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I Série - Número 30

Quarta-feira, 5 de Fevereiro de 1986

DIÁRIO

da Assembleia da República

IV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1985-1986)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 4 DE FEVEREIRO DE 1986

Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Bastos da Mota Torres
Rui de Sá e Cunha
José Manuel Mala Nunes de Almeida

SUMÁRI0. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão eram 15 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente, da apresentação de requerimentos, da resposta a alguns outros e de vários diplomas.
O Sr. Deputado Andrade Pereira (CDS) abordou algumas questões relativas às assimetrias regionais existentes no nosso pais, designadamente entre o litoral e o interior.
Em declaração política, o Sr. Deputado Marques Júnior (PRD) analisou os resultados da primeira volta das eleições presidenciais e as perspectivas do ponto de vista do seu partido para a segunda volta das mesmas eleições. Respondeu no fim a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados António Capucho e Montalvão Machado (PSD).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Carlos Coelho (PSD) congratulou-se com as recentes medidas tomadas pelo Governo no sector da juventude.
Também em declaração política, a Sr.ª Deputada Zita Seabra (PCP) deu conta à Assembleia dos resultados do Congresso Extraordinário do seu partido, recentemente realizado. Respondeu no fim a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Manuel Queira (CDS) e António Capucho (PSD).
O Sr. Deputado Armando Fernandes (PRD) referiu-se a diversos problemas com que se debatem a generalidade dos hospitais do nosso país.
O Sr. Deputado Ferraz de Abreu (PS) criticou as recentes medidas tomadas pelo Governo quanto à situação dos jovens médicos policlínicos. Respondeu no fim a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Zita Seabra (PCP), Marques Mendes (PSD) e Vidigal Amaro (PCP).
O Sr. Deputado Costa Carvalho (PRD) lamentou o falecimento do jornalista José Reis referindo-se, a propósito, às condições em que os jornalistas desempenham a sua profissão, a que se associaram os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE) e o Sr. Deputado José Manuel Mendes (PCP).
Ordem do dia. - Iniciou-se a discussão do pedido de inquérito parlamentar n. º l/IV, apresentado pelo PCP, sobre actos inconstitucionais e ilegais contra a Reforma Agrária praticados pelo Ministério da Agricultura e pelos serviços dele dependentes, e do projecto de resolução n. º 10/IV, apresentado pelo PS, sobre a criação de uma comissão parlamentar de inquérito à actuação do Ministério da Agricultura no quadro das medidas relativas à Reforma Agrária. Inter-
vieram, a diverso título, os Srs. Deputados João Amaral (PCP) Luís Capoulas (PSD), António Barreto (PS), Narana Coissoró (CDS), Vasco Miguel (PSD), João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), Soares Cruz (CDS), Lopes Cardoso (Indep.) e Guedes Campos (PRD).
Entretanto, foi lido e aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de um deputado do PRD.

O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Monteiro Araújo.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Amândio Anes de Azevedo.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Andrade Azevedo.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Manuel Lopes Tavares.
António Paulo Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arlindo da Silva André Moreira.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Belarmino Henriques Correia.
Cândido Alberto Alencastre Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.

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Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos Silva e Sousa.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Próspero Luís.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Jardim Ramos.
Francisco Mendes Costa.
Francisco Rodrigues Porto.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Luís Esteves Bairrão. ]
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos Abreu Salgado.
João Luís Malato Correia.
João José Pimenta de Sousa.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim da Silva Martins.
José de Almeida Cesário.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Filipe Ataíde Carvalhosa.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Maria Peixoto Coutinho.
José Mendes Bota.
José Mendes Melo Alves.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Licinio Moreira da Silva.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Jorge Cabral Tavares Lima.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel José Marques Montargil.
Manuel Maria Moreira.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Fernando Miranda Relvas.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Aloísio Fernando Macedo Fonseca.
António Almeida Santos.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
António Manuel Ferreira Vitorino.
António Miguel de Morais Barreto.
António José Sanches Esteves.
António Manuel Maldonado Gonelha.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Montez Melancia.
Helena Torres Marques.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Henriques Lopes.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Carlos Pinto B. Mota Torres.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Torres Couto.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Mário Nunes da Silva.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Manuel Gouveia Bordalo Junqueiro.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Rui do Nascimento.
Rabaça Vieira.
Victor Hugo de Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Agostinho Correia de Sousa.
Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
Ana da Graça Gonçalves Antunes.
António Alves Marques Júnior.
António Eduardo A. de Sousa Pereira.
António Lopes Marques.
António Magalhães de Barros Feu.
António Maria Paulouro.
Arménio Ramos de Carvalho.
Carlos Alberto Narciso Martins.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Carlos Artur T. Sá Furtado.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
Bártolo de Paiva Campos.
Eurico Lemos Pires.
Fernando Dias de Carvalho.
Francisco Armando Fernandes.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho.
João Barros Madeira.
Joaquim Carmelo Lobo.
Joaquim Jorge Magalhães Mota.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
José Caeiro, Passinhas.
José Carlos Torres Matos de Vasconcelos.
José Carlos Pereira Lilaia.

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Jaime Manuel Coutinho de Silva Ramos.
José Emanuel Corujo Lopes.
José Luís Correia de Azevedo.
José da Silva Lopes.
José Rodrigo da Costa Carvalho.
Maria Cristina Albuquerque.
Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos.
Rui José dos Santos Silva.
Rui de Sá e Cunha.
Tiago Gameiro Rodrigues Bastos.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Vitorino da Silva Costa.
Victor Manuel Ávila da Silva.
Victor Manuel Lopes Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço da Silva.
António da Silva Mota.
António Manuel da Silva Osório.
António Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Manafaia.
Cláudio José Santos Percheiro.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Francisco Miguel Duarte.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel dos Santos Magalhães.
José Rodrigues Vitoriano.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Margarida Tengarrinha.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
António Filipe Neiva Correia.
António José Borges de Carvalho.
António Vasco Mello César Menezes.
Eugénio Nunes Anacoreta Correia.
Francisco António Oliveira Teixeira.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João Gomes de Abreu Lima.
Joaquim Rocha dos Santos.
José Augusto Gama.
José Luís Nogueira de Brito.
José Maria Andrade Pereira.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Narana Sinai Coissoró.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Manuel do Carmo Tengarrinha.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

Deputados independentes:

António Poppe Lopes Cardoso (UEDS).

Maria Amélia Mota Santos (Os Verdes).

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à leitura do expediente.
Deu-se conta do seguinte

Expediente

Petições

N.º 20/1V - Comissão de Trabalhadores da SOCAR-MAR, E. P., Rua Projectada, à Avenida de Afonso III, lote 3, Lisboa. - Solicitam à Assembleia da República que declare extensiva às empresas públicas a suspensão do imposto complementar - secção 13, relativamente aos lucros de 1983/1984; n.º 21/IV - MDM - Movimento Democrático das Mulheres Portuguesas, Avenida do Duque de Loulé, III, 4.º, Lisboa.- Expressam questões sobre os principais problemas que se colocam às mulheres e formulam várias reivindicações; n.º 22/IV - Construtora do Niassa, Lda, Avenida da Boavista, 900 - Porto. -Expõe a situação da empresa nos domínios económico e financeiro resultante da falta de cumprimento de obrigações por parte de alguns órgãos do Estado; n.º 23/IV - José Carlos Abreu Campos e outros (alunos da Faculdade de Medicina de Coimbra), Coimbra. - Expõem a situação relativa ao internato geral e carreiras médicas, sublinhando as suas preocupações e legítimas aspirações quanto ao seu futuro profissional; n.º 24/IV - Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritório e Serviços do Distrito de Coimbra e Outros, Travessa da Rua Nova, 1, 1.º, Apt. 146, Coimbra. - Expõem a situação da empresa TERMEC - Equipamentos Técnicos de Coimbra, S. A. R. L., solicitando diligências no sentido de prestação de assistência social, económica e financeira; n.º 25/IV - ORT - Cirel - Consórcio Industrial de Refrigerantes, S. A. R. L., Quinta de Mirandela, Linda-a-Velha. - Expõem a situação económico-financeira da empresa e solicitam diligências no sentido da sua viabilização de facto; n.º 26/IV - Carlos Luís Sousa Alves e outros (SUNDELETE - Sociedade Industrial de Plásticos, S. A. R. L.), São Mamede de Infesta. - Expõem a situação da empresa acerca de questões laborais (salários/subsídios, etc.) e pedem sejam adoptadas soluções legislativas de as solucionar e prevenir.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Foram apresentados, nas últimas reuniões plenárias, diversos requerimentos.
Na sessão do passado dia 30 de Janeiro de 1986: ao Ministério do Trabalho e Segurança Social (2), formulados pelo Sr. Deputado Jorge Lemos; ao Governo (3),

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formulados pelo Sr. Deputado Raul Junqueiro; ao Tribunal Constitucional, formulado pelos Srs. Deputados António Tavares e outros; ao Governo (3), formulados pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira; ao Ministério da Saúde, formulado, pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
Na sessão do passado dia 31 de Janeiro de 1986: ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Rui Vieira; ao Ministério da Educação, formulado pelos Srs'. Deputados Raul Junqueiro e Agostinho Domingues; ao Governo, formulado pelos Srs. Deputados Francisco Amaral e outros; a diversos ministérios e às Câmaras Municipais do Porto e da Maia (10), formulados pelo Sr. Deputado António Sousa Pereira; a diversos ministérios (6), formulados pelo Sr. Deputado Francisco Armando Fernandes; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Barros .Madeira; à Comissão de Regimento e Mandatos, formulado pelo Sr. Deputado Ferreira Martins; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado Aloísio Fonseca; ao Ministério da Educação e Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Fillol Guimarães; ao Ministério do Trabalho e Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado Jerónimo de Sousa; aos Ministérios da Indústria e Comércio e do, Trabalho e Segurança Social (2), formulados pelo Sr. Deputado João Abrantes; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação (2), formulados pelo Sr. Deputado Ribeiro Teles.
Foram ainda recebidas as seguintes respostas do Governo a requerimentos que haviam sido apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Raul Castro e José Manuel Tengarrinha nas sessões de. 19 de Novembro e 19 de Dezembro; Armando Fernandes, na sessão de 20 de Novembro e 17; de Dezembro; Francisco Barbosa da Costa, na sessão de 26 de Novembro; João Barros Madeira, na sessão de 28 de Novembro; José Frazão e Jorge Lacão, na sessão de 5 de Dezembro; Jorge Lemos e António Sousa Pereira, na sessão de 20 de Dezembro; Magalhães Mota, na sessão de 9 de Janeiro; Maria Santos, na sessão de 10 de Janeiro:
Deram ainda entrada na Mesa os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 124/IV, da iniciativa dos Sr. Deputados Joaquim Jorge Magalhães Mota e outros, do' PRD, sobre o regime do estado de sítio e do estado de emergência, que foi admitido e baixou à 1.ª Comissão; projecto de lei n.º 125/IV, da iniciativa dos Srs. Deputados António Mota e outros, do PCP, sobre a criação da escola de pesca do Norte, que foi admitido e baixou à 6.ª Comissão; projecto de lei n.º 126/IV, do Sr. Deputado António Borges de Carvalho, do CDS, sobre a extinção da Alta Autoridade contra a Corrupção, que foi admitido é baixou à 1.ª Comissão; projecto de resolução n.º 11/IV, apresentado pelo PSD, sobre a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito aos antecedentes e à situação actual existente na zona de intervenção da Reforma Agrária, que foi admitido e baixou à 6.ª Comissão; proposta de lei n.º 13/IV que concede autorização legislativa para o Governo definir o estatuto jurídico relativo à livre prestação de serviços em Portugal por advogados de outros Estados membros da Comunidade Económica Europeia, que foi admitido e baixou à 1.ª Comissão; proposta de lei n.º 12/IV, que concede ao Governo autorização legislativa para este definir, no âmbito do código das sociedades comerciais; ilícitos criminais e determinar as respectivas sanções penais, que também foi admitido, baixando à 1.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma declaração política, o Sr. Deputado
Andrade Pereira.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Presidente, o que vou fazer é uma intervenção de carácter sectorial e não uma declaração política.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tendo nascido no distrito da Guarda e vivendo, há mais de 20 anos, na cidade da Guarda, não se estranhará que sinta, com particular acuidade, o problema da interioridade ou, dito de outro modo, das assimetrias de desenvolvimento regional, que afectam o nosso país.
O fosso que, em termos de desenvolvimento e níveis de bem-estar, separa as grandes cidades e, de um modo geral, o litoral do interior é abissal. E encerra uma injustiça gritante!
A solidariedade social e a justiça social não devem pôr-se apenas ao serviço das pessoas, mas também ao serviço das regiões. Isto é, se importa fazer com que os pobres sejam cada vez menos pobres, importa também pugnar por que as regiões mais atrasadas o sejam cada vez menos. Ê, aliás, neste sentido que claramente se pronuncia a doutrina social da Igreja.
Ó Programa do actuar Governo - como, de resto, os programas dos governos anteriores - não deixa de reconhecer a necessidade da «definição de um conjunto de medidas de política que são susceptíveis de contribuir para a atenuação das assimetrias regionais».
Por outro lado, todos os partidos, ao menos em períodos de campanha eleitoral, vão anunciando com veemência os seus bons propósitos de tudo fazerem para acelerar o desenvolvimento das regiões mais atrasadas. Só que a concretização desses «bons propósitos» não é eleitoralmente compensadora, na medida em que, dada a crescente desertificação do interior, são justamente essas regiões mais atrasadas as que têm menor número de eleitores. Para além de que - reconhece--se - o problema, porque, endémico, não é fácil de superar.
A verdade, porém, é que os desequilíbrios regionais existentes em Portugal criam uma situação assaz preocupante. Os distritos do litoral a norte de Setúbal (incluindo este) correspondem a pouco mais de 25 % da superfície total do Continente e, no entanto, albergam mais de 70% do total da população, representam 78% do PIB, 85% da produção das indústrias transformadoras e cerca de 78% do produto dos serviços. Estas assimetrias caracterizam-se por uma dinâmica cumulativa, que tem contribuído (e continuará a contribuir, se nada se fizer para inverter o processo) para o agravamento dos diferentes graus de desenvolvimento do País.
Desde logo, em termos de população, continuará a verificar-se um movimento de atracção para as regiões do litoral, regiões industriais, que estão em condições de fornecer melhores serviços básicos e mais oportunidades profissionais, com o consequente movimento de repulsão das zonas interiores.
Situando-nos na Zona Centro do País e dividindo-a em Região Centro Litoral (formada pelos distritos de Aveiro, Coimbra e Leiria) e em Região Centro Interior (formada pelos distritos de Viseu, Guarda e Castelo

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Branco), verifica-se que, em 1981, a densidade populacional era de 145 000 habitantes por km 3 no litoral e de apenas 49,9 milhares no interior, quando em 1960 tinha sido de, respectivamente, 132,7 e 62,9 milhares.
Mas outros indicadores serão, porventura, ainda mais alarmantemente reveladores do atraso do interior. Assim é que, tomando ainda como referência o mesmo quadro espacial (a Zona Centro do País) e o ano de 1981, a taxa de analfabetismo relativamente à população com mais de 10 anos era de 23,7% no interior e de 17,9% no litoral, havia 425 habitantes por médico no litoral e 1610 no interior, consumiam-se 1640 k w/h por habitante no litoral e apenas 998 kw/h no interior.
Esta situação de acentuados desequilíbrios regionais tem profundas raízes históricas que poderão entroncar na expansão marítima do século XV e alimentadas depois, em meados do século XIX, pelo modo como foi conduzida a incipiente industrialização do País. Mas, se boa parte das causas desses desequilíbrios assentam num processo histórico, importa que sobre ele se encontre capacidade de actuação, por forma a invertê-lo.
O mal existe - todos o reconheçam; importa debelá-lo. Não é este nem o tempo nem o modo de apresentar soluções acabadas para resolver o problema posto das assimetrias regionais. Problema que, de resto, não poderá ultrapassar-se de uma penada, com um qualquer toque de magia. Deve, isso sim, encontrar solução num processo eficaz, conduzido sem desfalecimentos e servido por uma forte e positiva vontade política. Ainda assim não deixarei de chamar a atenção do Governo para duas sugestões que, para além de serem em boa medida eficazes, seriam, sobretudo, profundamente justas.
A primeira vai no sentido de potenciar que o investimento privado se localize, preferencialmente, nos concelhos de onde são oriundos os emigrantes, até ao montante das remessas feitas por esses mesmos emigrantes, no ano anterior. Deverá, para tanto, criar-se um quadro legal que permita às empresas (industriais, agrícolas ou de serviços), existentes ou a criar; o acesso ao crédito em condições bonificadas até ao montante das remessas dos emigrantes depositadas em cada concelho. Medida que poderia e deveria ser complementada com incentivos fiscais, por forma a permitir que esses apoios financeiros e fiscais concorressem para determinar que as remessas dos emigrantes fossem prioritariamente beneficiar as suas terras de origem.
Esta sugestão assenta, por um lado, na consciência de que o desenvolvimento está directamente relacionado com o investimento, porque é este que permite estabelecer as condições de base e de alargamento da actividade económica. E porque as regiões do interior e, de um modo geral, as regiões deprimidas são áreas pouco atractivas ao investimento, fundamentalmente devido às insuficientes infra-estruturas económicas e sociais que lhes estão subjacentes, impõe-se potenciar e incentivar o investimento. Potenciar, desde logo, o investimento público, que deve ter em consideração as carências regionais, nos domínios do equipamento social e das redes de transportes e comunicações, por forma a produzir condições para a fixação das populações e para a emersão económica daquelas zonas. Mas incentivar também o investimento privado, seguro que é a localização das indústrias nas zonas deprimidas constitui um factor dinamizador por si e também, em princípio, no sentido de desenvolver o próprio sector agrícola.
Esta sugestão assenta, também, por outro lado, no reconhecimeto de que foi justamente o atraso económico e a, consequentemente, falta de oportunidades que levaram os emigrantes a abandonar, tantas vezes penosamente, as suas terras natais. Ora, a existência de um esquema que tornasse especialmente atractiva a aplicação, em investimentos produtivos, nas próprias regiões, das remessas enviadas pelos respectivos emigrantes, não só representaria uma justa compensação para o sacrifício daqueles como contribuiria para reduzir a própria incidência das causas regionais do fenómeno emigratório. Para além de que é até imoral que o produto do esforço daqueles a quem as carências resultantes do subdesenvolvimento regional obrigaram a abandonar o torrão natal vá contribuir, como hoje contribui (canalizado por intermédio do sistema bancário), para o enriquecimento das regiões mais desenvolvidas, gerando, assim, um empobrecimento relativo, cada vez maior, das suas próprias regiões.
A segunda sugestão que anunciei tem a ver com a possibilidade de fornecer nas regiões menos desenvolvidas, mais concretamente, nas Regiões do Interior Norte e Centro, energia eléctrica com taxa bonificada. É que estas regiões, a juntar ao facto de serem as mais atrasadas, são também aquelas em que as condições climatéricas são mais adversas, com temperaturas tantas vezes negativas.
A óbvia necessidade de aquecimento conduziria a elevados consumos de energia eléctrica e, contudo, como atrás referi, o consumo per capita de electricidade é, no interior, pouco mais de metade do que no litoral.
Subsidiar o consumo de energia eléctrica no interior teria, a par de outras e importantes vantagens, a de contribuir para minorar as consequências da adversidade do clima e, nessa medida, a de reduzir um dos factores de desequilíbrio em matéria de acesso a níveis correspondentes de bem-estar.
São simples sugestões que a conveniência de articulação com outras medidas não recomenda, ao menos por agora, transformar em iniciativas legislativas.
Mas que se espera que o Governo pondere na definição do conjunto de medidas para atenuação das assimetrias regionais, que anunciou no seu Programa.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado
Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Constituição de Abril consagra perfeitamente no seu artigo 127.º que as candidaturas à Presidência da República sejam propostas por 7 500 a 15 000 cidadãos eleitores.
O mesmo é dizer que a Constituição não quis, e muito bem, partidarizar a eleição presidencial e esta é uma das raras ocasiões políticas em que não é obrigatório fazer passar pelos partidos as opções colocadas ao povo português.
O Presidente da República não deve ser um homem e um elemento de perturbação política entre portugueses.
A eleição presidencial escapa, assim, à esfera própria da actividade formal dos partidos, mas é natural que os mesmos - como elementos fundamentais do regime democrático - façam a sua própria apreciação das consequências gerais destas eleições e do que está verdadeiramente em jogo.

