de 800 trabalhadores;
Do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Celulose, Fabricação e Transformação de Papel, Gráfica e Imprensa Norte, a remeter uma moção de saudação à 9.ª Conferência da Reforma Agrária e à luta dos seus trabalhadores, aprovada por delegados sindicais daquele Sindicato, bem como uma tomada de posição da sua direcção;

Da Assembleia Municipal de Penafiel que, ao tomar conhecimento da precária situação da assistência médica concelhia, devido ao não preenchimento das vagas de médicos de clínica geral, exige da parte dos responsáveis a urgente solução do problema que tantas dificuldades está a causar à população, tão carenciada de assistência.

«Telex»

Da Real República dos Lysos, república de estudantes do Porto, solicitando a publicação urgente da lei relativa às casas fruídas pelas repúblicas, pois que está em vias de despejo;
Da Câmara Municipal de Fiães, informando que o infantário daquela localidade foi mandado encerrar em virtude de terem sido detectados 17 casos de hepatite em crianças que o frequentavam, devido à má qualidade da água e alertando para a grave situação no concelho, no que respeita a saneamento básico (esgotos e abastecimento de água).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ler-se agora a relação de requerimentos apresentados e as respostas a alguns outros, para o que tem a palavra o Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foram apresentados na Mesa nas últimas reuniões plenárias os requerimentos que a seguir vou indicar.
No dia 11 de Junho de 1985: ao Ministério da Justiça (14), formulados pelo Sr. Deputado José Magalhães e outros; ao Governo (4), formulados pelo Sr. Deputado Silva Baptista; aos Ministérios da Indústria e Energia e do Equipamento Social (2), formulados pelo Sr. Deputado António Gonzalez; à Secretaria de Estado do Ensino Básico e Secundário, formulado pelo Sr. Deputado Roleira Marinho e ao Ministério da Indústria e Energia, formulado pelo Sr. Deputado José Ambrósio.
No dia 12 de Junho de 1985: ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Zita Seabra, Carlos Brito e Luísa Cachado; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Lemos e outros, e ao Ministério do Trabalho e Segurança Social, formulado pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Malato Correia, na sessão de 20 de Setembro; Jorge Lemos e Paulo Areosa, na sessão de 11 de Outubro; Gil Romão e Gama Guerra, na sessão de 27 de Novembro; Gomes dos Santos, na sessão de 19 de Dezembro; Silva Marques, na sessão de 13 de Fevereiro; Ilda Figueiredo e António Gonzalez, na sessão de 13 de Março, respectivamente; Licínio Moreira, na sessão de 21 de Março; Horácio Marçal, na sessão de 22 de Março; José Manuel Mendes, Manuel Lopes e Maia Nunes de Almeida, na sessão de 12 de Abril, respectivamente; Magalhães Mota, na sessão de 24 de Janeiro, 5 de Março, 16 de Abril, 9 e 10 de Maio, e Maria Ângela Pinto Correia, na sessão de 26 de Abril.
Entraram na Mesa os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 523/III, da iniciativa do Sr. Deputado António Joaquim Bastos Marques Mendes, do PSD, sobre alterações à Lei n.º 11/82, de 2 de Junho; projecto de lei n.º 524/III, da iniciativa do Sr. Deputado Figueiredo Lopes e outros, do PSD, sobre o recenseamento

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eleitoral dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, e projecto de resolução n.º 52/III, do PSD, sobre conflitos de limites territoriais entre autarquias. Estes projectos baixaram às respectivas Comissões.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio que o Sr. Secretário, na leitura das iniciativas que deram entrada na Mesa, fez menção a um projecto de lei ou um projecto de resolução - não sei precisar - sobre matéria eleitoral...

Pedia à Mesa o favor de repetir a leitura, uma vez que a direcção do meu grupo parlamentar não teve informação exacta sobre este aspecto.

O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr. Deputado. O Sr. Secretário vai indicar novamente quais os diplomas que deram entrada na Mesa. .

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: projecto de resolução n.º 52/III; do PSD, sobre conflitos de limites territoriais entre autarquias, projecto de lei n.º 524/III, da iniciativa do Sr. Deputado Figueiredo Lopes e outros, do PSD, sobre o recenseamento eleitoral dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, e projecto de lei n.º 523/III, da iniciativa do Sr. Deputado António Joaquim Bastos Marques Mendes, do PSD, sobre alterações à Lei n.º 11/82, de 2 de Junho.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entrando agora na 1ª parte do período de antes da ordem do dia, dou a palavra ao Sr. Deputado José Vitorino para uma declaração política.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sendo certo que os problemas devem prever-se e resolver-se nos momentos mais adequados também é verdade que há épocas em que a opinião pública está mais sensibilizada e atenta a tudo o que respeita a um determinado sector. Sem dúvida que é na época estival, em que cada um se integra no gozo de férias fora do seu local normal de residência, ou, pelo menos, disfruta de mais tempo livre para a praia ou para o campo, que mais predisposição existe para se ouvir falar da problemática do turismo, procurando-se compreendê-la melhor. Como por outro lado teve lugar, no Algarve, no passado fim-de-semana, um importante congresso promovido pela Associação dos Hotéis de Portugal, em que técnicos e especialistas nacionais e internacionais aprofundaram aspectos de grande relevância, apresenta-se como oportuno para o Grupo Parlamentar do PSD fazer algumas reflexões.

Tendo estado pessoalmente nesse III Congresso de Hotelaria e Turismo é justo expressar aqui uma palavra de satisfação e congratulação pela iniciativa, pelo nível dos debates, bem como pelo facto de personalidades não afectas a partidos políticos ou com diferentes ideologias, e independentemente de conflitos e disputas político-partidárias, ali terem expressado durante

4 dias as suas posições e terem concluído unanimemente, quanto a mim, 3 questões vitais:

A enorme importância do turismo;
A justificação em se tomarem medidas sucessivamente adiadas e agora mais urgentes face à adesão à CEE;
A necessidade de desenvolver relações privilegiadas com os países de língua portuguesa.

Diria assim que um bom serviço foi prestado ao sector esperando-se que, qualquer que. seja a solução político-governativa encontrada para se sair da actual situação, de uma vez por todas este sector seja de facto, e não apenas de, palavras, um sector prioritário da nossa economia.
Ir sabido que uma profunda crise tem abalado o Mundo nos últimos anos.
Contudo, o turismo tendo resistido às mais duras provas, enquanto muitos sectores agonizaram e agonizam, apresenta-se como tendo cada vez mais um presente seguro e um futuro sólido.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito negro!

O Orador: - Actividade relativamente nova com a dimensão que hoje a caracteriza, pois apenas há cerca de 20-25 anos começou a ter expressão significativa, coloca-se presentemente em 2.º lugar a seguir à indústria petrolífera, sendo inevitável que dentro de breves anos assumirá uma posição de liderança absoluta.
E o grande salto qualitativo e quantitativo deve-se ao facto do turismo ter deixado de ser um luxo, apenas almejado por uns poucos privilegiados, para se ter tornado um bem de consumo corrente, a que dentro em breve haverá um acesso quase generalizado. A evolução do Mundo; o crescente peso do sector dos serviços em relação aos sectores primário e secundário; o aumento dos tempos livres; a diminuição progressiva da idade de reforma; e o nível de bem-estar conquistado por um número crescente de indivíduos são elementos fundamentais. Mas, para além disso, o essencial é que passar férias e conhecer novos países e novos povos tornou-se quase uma necessidade do final do presente século. De referir, que considerando os países da OCDE, em que se processa 80 % do turismo mundial, as receitas movimentadas na rubrica «Viagens» ronda os 70 biliões de dólares por ano.
O turismo tornou-se assim um motor do progresso económico e do intercâmbio cultural e numa das principais «armas» para a paz, pela aproximação que proporciona entre os povos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto a Portugal, apesar de até hoje ainda se não ter definido e executado qualquer política global, o turismo representa já hoje um dos principais suportes da nossa vida económica e financeira. A entrada de divisas atingiu em 1984 os 140 milhões de contos; as receitas do turismo representam cerca de 4 % do produto interno bruto, sendo dos mais elevados dos países da OCDE; representa cerca de 15 % do valor total das exportações de bens e serviços, e sendo um sector de trabalho intensivo, assegura dezenas de milhares de empregos, tanto directos, como nas várias actividades que faz nascer ou incrementa, a montante e a juzante.
Mas além dos aspectos ligados à globalidade da economia, o turismo já hoje é responsável, mas ainda tem de o ser mais no futuro, pelo desenvolvimento regional

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e local, levando mais bem-estar e criando empregos e riqueza em regiões ou zonas até agora caracterizadas por uma certa pobreza. O Algarve é o exemplo disso, mas muitas zonas do sul da Europa confirmam-no também.
Tem-se assim que, apesar de todas as políticas erradas e faltas de política, a grande força do turismo internacional, a atracção pelo nosso país, a maneira de ser acolhedora do nosso povo e a boa qualidade do serviço prestado pelos profissionais de hotelaria, permitem afirmar que sem dúvidas estamos perante uma das maiores potencialidades e realidades económicas nacionais.

O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não o querer ver ou não o saber ver, pelos que ao mais alto nível ocupam lugares governativos é miopia que pode ser fatal ao País.
De facto, tendo-se aderido à CEE e sendo bem conhecidas as dificuldades que nos mais diversos sectores vamos enfrentar, não dar prioridade a um dos sectores que pode ter melhores condições para vencer o desafio não se compreenderá. Ouve-se por vezes dizer que o sector A ou B irá beneficiar com a adesão e que outros irão ficar prejudicados. Não poria a questão desse modo. O que importará acima de tudo é que globalmente a economia e a sociedade, numa 1.ª fase aguentem o embate e, numa 2.ª fase, recuperem atrasos acumulados de muitos anos.
E não só no futuro, mas também na difícil 1.ª fase, o turismo pode ter um papel de capital importância.
E na perspectiva de adesão, é de referir que apenas recentemente o turismo, como realidade própria, começou a ser encarado com maior atenção nos órgãos comunitários, mas certamente que a entrada da Espanha e Portugal, conjuntamente com a França, Itália e Grécia, pressionará a tomada de novas medidas. De qualquer modo, no seio da CEE há benefícios que teremos de saber aproveitar e exigências a que teremos de ser capazes de responder.
Sem dúvida que Portugal, no seio da comunidade turística, se pode considerar um «pigmeu», designadamente em quantidade e comparativamente com outros países, como por exemplo a Espanha.
E por isso interessará destacar, essencialmente, que temos de ser capazes de tirar todas as vantagens dos Fundos a que temos acesso, designadamente o FEDER, o FEOGA e o Fundo Social Europeu, ao mesmo tempo que teremos de construir uma oferta turística própria para criar um mercado turístico próprio, que responda às exigência da civilização moderna, quanto à preservação da natureza e do ambiente e a uma qualidade inexcedível, capaz de concorrer com vantagens com mercados muito maiores do que o nosso.
Daí que se exija que, definidas as prioridades, os projectos de investimento em infra-estruturas essenciais das regiões que já hoje são os principais potenciais turísticos, como o Algarve, Madeira e Estoril, mas também de outras regiões e zonas do Centro e Norte e também da península de Setúbal, sejam preparados a tempo de beneficiarem das acções a desenvolver em 1986, sendo também de prever as verbas necessárias a suportar pela parte portuguesa.
Falei de qualidade, e falo também de segurança. De facto, qualidade e segurança são vitais para quem quer passar férias sem o mínimo de sobressaltos. Em férias

qualquer cidadão é mais exigente do que no dia-a-dia: por um lado, porque paga serviços mais caros do que no resto do ano e, por outro, porque atirando os problemas e canseiras correntes apara trás das costas», não quer carregar com novos problemas. E aqueles que vêm de outros países, percorrendo milhares de quilómetros e tendo aí níveis de vida mais elevados, não querem correr riscos.
É natural e legítimo. Daí que desde as grandes questões até ao que por vezes se consideram questões menores, mas que são fundamentais, tudo tenha de ser previsto. Porque, uma ocorrência desagradável provoca de imediato prejuízos muito elevados e vai manchando a nossa imagem turística o que é grave num mercado internacional fortemente competitivo. Há casos como os do gás, da falta de água ou de salmonelas no Algarve que não se podem repetir, e ainda recentemente na viagem que, integrado numa delegação parlamentar, fiz à Suécia tive oportunidade de confirmar os efeitos perniciosos que tais ocorrências têm na opinião pública. E também não podem continuar a proliferar construções desregradas, que vão «matando» praias, destruindo a natureza e afugentando os turistas. Deste modo, terá de haver a coragem de definir e declarar quais são as zonas saturadas, pondo-se um travão imediato a novas construções.
Pergunta-se muitas vezes que deve Portugal privilegiar? Um turismo de qualidade, no sentido de ser caro, ou massificado. Privilegiar um turismo de juventude ou de terceira idade. Privilegiar o turismo internacional ou o dos residentes. Não direi que estas são falsas questões, mas o que importa acima de tudo é preservar a qualidade da oferta.

O Sr. Rocha de Almeida (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O que importa é definir que tipo de alojamentos se podem construir e onde. Não há motivo para falsos conflitos entre um turismo mais caro, e gerador de mais divisas, praticado em moradias, aldeamentos ou hotéis de luxo, e o turismo de alojamentos menos caros, ou até relativamente baratos, como o dos parques de campismo. Cada um terá de ter o seu lugar próprio, e se por um lado não se pode pôr em causa o direito dos naturais e de quem nos quer visitar ao lazer, por outro, haverá que garantir as condições que assegurem a recolha das divisas que a nossa própria sobrevivência exige como Estado economica e razoavelmente independente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nestes termos, é indispensável, em primeiro lugar, preparar as infra-estruturas numa perspectiva de médio e longo prazo, no domínio da água, esgotos, vias de comunicação, transportes, etc.
Depois haverá que definir que tipo de alojamentos turísticos se devem construir e onde.
Criadas as bases, deverá incentivar-se ao lançamento de novos investimentos, sobretudo com uma adequada política de financiamento ao sector, na base de uma maior coordenação e rapidez entre o Fundo de Turismo e a banca, e de uma redução do serviço da dívida nos primeiros anos do investimento.

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Será de assinalar que o número de novas camas registado nos últimos 7 anos rondará apenas cerca de 3000, enquanto, por exemplo, na Grécia,

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o plano quinquenal de 1983-1987 previa um aumento de 140 000 camas. 15to diz bem da importância e prioridade do sector naquele país e do muito que há a mudar e a fazer em Portugal.
A promoção é cara e terá de ser adequada aos sectores e estratos económicos e sociais que mais interessam a Portugal.
Presentemente, os 700 000 contos para promoção correspondem apenas a 0,5 % das divisas entradas, enquanto internacionalmente se recomenda que essa verba ronde os 3,5 elo a 5 %. Mas, para lá da criação de estruturas de entretenimento, é indispensável que nas zonas de veraneio se ponha fim aos cães vadios, se eliminem os barulhos ensurdecedores das motorizadas e a que a qualidade e a limpeza sejam rigorosas, havendo de ter a coragem de fechar os estabelecimentos que reincidam em não cumprir as regras estabelecidas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Daí que o Plano Nacional de Turismo possa e deva ser aprovado com urgência, já que está elaborado em bases aceitáveis.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto ao incremento das relações turísticas com os países de expressão portuguesa, em particular os do continente africano, considero-o imperativo e conveniente. Imperativo, pelos especiais laços históricos que temos para com esses povos podendo e devendo colaborar em tudo o que nos for possível. Conveniente, porque as nossas principais empresas turísticas, à semelhança do que já se verifica com a Estoril-Sol Internacional, em Moçambique, poderão pôr a sua experiência no domínio da construção e gestão ao serviço desses países, com vantagens recíprocas.
Do mesmo modo, se terá de reforçar o intercâmbio no domínio da formação profissional, de que é exemplo o bom trabalho desenvolvido pelo Instituto Nacional de Formação Turística.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Frequentemente passamos o tempo a lamentar o que não temos e não exploramos convenientemente o que temos. O turismo é um desses exemplos.
As potencialidades do País são enormes. E se se fala mais do Algarve, Madeira ou Estoril é porque são os mais conhecidos. Por mim, defendo mais o Algarve, por um lado porque sou deputado eleito por esse círculo, mas também por que entendo que o Algarve, sendo a «porta de entrada» do turismo internacional em Portugal, tanto pela boa qualidade de alguns alojamentos, como por comportar cerca de metade do número de camas hoteleiras do País, pode beneficiar todo o País através de uma boa imagem. O Algarve tem sobretudo as praias, mas noutras regiões, além de haver também praias, há ainda grandes potencialidades gastronómicas, culturais, históricas, artesanatos, bebidas, caça, paisagem, que se podem e devem desenvolver.
O desafio está aí. Saibam os Portugueses, e em particular os mais responsáveis, assumi-lo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lucas Pires.

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A actual .situação política tem aspectos muito estranhos e deve ser motivo de séria interro-

gação para os Portugueses. Porque se há ainda uma útil função parlamentar, ela não pode deixar de consistir, neste momento, pelo menos, no maior esclarecimento e transparência desta crise aberta pela acção dos dois maiores partidos portugueses.
O primeiro facto estranho é este: Como é que depois da revisão constitucional uma crise política continua a circular apenas entre as direcções partidárias e o Palácio de Belém, sem que a Assembleia da República tenha sequer a possibilidade de um debate geral sobre ela? Como é que depois da revisão constitucional que limitou os poderes do Presidente da República, os partidos que desencadeiam a crise deixam inteiramente nas mãos do seu «adversário» histórico a solução da crise, ao ponto de ser visível que ambos conscenderiarn mesmo com um governo presidencial, ainda que de transição?
Ligada a esta, está uma segunda linha de pensamento também estranha: Como é que um governo que nasceu no Parlamento, e não directamente nas umas, não veio ainda aqui explicar a esta Câmara porque é que caíu? Porque é que um governo que nasceu do Parlamento anda a transformar numa campanha eleitoral a sua própria ruptura, em vez de começar por vir aqui explicar as razões pelas quais já não consegue governar Portugal.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - 1á vimos todos os líderes do Partido Socialista - dois, pelo menos -, todos os líderes do Partido Social-Democrata - dois, pelo menos - na televisão e em reprise (num abuso até «eventualmente chocante»), mas a este Parlamento ainda não chegou nenhuma explicação autêntica do malogro deste Governo. O Governo, que nascera aqui, vai morrer a outro lado - some-se no ar como substância volátil, acaso inalcançável para os representantes legítimos do povo português.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Continuamos sem saber sequer a razão pela qual o IX Governo Constitucional, nada menos do que o nono, acaba de sucumbir e receamos que nem sequer aqui possa ser feita a sua « autópsia».
E qual foi afinal a razão da crise? As nove medidas? É pouco, é pouco para quem invocou tão patrióticos empenhos no bloco central, para quem sacrificou tanto com o bloco central. É pouco, porque apesar de tudo não chega a uma medida por ministério, num Governo que tinha quinze ... As presidenciais? Aí, é demais. E demais para quem, depois de ter falado nas presidenciais, vem dizer ao País que quer legislativas antecipadas e para quem jurara compromissos até 1987, apesar dessas presidenciais. O medo da integração na CEE? É tarde para invocá-la, quando o que é necessário hoje em Portugal não é o medo da integração mas a coragem das reformas concretas para enfrentar essa mesma integração.
Não se sabe qual foi a razão. Sabe-se apenas que um novo round entre uma social-democracia agora «à alemã» e um socialismo ainda «à portuguesa», ou os insondáveis desígnios do «fado» e do «destino» que conduzem certos partidos, «levaram ao chão» mais um governo de Portugal. É pouco, muito pouco, para um governo que começou com a invocação de razões pa-

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trióticas, com grandes projectos e muitos que iam desde a pacificação social até ao desenvolvimento e à modernização do nosso país.
Mas para além desta falta de razões, o Governo não veio aqui dizer qual a alternativa. Dá ideia que a ruptura foi inconsciente, e a inconsciência é o outro nome real e consciente do «fado» e do «destino».
Rompeu-se um acordo solene de governo, sem razões nem alternativas, como se a honra - a honra, repito-o - de um compromisso público com o povo português e com o Parlamento nacional fosse apenas uma virtude reaccionária e ultrapassada.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Qual passará a ser o valor da verdade em política? Não será estranho que em Portugal o provocador das crises continue a ser o Governo? Não será estranho que em Portugal esses mesmos governos - ainda por cima dos partidos maioritários - não precisem de as explicar nem sequer de apresentar no seu Parlamento as soluções alternativas?

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Não foram sugeridas novas maiorias, e quando o Partido Social-Democrata e o Partido Socialista admitiram eleições gerais, foi apenas por terem percebido, ainda que tardiamente, que eram eles próprios que tinham dissolvido o Parlamento, no qual tinham sido durante 2 anos, à moda antiga, o rei e a rainha.
Sem razões nem alternativas claras aqui, nesta Casa, claramente explicadas, a crise que acaba de ser gerada tem muito de semelhante à crise pela crise. Talvez seja até verdade - e é um motivo de reflexão importante para nós o saber se há 10 anos em Portugal os dois maiores partidos portugueses se não mantêm no poder apenas abrindo crises e vivendo da crise permanente de quem a paga neste país.

Aplausos do CDS.

É por isso que não têm razão aqueles que acusam o CDS de ser muito exigente nas condições que apresenta para voltar ao governo. A razão é simples: é esse o único modo que temos de combater a leviandade com que outros abandonam o governo, é essa a única garantia que podemos oferecer de que uma vez chegados ao governo ...

Risos do PS.

... não desertaremos.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Assim não vai lá!

O Orador: - O terceiro facto estranho desta crise é o de que o abandono deste Governo está a ser feito em debandada e sem balanço prévio. Além da irresponsabilidade, há aqui uma incoerência patente. O Sr. Primeiro-Ministro, o Partido Socialista, e o Partido Social-Democrata chegaram ao Governo a pedir um discurso sobre o estado da Nação, a clamar contra a herança recebida e a pedir que essa herança fosse recebida a título de inventário. Pediu-se até a convocação do Conselho de Estado para atestar o estado a que teria chegado o País.

O mínimo de hombridade, Sr. Primeiro-Ministro, o mínimo de hombridade, Srs. Deputados da maioria, era que o Partido Socialista e o Partido Social-Democrata viessem aqui dizer o triste estado em que agora deixam o País.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Muito bem!

O Orador: - O Partido Social-Democrata já começou a dizer mal do seu Governo durante 6 anos, e implicitamente dos seus Ministros, mas ainda não foi capaz de assumir as responsabilidades pelo pântano que, tanto política como economicamente, ajudou a instalar em Portugal.

Aplausos do CDS.

Agora, Srs. Deputados, que se fala tanto de heranças, jacentes e outras, seria bom que não nos lembrássemos apenas das heranças dos partidos e que nos lembrássemos das heranças jacentes que os partidos do Governo continuam permanentemente a deixar aos Portugueses do futuro, à sua juventude.
O PS e o PSD já foram à televisão vender novas ilusões, seja a do dinheiro que vem da CEE, seja a da social-democracia «à alemã». Mas o País, esse continua na mesma ou cada vez pior e, em qualquer caso, era mais moral que o PS e o PSD fizessem um último gesto de conciliação, um último gesto de humildade, que seria o de serem capazes de, em conjunto e como parceria que foram durante 2 anos, nos explicarem aqui o triste balanço a que levou a sua governação.

