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l Série - Número 48 Sexta-feira, 21 de Março de 1986 1673

DIÁRIO

da Assembleia da República

IV LEGISLATURA

1.º SESSÃO LEGISLATIVA (1985-1986)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 20 DE MARÇO DE 1986

Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral

Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
António Eduardo de Sousa Pereira
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 25 minutos.
Deu-se conta de diplomas entrados na Mesa e foi aprovado o n.º 39 do Diário.
Seguidamente, concluiu-se a apreciação, na generalidade, das propostas de lei n.ºs 15/IV (grandes opções do Plano para 1986) e 16/IV (Orçamento do Estado para 1986).
Intervieram, a diverso título, além dos Srs. Ministros das Obras Publicas, Transportes e Comunicações (Oliveira Martins) e do Trabalho e Segurança Social (Mira Amaral}, os Srs. Deputados João Cravinho (PS), Comes de Pinho (CDS), Silva Marques (PSD), Sá Furtado (PRD), João Amaral (PCP). Próspero Luís (PSD), Vidigal Amaro (PCP), Amélia de Azevedo (PSD), João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), Daniel Bastos (PSD), Anselmo Aníbal, Rui Roque, Zita Seabra e Ilda Figueiredo (PCP), Raul Junqueiro (PS), Carlos Ganopa ((PRD), Helena Torres Marques e Aloísio Fonseca (PS), Abreu Lima (CDS), Jardim Ramos (PSD), Custódio Gingão (PCP), Carlos Lilaia (PRD), Eduardo Pereira (PS), Luis Martins (PSD), Carlos Martins (PRD), António Mota (PCP), António Marques (PRD), Amândio de Azevedo (PSD), Torres Couto e António Guterres (PS), Lobo Xavier (CDS), Correia Gago (PRD), Nogueira de Brito (CDS), Cecília Catarino (PSD), Mota Torres (PS), Roberto Amaral (PRD), Rogério de Brito (PCP), Ângelo Correia (PSD), Manuel Alegre (PS), Carlos Brito e Jerónimo de Sousa (PCP), Almeida Santos (PS), Borges de Carvalho (Indep.) e Vítor Crespo (PSD).
A encerrar o debate intervieram os Srs. Deputados Raul Castro (MDP/CDE), Adriano Moreira (CDS), Carlos Brito (PCP). Magalhães Mota (PRD), José Luis Nunes (PS) e António Capucho (PSD), e o Sr. Primeiro Ministro (Cavaco Silva).
Após aprovação das propostas de lei, produziram declaração de voto os Srs. Deputados Ivo Pinho e Silva Lopes (PRD), Carlos Carvalhas e Octávio Teixeira (PCP), António Guterres (PS), Alípio Dias (PSD) e Nogueira de Brito (CDS).

O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 22 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Monteiro Araújo.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Amândio Anes de Azevedo.
Amélia Cavaleiro Andrade Azevedo.
António d'Orey Capucho.
António Roleira Marinho.
Arlindo da Silva André Moreira.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Ângelo de Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Pinto.
Cecília Pita Catarino.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos Silva e Sousa.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Jardim Ramos.
Francisco Mendes Costa.
Francisco Rodrigues Porto.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Luís Esteves Bairrão.
Henrique Rodrigues Mata.
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos Abreu Salgado.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim da Silva Martins.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Augusto Santos Silva Marques.

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José Filipe Athayde Carvalhosa.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Coelho dos Reis.
José Maria Peixoto Coutinho.
José Mendes Bota.
José Mendes Melo Alves.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Jorge Cabral Tavares de Lima.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel José Marques Montargil.
Manuel Maria Moreira.
Maria Antonieta Cardoso Moniz.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Virgílio de Oliveira Carneiro.

Partido Socialista (PS):

Agostinho de Jesus Domingues.
António Cândido Miranda Macedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António José Sanches Esteves.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Pereira Pinto.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Henriques Lopes.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Mário Manuel Cal Brandão.
Mário Nunes da Silva.
Raúl da Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Raul Manuel Gouveia Bordalo Junqueiro.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Victor Hugo de Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Agostinho Correia de Sousa.
António Eduardo de Sousa Pereira.
António Lopes Marques.
António Maria Paulouro.
Arménio Ramos de Carvalho.
Bártolo de Paiva Campos.
Carlos Alberto Narciso Martins.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Carlos Artur Trindade Sá Furtado.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
Carlos Jorge Mendes Correia Gago.
Fernando Dias de Carvalho.
Francisco Armando Fernandes.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Jaime Manuel Coutinho da Silva Ramos.
João Barros Madeira.
Joaquim Carmelo Lobo.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
José Carlos Torres Matos Vasconcelos.
José Emanuel Corujo Lopes.
José Lopes Ferreira Casal.
José Luís Correia de Azevedo.
José da Silva Lopes.
José Rodrigo da Costa Carvalho.
José Torcato Dias Ferreira.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Vitorino da Silva Costa.
Victor Manuel Lopes Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António da Silva Mota.
António Manuel da Silva Osório.
António Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Manafaia.
Cláudio José Santos Percheiro.
Custódio Jacinto Gingão.
Francisco Miguel Duarte.
José António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Ilda da Costa Figueiredo.
Octávio, Augusto Teixeira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes de Almeida.
António Filipe Neiva Correia.
António José Tomás Gomes de Pinho.
António Vasco Mello César Menezes.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João Gomes de Abreu Lima.
José Maria Andrade Pereira.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Manuel do Carmo Tengarrinha.
Raúl Fernando de Morais e Castro.

Deputados independentes:

António Poppe Lopes Cardoso (UEDS).
Gonçalo Pereira Ribeiro Teles (PPM).

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Deram entrada na Mesa os projectos de lei n.ºs 168/IV, da iniciativa do Sr. Deputado Fernando Dias de Carvalho,

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do PRD - propõe o direito à contagem, para efeitos de aposentação, do tempo em que os trabalhadores dos CTT contratados para além do quadro permaneceram em regime de disponibilidade, sem serviço, e que é uma alteração ao Decreto-Lei n.º 50/83, de 6 de Abril -, que foi admitido e baixa à 3.ª Comissão, e 169/IV, da iniciativa do Sr. Deputado Andrade Pereira, do CDS - que propõe a definição da área da região demarcada do queijo da serra da Estrela -, que foi admitido e baixa à 6.ª Comissão.
Srs. Deputados, está em apreciação o n.º 39 do Diário.
Há alguma objecção?

Pausa.

Como não há objecções, considera-se aprovado.
Passemos agora à continuação da discussão, na generalidade, das propostas de lei n.ºs 15/IV - Grandes Opções do Plano para 1986 - e I6/IV - Orçamento do Estado para 1986.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Parlamento está perante duas propostas e três grandes frustrações:
A frustração de ver o Governo obstinar-se na recusa da clarificação dos objectivos, meios e condicionalismos que poderão relançar o Pais num desenvolvimento auto-sustentado a médio e longo prazo;
A frustração de estarmos em riscos de perder uma oportunidade soberana de atacar a fundo os mais angustiantes desequilíbrios das finanças públicas;
A frustração de ver malbaratada a excepcional margem de manobra de 1986, pela miopia política de um Governo obcecado por uma estratégia de alargamento a curto prazo do seu próprio poder partidário, que se contrapõe a uma estratégia nacional de aproveitamento racional dos recursos adicionais disponíveis em 1986.

De um modo geral, o relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano caracterizou bem as propostas do Governo para as grandes opções do Plano e para o Orçamento: o Governo tem opções a menos e orçamento a mais para os planos que diz ter e não tem. Neste contexto a tarefa do Parlamento é triplicemente clara:

Dar ao País as opções que mais lhe convêm;
Dar ao Governo o Orçamento de que necessita
para cumprir as suas obrigações;
Fiscalizar o Governo no cumprimento dessas obrigações.

Nesta altura do debate está quase tudo dito e redito, na generalidade. Mas, nesse balanço sobressai o enorme défice do Governo perante o relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano cujas observações, sugestões e críticas permanecem sem resposta mínima. Nem o Sr. Ministro do Plano nem o Sr. Ministro das Finanças quiseram responder-lhe. Lamento-o profundamente, pelo que isso contribui para o desprestígio dás instituições democráticas. Noutros países, onde a tradição democrática está muito mais institucionalizada, o Governo não poderia continuar sendo governo sem responder ponto por ponto a um relatório de uma Comissão Parlamentar de Economia e Finanças. Quando um governo se arroga o direito de ficar silencioso perante o Parlamento é a democracia que se silencia.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Muito bem!

O Orador: - Registo que em Portugal este Governo se arroga esse direito. Esse será o seu pior e mais triste défice. O Governo furtou-se ao debate na generalidade, mas isso não impede que o conteúdo, os números, as sugestões do relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano sejam contributos adquiridos para os juízos que o Parlamento terá de fazer na especialidade. Uma coisa é sempre certa: por mais que iluda a discussão fundamentada, o Governo não poderá furtar-se às consequências do debate na especialidade. Será nessa sede que o PS procurará dialogar, no sentido de traduzir em iniciativas legislativas concretas opções e regras de bom governo que faltaram nas propostas do Governo.
O problema crucial da política económica de 1986 é o do bom ou mau uso da folga permitida pela queda dos preços internacionais. O Governo menorizou-se ao ignorar sobranceiramente esta questão na proposta das grandes opções. O PS proporá, por essa ignorância, correcções concretas na especialidade. Essas correcções serão guiadas por três opções prioritárias:

Reestruturar a dívida externa, reduzindo-lhe o montante e melhorando as suas condições;
Diminuir os desequilíbrios das finanças públicas, eliminando buracos orçamentais e défices ocultos, infelizmente numerosos;
Introduzir na dinâmica do investimento e da iniciativa empresarial factores de coerência dinâmica do alargamento do mercado interno.

São três opções para libertar o futuro: controlar a dívida; racionalizar as finanças públicas; rasgar perspectivas ao investimento e à iniciativa, privada e pública.
São três opções responsáveis contra a irresponsável ausência de opção explícita perfilhada pelo Governo. De facto, é totalmente inadmissível não explicar ao País como se deve tirar partido das enormes baixas dos preços do petróleo e outras matérias-primas, do dólar e das taxas de juro. Sobre essa ausência o Governo não passará porque o Parlamento não o deixará.
Quanto ao Orçamento já o Governo não teve outro remédio senão abrir-se um pouco mais. Mas as suas linhas gerais ensombram o futuro. Com efeito, o que a proposta do Orçamento dá é:

O aumento espectacular das receitas e das despesas do sector público administrativo (SPA);
O aumento pronunciado da carga fiscal, recaindo sobre o trabalho e o consumo, num e noutro caso agravando as classes de menores recursos;
O arbitrário impulso ao investimento do sector público administrativo (e isto apesar de o Sr. Ministro das Finanças nos vir dizer que o multiplicador do investimento público poderá ser apenas de 50%. Olhe que não, Sr. Ministro. Tenho pena que não esteja presente porque, senão, depois do caso do bombeiro pirómano, teríamos o caso do governo masochista);

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O abandono irresponsável de importantes componentes do sector empresarial do Estado indispensáveis em qualquer Estado moderno, por mais liberal que o Governo pretenda ser;
A confusão e o baralhamento das relações entre o Orçamento do Estado, dos fundos e serviços autónomos e do sector empresarial do Estado. Para o Governo é tudo um grande «fundo»!!!

Os números comprovativos foram já ditos e reditos à sociedade. Dou-os por conhecidos e suficientemente comentados, nomeadamente através do relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano e das intervenções dos deputados do PS, do CDS, do PRD, do MDP/CDE e do PCP, que me precederam.
Todos sabemos que o défice para. 1986 é enorme, sobretudo se considerarmos que existe um défice oculto que se aproxima da centena de milhão de contos. Todos sabemos que a carga fiscal aumentará. Todos sabemos isso, excepto possivelmente o Sr. Ministro das, Finanças. Mas sabem-no com certeza os Ministros que conseguiram inscrever mais despesa no Orçamento e os contribuintes que terão de pagar mais contribuições e impostos para o Estado.
Estes e outros factos similares fazem-me suspeitar que uma parte do Governo lê os novos filósofos - e, por isso, pede menos Estado e mais partido - enquanto a outra parte, não estando para filosofias, concentra-se apenas em ter mais partido. Em consequência, o Governo só poderá ficar coeso se se unir em torno do seu menor denominador comum, ou seja, mais partido ainda quê à custa de mais Estado.

Uma voz do PS: - Muito bem!

Orador: - Esse é o pecado original de certas esferas do PSD nadas e criadas à sombra do Estado, sem outra ideologia mais forte que a simples ideologia da partilha do Poder de Estado.

O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, não é de admirar que o PSD venha lutando pela expansão e mercantilização do Estado. Por isso, não é de admirar que o PSD no Poder tenha significado sempre mais Estado.

Uma voz do PSD: - Não parece!

O Orador: - O facto é de prova fácil. Repare-se que com os governos PSD, ou liderados pelo PSD, o peso do Estado na economia deu sempre um enorme salto em frente. Na média de 1977-1979, antes da AD, o peso do sector público administrativo na economia era de 34%. Na média de 1980-1982, com os governos da AD, o peso do SPA subiu para cima de 40%. Aumentou mais de 6 pontos em 3 anos. E agora o governo do PSD vai fazer subir ó peso do SPA de 43,8 % em 1985 para 47,8% em 1986. Um pulo de 4 pontos em um só ano. É obra para um governo que afirma querer menos Estado!

Protestos do PSD.

Na realidade, o apetite do PSD por mais Estado parece insaciável. Por isso, o PSD é o principal partido do défice público. Não é o único, mas é o principal.

Uma voz do PSD: - É só o PS!

O Orador: - Vejamos a evolução do saldo efectivo do SPA a preços, de 1984 desde 1980. O governo PSD/CDS de 1980 tem o maior défice de sempre: 212 milhões de contos, seguido do défice PS/PSD de 1985 (177 milhões), do défice PSD/CDS de 1981 (173 milhões) e de 1982 (154 milhões), sem falar do projectado défice não oculto de 1986, na ordem dos 168 milhões de contos a preços de 1984 - depois da revelação do ocultismo, ver-se-á! Sucede até que o recordista do défice efectivo do SPA é o Ministro das Finanças Cavaco Silva, com o maior saldo negativo absoluto verificado até hoje em Portugal. Quererá o Primeiro-Ministro Cavaco Silva arrebatar o recorde do défice do antigo Ministro das Finanças Cavaco Silva?

Risos do PS.

Em 1986, o ano é farto e isso não será possível. Mas em 1987 e nos seguintes quem irá pagar as facturas das imprevidências de 1986? O contribuinte, sem dúvida. E dentre os contribuintes, os trabalhadores. Mas também os idosos, os pensionistas e os jovens.
O controle do défice das finanças públicas torna-se uma questão de vida ou de morte para a consolidação do regime democrático. Por enquanto ainda é uma questão de vida, a vencer por meio de um largo consenso democrático. Em 1986 terão de ser objectivos nacionais da maior prioridade o controle do défice e a, eliminação do cancro dos défices ocultos. Com essas finalidades, proporemos na especialidade medidas concretas á partir da margem excepcional gerada pela queda dos preços internacionais.
Um dos fulcros desta questão reside no orçamento do Fundo de Abastecimento. O Governo pretende transformar o Fundo de Abastecimento num saco azul sem fundo, para o que melhor lhe aprouver. A situação chega ao ponto de se encontrar corripletamente virada do avesso a lógica dos subsídios. Pouca gente se dá conta que neste ano, por exemplo, não é o orçamento que subsidia o preço do pão mas, sim, o contrário; é o pão que vai cobrir parte do défice oculto do Orçamento do Estado. Com efeito, este ano os cereais poderão dar qualquer coisa como 14 milhões de contos de receita ao Orçamento do Estado. Quem conhece a história da importância do preço do pão em Portugal saberá o que isto significa de aberração completa. Que o Governo não tenha dado por isso ou que á queira utilizar é', de facto, pêlo menos, surpreendente, Sr. Deputado Silva Marques.

Uma voz do PS: - Muito bem!

O Orador: - Um outro aspecto é o das receitas adicionais devidas à queda do petróleo. O Partido Socialista considera razoável que os utilizadores de combustível venham a beneficiar alguma coisa com essa baixa, por pouco que seja. Se os outros países tiverem preços ao utilizador muito mais baixos, a competitividade das nossas actividades sofrerá com isso. Também os consumidores finais têm o direito de esperar algum alívio. Sem embargo, o PS entende que a maior parte das receitas adicionais devem ser afectas à melhoria da situação das finanças públicas. Proporemos na especialidade medidas adequadas, tendo em vista esta dupla finalidade, fazer beneficiar os utilizadores e as finanças públicas da queda do

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petróleo. Serão dezenas e dezenas de milhões de contos que o Governo será forçado a fazer sair do esconderijo onde os disfarçou.
Parte dessas receitas virão a abater o défice oculto deste Orçamento. Pelas próprias informações que a Comissão de Economia conseguiu obter verifica-se que, pelo menos, 60 milhões de contos de operações de tesouraria são défice oculto e não orçamentado. A esses resultados há que somar quase outro tanto para fazer face a compensações e dotações orçamentais devidas a certas empresas públicas indispensáveis à economia portuguesa, como as transportadoras e a EDP. Também se terá de ver na especialidade toda a complexa teia de transferências de e para o Orçamento do Estado, dos fundos e serviços autónomos e do sector empresarial do Estado.
Apesar disso, para o Governo este Orçamento parece ser um orçamento de verdade. Se o Governo insistir nesse eufemismo, teremos de lhe dizer que a verdade do Governo admite buracos orçamentais que se aproximam da centena de milhões de contos. Um governo cuja verdade passa por um buraco dessa dimensão não pode ser um governo com crédito para muito tempo.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O PSD não poderá continuar a ser o grande partido do défice público, o grande partido do aumento da despesa diferido. O PSD vai ser travado!
O ano de 1986 ainda não está inteiramente perdido para uma política de autêntico reequilíbrio das finanças públicas e de promoção do desenvolvimento na perspectiva dos objectivos que a Comissão de Economia, Finanças e Plano aponta. Nesta matéria, as propostas do Governo misturam o bom e o mau em proporções que nos inquietam. Pensamos que estamos ainda a tempo de contribuir com correcções importantes para que o Governo venha a governar bem, como é sua fácil obrigação. Para nós a situação é muito clara:
Queremos que o Governo governe para a grande maioria dos portugueses e não apenas para os seus interesses partidários e para o seu apetite insaciável de mais Estado;
Queremos que o Governo ataque decididamente os problemas de fundo das finanças públicas e não apenas que se limite a disfarçar as mazelas que existem;
Queremos que o Governo governe no respeito das instituições democráticas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste entendimento, o Governo terá de se haver com um orçamento de verdade, que lhe daremos sem qualquer rebuço. A obrigação do Governo é governar bem. Terá condições excepcionais para isso.
Também neste entendimento, o Governo tem o dever de compreender que não haverá democracia forte e vivificadora em Portugal sem um Parlamento que assuma a plenitude dos poderes legislativos e fiscalizadores que a Constituição lhe confere.
Se esta lição ficar bem compreendida então, e só então, teremos todos feito um bom debate das grandes opções e do Orçamento.

Aplausos do PS, do PRD, do PCP, do MDP/CDE e do deputado independente Lopes Cardoso.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para formular pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados Gomes de Pinho e Silva Marques.
Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado João Cravinho: Quer se concorde ou não com o seu discurso, julgo que ele é um discurso aliciante. E é um discurso aliciante porque traz, pela primeira vez, a este debate uma alternativa global à proposta do Orçamento aqui apresentada pelo Governo.
Diz V. Ex.ª caracterizando a proposta do Orçamento, que ela traduz uma concepção histórica do PSD - concepção essa adoptada sempre que esteve à frente do Governo e, particularmente, do Ministério das Finanças -, já que vai no sentido de propor mais partido, ainda que à custa de mais Estado. Deduzo, assim, que V. Ex.ª defende uma concepção inversa, isto é, menos Estado e, consequentemente, menos partido.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - É evidente!

O Orador: - Estamos de acordo com essa concepção, revemos nela muito do nosso combate produzido ao longo de vários anos, quase sozinhos, quase isolados, considerados como os arautos de uma boa nova longínqua. Não esperávamos, de facto, ver tão rapidamente aceite e formulada por V. Ex.ª essa concepção, mas é com prazer que vejo isso a acontecer.
E a pergunta concreta que gostaria de lhe formular, Sr. Deputado João Cravinho, é a seguinte: pode V. Ex.ª dizer-nos, desde já, como é que vai explicitar, na fase subsequente da apreciação do Orçamento, essa concepção alternativa à que foi proposta pelo Governo, de introduzir menos Estado e, portanto, de reduzir o défice do Orçamento para o ano de 1986?

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Cravinho, pretende responder agora ou no fim dos pedidos de esclarecimento?

O Sr. João Cravinho (PS): - Agora, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Gomes de Pinho: Gostei muito das suas palavras mas gostaria, se me permite, de fazer alguns contrapontos.

Uma voz do PSD: - São envenenados!

O Orador: - Em primeiro lugar, eu sou partidário de melhor Estado. Sou um velho funcionário do Estado e, nesse sentido, sou um «estadocrata», que me orgulho de lhe ter prestado o melhor de mim mesmo. Não o fiz excedentariamente,...

Risos do PS.

... não fiz a auto-remuneração, trabalhei gratuitamente nas mais diversas comissões e, assim, continuo a fazê-lo. Mas, sinto que, de facto, o povo português tem o direito de pedir a cada um de nós (deputados, mem-

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bros do Governo, funcionários, cidadãos) uma contribuição para melhor Estado, e daí para menos Estado
— não, porque menos, mas porque melhor. É aí que está a grande diferença que nos separa daqueles que querem menos Estado para que menos se perceba o quanto eles se servem mais do Estado.
Aplausos do PS, do MDP/CDE e do deputado independente Lopes Cardoso.
É aí que está a grande diferença que separa muitos de nós! Demonstrei-o com números, aqui, para o PSD e quando o PSD me interpelar, logo'veremos!
Gostaria apenas de dar um outro contraponto: eu não disse que o PSD apenas quer mais Estado quando está à frente do Governo. E isto porque o PSD quando está atrás ou ao lado do Governo continua a querer sempre mais Estado, já que o PSD só soube crescer, só foi alguém, convo Estado.
Aplausos do PS e do deputado independente Lopes Cardoso. „ ' .
Mas como disse várias vezes no meu discurso, é em sede de discussão na especialidade que vamos introduzir as correcções necessárias. Porquê?
Em primeiro lugar, porque é essa. a sede própria, aquela que é mais adequada à própria natureza do processo parlamentar e, em segundo lugar, porque entendo que, de facto, o Governo revelou um tal défice de comportamento democrático, não respondendo ou rebatendo praticamente nenhuma das críticas ou sugestões da Comissão de Economia, Finanças e Plano, quê nada mais lhe resta do que o castigo de ver, de facto, no concreto, como é errado o seu Orçamento.
O Sr. Gomes de Pinho (CDS): — Posso interrompê-
-lo, Sr. Deputado? !
O Orador: — Se faz favor, Sr. Deputado.
O Sr. Gomes de Pinho (CDS): — Sr. Deputado João Cravinho, a minha convicção era a de que o Sr. Deputado era bastante mais ambicioso e, embora tivesse que introduzir essas alterações na discussão na especialidade, que a sua proposta era verdadeiramente uma proposta alternativa, acentado em pressupostos diferentes — que, aliás, enunciou com muito brilho. Penso, assim, que era legítimo perguntar-lhe, ainda em sede de discussão na generalidade, como é que, nas suas linhas gerais essa proposta se vai explanar e se vai concretizar nas alterações que vai seguramente introduzir na especialidade. Não peço que me diga, 'em concreto, quais são essas alterações, qual é o seu quantitativo, mas em que termos é que elas permitirão configurar uma proposta substancialmente diferente da actual.
O Orador: — Quanto às ambições, como sabe, cada um esconde-as o melhor que pode e eu não consegui esconder a minha lá muito bem.
Mas, de qualquer maneira, quero-dizer-lhe o seguinte: nós veremos, de facto, em sede de especialidade, o seu porquê, uma vez que, .com o tempo que o debate já tem, com o tempo que me é permitido usar da palavra, não é possível detalhar pormenorizadamente a proposta A, B, ou C — dado .que são várias.
Em todo o caso, serão três dias de espera, que o Sr. Deputado, com a sua ambição, suportará bem.
Risos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr...Deputado Silva Marques. •
O Sr. Silva Marques (PSD): -r Sr. Deputado João Cravinho, contrariamente, à opinião do Sr. Deputado Gomes de Pinho, não achei aliciante o seu discurso. Aliás, só é aliciante na medida em que ele trouxe a «alternativa da contradição» e não a «alternativa de uma política global». Assim, e nesse sentido, o seu discurso constitui uma-excelente alterantiva, embora creia que ela não será acolhida pela maioria do povo português, pois, caso contrário,, a situação iria de mal para-pior.
O Sr. Deputado perguntou quem é que iria pagar as imprevidências do ano de 1986, embora, ao longo do seu discurso, tenha proposto várias imprevidências.
Voltou também a abordar o problema da posição do Governo face aos preços dos combustíveis, defendendo a tese de que não fazia sentido deixar de baixar o seu preço...
Sr. Deputado João Cravinho, num país como o nosso, o Governo tem esta atitude — que o senhor critica, que considera injustificável. Porém, num outro país, que tem uma situação financeira muito aquém da grave situação em que nos encontramos, há quem proponha o seguinte (e cito uma passagem referente a matéria de política económica, de uma das quatro proposições das diferentes formações políticas desse país): Não repercutir nos preços a totalidade da baixa actual do dólar e do petróleo,...»
Protestos do PS. . , . ; '
Ora, o país á que me refiro hão tem a totalidade dos nossos buracos, das nossas crateras. Num país que não sofre de crateras financeiras como as de Portugal, há uma formação política que propõe: «Não'repercutir nos preços a baixa actual do dólar e do petróleo, utilizar esta margem de manobra para obter um crescimento mais rápido, favorecendo o investimento industrial.»
Sabem os Srs. Deputados quem é a formação política que propõe isto? É o Partido Socialista Francês, segundo informação do honorável jornal Lê Monde.
Perguntando o Sr. Deputado se o Governo não lê os novos filósofos e exigindo-lhe que ele leia aquilo que não é dele — os filósofos-novos hão são do Governo —.como é que se pode'aceitar que o senhor se permita a não ler os seus próprios filósofos?
Sr. Deputado João Cravinho, sei que'há um Estado que dá votos e um outro Estado que os tira, visto que há ilustres socialistas no Estado. Mas a verdade é que o eleitorado tem tirado os votos aos socialistas e daí que haja um Estado que lhe dá votos e um outro que lhos tira.
Sei que este Governo tem extinguido serviços que considera excedentários ou, pelo menos, não devida-, mente situados, organizados ou inseridos no funcionamento da «coisa pública». Mas creio que os técnicos que trabalham nesses serviços extintos, ou a extinguir, pelo Governo, aliás, como os outros técnicos do Estado não vão ter qualquer dificuldade, já que acredito que, enquanto técnicos e profissionais, devem ser de uni rigor e de uma competência profissional impecável. Só que, eventualmente, o* ambiente tribunício dos trabalhos parlamentares os faz' cair, aí'sim, numa imensidade de contradições. Para O verbalismo parlamentar e, sobretudo, para a contradição, eles são, por certo, competentes, rigorosos e intocáveis.
Aplausos do PSD... ,

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, não desejo responder, mas a isso sou obrigado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - A opção é sua, Sr. Deputado.

O Orador: - É evidente que a opção é minha, Sr. Presidente, e, assim sendo, vou usar dos meus direitos regimentais.
Sr. Deputado Silva Marques, não vou dar-lhe o jornal Le Monde limito-me a dar-lhe a fotocópia do meu discurso, onde o Sr. Deputado poderá ler o que não ouviu, isto é, todas as cautelas e precisões que, efectivamente, se conformam com as suas pretensas preocupações. Nomeadamente, Sr. Deputado, queria explicar-lhe que, bem ou mal, a economia é bem mais complexa do que o jornal Lê Monde diz - para quem lê francês tão rapidamente, o melhor é fazê-lo com atenção!

Aplausos do PS e do PCP.

Sr. Deputado Silva Marques, se tiver a bondade de a ouvir ou ler a minha intervenção - e agradeço-lhe imenso essa gentileza -, então verá que uma das coisas que se diz é que, em primeiro lugar, a maior parte da margem de manobra deve ir para a restauração das finanças públicas. Se o preço dos combustíveis baixar nos outros países, como tem acontecido todos os dias (ainda hoje ouvi na rádio que mais um país os baixou 9%, a França e a Espanha já o fizeram e ler o Lê Monde não chega), as nossas actividades ficarão prejudicadas na competitividade directa. O Sr. Deputado não sabe, não tem obrigação de saber isso, mas tem o dever de procurar saber o que não sabe.

Uma voz do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto às restantes considerações, o Sr. Deputado pode permitir-me um luxo de 30 anos de vida profissional séria (alguns dos quais ainda como estudante), um luxo de uma carreira que não teme o confronto - dentro da modesta carreira que foi a minha - seja com quem for, ministro ou não ministro.

Aplausos do PS, do PRD, do PCP, do MDP/CDE e do deputado independente Lopes Cardoso.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sá Furtado.

O Sr. Sá Furtado (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A problemática da educação e da formação é a questão fulcral da política, do desenvolvimento, da economia, que António Sérgio englobava sob a designação inspirada e feliz de «pedras vivas». Não só por razões humanísticas, visto o Homem dever ser o objectivo primeiro e último de toda a actividade do Estado, mas, ainda, por razões estritamente operacionais, por constituir o mais rentável investimento, chave das indispensáveis e ambicionadas alterações estruturais da nossa sociedade.
A uma certa inércia e postura cultural, que não certamente a propósito intencional, atribuo o relativo apagamento com que as «pedras vivas», de Sérgio, são tratadas nas grandes opções do Plano. Surpreende constatar que nas orientações gerais da política de crescimento nem uma leve referência seja produzida a respeito do valor estratégico essencial da educação e da investigação cientifica. No puzzle dos conceitos e parâmetros macroeconómicos não sobrou lugar para o que é simultaneamente finalidade e instrumento de todo o devir histórico - o Homem.
Será possível ter uma sociedade moderna e democrática, uma economia próspera e dinâmica, sem que os Portugueses sejam culturalmente mais evoluídos, profissionalmente mais competentes, civicamente mais conscientes? A história recente das nações demonstra, sem sombra de dúvida, que, no dealbar do que mais ou menos rigorosamente se apelida de 3.º Revolução Industrial, o caminho da dignidade e da independência passa obrigatoriamente pela educação, pela formação, pela investigação. Esta a motivação determinante da criação das Comunidades Europeias, o reconhecimento de que o desafio do gigantessco desenvolvimento tecnológico dos Estados Unidos e do Japão só pode ser enfrentado se a Europa planificar e organizar a sua instrução e investigação científica, de modo a que os seus incontáveis e preciosos valores culturais não sejam tragados na voragem do crescimento técnico alheio. Interrogo-me, meditando sobre as grandes opções e o Orçamento, se, neste ano de 1986, nós portugueses estaremos a ser europeus.
É pena que a secção «3.1 - Política de Crescimento» traduza uma atitude tecnicista, de mera gestão financeira, que não me parece ser via inspiradora e mobilizadora na busca do progresso a que, como povo de dilatada história, temos direito e capacidade de alcançar. Também em «3.2 - Política de Desenvolvimento», e ainda no capítulo da política do investimento e no das relações com as Comunidades Europeias, as referências à educação são parcas, quase inexistentes. As pessoas encontram-se reduzidas a entes económicos, não assumidas na sua plenitude e na essencialidade da sua complexa humanidade. É a coisificação que é, em si mesma, a negação da educação e da aceitação do ininterrupto aperfeiçoamento humano. Não vislumbro, ao longo da grandes opções do Plano, um apelo dinamizador dirigido aos Portugueses, sobretudo aos mais jovens, para que sejam sujeitos interessados e empenhados na transformação cultural que urge realizar e não simples objectos que passivamente irão obedecendo a esquemas de simulação e a cenários esboçados em gabinetes algo distanciados do fervilhar da vida das gentes.
Uma palavra de apreço e de simpatia expectante me merece a secção que, nas grandes opções do Plano, foi reservada à investigação científica. Faço votos e quero crer que o esforço a efectuar nesta área não se quedará apenas pela reorganização dos serviços centrais e das estruturas de enquadramento e irá ter reflexos positivos a nível da actividade das equipas de pesquisa. Apraz-me, ainda, salientar a atenção que os aspectos educacionais mereceram no capítulo da política de cooperação. É imperioso e inadiável, sob o risco de muito se perder, que porfiemos mais interessadamente neste domínio.

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Passo a tecer alguns considerandos sobre o que na área da educação, consta sectorialmente nas grandes opções do Plano e a forma como está concretizado através do Orçamento do Estado e do PIDDAC. Começo por dizer que os objectivos são de tal sorte amplos e diversificados que, face às condicionantes financeiras e de recursos humanos claramente admitidas, seria bom terem-se .apontado as prioridades que o Governo julga poderem contribuir para, a curto prazo, vir a ser significativamente melhorado o estado de disfunção e de frustração que atravessa o sistema educativo.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Orçamento do Estado reserva à educação 11,7% da despesa total, o que, em comparação com outros países, não evidência a assunção de uma decisiva prioridade. Julga-se que mereceria e poderia ter uma maior expressão percentual. Por outro lado, quando se cotejam os 19 contos por habitante, previstos com despesas na educação; com a média europeia do ano, algo remoto, de 1977, igual a 279 ECU por habitante, ou seja de 39 contos per capita, damo-nos conta do largo fosso que colectivamente temos de transpor.
A falta de meios financeiros para assegurar nas escolas um quotidiano, pelo menos decentemente modesto, é claramente patente através dos quocientes das despesas correntes pelas despesas de pessoal. São eles de 1,5% no ensino primário, 4,5% no ensino preparatório, 4,3% no ensino secundário e à roda dos 10% no ensino superior. Com estes valores, em termos reais, dez vezes inferiores aos europeus, a qualidade dó ensino tem de continuar a manter-se intoleravelmente baixa. É imprescindível proceder com brevidade à sua conveniente correcção, a fim de imprimir à aprendizagem uma feição de experimentação e descoberta, eliminando-se atitudes passivas dê redutora memorização. Aquelas constatações e outros elementos mais concretos do meu conhecimento levam-me a prever o recurso inevitável a mais um orçamento suplementar a surgir por alturas de Outubro-Novembro.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Se é certo que ninguém ousa pôr em causa a necessidade de dotar as nossas escolas com equipamento laboratorial e oficinal para que o ensino assuma a feição adequada que, desde Galileu, é timbre da modernidade, não o é menos o facto de nem o Orçamento nem o PIDDAC apontarem nesta direcção, ajudando a colmatar esta indesculpável deficiência.
Entretanto, é de reconhecer o particular empenho que o Governo coloca na construção de edifícios escolares. Registo-o com apreço. Todavia, não devo deixar de chamar a atenção para três factos. Em primeiro lugar, o proposto ritmo de construção manifesta um inexplicável abrandamento, pois de 107 escolas a entrar ao serviço em 1986 se passa para 58 em 1987 e ,46 em 1988. Deixa-me perplexo esta programação regressiva; dado ser de alta prioridade nacional acabar com os postos de telescola, os regimes triplo e duplo de funcionamento. Em segundo lugar, uma vez que o tempo de construção de uma escola é de 1,5 a 2 anos, é elementar concluir que a maioria das escolas a iniciar funcionamento em 1986 vinham a ser construídas de detrás. Em terceiro lugar, não é óbvio, pelos dados fornecidos, que exista um planeamento rigoroso da rede de escolas subordinado às carências mais instantes. A propósito de edifícios, chama-se a atenção para o facto de se manter a prática de não prever dotações adequadas à sua conservação e manutenção. A consequência bem visível é a da extrema degradação do parque escolar a que urge dar remédio.
O ensino técnico-profissional colhe largo consenso quanto a ser uma das nossas primeiras prioridades, o que é corroborado pelo Governo nas grandes opções do Plano. Lamenta-se, contudo, não ter tido este intuito a consequente concretização, pois a verba que explicitamente lhe coube não chega a 0,4% do total destinado às escolas secundárias. E imperativo impulsionar a formação vocacional e profissional dos jovens, o que não acontecerá com dotações tão exíguas.
Como oásis a destacar, surge o apoio à continuidade do Projecto Minerva que arranca, visando a introdução da informática nas escolas secundárias. É um projecto bem concebido, devidamente financiado, que conta com a participação de cientistas e professores competentes e entusiastas. Em meu entender esta iniciativa auspiciosa deve ser fonte de inspiração para outras, centradas em. variados domínios do conhecimento científico e técnico.
Duas últimas observações, curtas mas enfáticas, sobre o sector da educação. As reduzidas dotações para a acção social escolar e para a educação de adultos pressagiam que as carências e deficiências nestes dois importantes sectores se irão agravar, se oportunamente não forem tomadas medidas correctivas.
Farei, finalmente, alguns comentários a respeito da investigação científica, não saindo todavia do âmbito da Secretaria de Estado da Investigação Científica e do INIC Muito embora as verbas que lhes foram atribuídas sejam superiores às do ano transacto, o que merece nota positiva, daqui não se pode apressadamente inferir que a dotação global, nomeadamente no sector universitário, aumentou. Entre outras interrogações, coloco a da falta de clarificação do Governo quanto à sua posição relativamente aos contratos de desenvolvimento industrial, celebrados entre o Ministério da Indústria, universidade e empresas, que foram intempestiva e unilateralmente interrompidos. Os números disponíveis permitem concluir que haverá uma dotação específica, no âmbito do INIC, de cerca de 220 contos anuais por investigador, o que, representando um avanço em relação a ,1985, que se anota e aplaude, fica aquém do valor verificado em 1980, que foi de 130 contos/investigador, o qual, devidamente inflacionado, monta actualmente a 400 contos/investigador. Este cotejo evidencia o muito que temos a fazer se desejamos, de facto, arrancar para um desenvolvimento continuado, enobrecedor e patriótico.
Sr. Presidente; Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As minhas últimas palavras são de confiança no empenhamento que a Assembleia da República, coração da democracia, fonte de poder e lídima representante do povo português, irá dedicar às questões cruciais e inadiáveis da educação, da formação e da investigação científica e tecnológica. As votações das grandes opções do Plano, do Orçamento do Estado e do PIDDAC, não deixarão certamente de reflectir este empenhamento.

,Aplausos do PRD e de alguns deputados do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tenho o prazer de lhes anunciar que nas galerias se encontram os alunos da Escola Secundária de Bocage, de Setúbal, e os da Escola Secundária de Vendas Novas.

Aplausos gerais.

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Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O debate travado ontem com o Sr. Ministro do Plano e Ordenamento do Território acrescentou razões para demonstrar que as propostas das grandes opções do Plano e do Orçamento do Estado para 1986 são centralistas e centralizadoras e revelam menosprezo pelo poder local democrático. São centralistas quando colocam as opções de desenvolvimento regional nas mãos do Governo e da administração central e quando colocam as autarquias a reboque orgânico do macrocéfalo Ministério do Plano, são centralistas quando definem, como matriz de programação de investimentos locais um documento interno da administração central - o chamado programa de desenvolvimento regional -, elaborado por técnicos da administração central, fora do quadro desta Assembleia, à margem do Conselho Nacional do Plano e sem real participação das autarquias locais. Por outro lado, são centralizadoras, quando propõem exíguas verbas para as autarquias locais, contra a posição unânime dos seus órgãos representativos e fora de qualquer quadro de racionalidade democrática.
Esta é a questão de fundo que, no que respeita às autarquias locais, a proposta de Orçamento levanta.
Srs. Deputados, não tem qualquer espécie de credibilidade dizer que as autarquias têm este ano valores acrescentados. Toda a gente - e sublinho toda a gente - sabe que isso não é verdade. A palavra certa e única, nas verbas para as autarquias, é a de que, na proposta do Governo, elas baixam percentualmente face a todos os indicadores.
Baixam quando comparadas com a variação da despesa total ( + 21,7%), quando comparadas com a variação da despesa da administração central em investimentos ( + 59,3%), quando comparadas com a variação da receita de impostos, quando comparadas com a taxa de evolução dos preços prevista para o cálculo do consumo público (16,5%), quando comparadas com a respectiva percentagem sob o total da despesa pública no ano anterior (de 4,9% em 1985 para 4,5% em 1986), e para aqueles Srs. Deputados que se preocupam com o facto de eventualmente não se entrar em linha de conta com os encargos da dívida pública, é bom recordar que também, em relação ao valor da despesa pública sem encargos da dívida pública, a percentagem baixa de 7,1% em 1985 para 6,6% em 1986 ou, noutra formulação, de 9% em 1980 para 6,6% em 1986. aixam, Srs. Deputados - e isto é que é importante - porque o Governo optou por que baixassem. Baixam porque o Governo encara as autarquias como terminais do plano central e, nesse quadro, privilegiou a administração central, que controla, em desfavor da capacidade da realização das autarquias locais.
Os 14,72% da variação do FEF para as autarquias locais do continente são notoriamente insuficientes e são-no precisamente porque as autarquias locais detêm competências próprias em áreas determinantes para o bem-estar das populações e para o desenvolvimento sócio-económico de comunidades locais e não as poderão realizar como querem e como era necessário que sucedesse.
Da nossa parte, Grupo Parlamentar do PCP, já entregámos na Mesa da Assembleia da República uma proposta de alteração do mapa do FEF, envolvendo um aumento percentual de 25%, com o valor mínimo de variação de 24,8% para cada município.
A demonstração feita em torno dos critérios de distribuição não deixa qualquer outra alternativa séria, já que as variações, feitas ao 14.º ensaio, dão valores que vão de 5% para 36,4%, correndo distritos inteiros a valores de variação que não chegam aos 10%, como são, por exemplo, os casos de Portalegre e de Beja!
Os indicadores utilizados não têm qualquer credibilidade, como está demonstrado. A orografia é «florestal», não é municipal, não serve para os objectivos que presidem às actividades das autarquias e esses indicadores florestais só servem para fazer desaparecer serras inteiras do mapa em regiões inteiras do País, como acontece no Alentejo. O turismo dá verdadeiros disparates e citei ontem um caso, que quero aqui recordar - o caso de Aljezur -, que tem as praias de Vale do Homem, Odeceixe, Carriagem, Amoreira, Monte Clérigo, Arrifana, Burdeira, Amado e Vale Figueira, tem o empreendimento turístico de Vale de Telha, com 530 habitações e 132 apartamentos, um parque de campismo com capacidade para 5000 pessoas e, apesar disso, é-lhe atribuído, como valor de turismo, zero escudos. É, de facto, um escândalo!

Vozes do PCP: - É um escândalo!

O Orador: - Quanto ao indicador da emigração, é conhecido que continuam a não ser utilizados os indicadores relativos aos anos de maior emigração, do que resulta, por exemplo, que Portalegre aparece como um distrito de fraca emigração.
A resposta que a Assembleia da República deve dar às justas reclamações da Associação Nacional dos Municípios Portugueses e à generalidade dos municípios deve ser dada com frontalidade e sentido do alto serviço que os órgãos autárquicos prestam às populações.

Aplausos do PCP.

Não se diga que os impostos locais aumentam, porque desde 1980 eles têm-se vindo a degradar, nomeadamente porque não tem sido feita a sua cobrança e porque este ano ainda aparecem novas isenções. Não se faça aqui, também, uma tentativa de fazer um equilíbrio ou uma conta corrente com as verbas do FEDER, não só porque a forma como foi repartido o FEDER corresponde a opções da administração central, mas fundamentalmente porque foram feitas promessas e foram criadas ilusões que levaram muitas autarquias a lançar obras e hoje essas autarquias não têm financiamentos do FEDER, não sendo suficientes as verbas do FEF para cobrir os encargos que elas foram levadas a assumir pelas comissões de coordenação regional.
Muitos outros problemas haveria a tratar, Srs. Deputados, e não os trato neste momento porque em sede adequada - na especialidade - têm melhor cabimento. Ë o que se passa, designadamente, com o critério «transportes escolares», com a verba para compromissos com sedes de Juntas de Freguesia e com a matéria fiscal.
Cingi-me à questão de fundo, mas quero recordar aqui que ontem o Sr. Ministro do Plano, na resposta que deu aos Srs. Deputados, relatava que um senhor

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presidente de uma câmara lhe dizia não precisar para nada de verbas do FEF se a administração central, no PIDDAC, fizesse as obras de que ele necessitava no seu concelho.
A que propósito vinha este caso? Para o Sr. Ministro demonstrar que não havia diferença entre os investimentos da administração central e os investimentos municipais. É evidente que há uma clara diferença e que o argumento não presta - há desde logo uma diferença fundamental porque as autarquias têm competências próprias e os investimentos que fazem são da sua espera de competências. Mas usar este argumento serviu, apesar de tudo, para demonstrar que, com este Orçamento, é a própria autonomia do poder local que está em questão.
A Assembleia, estamos certos, saberá assumir a responsabilidade de o defender! '

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Próspero Luís.

O Sr. Próspero Luís (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A Assembleia está a proceder ao debate, na generalidade, das propostas das grandes opções do Plano e do Orçamento do Estado para 1986, após a sua apreciação e discussão nas comissões especializadas. Essas propostas, realça-se, encontram-se elaboradas com maior rigor, coerência e clareza que as de anos anteriores, e evidenciam de forma clara uma perfeita coerência entre os seus objectivos e os do Programa do Governo, aprovado por esta Assembleia.
Esses objectivos são: crescimento acentuado do investimento do sector privado da economia e do investimento do sector público em infra-estruturas, controle da inflação e aumento do rendimento real da população, mantendo, no entanto, sob controle o défice da balança de pagamentos.
Para os atingir o Governo propõe um défice da ordem dos 470 milhões de contos que sendo elevado, é perfeitamente financiável, conforme tem sido reconhecido e que resulta de uma receita de cerca de 976 milhões de contos e de uma despesa total de 1476 milhões de contos (excluindo os recursos comunitários).
Após a elaboração das grandes opções do Plano, verificou-se uma evolução extraordinária, no sentido da baixa, dos preços do petróleo e de outras matérias-primas, bem como da cotação, do dólar, que virá a ter uma influência significativa na economia nacional. Tal facto levou a Comissão de Economia, Finanças e Plano, (CEFP), por maioria, a considerar necessário proceder à sua actualização e recentramento, pelo reflexo que tais variações poderão ter na concepção e condução da política económica nacional, o que obviamente o Governo vem. fazendo, a título de estudo, por não haver ainda garantias seguras sobre se tal evolução se manterá e quais os níveis em que essas variáveis estabilizarão. Concorda-se com tal actualização desde que tal não signifique o adiamento da discussão e votação das propostas do Governo.
Há quem defenda que os efeitos de tais variações devem ser repercutidos para os particulares e ou para saneamento das contas públicas e redução do défice.
É assunto que deve merecer cuidada ponderação, dada a possibilidade que há de se poder regularizar certas situações delicadas e por tal transferência poder induzir um aumento exagerado das importações e da inflação.
Entendeu o Governo, em bem, adoptar a solução de regularizar tais situações e de criar as condições básicas necessárias para o relançamento do desenvolvimento económico, privilegiando o investimento em infra-estruturas, por forma a incentivar directa, indirecta e induzidamente o investimento no sector privado, tanto mais que se tornava necessário relançar tal investimento que tinha sofrido um decréscimo real médio anual de 5,8% nos últimos quatro anos.
Esse decréscimo pode levar a inferir-se que há um grande aumento do investimento público em 1986. Convém, por isso realçar, que o investimento previsto para 1986 apenas excede o de 1981, em termos reais em 10%.
As despesas orçamentadas totais repartem-se em 14% de despesas de capital e 86% de despesas correntes. Estas últimas têm a seguinte composição:

Percentagem
28,4
31,5
23,1
6,4
10,5
Despesas com o pessoal ............
Despesas com juros ...............
Transferências para o sector público Subsídios .........................
Restantes despesas correntes ........

enquanto as de capital se distribuem, principalmente, por:

Investimentos.........................
Transferências para o sector público....
Activos financeiros ...................
28,9
46,7
14,7
Esta repartição evidencia claramente uma grande rigidez que condiciona extraordinariamente a elaboração de qualquer orçamento e dificulta a tomada de medidas de alterações estruturais.
A despesa total, expurgada dos encargos da dívida pública, cresce, no entanto, apenas 18,7% em relação a 1985, o que, face à rigidez referida, se afigura bastante aceitável.
Tal acréscimo, tendo presente o esforço de investimento em infra-estruturas que o Governo entende levar a cabo, evidencia uma clara política de contenção de custos, em áreas não reprodutivas, o que é explicitamente referido pelo Governo no seu relatório geral sobre o Orçamento do Estado para 1986, e é de assinalar.
Algumas das comissões entendem que devem ser reforçadas certas verbas de despesa - por exemplo, saúde e autarquias locais - admitindo, também, alguns membros da CEFP e oradores anteriores que as verbas previstas para investimentos, subsídios é aumentos de capital para as empresas públicas, são insuficientes.
Desconhece-se, no entanto, se existem outros projectos de investimento nas E. P. e pior, se há estudos que provem a sua rentabilidade e que tenham sido presentes ao Governo, quer em termos absolutos quer em termos de custos de oportunidade. Em suma, tais intervenções encaravam a atribuição de tais verbas como um objectivo, independente da realidade económica, financeira e social em que as E. P. se integram e se devem enquadrar.

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O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É assunto que tem de ser atenta e urgentemente estudado, pois, a manter-se a evolução que se vem verificando na maioria das E. P., haverá que ponderar, e seriamente, as possíveis soluções, dado afigurar-se que o recurso sistemático ao Orçamento do Estado para resolver problemas estruturais e de ineficiência será insustentável a curto prazo.
É tema que exigirá a solidariedade dos vários órgãos de poder para, com pragmatismo e sem demagogias, se procurarem soluções que evitem mais graves consequências para o País, ponderando se se deve manter o actual peso do Estado na Economia ou se será preferível ter-se «menos Estado, mas melhor Estado».
No que concerne às receitas, é de realçar o peso das receitas fiscais que totalizam cerca de 788 milhões de contos, aproximadamente 78% do total, o que corresponde a um aumento nominal de 21,6% em relação a 1985.
Esse valor afigura-se razoavelmente rigoroso no seu cálculo, apesar de se poder admitir ter havido alguma sã prudência nesse cálculo por qualquer pequena alteração nos seus pressupostos poder originar reduções significativas das receitas.
Para o alcançar torna-se necessário um acréscimo da eficiência tributária e um aligeiramento e maior rapidez da justiça fiscal, bem como a criação de condições que induzam a redução da evasão fiscal, que se tem desenvolvido pelo aparecimento de mecanismos «protectores», que visam evitar o agravamento da carga fiscal que se vem verificando, e que atinge já valores insuportáveis para alguns contribuintes, agravamento esse que se tem destinado exclusivamente a cobrir acréscimos perfeitamente descontrolados das despesas públicas.
Para evitar a evasão fiscal, o Governo, a par de medidas fiscalizadoras e punitivas, propõe a redução da carga fiscal de alguns contribuintes, procurando, assim, alargar a base de incidência tributária, tentando evitar o aumento das receitas à custa exclusiva dos contribuintes até agora cumpridores.
As medidas ora propostas serão completadas com a revisão do sistema fiscal que o Governo se propõe levar a cabo a breve prazo.
Para o aumento destas receitas muito contribui o IVA quer, pelo alargamento da base tributária, quer especialmente pelos mecanismos de autocontrole que os contribuintes se verão obrigados a desenvolver, reduzindo-se, assim, mais uma vez a evasão fiscal.
Interessado em promover o desenvolvimento económico, nomeadamente através do sector privado da economia, o governo propõe a criação de um conjunto de incentivos fiscais para o investimento e a criação de novas formas de aplicações financeiras destinadas a dinamizar o mercado de capitais. Fruto dessa dinamização e da intervenção que entende dever levar a cabo nessa área, o Governo orçamenta o recebimento de cerca de 30 milhões de contos de juros que resultam, em grande parte, da aplicação dos excessos pontuais de disponibilidades, quer em contas de depósito remuneradas no Banco de Portugal, quer na aquisição e posterior venda de títulos do Tesouro.
Do exposto pode-se concluir que qualquer acréscimo de despesa, que a Assembleia venha a entender dever introduzir no Orçamento do Estado para 1986, terá de ter reflexo no aumento do défice, pois não se afigura possível obter aumentos das receitas fiscais.
Pensa-se, no entanto, que a Assembleia não deve impor qualquer aumento da despesa, pois tal facto poderá vir a ter reflexos negativos na economia nacional e originar desmotivações na racionalização e na obtenção de ganhos de produtividade que o Governo pretende alcançar, com todas as consequências daí resultantes.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Dias de Carvalho.

