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I Série - Número 16
Quarta-feira, 18 de Dezembro de 1985

DIÁRIO da Assembleia da República

IV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1985-1986)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 17 DE DEZEMBRO DE 1985

Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto B. da Mota Torres
Rui de Sá e Cunha
José Manuel Mala Nunes de Almeida

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão 15 horas e 22 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente e da apresentação de requerimentos, de respostas a alguns outros e de vários projectos e propostas de lei.
Em declaração política, os Srs. Deputados António Capucho (PSD), Miranda Calha (PS) e Hernâni Moutinho (CDS) comentaram os resultados das eleições autárquicas e responderam a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Manuel Tengarrinha e Raul Castro (MDP/CDE) e Carlos Brito (PCP).
O Sr. Deputado António Sousa Pereira (PRD) referiu-se à forma incontrolada de introdução no nosso país das novas tecnologias de informação, tendo, no fim, respondido a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Raul Junqueiro (PS).
O Sr. Deputado Torres Couto (PS) abordou a problemática dos salários em atraso, respondendo depois a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Amândio de Azevedo (PSD).
O Sr. Deputado António Mota (PCP) alertou a Câmara para a grave situação social que se vive no distrito do Porto.
O Sr. Deputado Lopes Cardoso (Indep. - (UEDS) condenou um parecer da Procuradoria-Geral da República relativo à contagem, como tempo acrescido, do tempo de serviço prestado na ex-Legião Portuguesa, no que foi secundado pelo Sr. Deputado Raul Castro (MDP/CDE).
Ordem do dia. - Foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de deputados do PSD e do PS.
Procedeu-se à discussão da ratificação n.º 4/IV (PCP), relativa ao Decreto-Lei n.º 125/82, de 22 de Abril, que cria o Conselho Nacional de Educação e das Universidades, que, a requerimento do PSD, baixou à Comissão de Educação. Ciência e Cultura para discussão e aprovação na especialidade.
Intervieram a diverso titulo os Srs. Deputados Jorge Lemos (PCP), Carlos Coelho (PSD), Paiva Campos (PRD), José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE), Amélia de Azevedo (PSD) e Raul Junqueiro (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 22 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Amândio Anes de Azevedo.
Amândio Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Monteiro de A. Azevedo.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Manuel Lopes Tavares.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arlindo Silva André Moreira.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Arnaldo Ângelo de Brito Lhamas.
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Belarmino Henriques Correia.
Cândido Alberto Alencastre Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Cipriano Rodrigues Martins.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos Silva e Sousa.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.

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Fernando José Russo R. Correia Afonso.
Fernando Manuel A. Cardoso Ferreira.
Fernando Manuel T. Matos de Vasconcelos.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Jardim Ramos.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos Abreu Salgado.
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
Joaquim da Silva Martins.
José de Almeida Cesário.
José Assunção Marques.
José Francisco Amaral.
José Filipe Atayde Carvalhosa.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Maria Peixoto Coutinho.
José Mendes Bota.
José da Silva Domingos.
José de Vargas Bulcão.
Licinio Moreira da Silva.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Jorge Cabral Tavares de Lima.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luis Manuel das Neves Rodrigues.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Vasco Manuel Verdasca Silva Garcia.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.
Virgílio de Oliveira Carneiro.

Partido Socialista (PS):

Agostinho de Jesus Domingues.
Alfredo José Somera Simões Barroso.
Aloísio Fernando Macedo Fonseca.
António de Almeida Santos.
António Antero Coimbra Martins.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Frederico Vieira de Moura.
António Manuel Ferreira Vitorino.
António Miguel de Morais Barreto.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães Silva.
António Manuel Maldonado Gonelha.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel N. da Costa Candal.
Carlos Montez Melancia.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Manuel dos Santos Gomes.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
Joaquim Jorge de Pinho Campinos.
Jorge Alberto dos Santos Correia.
Jorge Lacão Costa. José Barbosa Mota.
José Carlos Pinto B. da Mota Torres.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Torres Couto.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel da Mata de Cáceres.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Manuel Gouveia B. Junqueiro.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Walter Ruivo Pinto Gomes Rosa.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Agostinho Correia de Sousa.
Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
António Alves Marques Júnior.
António Eduardo A. de Sousa Pereira.
António Fernando Rodrigues Costa.
António José Marques Mendes.
António Lopes Marques.
António Magalhães de Barros Feu.
Arménio Ramos de, Carvalho.
Bártolo de Paiva Campos.
Carlos Alberto da S. Narciso Martins.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
Fernando Dias de Carvalho.
Francisco Armando Fernandes.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Ivo Jorge de Almeida dos S. Pinho.
João Barros Madeira.
Joaquim Carmelo Lobo.
Joaquim Jorge de Magalhães S. Mota.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
José Caeiro Passinhas.
José Carlos Torres Matos de Vasconcelos.
José Carlos Pereira Lilaia.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
Jaime Manuel Coutinho G. da Silva Ramos.
José Luís Correia de Azevedo.
José Maria Vieira Dias de Carvalho.
José da Silva Lopes.
José Rodrigo dá Costa Carvalho.
Maria Cristina Gonçalves C. Antunes.
Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos.
Rui de Sá e Cunha.
Tiago Gameiro Rodrigues Bastos.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Vitorino da Silva Costa.
Victor Manuel Lopes Vieira.

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Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço da Silva.
António Manuel da Silva Osório.
António da Silva Mota.
António Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Manafaia.
Cláudio José Santos Percheiro.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Francisco Miguel Duarte.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José António M. Brito Apolónia.
José Aurélio da Silva Barros Moura.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel dos Santos Magalhães.
José Rodrigues Vitoriano.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Margarida C. Tengarrinha C. Costa.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
António José Borges de Carvalho.
António José Tomás Gomes de Pinho.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco António Oliveira Teixeira.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João Gomes de Abreu Lima.
João da Silva Mendes Morgado.
Joaquim Rocha dos Santos.
José Henrique Meireles de Barros.
José Luís Nogueira de Brito.
José Maria Andrade Pereira.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Ruy Manuel Correia de Seabra.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Manuel do Carmo M. Tengarrinha.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

Deputados independentes:

António Poppe Lopes Cardoso (UEDS).
Gonçalo Pereira Ribeiro Teles (PPM).

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à leitura do expediente.

Deu-se conta do seguinte.

Expediente Cartas

De Augusto dos Santos Ferreira, residente em Carviçais, Moncorvo, remetendo fotocópia de uma exposição, em que é primeiro signatário, reclamando contra a decisão tomada pela gestão da CP relativamente a passagens de nível na Linha do Vale do Sabor, e pedindo que seja alterado ou revogado o Decreto-Lei n.º 156/81, de 9 de Junho; de Maria José Aragão, residente em Viseu, anexando fotocópia de exposição dirigida ao Sr. Ministro da Cultura, no sentido de legalizar a prática das touradas em Portugal; da direcção da Associação Sindical União dos Reformados, Pensionistas e Idosos, com sede na Marinha Grande, remetendo um exemplar da moção aprovada no dia 8 do corrente, repudiando os recentes aumentos e solicitando que sejam criadas condições que favoreçam os mais necessitados.
Ofícios
Da Câmara Municipal de Redondo, enviando fotocópia de moção aprovada na reunião daquela autarquia realizada no passado dia 21 de Novembro, repudiando a aplicação do Decreto-Lei n.º 380/85, de 26 de Setembro; da Assembleia de Freguesia de Ilhavo, remetendo fotocópia da moção que foi aprovada na reunião extraordinária, realizada no dia 22 do passado mês de Novembro, sobre a Junta Autónoma de Estradas do distrito de Aveiro; da Junta de Freguesia de Castanheira do Ribatejo, remetendo fotocópia de abaixo-assinados sobre o problema das inundações na vala do Carregado, que causam prejuízos frequentes e situações alarmantes para as populações; da Assembleia Municipal do Seixal, remetendo fotocopias de 5 moções que foram aprovadas na reunião realizada naquele órgão autárquico no dia 29 do transacto mês; da Assembleia Municipal de Tomar, enviando fotocópia da moção aprovada em reunião realizada no dia 6 do corrente mês, por unanimidade, manifestando as preocupações pela aplicação do Decreto-Lei n.º 380/85, de 26 de Setembro, e pedindo a sua suspensão.

Telegrama

Da Câmara Municipal de Beja, solicitando que sejam tomadas providências, a fim de impedir o encerramento da CERCIBEJA e a criação de situações dramáticas para os 85 utentes.

«Telex»

De José Luís Sarreira Guerreiro, emigrante, residente em Nova Iorque, nos Estados Unidos da América, informando de actos praticados pela Câmara Municipal de Peniche, que considera abusivos, e solicitando que sejam tomadas providências para reposição dos seus direitos.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Foram apresentados os seguintes requerimentos:

Sessão do dia 10/12/85. - Aos Ministérios da Agricultura, Pescas e Alimentação e do Plano e Administração do Território, formulado pelos

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Srs. Deputados Carlos Brito e Margarida Tengarrinha; ao Governo (2), formulado, pelo Sr. Deputado José da Costa Carvalho; ao Ministério da Educação e Cultura, formulado pelos Srs. Deputados Andrade Pereira e Virgílio Carneiro; ao Ministério do Trabalho e Segurança Social (2), formulados pelo Sr. Deputado António Mota; à Direcção-Geral das Construções Escolares e à Secretaria de Estado do Ensino Básico e Secundário (2), formulados pelo Sr. Deputado Rogério Moreira; aos Ministérios da Agricultura, Pescas e Alimentação e da Defesa Nacional (5), formulados pelo Sr. Deputado António Barreto; aos Ministérios do Trabalho e Segurança Social e da Educação e Cultura (2), formulados pelo Sr. Deputado Manuel Martins; ao Ministério das Obras Públicas, formulado
pelo Sr. Deputado António José Marques Mendes; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelos Srs. Deputados Tiago Bastos e Jaime Silva Ramos; à Câmara Municipal de- Sintra e ao Ministério da Administração Interna (2), formulados pelo Sr. Deputado João Salgado; ao Governo e ao Ministério da Saúde (5), formulados pelo Sr. Deputado Jorge Lemos; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulado pelos Srs. Deputados António Barreto e José Frazão; à EDP, formulado pelo Sr. Deputado Sá e Cunha;
Sessão do dia 11/12/85. A diversos ministérios (3), formulados pelo Sr. Deputado Magalhães Mota; aos Ministérios das Finanças e da Indústria e Comércio, formulado pelos Srs. Deputados António Rodrigues Costa e outros; ao Ministério da Educação e Cultura, formulados pelos Srs. Deputados Francisco Fernandes e Zita Seabra; ao Ministério da Saúde (3), formulados pelo Sr. Deputado Jorge Lemos; aos Ministérios do Plano e da Administração do Território e das Obras Públicas (2), formulados pelo Sr. Deputado António Lourenço; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulados pelos Srs. Deputados Belchior Pereira e Carlos Pinto, respectivamente; ao Governo (3), formulados pelos Srs. Deputados José Magalhães e outros; à Secretaria de Estado das Vias de Comunicação, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Martins; ao Governo, formulado pelos Srs. Deputados Carlos Manafaia e outros.
O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos Srs. Deputados António Sousa Pereira e António José Fernandes na sessão de 20 de Novembro, respectivamente, e José Seabra na mesma sessão.
Entretanto, deram entrada na Mesa os seguintes projectos de lei: n.º 71/IV, apresentado pelos Srs. Deputados Jorge Lemos e outros, do PCP, relativo à revogação do Decreto-Lei n.º 301/84, de 7 de Setembro, que põe em causa os dispositivos constitucionais que asseguram o efectivo cumprimento da escolaridade obrigatória a todos os cidadãos - foi admitido e baixou à 4.ª Comissão; n.º 72/IV, apresentado pelos Srs. Deputados José Gama e outros, do CDS, sobre alterações à Lei n.º 13/85, de 6 de Julho - Património Cultural Português -, que foi admitido e baixou à 4.ª Comissão; n.º 73/IV, apresentado pela Sr.ª Deputada Maria Santos (Indep. - Os Verdes), sobre a Lei da Caça - este projecto foi admitido e baixou à 6.ª Comissão.
Deram também entrada na Mesa as propostas de lei n.º 2/IV, que fixa em 250 milhões de contos o montante máximo de bilhetes de tesouro em circulação e n.º 3/IV, apresentada com processo de urgência - orçamento suplementar para 1985. Foram admitidas e baixaram à 5.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mau grado o elevado nível de abstenção registado - fenómeno a merecer melhor reflexão em tempo oportuno - penso que nos devemos congratular com os resultados das eleições autárquicas realizadas no passado domingo.
Perto de 50 000 cidadãos de todos os quadrantes políticos, filiados ou não em partidos, apresentaram-se como candidatos aos órgãos do poder local e os eleitores fizeram a sua escolha, entre as opções que se lhes ofereciam, como cumpre em democracia.
Nunca demais salientar a importância das autarquias no quadro da nossa organização política, desde que o 25 de Abril nos proporcionou a eleição directa e democrática dos representantes locais para os respectivos órgãos. O saldo da actuação dos autarcas eleitos desde 1976 é, quanto a nós, globalmente muito positivo.
E os resultados aí estão, em todo o País, a atestar que as populações foram, em regra, favorecidas pela acção dos que mais perto se encontram dos seus problemas e mais capazes se revelaram para os resolver progressivamente. A estabilidade dos órgãos das autarquias e a produtividade dos investimentos que desenvolvem são também facetas extremamente positivas que têm caracterizado o poder local.
O PSD sempre esteve na primeira linha da defesa do poder local democrático e, antes do que qualquer outro, reivindicou, após o 25 de Abril, a realização de eleições gerais para os seus órgãos, tanto mais que então se registava, também neste campo, uma séria ameaça totalitária representada por comissões administrativas que alguns desejariam perpetuar.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Orgulhamo-nos, consequentemente, por termos recebido a confiança dos eleitores que, desde 1979, nos ergueram à posição de maior partido nas autarquias locais.
Hoje, a nossa satisfação redobra-se pela grande vitória registada pelo PSD no passado domingo. Não considerando os partidos que não concorreram em 1982, o PSD foi a única formação que obteve ganhos em todos os indicadores susceptíveis de estabelecerem a evolução do comportamento eleitoral dos concorrentes. Aumentou a percentagem eleitoral, obteve um ganho líquido de mais 21 presidências de câmaras municipais, de muitas dezenas de presidências de juntas de freguesia e alargou nitidamente o número de mandatos nos diferentes órgãos eleitos. São especialmente relevantes, entre as presidências de Câmara ganhas a outros partidos, as que se situam a sul do Tejo, como Alvito, Elvas, Fronteira, Marvão, Mourão e Ourique,

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para além das vitórias obtidas em municípios com a importância de Caldas da Rainha, Coimbra, Covilhã, Espinho, Lagoa e Peniche, entre outros.
Importante também o concurso que prestámos a listas de coligação encabeçadas por socialistas e que ganharam à APU municípios com o peso de Setúbal, Azambuja, Montijo e Vila Real de Santo António.

Aplausos do PSD.

Em resultado, a distribuição espacial das câmaras de maioria social-democrata e dos nossos mandatos tornou-se mais equilibrada com as vitórias e o crescimento registados no Alentejo e no distrito de Setúbal, área em que o PSD só dispunha de uma maioria.
Os outros partidos que tinham também concorrido em 1982 ficaram aquém dos resultados obtidos nessas eleições autárquicas, embora invoquem alguma recuperação em relação aos resultados obtidos nas eleições legislativas de Outubro passado. No caso do PRD esta última comparação é-lhe adversa, já que em 6 de Outubro conseguira ser o partido mais votado em 21 municípios e agora conquista apenas 3 câmaras, tendo descido cerca de 6% no cômputo dos concelhos em que apresentou lista para a Câmara Municipal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com estes resultados eleitorais, o Governo do PSD não vê obviamente a sua legitimidade acrescida. Mas é inequívoco que esta vitória dos sociais-democratas nas autarquias locais constitui um claro reforço político do Governo da República, facto que esta Câmara não pode ignorar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por isso também nos congratulamos, na convicção de que este lenitivo proporcione um redobrar dos esforços que lhe cabe desenvolver no cumprimento do Programa que aqui apresentou, em ordem ao desenvolvimento equilibrado no nosso país, e à melhoria das condições e da qualidade de vida dos Portugueses.
Termino formulando votos, em nome da minha bancada, de muitas felicidades a todos os eleitos locais no desempenho das funções cujo mandato vão em breve iniciar e, se me permitem, com um abraço aos mais de 15 000 companheiros que o meu partido apresentou e o povo elegeu.
Disse.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha.

O Sr. José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE): - Sr. Deputado António Capucho, desejava fazer-lhe apenas duas perguntas.
Em primeiro lugar, quando diz que a abstenção merece maior atenção em tempo oportuno eu perguntaria se esse tempo oportuno não era precisamente agora e se, ao relegar para uma outra oportunidade, não estará a querer iludir a conclusão que inequivocamente se pode tirar sobre essa abstenção e que, porventura, não será muito abonatória para o seu próprio partido ou para aqueles que de qualquer modo tiveram responsabilidades governativas.
Por outro lado, Sr. Deputado, queria fazer-lhe um reparo. Quando fala em ameaças totalitárias, das comissões administrativas, que alguns esperavam perpetuar - digo isto com algum conhecimento na medida em que, como sabe, o meu partido esteve envolvido largamente nessas comissões administrativas -, pergunto-lhe o seguinte: não haveria, pelo contrário, uma ameaça totalitária por parte dos presidentes das câmaras e juntas de freguesia que eram fascistas e que era indispensável remover antes de tudo, para que se estabelecesse a democracia no nosso país?
Não tem o Sr. Deputado, por exemplo, presente que uma das grandes e primeiras obras que mais elogiadas foram pela República foi precisamente o seu primeiro acto de demitir todos os autarcas, todos os responsáveis por autarquias da monarquia, tendo considerado que essa foi certamente uma das obras que mais contribuíram para o acabar do antigo regime, para instaurar uma ordem nova no nosso país, sabendo-se quanto as populações locais identificavam esses responsáveis das autarquias com o regime fascista e como eles eram merecedores da confiança e directamente nomeados pelo órgão central? Sabemos quanto essas pessoas, que sacrificadamente tomaram sobre si o encargo de gerir as autarquias, não são merecedoras do reparo que o Sr. Deputado fez.
De resto digo-lhe, Sr. Deputado, que não é apenas agora que nós podemos ter uma perspectiva desse tempo porque já na altura a tínhamos. E quando nessa altura se discutiu, com os meios que havia à disposição, com as possibilidades que havia, poderá dizer que as eleições não teriam sido inteiramente regulares, mas dir-lhe-ei que as eleições eram aquelas que eram possíveis nas circunstâncias em que se vivia e que o fundamental era dar às populações bem a noção que se estava num regime democrático e que ficaram afastados os fascistas.
Poderei dizer-lhe até que - entrei em muitas das negociações e conversações com o Governo para instalação dessas comissões administrativas - essa consciência, diferente daquela que o Sr. Deputado agora diz, era nessa altura assumida pelo Ministro da Administração Interna que era do PSD. Parece-me, pois, injusto o seu reparo e que seria talvez de restituir às pessoas verdadeiramente democratas, que tiveram uma acção importantíssima na consolidação da democracia, o nosso elogio pela forma como então desempenharam esse papel importante.