Vozes do PS: - Assim não vai lá!

O Orador: - A verdade é que o socialismo e a social-democracia falharam como via para resolver os problemas portugueses e é por isso que se separam, hoje, numa via laxista e dirigista para resolver esses problemas. Mas fazem-no sem a noção de um novo horizonte, de uma nova alternativa que constitua verdadeiramente algo em que os Portugueses possam acreditar de novo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É por todas esta razões e pela própria crise institucional, que é patente, que o CDS encarará as próximas eleições legislativas, presidenciais e autárquicas, com espírito de quem quer batalhar por uma nova solução para o nosso país. Ela será para nós inteiramente nova, pelo que não condescenderemos, e não faremos nenhuma concessão sobre este aspecto.
A solução portuguesa só poderá ser encontrada na abertura interna e externa do País, numa alternativa liberal, moderna e europeia, que tem de ser a do Portugal do futuro.
É essa a proposta com que nos apresentamos nesta Assembleia e com que nos apresentaremos ao eleitorado.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para interpelar o Sr. Deputado Lucas Pires encontram-se inscritos dez Srs. Deputados. Ora, o CDS não tem tempo para responder.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

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O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado. Penso que é para ajudar a Mesa com o tempo necessário.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, não posso ajudar a Mesa com o tempo necessário porque também vou produzir uma declaração política, mas penso que as declarações do Sr. Deputado Lucas Pires são suficientemente importantes...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - ...para que a Câmara, em conjunto, lhe conceda o tempo necessário para ele responder às interpelações que forem feitas por todos os Srs. Deputados.
Nesse sentido, proponho que, se nenhum dos partidos fizer objecções, seja dado ao Sr. Deputado Lucas Pires o tempo necessário para responder às perguntas que lhe vão ser feitas.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, não tenho nenhuma objecção a fazer à proposta apresentada pelo Sr. Deputado José Luís Nunes, mas permitir-me-ei acrescentar alguma coisa mais.
Tendo em conta a importância do debate, tendo em conta o facto de termos uma ordem de trabalhos que não está muito sobrecarregada, não haveria inconveniente em prolongar, ligeiramente, o período de antes da ordem do dia...

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... e, nessa medida, julgo que o acréscimo de tempo sugerido pelo Sr. Deputado José Luís Nunes para o CDS poderia ser extensivo às outras bancadas se, porventura, elas vierem a carecer de tempo para poderem participar no debate.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se não houver nenhuma objecção da Câmara e como é exactamente esse o pensamento da Mesa, sugerimos essa proposta a VV. Ex.ªs

Pausa.

Uma vez que não há objecções o Sr. Deputado Lucas Pires terá o tempo necessário para responder e os grupos parlamentares que já não tinham tempo e que se inscreveram para fazer perguntas - é o caso do PSD - terão também o tempo necessário para formular as perguntas e intervir plenamente no debate que se seguirá.
Sendo assim, tem a palavra o Sr. César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Lucas Pires: Acusou V. Ex.ª, no seu legítimo direito, o PS e o PSD de venderem ilusões. Suspeito, por isso, que o CDS se recusa a vender ilusões, ou seja, o CDS promete, por essa via, por uma via indirecta, não vender ilusões.
A minha questão tem a ver com esta não venda de ilusões por parte do CDS. Pela sua voz o CDS afirmou-se exigente, o CDS quer ser um partido exigente. Disse, V. Ex.ª, a dado passo, que muitos se

admiram de o CDS ser a tal ponto exigente que apresenta determinadas condições para voltar ao governo. Ora o CDS, bem ou mal, feliz ou infelizmente, apresenta-se ao eleitorado partindo de uma base de cerca de 12 % ou 13 %.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - E quem fala tem 1 %! Que grande voz, César!

O Orador: - Sendo completamente exigente, creio que o CDS já disse, pela sua boca, repetidas vezes, que só voltará ao governo se indicar o Primeiro-Ministro. Julgo, pois, que das duas uma: ou o CDS, para ser coerente com a sua intervenção agora feita e com as últimas intervenções que tem proferido, sente que. vai conquistar a maioria absoluta dos votos e pode indicar o Primeiro-Ministro; ou o CDS, numa eventual, nova AD ou aliança para uma nova República - não sei que nome é, ao certo, pois estive fora 8 dias em missão da Assembleia, mas julgo que é esse o nome -, só aceita essa situação se o PSD tiver um lugar subalterno nessa nova aliança. Donde, só haverá nova AD ou aliança para a nova República, como queiram chamar-lhe, se o PSD não indicar o Primeiro-Ministro. 15to porque a condição sine qua non para o CDS voltar ao governo - e eu pediria ao Sr. Deputado para me confirmar se é assim ou não - reside exactamente em que o CDS possa indicar o Primeiro-Ministro.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Já mudou de bancada?! É independente do Cavaco?!...

O Orador: - Se nada disto se passar verá V. Ex.ª que o CDS irá ter graves responsabilidades na situação de impasse em que contribuirá para colocar a Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lucas Pires pretende responder já ou no fim?

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Respondo já, agradecendo a generosidade da Assembleia e do Sr. Presidente.

Acho um pouco estranho que do partido mais pequeno da Assembleia venham, normalmente, as objecções à pequenez do CDS.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - É proibido?!. : .

O Orador: - Quando penso no instinto «boxista» do Sr. Deputado César Oliveira, felicito-me da pequenez da UEDS porque isso nos permite enfrentar os seus argumentos com maior galhardia.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Simpático! .

O Orador: - Mas a verdade é que quando falei de venda de ilusões, quis referir-me ao seguinte: Toda a gente sabe, pelo menos, quem esteve atento, que o líder do PSD, depois do Congresso da Figueira da Foz disse que os seus antecessores tinham sido iludidos na coligação com o PS. Ora o CDS nunca esteve iludido e, por isso mesmo, recusou participar nas negociações do bloco central para as quais foi convidado pelo líder de então do PSD.

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Portanto, pelo menos, nós não vendemos essa ilusão. É um crédito que nos pode ser dado em termos de ilusão. A ilusão do bloco central não fez nem fará parte das nossas ilusões. Aí está uma resposta possível e capaz à pergunta que nos pôs.
Sr. Deputado César Oliveira, em Portugal, hoje, toda a gente é muito exigente pelo que se nós não soubermos, ao nível da representação política do povo português, ter uma exigência, pelo menos, proporcional, estaremos a curto ou a médio prazo em muito maus lençóis.
Não vejo assim tanta dificuldade em indicar o Primeiro-Ministro, nem que isso careça de uma maioria absoluta. Basta, talvez lembrarmo-nos - sem que eu queira, naturalmente, ombrear com esse grande homem que foi Sá Carneiro - que o Dr. Sá Carneiro foi Primeiro-Ministro quando o seu partido tinha 24 % e que o PSD não teve o Primeiro-Ministro quando tinha 27%. 15to, aliás, mostra qual é a ironia que estas questões podem ter e como é que elas se podem apresentar no futuro.
Não há, portanto, nenhuma contradição e, aliás, devo dizer que em nenhuma circunstância eu pediria ao PSD, que é um partido tão vivo na sociedade portuguesa, tão ambicioso - no sentido positivo -, que tivesse um estatuto subalterno em qualquer coligação. Nunca propus isso e se por acaso o Sr. Deputado César Oliveira tiver o cuidado e a atenção de ser tão diligente a ler os meus papéis como o é a interpelar-me nesta Assembleia, tenho a certeza de que chegará a uma conclusão idêntica à minha.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Lucas Pires: Todos compreendemos o objectivo da sua intervenção, que é o de mostrar que o CDS está fora deste processo de rotura da coligação, pois o CDS é um partido da oposição e é normal tentar tirar o maior proveito dela. Ninguém pode acusar o CDS de não ter todo o direito de o fazer, mas, de facto, de duas uma: ou V. Ex. a tem andado distraído noutra galáxia; ou receia eleições legislativas antecipadas. 15to porque dizer que se desconhecem que não se compreendem ou não se sabem as razões da queda do Governo é o mesmo que não ter andado por cá.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se desconhece, farei entrega a V. Ex. do texto da nossa conferência de imprensa, onde se explicam as razões. Compreenderá, certamente, que eu não queira ser seu explicador pois até não tenho competência para tanto.
Quanto a alternativas, Sr. Deputado, as nossas alternativas são claras e uma é dar voz ao povo português. Não receamos eleições legislativas antecipadas e elas são a solução normal para a crise.
Quanto a chamar-nos de irresponsáveis, com toda a franqueza, Sr. Deputado.
É evidente que o CDS, nas suas insinuações em relação ao bloco central, dá a sensação ao público e ao eleitorado - pois nesta Câmara, obviamente, ninguém

«engole» essa - de que nunca se iludiu com o PS. Parece que nunca esteve em coligação com o PS, mas, de facto, já esteve.

Uma voz do PSD: - Está esquecido!

O Orador: - Não nos arrependemos da experiência, pois na altura considerámos que ela era um imperativo patriótico, mas a experiência, efectivamente, não foi feliz. Nós constatámos, como poderá ver pelo texto da nossa conferência de imprensa para além de inúmeras outras posições públicas do PSD, que não era possível mantermo-nos no Governo. Vejam-se os exemplos da produção interna e do consumo dos particulares a caírem drasticamente em 1983 e 1984, do investimento a cair 20 % em 1984 (foi a maior queda desde que há contas públicas), da inflação que o ano passado foi a mais alta desde que são publicados indíces do preço ao consumidor. Ora perante uma situação destas, para a qual nós alertámos, assiduamente, durante o último ano e perante todas as tentativas ...

Protestos do PS.

Nós compreendemos o estado de nervosismo do PS, mas esta é uma realidade e nós mantemos a nossa serenidade.

O Sr. José Leio (PS): - Não é nervosismo, é dignidade!

O Orador: - Perante a situação descrita e que é palpável por toda a gente que não esteja de má fé, o nosso intuito foi o de apresentar ao PS, sucessivas vezes, medidas concretas que permitissem relançar a economia ...

Uma voz do PS: - Quais?

O Orador: - ... e redinamizar o Governo por forma a que os Portugueses e os agentes económicos retomassem a confiança no Executivo. Para isso propusemos medidas. Elas foram rejeitadas e nós saímos. É tão simples como isto.
Irresponsabilidade, Sr. Deputado Lucas Pires, seria mantermonos no Governo na situação em que ele estava a governar. Não nos falem nos custos da ruptura, pois muito maiores seriam os custos com a manutenção do PSD no actual Governo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Lucas Pires.

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Antes de mais, devo dizer ao Sr. Deputado António Capucho que nós não receamos eleições legislativas antecipadas nem qualquer espécie de intervenção do povo.
A primeira razão resulta de não considerarmos que vamos ganhar as próximas eleições legislativas - não somos técnicos eleitorais, mas porque transportamos apenas uma vontade política que queremos veicular em Portugal e é em nome dessa vontade política que combateremos, quaisquer que sejam as condições eleitorais que se nos apresentem do ponto de vista técnico.

Vozes do CDS: - Muito bem!

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O Orador: - Esse não é problema para nós.
O Sr. Deputado disse-nos que explicaram em confe-
rência de imprensa as razões pelas quais saíram do Go-
verno. Apesar de tudo é um pouco estranho que o PSD
tenha demorado 2 anos a compreender as razões por
que deveria sair do Governo
O Sr. Vítor Hugo Sequeira (PS): - 15to é namorar
a sério. Já não se vê!
O Orador: - ... e que durante 2 anos tenha sido
cúmplice do que agora considera o afundamento do Or-
çamento do Estado e da sociedade portuguesa.
Pergunto-lhe, Sr. Deputado António Capucho, se me
permitir a expressão, com amizade, se há alguma faci-
lidade moral no facto de o seu grupo parlamentar ter
há pouco tempo recusado uma moção de censura e de
ser, hoje, capaz de votar aqui essa moção contra o Go-
verno.
Quais são as condições que no País mudaram, para
além da mudança na direcção do seu partido? Como
é que os mesmos deputados sustentam o Governo e,
passados uns dias, o derrubam nas mesmas circunstân-
cias?

Vozes do CDS e do PS: - Muito bem!

Aplausos do CDS.

O Orador: - Este é que é o verdadeiro problema
que está em causa e é por isso que digo que o pro-
blema não é o «das Buenos Aires», não é o dos parti-
dos, é o problema do Parlamento e dos deputados, é
o problema da responsabilidade pessoal e moral de cada
um de nós. Quem tiver pedras para atirar que as atire,
pois é por isso que nós vimos aqui falar.
A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - 15so mesmo!

O Orador: - Minha Senhora, os meus dossiers es-
tão à disposição de toda a gente. É favor, se não te-
nho ainda conhecimento deles, de os exibir.
É evidente que foi aqui dito que o investimento bai-
xou 20%. Mas quem é que contribuiu para isso? O
seu partido tem no Governo seis Ministros, entre os
quais o da Agricultura, o do Comércio e Turismo e
o Ministro do Trabalho. Será que os Ministros do PSD

foram melhores que os outros? Será que demoraram acordo!
2 anos a aperceber-se de que isto estava a acontecer,

quando a previsão é uma das principais qualidades po-
líticas de quem quer que seja?

O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado, o que eu censurei foi
uma coisa muito simples. Censurei o facto de esta As-
sembleia não ter, sequer, sido honrada - já não digo
que se tivessem dado explicações - com o conheci-
mento do que se estava a passar.
Devo dizer - e há testemunhas na minha bancada
que a certa altura pus o problema de se fazer um de
bate geral nesta Assembleia sobre a crise, sacrificando
uma das prerrogativas do nosso partido e foi-me dito
que não era possível por força do Regimento e de ou-
tras dificuldades desse tipo. .Mas isso é inacreditável,
porque se fez uma revisão constitucional nos termos
da qual deviam ser os partidos a resolver os proble-
mas que eles próprios causam. Onde é que o PS ou

o PSD estiveram? E já é muito bom eu recusar-me a dividir as responsabilidades de um e do outro. Estou a raciocinar como se Portugal fosse uma democracia, mas se me vêm dizer que é outra coisa e que as soluções são encontradas na rua e não aqui, então muito bem, mas é um argumento que não aceitarei.
Sr. Deputado, é verdade que estivemos no governo com o PS, mas não se esqueça que eu próprio sou o autor da expressão de que nós estávamos no governo para melhor combater o socialismo e que votei contra esse governo. Por isso, pedi para exibir os dossiers do meu comprometìmento nessas soluções. Mas nós só demorámos 6 meses a perceber essa situação!

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD)-. -
Envergonharam-se!

O Sr. António Capucho (PSD): - Foram mais espertos!

O Orador: - Há, pelo menos, da nossa parte, uma maior inteligência política.

Aplausos do CDS.

Sr. Deputado António Capucho, V. Ex.ª disse uma coisa que me parece espantosa em termos lógicos. Disse que o PSD acabou com o Governo para restabelecer a confiança no Governo. Realmente, é primeira originalidade teórica que eu encontro sobre este ponto.
Havia um compromisso público - e é essa a razão pela qual nós defendemos que este Governo se deve manter até às próximas eleições -, pelo que quem cria as condições de dissolução do Parlamento deve sustentar esse mesmo Parlamento, nessas mesmas condições, até ao fim.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Não há nenhuma razão para haver um novo governo. Só haverá razão para tal quando houver novas eleições. Ainda estamos numa democracia e qualquer outro golpe seria um golpe de palácio e indevido para a resolução dos nossos problemas.

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Estamos de acordo

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado Lucas Pires, no início do seu discurso - aliás, foi uma tónica de todo ele - o Sr. Deputado referiu o facto de esta crise se vir a desenrolar totalmente à margem do Parlamento.
Ora, devo dizer-lhe que neste ponto não há uma discordância fundamental entre a UEDS e a posição assumida pelo Sr. Deputado.
Aliás, exactamente porque nós entendemos que a crise não se deve processar à margem do Parlamento e que a solução não deve igualmente ser encontrada à sua margem, e apesar da nossa pequenez, que tanto parece preocupar o Sr. Deputado Lucas Pires - eu compreendo que fale repetidamente na pequenez da UEDS - é certamente a única maneira de o CDS se sentir grande...

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O Sr. Narana Coissoró (CDS): - São vocês é que falam nos 12 % !

O Orador: - ... apesar disso, propusemos aqui que, antes da dissolução e no quadro constitucional, o Sr. Presidente da República accionasse os mecanismos que a Constituição prevê e deixasse à Assembleia a responsabilidade de viabilizar, ou não, um novo governo, abrindo, ou não, as portas para a dissolução.
Mas o que mais me espantou, Sr. Deputado, foi o ar cândido com que o Sr. Deputado veio aqui acusar o Governo de marginalizar o Parlamento nesta situação, esquecendo-se talvez que, se marginalização existe e se ela atinge as proporções de gravidade que o Sr. Deputado apontou, a responsabilidade só acessoriamente é do Governo porque se o Parlamento é marginalizado é porque os deputados e os partidos aqui representados aceitam ser marginalizados. E a contradição assume toda a sua dimensão especialmente em relação àqueles partidos que entendem que essa marginalização é um facto e que ela é inaceitável.
É que o CDS tinha e continua a ter ao seu dispor o mecanismo da interpelação ao Governo para evitar a marginalização.
Quando o Sr. Deputado diz que o mínimo de hombridade por parte do PS e do PSD - e ninguém pensará que eu tenha procuração do PSD, embora haja boas vozes que dizem que eu sou o «homem de mão» do PS para estas ocasiões, o que não me faz diferença de espécie nenhuma... - seria terem provocado o debate, leva-me a perguntar se o mínimo de hombridade do CDS não seria ter sido ele a tomar a iniciativa de procurar a interpelação ao Governo nessa matéria.
Aliás, o Sr. Deputado deu-nos um começo de resposta quando nos disse que no seu grupo parlamentar lhe haviam dito que tal não era possível.
Sr. Deputado, o que lhe digo é que foi mal informado. Não era possível ao CDS ter usado o direito potestativo de fixar uma ordem de trabalhos, mas era-lhe sempre possível ter feito essa proposta na conferência de líderes, obrigando assim cada um dos partidos a assumir a responsabilidade de viabilizar ou de inviabilizar essa interpelação.
Ora, o CDS, que parece tão preocupado quanto à marginalização do Parlamento, não tomou essa iniciativa.
Talvez porque, menos preocupado com a marginalização do Parlamento, o que o CDS não queria de maneira nenhuma perder era esta ocasião fácil de vir criticar o Governo, a maioria, sem apontar quaisquer soluções, colocando-se exactamente na posição que já tive aqui ocasião de criticar relativamente ao PSD, que cria a crise e não aponta soluções. É que o Sr. Deputado vem aqui, faz um longo discurso, mas quanto a soluções disse rigorosamente nada.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lucas Pires.

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, queria ressalvar a última parte da sua intervenção, dizendo que tenho até escrita no meu discurso a parte relativa às soluções. No entanto, resolvi omiti-la não só por falta de tempo como também por já ter tido ocasião de me exprimir sobre elas, quer na televisão, quer noutras ocasiões.
Portanto, sacrifiquei essa parte do meu discurso.

O Sr, Lopes Cardoso (UEDS): - O Sr. Deputado
dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - O Sr. Deputado caiu na pecha de que acusou outros. É que os problemas não se discutem nem nos corredores de Belém, nem nos hotéis, nem na televisão ou nos jornais.
Os deputados têm obrigação de os discutir aqui na Assembleia.
O facto de os ter transmitido aos jornais não é desculpa, Sr. Deputado.

O Orador: - O Sr. Deputado Lopes Cardoso bem compreende que num discurso de 10 minutos não cabe tudo. Se o Sr. Deputado conseguir explicar-me como é que cabe, então acharei esses argumentos completamente correctos.

Por outro lado, e em segundo lugar, tinha a impressão, felizmente bem sucedida, de que a minha intervenção podia gerar este tipo de debate e, desse modo, poderia ter a oportunidade de esclarecer, aqui mesmo, quais as soluções que propomos para a crise.
O Sr. Deputado diz que quando falamos da pequenez da UEDS é um modo que temos de exibir a nossa grandeza. A resposta é fácil e também literária - e não sairíamos desse terreno, o que não seria nada positivo - seria dizer-lhe que a grandeza do CDS nunca se alimentará da pequenez dos outros.
Aliás, trata-se de um tópico importante da ética democrata-cristã e, para além disso, da nossa hombridade pessoal.

Sobre esse aspecto, pode o Sr. Deputado Lopes Cardoso estar inteiramente descansado.

Quanto à questão da marginalização do Parlamento, e de não trazermos aqui a solução, devo dizer-lhe que tanto aqui a trazemos que é a intervenção do CDS que, apesar de tudo, se me é permitida a presunção, suscita o debate mais vasto sobre a questão.

Por outro lado, a verdade é que, a partir da última revisão constitucional, o próprio Parlamento tem - é um facto e a minha própria análise continha esta consideração - poucos elementos para enfrentar uma crise.
A contradição que se deu com a última revisão foi basicamente esta: o Presidente da República, aparentemente, ficou sem poderes, mas o Parlamento também não tem poderes, nomeadamente a moção de censura construtiva para, no período final de 6 meses, remendar uma situação criada por um governo que cai.
Aliás, esse é um dos argumentos mais importantes que conduz à defesa de eleições gerais antecipadas. É que a adopção de qualquer solução que tenha de ser testada a partir de 14 de Julho ou que tenha de ser reavaliada é perigosa, na medida em que o Presidente da República não tem poderes para reavaliar essa decisão.
É por isso que qualquer outra solução que não seja a de eleições gerais antecipadas é uma solução precária, que cria autoridades provisórias precárias, e que pode enredar ainda mais a solução.
Por outro lado, a interpelação do Governo - não sei se irei cometer alguma gaffe constitucional porque não conheço muito bem o Regimento...

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O Sr. César Oliveira (UEDS): - 15so é regimental!
Uma coisa é constitucional, outra é regimental!