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Por isso o PRD tomou posição perante as presidenciais de 1986, por um imperativo patriótico e não por razões de mero cálculo político-partidário.
O PRD, na sua I Convenção, realizada em Tomar, decidiu não apresentar candidato próprio às eleições presidenciais e dar aos seus militantes a liberdade de subscreverem qualquer candidatura, deixando- para momento posterior e adequado a deliberação sobre o apoio a um candidato independente, que se situasse na nossa área e que no entender do partido viesse a justificar tal apoio.
Tal decisão enquadra-se dentro do espírito que animou e anima o PRD e tem, naturalmente, apoio nos próprios estatutos, que consagram grande liberdade aos seus militantes.
Foram muitas e variadas as tentativas para ligar o PRD a candidatos susceptíveis de virem a conseguir o seu apoio, mas a verdade é que fiéis às decisões da sua convenção, o PRD aguardou que o quadro de candidaturas estivesse completo para se pronunciar. Fê-lo no Conselho Nacional, realizado no Vimeiro, depois de, naturalmente, uma discussão realizada a todos os níveis da estrutura do partido.
Das candidaturas em presença, o PRD decidiu apoiar de modo empenhado e com á intervenção das suas estruturas, o candidato independente Dr. Francisco Salgado Zenha, atendendo à grande figura cívica e política do candidato e ao seu programa, que assegurava o exercício digno e rigoroso da função presidencial e garantia a continuação do papel relevante para b prestígio do País, a estabilização democrática e o equilíbrio social desempenhado pelo actual Presidente da República.
A candidatura do Dr. Salgado Zenha era, de facto, a candidatura que nos dava mais garantias de vencer numa segunda volta e de concretizar os valores que entendemos devem enformar a acção do Chefe do Estado. O Dr. Salgado Zenha foi, pois, o principal adversário das forças conservadoras; que tiveram apoios tácticos em áreas de esquerda.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: o PRD quer aliás, prestar a sua homenagem ao Dr. Salgado Zenha; pela dignidade e elevação que imprimiu à sua campanha eleitoral e como se comportou após o reconhecimento dos resultados eleitorais. O Dr. Salgado Zenha, que, contrariamente aos seus opositores, não quer o poder pelo poder, apresentou-se como candidato à Presidência da República por razões cívicas e patrióticas, aliás, na linha de tudo aquilo que tem sido a sua vida, um exemplo de grande envergadura moral, de democrata de sempre, de cidadão digno e respeitado.
Estamos certos de que, para além desses resultados, alguma coisa ficará da sua mensagem política: estabilidade institucional, regionalização, transparência administrativa, tolerância e concórdia entre todos os portugueses, sejam quais forem as suas ideias políticas e religiosas.
O PRD, quer também prestar homenagem à coragem política do general Ramalho Eanes, que assumiu todos os riscos ao apoiar, abertamente e sem reservas, a candidatura que considerou corresponder aos interesses do País e prevenir os perigos que podem ameaçar o regime democrático.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A origem das dificuldades e das várias opções do PRD nesta matéria residiu na impossibilidade constitucional de uma nova candidatura do patriota que é Ramalho Eanes. Teve, pois, o PRD de procurar entre todos os candidatos aquele que melhor garantia a defesa da democracia e da estabilidade institucional e fizemos a nossa opção, na primeira volta, em torno dessa grande figura de democrata e patriota que é Francisco Salgado Zenha.
A sua campanha pautou-se pelo rigor, pela honestidade intelectual, pela recusa firme de todo o vislumbre de demagogia. Infelizmente, a sua personalidade e mensagem política não chegaram com suficiente clareza ao eleitorado português.
Assim, o PRD, que já se viu impossibilitado de apoiar o seu candidato natural, o general Eanes, viu eliminado da disputa o homem com o qual mais se identificava para dotar o País de um regime político democrático ,mais aberto, mais participativo, mais justo e mais tolerante: Salgado Zenha.
As nossas opções estão agora reduzidas. Por isso, há que salvar o essencial. Ora, o que poderá estar em jogo nestas eleições presidenciais é o próprio tipo de regime político para Portugal e, porventura, o próprio 25 de Abril. E quaisquer que sejam as deficiências da, nossa democracia, Portugal jamais poderá inspirar-se em homens da ditadura, nos métodos da ditadura, nos valores da ditadura.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os resultados de 26 de Janeiro reduziram a dois candidatos a escolha de 16 de Fevereiro.
Ë neste quadro, pois, que o partido se propõe tomar posição, certo que, obviamente, nenhum dos candidatos foi apoiado pelo PRD à primeira volta e nenhum preenche todos os requisitos que entendemos necessários para obter, tal apoio. O PRD não pode, porém, de modo nenhum, colocar os dois candidatos à segunda volta no mesmo plano ou considerar que entre eles não há diferenças, atendendo à sua trajectória e ao seu perfil político, à área ideológica de que se reclamam e à garantia na luta pela liberdade.
Por outro lado, o PRD não pode deixar de, independentemente da figura do candidato Freitas do Amaral - e gostaria de sublinhar este ponto -, ponderar que a eventual vitória da sua candidatura pode, porventura, criar um clima e uma dinâmica que conduzam a uma radicalização da sociedade portuguesa, a qual ameaçaria valores fundamentais de tolerância e diálogo e as condições efectivas para a concretização do princípio da alternância democrática.
Assim, o PRD entende que não podem prevalecer as reservas que a outra candidatura justificadamente lhe suscita, nem repetir agora, por sua parte, atitudes que em situações semelhantes ou até porventura mais difíceis, o candidato Mário Soares algumas vezes tomou, designadamente nas presidenciais de 1980. Nestes termos, e atendendo às condições concretas e objectivas, o PRD decidiu, sem prejuízo da liberdade individual uma vez mais reconhecida aos seus militantes, aconselhar o voto para a segunda volta no candidato Mário Soares.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há quem queira Portugal como se o 25 de Abril não tivesse existido, como se a ditadura e os seus homens não tivessem sido derrotados.
Não se concebe que o regime democrático venha a ser dirigido pelos pacientes da ditadura. O Presidente da República é um símbolo e como tal deve ser alguém que se tenha batido contra a ditadura e se tenha empenhado na defesa dos valores que se concretizaram na Revolução do 25 de Abril.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP e do MDP/CDE.

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O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para um pedido de
esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Deputado Marques Júnior, ouvi atentamente a sua intervenção, que é curiosíssima.
Quando dissertou sobre a forma como um partido decide o apoio a uma candidatura presidencial, afirmou que primeiro os militantes desse partido decidem as candidaturas que pretendem apoiar e, depois, é que vem o partido dizer qual delas é a melhor e decidir qual é o apoio que entende prestar a uma candidatura. É perfeitamente surrealista, mas isso é um problema interno do PRD e que eu não quererei comentar mais.
Disse ainda V. Ex.ª que o candidato Salgado Zenha foi o candidato escolhido para o PRD apoiar, entre outras razões, obviamente porque dava garantias ao PRD de ganhar as eleições. Enganou-se e mais uma vez se vai enganar no apoio que decidiu dar, à segunda volta, ao candidato Mário Soares.
Diz V. Ex.ª que, ao contrário dos outros candidatos, Salgado Zenha não quer o poder pelo poder. Portanto, se Salgado Zenha não quer o poder pelo poder, ao contrário dos outros candidatos, isto quer dizer que estes, e designadamente Mário Soares, querem o poder pelo poder. Pergunto, então, por que razão é que VV. Ex.ªs apoiam, à segunda volta, o candidato Mário Soares.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A preocupação de V. Ex.ª, que estou seguro não ser a preocupação do PRD, é, segundo disse, salvar o essencial, salvar o regime. Imputa, por outro lado, à candidatura de Freitas do Amaral um certo radicalismo que pode fazer perigar, penso eu, o regime - penso eu, pela forma como interpreto as suas palavras, claro -, no sentido de regressar a métodos da ditadura.
Sr. Deputado, isso é que é radicalizar! Essa mania de maniqueísmo exacerbado, de que «nós somos os bons e os outros são os maus que vão pôr em causa as conquistas de Abril», esse maniqueísmo é que é radicalização, Sr. Deputado.
Não quererá reponderar essas palavras e repor a verdade, Sr. Deputado?

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marques Júnior: Como já aqui foi referido pelo meu companheiro de bancada, António Capucho, V. Ex.ª na sua alocução referiu que a candidatura do Prof. Freitas do Amaral poderia trazer a radicalização a este país e atirar-nos para campos opressivos de ditadura que ninguém quer.
Como gosto das coisas muito bem explicadas, vinha só solicitar a V. Ex.ª o obséquio de me dizer como e porque é que a candidatura do Prof. Freitas do Amaral radicaliza e como é que ela pode lançar-nos para os campos da ditadura.
Era só isto que queria que me explicasse, mas gostaria, contudo, que o fizesse com factos e raciocínios lógicos.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado António Capucho colocou-me algumas questões, às quais vou procurar responder nesta minha intervenção, que espero que seja suficientemente clara (e se não o for, provavelmente, o defeito será meu).
De facto, o PRD, ao escolher o Dr. Salgado Zenha como o candidato a apoiar entre as candidaturas em presença, entendeu que o referido, candidato reunia o perfil adequado para, no desempenho das funções de Presidente da República, poder garantir e concretizar muitas das esperanças do 25 de Abril que, infelizmente, por circunstâncias várias, ainda não estão concretizadas.
Por outro lado, do nosso ponto de vista, o Dr. Salgado Zenha reunia as condições ideais para derrotar a candidatura do Prof. Freitas do Amaral.
É verdade, no entanto, que o Dr. Salgado Zenha não passou à segunda volta; é verdade que circunstâncias várias, incluindo o facto de a esquerda se encontrar dividida entre várias candidaturas que disputavam o eleitorado de esquerda, levaram a que o candidato que reunia as melhores condições, segundo o nosso ponto de vista, não conseguisse passar à segunda volta. Este é um facto que reconhecemos e sobre o qual não há nada a fazer.
Pensamos, contudo, que era importante que a mensagem do Dr. Salgado Zenha tivesse chegado a todos os portugueses. Cremos, inclusive, que, por deficiências da própria organização da campanha, esta mensagem não chegou a todos os portugueses e lamentamos que assim tenha sido. Contudo, reconhecendo esta derrota, aceitamo-la democraticamente - aliás, nem outra coisa podíamos fazer!
O que eu disse relativamente ao Dr. Salgado Zenha e aos outros candidatos, quanto à questão da luta pelo poder e da luta do poder pelo poder, foi que ficou claramente expresso pelas suas atitudes que, a par de uma atitude cívica e patriótica (e não quero ignorar esta questão), planearam a sua acção para Presidente da República com muito tempo de antecedência - e aqui refiro, nomeadamente, as atitudes que tomaram relativamente aos. partidos em que se situavam e ao poder que desgasta. Ora, estas atitudes, do meu ponto de vista e análise, permitem enquadrar a visão de chegar à Presidência da República com bastante tempo de antecedência.
No que diz respeito, por exemplo, ao Prof. Freitas do Amaral é conhecido que ele se desligou do partido do qual foi fundador e principal responsável e que, depois de ter dito que não se queria candidatar para Presidente da República, admitiu fazê-lo e há muito tempo que anda em campanha eleitoral.
Todos nós reconhecemos que o próprio Dr. Mário Soares, ao longo da sua gestão à frente do governo, se orientou, fundamentalmente, por razões tácticas que tinham a ver, num futuro próximo, com a sua eleição para Presidente da República.

Risos do PSD.

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Relativamente à engenheira Maria de Lourdes Pintasilgo, também é para nós um facto que a candidata, reconhecendo que não tinha grandes hipóteses de poder passar a uma segunda volta, dividiu a área da esquerda e criou dificuldades, naturalmente, na passagem à segunda volta do candidato que o PRD apoiava.
No que diz respeito à questão dos métodos e da radicalização da sociedade portuguesa, penso que poderei responder a essa questão aos Srs. Deputados António Capucho e Montalvão Machado.
Na minha intervenção sublinhei (e fiz questão de sublinhar) que não estava em causa o Prof. Freitas dó Amaral. E fiz questão em sublinhar isto na minha intervenção política, porque estou perfeitamente convencido daquilo que estou a dizer. Penso que será incorrecto dizer que o Prof. Freitas do Amaral, depois do 25 de Abril, não é um democrata ou que é um anti-democrata. Creio que isso seria abusivo! Mas é evidente que a vida de um homem, a vida de um democrata, não se deve, exclusivamente, regular por aquilo que tem sido o seu comportamento depois do 25 de Abril. Um democrata é um homem que, efectivamente, demonstra ao longo de toda a sua vida que luta pelos valores da liberdade e da democracia. E é um facto que antes do 25 de Abril essa não era unia característica especialmente reconhecida ao Prof. Freitas do Amaral.

Aplausos do PRD e do PS.

Mas eu não quero que esta questão venha a perturbar o meu raciocínio. Quando falo na radicalização da vida portuguesa, refiro-me à possibilidade de uma dinâmica de forças, que objectivamente foram derrotadas em 25 de Abril, e que ainda não perderam,; naturalmente, a perspectiva de virem, por formas indirectas, a participar novamente no Poder. Portanto, o radicalismo da direita e a dinâmica da direita numa candidatura deste género pode provocar - e é isto, de facto, que me perturba e assusta - a radicalização da sociedade portuguesa. O perigo reside aí e não na pessoa em si, isolada, do Prof. Freitas do Amaral.

Aplausos do PRD e do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Várias vezes usaram da palavra nesta tribuna jovens deputados, contribuindo para a discussão das grandes questões que se colocam à sociedade e ao Estado numa perspectiva mais gerar ou numa perspectiva mais jovem.
Os deputados da JSD têm protagonizado um papel de destaque e a Câmara habituou-se a ver-nos aplaudir e a propor, mas também a criticar e condenar o que nos parecia menos correcto, mesmo quando do governo fazíamos parte ou o liderávamos.
Nem sempre foi fácil, nem sempre fomos compreendidos, por vezes considerados incómodos ou simplesmente irreverentes. Mas temos, por essa razão, um património de credibilidade que não enjeitamos.
Julgamos, assim, ter contribuído para a projecção da JSD e do PSD e, na medida em que promovemos o debate independentemente das conveniências do poder e aqui expressámos as nossas opiniões, julgamos ter dado um modesto contributo para a dignificação desta Casa, em tempos bem diferentes dos que hoje vivemos
em que a Assembleia da República era acusada de não passar de mera Câmara de ressonância do governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se recordamos aqui este posicionamento é porque, em primeira linha, as críticas que hoje fazemos à forma como o governo conduziu o processo de comemorações do Ano Internacional da Juventude não são de hoje.
Fizemo-las nesta Câmara em 5 de Dezembro de 1984, ,em sede de interpelação ao governo sobre matéria educativa; fizemo-las em 5 de Janeiro de 1985, sob a forma de declaração política no período de antes da ordem do dia; fizemo-las em 12 de Janeiro de 1985, na discussão da resolução da Assembleia da República sobre o Ano Internacional da Juventude; fizemo-las, ainda, em 24 de Maio de 1985, durante a conferência que a Assembleia da República promoveu sobre o Ano Internacional da Juventude.
Significa isto que recordamos o passado, em primeiro lugar, para frisar que temos autoridade moral para hoje usar da palavra e para lembrar que vale a pena recordar o passado quando daí decorrem algumas lições para o futuro.
Não queremos ser extensos em relação à apreciação dó 'Ano Internacional da Juventude, até porque já todas as outras bancadas se referiram a isso desta tribuna.
Mas conviria sublinhar que o governo poderia ter feito três opções: governamentalizar as acções ou suscitar a participação juvenil; promover grandiosas encenações ou contribuir para a resolução dos problemas que afectam hoje os jovens portugueses; fazer ouvir a voz do Estado ou, por alternativa, dar a voz aos jovens.
O governo, que conduziu as acções de comemoração do Ano Internacional da Juventude, escolheu as três piores opções. Não deveria ter sido necessária a experiência traumática da forma como decorreram estas manifestações, para sabermos que outro deveria ter sido o procedimento do governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A este respeito, gostaríamos de comentar cinco medidas anunciadas pelo actual Governo, em conferência de imprensa dada peio Sr. Secretário de Estado da Juventude.
A primeira diz respeito ao estímulo à criação de postos de trabalho para jovens à procura do primeiro emprego e com idade compreendida entre os 18 e os 25 anos. Desde que as empresas celebrem contratos de trabalho por tempo indeterminado, os contratos respeitantes a esses jovens beneficiam, num espaço de 2 anos, de isenção de pagamento de contribuições para a segurança social e para o fundo de desemprego.
E se temos defendido que o problema do desemprego dos jovens só pode ser completamente resolvido no quadro da revisão da legislação laboral, não queremos deixar de sublinhar os aspectos positivos que esta medida pontual não deixará, com certeza, de trazer.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A segunda medida refere-se a um projecto-piloto, intitulado «Garantir aos jovens uma experiência profissional», o que constitui uma primeira aproximação aos benefícios que o Fundo Social Europeu não pode deixar de trazer para minorar o problema do desemprego dos jovens, em particular dos jovens recém-licenciados.

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A terceira medida, Sr. Presidente e Srs. Deputados, refere-se ao relançamento do programa de ocupação de tempos livres para jovens. Durante 1 ano, nesta Câmara, tentámos que o governo reponderasse a sua aplicação - recorde-se, iniciada pelo VI Governo Constitucional e sublinhada pelos VII e VIII Governos Constitucionais.
A quarta medida traduz-se na participação dos jovens em relação ao Conselho Consultivo de Juventude, que o Governo agora criou na dependência da Presidência do Conselho de Ministros, e que contempla, além da participação das organizações de juventude partidárias e não partidárias, uma grande participação do Conselho Nacional da Juventude, que o Governo declara querer reconhecer como parceiro social da Secretaria de Estado da Juventude.
A quinta e última medida refere-se à redução do serviço militar obrigatório, que o Governo anunciou ir propor à Assembleia da República na proposta de lei sobre o serviço militar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Usámos da palavra para nos regozijarmos com as medidas ora tomadas e pelas quais a JSD vinha batendo-se há alguns anos. É certo que não resolvem nem visam resolver a totalidade dos problemas dos jovens. Contudo, não deixa de constituir um passo importante que, dois meses e meio após o Governo sair deste Parlamento com o seu Programa legitimado, parte substancial do Programa do Governo em matéria de juventude seja cumprido.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É um facto que estas medidas se devem, sem dúvida, à dinâmica que o Governo tem sabido imprimir a vários sectores da governação. Contudo, não se pode deixar de sublinhar que se deve também à eficácia da solução que na constituição do Governo vínhamos defendendo da criação de uma Secretaria de Estado da Juventude, junto da Presidência do Conselho de Ministros.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Congratulamos o Governo por seguir na senda certa. Nesta senda contará sempre com o nosso apoio.
Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Igualmente para produzir uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O XI Congresso (extraordinário) do PCP, reunido no passado domingo, veio definir, de forma clara e inequívoca, a posição dos comunistas face à segunda volta das eleições presidenciais. O Congresso considerou imperativo que os trabalhadores, os democratas e patriotas, para derrotarem Freitas do Amaral, votem em Mário Soares.
Pelas suas conclusões, pela forma ímpar como foi preparado, organizado e levado a cabo, este Congresso constituiu uma notável confirmação de um facto fulcral na vida política portuguesa: a força, a capacidade do PCP, os métodos democráticos da sua vida interna, a sua inabalável unidade e o seu papel na nossa sociedade, como força essencial, indispensável e insubstituível na defesa dos interesses dos trabalhadores, da democracia e da independência de Portugal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Convocado com apenas 5 dias de antecedência, o Congresso foi precedido de mais de 800 reuniões, plenários e assembleias de organismos e organizações em que participaram mais de 30 000 militantes. O debate travado foi, porém, muito mais vasto: abrangeu muitos milhares de trabalhadores e democratas que, compreendendo os perigos que pesam sobre a democracia portuguesa, acompanharam com atenção e expectativa as posições do PCP e exprimiram posições e sugestões que se reflectiram nos trabalhos do Congresso. Quem pode acompanhar esses trabalhos não poderá deixar de testemunhar a limpidez do debate, a franqueza como foram expostos os diversos pontos de vista, a firmeza com que foi tomada uma posição difícil. E poderá testemunhar também que se houve emoção neste Congresso (e não alegria), houve, acima de tudo, a consciência clara do alto serviço que é necessário prestar em defesa da democracia portuguesa. Esse serviço será prestado.

Aplausos do PCP.

Em 16 de Fevereiro o PCP dará uma contribuição decisiva para a derrota de Freitas do Amaral, doa a quem doer.
E dói muito às forças que estão por detrás da candidatura revanchista de Freitas do Amaral. Por isso o País pôde assistir nestes dias a uma vergonhosa campanha de intoxicação, intimidação e intriga. Não poupando nenhum meio, procuraram vender a imagem de um PCP dividido, hesitante, disposto até a preferir Freitas.
Um matutino de extrema-direita não hesitou em divulgar que sabia de fonte certa que o Comité Central do PCP iria apelar à abstenção, que daria a vitória a Freitas do Amaral. E foi vê-los afadigarem-se a recordar ao PCP os antecedentes de Mário Soares, a historiar minuciosamente anteriores posições do PCP - tudo para tentarem amarrar-nos à conclusão de que os devíamos ajudar a enterrar a democracia!
Mas logo que perceberam a posição do PCP e tomaram consciência da previsível derrocada dos seus planos não conseguiram esconder o nervosismo. Proença de Carvalho confessou-se de imediato «desiludido» por o PCP não cruzar os braços, logo secundado por Freitas do Amaral numa conferência de imprensa verdadeiramente delirante.
Impressiona e lembra outros tempos aquele dedo e aquele tom acusador, aquele ver em tudo a mão do PCP, aquela forma de pôr em cada opositor o rótulo de comunista.
Decididamente, Freitas do Amaral não suporta opositores: queria o caminho livre para Belém. Por isso, ficou inquieto. E não se conforma...
Há disso provas abundantes.
Tudo estão a fazer para manipular a comunicação social. Consideram excelentes e merecedoras de elogio as brutais formas de discriminação que assinalaram a primeira volta das presidenciais.
E pedem mais.
Continuam a forjar sondagens, falsificam números, para sossegar as hostes e desanimar os incautos.
Antidemocraticamente, procuram empurrar para a abstenção cidadãos que votaram em Salgado Zenha e Lourdes Pintasilgo.

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Lançam intrigas de carácter pidesco sobre pretensos contactos entre a direcção do PCP e elementos do MASP.
Desencadeiam uma desenfreada campanha anticomunista, persecutória e tendente a instigar ódio. E cinicamente vão avisando que se houver, a violência que atiçam não assumem a paternidade.
No passado sábado, frente à sede no PCP, na Avenida da Liberdade, manifestantes freitistas gritaram «Morte aos comunistas» «Soares para a Sibéria». Foram necessários dois carros de som e os esforços do analista de O Diabo, Miguel Júdice, para canalizar avenida abaixo os ímpetos dos freitistas.
Hoje mesmo um semanário que, apoia calorosamente Freitas do Amaral publica, além de várias calúnias e provocações, uma fotomontagem em que Álvaro Cunhal e Mário Soares aparecem vestidos de presidiários, guardados à vista por um guarda de carabina!

O Sr. José Magalhães (PCP): - É odioso!

