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I Série - Número 94

Sexta-feira, 21 de Junho de 1985

DIÁRIO

da Assembleia da República

III LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1984-1985)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 20 DE JUNHO DE 1985

Presidente: Ex.º Sr. Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca

Secretários: Ex.ºs Srs. Leonel de Sousa Fadigas
António Roleira Marinho
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira

SUMARIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 30 minutos.

Antes de ordem do dia. - Em intervenção, o Sr. Deputado Fernando de Sousa (PS) referiu-se à situação da educação em Portugal e particularmente da necessidade de implementar uma disciplina de Educação Cívica no ensino secundário. No fim respondeu a pedidos de esclarecimento solicitados pelo Sr. Deputado José Augusto Seabra (PSD).

Em intervenção, o Sr. Deputado Reis Borges/PS) deu conta de algumas recomendações aprovadas no Encontro Nacional de Trabalhadores da Rodoviária Nacional, realizado em Monte Real, e apontou a necessidade da criação de uma lei quadro de orientação do transporte interior.

Em intervenção, o Sr. Deputado Armando Vara (PS) referiu-se aos problemas levantados pela pesca do lagostim de água doce existente no rio Angueira, nos concelhos de Vimioso e Miranda do Douro, e à reunião havida entre as Câmaras Municipais, os clubes de caça e pesca e as juntas de freguesia destes concelhos e um representante dos serviços de caça e pesca, numa tentativa para conjugar esforços a fim de combater estes problemas.
Em intervenção, a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura (MDP/CDE) deu conta de um abaixo-assinado da Escola Secundária de Lagos, que lhe foi enviado, referindo o facto de a Guarda Nacional Republicana ter sido mandada às escolas no dia 14 de Maio de 1985, em que havia sido decretada uma greve, paro se informar sobre o grau de adesão dos professores desta escola. No final, respondeu o pedidos de esclarecimento dos Srs. Depurados Neiva Correia (CDS) e José Lelo (PS).

Em intervenção, o Sr. Deputado Horácio Marçal (CDS) referiu-se às comemorações do Dia de Portugal em Newark, estado de Nova Jérsia, nos Estados Unidos da América, levadas a cabo pela comunidade portuguesa ai radicada.
Ainda em intervenção, o Sr. Deputado José Vitorino (PSD) teceu críticas ao teor da Portaria n.º 269/85, publicada na sequência da Portaria n.º 703/82, de 16 de Julho, que proíbe o trânsito de automóveis pesados de mercadorias, tractores e seus reboques ou semi-reboques e máquinas, nos itinerários principais aos domingos e feriados entre as 6 horas e as 24 horas e ainda aos sábados no período compreendido entre as 14 horas e as 22 horas. No fim respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Depurados César Oliveira/UEDS) e Neiva Correia (CDS).
Em declaração política, o Sr. Deputado Carlos Brito (PCP) deu conto das conclusões surtias da reunião do Comité Centra! do PCP,

realizada no dia 18 de Junho, relativas às posições a tomar para ultrapassar a presente crise governamental e teceu críticas à actuação do Governo.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Raul Castro (MDP/CDE) teceu críticas ao Governo e referiu a posição do seu partido com vista a ultrapassar a crise governamental. No final respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado César Oliveira (UEDS).
Ordem do dia. - Foi discutido na generalidade o projecto de lei n.º I70/III - Lei de bases do sistema educativo, apresentado pelo MDP/CDE, que não exerceu o direito regimental de requerer a sua votação, Intervieram, a diverso título, os Srs. Depurados Helena Cidade Moura (MDP/CDE). Agostinho Domingues (PS), Zita Seabra (PCP), Jorge Góis (CDS), Francisco Pessegueiro (UEDS), Lemos Damião (PSD), Luísa Cachado (PCP), João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE). Narana Coissoró (CDS), Jorge Patrício (PCP) e Conceição Quintas (PS):
Foi ainda aprovado um voto de pesar petas vítimas do acidente ocorrido nas minas do Pejão, na qual se solicita ao Governo um inquérito para apurar as causas e as responsabilidades de tal acidente.

O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 17 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: -- Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Abílio Aleixo Curto.
Agostinho de Jesus Domingues.
Américo Albino da Silva Salteiro,
António Cândido Miranda Macedo.
António Domingues Azevedo.,
António Frederico Vieira de Moura.
António do Manuel do Carmo Saleiro.
Armando António Martins Vara.
Beatriz Almeida Cal Brandão.

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Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Luís Filipe Gracias.
Edmundo Pedro.
Ferdinando Lourenço Gouveia.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto Hãndel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Joaquim Gomes.
João do Nascimento Gama Guerra.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José de Almeida Valente.
José António Borja dos Reis Borges.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José da Cunha e Sá.
José Luís do Amaral Nunes.
José Luís Diogo Preza.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José olaria Roque Lino.
José Martins Pires.
Leonel de Sousa Fadigas.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Fontes Orvalho.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Ângela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Nelson Pereira Ramos.
Paulo Manuel Barros Barral.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Hugo Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Agostinho Correia Branquinho.
Alberto Augusto Faria dos Santos.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Cecília Pita Catarino.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Eleutério Manuel Alves.
Gaspar de Castro Pacheco.
, Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Pedro de Barros.
José Adriano Gago Vitorino.
José de Almeida Cesário.
José António Valério do Couto.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Augusto Seabra.
José Luís de Figueiredo Lopes.
José Mário de Lemos Damião.
José Silva Domingos.
Leonel Santa Rita Pires.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
José António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Margarida Tengarrinha.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Areosa Feio.
Zita Maria Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Alexandre Carvalho Reigoto.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
Basílio Adolfo Mendonça Horta Franca.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João Carlos Dias Coutinho Lencastre.
José António Morais Sarmento Moniz.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Corregedor da Fonseca.
Helena Cidade Moura.
Raul Morais e Castro.

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Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António César Gouveia de Oliveira.
António Poppe Lopes Cardoso.
Francisco Alexandre Pessegueiro.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se à leitura dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Roleira Marinho): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, nas últimas sessões deram entrada na Mesa os seguintes requerimentos: no dia 18 de Junho de 1985, ao Ministério da Administração Interna, formulado pelos Srs. Deputados João Amaral e João Abrantes; à Câmara Municipal de Ferreira do Alentejo, formulado pelo Sr. Deputado António Gonzalez; às Direcções-Gerais dos Cuidados de Saúde Primários e dos Assuntos Farmacêuticos, formulado pelos Srs. Deputados José de Magalhães e Vidigal Amaro; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado Figueiredo Lopes; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Armando Vara e outros.
O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: António Mota, nas sessões de 15 de Março e 25 de Janeiro; Manuel Lopes, na sessão de 24 de Maio; Cardoso Ferreira, na sessão de 5 de Junho; Magalhães Mota, nas sessões de 3 de Abril e 18 de Julho, 18 de Dezembro e 14 de Maio; Mário Prudêncio, na sessão de 26 de Julho; João Amaral, na sessão de 13 de Novembro; António Gonzalez, na sessão de 13 de Março; João Paulo e outros, na sessão de 14 de Março; Vilhena de Carvalho, na sessão de 28 de Março; Paulo Areosa e outros, na sessão de 2 de Maio; José Vitorino, na sessão de 3 de Maio; Soares Cruz, na sessão de 9 de Maio; Joaquim Miranda, na sessão de 16 de Maio.

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai agora anunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Roleira Marinho): - Proposta de lei n.º 108/III, relativa à cooperação financeira com a República Federal da Alemanha, isto é, autorização para celebração de acordos com o país atrás citado até ao montante de 90 milhões de marcos, que foi admitido e baixou à 5. V Comissão; e projecto de lei n.º 525/III, apresentado pela Sr.ª Deputada Odete Santos e outros, do Partido Comunista Português, que propõe a criação da freguesia do Vale da Amoreira do Concelho da Moita. Foi admitido e baixou à 10.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Para declarações políticas estão inscritos os Srs. Deputados Carlos Brito e Raul Castro. Neste momento, os Srs. Deputados acima mencionados não estão presentes no Plenário, pelo que vamos iniciar as intervenções, voltando depois às declarações políticas.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O actual Governo considerou, no domínio da Educação, como altamente prioritária, a implementação de uma estrutura de ensino profissional, ao nível secundário, com o objectivo de satisfazer as necessidades do País em mão-de-obra qualificada e aumentar as possibilidades de emprego para jovens.
Iniciativa que importa registar uma vez que corresponde às necessidades e à expectativa do desenvolvimento sócio-económico do País.
A escola pública tem de estar atenta à batalha do progresso e da modernização, a fim de preparar técnica e profissionalmente os adultos que vão garantir a passagem do século XX para o século XXI.

Mas a escola, enquanto preparação para a vida, não pode apenas formar profissionais.

Deve também, e prioritariamente, preparar cidadãos, educar as crianças e os adolescentes para a liberdade, para a vida numa sociedade democrática.
A educação para a produção, como escreveu Vitorino Magalhães Godinho, é correlativa da educação para a democracia.
A escola, enquanto agente de socialização - entendendo-se obviamente, por socialização o «processo pelo qual o indivíduo, no decurso da sua génese pessoal interioriza e incorpora os modelos da cultura em que se integra» -,tem uma responsabilidade única na formação dos cidadãos e na consolidação da democracia, porque os valores da escola pública têm de ser sempre, obrigatoriamente, os valores democráticos.
A democracia não é apenas um sistema que permite eleger, substituir e controlar os responsáveis pelos órgãos políticos. A democracia é também uma atitude que deve animar as relações entre os cidadãos.
O que está em causa não é só o Estado democrático, é também a sociedade democrática.
Não se trata de saber tão-só, como é que a autoridade se adquire, mas igualmente de conhecer como é que a autoridade se exerce.

Torna-se, assim, necessário criar estruturas que permitam aos cidadãos participar na gestão da sociedade, a começar, naturalmente, pela escola.
A educação cívica para os alunos, ou seja, a formação do indivíduo, em ordem à compreensão das estruturas sócio-políticas às quais pertence e nas quais participa, começa, naturalmente, com a instauração da democracia na escola.

António Sérgio, o primeiro e praticamente o único pensador nacional a tratar da educação cívica, escreveu que a albarda da resignação e da passividade dos cidadãos se adquire nas escolas. Não se poderão formar atitudes tolerantes, de participação crítica, responsáveis e altruístas, em escolas autoritárias, hierarquizadas, uma vez que a experiência quotidiana tem mais efeito sobre a efectividade dos jovens que as palavras.
Isto não quer dizer que a atmosfera, o ambiente da escola garanta, por si só, toda uma série de atitudes e de princípios cívicos. Mas, sem tal atitude, falharão todas as tentativas para a implantação de uma socialização democrática.

Para além desta educação social e cívica indirecta importa criar, como última etapa da socialização democrática dos adolescentes, a educação cívica directa.

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As sociedades contemporâneas são muito complexas. Exigem uma formação especial não só para se compreender a sua organização, a sua estrutura e funcionamento, mas também para se adquirir as competências e os conhecimentos necessários a uma cidadania activa e responsável.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Muito bem !

O Orador: - Daí a obrigação que as escolas têm de oferecer aos seus alunos uma sólida educação cívico-política e elevar os seus conhecimentos, neste domínio, ao mesmo nível que os restantes conhecimentos humanistas ou científicos.
Sempre que se fazem esforços para introduzir a educação cívica nas escolas, verifica-se que este tema, regra geral, é visto como um assunto de importância secundária. Tal atitude deve-se ao facto de, na prática, ser difícil fixar os objectivos afectivos e ligados ao comportamento, e ainda mais difícil, encontrar os meios adequados para atingir e avaliar os mesmos.
As escolas, tradicionalmente habituadas a ocupar-se de temas académicos e intelectuais, sentem-se um pouco embaraçadas ao abordar outros aspectos do desenvolvimento da personalidade do jovem.
A educação cívica é assim considerada, em todos os países em que foi introduzida, como uma disciplina inferior e até contendo um certo risco, uma fonte de conflitos potenciais, enfim, uma matéria difícil de ensinar.
Sem menosprezar tais riscos, a verdade é que tudo melhora desde que os professores encarregados de tal disciplina obtenham previamente uma boa formação nos assuntos a tratar, desde que se confira à Educação Cívica o mesmo estatuto científico e educativo dado a outras disciplinas, e ainda, desde que a disciplina seja autónoma, com tempos próprios, os seus objectivos e conteúdos bem definidos, e apresente uma metodologia rigorosa, sem esquecer o clima democrático que deve existir na escola.
É igualmente muito importante apresentar a Educação Cívica de modo que os jovens a considerem atraente e interessante. O aluno não aprende, facilmente, aquilo que o não motiva. No caso da Educação Cívica, isto é ainda mais verdadeiro, na medida em que são ensinados temas que visam modificar as atitudes do aluno, podendo o desinteresse provocado numa turma não motivada, ser transferido para a disciplina em causa.
Para evitar tal perigo, importa tratar os problemas da vida real, apropriados a cada grupo de idades, e que sejam familiares aos alunos.
A Educação Cívica deve compreender o conhecimento e valorização dos elementos estruturais e culturais da comunidade - história, geografia, economia, organização política e social, etc. -, a formação de uma consciência cívica, feita de princípios, sentimentos e atitudes, que vão desde a solidariedade ao respeito das pessoas e valores, à defesa e luta dos direitos e liberdade de todos, e ainda, o exercício da vida cívica no desempenho das funções que competem a cada um.
A Educação Cívica deve cultivar nos jovens as virtudes que fundamentam uma sociedade civilizada e democrática, desde a busca da verdade e a confiança nas potencialidades humanas, ao respeito de si próprio e dos outros, passando pelo espírito de solidariedade e de cooperação, e recusa firme do racismo, o reconhe-

cimento do sentido universal de todas as culturas, o amor da Pátria.

Os programas da Educação Cívica, divididos em várias fases, devem cobrir um vasto leque de temas, desde o ensino primário até aos últimos anos do ensino secundário.
Numa primeira fase, deve consistir na aprendizagem das regras fundamentais da vida em sociedade, sem esquecer os símbolos da República Portuguesa, as noções de pessoa, propriedade e contrato, a unidade e identidade nacional, o direito de voto e o sufrágio universal, e ainda os problemas sociais e ecológicos.

Numa segunda fase, poderiam estudar-se a Declaração Universal dos Direitos do Homem, as liberdades e os direitos, as instituições portuguesas e internacionais, a nossa Constituição, a organização administrativa da República, as práticas sociais, o papel de Portugal na Europa e no Mundo, sem esquecer as forças armadas e a defesa nacional, enfim, a solidariedade entre os povos, os grandes problemas do nosso mundo contemporâneo, etc.

Na maior parte dos países ocidentais existem cursos de educação cívica nos primeiros anos do programa secundário (11 anos aos 14 anos), idade considerada como a mais receptiva para começar a tratar estes assuntos.
Em Portugal, deixando de lado algumas experiências bem interessantes dos finais do século XIX e do tempo da I República, após a revolução de 25 de Abril, no ano escolar de 1975-1976, procedeu-se à introdução experimental de um curso de Educação Cívica.

O governo de então, teoricamente preocupado com a preparação dos jovens para a democracia, introduziu as ciências sociais nos programas do 7.º ano de escolaridade, o último ano de escolaridade obrigatória.

Esta disciplina procurava sensibilizar os alunos para os problemas da colectividade - visitas a fábricas, contactos com os trabalhadores, estudo do património cultural, etc. - e levar os alunos a pensar em soluções possíveis para tais problemas, utilizando, para tal, os conhecimentos adquiridos no programa escolar, com vista a uma integração multidisciplinar dinâmica e criativa.

Ao mesmo tempo, os cursos complementares da chamada «Introdução à Política» com a duração de 2 anos, apresentavam como objecto de estudo as principais ideologias políticas e a Constituição Portuguesa.
As duas disciplinas visavam à formação democrática dos jovens, uma tratando-a a partir de dados concretos da realidade, a outra através de um estudo de cultura política.

A planificação, teoricamente inovadora, não impediu que, passados 3 anos, estas cadeiras fossem abandonadas.

As causas de tal fracasso foram numerosas e complexas, desde as dificuldades que sempre se encontram quando se inova a prática, até à falta de textos de apoio e de recursos escolares para estes programas, assim como uma inadequada formação dos educadores, aliada a uma forte vontade de proselitismo político manifestada por certos professores, o que veio a provocar, naturalmente, as reacções hostis dos pais dos alunos e dos próprios alunos.

Assim, não é de surpreender que tal projecto tenha fracassado, numa sociedade então profundamente marcada e agitada pelos anos de ditadura e da sua queda.

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O Sr. Lemos Damião (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não se abandonou, porém, em Portugal, o projecto da formação democrática dos jovens. Alguns aspectos da Educação Cívica foram incluídos nos programas de História, Direito, Sociologia, Economia e Filosofia, à espera de melhores dias, até se repensar a Educação Cívica.
E, efectivamente, tal veio a acontecer em 1984, quando o Ministro da Educação de então criou uma Comissão de Estudo para se pronunciar sobre o lançamento da disciplina de Educação Cívica.
Com base nos trabalhos desta Comissão, o Ministério da Educação definiu a Educação Cívica como uma disciplina autónoma e obrigatória, do 1. º ano do ensino preparatório ao 11.º ano do ensino secundário unificado, revestindo-se a sua leccionação de um carácter interdisciplinar e pluridisciplinar, visando-se, assim, obter o empenhamento de toda a comunidade escolar.
Foi ainda criado um grupo de trabalho encarregado de apresentar propostas concretas sobre os programas e o perfil do professor da disciplina de Educação Cívica, de forma a viabilizar-se o seu funcionamento em Outubro de 1985, como experiência limitada a algumas escolas.
A substituição da equipa responsável pelo Ministério da Educação levou à suspensão dos trabalhos em curso, não tendo sido dada, até ao momento, qualquer explicação para a decisão tomada.
Sem procurarmos adivinhar as razões de tal atitude, gostaríamos de lembrar, quanto à objecção habitual de que os programas se encontram já sobrecarregados, que essa foi a resposta do século XIX as propostas tendentes à introdução, nas escolas de então, do ensino da ciência, e ainda, que o alargamento contínuo dos programas, no sentido de contemplar os domínios essenciais da experiência humana representa um sinal de progresso.
E quanto à desculpa várias vezes apontada das dificuldades económicas decorrentes da recessão que nos afecta, no sentido de impedir o lançamento da disciplina de Educação Cívica, nós gostaríamos de responder que tal desculpa escamoteia, regra geral, o conservadorismo de alguns funcionários e de responsáveis pela educação em Portugal, que mantêm intactos os hábitos rotineiros herdados do anterior regime político.
Numa altura em que Portugal vai entrar para o Mercado Comum, é preciso, urgentemente, renovar os esforços tendentes à introdução da Educação Cívica nos nossos programas escolares, a fim de permitir a socialização democrática dos adolescentes, no sentido da tolerância, da aceitação da diversidade na sociedade, da responsabilidade, da vontade criadora, da dignidade da cidadania.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É preciso fornecer armas intelectuais aos nossos jovens, para que eles saibam resistir aos inimigos do sistema democrático, para que eles possam, finalmente, encontrar caminhos novos de participação e consolidação da democracia portuguesa.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Reis Borges.

O Sr. José Augusto Seabra (PSD): - Sr. Presidente, desculpe mas eu tinha pedido a palavra.

O Sr. Presidente: - Desculpe, Sr. Deputado, mas a Mesa não tinha visto V. Ex.ª formular o pedido. Sr. Deputado, para que efeito pretende intervir?

O Sr. José Augusto Seabra (PSD): - É para formular pedidos de esclarecimento, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Reis Borges, queira V. Ex.ª desculpar mas, esclarecido este lapso, vou dar a palavra ao Sr. Deputado José Augusto Seabra.

O Sr. José Augusto Seabra (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Saudando a intervenção do Sr. Deputado Fernando de Sousa como a expressão de uma posição cívica eminentemente democrática, não poderia deixar de lhe pedir um esclarecimento acerca de uma afirmação de que ele na sua intervenção se fez eco e que, de certo modo, me preocupa.

É que, de facto, decidi, enquanto Ministro da Educação, criar á disciplina de Educação Cívica como uma das prioridades numa mutação da pedagogia portuguesa, inspirando-me essencialmente em António Sérgio, cujo livro, Educação Cívica, foi reeditado pelo Ministério da Educação, com um prefácio do Prof. Doutor Vitorino Magalhães Godinho. Fi-lo, justamente, para mostrar que no pós-25 de Abril deveríamos realizar aquilo por que Sérgio se bateu na I República e que foi secundarizado durante o Estado Novo.

Acabo de ouvir da parte do Sr. Deputado a notícia de que, desde a renovação do Governo, no âmbito do Ministério da Educação, os trabalhos da Comissão criada foram paralisados. Aliás, o Sr. Deputado Fernando de Sousa foi um dos que deu o contributo para que essa disciplina fosse estruturada com cabeça, tronco e membros, isto é, com um programa, uma sequência curricular e também mediante professores com um perfil que fosse adequado a essa disciplina.

Para esclarecer esta Assembleia da República, gostaria que o Sr. Deputado Fernando de Sousa me desse mais elementos a respeito da informação que ele próprio veiculou.

Queria salientar, aliás, que isso é tanto mais importante, quanto, entrando nós, em breve, na Comunidade Económica Europeia, que tem também instituições políticas adequadas, em que os deputados portugueses vão estar representados, será bom que encaremos o problema da educação cívica na perspectiva de uma educação cívica europeia.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A esse respeito, a secção portuguesa da Associação Europeia de Professores, de que me honro de fazer parte, já enveredou por um espírito de cooperação com as suas congéneres dos diferentes países da Europa, para se integrar dentro de um movimento que tem hoje uma enorme importância e que se traduz, por exemplo, em França, pela medida do Ministro Chevènement, ao ter decidido voltar mesmo a uma disciplina, não apenas de educação, mas de instrução cívica..

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Por isso agradeço ao Sr. Deputado que no dê alguma luz a esse respeito.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PSD): - Sr. Deputado José Augusto Seabra, muito obrigado pelas suas palavras e pela sua questão. No entanto, a verdade é que não tenho muito mais a acrescentar àquilo que disse. Efectivamente, depois da tomada de posse desta nova equipa no Ministério da Educação, sabemos apenas que os elementos que integravam a Comissão encarregada de preparar o lançamento da disciplina de Educação Cívica no próximo ano, com carácter experimental, portanto, circunscrito simplesmente e para já a algumas escolas, nunca mais foram convocados. Daí que, para já, este projecto do lançamento da Educação Cívica está morto.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Reis Borges.

O Sr. Reis Borges (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A organização e o desenvolvimento da Rodoviária Nacional foram objecto de reflexão séria por parte de um conjunto de trabalhadores da empresa em Encontro Nacional realizado, em Monte Real, no último fim-de-semana. A necessidade de serem repensados os objectivos da RN enquanto elemento interventor, de dimensão nacional, numa política de transportes; a escolha das mais adequadas vias de desenvolvimento empresarial permitindo uma verdadeira consolidação da empresa e das suas subsidiárias para as quais se reclamam mecanismos mais aperfeiçoados de controle e fiscalização; a expansão e regionalização de serviços na cobertura selectiva do território e em consonância com o respectivo ordenamento; a reivindicação de uma legislação que permita a reforma aos 60 anos dos motoristas e de outros profissionais, cujas condições de dureza de trabalho o justifiquem, constituíram, pois, algumas das recomendações aprovadas, as quais, pela sua relevância, não deixarão de merecer - estou certo disso - a devida atenção das entidades tutelares.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há pouco tempo foi celebrado um acordo de gestão, ou talvez com mais propriedade um acordo de empresa, entre o Governo e a RN. Algumas cláusulas terão então gerado certa controvérsia. Havia, para alguns, até a sensação de que se procurava um desmantelamento de qualquer modo, sem uma coerência, pelo menos, visível. Não terá sido assim um verdadeiro contrato de progresso.

Todavia, estou certo que o controle de execução de tal acordo permitirá extrair as convenientes ilações por forma a alterarem-se rumos, se for caso disso. Volto no entanto a insistir com o que já tenho afirmado em intervenções anteriores: sem uma verdadeira lei quadro de orientação do transporte interior será muito difícil a visão sistémica, condição indispensável para a harmoniosa coordenação dos diferentes operadores muito especificamente da RN e da CP.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.

O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pretendo, com esta breve intervenção, trazer ao conhecimento de VV. Ex.ª uma questão que vem preocupando a população e autoridades do meu distrito e que, pesem embora os esforços já desenvolvidos nomeadamente pela autarquias envolvidas, não foi ainda objecto de uma resolução definitiva.
Refiro-me aos problemas levantados à volta da pesca do lagostim de água doce existente no rio Angueira nos concelhos de Vimioso e Miranda do Douro.
Há alguns meses esta questão ultrapassou o foro local para merecer honras da imprensa nacional em virtude dos incidentes com pescadores furtivos espanhóis que culminaram com cenas de tiros, felizmente sem gravidade de maior, mas trazendo ao de cima uma situação que a não ser resolvida eficazmente poderá conduzir a incidentes de maior gravidade com reflexos no relacionamento entre as populações fronteiriças.
Por outro lado, a manter-se a actual situação, corre-se o risco de completa extinção desta espécie o que acarretaria graves prejuízos para as populações da região, e não só, e disso têm consciência as entidades que superintendem neste sector dado que a sua pesca esteve proibida alguns anos com o intuito de permitir o seu normal repovoamento.

Também há alguns meses o Sr. Deputado Magalhães Mota, em requerimento ao Ministério da Agricultura, manifestava preocupação pelo risco de extinção deste crustáceo, solicitando informações sobre medidas de protecção e repovoamento.
u0 lagostim de água doce é, actualmente, muito procurado, atinge altos preços e é fácil de capturar», lê-se na resposta então dada pela Direcção-Geral das Florestas ao referido requerimento. «De uma curiosidade local ainda há poucas décadas, tornou-se um crustáceo altamente procurado, sobretudo em Trás-os-Montes. A excessiva intensidade da sua pesca, quase sempre feita por métodos proibidos em toda a Europa, aliada ao quase generalizado desrespeito pelas já insuficientes disposições legais de protecção à espécie, tem tido como resultado uma rarefacção das populações, que além do mais, conduzem a uma baixa produtividade».
Nos últimos anos assiste-se a uma autêntica invasão de pescadores espanhóis, devido ao elevado preço que estes crustáceos atingem em Espanha, que, portadores de técnicas apuradas e proibidas por lei, regressam carregados de dezenas de quilogramas desta espécie não respeitando sequer as medidas mínimas e pagando pela licença de pesca uma importância perfeitamente ridícula.