O Orador: - Exacto!
Julgo que a interpelação tem outras funções que não esta.
Aliás, como o Sr. Deputado sabe, durante este ano fizemos uma interpelação ao Governo e apresentámos uma moção de censura.
Acontece que não podemos apresentar outra moção de censura, mas tínhamos uma outra interpelação que estava já agendada, salvo erro, para o dia 21, razão pela qual não tínhamos mais instrumentos parlamentares que pudéssemos usar - para além da interpelação não ser o modo técnico adequado para resolver este problema,
Há ainda uma outra questão.
Disse na minha intervenção, em primeiro lugar, que o PS não apresentou qualquer outra proposta de maioria. Aliás, a questão não é apenas a de uma maioria. A questão é a de uma maioria homogénea, pois qualquer maioria que não seja homogénea não resolveria o problema.
Ora, maioria homogénea entre o PS e o PSD acaba de não ser possível. Houve uma rotura ao meio e nós não temos instrumentos para fazer um cerzimento numa costura tão grande entre os dois maiores partidos portugueses.
Portanto, foi o Parlamento que, digamos assim, se auto-dissolveu. Talvez esta minha observação seja considerada muito metafórica mas, num certo sentido, o poder de dissolução foi transferido para os partidos da Assembleia, pois ao romperem uma coligação tão vasta, eles próprios, dissolveram o Parlamento.
Aliás, do que se trata hoje é de constatar que há uma dissolução do Parlamento. Tanto que, lá fora, já começaram as campanhas eleitorais. O que é que o PS e o PSD andam a fazer na televisão senão isso? Hoje, pela segunda vez, vai ao programa Actual um líder do PSD. Também já foram à televisão dois líderes do PS.
Portanto, é evidente que a campanha eleitoral já começou, que os partidos já começaram a pôr questões lá fora que não poêm aqui dentro, pois foram eles que dissolveram a Assembleia.
Além disso, é evidente que o CDS não pode e não quer prestar-se a uma função que não é a sua, isto é, a função de prótese constitucional para crises abertas por outros e que por elas são responsáveis. É evidente que não nos prestaremos a essa solução, pelo que não vejo outra alternativa possível. Não vejo qual seja a solução no Parlamento.
O Presidente da República falou com todos os partidos .. .

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - O Sr. Deputado permite-me que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Peço-lhe desculpa por o interromper de novo mas, com o actual Regimento, é o único processo de ainda intervir no debate. Foi por isso que abusei da sua boa vontade.
O Sr. Deputado não acha que há uma certa incoerência entre a proposta apresentada pelo CDS no sentido do prolongamento dos nossos trabalhos e a afirmação de que esta Assembleia se auto-dissolveu?

Não seria, então, muito mais coerente ter assumido a posição daqueles que, partindo da mesma constatação, isto é, de que a Assembleia se auto-dissolveu e portanto não existe, entendem que os seus trabalhos não devem ser prolongados?
No meu entender, há aqui uma incoerência de fundo, ou seja, pretende prolongar-se os trabalhos de uma coisa que se encontra auto-dissolvida.

O Orador: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, aprecio logicamente o seu argumento. É evidente e é relevante, mas trata-se de um argumento puramento lógico. Seria talvez de o esperar mais de um jurista do que de um engenheiro.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - É que a lógica é uma batata e eu sou agrónomo!

O Orador: - O facto é que é útil que a Assembleia continue a funcionar para resolver problemas vários, inclusive alguns de natureza técnica, apesar de politicamente não ser possível encontrar aqui uma maioria.
Quando digo que a Assembleia está praticamente dissolvida quero dizer que não é mais possível encontrar aqui uma maioria. É essa a questão que está em causa.
Penso que eram estas as questões principais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Lucas Pires, centrou a sua intervenção ou, pelo menos, organizou-a em torno do que definiu como os aspectos estranhos da crise.
Ora, posso dizer que, de alguma forma, a sua intervenção acrescentou um novo aspecto estranho a esta crise. Desde logo, porque tendo criticado os partidos da maioria ou da ex-maioria ou da talvez ainda maioria pelo facto de não explicarem à Assembleia os termos em que claudicou a coligação, acabou por se colocar numa situação em que também não adiantou qualquer espécie de solução para a crise política que se vive.
Ou seja, teve o cuidado - até, em resposta ao Sr. Deputado Lopes Cardoso o acrescentou -, esgotando o tempo, de não adiantar formalmente qualquer espécie de solução. E mais: a sua intervenção, Sr. Deputado Lucas Pires, é tanto mais estranha quando, no fundo, se traduz não tanto em criticar os partidos da ex-maioria por terem conduzido à crise, mas por a terem provocado. 15to é, a sua posição foi claramente a de dizer: «Que pena que o bloco central se tenha desfeito! ... »

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - « ... Governava tão bem! Nós até íamos apoiando e votando todas as suas medidas fundamentais! »
Logo, o que é mau em tudo isto é que o bloco central se tenha desfeito, pois era o mais conveniente para o CDS e o seu prosseguimento era o que convinha ao CDS e talvez ao Sr. Deputado Lucas Pires.
15so é uma coisa que há-de explicar não só externa como internamente, mas noutro dia.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS): - Coitadinho!

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O Orador: - Resumidamente, pode-se dizer que o tom da sua intervenção foi o de alinhar o próprio CDS na desresponsabilização do PS e do PSD que formavam o bloco central e, também, do CDS - que com o PS governou em 1978 e que durante 2 anos e meio governou com o PSD - relativamente à situação política a que se chegou e que resulta de uma política completamente errada, como o Sr. Deputado Lucas Pires sabe muito bem.
É esta a questão central.
A sua intervenção, Sr. Deputado Lucas Pires, não se destinou a criticar a maioria pela sua irresponsabilidade mas, pelo contrário, destinou-se a dizer à maioria: «Vejam lá se ainda conseguem resolver isto. Vejam lá se encontram uma forma de se aguentarem porque nós, CDS, e eu, deputado Lucas Pires, estamos interessadíssimos em que vocês prossigam.»
É esta questão que é o centro da sua intervenção.
O Sr. Deputado Lucas Pires sobe à tribuna dizendo: «Vamos discutir na Assembleia a crise e as soluções» e não faz nem uma coisa nem outra. Não discute a crise porque não lhe interessa, porque participa nela, e não discute as soluções porque não é o que quer ou porque não as tem.
Ora, o que lhe pergunto é se este é um esforço de clarificação da situação política.
Até lhe pergunto mais: sendo certo que o CDS manifestou ou, pelo menos, disse publicamente que o PS e o PSD, embora fundamentalmente o PS, manipulavam a comunicação social, que tinham na mão os instrumentos fundamentais, nomeadamente a RTP e RDP, como é que o Sr. Deputado Lucas Pires pode sustentar que seja este governo a permanecer em funções num período de eleições, num período de campanha eleitoral? 15to é, que ao longo de todo este tempo tal Governo permaneça em funções com toda a possibilidade e capacidade de manipulação da opinião pública, utilizando abusivamente alguns dos meios da comunicação social em seu próprio favor.
Como é que o Sr. Deputado Lucas Pires consegue conciliar as críticas que, em nome do seu partido, têm sido feitas ao uso abusivo da comunicação social com a proposta de que este governo se mantenha em funções?
Este é um ponto que me parece que o Sr. Deputado tem de explicar demoradamente.
15to é, tem de explicar como é que consegue ser favorável a um quadro eleitoral isento quando aqueles que manipulam a comunicação social são quem detém o comando do Governo.
Um segundo ponto. Como é que o Sr. Deputado Lucas Pires concebe que um governo que acusa de irresponsável, constituído por partidos que considera irresponsáveis, coloque perante o País e perante o infortúnio de Portugal a aprovação de um tratado com a importância que tem o Tratado de Adesão à CEE?
15to é, o PS e o PSD, este governo, são ou não irresponsáveis?
Ou será que são irresponsáveis perante o País para efeitos menores, mas já não são responsáveis para efeitos maiores, para os que têm maior incidência no nosso futuro?

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Boa pergunta!

O Orador: - O Sr. Deputado Lucas Pires, pode, eventualmente, ter feito esta intervenção também para veicular a sua postura no que toca às negociações

prévias em torno dos actos eleitorais ou para demonstrar que, respondendo aos deputados um a um e gastando este tempo, estava numa posição de liderar. Mas a questão que se coloca neste momento não é a de liderar ou não liderar. A questão que se coloca é uma e tão-só a de saber como resolver a crise política em termos de encontrar uma solução governativa que implique e assegure isenção face aos actos eleitorais próximos que são da maior importância para o País.
Quer o Sr. Deputado Lucas Pires explicar aqui com clareza qual é o pensamento do CDS, quer clarificar finalmente qual é o pensamento do CDS ou, pelo menos, qual é o seu pensamento?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lucas Pires.

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Presidente, Srs, Deputados: Quanto às soluções, devo dizer que já me referi a elas e, então, vou resumi-Ias mais uma vez. Do nosso ponto e vista, as soluções são: eleições gerais antecipadas e a manutenção do actual Governo até às próximas eleições.
Esta última solução, que é a que causa mais dificuldades de compreensão ao Sr. Deputado João Amaral, no fundo, tem três razões principais.
Uma delas é uma razão de economia - e devo dizer que não são razões do ponto de vista do CDS, admito - pois, os actuais ministros já conhecem os dossiers respectivos e ainda por cima, segundo consta, todos eles querem continuar a gerir os seus dossiers.

Risos do CDS.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Essa está boa!

O Orador: - Esta solução é uma solução económica visto que qualquer novo ministro que assuma uma destas pastas vai estar 4 meses a apreender os dossiers respectivos...

O Sr. José Magalhães (PCP): - A manipular!

O Orador: - ... o que significa que só conhecerá esses dossiers quando sair, depois das eleições que vai haver.
Por ouro lado, trata-se de uma solução estável. E porque é que é uma solução estável? Porque significa que só vai haver dois governos que são este que já existe e o outro que vem a seguir. Não vai haver nenhum governo no meio, nem vai lançar sequer a confusão no eleitorado que pode vir a ser consultado nas próximas eleições. Pois pode pôr-se a questão: mas que governo é que estamos a julgar? É muito simples, é aquele que continua a funcionar, é o Governo do PS e do PSD. 15so é muito simples...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - 15so é o que o PC não quer!

O Orador: - ... é muito lógico, porque se houvesse algum novo governo no meio o eleitorado ia-se interrogar: mas afinal temos um novo governo, qual é o governo que estamos a julgar?

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As eleições devem ser um julgamento sobre a política destes 2 anos do PS e do PSD e se o não forem, paciência. O CDS fará tudo o que estiver ao seu alcance para que esse acto de juízo, de mudança e de pedagogia democrática se exerça nesses termos.
Por outro lado, é evidente que essa solução não nos causa muitos engulhos do ponto de vista do controle da comunicação social. Bem, é que se o PS e o PSD controlaram a comunicação social durante 2 anos . ..

O Sr. João Amaral (PCP): - Essa é que é a questão!

O Orador: - ... e, apesar de tudo, nós continuamos a existir e a crescer não vem daí grande mal ao mundo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mais uns mesinhos não faz mal!

O Orador: - Mas há aqui um elemento suplementar: é que agora o PS vai controlar o PSD e o PSD vai controlar o PS.

Risos do CDS.

E até se pode dizer isto: mesmo que não quiséssemos não há nada a fazer, é inteiramente lógico desse ponto de vista.
Portanto, não julgo que essa solução tenha assim tantas dificuldades como isso.
Quanto à questão que V. Ex.ª me põe sobre se não haveria uma contradição entre o facto de o CDS criticar o bloco central e agora criticar a sua ruptura.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não disse isso.

O Orador: - Não! Mas pelo menos terá dito algo parecido com isto.
Penso que não há contradição. É evidente, combatemos o bloco central por todos os meios ao nosso alcance e quisemos que ele caísse aqui na Assembleia.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Viu-se!

O Orador: - 15so não tem nada a ver com o facto de dois partidos que têm um compromisso público até 1987 o rompam e não expliquem aqui, nesta Assembleia, as razões desse rompimento e que, portanto, façam cair mais um governo numa sucessão de quedas e de levantamentos que têm apenas um objectivo que é contar os votos em vez de governar o País.
Bem, devo dizer que a minha análise sobre as alianças desta Assembleia é completamente diferente da do Sr. Deputado. A minha análise não é de PS, PSD, CDS. É, sim, de PCP, PS e PSD. E explico-lhe porquê.

Risos.

É que o PS e o PSD têm passado o tempo a distribuir os lugares que vocês inventaram no 11 de Março.

Aplausos do CDS.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - E o CDS recusava os lugares?!...

O orador: - É, no fundo, a lógica do PS e do PSD.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - E o CDS não esteve 1á?!...

O Orador: - Sr. Deputado, fiz um desafio muito sério ao PSD e que é o seguinte: o PSD está no Governo há 6 anos, então o PSD que me diga o que é que fez no Governo durante esse tempo. E para demonstrar a sua boa fé sobre o que fez que se retire da administração da banca, da administração da Televisão, da administração da informação pública, de todas as administrações de empresas públicas que conseguiu à custa de 6 anos de Governo. 15to é, que se retire para mostrar a boa fé no combate que faz, agora, contra o bloco central.

Aplausos do CDS e do Deputado da UEDS César Oliveira.

E porque é que não conseguiu outro resultado? Porque isto é a administração e a gestão criadas pelo PC no dia 11 de Março e mais nada. Sentaram-se em cima do que o PCP fez.

Risos do CDS.

O PCP continua por baixo a minar, é verdade, ...

Risos do CDS.

O Orador: - ... mas os senhores estão lá sentados.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Já o Freitas tinha essa tendência de fazer de rei e de rainha.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O Magalhães é muito bom em surdina!

O Sr. José Magalhães (PCP): - E não só!

O Orador: - Sr. Deputado, um último ponto. Quando V. Ex.ª disse que o que eu quero é que isto continue, desta vez, vou-lhe dizer um segredo, um segredo não explicitado: se eu quisesse que isto continuasse, isto continuava.

Aplausos CDS.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Lucas Pires: Devo dizer-lhe que o seu discurso é obviamente um discurso com o qual não concordo nalgumas das suas questões essenciais, pois é um discurso feito exactamente para eu não concordar porque estamos em partidos diferentes e temos, necessariamente, posições diferentes.

Implícita ou explicitamente - e digo implícita ou explicitamente porque esta afirmação foi feita durante o debate quis V. Ex.ª dizer o seguinte: foi auto-dissolvida a Assembleia da República.

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Importa-se de voltar um pouco à primeira parte?

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O Orador: - Na primeira parte tratava das chamadas cortesias, portanto, se me permite, dispenso-me de as repetir.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É o chamado despedimento indirecto! ...

O Orador: - Dizia eu, que a primeira questão é a seguinte: quem auto-dissolveu a Assembleia da República? Liminarmente a expressão auto-dissolução refere-se ao próprio órgão.
Em relação a isso, o Grupo Parlamentar do PS declina qualquer espécie de responsabilidade. Não colaborou, não deseja e não quis que a Assembleia se auto-dissolvesse.
O segundo ponto que gostava de sublinhar é o seguinte: vou dispensar-me de responder a muitas das questões que V. Ex.ª levantou, porque a seguir vou fazer uma declaração política em que, curiosamente, muitas das questões que o Sr. Deputado colocou são retomadas. Portanto, prefiro guardar-me para esse momento que nem sequer é longínquo.
No entanto, gostava de lhe ler uma declaração sua, de 20 de Dezembro de 1984, na qual V. Ex.ª diz o seguinte:

A segunda conclusão que é importante para o País é de que há um Governo firme e uma oposição firme.
15to é importante para o País, é importante para a democracia por uma razão. A razão principal da moção de censura do CDS é que a maior doença, a maior vergonha, a maior lepra da democracia portuguesa, hoje, é a ambiguidade, o jogo duplo, a hipocrisia [...]

Uma voz do PSD: - Olha quem fala!

Uma voz do PSD: - Já nessa altura!

O Orador: - Continuando a leitura:

[... ] a hipocrisia, o vale tudo. E foi, isso que acabou aqui hoje. Não vale mais tudo e os homens do PSD que quiserem continuar a ser respeitados pelo País - e sem dúvida muitos há que o merecem -não podem mais sair daqui a dizer o contrário do que aqui disserem [...]

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: -

[...] porque então a democracia portuguesa estará radicalmente em crise e não merecerá o respeito que, apesar de tudo, ainda tem merecido hoje.

V. Ex.ª mantém, hoje, as palavras que disse nessa altura?

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Deputado, foram palavras proféticas, julgo eu.

Risos do CDS.

O Orador: - Eu também penso que foram palavras proféticas.

Simplesmente, o que queria dizer a V. Ex.ª era que o Governo, este Governo, deve ser julgado por aquilo que fez. E nós pensamos que o Partido Socialista deve ser julgado pelo eleitorado por aquilo que fez no Governo.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - E por aquilo que não fez!

O Orador: - E também por aquilo que não fez no Governo. Mas sobretudo por esta ideia: é que nós não abdicamos das responsabilidades que tivemos no Governo reafirmamo-las perante o nosso país.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Manifestamo-nos orgulhosos por aquilo que foi possível fazer, não lavamos as mãos.

Aplausos do PS.

Portanto, nós dizemos ao Sr. Deputado Lucas Pires: estamos perfeitamente de acordo, pois nós reivindicamos a nossa parte no Governo que até há pouco tempo nos governou, nós pensamos que esse Governo teve aspectos positivos de que nos orgulhamos, estivemos lá de corpo inteiro sem estar com um pé na oposição e outro no Governo.

Aplausos do PS.

Servimos o Governo, servimos o País, não nos servimos a nós próprios.

Aplausos do PS.

Por outro lado, Sr. Deputado, a análise que faz sobre a queda do Governo não é profética porque já se verificou, mas é exacta.

Risos.

De facto, romper pelas nove medidas é pouco, pelas presidenciais é de mais! Não partilhamos o medo da integração na CEE. Sempre quisemos a integração na CEE e, hoje, reivindicamo-la como um grande acto do Partido Socialista, juntamente com os outros partidos que quiserem reivindicar connosco e que tenham legitimidade para isso, como o demonstram as assinaturas apostas ao Tratado e não só.
VV. Ex.ªs também colaboraram na adesão à CEE e nós reconhecemos o direito de reivindicarem isso, na medida em que VV. Ex.ªs o reivindicarem e connosco se co-responsabilizarem por esse acto perante o País.

Vozes do PS e da UEDS e da ASDI: - Muito bem!

O Orador: - Evidentemente que o medo de integração na CEE não é insondável destino. Não vou entrar nisso.
Diz V. Ex.ª que tudo isto é pouco, muito pouco. E tem razão.
Mas volto ao ponto crucial desta questão. Não só esta Assembleia da República tem todas as condições para discutir soluções alternativas a esta crise como, mais ainda, esta Assembleia da República, até ao momento, tem visto passar na sua frente o filme da crise sem que tenha tido ou os seus deputados tenham tido a intervenção que deviam ter.

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15to é uma autocrítica que V. Ex.ª deve fazer e uma crítica que eu, possivelmente, faço a mim próprio, mas de que nenhum de nós está ausente.
Gostaria de referir que o Sr. Presidente da Assembleia da República, Dr. Fernando do Amaral, que não está aqui presente, mas que a todos nós representa em todos os momentos - pelo menos continua, a representar-nos a nós, sem dúvida nenhuma, como Presidente que é da Assembleia - convocou os presidentes dos grupos parlamentares, teve a delicadeza e o sentido de Estado de o fazer, porque nada o obrigava a isso, antes da reunião do Conselho de Estado, para conhecer a vontade dos grupos parlamentares desta Assembleia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - No Conselho de Estado, conforme ele próprio nos comunicou e nos autorizou a dizê-lo, o Sr. Presidente exprimiu a síntese que lhe foi possível fazer - e que eu, neste momento não conheço porque ele ainda não a transmitiu como prometeu e certamente o há-de fazer - daquilo que tinha apurado nos contactos com os diversos grupos parlamentares.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - E chegou o momento de a Assembleia da República, no cumprimento dos deveres de que está investida, poder trocar impressões, poder conversar, poder dialogar entre os diversos grupos parlamentares que a compõem para poder procurar soluções alternativas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se VV. Ex.ªs querem fazer eleições antecipadas, devo dizer que essa questão não põe pro- blema de qualquer espécie para o Partido Socialista.
Nós não temos medo das eleições antecipadas. Pode-se enganar um povo uma vez, não se pode enganar um povo sempre.

Nós não receamos as eleições antecipadas. O que sabemos é que, para Portugal, as eleições antecipadas são negativas e se formos para essas eleições antecipadas nós explicaremos ao País porque razão é que não foi possível encontrar-se na Assembleia da República uma solução que pudesse garantir uma atitude mais positiva em relação ao País. E essas culpas serão de todos aqueles que se opuserem, porque a partir deste momento não há partidos da maioria e não há partidos de oposição.

Aplausos do PS e da UEDS.

Portanto, não tenham dúvidas nenhumas que uma nova página se abre na história da vida política portuguesa.

Essa nova página está, neste momento, no hemiciclo parlamentar. É o hemiciclo parlamentar capaz ou não de encarar rapidamente uma solução de alternativa para a crise que passa pela não dissolução da Assembleia e pela não realização de eleições?
Se não é capaz, é bom que as eleições venham rapidamente, o mais depressa possível.

Uma voz do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se é capaz de fazer, pois bem, é bom que a solução venha também rapidamente, o mais depressa possível.
O que não pode é ninguém, nem V. Ex.ª Sr. Deputado Lucas Pires, nem nenhum dos Srs. Deputados individual ou colectivamente considerados, afastar-se deste dilema e dizer: essa questão não é comigo, essa questão é com os partidos da maioria e eu não sou prótese para alimentar crises que outros criaram. 15to porque qualquer partido é prótese, não para alimentar crises que outros criaram, mas para servir os interesses do povo português, os interesses nacionais, se não negamo-nos como partidos.

Aplausos do PS e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lucas Pires.

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta última questão do Sr. Deputado José Luís Nunes, e que agradeço tê-la colocado por ser, de facto, uma questão central deste problema, é importante, mas à qual eu responderia de uma maneira, digamos, bastante expedita e lógica e que passo a enunciar.

. Se nós, há 2 anos, não acreditávamos em qualquer governo com o Partido Socialista como é que podemos hoje, depois de demonstrada a situação, acreditar num governo com o Partido Socialista?
A questão que se coloca é a de saber se haverá um governo para a crise, ou seja, um governo para chegar até às eleições ou se haverá um novo governo.
Nós não queremos um novo governo com o Partido Socialista. Não o queríamos há 2 anos, não o queremos hoje e, portanto, a solução que podia estar em causa era, de facto, uma solução de prótese e não outra.
Portanto, é evidente que nós não queremos essa solução.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - V. Ex.ª permite-me que o interrompa?

O Orador: - Sr. Deputado José Luís Nunes, dou-lhe já a palavra.

Essa solução não nos pode ser pedida e, mais do que isso, a verdade é que quando se fala da Assembleia deve-se ter em conta que essa entidade é uma entidade curiosa que, em rigor, não existe com capacidade de acção própria.
Se alguma iniciativa devia ter havido nesta Assembleia era, sim, a do partido maioritário ou a do líder do partido maioritário para fazer, talvez, aquilo que fez o Sr. Presidente da República ao chamar os outros partidos, as outras forças políticas, para saber se era possível ou não encontrar uma solução maioritária. 15to porque a Assembleia não se move por isso.
Ou quer o Sr. Deputado José Luís Nunes configurar um estranhíssimo fenómeno - já que falamos de fenómenos estranhos - que seria a existência de uma espécie de comissão parlamentar do Governo, constituída por deputados de todos os partidos e que avançasse para o Governo quando não houvesse governo.

É evidente que não há uma solução desse tipo.