A Oradora: - Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, este ódio e este clima inquisitória se é, sem dúvida, perigoso durante a campanha eleitoral, muito mais o seria se Freitas do Amaral chegasse - a presidente.
Hipocritamente, enquanto move esta onda de revanchismo e intolerância, Freitas do Amaral afivela a1 máscara de um discurso manso, cheio de bondade e até já fala do 25 de Abril - pela primeira vez na sua vida, creio. Prepara uma campanha cheia de serpentinas,- bisnagas e confetis, mas sem uma ideia política para vender um candidato como quem vende uma pasta de dentes.
Mas os trabalhadores, os democratas não se deixarão enganar! Saberão reconhecer o que está por detrás da candidatura de Freitas do Amaral, perceberão quem lhe dá os apoios, quem o financia, rejeitarão os métodos que cheiram a 24 de Abril no ataque aos adversários, os projectos de concentração do poder e fabricação de uma maioria parlamentar, os planos de subversão da Lei Eleitoral e do próprio regime democrático.
O XI Congresso do PCP, com plena consciência das responsabilidades políticas que sobre os comunistas, e os outros democratas pesam, tomou a decisão de que, para impedir que Freitas do Amaral seja eleito, é necessário votar contra ele, e votar contra ele na presente situação significa votar em Mário Soares. Não perdoares, nem pela sua política, mas contra Freitas do Amaral e para derrotar o seu plano de subversão e de liquidação do regime democrático, dinâmica ultra-reaccionária, fascizante e agressiva da sua candidatura.
Nós confiamos que no próximo dia 16 os democratas os trabalhadores mais uma vez derrotarão os planos subversivos da direita revanchista.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Manuel Queiró e António Capucho.
Tem a palavra o Sr. Deputado; Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Sr.ª Deputada Zita Seabra, louvou V. Ex.ª o enorme esforço, que o* seu partido fez em poucos dias mobilizando milhares de
militantes para levar a cabo um congresso extraordinário. Pela minha parte, como observador obviamente estranho ao Partido Comunista, não posso deixar de admirar esse esforço, tanto mais que ele me pareceu um tanto ou quanto inútil; já que o Congresso chegou rã uma conclusão que já tinha sido anunciada na terça-
feira em conferência de imprensa. Em todo o caso, também como observador obviamente estranho ao Partido Comunista, não posso deixar de registar com agrado-a lufada de ar fresco que percorreu esse Congresso e que se traduziu na existência de dois votos contra na votação da moção final.

Aplausos do PCP e do PSD.

Compreendo perfeitamente que o Partido Comunista sinta necessidade de converter mais uma derrota em mais uma vitória. Apenas não entendo a linguagem do PCP, que continua a insistir em manter uma distância ou melhor; uma alienação evidente entre a realidade e o seu discurso, ao dizer que tem de juntar os seus votos aos 25% da direita para derrotar os 46% da extrema-direita:
Sr.ª Deputada, chamo-lhe a atenção que, a proceder assim, o Partido Comunista vai apenas persistir no seu afastamento progressivo da realidade político-social portuguesa e, ao contrário do que pretende, dos centros de poder.
É evidente que, para vender esta posição à sua clientela, o Partido Comunista precisa de criar um clima de tensão.
Percebo perfeitamente que as personalidades mais importantes do PCP tenham feito questão em assistir, de uma varanda, ao desfile que teve lugar no passado sábado e, provavelmente, a Sr.ª Deputada gostaria que tivessem : sucedido incidentes mais desagradáveis. Porém, infelizmente que não sucedeu nada. Simplesmente, assim como eu não estava à espera de ver o Dr. Álvaro Cunhal de colcha na janela e a atirar confetis; com certeza que a Sr.ª Deputada também não esperava que os manifestantes atirassem «vivas» ao Dr. Álvaro Cunhal.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado, António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr.ª Deputada Zita Seabra, não vou perder tempo a alongar-me com comentários à intervenção de V. Ex.ª designadamente porque a posição do nosso partido quanto a essa matéria é claríssima. Aliás, já tivemos, inúmeras vezes, oportunidade de referir aqui que não nos ofendemos com as palavras que saem das intervenções do PCP quanto à democraticidade daqueles que apoiam a candidatura de Freitas do. Amaral, como é o caso do Partido Social-Democrata. De resto, o PCP não ofende quem quer, ofende quem pode.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador:.- Dir-lhe-ei apenas que não é, obviamente, o Partido Comunista Português que vai obstaculizar, ou impedira caminhada de Freitas do Amaral para Belém.
Para além disso, é evidente que, por muito que se esforce a dar instruções aos seus militantes sobre o sentido de voto, há já experiência na história portuguesa de qual a eficácia dessas instruções, nomeadamente na

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eleição presidencial em que foi candidato Octávio Pato e, recentemente, na primeira volta destas eleições presidenciais, onde se verificou bem que uma enormíssima fatia dos eleitores tradicionais do Partido Comunista não «obedeceram» a essas orientações.
O pedido de esclarecimento que lhe queria fazer, Sr.ª Deputada, era no seguinte sentido: não considera V. Ex.ª que a forma como, ao que parece, no vosso congresso sugeriram aos eleitores comunistas que pusessem a cruz no Dr. Mário Soares, isto é, com uma mão a vendar os olhos e com a outra a tapar a fotografia, é um gigantesco atestado de estupidez passado pelo Partido Comunista aos seus eleitores?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que os dois pedidos de esclarecimento que me foram dirigidos são, no fundo, idênticos nas suas linhas fundamentais, pois enquanto o Sr. Deputado António Capucho falou num grande esforço o Sr. Deputado Manuel Queiró falou num esforço inútil.
Mas o que, no fundo, lhes dói é este esforço que o Partido Comunista está a fazer para intervir nesta situação. É claro que aquilo que os Srs. Deputados do PSD e do CDS gostariam que acontecesse era que o Partido Comunista, nesta conjuntura política, se calasse, se silenciasse, dobrasse os braços e deixasse Freitas do Amaral passar. Mas nós não fazemos isso, e não o fazemos exactamente pelos argumentos que aduzi na minha intervenção, pelo amor que temos à democracia conquistada com o 25 de Abril.
Foi precisamente por isso que, depois de um largo debate interno, tomámos esta decisão. A este propósito gostaria de pegar nas palavras do Sr. Deputado Manuel Queiró - que só revelou nada perceber de democracia - para dizer que não andámos a impor o que quer que seja a cada um dos nossos militantes. O que fizemos foi ouvi-los, deixá-los falar, deixá-los expor as suas opiniões e posições e decidir depois na base de um amplo debate, travado nos dias que antecederam o Congresso e no próprio Congresso.
Por isso mesmo, não temos dúvidas nenhumas de que, ao contrário do que disse o Sr. Deputado António Capucho...

O Sr. António Capucho (PSD): - Permite-me que a interrompa, Sr.ª Deputada?

A Oradora: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr.ª Deputada Zita Seabra, não nos queira convencer de que ouviram os militantes para decidir, porque antes de os militantes decidirem já o público português sabia, pela voz do Dr. Álvaro Cunhal e do vosso líder parlamentar, que iriam dar apoio ao Dr. Mário Soares!

Vozes do PSD: - Ai, vão, vão!...

A Oradora: - O Sr. Deputado só revela que não percebe mesmo o que são métodos democráticos de funcionamento.

Protestos do PSD.

A Oradora: - É evidente que para o Congresso havia uma proposta do Comité Central do PCP, proposta essa que foi amplamente discutida. Por outro lado, é também evidente que o Comité Central do PCP não ia demitir-se de apresentar uma proposta aos seus militantes e de dizer: «A nossa proposta é esta e agora vamos ouvir-vos e discutir.»
Agora, aquilo que o Sr. Deputado gostaria que acontecesse - e que ainda é a sua esperança - era que os nossos militantes revelassem o tal atestado de estupidez que lhes quis passar. Mas perca as esperanças, Sr. Deputado! Como a vida política portuguesa já revelou, o povo sabe escolher e os trabalhadores saberão optar.

Vozes do PSD: - Sabe, sabe!

A Oradora: - No próximo dia 16 os trabalhadores vão, certamente, optar no sentido de defender o regime democrático.

Vozes do PSD: - Ai vão, vão!

A Oradora: - Não tenha qualquer espécie de dúvida quanto a isso, Sr. Deputado!
Agora o que é impressionante, e que creio ser de salientar, é aquilo que os Srs. Deputados não disseram, mas que demonstrei na minha intervenção - como o caso dos esforços que foram feitos para que o desfile não gerasse incidentes -, e que é a ideia política fundamental que aparece na candidatura de Freitas do Amaral: colocar o rótulo de comunista em todos os que estão contra Freitas do Amaral.
Esta é que é a ideia mais grave e mais profundamente ligada ao espírito do 24 de Abril que está patente nas intervenções políticas de Freitas do Amaral e dos seus apoiantes.

Aplausos do PCP, do PS, do PRD, do MDP/CDE e do deputado independente Lopes Cardoso.

A linha política fundamental patente nas conferências de imprensa de Freitas do Amaral e do seu chefe de campanha eleitoral é a de que quem não é freitista é comunista. E o que é mais grave é que tanto o Sr. Deputado António Capucho como o Sr. Deputado Manuel Queiró não disseram uma única palavra sobre isto.

Aplausos do PCP.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para usar do direito de defesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Vai declarar que não é freitista!...

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr.ª Deputada Zita Seabra, estamos habituados a tudo da parte da bancada do Partido Comunista, mas há um mínimo que tem de reconhecer-se nas intervenções do Partido Social-Democrata.
A verdade é que o PSD não utiliza esse tipo de maniqueísmos em relação à segunda volta das presidenciais. Na declaração política que aqui produzi imediatamente a seguir à primeira volta das eleições, a minha bancada

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reconheceu que o adversário que com Freitas do Amaral irá disputar a segunda volta, no que respeita designadamente ao conceito de democracia política, às grandes opções da política externa e de defesa nacional, tinha projectos próximos daqueles que defendemos.
Não admitimos, portanto - desculpe que lhe diga - que a Sr.ª Deputada venha agora insinuar que o nosso maniqueísmo induz a que todos os que são contra Freitas do Amaral são comunistas. Não é nada disso o que se passa, nem tem nada a ver com o juízo que fazemos do apoio - que, para nós, 'é um presente envenenado, eleitoralmente favorável a Freitas do Amaral - do Partido Comunista à candidatura do Dr. Mário Soares.
Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para dar explicações, a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Deputado António Capucho, devo dizer-lhe que registo a demarcação que V. Ex.ª fez relativamente a numerosas declarações, nomeadamente da imprensa afecta ao PSD, ao CDS e à candidatura de Freitas do Amaral, que procuram diariamente veicular esta opinião.
Ainda hoje um matutino ligado a essa área política dizia que a prova disto mesmo estava no inquérito parlamentar que hoje vai ser votado e que é até anterior à primeira volta das eleições presidenciais.
Agora, o que é grave na vida política portuguesa é que o Sr. Deputado faça essa demarcação aqui, na Assembleia da República, mas que fora destas portas a imprensa e os órgãos de comunicação social afectos ao PSD e ao CDS veiculem diariamente esta opinião.
Não foi, aliás, por acaso que o próprio candidato que os Srs. Deputados apoiam disse, na primeira conferência de imprensa que deu logo a seguir à primeira volta, convocada de emergência depois da tomada de posição do PCP - o que é sinal de que não estão tão sossegados como isso -, que «Mário Soares já não é o mesmo». Este é um exemplo de uma das expressões que foram usadas.
O que é fundamental é que se muitas vezes a direita portuguesa aqui dentro se demarca com alguma subtileza, lá fora, na comunicação social que manipula, veicula diariamente opiniões diversas dessa e que exactamente deformam a opinião política das pessoas, dos outros partidos e de outras personalidades políticas.
Creio que este é um dos aspectos mais graves e que mais condiciona o próprio resultado das eleições. E veremos no debate de logo à noite o que é que o vosso candidato vai dizer...

O Sr. Presidente: - Ainda para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Fernandes.

O Sr. Armando Fernandes (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seja-me permitido começar por lembrar algumas passagens da Carta aos Eleitores do Círculo de Sintra, de Alexandre Herculano, porque elas conservam toda a actualidade, porque o pensamento político que lhes está subjacente mantém a sua força e o seu rigor.

Dizia Herculano:

Não receeis que a descentralização seja a desagregação. O governo central há-de e deve ter sempre uma acção poderosa na Administração Pública; há-de e deve cingi-la; mas cumpre restringir-lhe a esfera dentro de justos limites,' e os seus justos limites são aqueles em que a razão pública e as demonstrações da experiência provarem que a sua acção é inevitável. O âmbito desta não deve dilatar--se mais.
A centralização, na cópia portuguesa, como hoje existe e como a sofremos, é o fideicomisso legado pelo absolutismo aos governos representativos, mas enriquecido, exagerado; é, desculpai-me a frase, o absolutismo liberal. A diferença está nisto: dantes os frutos que dá o predomínio da centralização supunha-se colhê-los um homem chamado rei, hoje colhem-nos seis ou sete homens chamados ministros; dantes os cortesãos repartiam entre si esses frutos, e diziam ao rei que tudo era dele e para ele; hoje os ministros reservam-nos para si ou distribuem-nos pelos que lhes servem de voz, de braços, de mãos, pelo partido que os defende, e dizem depois que tudo é do País, pelo País e para o País, e não mentem, O País de que falam é país nominal, é a sua clientela, o seu funcionalismo, é o próprio governo, é a tradução moderna da frase de Luis XIV (L'état c'est moi), menos a sinceridade.
Foi, talvez, longa a citação, mas creio que a propósito.
Subi a esta tribuna para falar, não do país nominal «inventado nas secretarias» e «constituído pelas diversas chamadas do funcionalismo que é, e do funcionalismo que quer e há-de ser», mas do País da realidade, «o País dos casais, das aldeias, das vilas, das cidades, das províncias».
Portugal, é um dos países que gasta pouco com a saúde relativamente a outros países da OCDE, onde a media destes gastos foi de 5,9% em 1984. Entre nós, a. percentagem das despesas do Serviço Nacional de Saúde (SNS) em relação ao produto interno bruto (PIB) foi de 3,3%, enquanto, por exemplo, na Grécia foi de 4%, em França de 6,7% e na Suécia de 9%.
Igualmente preocupante é o facto de aquela percentagem passar de 3,6% em 1977 para 3,7% em 1985, continuando a manter-se baixa, em cerca de 3%.
No que se refere aos hospitais, em praticamente todos os países da Europa a percentagem dos gastos públicos com os hospitais ultrapassa os 50% dos gastos públicos em saúde, mas entre nós não é assim, visto que eles representam somente 41,5%.
Posto isto, os hospitais portugueses recebem uma parte singularmente pequena das verbas atribuídas à saúde, verbas essas que são, como vimos, já de si precárias. Mas talvez ainda mais grave é que estas precárias verbas são injustamente distribuídas pelos hospitais distritais, que por isso se vêem impossibilitados de se apetrechar minimamente para prestar à população os cuidados que lhes competem.
Assim, temos uma rede de hospitais onde os hospitais distritais se encontram carenciados de pessoal (sobretudo de médicos, enfermeiros e paramédicos) e de equipamentos, que mesmo quando existem não funcionam porque não existe pessoal suficiente para trabalhar com eles.

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Porque estes 65 hospitais distritais, embora disseminados pelo País, mas desprovidos de recursos e sem interligação, não conseguem prestar os devidos cuidados aos doentes que a eles acorrem, uma grande parte desses doentes dirigem-se aos 22 hospitais centrais situados unicamente nas três maiores cidades do País (Lisboa, Porto e Coimbra). Neste grupo de hospitais centrais concentra-se a grande maioria de recursos humanos (64,7 % dos médicos da carreira hospitalar e 42% dos enfermeiros), predominam certos equipamentos e localizam-se exclusivamente outros.
Esta situação é profundamente injusta para 70% da população do País, ou seja, toda aquela que não reside nessas três cidades, e numa altura em que se fala tanto na garantia do acesso de todos os indivíduos aos serviços de saúde é chocante verificar como a maioria tem, na verdade, tão limitado acesso àqueles serviços.
Há que dotar os hospitais distritais de mais e melhores recursos, nomeadamente nos serviços de urgência, de modo a evitar que a maioria da população do País tenha de recorrer aos poucos e, por vezes, distantes hospitais centrais onde, por isso mesmo, se regista impressivo aumento do número de urgências.
Esta situação, além de injusta, contraria o espírito do texto constitucional, no seu artigo 64.º, porque impede o direito da protecção à saúde, a qual compete ser assegurada prioritariamente pelo Estado, que deverá «garantir o acesso de todos os cidadãos [...] aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação» e «garantir uma racional e eficiente cobertura médica e hospitalar de todo o país».
Para dar um exemplo referiremos o caso do serviço de urgência do Hospital Distrital de Santarém.
Há cerca de 2 anos foi pedida ao conselho de gerência desse Hospital autorização para uma melhor organização do serviço de urgência, tendo em vista o Hospital de Santarém, o que envolvia um mais eficiente regime de trabalho médico. Pretendia-se assim aumentar e diversificar os cuidados prestados na urgência, cujo número atinge actualmente os 67 000 por ano, ou seja, uma média de quase 200 urgências por dia.
Entretanto, foi parcialmente feita a remodelação da equipa médica, mas nada foi conseguido para resolver o brutal decréscimo de médicos que tal equipa vai ter dentro de algum tempo com a saída dos internos, sabendo-se que o concurso nacional para admissão desses profissionais só estará concluído dentro de 6 meses.
A situação é angustiante porque até lá ninguém sabe como e por quem vão ser atendidas 200 pessoas por dia, que necessitam de cuidados urgentes.
Por que não se revê a política de trabalho dos internos para obviar situações como esta? Por que não se facilita a admissão de pessoal de enfermagem e paramédicos cuja carência compromete o funcionamento, sobretudo dos hospitais distritais? Por que são estes profissionais impedidos de ser admitidos na função pública, quando a sua falta é por todos reconhecida?
Dotar os hospitais distritais de meios imprescindíveis ao seu funcionamento era proceder à distribuição equitativa dos recursos e, simultaneamente, era contribuir para o equilíbrio da prestação dos cuidados de saúde por todos os serviços em todo o território nacional.
A correcção das assimetrias da distribuição dos recursos e um problema não só do sector da saúde, tem um âmbito nacional porque é extensivo a todos os outros sectores e exige uma reflexão profunda que passa pela
regionalização; no entanto, as reflexões profundas demoram muito tempo até originarem conlusões e não temos esse «muito tempo»; no entretanto, temos de resolver os problemas imediatos e graves, como é o do serviço de urgência do Hospital Distrital de Santarém e possivelmente de outros hospitais distritais.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, foi apresentado na Mesa, em tempo oportuno, um requerimento que, nos termos do artigo 74.º do Regimento, requer o prolongamento do período de antes da ordem do dia, o que, nos termos regimentais, corresponde a mais 30 minutos.
Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências dos deputados independentes Lopes Cardoso e Ribeiro Teles.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vamos passar a uma nova «guerra»! Referimo-nos a um problema que já foi motivo de preocupação por parte desta Câmara (e, certamente, vai continuar a sê-lo) e que neste momento se encontra numa fase aguda da sua evolução. Estamos a falar da greve feita por jovens médicos.
Como é do conhecimento de todo o país, há neste momento um onda de descontentamento entre os médicos policlínicos que, com o apoio dos sindicatos médicos e da própria Ordem dos Médicos, decretaram uma greve de protesto contra as recentes medidas do Ministério da Saúde que põem em causa as carreiras médicas.
O que pretendem os jovens médicos? A suspensão imediata do Decreto-Lei n.º 12-A/86, que altera o regime de internamento geral dos médicos recém--licenciados e a reposição do estatuto que lhes era conferido pela legislação anterior - Decreto-Lei n.º 310/82, que os equipara à letra G do funcionalismo público com a respectiva remuneração e demais regalias, para não ficarem sujeitos às incertezas e variações da regulamentação anual de um subsídio.
O Ministério, assim fomos informados pela intervenção da Sr." Ministra nesta Câmara, pretendeu apenas clarificar que não haverá para estes médicos qualquer vínculo à função pública durante o referido estágio.
Ora, acontece que a legislação anterior - o Decreto-Lei n.º 310/82 - já estabelecia que aquele vínculo era precário, só existiria até ao termo do internato, e a prova disso reside na afirmação, também da Sr.ª Ministra, de que já em 1985 cerca de 250 médicos que terminaram o seu internato geral não tiveram acesso às carreiras médicas - internato de especialidades ou de clínica geral - e, ao que consta, ainda nenhum deles protestou contra esse facto, alegando o vínculo à função pública que já possuiria.
Aliás, lê-se no n.º 3 da introdução deste Decreto-Lei n.º 310/82 o seguinte:
Os períodos de aprendizagem formal ou internatos serão desenvolvidos tendo em conta padrões de qualidade internacionalmente aceites e não constituirão, por si só, qualquer grau de carreira profissional; serão antes uma situação transitória [...].

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Também no n.º 8 do artigo 7.º do mesmo decreto-lei se lê:
Enquanto se mantiverem em período de formação sujeita ao regulamento dos internatos, os médicos consideram-se sem vínculo definitivo à função pública, com direito à remuneração estabelecida para o internato que frequentam.
Não são pois claras as razões que levaram o Ministério da Saúde a esta intervenção e à falta de diálogo com os interessados que está a observar-se, factos que estão gerando nos jovens médicos um clima de angústia, de incerteza e mesmo de justificada revolta e nas estruturas hospitalares um agravamento das condições do seu funcionamento.
Preocupado com a situação criada, não esclarecido quanto às verdadeiras intenções do Ministério da Saúde e consciente da importância fundamental para o eficaz funcionamento do Serviço Nacional de Saúde existência de carreiras que permitam aos médicos a sua plena realização profissional, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista solicitou já a ratificação por esta Câmara do Decreto-Lei n.º 12-A/86, esperando que o resultado do debate que vai seguir-se ponha termo a este litígio, prestando-se justiça a quem dela está carecido e defenda a consolidação e o desenvolvimento harmonioso do Serviço Nacional de Saúde.