Vozes do MDP/CDE e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado António Capucho, V. Ex.ª fez uma declaração política que no começo parecia bastante equilibrada. Iniciou-a com um elogio ao poder local - elogio esse ao qual até não teríamos muita dificuldade em nos associar, particularmente no que diz respeito à obra dos autarcas, mesmo de diferentes partidos -, mas, em seguida, foi fazendo a sua instrumentalização dos resultados e o aproveitamento deles para ataques completamente deslocados e injustos. O meu camarada José Manuel Tengarrinha, que faz parte da nossa coligação APU, já se referiu às comissões administrativas pelo que não valerá a pena estar a insistir nesse ponto.
No entanto, gostaria de insistir num outro aspecto, que é o seguinte: o Sr. Deputado procura tirar a con-

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clusão de que este resultado reforça o Governo, portanto o PSD. Ora, isso é contraditório com aquilo que o Sr. Deputado disse quando começou por referir a obra das autarquias. Com efeito, atribuindo este resultado à obra das autarquias, entendeu depois legítimo assacar e retirar a conclusão de que isto reforça o Governo. Será assim? Serão os resultados do PSD tão significativos que constituam esse reforço do Governo? E o voto foi em relação ao trabalho do PSD nas autarquias, ou ao Governo que começou agora a governar? Para mais, acresce esta circunstância: é que o PSD concorreu nestas eleições em. numerosas autarquias coligado com o Partido Socialista. Ë de admitir que alguns eleitores do PS se tivessem somado ao eleitorado do PSD em várias autarquias, muito embora o Sr. Deputado possa considerar que esse eleitorado é pequeno, é reduzido, mas certamente foi algum.
Ora, ainda há poucos dias o PS apresentou aqui na Assembleia da República uma moção de rejeição do Programa do Governo, manifestando-se assim em oposição ao Governo. Quer o Sr. Deputado significar que os eleitores socialistas, que antes acompanhavam o seu partido na oposição ao Governo, vieram agora reforçar o Governo, dar o seu apoio a este? Foi isso que o Sr. Deputado quis significar com a afirmação que fez? Ou o Sr. Deputado dá de barato o eleitorado do PS que votou nas listas do PSD e considera-o sem significado e irrelevante?
Era esta questão que convinha esclarecer, para que tudo ficasse clarificado, mesmo em relação às coligações que os senhores fizeram para derrotar a APU, não o conseguindo nos casos mais significativos do País.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha, não pretendi iludir o problema da abstenção, não é essa a minha intenção, simplesmente é um fenómeno extremamente complexo e que não tem uma distribuição espacial equilibrada. Basta dizer que, numa primeira analise, ela cresce as sustadoramente nos grandes centros urbanos, como em Lisboa e na Área Metropolitana de Lisboa, e decresce de uma forma assinalável nos pequenos aglomerados populacionais, nos municípios de dimensão mais pequena.
O que referi foi apenas que a 48 horas das eleições é prematuro tirarmos ilações. Não trouxe aqui queixas ou reparos, que o meu partido já fez, no sentido de que as eleições autárquicas não foram acompanhadas com o mesmo impacte e empenho por parte dos órgãos da comunicação social que, talvez com excepção dos últimos 15 dias, têm dado muito maior atenção às eleições presidenciais. Portanto, trata-se apenas de uma questão de oportunidade, já que do meu ponto de vista se exige um maior estudo e ponderação sobre esse fenómeno, tanto mais que desta vez não há desculpas em. matéria de clima estava um dia lindo em todo o País.
Quanto à questão da ameaça totalitária, devo dizer, em primeiro lugar, que jamais o meu partido e muito menos eu - aqui referiu que as câmaras e as vereações fascistas deviam ser mantidas, até porque após o 25 de Abril apoiámos a sua substituição por comissões administrativas democráticas. Sobre a génese destas comissões administrativas daria uma discussão muito grande, pois eu próprio, que tinha responsabilidades no distrito de Lisboa em representação do meu partido, participei em negociações desse tipo e teria muito a dizer. Seja como for, aquilo que referi foi a ameaça totalitária não das comissões administrativas em si, mas da tentativa de as perpetuar, negando a eleição atempada de órgãos autárquicos escolhidos pelas populações. Isso é completamente diferente daquilo que V. Ex.ª me imputa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Isso foi nítido no período gonçalvista, em que havia uma tentativa de perpetuar as comissões administrativas e de não proceder a eleições locais. E o PSD reclama-se de, antes de qualquer outro, ter reivindicado eleições, locais para os órgãos das autarquias.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado Carlos Brito, que depois de me dar o benefício de que numa primeira fase a minha intervenção era equilibrada acusa-me de instrumentalizar os resultados, direi que sou incapaz de acompanhar o PCP no seu jeito absolutamente único de instrumentalizar os resultados. Aliás, a seguir a qualquer eleição; é normal que a população de todo o País se sente em frente dos ecrãs de televisão para ver como é que o PCP explica como é que ganhou, tendo perdido. Esse é, de facto, um espectáculo encantador para todos nós e já nas eleições legislativas todos assistimos a essa análise.
Sr. Deputado Carlos Brito, é evidente o reforço político do Governo pois há, manifestamente, um reforço do partido que governa o País. Analisando qualquer índice, verifica-se que o PSD cresceu, seja em número de mandatos nas assembleias de freguesia, nas assembleias municipais e nas câmaras municipais, seja em número de presidências de câmara e percentagem eleitoral, não contando com os municípios em que fomos em coligação. Não vou cometer aqui a ligeireza de certos órgãos de comunicação social que comparam que é incomparável, ou seja, o facto de num determinado município se ter registado em 1982 uma coligação do tipo PSD/CDS que não tem nada a ver com uma coligação que tenha ocorrido no mesmo município do tipo PS/PSD. Não estou a fazer essa comparação, e comparo apenas municípios em que se registou, rigorosamente, o mesmo figurino, quer em 1982 quer este ano, e, nesses, o PSD teve, de facto, um acréscimo. Daí que me pareça perfeitamente lógico e indiscutível que o alargamento dó crédito de confiança no PSD ao nível das autarquias tem também indirectamente a ver com o alargamento dó crédito de confiança do PSD ao nível do Governo. Por isso o Governo sai politicamente reforçado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seria natural que aqui, hoje, abordássemos os resultados das eleições autárquicas do passado

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dia 15 de Dezembro. Não só pelas ilações a tirar no contexto das diversas formações partidárias mas também no contexto do nosso regime,
E começaria precisamente por aqui: uma das constatações evidentes das eleições de domingo último foi o aumento significativo da abstenção. Muito embora em termos europeus existam níveis semelhantes de abstenção, parece-nos claro que a percentagem de 36,1 % referente a resultados para câmaras municipais é preocupante.
Certamente que a multiplicidade de actos eleitorais poderá ser motivadora de algum cansaço. Mas outras razões poderão existir. É neste sentido que a todos nós se deve impor uma reflexão sobre esta matéria e, porventura, a tomada de iniciativas que possam fazer inverter essa situação. Democracia é participação, democracia é a possibilidade da livre opção. A abstenção é, pelo contrário, deixarmos de exercer um dever cívico importante e deixarmos a alguns as escolhas e decisões que a todos pertencem.
Uma segunda ordem de questões prende-se com a posição do Partido Socialista em relação a estas eleições locais.
Sempre considerámos que tinham interesse nacional e que o empenhamento dos partidos naquelas era importante para o fortalecimento do poder local e era, é, o apoio a um nível de decisão de estrutura do Estado que tem dado provas inequívocas de capacidade de resolução dos problemas locais e da interpretação de anseios do nosso povo.
Pela nossa parte temos acompanhado e apoiado o desenvolvimento do nosso poder local contribuindo, ao longo dos anos e de forma decisiva, para a sua consolidação.
Não deixamos assim de ver com apreensão a nova participação de alguns, ao arrepio, precisamente, deste entendimento. Para nos, qualquer acto eleitoral tem a mesma importância pelo dever de respeito a todos os cidadãos que participam na vida do País e pela defesa intransigente e inequívoca do regime democrático. Não há eleições mais, nem eleições menos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista partiu para estas eleições com uma situação difícil. Perdemos as eleições em 6 de Outubro último - tal facto, só por si, poderia ter tido consequências imprevisíveis nestas eleições locais. Tivemos dois objectivos essenciais: a percentagem eleitoral do PS e os mandatos autárquicos, tendo em conta as nossas posições tradicionais.
Sublinho que atingimos tais objectivos. Tínhamos tido 20,8% nas eleições para a Assembleia da República e temos agora, na base dos dados oficiais conhecidos, 27,3%. Houve uma franca recuperação eleitoral do Partido Socialista.
Por outro lado, detínhamos a presidência da câmara municipal em 84 concelhos. Temos agora a presidência de 80 concelhos, não havendo ainda dados definitivos sobre o concelho de Guimarães.
Com algumas variações mantivemos, na generalidade, as áreas tradicionais de predomínio socialista. Os nossos eleitos locais continuaram a manter o apoio das respectivas populações, pelo seu trabalho, pelo seu dinamismo, pelo seu esforço.
Como síntese destes dois aspectos poderíamos dizer que o PS tem uma implantação nacional insubstituível e um enraizamento local indesmentível.
Se há um vencedor eleitoral, que é o PSD, a quem cumprimento neste momento, não é menos verdade que também o é por alguma ajuda do PRD que, menos preocupado com as populações locais, nos anseios e seus problemas, concorre em muitos concelhos tão-só para derrotar as formações políticas que os administravam e menos para procurar resolver e responder com seriedade aos problemas locais existentes. De qualquer modo, o PS diminuiu significativamente a sua diferença em relação ao primeiro partido.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há, no entanto, mais duas constatações a fazer.
Referindo-me ainda ao PRD, é visível a sua implantação reduzida - tendo assentado a sua filosofia política na defesa do poder local, verifica-se que não há qualquer correspondência entre esse aspecto e o apoio popular.
Concorreu, como disse, para derrotar outros. Não se apresentou com projectos e pessoas para, integrando eventualmente órgãos autárquicos, resolver os problemas que se colocavam nos diversos concelhos.
Foi pena. Como disse um jornalista conhecido e ultimamente muito citado, «Deus não dorme».
Quanto à APU, é evidente a constatação da sua diminuição eleitoral.
A perda de concelhos como Setúbal, Montijo e Estremoz, entre outros, atestam uma vontade de mudança local importante. Desfez-se essa ideia peregrina de que certos municípios nunca teriam mudanças. Desfez-se essa ideia, constantemente repetida, de que na administração local só uns é que são bons e o resto nada vale.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Passaram as eleições autárquicas. Por todo o País, homens e mulheres integrando os diversos órgãos autárquicos vão iniciar dentro de dias os seus mandatos, desta feita por 4 anos.
Consensualmente, tem sido sublinhado o papel decisivo e determinante desenvolvido pelas autarquias locais na resolução de problemas e na criação de melhores condições de vida para as respectivas populações, lançando ao mesmo tempo o progresso e o desenvolvimento.
Aproveito para, desta tribuna, saudar todos os eleitos locais indistintamente. Faço votos que do seu empenhamento e trabalho continue o fortalecimento do poder local em Portugal.

Aplausos do PS e do deputado independente Lopes Cardoso.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos dê esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados Carlos Brito, António Capucho, Raúl Castro e José Manuel Tengarrinha.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Miranda Calha, ouvi com atenção a sua declaração política e acompanhei com muita curiosidade as reflexões acerca da abstenção, não pela preocupação que manifestou - e nisso também o acompanho -, mas em relação aos remédios que parece estar a considerar. É ideia do PS ou do Sr. Deputado Miranda Calha vir a decretar o voto obrigatório? Será disso que se trata? O Sr. Deputado não foi conclusivo e gostava de colocar esta questão.

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Passando à questão da recuperação do PS, o Sr. Deputado referiu a ajuda do PRD. Não compreendi se a ajuda do PRD era ao PS ou ao PSD. E a ajuda do PSD ao PS? Os Srs. Deputados já calcularam o que seria a votação do PS sem os votos do PSD? Ou, dizendo de outra maneira, o que seria o peso da votação do PSD na votação do PS? Teria bastante interesse ter esse elemento e conhecer os vossos cálculos a esse respeito.
Observando aquelas autarquias onde o PS concorreu sozinho, por exemplo o caso de Coimbra, verifico que há baixas consideráveis. Em Coimbra, o PS passa de 46% em 1982 para 32% em 1985; em Lisboa, o PS passa de 27% para 17% em Faro, o PS passa de 33% para 21% em todas estas autarquias o PS perde numerosos mandatos no Porto, o PS fica muito longe do seu objectivo e em Peniche acontece-lhe mais ou menos a mesma coisa. Poderíamos citar muitos mais exemplos a este respeito e isso legitima, sem dúvida nenhuma, esta nossa interrogação: o que é que seria do PS sem o PSD? Ou então legitima, uma outra interrogação talvez ainda mais correcta, que é a seguinte: esta redução da votação PS sempre que concorreu sozinho não será o preço que o PS está a pagar pelas suas alianças com o PSD?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado considera que será assim tão desfavorável para a APU a circunstância de ter a maioria absoluta em três distritos - Évora, Beja e Setúbal - e de ser a força mais votada no distrito de Lisboa? Isto são factos sem importância e sem significado?
É também sem significado o aumento e a passagem de maiorias relativas para maiorias absolutas nos concelhos de Loures, Vila Franca de Xira, Amadora e Almada, onde os senhores se juntaram todos?

Aplausos do PCP.

É evidente que se todos os partidos se juntarem contra a APU em certas autarquias o significado dessa votação vai ser muito mau para as populações. Qualquer dia os vereadores do PS e do PSD vão-se desentender, vamos ver câmaras a cair e aí têm aquilo que os senhores levaram às populações por essa ideia fanática e sectária de varrer a APU das autarquias. No entanto, não o conseguiram em relação às mais significativas e importantes.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Miranda Calha participa da conclusão há pouco elaborada pelo Sr. Deputado António Capucho, no sentido de que o resultado destas eleições representa um reforço do Governo, contra o qual os senhores aqui se manifestaram quando foi debatido o Programa do Governo?
O Sr. Deputado acha que os votos do PS nas listas do PSD têm essa significação?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Miranda Calha, V. Ex.ª pretende responder já ou no fim de todos os pedidos de esclarecimento?

O Sr. Miranda Calha (PS): - Prefiro responder no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Deputado Miranda Calha, o meu pedido de esclarecimento resulta da necessidade que tenho de repor o rigor nestas questões de apreciação dos resultados eleitorais. Devo dizer que nem V. Ex.ª utilizou de rigor nem o Sr. Deputado, Carlos Brito o fez ao analisarem os resultados do PS. Na verdade, V. Ex.ª refere que o PS teve nas eleições legislativas um resultado do 20,8%, o que é verdade, e que terá tido nestas eleições autárquicas um resultado de 27,3%. O Sr. Deputado sabe bem que não é isso e não pode fazer o mesmo que a televisão, que mostrou um quadro anódino a dizer 27,3% quando por detrás da sigla PS não está só o PS, mas sim outras forças políticas. Também não pretendo que se faça a mesma comparação para o PSD quando em Lisboa todos os votos do PSD e do CDS contaram no computador e na televisão para o PSD, pois sei que são votos sociais-democratas e centristas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Devemos, portanto, ser rigorosos e fazer comparações entre municípios nos quais utilizámos exactamente o mesmo tipo de coligação ou apresentámos lista sozinhos, quer nas eleições precedentes, quer nestas.
Daí que o Sr. Deputado saiba muito bem que o resultado não foi de 27 % - e certamente que saberá melhor do que eu qual a percentagem obtida. Na realidade; houve uma ligeira recuperação em relação aos 20,8% que obteve nas eleições legislativas, mas não teve 27%.
Fico-me por aqui e deixarei outras considerações para uma próxima intervenção política.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Castro.

O Sr:. Raúl Castro (MDP/CDE): - Sr. Deputado Miranda Calha, V. Ex.ª, para aqui referir uma vitória e uma melhoria dos resultados do PS, comparou os resultados obtidos nas autarquias - resultados esses que, aliás, não se devem só aos votos do PS - com os resultados das eleições legislativas. Não sei se haverá alguém que legitimamente possa comparar resultados de duas eleições completamente diferentes, como é o caso das legislativas e das autárquicas. Parece que o que o Sr. Deputado deveria ter comparado era os resultados das eleições autárquicas de 1985 com os de 1982 e, nessa altura, desapareceria o optimismo de que deu provas na sua intervenção:
Por outro lado, ao falar também numa diminuição de votos da APU, o Sr. Deputado adoptou o mesmo critério. Quer dizer, comparou os resultados da APU das autarquias em 1985 com os resultados das legislativas quando o que deveria ter comparado eram os resultados da APU de 1985 com os de 1982. Se o fizesse
- e essa é que era a comparação correcta - verificaria que não havia diminuição.
Por outro lado, na sua intervenção surpreendeu-nos uma filosofia política estranha: é que o Sr. Deputado

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congratula-se com os maus resultados obtidos pelo PRD, congratula-se com aquilo que considera, embora mal, uma diminuição eleitoral dos resultados da APU, pelo que temos de concluir que para o Sr. Deputado são essas forças políticas que estão em oposição ao PS. Aliás, a sua intervenção já não é de admirar porque tivemos ocasião de ouvir na televisão o representante do PS, Alberto Avelino, congratular-se com o facto de uma ou duas câmaras que eram da APU terem passado para o PSD. Daqui tiramos a triste conclusão de que o PS se congratula com vitórias do PSD e do CDS e regozija-se com maus resultados ou diminuição de resultados da APU e do PRD.
Sr. Deputado, parece que essa é a continuação de uma política que tem feito pagar caro ao Partido Socialista, através de uma orientação que é contrária àquela que deveria existir por parte de um partido cuja denominação é, pelo menos, a de Partido Socialista.

Vozes do MDP/CDE e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha.

O Sr. José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE): - Sr. Deputado Miranda Calha, pela nossa parte nunca entramos no jogo de tentar apresentarmo-nos vitoriosos quando perdemos. Esse é um jogo que, em muitos aspectos, creio não ser muito dignificante para o próprio eleitorado.
É legítimo que os partidos temem fazer ressaltar alguns aspectos que não sejam só derrotas. Isso será porventura positivo na votação ou no quadro geral saído da votação. Portanto, acho legítimo partidariamente, mas não do ponto de vista de rigor, que o Sr. Deputado Miranda Calha tenha dado um tom geral à sua intervenção dessa forma.
Como já aqui foi referido pelo meu companheiro de bancada Raul Castro, o que há que comparar são os resultados de 1982 com os de 1985, porque nesse caso a APU poderia ter reivindicado uma vitória estrondosa ao ter passado de 15% para quase 21%, o que evidentemente não aconteceu.
No entanto, comparando os resultados das eleições autárquicas de 1982 com 1985, veremos exactamente como é que essa análise poderá ser feita.
Como já aqui foi dito, consideramos que, perante uma ofensiva conjugada de várias forças, a APU resistiu e conseguiu mostrar a sua forte implantação, e isto quando, perante essa mesma ofensiva, conseguiu até reforçar a sua posição. É o caso da Amadora, é o caso de Loures, onde passou de maioria relativa a maioria absoluta.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Perante essa ofensiva conjugada de outras forças, se tivessem somado os votos da APU obtidos anteriormente, provavelmente teriam obtido resultados mais vantajosos.
A verdade que daqui resulta é que a população confiou mais na APU e reforçou as suas posições.
Claro que o Sr. Deputado Miranda Calha valoriza umas questões e não valoriza outras. Não valoriza, por exemplo, o facto de a APU ter ganho novas câmaras e de ter ganho em todo o país numerosas freguesias geograficamente mais dispersas do que até aqui.
Por outro lado, o Sr. Deputado Miranda Calha esquece os casos de Coimbra, de Peniche, etc.
Embora eu pudesse responder - mas não me compete fazê-lo -, gostaria de saber se o Sr. Deputado Miranda Calha me poderá responder ao seguinte: quantos vereadores perdeu agora o PS? Quantas freguesias é que o PS ganhou ou conservou no concelho de Lisboa? E quantas freguesias perdeu daquelas em que não houve coligação?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Deputado Carlos Brito, creio que a primeira questão que abordou foi a da abstenção. O que eu aqui fiz foi referenciar que esse aspecto existe e a minha chamada de atenção em relação a essa matéria deve-se ao facto de pensar que todos aqueles que participam nos actos eleitorais têm a estrita obrigação de procurar por todos os meios concorrer para que essa abstenção não persista.
Penso que a participação é fundamental em todos os actos eleitorais. A participação dos cidadãos nas opções que se põem ao País e às suas terras é fundamental e, consequentemente, é este o sentido do meu apelo para que realmente haja este reforço, que é um reforço de fundo em termos democráticos, de forma a que a abstenção não continue a evoluir como tem acontecido até aqui.
O Sr. Deputado colocou-me também a questão de saber como é que o PRD concorreu relativamente a algumas forças e, por outro lado, referiu o facto de o PSD ter sido uma ajuda para o PS. O que sublinhei na minha intervenção do que me pareceu o concurso do PRD em relação às eleições autárquicas é que esse partido teve mais preocupação em apresentar listas do que pensar em projectos e em pessoas que pudessem protagonizar programas de desenvolvimento local e, consequentemente, terem apoio local para poderem levar por diante esses mesmos projectos. Portanto, o que quis dizer é que o PRD, concorrendo de maneira contrária àquela que acabo de referir, concorreu para derrotar forças e não pela positiva, ou seja para encabeçar a resolução de problemas concretos em termos locais.
Quanto à ajuda do PSD ao PS - o Sr. Deputado António Capucho também a referiu -, também posso dizer o contrário, ou seja, que nalguns concelhos o PSD também teve a ajuda do PS. Houve portanto duas situações, de um e de outro lado.
Consequentemente - e é isso que é preciso aqui referir -, em relação a estas coligações, contrariamente à extrapolação que aqui se pretendeu fazer, no sentido de haver uma interligação entre aquilo que era a coligação a nível nacional e aquilo que são os interesses locais, tivemos sempre o cuidado de diferenciar estas duas situações e de referir que as coligações existentes a nível de alguns concelhos do País resultaram precisamente da vontade expressa de estruturas nossas e do outro partido, no sentido de procurar equacionar a resolução de problemas locais de maneira diferente daquela que era feita então nesses mesmos concelhos. Tem, portanto, a sua própria expressão, a sua própria perspectiva, e é nesse sentido que elas próprias se constituíram.

