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I Série - Número 22
Quarta-feira, 15 de Janeiro de 1986
DIÁRIO da Assembleia da República
IV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1985-1986)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 14 DE JANEIRO DE 1986

Presidente: Exmo. Sr. António Joaquim Bastos Marques Mendes
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Bastos da Mota Torres
Rui de Sá e Cunha
José Manuel Mala Nunes de Almeida

SUMÁRI0. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão eram 15 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente, da apresentação de requerimentos e da entrada na Mesa de vários diplomas.
Em declaração política, o Sr. Deputado Jaime Gama (PS), a propósito da adesão de Portugal à CEE, considerou a democracia e a integração europeia como os grandes objectivos a consolidar e a desenvolver até ao fim do século e criticou o Governo por não ter ainda articulado os mecanismos necessários no plano interministerial e departamental para enfrentar a etapa que se abriu com a adesão e a entrada plena para as estruturas e organismos comunitários. Respondeu no fim a pedidos de esclarecimentos dos Srs. Deputados Duarte Lima (PSD) e Borges de Carvalho (Indep.).
O Sr. Deputado Barros Madeira (PRD), criticando a política de saúde em Portugal, considerou que esta tem sido orientada por leigos e amadores. Respondeu no fim a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Horácio Marçal (CDS), Malato Correia (PSD) e Ferraz de Abreu (PS).
O Sr. Deputado Vidigal Amaro (PCP) considerou alarmante a situação de degradação contínua das unidades de saúde, acusando o Governo de nada fazer para resolver essa situação. Respondeu no fim a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Jardim Ramos (PSD).
O Sr. Deputado Horácio Marçal (CDS), a propósito da criação da Região de Turismo de Aveiro, criticou a Secretaría de Estado de Turismo por não dar posse aos elementos da sua comissão instaladora.
O Sr. Deputado Maldonado Gonelha (PS), a propósito do Serviço Nacional de Saúde, considerou preocupante a situação das carreiras médicas. Respondeu no fim ao Sr. Deputado Vidigal Amaro (PCP), Malato Correia (PSD) e Soares Cruz (CDS).
O Sr. Deputado Barbosa da Costa (PRD) chamou a atenção da Câmara para a situação que se vive no nosso país no que se refere às carências de sangue terapêutico, acrescida da natural carga emocional trazida pelos perigos que a SIDA apresenta, considerando urgente criar um serviço nacional de sangue.
O Sr. Deputado Roleira Marinho (PSD), a propósito das Misericórdias, salientou o seu percurso e a postura que o Estado e os cidadãos devem ter para com tais instituições.
A Sr.ª Deputada Maria Santos (Indep.), considerando a paz como o bem mais precioso e o direito mais importante do homem, chamou a atenção da Assembleia para a crescente corrida aos armamentos e para a proliferação de armas nucleares.
Procedeu-se ainda à votação de um voto de congratulação pela resolução tomada na Assembleia Geral da ONU de declarar o ano de 1986 como o Ano Internacional da Paz, o qual foi aprovado por unanimidade.

Ordem do dia. - Foram aprovados dois relatórios e pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de deputados do PS.
Procedeu-se à discussão da ratificação n. º 47/IV (PRD), relativa ao Decreto-Lei n.º 288/85, de 23 de Julho, que prevê o fixação por parte das assembleias distritais de quadros privativos integrados por pessoal que venha a ser indispensável ao funcionamento dos órgãos distritais, que, a requerimento de deputados de vários partidos, baixou à Comissão de Administração Interna e Poder Local para discussão e votação na especialidade.
Intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território (José Manuel Nunes Liberato), os Srs. Deputados Carlos Lilaia (PRD), Cláudio Teixeira (PCP), Abreu Lima (CDS), Helena Torres Marques (PS), João Amaral (PCP), António Marques (PRD), Silva Marques (PSD) e Maldonado Gonelha (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 25 minutos. Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Monteiro Araújo.
Amândio Anes de Azevedo.
Amândio Basto Oliveira.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amélia Cavaleiro Monteiro de A. Azevedo.
António d'Orey Capucho.

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António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Manuel Lopes Tavares.
António Paulo Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arlindo da Silva André Moreira.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Ângelo de Brito Lhamas.
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Belarmino Henriques Correia.
Cândido Alberto Alencastre Pereira.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos Silva e Sousa.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Próspero Luís.
Fernando Manuel T. Matos de Vasconcelos.
Flausino Pereira da Silva.
Francisco Jardim Ramos.
Francisco Mendes Costa.
Francisco Rodrigues Porto.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Luís Esteves Bairrão.
Henrique Rodrigues Mata.
Jaime Carlos Marta Soares.
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos Abreu Salgado.
João Luís Malato Correia.
João José Pimenta de Sousa.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim da Silva Martins.
José de Almeida Cesário.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Coelho dos Reis.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Mendes Bota.
José Mendes Melo Alves.
José de Vargas Bulcão.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Jorge Cabral Tavares Lima.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Maria Moreira.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Francisco C. Miranda Relvas.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Rui Alberto Salvada.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Rui Manuel Parente Chancerelle Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Aloísio Fernando Macedo Fonseca.
António de Almeida Santos.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
António Manuel de Carvalho Ferreira Vitorino.
António Miguel de Morais Barreto.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães Silva.
António Manuel Maldonado Gonelha.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel N. da Costa Candal.
Carlos Montez Melancia.
Helena Torres Marques.
Jaime José Matos Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
Jorge Lacão Costa.
José Barbosa Mota.
José Carlos Pinto B. Da Mota torres.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José dos santos Gonçalves Frazão.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Luís Gomes Vaz.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Agostinho Correia de Sousa.
Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
Ana da Graça C. Gonçalves Antunes.
António Alves Marques Júnior.
António Lopes Marques.
António Magalhães de Barros Feu.
Arménio Ramos de Carvalho.
Carlos Alberto da S. Narciso Martins.
Carlos Artur Sá Furtado.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
Bártolo de Paiva Campos.
Fernando Dias de Carvalho.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho.
João Barros Madeira.
Joaquim Carmelo Lobo.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
José Caeiro Passinhas.
José Carlos Torres Matos Vasconcelos.
José Carlos Pereira Lilaia.

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José Torcato Dias Ferreira.
José Luís Correia de Azevedo.
José Rodrigo da Costa Carvalho.
Maria da Glória Padrão Carvalho.
Orlando Tito José Barbosa.
Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.
Rui José dos Santos Silva.
Rui de Sá e Cunha.
Tiago Gameiro Rodrigues Bastos.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Vitorino da Silva Costa.
Victor Manuel Lopes Vieira.
Victor Manuel Ávila da Silva.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço da Silva.
António da Silva Mota.
António Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Carlos Manafaia.
Cláudio José Santos Percheiro.
Custódio Jacinto Gingão.
Francisco Miguel Duarte.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
José António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel dos Santos Magalhães.
José Rodrigues Vitoriano.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Ilda da Costa Figueiredo.
Maria Margarida C. Tengarrinha C. Costa.
Octávio Augusto Teixeira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes de Almeida.
António José Borges de Carvalho.
António Vasco Mello S. César Menezes.
Francisco António Oliveira Teixeira.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João Gomes de Abreu Lima.
Joaquim Rocha dos Santos.
Pedro José del Negro Feist.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
José Manuel do Carmo M. Tengarrinha.
Raúl Fernandes de Morais e Castro.

Deputados independentes:

António Poppe Lopes Cardoso (UEDS).
Gonçalo Pereira Ribeiro Teles (PPM).
Maria Amélia do C. Mota Santos (Os Verdes).

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se à leitura do expediente.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Cartas

De José Dias Fonseca, residente na Guarda, tecendo várias considerações acerca da lei da rádio e dos licenciamentos dos rádios locais. Da Zweifel Chips Portuguesa, Alimentação, Lda., com sede em Santarém, enviando um comunicado emanado dos trabalhadores da empresa, acerca de notícias vindas em vários órgãos de comunicação social a propósito da mesma.

Ofícios

Da Caritas Diocesana de Coimbra, acerca da realização no Auditório da Reitoria da Universidade de Coimbra, entre 9 e 13 de Dezembro findo, do 2.º Curso de Pedagogia da Educação Sexual, remetendo moções e conclusões nas denominadas "linha de acção" e "linha pedagógica". Do Conselho da Comunicação Social, remetendo o comunicado n.º 13/85, sobre circunstâncias da nomeação do conselho de gerência da Radiotelevisão Portuguesa, E. P.

"Telex"

Da ANAPA - Associação do Norte dos Armadores de Pesca Artesanal, dando conta uma vez mais da grave situação com que se debatem os seus associados, pelo flagelo das avarias causadas pelos arrastões, quer nacionais, quer espanhóis, nas artes de pesca dos barcos da pesca artesanal.

Petições

N.º 6/IV - Câmara Municipal de Mafra, relativamente ao rebentamento de explosivos provocados pelos exercícios de tiro da Escola Prática de Infantaria (Mafra), N.º 7/IV - José Mendes - Rua de 5 de Outubro, 34, Entroncamento. - Expõe a situação relativa ao cálculo de sua pensão de reforma e pede providências quanto à mesma. N.º 8/IV - Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Ferroviários Portugueses e outros - Rua dos Fanqueiros, 250, 4.º, esquerdo, Lisboa, dando conta da situação de reforma dos seus associados e pedem que sejam adoptadas diligências tidas por convenientes quanto às mesmas. N.º 9/IV - Governo Civil de Santarém. - Envia requerimento (fotocópia) de população de Ribeira do Fernando, pedindo a revogação da Lei n.º 109/85, de 4 de Outubro, que cria a freguesia de Concavada, no concelho de Abrantes. N.º 10/IV - Jaime Marques Machado e outros - Rua da Barroca, 107, 2.º, Lisboa. - Reclamam para que sejam tomadas medidas e resolução que permitam aos trabalhadores do sector gráfico e transformação do papel ver efectivado o seu direito à negociação colectiva para actualização dos seus salários. N.º l1/IV - Federação dos Sindicatos das Indústrias de Alimentação, Bebidas e Tabacos - Avenida do Infante Santo, 61, 4.º, esquerdo, Lisboa. - Solicita diligências no sentido de demover o Ministério do Tra-

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balho a publicar á portaria de regulamentação para a indústria de panificação (Sul). N. º 12/IV - Manuel Pinheiro Navega e outros TABOPAN - Abreu & C.ª, Amarante. - Pedem que sejam tomadas as medidas necessárias para a resolução dos salários em atraso, quer da parte do Governo, quer da Assembleia da República. N.º 13/IV - Paulo Jorge Valejo Coelho (D.R.) e outros - Avenida do Senhor Jesus dos Navegantes, 9, 3.º, esquerdo, Amadora. - Expõem a situação relativa ao Internato Geral Médico e solicitam a nomeação de uma comissão de saúde parlamentar para análise e estudo do referido assunto. N.º 14/IV - Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Urbanos - Travessa do Almada, 12, 2º, esquerdo, Lisboa. - Solicita sejam tomadas as providências necessárias de forma a evitar o agravamento dos problemas e a emersão de conflitos, no tocante às empresas de transportes rodoviários e urbanos de Lisboa. N.º 15/1V - Vítor Manuel Pereira Pericão - Estabelecimento Prisional do Vale dos Judeus, Alcoentre. - Expõe a sua situação como recluso do Estabelecimento Prisional de Vale dos Judeus e solicita intervenção no que respeita a problemas de saúde.

O Sr. Secretário (Mota Torres): - Foram apresentados na Mesa na última reunião plenária os seguintes requerimentos:
Ao Governo (2), formulados pela Sr.ª Deputada Maria Santos; ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Zita Seabra e Vergílio Carneiro; ao Ministério do Trabalho, formulados pelos Srs. Deputados Carlos Ganopa e Reinaldo Gomes; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Dias de Carvalho; ao Ministério da Indústria e Comércio, formulados pelos Srs. Deputados Carlos Ganopa e Carlos Martins; à RTP, formulado pelo Sr. Deputado António Sousa Pereira; à Secretaria de Estado do Ambiente e Recursos Naturais e das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Brito.
O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes deputados: Magalhães Mota, na sessão de 5 de Dezembro; Manuel Silvestre e outros, na sessão de 20 de Novembro.
Deram entrada na Mesa, os seguintes projectos de lei:
N.º 95/IV, apresentado pelo Sr. Deputado João Amaral e outros, do Partido Comunista Português, sobre a criação de municípios, que foi admitido e baixou à 10.ª Comissão (Comissão de Administração Interna e Poder Local); n.º 96/IV, apresentado pelo Sr. Deputado António Gomes de Pinho e outros, do Centro Democrático Social, sobre a Alta Autoridade contra a Corrupção, que foi admitido e baixou à l.ª Comissão (Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdade e Garantias); e n.º 97/IV, apresentado pelo Sr. António Capucho, do Partido Social-Democrata, sobre a Alta Autoridade contra a Corrupção, que foi igualmente admitido e baixou à 1.ª Comissão (Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdade e Garantias).
Por consenso estabelecido na conferência dos líderes dos grupos parlamentares, estes diplomas vão ser distribuídos, de imediato, a todos os grupos parlamentares.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O ano de 1986 marcará o ingresso de Portugal nas Comunidades Europeias e o início de um período transitório de quase uma década necessário para introduzir significativos ajustamentos na economia, na sociedade e na administração dos países aderentes. Após a designação de um português para comissário em Bruxelas, ontem mesmo foram acolhidos em Estrasburgo os novos deputados, eleitos em regime de transitoriedade pela Assembleia da República para o Parlamento Europeu. O Partido Socialista, enquanto força política profundamente empenhada no projecto de integração europeia de Portugal, saúda esses dois factos como o arranque da participação do nosso país na vida comunitária e na Europa dos Doze.
Rompendo com uma política de autarcia e provincianismo, enfrentando com determinação as consequências da descolonização, pondo fim a utopias retóricas de desenvolvimento, o País optou por larga maioria pela adesão às Comunidades Europeias. Fê-lo com a consciência de que não estava a candidatar-se a recebedor de uma ajuda gratuita concedida a fundo perdido pela Europa rica, mas sim de que enveredava por uma via exigente de modernização da sua economia e de alteração do modo de funcionamento da sua administração. Tão importante como a conquista abstracta da liberdade política é agora o funcionamento efectivo da sociedade, da economia e do Estado, a afirmação da capacidade nacional dos Portugueses na organização dos seus recursos, a afirmação constante da sua autonomia e liberdade internacionais. Democracia e integração europeia são assim os grandes objectivos a consolidar e desenvolver até ao fim do século, com vista a vencer o atraso português e a fazer do País uma nação jovem, confiante, empreendedora, moderna, justa e solidária. A renovação, o ressurgimento, o renascimento ou a modernização de Portugal - como lhe queiramos chamar - tem agora um enquadramento definido, um horizonte claro. Mas seremos nós próprios e não outros em nosso nome que seremos capazes de o levar a cabo. A falta de confiança em nós mesmos ou a dispersão seriam, neste momento de necessária concentração de energias nacionais, o pior obstáculo à realização com sucesso de imperativos de uma tal grandeza.
Pena é que uma fase tão complexa e exaltante da nossa vida nacional tenha coincidido com um período de turbulência e instabilidade política, com a vigência de um executivo minoritário, com a sucessão de actos eleitorais e com a ameaça de nova instabilidade social e, até, de eventual indefinição institucional futura. A racionalidade e a eficácia do sistema político são também um pressuposto da modernização do País e constituem peça-chave da europeização de Portugal. E a verdade é que só por ampla maioria e largo consenso se podem obter, nunca por qualquer espécie de agressividade minoritária ou arrogância.
O actual governo, assente numa solução política inadequada para fazer face às exigências nacionais no período actual, se é certo que tem procurado atenuar o extremismo despropositado da cruzada antieuropeia de alguns dos seus apaniguados durante a campanha legislativa, a verdade é que ainda não conseguiu, desde as eleições de 6 de Outubro, já passaram mais de 3 meses, até hoje, articular os mecanismos necessários no plano interministerial e departamental para enfrentar a etapa que se abriu com a conclusão das negociações

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de adesão e a entrada plena para as estruturas e organismo comunitários. A Lei Orgânica do Governo não deu resposta a esse problema. E a forma como o Primeiro-Ministro forçou o Presidente da República a não promulgar legislação produzida pelo anterior governo com o objectivo expresso de não criar hiatos neste campo, e facilitar a obra dos seus sucessores, não teve qualquer alternativa prática nestes meses. Mesmo se se descontar o facto de ser um governo novo, e carecer de um contacto com os dossiers, deve notar-se que se tratava de assunto de excepcional prioridade, em que o actual Executivo procedeu com sobranceria, ligeireza e irresponsabilidade. Há um vazio legal que é necessário preencher, definindo a coordenação entre ministérios e o funcionamento "europeu" dos departamentos mais envolvidos no processo de integração, há que dotar a missão de Portugal junto das Comunidades de pessoal diplomático e técnico; há que revitalizar a orgânica e o funcionamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros com a introdução da valência Comunidades; há que preencher os demais lugares na Comissão e em outras instâncias comunitárias. E há que fazê-lo com o sentido nacional e de equilíbrio que tal tarefa exige, pondo à prova critérios de estrita competência e adequação. Aguarda-se com expectativa a opção do Governo, que vier a transparecer de legislação a publicar, para ver se o actual Governo tem sobre o assunto uma visão de Estado ou em entendimento de curto alcance. A organização da acção governativa é a chave do êxito ou do fracasso no período transitório do ingresso de Portugal nas Comunidades, bem como o consenso político que o Executivo souber criar no quadro parlamentar e a sua capacidade de esclarecimento e diálogo junto dos agentes económicos, dos poderes regionais e locais e das forças sociais. O que se está a passar em matéria de aplicação do IVA não abona a favor de uma política de opinião pública por parte dos actuais responsáveis, a menos que os mesmos estejam interessados em desacreditar a ideia europeia entre os Portugueses. A Assembleia da República terá, por tudo o que referi, de manter uma atenção especial em relação às novas orientações que a integração forçosamente implica em áreas vitais da governação e da actividade nacional. Os deputados ao Parlamento Europeu exercem o seu mandato no âmbito dos poderes desse órgão definidos pelos ajustamentos do Tratado de Roma. Mas a Assembleia da República, enquanto Parlamento soberano de um dos 12, vê acrescidas as suas responsabilidades políticas e legislativas como corolário da adesão. É preciso que não as recuse, antes as saiba assumir, mantendo com o Governo um diálogo institucional saudável a esse propósito. Como principal força da oposição, o Partido Socialista continuará empenhadamente activo na problemática europeia e agirá construtivamente em defesa do interesse nacional, avançando ideias ou projectos e apresentando críticas e alternativas sempre que for caso disso, quer no Parlamento Europeu quer na Assembleia da República.

Temos consciência de que a entrada de Portugal nas Comunidades não esgota, antes potência, o papel do nosso país no relacionamento com as demais organizações europeias, como o Conselho da Europa, a EFTA ou a União da Europa Ocidental, e com a Europa Central e Europa do Leste, cujos povos partilham connosco um tronco espiritual comum. Temos a convicção de que, através da entrada para a Europa comunitária, manteremos vivo o nosso contacto e a nossa cooperação com outros espaços, como África, a América Latina ou o Oriente, onde a história nos teceu raízes profundas, e que saberemos assumir a defesa da língua portuguesa como espaço privilegiado de confluência de povos, culturas, civilizações e continentes. Seremos mais Portugal sendo mais Europa. Acrescentaremos à nossa perspectiva o facto de não vermos a Europa como um simples mercado, mas como uma comunidade política viva, dotada de dinamismo institucional crescente e a caminho de se assumir como verdadeira união europeia. Acabamos de aderir não a um círculo aduaneiro decadente, mas a um movimento irreversível e cheio de pujança, que, confrontando com a dura concorrência internacional, quer dar mais mobilidade e participação aos seus cidadãos, e não apenas aos seus capitais, mais inovação à sua ciência e à sua tecnologia, mais independência à sua defesa, mais autonomia e agressividade à sua diplomacia, ainda e sempre mais liberdade às suas ideias e à sua cultura. A revitalização da Europa ganha induscutivelmente com o seu alargamento e com a nossa entrada.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É imperioso também que o rejuvenescimento e a modernização de Portugal saibam apoiar-se devidamente na adesão. Para que a Europa tenha uma voz e um papel mais activos no Mundo. Para que Portugal dê substância à democracia e ao desenvolvimento. Para que, em suma, Portugal e a Europa sintonizem o passo e sejam vencedores nesta aposta incomparável de mudança, de modernização e de progresso.

