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Sexta-feira, 24 de Outubro de 1988
DIÁRIO da Assembleia da República
IV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1986-1987)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 23 DE OUTUBRO DE 1986
Presidente: Exmo. Sr. António Joaquim Bastos Marques Mendes
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Rui de Sá e Cunha
José Manuel Maia Nunes de Almeida
SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente, da apresentação de requerimentos, da resposta a alguns outros e de diplomas entrados na Mesa.
Relativamente ao voto de pesar pelo falecimento do Presidente da República Popular de Moçambique, Samora Machel, aprovado na sessão anterior, produziram declaração de voto os Srs. Deputados Correia Afonso (PSD), Carlos Brito (PCP), José Cama (CDS), Marques Júnior (PRD), José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE) e Manuel Alegre (PS), tendo posteriormente intervindo ainda sobre o assunto a Sr. Deputada Afaria Santos (Indep.).
A Sr.ª Deputada Maria da Glória Padrão (PRD) falou sobre o despacho da Secretaria de Estado do Ensino Básico e Secundário, que, para efeitos de aprovação ou transição de ano, obriga à obtenção de nível positivo na disciplina de Língua Portuguesa. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Jorge Lemos (PCP) e Fernando Conceição (PSD).
O Sr. Deputado Duarte Lima (PSD) criticou a actuação do Presidente do Conselho de Comunicação Social, tendo respondido depois a pedidos de esclarecimento ou protestos dos Srs. Deputados Jorge Lemos (PCP), João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), António Paulouro e Costa Carvalho (PRD) e Jorge Lacão (PS).
O Sr. Deputado José Lello (PS) abordou algumas questões relativas à poluição sonora e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Sousa Pereira e Dias de Carvalho (PRD) e Henrique Morais (CDS).
O Sr. Deputado Vidigal Amaro (PCP) trouxe à colação a alienação, por acordo entre a Ministra da Saúde e a Misericórdia de Évora, do Hospital do Patrocínio, pertença do Hospital Distrital de Évora, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), António João Brito (PRD) e Malato Correia (PSD).
Por último, o Sr. Deputado Pinho da Silva (PRD) chamou a atenção da Câmara para as carências que afectam o ensino primário no País.
Ordem do dia. - Foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de um deputado do CDS.
A Assembleia aprovou os n.ºs 98 a 107 do Diário.
Foi concedido o assentimento à viagem oficial do Presidente da República à República Popular de Moçambique.
Foram aprovados dois requerimentos, um relativo à prorrogação do prazo de funcionamento da Comissão Eventual de Inquérito sobre a Actuação do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação quanto à Reforma Agrária e outro sobre o adiamento, para a sessão plenária do dia 30 de Outubro, do encerramento do debate na generalidade do estatuto da Região Autónoma dos Açores.
Iniciou-se a discussão 4 votação na especialidade do texto da Comissão de Administração Interna e Poder Local [artigos 1.º, 2.º, 2.º-A. 3.º, n.ºs 1, alínea b) a q), 2, 3 e 4, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, n.º 2, 9.º, n.º 2 e 3, 10.º, 11.º, 12.º e 14.º a 29.º] relativo à proposta de lei n. º 23/IV e aos projectos de lei n.ºs 11/IV (PCP), 176/IV (PRD), 223V/IV (CDS) e 225/IV (PS), sobre finanças locais, tendo produzido intervenções, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território (Nunes Liberato), os Srs. Deputados Mendes Bota (PSD), João Amaral (PCP), Carlos Lilaia (PRD), Helena Torres Marques (PS) e Abreu Lima (CDS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 15 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Adriano da Silva Pinto.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Monteiro Araújo.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
António Manuel Lopes Tavares.
António Paulo Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
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38 I SÉRIE - NÚMERO 3
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arlindo da Silva André Moreira.
Arnaldo Ângelo de Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Pinto.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos Silva e Sousa.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Próspero Luís.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Jardim Ramos.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Luís Esteves Bairrão.
Henrique Rodrigues Mata.
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos Abreu Salgado.
João Luís Malato Correia.
João José Pimenta de Sousa.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim da Silva Martins.
José de Almeida Cesário.
José Assunção Marques.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Maria Peixoto Coutinho.
José Mendes Bota.
José Mendes Melo Alves.
Luís António Martins.
Luís Jorge Cabral Tavares de Lima.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Maria Moreira.
Maria Antonieta Cardoso Moniz.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Fernando Miranda Relvas.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Aloísio Fernando Macedo Fonseca.
Américo Albino Silva Salteiro.
António Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingos de Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Magalhães Silva.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Cardoso Lage. Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel G. Pereira Pinto.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Henriques Lopes.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Helena Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Carlos Pinto B. Mota Torres.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonel de Sousa Fadigas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl da Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Raul Manuel Gouveia Bordalo Junqueiro.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Agostinho Correia de Sousa.
Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
Ana da Graça Gonçalves Antunes.
António Alves Marques Júnior.
António Eduardo de Sousa Pereira.
António João Percheiro dos Santos.
António Lopes Marques.
António Magalhães de Barros Feu.
António Maria Paulouro.
Arménio Ramos de Carvalho.
Bártolo de Paiva Campos.
Carlos Alberto Narciso Martins.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Carlos Artur Trindade Sá Furtado.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
Fernando Dias de Carvalho.
Francisco Armando Fernandes.
Jaime Manuel Coutinho da Silva Ramos.
João Barros Madeira.
Joaquim Jorge Magalhães Mota.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
José Caeiro Passinhas.
José Carlos Torres Matos de Vasconcelos.
José Carlos Pereira Lilaia.
José Emanuel Corujo Lopes.
José Fernando Pinho da Silva.
José Luís Correia de Azevedo.
José da Silva Lopes.
José Torcato Dias Ferreira.
Maria da Glória Padrão Carvalho.
Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.
Rui José dos Santos Silva.
Rui de Sá e Cunha.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Victor Manuel Lopes Vieira.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António da Silva Mota.
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António Manuel da Silva Osório.
António Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira.
Bento Aniceto Calado.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Carlos Manafaia.
Cláudio José Santos Percheiro.
Custódio Jacinto Gingão.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
José António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel dos Santos Magalhães.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Octávio Augusto Teixeira.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.
Centro Democrático Social (CDS):
António José Tomás Gomes de Pinho.
Francisco António Oliveira Teixeira.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João Gomes de Abreu Lima.
João da Silva Mendes Morgado.
José Maria Andrade Pereira.
José Vicente Carvalho Cardoso.
Manuel Fernando Silva Monteiro.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Manuel do Carmo Tengarrinha.
Raul Morais e Castro.
Deputados independentes:
António José Borges de Carvalho.
Augusto Martins Ferreira do Amaral.
Maria Amélia Mota Santos (Verdes).
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à leitura do expediente.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Moções
Relativamente à problemática do Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF), no domínio das finanças locais, das seguintes entidades: Assembleias de Freguesia de Alverca do Ribatejo, Canecas, Castanheira do Ribatejo e Sacavém; Assembleias Municipais de Alcácer do Sal, Lamego, Mirandela, Redondo e Vila Franca de Xira; Câmaras Municipais de Alcácer do Sal e Santo Tirso; e Juntas de Freguesia de Arraiolos, Camarate, Lousa e São Paulo, em Lisboa.
Cartas
De Joaquim Francisco Cardoso Queiroga, residente em Carrazedo de Montenegro, em Trás-os-Montes, remetendo cópia de uma carta enviada a S. Ex.ª o Presidente da República.
Do presidente do Conselho Científico-Pedagógico da Universidade Nova de Lisboa, remetendo o texto integral de uma nova resolução tomada em reunião realizada no passado dia 6 do corrente.
Ofícios
Da Assembleia Municipal de Espinho, ambos datados de 14 do corrente mês, dando conhecimento das moções aprovadas naquele órgão autárquico, uma sobre as regras de adjudicação da concessão da zona de jogo e a outra sobre a instalação do 3.º Juízo Judicial e da Delegação da Inspecção do Trabalho.
Da Câmara Municipal de Loures, remetendo fotocópia da exposição dirigida por este Município a S. Ex.ª o Ministro das Finanças, expondo situações que estão a causar elevados prejuízos financeiros àquela autarquia.
Petições
Encontram-se distribuídas às diversas comissões parlamentares as seguintes:
À 1.ª Comissão:
N.º 79/IV. - Iniciativa do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas e Metalomecânicas e outros, com sede no Porto, reclamando no sentido de se contrariar a intenção do Governo de dispor de uma lei de segurança interna.
N.º 80/1 V. - Iniciativa do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas e Metalomecânicas e outros, com sede no Barreiro, reclamando no sentido de ser contrariada a intenção do Governo de introduzir legislação atinente a uma lei de segurança interna.
N.º 87/IV. - Iniciativa do cidadão Velho Sabali e outros, residentes em Lisboa, expondo a situação de deficientes das Forças Armadas e solicitando tratamento igual a todos os cidadãos portugueses.
N.º 94/IV. - Iniciativa do cidadão Mário Bruno Lopes, residente em Paço de Arcos, expondo a sua situação de aposentado dos Caminhos de Ferro de Moçambique e solicitando lhe sejam pagas as pensões em dívida desde meados de 1978.
À 2.ª Comissão:
N.º 92/IV. - Iniciativa da Federação dos Sindicatos da Metalurgia e Metalomecânica e Minas de Portugal, com sede em Lisboa, solicitando a redução da idade de reforma e a alteração do esquema de pensões dos trabalhadores do sector mineiro.
N.º 93/IV. - Iniciativa da citada Federação, expondo questões relativas ao SNS - Serviço Nacional de Saúde.
À 3.ª Comissão:
N.º 83/IV. - Iniciativa dos cidadãos José António dos Santos Marujo, Augusto Coelho Praça e outros, residentes em Lisboa, requerendo a apreciação pela Assembleia da República do regime jurídico das carreiras profissionais, no domínio da hotelaria.
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À 4.ª Comissão:
N.º 81/IV. - Iniciativa do Sindicato dos Professores da Região Centro e outros, com sede em Coimbra, solicitando diligências relativas à criação do ensino secundário na Escola Preparatória de Tortosendo.
N.º 84/IV. - Iniciativa da Associação de Estudantes do Instituto Superior de Engenharia, com sede em Lisboa, solicitando que seja requerida a inconstitucionalidade da Portaria n.º 173/86, de 30 de Abril.
N.º 89/IV. - Iniciativa do cidadão Dr. José Paulo Vinhal Graça Ribeiro da Silva e outros, com sede no Porto, expondo a situação dos policlínicos do 2.º ano do internato geral (P2);
N. º 90/IV. - Iniciativa do cidadão Dr. Joaquim António dos Santos Simões, residente em Guimarães, expondo a situação de professor e reclamando a ratificação do Decreto-Lei n.º 100/86, de 17 de Maio:
À 5.ª Comissão:
N.º 86/IV. - Iniciativa da comissão de trabalhadores da Guérin, com sede em Lisboa, expondo a situação da empresa.
N.º 91/IV. - Iniciativa da comissão de trabalhadores da Companhia Nacional de Petroquímica, com sede em Sines, solicitando a suspensão imediata do Decreto-Lei n.º 209/86, de 28 de Julho.
À 8.ª Comissão:
N.º 85/IV. - Iniciativa da Associação Portuguesa, de Zurique e outros, com sede em Zurique e outros solicitando a reabertura do Consulado de Portugal naquela cidade.
«Telex»
Dos docentes da Faculdade de Economia e Gestão, da Universidade do Minho, sobre os projectos de lei pendentes nesta Assembleia que dizem respeito à revalorização material das carreiras do ensino superior.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Na última sessão foram apresentados os seguintes requerimentos: ao Ministério da Educação e Cultura, formulados pelos Srs. Deputados Aloísio da Fonseca, Bártolo Campos, Jorge Lemos e Agostinho Domingos; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Adriano Moreira e outros; ao Ministério do Trabalho e Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados Raul Brito e Jerónimo de Sousa; a diversos ministérios (9), formulados pelo Sr. Deputado Raul Junqueiro; a diversos ministérios (3), formulados pelo Sr. Deputado Vitorino Costa; aos Ministérios da Indústria e Comércio e da Educação e Cultura (2), formulados pelo Sr. Deputado Armando Fernandes; ao Ministério da Administração Interna, formulados pelos Srs. Deputados Corujo Lopes e Rui Silva; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulado pelos Srs. Deputados Dias de Carvalho e Carlos Sá Furtado; ao Ministério do Plano e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados Pinho Silva e António Osório; ao Governo (2), formulados pelo Sr. Deputado João Matos; à Secretaria de Estado dos Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Maia Nunes de Almeida e Anselmo Aníbal; ao Ministério da Saúde (2), formulados pelo Sr. Deputado Vidigal Amaro; ao Ministério da Justiça (4), formulados pelos Srs. Deputados José Magalhães e José Manuel Mendes; aos
Ministérios da Agricultura, Pescas e Alimentação e do Plano e da Administração do Território, formulado pelos Srs. Deputados Custódio Gingão e Vidigal Amaro; a diversos ministérios (5), formulados pelo Sr. Deputado Jorge Lacão; a diversos ministérios (3), formulados pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, e ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Licinio Moreira.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Marques Mendes, na sessão de 1 de Dezembro [requerimento n.º 197/IV (1.3)]; Raul Junqueiro, na sessão de 30 de Janeiro [requerimento n.º 453/IV (1.ª)]; Francisco Armando Fernandes, nas sessões de 18 e 25 de Fevereiro, 8 de Abril, 17 e 22 de Julho [requerimentos n.ºs 608/IV (1.ª), 683/IV (1.ª), 1030/IV (1.ª), 1034/IV (1.ª), 2106/IV (1.ª), 2107/IV (1.ª) e 2152/IV (1.ª)]; Barbosa da Costa, na sessão de 13 de Março e 30 de Abril [requerimentos n.ºs 872/IV (1.ª) e 1242/IV (1.ª)]; Anselmo Aníbal e outros, na sessão de 3 de Abril [requerimento n.º 1005/1V (1.ª)]; Agostinho de Sousa e António Feu, na sessão de 28 de Abril [requerimentos n.ºs 1007/IV (1.ª) e 1017/1V (1.ª)]; Sousa Pereira, nas sessões de 8 de Abril e 8 de Maio [requerimentos n.ºs 1023/IV (1.ª), 1289/IV (1.ª) e 1292/IV, (L3)]; Miguel Relvas, nas sessões de 10 de Abril e 2 de Julho [requerimentos n.ºs 1046/IV (1.ª) e 1884/IV (1.ª)]; Rui Sá e Cunha, na sessão de 22 de Abril [requerimento n.º 1172/IV (1.ª)]; Pinho Silva, na sessão de 30 de Abril [requerimento n.º 1237/IV (1.ª)]; Almeida Cesário, na sessão de 7 de Maio [requerimento n.º 1257/IV (1.ª)]; Maria Santos, nas sessões de 3 de Junho e 15 de Julho [requerimentos n.ºs 1563/IV (1.ª) e 2971/IV (1.ª)]; Defensor Moura, na sessão de 20 de Junho [requerimento n.º 1740/IV (1.ª)]; António Tavares, na sessão de 30 de Junho [requerimento n.º 1806/IV (1.ª)]; João Abrantes, nas sessões de 10 e 25 de Julho [requerimentos n.º 2026/IV (1.ª) e 2219/IV (1.ª)]; Carlos Martins, na sessão de 15 de Julho [requerimento n.º 2024/1V (1.ª)]; Margarida Tengarrinha, na sessão de 16 de Julho [requerimento n.º 2085/IV (1.ª)]; Reinaldo Gomes, na sessão de 24 de Julho [requerimento n.º 2176/IV (1.ª)]; Miranda Calha, nas sessões de 24 e 25 de Julho [requerimentos n.ºs 2186/IV (1.ª) e 2207/IV (1.ª)]; Vitorino Costa, na sessão de 25 de Julho [requerimento n.º 2198/IV (1.ª)]; Carlos Carvalhas, na sessão de 8 de Agosto [requerimento n.º 2226/IV (1.ª)].
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai enunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 273/IV, da iniciativa do Sr. Deputado José Magalhães e outros, do PCP, que estabelece o regime legal aplicável à divulgação de medidas do Governo e da Administração Pública através da publicidade paga, que foi admitido, baixando à 1.ª Comissão; ratificação n.º 100/IV, da iniciativa do Sr. Deputado João Morgado e outros, do CDS, que se refere ao Decreto-Lei n.º 313/86, de 24 de Setembro, que extingue a Casa do Douro, criada pelo Decreto-Lei n.º 486782, de 28-12, que foi também admitida.
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24 DE OUTUBRO DE 1986
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar agora às declarações de voto acerca do voto de pesar, aprovado na última sessão, pela morte de Samora Machel, dispondo cada grupo parlamentar de cinco minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nascido em 1932, Presidente desde a independência de Moçambique, em 1975, Samora Machel morreu na noite do passado domingo.
O destino atribuíra-lhe a alta e difícil missão de liderar o processo de independência de Moçambique.
Já em 1974 os sociais-democratas tinham a consciência de que a paz e a cooperação internacionais eram condições essenciais de garantia da liberdade dos povos. E anunciavam como um dos objectivos globais a atingir a promoção da paz, através do repúdio do colonialismo, do imperialismo, do neocolonialismo e de qualquer outra forma de exploração e domínio de um povo sobre outro.
Também em 1974, o Programa do Movimento das Forças Armadas, assim como o Programa do I Governo Provisório, reconheciam que a solução das guerras coloniais era essencialmente política e não militar. E prometiam a instituição de um esquema destinado à consciencialização de todas as populações residentes nesses territórios, para que, mediante um debate leve e franco, pudessem decidir do seu futuro, no respeito pelo princípio da autodeterminação.
Não quis a história, sob a pressão dos acontecimentos, que fosse esse o evoluir político dos territórios coloniais.
Mas a independência de Moçambique consumou-se. Com ela esteve o povo português e por ela lutou Samora Machel.
Como diria Maurice Duverger, Samora Machel foi um chefe real, e não apenas aparente, que exerceu praticamente o poder.
Para os Portugueses, o seu nome poderá ter significados diversos e trazer recordações diferentes. Mas a todos se impôs naturalmente a sua envergadura de estadista, que foi, sem controvérsia, protagonista fundamental na procura da paz na África austral.
Combatente contra o colonialismo português em África, Samora Machel adquiriu legitimamente o direito de participar no história de Portugal.
Chefe da FRELIMO após o assassinato de Mondlane, em 1969, reconhecido e glorificado pela Revolução em 25 de Abril, coube a Samora Machel a missão e a dignidade de ser o primeiro Presidente da República Popular de Moçambique.
Como Chefe de Estado não teve uma tarefa fácil: enfrentou a guerrilha; combateu a seca e outras intempéries; deparou por vezes com a incompreensão e mesmo a hostilidade. A independência, em 1980, da vizinha Rodésia, agora Zimbabwe, não lhe trouxe melhorias na segurança.
Mas Samora Machel, embora político doutrinário rigoroso, mostrou-se pragmático na governação, quer interna, quer externamente - o Acordo de Incomáti, em 1984, foi disso um flagrante exemplo.
A morte de Samora Machel é um rude golbe para a República Popular de Moçambique.
Para nós, Portugueses, seja qual for a perspectiva em que nos situemos e com que se encare a nossa história recente, o desaparecimento de uma figura como Samora Machel traz-nos tristeza e consternação.
Diria apenas, para terminar, como Anatole France: «Quando um homem se extingue, novas formas aparecerão.»
Aplausos do PSD e do PRD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando há pouco mais de três anos visitou a Assembleia da República, o Presidente Samora Machel afirmou-nos, num discurso inesquecível pela profundidade política, a generosidade revolucionária e a emoção com que foi pronunciado, que - e cito - «a vitória de Moçambique era também uma vitória do povo português».
Os comunistas portugueses fazem agora sua a dor e a consternação que desabou sobre o povo moçambicano. Entendem que é a nossa vez de reconhecer que a morte trágica do camarada Presidente Samora Machel não é só uma enorme perda para Moçambique e o Partido da FRELIMO, para a causa da libertação dos povos da África e do Mundo; é também uma grande perda para o povo português, de quem foi um verdadeiro amigo.