Faça o favor agora, Sr. Deputado.

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O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Deputado, utilizei o mesmo expediente do Sr. Deputado Lopes Cardoso que, como toda a gente sabe nesta Câmara, é um grande jurista que a si próprio se ignora, mas não só porque se V. Ex. e não me autorizasse a interrupção, também aquilo que vou dizer perderia o sentido.
Em primeiro lugar, não pedimos nada ao CDS, porque nós não pedimos nada a ninguém.

Uma voz do PS: - Exigimos!

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Não exigimos também! Não temos o hábito nem da pedinchice nem da exigência. Não pedimos nada ao CDS, falamos para o País e fazemos propostas políticas ao País.
Não pedimos ao CDS que apoiasse, colaborasse, entrasse num Governo socialista - nem sequer falámos em governo socialista. E a única coisa que perguntei ao Sr. Deputado Lucas Pires foi o seguinte: neste momento o que é que V. Ex.ª tem a propor ao País? Tem V. Ex.ª a propor ao País outra coisa que não seja a dissolução da Assembleia e as eleições antecipadas?
Se V. Ex.ª tem alguma coisa a responder, qualquer que seja, proponha porque o País apreciará. Esta é a primeira questão.
Quanto à segunda questão que é a referente a uma comissão parlamentar, devo dizer que se trata de uma estrutura em que ninguém pensou. Nunca ninguém pensou numa comissão da Assembleia para gerir os assuntos governamentais. .
O único organismo, como V. Ex. e sabe, mandatado pela Assembleia para governar chama-se governo. Não há comissões da Assembleia.
No entanto, o partido maioritário e o líder do partido maioritário tinham uma única coisa a fazer e fizeram-na.

A Sr.ª Amélia Azevedo (PSD): - Não é maioritário!

O Orador: - Não? ... Não é maioritário, é relativamente maioritário, é aquele que teve mais votos. Não é o que teve mais votos em relação à soma dos restantes partidos. Desse modo, sou presidente do grupo parlamentar do partido que teve mais votos nesta Assembleia, Teve 36 % de votos e até ao momento em que deixar de o ser é essa a qualidade que me cabe.

Aplausos do PS.

Ora bem, como líder do partido maioritário nesta Assembleia, dizia eu, há uma coisa que nós, eu ou o meu grupo parlamentar, não poderíamos fazer e que era substituirmo-nos à acção de quem, também eleito por voto e que é o Sr. Presidente da República, tem palavra decisiva nesta matéria.
Mas, neste momento, depois da última reunião do Conselho de Estado há condições para que os deputados desta Câmara, para que os grupos parlamentares desta Câmara, possam fazer aquilo que - por iniciativa de V. Ex.ª e pela qual o felicito - estamos a fazer hoje que é trocarmos impressões e tornar patente perante o País que aquilo que o CDS nos tem a dizer como partido de oposição é: dissolva-se a Câmara, façam-se novas eleições.
É isto? Não tem mais nada? É isto que eu queria tornar patente. Muito obrigado por ter autorizado a minha interrupção.

Bem, vou ser cada vez mais curto porque, enfim, julgo que já explicitei suficientemente o meu pensamento.
No entanto, quero explicitar que não fomos nós que pedimos eleições gerais, mas foi a derrocada do Governo que provocou as eleições gerais.

Temos situado sempre a questão exactamente nesses termos e não há da parte de nenhum dos partidos que provocaram esta crise ou que estavam no governo qualquer sugestão sobre o modo de resolver esta crise sem eleições gerais. Eu não vi nenhuma.

Há também outra questão, que quero sublinhar, e que é a de neste Parlamento continuar a existir maioria e oposição. O Governo nem sequer foi demitido, o Governo está ainda no exercício das suas funções. E nós não fizemos nem gratuitamente nem por acaso um combate de 2 anos neste Parlamento.
A alternativa ganha-se na oposição e formula-se na oposição. E nós combateremos, em nome dessa perspectiva, quaisquer que sejam os resultados que disso obtenhamos. Portanto, há aqui maioria e oposição.

Sr. Deputado, julgo que a intervenção de V. Ex.ª, salvo melhor observação, não acrescentou nada de fundamental porque não acrescentou nada sobre isso.

No entanto, também julgo que metade dessa intervenção, a da parte inicial e, porventura, a já esquecida, foi mais dirigida para o PSD do que para nós próprios.

O Sr. Vítor Hugo Sequeira (PS): - Que distracção!

O Orador: - Além disso, quando eu falava em auto-dissolução e V. Ex.ª me perguntava quem é que, afinal, dissolveu a Assembleia, deixaria essa questão ao contencioso interno entre o PS e o PSD que, com certeza, ainda se vai prolongar por mais algum tempo, se calhar já hoje à noite na televisão. Espero que essa questão resulte liminarmente esclarecida dessa controvérsia.

Quanto à questão da integração na CEE, V. Ex.ª sabe como nós partilhamos e nos honramos com o resultado que teve o nosso pedido de adesão.

No entanto, também sabe V. Ex. e como estamos preocupados pelo facto de irmos entrar numa comunidade onde, por exemplo, a França reserva 2 % para a actividade de investigação e nós reservamos 0,3 %.

Estamos preocupados por irmos entrar numa comunidade cujo rendimento médio per capita é 4 vezes superior ao de cada português.
Estamos muito preocupados pelo facto de já se andar a vender novas ilusões pensando que a entrada na CEE é o receber 80 milhões de contos por ano.

Já gastámos a pesada herança, já gastámos os empréstimos, já cobrámos todos os impostos possíveis e agora estamos à espera dos 80 milhões de contos da CEE. Por isso é que, afinal, nem sequer o Governo é necessário, pois bastam os 80 milhões de contos da CEE.
Este parece ser, em conclusão, o último acto deste Governo PS/PSD.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Vítor Hugo Sequeira (PS): - Os 80 milhões caem do céu!

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tenho uma informação a prestar à Câmara.
O Sr. Presidente da Assembleia da República regressou do Palácio de Belém e é portador de uma mensagem de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, a qual vai ser objecto, de leitura e apreciação em conferência de líderes, para ser posteriormente lida em Plenário se a conferência assim o determinar.
Como o Sr. Presidente da Assembleia da República não me informou se a conferência de líderes é imediatamente ou não, sugeria que prosseguíssemos este debate até à hora regimental, procedendo às 17 horas e 30 minutos ao nosso intervalo regimental.
Posteriormente, a conferência de líderes decidirá se deve ou não ser lida a mensagem de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República.
Se não houver oposição a esta sugestão que me permito dar-vos, continuaremos com o debate.
Tem a palavra o Sr. Deputado Marcelo Curto.

O Sr. Marcelo Curto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lucas Pires: O Sr. Deputado tem o mérito, para mim, de estimular o interesse pelo debate e independentemente dele há aqui o interesse subjectivo da sua intervenção, que efectivamente apreciei. Não me custa dizer que teria sido bom que, em alguns pontos, o debate sobre a crise do Governo fosse feito aqui. Simplesmente, o Sr. Deputado deve reconhecer que para o tango são precisos dois e o que aconteceu foi que um dos pares do tango abandonou a pista de dança? Por isso, não se podia vir aqui unilateralmente explicar a crise.
O Sr. Deputado queria que a explicação tivesse sido feita antes, mas o Governo nessa altura não reconhecia que houvesse uma crise que motivasse a sua exposição aqui.
Penso que agora, depois da intervenção do meu camarada José Luís Nunes - e não teria intervindo se achasse que a sua resposta era cabal - há efectivamente que falar do futuro imediato, isto é, no prazo de 1 ano que tem a ver com a política institucional e com a situação económica face às decisões que é preciso tomar neste prazo.
Na verdade, o Sr. Deputado pronunciou-se já por eleições antecipadas, mas queria dizer-lhe, do ponto de vista institucional, podemos ser conduzidos a uma situação em que a Assembleia é dissolvida, o Governo fica com poderes diminuídos e não se apresentou à Câmara, ficando o Presidente da República igualmente com o seus poderes diminuídos. Além disso, teríamos eleições antecipadas que poderiam dar - assim o apontam as sondagens - um resultado sensivelmente igual a este.
Pergunto-lhe como encara esta situação e se continua a manter que a dissolução é a única solução, já não digo lógica porque considero que do ponto de vista lógico é essa de facto a solução, mas não a única forma de se resolver a crise.
Como dizia há tempos um camarada meu, se estivéssemos na Bélgica, o rei Balduíno convocaria, possivelmente, os representantes do partido maioritário para formar um novo Governo. Era isso que se faria num país como a Bélgica e não vejo porque é que, efectivamente, isso não se poderá fazer aqui.
A segunda questão que ponho à sua consideração é a seguinte: nós estamos numa situação em que apesar de todos os erros do Governo há determinados pro-

jectos, leis e decisões a tomar, que não podem ser tomados nem por uma Assembleia dissolvida nem por um Governo demissionário. Esta é que é, efectivamente, a grande questão. Não deve perguntar-se o que é que convém mais ao País, mas sim o que é que lhe não convém.
O Sr. Deputado sabe que nunca morri de amores por esta coligação, mas penso que é preciso encontrar no quadro político desta Assembleia uma solução consensual que viabilize um governo, que não seja nem para 3 meses nem para 1 ano, dentro do quadro da legitimidade desta Assembleia e que temos inevitavelmente de aceitar.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lucas Pires.

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Presidente, respondia agora à intervenção do Sr. Deputado Marcelo Curto, mas se o Sr. Presidente estivesse de acordo sugeria que, no caso de haver mais interpelantes, lhes respondesse a todos de uma vez, porque senão há o risco de excedermos o limite das 17 horas e 30 minutos. Desta forma, penso que o próprio interesse da Assembleia justifica, talvez, esta forma de resposta às questões seguintes.

O Sr. Presidente: - Estou de acordo, Sr. Deputado, porque não há dúvida que isso facilitará bastante a condução dos trabalhos.

O Orador: - Sobre esta questão do Sr. Deputado Marcelo Curto, queria dizer que, apesar de tudo, não vejo com muita apreensão a evolução da situação económica por uma razão que pode ser devida a um parti pris ideológico e posso ser acusado disso. De facto, quando a AD caiu, a situação económica começou a degradar-se, mas isso era lógico, visto que se tratava de um governo que era feito em nome de expectativas, da iniciativa, da confiança do investimento que caía. Neste momento, trata-se de um Governo que contrariou o investimento, a expectativa e a confiança que cai, sendo portanto natural que as expectativas comecem a aumentar num sentido positivo.
Por outro lado, as reservas do Banco de Portugal, pelo menos até Dezembro, parece que são razoáveis e julgo que a margem de manobra não é, apesar de tudo, complicada.
Por outro lado, no que diz respeito à solução imediata, queria dizer que em relação a um governo presidencial - não posso exprimir directamente, como é óbvio, o pensamento do Sr. Presidente da República tudo leva a crer que o Sr. Presidente da República reconhece que com a actual Constituição não tem quaisquer condições para constituir um governo de sua iniciativa. O Presidente da República tem repetidamente dito em público que a actual Constituição, na sua forma revista, lhe retirou grande parte dos poderes de intervenção permanente e, portanto, julgo que não haverá governo de intervenção presidencial. Mas não haverá ainda por uma outra razão que se relaciona com o facto de ter nascido, ontem mesmo, um partido que se arroga de uma certa continuidade com o pensamento político do general Eanes. Não há dúvida de que este é também um argumento contra a feitura, neste momento, de qualquer governo presidencial. .

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Julgo, assim, que ninguém defende seriamente um governo desse tipo, embora algumas das pessoas que não desejam para já eleições legislativas aceitem que esse seria uma solução de transição possível. A solução do governo minoritário parece-me de realização extremamente difícil. O PS disse que nunca mais faria governos minoritários, pelo que haveria, portanto, aqui uma violação da sua própria filosofia e experiência neste caso.
Um governo minoritário sem o actual Primeiro-Ministro, pior ainda, porque é evidente que quem ganhou as últimas eleições à frente do PS foi o Dr. Mário Soares e, no plano dos factos, isso não pode ser desconhecido. Foi ele que ganhou a legitimidade dos 38 % arrecadados pelo PS nas últimas eleições. Como, então, ser ele próprio a delegar a função de Governo num segundo, terceiro ou quarto do PS? Penso que aí nem sequer seria o Presidente da República a nomear o novo Primeiro-Ministro, mas sim o actual Primeiro-Ministro a nomear não um «primeiro» mas um «segundo» Primeiro-Ministro! Trata-se de uma solução que não tem lógica nem legitimidade democrática.
Além disso, parece-me que todas estas soluções são fracas e de autoridade provisória, que farão aumentar a corrupção, a facilidade e todo esse tipo de coisas. Trata-se de soluções de laboratório e não estamos, hoje, em Portugal, perante uma questão técnica, mas perante uma questão política. A questão central é a ruptura do projecto político que foi o bloco central e não a vamos resolver, no imediato, com soluções artificiosas ou de artimanha. Existe a ruptura de um grande projecto político que sucedeu à AD, a ruptura do bloco central, a união das duas maiores forças que querem governar o País pelo meio e temos de constatar, admitir e aceitar que essa ruptura se deu e que não há solução para ela.
O País está, portanto, perante a formulação de novas propostas políticas. De resto, há um partido aqui ao lado com uma nova direcção política e existe um novo partido que nasceu ontem algures perto de Lisboa, salvo erro! Há assim um novo projecto partidário e uma nova direcção partidária e penso que é extremamente difícil tentar resolver os problemas com artifícios ou «cozimentos» que não levariam a parte nenhuma.
Por outro lado, é evidente que há uma diferença entre demissão e exoneração, visto que o Governo pode estar demitido e manter se em funções. Há um argumento a favor da manutenção deste governo que me parece extremamente claro e que é o seguinte: qualquer governo feito nesta Assembleia cairá nela com os actuais partidos, não terá condições de sobrevivência. Então, se nestas condições qualquer governo cai e é demitido, porque não manter o Governo que já está demissionário? Penso que este argumento é extremamente lógico em termos de bom senso nacional, é compreensível e julgo assim que não poderemos sair facilmente destas balizas.
É claro que há também um argumento, que é infinitamente repetido e que é o de que as eleições não vão alterar muita coisa. As eleições não se fazem para alterar ou não muita coisa, mas sim para saber ó que é que o povo português quer numa solução de crise. E como o Presidente não tem poderes e a Assembleia não encontra uma nova maioria, só o povo pode arbitrar essa ideia. 15to para mim é extremamente claro. Além disso, acredito que as eleições vão de facto alterar as coisas, mas disso não posso convencer, obviamente, os Srs. Deputados do PS. Talvez baste lembrar, no entanto, que nas últimas eleições houve uma diferença entre o CDS e o PS de 25 % de votos e entre o CDS e o PSD de 15 %. Penso que esta diferença não vai, seguramente, voltar a haver.

Vozes do PS: - Vai aumentar!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Vai aumentar para 110 %.

O Orador: - Julgo que se vai desenvolver um sentido alternativo potencialmente maior.
Penso que esta é a solução certa, democrática e rigorosa da crise política que se avizinha. É que na situação anterior apareciam, primeiro, as presidenciais, depois as autárquicas e depois as legislativas. Agora o processo inverte-se: primeiro aparecem as legislativas, depois as autárquicas e em seguida as presidenciais. Eu estava de acordo em que as presidenciais fossem primeiro e por isso propus ao Sr. Presidente da República que renunciasse para haver eleições presidenciais imediatas. O Sr. Presidente da República com certeza que compreende esta invocação do meu pensamento e disse-me que se os partidos que fizeram a revisão constitucional estivessem de acordo em rever a Constituição sobre este ponto, ele renunciaria. Aliás, cheguei a pôr esta questão ao Sr. Primeiro-Ministro e ao Sr. Ministro de Estado, porque considerava que poderiam vir da parte do PS objecções a esta questão. Foi-me respondido que era muito tarde para proceder a uma revisão constitucional.
No entanto, estava de acordo com isto e lamento que a última revisão constitucional tenha inutilizado, ao penaliza-lo, um instrumento útil para resolver crises. Estou de facto de acordo com o Sr. Presidente da República quando ele diz que não pode praticar um gesto que está penalizado, moralmente até, do ponto de vista da Constituição. Mas se o PS e o PSD estão de acordo em rever a Constituição sobre este aspecto, com a garantia de que o Sr. Presidente da República renuncia, então aqui está uma coisa que o CDS pode oferecer para a resolução desta crise e para a realização de eleições presidenciais antes das legislativas e das autárquicas. Doutro modo, não vejo que haja aí uma possibilidade.
Para já, era isto que queria dizer.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Lucas Pires: A intervenção do Sr. Deputado teve o mérito de permitir a clarificação das posições de várias forças políticas desta Assembleia e até de alguns deputados. No entanto, a posição que o Sr. Deputado Lucas Pires aqui exprimiu, como líder do CDS, não nos deixou de causar certa perplexidade.
Na realidade, o CDS tem procurado afirmar-se como partido de oposição do Governo e à sua maioria. Contudo, apesar disso, o Sr. Deputado veio aqui afirmar que se desconhecia a explicação do malogro deste governo. Ora quanto a isto, queria dizer ao Sr. Deputado duas coisas.

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Uma, é que a população do nosso país sabe perfei-
tamente por que razão se deu o malogro do Governo.
E avaliou-o de tal forma negativamente que outra coisa
não esperava senão a sua queda. Até o Sr. Deputado,
na medida em que falou mais adiante no pântano para
que esta política conduzia o País, parece ter reconhe-
cido que a responsabilidade do malogro deste governo
resulta da sua política e unicamente disso.
Por outro lado, é neste quadro que o Sr. Deputado
sustenta que, embora admitindo eleições legislativas an-
tecipadas, este governo malogrado deve permanecer.
Parece que da insistência do Sr. Deputado quanto à
necessidade de vir aqui ser explicado o malogro e as
razões da crise deste governo, se terá de tirar a con-
clusão de que o Sr. Deputado sente, no fundo, uma
certa melancolia pelo fim dele. Sente tanta melancolia
que, mais à frente, embora defendendo eleições legis-
lativas antecipadas, o Sr. Deputado defende a manu-
tenção deste governo. 15to significa, portanto, que a
oposição do CDS a este governo e à sua maioria seria
afinal uma meia oposição, uma oposição colaborante
em vez de ser uma oposição clara ao Governo e à sua
maioria, o que é tanto mais estranho quanto é certo
que o Sr. Deputado não pode naturalmente separar o
Governo da sua maioria e esta tem caracterizado, tanto
como aquele, a política desenvolvida perante o País.
A perda de credibilidade do governo e da maioria re-
sultam da acção solidária de ambas as forças, visto que
o Governo contou sempre com o apoio dela para fa-
zer aprovar as suas propostas e não é possível separar
a actuação de um e de outro. 15to é ainda agravado
pelo facto de o Sr. Deputado ter reconhecido que existe
uma manipulação da comunicação social, quando se re-
feriu à presença repetida de representantes políticos do
PS e do PSD na televisão.
Sendo assim, é difícil compreender como é que um
governo destes poderia assegurar a limpidez, a hones-
tidade e a lisura de um debate eleitoral futuro.
Finalmente, gostaria ainda de perguntar ao Sr. Depu-
tado se ao falar na responsabilidade pelo pântano
que este governo ajudou a criar no País, tem em conta
apenas o pântano dos últimos 2 anos ou aquele que
vem dos 3 anos anteriores do Governo da AD.
O Sr. Deputado aludiu mais do que uma vez à coli-
gação, como a aliança, da social-democracia e do so-
cialismo. Em relação ao socialismo, o Sr. Deputado
afirma isto pelo facto de um dos partidos da coliga-
ção se chamar PS? É que só por graça é que se pode
dizer que em Portugal existe algum socialismo porque,
como o Sr. Deputado sabe, o próprio líder do PS há
muito que afirmou que tinha metido o socialismo na
gaveta e não consta que de lá o tenha retirado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado
Ângelo Correia.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente,
Srs. Deputados: Creio que a presunção do Sr. Deputado
Lucas Pires, como ele próprio afirmou, era fazer uma
declaração importante. Na prática, creio que o con-
teúdo e o alcance das suas palavras estão nos antípo-
das da sua presunção.
Começou o Sr. Deputado Lucas Pires por manifes-
tar estranheza perante duas circunstâncias: a primeira,
é o Parlamento ser marginalizado neste processo de,
como referiu, auto-dissolução da Assembleia; a segunda,

a não apresentação de soluções. Creio que as duas

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circunstâncias apresentadas pelo Sr. Deputado Lucas Pires são falsas e escondem outra realidade política.

O Sr. Deputado Lucas Pires sabe que o vice-presidente da Comissão Política do meu partido aqui nesta Assembleia e o presidente do Grupo Parlamentar do PS e membro da sua Comissão Permanente - e não tenho mandato para falar em nome do PS, mas é o mínimo de constatação política que se faz, nesta Assembleia e há algum tempo - explicaram, logo a seguir ao eclodir da crise, e deram as razões perante o local próprio, onde o problema teria sido posto.

Quereria porventura o Sr. Deputado Lucas Pires que se transformassem todos os períodos de antes da ordem do dia no que se está a passar hoje? Quereria ele que se transformasse numa eventual chicana política, de modo a que se diminuísse o papel, o alcance e a natureza do próprio Parlamento perante a opinião pública portuguesa, um lavar da roupa suja? Será que isso era dignificante para o próprio Parlamento?

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Será que ele queria antecipar o papel do Parlamento quando tiver de aprovar o eventual novo governo até às eleições? Porque é que o Sr. Deputado Lucas Pires quis uma translação da função parlamentar em termos de a diminuir, em termos de diminuir o papel e o estatuto do próprio Parlamento.

Em segundo lugar, o Sr. Deputado Lucas Pires manifestou estranheza perante a não apresentação de soluções. Deve andar ocupado com outros problemas porque, com certeza, reparou e ouviu que ambos os partidos da maioria - ou da anterior maioria - explicitaram ao País aquilo que queriam e adoptaram a solução normal em democracia, e não o Sr. Deputado Lucas Pires, que quis vir aqui fazer uma apologia da democracia. Então, se é assim, sejamos consequentes com o mecanismo normal da democracia, que é dar a palavra à população, para se expressar em termos de correlação e ponderação das forças políticas. Ou quereria o Sr. Deputado que encontrássemos soluções de bastidor, de corredor, contrárias àquilo que o Sr. Deputado afirmou como método normal de vivência e de travejamento da própria democracia? Está a criticar-nos pelo processo correcto e, se porventura, o não fizéssemos, estaria talvez a criticar-nos por utilizarmos um processo incorrecto.

No fundo, a lógica do Sr. Deputado Lucas Pires é querer acusar-nos de «estar preso por ter cão ou por não o ter».

Mas o que o Sr. Deputado Lucas Pires afirmou - e é grave, em democracia, que o tenha afirmado - é que ele, na sua lógica de partido, esteve com o Partido Socialista em 1978 para liquidar o socialismo. Ou seja, o Sr. Deputado Lucas Pires defendeu que a posição do CDS era uma posição de má fé política, isto é, estava numa coligação por ser contra ela e para destruir a essência e a lógica do pensamento do seu parceiro de coligação. Quererá o Sr. Deputado Lucas Pires que outros partidos do cenário político português assumam a mesma atitude de má fé e deslealdade interpartidária? Será esse o dignificante e nobre exemplo de democracia que nos está aqui a propor?