Aplausos do PS e do deputado independente Lopes Cardoso.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para formularem pedidos de esclarecimento, estão inscritos os Srs. Deputados Duarte Lima e Borges de Carvalho.
Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Deputado Jaime Gama, não sei se houve desatenção da minha parte, mas parece-me que V. Ex.ª afirmou que o Sr. Primeiro-Ministro teria impedido o Sr. Presidente da República de promulgar certa legislação. O brilho, o nível e a seriedade das intervenções com que V. Ex.ª costuma brindar esta Câmara não se coadunam com um esclarecimento menos cabal deste problema.
Deste modo, gostaria que V. Ex.ª dissesse a esta Câmara que legislação é que o Sr. Primeiro-Ministro impediu o Sr. Presidente da República de promulgar e que provas tem dessa acusação, que, caso se comprovasse, seria uma acusação grave, para fornecer à Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Deputado Duarte Lima, como V. Ex.ª sabe, depois de concluídas as negociações para a adesão de Portugal às Comunidades Europeias e uma vez assinado o Tratado de Adesão, o IX Governo Constitucional, do qual o seu partido fazia parte, produziu toda a legislação necessária para

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articular, de forma adequada, a administração portuguesa às tarefas da integração europeia e o seu relacionamento para com as Comunidades Europeias.
Essa legislação - que implicava uma, profunda reestruturação do Ministério dos Negócios Estrangeiros, a criação de uma direcção-geral para coordenados assuntos das Comunidades Europeias, a criação de uma comissão interministerial para articular a orgânica interna do Governo na resposta constante aos problemas de ligação com a Comissão Europeia - foi, ao fim de uma longa discussão, adoptada em Conselho de Ministros e subscrita pelos Ministros com responsabilidade nas áreas entre os quais o Vice-Primeiro-Ministro e vários Ministros das pastas económicas que pertencem ao partido de V. Ex.ª. De seguida, foi remetida, para promulgação, à Presidência da República.
Essa legislação não foi promulgada porque o Sr. Presidente da República entendeu submeter à consideração do na altura Primeiro-Ministro, indigitado e não empossado, toda essa matéria. Ora, o Primeiro-Ministro indigitado, Prof. Cavaco Silva, obstou a que essa legislação fosse promulgada e entrasse em vigor. O que naturalmente teria suprido um hiato legislativo num período extraordinariamente complexo do nosso processo de integração e teria poupado ao País e à administração portuguesa a circunstância de ainda hoje Portugal ser um país membro das Comunidades Europeias em que não está legislada a estrutura da administração portuguesa, que coordena o seu relacionamento com essas mesmas Comunidades.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (CDS): - Sr. Deputado Jaime Gama, antes de mais agradeço-lhe que queira interpretar este meu pedido de esclarecimento como uma oportunidade para dar à sua resposta o brilho que infelizmente a sua intervenção desta vez não teve, o que é raro.
Fazendo minhas as palavras do Sr. Deputado que me antecedeu, gostaria de ir um pouco mais longe, visto que V. Ex.ª considerou este Governo como não tendo legitimidade para reconsiderar o problema ou para rever as leis - que V. Ex.ª deixou e que com certeza estavam extremamente bem feitas - que este Governo teve a preocupação de repensar. Terá sido isso, eventualmente.
Não me cabendo embora a defesa deste Governei gostaria de ir um pouco mais longe e pegar na afirmação que V. Ex.ª fez em relação à inadequação deste Governo. Tenho a impressão que um governo, seja ele qual for e venha ele de onde vier, que seja empossado nesta Câmara é um governo adequado.
Neste momento, a pergunta que se pode fazer à V. Ex.ª e ao seu partido é se o seu partido teve oportunidade ou iniciativa suficiente para propor outra solução. Se não teve, há que perguntar: com que direito V. Ex.ª considera inadequado este Governo ou outro qualquer que tenha sido empossado nesta Câmara? Por que é que é inadequado?
Por outro lado, por que via ou por que razões é que está em risco a definição institucional futura em relação à democracia portuguesa? Trata-se, de uma afirmação de tal gravidade que V. Ex.ª não pode deixar de ser chamado a justificar perante, esta Câmara. De facto, não vejo onde residem as razões para uma tal afirmação. Mas, se as há, é bom que as saibamos e é bom que saibamos quais os perigos que corremos ou quais os perigos que o Partido Socialista pensa que as instituições democráticas correm em Portugal. Por outro lado e ainda em relação aos conceitos que V. Ex.ª definiu na sua intervenção, gostava muito rapidamente de lhe fazer duas perguntas. Em primeiro lugar, V. Ex.ª falou na conquista abstracta da liberdade política. Pessoalmente, ainda não senti que a conquista da liberdade tenha sido uma conquista abstracta. Portanto, gostaria que V. Ex.ª me esclarecesse a esse respeito, ou seja, se a liberdade política é uma coisa abstracta ou se é uma coisa concreta, que possamos usar e sentir no nosso dia-a-dia.
Em segundo lugar; V. Ex.ª disse que democracia e integração europeia são neste momento - não sei se é esta exactamente a fórmula - os grandes objectivos, as grandes finalidades, da sociedade portuguesa. Parece-me que nesta afirmação V. Ex.ª põe a par e ao mesmo nível hierárquico democracia e integração europeia.
Na minha opinião, isto está errado e gostaria de dar a V.Ex.ª a oportunidade de esclarecer se entre estes dois objectivos há alguma diferença hierárquica ou se V. Ex.ª é de tal maneira europeísta que põe os dois objectivos no mesmo escalão.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Deputado Borges de Carvalho, responderei de forma sumaria e sintética às suas questões.
Em primeiro lugar, devo dizer-lhe que entendo que o actual Governo tinha toda a legitimidade para rever legislação produzida pelo anterior governo. Não tinha legitimidade era para, enquanto se não constituía como Governo à luz do sistema constitucional, obstar a que a legislação do governo anterior tivesse sido promulgada e publicada nos termos normais, ainda que fosse revista posteriormente.
Mas o que me parece estranho é que, tendo o actual Governo usado esses processos para impedir a produção legislativa, não tenha sido até ao momento capaz de produzir legislação de substituição e alternativa. Ora, é esse facto que critico ao actual Governo.
Assim, o Governo privou o País de uma estruturação, da qual podia discordar, mas não foi capaz de produzir, até ao actual momento, alternativa legislativa adequada, colocando Portugal na situação estranha de ser o único país membro das Comunidades onde há um vazio legal sobre quais são os órgãos, organismos e entidades, que coordenam toda a mecânica da integração europeia, o que no particular momento em que nos encontramos é de uma grande responsabilidade nacional, como V. Ex.ª decerto não ignora.
Em segundo, lugar, saliento que não disse que o actual Governo era ilegítimo. Disse, sim, que a solução política em que assenta, de governo minoritário, é politicamente inadequada. Disse-o e mantenho a minha afirmação, pois entendo que nas circunstâncias actuais, com o1 desafio que existe em matéria de desenvolvimento português, com o repto provocado pela integração europeia, o actual Governo, por carência de suporte político, não se encontra favorecido para realizar essa tarefa com êxito. Entendo que no actual momento de modernização necessária da vida portuguesa, de al-

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teração de profundos ajustamentos em virtude da integração europeia, só um governo de suporte político maioritário é capaz de estar em circunstâncias para responder de forma positiva a essa situação. Disse e mantenho.
Esta é a minha opinião e creio que o Sr. Deputado também tem a mesma opinião. Aliás, V. Ex.ª terá oportunidade, possivelmente dentro de alguns meses, de expressá-la de uma forma mais afirmativa, visto que a sua própria colocação no hemiciclo aponta nesse sentido.

O Sr. Borges de Carvalho (CDS): - Sr. Deputado, permite-me que o interrompa?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Borges de Carvalho (CDS): - Sr. Deputado, compreendo as suas razões. Só não compreendo por que é que, então, o seu partido não proporcionou essa solução? Estava a seu alcance proporcionar um governo maioritário!

O Orador: - Sr. Deputado, o meu partido não proporcionou essa solução porque perdeu as eleições.

O Sr. Borges de Carvalho (CDS): - Ah!

O Sr. Frederico de Moura (PS): - Só agora é que descobriu!? Anda atrasado!

O Orador: - Mas isso é um dado que o Sr. Deputado certamente não ignora.
Como última questão, gostaria de salientar que a liberdade política é uma conquista importante, como o Sr. Deputado não ignora. Só que a liberdade política, sendo uma conquista importante, não é uma conquista suficiente. Entendo que a liberdade política, a democracia política, o sistema democrático, devem ser globalmente em Portugal um instrumento de desenvolvimento.
Nesse sentido, considero que há ainda muito para realizar em Portugal e, no meu entendimento, a democracia portuguesa deve ser perspectivada a par do processo de integração europeia e devem constituir, uma e outro, as grandes metas portuguesas até ao final do século.
Não que eu queira significar que sem a integração europeia não possa haver democracia política. Há vários países da Europa democrática que não fazem pane das Comunidades Europeias. Mas no caso concreto de Portugal, esses dois grandes objectivos - consolidação do regime e da sociedade democrática e concretização da integração europeia - devem ser processos que marchem a par e eu diria que um e outro são o anverso e o reverso da mesma medalha.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barros Madeira.

O Sr. Barros Madeira (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aquando da apresentação do Programa do Governo, apenas um grupo parlamentar quis interpelar o Ministério da Saúde, talvez por falta de sensibilidade, talvez por falta de tempo ou, talvez ainda, para não embaraçar a Sr.ª Ministra. Aliás, o problema da saúde em Portugal tem sido sempre tratado por aquele aforismo popular "de médico e de louco todos temos um pouco". Calculo a gargalhada que este país daria se um médico fosse nomeado Ministro da Economia. A mesma reacção não vi quando um leigo foi nomeado Ministro da Saúde. Aliás, a política de Saúde em Portugal tem sido tratada durante todos estes anos por leigos e por amadores e, por isso, estamos no estado em que estamos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Diria mesmo que nestes últimos anos não houve política de Saúde e que agora chegámos ao momento da ruptura. Todos conhecem o problema dos bancos dos hospitais centrais, a ruptura e o estado caótico a que chegaram o Banco do Hospital de S. José e o Banco do Hospital de Santa Maria; para não falarmos nos hospitais desse país fora, nos bancos dos hospitais distritais que - os Srs. Deputados podem ter a certeza - são iguais ou piores do que os de Santa Maria e S. José.
No momento da ruptura, a Sr.ª Ministra da Saúde prepara-se para fazer economias com a saúde dos Portugueses, colocando no desemprego os jovens médicos, voltando à política anterior a 1971, não abrindo concursos para os internatos ou voltando à política da esmolinha para o internato geral dos hospitais.
Por manifesta falta de tempo e porque o PRD ainda tem uma intervenção para fazer neste período de antes da ordem do dia, queria acabar aqui a minha intervenção, solicitando a todos os Srs. Deputados que percam 5 ou 10 minutos e façam uma visita aos bancos dos hospitais centrais de Lisboa. Certamente poderiam dizer à Sr.ª Ministra da Saúde que os médicos são necessários e que estamos longe de conseguir uma cobertura sanitária do País minimamente aceitável.

Aplausos do PRD.

Simultaneamente, o público presente nas galerias também aplaudiu.

O Sr. Presidente: - As galerias não podem manifestar-se. Srs. Agentes da Autoridade façam o favor de tomar providências.
Informo as galerias que se houver a mais pequena manifestação, seja em que sentido for, me verei forçado a mandá-las evacuar. Lamento imenso, mas a Assembleia da República não pode permitir que as galerias se manifestem.
Os Srs. Deputados Soares Cruz, Horácio Marçal, Malato Correia e Ferraz de Abreu inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Horácio Marçal.

O Sr. Horácio Marçal (CDS): - Sr. Deputado Barros Madeira, foi com muito interesse que ouvi a sua intervenção e queria fazer-lhe várias perguntas. Gostaria também de fazer algumas considerações, mas, como tenho de fazer a seguir uma intervenção e não posso consumir o tempo do meu partido, só lhe quero dizer que a minha bancada comunga inteiramente do problema grave com que vivem as urgências dos hospitais, não só centrais como distritais e até concelhios, e lamenta também a situação presente da perspectiva de desemprego dos jovens médicos.
Gostaria de lhe formular apenas esta pergunta, Sr. Deputado: como é que o Sr. Deputado vê que se possa solucionar o problema dos jovens médicos, que estão tão preocupados com o seu futuro profissional?

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O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Malato Correia.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Sr. Deputado Barros Madeira, ouvi com atenção a sua intervenção e tenho de concordar com algumas considerações que formulou.
O Sr. Deputado referiu que nos últimos anos não temos tido política de Saúde. Gostaria de lhe perguntar se atribui essa carência de política de Saúde à gestão dos ministérios feita pelos ministros que têm sido titulares das pastas ou ao facto de estes se terem limitado, como a Constituição manda, a pôr em execução uma Lei do Serviço Nacional de Saúde que - já se sabia - a curto prazo iria ser a falência do Serviço de Saúde em Portugal.
Por outro lado, queria também afirmar que as perspectivas futuras para os actuais licenciados e recém-formados em Medicina tinham de entrar numa fase de ruptura. Infelizmente essa altura chegou porque, há alguns anos, se tem vindo a fazer do Serviço Nacional de Saúde um serviço: nacional de emprego, quando se previa que - com uma lei como a existente e como a que foi aprovada nesta Assembleia com votos contrários do meu partido - a médio prazo esta situação se iria dar.
Tentaram-se resolver os problemas de imediato e não se pensou que a lei tinha de ter uma perspectiva de futuro, que não fizesse gastar, praticamente, a maior parte das verbas em gastos administrativos, em vez de estas serem gastas na verdadeira assistência aos doentes e no benefício das instituições de Saúde. Por isso, os hospitais centrais, os hospitais distritais e o serviço médico na maior parte do País vivem hoje as carências que todos nós conhecemos e que o Sr. Deputado também conhece.
A minha pergunta continua, no entanto, a ser fundamentalmente a mesma: a culpa é dos titulares ou é da Lei do Serviço Nacional de Saúde que temos?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Deputado Barros Madeira, a intervenção por si feita leva-me a fazer alguns pedidos de esclarecimento, mas não posso deixar de acentuar o meu desacordo com algumas das suas afirmações e o meu acordo corri outras!
Em relação ao meu desacordo, não posso aceitar que seja feita a afirmação de que hão temos tido unia política de Saúde. Temos uma política de Saúde e o meu partido advoga e defende a criação e a implementação de um Serviço Nacional de Saúde. O que temos é assistido a que, conforme os governos que estão no Poder, há avanços e retrocessos nessa política e daí as consequências desastrosas que se têm observado em alguns aspectos.

O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, penso que o Sr. Deputado não ignora que havia em projecto uma solução para o problema das urgências em Lisboa. É um problema que se arrasta desde há 40 ou 50 anos e o Sr. Deputado sabe, com certeza, que havia um projecto para abrir brevemente dois serviços de urgência em dois hospitais de Lisboa e que, além disso, está programada, e estava já projectada e aprovada, a construção de dois outros hospitais também em Lisboa, o que virá naturalmente a resolver o problema.
Em relação aos novos médicos, há problemas graves que foram criados por uma certa indisciplina nas admissões à universidade, mas penso que neste momento, - e aí é que estou de acordo com V. Ex.ª - o que está em causa não é o emprego dos médicos nem se trata de um problema parecido com esse.
O que se trata é de outra questão: é que os jovens médicos são obrigados pelo Estado Português a fazer um estágio tutelado, durante o qual não podem exercer medicina, não podendo, portanto, ganhar a sua vida com o curso que acabaram. E o que não é admissível é que durante esse estágio - que é feito não onde os candidatos querem, mas onde o Estado lhes impõe - não lhes sejam proporcionados os meios de sobrevivência indispensáveis.
Eu pergunto se qualquer pessoa pode sobreviver; sendo colocada em Bragança, nos Açores, na Madeira ou em Faro, deslocado do seu ambiente familiar
- onde poderia ter, naturalmente, uma certa protecção -, com 14, 15, 16 ou 17 contos, pois fala-se para aí que irá sair um subsídio desse género. Para quê alterar o que estava constituído antes? Há uma remuneração que foi estabelecida e não vemos a mínima vantagem, nem sequer justiça, em que isso seja alterado.
Este é que é o problema que os jovens médicos estão a viver neste momento e o daqueles que vão entrar no seu estágio e que têm a ameaça de não lhes ser pago o mínimo para que possam sobreviver fazendo o tal estágio que a lei lhes impõe.

O Sr.- Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Barros Madeira.

O Sr. Barros Madeira (PRD): - Srs. Deputados, afirmei que não tinha havido até hoje uma política de Saúde e mantenho essa afirmação. Não houve até hoje uma política de Saúde e a que houve foi mal executada.

Vozes do PS: - Mas então houve uma política de Saúde.

O Orador: - Desculpem, Srs. Deputados, mas a Lei do Serviço Nacional de Saúde não está regulamentada, pelo menos no terreno.
Quanto à política de Saúde, bastaria que os Srs. Deputados percorressem os hospitais concelhios deste país para verem que eles estão totalmente destruídos, que não funcionam e bastava a reanimação destes hospitais para se fazer com que os nossos candidatos, ao internato geral tivessem possibilidades de trabalhar.
Quanto ao que disse o Sr. Deputado Ferraz de Abreu, devo dizer que V. Ex.ª esteve a defender a política de Saúde do seu partido e, como tal, não tenho perguntas a responder.
Quanto ao ensino de Medicina, estamos a praticar nas Faculdades de Medicina um números clausus bastante apertado, estamos a encaminhar para essas faculdades quase que os nossos melhores alunos e, por-

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tanto, julgo que aqueles que frequentam as faculdades, depois de terem sido submetidos a um números clausus e a um ensino bastante duro, têm todo o direito ao acesso a uma carreira.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A degradação contínua das unidades de saúde do País é uma situação alarmante que tem vindo a ser justamente denunciada, quer pelos profissionais de saúde, quer pelos doentes que a elas recorrem. Diariamente, os órgãos de comunicação social, a imprensa, a rádio e a televisão, dão-nos conta das inúmeras carências do sector, quer enumerando as faltas de equipamento, quer as carências dos meios humanos, nomeadamente de enfermeiros e de médicos.
O actual Governo, nada fazendo para resolver essa dramática situação, vem ainda criar novos factores de agravamento, culpabilizando os trabalhadores da saúde pelo mau funcionamento dos serviços.
A recusa sistemática de diálogo com representantes dos trabalhadores, e, nomeadamente, com os sindicatos dos médicos, a não colocação dos médicos recém-licenciados que deveriam ter iniciado funções em 1 de Janeiro do corrente ano, a protelação dos concursos de assistentes hospitalares, foram os primeiros passos.
Prepara agora o Governo com um novo e rude golpe, a destruição das carreiras médicas, uma conquista histórica dos médicos portugueses, pela qual nomes como Miller Guerra, Sá Marques, António Galhordas, Paulo Mendo, entre outros, se bateram desde os anos 50.

Aplausos do PCP.