Samora Machel foi, antes de tudo, um revolucionário e um patriota ardente, que impulsionou os primeiros passos da luta armada contra o colonialismo em Moçambique, que se transformou, pela sua acção e o seu papel, no mais destacado dirigente da guerra de libertação do seu povo até à vitória - a independência.
Têm sido evocados nestes dias muitos dos seus escritos estratégicos, produzidos no mais aceso da guerra da libertação. Tive pessoalmente o privilégio de o ouvir falar sobre esse período e gostaria de testemunhar a enorme impressão que me causou, a firme posição de princípios e o profundo humanismo com que abordava todas as questões da guerra colonial, especialmente a questão dos prisioneiros. Para Machel o homem era a causa e o fim da revolução - não mudou depois da vitória. Ainda numa entrevista recente a um jornal português, afirmou (cito): «Não são as casas que importam. Não são as paredes. Não são os prédios. É o homem [...] Esse é que é a cidade.»
Samora Machel impôs-se rapidamente como estadista, não apenas no seu país. A sua poderosa inteligência e a sua irradiante personalidade transbordaram para África e para o Mundo, e ficará na história (por muito que doa aos seus inimigos e detractores das arraias do colonialismo e do imperialismo) como uma marcante personalidade da nossa época.
Dedicando-se por inteiro aos problemas da sua pátria, Machel não negligenciou as grandes tarefas internacionalistas. Foi figura destacada do Movimento dos não Alinhados. Foi um dos obreiros do Grupo dos «Cinco» países africanos de expressão oficial portuguesa. Foi um dos impulsionadores do movimento dos países da linha da frente. Dedicava especiais esforços, nestes dias, ao combate ao apartheid e ao regime racista da África do Sul, visando reforçar o seu isolamento internacional. Morreu tragicamente neste combate, em circunstâncias que estão ainda para apurar.
Na linha de outros dirigentes dos movimentos de libertação das colónias portuguesas, Samora Machel distinguiu sempre o fascismo e o colonialismo português, contra quem dirigia o combate, do povo português, com quem queria estabelecer e reforçar os laços de amizade e de solidariedade.
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Todos nós pudemos testemunhar a lucidez e o ardor com que se empenhava em reforçar os laços de amizade e cooperação com as forças e as instituições democráticas do nosso país e .com o nosso povo.
Anticolonialista implacável, Samora Machel soube sempre mostrar o seu apreço e respeito pelos valores da cultura portuguesa - Camões era para ele um traço de união entre as duas pátrias. Não hesitou nunca em mostrar a importância da língua portuguesa como instrumento de aproximação das diferentes etnias de Moçambique.
Apesar dos dissabores decorrentes dos comportamentos de sucessivos governos, confiava na solidariedade dos Portugueses.
Dirigindo-se aos deputados desta Assembleia, na sua visita de 1983, declarou-nos que contava com o povo português para a reconstrução nacional da sua pátria.
Ocorre-me perguntar agora o que fez a Assembleia da República para corresponder a este apelo.
Os inimigos de Moçambique, os que levam a morte, a violência e a destruição à jovem pátria de Samora Machel, movimentam-se no nosso país com pleno à-vontade, aqui preparam golpes, ligações internacionais e campanhas publicitárias.
Machel nunca perdoou nem nunca compreendeu a duplicidade que se traduz nas grandes proclamações de solidariedade feitas pelas entidades governamentais e nas facilidades que são consentidas aos que querem destruir o Estado Moçambicano. Por isso mesmo ele exprimiu a esperança, quando aqui esteve, de que «a fraternidade que estamos a encontrar em cada gesto e em cada palavra se não esgote nos gestos e nas palavras, antes se materialize em acções comuns [...]» - citei.
É também este o voto mais significativo e mais sentido que entendemos fazer ao prestar homenagem à memória do herói e Presidente do povo moçambicano, Samora Moisés Machel.
Aplausos do PCP, do PS, do PRD, do MDP/CDE, da deputada independente Maria Santos e de alguns deputados do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Gama.
O Sr. José Gama (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A morte de um homem, aliado, neste caso, à qualidade de Presidente de um país amigo, não pode esperar o silêncio da nossa indiferença. E não o pode esperar porque sabemos colocar, acima de meros acidentes históricos ou ideológicos, aqueles valores que têm a ver com o homem, portador de valores eternos, sob pena de ser vã a nossa qualidade de democratas-cristãos.
O desaparecimento trágico do Presidente Samora Machel conta, desde logo, com o nosso pesar sentido e com o desejo expresso de que Moçambique saiba encontrar os caminhos, nem sempre fáceis, que levam aos tempos da paz. Seria tarefa inútil, ir contra a história, que nos fala de séculos vividos juntos e é traduzida nesta língua, que não precisa de intérpretes por ser cultivada em comum.
Samora Machel era o líder de um país de expressão oficial portuguesa. Com ele estivemos várias vezes em desacordo. Sempre o fizemos de voz alta, na certeza de interpretarmos milhares de mágoas de muitos para quem Moçambique deixou de ser a sua terra de vida e de trabalho. Sempre o fizemos de forma firme, distinguindo a nossa matriz democrata-cristã da traça marxista que perfilhara, e sempre o fizemos face ao sinal vermelho de certas violações dos direitos do homem, conforme repetidas vezes o relatório da Amnistia Internacional avisara. E recordamo-lo, agora e aqui, com a mesma verdade com que afirmamos que o espírito de Incomáti foi o fermento corajoso da paz perdida, porque sempre defendemos a força do diálogo das palavras por oposição ao barulho violento das espingardas. Como sempre vimos com bons olhos a sua aproximação com Portugal, pois a nossa consaguinidade histórica e linguística não consente que dois povos amigos vivam de costas voltadas nesta era em que todos os esforços são bem vindos para que a paz aconteça, finalmente, nesta África austral conturbada.
Neste vai-e-vem de encontros e desencontros, sempre claros, não camuflados, não deixamos de admirar a espontaneidade contagiante do líder desaparecido. Neste tempo de palavras diplomaticamente filtradas, sóbrias, expremidas, Samora Machel não permitia que a palavra calculada, com pré-aviso, ocupasse o espaço aberto da naturalidade, da espontaneidade, convertendo-se, com o seu particular modo de estar e de dizer, num líder africano inconfundível.
Julgamos estarem enganados aqueles que liam ligeireza nesta forma de ser presidente com os outros, pois Samora Machel desdramatizava assim ambientes, aliviava o peso das solenidades emprestando-lhes um rosto humano feito de calor e de - porque não dizê-lo - autenticidade. Se é legítimo afirmar que os povos se lêem, de alguma forma, na linguagem dos seus líderes, o povo moçambicano que o presidente Samora Machel nos trazia não era um povo sombrio; era um povo vivo, simpático, alegre e contagiante.
O autor destas palavras foi oficial de um exército que combateu a FRELIMO no cumprimento de um dever conscientemente assumido. A mira das nossas armas olhou campos opostos. Mas alguém escreveu que os «homens amam espontaneamente a coragem e não desdenham da justiça». Esta obriga-me a dizer que ele foi um lutador corajoso, que acreditava na verdade por que lutava, que amava os Portugueses, pese a mágoa de muitos espoliados a quem não foi feita ainda reparação. Que o tempo que vem seja um tempo do reforçar da justiça, do apego maior à luta pela aproximação dos dois povos, do sinal verde da paz e do progresso, de armistício, para que a unidade real moçambicana aconteça, são os votos do CDS.
Aplausos do CDS, do PSD e de alguns deputados do PRD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Personalidade viva, que marcava sobremaneira todos aqueles com quem contactava - é esta uma das formas possíveis de caracterizar o Presidente Samora Machel, cuja morte deixa um vazio na cena política internacional, nomeadamente entre a África de língua oficial portuguesa.
Foi um lutador pela independência do seu povo, decisivamente empenhado na resolução dos problemas do continente africano.
Samora Machel tornou-se reconhecido pelo cunho muito próprio que imprimia às suas intervenções e pelo modo como emocionadamente revelava a sua preocupa-
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cão patriótica pelo futuro do seu povo. Foi também um pacificador entre tendências que dificultavam um diálogo profícuo entre os africanos.
Com uma assinalável visão de Estado, Samora Machel fazia uma leitura política da situação em Moçambique, que não se confinava apenas aos limites do seu território, projectando-se, pelo seu pensamento e acção, na África e no mundo. Ele sabia que entre os países ou zonas do Globo por onde passavam reflexos do problema moçambicano, Portugal era decisivo para a estratégia e acção a desenvolver. Nessa perspectiva, cimentou os contactos com o povo português e afirmou-se, como corolário de todo o diálogo estabelecido, como um amigo de Portugal, sempre aberto para considerar e sublinhar tudo o que nos unia.
Foi assim, com um estilo muito próprio e um carisma específico, que o reconheceram como líder africano, que em condições de extrema dificuldade soube, com lucidez, patriotismo e grande coragem, assumir as posições que entendia mais convenientes para o povo moçambicano e para o futuro da República Popular de Moçambique.
Momentos altos da história dos dois povos no pós-25 de Abril foram as visitas efectuadas a Moçambique, em 1981, pelo Presidente da República general Ramalho Eanes e a de retribuição a Portugal por Samora Machel, em 1983. Destes encontros foi possível um melhor conhecimento e entendimento mútuos, que permitiu criar condições para formas novas e diferentes de cooperação.
O mundo esperava que, pelas suas características e condições de diálogo, continuaria a desempenhar, de modo concreto, um papel decisivo para que todo o processo conflitual que se desenvolve em África se atenuasse. Era uma das certezas em que assentava a expectativa num desenvolvimento pacífico da região.
Os seus próprios adversários reconheciam em Samora Machel a têmpera dos políticos persistentes e cientes na justeza dos seus propósitos, no combate ao apartheid e na luta pela emancipação do seu povo, como consagração inequívoca da identidade da nação moçambicana.
Samora Machel morreu. O mundo africano perde uma das suas grandes figuras históricas - um político seriamente empenhado na resolução pacífica da grave situação da África austral; Portugal e os Portugueses perdem, mais que um amigo, um homem que, nas mais diferentes situações, se proeurou empenhar na aproximação entre os dois Estados e os dois povos.
Nesta hora de luto, o Grupo Parlamentar do PRD curva-se perante a sua memória e a recordação que nos deixa. Que o seu exemplo possa fortificar e orientar os seus sucessores a fim de que Moçambique, no conjunto dos povos de língua oficial portuguesa, possa continuar a desempenhar a sua acção marcante, para que um dia a paz nessa região do continente africano seja uma realidade de que Africanos e Portugueses possam vir a beneficiar.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha.
O Sr. José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ele foi o último grande lutador nas guerras de libertação das colónias portuguesas. Argúcia de guerrilheiro, coragem e determinação de chefe, chama de patriota, deram-lhe dimensão lendária entre as populações negras oprimidas de Moçambique. Em longas noites africanas, naquelas noites povoadas de bichos e de medos, antes da libertação, assim ouvimos, em tabancas do interior, homens e mulheres amigos falarem dele, pausadamente, serenamente, como de um pai querido, braço a um tempo protector e justiceiro.
Para a unidade de Moçambique independente foi decisiva essa dimensão do líder incontestado. Para a construção do país, desde os fundamentos, a partir das ruínas coloniais, era fonte permanente de energia e esperança. E também insubstituível o seu papel na África austral, para a libertação das populações negras da injustiça, do apartheid, da opressão estrangeira, para a pacificação e o equilíbrio na zona, que acabaria por ser o fim da missão onde perdeu a vida.
Nele confluíam a agudeza da sabedoria popular, a tolerância e paciência do político experiente, a espontaneidade comunicativa, num perfil humano singularíssimo a que ninguém podia ficar indiferente.
Tentava encontrar para o seu país caminhos próprios, tão difíceis de buscar no mundo de hoje, tão difíceis de seguir no continente negro e especialmente nessa parte, de confrontos e polarizações mais violentos. Caminhos próprios que, não se esgotando no pragmatismo, tinham a alimentá-los lições de outros grandes líderes africanos; talvez, antes de todos, Amílcar Cabral, na recusa a importar modelos de desenvolvimento alheios, na compreensão de que as leis da dinâmica social não podem ser definidas por relações de classes e grupos sociais como as que se observam nos países europeus, no reconhecimento de que fora da influência dos dois grandes blocos políticos e militares se desenvolvia um movimento libertador das periferias, que conduzirá a uma nova ordem na relação entre as nações.
Machel, figura na galeria dos grandes líderes africanos, daqueles que foram muito além dos limites da sua nacionalidade, e são acima de tudo heróis da África negra na sua secular luta pela libertação. Lumumba, Mondlane, Cabral, Neto estão ao seu lado, fazendo com o seu sangue nascer novas terras e novos homens - essa sim, a descoberta maior na grande aventura humana.
Mas há também aqui qualquer coisa que lembra maldição antiga, abatida agora e sempre sobre essa terra sofrente. Não é comum o destino desses homens. Liga--se ao sentimento telúrico da raiz do homem e ao mesmo tempo à sua dimensão superior. O seu preço foi as suas vidas, para que desse sacrifício nascesse a liberdade, a justiça, a dignidade do povo africano. E, sobretudo, a dignidade - como Machel gostava de gritar. Nesse jeito tudo se sintetizava: a libertação final da secular opressão, a escravização mais abjecta, a ignomínia sub-humana, os milhares e milhares de escravos vendidos nas rotas atlânticas, as aldeias arrasadas pelas armas, as mulheres e as crianças violadas, a tortura mais cruel, a lágrima da vergonha, do medo, da revolta. Tudo isso Samora Machel queria dizer no grito que continuará a ecoar pelas terras de Moçambique: «Lutemos pela nossa dignidade!» Povo, de facto, digno, sofrendo a perda do pai que deixa um vazio para sempre no seu coração.
Curvemo-nos respeitosamente perante um homem grande. E, com esse respeito, façamos também quanto em nós couber para afastar da África os sofrimentos
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e os medos, dar-lhe a paz e a justiça que lhe são devidas, restituir a África, finalmente, a sua inteira dignidade, como sonhou Machel.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não me é fácil tomar hoje aqui a palavra para, em nome do Partido Socialista, prestar homenagem à memória do Presidente Samora Machel.
Não posso separar dentro de mim a qualidade de dirigente partidário da de amigo pessoal do Presidente Samora e de alguns dos seus companheiros com ele desaparecidos, em especial o meu muito querido e insubstituível amigo Aquino de Bragança, construtor de sonhos e de pátrias.
Nascido em Goa, moçambicano, Aquino de Bragança era de toda a parte e de lado nenhum, a sua pátria era feita de muitas pátrias, as novas nações africanas que ele ajudou a construir e também o velho Portugal, cuja história ele entendia e amava.
Uma voz do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Foram muitos anos de esperanças e lutas partilhadas, de alegrias e lágrimas vividas em comum.
As nossas vidas pessoais misturaram-se como se misturam e confundiram as vidas dos nossos povos.
Samora, Aquino, eram vidas das nossas vidas. Com eles se foi um pouco de nós, os que com eles percorremos os mesmos caminhos, os mesmos exílios, a mesma peregrinação em busca da liberdade perdida ou do país a haver e por fazer.
«Sou de um país que ainda não é» - dizia então o poeta José Craveirinha. O programa de Samora foi o de fazer esse país.
Conheci-o há cerca de vinte anos, em Argel. Poucos sabiam então quem ele era. Nem ele próprio talvez soubesse ainda que viria a ser o líder carismático de um povo em luta. Entrevistei-o para a Voz da Liberdade. E creio ter sido essa a primeira vez que ele se dirigiu directamente aos Portugueses.
Compreendi então que estava perante um novo tipo de líder africano. Não era o intelectual saído das universidades portuguesas, francesas ou americanas. Não era um chefe tribalista ou racista. Era um dirigente formado no próprio processo da luta de libertação. Vinha da escola da guerrilha, do mato, dos riscos e dos sacrifícios compartilhados com o povo. Era - se assim me posso exprimir - um guerrilheiro de perfil aristocrático, um guerreiro antigo e novo, um príncipe natural, um daqueles seres excepcionais que nascem do povo para o povo.
Homem de uma rara intuição e de grande talento, trazia com ele uma cultura nova. Uma cultura que, partindo da africanidade e da fidelidade às raízes, tinha chegado à compreensão do significado nacional e universal do seu combate; e, antes de mais, à consciência de que a luta de libertação era sobretudo um acto de cultura: a reassumpção de uma identidade cultural submersa pelo colonialismo, numa perspectiva de emancipação política, nacional e social. Samora defendia o primado da política sobre o primado das armas e entendia a luta de libertação não como uma luta de pretos contra brancos, nem de Africanos contra Portugueses, mas como um combate contra um sistema de opressão colonial e social que, retirando ao povo moçambicano a sua identidade própria, deformava também a própria identidade do povo português.
O seu combate nunca foi contra Portugal, mas contra o sistema que oprimia simultaneamente, ainda que em condições e sob formas diferentes, o povo moçambicano e o povo português. Teve sempre uma grande preocupação em definir com clareza o inimigo. O inimigo para ele era o sistema colonial, não o povo português, que sempre teve o cuidado de considerar como aliado natural do povo moçambicano.
Tinha também a convicção de que a independência política era inseparável da conquista da independência económica. Daí que a ideia de libertação nacional sempre tenha aparecido associada a uma estratégia de libertação económica e social.
Independência, eis a palavra chave da vida e do combate de Samora Machel. Dar corpo, em todos os sentidos, ao sonho contido no verso de José Craveirinha. Fazer um país. Restituir ao povo de Moçambique a sua dignidade e a sua plena identidade cultural. E assim se tornou o principal símbolo da unidade nacional do povo moçambicano.
Dirigente guerrilheiro, dirigente político fundador e construtor de um país, estadista, líder carismático de um povo, teve a coragem de rever conceitos, de corrigir práticas, de propor novos caminhos da busca incessante de soluções de paz e desenvolvimento para toda a África austral. Desinibidamente, reivindicou Camões e, ao chegar a Portugal, disse que se sentia como na sua própria casa. Chefe de guerra, Samora era essencialmente um homem de paz. Ele queria a paz. Em Moçambique, em toda a África austral. Pela paz, teve a coragem dos acordos de Incomáti. Pela paz, teve a coragem de propor o diálogo e a negociação. Lutou, viveu, morreu pela paz. Pode-se ter concordado ou discordado das suas posições. Mas não se pode negar-lhe a frontalidade, a intuição, a inteligência, o talento, o risco de ser ele próprio até às últimas consequências. Essa - creio - é a lição da sua vida. Essa é a mensagem que pretendeu deixar ao seu povo e a toda a África: a da necessidade de a África ser ela própria e de construir em paz, sem ingerências nem submissões, o seu destino e o seu futuro. Lição de independência política, mensagem de independência de espírito.
Tudo agora será, porventura, mais difícil.
A história tem sido madrasta para os países africanos de expressão portuguesa: Amílcar Cabral, Eduardo Mondlane, Agostinho Neto. Agora, Samora Machel.
Sem o Presidente Samora, a África ficou mais pobre. Portugal também. Samora gostava dos Portugueses.
Alguns, cuja situação pessoal não lhes permitiu compreender a inevitabilidade histórica do processo de libertação, continuam a pensar e a agir como se a guerra não tivesse terminado. Lá e cá.
Ë tempo, neste domínio, de fazermos a nossa revolução moral. Tempo de compreender e de ajudar a compreender que Portugal tem de ter uma estratégia nacional ditada pela história, pela cultura, pela sua própria identidade. E que essa estratégia não pode ser outra senão a da amizade e da cooperação fraterna com os governos e os Estados dos novos países africanos de expressão oficial portuguesa. Não apenas em palavras e declarações de intenção, mas na prática; nos factos, na vivência e na convivência. Sem complexos nem
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duplicidades. Sem tibieza, também, em relação aos que sobrepõem interesses egoístas ao interesse nacional e o espírito da guerra e da desforra ao espírito da paz e da cooperação.