Aplausos do PS, do PCP e o MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, estão inscritos os Srs. Deputados Zita Seabra, Marques, Mendes e Vidigal Amaro. - ; j -. ,~
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Deputado Ferraz de Abreu, devo dizer-lhe que concordo com grande parte das afirmações que fez e que também o grupo par: lamentar a que pertenço chamou à ratificação o decreto-lei que está na origem da situação que está criada.
Em todo o caso, gostava de lhe colocar duas questões e chamar a sua atenção para dois aspectos fundamentais da argumentação do Governo:
O primeiro aspecto é o de que cada vez que a Sr.ª Ministra da Saúde fala - e ainda ontem à noite no Telejornal o fez - afirma que há uma oposição entre os interesses dos jovens médicos que lutam pelos seus postos de trabalho e os dos utentes, isto é, pretende incutir na opinião pública que esses interesses são contraditórios. Em nossa opinião, esses interesses não são contraditórios; pelo contrário, os utentes tem tudo a lucrar com o desenvolvimento do Serviço Nacional de Saúde e no âmbito da concretização e da aplicação da Lei do Serviço Nacional de Saúde, em tempos aprovada pela Assembleia da República, que os utentes verão resolvidos os seus problemas de saúde e os médicos os seus problemas de emprego.
O segundo aspecto é o de que a Sr.ª Ministra procura sempre dar ideia de que tal tem de ser feito porque o Estado não tem dinheiro para garantir emprego a todos os jovens médicos formados. Mas, simultaneamente, diz: «Vamos pagar-lhes no sector privado!»
Ora bem, é sabido que hoje em dia o Estado está a gastar milhões de contos em convenções ao sector privado, com o aumento brutal do preço dos medicamentos, em meios complementares de diagnóstico, que não são garantidos nos serviços públicos, enfim, numa política de saúde que em vez de beneficiar e melhorar os serviços públicos, de saúde vai prejudicá-los, pois milhões de contos que deviam ir para esse sector são desviados para pagar ao sector privado.
Pergunto se não acha que aqui há uma óbvia contradição por parte do Governo. Isto é, se se quer poupar dinheiro, em termos de gastos, com a saúde, não acha que devia começar-se pelos serviços públicos de saúde, sectores fundamentais para assegurar aos utentes cuidados de saúde?
A Sr.ª Ministra também diz que os médicos não querem ir para a periferia. A questão não é esta; eles próprios, em todas as intervenções que têm feito, têm-no desmentido através dos seus sindicatos ou das comissões ,de curso. A questão tem a ver com a má distribuição dos lugares e dos postos que existem. Creio, aliás, que há um problema de fundo em tudo isto. É inadmissível que se esteja hoje em dia numa situação, em que o quadro dos hospitais não é revisto há muitos anos. Por exemplo, no distrito de Aveiro há hospitais que têm uma comissão instaladora (o que é ilegal) e não têm um quadro. Contudo, foram agora lá colocados especialistas, mesmo sem haver um quadro, e - por acaso! - os especialistas que lá foram colocados não são os necessários. São exemplos disso os Hospitais de Ovar e o de Vila Nova de Gaia. Quanto aos hospitais centrais, alguns dos quais como o de Santa Maria, não vêem os seus quadros alterados há 30 anos.
Para além, disso, não há uma carta sanitária que, simultaneamente com a publicação dos quadros, venha definir quais são, efectivamente, as carências que existem a nível de médicos no País. Isto é, creio que, atirando areia para os olhos das pessoas, o Governo está a escamotear as questões de fundo sobre política de saúde, sobre a aplicação do Serviço Nacional de Saúde e' sobre a defesa dos utentes.
Ora bem; através de uma carta sanitária e da revisão dos quadros hospitalares, podemos ter a certeza de que os médicos que existem são necessários ao País. Até lá, continuamos a considerar que é corripletamente falso dizer-se que há médicos a mais em Portugal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Pergunto ao Sr. Deputado Ferraz de Abreu se quer responder já ou no fim dos pedidos de esclarecimento.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Deputado Ferraz de Abreu, ao ouvir atentamente a sua intervenção verifiquei que, a propósito das greves decretadas para os dias 3 e 4 do presente mês, por uns, e para os dias 5 e 6 também do presente mês, por outros, disse que essas greves têm o apoio da Ordem dos Médicos. Parece-me, portanto, que resultou da sua afirmação a ideia de que há uma grande unidade por parte da classe médica de apoio a estas greves. Contudo, segundo li, na imprensa, parece que a Ordem dos Médicos não apoia a greve decretada para os dias 3 e 4, mas apenas a decretada para os dias 5 e 6.

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Ora bem, como fiquei um pouco pensativo acerca da razão por que a Ordem dos Médicos apoia uma das greves e não apoia a outra,...

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Ficou preocupado!

O Orador: - ... gostava que me esclarecesse e à Câmara sobre essa razão.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Santa ignorância!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Deputado Ferraz de Abreu, vamos analisar concretamente duas situações diferentes: a primeira, tem a ver com a situação dos internos do internato geral dos jovens médicos; a segunda, tem a ver com o problema dos internos que hoje acabam o internato geral e vão entrar para as especialidades.
Em relação à primeira, o Sr. Deputado Ferraz de Abreu já se referiu à alteração do vínculo. Devo dizer-lhe que concordo com o Sr. Deputado de que esse problema não se põe, porque o anterior diploma já previa que não havia vínculo à função pública.
Quanto à aprendizagem, realmente, os jovens médicos necessitam de uma aprendizagem contínua, precisam de uma prática diária.
Pergunto: o Sr. Deputado acha bem que os jovens médicos sejam colocados em hospitais, tais como o de Elvas, o de Mangualde e outros, que sabemos perfeitamente que não têm quadros suficientes nem estão bem preparados para poderem dar uma aprendizagem digna a esses médicos? Ou os médicos vão para esses hospitais simplesmente para trabalhar como internos, como médicos já formados?
Um outro problema que se põe é o dos internos que acabam agora os internatos, quer o da especialidade quer o internato geral, e que não encontram vagas. O Sr. Deputado também acha que há médicos especialistas em quantidade suficiente espalhados pelo nosso país? Acha que todos os hospitais do nosso país têm médicos especialistas em quantidade suficiente? Então, por que razão é que se gasta tanto dinheiro nas convenções? Por que razão é que os Hospitais, nomeadamente o de Beja, o de Évora, o de Castelo Branco - os hospitais dos grandes centros -, sistematicamente, mandam diariamente dezenas de doentes para o privado, porque não existem as especialidades nos serviços oficiais? Quantos milhões de contos se gastam aí, Sr. Deputado?
Quanto à questão das fraudes, ainda hoje veio na imprensa uma que foi detectada com as receitas médicas em determinadas empresas. Sr. Deputado, isso temos nós denunciado. Ando a denunciar isto há 3 anos nesta Câmara, dando dados concretos, referindo nomes de pessoas e de instituições. O que é que o Governo tem feito? Nada. Ainda há pouco tempo, numa intervenção que fiz a semana passada, denunciei um caso de um director de serviços de um hospital central que, sistematicamente, leva os doentes para o privado, a fim de receber dinheiro dos tratamentos, porque os doentes não chegam a fazer os tratamentos, e o Governo ainda não me deu qualquer resposta. Esse senhor continua a ser director de serviço!...
Não acha que se se atacassem as fraudes, se se fosse buscar esse dinheiro, se se acabasse com este saque para o privado se podia resolver o problema da saúde das populações? Não acha que se se pusessem mais médicos na periferia, se houvesse mais médicos pagos pelo Serviço Nacional de Saúde, portanto pagos pelo Estado e não pagos para estarem nos seus consultórios particulares a fazer clínica - o que hoje em dia acontece - se resolveria o problema? E atacando os jovens médicos que se resolve o problema da saúde, ou é resolvendo os problemas de fraudes no Serviço Nacional de Saúde que se resolve o problema? Penso que devia começar por aí o «ataque».
Em relação ao pedido de urgência para apreciação do diploma, o PCP, o PS e, inclusivamente, o PRD apresentaram esse pedido. Pergunto: o Sr. Deputado manifesta disposição para, rapidamente, com carácter de urgência, esse diploma subir a Plenário, a fim de ser discutido?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim entender, tem a palavra o Sr. deputado Ferraz de Abreu.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, registo com muito interesse o entusiasmo e a preocupação que vários deputados manifestaram sobre este problema. É, de facto, um problema que interessa a todo o País.
Quanto à Sr.ª Deputada Zita Seabra, quero dizer que estou de acordo em que não há qualquer espécie de contradição entre os interesses dos médicos e os dos utentes. Pelo contrário, sempre defendi que, sendo o médico a peça-chave de qualquer sistema de saúde, enquanto não obtivermos a adesão dos médicos ao Serviço Nacional de Saúde e aos princípios que o enformam, não teremos um serviço nacional de saúde. Naturalmente que essa adesão reverterá a favor dos utentes desses serviços. Portanto, só com uma adesão plena, que naturalmente se obterá pela realização profissional que esses médicos encontrem em carreiras que os dignifiquem e dentro do Serviço Nacional de Saúde, é que obteremos essa adesão. Isso é fundamental para que os utentes sejam bem acolhidos e se termine por estabelecer e encontrar a famosa e muito batida humanização dos cuidados médicos.
Em relação ao sector privado, também estou totalmente de acordo com a Sr.ª Deputada. Há só uma diferença: eu advogo a manutenção, a coexistência, da medicina privada com o Serviço Nacional de Saúde,...

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Nós também!

O Orador: - ... até porque assim estabelecer-se-á uma salutar concorrência; o que não advogo é que o Ministério da Saúde pague à medicina privada.
Em terceiro lugar, quanto ao problema da ida para a periferia dos médicos, devo dizer que os médicos não se recusam a ir para a periferia.
Todos nós constatámos, nestes últimos 2 ou 3 anos, que foram colocados milhares de médicos nos concelhos mais afastados dos grandes centros urbanos. O que, naturalmente, há é uma certa preocupação desses médicos ao serem colocados nesses locais quanto às condições em que vão viver. A resposta a essas preocupações todos nós devíamos dá-las e devíamos interrogarmo-nos por que razão é que os naturais desses locais fogem de lá, procurando os centros urbanos,

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e os médicos, os enfermeiros etc., haviam de mostrar um entusiasmo enorme em ir para esses locais. É necessário, de facto, criar-lhes, condições locais que os atraiam e lhes proporcionem condições de vida razoáveis.
O Sr. Deputado Marques Mendes pergunta-me se a Ordem dos Médicos apoia ou não as greves com a Ordem dos Médicos veio declarar que apoiava esta greve. Quanto a saber se apoia ou não a outra greve; acho que o Sr. Deputado deve perguntar à Ordem dos Médicos por que é que o faz e não a mim que não faço parte da Ordem. Sou. membro da Ordem.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Deputado: nas fiz a pergunta porque, logo no início da sua intervenção, V. Ex.ª diz que as greves dos jovens médicos tiveram o apoio da Ordem dos Médicos: Ora, tanto quando li nos jornais, ela não apoia a greve decretada para os dias 3 e 4.
O Orador: - Desculpe, Sr. Deputado, mas eu não referi as greves. Eu disse que, com o apoio dos sindicatos dos médicos e da própria Ordem dos Médicos, decretaram uma greve. Por acaso, não me referi a nenhuma em concreto.
Mas V. Ex.ª põe um problema: é que talvez a Ordem dos Médicos esteja muito aflita em manifestar este apoio, porque a Ordem dos Médicos, ad voga princípios que são totalmente contrários, à tese. que o meu partido defende, ou seja, a criação do Serviço. Nacional de Saúde. Talvez a Ordem dos Médicos, até de coração, apoiasse as medidas da Sr.ª Ministra, mas, por conveniência política da Ordem, para não perderão pé, ela não tem outro remédio senão, vir apoiar também a greve dos jovens médicos! A explicação deve estar aí, mas eu não respondo pela Ordem.
Ao Sr. Deputado Vidigal Amaro, em primeiro, lugar queria chamar-lhe a atenção para o tom em que o Sr. Deputado falou. É que parece que eu sou responsável pelas afirmações do Governo, do Ministério, etc. É bom que esclareçamos isso.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - É o meu tom, Sr. Deputado!

O Orador: - Naturalmente que a colocação dos jovens médicos em hospitais que não estão preparados para exercer uma acção pedagógica é condenável. É nesses hospitais, onde há falta de especialidades e se colocam internos especialistas, que os internos são de facto, imprescindíveis, como eles disseram, e não em todas as situações.
Quanto a saber se os internos, que acabaram o internato das especialidades são ,ou não a mais, creio que neste momento não pode afirmar-se se. temos ou não médicos a mais, visto que não está feito um levantamento das necessidades do País.
A Sr.ª Deputada Zita Seabra disse há pouco que não havia um levantamento de todas as necessidades, não havia uma carta sanitária. Aliás, não há uma carta hospitalar correcta que nos permita afirmar categoricamente sobre as necessidades, do nosso, país para termos uma cobertura médico- hospitalar suficiente. É certo que o panorama futuro nestes dias e nos 3 próximos anos se mostra preocupante com a avalanche de jovens médicos que ainda estão para surgir e que aí virão. Mas estou de acordo em que na periferia, nos próprios centros de saúde, nos hospitais concelhios, nos hospitais distritais, etc., há enormes lacunas no campo das especialidades que, naturalmente, vão absorver muitos médicos.
Mas ainda: mesmo aqueles hospitais que tenham quadros que estejam correctos, que estejam proporcionados a um movimento do próprio hospital em si, admito que, no futuro próximo e a curto prazo, se sinta a necessidade de ampliar esses quadros para que hajam médicos especialistas que se desloquem à periferia para os, centros de saúde, a fim de fazerem as consultas da sua especialidade. Isso naturalmente vai criar novas necessidades, não digo que vai fazer desaparecer essa preocupação dos médicos a mais, mas vai, pelo menos, minimizá-la...
Em relação às fraudes que o Sr. Deputado referiu, não é corrigindo essas fraudes que se resolvem estes problemas, mas é importante que elas sejam corrigidas, detectadas e suprimidas, porque isso é fundamental, sob todos os aspectos.
Em relação ao pedido de urgência sobre a ratificação deste decreto-lei, damos o nosso acordo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Carvalho.

O Sr. Costa Carvalho (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os jornalistas são como os jornais: nascem e morrem todos os dias. Até que o fazem de um modo definitivo, entrando na eternidade, na única eternidade a que têm direito: o esquecimento, essa vala comum onde todos os homens são iguais.
Morreu o jornalista José Reis! Jornalista parlamentar, não tantas vezes quantas pretenderia ser, mas sempre e quando as possibilidades da imprensa portuguesa ó permitiam ou para aí estavam viradas, o jornalista José Reis foi, com todos os condicionalismos de uma actividade desprezada em concreto e elogiada no abstracto, um dos muitos profissionais condenados à prisão e ao percurso do ponteiro dos segundos que marca o tempo e o espaço daquilo a que nós, jornalistas, chamamos o dia-a-dia.
Elevados à categoria de mito pelos famintos de fantasia e pelos sôfregos do poder, os jornalistas têm de se realizar já não só como homens, mas sobretudo como deuses, a quem, impiedosamente, apenas é pedido o milagre diário da verdade. Mas qual verdade? A que efectivamente não se sabe ou aquela que está tabelada pelos contratos colectivos de trabalho em que os jornalistas continuam, a ser a parte mais desprezível e desprezada?
Longe de mim a ideia de haver alguém da minha profissão acima de qualquer suspeita. Mas, porque a caridade tem de começar por nós mesmos, aos jornalistas sobeja razão para dizerem como Manuel Laranjeira:
Neste malfadado país, tudo o que é nobre suicida-se, tudo o que é canalha triunfa. Eis a nossa desgraça! Desgraça de todos nós, porque a sentimos pesar sobre nós, sobre o nosso espírito, sobre a nossa alma, desolada e triste, como uma

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atmosfera de pesadelo, depressiva e má. O nosso mal é uma espécie de cansaço moral, tédio moral; o cansaço e o tédio de todos os que se fartam de crer.
Ainda nem há 2 meses, aqui mesmo, neste hemiciclo, onde trabalhou anos a fio, José Reis dava-me conta da sua falta de crença numa profissão imensas vezes tentada ou levada a subordinar aos cargos os valores que pertencem em exclusivo à dignidade humana.
Aceitando humildemente não ser um detentor de certezas, antes admitindo que todo o jornalista «apresenta-se como uma luta dramática entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas» (Gaudium et Spes), José Reis não mais virá a este Parlamento, nem mesmo em espírito. A notícia necrológica a que, com maior ou menor destaque, os jornalistas vão tendo direito é, ironicamente, a sua coroa de louros e a sua pedra tumular. Se me fosse possível instituir um epitáfio para os trabalhadores da comunicação social, fá-lo-ia com esta asserção de Garcia de Orta, perseguido pela Inquisição até mesmo depois de morto e bem morto: «A verdade tem pés e anda e nunca morre.» É feita desta certeza a eternidade do jornalismo e José Reis sabia que era assim.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como é evidente, o Grupo Parlamentar do MDP/CDE associa-se às palavras do Sr. Deputado Costa Carvalho.
Morreu um dos nossos companheiros de trabalho, o jornalista José Reis, que trabalhou anonimamente naquela bancada da imprensa durante largos anos. Morreu inesperadamente, quando nada fazia prever este desenlace.
Contudo, ao mesmo tempo que recordamos aqui a figura de José Reis, também é legítimo recordarmos lamentavelmente a morte de um outro jornalista, ocorrida meia dúzia de dias antes, em plena actividade profissional, no meio da rua, com um ataque cardíaco. Ele também era um repórter fotográfico, que muitas vezes trabalhou aqui na bancada da imprensa. Trata-se do jornalista Lobo Pimentel.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queremos associar-nos a estas lamentáveis mortes de dois profissionais da informação, que respeitavam o trabalho parlamentar, os deputados e a democracia. A eles nos associamos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Será certamente um lugar-comum afirmar que fica mais pobre o jornalismo parlamentar. Mas de lugares-comuns - como, ao cabo e ao resto, é o próprio lugar da morte - vamos fazendo estes dias que vivemos.
Daí que nos associemos à evocação que foi prestada pelo Sr. Deputado Costa Carvalho à memória de José Reis, uma personalidade que pudemos conhecer num trato fraterno, lhano e sincero, num trabalho infatigável nas bancadas da imprensa, em prol da divulgação do trabalho da Assembleia, sempre preocupado com uma prática não discriminatória que servisse, antes de tudo, o próprio regime democrático.
É perante essa silhueta do labor produzido por uma figura a que devotamos o nosso respeito e a circunstância de, na sua morte, a nossa atitude ser a de solidariedade inequívoca que o meu grupo parlamentar transmite à família e aos amigos de José Reis, ao jornalismo de uma maneira geral, os pêsames veementes. Desta forma corrobora as afirmações aqui prestadas por dois companheiros seus, os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca e Costa Carvalho.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao terminas do prolongamento do período de antes da ordem do dia, pelo que iríamos entrar no período da ordem do dia, salvo se o Sr. Deputado Raul Junqueiro for capaz de produzir em poucos minutos a intervenção para que está inscrito.

O Sr. Raul Junqueiro (PS): - Prescindo da palavra, Sr. Presidente. Usarei dela noutra oportunidade.

O Sr. Presidente: - Está certo, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, com pedido de desculpas pelo incómodo, o meu grupo parlamentar requer, ao abrigo do Regimento, a suspensão dos trabalhos por 30 minutos.

O Sr. Presidente: - É regimental, pelo que assim se fará.
Entretanto, convido os Srs. Vice-Presidentes a comparecerem no meu gabinete, a fim de termos uma reunião sobre uma questão que nos diz respeito.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, apenas pretendo saber se a suspensão de 30 minutos concedida ao PSD consome o tempo do intervalo ou acumula-se com ele.

O Sr. Presidente: - Já ia referir isso, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Antes, porém, quero informar os Srs. Deputados de que se encontram presentes os alunos da Escola Secundária de Camões, a quem lhes prestamos a saudação que costumamos prestar à juventude.

Aplausos gerais.

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O Sr. Presidente: - Em função da suspensão requerida, vou suspender os trabalhos, que recomeçarão às 18 horas.

Está suspensa a sessão.

Eram 17 horas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início ao período da ordem do dia, que é constituído pela apreciação do inquérito parlamentar n.º 1/IV, do PCP, sobre actos inconstitucionais e ilegais contra a Reforma Agrária praticados pelo Ministério da Agricultura e pelos serviços dele dependentes, e do projecto de resolução n.º 10/IV, do PS - Criação dê uma comissão parlamentar de inquérito à actuação do Ministério da Agricultura no quadro das medidas relativas à Reforma Agrária. Esta apreciação será feita nos termos dó artigo 253.º do Regimento.
Quanto à distribuição dos tempos para a discussão; a Mesa chegou à conclusão de que deveriam ser atribuídos 20 minutos, e não 15 minutos, ao PS e ao PCP, precisamente por serem os responsáveis pela iniciativa.
Há alguma objecção?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, quero interpelar a Mesa no seguinte sentido: os tempos a que V. Ex.ª se referiu são os que tinham sido atribuídos quando apenas estava pendente para apreciação o pedido de inquérito apresentado pelo PCP. Face à apresentação do projecto, de. resolução do Partido Socialista, foi deliberado acrescentar esses tempos, dispondo os proponentes de 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Foram acrescentados mais 10 minutos aos tempos dos proponentes, não é assim?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Exacto!

O Sr. Presidente: - Há alguma objecção a esta distribuição de tempos?

Pausa.