O Sr. Dias de Carvalho (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo tem como preocupação máxima o desenvolvimento. Para tal é necessário investir e investir segundo programas integrados onde o homem é a primeira matéria-prima, sendo simultaneamente o motor e a razão última do desenvolvimento.
Sem cuidados de saúde, ou com cuidados de saúde degradados, teremos matéria-prima sem qualidade. O desenvolvimento sanitário é sem dúvida uma condição essencial do desenvolvimento social e económico, e de tal modo importante que os recursos empregues na saúde têm de ser considerados factores económicos produtivos fazendo parte integrante do desenvolvimento global da sociedade. Assim, a saúde do indivíduo e da sociedade, além de ser um direito fundamental do ser humano é simultaneamente, um factor chave da economia, o que traz responsabilidades acrescidas a qualquer governo que se preocupe com o verdadeiro desenvolvimento.
Por estas razões surpreende-nos a verba escassa atribuída no Orçamento ao sector da saúde.
O Sr. Ministro das Finanças afirmou, no primeiro dia de debate, estar muito preocupado com a saúde das finanças, mas o Sr. Ministro não pode ignorar que a saúde das finanças depende da capacidade de trabalho da dinamização, do querer dos portugueses e que tudo isto se relaciona com saúde física e psíquica do indivíduo e da sociedade. Embora a saúde em Portugal esteja doente, ela não pode ser tratada como qualquer empresa em falência.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O serviço de saúde, para cumprir a sua função, tem de assegurar a promoção e a prevenção da saúde em todas as suas modalidades (primária, secundária e terciária) e tem de assegurar a cura e a reabilitação do doente. Todas estas acções exigem investigação, esforço continuado, instalações funcionais, equipamentos cada vez mais caros, pessoal técnico cada vez mais especializado. Em todos os sectores há consumos correntes elevados, incluindo os medicamentos, sempre com tendência para atingirem valores muito superiores à inflação, pois a grande maioria são importados.
Como poderá V. Ex.ª Sr.ª Ministra da Saúde, fazer face a todas estas despesas com um orçamento que não chega a cobrir a inflação prevista pelo próprio Governo? Conhecemos a vossa determinação em promover uma boa administração, mas não acreditamos no milagre das rosas, pois, mesmo que algumas medidas sejam implementadas, elas demoram a produzir o seu efeito e 150 milhões de contos não chegam para o Estado satisfazer as suas responsabilidades, perante os portugueses, em matéria da saúde.

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Aproveitando a conjuntura económica favorável, penso que V. Ex.ª poderia implementar a organização de uma saúde comunitária com base. nos cuidados primários, tendo em vista a educação para-a saúde, a sua promoção, a prevenção e profilaxia.
Combater as assimetrias flagrantes, melhorar a protecção dos grupos em risco, como as grávidas, a criança, o adolescente, os idosos, as famílias em risco, a saúde escolar, a saúde de trabalho e a saúde mental. E, no campo dos cuidados diferenciados, iniciar a verdadeira revolução que está por fazer - descentralizar a tecnologia, rompendo com as mentalidades arcaicas, que pensam ser a medicina de qualidade apenas possível nos hospitais centrais. Muito do que há anos poderia ser considerado sofisticado é hoje técnica corrente na observação dos doentes, pelo que devem ser executadas, nos hospitais distritais, desde que preenchidas as vagas necessárias de assistentes hospitalares, de chefes de serviço e de outros técnicos paramédicos. Impulsionar a emergência médica, resolver os problemas da urgência em muitos hospitais concelhios. Regulamentar a criação e as atribuições de hospitais, ou serviços de ponta, de modo a economizar recursos e a aumentar a eficiência. Neste campo, dar prioridade a problemas fundamentais, como o transplante renal,- e não ficar tranquila pelo facto de ter atribuído uma verba para abrir mais um centro de hemodiálise.
E para terminar, sem contudo ser minha intenção esgotar os assuntos, conseguir organizar cursos de reciclagem descentralizados para todo o pessoal onde, a par da actualização dos conhecimentos, haja igualmente a preocupação de imprimir aos técnicos de saúde o espírito de humanização permanente não só nas rela: coes humanas mas também nas próprias instalações.
Se assim souber proceder, Sr.ª Ministra, embora considere que a tarefa não é fácil, poderá Ter a certeza de que o nome de V. Ex.ª ficará na história da saúde em Portugal.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente:- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Quero alertar o Plenário da Assembleia da República para o facto gravíssimo de que as despesas com a saúde correspondem apenas a 9,1 % do Orçamento do Estado, a mais baixa percentagem de sempre verificada nos últimos anos. A importância do Orçamento do Serviço Nacional de Saúde no PIB corresponde apenas a 3,5% (também esta a mais baixa percentagem verificada nos últimos anos), o que nos coloca na cauda da Europa em gastos de saúde. Também assim se demonstra que é falso que se gaste muito e de mais em Portugal com a saúde.
No Orçamento do Estado para o sector da saúde há, em termos reais, um significativo decréscimo das verbas em relação a 1985.
O aumento previsto no Orçamento do Estado para a Saúde, em relação a 1985, é de apenas cerca de 11%, muito inferior à taxa de inflação prevista de 14% ou aos 16,5% da taxa de evolução dos preços para o consumo público corrente.
Analisando as grandes rubricas do Orçamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS), fácil é constatar que para os hospitais centrais o aumento é apenas de 7,9% e para os hospitais distritais de 10%.
De igual modo as verbas orçadas para as convenções e para os medicamentos (10,1% e 19% de aumento respectivamente) são largamente insuficientes, como foi unanimemente reconhecido na Comissão de Saúde, Segurança Social e Família.
Também a verba para as despesas com pessoal, calculada partindo de pressupostos errados, é insuficiente para o pagamento dos. salários e outros encargos com os trabalhadores da saúde.
Argumentou a Sr.ª Ministra, na Comissão, para justificar este minguado orçamento, que planeava acções de moralização nas Convenções, uma contenção das despesas com medicamentos e uma maior rentabilidade nos serviços hospitalares.
Mas isto não passa de pias e boas intenções. A realidade é, porém, bem diferente. A medida mais escandalosa e de maior gravidade que o Governo se preparava para realizar foi ocultada pela Sr.ª Ministra na Comissão.
Por nós questionado, no inicio deste debate, sobre a proveniência da verba de 5,6 milhões de contos inscrita na rubrica de receitas próprias para o SNS, conseguida, com o lançamento de novas taxas moderadoras no campo da saúde, o Sr. Ministro das Finanças nada respondeu. Hoje aqui está, é a publicação do Decreto-Lei n.º 57/86, de 20 de Março, que prevê o lançamento de novas taxas moderadoras no campo da saúde.
É escandaloso, Srs. Ministros!

Vozes do PCP: - É um escândalo!

O Orador: - É o tentar de novo implementar uma medida injusta e já considerada, no passado, como inconstitucional.
As taxas, no campo da saúde, constituem apenas uma fonte de financiamento e não tem qualquer efeito moderador na procura dos cuidados de saúde.

Aplausos do PCP.

Este Governo governa há mais de 4 meses, o PSD está no Governo vai para 6 anos, e quase sempre com grandes responsabilidades no sector da saúde. Assistimos anualmente, nas discussões aqui realizadas dos Programas do Governo, das grandes opções e dos Orçamentos do .Estado, a promessas semelhantes e nunca cumpridas.
O Governo também ainda nada fez para combater o desvio de verbas do OE para o sector privado. Neste capítulo constitui um verdadeiro escândalo o que se passa, entre outros, em sectores como os das análises clínicas, raios x, fisioterapia e hemodiálise.
Têm sido denunciados inúmeros casos de verdadeira corrupção nestes sectores, o Governo ,e a Sr.ª Ministra têm seguramente conhecimento de alguns, mas até hoje não foram tomadas nenhumas medidas para lhes pôr cobro.
Neste campo, não tem o Governo vontade política para intervir contra aqueles que fazem da doença dos Portugueses um grande e lucrativo negócio.
Para isso era necessário regulamentar e cumprir a Lei do Serviço Nacional de Saúde, combater sem tréguas e eficazmente aqueles que, não cumprindo, contribuem activa ou passivamente para a degradação dos serviços públicos de saúde.
Np que respeita a medicamentos, há que referir que em Í 985 a verba mensal paga pelo SNS (isto é, a verba

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paga pelo Estado às farmácias pela comparticipação em medicamentos dos utentes do SNS) foi de cerca de 1,9 milhões de contos, média mensal.
Com o injustificável e escandaloso aumento do preço dos medicamentos, autorizado pelo anterior Governo, a facturação paga no mês de Outubro e referente a Dezembro sofreu um aumento de 820 000 contos, e a factura referente a Março deste ano e paga em Janeiro foi de 2,9 milhões de contos.
Por estes números se pode ver bem como irrealista é a verba de 26,8 milhões de contos orçada para este ano.
Claro que neste capítulo muito haveria a realizar. A intervenção directa na política de comercialização e de preços, a normalização das doses nas embalagens, o fomento e a aplicação do esquema da unidose e um Formulário Nacional de Medicamentos, são algumas medidas que levariam a uma racionalização e verdadeira economia dos gastos neste sector.
Mas, também neste campo, estas medidas têm sido anunciadas por sucessivos governos e nunca postas em prática. Isso seria bulir com os chorudos lucros das multinacionais de produtos farmacêuticos, que todos os anos levam do nosso país milhões de contos.
Analisando a verba orçada no PIDDAC da Saúde (retirada a verba que respeita à ex-Direcção-Geral dos Hospitais) verifica-se que ela é apenas de l,2 milhões de contos enquanto no ano anterior foi de 1,4 milhões de contos.
E é esta verba que diminui a que é destinada às obras de conservação, à aquisição de peças e às reparações dos equipamentos existentes.
Como se pode pois pretender rentabilizar os serviços públicos se, em vez de se criarem condições para se porem a funcionar a 100% os equipamentos existentes, se retiram verbas para a sua conservação, justificando assim, com o seu não funcionamento, o envio para o sector privado da realização de actos que deveriam ser efectuados nos próprios serviços.
Como se podem igualmente racionalizar e rentabilizar os serviços públicos quando se assiste à proliferação dos contratos a prazo, ao não alargamento e respectivo preenchimento dos quadros hospitalares, ao atraso dos concursos médicos e à não colocação de médicos especialistas nos hospitais distritais, com concursos realizados há largos meses?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas, Sr. Presidente, Srs. Deputados, sejamos realistas: Mesmo dando de barato que aquelas medidas serão postas em prática, elas só se reflectiriam nos últimos meses do ano, quando, com este orçamento, se teria já chegado à situação de ruptura nos serviços públicos de saúde e a dívidas incalculáveis às farmácias.
Há pois que assegurar verbas para um substancial reforço orçamental para o sector da saúde, para não termos de aqui estar de novo e ainda este ano a aprovar um novo orçamento e para garantir o direito à saúde do povo português.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Orçamento para a saúde demonstra, por um lado, a política de injustiça social levada a cabo por este Governo e, por outro lado, põe por terra a tão propagandeada competência e rigor de que o Governo se reclama sem razão.
Importa que a Assembleia da República impeça que essa política de injustiça se converta em lei.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo.

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A proposta de lei n.º 16/IV - Orçamento do Estado para 1986 e a proposta de lei n. º 15/IV - grandes opções do Plano para 1986, apresentada na Assembleia da República na vigência do governo do Partido Social-Democrata, sob a égide do Primeiro-Ministro Cavaco Silva, não podem deixar de ser avaliadas e discutidas à luz da nossa adesão às Comunidades Europeias em Janeiro do corrente ano.
Ora este condicionalismo histórico põe exigências que forçosamente terão de se repercutir em diversos níveis e em diversos sectores do Estado e da sociedade. Sobreleva pela sua importância, pelo seu alcance e pelas consequências humanas, económicas e sociais que determina o sector da educação e da cultura. Bem andou, portanto, o Governo, o governo do meu partido, ao atribuir a este Ministério prioridade nas dotações orçamentais e do PIDDAC.
Com efeito, se a adesão de Portugal às Comunidades determina a integração num espaço económico e político, é forçoso que se preparem os cidadãos nacionais para a tomada de consciência dessa identidade cultural comum, para a adaptação rápida a processos educacionais cada vez mais ligados aos progressos da ciência e tecnologia e para a criação de um espaço universitário europeu, no domínio do ensino e da investigação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Embora o acto de adesão contenha disposições respeitantes à livre circulação de trabalhadores que determinam a sua aplicabilidade apenas a partir de 1993, no que respeita ao acesso ao emprego, isto é, liberdade de circulação em busca de emprego, não discriminação quanto ao recrutamento, equiparação dos nacionais dos Estados-membros a nacionais do país de acolhimento, para efeitos das legislações que limitem em número a percentagem de trabalhadores estrangeiros em empresa, ramo de actividade ou a nível nacional, etc., o certo é que a fixação desse limite temporal tão curto impõe que, para salvaguarda dos interesses nacionais, façamos uma rápida inversão nos índices de escolarização, do aproveitamento escolar, da formação científica e técnica e da reconversão profissional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Daí, toda uma acentuada subida no Orçamento do Estado e do PIDDAC para a educação. Chegamos assim a uma verba global do MEC na ordem dos 206 254 863 contos, ai incluídos os investimentos do Plano (24 milhões de contos) e as contas de ordem (6 milhões de contos) em números redondos.
Atentando na classificação funcional das despesas públicas, cabe referir e salientar, com vivo agrado e imparcialidade, que o montante global de 191,5 milhões

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de contos atribuídos neste, ano de 1986 correspondem a uma aumento de cercar de 50%. relativamente ao Orçamento de 1985 no montante de 12,6 milhões de contos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na minha qualidade de deputada do Partido Social-Democrata votei já favoravelmente vários orçamentos para a educação, em anos sucessivos, apresentados por governos de coligação de que o partido fez parte.
Se houve conjunturas económicas e políticas que determinaram atribuições orçamentais mais restritivas e, apesar disso, as aprovei, agora, posso dizer que votarei a favor, com orgulho, com satisfação e com coerência também.

Vozes do PSD:- Muito bem!

A Oradora: - O Primeiro-Ministro e o Ministro da Educação e Cultura, responsável pela pasta; souberam traduzir, na fria linguagem dos números, a esperança da juventude que nos apoia, as realistas reivindicações dos sindicatos dos professores, as preocupações das associações de pais, em suma, de todos os que, de um modo ou de outro, ao sistema educativo estão ligados.
Um dos reparos que mais comummente tem sido feitos ao longo dos anos respeita ao analfabetismo, mal atávico que infelizmente continua a marcar corri uma elevada taxa a sociedade portuguesa, isto é; a sua população residente.
Importa referir que as acções empreendidas com vista à sua progressiva erradiação estão a ser agora devidamente analisadas no CNAEBA, após cinco anos de execução, por sucessivos governos, através da Direcção-Geral de Educação de Adultos (DGEA).
Não cabe aqui fazer a análise destes resultados, que, aliás, ainda estão em fase de apreciação do Conselho Nacional de Alfabetização e Educação Básica de Adultos (CNAEBA), mas, em todo o caso, parece-me relevante que o Governo tenha também procurado debelar o problema, fazendo introduzir melhorias no próprio sistema formal de educação, pela atribuição, desde logo, de importantes verbas para a construção de escolas a nível de ensino preparatório e secundário. Só para o ano de 1986 estão previstas 107 escolas destes níveis de ensino.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - O Governo empreenderá ainda acções conjugadas para a melhoria das existentes, no que respeita à manutenção e equipamentos.
Aliás, também é extremamente positiva e inovadora a dotação de 826 000 contos destinados a minorar os problemas relativos ao insucesso escolar. Não convém à oposição aplaudir esta medida, mas ela é bem a expressão de uma preocupação do Governo no sentido do apoio aos mais desfavorecidos.

Aplausos do PSD.

Associada a este esforço está a previsão de que a obrigatoriedade escolar se vá. alargar provavelmente para os 9 anos, como é adquirido desde já em países da CEE e mais amplamente na Europa. Entretanto, a lei de bases do sistema educativo; cuja feitura temos em mãos na Assembleia da República, dará tradução legal a esta opção ou outra que venha a ser encontrada.
Não deixa de ser relevante no contexto actual o aumento substancial de 300% que relativamente ao PIDDAC foi atribuído às universidades, para melhoria, reequipamento e construção de instalações adequadas, embora seja previsível que a relativa contenção das despesas de funcionamento possa trazer alguns problemas.
.. A cultura, que no governo anterior estava autonomizada em Ministério e no actual governo é assumida pelo titular da pasta da Educação, ao contrário do que os arautos da desgraça propalaram, não foi minimizada por esse facto, nem quanto às dotações orçamentais atribuídas, nem quanto à execução do Programa do Governo nesse capítulo.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - A evolução das dotações da Secretaria de Estado da Cultura revela um reforço no Orçamento do Estado de 49,9% e no PIDDAC de 46,1 % num total de 5 798 749 contos, incluindo contas de ordem. É significativo o aumento de quase l milhão de contos que no PIDDAC está previsto para obras, e espera-se que o dinamismo evidenciado se traduza na prossecução dos projectos de descentralização cultural, tornando mais acessível uma rede pública de leitura, mais acessíveis as representações teatrais, mais apoiados os museus e os centros culturais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Não posso ainda deixar de associar ao campo das dotações para a educação certas verbas que, disseminadas por outros departamentos do Estado, concorrem para a consecução do mesmo objectivo.
Assim, nas despesas do orçamento da Segurança Social, está atribuída a verba de l 117 000 contos para a educação especial, vocacionada para a educação dos deficientes.
Notável é também a prioridade que o Governo atribuiu à investigação científica, inserida no âmbito do Ministério do Plano e da Administração do Território. Em particular, o acréscimo das dotações da JNICT, cujo aumento do PIDDAC monta a 1006%, passando a verba para 930 000 contos, o aumento de 75% para o Instituto Nacional da Investigação Agrária e Extensão Rural e o aumento global de 48,1 % das dotações dos. principais organismos executores da investigação para o desenvolvimento são por si só exemplos desse empenhamento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - O que me parece ainda muito realista é á preocupação evidenciada no sentido de que todos os projectos de investigação custeados pelo Estado sejam avaliados e submetidos a uma escala de prioridades ligada ao desenvolvimento do nosso país.
Se atentarmos ainda que o ensino técnico profissional e a formação profissional têm na base a cooperação e a participação dos Ministérios da Educação e do Trabalho, fácil é concluirmos que avultados recursos do Estado são mobilizados para esta ingente tarefa da educação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na elaboração do Orçamento do Estado e das grandes opções do Plano está definida, articulada e programada toda uma poli-

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tica de desenvolvimento que corresponde, grosso modo, às concepções sociais-democratas que enformam o nosso sistema patidário - uma política que representa para as gerações futuras as possibilidades de uma plena realização pessoal, de uma salutar competitividade, em termos individuais e nacionais, e até mesmo de uma sobrevivência enquanto povo e enquanto nação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Por isso, o voto do Grupo Parlamentar do PSD é o voto a favor.
Para o Sr. Primeiro-Ministro e o seu governo, os nossos aplausos.
O Prof. Cavaco Silva é bem o digno sucessor de Sá Carneiro - embora isso doa muito à oposição!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo, ouvi atentamente a sua intervenção, assim como ontem ouvimos a intervenção do Sr. Ministro, mas a verdade é que na listagem dos projectos para 1986 omitem-se - o que é significativo - questões fulcrais, como o combate ao analfabetismo literal, à consolidação e ao alargamento da obrigatoriedade escolar e o combate ao insucesso escolar.
Em nossa opinião, outras se poderiam apresentar, mas estas omissões revelam, de forma clara, que, por parte do Governo, não há consciência das prioridades implícitas num projecto de democratização do sistema escolar, o que pressupõe a sua expansão e melhoria qualitativa.
Já ontem tive oportunidade de pôr uma questão ao Sr. Ministro, embora depois não tenha tido, infelizmente, oportunidade de estar aqui, e já agora perguntava-lhe, Sr.ª Deputada, se entende que, com este Orçamento, o Governo vai poder fazer face a todas as dificuldades - e repito a questão que ontem coloquei -, nomeadamente quanto à Acção Social Escolar e a outras mais gerais, como, por exemplo, uma correcta articulação entre o sistema escolar, o desenvolvimento económico e o emprego.
Creio que estas são situações extremamente importantes e que convinha realmente esclarecer, nomeadamente nestas últimas três vertentes que lhe coloquei.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo.
A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, muito obrigada pelos seus pedidos de esclarecimento. Tenho pena de não lhe poder responder de uma maneira mais detalhada e mais cabal, mas, na minha bancada, estamos um pouco apertados quanto a disponibilidade de tempo.
Em todo o caso quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que, raltivamente ao analfabetismo, tive ocasião de dizer na minha intervenção que ele está em apreciação no órgão próprio, a quem compete fiscalizar e apreciar a actividade do Governo - o Conselho Nacional de Alfabetização - e que esperemos que dessa análise saiam realmente pistas e ideias para se poder ocorrer a esse flagelo da nossa sociedade.
De qualquer forma, gostaria de lhe dizer que no Orçamento Geral do Estado estão previstos, apesar disso, cerca de 800 000 contos para a erradicação do analfabetismo, isto não tomando em conta todas as verbas que as autarquias, por esse país fora, despendem também nesse problema.
Quanto ao problema do insucesso escolar, disse aqui, na minha intervenção - creio que o Sr. Deputado talvez não tenha tido oportunidade de ouvir -, que este ano foram atribuídos 826 mil contos, salvo erro, para os alunos mais desprotegidos, o que é uma forma de, efectivamente, ocorrer à situação desses alunos.
Quanto ao problema da Acção Social Escolar, Sr. Deputado, não vamos também aqui fazer mistificações. Relativamente a esse problema, a nível do ensino preparatório, do ensino pré-primário e, até, do ensino unificado e complementar, esta aumentou no montante de 450 000 contos - tenho isso até de memória - por outro lado, também não quero deixar de lhe dizer que, por exemplo, a nível do ensino particular e cooperativo, há uma verba de 900 e tal mil contos que será distribuída em função do rendimento per capita da família desses mesmos alunos. Ora, essa verba deve também ser contabilizada no montante da Acção Social Escolar. Portanto, são mais 900 e tal mil contos para apoio dos alunos mais desfavorecidos que, por acaso, estão eventualmente no ensino particular. Mas isto, Sr. Deputado, mereceria uma resposta mais alongada.
É preocupação do Governo alargar o mais possível a rede do ensino escolar; tanto assim, que em nenhum ano até hoje houve tantas escolas do ensino preparatório e do ensino secundário como vai haver este ano e alargando a rede escolar, aumenta-se as possibilidades dos alunos frequentarem estas mesmas escolas.
Aumentou-se a Acção Social Escolar, quer no ensino oficial, quer no ensino público e deu-se uma verba nova para combate ao insucesso escolar, o que quer dizer, Sr. Deputado, que o Governo está atento ao problema de democratização do nosso ensino.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Posso interrompê-la, Sr.ª Deputada?

A Oradora: - Sr. Deputado, não sei se terei tempo para lhe responder. Lamento muito, mas...

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Não a faço perder tempo, Sr.ª Deputada, só queria que me dissesse alguma coisa sobre a questão fundamental que lhe coloquei, que é a de como é que a Sr.ª Deputada vê a correcta articulação entre o sistema escolar, o desenvolvimento económico e o emprego, perante este Orçamento e estas grandes opções do Plano.

A Oradora: - Sr. Deputado, essa pergunta levar-me-ia muito tempo a responder e, como já disse, o meu partido dispõe de pouco tempo. Peco-lhe, portanto, desculpa, mas não lhe responderei e não é por falta de atenção que não o faço.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tenho necessidade de me ausentar para ir assistir à posse dos Srs. Membros do Conselho de Estado. Por isso, peço ao Sr. Vice-Presidente Carlos Lage o favor de me vir

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substituir. Entretanto, concedo a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.

Neste momento, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Carlos Lage.

O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (Oliveira Martins): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A fim de melhor apreciarem o orçamento do meu Ministério introduzirei aqui quatro tópicos: o primeiro relaciona-se com as despesas de funcionamento do Ministério; o segundo com o seu plano de investimento - o PIDDAC; o terceiro com algumas linhas de actividade reputadas essenciais, e o quarto é relativo ao sector empresarial do Estado e constantemente referido nesta Câmara.
Relativamente às despesas de funcionamento, começo por recordar que a realidade administrativa que é hoje o Ministério das Obras Públicas, dos Transportes e das Comunicações não se compara com qualquer outra existente no anterior Governo. Significa isto que a comparação entre orçamentos deve fazer-se na base de um conjunto vasto de serviços que hoje pertencem a este Ministério, estivessem onde estivessem na organização do Governo que nos antecedeu. Fazendo a comparação nessas bases, verifica-se que as despesas de funcionamento crescem ,de 32,7%, ou seja, mais 4,7 milhões de contos.
Este acréscimo é resultante de três rubricas fundamentais. A primeira é relativa às transferências correntes e de capital, através das quais o Orçamento do Estado suporta o funcionamento de um organismo extremamente importante - a Junta Autónoma das Estradas. A segunda refere-se ao pagamento dos défices das caixas de reforma dos ferroviários, a fim de poder manter as regalias sociais atribuídas, desde há longa data, a esta categoria profissional. A terceira é referente à dotação, que surge pela primeira vez no Orçamento do Estado, relativa ao pagamento dos subsídios de renda às famílias de recursos mais débeis, a fim de que estas possam suportar, de alguma maneira, as actualizações extraordinárias das rendas, resultantes da aplicação da Lei n.º 46/85, aprovada neste Parlamento no ano passado. Estas três rubricas, por si só, justificam o acréscimo de 4,7 milhões de contos.
Quanto ao mais, das despesas de funcionamento, exprimem-se aqui as grandes linhas directoras do orçamento global, o máximo de compressão de despesas correntes, para que dessa forma se possa privilegiar o investimento produtivo. Passo agora a referir-me ao PIDDAC que, na rubrica Investimentos do Plano, tem, de facto, um acréscimo significativo relativamente ao ano anterior. Em 1985 os mesmos serviços, e organismos tiveram uma dotação global para investimentos 'de 41 milhões de contos e, neste investimento o Orçamento do Estado financiou 27 milhões de contos. Ora, no Orçamento que lhe está proposto para este ano de 1986, os 40 milhões do ano passado passam a 54,8 milhões de contos e o esforço financeiro do Estado sobe de 27 milhões para 40 milhões, ou seja,' 52%':
Este considerável esforço do Orçamento do Estado, no plano de investimentos do meu Ministério, carece de algumas justificações que rapidamente passo em revista. Se alguém desdobrar os investimentos que estão orçamentados em duas. grandes categorias - compromissos que vêm do antecedente e obras novas - veri-
ficará que os números são os seguintes: aproximadamente 44 milhões de contos para cumprir aquilo que vem do antecedente é aproximadamente 10 milhões de contos para obras novas. Poder-se-ia, assim, dizer que, em matéria de Plano, a flexibilidade que existe será, aproximadamente, de 18%.
Mas nem tanto. Há verbas que estão orçamentadas, através do Instituto Nacional de Habitação, que deverão dar a melhor resposta a solicitações que hão-de ser postas em devido tempo, quer de municípios, quer de cooperativas, no sentido de estimular a habitação social. Queria dizer que a margem de manobra de que efectivamente se dispõe para obras novas é de 10% do respectivo Orçamento e que no lançamento destas obras novas ter-se-á sempre o cuidado de saber se a respectiva rentabilidade económica e social as faz prevalecer relativamente a outros usos alternativos destes dinheiros. A avaliação foi feita e embora o poder de manobra seja escasso entendemos que se justifica este acréscimo marginal de investimento em obras novas.
Em segundo lugar, tem de se ter em conta que este esforço financeiro do Estado, da ordem de crescimento dos 50%, incorpora já as comparticipações dos fundos comunitários, isto é, do FEDER.
Dadas estas explicações não posso, apesar de tudo, deixar de exprimir aqui claramente o seguinte: primeiro, o Governo resolveu dar prioridade à indústria das obras públicas e construção civil, como rápida geradora do emprego, quer nas suas actividades próprias quer no montante do seu ciclo de produção. Segundo, é indispensável investir para satisfazer necessidades básicas da vida das populações, como é o caso da habitação e das vias de comunicação. Mal iria um governo de raiz social-democrata se não desse grande relevo aos problemas do emprego, à satisfação das necessidades básicas e, até, a aspectos fundamentais da distribuição de rendimentos que encontram acolhimento noutros capítulos deste Orçamento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O terceiro ponto reporta-se às linhas directoras da actividade do meu Ministério, que se traduzem em cinco grandes áreas de actuação: as grandes obras públicas, que são as vias de comunicação (vias férreas, estradas, portos e aeroportos), os transportes, as comunicações, a habitação e os monumentos nacionais e edifícios públicos com múltiplas finalidades.
São todas elas actividades que contribuem decisivamente para o bem-estar das populações e onde se levantam relativamente poucas dúvidas quanto aos objectivos a alcançar, antes oferecendo múltiplas alternativas quanto aos meios a aplicar e, sobretudo, quanto à forma como os aplicar, para que os resultados sejam de facto os melhores para a colectividade.
É um facto que a proposta orçamental prevê uma afectação de recursos financeiros que beneficia largamente as vias de comunicação, mas também aí se levantam sérios problemas de estrangulamento de capacidade e de conservação das próprias infra-estruturas existentes.
Desejamos, neste aspecto das vias de comunicação, que são infra-estruturas, uma judiciosa avaliação da sua rentabilidade económica e social, o que só pode ser' levado a cabo de forma centralizada. Não há que ter medo desta palavra aplicada neste sector e com este sentido.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - À habitação, através dos recursos ainda disponíveis para o ex-Fundo de Fomento da Habitação e daqueles que se prevêem para o Instituto Nacional de Habitação, é atribuída uma função relevante. A administração central, no entanto, actuará aqui como estimulo, não só às autárquicas e as Cooperativas, mais ainda a iniciativa empresarial, através dos contratos de desenvolvimento no âmbito da habitação social.
Os transportes, entendidos no seu sentido limitado de prestação de serviços, serão apoiados pelo Estado através de indemnizações compensatórias de obrigações de natureza social impostas às empresas. Anoto, no entanto, que de acordo com o Programa do Governo desejamos aliviar pouco a pouco estas obrigações e queremos mais economia de mercado neste ramo da actividade económica.
A tendência será descentralizar o mais possível as decisões e deixar a iniciativa e a cooperação voluntária dos agentes económicos produzir livremente os seus efeitos. Seja como for, teremos sempre de enfrentar problemas específicos: as ligações do continente às regiões autónomas, onde vivem estratos populacionais que sem este apoio têm a sua vida extremamente penalizada, os transportes públicos nas grandes áreas urbanas e a rede ferroviária de reduzido tráfego. Em todos estes casos, não pode a colectividade fugir a pagar, através do imposto, a oferta de serviços de natureza social.
Quanto às comunicações, continuarão as três empresas do sector a intensa modernização que vêm prosseguindo desde há anos, sustentada por taxas de auto financiamento razoáveis. Por aí vai passar grande parte da eficiência do sector produtivo do País no futuro, particularmente os aumentos da produtividade dos serviços administrativos.
Aos monumentos nacionais serão afectos recursos que não sendo vultuosos, 850 mil contos, permitirão continuar um trabalho sério que vem de longa data e a todos tem merecido as apreciações mais favoráveis dada a recuperação do património nacional que gradualmente se vem alcançando.
Finalmente, quanto ao sector empresarial do Estado nos transportes e comunicações, ele não tem uma expressão individualizada no Orçamento do Estado, mas foi objecto de informações complementares muito detalhadas. Trata-se de um domínio onde as empresas públicas prestam serviços fundamentais à vida social e não se levantam problemas que vêm ao de cirna noutros casos da actividade económica. Concretamente, não colhem aqui dúvidas derivadas da existência ou não de uma procura real ou potencial para os bens e serviços a produzir a preços competitivos e remuneradores.
O esforço financeiro do Estado no campo dos transportes será de 15 milhões de contos em dotações de capital para investimento e saneamento financeiro das empresas públicas e a título de indemnizações compensatórias serão atribuídos 27 milhões de contos. No total para este efeito dispor-se-ão de 42 milhões de contos, o que, relativamente aos 31 milhões de contos de que se dispuseram no ano anterior, significa um acréscimo de 35%.
É evidente que existem carências notórias na forma como os transportes satisfazem as necessidades sociais que se colocam. Não podemos neste campo contar, nem com o integral pagamento de custos de produção pelos utilizadores, nem com o recurso normal ao mercado de capitais para os investimentos necessários.
No primeiro caso, há uma política de distribuição de rendimentos que não consente um esforço financeiro das famílias para além de determinados limites. No segundo caso, há infra-estruturas de longa duração, implicando investimentos muito vultosos que não podem ser financiados através de empréstimos com prazo de amortização e as taxas de juro normalmente vigentes no mercado de capitais.
Daí a intervenção do Estado surgir naturalmente com as limitações decorrentes da situação financeira que o nosso Estado enfrenta actualmente e que não permite ir além de certos limites.
Termino apontando para uma situação que me pareceu interessar esta Câmara. A comparação entre o esforço financeiro a que o Estado se propõe através do Orçamento do Estado aqui proposto e aquela que era admitida nos contratos-programa celebrados no anterior governo.
Disponho de elementos relativos a oito empresas onde se previram 45 milhões de contos, em 1986, para esforço financeiro global do Estado nesses contratos-programa celebrados no ano anterior. Na nossa proposta apontamos para 42 milhões de contos abrangendo quinze empresas e não oito. Há, efectivamente, uma diminuição. Deve, todavia, referir-se que neste grupo de quinze empresas existem algumas que habitualmente não recebem indemnizações compensatórias e ao apreciar-se esta situação comparada não pode deixar de atender-se à mudança substancial do enquadramento macroeconómico.
Vou citar algumas variáveis significativas: a taxa de inflação interna não será de 19% como estava previsto nos contratos-programa, mas de 14% ou, quem sabe, ainda menos; os salários reais não vão estacionar ou subir pouco, vão efectivamente crescer entre 3 % e 4 %, melhorando significativamente o poder de compra dos trabalhadores; as taxas de juro serão bastante mais baixas; as contribuições para a Segurança Social já diminuíram; o preço do gasóleo ficará muito longe dos 87$ previstos pelo anterior governo; a taxa de evolução do câmbio será inferior a l % ao mês, como então se previu.

Risos.

Ë evidente que a estrutura de custos das empresas vai alterar-se significativamente quando comparada com a prevista nos contratos-programa.
Por outro lado, nos objectivos que deles constam serão reforçados e aprofundados os relativos ao aumento de produtividade. O IVA entrou efectivamente em funcionamento no dia l de Janeiro de 1986.
E o que é que vai resultar de tudo isto, relativamente às projecções efectuadas pelas empresas em Setembro ou Outubro de 1985? Segundo os elementos de que dispomos, o esforço financeiro para que apontámos cobrirá as realidades. Admito que existe aqui uma margem de imprecisão, mas creio bem que ela será idêntica à de muitas verbas que compõem o Orçamento do Estado. Convenhamos, porém, que aqui, como em muitos outros casos, o possível não coincide com o desejável.
São estes, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os principais tópicos que me pareciam ser de salientar na apresentação, na generalidade, do orçamento do meu Ministério.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: - Para pedirem esclarecimentos ao Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, inscreveram-se os Srs. Deputados Daniel Bastos, Anselmo Aníbal, João Corregedor da Fonseca, Luís Roque, Zita Seabra, Ilda Figueiredo, Raúl Junqueiro, Carlos Ganopa, Helena Torres Marques e Aloísio Fonseca.
Tem a palavra o Sr: Deputado Daniel Bastos.

O Sr. Daniel Bastos (PSD): - Sr. Ministro, felicito V. Ex.ª pelo interesse manifestado no seu discurso em relação às vias de comunicação; Considero que a via rápida Porto-Bragança, a IP 3 entre Chaves e Figueira da Foz, bem como a navegabilidade do rio Douro, são projectos que, entre outros, irão modificar estruturalmente toda a economia da região transmontana e douriense, historicamente afectada pela interioridade que a configuração orográfica da região lhe impunha.
Tendo em conta que a conclusão destes projectos é fundamental para o desenvolvimento daquela região, pergunto ao Sr. Ministro se no Orçamento do Estado estão contempladas as. dotações necessárias que possibilitem o desenvolvimento rápido da execução destes projectos, infelizmente com atrasos de alguns anos em relação à calendarização inicialmente prevista.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Anselmo Aníbal.

O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Sr. Ministro, V. Ex.ª apesar de ter relevado as alterações orgânicas e funcionais que alteram a fisionomia dos seu Ministério, assumiu-se claramente como um gestor passivo dos compromissos vindos do passado. Salientou o aspecto percentual de que 80% a 90% das verbas de investimentos são cativadas pelos investimentos vindos do passado e>não reflectiu qualquer intento de modificação, aceleração ou alteração em relação a esse tipo de investimentos.
A primeira questão que lhe queria colocar era se os critérios dê rentabilidade que salientou para novos investimentos se reflectem na análise dos 80% a 90% de investimentos vindos do passado.
Segunda questão, Sr. Ministro: temos considerado que as «fatias» de obras novas são irrelevantes e quanto aos cerca de 9 milhões de contos que correspondem à «fatia» de obras novas, eles correspondem a uma política de primeiro projecto, já que naturalmente dará corpo a muitos projectos, mas que onera e cativa o futuro. Isto porque, por exemplo, para o próximo ano, estes índices de 9 milhões multiplicados dão 29 milhões.
O Sr. Ministro está a querer cativar o futuro? Está a querer prender o futuro? Quer projectar tudo para o futuro, desonerando 1986?
A terceira questão é a seguinte: em relação ao volume de investimentos, o Sr. Ministro sabe que p sector dos transportes e comunicações tem um valor de 88 milhões.
V. Ex.ª é um homem de compromissos e comprometido, estas verbas são muito vultuosas e trata-se de sectores onde a internacionalização dos investimentos é muito grande. V. Ex.ª conhece muito bem o sector e essa internacionalização do investimento, pelo que só lhe perguntava porque é que o Sr. Ministro, sendo um homem de compromissos e comprometido quanto aos valores dos contratos-programa que tinham sido fixados em 34 milhões para as empresas nacionais, apesar dos passes de futurologia .que deu na parte final do seu discurso, os infirma e só dá 27 milhões.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - O Sr. Ministro veio fazer aqui uma exposição justificando aumentos e referindo percentagens de aumentos de verbas quando, no entanto, a Assembleia da República não foi devidamente informada pelo Governo, nomeadamente pelo seu Ministério, aliás, a própria comissão parlamentar lamentou reconhecer que só viu satisfeitos até este momento pane dos seus pedidos. A verdade é que algumas das informações de V. Ex.ª também continuaram a ser insuficientes, mas isso veremos no debate da especialidade. Agora vamos passar a outro tipo de informações.
Em relação ao sector empresarial - a que o Sr. Ministro se referiu quanto a uma verba de, creio, 40 ou 41 milhões de contos -, a verdade é que no debate que houve na Comissão disse-se que para o sector está previsto um montante global de 40 milhões de contos e admitiu-se como imperativo que o sector recorra significativamente ao crédito interno para satisfazer as suas necessidades, para além de se considerar que esta verba é obviamente insuficiente para as necessidades.
O Sr. Ministro, em relação ao sector dos transportes, disse que o Governo joga em mais economia de mercado neste sector e referiu também, na parte final da sua intervenção, que o Ministério vai fazer um esforço financeiro para cobrir as realidades. Contudo, segundo também ficou perfeitamente claro, o Orçamento do Estado não contempla a aplicação no sector dos transportes de verbas que anteriormente estavam consignadas ao FETT, agora extinto, e que são da ordem dos 11 milhões de contos. Gostaria, Sr. Ministro, que me desse um esclarecimento sobre este aspecto.
Em relação à questão da habitação, V. Ex.ª disse que vai haver um esforço financeiro do Estado para obras novas e falou em apoios para a habitação. A verdade, Sr. Ministro, é que também temos visto com dificuldade este problema da habitação, pelo que perguntava se é com as verbas que o Orçamento do Estado dota para este sector que se vai realmente fazer frente a este magno problema.
V. Ex.ª referiu no seu discurso que a habitação vai ocupar um lugar relevante na actuação governamental. E mais adiante disse que vai dinamizar contratos de desenvolvimento no âmbito da habitação social. A verdade é que, como também foi claramente verificado, a comissão encarou com preocupação as reduções de verbas de apoio supletivo à acção das autarquias para promoção da habitação social, considerando necessário o seu reforço.
- Por outro lado, V. Ex.ª disse que tinha havido um esforço por parte do Governo para dotar as autarquias de verbas suficientes para fazer face a este problema. Portanto; existe aqui uma certa contradição.
Em relação aos contratos de desenvolvimento no âmbito da habitação social, Sr. Ministro, faltam centenas de milhares de fogos e embora estejam alguns construídos, dado o seu custo e o sistema de crédito, não se, vendem.

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Era importante que a Câmara soubesse como é que vão ser implementados esses contratos de desenvolvimento, quais os critérios que se vão adoptar e quantos fogos é que o Governo pensa construir ou, pelo menos, iniciar este ano. Sobretudo, era necessário saber se, sim ou não, o Governo aposta apenas no sector privado para fazer face a este magno problema da habitação social do nosso pais.

O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, estão inscritos os Srs. Deputados Luís Roque, Zita Seabra, Ilda Figueiredo, Raúl Junqueiro, Carlos Ganopa, Helena Torres Marques e Aloísio Fonseca.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Luís Roque.

O Sr. Luis Roque (PCP): - Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, o sector da habitação é um reflexo do Orçamento classista que o Governo apresentou nesta Assembleia.

Um voz do PSD: - Já ouvi isso em qualquer lado!

O Orador: - Senão, vejamos: as cooperativas de habitação económica são responsáveis por 65% dos custos da construção de fogos, sendo os restantes 35% da responsabilidade do ex-Fundo de Fomento da Habitação. São verbas que retirei do PIDDAC, embora este esteja bastante confuso.
Sabemos que quem faz parte das cooperativas de habitação económica é uma camada da população que pode pagar um renda média actualizada. Pergunta-se: como resolver a situação das camadas mais insolventes nesta matéria se o Governo não lança novos fogos e reserva para si o papel de banco de crédito à compra de habitação?
Não é solução conceder empréstimos às câmaras municipais, uma vez que o endividamento destas não lhes permite suportar os juros, que são superiores às rendas sociais recebidas. Logo, a aceitação desta modalidade deve ser aproximada do programa PIDRE, ou seja, quase nula.
Será que o poder central vai obrigar as autarquias a assumir cada vez mais as responsabilidades e deveres constitucionais de que aquele se demite e, contudo, continua a reduzir fortemente as verbas que àquelas compete em termos reais?
Afinal, Sr. Ministro, habitação para quem?

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, V. Ex.ª proeurou enquadrar o seu discurso dentro do tema «justiça social», tendo mesmo alargado a sua intervenção não propriamente ao campo concreto da acção do seu Ministério mas a um âmbito mais geral, substituindo-se um pouco ao Primeiro-Ministro e ao discurso de encerramento que, certamente, ele irá fazer logo.
Creio que se há um Orçamento que traduz uma profunda injustiça social, este que estamos aqui a discutir é um exemplo. Essa frase de propaganda governamental que todos os dias ouvimos na televisão tem razão de ser na televisão, porque é um órgão de comunica-
ção que, no fundamental, é manipulado pelo Governo, mas não a tem aqui, na Assembleia, quando estamos a discutir este Orçamento.
Já não falo na situação dos reformados, mas posso dar-lhe alguns exemplos: o Governo acaba de introduzir, hoje mesmo, no Diário da República, as taxas moderadoras de saúde, que foram consideradas inconstitucionais não há muito tempo pelo próprio Tribunal Constitucional, e acaba de retirar aos trabalhadores que têm salários em atraso o direito à segurança social.
Já não falo na questão dos combustíveis, mas era bom que o Governo pusesse os olhos no Governo grego, que acaba de baixar o preço dos combustíveis, designadamente a gasolina super para 81$. Falo-lhe concretamente do seu Ministério, ou seja, do sector da habitação.
O Governo anunciou já que irá ser publicada em breve a regulamentação da Lei das Rendas e que a partir de Julho vão subir as rendas de casa há muito tempo descongeladas. A verba que está prevista neste Orçamento para subsídio aos senhorios - e digo aos senhorios porque não consideramos que ele seja para os inquilinos, pois vai directamente para os senhorios - é ridícula, abrangendo este subsídio um número extremamente reduzido de famílias. Os dados que foram fornecidos pelo Governo apontam para cerca de 206 000 famílias, cabendo a cada uma uma média de 800$.
Pergunto-lhe, Sr. Ministro: como é que é possível pensar em pôr em vigor uma lei que é tão brutal para uma das camadas da população mais carenciadas, que é exactamente a dos inquilinos, quando simultaneamente o investimento público na construção de habitação nova é extremamente reduzido, como já foi dito por outros senhores deputados que me antecederam?
Se houvesse alternativas, se houvesse um plano nacional de habitação, se houvesse construção pública de habitação social, se as autarquias fossem dotadas de verbas suficientes para poderem fomentar a habitação, então, sim, poderíamos pensar na questão das rendas de casa. Mas os senhores começam exactamente pelo» inverso, isto é, ao mesmo tempo que reduzem quase a nada o investimento público na habitação e, portanto, as alternativas para as pessoas poderem ter casa, põem em vigor a Lei das Rendas que foi aqui votada no ano passado.
A questão que lhe coloco, Sr. Ministro, é, muito concretamente, a seguinte: considera que isto é uma política de justiça social ou que é claramente uma política de gravíssima injustiça social, que vai provocar mais despejos e criar mais carência de habitação, e exactamente a pessoas que hoje têm pelo menos um tecto para viver?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, se precisássemos de alguns exemplos para demonstrar a falta de rigor do Orçamento em debate, o orçamento do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações era um deles. Aliás, o discurso de V. Ex.ª também foi pródigo a mostrar a falta de rigor que existe no orçamento do seu Ministério.

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, Senão, vejamos: relativamente às empresas públicas de transportes e comunicações, quer pela Comissão de Equipamento Social e Ambiente, quer pela Comissão de Economia, Finanças e Plano, foram solicitados elementos que possibilitassem aos deputados saber ao certo o que se passa com a necessidade, por parte dessas empresas, de indemnizações compensatórias. De facto, fazendo as contas com base nos contratos-programa que foram assinados em anos anteriores entre o Governo e as empresas públicas, verifica-se que são necessários 34,5 milhões de contos em indemnizações compensatórias. No entanto, o Governo diz que; para o total das empresas públicas de transportes e comunicações, apenas dá 27 milhões de contos.
Foram pedidos elementos sobre a revisão dos contratos-programa, mas eles nunca vieram. Novamente, o Sr. Ministro vem aqui falar, em termos gerais, da alteração da situação relativamente aos dados iniciais, mas, primeiro, não diz quais os dados iniciais nem qual o conteúdo dos contratos-programa iniciais e, segundo, continua a não nos fornecer nem os contratos-programa iniciais nem os revistos, pelo que a Assembleia continua impossibilitada de fazer uma fiscalização e uma análise rigorosa das necessidades das empresas públicas de transportes e comunicações em termos de indemnizações compensatórias.
Sr. Ministro, se até ao fim do debate estes dados não forem fornecidos, de facto, a Comissão de Economia, Finanças e Plano e a Assembleia não têm elementos suficientes para se pronunciarem sobre estas questões e sobre as indemnizações compensatórias necessárias.
Por outro lado, sabemos que desde l de Janeiro as empresas públicas de transportes e comunicações estão a suportar o IVA e estão a entregar ao Estado as receitas deste imposto. Contudo, de acordo com os dados que nos foram fornecidos, não está previsto o pagamento, através de indemnizações compensatórias, desta receita do IVA que o Estado está a receber e que estas empresas não podem repercutir nos preços, porque, como é sabido, estes são determinados pelo Governo e a sua alteração não foi permitida.
Ora, até este momento são sabemos o que é que se passa. Os 27 milhões de contos são insuficientes, de acordo com os elementos que temos; o Sr. Ministro diz que não, que há outros dados, mas não os fornece. Em que ficamos, Sr. Ministro?
Sr. Ministro, até ao final deste debate, e com toda a urgência, têm de ser fornecidos à Assembleia os valores e os contratos-programa - os iniciais e os revistos - de forma a que esta possa fazer uma análise correcta da situação e calcular o valor correcto das indemnizações compensatórias que devem ser pagas às empresas públicas de transportes e comunicações.
Ainda a propósito da falta de rigor, gostaria de referir um outro aspecto que também tem a ver com a revisão dos contratos-programa: referiu o Sr. Ministro que os salários iriam crescer 3%. Porém, de acordo com as grandes opções do Plano para 1986, o que se passa é que eles vão crescer três pontos percentuais; o que é um pouco diferente. Seria bom que, na sua linguagem, o Sr. Ministro tivesse em conta a correcção da informação que presta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Junqueiro.

O Sr. Raúl Junqueiro (PS): - Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, ouvi, naturalmente, com atenção a sua exposição e devo dizer-lhe que tenho pena que, no que toca às grandes opções do Plano e aos projectos que são prioritários para o Governo na área dos transportes e das comunicações, não tenha tido oportunidade de os enunciar com um pouco mais de precisão, destacando aqueles que, do ponto de vista do Governo, são fundamentais.
Sendo V. Ex.ª um técnico do sector dos transportes e das comunicações de reconhecido mérito, naturalmente que esta Assembleia ficaria muito mais esclarecida sobre as intenções do Governo nesta matéria se tivesse enunciado os projectos prioritários - e cinjo-me agora, em particular, à área dos transportes e das comunicações.
A questão que gostaria de colocar ao Sr. Ministro relaciona-se directamente com o sector das comunicações, embora também seja aplicável, com as devidas transplantações, ao sector dos transportes.
O Sr. Ministro sabe, tão bem como eu, a importância que empresas como os CTT e os TLP têm tido para o desenvolvimento económico nacional, não só na prestação de serviços, que são essenciais à comunidade, mas também no desenvolvimento de uma indústria nacional de telecomunicações. Podemos mesmo dizer que, se temos hoje, em Portugal, uma indústria nacional de telecomunicações, devemo-la em grande parte ao esforço e à determinação que, ao longo dos anos, os CTT e os TLP puseram nessa área. Por outro lado, se tem havido neste país um grande esforço na actividade de investigação e desenvolvimento, sem dúvida que os CTT e os TLP têm dado um contributo notável nesse campo. Penso mesmo que esta empresa deu um grande exemplo ao ser a primeira empresa pública portuguesa a elaborar e aprovar um orçamento próprio para investigação e desenvolvimento, com verbas consignadas às suas receitas, como o Sr. Ministro sabe.
No entanto, o problema da aplicação do IVA nas empresas de transportes e comunicações coloca, de facto, grandes preocupações, de resto já anteriormente enunciadas por outros Srs. Deputados noutras intervenções.
Creio que é a segunda vez, talvez por fatalidade, que neste sector, e em especial nas telecomunicações, isto acontece. Com efeito, em 1980, o então Ministro das Finanças, Prof. Cavaco Silva, aplicava às chamadas telefónicas um imposto - conhecido na gíria das telecomunicações como «imposto Cavaco Silva» -, não permitindo a sua repercussão nos consumidores. Agora temos um processo semelhante com o IVA.
Obviamente que não defendemos que sejam os consumidores a pagar as consequências desse imposto, mas pensamos que, se não se cuidar de dotar as empresas dos meios necessários para poderem fazer face a esta quebra de receitas ou, melhor, a este pagamento que as próprias empresas vão fazer deste imposto, elas poderão ficar numa situação grave e nessa altura ficará comprometido não só o equilíbrio económico e financeiro das empresas como também o apoio à actividade de investigação e desenvolvimento - que é fundamental neste sector - e eventualmente a própria existência e viabilidade de uma indústria nacional de telecomunicações. Sobretudo se atendermos a que é precisamente este sector das telecomunicações que pode

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lançar, que pode ser o grande impulsionador de todo um novo esforço na área das tecnologias de informação, não há dúvida nenhuma de que esta situação se pode considerar preocupante.
A questão que lhe queria colocar, que pode ser posta genericamente às empresas do sector dos transportes, mas que colocaria muito em concreto relativamente aos CTT e aos TLP, é no sentido de saber que medidas é que V. Ex.ª tem em mente tendo em vista a viabilização destas empresas. Como sei que V. Ex.ª conhece muito bem o sector, penso que, naturalmente, a solução que defende não é a de indemnizações compensatórias para os CTT e para os TLP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Ganopa.