Uma estratégia portuguesa sem submissão a interesses alheios ao interesse nacional. Uma estratégia nossa, autónoma, portuguesa. Nas relações com a África, Portugal não precisa de ser o intermediário de ninguém. Tem de ser o intérprete da sua vocação e da sua história. Tem de ser ele próprio. É também uma questão de independência nacional e de independência de espírito.
Que as circunstâncias trágicas da morte de Samora Machel possam ao menos inspirar-nos na busca e na concretização de uma estratégia verdadeiramente nacional em relação a Moçambique e aos outros países africanos de expressão oficial portuguesa.
Que o exemplo do Presidente Samora Machel contribua também para a procura de soluções políticas capazes de desbloquear as tensões existentes na África austral.
Fiel à sua história e à cultura, Portugal tem de concorrer, de forma positiva, para uma solução pacífica, que, partindo da clara condenação e rejeição do apartheid, contemple a complexidade dos interesses em confronto. Uma solução que abra caminho a um novo clima de diálogo, baseado no respeito pelos direitos humanos, pela independência e pela integridade territorial de todos os Estados da região.
Em nome do PS reitero o propósito de, em colaboração e diálogo construtivo com todas as forças políticas nacionais, tudo fazermos para reforçar, sem ambiguidade e com maturidade política, os laços de cooperação e amizade com a República Popular de Moçambique e outros Estados africanos de expressão oficial portuguesa.
É o momento de o dizer. Fazemo-lo na certeza de que uma tal posição, sendo uma prioridade de uma estratégia nacional, é também a forma de concretizar o papel específico de Portugal na resolução dos conflitos existentes no Sul da África.
Dizemos aos dirigentes e ao povo de Moçambique que a sua dor é a nossa dor, que o seu luto é o nosso luto. Choramos com eles a morte do Presidente Samora Machel. Não esquecemos o seu riso, a sua esperança, a sua confiança no Homem. Ele era nosso amigo e nosso irmão, como amigos e irmãos hão-de ser para sempre o povo de Moçambique e o povo de Portugal.
Aplausos gerais.
A Sr.ª Maria Santos (Indep.): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr.ª Deputada?
A Sr.ª Maria Santos (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para expressar o sentido do voto do Partido Os Verdes relativamente à perda do Presidente Samora Machel.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, ficou acordado que cada grupo parlamentar dispunha de cinco minutos para declarações de voto acerca do falecimento do Presidente da República Popular de Moçambique.
No entanto, a Sr.ª Deputada poderá intervir no período que se segue, de antes da ordem do dia.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, a Mesa já facilitou à Sr.ª Deputada Maria Santos o uso da palavra em momentos especiais. Ora, creio que este momento é realmente bastante especial, pelo que solicitava à Mesa que desse a palavra à Sr.ª Deputada Maria Santos.
Uma voz do CDS: - Muito bem!
O Sr. António Capucho (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, devo dizer que não há nenhuma deputada do Partido os Verdes nesta Câmara, mas, sim, variadíssimos deputados independentes; pelo que penso que o Regimento deve ser respeitado: são os grupos parlamentares que intervêm!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Muito feio!
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Maria Santos, lamento não lhe conceder a palavra, mas foi uma decisão da conferência de líderes, onde não foi prevista a hipótese de os senhores deputados independentes produzirem declarações de voto. Porém, como já disse, na segunda parte deste período de antes da ordem do dia poderá inscrever-se e usar da palavra para uma intervenção.
O Sr. Presidente: - Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, começo por lamentar que a Mesa não tenha tido a generosidade que noutras circunstâncias entendeu ter.
Em segundo lugar, nos termos regimentais, peço a interrupção dos trabalhos por dez minutos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu pedido é regimental, pelo que declaro interrompida a sessão, que recomeçará às 16 horas e 15 minutos.
Eram 16 horas e 5 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro reaberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Santos, dispondo de dois minutos, um cedido pelo PCP e outro pelo PS.
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A Sr.ª Maria Santos (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É sempre triste pedir a palavra para lembrar um homem bom que morreu!
E porque este homem foi um amigo, um político que nunca na vida deixou de ser igual a ele próprio, Os Verdes querem expressar perante esta Câmara a sua profunda dor pela morte do presidente Machel, acreditando que hoje se fortalece um novo canto africano de que a luta por uma África livre vai continuar.
Samora morreu, mas a esperança de uma nova África surgirá: uma África liberta da intolerância e do terrível apartheid.
Aplausos do PSD, do PS, do PRD, do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria da Glória Padrão.
A Sr.ª Maria da Glória Padrão (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito perto do início do ano lectivo, um despacho da Secretaria de Estado do Ensino Básico e Secundário introduzia uma inovação no que respeita às condições necessárias para a aprovação ou transição de ano dos alunos do ensino preparatório e do curso geral unificado do ensino secundário. O que esse despacho traz de novo é a obrigatoriedade de obtenção de nível positivo na disciplina de Língua Portuguesa.
As intenções da medida são claras e estão expressas no texto do despacho: preservação e desenvolvimento da língua e da cultura portuguesas.
O objectivo é teoricamente da maior correcção (embora não se percebam de nenhum jeito as razões que levam a colocar fora de alcance os cursos complementares). Mas à correcção de princípio não corresponde a correcção da medida no terreno concreto; como princípio, é bonito e fica bem; no contexto actual da realidade portuguesa, é feio e fica mal...
Uma voz do PRD: - Muito bem!
A Oradora: - ... e depressa a inovação surge como uma medida de fomento só para produzir efeito.
No fim da última sessão legislativa, esta Assembleia aprovou a Lei de Bases do Sistema Educativo, que nos seus princípios defende uma educação para o sucesso e para a estabilidade. E logo a seguir a Secretaria de Estado do Ensino Básico e Secundário impõe uma medida que contraria o aqui votado. É certo que a entidade emissora da norma teve um qualquer sentido de alarme, porque no corpo do despacho se explicita que, «mediante proposta fundamentada do conselho de turma, pode o conselho pedagógico excepcionar casuisticamente a aplicação da condição» da obtenção de nível positivo na disciplina de Português.
Passo a traduzir o âmbito de «casuisticamente»:
1) Em todos os casos em que a disciplina de Português seja ministrada sem ter havido uma revisão e profunda alteração dos programas;
2) Em todos os casos em que, a nível horizontal, não estejam estabelecidas as adequações exigidas na disciplina de Português e da rede de articulações interdisciplinares;
3) Em todos os casos em que não esteja assegurada a correcta articulação vertical dos programas de Português;
4) Em todos os casos em que se verifique que para uma correcta política de língua não foi incrementado o «Português Fundamental»;
5) Em todos os casos em que haja regência da disciplina por professores que, embora com um grau académico superior, não tenham tido nos seus currículo universitários nenhuma, repito, nenhuma cadeira que os habilite cientificamente para leccionar a disciplina (é o que se passa com os licenciados em Línguas e Lite-.ratura Modernas, variante Francês e Inglês, que por despacho podem ser professores de Português [... ] só porque é a língua que falam - é o caso, por exemplo, dos excedentários de História e Filosofia);
6) Em todos os casos (estes são bastante menos) em que os alunos viveram muito tempo em países de emigração portuguesa e que têm as línguas desses países quase como língua materna;
7) Em todos os casos em que os alunos sejam telespectadores e ouçam os erros de língua e de cultura sucessivos que aí acontecem: os erros de regências verbais, o medonho fonético, morfológico e semântico de «enquanto que», a comissão á-dê-agá-ó-cê num momento criada (para o caso de não se entender, traduzo, a comissão adhoc), a edição de dois livros de dois poetas curiosamente lançados no mesmo dia: os poetas Fiama Hasse e Pais Brandão, etc.
Mas não vou desdobrar mais. O que quero dizer é que a palavra «casuisticamente», entendida e aplicada com toda a consciência e zelo, passa de caso a lei geral.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A medida agora tomada não fomenta o conhecimento correcto da língua e da cultura portuguesas. O que ela pode reforçar é o miserabilismo caridoso tão corrente nas nossas escolas ou aquilo a que se pode chamar o complexo do «coitadinho»: no 1.º ano do Preparatório o aluno passa, coitadinho, porque é um ano de adaptações várias; no 2.º coitadinho, tem aprovação porque sempre é um ano terminal; no 3.º ano do curso geral passa porque é outra vez um ano de adaptações várias, até somáticas, coitadinho; e no 2.º passa, coitadinho, porque é o tempo da puberdade; no 3.º ano, coitadinho, é outra vez o fim de um ciclo. Agora vai passando, coitadinho, porque, apesar de tudo, sempre fala português. Ah, tanto diploma coitadinho!
Risos gerais.
A medida agora tomada não fomenta o conhecimento correcto da língua e da cultura portuguesas. O que ela reforça, embora não queira, é um triste aforismo - «letras são tretas» -, tão cuidadosamente bem guardado e cultivado por quem pensa que nos protege.
A medida agora tomada não honra nem as pessoas nem a cultura deste país. Alexandre O'Neill tinha razão quando escrevia que este país «usa gravata todo o ano e assoa-se à gravata por engano».
Aplausos do PRD, do PS, do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento inscreveram-se os Srs. Deputados Jorge Lemos e Fernando Conceição.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr.ª Deputada Maria da Glória Padrão, por razões de falta de tempo disponível da minha bancada não lhe irei fazer nenhuma per-
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gunta. Mas, aproveitando esta figura regimental, queria comunicar-lhe o total apoio da bancada do Partido Comunista Português à intervenção que acaba de produzir.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Conceição.
O Sr. Fernando Conceição (PSD): - Sr.ª Deputada, foi com todo o interesse que ouvi a sua intervenção e, naturalmente, tenho uma ou duas perguntas a fazer-lhe.
Em primeiro lugar, há que reconhecer que a língua portuguesa é matricial, no sentido em que é indispensável à compreensão e ao «fazer» em qualquer domínio e não apenas no domínio do Português. Parece-me que talvez não possamos considerar esta medida desligada de um conjunto de outras que estão na forja, que se devem desenvolver e cuja implementação creio que está para breve.
Há, no entanto, um aspecto que gostaria de frisar. É que vai sendo tempo de acabar com a teoria do «coitadinho» e esta teria mesmo de acabar um dia, chamando a atenção para a importância da disciplina, para a importância da acção do próprio professor. Claro que, numa medida de transição, há o aspecto casuístico que referiu e que, aliás, ainda hoje existe. Quando reúnem, os conselhos de turma procuram não apenas averiguar do aspecto objectivo, comparando o aluno com outros alunos, mas também de um aspecto que, embora subjectivo, é muito importante e que é a capacidade que o aluno poderá ter para recuperar. E, no meu entendimento, as acções de recuperação estão previstas. Neste sentido, parece-me que, embora possa causar algum escândalo em certos sectores, esta é uma medida - pontual, é certo - que se impõe a fim de chamar a atenção de todos para a importância e o desenvolvimento do próprio ensino do Português.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria da Glória Padrão.
A Sr.ª Maria da Glória Padrão (PRD): - Sr. Deputado Jorge Lemos, agradeço a intervenção em nome da sua bancada.
Sr. Deputado Fernando Conceição, também lhe agradeço e digo-lhe que não estamos fulcralmente em desacordo.
De qualquer modo, quero repetir que o alcance da medida é, de facto, crucial e importantíssimo e que folgo em saber que vai ser tomado um conjunto de medidas que estão a ser estudadas para que se possa ajudar a fomentar o respeito pela cultura e pela língua portuguesas e portanto, em última análise, pela pessoa.
Sr. Deputado, de qualquer maneira não posso deixar de lhe dizer que me parece que há aqui um anacronismo. A minha discordância é só em relação ao momento. Na minha perspectiva, esta medida não surge temporalmente bem enquadrada numa conjuntura, portanto, numa política geral de língua.
A propósito, peço licença para lembrar aqui um excerto de uma das Farpas de Eça de Queiroz. Claro que não vou fazer uma citação exacta, porque não a sei de cor; de qualquer maneira, tenho presente algumas expressões.
Um dia. D. Pedro foi a Vale de Lobos visitar Alexandre Herculano. No dia seguinte, a comunicação social informava o País de que «Sua Majestade se tinha dirigido ao tugúrio do ilustre historiador que [...]». Outro jornal dizia que «Sua Majestade se tinha dirigido à augusta mansão do ilustre homem que [...]». Por sua vez, outro órgão de comunicação social dizia ainda que «o imperador tinha ido ao palácio do eminente homem de letras que [...]». Outro, ainda, falava de uma «choupana dourada». E assim sucessivamente. Acontece que Eça de Queiroz termina a Farpa dizendo que a comunicação social se esqueceu de dizer, muito simplesmente, que Sua Majestade tinha ido a casa de Alexandre Herculano.
Ora bem, obviamente que Eça ironizava com um certo espalhafato, com uma certa linguagem de efeito, mas o que ele quis foi denunciar um acto falhado. Ora, é justamente isso que considero existir nesta medida da Secretária de Estado da Cultura.
De facto, na minha intervenção eu não quis pôr em causa as intenções, que, aliás, estão expressas - não se trata, portanto, de fazer processos de intenção - e que são extremamente correctas. Simplesmente, parece-me que a Sr.ª Secretária de Estado da Cultura se esqueceu de que, antes de «chegarmos» ao palácio ou à augusta mansão, temos uma casa para arrumar e ela começou por arrumar o aposento que era menos urgente.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Lei n.º 23/83, de 6 de Setembro, que regula o funcionamento do Conselho de Comunicação Social, caracteriza-o como um "órgão independente que funciona junto da Assembleia da República, que é por ela eleito e que, exercendo a sua competência em todo o território nacional sobre os órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado e a outras entidades públicas, tem como principais atribuições as seguintes: salvaguardar a independência dos órgãos de comunicação social atrás referidos perante o Governo, a Administração e os demais poderes públicos e assegurar nesses órgãos a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião, bem como uma orientação geral que respeite o pluralismo ideológico geral e garanta o rigor e a objectividade da informação.
Para o desempenho das suas atribuições, a Lei n.º 23/83 consigna ao Conselho de Comunicação Social um vasto acervo de competências, que têm a sua justificação no peso da comunicação social estatizada em Portugal.
A lei veio conferir aos cidadãos eleitos para o Conselho de Comunicação Social um estatuto condigno com o exercício das suas funções, atribuiu-lhes garantias de inamovibilidade durante a duração do seu mandato e de irresponsabilidade civil, criminal e disciplinar pela opiniões emitidas no exercício da função.
Impôs-lhes, em contrapartida, um especial dever de «independência, isenção e sentido de missão, inerente à relevante função social que lhes cabe», obrigando-os ainda a «exercer os seus cargos imbuídos de uma alta autoridade moral».
Finalmente, a lei traçou um regime de incompatibilidades, visando aqui, em particular, garantir que os membros do Conselho de Comunicação Social não
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pudessem, em simultâneo, por qualquer via que fosse, ter intervenção no conteúdo dos órgãos de comunicação social que têm o dever legal de fiscalizar.
E o legislador teve a precaução de enunciar esse regime de incompatibilidades, que começa nos membros dos órgãos da gestão e vai até aos trabalhadores de qualquer órgão de comunicação social estatizada. Trabalhadores, refira-se, sem qualquer, restrição, mesmo que de um tipógrafo se trate, para dar exemplo de alguém que, pela sua função, exerce uma influência diminuta num órgão ou, pelo menos, no conteúdo de um órgão de comunicação social.
Parece ser esta a via adequada para garantir a isenção do julgamento, que tem sido rigoroso e objectivo, dos membros do Conselho de Comunicação Social.
É uma obrigação que vincula, em primeiro lugar, juridicamente, mas que vincula mais do que isso: que vincula ética e politicamente.
O Sr. António Capucho - Muito bem!
O Orador: - Não quis o legislador restringir o exercício de um direito fundamental, nomeadamente o da expressão do pensamento dos membros do Conselho de Comunicação Social, nem isso seria constitucionalmente possível.
De resto, o direito que cada cidadão tem de expressar o seu pensamento não tem de se exercer forçosamente nos órgãos de comunicação social do Estado.
Tratou-se, tão-só, de confrontar todos quantos contribuem para o conteúdo informativo e formativo dos órgãos de comunicação social estatizados, e que simultaneamente aspiram a ser membros do Conselho de Comunicação Social, com essa possibilidade tão simples, mas tantas vezes tão dramática do ponto de vista pessoal, que é a do exercício da opção. Opção que tem como contrapartida, quase sempre, a renúncia a qualquer coisa que pode ser igualmente desejável.
Sendo o Conselho de Comunicação Social um órgão independente, não está a actividade dos seus membros ao abrigo da crítica.
Em democracia não há instituições nem pessoas ao abrigo da crítica.
E, sendo o Conselho um órgão eleito por esta Assembleia, é este o lugar propício para o exercício desta crítica, quando ela tenha razão de ser.
É neste pressuposto que, em nome da bancada do Partido Social-Democrata, quero condenar veementemente a posição que tem sido assumida por um dos membros do Conselho de Comunicação Social - neste caso o seu presidente - de manter uma colaboração regular, semanal, paga, em dois órgãos de comunicação social estatizados que estão sob a alçada fiscalizadora do Conselho.
O Sr. Malato Correia (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Não interessa que os artigos do presidente do Conselho de Comunicação Social no Diário de Notícias e A Capital sejam de ataque sistemático ao Governo e ao partido que o apoia. O conteúdo desses artigos é suficientemente verrinento, parcial, disfarçadamente emotivo, tantas vezes falho de razoabilidade, para que nem um nem outro se perturbem.
Nem interessa que em tais artigos se faça o elogio sistemático de um dos partidos da oposição em detrimento dos restantes: não há pseudo-arquitecturas literárias, não há acessos de génio linguístico, não há malabarismos semânticos que confundam, num leitor atento, o que é análise fria e imparcial com propaganda claramente orientada.
Vozes do PSD: - É um escândalo!
O Orador: - O que interessa é que, ao proceder desta forma, o Sr. Presidente do Conselho de Comunicação Social diminui a dignidade do órgão a que preside.
Diminui-o eticamente!
Diminui-o politicamente!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Afunila-lhe a capacidade de intervenção! Abala-lhe o prestígio!
Reduz-lhe a autoridade!
Introduz um elemento de maior controvérsia na decisões do Conselho.
Onde está a «alta autoridade moral», a que a lei faz referência, que deve imbuir os membros do Conselho de Comunicação Social no exercício dos seus cargos? Para o presidente do Conselho a resposta é simples: tal autoridade garante-se com uma colaboração regular com contrapartida pecuniária nalguns órgãos de comunicação social que fiscaliza.
Mais: tal autoridade reforça-se com propostas formais, por si assinadas, para o conselho de gerência da RTP, E. P., nas quais se pretende a produção de programas televisivos da sua responsabilidade pessoal.
O Sr. João Salgueiro (PSD): - É inacreditável!
O Orador: - Admitimos que isso seja simples e pacífico para o Sr. Presidente do Conselho de Comunicação Social. Que tal seja, para ele, condição absolutamente indispensável para o cultivo do sibilino estro literário que tantos, e eu em particular, apreciamos.
Só que, pelo menos para nós, tal não se afigura nem tão simples nem tão pacífico. Há, no exercício da sua função, um limite! Uma tensão, se se preferir! Que é mais de natureza ética e política que de natureza jurídica.
É o limite e a tensão do julgador que não julga em causa própria! Que não pode nem quer julgar as suas próprias opiniões! Que não quer abrir um jornal que tem o dever legal de fiscalizar e proceder a essa tarefa tormentosa e tortuosa de ter de concluir se a sua própria opinião afecta ou não a isenção desse jornal.
É, em suma, o limite e a tensão do juiz que, para ser imparcial, não procede de forma a tornar-se judex suspectus.
Nada nos move, pessoalmente, contra o Sr. Presidente do Conselho de Comunicação Social. Só que não nos parece que seja possível que a sua atitude, no aspecto que acabo de referir, não deva ser revista. Não lhe basta assumir-se, como muitas vezes se assume nos seus escritos, como campeão da moralidade política, como exegeta do rigor, da ética e da verticalidade de processos. Realmente, nem ele consegue ser imune ao dilema da mulher de César.
Urge, por isso, que assuma, em decorrência do exercício das suas funções, sem subterfúgios espúrios nem esquivas dialéticas, os valores que ficaram enunciados e que ele tantas vezes assumiu para si nos seus escritos.