Não havendo objecções, vamos dar início à discussão dos referidos diplomas.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A questão fundamental que está subjacente a este pedido de inquérito parlamentar à actuação do Ministério da Agricultura e serviços dele dependentes no que respeita à Reforma Agrária, designadamente sobre a sua conformidade com a legislação em vigor, pode resumir-se nas seguintes três perguntas: é legítimo que a Assembleia da República permaneça indiferente e abdique do exercício das suas funções constitucionais de fiscalização - particularmente da prevista na alínea a) do artigo 165.º: «Vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os actos do Governo e da Administração» -, quando é confrontada com reclamações, exposições e petições que questionam em dezenas e dezenas de casos concretos (e com adução de fundamentos) a actuação do Ministério da Agricultura na zona da Reforma Agrária, particularmente nos processos de atribuição de reservas? Pode a Assembleia da República abdicar de contribuir para a garantia e defesa dos princípios fundamentais que, constitucionalmente, por força do. artigo 266.º, conformam a actividade dos órgãos e agentes administrativos quando é confrontada, nas queixas apresentadas, com acusações, para apuramento de significativos casos onde haveria falta de isenção e de imparcialidade?
Finalmente, pode a Assembleia da República ignorar uma situação e um processo em que se contam por mais de 3 centenas os acórdãos anulatórios de actos do Ministério da Agricultura, isto num quadro constitucional em que o Estado se funda na legalidade democrática, sendo certo que acresce que os peticionários alegam que a Administração não dá devido cumprimento a essas decisões judiciais?
Dizia Almeida Garrett, no relatório do Código Administrativo de 1832, que «os princípios directores da administração tem na Lei o seu motor; têm além disso por motor moral as necessidades comuns, a equidade e o interesse público».
Mais de 150 anos depois, é ainda essa a questão que aqui nos prende, hoje aplicada a uma situação que, pela sua dimensão, pela sua repercussão social e pelo nível de imputações feitas, assumiu junto da opinião pública foros de escândalo, pára os quais - é bom recordá-lo - contribuíram também alguns responsáveis governamentais, como Vaz Portugal, quando admitiram publicamente a existência de fumos de corrupção.
O inquérito parlamentar é o instrumento adequado - neste momento, o único - para a Assembleia da República exercer as suas competências de fiscalização nesta matéria.
Não sé trata nesta intervenção - e isto sejam quais forem as convicções do Grupo Parlamentar do PCP como proponente do inquérito - de dar ou deixar de dar como provado o que consta, por exemplo, da petição entregue nesta Assembleia por um conjunto de advogados com procuração de cooperativas de produção agrícola em mais de 675 recursos contenciosos, que se pode resumir em duas imputações fundamentais: atropelos ao normal andamento de processos de reserva, com o objectivo de apressar a entrega de terra aos antigos proprietários e de dificultar a defesa dos trabalhadores agrícolas e das suas cooperativas; infracções às normas legais em que se fundamenta o direito de reserva, com a intenção de entregar o máximo possível de terras aos proprietários expropriados, aos cônjuges e parentes próximos.
Igualmente não se trata nesta intervenção de dar ou deixar de dar como provado o que consta da petição apresentada nesta Assembleia pelos 5 secretariados das UCP/cooperativas agrícolas, onde se refere que «o Ministério da Agricultura continua com toda a impunidade a repetir e a cometer, novas e escandalosas ilegalidades».

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Do que se trata, nesta intervenção e neste debate, é de fundamentar o pedido de inquérito parlamentar e deliberar sobre a sua realização, atribuindo à comissão respectiva os poderes de investigação que lhe permitam apurar os factos no âmbito do objectivo que lhe for definido. Num quadro muito claro: no quadro das funções de fiscalização da Assembleia da República, no quadro da sua competência para apreciar os actos do Governo e da Administração.
Vejamos então: são os actos e omissões imputados ao Ministério da Agricultura e serviços dele dependentes justificativos da realização do inquérito parlamentar?
É necessário, desde já, acentuar que nenhum benefício de boa fé pode ser invocado pelos actuais responsáveis governamentais em todo este processo.
O facto é que, de há vários anos para cá, está suficientemente definido o quadro interpretativo em que se move o Supremo Tribunal Administrativo.
Não é difícil prová-lo. Vejamos alguns exemplos (poucos, porque o tempo não é muito).
É o caso do Acórdão de 3 de Dezembro de 1981, referente ao recurso n.º 15 307, que anulou dois despachos exarados pelo Secretário de Estado da Estruturação Agrária, Goulão (1.º governo da AD), por falta de fundamentação de facto, explicitando concretamente que «não se encontra suficientemente fundamentado o despacho que atribui reservas invocando disposição legal, mas sem referir os factos concretos «e acrescentando ainda que também não constitui fundamentação de facto suficiente a mera indicação de documentos que se reportam a factos diferentes dos previstos abstractamente na norma legal».
Outro caso é o do Acórdão de 16 de Dezembro de 1982, que anula o despacho do mesmo Secretário de Estado do 1.º governo da AD por invalidade, já que foram preteridas formalidades essenciais, designadamente por não ter sido comunicado, na fase contraditória, à UCP respectiva o conteúdo dos requerimentos de reservas, designadamente fundamentos legais e técnicos, definição de área e pontuação (incluindo majorações), localização das reservas, etc.
Outro caso é o do Acórdão de 15 de Abril de 1982, que anulou um despacho do mesmo Secretário de Estado Goulão por ter atribuído uma reserva autónoma a um arrendatário (em vez de, se fosse caso disso, lhe atribuir o direito de arrendamento relativamente à área de reserva atribuída ao antigo proprietário).
Outro caso é o do Acórdão de 13 de Dezembro de 1981, referente ao processo n.º 15 004, que anulou um despacho do mesmo Secretário de Estado por erro nos pressupostos de facto, ao atribuir uma reserva de 70 000 pontos a um alegado explorador directo que não só tinha os prédios arrendados como não exibia, nem em 25 de Abril nem à data da ocupação, quaisquer gados, máquinas ou outros bens a restituir, tudo como estava amplamente demonstrado no próprio processo.
Outro exemplo é o do Acórdão de 14 de Julho de 1983, que anulou um despacho do mesmo Secretário de Estado Goulão, com fundamento em inexistência jurídica, já que a reserva foi atribuída a quem na altura já tinha falecido.
Outro exemplo ainda é o do Acórdão de 18 de Novembro de 1982, que anula cinco despachos do mesmo Secretário de Estado, concedendo 5 reservas a membros da mesma família, 4 deles por não ser feita qualquer prova das condições de tratamento não unitário de co-titulares e o outro por dar relevância automática a uma doação de área expropriável celebrada - pasme-se! - em 8 de Julho de 1977.
Outro caso é o do Acórdão de 4 de Fevereiro de 1982, que anula um despacho ainda do mesmo Secretário de Estado por violação da lei, ao conceber uma reserva a quem não é proprietário, mas tão-só usufrutuário, reserva que acrescia à já atribuída ao proprietário.
Estes são alguns casos, meramente exemplificativos, dos acórdãos anulatórios produzidos nos primeiros anos e que se traduzem em números significativos: 7 em 1980. 40 em 1981 e 69 em 1982.
Esperar-se-ia que o Ministério arrepiasse caminho, que se conformasse à lei, que garantisse a transparência e moralidade da actuação?
Os últimos anos não deram nenhum sinal disso - pelo contrário, particularmente pelo que respeita às imputações feitas às acções do Ministério da Agricultura durante a permanência do actual responsável, Ministro Álvaro Barreto.
Alguns dos casos citados nas petições aqui presentes devem merecer aturada investigação.
A família Franco Mira, que em 1978 requereu e obteve uma reserva alegando uma exploração comum através da Sociedade Franco Mira (conforme informação prestada por um determinado funcionário), vem em 1985 requerer 5 reservas, no total de 350 000 pontos, majoráveis em 30%. Isto a partir de uma informação de um adjunto do Ministro, que este despachada favoralvemente, em que se dava eficácia a uma doação posterior a 25 de Abril, e depois de o mesmo funcionário, que em 1978 tinha analisado o processo da Sociedade, vir, 7 anos depois, descobrir que afinal havia 5 unidades agrícolas autónomas.
Outro caso: o reservatário Sousa Cabral obtém em 1980 uma reserva de 70 000 pontos por ser explorador directo, majorada em 35 000 pontos, por, como alegou e provou, a sua mulher ser doméstica. Mas, em 1985, o mesmo funcionário que informou o processo de 1980 vem propor uma nova reserva à mulher do reservatário, dando como provado que explorava um estabelecimento agrícola distinto do marido, tudo tendo concluído em que o casal Sousa Cabral dispõe hoje de mais de 1100 ha e mais de 200 000 pontos.
Outro caso invocado: o reservatário Luís Piçarra Cabral, que recebeu em 1979 uma reserva, majorada em função do número de filhos, veio a ver anos mais tarde a atribuição a 5 filhos de uma reserva a cada e mais uma reserva para os restantes co-titulares, através do reconhecimento de eficácia de uma doação posterior a 25 de Abril e provando os cinco filhos que exploravam anteriormente a terra através de facturas de empresas em que eles próprios trabalham ou de que o seu pai é sócio gerente.
Outro caso ainda: o reservatário António Fernandes Piçarra Cabral obtém uma reserva de 171 000 pontos, assim majorada em função do agregado doméstico, reserva que veio a ser anulada pelo Supremo Tribunal Administrativo em 1979, através de acórdão, que, aliás, nunca foi cumprido. Para resolver o problema, o Sr. Ministro, em 16 de Janeiro de 1985, dá eficácia a uma doação feita em meados de 1975, manda reinstruir o processo e, em consequência, revoga a portaria de expropriação, mandando devolver toda a terra à casa agrícola do António Fernandes, com o fundamento de que as «áreas dos reservatários donatários não excedem» os limites da lei.

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Traremos aqui mais alguns casos recentes, numa outra intervenção. Queria, apesar de tudo, descrever pormenorizadamente um caso: o da família Oliveira Soares.
Em 27 de Junho de 1985, são entregues 3 reservas a essa família, uma ao Caetano, outra ao José e outra, em conjunto, a Maria Macedo, Maria Luísa e Maria do Carmo. Dez dias depois, a 6 de Julho, a família Oliveira Soares tenta um acordo com a cooperativa, no sentido de obter directamente desta cooperativa reservas individuais para todos os cinco, comprometendo-se, em contrapartida, a comprar todo o património da cooperativa (prometendo adiantar desde logo 100 000$ a cada trabalhador) e a empregar como permanentes todos os seus trabalhadores, dando-lhes transportes, residência e horta.
O acordo não é aceite.
Dois dias depois, a 8 de Julho, os serviços do Ministério notificam a cooperativa que, por despacho de 12 de Junho, isto é, alegadamente de data anterior à entrega de reservas, eram agora entregues reservas separadas aos três co-titulares então tratados unitariamente.
Resumindo: o total de pontuação é de 425 000 pontos!
Dá para entender? Se o despacho era o mesmo, por que razão foram entregues três reservas e agora se pretende entregar cinco, três das quais às três Macedo de Oliveira Soares?
Não deve ser objecto de inquérito o processo que conduziu, em meados de 1985, a uma situação como esta, no mínimo equívoca, obscura e duvidosa?
Não devem ser objecto de inquérito parlamentar as alegadas violações dos prazos fixados na lei para o requerimento de reservas, algumas tão evidentes que o Ministério lhes proeurou dar cobertura legal através do despacho ilegal publicado na 2.ª série do Diário da República?
O matagal jurídico, como já foi chamado - e eu acrescentaria pseudo jurídico -, não é terreno que honre o Estado, a sua respeitabilidade, credibilidade e bom nome.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - As acusações de manipulação de instrumentos processuais pela Administração Pública têm de ter termo ou na comprovação da sua inexistência ou na alteração de métodos inevitavelmente imposta pelo seu reconhecimento. É justamente o que reclamam os cidadãos que se dirigem a esta Assembleia e que se sentem vítimas de um ciclo infernal (despacho - anulação - novo despacho com os mesmos vícios materiais - novo recurso), que se queixam da utilização do privilégio da execução prévia como uma arma para o facto consumado, que reclamam contra a hostilidade contínua que, do seu ponto de vista, a Administração lhes vota.
Já foi afirmado que quem dá causa à sistemática anulação jurisdicional de actos administrativos toma a seu cargo ilidir de facto a presunção da legalidade de que gozam os actos da Administração.
Em 14 de Fevereiro de 1985, o Sr. Ministro Álvaro Barreto exarou em determinado processo de reserva o seguinte despacho:
A área de reserva, depois de dela serem descontadas as benfeitorias e, nomeadamente, o regolfo de barragem, só detém 700 ha de área agricultável, mas abrange uma área superior aos limites da alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º, pelo que a questão aqui colocada é controversa e delicada. Assim sou a solicitar, nos termos legais, parecer urgente ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.
O parecer requerido foi emitido por esmagadora maioria (9 votos contra 2). O seu sentido era desfavorável à pretensão de ser possível ultrapassar o limite legal de 700 ha para as reservas.
O Sr. Ministro exarou o seguinte despacho:
Em face do, conteúdo do voto de vencido, com o qual concordo, não homologo o presente parecer.

Risos do PCP.

Vozes do PCP: - É um escândalo!

O Orador: - Não será possível tirar outra conclusão deste incidente que não seja a de que o Sr. Ministro vai usando as suas prerrogativas. Mas não deixa de ser chocante que se fundamente um despacho que permite e visa dar mais terra do que a legalmente permitida num parecer da Procuradoria-Geral que diz precisamente que isso é proibido.
O objecto do inquérito proposto está contido, por definição constitucional, regimental e legal aos actos (acções ou omissões) do Governo e da Administração.
A Reforma Agrária encontra-se entre as incumbências prioritárias do Estado no âmbito económico e social. É um dos instrumentos fundamentais da realização dos objectivos da política agrícola. Citando Gomes Canotilho e Vital Moreira, «a Reforma Agrária não é uma simples faculdade, mas sim uma obrigação constitucional», que «tem, por um lado, um sentido jurídico positivo - impondo a sua efectivação - e, por outro lado, um sentido negativo - proibindo a sua revogação uma vez realizada».
São os actos e omissões do Ministério da Agricultura, no quadro constitucionalmente traçado em relação à Reforma Agrária, bem como na sua conformidade com a legislação em vigor, que são objecto do inquérito proposto. Inquérito que deve ser feito para que nunca se possa dizer que a Assembleia da República foi cúmplice silenciosa daquilo que, noutras circunstâncias, já foi definido por um Sr. Deputado de outra bancada como «pretextos e subterfúgios para cumprir um só desígnio: entregar tanta terra quanto possível aos antigos proprietários».
Ao Ministério, como à mulher de César, não bastará reclamar-se de virtuoso. Há-de ter que o parecer - e é o que hoje não sucede.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e da Sr.ª Deputada Independente Maria Santos.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas.

O Sr. Luís Capoulas (PSD): - Sr. Deputado João Amaral, referiu a V. Ex.ª a existência de 675 recursos contenciosos e, perante o número de despachos proferidos pelo Ministério da Agricultura ao longo destes anos, não considera esse número excessivo para que se pretenda pôr em causa os despachos? Será que não se deve antes pôr em causa a própria lei?!

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Os casos particulares de apreciação dos actos discricionários do Ministério que o Sr. Deputado referiu não caberiam perfeitamente no âmbito da Comissão para Apreciação dos Actos Discricionários do Ministério da Agricultura e Pescas, CAADMAP? Ou será que estamos perante uma tentativa de, depois de se tentar transformar o Parlamento num governo, transformá-lo também num tribunal?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Luís Capoulas, quanto à primeira questão que V. Ex.ª colocou, considero significativo que uma actividade administrativa seja objecto de um número tão avultado de recursos, que é, aliás, muito superior ao referido por V. Ex.ª Isso é sinal que «algo vai mal no Reino da Dinamarca».
Mas mais grave do que isso é constatar-se os sucessivos sucessos que esses recursos têm tido face aos acórdãos emitidos pelo Supremo Tribunal Administrativo e que são prova provada dos fundamentos do inquérito.
Em relação à segunda questão colocada por V. Ex.ª e relativa ao âmbito do inquérito no quadro do exercício das funções da Assembleia da República, ele é o do exercício da função de fiscalização e não o da de julgamento. É a função de fiscalização que está em questão e a Assembleia da República tem poderes de investigação para a realizar, ou seja, através da realização de um inquérito parlamentar.
Quanto à CAADMAP, ela tem os seus poderes próprios, que, como sabe, se referem unicamente à apreciação dos actos discricionários do Ministério da Agricultura e Pescas e o que está aqui em questão é o cumprimento da Constituição e da lei, o que é uma questão diferente da apreciação da discricionaridade dos actos do Ministério; aliás, no quadro da verificação do cumprimento da Constituição e da lei, a CAADMAP não detém poderes e o quadro adequado é o do inquérito parlamentar. Assim, apresentámos este pedido de inquérito parlamentar convictos de que a Assembleia assumirá as suas responsabilidades.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.

O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate de hoje, a eventual aprovação de uma proposta de resolução e a possível criação de uma comissão parlamentar de inquérito marcam o princípio de uma nova fase na história recente da Reforma Agrária. A sua característica singular reside no envolvimento directo da Assembleia da República nesta tão controversa realidade.
Com efeito, até hoje, na Assembleia da República, a Reforma Agrária atraiu poucas vezes a atenção e o empenhamento dos deputados. Primeiro, em 1977, aquando da aprovação da Lei de Bases Gerais da Reforma Agrária, de acordo com o normativo constitucional. Uma clara maioria socialista e social-democrata se desenhou então. Dois anos depois, algumas alterações a essa lei foram aprovadas por maioria diferente, mas o veto presidencial impediu a sua
entrada em vigor. O veto ficou sem seguimento, dado que a dissolução da Assembleia da República viria pôr ponto final a esse projecto de modificação da lei. À parte estes dois momentos legislativos, um conseguido e outro falhado, a Assembleia da República tem sido sobretudo tribuna para intervenções que se esgotam nelas próprias. Devo ainda referir a Comissão de Agricultura e os grupos parlamentares que concedem inúmeras audiências sobre assuntos relativos à Reforma Agrária, mas que nunca ou raramente lhes conseguem dar seguimento eficaz.
Penso que a Assembleia da República, nesta matéria, não satisfez cabalmente os seus deveres de fiscalização constitucional.
Pior ainda, não cumpriu sequer as competências excepcionais que a lei de bases lhe conferiu. Com efeito, a fim de compensar os alegados poderes excessivos e discricionários do Ministro da Agricultura, foi criada uma «comissão de acompanhamento dos actos do Ministério», caso único, creio eu, em todo o sistema político e jurídico português. Esta comissão, apesar de eleita em várias legislaturas, nunca trabalhou satisfatoriamente. Curiosamente, acabámos de eleger a nova comissão para a IV Legislatura. Penso que, desta vez, as coisas poderiam mudar. Caso contrário, melhor será extinguir a comissão e modificar a lei, dado que o seu não cumprimento ou a omissão perante uma importante faculdade ainda são as piores soluções.
Não farei análise completa das causas desta situação. Permitam-me apenas sublinhar um ou dois aspectos. Até hoje, nunca os partidos ou os grupos parlamentares entenderam utilizar esta Assembleia como via principal de fiscalização, recurso, avaliação ou resolução de alguns problemas existentes na «zona de intervenção da Reforma Agrária» ou decorrentes da acção do Ministério da Agricultura. Até hoje, foi assim, infelizmente. Parece que agora será diferente: vários grupos parlamentares estão desejosos de alterar esta situação. Congratulamo-nos com esta evolução.
Os partidos que queriam mudar as leis (ou ter influência na sua aplicação) com o fim de reforçar ou promover uma reforma agrária colectivista, preferiram sempre a acção extraparlamentar. De igual modo agiram os partidos que pretendiam alterar as leis (e a prática do Governo) para restaurar no Alentejo situações ultrapassadas. Quanto aos últimos Ministros da Agricultura, preferiram sempre a acção administrativa, burocrática, mais ou menos discreta, arredada do público e do próprio Parlamento.
Esta conjunção de cumplicidades, além da situação vivida nas regiões em causa, levou à degradação da situação fundiária, social e económica, ao desprestígio do Ministério da Agricultura e à ausência de real fiscalização pelo Parlamento dos actos do Executivo.
O Ministério da Agricultura, por sua vez, distinguiu-se, nos últimos 5 a 6 anos, por uma política fechada e opaca; pela maneira como sistematicamente fugiu dos olhos do público, não prestou contas, não informou e não deu esclarecimentos. As sucessivas mudanças de titulares da pasta da Agricultura e respectivas secretarias de Estado, incluindo mudanças dentro do mesmo governo, e a maior parte delas dentro do mesmo partido, foram consequências de grave desorientação, mas contribuíram para ainda mais desnortear o público e os interessados. Em conclusão, a situação da Reforma Agrária, desde as leis até à prática do governo, passando pelas situações vividas nas empresas agrícolas,