O Sr. Carlos Ganopa (PRD): - Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, ouvi com bastante atenção a sua intervenção, mas, uma vez mais, houve uma área no sector dos transportes, de interesse vital para o País, que não foi referida. Refiro-me aos transportes marítimos.
Na sequência da minha intervenção de ontem sobre este sector, gostaria de saber se, perante a crise existente, o Governo irá demonstrar a sua clara vontade para enfrentá-la e qual a política que irá seguir com as verbas claramente insuficientes que fez inscrever no Orçamento.
Por outro lado, e num âmbito mais restrito, pergunto ao Sr. Ministro se há intenção do Governo de eliminar o imposto de selo nos bilhetes das viagens aéreas para o estrangeiro, que coloca a transportadora nacional em desvantagem relativamente às suas congéneres.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, como V. Ex.ª sabe, a Lei n.º 1/79 - Lei das Finanças Locais - tinha proibido a concessão de subsídios às câmaras, penalizando assim aquelas que tinham transportes municipais.
O governo anterior fez sair um decreto-lei que exceptuava os transportes municipais que eram financiados pelo FETT na indemnização compensatória. Gostava de saber concretamente como é que o Governo, extinguindo o FETT, vai continuar a apoiar os transportes municipais.
Por outro lado, a Comissão de Equipamento Social e Ambiente fez eco das nossas preocupações em relação à redução de verbas para apoio à construção de habitação pelas autarquias. Também gostava que o Sr. Ministro me dissesse porque é que reduz o apoio à construção de casas pelas autarquias.
Para além destes aspectos, gostaria que o Sr. Ministro nos explicasse o seguinte: no ano passado, a taxa de execução do PIDDAC foi de 65 %. Ora, dado que os senhores prevêem um crescimento de 52 % do PIDDAC no seu sector, pergunto qual é a taxa de execução que prevê para este ano com um plano de 8 meses.
Para além disso, como se disse na Comissão de Economia, Finanças e Plano, prevê-se, desde já, uma poupança de 12 milhões de contos no PIDDAC a uma taxa de 90 % e a minha pergunta vai no sentido de saber quanto é que V. Ex.ª prevê poupar no PIDDAC do seu sector.
Por último, gostava de lhe dizer da nossa preocupação com a redução das verbas previstas para as empresas públicas e não discriminadas em relação aos contratos-programa. As informações que possuímos são extremamente insuficientes e aquela que o Sr. Ministro aqui nos deu foi extremamente genérica. Ficámos, pois, a pensar exactamente o mesmo que pensávamos antes.
Devo dizer-lhe que, assim como alteraremos o artigo 107.º do Regimento por forma a permitir que o Sr. Governador do Banco de Portugal possa passar a vir aqui à Assembleia, também pensamos fazer uma alteração que permita que os presidentes das empresas públicas possam cá vir, possibilitando-nos, assim, uma informação clara sobre a situação em que essas empresas públicas se encontram.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Aloísio Fonseca.

O Sr. Aloísio Fonseca (PS): - Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, não se poderão aguardar grandes resultados na batalha do desenvolvimento regional se não dotarmos as regiões de vias de comunicação aceitáveis, para que haja um autêntico contacto entre os vários centros e pólos de desenvolvimento regional.
Estão neste caso os itinerários IP 4 e IP 3, as linhas ferroviárias do Corgo e do Tua, o aeródromo de Vila Real e respectivos melhoramentos. Mas sobre esse problema não quero pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, até porque aguardo resposta a requerimentos que já entreguei no Ministério de V. Ex.ª
A pergunta que lhe quero fazer, mais directa e concretamente, relaciona-se com a navegabilidade do Douro.
Por um lado, o programa do X Governo refere que vai dedicar atenção aos problemas ligados à navegabilidade do referido rio. Por outro lado, na Assembleia, já o Sr. Ministro manifestou vontade na realização das obras que respeitam a essa navegabilidade, bem como nesse investimento e no cumprimento do plano temporal das citadas obras.
Ora, sabe-se que o débito à SOMAGUE ascende hoje a 700 000 contos, mas acontece que a proposta de lei do Orçamento prevê para este investimento uma verba muitíssimo aquém deste débito.
Assim sendo, como conciliar esta situação orçamental com a vontade expressa pelo Governo em dedicar atenção às obras da navegabilidade do rio Douro? Gostaria, pois, que o Sr. Ministro me esclarecesse sobre este assunto.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.

O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e
Comunicações: - Começo por tentar responder ao Sr. Deputado Daniel Bastos. V. Ex.ª colocou-me o problema dos itinerários IP 4 e IP 3, bem como da navegabilidade do rio Douro.
Devo dizer-lhe que as verbas que estão previstas na proposta de lei das grandes opções do Plano para estes empreendimentos são, para os itinerários IP 4 e IP 3, respectivamente, l 700 000 contos e de 760 000 contos,

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e, para as obras relativas à navegabilidade do rio Douro, de 700 000 contos. Com isto respondo cumulativamente ao Sr. Deputado Aloísio Fonseca, que colocou também a questão das possíveis dívidas a uma empresa de construção civil.
Chamo a atenção do Sr. Deputado Aloísio Fonseca para o facto de que hoje, face à nova orgânica ministerial, estas verbas relativas ao canal navegável do rio Douro estão afectas a outro ministério e, particularmente, à Direcção-Geral dos Recursos Hídricos. Portanto, no respectivo Ministério, V. Ex.ª poderá obter todos os esclarecimentos mais profundos sobre essa matéria, cujo material não tenho aqui à mão.
O Sr. Deputado Anselmo Aníbal colocou-me algumas questões. E na primeira questão perguntou se eu estaria ou não a ser um gestor passivo de compromissos vindos do passado e com que critérios os teria apreciado.
Percorri, efectivamente, projecto por projecto, aquilo que estava em curso, isto é, as obras já contratadas ou numa fase em que não se podia voltar atrás - e honra seja feita a quem o fez!
Ora, concluí que o que constava desses projectos estava razoavelmente estudado e merecia bem continuar a ser lançado.
A segunda questão que V. Ex.ª me colocou prende-se com as novas obras que cativam o futuro.
V. Ex.ª sabe que isto resulta inevitavelmente da mecânica do planeamento que temos há muitos anos. Em cada ano tomam-se compromissos plurianuais que, no ano seguinte, têm de ser levados em conta. Julgo mesmo que o Parlamento tem tido o cuidado de conhecer esses compromissos anuais.
Obviamente que esta franja marginal de investimentos novos que o Ministério lançará este ano vai criar compromissos nos anos que vêm. Mas isto não é nenhuma inovação e far-se-á exactamente na linha do que vem sendo feito nos anos anteriores.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - O multiplicador aumenta!...

O Orador: - V. Ex.ª chamou-me a atenção para um vastíssimo plano de investimentos que os transportes e as comunicações têm em Portugal. A este respeito, digo-lhe: «Ainda bem que têm esse plano!» E digo-o como cidadão português, que tem visto estes sectores, durante anos e anos, serem relegados para segundo plano, pois fala-se na satisfação das necessidades básicas e vem logo à ideia a habitação, a educação, a saúde -- está certo! -, mas esquecem-se os transportes e as comunicações de que depende tanto a nossa vida colectiva.
Se olharmos para os números -há séries históricas- do que se tem investido nestes sectores, comparado com outros países, concluiremos que o esforço feno nestas áreas tem sido muito pequeno e um reavivar destes sectores é bom para o País, para a indústria nacional, bem como para o emprego.
Na verdade, todos nós -e creio que nesta Câmara não haverá vozes divergentes quanto a isto- temos de fazer com que esses planos de investimento tenham a maior repercussão na indústria nacional, enriquecendo-os com o máximo de materiais nacionais, de mão de obra nacional e, como ultimamente se tem dito, com o máximo de massa cinzenta nacional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não seremos cidadãos conscientes do nosso país se todos não trabalharmos com este objectivo comum.

Aplausos do PSD.

O Orador: - O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca focou-me p problema das obras novas de habitação. Ora já ouvi V. Ex.ª uma vez no Parlamento, a propósito do Programa do Governo, colocar um certo número de questões muito precisas sobre o Plano Nacional de Habitação. Desta vez V. Ex.ª pergunta-me quantos alojamentos ou habitações vai mandar fazer o Governo e que política de solos vai seguir.
Na verdade, tenho estado bastante atento às observações que V. Ex.ª tem desenvolvido, mas, para não alongar isto pela manhã fora, reafirmar-lhe-ei apenas um princípio, apesar de saber que não está muito de acordo com ele, que é o princípio por que este Governo se vai orientar.
Creio que Portugal tem uma má experiência em a Administração Central ser promotora habitacional, isto é, o Terreiro do Paço ser um promotor habitacional, e, pelo contrário, tem uma boa experiência quando se verifica que a detecção das necessidades sociais é muito mais rápida, muito melhor, ao nível das autarquias. Tiremos, pois, daí as conclusões!
A Administração Central terá de arranjar o maximum maximorum de incentivos para que aqueles que estão mais próximos do terreno possam conduzir uma obra essencial que é fazer habitação social.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mesmo assim, como V. Ex.ª sabe, o ex-Fundo de Fomento' da Habitação tem ainda de terminar um certo número de empreendimentos que tinha em curso e o Instituto Nacional de Habitação, por sua vez, segundo os números de que disponho aqui, terá verbas para financiar à volta de 13000 alojamentos.
O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca também pós uma pergunta, bem como a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, acerca das verbas do FETT.
Devo dizer que o Fundo Especial de Transportes Terrestres foi extinto. A sua extinção é efectiva a partir da data em que for aprovada a proposta de lei n.º 16/IV, relativa ao Orçamento do Estado para 1986.
Porém, na proposta de lei do Orçamento está, sob a rubrica «Fundo Especial de Transportes Terrestres», aquilo que se supõe» ser necessário -e digo já como foi calculado- aproximadamente para 4 meses de funcionamento deste fundo. Daí a origem destes três milhões e tal de contos que estão na referida rubrica.
O resto está do lado das receitas, no conjunto dos impostos rodoviários, e do lado das despesas extraordinárias do Ministério das Finanças. Uma vez aprovada a proposta de lei do Orçamento, é óbvio que as direcções-gerais quê vão' assumir as comparticipações que até aqui o Fundo Especial de Transportes Terrestres detinha -parte delas, porque outras, como sejam as relativas aos empréstimos, aos juros, aos avais, passam directamente para o Estado- terão de ser reforçadas a partir da referida aprovação.
Agora, com o intuito de esclarecimento, digo ao Parlamento que todas as verbas do Fundo Especial de

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Transportes Terrestres foram admitidas como «boas», nomeadamente aquelas que estavam aprovadas por despacho do meu antecessor. O que lá está, rigorosamente, sem mexer uma vírgula, foi o que o meu antecessor aprovou!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. António Capucho (PSD): - Embrulhem!

O Orador: - Queria agora esclarecer, na medida do possível, o Sr. Deputado Luís Roque, que me interroga sobre como é que vão actuar as Câmaras Municipais, como é que elas vão ter capacidade para fazer habitação social, quando os empréstimos dão origem -creio que foi esta a questão que colocou- a juros, que depois as rendas dos inquilinos não compensam.
Obviamente que, se isto é assim -e acredito que o que me diz tenha fundamento, pelo menos, em alguns casos-, alguma coisa tem de ser retocada no domínio das condições em que esses financiamentos são dados.
O objectivo é comum, isto é, visa-se promover habitação social com rendas que se confinem a certos esforços financeiros admissíveis para certas famílias.
Acontece que estamos a trabalhar com taxas de juro altas, pelo que temos que as retocar. Ora, a política geral do Governo, como VV. Ex.as sabem, vai sempre no sentido da diminuição das taxas de juro.
A Sr.ª Deputada Zita Seabra colocou-me questões gerais, mas ao mesmo tempo formulou-me uma pergunta importante.
De facto, sei que o grupo parlamentar a que V. Ex.ª pertence se opôs à Lei das Rendas. No entanto, esta lei é daquelas que a Câmara aprovou através de um consenso muito alargado, que foi publicada e está a ser regulamentada. Se me perguntar pessoalmente se concordo com os princípios nela contidos, devo dizer-lhe que sim.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não tive nada quanto à sua aprovação, mas fica já claramente assente que concordo com os seus princípios.
Contudo, o que estou a fazer nessa matéria é apenas executar aquilo que o Parlamento aprovou e estou a realizá-lo o melhor possível.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, o Sr. Deputado Raul Junqueiro e a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques levantaram um problema específico relativo às consequências da aplicação do IVA nas empresas de transportes e comunicações.
É evidente que se se tratasse somente da aplicação do IVA a minha resposta seria clara e o mais possível objectiva, isto é, com números, como proeuro fazer sempre quando me colocam questões desse tipo e tenho possibilidades para tal.
Mas, como disse nas palavras há pouco proferidas, estamos neste início do ano perante uma alteração substancial do enquadramento macroeconomia). Ora, as pessoas que elaboraram os contratos-programa, que executaram as estimativas nos meses de Agosto, Setembro ou Outubro de 1985, não podiam ter em conta
algumas variáveis que agora existem - desde a baixa das taxas de juro à evolução dos preços dos combustíveis, às revisões salariais, etc.
O que é que quer isto dizer? Isto significa - e a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques é uma pessoa que esteve no governo e que sabe que tudo tem o seu tempo - que não se apurou ainda em definitivo o resultado de todo este processo de transformação. Daí o eu não poder dizer-lhe com rigor se os 42 milhões de contos satisfazem à justa o sector. Mas, se houver margem de erro, volto a repetir, presumo que ela será idêntica à que existe em várias rubricas orçamentais.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Mas é grande!

O Orador: - O Sr. Deputado Carlos Ganopa referiu o problema dos transportes marítimos, que tem na proposta de lei das grandes opções do Plano uma expressão visível - chamemos-lhe assim -, pois propusemos ao Parlamento que fosse aprovada uma revisão das imposições marítimas gerais, por forma a obter-se receitas que hão-de ser aplicadas na renovação das nossas frotas.
A marinha mercante, como V. Ex.ª deu a entender, embora não tenha empregue a frase, «atingiu o fundo, bateu no fundo», pelo que há que a revigorar. Nessa acção há que extrair o máximo de partido dos estaleiros nacionais, embora se saiba que hoje temos um mercado de ocasião, de tal maneira atractivo que, na pura operação contabilística dos dinheiros, é uma tentação enorme; mas temos efectivamente de dar trabalho às pessoas. Portanto, temos de encontrar aí uma solução judiciosa para resolvermos esse problema e levantarmos de novo a marinha mercante.

Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

Aplausos do PSD.

O Orador: - V. Ex.ª verá que vai ter notícias muito concretas sobre esta matéria a muito curto prazo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Fui informado, neste momento, que a sessão da manhã está prevista até às 13 horas e 30 minutos, mas não sabia de tal facto.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Oh, desconhecimento!

O Sr. Presidente: - Podem crer que não me custa nada ir até às 13 horas e 30 minutos, Srs. Deputados!
Vamos, então, prosseguir a sessão até a essa hora, pelo que tem a palavra o Sr. Deputado Abreu Lima.

O Sr. Abreu Lima (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo: Temos em apreciação nesta Assembleia as propostas de lei n.º 15/IV, sobre as grandes opções do Plano para 1986, e n.º 16/IV, sobre o Orçamento do Estado para o mesmo ano.
Vou referir-me à proposta de lei sobre o Orçamento do Estado e, dentro dela, ao seu capítulo v, que respeita às finanças locais.
Com a vigência do novo regime político, que veio a consubstanciar-se com uma nova Constituição, uma das principais e mais ambicionadas modificações intro-

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duzidas foi a da descentralização administrativa que se traduziu, de forma clara e evidente, na autonomia do poder local.
A autonomia do poder local foi reconhecida, pára não dizer aclamada, por todos os partidos com assento neste Parlamento, vindo a ser, oficialmente, confirmada com a publicação da Lei n.º 79/77, que define as atribuições das autarquias locais e a competência dos respectivos órgãos, e reforçada, cerca de l ano mais tarde; através da Lei n.º 1/79, que definiu o seu sistema e suporte financeiro e lhe garantiu os meios indispensáveis à sua exequibilidade.
Neste quase decénio de vida do poder local não houve, na prática, qualquer evolução significativa das competências, que inicialmente lhe foram atribuídas, nem os meios financeiros; postos à sua disposição, foram, pelo menos, proporcionais aos agravamentos dos custos anualmente verificados. O Decreto-Lei n.º 100/84 veio, apenas, corrigir algumas lacunas e eliminar certas imperfeições e deficiências de sistematização da Lei n. º 79/77, no domínio das atribuições das autarquias locais e da competência dos respectivos órgãos, o que se nos afigura correcto, mas não institui novas competências. E o Decreto-Lei n.º 98/84, para além da preocupação, que revela de que as autarquias possam gerar um maior volume de receitas próprias e ampliar e diversificar as formas de recurso ao crédito, o que é salutar, mas não significativo em relação à garantira do aumento de receitas, eliminou, em nosso entender mal, a determinação de uma percentagem fixa mínima das despesas do Estado, que definia o fundo de equilíbrio financeiro mínimo a transferir para os municípios; princípio e garantia que nos parece altamente benéfico e salutar, em relação às justas perspectivas das autarquias locais.
O actual governo não alterou esta prática de estagnação do poder local, antes pelo contrário, veio dizer, clara e inequivocamente, no n.º l do artigo 54.º da sua proposta de lei, que no ano de 1986 não serão transferidas novas competências para as autarquias locais.
Não podemos deixar de afirmar que a proposta de lei do orçamento do Estado, apresentada pelo Governo, na parte que se refere às finanças locais, revela uma nítida secundarização do poder local e chega a dar a impressão que aquilo que se propõe atribuir é o que hão pode deixar de ser para que a dotação municipal não seja, escandalosamente, inferior às dos anos anteriores.
Com efeito, o Fundo de Equilíbrio Financeiro representa, em 1986, 11,3% das despesas do Estado que o determinaram, contra 11,9% em 1985 estas diferenças percentuais representam um aumento de 9 750 000 contos, o que significa um acréscimo de 15% de receitas em 1986, a transferir do Orçamento do Estado,' em Relação ao ano anterior.
Este aumento de 15% não chega para cobrir, proporcionalmente, o agravamento que os municípios têm com o aumento estabelecido para os funcionários autárquicos, e não estão, com certeza, convencidos os membros do Governo que as restantes despesas com a execução de empreitadas, o pagamento de combustíveis, encargos com transportes, de correios e telecomunicações, e de tantos outros serviços, de que os municípios necessitam, só vão encarecer, em relação ao ano findo; apenas 15%!
E, se formos rigorosos na comparação com o ano anterior das verbas transferidas do Orçamento do Estado, não posso deixar de assinalar que a diferença é ainda maior, se compararmos, apenas, as verbas do Fundo de Equilíbrio Financeiro, que em 1985 e 1986 se afectam aos municípios do continente. Esta comparação implica reduzir aos 74 750 000 contos do Fundo de Equilíbrio Financeiro as verbas de 2% e 3%, propostas para" os Governos Autónomos dos Açores e da Madeira e que representam, respectivamente, 2 242 000 contos e l 495 000 contos, significando que os municípios do continente terão um aumento de 14,5% e os dois arquipélagos insulares de 20,5%.
Não podemos aceitar a diferenciação de tratamento que a proposta de lei do Orçamento estabelece para os municípios do continente e para os municípios dos arquipélagos dos Açores e da Madeira: enquanto as receitas a transferir do Orçamento do Estado para os municípios continentais crescem, apenas, 14,5%, as verbas destinadas aos Açores e à Madeira sobem a 20,5.%. Porquê esta diferença? Porquê este privilégio das regiões autónomas?
Será que o factor determinante é o estafado argumento da insularidade? Será que este Governo está convencido que é mais penosa a insularidade dos dois arquipélagos que a «interioridade» da maior parte do território continental?
Não podemos estar de acordo com a proposta de lei do Orçamento ao estabelecer no n.º 2 do artigo 54.º que as verbas destinadas ao financiamento pelos municípios das competências em matérias de transportes escolares e de acção social escolar são integradas no Fundo de Equilíbrio Financeiro. Este critério não é justo, não permite o conhecimento exacto do montante que o Governo destinou aos municípios do continente para fazer face aos encargos com os transportes escolares, e permite favorecer, injustificadamente, os municípios insualres à custa dos municípios do continente.
O critério não é justo, porque a parcela da receita que cabe a cada um dos municípios do continente, destinada a fazer face aos transportes escolares e à acção social escolar, não é definida, em função desses mesmos encargos, reais e concretos, mas é determinada pelos diversos Índices e critérios, que se aplicam à repartição da verba global do Fundo de Equilíbrio Financeiro pelos diversos municípios. Daqui resultará, necessariamente, que muitos municípios ficarão injustamente prejudicados, porque a verba para transportes escolares não chegará para fazer face aos respectivos encargos, e outros ficarão, injustamente, beneficiados, porque receberão, a título de suportar tais encargos, montantes francamente excessivos.
Caso flagrante será o do Município de Lisboa que, em 1985, recebeu 9100 contos para suportar encargos, perfeitamente conhecidos, concretizados e definidos, e que pela actual proposta do Governo irá receber para o mesmo fim, em 1986, um montante despropositado, que se encontra, indefinido e oculto, nos 3 639 212 contos, que lhe são propostos; montante este que não deve andar muito longe dos 100 000 contos, se considerarmos que a verba global para os transportes escolares, em 1986, se poderia situar na ordem dos 3 600 000 contos. A circunstância de o Governo fazer incluir no montante global do Fundo de Equilíbrio Financeiro a verba para transportes escolares e acção social escolar e aplicar a esse valor global as percentagens destinadas aos Açores e à Madeira vem permitir que as regiões

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autónomas beneficiem, igualmente, de uma quota-parte dessa verba - que não é insignificante - o que de facto não sucedeu em 1985.
Não nos podemos esquecer que os encargos com os transportes escolares e a acção social escolar constituíram uma nova competência, atribuída o ano passado aos municípios por força da lei que aprovou o Orçamento para 1985, tendo correspondido a cada um dos municípios verbas, fixadas de harmonia com os respectivos encargos suportados de facto, até então e em cada um dos concelhos, pelo Ministério da Educação.
Se a aplicação deste critério casuístico, usado no ano findo, gerou alguns desajustamentos, deu, porém a possibilidade de se conhecerem e poderem ser, por consequência, corrigidos este ano, mas pelo critério adoptado pelo actual Governo, de não definir a verba afecta aos transportes escolares, nada se consegue saber, ficando os municípios a ignorar o valor nas transferências recebidas do Orçamento do Estado, e destinado àqueles transportes e à acção social escolar.
Entendemos, portanto, que esta verba devia ser destacada do Fundo de Equilíbrio Financeiro, como aconteceu na proposta de lei do Orçamento do ano findo, e feita a sua repartição, município a município, em função dos respectivos encargos reais com os transportes escolares, para conhecimento da Assembleia da República, para clareza dos critérios adoptados e seguidos pelo Governo e para que todos os municípios do continente possam conhecer quanto é que a administração central lhes destinou, a fim de fazerem face aos encargos específicos, que lhes vieram a acrescer, com a competência que lhes foi atribuída no ano passado.
Dissemos que a percentagem das despesas do Estado que definem na proposta de lei do Orçamento para 1986 o Fundo de Equilíbrio Financeiro é inferior à percentagem fixada no Orçamento do Estado para 1985; referimos que o acréscimo das receitas do Fundo de Equilíbrio Financeiro de 1986, em relação ao ano anterior, é de 15%, ou seja 9 750 000 contos; salientamos que este aumento é, significativamente, inferior ao aumento dos encargos que os municípios têm de suportar no corrente ano; e mostramos a nossa discordância com estas propostas do Governo e com os critérios, seguidos e praticados, de englobar no Fundo de Equilíbrio Financeiro o montante destinado ao pagamento dos transportes escolares e à acção social escolar e à repartição feita entre o continente e as regiões autónomas do Fundo de Equilíbrio Financeiro.
A proposta do Governo não melhora em nada a situação dos municípios, no ano de 1986, mostra-se indiferente ao agravamento real dos seus encargos no próximo ano, e revela ser, em nosso entender, um instrumento muito pouco favorável ao reforço e ao crescimento do poder local. Isto significa que, por vontade, desejo e proposta do Governo, mais um ano deve passar sem que se dê mais um passo, pequeno que fosse, na realização do Decreto-Lei n.º 77/84, que estabelece o regime da delimitação e da coordenação das actuações da administração central e local em matéria de investimentos públicos.
Não queremos deixar de referir e analisar outros aspectos que presidiram ou influenciaram a proposta de lei do Orçamento do Estado, apresentada pelo Governo, e que nos parecem não ser correctos e distorcem o conhecimento da situação financeira dos municípios.
Diz o Governo no relatório da sua proposta da lei n.º 16/IV, que às transferências do Orçamento do Estado para 1986 acrescem aumentos extraordinários de receitas municipais no corrente ano e refere que, em relação à contribuição predial, se deverá produzir um aumento de receitas de 46,7%, situando-se na ordem de 13,5 milhões de contos. E isto vai acontecer, tendo em conta a melhoria dos mecanismos de cobrança, a actualização do cadastro e o aumento da matéria colectável.
Ë evidente que não se pode aceitar nem acreditar que estas medidas vão surtir efeito, no corrente ano, melhorando as receitas próprias dos municípios portugueses, mesmo admitindo que elas viessem a concretizar-se por inteiro.
Não vai ser no curtíssimo prazo de meia dúzia de meses que o Sr. Ministro das Finanças vai modificar o sistema de funcionamento das repartições de finanças deste país, que constituírem um aparelho pesado e anquílosado, e, sobretudo, sem interesse, sem alma, sem celeridade, quando se trata de cobrar as receitas dos municípios.
As câmaras municipais sabem, perfeitamente, quanta dificuldade, quanta burocracia, quanta demora inútil provém das repartições de finanças até para entregar aos municípios os simples duodécimos das receitas, transferidas da administração central, conhecem como se processou nos últimos anos a cobrança do imposto de turismo nos concelhos rurais, e sabem como e quando são feitas as entregas às câmaras municipais das verbas, provenientes da contribuição predial rústica e urbana. Como quer o Governo que nós acreditemos que, até 31 de Dezembro, os municípios vão ver as suas receitas próprias, substancialmente, acrescidas, mercê de um novo dinamismo de repartições do Ministério das Finanças, quando isso implica um interesse humano novo, que até aqui não se tem revelado, e exige, sobretudo, equipas especializadas, que saiam para os campos para actualizar o cadastro, reavaliar os prédios, formalizar o aumento da matéria colectável, que há-de proporcionar um aumento da contribuição predial?
Isto é mero futurismo e não uma realidade para 1986.
E mesmo que a elevação da contribuição predial se situasse nos 13,5 milhões de contos no corrente ano, não pode, nem deve, o Governo esquecer que se trata de uma receita própria dos municípios e que não deve influenciar a definição o Fundo de Equilíbrio Financeiro; é mais uma razão para defendermos o princípio de que deve haver uma percentagem mínima, que defina um valor mínimo do FEF.
Questionado, concretamente, o Governo pela Comissão de Administração Interna e Poder Local por razões da mesma natureza dos que acabamos de referir, veio informar que esta revisão de aumento da contribuição predial se deve, fundamentalmente, a uma previsão de recuperação de atrasados! Não nos parece que a nítida e clara divergência e discrepância, entre o que se escreve no relatório da proposta de lei e o que se informa na explicação, que se deu àquela Comissão, revele o relacionamento e a atenção que o poder local deve merecer ao poder central.
A circunstância de se prever um acréscimo de 42,9% das receitas, provenientes do imposto sobre veículos, tendo em conta a elevação das taxas e o aumento do parque automóvel, vai reflectir-se, fundamentalmente,

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nos municípios dos grandes centros urbanos, onde é bem mais significativo o seu crescimento, ficando a maior parte dos municípios do interior com insignificante acréscimo neste sector das suas receitas próprias.
Não nos podemos conformar com a proposta de que o Governo faz de limitar a 10 000 contos a verba destinada à construção de sedes de juntas de freguesia; este montante não chegará, porventura, para satisfazer os compromissos assumidos pelo governo anterior na concessão de subsídios que autorizou para a construção de novas sedes.
A grande maioria das juntas e assembleias de freguesia não tem instalações, onde possam reunir e onde possam guardar os seus livros e arquivar os seus documentos. As reuniões fazem-se nas casas dos autarcas, nos salões paroquiais e os respectivos arquivos passam de casa em casa, sujeitando-se a perdas e danos, quantas vezes irrecuperáveis. Esta dotação de 10 000 contos, prevista para 1986, comparada com os 500000 contos orçamentados em 1985, representa um corte brutal e não pode deixar de reflectir um desinteresse, claro e evidente, da administração pela grande maioria dos órgãos autárquicos das freguesias, que não dispõem das condições mínimas de trabalho e de reunião.
O critério e a orientação, perfilhados pelo Governo, de não fazer incluir na proposta de lei do Orçamento do Estado uma verba substancial para a realização de investimentos intermunicipais - como sucedeu em 1985, onde foram orçamentados 2200000 contos - vem afectar gravemente os municípios; por um lado, acontece que, assim, jamais poderão, um elevado número de municípios, realizar obras de primeira necessidade - como abastecimentos de águas, redes de esgotos, aberturas de determinadas vias de comunicação - porque as suas receitas municipais não o consentem; por outro lado, corta-se, cerce e radicalmente, o incentivo e o estímulo para estabelecer o associativismo municipal e criar e desenvolver interesses e preocupações supramunicipais, que ajudassem, mais rapidamente, a criar a noção e a descoberta das vantagens e dos benefícios da regionalização.
Esta proposta de redução, ou melhor, de anulação do investimento intermunicipal constitui e representa mais um sintoma do divórcio em que o Governo, se coloca em relação ao desenvolvimento do poder autárquico e à satisfação dos interesses e do bem-estar das populações, que só poderão contar com o trabalho e a dedicação dos municípios que vêem que as suas receitas não acompanham o agravamento do custo de vida.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): -
Muito bem!

O Orador: - Antes de terminar não podemos deixar de manifestar a nossa discordância em relação ao artigo 52.º da proposta de lei, que refere que o montante global a atribuir a cada município* pela repartição do Fundo de Equilíbrio Financeiro não pode ser inferior a 5% ao que lhe foi atribuído em 1985.
Este limite, tão reduzido, de um aumento de receitas, transferidas do Orçamento do Estado, vem aumentar, ainda mais as enormes distorções verificadas, entre as repartições de receitas de 1985 e 1986, pela aplicação do critério da Lei das Finanças Locais.
Para além desta circunstância, de se consentir que o aumento de receitas a transferir para um município, se possa situar em, apenas, 5% o Governo alterou o
método de aplicação dos critérios de repartição estipulados na Lei das Finanças Locais e fê-lo, em relação à percentagem a repartir em função das carências, no que respeita aos indicadores de natureza orográfica e do turismo.
A análise das receitas, repartidas pelos municípios do continente, traduz uma variação percentual enorme no que respeita as receitas do último ano: elas variam entre 5% e mais de 30%.
Estes aspectos, que acabo de referir e analisar, no tocante ao capítulo do Orçamento do Estado, referente às finanças locais, levam-nos à conclusão que este governo segue uma política e uma orientação, onde a descentralização administrativa, ainda insuficiente, não é incrementada e onde a autonomia do poder local não colhe o seu apreço, e não merece o seu interesse, sendo relegada para um lugar secundário e para uma posição, dentro das despesas do Estado, de menos relevância e de menos preocupação.
As propostas que o Governo apresenta neste Orçamento chocaram, profundamente, a generalidade dos municípios portugueses; motivou uma tristeza e uma pena, que foi, clara e inequivocamente, expressa no congresso recente e propositadamente convocado para apreciar a proposta do Governo no que concerne às finanças locais.
Sucede ainda que a Associação Nacional dos Municípios Portugueses, apesar dos esforços e das tentativas que fez, para antecipadamente discutir com o Governo os problemas das finanças locais, a considerar na proposta do Governo, não foi ouvida, nem atendida, o que leva a perceber a intenção e o propósito do Governo de apresentar a sua proposta como um facto consumado, definitivo e inalterável.
Não podemos esquecer que os municípios portugueses têm atrás de si, nestes últimos oito anos de administração descentralizada, ainda que sem todas as competências que lhe devem ser atribuídas, um trabalho notável ao serviço das populações, tão esquecidas da administração central, da valorização das vilas e dos aglomerados populacionais, da defesa do património artístico e cultural e da criação de infra-estruturas, ainda que insuficientes, mas de alguma forma favoráveis ao desenvolvimento económico e social, que continua a tardar neste país.
A administração municipal não vem a ser dotada dos meios financeiros adequados e proporcionados aos encargos, que, anualmente, pesam sobre os municípios e parece-nos insofismável que é grande o serviço e são largos os benefícios que as câmaras municipais têm garantido e proporcionado com os parcos recursos que têm sido atribuídos.
A Comissão de Administração Interna e Poder Local fez uma análise, circuntânciada e criteriosa, dos diversos problemas relacionados e referentes à matéria das finanças locais, tratadas na proposta de lei do Orçamento. O CDS acompanhou, cuidadosa e interessadamente, todas as diligências e acção da Comissão só não estando presente por impossibilidade absoluta dos seus elementos naquela Comissão na reunião que teve lugar para a votação do respectivo relatório. Como nesse relatório se mencionou a ausência do CDS na sua votação, não queremos deixar de referir a nossa concordância com tudo quanto nele se contém e declarar que o teríamos votado favoravelmente se não tivéssemos sofrido do impedimento de estar presente.

Aplausos do CDS e do PS.

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jardim Ramos.

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Sr. Deputado Abreu Lima, acabámos de ouvir nesta Câmara um discurso 100% centralista e 100% anti-autonomista. Gostava, por isso, de lembrar a V. Ex.ª que os custos das obras e investimentos feitos pelas autarquias madeirenses são acrescidos, em relação às autarquias do litoral do continente, em cerca de 40% e que os custos das obras executadas em Porto Santo são superiores em 60%.
Gostava de perguntar ao Sr. Deputado Abreu Lima se considera que as autarquias da Região Autónoma da Madeira são beneficiadas em relação às autarquias do continente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Abreu Lima.

O Sr. Abreu Lima (CDS): - Sr. Deputado Jardim Ramos, o que eu lhe disse foi que o critério adoptado este ano pelo Fundo de Equilíbrio Financeiro para a repartição de verbas é extremamente diferente do do ano passado. E, na medida em que aos Açores e à Madeira não são atribuídos nem um fundo nem uma verba para distribuição aos transportes escolares, na medida em que essa verba está incluída no valor global do Fundo de Equilíbrio Financeiro e a percentagem para os Açores e para a Madeira incide sobre a totalidade da verba e não sobre a verba do Fundo de Equilíbrio Financeiro, deduzida a verba para transportes escolares, é evidente que os Açores e a Madeira estão beneficiados nessa importância.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - É claro, Sr. Deputado Jardim Ramos, que nos Açores e na Madeira os encargos com as empreitadas são maiores.
Estive cinco anos na Madeira, fui aí delegado do Instituto Nacional do Trabalho, e conheço, por dever de função e por devoção, quais são os encargos, mas creio que eles não montam a 40% ou 60%. Aí há um exagero grande.
Mas exactamente porque os encargos são maiores nos Açores e na Madeira é que lhes são atribuídas outras verbas que outros distritos não têm - têm verbas específicas, têm as suas receitas próprias, cobram os seus impostos, o que cá no continente não se faz.
Portanto, eu não disse que não quero que os Açores e a Madeira tenham determinadas protecções ou determinadas verbas especiais. O que não está certo é que tenham essas verbas adoptando critérios que vêm prejudicar os municípios do continente. Foi isso e só isso o que eu disse.
Parece-me que o Sr. Deputado sabe que a Madeira também tem os seus benefícios. Suponho que a gasolina é mais barata do que cá. É ou não, Sr. Deputado?

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - E a electricidade?

O Orador: - Quanto à electricidade, não sei o seu preço na Madeira, mas isso não significa nada. Portanto, quando o Sr. Deputado faz a acusação de que eu sou anti-autonómico, devo dizer-lhe que o não sou. Sou um defensor acérrimo da criação de regiões e acho até que agora se devia acelerar o estudo desse problema. Não sou, de modo nenhum, contra os Açores e a Madeira, não sou, de maneira nenhuma, centralizador. Não me acuse disso, por amor de Deus.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Centralizador é que ele nunca pode ser.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao final da sessão da manhã. Vou referir os tempos ainda disponíveis para o debate: o Governo dispõe de 53 minutos; o PSD de 42 minutos; o PS de 57 minutos; o PRD de 33 minutos; o PCP de 49 minutos; o CDS de 42 minutos e o MDP/CDE de 29 minutos, o que totaliza 5 horas e 5 minutos de debate.
A sessão recomeçará às 15 horas.
Srs. Deputados, está suspensa a sessão.

Eram 13 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 20 minutos.

Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Custódio Gingão.

O Sr. Custódio Gingão (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: No Orçamento do Estado, relativo ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, são tratados como parentes pobres dois importantes sectores. São eles concretamente a emigração e a cooperação.
A simples análise dos números aí está a confirmá-lo!
Quanto à emigração a dotação orçamental não corresponde minimamente às necessidades e anseios dos nossos compatriotas que labutam além-fronteiras ou mesmo daqueles que regressam ou pretendem regressar e que são muitos. Srs. Deputados, de facto, as verbas inscritas pelo Governo são irrisórias. Tirando o pagamento dos funcionários da Secretaria de Estado pouco sobra para acções de apoio aos emigrantes. Os 790 mil contos destinados à emigração não permitem mais uma vez levar por diante os compromissos que têm sido assumidos com os emigrantes nas últimas reuniões do Conselho das Comunidades. Fica assim altamente prejudicado o desenvolvimento da cultura e da língua portuguesa junto das nossas comunidades com particular gravidade para a segunda geração.
Medidas de apoio ao regresso dos emigrantes e à sua inserção na vida do seu país de origem são, na prática, letra-morta neste Orçamento.
Tudo isto reconhecido unanimemente pela Subcomissão de Emigração e pela Comissão de Negócios Estrangeiros, conforme consta do respectivo relatório. Mas a Comissão não se ficou por aí. Avançou-se mesmo uma proposta, subscrita por representantes de todos os grupos parlamentares, tendente a assegurar o reforço de verba para a emigração de modo a satisfazer minimamente algumas carências neste sector.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O problema desta Secretaria de Estado não é apenas o da carência de verbas, mas também a necessária gestão correcta dessas mesmas verbas, o que até aqui não se tem verificado, na generalidade dos casos. De facto, verifica-se que muitas das «medidas tomadas» mais não são do que realizações de fachada

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como mero carácter demagógico, que não têm tido outra finalidade que não seja da promoção pessoal e o passeio turístico da Sr.ª Secretária de Estado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A segunda questão, também ela de grande relevância, é a dá cooperação. Esta não se resolve só com a declaração de intenção por parte do Governo. Resolve-se, sim, com vontade política, com a ponderada consideração da importância deste sector e com medidas concretas. Tais medidas reclamam um esforço de investimento que não se vê consagrado neste Orçamento. Mas não têm sido estas as preocupações do Governo. Basta acompanhar minimamente os órgãos de comunicação social para ver que assim é.
Ao invés de desenvolver uma política de cooperação e desenvolvimento de boas relações com os países africanos de expressão oficial portuguesa, como inclusivamente referia no seu programa, o Governo persiste na ausência da adopção de medidas no sentido de impedir a actuação organizada e a propaganda em Portugal dos movimentos terroristas, como a UNITA e a RENAMO, que desenvolvem acções contra os governos legítimos desses países e que têm sido responsáveis pelo rapto e chacina de dezenas de compatriotas nossos.

Aplausos do PCP.

O Orador: - Chega-se ao ponto de serem utilizados órgãos de comunicação social do Estado como a RTP para nas suas entrevistas enunciarem e fazerem propaganda dos crimes por eles cometidos.
O País tem os meios legais e adequados para fazer cessar a acção daqueles que se reivindicam fazer parte dessas organizações terroristas. Não pode o Governo continuar a piscar o olho às autoridades legítimas angolanas e moçambicanas e ao mesmo tempo fechar os olhos àquilo que se passa no nosso próprio país.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Este procedimento não serve a cooperaçâo, não serve os interesses desses países e não serve os interesses de Portugal.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A prática política e as escassas dotações orçamentais desmentem por completo as declarações de intenção constantes do Programa do Governo quanto à cooperação. Basta vermos que dos 626 000 contos 327 000 já estão comprometidos dos anos anteriores. Resta pois uma verba inferior a 300 000 contos. O número fala por si e dispensa comentários.
Se pensarmos no vasto universo dos sectores a cargo do Instituto para a Cooperação Económica, tais como, a agricultura, a pecuária, a silvicultura, as pescas, as indústrias extractivas e transformadoras, os petróleos, os transportes e comunicações, as obras públicas e habitação, a banca, os seguros, e tantos outros, verifica-se que não poderão ser minimamente contemplados dada a exiguidade da verba.
Fica assim claro que a cooperação é praticamente nula com os prejuízos inerentes que traz para o Estado Português, permitindo ao mesmo tempo que países como a Espanha e a França, entre outros, ocupem um lugar na cooperação que por direito próprio pertence a Portugal.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Como refere o relatório da Comissão de Negócios Estrangeiros e Emigração é necessário que a Assembleia da República corrija esta situação. Pelo nosso lado estamos disponíveis para, em sede da discussão na especialidade, na Comissão de Economia, Finanças e Plano, juntar os nossos esforços aos das demais forças políticas para que tal objectivo, seja alcançado.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem à palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Pensamos não existirem grandes dúvidas de que as autarquias locais suportaram, em termos relativos, a parte mais elevada das consequências da crise financeira do Estado nos últimos anos. O que não se compreende é que, em período de certo revigoramento do investimento público, as transferências para a administração local se situem ao nível da tendência dos últimos anos, estagnação ou quebra da transferência, em termos reais, para o Fundo de Equilíbrio Financeiro, decréscimos das transferências para a administração local no conjunto das despesas do Orçamento do Estado.
Em 1986 o valor das transferências para a administração local apresenta, apenas, um crescimento de 13,8%, ainda ligeiramente inferior à taxa de inflação programada:
As transferências do Fundo de 'Equilíbrio Financeiro sobem de 65 milhões de contos em 1985 para 74,7 milhões em 1986, acréscimo de apenas 14,9% contra os previstos 16,5% de evolução dos preços para o consumo público em 1986, segundo as grandes opções do Plano.
Relativamente às despesas do Orçamento do Estado, com exclusão dos juros.e dos activos e passivos financeiros, desceu de 8,3% para 7,3%, e no que concerne às despesas de referência fixadas pela Lei das Finanças Locais, a descida é de 11,9% para 11,3%.
Se é errado pretender situações de excepção para as autarquias locais, também não é aceitável que a «solidariedade» se manifeste apenas na crise.
Tem pretendido o Governo justificar a sua posição relativamente à proposta do Fundo de Equilíbrio Financeiro, com o argumento do acréscimo das receitas próprias e com as transferências para os projectos financiados pelo FEDER.
Tais argumentos são, em nossa opinião, falaciosos, já que os acréscimos derivados dos ajustamentos a introduzir no imposto sobre veículos não se reflectem de modo uniforme por todo o território e tem mesmo pequena expressão, quando considerados em valor absoluto, e os aumentos nos valores a cobrar de contribuição predial urbana serão apenas o resultado da cobrança de atrasados, dependente da aceleração da verificação dos processos e também da actualização do cadastro. Daí que o valor de 46,7% previsto para o aumento das receitas da contribuição predial é aleatório, e mais, altamente improvável de se verificar em 1986. Não duvidamos do interesse e do alcance das medidas que se propõem, mas estamos certos, de que os seus efeitos durante o corrente ano terão pouco significado.

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Da mesma forma, quanto ao FEDER, haverá que recordar que um número muito significativo de [...] não terá projectos financiados em 1986 e que por outro lado sempre é exigível a participação das autarquias no financiamentos dos referidos projectes. A falta de recursos próprios pode assim actuar como um elemento restritivo ao lançamento de projectos financiáveis peio FEDER.
Resulta do exposto que na proposta do Governo, o ano de 1986 ficaria, ainda como um ano de grandes dificuldades e de «apertar mais um furo no cinto» das autarquias locais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Situação merecedora dos mais vivos reparos é a decorrente da aplicação dos critérios de distribuição de verbas do Fundo de Equilíbrio Financeiro. O Governo já reconheceu a necessidade de se introduzirem correcções. mas como o sublinhou, por manifesta falta de tempo, só foi possível introduzir correcções nos indicadores orografia, turismo e emigração.
Decorre da aplicação dos referidos critérios e depois de realizada mais de uma dezena de ensaios que a percentagem de variação dos municípios se cifra entre os valores de 5% e 36% e isto já depois de muitos valores negativos verificados terem sido «puxados» para o nivel mínimo de 5% de taxa de crescimento.
O leque de variação em termos anuais afigura-se excessivo e causa de maiores assimetrias na distribuição das verbas do Fundo de Equilíbrio Financeiro, já que não existe uma efectiva correlação entre o nível de carência por satisfazer, a capacidade de realização das autarquias e os crescimentos verificados em cada ano. por concelho.
Dificilmente se poderá explicar a situação de meia centena de concelhos que, quer em 1985 quer em 1986.
Se situa no escalão mais baixo de crescimento verificados em cada ano, por concelho.
Dificilmente se poderá explicar a situação de meia centena de concelhos que, quer em 1985 quer em 1986, se situam no escalão mais baixo de crescimento, quando muitos destes concelhos têm situações de carência manifestamente reconhecidas.
Facil é, também, demonstrar que o Fundo de Equilíbrio Financeiro tal como se encontra actualmente definido não tem em conta as necessidades de Financiamento efectivo dos municípios. Com as verbas actuais e a actual distribuição haverá municípios (quase 50%) que verão as suas receitas decrescerem em termos reais.
Será que o Governo avaliou e tomou devida nota das repercussões na respectiva actividade?
Resulta, assim, claro que existem criterios responsáveis pelos desequilíbrios na taxa de crescimento das transferencias para os diversos municípios e que alguns indicadores, como é o caso da orografia, se encontram mal definidos. A grande questão de fundo é a de saber se não seria preferível manter os critérios idênticos aos de 1985 com uma percentagem de aumento idêntica para todos os municípios, procedendo de imediato à revisão da Lei das Finanças Locais, a esta pergunta o Partido Renovador Democrático responde afirmativamente.
Sr. Presidente. Srs. Deputados. Srs. Membros do Governo: A Lei n.º 1/9 constituiu um marco histórico na institucionalização do poder local democrático ao consagrar a independência financeira dos municípios face ao poder central. O facto de ter sido considerada na altura como uma das mais avançadas da Europa não significa que a mesma estivesse isenta de deficiências que foram objecto de ampla discussão e que se pretenderam corrigir com o Decreto-Lei n.° 98/84, de 29 de Março. Todavia, este decreto-lei revelou-se incapaz de corrigir os principais aspectos de critica e que no essencial se poderão resumir em: afectação de receitas sem ter em conta as necessidades de financiamento
dos municípios, quer na determinação do montante global das transferências, em que não se consideram as funções e competências dos municípios quer nos cri-térios de distribuição do Fundo de Equilíbrio Financeiro, em que se pressupõe que existe uma relação entre as necessidades de Financiamento e algumas características dos concelhos relação essa que está longe de se verificar; predominância exagerada das transferências do Orçamento do Estado nas receitas municipais, o que alem de dificultar a programação das actividades dos municípios não incentiva estes a procurar fontes de investimento alternativas; variação anual não programada do Fundo de Equilíbrio Financeiro, não só do seu montante global como dos critérios de distribuição que não estão isentos de permeabilidade à manipulação segundo interesses partidários; atribuição ao Fundo de Equilíbrio Financeiro de um papel que a administração central se tem revelado incapaz de assumir na correcção das assimetrias regionais de desenvolvimento, e insuficiente progressão das receitas próprias dos municípios conduzindo, a prazo, a ama dependência exclusiva do Fundo de Equilíbrio Financeiro, com o consequente agravamento da [...] na sua determinação e distribuição.
Reconheceu ontem o Governo, através do Sr. Ministro do Plano e do Ordenamento do Território, a necessidade de uma revisão da Lei das Finanças Locais, também assim o entende o Partido Renovador Democrático, pelo que este grupo pariamentar irá apresentar na Mesa da Assembleia um projecto de revisão da Lei das Finanças Locais, cujas alterações têm por objectivo, mantendo os aspectos positivos e essenciais, adequada aos princípios que se julgam dever ser satisfeitos para uma mais racional utilização cos recursos públicos: autonomia de despesa: maior responsabilização pelas receitas: adequação das receitas às despesas programadas: reforço da consciência da solidariedade local, e manutenção da solidariedade nacional com as autarquias de menores capacidades financeiras.
Privilegiam-se as receitas próprias dos municípios resultantes da actividade económica do concelho e aumenta-se a capacidade do município na determinação dessas receitas ao mesmo tempo que se procuram ultrapassar os aspectos mais negativos do actual regime de finanças locais.
uma palavra ainda, Sr. Presidente. Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, para a aplicação do FEDER em 1986. Não pretendendo, de modo algum, responsabilizar o actuai governo, pela situação existente, há que dizer que alguém criou, junto das autarquias, justas expectativas de recebimento de transferências do FEDER na ordem dos 14 milhões de contos. Tendo em conta os direitos de saque, já estabelecidos, sabe-se, hoje. que este valor nunca ultrapassará os 7 milhões de contos. Havendo mesmo alguns especialistas que apontam como cenário provável, nau este montante, mas 5.2 milhões de contos. Se a isto juntarmos a situação decorrente da existência de autarquias que lançaram obras na expectativa do seu financiamento pelo FEDER justo será reconhecer a necessidade de um grande empenhamento do Governo, para através de um processo negocial, possível e desejável, com a CEE, conseguir aumentar os direitos do saque atribuíveis para

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1986, procurando dessa forma minimizar a situação de desfavor em que se encontram as autarquias, face a expectativas que no passado lhes foram criadas.
Reconhece-se ao Governo o direito à última palavra na selecção dos projectos financiáveis pelo FEDER, mas para tal é necessário que o Governo divulgue rapidamente os critérios de apreciação e de selecção de projectos ao mesmo tempo que defina de forma precisa a hierarquia tias prioridades sectoriais. É aqui, e ainda na definição dos intervalos percentuais correspondente aos montantes a repartir entre os diferentes concorrentes ao FEDER, que a articulação e enquadramento nos objectivos do plano de médio prazo se afigura, urgente e necessária.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: É habitual entre nós, tanto pela parte dos governos como da oposição, que as questões do poder local se resumam a meras discussões em torno cie questões financeiras e dos aumentos anuais das transferências para as autarquias locais, não é este o entendimento do Partido Renovador Democrático. Por isso, não podemos deixar em claro a decisão do Governo de não dar continuidade ao processo de passagem de funções e competências para as autarquias locais e de nem unia palavra dedicar ao processo de regionalização. Também aqui o Partido Renovador Democrático assumirá as responsabilidades que contraiu junto do seu eleitorado ao iniciar no próximo sábado, aquando cia realização de um encontro de autarcas, a discussão pública de um projecto de lei quadro de regionalização.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Inscreveu-se para formular um pedido de esclarecimento o Sr. Deputado Eduardo Pereira.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Deputado Carlos Lilaia. foi com a maior atenção que ouvi a sua exposição. E embora possuindo o PRD pouco peso autárquico foi com satisfação que o ouvi e, nesse sentido, posso dizer-lhe que o Grupo Parlamentar do PS está, no essencial, de acordo com as considerações que fez.
Nós próprios apresentámos em relação a este Orçamento um conjunto de propostas que, em nosso entender, não arrastam, necessariamente, um aumento do défice. Contêm, em si, soluções para que tal não suceda e creio que elas constituem justas e pragmáticas aspirações das autarquias que foram reveladas de várias formas - destaco aqui as que têm sido feitas através da Associação Nacional de Municípios.
Embora o Sr. Deputado Carlos Lilaia não tenha querido ou não tenha o conhecimento suficiente para ajuizar das razões peias quais o FEDER, este ano, não privilegia os investimentos autárquicos, gostaria que me respondesse claramente à seguinte questão, independentemente da maior ou menor conformidade com outras propostas já aqui enunciadas: revela ou não esta proposta de Orçamento do Estado, no que às autarquias se refere, um pendor acentuadamente centralista que contraria o espírito que se tem procurado imprimir à legislação que neste âmbito tem sido elaborada nesta Câmara e se, portanto, por esse facto, se encontram ou não em perigo a descentralização, a regionalização e o reforço do poder autárquico?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder ao pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Carlos Lilaia..