Acontece também aqui o que tantas vezes se verifica por todo o Pais. Temos potencialidades várias que ,por nunca serem encaradas de uma forma séria e eficaz ficam à mercê do engenho de outros que, normalmente mais avisados, se aproveitam do que deveríamos ser nós a aproveitar.
É evidente que a pesca furtiva não se circunscreve só aos pescadores espanhóis. Também alguns elementos das populações ribeirinhas, e não só, conscientes do alto valor desta espécie, não olham a meios e, de quando em vez, provocam autênticas razias que comprometem a capacidade de reprodução normal desta espécie.

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São múltiplas as razões que levam à actual situação e seria fastidioso enumerá-las caso a caso. Conscientes deste facto, as Câmaras Municipais de Miranda do Douro e de Vimioso têm procurado intervir e nesse sentido realizou-se recentemente uma reunião entre as duas Câmaras, os clubes de caça e pesca dos dois concelhos, as juntas de freguesia ribeirinhas e um representante dos Serviços de Caça e Pesca, numa tentativa de conjugar esforços.
Nessa reunião, e no seguimento de estudos anteriormente efectuados e do conhecimento e experiências que os representantes das populações e dos pescadores têm destes problemas, gerou-se completo consenso quanto às seguintes questões: publicação imediata de uma portaria proibindo a pesca durante o corrente ano; necessidade de elaborar uma portaria, em princípio válida por 5 anos, determinando:

1) Que cada pescador não possa capturar, por dia de pesca, mais de três dúzias de lagostins;
2) A autorização de pesca somente aos domingos e feriados;
3) A criação, ao longo do rio, de zonas de pesca proibida;
4) A criação de uma licença especial para a pesca do lagostim.

Foi ainda reconhecida a insuficiente fiscalização e a necessidade de conjugação de esforços das várias entidades fiscalizadoras sem o que não será possível disciplinar minimamente esta questão.
Das conclusões desta reunião foi por mim enviado um curto memorando ao Sr. Secretário de Estado da Produção Agrícola, que mereceu imediato despacho solicitando à Direcção-Geral das Florestas «urgente análise e tomada de medidas que se julgar necessário». E, se podemos louvar a celeridade com que a Secretaria de Estado da Produção Agrícola tratou o problema, o mesmo não se pode dizer da Direcção-Geral das Florestas que não deu ainda qualquer parecer sobre a solicitação que lhe era feita. Situação incompreensível, dada a urgência da medida que se propunha, tanto mais que esta tem o apoio de todas as partes envolvidas e a Direcção-Geral das Florestas tem em seu poder informações e estudos suficientes para que alguma coisa seja alterada.
Assim, continua-se a pescar o lagostim, embora se reconheça que o actual estado de coisas pode levar à sua extinção e ao ressurgimento de conflitos graves entre as populações ribeirinhas e grupos de pescadores nacionais e estrangeiros.
Situação caricata e reveladora da pouca importância e interesse com que são tratados assuntos que tocam de perto e são importantes para as populações locais, tanto mais que parte das medidas agora propostas constam de uma exposição enviada em Julho de 1980 ao director-geral do Ordenamento e Gestão Florestal pela Estação Aquícola de Vila do Conde, entidade que superintende nesta questão.
Há problemas locais, de fácil resolução local, que transpostos para os gabinetes das direcções-gerais, em Lisboa, se transformam em «bichos de sete cabeças» e são bem o exemplo do centralismo que atrofia e emperra o desenvolvimento do País.
Espero sinceramente que, com os elementos de que a Direcção-Geral das Florestas já dispõe, com a disponibilidade manifestada, por diversas vezes, pelas autarquias da zona e o apoio já manifestado pelas popu-

lações ribeirinhas e clube de caça e pesca às medidas enunciadas, seja possível, de uma vez por todas, regulamentar eficazmente a pesca do lagostim de água doce no rio Angueira e intensificar a fiscalização, não só deste, mas de todos os rios da região, de forma a que desapareça o risco de extinção de algumas espécies e seja possível manter uma situação de equilíbrio que permita a sua pesca desportiva, a contento de todos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos continuar com as intervenções políticas. As declarações políticas serão produzidas no final e para efectuar intervenções há ainda dois Srs. Deputados inscritos.

Deste modo, para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Recebemos esta manhã, da parte do Dr. Luís Catarino, ex-deputado a esta Assembleia que muitos dos Srs. Deputados conhecem, bem como o seu perfil democrático e tolerante, um abaixo assinado da Escola Secundária de Lagos que diz o seguinte:

Os professores do ensino oficial abaixo assinados, independentemente de terem ou não feito greve no dia 24 de Maio de 1985, insurgem-se vivamente contra o facto de a Guarda Nacional Republicana ter sido mandada às escolas para se informar sobre o seu grau de adesão à referida greve.
Consideram esta tentativa de intimidação um atentado aos seus mais elementares direitos como cidadãos de um país que se pretende europeu, civilizado e democrático.
Entende que há medidas e práticas doravante anacrónicas, por lembrarem demais uma época que o povo português, consciente das suas responsabilidades históricas, quis e quer ver definitivamente ultrapassada.

Acontece que o presidente da comissão instaladora da Escola Secundária de Lagos e o delegado sindical não estavam presentes na altura em que a GNR foi à escola, o que os levou depois a contactar o comandante da dita corporação de Lagos, tendo este explicado que tinha ido à escola «por causa destas coisas das greves».

Esta manhã, fiz uma tentativa de falar directamente com o Sr. Ministro da Educação mas, infelizmente, nem ele nem o seu chefe de gabinete estavam presentes. Na verdade, há que saber se essa iniciativa foi do Ministério da Educação. Penso que não foi, o que é talvez mais grave ainda pois o facto de haver um governo demitido, uma Assembleia quase dissolvida, não pode de forma nenhuma libertar as responsabilidades dos deputados dos valores que temos a obrigação de defender como democratas, visto que estamos nesta Assembleia.
Chamava, portanto, a atenção da Câmara e do Governo para este facto gravíssimo que acaba de acontecer.

Vozes do MDP/CDE e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Neiva Correia.

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O Sr. Neiva Correia (CDS): - Pedia à Sr. º Deputada Helena Cidade Moura para me informar se o episódio que relata se passou em Lagos, no distrito de Faro, ou em Lagos na Nigéria.

Risos.

O Sr. Presidente: - Há mais um pedido de esclarecimento Sr.ª Deputada. V. Ex.ª, se desejar responder no final, fa-lo-á.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.

O Sr. José Lello (PS): - A Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura referiu, a dado passo da sua intervenção, «[...] uma Assembleia quase dissolvida». Ora, considero que esta Assembleia não está «quase dissolvida », nem sequer está dissolvida, pois está em pleno funcionamento. Suponho que a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura tem também este mesmo entendimento que eu perfilho pois, de outra forma, não se entenderia como é que hoje figura na ordem de trabalhos um projecto de lei do MDP/CDE. Assim, pergunto à Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura se efectivamente considera que esta Assembleia está dissolvida e nesse caso, pergunto também porque é que apresenta este projecto de lei. Ou será que isso constitui apenas um acto falhado?!

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Agradeço a intervenção do Sr. Deputado do CDS, pois penso que a sua pergunta foi pertinente. Possivelmente será na Nigéria que estamos e não em Portugal democrático, pós-25 de Abril.
Quanto ao Sr. Deputado do Partido Socialista, responderei que «quase» quer dizer «quase». Enquanto não está, funcionamos tal como se estivesse.
Em todo o caso, há que ter a consciência da situação e não podemos estar aqui a «fazer teatro». sabemos que esta Assembleia...

O Sr. José Lello (PS): - Posso interrompê-la,
Sr.ª Deputada?

A Oradora: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Lello (PS): - Não podemos estar «a fazer teatro», disse V. Ex.ª ?

A Oradora: - Exacto, Sr. Deputado!

O Sr. José Lello (PS): - Não podemos estar?

A Oradora: - Não, Sr. Deputado! Enquanto a Assembleia funcionar não podemos estar «a fazer teatro» nem a prescindir realmente dos nossos direitos e dos nossos deveres.

Há quatro partidos nesta Assembleia que querem a dissolução e eles são cinco. Penso que, de facto, a percentagem daqueles que desejam a dissolução é bastante grande.
Mas neste momento não quero falar mais desta questão, peço desculpa, pois não quero entrar no tempo do meu partido. De qualquer modo, poderemos falar depois do Plenário.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Horácio Marçal..

. O Sr. Horácio Marçal (CDS): - Sr. Presidente, Srs Deputados: Tive o privilégio e a honra de assistir nos passados dias 8 e 9 às comemorações do Dia de Portugal em Newark = Estado de Nova Jérsia, nos Estados Unidos da América.
A comunidade portuguesa radicada nos Estados Unidos vive com intensidade e arreigado portuguesismo o Dia de Camões e das Comunidades Portuguesas.
Vive-o com espontaneidade, com o bairrismo e com grande fervor patriótico.
Não são manifestações encomendadas nem com finalidades políticas.
É o coração de português que faz brotar a sua saudade e a sua constante ligação ao torrão natal, exteriorizando o que para eles, que habitam longe da Pátria, não esquecem a terra que os viu nascer, outros, pelo contrário, a querem recordar, bem como as suas tradições, não só no que concerne à nossa cultura, às nossas tradições ou à simples evocação dos nomes das terras bem portuguesas de Minho, Trás-os-Montes, do Algarve, das Beiras ou das Ilhas.
1 Naqueles dias a comunidade vive com intensidade a recordação e a evocação do nome de Portugal.
Só assim se explica que portugueses radicados naquela região dos EUA levassem a cabo a realização de exposições do nosso artesanato, conferências culturais, provas desportivas, convívios com a cozinha bem portuguesa, a que não faltava a tradicional broa e a sardinha dos arraiais bem portugueses.
Mas o dia grande foi o de domingo, dia 9, que teve como epílogo e ponto alto, a parada portuguesa na Ferry Street de Newark, que por decisão do município local se passou a chamar Avenida de Portugal, em homenagem a Camões e à actividade dos portugueses emigrados nos Estados Unidos.
Essa parada, a que assistiram aproximadamente 50 000 pessoas, foi uma manifestação de puro portuguesismo, em que participaram 50 associações culturais, recreativas e desportivas portuguesas radicadas naquela zona e em que se manifestaram mais de 600 atletas.
A esta manifestação de puro sentido patriótico, presidiu o governador de Nova Jérsia que era acompanhado por individualidades da embaixada portuguesa e de outras individualidades que se deslocaram particularmente de Portugal.

Pairava no ar o motivo da falta de um membro do nosso Governo para comungar da alegria que irradiou, durante horas, no íntimo daquelas gentes bem portuguesas e até dos americanos que a ela se associaram.
As pessoas que assistiam e os que participavam, quiseram dizer-nos a nós, responsáveis da Nação, que Portugal está vivo nos seus corações.
Mas essa vivência não se manifesta só na organização dessas comemorações - que já seria muito exterioriza-se também nas publicações de jornais de

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língua portuguesa, como o Luso-Americano e o Portuguese News, nos canais portugueses de televisão como a P. B. C. e outros, nas organizações radiofónicas não só de Nova Jérsia, como Connecticut e outros espalhados por aquela grande metrópole americana.
E Sr. Presidente e Srs. Deputados, depois de apreciarmos todo aquele portuguesismo, intimamente sentido e como manifestação de emancipação da nossa portugalidade, eu não o podia deixar de referir, já que tive o prazer de assistir e vir aqui transmitir a este, órgão máximo de soberania da Nação Portuguesa ainda em funções, aquilo que apreciei e o que senti.
E essa apreciação e o sentimento de considerações e de simpatia que nutro, por todos aqueles, que longe da Pátria continuam Portugal é o mantêm vivo no seu coração, dando aos outros povos uma lição de nacionalismo e de dignificação da raça portuguesa, sem racismos nem elitismos, dessa apreciação suscitou-me esta intervenção na Assembleia da República, para lembrar a este Governo e aos que se seguirem, que há que tomar medidas concretas para a difusão da cultura e da língua portuguesa em todos os locais como neste de Nova Jérsia, para que os emigrantes portugueses se sintam mais portugueses.
Competirá ao Governo implementar medidas que facilitem às escolas portuguesas, aos canais de televisão, rádio, jornais e associações, notícias e reportagens sobre o que se vai passando em Portugal, para que o portuguesismo dos portugueses emigrados não esmoreça, mas, mormente, para que os seus filhos, nascidos longe da Pátria se sintam atraídos por ela e para ela.
Aqui fica um repto a quem ainda governa e para os vindouros da governação.
E a terminar quero aqui deixar, Sr. Presidente, Srs. Deputados, uma sugestão para este Parlamento ou para outro que se lhe siga: Se queremos os nossos emigrantes ligados à Pátria desencadeemos com mais intensidade os mecanismos para os aproximar mais de nós e da Nação e consideremo-los como portugueses de primeira classe, na plenitude dos seus direitos, como a que usufrui um cidadão na sociedade democrática em que vivemos, que é o privilégio e ao mesmo tempo o direito de poderem também votar nas eleições para o Presidente da República, que é o único órgão de soberania que se pode intitular de todos os portugueses.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Conforme tem sido largamente noticiado pela comunicação social, a Portaria n.º 269/85, na sequência da Portaria n.º 703/82, de 16 de Julho, vem proibir o trânsito de automóveis pesados de mercadorias, tractores e seus reboques ou semi-reboques e máquinas nos itinerários principais aos domingos e feriados nacionais entre as 6 horas e as 24 horas e ainda aos sábados no período compreendido entre as 14 horas e as 22 horas.
Naturalmente que o PSD está de acordo com o sentido geral desta portaria em termos de procurar defender os cidadãos, diminuindo o número de acidentes durante os fins-de-semana e, em particular, no Verão, quando o tráfego é particularmente intenso.

No entanto, a questão tem de ser vista em toda a sua dimensão designadamente por ter a ver com um sector fundamental da nossa economia, que é a agricultura, particularmente no que respeita aos produtos horto-frutícolas.
Como se sabe, o Algarve é um dos principais centros produtores de horto -frutícolas, abastecendo grande parte do País. Saem do Algarve, com destino aos mercados de Lisboa, Porto, Braga, Viseu, Coimbra, Santo Tirso e outros, grande número de camiões pesados, transportando produtos.
Essa saída verifica-se, como é óbvio, também ao sábado e ao domingo e essas viaturas, por sua vez, quando regressam, trazem igualmente do Centro e do Norte do País horto- frutícolas para abastecimento dos mercados do Algarve, designadamente à segunda-feira.
Desta situação resulta que as actuais restrições, impostas pela Portaria atrás referida, vão prejudicar os produtores porque, por um lado, vendem menos e, por outro, a produção se estraga; vão prejudicar os consumidores, tanto os do Norte como os do Sul; prejudicam também as empresas e os motoristas particulares que estão envolvidos nesta tarefa - que é, diga-se de passagem, uma tarefa indispensável - e vão prejudicar também os próprios comerciantes.
É certo que a própria portaria estabelece restrições, designadamente para que a circulação se possa fazer ao sábado e para que as restrições não se apliquem entre as 6 horas e as 12 horas dos domingos e feriados nacionais.
Contudo, o problema não fica resolvido porque, por exemplo, as viaturas que saem ao sábado têm de regressar do Centro e do Norte do País no domingo e, nas actuais circunstâncias, só o podem fazer entre as 6 horas e as 12 horas.
Por outro lado, há outras viaturas que têm de sair ao domingo, levando para venda artigos para o Centro, para o Norte e até para Lisboa.
Já houve casos de aplicação de multas durante o fim-de-semana passado. Como sabem, a portaria entrou em vigor apenas no último fim-de-semana, por condescendência, uma vez que, em princípio, ela devia vigorar desde o princípio do mês.
Estamos, assim, perante uma situação insustentável que terá de ser corrigida de imediato.
Se é certo que há que defender interesses dos cidadãos, evitando acidentes, também há que defender esses mesmos cidadãos que necessitam de géneros alimentares, além de todo um vasto conjunto de interesses e sectores, como atrás ficou referido. Haverá, portanto, que conciliar esses interesses.
Ora, se é possível fazer a circulação por estradas secundárias - a proibição é feita relativamente às estradas principais - só há uma solução.
Com base na possibilidade que a própria Portaria prevê no seu artigo 4.º, segundo o qual «sempre que haja dúvidas quanto à indispensabilidade do transporte, poderão ser consultados organismos públicos convenientes e poderão ser concedidas autorizações especiais», a solução que o PSD hoje aqui propõe, ao mesmo tempo que se dispõe a continuar as diligências que já iniciou junto do Governo, consiste em as restrições constantes da Portaria n.º 269/75 não se aplicarem aos sábados, domingos e feriados aos veículos afectos ao transporte de produtos agrícolas.
Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: - Para interpelar o orador, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Deputado José Vitorino, há muito tempo que não tinha o gosto, a honra, o prazer... e mesmo o êxtase de lhe fazer uma interpelação! Calhou hoje.. . é sempre tempo para estas coisas!
Passo por alto essa sua afirmação de que o PSD e em particular V. Ex.ª vão fazer diligências junto do Governo. Afinal, o Governo ainda é merecedor de que o PSD faça diligências junto dele!
Mas, este é um problema seu, não meu.
Creio que o Sr. Deputado não referiu - e seria correcto fazê-lo - que essa portaria, que eu conheço, prevê excepções, nomeadamente para o transporte de peixe.
Aliás, penso que quem a redigiu previu exactamente o transporte de peixe e de outros artigos que podem deteriorar-se rapidamente.
Mas o Sr. Deputado sabe tão bem como eu que muitas vezes, particularmente no Algarve, há transportes que levam desde mobílias até peixe, passando por géneros horto-frutícolas, o que não é bom para os consumidores e permite uma série de irregularidades que, julgo, devem também ser combatidas.
Por outro lado, a produção horto-frutícola do Algarve, como o Sr. Deputado sabe - embora eu não seja especialista, estou relativamente bem informado nessa matéria - carece de uma rede de frio que apoie essa produção, sobretudo a produção das estufas, que tarda em ser implementada.
E já agora, que o PSD ocupou repetidamente o cargo do Ministério da Agricultura, pergunto ao Sr. Deputado se tem conhecimento das diligências que o Ministro do PSD deste pelouro fez ou empreendeu no sentido de resolver o problema da rede de frio que apoie a agricultura de ponta como é a agricultura do Algarve.
O Sr. Deputado sabe tão bem como eu que os industriais de frio - em termos de conservação de peixe, de congelação e de produção de gelo - têm problemas enormes neste momento, particularmente no Algarve, desde Sagres até Vila Real de Santo António, não falando já do problema da Embelmar, da Gelmar e da Frigarve.
No entanto, na agricultura a situação é ainda pior porque não há praticamente qualquer apoio de redes de frio.
Ora, o que é que o PSD e particularmente os seus militantes que estiveram no Ministério da Agricultura fizeram relativamente a essa matéria?

O Sr. Presidente: - Uma vez que o Sr. Deputado José Vitorino prefere responder no final, tem a palavra o Sr. Deputado Neiva Correia.

O Sr. Neiva Correia (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A intervenção do Sr. Deputado José Vitorino vem, em fim de festa, no arrumar da feira, mostrar aqui que, efectivamente, para um governo constituído por sociais-democratas e socialistas democráticos é menos importante quem trabalha do que quem vai passear.
Assim, para que os que vão passear possam fazê-lo à vontade, impede-se que aqueles que trabalham possam transportar os produtos que são o fruto do seu trabalho!

Efectivamente, deveriam meditar mais nos princípios liberais, no laissez faire, laissez passer e deixarem passar quem trabalha e o produto do seu trabalho.
O Sr. Deputado César Oliveira desloca o problema para a questão da rede de frio, mas a rede de frio, sendo uma questão importante, não é relevante no escoamento dos produtos hortícolas de estufa que são perecíveis e que não vão à rede de frio.
De qualquer modo, sem dúvida, que esta é uma questão muito importante e, assim, ao Sr. Deputado José Vitorino, enquanto deputado do distrito de Faro, dou todo o meu apoio mas ao Sr. Deputado José Vitorino, enquanto deputado do PSD e co-responsável por um governo que trata as prioridades desta forma, eu digo: auto-censure-se. Se isto for uma auto-censura, então, também nesse aspecto, lhe dou todo o meu apoio.

Uma voz do PSD: - O senhor está sequioso de penitência!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Antes de mais, creio que a conclusão a tirar das várias questões que me foram postas, e que agradeço desde já, é no sentido de que, realmente, há acordo quanto à necessidade de se proceder a alterações nesta portaria, independentemente da adopção de outras medidas que se justificam.
Quanto ao Sr. Deputado César Oliveira e ao êxtase ...

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Também fica em êxtase? Não me diga!

O Orador: - ... direi que temos de aproveitar a oportunidade para aqui travar um ,debate. Creio que realmente há que a aproveitar bem porque, se o Parlamento for dissolvido, não teremos mais oportunidades.

Mas, de qualquer forma, quero retribuir e manifestar a forma cordial ...

O Sr. Lemos Damião (PSD): - E amistosa!

O Orador: - ... como os nossos debates têm corrido desde há largo tempo, independentemente das discordâncias que possamos ter em termos políticos, o que é evidentemente salutar.
Quanto ao facto de o PSD fazer diligências, penso que é perfeitamente natural. Como sabe, as portarias são publicadas mas a sua matéria não é discutida publicamente com antecedência. Assim, normalmente, só quando se verificam as situações é que se pode ver em que medida se conseguem corrigir alguns aspectos.

Quanto à existência de excepções, Sr. Deputado, eu falei nelas, embora entenda que não são suficientes. Se não falei, por exemplo, no caso do peixe foi porque essa questão não suscitou problemas.
Quanto ao transporte de outras mercadorias, também ai concordo consigo, pois isso tem a ver com a própria sanidade e com a saúde pública.
Relativamente à rede de frio, que é uma questão bem importante, creio que se criou a ideia - embora ela venha dissipando-se - de que a rede de frio é uma estrutura que o Estado devia montar.

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Penso que não deve ser assim, isto é, entendo que o Estado deve fazer alguma coisa nesse aspecto - aliás, mesmo na altura em que dominava a concepção segundo a qual era o Estado quem devia encarregar-se disso, não se avançou - mas, no que respeita à agricultura, o Sr. Deputado sabe-o tão bem como eu, deve ser essencialmente com base nas associações de agricultores e de produtores, a criar, que essa estrutura deve ser criada, de acordo com o enquadramento que o Mercado Comum agora nos apresenta.
Aliás, na medida em que é essa a minha concepção talvez eu vá mais atrás e pergunte o que é que o Governo já fez para incentivar e implementar a criação das tais associações de produtores que possam garantir essa rede de frio.
Obviamente que é esse o problema de fundo, mas enquanto não houver rede de frio, tem de se arranjar maneira de não prejudicar aqueles que produzem, os agricultores.
Quanto ao Sr. Deputado Neiva Correia, devo dizer-lhe que não se trata de considerar o passeio mais importante do que o trabalho daqueles que produzem.
Na perspectiva do PSD, existe tanto o legítimo direito ao passeio como o legítimo direito ao trabalho. o que há é que conciliar os interesses, como disse na minha intervenção.
O Sr. Deputado quer que eu diga se isto é uma crítica ao Governo e eu dir-lhe-ei que sempre temos assumido a crítica ao Governo quando entendemos que ela se justifica. Ora, é essa a situação presente.
Por outro lado, congratulo-me com o facto de o Sr. Deputado estar de acordo comigo.
Aliás, tendo-se gerado aqui um largo consenso sobre esta matéria, estou certo que rapidamente - e é isso que interessa - a solução pode ser encontrada para bem dos produtores e sem pôr em causa os próprios veraneantes e os que passam o fim-de-semana fora.
Penso que se mais algumas viaturas - recordo que a excepção abrange apenas o caso de viaturas pesadas que transportam produtos horto-frutículas - puderem circular, não porão em causa a circulação rodoviária e poderão evitar outros problemas que, neste momento, começam já a surgir.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tal como estava previsto, seguir-se-ão as declarações políticas.
Assim, tem a palavra, o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A crise governamental aberta pela ruptura da coligação PS/PSD vai na terceira semana e, apesar das manobras ainda em curso para retardar a formalização da demissão do Governo e a dissolução da Assembleia da República, aproxima-se o momento em que decisões têm de ser inevitavelmente tomadas.
É, por isso, necessário que cada partido defina claramente as suas posições, em face da crise e das soluções institucionais e políticas que para ela aponta.
Foi a uma tal definição que procedeu o Comité Central do PCP, na reunião realizada a 18 de Junho, e são as suas conclusões que nos propomos apresentar e discutir na Assembleia da República, como temos exigido que seja feito pelos outros, especialmente pelos partidos até gora responsáveis pelo Governo.

O País e a Assembleia esperam ainda que os ex-partidos governamentais sejam capazes de assumir e anunciar as verdadeiras causas da queda da coligação, sem se remeterem exclusivamente para mútuas recriminações e alegação de falsas razões que julgam ser simpáticas aos respectivos eleitorados.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É caricato que continue a ouvir-se da parte do PSD, que é o partido que mais tempo tem ocupado o Governo desde o 25 de Abril, acusar a acção governativa recente e passada como se nenhumas responsabilidades lhe coubessem e pretender convencer a opinião pública de que tomou a iniciativa de rompimento por razões de mera eficácia governamental.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É caricato continuar a ouvir-se da parte do PSD, que liderou a política de direita nestes últimos 2 anos, como se sabe, e o Diário da Assembleia da República bem documenta, acusar os excessos direitistas do seu ex-parceiro de coligação e procurar apresentar o rompimento como resultado dos seus alegados «escrúpulos de esquerda».
É notório que a candidatura presidencial do Primeiro-Ministro é um factor de instabilidade da vida política nacional e constitui neste momento uma das razões das dificuldades que são criadas pelo PS à dissolução da Assembleia da República e à realização de eleições legislativas antecipadas.
É por isso legítimo dizer que, se se fala em custos eleitorais, os mais pesados que o País suporta são os que decorrem da candidatura presidencial do Primeiro-Ministro que se desenvolve desde há 2 anos e à qual tem sido sacrificada toda a acção governativa e a própria política externa do País.

Aplausos do PCP.

Para nós, comunistas, a ruptura da coligação não foi uma surpresa, pois, ela «coroa uma grande vitória política da luta corajosa e persistente dos trabalhadores e das massas populares, de todos que acreditaram na força do povo e na capacidade de defender o Portugal de Abril».