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Ou então, que se demita! A democracia não ficará mais pobre por isso.
O Sr. António Capucho (PSD) - Pelo contrário! Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados Jorge Lemos, João Corregedor da Fonseca, António Paulouro, Costa Carvalho e Jorge Lacão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, não pedi a palavra para formular pedidos de esclarecimento, pois creio que ficámos todos esclarecidos com a intervenção do Sr. Deputado, mas, sim, para um protesto.
Protesto pelo modo como Sr. Deputado Duarte Lima se dirigiu a um órgão independente...
Risos do PSD.
...que funciona no quadro desta Assembleia da República, criado com os votos do PSD, cuja composição foi definida com o apoio do PSD...
O Sr. João Salgado (PSD): - Nesse aspecto, estamos à vontade!
O Orador: - ..., eleito nesta Casa, por dois terços dos deputados.
Protesto por pensar que, mais uma vez, o PSD considera que tudo o que não é a favor do Governo é algo de negativo, é uma «mancha negra» dos partidos da oposição. Finalmente, protesto por o Sr. Deputado do PSD ter dado a entender que para o seu partido o que vale é a lei do abafarete e a censura.
Bastou-nos antes do 25 de Abril. Não queremos mais!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. António Capucho (PSD): - Isso é na União Soviética; cá, não!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Deputado Duarte Lima, ouvi atentamente a sua intervenção, que foi um ataque ao Conselho de Comunicação Social e não ao seu presidente.
Sr. Deputado, é evidente que posso considerar que a sua foi uma pressão intolerável sobre o Diário de Notícias e sobre A Capital, quando focou exactamente esses dois jornais onde o Sr. Dr. Artur Portela não é jornalista, mas, sim, um cronista, livre de assinar o que quer e onde entende. E nas suas bancadas partidárias existem vários cronistas conhecidos.
O Sr. João Salgado (PSD): - Isso é diferente!
O Orador: - Antes de chegar às perguntas finais, gostava de perguntar se V. Ex.ª conhece os documentos exarados pelo Conselho de Comunicação Social desde que foi criado, se tem conhecimento de que alguns desses documentos tenham sido aprovados sem a unanimidade dos seus membros ou se, por qualquer forma, terão sido alvo de polémica no seio do próprio Conselho de Comunicação Social.
Pergunto ainda se entende ou não que o Conselho tem desempenhado as suas funções com idoneidade, no cumprimento exacto da lei e das normas constitucionais, vigiando pela independência dos órgãos de comunicação social estatizados.
O Sr. António Capucho (PSD): - Isso não tem nada a ver com o problema agora suscitado!
O Orador: - Sr. Deputado, já agora, pergunto: quem põe em causa a figura do presidente do Conselho de Comunicação Social? São os jornalistas, o público, a Assembleia da República, os grupos parlamentares, ou é o Governo e, a partir deste momento, o Grupo Parlamentar do PSD que estão a pôr em causa o Conselho de Comunicação Social através da pessoa do seu presidente?
Sr. Deputado, também gostava de saber se V. Ex.ª tem conhecimento dos estudos que o Conselho de Comunicação Social tem feito ao longo destes dois ou três anos, nomeadamente noutro tipo de actividades.
Aliás, Sr. Deputado, posso recordar que hoje mesmo, ontem e anteontem e creio que ainda amanhã, está a decorrer na Fundação Gulbenkian, com a presença de personalidades estrangeiras, um importante colóquio subordinado ao tema da cultura e da informação em Portugal, colóquio esse onde, como é evidente, estão a ser tranquilamente escalpelizados determinados «apetites» e actuações do Governo sobre os órgãos de comunicação social. Realmente, Sr. Deputado, é isso que pode estar a ferir a sensibilidade do Governo.
No fundo, o que alarma o PSD e nomeadamente o Sr. Deputado não é o presidente do Conselho de Comunicação Social mas o órgão em si, por ser um órgão vivo, vigilante, inatacável.
Sr. Deputado, quando V. Ex.ª diz que o Sr. Dr. Artur Portela deve ser demitido, pergunto-lhe: conhece, ao menos, o estatuto e a lei que refere que o presidente do Conselho de Comunicação Social é eleito pelos seus pares, entre os quais estão alguns dos que o PSD apoiou e nomeou para esse órgão, como V. Ex.ª sabe?
Sr. Deputado, é evidente que o que fez é uma pressão intolerável sobre um órgão independente, emanado da Assembleia da República. Desculpe que lhe diga, Sr. Deputado, mas, na minha opinião, a pressão sobre a administração do Diário de Notícias e de A Capital é um convite a que essas administrações prescindam da colaboração do Sr. Dr. Artur Portela.
Finalmente, Sr. Deputado, não existirá aqui, no fundo, uma outra questão política muito mais importante, que não tem nada a ver com a questão que aqui apontou?
Será que V. Ex.ª está a iniciar um processo que tem a ver com a eleição, que se avizinha, de membros para os outros órgãos exteriores à Assembleia da República, sendo esta já uma tentativa de estabelecer uma «moeda de troca», uma pressão intolerável, como quem diz, «para votarmos em fulano, há que retirar o Sr. Dr. Artur Portela da presidência do Conselho de Comunicação Social»? Esta é que é capaz de ser a questão fulcral, mais importante e mais grave de toda a sua intervenção.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Paulouro.
O Sr. Antonino Paulouro (PRD): - Sr. Deputado Duarte Lima, já não é a primeira vez que o estilo e a frontalidade do Sr. Artur Portela são postos em causa. Há vinte anos também era assim. Portela era sempre vítima de incompreensões, de cortes de uma censura implacável que não lhe deixava um momento vago.
O que hoje aqui se passa, vinte anos depois, não terá muito a ver com isso, mas tem alguma coisa... Quando Portela foi convidado para fazer parte do Conselho de Comunicação Social todos sabiam quem ele era e que não poderia ser uma pessoa diferente. Afinal, depois de uma actuação em que os seus pares estrangeiros e isto de se citarem personalidades estrangeiras tem importância para a nossa mentalidade e para a nossa maneira de ser - lhe fazem justiça, tal como ainda hoje na Fundação Gulbenkian, verifica-se que é realmente incompreensível e estranho que surja uma intervenção destas acerca de um órgão eleito pela Assembleia da República, o qual, mercê do estudo e da actuação já feitos como disse, e muito bem, o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca -, merece uma atenção mais aprofundada do que uma simples comunicação feita à vol d'oiseau.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito mal!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Carvalho.
O Sr. Costa Carvalho (PRD): - Em meu entender, a questão levantada pelo Sr. Deputado Duarte Lima deve ser ponderada pelo atingido, mas nunca julgada pelos outros. De outro modo, eu ficaria preocupado e não haveria a possibilidade, como ainda há pouco, de a Sr.ª Deputada Maria da Glória Padrão ter citado Eça de Queiroz. Como cônsul, também ele nunca deveria ter escrito nos jornais e todos os seus romances foram publicados primeiro nos jornais e só mais tarde editados em livro. Igualmente atendendo ao seu estatuto de deputado, talvez o Sr. Deputado Raúl Rêgo não pudesse fazer história, nem o Sr. Deputado José Manuel Mendes pudesse, escrever romances, nem o Sr. Deputado Manuel Alegre pudesse fazer poesia.
Ao Sr. Deputado Duarte Lima farei só uma pergunta. Como é que o Sr. Deputado reagiria se um ministro da Educação do seu partido, na qualidade de titular desta pasta, tivesse uma colaboração paga num jornal semanal e também no suplemento literário quinzenal desse mesmo jornal?
Vozes do PSD: - Que confusão!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge 'Lacão.
O Sr. Jorge. Lacão (PS): - Sr. Deputado Duarte Lima, vou fazer-lhe uma pergunta, mas, como pressuposto desta, far-lhe-ei algumas acusações. Não as farei a título pessoal, mas sim a título político.
A título político, dir-lhe-ei que o governo que o Sr. Deputado apoia nesta Casa é um governo que ultrapassou todos os limites em matéria de controle do sector público da comunicação social e da utilização desse sector para formas de propaganda política.
Protestos do PSD.
Dir-lhe-ei que o Conselho de Comunicação Social se tem vindo a destacar numa forma de impedimento a essas tentativas abusivas de propaganda no sector público da comunicação social. E, em consequência, acuso-o publicamente de, através do presidente do Conselho de Comunicação Social, querer colocar em causa este órgão, a fim de permitir que o seu governo e o poder que representa tenham as mãos mais livres para manipularem mais facilmente.
Vozes do P§: - Muito bem!
O Orador: - Faço-lhe uma segunda acusação política: o Sr. Deputado vem aqui colocar em causa a figura do presidente do Conselho de Comunicação Social, admitindo que seria uma violação da deontologia o facto de ele poder exercer o seu direito à expressão em alguns jornais do sector público da comunicação social.
Sr. Deputado, em Portugal há uma dialéctica que já conhecemos entre um certo pensamento integrista e reaccionário e o daqueles que defendem o espírito livre. Tal já aconteceu com o Sr. Artur Portela.
Recordar-se-á, por exemplo, que foi ele nomeado director do Jornal Novo quando, no «Verão quente», importava fazer a denúncia de um certo projecto totalitário em Portugal.
Mas quando, a seguir ao 25 de Novembro, em nome do mesmo espírito crítico, o director do Jornal Novo se recusava a que os comunistas fossem corridos do espectro político português, o que aconteceu foi que esse arauto do espírito crítico foi ele próprio corrido, porque se tornou incómodo para a direita portuguesa. É exactamente a mesma solução e o mesmo ponto de vista que politicamente agora foi expresso pelo Sr. Deputado Duarte Lima.
E, em conclusão, aqui vai a minha pergunta: sabendo nós as formas de propaganda que o seu governo está a utilizar, sabendo nós a quebra de deontologia que foi, por exemplo, demitir o conselho de administração do Diário Popular, nomeando para lá elementos que faziam parte do próprio Gabinete do Ministro Adjunto para a Comunicação Social, isto não é uma quebra muito mais grave de deontologia e de independência no que diz respeito ao relacionamento entre o poder e os órgãos de comunicação social?
Estará V. Ex.ª disposto a comigo denunciar publicamente estas atitudes, que são violadoras da independência dos órgãos públicos de comunicação social?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima. Informo-o de que o seu grupo parlamentar dispõe apenas de quatro minutos.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, faço uma pequena observação de ordem geral, que é extensiva às perguntas que me foram feitas, que é a de a maior parte dos Srs. Deputados que fizeram protestos
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ou pedidos de esclarecimento não se terem debruçado sobre a substância da minha intervenção, pelo que sugeriria ao Sr. Presidente que, depois de terminada a minha resposta, a fizesse distribuir para que os Srs. Deputados possam ver o equívoco em que incorreram.
Começando por responder ao Sr. Deputado Jorge Lemos e à parte final da sua intervenção, em que falou da «lei do abafarete» e da censura: Sr. Deputado Jorge Lemos, nós sabemos que nesta matéria o PCP tem uma grande capacidade de ensinar, mas refiro-lhe que a capacidade do PSD para aprender neste domínio convosco é pouca e a disponibilidade é nenhuma.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - De resto, o Sr. Deputado nada mais disse sobre o fundo da minha intervenção. O seu protesto cingiu-se a isso.
Sobre uma intervenção que faço, não contra o Conselho de Comunicação Social, pois a minha intervenção em ponto nenhum põe em causa o Conselho de Comunicação Social - leia-a atentamente! -, antes põe em causa uma atitude e o comportamento do seu presidente, que não está isento de críticas, apesar de o Conselho de Comunicação Social ser um órgão independente. Não há órgãos, não há instituições, não há pessoas em Portugal que estejam isentos da crítica democrática que se exerce neste Parlamento.
Aplausos do PSD.
Onde está, Sr. Deputado, a generosidade crítica a que assistimos para com o Governo e para situações da nossa vida política por parte dos partidos da oposição? Afinal, parece que há órgãos intocáveis, afinal, parece que há pessoas intocáveis. Mas não há! Não há pessoas intocáveis, por mais respeitável que o seu passado seja, pois este não é garantia para afastamentos como este - aquele que denunciei e que, em substância, não foi contradito por ninguém -, para comportamentos inadmissíveis de um ponto de vista jurídico, de um ponto de vista ético e de um ponto de vista político.
Aplausos do PSD.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - E para a calúnia e para o negócio também não há lugar?
O Orador: - O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca diz que faço um ataque ao Conselho de Comunicação Social. Não o faço, Sr. Deputado! Respeito o Conselho, respeito as suas competências e o exercício que delas faz, o que aqui fiz em concreto foi uma crítica ao seu presidente. Não confunda isso, Sr. Deputado!
Perguntou quem punha em causa o presidente do Conselho de Comunicação Social. Pois pôs o Grupo Parlamentar do PSD, pela minha voz, com toda a frontalidade e sem subterfúgios. Foi isso que fizemos, foi pôr em causa: o Sr. Deputado acertou.
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - E disse também que o que alarma o PSD é um órgão inatacável. Visão estranha essa, Sr. Deputado! Também para si o Conselho de Comunicação Social é um órgão inatacável? Não sei se isso não é algum resquício...
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Eu não disse isso.
O Orador: - Foi isso que o Sr. Deputado disse. Vozes do PSD: - Disse, disse.
O Orador: - Tomei nota das suas palavras, mas, para além disso, pode socorrer-se da gravação. Disse que «o PSD o que está a atacar é um órgão inatacável». Não é inatacável, não há órgãos inatacáveis no nosso país.
Quanto ao facto de o presidente ser eleito pelos seus pares, isso é óbvio. Eu não disse que íamos propor a demissão do presidente do Conselho de Comunicação Social. Enunciei, no princípio da minha intervenção, que era um órgão independente, eleito pela Assembleia da República. O que fiz, é diferente, foi um convite para que ele se demitisse. Isso depende da sua opção. Voluntariamente, pode demitir-se ou não, há-de analisar politicamente se tem ou não sentido a crítica que lhe fiz e o conselho que deixei.
Quanto a essa de iniciar processo de eleições, o Sr. Deputado sabe mais do que eu. Não sei, gostava de lhe responder a isso, mas não tenho conhecimento de nada. Ò Sr. Deputado, para obter mais elementos, tem de ir à bruxa, porque eu não lhe consigo dizer mais.
Risos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado António Paulouro diz que foram aqui postos em causa o estilo e a frontalidade do Dr. Portela.
Não confunda pôr em causa com uma referência a um estilo! Há nisto muito de estético e tenho o direito, Sr. Deputado - e em nome dessa memória histórica a que fez referência -, de tecer as considerações estéticas que muito bem entender, nesta Câmara. Os senhores estão fartos de o fazer, estão fartos de falar na forma como o Sr. Primeiro-Ministro se dirige à Assembleia, sobre a forma como ele se dirige aos deputados, que também são questões de estilo e os senhores referem-nas. Por que é que eu não hei-de referir uma questão de estilo do Sr. Artur Portela?
Não faz sentido a referência que fez à memória dos vinte anos, Sr. Deputado António Paulouro. A memória é uma capacidade para recordar, mas é também uma capacidade para actualizar, e o Sr. Deputado, relativamente a isso, deve actualizar a sua memória.
O Sr. Deputado Costa Carvalho faz-me uma pergunta singela, qual seja a de saber como é que eu reagiria na hipótese de um ministro do meu partido - ou de outro qualquer, já agora, mesmo que fosse do PRD ter colaboração paga para um jornal. Sr. Deputado, reagiria da mesma maneira que agora e sobre isso pode estar seguro.
O Sr. Deputado Jorge Lacão começou por dizer que me queria fazer acusações a título político - obrigado, Sr. Deputado- e logo de seguida bombardeou, dizendo que o PSD tinha um controle feroz sobre a comunicação social do Estado.
Sr. Deputado, a isso respondo-lhe com uma acusação política: é que nós perante vós estamos sempre na posição de «ensinar o padre-nosso ao vigário».
Risos do PSD.
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Disse também que pus aqui em causa o direito à liberdade de expressão. Tratei isso, pensei sobre isso expressamente na minha intervenção. Não é isso que está em causa: qualquer jornalista que trabalha num órgão de comunicação social, privado ou do Estado, exerce um direito fundamental, qual seja o de informar; mas se quiser ser membro do Conselho de Comunicação Social, não poder fazer isso em simultâneo tem de optar por uma ou outra.
O que está aqui em causa para si, Sr. Deputado, e para todos os que me fizeram perguntas - não é a restrição ao exercício de um direito fundamental que, disse-o, seria inconstitucional, pois só pode ser feito por lei e nos termos permitidos pela Constituição, e ambos sabemos isso. O que está em causa é uma questão de compatibilização funcional, o que é completamente diferente.
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - E o Sr. Deputado, quando faz essa referência - que, de resto, é um bocado comum em alguns deputados do seu partido aos miguelistas e aos liberais, aos que são reaccionários e aos que são progressistas, isso é uma visão maniqueísta.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o seu tempo.
O Orador: - Sr. Presidente, o CDS concedeu-me dois minutos do seu tempo.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, faça favor de continuar.
O Orador: - ..., que eu pensava já ter desaparecido.
O Sr. Deputado é membro, ao que parece, ou foi apoiante da nova direcção do PS, é um dos magníficos sete vice-presidentes (risos do PSD) e eu pensava que esta concepção maniqueísta das coisas no último congresso do PS, com aquela onda liberalizadora, com aquela onda de abertura, tinha desaparecido, mas afinal vejo que não, que o Sr. Deputado Jorge Lacão continua aqui a ser o portador daquela visão maniqueísta e retrógrada do PS.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Dá-me licença, Sr. Deputado?
O Orador: - Não dou licença, Sr. Deputado. Relativamente às formas de propaganda do Governo e de que o Governo parece que nomeou uns assessores ou alguém dos seus gabinetes para as administrações de uns jornais: Sr. Deputado, para as administrações dos jornais ou outras podem ser nomeadas quaisquer pessoas que tenham idoneidade (risos do PCP) para o exercício das funções, que tenham competência e que estejam no pleno gozo dos seus direitos constitucionais. Só lhe lembro que se o Sr. Deputado olhar para a bancada da imprensa talvez encontre algum jornalista de um órgão de comunicação social do Estado que tenha sido membro do gabinete de algum governante do seu partido no antecedente.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lacão pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, para defesa da dignidade do meu grupo parlamentar, nos termos regimentais.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, como tem sido tradição, concedo-lhe a palavra.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Já que o Sr. Deputado Duarte Lima não consentiu que o interrompesse...
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Não tinha tempo. Foi só por isso.
O Orador: - ..., quero dizer-lhe o seguinte: havia um conselho de gerência de uma empresa pública, da EP-DP, que se recusou, entre outras directivas não escritas do Governo, a alienar o jornal Record por uma verba irrisória, quando esse jornal representa actualmente 40 % da facturação da EP-DP. Em consequência disso, o conselho foi exonerado e foi nomeado um outro, com novos membros, alguns dos quais directamente do Gabinete do Sr. Ministro de Estado com, funções de tutela sobre a comunicação social. Se isto não é uma grave violação da deontologia, então eu não sei o que é uma violação da deontologia.
O Sr. João Salgado (PSD): - E a televisão noutro tempo?
O Orador: - Quanto às afirmações que o Sr: Deputado Duarte Lima faz acerca de uma visão, digamos, dogmática entre o tal pensamento integrista e reaccionário, a que me referi, e a liberdade de crítica, mantenho-a e desafio o senhor deputado para, em termos de total liberdade de crítica - e nisso, então, me demonstrará que também faz parte daqueles que defendem a liberdade de crítica -, podermos ambos fazer o balanço da situação actual nos órgãos públicos de comunicação social, vermos quem é responsável pelas manipulações que aí estão a ser feitas e fazermos a denúncia pública e conjunta dessas mesmas manipulações.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Quando ouvi o Sr. Deputado Jorge Lacão pedir a palavra para defender a honra e a dignidade do seu grupo parlamentar, pensei que ia fazer uma referência a eu ter dito que eles eram os sete magníficos a logo esclarecê-los de que os considero mesmo magníficos e que não queria com isso ofender a honra de ninguém. Mas não, não era isso.