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Deputado Eduardo Pereira, muito obrigado pela questão que me colocou e pelas apreciações que acabou de fazer.
Devo dizer-lhe que em minha opinião este governo apresentou uma proposta global de Orçamento de Estado que, naturalmente, leni em conta uma determinada filosofia de actuação deste mesmo Governo. Pela nossa parte estamos, neste momento e apenas, a fazer uma apreciação do Orçamente do Estado na generalidade e dai o carácter naturalmente global e genérico que usei, quer na apreciação do Orçamento, quer na apreciação de algumas propostas do PRD relativas a estas matérias.
Mas, naturalmente, quando a discussão se centrar na especialidade e, nomeadamente, nos trabalhos da Comissão, o PRD terá oportunidade de apresentar todo um conjunto de propostas visando, naturalmente, um reforço do poder autárquico em Portugal.
Pela nossa parte, estamos convencidos de que cabe essencialmente, à Assembleia da República avançar com todo um conjunto de propostas, nomeadamente em matéria de regionalização, para que se possam criar condições para o avanço desse processo.
Como acabei de dizer, iremos dar o nosso contributo e esperamos, muito sinceramente, que os outros grupos parlamentares possam tomar também as suas iniciativas s acompanhar o PRD. uma vez que, como anunciei, temos duas iniciativas em marcha: uma no sector das finanças locais e outra relativa à lei quadro do processo de regionalização.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Presidente, no início do debate tive oportunidade de questionar o Sr. Ministro das Finanças sobre um problema do Orçamento do Estado para o sector da saúde. Foi-me dito pelo Sr. Ministro das Finanças que a Sr.ª Ministra da Saúde responderia a essa questão.
Entretanto, foram já feitas duas intervenções sobre este problema, levantaram-se uma série de questões e, inclusivamente, o próprio relatório da Comissão de Saúde é bastante critico, afirmando que não existem verbas suficientes para este sector e que será necessário recorrer a um orçamento suplementar se não houver um aumento de verbas.
O pedido que faço à Mesa é no sentido de perguntar se a Sr.ª Ministra está inscrita para intervir no debate.

O Sr. Presidente: Por enquanto não, Sr. Deputado.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Pode V. Exa. perguntar ao Governo se a Sr.ª Ministra da Saúde tenciona intervir?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não farei essa pergunta pois o Governo está a ouvi-lo e poderá informá-lo.

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O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro Adjunto quer intervir.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Que solicito!

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - É um autêntico mestre de cerimónias.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto, para interpelar a Mesa.

O Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares (Fernando Nogueira): - Sr. Presidente, a Sr.ª Ministra da Saúde deveria ter intervindo ontem à noite. Simplesmente, ontem à noite não houve trabalhos parlamentares. Para além disso o tempo do Governo é escasso, mas está ainda prevista uma intervenção do Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social, pois muitas intervenções feitas durante o debate se referiram à problemática do orçamento da Segurança Social, havendo mesmo acusações de que o Sr. Ministro das Finanças se tinha furtado a debruçar-se sobre esse orçamento.
Por essa razão o Governo entende que a sua intervenção, para o tempo que resta, deve caber ao Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - O PSD não dá tempo ao Governo, Sr. Ministro?

O Sr. António Capucho (PSD): - Já demos!

O Orador: - Já deu 20 minutos, Sr. Deputado. O Governo não tem mais tempo.
Acontece, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o Governo não previu que houvesse tantos pedidos de esclarecimento para cada intervenção de cada membro do Governo, em que tivemos de gastar cerca de quinze minutos, por cada um deles, para dar resposta a pedidos de esclarecimento, sendo agora o tempo insuficiente. A Sr.ª Ministra da Saúde não se coibiu, até agora, de dar todos os esclarecimentos à comissão da especialidade e não deixará de o fazer, também, na Comissão de Economia, Finanças e Plano.

O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Sr. Presidente, tendo em atenção o interesse que há em que a Sr.ª Ministra da Saúde use da palavra, ainda durante o debate na generalidade, sob a forma de interpelação sugiro à Mesa que coloque à ponderação dos diferentes grupos parlamentares a hipótese de se conceder ao Governo um tempo suplementar, para que a Sr.ª Ministra da Saúde não deixe de fazer a sua intervenção e dar os esclarecimentos que no debate na generalidade a Câmara considera necessários.
Permito-me, pois, fazer esta sugestão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, oportunamente será considerado o alvitre que V. Ex.ª acabou de fazer.
Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Luís Martins.

O Sr. Luís Martins (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os deputados representam o País e não os círculos eleitorais por que são eleitos - artigo 152.º da Constituição da República - mas, não pode o deputado colocar-se numa posição de distanciamento do eleitorado que o elegeu, pelo contrário, deve ter sempre presente aqueles que o elegeram e as esperanças em si depositadas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Assim, é em sede de Orçamento que melhor pode defender os seus eleitores, quer nas grandes linhas da política nacional, quer nas acções que mais directamente lhes dizem respeito e às comunidades locais, concretizadas no Orçamento.
Pela primeira vez temos um Governo que colocou à nossa disposição tanta e tão variada informação, que é possível, com algum rigor, sabermos as implicações do Orçamento em cada município, em cada distrito, em cada região, e no todo nacional. Desde o Orçamento dos governos civis, até aos grandes projectos nacionais, o Governo informou, praticamente, tudo.
Assim, e quanto ao Fundo de Equilíbrio Financeiro, é notória a grande preocupação do Governo em corrigir anomalias, que são o resultado da adulteração dos índices verificados nos anos antecedentes, correcção que se pauta por critérios de isenção.
Mas não podemos analisar as implicações do Orçamento, na sua componente regional, reduzindo essa análise ao Fundo de Equilíbrio Financeiro. Importa uma análise cuidada do PIDDAC, análise que permite com algum rigor, saber o montante global das verbas do Orçamento, para cada distrito, para empreendimentos de interesse local, municipal ou regional.
Temos assim possibilidades de numa análise cuidada, de saber se há ou não justiça e equilíbrio na distribuição das verbas do Orçamento, entre municípios, entre distritos e regiões. Da análise cuidada que fizemos, há que afirmar a grande preocupação do Governo na correcção das assimetrias regionais verificadas no antecedente, na filosofia que preside ao desenvolvimento homogéneo do País.
Há, no entanto, regiões que continuam a desfrutar de uma situação de privilégio, que urge corrigir, e que, esperamos, no Orçamento próximo o Governo vá alterar.
Não é legítimo nem moral, que os diversos municípios do País tenham a seu cargo, nos termos da lei, o abastecimento de água, e os transportes, enquanto outros, não têm esses encargos, pois os diversos governos têm assumido essa responsabilidade. Não são custos de insularidade, de interioridade ou de isolamento, só podem ser os privilégios de municípios ricos, privilégios que não aceitamos.
Congratulamo-nos pelos cabais esclarecimentos que o Governo deu à Comissão no domínio das forças de segurança, esclarecimento que nunca antes haviam sido prestados, para além de termos presencialmente verificado a insuficiência de meios de que a GNR dispõe e que o Orçamento, parcialmente, contempla.
No que concerne à protecção civil, e para lá do orçamento próprio, esperamos que a verba de 100 mil contos inscrita no Orçamento -e conforme o Sr. Ministro da Administração Interna explicou à Comissão, se destina à limpeza das ribeiras das margens do Tejo - possam reduzir substancialmente as consequências das cheias.

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Tal como no Orçamento de 1985, também neste Orçamento não há, nem deveria haver, dotação orçamental para acudir a situações de calamidade, pois tal verba, a ser necessária e esperamos que não seja, deverá sair das dotações provisionais do Ministério das Finanças, por resolução do Conselho de Ministros, como é prática do antecedente e aconteceu em 1985. Queremos salientar, nesta sede, a correcção da actual estrutura orgânica do Governo.
Finalmente as autarquias locais deixaram de ter a tutela do Ministério da Administração Interna, que tutela as forças de segurança, e passaram a ter a tutela, bem mais adequada, do Ministério do Plano.
Passados doze anos sobre a data libertadora do 25 de Abril, era tempo de se libertarem do Ministério que durante dezenas de anos teve todas as tutelas possíveis sobre as autarquias locais. Sabemos que isso não agrada aos conservadores, que gostariam que nada mudasse, para lá do nome Ministério do Interior/Ministério da Administração Interna , mas têm de se conformar e adaptar à dinâmica da mudança implícita na filosofia política do 25 de Abril, da libertação do poder local, cada vez menos dependente, do Terreiro do Paço.
O Governo tem dado passos cautelosos, mas decisivos e irreversíveis, para a consolidação do poder local. Exortamo-lo a continuar esta política, que Portugal necessita e os Portugueses desejam.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social.

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social (Mira Amaral): - Sr. Presidente, Srs. Deputados:- Gostaria de começar a minha intervenção, debruçando-me sobre os organismos do meu. Ministério financiados pelo Orçamento do Estado. Nesses organismos houve a preocupação de privilegiar em termos de orçamento a Inspecção-Geral do Trabalho e o Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu. É fácil explicar porquê: a Inspecção-Geral do Trabalho por se tratar de um instrumento vital em termos de intervenção do Ministério no mercado do trabalho e ao qual importa, na medida do possível, dar os meios para que possa exercer as suas importantes e urgentes tarefas, o Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu por se tratar do organismo português de ligação com o Fundo Social Europeu e que importa ser dotado dos meios necessários à maximização da nossa; utilização desse fundo estrutural por isso, a Inspecção-Geral do Trabalho tem na proposta governamental uma dotação para despesas correntes que excede em, cerca de 92% a dotação corrente do ano passado.
Estes aumentos significativos para estes dois organismos foram possíveis graças a um melhor aproveitamento e economia de meios financeiros nos outros organismos, por forma a que os gastos correntes do Ministério não ultrapassem os valores nominais de 1985 de acordo com as instruções e as orientações governamentais.
Em termos de Orçamento da Segurança Social importa referir na proposta governamental a criação da taxa social única que é formada por junção, das contribuições para a segurança social e para o Fundo de Desemprego, uniformizando as respectivas bases de incidência contributiva.
Com esta medida, o Governo dá um importantíssimo passo no sentido da racionalização do modelo de financiamento nesta área pois que passa a ser uma única entidade - o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social - a gerir os fluxos financeiros que até agora andavam dispersos entre este Instituto e o Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego. Esta medida permitirá ainda a simplificação da carga administrativa das empresas, que passarão apenas a ter que se preocupar com uma única operação administrativa para pagamento das taxas em vez das duas operações existentes até agora.
As contribuições estimadas no Orçamento da Segurança Social são assim já as provenientes da taxa social única. Por isso é que não posso concordar com a afirmação da Comissão Parlamentar de Economia, Finanças e Plano quando diz que o aumento de receitas do Orçamento da Segurança Social em 1986 é excepcionalmente em relação aos anos anteriores e não terá paralelismo nos anos seguintes.
Esta afirmação resulta, certamente, de comparar as contribuições em 1986, derivadas da taxa social única na qual está implícita a Segurança Social mais o Fundo de Desemprego, com as dos anos transactos em que só tínhamos Segurança Social. A comparação em nossa opinião tem de ser feita com a mesma base e por isso é que ela tem de ser feita entre as contribuições de 1986 e a soma das contribuições para a Segurança Social e o Fundo de Desemprego dos anos transactos. Nesta perspectiva o aumento de 1986 em relação a 1985 em termos de contribuições é de cerca de 18%. A verba que está aqui a mais é a que se refere aos saldos do Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego, saldos que, de acordo com a proposta orçamental, apresentam um valor, total aquele Gabinete mais a Segurança Social- da ordem dos 12,5 milhões de contos, verba essa que se pode reputar, a nosso ver, de excepcional. Eu diria que essa verba - que é, de facto excepcional - é conjuntural porque é destinada a resolver um problema de momento da economia portuguesa, que é o de dar cobertura social aos trabalhadores com salários em atraso.
Do lado da despesa temos estimada uma verba de cerca de 11 milhões de contos para dar cobertura social a esses trabalhadores e, portanto, é aí que há um aumento excepcional da receita, mas, para cobrir, como já disse, uma situação excepcional e conjuntural da economia portuguesa.
Importa também referir que pela primeira vez a totalidade das receitas do Fundo de Desemprego fica no sistema, pois não há transferência para o Orçamento do Estado como aconteceu em anos transactos.
Gostaria de sublinhar que isto é um avanço importantíssimo, pois tem-me sido referida por várias organizações sociais, pelos parceiros sociais, uma grande preocupação com esta matéria, pelo que o Governo ouviu essas preocupações e, pela primeira vez, repito, não fez transferências do Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego para o Orçamento de Estado.
Gostaria também de abordar o tema das dívidas à Segurança Social e a sua ligação com a nova legislação agora publicada. A pressão sobre a tesouraria das empresas em dívida à Segurança Social foi consideravelmente aliviada, criando-se assim condições para a sua viabilização e para a estabilidade do seu volume de emprego.

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Todavia, com o período de carência permitido e o esquema de pagamentos progressivos, o impacto dessa legislação sobre as receitas a arrecadar em 1986 será pequeno. Ele poderá ser significativo nos próximos anos, na medida em que a legislação permite a viabilização das empresas e assim o pagamento das suas dívidas à Segurança Social.
A taxa social única que o Governo agora propôs vem ainda consagrar o subsídio de desemprego como prestação da Segurança Social pois que o seu financiamento passará a ser feito pelo próprio sistema de Segurança Social. Tal permitirá em termos conceptuais prosseguir na via do seguro de desemprego, seguro este que como sabem, estabelece para o desemprego uma ligação entre os seus vencimentos e carreira contributiva passada e o montante do subsídio a receber.
No que respeita ao emprego e formação profissional e designadamente ao respectivo Instituto e as acções do Fundo Social Europeu, o seu financiamento será assegurado na proposta governamental pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social através da transferência do Orçamento da Segurança Social.
O aparelho administrativo da Segurança Social passará assim a receber o conjunto das contribuições afectas à Segurança Social e ao Emprego e Formação Profissional e depois, por transferências, entregará aos organismo exteriores à segurança social as respectivas verbas.
Tudo se passa como sendo o aparelho da Segurança Social a prestar um serviço a essas actividades, designadamente às áreas do emprego e formação profissional. Por isso é que no lado da despesa, o Orçamento da Segurança Social discrimina entre despesas e transferências: a proposta governamental quando diz despesas quer dizer acções típicas de Segurança Social; quando refere as transferências significa as verbas para suportar os gastos afectos a actividades que não são de segurança social.
No domínio das transferências há ainda a referir as transferências para o INATEL e para o FAOJ.
As verbas para o INATEL destinam-se a assegurar os financiamentos que até agora eram feitos pelo Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego e pelo próprio Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.
As verbas para o FAOJ destinam-se a financiar em colaboração com a Secretaria de Estado da Juventude os programas de organização dos tempos livres feitos por aquela Secretaria de Estado.
Em termos de Instituto de Emprego e Formação Profissional, pela primeira vez se distingue entre orçamento corrente e orçamento de capital. O orçamento corrente será abastecido pelas verbas inscritas em «transferências para emprego e formação profissional». O orçamento de capital destina-se a financiar os novos centros de formação profissional que são incluídos no PIDDAC e construídos com o recurso a ajudas e financiamentos externos. Desta maneira, torna-se mais transparente o PIDDAC do Orçamento do Estado, visto que nele passam a aparecer importantíssimas acções destinadas aos centros de formação profissional.
Virá a propósito referir que, estando o Instituto do Emprego e Formação Profissional em fase de instalação decorrente da implementação dos novos estatutos, não é possível apresentar ainda o orçamento para 1986. É que esses novos estatutos estipulam uma gestão tripartida para o conselho de administração, órgão a quem compete elaborar os planos de acção e o orçamento. Estando neste momento em fase de constituição o conselho de administração só depois será possível que este órgão elabore o orçamento na base do «envelope» que lhe foi atribuído neste orçamento da Segurança Social.
Passaria agora às acções de formação profissional, financiadas pelo Fundo Social Europeu.
Como os Srs. Deputados sabem, essas acções têm contrapartidas financeiras do Estado Português. O compromisso tinha sido assumido em Bruxelas, junto do Fundo Social Europeu, pelo Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego. Extinto este, é lógico que essa contrapartida, da ordem dos 10 milhões de contos, passe a ser assegurada pelo Orçamento da Segurança Social.
A verba inscrita e proveniente do Fundo Social Europeu (13 milhões de contos) é ainda uma estimativa, pois que a aprovação final dos pedidos só é feita a 30 de Abril. Assim, estes 13 milhões de contos de créditos de pagamento, no fundo de saque sobre o Fundo Social Europeu, representam uma estimativa que considero realista dentro da fourchette de hipóteses com que temos trabalhado.
Estas verbas de 13 e 10 milhões de contos foram inscritas como despesas de capital, por não nos parecer correcto tratar as despesas de formação profissional como despesas correntes. Na realidade, a formação profissional é um investimento em recursos humanos, matéria em que o nosso país tem estado extremamente carecido, e, como tal, julgamos mais correcto tratá-la no orçamento de capital e não no orçamento corrente.
Em termos de pedidos feitos ao Fundo Social Europeu, gostaria de sublinhar que 61,3% do volume total de pedidos se destina a acções para jovens com menos de 25 anos, 37,5% para adultos e 1,2% para acções específicas.
Por aqui se vê a fatia atribuída aos jovens e que permitirá melhorar de forma significativa, em termos qualitativos e quantitativos, as acções de formação profissional, num estrato da população tão afectado pelo desemprego.

O Sr. José Cesário (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Será importante referir que este conjunto de projectos, metidos no Fundo Social Europeu, foi preparado pelo anterior governo e, como tal, não poderia ser ainda significativamente influenciado pelo pensamento deste governo, em termos de formação profissional.
O Governo já implementou um esquema de planeamento, que permitirá tratar, em termos globais e integrados, os nossos pedidos junto dos fundos estruturais. Naturalmente que o Ministério do Trabalho e Segurança Social se integra nesse esquema em termos de Fundo Social Europeu, o que permitirá articular, de forma mais conveniente, esse acesso ao Fundo Social. Europeu com as necessidades do País e a consequente estratégia económica.
Gostaria também de referir que, passando o País a dispor de um instrumento financeiro como é o Fundo Social Europeu, a nossa política de formação profissional terá de ser articulada com os pedidos para esse Fundo.
É a esta luz que deverão ser revistos os esquemas de formação profissional, pois não teremos, certamente,

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recursos para, por um lado, dar as contrapartidas nacionais para o Fundo Social Europeu e, por outro, estender um esquema de formação desligado ou desgarrado dessas acções com o Fundo Social Europeu.
Em termos de acções para a juventude, gostaria ainda de referir a legislação feita pelo Governo, que dispensa as entidades patronais, durante um período limitado de tempo - cerca de dois anos -, do pagamento das contribuições da parte patronal, para a Segurança Social e para o Fundo de Desemprego.
O Governo considera que esta acção é um importante estímulo para fomentar o emprego dos jovens e para a renovação dos quadros de pessoal das empresas.
Em termos de subsídios de desemprego lay-off, fundo de garantia salarial e indemnizações compensatórias, e de acordo com o que já referi nas comissões parlamentares, essa grande rubrica que até agora era financiada pelo. Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego/pode ser dividida em dois grandes blocos: um deles, com medidas para pessoas à procura de emprego ou empregadas; outro, para medidas de protecção no desemprego ou situações equiparáveis.
O primeiro bloco tem de ser visto como esquemas que permitam alternativas válidas aos subsídios de desemprego.
Em termos financeiros, o mecanismo de conversão de um subsídio de desemprego, em apoios ao emprego ou à sua manutenção, é simples: essa conversão deve ser feita, sempre que o custo de um emprego para o Estado não seja superior ao custo orçamental total de um desempregado, estando incluído nesse custo, além do subsídio de desemprego, as cotizações da Segurança Social e os impostos que o Estado não recebe.
Em termos económicos, tal poderá ser feito sempre que o apoio estatal não vá distorcer a concorrência nos sectores económicos.
Em termos de segurança social, tal corresponde à tendência moderna e europeia de transformar uma segurança social passiva; de carácter meramente assistêncial, numa segurança social activa que ajude o trabalhador a manter-se no mercado de trabalho ou a entrar para esse mercado.
Em termos sociais, diríamos que uma convenção destas é extremamente importante, pois não há nada de mais preocupante do que ter um trabalhador inactivo e desempregado.
Apenas a título de exemplo poderemos citar nestas medidas a capitalização do subsídio de desemprego, em ajuda à criação do próprio emprego: a conversão do subsídio de desemprego em apoio ao emprego, para combater o desemprego sazonal; e ainda dois programas, a lançar com o apoio do Fundo Social Europeu e destinados aos jovens. Refiro-me, concretamente, à ocupação temporária de jovens em equipamentos sociais a ao apoio às actividades independentes.
No conjunto de medidas de protecção no desemprego ou situações equiparáveis, há a destacar as verbas para o subsídio de desemprego (que caminhará no sentido do seguro de desemprego) e ainda as verbas para cobertura social dos trabalhadores com salários em atraso. Convirá aqui dizer, ao contrário do que se tem afirmado, que a legislação do Governo não vem aumentar o desemprego, pois que ele já existe, implícito em muitas empresas com salários em atraso ou paradas. Trata-se, pois, de uma legislação que é economicamente realista; socialmente justa e moralmente honesta para os trabalhadores.
Gostaria ainda de sublinhar que com esta legislação, os trabalhadores que recorrem a estas medidas têm cobertura e estão dentro do sistema de segurança social, pois que o subsídio de desemprego tem equivalência contributiva, em termos simples. Isto quer dizer que quando um trabalhador recebe subsídio de desemprego, a entidade pagadora desse subsídio substitui-se à entidade patronal no pagamento das contribuições para a Segurança Social e, portanto, o trabalhador está dentro dessa mesma Segurança Social.
Isto não é novo neste governo; é apenas a legislação que já havia sobre o desemprego e que nos limitámos a aplicar nesta matéria.
Por último, gostaria de sublinhar que o Orçamento da Acção Social aumenta em 37 % em relação ao ano passado; as pensões aumentaram de cerca de 22 % em Dezembro de 1985 e as verbas afectas ao abono de família têm, em 1986, um crescimento de cerca de 50 %, em relação aos valores de 1985. Tudo isto quando a inflação prevista para 1986 é de 14 % e, neste momento, se espera até que seja inferior, face aos últimos indicadores disponíveis.
Este esforço do Governo em termos sociais, só poderá ser reforçado com uma economia próspera e competitiva, que torne o nosso país um espaço mais próspero, mais justo e mais fraterno.
É pois preciso gerir o binómio solidariedade/competição, para que as empresas sejam competitivas e possam libertar recursos para pagar a solidariedade social. Importa assim reforçar a ligação entre a política económica e uma renovada política social. Este orçamento da Segurança Social é assim, na medida dos recursos disponíveis, um instrumento dessa política económica e social global e coerente, reflectida no Orçamento do Estado proposto.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, pediram a palavra os Srs. Deputados Carlos Martins, António Mota, António Marques, Zita Seabra, Gomes de Pinho, Amândio de Azevedo, Torres Couto e Pereira Lopes.
Tem então a palavra o Sr. Deputado Carlos Martins.

O Sr. Carlos Martins (PRD): - Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social, referiu V. Ex.ª que há verbas destinadas à formação profissional.
Suponho que, à semelhança do que tem estado a ocorrer, essa formação profissional será feita, por um lado, nos serviços oficiais e, por outro, nas próprias empresas.
Agradecia, portanto, que me indicasse qual a repartição das verbas para a formação que é feita nos serviços oficiais, e a que é destinada a ser efectuada nas próprias empresas.

O Sr. Presidente: - Decerto que o Sr. Ministro pretenderá responder no final, após todos os Srs. Deputados inscritos terem formulado os seus pedidos de esclarecimento, não é verdade?

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra o Sr. Deputado António Mota.

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O Sr. António Mota (PCP): - Sr. Ministro, da intervenção de V. Exa. ficou-me a ideia de que desconhece urna grande realidade do nosso país. que se traduz no facto de um terço da população deste pais viver, neste momento em condições bastante difíceis: numa situação de pobreza bastante acentuada.
Sr. Ministro, 40 % da população activa deste pais não vê qualquer solução neste Orçamento, não divisa qualquer perspectiva de resolução dos seus mais graves problemas. Assim, Sr. Ministro, gostaria de lhe colocar algumas perguntas, porque, de facto, a intervenção de v. Exa. suscitou-me bastantes dúvidas.
Sendo assim, a primeira pergunta que lhe faria era a seguinte: sobrando 12.5 milhões de tontos do Fundo de Desemprego e sabendo nós que só 16 % dos trabalhadores desempregados são abrangidos por este subsídio, pergunto ao Sr. Ministro se não lhe parece escandaloso que, numa população de largas centenas de milhar de desempregados, só 16 % sejam abrangidos peio Fundo de Desemprego, quando, de facto, existem milhões de contos que sobram desse Fundo e que deveriam ser aplicados precisamente neste sentido em favor dos trabalhadores, com o fim de resolver ou pelo menos atenuar a sua situação.
Sr. Ministro, em 1985 estavam orçamentados 13 milhões de contos para o subsídio de desemprego, o que leva a crer que este ano só se verificará um aumento de 3 milhões de contos.
O que perguntava a V. Exa. era se, de facto, com esta situação, o Sr. Ministro vislumbra qual irá ser a situação dos 400 000 trabalhadores não abrangidos pelo subsídio, os quais têm também direito á vida e para os quais o Estado tem uma grande obrigação. Portanto, perguntava também ao Sr. Ministro como é que pensa resolver a situação destes 400 000 trabalhadores que não têm direito ao referido subsidio.
A outra questão que queria colocar ao Sr. Ministro relaciona-se com a higiene e segurança.
O Sr. Ministro reforçou, em relação a 1985, a verba destinada à Direcção-Geral de Higiene e Segurança, no montante de 6000 contos.
Assim, perguntava-lhe se não lhe parece que esta verba é muito reduzida, quando sabemos que há empregas onde não são cumpridos, minimamente, os preceitos sobre higiene e segurança e onde se verificam, diariamente, acidente mortais.
Sr. Ministro, as doenças profissionais são cada vez em maior número e portanto. não me parece ser com esta verba - gostaria de ouvir depois o Sr. Ministro justificá-lo - que o Governo vai dar a possibilidade de a Direcção-Geral de Higiene e Segurança empreender uma acção que é fundamental, neste campo.
Por último, Sr. Ministro, queria dizer-lhe que tenho dúvidas de que o reforce da verba para a Inspecção-Geral do Trabalho, no valor de 140 000 contos, venha resciver qualquer problema desse organismo.
Como sabemos que o pessoa: do Gabinete de Gestão Financeira do Fundo de Desemprego vai passar para a Inspecção-Geral do Trabalho, perguntava ao Sr. Ministro o seguinte: será que esta verba de 140 000 contos vai contribuir para que a Inspecção-Geral do Trabalho cumpra a missão que tem e que, neste momento, é importante para a resolução dos graves problemas do mundo do trabalho?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Marques.

O Sr. António Marques (PRD): - Sr. Ministro de Trabalho, é sabido que se o Orçamento do Estado for aprovado, tal e qual como é apresentado a esta Câmara. irá aumentar significativamente a carga fiscal e, do mesmo modo, a injustiça social.
De facto, os impostos directos aumentarão cerca de 16,4%, mas os impostos indirectos aumentarão 44.3 % sem o Fundo de Abastecimento e 65% se incluirmos esse Fundo.
Claro que os impostos indirectos são aqueles que afectam tanto os ricos como os pobres, o que, como já referi, irá agravar a injustiça social.
Também é do conhecimento público que apenas 17% dos trabalhadores recebe subsidio de desemprego.
Como é possível manter esta injustiça, utilizando apenas 16 dos 61 milhões de contes de receita prevista para este ano receita essa proveniente dos trabalhadores, para pagar a trabalhadores desempregados?
Por outro lado, não é menos injusto fazer pagar os impostos complementar e profissional a trabalhadores com salários em atraso, desempregados ou em situação de doença e com grandes dificuldades.
Em terceiro lugar, queria colocar-lhe uma outra questão, relacionada com o previsto no artigo 10.° da Lei do Orçamento, em que se prevê a obtenção da autorização para extinguir os organismos de coordenação económica - Junta Nacional dos Vinhos, Junta Nacional dos Produtos Pecuários e Junta Nacional das Frutas.
Prevê o Governo que os trabalhadores dos referidos organismos venham a ser transferidos para outros departamentos ou prevê, pura e simplesmente, desemprega-los?

O Sr. Presidente: Tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Ministro, creio que há muitos problemas sociais em Portugal, mas os dois maiores - se é possível quantificar isto - talvez sejam o desemprego e a desprotecção na velhice.
Em relação ao desemprego, á protecção real dos desempregados, o Governo mantém, no fundo, a situação que existia, pois no ano passado tínhamos 14 milhões de contos e este ano temos 16 milhões.
Também os trabalhadores portugueses no desemprego continuam a receber subsidio de desemprego somente durante dois anos. E para não falar já no valer desse mesmo subsídio, falar-lhe-ei nesse prazo de dois anos.
Num país com um número tão grande de desempregados, tal significa que temos uma imensa desprotecção social para muitos trabalhadores portugueses e que não há qualquer medida de fundo, a não ser o escamotear desta realidade com mais uns milhões de contos -- que são destinados, segundo o Governo, para os trabalhadores com salários em atraso -, em relação aos quais me permito dizer-lhe tratar-se apenas de um «saco azul» para o Governo utilizar como muito bem entender pois não estão contempladas no Orçamento que estamos a apreciar as dotações concretas nas quais será gasto esse dinheiro.
Em relação as reformas, a questão é esta: a imensa maioria dos reformados em Portugal não tem uma reforma que lhe permita sobreviver e tal situação não se pode manter.

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Assim, tendo nós uma população activa que se traduz em um trabalhador no activo para cada dois inactivos, pergunto-lhe, Sr. Ministro, que medidas de fundo é que o Governo encara para o saneamento financeiro da Segurança Social. É que, de concreto, neste Orçamento, a única coisa que o Governo altera, aquilo que muda, são meia dúzia de benesses para o patronato à custa dos dinheiros da Segurança Social. E dou-lhe um exemplo: desde a amnistia das taxas de juro das dívidas dos patrões à Segurança Social, até ao decreto - que o Sr. Ministro acha muito louvável - para fomentar o emprego para os jovens, tudo retraia essa situação.
Nós achamos louvável que se fomente o emprego para os jovens e achamos louvável a criação de postos de trabalho para esses mesmos jovens. Porém, isto é feito à custa das verbas da Segurança Social.
Conhece o Sr. Ministro as consequências que este decreto está a ter no mundo do trabalho? Isto é, sabe o Sr. Ministro que as entidades patronais não estão a renovar os contratos a prazo, prescindindo do contrato de trabalho com trabalhadores que já lá estavam a prazo e que estão acima da idade, para empregarem jovens isentos do pagamento da Segurança Social? Isto está a acontecer em todo o País e temos aqui, todos os dias, uma correspondência imensa de trabalhadores nesta situação.
Outra questão prende-se com o facto de o Sr. Ministro ter também publicado, recentemente, um despacho em que retira o direito à Segurança Social aos trabalhadores com salários em atraso.
Com efeito, isto é claro, destinando-se a remeter esses trabalhadores para o Decreto-Lei n.º 7-A/86. Porém, o referido decreto-lei, que os equipara a desempregados, tem um prazo - termina em Abril - e, mais do que isso, esse decreto só lhes garante o subsídio de desemprego durante seis meses. Assim, Sr. Ministro, pergunto-lhe muito concretamente: ao fim de seis meses o que é que acontece a esses trabalhadores?
Até agora, e apesar de terem os salários em atraso, as folhas entravam na Segurança Social e eles mantinham todos os direitos referentes à Segurança Social - o valor das reformas, o subsídio de doença, o subsídio de maternidade. Todos eles tinha esse direito, mas agora o Governo vem retirar-lhes isso.
No entanto, isto tem uma outra consequência - e cá estão as tais benesses ao patronato: é que, não entrando folha de caixa, os patrões deixam de dever à Segurança Social, isto é, quando têm salários em atraso deixam de ficar a dever à Segurança Social. Esta é uma nova benesse ao patronato, Sr. Ministro, pelo que gostaria de saber quais as consequências financeiras que isto tem.
Sr. Ministro, gostaria de lhe colocar ainda uma outra questão referente às dívidas, mas sobre a qual não nos deu números.
Já há vários debates - desde o debate do Programa do Governo - que a minha bancada lhe pergunta qual é o montante das dívidas - o montante real, sem escamotear as letras que estão para desconto na banca.
Pelos nossos números, Sr. Ministro, essa dívida é não só a maior de sempre, como subiu a um ritmo superior ao que se vinha verificando anteriormente, rondando, neste momento, os 125 milhões de contos e englobando neste montante as letras que estão para desconto, pois elas continuam em dívida.
Uma última questão que gostaria de lhe colocar era a seguinte: perguntamos-lhe, muito concretamente, o montante das dívidas à Segurança Social. Perguntamos-lhe agora se com estas medidas, de sucessivas amnistias aos patrões que devem e sem se encararem, a fundo e a sério, medidas reais para melhorar a situação dos portugueses mais desprotegidos, não estamos a caminhar para uma completa ruptura financeira do sistema de segurança social e se, para o ano, aquilo que se irá passar não será antes, em vez de estarmos, usando a sua expressão, «a caminhar para uma tendência moderna e europeia», estarmos a caminhar para uma tendência subdesenvolvida e atrasada de desprotecção social dos portugueses na doença ou na velhice.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Ministro, gostava de lhe pôr duas ou três questões de carácter eminentemente técnico.
A primeira situa-se no domínio da formação profissional, que o Sr. Ministro abordou com algum desenvolvimento, aliás justificado, pois penso ser uma das áreas fundamentais do seu Ministério.
Em relação a essa área, gostaria de lhe dizer que estava convencido, por algumas declarações públicas de V. Ex.ª, que era sua intenção privilegiar formas não estatais de formação, designadamente de formação na empresa e de formação protocolar, isto é, resultante de acordos entre a iniciativa privada, as entidades sindicais e o Estado.
Verifico, porém, que não é essa a estratégia que resulta, pelo menos com clareza, do Orçamento e, mais grave do que isso, que se insiste, atribuindo a uma rede de formação estatal, de construção de novos centros profissionais de natureza estatal, uma boa parte dos recurso provenientes da Comunidade Económica Europeia.
Assim, pergunto-lhe se isso será um caminho adequado, sobretudo se tivermos em conta a experiência negativa que tem a formação profissional estatal em Portugal e uma evidente relação negativa entre o custo e a eficiência dessa formação, quando comparada com outras formas de formação.
Em segundo lugar, gostaria de perguntar ao Sr. Ministro se a omissão que fez, relativamente ao artesanato, não apenas como forma importante de expressão cultural do nosso povo mas também como um instrumento importante de política de emprego, se deve à eventual falta de tempo de que dispôs para fazer a sua intervenção ou se, pelo contrário, resulta de uma minimização dessa área na política de emprego do Governo.
Finalmente, gostaria de lhe perguntar se, face à análise que já é possível fazer do recurso pelos trabalhadores aos mecanismos que estão à sua disposição, quer em matéria de lay-off quer em matéria de protecção aos trabalhadores com salários em atraso, não acha o Sr. Ministro que seria razoável repensar algumas das previsões que estiveram na base do Orçamento e que determinaram as verbas nele inscritas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Amândio de Azevedo.

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O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito rapidamente, gostaria de manifestar, em meu nome pessoal e em nome da bancada do PSD, a total concordância com a política orçamental na área do trabalho, emprego e formação profissional.

Risos do PS e do PCP.

O Sr. Ministro teve já oportunidade de pôr em relevo alguns aspectos fundamentais, mas seria bom que a Câmara não se perdesse em aspectos de pormenor e que atentasse, pelo menos durante uns segundos, na circunstância de ser esta a primeira vez em que não há transferência das receitas destinadas à política de emprego e de formação profissional para o Orçamento do Estado. À totalidade das receitas sociais oriundas do Fundo de Desemprego há que acrescentar, ainda, 13 milhões de contos oriundos do Fundo Social Europeu e 12 milhões e SOO 000 contos de saldos existentes da gestão anterior. Isto significa que em matéria de formação profissional temos as seguintes verbas: 13 milhões de contos mais 10 milhões e 60 000 contos do instituto de Emprego e Formação Profissional, 11 milhões e 22 000 contos também deste instituto e essencialmente destinadas à formação profissional, cerca de S milhões de contos para a construção de centros de formação profissional, o que dá uma verba global, em termos relativos, da ordem dos 40 milhões de contos, pelo que não pode deixar de ser considerada como extremamente importante.
Srs. Deputados, há que fazer opções e quero perguntar ao Sr. Ministro se a melhor protecção a um desempregado não é fornecer-lhe um emprego em vez de se lhe fornecer apenas um subsídio social.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Efectivamente, num ministério com responsabilidades na política social, como é o Ministério do Trabalho e Segurança Social, é encontrando um justo equilíbrio entre verbas destinadas a consumo, a necessidades essenciais, e verbas destinadas a gerar condições para a criação de novos empregos, que se deve elaborar o respectivo orçamento.
Pela minha parte estou seguro de que as verbas destinadas à protecção social dos cidadãos nunca serão suficientes, nem este ano nem nunca, tanto em Portugal como nos países mais desenvolvidos. O fundamental é que não nos esqueçamos de que os poucos recursos de que dispomos terão de ser aplicados em ordem a preparar o futuro e não no seu rápido consumir, em um ou dois anos, e ficarmos, depois, a viver em condições de penúria. Por isso, Sr. Ministro, dou a minha inteira solidariedade ao orçamento que apresentou.
Já agora, quero perguntar a V. Ex.ª se efectivamente considera que é desejável introduzir nos centros oficiais de formação profissional esquemas de gestão semelhantes aos que já foram implantados nos centros protocolares de formação profissional e se não considera que há que prever o reforço e o desenvolvimento das acções de formação profissional em ligação com as Comunidades Europeias e de ter isso em conta na elaboração dos orçamentos. Isto porque se gastamos demasiados fundos na protecção social directa dos trabalhadores, amanhã não teremos verbas para desenvolver acções de formação profissional co-financiadas pela CEE.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Torres Couto.

O Sr. Torres Couto (PS): - Sr. Ministro, começo pelas palavras do Sr. Deputado Amândio de Azevedo - e foram bonitas palavras, merecendo a total concordância da nossa bancada - quando disse que, mais importante do que o Governo resolver os problemas deste país e das camadas mais desfavorecidas da população através da concessão de subsídios, é a resolução do problema em termos estruturais, criando empregos.
Nisso estamos inteiramente de acordo, mas o que não vislumbramos na proposta global do Orçamento é o que o Governo oferece nessa matéria. Por conseguinte, será muito importante que o Governo, e em particular o Sr. Ministro, nos diga com mais pormenor e rigor o que é que o Governo pensa fazer e o que é que contemplou na proposta orçamental em termos de abordagem da política de emprego. Na nossa perspectiva, e é possível que estejamos enganados, o Governo é pouco ambicioso nesta matéria, pois emendemos que há muito a fazer no sentido de resolver o problema estrutural do desemprego em Portugal, porque, efectivamente, neste momento trata-se de um problema estrutural.
Sr. Ministro, estou inteiramente de acordo com V. Ex.ª quando aponta a necessidade que vem consubstanciada na proposta orçamental de aumentar significativamente a dotação para a Inspecção-Geral do Trabalho. Todos conhecemos bem o que é o funcionamento caótico dessa inspecção-geral, o que são as insuficiências gravíssimas que penalizam drasticamente os trabalhadores. E sabemos bem que esse não é um problema de responsabilidade sua ou do Governo que integra mas, antes, uma herança.
De facto, a Inspecção-Geral do Trabalho não tem sido munida dos necessários meios financeiros e humanos. Mas, apesar do reforço de verba ser significativo e de V. Ex.ª falar do aumento substancial na respectiva dotação, 92%, em relação ao ano anterior, e face às conhecidas carências de trabalho da Inspecção-Geral do Trabalho, entendo que o Governo deveria ser mais ambicioso nesta matéria porque, efectivamente, é necessário acabar drástica e rapidamente com uma situação que é gravíssima para amplas camadas do povo português.
O Governo diz que pela primeira vez não há transferências de verbas do orçamento da Segurança Social para o Orçamento do Estado. Parece que daí poderia resultar - e só assim poderíamos prever que isso fosse positivo - que houvesse um benefício significativo no comportamento da Segurança Social, e não só no que concerne às prestações sociais e à abordagem de algumas questões fundamentais como, por exemplo, as da higiene e segurança no trabalho, que já foram focadas aqui e que, em nosso entendimento, neste Orçamento do Estado não têm o devido tratamento por parte do Governo.
Também já aqui foi referido que existem situações gravíssimas, que o Sr. Ministro conhece muito bem, e que decorrem de acidentes constantes em algumas minas portuguesas, havendo determinações do Governo para que sejam tomadas medidas, sem que as mesmas hajam já sido efectivamente tomadas. Muito pelo contrário, todos os meses, semana a semana, são mais os acidentes e maior é o número de vítimas. Sabemos também que em algumas minas portuguesas o combate ao

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problema gravíssimo que é a silicose não tem tido a devida atenção, pelo que seria importante que este orçamento dotasse a área da prevenção dos acidentes e da higiene e segurança do trabalho com uma verba que permitisse uma redinamização efectiva em termos de combate de fundo a essa doença. De facto, isso fica muito aquém daquilo que o Governo promete.
Em relação à área da formação profissional, Sr. Ministro, quero dizer-lhe que não basta V. Ex.ª referir que a partir de agora vai haver uma gestão tripartida, um órgão tripartido que vai definir um programa de acção em função do qual vai definir uma proposta de orçamento. Importa referir, também, que nesta área há uma desregulamentação total e abusos significativos na utilização de fundos públicos. Gostaria que o Sr. Ministro nos dissesse o que pensa fazer em termos de denúncia e combate para se pôr termo a uma situação tão grave como é a da utilização abusiva de centenas de milhares, ou talvez milhões, de contos de verbas do Fundo de Desemprego e da formação profissional, que são utilizadas por algumas empresas e empresários pouco escrupulosos, não ao serviço de uma política de formação profissional mas como um fundo de maneio para suprir alguns problemas conjunturais das suas empresas.

O Sr. Presidente: - Uma vez que fui informado de que o Sr. Deputado Pereira Lopes prescinde do uso da palavra, concedo de imediato a palavra ao Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados.

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: -
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Face às restrições de tempo, serei forçosamente breve.
Em relação ao Sr. Deputado Carlos Martins, dir-lhe-ei que neste momento não posso discriminar as verbas que referiu visto que, nesta matéria, o instrumento fundamental do Governo é o Instituto do Emprego e Formação Profissional e como lhe disse esse orçamento vai ser feito em conjunto com os parceiros sociais no seio do conselho de administração desse Instituto. Portanto, cabe a todos, Governo, sindicatos e empresários, elaborar esse orçamento e discriminar essas verbas. E óbvio que ao fazê-lo não podem ignorar todo o passado, porque há sempre uma inércia na elaboração de um orçamento. No entanto, não lhe posso dar essa discriminação de verbas pois estaria a antecipar-me em relação ao conselho de administração do IEFP e haveria logo alguns Srs. Deputados que diriam que esse órgão não teria, então, uma gestão tripartida.
Em relação ao Sr. Deputado António Mota posso dizer que estou inteiramente de acordo com o Sr. Deputado, quando diz que um terço da população do País tem muito más condições de vida. A divergência é que entendemos que uma política social que tem de ser economicamente realista, pois o que nos últimos anos se tem tentado fazer no nosso país é o social sem p económico..

O Sr. António Mota (PCP): - Mas tem sido o seu partido que tem estado no Ministério do Trabalho nos últimos anos!

O Orador: - Já vimos ao que isso conduz, pois é irrealista, utópico e, a prazo, perigosamente anti-social. Portanto, se a sua concepção sobre esta matéria é a de se fazer o económico sem o social, devo dizer-lhe que é diferente da nossa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto aos 12 milhões de contos que sobram do Fundo de Desemprego, é óbvio que vão ser aplicados em subsídios de desemprego para aqueles trabalhadores que se encontram numa situação a que chamo «desemprego implícito» ou «desemprego não explícito» e que são um conjunto muito grande de trabalhadores que estão com salários em atraso. Manda a realidade económica que se diga que esses trabalhadores estão na verdade desempregados, embora o não estejam juridicamente.
É, evidente que todos gostaríamos de ter mais dinheiro para cobrir estas situações. No entanto, repito, há que ser realista e não nos podemos esquecer do aspecto económico e de que não temos possibilidades de angariar mais recursos para estender estes mecanismos sociais.
O que fizemos representa já um grande esforço.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Relativamente ao aumento de 13 milhões de contos em 1985 pára 16 milhões de contos em 1986, o Governo não, espera que o desemprego aumente. Já foi aqui afirmado, e melhor do que eu os Srs. Ministros das Finanças e dó Plano referiram esta questão, que se pensa que q emprego terá algum crescimento uma vez que o aumento que se vai verificar no produto interno bruto vai ser repartido entre produtividade e emprego!
Assim, não estamos a contar com um aumento do desemprego mas, sim, com uma melhoria da cobertura social desses desempregados, em termos da passagem do subsídio social de desemprego ao seguro de desemprego. O que está aqui patente é, no fundo, um reflexo dessa actualização financeira e não o aumento físico do universo dos desempregados.
Em termos da Direcção-Geral de Higiene e Segurança no trabalho direi que se se visse só o orçamento corrente V. Ex.ª teria razão. Contudo, o Sr. Deputado não viu o orçamento do PIDDAC, pois vamos fornecer meios materiais de contrôle e de medida- àquela Direcção-Geral para depois, fazer as acções necessárias.
Também o instituto de Emprego e Formação Profissional tem aqui uma tarefa .para complementar a acção da Direcção-Geral ;de Higiene e Segurança no Trabalho, pelo que digo que a visão de V. Ex.ª é parcelar uma vez que as acções não se esgotam naquela direcção-geral.
Relativamente ao aumento dos 26 milhões de contos para os 50 milhões de contos, estou de acordo com o Sr. Deputado Torres Couto, á quem aproveito para responder já. A única diferença que existe é que estou no Governo e o Sr. Deputado não, pelo que tenho restrições orçamentais que o Sr. Deputado não tem: Dê facto, gostaria de aumentar ainda mais as verbas para a Inspecção-Geral do Trabalho, mas existem restrições orçamentais que não p permitem
Respondendo ao Sr. Deputado António Mota, devo dizer que este aumento é já muito significativo e o que não conseguimos é, de um momento pára outro e quase como com varinha mágica, arranjar 'um conjunto de inspectores que consiga fazer o trabalho. Não basta só admitir pessoas, pois é preciso prepará-las e isso leva algum tempo. Portanto, os 50000 contos que apare-

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cem na rubrica «despesas correntes» não são despesas com pessoal, pois isso é uma rubrica à parte, e é aquilo que é realista e que traduz a capacidade de absorção do corpo da Inspecção-Geral do Trabalho.
Em relação às questões formuladas pelo Sr. Deputado António Marques, já tive oportunidade de expressar a minha opinião relativamente ao subsídio de desemprego.
Devo dizer que estou de acordo com o que diz o Sr. Deputado Amândio de Azevedo, pelo que aproveito para lhe responder que a óptica correcta deve ser a de procurar criar emprego ou dar formação profissional em vez de recorrer ao esquema meramente assistêncial da concessão de subsídio de desemprego. Se isto é válido para a generalidade da população, ainda é mais válido para a população jovem. Os jovens não querem subsídio de desemprego mas, sim, uma ferramenta que lhes permita entrar no mercado de trabalho.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em nenhum país da Europa Ocidental, à qual aderimos, os jovens têm uma cobertura em termos de subsídios de desemprego, pois a cobertura que detêm é sempre mínima. No que respeita a esta matéria não queiramos ir muito à frente dos outros países, tanto mais que noutras matérias estamos, ainda, muito atrás deles.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Relativamente às questões formuladas pela Sr.ª Deputada Zita Seabra, já tive oportunidade de dizer o que penso sobre o desemprego e os jovens.
Que há falta de protecção na velhice, todos sabemos e nenhum de nós está satisfeito com isso, mas o Governo tem restrições orçamentais que não lhe permitem ir mais além do que já foi. Aliás, em termos de pensões, posso dizer que são muito significativos os aumentos reais para este ano, pois se virmos que o crescimento médio das pensões é da ordem dos 22% e que a taxa de inflação prevista é de 14%, trata-se de uma inversão total da situação existente em anos anterior.
Quero também dizer à Sr.ª Deputada Zita Seabra que cometeu um lapso, pois em Portugal, felizmente, ainda temos dois activos para um inactivo e não o contrário - neste caso é que concordaria consigo de que a Segurança Social estaria insolvente, o que realmente não acontece.
Em termos de benesses para o patronato no caso da legislação sobre dívidas, direi que, de facto, a Sr.ª Deputada não tem recebido as comissões de trabalhadores e os sindicatos, pois quando os recebo a preocupação que me expressam é relativa à maneira da segurança social suavizar o pagamento das dívidas por forma a que se possa manter o nível de emprego. Por isso, Sr.ª Deputada, aconselho-a a viver mais com o mundo do trabalho.

Aplausos do PSD.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Essa é boa! Até parece que as dívidas são do mundo do trabalho.

O Orador: - Dir-lhe-ei ainda que não tirámos nenhum direito aos trabalhadores, em termos de segurança social, e é preciso que se esclareça isto. Por um despacho, do Sr. Secretário de Estado, apenas reafirmámos e confirmámos a legislação que existe e que é muito simples: quando não há pagamento de salários não há direito ao envio das folhas de salários e como tal não se consideram os trabalhadores no sistema da segurança social. Ao inverso, a nossa legislação coloca os trabalhadores nessas situações no sistema de Segurança Social!
Sr.ª Deputada, aconselho-a a ler com mais cuidado a legislação, embora compreenda que não tenha tido essa possibilidade - aí, eu talvez tenha uma vantagem comparativa pois estou há mais tempo na Segurança Social.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - E ainda não aprendeu! É difícil!