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Sr. Deputado Lucas Pires, ainda a propósito de social-democracia, V. Ex.ª criticou a social-democracia e o socialismo. Tem todo o direito disso, tem todo o direito de fazer uma crítica. É óbvio. Simplesmente, em nome de que coerência o fez? Não foi V. Ex.ª que também ajudou a consolidar a social-democracia em Portugal? Curiosamente, referiu um facto significativo, o de o PSD, com 24 % dos votos ter tido um primeiro-ministro e com 27 % não ter tido. Pois é, teve um primeiro-ministro com 24 % dos votos, com o apoio de V. Ex.ª e do seu partido que, com isso, ajudaram a consolidar uma versão que também tinha vectores sociais-democratas!
Como pode, V. Ex.ª, estar hoje a inibir-se ou a fazer críticas a alguém, a um projecto e a um protagonista que, na prática, protagonizou um projecto que V. Ex.ª atravessou, cruzou e viveu, até no plano social?! Com que lógica democrática, pessoal e ética, pode V. Ex.ª fazer hoje essa intervenção?
Mais, Sr. Deputado Lucas Pires: no plano parlamentar, V. Ex.ª criticou o PSD por agora romper uma coligação e não continuar com ela.
Mas, Sr. Deputado Lucas Pires, toda a gente sabe e V. Ex.ª, que é um líder político possivelmente informado da política portuguesa, também sabe que o PSD esteve na coligação por duas razões essenciais: uma, para colmatar uma situação financeira difícil, que foi vencida - e não há duvida de que está vencida - e, num segundo plano, para fazer reformas de fundo, ou seja, aquilo que V. Ex.ª disse ser «a necessária coragem das reformas de fundos».
Sr. Deputado Lucas Pires, a partir do momento em que sentimos que as reformas de fundo não caminhavam com a celeridade, a amplitude e o alcance que, nós próprios. nos tínhamos auto-proposto, é óbvio que o argumento que utilizou para a ruptura da coligação estava, na prática, manifesto e expresso. V. Ex.ª, Sr. Deputado, é que deu uma das razões fundamentais para que a própria coligação não vingasse: não foi V. Ex. a que a considerou em certo tempo, algo que não podia subsistir? Pois não subsistiu, mas com uma razão de fundo e de lealdade, que tivemos: é que, enquanto VV. Ex.ªs estiveram na coligação - como disse - de má fé, para liquidar o socialismo, nós estivemos - e estaríamos, noutras circunstâncias, num quadro interpartidário - com o Partido Socialista, de boa fé, para se cumprir algo com que ambos concordámos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A diferença fundamental entre nós, Sr. Deputado, é que V. Ex.ª partilha à priori de um ponto de vista de má fé em relação a quem quer que seja e nós temos, à partida, um ponto de vista de boa fé. Queremos provar, de prova provada, que as coisas não se cumprem para então as podermos levar às inevitáveis consequências.

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Desse modo, Sr. Deputado Lucas Pires, quando V. Ex.ª quis colocar o problema de os deputados do PSD fazerem hoje algo diferente daquilo que fizeram há 2 anos... Oh Sr. Deputado Lucas Pires, não atire a primeira pedra! Então, não foi V. Ex.ª, em 1978, que votou a favor do governo PS/CDS - é

certo, com má fé - para daí a 6 meses dizer o contrário? Como é que nos pode atacar hoje de uma prática política que nos esperámos de boa fé quando, V. Ex.ª, há 6 ou 7 anos atrás, fez exactissimamente o mesmo? É claro, V. Ex.ª dirá: previsão política, foi a inteligência que eu tenho, que ao fim e ao cabo, em 6 meses, percebemos que não valia a pena. Não Sr. Deputado Lucas Pires, é que há 7 ou 8 anos, V. Ex.ª esteve de má fé e quem o diz não sou eu, mas a sua própria intervenção. Hoje, V. Ex.ª demonstrou o falseamento básico na postura democrática da inter-relação entre partidos. É que, na prática, temos de estar de boa fé, uns com os outros, sejam eles quem forem, desde que possamos partilhar ideias conjuntas. E nós partilhamos muitas ideias com o Partido Socialista e também muitas com o CDS. Mas, ai de nós, posicionarmo-nos como V. Ex. e está hoje a fazer, num ghetto político!
E aqui concluo: Sr. Deputado Lucas Pires, a sua intervenção é, em parte, o resultado do Congresso da Figueira da Foz porque uma das conclusões políticas fundamentais dos últimos 2 meses ë que a candidatura do Prof. Freitas do Amaral e a vitória do Prof. Cavaco Silva, no PSD, diminuem a manobra táctica pessoal de V. Ex.ª e, eventualmente, do CDS.

Uma Voz do PSD: - Exacto!

O Orador: - O que V. Ex.ª hoje vem aqui fazer é, parafraseando alguém, o seguinte: eu falo, logo existo. V. Ex.ª vem fazer um esbracejamento político,...

Risos do PSD.

... sem qualquer nível de consistência e de propositura. Mais: neste momento, se perguntar a muitas bases do CDS, talvez elas estejam contra aquilo em que V. Ex. e está a meter o CDS, ou seja, num ghetto político, ...

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do CDS: - Não apoiado!

O Orador: - ... num maximalismo: ou ganhamos, ou somos ou não somos mais nada!
V. Ex.ª não tem nada que falar em nome do CDS e talvez em muitas áreas do seu partido, ele próprio lhe questione e pergunte se V. Ex.ª não está a esbracejar demasiado para mostrar que está vivo e manda em alguma coisa.
Sr. Deputado Lucas Pires, na prática, as coisas medem-se pelo seu resultado. V. Ex.ª está a fugir para a frente; está talvez numa óptica de arrependimento de 2 anos em que foi uma oposição, não suficientemente forte, nem credível em termos políticos, para hoje em dia poder ser a alternativa que, no seu discurso, quer ser sozinha.
Mas talvez o Sr. Deputado Lucas Pires esteja a ma-
nifestar hoje, perante esta Câmara e perante o País,
o seu grande temor perante os resultados da Figueira
da Foz e pela candidatura do Prof. Freitas do Amaral.
Cada um tem os temores que tem; esse é o temor de V. Ex.ª, não é o nosso.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lucas Pires.

O Sr. Lucas Pires (CDS): - O Sr. Deputado Raul Castro disse o seguinte:

Porque é que o CDS acha estranho que o Governo não tenha vindo aqui explicar o malogro quando, nós próprios, tínhamos falado do seu malogro?

Sr. Deputado, nós sabemos porque é que este Governo caiu, sabemos porque é que este Governo se malogrou. O que estranhamos é que este Governo não tenha tido a coragem de confessar - e de confessar aqui mesmo, nesta Assembleia - quais foram as razões porque malogrou e porque sucumbiu.
Julgamos que isso era uma questão de lisura moral, de transparência na sua própria atitude. Mas é evidente que o CDS já sabia, pelo menos há 2 anos, pelo menos quando o Governo começou, salvo erro, em 9 de Junho de 1983, que não ia subsistir.
O Sr. Deputado estranhou também que eu seja contra este governo e contra o bloco central e que admita a subsistência destes ministros como gestão. Sobre este assunto, não posso deixar de ter um aceso de ex-professor de Direito Constitucional - apesar de ter isso bastante esquecido - e de lembrar que os ministros têm, por um lado, funções administrativas de superintendência de um determinado departamento e, por outro lado, funções políticas de representação do seu partido e do seu eleitorado.
Os ministros podem perder a qualidade de representantes do seu partido ou de representantes do seu eleitorado e manterem, completamente intactas, as suas funções - digamos assim - de super directores-gerais do departamento que comandam.
Julgo que é perfeitamente explicável que estes ministros se mantenham como tal. De resto, já aconteceu assim no passado e há, inclusive, o respeito daquilo a que se chama em Direito Constitucional «praxe constitucional», que é também um factor de normalidade constitucional.
Quanto a saber-se se o pântano vem de há 2 anos, de há 3 anos, 7 ou 10 anos, não lhe responderei se vem de há 2 se de há 5 anos. Direi que, apesar de tudo, a condição fundamental que tem provocado a instabilidade na vida portuguesa é, de facto, a criação de condições no dia 11 de Março de 1975, que são um fardo pesado e até agora invencível sobre a vida portuguesa e sobre os governos democráticos.
Do meu ponto de vista, este é o primeiro problema português; esta é a primeira razão do pântano, para lá de todos os governos. E há uma coisa que eu reconheço no fracasso deste governo: é que não há apenas a questão do malogro deste governo, mas o malogro da questão da governabilidade.
Há uma coisa de que já ninguém se lembra, mas quando o governo PS/PSD começou dizia-se nos jornais que era a última oportunidade do regime. Agora, ninguém se lembra disso, agora ninguém se lembra da última oportunidade do regime. Mas nessa altura dizia-se que o Governo não tinha alternativa, que era a última oportunidade do regime. Agora, cá estamos nós outra vez a procurar uma nova oportunidade do regime, porque a última oportunidade do regime já acabou. E por isso que este ponto nos parece muito importante.

Quanto ao Partido Socialista, diria - e usando as fórmulas do Sr. Deputado Ângelo Correia - que estou de boa fé. O Partido Socialista continua a dizer-se socialista; o Partido Social-Democrata continua a dizer-se social-democrata; eu não sou nem socialista nem social-democrata. 15so corresponde a soluções que vêm expressas nos manuais de um certo tipo e que, do meu ponto de vista, são as responsáveis pela situação em que o País se encontra.

A certa altura, o Sr. Deputado Ângelo Correia veio afinal confirmar a importância da minha intervenção, porque começou por dizer que a minha intervenção era, presumidamente, importante mas não tinha tido importância. Mas houve uma coisa em que teve importância: é que suscitou e mereceu a intervenção reservada de uma eminência da direcção do Grupo Parlamentar do PSD que, ocupando normalmente a 4.º linha das suas bancadas, resolveu vir socorrer, desta vez, a direcção,...

Risos do CDS

. fazendo uma intervenção a partir dos bastidores.

Risos.

15so confirma a importância que o bloco PSD deu à minha intervenção e o sentido de má consciência com que está - é lógico e natural -, querendo devolver e transportar mais uma vez, neste caso numa operação não de fada ou destino mas, seguramente, de inconsciente, para a bancada do CDS a má fé, as dificuldades, tudo isso.

Quero dizer ao Sr. Deputado Ângelo Correia que não estranhei que o PS e o PSD não tivessem aqui explicado porque é que o Governo caiu. Estranhei mais do que isso: estranhei que o seu Governo - que várias vezes defendeu aqui, ardorosamente e com intuitos patrióticos que, teoricamente, continuariam a subsistir não tenha vindo defender aqui, a esta bancada, através do seu Vice-Primeiro-Ministro, as razões pelas quais tinha acabado. Foi isso que eu estranhei! É evidente que, por muito distraídos que o PS e o PSD andassem em relação à sua própria ruptura, o mínimo seria que alguém dessas vastas bancadas tivesse, entretanto, tido aqui uma palavra sobre a queda do Governo.

Mas a queda de um governo e a queda de um Governo destes não é um acontecimento para se tratar em 10 minutos de um período da ordem do dia, da única Assembleia democrática que ainda há no País.

Foi isso que eu quis dizer, Sr. Deputado Ângelo Correia. Não equivoque as coisas.

Depois, Sr. Deputado, eu não quis que houvesse aqui, neste Parlamento, lavar de roupa suja. Eu quis duas coisas: em primeiro lugar, é preferível lavar a roupa suja aqui dentro do que andar a lava-la lá fora, nos écrans da televisão, todas as noites.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - É melhor isso; é melhor lavar a roupa suja domesticamente do que é lava-la lá fora, porque se o Parlamento tem uma função é justamente a de aqui, com dignidade, seriedade mas espírito batalhador também, sabermos esclarecer aquilo que nos une e aquilo que nos divide.

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Foi esse o sentido da minha intervenção. E o moral não é criticar que um deputado venha aqui por o problema mais grave e actual da vida portuguesa; o grave e o imoral é que os deputados da maioria tentem evitar e combater que o problema da queda deste Governo seja trazido a este Parlamento. 15so é que é grave.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Deputado, mais uma vez, há um equívoco: nós não criticámos o facto de V. Ex.ª vir aqui trazer o problema. O que nós criticámos foi a afirmação de que nós não o tínhamos trazido ao Parlamento.

Mas há uma opção de fundo: V. Ex.ª disse, na sua intervenção, que era preciso que neste Parlamento se fizesse a autópsia da coligação. Ora, é essa visão necrófila e masoquista da política que nós não temos.

O Orador: - Sr. Deputado Ângelo Correia, acho que aquilo que acabou de dizer acrescentou algum toque literário à sua intervenção mas, salvo isso, ficámos exactamente na mesma.

Risos.

É evidente que é sempre bom saber que os engenheiros são bons juristas ou bons literatos, como é o caso de V. Ex.ª Mas, realmente, isso não acrescenta muito à situação.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - É pior saber que um jurista é um mau analista político, como V. Ex.ª

O Orador: - Queria dizer-lhe ainda outra coisa: podem ter os candidatos que queiram e todos os líderes que queiram, mas não falem em nome do CDS porque é muito natural que se venham a arrepender disso.

Não falem em nome do CDS porque o CDS tem quem fale em seu nome e, felizmente, não por adjudicação de quem quer que seja - sejam vocês ou outros -, mas por conquista legítima e afirmação democrática daqueles que se batem nesta tribuna e se batem perante o País nestas circunstâncias.
Que a sua social-democracia queira expropriar muitas coisas em Portugal é coerente com o seu projecto. Mas que queira expropriar o único projecto que não é social-democrata nem socialista, isso não, Sr. Deputado Ângelo Correia porque, seguramente, nós não deixaremos. E pode ter a certeza de que não haverá aqui necessidade de falar em nome de ninguém, nem mais que os jornais que falam em seu nome e no do seu partido. Não, Sr. Deputado, nós não seremos a sombra de ninguém, seremos apenas a nossa própria voz, com dignidade, altura, elevação e sentido do combate até ao fim. É que não é uma manobra nem um maquiavelismo aquilo que nós aqui dizemos ou aquilo que nós sempre diremos ao povo português. Disso pode ter a certeza, Sr. Deputado.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Não, é uma displicência!

O Orador: - De resto, Sr. Deputado, houve uma coisa boa na sua intervenção, que foi o facto de ter falado em nome do Partido Socialista e do Partido Social-Democrata. Estava a estranhar que já não houvesse aqui nenhum porta-voz comum dessa maioria. Ainda bem que defendeu, enfim, uma virgindade algo estragada mas, em todo o caso, respeitável...

Risos.

... desses dois partidos, ao fim de 2 anos de Governo, ao fim de 2 anos insuportáveis de Governo, em que a crise foi permanente, em que a rejeição do povo português foi permanente. Por muito que o PSD esteja habituado a ser oposição e Governo ...

Risos.

... ao mesmo tempo - e, neste caso, mais oposição que Governo, ainda que há 15 dias mais Governo do que oposição - não é isso que esconderá, para ninguém, essa responsabilidade.
Aliás, uma das razões porque eu defendia que o PS e o PSD continuassem no Governo é que o PSD está tão habituado a ser oposição e Governo ao mesmo tempo que nenhum mal fazia mais um período desse tempo.

Risos.

E uma última coisa, Sr. Deputado: acredito que os projectos nos dividem; acredito que a social-democracia seja a alma, portanto, musculada e vertiginosa ou segundo outro modelo qualquer. Tivemos um Partido Socialista que sempre prezou muito o exemplo gaulês, francófono, e isso tem um anedotário todo à sua conta; temos agora uma social-democracia vigorosa, à alemã. Ainda bem que a social-democracia é assim, que se assume, que é anti-liberal e que é «anti» essas coisas todas. Muito bem! Mas, para nós, Sr. Deputado, o socialismo ou a social-democracia são apenas um meio colectivismo.
Como disse um nosso antepassado teórico, o Sr. Ludwig Ehrardt, o socialismo ou a social-democracia é como estar meio grávido: é uma coisa que não existe e, sobretudo, não é fértil.

Risos do CDS e do PS.

Portanto, do socialismo ou da social-democracia, nada esperaremos para Portugal, por muitos, bons e capazes que sejam os governantes do PS e do PSD ou por muito literários que sejam os seus porta-vozes nesta Assembleia.

Aplausos do CDS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente
Fernando do Amaral.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito deseja usar da palavra, Sr. Deputado?

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Para o exercício do direito de defesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

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I SÉRIE - NÚMERO 93

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Para uma nova tirada literária!

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Lucas Pires apresenta-se nesta Assembleia, não com a virgindade - segundo as suas palavras - necessária ao exercício da política mas antes com a rameirice - que é o oposto à virgindade da capacidade de exercício político em Portugal.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - As palavras vêm de quem vêm!

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Onde chegou esta Assembleia!

O Orador: - A palavra virgindade não foi minha, mas do Sr. Deputado Lucas Pires que quis contrapor com isso a virgindade de uns à não virgindade de outros. As palavras são do Sr. Deputado Lucas Pires, repito.
É óbvio que o Sr. Deputado está numa dificuldade conceptual grave que cruza o seu partido e que hoje quis camuflar. Fez o ataque à social-democracia, à musculatura ou não da social-democracia - enfim, o Sr. Deputado poderá apreciar talvez melhor do que nós esse problema já que tem mais relações com as visões que até no passado se coligaram com a social-democracia na Alemanha - mas de qualquer forma, há uma coisa que o Sr. Deputado Lucas Pires não consegue esconder e que é o seguinte: como é que esse malefício da social-democracia é tão grande, tão grave e tão perturbador que o Sr. Deputado participou esteve, aderiu e defendeu com ênfase um projecto onde a social-democracia foi com V. Ex. e maioritária.
Como é que o CDS tem hoje um discurso que nega completamente o seu passado de há 2 ou 3 anos, sobretudo o seu passado pessoal?
Segunda questão: o Sr. Deputado Lucas Pires pode acusar-nos de ser sociais-democratas. Pode, deve e ainda bem que faz essa acusação. Mas, Sr. Deputado, aí temos uma superioridade sobre V. Ex.ª é que nós não somos cruzados ou intercruzados pelo binómio, pela antinomia social-democracia e outra coisa no nosso seio, ao passo que V. Ex. e tem um problema por resolver no seu partido e que é a questão fundamental da convivência ou participação ou escolha entre o liberalismo e a democracia-cristã.
Quem tem problemas a resolver no âmbito ideológico e de esclarecimento interno é V. Ex.ª E não «escamufle»...

Risos.

... atacando alguém que, homogénea, unitária e claramente defende um ponto de vista.
V. Ex.ª tenta passar por cima disso como se, ao fim
e ao cabo, V. Ex. e quisesse projectar para os outros
as dificuldades do seu próprio posicionamento interno
e, acima de tudo, na colagem sociológica entre as ba
ses do seu partido e aquilo que V. Ex.ª hoje quer, faz
e é. -
Quem tem de resolver problemas internos, dá, às vezes, um salto no eseuro e cai num ghetto social e num ghetto político. V. Ex.ª é livre de o fazer, se quiser. Só que a história demonstrou que quem o faz não resolve problemas e aniquila-se.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Lucas Pires.

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Presidente, agradeço este excesso de generosidade que nos concederam e prometo que esta é a minha última intervenção.
Só queria dizer ao Sr. Deputado Ângelo Correia que assisti nesta Assembleia, durante 2 anos, a este fenómeno curioso: o Governo defendia-se alegando os problemas internos do CDS, isto é, a colocação do CDS, os problemas políticos do CDS, dizendo que no CDS havia uma maioria e uma minoria, que o congresso ia desfazer o CDS, tudo ia acontecer.
Devo dizer que tive uma esperança quando o Sr. Deputado começou a falar do CDS: a de que fosse criar um problema interno no CDS, porque na última reunião da Comissão Política do meu partido todas as decisões foram tomadas por unanimidade.
Apesar de tudo, peço-lhe, Sr. Deputado, que não invente problemas que não existem no CDS; no entanto, se quiser criar algum pequeno problema no CDS, pode fazê-lo, dado que a nossa liberdade vai até esse ponto - e, se calhar, até precisamos! -, mas não invente nem crie fantasmas, porque não existe nenhum no CDS.
O CDS é o partido mais unido da cena portuguesa e é com essa união que enfrentaremos as próximas eleições.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados e, muito especialmente, senhores representantes dos grupos e agrupamentos parlamentares: em conferência de líderes, tínhamos determinado que, antes da leitura da mensagem de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, haveria toda a conveniência, por questão de oportunidade política, em que fossem proferidas as 3 declarações políticas que a Mesa já tinha registado, ou seja, as declarações políticas dos Srs. Deputados Rogério Brito, José Luís Nunes e Helena Cidade Moura.
Assim, pretendo saber se devo interromper os trabalhos, porventura respeitando o cansaço dos Srs. Deputados, por 30 minutos, fazendo-se depois as declarações políticas que há pouco anunciei ou se prosseguimos os trabalhos.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito, para uma declaração política.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Queria saber se V. Ex. e obteve ou não o assentimento por parte de todas as bancadas piara continuar a sessão. É que ouvi V. Ex.ª perguntar, mas não ouvi qualquer resposta.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, perguntei se havia ou não objecções e, como ninguém se pronunciou, parti do princípio de que as não havia. Talvez a pergunta não tivesse sido feita de forma suficientemente clara.

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No entanto, os senhores representantes dos grupos e agrupamentos parlamentares estão em condições de repensarem a pergunta que formulei, isto é, se, de imediato, devo ou não fazer o intervalo - e devo dizer que isso me parece ser o mais aconselhável - ou se o devo fazer no final de todas as declarações políticas, assim como da mensagem de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, teria o maior gosto em ouvir o Sr. Deputado do Partido Comunista, simplesmente, como o intervalo estava programado, marcámos umas reuniões para, durante o mesmo, darmos umas audiências. As pessoas estão à nossa espera e, ainda por cima, vieram de fora, pelo que não as podemos mandar embora e dizer-lhes para aparecerem amanhã ou depois de amanhã.

O Sr. Presidente: - Essa é uma razão.
Não sei se os outros Srs. Deputados...

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, estando marcado o intervalo, desde que um Sr. Deputado ou um grupo parlamentar se oponha, ele tem de ser feito.

O Sr. Presidente: - Peço muita desculpa ao Sr. Deputado Rogério Brito e vamos, então, fazer o intervalo, que terá lugar até às 18 horas e 15 minutos.
Está, então, interrompida a sessão.