Risos do PSD.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - E não fez mais do que a sua obrigação!
O Orador: - O Sr. Deputado Jorge Lacão, em nome de uma figura regimental que substancialmente não exerceu, enunciou um problema que é desfocado
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daquele que levantei e que poderá vir a ser para ele e para o seu grupo parlamentar tema de uma intervenção futura, que pode agendar quando entender, nesta Assembleia.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Mas aceita o desafio ou não?
O Sr. António Capucho (PSD): - Não tem nada a ver com a intervenção.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.
O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na generalidade dos países europeus o ruído é considerado muito justamente como um agente de relevante perturbação ambiental e, por essa razão, objecto de acções concretas no sentido de limitar os seus efeitos perniciosos para a saúde pública.
Quero acrescentar que esta intervenção não estava preparada, atendendo a um certo comportamento dessa bancada. Mas já agora...
Em Portugal, mau grado as episódicas iniciativas que se registaram neste domínio, a poluição sonora tem sido sistematicamente depreciada como factor de agressividade para as condições e a qualidade de vida que se disfrutam nos nossos agregados urbanos. Daí que, para os responsáveis pelo sector, o ruído pareça não constituir, sequer um motivo de preocupação dominante, de molde a situá-lo no quadro mais vasto das políticas de ambiente entretanto adoptadas.
Com efeito, no nosso país a displicência quanto a esta matéria tem-nos conduzido a uma situação de incúria confrangedora. Conjugam-se assim o vazio legislativo com a incapacidade manifestada pelas estruturas do Estado em fiscalizar e ainda com a proverbial carência de meios e infra-estruturas, o que, em face de um espírito cívico insuficientemente interiorizado, conduz repetidamente ao desrespeito pelos direitos e liberdades de todos os cidadãos. Exemplos deste estado de coisas são as novas e massificadas construções urbanas, verdadeiras colmeias das florestas de cimento que circundam o nosso quotidiano, onde a ausência de isolamento acústico só tem paralelo com a total inexistência de qualquer isolamento térmico. E isso quando é patente que se verifica uma clara inter-relação entre os benefícios em uma e outra áreas, a que se poderão acrescer os efeitos também favoráveis da inerente poupança de energia.
Por outro lado, a inserção desordenada de indústrias potencialmente poluidoras na malha urbana leva a que unidades geradoras de elevados níveis de ruído coexistam precariamente com zonas residenciais ou até mesmo com escolas e hospitais.
Todavia, os tráfegos automóvel e ferroviário - sem aqui salientar sequer o problema do tráfego aéreo, este com tanta acuidade em Lisboa - são sem dúvida os grandes responsáveis pelos elevados níveis de poluição sonora que se verificam ao nível das áreas metropolitanas. Perante uma aparente passividade das autoridades, que poderiam e deveriam levar a cabo acções de sensibilização das populações e de fiscalização do cumprimento das leis, assiste-se, pelo contrario, diariamente, a múltiplas e repetidas agressões no domínio acústico. Estas são sempre geradoras de grande incomodidade e responsáveis por efeitos secundários altamente nocivos. Na verdade, o ruído é um agente causador de fadiga e de stress, com reflexos manifestamente prejudiciais para o comportamento dos cidadãos nas áreas fisiológica, psicológica e social.
Segundo um estudo do Governo Francês, o ruído é responsável directo por 1197o dos acidentes de trabalho, 15% dos dias laborais perdidos e 20% dos internamentos do foro psiquiátrico.
Daí que se imponha que travemos um grande combate contra o ruído, inserindo-o em toda uma luta mais ampla pela preservação do equilíbrio e da qualidade de vida dos Portugueses. Por isso, afigura-se-me necessário que se envidem esforços no sentido de agregar nesta campanha igualmente as estruturas do poder local, de molde a conferir uma maior eficácia e um sentido mais útil às intervenções relacionadas com o ambiente acústico.
Em primeiro lugar, será de agir no sentido de melhorar a informação e a sensibilização das populações para todas as implicações deste problema, salientando, por exemplo, como o nível do ruído dos escapes nos veículos automóveis e, particularmente, nos de duas rodas, é inverso do rendimento energético dos seus motores. O que significará que, normalmente, há uma relação divergente entre o barulho e o consumo.
Em segundo lugar, haverá que adoptar-se uma legislação moderna e compatível e, ao mesmo tempo, desenvolverem-se esquemas de fiscalização eficazes e dissuasores. Outro aspecto importante a ter em conta será o de melhorar e racionalizar o tráfego automóvel, de molde a conseguir-se uma maior fluidez e, por conseguinte, um trânsito mais rápido e silencioso.
Todavia, aspectos há que, por parecerem de somenos importância, não são correntemente considerados. Assim, por exemplo, uma mais ajustada utilização dos pendentes no que concerne ao sentido de circulação automóvel poderia contribuir para anular alguns dos mais ruidosos pontos críticos citadinos. Por outro lado, no que respeita aos veículos propriamente ditos, impõem-se algumas medidas que complementem a legislação existente. Tal qual acontece em outros países, para além da legislação especificando em decibéis o limite admissível para os motores de explosão, deveria, por outro lado, ser obrigatória a montagem de sistemas de insonorização global de máquinas pesadas de terraplenagem, movimentação de cargas, veículos de transporte e compressores de ar, todos eles responsáveis tantas vezes por um bulício infernal nas nossas ruas.
De igual modo se imporá a tomada de medidas concretas no sentido da instalação de barreiras de isolamento sonoro, designadamente nos trajectos urbanos do tipo via rápida ou auto-estrada e nos troços de caminho de ferro.
Com efeito, do grande fluxo de tráfego automóvel e ferroviário que estas vias proporcionam resultam igualmente elevados índices de poluição sonora. Sendo um problema com que muitas das cidades portuguesas se debatem, desde Lisboa, Espinho, Aveiro e tantas outras, coloca-se agora com particular incidência em relação à via de cintura interna, uma auto-estrada que se encontra presentemente em construção na cidade do Porto. Esta possuirá um traçado eminentemente urbano, que atravessará zonas residenciais de grande densidade demográfica, pelo que os efeitos decorrentes do nível de ruído do tráfego terão certamente consequências funestas para as populações portuenses assim
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afectadas. Por essa razão, necessário se tornará que as entidades competentes tenham em devida conta os aspectos aduzidos e projectem a instalação de barreiras de isolamento acústico nesta auto-estrada urbana, de molde a protegerem-se todas essas zonas residenciais da agressão da poluição sonora.
É que não se poderá mais, sob a desculpa de argumentos meramente desenvolvimentistas, descurar o que deveria ser preocupação dominante para todos: a preservação de um ambiente humanizado e de qualidade onde valha a pena viver.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os seguintes senhores deputados: Sousa Pereira, Dias de Carvalho e Henrique Morais.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Pereira.
O Sr. Sousa Pereira (PRD): - Sr. Deputado José Lello, o ruído é, de facto, uma das formas de alteração do ambiente com grande peso na degradação da qualidade de vida dos cidadãos.
Dada a preocupação que manifestou neste âmbito, gostaria de saber qual a sua posição face à ameaça que paira sobre a reserva ornitológica do Mindelo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Dias de Carvalho.
O Sr. Dias de Carvalho (PRD): - Quero apenas associar-me às palavras do Sr. Deputado José Lello, pois o ruído é um facto que agrava a saúde, é um perigo quer para a saúde mental quer para a saúde física.
Vemos que nas cidades circulam constantemente motoretas que fazem ruídos ensurdecedores, que ninguém toma medidas para as silenciar, para que circulem com silenciadores, e só em Portugal observamos isto.
Pergunto-lhe, pois, se não será possível acabar com esta situação rapidamente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Morais.
O Sr. Henrique Morais (CDS): - Sr. Deputado José Lello, quero associar-me também às palavras que proferiu, concordando em absoluto com a sua intervenção.
Mas também queria dizer-lhe que acho que todo este problema é uma questão de educação cívica dos governantes, dos governados e dos legisladores e perguntar-lhe se, para além das boas palavras com que todos concordamos, não acha que justamente os partidos em que todos nós estamos integrados deveriam ser os primeiros a dar o exemplo e, como tal, autolimitarem o barulho que fazem nas suas campanhas eleitorais com os altifalantes ligados, não só em tempo de emissões como também na intensidade do ruído que provocam.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.
O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A prova mais cabal da legitimidade desta minha intervenção é que, por força do ruído que se gerou a seguir nesta Sala, não tive oportunidade nem de ouvir alguns dos senhores deputados interpelantes nem sequer de me dar conta do nome do Sr. Deputado do CDS, a que desde já cumprimento pelas palavras que me endereçou.
Também desde já lhe respondo dizendo-lhe que tem razão, em certa medida. Penso que a questão do ruído tem de ser pensada por todas as forças políticas, que tem a ver com o sentido cívico de toda a população deste país, e nós, como expressão dessa mesma população, como representantes do eleitorado deste país, temos de assumir esse tipo de preocupações e os partidos que representamos obviamente têm de se agregar nesse tipo de campanhas contra o ruído, a bem da qualidade de vida das populações.
Por isso estou de acordo com o Sr. Deputado e penso que nas campanhas eleitorais a preocupação terá de ser também essa de não violentar as populações com a agressão do ruído, até porque, em abono da verdade lhe direi, Sr. Deputado, penso não ser essa a forma mais eficaz de conseguir transmitir a mensagem eleitoral que tem de ser uma mensagem de esclarecimento e não de violentação das próprias populações visadas.
Quanto ao Sr. Deputado Dias de Carvalho, confesso-lhe que não dei conta do sentido global do seu pedido de esclarecimento. No entanto, apercebi-me de que ele não era divergente da posição que defendi na intervenção e que apenas queria reforçar alguns dos seus aspectos. Confesso que não consegui abarcar toda a intervenção do senhor deputado e o mais que lhe poderei dizer é que penso não ser esta uma questão muito controversa, porque diz respeito a todos nós.
Ao Sr. Deputado Sousa Pereira, que referiu a questão da reserva ornitológica do Mindelo, direi que sou um assíduo frequentador das praias do Mindelo e, como tal, desfruto do silêncio do Mindelo, que muitas vezes também é violado pela utilização abusiva de motoretas e, tal como eu, os pássaros que frequentam essa Reserva também são violentados.
Mais não lhe direi, porque me referi a casos específicos e concretos, não abordei essa questão em profundidade, porque não a conheço, mas, a nível das grandes ideias, concordo que há que defender, o ecossistema, há que defender esses valores, que são a razão da vivência e da felicidade de todos nós.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aproveitamos hoje estes escassos minutos para denunciarmos perante esta Câmara o acordo estabelecido entre o Governo e a Misericórdia de Évora, através do qual foi alienado parte do imóvel que constituía o Hospital Distrital de Évora.
Incrível, mas verdade! Relatemos um pouco os factos para melhor compreender esta realidade.
Tudo se poderá dizer que começa em 1495, quando D. Manuel manda edificar, no lugar chamado Espírito Santo, em Évora, um edifício, para recolha e tratamento dos doentes da região, integrando nele dez a doze pequenas unidades onde se prestava assistência.
É o Cardeal-Rei que em 1567 delega a administração deste edifício hospitalar à Misericórdia, administração esta que perdura até 2 de Abril de 1975, data na qual o Estado reassume a sua administração, classificando-o como hospital distrital.
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Outra peça deste processo começa em 1954, quando, com o património resultante de uma dádiva de 5000 contos de Vasco Vilalva, a que se juntaram 1000 contos provenientes de subscrição pública, se constituiu a Fundação do Patrocínio, que tinha o objectivo principal de edificar um centro oncológico em Évora. Ao património de 6000 contos juntou-se cerca de 14 000 m2 de terrenos cedidos pela Câmara Municipal de Évora.
É este património que é entregue à Liga Portuguesa contra o Cancro, que aí começa a construir, em 1972, o imóvel hoje existente e cujas obras foram suspensas em 1974 devido ao parecer de uma comissão interministerial, que afirmava não se justificar a construção de um centro anticanceroso em Évora.
Em 20 de Outubro de 1980, por escritura pública, a Liga Portuguesa contra o Cancro doa este prédio ao Hospital Distrital.
Reiniciam-se nessa data estudos em que participaram técnicos do Ministério da Saúde e das Construções Hospitalares, de que resultou a elaboração em 1982 de um programa integrado de reestruturação do Hospital Distrital e cujas linhas gerais, muito resumidamente, apontam que para a nova unidade fossem transferidas as especialidades médicas, as análises clínicas, a anatomia patológica, a farmácia e outros apoios que hoje se encontram nas velhas e degradadas instalações do Hospital e, onde, ainda hoje, os doentes se amontoam em grandes enfermarias e nas condições mais desumanas.
Foi este o programa aprovado em 1983 por um governo presidido por Pinto Balsemão e para cuja execução sucessivos governos foram prometendo verbas.
Foi neste contexto, e depois de na Comissão de Saúde, Segurança Social e Família, durante a apresentação do Orçamento do Estado para 1986, a Sr.ª Ministra reconhecer que a não existência de uma verba no PIDDAC para esta obra se devia a um lapso, que, por proposta do PCP com votos favoráveis do PS, PRD, PCP e MDP, foi incluída uma verba de 70 000 contos destinada a transformar o programa assinado em 1983 em projecto, começando assim a 1.ª fase de execução das obras no Hospital chamado do Patrocínio.
Foi, pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, com o maior espanto e indignação que pela imprensa o conselho de gerência do Hospital e a Assembleia da República tomaram conhecimento de que em 26 de Setembro do corrente ano teriam sido doados à Misericórdia bens que constituem propriedade do Hospital Distrital.
Mais surpreso ficou o conselho de gerência quando recebeu um ofício do provedor da Misericórdia, pedindo para ser enviado «pelo portador» a chave da cerca da unidade «Patrocínio».
Só em 13 de Outubro é enviada pela Direcção-Geral dos Hospitais ao conselho de gerência cópia do acordo celebrado entre o Ministério da Saúde e a Misericórdia.
Este acordo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, ultrapassa tudo quanto o bom senso possa julgar.
O Ministério cede, para uso e gestão, à Misericórdia o edifício do Patrocínio para que este «administre cuidados de saúde e bem-estar social e desde já um hospital de retaguarda e um centro de rastreio do cancro».
E o Estado obriga-se a assegurar «desde já os encargos financeiros totais relativos à conclusão das obras necessárias no edifício, bem como o respectivo equipamento».
De uma penada, com este acordo, o Governo, sem ter quaisquer pareceres ou estudos de gestão, rasga todo o programa efectuado, aniquila o crescimento do Hospital Distrital, destrói ilusões dos técnicos de saúde e impede a melhoria dos cuidados de saúde que a população não só no distrito de Évora como de toda a região alentejana tanto carecem.
Esta medida, tomada, repito, sem quaisquer estudos, apenas se pode justificar com um acto gratuito de pura retaliação contra a Assembleia da República, que no Orçamento do Estado de 1986 inscreveu uma verba destinada ao início das obras de reestruturação do Hospital Distrital.
Com este acordo, além da doação à Misericórdia do imóvel e dos terrenos calculados em centenas de milhares de contos, irá o Estado despender, com a aquisição de equipamentos, verbas muito superiores às que seriam necessárias para a execução do programa aprovado.
E se isto é um precedente, os caminhos que abre são inaceitáveis. Um dia destes, Srs. Deputados, o Governo lembra-se de doar a uma universidade privada a biblioteca da Universidade de Coimbra e ao clube de um amigo doar o relvado do Estádio Municipal.
E depois?!...
Não pode ser! O Estado não pode alienar bens públicos negando o direito à saúde das populações; o Estado não pode esbanjar os dinheiros públicos.
Aplausos do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, estão inscritos os Srs. Deputados Malato Correia, João Corregedor da Fonseca e António João Brito.
Sr. Deputado Malato Correia, como o seu grupo parlamentar já não dispõe de tempo, não poderei conceder-lhe a palavra.
O Sr. Malato Correia (PSD): - Mas tenho muita pena, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: - Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Deputado Vidigal Amaro, a verdade é que a política de saúde neste país todos os dias nos traz surpresas e cada vez mais confusão; a verdade é que a verba que foi distribuída para o Hospital do Patrocínio não foi executada orçamentalmente, mas esse é um assunto que teremos oportunidade de verificar nos próximos dias.
Queria no entanto fazer uma ou duas perguntas muito rápidas: a primeira é se este Hospital Distrital foi alguma vez pertença da Misericórdia local? Queria também saber se o Estado paga alguma renda a esta Misericórdia de Évora? E, já agora, uma vez que V. Ex.ª referiu que esta situação impede cuidados de saúde para as regiões, gostaria que me explicasse que prejuízos para o Hospital e para as populações resultarão desta alienação, na minha opinião ilegal, de bens públicos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Vidigal Amaro, pretende responder já ou no final?
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O Sr. Vidigal Amaro . (PCP): - Responderei no final, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António João Brito.
O Sr. António João Brito (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, quero aproveitar para, sob a forma regimental de pergunta, participar a esta Câmara que subscrevo totalmente a denúncia que acaba de ser feita pelo Sr. Deputado Vidigal Amaro relativamente a este acto insólito e discricionário da Sra. Ministra da Saúde, que, sem ouvir ninguém - inclusive o conselho de gerência do Hospital Distrital de Évora -, resolveu, em total sigilo, alienar parte do. Hospital Distrital de Évora.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Malato Correia, uma vez que o CDS cedeu tempo ao PSD, tem V. Ex.ª a palavra para pedir esclarecimentos.
O Sr. Malato Correia (PSD): - Sr. Presidente, antes de mais, agradeço ao CDS a cedência de tempo, que me permite fazer algumas perguntas ao Sr. Deputado Vidigal Amaro.
Sr. Deputado Vidigal Amaro, num país em que o dinheiro não abunda, em que há de facto uma má cobertura do País em termos hospitalares, julgo que é necessário e desejável que se faça uma verdadeira boa gestão das estruturas e do dinheiro a aplicar.
V. Ex.ª sabe tão bem como eu que o Hospital de Évora não tem o perfil que traçou, segundo o qual os doentes estão amontoados, pois dispõe de modelares instalações desde as obras de ampliação que sofreu há cerca de três ou quatro anos.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Vê-se bem que não conhece o Hospital!
O Orador: - Por outro lado, é perfeitamente desejável que, tendo em atenção que o Hospital neste momento dispõe apenas de 56 % da sua taxa de ocupação -e isto não é sazonal mas, sim, anual-, em Évora não se dispunha de instalações superiores àquelas de que a população necessita. É bom que se o dinheiro não abunda seja bem gerido...
Sabe ainda o Sr. Deputado que o acordo que foi estabelecido pelo Hospital nem sequer contemplava as funções que o doador tinha previsto ao doar ao Hospital do Patrocínio a Évora, pois não contemplava o despiste de neoplasias, tal como o doador tinha exigido; não era, portanto, uma extensão do Instituto Português de Oncologia em Évora.
Penso que bastavam estas razões para que, racionalizando a utilização das camas, o Hospital Distrital de Évora pudesse, de uma vez por todas, cumprir a função para que foi vocacionado. O outro hospital ficaria assim com a possibilidade de ser um hospital de retaguarda, que não justifica o internamento de doentes - o que implica ocupações e diárias elevadas -, ficando deste modo liberto o Hospital Distrital de Évora para doentes que necessitem de um tratamento mais intensivo.
Não estou de acordo, porque não é verdade, com a sua afirmação de que estavam centenas de milhares de contos previstos para equipar o Hospital do Patrocínio. O que vai acontecer, Sr. Deputado, é que o Hospital Distrital de Évora, que está hoje a ser ocupado como hospital de retaguarda, vai libertar toda a sua secção velha utilizando essas instalações naquilo em que deve fazê-lo, libertando essas camas para o Hospital do Patrocínio sob administração da Misericórdia, como resulta aliás de um acordo estabelecido mediante autorização da viscondessa de Vilalva, que era quem tinha que ver com a doação da Fundação do Patrocínio, gestora desse hospital.