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A ruptura da coligação testemunha a completa falência da política de restauração monopolista, das coligações de direita com ou sem o PS e põe em evidência as suas desastrosas consequências em todas as áreas da vida nacional.
A propaganda governamental soarista de que os piores tempos estavam passados e que tudo começava a caminhar pelo melhor dos mundos cai rotundamente pela base.
Como acontece com as comadres no dizer popular, bastou que os partidos da coligação se zangassem para que se descobrissem algumas verdades e se confirmassem muitas outras que eles sempre negaram. Confirma-se pela boca do presidente da Comissão Política do PSD a catastrófica situação económica, financeira e social para que o País foi arrastado na vigência da coligação. Confirma-se pela boca do Primeiro-Ministro e

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Secretário-Geral do PS a situação de grave instabilidade política em que o Governo se debateu «durante 2 anos, dia após dia, dificuldade após dificuldade».
Estas confissões confirmam plenamente, por sua vez, a nossa conclusão de que «não basta uma maioria de deputados na Assembleia da República para assegurar a permanência no poder de um governo cuja política contrária às realidades do Portugal de Abril, por sua própria natureza, é de desestabilização económica, social e política».

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Neste momento, no entanto, mais do que debater as razões da ruptura da coligação, importa definir claramente as suas consequências. Para o PCP a ruptura da coligação acarreta necessariamente a demissão do Governo.
Na fórmula governativa, na composição e no programa, o governo PS/PSD apresentou-se como um governo de coligação; por isso, uma vez desaparecida a coligação, o governo de coligação deixa de ter qualquer legitimidade para continuar a governar.
15so mesmo parecia reconhecer o Primeiro-Ministro, na sua comunicação de 13 de Junho quando concluía:

Os pressupostos políticos que foram razão de ser em Junho de 83, do actual Governo, alteraram-se abruptamente. Deixou pois de ter sentido este governo. Seremos constitucionalmente obrigados a volta à estaca zero ...

As serôdias manobras, que se desenvolvem da parte do PS, visando manter o actual Governo no poder, com ou sem remodelação, ou impor um governo minoritário do PS com ou sem disfarces e evitar a todo o custo eleições legislativas antecipadas, não podem por isso mesmo deixar de ser vistas com a maior preocupação, e têm de ser firmemente combatidas.
O Comité Central do meu partido sublinhou a propósito que «contraria os mais elementares princípios institucionais e constitui um inqualificável abuso e usurpação de poderes que, após a ruptura da coligação, o Governo pretenda continuar a governar e a maioria da coligação pretenda continuar a legislar».
É absurdo que, quando todos os partidos com grupo parlamentar, à excepção de um, reclamam eleições legislativas antecipadas, quando praticamente todos reconhecem que o actual quadro parlamentar é incapaz de gerar qualquer nova maioria consistente, quando o Conselho de Estado já é chamado a pronunciar-se em termos constitucionais sobre a dissolução da Assembleia da República se pretenda que esta continue a funcionar quase normalmente, podendo aprovar leis contra-revolucionárias que alterariam profundamente o nosso ordenamento jurídico, dando autorizações legislativas não se sabe a quem e procedendo à aprovação de tratados internacionais.

Vozes do PCP: - É um escândalo!

O Orador: - Reveste, no entanto, um nítido significado político que a defunta maioria, ao impor num elenco de matérias a discutir pela Assembleia da República, se tenha precisamente «esquecido» de incluir os inquéritos parlamentares em curso, alguns dos quais visam a actividade de membros do Governo demissionário e outros estão em fase de conclusão, como o que respeita à RTP.
Já dissemos que a Assembleia com esta composição deu o que tinha a dar, resta-lhe fazer as malas. Salvo no tocante a tarefas inadiáveis ou de consenso generalizado, as suas deliberações carecem doravante de qualquer legitimidade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O plano de fazer aprovar pela actual Assembleia, e em vésperas de eleições gerais, os Acordos de Adesão à CEE constitui um verdadeiro acto de usurpação do direito do povo português ter a efectiva decisão e a última palavra numa questão que compromete tão profunda e gravemente o seu futuro. Por isso mesmo o PCP «considera que o exame da aprovação do Acordo só deveria ser feito pela Assembleia da República depois de eleições antecipadas e de um amplo debate nacional sobre a questão».

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Para o PCP «a solução da crise, conforme os princípios constitucionais e os imperativos da vida democrática, exige duas medidas fundamentais:
Em primeiro lugar, a dissolução da Assembleia da República e a realização de eleições antecipadas;
Em segundo lugar, a demissão efectiva do Governo e a nomeação de um governo de gestão.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A nosso ver, estas duas medidas são complementares. Só as duas em conjunto podem assegurar a solução da crise.
O PCP já se declarou aberto a examinar com mediadores designados pelo Presidente da República as possibilidades de constituição de um governo sério e isento que, até à realização das eleições legislativas antecipadas, assegure a gestão dos negócios correntes do Estado e a democraticidade do processo e do acto eleitorais.
Mas o PCP considera que não existe, na situação criada pela crise, nenhuma possibilidade de se constituir, na base da actual Assembleia da República, um governo para durar até à realização de eleições presidenciais capaz de responder à situação em que o País se encontra.
O PCP insiste em que considera inadmissível que fique como Governo de gestão, no período eleitoral, o governo PS/PSD demitido, remodelado ou não, com ou sem os Ministros do PSD que pediram a demissão.
O PCP insiste em que considera igualmente inadmissível como governo de gestão um governo do PS sozinho, seja com Mário Soares como Primeiro-Ministro, seja encabeçado por outro dirigente do PS e com Mário Soares inteiramente livre para a sua campanha eleitoral.
O Primeiro-Ministro, o governo PS/PSD e os partidos que os constituem, estão marcados por uma prática recente de abuso de poder, de utilização e instrumentalização partidária, sectária e eleitoralista não só de comunicação social, como do aparelho, dos recursos e dos dinheiros do Estado que não oferecem quaisquer garantias de seriedade e democraticidade.
O PCP reafirma que só um governo sério, isento, respeitador da legalidade democrática pode conduzir o processo e o acto eleitorais de forma a garantir eleições genuinamente democráticas.

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Mas o PCP adverte também para manobras que possam desenvolver-se em torno do prolongamento dos trâmites e diligências para formação de um governo de gestão e tendentes a impedir a dissolução da Assembleia da República até 14 de Julho.
Tal é a clara e inequívoca posição definida pelo Comité Central do PCP na sua reunião de 18 de Junho.
Confiamos ao povo português a decisão para a saída da crise, confiamos que nas eleições legislativas antecipadas saiba escolher as soluções que conduzam a uma alternativa democrática, designadamente reforçando de modo substancial a votação da APU e a representação do PCP e dos seus aliados na APU numa futura Assembleia da República.

Aplausos do PCP.

Risos do PS.

Confiamos na vigilância e no espírito de luta dos trabalhadores e das massas populares para impedirem novos ataques às conquistas democráticas do 25 de Abril, novos adiamentos às medidas que é urgente tomar para superar a crise e para, na sequência da vitória que acabam de alcançar sobre o governo PS/PSD e a sua política reaccionária, garantirem uma vez mais a defesa do regime democrático.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na sua reunião de 5 e 6 de Janeiro deste ano, a Comissão Política do MDP/CDE, depois de salientar que o acordo do PS e do PSD, de 11 de Dezembro, comprovava que a coligação, para sobreviver, agravava a sua própria política, sublinhava que a actuação do Governo e da sua maioria na Assembleia da República se tem traduzido em maiores dificuldades para o País, no plano económico no plano social e cultural, e no plano político. Daí a necessidade, então apontada, de que o Governo devia cessar funções, visto que bloqueava a Assembleia da República, através da sua maioria obediente e amorfa, a sociedade portuguesa e as instituições democráticas. E após se indicarem algumas possíveis soluções governamentais, alternativas à demissão do Governo, o MDP/CDE concluía que, a não serem elas possíveis, não restava outro caminho senão a dissolução da Assembleia da República e a realização de eleições legislativas antecipadas.
Foi, pois, em 6 de Janeiro de 1985, que, pela primeira vez, o MDP/CDE propugnou a dissolução da Assembleia da República.
Posição que reassumiu na Comissão Política do MDP/CDE, em 14 de Abril último, ao defender então, sem qualquer solução alternativa de governo, a dissolução da Assembleia da República e a demissão do Governo.
E isto após frisar que:

A política desenvolvida por este governo tem vindo a agravar a situação dá esmagadora maioria da população portuguesa, em especial dos trabalhadores, dos pequenos e médios empresários, comerciantes e agricultores, dos reformados e pensionistas.

O aparelho produtivo mantém-se subaproveitado e a economia em fase de recessão. Este governo continua a agravar a crise. Pressionado pelas exigências do PSD e do CDS, o PS tem vindo a fazer sucessivas cedências, de tal forma que admite já vir a aprovar um grave pacote legislativo, absolutamente contrário aos interesses e aspirações dos sectores não monopolistas da nossa sociedade.
As leis de segurança interna e dos serviços de informação, a lei das rendas e o conjunto dos diplomas do pacote laboral - que permitirão a liberalização dos despedimentos, a limitação do direito à greve e ao exercício dos direitos sindicais na empresa - a revisão da Lei de Bases da Reforma Agrária e da Lei dos Baldios, a entrega ao capital privativo multinacional de sectores rentáveis das empresas públicas, a lei da tutela sobre as autarquias, as propostas de alteração da legislação eleitoral, são exemplos da traição ao regime democrático.

E acentuava-se:

Perante esta situação, que, inclusivamente, põe em causa o relacionamento autónomo e independente de Portugal com países africanos de expressão portuguesa, com os restantes países do Terceiro Mundo, e com os países do bloco socialista, acrescem às razões de ordem económica social e política e ao crescente isolamento do Governo, razões de Estado que urge salvaguardar, as quais impõem a necessidade da rápida demissão deste Governo e da dissolução da Assembleia da República com a consequente realização de eleições legislativas antecipadas.

Deste modo, não só não nos surpreendeu a recente ruptura da coligação PS/PSD, na medida em que ela corresponde à demonstrada falência da política que pós em prática, como, perante tal ruptura, o MDP/CDE tinha acrescidas razões para voltar a defender a demissão do Governo já moribundo, a dissolução desta Assembleia da República, também com a sua maioria moribunda e a realização de eleições legislativas antecipadas.
Por isso, o Conselho Nacional do MDP/CDE, reunido em 9 do corrente, concluiu que devia ser dissolvida a Assembleia da República, que perdeu a sua legitimidade política e impede o desbloqueamento do processo democrático, que devia ser formado um governo integrado por todos os partidos parlamentares e personalidades democráticas, que garantam a limpidez e democratidade dos actos eleitorais, e assegure o normal funcionamento das instituições e ainda que qualquer solução governativa não deve ser constituída na base do PS cuja permanência à frente do poder conduzirá ao agravamento da situação económica e social do País, acentuará a dependência perante o estrangeiro e não garantirá a genuinidade dos processos eleitorais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados. Ponderadas as razões apresentadas na mensagem do Sr. Presidente da República, do dia 18 do corrente, no sentido de se desenvolver os esforços possíveis quanto a evitar-se a realização de eleições legislativas antecipadas, teve, na noite de 18 do corrente, o vice-presidente do MDP/CDE, Mário Casquilho, oportunidade de, uma declaração à Antena l afirmar que o MDP/CDE estará disposto a concorrer para tornar possível uma solução governa-

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tiva que evite a dissolução da Assembleia da República desde que o PS, no âmbito do Parlamento e do governo que venha a formar-se, assuma publicamente o compromisso de:

Adiar o agendamento da aprovação do Tratado de Adesão à CEE e concorde em criar uma comissão parlamentar para promover um debate nacional sobre as consequências da adesão, em termos que assegurem o eslarecimento da opinião pública, antes da votação no Parlamento;
Congelar as iniciativas legislativas que afectariam gravemente a vida dos Portugueses, nomeadamente a lei das rendas, a lei da segurança interna, a alteração da legislação laboral, o pacote autárquico, a alteração da legislação eleitoral;
Tomar medidas imediatas e eficazes face ao problema dos salários em atraso;

Repor a legalidade e o respeito pelas decisões dos tribunais, designadamente no âmbito laboral e na zona da reforma agrária;

Colocar nos lugares de maior responsabilidade do Ministério da Administração Interna, da RTP e da RDP personalidades escolhidas pela sua isenção que recolham o acordo dos partidos representados no Parlamento;

Tomar medidas imediatas para a dinamização da economia, no quadro da complementaridade do papel dos sectores público e privado.

E acrescentou ainda, quanto ao novo governo a formar, que «o MDP/CDE reafirma que a solução governativa adequada às dificuldades que atravessamos e que é válida, tanto para a hipótese da dissolução da Assembleia da República como para a sua subsistência, é um governo independente, saído ou não das formações partidárias presentes no Parlamento, que garanta a condução isenta dos negócios públicos e processos eleitorais honestos».
Torna-se, assim, claro que o MDP/CDE, agindo sempre numa perspectiva de Estado e não numa estreita perspectiva partidária, torna dependente a manutenção desta Assembleia de ser assegurado, pela maior força partidária nela representada, que será travada a continuação desta actuação profundamente negativa, lesiva dos interesses da população e do Estado democrático, através do compromisso de não serem postas em prática as medidas já referidas. E que só essa garantia pode evitar a dissolução desta Assembleia da República, consequência da continuação da sua degradação e perda de credibilidade pública.
E torna-se também claro que o governo que o MDP/CDE defende, em substituição do actual Governo, já moribundo, é um governo que actue com independência, de preferência com representantes de todas as forças políticas com assento na Assembleia da República e personalidades independentes, e não por .consequência, um governo PS, nem um governo PS com independentes, sem prejuízo, naturalmente, de o PS dele também fazer parte.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Manifestamente, sem prejuízo da competência atribuída ao Presidente dá República, pelo artigo 136.º da Constituição, para dissolver a Assembleia da República, demitir o Governo e nomear o Primeiro-Ministro, e até na sequência dessa competência, o MDP/CDE regista os esforços do Sr. Presidente da República para solucionar a actual

e grave crise política e nada tem a apor à anunciada intervenção de mediadores presidenciais, no diálogo com os partidos.
E regista, igualmente, a iniciativa assumida pelo Grupo Parlamentar do PS de iniciar conversações com todas as forças políticas, com assento na Assembleia da República, em ordem a encontrar saídas para a actual crise política. Trata-se, afinal, de uma prática de diálogo que o MDP/CDE não só tem insistentemente defendido, como considera dever ser privilegiada na procura de soluções, no quadro do regime democrático.
Essencial, para o MDP/CDE, é que o processo de solução da crise seja concluído com a necessária brevidade e, necessariamente, em tempo útil, no quadro temporal do exercício dos respectivos poderes por parte de quem tem, para tal, competência constitucional.
Porque a crise que estamos a viver não é apenas uma crise política: ela é um reflexo de uma crise muito mais grave - uma crise económica, financeira, social e cultural, que o nosso povo sente profundamente, que o lesa gravemente, e que ele espera, legitimamente que seja resolvida.

Aplausos do MDP/CDE e de alguns Srs. Deputados do PCP.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Raul Castro: Ouvi com bastante atenção a sua intervenção e devo dizer-lhe que concordo com algumas, senão bastantes, passagens da sua declaração política. Contudo, gostaria de lhe colocar uma questão.
Pelos vistos, foi determinante a mensagem que o Sr. Presidente da República dirigiu à Assembleia para que houvesse essa posição do MDP/CDE, o que, aliás, foi referido pelo Sr. Prof. Dr. Mário Casquilho à Antena l em 18 de Junho de 1985 quando disse: «Somos sensíveis, porém, às razões apresentadas pelo Presidente da República.»
No entanto, a sua declaração política de hoje é substancialmente diferente não apenas de outra declaração política que já foi feita aqui na Assembleia - e sublinho que é substancialmente diferente hoje mesmo como também é substancialmente diferente da opinião que V. Ex.ª manifestou aqui na troca de palavras com o Sr. Deputado José Luís Nunes, na sessão de terça-feira.
Congratulo-me pelo facto do MDP/CDE poder apresentar, hoje aqui, uma versão com condições - que são as suas e que são discutíveis como quaisquer condições - mas uma versão diferente da análise da situação política que fazia na terça-feira e só tenho que louvar isso.
Assim, só quero perguntar-lhe se V. Ex.ª considera correcta a minha interpretação de que a versão que V. Ex.ª apresentou hoje é substancialmente diferente da que foi feita na terça-feira.
Neste sentido, gostava de saber que passos pensa o MDP/CDE dar para, de acordo com este comunicado que eu também tenho e que V. Ex." leu substancialmente, tomar efectiva e concreta essa sua intervenção.
Por outro lado, devo sublinhar que também me congratulo com a resposta positiva que o MDP/CDE deu, (pelos vistos deu), à carta dirigida pelo Sr. Deputado

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José Luís Nunes, presidente do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, a todos os partidos. Presumo que VV. Ex.ªs responderam positivamente ao convite feito pelo Partido Socialista. É assim ou não?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Deputado César Oliveira, creio que há fundamentalmente duas razões que explicam a posição agora assumida.
Por um lado, devo dizer que efectivamente a quem cabe, legítima e constitucionalmente, resolver a crise aberta e quem pode recolher todas as opiniões e todas as dificuldades de solução da crise é, naturalmente, o Sr. Presidente da República, que contactou com todas as forças políticas, como V. Ex.ª sabe.
Em relação às dificuldades apresentadas na mensagem do Sr. Presidente da República, o MDP/CDE tomou uma posição que decorre de uma actuação que não é uma actuação estritamente partidária, mas que procura ser, nesta matéria como noutras, uma actuação orientada pelos interesses do Estado democrático.
Foi por isso que se proeurou ir ao encontro dessas dificuldades, com a proposta que foi lida na Antena 1, que eu citei e que o Sr. Deputado referiu, que condiciona a um compromisso a maior força política com assento na Assembleia da República, que é o Partido Socialista, de não adoptar determinadas medidas altamente lesivas da população, e adoptando outras que sejam medidas positivas.
Naturalmente que sem a tomada de posição neste sentido por parte do Partido Socialista será utópico acreditar que tal posa ser assegurado.
Porém, isto não significa, é evidente, que não esteja em causa a dissolução da Assembleia da República.
A condição que expus é, digamos, uma condição que se põe, mas continuaremos a pensar que apenas a dissolução da Assembleia pode ser a solução.
O Sr. Deputado tinha posto uma questão da qual não me recordo bem...

O Sr. César Oliveira (UEDS): - É a questão da resposta à carta.

O Orador: - Ah! A resposta à carta.
Bom, creio que aquilo que foi referido, na intervenção que foi agora lida, no sentido de se registar a iniciativa e de a valorizar nesta Assembleia, significa, naturalmente, que a nossa resposta é positiva no sentido de estarmos presentes nessas conversações, o que já foi referido ao Partido Socialista.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar no período da ordem do dia.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o primeiro ponto do período da ordem do dia diz respeito à apreciação do projecto de lei n.º 170/III - Lei de bases do sistema educativo, apresentado pelo MDP/CDE.
Para a apresentação do projecto de lei, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Presidente, Srs. Deputados: A apresentação do projecto de lei n.º 170/III - Bases do sistema Educativo

pretendia dignificar esta Assembleia apelando à sua responsabilidade legislativa, vezes demais paralisada pela acção do Governo e impossibilitada pelas querelas partidárias que, espezinhando o sentido de Estado, contribuíram para o bloqueio institucional.

Mas como afirmamos na última sessão quando da nossa intervenção sobre a UNESCO, o MDP/CDE entende que enquanto esta Assembleia não assumir o seu estatuto de dissolvida, há que lutar pela discussão dos verdadeiros problemas nacionais e internacionais, esclarecer a opinião pública de forma a criar uma nova dinâmica que, passando pela tomada de consciência do grande vazio a que nos conduziu a política deste governo, torne possível a transformação deste órgão, através de novas eleições, numa instituição democrática, que acima de tudo, defende os interesses do povo português e assegure o poder democrático compensatório.

Nesse sentido, pareceu-nos indispensável respeitar o agendamento feito para a apresentação do projecto de lei de bases do sistema educativo.

O MDP/CDE começará neste momento por prestar homenagem aos muitos professores que deram corpo a este projecto, pelo seu trabalho, pela sua inteligência, pela coerência desinteressada da sua acção profissional. Quer agradecer ainda aos profissionalizandos de todo o País, que durante os 5 anos em que este projecto percorreu as escolas, nas suas três versões, deram um magnífico contributo através de perguntas interessadas, de dúvidas que revelaram reflexão e muitas vezes até com a apresentação de esquemas alternativos aos projectos apresentados.

Numa escola votada ao obscurantismo pedagógico e vítima de uma excessiva rede administrativa, inoperante na maioria dos casos, será de realçar a acção de reflexão pedagógica dos professores que ao fazerem a sua profissionalização geraram a dinâmica que por todo o País permitiu a discussão dos vários projectos de lei de todos os partidos, e até mesmo a participação nesses debates daqueles partidos que nunca tiveram capacidade para apresentar a esta Assembleia nenhum projecto de lei.

Se há uma questão que, na análise do sistema educacional português, desperta, quanto aos enunciados, uma posição unânime, é a da necessidade de se promulgar numa lei de bases do sistema educativo. Ao fazermos esta afirmação, não formulamos apenas um propósito a que aderimos, mas registamos o que se adquiriu em centenas de participações em debates organizados pelas escolas e por outras entidades, em que os participantes da Mesa, na maioria representantes de vários partidos políticos, e os intervenientes do público coincidem.

Esta unanimidade justifica-se por ressaltarem os inconvenientes de não se poder formular uma política educativa consequente e planeada, por se verificar a ineficácia e inoportunidade de se tomarem decisões a nível central não integradas no conjunto do sistema escolar.

O ex-Ministro da Educação, Prof. Augusto Seabra, justificou muitas vezes nesta Assembleia, na ausência da lei de bases, a sua pujante acção legislativa que alterou o sistema educativo, através de portarias, despachos normativos, deixando mesmo, no fim do seu mandato, um deles gravado em bronze para grande confusão e motivo certo de larga investigação pára vindouros mais longínquos.

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Para além de todas as razões institucionais não é, para o MDP/CDE, civicamente possível voltar às escolas discutir por mais 5 anos um projecto de lei que os partidos asseguram ir ser discutido, sem que dele se faça, pelo menos, a sua apresentação na Assembleia da República. O nosso amor pela reflexão e pelo estudo é grande mas servimos Labão, não servimos Raquel.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O MDP/CDE preconiza no seu projecto de lei, há largo tempo em discussão pública, um sistema escolar, assente em alguns pressupostos: primeiro, um sistema escolar que favoreça a democratização, crie satisfação e segurança individual e conduza ao enriquecimento do País. .

Desde que se aceitem, no campo da prática, os princípios consignados na Constituição da República Portuguesa quanto aos direitos e deveres culturais, não será difícil, através do diálogo das forças políticas e da atenta reflexão dada à discussão pública, firmar-se a gradual democratização do sistema escolar.

O MDP/CDE defende o acordo de forças diversas, situadas na adesão de facto ao espírito constitucional; não concordamos, porém, com a ultrapassagem de antagonismos de base. Em regime democrático assumem-se os conflitos reais, e estes devem-se enfrentar no quadro da legalidade democrática e da tolerância humana.

Se a resolução dos problemas do ensino se não compadece com uma visão pretensamente tecnocrata, que não tem em conta a dinâmica dos valores sociais, de igual modo ela não poderá resultar de um compromisso entre forças que defendem objectivos que se contradigam.

O sistema escolar, espelho das contradições políticas que levaram ao presente bloqueio institucional, tem persistido numa situação de crise que se não resolve por artifícios. A crise só poderá ser eficazmente ultrapassada pela predominância de sectores de opinião que visem a institucionalização de uma escola democrática.

Verificamos que esses sectores de opinião são uma realidade viva que cumpre aos partidos dar expressão. Assim se entende que nos últimos anos tenha sido generalizada a oposição dos órgãos representativos das estruturas de professores, pais e alunos, aos vários ministros da Educação, incluindo aqueles que pertencem ao mesmo partido do titular da pasta.

Segundo pressuposto, a textura das instituições escolares obriga a que as alterações neste sector considerem as aquisições obtidas e os elos complexos existentes na estrutura do sistema.

Nos últimos anos agravou-se a falta de coerência estrutural, as medidas pontuais determinadas não contribuíram para a resolução de qualquer problema prioritário, e antes encaminharam sectores do ensino para uma situação trágica de ruptura.

Esta situação afastando a possibilidade de edificar a curto prazo um sistema escolar funcional não impede, porém, a sua institucionalização progressiva.

A regressão política que se tem contraposto às transformações resultantes da Revolução de Abril repercute-se no sistema escolar, tanto no seu orçamento como, sobretudo, nas escolhas políticas que essa mínima verba acolhe.