Eram 17 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No meio de uma profunda crise política, de perturbação aguda do funcionamento das instituições, um Governo em estado de vida artificial e morte adiada assinou o Tratado de Adesão de Portugal à CEE, concluindo assim o primeiro acto de uma peça cujo estilo se configura entre a farsa e a tragicomédia. As suas consequências são, porém, tão graves para o futuro de Portugal, que é inadiável reflectir sobre elas.
Na verdade, remetida à condição de figurante pobre, a Assembleia da República tem-se limitado a tomar conhecimento, em diferido, do guião, sendo confrontada com situações de facto consumado. E o que é mais grave, é que esta situação resultou de uma passividade voluntária por parte dos deputados dá extinta maioria e do CDS, que aceitaram fazer, pura e simplesmente, esse triste papel.
Por outro lado, questões como o que é a CEE, porquê e para quê a adesão, como se processa, como foram conduzidas as negociações, quais as consequências, continuam sem ser respondidas ao País.

As constantes e crescentes dúvidas, desconfianças e justificados receios expressos pelos mais diversos sectores da nossa economia e organizações de classe revelam à evidência que o povo português não conhece a obra, desconfia da sua qualidade e não aderiu a ela.

E nem sequer a filosofia de alguns que, perante a situação, reagem segundo o princípio de que: «se estamos metidos no imbróglio, então vamos ver como nos poderemos safar o melhor possível dele»... altera esta ilação que, embora linear, não deixa de ser conclusiva: o Tratado agora assinado não constitui um acto de adesão do povo português à CEE, mas tão-somente a imposição da assinatura por parte de um Governo morto e de um Primeiro-Ministro demissionário que pensa tirar da precipitação das negociações e da falta de esclarecimento do País, os dividendos que sirvam de suporte ao relançamento da sua candidatura à Presidência da República, no pressuposto de que os custos desta adesão só se farão sentir depois das eleições e de que, entretanto, no imediato, contará com o apoio submisso da maioria dos deputados desta Assembleia moribunda.

E aqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados, entramos no segundo acto da peça: que papel está reservado à Assembleia da República? E mais: que papel está reservado aos Portugueses?

Vão os Srs. Deputados aprovar uma proposta de resolução de um Governo já sem legitimidade e sem existência real e, ainda por cima, sem conhecerem a totalidade dos acordos e as suas consequências práticas? Vão aprovar de supetão?! De afogadilho?! Sem debate?! Na agonia de uma Assembleia quase morta?! 15to independentemente das trágicas consequências para o País?!

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como irá, por exemplo, um sector tão débil como é o nosso sector agrícola suportar o impacte da política agrícola comum? Quais as consequências económicas e sociais?

Como alimentar a esperança de que a adesão vai contribuir para o desenvolvimento da nossa agricultura face a uma política agrícola comum responsabilizada por uma situação económica que a própria Comunidade hoje caracteriza de estagnação e desemprego e de agravamento das disparidades técnicas e económicas entre os diferentes Estados membros e regiões? Como compatibilizar os interesses da nossa agricultura com uma política comunitária onde prevalecem os interesses dos países mais desenvolvidos e das multinacionais do ramo agro-alimentar, que assenta em modos de produção que conduzem à concentração e domínio capitalista da terra e das modernas tecnologias de produção, à custa da ruína de milhões de pequenos e médios agricultores. Como suportar o impacte de uma PAC que tem conduzido à extinção de um activo na agricultura em cada 2 minutos? De que estrutura industrial dispomos ou que ritmo de crescimento económico se prevê para absorver os excedentes gerados por tal política na agricultura? Como compatibilizar uma política de desenvolvimento agrícola, que tenha em conta as necessidades reais do País e a pesada dependência externa do nosso sistema agro-alimentar, com uma política comunitária que impõe fortes limitações à expansão das produções em que a comunidade é excedentária e nós altamente carentes?
Como admitir que a Assembleia da República aprove os acordos de adesão de Portugal à CEE sem ter resposta para estas questões concretas?

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A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Pedem à Assembleia da República que diga «sim» ou «não» aos acordos nos concretos termos em que estão negociados. Há quem queira que esta Assembleia diga «sim», de cruz e à pressa, sem ouvir ninguém e, mais do que isso, surda à voz do País, que diz «não». Não pode ser! Seria inconcebível que uma Assembleia nestas condições se arrogasse o papel que só pode caber a uma Assembleia da República eleita de novo e que desse uma resposta que só deve ser dada depois de o povo português ter travado sobre a matéria concreta um amplo debate e esclarecimento. É esse debate que importa organizar, fomentar e desenvolver.
A tentativa em curso de aprovação de afogadilho de um acto com tão graves implicações na vida dos Portugueses assume o carácter de um verdadeiro atentado contra o normal e regular funcionamento das instituições.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É uma operação antidemocrática, tendente a consumar nas costas de Portugal uma opção que só pelos Portugueses deve ser tomada.
Dando corpo à voz dos mais diversos sectores e organizações de classe que, em crescendo, vêm manifestando enormes reservas e receios perante a perspectiva da adesão de Portugal à CEE, o PCP tudo fará, Srs. Deputados, para que se gore esse projecto e se defenda a independência e os interesses nacionais.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ontem, dia 17 de Junho, reuniu o Conselho de Estado para se pronunciar, sobre a situação política, como «órgão político de consulta do Presidente da República» (artigo 144.º da Constituição).
Em causa está não só a análise do nosso tempo concreto mas também, e muito exactamente, de uma das soluções que, previsivelmente, se encaram: a dissolução da Assembleia da República.
Não obstante uma ou outra declaração política. no período de antes da ordem do dia, pode afirmar-se sem receio de desmentido, ser a Assembleia da República o único órgão de soberania que não se pronunciou ainda e como tal sobre a crise política e, muito menos, sobre a sua própria dissolução.
Tudo se passa como se as decisões desta importantíssima questão passassem à margem da Assembleia da República que, com o Presidente da República, tem a legitimidade oriunda da eleição directa pelo povo português.
Não pode manter-se, sem grave atropelo das instituições, uma situação em que os deputados vejam ignorada a sua competência constitucionalmente definida.
É no sentido de lançar, rapidamente, este debate que decidi produzir esta declaração política.
Srs. Deputados: A crise política, causada pela ruptura da coligação pela nova direcção do PSD e pela demissão do Governo dos Ministros e Secretários de Estado sociais-democratas, necessita de uma rápida solução.

Na verdade, são pesadíssimos os custos de uma situação de impasse em que o Governo - na sua aparência ainda de coligação - vê a sua prática política, passada e presente, ser, diariamente, atacada pelo Dr. Cavaco e Silva.
Importa que fique bem claro, dentro e fora desta casa, que o Partido Socialista não pactuará com uma situação que permita ao PSD continuar no Governo e, simultaneamente, fazer uma política de oposição frontal ao Governo de que ainda faz parte.
A Assembleia da República não pode, contudo, manter-se numa posição de alheamento quando se decide do destino do País.
Desde logo uma verificação se impõe: a crise não nasceu na Assembleia da República nem resultou da acção política deste órgão de soberania.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Nestes 2 anos, a Assembleia da República trabalhou com inexcedível vontade de servir e com a eficácia possível.
É necessário, neste momento, sublinhar que os deputados à Assembleia da República mantêm a sua total e completa legitimidade, que é oriunda do voto popular, única fonte de legitimidade que conhecemos.
Não está, ainda, comprovado terem-se esgotado as possibilidades de solução política no quadro da Assembleia da República.
Para tanto é necessário que os diversos grupos parlamentares procurem definir, numa base clara, os parâmetros de uma solução que permita poupar ao País os pesadíssimos custos da celebração de novas eleições. A dissolução da Assembleia da República e a abertura de sucessivos períodos eleitorais (legislativas, presidenciais, autárquicas) é, em si, geradora de instabilidade e de paralisia da acção governamental.
instabilidade e de paralisia da acção governamental. As reformas que importa aprovar no seguimento daquelas, e foram muitas, que foram já aprovadas e implementadas, não podem avançar.
A dinâmica administrativa que urgia desencadear tendo em vista a adopção e aplicação das medidas que impõe a nossa entrada na CEE está suspensa.
A aplicação de uma política de desenvolvimento, prudente e sustentada, aproveitando a recuperação financeira do País, não encontra base política para a sua realização num clima, constante, de instabilidade.
Se, no plano concreto da governação, a dissolução da Assembleia traz os inconvenientes que, sumariamente, descrevemos, no plano das instituições têm esses inconvenientes uma distensão, se possível, ainda mais nítida.
Na verdade, a antecipação de eleições retiraria a possibilidade do o Presidente da República, após a sua tomada de posse, usar do instrumento constitucional da dissolução para resolver qualquer eventual impasse político.
Negativa quanto às necessidades concretas da governação, negativa quanto ao, também necessário, equilíbrio institucional, a dissolução da Assembleia da República e a realização de novas eleições poderão, porém, impor-se se não for possível encontrar uma outra solução.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - 15so é para deputado ouvir!

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O Orador: - É no sentido da procura de uma solução que garanta„ de forma estável, os interesses do País que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, ciente de que esta solução ainda é possível, no quadro da actual Assembleia da República, manifesta a sua disponibilidade para um diálogo com todos os grupos parlamentares aqui representados em ordem a examinar, sem preconceitos, todas as soluções possíveis, no quadro parlamentar.
Na verdade é só neste quadro e, como é evidente, com apoio partidário, que o Parlamento pode contribuir, de forma decisiva, para a solução que melhor serve os interesses dos Portugueses.
Neste diálogo entre os grupos parlamentares aqui representados terá, certamente, um papel essencial S. Ex.ª o Sr. Presidente da Assembleia da República que, a todos, sem excepção, nos representa.
Esse papel decorre não só da posição institucional de S. Ex.ª mas também e, sobretudo, do facto, significativo, de que este diálogo foi já iniciado sob a égide do Presidente da Assembleia da República quando, bem servindo o País e a democracia, quis ouvir a opinião dos grupos parlamentares aqui representados antes da reunião do Conselho de Estado.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao tentar abrir um caminho à solução da crise, pensa o Grupo Parlamentar do Partido Socialista que é aqui, nesta Assembleia da República, que essa solução poderá, ainda, ser encontrada.
Se as circunstâncias demonstrarem não ser possível encontrar uma solução no actual quadro institucional, impor-se-á a realização de novas eleições.

Vozes do PS e da ASDI. - Muito bem!

O Orador: - Os seus custos, porém, não podem cair, exclusivamente, sobre o País mas também sobre todos os que, por visão estreita ou partidarismo exacerbado, tornaram impossível uma qualquer outra solução.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Partido Socialista - que isto fique bem claro -não teme a realização de eleições gerais antecipadas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Pensa, contudo, que há que procurar soluções alternativas que melhor sirvam os interesses do País.
Na Assembleia da República podem e devem procurar-se essas soluções.
Somos os representantes eleitos do povo português.
Acima de tudo, compete-nos defender os seus interesses.

Aplausos do PS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Deputado José Luís Nunes, ao ouvir a sua intervenção, que foi obviamente feita antes do nosso conhecimento, na conferência de líderes, da mensagem do Sr. Presidente da

República à Assembleia, não deixei de detectar pontos de completa sintonia entre as soluções que preconiza e, ao que me parece, se bem recordo essa mensagem - mas daqui a bocado teremos a certeza ao ouvi-la, aqui, na Assembleia -, as propostas do Sr. Presidente da República.
A pergunta que lhe faço é muito simples e tem a ver com uma questão pontual. Diz V. Ex.ª que «o Partido Socialista manifesta a sua disponibilidade para um diálogo com todos os grupos parlamentares representados na Assembleia em ordem a examinar, sem preconceitos, todas as soluções possíveis, no quadro parlamentar».
Pergunto-lhe se o Partido Socialista perdeu os preconceitos, que aparentemente tinha, de examinar a situação política neste plano, designadamente com o Partido Comunista e o MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Luís Nunes, inscreveram-se para lhe pedir esclarecimentos, mais oradores. Pergunto-lhe se deseja responder já ou no fim.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Deputado António Capucho, como V. Ex.ª parcialmente sabe, a declaração política que produzi foi escrita hoje de manhã, passada à máquina entre as 14 horas e as 15 horas, e como habitualmente faço e como farei até ao fim desta Legislatura, dei conhecimento prévio da mesma, muito antes de saber que a mensagem do Presidente da República existia.
Em segundo lugar, pergunta-me o Sr. Deputado o que é que há de comum entre o que acabo de dizer e o que o Sr. Presidente da República diz na sua mensagem. O Sr. Deputado far-me-á a justiça de pensar que, antes de ver o que é que há ou o que deixa de haver de comum, necessito de ler a mensagem presidencial com a atenção que, depois de uma leitura feita por S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, graças à sua boa vontade e à sua simpatia, previamente, no seu Gabinete, e aqui, através de audição, não permite a ninguém, nomeadamente a nós que somos pessoas responsáveis, tirar conclusões.
Em terceiro lugar, o fundamental e o importante é que esta mensagem tem, isso sim, um ponto...
Peço perdão por ter dito «esta mensagem», pois devia ter dito «esta declaração política»...

O Sr. António Capucho (PSD): - É uma mensagem!

O Orador: - É uma mensagem, mas nada de confusões!
Como estava a dizer, o fundamental e o importante é que esta declaração política tem, isso sim, um ponto fundamental de convergência com uma posição definida pelo Sr. Presidente da Assembleia da República. Foi inspirando-me nessa posição que tive ocasião de produzir a declaração política.
Em quarto e último lugar, devo dizer que o Partido Socialista não tem dúvida nenhuma em examinar, no âmbito desta Assembleia da República, qualquer questão com qualquer dos partidos aqui representados.

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No entanto, importa sublinhar que isto não é monopólio do Partido Socialista. O Sr. Deputado e o seu grupo parlamentar fazem isso todos os dias, o CDS faz isso todos os dias, nós fazemos isso todos os dias, a UEDS faz isso todos os dias, a ASDI faz isso todos os dias: no âmbito do trabalho das comissões, com os representantes do Partido Comunista Português e do MDP/CDE, discutimos as soluções que mais convêm aos destinos do País.
É nessa perspectiva institucional que pus o problema.

Vozes da UEDS e da ASDI - Muito bem!

O Orador: - Foi, pois, deslocando essa perspectiva para o campo institucional que pretendi trazer o problema.

Aplausos do PS, da UEDS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Deputado José Luís Nunes, depois da explicação que V. Ex.ª já teve ocasião de dar ao Sr. Deputado António Capucho, eu, de uma forma muito preambular, não direi mais nada senão que verifico que há, realmente, uma coincidência objectiva, e certamente fortuita, muito grande entre a declaração política produzida por V. Ex.ª e a mensagem que o Sr. Presidente da República dirigiu a esta Câmara, que será lida dentro em breve.
Da sua intervenção há aspectos que eu poderia considerar positivos, que é a associação do Parlamento ao desencadear da crise e às soluções das crises, e há aspectos que considero menos nítidos, que têm a ver com a metodologia constitucional para resolver crises políticas.
Creio que não estamos num regime meramente parlamentar, muito menos num regime convencional ou de Assembleia e, portanto, o poder de nomear o Primeiro-Ministro é, até na economia da nossa Constituição, um dos poderes essenciais do Presidente da República e aquele que mais contribui para caracterizar o regime como semi-presidencial. Da mesma forma, o facto do poder de dissolução estar na inteira disponibilidade do Presidente da República, e só na sua disponibilidade, contribui também para caracterizar o sistema do Governo português como semi-presidencial.
O que pergunto ao Sr. Deputado José Luís Nunes é se considera ou não que todas as diligências que possam ser feitas com vista à verificação se na Assembleia pode ou não existir uma maioria alternativa à maioria que sustentava o Governo, que ainda está em funções, devem ser conduzidas pelo Presidente da República e se não seria um afastamento perigoso da letra, e sobretudo do espírito da Constituição, tentar encontrar outras fórmulas institucionais de solução da crise, que não passassem por essa intervenção directa do Presidente da República e pela assunção pelo Presidente da República de uma competência final, que é só dele, a de saber se deve nomear outro Primeiro-Ministro ou se deve dissolver a Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem apalavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Deputado Luís Beiroco, queria sublinhar uma coisa que há pouco não referi quando respondi ao Sr. Deputado António

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Capucho, porque isso era do conhecimento, tanto do Sr. Deputado Luís Beiroco como do Sr. Deputado António Capucho; no entanto, penso que é necessário que a Assembleia também tenha conhecimento do facto. É que graças à simpatia e ao sentido de longanimidade do Sr. Presidente da Assembleia da República pudemos ter conhecimento de uma mensagem que ainda não foi lida a esta Assembleia e sobre a qual, por um mínimo ético, nem eu nem nenhum de nós pode pronunciar-se.

Vozes do PS e da UEDS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à metodologia constitucional, Sr. Deputado Luís Beiroco, tive ocasião de defender há pouco uma posição semelhante à de V. Ex.ª aquando do debate que travei com o Sr. Deputado Lucas Pires.

A certo momento o Sr. Deputado Lucas Pires, e desculpe-me pelo facto de citar de cor - ele não está presente, mas tenho a impressão de que não vou trair o seu pensamento -, perguntou-me o seguinte: «Por que é que os, senhores, que são o maior partido desta Câmara, não promoveram um debate com os restantes partidos?» Eu tive ocasião de dizer que entendemos que não é essa a filosofia do nosso sistema constitucional, até um certo momento.

Agora, o que penso é que sendo, nesta matéria, a actuação do Sr. Presidente da República de tal forma decisiva e total, que nem sequer existe aqui a figura do pensamento da IV República Francesa - e penso que também da III República, mas nessa não entro - do Primeiro-Ministro investido que pede à Assembleia a investidura e só depois é que forma o Governo (aqui isso não existe, existe um governo designado), o Sr. Presidente da República, no exercício das suas funções, dentro de um espírito de cooperação institucional, bem merecerá que a Assembleia possa dizer quais são as decisões que se formam no seu seio.

Gostava de lhe dizer ...

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Deputado José Luís Nunes, parece-me um pouco estranho que, depois de toda a polémica que houve em Portugal acerca de uma eventual diminuição dos poderes do Presidente da República - que teria sido, segundo essa posição, operada pela revisão constitucional de 1982 -, agora queiramos, por via de facto, diminuir, agora sim, muito mais os poderes do Presidente da República, conduzindo a que as diligências para a formação de um governo e a responsabilidade primeira da designação de um governo, que é do Presidente da República, não derive directamente de diligências feitas pelo Presidente da República.

O Orador: - Quero dizer-lhe, Sr. Deputado Luís Beiroco, que me referi a essa questão.

Acho que V. Ex.ª tem toda a razão, simplesmente, em relação ao que eu disse, acaba de arrombar uma porta aberta...

Risos do PS.

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... e o arrombamento da porta aberta consiste no seguinte: compete ao Sr. Presidente da República fazer essas diligências e à Assembleia da República ninguém lhe pode tirar o direito de exprimir a sua opinião e de o fazer no plano institucional.

De resto, foi esse o apelo que o Sr. Deputado Lucas Pires fez há poucos momentos, como brilho que lhe conhecemos.

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Não foi isso!

O Orador: - Finalmente, gostava de sublinhar que estamos abertos a um diálogo, não para dizer: «A solução está aqui!» porque o Sr. Presidente da República pode perfeitamente dizer: «Essa solução não me serve» -, mas para dizer: «Há aqui uma solução possível» e, sobretudo, para dizer: A Assembleia da República tem de ser ouvida.»
Há uma questão em relação à qual eu e o Sr. Deputado nos vamos, rapidamente, pôr de acordo - e eu só a vou enunciar no plano teórico, não vou mais além disso, ninguém me forçará a ir além disso -,que é a seguinte: a transformação em regras de direito público de certas regras de funcionamento que são de direito privado e de direito de associação.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado José Luís Nunes, suponho que a definição do âmbito de competência dos diferentes órgãos de soberania resulta directamente da Constituição, e nessa parte é inquestionável que a Assembleia da República tem um papel a desempenhar em qualquer crise, em qualquer situação, nos exactos termos da sua competência.
Dito isto, obviamente que a Assembleia se pode pronunciar sobre a crise política e devo dizer, Sr. Deputado José Luís Nunes, que não substituo que isso seja feito no período de antes da ordem do dia. Mas também pode pronunciar-se através da votação de uma moção de censura, se ela aparecesse; enfim, pode pronunciar se de diferentes maneiras, tão tipificadas na Constituição e no Regimento. São essas as formas próprias de a Assembleia se pronunciar.
Se foi isso que o Sr. Deputado José Luís Nunes proeurou dizer, devo dizer que estou de acordo com V. Ex.ª Se é exactamente isso o que quer dizer, isto é, que a Assembleia tem um papel institucional, que é o papel que decorre da Constituição e dos limites de soberania da separação do poder e da interdependência, então estamos de acordo. Se é mais do que isso, então é melhor que explicite.
Falando no que é mais, devo dizer que é de registar a vontade do Partido Socialista - e não digo Grupo Parlamentar do Partido Socialista - de abrir um diálogo inter-partidário que abra caminho à eventual formação de um governo que prepare as eleições. Realmente, não posso conceber que, no quadro da Assembleia, possa nascer um governo - e no quadro da Assembleia não nascem governos - que evite aquilo que, de boa ou má fé, é reclamado por três partidos com assento nesta Assembleia, que é a realização de eleições.
Quanto muito, pode colocar-se a questão de saber como resolver o problema da preparação das eleições com um governo isento, com um governo que possa

oferecer garantias de isenção, nomeadamente em relação à comunicação social, etc., e até quanto aos problemas que aqui se colocam.
O que pergunto ao Sr. Deputado José Luís Nunes, muito seriamente, é se, quando fala na abertura de um diálogo inter-partidário - que naturalmente terá de envolver, mais tarde, a Assembleia e, em primeira linha, o Presidente - está a falar na possibilidade de viabilizar aquilo que é inaceitável, como já está demonstrado, que é um governo minoritário PS, ou se está a falar nalguma coisa que ultrapassa isso, ou seja, de um governo que, com um apoio diferenciado, permita realizar as eleições em condições de isenção. Faço a pergunta com um sentido muito sério porque ouvi atentamente o que disse.
A questão resume-se nisto: trata-se de uma forma de fazer acreditar, perante o País, que é viabilizável o que, à partida, está inviabilizado ou trata-se de uma proposta séria, de uma proposta de diálogo, que naturalmente tem de passar pelos diferentes órgãos de soberania na sua postura própria e na forma própria de o fazerem para encontrarem uma solução governativa transitória de gestão até à realização de eleições?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Deputado João Amaral, depois de ouvir as palavras de V. Ex.ª e as dos restantes intervenientes no debate creio que a minha intervenção não foi inútil.
Aquilo que tive ocasião de dizer na minha intervenção, e que agora vou passar a ler, foi o seguinte:
É no sentido da procura de uma solução, que garante, de forma estável, os interesses do País, que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, ciente de que esta solução é possível no quadro da actual Assembleia da República, manifesta a sua disponibilidade para um diálogo com todos os grupos parlamentares.