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Fizemos esses acordos e penso que em muitos concelhos eles corresponderam às expectativas. Aliás, é por isso que em concelhos como Setúbal, Montijo, Estremoz, Vila Real de Santo António e outros há, de facto, alterações significativas que correspondem à vontade expressa das populações desses mesmos concelhos no sentido de uma mudança já sentida há muito tempo. Quanto ao facto de as eleições terem sido desfavoráveis para a APU, é claro que foram: em 82, a APU teve 55 presidências de câmaras, neste momento tem 47.
Portanto, desceu.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Tem de ir para a escola primária!

O Orador: - É evidente que os senhores, através das percentagens eleitorais, também poderão concluir que há uma quebra na votação em termos da APU. Também desceu eleitoralmente, ou seja, perdeu câmaras e decaiu em termos percentuais.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dê números!

O Orador: - Trata-se de um facto incontroverso! Os números estão à vista, tal como as percentagens, apesar de a APU procurar sistematicamente demonstrar que ganha em todas as eleições. Mas isso tem de ser cada vez mais utilizado para consumo interno dos seus militantes, porque para consumo externo não serve. De facto, está a decair! É uma coisa incontroversa!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Especialmente em Loures! ...

O Orador: - Quanto à questão de saber se as eleições reforçam ou não o Governo, devo dizer que tive o cuidado de referir que estas eleições valem por si próprias, ou seja, considero que cada acto eleitoral vale por si próprio.
Referi que na óptica do PS, que tinha tido uma derrota eleitoral no dia 6 de Outubro, havia um peso relativamente às eleições seguintes, que eram as autárquicas, pois poderiam originar situações imprevisíveis. Foi isto que eu disse e a nossa posição relativamente a esta matéria mantém-se. As eleições valem por si próprias e têm o seu próprio peso. Aliás, foi por isso mesmo que também defendi que se deve procurar sempre que elas tenham a mesma importância, pois, como também disse, não há eleições mais nem eleições menos.
O Sr. Deputado António Capucho falou na necessidade de rigor. Devo dizer-lhe que lhe dou razão. Naturalmente que não tinham, nem tenho ainda, os dados totais a nível nacional fornecidos pelas fontes oficiais, mas, pelo menos, as perspectivas que nos são apresentadas neste momento apontam para os números referidos. Naturalmente que há um factor correctivo a ter em linha de conta, que é o facto de ter havido o concurso em coligação em diversos concelhos, o que tanto será a favor de um como de outro. Mas é indiscutível que há uma subida eleitoral do PS em relação às eleições de 6 de Outubro. Isso é incontestável.

Risos do PCP.

Poderia trazer aqui à colação a questão de ter havido participação do PSD, mas também houve participação do PS. Não pode deixar de ignorar isso, Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Cada eleitor vale dois! Assim é que é bom!

O Orador: - O Sr. Deputado Raul Castro referiu o facto de eu me congratular com os resultados obtidos pela APU e pelo PRD. Eu não me congratulo com esses resultados. O que eu fiz foi simplesmente uma constatação: vimos os resultados e constatámos que, em termos genéricos, há de facto uma descida de algumas forças políticas, e isto trata-se de uma constatação. Não me congratulo nem deixo de me congratular, quem se deve congratular ou não são os próprios, p que é incontestável é que, em termos percentuais, isso aconteceu e o que é preciso é que no futuro essas forças políticas trabalhem no sentido de obterem melhores resultados do que aqueles que obtiveram neste momento.
O Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha referiu, em síntese, que a APU resistiu. Bom, não sei se é uma questão de resistir ou não. O que está em causa são eleições a nível dos diversos municípios, para se equacionar e procurar resolver os problemas que afectam as populações em termos locais. As diversas forças políticas concorreram - a própria APU no fundo também é uma coligação do PCP com o MDP/CDE, penso que ainda é - e disputaram a liderança desses concelhos. Nós ganhámos nuns, a vossa coligação manteve-se noutros. Esse é o resultado das opções das populações, que não é criticável nem num sentido nem noutro. O que é importante é que aqueles que ganharam as eleições nos diversos concelhos sejam agentes dinamizadores das actividades locais, que possam ajudar ao desenvolvimento, ao progresso e à melhoria das condições de vida das populações, seja nos meios urbanos, seja nos meios rurais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, aproveito para vos informar que o Sr. Deputado Ivo Pinho, que preside à 5.ª Comissão, convida os Srs. Deputados membros da referida Comissão de Economia, Finanças e Plano a comparecerem na sala de reuniões às 17 horas para tratarem de assunto urgente.
Sr. Deputado Carlos Brito, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, não costumo usar esta figura, mas, face às declarações do Sr. Deputado Miranda Calha, sinto-me forçado a pedir a V. Ex.ª que me conceda a palavra para defender a honra da minha bancada.

O Sr. Presidente: - Parece-me que a Mesa nunca deixou de conceder a palavra para uso do direito invocado.
Tem, pois, a palavra, Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Miranda Calha, após a sua declaração política, que, aliás, ouvimos com toda a atenção e respeito, colocamos-lhe uma série de perguntas honestas, cujo esclarecimento seria um benefício para a Assembleia e até para o País.
O Sr. Deputado não respondeu a essas questões, nomeadamente à questão capital de saber por que é que o PS teve um resultado desastroso nas autarquias onde concorreu sozinho, como foi o caso de Coimbra, de Lisboa, de Peniche, de Faro, e, pelo contrário, quer inculcar a ideia de que nós mentimos ao País e ao ciei-

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torado, de que nós deformamos os resultados eleitorais, de que nós transformamos as derrotas em vitórias, quando nada do que aqui afirmámos lhe permitiria uma tal ilação.
E o Sr. Deputado vai a este ponto: entende que é correcto dizer que houve vitória para o PS porque teve 20% nas eleições de 6 de Outubro e agora obteve 27%, quando se trata de eleições completamente distintas.
Ora, já lhe foi dito que a APU teve 15,5% nas eleições de 6 de Outubro e que agora obteve cerca de 20% em relação às câmaras e cerca de 21 % relativamente às freguesias e às assembleias municipais. Então qual é a diferença?
O Sr. Deputado diz que a APU perdeu câmaras. E o PS não perdeu câmaras?
O PS perdeu 4 ou 5 câmaras e existem mais 7 que foram ganhas graças aos votos do PSD, como é transparente. Apesar disso, vem para aqui gabar-se e vem transformar o que é um resultado muito fraquinho numa grande vitória. Então nós é que somos mentirosos? Não são os Srs. Deputados que estão a transformar numa grande vitória aquilo que foi uma derrota, numa grande recuperação aquilo que o não foi?
Aliás, estão até a discordar do vosso secretário-geral agora suspenso, e candidato à Presidência da República, que dizia, de uma maneira mais cautelosa e prudente, que é preocupante o reforço da APU na cintura industrial de Lisboa.
Sr. Deputado, tenha mais cuidado e mais respeito pelas opiniões dos outros e pela forma como os outros intervêm aqui na Assembleia da República.
É este o sentido do nosso protesto e da defesa da honra da nossa bancada.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Deputado Carlos Brito, é evidente que eu não quis dizer que o PS obteve uma vitória. Não utilizei a palavra «vitória» em nenhuma das intervenções que fiz até aqui. O que referi é que, efectivamente, houve uma subida eleitoral do PS e obviamente foi isso que serviu de base a grande parte da minha intervenção.
Em termos percentuais, comparando resultados eleitorais das diversas forças políticas, e no caso concreto da APU, a verdade é que há algumas diferenças. Se comparar as eleições legislativas com as autárquicas, de facto a APU teve uma subida percentual - isso é verdade -, mas, comparando os resultados de 1982 com 1985 houve uma quebra ...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - E o PS?

O Orador: - Isso agora não me interessa neste momento, a questão não é essa. O que estou a querer dizer é que, comparando os resultados de 1982 com 1985, a sua formação política perdeu, pelo menos, 8 câmaras municipais, uma vez que tinha 55 em 1982 e agora só tem 47. Isto é perfeitamente incontestável!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - E o PS?

O Orador: - Quero, pois, dizer-lhe que, em termos percentuais, houve esta alteração, comparando os resultados de 6 de Outubro com estes de Dezembro, mas, de facto, perdeu autarquias.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - E o PS?

O Orador: - Mas eu já falei do meu partido e agora estou a falar do seu porque o Sr. Deputado contestou o que eu disse relativamente à APU. E eu repito aquilo que disse: os senhores perderam autarquias, o que me parece ter sido importante em termos das populações locais onde existia essa administração por poder vir a haver um pouco mais de arejamento e uma perspectiva de governação local diferente daquela que foi prosseguida até aqui pela sua formação política.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sozinhos não ganhavam nem uma!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Hernâni Moutinho.

O Sr. Hernâni Moutinho (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Decorridas cerca de 48 horas sobre as eleições para os órgãos do poder local, os resultados obtidos pelas diferentes forças políticas permitem que deles se extraiam algumas e importantes conclusões e impõem, uma vez mais, uma ponderada e profunda reflexão.
Ainda não se havia concluído o apuramento eleitoral, mas já na posse de dados que não consentiam qualquer dúvida quanto ao sentido maioritário do voto, e o País assistia novamente, porventura sem surpresa, a este pormenor bizarro: afinal ninguém saiu derrotado destas eleições.
Todavia, a frieza dos números, hoje como ontem, encarrega-se de falar a única linguagem directa e imediatamente entendível, sobretudo por quem só pode encontrar motivos de confusão e de perturbação nas lucubrações que cada um se permiti - e que é a gente simples deste país.
E o importante será, de facto, que o único e verdadeiro vencedor sejam as populações das diferentes comunidades, na exacta medida em que encontrem nos mandatários, ora eleitos, os pólos por excelência da vida comunitária, seja no plano político, social e administrativo, seja mesmo no domínio económico.
De facto, as autarquias locais deverão ser, do nosso ponto de vista, as molas impulsionadoras do progresso e desenvolvimento das comunidades, a reserva útil e fecunda das energias do País, o verdadeiro centro de reunião do nosso reencontro e da projecção do nosso futuro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS quer aqui, e neste momento, manifestar todo o apreço e reconhecimento pelo esforço e militância dos autarcas do partido, aos quais principalmente se ficam devendo os resultados conseguidos, demonstrativos do número e qualidade dos dirigentes locais.
E deseja envolver também nesta manifestação todos aqueles que, de algum modo, quer integrando as nossas listas como independentes, quer participando activamente como simples simpatizantes, se empenharam de forma entusiástica na tarefa de reforço da implantação do partido nos órgãos do poder local.

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No que concerne ao CDS, os resultados obtidos significam uma clara travagem na descida em relação aos de 6 de Outubro e o início inequívoco de uma recuperação da dimensão nacional do partido.
Assinala-se, de facto, uma forte recuperação do CDS, tanto mais saliente quanto é certo que nitidamente se inverteu o movimento que, segundo alguns analistas e futurologistas, seria de descida continuada, na sequência, para eles lógica, da expressão eleitoral de 6 de Outubro.
Com efeito, ultrapassaram-se largamente os objectivos que pública e reiteradamente se fixaram e se traduziram, em rigor, numa situação de inalterabilidade relativamente às legislativas.
Deixando de lado os números e não cuidando agora, por não ser o local nem o momento adequado, do seu tratamento estatístico, importa ressaltar que o CDS não só mantém as presidências das câmaras de todas as capitais de distrito, mas acrescenta mais uma a esse número, a de Viseu.
Acresce, finalmente, um reforço da sua posição na exacta medida de um certo acréscimo de câmaras com maioria absoluta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS regista também, como um benefício nacional, o declínio da APU em favor dos partidos do denominado arco constitucional. E este circunstancialismo não pode deixar de inspirar acções futuras, mais coordenadas daqueles partidos, com a participação activa do CDS.
Dir-se-á que a verificação daquela factualidade poderá, porventura, representar um factor de esperança, esperança na mudança que o CDS pensa que começa no poder local, como repetidamente o afirmou.
Porque das autarquias, designadamente dos municípios, nos vem o exemplo da estabilidade governativa, sem a qual nenhum projecto é exequível, nenhum programa chega ao fim e todas as intenções, mesmo as melhores, não passam disso mesmo.
De facto, sem embargo de algumas raras excepções a administração- autárquica tem levado até ao fim os seus mandatos, circunstância que tem possibilitado, de certo modo, que as autarquias tenham dado alguma resposta às necessidades básicas das populações e possam ou devam, agora, tomar para si a tarefa de abrir as linhas mestras do progresso, do desenvolvimento integrado e da cabal mobilização das energias locais.
O grande número de reeleições mostra, como meridiana evidência, que é no poder local, até agora, que se tem ganho a legitimidade que vem da acção, como pertinentemente aqui se referiu nesta Assembleia, aquando do debate do Programa do Governo, o presidente da Comissão Política do CDS, Prof. Adriano Moreira.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: De entre as considerações que o CDS entende poder fazer em consequência do último acto eleitoral, uma ocorre e que é altamente preocupante: precisamente a que resulta do cada vez mais elevado nível de abstenções.
Este evento, associado à prática viciosa do que se designou chamar «voto útil», continua a impedir a expressão autêntica do eleitorado e não pode, por isso, deixar de constituir motivo de forte preocupação e necessária e urgente ponderação no sentido de eliminar as razões que a determinam.
É que, se por um lado, nalguns casos, as circunstâncias do tempo em que o acto eleitoral ocorre e a obrigação, sobretudo no mundo rural, de os eleitores
terem de percorrer alguns quilómetros em condições extremamente adversas para exercerem o direito de voto podem funcionar como factores inibitórios, a verdade é que a repetição, para além do razoável em democracia, de eleições para um mesmo órgão, aliada à marcação em datas próximas de diversos actos eleitorais, resulta inevitavelmente em perigosa descrença quanto ao funcionamento das instituições e em natural cansaço dos eleitores.
Daí que se nos afigure oportuno, retomando uma posição que o CDS publicamente já assumiu, apelar daqui ao empenhamento da militância no sentido de vencer essa deserção do civismo activo, instando pelo exercício do direito de votar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A âncora possível e experimentada está no poder local, onde a vizinhança activa, o conhecimento directo dos homens e das coisas, a vigilância inevitável, a comunhão vivida dos interesses e das necessidades, a realidade, que não pode ser facilmente iludida, incitam à escolha dos melhores para a responsabilidade de responder aos desafios que os vizinhos conhecem e vivem porque lhes são próprios.
O CDS deseja, finalmente, que aqueles que agora iniciam como os que continuam a liderar as autarquias locais desenvolvam uma administração feita à medida do homem; à medida das comunidades onde ele se integra, à medida da sociedade de que ele participa.
Uma administração que, efectivamente, sirva e não atrofie, que apoie e não embarace, com vontade, com determinação e com amor e sempre por Portugal e pelos Portugueses.

Aplausos do CDS e do Sr. Deputado Correia Afonso (PSD).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deu entrada na Mesa um requerimento, subscrito pelos Srs. Deputados Raul Junqueiro, Carlos Lage, Mário Fernandes e António Macedo, do PS, nos seguintes termos:
Nos termos das disposições regimentais, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista requer a prorrogação do período de antes da ordem do dia.
Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - No prosseguimento do período de antes da ordem do dia, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado António Sousa Pereira.

O Sr. António Sousa Pereira (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Múltiplos estudiosos das actividades e do comportamento do homem e das colectividades, espalhados por todo o Mundo, preocupam-se com o impacte das novas tecnologias da informação, reconhecendo a importância do seu estudo agora, enquanto estão a ser introduzidas, o que, aliás, não se fez com as tecnologias anteriores.
A sua introdução no nosso país, que tem vindo a processar-se de forma um tanto incontrolada, não tem sido alvo de estudos suficientemente profundos, cuidados e coordenados, pelo que é provável que num futuro mais ou menos próximo nos vejamos confrontados com situações de difícil reparação.
Com efeito, se sujeitos a uma importação massiva de equipamentos e submetidos aos condicionalismos próprios da sua utilização, corremos o risco de ver in-

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troduzidas no seio da nossa sociedade novas condicionantes da liberdade de escolha do nosso próprio destino.
De facto, às preocupações que sobre esta matéria técnicos e especialistas de muitos países vêm manifestando, juntam-se, com toda a propriedade, as de alguns, infelizmente poucos, portugueses.
A título meramente ilustrativo, e sem esquecer os problemas que se prendem com a privacidade dos cidadãos no que se refere aos dados pessoais em ficheiros tratados por meios informáticos, cite-se o que Martin Barbero exprimiu num simpósio sobre o impacte das novas tecnologias da informação na sociedade, promovido pelo Instituto da Enciclopédia Italiana, com o patrocínio da UNESCO.
Aquele investigador, embora reconhecendo que diferentemente de outras tecnologias, a produção e o consumo das da informação intervêm mais do que simultaneamente, faz notar que:
O facto de as novas tecnologias se imporem rapidamente ameaça, pois, causar um desdobramento esquizofrénico, devido à tensão entre a modernização imposta pela pressão dos interesses multinacionais e as capacidades reais de assimilação e de identificação culturais. Na verdade, as novas tecnologias propagam-se a níveis de velocidades variáveis, segundo os países, mas tendem, por toda a parte, a fascinar e a maravilhar, perturbando, assim, a identidade encarnada pela cultura nacional e concorrem para criar novas configurações culturais. Uma nova racionalidade tende, assim, a impor uma concepção radicalmente instrumental de uma política em que os problemas sociais serão tratados como problemas técnicos e em que o cidadão será substituído pelo perito.
Ainda segundo Barbero:

As novas tecnologias favoreceriam a centralização da tomada de decisão e a atomização da sociedade, provocando a substituição das formas de vida comunitárias por um individualismo exacerbado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não pretendo de forma alguma negar as capacidades das novas tecnologias nem manifestar-me contra a sua introdução em Portugal. O que quero, isso sim, é deixar um alerta nesta Assembleia para os perigos do seu uso indiscriminado e da sua disseminação incontrolada, como produtos lançados no mercado sem critério.
Não tenhamos dúvida de que a ânsia de modernização, bem necessária, do País o torna vulnerável à absorção de produtos, cuja utilização irreflectida poderá conduzir a nossa sociedade para situações gravosas. Refiro, por exemplo, a identidade cultural e o aumento de dependência externa através de formas mais sofisticadas que, por vias travessas, desaguam invariavelmente na dependência económica.
É evidente que as opiniões sobre esta matéria são discutíveis, dado o estado pouco mais do que embrionário do campo que as confina. Por isso mesmo, penso necessária uma reflexão ajustada à nossa própria realidade, cujo destino só a nós deve pertencer.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Junqueiro.

O Sr. Raul Junqueiro (PS): - Sr. Deputado António Sousa Pereira, ouvi com muita atenção a sua intervenção e devo dizer que a considero muito importante, pois chama a atenção para um aspecto que nos deve preocupar a todos: o da implantação das novas tecnologias de informação nas sociedades modernas, nomeadamente na sociedade portuguesa.
Nestes termos e na sequência da intervenção que noutro dia fiz nesta Assembleia sobre este assunto, gostaria de lhe perguntar se, de facto, o Sr. Deputado está ou não de acordo com a ideia do projecto nacional que aqui foi defendido no sentido de empenhar todos os órgãos dos poderes político, económico e social nesta questão da implantação e divulgação das novas tecnologias. Está ou não de acordo em que, de facto, é necessário concertar esforços, não só entre os órgãos do poder político mas entre todos os restantes órgãos de poder da sociedade portuguesa, assim como entre as diversas classes e representantes sociais, no sentido de fazermos um esforço comum com vista à implantação destas novas tecnologias, sem que daí resultem os traumatismos sociais que referiu e que são extremamente importantes e de evitar?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Sousa Pereira.

O Sr. António Sousa Pereira (PRD): - Concordo inteiramente com o que o Sr. Deputado Raul Junqueiro acaba de afirmar e permitir-me-ia acrescentar um ponto: é que, de facto, tudo o que acabou de dizer é necessário, mas creio que também será necessária uma reflexão um tanto mais profunda. Creio que há mais coisas a fazer do que só isso.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Torres Couto.