Terceiro pressuposto, a edificação progressiva de uma escola democrática implica transformações profundas que a libertem de um quadro de selectividade social. E hoje aceite que a expansão do acesso à escola não

leva necessariamente à sua democratização, podendo manter ou acentuar o seu carácter reprodutor de um poder alheado da transformação do quotidiano.
No caso português, em que se regista o afastamento, ou mesmo o não ingresso no sistema escolar, de uma grande parte da população, a expansão quantitativa é imprescindível, mas não suficiente.
A expansão quantitativa tem de se associar a uma melhoria qualitativa fomentadora do sucesso escolar generalizado.
A degradação do ensino público expressa, por parte do Estado, a irresponsabilidade perante os seus deveres democráticos perante professores, alunos e pais.
A generalização do ensino feita à custa da sua degradação é socialmente injusta, para além de causar frustrações e anomalias que irão sempre atingir os menos favorecidos.
A colaboração de pais, professores e comunidade na escola é uma forma de contornar o insucesso escolar.
Uma educação integral que valorize, para além da formação intelectualizada, a educação física, a expressão pela arte, o trabalho produtivo, o conhecimento da realidade ambiente, a orientação escolar, a informação profissional, reúne elementos fundamentais para assegurar o sucesso no ensino.
Quarto pressuposto, o sistema escolar tem de responder, numa expectativa dinâmica, às condições peculiares de cada país, pelo que não aceitamos a transposição de modelos próprios a outras situações diferentes, tanto no plano político-social, como no do desenvolvimento económico.
O aprofundamento da pedagogia progressista portuguesa mais prescrita que de aplicação generalizada constitui um alicerce a aproveitar, até porque, salvo os 48 anos de fascismo, ela corresponde a uma tradição nacional, que a República fez florescer e que se manteve até aos princípios dos anos 30. Aplicando-a, estamos a sintonizar com a nossa tradição cultural a edificação de uma nova sociedade e de uma nova escola.
A inexistência de um modelo escolar comum num conjunto de países, ainda que de um mesmo bloco económico e político, como a CEE, por exemplo, demonstra perfeitamente a especificidade do sistema educativo. 15to justifica, ao contrário do que se fez crer, a não inserção da escola portuguesa em qualquer modelo que não pertença a nós próprios, o que de resto acontece com qualquer país.
À partida pomos o sistema escolar como produto e origem do desenvolvimento, conceito que não coincide com o do crescimento económico. O sistema educativo é para nós modelado e modelador do sistema de produção que nela terá de beber os valores culturais que possibilite aos homens serem eles, também, agentes de transformação social.
Em inúmeros países registou-se um acentuado aumento do dito crescimento económico, cujo proveito foi absorvido pelas camadas detentoras do poder económico-político, sem a melhoria desejada de benefícios de índole social generalizada. Há países muito desenvolvidos, onde a elevada produção de riqueza coexiste com um sistema escolar antidemocrático altamente segregador.
Para o MDP/CDE, o crescimento económico, que reputamos urgente, tem de servir o progresso social, a independência nacional, a participação na vida cívica e política e a livre circulação dos valores culturais. Em consequência, o sistema educativo deve partir da nossa

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realidade para os objectivos que melhor sirvam o desenvolvimento cultural, social e económico dos Portugueses.
Para o MDP/CDE a democracia baseia-se no poder transformador do indivíduo que em relação à colectividade aumenta essa potencialidade transformadora. A escola está para nós, no cerne desta dinâmica.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: São estes os pressupostos do nosso projecto de lei de bases que enquadram o nosso sistema no campo do real, não no mero campo dos princípios, o que o tornaria inexequível.
Para clarificação das nossas propostas reflectiremos sobre várias situações: em primeiro lugar, o combate ao analfabetismo literal vegeta, de tal modo que nem a hipótese necrófila do ex-Ministro Victor Crespo (o analfabetismo extinguir-se-ia com a morte dos analfabetos, mais numerosos, precentualmente, nas idades avançadas) se executou. Com efeito, têm surgido analfabetos de Abril que não cumpriram a obrigatoriedade escolar após a Revolução de Abril, o que é radicalmente oposto ao carácter libertador da Revolução.
Em segundo lugar, apesar de ser Portugal o país europeu com menor duração da obrigatoriedade escolar e impondo-se que venha a alargar-se em conformidade com todos os projectos de lei de bases, para 9 anos, a verdade é que, segundo dados da Direcção-Geral do Ensino Básico referentes ao continente e a Junho de 1983, 11,4% dos que concluíram o ensino primário não vieram a matricular-se no ensino preparatório, o que soma 19 223 crianças. Por distritos, os pontos extremos vão de 4,4 % em Setúbal e 5,2 % em Faro, a 19,7 % em Vila Real e 15,6% em Braga. Percentagens de crianças que não cumprem a já vergonhosa escolaridade obrigatória de apenas 6 anos.
Em terceiro lugar, o insucesso escolar é, por um lado, o maior flagelo da rentabilidade do nosso ensino e, por outro lado, é causa e consequência mais imediata da desmobilização profissional, do desajuste social, da difícil racionalização da vida colectiva. Se atendermos a que ele atinge o mesmo corpo do sistema educativo com 25,907o de insucesso, no ensino primário teremos uma ideia da corrosão do sistema no seu próprio cerne, já que todos os portugueses passam ou devem passar pelo ensino primário.
Segundo o anuário estatístico de 1981 da agora «maléfica» UNESCO, a taxa de repetência no total de inscritos no ensino primário é de 2% na Itália, 2% na Jugoslávia, 1% na Grécia, Portugal apresenta a taxa optimista de 17%, hoje já muito ultrapassada. Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto os países pobres não se podem dar ao luxo de ter sistemas de ensino ineficazes!
Em quarto lugar, a formação de professores é para o MDP/CDE obrigação prioritária de qualquer política educativa.
Se em princípio, e segundo o nosso projecto de lei, a formação inicial de professores não deve ser efectuada em exercício, neste momento, porém, este requisito não é viável.
Restringindo-nos ao ensino público e ao continente em 1982-1983 dos 53 880 professores existentes, 22 268, ou seja, (41,3%) não estão profissionalizados. E mais difícil será encarar este problema quanto mais se atrasar o funcionamento das escolas superiores de educação, cuja criação data já de 1977, tendo-se, afinal, concluído, em 1984, que apesar das comissões instaladoras nomeadas há já 3 anos ou 4 anos não estava ainda

definido qual o âmbito de formação, que professores formariam. A nossa escolha é precisa e clara sem que se feche a possibilidade de diálogo sobre o assunto.

A orientação das actividades pedagógicas, diz o nosso projecto de lei, na educação pré-escolar, e a docência no ensino primário são asseguradas por professores que possuem, respectivamente, os títulos profissionais de educadores de infância e de professores do ensino primário. A formação inicial, dando direito a estes títulos, adquire-se em cursos específicos, com uma duração total não inferior a 6 semestres, ministrados por escolas superiores de educação.

A docência no ensino secundário cabe a professores cujas formações iniciais são diversificadas em função das áreas ou disciplinas em que adquirem qualificação para ensinar.
Na medida, porém, em que não é possível, na década mais próxima, estender a desejável formação universitária a todos os professores, o MDP/CDE propugna que os professores após o 4.º ano de escolaridade básica, aqueles que são professores após o 4. º ano de escolaridade básica, tenham uma formação a que corresponda o grau de licenciado, o que não será tarefa desmedida se considerarmos que no ensino oficial e no continente, em 1982-1983, a rubrica de licenciados é a mais extensa no ensino preparatório, de 41,9%, reduzindo-se a de bacharéis a 17,7%..

O MDP/CDE propugna também que os educadores de infância e professores do ensino primário venham a ser diplomados pelas escolas superiores de educação, concedendo-se idêntico estatuto aos que, sem reciclagem prévia, se encontrem em exercício, sem prejuízo de caber ao Ministério da Educação, ultrapassando as suas incapacidades, garantir formação permanente a todos os educadores e professores.

Educação permanente que o MDP/CDE encara como necessidade prioritária do seu projecto de lei na convicção de que a segurança profissional do professor é fonte de estabilidade na escola, abre para uma melhor integração social do aluno e contribui para a criação de um ensino mais concreto que apele ao raciocínio científico.

Um número demasiado grande de portugueses aceita a prática de um pensar vago, predominantemente dominado pela afectividade, as ideias fáceis, os argumentos de autoridade, as explicações que não vão à essência das coisas; não examina com reflexão crítica nem as implicações das ideias que se propõem, nem as consequências dos actos que se praticam.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O MDP/CDE não entende um lei de bases do sistema educativo sem que ao longo dele corra um sistema de educação não formal que mantenha o equilíbrio do sistema formal e dê possibilidade de reclassificação profissional. Esse sistema começa na alfabetização e termina na universidade aberta.
Porque ainda durante muitos anos o sistema formal do ensino para servir coerentemente os seus objectivos vai fatalmente empurrar para fora dele muitos que por falta de apoio escolar, familiar, económico e social a ele não se adaptaram. Esses serão ainda os utentes de um circuito de educação permanente mais generalizado.

O projecto de lei do MDP/CDE propõe um sistema de formação profissional em articulação com o sistema formal do ensino; esta formação profissional desenvolve-se a partir do 9.º ano de escolaridade obri-

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gatória, tendo em vista uma integração harmónica no mundo do trabalho, na base de uma cultura geral que reputamos hoje essencial.
Porque no quadro vertiginoso de mudança o trabalhador tem de assegurar a sua capacidade de trabalho e esta depende da formação básica, sólida, isto é: conhecimentos bem claros sobre as grandes leis que regem o comportamento do mundo inanimado e dos seres vivos; capacidade para adquirir informação e trocar ideias; e mais do que tudo, capacidade para pensar sobre o que o cerca e capacidade para intervir na transformação do meio.
Por tudo isto, a componente formação básica polivalente ganha cada vez mais relevo.
O projecto de lei do MDP/CDE opta por uma saída para o mundo do trabalho, feito o ciclo unificado, formação elementar e rápida que se destina a ensinar uma profissão que poderá ser ministrada ou na escola, ou na maior parte dos casos fora da escola.
Ao ensino secundário, que no nosso projecto de lei tem 7 anos, seguem-se ensinos diversos, com diversos objectivos, entre os quais avantajam as formações profissionais não elementares. Dos ensinos que se seguem ao secundário, alguns são englobados no que, administrativamente, se tem chamado ensino superior; outros não são chamados, oficialmente, coisa nenhuma, indefinição em que se estiolam várias escolas e que não os ajuda a servirem o País.
Não propomos que passem a designar-se por superiores todos os ensinos que vêm depois do secundário; isso iria contrariar, sem vantagens, uma longa tradição, universalmente aceite, a qual classifica como médios alguns cursos que, embora seguindo-se ao ensino secundário, não obrigam a conceptualização de nível elevado. Todavia daqui resulta que dos ensinos que seguem ao secundário uns são superiores, outros não o são. É um terreno movediço à mercê de pressões sociais que, eventualmente legítimas, pouco têm a ver com o conteúdo científico e tecnológico dos ensinos e que fazem aparecer como superiores, à segunda-feira, cursos que no sábado anterior ainda eram médios; ou precisamente o contrário; em qualquer dos casos sem que o conteúdo, os métodos, os meios de ensino e a qualificação dos professores se tenham modificado significativamente.
A divisão dos estudos pós-secundários entre superiores e não superiores tem, ainda, uma consequência lógica mas nefasta: as escolas pós-secundárias que não são classificadas como superiores desejariam sê-lo. 15to, que é compreensível, não promove a tranquilidade do sistema, e encaminha esforços e gastos para pontos de aplicação errados.
À luz da mentalidade social com que os enquadramentos profissionais são vistos em Portugal, a divisão entre superior e não superior implica a inferiorização de cursos muito importantes; a classificação tem muito de arbitrário, salvo em situações extremas; leva a inconvenientes discriminações profissionais num país, como Portugal, em que os adjectivos e os títulos condicionam as possibilidades de intervenção dos cidadãos, mais do que a sua competência ou as suas autênticas capacidades. Sendo assim afigura-se atitude masoquista a insistência em designações que criam problemas em vez de os esclarecerem.
Os outros graus de ensino formal dividem-se tradicionalmente em primário e secundário. O critério de caracterizar os graus do ensino formal pela sua sequên-

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cia temporal deve ser estendido a todo o sistema e, por isso, propomos que o grau de ensino que se segue ao secundário seja designado por terciário, abandonando-se a adjectivação superior que é vaga e discriminativa.

No ensino terciário nomenclatura aconselhada pelo Conselho da Europa, cabe infindável diversidade de escolas, de tipo e níveis de ensino, de atitudes, de objectivos, que servem a diversíssima - e em rápida mutação - realidade económica e social,. Cada escola, cada grupo de escolas, cada tipo de ensino adoptará a designação que a sua índole, a sua vocação, a formação dos seus professores, a atitude que incuba nos alunos e a tradição lhes aconselhara.

No ensino terciário destaca-se um sector mais restrito que corresponde ao ensino universitário: focado predominantemente no cultivo da ciência, dos seus valores e métodos, entroncando o que ensina no conhecimento fundamental. Pode acrescentar-se que os restantes sectores do ensino terciário, embora respeitando o rigor da ciência, não a cultivam como objectivo primeiro: servem-se dos seus resultados para formar profissionais.

Há ainda enorme variedade de profissões que não exigem o domínio pleno do método científico, que não pretendem encontrar soluções novas para problemas novos, antes se exercem segundo vias bem experimentadas que outros criaram e desenvolveram. Em algumas destas profissões exigem-se técnicas avançadas; todavia, a parcela de criação é pequena ou nula; o que é importante é o rigor na aplicação dos processos.

Diversas - e muito - são pois as escolas que o projecto de lei apresentado pelo MDP/CDE inclui no ensino terciário. Aceitando os riscos de imprecisão contidos na palavra «ensinar», diremos que em todas concorrem três objectivos: ensinar a pensar, ensinar a trabalhar, ensinar a viver e a transformar a comunidade.

O MDP/CDE entende - e o projecto de lei que apresentamos traduz esse entendimento - que a acção das escolas e dos professores do ensino terciário deve estender-se a universo mais vasto do que o ensino e a investigação nos seus quadros tradicionais deve incluir as especializações pós-escolares; as reciclagens; a difusão dos avanços no conhecimento pela generalidade das pessoas interessadas; e ainda a prestação de serviços especializados que a gabinetes de estudos comerciais não interessará realizar por serem de resultados aleatórios e custos incertos.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O MDP/CDE ao apresentar este seu contributo, quer vincar bem a necessidade, a urgência de, pelo menos, na educação, o País encontrar alguns esquemas lógicos para uma política educativa que façam do Ministério da Educação não o ermitério criativo, habitado temporariamente por homens diversos à procura de si próprios, mas o local de diálogo, de debate, das decisões das coordenadas nacionais que o País irá seguindo e transformando.

É necessário fazer face à terrível herança de 400 anos de inquisição, censuras, repressão, polícias políticas, anátemas e obscurantismos, e dela se alimentam os vendedores de mitos que neste final de século encontram, em Portugal, uma audiência imprópria de um país europeu.

Por tudo isto ensinar a pensar é a primeira função do ensino. A segurança do raciocínio lógico deve ser incutida a partir da estrutura do Ministério.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: A definição de uma lei de bases de um sistema educativo é um acto de clareza, de tolerância, de eficiência democrática a que o MDP/CDE não só se orgulha de ter dado o seu contributo, como se sente compensado de, em plena crise política e institucional, lhe ser possível chamar a atenção para os grandes problemas do País, marcando com mais este facto a coerência da sua já longa acção ao serviço da democracia.
Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

Entretanto assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Manuel Pereira.

O Sr. (Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Domingues.

O Sr. Agostinho Domingues (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura: Antes de lhe formular duas pequenas questões, gostaria de lhe prestar pessoalmente a minha homenagem pelo seu empenhamento como deputada nas questões da educação.
Não é novidade para nenhum dos Srs. Deputados desta Câmara que a Sr.ª Deputada tem sido das pessoas que mais se tem batido pela solução dos problemas da educação no nosso país. Por outro lado, não quero deixar sem registar que, para além do mérito pessoal da Sr.ª Deputada, V. Ex.ª transporta uma herança cultural familiar que se torna patente no próprio exercício das suas funções ao nível da educação.
Sr.ª Deputada, gostava de fazer-lhe duas simples perguntas, uma vez que terei depois oportunidade, em nome do meu grupo parlamentar, de me alargar um pouco mais na intervenção que farei.
A primeira questão é a seguinte: entende V. Ex.ª que este é o momento mais oportuno para a apresentação, discussão e votação , nesta Câmara, de um projecto de lei de bases do sistema educativo?
A segunda questão diz respeito ao insucesso escolar que é, sem dúvida, um dos problemas mais dramáticos do ensino em Portugal. O projecto do MDP/CDE acentua bem esse aspecto, concretamente, no preâmbulo. Sendo dramático, como todos entendemos que é, o problema põe-se naturalmente ao nível das soluções para combater esse insucesso.
Pode a Sr.ª Deputada tentar, se isso é possível, colocar-se na posição hipotética de assumir funções governativas responsáveis ao nível da educação neste país e, nessa posição, preconizar algumas medidas concretas e eficazes a curto prazo para a solução do insucesso escolar, nos condicionalismos económicos, sociais e culturais do nosso país?

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra ,(PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura: Não lhe irei colocar questões no concreto, de especialidade ou de esclarecimento sobre o projecto de lei apresentado pelo MDP/CDE, uma vez que é um projecto que existe já há diversos anos nesta Assembleia.

Creio que podemos dizer que este projecto e os dos outros partidos sobre o mesmo assunto talvez tenham sido aqueles que têm sido objecto do maior debate em termos de participação das pessoas interessadas ou de uma parte substancial das pessoas interessadas, nomeadamente os professores.
Creio que, na verdade, estes projectos têm sido larga e longamente discutidos em debates em que têm participado os vários partidos e os responsáveis destes e, portanto, creio que hoje há uma ideia precisa sobre as soluções preconizadas e sobre, digamos assim, a diferença de opinião existente nos vários grupos parlamentares que têm projectos, diga-se também.
Também não lhe iria colocar questões sobre a situação do sistema de ensino, pois estou de acordo consigo e subscreveria uma grande parte daquilo que a Sr.ª Deputada acaba de dizer.
Pelo nosso lado, nós também temos tido a oportunidade de salientar várias vezes a situação grave em que se encontra o ensino português e a incapacidade dos sucessivos governos para lhe dar resolução; pelo contrário, a situação do ensino tem-se agravado de forma brutal, assim como todos os problemas.
A questão que lhe iria colocar é, pois, uma questão política, digamos assim. Creio entender esta marcação do MDP/CDE - e se não estiver certa peço-lhe que me corrija - como mais do que um legítimo protesto por estarmos, mais uma vez, à beira da dissolução da Assembleia da República sem que a lei de bases do sistema educativo saia desta Assembleia.
15to é, há já vários anos que andamos com vários projectos pendentes, com varias soluções, enfim, com um debate vivo nas escolas, mas sem que a Assembleia da República dê resposta a uma questão-chave que, por outro lado, consta de todos os programas de Governo, pois todos os governos que aqui vêm dizem: vamos discutir e votar a lei de bases do sistema educativo.
Portanto, creio que o seu protesto é mais do que legítimo e eu pretenderia associar-me também a esse protesto porque, na verdade, era obrigação da Assembleia da República ter aprovado uma lei de bases que respondesse ao problema, dentro das várias opiniões dos vários partidos, que fosse um projecto nacional e de empenhamento de todas as pessoas interessadas e de todos os partidos na resolução de alguns problemas graves.
Não sendo assim, a situação que se verifica é aquela que acaba também de ser denunciada pela Sr.ª Deputada . 15to é, a Assembleia da República e o País vão sendo colocados perante situações de facto dos vários ministros e dos vários governos, que fogem à discussão aqui da questão concreta de soluções de fundo para o sistema educativo e depois vão fazendo despachos e decretos em que vão tentando remendar o mal e vão agravando todos os problemas.
Para ilustrar esta ideia, dou-lhe só o exemplo da situação que se vive em relação à profissionalização.
Neste momento, temos professores a sair das escolas superiores de educação que ainda não sabem o que é que lhes vai acontecer; e, simultaneamente, esses professores que vão sair, em termos de direitos, vão ultrapassar os professores que já estavam no sistema educativo, dos quais alguns já estavam integrados na profissionalização. Ora, com tudo isto, há um descontentamento muito grande da parte dos professores, sobretudo até pela incógnita que isto significa.

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Quanto a nós, esta situação não pode continuar e este é apenas um exemplo, pois outros exemplos se vivem neste momento e eu poderia trazê-los aqui.

Uma voz do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Creio que, neste sentido, é mais do que legítima a marcação pelo MDP/CDE da discussão deste projecto de lei como o salientar, digamos assim, de um protesto para esta situação e, em nome do meu grupo parlamentar, quero associar-me também a este protesto.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Góis.

O Sr. Jorge Góis (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura: Iria colocar a V. Ex. º duas questões, que têm mais a ver com o carácter político do presente debate do que propriamente com o conteúdo do mesmo.
A primeira questão prende-se - retomando de alguma maneira um problema que já foi colocado por outra bancada - com a oportunidade política deste debate. No momento em que se assistiu à ruptura da coligação e em que acabámos de ouvir um deputado do mesmo agrupamento parlamentar a que pertence V. Ex.ª dizer ali, do alto desta tribuna, que esta Assembleia perdeu a sua legitimidade política, no momento em que, na mesma intervenção, o MDP/CDE vem propor no seio desta Assembleia o congelamento de toda uma série de diplomas, nomeadamente da lei das rendas, da lei de segurança interna, das leis laborais, das leis autárquicas e o congelamento do debate sobre o Tratado de Adesão, porquê então dois pesos e duas bitolas, considerando que é possível, afinal, refrescar a legitimidade desta Assembleia para debater aqui hoje um diploma que, esse sim, é fundamental e que requer, pela sua própria natureza, um amplo consenso desta Câmara?
Este diploma não pode ser agora aprovado por maioria escassa, porque senão amanhã pode vir a ser revogado por uma outra maioria que resulte dos próximos actos eleitorais. Trata-se de uma autêntica lei de regime, que não pode, em nome da dignidade das matérias que estão em causa, sair de um debate com as características políticas e com as circunstâncias estranhas em que este está a decorrer.
Gostaria, desta maneira, de lhe colocar o problema da oportunidade e da própria articulação e coerência desse agrupamento parlamentar em suscitar aqui, hoje, este debate, quando se pronunciou contra o prolongamento dos trabalhos e quando vem propor o congelamento de tudo o resto que está pendente nesta Assembleia, excepto tratando-se da lei de bases do sistema educativo.
A segunda questão que lhe queria colocar, Sr.ª Deputada, tem a ver com o facto de se saber qual é a utilidade deste debate. Afinal, o MDP/CDE quer ou não a dissolução da Assembleia da República e a realização de eleições antecipadas?
É que aquilo que se avizinha é o extinguir desta Assembleia e, como tal, na melhor das hipóteses passará a haver um diploma aprovado na generalidade, mas que não terá qualquer eficácia nem resolverá o problema que por esta via se pretende equacionar.

Parece-me pois, de um ponto de vista extremamente lógico e de mera racionalidade política, que não há qualquer ra2ao de ser ou qualquer utilidade no debate que, pela mão do MDP/CDE, esta Assembleia está a encetar.
Era esta questão da utilidade do presente debate parlamentar, para além do da sua oportunidade, que lhe queria endereçar, porque parece, de alguma maneira, que estamos apenas a perder tempo para que algumas forças políticas tenham, desde já e na lógica pré-eleitoral que se vive, uma bandeira para percorrer o País e virem dizer que, afinal, é agora, ao fim, que algumas das medidas são tomadas. Eu diria que passámos 2 anos sem que fossem tomadas quaisquer medidas e é agora, pela mão do MDP/CDE, socorrendo com isso o PS, que uma das 100 medidas que ficaram na gaveta na altura própria vai ser implementada, a escassos dias da dissolução da Assembleia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Pessegueiro.

O Sr. Francisco Pessegueiro (UEDS): - Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura: Só um projecto, o do MDP/CDE, foi agendado, não tendo havido consenso para o agendamento simultâneo dos três projectos conhecidos. Se, por hipótese, este projecto for aprovado, nada impedirá, provavelmente, o agendamento de outros projectos de lei, mas, no meu entender, tal carece de lógica. Lógico seria, porque mais eficaz, que o MDP/CDE aguardasse por uma discussão conjunta dos três projectos, procurando o maior consenso possível, sobre uma matéria tão importante.
Lembro aqui a intervenção da Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura quando, a determinado passo, diz defender o acordo de forças diversas na definição do sistema educativo. Julgamos mesmo que com os três projectos conhecidos poderíamos construir uma lei de bases eficaz.
Ora, sabendo que a hipótese deste projecto passar na Assembleia é remota, gostaria de fazer uma pergunta à Sr.ª Deputada. Que dividendos políticos pretende tirar o MDP/CDE com esta iniciativa? Será um mero protesto, como já a Sr.ª Deputada Zita Seabra disse, ou pretenderia de facto o MDP/CDE, com esta iniciativa, criar um projecto que, transformado em lei, fosse eficaz?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Começaria por responder ao Sr. Deputado Agostinho Domingues, agradecendo-lhe a sua intervenção e as palavras que me dirigiu. Se me permite, e com todo o respeito que tenho pelos antepassados familiares, aceitaria esses elogios em nome do meu partido, já que o meu trabalho aqui, como sabe, não é isolado e o grupo de educação do MDP/CDE tem um trabalho nacional nas escolas, que V. Ex.1 conhece bem.
O Sr. Deputado pergunta-me a razão por que se apresenta neste momento o projecto. Penso que o Sr. Deputado poderá, melhor do que ninguém, responder a esta pergunta. Há momentos e limites que se esgotam e para além dos quais as pessoas não podem condescender. Toda a condescendência da Comissão de

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Educação com os partidos que prometem projectos de lei e não os entregam chegou ao limite e todos nós o sentimos na escola. Todas as pessoas que foram à escola sentiram que, mais ciclicamente do que politicamente, não podiam voltar a contactar os professores sem dizerem que levaram a lei de bases do sistema educativo à Assembleia da República. Ora, o resultado da discussão na Assembleia da República não tem a ver com o meu partido, mas sim com os de V. Ex. a que estão aqui presentes.
Quanto ao insucesso escolar, o Sr. Deputado faz bem em pôr como hipótese as minhas responsabilidades governativas, porque, de facto, a primeira condição seria uma dinâmica educacional e penso que um governo que não tivesse essa dinâmica como objectivo era capaz de não precisar dos meus préstimos!
Há muitos anos que luto, de facto, pela educação e não há muita diferença entre os vários ministros que se têm seguido, mesmo depois do 25 de Abril. Houve uma atitude revolucionária de entusiasmo em que todos os Portugueses acorreram à escola, o Sr. Deputado sabe como isso aconteceu, porque era professor nessa altura, e sabe como essa dinâmica poderia ter sido aproveitada e como ela foi destruída pelo medo da nossa classe política. É que a nossa classe política, Sr. Deputado, recrutando-se realmente na burguesia, sofre, com efeito, de um terço de analfabetismo, que todos carregamos às costas em Portugal.
As medidas contra o insucesso escolar consistiriam, primeiro que tudo, nessa dinâmica educativa indispensável. As pessoas hoje não podem ser educadas só na escola e o insucesso escolar não se deve apenas às más condições da escola. Essa dinâmica educativa não existe na televisão, nem na rádio, nem nas relações entre os deputados na Assembleia da República. Não há um sentido pedagógico, a política está completamente divorciada dos valores morais e culturais e não é possível, em caso algum, resolver mecanicamente os problemas. Há toda uma transformação de mentalidade social a fazer, e V. Ex.ª, Sr. Deputado, tem dado uma valiosa colaboração e todos nós na Comissão de Educação temos diagnosticado e sabemos como é que se poderia avançar, se não fossem as tais determinações partidárias.
Gostaria de continuar a responder-lhe, mas penso que neste momento bastará aquilo que ficou dito para me entender.
Quanto à Sr.ª Deputada Zita Seabra, queria dizer-lhe que a nossa posição é, de facto, de protesto, mas não apenas isso. A nossa posição é de obrigação moral perante os professores com os quais contactamos quase semanalmente, o PCP, que tem estado presente em quase todos esses debates, sabe até que ponto seria obrigatório da nossa parte vir aqui à Assembleia com esta acção para podermos dizer aos professores que cumprimos a nossa obrigação e que o resto não é connosco. Poder-se-á, portanto, dizer que a nossa acção agora é por protesto, mas será um protesto generalizado contra a incompetência política dos vários governos na sua generalidade e contra a mentalidade que se criou em Portugal, em que a política está completamente dissociada do real e da resolução efectiva dos problemas.
O Sr. Deputado do CDS condenou de novo o problema da oportunidade política e falou numa coisa muito pouco agradável, que são os dividendos políticos. Felizmente, que o meu partido é demasiado pequeno

para se preocupar com essas coisas e fico satisfeita por pertencer a um partido pequeno quando ouço expressões desse calibre.
Quanto à oportunidade política, ela para nós existe sempre, Sr. Deputado, porque não limitamos a democracia à Assembleia da República e ao Governo. Ela tem de emanar de condições democráticas e são estas que estamos empenhados em criar. Todo o passado da CDE, que o Sr. Deputado possivelmente conhecerá, radicou nessa convicção de que a democracia tem de partir da base até às instituições e que sem essa base democrática não poderá haver instituições democráticas.
A nossa função aqui na Assembleia da República é discutir e chamar a atenção dos Srs. Deputados, dos representantes do povo português, visto que se trata realmente de uma grande lacuna e será tempo de, na próxima Assembleia da República, se modificarem as coisas.
A nossa comissão não tem nada a ver com a possível dissolução ou não da Assembleia da República. Na altura em que nós agendámos este projecto de lei houve até um deputado desta Câmara que me disse - e eu não ouvi com a calma que deveria ter ouvido - que havia intenção por parte do MDP/CDE de desfazer a coligação. De facto, a coligação já estava desfeita quando nós agendámos este assunto, mas isso ainda não era tão visível como agora. Logo a seguir o próprio PS e o próprio PSD encontraram motivos para desfazer a coligação, que nada têm a ver com o nosso agendamento. Portanto, o que lhe queria dizer, Sr. Deputado, é que a nossa posição é metodológica e cívica.