Ora, isto significa que não estamos contentes e creio que o País também não pode estar contente nem aceitar esta situação que consiste em que no fim de uma coligação se façam novas eleições. Não haverá outra solução?
Quanto a nós - e gostaria de sublinhar esse facto -, estamos dispostos a ouvir da boca de todos os grupos parlamentares aqui representados e a discutir com eles quais as hipóteses de solução. Se por acaso todos os grupos parlamentares referirem que não vêem outras hipóteses de solução e que querem novas eleições, então estaremos de acordo em que assim se faça. Porém, registaremos o facto de que, para além da realização de novas eleições, não havia nenhuma solução por parte de qualquer dos grupos ou agrupamentos parlamentares, e anunciaremos isso ao País. Sendo o diálogo entre os grupos parlamentares travado a este nível, que não prevê nenhuma votação neste hemiciclo nem na Assembleia, que não excede as normas ou a competência constitucional dos diversos órgãos de soberania...

O Sr. João Amaral (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

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O Orador: - Faça favor,. Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado, suponho - e digo-o seriamente - que aquilo que V. Ex. a está a dizer poderá ter algum efeito em termos de uma ordenação dos trabalhos do Partido Socialista. Contudo, o que muito concretamente pergunto ao Sr. Deputado é o seguinte: sabendo-se que o PSD, o CDS e o PCP disseram que a solução aponta para eleições antecipadas, o que é que o Sr. Deputado, com a intervenção que produziu, quer acrescentar a esse facto? Já por várias vezes foi dito que queremos eleições antecipadas!

O Orador: - Sr. Deputado, já há pouco, e de uma forma sibilina, respondi ao Sr. Deputado Luís Beiroco - e agora vou tornar a fazê-lo com mais clareza que o centralismo democrático é uma norma de direito privado e não é uma norma do Direito Constitucional Português. O mandato do povo na Assembleia da República é tido pelos Srs. Deputados do Partido Comunista Português e não pelos dirigentes do Partido Comunista que, nos termos constitucionais, não são deputados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. João Amaral (PCP): - 15so não é connosco!

O Orador: - Foi isso o que há pouco quis dizer, ou seja, que há normas de direito privado e de direito associativo que, às vezes são arbitrariamente transformadas - est modus in rebus - em normas de direito público. Porém, esse é um assunto que se desenvolverá na altura própria.
De qualquer forma, creio que podemos e devemos dialogar acerca desta matéria. Ora, se depois disto se verificar que o que o Sr. Deputado acabou de dizer é exacto, ou seja, que os deputados do PSD, do CDS e do PC querem novas eleições e não têm outra solução a oferecer que não seja essa, então muito claramente ficará assumida a necessidade de se fazerem novas eleições. Devo ainda acrescentar que não temos nenhum receio do resultado dessas eleições.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Deputado José Luís Nunes, começarei por registar a resposta que V. Ex.ª deu à angústia do Sr. Deputado António Capucho quanto ao contacto com o PCP e com o MDP/CDE, resposta essa que me ocorreu a proibição das Conferências do Casino e a concepção que na altura o Eça de Queirós tinha a tal respeito no sentido de comentar. Parece, pois, que a manter-se esta ideia de censura das Conferências o Sr. Antero de Quental teria de assinar Antero, por assim dizer, de Quental, se me permitem a expressão ...
Na realidade, creio que nem o PCP nem o MDP/CDE necessitam da concordância de qualquer deputado desta Assembleia para intervir nas suas deliberações e, na dúvida de que isso acontecesse, não existiria nem democracia nem deputados em Portugal.
Como justificação para a não dissolução da Assembleia e realização de eleições legislativas antecipadas, o Sr. Deputado referiu-se aos custos da dissolução.

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Gostaria de chamar a atenção de V. Ex.ª para o facto de que é muito diferente ser o Partido Socialista, que está instalado na maioria desta Assembleia e no Governo, ou ser o Presidente da República, que, como é manifesto, não tem nada a ver com o Governo ou com esta Assembleia, a invocar este factor.
Na realidade, é algo estranha a coincidência que há na invocação dos custos da dissolução por parte de um partido que, através do argumento dos custos da dissolução; vê que poderia manter a posição que ocupa no Governo e em especial na Assembleia.
Por outro lado, devo dizer que tenho dificuldade em compreender que o fim da coligação governamental não represente necessariamente o fim da Assembleia que assenta na maioria desse mesmo Governo. Como é sabido, a imagem e a actuação da maioria foram agora afectadas pela ruptura verificada.
Daí que não possa deixar de causar estranheza que, de entre a generalidade das forças políticas que deram a sua opinião e que têm sustentado, não só a substituição deste Governo por outro, mas também, a dissolução da Assembleia, o PS seja o único que coloca tantas reticências à dissolução da Assembleia e que tanto se preocupa com os custos dessa dissolução.
Sr. Deputado José Luís Nunes, além dos custos da dissolução, o PS deve também ter em conta os custos da manutenção do actual Governo e desta Assembleia. Ora, a partir do momento em que o antigo parceiro de coligação já veio afirmar publicamente que este Governo causou os maiores prejuízos à economia do País...

Risos do PS.

... verifica-se que só o PS não reconheceu este facto e que não põe no outro prato da balança os graves prejuízos de uma política que falhou.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O MDP/CDE acaba de declarar com firmeza que o fim da coligação deve representar o fim da Assembleia. Portanto, do apelo que fiz ao diálogo entre os diversos grupos parlamentares, e salvo qualquer modificação de opinião, sempre possível nos homens e nas instituições, temos a seguinte tese: o fim da coligação deve representar o fim da Assembleia.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Raul de Castro (MDP/CDE): - Sr. Deputado, V. Ex.ª fala como se fosse a primeira vez que o MDP/CDE faz essa afirmação, mas a verdade é que há muito tempo que dizemos que a Assembleia deve ser dissolvida, que o Governo deve ser demitido e que deve haver lugar a eleições antecipadas.

O Orador: - O Sr. Deputado sabe que não me impede a troca de impressões com a devida frontalidade. Limitar-me-ei a dizer que quando se invoca que o MDP/CDE já há 2 anos pede que se proceda a novas eleições e à dissolução da Assembleia . ..

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O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Eu disse há 2 anos?

O Orador: - Eu é que digo! Eu é que digo que V. Ex.ª diz!

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - V. Ex.ª tem procuração minha para interpretar o meu pensamento?

O Orador: - Sr. Deputado, os debates são gravados e estão transcritos no Diário da Assembleia da República e pouco tempo depois de este Parlamento funcionar com a maioria PS/PSD, o MDP/CDE pediu um novo Governo e novas eleições. Ora, isso significa e não é que o MDP/CDE estivesse certo há 2 anos ou que seja uma expressão de coerência que o MDP/CDE actua (e peço que me desculpe a comparação que faço) como um relógio que há em Santarém, que é um relógio cabaceiro, que repete sempre as horas.
Porém, a questão é que o Sr. Deputado disse que como a coligação terminou a Assembleia também deve terminar. O Sr. Deputado criou uma relação de causa/efeito entre o fim da coligação e a dissolução da Assembleia. É, pois, isto que digo que é novo e que deve ficar registado porque é importante.
Quanto ao problema dos custos da dissolução da Assembleia, o Sr. Deputado diz o seguinte: que o Sr. Presidente da República, que é uma pessoa que nada tem a ver com partidos e com a Assembleia, se preocupe com o problema dos custos da dissolução, está bem; porém que um deputado ou um dirigente partidário se preocupe com os custos da dissolução, está mal. Quer dizer, para si, o patriotismo e a visão do interesse nacional devem ter como condicionante as pessoas não se encontrarem filiadas num partido.
Ora, é a este tipo de actuação, que saiu casualmente e por infelicidade da boca do Sr. Deputado -e digo «infelicidade» porque sei que V. Ex. ' não pensa assim -, que se presta esta interpretação perfeitamente linear: que o Sr. Presidente da República, que nada tem a ver com a Assembleia, se preocupe com os custos está muito bem, mas que o PS se preocupe com os custos está muito mal. Portanto, para se defender o interesse nacional é, em primeiro lugar, necessário não se ser membro de um partido político. Salvo o devido respeito, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que isto nada tem a ver com uma república democrática parlamentar.

Aplausos do PS.

Creio que os partidos devem estabelecer o diálogo dento da Assembleia da República, e remeto a minha resposta para aquilo que disse em relação ao Sr. Deputado João Amaral que levantou uma questão semelhante à de V. Ex.ª
Quanto à referência que o Sr. Deputado fez à necessidade do diálogo e à proibição das Conferências do Casino, permitir-me-ia uma sugestão: seria conveniente que o MDP/CDE mudasse rapidamente o nariz de cera de invocação da proibição das Conferências do Casino. Essa questão já aqui foi usada a propósito do Código do Direito de Autor, já se esgotou, e no caso concreto em que o Sr. Deputado a citou não há nenhuma semelhança entre a proibição das Conferências do Casino e os direitos que o MDP/CDE tem e que ninguém lhe pode retirar. E ninguém pode retirar esses direitos ao MDP/CDE pelo simples motivo de os três deputados que compõem esse grupo parlamentar terem sido

eleitos democraticamente e possuírem a única legitimidade admissível em democracia, que é a legitimidade democrática.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peço a palavra ao abrigo do direito de defesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Deputado José Luís Nunes, embora sem me aperceber muito bem do sentido da sua referência ao relógio, devo reconhecer que em matéria de relojoaria certamente V. Ex. a saberá muito mais do que eu, pelo que não comentarei esse facto.
Relativamente a algumas lições que V. Ex.ª pretendeu dar ao MDP/CDE, tenho de reconhecer que talvez o Sr. Deputado não seja a pessoa mais indicada para as poder dar. O MDP/CDE não necessita de receber lições do Sr. Deputado José Luís Nunes, nem que seja dito - ainda que o seu pensamento tivesse sido alterado - que ao MDP/CDE não interessam os custos das eleições. O que eu referi foi que é sintomático que o partido que invoca isso seja o que tem as vantagens de continuar no Poder. Ora, isso é muito diferente daquilo que o Sr. Deputado disse.
É evidente que há custos com a dissolução da Assembleia, mas o que importa - e foi isso o que eu disse é pô-los em paralelo com os custos da manutenção deste Governo e desta Assembleia.
De resto, Sr. Deputado, tenho a impressão de que quando V. Ex.ª começou a exercer a sua actividade política eu já a exercia. Portanto, pense nisso para desistir de me dar lições de política.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Deputado Raul Castro, é evidente que não tenho lições a dar ao MDP/CDE nem este tem lições a receber. Se os Srs. Deputados precisarem de lições escolherão outro professor - aliás, já o escolheram -, e se um dia eu quiser dar lições a alguém escolherei outros alunos.

Risos do PS.

É verdade que o Sr. Deputado é um militante democrático muito mais antigo do que eu. Simplesmente, gostava de sublinhar que não estamos na vida militar em que a antiguidade é um posto.

Risos e aplausos do PS.

Quanto à questão do relógio cabaceiro de Santarém, que repetia sempre as horas, tentei apenas dizer - usando de uma certa ironia, que certamente o Sr. Deputado não enjeita porque ela era usada, por exemplo, nas Conferências do Casino - que o facto de se repetirem sempre as mesmas coisas não é necessariamente sinal de clarividência ou de coerência política.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que a intervenção que neste momento vou fazer é oportuna, já que o mundo não é apenas composto por políticos, pois também há outras pessoas e a política tem a ver com as pessoas que a sofrem. Nestas fases finais dos trabalhos da Assembleia, os políticos têm uma certa tendência para se esquecerem do resultado das suas acções e até do sentido exacto das suas palavras.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os jornais portugueses fizeram-se eco de uma carta enviada pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros ao Director-Geral da UNESCO entregue pelo Embaixador de Portugal, Prof. Victor Crespo. Nessa carta o Governo Português associa-se às críticas formuladas por alguns países lamentando-se ainda o Ministro possivelmente de forma irónica: «que as obrigações de Portugal para com a UNESCO ultrapassam largamente os benefícios que dela se colhem».
Poder-se-ia perguntar se neste Governo, nesta hora ou em qualquer outra hora, houvesse alguém capaz de responder com clareza, com esforço democrático e com sentido de Estado, às perguntas formuladas:

Que estudos foram feitos e em que se baseia tal atitude do Governo Português?
Quais os projectos enviados por Portugal à UNESCO estruturados e em estado de serem entendidos fora das cabeças de Minerva que tem presidido, nos últimos anos, aos destinos deste país, e que foram recusados pela UNESCO?
Como nos temos integrado nós nos grandes projectos da UNESCO?

Poderíamos sobretudo neste momento perguntar se não teria sido mais útil ao País e mais nutritivo para a democracia se tivesse sido dado conhecimento aos Portugueses das actividades da UNESCO no mundo de língua portuguesa, se tivesse sido analisado com objectividade as acções de tal organização à luz dos interesses do Estado, da solidariedade entre os povos e da transformação cultural em toda a parte entendida cada vez mais como nacional e universalista.
Que dizermos, por exemplo, da nossa entrada na CEE com o nosso grosso cortejo de analfabetos, os índices de repetência escolar, a obrigatoriedade de ensino de 6 anos, o estado de saúde, de habitação, do equipamento social, etc.
Mas a realidade concreta sempre foi, para este Governo, revolucionária e desestabilizadora.
A discordância generalizada expressa por todos os países apoiantes da UNESCO perante o espírito racista e anti-universalista demonstrado pelos Estados Unidos e pela Grã-Bretanha demonstra a força existencial da UNESCO e até que ponto ela representa os interesses dos valores vivos contra o retrocesso dos países que a eles se opõem.
A Conferência dos Católicos Europeus reunida em Paris nos dias 15 e 16 de Junho, com a presença de 17 países prenunciou-se a favor da acção da UNESCO.
Mais uma vez, porém, este Governo, insensível à noção de Estado e aos ideais humanos, meteu dentro da sua mão medíocre a grandeza alcançada com o 25 de Abril. Perante o mundo inteiro, perante os ideais de paz, de solidariedade, de universalismo cultural que se

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prossegue, a carta do Ministro Jaime Gama tem a dimensão provinciana, interesseira e servil de uma qualquer carta do Dâmaso Salcedo.

Peço desculpa - não está cá o Sr. Deputado José Luís Nunes - por fazer demasiadas citações de Eça de Queirós, mas são muitos anos de prática. O meu colega deputado Raul Castro não estava presente, há dias, quando citei as Conferências do Casino. Portanto, é um mal do MDP/CDE, não sei se o Partido Comunista comunga do mesmo mal, porque nem em tudo somos semelhantes.

Peço que o Sr. Deputado José Luís Nunes se ponha a par de Eça de Queiróz para o poder citar.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos perante um governo parcialmente demitido e de uma Assembleia em luta com a sua própria existência que há muito devia ter sido sacrificada, em nome da dignidade das instituições e da defesa da democracia.

Mas o descalabro das instituições não só nos não deve fazer esquecer as grandes questões nacionais e internacionais, como elas devem servir de contraponto à mediocridade da política quotidiana, como devem ser factores de esclarecimento da opinião pública e devem servir de base a uma dinâmica que modernize de facto Portugal, pela consciência das suas potencialidades como nação transformadora.

Perante as reacções mundiais ao boicote americano e inglês à UNESCO, será que haverá algum lugar possível para a carta do Dr. Jaime Gama que não seja o grande montão de papéis governamentais que a própria história se vai encarregando de rasgar e de deitar para o lixo?

O Ministro Gandhi, por exemplo, diz pelo contrário que a «índia suportará os esforços construtivos que permitirá resolver a crise da UNESCO», criando com esta afirmação espaço para a sua própria pátria.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A UNESCO é uma organização surgida em Londres no próprio horror da guerra mundial como esperança para a organização do pós-guerra. Os propósitos da sua Acta Constitutiva tem objectivos que são hoje um grito de alerta que cumpre lembrar.

Diz-se no preâmbulo:

Os governos dos estados partes da presente convenção, em nome dos seus povos declaram:

Que as guerras porque nascem no espírito dos homens, é também no espírito dos homens que devem ser construídas as defesas da paz;

Que a incompreensão mútua dos povos esteve sempre no decurso da história, na origem da suspeita, da desconfiança entre as nações, pelo que muitas vezes as suas discordâncias degeneraram em guerra;

Que a grande e terrível guerra que acabou agora foi possível pelo aniquilamento do ideal democrático de dignidade, de igualdade e de respeito pela pessoa humana e pela vontade de o substituir, explorando a ignorância, o preconceito, o dogma da desigualdade das raças e dos homens (fim de citação).

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Desta situação decorre a criação da UNESCO, cujos objectivos vêm definidos também com muita clareza no preâmbulo, onde se afirma a dignidade do homem exige a difusão da cultura e da educação de todos visando a justiça, a liberdade e a paz, porque uma paz fundamentada apenas nos acordos económicos e políticos dos governos não conseguiria arrastar a adesão unânime durável e sincera dos povos. Assim a paz só poderá ser estabelecida na base da solidariedade intelectual e moral da humanidade.
Em consequência, (cito) é criada a Organização das Nações para a Educação, a Ciência e a Cultura como objectivo de gradualmente atingir, através da cooperação das nações de todo o mundo no domínio da educação, da ciência e da cultura, os objectivos da paz internacional e da prosperidade comum da humanidade ao serviço dos quais a ONU foi constituída como está proclamado na sua carta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No momento em Portugal vive a sua grande contradição histórica de uma forma aguda, atraído por uma Europa, a que pertence geográfica e intelectualmente, mas da qual sente necessidade de se diferenciar para fugir à sua fatal secundarização face aos outros países. No momento em que para Portugal, como para todo o Mundo, era preciso contribuir com a nossa vivência multiracial e universalista, o Governo Português resolver burocratizar e analisar administrativamente um problema moral e cultural que traduz uma opção política.
Não basta assinar o Tratado de Adesão à CEE nos Jerónimos para que com uma varinha mágica Portugal se cumpra.

Aplausos do .MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Branquinho.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): - Sr. Presidente, só queria fazer lembrar à Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura que, seguindo a catalogação que ela utilizou para dizer que o nosso governo era um governo racista, teríamos de chamar aos governos da Holanda, do Japão, da Alemanha e da Inglaterra governos racistas porque fizeram exactamente uma diligência com o mesmo sentido daquela que o nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros fez.
Ficámos, pois, esclarecidos sobre os conceitos de racismo da Sr.ª Deputada!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Deputado, tenho muita pena que tenha ficado esclarecido porque, de facto, eu não disse que o nosso governo era um governo racista.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): - Disse!

A Oradora: - Posso voltar ao texto que li há bocado!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos necessidade de marcar a ordem de trabalhos para quinta-feira, que ainda não foi esclarecida infelizmente por falta de tempo.

Nesse sentido, queria pedir a S. Ex.ª o Sr. Vice-Presidente Basílio Horta o grande favor de me substituir nessa conferência de líderes e pedia aos representantes dos grupos e agrupamentos parlamentares para comparecerem de imediato no meu gabinete para que num quarto de hora, segundo suponho, se poder fixar a ordem de trabalhos tão-só da próxima quinta-feira.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou ler a já referida mensagem que S. Ex.ª o Sr. Presidente da República dirigiu à Assembleia da República e que é do seguinte teor:
Sr. Presidente da Assembleia da República, Excelência:

A ruptura da coligação que sustentava o Governo formado em Junho de 1983 desencadeou uma crise política num momento particularmente melindroso da vida nacional, quando o País enfrenta uma situação económica e social extremamente delicada e a prevista adesão às comunidades europeias exige a adopção e a concretização de medidas urgentes e eficazes.
A isto acresce o facto de se aproximar o momento em que, nos termos introduzidos pela revisão constitucional de 1982, o Presidente da República fica privado da competência de dissolver a Assembleia da República, sem que, em contrapartida, seja restringida a faculdade de que a Assembleia da República dispõe de provocar a demissão dos governos. Tal regime reduz a possibilidade de experiência de soluções e obriga a que algumas delas só possam ser adoptadas desde que acautelado, por compromisso político rigoroso, o seu futuro.
Situação melindrosa de resto previsível, e que - sem procurar reeditar críticas oportunamente dirigidas a alguns aspectos da revisão constitucional de 1982 - levou o Presidente da República a afirmar, em comunicação feita ao País no dia 5 de Novembro de 1982, o seguinte:

[...] Mas não venham, neste momento, os que foram responsáveis pela revisão constitucional reclamar a demissão do Governo sem a afirmação e a comprovação de que está em risco o regular funcionamento das instituições democráticas e que essa demissão não só permite afastar esse risco, mas também garantir o seu regular funcionamento.
Não venham, agora, os que foram responsáveis pela revisão constitucional reclamar a dissolução do Parlamento sem apresentar garantias bastantes de que há condições para novas soluções políticas, de que estão preparados para as avalizar e de que saberão concretizar as necessárias negociações [...

O Presidente da República não pretende discutir ou imputar responsabilidades no eclodir da crise verificada, ao qual é evidentemente alheio. Mas nem por isso se exime à obrigação decorrente do mandato que lhe foi conferido de, nos limites estreitos que as condições constitucionais e políticas lhe permitem, procurar a solução, ou as soluções, que melhor sirvam os interesses nacionais.
Nesse sentido, o Presidente da República ouviu os partidos políticos e o Conselho de Estado.

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Está o Presidente da República convicto de que a dissolução da Assembleia da República acarreta para o País custos elevadíssimos, além do mais por virtude da proximidade de outros actos eleitorais. Tal dissolução só pode, porém, ser evitada com a colaboração da própria Assembleia da República e dos partidos que nela têm assento, por forma a serem viabilizadas soluções alternativas de governo, no presente quadro parlamentar, rodeadas das garantias que o mencionado regime constitucional reclama.
Das diligências efectuadas não é lícito reter excessivas esperanças numa solução dessa natureza com probabilidades de sucesso. Não ficaria, todavia, o Presidente da República de bem com a consciência que possui das responsabilidades políticas que lhe incumbem se não esgotasse, até ao limite, as tentativas no sentido de, mediante tinia fórmula aceitável, evitar aos Portugueses o preço que terão de pagar pela dissolução parlamentar.
Ainda, porém, que tal dissolução acabe por mostrar-se inevitável, por virtude das posições que os principais partidos políticos adoptem ou mantenham, julga o Presidente da República ser dever indeclinável de todos procurar a formação de uni governo que, recebendo o necessário suporte parlamentar e formado sobre um consenso geral ou, pelo menos, um consenso suficiente, permita responder, na base de um programa mínimo e com a autoridade bastante, à situação em que o País se encontra, até que a vontade do povo se manifeste - não podendo o Presidente da República deixar de salientar que, na ausência de um tal consenso, qualquer das soluções que ficam em aberto apresenta aspectos altamente negativos.
Num governo assim formado para evitar a dissolução da Assembleia da República ou para gerir o País até à realização de novas eleições, está o Presidente da República, conforme já o comunicou aos partidos e ao Conselho de Estado, disposto a empenhar-se, se tal for julgado necessário e pela forma que venha a ser considerada como mais adequada.
Por estas razões - sem prejuízo das diligências que as forças políticas com assento na Assembleia da República entendam dever fazer por si próprias - decidiu o Presidente da República empreender ainda, embora num quadro de tempo limitado, novas diligências com vista a procurar uma ou outra das soluções mencionadas. Para tal está nomeadamente disposto a designar mediadores que, em diálogo com os partidos, actuem no sentido de encontrar fórmulas susceptíveis de merecer o indispensável consenso.
Embora as negociações que eventualmente venham a ter lugar devam ser conduzidas exclusivamente com as direcções partidárias - como, de resto, tem sido norma no quadro constitucional vigente - entende o Presidente da República que o respeito devido à Assembleia da República justifica que dos enunciados propósitos lhe dê conhecimento através da presente mensagem, dirigida ao abrigo da alínea d) do artigo 136.º da Constituição.
Apresento a V. Ex.ª os meus melhores cumprimentos. - António Ramalho Eanes,

Aplausos da UEDS.