Penso, portanto, que se alguma coisa foi bem feita em termos de saúde e de gestão hospitalar, foi precisamente esta doação à Misericórdia, porque, para além da acção médica, os doentes que forem transferidos para o Hospital do Patrocínio, enquanto hospital de retaguarda, necessitam mais de apoio social que apoio médico, e para isso a Misericórdia está mais vocacionada que os serviços de saúde.
Foi uma boa medida, e queira Deus que noutros sítios, desde que se justifique, isso aconteça. De resto, a população e o próprio Partido Socialista de Évora estão também de acordo com essa medida.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro, que dispõe de quatro minutos.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, como procurei demonstrar na minha, intervenção, este Hospital nunca foi pertença da Misericórdia. Inclusivamente, no ano passado, o Ministério da Saúde deu cerca de 37 000 contos para pagar à Misericórdia rendas que o Hospital se recusou a pagar. Esse dinheiro, depois de muitas pressões da Sr.ª Ministra da Saúde, não foi realmente entregue à Misericórdia, pois provou-se em tribunal que o Hospital era pertença do Estado e nunca tinha sido pertença da Misericórdia - aí estão 36 000 contos que foram bem poupados.
Relativamente ao Sr. Deputado António João Brito, quero apenas congratular-me com as suas palavras.
Ao Sr. Deputado Malato Correia começo por dizer que o Sr. Deputado antes de falar deveria conhecer as coisas. O Sr. Deputado não conhece o Hospital Distrital de Évora!
E não conhece, pois quando Sr. Deputado fala «num hospital de retaguarda onde estão amontoados os doentes» não sabe que é aí que estão os doentes de medicina. Ainda ontem visitei o Hospital, Sr. Deputado, mas o senhor, de certo, nunca o visitou!
O Sr. Malato Correia (PSD): - Quando o Sr. Deputado andava na escola já eu por lá andava!
O Orador: - Diz que se trata de um hospital de retaguarda, e eu respondo-lhe: devia ser, mas não é! É nesse Hospital que se amontoam os doentes de medicina, é aí que eles são tratados, em grandes enfermarias onde se amontoam e morrem sem qualquer assistência humanitária. Era para isso que servia a unidade do Patrocínio; essa unidade destinava-se a receber as especialidades, médicas.
Sr. Deputado, sejamos realistas! Há um programa realizado durante três anos por técnicos e animado por um membro de um governo vosso, presidido pelo Dr. Pinto Balsemão... Mas então, agora os senhores
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acham que essa gente é toda doida e dizem que há novos estudos? Onde é que estão esses novos estudos que comprovam que aquele programa não vale?
O Sr. Malato Correia (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Faça favor.
O Sr. Malato Correia (PSD): - Sr. Deputado Vidigal Amaro, só queria perguntar-lhe se se deslocou ao Hospital de Évora de helicóptero, pois, se visitou ontem o Hospital de Coimbra, como é que esteve em Évora? Oh Sr. Deputado!...
Risos do PSD.
Mais, ainda o Sr. Deputado andava na escola primária, já eu conhecia o Hospital de Évora, infelizmente para mim, pois sou mais velho...
O Orador: - Sr. Deputado Malato Correia, de facto, hoje, não é terça-feira... Portanto, não foi ontem que visitei o Hospital Distrital de Évora, mas sim na segunda-feira. O que o Sr. Deputado está a fazer é perfeitamente gratuito. Garanto-lhe que não conhece o Hospital de Évora. Se calhar, quando lá andou, ainda não existiam as novas instalações... E continuo a dizer-lhe que todos os governos aprovaram o programa. Ainda este ano a Sr.ª Ministra da Saúde disse na Comissão que não havia verbas para o Hospital do Patrocínio e que isso constituía um lapso. Agora o Sr. Deputado vem dizer que isso é boa gestão! ...
Uma outra questão: diz o Sr. Deputado que é preciso aproveitar verbas e fazer boa gestão. Acha que o Governo, com este acordo, compromete-se a realizar as obras totais à sua custa e a equipar esse Hospital novamente? Então, fazer uma duplicação de serviços, fazer novamente análises, raios X, etc., não custa dinheiro?
O Sr. Malato Correia (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Malato Correia (PSD): - Sr. Deputado, então o Governo quando faz isso não o faz para benefício das populações?
O Orador: - Não, Sr. Deputado. O Governo fá-lo para retaliação perante a Assembleia da República e o conselho de gerência do Hospital Distrital de Évora, que não entregou 37 000 contos à Misericórdia porque não lhe eram devidos.
Por último, quando fala de rastreio, parece que o Sr. Deputado não é nem médico nem cirurgião, pois parece não saber que rastreio de neoplasias faz-se todos os dias, em qualquer consulta e em qualquer sítio; isso faz parte da observação médica.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pinho Silva.
O Sr. Pinho Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Iniciou-se no passado dia l de Outubro o ano lectivo de 1986-1987.
Mais uma vez os problemas com que se debate o ensino primário foram escamoteados à opinião pública, uma vez que o Ministério da Educação preferiu ignorar as carências enormes deste grau de ensino - o único por onde passam todas as portuguesas e portugueses - e considerar, numa atitude comodista, que o ensino primário não constitui problema.
Esta ideia é naturalmente aceite por comparação com outros graus de ensino, onde a desorganização é caótica e os estudantes vítimas da crise.
De facto, e numa análise superficial, poder-se-ia concluir que no ensino primário as escolas abriram e iniciaram as suas actividades na data prevista, os professores foram quase todos colocados conforme os lugares a concurso e os alunos instalaram-se nas respectivas salas.
A realidade, porém, é bem diferente e o ensino primário continua a ser o parente mais pobre do nosso sistema educativo, bastando para tanto debruçarmo-nos nos seguintes dados:
Mais de 750 000 alunos e aproximadamente 39 000 docentes para 9728 escolas oficiais; 46,2% das quais têm apenas um professor;
Regimes de funcionamento com horários normal e duplo;
Taxas assustadoras de repetência e abandono;
Inexistência de uma organização e gestão democráticas que tenham em conta as realidades locais e a sobrecarga dos órgãos directivos das escolas;
Inexistência de uma estrutura nacional de formação contínua e apoio à prática pedagógica;
Sector de cantinas e apoios escolares comprovadamente insuficientes;
Investimentos insignificantes em equipamento escolar/pedagógico;
índices de ausências de docentes que ultrapassam os 50,1%;
Uma legislação inadequada, que não premeia os que trabalham e encobre os oportunistas;
Professores que pagam do próprio bolso (62 000 contos nos distritos da zona centro em 1985-1986) as despesas de expediente e limpeza;
Governos que pouco investiram no ensino primário e transferem, sem meios, para os municípios esta grave situação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A escassez do tempo que disponho não me permite fazer hoje uma análise mais profunda.
Permitam-me que termine esta reflexão colocando a todos nós e a quantos têm responsabilidades no nosso sistema educativo a seguinte questão: se no passado dia l de Outubro não tivessem aberto as escolas do ensino primário carentes de pessoal auxiliar, de água, de luz eléctrica, de instalações sanitárias, de espaços de recreio, de acessos ou em estado de degradação, o que aconteceria?
Aplausos do PRD, do PS, do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, termina aqui o período de antes da ordem do dia, pelo que vamos suspender os trabalhos para o intervalo regimental durante meia hora.
Eram 17 horas e 45 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Manuel.
O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Sr. Presidente, ao abrigo das disposições regimentais e em nome do PRD, peço a interrupção dos trabalhos por meia hora.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o pedido é regimental, pelo que estão suspensos os trabalhos por meia hora, recomeçando às 19 horas.
Eram 18 horas e 26 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 19 horas e 5 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido um relatório da Comissão de Regimento e Mandatos.
Foi lido. É o seguinte:
Em reunião realizada no dia 23 de Outubro de 1986, pelas 16 horas e 30 minutos, foi apreciada a seguinte substituição de deputado:
Solicitada pelo Partido do Centro Democrático Social:
José Miguel Nunes Anacoreta Correia (círculo eleitoral de Leiria), por Francisco Manuel de Menezes Falcão. Esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85 (Estatuto dos Deputados), por um período não inferior a quinze dias, a partir do dia 24 de Outubro corrente, inclusive.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
A Comissão: Vice-Presidente: Adriano da Silva Pinto (PSD) - Secretários: Rui de Sá e Cunha (PRD) e José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - João Domingos Fernandes Salgado (PSD) - José Maria Peixoto Coutinho (PSD) - António Marques Mendes (PSD) - Henrique Rodrigues da Mata (PSD) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Carlos Manuel Luis (PS) - Vasco da Gama Fernandes (PRD) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - João Cerveira Corregedor da Fonseca (MDP/CDE).
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão o relatório que acabou de ser lido.
Pausa.
Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.ºs 98, 100, 101, 102 e 103 do Diário da Assembleia da República, 1.ª série, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 17, 21, 22, 23, 24 e 25 de Julho passado, respectivamente.
Estão também em aprovação os n.0' 104, 105, 106 e 107 do Diário da Assembleia da República, 1.ª série, respeitantes às reuniões da Comissão Permanente dos dias 4, 11 e 17 de Setembro findo e do dia 2 do corrente mês.
Srs. Deputados, há alguma objecção?
Pausa.
Não havendo objecções, considero aprovados estes números do Diário.
Srs. Deputados, vai agora ser lido um parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros e Emigração, acerca de uma mensagem do Sr. Presidente da República.
Foi lido. É o seguinte:
A Comissão de Negócios Estrangeiros e Emigração da Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República em que solicita o assentimento para se deslocar, em viagem de carácter oficial à República Popular de Moçambique, a fim de assistir ao funeral do Presidente Samora Machel, apresenta ao Plenário a seguinte proposta de resolução:
Nos termos do n.º 1 do artigo 132.º da Constituição, a Assembleia da República dá o assentimento à viagem oficial de S. Ex.ª o Presidente da República à República Popular de Moçambique.
O Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros e Emigração, Roberto de Sousa Rocha Amaral.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão o parecer que acabou de ser lido.
Pausa.
Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai agora ser lido um requerimento da Comissão Eventual de Inquérito sobre a Actuação do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação quanto à Reforma Agrária.
Foi lido. É o seguinte:
Cumpre-me informar V. Ex.ª que esta Comissão deliberou requerer ao Plenário da Assembleia a prorrogação por um período de seis meses do prazo que lhe fora fixado pela Resolução n.º 9/86, da Assembleia da República, publicada no Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 73, de 29 de Março de 1986.
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Nestes termos, solicito de V. Ex.ª que se digne providenciar no sentido de que sejam promovidas as diligências regimentais daí decorrentes.
A vastidão das matérias em análise, a escassez de meios e a natural e inevitável demora na recolha de informações e audição de depoentes explicam que não haja sido possível concluir os trabalhos e justificam a prorrogação agora requerida.
O Presidente da Comissão Eventual de Inquérito, António Poppe Lopes Cardoso.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar este requerimento.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, foi ainda apresentado um requerimento sobre matéria cuja discussão estava marcada para a sessão de hoje. Vai ser lido o requerimento.
O Sr. Secretário (Maia Nunes de Almeida): - Trata--se de um requerimento subscrito por deputados do PS, do PRD, do PCP, do CDS, do MDP/CDE e também do PSD, do seguinte teor:
Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:
Nos termos regimentais, os deputados abaixo assinados requerem o adiamento, para a sessão plenária do próximo dia 30 de Outubro, do encerramento do debate na generalidade sobre o Estatuto da Região Autónoma dos Açores.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o requerimento.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora passar à segunda parte do período da ordem do dia, ou seja, à discussão na especialidade e votação final global da proposta de lei n.º 23/IV e dos projectos de lei n.ºs 11/IV, 176/IV, 223/IV e 225/IV, apresentados, respectivamente, pelo PCP, PRD, CDS e PS, sobre finanças locais.
Peço ao Sr. Presidente da Comissão de Administração Interna e Poder Local o favor de ler o relatório.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, como o relatório e também o relatório suplementar já estão distribuídos, talvez se pudesse dispensar a sua leitura, caso houvesse consenso nesse sentido.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há alguma objecção quanto à dispensa de leitura dos relatórios da Comissão de Administração Interna e Poder Local?
Não havendo objecções, considero dispensada a leitura destes relatórios.
Vamos então passar à discussão dos diplomas que anunciei.
Dou, pois, a palavra ao primeiro orador inscrito, que é o Sr. Secretário de Estado da Administração Local e de Ordenamento do Território.
O Sr. Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território (Nunes Liberato): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No passado dia 3 de Junho manifestou-se nesta Assembleia um apreciável consenso em torno da necessidade de se rever o Decreto-Lei n.º 98/84, de 29 de Março, publicado mediante autorização legislativa concedida por esta Assembleia.
Perante tal necessidade, o Governo e quatro grupos parlamentares apresentaram a sua proposta e os seus projectos de revisão.
E se as soluções apresentadas em cada uma eram naturalmente diferenciadas, logo ficou patente que um trabalho ponderado e sereno poderia contribuir para a concretização de convergências assinaláveis.
Não vou repetir o que referi aquando da discussão na generalidade e que, no meu entender, se mantém válido, sobre o calendário de preparação desta lei, nomeadamente no que se refere à sua articulação com o da reforma fiscal ou à ponderação mais profunda dos critérios de distribuição.
Recordarei, sim, os objectivos do Governo, ao apresentar uma proposta de lei das finanças locais, tal como os defini na discussão na generalidade:
Reforço da autonomia fiscal dos municípios;
Melhoria do grau de redistributividade do Fundo de Equilíbrio Financeiro;
Determinação do valor do Fundo de Equilíbrio Financeiro tendo por base o imposto sobre o valor acrescentado;
Eliminação dos critérios de distribuição do Fundo de Equilíbrio Financeiro que se rodeavam de maior controvérsia;
Actualização automática dos rendimentos colectáveis da propriedade;
Possibilidade de os municípios que o pretendam procederem à cobrança directa de vários impostos;
Substituição dos artigos declarados inconstitucionais relativos às regiões autónomas;
Adopção de um regime de transição que permitisse a aplicação gradual da lei.
O texto alternativo preparado pela Subcomissão especializada é produto de longo e laborioso trabalho, a que o Governo sempre se associou através da presença, da participação e do fornecimento de numerosos elementos. O Ministro, o Secretário de Estado, altos funcionários da Administração dedicaram em número elevado de horas de trabalho com o Parlamento. Cabe, aliás, aqui uma palavra de louvor aos serviços por parte do Governo pelo zelo e competência que dedicaram aos trabalhos.
Entende o Governo que o texto alternativo da responsabilidade da Comissão dá resposta, globalmente positiva, aos objectivos anteriormente enunciados.
Assim, o grau de autonomia fiscal dos municípios é reforçado pela inclusão da sisa no elenco dos impostos que constituem receita municipal.
É melhorado o grau de redistributividade do Fundo de Equilíbrio Financeiro, embora, a nosso ver, de forma insuficiente, ao mesmo tempo que se eliminaram critérios tão controversos como a orografia, o turismo ou a emigração e se caminhou no sentido da objectividade e da transparência.
O acréscimo, de ano para ano, do Fundo de Equilíbrio Financeiro passa a ser determinado em função da taxa de crescimento do imposto do valor acrescentado, introduzindo um elemento de estabilidade na previsão das receitas dos municípios e garantindo a estes uma
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actualização automática que ultrapasse o nível da inflação. Os rendimentos colectáveis da propriedade passam a ser actualizáveis automaticamente e os municípios que o pretendam podem cobrar directamente vários impostos, o que significa mais um passo no sentido de uma maior autonomia fiscal.
Finalmente, o texto alternativo prevê um regime de transição que, tal como o proposto pelo Governo, permitirá que os critérios de distribuição do Fundo de Equilíbrio Financeiro sejam crescentemente os previstos na nova lei, coexistindo na percentagem restante com os que figuram na lei que agora será revogada.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Ao considerarmos globalmente positivo o texto alternativo e até ao identificá-lo substancialmente com a proposta do Governo, não podemos no entanto deixar de manifestar a nossa discordância relativamente a soluções que, do nosso ponto de vista, ou são incorrectas ou pouco ousadas.
Em primeiro lugar, referir-me-ei à manutenção do critério da capitação dos impostos directos para a distribuição do Fundo de Equilíbrio Financeiro.
Aumentarmos a autonomia fiscal dos municípios sem sermos mais ousados na distribuição, com todos os custos políticos inerentes, significa beneficiar duas vezes os municípios mais ricos.
O Sr. Moleira Marinho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - O critério era inadequado no passado e mais inadequado será no futuro. Mais justo seria a utilização de um critério que compensasse exactamente os municípios de menores recursos fiscais, como apresentado pelo Governo na sua proposta inicial.
Quanto ao critério da rede viária municipal, ele apenas nos levanta dúvidas técnicas. Por isso, na nossa proposta ele só entraria em vigor mais tarde. Mesmo assim, o Governo irá trabalhar, com a colaboração dos municípios, no sentido da ultrapassagem das dificuldades ainda existentes, possibilitando aplicar com crescente rigor técnico o critério adoptado.
Noutro plano, o Governo continua a considerar que a afectação de verbas aos municípios das regiões autónomas deveria ser feita em dois degraus: um entre o continente, os Açores e a Madeira; outro, dentro de cada uma das regiões autónomas, por critérios próprios, embora decididos pela Assembleia da República.
Este seria o regime que, sendo a nosso ver constitucional, seria mais consentâneo com a autonomia regional.
A distribuição de verbas, por critérios nacionais, a municípios de tanta especificidade irá decerto revestir-se de grandes dificuldades de aplicabilidade, só postas em segundo plano pelos altos crescimentos percentuais, que reflectem sobretudo as injustiças praticadas no passado.
Também não merece a nossa concordância o previsto no n.º 4 do artigo 12.º, que obriga o Governo a inscrever no Orçamento por sector e por município as verbas destinadas a comparticipações. Somos a favor da transparência e da objectividade, como temos dado provas insofismáveis, e temos consciência de que se cometeram excessos no passado, mas o texto, tal como está redigido, é paralisante e não deixará de prejudicar os municípios, cujas necessidades não sejam detectadas e ou manifestadas com suficiente antecedência.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É manifesto que os artigos do texto alternativo que correspondem aos objectivos definidos pelo Governo quando apresentou a sua proposta são de maior número e de maior importância do que aqueles que nos merecem reservas. Como já referi, consideramos mesmo que o texto alternativo está próximo da proposta inicial do Governo. E, sobretudo, parece-nos que a nova lei é melhor que a anterior.
Por isso, julgo que todos ganhámos em realizar um debate sereno e responsável sobre matéria tão sensível e, sobretudo, de tão grande dignidade. O Governo, pelo seu lado, tudo fez para que assim acontecesse.
Por outro lado, os trabalhos da Subcomissão para a lei das finanças locais, em que tive o prazer de participar, revelaram-se de um espírito construtivo invulgar.
As soluções encontradas revelam que em Portugal o poder local é objecto de um consenso assinalável entre as diversas forças políticas.
A aprovação da nova lei das finanças locais é uma excelente forma de comemorar os dez anos do poder local democrático. Com ela ganharão as autarquias locais, ganhará o País.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.
O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em finais de Julho, na ânsia das férias à porta, e com a febre legislativa desta Assembleia colocando o termómetro político ao rubro, discutiu-se acesamente sobre a oportunidade de forçar a aprovação de uma lei das finanças locais, ou até de uma primeira prestação da mesma, remetendo a liquidação final para a rentrée de Outubro.
Não seria, obviamente, nem uma lei boa, nem uma lei má. Seria um texto castrado de órgãos essenciais, aprovado atabalhoadamente, sem ser devidamente testado e aprofundado.
Porque a dignidade da feitura de uma lei, mais a mais no órgão legislativo por excelência, não se presta nem a retalhos, nem a prestações.
Porque não faria sentido deixar para segundas instâncias as questões relativas ao Fundo de Equilíbrio Financeiro, causa primeira do coro de protestos ao quadro legal ainda em vigor.
Porque se tornava evidente a falta de elementos de trabalho e de ensaio das propostas avançadas pelo Governo e pelos partidos.
E porque a importância fundamental de uma lei como esta merecia muito justamente o debate de incidência pública que hoje aqui está a ocorrer, e não uma sucessão lacónica e quase anónima de tímidas declarações de voto.