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nas cooperativas, nas aldeias e nas herdades alentejanas, deve constituir o mais misterioso, mais confuso e mais contraditório dossier da vida nacional e da Administração Pública.
De todos os sectores chovem as mais terríveis acusações contra o Ministério da Agricultura, incluindo as de fraude, nepotismo, favoritismo, corrupção, ilegalidade, inércia, omissão, inconstitucionalidade e irregularidade administrativa. A todas elas o Ministério responde há anos, não com a força da informação e da transparência, não com a majestade da razão, más sim com o silêncio atabalhoado da vergonha.
Creio que hoje, se aprovarmos a proposta de resolução do Grupo Parlamentar Socialista, vamos fazer o necessário para pôr um termo a esta situação e para começar nova vida.
Desde a campanha eleitoral de Setembro de 1985 que os candidatos das listas socialistas pelos distritos da «zona de intervenção» anunciaram a sua intenção, caso ganhassem as eleições, de promover a realização de inquéritos, avaliações e inspecções a diversos aspectos da Reforma Agrária. Não tendo ganho as eleições, pensámos que deveríamos, no quadro das competências parlamentares, agir no mesmo sentido, limitando todavia o âmbito das acções a empreender, dado que certo tipo de avaliações, nomeadamente sociais e económicas, competem aos governos ou a entidades independentes, não propriamente aos deputados.
Desde o início desta legislatura que um elevado número de requerimentos foi enviado ao Ministério da Agricultura, solicitando dados, informações e elementos que permitissem ter uma primeira visão da situação. O Ministério da Agricultura começou agora a responder. Soube ainda que, na anterior legislatura, os contactos entre o Ministro e a comissão parlamentar foram escassos.
Era intenção de alguns deputados dó Grupo Parlamentar Socialista apresentar, dentro de pouco tempo, uma proposta de interpelação ao Governo sobre a Reforma Agrária, assim como uma proposta de inquérito parlamentar.
O PCP, ou porque tomou conhecimento dessa intenção, ou por simples coincidência, antecipou-se e apresentou a sua proposta de inquérito. Eis o que obriga à nossa própria antecipação, pôr alguns dias, è a um breve comentário à proposta comunista.
Não partilhamos integralmente os pontos de vista do inquérito parlamentar do PCP por várias razões: primeiro e sobretudo, porque, nos seus considerandos, a proposta condena antes de julgar o que, por esse facto, tornaria inútil qualquer inquérito; segundo, porque a proposta de inquérito do PCP é incompleta, e insuficiente, deixando inúmeras situações fora do âmbito do inquérito e não se interessando por aspectos essenciais, como, por exemplo, a avaliação técnica e legal da diversidade de empresas agrícolas existentes; terceiro, por que nos seus considerandos, a proposta de inquérito parece unilateral e parcial, ou seja, partiria do princípio que só um certo tipo de pessoas ou de instituições cometeram um determinado género de irregularidades ou de actos ilícitos.
Estas divergências, que são importantes, não invalidam todavia o que parece ser um ponto de vista comum quanto ao princípio e quanto à criação de uma comissão de inquérito.
É neste contexto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o Grupo Parlamentar Socialista apresentam sua proposta, cujos considerandos e mandato são, a meu ver, suficientemente explícitos no texto que vos é submetido.
Fazemo-lo, na convicção de que a situação na «zona de intervenção da Reforma Agrária» e na floresta administrativa e jurídica do ministério o exige de modo flagrante.
Em vastas áreas do Alentejo e do Ribatejo reina a incerteza. Incerteza quanto aos direitos e deveres. Insegurança quanto às garantias. Empresários, proprietários, pequenos e médios agricultores, rendeiros, assalariados e cooperadores não sabem com o que contam, não sabem o que o futuro lhes reserva e muito menos o que lhes reserva o próximo correio com uma sempre possível mensagem ou um imprevisível despacho do Ministério da Agricultura.
Pequenos agricultores receberam terras do Ministério, há 4 ou 5 anos, mas tiveram já de as devolver ou estão em vias disso. O Estado já denunciou unilateralmente contratos de arrendamento que assinou com pequenos agricultores. Os empresários não sabem se podem ou não investir. Cooperativas há que investiram milhares de contos e melhoraram as suas terras, mas que correm o risco de ficar sem os prédios que lhes foram legalmente confirmados. Os prazos para solicitação de demarcação de reservas foram largamente ultrapassados e sucessivamente adiados. Os critérios de pontuação mudaram várias vezes, assim como os dê atribuição de majorações. Terras de regadio são avaliadas e pontuadas como sendo de sequeiro. Subsistem terras ocupadas, nunca expropriadas, cujo destino é desconhecido. Terras expropriadas mantêm-se nas mãos dos seus antigos proprietários. Ao lado de reservas cultivadas e bem aproveitadas vi reservas abandonadas, com vários anos de mato. Ao lado de reservas com dimensões aparentemente razoáveis, vi reservas com áreas descomunais. Ao lado de reservas cultivadas com energia e saber pelos seus proprietários, vi reservas que foram pura e simplesmente vendidas, em violação flagrante das leis em vigor.
Conheço grandes empresas agrícolas privadas que, porque bem cultivadas e aproveitadas, deveriam ser preservadas, mas que vivem ainda sob a ameaça do desmantelamento. Conheço cooperativas cujos níveis de aproveitamento merecem a nossa ilimitada admiração, como conheço cooperativas cujo estado de abandono suscita a cólera.
Milhões de contos são devidos e milhares de dívidas são reivindicadas. Há milhares de pessoas que não pagam impostos ou rendas. Há quem tenha recebido compensações, adiantamentos ou indemnizações por medidas de expropriação; há quem nada tenha recebido ...
Poderia continuar indefinidamente, Srs. Deputados, a enumerar situações anómalas e irregulares que urge esclarecer e resolver e que o Ministério da Agricultura tem deixado agravar e protelar. Não o farei, todavia, na esperança de que uma comissão de inquérito possa estudar, examinar e chegar a conclusões críveis e credíveis. Sobre alguns assuntos e casos tenho já as minhas convicções, mas estas, antes da realização de um efectivo inquérito, não tem importância objectiva para o legislador.
No- mandato que propomos para a comissão, limitámo-nos a situações de facto e processuais. Assim, entendemos que a comissão poderá melhor trabalhar,

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sem admitir nas suas discussões as interpretações de situações sociais e económicas que fogem aos aspectos técnicos e legais. Mas acrescento que espero que o Ministério cumpra o seu estrito dever e que proceda ou encomende avaliações e estudos que permitam ter uma visão mais completa da situação da Reforma Agrária.
Estou pessoalmente convencido de que a maioria dos deputados pretende alterar as leis em vigor, mesmo se, muitas vezes, em sentidos diferentes ou até opostos. Sei ainda que, em breve, se revelará a incompatibilidade entre certos aspectos da nossa legislação e as normas comunitárias. Não no que diz respeito à intervenção do Estado ou à definição dos limites de propriedade, mas, sim, relativamente à existência de direitos discriminatórios entre cidadãos e entre regiões. Noutras palavras, penso que a «zona de intervenção», conceito que nunca deu inteiro agrado, deverá ser em breve legalmente revogada.
Quer isto dizer que, no próximo futuro, por iniciativa dos grupos parlamentares ou do Governo, vamos debater a Reforma Agrária, novas leis e alterações às existentes. Sinceramente vos digo que estamos muito longe de estar preparados e informados para tais debates. Até neste domínio a comissão de inquérito e as esperadas informações do Governo serão valiosíssimas: permitir-nos-ão preparar novas leis, preparar o futuro da agricultura com conhecimento de causa e não apenas com reflexos condicionados e crispações apriorísticas.
Toda a gente sabe da minha oposição à política agrícola do Ministério da Agricultura, ou antes, dos últimos três ou quatro Ministros da Agricultura. Não pretendo todavia partir em cruzada, nem tão-pouco juntar a minha voz à dos que privilegiam as vias extraparlamentares, a agitação dos espíritos, a incerteza e a exploração da ausência de informação. Eis porque penso que a única atitude razoável consiste na criação da comissão de inquérito proposta e na apreciação, dentro de poucos meses, dos resultados e das conclusões a que aquela chegar. Talvez seja possível, então, iniciarmos uma nova vida para a reforma da agricultura e para a legalidade na região.
Uma nova vida para a Reforma Agrária e para á região? Que entendo por isso, Srs. Deputados? Entendo que deve ser posto um ponto final na instabilidade fundiária, na incerteza e na guerrilha jurídica e institucional a propósito da terra. Entendo que este ponto final deve ser posto depois do esclarecimento completo e da clarificação necessária. E entendo, sobretudo, que a urgência no Alentejo e na «zona da Reforma Agrária» é a do desenvolvimento: do progresso económico, do investimento e do melhoramento técnico e produtivo. Mas do desenvolvimento com solidariedade e com justiça social.
É hoje evidente e universalmente reconhecido que o crescimento económico e o progresso tecnológico, sem justiça social, não conduzem ao real processo de desenvolvimento. Podem, pelo contrário, aprofundar clivagens sociais; abrir novas feridas e novos conflitos; e deixar à sua sorte homens e mulheres, gerações inteiras entregues a si próprias e desenraizadas.
Também a estabilidade e a certeza dos direitos e deveres são factores necessários ao desenvolvimento. O atropelo das leis, por parte dos cidadãos ou do Estado, gera factores de desigualdade, de desperdício e de incerteza, que são sobretudo favoráveis aos interesses ilegítimos e às minorias vorazes.
Eis porque consideramos a justiça social e o respeito pela legalidade elementos indispensáveis ao desenvolvimento e tão imperativos como o crescimento económico.
O Alentejo precisa de desenvolvimento e de paz. E no Alentejo há lugar para todos, proprietários, agricultores e trabalhadores. Não deve todavia haver lugar para o abuso nem o desrespeito da lei.
No nosso entender, o «Alentejo verde» é um programa económico, social e tecnológico possível a médio prazo, desde que se comece já. Mas só será possível se a paz for feita nos campos e na terra. Só será possível regar o Alentejo se os poderes públicos forem os primeiros a dar o exemplo, isto é, a respeitar as leis, tomar a iniciativa de empreendimentos modernos, aproveitar os recursos europeus, dialogar com todos, mobilizar empresários, agricultores e trabalhadores, formar e informar todos os interessados, sem privilégios.
O Alentejo, dadas as suas características, pode responder rapidamente aos estímulos e a um esforço de organização. O Alentejo e q Ribatejo podem estar entre as primeiras regiões de Portugal a responder rápida e eficazmente ao desafio europeu. Por isso entendemos que, para esta região, se deveria elaborar um autêntico plano de emergência para a agricultura do Sul, com o qual se congregariam os excepcionais recursos necessários, os técnicos e os esforços dos agricultores.
É neste espírito que propomos a comissão parlamentar de inquérito: para que a génese marque, com limpidez, o movimento do futuro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedidos de esclarecimento, estão inscritos os Srs. Deputados Narana Coissoró e Vasco Miguel.
Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado António Barreto, naturalmente que V. Ex.ª é um dos especialistas dos problemas da Reforma Agrária e deve-se a V. Ex.ª a lei agrária a que o Partido Comunista vulgarizou sob o nome de Lei Barreto, o que o honra porque, efectivamente, o seu nome ficou ligado a uma das reformas básicas a que se procedeu no Alentejo depois do 25 de Abril de 1974.
Diz V. Ex.ª que essa lei não foi bem cumprida porque a actuação dos Ministros da Agricultura nos últimos anos foi opaca, fechada, burocrática e, em muitos aspectos, até raiou o abuso e a ilegalidade.
Sr. Deputado, pode dizer à Câmara, em voz alta, quem era o Primeiro-Ministro dos governos de então? Pode V. Ex.ª dizer a esta Câmara se esse Primeiro-Ministro era ou não solidário com a actuação dos Ministros da Agricultura que fizeram esta política opaca, baça, fechada, burocrática, com abusos de poder e com ilegalidades? Pode V. Ex.ª dizer a esta Câmara se este inquérito envolve também os actos tomados com solidariedade e cumplicidade desse que foi o Primeiro-Ministro de então e que subscreveu, na qualidade de responsável pelos actos do Governo, tudo aquilo que V. Ex.ª acabou de referir e que foi contrário à Reforma Agrária?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vasco Miguel.

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O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Sr. Deputado, António Barreto, parte do que eu tinha para dizer foi já particularmente bem exposto pelo Sr: Deputado Narana Coissoró.
Cingir-me-ei, portanto, a um aspecto que me parece importante e que é o. de a bancada do PSD ter compreendido o conteúdo e o objectivo do pedido de inquérito do Partido Comunista Português e, de igual, modo, o conteúdo e o objectivo do projecto de resolução que VV. Ex.ªs apresentaram na Mesa.
O desafio que faço a V.Ex.ª prende-se com o facto de o Partido Social-Democrata ter apresentado - embora tardiamente, reconheço-o - uma proposta de resolução que, infelizmente, não pode ser agendada para hoje. Não parece ao Sr. Deputado António Barreto - na perspectiva de que se tenha profundo conhecimento de tudo o que tem acontecido na zona de. intervenção da Reforma Agrária desde 1974 - que se deve alargar o âmbito do seu projecto: de resolução até 1974? Isto porque também entendemos ser preciso legislar de novo sobre a Reforma Agrária; porém, desejamos que, desta vez, isso se faça definitivamente, por forma a que se classifique toda aquela zona, o que é bem preciso.
Não concorda o Sr. Deputado que o inquérito deve ser alargado até 1974 para que tenhamos um profundo conhecimento sobre o que tem sido a zona de intervenção da Reforma Agrária e para que, com. ele, a Câmara fique fundamentada, por forma a legislar no futuro no sentido de uma pacificação efectiva da zona de Reforma Agrária?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.

O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Deputado Narana Coissoró, tenho muito prazer em responder à primeira pergunta que V. Ex.ª colocou. Os Primeiros-Ministros do período a que me referi chamam-se: Mota Pinto, Sá Carneiro, Pinto Balsemão, Mário Soares e Cavaco Silva - não sei se o Sr. Deputado quer que diga também os nomes dos Vice-Primeiros-Ministros deste período - e os Ministros da Agricultura desse mesmo período chamam-se: Cardoso e Cunha, Vaz Portugal, Basílio Horta, Soares Costa e Álvaro Barreto.
Creio, pois, que respondi cabalmente à pergunta que o Sr. Deputado colocou.
Em relação à questão colocada pelo Sr. Deputado Vasco Miguel, devo dizer que, pessoalmente, estou disposto - e digo «pessoalmente» porque não consultei o grupo parlamentar a que pertenço, mas como tenho este estatuto de independente do PS posso responder por mim próprio - a votar á favor da sua proposta de resolução noutra altura.
Creio que o objecto exacto da proposta de resolução que apresentaram não é igual ao nosso. No entanto, devo dizer que estou informado quanto a esse período, pois tive o prazer de trabalhar durante vários anos sobre a matéria em questão; já publiquei 8 livros sobre a Reforma Agrária desde antes de 1974 até 1978 e desculpe-me esta publicidade e esta vaidade pessoal mas, inclusivamente, fiz uma tese de doutoramento sobre este assunto até 1977. Portanto, por mim estou informado e o Sr. Deputado obterá ò meu voto no dia em que for discutida a proposta de resolução para uma avaliação económica e sociológica da situação antes de 1974 e dos primeiros anos que se seguiram a 1974.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís
Capoulas.

O Sr. Luis Capoulas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De modo a melhor situar o assunto em debate e a ajudar a compreender o objectivo visado pelo requerimento do PCP, parece-me pertinente reavivar na nossa memória, ainda que sumariamente, o que tem sido todo este nebuloso processo da chamada «Reforma Agrária».
Faço-o em nome da bancada do PSD e na qualidade de alentejano e de testemunha ocular de muitos dos factos ocorridos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No período que mediou entre o 11 de Março e o 25 de Novembro de 1975 e no prosseguimento de um plano previamente preparado que havia começado pela descapitalização das empresas agrícolas, agentes do Partido Comunista impuseram pela força no Alentejo e em parte do Ribatejo uma impropriamente designada «Reforma Agrária» que se traduziu, tão-só, na ocupação indiscriminada da generalidade das propriedades rústicas, qualquer que fosse a sua dimensão, tipo de exploração ou nível de aproveitamento. Não se fez qualquer distinção entre pequenos, médios ou grandes proprietários, rendeiros ou seareiros. Todos mereceram o mesmo tratamento, todos sofreram o esbulho dos seus haveres, as ofensas verbais e as ameaças de represálias físicas. Frequentemente se verificou até terem sido as herdades melhor aproveitadas, as mais apetrechadas em máquinas, alfaias e gados e com maiores investimentos, as privilegiadas pela cobiça revolucionária.
Muitos empresários agrícolas, proprietários ou rendeiros, e frequentemente os mais dinâmicos, viram destruído o resultado de vidas inteiras de trabalho e de dedicação à terra.
Alguns deles ficaram mesmo sem quaisquer condições de subsistência.
A maioria dos trabalhadores rurais foram obrigados a integrar-se nas chamadas «UCP», unidades concebidas à imagem dos Kolkhozes soviéticos, dirigidas por uma comissão controlada pelo PCP.
Depois de terem sido iludidos com o slogan «a terra a quem a trabalha», viram-se reduzidos à condição de simples proletários.
Quem não alinhasse no processo, além de não ter alternativa de emprego, era alvo de ameaças e considerado como «traidor de classe».
A tradicional humildade e honestidade do povo alentejano foi violada. Instalou-se o oportunismo. Lei não havia. Tudo se processava a coberto da dita «legitimidade revolucionária».
Por outro lado, não se proeurou a introdução de novas técnicas ou de novas culturas ou sequer alterar o regime da exploração da terra e melhorar a sua produtividade.
Apenas se procedeu à transferência da posse da terra e dos respectivos meios de produção dos proprietários para as referidas UCP, com o Estado por intermediário.
De reforma agrária, no seu verdadeiro sentido reformista, com o louvável objectivo de aumentar a produção agrícola e procurar uma maior justiça social, nada se viu.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi a isto, a tudo e apenas isto, que se passou a chamar Reforma Agrária!

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Aquela verdadeira Reforma Agrária, pela qual o Alentejo aspirava, que fizesse justiça aos bons agricultores, que protegesse os trabalhadores agrícolas, que promovesse o bem-estar rural, que penalizasse o arcaísmo agrário ainda subsistente, que modernizasse a nossa agricultura, essa autêntica Reforma Agrária não existiu!
Preferiu tomar a «árvore pela floresta» e aplicar a justiça sumária de «fazer pagar o justo pelo pecador».
Felizmente que, reencontrado o caminho da liberdade e da democracia encetado com o 25 de Abril, foi possível começar a regularizar a situação criada, para o que a Assembleia da República contribuiu decisivamente com a aprovação da Lei n.º 77/77, vulgarmente conhecida por «Lei Barreto».
A partir de então, os governos foram procurando aplicar a lei, sempre perante a oposição violenta do PCP, que utilizava os seus habituais processos de chantagem para arregimentar os trabalhadores e os submeter a sucessivas humilhações.
Em 1980 o governo do Dr. Sá Carneiro decidiu encarar determinadamente o problema do Alentejo e foi assim, fruto da coragem e sentido político desse invulgar estadista, que muitos dos espoliados reouveram as suas reservas e que centenas de pequenos agricultores foram instalados como rendeiros do Estado.
Aplausos do PSD e do deputado Borges de Carvalho do CDS.
Os governos seguintes continuaram a aplicação da lei, embora a ritmo mais lento, pelo que ainda hoje subsistem situações por regularizar e inúmeros candidatos à posse da terra, particularmente jovens agricultores, aguardam a sua merecida oportunidade.
Agora que a agricultura portuguesa enfrenta o sério desafio que representa a sua integração no espaço da CEE, mais urgente se torna a descolectivização do Alentejo e a definição clara de um «estatuto da posse útil da terra» que dê confiança e segurança a quantos nela trabalham e investem, de modo a que a terra possa cumprir plenamente a sua função social - produzir bens alimentares e promover económica e socialmente o homem rural.
Hoje em dia, os próprios trabalhadores agrícolas reconhecem não haver mais tempo a perder com a utopia colectivista e anseiam por uma agricultura mais empresarial e mais moderna. O PCP sente que perde terreno no Alentejo e que o seu discurso demagógico já não consegue mobilizar o honrado povo alentejano. No último ano, 80% das entregas de reservas efectuaram-se com o acordo dos trabalhadores e apenas em 20% dos casos foi necessária a presença da autoridade.
Os últimos actos eleitorais demonstram que o Alentejo não é mais um feudo comunista!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É neste contexto, passado e presente, e no seu conhecido jeito de quem tão bem sabe «fazer o mal e a caramunha», que o PCP vem propor um inquérito parlamentar aos actos executados na aplicação da Lei n.º 77/77, invocando pretensas ilegalidades e inconstitucionalidades.
Ora, carece de qualquer credibilidade para falar em nome da lei ou da Constituição quem proeurou impor, primeiro, o caos e depois um regime de ditadura.
Por outro lado, e para análise de eventuais reclamações, existe já, criada pelo Decreto-Lei n.º 63/79, e ao abrigo do artigo 72.º da Lei n.º 77/77, uma Comissão Parlamentar para Apreciação dos Actos do MAP.
Criar uma nova comissão parlamentar no mesmo âmbito de outra já existente resulta num claro desprestígio para a Assembleia da República!
O requerimento do PCP não tem, pois, qualquer sentido positivo!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas é compreensível!
Compreende-se porque, tendo o PCP perdido a batalha da colectivização, estando a perder o apoio dos próprios trabalhadores agrícolas, procura levantar uma nuvem de pó que oculte os desmandos cometidos em 1975 na zona de intervenção e criar, através de uma operação de intoxicação da opinião pública, um clima psicológico mais favorável às suas UCP e bloquear a entrega de reservas e o arrendamento de terras a pequenos agricultores.
É este, obviamente, o claro objectivo do PCP e votaremos contra ele.
De estranhar será a posição implícita do projecto de resolução do Partido Socialista. O PS esteve ao nosso lado na resistência ao assalto gonçalvista, aprovou connosco a Lei n.º Tl/11, participou em governos que demarcaram reservas e extinguiram UCP, nunca contestou a política seguida pelo governo Sá Carneiro, que chegou a pretender perfilhar, reconheceu publicamente a necessidade da alteração da Lei de Bases da Reforma Agrária, fez uma campanha eleitoral em que pretendeu apoiar os pequenos e médios agricultores. Depois de tudo isto, o projecto do PS, embora numa terminologia mais cautelosa, converge com o do PCP na defesa das UCP.
Como pretenderá o PS conciliar a defesa e cristalização das UCP com a promoção de novos agricultores e o desenvolvimento da agricultura livre?
Haverá certamente razões que a racionalidade democrática desconhece!
Todavia, num aspecto estamos de acordo com o Partido Socialista - é o da necessidade da publicação de um «livro branco» sobre a Reforma Agrária, mas envolvendo todos os acontecimentos ocorridos na zona de intervenção depois do 25 de Abril e não apenas os relativos à aplicação da Lei n.º 77/77, como sugere o Partido Socialista.
O Partido Social-Democrata entende que é tempo de clarificar tão relevante e controversa questão.
E tempo de desmistificar o problema da Reforma Agrária e de levar ao conhecimento do povo português, com toda a objectividade, a realidade da situação fundiária, económica e social existente na zona de intervenção à data do 25 de Abril, a verdade das ocorrências posteriores e ainda um levantamento da actual estrutura fundiária, casos pendentes, débitos ao Estado, indemnizações por pagar, volume e valor das cortiças transaccionadas em propriedades expropriadas, ou ocupadas, efectivos pecuários, máquinas e alfaias ainda ocupados, etc., e com certeza também a análise dos critérios de entrega de reservas e de arrendamento de terra a pequenos e médios agricultores.
É, pois, neste sentido que aponta o projecto de resolução apresentado pelo Partido Social-Democrata.
Num momento em que teremos de adaptar rapidamente a nossa legislação agrária à vigente numa economia de mercado fortemente competitiva, como a da CEE, parece-nos importante fazer luz sobre todo este

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processo e aproveitar dos erros cometidos os ensinamentos que eles nos podem proporcionar com vista ao futuro.
Cada vez mais se impõe que toda a acção política assuma a transparência moralizadora tão necessária à recuperação económica e à regeneração ética do País, bases fundamentais para que se possa caminhar no sentido de um progresso sustentado e autêntico.
Felizmente que o povo português tem consciência de quem defende persistentemente estes valores e de quem faz da acção política um mero instrumento de conquista do Poder, depois posto ao serviço de interesses partidários ou sonhos presidenciais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me que termine com a expressão de um sentimento cada vez mais generalizado entre as gentes de tão vasta e martirizada região, permitam-me que aqui vos deixe um eco dessa imensa e silenciosa planície, onde a própria revolta assume o tom da lamentação quando não a atitude da resignação: os Alentejanos estão cansados de ser moeda de troca de negócios políticos obseuros. Querem ser cidadãos iguais aos outros, querem ser regidos pelas mesmas leis. Eles também tem direito à liberdade, à democracia, ao desenvolvimento e, à justiça social. Ali também é Portugal!