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Presidente, dá-me a palavra?

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Presidente, podia só meio minuto para, sob forma de protesto, aludir a uma pequena questão de que há pouco fui objecto e a que me esqueci de retorquir. Considero essencial retorquir em nome da minha dignidade pessoal.
Há pouco fui acusado de má fé. Esqueci-me de responder a esse ponto, mas considero muito importante fazê-lo, se puder ser!

O Sr. Presidente: - Se estão em causa a honra e a dignidade a que V. Ex.ª tem direito, não sou eu que vou negar o direito de o fazer. Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Ângelo Correia acusou-me de má fé a propósito do governo PS/CDS, no qual eu teria estado, embora dizendo que estava lá para melhor combater o socialismo.
Ora, esclareço o seguinte: disse, numa declaração pública à imprensa, na altura do governo PS/CDS, que o CDS estava no governo para melhor combater o socialismo. Eu votei no meu partido contra esse governo mas disse aqui na Assembleia, numa declaração política, que, por disciplina partidária, aceitava esse governo.
Não estava de má fé porque se estivesse teria omitido, naturalmente, essa convicção e esse propósito. Estava inteiramente de boa fé e fiz questão de tornar públicas as minhas convicções sobre esse governo. Obviamente que quando me referia a pôr em causa o socialismo não era o Partido Socialista que estava a pôr em causa mas aquilo que considero ser a base estrutural do socialismo criada, inclusivamente, pelo 11 de Março.
Julgo que era essencial este esclarecimento e peço desculpa de ter utilizado este tempo à Câmara mas, de facto, a acusação de má fé era uma acusação que não suportaria sem uma explicação deste tipo.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entrando no período da ordem do dia está em discussão, na generalidade, o projecto de lei n.º 196/III, que amnistia as infracções disciplinares nos órgãos da comunicação social, apresentado pela UEDS.

Vai ser lido o respectivo relatório.

O Sr. Secretário: (Lemos Damião):

Relatório

A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, reunida no dia 17 de
Abril de 1985 para apreciar o projecto-lei n.º 196/III, que amnistia as infracções disciplinares nos órgãos da comunicação social, e ouvida a Subcomissão Permanente da Comunicação Social, é do seguinte parecer:

O projecto de lei n.º 196/III deve ser novamente agendado para o Plenário afim de prosseguir o debate na generalidade nos ter

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mos regimentais, entendendo-se que a iniciativa legislativa deve precisar o seu objecto no tocante às penas.

O Sr. !Presidente: - Srs. Deputados, dado que não há pedidos de palavra, vamos proceder à votação, na generalidade, deste projecto de lei.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, do MDP/CDE, da UEDS e da ASDI e votos contra do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Branquinho.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Social-Democrata votou contra a aprovação deste projecto de lei que visa amnistiar alguns casos na comunicação social.
No decorrer do primeiro debate na generalidade aqui efectuado, o Partido Social-Democrata, pela voz do Sr. Deputado Silva Marques, já tinha dito que, em princípio, iria votar contra uma vez que já tinha manifestado essa posição em alturas anteriores e porque - tentando resumir isso - o Partido Social-Democrata é, à partida, contra qualquer tipo de amnistia e, em segundo lugar, porque também tínhamos dúvidas que este próprio projecto de lei viesse a amnistiar quem quer que fosse no campo da comunicação social.
E isto não tem nada a ver com o facto de o Partido Social-Democrata, até de um ponto de vista filósofo, não ser um partido humanista, um partido que tenha uma concepção de sociedade em que não se deve guerrear as pessoas.

Pausa.

Estava eu a dizer, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que o Partido Social-Democrata, ao votar contra não quer dizer que tenha uma visão de que a sociedade deva guerrear-se no seu seio.
Temos uma posição segundo a qual pensamos que não é com medidas permissivas que vamos resolver os problemas, seja no que diz respeito às amnistias, seja no que respeita aos diversos domínios.
No caso da comunicação social, o Partido Social-Democrata sempre se afirmou nesta Casa pela defesa da independência da comunicação social contra todas as tentativas de totalitarismo e de dirigismo. Venham elas donde vierem o PSD sempre tem lutado contra elas nesse sector tão fundamental.
Por exemplo, Sr. Presidente, não pomos em dúvida que não tenham existido na comunicação social alguns casos menos claros. Ainda recentemente, o presidente da Radiotelevisão Portuguesa, o Dr. Palma Carlos, tomou uma atitude inconcebível ao levantar um processo disciplinar contra jornalistas da redacção do Porto RTP pelo simples facto de o Sr. Presidente Eanes ter visitado aquelas instalações. Só que, Sr. Presidente Srs. Deputados, não é com projectos de lei de amnistia que vamos resolver esta situação, não é através desse instrumento legal. Essas questões resolvem-se ou nos tribunais ou então demitindo as pessoas que não estão à altura dos seus cargos. E porque esta é uma posição de princípio, o Partido Social-Democrata não podia voltar atrás com as posições que tem defendido e que já foram nesta Casa claramente demonstradas aquando do primeiro debate que sobre esta matéria aqui teve lugar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem -a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O nosso voto é conforme com o debate na generalidade que aqui decorreu e onde apresentámos extensivamente as razões por que iríamos votar contra.

Não cultivámos ambiguidades, não cultivámos a política da porta entreaberta. Dissemos claramente aquilo que queríamos e assim nos mantemos fiéis aos argumentos que produzimos para votar contra esta amnistia.

Esses argumentos são dois: em primeiro lugar, a inconstitucionalidade material - que nos parece que ainda não foi retirada deste projecto de lei na medida em que pode haver uma discrepância ou um tratamento desigual entre os trabalhadores da comunicação social das empresas públicas face às empresas privadas e a que esta amnistia não põe cobro, e, em segundo lugar, o princípio para nós caro, de que os problemas da empresa, principalmente os problemas disciplinares, se resolvem dentro da própria empresa e de que o Estado, a Assembleia da República ou os poderes políticos não se devem imiscuir nesse poder disciplinar, a não ser que eles exorbitem da tutela que foi entregue às próprias empresas públicas para tratar das relações entre a entidade patronal e os seus trabalhadores no sentido de uma melhor cooperação entre uns e outros no seio das unidades produtivas e unidades de serviço que são as empresas, sejam elas públicas ou privadas.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Ora essa!

O Orador: - Se essa foi a nossa batalha no debate na generalidade, temos agora motivos para atenuar a condenação que então fizemos desse projecto de lei. Da maneira como ele nos surge após ter sido discutido na Comissão, ele já não enferma de pecados técnico-legislativos e está completo na medida em que pode servir na generalidade e na abstracção, aquilo que faltava no projecto apresentado inicialmente defendendo os trabalhadores que foram injustamente afastados por defenderem as suas ideias dentro do são pluralismo que à comunicação social compete defender.
O modo como este projecto de lei agora nos é apresentado, quer na especialidade, quer em votação final global, tem o mérito de chamar a atenção das empresas públicas para que não exorbitem dos seus poderes disciplinares para prosseguirem fins contrários aos que foram pensados pelo legislador. Simplesmente, o que está e continua, a nosso ver, a violar os limites da constitucionalidade é a igualdade de tratamento entre os trabalhadores da comunicação social, seja nas empresas públicas, seja nas privadas, de modo que, a nosso ver - mas isto não é um problema da Assembleia da República mas do Tribunal Constitucional - e o diploma pode vir a padecer de inconstitucionalidade, embora ao que parece, ficou agora bastante atenuado.

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Em todo o caso, é nosso voto que a Assembleia não se imiscua nos poderes que são conferidos às empresas a não ser nos casos exorbitantes. O debate aqui feito, bem como o travado na Comissão, não nos convenceu de que deve ria-mos, em princípio, modificar o nosso voto - e os princípios valem mais do que as cambalhotas entre os dois debates. É esta a razão por que votámos contra.

O Sr. Presidente: - Mais algum Sr. Deputado deseja proferir uma declaração de voto?

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, era apenas para dizer que dado o adiantado da hora e a importância que conferimos à matéria entregaremos na Mesa uma declaração de voto por escrito.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar na discussão na especialidade deste projecto de lei.
Vai ser lido o artigo 1. º

Foi lido. É o seguinte:

ARTIGO 1.º

São amnistiadas as infracções disciplinares praticadas nos meios de comunicação social previstos no artigo 39.º da Constituição que decorram da legítima expressão da liberdade de opinião individual ou colectiva dos respectivos trabalhadores, bem como da livre afirmação das suas opções políticas e ideológicas, desde que tais infracções não constituam crime público, a não ser que este se encontre, ele próprio, amnistiado.

O Sr. Presidente: - Visto que não há qualquer pedido de palavra, vamos proceder à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, do MDP/CDE, da UEDS e da ASDI e votos contra do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Foi apresentada uma proposta de aditamento a este artigo que inclui um inciso entre a palavra «ideológicas» e a expressão «desde que tais infracções». Esse inciso diz: «com a consequente extinção de penas já aplicadas».
Está em discussão.

Pausa.

Visto não haver pedidos de palavra, vamos proceder à votação desta proposta de aditamento.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PCP, do MDP/CDE, da UEDS e da ASDI e votos contra do PSD e do CDS.

Vai ser lido o artigo 2.º

Foi lido. É o seguinte:

A presente amnistia aplica-se apenas às infracções disciplinares verificadas desde a entrada em vigor da Constituição da República.

1 SÉRIE - NÚMERO 93

O Sr. Presidente: -Está em discussão, Srs. Deputados.

Pausa.

Vamos proceder à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP do MDP/CDE, da UEDS e da ASDI, e votos contra do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais artigos para submeter à votação. Vamos, portanto, proceder à votação final global deste projecto de lei.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, do MDP/CDE, da UEDS e da ASDI, e votos contra do PSD e do CDS.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não foi por acaso que a minha bancada manteve o silêncio até este momento. Nós temos bem presente o que aconteceu em 1982 a propósito de uma iniciativa legislativa similar e temos presente, também as crispações - a todo o título intoleráveis - que ocorreram nesta Câmara em Fevereiro último aquando da primeira apreciação do projecto de lei da UEDS.

O Sr. João Abrantes (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E, para que não surgisse nenhuma nova manobra dilatória, deixámos expirar as votações, produzindo, ainda dentro do tempo parlamentar disponível esta intervenção, em sede de declaração de voto, para sinalizar concretamente o seguinte e só o seguinte: entendemos que se trata de uma iniciativa justa, tendente a resolver algumas situações de injustiça flagrante, meramente pontuais, que acolhia hoje, como no passado acolheu, o nosso apoio.
Mas entendemos também que se este projecto de lei era necessário, não era, apesar de tudo, suficiente, bastante - nem isso estava nos seus objectivos - para repor a legalidade na comunicação social, para a reconduzir ao perfil que a Constituição da República lhe estabelece, designadamente no respeito pela gestão democrática e pela regra do pluralismo, constantemente deturpada em favor dos partidos tio poder, que repartem cargos a bel talante e promovem, como muito bem querem, as personalidades que pensam dever conduzir, alçapremar, alcatruzar aos órgãos superiores do Estado mas que, naturalmente, não têm, não terão, como se verificará, o sufrágio popular. Refiro-me, sobretudo, como é óbvio, à RTP, feita ponto de partida para a candidatura do Dr. Soares e feita, naturalmente, local de encontro de toda a espécie de selvajarias no domínio da informação neste país.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Gostaria de sinalizar, ademais, em nome da bancada do PCP, que a aprovação do projecto da UEDS suscita em nós um merecido, legítimo e atempado júbilo pela circunstância de ter permitido, com uma composição que é a que se conhece numa

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19 DE JUNHO DE 1985

Assembleia moribunda, ainda agir de forma a colmatar uma brecha e proceder à reparação de uma grave injustiça ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... , assim se adiantando passos para aquilo que verdadeiramente urge, ou seja, o reconsiderar de toda a questão, em profundidade e em extensão, tendo em vista conseguir, no Portugal democrático, que a informação, faça-se ela na RTP, na RDP ou nos jornais estatizados, não continue à revelia da lei, a reger-se por critérios que nada têm a ver com os da lei fundamental que nos governa.
Este nosso júbilo é, pois, um júbilo de combate, uma vez que não descansaremos enquanto não obtivermos dos órgãos do poder, e designadamente deste, que é a instância legisderadora da República, os diplomas necessários e indispensáveis para que a democracia triunfe sobre o atropelo, sobre o livre alvedrio da má fé, a má consciência e a torpitude na acção política quotidiana.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Igrejas Caeiro.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista congratula-se por finalmente ter sido transformado em lei o projecto de lei apresentado pela UEDS em 1983.
Seria, em princípio, apenas um acto de clemência que nos honra. Mas, em muitos casos, é um acto de reparação, é um acto de justiça. E é pena que nesta Assembleia não se tenha conseguido desta vez, como tantas outras vezes tem acontecido, a unanimidade. Aqueles que se dizem cristãos esquecem afinal um acto de clemência cristão. Nós que talvez não nos apregoemos tanto cristãos acabamos de praticar um acto puro de cristianismo, e mais: de inteira justiça, e por isso o Partido Socialista se congratula por todos aqueles que venham a beneficiar desta amnistia possam exactamente pensar que a democracia está viva.

Aplausos do PS.

Pausa.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, é simplesmente para, em breves palavras, interpelar a Mesa e dizer que felizmente não estamos num Estado teocrático para, em nome de Deus e de Alá, começarmos as nossas declarações.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Não é de Alá, é de Acá.

Risos.

Naturalmente que a amnistia é um acto político de uma Assembleia política de um Estado laico que se preza de ser democrático, que se quer um Estado de

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direito e que quer que as suas leis sejam válidas, sejam respeitadas e tenham merecimento, como esta lei também vai por certo merecer.

Naturalmente que nos congratulamos, com aqueles que poderem ser realmente amnistiados devido à injustiça sofrida, pela exorbitância do poder disciplinar e que possam vir a ser reintegrados em virtude desta lei. Naturalmente que merecem o nosso grande abraço e também o nosso sincero desejo de que continuem a servir a pluralidade das opiniões e não apenas as suas.

Mas não era isto que estava em causa. O que estava em causa, e já foi votado, é um projecto de lei desta Assembleia que, possivelmente, virá a ser uma lei mas que ainda não é. Assim, o que desejamos é que as amnistias sejam realmente amnistias para o bem da República e para o bem daqueles que foram injustamente sentenciados.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso, também para uma declaração de voto.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É evidente que estou de acordo com a introdução do Sr. Deputado Narana Coissoró. Diria apenas que o laicismo não é incompatível com a justiça; pelo contrário, penso que a justiça e o seu princípio fazem parte integrante do laicismo. No fundo, o que aqui se tratou foi de fazer justiça e a UEDS, autora do projecto-lei que hoje pertence a esta Assembleia sob a forma de decreto, congratula-se com este resultado. Foi um esforço conduzido ao longo de 2 anos, com persistência para que justiça fosse feita. Justiça foi feita pela Assembleia da República e isso compensa-nos de muitas desilusões, de muitos esforços e de muitos trabalhos que desenvolvemos nesta Assembleia. Creio, pois, que estamos todos de parabéns porque esta Assembleia fez justiça, e era isso que há 2 anos estava em causa.

O Sr. Presidente: - Ainda para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Branquinho.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSP): - Sr. Presidente, é pena que desta forma enviesada se tenha de fazer justiça, para pegar nas palavras que disseram os Srs. Deputados anteriores. Mas assim seja. Ao menos que esta lei, contra a qual votámos contra - e assumimos o porquê de votarmos contra -, sirva para alertar os poderes públicos, e nomeadamente aqueles que estão à sua frente, para que, de facto, de uma vez para sempre, a comunicação social em Portugal seja isenta e consiga abstrair-se e passar por cima de todas as influências nefastas que os partidos políticos portugueses têm exercido sobre ela e que situações como aquela que ainda há pouco relatei, em que o Presidente da RTP, pela força que esse órgão da comunicação social tem, ameaça coercivamente, com processos disciplinares, os trabalhadores de uma empresa, não se voltem a repetir.

É pena que tenha de ser através desta forma enviesada, através de actos de amnistia desta Assembleia que essa situação legal ou de justiça se venha a verificar.

0 Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

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I SÉRIE - NÚMERO 93

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, embora não respeitando a ordem por que deveríamos proceder a esta verificação, queria ainda pôr à vossa consideração a aprovação dos Diários da Assembleia da República, 1.ª série, n.ºs 83, 84, 85 e 86, respeitantes, respectivamente, às reuniões plenárias de 21, 23, 24 e 28 de Maio findo.
Se não houvesse qualquer objecção, daria como aprovados esses Diários.
Como não há objecções, considero-os aprovados.
Ainda, por questões de urgência, há duas votações a realizar.
Uma, respeita a um pedido da Comissão Eventual para Apreciação e Votação na Especialidade dos Projectos de Lei, referentes à associação de estudantes, e que é o seguinte:

Não tendo a Comissão Eventual para Apreciação e Votação na Especialidade dos projectos de lei referentes à associação de estudantes concluído os seus trabalhos dentro do prazo que lhe fora estipulado em 2 de Abril findo, solicito a V. Ex.ª ao abrigo do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 43/77, e n.º 3 do artigo 254.º do Regimento da Assembleia da República, a prorrogação do referido prazo por mais 60 dias.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do MDP/CDE e com a abstenção do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, as razões da nossa abstenção são quase óbvias: não faz sentido nenhum, em nosso entender, pedir uma prorrogação, por prazo de 60 dias, lida como foi há pouco no Plenário a mensagem que V. Ex.ª leu.

O Sr. Presidente: - Tem toda a razão, Sr. Deputado.
Levo ainda ao conhecimento da Câmara o seguinte parecer:

De acordo com o solicitado no ofício n.º 744, Processo n.º 226/85, 2.ª Secção do 4.º Juízo Correccional da Comarca de Lisboa, datado de 17 de Maio último, enviado ao Sr. Presidente da Assembleia da República, acerca dos Srs. Deputados Joaquim Jorge Saraiva da Mota e António César Gouveia de Oliveira, comunico a V. Ex.ª que esta Comissão Parlamentar deliberou emitir parecer no sentido de autorizar os referidos Srs. Deputados a prestarem declarações, como testemunhas, no processo em causa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço o sacrifício de aguardarem um pouco mais para ver se consigo que me seja fornecida a ordem de trabalhos da sessão da próxima quinta-feira.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, pela nossa parte dispensávamos aguardar a leitura da ordem de trabalhos da próxima reunião e fazíamos confiança na conferência de líderes e em V. Ex.ª

O Sr. Presidente: - Se todos os outros deputados estiverem de acordo.
Penso que se inicia às 10 horas, com período antes da ordem do dia, e do período da ordem do dia consta a fixação, pelo MDP/CDE, da Lei de Bases do Sistema Educativo e com os tempos que, aliás, já tinham sido acordados e que são os seguintes: PS: 45 minutos; PSD: 40 minutos; PCP: 35 minutos; CDS: 30 minutos; MDP/CDE: 45 minutos; UEDS: 20 minutos; ASDI: 20 minutos; Governo: 45 minutos. (Com, aliás, objecção do PSD quanto à sua fixação.)

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, nada mais havendo a esclarecer, declaro encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 10 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Dinis Manuel Pedro Alves.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
João Rosado Correia.
José Luís Diogo Preza.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Nelson Pereira Ramos.
Paulo Manuel Barros Barral.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio Gaspar Rodrigues.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Cecília Pita Catarino.
Domingos Duarte Lima.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José da Costa.
Gaspar de Castro Pacheco.
João Maurício Fernando Salgueiro.
Joaquim Eduardo Gomes.
José Adriano Gago Vitorino.
Manuel Ferreira Martins.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Rui Manuel de Oliveira Costa.

Partido Comunista Português (PCP):

António Guilherme Branco Gonzalez.
Luís Francisco Rebelo.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Paulo Areosa Feio.

Centro Democrático Social (CDS):

Hernâni Torres Moutinho.

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Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Alberto Rodrigues Ferreira Camboa.
Almerindo da Silva Marques.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
Bento Elísio de Azevedo.
Joaquim Manuel Ribeiro Arenga.
Jorge Lacão Costa.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria Helena Valente Rosa.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Teófilo Carvalho dos Santos.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
António Augusto Lacerda de Queiroz.
Francisco Jardim Ramos.
José António Valério do Couto.
José Pereira Lopes.
José Vargas Bulcão.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Pereira.
Mário Júlio Montalvão Machado.

Partido Comunista Português (PCP):

António Dias Lourenço.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Domingos Abrantes Ferreira.
Georgete de Oliveira Ferreira.
João António Torrinhas Paulo.
Joaquim António Miranda da Silva.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Rodrigues Vitoriano.
Lino Carvalho de Lima.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Margarida Tengarrinha.
Zita Maria Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):
António Gomes de Pinho.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João Gomes de Abreu Lima.
Joaquim Rocha dos Santos.
José António Morais Sarmento Moniz.
José Luís Nogueira de Brito.
José Vieira de Carvalho.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.

Relatório e Parecer da Comissão de Regimento e Mandatos

Em reunião realizada no dia 18 de Junho de 1985, pelas 15 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:

Solicitada pelo Partido Socialista:

Eurico Faustino Correia (círculo eleitoral de Faro) por Ferdinando Lourenço de Gouveia. Esta substituição é pedida para os dias 24 de Junho corrente a 14 de Julho próximo, inclusive.

Solicitada pelo Partido Comunista Português:

Octávio Floriano Rodrigues Pato (círculo eleitoral de Lisboa) por Luís Francisco Correia Mendes Rebelo. Esta substituição é pedida para os dias 17 de Junho corrente a 1 de Julho próximo, inclusive.

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.
A Comissão: Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Vice-Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - José Manuel Nisa Antunes Mendes (PS) - José Maria Roque Lino (PS) Luís Silvério Gonçalves Saias (PS) - Rui Monteiro Picciochi (PS) Teófilo Carvalho dos Santos (PS) Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Maria Margarida Salema Moura Ribeiro (PSD) - João António Gonçalves do Amaral (PCP) - João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE) António Poppe Lopes Cardoso (UEDS).

OS REDACTORES: José Diogo - Ana Maria Marques da Cruz.

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Depósito legal n.º 8818/85 - PREÇO DESTE NÚMERO 120$00

Imprensa Nacional - Casa da Moeda, E. P.

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