De resto, e ao arrepio, aliás, de outras opiniões expendidas nesta matéria, das quais nos permitimos salientar a da própria Associação Nacional de Municípios Portugueses, consideramos não ter sido concedido a este diploma o tempo de gestação necessário a uma mais perfeita propositura, nem ser este o timing ideal para esta iniciativa.
Isto, aliás, sem prejuízo de corroborarmos inteiramente na necessidade absoluta de revisão do actual Decreto-Lei n.º 98/84, como se veio a comprovar no facto de apenas cinco dos seus artigos não haverem merecido qualquer proposta de alteração.
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Foi pouco o tempo de que os proponentes das diversas propostas dispuseram para as amadurecer, como o comprovou o facto de muito rapidamente se ter admitido da irrazoabilidade ou da impraticabilidade de algumas das inovações, nalguns casos até ainda antes da própria discussão na generalidade.
Saliente-se, a propósito, que o próprio Governo, informado a 16 de Abril do calendário sugerido, elaborou e apresentou a sua proposta em catorze dias.
Não é o timing ideal, porquanto se prevê e se deseja para muito breve a reforma de todo o sistema fiscal em Portugal, em fase de trabalhos que se anunciam bastante adiantados, e que alterará a curto prazo, de forma radical, algumas das premissas tributárias que nos servem agora de base para estimativas futuras.
Esta é, porventura, a sombra maior que impende sobre esta lei das finanças locais, e da qual muito dificilmente fugirá.
Seja como for, merecem o nosso apreço a forma consensual como se acordou no passar a ponte estival e a celebração de um acordo de princípio entre o Governo e os partidos representados na Subcomissão, que permitiu o tempo minimamente necessário para a feitura do presente documento, que ora se sujeita à apreciação deste Plenário.
Trata-se de uma solução que, não sendo a ideal, não agradando necessariamente a todos, pode, contudo, ser tolerada e aceite pelos gregos e pelos troianos...
É uma solução que, não podendo ser subscrita como pertencendo a esta ou àquela formação partidária, tem condições consensuais para uma larga base de suporte, porque se trata de uma chave equilibrada, de transição gradual na aplicação das suas principais inovações e correctora das distorções mais evidentes.
Não é uma solução de ruptura com todo um passado, ou com todo um sistema, nem é tão-pouco a solução radical de base zero que alguns desejariam.
Mas é importante que se diga, e que se realce, que muitas vezes a maior atitude de coragem é a da procura do bom senso, o evitar de traumas excessivos e desnecessários, a não cedência à tentação fácil de populismos descabidos em matéria tão séria.
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Não é, por isso, demais salientar o espírito de empenhamento de todas as forças partidárias envolvidas neste processo, e que, mesmo democraticamente excluídas da discussão das suas opções próprias, nunca regatearam esforços e contributos válidos no sentido de se obterem soluções alternativas e consentâneas aos objectivos do trabalho.
Tal como realce nos merece também o interesse activo com que o Governo acompanhou os trabalhos do primeiro ao último minuto, e o seu imprescindível suporte técnico, sem o qual, provavelmente, não estaríamos já aqui hoje na fase final deste processo.
A observação atenta e participante que a Associação Nacional de Municípios Portugueses, bem como deputados e técnicos das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, fizeram ao longo dos trabalhos são, pelo menos, o garante de que ninguém poderá acusar esta Assembleia de haver legislado nas costas dos mais interessados.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Posto isto, poderemos dizer que, com o presente documento, se dão alguns passos em frente na prossecução dos principais objectivos que nortearam a nossa participação.
Em primeiro lugar, porque se verifica um real e efectivo aumento global das receitas fiscais dos municípios, pela inclusão de um novo imposto.
Em segundo lugar, porque se melhorou claramente, mas não totalmente, o grau de transparência dos critérios agora propostos para a distribuição do FEF.
Só é pena que o carácter redistributivo do FEF não tenha ido tão longe quanto era possível e justificável, como a seu tempo explicaremos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sobre as matérias constantes nos artigos, que serão discutidos à parte, oportunamente expenderemos a nossa posição.
Não queríamos, todavia, deixar de expressar aqui o nosso sentido, discordante ou apoiante, de algumas inovações à actual proposta, sem prejuízo do claro consenso em que nos incorporámos para a sua votação em Subcomissão.
Pensamos, pois, que se forçou a nota ao introduzir o «carácter meramente inspectivo» da tutela sobre a gestão patrimonial e financeira das autarquias locais, por nos parecer deslocado neste diploma, melhor cabendo essa definição no diploma respectivo sobre a tutela.
Registamos o alargamento do princípio da não consignação de receitas às que provêm dos financiamentos comunitários, bem como a melhor definição do processo de transferência das verbas afectas a novas atribuições e competências.
Dúvida similar à que referimos para o artigo 1.º pode colocar-se relativamente ao artigo 5.º, ou seja, se a matéria respeitante à actualização do rendimento colectável em contribuição predial não teria a sua sede própria em alteração ao respectivo Código.
Não podemos deixar de assinalar, no artigo 6.º, referente à liquidação e cobrança, a possibilidade que se deu aos municípios de cobrarem os impostos de cobrança virtual e imposto sobre veículos, bem como de serem reembolsados, por via do Orçamento do Estado, dos valores referentes às isenções ou benefícios fiscais que doravante forem concedidos pelo Estado no âmbito dos impostos locais.
Já não poderemos estar tanto de acordo quanto à valorização dos encargos de liquidação (0,5%) ou de liquidação e cobrança (1,5%), porquanto o esforço de liquidação é mais significativo e mais penoso que o de cobrança. Se tomarmos, por exemplo, o caso da contribuição predial, a liquidação obriga às operações de descrição de prédios, avaliação, determinação de matéria colectável, conservação de matrizes, etc.
Concordamos com os aditamentos introduzidos no artigo 10.º sobre taxas de municípios, bem como com a clarificação da possibilidade de subsídios do Estado às autarquias em face dos serviços municipais de bombeiros, e da instalação de novos municípios e freguesias.
A subida dos plafonds de crédito e o alargamento do recurso a este às instituições privadas e cooperativas merecem igualmente o nosso aplauso. Tal como o acréscimo de 5% para 10% de participação das freguesias no montante do FEF afecto a despesas correntes nos respectivos municípios.
Não poderíamos, todavia, deixar de salientar o carácter pouco prospeccionado no artigo 26.º, referente às isenções mútuas, de que passarão a gozar o Estado e
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as autarquias, respeitantes ao pagamento de todos os impostos, taxas, emolumentos e encargos de mais-valias. Que consequências poderá ter esta norma? Que verbas serão por ela afectadas? Eis algumas interrogações que até agora não tiveram resposta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pese embora a importância de todas estas alterações, elas são, evidentemente, a parte mais paisagística do quadro em presença.
As figuras principais e mais características desta obra chamam-se receita, FEF, IVA e derramas, e ocuparam a maior parte do tempo aos autores deste trabalho.
Também neste debate serão certamente a parte mais viva, característica e colorida de um quadro legal que, não sendo obra-prima, merece o favor desta pública exposição às críticas e aos louvores da Assembleia da República.
Aplausos do PSD e do deputado independente Borges de Carvalho.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Eduardo Pereira, antes de lhe conceder a palavra gostaria de, em nome da Mesa, pedir desculpa ao Sr. Deputado João Amaral pelo lapso havido quanto à ordem das inscrições. Com efeito, concedi a palavra ao Sr. Deputado Mendes Bota quando estava inscrito em primeiro lugar o Sr. Deputado João Amaral. A Mesa pede-lhe, portanto, desculpa pelo equívoco havido na organização da lista dos oradores inscritos.
Tem V. Ex.ª a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Deputado Eduardo Pereira.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, gostaria que V. Ex.ª me esclarecesse, porque estou confuso sobre se isto são declarações de voto de uma votação final global, se são declarações de voto de uma discussão e votação na generalidade ou se vamos começar a discutir os artigos do diploma um a um. É que não percebo em que situação nos encontramos face a estas intervenções, quanto a mim extemporâneas.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Eduardo Pereira, para este debate foram estabelecidos tempos globais por cada grupo parlamentar e, como resulta da proposta contida no relatório da Comissão, à qual ninguém levantou objecções, as votações serão feitas sobre um conjunto de artigos e individualmente sobre os restantes artigos.
Quanto à gestão dos tempos, cada grupo parlamentar disporá do tempo que lhe foi atribuído como entender.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral, para uma intervenção.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Antes de mais, gostaria de dizer ao' Sr. Deputado Eduardo Pereira que esta fase do debate, em que se discutem e votam 80% dos artigos da lei, justifica uma apreciação global.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Tem de ser sublinhada, em primeiro lugar, a importância decisiva de a elaboração da nova lei das finanças locais ter sido e estar a ser realizada na sede própria - na Assembleia da República - com a participação de todos os partidos políticos aqui representados e com completa transparência em relação aos destinatários. Os trabalhos da Subcomissão, que se desenvolveram ao longo de quase duas dezenas de reuniões, foram feitos de portas abertas, e não é irrelevante que os municípios possam ter sabido, com a sua presença nas reuniões, o que se passava dia-a-dia, que posições eram assumidas, que resultados eram apurados.
O ponto de partida para o debate era constituído por quatro projectos -do PCP, PRD, CDS e PS - e pela proposta governamental. Importa sublinhar, para a exacta compreensão do que se passava, que esses cinco documentos eram, em pontos capitais, contraditórios entre si, representando perspectivas muitas vezes bem diferenciadas, quando não mesmo incompatíveis.
Essa foi a grande dificuldade com que se defrontou a Subcomissão, que só um grande esforço e uma grande maturidade política permitiu resolver.
O resultado apurado não corresponde, no seu sistema, a nenhum dos cinco textos iniciais, mas, é bom sublinhá-lo, não porque um ou alguns tenham sido derrotados, mas sim porque todos soubemos que a necessidade de progredir implicava consensos, cedências e, pontualmente, a formação de maiorias.
Muitas das soluções nasceram mesmo, ex novo, do trabalho da Subcomissão - é o caso do artigo 2.º-A, relativo às novas competências, que, em nossa opinião, representa um significativo avanço legislativo, já que, postulando o princípio da transferência financeira necessária e suficiente, garante simultaneamente a autonomia financeira dos municípios, dando carácter transitório à consignação de receitas.
Diferente na sua concepção dos projectos que constituíam o seu ponto de partida, o texto que hoje se vota há-de provocar, em todos, naturais insatisfações. Este debate, particularmente na votação dos artigos mais polémicos, há-de traduzi-las.
Da nossa parte, lamentamos profundamente que a nova lei não tenha consagrado um reforço significativo do Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF), tal como propúnhamos, mas não deixamos de sublinhar a importância de não terem sido aceites as propostas que conduziam ao seu enfraquecimento.
O FEF, a transferência do Orçamento do Estado, constitui para a grande maioria dos municípios portugueses a fonte largamente privilegiada do seu financiamento, pelo que só o reforço significativo do valor do FEF permite dar a esses municípios os meios financeiros de que carecem e que reclamam.
A entrega às autarquias de novos impostos ou de percentagem de impostos directos ou o apelo ao esforço financeiro próprio não têm qualquer significado para essa maioria de municípios que se inserem em regiões que, por ausência de desenvolvimento regional, não produzem esses impostos (e quando os produzem eles são pagos na capital) e que não têm património nem dimensão para que se lhes possa exigir que seja endividando-se que devem realizar o que lhes compete realizar, quando à partida já se sabe de que não disporão nem de crédito, nem, se o obtivessem, dos meios para o seu pagamento.
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Srs. Deputados, as circunstâncias conduziram a que este debate e votação fosse feito quando já está presente na Assembleia da República o Orçamento do Estado para 1987. O Governo participou em todas as reuniões da Subcomissão e conhece detalhadamente o texto. Natural é, pois, que se analise o Orçamento à luz do que está apurado no texto da Subcomissão.
Do nosso ponto de vista, é lamentável o que se passa. Sublinho três violações por parte do Governo do que está proposto no texto da Subcomissão.
No que toca ao valor do FEF, a verba inscrita, de 89,5 milhões de contos, não respeita o compromisso que, por sua iniciativa, o Governo assumiu perante a Comissão. Como demonstrarei, o valor mais baixo que o Governo poderia inscrever seria o de 92,8 milhões de contos, e mesmo este no pressuposto, que não se verifica, do rigor das projecções macro-económicas e da correcção do critério aplicado para definir a previsão do IVA.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - No que respeita às novas competências, o Governo pretende transferi-las sem respeitar o disposto no artigo 2.º-A, que já referi, isto é, sem simultaneamente transferir os novos meios de financiamento necessários e suficientes para o seu exercício.
No que respeita à sisa, o Governo propõe-se reter 5% do valor de cobrança, quando a nova lei (artigo 6.º, n.º 6) prevê que os encargos de liquidação e cobrança não possam exceder 1,5%).
Não cairemos, Srs. Deputados, no erro de discutir e tentar resolver nesta sede o que tem de ser discutido e resolvido na sede própria, a do debate orçamental.
Cumpre-nos agora fazer a lei. Cumpre-nos, no debate orçamental, verificar como é que o Governo a respeita e corrigir o que estiver errado.
E nessa sede que a questão do valor do FEF assume a máxima relevância. Ò FEF fixado para 1987 tornar-se-á o ponto de referência para os anos seguintes. Da nossa parte, assumiremos, no debate orçamental, a clara posição de defesa de um valor do FEF significativo que responda minimamente às reclamações dos municípios.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, igualmente para uma intervenção, o Sr. Deputado Carlos Lilaia.
O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O PRD considera a institucionalização do poder local democrático como um dos factos mais relevantemente positivos decorrentes do 25 de Abril e reconhece que a Lei n.º 1/79 constituiu um marco histórico na sua institucionalização. Esse reconhecimento não nos impede de apontar as suas insuficiências, que não foram corrigidas, antes agravadas, com o Decreto-Lei n.º 98/84, de 29 de Março.
Essas insuficiências eram resumidas no preâmbulo do projecto de lei do Partido Renovador Democrático, destacando-se: a afectação de receitas sem ter em conta as necessidades de financiamento dos municípios, quer na determinação do montante global das transferências, em que não se consideram as funções e competências dos municípios, quer nos critérios de distribuição do Fundo de Equilíbrio Financeiro, em que se pressupõe que existe uma relação entre as necessidades de financiamento e algumas características dos concelhos, relação essa que está longe de se verificar; a predominância exagerada das transferências do Orçamento do Estado nas receitas municipais, o que, além de dificultar a programação das actividades dos municípios, não incentiva estes a procurar fontes de financiamento alternativas; a variação anual não programada do FEF, não só do seu montante global como dos critérios de distribuição, que não estão isentos de permeabilidade à manipulação segundo interesses partidários; a atribuição ao FEF de um papel que a administração central se tem revelado incapaz de assumir na correcção das assimetrias regionais de desenvolvimento; a insuficiente progressão das receitas próprias dos municípios, conduzindo a prazo a uma dependência exclusiva do FEF, com o consequente agravamento da conflitualidade na sua determinação e distribuição.
Foram estas razões que justificaram, para o PRD, a necessidade de rever a Lei das Finanças Locais. A elas se vinha juntar o objectivo de, mantendo os aspectos positivos e essenciais, adequar a lei aos princípios que se julgam necessários a uma mais racional utilização dos recursos públicos: autonomia de despesa; maior responsabilização pelas receitas; adequação das receitas às despesas programadas, e manutenção da solidariedade nacional com as autarquias de menores capacidades financeiras.
Apresentámos um projecto que pretendia consagrar aqueles princípios, considerando que uma lei das finanças locais só é justa se possibilitar a todos os municípios iguais condições de exercício das suas atribuições e competências e só será eficaz se fizer uma afectação dos recursos nacionais de acordo com as necessidades de financiamento para o desenvolvimento de acções que permitam atingir as metas definidas pela sociedade. As atribuições e competências dos municípios e as metas definidas nesses domínios no âmbito do plano de médio prazo eram a base da nossa proposta para a determinação do montante e repartição do Fundo de Equilíbrio Financeiro.
As nossas propostas foram rejeitadas na Comissão. Curiosamente concordava-se ao mesmo tempo com os princípios, mas argumentava-se com as dificuldades de concretização. Pela nossa parte recusamos soluções fáceis e ninguém nos demonstrou que a nossa proposta não era exequível. Não compreendemos que nas condições actuais a Administração actue sem elementos seguros sobre o grau de satisfação das carências que afectam as populações.
Argumentava-se também que a nossa proposta poderia vir a implicar uma redução do Fundo de Equilíbrio Financeiro. Não era claro que tal se verificasse e essa redução, a acontecer, resultaria não do livre arbítrio mas de opções conscientemente assumidas quanto a prioridades nacionais. Quem pode garantir o ajustamento dos montantes propostos em cada ano pelo Governo face aos valores reclamados pelos municípios? Quem pode assegurar que numa óptica de médio prazo não se deveriam reforçar os meios ao dispor dos municípios para rapidamente satisfazer as carências nas áreas das suas competências? Não se aceitou o aumento das receitas próprias com o argumento de que isso poderia implicar uma redução do FEF. Mas não era a excessiva dependência do FEF, com todo o dramatismo decorrente aquando da aprovação do Orçamento do Estado, uma das grandes críticas que se fazia à ante-
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rior lei? A solução que foi adoptada apenas aceitou a integração da sisa nas receitas próprias dos municípios. Trata-se de uma alteração menor e a breve prazo a relação transferências/receitas próprias continuará a agravar-se.
Optou-se, assim, por uma solução que corresponde a concentrar num único imposto o que de positivo poderia estar inerente à passagem de um imposto nacional para um imposto recebido localmente, com todas as implicações daí decorrentes. A solução proposta pelo PRD era, em nossa opinião, muito mais equilibrada, produzindo menos discrepâncias entre os diferentes municípios.
Acresce a isto que o Governo parece não estar interessado em prescindir do imposto da sisa, como instrumento de política sectorial ligada à construção civil-, e são previsíveis zonas de conflito com as autarquias, que assim verão reduzidas as suas receitas face às isenções do imposto da sisa.
Continuou-se a privilegiar a distribuição do Fundo de Equilíbrio Financeiro por critérios de que estão ausentes as carências efectivas. A prova da correcção das nossas propostas encontra-se no facto de a Comissão, na ausência de um ponto de referência sobre as necessidades de financiamento, ter multiplicado os pedidos de ensaios antes de chegar a uma solução, solução que acolheu uma sugestão do PRD. Afastada a solução por nós inicialmente proposta, esforçámo-nos por encontrar critérios que reproduzissem o melhor possível os resultados a que havíamos chegado a partir das indicações, embora precárias, sobre a distribuição de carências e os custos relativos da sua satisfação. Não reclamamos a proposta da solução encontrada porque a mesma não corresponde aos princípios que defendemos, tendo-se tratado apenas de uma contribuição para ultrapassar o impasse a que se havia chegado. Satisfaz-nos, contudo, que a mesma haja sido acolhida, porque representa um grande avanço em relação à situação anterior. Não apenas pela já referida aproximação à distribuição das carências, mas também pela exclusão de critérios cuja relação com as despesas é altamente controversa, quer ainda por uma maior objectividade na sua definição, reduzindo-se portanto a permeabilidade a manipulações.
Relativamente ao Decreto-Lei n.º 98/84, de 29 de Março, a proposta agora em discussão introduz algumas alterações que temos por relevantes. Destacamos: o reforço das verbas destinadas às freguesias; o alargamento, embora ligeiro, das possibilidades de acesso ao crédito por parte dos municípios; o princípio de actualização de impostos, designadamente a contribuição predial rústica e urbana, cuja verba principal é destinada aos municípios, e o princípio de compensação dos municípios pelas isenções fiscais concedidas relativamente a impostos cuja verba principal lhes é destinada. Inovação maior é, contudo, a ligação da evolução do montante global do Fundo de Equilíbrio Financeiro à evolução do IVA. Face à nossa proposta, esta solução merece-nos sérias reservas, embora consideremos positivo o facto de o montante do FEF ser agora teoricamente mais facilmente previsível.
