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15 DE JANEIRO DE 1986 723

tanto, julgo que aqueles que frequentam as faculdades, depois de terem sido submetidos a um números clausus e a um ensino bastante duro, têm todo o direito ao acesso a uma carreira.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A degradação contínua das unidades de saúde do País é uma situação alarmante que tem vindo a ser justamente denunciada, quer pelos profissionais de saúde, quer pelos doentes que a elas recorrem. Diariamente, os órgãos de comunicação social, a imprensa, a rádio e a televisão, dão-nos conta das inúmeras carências do sector, quer enumerando as faltas de equipamento, quer as carências dos meios humanos, nomeadamente de enfermeiros e de médicos.
O actual Governo, nada fazendo para resolver essa dramática situação, vem ainda criar novos factores de agravamento, culpabilizando os trabalhadores da saúde pelo mau funcionamento dos serviços.
A recusa sistemática de diálogo com representantes dos trabalhadores, e, nomeadamente, com os sindicatos dos médicos, a não colocação dos médicos recém-licenciados que deveriam ter iniciado funções em 1 de Janeiro do corrente ano, a protelação dos concursos de assistentes hospitalares, foram os primeiros passos.
Prepara agora o Governo com um novo e rude golpe, a destruição das carreiras médicas, uma conquista histórica dos médicos portugueses, pela qual nomes como Miller Guerra, Sá Marques, António Galhordas, Paulo Mendo, entre outros, se bateram desde os anos 50.

Aplausos do PCP.

De uma simples "penada" aprovou o Governo um diploma alterando o Decreto-Lei n.º 310/82. Tal alteração, acabando com o internato geral, primeiro degrau das carreiras médicas, conduz a um retrocesso de 15 anos na formação pós-graduada e deixa sem salário e sem qualquer regalia social os novos médicos, Com o diploma agora aprovado, deixa de haver garantia do prosseguimento da carreira para os actuais internos da especialidade (cerca de 5000) e visa-se o despedimento dos actuais médicos policlínicos. É o regresso à teoria de que há médicos a mais e de que as despesas com a saúde não comportam tantos funcionários.
Uma velha e falsa questão. O que se pretende é mandar para a medicina convencionada milhares e milhares de médicos. O que se pretende mais não é do que continuar a deixar degradar os serviços públicos de saúde para poder bradar que o que é privado é que é bom. É o voltar à teoria de um ministro do anterior governo que afirmou que o Serviço Nacional de Saúde, consagrado na Constituição, era "estúpido e irrealizável", ou ao Ministro Macedo, que aqui afirmou que "quem quer saúde paga-a".
Longe dos grandes centros, há uma falência quase completa nos cuidados primários de saúde.
As direcções das administrações regionais de saúde (ARS) passaram a ser um cargo político, o que levou, salvo raras excepções, a ficarem a conduzir os seus destinos indivíduos sem qualquer experiência no campo da saúde. A falta de conhecimentos de gestão, de economia e de administração de saúde faz com que, na maioria dos distritos, não haja qualquer planeamento no campo dos cuidados primários, o que leva a uma incorrecta execução e a nenhuma avaliação.
Os centros de saúde concelhios, quase todos razoavelmente apetrechados, não funcionam. Os utentes que a eles recorrem, nas vilas e nas aldeias, encontram longas listas de espera. Os serviços de urgência encontram-se na maioria encerrados depois das 20 horas e não funcionam aos sábados, domingos e feriados. As valências de saúde materna e infantil deixaram de se realizar na grande maioria dessas unidades e os clínicos gerais não têm tempo de atendimento para essas consultas de educação e de prevenção.
As consultas de planeamento familiar encerraram e as consultas para adolescentes nunca foram postas em prática. Os meios complementares de diagnóstico tornaram-se difíceis e mesmo inatingíveis. Uma radiografia simples demora semanas e uma radiografia ao estômago, uma urografia de eliminação, um trânsito intestinal, são irrealizáveis nos serviços públicos, só sendo obtidos recorrendo ao sector privado.
É dramático assistirmos às bichas que se formam à porta dos postos e centros de saúde desde altas horas da madrugada. Nas aldeias chega-se a fazer fogueiras para os doentes se aquecerem, pois, para obtenção de uma simples consulta, muitas vezes há que ir para a bicha às 4 e 5 horas da madrugada. Para os que não apanham uma senha de consulta é o correr para a "carreira", ir à vila ou à cidade e recorrer aos serviços de urgência ou então aos sector privado.
Para uma consulta de especialidade, como pediatria ou ginecologia, a sua marcação só é conseguida para cerca de 1 mês depois, quando não para mais. Há, pois, que recorrer ao sector privado. E se isso é difícil para um operário agrícola, para um trabalhador com o salário mínimo nacional, torna-se impossível para os desempregados, para os reformados, para os jovens à procura de emprego ou para aqueles que não recebem salário.
As consultas de oftalmologia e de estomatologia pura e simplesmente não funcionam no sector público. Essas consultas são apenas acessíveis a quem pode pagar.
Esta a realidade que os Srs. Deputados bem conhecem, e que não podem negar.
Mas se esta é a situação dramática que se vive no interior do País, nos grandes centros a situação não é melhor.
No distrito de Lisboa o quadro é caótico e os serviços de urgência dos hospitais centrais atingiram a situação de ruptura.
Em carta datada de 28 de Novembro de 1985 e enviada ao conselho de gerência do Hospital de Santa Maria denunciava o director do Serviço de Medicina 4, Prof. Fernando Pádua:

Venho uma vez mais dar conhecimento das condições caóticas em que sobrevivem os médicos e morrem alguns doentes (quantos por falha humana?) no Banco do Hospital de Santa Maria.
Principiou a tarde, são 15 horas.
Nos chamados "balcões" acumulam-se dezenas de doentes, a serem examinados, a aguardarem exames complementares ou observação por especialista, ou à espera do efeito de uma primeira medicação de urgência. Isto numa área que não excede os 100 m2. No meio de todo o ruído, agitação e gemidos, jovens médicos em treino tentam interrogar e examinar os doentes que vão chegando (6 a 8 centenas por dia).

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