Aplausos do PSD e de alguns deputados do CDS.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca, José Luís Nunes, António Barreto, Raul Castro e João Amaral. Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Deputado Luís Capoulas, esta foi a primeira vez que ouvi V. Ex.ª usar da palavra nesta Câmara. O Sr. Deputado tem um tom de voz tranquilo - e ainda bem -, mas tem uma violência verbal inusitada e que me surpreendeu.
Ouvi-lo falar em ditadura e em regimes policiais ajuda-me a compreender muito melhor o que os últimos governos, apoiados pela GNR, têm provocado no Alentejo. É extremamente preocupante a conclusão que retiro da intervenção que o Sr. Deputado formulou, pois é uma intervenção que não vai ao fundo dos problemas, é infeliz e preocupante. Porém, a verdade é o que V. Ex.ª não referiu se estava ou não disposto a que fossem apreciadas as actuações ilegais provocadas e conduzidas pelos anteriores governos e nomeadamente pelo actual Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação.
A determinada altura da sua intervenção, o Sr. Deputado disse que a seguir a 1974 houve descapitalização das empresas agrícolas. Ora, gostava que V. Ex.ª dissesse se quem descapitalizou essas empresas foram os trabalhadores ou os latifundiários. Em 1974 qual era a estrutura do Alentejo que V. Ex.ª diz conhecer tão bem? Qual o nível de desemprego e de produção agrícola?
A propósito de produção agrícola, gostava que dissesse - e esses números estão publicados - se tem presente que em 1983 e 1984 houve um aumento de 41% na produção de trigo, de 52% na produção de aveia, de 38% na produção de cevada; etc. Apesar de toda a ofensiva do Ministério da Agricultura contra a
Reforma Agrária, gostava de saber se o Sr. Deputado tem alguma coisa a dizer quanto a este aumento de produção.
Finalmente, gostava de saber se V. Ex.ª está ou não de acordo com as irregularidades praticadas pelo Ministério da Agricultura e as entregas de reservas - e devo lembrar-lhe que acerca de um mês já existiam perto de uma centena de processos e de despachos para entregas de reservas leilões que ultrapassam os 50 000 ha.
Gostava ainda de saber se, em nome da tal transparência moralizadora de que V. Ex.ª falou e da dimensão ética do País, está ou não disposto a que se faça um inquérito de acordo com as propostas apresentadas, quer pelo PS quer pelo PCP - pois este é que é o fundo da questão -, ou será que o Sr. Deputado pretende iludir as questões? Parece que o Sr. Deputado está de acordo com este inquérito, uma vez que diz que existe uma comissão que vigia os actos do Ministério da Agricultura. O Sr. Deputado acha que essa comissão tem sido operante, tem dado resultados práticos?
Estas eram as questões que gostaria que fossem esclarecidas.
Sr. Presidente: - Sr Deputado Luís Capoulas, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim de todos os pedidos de esclarecimento?

O Sr. Luís Capoulas (PSD): - Prefiro responder no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Deputado Luís Capoulas, V. Ex.ª fez uma intervenção extremamente interessante, mas que, salvo o devido respeito, não tem nada a ver com este debate.
O Sr. Deputado explicou à Câmara - e está no seu direito - as razões por que não concorda com as leis vigentes em matéria de Reforma Agrária. E haverá muito boa gente que o acompanha nisso, pois a discordância da lei é um direito dos cidadãos e mais ainda de um deputado, que tem o direito de tomar iniciativas para corrigir e modificar essas leis com que não concorda.
Mas o que se está aqui a discutir não é o problema da concordância ou da discordância de V. Ex.ª ou da Câmara com a lei; o que se está aqui a discutir é no sentido de saber, em primeiro lugar, se, mesmo discordando da lei, a Câmara em geral e V. Ex.ª em particular entendem que a lei deve ser respeitada. Assim, a primeira questão que lhe quero colocar é a seguinte: entende ou não V. Ex.ª que, mesmo discordando da lei, mesmo achando a lei má ou errada, ela deve ser respeitada?
Em segundo lugar, visto que sou um jurista com uma formação inveterada nessa matéria, há uma questão que foi levantada pelo Sr. Deputado António Barreto e que é a seguinte: há ou não acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo com trânsito em julgado que não são executados? É que se há acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo que não são executados e que revogam actos do Ministério, estamos numa situação que não corresponde à de um Estado de direito. Gostaria que V. Ex.ª se pronunciasse concretamente sobre este caso.

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Em terceiro e último lugar, devo dizer-lhe que V. Ex.ª fez uma exposição carregada de ideologia, mas não vale a pena estar aqui a escalpelizá-la porque isso levar-nos-ia muito longe. Portanto, gostava que V. Ex.ª explicasse à Câmara o que é que entende por «tradicional humildade do povo alentejano».

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.

O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Deputado Luís Capoulas, nas últimas eleições legislativas ambos concorremos pelo mesmo circulo eleitoral e, no entanto, V. Ex.ª pareceu estranhar - foi a expressão que utilizou - o que chamou de convergência entre o Partido Socialista e o PCP. Já há pouco uma longínqua alusão do Sr. Deputado Vasco Miguel me deixou uma dúvida que preferi não indagar.
Porém, agora gostaria de lhe perguntar se não se recorda do manifesto eleitoral apresentado pelos candidatos a deputados pelo Partido Socialista, no círculo de Évora, em Agosto de 1985, longe das circunstâncias actuais da vida política nacional e que aqueles candidatos, como aliás os propostos por Portalegre e Beja, pediram ao governo um «livro branco»? Aliás, esses candidatos prometeram um «livro branco», caso viessem a formar governo e pediram uma inspecção técnica, uma inspecção legal, uma inspecção económica às diversas unidades produtivas - cooperativas, individuais e empresariais - da Reforma Agrária.
Sr. Deputado, não se recorda que o essencial da proposta de resolução hoje apresentada retoma as propostas apresentadas ao eleitorado em Agosto, Setembro e Outubro de 1985? Não se recorda que nessa altura, como desde sempre, os socialistas e eu, como independente - e solidarizei-me com eles porque sou e sempre fui um crítico do colectivismo agrário -, defendemos a cooperaçâo como método ideal para desenvolver a agricultura no Alentejo, a par dos pequenos, médios e grandes agricultores privados?
Não se recorda, Sr. Deputado Luís Capoulas, que eu próprio, publicamente, em 1979-1980 felicitei o então Primeiro-Ministro Sá Carneiro por ter mandado entregar terra a 2500 pequenos agricultores, muitos dos quais perderam o direito a usar essa terra nos últimos anos? Não se recorda que nós, candidatos a deputados do Partido Socialista, pelo círculo eleitoral de Évora, pedimos publicamente a suspensão da entrega de reservas e a revisão desses processos? Não se recorda que denunciámos o que se estava a passar e pedimos ao Sr. Ministro Álvaro Barreto que parasse de retirar a terra aos pequenos agricultores - que, em muitos casos, a tinham recebido das mãos de Sá Carneiro -, na sequência da defesa que fazíamos em Agosto de 1985 e continuamos a fazer da entrega de terra aos pequenos e médios agricultores que tanto precisam dela?
Finalmente, Sr. Deputado Luís Capoulas, pergunto-lhe se não acha que desprestígio é o facto de uma comissão como essa CAADMAP - que existe há 7 anos, creio - não ter dado conta do seu recado? Não é altura, justamente, de criar esta comissão de inquérito, até porque os 370 ou 380 casos que foram apresentados ao Supremo Tribunal Administrativo e
sobre os quais houve acórdãos não podem ser agora apreciados pela Comissão de Apreciação dos Actos Discricionários do Ministério da Agricultura?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Deputado Luís Capoulas, a sua intervenção, em vez de constituir uma tomada de posição relativamente aos dois pedidos de inquérito apresentados, traduziu-se, afinal, num ataque de ódio à Reforma Agrária,...

Vozes do PCP: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - ... ataque esse que não vale a pena estar a analisar em pormenor, bastando apenas referir dois factos. O Sr. Deputado diz que com a Reforma Agrária se operou a descapitalização, mas a verdade é que os próprios dados oficiais confirmam que a formação bruta do capital fixo aumentou em 1975 e 1976, na sequência da mesma Reforma Agrária.
Por outro lado, o Sr. Deputado fala em liberdade dos Alentejanos. Mas liberdade de quais alentejanos, Sr. Deputado? Dos latifundiários ou dos trabalhadores, alguns dos quais pagaram com a vida essa luta pela liberdade na terra alentejana? A qual deles se refere o Sr. Deputado?
Finalmente, Sr. Deputado Luís Capoulas, visto que V. Ex.ª condena apaixonadamente a entrega da terra a quem a trabalha e a Reforma Agrária, gostaria de lhe perguntar o seguinte: o Sr. Deputado acata ou não o que dispõe o artigo 97.º da Constituição, que estabelece a transferência da posse útil da terra para aqueles que a trabalham e a expropriação dos latifúndios e das grandes explorações capitalistas?

Vozes do MDP/CDE e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Luís Capoulas, em primeiro lugar, gostaria de lhe recordar o objecto deste debate. Admito, pois não tenho nada com isso, que entenda produzir as afirmações que produziu em sede própria, nos comícios, que naturalmente fará onde quiser. Só que agora estamos em sede de discussão de dois inquéritos parlamentares, que foram apresentados e que não têm nada a ver com o que aqui disse.
Aliás, estranhamente, o que se tornou claro no seu discurso é que o PSD assumiu aqui publicamente um discurso típico por exemplo de O Diabo ou de O Dia, onde pontificava um conhecido jornalista de que, pelos vistos, o senhor era leitor assíduo.
A questão assumiu, a certa altura, as raias do ridículo quando - e pergunto-lhe a que título - se arrogou, aqui na Assembleia, o direito de falar em nome dos Alentejanos, a menos que, tal como aqui já foi sublinhado, fale em nome «da tradicional humildade dos Alentejanos». Só que o problema é outro e em relação a esse problema as questões a colocar são muito simples.

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A primeira questão que lhe quero colocar diz respeito à CAADMAP. A CAADMAP tem uma definição e um enquadramento legal perfeitamente claro, ou seja, trata-se de uma comissão para reapreciar do mérito, da conveniência ou da oportunidade dos actos administrativos do Ministério. No entanto, esta comissão não aprecia a legalidade desses actos porque não o pode fazer, nem o legislador o quis e isso ficou claro durante todo o debate parlamentar da Lei n.º 77/77.
Ora, o que está aqui em questão é a legalidade. Então, o que é o Sr. Deputado pretende? Pretende que a CAADMAP ultrapasse os seus poderes e invada uma esfera que não lhe é própria? E quanto às ilegalidades, Sr. Deputado? Como é que pode passar tão ligeiro, tão despreocupado sobre as ilegalidades?
Obviamente que o Sr. Deputado terá conversas desse tipo no café, com os seus amigos, enfim, nas circunstâncias adequadas. Mas aqui, na Assembleia da República, como é que o senhor, como deputado do partido que apoia o Governo, pode considerar, de forma ligeira e irresponsável, acusações concretas, que estão formuladas em petições, em reclamações, em exposições e queixas e que nunca foram negadas? Como pode deixar de considerar que a responsabilidade desta Assembleia tem de ser a de intervir também nesse campo por forma a apurar os factos que foram aqui denunciados na Assembleia da República? Ou considera o Sr. Deputado que a Assembleia deve antes ouvir o conteúdo dos discursos que produz nos comícios em vez de assumir as suas responsabilidades neste campo e contribuir para a reposição da legalidade?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas.

O Sr. Luís Capoulas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Julgo que, na generalidade, os pedidos de esclarecimento só vieram confirmar a razão de ser da proposta de resolução apresentada pelo PSD, que é a de que os factos, objecto do inquérito, retornam a 1974, porque realmente para se saber qual era a estrutura fundiária nessa altura, qual era o nível de desemprego, quais eram as questões que se punham, nada como alargar o âmbito deste inquérito a essa data. Aí sim, viria ao de cima a verdade absoluta dos factos.

Vozes do PCP: - É de mais!...

O Orador: - O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca referiu a minha intervenção e falou de violência verbal. O Sr. Deputado sabe que a razão nos dá realmente muita força. Sou capaz de utilizar serenamente a violência verbal mas sou incapaz de utilizar a violência física, que os seus apaniguados levaram para o Alentejo em 1975!

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

Vozes do PCP: - É de mais!

O Sr. João Amaral (PCP): - Deixe isso para os comícios da CAP, Sr. Deputado!...

O Orador: - Quanto à descapitalização, posso esclarecer o seguinte:...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Isto é uma Assembleia séria, não é uma Assembleia de trauliteiros!

Vozes do CDS: - Estão nervosos ...

O Orador: - Não estejam nervosos que não conseguem enervar-me.
Referi a descapitalização das empresas agrícolas porque nem todos os proprietários se comportavam como empresários, como aliás referi na minha intervenção. Agora, o que aconteceu é que muitas empresas agrícolas deixaram de ser viáveis e passaram por tremendas dificuldades a partir do momento em que lhe foram distribuídos compulsiva e obrigatoriamente trabalhadores vindos até de cinturas industriais, de zonas industriais, que regressaram ao Alentejo na altura. Isso foi um projecto e um plano elaborado pelo Partido Comunista e que realmente deu resultado no Alentejo.
Quanto ao Sr. Deputado José Luís Nunes, quanto ao tema do debate, devo dizer que, de facto, não consigo entender uma proposta de inquérito sem perceber o contexto envolvente.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Pois não consegue, não!...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - É muita areia para a sua camioneta!...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - O que não querem é lá o Barreto!...

Risos do PCP e do MDP/CDE.

O Orador: - Porque os Alentejanos têm realmente enfiado muito barrete. ..

Vozes do PCP: - Está a enfiar o barrete, é?!

O Orador: - ... mas não enfiam mais barretes destes, em que se pretende julgar a aplicação da lei omitindo a razão de ser da própria lei, o porquê e em que contexto é que ela surgiu.
O Alentejo nunca teve uma voz que trouxesse aqui a verdade dos factos. Por isso, entendi, na minha primeira intervenção, trazer aqui a realidade e a verdade dos factos, aliás, amplamente documentados.

Vozes do CDS e do PSD: - Muito bem!

Vozes do PCP: - Mentirosos!

O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado António Barreto, julgo que pouca divergência há entre aquilo que defendi e aquilo que o próprio Sr. Deputado referiu. E penso que a questão do «livro branco» ficava perfeitamente satisfeita se fosse aceite que o âmbito deste inquérito fosse realmente desde 1974. A partir daí, teríamos uma perspectiva dos dois lados da questão - de dois dos muitos lados que esta questão pode ter, pois ela é muito controversa - e não apenas uma perspectiva relativa ao período do após 1977.
E isto não significa que não esteja plenamente de acordo com o inquérito aos actos discricionários, aos critérios que têm sido aplicados ou alterados ao longo de todo este processo. Não estou, portanto, em desacordo com este inquérito, apenas penso que para a verdade vir realmente ao de cima, o âmbito deve ser alar-

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gado até 1974. E mais, penso que muita gente não compreenderá que se vise apenas neste inquérito a aplicação da lei pondo de lado os factos que lhe foram subsequentes.
Quanto ao Sr. Deputado Raul Castro, o ataque de ódio que V. Ex.ª referiu é algo que desconheço. Não sei o que é isso de ódio, ou melhor, não sabia até o ter visto semear no Alentejo. Nos campos do Alentejo, onde se semeava trigo, cevada e aveia, foi semeado ódio em 1975!

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Mas eu não escolhi desses frutos ... Aplausos do PSD e do CDS.
Quanto à liberdade, não aceito lições de ninguém. Nunca pensei de outra forma que não fosse de uma forma democrata, livre e aberta.

Vozes de protesto do PCP.

Aderi ao 25 de Abril antes dele ter tido lugar e não no dia 26. O Sr. Deputado não me conhece, não tem o direito de se arvorar em julgador quando não conhece as pessoas; acho que isso lhe fica mal, pelo menos.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado João Amaral, a sede própria para tratar destes assuntos é aqui. Fui eleito por alentejanos que me conhecem, que me cometeram o mandato de exprimir aqui a verdade dos factos e não apenas um único lado dos mesmos, que é aquilo que VV. Ex.as têm sistematicamente aqui trazido e com o que têm intoxicado a opinião pública.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - A verdade do que se passou no Alentejo não é aquela que VV. Ex.ª repetem sistematicamente na vossa cassette sobre a Reforma Agrária.

Vozes do PCP: - Essa cassette diz a verdade, sim senhor!

O Sr. João Amaral (PCP): - Essa é a sua cassette!

O Orador: - A verdade é muito diferente dessa e os Alentejanos estão a perceber que não é essa a verdade, não é isso que eles anseiam.
Julgo que isto é suficiente para dizer aos Srs. Deputados que a posição que aqui me trouxe é uma posição de coerência, para revelar a verdade, para revelar um lado da questão e ajudar a desmistificar toda esta nebulosa questão que VV. Ex.ªs gostariam de ver continuar envolvida em pó e em nevoeiro!

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai ler um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Secretário (Maia Nunes de Almeida): - O relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos é do seguinte teor:

Em reunião realizada no dia 4 de Fevereiro de 1986, pelas 15 horas, foi apreciada a seguinte substituição de deputado solicitada pelo Partido Renovador Democrático:
Aníbal José da Costa Campos (círculo eleitoral de Aveiro) por José Emanuel Corujo Lopes. Esta substituição é pedida por um período não superior a 6 meses, ao abrigo da alínea b) do n.º 2 da Lei n.º 3/85, a partir do dia 3 de Fevereiro corrente, inclusive.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis. Finalmente a comissão entende proferir o seguinte parecer:
A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

A Comissão: Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Vice-Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, António Sousa Pereira (PRD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Secretário, José Miguel Nunes Anacoreta Correia (CDS) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - João Domingos Fernandes Salgado (PSD) - António Marques Mendes (PSD) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - Joaquim Carmelo Lobo (PRD) - Carlos Alberto Correia Rodrigues Matias (PRD)- Vasco da Gama Fernandes (PRD) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - José Manuel Antunes Mendes (PCP) - António José Borges de Carvalho (CDS) - João Cerveira Corregedor da Fonseca (MDP/CDE).

O Sr. Presidente: - Está em apreciação o relatório e parecer que acabou de ser lido, Srs. Deputados.

Pausa.

Não havendo inscrições, passamos à sua votação. Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Prosseguindo o debate, tem a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Uma vez mais nos encontramos a discutir um problema respeitante à Reforma Agrária. Tal situação tem sido repetida amiúde na Assembleia da República, lembrando que «quem torto nasce, tarde ou nunca se endireita». Na realidade, a Reforma Agrária tem sido um assunto que permanentemente acentua clivagens na vida portuguesa.

Vozes do CDS: - Muito bem!