O Sr. Jorge Góis (CDS): - Sr.ª Deputada, dá-me licença que a interrompa?

A Oradora: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Góis (CDS): - Sr. Deputada, posso, portanto, concluir das palavras de V. Ex. e que para o MDP/CDE não estamos perante um órgão de soberania com os seus poderes normais, que é a Assembleia da República, mas perante uma mera câmara de protestos. O Parlamento deixou de ter legitimidade para debates políticos normais, mas passou a ser uma ampla câmara de eco onde cada um pode vir fazer os seus protestos e os seus desabafos. Parece-me que é esta a única ilação lógica que se pode tirar das palavras de V. Ex. a

A Oradora: - Dado que o Sr. Deputado tirou essa ilação lógica, não poderei continuar a responder-lhe, porque é evidente que estamos em campos tão diferentes, temos conceitos tão diferentes de democracia, que é um bocado difícil encontrar-se um plano comum. Espero que nas acções práticas, o possamos fazer.
Quanto ao Sr. Deputado da UEDS, é evidente que o senhor é muito recente nesta Assembleia, a UEDS só começou a ir à Comissão de Educação desde que V. Ex.ª está aqui nesta Assembleia e não tem, portanto, conhecimento das múltiplas démarches, pressões e condescendências que os partidos que têm projectos de lei sobre a educação têm feito com os partidos que os não têm. Acresce que, destes últimos, o PSD é um partido que tem estado no Governo à frente do Ministério da Educação e esse facto determinou que a nossa condescendência não pudesse continuar por motivos de honorabilidade política, se assim lhe quiser chamar.

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O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Agostinho Domingues está inscrito para uma intervenção, mas como faltam apenas 10 minutos para as 13 horas, penso que não conseguirá produzir a sua intervenção nesse período.

O Sr. Agostinho Domingues (PS): - Sr. Presidente, parece-me que seria melhor, de facto, deixar a minha intervenção para a parte da tarde, uma vez que o tempo que resta agora não é suficiente para a intervenção e para os pedidos de esclarecimento. Mas a Mesa considerará.

O Sr. Presidente: - Portanto, se os Srs. Deputados estão de acordo, suspendíamos agora os trabalhos e reiniciaríamos às 15 horas.
Srs. Deputados, está suspensa a sessão.

Eram 12 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Domingues.

O Sr. Agostinho Domingues (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por iniciativa do Grupo Parlamentar do MDP/CDE ocupamo-nos hoje de um projecto de lei de bases do sistema educativo.

Todas as pessoas ligadas aos problemas de ensino, e, de um modo especial, os professores e outros agentes educativos, sentem a necessidade de dotar o País de uma lei de bases do sistema que balize, a curto e médio prazo, as linhas de orientação da política de ensino. Alunos, pais e professores precisam de saber - e com a necessária antecedência -- que leis regem a educação para adoptarem as medidas que melhor satisfaçam aos objectivos da formação dos educandos em benefício de si próprios e da sociedade. Ao vazio de uma lei de bases do sistema educativo acresce ainda a mudança sucessiva das equipas ministeriais, o que se tem traduzido em instabilidade na administração do ensino e, pior ainda, em algumas arbitrariedades notórias em matérias importantes.

A lógica deste preâmbulo pareceria conduzir a felicitar o MDP/CDE pela sua iniciativa. Sem ser ilógica, ,a conclusão é, porém, diferente.
A instabilidade política permanente a que o País tem estado sujeito obriga só por si - e mesmo que outras razões não houvesse - a procurar o maior consenso possível na aprovação de uma lei de bases do sistema educativo. Os Srs. Deputados do MDP/CDE sabiam que nenhum outro projecto de lei de bases seria neste momento agendado. Tiveram um primeiro momento de lucidez ao adiarem um agendamento fixado para o princípio deste mês. Terminaram, nó entanto, por marcar novo agendamento. Não foram movidos certamente pela defesa dos problemas da educação, dado não contarem à partida com garantias de apoio da maioria desta Câmara. Por outro lado, mesmo que viesse a ser aprovado na generalidade, não há condições políticas para a sua discussão e votação na especialidade nesta ponta final da sessão legislativa e, porventura, da própria legislatura. É pena que o MDP/CDE tenha trans-

formado um texto de educação, válido no seu conjunto, em pretexto político ao serviço de interesses alheios à causa do ensino!

Uma voz do PS: - Muito bem!

O Orador: - Além do projecto do MDP/CDE, agora em discussão, estão pendentes nesta Assembleia os projectos do PCP e do PS. O PSD e o CDS, partidos com responsabilidades políticas decorrentes mormente da sua representatividade eleitoral, não foram capazes de apresentar qualquer projecto de lei de bases do sistema educativo. A proposta de lei de bases da AD, da autoria do Prof. Vítor Crespo, nunca foi assumida pelo CDS. Mas o mais curioso é que o PSD também a não tenha perfilhado apesar de elaborada por um seu tão distinto militante.
O Partido Social-Democrata vem sendo, desde há vários anos, o governante do ensino em Portugal.

O Sr. Abílio Curto (PS): - É verdade!

O Orador: - Pois bem: não tem política de educação, ou melhor, pressupõe-se ter várias conforme as tendências e os grupos existentes no seu seio.

O Sr. Abílio Curto (PS): - Muito bem!

O Orador: - O que se passa com o PSD em matéria de educação não deixa de ser paradigmático do posicionamento deste partido face à solução dos problemas do País. Se alguém, desprevenido, for tentado a acreditar nas razões invocadas pelo Sr. Prof. Cavaco Silva para a ruptura da coligação, reflicta tão-só neste mesmo exemplo. Acusar o Partido Socialista de não avançar na solução dos grandes problemas do País e proceder por sua vez, em inúmeros domínios, como constante travão do progresso, exige da nossa parte - Partido Socialista - a mais viva repulsa.

Aplausos do PS.

O projecto de lei de bases do sistema educativo do Grupo Parlamentar Socialista foi apresentado em Maio de 1984. O Grupo Parlamentar do PSD comprometeu-se então a apresentar um seu projecto até Fevereiro de 1985. A insistência reiterada do PS de nada valeu contra a fragmentação do PSD. A maioria parlamentar devia ao País uma lei de bases do sistema educativo na presente legislatura. O PS, neste como em outros sectores, cumpriu os seus compromissos para com o eleitorado. O País, e nomeadamente os professores, legitimamente escandalizados com os sucessivos adiamentos, têm direito a exigir satisfações ao Partido Social-Democrata.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: - Regressemos ao projecto do MDP/CDE. Sem possibilidade de cotejo das suas teses com as de outros projectos, não vale a pena avançar muito na análise. Corredor isolado, embora sem culpa de ninguém o ter acompanhado na corrida, o facto é que não estamos em condições de avaliar em profundidade as suas virtudes e defeitos.

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Queremos, no entanto, formular algumas questões que julgamos pertinentes:

1.ª Se o MDP/CDE admitisse qualquer hipótese de vir a ser governo prometeria medidas aparentemente fáceis mas de difícil implementação a curto prazo, como a construção dos necessários edifícios escolares, a melhoria da qualidade do ensino, o acesso de todos à escola nas melhores condições, o eficaz combate ao insucesso escolar, a educação permanente alargada, uma ampla cobertura da pré-escolaridade, etc., conforme se prevê no preâmbulo do projecto?
2.ª Sendo o único projecto que omite qualquer referência ao carácter facultativo da educação pré-escolar, quererá isso dizer que o MDP/CDE admite que possa tornar-se obrigatória a frequência dos jardins-de-infância?
3.ª Que razões levaram o MDP/CDE a regressar aos tempos antigos preconizando a supressão do ciclo preparatório? Dividir o ensino não superior em primário + secundário é só uma questão de nomenclatura, ou traduz antes um juízo de valor sobre o ciclo preparatório, o qual tem sido sem sombra de dúvida motor de permanente inovação pedagógica?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador:

4.ª Como compatibilizar a supressão do 12.º ano de escolaridade com as garantias do acesso à escola, sabendo que o aumento de um ano no ensino secundário permitiu a redução da duração de muitos cursos superiores? O problema estará na existência em si do 12.º ano ou, pelo contrário, no seu funcionamento em condições muito deficientes designadamente por falta de instalações, de docentes qualificados, de má definição curricular, etc.?

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muitas outras questões podiam ser postas. Preferimos deixá-las para quando for possível confrontar directamente vários projectos de lei de bases do sistema educativo. Só então será possível optar pelas melhores soluções.
Em face das razões expostas, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista não poderá votar favoravelmente o projecto de lei de bases do sistema educativo apresentado pelo MDP/CDE.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - O Sr. Deputado Agostinho Domingues fez mais perguntas do que aquelas que lhe poderei fazer a si próprio.
O pedido de esclarecimento que lhe queria fazer era o seguinte: o que é que o levou a dizer que os objectivos do MDP/CDE nada têm a ver com o ensino?
De todos os pedidos de esclarecimento que fez na sua intervenção responder-lhe-ia apenas a um pois é aquele que me parece poder levantar algumas dúvidas, não aos seus colegas que me têm acompanhado em muitas centenas de sessões, mas consigo, Sr. Deputado,

porque pertence a outros ciclos e, como tal, não me tenho encontrado tão frequentemente com o Sr. Deputado.

De facto, o MDP/CDE considera que a educação pré-escolar não faz parte sequer do sistema de ensino. Essa educação deverá estar a cargo das autarquias, das colectividades e também do Ministério da Educação, mas a este Ministério caberá sobretudo a formação de professores e não a instalação. Como tal não é possível - até porque sabe que isso é contra as normas da Organização Mundial de Saúde - que pudéssemos considerar o ensino pré-escolar obrigatório.

Quanto às perguntas que me fez, elas têm resposta no nosso projecto de lei de bases. Como o Sr. Deputado está muito mais próximo do que eu do Governo, espero que na altura própria, visto que concorda com elas, as possa implementar.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Deputado Agostinho Domingues, gostei da sua intervenção; V. Ex.ª teceu nela vários considerandos que me permitem esclarecer e colocar algumas questões em que tenho dúvidas.

A primeira pergunta é a seguinte: entende V. Ex.ª. a que pelo facto de ter sido rompida a coligação é apenas o Partido Social-Democrata o responsável, ou que tem sido o PSD o único responsável pela política educativa do País?

Disse V. Ex.ª, Sr. Deputado, que o PSD era um partido com responsabilidades. Ficamos-lhe gratos porque, muito embora não nos dê qualquer novidade, somos de facto um partido com responsabilidade; mas se aqui estamos de acordo, já não o poderemos estar quando V. Ex.ª diz que não fomos capazes de apresentar um projecto de lei de bases do sistema educativo.

Certamente que o Sr. Deputado Agostinho Domingues não se esquece que foi precisamente um ilustre membro do PSD, na altura Ministro da Educação deste país, que em Abril de 1980 apresentou a proposta de lei n.º 315/I. Fomos, na realidade, os primeiros a apresentar uma proposta de lei de bases do sistema educativo e o que é certo, Sr. Deputado Agostinho Domingues, é que muitas forças políticas que agora nos apontam e nos criticam pelo facto de não apresentarmos um projecto de lei de bases nesta altura, nessa altura disseram ser prematuro apresentarmos uma proposta de lei e acusavam até o Ministro de então - o meu companheiro de bancada Prof. Vítor Crespo de estar a aplicar uma lei de bases sem que ela tivesse sido efectivamente aprovada neste hemiciclo.

Diz V. Ex.ª, a seguir, que o PSD tem sido o governante do ensino em Portugal. Não enjeitamos as nossas responsabilidades, mas, Sr. Deputado Agostinho Domingues, as responsabilidades do ensino em Portugal são só do PSD? Certamente que V. Ex.ª sabe que o PSD tem uma política clara, objectiva, real e uma política de educação verdadeira, que nunca pôde pôr em prática porque nunca esteve sozinho no governo. E até nesta matéria se nós fossemos equacionar convenientemente a questão não sei se as responsabilidades que nos cabem não seriam inferiores àquelas que cabem ao Partido Socialista.

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Procura também V. Ex.ª fazer-nos ainda uma outra acusação. Nessa acusação há incoerência por parte do Sr. Deputado Agostinho Domingues, pois diz por um lado que não temos uma política educativa e um projecto de lei de bases e, por outro, diz que desconfia que o PSD tem várias propostas e que são tantas quantas as tendências. Afinal de contas em que é que ficamos, Sr. Deputado?
Há, pelo menos, a constatação de uma realidade: é que não quero que, V. Ex. a tenha dúvidas, nem que desconfie. Peço-lhe que tenha a certeza de que o PSD tem uma verdadeira política educativa.
Diz também V. Ex. º - e não me posso alongar mais - que devíamos, e aqui falou bem porque falou no plural, ao país uma lei de bases na presente legislatura. Devíamos e nós estávamos dispostos a cumprir assumindo as nossas responsabilidades; só temos pena que a legislatura tenha sido interrompida e por tal facto diluímos também as nossas responsabilidades.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Cachado.

A Sr.ª Luísa Cachado (PCP): - Sr. Deputado Agostinho Domingues, começaria por citar o ditado popular - e o povo tem sempre razão - que diz que «quando se zangam as comadres se descobrem as verdades».
E começaria por lembrar - até porque a memória é curta - que a pasta da educação viajou durante 9 anos das mãos do PS para as do PSD e por isso é difícil, neste momento, alijar responsabilidades. Ambos foram os timoneiros de um barco que afundaram e de um barco que lançaram no caos e na degradação.
As duas questões concretas que queria colocar-lhe eram as seguintes: por que não hoje em dia dar também, independentemente das tricas, das polémicas e dos conflitos da coligação, respostas concretas e por que não agendou o PS um projecto de lei de bases do sistema educativo?
A segunda questão refere-se ao facto do Sr. Deputado ter dito que o PS cumpriu os seus compromissos com o eleitorado. Gostaria que o Sr. Deputado explicitasse se cumprir os compromissos com o eleitorado é sinónimo de, tão-só, «cedermos ao PSD em tudo e também no sistema educativo»? Se cumprir face ao eleitorado significa exclusivamente ceder ao PSD?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Domingues.

O Sr. Agostinho Domingues (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais quero agradecer as perguntas que me foram feitas, na medida em que revelaram interesse pela intervenção que produzi em nome do meu grupo parlamentar.
Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, agradeço-lhe as respostas que deu, uma vez que invertemos um pouco os papéis em termos regimentais: eu fiz realmente algumas perguntas embora essas perguntas tivessem subjacente, como é óbvio, alguma crítica.
A Sr.ª Deputada procura defender-se da acusação que fiz - e que reitero - das intenções duvidosas na apresentação, por parte do MDP/CDE, do projecto de lei de bases do sistema educativo neste momento. De

facto, Sr.ª Deputada, o MDP/CDE sabe perfeitamente que neste momento não há condições para aprovar, após uma discussão suficientemente aprofundada e que resultasse de um confronto de vários projectos, o seu projecto de lei de bases. Estão patentes razões de ordem política que são legítimas; não creio que, da minha parte, isto constitua uma acusação caluniosa. Apenas me parece que o País - e concretamente as pessoas mais ligadas ao ensino -tem o direito de denunciar que tenha sido tornada prioritária uma questão de política e político-partidária em relação às questões da educação.
Quanto às outras perguntas, agradeço à Sr.ª Deputada as suas respostas e não vale a pena, portanto, comentar, pois defendeu-se como bem soube.
Mas gostaria apenas de fazer referência a um ponto concreto ou seja ao problema da educação pré-escolar. Como o Sr. a Deputada disse, o projecto de lei do MDP/CDE é o único que não diz se a educação pré-escolar é obrigatória ou facultativa. Nessas matérias, como noutros sectores do projecto, há uma ambiguidade que pode eventualmente traduzir-se depois, nas mãos do legislador ordinário, no facto de serem encaminhadas num ou noutro sentido. Como nós, Partido Socialista, entendemos - e parece ser esta também a opinião dos outros grupos parlamentares porque são claros nessa matéria - que a educação pré-escolar não deve ser obrigatória, temos direito a denunciar essa ambiguidade.
Sr. Deputado Lemos Damião, tenho muito prazer em responder ao meu caro amigo e conterrâneo, demais a mais porque além de deputado é presidente da Comissão de Educação. É evidente que o Sr. Deputado não fez a sua intervenção na qualidade de presidente da Comissão de Educação, mas não pode, de modo nenhum, esquecer essa sua posição, que resulta em responsabilidades para o PSD.
Quando acusei o PSD de não ter uma política de educação quis entender fundamentalmente que isso se refere ao Grupo Parlamentar do PSD e nós, deputados, temos de assumir antes de mais as nossas responsabilidades como deputados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Evitei, e evitarei até ao fim das minhas intervenções nesta Assembleia, fazer referências directas aos cargos governamentais e ao exercício por parte do Governo, uma vez que as nossas responsabilidades aqui são parlamentares.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A acusação que fiz - e que repito é ao Grupo Parlamentar do PSD, que parece que tinha várias propostas. Digo «parece» porque elas nunca apareceram a público.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - 15to é perfeitamente conhecido de toda a Câmara e é importante que todo o País saiba que o Grupo Parlamentar do PSD, constituído por Srs. Deputados competentes, simpáticos e pessoas de extraordinário valor, padece da divisão e da fragmentação que é prejudicial ao País e prejudicial ao povo português. Os Srs. Deputados têm de assumir isto.

Aplausos do PS.

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Portanto, Sr. Deputado Lemos Damião, não entrei em qualquer contradição nessa matéria.
Quando falámos de responsabilidades ao nível do Governo, é evidente que se fala de responsabilidades dominantes, uma vez que o Ministério da Educação tem estado presidido por sucessivos Ministros do PSD, desde a AD até ao actual. A responsabilidade máxima é evidente que tem de ser imputada ao Ministro, sem prejuízo da quota-parte das responsabilidades que cabem, evidentemente, aos Secretários de Estado.
Sr.ª Deputada Luísa Cachado, felizmente - e permita-me um parêntesis porque creio que tenho algum tempo - é agradável respondermos nesta Câmara fazendo-o entre professores.
Gostaria de dizer que já participei em várias sessões escolares com a Sr.ª Deputada Luísa Cachado e que tenho tido a oportunidade de verificar que a Sr.ª Deputada, colocada nessas situações, consegue ser - e isto é elogio, mesmo que o PCP possa não gostar colocar-se aí mais como professora do que embebida nos slogans e na demagogia que caracteriza o PCP.

A Sr." Margarida Tengarrinha (PCP): - Óptimo!

O Orador: - Quando a Sr.ª Deputada começa por dizer citando o adágio popular: «Zangam-se as comadres, descobrem-se as verdades», é preciso ter cuidado com isso...

Vozes do PCP: - É verdade!

O Orador: - Do que se trata é de uma coisa muito simples: é da transparência associada à responsabilidade em política.
Naturalmente que os partidos políticos assumem posições de solidariedade e de respeito, em termos político-partidários e de coligação, para salvaguardar interesses fundamentais do País e para responderem aos compromissos eleitoralmente assumidos e isso não significa que não haja divergências.
O PCP não tem essa dificuldade porque só faz coligações com partidos que possa perfeitamente dominar. O Partido Socialista associa-se, nunca para controlar ninguém, mas para resolver os problemas do País em termos de perfeito respeito pela autonomia e pelos projectos dos partidos associados.

A Sr.ª Margarida Tengarrinha (PCP): - Não faça juízos desses!

O Orador: - Mas, Sr.ª Deputada, tenha cuidado, pois apesar de a APU ser uma coligação com um partido dócil, como é o MDP/CDE, já estiveram à beira de uma rupturazinha, que começou lá pela minha terra - por Braga. O MDP/CDE furou o esquema, foi descobrindo muitas verdades e o que valeu foi alguns dirigentes do MDP/CDE terem conseguido apagar algum fogo a tempo e não sabemos se apagarão todos.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Olhe que tem muitos votos, aí para as suas bandas, com que se preocupar!

O Orador: - Quanto à segunda questão, quando a Sr.ª Deputada Luísa Cachado me pergunta por que é que o PS não agendou o seu próprio projecto, eu faço-lhe a mesma pergunta: por que é que o Partido Comunista não agendou o seu?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É que é estranho. Tendo uma linha de pensamento tão semelhante à do MDP/CDE, o Partido Comunista não foi capaz de agendar esse processo como seu próprio projecto. Portanto, não me faça essa pergunta porque pode-lhe ser prejudicial e o seu partido pode fazer-lhe alguma advertência, facto de que eu não gostaria pela amizade que lhe tenho, Sr.ª Deputada.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A Sr.ª Deputada diz finalmente que cedemos em tudo ao PSD. Está perfeitamente à vista que o PS e o PSD foram capazes de se porem de acordo naquilo que há de comum entre o projecto do socialismo democrático e o projecto da social-democracia e foram capazes, mais do que isso, de fazer cedências mútuas, imprescindíveis para governar o País sem nunca sacrificar as grandes questões de fundo. Neste aspecto o PSD e o PS não podem ser censurados.
As coligações fazem-se em termos muito pragmáticos. O Partido Comunista tem muito a aprender e vamos ver se daqui a uma dúzia de anos consegue estar noutra linha e fazer também coligações com alguém. Aguardemos, Sr.ª Deputada.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Peço a palavra para exercer o direito de defesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Deputado Agostinho Domingues, o adjectivo «dócil» é um adjectivo simpático, Em todo o caso, gostaria de lhe dizer que aquilo a que o Sr. Deputado chama «partido dócil» é um partido consciente, democrático, tolerante e coerente politicamente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Agostinho Domingues, V. Ex.ª deseja responder?

O Sr. Agostinho Domingues (PS): - Sr. Presidente, creio que não há que maçar a Câmara com a resposta a esta questão. A Sr.ª Deputada defendeu, e muito bem, o seu próprio partido e, quanto a mim, cada um defende o seu «clube» o melhor que pode e sabe.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr." Luísa Cachado (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito pretende V. Ex.ª usar da palavra?

A Sr. e Luísa Cachado (PCP): - Para exercer o direito de defesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Luísa Cachado (PCP): - Sr. Deputado Agostinho Domingues, claro que não foi novidade tudo aquilo que ouvimos. Aliás, era exactamente essa a resposta que esperávamos.

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Queria, contudo, dar-lhe um breve esclarecimento ou talvez reavivar-lhe a memória.
É que em demagogia e em slogans publicitários eleiçoeiros os senhores são exímios representantes. E só dava dois exemplos, Sr. Deputado.

Protestos do PS.

Não fiquem irritados, porque as verdades têm de ser ditas.
Mas, como estava a dizer, vou dar-lhe só dois exemplos: foram os senhores que, fazendo propaganda eleiçoeira, apresentaram neste hemiciclo a lei do ensino especial, boicotada pela extinta AD e que, neste momento, de comum acordo com o PSD, continuam a boicotar, não a regulamentando.
Por outro lado, é demagogia, são slogans publicitários e eleiçoeiros a dupla personalidade, a farsa assumida nesta Assembleia por muitos deputados do Partido Socialista quando, face às escolas, aos professores e aos problemas reais que eles enfrentam assumem a não representatividade do Partido Socialista, a não representação da Assembleia, a não representação da maioria. Assisti a farsas destas muitas e muitas vezes ao longo deste último ano lectivo e, face ao hemiciclo e à realidade da maioria, da coligação, dos compromissos e das cedências vergonhosas, os Srs. Deputados quebram os simulacros, os compromissos e assumem uma nova farsa: a farsa da coligação, a farsa da cedência, a farsa do compromisso. E é esta que, efectivamente, os professores e as comunidades escolares deste país desconhecem, porque os senhores não têm nem capacidade, nem hombridade, nem honestidade para se desmascararem e quebrarem o simulacro face aos professores e às escolas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Vozes do PS: - Demagogia!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Domingues.

O Sr. Agostinho Domingues (PS): - Sr.ª Deputada Luísa Cachado, suponho que não vale a pena irmos muito longe na resposta a estas questões, porque, Sr.ª Deputada, o Partido Comunista consegue ser perfeitamente monótono no uso constante da demagogia. É que ainda podia ter alguma variedade..., e, Sr.ª Deputada, de si era de esperar isso!
Direi que a um discurso repetido e ao mesmo disco só pode responder com a serenidade, com os factos, e, realmente, Sr.ª Deputada, não vale a pena gastarmos mais palavras.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desde há tempos imemoriais que os líderes do MDP/CDE vêm anunciando a «conveniência nacional» e a sua exigência da dissolução da Assembleia da República por entenderem - afirmam - que esta já não traduz a realidade sócio-política portuguesa actual.

