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11 DE MARÇO DE 1986 1403

suídos do mesmo secreto ardor. Curvo-me perante. os semeadores dessa semente, esses idealistas portadores de futuro. E deixo que me invada o coração a alegria de ser agora um deles o primeiro dos Portugueses e o presidente de todos eles.
Não vim aqui para lhe tecer elogios. Fê-los ontem, vibrantes e sinceros, o presidente, não da República mas da sua Assembleia, Dr. Fernando Amaral, com elevado sentido de Estado. Poderiam os meus ser tomados por simples gesto de amizade, de tão inúteis em face da notoriedade da sua própria vida, da escolha eleitoral de que foi objecto e do sentido que a tudo isso emprestam as palavras do presidente desta Assembleia.
O facto em si da sua eleição, esse sim, merece ser interpretado. Desde logo para concluir, com Raul Proença, que «sempre é bom ter combatido todas as tiranias». E que num momento em que a palavra «político» «levanta contra si todo um coro de blasfémias» não só «ousamos proclamar bem alto o nosso delito», como orgulhar-nos por ter sido um de nós, e decerto o mais político de nós, a ser o escolhido para o mais alto cargo da hierarquia do Estado.
Seja permitido a um socialista o secreto orgulho de ter sido outro socialista o candidato que mereceu a confiança dos Portugueses. Sei bem que debalde tentariam os seus parceiros de caminhada retirar daí o mais leve fumus de um privilégio. Mas nem por isso a escolha feita deixa de ter na raiz a personificação de um conjunto de valores. No mínimo, seria sempre legítimo concluir, com o grande Oliveira Martins, que, aos olhos do nosso Povo, «os socialistas já não almoçam padres fritos na grelha [...] nem jantam capitalistas com molho de alcaparra [...]».

Sr. António Macedo (PS): - Muito bem!

O Orador: - Outra conclusão possível é a de que a escolha do Presidente da República - foi uma vez mais feita no interior do «círculo de giz caucasiano» das referências de Abril. Mário Soares é Abril antes, durante e depois de Abril. Daí que as tentativas feitas para recuperar Maio tenham encontrado na sua eleição uma clara e espero que definitiva resposta.
E que raça de homem e de político preferiu o povo? Um homem cuja personalidade e cujo passado permitem concluir que o povo preferiu a coragem como impulso, o diálogo como método e o equilíbrio como objecto da arte política.
Um homem e um político que é paradigma - e acaba de demonstrá-lo - de coragem serena, de recusa da derrota em todas as circunstâncias das psicoses de resignação e da tirania das conjunturas; que tem fé nas virtudes do progresso. e da mudança; que tem a rara capacidade de despoletar as energias mobilizáveis e criadoras jacentes sob as nossas rotinas comunitárias; que «concebe a revolução como um estado de espírito» e o «Estado como um instrumento de criação do futuro».

O Sr. António Macedo (PS): - Muito bem!

O Orador: - Um homem bom e um homem de bem. Que sabe, porque viveu o tempo do ódio e contra ele combateu, que Tácito tinha razão quando escrevia que «o temor é o mais fraco liame que pode conter os homens, pois que aqueles que começam a temer já começaram a odiar». Que sabe que, cada vez mais, é preciso encontrar sucedâneos morais para a violência. Que a coexistência política deve ser um conjugar de pragmáticas e não a velada de armas que precede o cruzar das espadas.
Um homem que, já presidente, veio aqui render homenagem à matriz do poder democrático que esta Assembleia é e garantir-nos que presidirá atento aos sinais que daqui dimanem.
Um homem para quem os partidos são, por igual, contentores de Portugueses, merecedores do mesmo diálogo e do mesmo tratamento.

O Sr. António Macedo (PS): - Muito bem!

O Orador: - Um homem que em nome da estabilidade política assegurou confiança ao actual Governo, enquanto esta Assembleia lhe não retirar a sua. Que, por amor do equilíbrio institucional, fez uma leitura parlamentarista do artigo 193.º da Constituição, onde. se diz que «o Governo é responsável perante o Presidente da República e a Assembleia da República», sem qualificar essa responsabilidade, como acontecia antes da revisão de 1982, logo globalizando-a sem distinguir entre um e outro dos mencionados órgãos de soberania.
Um homem - para tudo resumir - que para além do prestígio interno, que lhe assegurou a eleição, atingiu um tão alto prestígio internacional que Lisboa pôde ter sido ontem a capital do mundo, tantos e tão ilustres foram os chefes de Estado, os primeiros-ministros e as personalidades de excepção que de longe vieram, quais reis magos guiados pela sua boa estrela, assistir ao nascimento de uma nova era para Portugal.

O Sr. António Macedo (PS): - Muito bem!

O Orador: - Foi em tudo isso que Portugal votou quando o escolheu para presidente de todos os portugueses.
Custa assim a compreender a resistência de alguns a deixarem-se possuir pelo colectivo sentimento de regozijo e de festa com que a esmagadora maioria sublinhou o acto de investidura do novo presidente.
Que tenham preferido outro, era seu direito. Mas, definida democraticamente a vontade da maioria, acatá-la sem reservas era seu dever. Sem reservas e sem azedume. E sobretudo sem tentar deslustrar o brilho da festa de todos com óbvios sinais de mau humor, como esse de achar excessivos os respectivos gastos, como se tivesse preço esse momento único de tanto reforço do prestígio para á Pátria de todos nós e essa oportunidade ímpar de contactar e pôr em contacto chefes políticos de tanto relevo.
Chegou-se ao desplante de, após uma avaliação perfunctória da ordem dos 20 000 contos, se questionar a demasia. Sem avalizar a conjectura, seria sempre menos do que o que o Vice-Presidente Bush gastou em gasolina no Boeing que o transportou até nós. E para quem ache inapropriada a razão, dado o desnível das posses entre Portugal e os Estados Unidos, seria então sempre certo que mais teria sido gasto pelos adeptos do Prof. Freitas do Amaral com as projectadas celebrações de vitória!

Protestos do PSD e do CDS.

Não se tratou de derramar perfumes, isso mesmo tolerado pelas escrituras. Antes de Lisboa ser, por um dia, capital do mundo e de capitalizar o correspondente
prestígio.