O Orador: - Penso que o Sr. Deputado Gomes de Pinho interpretou mal as minhas palavras. Estou inteiramente de acordo que o Estado não pode fazer toda a formação profissional, e já o tenho dito publicamente por várias vezes.
O problema que se passa é que já havia compromissos assumidos em termos de ajudas de pré-adesão da CEE e a «luz verde» é para aqueles centros de formação profissional que já estavam com compromissos assumidos. Como sabe, havia um programa de vinte e cinco centros de formação profissional que tem de ser revisto, mas não vou aqui falar disso pois não tenho tempo.
Incentivamos todos os esquemas de formação e cooperação em que colaborem os sindicatos e o patronato e isto não é uma atitude ideológica mas, sim, de realismo económico, visto que só com as forças sociais é que temos garantias de que a formação profissional é adequada às nossas realidades.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Em termos de artesanato, não o referi por falta de tempo, temos verbas a dois níveis: no Instituto do Emprego e Formação Profissional e naquele grande bloco que referi do Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego.
Em termos de trabalhadores que têm respondido à nossa legislação, devo dizer que neste momento há 3000 requerimentos feitos, e a impressão que há sobre os centros de desemprego é a de que começou a funcionar há pouco tempo a «bola de neve». Portanto, a estimativa que temos foi a que demos aos Srs. Deputados das comissões parlamentares, pelo que não percebo como é que podem dizer que há um «saco azul». Só havendo uma certa dificuldade em compreender estas coisas é que se pode dizer que há um «saco azul», pois está tudo explicado sobre o que se passa nestas matérias.
Em termos do que disse o Sr. Deputado Amândio de Azevedo e com quem estou inteiramente de acordo, penso que já respondi na generalidade e nada mais haverá a dizer.
Relativamente ao Sr. Deputado Torres Couto, não quero aqui entrar no problema da caracterização estrutural do desemprego. Como economista gostaria muito de o fazer, mas melhor do que eu para o fazer estão aqui os Srs. Ministros das Finanças e do Plano. Além disso, a escassez de tempo não me o permite.
Posso dizer que estou de acordo com o Sr. Deputado no que se refere à formação profissional, pois têm

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havido alguns abusos na atribuição de verbas. Mais: a formação profissional, por vezes, tem sido vista como uma forma de atribuir subsídios encapotados às empresas e isso tem de terminar pelo que já «travei» alguns desses subsídios. É evidente que não tenho a pretensão de conseguir travá-los todos, saber tudo ou ser perfeito na minha actuação, mas devo dizer que estou inteiramente nessa sintonia.
Em todo o caso, posso dizer-lhe que estes desvios que têm havido não são só de entidades patronais, pois tem havido outros organismos no, nosso país que têm recebido indevidamente subsídios de formação profissional.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - É- para exercer o direito de defesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra. Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já por várias vezes neste debate que vários Srs. Ministros, ao se dirigirem à nossa bancada, o fazem em termos que consideramos menos correctos.
É legítimo discordar ou concordar politicamente com as opiniões emitidas, mas creio já não ser legítimo adjectivar ou qualificar os deputados interpelantes. Pelo nosso lado, não fazemos isso em relação aos Ministros,...

Uma voz do PSD: - Não o fazem pouco!

A Oradora: - ... não por especial consideração para com eles, mas por pensarmos que devem ser essas as regras que devem nortear o debate político nesta Casa.
Digo-lhe, Sr. Ministro, que lemos bem os seus despachos e decretos, não porque consideramos que sejam particularmente bem escritos, mas por obrigação e pelo dever para quem nos elegeu para cumprir o mandato.
Quando o Sr. Ministro diz que não foram retirados nenhuns direitos aos trabalhadores com os salários em atraso, isso não é verdade. O despacho de 15 de Fevereiro retira-lhes o direito a que as suas folhas de caixa sejam entregues na Segurança Social, retirando-lhes assim o direito à Segurança Social, ou seja, um direito fundamental.
Em segundo lugar, o Sr. Ministro também não desmente que o Decreto-Lei n.º 7-A/86 - e também o lemos bem - está em vigor durante três meses...
A questão que se coloca é a seguinte: onde é que os trabalhadores que não recorreram ao decreto-lei que referi vão parar em termos de segurança social, quando se lhes aplicar este despacho que acabou de ser publicado no Diário da República e que lemos com muita atenção?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. António Capucho (PSD): - O que eu gostaria de saber é o que é que isto tem a ver com ,a defesa da honra!

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, a nossa bancada questionou há pouco a Mesa sobre sé a Sr.ª Ministra da Saúde iria ou não intervir no presente debate. O Sr. Ministro, dos Assuntos Parlamentares referiu a dificuldade de a Sr.ª Ministra intervir, dada a falta de tempo da bancada governamental.
Entretanto, o Sr. Deputado Lopes Cardoso fez uma proposta concreta: a de que fosse colocada às diferentes bancadas a questão de poder ser considerado um reforço de tempo para o Governo, de modo a que a Sr.ª Ministra da Saúde pudesse intervir;
Até ao momento, não temos qualquer resposta. Queremos manifestar desde já que não temos qualquer objecção a que haja um alargamento de tempo para o Governo, mas achamos que deveríamos saber se a Sr.ª Ministra da Saúde vai ou não intervir, uma vez que nos estamos a aproximar do final do debate e haveria que saber as regras com que poderemos contar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa tomou nota das suas considerações, mas o certo é que não podemos tomar essa iniciativa.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, sugeriria que fossem consultadas as diferentes bancadas nesse sentido.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, só consultarei as bancadas quando o Governo tiver falta de tempo que, por enquanto, ainda não tem.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - O Sr. Presidente perdoar-me-á que manifeste a minha discordância quanto à orientação que o Sr: Presidente acaba de indicar.
O Governo já manifestou as reservas quanto à possibilidade de a Sr.ª Ministra da Saúde intervir, por falta de tempo.
O que acontece é que, se nós, Assembleia, retardarmos uma decisão quanto a concedermos ou não um tempo suplementar ao Governo para que a Sr.ª Ministra possa intervir, gerar-se-á provavelmente uma situação em que a proposta que fiz perderá qualquer espécie de sentido por ser inviável. Admito perfeitamente que se às 21 horas a Assembleia resolver dar tempo para que a Sr.ª Ministra possa intervir, muito legitimamente o Governo considere ser demasiado tarde pára que possa prevenir a Sr.ª Ministra no sentido de esta tomar as providências necessárias para que essa intervenção se possa concretizar.
Penso quê haveria toda a utilidade em que a Assembleia se pronunciasse neste momento sobre este princípio: se porventura for necessário conceder um suplemento de tempo ao Governo para que a Sr.ª Ministra se pronuncie, a Assembleia está de acordo em lhe conceder esse tempo. É óbvio que, se não for necessário, por maioria de razão o problema está resolvido. Mas não vejo que haja impedimento a que a Assembleia defina, já a sua posição, pelo contrário, se p não fizer, isso será uma forma de tornar na prática inviável, por razões legítimas, a sugestão que acabo de fazer.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, aquilo que V. Ex.ª acaba de propor será um processo de pressionar o Governo a usar da palavra, pelo que não tomo essa iniciativa.
Se porventura o Governo precisar de tempo, certamente que se dirigirá à Mesa, colocando eu depois o problema ao Plenário. Enquanto o Governo não tomar essa iniciativa, não sou eu nem a Mesa que o deve fazer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Se me permite, o Sr. Presidente fez uma afirmação que entendo merecer da minha parte a seguinte rectificação: não pretendi, por forma alguma, pressionar o Governo,...

Vozes do PSD: - Não!? Que ideia!

O Orador: - ... nem tenho de o pressionar. O que pretendi foi que a Assembleia respondesse de forma positiva a um obstáculo que o Governo levantou aqui, ao dizer-nos claramente que a eventual não intervenção da Sr.ª Ministra da Saúde decorreria da falta de tempo.
Continuo a entender que, em benefício das boas relações Assembleia-Governo e da clarificação e aprofundamento deste debate, a Assembleia deveria, a partir deste momento, tornar claro que o Governo, se assim o entendesse, poderia decidir a intervenção da Sr.ª Ministra da Saúde e que, se porventura ela não tiver lugar, isso não se ficará a dever a nenhum obstáculo por parte desta Assembleia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Posta a questão, e ao pomo a que chegamos, há uma coisa que ficou clara para mim: é que, se a Sr.ª Ministra da Saúde não intervier neste debate, será porque o Governo entendeu que ela não devia intervir - ponto final, parágrafo.

Aplausos do PS, do PRD e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, quero esclarecer, em nome do Governo, que a escassez de tempo do Governo resulta em prejuízo não apenas da Sr.ª Ministra da Saúde, mas também de outros Srs. Ministros que desejariam intervir neste debate, não tendo o Governo tempo para isso.

Risos do PS e do PCP.

Vozes do PCP: - Essa é boa!

O Orador: - Todavia, não parece ao Governo inconveniente, se todos os grupos parlamentares concordarem, que a Assembleia conceda um tempo ao Governo e este gerirá esse tempo para fazer as intervenções que considerar mais curiais para o esclarecimento dos problemas do Orçamento. Isto porque há ministros que poderiam intervir aqui e teriam oportunidade de apresentar as suas políticas sectoriais, mas que não o fizeram por escassez de tempo.
Agora, o que me parece é que os Srs. Deputados só querem ouvir a Sr." Ministra da Saúde...

Vozes do PCP: - É verdade!

O Orador: - ... quando o Governo quer esclarecer a Assembleia sobre todos os aspectos sectoriais.
Dêem tempo ao Governo e todos os ministros que não falaram e que o Governo julgue curial que falem fá-lo-ão.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, esta interpelação decorre da interpelação que acabei de ouvir da parte do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares. Como é só por intermédio do Sr. Presidente e nestas circunstâncias regimentais que posso dialogar com o Governo, particularmente com o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, peço licença ao Sr. Presidente para proceder a esse diálogo por seu intermédio.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Orador: - Depois de ouvir as razões invocadas pelo Sr. Ministro, a questão que quero colocar ao Governo é esta: de quanto tempo é que o Governo julga precisar para pôr a falar os ministros que poderão dar as tais informações importantes sobre políticas sectoriais, incluindo a Sr.ª Ministra da Saúde?

Vozes do PCP: - Muito bem!

Risos do PCP e do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Sr. Presidente, não vou dizer aqui que, se porventura o Governo se defronta com a impossibilidade de vários ministros poderem intervir, uma vez que os tempos de debate foram acordados entre os grupos parlamentares e o Governo, isso se deverá a imprevidência do Governo ou a má gestão dos seus tempos.
Acompanharia a minha sugestão - e é a sugestão de um deputado entre 250 - de que se o Governo considera que há outros ministros, além da Sr.ª Ministra da Saúde, que poderiam utilmente participar neste debate, a Assembleia reconsidere e dê ao Governo o tempo necessário para que todos os ministros que ele considere necessário intervir, mas que também a Assembleia entenda necessário ouvir, possam intervir neste debate.
Teremos muito gosto em ouvir os outros Srs. Ministros, incluindo a Sr.ª Ministra da Saúde.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, as interpelações feitas não foram praticamente dirigidas à Mesa. Estão no ar as questões colocadas e, porventura, os seus destinatários darão depois a resposta oportuna, se o julgarem pertinente.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

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O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Na pequena interpelação que fiz ao Sr. Ministro das Finanças, após a intervenção deste na passada terça-feira, tive ocasião de perguntar - e, apesar da simpatia do Sr. Ministro, a pergunta ficou, aliás, sem resposta - qual a estratégia de relançamento sustentado da economia portuguesa e qual a política de correcção das deficiências estruturais da mesma, que são suportadas pelas propostas do Orçamento e das grandes opções do Plano para 1986.
Não faltam palavras e números nas propostas do Governo. Lá vêm de novo as listagens intermináveis de medidas, vagas e imprecisas, que a burocracia do Estado invariavelmente propõe e que os Srs. Ministros invariavelmente transcrevem para este tipo de documentos.
Uma certa pobreza técnica e a falta de rigor contrastam, aliás, com o notável parecer da Comissão de Economia, Finanças e Plano. Estou particularmente à vontade para o referir, uma vez que não tomei parte na sua elaboração. O relatório prova que as projecções macroeconómicas estão claramente imprecisas e que os objectivos definidos para a balança de pagamentos, o crescimento e o emprego, mesmo corrigidos pela nota n.º l, são artificialmente pessimistas, certamente para permitir que o Sr. Primeiro-Ministro venha em breve a revelar ao País que todas as metas foram ultrapassadas e - permitam-me a ironia - a pôr no quadro de honra os membros do seu Governo, um pouco à maneira utilizada por Kim-il-Sung ao felicitar regularmente os trabalhadores das empresas do Pyong-yang quando estes superam, e superam sempre, as metas, igualmente artificiais, do plano quinquenal.
Falta porém ao texto do Governo o essencial. Falta a clareza das opções estratégicas, o fio condutor entre objectivos de médio prazo, políticas e medidas, a resposta global que os Portugueses ansiosamente esperam. Como é que vamos aproveitar as condições, verdadeiramente únicas, interna e externamente, que este Governo encontrou, para que o País rompa o círculo vicioso de empobrecimento e endividamento em que caiu após a primeira crise do petróleo? Vamos finalmente fazê-lo ou vamos apenas repetir, com consequências porventura menos graves, por ser mais favorável hoje a conjuntura económica internacional, a fogachada de 1980, que levou, em três anos, à duplicação da dívida externa, sem que nem os Portugueses nem Portugal tivessem obtido em troca nenhum benefício duradouro?
Já disse o engenheiro Cravinho que a margem de manobra da política económica e financeira nunca foi, no passado recente, tão substancial como hoje. Em 1985, registou-se mesmo um saldo positivo da balança de transacções correntes com o exterior, numa economia que, arrastada pelas exportações, iniciava já a sua recuperação e conseguia uma redução substancial do ritmo da subida dos preços. Este quadro interno auspicioso, semelhante aliás ao de 1979, encontra desta vez uma conjuntura internacional extremamente favorável. O preço do petróleo caiu verticalmente, o dólar afundou-se, as taxas de juro continuam moderadas nos mercados financeiros internacionais. As economias dos nossos parceiros comerciais e o próprio comércio internacional estão em franca ascensão, os termos de troca com o exterior evoluem de forma que supera as previsões mais optimistas.
A questão essencial a que os documentos recebidos por esta Assembleia não respondem é a de saber como e com que objectivos estratégicos vai esta margem de manobra ser aproveitada, como tornar crescimento sustentado o processo de relançamento da economia, como corrigir, com determinação e num prazo que, tendo de ser longo, exige que se comece já, os nossos desequilíbrios estruturais, modificando os padrões de especialização e dependência da economia portuguesa e garantindo que o País venha a ocupar uma posição progressivamente mais favorável no âmbito da divisão internacional do trabalho.
Sem esquecer o papel que os serviços deverão desempenhar, permitam-me que refira rapidamente os três vectores estratégicos que considero fundamentais: a redução das dependências alimentar e energética e a correcção do modelo de especialização da indústria transformadora.
Os textos do Governo não explicam qual a estratégia que vai ser seguida para reduzir com êxito a dependência alimentar. Na floresta das medidas que esconde o deserto das ideias não se exprime com clareza um objectivo de modernização da agricultura que incida sobretudo no aumento progressivo da produtividade da terra, das produções por hectare, e não, como é tradicional, na redução dos volumes de mão-de-obra, mantendo os níveis de produção. Não se vislumbra a forma de canalizar e utilizar o enorme potencial que os altos níveis de insolação representam, quer para a floresta, quer para a criação de uma hortofruticultura moderna, ao ar livre e forçada, vocacionada para a exportação.
Descem os textos do Governo a pormenores sem interesse. Anunciam-se coisas tão vagas como, por exemplo - passo a citar -, «a revisão das leis que regulam a actividade do comércio», mas não se esclarece qual a estratégia de redução da dependência energética. O Governo limita-se, de modo um tanto caricato, a referir sucessivamente os nomes das diversas formas de energia, com excepção da nuclear, esta certamente não autorizada - e bem - pelo Sr. Secretário de Estado do Ambiente. Que prioridades a esse nível, que grandes objectivos, que metas? Nada.
Mas a lacuna fundamental da ausente visão estratégica dos textos diz respeito à falta de uma política clara, globalmente coerente, embora multifacetada, de correcção do modelo de especialização da nossa indústria.
Continuamos a ter em situação de dependência os sectores em que, como na electrónica e em boa parte da electromecânica, a procura mundial tem revelado dinamismo sustentado e é maior o progresso tecnológico; continuamos a basear as nossa exportações em produtos tradicionais, como os têxteis, de procura menos dinâmica e de futuro ameaçado quer pela concorrência do Terceiro Mundo quer pelo renascimento que a automação vai permitir nos países industrializados.
É preciso apostar na criação de novas vantagens comparativas, de raiz tecnológica, com base na inovação. Inovação que não se resume à adopção das tecnologias de ponta, onde as nossas hipóteses são limitadas a curto prazo, a não ser na criação e no apoio a alguns centros de excelência, quer na investigação, quer na actividade empresarial, mas, sobretudo, a inovação possível e urgente nos sectores de tecnologia intermédia com procura internacional sustentada, que devem constituir as grandes prioridades da política industrial e do apoio ao investimento produtivo.

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Será que o Governo adere à tese ultraliberal de que não é preciso haver política industrial, porque o mercado tudo resolve?
Se adere, faz mal. Num país periférico e dependente como o nosso, apostar no simples jogo das forças de mercado só conduzirá a acentuar a dependência e a transferir progressivamente para o exterior os principais centros de decisão económica.
Se não adere, onde está a estratégia articulada, que tem de abranger as políticas de educação, de formação profissional, de investigação e desenvolvimento e de investimento produtivo, única que poderá permitir, de forma lenta mas segura, a concretização das transformações indispensáveis? Como é possível reduzir hoje em Portugal a simples arranjos burocráticos todo o capítulo das grandes opções que se refere à investigação científica? Como é possível enviar a esta Assembleia, na segunda metade dos anos 80, quase SOO páginas de textos económicos sem abordar uma única vez o papel de ferramentas tão determinantes para o desenvolvimento e a modernização como são as tecnologias da informação e a biotecnologia?
Sr. Presidente, Srs. Deputados, permitam-me agora umas breves palavras sobre a questão central do investimento.
Não vou repetir aqui as considerações feitas a esse propósito pelo Sr. Deputado Correia Gago e pelo meu colega de bancada João Cravinho; considerações essas que subscrevo inteiramente.
É positivo, embora, em meu entender, um tanto arbitrário, o esforço de expansão do investimento no sector público administrativo, nomeadamente na área das infra-estruturas. Mas não pode deixar de estranhar-se o gritante contraste que revela a extrema exiguidade das verbas destinadas a financiar os investimentos do sector empresarial do Estado. Importa referir que alguns destes têm indiscutível interesse para a economia nacional e fone efeito multiplicador, dinamizando, nomeadamente, os sectores de produção de bens de equipamento que atravessam gravíssima crise. Citarei apenas, para dar um exemplo, as hesitações inexplicáveis em relação ao reequipamento da marinha mercante.
Abandonando o desejável pragmatismo na avaliação de projectos de investimento, o Governo sacrifica deliberadamente o sector empresarial do Estado aos seus fantasmas ideológicos, no altar devorador do liberalismo económico.
Faz mal. O desenvolvimento do País exige o aproveitamento concertado e a rentabilização dos activos produtivos, quer públicos quer privados, e não a tentativa, por vezes desastrada, de desmantelamento dos primeiros.
Aos que achem que exagero recomendo a leitura do abortado despacho do Sr. Secretário de Estado e meu amigo engenheiro Todo Bom, tentando determinar a venda ao desbarato de todas as participações das empresas públicas industriais.
Não deixa de ser curioso comparar o conceito de privatização dos governos liberais e conservadores por essa Europa fora, traduzido na alienação bem preparada e por bom preço dos activos em poder do Estado, com o conceito português, agora tão em voga, que entende por privatização a simples oferta, a concessão sem contrapartidas ou a venda ao desbarato a um grupo reduzido de privilegiados daquilo que é afinal de todos os cidadãos.
Também nós, os socialistas, reconhecemos o papel essencial do sector privado na economia. Também nós consideramos indispensável relançar o respectivo investimento. Também nós entendemos ser fundamental reforçar a confiança dos agentes económicos. Mas recusamos a tese simplista do Governo e, em geral, da direita política e económica, segundo a qual tal confiança só poderá nascer da privatização das empresas públicas e da liberalização dos despedimentos individuais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A confiança de todos, empresários e trabalhadores, será obtida, sim, através da definição, num clima de diálogo e negociação com os parceiros sociais, de uma estratégia nacional para o desenvolvimento, de um quadro de referência com objectivos e prioridades claros e de um sistema de incentivos eficaz. A confiança exige uma política cambial coerente que dê garantias aos exportadores e o pronto ajustamento das taxas de juro à redução das expectativas inflacionistas. Para que os agentes económicos possam racionalizar as suas escolhas, tem de ser clara e racional a política económica do Governo.
Não deixa de ser, aliás, espantoso que tanto se fale do apoio ao sector privado e continue a não existir nenhum sistema coerente de incentivos ao investimento industrial. Suspenso que está o SI 11 - essa inútil aberração que ficámos a dever, aliás, ao Sr. Primeiro-Ministro e ao Sr. Ministro das Finanças na sua primeira passagem pelo Terreiro do Paço -, anulado que está o regime experimental de incentivos à inovação, em vigor, com qualidades e defeitos - reconheço -, no Governo anterior, desconhecido o destino do novo sistema de incentivos já aprovado na generalidade pelo Conselho de Ministros, imediatamente antes da crise política do Verão passado, os investidores ouvem há quatro meses a retórica desenvolvimentista e privatizante do Governo, mas continuam à espera das medidas concretas de incentivo e apoio que são indispensáveis. Não esqueçamos que, ao nosso lado, em Espanha, como na Irlanda, como um pouco por toda a parte na Europa de hoje, os países e as regiões dispõem de quadros de atracção do investimento, face aos quais nos encontramos totalmente desarmados. O Governo tem tido imensa pressa em tomar algumas medidas espectaculares e de grande impacte na opinião pública. Seria bom que tivesse tido a mesma pressa na solução destes problemas essenciais.
Dito isto, quero reafirmar que o PS não recusa o debate sobre o que dever ser o papel do Estado na economia moderna. Fala-se muito em desestatização, mas há formas diversas de desestatizar. Em primeiro lugar, somos a favor de desestatizar quando por desestatizar se entenda desburocratizar, desmantelar a herança corporativa, simplificar a teia paralisante de regras e prescrições inúteis que asfixia os agentes económicos e gera a corrupção e o clientelismo.
Defendemos também as formas de alienação do património público que contribuam para democratizar e redistribuir os poderes na sociedade portuguesa. É o caso, nomeadamente, do fomento dos sectores de propriedade social e da valorização das pequenas poupanças. Entendemos mesmo que o Estado tem funções mais importantes e essenciais do que as de empresário, mas achamos que ele pode e deve ter empresas

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sempre que isso seja necessário para a democratização da economia, para o investimento em sectores de elevado risco, para garantir serviços de utilidade pública ou para que a modernização e a reestruturação de sectores se possam fazer sem gravosas consequências de natureza social.
Seremos, porém, firmemente contra as formas de privatização que signifiquem a criação ou a restauração de monopólios privados ou a excessiva concentração do poder económico. Seremos evidentemente contra a privatização que se traduza no puro e simples negocismo.
O mesmo bom senso e o mesmo sentido de equilíbrio são necessários para abordar os problemas levantados pela legislação laboral. Há certamente muito que aperfeiçoar nas relações de trabalho e haverá aspectos a flexibilizar para melhorar o funcionamento e a rentabilidade das empresas, mas seria intolerável que tal se fizesse pelo reforço da arbitrariedade do poder patronal. E há obviamente também direitos e interesses dos trabalhadores que é preciso promover ou melhor salvaguardar. Eis outra área privilegiada para o diálogo e a negociação.
A rentabilidade económica imediata não é um valor absoluto. Se assim fosse, as greves continuariam proibidas, os sindicatos banidos, as liberdades suprimidas, a própria escravatura nunca teria terminado. A evolução histórica prova que cada novo direito social, desde que razoável, ainda que aparentemente venha a dar lugar a um custo económico imediato, sempre conseguiu estimular alterações qualitativas na organização da sociedade e da economia que, a prazo, garantem maior prosperidade e maior justiça.
Espero que o Governo não tenha dado ouvidos a um seu ardente defensor, o presidente da CIP, quando este chegou a afirmar que a própria eleição do Presidente Mário Soares, certamente o estadista português mais prestigiado do mundo ocidental, o mundo das chamadas «economias de mercado», fora suficiente para quebrar a dinâmica do investimento provado em Portugal.
De exigência em exigência, já só nos falta ouvir que, para restabelecer a confiança dos empresários, se torna necessário um golpe de Estado.
Digamos sim ao restabelecimento da confiança dos agentes económicos; digamos não à interpretação simplista de que tal implica reconcentrar o poder económico privado e desarmar os contrapoderes de natureza social, nos quais importa reconhecer um papel decisivo à acção dos sindicatos.
O Partido Socialista reafirma de novo a sua inteira disponibilidade para, com o Governo, os partidos com assento nesta Câmara e os parceiros sociais, dar a sua contribuição, com rigor e seriedade, para que Portugal encontre no futuro próximo o caminho certo, o caminho do desenvolvimento e da modernização, mas na justiça e na solidariedade entre os Portugueses.

Aplausos do PS, do PRD e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lobo Xavier

O Sr. Lobo Xavier (CDS): - Sr. Deputado António Guterres, ouvi com atenção as suas palavras e, sem fazer quaisquer comparações de valor, devo dizer-lhe que ouvi com muito mais agrado o discurso do seu colega de bancada João Cravinho. Parece-me que os conteúdos das intervenções foram bastante diferentes.
Serão porventura maneiras diferentes de apresentar as mesmas ideias, mas, em todo o caso, pareceram-me bastante diferentes.
O Sr. Deputado afirmou que este Governo estava imbuído de e preocupado com o extremo liberalismo económico. Não me compete defender o Governo, mas, competindo-me já defender as ideias da economia de liberdades, para não falar de liberalismo, não se pode dizer que este Orçamento seja ,um orçamento querido por aqueles que defendem as economias de liberdades, com este volume de despesas e com a filosofia que lhe está inerente.
Em segundo lugar, quero dizer-lhe que também não estou absolutamente de acordo quando o Sr. Deputado põe no mesmo saco as heranças corporativas, a desburocratização e o sector público empresarial oriundo do 11 de Março. Para nós, se se trata de heranças, são heranças com peso muito diferente e as consequências económicas da herança do sector público empresarial são hoje de grande importância económica e todos as sentimos. Segundo me parece, as coisas, têm planos diferentes. Não sei se está de acordo?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Deputado Lobo Xavier, registo com agrado que o Sr. Deputado notou o facto de a minha bancada preparar organizadamente este debate.
É verdade que o Sr. Deputado João Cravinho e eu próprio falámos de assuntos diferentes, visto que preparámos as nossas intervenções. É, pois, natural que tenhamos dito coisas diferentes, mas não penso que exista qualquer divergência ideológica ou programática entre as duas intervenções.
Em relação à defesa que faz do liberalismo económico, como, aliás, compete à face liberal do seu partido, mas talvez já não à sua face democrata-cristã, gostaria de lhe dizer que da nossa parte nunca houve confusão entre a herança corporativa e o peso do sector empresarial do Estado.
Aliás, tem sido a direita política económica que muitas vezes, com alguma habilidade, tem atirado para cima do sector empresarial do Estado muitos aspectos que, em termos de opinião pública, são negativos e que dizem respeito à excessiva presença do Estado na economia. Tais factos não dizem respeito a essa presença do sector empresarial, mas sim à permanência de numerosas regras burocráticas que teimam em asfixiar os agentes económicos. O Sr. Deputado sabe como é difícil constituir uma empresa em Portugal e até, às vezes, pagarmos os nossos próprios impostos, dada a quantidade de papéis que circulam para resolver os problemas mais simples.
Entendemos que essa desburocratização é uma prioridade fundamental e distinguimo-la de outro aspecto totalmente diferente, que é a análise dos problemas de funcionamento do sector empresarial do Estado.
Devo dizer-lhe que, em minha opinião, o sector empresarial do Estado vai mal não por uma razão ideológica de fundo ou pela sua própria natureza intrínseca, mas porque ele tem sido sistematicamente utilizado de forma perversa, contra os interesses fundamentais do País e contra as suas próprias finalidades. Devo dizer-lhe com toda a sinceridade que isso tem acontecido, em boa parte, em todos os governos que têm passado em Portugal nos últimos anos.

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O Sr. Lobo Xavier (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lobo Xavier (CDS): - Sr. Deputado António Guterres, não põe em causa a dimensão quantitativa e qualitativa?

O Orador: - Já vou a essa questão, Sr. Deputado, como todo o gosto.
Em relação à dimensão, como o Sr. Deputado sabe, em muitos países da Europa do Sul não se verificou na altura própria o desenvolvimento industrial e em todos eles se tem verificado um peso do sector empresarial do Estado, quer em relação ao valor acrescentado, quer ao emprego, quer à formação bruta de capital fixo, que não é substancialmente diferente daquele que existe em Portugal nem, naturalmente, comparável com o de países em que uma burguesia industrial dinâmica promoveu o desenvolvimento das forças produtivas na altura própria, a seguir à Revolução Industrial.
Todavia, estou de acordo que há várias áreas e empresas nas quais o Estado está hoje presente, mas onde não tem nem deve estar. Concordo também que há iniciativas empresariais que o Estado deveria ter neste momento, mas que também não tem, por estar, de certa forma, paralisado por complexos ideológicos em relação à presença do Estado na economia.
Se ler a minha intervenção, verificará que tive o cuidado de explicar quais são as quatro finalidades que, em minha opinião, podem justificar que o Estado tenha empresas. Essas finalidades têm a ver com a democratização da economia, ou seja, com o evitar de situações de privilégio abusivo decorrentes do monopólio privado, que são limitadas, com situações que tem a ver com a necessidade de assumir elevados riscos em sectores de elevada intensidade de capital onde o sector privado não se mostrar apto para o fazer, o que tem muito a ver, como é reconhecido, com a introdução de novas tecnologias, com situações de utilidade pública e social efectiva e, finalmente, com situações em que a reestruturação e a modernização de sectores exijam, para não haver consequências gravosas no plano social, uma intervenção directa do Estado nas respectivas empresas.
Não tenho, pois, uma visão mítica do papel do Estado na economia, mas também não acho que seja um crime o Estado desempenhar um papel de solidariedade no benefício dos Portugueses e na criação de condições para o desenvolvimento, quando tal se torna necessário.
O que defendemos não é nem o tabu das nacionalizações nem o tabu da privatização, mas sim que cada situação concreta deve ser analisada em torno do interesse nacional e que o País tanto precisa de um sector público dinâmico, autónomo, desburocratizado e livre da tutela abusiva de ministros e secretários de Estado que insistem em resolver por telefone problemas de gestão corrente que apenas devem dizer respeito aos órgãos das empresas, como de um sector privado libertado da teia de regulamentos de uma herança corporativa que não faz mais sentido e é uma condição de atraso fundamental.
Quero também dizer ao Sr. Deputado que talvez o nosso país, fruto de erros que têm sido cometidos nos últimos anos, tenha perdido alguma coisa no plano económico. Mas não podemos comparar isso com o atraso e a estagnação visceral que se devem ao facto de não termos sido capazes de arrepiar a tempo os caminhos da modernidade. E a resposta a isso encontra-se muito antes do 25 de Abril, Sr. Deputado.

Aplausos do PS e do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Gago.

O Sr. Correia Gago (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do
Governo: Estamos a aproximar-nos do termo do debate, na generalidade, das propostas de lei do Orçamento do Estado e das grandes opções do Plano para 1986; é altura de tentar algumas breves sínteses do que esse debate, insofismável e indesmentívelmente, revelou ou confirmou.
Confirmou, em primeiro lugar, que a conjuntura económica em que as propostas de lei se basearam é extraordinariamente favorável e que o Governo tinha, aí, razões para despertar a forte expectativa que, efectivamente, despertou sobre as propostas que nos iria apresentar: rigor orçamental, relançamento da economia, alívio da carga fiscal, ataque aos problemas estruturais da economia e da sociedade portuguesas.
Mas revelou também o debate, logo a seguir, que essas expectativas foram, em grande parte, defraudadas: o Orçamento proposto não é tão verdadeiro como nos foi prometido e honra seja ao Governo que não regateou à Comissão de Economia, Finanças e Plano a informação necessária para o demonstrar a carga fiscal aumenta e, o que é muito mais grave, aprofundara a injustiça da sua distribuição; o ataque aos problemas estruturais da economia não encontra visíveis concretizações nas grandes opções do Plano.
Apenas o relançamento da economia se encontra razoavelmente servido nas propostas, assim mesmo por meios não pacíficos e com certeza não os mais seguros: um défice orçamental que, nas suas dimensões, não é contraccionista, mas que, na sua estrutura, revela excessiva confiança em trunfos de duvidosa reprodutividade - o grande aumento das despesas do sector público administrativo, sobretudo as do PIDDAC, e nas grandes opções do Plano uma confiança excessiva na retoma do investimento privado.
O Governo renunciou a induzir efeitos expansionistas através da procura interna -o que lhe permitiria resultados semelhantes aos que visa, com um défice menor- e preferiu ignorar os instrumentos de que dispõe directamente (o sector empresarial público, as terras da Zona de Intervenção da Reforma Agrária, a valorização eficaz dos recursos naturais do País) para reeditar os lancinantes apelos aos investidores privados que o actual Ministro das Finanças lançou, há anos, no Palácio da Bolsa do Porto, ao anunciar o famigerado SIII que, talvez sem culpas suas, veio a ensarilhar-se como verdadeira grilheta burocrática nas pernas dos empresários que tenham querido andar pelo caminho que lhes indicava.
Não repisarei estas questões, o debate tornou-as evidentes, o notável parecer que a Comissão de Economia, Finanças e Plano trouxe a este Plenário fundamenta-as com meridiana clareza.
Dispomos, é verdade, de uma proposta orçamental tecnicamente bem preparada. Aliás, era o mínimo que poderia esperar-se de serviços a cuja dedicação o

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Governo teve a elegância de prestar homenagem e de uma equipa ministerial cujos membros, designadamente nas áreas financeira e económica, se afirmaram com indiscutível brilho e competência profissionais, antes de se experimentarem como políticos e como governantes.
É verdade, também, que a margem de manobra orçamental se encontra condicionada pelo volume dos encargos com pessoal e com o serviço da dívida pública. Mas não é menos certo que essa condicionante, continuando a ser forte, se encontra, este ano, excepcionalmente aliviada pela conjuntura de partida. Os Portugueses tinham o direito de esperar que o Governo explorasse a fundo, em seu benefício e no do seu país, essa circunstância excepcional, quer ao Orçamento, quer nas grandes opções. E o Governo não o fez.
É por isso que não nos identificamos nem com uma nem com outra das propostas.
Quanto a nós, as grandes opções do Plano, especialmente na parte sectorial, são de uma pobreza sem remédio - e nem teria, como afirmei na minha primeira intervenção, grande alcance prático tentar remediá-las. São um caso perdido.
O mesmo não direi quanto ao Orçamento que, se, uma vez concluído o debate, vier a passar na generalidade, fornece uma base suficiente para que o debate, na especialidade lhe melhore a transparência, lhe rebusteça a verdade, lhe aumente a eficácia e lhe confira a intencionalidade política correspondente ao sentir maioritário desta Câmara. É para isso que aqui estamos. De certo o resultado do nosso trabalho, se vier a realizar-se, irá merecer do Governo o respeito de que a sua colaboração e abertura vêm sendo penhor. O Governo poderá, assim, dispor do instrumento orçamental de que carece para continuar a governar em plenitude e, porque não, com confiança acrescida.
À felicidade de governar em circunstâncias tão favoráveis, pode, com efeito, o Governo retirar as tentações demagógicas e acrescentar o crédito político de, democraticamente, acatar os ajustamentos em que se poderá traduzir, na pequena parte ajustável, o exercício, pela Assembleia da República, da competência que, lhe cabe. Governar em minoria, com verdadeiro espírito de serviço e com autenticidade democrática, tem destas compensações... Há, porém, que merecê-las.
Pela nossa parte, se houver debate na especialidade, não pretenderemos ir mais longe do que consideramos praticamente viável, neste momento e nesta sede.
Este não é o Orçamento que apresentaríamos, mas reconhecemos preferível que, rapidamente, vigore um orçamento. Apenas deligenciaremos, com realismo, no sentido de o aproximar um pouco das propostas programáticas que o nosso eleitorado ratificou com o voto.
Resta alguma flexibilidade para isso. Por exemplo, pessoalmente, tenho demasiado tempo curricular em lides de planeamento para acreditar que os progressos de organização e capacidade de controle que o Sr. Ministro do Plano anunciou produzam, este ano -este ano, pelo menos resultados bastantes para se conseguir gastar, bem gasto, todo o dinheiro atribuído ao PIDDAC.
Tratar-se-á, afinal, para nós, de procurar fazer chegar à generalidade da população e às actividades produtivas, nomeadamente as do sector empresarial do Estado, nesta desanuviada conjuntura, ao menos algumas migalhas que as aliviem da violenta austeridade com cujos resultados macrofinanceiros positivos e comportáveis este Governo foi brindado.
Quanto às verdadeiras grandes opções que o Governo agora não tomou, arriscando-se a perder com isso uma oportunidade histórica a redução da dependência externa, o fomento da produção baseada no trabalho, na inteligência, na iniciativa e nos recursos nacionais, os grandes projectos estruturantes e indutores de desenvolvimento, a afirmação da identidade cultural portuguesa e sua projecção no mundo, a política da juventude, a eficácia redistributiva das finanças públicas-, essas verdadeiras grandes opções continuarão adiadas. E, com elas, continuará adiado p verdadeiro projecto mobilizador das energias e das capacidades dos Portugueses, por eles assumido e por eles comandado.
Veremos, sobre tudo isto, o que nos traz o Plano até 1990, que p Governo nos anuncia.

Aplausos do PRD, do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Correia Gago, ouvi com atenção uma parte da sua intervenção, não a ouvi toda, mas suponho que o que ouvi foi suficientemente revelador do seu estado de espírito e da sua atitude perante os documentos sujeitos à apreciação desta Câmara.
É precisamente no sentido de esclarecer essa atitude e essa posição que lhe coloco uma única questão: haverá da parte do PRD, anunciada por V. Ex.ª, uma atitude favorável à aprovação destes documentos, porque não há outros, porque não é possível elaborar outros no âmbito desta Câmara, porque, ao fim e ao cabo, também é certo que nada neles suscita a vossa aprovação ou, pelo contrário, a vossa atitude é uma atitude de favor por razões de fundo, que não por razões de simples circunstância, e dê afirmação da incapacidade da Câmara para os substituir?
É esta a questão que gostava de ver esclarecida, para melhor conseguir entender o seu discurso desta tarde.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Gago.

O Sr. Correia Gago (PRD): - Vou responder com muito gosto. No entanto, peço ao Sr. Deputado Nogueira de Brito que não veja nenhuma agressividade no laconismo da minha resposta.
A interpretação que queira tirar da minha intervenção deixo-a à sua responsabilidade.
Quanto à pergunta que me coloca apenas pode ter, neste momento, esta resposta: o debate ainda não terminou e eu não sou bruxo.

Aplausos do PRD, do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Catarino.

A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Aquando da apresentação do Programa do X Governo Constitucional, o Sr. Primeiro-Ministro, depois de referir a existência, sob o ponto de vista económico e social, de

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consideráveis assimetrias entre as diferentes zonas do País, assimetrias que são incompatíveis com a realização prática do principio da igualdade de direitos e de oportunidades entre os cidadãos, afirmou:

A autonomia constitucional dos Açores e da Madeira constitui a solução adequada para os problemas específicos daquelas regiões. Os órgãos de governo próprio têm sido factores de estabilidade política, de desenvolvimento económico e de justiça social.

Adiantando o propósito deste governo de desenvolver e aprofundar a autonomia regional «como expressão de uma verdadeira e ampla solidariedade nacional que se reflecte no reforço da própria estrutura do Estado Português».
Na verdade, o processo autonômico demonstrou, na prática, ser a solução que melhor responde às aspirações de progresso e de mudança, assumidas peias populações insulares. E a estabilidade política e social vivida naquelas regiões, designadamente na Região Autónoma da Madeira, permitiu, sem dúvida, um surto de desenvolvimento e progresso assinaláveis numa demonstração de eficácia governativa, que não tem tido paralelo, de forma permanente, na administração central.
Sr. Presidente. Srs. Deputados: Tendo em coma duas realidades intransponíveis, como são o distanciamento e a descontinuidade geográfica (a insularidade), bem como as características orográficas do próprio território insular, havia que tomar as medidas necessárias para ultrapassar, rápida e eficazmente, o atraso a que as populações insulares da Madeira e Porto Santo sempre haviam sido votadas.
Os órgãos de governo próprio da Região Autónoma da Madeira executaram uma política de desenvolvimento integral que permitiu recuperar atrasos de muitos séculos, dando corpo a grandes projectos públicos, entre os quais mencionarei, por exemplo, os realizados no sector da saúde, da habitação, da educação, das infra-estruturas portuárias, aeroportuárias, de comunicação e de saneamento básico.
Política que teve os seus custos financeiros, já que, devido á escassez das receitas próprias, houve necessidade de recorrer à cooperação dos órgãos de soberania e muitas vezes, a empréstimos bancários de pesados juros para custear os investimentos realizados.
Concluída a fase de instalação da autonomia político-administrativa, efectuado o programa de investimentos públicos em infra-estruturas de desenvolvimento, mas não esquecendo a escassez das receitas próprias, bem como o não auferimemo pela região de qualquer auxílio estrangeiro, muito menos a título de uso do seu território, a Região Autónoma da Madeira entra agora numa fase que podemos caracterizar de consolidação e aperfeiçoamento do regime democrático e autonómico.
E é no encerramento daquela e no limiar desta nova fase que a Região Autónoma da Madeira encontra um governo da República que, compreendendo perfeitamente os problemas decorrentes do processo autonômico e dotado de vontade política e competência, será capaz de dar execução efectiva aos princípios constitucionais dos artigos 229.° a 231.°
Como primeiro passo foi já assinado o Programa de Reequilíbrio Financeiro da Região Autónoma da Macieira. Hoje, debatemos o Orçamento do Estado para 1986.
E se as regiões autónomas têm plano e orçamento próprios, a sua inserção no todo nacional e a debilidade e dependência das respectivas autonomias impõem a articulação entre o Orçamento do Estado e os orçamentos regionais.
Importa, pois, analisar, ainda que muito sucintamente, as implicações que decorrem para o Orçamento do Estado da existência das regiões autónomas, como tais.
Primeiro, isenção do imposto de valor acrescentado ao transporte de mercadorias entre as ilhas que compõem as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira. e entre estas e o continente. É uma questão de justiça que importava concretizar, já que a mesma estava prevista no protocolo de adesão às Comunidades, no dossier Fiscalidade - IVA.
Segundo, no que diz respeito ao valor das transferências para as regiões autónomas, fixado na proposta ao Orçamento, verifica-se um acréscimo de 23,5% em relação á dotação fixada em 1983 para as duas regiões autónomas.
Assim, a Região Autónoma da Madeira receberá um total de 4078 milhões de centos, sendo 2518 destinados à cobertura? dos défices regionais e 1560 milhões de contos, a titulo de compensação pelos «custos de insularidade».
Tendo em conta o já acordado entre o Governo Regional da Madeira e o Governo da República no Programa de Reequilibro Financeiro da Região, pensamos que com aqueles valores não surgirão obstáculos intransponíveis à execução do programa regional.
Terceiro, quanto às verbas atribuíveis às autarquias locais, para o corrente ano é garantida a participação de 27o do montante global do FEF para os municípios da Região Autónoma da Madeira, o que se traduz, concretamente em l 495 000 contos e representa a nosso ver, uma solução que, embora não seja a desejável, poderá ser- considerada adequada.
Não obstante a precária situação financeira com que se debatem, as autarquias locais da Madeira e cio Porto Santo têm feito um esforço denodado no sentido de dotar, os seus municípios das infra-estruturas básicas a um desenvolvimento progressivo.
Tal como no continente, há que dotar as autarquias locais dos meios; financeiros adequados. Lembro que esta manhã o meu colega de bancada, Sr. deputado Jardim Ramos, respondendo ao Sr. Deputado Abreu Lima, do CDS, referiu o quanto as autarquias locais madeirenses são agravadas nos custos das suas obras em relação ao mesmo tipo de obras verificadas em autarquias locais no continente.
As verbas referidas estão longe das desejadas para levar a cabo todos os projectos de desenvolvimento regional que ambicionamos.
Comungamos, porém, dos objectivos da política orçamental proposta pelo Governo e a região está disposta a suportar a sua quota-parte de sacrifícios e nem de outra maneira se poderia entender o principio da solidariedade nacional.
Em sede de especialidade, ponderaremos a necessidade e ou oportunidade de apresentação de propostas que visem, por um lado, dotar a zona franca industrial dos benefícios fiscais considerados necessários para a promoção e captação de investimentos e, por outros lado, permitir ao Governo central legislar sobre a zona de jogo do Porto Santo.

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Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo. Srs. Deputados: A autonomia vai prosseguir; trata-se de um processo que não pode parar. É fundamental continuar a melhorar a qualidade de vida das populações da Madeira e do Porto Santo e por elas, a do País.
O progresso autonômico precisa que no País haja uma democracia plena e estabilizada.
Penso que o governo do Sr. Prof. Cavaco Silva, com as provas que já deu e a competência e determinação que lhe são comummente reconhecidas, tudo fará para realizar o progresso e a modernização do País, dando a todos os portugueses melhores condições de vida.
Como instrumento fundamental da sua política, a proposta do Orçamento do Estado para 1986 terá, da parte dos deputados sociais-democratas madeirenses, voto favorável.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Mota Torres e Roberto Amaral.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mota Torres.

O Sr. Mota Torres (PS): - Sr.ª Deputada Cecília Catarino julgo que a ouvi com suficiente atenção e devo dizer-lhe que pensei que ia fazer uma intervenção em que no mínimo, evitasse referir-se ao Programa de Reequilíbrio Financeiro com a Região Autónoma da Madeira. Digo isto com alguma legitimidade pela forma como, ao longo de quase três anos de Parlamento, tenho encarado a questão das autonomias regionais, designadamente a da Madeira -em tocas as circunstâncias, tenho sempre defendido que não há autonomia capaz sem meios financeiros suficientes- e por ter presente palavras de um responsável do Governo da Região Autónoma da Madeira que -refiro-me, concretamente ao Presidente do Governo Regional da Madeira- em diversas circunstâncias (como, aliás, se tornou público, n través da comunicação social) tem dito que sempre que os socialistas estiveram no Governo a Madeira e a autonomia regional da Madeira foram prejudicadas.
Como diria o povo, «elas cá se fazem, cá se pagam» e. Sr.ª Deputada Cecília Catarino. o protocolo financeiro, recentemente assinado pelo Sr. Ministro das Finanças, pele Sr. Presidente do Governo Regional da Madeira e pelo Sr. Ministro da República, é o exemplo acabado de que, afinal, os socialistas não eram tão maus como isso.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Eram piores!

O Orador: - Não eram, não. Sr. Deputado!...
A Sr.ª Deputada fala no Programa de Reequilíbrio Financeiro, recentemente assinado, e esquece cláusulas do mesmo, que dizem coisas como estas: «A Região Autónoma da Madeira e o Ministério das Finanças colaborarão no acompanhamento mensal da execução orçamental «O Ministro da República para a Madeira enviará, mensalmente, ao Ministro da República e ao Ministre das Finanças os mapas [...j.» «A Região Autónoma da Madeira tomará medidas necessárias para [...].»
Sra. Deputada, fomos sempre pela atribuição de verbas a Região Autónoma da Madeira, mas pensamos que há uma situação insular especifica que implica que naja um acompanhamento por parte do Estado e por
parte do Governo da República nesse sentido, embora tenhamos sempre discordado da forma como os investimentos foram realizados. Mas essa é uma outra questão que não pode ser agora aqui equacionada.
Gostava de ouvir a sua opinião sincera, como certamente vai acontecer, sobre aquilo que vou dizer. Há meia dúzia de meses atrás, os socialistas foram apelidados e apodados de colonialistas e inimigos das autonomias insulares, de estarem permanentemente a tentar [...] os direitos das autonomias insulares. Agora, era face de um documento desta natureza - que eventualmente
Até poderá ser necessário- a Sr.ª Deputada, a certo passo da sua intervenção. disse: «Finalmente o Governo da Região Autónoma da Madeira encontrou no Governo da República um governo receptivo aos problemas da Região Autónoma da Madeira.»
Ora bem como não percebi isto na sua intervenção, agradecia que me desse um esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Roberto Amaral.

O Sr. Roberto Amaral (PRD): - Sr.ª Deputada Cecília Catarino, independentemente das causas que levaram a Madeira a ter a situação financeira que actualmente tem -e seria interessante analisá-la, mas não agora-. gostaria de lhe fazer uma pergunta muito- concreta.
É a seguinte; considera que o acordo financeiro, assinado entre o Governo da República e o Governo da Região Autónoma da Madeira, que referiu na intervenção, é uma ampliação da autonomia regional ou pelo contrário, é uma limitação da autonomia?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Catarino.

A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Antecipadamente, peco desculpa pela forma telegráfica como vou responder, mas. como é de conhecimento da Câmara, o meu grupo parlamentar dispõe de pouco tempo e eu não quero roubar muito, pois irão seguir-se outras intervenções de colegas meus.
Ao Sr. Deputado Mota Torres devo dizer que, relativamente á sua surpresa pelo facto de eu ter referido o protocolo financeiro, não vejo por que é que o Sr. Deputado está surpreso. Considero que a assinatura do protocolo financeiro marca um passo importantíssimo nas relações entre o Governo Regional da Madeira e o Governo da República, seja ele qual for. No entanto, foi o actual Governo -e Governo do Primeiro-Ministro. Professor Cavaco Silva- que conseguiu levar á prática a resolução de um problema que se vinha arrastando ao longo de anos, situação para a qual os sucessivos sovemos da República se mostraram, de uma maneira gerai, insensíveis, sem abertura e -permitam-me que o diga, embora eu não seja uma especialista em assuntos financeiros (estou muito longe disso)- uma certa incompetência para resolver uma situação de facto, para a qual a Região Autónoma teve de assumir por necessidades imperiosas de implementar, rápida e eficazmente, o desenvolvimento de uma região que tinha atrasos de vários séculos.
O Sr. Deputado Mota Torres, que vive na Madeira, sabe perfeitamente as obras que foram feitas, como é que elas foram feitas e onde foram gastos todos os dinheiros que foram enviados da República para a Região Autónoma.