De uma simples "penada" aprovou o Governo um diploma alterando o Decreto-Lei n.º 310/82. Tal alteração, acabando com o internato geral, primeiro degrau das carreiras médicas, conduz a um retrocesso de 15 anos na formação pós-graduada e deixa sem salário e sem qualquer regalia social os novos médicos, Com o diploma agora aprovado, deixa de haver garantia do prosseguimento da carreira para os actuais internos da especialidade (cerca de 5000) e visa-se o despedimento dos actuais médicos policlínicos. É o regresso à teoria de que há médicos a mais e de que as despesas com a saúde não comportam tantos funcionários.
Uma velha e falsa questão. O que se pretende é mandar para a medicina convencionada milhares e milhares de médicos. O que se pretende mais não é do que continuar a deixar degradar os serviços públicos de saúde para poder bradar que o que é privado é que é bom. É o voltar à teoria de um ministro do anterior governo que afirmou que o Serviço Nacional de Saúde, consagrado na Constituição, era "estúpido e irrealizável", ou ao Ministro Macedo, que aqui afirmou que "quem quer saúde paga-a".
Longe dos grandes centros, há uma falência quase completa nos cuidados primários de saúde.
As direcções das administrações regionais de saúde (ARS) passaram a ser um cargo político, o que levou, salvo raras excepções, a ficarem a conduzir os seus destinos indivíduos sem qualquer experiência no campo da saúde. A falta de conhecimentos de gestão, de economia e de administração de saúde faz com que, na maioria dos distritos, não haja qualquer planeamento no campo dos cuidados primários, o que leva a uma incorrecta execução e a nenhuma avaliação.
Os centros de saúde concelhios, quase todos razoavelmente apetrechados, não funcionam. Os utentes que a eles recorrem, nas vilas e nas aldeias, encontram longas listas de espera. Os serviços de urgência encontram-se na maioria encerrados depois das 20 horas e não funcionam aos sábados, domingos e feriados. As valências de saúde materna e infantil deixaram de se realizar na grande maioria dessas unidades e os clínicos gerais não têm tempo de atendimento para essas consultas de educação e de prevenção.
As consultas de planeamento familiar encerraram e as consultas para adolescentes nunca foram postas em prática. Os meios complementares de diagnóstico tornaram-se difíceis e mesmo inatingíveis. Uma radiografia simples demora semanas e uma radiografia ao estômago, uma urografia de eliminação, um trânsito intestinal, são irrealizáveis nos serviços públicos, só sendo obtidos recorrendo ao sector privado.
É dramático assistirmos às bichas que se formam à porta dos postos e centros de saúde desde altas horas da madrugada. Nas aldeias chega-se a fazer fogueiras para os doentes se aquecerem, pois, para obtenção de uma simples consulta, muitas vezes há que ir para a bicha às 4 e 5 horas da madrugada. Para os que não apanham uma senha de consulta é o correr para a "carreira", ir à vila ou à cidade e recorrer aos serviços de urgência ou então aos sector privado.
Para uma consulta de especialidade, como pediatria ou ginecologia, a sua marcação só é conseguida para cerca de 1 mês depois, quando não para mais. Há, pois, que recorrer ao sector privado. E se isso é difícil para um operário agrícola, para um trabalhador com o salário mínimo nacional, torna-se impossível para os desempregados, para os reformados, para os jovens à procura de emprego ou para aqueles que não recebem salário.
As consultas de oftalmologia e de estomatologia pura e simplesmente não funcionam no sector público. Essas consultas são apenas acessíveis a quem pode pagar.
Esta a realidade que os Srs. Deputados bem conhecem, e que não podem negar.
Mas se esta é a situação dramática que se vive no interior do País, nos grandes centros a situação não é melhor.
No distrito de Lisboa o quadro é caótico e os serviços de urgência dos hospitais centrais atingiram a situação de ruptura.
Em carta datada de 28 de Novembro de 1985 e enviada ao conselho de gerência do Hospital de Santa Maria denunciava o director do Serviço de Medicina 4, Prof. Fernando Pádua:

Venho uma vez mais dar conhecimento das condições caóticas em que sobrevivem os médicos e morrem alguns doentes (quantos por falha humana?) no Banco do Hospital de Santa Maria.
Principiou a tarde, são 15 horas.
Nos chamados "balcões" acumulam-se dezenas de doentes, a serem examinados, a aguardarem exames complementares ou observação por especialista, ou à espera do efeito de uma primeira medicação de urgência. Isto numa área que não excede os 100 m2. No meio de todo o ruído, agitação e gemidos, jovens médicos em treino tentam interrogar e examinar os doentes que vão chegando (6 a 8 centenas por dia).

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No chamado "SO" (seria uma sala de observações) acumulam-se em duas, salas, dezoito macas (dezoito!) com os casos graves, exigindo internamento por horas eu dias, ou prestes a falecer. Nos corredores desta zona alinham-se mais cinco macas com situações emergentes, balões de soro, observações apressadas, terapêuticas inexistentes.
Este o caos do Santa Maria! Nem filmado se acreditaria.

E mais adiante acrescenta o Prof. Fernando Pádua:

Peço ao conselho de gerência que procure transmitir a quem de direito a verdade real do que no Banco se passa, e depois nas enfermarias que recebem estes doentes, com as doenças mais graves e dolorosas, tratados em maca, pelos corredores fora (nas enfermarias de medicina interna) porque já não cabem em quartos. Hoje vi um doente sentado em cadeira porque tivera de "emprestar" a sua maca para outro ir fazer uma radiografia! Inacreditável!

Acabei de citar.
Visitei ontem este Serviço de Urgência. A situação mantém-se. A demora média de espera é de 2 a 3 horas para os casos graves. As soluções para melhorar este serviço ainda não foram apontadas.
Há dias, Sr. Presidente, Srs. Deputados, foi recebido pela Comissão de Segurança Social, Saúde e Família o Sindicato dos Médicos da Zona Sul. Um dos elementos que a integrava era chefe de uma das equipas do Banco de S. José, que alertou os deputados membros dessa Comissão para a situação que se atingiu nesses serviços de urgência. Uma média de 1200 doentes aí passa por dia. Também ontem visitei essa unidade de saúde.
Não tenho palavras para descrever aquilo que vi. Convido os Srs. Deputados para poderem ter uma, noção das péssimas condições, quer para os que aí trabalham quer para os doentes, a visitarem a qualquer hora essa unidade. Só visto... Srs. Deputados!
Para o enorme acréscimo dos doentes aos serviços de urgência, além do envelhecimento da população, do aumento de doenças sociais como o alcoolismo, a droga, a subnutrição e do sempre crescente número de acidentes de viação, há que salientar, como o grande factor, a completa falência da rede de cuidados primários de saúde.
A falta de postos de saúde em Lisboa (o último adquirido foi há 10 anos, e é o de Sete Rios), o mau dimensionamento de muitos, a falta de gabinetes de consulta e de salas de espera, a não realização de domicílios por parte dos clínicos- gerais, são algumas das razões que contribuem para essa falência. Também os SAP (Serviços de Atendimento Permanente), sem o mínimo de equipamento de apoio e com a falta de especialistas, nomeadamente de pediatras, se tornam ineficazes.
Sem qualquer tipo de educação para a saúde, de prevenção da doença, com a paralisação das consultas no ambulatório, estão criadas, pois, todas as condições para se recorrer aos serviços de urgência dos hospitais centrais.
Mas a situação do internamento hospitalar também é grave. As estatísticas, de saúde apontam para uma perca de cerca de 1000 camas nos hospitais. Para este estado contribuem, sem dúvida, a degradação dos imóveis, que leva ao encerramento de serviços e ao arrastamento de obras de beneficiação por largos anos. Apenas dois exemplos: Em Santa Maria, o Serviço de Queimados, em obras há 5 anos, ainda se encontra encerrado, e o novo SO do Banco de S. José continua por abrir.
Estas situações de ruptura bem se poderão estender também ao Serviço de Urgência do Hospital de S. João do Porto (800 a 1000 doentes por dia), ao Serviço de Urgência do Hospital Pediátrico de D. Estefânia, aos hospitais psiquiátricos e às maternidades centrais. É esta e não outra a situação em Portugal, neste mês de Janeiro de 1986, e para ela contribui, sem a menor dúvida, o incumprimento, por sucessivos governos, da Lei do Serviço Nacional de Saúde, aprovada por esta Câmara.
E, é ao não cumprimento da lei que se deve este facto. Não é à Lei do Serviço Nacional de Saúde, pois ela nunca foi cumprida, nunca foi regulamentada, nunca entrou em vigor.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Felizmente!

O Orador: - A situação que hoje se encontra é devida ao não cumprimento dessa lei.

Aplausos do PCP.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é criando o desemprego médico, não é fugindo ao diálogo com os trabalhadores do sector, não é retirando do orçamento do Estado para a saúde milhões e milhões de contos para o sector privado ... É isto, Sr. Deputado, e não é o pagar aos médicos, ou seja, são os milhões de contos que saem anualmente do orçamento do Estado da saúde para o sector privado. Ainda a semana passada aprovámos aqui um orçamento suplementar e "lá foram" mais não sei quantos milhões de contos para as convenções, só de retroactivos. Só 720 000 contos de acréscimo por mês se pagaram devido ao aumento dos medicamentos! Esta a razão por que não há dinheiro para a saúde, Sr. Deputado!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas existem soluções, Sr. Deputado! Elas terão que passar por uma nova política, que cumpra a Lei do Serviço Nacional de Saúde, que realize uma planificação correcta, que ponha em funcionamento os cuidados primários de saúde, que coloque os médicos onde são necessários e que faça a rentabilização dos serviços existentes.
Estamos certos que os profissionais da saúde e, nomeadamente, os jovens médicos, saberão arranjar formas de luta, como a que hoje foi realizada junto ao Ministério da Saúde, as quais irão permitir o cumprimento das carreiras médicas e irão conduzir a uma melhoria das condições de vida e de saúde do povo português.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos.

O Sr. Presidente: - Inscreveu-se para pedir esclarecimentos o Sr. Deputado Jardim Ramos. Devo informar V. Ex.ª que o Sr. Deputado Vidigal Amaro, que acabou de intervir, já não dispõe de tempo

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para responder, a não ser que algum grupo parlamentar lhe ceda tempo. No entanto, se quiser formular as questões, V. Ex.ª tem a palavra.

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Sr. Deputado Vidigal Amaro, V. Ex.ª disse que o Governo culpabilizava os funcionários da saúde pela degradação dos serviços.
Ora, o Sr. Primeiro-Ministro, Prof. Cavaco Silva, numa visita no dia de Natal ao Hospital de D. Estefânia, em Lisboa, disse que, "se espantava com o trabalho desenvolvido pelos profissionais de saúde e que os considerava óptimos funcionários".

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Só um espanto não chega!

O Sr. Malato Correia (PSD): - É suficiente!

O Orador: - Mas é suficiente, Sr. Deputado! É suficiente e necessário! É o reconhecimento público que fica registado.

O Sr. Álvaro Brasileiro (PCP): - Na televisão!

O Orador: - O Sr. Deputado Vidigal Amaro falou no despedimento dos médicos recém-licenciados. Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que acontece não é despedimento! O Governo garante a todos os médicos recém-licenciados o internato geral e atribui-lhes remuneração, seja considerada letra de funcionalismo público ou, indiferentemente, outra coisa qualquer.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Outra coisa qualquer?

O Orador: - Na verdade, o que interessa sobretudo é que sejam remunerados.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É o pão e a migalha! V. Ex.ª deixe de receber o vencimento e passe a receber subsídio a ver se não se mexe!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que não estabeleçam diálogo, por favor.

O Orador: - Agora que está já restabelecido o silêncio, permita que continue, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Jardim Ramos.

O Orador: - Se o que cada recém-licenciado em Medicina auferir mensalmente for igual ao que auferem actualmente os actuais P1 há algum problema, Sr. Deputado Vidigal Amaro? Presumo que na intenção do Governo está isso: auferir o mesmo, isto é, o equivalente à letra G) da função pública.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Eles não querem migalhas, querem o futuro!

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Vidigal Amaro, V. Ex.ª já não dispõe de tempo. Tinha-o já prevenido de tal.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Presidente, acho tal muito estranho, pois, pelo menos, pareceu-me que, ao formular uma pergunta, o PSD, eu tinha, por minha vez, direito de resposta. Se isto é uma maneira democrática do PSD trabalhar nesta Assembleia, ou seja, formula uma questão e não me dá l minuto para responder, para exercer o meu direito de resposta!...

O Sr. Malato Coreia (PSD): - É o costume!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu disse há pouco que V. Ex.ª não tinha tempo disponível para responder aos pedidos de esclarecimento formulados pelo Sr. Deputado Jardim Ramos. Aliás, eu disse que o Sr. Deputado não dispunha de tempo, a menos que algum grupo parlamentar lhe cedesse tempo. Ora, não ouvi ninguém pronunciar-se nesse sentido. No entanto, se alguém ceder tempo, V. Ex.ª poderá questionar o Sr. Deputado Jardim Ramos.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Presidente, o MDP/CDE cedeu-me 1 minuto para responder.

O Sr. Presidente: - Então, faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Presidente, começo por lamentar este incidente ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço desculpa por tal, mas a Mesa não tem o mínimo de culpa, na medida em que preveniu atempadamente V. Ex.ª, antes ainda de ser formulado o pedido de esclarecimento.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Presidente, espero que ainda não se esteja a contar o tempo.

O Sr. Presidente: - Ainda não, Sr. Deputado.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Presidente, não é a Mesa que estou a censurar, mas sim o Grupo Parlamentar do PSD, que interpela outra bancada e não lhe dá possibilidades de resposta. Foi esta a minha crítica!

O Sr. Presidente: - Faça agora V. Ex.ª favor de responder ao Sr. Deputado Jardim Ramos.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Terei de ser muito breve, Sr. Presidente.
O que o Sr. Primeiro-Ministro diz é uma coisa! Agora, o que ele faz é outra! É esta a realidade que tem de ser encarada!
Por um lado, o Sr. Primeiro-Ministro vem gabar publicamente os bons funcionários, mas por outro lado despede-os e não dá condições aos médicos de prosseguirem a sua carreira médica. Isto é o que verificamos.
Uma coisa é dizer, outra é fazer! Uma coisa é prometer durante a campanha eleitoral, conforme fez, o bom funcionamento dos serviços de saúde, a saúde para todos. Outra coisa é o que a gente assiste agora, ou seja, à degradação cada vez maior dos serviços. Esta é a primeira questão.

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Por outro lado, Sr. Deputado, em relação "a outra coisa qualquer" ... "Outra coisa qualquer" é o futuro! É o futuro de uma geração médica! O Sr. Deputado é capaz de não perceber isso! Então os jovens formados não têm direito às suas carreiras? Não têm direito ao primeiro grau do ensino? Então se trabalharem não têm direito a um salário, a regalias sociais, a 13.º mês, a prosseguirem as suas carreiras?
Sr. Deputado, se essa é a maneira de ver do PSD, ainda bem que V. Ex.ª o disse, para que fique bem frisado, perante esta assistência e lá fora a gente poder afirmar que essa é a opinião do PSD.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Para formular um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Não pode, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Não pode! VV. Ex.as alteraram o Regimento!

O Sr. Presidente: - Não há protestos a respostas a esclarecimentos.

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Sr. Presidente, o Grupo Parlamentar do PSD foi ofendido pelo Sr. Deputado Vidigal Amaro, e, nestes termos, pedia a palavra para defesa da honra do meu grupo parlamentar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desde que invoque essa figura regimental, como tem sido tradição, tem naturalmente de ser concedida a palavra a V. Ex.ª.
Assim sendo, dispõe de 2 minutos para intervir.

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que se acabou de ouvir foi pura e simplesmente demagogia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os problemas da saúde vêm muito detrás. O Governo tomou posse há pouco tempo e ninguém pode pretender que este último tenha resolvido já todos os problemas da saúde. Honra seja feita ao ex-Ministro da Saúde Maldonado Gonelha, que muitos atacam, mas que fez um trabalho louvável à frente do Ministério. Não foi suficiente o trabalho desenvolvido pelo actual Sr. Deputado Maldonado Gonelha, mas foi já um passo muito importante. E quando há pouco se ouviu dizer que não tinha havido política de saúde nos últimos anos isso é falso! Houve efectivamente política de saúde.
Mas também não se pode cair na demagogia do Sr. Deputado Vidigal Amaro, pois toda a gente sabe - e mais do que ninguém o PSD, porque tem sempre defendido os jovens - que o futuro está nas mãos da juventude. O PSD não fecha as portas à juventude. O PSD está com a juventude e acha que é importante criar condições para lhe assegurar um futuro melhor. O PSD, no Governo e na Assembleia da República, vai defender os jovens médicos da melhor forma que puder e souber. Isto não se pode sequer pôr em causa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos fartos de demagogia! É preciso realismo e é isso que o PSD vai fazer. Com realismo, com frontalidade e com verdade vai trabalhar, para que os jovens tenham um futuro melhor em Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Deputado Jardim Ramos, a sua posição é extremamente difícil porque, repare, o senhor é deputado e agora eu pergunto-lhe: V. Ex.ª abdica do seu vencimento para ficar com o subsídio?! Essa é, então, uma boa razão!

Risos do PCP.

Digo-lhe mais, Sr. Deputado: os jovens médicos não necessitam de favores do Estado, nem sequer os querem! O que eles querem...

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor. O Sr. Deputado está a falar tão bem hoje que até lhe concedo algum do meu tempo.

Risos do PCP.

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Sr. Deputado Vidigal Amaro, o que é que interessa que se lhe chame subsídio, vencimento ou outro nome qualquer se, em termos financeiros, é exactamente a mesma coisa?!

O Orador: - Olhe, Sr. Deputado, explique isso aos médicos que estão ali nas galerias e aos outros que estão a frequentar o curso! É esse o seu papel: explicar qual é a diferença entre subsídio e vencimento. Eles já perceberam qual é, o senhor é que ainda não.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Do que os jovens médicos necessitam não é de favores do Estado. Eles não estão aqui a pedir nada, Sr. Deputado! O que eles querem é que seja cumprida a lei, o que eles querem é o direito ao trabalho, o que eles querem é ser integrados nas carreiras médicas.
E não são só eles que o querem, Sr. Deputado, é o povo português que espera esta disponibilidade dos jovens clínicos para poder beneficiar dos seus serviços e para melhorar a sua saúde. É isso que nós e o povo português esperamos.

Aplausos do PCP, do PRD, do MDP/CDE e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Horácio Marçal.

O Sr. Horácio Marçal (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aveiro é um distrito próspero, não só no campo industrial, como no comercial, agrícola e turístico.
Aveiro dispõe de condições naturais, de monumentos, de riqueza arquitectónica e de tradições que lhe

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permitem ambicionar, dentro de curto espaço de tempo, a ser um pólo de atracção turística, não só a nível nacional como internacional.
A paisagem sui generis da ria, com as salinas e os seus típicos montes de sal, os seus pescadores, as suas praias, a barrinha de Esmoriz, a Pateira de Fermentelos, os Vales do Vouga e do Águeda, passando pela beleza agreste mas repousante de uma serra do Buçaco e de Arouca, ao termalismo da Cúria, Luso, Vale da Mó e São Jorge, ao recheio, com valiosas obras de arte, de um museu de Santa Joana Princesa, de Lamas da Feira, da Vista Alegre, das suas catedrais e igrejas até às romarias do Dia da Espiga no Buçaco, à de Santa Maria Adelaide, Santa Lasalette, à do Souto do Rio e de tantas outras, onde o povo reza e canta por esse vasto distrito, até à folia de um Carnaval de Ovar e da Mealhada, à característica apanha do moliço da Pateira, ao seu artesanato, ao seu típico e difundido folclore, à sua gastronomia, com o símbolo bairradino do leitão, aos seus vinhos, até às suas exposições industriais e agro-pecuárias, às comemorações do Dia do Emigrante, até às seculares tradições de uma Feira de Março, em Aveiro, tudo imbuído numa simbiose de veneração, bairrismo e determinação em que a beleza natural se confunde com o entusiasmo e a capacidade das gentes aveirenses em plena sintonia com a acção político-administrativa daqueles que respeitam Aveiro e colaboram com as suas populações, de molde a incrementarem cada vez mais o progresso nestas paragens, onde, como dizia o poeta: "[...] a terra acaba e o mar começa [...]". Aveiro é inegavelmente um manancial de motivos de interesse, oriundos dos mais diversificados sectores de actividade.
Talvez daí a inveja de alguns e a apetência de outros por aquilo que produz e potência este distrito.
Distrito que se integra no pelotão da frente do desenvolvimento nacional, desenvolvimento que não pode ser travado nem dificultado por governantes responsáveis deste país, como, segundo parece, está a suceder sectorialmente.
Refiro-me concretamente ao processo da recém-criada região de turismo de Aveiro, denominada oficialmente "Rota da Luz".
Esta região de turismo integra a maioria dos municípios aveirenses e integrará brevemente a sua maioria ou talvez até a sua totalidade, tal o espírito de preservação da unidade industrial presente no modo de sentir e de pensar desta população do distrito da ria.
Criada por decreto governamental, viu esta região de turismo, eleita a sua comissão instaladora em 3 de Outubro de 1985, tendo sido escolhido democraticamente e por maioria para seu presidente o Dr. Fernando Raimundo Rodrigues, então presidente da Câmara Municipal de Ovar.
Pois, pesem embora os graves prejuízos que daí advêm para a região com a não tomada de posse da comissão executiva, o certo é que a Secretaria de Estado do Turismo, com argumentos não convincentes, baseados nos termos de elaboração da acta da eleição, mas com argumentos e pretensas ilegalidades por ninguém alegadas, vem protelando a posse dos elementos eleitos. Assim, Aveiro continua sem região de turismo a funcionar, numa época do ano em que, para promoção da zona e preparação da época estival, se devia participar em reuniões nacionais e até internacionais, como é o caso concreto da Feira Internacional de Madrid, de Amsterdão, etc.
Este impasse ou, melhor, este travão para a não tomada de posse da comissão executiva da região de turismo Rota da Luz já fez com que o município de Aveiro ameaçasse abandonar aquela zona turística, pois a Câmara Municipal de Aveiro, a que preside um dos mais experimentados e competentes autarcas deste país, já foi prejudicada em cerca de 8000 contos nas receitas do município e não pode continuar a pactuar com a indefinição e a inércia ou, melhor, com a antipatia e a intolerância, que vem desde o tempo de Nandim de Carvalho, que alguns governantes e outros responsáveis políticos vêm manifestando pela não vivência de uma zona de turismo eficaz e dinâmica na zona aveirense.
Assim, como deputado eleito pelo círculo de Aveiro, no pleno direito que me assiste na defesa dos superiores interesses dos meus concidadãos e do povo deste país, chamo aqui, nesta tribuna, a atenção do Parlamento e do Governo para este problema, na convicção de que, com dinâmica e dentro do rumo apregoado por Cavaco Silva: "A política não pode prejudicar os interesses da comunidade, antes deve privilegiar as competências."
Porque ainda tenho confiança na isenção dos homens responsáveis por este país, para que saibam discernir entre quem pertence ou pertenceu a este ou àquele partido, mas acima de tudo se determinam a governar com isenção, pundonor e eficácia, se decidam de imediato a pôr a funcionar a zona de turismo da Rota da Luz, sem tibiezas, sem partidarismos, sem alegadas irregularidades que não existem formalmente.
Aveiro merece-o!
O País precisa e não podemos, por meros caprichos ou ressentimentos pessoais, prejudicar um todo que é o turismo nacional, riqueza que a Nação não pode desperdiçar.
Aqui deixo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, este alerta, na esperança de que as diligências do Sr. Governador Civil de Aveiro e estas palavras neste Parlamento alertem o Governo para os graves e irreversíveis prejuízos que a negligência de um sector governamental está a causar ao turismo nacional.
E termino na expectativa de que o bom senso, o pleno sentido da governação se pautem por regras que visem acima de tudo e de todos, para que o povo que votou no Governo e nos seus representantes neste Parlamento, sintam que, neste lugar e em qualquer lugar de gestão pública, os interesses das populações sejam defendidos dentro dos mais elementares princípios democráticos, de isenção e sem perseguições.
E, assim, espero que se ultrapasse de imediato os diferendos, se cumpra a vontade dos que votaram nos responsáveis pelo turismo aveirense e que dentro de dias Aveiro e o País tenham em actividade mais uma estrutura do turismo nacional dinâmica e eficiente que é a Comissão de Turismo da Rota da Luz.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Igualmente para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Maldonado Gonelha.
Desde já informo o Sr. Deputado de que dispõe de 4 minutos para o efeito.