Todavia - pasmem os incautos -, na tentativa desesperada de se mostrar, fazem agendar a discussão do seu projecto de lei de bases do sistema educativo precisamente na Assembleia cuja dissolução vêm pedindo com insistência e num momento em que esta, por razões evidentes, não se encontra, certamente, com a disposição de espírito ideal para se debruçar serenamente sobre um diploma da magna importância para o futuro do País.
Mas não é única esta atitude incoerente do MDP/CDE. De facto, na sequência do insistente apelo que vêm fazendo no sentido da dissolução da Assembleia, os seus líderes propõem o recurso a uma forma consensual para formação de um governo que integre todas as forças políticas nacionais em ordem à superação da crise.
Ora, é de consenso que carece um diploma tão importante como é o da lei de bases do sistema educativo, com vista ao encontro de soluções para o magno problema nacional que constitui hoje o ensino. Porém, por paradoxal que pareça, o MDP/CDE, que vem apelando ao consenso, está-se nas tintas para este e, num gesto que pretende espectacular, de acordo com os seus objectivos, resolve fazer agendar a discussão do seu projecto de lei de bases do sistema educativo para mostrar que ainda existe.
E este comportamento contraditório que se manifesta a nível político não fica por aqui e tem expressão também no domínio técnico. Com efeito, as posições incoerentes surgem em muitas das propostas feitas ao longo do projecto de lei em causa, particularmente na área do ensino básico, onde soluções propostas se assemelham na forma e na substância a algumas que o regime deposto em 25 de Abril adoptou e o progresso das ciências da educação fez caducar e tornou obsoletas. Aqui também a contradição: por um lado, proclama-se a intenção de inovar na perspectiva da preparação do futuro; por outro, recuperam-se formas do passado, arcaicas e em desuso.
Perante esta atitude do MDP/CDE, várias perguntas me ocorrem: que faz correr o MDP/CDE? Simplesmente dizer que ainda existe? Ou será que, temendo não estar representado neste hemiciclo após novo acto eleitoral, quer deixar marcada de qualquer forma, bem ou mal, a sua passagem por cá?
Ou deixou de ter perspectivas nacionais, quedando-se agora preocupado com a concepção de meras manobras de diversão e inofensivos jogos florais de algum brilhantismo verbal mas de nulo efeito prático?

Que teria, de facto, impelido o MDP/CDE e os seus líderes, de há uns tempos a esta parte, a sistemáticos movimentos de avanço e recuo neste campo?
Que motivos o teriam levado, depois de há cerca de 1 mês ter feito anunciar a decisão de propor o agendamento da discussão do seu projecto de lei de bases do sistema educativo, a recuar nos seus desígnios, quando existia um Governo com apoio maioritário, e vir agora, quando ninguém o esperava, retomar aquela decisão, numa altura em que, com toda a certeza, preocupada com a situação política, esta Assembleia não está de posse das condições ideais de serenidade para se debruçar reflexivamente sobre uma matéria de primordial importância para o País?
Considerará o MDP/CDE que este assunto é uma questão menor, de somenos importância, passível, portanto, de ser tratada a correr, sobre o joelho, em qualquer momento e em condições pouco favoráveis de objectividade e de seriedade intelectual?

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Se é este o seu entendimento, então haveremos de inferir que o projecto em análise tem correspondente dimensão e qualidade, devendo, nesta perspectiva, ser apreciado e liminarmente rejeitado porque os Portugueses exigem para Portugal uma política de educação e um sistema de ensino à altura dos desafios que os esperam, e não uma qualquer política ou um qualquer sistema ambíguo e indefinido, conservador e estático, debruçado melancólica e sebastianicamente sobre o passado, incapaz de olhar em frente e corresponder às exigências e ao repto que o futuro coloca ao País.
De boa fé, quiçá ingenuamente, acreditámos. Nós, que desenvolvemos um esforço sério no sentido de procurar conhecer a realidade escolar portuguesa e a sociedade em que se insere, que nos preocupamos com as suas carências e dificuldades, que diligenciamos para auscultar de perto os seus anseios e frustrações, nós acreditámos - dizia - que fosse possível, num clima de disponibilidade total e de solidariedade autêntica, estudar e retirar de todos os projectos de lei de bases do sistema educativo presentes, ou ainda a apresentar, elementos que permitissem a elaboração com o máximo de consenso de um projecto de diploma digno da juventude, aberto ao futuro e capaz de corresponder à dinâmica que o País será forçado a ganhar se não quiser perder a batalha da Europa.
Nós acreditámos que, ao menos neste domínio, os interesses nacionais fossem colocados acima de mesquinhos interesses partidários ou grupais; por isso, alimentámos a esperança, direi mesmo a convicção, de nesta Assembleia se encontrar o entendimento bastante para produzir um diploma em que aquela se revisse, reunidos os seus deputados à volta do real interesse do País.
Enganámo-nos, finalmente. Porém, esta atitude do MDP/CDE, constituindo, de algum modo, uma frustração para muitos, tem a virtude de nos tornar mais avisados de futuro, pois ela nos adverte de que, estando o MDP/CDE preocupado com a sua imagem e com a sua sobrevivência, eventualmente angustiado pela eminência da sua entrada no cone de sombra do eclipse total que se avizinha, os seus líderes jamais deixarão de privilegiar os seus interesses, relegando para plano secundário os interesses do povo e da juventude que por palavras dizem defender.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Afirmava há tempos a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura que, tal como Eça de Queirós relativamente a uma das suas obras, também o MDP/CDE já havia apresentado na Assembleia três versões do seu projecto de lei de bases do sistema educativo, mas que não apresentaria mais nenhum.
Não estou suficientemente informado sobre a bibliografia e o carácter do imortal autor de O Crime do Padre Amaro, mas pressuponho que a cada uma das versões da referida obra correspondia acentuada melhoria do texto. A ser assim, cumpre-me realçar o sentimento de humildade e o acentuado espírito perfeccionista do grande escritor que não recusaria, se tal lhe fosse pedido, apresentar nova versão, decerto ainda mais melhorada. E ao mesmo tempo que lhe louvo o gesto, tomo a liberdade de sugerir ao MDP/CDE que lhe siga o exemplo e não tenha relutância em apresentar à Assembleia nova versão do seu projecto de lei, que certamente virá mais adequado à realidade cultural portuguesa, mais voltado para o futuro e melhorado tecnicamente, já que neste domínio ele deixa muito a desejar.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O lugar não é apropriado para a discussão pormenorizada destas questões e não quero abusar da paciência dos Srs. Deputados, obrigando-os a seca (é a influência do Eça) de escutarem catilinárias sobre questões para que não estarão bastante motivados, mas não deixarei de me referir a uma ou outra para demonstrar ao MDP/CDE que vale a pena insistir na ideia de apresentar nova versão do seu projecto de lei de bases do sistema educativo se, entretanto, não entrar no cone da sombra do eclipse total citado.
Razões de natureza psico-pedagógica e didáctica, comprovadas cientificamente, cada vez mais aconselham a que, nos seis primeiros anos de escolaridade, o ensino seja estruturado de forma a que a aprendizagem se processe por áreas do saber e não por disciplinas, começando a ser ministrado por um único professor, passando-se depois, se possível, ao regime de professor dominante coadjuvado por alguns auxiliares para matérias de maior especificidade.
Os alunos atravessam uma fase da vida em que precisam de se apoiar em alguém que lhes ofereça segurança para manterem o equilíbrio afectivo, apoio esse que geralmente é dado pelo professor único ou pelo professor dominante a que eles se dedicam.
Por outro lado, a este nível o ensino das matérias é feito visando generalidades do conhecimento, sendo importante que a formação dos respectivos docentes privilegie a componente pedagógica sobre a científica, uma vez que estes professores devem ser generalistas.
No caso português, isto significa que, de acordo com as leis da psico-pedagogia e da didáctica, os 5.º e 6.º anos de escolaridade, hoje ministrados no ciclo preparatório, devem aproximar-se mais do regime em uso no ensino primário. 15to deve ser tanto assim quanto nós sabemos que uma das causas do insucesso escolar no actual 1.º ano do ciclo radica no facto de as crianças com 9 e 10 anos de idade abandonarem o regime onde tiveram um único professor a quem se prenderam afectivamente para ingressar noutro onde passam a ter 10 ou 11, sem possibilidades de se fixarem afectivamente a nenhum, devido ao regime de horários e distribuição das disciplinas pelos professores.
Mas a realidade económica portuguesa impõe, também, que assim seja, uma vez que o ciclo é, no presente, dos ensinos mais caros do mundo, com espanto geral de técnicos da OCDE que nos visitam e do facto têm conhecimento.

Em face deste panorama, o que propõe o MDP/CDE no seu projecto?
Tendo em conta os arroubos de progressismo patentes no preâmbulo, pensar-se-ia que viria ao encontro de tais correntes pedagógicas. Mas não. O que propõe é a recuperação do sistema que fez carreira nos «tempos ominosos do fascismo» mas que foi banido pelos últimos Ministros da Educação do regime deposto em 25 de Abril, isto é, a integração do 5.º e 6.º anos de escolaridade no ensino secundário.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um diploma com a dignidade e a importância de uma lei de bases do sistema educativo tem de ser, é forçoso que seja, um factor de união entre os Portugueses e nunca um elemento causador da divisão. Ele terá de surgir como a consequência elaborada de lúcida e calma discussão, num clima de entendimento, liberta de paixões e de dogmas, realista e preocupada em encontrar respostas adequadas para os problemas reais que se põem hoje e no futuro aos Portugueses.

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Nesta linha se tem orientado o Partido Social-Democrata, que também tem o seu projecto de lei de bases de sistema educativo, mas que confiadamente vem estando atento às alterações profundas que se têm verificado e virão fatalmente a verificar-se na sociedade portuguesa.
Com efeito, nós estamos em pleno Ano Internacional da Juventude, ano de reflexão e de acção no domínio dos sectores que à juventude respeitam que em muito poderão contribuir positivamente com dados de muito interesse e utilidade para a elaboração de um diploma mais voltado para as exigências do porvir, porque, Srs. Deputados, quer queiramos quer não, por muito esforço que os adultos façam para se desvincularem das influências dos modelos nos quais foram moldados, a verdade é que eles serão sempre tentados a aplicar amanhã o figurino de ontem pelo qual vestiram.
Daí decorrem o interesse, a utilidade e a vantagem em aguardar pela opinião da juventude, eventualmente irreverente e ousada, mas que tem neste domínio uma palavra a dizer e a ser escutada.
Mas os Portugueses também se deparam com outro fenómeno determinante do modelo de vida que os espera no futuro: a entrada na CEE.
Todos nós fomos educados num sistema de ensino cuja ideia dominante apontava para o culto exacerbado do nacionalismo, para o pluri-continentalismo da Pátria, para a unidade do Império, de, costas voltadas para a Europa, que quase hostilizávamos.
Hoje a ideia dominante aponta para a integração na Europa com outros valores a acenar-nos. Ora, neste sentido, importa que se interiorize a nova ideia para depois se estar apto a conceber para a educação o sistema que melhor se adapte à dinâmica que é preciso imprimir para que aquela integração não seja frustrante e Portugal não perca a sua identidade.
Na sua gesta heróica e civilizadora, Portugal deu uma enorme contribuição ao Mundo através do qual difundiu a sua cultura, que a tem rica e inconfundível.
Hoje, porém, não se pode alhear do que se passa à sua volta e ficar amarrado, à epopeia do antanho, até porque outra o espera e os portugueses de amanhã, tal como os de ontem, querem sentir-se portugueses em qualquer canto do mundo, mas têm o direito e querem também sentir-se europeus em qualquer canto de Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para interpelar o Sr. Deputado Lemos Damião, os Srs. Deputados Helena Cidade Moura, João Corregedor da Fonseca, Jorge Góis e Jorge Patrício.
Tem, pois, a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Deputado Lemos Damião, antes dos pedidos de esclarecimento que terei muito prazer em fazer-lhe, gostaria de agradecer-lhe publicamente os 5 anos durante os quais o Sr. Deputado disse em todas as escolas, do Norte ao Sul do País, que o projecto de lei do MDP/CDE era o melhor que tinha sido apresentado à Assembleia da República.
Dito isto, queria dizer-lhe que a procura de consenso por parte do MDP/CDE é exaustiva. Mas quando o PSD não consegue encontrar esse consenso, nem sequer

através da proposta de lei do seu próprio Ministro da Educação, indo, inclusivamente, para as escolas criticá-la e rejeita-la, é um bocado difícil esperar mais tempo pelo consenso.
Outra coisa que lhe queria dizer, para sua informação - e penso que estará de acordo comigo quanto a este assunto -, era que o MDP/CDE não corre. O MDP/CDE sabe que a democracia se fabrica devagar e tem muita experiência disso.
Variadíssimas outras considerações poderia tecer relativamente à sua intervenção, mas a verdade é que, como é habitual, estamos sem tempo.
Em todo o caso, queria informa-lo de que há 15 dias ou 3 semanas atrás a Juventude Social-Democrata disse aqui, na Assembleia da República, mais concretamente na Sala do Senado, que agradecia ao MDP/CDE o ter desencadeado o processo de discussão desta lei, de bases e que ela, Juventude Social-Democrata, apresentaria o seu próprio projecto de lei de bases.
Foi pena que o Sr. Deputado Lemos Damião, que é Presidente da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, não tivesse facilitado aos jovens, que tanto admira, neste Ano Internacional da Juventude, a possibilidade de eles próprios entregarem nesta Assembleia o tal projecto que desbloquearia a situação criada pelas suas próprias hesitações.

Quanto à sua pedagogia, Sr. Deputado, gostaria de pedir-lhe que desse uma pequena volta e visse também o aspecto sociológico, o qual não teve em consideração. Se o fizesse, perceberia, com certeza, por que é que consideramos o cicio preparatório inerente ao ensino secundário.
Há valores psicossociológicos, há valores do desenvolvimento do povo português que não têm muito a ver com a sua antiquíssima noção de pedagogia e de didáctica.
Quanto às nossas versões, devo dizer-lhe que o que disse foi precisamente o contrário. Disse que estaríamos dispostos a exceder o Eça de Queirós, que fez três versões de O Crime do Padre Amaro, fazendo nós quatro, cinco... , enfim, aquelas que forem precisas até o PSD chegar à fórmula ideal de apresentar um projecto de lei.
Compreendo perfeitamente que o seu conhecimento do imortal escritor, como lhe chamou, não seja completo, pelo que ousaria aconselhar-lhe, sem nenhuma maldade da minha parte, que no Verão lesse com atenção a obra O Conde de Abranhos. Há muito do seu discurso que poderia estar lá incluído.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lemos Damião, V. Ex.ª pretende responder já a este pedido de esclarecimento?

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem V. Ex. B a palavra.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Presidente, vou responder já e com muito prazer, até porque desta forma poderei prestar o testemunho do meu reconhecimento à Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, na medida em que reconheço que, no domínio da educação, ela tem, efectivamente, feito um esforço bastante substancial para dotar esta Casa, pelo menos, com o con-

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tributo do MDP/CDE, no sentido de que se possa fazer um documento que seja uma verdadeira lei de bases do sistema educativo para Portugal.
Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, V. Ex.ª e veio aqui narrar factos de há 15 dias ou 3 semanas atrás e a chamada de atenção que me fez, nomeadamente no que diz respeito à Juventude social-democrata, permita-me dizer - e isto decorre da minha própria intervenção - que estamos em perfeita sintonia, pois, a Juventude Social-Democrata pertence ao grande Partido Social-Democrata. Por isso mesmo é que, estando nós a festejar o Ano Internacional da Juventude, a nossa juventude tem um papel operante, activo e fundamental, no sentido de se fazer uma verdadeira política para a juventude portuguesa.
Como tal, aquilo que eles disseram há 15 dias ou há 3 semanas atrás e o compromisso que assumiram não está, de maneira alguma, prejudicado, na medida em que hoje as condições são um bocadinho diferentes das de há 15 dias ou 3 semanas atrás. Portanto, parece-me que, nesse aspecto, não há nenhuma discrepância.
Disse V. Ex.ª que o MDP/CDE já estava cansado de tentar consensos, o que não é verdade Sr.ª Deputada. E V. Ex.ª vai permitir-me que me reporte ao preâmbulo do projecto de lei de bases da educação, da iniciativa do MPD/CDE onde, a certa altura, se diz o seguinte:
De facto, se confrontarmos o teor dos projectos de lei sobre esta matéria, apresentados na anterior legislatura pelo PS, MDP/CDE e PCP, apesar da sua peculiar individualidade, eles contêm pontencialmente uma convergência que rompe abertamente com a proposta de lei governamental. Esta implicaria a degradação do sistema escolar e por isso despertou nas escolas uma oposição unânime. Oposição tão forte e generalizada que impediu sua discussão na Assembleia da República, apesar de o Governo dispor aí de maioria.

Já aqui V. Ex.ª, Sr.ª Deputada, fazia segregação. Parece-me que já aqui o seu objectivo - e gostava que fizesse o favor de me esclarecer sobre isto para poder ficar mais tranquilo - era o de propor uma ampla unidade de esquerda. Nesse caso, já não teríamos o tal consenso pelo qual o Partido Social-Democrata se tem batido. É que neste caso o Partido Social-Democrata não segrega ninguém, Sr.ª Deputada!

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

A Sr.ª Helena Cidade Moura: (MDP/CDE): Sr. Deputado, o nosso amplo consenso reside nos pontos concretos que estão assegurados pela Constituição. Penso que isso está aí claramente escrito.
Mas a dificuldade não está nos consensos teóricos, porque os nossos consensos teóricos são sempre plenos. A dificuldade está no facto de o PSD não avançar com um projecto de lei, o que não tem nada a ver com a teoria, mas sim com a prática.

. O Orador: - Agradeço-lhe essa informação, Sr.ª Deputada.

V. Ex. ª lembra-se, com certeza, que nos debates em que discutimos juntos os projectos de lei de bases do sistema educativo disse, e confirmo, que dos diplomas entrados na Assembleia da República o do MDP/CDE era o melhor. 15to quer dizer que, mesmo assim, ele tinha lacunas, razão pela qual, num acto patriótico e de boa vontade, queríamos dar o nosso contributo e, como disse há pouco na minha intervenção, estávamos absolutamente atentos para corrigir precisamente aquilo que não nos satisfazia nos projectos de lei de bases do MDP/CDE, do PCP e do PS.
V. Ex.ª, Sr.ª Deputada, pode ter a certeza de que eu não dizia uma coisa lá para depois vir dizer outra coisa cá. Efectivamente, eu disse isso, mas também me parece que V. Ex.ª não terá coragem de dizer que nesses debates não apresentámos uma verdadeira política educativa, evidentemente dentro do conceito social-democrata.
Se V. Ex.ª concorda com isto, então creio que nos começamos a aproximar do tal consenso. Depois desta pequenina «cambalhota» que deu - e peço-lhe perdão por lhe falar. assim -, ao dizer que estaria disponível para apresentar a quarta, a quinta o a sexta versão, espero que ele seja possível, porque até aí V. Ex.ª dizia que estava cansada, que já tinha apresentado três versões e que, tal como o Eça de Queirós, não queria, porventura, apresentar uma outra.
Em face da sua disponibilidade, apresento-lhe o meu agradecimento e ficamos à espera para a próxima daquilo que não conseguirmos desta vez: elaborar um diploma que sirva os problemas do País no domínio da educação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Deputado Lemos Damião, antes de mais nada, queria dizer-lhe que nem V. Ex. º nem ninguém desta Câmara está habituado a ver qualquer tipo de «cambalhota» do nosso grupo parlamentar. VV. Ex.ªs é que têm mostrado durante todo o ano, aqui e ao País, como são capazes de dar «cambalhotas».
Ao ouvi-lo, Sr. Deputado, fiquei com a impressão de que V. Ex.ª se quer demitir das suas funções de deputado. Dir-se-ia a que parece um deputado auto-dissolvido. Antecipou-se, Sr. Deputado! É o que parece!
Mas por enquanto o Sr. Deputado está aqui e fez-se ouvir. Falou, falou com o seu peculiar e interessantíssimo sotaque, falou com entusiasmo, mas não se debruçou sobre o fundo da questão, que é a lei de bases do sistema da educação, o que é muito grave para um presidente da Comissão da Educação, Ciência e Cultura.
O Sr. Deputado Lemos Damião entende que nas actuais circunstâncias não se pode nem se deve discutir a lei de bases do sistema da educação. Disse até, e vou citar, que:
A Assembleia da República, preocupada com a actual situação política, não está de posse de todas as condições para debater temas como os que ora se discutem.

Acontece que foi exactamente o representante do vosso grupo parlamentar que, na última conferência de líderes dos grupos e agrupamentos parlamentares, tentando impedir o nosso agendamento para hoje, propôs

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que, em sua substituição, a Assembleia da República discutisse a lei das rendas, ameaçando - e é o termo - com a necessidade de se discutir um projecto com eventuais alterações às leis eleitorais.
Sendo assim, Sr. Deputado, gostaria de perguntar-lhe o seguinte: então, a Assembleia da República está ou não em condições de discutir assuntos importantes? Em que ficamos? Entende o Sr. Deputado que para uma lei como a das rendas, que trará gravíssimas consequências sociais a todo o País, bem como para uma lei eleitoral esta Assembleia tem legitimidade e está em condições para as debater, não podendo, contudo, discutir uma lei de bases do sistema da educação.
Gostava de saber o porquê desta dualidade de critérios: para umas coisas, as mais gravosas para o País, a Assembleia, segundo o vosso grupo parlamentar, deve estar disponível; para outras, bem mais sérias, não deve estar disponível.
Há ou não contradição nestas vossas posições, Sr. Deputado? Em minha opinião, há uma grave contradição, e nós sabemos a sua razão.
Gostaria, contudo, Sr. Deputado, que respondesse a estas questões e justificasse o porquê da vossa tentativa de agendamento da lei das rendas para hoje e não da lei de bases do sistema da educação e o facto de apresentarem umas razões para um tema e outras para 0 outro tema.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, fico contente pelo facto de V. Ex. a não estar habituado a dar «cambalhotas». Ainda bem. Mas habitue-se, e se as começa a dar tem primeiro de fazer uma certa preparação física senão pode aleijar-se.
No que diz respeito ao meu sotaque - e quero olhar bem para si para lhe dizer isto -, ele é o de um português beirão, residente no Minho e acidentalmente em Lisboa.

Vozes do PS(r): - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª tem outro sotaque porque costuma andar lá por fora, naturalmente. São opções diferentes.
No que diz respeito ao agendamento a que V. Ex.ª se referiu, mencionando o meu companheiro de bancada, deputado Jaime Ramos, quero dizer-lhe que não é verdade o que V. Ex.ª está a dizer. Não há discussão da lei das rendas, a discussão já foi feita, Sr. Deputado. O que há é a votação final global da lei das rendas. E V. Ex.ª, que por vezes invoca o Regimento, desta vez cometeis adultério para com ele. De facto, só há lugar a declarações de voto e mais nada. Creio que estamos esclarecidos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito de defesa, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Deputado Lemos Damião, não gostei nada de o ouvir dizer que não é verdade o que se passou na confe-

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rência de líderes. Estão aqui representantes de todos os grupos e agrupamentos parlamentares que lhe dirão claramente o que aconteceu.
A verdade é que V. Ex.ª se remete a uma questão meramente processual e regimental. É evidente que há realmente uma votação final global, mas com certeza que V. Ex.ª sabe o que se vai passar nessa votação: não será, com certeza, apenas uma votação final, haverá seguramente um debate em torno dessa malfadada lei das rendas. Agradecia-lhe, Sr. Deputado, que não desmentisse uma coisa que corresponde à verdade.
Por último, queria dizer que o Sr. Deputado não respondeu às perguntas que lhe formulei: então para umas coisas a Assembleia está disponível e para outras não, Sr. Deputado?

O Sr. Presidente: - Par dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, vou responder-lhe precisamente a isso, ao problema da Assembleia, com uma citação do século XVI. Dizia Montaigne no século XVI: «Os Portugueses conheceram o mundo, mas ignoraram a sua terra.» V. Ex.ª e o MDP/CDE conhecem os problemas educativos, mas ignoram a oportunidade do projecto de lei de bases do sistema educativo.
O Sr. Deputado, mais depressa do que eu esperava, deu uma «cambalhotazinha» e aleijou-se. Eu não disse que isso se não tinha passado na conferência de líderes. O que disse...

O Sr., Vilhena de Carvalho (ASDI): - Não é aqui que se diz o que se passa lá dentro!

O Orador: - Diz o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, e muito bem, que não é na Assembleia que se diz o que se passa lá dentro. Não me referia à conferência de líderes, mas, sim, única e exclusivamente, àquilo que para nós - e creio que para todos os representantes dos grupos e agrupamentos parlamentares - é verdade: o que queríamos era a votação final global da lei das rendas.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - 15so foi para citar o Conde de Abranhos?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Góis.

O Sr. Jorge Góis (CDS): - Sr. Deputado Lemos Damião, gostaria de lhe colocar duas questões, uma muito em jeito de passagem e que me foi suscitada, salvo erro, por uma resposta que V. Ex.ª já deu no seguimento de um pedido de esclarecimento da Sr.ª Deputada do MDP/CDE, quando disse que o projecto do MDP/CDE era o melhor, apesar de padecer de algumas lacunas.
O que pergunto é se isso pode, de algum modo, ser interpretado como um elemento que contribua para o sentido de voto do Grupo Parlamentar do PSD, quanto ao projecto de lei em referencia e aparentando assim alguma contradição com aquilo que foi afirmado por V. Ex.ª do alto da bancada. Se esse projecto é o melhor, o lógico será esperar que o PSD, apesar das lacunas facilmente supríveis em Comissão, vote a seu favor. Creio que era importante, desde já, um esclarecimento quanto a isso.