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O Orador: - Tantas e tão radicalizadas discussões mostram bem quão frágeis são os seus alicerces e quanto urgente se torna a sua profunda alteração. , Não falando já na sua responsabilidade pela divisão do País em dois, fazendo do Sul uma zona de permanentes conflitos, chegando por vezes a situações geradoras de guerra civil, não temos qualquer dúvida em classificá-la como grande responsável no retrocesso sofrido pela agricultura.
A falta de confiança existente entre os empresários agrícolas, impedindo-os de projectar quaisquer tipos de investimentos - inclusive os enquadráveis nas ajudas da CEE -, pois desconhecem em absoluto o seu futuro imediato, a indefinição do limite territorial da chamada zona de intervenção, a brutal quebra de produtividade acontecida nas empresas vítimas de ocupações selvagens, apoiadas sistematicamente por armas ostentadas por um exército descomandado, a distribuição de propriedades com áreas convenientemente dimensionadas para dar lugar a hiperlatifúndios com aparelhos de gestão impreparados e manobrados, são algumas das razões que justificam ser ainda hoje a Reforma Agrária uma das grandes fontes de discórdia da vida portuguesa.
Não questionamos a necessidade e até mesmo a urgência em se ter iniciado há umas dezenas de anos uma Reforma Agrária.
Mas uma Reforma Agrária que perspectivasse um substancial aumento da produtividade e da produção agrícola, aumento dos rendimentos agrícolas com a consequente melhoria do nível de vida dos trabalhadores rurais, expropriação de áreas realmente subaproveitadas e sua distribuição por verdadeiros agricultores em parcelas que viabilizassem a instalação de empresas do tipo familiar. Mas nada disto aconteceu.
Assistimos antes a uma tentativa revolucionária e radical de modificar, por completo, o panorama agrícola português, com objectivos bem definidos. A este propósito citarei o que foi escrito pelo hoje Sr. Deputado António Barreto:
A estratégia de ocupação institucional não é pensada e posta em prática tendo apenas e sobretudo em vista a «Reforma Agrária», tal como se desenrolou. As instituições não são ocupadas com o simples fito de preparar a ocupação de terras e empresas. Nem sequer com esse objectivo delineado completamente. São ocupadas pelo que valem - que não é pouco- e pelo que podem valer
- que não é certo mas que pode ser muito -, como foi. Os comunistas e seus aliados militares radicais queriam o mais e o menos; o todo e, a parte; o caminho e o eventual destino. Queriam a «Reforma Agrária» (e por que não o Estado, todo o Estado?), mas antes queriam meios de acção e instituições. Até porque estas eram as mais urgentes, estavam em jogo imediato e disponíveis. Por outro lado, é evidente que sem organismos de controle, sem meios financeiros nem poder político, sem leis nem meios de repressão e de coerção, a revolução rural, a ocupação de terras e à «Reforma Agrária», não seriam possíveis.
As razões por que a Reforma Agrária surgiu, da, forma como surgiu estão claramente denunciadas nas linhas que acabei de ler.
Todos nós o sabemos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O pedido de inquérito parlamentar que hoje aqui discutimos tem a nosso ver um interesse fundamental.
Ele alerta a opinião pública para a passividade do Governo, que uma vez mais tarda em trazer à luz do dia propostas que alteram a Lei de Bases Gerais da Reforma Agrária.
É indispensável introduzir medidas que alterem estruturalmente a nossa agricultura, face ao desafio que nos é proposta pela adesão de Portugal à CEE, sem que a Lei de Bases Gerais da Reforma Agrária seja convenientemente adaptada.
Uma vez mais, o CDS, mostrando-se consciente das suas responsabilidades, anuncia que apresentará um projecto neste sentido, contribuindo para que tão grande problema se resolva num clima de consenso desejável.
No entanto, tem este pedido de inquérito algumas curiosidades que interessa assinalar.
Enquadra-se numa manobra já tradicional do PCP, que ciclicamente aqui nos traz este assunto, em nosso entender com algum despudor próprio dos que mais uma vez. fazem o mal e a caramunha.

Protestos do PCP.

Não nos esquecemos de quem foram os grandes responsáveis de tudo aquilo que aconteceu no Ribatejo e no Alentejo nos anos 1975 e 1976.

A Sr.ª Margarida Tengarrinha (PCP): - Tenha vergonha, Sr. Deputado!

O Orador: - Desta vez articularam esta iniciativa parlamentar com o aparecimento de uma petição também a este propósito subscrita por alguns juristas de ligação partidária bem conhecida.
No seu pedido de inquérito o PCP faz-se esquecido de tudo o que ilegal foi feito sob a sua liderança e pretende situar no tempo recente algumas pretensas irregularidades.
...Entendemos a pretensão incorrecta e rejeitá-la-emos. Achamos também bastante curioso o facto de o PS acompanhar o PCP nesta iniciativa.
Não fosse alguma dessintonia no tempo e seríamos levados a pensar que estava dado o primeiro passo para o apoio eleitoral agora divulgado.
Ultrapassado este pormenor, julgamos o pedido de inquérito apresentado pelo PS em bases muito mais honestas e por consequência um caminho possível para obter conclusões de utilidade. No entanto, achamos o seu conteúdo demasiado escasso.
Neste sentido, abster-nos-emos.
Quanto ao pedido de resolução apresentado a destempo pelo PSD, uma vez mais registamos que a locomotiva vai a reboque. É de alguma forma uma crítica velada à passividade do seu Ministério e um aviso à navegação.
Preocupa-se corri o que desde o início aconteceu com a Reforma Agrária e isso é salutar, sendo também a única forma de trazermos à luz do dia onde, quando e como foram cometidas ilegalidades desde 1975.
A terminar, levantamos uma dúvida que é a de perguntar se não seria a Comissão dos Actos do Ministério da Agricultura e Pescas a sede própria para inquirir sobre estas matérias.

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Como também nós não temos resposta concreta para esta interrogação e porque estamos interessados em concluir definitivamente quem torpedeou o desenvolvimento da agricultura portuguesa, aguardaremos pela iniciativa do PSD, uma vez que o seu projecto não foi posto em discussão.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Soares Cruz, naturalmente a distância que vai dos interesses do CDS aos interesses da Reforma Agrária é a mesma que vai dos interesses de um latifundiário aos interesses de um operário agrícola. Isso é um dado de facto!
O que é bom - e isso de alguma forma ficou aqui registado - é que essa contradição de interesses se exprima aqui com o apoio caloroso do CDS à ilegalidade que se verifica na zona da Reforma Agrária.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - O Sr. Deputado João Amaral, como é costume nesta matéria, «aos costumes disse nada». V. Ex.ª utilizou uma terminologia que o CDS de facto não conhece em termos de política agrária. O CDS não conhece, não reconhece, nem privilegia o latifundiário nem o operário agrícola; o CDS apenas conhece, reconhece e colabora com o empresário agrícola e com o trabalhador rural.

A Sr.ª Margarida Tengarrinha (PCP): - Esqueceram-se? Que falta de memória!

O Sr. Presidente: - Para formularem pedidos de esclarecimento pediram a palavra os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca, António Barreto e Lopes Cardoso.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Deputado Soares Cruz, ouvi-o falar, em relação a este problema, em divisão do País em dois. Creio que isso é um exagero, Sr. Deputado, e julgava-o, apesar de tudo, um pouco mais moderado.
E a pergunta que lhe queria fazer, porque a sua intervenção não foi muito clara, é a seguinte: está ou não de acordo em que há irregularidades e actos ilegais praticados pelo Ministério da Agricultura que devem ser bem inquiridos?
Queria apenas avivar-lhe a memória e recordar-lhe que o ex-Ministro Vaz Portugal, em relação a determinado tipo de processos de entrega de reservas, chegou a falar em «fumos de corrupção». Assim, pergunto se o CDS entende ou não que estes aspectos devem ser clarificados?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Soares Cruz, V. Ex.ª responde de imediato ou no fim dos outros pedidos de esclarecimento?

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.

O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Deputado Soares Cruz, V. Ex.ª faz a sua intervenção de uma maneira hábil - reconheço-o -, mas, apesar de tudo, ficou uma insinuação no ar. Estou a habituar-me a conhecê-lo e só queria que me dissesse, olhos nos olhos, com 248 testemunhas, se acredita que há alguma ligação entre a apresentação da nossa proposta de resolução, anunciada nestes mesmos termos desde Agosto e apresentada na Mesa da Assembleia no dia 10 de Janeiro deste ano, e a situação política que hoje vivemos?

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, peço a V. Ex.ª autorização para responder de imediato à pergunta que o Sr. Deputado António Barreto me colocou, pedindo desculpa ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca para que ele não entenda nisto qualquer atitude de menos consideração. Aliás, só o faço porque gosto muito de responder às pessoas com os olhos nos olhos e só tenho pena que não seja perante 248 testemunhas, porque há muitas ausências nas bancadas.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Deputado António Barreto, é claro, é evidente - e pode V. Ex.ª confirmar isto ao ler a minha intervenção, se se quiser dar a esse trabalho - que a minha intenção não foi essa; apenas disse que «não fosse a dessintonia no tempo, e eu poderia pensar isso».
É claro e é evidente que tenho para mim que a apresentação da sua proposta não tem nada a ver com a apresentação da proposta do PCP.
Não sei se lhe respondi, Sr. Deputado; a sua curiosidade considera-se cabalmente satisfeita?

O Sr. António Barreto (PS): - Nem com as circunstâncias políticas do momento presente?!

O Orador: - Não tem nada a ver com as circunstâncias políticas do momento presente. Aliás, em relação a essa matéria, é evidente que lastimo profundamente que as circunstâncias políticas do momento presente tenham de ser recebidas de uma forma mais ou menos lhana por V. Ex.ª Mas isto é outro assunto que não é para aqui chamado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - O Sr. Deputado Soares Cruz chamou aqui a atenção para a situação de instabilidade e de indefinição, quanto ao quadro futuro, que se vive na região alentejana, responsabilizando por essa situação os próprios problemas com que a agricultura do Alentejo se debate.
Não vou contestá-lo porque nesse ponto estaremos de acordo - penso que uma das situações graves é exactamente a ausência de uma definição e de um quadro claro -, só que o Sr. Deputado veio fazer aqui o mesmo discurso que em 1977, esquecendo-se de que, entretanto, passaram 9 anos, durante os quais o Ministério da Agricultura foi partilhado entre ministros do seu partido e ministros do PSD e ignorando a respon-

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sabilidade que cabe aos sucessivos governos e a esses sucessivos ministros pela situação de indefinição agravada pela situação de total arbítrio na aplicação da lei, que só conduz a criar de facto um clima de desconfiança e de insegurança para todos aqueles que agem no Alentejo.
O Sr. Deputado esqueceu-se de falar nisto, mas peço-lhe que não esqueça e que procure reflectir sobre o porquê desta situação. Será por pura incompetência dos ministros que sucedem na pasta da Agricultura? Não foi, com certeza!
A quem e que interesses serve a situação de indefinição, de insegurança e de instabilidade alicerçada no arbítrio que não respeita sequer as leis vigentes? Porque se continua a viver nesse regime, por que têm sido os sucessivos governos e ministros da Agricultura que, recusando-se a definir um quadro claro - seja ele qual for, podemos discuti-lo depois -, têm contribuído para a manutenção desse clima de insegurança, de desconfiança e de instabilidade?
Porquê, Sr. Deputado? Por incompetência? Volto-lhe a repetir que não. Tenho demasiada consideraçâo pelos sucessivos titulares da pasta para os acusar de incompetência, mas farei talvez uma acusação mais grave: isto foi deliberado, porque servia aqueles que estão interessados nessa situação de insegurança e de instabilidade.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, em primeiro lugar, gostaria de lhe dizer e até de reafirmar que, na realidade, a Reforma Agrária dividiu o nosso país em dois.
Conheço muito bem a situação e estou disposto e disponível para convidar V. Ex.ª a percorrer o nosso país de norte a sul - ou de sul á norte, como quiser - e assim terá a oportunidade de verificar que o País infelizmente ainda hoje se encontra dividido. Aliás, basta contactar com as pessoas e com as realidades do campo.
Em segundo lugar, pode contar com a minha disponibilidade e do meu grupo parlamentar para apurar, através de um inquérito, os actos do MAP. Mas, no nosso entender, esse inquérito deve visar tudo aquilo que aconteceu em termos de Reforma Agrária desde 1974 até aos dias de hoje.
Na verdade, não coloco dúvidas que ao longo de todo este tempo aconteceram algumas irregularidades e ilegalidades.
Aliás, é minha convicção pessoal que aconteceram muito mais irregularidades e ilegalidades nos primeiros, anos da chamada Reforma Agrária do que nos últimos anos, mas essa é apenas a minha convicção pessoal.
No entanto, porque estou apostado em trazer tais situações à luz do dia, continuo a dizer-lhe que o meu grupo parlamentar está disponível para fazer aprovar um inquérito desse tipo.
Ao Sr. Deputado Lopes Cardoso responderei que a indefinição é inaceitável hoje como foi ontem e anteontem.
Talvez possa dizer-lhe que é minha convicção pessoal que muitas das situações indefinidas aconteceram também por indefinição política, por falta de vontade política de resolver de uma vez por todas esta situação, por falta de vontade de, uma vez por todas levar a efeito uma verdadeira Reforma Agrária.
Por outro lado, estou igualmente convencido que esta situação não tem nada a ver com a vantagem que tem para alguns a indefinição.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guedes Campos.

O Sr. Guedes Campos (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Intervir num debate desta natureza, depois de se terem produzido várias intervenções tão substanciais e esclarecedoras das posições de cada um dos grupos parlamentares, tem vantagens e desvantagens; tem as desvantagens de muito daquilo que se poderia dizer ter já sido dito, mas tem a vantagem de ser mais claro aquilo que deve ser dito e ainda não o foi e é nessa medida que falarei pouco tempo.
As questões que se relacionam com a Reforma Agrária são obviamente sempre muito polémicas, porque os interesses em jogo são vários e contraditórios.
No entanto, para o PRD a questão que está hoje em discussão não é nada controversa, porque não está em debate a Reforma Agrária, a política agrícola do País.
O que está em discussão é a oportunidade e a justificação para haver ou não uma comissão de inquérito ou várias comissões de inquérito, como estão propostas. E quanto a isso o PRD pensa que há razões suficientes que aconselham, neste momento, a que se proceda a inquérito parlamentar nesta área, nomeadamente razões de diversa natureza.
Em primeiro lugar, a existência já aqui bastante referida da CAADMAP, que, por si só e por existir, demonstra que a Lei n.º 77/77 dispõe amplos poderes discricionários ao Ministro da tutela, porquanto é a própria lei que reconhece a necessidade de, em contrapartida a esses amplos poderes, haver por parte da Assembleia, para além ^do seu direito normal de fiscalização, uma quase que' imposição de fiscalização continuada em determinado âmbito dos actos do Ministro.
Ora bem: por um lado, o que é um facto é que a CAADMAP, tanto quanto nos é dado saber, não tem produzido o trabalho desejável e, por outro lado, p âmbito de acção desta última comissão é de longe extravasado pelo âmbito proposto nos dois inquéritos em discussão.
Porém, há quanto a nós um problema, ou seja, verifica-se uma ampla divulgação de notícias sobre um vasto leque de ilegalidades cometidas, no âmbito da Reforma Agrária. Ora, isso pressupõe desde logo duas questões: em primeiro lugar, acontece que a Assembleia deve exercer os seus poderes de fiscalização havendo essa notícia pública; em segundo lugar, é conveniente, para a estabilidade democrática das instituições e em defesa do bom nome do Governo, que se averigúe se efectivamente há ou não ilegalidades da responsabilidade do próprio Governo.
Nesse sentido, consideramos que neste momento a elaboração de um, inquérito desta natureza é importante, não só para as questões próprias da Reforma Agrária mas também para o bom nome dos órgãos de soberania, e isso por si só era razão para o PRD estar de acordo com uma comissão de inquérito.
Porém, o que está em causa são as duas propostas e em relação a cada uma delas o PRD tem algumas reservas.

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No que concerne ao texto justificativo apresentado pelo PCP, o PRD considera que esse texto é excessivo na linguagem utilizada, porquanto utiliza linguagem que, do nosso ponto de vista, é mais adequada a qualquer intenção panfletária - passe a expressão - do que propriamente à justificação rigorosa das razões do inquérito.
Portanto, consideramos a linguagem utilizada excessiva e não concordamos como o facto de o PCP dar como adquiridas umas quantas questões que pretende que sejam averiguadas, o que do nosso ponto de vista é uma antecipação às conclusões do próprio inquérito; assim, o PCP tem, quanto a nós, no texto justificativo que apresentou, uma visão demasiado unilateral das questões em causa. Há notícias de muitas outras ilegalidades numa óptica de interesses que não são aqueles que exclusivamente se defendem no texto do PCP, logo pensamos que o texto nesse aspecto é demasiado restrito.
O texto apresentado pelo PS levanta-nos algumas reservas, porquanto entendemos que vai talvez um pouco mais longe do que é necessário ir para esclarecer estes problemas, nomeadamente quando admite inspecções - não sei se é este o termo -, mas, enfim, concede averiguações do ponto de vista da vida económica das empresas de diverso tipo - desde privadas a cooperativas, etc. -, o que, no nosso entender, é ir um pouco longe de mais em relação àquilo que é necessário neste momento esclarecer.
De qualquer forma e apesar destas reservas, o PRD votará favoravelmente as duas propostas em causa, entendendo desde já expressar a sua posição de que considera muito mais importante o debate que se gerará nesta Câmara após a apresentação das conclusões e relatórios dos inquéritos do que o debate hoje realizado aqui.
Portanto, entendemos que essa será a altura para um debate muito mais aprofundado, que poderá ser ponto de partida para alterações, se for caso disso, à situação legal vigente na zona de intervenção da Reforma Agrária.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao termo regimental dos nossos trabalhos, pelo que os debates continuarão na próxima quinta-feira, na parte da manhã.
Quero ainda informar VV. Ex.ªs...

O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: - Sr. Presidente, desejo somente dizer que tenho várias viagens ao estrangeiro previstas, pelo que, no caso deste debate ser adiado, gostaria que se acordasse uma data em que pudesse estar aqui presente.
Na verdade, na próxima quinta-feira não estarei no País, pois parto amanhã para Paris, de onde venho só na sexta-feira à noite, e depois tenho uma série de viagens à Comunidade Económica Europeia.
Portanto, tenho realmente sérias dificuldades em estar presente na Assembleia durante este mês de Fevereiro, pelo que estou desde já a levantar esta questão.
Na verdade, este debate foi já uma vez adiado por causa da minha ausência, o que me leva a referir aqui o meu programa de idas ao estrangeiro, que são absolutamente indispensáveis ao serviço do País. Repito, gostava desde já de chamar a atenção para este facto.

O Sr. Presidente: - Poder-se-ia ainda ouvir o Sr. Ministro da Agricultura e os Srs. Deputados que estão inscritos e que são apenas dois - dispondo um de 4 minutos e outro de 11 minutos -, se, porventura, prolongássemos os trabalhos até às 20 horas e 30 minutos.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - É para se pronunciar sobre esta matéria, Sr. Deputado?

O Sr. José Luís Nunes (PS): - É sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, se bem entendi, o pedido do Sr. Ministro da Agricultura não foi nesse sentido.

O Sr. Presidente: - Certamente que não, Sr. Deputado, mas eu estava a dar uma sugestão.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, o que desejaria era que este debate se continuasse numa altura em que o Sr. Ministro pudesse conciliar os seus assuntos no plano internacional com os do plano nacional.
Penso que é um desejo que deve ser aceite pela Câmara e que podemos, desde que isso não se prolongue indefinidamente, considerar perfeitamente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação.

O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: - Sr. Presidente, desejo somente esclarecer que, do meu ponto de vista, estou de acordo com qualquer solução que a Câmara entenda tomar, isto é, prolongar hoje o debate ou continuar em outra data qualquer.
Porém, gostaria desde já chamar a atenção para o facto de eu estar ausente durante bastante tempo nas próximas semanas. No entanto, estarei de acordo com a solução que encontrarem, seja ela qual for.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, o facto de prolongarmos os trabalhos, como V. Ex.ª sugeriu, para ouvirmos a intervenção do Sr. Ministro levaria a que prolongássemos mais os trabalhos para que naturalmente não se perdesse a sequência do debate e fossem formuladas as perguntas ao Sr. Ministro ou, então, ouviríamos apenas o Sr. Ministro e o debate ficaria interrompido. Julgo que isso é prejudicial, pelo que deveríamos - e já há o acordo do Partido Socialista para tal - estudar uma reformulação do calen-

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dário deste debate, em termos de poder proporcionar a presença do Sr. Ministro porque ela me parece fundamental.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não vou ouvir mais ninguém sobre este assunto; estamos no termo dos nossos trabalhos e não vamos agora prosseguir, porque senão tínhamos continuado o debate. A conferência de líderes determinará depois quando deverá recomeçar este debate.

O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Sr. Presidente, gostava de ser esclarecido sobre se fica assente que o debate não continuará na quinta-feira de manhã.

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado, o debate não continua na quinta-feira. A conferência de líderes depois determinará o dia e a hora em que ele deverá prosseguir, de acordo com as disponibilidades de S. Ex.ª o Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação.
Srs. Deputados, a ordem de trabalhos para a sessão de quinta-feira,. que terá lugar às 10 horas engloba as eleições para os cargos exteriores à Assembleia da República, a apreciação dos projectos de lei n.ºs 48/IV, 92/IV e 94/IV e as ratificações n.ºs 37/IV e 49/IV. No que diz respeito às eleições, a Mesa deliberou que elas terão lugar a partir das 15 horas.

Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 5 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

João José Pedreira/de Matos.
Luis Manuel Neves Rodrigues.

Partido Socialista (PS):

António Magalhães Silva.
Carlos Manuel. N. Costa Candal.
João Cardona Gomes Cravinho.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Campos Rodrigues Costa.

Centro Democrático Social (CDS):
Abel Augusto Gomes de Almeida.
Henrique José Pereira Morais.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António Manuel Barata Portugal:
Arménio dos Santos.
Arnaldo Ângelo de Brito Lhamas.
Luis Manuel Costa Geraldes.
Manuel da Costa Andrade.
Rui Manuel Parente Chancerelle Machete.

Partido Socialista (PS):

Alfredo José Somera. Simões Barroso.
Armando António Martins Vara.
José Barbosa, Mota.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Teófilo Carvalho dos Santos.

Partido Renovador Democrático (PRD):

José Maria Vieira Dias de Carvalho:
Maria da Glória Padrão Carvalho.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.

Partido Comunista Português (PCP):

Octávio Floriano Rodrigues Pato.

Centro Democrático Social (CDS):

António José Tomás Gomes de Pinho.
João, da Silva Mendes Morgado.
Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.

Os REDACTORES: José Diogo - Maria Amélia Martins.

PREÇO NÚMERO 119$00

Depósito legal n.º 8818/85

PORTE PAGO

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

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