O Sr. Maldonado Gonelha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, em primeiro lugar, dizer-vos que não só não contava ter 4 minutos, como não contava vir aqui hoje debater este tema.

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Nestas circunstâncias, apelo para a benevolência do Sr. Presidente caso ultrapasse os 4 minutos e, se porventura precisar de dizer mais qualquer coisa, atrever-me-ia a pedir, por parte do meu grupo parlamentar, o prolongamento do período de antes da ordem do dia.
Em todo o caso, vou ver se consigo dizer sinteticamente aquilo que tenho a dizer sobre, esta matéria.
Apesar de ter sido surpreendido hoje com a discussão deste tema, gostaria de, muito rapidamente, dizer sobre ele algumas palavras aos Srs. Deputados e, particularmente, ao Sr. Deputado Vidigal Amaro.
Ao Sr. Deputado Vidigal Amaro quero, muito honesta e frontalmente, dizer-lhe o seguinte: em primeiro lugar, este problema é gravíssimo, e não se compatibiliza com um raciocínio ligeiro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar; há muita demagogia à volta deste problema.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em terceiro lugar, há muitos discursos ideológicos e pouco trabalho.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em quarto e último lugar, o Serviço Nacional de Saúde foi feito para a população e não para dar empregos.
Contudo, temos um problema muito sério, que é o daquela juventude e daqueles que estão por detrás dela.
Para começar pela questão concreta que aqui foi posta, devo dizer francamente que discordo completamente que se tente abordar o problema do emprego médico precisamente pelos P-zeros. Fui eu quem os baptizou assim e penso que eles o assumiram também. P-zeros serão, pois, os médicos acabados de formar.
O problema que aqui se põe é o de que o Estado, ao assumir constitucionalmente a criação de um Serviço Nacional de Saúde universal e gratuito - isto independentemente daquilo que pensemos sobre esta questão, mas o que é certo é que isto está escrito na Constituição -, assumiu também a responsabilidade de garantir que a formação dos profissionais de Saúde esteja, ao menos teoricamente - e já explicarei porquê -, ao nível das exigências da correspondência: desse serviço.
Assim - e não nos esquecemos de que isto já vinha desde 1971 -, como todos os licenciados, os médicos têm de fazer um estágio. Só que é um estágio mais complicado do que o de outras licenciaturas. O médico, para poder exercer sozinho a sua profissão, tem de ter um estágio de medicina tutelada, à semelhança, aliás, do que ocorre com os advogados.
Ora, em virtude deste direito constitucional, o Estado assumiu a responsabilidade de garantir a formação em estabelecimentos do Estado e, como tal, esse complemento de formação, que é feito no trabalho, on job - para usar uma expressão inglesa que não tem correspondente em português -, o que quer dizer que o médico ao fazer o seu estágio está a trabalhar mesmo, tem de ter uma contrapartida em termos de remuneração.
Quanto à solução que agora se está a encontrar, a minha posição é esta: ou se mantém a remuneração do Decreto-Lei n.º 310/82 - e digo que este decreto é de 1982 porque não é meu, mas exactamente do governo da AD -, em que se estabelece, precisamente para o internato geral que é este período de medicina tutelada, uma remuneração equilibrada em função das remunerações das carreiras médicas. A contrapartida é a de que os alunos de Medicina que concorrem ao internato geral têm de ser colocados por todo o País em todos os estabelecimentos em que o Estado reconheça idoneidade em função das classificações que tenham nesse concurso de acesso ou, então, se se quer alterar as remunerações, se se quer passar a dar um subsídio, só há uma contrapartida, que é a de que eles continuem nos hospitais onde funcionam as universidades e onde fizeram o seu curso de Medicina.
Agora, o que não é justo é agarrar-se num jovem que estudou na Faculdade de Medicina do Hospital de Santa Maria, dar-lhe 15 contos e mandá-lo para Freixo de Espada-à-Cinta. Como é que ele vai viver, como é que ele se vai instalar?
Portanto, ou o internato geral mantém o sistema actual, ou passa a subsídio e os estudantes fazem o internato geral nos hospitais onde tiraram o seu curso.
Pergunta-se qual é o problema. O verdadeiro problema, que está aqui a ser escamoteado, foi o de não ter havido a coragem de, na correspondência de um Serviço Nacional de Saúde, que se pretendia que criasse o pleno emprego médico, se fazer um números clausus adequado nas admissões às faculdades. E a que é que assistimos? Assistimos a este drama da juventude que está a frequentar cursos de Medicina: P2 actuais, que terminaram o internato geral em Dezembro último, passando a P3, são 1159; P1, que vão frequentar o segundo ano de internato geral e que passam a P2, são 973...

O Sr: Presidente: - Sr. Deputado, terminou o seu tempo, pelo que lhe agradecia que concluísse o seu pensamento.

O Orador: - Vai ser difícil, Sr. Presidente. Em todo o caso, vou tentar.
São cerca de 980 os P-zeros actuais, mas estão mais 5000 jovens nas faculdades de Medicina (contando desde o primeiro ao último ano), e neste momento estão já preenchidos os quadros de clínica geral com cerca de 7000 clínicos gerais e mais 5700 das antigas caixas de previdência, o que soma 12 700 clínicos gerais. Segundo um relatório de 1984, publicado em 1985, existe neste momento a ridicularia de cerca de 5721 médicos nos hospitais centrais e à volta de 2000 nos hospitais distritais, para além dos policlínicos, que são neste momento, em frequência, 4833.
A questão não está em fazer pagar o justo pelo pecador. O pecador foi o Estado que não soube fazer a planificação.
Um outro problema grave que se passa nos hospitais é o das urgências. O Sr. Deputado Vidigal Amaro falou em instalações, mas sabe o Sr. Deputado que o último hospital construído em Lisboa foi o de Santa Maria, há 33 anos, e que o último hospital construído no Porto foi o de S. João, há 26 anos?
Temos dois bancos de urgência exclusivamente no hospital de Santa Maria e não é com uma varinha mágica que o Sr. Deputado cria um hospital em Lisboa. A construção de um hospital demora 7 a 10 anos e o

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Sr. Deputado tem conhecimento, por minha boca, nas discussões que tivemos na comissão respectiva, que foi feito um plano a 5 anos.
O Sr. Deputado disse ainda que o Centro de Saúde de Sete Rios foi feito há 10 anos. Não é verdade. O Centro de Saúde de Sete Rios foi entregue no ano passado.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Foi comprado de há 10 anos para cá!

O Orador: - Comprado não, feito.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - De há 10 anos para cá foi o único que foi feito!

O Orador: - Foi o único que foi feito, mas só foi entregue ao Ministério da Saúde em 1985.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - De há 10 anos para cá!

O Orador: - Não. Só foi entregue ao Ministério da Saúde em 1985. Os seus alicerces começaram a ser feitos há 10 anos.
O Sr. Deputado tem toda a razão quando diz que as obras levam muito tempo, mas não culpe o Ministério da Saúde, porque ele não tem nenhuma responsabilidade nisso. O Sr. Deputado sabe perfeitamente que até este Governo - e ainda bem que o fizeram - a Direcção-Geral das Construções Hospitalares estavam no Ministério das Obras Públicas e as obras eram ditadas mais por motivos eleitoralistas do que por qualquer planeamento. O único ministro que fez um planeamento no Ministério da Saúde fui eu e o Sr. Deputado conhece-o.
Pior do que isso, este problema do desemprego médico tem também a ver com uma outra questão: é que há ainda muitos médicos que são ao mesmo tempo funcionários do Estado e convencionados do Estado e que atrofiam os serviços, impedindo que eles funcionem para que se justifique o abuso das convenções. Aí reside um grande problema.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, embora compreenda a sua posição, tenho de lhe cortar a palavra e, por isso, solicito-lhe que termine a sua intervenção.

O Orador: - O Sr. Presidente tem toda a razão. Agradeço a V. Ex.ª a sua benevolência.
Queria só chamar a atenção da Câmara de que esta minha intervenção visava apenas dizer que este é um problema gravíssimo e seríssimo do nosso país. Temos cerca de 8000 jovens sem destino e para eles temos de encontrar uma resposta. É um problema que não é compatível com discursos nesta Câmara a propósito das assistências que os jovens médicos possam ter. Isto é trabalho de fundo que tem de ser feito na respectiva comissão parlamentar, como aliás já tive ocasião de propor.

Aplausos do PS, do PSD, do PRD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Maldonado Gonelha, devo informá-lo de que, embora a Mesa tenha sido ela própria benevolente, também o foi porque o CDS lhe cedeu algum tempo.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Peço a palavra, para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Acontece que o Sr. Deputado Maldonado Gonelha não tem tempo para responder, Sr. Deputado.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Sr. Presidente, o PSD concede ao Sr. Deputado Maldonado Gonelha 2 minutos do seu tempo para ele poder dar a resposta, se entender dever fazê-lo.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Fica tudo em família!

O Sr. Presidente: - Com certeza. Lembro-lhe, contudo, que ainda está inscrito para intervir um Sr. Deputado do PSD.

O Sr. Malato Correia (PSD): - De quantos minutos dispõe o PSD, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Dispõe de 8 minutos.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Nesse caso, serei o mais breve possível.

O Sr. Presidente: - Entretanto, o Sr. Deputado Vidigal Amaro também se tinha inscrito, pelo que lhe pergunto para que efeito pretende usar da palavra.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Para exercer o direito de defesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, concedo-lhe primeiro a palavra, Sr. Deputado Vidigal Amaro.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Deputado Maldonado Gonelha, em primeiro lugar, devo dizer-lhe que quase o ia tratando por Sr. Ministro, na medida em que, realmente, V. Ex.ª assumiu aqui a função de ministro. Na verdade, o Sr. Deputado Maldonado Gonelha esqueceu-se de que já não está no Governo, de que hoje é um deputado e até, segundo me parece, de que é um deputado da oposição.
Em relação ao Serviço Nacional de Saúde, parece-me que o Sr. Deputado se esqueceu de que a primeira medida que o primeiro governo AD tomou foi a de anular os decretos regulamentares que permitiam o cumprimento da Lei do Serviço Nacional de Saúde. A verdade é que esta lei nunca mais foi regulamentada e ainda hoje está por cumprir. É esta a questão que toda a Câmara tem de saber e que o Sr. Deputado sabia à partida quando invocou a Lei do Serviço Nacional de Saúde.
A Lei do Serviço Nacional de Saúde tem sido invocada por sucessivos governos para fazerem a política que querem, mas a ela não tem sido dado cumprimento. Esta é que é a questão importante, Sr. Deputado!
Por outro lado, o Sr. Deputado vem falar nesta questão de se pagar aos médicos. Ó Sr. Deputado, evidentemente que a saúde tem custos! O Sr. Deputado é capaz de dizer perante esta Câmara e o povo português que há médicos a mais, que no nosso país os serviços de saúde são bons, que não são necessários mais médicos na província, nos centros de saúde e nos hospitais distritais? O Sr. Deputado é capaz de afirmar isto perante esta Câmara?

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O problema que se põe é o de que, ao não entrarem para as carreiras, os médicos são mandados para a medicina convencionada. Mas a medicina convencionada é paga pelos dinheiros públicos e o Sr. Deputado sabe bem quantos milhões, de contos saem do orçamento da saúde para o sector privado precisamente para pagar as convenções. Ainda na semana passada, no orçamento suplementar aprovado, lá foram mais quase 1 milhão de contos para pagar retroactivos às convenções.
Aqui é que está o problema, Sr. Deputado, e não no facto de haver médicos a mais ou de haver ou não dinheiro. O problema é um problema de fundo. A política de saúde que tem sido sucessivamente seguida pelos diversos governos é no sentido de dizer que o que é público é mau e que o privado é que é bom. Mas a verdade é que atrás do privado estão os grandes "barões" da Ordem dos Médicos, mas deviam ser estes médicos recém-formados a poder exercer a medicina.
Mas a verdade, Sr. Deputado, é que se os serviços públicos trabalhassem eles deixariam de receber nos seus consultórios! O que está em causa é a defesa da medicina privada pelos grandes "tubarões", que tem os seus consultórios cheios porque os serviços públicos, os hospitais, que deviam cumprir como direito à saúde dos portugueses, conforme determina a Constituição, não o fazem, não trabalham. E não cumprindo os serviços públicos as pessoas têm de recorrer ao privado.
É precisamente isso que vimos, os grandes "barões", da medicina defenderem a medicina convencionada. E porquê? Porque eles sabem que esses novos médicos não vão ter lá lugar. Eles apanharão esses lugares enquanto os jovens médicos ficarão no desemprego.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Soares Cruz, pareceu-me que, durante esta intervenção do Sr. Deputado Vidigal Amaro, V. Ex.ª pediu a palavra, pelo que lhe pergunto para que efeito pretende intervir.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, não foi bem durante a intervenção do Sr. Deputado, mas uns momentos antes. Pedi a palavra para pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado Maldonado Gonelha.

O Sr. Presidente: - Certo. Mas como é que o Sr. Deputado resolve o problema dos tempos disponíveis?

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Perguntaria ao Sr. Presidente qual é o tempo de que o CDS dispõe.

O Sr. Presidente: - Dispunha de 3 minutos. Como cedeu 1 ao Sr. Deputado Maldonado Gonelha, dispõe agora de 2 minutos.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sendo assim, dividimos esses 2 minutos irmãmente, ficando ele com 1 minuto para me responder e eu com outro para perguntar.

O Sr. Presidente: - Assim se fará, Sr. Deputado. O Sr. Deputado Maldonado Gonelha pretende dar explicações ao Sr. Deputado Vidigal Amaro?

O Sr. Maldonado Gonelha (PS): - Sr. Presidente, muito honestamente, sou quase ignorante em termos de Regimento.
O Sr. Deputado Vidigal Amaro pediu a palavra em defesa da honra, quando não o ofendi na honra. Agora posso responder-lhe nos mesmos termos?

O Sr. Presidente: - Tem o direito de usar da palavra para dar explicações.

O Sr. Maldonado Gonelha (PS): - Certo, Sr. Presidente, darei explicações.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra Sr. Deputado.

O Sr. Maldonado Gonelha (PS): - Sr. Deputado Vidigal Amaro, a primeira questão é a seguinte: é muito difícil discutir consigo, porque faz sempre críticas - como o PCP -, mas nem sempre as faz bem. E transforma o Serviço Nacional de Saúde numa espécie de varinha mágica que resolvesse os problemas quando estamos a lidar com estruturas anquilosadas, pessoas, vícios e hábitos.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Não é essa a opinião do seu colega de bancada, António Arnault!