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O segundo ponto tem a ver com uma questão mais de fundo. Tentámos, já da parte da manhã, caracterizar este debate apoiados em dois vícios de base que, na nossa opinião, ele enferma: a sua perfeita e total inoportunidade política e a sua clara e óbvia inutilidade em termos daquilo que eventualmente daqui poderia surgir. Poderia haver, quanto muito, na melhor das hipóteses - e parece que elas não se vão realizar, apesar da manobra ensaiada com o agrupamento -, um diploma aprovado na generalidade e seria mais um a ficar a apodrecer nos dossiers já tão extensos das comissões parlamentares.
No entanto, apesar dos vícios de que padece este agendamento há uma questão de fundo, uma questão que, em resultado desses vícios, foi escamoteada deste debate, mas que tem a ver com a exigência nacional quanto à necessidade de uma lei de bases.
Para lá daquilo que o MDP/CDE ensaiou e da forma como levou a cabo este agendamento, uma coisa é óbvia: o sistema nacional precisa de uma lei de bases, precisa rapidamente que se faça uma lei de bases e era neste ponto que queria colocar as responsabilidades de V. Ex. a e desse grupo parlamentar, que há 6 anos detém a pasta da Educação e que em 6 anos, em duas maiorias, não foi capaz de dotar o País de uma lei de bases do sistema de ensino.
Trata-se de uma questão lateral, mas que, apesar de tudo, parece ter uma oportunidade no sentido de relembrar aqui, hoje, o momento em que o MDP/CDE, apesar de uma forma incorrecta, colocou no debate parlamentar o problema da lei de bases do sistema de ensino.
Porquê, Sr. Deputado, por que razão ao longo de 6 anos de ministros da Educação do PSD não foi possível dotar o País com uma lei de bases do sistema de ensino? Porquê, quando o normal seria, num quadro parlamentar claro, transparente, normalizado, que iniciativas deste tipo partissem dos grupos parlamentares da maioria, o pormenor surrealista de ser um pequeno grupo parlamentar a ter de vir trazer a esta Assembleia um diploma com esta importância nacional? Por que é que VV. Ex.ªs não o fizeram em tempo oportuno?
Não se trata só do problema da responsabilidade política dos ministros que desde há 6 anos são do PSD. É também um problema desse grupo parlamentar. Essa é uma tarefa que não cabe a partidos da oposição. É estranho que sejam eles a terem de agendar aqui problemas desta natureza. Por que é que o PSD, na altura própria - e já lá vai tanto tempo decorrido! não foi capaz de suscitar aqui, em moldes claros, normais, fora destas circunstâncias estranhas, um debate acerca de uma matéria tão importante?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Deputado Jorge Góis, nas discussões em que tive o prazer de participar - e foram muitas - nas escolas deste País sobre política educativa, esteve sempre presente a política educativa do PSD, mas nunca tive o prazer, nem os Srs. Deputados que comigo estavam a prestar um contributo aos professores que nos solicitavam, de ver na Mesa algum membro do CDS.
Quando dizia que o projecto de lei de bases do MDP/CDE era o melhor, acrescentava que «era o melhor dos entrados neste momento na Assembleia da Re-

pública». Claro que o PSD ainda não tinha apresentado o seu e porque para o apresentarmos queremos fazer melhor, ainda não julgámos oportuno apresentá-lo.
No tocante à exigência nacional também entendo que o País reclama. E mais, Sr. Deputado, V. Ex. ' sabe que o PSD até diz que a política educativa é do povo e para o povo e não de nenhum governo nem de nenhum ministro. Tem de ser, sim, dos intervenientes nessa política educativa, dos pais, dos professores, dos alunos.

É preciso que nós que aqui estamos, alguns de nós pais, outros alunos, outros professores, assumamos as nossas responsabilidades, pois para além disso, como V. Ex.ª sabe, compete ao Parlamento a iniciativa nesta matéria, melhor dizendo, a responsabilidade da feitura de uma lei de bases é da Assembleia da República.

Por outro lado, Sr. Deputado, espanta-me que V. Ex.ª venha com essa sua razão toda que penso não ser a razão do seu partido. Estão aqui Srs. Deputados, nomeadamente aqueles que fazem parte da Comissão de Educação, que se interrogam no sentido de saberem por que é que o seu partido não se fez representar nessa Comissão. Estão aqui Srs. Deputados da Comissão de Educação que tantas vezes tiveram de interromper ou até de alterar a própria ordem de trabalhos porque não podiam aprovar diplomas de responsabilidade sem a presença do CDS.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - 15so é verdade!

O Orador: - Quando se fazia a chamada, o CDS nunca estava presente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito de defesa da bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Lemos Damião quando não tem mais nada para dizer atira pedras para o vizinho.

Naturalmente que a nossa intenção era saber por que é que o PSD, pertencendo à maioria e estando no Governo, apregoando, nos programas de governo de cada ministro, em grandes parangonas, a apresentação da lei de bases do sistema educativo, até hoje não foi capaz de o fazer e atira pedras dizendo não o ter feito porque os representantes do CDS faltavam às reuniões da Comissão de Educação.
Pergunto: a nossa presença na Comissão era assim tão importante que sem ela todo o seu programa «foi para o ar», isto é, falhou totalmente porque o Sr. Deputado não tinha a muleta do CDS para o sustentar como presidente da Comissão?
Queria também perguntar-lhe quantos diplomas importantes votou a Comissão de Educação durante a sua presidência e quantos destes diplomas tiveram a falta dos deputados do CDS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.

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O Sr. (Lemos Damião (PSD): - Sr. Deputado Narana Coissoró, V. Ex.ª costuma ser tão brilhante. nas suas intervenções e outras vezes sem falar é brilhantíssimo que foi pena que desta vez apenas quisesse ser brilhante e não brilhantíssimo. Se tivesse estado calado teria sido brilhantíssimo.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Essa é do século XV !?

O Orador: - Sr. Deputado, V. Ex.ª sabe bem que a presença do seu partido era e é importante Por isso a reclamávamos na Comissão. Como viu, há aqui um consenso absoluto, unânime para que se possa fazer uma lei de bases que seja do País e para o País. Mas faltando uma componente ela será uma lei de bases não consensual.
Por outro lado, V. Ex. º que foi antes de mim presidente da Comissão de Educação, tem o arroubo de me vir perguntar que diplomas se aprovaram durante o meu mandato. Respondo-lhe: a Comissão trabalhou sempre com quórum, aprovou a Ordem de Camões, que é importantíssima, a Lei de Bases do Património Cultural, que é importantíssima mas reparem só Srs. Deputados, durante o período em que o Sr. Deputado Narana Coissoró foi presidente da Comissão de Educação não se aprovou nada, dificilmente ela se reunia com quórum e muitas das vezes não reunia mesmo.
Por outro lado, pedia a V. Ex.ª que se lembrasse do seguinte: O CDS esteve connosco no governo da AD e, nessa altura, apresentámos uma proposta de lei.,A proposta era do governo e o seu partido estava lá. Por isso me parece que VV. Ex.ªs deveriam assumir a vossa quota-parte de responsabilidades. A proposta de lei do Dr. Vítor Crespo - era de tal ordem substantiva, tinha tal substância, tinha tanto conteúdo, que dura até hoje e nela vão beber todos os projectos de lei existentes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito de defesa pessoal, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
Queria apenas avisa-lo de que nesse caso o tempo conta pela bancada do seu partido.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, era apenas para dizer ao Sr. Presidente Damião...

Risos.

...que não estamos aqui a fazer um inventário do que foi votado. O maior contributo dado para a Ordem de Camões para além daquele do próprio. proponente, Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, foi o do Prof. Adriano Moreira. Quase toda a discussão foi travada entre o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho e o Prof. Adriano Moreira, com algumas «flores verdes» que tiveram de ser deitadas e que V. Ex.ª ia pondo. A Ordem de Camões saiu com todo o contributo da ASDI e do CDS.
Quanto ao património cultural, o projecto era o nosso, revimo-lo, introduziram-se alterações que aceitámos e ele saiu como projecto da Comissão. Como vê, Sr. Deputado, escolheu dois exemplos a que estamos indissociavelmente ligados. Portanto, por aí V. Ex.ª não vai longe.

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Quanto à minha presidência, devo dizer-lhe, e estão aqui todos os deputados, que quem trabalhou mais na lei da autonomia universitária - talvez V. Ex.ª não se lembre disso, é natural, as suas preocupações são outras -, que pela primeira vez carreou, quem pela primeira vez ouviu todo o País, todas as estruturas, professores, reitores, alunos, associações académicas quem fez tudo aqui nesta Assembleia e preparou o volumoso dossier da autonomia universitária foi a Comissão de Educação de que fiz parte, como presidente.
Em segundo lugar, quanto à lei de bases é verdade que o Sr. Ministro Vítor Crespo mandou para aqui, depois de terem sido apresentados dois projectos, uma proposta de lei de bases. Mas foi o próprio PSD quem a derrotou, na medida em que foram os próprios deputados do PSD que apresentaram tantas emendas, tantas adições, tantos aditamentos à proposta governamental que, a certa altura, nem sequer se sabia o que pretendia o PSD, não se sabia se queria ir contra o Ministro, se não queria essa proposta ou se queria apresentar um texto inteiramente novo.

Quanto ao facto de V. Ex. a dizer que não teve o prazer de ser acompanhado pelo CDS nas sessões de propaganda do projecto da lei de bases, dizemos-lhe o seguinte: não fomos lá porque não tínhamos nenhum projecto a defender - não o tínhamos apresentado -, nem nenhuma vontade, como V. Ex.ª teve, de fazer propaganda ao MDP/CDE, como aconteceu consigo, dizendo em todo o lado que o . projecto de lei do MDP/CDE era o melhor. Como não tínhamos gosto em fazer propaganda do MDP/CDE pelo país fora, ficámos em casa.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. ex-presidente da Comissão de Educação, V. Ex. veio agora demonstrar a esta Câmara o seguinte: quando o CDS resolveu ir à Comissão de Educação deu, de facto, o seu contributo e os documentos surgiram. Então, podemos concluir que mais documentos não foram elaborados no seio da Comissão de Educação porque VV. Ex.ªs se demitiram das vossas responsabilidades.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Patrício.

O Sr. Jorge Patrício (PCP): - Sr. Deputado Lemos Damião, queria colocar-lhe uma questão e seria positivo que V. Ex. ' respondesse com seriedade, pois parece-me que está a levar este debate um pouco para a brincadeira. Creio que as questões que aqui estão a ser discutidas não merecem ser colocadas dessa forma. A questão é esta: ainda há pouco foi referido que um deputado do seu partido na conferência que a Assembleia da República realizou sobre o Ano Internacional da Juventude nos dias 24, 25 e 26 de Maio, disse que o seu grupo parlamentar iria entregar na terça-feira, 2 dias depois da Conferência, na Mesa da Assembleia da República, um projecto de lei sobre o sistema educativo.
Ainda muito recentemente num debate em que participei também com um deputado do seu partido na Escola Secundária D. Dinis, ele afirmou para todos os

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que estavam a assistir que o seu grupo parlamentar já tinha apresentado na Mesa da Assembleia da República um projecto de lei sobre o sistema educativo. O que lhe pergunto é se o PSD encara este problema com seriedade ou se anda a brincar, isto é, se leva o assunto da educação como quem está a jogar pingue-pongue.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Deputado Jorge Patrício, não sei bem quais são os seus conceitos de brincar. Tenho para mim, e como professor, uma máxima que diz o seguinte: «Brincando aprenderei melhor». Fui beber à fonte do seu partido, pois VV. Ex.ªs tinham um slogan mais ou menos assim.
Portanto, não é por estar sisudo que V. Ex.ª está a tratar seriamente das questões. Tratamos das questões com seriedade quando com seriedade as discutimos e é por isso que as discutimos. Quer que eu considere a sua pergunta como não sendo a brincar? Então V. Ex.ª vem-me perguntar uma coisa que se passou na minha ausência? Não quero pôr em causa o que está a dizer mas ...

O Sr. Jorge Patrício (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Patrício (PCP): - Sr. Deputado, a questão é esta: os deputados do PSD não sabem o que estão aqui a fazer? Andam a prometer lá fora coisas que não cumprem aqui dentro? Andam a enganar as pessoas com quem debatem os problemas não cumprindo aqui dentro? É essa a questão.

O Orador: - Sr. Deputado, sabe que pela minha parte - e, se quiser, considere que continuamos a brincar porque, sabe, encaro isto com um certo optimismo - não considero a política educativa como um fardo, um peso, mas sim uma coisa séria e com um sorriso nos lábios tenho procurado demonstrar ao longo deste debate que temos ideias muito claras e objectivas.
É V. Ex.ª ao pretender misturar alhos com bugalhos quem está a brincar. Então, porventura os deputados do PSD andam a brincar porque não apresentam um papel na Mesa da Assembleia da República? Tenho um aqui na minha mão Sr. Deputado se V. Ex.ª quiser posso oferecer-lhe um exemplar do nosso projecto de lei de bases do sistema educativo.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - E há mais quatro!

O Orador: - Não há quatro, não. V. Ex.ª ouviu-me dizer na minha intervenção que achamos que iremos assistir a transformações substanciais na sociedade portuguesa. Estamos à espera do contributo da juventude e, em especial, da nossa juventude social-democrata.
Se, porventura, apresentássemos o modelo acabado da lei de bases do sistema educativo até eu ficava surpreendido porque vos tirávamos campo de manobra. VV. Ex.ªs assim até têm possibilidade de contestar a

nossa política educativa e, ao mesmo tempo, quando a contestam podem responder: contestam aquilo que existe ou andam a contestar aquilo que não existe? Se contestam aquilo que existe então a nossa política educativa é séria, as nossas propostas são sérias, os Portugueses sabem que são sérias e por isso mesmo continuam a acreditar em nós.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jorge Góis (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Góis (CDS): - Sr. Presidente, permitia-me usar a figura da interpelação à Mesa para perguntar a V. Ex.ª se seria possível diligenciar junto do Sr. Deputado Lemos Damião o fornecimento ao Grupo Parlamentar do CDS de uma fotocópia do projecto de lei de bases do sistema educativo, apresentado pelo PSD, visto o Sr. Deputado ter acabado de publicitar à Câmara que o forneceria a qualquer deputado que nele tivesse interesse.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, para esse efeito não deve dirigir-se à Mesa, mas sim ao Sr. Deputado Lemos Damião.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Cachado.

A Sr.ª Luísa Cachado (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos hoje e agora iniciando um debate há tanto tempo considerado urgente dentro e fora desta Assembleia.
Quer pela voz unânime dos professores que os deputados das várias bancadas contactaram de Norte a Sul do País, quer pela voz dos deputados que integram ainda a Comissão de Educação, Ciência e Cultura, a discussão dos projectos de lei de bases do sistema educativo era pertinente e inadiável.
No entanto, a constante debilidade da estrutura da ex-coligação PS/PSD e os constantes conflitos e contradições políticas que a envolviam obstaculizaram sistematicamente o agendamento desta matéria.
No entanto, é fundamental que possamos deixar bem claro nesta Câmara, e perante a opinião pública, que de forma directa ou indirecta sente os males do desastre educativo fomentado e estimulado pela política governamental, porque, hoje, nos encontramos exclusivamente a discutir o projecto de lei de bases do sistema educativo apresentado pelo MDP/CDE e não todos os projectos que nesta matéria foram apresentados nesta Assembleia.
Apesar de termos afirmado ao PS que faríamos subir o nosso projecto para discussão, se esta fosse também a posição do Partido Socialista, o que permitiria uma maior pluralidade de análise e um sério confronto dos três projectos, tal não foi possível.
O PS soçobrou às pressões do seu então parceiro de coligação. O PSD comandava o barco na procura da tempestade ou do rochedo, era-lhe indiferente, era preciso colocá-lo no fundo.
Apesar de hoje estarmos perante uma Assembleia sem qualquer legitimidade, onde uma defunta maioria, corroída por dentro e por fora, procura freneticamente os culpados mais culpados e simultaneamente a bacia

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de Pilatos onde ainda reste a água necessária para lavar as mãos, um debate desta natureza não pode deixar de ter importância face ao caos a que foi conduzido o sector educativo.
Indiferente à degradação de todos os sectores da vida nacional, a ex-coligação não só não fez como não deixou fazer.
A incapacidade e a incompetência criaram na omissão a sua fonte de insegurança.
Mas o povo português, os jovens deste país, os professores, os encarregados de educação julgarão os falsos criadores de expectativas.
Perante a opinião pública, perante a degradação do painel educativo, perante as acusações, os repúdios, o PS e o PSD apontavam o dedo, à imperiosa necessidade da aprovação de uma lei de bases do sistema educativo, capaz de, simultaneamente, diagnosticar e curar todos os males que nestes últimos 9 anos atentaram contra direitos adquiridos, questionaram o texto constitucional na procura de antigos privilégios e na defesa do elitismo educativo.
Mas mais uma vez, e já não constitui novidade, os criadores de expectativas, os amantes das promessas, são também os seus frustradores, são também maus pagadores.
Os Vizelenses que o digam, aqueles que acreditaram nas 100 promessas que o confessem, os professores e os jovens que ouviram os parceiros da ex-coligação, quer na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, quer nas escolas, e por vezes até no hemiciclo, que os responsabilizem.
A total ausência de princípios e de respeito pelos compromissos impediu que ao longo do seu malfadado reinado se discutissem os três projectos.
O PS, por caminhar de cedência em cedência, e o PSD, por se recusar a apresentar, de forma clara, as suas alternativas no sector da educação.
Preferiu antes opinar pela via do decreto-lei, do despacho normativo, preferiu antes assumir a política do facto consumado.
A ex-coligação declarou-se incompetente para encarar projectos diversos dos seus, em discussão simultânea. Os debilitados mecanismos de defesa, a sua progressiva derrocada só no silêncio ou no debate gota a gota, adiariam a asfixia já próxima
No entanto, apesar da inexistência de uma lei de bases do sistema educativo, este governo em suspensão, por falta de suporte, degradou ainda mais na procura da continuidade dos seus antecessores o já debilitado tecido educativo.
Foram 9 anos de maus tratos sofridos, 9 anos em que a pasta da educação viajou do PS para o PSD.
E o PSD desmantelou o sector educativo ininterruptamente durante 6 anos.
E é bom avivar memórias, até porque diz o ditado «a memória é curta».
Vítor Crespo tentou publicar um decreto-lei destruindo toda a gestão democrática.
O projecto das escolas superiores de educação é a declarada e vergonhosa dependência das orientações internacionais.
O lançamento do ensino técnico-profissional é o conto do vigário numa pretensiosa campanha de promoção pessoal de José Augusto Seabra.
A publicação do Decreto-Lei n.º 301/84, também da autoria de José Augusto Seabra, rompe as fronteiras do escândalo.

Depois de Abril, e no reino da democracia, os exploradores infantis são amnistiados e as crianças podem não cumprir a escolaridade obrigatória, basta para tal, que um qualquer médico ou bombeiro o determine.

Caminhando no tempo e continuando a responder à voz do dono - a destruição das conquistas de Abril - o Ministro, em processo de demissão, em nome de falsos pressupostos e colocando em saldo de fim de estação a formação dos professores, inventa o já famigerado Decreto-Lei nº 501/85, ementa de ricas iguarias, que vão desde a aberração legal às desigualdades entre os docentes, ao desconhecido.

Claro que, se o tempo o permitisse, a lista seria bem mais longa; no entanto, é bem elucidativa dos objectivos que se pretendem atingir com medidas parcelares e avulsas não determinadas nem determinantes no contexto de qualquer quadro legislativo conhecido.

E embora a pasta de Educação, ao longo destes 9 anos permaneça há 6 anos nas mãos do PSD, não iliba o Partido Socialista como maior responsável - diz o nosso povo «tão ladrão é o que vai à vinha, como aquele que fica à espera».

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por tudo o que acabámos de referir, a atitude assumida ao longo destes 2 anos pelos partidos outrora coligados e há muito desmantelados é indefensável.

Um país, a quem Mário Soares obrigou a viajar até à CEE, na procura das soluções que recusou encontrar dentro de casa, possui um figurino educativo que pelo menos envergonhará aqueles que passarão a ser os nossos mais dilectos amigos.

Possuímos a mais baixa taxa de escolarização da Europa, as nossas estruturas caracterizam-se por uma total ausência de resposta à necessidade social de procura de educação, só 110lo das crianças dos 3 aos 6 anos frequenta a educação infantil.

Daí que a medida encontrada no sentido de fomentar a educação infantil, tenha sido o congelamento da publicação dos decretos-leis que criavam oficialmente cerca de mil jardins-de-infância construídos e equipados pelas autarquias. Esta atitude ilustra bem a hipocrisia de uma política que inscrevia no seu programa o ensino pré-escolar como uma prioridade essencial.

Mas a gestão deste ainda governo é exímia em acrobacia. José Augusto Seabra declarava numa semana a inexistência de cobertura orçamental para abrir os jardins-de-infância; João de Deus Pinheiro declarava na semana seguinte a total cobertura orçamental para abrir os mesmos jardins-de-infância.

Mas continuando a radiografia do nosso ensino, temos 2001o de crianças que ainda não cumprem a escolaridade obrigatória aos 6 anos.

Daí, dirá com certeza o ainda Governo o «oportuno» Decreto-Lei n.º 301/84, que liberaliza a escolaridade obrigatória.

E a ex-maioria? Que dirá?

Depois da casa arrombada, trancas à porta.

É altura para perguntar, quem coloca as trancas face a este vergonhoso decreto-lei, o PS ou o PSD?

E os que chegam ao ensino superior? São cerca de I0% os jovens que prosseguem os seus estudos neste grau de ensino.

Tentando melhorar esta percentagem os governos destes últimos 9 anos criaram o propedêutico, o 12." ano, as provas de aferição, os números clausus.

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É esta corrida de obstáculos que os jovens candidatos à universidade se predispõem fazer ao terminarem o ensino secundário.
E as crianças e os jovens carenciados de ensino especial? Que medidas já tomou este ainda governo com o objectivo de fazer chegar a todos os necessitados o apoio indispensável?
Não regulamentando a Lei n.º 66/79 apresentada pelo PS nesta Assembleia e que serviu como cartaz publicitário e eleiçoeiro?

Mais uma vez o PS capitula perante o seu ex-parceiro de coligação e boicota a aplicação da lei tal como o tinha feito a extinta AD.

Apesar de o direito ao ensino constituir hoje um luxo; dos que o frequentam muitos são ainda empurrados para as margens do abandono e do insucesso escolar.

Calcula-se em mais de meio milhão o número de crianças e jovens que terminam o ano lectivo sem terem obtido aproveitamento.
E são dramáticas algumas das razões que motivaram quer o abandono precoce, quer o não aproveitamento, é o desemprego, os salários em atraso, a consequente quebra do poder de compra, a fome que se abriga nos lares mais desfavorecidos.
É difícil ser criança, é difícil ser jovem, é quase impossível acreditar no amanhã, sem juros nem hipotecas.

E os que nesta luta sem tréguas terminam o seu percurso escolar, em qualquer grau de ensino?
Que os espera para além do desemprego? Em 1980, para um total que era estimado em 320 000 desempregados, 53,4 % procurava o primeiro emprego e, do total de desempregados, 65,5 % tinham menos de 25 anos.
Que os espera para além da ausência de formação profissional adequada à sua inserção no mundo do trabalho? A incerteza e frustração.
É este efectivamente o figurino que emoldura de forma desastrosa um sector onde, de ano para ano, as verbas que lhe são afectas no Orçamento do Estado deixam de parecer, para ser meros símbolos.
Em 1984 a educação contava com a verba mais baixa da última década, inferior a 1973, em pleno fascismo.
Em 1985, Ano Internacional da Juventude, as verbas para este sector representam 9,7 % do total das despesas públicas, valor ainda inferior ao do ano transacto?
Votado ao caos, não por destino mas por incompetência e irresponsabilidade, o sistema educativo tem hoje nesta Assembleia, através do projecto de bases do MDP/CDE uma alternativa séria e possível.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O diploma em debate delimita-se simultaneamente no respeito pelos princípios constitucionais e na definição da situação concreta e precária que actualmente se vive no sector da educação em resultado de múltiplos sectores, quer internos, quer externos, questionadores da democratização da escola portuguesa.
No texto preambular, o MDP/CDE traça o plano geral dessa situação, referindo algumas das mais importantes carências e deficiências que caracterizam negativamente a área educativa.
O projecto de lei em apreciação enuncia um conjunto significativo de princípios de política educacional com as quais estamos de acordo e que constam também do nosso próprio projecto de lei, constituindo o diploma

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um contributo positivo para a definição das bases gerais de um sistema educativo em prol da democracia e em consonância com o texto constitucional.
Finalmente permitam-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, e cito aqui, hoje, 20 de Junho de 1985, a parte final da declaração de voto do PCP aquando da discussão do projecto de lei de bases do sistema educativo do Partido Socialista em 22 de Junho de 1981, pelo que ela contém de actual e esclarecedor:

O debate que hoje deveria ter lugar na Assembleia da República deveria ter sido bem diferente; deveríamos ter tido oportunidade de discutir com abertura e seriedade textos apresentados pelas diversas formações partidárias e tentar chegar, dentro das regras constitucionais, ao consenso possível para dotar o País de uma lei urgente.
Mas tal não se verificou. A AD pretendeu fazer precisamente o contrário. A AD guardou-se de propor soluções construtivas, que, aliás, não tem, e iniciou a liquidação sectária das iniciativas da oposição. Não faz, nem deixa fazer, e bem gostaria de desfazer o que a oposição propõe. Mas não o conseguirá, nem se poderá furtar às consequências desta enorme cegueira política de gravidade redobrada para fazer face à crise e à indefinição de um sistema de ensino, à ausência de saídas profissionais, á selectividade crescente. De nada valerá a AD fazer a política de avestruz. O agravamento incessante dos problemas e a vontade do povo português se encarregará de lhe arrancar a cabeça da areia.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - 4 anos volvidos, o Partido Socialista vendeu de barato a sua posição ao PSD.
Mas como o afirmámos à extinta AD, reafirmamos hoje à extinta coligação PS/PSD, seja qual for o balanço deste debate, a discussão não vai terminar hoje e aqui, embora fosse esse o desejo de alguns.
O projecto do MDP/CDE é, como já dissemos, uma base de trabalho e a intervenção do PCP nos problemas relativos à educação e ao ensino não se esgotará, naturalmente, neste debate. O nosso projecto continuará a contribuir para uma discussão séria destas questões. Os comunistas, em conjunto com outros democratas, prosseguirão tanto na Assembleia da República como fora dela a sua luta, apresentando soluções concretas e alternativas justas para os graves problemas com que o povo português se debate em todos os sectores da vida nacional e obviamente também no sector da educação.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Conceição Quintas.

A Sr.ª Conceição Quintas (PS): - Sr.ª Deputada Luísa Cachado, sabe V. Ex.ª a minha posição face à temática que estamos analisando.
Quero assumir perante esta Câmara as afirmações que fiz em nome do meu grupo parlamentar nos debates em escolas onde estive com V. Ex.ª É urgente que se aprove uma lei de bases do sistema educativo e que a educação deixe de estar ao sabor da vontade de um ministro ou de um secretário de Estado.

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É urgente - e aqui estamos de acordo - que esta Câmara se debruce sobre um tema de tão grande premência. Mas acha V. Ex.ª que, no prolongamento de uma sessão, se traga aqui este diploma? Acha, Sr.ª Deputada, que, partindo do princípio que se aprova na generalidade este mesmo projecto, haveria tempo de, na especialidade, levar a bom termo o estudo e a elaboração da lei a aprovar?

Ainda que isto fosse possível V. Ex. ' acha que o Governo poderia estruturar todo o processo que levaria a bom termo este nosso trabalho? Para terminar, a Sr. Deputada acha premente esta discussão, agora, hoje, dia 20 de Junho?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Domingues.