O Sr. Torres Couto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Decidi trazer a esta Assembleia a problemática dos salários em atraso. Não é minha a primeira voz que aqui aborda este tema. Oxalá fosse a última. Tal significaria que teria sido erradicado da sociedade portuguesa um problema que nos envergonha e que tão gravemente afecta milhares de famílias portuguesas.
Como socialista ergo aqui a minha voz num momento em que o Governo anunciou medidas que, na perspectiva governamental, irão resolver o problema dos salários em atraso.
A situação de grave carência em que se encontram os trabalhadores afectados pelos salários em atraso é tal que torna bem-vinda qualquer medida que alivie, mesmo que transitoriamente, o drama que os trabalhadores vivem.
Quer isto dizer que o facto de não se repudiarem determinadas medidas não significa que se considere que as mesmas representam a solução desejável e correcta dos problemas ou sequer tudo o que é possível fazer no momento.
Bem pelo contrário, o que é facultado aos trabalhadores é a opção entre a rescisão dos contratos agora ou daqui por 6 meses, se optarem no imediato pela suspensão.
Do ponto de vista dos orçamentos familiares, não há dúvida que, no imediato, os trabalhadores terão

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acesso ao subsídio de desemprego o que é, em muitos casos, mais e mais seguro do que o que poderiam receber das empresas, se tudo continuasse como até aqui.
Porém, não se pode ficar por aqui. Ficar por aqui seria apenas facilitar a vida às empresas que se veriam livres dos trabalhadores, mesmo quando na base da situação tenham estado fraudes ou não esteja provado que era impossível viabilizar a empresa ou um número mais elevado de postos de trabalho.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os valores da moral e da defesa da economia nacional exigem que se vá mais longe, exigem que não nos conformemos com pragmatismos desumanizados, exigem que não possamos ficar de braços caídos, aguardando que o funcionamento livre do mercado produza o milagre.
Em primeiro lugar, os actos de descapitalização de empresas, as alienações fraudulentas do património das empresas em prejuízo dos trabalhadores, do Estado e de outros credores não podem ficar impunes.
Face a este tipo de atitudes, impõe-se uma actuação rigorosa e expedita que reprima e actue como dissuasor. A UGT defendeu no Conselho Permanente de Concertação Social como uma das componentes do movimento sindical português, com o apoio dos deputados socialistas, a instituição de um «sistema de alarme» que, a partir do momento em que uma empresa deixe de pagar atempadamente as retribuições, desencadeie a intervenção da Inspecção-Geral de Finanças para realizar auditoria à empresa e nomeadamente para verificar qual a situação dos processos relativos aos créditos de que o Estado e a Segurança Social são titulares face à empresa e promover providências cautelares que impeçam transferências do património, que ponham em causa a viabilidade da empresa ou a sua capacidade para solver os seus compromissos, para com os trabalhadores e outros credores.
Em segundo lugar, importa dizer que, havendo de facto «falências em atraso», elas não podem agora ser postas em dia de uma só vez e sem levar em conta o seu impacte social.
De facto, o regime jurídico do processo de falência tem de ser revisto, para se pôr termo à impunidade com que hoje são cometidas fraudes e para que o processo, seja expedito e não se arraste durante anos. Mas também para que sejam concedidos privilégios aos créditos dos trabalhadores, relativamente a todos os outros credores, incluindo o próprio Estado e para que sejam facilitados os acordos de credores que viabilizem a revitalização da empresa ou para que com transparência e sem pactuar com traficâncias, se facilitem transferências da totalidade ou de parte do activo para empresas ou empresários capazes de lhe dar utilização reprodutiva, nomeadamente, criando postos de trabalho alternativos, onde os trabalhadores da empresa antecessora beneficiem de preferência na admissão.
No entanto, o que fica dito ainda não é suficiente. A problemática dos salários em atraso está muitas vezes intimamente ligada à questão da recuperação das empresas em dificuldade.
Há muitas empresas que arrastam, hoje, uma carga de dívidas e encargos financeiros de que dificilmente ou nunca se poderão libertar, pelos esquemas normais! Trata-se, no entanto e muitas vezes, de empresas economicamente viáveis ou viabilizáveis. Empresas com um património valioso em recursos humanos especializados, em equipamentos e conhecimento dos mercados.
Seria criminoso que, por prevalecerem critérios burocrático-administrativos, essas empresas fossem liquidadas e o seu património desperdiçado.
É por isso que nesta Tribuna defendo a urgência de implantação de novo sistema de recuperação de empresas em dificuldade, que respeite os seguintes princípios: participação dos trabalhadores - através dos seus sindicatos - quer na negociação dos acordos de viabilização, quer no acompanhamento e avaliação da sua execução; co-responsabilização de todas as partes envolvidas - empresários, trabalhadores, credores (em particular a banca) e o próprio Estado; ultrapassagem de procedimentos morosos e burocráticos e de critérios que visam apenas manter aparências contabilísticas e a adopção de esquemas céleres e expeditos e de soluções extraordinárias que facilitem a redução de cargas financeiras incomportáveis; apoios financeiros fiscais, e outros, à recuperação das empresas viáveis e aproveitamento dos activos das inviáveis em iniciativas que criem postos de trabalho alternativos.
Esta é a questão decisiva. Não é solução para os salários em atraso o mero envio para o desemprego de todos os trabalhadores nessa situação. Isso representaria a mais completa e inadmissível indiferença face a trabalhadores que se dispuseram a suportar os maiores sacrifícios para salvarem as empresas e os seus postos de trabalho.
Não se pode também regressar a intervencionismos estatais que a experiência e o povo português já condenaram.
Isso não significa, no entanto, que o Estado deva pura e simplesmente lavar as mãos. O Estado tem de assumir as suas responsabilidades, não para se substituir aos empresários mas, isso sim, para tornar possível a adopção de soluções extraordinárias que facilitem e apoiem a recuperação das empresas.
É indispensável a adopção, imediata e sob formas transparentes, de soluções extraordinárias que libertem as empresas de encargos financeiros insuportáveis.
O Estado, a Segurança Social e a banca são os maiores credores. No caso das empresas em que sejam celebrados acordos de viabilização, as dívidas ao sector público devem ser transformadas em capital social. Esta proposta nada tem de ideológico. A última coisa que ela visa é o crescimento do peso do Estado na economia.
O facto de o Estado passar a ser o maior accionista ou quotista não deve conduzir àquele resultado.
Sem complexos, defendo que entre o Estado e o(s) sócio(s) privado(s) seja celebrado um contrato de gestão para todo o período de vigência do acordo de viabilização. A autonomia e a responsabilidade da gestão ficarão exclusivamente com os empresários. Empresários que ficarão no entretanto sujeitos a um sistema de prémio ou castigo. Prémio que se pode traduzir na possibilidade de aquisição da parte do Estado no capital da empresa, em condições muito vantajosas (pagar em 10 ou 20 anos sem juros, por exemplo) ou mesmo na doação pelo Estado da sua parte no capital ao empresário que cumpra as metas do acordo de viabilização e aumente os postos de trabalho.
É sem qualquer complexo que, como socialista, defendo um tal tipo de soluções extraordinárias. Obviamente as soluções deverão igualmente prever sanções para os empresários que não cumpram, devem ser adoptadas caso a caso e deverão resultar de negociação responsável com os sindicatos.

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Se assim for, não duvido que, a curto prazo, muitas das empresas que hoje têm salários em atraso, saneadas financeiramente, passem a dar um contributo muito mais positivo para a economia nacional e para a redução do desemprego.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao trazer aqui, uma vez mais, este tema dos salários em atraso não o faço visando soluções utópicas ou que acabariam por agravar em vez de reduzir e erradicar este problema. Movo-me numa perspectiva pragmática. Também o actual Governo se apresenta como defensor de soluções pragmáticas. No entanto, trata-se de pragmatismos bem diferentes.
Aquilo que eu aqui defendi tem a ver com um pragmatismo de rosto humano: o pragmatismo é indispensável e há soluções que implicam custos sociais, mas que não podem ser impostas administrativamente ou decididas unilateralmente. Tem de haver diálogo tripartido, tem de haver contrapartidas que moderem os custos sociais inevitáveis. As empresas e o Estado não podem abandonar os trabalhadores como lixo desvalorizado; as empresas e o Estado têm de se preocupar com o futuro dos trabalhadores, apoiando a criação de empregos alternativos e melhorando o seguro de desemprego, de que hoje só beneficiam 22% dos desempregados.
Assim haverá maior disponibilidade dos trabalhadores e dos sindicatos para se empenharem na recuperação das empresas.
Assim e só assim o pragmatismo será humanista!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Amândio de Azevedo.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Gostaria de começar por realçar o carácter globalmente positivo da intervenção do Sr. Deputado Torres Couto. Penso que algumas das afirmações proferidas não se inserem na linha global da intervenção, porque em vez de resolverem o problema, porventura vão agravá-lo, mas é manifesto que este problema, que é complicado e difícil, foi abordado de uma forma séria e sem demagogias.
Gostaria de lembrar que, na prática, algumas das suas ideias já foram seguidas durante o governo anterior, nomeadamente no que respeita à recuperação das empresas quando se aponta para a necessidade de co-responsabilização de todos os envolvidos - trabalhadores, credores, Estado, etc. Houve sempre essa preocupação e muitas vezes foi concedido apoio financeiro a empresas com a condição, nomeadamente, de os detentores do capital aumentarem o respectivo capital na empresa.
Também se devem adoptar medidas imediatas logo que uma empresa entra em situação de salários em atraso. Aliás, isso sempre se fez também. Mas, sinceramente, não compreendo que deva ser a Inspecção-Geral de Finanças a fazê-lo. Penso que aqui há uma visão mirífica do que seja a Inspecção-Geral de Finanças, que não tem capacidade nem competência para se inserir em processo de administração de empresas, mas apenas tem competência para averiguar da legalidade do cumprimento de certas normas no que respeita ao cumprimento de obrigações fiscais. A Inspecção-Geral de Trabalho parece-me muito mais adequada a fazê-lo, mas, evidentemente, também tem as suas limitações.
Por outro lado, também apreciei a afirmação de que se não pode regressar a intervenções estatais, embora o Estado tenha aqui, evidentemente, a sua responsabilidade. Seria um erro crasso pretender resolver o problema, invertendo completamente as regras de funcionamento da nossa economia.
Queria fazer-lhe só uma pergunta, uma vez que o tempo de que disponho está a chegar ao fim: não acha o Sr. Deputado Torres Couto que é necessário ir também mais longe? Não acha que o fenómeno dos salários em atraso assenta em problemas de carácter estrutural, nomeadamente no domínio das relações laborais, e não atesta isto, manifestamente, que as empresas, até aqui, não estiveram em condições de adoptar, em cada momento, as decisões mais correctas exactamente para fazer face aos problemas com que se debatem, sobretudo em período de crise, e que, portanto, é indispensável, também aqui, deitar para trás das costas tabus e preconceitos anteriores e modificar as nossas leis em termos de os empresários portugueses terem ao seu alcance todos os instrumentos de que dispõem os empresários de outros países para enfrentarem e resolverem os problemas de gestão que se apresentem às suas empresas?
Gostaria ainda de realçar um aspecto que focou: o de que este problema não pode ser resolvido de um dia para o outro, temos falências em atraso e não se pode resolver este problema de um dia para o outro. Por isso mesmo, talvez nós, embora com muita pena, tivéssemos tido de aguentar por algum tempo o fenómeno dos salários em atraso. Não é de um dia para o outro que se passa de uma economia completamente desregulada, com um número excessivo de empresas em situação de grave dificuldade, para uma situação de uma economia a funcionar regularmente, onde efectivamente estas situações não têm lugar.
Estou convencido de que o Governo se insere na linha de quem acredita que este problema só se resolve com medidas de fundo. É com a recuperação da economia e com o funcionamento normal e regular da economia que esses problemas se resolvem e, por isso, o Governo adoptou uma medida que em geral, pode até levantar algumas dúvidas, mas para quem acredita que o fenómeno pode ser combatido rapidamente e terminar dentro em breve é até uma medida perfeitamente aceitável a de alargar, em termos absolutamente excepcionais e eventualmente perigosos, a protecção social dos trabalhadores com salários em atraso.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Torres Couto.

O Sr. Torres Couto (PS): - Sr. Deputado Amândio de Azevedo, ouvi com muita atenção as questões que me colocou e começaria por lhe dizer que gostaria também de estar num país que tivesse uma Inspecção-Geral de Trabalho com capacidade suficiente para dar resposta a todos os problemas e para poder desenvolver uma acção concertada, eficiente e total, face a todas estas questões que nos têm fustigado nos últimos tempos. No entanto, o Sr. Deputado Amândio de Azevedo sabe tão bem ou melhor do que eu que, infelizmente, por razões que todos conhecemos, não tem sido possível dotar essa Inspecção de Trabalho dos meios neces-

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sários para poder suprir as carências existentes e dar as respostas necessárias na fiscalização das ilegalidades dentro das empresas.
Quando na minha intervenção faço um apelo à intervenção da Inspecção de Finanças, tal é um apelo que tem um misto de complementaridade e também de acção mais profunda. Isto porque sei perfeitamente que existem empresas em situações irregulares, nomeadamente no que concerne ao pagamento dos salários, onde os problemas de contabilidade são problemas complicados, que levantam legitimamente grandes suspeições, nomeadamente a nível dos sindicatos. E penso que, também nesses casos, a Inspecção de Trabalho não está suficientemente habilitada para poder desenvolver uma acção profunda de esclarecimento da realidade da contabilidade das empresas.
Quanto à questão da legislação, que, na sua óptica, tem funcionado talvez como um travão, e que na visão do Sr. Deputado Amândio de Azevedo deveria também ser abordada em simultâneo, a fim de que a economia pudesse ser «libertada» e, por conseguinte, dar-se às empresas uma maior facilidade e uma maior operacionalidade de solver os seus problemas internos, gostaria de lhe dizer, Sr. Deputado, que emendo que tudo nesta vida e neste país é susceptível de discussão, de diálogo e de negociação. Porém, penso que não podemos andar constantemente a adiar uns problemas enquanto não encontrarmos as soluções para outros.
O problema dos salários em atraso é, na minha perspectiva, um problema tão grave e com uma dimensão social tão profunda que não tem contemplações com mais adiamentos.
É por isso que a minha intervenção faz um apelo para que sejam utilizados todos os mecanismos - que vão bastante além das informações que temos da proposta governamental -, pois entendemos que, efectivamente, da viabilização das empresas, da sua recuperação, do aproveitamento de capacidades instaladas, que são muito importantes, e também de recursos humanos especializados, que não são despiciendos, é no encontrar de soluções conjuntas para tudo isto que poderemos recuperar, que poderemos pôr a economia a funcionar e que poderemos minimizar problemas tão graves como aqueles com que nos temos debatido até este momento.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Mota.

O Sr. António Mota (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Voltamos hoje a trazer a esta Assembleia a grave situação social que se vive no distrito do Porto. E ao fazê-lo é porque estamos conscientes que as condições de vida dos trabalhadores e das suas famílias se deteriora criando situações de desespero, fome e miséria.
Aumentam os trabalhadores com salários em atraso, os despedimentos, os contratos a prazo, prolifera o trabalho clandestino, o encerramento de empresas, a insegurança e a falta de respeito pelos direitos dos trabalhadores.
Esta não é uma situação original nem exclusiva do distrito do Porto, mas os últimos 3 anos de política contra os trabalhadores e os interesses do povo reflectiram-se de forma aguda e grave no nosso distrito.
É neste quadro, já de si difícil, que os trabalhadores e o povo vêem aumentar os preços dos bens de primeira necessidade, os livros escolares e os transportes.
Os Serviços de Transportes Colectivos do Porto anunciaram já para Janeiro aumentos dos transportes em 22%.
Milhares de trabalhadores não recebem os salários nem os subsídios e vêem o desemprego como futuro:
E não são as recentes medidas tomadas pelo Governo e constantemente propaladas nos órgãos de comunica: cão social, com destaque para a RTP, nem os insignificantes aumentos das pensões, que porão cobro à grave situação em que vivem os trabalhadores, os reformados e os pensionistas.
Apesar das muitas promessas anunciadas durante a campanha eleitoral, que constituíram a chave da propaganda eleitoral dos partido que constitui o Governo, a verdade é que a promessas se estão a traduzir no agravamento da situação social no Porto, que neste momento atinge níveis insustentáveis para milhares e milhares de trabalhadores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os trabalhadores com salários em atraso neste momento no distrito do Porto são cerca de 20 000 em 120 empresas, com uma dívida estimada em 2 727 513 contos, ou seja, 140 contos a cada trabalhador, o que em média dá 5 meses de vencimento. O sector têxtil, o mais sacrificado, contribui com quase um terço das empresas, com metade dos trabalhadores e quase dois terços da dívida - l 769 069 contos -, seguindo-se-lhe o sector metalúrgico com 18 empresas, num total de 3160 trabalhadores e com a dívida de 336 825 contos, a construção civil e madeiras com 19 empresas, 2530 trabalhadores e 155 275 contos.
Mas há casos que pela sua importância e gravidade e pela sua incidência regional não poderia deixar de referir.
No sector têxtil, a CIFA deve 3 anos de salários, rondando no total um milhão de contos; o Grupo Mondego deve 10 meses de salários; o Grupo Wandschneider, constituído por 4 empresas, num total de 1250 trabalhadores, deve neste momento 134 827 contos.
A metalúrgica EFI, com 580 trabalhadores, deve 58 000 contos; a Fábrica Leão, com 310 trabalhadores, deve 70 000 contos; a JOTOCAR deve 19 500 contos, e a Metalúrgica da Longra, de 300 trabalhadores, deve 52 500 contos.
Na construção civil e madeiras são grandes as dívidas aos trabalhadores, de que é exemplo a TABOPAN, com 1600 trabalhadores, que não paga retroactivos nem subsídios de alimentação, férias e de Natal.
No sector químico, 16 empresas, abrangendo 1004 trabalhadores, têm salários em atraso e uma dívida de 85 034 contos.
Estes são alguns casos de um rol imenso, mas que reflecte bem a situação grave neste distrito.
Os desempregados rondam 90 000 e os contratados a prazo são mais de 100000.
Milhares de jovens não têm acesso ao primeiro emprego e quando começam é a prazo e sem perspectivas de futuro. Só no distrito do Porto estão recenseados mais de 30 000 à procura do primeiro emprego.
Sem termos em conta o trabalho clandestino que alastra impunemente, podemos afirmar que no distrito, dos 550 000 trabalhadores por conta de outrem, 210 000 ou têm salários em atraso ou são desemprega-

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dos ou contratados a prazo, vivendo numa situação dramática e de grande insegurança quanto ao seu futuro.
Ao longo dos últimos 2 anos do governo PS/PSD, o número de postos de trabalho foi reduzido em mais de 10000.
A situação em muitas empresas da região do Porto tem vindo a degradar-se de uma forma acelerada. São disso exemplos recentes a SITENOR, com 1000 trabalhadores quase paralisados; a EFANOR, com falta de matérias-primas, tendo a administração elaborado um plano para despedir mais de 400 trabalhadores; a Cerâmica de Valadares, que tinha ao seu serviço 1600 trabalhadores, encontra-se neste momento com 700 - a administração paga a estes trabalhadores em espécie; a EQUIMETAL, de 700 trabalhadores, encontra-se reduzida a 47; na SUNDLETE, a administração pretende despedir 218 trabalhadores; a FACAR está no momento a laborar a 15%; a JOTOCAR encontra-se paralisada por falta de encomendas, etc. Também se debatem com dificuldades de laboração a UTIC e a PETROGAL, entre outras.
Um facto curioso se tem manifestado no distrito, com grande incidência no sector têxtil: foram criadas 400 novas sociedades industriais, não só no ramo têxtil como também no vestuário e no calçado e a maioria delas não ultrapassou os 400 contos de capital social.
É curioso também que ao mesmo tempo que se criam novas empresas, o índice de desemprego não pare de aumentar. De facto, entre 1982 e 1985 criaram-se 1958 sociedades e, paralelamente, o número de despedimentos ultrapassou, no País e neste sector, os 20 000.
Mas há razões para isto acontecer. É que muitos patrões deixam as suas empresas ir à falência para logo de seguida abrirem outras, libertas de dívidas, reduzidas ilegalmente em termos de mão-de-obra, onde se praticam, como se sabe, remunerações de miséria e proliferam indiscriminadamente os contratos a prazo.
Noutros casos as sociedades não passam de entreposto através das quais se facilita a prática sabotadora da sobre e subfacturação.
No momento presente não é só a questão dos salários em atraso que se coloca; são os postos de trabalho, o futuro das empresas e o próprio interesse nacional que está em jogo.
Os trabalhadores têm afirmado que querem produzir, querem trabalhar, querem ganhar o seu salário e contribuir para a riqueza nacional e não abdicam aos seus direitos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que atrás foi descrito é o panorama do distrito do Porto, mas que é comum ao resto do País.
A solução dos problemas apresentados não passa pelo encerramento das empresas, nem pelo despedimento dos trabalhadores com salários em atraso. Não se viabilizam as empresas com o despedimento dos trabalhadores, levando as empresas à falência, para mais adiante o mesmo patronato, com a formação de novas sociedades, ou com nomes supostos, as comprar por tuta-e-meia, nem aplicando a nova terminologia da chamada «flexibilização» das leis laborais à realidade velha do «exército industrial de reserva» que os trabalhadores sabem bem o que representa para eles. Não é assim que se resolverá esta degradante situação.
É urgente a resolução destes problemas, mas eles têm de passar pela participação activa dos trabalhadores e pela defesa dos postos de trabalho e do salário. Não parece ser esta a linha de actuação do Governo, mas uma coisa pode ter por certa: os trabalhadores saberão defender os seus direitos e dizer não a tal política e a tal Governo.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (Indep. - UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao folhear o Diário da República, foi com um misto de espanto e de indignação que deparei com um parecer da Procuradoria-Geral da República, homologado em Março último pelo Secretário de Estado das Finanças mas só agora publicado, que conclui nestes termos, que me permito trazer ao conhecimento da Câmara:
É contável como tempo acrescido, para efeito de aposentação, nos termos da alínea d) do artigo 25.º, conjugado com o n.º 1 do artigo 1.º do Estatuto de Aposentação, o tempo de serviço prestado na ex-Legião Portuguesa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Revolução de Abril foi tolerante, o regime democrático foi, tem sido e deve ser tolerante, porque a tolerância faz parte dos valores da democracia. Mas entre a tolerância e o escamotear do que foram as organizações fascistas, entre a tolerância e o ignorar da responsabilidade daqueles que serviram nessas organizações vai um fosso que, pela minha parte, me recuso a transpor.