O Orador: - Depois, faz acusações que não são fundadas.
Pelo meu lado, digo-lhe que não tenho por hábito enobrecer o que fiz. Mas quem é que criou os cuidados de saúde primários, que constam da Lei do Serviço Nacional de Saúde? Foi o Ministro que os criou. Os outros fizeram discursos, mas eu apliquei-os.
Quem é que criou a Direcção-Geral dos Assuntos Farmacêuticos? Quem é que criou as estruturas de facto que estão na Lei do Serviço Nacional de Saúde? E quem é que disse ao Tribunal Constitucional, em cuja instância estava a suspensão decretada pela AD, que ou bem que aceitamos a justiça - justiça independente, de um órgão do Estado - ou bem que interferimos com a justiça administrativa. Aguardei confiantemente o parecer do Tribunal Constitucional, que repôs a Lei do Serviço Nacional de Saúde. O que é que disse o Ministro da altura, que era eu? Cumpra-se o Serviço, Nacional de Saúde.
Só que o Sr. Deputado também tem consciência de que não bastam as palavras, sendo preciso um trabalho profícuo para o levar a cabo. Tenho a meu favor o ter criado os cuidados de saúde primários e o ter lançado em Lisboa, pela primeira vez, 16 centros de saúde, que já não são caixas. Trabalhei com pessoas competentes, como o Dr. Saklarides e outros, como sabe muito bem. Procurei lançar o centro de saúde de Sete Rios, já noutra filosofia, e o centro da Ajuda.
Isto não se faz de um dia para o outro, nem com discursos e com demagogia, mas com trabalho e silêncio. Usei o silêncio porque não queria polémicas. Bem bastam as polémicas que advenham do trabalho, porque eu sabia que estava a ferir interesses, como foram feridos.
O Sr. Deputado citou as convenções. Só que eu disse o mesmo daquela tribuna. Enquanto funcionários do Estado puderem estar convencionados, as coisas não andam.
Por outro lado, falou em barões da medicina. É mais um espantalho! Dos 30 000 médicos, diga-me quantos barões há. O mal é que esses barões têm muito poder. Pergunto ao Sr. Deputado qual foi nesta Câmara a sua

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iniciativa para alterar o actual Estatuto da Ordem dos Médicos? Nenhuma. Enquanto ele estiver em vigor, também se cumpre.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Malato Correia.
Lembro que o Sr. Deputado Maldonado Gonelha dispõe de 2 minutos, cedidos pelo PSD, para responder.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Sr. Deputado Maldonado Gonelha, concordo praticamente com toda a intervenção que produziu, tanto mais que fui dizendo "muito bem" à medida que ia avançando as suas considerações.
Acompanhei a sua acção no Ministério durante muito tempo. Por isso mesmo, coerente comigo mesmo e com aquilo que o meu partido defende, concordei e continuo a concordar com muitas das acções que V. Ex.ª, então como Ministro, desenvolveu.
Todavia, permita-me fazer um reparo. Neste momento, o problema dos jovens médicos tem que se colocar com a seguinte equação: não havia a possibilidade de ter de despedir 600 médicos este ano? Pergunto: é preferível despedir 600 médicos ou mantê-los, mesmo que a remuneração possa vir a ser um pouco mais baixa?
Hoje, tenho ouvido falar aqui em verbas: "vai ganhar 14, vai ganhar 16, vai ganhar 18". Obviamente que o Partido Social-Democrata não pode estar de acordo - e não estará -, nem certamente o Ministério irá fazer uma redução substancial nas verbas que irá pagar aos jovens médicos. Acho que até é de louvar o esforço que o Governo leve a efeito - e vai com certeza levá-lo -, mesmo que pague um pouco menos e compense a diferença com um pequeno subsídio, do que despedir 600 médicos. Isto é que é real.
O Sr. Deputado está, e todos temos de estar, de acordo comigo, a não ser numa visão socializante da medicina, até porque não é compatível com a nossa Constituição política que um serviço nacional de saúde seja um serviço nacional de emprego, quer seja de médicos, quer de enfermeiros, quer de administrativos. Não é de maneira nenhuma um serviço nacional de emprego.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O saco tem de ser fechado um dia. Até hoje, tem-se metido todos os que têm aparecido.
Inclusivamente, o numerus clausus da Faculdade de Medicina não tem sido cumprido. É óbvio que isso vem a ter uma tradução gravíssima para os Ministros da tutela. O Sr. Deputado conhece-a bem e eu sei que a conhece e que a tentou resolver. Mas, obviamente, há-de chegar a um ponto de ruptura.
A única coisa que eu e o Partido Social-Democrata lhe queremos dizer é isto: não aceitamos que os médicos fiquem a ganhar muito menos do que aquilo que ganham. Aceitamos, sim, que possa haver uma redução do seu vencimento compensada por um subsídio, mas como alternativa à possibilidade iminente de haver um despedimento tout court de cerca de 600 médicos. Contra isso é preferível tomar a posição que o Partido Social-Democrata ou o Ministério irá tomar neste momento.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz.
Como foi acordado, o Sr. Deputado dispõe de 1 minuto para o efeito, cedendo o outro minuto ao Sr. Deputado Maldonado Gonelha, para este responder.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Deputado Maldonado Gonelha, é evidente que grandes e múltiplas divergências de fundo nos separam. Só assim se justifica que V. Ex.ª esteja sentado nessa bancada e eu nesta.
No entanto, quero dizer-lhe, cumprimentando-o pelo facto, que V. Ex.ª fez hoje uma intervenção muitíssimo honesta. Assim, sim. E é pena que muitas vezes estas atitudes não se repitam nesta Câmara, porque, de alguma forma, a Assembleia da República poderia contribuir para resolver os problemas nacionais.
Todavia, considero que, quando colocou as duas opções para resolver o problema dos jovens médicos, V. Ex.ª colocou uma segunda que, quanto a mim, não tem aplicabilidade prática. É sobre este aspecto que gostaria de o interpelar: considera que é possível instalar os jovens médicos nos hospitais que têm sedes de universidades? Alguma vez é possível proceder dessa forma?
Era apenas este aspecto que queria colocar. Portanto, essa sua opção cai por terra por ser inaplicável.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Maldonado Gonelha, que dispõe de 3 minutos para o efeito.

O Sr. Maldonado Gonelha (PS): - Começo por agradecer ao Sr. Presidente a benevolência com que me tem tratado.
Aproveito para responder a uma questão do Sr. Deputado Vidigal Amaro a que não respondi. Ele disse que eu me tinha esquecido de já não ser Ministro.
Não me esqueci de que já não sou Ministro. Penso que, em democracia, não há distinção nenhuma entre quem é Ministro, quem é deputado e quem é homem público com encargos de governação ou responsabilidade no futuro deste país. As responsabilidades são as mesmas. Estranho seria se eu falasse daqui de maneira diferente daquela com que falaria como Ministro.

Vozes do PS, do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Começando por responder ao Sr. Deputado Soares Cruz, diria que não acredito na segunda hipótese, porque não cabiam nos hospitais onde eles fizeram os cursos, nem fariam formação. Só a coloquei teoricamente como a única alternativa correspondente ao subsídio e para sublinhar, até pelo absurdo, que a única solução é manter o actual regime do Decreto-Lei n.º 310/82.
Respondendo ao Sr. Deputado Malato Correia - perceberá porque respondi em primeiro lugar ao Sr. Deputado Soares Cruz, que não por menos consideração -, direi que os 600 médicos (nem eram bem 600, o que explicarei mais à frente) que disse que estavam a mais eram P2 e estes são P-zeros. Ora, não percebo que se vá poupar no dinheiro dos P-zeros para manter os P2. O problema dos P-zeros e este que acabei de demonstrar.
A segunda solução, que é teórica, não é realizável e não tem sentido, quanto a mim, começar pelos P-zeros. Foi isto o que pretendi dizer dali. Os P-zeros

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estão a concluir a sua formação, pelo que não era por aqui que se começava. O problema dos P-zeros só se colocaria daqui a uns 2 anos, quando eles acabassem o internato geral, no sentido de se saber se tinham ou não emprego no Estado. Agora não há um emprego, mas apenas uma formação que o Estado garante e à qual dá uma retribuição, porque eles dão trabalho.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto aos P2, que são 1159, à solução é outra.
A solução que eu estava a procurar, que transmiti à Sr.ª Ministra e que, segundo penso, está a continuar, embora ainda não tenha tido resultados, refere-se ao facto de termos carência de dentistas e de as nossas escolas de medicina dentária estarem a formar 40 dentistas por ano, que vão todos para a clínica privada, porque esta dá dinheiro. Ora, a solução é fazer com estes clínicos gerais que acabam agora 1 ano ou 1 ano e meio de formação, para eles poderem ir para os centros de saúde onde estão cadeiras vagas e serem médicos dentistas. O mesmo se poderia fazer com os oftalmologistas e pediatras.
Nessa altura, havia 600 lugares nas escolas de medicina dentária, já incluindo as de Coimbra, que eu tinha acordado com elas.
Por outro lado, a correcção à clínica geral dava 100 e o internato complementar mais 100, o que dá 800. Ficavam 360 de fora. Aqui, a grande solução para estes jovens é explorar outros caminhos, incluindo o património do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, a Organização Mundial de Saúde e tanta outra coisa que aí podemos fazer.
Penso que respondi à questão. Os 600 não eram 600, mas 360, e eram P2 e não P-zero.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Malato Correia (PSD): - É verdade, Sr. Deputado Maldonado Gonelha. Mas, se nessa altura faz a transferência do problema para os P2 e resolvia neste momento o problema dos P-zeros, iria agravá-lo daqui a 2 anos para os actuais P-zeros, que iriam ser P2. O problema é certamente o de caberem ou não dentro de um esquema de serviço nacional de saúde todos os médicos que vão sendo formados.

O Orador: - Não, Sr. Deputado.
O problema é o seguinte: os internatos gerais não garantem emprego no Estado, nem são funcionários públicos. O internato geral significa que aqueles jovens que estão ali não podem exercer a profissão se não o fizerem. É só isto.

O Sr. Malato Correia (PSD): - É verdade, é isso!

O Orador: - Enquanto os P2 já têm a profissão, já a podem exercer. O problema que se coloca é o de saber se a exercem ou não como empregados de Estado. O problema é outro. Agora, poupar nestes para garantir os outros como empregados do Estado é um erro.
E os 600, que não são 600, mas 360, de que se necessita são P2. Ora, poupar nos P-zeros para os 360 dos P2 não tem sentido e, além disso, é injusto. Isto porque o que se trata de garantir a estes jovens é o complemento de 6 anos de curso que eles fizeram. Uma de duas: ou eles ficam nos hospitais onde fizeram o curso e estes não os podem aguentar, pelo que teriam de ter um subsídio ou outra qualquer coisa, ou o Estado os manda destacados para a província e, então, paga-lhes. Só que não quer pagar-lhes, mas sim dar-lhes um subsídio de 15 contos, quando eles têm direito a 44. Este é que é o problema.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Mas não conhece o quantitativo!

O Orador: - Conheço, Sr. Deputado. O decreto já está aprovado.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A dramática situação que se vive, no nosso país, no que se refere às carências de sangue terapêutico, acrescida da natural carga emocional trazida pelos perigos que a SIDA apresenta para conjuntos determinados de pessoas deve merecer desta Câmara a maior atenção.
Em todas as épocas, espaços e contextos históricos, sempre o sangue foi identificado como essência da vida e, desde os primórdios da medicina, sempre encontramos referências à transfusão sanguínea.
A transfusão sanguínea representa a aliança indissolúvel da ciência com a vida, possibilitando a qualquer cidadão consciente o desempenho de um dever e de uma responsabilidade efectiva na sociedade, pois é incomensurável o valor humano e moral da dádiva de sangue.
Por esta via, o homem são dá um pouco da sua vida á quem dela necessita.
A dádiva de sangue já não constitui hoje o gesto espectacular dos tempos heróicos das primeiras transfusões, mas antes um gesto normal, perfeitamente integrado no seu quotidiano e no conjunto dos seus deveres cívicos e morais.
Estes belos e correctos conceitos expressos pela Federação Portuguesa de Dadores Benévolos de Sangue estão bem longe de ser uma prática assumida e vivida, por razões estruturais que escapam à intervenção do normal cidadão.
Existe em Portugal um Instituto Nacional de Sangue que não dá resposta às necessidades existentes.
Em Lisboa, com as colheitas obtidas, responde mal às necessidades dos hospitais aí existentes. Uma única delegação deste Instituto, sediada no Porto, esteve inoperante cerca de metade do ano de 1985.
Com este quadro, é natural que, acontecida a tragédia de Alcafache, as pessoas deitem as mãos à cabeça, num gesto de resignada impotência.
É igualmente natural, e a título de exemplo, que, num Hospital Civil de Lisboa, na véspera de Natal, houvesse apenas uma unidade de um determinado tipo de sangue, o que conduz a dramáticos apelos na Comunicação Social, com toda a carga negativa que tal comportamento acarreta. Não se estranha também que hospitais com plasmas ou glóbulos vermelhos em excesso os lancem fora, por desnecessários, enquanto no outro canto da cidade morrem pessoas por carência desses mesmo elementos.

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Não daria jeito neste processo um organismo coordenador? Nas zonas mais afastadas dos grandes centros, onde só abundam o instinto e a vontade de sobrevivência, já que tudo o mais escasseia, quando a doença mais grave bate à porta e, onde aparece uma cunha milagrosa que permite o internamento num hospital mais decente, passados meses, para uma operação que já deveria ter sido feita há anos, abre-se um novo capítulo no fadário já percorrido.
Os familiares dos pacientes são obrigados a arranjar dadores de sangue a quem têm de pagar as despesas de viagens, alimentação e tempo perdido. Ainda recentemente colhia-se 1,3 unidade de sangue por 100 habitantes num total aproximado de 64 000 l.
Para um equilíbrio aceitável, os cálculos internacionais estabelecem 4 unidades por 100 habitantes, o que daria 400 000 unidades, o que corresponde ao triplo do que efectivamente colhemos.
Daqui resultam perdas de vida por falta de sangue, adiamentos de intervenções cirúrgicas, terapêuticas proteladas e dificuldades de obtenção de volume de componentes exigidos pelas várias situações clínicas.
A situação leva à utilização, por vários serviços, de produtos comercializados importados, de elevado custo e de riscos acrescidos para os doentes. Vítimas maiores desta situação são os hemofílicos, pois são tratados com concentrados importados de factor viu, que são potenciais transmissores da SIDA.
Tal perigo resulta do facto de serem obtidos a partir de sangue oriundo de marginais e povos subdesenvolvidos, que estão à mercê dos interesses ignóbeis de multinacionais sem escrúpulos, que, para além de explorarem os dadores, colocam os receptores em alto risco de contracção das mais graves doenças.
O perigo da SIDA é maior pelo facto de 80% dos hemofílicos terem determinados anticorpos, o que significa que estiveram em contacto com o vírus da SIDA transmitido pelos referidos concentrados.
Bastaria haver carros laboratórios, para irem a todas as localidades fazer a recolha necessária e posterior fraccionamento, para evitar a importação de concentrados, o que, aliás, é defendido desde há muito pela União dos Hemofílicos de Portugal, que sempre preconizou o tratamento com derivados de plasma de pessoas saudáveis portuguesas. Já em 1979 foi um membro do governo alertado para o problema, salientando-se os graves perigos para a saúde com os enormes custos para o País, tendo respondido que o problema económico era de somenos importância.
Lembra-se só que são necessários, a seguir-se esta política, 225 000 contos por ano para tratamento de rotina dos hemofílicos portugueses.
Entretanto, todas as colheitas feitas pelo Instituto Nacional de Sangue são utilizadas como sangue total, o que não aproveita ao tratamento dos hemofílicos.
Foi criado um grupo de trabalho para a coordenação dos assuntos relativos à SIDA, que, até ao presente, não apresentou quaisquer conclusões ou sugestões.
Mas será este mais um fatalismo contra o qual não vale a pena lutar?
Poder-se-á modificar a situação existente se tomarmos um conjunto de medidas que estão ao nosso perfeito alcance.
É urgente criar um serviço nacional de sangue, baseado numa correcta política e através da dinamização e responsabilização dos organismos competentes.
Deverão disseminar-se pelo País laboratórios que coordenem a recolha e distribuição de sangue, enviando-o também para as clínicas privadas, evitando-se assim o espantalho da comercialização, já que a colheita pelos serviços oficiais é praticamente benévola, sendo todos os produtos utilizados nos doentes inteiramente gratuitos. O Estado suporta assim as despesas de colheita, preparação e administração.
É necessária a criação de centros de colheita regionais que, numa primeira fase, completem as exigências dos serviços hospitalares e, numa fase mais avançada, constituam a principal fonte de abastecimento, permitam a laboração de centros de fraccionamento e de preparação de reagentes que libertem o País da dependência teórica e económica e permitam o aproveitamento de todos os componentes de sangue colhidos.
Importa organizar os meios de informação e promoção de dádivas, quer a nível central quer a nível periférico, motivando a população. Por outro lado, a dádiva dirigida, familiar, de reposição, face aos aspectos negativos que envolve, deveria constituir apenas uma técnica de recurso.
Deverá ainda disseminar-se a experiência como a vivida presentemente no Serviço de Hematologia do Hospital Geral de Santo António, do Porto, onde existe o sangue necessário para os doentes e onde se faz já o seu fraccionamento em moldes correctos.
É imperioso desenterrar, imediatamente, as conclusões da comissão executiva para a criação do Serviço Nacional de Sangue, que funcionou de 1976 a 1979 e que estranhos desígnios e obseuros interesses impedem a sua concretização, pois não pode haver um correcto Serviço Nacional de Saúde sem um Serviço Nacional de Sangue.
Seria certamente muito eficaz promover-se uma campanha nacional de dádiva benévola, bem como jornadas de colheitas em vários pontos do País.
Urge formar e informar a população escolar do País para esta questão, para que a dádiva benévola seja uma atitude conscientemente assumida desde os bancos da escola.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de terminar, gostaria de salientar o relevante papel desenvolvido pela Cruz Vermelha Portuguesa e, sobretudo, pela Federação Portuguesa de Dadores Benévolos de Sangue, que, actuando com total isenção de objectivos e processos, tem dado a conhecer as necessidades de sangue no País, tem ajudado a esclarecer os seus membros e a população em geral sobre a inocuidade da dádiva e tem proporcionado o aumento do número de dadores através de campanhas de informação e motivação para a dádiva.
Julgo que um estado correctamente organizado, deve prosseguir a política necessária que obedeça a este princípio fundamental: deve ser o sangue a esperar pelo doente e não o doente a esperar pelo sangue.

Aplausos do PRD e do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Roleira Marinho, que dispõe de 5 minutos para o efeito.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No sistema assistêncial português, sempre tiveram significativo relevo e função de primordial importância as Misericórdias, instituições que em Portugal fizeram história e serviram de modelo a outras

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nações. Desde a sua fundação, a elas recorreram os abandonados pela sorte e os que, sem meios, sem família, sem protecção do Estado, precisavam de curar as chagas corporais e até espirituais.
Muitos foram os cidadãos que, animados pelos mais arreigados sentimentos de solidariedade, fraternidade e bairrismo, doaram seus bens, e vultosos bens, a essas instituições, com o único fim de, por esse meio, servirem a colectividade e ajudarem muitos dos seus semelhantes, que, de outro modo, não poderiam usufruir dos benefícios sociais e culturais que a todos deveriam ser assegurados.
Este encontro de vontades deve fazer com que, reflictamos, mesmo que seja por pouco tempo, sobre o percurso das Misericórdias e a postura que o Estado e os cidadãos devem ter para com tais instituições.
A sua liberdade de acção, hoje recuperada, não deve ser tentação para a sua partidarização ou politização, se quiserem. Aí devem convergir as disponibilidades humanas, todas as disponibilidades humanas, no respeito, mais completo dos estatutos que as regem, pois nem sequer faria sentido que aqueles que repudiam a doutrina, de que também as Misericórdias são bastião, aí se instalassem, numa evidente violentação das suas próprias consciências.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta nossa alusão às Misericórdias tem por fim renovar preocupações e tentar encontrar soluções para graves e importantes problemas que as afectam, resultantes sobretudo de compromissos assumidos e acordos estabelecidos que o Estado, o Governo, não cumpriu. E agora, dadas as propostas que nos foram presentes no programa do X Governo Constitucional, que se compromete a "um aproveitamento integral dos recursos existentes, quer em meios humanos, quer em meios materiais", recorrendo à utilização de serviços exteriores à estrutura do Estado; devendo existir uma estreita colaboração entre a iniciativa privada, particularmente as instituições particulares de solidariedade social (e aqui cabem as Misericórdias), devendo por isso o Ministério da Saúde resolver rapidamente a questão das dívidas contraídas com essas instituições, aliás; propósito também constante do Programa do Governo.
Por requerimento de Maio de 1984, solicitei ao Ministério da Saúde algumas informações acerca da dívida do Governo/Misericórdias do distrito de Viária do Castelo, que já nessa altura rondava os 50 000 contos. Passado todo este tempo, nenhuma resposta chegou. E a dívida em quanto se cifrará agora? E que outros agentes estarão suportando custos por as Misericórdias não conseguirem liquidar as suas próprias responsabilidades?
Ainda neste relacionamento, pelo Decreto-Lei n.º 489/82, de 29 de Dezembro, estabeleceram-se normas que possibilitam a devolução às Misericórdias dos hospitais concelhios que haviam sido abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 618/75, de 11 de Novembro, mediante acordo a celebrar caso a caso.
Com base neste diploma e no protocolo firmado entre o então Ministério dos Assuntos Sociais e a União das Misericórdias Portuguesas, de 25 de Fevereiro de 1983, Misericórdias houve que procuraram conseguir a restituição dos seus estabelecimentos hospitalares. Porém, e mais uma vez, um despacho ministerial de Novembro de 1983 refere a criação de um grupo interministerial, a nomear brevemente, para efectuar estudos e apresentar propostas para resolução do problema a nível nacional.
Vão 2 anos cumpridos e desconhecemos qualquer decisão sobre o assunto e até mesmo sobre se houve nomeação da dita comissão. Entretanto, as Misericórdias aguardam e, em muitas localidades, houve ruptura nas relações entre as Misericórdias e os serviços de saúde, privando-se as populações da assistência que lhes é devida e, como sempre, prejudicando fundamentalmente os mais desfavorecidos, os mais idosos e os mais doentes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É urgente, pois, clarificar estas situações e criar as condições mínimas que permitam às Misericórdias sair do "casulo" em que as meteram, resolver o grave problema das dívidas que as atiraram para situações dificílimas na sua gestão. Todos sabemos que, após a usurpação de que foram vítimas em 1975, as Misericórdias, num retomar de fôlego, se lançaram noutros importantes campos de assistência social, como os lares da 3.ª idade e o apoio à infância e aos jovens. E que dizer do lançamento de bairros de habitação social, da recuperação de imóveis de interesse público ou da publicação de edições histórico-culturais?
Pois bem, é então chegado o momento de fazer justiça e de estabelecer novas regras que levem as Misericórdias a serem novamente o luzeiro a quem os necessitados possam recorrer para alívio do sofrimento e encontro da palavra amiga que tantas vezes falta. Nunca estas instituições privadas de solidariedade social deixaram, por si, de cumprir com os objectivos que estiveram nas suas origens e, não fora o poder "usurpador" de um Estado todo-poderoso em época de "revolucionarismo cavalgante" ou o aparecimento de um ou outro dirigente não enquadrado no espírito de serviço que os fundadores das Misericórdias em Portugal haviam ensinado, as Misericórdias teriam continuado ininterruptamente a estar ao lado dos necessitados.
Cumpra agora o Governo aquilo que outros negociaram e se comprometeram e saiba ter um bom relacionamento com as Misericórdias e teremos encontrado um caminho sério de levar melhor assistência e mais justiça social aos meios onde as carências são enormes.
Para terminar, salientamos o facto de, já no orçamento suplementar aprovado na Assembleia da República, se incluírem verbas que se destinam a pagar uma parte das dívidas do Estado às Misericórdias, esperando-se que no corrente ano se possam finalmente saldar tais dividas, demonstrando o Governo o quanto está interessado em cumprir tão rapidamente quanto possível as medidas que preconizou em campanha eleitoral e que constam do Programa aprovado nesta Assembleia, começando já a notar-se uma crescente adesão e apoio da população ao Governo liderado pelo Primeiro-Ministro Prof. Cavaco Silva, pela sincronia entre a palavra e a acção, o que esperamos venha a prosseguir para bem de Portugal e dos Portugueses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Santos. Dispõe de 4 minutos por cedência do MDP/CDE.