O Sr. Agostinho Domingues (PS): - Sr.ª Deputada Luísa Cachado, V. Ex.ª mimoseou o Partido Socialista com alguns ataques, dizendo que ele é o maior responsável pelo facto de ainda não estar aprovado um projecto de lei de bases do sistema educativo.
Sr.ª Deputada, gostaria de lhe lembrar que em, primeiro lugar, o Partido Socialista assume integralmente todas as suas responsabilidades, que são naturalmente limitadas pelo próprio voto popular. O PS recebeu um mandato para governar não com maioria absoluta, mas com maioria relativa, o que significa que teve e tem de governar em coligação.

Mas a Sr.ª Deputada não pode esquecer que, de qualquer forma, recebemos um mandato para governar durante 4 anos, que o Partido Comunista Português é desestabilizador por natureza e nunca tem conseguido aguentar, 1 ano sequer, sem pedir, de imediato, o derrube de qualquer governo...

Protestos do PCP.

Srs. Deputados, interiormente, cada um de vós individualmente, como seres humanos, dar-me-ão razão, mas têm de ter toda esta reacção porque assim manda o Comité Central do PCP. Porém, individualmente, os senhores dão-me razão!

Protestos do PCP.

Sendo o PCP desestabilizador por natureza e sabendo a Sr.ª Deputada que governar, sobretudo em coligação, exige constantes negociações, parece-lhe que está a ser coerente ao acusar o Partido Socialista de não ter levado até ao fim, em 2 anos, o agendamento do seu projecto de lei de bases do sistema educativo, em termos de ele ser votado?

Sr.ª Deputada, é ou não capaz de nos fazer justiça, a nós deputados do PS, de tudo termos feito no seio da Comissão de Educação, Ciência e Cultura para que fosse possível aprovar um projecto de lei de bases do sistema educativo? É ou não capaz, Sr.ª Deputada, de nos fazer justiça no sentido de reconhecer que, se a coligação durasse o tempo que devia durar de acordo com o mandato popular que recebemos, teríamos em breve aprovado um projecto de lei de bases do sistema educativo?
Sr.ª Deputada, será capaz de ter a sinceridade de me responder, como professora e em termos humanos, mesmo sujeitando-se a qualquer reprimenda do seu partido?

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr.ª Luísa Cachado, em primeiro lugar, queria aproveitar o facto de estar no uso da palavra para, se me permite, lembrar aqui a figura da Sr.ª Deputada Teresa Ambrósio que, na altura, soube dar ao Partido Socialista uma dimensão nacional e mostrar que, de facto, o sistema educativo é qualquer coisa de muito superior às lides partidárias.
Depois deste intróito, devo dizer que quanto à parte crítica da sita intervenção estamos perfeitamente de acordo com ela. No entanto, queria perguntar-lhe como é que a Sr.ª Deputada é como professora. Com o hábito que tem de contactar com escolas não entende que, neste momento, a falta de uma lei de bases do sistema educativo bloqueia já o próprio sistema?
Quer dizer, o sistema auto bloqueia-se. Por exemplo, as escolas superiores de educação ainda não conseguiram funcionar. Será que irão funcionar sem se definir, em primeiro lugar, qual o sistema educativo que se vai implementar?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Cachado.

A Sr.ª Luísa Cachado (PCP): - Sr." Deputada Conceição Quintas, gostaria de lembrar que V. Ex.ª
acabou de reconhecer - e a conclusão é evidente neste momento para todo o hemiciclo - que esta legislatura chegou ao seu termo.

O Sr. Raul Rêgo (PS): - Só daqui 2 anos !

A Oradora: - Não fui eu que o reconheci, Sr. Deputado, foi a Sr.ª Deputada Conceição Quintas.

A Sr.ª Conceição Quintas (PS): - Não reconheci nada!

A Oradora: - Ora, como a Sr.ª Deputada acabou de reconhecer o termo desta legislatura, daí que tenha concluído de imediato a falta de eficácia desta discussão de hoje, porque senão ela teria seguimento na continuidade possível e provável, na perspectiva do Partido Socialista, desta mesma legislatura. São afirmações da Sr.ª Deputada que permitem naturalmente as necessárias ilações.
Mas, Sr.ª Deputada, as questões concretas que pôs foram poucas e o que questionou face às nossas afirmações foi nada. Não vou pôr em causa - nem isso interessa neste momento - a coerência ou incoerência das afirmações da Sr.ª Deputada hoje, aqui, e antes, nas escolas, face à comunidade escolar, aos alunos e aos professores. A única resposta que lhe poderei dar é que os senhores foram responsáveis pelos compromissos que assumiram e hoje são irresponsáveis pelas cedências que venderam ao PSD e ao povo português.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - E isto abarca o sector educativo e todos os sectores da vida nacional.

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Quanto ao Sr. Deputado Agostinho Domingues, devo dizer-lhe que a resposta que dei à Sr.ª Deputada Conceição Quintas é extensiva a V. Ex.1. O Sr. Deputado só floreou um pouco para não repetir com alguma sistematização as questões levantadas pela Sr.ª Deputada.
Pede-me que faça justiça ao Partido Socialista - é o que vou fazer. Penso que estamos de acordo de que a justiça que podemos fazer ao PS é reconhecer a sua total falta de tempo para, nesta Assembleia e como Governo, encontrar as medidas legislativas e executivas capazes de minimizar a crise e a degenerescência da vida do povo português, e de ter tido tempo - bastante, suficiente, que até sobejou - para encontrar as medidas legislativas e executivas para a destruição das conquistas do 25 de Abril de 1974 e dos direitos de todos os portugueses, de todos os trabalhadores, e também muito concretamente, daqueles que têm a ver com a comunidade escolar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Quanto à Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, que fez questão - como entende - de distanciar do conteúdo das afirmações feitas pelos Srs. Deputados do PS, gostaria de dizer que, obviamente, estamos de acordo quanto à possibilidade do bloqueio que possamos fazer neste momento a toda a degradação efectivada por este ainda Governo com o apoio desta já moribunda coligação, em termos de desastre do sector educativo.
Mas não só quanto às escolas superiores de educação, Sr.ª Deputada. É que, infelizmente, o desastre educativo abrange desde o sector pré-escolar ao sector do ensino superior, e não só - antes fossem -, as escolas superiores de educação. É todo o painel educativo que está em causa e o bloqueio é inadiável, urgente e pertinente.
É preciso encontrar medidas para que, efectivamente, o bloqueio se faça e o povo português já encontrou esse bloqueio. A queda deste Governo, a ruptura desta coligação, é a resposta que o povo português deu ao desgoverno deste Governo e desta já moribunda coligação.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Agostinho Domingues (PS): - Sr. Presidente peço a palavra para exercer o direito de defesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Agostinho Domingues (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para exercer o direito de defesa relativamente a palavras proferidas pela Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.
Queria refutar claramente, em termos muito simples e claros, nas palavras suficientes para bom entendedor, a insinuação da pretensa falta de dimensão do debate por nossa parte.
E fazendo ponto final sobre esta questão, gostaria de agradecer à Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura o elogio que aqui fez publicamente a uma antiga deputada do PS, a Sr.ª Dr.ª Teresa Ambrósio, com quem tive o prazer de trabalhar aqui, pessoa de extraordinário nível, de quem nós, Partido Socialista, muito

nos orgulhamos. A Sr.ª Deputada faz bem em reconhecer o valor e o mérito de todos os quadros do PS. Muito obrigado, Sr.ª Deputada.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Presidente, a minha interpelação à Mesa vai no sentido de saber se há mais inscrições.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Conceição Quintas queria interpelar a Mesa?

A Sr.ª Conceição Quintas (PS): - Inscrevi-me para um protesto relativo à resposta da Sr.ª Deputada Luísa Cachado.

O Sr. !Presidente: - Não há protestos, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Conceição Quintas (PS): - Queria, então, usar a figura regimental do direito de defesa.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, se V. Ex.ª entender usar esse direito, embora já um pouco fora de tempo, faça favor.

A Sr.ª Conceição Quintas (PS): - Sr. Presidente, já me tinha inscrito para tal efeito enquanto se estava a processar a resposta.

O Sr. Presidente: - Para protesto não, Sr. a Deputada. Mas faça favor de usar da palavra ao abrigo da figura regimental do direito de defesa.

A Sr.ª Conceição Quintas (PS): - Sr.ª Deputada Luísa Cachado, gosto de escrever o que digo, para evitar interpretações erradas.
Diz a Sr.ª Deputada que reconheci o términos da legislatura e eu vou ler o que, há pouco, disse, para evitar confusões. Disse, muito claramente, o seguinte:

Acha V. Ex.ª, Sr.ª Deputada, que, no prolongamento de uma sessão, se traga aqui este projecto?

Essa foi a pergunta que lhe fiz; ela está escrita, fica registada e poderá ler-se no Diário da Assembleia da República, Sr.ª Deputada. Devo dizer-lhe que não faço observações no ar e que gosto das coisas claras, precisas e concisas.
Por outro lado, põe o problema de sermos responsáveis pelos compromissos e pelas cedências. Em várias escolas a Sr.ª Deputada debateu comigo este tema, conhece a minha posição e devo dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que a assumo.
Pergunto: não será antes irresponsabilidade trazer a esta Câmara, para discussão, no prolongamento de uma sessão, um projecto de lei de bases do sistema educativo? Brinca-se com o povo português, brinca-se com a juventude deste país! ...
Queria dizer-lhe que, como socialista, como cidadã de Portugal e como professora, não aceito que se brinque assim com os cidadãos deste país.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Cachado.

A Sr.ª Luísa Cachado (PCP): - Sr." Deputada Conceição Quintas, as exaltações políticas são compreensíveis mas, às vezes, inadmissíveis...

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - ... porque, muitas vezes, a exaltação não permite o aclarar das situações e faz-nos perder no deambular das palavras. Aliás, a linguística é perigosa porque, muitas vezes, permite interpretações dúbias.
Tentando não responder à sua exaltação em termos de igualdade, dir-lhe-ei que o Partido Socialista está neste Governo há 2 anos e, como dissemos na nossa intervenção, a pasta da Educação viaja nas mãos do Partido Socialista e do Partido Social-Democrata há 9 anos. Portanto, o Partido Socialista não pode ilibar-se, não pode alijar responsabilidades.
Quanto às consequências, elas estão à vista, e não são só no sector da Educação!...
Mais ainda: provavelmente, a Sr.ª Deputada, nos colóquios sobre o sistema educativo realizados nas escolas, não representa toda a bancada do seu grupo parlamentar. Já algumas vezes ouvimos dizer à Sr.
Deputada que não pode falar pelas declarações dos seus camaradas de bancada, mas que só poderá assumir as posições, muitas vezes, de carácter perfeitamente pessoal.
Entendemos a sua discordância face às posições do seu partido mas, Sr.ª Deputada, esse é um problema que só a si e ao seu grupo parlamentar compete resolver, e não a nós. Compreenderá com certeza!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Raul Rêgo (PS): - Disso é que ninguém discorda!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sem subestimar a importância de dois elementos imprescindíveis à democracia, os partidos e a Assembleia da República, o MDP/CDE entende que, para além de condicionalismos de momento desfavoráveis, é sempre oportuno discutir, em qualquer lugar, os problemas fundamentais do País. Esta responsabilidade acresce por o MDP/CDE, em inúmeras sessões públicas em que participou, ter garantido, respondendo a solicitação unanime dos interlocutores, que, durante a actual sessão legislativa, seria apresentado na Assembleia da República o seu projecto de lei de bases do sistema educativo.
Cumpre-nos assegurar que a deterioração da situação política, há muito por nós prevista e afirmada, atingiu uma intensidade que põe em questão, afirmamo-lo sem hesitações, a oportunidade do debate. Pesando, contudo, argumentos favoráveis e contrários, decidimos pela sua realização, que terá o mérito de despertar a opinião pública e os grupos parlamentares para uma questão prioritária que tem sido excessivamente adiada e cuja solução exige resposta rápida e eficaz

para terminar, de vez, com improvisos do Ministério da Educação que têm alimentado a degradação contínua do sistema escolar.
Que a questão é complexa, resulta da incapacidade de sucessivos governos apresentarem uma lei de bases do sistema de educação apta a implementar-se com o acordo dos professores e do País e do facto de dois partidos, o PSD e o CDS, que dizem valorizar os problemas do ensino, não terem sido capazes de formular uma lei de bases de ensino à Assembleia da República.
O MDP/CDE, apesar dos condicionalismos desfavoráveis, entende que, no conceito de democracia participada, exarado na Constituição da República Portuguesa, a questão, embora caiba ser resolvida pela Assembleia da República, não é exclusiva da Assembleia da República.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: o MDP/CDE regista que o debate hoje travado esteve muito longe de ser ocioso e inútil, para o que contribuiu a intervenção dos Srs. Deputados das várias bancadas.
Verificando, porém, que a Assembleia da República, de momento, não usufrui de capacidade necessária para o efeito, conforme foi vincado pelas intervenções dos Srs. Deputados dos vários partidos, o Grupo Parlamentar do MDP/CDE não exercerá o seu direito regimental de requerer a votação do seu projecto de lei de bases do sistema educativo.

O Sr. Presidente: - Face a esta declaração do MDP/CDE, a Mesa considera encerrado o debate.
Como quero ainda dar uma informação, sugeria aos Srs. Deputados que aguardassem mais uns minutos, para que possamos encerrar a sessão ainda antes da hora prevista para o intervalo, na medida em que penso que tal seria útil para todos.
Deu entrada na Mesa um voto de pesar, subscrito por deputados do Partido Socialista, que vai ser lido.
Foi lido. É o seguinte:

Voto de Pesar

Tendo tomado conhecimento do acidente ocorrido nas minas do Pejào, em que perderam a vida alguns mineiros, cujo número neste momento ainda não conhecemos exactamente, os deputados abaixo assinados solicitam que seja expresso um voto de pesar pela Assembleia da República e que seja solicitado ao Governo um inquérito para apurar as causas e as responsabilidades de tal acidente.

Face à entrada na Mesa deste voto, entendeu-se entrar em contacto, através dos serviços, com as reinas do Pejão, para que informações adicionais pudessem ser prestadas à Câmara.
Ora bem, as informações de que a Mesa dispõe são as seguintes:

Ontem, 19 do corrente, pelas 17 horas e 30 minutos, deu-se um desprendimento de terras no 7.º piso que arrastou três trabalhadores.
De imediato, pelo pessoal especializado da empresa, procedeu-se à retirada de dois corpos, não tendo ainda sido retirado o terceiro.
A empresa está a proceder a um rigoroso inquérito sobre as possíveis causas do inesperado movimento do terreno.

Estas são as informações de que a Mesa dispõe e que presta à Assembleia da República.

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É evidente que, nos termos regimentais, este voto só pode ser discutido e votado no período de antes da ordem do dia, se houver acordo unânime dos grupos parlamentares. No entanto, dada a natureza da matéria subjacente a este voto e a sua oportunidade, a Mesa atreve-se a pôr à vossa consideração a discussão e votação imediata do mesmo.
VV. Ex.ªs, no entanto, decidirão, conforme melhor entenderem.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, peço a V. Ex.ª o favor de repetir a leitura do voto porque, confesso, estava distraído, pelo que não tomei atenção.

O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Secretário o obséquio de proceder à leitura do voto.

Foi lido de novo.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra apenas para dizer que estamos de acordo em que se proceda, de imediato, à votação desse voto.

O Sr. Presidente: - Muito obrigada, Sr.ª Deputada.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, a minha intervenção é no mesmo sentido da Sr.ª Deputada Zita Seabra.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, o MDP/CDE solidariza-se inteiramente com o voto apresentado na Mesa, manifestando a sua inteira concordância com o mesmo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, pela nossa parte, não nos opomos a que se proceda, de imediato, à votação do voto; antes pelo contrário, entendemos que ele deve ser votado imediatamente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Estou de acordo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Anacoreta Correia.

O Sr. Anacoreta Correia (CDS): - Sr. Presidente, o meu grupo parlamentar está de acordo em que se proceda de imediato à discussão e votação do voto de pesar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que há unanimidade por parte da Câmara, vamos passar à discussão deste voto de pesar.

Pausa.

Visto ninguém pretender usar da palavra, vamos passar à votação do voto, cujo resultado será imediatamente transmitido à respectiva empresa, à comissão de trabalhadores e ao Governo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do Sr. Deputado Independente António Gonzalez.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a próxima sessão terá lugar amanhã às 10 horas, com período de antes da ordem do dia. Do período da ordem do dia constará o inquérito à EPAC - que é o relatório da Comissão - e o processo de urgência do projecto de lei n.º 501/III, apresentado pelo Sr. Deputado Independente António Gonzalez.
Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 40 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
António da Costa.
António Gonçalves Janeiro.
António José Santos Meira.
Avelino Feleciano Martins Rodrigues.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Francisco Igrejas Caeiro.
João Luís Duarte Fernandes.
João Rosado Correia.
Joel Maria da Silva Ferro.
José Carlos Pinto Basto Mota Torres.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Torres Couto.
Litério da Cruz Monteiro.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Walter Ruivo Pinto Gomes Rosa.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Abílio Gaspar Rodrigues.
Amândio Domingues Basto Oliveira.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Fernando José da Costa.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Antunes da Silva.

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Guido Orlando Freitas Rodrigues.
João Maurício Fernando Salgueiro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
José Ângelo Ferreira Correia.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Pereira.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Paulo Manuel Pacheco Silveira.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Rui Manuel de Oliveira Costa.

Partido Comunista Português (PCP):

António Dias Lourenço.
António Guilherme Branco Gonzalez.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
Custódio Jacinto Gingão.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Torrinhas Paulo.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Rodrigues Vitoriano.
Luís Francisco Rebelo.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Maria Odete Santos.
Mariana Grou Lanita.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes Almeida.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
António Filipe Neiva Correia.
António José Bagão Félix.
José Augusto Gama.
José Miguel Anacoreta Correia.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel António Almeida Vasconcelos.
Manuel Jorge Forte Goes.
Narana Sinai Coissoró.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
Ruben José de Almeida Raposo.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Alberto Manuel Avelino.
Alberto Rodrigues Ferreira Camboa.
Almerindo da Silva Marques.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
António Manuel Azevedo Gomes.
Joaquim Manuel Ribeiro Arenga.
Jorge Alberto Santos Correia.
Jorge Lacão Costa.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Filipe Santos Loureiro.
Maria Helena Valente Rosa.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rui Fernando Pereira Mateus.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

António Nascimento Machado Lourenço.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Jardim Ramos.
José Bento Gonçalves.
José Pereira Lopes.
José Vargas Bulcão.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

Domingos Abrantes Ferreira.
Joaquim António Miranda da Silva.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Lino Carvalho de Lima.

Centro Democrático Social (CDS):

António Gomes de Pinho.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco António Lucas Pires.
João Gomes de Abreu Lima.
João Lopes Porto.
Joaquim Rocha dos Santos.
José Luís Nogueira de Brito.
José Vieira de Carvalho.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.

Declaração de voto enviada para a Mesa ao abrigo do n.º 4 do artigo 92.º do Regimento.

1 - A concluir o seu Le Retour du Tragique escreveu Domenach:

Imperturbáveis inteligências nos rodeiam. Papas de ortodoxias menores, pequenos deuses das ciências do homem, senhores dos sistemas suficientes [...]. Explicam tudo, mas não discutem nunca. Julgam o mundo, mas não aceitam para as suas pessoas qualquer espécie de tribunal. Dir-se-ia que os erros que cometem não lhes dizem respeito e quando se enganam é porque a História terá sido menos inteligente do que eles.

2 - Não temos dúvida de que por aqui poderia iniciar-se uma reflexão não apenas sobre o alcance do projecto que acabámos de votar, como sobre a comunicação social portuguesa.

Provavelmente, será no entanto necessário ir mais fundo. Para concluir que, antes de mais, o problema político da comunicação social portuguesa é o problema da insegurança do poder.

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21 DE JUNHO DE 1985

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Em primeiro lugar, porquanto um pouco por toda a parte e, muito claramente, em Portugal, os meios de comunicação social funcionam muitas vezes como o espelho para a madrinha da Branca de Neve.
A fealdade era apenas reproduzida. Partir o espelho não alterava, realmente, a situação.
Como não adianta, culpar os jornalistas da revelação de factos. O importante são os factos, a sua existência e o seu significado.
Nem se diga, em contrário, que designadamente em Portugal prevalecem a encenação e o artificialismo que ficou conhecido como a criação de «factos políticos».
A «experiência» está condenada a prazo. Não é realmente possível iludir os problemas, nem eternamente desviar as atenções do essencial.
A isto acresce que, tenha ou não razão João Martins Pereira quando afirma que:

Os partidos políticos são meras forças eleitorais, que não conseguiram [...] aprofundar a sua influência ideológica ao ponto de beneficiarem de uma «hegemonia de classe» e poderem daí colher uma autoridade que não venha a ser directamente posta em causa nas eleições seguintes, certo é que nunca no Portugal recente o poder conseguiu ser uma força tranquila (in No Reino dos Falsos Avestruzes, p. 88).

Mesmo quando surgiu com uma dinâmica e um sentido de afirmação - caso do primeiro governo Sá Carneiro - o eleitoralismo e a intranquilidade que ele revela, tiveram influência dominante.
O poder político tem vivido entre nós sempre em sobressalto, em permanente inquietude.
Quem está ou se sente inseguro, tem maior dificuldade em admitir ser posto em questão. Daí a ter como primeiro cuidado o controle da informação, é apenas um passo.
3 - A reacção dos nossos principais dirigentes político-partidários à crítica, é, aliás, esclarecedora. Só poderemos louvar-nos, todos, pelo facto de, pelo menos, até à data, não parecer procurar-se inteira similitude entre os processos praticados na vida interna partidária e os que se desejam ver ou fazer actuar no conjunto nacional.
O processo de silenciamento, marginalização, afastamento ou corrupção da crítica e dos opositores à liderança nos principais partidos políticos portugueses, não é, de facto, particularmente edificante.
Não lhe faltaram nem as manobras de «contra-informação» nem os julgamentos populares.
Como poderemos estranhar que os mesmos homens políticos que não admitem vozes insubmissas ou discordantes e outro julgamento que não o louvor, manifestem no seu relacionamento com a informação o mesmo desejo de serem «admirados», «tranquilizados», «confortados»?
É que se aferíssemos a nossa vida democrática pelo comportamento do poder face à comunicação social, não creio que pudéssemos chegar a resultados diferentes dos do escândalo.
Mas vale a pena sublinhar que o que está em causa é, realmente, uma concepção de democracia.
A informação é o «inimigo n.º 1» quando se teme que seja ela a assumir o papel de revelar que «o rei vai nu». No fundo, recusa-se ao povo tantas vezes invocado o direito de saber e, portanto, de criticar com validade.

Por isso, a comunicação social e o seu relacionamento com o poder, como o relacionamento do poder com a comunicação social, são reveladores, do que uma sociedade tem em si de mediocridade e de conformismo, de inquietude e de generosidade.
4 - A ideia que fazemos da comunicação social em termos de sociedades políticas ocidentais é, ainda, a ideia liberal de prolongamento da liberdade individual, particularmente da liberdade de opinião.

Só que aqui regressamos à ambivalência. É por assim entenderem que os governados exigem a eliminação de todas as barreiras e entraves.

E é também por assim a entender que o poder pretende regulamentá-la.
Afinal, talvez o cerne da questão seja, ainda, uma outra interrogação.

Pretende-se que informar é fazer conhecer a voz da opinião pública. Mas como se manifestava essa voz, antes de os meios de comunicação a revelarem? Será possível uma opinião preexistente à expressão que a formula? Não serão, no fim de contas, os jornalistas, ao mesmo tempo, os intérpretes e criadores da opinião pública?
5 - Continuamos, em Portugal, a precisar de colocar todas estas interrogações, para descobrir que a realidade da informação pública é, também ela, multifacetada.

Talvez a democracia seja, antes de mais, a humildade de não nos considerarmos detentores únicos da verdade.

Como, de forma notável, escreveu Edgar Morin:

A democracia não se baseia, como durante muito tempo se julgou, na ideia de que o homem é racional e que a sua voz colectiva é a verdade. A democracia não se baseia na superioridade racional da maioria sobre as minorias. Ao contrário, a democracia supõe que não há uma Fonte evidente de verdade e de Racionalidade, e baseia-se na fecundidade dos antagonismos. A democracia, na sua natureza, última e profunda, é a regra do jogo que permite a expressão e a confrontação dos antagonismos.
[... ] A democracia supõe/exige, portanto, que a crença mais absoluta respeite a regra que a relativiza (in Da Natureza da URSS, pp. 130-131).

Por isso mesmo, a democracia nos obriga à contenção, à moderação, que é, afinal, rigor.
6 - Precisamos de saber para agir. Para participar.

É a informação que nos torna cidadãos.
Que anuncia o que passou na nossa cidade, no País, no Mundo.

Que confronta as opiniões e difunde a cultura. Que dizer, que é a informação que nos liga aos outros, estabelecendo um fluxo que actualiza e alimenta a comunidade humana.
Na sugestiva imagem de Bernard Voyenne é como se uma gigantesca rede universal fosse sendo tecida, cruzando fios entre todos os homens, não só no espaço, como no tempo, porque se trata também de ligar gerações. Por isso, sublinha Voyenne, quebrar um só desses fios, é «quebrar alguma coisa no Mundo».
Ou, numa outra conhecida imagem, a informação é um «oxigénio» novo sem o qual não respiramos livremente.

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I SÉRIE - NÚMERO 94

Não há sociedade democrática sem informação, o que significa, obviamente sem informação livre. «Toda a repressão da informação é sinal de uma opressão na sociedade».

A comunicação social é uma forma politizada de uma energia social.

7 - É por este conjunto de razões, sumariamente anunciado, que a liberdade dos jornalistas, a sua protecção face às arbitrariedades do poder ou dos seus pequenos zelosos servidores, o assegurar-lhe condições de independência e dignidade no exercício da sua actividade - e que pressupõem também a estabilidade do emprego e as condições de remuneração - não são um privilégio destes. Mas, pelo contrário, uma obrigação da sociedade democrática que pretende continuar a sê-lo.
Não é admissível que processos disciplinares sejam usados para afastar vozes críticas e para atemorizar as restantes, procurando o conformismo obediente que todos os «maquiavéis à moda do Minho» pensam desejável para que em vez de comunicação social exista propaganda.

Foi assim com a consciência do pequeno passo, mas assim mesmo positivo que o projecto de lei significava, que o votámos favoravelmente.

Pelos Deputados da ASDI, Magalhães Mota.

Rectificação ao n.º 92, de 14 de Junho de 1985

Na parte do sumário (p. 3403, col. 1.a, l. 14) onde se lê «[...] Procedeu, finalmente [...]» deve ler-se «[...! Procedeu-se, finalmente [...]»

OS REDACTORES: Maria Amélia Martins - Carlos Pinto da Cruz.

PREÇO DESTE NÚMERO 126$00

Depósito legal n.º 8818/83

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

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