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Portanto, Sr. Deputado Mota Torres -e com isto respondo também ao Sr. Deputado Roberto Amaral-, não há uma restrição da autonomia; há, isso sim, a constatação de uma situação de facto que, a partir deste momento, pode ser resolvida com honra e dignidade para ambas as partes. E mais do que isso, Sr. Deputado: quando, no preâmbulo do Programa de Reequilíbrio Financeiro, se refere que houve um elevado desequilíbrio financeiro que atingiu cerca de 50 milhões de contos, reconhece-se implicitamente que todas as verbas que foram gastas se destinaram a fins considerados absolutamente necessários.
Portanto, quando o Governo da República insiste para que haja um acompanhamento da execução deste protocolo, mais não fez, Sr. Deputado, do que responder àquilo que o Governo Regional da Madeira exigiu, isto é, para que não houvesse -a fim de se evitar a especulação que normalmente se costuma gerar aqui no continente-, da parte de ninguém, a mais ligeira dúvida sobre o evoluir da situação financeira daquela região.
Lamento muito, e fora desta Câmara terei todo o gosto em responder mais em pormenor a estas questões, mas agora, por dificuldade de tempo, perdoar--me-ão que não o faça.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Pedia o favor ao Sr. Vice-Presidente Carlos Lage de me substituir na Presidência.
Entretanto, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Da análise das grandes opções do Plano para a Agricultura podem-se tirar desde logo as seguintes conclusões: primeira, o Governo enumera alguns dos estrangulamentos do sector, mas confunde manifestamente os efeitos com as causas, ou omite estas, como se fosse possível ultrapassar os estrangulamentos sem corrigir os factores que os originam e que o Governo não ataca, factores que residem fundamentalmente nas relações de circulação e de produção.
As opções de política agrícola começam e acabam exactamente onde começam e acabam os regulamentos e acções co-financiadas pela Comunidade Económica Europeia.
Continuamos assim a não ter um programa global e integrado de desenvolvimento para a agricultura que permita equacionar objectivos, finalidades, meios e acções de política, e que viabilize um processo integrado de desenvolvimento social e económico.
O orçamento para a Agricultura reflecte exactamente esta insuficiência. É um mau orçamento porque é um corpo sem cabeça. Falta-lhe a dimensão global e, consequentemente, o equilíbrio que lhe permitiria harmonizar os investimentos inter-sectoriais, sub-sectoriais e inter-regionais.
O conjunto de acções avulsas que o Governo propõe não asseguram a correcta mobilização e gestão dos recursos e potencialidades disponíveis, nem o investimento racional nos domínios do capital e dos equipamentos.
A nossa forte dependência externa, sobretudo no que respeita aos cereais e produtos oleaginosos, com a integração na CEE passará a enfrentar problemas acrescidos, não apenas pelo inevitável agravamento do custo
das importações, decorrente da preferência comunitária, como pelas normas de qualidade impostas, como ainda pelas fortes limitações à expansão de produções em que nós somos acentuadamente carentes e a comunidade excedentária.
Não basta pois encarar estes problemas em termos de aumento dos rendimentos físicos destas culturas e da melhoria da sua qualidade ou a substituição de alguns produtos importados por outros igualmente importados, mesmo que mais baratos, como é o caso da substituição do milho por mandioca para o fabrico de alimentos compostos, e que o Sr. Ministro tanto gosta de citar, assim a modos de quem cometeu a proeza de dobrar o Cabo das Tormentas.
Dado que quase dois terços daquelas importações se destinam ao fabrico de alimentos compostos, importa não apenas aumentar a produção da massa verde, como, acima de tudo, reformular a composição das rações, buscando a energia e a proteína necessárias na produção nacional de produtos alternativos.
Avançar neste caminho não só viabilizaria a produção de cereal forrageiro e de leguminosas proteicas, possibilitando-nos uma larga margem de auto--suficiência, como minimizaria as deficiências estruturais da pecuária de leite e de carne bovina. Deficiências que, acrescente-se, não serão ultrapassáveis no curto e médio prazos, a não ser que se opte pela liquidação de dezenas de milhares de explorações pecuárias, com a consequente quebra acentuada das produções.
Por outro lado, a livre circulação dos produtos agrícolas e a imposição de normas de qualidade criarão, no curto prazo, gravíssimos problemas concorrenciais.
E não deixa de ser preocupante ver o Sr. Ministro a minimizar esta questão, invocando designadamente o facto de apenas um terço dos nossos produtos terem preços superiores aos da Comunidade. Primeiro, porque este terço corresponde exactamente à grande maioria dos produtos estratégicos e, segundo, porque a questão dos preços não pode ser separada da questão da qualidade, designadamente quando se trate de hortícolas e de frutas.
A verdade é que neste momento, se estivéssemos já sujeitos às normas de qualidade, mais de metade destas produções estariam condenadas a serem classificadas na classe mais desvalorizada ou mesmo a serem tratadas como refugo.
A excessiva heterogeneidade varietal e morfológica da nossa produção e a deficiente qualidade intrínseca de grande parte dela, por força do acordo de adesão, deveriam ser corrigidas no prazo de cinco anos. A verdade é que materialmente isto não será possível, mas a verdade também é que se não se adoptam quaisquer medidas práticas que possibilitem atenuar as consequências que daí advirão os resultados serão desastrosos. Não podemos esperar pela melhoria da dimensão física das explorações. O emparcelamento, e importa esclarecer que tipo de emparcelamento e com que Finalidade, só será passível de execução e só surtirá efeitos no longo prazo. Urge pois além do apoio técnico directo às explorações, que não existe, avançar nas acções de selecção, zonagem e fomento de culturas e variedades económica e qualitativamente mais aconselháveis face às exigências dos mercados, e tendo em vista ultrapassar deficiências estruturais, criando áreas e volumes de produção homogénea.

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No que respeita às relações de circulação, a correcção das profundas distorções existentes não se fará, por certo, com o recurso unicamente a alterações qualitativas das infra-estruturas de comercialização. Tudo se agravará, inevitavelmente, se o Governo persistir numa política de esgotamento do sector através da sistemática transferência dos rendimentos para acumulação de capital nos sectores a montante e jusante da produção. A manter-se a actual política de rendimentos insistindo na constante redução das remunerações e dos excedentes' de exploração, liquidar-se-ão todas as possibilidades de um crescimento equilibrado e auto-sustentado do sector.
Não deixarei ainda de colocar, ainda a questão da capacidade de execução dos programas co-financiados pela Comunidade. As, respostas do Sr. Ministro a esta questão, proferidas ontem, não satisfizeram. Repetiu» as promessas sempre feitas nestas alturas: «Agora é que vamos cumprir», e a resposta dada em relação ao PADAR não primou pelo rigor. O Sr. Ministro refugiou-se no facto de a Comunidade ainda não ter financiado este programa, mas omitiu que existe uma componente de financiamento nacional que tem sido orçamentada desde 1984, embora, o programa. tenha tido uma taxa de execução quase nula. E assim se vão comprometendo os alegados benefícios do período de transição. E o facto é que o tempo não se compadece com desculpas nem com incapacidades. A verdade é que a investigação e á experimentação aplicadas, bem como a vulgarização, continuam a não ter qualquer eficácia. A extensão rural está longe de corresponderão que já seria minimamente exigível. Leva-se anos a estudar projectos para pequenos e grandes regadios, para pequenas e grandes obras de drenagem. Leva-se anos a estudar a problemática dos mercados abastecedores. Finalmente, abordaria as questões da estrutura fundiária e das relações de produção. O Governo considera as pequenas explorações como um factor de estrangulamento do processo produtivo.
A verdade é que, por exemplo, as explorações com menos de 4 ha, responsabilizadas pelo atraso, pela falta de gestão racional, de produtividade, etc., constituindo mais de 70% do total das explorações, apenas ocupam cerca de 15% da superfície total. E é também verdade que nestes 15% se produzem mais de 35% do PAB, cerca de 40% das produções hortícolas e frutícolas e cerca de 50 % das produções leiteira e de carne bovina. E, no entanto, estas explorações estão longe de terem esgotado as suas potencialidades, sendo possível ,e necessário incrementar nelas a parcela da produção disponível para o mercado e promover, o seu desenvolvimento técnico-económico.
Mas a posição do Governo nesta matéria não é inócua; ela visa, sobretudo, responsabilizar os pequenos, agricultores por uma crise que não deixa de se agravar, e de, por via de tal responsabilização, esconder o papel do latifúndio, como factor determinante de atraso e de, bloqueio ao desenvolvimento e o quanto atenta contra os interesses nacionais a sua reconstituição.
À marginalização e liquidação das pequenas explorações agrícolas acresce a tentativa de destruição da Reforma Agrária com a consequente reconstituição do latifúndio.
Que não se tenham dúvidas. A política deste Governo conduz à concentração capitalista da terra e dos capitais produtivos. A ser viabilizada ela desencadeará um processo violento de ruptura, quer da produção quer de natureza social.
Trata-se de uma política que, se já não responderia aos imensos problemas e exigências da nossa agricultura, muito menos o faz perante os gravíssimos problemas que a imposição da política agrícola comum acrescenta à já dramática situação da nossa agricultura.

Aplausos do PCP.

Entretanto, assumiu à presidência o Sr. Vice-Presidente Carlos Lage.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Discute esta Assembleia o Orçamento de Estado e as grandes opções do Plano para 1986.
Coincide este ano, a que se reportam estes documentos, com o ano de entrada de Portugal na CEE.
Esta simultaneidade não é neutra, antes repleta de consequências.
Portugal é hoje um país mais aberto e, por via disso, mais sujeito à concorrência, a induções externas, à difusão de ideias.
O caminho que se nos abre pode ser mais prometedor, se, à abertura que aceitámos, respondermos com as armas da modernização, da flexibilidade e da determinação.
E isto porque a abertura torna mais evidentes algumas vulnerabilidades nacionais, pelo que se impõe uma condução exercida com capacidade e um tornear e até vencer de escolhos e resistências que se nos irão deparar .neste processo de adesão à Europa.
Se assim não procedermos, a adesão poderá saldar-se por uma frustração colectiva e um retrocesso social, económico e cultural.
Os grandes objectivos do Plano para 1986, na linha aliás do que fica subentendido, serão os seus correspondentes para o próximo triénio, colocam Portugal numa rota certa.
Recusar o constrangimento do quase permanente défice da Balança de Transacções Correntes e de outras dependências externas, diminuir o ritmo de inflação, desenvolver, harmoniosamente o todo nacional, modernizar o tecido industrial português, perspectivar o Estado de acordo com uma filosofia mais entrosada no humanismo europeu são alguns princípios que surgem como indiscutíveis e por isso passíveis de amplo consenso democrático.
Contrariamente ao que foi dito, é visível e clara a articulação entre objectivos de curto e de médio prazo, e se ajustamentos são necessários e desejáveis às grandes opções do Plano eles filiam-se naquilo que o Sr. Ministro das Finanças disse a esta Câmara, ou seja, a rápida alteração de variáveis não sujeitos a controle do poder político nacional.
A concretização desses objectivos far-se-á, contudo, num. Enquadramento da actividade económica e financeira que ainda não corresponde a uma normalidade de regras, comportamentos e atitudes vigentes na Europa.
Com efeito, à maior abertura exigida, procuram ainda alguns, responder com maior condicionamento, armamento alfandegário, proteccionismo e rigidez estrutural.
Até invocam um pretenso nacionalismo que noutras circunstâncias não sentiram nem viveram.

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A maior abertura do espaço nacional; urge pois contrapor uma maior flexibilidade, para podermos disputar com os nossos concorrentes, em maior pé de igualdade. Esta, aliás, a lógica subjacente aos documentos que o Governo nos apresenta.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não que se prescinda de períodos de transição e adaptação, só estes eles não são infinitos.
Recusam a abertura os que defendem os monopólios, os superprotegidos, em suma os privilegiados. Falam da abertura, mas apenas a aceitam no discurso e não na acção aqueles cuja renovação cultural e ideológica ainda está por fazer, vivendo mais do passado do que para o futuro.
Saudamos por isso como positiva a filosofia que enforma o documento das grandes opções, que procura devolver o Estado a um carácter menos interventor e menos burocratizante, menos proprietário, e ao invés mais coordenador e regulador, mais fomentador de infra-estruturas, mais difusor de informação útil a toda a comunidade.
São por isso incompreensíveis as ilhas de resistência a estes novos ventos da história que sopram da Europa, seja ela democrata-cristã liberal, socialista ou social-democrata.
São por isso incompreensíveis as resistências à alienação de algum património público em favor de quem poisa regarantir-lhe maior rentabilidade social, ou a própria salvação do restante património adstrito ao Estado.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - São por isso inconsequentes as resistências a uma maior abertura à utilização privada ou cooperativa das frequências da rádio e de televisão.
Parece que se receiam mais interesses portugueses que estrangeiros. Estes já invadem e invadirão, com muito maior vigor, o espaço nacional.
Ao pseudocosmopolitismo que resulta de indiferença, é preciso contrapor uma forte e sadia defesa dos interesses portugueses. São por isso emblemáticas s dignas de registe algumas medidas que o Governo apresenta como a política de democratização do capital que a proposta orçamental favorece e patrocina através de várias isenções e facilidades que se consagram.
A política de reforço do cooperativismo em todas as suas formas e âmbitos é disso também sinal, e ainda o esforço proposto de reafectação de funcionários públicos, como resposta a uma política de extinção de serviços inúteis, ou obsoletos, e s correspondente criação de novas áreas da Administração, que respondem aos novos desafios colocados a Portugal.
Só é pena que a essa louvável intenção alguns respondam no século XX como alguns operários do século XVIII responderam ao aparecimento das máquinas para a indústria têxtil.
Mas a mudança operar-se-á contra os desperdícios, os excessos e o passado corporativista, talvez hoje ainda mais presente num regime que o não é do que no tempo em que o regime formalmente o era.
Mal seria aceitarmos como boa a «destruição criadora», moldura de acção empresarial das sociedades industriais rios fins do século XX e não a aplicarmos no nosso próprio espaço, sobretudo na Administração Pública.
Sr. Presidente, Srs.- Deputados: Não se espera que as várias oposições abdiquem das suas ideias, dos seus programas e da sua visão de futuro, mas é natural que hoje delas se espere o mesmo cumprimento das regras do jogo democrático que ontem praticaram quando eram detentores do poder. Tal representa a mais elementar regra de salubridade política.
A essa luz, não se entende então porque é que ontem o Governo fixava o preço de venda dos combustíveis e hoje há quem defenda o contrário.
Porque é que ontem o Governo escolhia os gestores dos órgãos de comunicação social estatizados, e hoje há quem os queira alterar?
Não se discute a bondade jurídico-constitucional desta postura. Questionamo-nos. sim, sobre a violação das regram mais elementares do exercício do poder político.
A estabilidade requer regras claras e assumidas em quaisquer circunstâncias, e quando estas se alteram ao sabor das conveniências, sem respeito pelo que o seu próprio autor praticou, defendeu e viveu no passado, ele, autor, está a incentivar um processo da sua própria desacreditação e das instituições onde se insere.
O significado político desta atitude não se reflecte, pois, e apegas, nos órgãos de soberania.
São todos os agentes económicos s sociais a quem é, pois, permitida a dúvida sobre a durabilidade das regras gerais em que se insere a sua actividade.
A discricionariedade gera a insegurança. A confiança é então, minada. E se levantamos este problema é porque a confiança e elemento psicológico chave para a estratégia de progresso controlado, perspectivada nos documentos em apreço. Sem ela o comportamento desses agentes é imprevisível. E se as condições para a sua verificação, tal como o Sr. Deputado António Capucho explicitou, têm sido atempada t criteriosamente respondidas pelo Governo, carece-se também de manutenção dos pressupostos por não enunciados.
Sem confiança o investimento pode não sofrei a aceleração que desejamos.
Portugal dispõe hoje de um clima externo impar. E mister aproveitá-lo ao máximo.
Para o Governo ou para as oposições, somos ambos e todos portugueses.
Por isso, o PSD dialoga com todas as forças democráticas, nos planos e nas sedes onde este diálogo tem justificação e eficácia.
Fá-lo o Governo, fá-lo o nosso grupo parlamentar.
Não estranharão por isso as oposições, que de algumas intervenções por elas produzidas nesta Câmara todos possamos beneficiar e até reformular perspectivas, reapreciar problemas e alterar caminhos.
Deste diálogo, como de qualquer outro, espera-se sempre algo de concreto.
E é por isso que tem pleno cabimento a análise do sentido e do alcance de vários «diálogos» que têm sido trazidos ao conhecimento da opinião pública, mormente pela novidade, o que está a ser liderado pelo Partido Socialista.
A comunicação sócia! fez-se eco, cito, Ce «novas perspectivas prometedoras» que dele decorreu. Um dirigente socialista adianta mesmo a não necessidade de novas eleições legislativas para encontrar um novo poder governativo e parlamentar alternativo ao actual, caso este não subsistisse.
O País deve saber o que quer o Governo. Neste momento Portugal sabe-o. De igual modo, o País precisa de saber o que querem as oposições, concretamente da sua maior força política, o Partido Socialista.

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Por isso, é preciso que se saiba se existe ou não uma maioria presidencial no âmbito parlamentar.
O Sr. Presidente da República declarou-a extinta, há dez dias.
Dirigentes do PS parecem agora desmenti-lo.
Que sentido e alcance tem pois, o diálogo entre o PS e o PC? Não temos que nos intrometer com a condução de acção política por parte dos outros partidos.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não temos que nos intrometer na sua vida.

O Sr. Raul Junqueiro (CDS): - Ora essa!

O Orador: - Só que há factos políticos cuja repercussão, poderosa e sensível, extravasam o seu produtor.
Desde o dia 25 de Novembro de 1975 não se estabelecia, tão à luz do dia e com delegações tão representativas, um «diálogo» entre essas duas forças partidárias.
Nestas circunstâncias, o problema diz respeito a todo o País. Por isso também, e humildemente, a nós próprios. Em tese, abrem-se várias hipóteses.
Dir-se-á que o PS e o PC dialogam para melhor se conhecerem.
Se é assim, tudo o que até agora disseram um do outro era despropositado e até injusto, por que não fundamentado.
Dir-se-á em alternativa que o diálogo estabelecido é apenas uma manifestação de cortesia, de boa vontade, em suma de um diálogo anodino e sem consequências
Mas, se assim é, para quê tanta visibilidade pública, tão elevado nível de representatividade formal? Porquê então os comentários que o antecederam e lhe sucederam?
Dir-se-á, por fim, que o diálogo tem um objectivo que desemboca numa tradução política!
Um poder político de base parlamentar maioritária, centrada no PS, carece do apoio sistemático do PC. Essa a realidade objectiva do actual quadro parlamentar.
E aí se colocam várias interrogações.
Não era o actual Presidente da República quem evidenciava, há dois meses atrás, a existência de duas esquerdas: uma democrática e á totalitária?
Será que o afastamento do seu ex-secretário-geral faz recolocar o PS em sítio diferente do que se ocupava?
Onde estará então o PS? Onde está o seu passado?, Arrependeu-se e renega dez anos de luta contra o totalitarismo?
Qual a fronteira de liberdade que o PS hoje preconiza? Para aquém ou para além da Rua de Soeiro Pereira Gomes?

O Sr. Raul Junqueiro (PS): - Isso está nas GOP!

O Orador: - Há dois meses, mesmo que adversar rios políticos, sentíamos a Rua da Emenda mais próxima da Rua de Buenos Aires ou da sede dos Renovadores Democráticos.
Hoje ela parece estar mais distante. Pior do que isso, não parece estar em lado algum!
Não temos que comentar opções estratégicas de outros partidos. Não temos de interferir no seu desnorte posicionai e estratégico.
Mas podemos e devemos discutir sobre as consequências políticas dos seus actos políticos.
Que solidez manifesta e que consequências produz um tal acordo? Qual a compatibilidade entre o manifesto presidencial ratificado pelo voto popular nas últimas eleições presidenciais, favorável à revisão da Constituição, à reorganização do sector: público, à existência de canais privados de rádio e televisão, à privatização de áreas do sector empresarial do Estado?
Qual o grau de equívoco e de insegurança produzidos?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se trazemos à colação este problema é porque da envolvente política criada e da visualização das alternativas, - também decorre o clima psicológico e político que legitima, condiciona e determina o investimento, o comportamento geral dos agentes económicos, sociais e institucionais e a inter-relação com a comunidade internacional.
Tudo isso se reflecte no Orçamento e nas grandes opções, do Plano.
Nelas existem variáveis que não se compreenderiam em termos meramente escriturais, mas antes dependem da vontade dos cidadãos e dos seus grupos ou comunidades mais amplas.
É por isso tão importante a discussão dos vectores técnicos em debate, como dos contornos políticos que os vão condicionar.
É por isso tão legítimo que o PS nos interrogue sobre este Orçamento e as grandes opções do Plano, como nós ó interroguemos sobre o que quer para Portugal!
A pior política é a não existência de qualquer tipo de política.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: São passados quatro meses sobre o início da acção do Governo Social-Democrata liderado pelo Prof. Cavaco Silva. Durante este tempo produziu-se, legislou-se, atacaram-se problemas nacionais, regionais e sectoriais.
Não se fez tudo, nem isso era possível; seria demagógico afirmar o contrário. Mas a esperança foi retomada, o progresso viabilizado e a dignidade nacional confirmada.
De vários sectores da população, mesmo não tendo votado no PSD, se sente ânimo, se expressa um crédito de confiança, se pede ainda mais.
As circunstâncias externas ajudam p País. Que as circunstâncias políticas existentes nesta Câmara não o impeçam.
O «inverno do nosso descontentamento» pertence ao passado.
O «florir de uma nova esperança» pertence ao presente.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Pára pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Manuel Alegre e Carlos Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

0 Sr. Manuel Alegre (PS): - O Sr. Deputado Ângelo Correia não deve ter reparado que estamos aqui a discutir o Orçamento...

O Sr. Raul Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - .. e, com a sua irreprimível vocação militar, fez aquilo a que se poderia chamar uma manobra de diversão.

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Sr. Deputado Ângelo Correia, o PSD pode administrar a sua política e a sua vida interna como entender, ainda que algumas formas possam ser eventualmente chocantes, mas não tem capacidade de administrar a política dos outros partidos.
Na verdade, o Partido Socialista não aceita que seja o PSD a administrar a nossa posição em relação à vida política nacional e aos outros partidos. Não pedimos licença ao PSD - jamais a pediremos - para dialogar com quem entendemos em cada momento e a quem devemos fazê-lo.
Aquilo que o PS deseja neste momento, já que o Sr. Deputado formulou a pergunta, é a estabilidade política; deseja que o Executivo governe bem, que faça menos autopropaganda, menos demagogia, menos manobras de diversão, que promova menos conflitos artificiais com o Parlamento e que haja de acordo com a maioria relativa em que se apoia, de acordo com a necessidade de diálogo, respeitando a Assembleia e buscando nela, através do diálogo, as vias de consenso em torno das grandes questões nacionais. É isto que o PS deseja neste momento, isto é, estabilidade e um governo que demonstre, na prática, a sua capacidade e que respeite o Parlamento.
O PS desejaria também que o PSD tivesse uma atitude menos auto-suficiente, menos arrogante e mais dialogante.
Propusemos um diálogo no plano interpartidário, porque esse é que é normal em democracia, e foi o PSD - lá sabe porquê - que se recusou ao diálogo com o PS.
O PS, como sempre, está aberto ao diálogo com todas as forças políticas com assento parlamentar, inclusivamente com o PSD, apesar da atitude arrogante, monogante e de recusa ao diálogo da parte deste partido.
E, repito uma vez mais, Sr. Deputado, que não nos deixamos condicionar por esse tipo de manobras de diversão que são antigas e não ficam bem. Dialogamos com os partidos sediados nesta Casa, dialogámos com o PCP e dialogaremos com este partido tantas vezes quantas entendermos necessárias e não é o PSD que administra a nossa política e o nosso diálogo com as outras forças políticas nacionais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Ângelo Correia, deseja responder agora ou no final?

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - No final, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Ângelo Correia, mais do que um pedido de esclarecimento vou fazer um protesto, e não será nem muito longo nem muito acalorado.
Queria-lhe fazer duas observações iniciais: em primeiro lugar, quero dizer que acho natural, embora significativo, que lhe tenha sido atribuído a si o encargo de fazer estas considerações acerca do encontro entre partidos democráticos representados na Assembleia da República.

Uma voz do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Também acho natural que, se não lhe foi atribuído esse encargo, o Sr. Deputado se tenha investido nele, o que não me espanta pois está-lhe na massa da prática política.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar queria, aí sim, exprimir a reflexão de uma certa surpresa. Ouvi o final do seu discurso e disse para mim: «O que se passa? O Sr. Deputado Ângelo Correia não costuma ser laudatário e está a sê-lo.» Creio que entre estas duas questões poderemos talvez compreender a sua atitude.
Queria também dizer-lhe que não considero inadequado que o Sr. Deputado tenha falado da envolvente política da actual situação económica e financeira do País e creio que, exactamente, é a envolvente política que inquieta o Governo.
É a circunstância de o Governo, de o PSD e dos aliados do PSD, ao contrário do que esperavam, não terem conseguido passar para patamares superiores do Poder. Isso inquieta hoje o Governo, o partido que o apoia e os seus aliados.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Realmente o vosso plano fracassou e, de facto, estas grandes opções e este Orçamento estavam concebidos para um enquadramento político diferente, ou seja, para encontrar na Presidência da República o candidato que foi apoiado pelo Sr. Primeiro-Ministro, pelo Governo e pelo seu partido, estavam concebidos para um quadro em que a Assembleia da República estaria diminuída, sob a ameaça da dissolução a todo o tempo e, enfim, estavam planeados no sentido de serem aplicados num país em clima de eleições legislativas antecipadas.
Tudo isso fracassou, e é isso que inquieta o Governo. E, como acontece com as pessoas que se perturbam com quaisquer movimentos que se produzam à sua volta, o Governo fica aterrorizado com a ideia de partidos democráticos, representados na Assembleia da República, se encontrarem mas, curiosamente, a crítica que ele faz só se reporta a encontros de alguns partidos, de tal maneira é hipócrita e sem sentido a observação feita pelo Governo.
Naturalmente, os partidos que se encontram entre si não se deixarão intimidar pela inquietação do Governo e pela sua tentativa de chantagem.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Em nossa opinião, e têmo-lo defendido muitas vezes, o diálogo é o valor da democracia, o diálogo entre partidos com representação nesta Assembleia é saudável para a democracia portuguesa, para o País e para vencermos os problemas graves com que nos defrontamos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O diálogo entre os partidos é estabilizador; o Governo e o seu partido é que desestabilizam quando ele se lhe desliza entre as forças e os partidos representados na Assembleia da República.

Aplausos do PCP.

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Deputado Carlos Brito, agradeço as palavras que dirigiu à minha coerência.
Ser laudatário é muito simples e muito fácil. E porquê? Sou deputado por Aveiro e o que acontece nos últimos meses é um facto visível, ou seja, no distrito de Aveiro o meu partido cresceu espantosamente pois tem catorze câmaras em dezanove existentes, além de que a adesão popular é um facto. Todas as pessoas me vêm dizer que são por este Governo e por isso tenho que o expressar aqui claramente, não posso ocultar a voz do povo. É uma questão que V. Ex.ª compreenderá perfeitamente.
Em segundo lugar, em relação ao problema do enquadramento que era previsível para outras circunstâncias, acho que o Sr. Deputado Carlos Brito - que é um atento cultor da vida política nacional - sempre ouviu ser feita, da parte do PSD, uma destrinça fundamental, até antes da própria existência deste governo, isto é, governo é governo, Presidência da República é Presidência da República.
Fizemos uma campanha nesses termos e os objectivos do Governo são visíveis desde muito antes, ou seja, esta proposta foi elaborada muito antes de qualquer eleição presidencial, fora de qualquer pressuposto, corresponde a um programa eleitoral próprio apoiado pelo povo na percentagem que nos deu, e, como tal, a sua referência nada tem a ver com questões de poder presidencial.
Que V. Ex.ª tenham uma óptica concentracionária de poder é um problema seu e não nosso.
Queria fazer um rapport da pergunta do Sr. Deputado Carlos Brito à pergunta do Sr. Deputado Manuel Alegre. Ambos dizem excelências do diálogo, méritos do diálogo, e nós não somos nada contra a sua existência. Aliás, o diálogo existe e o Governo fá-lo, está a fazê-lo neste momento.
Quando o Governo aceita críticas, correcções e ajustamentos naturalmente está a proceder, na sede própria, a um diálogo com a oposição. Quando o Grupo Parlamentar do PSD altera perspectivas, coloca novos problemas e reformula os próprios problemas faz diálogo.
O diálogo não é uma questão abstracta nem vazia, ele existe para ser concreto e eficaz e, por isso e aí - e nenhuma de VV. Ex.as coloca o problema -, os Srs. Deputados concordam totalmente com o diálogo formal, mas não tocam na questão da sua razão de ser, qual o pano de fundo, qual a subjacença e o objectivo final do próprio diálogo.
VV. Ex.as tornam excelsa à forma mas escamoteiam o conteúdo, e é por isso legítimo, já que o eventual conteúdo transcende o âmbito dos partidos que VV. Ex.as representam e se projecta em todo o País, que nos interroguemos sobre o mesmo. Não para que, Sr. Deputado Manuel Alegre, interfiramos - como várias vezes sublinhei - na postura de VV. Ex.as, só que há erros que se cometem e depois são difíceis de reparar no futuro. Entendo isso perfeitamente.
Por isso, Sr. Deputado, com a irrepreensível tentação de V. Ex.ª de transformar tudo o que é política em poesia, tenho a dizer-lhe que a política é uma questão mais séria.

Aplausos do PSD.

O Sr: Presidente: -Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Logo na intervenção do Ministro das Finanças, e ao longo de todo o debate na generalidade das grandes opções e do Orçamento - apesar do esforço do Ministro do Trabalho e Segurança Social -, uma questão central tem estado praticamente arredada das intervenções dos membros do Governo: a grave situação social que é vivida por centenas dê trabalhadores, os sacrifícios e privações que lhes foram impostos ao longo dos últimos anos e consequentemente as urgentes; necessárias e possíveis soluções para, no quadro orçamental, resolver alguns dos problemas sociais mais gritantes.
Este aparente esquecimento, o refúgio no exclusivismo tecnicista ou nas meras declarações de vontade, tentam diluir a génese classista- das GOP e do Orçamento do Estado.
É indesmentível que cerca de um terço da população portuguesa vive numa situação de pobreza, nalguns casos a ultrapassar os limites extremos dos mínimos de subsistência e até de sobrevivência.
O Governo, com este Orçamento, não quer alterar esta situação na política de rendimentos e preços proposta.
O parecer fundamentado da Comissão de Economia refere e comprova que em 1986 a parte do trabalho na repartição funcional do rendimento sofrerá uma significativa deterioração, quer tendo em conta o aumento da carga fiscal sobre a distribuição dos rendimentos pessoais quer porque a previsão do Governo quanto ao aumento da produtividade é superior ao aumento previsto dos salários reais. Isto significa que os aumentos de produtividade previstos não irão beneficiar os trabalhadores, o que conjugado com a não previsão de aumento de emprego revela que a política governamental continua de costas voltadas para os trabalhadores, para as suas aspirações de uma vida mais digna.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - E quando se repara no que é afirmado quanto «a flexibilização do emprego» e na recusa do Ministro das Finanças em fornecer dados concretos quanto ao emprego, não é difícil concluir que afinal os ganhos de produtividade vão ser feitos no essencial à custa da intensificação dos ritmos ë cargas de trabalho, de despedimentos e de um maior desemprego. Os cerca de meio milhão de desempregados, 400 mil contratados a prazo, milhares de jovens à procura do primeiro emprego, os trabalhadores que diariamente vivem o drama do trabalho à peça, à tarefa, ao dia e à hora, cerca de 40% da população activa duramente atingida com mais ou menos violência pela crise do mercado de trabalho, .vêem assim ressurgir, não a esperança mas a continuidade do negro horizonte quanto ao futuro. Para os restantes trabalhadores por conta de outrem a grande medida deste governo é a tristemente célebre lei dos despedimentos que ameaçadoramente continua suspensa sob a forma de autorização legislativa.
O Governo sempre dirá que a verba de 30, l milhões de contos inscritos no Orçamento da Segurança Social, discriminados em 16 milhões para o subsídio de desemprego, 11 milhões para salários em atraso, lay-off e

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garantia salarial, mais 3 milhões para promoção e defesa do emprego significa uma verba consideravelmente reforçada. Cabe aqui abrir um parêntesis: é escandaloso que o Governo tenha apresentado um saldo de 12,5 milhões de contos sobrante do Fundo de Desemprego. E, no entanto, só cerca de 16% dos desempregados receberam subsídios.
Isto conduz-nos a outra dramática realidade. No ano de 1985 estavam orçamentados 13 milhões de contos para o subsídio de desemprego, o que significa que para o ano de 1986 o aumento de 3 milhões de contos dá quanto muito para cobrir o acréscimo de encargos resultante do aumento do subsídio. Qual vai ser a alternativa para os outros 400 mil desempregados? De que vão viver, como vão subsistir? Na insegurança permanente, mais vendedores ambulantes, o deitar a mão ao biscate, a sujeição e a humilhação às terríveis condições do trabalho clandestino, à marginalidade? Não basta acenar com as verbas inscritas para a formação profissional!
Quanto à verba orçamentada para salários em atraso e garantia salarial, os fundamentos em que assenta nem sequer escondem a visão classista do Governo: conseguir com dinheiro aquilo que lhe está dificultado pelas leis do trabalho, indemnizar para despedir trabalhadores e inviabilizar irremediavelmente centenas de empresas, criar uma espécie de antecâmara, realizar uma operação de prévia limpeza socialmente desumanizada que abra caminho à versão da 70/11 aqui pendurada sob a forma de autorização legislativa.
Outro exemplo significativo é o escasso aumento para as acções de fiscalização da higiene e segurança no trabalho. Tal questão, que mereceu recentemente um relatório profundamente crítico de uma missão oficial da Organização Internacional do Trabalho, é totalmente indiferente ao Governo, apesar das condições degradantes existentes em milhares de locais de trabalho.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, quando se impunha uma política económica onde fosse privilegiado o emprego através do planeamento sectorial e regional, o relançamento dos grandes projectos nacionais, a dinamização do sector público e nacionalizado e da Reforma Agrária, a correcta orientação do consumo público e o funcionamento eficaz das estruturas económicas, quando para concretizar os grandes objectivos inscritos na Constituição da República era necessário contar com a intervenção consciente e criadora dos trabalhadores, este governo, por detrás da ramagem das medidas avulsas e do circunstancialismo das necessidades político-partidárias, orienta-se pelo caminho inverso.
E são precisamente os trabalhadores e as classes mais desfavorecidas os primeiros que começam a avaliar e a desmistificar a ideia do Governo que governa bem.
É verdade que nestes quatro meses se substituiu, por exemplo, a polícia de choque pelo contínuo, pelo secretário, pelo assessor, ou se necessário, mesmo pelo Ministro. Mas as aspirações, as reivindicações mais fundas e mais justas do mundo laboral não obtiveram as respostas necessárias.
Aqui está, como diria o Sr. Deputado Ângelo Correia, o exemplo da ineficácia do diálogo pelo diálogo, ou seja, do monólogo do Governo com os trabalhadores e com as suas organizações.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não tiveram nem terão, caso se mantenham as linhas de força destas opções e deste Orçamento, afinal o instrumento concreto de uma política orientada para o agravamento dos problemas sociais, para atacar as grandes transformações económicas de Abril e devolver as parcelas do domínio perdido ao grande capital.
Quando nos transportes, na metalurgia e metalo-mecânico, nos tabacos, sector siderúrgico, na EDP e noutros sectores os trabalhadores se movimentam e lutam por salários mais justos defendendo direitos e garantias ameaçados, quando os trabalhadores com salários em atraso resistem à armadilha legislativa lançada pelo Governo e reclamam soluções sérias e urgentes que terminem com esse flagelo social é o sinal de que, embora recusando a luta pela luta, embora disponíveis para participar numa política de progresso e desenvolvimento, não permitirão que se ressuscite e se retome a mesma política classista onde os principais atingidos foram precisamente as classes trabalhadoras, a juventude e os reformados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais do que as formulações técnicas e económicas o Orçamento de Estado tem a ver com a vida, com o direito ao trabalho, à saúde, ao emprego, ao salário e ao bem-estar daqueles que criam e produzem a riqueza.
Mas este Orçamento servirá porventura ao Governo, aos interesses de grupos e aos privilégios, mas não serve à maioria do povo português e particularmente aos trabalhadores. A verdade da situação social, a determinação e a luta dos trabalhadores saberão sobrepor-se a quem quer governar sem os trabalhadores ou contra eles!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, neste momento estão apenas inscritos os Srs. Deputados Magalhães Mota, que fará a intervenção final do PRD, e Almeida Santos.
Como este Sr. Deputado não se encontra presente ...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, fui informado que, neste momento, o Presidente da Assembleia da República se encontra reunido com os representantes dos grupos parlamentares para fazer o ponto da situação e estudar a hipótese de continuação do debate.
Como não tenho informação daquilo que se está a passar, peço a interrupção dos trabalhos por cinco minutos, tempo necessário para me dirigir à sala onde se está a efectuar a reunião e saber das conclusões a que se está a chegar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, aceito a sua sugestão com todo o gosto. Sugiro, contudo, que se faça um pequeno intervalo de quinze minutos para que possamos retomar os nossos trabalhos com um esquema mais claro.
Srs. Deputados, está, pois, suspensa a sessão.

Eram 18 horas e 40 minutos.

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A seguir ao intervalo, reassumiu a Presidência o Sr. Presidente Fernando Amaral.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 19 horas.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Quando um governo se vê ao espelho, é o seu orçamento a imagem que o espelho reflecte.
Como diria o povo: diz-me o Orçamento, que fazes e dir-te-ei o Governo que és.
Isto posto, cumpre reconhecer que este Orçamento, sendo mau, é portador de algumas melhorias relativamente aos orçamentos de anos - que já são muitos - de rotina orçamental inveterada.
Significa isso que deve creditar-se a este Governo â mais-valia relativa do Orçamento que propõe?
Está tudo em saber se essa mais-valia é devida a mérito de quem orçamenta e ainda -seja ou não seja - se foi levada tão longe quanto o permitiam as circunstâncias que o determinaram.
Averiguar, em suma, se o ainda pouco mérito da criatura é imputável ao criador.
Eis a minha resposta:

O que há de bom nesta proposta de Orçamento
não é creditável a este Governo; O que há de bom nesta proposta de Orçamento
é uma pequena parte do bem possível;
Os méritos do que há de bom nesta proposta de Orçamento devem com justiça ser repartidos pelo anterior Executivo ...

Risos do PSD.

... E pelos favores da fortuna ou do todo-poderoso, consoante as convicções de cada qual.

Daí que este Governo comece por ter passado a si mesmo um certificado de ingratidão. Pois é verdade que não perpassa na sua proposta nem um gesto de agradecimento ao Governo que o precedeu, nem o fumus de um justificado laus demus ao criador dos melros.
Bem pelo contrário: inscreve no pórtico da sua proposta referências aos «graves desequilíbrios» da situação herdade e passa a partir daí a explorar o cotejo entre o Orçamento corrigido de 1985 e o Orçamento por corrigir de 1986, depois de, como todos sabemos, se ter esforçado por varrer para debaixo da carpete do primeiro tudo quanto pudesse vir a favorecer esse cotejo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Serão tão equiparáveis os exercícios de 1985 e de 1986, que se justifique, sem correcções explicativas, a comparação dos respectivos orçamentos?
O ano de 1985 corresponde ao exercício terminal de um esforço de recuperação financeira que partiu de uma situação de quase ruptura cambial. Foi, além
disso, um ano de crise política instalada, de Governo de coligação desfeita, de dois actos eleitorais e da véspera de um terceiro. Um exercício em que o partido que rompeu a coligação passou a agir no Governo mais empenhado em evitar medidas que pudessem melhorar a imagem do seu principal concorrente ao acto eleitoral, do que em promovê-las ou mesmo consenti-las. Um exercício em que Portugal adquiriu o direito de admissão na CEE, sem os benefícios correspondentes a essa admissão. Um exercício em que, pela primeira vez, teve saldo positivo a Balança de Transacções Correntes, sem imediato aproveitamento desse facto. Um exercício em que, pela primeira vez, apresentou saldo positivo o Fundo de Abastecimento, que de cancro corrosivo das contas públicas se converteu em autêntico 115 financeiro. Um exercício em que a inflação, enfim controlada, desceu dez pontos e se fixou abaixo da linha de água dos 20%. Um exercício em que começou a desenhar-se a queda da cotação do dólar sem, em média, ter chegado a cair significativamente. Um exercício em que começou a faltar ao preço do petróleo a protecção de Alá, sem em média ter chegado a descer abaixo do nível da maldição pregressa.
Comparado com o de 1985, o exercício de 1986 foi até agora, e assim continua a prefigurar-se, um autêntico maná:
Uma Balança de Transacções Correntes cujo saldo o Governo começou por estimar num défice de 760 milhões de dólares, e corrigiu depois para um défice de 300 milhões, admitindo agora que possa ser confortavelmente positivo; A melhor balança comercial de sempre, com uma cobertura das importações pelas exportações que até permite ao Governo propor sem sobressaltos o aumento das primeiras e a redução das segundas;
Um fundo de abastecimentos que foi desde a sua criação um buraco financeiro e que desde o exercício fundo se converteu no mais eficaz cobrador de impostos, ao ponto de já neste momento assegurar receitas fiscais da ordem das dezenas de milhões de contos, não sendo de afastar a possibilidade de ultrapassar a centena ou mesmo de atingir a centena e meia de milhões de contos. Deus é grande, Alá nem tanto! ...

Risos.

Um espaço comunitário que nos abriu os braços e nos abre agora os cordões à bolsa. São mais umas dezenas de milhões de contos de ajuda líquida. Não são peanuts;
Um salto sem pára-quedas da cotação do dólar, desde o himalaia dos 187$ ou 189S para os modestos 148$ ou 149$ do dia de hoje, ou seja
- da moeda em que devemos e compramos, de tal sorte que o peso da dívida externa baixou, quando expressa em dólares correntes, de 80% do PIB em 1985, para 65% em 1986, a ajuizar por um documento fornecido pelo próprio Governo, a que tive acesso.
É isto e o mais que trás no bojo: o crescimento económico das economias de mercado; a desaceleração da inflação e o seu reflexo na importação da mesma; a redução das taxas de juro e o seu impacte no desenvolvimento económico; a revalorização previsional do

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21 DE MARÇO DE 1986 1729

escudo, em 1986, em 8,1% em face do dólar. E não havemos de esquecer que o Governo elaborou a sua proposta à base da cotação média de 169S, e já lá vai uma queda adicional de mais de vinte pontos!
Para além disso o já referido mergulho do preço do petróleo e do consequente embaratecimento do custo do factor energético. O crude vem, de fresca data, dos 34 dólares/barril. Vai nos 12 e já se anunciam os 8. É o reverso de 1974-1975 e da crise subsequente. É a destruição do novo bezerro de ouro.
Há ainda o coetâneo abaixamento do preço em geral das matérias-primas importadas e das oleaginosas.
Há, enfim, o IVA, esse maná dentro de outro, só ele responsável por um efeito somado de 50 milhões de receitas, ou de 84 milhões, se tomarmos em conta esse efeito conjugado com o aumento das taxas reais de impostos conexos.
Em resumo e conclusão: um aumento das receitas totais que cavalga os 40%, pulo de corça nunca visto e que tão depressa não voltará a ver-se, como usa acontecer com os cometas!
Decerto a cogitar nestas elementaridades vizinhas do óbvio, o relatório da Comissão dá por si a referir, com repetida ênfase, a margem de manobra financeira de que este governo desfruta, ora qualificada de «sem precedentes», ora esticada até à constatação de que «permite tudo»! ... Até o disparate, como veremos.
Se a estes dados de uma comparação impossível juntarmos a vantagem inestimável de governar sozinho, ainda que sem maioria, mas com namorada certa quando se faz mister uma piscadela de olho, digamos que este governo nasceu condenado a só poder governar inteiramente mal se ele próprio se revelar desastradamente péssimo.
O mínimo que a esse respeito se pode adiantar é que revela talento para o erro. A folga nas contas não é a única condição de um bom governo.
A margem de manobra financeira que este governo herdou pode, aliás, vir a revelar-se mais ampla do que a traduzida nos números da proposta do Governo.
Já vimos que o Governo trabalhou a sua proposta à base de uma cotação média anual do dólar de 169$, bem como do preço do petróleo de 16 dólares por barril. Onde vão esses pressupostos! ...
A correcção do défice da balança de transacções correntes para 300 milhões de dólares disfarça mal o facto de, nessa data, ser já mais que previsível um saldo positivo.
Sabemos, pelo relatório da Comissão, que a previsão da cobrança da contribuição industrial se mostra subavaliada em 5,6 milhões de contos, a do imposto complementar em, pelo menos, l milhão de contos, a do imposto de capitais em 5 milhões de contos, a do imposto extraordinário em 1,5 milhões de contos.
O PIDDAC vai também libertar sobejos não negligenciáveis. Dada a generosidade com que foi dotado, o adiantado do ano e a não muito optimista previsão do grau da sua exequibilidade (lembro que uma dotação bem mais modesta só pôde ser executada em 70% no ano transacto) é de prever uma redução de despesas da ordem das dezenas de milhões de contos.
Como se vê, o facto de o Governo ser pouco rigoroso a prever, não o impediu de, como regra, errar no sentido de ocultar margem de manobra. No fim do exercício dirá que foi tão bom que conseguiu ultrapassar os objectivos que se propôs!
É claro que há também suborçamentação de despesas, quando não ocultação intencional delas. Será, como foi realçado, o caso das subvenções previstas para empresas públicas, manifestamente insuficientes, e de empréstimos do tesouro seguramente não reembolsáveis. Digamos que, no encontro do a mais e do a menos, os grandes lesados são a verdade e o rigor do Orçamento. Não a margem de manobra, essa folgada!
No entanto, esta suborçamentação de despesas deve exprimir o natural complexo de culpa de um partido que na oposição clama por menos Estado e que no Governo o engurgita. Seria, aliás, a primeira vez que um governo de direita era sincero ao desejar um Estado mais «exíguo», palavra de que tanto gosta o Sr. Deputado Adriano Moreira.
Demonstrando com números: em 1977, as despesas correntes, menos juros, situaram-se ao nível dos 27,2% do PIB. Em 1983, atingiram os 33,5%. Um acréscimo, pois, de 6,3 pontos percentuais.
Destes, 6 pontos correspondem ao período de 1980-1983. Aquele, precisamente, em que o PSD mais teve a possibilidade de dar satisfação à sua própria exigência de menos Estado.
A esta «facilidade» de pôr a circular escudos através de despesas públicas correspondeu, como se sabe, a mais desbragada política de endividamento externo. No período de 1980-1983 o défice anual médio da balança de transacções correntes foi da ordem dos 2250 milhões de dólares, enquanto que, para o restante tempo decorrido entre 1974 e 1984, essa média se quedou por uns modestos 800 milhões de dólares.
Com este desembaraço para gastar escudos da rotativa do Banco de Portugal e dólares dos credores estrangeiros, não admira que os governos liderados pelo PSD tenham, a espaços, feito alguma figura.
Por isso se tornou inadiável a arrumação da casa, e se foi chamar o Partido Socialista para, uma vez mais, conduzir essa arrumação.
Quererá este governo reiniciar o ciclo do escudo fácil e do dólar alheio?
É certo que tenta reduzir o peso do Estado, cortando fatias ao sector público empresarial. Mas, aí, espero eu, serão mais as vozes do que as nozes.
O mérito ou demérito desta proposta de orçamento há-de assim medir-se, no essencial, pelo bom ou mau uso da margem de manobra de que o Governo dispunha.
A conclusão não pode deixar de ser a de que fez dela um uso socialmente reprovável. Pegou no barro e moldou-o à sua imagem e semelhança.
A criatura espelha o criador. E como o criador é neoliberal, ainda que rotulado de social-democrata, é tecnocrata, logo imune à pressão das humanidades, detesta o sector público empresarial e põe toda a sua complacência nas virtudes do privado, esta proposta de orçamento é isso mesmo o que reflecte.
Não há-de assim estranhar-se que o Governo se tenha distanciado da imagem que difunde de si, do rótulo social-democrata que pendura na contra-face dos seus actos, do fado dos Coitadinhos que diariamente canta nos ecrãs da televisão. Trata-se de gerir dinheiro e, aí, a direita é sempre igual a si mesma!
Nessa medida, e só nela, propõe um orçamento de verdade. A verdade da sua tecnocrática desumanidade.
Este não é, longe disso, o orçamento dos pobres. Os mais necessitados não tiveram padrinho nos artífices desta peça calculadamente fria. Pelo contrário, faria as

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delícias do engenheiro Duarte Pacheco, de memorável memória, tanto é o que se nega à boca dos Portugueses para se o imolar ao PIDDAC.
Não é que eu seja contra as obras públicas, as infra--estruturas e o investimento. Mas, após tantos anos de sofrimento colectivo, nos quais se foram pedindo aos Portugueses mais e mais sacrifícios para que os deuses do equilíbrio financeiro nos não rogassem as sete pragas; com largos estratos sociais no limite da subsistência, embora a «fome» propriamente dita tenha desaparecido das homilias e dos jornais no dia em que este governo tomou posse.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quando esses sacrifícios, enfim, renderam, não a esperada folga financeira, mas essa e muita mais, é profundamente errado, além de desumano, que se não tenha tido o impulso, ou no mínimo a preocupação reflectida, de ter pena dos mais necessitados, aliviando-lhes a cruz.

Uma voz do PSD: - Olha quem fala!

O Orador: - Como? Reforçando, por exemplo, o subsídio do pão e. da água -os bens cujos preços o Governo mais fez subir no fim do ano transacto- se é verdade, e não cinismo de mau gosto, a afirmação de que a componente fiscal do preço dos combustíveis se justifica como fonte de subsídio ao preço dos bens essenciais. -

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não sei o que a esse respeito ensinaria Keynes, o tal que, ao chegar ao Céu, terá ironizado, dizendo que se limitou a adiar por 30 anos a crise do capitalismo. Mas imagino o que a esse propósito pensam os que comem menos pão quando o seu preço sobe. Esses, seguramente, não compreendem que o preço do pão suba quando sobe o preço dos combustíveis e não desça quando este preço desce.
Não compreendem nem aceitam que, no primeiro momento em que o seu sacrifício permitiu ao Pais amealhar uns cobres, estes não sejam utilizados, ainda que em parte, para minorar aquele sacrifício.
Não compreendem que quem trabalha continue a ser fiscalmente mais penalizado do que quem vive de rendimentos, e que se não aproveite o primeiro momento em que o sistema fiscal permite pôr alguma coisa de lado para aligeirar, ainda que pouco, a carga tributária que o amargura.
O Governo -que tem meios mas pelos vistos não tem alma optou pelo betão armado. Era uma opção possível. Mas, nas actuais circunstâncias, é uma opção errada.
Conheço a pretensa justificação: o sector da construção civil está em crise; o desenvolvimento das obras públicas e o estímulo ao investimento privado fomentam riqueza; a criação de riqueza gera emprego, receita fiscal, qualidade de vida. Mas é bom de ver que do que se trata, quando nem todos têm o mínimo, é não tanto de como se cria a riqueza mas de como se distribui.
As três opções que lucidamente aqui colocou o Sr. Deputado Silva Lopes eram, pois, conjugáveis em termos hábeis. E se podem ser politicamente tão equi-
paráveis que justifiquem uma indecisão, socialmente não o são. Não o são, sobretudo, no Portugal socialmente debilitado e empobrecido de 1986, à saída de uma recessão económica cujas causas impuseram desumanos constrangimentos, sendo humanamente inaceitável que, quando findam as causas, se mantenham os efeitos. A nossa opção teria sido outra, ou não fôssemos nós substancialmente diferentes. Teríamos acolhido com júbilo esta oportunidade, e a correspondente margem de manobra financeira para, sem descurar o défice que pode naturalmente decrescer- e sem empolar tanto o investimento público, desagravar efectivamente a carga fiscal e a componente energética dos custos de produção.
Não seria grande o sacrifício do político ao social. O aligeiramento da carga fiscal e do preço da energia não pressionariam menos o desenvolvimento do que as obras públicas construídas com a correspondente receita.
Quando refiro o aligeiramento do preço da energia não coloco no mesmo pé o gasóleo que faz mover o barco ou o tractor, o fuel que faz girar a turbina ou mesmo o gás doméstico cujo preço faz as arrelias das donas de casa, e por outro lado a gasolina que explode no motor de um último modelo.
Mas também não aceito que, quando se coloca a questão da redução do preço dos combustíveis, se riposte sempre e só com a necessidade de desestimular o, consumo pretensamente aristocrático da gasolina!...
Já vimos que o Governo não levou a sério, nem se empenhou em cumprir a promessa eleitoral e programática de que ia desagravar significativamente o peso da carga fiscal, sobretudo sobre os rendimentos do trabalho. Outra foi a sua escolha.
É claro que se não esperava que o Governo, à boca da posse, apresentasse aqui uma reforma fiscal coerente e profunda. Mas, para quem tanto blasonou de ter ideias e soluções a este respeito, demoraria tanto a enunciá-las como a redigir os poucos remendos novos no pano velho do tortuoso e distorcente sistema fiscal que nos espartilha e afoga.
Quem ler a proposta de lei do Governo, no que se refere à sua componente fiscal, depara com uma floresta de autorizações legislativas implícitas, as mais delas sem os necessários e constitucionais requisitos de definição dos respectivos objecto, sentido e extensão. Não se vê que fosse embaraçante a inclusão de mais algumas, que permitissem ao Governo ir além das simples arranhadelas de epiderme por que surpreendentemente se ficou. A maré era favorável, dispunha do mais difícil, ou seja, de margem financeira. Só lhe faltou a vontade política - neste caso a humanidade - de comutar a pena dos expoliados do Fisco.
Refiro-me, em especial, à imoralidade, que todos os anos se agrava, de os salários constituírem, como tem sido salientado, o único rendimento que, sem a «legítima defesa» da evasão, está de facto sujeito a dois impostos altamente progressivos - o profissional e o complementar - sabido como é que cerca de 95 % dos rendimentos englobados no complementar provêm do trabalho.
O imposto profissional representou, em 1983 e 1984, menos de 3l% dos principais impostos ordinários directos do Estado. Representou 26% em 1985. Corresponderá a cerca de 33% em 1986! Em termos relativos ganha peso sensível, sendo aliás o mais produtivo imposto directo do Estado!