A Sr.ª Maria Santos (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perguntei à minha amiga Joana o que era a paz. Ela respondeu-me com a sabedoria dos seus 7 anos, que a vida é a paz.
A Sofia, com os seus olhos a brilhar de sol e que tem amigo caracol, disse: a guerra é triste. É escura como a morte.

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O José, que tem 13 anos e já atravessou o mar azul e subiu ao cimo das montanhas verdes, acrescentou: a paz é uma flor que cresce nos olhos das crianças.
Eles têm razão, Sr. Presidente e Srs. Deputados. Eles sabem que a paz é o bem mais precioso e o direito mais importante do homem.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas isso não aconteceu quando a primeira bomba atómica deflagrou sobre Hiroshima, libertando o monstruoso cogumelo radioactivo, que incinerou centenas de milhares de vidas, corrompeu para sempre milhares de corpos e feriu profundamente a consciência de toda a condição humana. Desde aí, um espectro terrível tem pairado sobre a nossa existência - a ameação de um holocausto nuclear.
Em todo o mundo, atravessamos um momento da história em que é altamente preocupante a crescente corrida aos armamentos e à proliferação de armas nucleares. Os depósitos de explosivos em bombas de hidrogénio existentes bastariam para exterminar, várias vezes, tudo o que é vivo na Terra.
Daí que nos preocupemos que os extraordinários conhecimentos tecnológicos, património de toda a humanidade, capazes de solucionar os mais graves problemas que atingem o homem - potenciais técnicos e criadores suficientes para restabelecer e proteger a natureza - sejam desviados e usados por uns poucos contra todos. E que a corrida aos armamentos consome meios e forças intelectuais, tão necessários à solução dos problemas ecológicos que hoje tanto nos preocupam.
A defesa da paz é hoje uma questão que se nos coloca com toda a premência, pois a "guerra deixou de ser um momento da história, para passar a ser a ameaça do fim da história", e se a "guerra sempre foi a falência da inteligência, a guerra nuclear em vista será o fim da inteligência".
Mas se a hecatombe nuclear se configura como a irracionalidade suprema, a paz deve afirmar-se como a razão dos povos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É preciso acreditar nas crianças!
Isto porque no século nuclear não existe tarefa mais imperiosa que a defesa da vida na Terra e a edificação de uma sociedade liberta da violência. Uma sociedade onde a violência exercida por seres humanos sobre os seus semelhantes e sobre a natureza seja abolida. É que a continuidade da vida no nosso planeta só poderá estar assegurada, se todas as mulheres e homens se envolverem na constituição de uma comunidade mundial, orientada para a preservação deste imenso ecossistema que é a Terra.
Se o desafio nuclear ameaça a humanidade no seu conjunto, a ideia de paz deve tomar a humanidade e transformar-se numa ideia universalista.
Os Verdes estão profundamente empenhados na causa da paz e do desarmamento aos níveis nacional, continental e mundial. Opomo-nos, como sabeis, activamente à corrida armamentista e apoiamos tudo o que se faça no sentido do desarmamento geral, eliminando da superfície do planeta os artefactos de morte: nucleares, biológicos, químicos e mesmo os chamados armamentos convencionais.
A paz e a sua manutenção interessam a todos os homens!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sejamos partidários da vida e de "aquilo que há de mais comum entre um planeta que gira na sua órbita e um homem que pensa", assumamo-nos com determinação e empenho na divulgação da ideia de que a ameaça nuclear é mais iminente do que se julga e de que essa ameaça nos reduziu a todos à mais absurda igualdade.
Se para alguns a paz não passa de "um belo sonho", uma ideia vã e irreal, temos neste Ano Internacional da Paz, através de acções concertadas e unificadoras, de difundir a certeza de que a paz não designa uma ideia ou uma condição entre muitas outras, mas define-se como objectivo da vontade humana.
E porque estas questões não têm fronteiras, tanto nos deve preocupar a passagem e estacionamento frequente de armas nucleares no rio Tejo ou nos Açores, como a instalação de mísseis na Europa, a nuclearização da Península Ibérica ou os acordos para a instalação de uma estação de rastreio em Almodôvar.
Durante os últimos anos, a acção dos movimentos a favor da paz e do desarmamento propiciou uma maior consciencialização para os perigos da guerra. Governos e partidos políticos foram influenciados por esta acção. No entanto, ainda não foram tomadas as decisões políticas concretas que ponham fim à corrida armamentista e consigam o desarmamento.
A Assembleia Geral das Nações Unidas declarou 1986 Ano Internacional da Paz, cujos objectivos estão expressos no programa aprovado por consenso.
Nós, Os Verdes, pensamos que o Parlamento Português tem o dever de defender a paz, tomando as posições que melhor sirvam os interesses do povo, não permitindo que o nosso território se transforme num alvo militar de importância estratégica.
Nós, deputados, temos o dever de agir a favor da vida.
Por isso devemos, neste Ano Internacional da Paz, manifestar a nossa total identificação com a resolução das Nações Unidas, sejam quais forem as nossas posições religiosas e filosóficas, as nossas preferências ou as nossas angústias, pois a defesa da paz é uma realidade que constitui para os indivíduos, para as sociedades e para as civilizações um desafio fundamental.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os Verdes trouxeram aos homens e mulheres da Assembleia da República Portuguesa a paz vista pelas crianças. Saibamos nós, como adultos, respeitar e honrar estas verdades. Vamos buscar à arca da nossa infância os nossos floridos sonhos de futuro e com as nossas mãos do presente façamos a paz - essa grande capacidade de vivenciar o relacionamento que respeite a diferença e promova o equilíbrio harmonioso entre os indivíduos, as comunidades e todas as espécies vivas que connosco partilham o planeta.
Quero que tudo o que amo fique vivo. E a paz eu amei sobre todas as coisas. Que fique sempre a paz florescendo florida, Para que saibam a razão do nosso canto.
Aplausos do PSD, do PS, do PRD, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, nos termos regimentais, a Sr.ª Deputada Maria Santos fez chegar à Mesa um voto de saudação que, segundo informação de que disponho, tem o consenso por parte de todos os grupos parlamentares para ser votado na sessão de hoje.

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É do seguinte teor:

A Assembleia da República Portuguesa vem expressar a sua satisfação pela resolução tomada na Assembleia Geral das Nações Unidas, que declarou 1986 como Ano Internacional da Paz.
Saúda também todos os indivíduos, entidades e organizações portuguesas que, independentemente das suas posições religiosas e filosóficas, se têm assumido inequivocamente na defesa do bem mais precioso e do direito mais importante do homem: o direito de viver em paz.

Assembleia da República, 14 de Janeiro de 1986.

Srs. Deputados, como os tempos estão esgotados, o voto não pode ser posto à discussão, pelo que vamos proceder à sua votação, visto haver consenso.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos à hora regimental do intervalo, pelo que está interrompida a sessão, que recomeçará às 18 horas.

Eram 17 horas e 30 minutos.

Após o intervalo, tomaram assento na bancada do Governo os Srs. Secretários de Estado dos Assuntos Parlamentares (Correia de Jesus) e da Administração Local e do Ordenamento do Território (José Manuel Nunes Liberato).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 25 minutos.

O Sr. Secretário vai proceder à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Secretário (José Manuel Maia Nunes de Almeida): - O relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos é do seguinte teor:

Em reunião realizada no dia 14 de Janeiro de 1986, pelas 15 horas, foram observadas as seguintes substituições de deputados, solicitadas pelo Partido Socialista:

Abílio Aleixo Curto (círculo eleitoral da Guarda) por Carlos Manuel Luís. Esta substituição é determinada nos termos da alínea e), n.º 1, artigo 4.º, da Lei n.º 3/85 (Estatuto dos Deputados), a partir do dia 13 de Janeiro corrente, inclusive.
José Narciso Rodrigues de Miranda (círculo eleitoral do Porto) por José Manuel Leio Ribeiro de Almeida. Esta substituição é determinada nos termos da alínea e), n.º 1, artigo 4.º, da Lei n.º 3/85 (Estatuto dos Deputados), a partir do dia 13 de Janeiro corrente, inclusive.
Manuel da Mata de Cáceres (círculo eleitoral de Setúbal) por Vítor Hugo de Jesus Sequeira. Esta substituição é determinada nos termos da alínea e), n.º 1, artigo 4.º, da Lei n.º 3/85 (Estatuto dos Deputados), a partir do dia 13 de Janeiro corrente, inclusive.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais. Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - António Roleira Marinho (PSD) - Domingos Silva e Sousa (PSD) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - Joaquim Carmelo Lobo (PRD) - Vasco da Gama
Fernandes (PRD) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - José Manuel Antunes Mendes
(PCP) - António José Borges de Carvalho (CDS).

O Sr. Presidente: - O parecer está em discussão.

Pausa.

Como não há inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, do período da ordem do dia consta a discussão da ratificação n.º 47/IV, apresentada pelo PRD, relativa ao Decreto-Lei n.º 288/85, de 23 de Junho, que prevê a fixação, por parte das assembleias distritais, de quadros privativos integrados por pessoal que venha a ser indispensável ao funcionamento dos órgãos distritais.
Para fazer a apresentação, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Srs.. Deputados: Ao fazer o pedido de ratificação do Decreto Lei n.º 288/85, o PRD fê-lo tendo presente as deficientes condições de funcionamento e de enquadramento institucional de serviços dependentes dos órgãos distritais, condições essas que importava, de facto, alterar.
A, iniciativa que o Decreto-Lei n.º 288/85 pressupunha era assim, em princípio, uma acção com que se não podia deixar de concordar.
Contudo e desde logo, foram detectadas importantes lacunas no seu articulado e a sua própria aplicação fez ressaltar outras insuficiências e dificuldades práticas.
Daí que o pedido de ratificação tenha subjacente a ideia de, mantendo os princípios, lhe introduzir todo um conjunto de alterações necessárias, visando a sua maior operacionalidade e adequação às condições concretas do exercício das funções em causa, sem comprometer, naturalmente, as legítimas expectativas dos trabalhadores abrangidos pelas disposições do referido decreto-lei.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: A situação existente caracteriza-se, assim, por algumas assembleias distritais começarem a dar execução ao decreto-lei, enquanto noutros casos o processo se encontra bloqueado em virtude de as assembleias distritais não reunirem por falta de quórum e não tendo, consequentemente, lugar a eventual transferência de serviços e a necessária constituição dos quadros privativos que o referido diploma previa.
O Tribunal de Contas recusou vistos em ordem à integração de funcionários das assembleias distritais em departamentos da Administração com o argumento de falta de decisão própria das respectivas assembleias distritais.
Por outro lado, em certas condições, poder-se-ia impedir o prosseguimento de carreiras no quadro da Administração Pública, coarctando-se assim expectativas legítimas de trabalhadores.
O próprio decreto-lei parece tratar todo o processo como um efectivo instrumento de mobilidade e de colocação de trabalhadores, esquecendo ou minimizando o vector "transferência de serviços", já que é disso que fundamentalmente se trata, a menos que se pressuponha - do que discordamos - a sua eventual extinção.
Também algumas autarquias não desejam - o que por certo se compreenderá - a eventual transferência de funções sem a transferência dos respectivos meios, recusando-se mesmo a comparticipar despesas nos termos do n.º 3 do artigo 1.º, tal situação poderá mesmo indiciar ausência de diálogo com as autarquias sobre tão significativa questão.
Pelas razões expostas, o PRD vai apresentar uma proposta de alteração ao Decreto-Lei n.º 288/85, defendendo, de imediato, a sua baixa à Comissão de Administração Interna e Poder Local por um período de 15 dias.
De igual forma, seria de toda a conveniência indagar junto do Ministério do Plano e da Administração Territorial o sentido e o alcance de trabalhos relativos à Lei Orgânica do Ministério e a forma como estas questões são aí contempladas.
No essencial, as propostas que o PRD defende, em termos de alteração do Decreto-Lei n.º 288/85, tem a ver fundamentalmente com a constituição dos quadros próprios e a definição dos serviços que devem ser transferidos das assembleias distritais.
Assim, determina-se que deverão ser as assembleias distritais a definir quais os serviços que pretendem continuar a assegurar.
De igual forma, a proposta que subscrevemos apresenta todo um conjunto de regras de transição de serviços e pessoal afectos a fins de segurança social, de fomento e de saúde, defendendo-se também, no essencial, que estas transferências se processam através de protocolos, a celebrar entre os departamentos regionais e as assembleias distritais, com a homologação do competente membro do Governo, neles se estabelecendo os prazos de transferência e as condições de uso das instalações e bens móveis adstritos aos serviços e estabelecimentos, bem como a identificação do pessoal que lhes corresponde.
Pretendeu-se também introduzir algumas regras em matéria de transferências financeiras. Assim, cria-se um novo artigo relativo ao regime financeiro transitório em que se defende que, até à revisão da Lei das Finanças Locais, o Orçamento do Estado fixa o montante destinado a compensar os municípios pelo acréscimo de encargos resultantes da aplicação do regime estabelecido com a transferência dos serviços. A distribuição desse montante compensatório pelos municípios seria feita segundo os critérios de repartição do Fundo de Equilíbrio Financeiro.
Também se defende que os encargos com o pessoal que não obtenha colocação nos quadros referidos e os resultantes da manutenção de serviços, relativamente aos quais as assembleias distritais deliberem desonerar-se, continuem a ser suportados através da participação do Orçamento do Estado até que se operem as integrações desse pessoal noutros quadros e se efectuem as transferências de serviços e estabelecimentos para outras instituições, nos termos previstos neste diploma.
Proeurou-se também consagrar neste diploma a questão da titularidade dos arrendamentos, questão que se encontrava também omissa no referido decreto-lei.

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Percheiro.

O Sr. Cláudio Percheiro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate que hoje travamos em torno do Decreto-Lei n.º 288/85, de 23 de Julho, é sequência do trabalho de análise desenvolvido em sede de Comissão de Administração Interna e Poder Local e corresponde à deliberação tomada, por unanimidade, pelo plenário da Comissão, no sentido de serem introduzidas alterações a este diploma.
Historiando sumariamente o processo, a Comissão ouviu o STAL, solicitou informações a diversas assembleias distritais e teve uma reunião com o Sr. Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território.
Deste conjunto de contactos, a Comissão concluiu, como já referimos, por unanimidade, que o Decreto-Lei n.º 288/85, de 23 de Julho, necessitava de alterações que permitissem resolver os bloqueios e dificuldades que a sua aplicação tem vindo a suscitar.
É com esse exacto espírito que nos situamos no presente debate.
Importa assim fazer uma análise detalhada desses bloqueios, dificuldades e resultados inadequados a que conduziu o diploma em apreciação.
Eles situam-se em três zonas fundamentais: em primeiro lugar, na situação dos trabalhadores, na garantia dos seus direitos e interesses (e recordam-se as situações inadmissíveis de salários em atraso, bem como a ameaça de colocação na situação de "excedentes"); em segundo lugar, na área do exercício, das relevantes competências que hoje cabem e são desempenhadas por serviços das assembleias distritais, com significativo impacte junto das populações; em terceiro lugar, nos novos encargos para os municípios, que decorrem da aplicação do diploma.
Com este quadro de dificuldades, Srs. Deputados, não espanta que autarquias e trabalhadores resistam a este decreto-lei. As autarquias, porque entendem ponderar se podem ou não, e se devem ou não, assumir os encargos! Os trabalhadores, porque, na prática, estão a ser atingidos, sem serem consultados, sem serem ouvidos, sem terem possibilidade de participação.
E, neste quadro, o panorama é o que resulta dos exemplos que vou dar: assembleias distritais, tais como Évora, Faro, Leiria, Portalegre, Porto, Setúbal e Vi-

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seu decidem a não criação de quadros privativos, reclamando a discussão com os municípios da matéria em causa não assumindo qualquer encargo; assembleias distritais, como Aveiro, Braga, Bragança, Coimbra e Guarda não reúnem por falta de quórum ou recusam a discussão do ponto da ordem de trabalhos (Decreto-Lei n.º 288/85).
Muitos trabalhadores, face à situação criada, não oferecendo o diploma garantias, não vislumbram colocação noutros serviços. Referimos só como exemplo (e trata-se de números mínimos): Viseu: - 8 trabalhadores; Lisboa - 107 trabalhadores; Braga - 3 trabalhadores; Bragança - 19 trabalhadores; Coimbra - 145 trabalhadores, entre outras assembleias distritais.
Por todas as indecisões referidas, os pedidos de visto efectuados são recusados pelo Tribunal de Contas, pela falta de decisão das assembleias distritais.
E mais grave ainda, largas dezenas de trabalhadores com salários em atraso, agudizando-se a incerteza do salário a partir do corrente mês.
E, Srs. Deputados, muitos dos serviços que as assembleias distritais prestam são relevantes e insubstituíveis, a sua importância junto das populações é notória. São exemplo disso as crianças, os jovens e idosos que vivem em regime de internato nas 5 instituições sociais tuteladas pela Assembleia Distrital de Coimbra - que, como noticiou a ANOP, infelizmente, estão hoje a passar fome e a habitar em instalações, muito degradadas -; os serviços prestados no: dispensário policlínico e serviços materno-infantis em Lisboa; onde exerciam 39 médicos, 2 técnicos de serviço social, 22 técnicos auxiliares, técnicos de radiologia e fisioterapia; os serviços de fomento, que apoiam tecnicamente as autarquias do distrito, elaborando estudos, melhorando as condições de vida das populações.
É neste quadro, Srs. Deputados, que apresentamos as nossas propostas de alteração, que visam precisamente garantir os direitos dos trabalhadores, dos serviços e garantir os direitos das autarquias.
É assim que propomos: "O diálogo" com todos, os responsáveis (poder central, poder local e trabalhadores); "O compromisso" no intuito de se obterem protocolos e formas de financiamento dos serviços a conservar pelas assembleias distritais; "A garantia" da integração de todos os trabalhadores; seu posto de trabalho, sem prejuízos de transição.
Não consideramos as nossas propostas como únicas e as mais perfeitas; entendemos sim que este trabalho, iniciado num quadro de diálogo, na Comissão de Administração Interna e Poder Local, deve prosseguir aí no mesmo sistema. Mas para que esses resultados sejam positivos, nos debates que se seguem, devem participar, de forma activa, as assembleias distritais, e os representantes dos trabalhadores, em termos de se chegar à melhor solução.
Fácil seria aceitar o decreto-lei como uma forma de o Governo se "desembaraçar" do problema das assembleias distritais, mas nós entendemos que não é dever desta Assembleia aceitar o fácil porque é fácil.
Já aqui o Sr. Deputado do CDS Neiva Correia, na anterior legislatura, na reunião plenária de 30 de Maio de 1985, disse, a dado momento, da sua intervenção:

São razões que em consciência me obrigam a trazer aqui, hoje, este protesto em relação a uma situação e a um procedimento que considero escandalosamente ilegais e incorrectos. Fazendo um pouco de história. Estes serviços vieram das antigas juntas distritais, que sucederam às juntasse província quando da extinção deste nível administrativo. Com ele vieram também os serviços de natureza cultural e assistêncial, sendo uns e outros integrados nas assembleias distritais, criadas pela Constituição de 1976 e pela Lei n.º 79/77; que definia as atribuições das autarquias e competências dos respectivos órgãos.
Assim, de acordo com o artigo 295.º da Constituição, enquanto as regiões não estiverem instituídas, subsistirá a divisão distrital. Haverá em cada distrito uma assembleia deliberativa composta por representantes dos municípios, presidida pelo governador civil.
Isto é a lei. Vejamos como procede-o Governo: primeiro, cria um grupo de trabalho para a transferência dos serviços das assembleias distritais para a dependência dos serviços da administração central paralelamente promove-se a instabilidade entre o pessoal - matéria esta que é da competência desta Assembleia da República e não do Governo.
E a questão é essa: é preciso que o problema seja resolvido, mas também é preciso que as funções que são efectivamente exercidas continuem a ser exercidas, com a disponibilidade e a vontade que os trabalhadores vêm a demonstrar e com garantia plena dos seus direitos e interesses!
O poder local sabe assumir as suas responsabilidades. Só que, como a aplicação do Decreto-Lei demonstrou, não as deve assumir por um endosso governamental, feito sem critério, sem legitimidade e sem diálogo.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - No fundo, é disto que tratamos, Srs. Deputados. Nas propostas de alteração que apresentamos é isso que privilegiamos, convencidos de que as reclamações das autarquias e dos trabalhadores terão o devido eco nesta Assembleia!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Abreu Lima.