A Sr.ª Margarida Tengarrinha (PCP): - Apoiado!

O Orador: - Ignorar o que foram as organizações fascistas, ignorar a responsabilidade e os crimes cometidos por aqueles que nelas serviram, não é apenas, Srs. Deputados, um insulto a todos quantos caíram na luta pela liberdade e pela democracia neste país. É mais do que isso: é a subversão dos próprios valores da democracia.

O Sr. Raul Rego (PS): - Muito bem!

O Orador: - E perante este parecer da Procuradoria-Geral da República, que contém expressa em si a subversão daquilo que são os valores fundamentais da democracia, se mais nada posso fazer, posso pelo menos fazer aqui o meu protesto. E é esse protesto, Sr. Presidente, que queria que aqui ficasse lavrado.

Aplausos do PS do PRD do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, é de facto espantoso que tão poucos anos decorridos desde o 25 de Abril seja possível a Procuradoria-Geral da República, num parecer secamente tecnocrático, ignorar a realidade política do que foi a Legião Portuguesa no regime fascista a que o 25 de Abril pôs termo.

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Efectivamente, invocar-se, por exemplo, o Decreto-Lei n.º 44062, em que se considerou, naturalmente, em 1942 - no tempo do fascismo - que os legionários eram considerados agentes de segurança pública, atribuindo-se-lhe funções em caso de anormal aterragem de aviões, é esquecer que não era tanto de aterragens de aviões que tratava a Legião Portuguesa, mas de missões de todos conhecidas e que nada tem a ver com aviões mas com pessoas e com missões da maior gravidade.
É por isso, Sr. Deputado Lopes Cardoso, que este esclarecimento significa, em primeiro lugar, o nosso inteiro desacordo com esta autêntica aberração, que significa a contagem do tempo de exercício na Legião para efeitos de aposentação, e para demonstrar que não só manifestamos todo o nosso apoio ao que acabou de referir, como, e já que se trata de um pedido de esclarecimento, lhe perguntamos se não entende que isto significa ignorar, pura e simplesmente, que em Portugal houve o 25 de Abril, em que se pôs termo à Legião Portuguesa, à PIDE/DGS e a outras sinistras instituições do regime fascista.

Aplausos do MDP/CDE, do PS, do PRD e do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, ainda que não tenha tempo, tem oportunidade de responder por especial concessão da Mesa.

A Sr.ª Margarida Tengarrinha (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, V. Ex.ª não tem oportunidade de formular pedidos de esclarecimento, não só porque não tem tempo mas porque o pediu tardiamente, segundo fui informado pelo Sr. Secretário.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (Indep. UEDS): - Sr, Presidente, penso que no fundo o Sr. Deputado Raúl Castro não me pediu um esclarecimento, tendo-se limitado a expressar a sua concordância com a minha intervenção.
Creio, Sr. Deputado, que o que é grave não é que se ignore que a Legião Portuguesa e a PIDE foram extintas, pois outros serviços poderiam, ser extintos e aqueles que os serviram merecerem um tratamento diverso. O que é grave é ignorar-se aquilo que significou e o que eram os serventuários da Legião Portuguesa, tratando-os como meros funcionários públicos. É, de facto, um insulto à democracia e ao povo português, Sr. Deputado.

Aplausos do PS, do PRD, do PCP e do MDP/CDE.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminou o período de antes da ordem do dia.
Entrando no período da ordem do dia, o Sr. Secretário vai ler um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Secretário (Maia Nunes de Almeida): - O relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos é do seguinte teor:

Em reunião realizada no dia 17 de Dezembro de 1985, pelas 15 horas, foram observadas as seguintes substituições de deputados:

Solicitadas pelo Partido Social-Democrata:

António do Carmo Branco Malveiro (círculo eleitoral de Beja) por Luís Manuel
das Neves Rodrigues. Esta substituição é determinada nos termos da alínea d)
do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 3/85 - Estatuto dos Deputados, a partir do dia 16 de Dezembro corrente, inclusive.
Joaquim Manuel Cabrita Neto (círculo eleitoral de Faro) por Cristóvão Guerreiro Norte. Esta substituição é determinada nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 3/85 - Estatuto dos Deputados, a partir do dia 16 de Dezembro corrente, inclusive.
Afonso de Sousa Freire de Moura Guedes - (círculo eleitoral de Lisboa) por José Filipe de Mendonça Atayde de Carvalhosa. Esta substituição é determinada nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 3/85 - Estatuto dos Deputados, a partir do dia 16 de Dezembro corrente, inclusive.
António do Nascimento Machado Lourenço (círculo eleitoral de Lisboa) por Dinah Serrão Alhandra. Esta substituição é determinada nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 3/85, - Estatuto dos Deputados, a partir do dia 16 de Dezembro corrente, inclusive.

Solicitada pelo Partido Socialista:

Jorge Fernando Branco de Sampaio (círculo eleitoral de Lisboa), por João Cardona Gomes Cravinho. Esta substituição é pedida por um período não superior a 74 dias, a partir de 17 de Dezembro corrente, inclusive.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais é legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
A Comissão: Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Vice-Presidente; Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, António Sousa

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Pereira (PRD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - António Roleira Marinho (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Domingos Silva e Sousa (PSD) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - Joaquim Carmelo Lobo (PRD) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - José Manuel Antunes Mendes (PCP) - Ruy Manuel Correia de Seabra (CDS).

O Sr. Presidente: - Está em discussão, Srs. Deputados.

Pausa.

Visto não haver inscrições, vamos proceder à votação do referido relatório e parecer.
Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou colocar à vossa apreciação a ratificação n. º 4/IV, solicitada pelo PCP, relativa ao Decreto-Lei n.º 125/82, de 22 de Abril, que cria o Conselho Nacional de Educação e das Universidades.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, antes de entrarmos na apreciação da matéria, gostaria de saber se a Mesa tem qualquer informação sobre a participação ou presença do Governo no presente debate.

O Sr. Presidente: - Não tenho conhecimento Sr. Deputado, mas posso mandar saber.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito obrigado Sr. Presidente.
Penso que, de qualquer modo, se houvesse interesse nisso - e creio que o Governo terá todo o interesse, dado que a matéria que vamos discutir trata de um órgão da competência directa de um ministro -, poderíamos talvez antecipar o intervalo, a fim de que o Governo pudesse estar presente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, teríamos de suspender os trabalhos, para o efeito dessa diligência, por cerca de 5 minutos. No entanto, como já estamos perto da hora regimental para o intervalo, se os Srs. Deputados e as respectivas bancadas não virem nisso inconveniente, faríamos desde já o intervalo para que se recomeçassem os trabalhos pelas 17 horas e 45 minutos.
Há alguma objecção?

Pausa.

Visto não haver qualquer objecção, pediria ao Sr. Vice-Presidente Marques Mendes o favor de me substituir na presidência do Plenário às 17 horas e 45 minutos. Portanto, suspenderia de imediato os trabalhos para este intervalo e iria proceder à diligência requerida, a fim de saber se o Governo deseja ou não estar presente aos debates da matéria que foi posta em discussão.

Está, pois, interrompida a sessão.

Eram 17 horas e 5 minutos.

Após o intervalo, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Marques Mendes.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão, Srs. Deputados.

Eram 18 horas e 5 minutos.

Vamos iniciar a discussão da ratificação n.º 4/IV, relativa ao Decreto-Lei n.º 125/82, de 22 de Abril, que cria o Conselho Nacional de Educação e das Universidades, apresentada pelo PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos, para uma intervenção.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me que, em primeiro lugar, saliente a estranheza por parte da nossa bancada pela não presença nesta Assembleia de qualquer representante do Governo, tendo principalmente em conta as declarações que foram proferidas por responsáveis governamentais no sentido de poder haver um bom relacionamento entre o Governo e a Assembleia da República.
Temos de considerar que, nesta matéria, o Governo não começa bem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por iniciativa do Grupo Parlamentar do PCP, a Assembleia da República volta hoje a apreciar o Decreto-Lei n.º 125/82, que criou o Conselho Nacional de Educação.
Discutido já na generalidade na anterior legislatura, este diploma não chegou a ser objecto de qualquer análise em Comissão.
Trata-se de um diploma da responsabilidade dos governos AD, que, desde o momento da sua publicação, tem vindo a merecer a contestação generalizada das entidades ligadas ao processo educativo.
Como referimos no decurso do anterior debate, o decreto-lei hoje em análise, longe de corresponder à criação de um conselho nacional de educação, definido como amplo e representativo espaço de permanente debate sobre a política educativa a nível nacional, cria um conselho consultivo do Ministro da Educação de composição completamente governamentalizada, com diminuta capacidade de iniciativa própria e atribuições limitadíssimas na total dependência das decisões ministeriais.
Se este decreto-lei na versão originária da AD já era mau, pode dizer-se que ele foi substancialmente piorado com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 375/83, de 8 de Outubro, da responsabilidade do então Ministro da Educação José Augusto Seabra. Com este último diploma o Conselho deixou de ter poder para apresentar propostas e sugestões sobre matéria da sua competência, tendo o seu funcionamento e convocação ficado na exclusiva dependência da vontade do Ministro da Educação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O presente debate decorre, aliás, poucos dias passados sobre o momento em que o Ministro da Educação nos veio anunciar aqui, nesta Assembleia da República, que se prepara para criar mais uma comissão, na total dependência governamental, escolhida e nomeada exclusivamente pelo próprio ministro e com a missão - imagine-se - de proceder à reforma do sistema educativo. Com uma tal atitude, o Ministro parece querer ignorar preceito consagrado no artigo 167.º, alínea c), da Constituição,

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segundo o qual é da reserva absoluta da competência legislativa da Assembleia da República a aprovação das bases do sistema educativo.
Dito de outro modo o Ministro parece pretender inverter o papel que a cada órgão de soberania deveria caber nos termos da Constituição. E, nesta óptica, o Governo faria, através de tal comissão, a reforma do sistema educativo e a Assembleia aqui estaria para carimbar as opções governamentais, sob pena da criação de situações de ruptura ainda mais graves em termos do tecido escolar. Um tal plano é inaceitável, Srs. Deputados!
O processo a seguir deve ser precisamente o contrário. Há que dar prioridade à discussão parlamentar de diplomas relativos à Lei de Bases do Sistema Educativo, e nesse sentido acabámos de entregar na Mesa da Assembleia da República o nosso próprio projecto de lei e a nossa própria contribuição para que tal tarefa seja possível cumprir a curto prazo por parte da Assembleia da República.
Diria eu, e repito, que há que dar prioridade à discussão parlamentar de diplomas relativos à Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovar essa lei e, então sim, dar ao Governo a missão de regulamentar com vista à sua plena entrada em vigor. E não se venha dizer que a culpa pela inexistência de tal lei é da Assembleia da República como um todo. Não é assim e todos o sabemos. Se há que assacar responsabilidades por esse atraso, elas pertencem inteiramente ao PSD, ao partido que actualmente está no Governo, uma vez que foi ele que impediu, no quadro da então maioria PS/PSD, a discussão de uma tal matéria neste Parlamento durante a passada legislatura por não ter apresentado qualquer projecto de lei!
A questão da criação da comissão, dita de reforma do sistema educativo, é tanto mais pertinente neste momento, quanto o decreto-lei hoje em apreciação, também elaborado por um ministro do PSD, considera que uma das principais competências do Conselho Nacional de Educação é emitir pareceres, propostas e recomendações em relação ao sistema educativo.
Então porquê a criação desta nova comissão?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A interrogação que agora deixamos formulada assume ainda mais relevância se tivermos em linha de conta que o decreto-lei agora em discussão foi elaborado com um claro espírito de governamentalizar a composição do Conselho Nacional de Educação. Ou será que o ministro, usando da jurisprudência das cautelas, preferiu, apesar de tudo, a criação de um órgão cuja composição dependeria única e simplesmente da sua vontade? Ou talvez, ainda, como diz o nosso povo, o ministro tenha pensado «que o diabo tece-as» e que, nesse quadro, nunca se sabe o que poderá suceder quanto à solução que a Assembleia da República venha a adoptar sobre a matéria e, assim como assim, é mais seguro criar uma nova comissão em que ele seja o único a mandar.
E não seria de espantar que tais pensamentos pudessem ter passado pela cabeça do Sr. Ministro da Educação já que, em relação à composição do Conselho Nacional de Educação, um anterior ministro, também do PSD, se arrogou o direito de ser ele a definir as condições em que um deputado da Assembleia da República deveria participar no referido Conselho. É o que consta da alínea y) do artigo 3.º do diploma em análise, em que se prevê que no Conselho Nacional de. Educação tenha assento um representante da Comissão de Educação da Assembleia da República.
Esta disposição pão é compatível com o estatuto constitucional do órgão de soberania Assembleia da República. De facto, tem sido entendimento unânime nesta Assembleia que não cabe ao Governo, mas apenas à própria Assembleia da República, determinar os casos e os termos em que a Assembleia deve estar representada neste ou naquele órgão. E os exemplos são múltiplos. Veja-se a Comissão Nacional de Eleições, o Conselho de Imprensa, o Instituto de Defesa do Consumidor, o Conselho Nacional de Alfabetização e Educação de Base de Adultos, etc.
Mas há mais: nos casos em que a Assembleia da República, e apenas a Assembleia da República, entenda dever fazer-se representar, a respectiva deliberação só pode ser tomada mediante resolução da Assembleia aprovada pelo Plenário, não podendo tal decisão caber a uma qualquer comissão parlamentar especializada. Nos termos regimentais, as comissões parlamentares não têm capacidade de se relacionar autónoma e directamente com entidades exteriores à Assembleia e muito menos de exercer competências que, dizendo respeito à Assembleia da República enquanto tal, só pelo Plenário podem ser exercidas.
Trata-se, pois, de uma disposição a requerer alteração urgente de modo a que, se for caso disso, a Assembleia possa definir as condições e os termos em que estará representada no Conselho Nacional de Educação.
A nosso ver, uma tal representação nunca poderá ser limitada a uma solução que contemple apenas um dos partidos com assento parlamentar, antes devendo ser encarada, como o tem sido em relação a outros órgãos exteriores à Assembleia, com a participação em termos dos diferentes grupos parlamentares, como única forma de assegurar a representação da pluralidade de opiniões manifestadas e existentes na Assembleia da República.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No domínio das competências do Conselho é, em nosso entender, inaceitável que um órgão que tem como objectivo apresentar medidas que «garantam a adequação permanente do sistema educativo aos interesses dos cidadãos portugueses», como consta do artigo 1.º do diploma em análise, se veja privado de ter iniciativa própria na propositura de tais medidas, limitando-se a pronunciar-se sobre as matérias que lhe forem presentes pelo Ministro da Educação, como decorre do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 374/83. A consagração de uma tal solução seria a negação do próprio Conselho enquanto tal.
Igualmente inaceitáveis se nos afiguram as disposições tendentes a cometer ao Conselho competência no domínio da aplicação da pena de demissão a pessoal dirigente do Ministério da Educação, como consta da alínea m) do n.º l do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 125/82.
Quanto à composição do Conselho, para além da questão da representação da Assembleia da República a que atrás me referi, consideramos que as soluções constantes do diploma em análise não reflectem de forma alguma os múltiplos sectores sociais e profissionais interessados no processo educativo. A composição prevista visa a total governamentalização do Conselho e denota um peso excessivo de funcionários do Ministério da Educação. Refira-se, só a título de exemplo, que num Conselho com uma composição de cerca de trinta e cinco elementos teriam assento os mais de vinte directores-gerais ou equiparados do Ministério da Educação, para além de um presidente e um vice-presidente

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e mais cinco vogais indicados pelo próprio Ministro, ou seja, em cerca de trinta e cinco elementos mais de dois terços seriam de indicação ministerial. Temos de reconhecer que se trata de uma representação manifestamente excessiva!
Por outro lado, não está contemplada a participação de representantes de outros departamentos ministeriais, para além do Ministério do Trabalho, que têm directamente a ver com o processo educativo, como seja o caso dos departamentos responsáveis pela indústria, pelo planeamento, pelas obras públicas, etc.
Outras ausências ou limitações são particularmente sensíveis e evidentes. De entre elas vale a pena referir a completa ausência de representantes do movimento sindical (excluindo o movimento sindical dos professores), de representantes das regiões autónomas e das regiões administrativas, bem como a ausência de representação de movimentos pedagógicos e associações científicas.
De igual modo se afiguram como soluções a não considerar as limitações impostas quanto à participação de representantes das universidades e institutos, das associações de estudantes e das associações de trabalhadores estudantes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também no domínio do funcionamento, as soluções constantes do Decreto-Lei n.º 125/82 confirmam que os objectivos governamentais quanto a este Conselho são a sua total submissão e dependência aos ditames ministeriais.
Tudo está na dependência da decisão, autorização ou ratificação ministerial. Desde a nomeação do presidente e vice-presidente, passando pela nomeação da comissão permanente, por autorizações várias relativas ao funcionamento de comissões específicas do Conselho, até à aprovação do regimento interno, tudo está na dependência do Sr. Ministro da Educação!
Soluções como as constantes do diploma em apreço não só descaracterizariam a actividade própria do Conselho como lhe retirariam autonomia e correriam o risco de acarretar a total inoperância deste orgão. Ainda no que se refere ao funcionamento do Conselho, não pode deixar de ser referido como algo de aberrante a disposição que determina que este órgão só se reúne quando o Ministro da Educação - e só o Ministro - o convocar ou quando tiver de se pronunciar sobre proposta de lei, ou seja, sobre iniciativa legislativa governamental e apenas governamental.
A nosso ver, o Conselho deve ter reuniões regulares com intervalos de tempo claramente definidos e deve poder reunir extraordinariamente quando a urgência de matérias a apreciar assim o exija ou quando convocado por um determinado número dos seus membros.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por tudo o que fica dito fácil será verificar o quanto estamos longe de um diploma que vise criar um Conselho Nacional de Educação encarado como um forum de debate sério e profundo dos problemas que afectam a educação e o ensino no nosso país e que possa traçar perspectivas de futuro para este sector.
Como ficou demonstrado, estamos perante mais uma estrutura de características governamentalizantes, sujeita ao controle governamental, com alguns laivos (talvez para estrangeiro ver) de pseudo participação alargada. Não é, certamente, um órgão com a dignidade que deveria ter um verdadeiro Conselho Nacional de Educação.
Cabe, pois, à Assembleia da República uma importante missão neste momento. Embora a base de partida seja péssima, consideramos que há condições para que na Comissão, quando for realizada a votação na especialidade, seja não só possível introduzir alterações ao decreto-lei em análise como modificar radicalmente toda a filosofia que presidiu à sua elaboração. As propostas de alteração até agora apresentadas, quer pelo meu partido, quer por outros partidos, apontam claramente nesse sentido.
Que o façamos urgentemente e de modo eficaz, eis o que esperam de nós os Portugueses, sejam eles alunos, pais, professores ou outros trabalhadores do ensino.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lemos, ouvi-o com muita atenção e não desejaria comentar a primeira parte da sua intervenção, já que ela contém comentários de ordem política que resultam da apreciação do Sr. Deputado a propósito de outras questões que não aquelas que estão neste momento em discussão e que são as que têm a ver com a ratificação do decreto-lei em apreço. Portanto, irei ignorar essas apreciações.
Quanto à questão de fundo, que se prende com o decreto-lei que cria e regula o funcionamento do Conselho Nacional de Educação, devo dizer-lhe, desde já, que concordo com muitas das apreciações que fez na especialidade e que serão matéria para a comissão.
Em relação ao poder de iniciativa, às questões da convocação, da competência quanto à aplicação de penas disciplinares sobre os funcionários do Ministério da Educação, da participação de confederações sindicais que não aquelas que têm a ver com o movimento sindical dos docentes, da participação das regiões autónomas e a muitas outras, como o Sr. Deputado terá oportunidade de constatar, quer pelas propostas de alteração que iremos apresentar quer pela intervenção de fundo da nossa bancada a propósito desta matéria, que será feita pela Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo, julgo que, em sede de comissão, será possível assentarmos nalguns consensos bastante alargados.
O que não consegui entender na sua intervenção - é aí que reside o meu pedido de esclarecimento - foi o alcance da crítica política que o Sr. Deputado quis fazer em relação à constituição do Conselho quando falou em governamentalização. Não consigo compreendê-la, uma vez que o Sr. Deputado - e quanto a mim bem - concordou que a participação dos deputados nesse Conselho não tem razão de ser.
Certamente que o Sr. Deputado se recorda de uma polémica que se estabeleceu aqui, nesta Assembleia, e em que participou, de forma mais denodada, se não estou em erro, o Sr. Deputado Magalhães Mota, quanto à questão de saber se era compatível com o nosso estatuto constitucional a possibilidade de participarmos numa comissão de consulta do Ministro da Educação que, portanto, funcionaria junto do Governo.
Parece-me que não tem razão de ser que haja participação de deputados, quer seja em representação da Comissão de Educação ou de um grupo parlamentar.