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É ainda o imposto directo do Estado que previsionalmente mais crescerá em 1986, ou sejam 30%: 85,3 milhões de contos em 1986, contra 65,6 milhões de contos em 1985! Em contrapartida, os demais impostos directos continuam a perder relevância.
Se a isto juntarmos o facto de menos de 1% do número de contribuintes do imposto profissional ter produzido em 1981 cerca de 40% das receitas globais daquele imposto - e refiro-me a 1981 porque é o único ano estatístico que tenho ao meu dispor - teremos, sem desculpas, o retrato da forma iníqua como é repartida a carga fiscal, com os consequentes e perigosos reflexos no equilíbrio dos diversos estratos sociais. Estamos a provocar o risco de graves desequilíbrios e confrontações.
Acresce que é ainda quem trabalha que mais duramente suporta o IVA, dado que os estratos inferiores e médios se vêem obrigados a consumir a maior parte dos seus rendimentos, o que não acontece, naturalmente em igual percentagem com os altos rendimentos.
Ter-se-ia justificado assim uma preocupação de valorização das demais fontes de tributação, de compressão das despesas com bens e serviços e até das despesas de capital como contrapartida de um sério esforço de moralização da tributação dos rendimentos do trabalho.
O nosso nível geral de fiscalidade explicita, quando comparado com o da generalidade dos países onde debalde procuramos investidores, medido em função dos respectivos rendimentos per capita, constitui um caso anómalo e preocupante: quer pela sua dimensão, quer pela extrema rapidez do seu agravamento, quer pela injusta distribuição da carga fiscal, onerando absurdamente uns, esquecendo ou insentando outros.
Se as contas estão certas - e tenho pena de pensar que sim -, de 50 000 contos de lucros de uma sociedade por quotas ou acções nominativas, o sócio titular desses lucros recebe, líquidos de impostos, na maior parte das vezes sem clara consciência disso, cerca de 6000. É assim necessário um lucro de 189%, antes de impostos, para se receber um dividendo igual ao juro pago pela Caixa Geral de Depósitos por um depósito a longo prazo! Será que queremos mesmo investidores em Portugal?
É claro que há governante isento de culpas pela perduração desta situação anómala, a começar por mim.

Risos do PSD.

Mas este governo é mais réu desse «crime» porque é o primeiro, depois do agravamento indisfarçável da situação, que dispõem de margem de manobra para algum esforço correctivo.
Ao invés disso, aumenta a carga fiscal em mais de treze pontos percentuais reais - se a inflação se situar ao nível dos 14% - valor que só foi excedido, na última década, naturalmente em 1980, ano em que se atingiram quase dezanove pontos percentuais reais, e não há que estranhar a similitude entre as orientações fiscais deste ano e de 1980, e alinha na estratégia maximalista da grande reforma fiscal para 1987 («demain je serai sage»!) em vez de enveredar pela via pragmática e realista dos pequenos aperfeiçoamentos.
Parece além disso incorrer no lapso frequente de confundir imposto único com lei única sobre impostos, como se não fosse verdade que uma reforma fiscal digna desse nome passa também por melhorias profundas da administração fiscal, da justiça fiscal e do combate à evasão, antes de mais ao nível das suas causas.
Que o impedia de, desde já, extinguir ou programar a extinção de impostos inúteis ou iníquos, como esse imposto extraordinário que desnecessariamente mantém e que começou por ser criado num governo também da responsabilidade do actual partido que o suporta?
Que o impedia de ter cumprido a promessa de aliviar a carga fiscal sobre o trabalho, já que é difícil concebê-lo a prometer - como prometeu - o que de antemão sabia não poder cumprir?
Que o impedia de ter posto fim à suspeitíssima isenção tributária das despesas confidenciais que, se me não engano, é um dos agentes contribuintes do grau de corrupção que grassa entre nós?
Que o impedia de revelar propósitos salutares de reforma de administração fiscal e dos tribunais fiscais, lesto como é a pedir autorizações legislativas?
Que o impedia de, no mínimo, corrigir essa farsa de apenas 450 fiscais fiscalizarem cerca de 80 000 empresas?
Não caberia aqui, sequer um esboço de um programa fiscal.
Tanto quanto pretendi, foi evidenciar a ausência de uma verdadeira vontade política de aproveitar a maré para combater a rotina fiscal e as clamorosas distorções e injustiças que produziu e progressivamente agrava.
Lesto de facto a solicitar autorizações legislativas, mais ou menos discutíveis e incorrectamente formuladas, o Governo incluiu duas, eventualmente entre outras, que não colhem o meu aplauso nem terão o meu voto.
Refiro-me antes de mais ao pedido de autorização para «definir tipos legais de crimes fiscais, respectivas penas e órgãos competentes para o seu julgamento».
É tradição desta Assembleia só conceder autorizações ao Governo, em tal matéria ou dentro de limites rigorosamente definidos, quando a autorização é genérica ou quando o pedido vem acompanhado do texto da lei a autorizar.
Esta regra vigorou, inclusivamente, em relação a governos com apoio parlamentar maioritário.
Refiro-me também ao pedido de autorização legislativa para reestruturar o Tribunal de Contas. O mais elementar pudor teria aconselhado ao Governo a não formulação de semelhante proposta, desacompanhada do texto do diploma respectivo. Pois como é? Cheque em branco para o fiscalizado conceber e estruturar o fiscal?
Resumindo, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, este não é o nosso Orçamento.

Vozes do PSD: - Já o sabíamos!

O Orador: - Este é para nós, a muitos títulos, um anti-orçamento. Reflecte opções que não são as nossas, escolhe caminhos pelos quais não vamos.
Esforçar-nos-emos, seriamente, por melhorá-lo.

Aplausos do PS e de alguns deputados do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Almeida Santos, os Srs. Deputados Borges de Carvalho e Lobo Xavier.
Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

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O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - Sr. Deputado Almeida Santos,, sob a figura do pedido de esclarecimento, queria dar a V. Ex.ª uma oportunidade de se retratar de algumas das afirmações que aqui produziu.
Não me cabe fazer a defesa do Governo, réu de tantos crimes e arguido de tantos processos que V. Ex.ª aqui enunciou. Ele por certo saberá defender-se melhor do que qualquer outro o faria, e o PSD por certo saberá também, já que é conveniente em tão criminosas actividades e arguido, em tão tenebrosos delitos, assumir o seu papel nesta Câmara.
Porém, o Sr. Deputado não fez só uma diatribe contra este Governo, não fez só um vigoroso discurso de oposição, V. Ex.ª ofendeu terceiros. E é nessa medida que me sinto obrigado a formular-lhe este pedido de esclarecimento.
A dado passo da sua intervenção, o Sr. Deputado afirmou que com o advento deste governo tinham, como por encanto cessado as homílias e os artigos de jornal que protestavam contra as mais injustas situações sociais que se vivem neste país.
Ora, Sr. Deputado, isto além de ofensivo é falso. E porque não estão aqui os ofendidos ou porquê aqui eles não se podem defender, quero dar oportunidade a V. Ex.ª de primeiro, reconhecer a falsidade da sua afirmação segundo, de se retratar, limpando assim a ofensa feita.

Vozes do CDS e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Deseja responder já ou no final, Sr. Deputado Almeida Santos?
O Sr. Almeida Santos (PS): - No final, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Lobo Xavier.

O Sr. Lobo Xavier (CDS): - Sr. Deputado Almeida Santos, ouvi com atenção mais este exemplo de oratória peculiar e não sei com quê é que me espantei mais se foi pelo facto de V. Ex.ª chamar ao Sr. Cavaco Silva um neoliberal, se foi devido a um certo despudor com que falou das questões fiscais ligadas a este Orçamento.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - As duas coisas!

O Orador: - As duas coisas, talvez!...
Julgo que é preciso recordar, em nome da seriedade, da clareza e da coerência, que em assuntos fiscais seria porventura o Sr. Deputado que não deveria falar, porque foi exactamente o Governo anterior, de que V. Ex.ª fazia parte, o campeão em matéria de distorções e de injustiça fiscal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado foi, concretamente, o defensor nesta Câmara, segundo bem me lembro, daquilo que todos conhecem no País, enquanto símbolo máximo da injustiça fiscal, como os chamados impostos extraordinários e retroactivos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Almeida Santos refere que há uma floresta de autorizações legislativas nesta proposta de lei do Orçamento. Devo dizer a V. Ex.ª que é prática comum e saudável nesta Assembleia que isso aconteça. Algumas das autorizações contidas nesta proposta de lei são mesmo as que o Governo, a que o Sr. Deputado pertencia, pediu e nunca levou à prática. Ora, para que não me chamem de vago, referirei que uma das autorizações legislativas em matéria de contribuição industrial era um pedido de autorização legislativa que o seu Governo exerceu durante 2 anos seguidos e que nunca levou à prática na correcção da forma da contribuição industrial.
Portanto, se o Sr. Deputado, tendo pertencido ainda há pouco tempo ao Governo que foi o campeão dos adicionais, dos impostos extraordinários e dos retroactivos, vem falar de injustiça fiscal e de que há poucas melhorias parece-me, pelo menos, uma ousadia.

Aplausos do CDS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Borges de Carvalho, não me retrato em coisa nenhuma, pois, como deve calcular, tenho o direito às minhas opiniões. Referi factos e não pessoas, pelo que lhe peço que não me ofenda a mim nem sobretudo a liberdade de expressão que tanto estimamos e queremos que continue a vigorar neste país.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado Lobo Xavier, devo dizer que também não retiro o qualificativo de neoliberal ao Sr. Primeiro-Ministro, pois também não creio que isso seja ofensivo. Aliás, V. Ex.ª também não pretendeu que o fosse.
De qualquer modo, é a imagem que o Sr. Primeiro-Ministro dá ao País e a que nos fornece através desta proposta de lei do Orçamento. Creio que a minha intervenção é bastante clara a esse respeito.

Protestos do PSD.

V. Ex.ª referiu o despudor com que falei da questão fiscal. Ora, não vai querer censurar-me por ter opiniões a esse respeito. Assim, gostaria que objectivamente criticasse as afirmações que proferi, o que seria talvez mais útil. O Sr. Deputado demonstraria perante esta Assembleia em que é que tais declarações estariam erradas, pedindo-lhe, se fosse caso disso, desculpa ou corrigindo-as se viesse a concordar com as suas emendas.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Foi o que ele fez!

O Orador: - Na verdade, Sr. Deputado, proferir adjectivos como «despudor», colocar em causa o meu direito de ter opiniões sobre matéria fiscal, V. Ex.ª desculpará, mas isso não lhe permito.
Depois, disse que eu não deveria falar!... Ë o segundo Sr. Deputado que me interpela a querer colocar-me uma «rolha na boca»! Por amor de Deus, Sr. Deputado, deixe-me continuar a gozar, enquanto puder, do sagrado direito de exprimir as minhas opiniões.

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V. Ex.ª referiu ainda que um Governo de que fiz parte foi o campeão das distorções fiscais. Quanto a isto, só dois apontamentos muito breves.
Em primeiro lugar, não queira ofender a sua inteligência, que é muita, comparando o ano de 1983 com o de 1986. Se o fizer, tenho efectivamente de corrigir a boa impressão que tenho sobre a sua massa cinzenta, e não quero fazê-lo!

Risos do PS.

Em segundo lugar, V. Ex.ª não se esqueça também que apesar de eu ter feito parte desse Governo não fui, nem de longe, nem o Ministro das Finanças, nem o Secretário de Estado do Orçamento.

O Sr. Duarte Lima (CDS): - Foi mais do que isso!

O Orador: - Por outro lado, o único imposto extraordinário que coloquei em causa -e nessa altura esses impostos correspondiam a exercício extraordinário, o que não é o caso deste- não foi esse que criámos, mas sim um, também extraordinário, criado pelo governo Balsemão.
Quando falei em florestas de pedidos de autorização, foi exactamente para realçar, que sendo essa a normalidade e sendo tão lesto a formulá-las, podia ter formulado mais algumas para exactamente introduzir correcções nas distorções que anotei do sistema fiscal.
Foi pena que eu o não tivesse feito, pelo que, como V. Ex.ª verifica, não achei de mais, mas sim de menos. Porém, acontece que, com um mínimo de pudor, duas das autorizações legislativas agora requeridas não teriam sido formuladas pelo Governo.
Por último, pergunto-lhe se quando formulou os seus pedidos de esclarecimento estava situado em Portugal em 1986 ou em que país e em que exercício se encontravam.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Crespo.

O Sr. Vítor Crespo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: ao analisar, na generalidade, as grandes opções do Plano e o Orçamento do Estado em discussão perguntei a mim mesmo se estávamos em presença de um orçamento de statu quo, «resignado» de «despesas feitas» e não «de despesas a fazer» como foi classificado o do ano passado ou se, pelo contrário, tínhamos em nosso poder um orçamento que traduz uma vontade política de modernização da economia portuguesa dentro de um processo de desenvolvimento enquadrado por objectivos de natureza social?
A resposta a esta questão é simples. Trata-se da segunda alternativa; temos o Orçamento e Plano de que necessitamos.
O que irei procurar pôr em evidência em breves considerações, salientando a sua vertente social, já que coube a outros meus companheiros de banca analisá-lo noutros enfoques, designadamente o económico.
Para que haja modernização, e em particular para que ela se faça de forma humanizada, é condição essencial desenvolver em cada cidadão as suas potencialidades mentais e físicas e dar-lhe uma formação que lhe permita uma participação responsável. Dito por outras palavras modernizar contém as valências da formação e da melhoria da qualidade de vida.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Vejamos o que a esta luz nos diz o Orçamento e o Plano. Comecemos pela educação: o seu Orçamento para 1986 cresce 42% relativamente ao inscrito no ano anterior (descontados os novos serviços), o que representa um esforço de investimento notável que nos últimos dez anos só foi igualado em 1980 com um incremento de 43% sendo significativamente maior do que o crescimento mínimo de 8,8% que teve lugar dois anos atrás, em 1984.
Estão orçamentadas verbas para a construção de 107 escolas dos ensinos preparatórios e secundário. Passado o período de 1974-1980 em que praticamente nada se construiu as 107 escolas deste ano somadas às 249 postas em funcionamento entre 1980-1985 permitem resolver um grave e crónico problema do sistema educativo de modo a que o início e funcionamento do próximo ano escolar se façam com toda a normalidade. É um facto que ainda ficarão por construir 116 escolas para dotar localidades onde elas não existem ou para substituir instalações inadequadas... Défice que bem poderia já estar ultrapassado se nos anos de 1984 e 1985, que foram sob todos os aspectos anos de recessão educativa, o esforço de instalação da rede escolar não tivesse abrandado significativamente, construindo-se menos de metade das escolas que em anos anteriores.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por sua vez a investigação científica cujo desenvolvimento é essencial para a inovação tecnológica vê o seu orçamento aumentar de 48% relativamente a 1985.
A formação profissional - condição base de uma modernização da Administração e do tecido produtivo - conta no Orçamento com 13 milhões de contos do Fundo Social Europeu que devem ser comparados com os 5 170 000 contos inscritos no ano anterior e para o mesmo fim no Ministério do Trabalho e da Segurança Social.
A educação, a capacidade de investigar e inovar e a formação não se podem dissociar do desenvolvimento cultural do indivíduo, que o apetreche a compreender e se adaptar aos desafios do mundo moderno em tempo de mutação acelerada, o que exige que se cuide da cultura a qual não só vê aumentadas as suas dotações orçamentais mas vê também abrir-se-lhe um novo caminho de financiamento por via dos incentivos fiscais com a enorme vantagem de a destatizar e lhe dar uma maior liberdade de criação.
Incentivos fiscais que também gostaríamos de ver alargados ao campo da investigação científica.
O bem estar físico das populações é também condição de desenvolvimento. Por isso, para a saúde que grangeou recentemente uma envolvente europeia são aumentadas em 21,6 milhões de contos as transferências para o Serviço Nacional de Saúde. E apesar da saudável e necessária procura de contenção dos aumentos do número de agentes da função pública o Orçamento abre um parêntesis para as admissões no sector da saúde, assim como da educação.
Importa ainda dizer uma palavra sobre a formação profissional no âmbito da Administração Pública, que se exige capaz e qualificada, para que o aparelho do Estado possa responder com mais eficácia. As orientações contidos no Orçamento têm por objectivo au-

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mentar o ratio do pessoal qualificado e dignificar as chefias através da revisão do Decreto-Lei n.º 119-F/79. Revisão que além do mais tem a vantagem de evitar que continue a escandalosa prática do alargamento por portaria das áreas de recrutamento o que conjuntamente com outros métodos de entrada nos quadros por processos especiais, em muito contribuíram para a degradação do funcionalismo público.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Temos a consciência que os números não conseguem exprimir toda a realidade e que os valores relativos dependem do referencial de origem. Porém a sua indicação é, dentro do tempo de que dispomos, a forma mais simples de traduzir, a verdade. Pelo que a breve digressão que acabámos de fazer nos parece suficiente para evidenciar a preocupação de desenvolvimento, a sua natureza social e a criação de condições para promover as alterações estruturais necessárias. Alterações há muito adiadas e que agora se não podem subtrair ao esforço de adaptação às comunidades.
Pretendemos ainda patentear a determinação contida nas grandes opções do Plano no Orçamento do Estado (OGE), em não nos deixarmos tolher pelo peso das enormes condicionantes desfavoráveis acumuladas durante décadas nem enveredar pelo irrealismo de pretender de um dia para outro queimar todas as etapas.
Procurámos ainda dizer que o programado desenvolvimento não esquece a importância que nele tem o homem. Aspecto tanto mais relevante quanto foi totalmente descurado no passado próximo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para o esforço da modernização e da alteração estrutural do País importa tirar o maior partido possível da entrada de Portugal na CEE, através da utilização plena dos fluxos monetários e de uma correcta renovação do tecido produtivo, em resultado da adaptação e ajustamento das regras comunitárias.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O êxito da integração na CEE passa, em primeiro lugar, por assegurarmos a absorção total dos financiamentos potenciais, que neste primeiro ano poderão atingir a verba de 40,3 milhões de contos inscrita no orçamento.
Em face deste valor - e tendo particularmente em conta as dificuldades do Orçamento das Comunidades - importa salientar que ele é bem superior ao que se poderia esperar para um primeiro ano da adesão. Conseguimos, em termos relativos, um tratamento mais favorável do que outros países recém-entrados, o que vem comprovar a nossa boa capacidade negocial e a qualidade dos projectos apresentados. Pois que, tal como aconteceu com as ajudas de pré-adesão - que vêm este ano inscritos no Orçamento 7,5 milhões de contos para a modernização das estruturas agrícolas - poderíamos arrecadar em 1986 uma verba menor do que a que seria devida, recuperando o atraso em anos seguintes.
Por se tratar de um primeiro ano o grau de utilização dos fundos comunitários não é o mesmo para os vários sectores. Por um lado foi possível conseguir um
compromisso provisional de 13 milhões de contos no Fundo Social Europeu para programas de formação profissional, o que corresponde à enorme fatia de cerca de 20% da verba do Fundo da Comunidade.
Porém, no que se refere ao desenvolvimento industrial apenas podemos dizer que está em curso a obtenção de apoios no âmbito do Novo Instrumento Comunitário e que se encontra em elaboração o sistema de incentivos de base regional, que vai permitir o acesso do FEDER à iniciativa privada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Estamos em condições de participar nos programas de investigação comuns com reflexos altamente positivos na modernização das empresas, sendo de destacar o programa EUREKA para o qual foi inscrita a verba de 121 000 contos.
Neste programa geral altamente favorável têm-se ouvido algumas vozes de discordância no que respeita à fatia do FEDER destinada às autarquias. Estas irão receber 7 milhões de contos, valor que resulta em grande medida - e aqui está a razão das críticas - do facto da Comunidade ter, até ao momento, seleccionado apenas projectos de valor superior a 700 000 contos.
Importa, por isso, que nos debrucemos um pouco mais de perto sobre este caso, até pelos ensinamentos que dele se podem retirar.
A lista de projectos a financiar pelo FEDER foi apresentada em Bruxelas, em Outubro passado, é da responsabilidade do anterior Governo e agrupa propostas da administração central, das regiões autónomas, autarquias e empresas públicas. O seu valor global ultrapassa em muito o limite máximo do financiamento previsível, o que se deve compreender não fosse dar-se o caso de por falta de projectos aceitáveis não viéssemos a preencher toda a nossa quota.
Importa, porém, recordar que já na discussão do Plano e Orçamento do ano passado o então Secretário de Estado do Planeamento chamava a atenção da Câmara para o facto de não estar clarificado o enquadramento institucional do Fundo, que se impunha estabelecer inevitáveis arbitragens em face do elevado número de autarquias a candidatar-se ao FEDER e que na lista de projectos, extremamente longa, os de menor valor não terem um carácter plurianual.
Para estas advertências não foram, em devido tempo, encontradas soluções tendo cabido a este governo o estudo do. regulamento que estabelece os princípios a que devem obedecer as candidaturas ao Fundo de Desenvolvimento Regional.
Além disso a lista de Outubro continha 779 programas autárquicos de valor inferior a 5 MECUs com um custo médio de 48 000 contos e onde para alguns deles os encargos totais não ultrapassavam o valor dum apartamento do cidadão comum, o que na estrutura de preços europeus os colocava ao nível do fontanário.
Não contestamos a utilidade e interesse desses programas, porventura maior do que o da actual central térmica de Sines III, que acabou por ser financiado.
Mas há que não escamotear o facto de que o processo seguido - e insisto, pelo anterior governo - alienou em favor da comunidade todo o espaço de manobra de escolha, e, ainda, é legítimo perguntar se alguns daqueles projectos obedeciam a verdadeiros critérios de

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promoção do desenvolvimento regional. Se assim for algumas das candidaturas apesar de dizerem respeito a obras úteis e necessárias, não passariam de desperdício para os efeitos pretendidos.
Bem diferentes são os critérios agora utilizados de selecção dos projectos no âmbito do PEDAP, para o qual já foram escolhidos sete a financiar pelos 1,5 milhões do FEOGA/Orientação.
No que toca a agricultura cabe dizer que vemos com apreensão o atraso de anos na modernização deste sector vital, chave do sucesso da integração, o qual pela sua natureza tem um tempo de resposta muito lento. Por isso estamos inteiramente de acordo com a disposição orçamental que permite o pagamento de despesas até ao montante de 10 milhões de contos, a título de antecipação de receitas do FEOGA/Orientação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Ao analisar o Orçamento e o Plano comecei por pôr a questão da sua adequação e ao terminar não posso evitar uma outra.
O problema fulcral para a sociedade portuguesa para os próximos dez anos - todos o sabemos - consiste em criar condições para que, no contexto da adesão à CEE e utilizando todas as oportunidades que dela resultam, possamos, conduzir o País a um nível de desenvolvimento idêntico ao das nações mais avançadas da Europa.
Assim sendo, como explicar o esforço de aproximação entre o PS e o PCP, o reatar dos seus contactos oficiais, há vários anos interrompidos, com o visível propósito de preparar uma outra solução política, uma vez que aqueles partidos se dividem frontalmente, no que respeita ao primeiro e grande objectivo da política portuguesa que é a da integração europeia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para já não falar nos importantes ensinamentos que se podem extrair dos resultados das eleições francesas e da sua história do passado domingo. E dentre eles a demonstração do fracasso da única experiência de um governo de «maioria de esquerda» nos últimos vinte e cinco anos! Tentativa que falhou, apesar de uma longa preparação e apesar do PCF ter passado pelo cadinho do Eurocomunismo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O que traduz a manifesta impossibilidade dos partidos comunistas participarem em coligações estáveis, para mais impulsionadoras de reformas, nos países do espaço comunitário, entre os quais Portugal se encontra.
Por tudo isto, pelo valor intrínseco das propostas em análise, pela política e prática seguidas a bancada do PSD encontrou motivos de regozijo perante o Orçamento e Plano apresentados pelo Governo Cavaco Silva.
Orçamento e Plano que contém as propostas adequadas, correctas e realistas, o que irá certamente ainda mais motivar a congregação dos agentes económicos do mundo do trabalho, das forças de inovação e de mudança, e de todos nós, no sentido da criação de um clima de confiança e de uma dinâmica de desenvolvimento e progresso em tudo essenciais para a construção de um futuro melhor para todos os portugueses.
Por isso, a bancada do PSD lhe dá o seu inteiro apoio.

Aplausos do PSD.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª pretende usar da palavra para formular pedidos de esclarecimento, Sr. Deputado?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Não, Sr. Presidente. É para formular um protesto em relação a uma parte das declarações que o Sr. Deputado Crespo, do PSD ...

Vozes do PSD: - Victor Crespo!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - .... acaba de produzir.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Victor Crespo, entendeu V. Ex.ª vir aqui fazer observações sobre as relações do meu partido com um outro partido representado na Assembleia da República.
Já há pouco o Sr. Deputado Ângelo Correia tinha feito observações no mesmo sentido - e não sei se o Sr. Deputado estava presente na Sala ...

O Sr. Victor Crespo (PSD): - Não, não estava.

O Orador: - Realmente, eu pensei logo que nessa altura o Sr. Deputado não estava presente na Sala e portanto, não sabia que o seu colega Ângelo Correia já se tinha antecipado a trazer aqui essa questão.
Foi uma figura que não foi muito feliz ....

Risos do PSD.

..., sobretudo porque também não trouxe nada de novo.
Quando o ouvi, supus que o Sr. Deputado ia comentar o relacionamento entre os diferentes partidos com assento na Assembleia da República, depois verifiquei que não, que o seu objectivo era só um.
A primeira pergunta que me acode fazer-lhe é esta: se é tão mau para o Partido Comunista e para o outro partido que é seu adversário a realização de encontros como aquele que teve lugar e se isso é tão benéfico para o seu partido e para o seu Governo, porque é que se inquieta tanto? Não acha que é extraordinária essa sua inquietação? Será que o Sr. Deputado é um bom samaritano e anda aqui para se interessar pelos outros, pelos adversários? Sabemos que não.
É de crer, Sr. Deputado, que a sua própria intervenção traduza a vossa inquietação.

Uma voz do PSD: - Olhe que não!...

O Orador: - Os senhores não estão seguros; os senhores tinham um projecto de engrandecimento de poder, mas esse projecto foi derrotado - e não vou repetir agora o que já disse ao seu colega Ângelo Correia; os senhores estão naquela situação de ter medo de tudo o que mexe à vossa volta.

Vozes do PSD: - Ah!...

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O Orador: - Realiza-se um encontro normalíssimo na vida democrática e os senhores ficam atrapalhados e a pensar: «agora é que vem aí a alternativa».
Não se inquiete tanto, Sr. Deputado!
Creio que os senhores deveriam ver com simpatia a realização de encontros entre os partidos representados na Assembleia da República. Isso é um valor da democracia. A convivência democrática, o diálogo democrático são valores da democracia.
Mas os senhores não conseguiram compreender isso e, portanto, quando há um contacto com o Partido Comunista reagem como aqueles que antes do 25 de Abril, a propósito de tudo, levantavam o fantasma do comunismo e perseguiam os comunistas é os outros porque diziam que se davam com os comunistas.
Foi isso o que ò Sr. Deputado Victor Crespo veio aqui fazer, tristemente e em segunda mão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Foi fraco, foi lamentável.
Pensamos que estes encontros entre os partidos são um contributo para a estabilização da democracia em Portugal. Vão, nesse sentido, a favor da consolidação do regime democrático português e se os Srs. Deputados têm a mesma opinião de que é necessário reforçar o regime democrático português têm de estar a favor deste encontros.
Mas será que os Srs. Deputados, depois de tudo o que têm dito, querem: efectivamente ver reforçado o regime democrático português?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Victor Crespo, V. Ex.ª pretende dar explicações?
O Sr. Victor Crespo (PSD): - Sr. Presidente, na realidade, gostaria imenso de responder ao Sr. Deputado Carlos Brito, até porque está em causa uma questão extremamente importante. No entanto, não tenho, tempo para o fazer.
Nós queremos- a democracia no Partido Social-Democrata,, mas julgo que teremos ocasião de voltar a falar sobre esta questão.
Peço desculpa ao Sr. Deputado Carlos Brito. Não é uma questão de menos: respeito pelo Partido Comunista, mas sim um problema de orgânica dentro do meu partido.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - A mim não me ofende nada! Pode é ofendê-lo a si!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vamos entrar agora no período das declarações finais.
Tem, pois, a palavra, para fazer a intervenção final em nome do MDP/CDE, o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs.- Membros do Governo: Submetido o Governo à prova real da comparação entre as suas afirmações propagandísticas e a realidade das suas opções e dos números que as documentam, tem de concluir-se que a- balança se inclina em desfavor da propaganda governamental, denunciando uma prática política gravemente lesiva dos interesses da grande maioria da população.
Logo à partida a tão apregoada redução da carga fiscal é desmentida pelos números constantes do Orçamento.
A totalidade dos impostos, em 1986, aumenta, pelo menos, 22,8%, com a agravante de tal aumento vir a configurar ainda uma clara injustiça fiscal, com um aumento dos impostos indirectos, ou seja, daqueles que na sua maior parte são suportados pelos que tem menores recursos, de 63,7%, ou seja, mais 5,1 % do que em 1985, enquanto, por outro lado, os impostos directos, que são função dos rendimentos e, por isso, atingem os que têm mais elevados rendimentos, em vez de aumentar, diminuem, em relação a 1985, 5,1%. , De resto, o tão apregoado «desagravamento fiscal dos rendimentos do trabalho» é, na realidade, o agravamento de tais rendimentos, como, aliás, o reconheceu a Comissão de Economia, Finanças e Plano, a p. 60 do seu relatório.
E tal iníqua situação é ainda agravada com o imposto complementar, que constitui um adicional ao imposto profissional, suportado pelos rendimentos do trabalho, e pelo IVA, que vem a incidir sobre bens e serviços essenciais não sujeitos anteriormente ao imposto de transacções, desagravando, por outro lado, bens de luxo e supérfluos, cujas taxas desceram de 90% e 60% para 30%.
Mas, a injustiça fiscal não fica por aqui: a contribuição industrial é reduzida de 40% para 35%, mas tão-só no que respeita a lucros superiores a 3000 contos, enquanto a maioria das empresas, que são as pequenas e médias empresas, não são contempladas com qualquer redução.
- Todavia, bem pode dizer-se que nunca um governo dispôs de condições tão favoráveis para pôr em prática outra política.
Por um lado, o Governo beneficia da descida do dólar e do petróleo e dispõe ainda de 46,7 milhões de contos de transferências da CEE e de 220 milhões de contos do IVA, representando o IVA, o imposto de selo e o imposto de transacções um aumento de 59,4% em relação a 1985.
Já se viu, porém, como o Governo utiliza as aumentadas receitas de que irá dispor: distribuindo benesses para o reduzido número dos titulares de altos rendimentos e agravando a carga fiscal que incide sobre a maioria da população, em especial sobre aqueles que têm menores recursos.
Assim se vão definindo as linhas de orientação da política deste Governo, naquilo em que os jogos das palavras não podem ocultar a realidade dos números.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Se das linhas essenciais da política fiscal passarmos às análises sectoriais, as conclusões continuam a apontar para uma prática política negativa.
Assim, no que respeita às transferências para a administração local, o Governo fixou a percentagem de 13,8% em relação a 1985, verba tão gritantemente reduzida e insuficiente que até autarcas do próprio PSD exprimiram a sua surpresa e indignação, tendo mesmo um deles afirmado ir intentar um processo judicial contra o Governo, além da Associação Nacional ,de Municípios ter também exprimido a sua discordância.
E no relatório da Comissão de Administração Interna e Poder Local, anexo ao parecer da Comissão de Economia, Finanças e Plano, a p. 3, assume-se idêntica divergência considerando-se tal percentagem de 13,8%

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«muito inferior à variação da despesa total ( + 21,7%), das receitas dos impostos, da taxa de inflação de 1985 (19,8%) e até da previsão do Governo da inflação de 1986, de 14%».
Também aqui a política real do Governo contradiz as afirmações governamentais relativamente à proclamada importância atribuída ao poder local democrático.
E, no que respeita ao sector público, o Governo evidencia a persistência do seu propósito de o estrangular, como resulta do facto de as empresas públicas irem receber este ano menos 44 milhões de contos do que em 1985.
Por outro lado, enquanto em 1985 o Governo foi buscar aos lucros das empresas públicas 10,4 milhões de contos, no Orçamento para 1986 o Governo propõe--se aumentar para 26,3 milhões de contos a sua participação em tais lucros das empresas públicas, indo buscar mais do dobro do que arrecadou em 1985, o que continua a demonstrar o ataque às empresas públicas através da sua descapitalização.
Acresce ainda que as transferências do Orçamento do Estado para o orçamento da Segurança Social são, em termos reais, inferiores as de 1985 em cerca de 9%, o que demonstra a ausência de qualquer política social.
Poder-se-á dizer que há, contudo, aumentos de verbas neste Orçamento em relação ao ano anterior em alguns sectores.
Mas que significado podem ter tais aumentos se, por exemplo, a despeito de tal aumento, a verba da cultura é apenas 0,35% do Orçamento do Estado?
Poderemos mesmo dizer que, com excepção do CDS e da sua «perspectiva benévola», referida pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito, e, naturalmente, do esperado apoio da bancada do PSD às Grandes Opções do Plano e ao Orçamento do seu Governo, todos os outros partidos aqui produziram críticas em relação a estas leis, instrumentos da política governamental, colocando-se em posições de distanciamento em relação à euforia com que o Governo as apresentou.
Pela nossa parte, queremos aqui claramente afirmar a nossa discordância quanto às linhas de orientação da política anunciada pelo Governo no seu Programa e prosseguida com as Grandes Opções e o Orçamento.
O Governo aposta na iniciativa privada como motor da economia, mas, pese embora o papel que ela desempenha, o certo é que tal motor tem de ser, necessariamente, o sector público.
Cumpre não esquecer que a maioria das grandes empresas, habituadas durante décadas ao regime de protecção em que viveram até ao 25 de Abril, não mostrou, em geral, capacidade de iniciativa que possibilitasse o desenvolvimento económico, apesar das medidas que sucessivos governos têm posto em prática, no sentido de as beneficiarem.
Por outro lado, são, na realidade, as empresas públicas que têm um papel estratégico na nossa economia: o maior volume de vendas, em 1983, foi o das empresas públicas PETROGAL, INDEP, QUIMIGAL, Tabaqueira e Siderurgia Nacional, e, como salientou o engenheiro Moura Vicente, presidente do Forum dos Gestores das Empresas Nacionalizadas, em 1979, as empresas públicas apresentavam uma dinâmica de crescimento de nível superior à média nacional, uma média de investimento superior à média nacional e um indicador de produtividade representando duas vezes e meia a média nacional por trabalhador.

O Sr. António Capucho (PSD): - Não admira!

O Orador: - Pretender transformar as empresas privadas em motor da economia é uma pura inversão da realidade.
Todos os sectores da economia - público, privado e cooperativo - têm de ter um papel positivo no desenvolvimento económico, mas tal desenvolvimento só é atingível assumindo o sector empresarial do Estado o papel do seu motor.
Por outro lado, o MDP/CDE considera que não é uma política de injustiça fiscal, que vem a agravar a situação da maior parte da população com menores recursos, que pode contribuir para uma política de desenvolvimento económico, por todas as razões, uma das quais é a de que tal desenvolvimento não é possível sem o empenhamento das camadas laboriosas da população.
E terá ainda de dizer-se que, constituindo o poder local democrático um dos pilares do Portugal de Abril, ele terá de ser necessariamente dotado com os meios que assegurem a sua autonomia e a sua capacidade de resposta aos problemas das populações.
Tal como se não pode esquecer o papel que têm de desempenhar as pequenas e médias empresas no desenvolvimento da nossa economia, papel que a Constituição consagra ao consagrar a sua protecção pelo Estado.
Neste e noutros problemas essenciais, como no que respeita à cultura, as respostas do Governo ou são inexistentes ou insatisfatórias.
E não se julgue que as palavras, por mais hábeis e aliciantes, sejam capazes de cobrir a realidade com tons cor-de-rosa. A realidade acaba sempre por se impor e evidenciar a distância que a separa das promessas.
As Grandes Opções do Plano e o Orçamento para 1986 marcam essa distância, ilustrando uma política que não corresponde à solução dos problemas do nosso país.
Por isso, o MDP/CDE irá votar contra elas, não afastando, em definitivo, a hipótese de vir a modificar a sua posição final, caso as alterações que venham a ser introduzidas, na especialidade, correspondam a propostas que vão ao encontro dos interesses da população.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Em nome do Centro Democrático Social, vai fazer a declaração final o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Temos defendido a necessidade da estabilidade governativa, o que não podemos deixar de relembrar na data em que o Parlamento discute o Orçamento e as Grandes Opções do Plano, e estamos decididos a fazer sacrifícios circunstanciais em favor dessa necessidade maior.
Mas com este sentido da responsabilidade não devemos omitir que existem perspectivas e realidades políticas que antecedem o indispensável princípio de impor a disciplina nas finanças públicas.
Em primeiro lugar, notar que o ano de 1986, com todos os factores favoráveis que têm sido enunciados e existentes no ambiente económico internacional que nos rodeia como centro de decisões políticas, é uma data histórica, porque mudou definitivamente o con-

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ceito estratégico nacional: inscritos nas responsabilidades europeias, do que não temos experiência passada; obrigados pelo acto do Luxemburgo à coordenação da política externa do todo; abrangidos, não obstante as obrigações da NATO, a participar nos processos de autonomia estratégica da Europa com a primeira expressão no pedido de sermos admitidos na União da Europa Ocidental; implicados; com interesse, no processo global, europeu de recuperação científica e tecnológica trata-se de uma nova definição da situação de Portugal, sem precedentes, e ela não parece ter relação com os documentos em discussão.
Porque já não se trata apenas, entre outras opções que temos discutido ao longo dos anos, de ter mais ou menos Estado, mas também de ter mais ou menos soberania e igualdade: E isto, julgamos, não pode deixar de influenciar a opção entre uma política orientada para uma decisiva expansão das nossas exportações e, certa moderação no crescimento do mercado interno (o que contende com exigências imediatas e graves da' população) e uma política de crescimento controlado, baseada na expansão da procura interna, em especial de uma das suas componentes, o investimento público, em paralelo com o incitamento à oferta efectuado através da diminuição da carga fiscal incidente sobre as empresas, das taxas de juro de crédito e do ritmo da desvalorização do escudo.
O acento tónico da proposta governamental vai neste último sentido; pretendendo-se que as exportações acompanhem a mera evolução do comércio mundial (5,5%), enquanto as importações deverão crescer a uni ritmo duplo, isto é; 10,5% a 11%.
Esta opção será imediatamente aceite em termos sociais, em virtude do aumento dos rendimentos reais, da expansão do mercado interno e do aumento da oferta para este mercado e ainda da melhoria das condições de acesso imediato à compra de habitação.
A paz social certamente obtida deste modo tem valor inegável, mas não está avaliada nos riscos que vimos enunciar, e o tempo previsível da euforia, o progresso que entretanto se dará, da agressão externa, e a debilidade em que então estaremos com pressões inflacionistas e drástica redução dos recursos disponíveis para o sector privado.
Não teremos então nem menos Estado, nem eleitores satisfeitos, nem condições robustecidas para competir internacionalmente.
A situação significativamente deficitária do sector público alargado, administrativo e empresarial, que se prevê irá absorver em 1986 cerca de 17% do PIB, exigiria um tratamento mais drástico das despesas, sendo, por isso, dificilmente, compatível com uma política centrada no investimento público...
Basta que o défice previsto resvale mais. um bocado para estar comprometida toda a política proposta, já que daí resultará uma redução de recursos disponíveis para o investimento privado ou o aumento dos plafonds de crédito e da massa monetária, com o crescente acentuar das pressões inflacionistas.
E a hipótese de se verificar um agravamento do défice afigura-se-nos altamente provável, já que as receitas parecem estar sobreavaliadas (basta ver a inclusão nesta rubrica de 20 milhões de contos correspondentes a recuperação de atrasados), enquanto as despesas estarão notoriamente subavaliadas, conforme informações que nos tem chegado.
Aliás num orçamento em que as receitas globais apenas cobrem metade das despesas previstas é evidente, que tudo pode acontecer.
O aumento dos custos salariais e a diminuição dá desvalorização do escudo implicarão- certamente uma diminuição da competitividade das nossas exportações e facilitarão a entrada de produtos importados, o que se afigura extremamente grave neste período de ingresso de Portugal para o Mercado Comum, em que começam a ser, desmontados os condicionalismos pautais para uma série de produtos, em particular os vindos do mercado espanhol.
Olhando a mais largo prazo, parecia mais indicada uma política orientada para uma decisiva expansão das nossas exportações e para uma certa. moderação no crescimento do mercado interno, o que implicaria uma maior atenção na evolução salarial, uma redução mais acentuada das despesas públicas, com a consequente libertação de recursos para o sector privado, bem como a adopção de uma política cambial adaptada a essa finalidade.
Admitimos que as realidades sociais e políticas, que transformaram Portugal num Estado patrimonial à revelia dos cidadãos, e no qual todos os governos colaboraram no crescimento do aparelho burocrático em troca da paz pública e não da eficácia, não permitam soluções que não levem em consideração essa realidade, e não somos partidários de que, depois, de criar um monstro estatal dispensável, - decidamos subitamente fazê-lo desmoronar para que todos fiquemos sob as ruínas.
Mas não julgamos que considerações, puramente técnicas possam dispensar que a realidade seja toda assumida e que se busquem soluções de compromisso viável, que gradualmente apontem para o dimensionamento racional do sector público, para o revigoramento da iniciativa capaz de enfrentar o desafio da exportação e que, finalmente, conserva mais soberania, como todos os Estados europeus desejam para se sentirem iguais.
Na realidade interna, desenvolvida à revelia de quaisquer projectos, desejaríamos sublinhar que nos parece cada vez mais de valor político e não simplesmente organizacional a associação nacional dos autarcas onde está a experiência da continuidade governativa que não temos a nível central, o conhecimento, directo das comunidades e pessoas, que não se encontra nas estatísticas centralizadoras, à legitimidade personalizada dos autarcas, dá por vezes a impressão quê ali está a nascer, o senado da República, e por isso, se a observação corresponder aos f actos, é com critério político que a sua dotação orçamental deverá ser revista.
Por outro lado, opostos ao agravamento do défice, parece-nos possível que seja até diminuído, se todos puderem concordar em que as imposições fiscais que oneram os preços dos combustíveis possam ser apropriadamente distribuídas e não destinadas por inteiro à sua finalidade actual, facto quê colocou tantas dúvidas nas intervenções parlamentares.

Aplausos do CDS.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Ë uma ideia do Freitas , do Amaral.

O Orador: - Também não deixaremos de notar que nos parece longe dos factos entender que o indispensável rigor e disciplina das finanças públicas seja a condição da qual decorre a reforma que precisamos da

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Administração Pública, porque esta não é uma máquina computorizada, é formada de) homens: e quando o Governo fala em ter encontrado «bolsas de eficiência», é porque a generalidade do aparelho foi inquinada por ideologismos partidários, clientismos, e nenhum governo está isento de ter julgado que comprava a paz pública pela inflação da burocracia dispensável.
A revolução cultural ou se faz ou o aparelho apenas muda de perfil à força de leis, e não melhora por dentro porque os valores da função pública não se implantaram. Como foi repetido nas intervenções do Grupo Parlamentar do CDS, convergimos com o Governo em muitos dos objectivos que visa e até afirmaram que as Grandes Opções representam um avanço em relação ao próprio Programa do Governo.
Também reconhecemos o esforço feito a bem do interesse público, a vontade de colocar à disposição da Câmara todos os elementos disponíveis e o apego a valores profissionais e de eficiência dos ministros responsáveis. Por isso daremos o nosso voto favorável, esperando que na especialidade tenham acolhimento as propostas que o CDS faz exclusivamente para servir o interesse público.

Aplausos do CDS e de alguns deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Para proferir a declaração final do Partido Comunista Português, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Fazemos questão de iniciar esta intervenção no encerramento do debate sobre as Grandes Opções do Plano e o Orçamento do Estado para 1986 manifestando o apreço do Grupo Parlamentar do PCP pelos trabalhos desenvolvidos na Comissão de Economia, Finanças e Plano da Assembleia da República e na sua subcomissão e muito especialmente pelo notável relatório por ela produzida que marcou, como raramente terá acontecido, estes três dias de discussão sobre política orçamental e as conclusões que dela ressaltam.
A primeira e fundamental dessas conclusões é indubitavelmente a de que as propostas de lei das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado não podem sair da Assembleia como nela entraram e têm que sofrer profundas alterações.
Era já público este sentido muito crítico do relatório da Comissão, votado favoravelmente por todos os partidos, à excepção do PSD, quando o Governo minoritário aqui chegou para apresentar e defender as suas propostas de lei ante o Plenário da Assembleia da República.
Não pode por isso deixar de se estranhar que o Ministro das Finanças com uma daquelas entradas de leão a que nos vai habituando não se limitasse a pedir o voto ou o apoio dos deputados para os seus diplomas, mas que reclame, nem mais nem menos, que a Assembleia da República «reconheça» «e o afirme perante o país», estou a citar, que o Governo «está no caminho certo» e que junte a isto a pesada exigência de que, também vou citar, «é conveniente, do mesmo modo, que o Presidente da República o sublinhe» - citei.
É difícil considerar tudo isto um mero artifício retórico do discurso temperamental do actual responsável das finanças públicas.
Acresce que um Sr. Deputado do PSD, não sabemos se com conhecimento do Primeiro-Ministro, resolveu teorizar a assimilação da Proposta de Lei do Orçamento - vou citar - «a uma verdadeira moção de confiança» e de forma tão estrita que, segundo ele, mesmo - cito - «alterações de monta» equivaleriam no significado e nas consequências à pura rejeição da moção de confiança.
A teoria não tem evidentemente nenhum apoio, nem no nosso regime constitucional, nem nas práticas correntes de regimes institucionais semelhantes ao nosso. A questão não se disfarça com especulações jurídico-constitucionais de deputados do Governo. É uma questão política que é ou não é colocada pelo Primeiro-Ministro. O resto deve ser tomado como pressões inadmissíveis e tentativas de chantagem que visam impedir a Assembleia da República de fazer uso pleno das suas competências e prerrogativas institucionais e do seu dever perante o País.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. António Capucho (PSD): - Afinal tínhamos razão.

O Orador: - De qualquer forma é evidente que o Governo quer dar a ideia de que coloca a fasquia muito alta e cabe esclarecer que o faz, não porque tenha pernas de mais, mas precisamente para disfarçar que tem pernas de menos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. António Capucho (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Com efeito, as propostas do Governo não estão só desenquadradas em relação a aspectos marcantes da conjuntura económica internacional - baixa das cotações do petróleo, de matérias-primas e do dólar - como a Comissão Parlamentar pertinentemente observou e o Governo acabou por reconhecer. As propostas de lei do Governo minoritário estão também desenquadradas da actual realidade política do País, o que seria igualmente benéfico que o Governo reconhecesse.
O governo de Cavaco Silva concebeu estas Grandes Opções do Plano e este Orçamento do Estado contando com a vitória do candidato presidencial que entusiasticamente apoiou a que ligou em boa parte o seu destino...

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Faltava isto... Tinha que ser!...

O Orador: - ... esperava encontrar uma Assembleia diminuída sob a ameaça da dissolução, planeava executar esta política em clima de legislativas antecipadas. Sabe-se como caíram por terra estas perspectivas governamentais.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Fracassado o projecto de apropriação a curto prazo de novos e decisivos patamares do poder, o Governo minoritário parece pretender agora prevalecer-se da conjuntura excepcionalmente favorável para compensar o pouco poder com muito dinheiro

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sem controle orçamental, confiando numa boa lógica capitalista, que este acabará por se transformar naquele.
É verdade que o Governo tem o arrojo de aqui se apresentar mais uma vez (e a psicologia explica isso) a repetir o slogan e a glosar o mote da «disciplina das finanças públicas». Mas a análise das suas propostas revela, como se faz no relatório da subcomissão, que o Governo, para além de subavaliar receitas e sobreavaliar despesas, procura furtar ao controle da Assembleia e à inscrição orçamental muitas dezenas de milhões de contos de saldo do Fundo de Abastecimento, originado pela queda das cotações do petróleo e dos cereais.

Aplausos do PCP.

O Sr. Malato Correia (PSD): - De psicologia percebe ele!

O Orador: - Pergunta-se: Por que é que o Governo quer contrabandear este enorme saco azul? Para atender as prioridades nacionais? Não, evidentemente. A ser assim fá-lo-ia com transparência. O Governo opta pela clandestinidade porque prossegue mesquinhos objectivos partidários que se prendem com a sua imagem e a sua sobrevivência.

Aplausos do PCP.

Muito cuidam, este governo e este Primeiro-Ministro, da sua imagem. O Governo fala muito «em disciplinas das finanças públicas» mas o que resultaria da aprovação da sua proposta do Orçamento do Estado seria a abertura de facto ao mais acabado regabofe orçamental.
A Assembleia da República está em perfeitas condições de o impedir. A Assembleia da República tem plena legitimidade constitucional e democrática para corrigir os erros e as anomalias da proposta do Governo e para eliminar tudo aquilo que atenta contra os interesses do País e do regime democrático e que em boa verdade foi apontado pelo relatório da subcomissão.
Em nossa opinião a Assembleia da República não pode deixar passar a política económica e financeira apresentada nas Grandes Opções do Plano e no Orçamento do Estado do Governo e que visa, entre outros, seis objectivos especialmente negativos: o Governo quer utilizar os recursos decorrentes de uma conjuntura muito favorável, não para fazer frente a uma situação social gravíssima, mas em benefício da sua imagem e da sua sobrevivência de governo; o Governo quer agravar a carga fiscal e a injustiça social que a caracteriza; o Governo quer regressar ao princípio da defunta AD de que «quem quer saúde paga-a» de tão funestas consequências para o nosso povo; quer acentuar a centralização administrativa e financeira e enfraquecer e marginalizar o poder local democrático; quer sufocar e destruir o sector público da economia e as UCP/Cooperativas da Reforma Agrária e prosseguir a política de reestruturação dos monopólios e latifúndios que é a causa principal da profunda crise económica que o País atravessa; quer subordinar a política agrícola, o desenvolvimento regional e toda a actividade económica nacional aos ditames de Bruxelas e de outros centros de decisão da CEE.
A Assembleia da República tem a obrigação moral de introduzir nas propostas do Governo as alterações necessárias para que o auumento considerável das receitas seja utilizado para enfrentar as principais chagas sociais que anos a fio de política de recuperação capitalista originaram no nosso pais: Na sua concepção tecnocrática das coisas disse o Ministro das Finanças em sentido figurado que «os ministérios gemem», e é significativo que não aflorem no seu discurso os que gemem, em sentido real, esse um terço da população que vive em níveis de pobreza, a legião dos desempregados, principalmente jovens e mulheres, os trabalhadores com salários em atraso, os trabalhadores com trabalho incerto e a grande massa dos idosos com reformas de miséria.

Aplausos do PCP.