O Sr. Abreu Lima (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Constituição da República Portuguesa prescreve que, enquanto não forem criadas as regiões administrativas, existe o distrito. A própria Lei n.º 79/77, criada por esta Assembleia, ao abrigo das disposições e competência específicas, determina o mesmo que atrás referi, ou seja, enquanto não estiverem instituídas as regiões, subsistirá a divisão distrital.
A Lei das Finanças Locais diz também, no seu artigo 24.º, que enquanto as regiões administrativas não estiverem instituídas, os distritos são dotados através de uma verba anualmente transferida do Orçamento de Estado e cujo montante corresponde ao das receitas arrecadadas pelos cofres privativos dos governos civis. O Decreto-Lei n.º 288/85, se bem o interpretei e o entendo, não se enquadra - julgo eu - dentro destes princípios que estão especificados. Isto porque a Lei n.º 79/77 atribui expressamente às assembleias distritais competências para elaborar o seu regimento, promover a coordenação dos meios de acção distritais e

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depois, nas alíneas c), d), e) e f) do artigo 87.º especifica quais são as acções de fomento que as assembleias distritais podem desenvolver e com as quais se podem preocupar.
A Lei, n.º 79/77, nas alíneas que há pouco referi do artigo 87.º diz: "Deliberar sobre a criação ou manutenção de serviços que, na área do distrito, apoiem tecnicamente as autarquias", "Dar parecer sobre a criação de zonas de fomento agrícola, industrial e turístico, bem como incentivar o desenvolvimento económico e social do distrito"; "Promover actividades que visem o desenvolvimento dos sectores produtivos"; "Aprovar recomendações sobre a rede escolar no respeitante aos ensinos pré-primários, básico, secundário e médio, bem como coordenar a acção das autarquias locais no âmbito do equipamento social", seguindo-se depois outras alíneas em matéria de desenvolvimento cultural. Isto é, inequivocamente, da competência das assembleias distritais.
Ao ler o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 288/85 dá-me a sensação que ele está em flagrante contradição com isto, quando diz que "estão a funcionar na dependência dos órgãos distritais serviços anteriormente pertencentes às juntas distritais e que, tanto pela sua natureza como pela especificidade requerida pela respectiva gestão, cada vez menos se coadunam com as suas competências". Estão neste caso as actuações no âmbito do fomento - que estão aqui prescritas na lei das atribuições das assembleias distritais -, da Segurança Social e da Saúde.
Ora bem, o problema que coloco é o de como o Governo pode publicar um decreto-lei revogando matéria estabelecida em lei por esta Assembleia, que é por isso da sua exclusiva responsabilidade e que não é da responsabilidade do Governo, salvo se lhe for deferida aqui nesta Assembleia uma autorização legislativa.
Portanto, parece-me que este decreto-lei vem entrar em conflito com estas disposições, que são matéria exclusiva da Assembleia.
O outro facto a considerar é o relativo àquelas matérias para as quais as assembleias distritais venham a criar quadros próprios para o seu desenvolvimento, para a sua realização, sendo esses quadros mantidos por transferências que hão-de vir das autarquias locais.
Isto significa, pura e simplesmente, retirar verbas aos orçamentos das autarquias locais, através da Administração Central, para sustentar estes quadros, quando a própria Lei das Finanças Locais prevê que o sustento destes quadros e as despesas das assembleias distritais devem ser feitas à custa do Orçamento do Estado.
A ideia com que fico é a de que, em lugar de se manter nas assembleias distritais estas matérias, este "fermento" ou esta pequena actividade subjacente ao que há-de vir a ser um poder regional, se pega no que pertence às assembleias regionais - e que pode vir a constituir o substrato de um futuro desenvolvimento regional - e se "despeja" para os órgãos desconcentrados da administração central.
E se os elementos que constituem as assembleias distritais quiserem ficar com alguma coisa, que paguem! ... Isto parece-me querer significar que estamos a cortar aqui a única coisa que já existe para um desenvolvimento regional que me parece fundamental.
Se assim é, o meu grupo parlamentar não pode dar apoio a esta legislação, pelo que terá de aceitar a sua alteração. E quando digo isto, refiro-me à sua matéria, à sua substância, à sua essência.
Entre outras consequências que advêm deste diploma - e já chegaram à Comissão da Administração Interna e de Poder Local diversas reclamações de pessoal das assembleias distritais - refiro o facto de não estarem salvaguardados os direitos destes trabalhadores, na medida em que se não tiveram colocação naqueles serviços que venham a receber actividades provenientes das assembleias distritais - por exemplo, a Previdência, serviços de saúde - eles podem vir a ser integrados num quadro de reserva, vendo assim frustradas as suas expectativas.
São estas as reservas que o meu grupo parlamentar apresenta a este diploma, na comissão participará na apreciação de todos os pontos conducentes ao esclarecimento desta matéria, na sua parte substancial, a fim de evitar situações de injustiça em relação a estes trabalhadores.

O Sr. Presidente: - Para intervenções, estão ainda inscritos os Srs. Deputados Helena Torres Marques e Silva Marques.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Secretários de Estado: O decreto-lei que vem hoje a ratificação, com parecer unânime da Comissão de Administração Interna e Poder Local, tende a resolver um problema grave que vinha a acumular-se e para o qual não foi encontrada resposta.
Não quero cansar os Srs. Deputados com pormenores sobre esta situação. Em sede de comissão terei oportunidade de me referir com algum pormenor a alguns argumentos que foram aqui apresentados, em especial pelo Sr. Deputado Abreu de Lima. Aliás, devo dizer que a Lei n.º 79/77 já foi revogada e que a nova Lei das Atribuições das Autarquias e competência dos respectivos órgãos não fala nas assembleias distritais, precisamente porque não são autarquias.
O problema concreto que está em causa é o de que, sucessivamente, o Orçamento do Estado suporta em termos financeiros o orçamento das assembleias distritais, que, por sua vez, é aprovado pelas câmaras municipais. Ou seja, as câmaras municipais estão a aprovar um orçamento que não financiam. Consequentemente, o que se verifica no final de todos os anos é que, por falta de controle, as verbas nunca são suficientes.
Acontece que os serviços que integram as assembleias distritais são extremamente díspares, resultam dos serviços existentes em cada uma das juntas distritais ao tempo da sua integração e vão desde aeródromos, a serviços policlínicos, a asilos, a serviços de fomento.
Estes serviços não estão a ser dirigidos da forma mais competente, o que é normal, porque as pessoas que estão à sua frente nos governos civis não têm aptidões naturais para gerir este tipo de serviços.
Havia, portanto, necessidade de enfrentar, de uma vez, este problema. Foi isso que este decreto pretendeu fazer, encontrando solução para o problema dos funcionários, que, fundamentalmente, é uma solução para o problema dos funcionários das assembleias distritais.
No fundo, o que diz o diploma é que todos os funcionários das assembleias distritais passam a ter o estatuto dos da administração central e, portanto, têm

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possibilidade de virem a ser integrados noutros serviços da administração. Apenas aqueles que, por vontade das câmaras, se mantiveram ligados às assembleias distritais assim não ficarão.
O entendimento que houve na Comissão de Administração Interna e Poder Local foi o de que os princípios, a essência deste decreto seria de manter. Porém, há alguns aspectos que convirá rever, dado que o decreto é de Julho de 1985 e em muitos casos ainda não foi aplicado.
Foi neste sentido que o Partido Socialista deu o seu voto, para que houvesse unanimidade quanto à ratificação.
Concordamos com o decreto-lei, achamo-lo justo e necessário, e se houverem alterações que possam melhorar o seu espírito, o Partido Socialista estará, aberto à introdução dessas alterações em sede de especialidade.

O Sr. Presidente: - Para pedidos de esclarecimento, estão inscritos os Srs. Deputados Abreu Lima, João Amaral e António Marques.
Tem a palavra o Sr. Deputado Abreu Lima.

O Sr. Abreu Lima (CDS): - Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, diz-me V. Ex.ª que a Lei n.º. 79/77 não está em vigor. É verdade, mas o que eu li está em vigor. Isto é, do artigo 81.º ao artigo 95.º a Lei n.º 79/77 continua em vigor e foi precisamente a isso que me referi, como não podia deixar de ser.
A disposição que regula as assembleias legislativas e que está na Lei n.º 79/77 continua em vigor.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, a questão que lhe quero colocar é relativamente simples e refere-se ao facto de ter havido um entendimento em sede de comissão no sentido de que, dadas as consequências práticas do, decreto-lei, o mesmo careceria de alterações.
Apesar de tudo, há um ponto de partida que me suscita uma certa confusão e que é de considerar que o decreto-lei se basearia na ideia de que, pelo facto de haver uma entidade com certas características - e não vou discuti-las agora -, que utiliza certo tipo de verbas do Orçamento do Estado, disso resultaria um descontrole e uma incorrecta aplicação desses fundos.
É neste ponto exacto que se me suscita uma questão muito simples: então, não é verdade que, em geral, e seja qual for a forma como as verbas vão ter às autarquias, as verbas de que as autarquias dispõem são verbas do Orçamento? Então, pelo simples facto de certo tipo de verbas serem geridas de certa maneira, isso significa descontrole?
Considera ou não que as funções ,que são exercidas pelos serviços das assembleias distritais, são relevantes e que o problema que hoje existe está em lhes encontrar um correcto enquadramento, sem que isso signifique alguma crítica à forma como têm sido geridas as verbas que lhes têm sido entregues?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Marques.

O Sr. António Marques (PRD): - Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, com a publicação do Decreto-Lei n.º 288/85 deu-se uma "machadada" substancial em relação ao que eram algumas prorrogativas dos distritos. Por outro lado, andou-se substancialmente para trás - em vez de uma forma acentuada, termos dado uma contribuição para avançarmos - em relação à tão famigerada e discutida descentralização.
De facto, acaba-se com mais uma organização distrital - não é uma autarquia, porque a Lei n.º 79/77 está de facto revogada -, mas também é um facto que não foi revogado o artigo 295.º da Constituição e parece-me importante ler-se o respectivo ponto 1: "Enquanto as regiões não estiverem instituídas, subsistirá a divisão distrital."
Quer-me parecer que com a publicação do Decreto-Lei n.º 288/85 se exagerou pelo menos numa coisa: o respeito que é devido para com as organizações dos trabalhadores e para com os trabalhadores, que são os elementos que constituem as assembleias distritais, foi flagrantemente violado. Não faria sentido dizer à Sr.ª, Deputada Helena Torres Marques que existe a Convenção n.º 151, a qual devemos evitar ao máximo violar.
Pelo menos uma organização que tem associados em todas as assembleias distritais do País, uma organização de trabalhadores, o STAL, que se interessou vivamente por esta matéria, não foi minimamente respeitado nem ouvido sobre a questão do Decreto-Lei n.º 288/85. Se o tivesse sido, muito provavelmente não estaríamos aqui, hoje, nesta situação.
Veja-se: não basta invocar apenas questões como a da incompetência do Governo para a publicação do Decreto-Lei n.º 288/85, porque, na verdade, as autarquias locais também não foram respeitadas nem ouvidas e vão ter de suportar algumas verbas acrescidas, verbas essas que fatalmente são oriundas do mesmo Orçamento do Estado.
Invocar o Orçamento do Estado para acabar com um orgão distrital como é a assembleia distrital, quando as verbas que lhe vão ser atribuídas têm de ser de novo compensadas pelo Orçamento do Estado, é algo sem sentido.
Portanto, gostaria de perguntar à Sr.ª Deputada Helena Torres Marques se, se cumprisse minimamente e em devido tempo o espírito de abertura e de diálogo através da audição das organizações de trabalhadores, não podia ter sido poupado a esta Câmara algum esforço em relação ao pedido de ratificação do Decreto-Lei n.º 288/85.
Em comissão, onde já foi conseguida uma vitória substancial, estivemos de acordo em que deverão ser introduzidas alterações e melhoramentos substanciais em relação a esta matéria e permito-me insistir com a Sr.ª Deputada em relação à questão da audiência das organizações de trabalhadores, tendo em conta o espírito da Convenção n.º 151.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr. Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Penso que um ponto que deve ficar claro é o de que este decreto-lei não extingue as assembleias distritais, como aqui foi dito, o que, aliás, não tinha qualquer razão de ser. O que acontece é que os serviços de apoio são extremamente díspares e muitas das intervenções que aqui foram feitas resultam de não se saber exactamente como funcionam as assembleias distritais.

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Quem tenha um conhecimento profundo - o que, por dever de ofício, tive de ter - compreende muito melhor o que está subjacente a este decreto-lei.
Pergunta o Sr. Deputado João Amaral se estas verbas não estavam a ser geridas convenientemente e eu pergunto ao Sr. Presidente e aos Srs. Deputados se consideram que é gerir convenientemente um serviço quando, como acontece com a Assembleia Distrital do Porto, se extinguiram os serviços de fomento, que tinham mais de 50 técnicos e se acabou com o edifício onde estes técnicos funcionavam, continuando até ao momento o Ministério da Administração Interna a pagar os ordenados desses funcionários. Isto é gerir bem as verbas?
Acontece que em muitas assembleias distritais o papel dos funcionários é exclusivamente o de processar os respectivos vencimentos - e isto é dito pelos presidentes das assembleias distritais. Em termos específicos, há serviços que funcionam muito bem em assembleias distritais e o objectivo deles é o de serem integrados.
Portanto, estas verbas não estão a ser bem geridas. Há que haver um controle completamente diferente quando as verbas são do Orçamento e encontrar um reforço para estas verbas não depende de quem aprova o orçamento da assembleia distrital, ou seja, das câmaras municipais, mas do Governo.
O que com este decreto-lei se pretendeu foi, pura e simplesmente, dar aos funcionários um estatuto de funcionário da administração central - e todos os funcionários das assembleias distritais consideram que isto foi um grande avanço -, o que era um passo fundamental para se poder deslocar os funcionários que estão a receber ordenado e não estão a trabalhar para outros serviços onde possam vir a ser integrados com estatuto de trabalhadores da administração central.
Um aspecto que gostava que ficasse perfeitamente claro é o de que este decreto-lei não tem nada que ver com a situação que se verificou em algumas assembleias distritais, onde houve atraso no pagamento dos salários. Na realidade, não foi devido à publicação deste diploma que houve atraso na publicação de salários! Houve atraso no pagamento de salários porque o reforço da verba foi cortado pelo Ministério das Finanças e só muito tardiamente foi possível encontrar os meios financeiros para pagar aos funcionários.
Um aspecto que considero muito importante é o de que na Comissão de Administração Interna e Poder Local os representantes de todos os grupos parlamentares disseram que este decreto-lei era muito positivo, mas que, no entanto, havia necessidade de se introduzirem algumas melhorias. Foi, pois, nesse sentido que votámos a favor da ratificação.
Creio que este decreto-lei veio encontrar uma solução de fundo para um problema que se arrastava há longos anos e que estava mal resolvido. Nesse sentido, gostava de chamar a atenção da Câmara para o facto de ainda há pouco, recebendo uma representação do STAL, uma funcionária me ter dito que há 18 anos que era escriturária e há 2 anos que era terceiro-oficial porque não havia evolução nas carreiras nas assembleias distritais por causa do estatuto de pessoal da administração local. Portanto, houve uma melhoria extremamente acentuada, na medida em que actualmente estes trabalhadores têm o estatuto da administração central, têm as suas carreiras e a sua evolução defendidas.
As câmaras municipais também não vão ter necessidade do reforço de verba, a não ser que entendam que há serviços próprios. Se houver serviços próprios, então a responsabilidade e o controle passarão a ser feitos pelas câmaras municipais de uma forma que considero muito mais conveniente.
Creio, pois, que os grandes princípios que este decreto-lei defende estão correctos e se as propostas que vieram da Comissão de Administração Interna e Poder Local forem no sentido de o melhorar e esclarecer, o Partido Socialista estará de acordo com elas.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Decreto-Lei n.º 288/85 referente às assembleias distritais nada tem a ver com remunerações em atraso - são duas coisas completamente diferentes e, portanto, não vale a pena estar a misturá-las. De facto, a Lei n.º 77/79, no que diz respeito às assembleias distritais, não foi revogada - isto a propósito da questão levantada pelo Sr. Deputado Abreu Lima. Simplesmente, estas são duas questões que, na realidade, não têm a ver com o objecto da discussão em causa.
Estamos de acordo com a finalidade e com os princípios do Decreto-Lei n.º 288/85 e, de forma geral, subscrevemos as intervenções produzidas pelos Srs. Deputados Carlos Lilaia e Helena Torres Marques. Também entendemos que há aperfeiçoamentos a introduzir-lhe que poderiam ser discutidos e votados na comissão especializada e acharíamos útil que houvesse um entendimento maioritário sobre este aspecto.
Porém, surge a dúvida sobre se esta matéria poderia ser discutida e votada em termos de especialidade na comissão. Ora, pensamos que assim poderá ser porque a Constituição e o Regimento obrigam apenas a votar na especialidade em Plenário matérias que dizem respeito ao "estatuto e regime financeiro das autarquias" - estes são os termos exactos da disposição constitucional. No entanto, creio que só com grande esforço é que se considerará esta matéria como pertencendo ao estatuto das autarquias. Na verdade, quando foi da revisão constitucional substituiu-se o termo anterior, que era "organização das autarquias" pelo termo "estatuto" para que ficasse bem claro que "estatuto" é a definição dos princípios fundamentais das competências e das atribuições das autarquias e "organização das autarquias" é outra coisa, ou seja, aspectos de funcionamento e de enquadramento de determinados assuntos parcelares.
Creio, pois, esta matéria é susceptível de ser apreciada e votada na especialidade em Comissão, o que seria útil, porque há que colocar claramente a questão de que a finalidade do diploma é boa, os princípios são bons e não se deve gerar a expectativa de que se vai renunciar a esses objectivos e a esses princípios.
E qual é o objectivo fundamental deste decreto-lei que, a nosso ver, é intocável? É o de responsabilizar pelo financiamento quem tem também a responsabilidade da gestão, a fim de que haja uma responsabilidade global. Esse é um princípio fundamental, que já varias vezes temos defendido e por isso parece-nos que o decreto-lei em questão deve ser mantido.
Quanto aos aperfeiçoamentos a introduzir a este diploma, devo dizer que já apresentámos na Mesa diver-