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O funcionamento do Conselho Nacional de Educação não se processa no âmbito parlamentar, pois aquele funciona junto do Governo e, como tal, não há razão para haver participação dos deputados.
A pergunta que gostaria de lhe colocar, Sr. Deputado Jorge Lemos, é, pois, esta: quando o seu próprio grupo parlamentar vai mais longe ao alargar a participação no Conselho a outros ministérios que nem sequer constam da proposta do Governo, qual é ó alcance, a substância real da crítica que faz de governamentalização?
Se o Sr. Deputado me responder com o número de directores-gerais, digo-lhe já que o considero excessivo e que nós próprios temos uma proposta de limitação quantitativa à alínea e) do artigo 3.º
Qual é, pois, o fundamento real desta questão da governamentalização, uma vez que não nos parece que possa ser outra a sede deste Conselho que não junto do Governo e, nomeadamente, de consulta ao Ministro da Educação?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Deputado Carlos Coelho, devo dizer-lhe que estranho muito que não se tenha referido aos comentários de ordem política, uma vez que eles não são de ordem política mas, antes, aspectos que se prendem com o diploma em apreço e que pensamos que deveriam merecer uma reflexão por parte da Assembleia da República.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não se prendem, Sr. Deputado Jorge Lemos!...

O Orador: - Quando o Sr. Deputado tem legislação, emanada de um ministro do seu partido, que diz que existe um Conselho Nacional de Educação que tem como missão essencial estudar e apresentar propostas, elaborar pareceres, fazer recomendações sobre a questão do sistema educativo e surge posteriormente um novo governo a dizer que «não senhor, não é nada disso», sem propor que esse Conselho desapareça más, antes, que se crie uma nova comissão, exactamente com os mesmos objectivos ou, melhor, indo mais longe, creio que isto não se trata de um comentário político. Trata-se, sim, de qualquer coisa sobre a qual a Assembleia da República tem de ponderar, pensar e analisar, sobretudo do ponto de vista de um governo que nos veio aqui dizer que queria aliviar a máquina da administração pública e que havia comissões a mais: Então este Governo vai criar uma nova comissão, havendo já, como há, um determinado Conselho?! ...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Se me permite, conceder-lhe-ei a interrupção no fim, uma vez que se lha concedesse agora cortaria o fio da minha exposição.
O Sr. Deputado diz que concorda com muitas das afirmações que fiz. Folgo muito em sabê-lo mas estranho" que, tendo o seu partido estado no Governo durante tanto tempo, não tenha tomado a iniciativa de alterar, o decreto que está em vigor, introduzindo-lhe alterações.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Estava em sede de ratificação, Sr. Deputado! Não valia a pena!

O Orador: - Penso que podia tê-lo feito e, inclusivamente, apesar de o diploma estar em sede de ratificação, o Sr. Ministro Augusto Seabra, como o Sr. Deputado também sabe. - e não me venha com essa de estar em sede de ratificação -, teve o cuidado de aprovar um decreto-lei introduzindo alterações no anterior mas no sentido de ~o restringir ainda mais quanto a competências.
Portanto, não me venha com essa de o diploma estar em sede de ratificação porque não pega, Sr. Deputado!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Nós corrigiremos esses pormenores!

O Orador: - Quanto à participação ou não da Assembleia da República no Conselho, trata-se de uma matéria que está a ser alvo de grande discussão.
Do nosso ponto de vista, seria perfeitamente possível que participassem deputados no Conselho.
Há pontos de vista diferentes mas o nosso não é radical,, no sentido de estarmos fixos nessa posição. O que entendemos é que cada grupo parlamentar deve ter a possibilidade de designar um representante para esse conselho nacional de educação.
Penso que deste modo a objecção que me colocou está, perfeitamente ultrapassada.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não está, não!

O Orador: - Quanto à questão da governamentalização, o Sr. Deputado Carlos Coelho, como pessoa estudiosa que é, já deve ter lido as propostas de alteração que o meu partido apresentou, aliás já na anterior sessão e, portanto, deve ter visto que o que atacamos é o peso excessivo de funcionários do Ministério da Educação.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Ah, a crítica é essa!

O Orador: - Consideramos, por outro lado, que, devendo ser esse número reduzido, devem participar, embora não em tão grande número, funcionários de outros departamentos governamentais.
Pensamos que um conselho nacional de educação não pode deixar de ter em conta a opinião de sectores essenciais para o planeamento em Portugal. Caso contrário, continuaremos a encarar a educação desenquadrada do que deve ser a progressão da sociedade portuguesa e o planeamento que para ela deve ser realizado.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paiva Campos.

O Sr. Paiva Campos (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No decreto-lei em discussão há uma profunda discrepância entre os objectivos enunciados no preâmbulo e a estrutura do Conselho Nacional de Educação apresentada no articulado. Aqui se situa a razão fundamental da nossa crítica e discordância. Além disso, este decreto-lei ignora a articulação com outros conselhos com funções idênticas relativamente a sectores específicos do sistema educativo; tenha-se

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presente o Conselho Nacional do Ensino Superior, o Conselho Nacional do Ensino Particular e Cooperativo, o Conselho Nacional de Educação de Adultos e a Comissão da Liberdade de Ensino. Nesta pulverização desarticulada de conselhos e comissões reside a segunda razão da nossa oposição a este decreto-lei.
A discussão deste assunto num momento em que está anunciada a constituição de uma comissão da reforma educativa, que o Ministério da Educação pretende seja desgovernamentalizada, dá-nos ainda a oportunidade para fazer uma breve consideração sobre a mesma.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Conselho Nacional de Educação, de acordo com o preâmbulo referido, destina-se a ser o lugar institucional de ampla discussão e análise dos problemas fundamentais da educação no nosso país, por um lado, e da convergência de esforços, na sua solução, por outro, de molde a preservar o superior interesse público na concepção e na implementação das reformas educativas que garantam a liberdade de aprender e ensinar. E quem são aqueles cuja participação na concepção e implementação das reformas educativas se quer garantir, aqueles cuja convergência de esforços se quer assegurar?
Todos os que de alguma forma tomam parte com maior ou menor incidência nos destinos da educação em Portugal de molde a preservar assim o referido superior interesse público.
No essencial estamos de acordo. As linhas fundamentais da política educativa devem emergir de uma participação alargada das várias forças sociais, políticas e económicas, devem apoiar-se no maior consenso possível resultante dessa participação e ter um valor que ultrapasse o tempo efémero das orientações de um governo, de um ou dois partidos. A referida participação pluralista não se esgota também naquela que é possível no âmbito da Assembleia da República, de acordo, pois, com os objectivos gerais.
Mas a composição do Conselho Nacional de Educação prevista no articulado de modo algum é susceptível de concretizar estes objectivos. Cerca de 30 dos seus quase 40 membros são de nomeação do Ministro da Educação: sete a título individual e os restantes enquanto directores-gerais ou equiparados. Mais: a comissão permanente é na sua totalidade nomeada pelo Ministro. Sem insistir demasiado no insólito de um decreto governamental determinar que este Conselho deve ter um representante da Comissão de Educação da Assembleia da República, verifica-se que está prevista, e muito bem, a representação das confederações ou associações patronais mas é ostensivamente esquecida a representação das confederações ou associações dos trabalhadores.
Contempla-se a representação das Universidades, públicas e particulares, bem como dos institutos politécnicos, mas nada está previsto relativamente às instituições do ensino público e particular dos outros graus de ensino, nem sequer através das associações científicas e pedagógicas existentes. O peso que é dado à representação dos pais e dos alunos é demasiado simbólico e é de estranhar que as autarquias, verdadeiro lugar das políticas integradas e participadas de educação num espaço geográfico com dimensão humana sejam simplesmente ignoradas.
Se a esta composição acrescentarmos o facto de o Conselho, segundo alterações posteriores do decreto-lei (pelo Decreto-lei n.º 375/83, de 8 de Outubro), só poder responder a solicitações do Ministro e estar-lhe vedado tomar a iniciativa de se pronunciar sobre matérias que julgar pertinentes - o que nunca faria com aquela composição; não se vê para que foi a emenda -, se àquela composição juntarmos esta emenda, temos de concluir que não estamos perante o tão necessário conselho de concertação social da política educativa enunciado no preâmbulo mas diante de mais um conselho consultivo da confiança do Ministro, que, é evidente, pode ter quantos queira desde que não exagere nos gastos dos dinheiros públicos. É pelo que fica exposto que propomos alterações quanto à composição do Conselho no sentido e uma presença mais significativa e alargada das várias forças sociais, económicas e políticas mencionadas e da ausência dos funcionários do Ministério e das personalidades de nomeação ministerial. As individualidades de reconhecido mérito e competência devem ser designadas pelos representantes das diversas forças presentes no Conselho, o mesmo acontecendo com a escolha do presidente e da comissão permanente.
Propomos ainda que o Conselho possa tomar a iniciativa de se pronunciar sobre as matérias da respectiva competência e de publicitar as suas conclusões quando e como desejar.
Propomos finalmente que os outros referidos conselhos ou comissões existentes sejam integrados de modo articulado no único Conselho Nacional da Educação, transformando-os em comissões restritas a título permanente, figura já prevista no decreto-lei em discussão.
Estamos ainda na disposição de aprovar as propostas de alteração apresentadas pelos colegas das outras bancadas desde que, em nosso entender, se enquadrem na perspectiva geral que defendemos: participação alargada, independência da confiança ministerial e autonomia de funcionamento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A estrutura e funcionamento do Conselho Nacional de Educação são, portanto, susceptíveis de permitir a prossecução dos objectivos enunciados no preâmbulo do decreto-lei em discussão apenas em pequena parte. Mas nem sequer esta pequena parte foi possível atingir porque desde 1982 até hoje aquele Conselho praticamente ainda não funcionou. Em nosso entender, não é de atribuir a responsabilidade deste facto exclusivamente à força política que tem dirigido o Ministério da Educação nos últimos anos.
Talvez nenhum governo tenha a coragem política de constituir um Conselho Nacional da Educação com a composição, a independência e a autonomia acima propostas para prosseguir de facto os objectivos bastante bem definidos no preâmbulo do decreto-lei que estamos a discutir. É por isso uma circunstância feliz que o decreto-lei se encontre em apreciação nesta Assembleia, de quem é de aguardar a referida coragem que dificilmente qualquer governo terá.
Mas não basta constituir um Conselho Nacional de Educação com as referidas características. É preciso ainda contrariar a previsível resistência que a maior parte dos governos tenderão a opor ao seu funcionamento. É responsabilidade desta Assembleia acompanhar de perto a acção do Governo para que ele execute o que ela legislar. Que qualquer governo tenderá a evitar o recurso a um conselho do género daquele que propomos quando se tratar de assegurar convergência de esforços para a concepção e implementação das reformas educativas de molde a garantir o superior interesse público e não o deste ou daquele partido

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ou grupo social, que qualquer governo tenderá a evitar o recurso a um tal conselho parece mostrá-lo a anunciada constituição da comissão da reforma educativa prevista por este Governo. Mais uma vez se passa ao lado dos conselhos existentes, não se propõe um conselho adequado caso os existentes sejam considerados inadequados (como são), mas avança-se ao que parece, com uma comissão de individualidades de confiança pessoal do Ministro, a qual, é compreensível, se tenta legitimar como se de uma comissão desgovernamentalizada se tratasse.
Voltaremos à reforma educativa, às ilusões que se têm ou se pretendem, porventura, criar com a comissão da reforma educativa. Voltaremos à comissão da reforma educativa, mas a discussão deste decreto-lei desde já nos alerta para o frequente desfasamento nas iniciativas governamentais entre as intenções publicitadas e as medidas efectivamente tomadas.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha.

O Sr. José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não cremos que possam levantar-se grandes dúvidas sobre as vantagens da constituição de um órgão que, com a designação de Conselho Nacional de Educação ou qualquer outra afim, exerça funções consultivas junto das mais altas instâncias de decisão do Ministério da Educação. Uma tal medida impõe-se perante a complexidade e a dimensão crescentes que os problemas educativos atingem nos nossos dias. E é apoiada, também, pela fecunda experiência, recuada de mais de um século, neste domínio acumulada no nosso país.
Referimo-nos à actividade desenvolvida pelo Conselho Superior de Instrução Pública, instituído por Carta de Lei de 25 de Maio de 1884, que funcionava junto ao Ministério do Reino, então com a superintendência do sector do ensino. Era esse Conselho presidido pelo Ministério do Reino, por inerência, e constituído por duas secções: uma permanente, de nomeação régia, formada por 12 membros, à qual competia, além do mais, propor ao Governo providências e propostas de natureza executiva ou legislativa que julgasse convenientes ao progresso dos estudos; e uma secção de eleição que reunia 20 elementos, eleitos pelas escolas, além de um designado pelos astrónomos de primeira classe do Real Observatório Astronómico, sendo assim largamente maioritária a electiva sobre a de nomeação régia. É útil termos presente esta experiência positiva do passado para melhor avançarmos em direcção à iniciativa que temos na nossa frente.
Sem levantarmos reservas, pois, à necessidade de constituição de um tal órgão, temos no entanto grandes objecções à forma como o Decreto-Lei n.º 125/82 pretende concretizá-lo.
Estas objecções situam-se em três planos. O primeiro respeita à oportunidade da iniciativa. É bem sabido constituir reivindicação unânime dos que se interessam pela problemática do ensino a urgência de promulgação de uma lei de bases do sistema educativo, que conteria os parâmetros reguladores das disposições legais e actos a promover no sector educativo. Sucessivos governos não têm concretizado esta aspiração, a não ser através de uma proposta do primeiro governo AD que os próprios promotores deixaram esquecer.
O PSD, partido que detém a pasta da Educação há 5 anos, não apresenta hoje qualquer projecto, pelo que a situação de impasse se mantém. Entretanto, sucessivos ministros utilizam este vazio, deliberadamente ou não, para introduzirem modificações no sistema escolar que, em princípio, se deviam articular com a Lei de Bases do Sistema Educativo e constituir matéria da Assembleia da República. É, de resto, o caso bem visível do decreto-lei em discussão, em que se intenta antepor à esfera da lei de bases uma instituição que devia resultar desta lei e não precedê-la, bem como da anunciada comissão de reforma do sistema educativo.
Se, como julgamos, a partir de declarações recentes do actual titular da pasta da Educação, a lei de bases não demorará a aparecer, então a solução mais adequada seria a da revogação pura e simples do Decreto-Lei n.º 125/82, e fazer integrar diploma similar no espírito da lei de bases a aprovar. Para quem contrarie esta posição, por dilatar a entrada em funções de um conselho cuja existência se reconhece útil, lembramos que são passados 3 anos e 8 meses sem que do decreto-lei em debate resultasse em qualquer concretização e, tendo em vista a composição e atribuições do CNE, sem que daí adviessem prejuízos para o ensino.
O segundo plano de objecções relativamente ao decreto-lei em apreço respeita à excessiva governamentalização do Conselho, o que é logo bem evidente no facto de mais de dois terços dos seus cerca de 35 membros serem de indicação ministerial. Essa sua acentuada índole retira a indispensável estabilidade de um tal órgão - dependente como fica da sorte do titular da pasta da Educação e das suas características -, tornando-o, sob muitos aspectos, ineficaz e redutor do diálogo.
Pensamos que a sua composição devia abrir-se a mais variados sectores da actividade educativa e até a outros da sociedade que com ela se relacionam. É assinalável como se subestima a representação de professores e alunos, ou como se encontram representadas as confederações ou associações patronais e não as confederações sindicais de não professores. Veja-se ainda, por exemplo, que as universidades e os institutos universitários politécnicos, que em 1982-1983 juntaram 71,7 milhares de inscritos para um total de 2072,6 milhares, ou seja, apenas 3,5% do total, contam vem 3 representantes, ao passo que se omitem, além do ensino superior não universitário, representantes de todo o restante ensino, que cobre 96,5% dos inscritos.
É bem visível, na concepção que lhe está subjacente, a persistência de um modelo tradicional que vem do século XVIII, dominado por imperativos universitários.
Ora, ao modelo tradicional seguira-se o napoleónico, que também persiste, mas, após 1945, surge um novo modelo que valoriza a ampliação da escolaridade obrigatória e, além de outros aspectos, a formação de professores. Era neste modelo, e não no tradicional, passadiço, inadequado às novas exigências da sociedade contemporânea, que deveríamos inspirar-nos.
Por outro lado, contrariando ainda o excessivo pendor governamentalizante do decreto-lei, entendemos que o CNE não deveria funcionar junto do ministro, mas junto de um órgão de concepção encarregado de elaborar e planear as acções conducentes à estruturação do sistema nacional de educação e ao seu aperfeiçoamento, que poderia ser a anunciada comissão de reforma do sistema educativo, a qual, esta sim, aceitamos seja presidida pelo Ministro da Educação. E esta

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comissão de reforma igualmente deverá ser criada e implementada no âmbito da Lei de Bases do Sistema Educativo. É esta a orientação defendida no projecto de lei de bases do sistema de educação que o MDP/CDE já apresentou três vezes à Assembleia da República e que renovará mais uma vez em prazo curto.
Embora entendamos que a problemática escolar ultrapassa o Ministério da Educação (basta lembrar que há escolas na dependência de outros ministérios, designadamente da Defesa e da Saúde), por motivos pragmáticos não excluímos o funcionamento do CNE junto do Ministério da Educação, por ser aquele de que depende bem mais de 90% da frequência escolar.
O terceiro plano de objecções respeita ao elenco de questões sobre as quais o CNE emitirá pareceres, propostas e recomendações, omitindo algumas áreas muito importantes e propondo uma incorrecta hierarquização. Não se compreende como não sejam indicadas, à cabeça deste grupo de questões, algumas tão decisivas para a eficácia e qualidade do ensino como o combate ao analfabetismo, a obrigatoriedade escolar, o aproveitamento escolar, a formação e estatuto de professores, que a título meramente exemplificativo indicamos.
Um órgão desta natureza só poderá cumprir a sua função fundamental se lhe for assegurada uma dinâmica que se desenvolverá a partir da visão ampla e não redutora da sua concepção, a partir da sua ligação orgânica com os sectores da sociedade com que mantém relação directa ou indirecta, a partir da atenção às questões mais vivas e decisivas da Educação.
Estas exigências não são, obviamente, cumpridas pelo Decreto-Lei n.º 125/82.
Por isso, o MDP/CDE vai recusar a sua ratificação. É essa a posição mais corrente perante as graves reservas que lhe levantamos. Mas, para o caso de ser ratificado, não deixamos de apresentar algumas propostas de alteração, com o fim de atenuar os muitos e pesados aspectos negativos que contém.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha: Quase que diria que na sequência da sua intervenção a conclusão deveria ser outra. Deveria ser a de uma atitude mais permissiva em relação à ratificação, no sentido de, em sede de especialidade, o podermos aperfeiçoar, uma vez que julgo em 90% das alterações o consenso será generalizado. Aliás, já tivemos por várias vezes a oportunidade de dizer que, nomeadamente em relação a alguma das alterações supervenientes como aquelas que foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 375/83, a nossa posição também é desfavorável.
Mas, de qualquer forma, quero centrar-me em duas questões que o Sr. Deputado levantou e para as quais gostava de ser mais esclarecido.
Assim, a primeira tem a ver com a governamentalização do Conselho. Quer pela experiência do passado, que o Sr. Deputado aqui nos recordou, quer pelas considerações que teceu a propósito da composição do actual Conselho - obviamente que o Sr. Deputado concordará comigo que isto não é uma questão de aritmética - aceitaremos que o número de membros indicados por nomeação ministerial deverá ser inferior ao número dos representantes dos corpos, das entidades, dos organismos com carácter social, sejam os sindicatos, as associações de pais, as associações de estudantes, sejam todos os outros que estão contemplados, quer no decreto-lei, quer nas diversas propostas de alteração que foram apresentadas. Julgo que aí estaremos de acordo e, depois, será só uma questão de do ser a participação dos organismos do Estado e dos representantes das direcções-gerais com aqueles que virão por outro lado. Onde julgo que reside a grande questão deste Conselho Nacional de Educação é saber junto de quem é que ele deve funcionar.
O Sr. Deputado Jorge Lemos fez uma intervenção num sentido diferente, já que o Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha concorda que - e pretendo que isto seja sublinhado - o Conselho Nacional de Educação deve funcionar como um órgão com papel consultivo junto das mais altas instâncias do Ministério da Educação. Insisto que gostaria de sublinhar este aspecto, porque aí estamos de acordo. O problema surge é na tradução disto para o concreto e aí o Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha considera que o Conselho Nacional da Educação não deverá funcionar junto do Ministro da Educação, mas junto de um órgão de concepção, como, por exemplo, a comissão de reforma do sistema educativo - aliás, julgo, que com argumentos não muito diferentes daqueles que o PRD também aduziu na sua intervenção.
A minha pergunta é esta, Sr. Deputado: sabendo que, em face daquilo que o Governo nos disse aqui na discussão do Programa do Governo, a comissão de reforma do sistema de ensino seria uma comissão pequena e tão pluralista quanto possível - o Governo glosou o tema, quanto a nós muito bem, da despartidarização dos conflitos em que o consenso nacional deve ser o maior possível -, não considera o Sr. Deputado que colocar o Conselho Nacional da Educação, na dependência de um órgão que pode ter uma composição e uma duração transitória será diminuir o alcance de um Conselho que nós gostaríamos de ver projectado para depois desta legislatura. Não considera que com a sua proposta, reduzindo o Conselho Nacional de Educação à função de conselho desta comissão de reforma que é claramente conjuntural, não estaremos a diminuir o alcance de algo que poderíamos antever com um horizonte de vida não só mais dilatado, mas com um conjunto de atribuições e competências mais vasto do que aquele que, pelos vistos, resulta da sua inserção limitada na comissão de reforma do sistema de ensino?