E por que é que o governo de Cavaco Silva foge a discutir a situação social? Porque ela destrói o mito de «boa governação» uma vez que ao longo dos quatro meses de vigência do governo do PSD não tem cessado de se agravar, sendo particularmente preocupantes os indicadores referentes ao desemprego e aos salários em atraso.
Não é melhor a situação nas empresas - sobretudo nas pequenas e médias, como sabem. Chegam de todo o País notícias sobre novos encerramentos, suspensões de laboração, atrasos no pagamento de salários. Mas esta situação inquietante não está também presente no discurso, do Governo e não se vêem medidas para a debelar.
É certo que o Governo baixou as taxas de juro correspondendo a reclamações há muito colocadas pelo PCP e outros sectores da vida nacional, mas pode-se dizer que nas condições criadas já tarda uma nova baixa nas taxas de juro.

Aplausos do PCP.

Risos do PSD.

A Assembleia da República não pode consentir que precisamente num ano em que aumentam consideravelmente outras receitas do Estado o Governo queira impor ao País o maior aumento da carga fiscal dos últimos anos.
A Assembleia tem sobretudo que impedir que o Governo acentue o carácter regressivo do nosso sistema fiscal fazendo pagar mais aos trabalhadores e aos que menos podem e contemplando os altos rendimentos e o capital com reduções e isenções fiscais como acontece com o imposto profissional, com a contribuição industrial, com o imposto de capitais e até com o imposto complementar que incide sobre os dividendos.
A Assembleia da República não pode dar cobertura ao orçamento deficitário da saúde concebido a contar com a reposição das taxas moderadoras (hoje decretadas) que constituem uma flagrante violação da Constituição como tem sido repetidamente declarado pelas instâncias competentes, que tem em vista transformar a saúde num objecto de negócio e constitui, por isso mesmo, um verdadeiro atentado às condições de vida do nosso povo...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito mal!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Vocês só vêem atentados!

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O Orador: - O escândalo é tanto que a Sr.ª Ministra da Saúde foi silenciada hoje apesar de repetidos pedidos de deputados para que desse explicações à Assembleia, como era devido.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A Assembleia da República não pode permitir que as autarquias vejam de novo baixar as verbas a que legalmente têm direito, não pode permitir a distorção de critérios de distribuição, a manipulação dos indicadores, nem a proliferação de mecanismos e instrumentos de ingerência do Governo e da administração central na tomada de opções que cabem ao poder local. Há que travar o passo ao reforço do centralismo de que este Orçamento é expressão e abrir caminho a uma efectiva regionalização.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Não menos importantes são as medidas que a Assembleia da República deve tomar com vista a impedir o desmantelamento, asfixia e destruição do sector empresarial do Estado. Devem ser objecto de particular atenção as indemnizações compensatórias e as dotações de capital a distribuir às empresas públicas e nacionalizadas.
A Assembleia da República não pode assistir de braços cruzados à destruição inconstitucional de unidades económicas que são riqueza nacional e devem estar ao serviço do País e que são entregues, de mão beijada, a velhos e novos grupos económicos e não pode permitir que prossiga a cruzada de destruição da Reforma Agrária, que impede os trabalhadores de produzir o que queriam e podiam em benefício do País.

Aplausos do PCP.

É completamente inaceitável e exige réplica adequada a postura arrogante com que o Governo assume a sua política de destruição abertamente contrária à Constituição. Esta política é provadamente responsável pela profunda crise económica em que o País foi mergulhado. Há que derrotá-la, modificá-la, e não aprofundá-la.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O debate pôs em evidência uma outra realidade, que exige reflexão atenta de todas as bancadas. Não pode admitir-se que por uma política de abdicação e facto consumado, pela inadequação de mecanismos institucionais e por chocante carência de política nacional própria, Portugal caia na mais completa dependência e subordinação dos centros de decisão, como já acontece com a agricultura e o desenvolvimento regional e logo acontecerá, se não o impedirmos, com toda a actividade económica do País.
A atitude do PCP nas votações que vão seguir-se traduzirá a nossa firme oposição em relação à política económica e financeira do Governo, rejeitando na generalidade as suas propostas de lei; apresentaremos as nossas propostas de alteração nas áreas fulcrais para a resolução dos problemas do Pais.
Mas estamos igualmente disponíveis para considerar propostas com este objectivo nacional que sejam apresentadas por outras bancadas. Da nossa parte, apresentaremos, entre outras, propostas concretas visando
a correcção das injustiças fiscais mais gritantes, a garantia das verbas a que as autarquias locais têm direito, a baixa de preço dos combustíveis, a inscrição de verbas que evitem a ruptura do sistema de saúde, a revogação das taxas moderadoras de saúde, a garantia aos idosos de níveis humanos de reforma e um conjunto de medidas que previnam e corrijam abusos governamentais contra o sector público, tanto na área económica como na área sensível da comunicação social.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Governo pretende fazer passar a sua política económica e financeira a golpes de intimidação e de chantagem sobre a Assembleia da República e de baixas acusações contra práticas democráticas dos partidos da oposição.

O Sr. António Capucho (PSD): - Chantagem?...

O Orador: - A inquietação e a arrogância que a um tempo se manifestam nas actuações do Governo são razões suplementares para que a Assembleia da República proceda com a maior severidade na apreciação e votação de cada norma da lei orçamental.
Há que proceder de forma que o Orçamento e as finanças públicas não possam ser instrumentalizados para aventuras desestabilizadoras.
A Assembleia da República não pode votar um Orçamento para servir os caprichos de um Governo ou de um partido, tem de votar um Orçamento para Portugal e para dar resposta aos problemas mais prementes dos Portugueses.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Foi a atitude que os deputados comunistas tomaram no presente debate e que tomarão nas discussões e votações decisivas da especialidade que vão seguir-se. Esta é, nas condições presentes, não tenhamos dúvidas, uma linha de defesa fundamental do regime democrático saído do 25 de Abril.
Aplausos do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito pouco inovatório!

O Sr. Presidente: - Em nome do PRD, vai proferir a declaração final o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A presença actuante dos deputados do Partido Renovador Democrático neste debate, desde logo na sua preparação, feita no relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano, feita nos relatórios de diversas comissões e subcomissões - bastará referir a colaboração dada pelos relatores Agostinho de Sousa e Costa Carvalho aos relatórios da I Comissão -, creio que me dispensa de repetir agora o que outros disseram melhor do que eu. As intervenções dos meus companheiros de bancada já denunciaram claramente as críticas que temos a formular às Grandes Opções do Plano e ao Orçamento para 1986.

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Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Recusamos a falsa segurança de quem se refugia em dogmas para tentar ignorar os desafios do inesperado, do novo, ou até da complexidade que é o quotidiano.
Por isso não estamos instalados. Nunca estaremos instalados num pró ou contra antecipadamente decidido de uma vez por todas e sistematicamente seguido.
É sinal seguro de conservadorismo, para não dizer de enquistamento, a aflição com que muitos se apressam a denunciar tudo quanto se lhes afigura mudança de ideias.
Como se quem obstinadamente se recusasse a ver, a não aceitar emendar-se, a não reconhecer a parcela de verdade que há também nos outros, ou, numa palavra, quem não é capaz de mudar, não fosse quem provasse inferioridade mental ou cobardia, para consigo próprio e para com os outros.
O Grupo Parlamentar no PRD aprecia pelos seus méritos e não pelo local do hemiciclo em que se originam as iniciativas que tem de julgar.

Aplausos do PRD.

E julga-as por si, pelos seus critérios.
Não por aquele realismo ou pragmatismo em moda que às vezes é pseudónimo de renúncia às ideias próprias, mas por atenção a valores que são a nossa única razão de ser.
É por assim ser quê, podemos dizer, cada opção de voto é, para todos e cada um de nós, deputados eleitos pelo PRD, uma escolha ética.
Não julgaremos aprioristicamente; connosco, as maiorias renovam-se em cada deliberação livre, porque pertencem aos interesses dos Portugueses, tal como em cada caso e momento o julgamos.
Reuniremos seguidamente para fixar o sentido do nosso voto.

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Orador: - Sr: Presidente, Srs. Deputados: O nosso não é o tempo em que se possa falar do poder como absoluto e soberano.
Existem poderes, por isso há que procurar consensos, em vez de forçar submissões.
Não são possíveis os silêncios. É o diálogo que tem de fazer-se. As Grandes Opções do Plano e do Orçamento serão votados pela Assembleia da. República.
O Governo, que propôs o que melhor lhe pareceu, tem de descobrir que é a solução em conjunto votada e maioritária que é, na relatividade das escolhas democráticas, a melhor. Não há propostas desvirtuadas, há leis votadas.
No nosso sistema constitucional, a proposta de lei do Orçamento não se traduz numa moção de confiança, sequer implícita.
A sua aprovação não se traduziria em mais que uma exigência de cumprimento leal e determinado, nem se trata de submeter aos mecanismos de deliberação um programa ideológico, em que quaisquer alterações pusessem em causa a fé sobre que assentam.
Como da sua rejeição não resultaria mais - nos precisos termos das nossas leis fundamentais - que a necessidade de elaboração de nova proposta... e a continuidade do regime de duodécimos.
É evidente que as consequências de uma e outra atitude não se confinam a este quadro jurídico-formal.
Há. consequências; necessárias - e não as ignoramos - da sorte destas propostas, por exemplo, na economia portuguesa e para os agentes económicos; não deixaremos de valorar tal situação.
Mas também aqui o rigor se impõe, exigindo que se não retirem conclusões tão excessivas que o anúncio, da sua apetência leve a moderar a própria formulação das permissas.
Nem valerá a pena dramatizar; sabemos todos que o quadro de um parlamento é, por natureza, um enquadrar de estabilidade em cada debate o que está em causa, para tranquilidade dos aflitos, é tão-só a substituição de uma política por outra.
Não nos deixaremos enredar; votaremos livre e responsavelmente não somos espectadores, desiludidos ou temerosos; demasiado sabemos que é a passividade quem permite aos medíocres e aos aventureiros continuarem os seus feitos.

Aplausos do PRD.

Vamos decidir do nosso voto até porque sabemos, e sabemo-lo bem, que neste Parlamento e por força do voto dos Portugueses nem há decisão sem contar connosco.

O Sr. Presidente: - Em nome do PS, vai proferir a declaração final o Sr. Deputado José Luis Nunes.

O Sr. José Luis Nunes: (PS): - Sr. Presidente; Srs. Deputados: Tal como foi concebido na reunião de líderes parlamentares, este período final destina-se a um esforço de síntese ê não ao reactivar de um debate que, neste momento, já está feito.
A intervenção do PS, pela minha Voz tentará ser esse esforço de síntese, que penso ser necessário neste momento.
A Revisão Constitucional de 1982 veio permitir que a Assembleia da República assumisse um papel da mais alta importância na aprovação do Orçamento do Estado.
A proposta governamental deverá, na discussão e votação na generalidade, ser encarada como o documento definidor da política do Governo para o ano em curso, devendo a Assembleia da República, no uso das suas competências constitucionais, introduzir as modificações que se tornarem necessárias na defesa dos interesses superiores dos Portugueses.
A Constituição da República conferiu à Assembleia da República poderes, e estes, não haja dúvidas, são para serem usados..
O debate demonstrou que o Governo dispõe de uma larga margem de manobra, tanto ao nível interno como ao nível, internacional.
Desta conjuntura favorável, de que o Governo foi tão-só herdeiro ou ocasional beneficiário, mas que - é preciso sublinhá-lo não pode ou não soube criar, importará saber se e em que medida o Governo a vai aproveitar, no sentido de um relançamento sustentado da economia ou no sentido de uma política meramente eleitoralista, que empobreça o País e o faça regressar à situação de crise em que se encontrava em, 1983. O debate permitiu, igualmente, reforçar, no equilíbrio dos órgãos de soberania, o peso da instituição parlamentar.
A qualquer observador, mais ou menos atento, não poderá escapar a importância do parecer da Comissão de Economia, Finanças e Plano.

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A profundidade da análise, a capacidade de compreensão da realidade e a correcta perspectiva de um Orçamento do Estado à medida dos interesses de Portugal, permitem à Assembleia da República a abertura de novos caminhos e perspectivas, em ordem a melhorar, de forma radical, a proposta do Governo.
No plano da apreciação mais genérica, algumas questões foram sublinhadas e merecem a nossa preocupação. Sublinhe-se entre outras:

a) O desequilíbrio entre as verbas afectadas a trabalhos públicos, por um lado, e ao sector empresarial do Estado, por outro;
b) A insuficiência manifesta das verbas orçamentadas para as autarquias e o desvio de parte dos fundos do FEDER para projectos governamentais;
c) O agravamento da carga fiscal, em particular dos impostos que oneram os consumos e os rendimentos do trabalho;
d) O aumento do peso das despesas do Estado, como, de resto, sempre tem acontecido em governos do PSD.

Agora algumas reflexões finais que têm, singelamente, como objectivo sintetizar e explicitar: sintetizar as nossas preocupações fundamentais e explicitar a nossa intenção de, na discussão na especialidade, contribuir para tornar adequada às necessidades dos Portugueses a proposta do Governo.
Poderemos dizer que a discussão do Orçamento do Estado só agora vai começar na Comissão e que, em votação final global, teremos a possibilidade de nos pronunciarmos sobre o que resultar dos nossos trabalhos.
Até lá tudo faremos para que o Orçamento do Estado reflicta, o melhor possível, as necessidades e interesses colectivos dos Portugueses.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Em nome do PSD, vai proferir a declaração final o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O empenho e entusiasmo com que o meu Grupo Parlamentar participou neste debate das grandes opções do Plano e do Orçamento do Estado para 1986 deixou para a intervenção de encerramento do PSD, a meu cargo, apenas cinco minutos.
De qualquer modo, é tempo bastante para fazer o balanço do que aqui ouvimos e para anunciar as conclusões a que chegámos no final deste debate.
Faz hoje precisamente quatro meses, apenas quatro meses, que o Governo liderado por Cavaco Silva obteve plena investidura nesta Câmara, com a viabilização do Programa que então nos submeteu.
De então para cá evidenciou que é um Governo com liderança efectiva, homogéneo e coeso; um Governo com capacidade já revelada para atacar a crise, relançar a economia e resolver, progressivamente, os problemas dos Portugueses; um Governo que, quanto à capacidade já demonstrada, e em nossa opinião, só tem paralelo, na história recente, com aquele que foi presidido pelo saudoso Francisco Sá Carneiro.

Aplausos do PSD.

Um Governo que, por muito que custe a certos sectores, cumpre e cumprirá, na sua acção, os objectivos e as promessas do verdadeiro 25 de Abril, no que significam de liberdade e democracia política, mas também económica, social e cultural.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vamos votar dois instrumentos essenciais à acção governativa.
Do fecundo debate, aqui realizado, ressaltaram nas oposições duas posturas claramente distintas: por um lado, da extrema esquerda parlamentar, a oposição pela oposição, o estar contra porque é preciso estar contra. Nada de novo, vindo como vem daqueles que, em termos de projecto político, estão nas antípodas do modelo ocidental que defendemos.

Aplausos do PSD.

E só é pena que tenham ocorrido afloramentos da mesma natureza noutra bancada, neste caso certamente conjunturais e talvez ditados por questões internas e, portanto, alheias ao verdadeiro âmbito desta discussão.

Aplausos do PSD.

Por outro lado, um debate franco e aberto, com notas porventura críticas, mas quase sempre construtivas, em regra pontuais e de especialidade, em relação às quais manifestamos toda a disponibilidade para as analisar em sede própria.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Da nossa parte, e em duas palavras, as grandes opções do Plano definem, com correcção, as grandes linhas orientadoras da política macro-económica do Governo, traduzindo a «estratégia de progresso controlado» prevista no seu Programa.
A orientação da proposta orçamental, inequivocamente rigorosa, é coerente com os propósitos definidos no plano e insere-se no esforço para pôr em ordem as finanças públicas e conter o défice. Em suma, as propostas de lei em debate representam um esforço sério e positivo para darmos um decisivo passo em frente no ano em que nos tornámos membros de pleno direito da CEE.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não posso nem preciso de me alongar. Por tudo o que referi e foi dito pela minha bancada, designadamente pelos meus colegas Rui Machete e Victor Crespo, votaremos favoravelmente as propostas de lei em apreço.
Não o fazemos por ritual ou disciplina. Porque constituem instrumentos correctos, adequados e essenciais para o prosseguimento da acção positiva deste governo, votaremos a favor, com convicção e com entusiasmo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, a fim de proferir a sua declaração final.

O Sr. Primeiro-Ministro (Cavaco Silva): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A discussão do Orçamento do Estado e das grandes opções do Plano constitui um dos momentos mais significativos dos trabalhos parlamentares, dada a importância que tais documentos revestem para a nossa vida colectiva e o indiscutível significado político do debate. O Orçamento é o instrumento básico da política económica e social do Governo, peça

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indispensável para a realização do seu Programa, o mesmo é dizer, para a concretização dos compromissos assumidos para com o povo português. Em conjunto com as grandes opções do Plano, o orçamento anual estabelece o quadro de referência para a política económica de curto prazo e marca o rumo para a actuação do Governo num horizonte temporal mais amplo. Daí a preocupação de rigor, transparência e objectividade que presidiu à sua elaboração e o nítido progresso que se verifica em relação aos orçamentos dos anos anteriores.
Pesem embora as críticas formuladas pelas oposições ao longo deste debate, podemos afirmar que estes aspectos ficaram aqui reconhecidos.
A execução do Orçamento, permitirá alcançar uni crescimento expressivo da economia portuguesa, uma forte expansão do investimento, uma subida significativa do poder de compra das famílias e uma maior equidade na distribuição do rendimento. Criará condições para que, no médio prazo, possa ser significativamente reduzido o desemprego e sejam atenuados os desequilíbrios de desenvolvimento entre as diferentes regiões do País. Permitirá, ao mesmo tempo, manter sob controle o desequilíbrio das contas externas.
O Orçamento do Estado e as grandes opções do Plano, que consubstanciam a estratégia de progresso proposta pelo Governo, visam, igualmente, enfrentar com êxito o desafio que nos é lançado pela adesão às Comunidades Europeias.
Está ao nosso alcance, como país, concretizar um importante passo em frente na senda do progresso; é uma oportunidade que não podemos desperdiçar. À responsabilidade é de todos, Governo e oposição. Da nossa parte, tudo faremos para cumprir.
A não aprovação do Orçamento ou o seu desvirtuamento teriam, pois, um significado claro: esta Câmara desejaria impedir o Governo de realizar os objectivos a que se propôs e que tem vindo a prosseguir, dando execução ao seu Programa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos satisfeitos por termos contribuído para o avanço registado este ano na qualidade e profundidade da análise do orçamento e das Grandes Opções por parte da Assembleia da República.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Nunca, a nenhum governo, foram tantos os elementos pedidos e nunca tantos foram enviados. Nunca tantos membros do Governo comparecerem nas comissões para prestarem esclarecimentos, por tudo isso nos congratulamos.
Na posse de toda essa informação, cada Sr. Deputado estará agora em condições de votar, na plena consciência da gravidade que representaria para o País a recusa de qualquer dos aspectos fundamentais do Orçamento, que cuidadosamente preparámos para submeter à vossa apreciação.
O meu Governo, desde a primeira hora do seu madato, vem pautando a sua acção pelo rigor e pela transparência na utilização dos dinheiros públicos è pela luta contra os desperdícios que se verificam no sector público português.
É bem sabido que, por mais ineficientes e injustificadas que sejam as despesas públicas, sempre têm um grupo a seu favor: o daqueles que delas beneficiam.
O Governo tem dado provas de que não aceita colocar os interesses dos grupos acima dos interesses da colectividade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não podemos compreender que, perante o atraso do nosso desenvolvimento, a carga fiscal que pesa sobre quem trabalha e quem cria riqueza, as carências sofridas por alguns portugueses, possam ainda ter acolhimento as tentativas de travar o esforço do Governo para moralizar a utilização dos dinheiros do Estado e garantir a sua máxima rentabilidade social.

Aplausos do PSD.

Por maiores que sejam as pressões, não desistiremos do nosso objectivo de impor disciplina nas finanças públicas.
Elaborar um orçamento é fazer opções, quanto à utilização de recursos que são escassos, e exige rigor e cuidado ria escolha entre as diferentes alternativas.
Seria incorrecto que esta Assembleia apreciasse, isoladamente, as verbas atribuídas a certos sectores ou programas, sem ter bem presente a globalidade das despesas, tal como seria grave se desligasse as despesas dos recursos que se torna necessário absorver para o seu financiamento e da sobrecarga de impostos que tal implica.
O Governo tem plena consciência de que aumentar as dotações para determinados sectores é eleitoralmente gratificante. Recusamos porém, esse tipo de decisões pouco responsáveis.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Orçamento que dentro em pouco irá ser votado permite alcançar, em 1986, um crescimento do produto não inferior a 4%; o controle do crescimento dos preços, muito provavelmente abaixo dos 14% inicialmente previstos; uma melhoria de pelo menos 3% nos salários reais e de 8% nas pensões; a expansão do investimento em cerca de 10% e a criação de mais postos de trabalho.
Desejaríamos ver a Assembleia da República activamente associada a este novo ciclo de progresso em que o Governo está empenhado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo herdou um pesado défice orçamental que, não obstante o esforço de contenção realizado, se mantém ainda, em 1986, a nível que consideramos elevado. Um défice orçamental que ultrapassa os 10% do PIB não pode deixar de constituir fonte de preocupação para o Governo e, certamente, também para esta Câmara. Serão necessários alguns anos de disciplina das finanças públicas para que o défice orçamental baixe para nível mais razoável, o que não se consegue sem estabilidade governativa. Esta nossa preocupação perante o défice é semelhante à dos governos dos outros países ocidentais, onde, após uma fase de certa hesitação, os próprios parlamentos se associaram ao combate do défice, evidenciando um elevado grau de consciencialização, quanto aos seus efeitos negativos. Em certos casos, foram os próprios parlamentos a pressionar os executivos para actuarem com maior severidade na aplicação de medidas correctivas do défice orçamental.
Esperamos que esta Assembleia evidencie igual preocupação em relação ao desequilíbrio das finanças públicas portuguesas.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A nossa proposta orçamental encerra um grande esforço de contenção, principalmente quanto às despesas correntes. Foi-se tão longe quanto no curto prazo era possível na diminuição do seu crescimento. Propor um défice mais agravado não seria uma atitude responsável.
Tivemos o cuidado, através de uma adequada articulação entre as variáveis reais e monetárias, de determinar um montante para o défice que não pusesse em causa o financiamento do investimento produtivo, em particular do sector privado, ao qual atribuímos, como sabeis, um papel determinante no processo de desenvolvimento do País.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A redução da inflação para níveis moderados constitui objectivo central da política económica do Governo. Tal é necessário para que se consiga a racionalização do comportamento dos agentes económicos, indispensável ao crescimento pretendido, e se crie uma envolvente social favorável ao desenvolvimento.
Propomo-nos, no médio prazo, alinhar a inflação portuguesa pela média dos países das Comunidades Europeias. Para 1986 fixámos, inicialmente, o objectivo de 14%.
Verifica-se, entretanto, através dos elementos já disponíveis, referentes ao mês de Fevereiro, que a desaceleração da inflação está a ocorrer a um ritmo mais acentuado do que o previsto, o que nos leva a pensar que é realista e desejável começar, desde já, a visar um crescimento anual dos preços de 12%. Os efeitos benéficos são óbvios, pelo que ninguém, de boa fé, pode negar o seu apoio e colaboração para que tal aconteça.
A tarefa de reduzir a subida dos preços para 12% tem de ser o resultado do empenho de todos - Governo, oposição, trabalhadores, empresários e consumidores. Apelo a todos para que não recusem o seu contributo para o progresso do País.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A contenção dos preços ao nível de 12% torna necessário que a contratação colectiva se ajuste, de imediato, para cerca de 15%. Continuaria assim a assegurar-se um aumento dos salários reais de, pelo menos, 3%.
Os trabalhadores sabem bem que discordamos da redução do poder de compra que lhes foi imposta nos últimos anos e que estamos a trabalhar com honestidade e verdade para melhorar, gradualmente, as suas condições de vida. Alerto os trabalhadores para as acções dos seus falsos defensores, que os incentivam a reivindicar salários irrealistas e que outra coisa não desejam senão fomentar a instabilidade política e manter o País no caminho do empobrecimento.

Aplausos do PSD.

Apelo também aos empresários para que dêem exemplo de responsabilidade, fixando preços concordantes com a política de combate à inflação.
Os empresários devem saber que o Governo não permitirá que a expansão do crédito acomode aumentos dos preços superiores à meta fixada e.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... que vai fazer uso de instrumentos de persuasão fiscal em relação às empresas cujo comportamento, em matéria de negociação salarial, não seja compatível com o esforço de controle da inflação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em síntese, a obra é de todos os que querem ver o País recuperar do atraso de desenvolvimento em que se encontra em relação aos outros países da Europa.
O abrandamento na subida dos preços que se tem vindo a verificar, sendo praticamente certo que se registará, em 1986, a taxa mais baixa dos últimos 12 anos, permitirá baixar as taxas de juro - caso esta Assembleia não venha a alterar a proposta orçamental em sentido inflacionista. Esta nova descida da taxa de juro, depois da baixa de quatro pontos verificada no mês de Novembro passado, contribuirá decisivamente para a melhoria da situação financeira das empresas, reforçará a sua competitividade e estimulará mais fortemente o investimento privado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos últimos tempos, muito se tem falado nesta Assembleia, e fora dela, dos preços de venda dos combustíveis, em resultado da baixa do preço do petróleo e da cotação do dólar. As posições assumidas por alguns não podem, contudo, deixar de suscitar surpresa, pelo facto de ignorarem aspectos essenciais à análise séria do problema e revelarem uma certa incoerência.
Com efeito, a maioria dos Srs. Deputados sabe que é incorrecto, do ponto de vista do desenvolvimento económico sustentado do País, favorecer o aumento do consumo de energia e o consequente agravamento da nossa já muito elevada dependência energética externa. E acresce que não deve fomentar-se a expansão excessiva do consumo, mas antes privilegiar-se a orientação dos recursos disponíveis para investimento produtivo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Devem também saber que, face ao elevado desemprego existente, não é correcto agravar o preço relativo do trabalho, favorecendo os investimentos que utilizam mais energia e desincentivando aqueles que são mais promotores de emprego.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sendo o factor trabalho excedentário em Portugal, fará algum sentido aumentar a sua tributação relativamente aos combustíveis, que são, para nós, produtos escassos? Só os falsos defensores dos trabalhadores podem defender um tal tipo de actuação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas o que não pode deixar de surpreender é o facto de alguns dos Srs. Deputados interpretarem o aumento das receitas do Fundo de Abastecimento, derivado dos combustíveis, como um agravamento da carga fiscal sobre os Portugueses. O quociente entre o total das receitas fiscais e parafiscais e o PNB é um indicador global da carga fiscal que enferma de algumas limitações que não podem ser igno-

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radas. Utilizações desprevenidas desse indicador podem conduzir a graves erros de análise, nomeadamente quando ocorrem. grandes alterações nos termos de troca.
O referido acréscimo de receitas do Fundo de Abastecimento não corresponde a qualquer aumento da carga fiscal sobre os Portugueses. Trata-se, sim, de uma transferência de recursos dos países produtores de petróleo para Portugal.

Aplausos do PSD.

Risos do PS e do PCP.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Esta é de sebenta!...

O Orador: - Devem ainda os Srs. Deputados saber que, presentemente, o que se discute na generalidade dos países ocidentais, mesmo nos mais ricos, é a introdução de novas taxas sobre os combustíveis, de modo a impedir que a actual fase de baixa do petróleo se repercuta automaticamente nos preços de venda ao público. É uma atitude sensata da parte dos governos e parlamentos desses países.
Seria, assim, compreensível que se ouvissem vozes a aconselhar prudência e a alertar contra eventuais tentações de utilizar os ganhos da baixa do petróleo para alcançar resultados fáceis no imediato. Teríamos todos razões para estarmos satisfeitos; se os discursos da oposição, numa prova de maturidade das instituições democráticas portuguesas, chamassem a atenção para a conveniência de aproveitar á descida dos preços do petróleo, a fim de reduzir as restrições financeiras que afectam o nosso desenvolvimento; para que os ganhos obtidos não fossem desbaratados em consumo e antes fossem utilizados na melhoria da saúde das nossas finanças públicas; para criar condições mais favoráveis ao investimento produtivo e reduzir a carga que, nos últimos anos, foi lançada sobre as gerações futuras.

Aplausos do PSD.

Era esta a atitude a esperar, não só por razões económicas e financeiras, mas também por coerência e ética políticas. Com efeito, aquando da discussão do Programa do Governo, foi aqui expressado, pelos partidos da oposição, o receio de que sé actuasse unicamente numa perspectiva a curto prazo, distribuindo benefícios excessivos, e assim se prejudicando o futuro.
Como é curta a memória e leve o ânimo com que se pratica a incoerência! É pena que os anos passem e não se alterem certos comportamentos do nosso Partido Comunista.
Aproveito para informar os Srs. Deputados de que o Conselho de Ministros de hoje aprovou um decreto--lei que extingue o Fundo de Abastecimento. Saudemos o funeral desta conhecida «instituição», que nó próximo ano celebraria o seu 40.º aniversário.

Aplausos do PSD.

A liquidação do Fundo de Abastecimento será efectuada pelo Instituto Nacional de Garantia Agrícola. As receitas do extinto Fundo passarão a constituir receita geral do Estado já no Orçamento para 1987.
Considerando apenas os desenvolvimentos dos últimos meses nos mercados do petróleo e as previsões prudentes que se podem formular para o futuro, o Governo podia ter já baixado o preço de alguns combustíveis - teria sido uma decisão fácil e de grande popularidade. Só que a facilidade e a popularidade demagógica não têm lugar no nosso caminho. O caminho que queremos continuar a trilhar é o do interesse nacional, mesmo que tenhamos de enfrentar algumas dificuldades e algumas oposições.
Baixar o preço dos combustíveis antes de saber qual a decisão desta Assembleia sobre o Orçamento para 1986.

isos do PCP.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Ah...!

O Orador: - ... instrumento fundamental da política económica e social do Governo, seria irresponsável.

Aplausos do PSD.

A actuação adequada, em matéria de preços dos combustíveis, depende do Orçamento que for votado por esta Câmara.
Neste momento, estou em condições de assumir o compromisso, perante a Assembleia da República e perante o povo português, de que, se o Orçamento do Estado para 1986 for aprovado sem alterações nas suas orientações básicas, o Governo procederá seguidamente a um abaixamento nos preços de venda de certos combustíveis.

Aplausos do PSD.

Não nos preços das gasolinas, porque tal seria economicamente errado e socialmente injusto. Devem baixar-se os preços dos combustíveis que são factores de produção, de modo a fortalecer a competitividade externa das empresas portuguesas, e não daqueles que são bens de consumo.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - O Sr. Primeiro-Ministro, mas isso já os deputados aqui disseram!!...

O Orador: - Srs. Deputados, se uma parte dos ganhos resultantes da descida do preço do petróleo deve traduzir-se em benefício directo para os consumidores, estes não devem ser os proprietários de automóveis.

Aplausos do PSD:

Risos do PS, do PRD, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

A filosofia social-democrata que inspira a nossa acção e a nossa concepção de política social não nos permite que sigamos por aí. Não nos esqueçamos que estamos num país em que tantos não têm o essencial, onde ainda muitos têm fome.
Baixar o preço de um bem de consumo, então que seja um bem de consumo geral, que tenha as características de bem de mérito e cuja procura não aumente proporcionalmente o rendimento das famílias.

Aplausos do PSD.

Assim, Srs. Deputados, se o Orçamento do Estado for aprovado sem alterações nas suas orientações essenciais....

Vozes do PS: - Diz bem: «Se»...

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O Orador: - ... em particular na dimensão do défice e na sua composição, sem aumentos significativos da despesa e sem distorções na política fiscal, o Governo baixará os preços do gasóleo em 4$...

Risos do PS, do PRD, do PCP e do MDP/CDE.

... do fuelóleo em 2S50, do gás butano e propano para a indústria em 3$, do gás em garrafa em 4$ e do petróleo iluminante em 4$. Para além disso, o Governo baixará o preço do leite em 4$ por litro e apresentará a esta Assembleia uma proposta para a extinção do imposto de camionagem.

Aplausos do PSD.

O custo destas medidas elevar-se-á a cerca de 15 milhões de contos no ano de 1986.
O excedente do Fundo de Abastecimento (em extinção) que ainda restar, depois de satisfeita a transferência de 27 milhões de contos para o Orçamento do Estado, será utilizado para amortizar, extraordinariamente, dívidas desse mesmo Fundo e aliviar a carga sobre as gerações futuras. É esta a actuação financeiramente correcta e socialmente justa.
O Orçamento proposto pelo Governo a esta Assembleia, conjugado com as medidas que vos acabo de anunciar, permitirá avançar decisivamente na construção de um Portugal mais próspero, mais justo e mais feliz. É para isso que somos governo e estamos aqui, confiantes de que a Assembleia da República não quererá deixar de nos ajudar a concretizar o nosso Programa e, dessa forma, associar-se a este novo ciclo da nossa vida nacional.

Aplausos do PSD.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente, dá--me licença?

O Sr. Presidente: - Sr. Magalhães Mota, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente, é para, nos termos regimentais, pedir uma interrupção dos trabalhos por quinze minutos, de modo a podermos realizar uma reunião do meu grupo parlamentar.

O Sr. Presidente: - O pedido é regimental, pelo que será concedida a interrupção.
Os nossos trabalhos recomeçarão às 21 horas e 40 minutos.
Está suspensa a sessão.

Eram 21 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 21 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encerrado o debate, na generalidade, das propostas de lei n.ºs 15/1V e 16/IV, vamos passar às respectivas votações.

O Sr. Deputado Carlos Brito pede a palavra para que efeito?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Desejo fazer uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, o discurso do Sr. Primeiro-Ministro introduziu no nosso debate um elemento algo insólito e absolutamente inabitual em debates como este, o que nos leva a interrogarmo-nos sobre se o Governo terá substituído as suas propostas de lei do Orçamento do Estado e das grandes opções do Plano.
Esta é uma interrogação legítima e que tem em vista salientar que aquilo que há para votar não é outra coisa senão as grandes opções do Plano, que temos vindo a discutir ...

Protestos do PSD.

Vozes do PSD: - O Sr. Presidente, o Sr. Deputado Carlos Brito está a fazer uma intervenção não uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço o favor de guardarem o devido silêncio por forma a que o Sr. Deputado Carlos Brito se possa fazer ouvir.
Além disso, é a Mesa que dirige os trabalhos.

Aplausos gerais.

O Orador: - Perguntava eu se aquilo que há para votar não é outra coisa senão as propostas de lei aprovadas em Conselho de Ministros, que deram entrada na Comissão, que dela têm parecer, e que a Assembleia discutiu em Plenário durante estes três dias, a menos que o Governo as tenha substituído de acordo com a oratória do Sr. Primeiro-Ministro.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, a Mesa não está em condições de responder sobre essa questão, tanto mais que ela não se insere efectivamente numa interpelação propriamente dita.
Srs. Deputados, vamos pois proceder às votações que anunciei há pouco.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado deseja usar da palavra para que efeito?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, desculpar-me-á, mas formulei uma pergunta à Mesa, que é regimental e que tem cabimento.
Perguntei se há ou não algum texto de substituição apresentado pelo Governo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não deu entrada na Mesa qualquer texto de substituição.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Cravinho pede a palavra para que efeito?

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, embora não haja um texto de substituição às propostas de lei em questão, desejo saber se o Sr. Primeiro-Ministro,

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ou algum outro membro do Governo com competência para tal, entregou na Mesa qualquer elemento que nos permita ajuizar do alcance dos números que o Sr. Primeiro-Ministro avançou na sua intervenção final de encerramento do debate.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E digo isto porque o Sr. Primeiro-Ministro veio aqui trazer informações que nunca deu à Comissão de Economia, Finanças e Plano.
De facto, aparecendo agora números e concretizações que alguns elementos daquela Comissão solicitaram; tendo-lhes sido na altura negados, admito que estejam porventura a caminho da Mesa, ou de qualquer entidade própria para os receber, o esclarecimento e a proposta de alteração a que o Sr. Deputado Carlos Brito também se referia.
Se é regimentalmente possível, pode o Sr. Presidente certificar-se de que não está, de facto, em trânsito qualquer documento neste sentido?

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Cravinho, a Mesa não tem conhecimento da apresentação de qualquer documento nesse sentido, muito menos querele esteja «em trânsito» ...

Risos do PSD e do CDS.

Srs. Deputados, vamos de imediato proceder à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 15/IV, respeitante às grandes opções do Plano para 1986.
Submetida à votação,- foi aprovada, com votos a favor do PSD, do CDS é do deputado independente Borges de Carvalho, votos contra do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos, e abstenções do PS, do PRD e dos deputados independentes António Barreto, Lopes Cardoso, e Gonçalo Ribeiro Teles.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 16/IV, respeitante ao Orçamento do Estado para 1986.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do CDS e do deputado independente Borges de Carvalho, votos contra do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos, e abstenções do PS, do PRD e dos deputados independentes António Barreto, Lopes Cardoso e Gonçalo Ribeiro Teles.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, nos termos regimentais, as propostas agora aprovadas, baixam à Comissão.
Srs. Deputados, a próxima sessão plenária terá lugar no próximo dia l de Abril para a discussão, na especialidade, da proposta de lei n.º 16/IV, relativa ao Orçamento do Estado para 1986.
Entretanto, a partir de amanhã e durante a próxima semana, realizar-se-ão reuniões das comissões, conforme convocações realizadas pelos respectivos Srs. Presidentes.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Magalhães Mota pede a palavra para que efeito?

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente, desejo anunciar que, por parte da minha bancada, iremos fazer duas declarações de voto relativamente às grandes opções do Plano e ao Orçamento do Estado, que vão ser produzidas pelos Srs. Deputados Ivo Pinho e Silva Lopes, respectivamente.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado. Para uma declaração de voto, tem então apalavra o Sr. Deputado Ivo Pinho.

O Sr. Ivo Pinho (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A natureza e os objectivos globais da política económica configurada na proposta de grandes opções do Plano apresentada pelo Governo, não nos suscitam, em termos gerais, discordâncias notórias. Todavia, o documento merece-nos inúmeros reparos e várias reservas quer no que toca à metodologia que presidiu à sua elaboração quer no que respeita ao próprio conteúdo formal do mesmo.
Assim: o cenário macroeconómico constante das GOP, para além de não considerar a recuperação da economia internacional iniciada em meados do ano transacto, omite as condições particularmente favoráveis de que o Executivo dispõe para governar. Tais condições decorrem, no essencial, da evolução recente da envolvente externa e determinam, só por si, a desactualização do cenário macroeconómico configurado pelo Governo; a política económica preconizada pelo Governo surge desligada da necessária dimensão inter-temporal e não se encontra traduzida em objectivos e políticas sectoriais e regionais consistentes e integradas; algumas das metas fixadas pelo Governo parecem de muito difícil concretização, designadamente as que respeitam à evolução da inflação no triénio 86-88 e ao crescimento previsto para o comércio externo; a política esboçada para o sector empresarial do Estado, para além de não potenciar a necessária criação de condições para a recuperação do sector, reflecte a ausência de uma visão estratégica capaz de potenciar a optimização das complementaridades produtivas e tecnológicas existentes entre o sector privado e o sector público produtivo; finalmente, as GOP são praticamente omissas em áreas particularmente críticas para o desenvolvimento económico do País, sendo de realçar o ostracismo a que são votados domínios angulares como a dicotomia «emprego/desemprego» e a repartição pessoal e funcional do rendimento.
Por tudo isto, o PRD entende que, apesar de evidenciar aspectos positivos, a proposta em apreço não merece voto favorável.
Por isso nos abstivémos.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Lopes.

O Sr. Silva Lopes (PRD): - A abstenção do Grupo Parlamentar do PRD na votação na generalidade da proposta de lei do Orçamento do Estado para 1986 foi fundamentada na combinação de duas ordens de razões: por um lado, as linhas gerais da política orçamental, definidas na mencionada proposta de lei apresentam diferenças muito importantes em relação às

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grandes orientações que o PRD gostaria de ver aplicadas; como foi explicado no debate; mas, por outro lado, o PRD levou em conta que seria perigoso para a administração do sector público e para a actividade económica do País se a proposta do Governo fosse liminarmente rejeitada e se a entrada em vigor do Orçamento para 1986, que, em qualquer caso, já terá lugar com atraso substancial, viesse a ser adiada mais alguns meses.
O Grupo Parlamentar do PRD não se opôs, assim, à aceitação na generalidade da proposta do Governo, mas espera que das discussões na especialidade venham a resultar algumas melhorias substanciais em relação àquela proposta. No contexto de tais discussões, o Grupo Parlamentar do PRD virá a apresentar vários projectos de modificações quer relativos ao orçamento das despesas, quer às previsões das receitas, quer ao articulado da proposta de lei orçamental, nomeadamente as que se referem a matérias de natureza fiscal.
Esses projectos de modificações enquadrar-se-ão nalguns critérios de natureza geral que será útil especificar desde já.
Assim, em primeiro lugar, procurar-se-á que o orçamento venha a ficar mais próximo do objectivo da verdade orçamental, quer do lado das receitas, quer do das despesas. Procurar-se-á contribuir para que os desvios entre o orçamento e a execução orçamental do corrente ano venham a ser tão reduzidos quanto possível. Em segundo lugar procurar-se-á aproveitar o ensejo excepcionalmente favorável que é proporcionado pelo condicionalismo actual relativo às receitas, para propor, embora em escala comparativamente modesta, a correcção de algumas das distorções fiscais mais gritantes. Em terceiro lugar, procurar-se-á respeitar o objectivo anunciado pelo Governo de uma redução significativa do défice do sector público administrativo no corrente ano. Pode acontecer que as alterações a propor no quadro das votações na especialidade, venham a envolver um aumento ligeiro do défice explícito anunciado pelo Governo. Mas, como no cálculo desse défice se subestimam em larga margem algumas receitas importantes há condições para que, após as modificações que possam vir a ser introduzidas, se chegue a uma previsão do défice explícito do sector público administrativo inferior ao valor proposto pelo Governo.
No entender do Grupo Parlamentar do PRD o orçamento que finalmente vier a ser aprovado, mesmo que incorpore modificações substanciais, corresponderá basicamente às opções do Governo, reflectirá a sua política e traduzirá a sua responsabilidade. De facto, embora a Constituição lhe confira esse direito, a Assembleia da República não tem muitas possibilidades práticas de modificar totalmente as grandes orientações da proposta governamental, mesmo que com elas não concorde.
É a esta luz, e tendo em conta o objectivo de não criar dificuldades à administração corrente do Estado e de outros subsectores do sector público, que deve ser interpretada a abstenção do Grupo Parlamentar do PRD na votação da proposta orçamental na generalidade.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, a declaração de voto que vou proferir refere-se à proposta de lei n.º 15/IV, relativa às grandes opções do Plano.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros: O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português teve oportunidade de, na Comissão de Economia, Finanças e Plano e respectiva Subcomissão, explicitar as razões por que iria votar contra as grandes opções do Plano.
No Plenário fizemos várias intervenções sectoriais onde também ficou clara a nossa posição e a nossa discordância.
A nosso ver acabamos de votar um documento que não tem qualquer correspondência com a realidade.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Aliás, o Sr. Primeiro-Ministro, nas variáveis macroeconómicas que adiantou, mostrou que, de facto, as projecções das GOP estão totalmente desactualizadas e durante o debate omitiu as condições favoráveis que a envolvente externa tinha nestas mesmas projecções.
De facto, o documento que aqui votámos nada tem a ver com a realidade e, por isso mesmo, também essa foi uma das razões por que votámos contra.
Conforme demonstrámos e explicitámos, também votámos contra porque este documento das GOP, e o orçamento que nele está consubstanciado, não dá resposta aos principais problemas e chagas sociais, tais como o desemprego os salários em atraso e a pobreza, que, apesar de quatro meses de Governo e como estudos recém-saídos demonstram, têm aumentado; têm aumentado a pobreza, as falências e, infelizmente, o desemprego e os salários em atraso.
Por último, votámos contra porque estas GOP visam asfixiar, mesmo no que respeita à formação bruta de capital fixo, as empresas públicas. Não se procura que o investimento se faça por critérios de racionalidade económica mas, pura e simplesmente, por ordem política com o objectivo de asfixiar empresas públicas para, depois, se vir dizer, perante a opinião pública, que elas não dão lucro, que dão prejuízo, pelo que é necessário entregá-las aos grandes capitalistas.
Votámos contra porque também somos pela extinção do Fundo de Abastecimento, mas não concordamos que ele fique a aguardar até 1987, por isso, em sede de especialidade, iremos propor que ele seja já integrado no Orçamento do Estado para 1986. E temos tempo para trabalhar nesse sentido.

Aplausos do PCP.

O Sr. Primeiro-Ministro ficou incomodado, disse que não, mas esta é, efectivamente, a maneira de combater o «saco azul».

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O que o Sr. Primeiro-Ministro acabou de adiantar - e esta foi uma das razões principais por que votámos contra - constitui um recuo. Sabia-se - até o CDS o afirmou através da intervenção do Sr. Deputado Adriano Moreira - que iria propor a baixa dos preços dos combustíveis, com peso substancial no gasóleo e no fuel e, portanto, proeurou adiantar-se. Mas, Sr. Primeiro-Ministro, nós temos de fazer propostas de alteração das GOP e do Orçamento do Estado para que - e repudiamos toda a chantagem que proeurou fazer com a Assembleia da República na sua intervenção final no debate - não sejam

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só os preços do gasóleo, do fuel, do gás da cidade, da electricidade, do pão e do leite, que diminuam. Mais: vamos fazer propostas para dar resposta a outras condições fundamentais, estando nós convencidos de que elas vão ter vencimento.
Para isso é preciso alterar o Orçamento. E sabe para quê, Sr. Primeiro-Ministro? Para dar resposta ao Serviço Nacional de Saúde, porque se não teremos de ter aqui um orçamento suplementar, para dar resposta à Acção Social Escolar, às autarquias e às pensões de miséria.
Foi por tudo isto que votámos contra.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Pará uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos contra a proposta de lei n.º 16/IV - Orçamento do Estado para 1986 - porque, tal como afirmámos e mostrámos durante o debate na generalidade, este é um Orçamento ao serviço do Governo e não um Orçamento ao serviço do, País e dos portugueses.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Nessa perspectiva, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português participará activamente nos debates de especialidade visando introduzir alterações orçamentais que possam responder a algumas das questões sociais com que grande parte dos portugueses se defronta.
O Governo não apresentou quaisquer propostas de alteração pelo que julgamos que todos os aspectos que vários grupos parlamentares mostraram, durante os trabalhos da Comissão e durante o debate, querer alterar carecem ainda dessas alterações. As alterações fundamentais que contam, que terão eficácia são apenas as que forem aprovadas pela Assembleia da República.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero fazer uma brevíssima declaração de voto conjunta em relação aos dois diplomas em apreço.
O Partido Socialista absteve-se em relação quer ao Orçamento quer às grandes opções do Plano porque, embora reconhecendo as enormes deficiências dos textos do Governo, considera ser urgente dotar o País destes instrumentos fundamentais para o nosso progresso colectivo. Se nestes dois diplomas há algum aspecto a assinalar é o de serem extremamente tardios.
Ora, está nas mãos desta Câmara transformar as más propostas do Governo em dois bons diplomas legislativos. Por isso mesmo, o Partido Socialista apresentará em Comissão as propostas já anunciadas em Plenário e reservará para a votação final global a posição definitiva acerca destes mesmos dois diplomas. Estamos seguros de que a Câmara os aperfeiçoará profundamente.
Quero aproveitar para dizer com toda a clareza que o Partido Socialista ficou inteiramente insensível às pressões que aqui ouviu por parte do Sr. Primeiro-Ministro, até porque elas - é preciso dizê-lo - não se destinaram a nós, deputados, mas sim à câmara de televisão fitada pelo Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ora aí está! Foi isso mesmo!

O Orador: -... visto que outra coisa não pretendeu, certamente, do que convencer os portugueses de que só esta Câmara o impede de conceder benesses, que não são benesses porque são direitos legítimos da população do nosso país!

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Queremos dizer que o Partido Socialista não permitirá que a discussão do Orçamento se transforme num leilão de bens essenciais e que não deixará de apresentar propostas que considere indispensáveis para que alguns desses bens baixem de preço, só para dar ao Governo a oportunidade de o fazer a seguir, se isso não for decretado por esta Câmara.

Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra ó Sr. Deputado Alípio Dias.

O Sr. Alípio Dias (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero fazer uma breve declaração de voto sobre as duas propostas de lei em discussão, que foram aprovadas na generalidade.
O Partido Social-Democrata votou favoravelmente as duas .propostas de lei porque entende que elas dão inteira satisfação às necessidades básicas dos Portugueses, a que importa dar satisfação.
De facto, se forem executados de harmonia com as propostas apresentadas pelo Governo os dois documentos em análise irão contribuir seguramente para aumentar o nível de vida do povo português. Vão criar mais investimento e mais emprego e vão permitir, de facto, que haja um acréscimo do poder de compra dos Portugueses.
Foi neste sentido e por estas razões que o Partido Social-Democrata votou favoravelmente, na generalidade, as duas propostas de lei.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS votou favoravelmente, na generalidade, os dois textos que foram submetidos à apreciação do Parlamento porque os considera positivos de uma forma geral. Positivos porque representam avanços significativos: reorientou-se o investimento, avançou-se no sentido da universalidade do Orçamento, avançou-se no sentido de conferir a este um princípio de verdade. Por isso o votámos favoravelmente.
Isto não significa que os consideremos completamente isentos de críticas. As críticas fizemo-las na nossa intervenção na generalidade e enformarão a nossa actuação no debate na especialidade.

Aplausos do CDS.

Página 1751

21 DE MARÇO OE 1986 1751

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, nada mais havendo a tratar, vou dar por encerrados os trabalhos.
A próxima sessão terá lugar às 15 horas do dia l de Abril.

Está encerrada a sessão.

Eram 22 horas e 15 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Alípio Pereira Dias.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Manuel Lopes Tavares.
António Paulo Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Cândido Alberto Alencastre Pereira.
Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Dinah Serrão Alhandra.
Fernando José Próspero Luís.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
João Luís Malato Correia.
João José Pedreira de Matos.
João José Pimenta de Sousa.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
Joaquim Eduardo Gomes.
José de Almeida Cesário.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Licínio Moreira da Silva.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Fernando Miranda Relvas.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Aloísio Fernando Macedo Fonseca.
Américo Albino Silva Salteiro.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Gonçalves Janeiro.
António Miguel de Morais Barreto.
António Magalhães Silva.
Armando António Martins Vara.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Helena Torres Marques.
José Barbosa Mota.
José Carlos Pinto B. Mota Torres.
José Manuel Torres Couto.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Rui Fernando Pereira Mateus.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
Ana da Graça Gonçalves Antunes.
António Magalhães de Barros Feu.
Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho.
Joaquim Jorge Magalhães Mota.
José Caeiro Passinhas.
José Carlos Pereira Lilaia.
José Maria Vieira Dias de Carvalho.
Maria Cristina Albuquerque.
Maria da Glória Padrão Carvalho.
Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.
Tiago Gameiro Rodrigues Bastos.
Victor Manuel Ávila da Silva.

Partido Comunista Português (PCP):

António Dias Lourenço da Silva.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
José Manuel dos Santos Magalhães.
Maria Margarida Tengarrinha.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Lobo Xavier.
Eugénio Nunes Anacoreta Correia.
Francisco António Oliveira Teixeira.
Henrique José Pereira de Moraes.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João da Silva Mendes Morgado.
José Augusto Gama.
José Luís Nogueira de Brito.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.
Narana Sinai Coissoró.

Deputados independentes:

António José Borges de Carvalho.
Maria Amélia do C. Mota Santos.

Página 1752

1752 I SÉRIE - NÚMERO 48

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Fernando José Alves Figueiredo.

Partido Socialista (PS):

António Manuel Ferreira Vitorino.
Carlos Montez Melancia.
Jaime José Matos da Gama.
Teófilo Carvalho dos Santos.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.

Centro Democrático Social (CDS):

Joaquim Rocha dos Santos.

Os REDACTORES: Maria Amélia Martins - José Diogo - Ana Maria Marques da Cruz - Maria Leonor Ferreira.

PREÇO DESTE NÚMERO 280$00

Depósito legal n.º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MORDA, E. P.

PORTE PAGO

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