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sãs propostas de alteração que visam duas melhorias fundamentais: uma no que diz respeito aos princípios, isto é, colocar mais salvaguardado o princípio da autonomia decisória das autarquias locais - daí que façamos uma alteração nesse sentido ao artigo 1.º - e outra que visa proteger os interesses dos trabalhadores.
Para além das referências que já aqui foram feitas sobre este ponto, propomos uma alteração que vai no sentido de os funcionários que já se encontram em certos serviços não serem prejudicados, sobretudo quanto à carreira, em relação aos que vierem para esses mesmos serviços. Essa seria uma garantia fundamental a introduzir e das propostas de alteração que apresentámos há uma que visa esse objectivo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esperemos que haja um entendimento maioritário no sentido de corrigir o decreto-lei sem prejudicar a celeridade do processo. Por isso nos parece muito razoável a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Carlos Lilaia no que diz respeito aos 15 dias, pois julgamos que mais tempo será desnecessário.
Antes de terminar, gostaria de repetir que creio que se poderia proceder à votação desta matéria em termos de especialidade na própria comissão.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território (José Manuel Nunes Liberato): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostava de vos dirigir algumas breves palavras para transmitir a posição do Governo quanto a esta matéria.
O Governo está substancialmente de acordo com a filosofia do diploma em questão, que, aliás, é da autoria do anterior Governo. A aplicação do diploma insere-se essencialmente numa política de racionalização de efectivos e, como já aqui foi referido, de responsabilização das entidades que tomam decisões pelos orçamentos que lhes estão atribuídos.
Aliás, devo dizer que fiquei com a convicção de que existe um consenso bastante alargado acerca desta questão, tanto na comissão em que tive oportunidade de participar como no debate que aqui está a ter lugar, como ainda ao nível de associações sindicais com as quais tive oportunidade de dialogar sobre esta matéria. Esse consenso é no sentido de que a filosofia do diploma é correcta e de que ele, efectivamente, dá uma resposta razoavelmente adequada à problemática das assembleias distritais.
Contudo, parece-me que é razoável e adequado introduzir algumas melhorias no articulado do diploma, destacando a este respeito um ponto que se refira à fixação de um prazo a partir do qual se esclarece o que acontece quando há ausência de decisão por parte da assembleia distrital.
Neste caso, pode interpretar-se que a assembleia distrital renuncia aos direitos de constituir o quadro, mas julgo que seria muito útil esclarecer o sentido do diploma nesta matéria.
Gostava ainda de transmitir à Câmara que o Governo tudo fará para evitar que se verifiquem hiatos no funcionamento dos serviços de interesse público que actualmente estão cometidos às assembleias distritais.
Para terminar, acrescento ainda que o Governo está naturalmente disposto a colaborar com a Assembleia na busca da melhor solução para este problema.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação à matéria que aqui está a ser discutida, do nosso ponto de vista e embora de uma forma diferente do que disse o Sr. Deputado Silva Marques, estabeleceu-se uma unanimidade no sentido de que o decreto-lei mereceria alterações.
Da nossa parte queremos afirmar uma inteira disponibilidade para que estas alterações sejam introduzidas com vista à resolução dos problemas.
Porém, o simples facto de, pela nossa parte e por unanimidade de todos os grupos parlamentares, se considerar que o decreto-lei merece alterações, leva a considerar com reservas a afirmação que foi feita de que o diploma será muito positivo. O decreto-lei será o que for, nomeadamente ele será o que for - positivo ou negativo - a partir da lei de alterações que for aprovada em sede de Comissão de Administração Interna e Poder Local.
Pela nossa parte, registamos como positivo o que aqui foi afirmado pelo Governo no sentido de que tudo fará para que as funções relevantes exercidas pelos serviços das assembleias distritais sejam mantidas. Estamos convencidos que isso significará também que serão garantidos aos trabalhadores os direitos que hoje têm e a disponibilidade que manifestam para exercer essas funções, e estamos igualmente convencidos que isso significa que o quadro de soluções que se encontrar - que obviamente nada tem a ver com o destino das assembleias distritais, visto que ele decorre da regionalização e tem a ver com os serviços que hoje, por força do mecanismo transitório definido na Constituição, estão na dependência das assembleias distritais - respeitará a autonomia do poder local, respeitará a eficácia dos serviços e os direitos e garantias dos trabalhadores.
É esse o nosso voto e é com esse sentido exacto que entendemos que a Assembleia deu um passo positivo no sentido de encontrar, de uma forma desdramatizada, solução para um problema concreto que foi colocado.
Não se trata aqui de louvar ou criticar o decreto-lei, mas sim de encontrar soluções adequadas e é com esse espírito que nos situamos nesse debate.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado João Amaral, custa-lhe tanto louvar uma iniciativa apesar de ela ter vindo da bancada do Partido Socialista? Quando este reconhece a bondade de algo, por que é que não se há-de louvar? Só se é capaz de criticar? No seu comportamento regimental, o Sr. Deputado louva, mas, em termos de discurso, não cede à tentação de ter de criticar uma iniciativa do Partido Socialista quando foi governo, cuja finalidade é boa, o que é unanimemente reconhecido? Quando se trata de louvar, não devemos ter reticências ou restrições em o fazer!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

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O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Silva Marques, o que procurei salientar nesta curta intervenção que fiz - e até peço desculpa ao Sr. Secretário de Estado por ter falado nesta fase do debate porque, realmente, já não valeria a pena - foi o esforço conjunto que existe nas diferentes bancadas parlamentares no sentido de se encontrar uma solução para o problema. É exactamente nesse sentido e com este espírito que não entendo o seu pedido de esclarecimento, a não ser que, como é habitual, considere melhor encontrar pólos... bem, não sei o que é que o senhor quer: o senhor não é Ministro, não é Secretário de Estado... tem pena disso?!
Portanto, vamos ver se nos encontramos naquilo que é preciso fazer no sentido de procurar soluções para os problemas. Foi, pois, com esse espírito e só com esse espírito que salientei que não se tratava de uma questão de encontrar uma posição maioritária, mas sim de definir e esclarecer aqui que esta é uma posição que a Comissão, por unanimidade, em regime de trabalho e com seriedade encontrou, chamando este decreto-lei à ratificação. Portanto, não se trata de o louvar ou criticar o diploma, mas sim de encontrar soluções adequadas.
Não estou aqui a lavar roupa suja, não estou a tentar encontrar pólos de discussão, pelo contrário, estou a pedir a colaboração de todos os grupos parlamentares - e, nomeadamente, a do seu - para que se encontre uma solução adequada na alteração deste decreto-lei e das propostas que apresentaram, já vi que algumas delas tem interesse. Espero, pois, que considere com o mesmo espírito as propostas que apresentamos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado João Amaral, V. Ex.ª reagiu de uma forma excessiva a um pedido de esclarecimento que lhe formulei com a finalidade não de criar um conflito parlamentar, mas, dentro da legitimidade regimental, de lhe fazer ver que estava a diminuir a bondade da iniciativa legislativa que estamos a apreciar, que foi do anterior governo e em que estiveram implicados o Partido Socialista e o Partido Social-Democrata. Portanto, a meu ver, o Sr. Deputado estava a tentar diminuir a bondade desse decreto-lei.
Se o Sr. Deputado não reconhecesse a bondade genérica ou a finalidade genérica do decreto-lei, tinha apresentado aqui uma proposta de recusa da ratificação.
Portanto, se não o fez em termos regimentais, que são os que contam para a definição das posições políticas, foi porque reconheceu a bondade e a finalidade genérica do decreto-lei.
Então, porque é que em termos de simples expressão verbal, isto é, sem consequências finais em termos de processo parlamentar, está a denegrir uma iniciativa em que estiveram implicados o Partido Socialista, o PSD e o anterior governo? Se se tratou de uma iniciativa genericamente boa, porque é que se há-de fazer questão de dizer que ela não era boa e que bons somos nós agora porque, com alterações, vamos realmente transformar em bom o que era mau.
O Sr. Deputado, em termos regimentais, tem uma atitude e no seu discurso tem outra. Com que finalidade? Com uma finalidade extraparlamentar?! Então, nessa altura, o seu discurso não tem sentido! O que quis foi chamar-lhe à atenção, através de um pequeno reparo, para a sua observação de que realmente o decreto-lei, na sua finalidade, não era bom e que agora é que vai passar a ser bom.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Maldonado Gonelha.

O Sr. Maldonado Gonelha (PS): - Sr. Presidente, agora sem benevolência nenhuma, visto o meu grupo parlamentar ter tempo para eu intervir, gostaria de dizer que não esperava intervir aqui hoje, mas, como os Srs. Deputados calculam, esta discussão prende-se com o Ministério da Saúde.
No anterior governo fui Ministro da Saúde, subscrevi este decreto-lei e penso que ele está correcto, com a devida cautela. E a devida cautela, a meu ver, é a seguinte: no Ministério da Saúde quando lá cheguei não se sabia quantos funcionários havia; quando saí havia - e não posso garantir que ainda haja - 89 783 funcionários, dos quais 53% eram administrativos.
O grande problema que aqui se põe é que temos falta de técnicos de saúde e excesso de pessoal administrativo e, portanto, não está em causa neste decreto-lei o pessoal técnico ser absorvido pelos quadros da saúde; mas aí também temos de subdividir, o que vem na sequência da intervenção que fiz ainda há pouco...
Quanto ao pessoal médico, cuidado!... É que há pessoal médico que trabalha nas administrações distritais de saúde - que são, em alguns casos, a transformação das juntas provinciais - e que são simultaneamente funcionários do Ministério da Saúde, logo do Estado, quer nos hospitais quer nos centros de cuidados primários. Ora, esses funcionários não podem ter dois ordenados e vai-se passar com este caso o mesmo que se passou com o Serviço de Luta Anti-Tuberculose, onde havia pneumologistas, por exemplo, no Hospital Pulido Valente ou noutros hospitais que também eram funcionários, com outro ordenado, no Serviço de Luta Anti-Tuberculose. Isto é que não pode acontecer!
Agora há pessoal de enfermagem e outros técnicos paramédicos que não estão nessa situação e que fazem falta aos quadros de saúde para manter esses centros, uma vez transformados em centros de saúde, a funcionar.
Já quanto ao pessoal administrativo - e daí a reserva nesse decreto-lei - será em função das necessidades. Admito que eventualmente apareça alguma necessidade pontual, mas, grosso modo, o que sobretudo há nos serviços de saúde é excesso de pessoal administrativo, 53% dos quadros.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito brevemente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, em relação à intervenção do Sr. Deputado Maldonado Gonelha, a questão das assembleias distritais que aqui está colocada não é, peço que me desculpe, essencialmente a dos serviços de saúde. É a questão dos serviços de saúde, dos serviços de fomento, da participação das autarquias locais no destino dos serviços das assembleias distritais e outras questões. São várias as questões a tratar e essa é uma delas.

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O Sr. Deputado registou a opinião em relação ã um aspecto do problema, apesar de tudo, com um âmbito bastante circunscrito. Disse, contudo, alguma coisa que não será de todo positiva, porque dificilmente se poderá considerar a solução dos problemas que hoje estão envolvidos nas assembleias distritais sem uma correcta consideração dos direitos e garantias dos trabalhadores que aí prestam serviço.
E porque este é um problema central, de alguma forma e com simplicidade, apelava ao Sr. Deputado Silva Marques que o considerasse nos termos exactos em que deve ser considerado: como um trabalho que. podemos fazer em sede de comissão e se houve da minha parte algum excesso na intervenção que fiz há pouco, devo dizer-lhe que não o fiz propositadamente nem com o objectivo de criar dificuldades à solução do problema, ou seja, ao esforço que colectivamente a Comissão pode e deve assumir com, uma boa participação de todos os grupos, para se encontrar um consenso que garanta a autonomia das autarquias, um correcto destino para os serviços, direitos e interesses dos trabalhadores.
E, Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estou convencido que vamos consegui-lo e que o trabalho que temos feito em torno de toda esta problemática - e ,não era fácil fazê-lo - tem demonstrado uma grande convergência de interesses, de capacidades e de possibilidades concretas e reais de se chegar ,a uma solução correcta.
Não estou a criticar o decreto-lei nem estou a louvá-lo, e quando digo isso não estou a diminuir os seus autores. Estou a dizer: há bloqueios ou não? Ha dificuldades ou não? Então tratemos agora de os resolver, em termos satisfatórios, convencidos de que esse é que deve ser o objectivo desta Assembleia.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Maldonado Gonelha.

O Sr. Maldonado Gonelha (PS): - Sr. Deputado João Amaral, a questão é que efectivamente só abordei um aspecto do problema, que foi o problema de algum pessoal. Quando me põe o problema do restante pessoal, da minha parte e da minha bancada, entendemos que os direitos dos trabalhadores e os interesses deles devem ser salvaguardados.
Pus o problema só na perspectiva da saúde, visto não ter sentido ser o orçamento do Serviço Nacional de Saúde a suportar todos os encargos que lhe "chutam" para cima - passe a expressão. E isto na medida em que - e certamente estará de acordo comigo - o problema que se põe é que se temos um Serviço Nacional de Saúde, os cuidados de saúde devem ser todos integrados e depois na sua gestão - e eu próprio o achava embora ainda talvez estejamos longe disso - devem ser transferidos progressivamente para as regiões e para os concelhos, que deverão ter as responsabilidades da sua própria gestão, mas isto deve ser feito conscientemente, sob pena de termos um Serviço Nacional de Emprego e não um Serviço Nacional de Saúde!
Agora, de facto, o que se passa é que no passado estavam cometidas, a certo conjunto de autarquias, competências em várias arcas, designadamente da saúde, segurança social e outras.
Punha-se o problema de não ser competência das administrações distritais ter serviços de saúde e, portanto, houve a preocupação de os passar para o Ministério, da Saúde. Mas, então, devemos dar o "seu a seu
dono". Para o Serviço Nacional de Saúde devem passar os serviços e o pessoal que lhe faz falta, o que não quer dizer que o Estado aliene a sua responsabilidade de tratar justamente os direitos de todos os outros, que não devem estar a cargo de um único departamento e muito menos do Serviço Nacional de Saúde. O Sr. Deputado, certamente, concorda comigo.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - A pergunta que o Sr. Deputado Maldonado Gonelha agora coloca, significa, no fundo, a disponibilidade da bancada do PS para uma solução que, independentemente de poder não ser a mais correcta - a de sobrecarregar o Serviço Nacional de Saúde -, conduza, de uma ou de outra forma, à garantia da sobrevivência de serviços que hoje são prestados e dos direitos e interesses dos trabalhadores que os prestam.
E nesse quadro e de alguma forma com esse espírito, estou convencido de que encontraremos mesmo uma boa solução para alterar o decreto-lei no sentido - já que o Sr. Deputado Silva Marques teme que eu diga alguma coisa menos correcta - de que ele se torne mais positivo do que aquilo que o Sr. Deputado diz que ele é.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições e como este decreto-lei foi apenas submetido a ratificação há propostas de alteração. Entretanto, entrou na mesa um requerimento assinado por deputados de várias bancadas, que diz o seguinte:

Requerimento

Os deputados abaixo assinados requerem a baixa à Comissão da Administração Interna e Poder Local das propostas de alteração ao Decreto-Lei n.º 288/85, com vista à sua discussão e votação. O prazo fixado à Comissão é de 15 dias.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Silva Marques pede a palavra para que efeito?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, apenas para que fique claro que o requerimento solicita a baixa das propostas já apresentadas à Comissão mas que isso não prejudica a baixa de outras propostas supervenientes. Mas como o requerimento está redigido nesses termos é apenas para que fique claro.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, neste momento só se pode pedir a baixa das propostas de alteração que existem. Porém, no seio da Comissão, elas poderão ser objecto de alteração.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr: João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, é para dar o nosso acordo ao Sr. Deputado Silva Marques no sentido de que embora o Regimento limite a baixa à Comissão às propostas apresentadas até este momento, não pomos nenhum obstáculo a que possam ser apresentadas outras propostas em sede de comissão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, embora o Regimento não o diga expressamente parece que essa tem sido sempre a tradição das comissões.

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Vamos votar então o requerimento.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Portanto, visto o requerimento ter sido aprovado por unanimidade, as alterações vão baixar à Comissão.
Srs. Deputados, visto não haver mais matéria a tratar, vou anunciar a ordem do dia para a sessão de quinta-feira, 16 de Janeiro, que terá início às 10 horas da manhã, continuando depois às 15 horas. A sessão de quinta-feira terá período de antes da ordem do dia e, depois, integrados no período da ordem do dia, teremos a eleição para a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, o debate do projecto de lei n.º 88/IV, apresentado pelo PRD, sobre independência da informação televisiva, para o qual foi pedida a urgência e a apreciação na generalidade dos projectos de lei n.ºs 30/IV, do MDP/CDE, 85/IV, do PRD, 96/IV, do CDS e 97/IV, do PSD, sobre a Alta Autoridade contra a Corrupção.
Srs. Deputados, temos na Mesa um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos, cuja leitura é urgente, pelo que peço ao Sr. Secretário o favor de o ler.

O Sr. Secretário (Maia Nunes de Almeida): - O relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos é do seguinte teor:
Em reunião realizada no dia 14 de Janeiro de 1986, pelas 17 horas e 30 minutos, foram observadas as seguintes substituições de deputados, solicitadas pelo Partido Socialista:

Rodolfo Alexandrino Susano Crespo (círculo eleitoral da Europa) por Vítor Manuel Caio Roque. Esta substituição é efectuada a partir do dia 14 de Janeiro corrente, inclusive, por ter sido eleito deputado ao Parlamento Europeu.
Luís Filipe Nascimento Madeira (círculo eleitoral de Faro) por José Apolinário Nunes Portada. Esta substituição é efectuada a partir do dia 14 de Janeiro corrente, inclusive, por ter sido eleito deputado ao Parlamento Europeu.
Joaquim Jorge de Pinho Campinos (círculo eleitoral de Lisboa) por Alberto Manuel Avelino. Esta substituição é efectuada a partir do dia 14 de Janeiro corrente, inclusive, por ter sido eleito deputado ao Parlamento Europeu.
Walter Ruivo Pinto Gomes Rosa (círculo eleitoral de Lisboa) por Mário Nunes da Silva. Esta substituição é efectuada a partir do dia 14 de Janeiro corrente, inclusive, por ter sido eleito deputado ao Parlamento Europeu.
Fernando Manuel dos Santos Gomes (círculo eleitoral do Porto) por Luís Silvério Gonçalves Saias. Esta substituição é efectuada a partir do dia 14 de Janeiro corrente, inclusive, por ter sido eleito deputado ao Parlamento Europeu.
António Antero Coimbra Martins (círculo eleitoral de Vila Real) por José Augusto Fillol Guimarães. Esta substituição é efectuada a partir do dia 14 de Janeiro corrente, inclusive, por ter sido eleito deputado ao Parlamento Europeu.

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.

Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

A Comissão: Presidente: António Cândido Miranda Macedo (PS) - José Augusto Santos Silva Marques (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) -Domingos Silva e Sousa (PSD) - João Domingos Fernandes Salgado (PSD) - Belarmino Henriques Correia (PSD) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Joaquim Carmelo Lobo (PRD) - Ivo Jorge de Almeida Pinho (PRD) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - António José Borges de Carvalho (CDS).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão este relatório e parecer.

Pausa.

Visto não haver inscrições, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
José Filipe Atayde Carvalhosa.

Partido Socialista (PS):

Victor Manuel Caio Roque.
Victor Hugo Jesus Sequeira.

Partido Comunista Português (PCP):

Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.

Centro Democrático Social (CDS):

Eugénio Nunes Anacoreta Correia.
José Augusto Gama.
José Luís Nogueira de Brito.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Narana Sinai Coissoró.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Carlos Alberto Pinto.

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746 I SÉRIE - NÚMERO 22

Fernando Manuel A. Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
João José Pedreira de Matos.
José Assunção Marques.
José Pereira Lopes.
Manuel da Costa Andrade.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário Silva Coutinho Albuquerque.

Partido Socialista (PS):

Alberto Manuel Avelino.
Alfredo José Somera Simões Barroso.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Jorge Alberto dos Santos Correia.
José Apolinário Nunes Furtado.
José Manuel Torres Couto.
José Augusto Fillol Guimarães.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Silvério Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Mário Nunes da Silva.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Raul Manuel Gouveia Bordalo Junqueiro.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Teófilo Carvalho dos Santos.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Aníbal José da Costa Campos.
António Eduardo A. de Sousa Pereira.
António Maria Paulouro.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
Jaime Manuel Coutinho de Silva Ramos.
José Maria Vieira Dias de Carvalho.
José da Silva Lopes.
Maria Cristina Albuquerque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Manuel da Silva Osório.
Carlos Alfredo de Brito.
Domingos Abrantes Ferreira.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
António José Tomás Gomes de Pinho.
João da Silva Mendes Morgado.
José Luís Cruz Vilaça.
José Maria Andrade Pereira.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.

Os REDACTORES: Carlos Pinto da Cruz - Maria Amélia Martins.
PREÇO DESTE NÚMERO 112SOO
Depósito legal'n." 8818/85 IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.
f PORTE PAGO

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