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha.

O Sr. José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE): - Ë claro que daqui deriva talvez uma diferente concepção do que é ou do que deve ser a comissão de reforma do sistema educativo.
Evidentemente que não tenho razões - até agora, concretas - para duvidar das intenções aqui anunciadas pelo Sr. Ministro da Educação sobre a composição da comissão de reforma do sistema educativo, a qual ele disse ir fazer um esforço para que fosse pluralista. Aliás, apraz-me registar que haverá uma tendência ou proposição de que neste domínio do ensino - e provavelmente traduzido na composição dessa comissão - haja a possibilidade de concretizar consensos que no domínio da educação são possíveis. Verifi-

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camos, até, através do próprio trabalho da Comissão de Educação que, sobre muitos aspectos, é possível obter este consenso. Apraz-me registar isto.
No entanto e se me permite - sem pôr em dúvida a pureza desta intenção - coloco-a num plano meramente de intenção e só poderei concluir em que medida é que ela foi cumprida depois de ver a sua composição.
De qualquer maneira, parece-me que esta comissão de reforma do sistema educativo tem um âmbito e uma competência mais ampla do que aquela que, porventura, o Sr. Deputado lhe estava a atribuir. Temos a ideia de que perante a complexidade e a gravidade crescente dos problemas que se põem à educação no nosso país, ela deveria ter efectivamente uma ampla competência. Ela deveria ser uma comissão na qual deveriam confluir as principais preocupações e emanar as principais orientações referentes a este grande domínio. E daí dever ser, em nossa opinião, uma comissão ampla, ideologicamente diversificada e com uma grande representatividade nos principais sectores do ensino.
É claro que não me parece, por isso, que o Conselho Nacional pudesse diminuir a importância da sua acção, na medida em que estaria em relação de dependência com a grande comissão, à qual caberia o traçar das grandes linhas do nosso sistema de educação. O que me parece é que talvez não seja essa a concepção, o que considero errado. De qualquer maneira, tanto num como noutro caso, o que me parece fundamental - como deve ter visto numa proposta de alteração do nosso grupo parlamentar que há minutos foi distribuída - é que este decreto-lei só deverá entrar em vigor após a promulgação da lei de bases.
Parece-me, portanto, que tanto este Conselho como a própria comissão de reforma do sistema educativo só deveriam entrar em vigor e constituir-se após a promulgação dessa lei de bases, porque, de outra forma, estamos a cair, mais uma vez, numa articulada e incoerente tomada de posições que não tem em conta, fundamentalmente, o conjunto das medidas que deveremos tomar para ver quais delas serão prioritárias e como é que coerentemente deveremos actuar.
Portanto, o que para nós é fundamental é que antes de tudo seja promulgada uma lei de bases e que, depois, em consonância com ela e de acordo com a orientação que ela ditar e com a própria composição que aí se indicar, só nessa altura seja, então, constituída uma comissão de reforma do sistema educativo, e que igualmente essa lei de bases indique claramente quais as competências e o âmbito de actuação do Conselho Nacional. Desta forma é que me parece que estão cumpridas as fases pela ordem correcta por que elas devem ser feitas. De contrário, estaremos, neste momento, a criar qualquer coisa que depois, quando a lei de bases for promulgada, poderá considerar-se que é incoerente com o próprio espírito e essência que aquela vier a indicar.
Portanto, parece-nos que, neste momento, devíamos voltar à estaca zero e fazer com que se apressem os trabalhos para aprovação de uma lei de bases e, então sim, a partir dela criar a comissão de reforma do sistema educativo e o Conselho Nacional aqui indicados.
Não queria também deixar de indicar que se levanta uma questão, para lá da governamentalização, que o Sr. Deputado Carlos Coelho não referiu que gostaria de sublinhar, e que é referente a um certo pendor «de universitário» que, digamos, se poderia justificar noutras alturas, de acordo com outras exigências da sociedade, mas que neste momento e sobretudo após o modelo que está cada vez mais espalhado no Mundo a partir de 1945, já não se justifica de modo nenhum. Este pendor e esta submissão a exigências universitárias, a imperativos universitários, parecem-me altamente errados.
Por outro lado, indicamos aqui, como sabe, cinco vogais designados pela Assembleia da República. Tive ocasião de ler os debates que se fizeram nesta Assembleia quando aqui foi colocada a questão da ratificação deste decreto-lei, que foi aqui discutida com o Sr. Ministro da Educação de então, e tivemos ocasião de ver que uma das objecções que se levantavam era a relação entre este Conselho e a Assembleia da República. Ora, parecem-me legítimas algumas das objecções que se levantam. No entanto, queria dizer que a nossa insistência para que essa relação se estabeleça não significa, de modo nenhum, um estatuto de menoridade ou de inferioridade da Assembleia da República perante o Executivo, na medida em que significa que cinco vogais são por ela designados, já que cada grupo parlamentar funciona como que a expressão de uma organização superior da opinião pública. É claro que isto só teria sentido na medida em que a Assembleia da República deveria, antes de tudo, aprovar uma lei de bases do sistema educativo que criaria a comissão de reforma do sistema educativo e de que estaria dependente o Conselho Nacional. Nessa altura, seria em rigor à Assembleia da República que, em última instância, caberia a decisão sobre a inclusão de representantes seus no Conselho Nacional de Educação e das Universidades.

O Sr. Presidente: - Não há mais inscrições, Srs. Deputados?

Pausa.

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Para uma breve intervenção, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está hoje em apreciação o pedido de ratificação n.º 4/IV que incide sobre o Decreto-Lei n.º 125/82, de 22 de Abril, por iniciativa do Partido Comunista Português.
Tal pedido de ratificação surge nesta legislatura na sequência de outros pedidos de ratificação já requeridos em legislaturas anteriores.
Assim, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista requereu já em 27 de Abril de 1982 a ratificação do referido decreto-lei. A esta iniciativa juntou-se na mesma data idêntico requerimento do Partido Comunista Português.
Posteriormente, o Partido Comunista retoma em 8 de Junho de 1983 o pedido de ratificação relativo ao Decreto-Lei n.º 125/82, ratificação n.º 37/III, que foi objecto de apreciação e discussão na generalidade da legislatura anterior. '

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Nessa fase da discussão foram apresentadas propostas de alteração pelos diversos grupos parlamentares, tendo tais propostas baixado à Comissão de Educação para discussão na especialidade. Em virtude da dissolução da Assembleia da República então ocorrida, a apreciação em sede de comissão não se processou até apreciação final global.
Por isso aqui estamos de novo, apreciando hoje o que foi apreciado ontem. E, quanto a nós, sociais-democratas, dizendo hoje, com ligeiras nuances o que dissemos então.
Cabe-me a mim de novo exprimir o ponto de vista da minha bancada sobre a ratificação n.º 4/IV que visa o Decreto-Lei n.º 125/82, de 22 de Abril, que cria o Conselho Nacional de Educação no Ministério da Educação e das Universidades, hoje Ministério da Educação e da Cultura. Mantemo-nos fiéis à filosofia subjacente à criação do referido Conselho Nacional, que foi da autoria de um ministro social-democrata, o Prof. Victor Crespo, hoje nosso colega deputado. Pena é que o instituto da ratificação, que é legal, e a morosidade dos trabalhos, que é atávica, mas verdadeiramente lastimável, tenham, ao fim e ao cabo, impedido, na prática, o funcionamento de um órgão consultivo com carácter nacional que teria por missão analisar e discutir os grandes temas que dizem respeito à educação.
A sua função específica, que reside na emissão de recomendações, pareceres e propostas, aconselha a que, por um lado, se lhe dê uma vasta representatividade e, por outro, se coloque no âmbito do Ministério da Educação e da Cultura.
Nunca, como agora, é imperioso desenhar objectivos no campo da educação, nunca, como agora, é imperioso passar das experiências pedagógicas ao traçar das bases gerais do sistema educativo. Por isso, concederemos a ratificação, votando favoravelmente, mas, na linha das propostas apresentadas na passada legislatura, conjuntamente com o PS, não deixaremos de alargar a representatividade e pluralidade deste órgão consultivo, bem como a operacionalidade do mesmo. E, neste sentido, estamos também a responder a algumas críticas já formuladas por alguns dos Srs. Deputados de outras bancadas que foram aqui expressas, e atendendo a algumas perguntas formuladas pelo Sr. Deputado Carlos Coelho, do Grupo Parlamentar Social-Democrata.
Estas propostas estão apresentadas na Mesa para discussão na especialidade. Portanto, terão a sede própria na referida comissão nesse momento.
Faremos, todavia, neste momento, uma breve referência a alguns aspectos que foram objecto já de outras intervenções neste Plenário.
Retomo aqui a posição expressa na anterior legislatura acerca da participação ou não de deputados no referido Conselho Nacional de Educação.
Passo a transcrever, e dizia eu então:
Argumenta-se mesmo no sentido da inconstitucionalidade de um dispositivo, em forma de decreto-lei, que cometa à Assembleia da República, órgão de soberania, a determinação de se fazer representar por um deputado de uma comissão em qualquer orgão estranho à Assembleia da República.
A separação constitucional dos poderes executivo e legislativo, a função fiscalizadora cometida pela lei constitucional à Assembleia da República
sobre a actividade do Governo e a natureza consultiva do órgão - Conselho Nacional de Educação - como orgão orientador e coadjuvante do Ministro da Educação, aconselham a que se elimine essa representação da Assembleia da República.
Apresentamos na Mesa de novo uma proposta que vise apagar tal alínea, porque, ponderadas as razões e, em coerência, não vemos motivo para participarmos enquanto deputados. Mas, bem vistas as coisas, não pode a Assembleia da República alhear-se dos trabalhos do Conselho Nacional, pelo que se insere um novo artigo que determina o envio de todos os pareceres, propostas e recomendações do Conselho à Comissão de Educação da Assembleia da República.
Visando alargar o número de representantes damos assento a todas as modalidades do ensino previstas na Constituição e enraizadas na realidade nacional: dá-se assento no conselho nacional ao ensino particular e cooperativo nos seus diversos graus; dá-se a devida representação às federações sindicais e patronais, às associações de estudantes, ao Conselho Nacional da Juventude, à Associação Nacional de Municípios, em suma, procurámos de um modo amplo dar voz a todos quantos estão ligados à educação, de uma forma ou de outra.
Com isso terá ganho o Governo e, nomeadamente o Ministro da Educação e da Cultura, pelo contributo de um conselho nacional enriquecido pela participação de entidades de reconhecida competência e mérito.
Mas mais do que isso - importa referir - quem ganha é o povo português. Por isso, vamos votar favoravelmente esta ratificação.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo, gostaria, em primeiro lugar, de referir que se na anterior legislatura não foi possível concluir o debate na especialidade em comissão todos nós saberemos as razões. No entanto, creio que V. Ex.ª, enquanto deputada que integrava a chamada «maior maioria de sempre», teria tido alguma responsabilidade ou uma responsabilidade acrescida, para que em comissão não se tivesse concluído esse debate, uma vez que pelo nosso lado sempre houve toda a disponibilidade para o fazer.
Em segundo lugar, gostaria de lhe colocar a seguinte questão - e que já a expus aquando da discussão, em 9 de Janeiro de 1985, deste mesmo diploma, a que, infelizmente, a Sr.ª Deputada não me respondeu: V. Ex.ª continua a apresentar o Conselho, dito «Nacional de Educação», como um órgão de características nacionais. Creio que ainda não tive oportunidade de ler todas as propostas que o PSD apresentou, uma vez que só agora foram distribuídas, mas penso que V. Ex.ª continua a defender o ponto de vista de que por sua iniciativa o Conselho pode emitir opiniões, sugestões, pareceres, propostas, etc.
Portanto, a questão que lhe queria agora colocar é saber se tem para si como claro que o Conselho Nacional de Educação deve estar na dependência do Ministro da Educação, ou se o referido Conselho poderá

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ser um órgão com características semelhantes a outros que existem na sociedade portuguesa, criados, aliás, por esta Assembleia da República. Tais órgãos têm atribuições e competências próprias não se envolvendo ou não se intrometendo logicamente na espera da acção do Executivo, dispõem de um importante papel na emissão de opiniões, de estudos, de propostas, de pareceres, como o caso do CNAEBA, e tantos outros que existem na ordem jurídica portuguesa.
A Sr.ª Deputada volta a colocar a questão de não estar de acordo que haja representantes dos grupos parlamentares com assento na Assembleia da República nesse Conselho. Mas, pergunto: então porquê, Sr. Deputada? Então os partidos com assento na Assembleia da República não são entidades que têm de dar opiniões e não é o Conselho Nacional de Educação um dos locais privilegiados para que o possam fazer, para além logicamente das opiniões que transmitem na referida Assembleia?
Na verdade, uma vez que o papel da Assembleia da República é legislar e fiscalizar e o papel desse Conselho é o de sugerir, de propor, creio que são níveis de actuação totalmente diferentes, pelo que não se entrechocam.
E, por agora, ficaria por aqui, Sr.ª Deputada. Assim, gostaria que me respondesse a estas questões:

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo.

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lemos, quanto à primeira apreciação que fez ou, diríamos, ao primeiro remoque, tenho a referir que me lembro perfeitamente que numa das reuniões convocadas especialmente - e estava inscrito na ordem de trabalhos «a votação das propostas em especialidade do Conselho Nacional de Educação» - foi o Sr. Deputado Jorge Lemos que pediu que se adiasse essa votação para outra reunião a seguir, porque nesse dia não estava lá um representante do seu partido.
Suponho, evidentemente, que não estaria na sua mente que tal não se discutisse, mas isso não quer dizer que nesse dia, convocado concretamente para esse efeito, não se tivesse deixado de discutir a questão do Conselho Nacional e as referidas propostas que já estavam ali apresentadas na especialidade para debate. Portanto, tenho ha memória precisamente que foi pedido o adiamento da dita votação pelo ,vosso partido nessa reunião.
Devo dizer também que todos nós, deputados, que integramos a Comissão de Educação, de um modo ou de outro somos responsáveis pelo andamento dos trabalhos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Posso interrompê-la, Sr.ª Deputada?

A Oradora: - Sr. Deputado, por favor deixe-me concluir.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É uma breve interrupção, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Então, faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr.ª Deputada, creio, que fez uma afirmação que não esperava ouvir da sua parte.
Quando o fizemos, isto é, quando requeremos o adiamento da votação usámos um direito regimental, que a todos assiste, de considerarmos que a votação na especialidade de determinadas propostas deveria ser transferida para a reunião seguinte. Estamos a falar em relação a 9 de Janeiro de 1984, isto é, quando o decreto-lei baixou à Comissão.
Na verdade, a Assembleia da República funcionou até Julho de 1985 e não queira, Sr.ª Deputada, assacar a responsabilidade ao, PCP por um dia, nos inícios de Fevereiro segundo bem me recordo, ter solicitado o adiamento da votação.
Sr.ª Deputada, penso que tal não lhe ficaria bem nem à Assembleia da República.

A Oradora: - Sr. Deputado, por um lado, por aquilo que acaba de afirmar, V.Ex.ª confessa que, pelo menos, uma vez o problema foi adiado a requerimento do PCP.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Uma vez!...

A Oradora: - Lembro-me perfeitamente disso e foi até pela sua voz. Na verdade, tenho boa memória. Ora, eu tinha dito que os trabalhos da Comissão foram realmente morosos e não atribuí a única responsabilidade ao seu partido, mas por aquilo que o Sr. Deputado acabou de confessar alguma responsabilidade teve nisso.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Por outro lado, é evidente que todos os deputados que integram uma comissão são responsáveis pelo andamento da mesma, pela participação que têm nos trabalhos, pelo seu contributo e ainda pela sua presença.
O Sr. Deputado referiu que me colocou uma pergunta na discussão na generalidade do pedido de ratificação n.º 4/IV, relativo ao Decreto-Lei n.º 125/82, de 22 de Abril, na legislatura anterior, relativamente à qual não lhe respondi.
Pois, Sr. Deputado, continuo a afirmar que tenho boa memória, pelo que lhe digo que respondi exactamente à questão que V. Ex.ª me fez.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Não, Sr.ª Deputada!

A Oradora: - Desculpe, mas está respondida! Eu disse-lhe: É um Conselho Nacional de Educação que funcionai no âmbito do Ministério da Educação e acho
muito bem que seja assim. O Ministério da Educação tem de ter um órgão que emita pareceres e recomendações deste teor.
E referi também:
Por que não atribuir-lhe uma larga e vasta representatividade? Quanto mais larga e vasta for essa representatividade, mais enriquecedor será o diálogo e o debate no seio desse mesmo órgão.
O facto de ele ser um órgão extremamente representativo não impede que ele tenha um carácter consultivo e é com este mesmo carácter que ele funciona. E funciona junto de quem? Junto do Ministério da Educação. É esse o âmbito em que ele funciona.

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Se o Sr. Deputado me fala no Conselho Nacional de Alfabetização ou em outros conselhos, dir-lhe-ei que esses mesmos funcionam no âmbito da Assembleia da República. Repare que eles até funcionam com base no Orçamento da própria Assembleia da República.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Porque?

A Oradora: - Ora, este Conselho Nacional de Educação não é para funcionar junto da Assembleia da República mas junto do Ministério da Educação, porque é um órgão pensado para esse efeito.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Ora essa!

A Oradora: - Quando um governo se propõe levar até ao fim um determinado projecto educativo, é evidente que tem de basear-se e arranjar um vasto apoio em camadas sociais e em representantes que, de todos os pontos do País e de diversos grupos, lhe podem trazer o contributo para uma melhor formação, uma melhor opinião, do próprio Ministro, acerca dos problemas candentes, das necessidades imperiosas que é preciso satisfazer, enfim, de tudo aquilo que interessa à educação no nosso país.
Porque não um Conselho Nacional de Educação a funcionar junto do Ministério da Educação? Já há outros conselhos que funcionam aqui junto da Assembleia da República.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Porquê? Devolvo-lhe a pergunta, Sr.ª Deputada!

A Oradora: - Ora, se este Conselho tem essa função, isto não implica que não possa ter uma representatividade ampla e a participação de pessoas de reconhecido mérito e competência.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Deputado, creio que o facto de ter um carácter consultivo não aconselha mesmo a que nós lá estejamos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Mas não são deputados!

A Oradora: - O Sr. Deputado disse que a função da Assembleia da República é uma função legislativa e fiscalizadora da actividade do Governo. Então, se é uma função legislativa e fiscalizadora da actividade do Governo, eu penso que nós, deputados, não devemos, enquanto tal, fazer parte de um órgão consultivo do Governo.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Porquê?

A Oradora: - Porque é assim mesmo, Sr. Deputado!
O que nós temos de fazer é fiscalizar a actividade do Governo, que para a prossecução de uma determinada política deve ter, como já referi aqui e torno a referir, o apoio do Conselho Nacional de Educação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Não há mais inscrições, Srs. Deputados.
Srs. Deputados, surge aqui um problema - ao qual a Mesa dá uma certa interpretação - sobre o requerimento de apreciação do Decreto-Lei n.º 125/82, de 22 de Abril, pois ele não é um requerimento de recusa de ratificação, mas apenas um requerimento de apreciação do mesmo decreto-lei.
Segundo o artigo 192.º do Regimento, conjugado com o artigo 195.º, só teríamos de fazer uma votação na generalidade caso houvesse requerimento de recusa - isto segundo o novo Regimento -, embora o artigo 198.º do Regimento refira, depois, que a discussão e votação na especialidade se efectua imediatamente a seguir à votação na generalidade. Contudo, a interpretação que a Mesa dá é para a hipótese de o requerimento ter sido de recusa e não ter obtido vencimento. Concluindo, entendemos que não há lugar a qualquer votação na generalidade, pelo que passaremos à votação na especialidade, pois relativamente a ela há propostas.
Contudo, existe na Mesa um requerimento subscrito por vários Srs. Deputados do PSD, que tem o seguinte teor:
Os deputados abaixo assinados, do PSD, requerem a baixa à Comissão de Educação, Ciência e Cultura do Decreto-Lei n.º 125/82 para a discussão e votação na especialidade das propostas de alteração entradas na Mesa da Assembleia da República, sendo-lhe concedido o prazo de 40 dias para tal efeito.
Teremos, pois, de votar este requerimento. Já que todos os Srs. Deputados estão de acordo com esta interpretação, que aliás me parece a mais correcta - daí a razão de ser da alteração do Regimento -, vamos votar o requerimento.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência da deputada independente Maria Santos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, teríamos seguidamente a discussão de um projecto de lei relativo a alterações à Lei Eleitoral para a Presidência da República, mas que foi retirado na conferência de líderes, pelo que esgotamos aqui o período da ordem do dia de hoje.

O Sr. Raul Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Raul Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, gostava de saber se o Grupo Parlamentar do PS - uma vez que não interveio na discussão na expectativa de poder apresentar uma declaração de voto -, em face desta disposição regimental que V. Ex.ª invocou, pode fazer uma declaração de voto.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Claro que pode!

O Orador: - Penso que nos termos regimentais teremos esse direito.

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502 I SÉRIE - NÚMERO 16

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a declaração de voto pressupõe uma votação. Houve,, efectivamente, uma votação de um requerimento do PSD e, logo, pode haver uma declaração de voto relativa a ele, mas só a ele, pois foi a única votação que fizemos.
Se pretender fazê-lo, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Raul Junqueiro (PS): - O Grupo Parlamentar do Partido Socialista considera positiva a criação do Conselho Nacional de Educação, tornada realidade pelo Decreto-Lei n.º 125/82, de 22 de Abril.
O sector da educação constitui não só um pilar fundamental da estrutura cultural, humanística, social e económica do País, mas também assume um papel decisivo no processo de desenvolvimento e modernização.
Daí que a política da educação tenha de ser objecto de um amplo consenso nacional, capaz de unir os Portugueses em volta da construção do seu próprio futuro.
Reunir num órgão superior do Ministério da Educacão personalidades competentes e conhecedoras do sector, representativas de múltiplos interesses sociais, profissionais e culturais, parece constituir uma das formas indicadas para, na via do diálogo, se obter o indispensável consenso político de fundo.
De resto, outra ideia não pode extrair-se do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 125/82, onde expressamente se acentua a necessidade de efectuar «a convergência de esforços de todos os que, de alguma forma, estão ligados a tal problemática e que tomam parte, com maior ou menor incidência, nos destinos da educação em Portugal».
Concordando com a criação do Conselho Nacional de Educação, o Grupo Parlamentar Socialista não pode contudo deixar de lamentar a incapacidade política de sucessivos ministros da Educação na implementação do seu funcionamento e, ao fim e ao cabo, na concretização dos seus objectivos.
Por outro lado, não pode o Grupo Parlamentar Socialista concordar com a estrutura do referido Conselho, na medida em que não cabe ao Governo elaborar diplomas nos quais se estatui que a Assembleia da República designa representantes, como no presente caso, sob pena de se estar a transgredir a separação de poderes e o respeito mútuo de competências entre os dois órgãos de soberania.
Assim como não pode o Grupo Parlamentar Socialista deixar passar em claro as disposições do articulado legislativo, que, ao contrário dos considerando preambulares, pretendem limitar a actuação do Conselho.
O caso mais flagrante diz respeito à revogação da iniciativa do Conselho em poder apresentar ao Ministro da Educação as propostas e sugestões que julgar pertinentes, como se prescreve no Decreto-Lei n.º 375/83, de 8 de Outubro.
O Grupo Parlamentar Socialista entende preservar a criação do Conselho Nacional de Educação, propondo-se, em sede própria, contribuir para uma maior operacionalidade e para uma mais ampla representatividade daquele órgão.
Importa, de seguida, que o Governo promova a sua imediata entrada em funcionamento, em moldes de verdadeira representação e consultadoria, na procura de um amplo consenso nacional, com vista à definição e execução de uma política educativa conforme aos interesses do país novo que pretendemos construir.
Daí o sentido favorável do nosso voto à ratificação solicitada, no sentido de permitir a introdução das alterações convenientes em sede de comissão competente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de encerrar a sessão, vou indicar a ordem do dia da próxima reunião plenária, a realizar no dia 19, às 10 horas. Essa sessão terá período de antes da ordem do dia e o período da ordem do dia será o seguinte: ratificação n.º 28/IV, requerida pelo PCP, sobre o Decreto-Lei n.º 129/84, que aprova o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (os tempos para a discussão deste pedido de ratificação já estão fixados); projectos de lei n.ºs 15/IV, do PSD, 24/IV, do PS, e 58/IV, do deputado independente Lopes Cardoso, e proposta de lei n.º l/IV, todos sobre a Lei da Caça.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É para uma interpelação Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, quanto à ordem do dia para a próxima sessão, penso que já entraram mais projectos relativos à matéria que V. Ex.ª referiu, os quais, segundo creio, também serão discutidos na próxima sessão.

O Sr. Presidente: - Pergunta o Sr. Deputado se entraram na Mesa mais projectos além daqueles que anunciei?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Não, Sr. Presidente.
Foi hoje anunciado pela Mesa que tinha sido admitido um, projecto da Sr.ª Deputada Independente Maria Santos sobre a Lei da Caça. Creio que esse projecto não está referenciado nos diplomas agendados paira a sessão a realizar na próxima quinta-feira.
A minha interpelação vai no sentido de saber se esse projecto está ou não agendado. Tem sido norma geral que os projectos que contemplam matérias coincidentes com as que estão em discussão são agendados e discutidos na mesma reunião plenária, caso os autores assim o entendam.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Malato Correia.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Sr. Presidente, por não ter presente o que diz o Regimento, queria perguntar à Mesa qual é o número de dias de antecedência com que os deputados têm de apresentar esses projectos de lei para serem discutidos na Comissão.

O Sr. Presidente: - Respondendo ao Sr. Deputado Jorge Lemos, começo por referir que eu não estava a presidir aos trabalhos nessa altura.
Esse projecto entrou na Mesa e foi admitido, mas, obviamente, não foi incluído na ordem de trabalhos, pois nem foi anunciado (segundo o que os Srs. Secretários me informaram). Foi admitido, mas não chegou a ser anunciado.

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Respondendo ao Sr. Deputado Malato Correia, devo dizer que há realmente um prazo regimental. No entanto, tem sido prática que outros projectos sobre a mesma matéria que eventualmente entrem na Mesa subam em conjunto. Inclusivamente, creio que esse projecto sobre a mesma matéria poderia sempre subir como proposta de alteração aos vários textos.
Não sei o que é que foi decidido na conferência dos representados dos grupos parlamentares quanto a este assunto, mas admito que ele poderá ser discutido conjuntamente.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, quero dizer algo mais ainda sobre esta matéria.
De facto, o projecto foi anunciado no início da sessão. Foi estabelecido em conferência (aliás, foi desse modo que também puderam ser agendados o projecto de lei do PS e a proposta de lei do Governo) que os projectos de lei sobre a matéria seriam agendados para a mesma sessão.
Foi apenas neste sentido que fiz a minha interpelação.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lemos, houve um lapso e houve que fazer uma correcção na folha. Eu disse que ele não foi anunciado - era a informação que tinha -, mas foi-o efectivamente.
Também já admiti que, embora desconhecendo o que foi decidido por consenso na reunião dos representantes dos grupos parlamentares, este projecto da Sr.ª Deputada Maria Santos também seria considerado, salvo se tivesse havido consenso em contrário na referida reunião, coisa que não sei, porque não estive presente.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (Indep. UEDS): - Sr. Presidente, quero apenas perguntar à Mesa se esse é o único projecto novo que deu entrada e se, eventualmente, ainda poderá dar entrada mais algum.
Não tenho nada a objectar a que o projecto de lei da Sr.ª Deputada Maria Santos seja discutido na quinta-feira. No entanto, penso que terá de haver um limite, pois não se poderá entregar na quinta-feira de manhã um projecto para ele ainda ser discutido nesse dia.
Portanto, queria saber se, de facto, há mais algum projecto e qual é o critério que se vai seguir.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, os projectos que entraram até este momento - e creio que só esses poderão ser considerados na discussão do próximo dia 19 - são os projectos de lei n.ºs 15/IV, do PSD, 24/IV, do PS, 68/IV, do Sr. Deputado Lopes Cardoso, a proposta de lei n.º I/IV e o projecto de lei apresentado hoje pela Sr.ª Deputada Maria Santos.
Portanto, entendo que não poderá agora ser apresentado mais nenhum.
Tem a palavra o Sr. Deputado Malato Correia.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Sr. Presidente, também não sou totalmente contra que seja discutido no próximo dia 19 o projecto de lei que a Sr.ª Deputada
Maria Santos apresentou, mas parece-me que aceitar tout court um projecto de lei que deu entrada e que não cumpre os preceitos regimentais não é correcto.
Penso que isso deve ser matéria reservada para uma reunião de líderes, para se decidir se deve ou não ser discutido, já que me parece que será abrir um precedente que não trará benefício nenhum para a Assembleia.
De resto, o artigo 145.º do Regimento diz, no seu n.º 1, que:

Nenhum projecto, proposta de lei ou de resolução pode ser discutido em reunião plenária sem ter sido publicado no Diário ou distribuído em folhas avulsas aos grupos parlamentares e agrupamentos parlamentares, bem como aos deputados que o solicitem com a antecedência mínima de 5 dias.
E o n.º 2 diz que:

Em caso de urgência, porém, a conferência pode, por maioria de dois terços, ponderada em função do número de deputados nela representados, reduzir a antecedência do número anterior para 48 horas, no mínimo.
Portanto, requer-se uma maioria de dois terços.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, creio que o Sr. Deputado Malato Correia tem razão em termos formais.
Acontece, contudo, que o Sr. Deputado Malato Correia devia ter sido informado - e se não o foi, deverá haver qualquer confusão - das decisões que tem havido na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.
Na verdade, Sr. Presidente, se levarmos ao fio da espada o que acabou de ser dito peio Sr. Deputado Malato Correia, a proposta de lei do orçamento suplementar cai imediatamente, porque também em relação a essa proposta de lei não se vão cumprir os prazos regimentais, pois todos chegámos a acordo na conferência de líderes para ultrapassar esses problemas processuais.
Em relação à Lei da Caça, como em relação a outros projectos de lei, também tem sido esse o entendimento.
É evidente, Sr. Deputado, que amanhã teremos reunião e poderemos resolver esse problema, mas parece-me que o Sr. Deputado está a forçar um pouco a nota. Se assim for, então também nós teremos a possibilidade de, depois de amanhã, declarar claramente que, pela nossa parte, estamos indisponíveis - e, Sr. Deputado, isso seria irreversível - para debater a proposta de lei sobre o orçamento suplementar que nem sequer chegou a ser anunciada.
Portanto, Sr. Deputado, era melhor termos um pouco mais de moderação, de bom senso e sermos um pouco mais tolerantes, respeitando as decisões que têm havido nas conferências de líderes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

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504 I SÉRIE - NÚMERO 16

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, creio que o raciocínio do Sr. Deputado Malato Correia incorre num erro que é um erro de pressuposto. É o que se estabelecem em conferência de líderes foi que a marcação do PSD sobre a Lei da Caça faria subir consigo todos os projectos de lei relativos a essa matéria que fossem apresentados.
Creio que a questão é tão simples como isto. Aliás, o projecto de lei não foi apresentado hoje, mas sim anteriormente, uma vez que foi hoje anunciado. Creio, portanto, que a minha interpelação inicial tinha apenas como objectivo levar às últimas consequências o que tínhamos acordado, por consenso, em conferência de líderes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, creio que o raciocínio do Sr. Deputado Malato Correia incorre num erro que é um erro de pressuposto. É que o que se estabeleceu em conferência de líderes foi que a marcação do PSD sobre a Lei da Caça faria subir consigo todos os projectos de lei relativos a essa matéria que fossem apresentados.
Creio que a questão é tão simples como isto. Aliás, o projecto de lei não foi apresentado hoje, mas sim anteriormente, uma vez que foi hoje anunciado. Creio, portanto, que a minha interpelação inicial tinha, apenas como objectivo levar às últimas consequências o que tínhamos acordado, por consenso, em conferência
de líderes e mais nada.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, queria dizer-lhes que, efectivamente, a minha interpretação foi no sentido de considerar incluído também o projecto, de lei apresentado para Sr.ª Deputada Maria Santos. Ele foi admitido e anunciado, na medida em que, segundo informações, teria sido acordado em Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares - e digo teria sido, pois como frisei não estive presente - que seriam incluídos no debate todos os projectos ou propostas de lei entrados até ao anúncio da ordem do dia.
Quando referi este facto, nenhum dos representantes dos grupos parlamentares me disse o contrário e vi até acenar que teria sido isso o que foi decidido na conferência de líderes.
Parece-me que, se formos aos prazos, haverá outros que também não estarão nos prazos.

Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente, penso que talvez não adiantemos muito hoje com esta discussão e que, de facto, esta matéria poderia ser objecto de discussão amanhã na conferência de líderes parlamentares, o que se me afigura de maior utilidade.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Na verdade há uma questão processual que está em discussão, mas o consenso dos líderes poderá ultrapassá-la facilmente.
Em segundo lugar, a conferência de líderes que foi realizada, obviamente, que não podia tomar em consideração este projecto, visto que ele foi admitido na Mesa posteriormente a essa conferência de líderes. Fez-se, até, uma distribuição de tempos que não tomou, este facto em consideração, mas tudo isso poderá amanhã ser considerado e ser, efectivamente, ultrapassada a questão.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Magalhães Mota, por parte da Mesa não há objecção a isso e posso até dizer que foi ainda apresentado um outro projecto a que não aludi, pela simples razão de ele não ter ainda despacho de admissão. É um projecto de lei apresentado pelo Sr. Deputado Ribeiro Teles que não tem ainda, como disse, despacho de admissão e como tal não o referi, mas que também vai ser considerado na conferência de líderes.
De qualquer maneira, esta questão poderá pois ficar para a conferência de líderes, na medida em que estão agendados para quinta-feira os diplomas sobre a Lei da Caça.
Quanto a parte processual, é um assunto que amanhã, em conferência de líderes, será resolvido.

Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Fernando José Alves Figueiredo.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Eduardo Gomes.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Mendes Melo Alves.
José Pereira Lopes.
Manuel Ferreira Martins.
Rui Manuel de Oliveira Costa.

Partido Socialista (PS):

António Gonçalves Janeiro.
João Cardona Gomes Cravinho.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Roberto de Sousa Rocha Amaral.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Campos Rodrigues Costa.
Joaquim Gomes dos Santos.

Centro Democrático Social (CDS):

Manuel Tomás Rodrigues Queiró.

Deputados independentes:

Maria Amélia do Carmo Mota Santos (Os Verdes).

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António Augusto Lacerda de Queiroz.
António José Baptista Cardoso Cunha.
Dinah Serrão Alhandra.

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Francisco José P. Pinto de Balsemão.
Francisco Mendes Costa.
José Ângelo Ferreira Correia.
Manuel da Costa Andrade.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Rui Manuel P. Chancerelle de Machete.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Abílio Aleixo Curto.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Armando António Martins Vara.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Teófilo Carvalho dos Santos.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Ana da Graça C. Gonçalves C. Antunes.
Aníbal José da Costa Campos.
António José Fernandes.
Jorge Pegado Lis.
Maria da Glória M. C. Padrão e C. Carvalho.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.

Partido Comunista Português (PCP):

Ângelo Matos Mendes Veloso.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

José Augusto Gama.
José Luís Cruz Vilaça.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Manuel Eugénio P. Cavaleiro Brandão.
Narana Sinai Coissoró.

Declaração de voto relativa à votação final global do projecto de resolução n.º 4/IV, ocorrida na sessão de 11 de Dezembro de 1985, a que corresponde o Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 15, de 12 de Dezembro de 1985.
Os deputados signatários votaram favoravelmente na generalidade a proposta de resolução.
Fizeram-no, sem prejuízo de entenderem que a Comissão Eventual deve, e com rigor, subordinar-se aos comandos constitucionais e regimentais, aliás constantes também da Lei n.º 43/77, de 18 de Junho.
Os inquéritos parlamentares têm por função - e exclusivamente - vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os actos do Governo e da Administração.
É isto, portanto, o que a Comissão deverá cumprir e assumir.
Não pode violar o princípio constitucional de separação de poderes (Constituição da República, artigo 114.º), substituindo-se ao Governo ou à Administração.
Nem pode, para evitar assumir frontalmente o que lhe cabe, refugiar-se na manutenção da ambiguidade, na insinuação vaga da sugestão que se oculta e abriga na impunidade, transformando e usando um inquérito para fins que lhe não são próprios.
Mas esta exigência de rigor não impede que a Comissão deva constituir-se e actue no respeito pela Constituição e pela lei.
Quanto à presença na Comissão de representantes de familiares das vítimas, temos fundadas dúvidas sobre a possibilidade constitucional e regimental dessa participação.
Um inquérito parlamentar, cujo desenvolvimento é segredo mesmo para os outros deputados, coaduna-se mal com a presença de quem não seja deputado nem funcionário.
Todavia, o facto da anterior deliberação parlamentar em que não participámos, ter consagrado este estatuto, levou-nos à abstenção, de modo a não pôr em causa agora uma presença que a nosso ver mal um Parlamento com outra composição admitiu.
Tal votação significa, ainda, a nossa intenção de, por nenhuma forma, obstaculizar à realização deste inquérito.

Assembleia da República, os Deputados do PRD: Magalhães Mota - Carlos Lilaia - Bártolo Campos - Carlos Martins - Carlos Matias - António Marques - Vítor Vieira - Sousa Pereira - Vitorino Costa - Marques Júnior - Guedes de Campos - Caeiro Passinhas - Armando Fernandes - Carlos Ganopa.

Declarações de voto relativas â votação do projecto de resolução n.º 6-A-IV, ocorrida na sessão de 11 de Dezembro de 1985, a que corresponde o Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 15, de 12 de Dezembro de 1985.

A - Declaração de voto do deputado independente do PS António Barreto (substitui a anterior)
1 - Não creio que o Parlamento seja a instituição mais indicada para prosseguir este inquérito.
2 - Creio que, no ponto em que nos encontramos, as instituições judiciais e judiciárias são bem mais calhadas para continuar o Inquérito.
3 - Tenho, aliás, dúvidas, mas reconheço que são de carácter pessoal, sobre a eficácia e o sentido da prossecução do inquérito.
4 - Quer-me parecer que este inquérito, pela natureza do acidente e pelo tempo decorrido desde então, nunca vai ter fim, nem as conclusões serão jamais definitivas e indiscutíveis.
5 - Quer isto dizer que existe uma espécie de acordo tácito quanto à prossecução indefinida do inquérito, o que cria mesmo um ónus moral para os que, num dado momento, entenderão que se deve considerar o inquérito terminado.
6 - Finalmente, não creio que a participação de «membros da família das vítimas», por mais simpatia que tenha por tais pessoas, seja uma fórmula razoável; receio mesmo que se trata de um precedente de que o Parlamento se arrependerá talvez um dia.
B - Declaração de voto do deputado do PRD Vasco Marques.
O deputado signatário votou a favor dos pontos 1 e 3 do projecto de resolução n.º 6-A/IV e votou contra o ponto 2 pelos fundamentos que constam da declaração de voto subscrita pelos deputados Maria Cristina Albuquerque, José Carlos de Vasconcelos e outros.

Os REDACTORES: Ana Maria Marques da Cruz - José Diogo.

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PREÇO DESTE NÚMERO 102$00

Depósito legal n.º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.
PORTE PAGO

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