Entendemos que se poderia ter ido mais longe na responsabilização fiscal dos municípios. O exercício responsável do poder local exige que se não opte pela via fácil de apenas reclamar maiores transferências do Orçamento do Estado. O alargamento da possibilidade do lançamento de derramas seria uma forma de complementar a reclamada solidariedade nacional com a solidariedade local e seria uma primeira aproximação ao princípio do «utilizador-pagador». Não aceitamos o argumento da sobrecarga fiscal porque, qualquer que seja o percurso, a origem das receitas são sempre os contribuintes.
Pelas razões expostas fica claro que o texto agora em discussão não é a nossa proposta. Achamos, contudo, que foi o melhor que se conseguiu nas condições actuais, e que representa um progresso face à situação anterior.
Não desistiremos de ver consagrados os princípios que julgamos correctos. Consideramos, contudo, que qualquer lei deverá ter um período mínimo de vigência para produzir efeitos e ser avaliada, pelo que preconizamos que a sua revisão não se faça antes de 1990, sob pena de as garantias de estabilidade e previsibilidade estarem irremediavelmente comprometidas.
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, ainda para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.
A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Estamos hoje aqui para discutir e votar na especialidade a nova lei das finanças locais.
É uma obrigação constitucional que este assunto seja discutido, não em comissão, com um conjunto de especialistas, mas perante todos os deputados, dada a sua importância na totalidade do País. Vamos, portanto, situar esta discussão na especialidade, em Plenário, em relação aos temas que aqui hoje nos trazem.
Em primeiro lugar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostava de chamar a atenção para a forma como os trabalhos de especialidade se processaram. Estivemos em comissão (cerca de dezoito reuniões) em colaboração permanente com a Associação Nacional de Municípios e é importante sublinhar que, segundo creio, foi a primeira vez que a Assembleia da República trabalhou de forma institucional e permanente com um órgão que represente os municípios. Foi uma forma de a Assembleia da República mostrar o seu interesse e apreço por este órgão representativo dos municípios.
Gostaria também de realçar que o Governo e os serviços do Ministério sempre nos acompanharam nos trabalhos, o que foi extremamente útil.
O que estamos, pois, a discutir neste momento? Estamos a discutir 25 dos 30 artigos da lei, mas, se me permitem, diria que falta votar as finanças locais. Com efeito, quando acabarmos de votar estes 25 artigos ficará por discutir as finanças locais, pois os cinco restantes são os fundamentais. Por isso o PS reserva a sua declaração final para a altura em que todos os artigos e não só estes 25, que na realidade não são os fundamentais- forem votados.
Gostava agora de me debruçar sobre o que há de novo nesta lei das finanças locais.
Em primeiro lugar, define-se como se transferem as novas atribuições e competências para os municípios: haverá um sistema perfeitamente claro, com uma transição de dois anos. Assim, durante dois anos os valores do Orçamento do Estado para os diversos ministérios serão transferidos para os municípios de forma consignada e só após esse período de transição é que serão integrados no Fundo de Equilíbrio Financeiro.
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Outro aspecto inovador é o da actualização da contribuição predial. Todos nós sabemos que as matrizes se encontram extremamente desactualizadas e que o rendimento da contribuição predial rústica e urbana é muito inferior àquele que deveria ser. A proposta aprovada em comissão é no sentido de que a contribuição sobre os prédios urbanos seja anualmente actualizada e que aquela que incide sobre os prédios rústicos o seja de cinco em cinco anos.
Há igualmente inovações em matéria de liquidação e cobrança. Pela primeira vez, os municípios vão poder cobrar directamente os impostos que revestem para si. Para além disso, baixaram-se os encargos de liquidação.
Um outro aspecto que gostava de salientar pelo seu carácter inovador diz respeito à proposta aprovada no sentido de os municípios deverem ser indemnizados pelas isenções ou reduções que o Estado decrete em relação aos impostos que revertem para os próprios municípios. Isto reveste-se de particular importância, embora não tenha merecido tratamento desde já no Orçamento do Estado para 1987.
São igualmente de registar as alterações introduzidas aos subsídios e comparticipações, que se estenderam a novos municípios e freguesias, e ao regime de crédito, no sentido de facilitar o acesso a este.
Uma outra alteração importante diz respeito às receitas das freguesias. Com efeito, duplicou-se a transferência de verbas para as freguesias; até agora, o mínimo obrigatório era de 5 % do Fundo de Equilíbrio Financeiro corrente, tendo-se agora proposto a alteração desse valor para 10%. Creio ser importante que, paralelamente, se venha a rever as competências das freguesias.
Para além deste último aspecto que referi, abrem-se ainda isenções às autarquias locais, exactamente como acontece com o Estado, ou seja, as autarquias locais passam a gozar do mesmo regime de isenções do pagamento de impostos, taxas, emolumentos e encargos de mais-valias de que goza o Estado.
Finalmente, temos um regime para as regiões autónomas que, de acordo com a decisão do Tribunal Constitucional, é o mesmo que é aplicado a todos os municípios do País. Há um regime transitório aprovado, que permitirá que a aplicação dos novos critérios se faça de forma gradual e não abrupta, mantendo-se no primeiro ano os critérios da lei anterior em 80%.
São estes, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os principais aspectos a salientar dos artigos que iremos votar e, embora não fosse esta a proposta do PS, em relação a este conjunto de normas, votaremos a favor.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Abreu Lima para uma intervenção.
O Sr. Abreu Lima (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Centro Democrático Social dará a sua aprovação ao conjunto dos 26 artigos, de um total de 31, da nova lei das finanças locais, que integram e formam o texto alternativo aos quatro projectos de lei apresentados pelos Partidos Socialista, Renovador Democrático, Comunista Português e do Centro Democrático Social e à proposta de lei do Governo, elaborada pela Subcomissão, constituída no seio da Comissão da Administração Interna e Poder Local, para apreciar e estudar na especialidade aqueles projectos de lei e a proposta governamental, todos aprovados na generalidade na sessão plenária da Assembleia da República de 3 de Junho de 1986.
Este bloco ou conjunto de 26 artigos não contém propriamente matéria polémica, ou, melhor, não se refere à essência e às coordenadas que têm por objectivo a constituição e a determinação do valor que há-de ser transferido do Orçamento do Estado para a formação do Fundo de Equilíbrio Financeiro e à fixação dos critérios de distribuição desse Fundo de Equilíbrio Financeiro por cada um dos 305 municípios portugueses.
Estes artigos consagram a autonomia financeira dos municípios, definem os princípios que os orçamentos das autarquias locais hão-de respeitar, estabelecem a forma de cobrança e de liquidação dos impostos municipais, especificam as taxas, tarifas e preços de serviços a receber pelas câmaras e disciplinam o problema dos subsídios e comparticipações, ao mesmo tempo que esclarecem o processamento da cooperação técnica e financeira entre o Governo e as autarquias locais. Depois, disciplinam o regime de crédito e permitem a celebração de contratos de reequilíbrio financeiro, para assegurar ou restabelecer o saneamento financeiro municipal; regulam o regime financeiro das freguesias, tratam do contencioso fiscal, definem, inequivocamente, o regime da tutela inspectiva e referem o processualismo da apreciação e julgamento das contas das autarquias locais.
Estas matérias foram praticamente todas incluídas e reguladas na Lei n.º 1/79 e muitas delas já encontravam acolhimento no Código Administrativo. Depois, a prática e a experiência da administração municipal alertou para certas deficiências, aconselhou alterações e conduziu ao preenchimento de lacunas, que a segunda lei das finanças locais - o Decreto-Lei n.º 98/84 - veio a consagrar sem controvérsia de maior.
Por outro lado, o desenvolvimento inquestionável e a consagração total que a autonomia do poder local tem granjeado e merecido, tanto entre as populações directamente beneficiadas como pelo reconhecimento público, amplamente afirmado, dos Presidentes da República, desta Assembleia e de todos os governos responsáveis pela administração central, bem como dos diversos institutos dedicados ao municipalismo e às múltiplas publicações que se ocupam dos problemas municipais, conduzem ao reconhecimento geral e à aceitação comum dos conceitos, dos processos, dos sistemas e da disciplina que se encontram hoje consagrados no conjunto dos artigos agora em apreço.
Embora se possa dizer que todas estas matérias, dispersas por 26 artigos, não constituem o âmago da Lei das Finanças Locais, não deixam de ter relevância notável nem de serem muito importantes para a administração municipal.
O CDS não tem dúvida em dar acolhimento completo e aprovar sem reservas todo este articulado.
Se entendermos que se deveria incluir, entre os princípios que os orçamentos das autarquias devem respeitar e a que se refere o artigo 1.º, o princípio do equilíbrio, que não foi considerado naquele artigo, como o CDS havia proposto e, aliás, como o Governo também o havia feito, estamos plenamente de acordo que constitua artigo próprio, com o desenvolvimento que o artigo 2.º-A lhe dá, a excepção ao princípio da não consignação quando se trata de verbas a conceder pela administração central para fazer face ao exercício de novas atribuições e competências conferidas por lei aos municípios.
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É com aplauso que damos o nosso acordo ao conteúdo do artigo 5.º, ao definir as regras da «actualização do rendimento colectável em contribuição predial», conteúdo este que faz parte tanto do projecto de lei do Partido Renovador Democrático como da proposta de lei do Governo, cujos textos são praticamente iguais.
Ao longo dos últimos anos temos feito, por várias vezes, referência à necessidade de rever a matéria colectável que determina as contribuições prediais rústicas e urbanas. Com efeito, em muitas regiões do País o cadastro não tem sido actualizado e as contribuições prediais, que constituem receitas próprias das câmaras municipais, encontram-se muito desajustadas à realidade. A actualização anual para o rendimento colectável dos prédios urbanos não arrendados e a actualização quinquenal dos prédios rústicos, de harmonia com as regras e princípios estabelecidos no artigo 5.º, virão corrigir a flagrante deficiência da situação actual.
Em relação ao sistema de liquidação e cobrança perfilhado no artigo 6.º, aparecem duas novidades: por um lado, «as câmaras municipais podem deliberar proceder à cobrança, pelos seus próprios serviços, dos impostos de cobrança virtual e do imposto sobre veículos»; por outro lado, «os municípios podem ser compensados, através de verba a inscrever no Orçamento do Estado ou nos orçamentos das regiões autónomas, pela isenção ou redução da contribuição predial, dos impostos sobre veículos, para o serviço de incêndios, de mais-valias, da taxa municipal de transportes e da sisa». O CDS consagra no seu projecto de lei o princípio da cobrança de diversos impostos pelos municípios, mediante protocolo a celebrar com os serviços competentes dos Ministérios das Finanças e do Plano e da Administração do Território.
Em relação ao segundo ponto, estamos de acordo que o Governo deve compensar os municípios pelas reduções que provoca nas suas receitas quando isenta ou reduz impostos que são receitas próprias das câmaras municipais. Se o Governo entende que deve constituir estímulos fiscais para alcançar objectivos determinados, deve fazê-lo à custa das suas receitas próprias e não por força da redução das receitas municipais.
Neste artigo 6.º fica consagrada a ideia, que o CDS há muito defendia, de que os encargos que os municípios suportavam com a cobrança dos impostos por parte das tesourarias da Fazenda Pública deviam ser substancialmente reduzidos. Assim, baixaram de 3%, como se estabelecia no n.º 3. do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 94/84, para 1,5%!
Congratulamo-nos igualmente com a nova regulamentação dada à cooperação técnica e financeira entre o Governo e as autarquias locais no domínio do desenvolvimento regional e local mais ampla do que o sistema perfilhado pelo Decreto-Lei n.º 98/84 no seu artigo 26.º, e que coincide integralmente com o critério proposto pelo CDS no artigo 26.º do seu projecto de lei. Assim, além do financiamento de projectos das autarquias locais, incluídos em programas integrados de desenvolvimento regional, possibilitam-se financiamentos para contratos-programas de desenvolvimento que sejam fruto da cooperação entre municípios, do reordenamento do litoral e de outros projectos incluídos em outros tipos de programas de desenvolvimento com carácter integrado, desde que venham a ser definidos por lei ou regulamento das Comunidades Europeias.
O CDS viu com pena que não mereceu acolhimento a sua proposta de o montante das receitas municipais a distribuir pelas freguesias de cada município não ser inferior a 15% das verbas provenientes do Fundo de Equilíbrio Financeiro para as despesas correntes, mas congratula-se com o facto de a percentagem que acaba de ser estabelecida se ter elevado dos 5% que o Decreto-Lei n.º 98/84 fixava para os 10% que o artigo 19.º agora consagra.
O CDS viu consagrado o princípio, que defendeu no seu projecto de lei, de que o montante das coimas ter como limites, não valores fixos, mas sim valores variáveis em função da variação do salário mínimo nacional. De igual modo foi perfilhado o critério que propôs para estabelecer a obrigatoriedade de as autarquias locais enviarem ao Tribunal de Contas as respectivas contas; ficou estabelecido que esta obrigatoriedade existirá para todos os municípios e freguesias que movimentem anualmente importâncias globais superiores a 250 vezes o salário mínimo nacional fixado para a indústria.
Focamos estes aspectos, que consideramos como os mais relevantes em relação ao texto do projecto de lei n.º 223/IV, apresentado pelo meu partido, quer pela perfilhação que se faz de princípios novos que propusemos, quer pelo acordo que nos mereceu de soluções diferentes para algumas matérias ou de soluções para aspectos que não chegámos a considerar.
Antes de terminar não quero deixar de manifestar aqui o meu apreço pela forma como nestes últimos quatro meses decorreram o estudo, o aprofundamento, o acolhimento e a boa vontade que todos os partidos e o Governo, através do Sr. Secretário de Estado e dos seus funcionários, puseram no empenhamento em encontrar a melhor solução e procurar formalizar um texto que nos pudesse hoje trazer aqui uma nova lei das finanças locais, com a esperança de que ela venha a completar o muito que as duas anteriores já estabeleceram e seja uma fonte de progresso e desenvolvimento para a autonomia do poder local e para a descentralização administrativa.
Aplausos do CDS.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, atingimos a hora regimental para o encerramento da sessão.
O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Magalhães Mota (PRD): - É para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Magalhães Moía (PRD): - Sr. Presidente, apresentámos uma proposta de aditamento ao texto em discussão, aliás só possível mercê da tolerância dos outros grupos parlamentares, visto que existia um compromisso, assumido no seio da Comissão, nos termos do qual não seria possível essa apresentação. Com a tolerância dos outros grupos parlamentares, apresentámo-la, mas, como é evidente, gostaríamos que ela pudesse ser apreciada pela Subcomissão e pela Comissão respectiva.
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Pediria, pois, ao Sr. Presidente que convocasse a Comissão para que ela pudesse reunir amanhã (por exemplo, às 10 horas) para apreciar o texto dessa proposta, apresentando em relação a ele as alterações e correcções que forem julgadas necessárias, para as quais estamos inteiramente abertos.
O Sr. Presidente: - Certo, Sr. Deputado, está feita a solicitação. O Sr. Presidente da Comissão, Sr. Deputado João Amaral, convocará, se assim o entender, a Comissão.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, o pedido está feito e a convocação será feita.
Só pediria ao Sr. Deputado Magalhães Mota que, em vez da Comissão, fosse convocada a Subcomissão, que é, naturalmente, suficiente para este trabalho.
A Subcomissão fica, pois, convocada para uma reunião a realizar amanhã às 10 horas.
O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.
O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, quero perguntar à Mesa se há possibilidade de prolongarmos ligeiramente esta sessão, apenas para procedermos às votações, quase de imediato, uma vez que só há a inscrição do Sr. Secretário de Estado. Como, segundo creio, o Sr. Secretário de Estado pretende dar algumas explicações, que talvez sejam muito breves, poderíamos despachar logo a votação de todos estes artigos, já que se fará numa única votação.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, quando dei a palavra ao Sr. Deputado Abreu Lima, a Mesa tinha previamente avisado do tempo disponível, para ver se efectivamente cabia dentro do tempo regimental da sessão, ou seja, até às 20 horas, porque já tinha sido calculado que, dadas as intervenções, não haveria tempo. E há, com certeza, senhores deputados que já não se encontram presentes.
Sendo assim, peço ao Plenário que se pronuncie sobre se quer ou não prolongar os trabalhos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, os deputados do meu grupo parlamentar vão ter uma reunião dentro de momentos, mas se a intervenção do Sr. Secretário de Estado for breve, não nos oporemos ao prolongamento da sessão.
O Sr. Presidente: - Certo, Sr. Deputado. Os restantes grupos parlamentares estão de acordo com o prolongamento da sessão?
Pausa.
Não havendo objecções, prolongaremos a sessão nos termos requeridos.
Resta saber se a intervenção do Sr. Secretário de Estado é ou não breve.
O Sr. Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território: - É breve, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Secretário de Estado da Administração e do Ordenamento do Território: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Discutimos agora a lei das finanças locais e não o Orçamento de Estado para 1987. Mas como foi aqui referido que eventualmente poderia haver uma quebra de um compromisso que assumi em nome do Governo, gostaria de fazer referência a esse assunto.
No passado dia 24 de Julho verificou-se que a única maneira de evitar uma discussão precipitada sobre a lei das finanças locais numa noite de Verão seria a de o Governo assumir um determinado compromisso. O Governo assumiu-o em dois pontos: em primeiro lugar, a sisa seria um imposto municipal, e como tal, consta no Orçamento do Estado; em segundo lugar o Fundo de Equilíbrio Financeiro cresceria em 1987 a partir de 80 milhões de contos actualizado pela taxa de crescimento do IVA, tal com vem previsto no Orçamento do Estado. Quanto a outros aspectos, devo dizer que não assumi mais compromissos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Secretário de Estado, gostaria de saber se o sentido útil da sua participação nos trabalhos da Subcomissão se reduziu a tomar conhecimento do que se ia passando ou se não considerava que em relação a um conjunto de matérias que iam sendo votadas, representando elas a vontade da Assembleia, o Governo se considerava vinculado a isso.
Em relação à história da variação do IVA, a culpa não será de V. Ex.ªs, mas, de facto, o valor que lá está - tal como o demonstra - não pode ser de 89,5 milhões de contos, mas, no mínimo, de 92,8 milhões de contos.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território: - Sr. Deputado, o conteúdo útil da minha participação e dos funcionários que me acompanharam foi o de dar a contribuição do Governo, não só através da sua proposta inicial mas o seu contributo útil ao debate. Aliás, creio que vários grupos parlamentares reconheceram que a minha participação teve alguma utilidade e devo acrescentar que tomei conhecimento da forma como os trabalhos iam evoluindo.
Em relação a compromissos relativamente ao Orçamento do Estado para 1987, eles foram assumidos em dois domínios. Em relação aos restantes, com a evolução que se foi verificando com a discussão da lei das finanças locais, e até como se vê neste momento com a apresentação de mais um aditamento em relação ao seu texto final, o Governo não podia saber de que forma se iria estabilizar o texto final da lei das finanças locais.
Nessa medida, o Governo assumiu dois compromissos perante a Comissão e esta aceitou adiar a discussão da questão por via desses dois compromissos. Na sequência desse compromisso, o Governo honrou-os no Orçamento do Estado para 1987.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação. Segundo a Comissão e com o compromisso dos grupos parlamentares, haverá uma votação de vários artigos - aliás, eles constam do relatório que foi distribuído.
Há alguma oposição a que assim se proceda?
Visto não haver, assim se fará.
Conforme consta do relatório suplementar deste conjunto de artigos, no n.º 7 do artigo 6.º há uma correcção a fazer, pois onde se lê «podem ser» deve ler-se «serão»; no n.º 3 do artigo 12.º, onde se lê «definirá por decreto-lei as condições [...]» deve ler-se «definirá por decreto-lei, no prazo de 90 dias, as condições [...]» e o n.º 2 do artigo 26.º terá uma nova redacção, que é do seguinte teor: «exceptuam-se das isenções do n.º 1 as tarifas e preços de serviços referidos no n.º 1 do artigo 11.º».
Portanto, vamos votar este conjunto de artigos com as rectificações constantes do relatório suplementar.
Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade, registando-se a ausência da deputada independente Maria Santos.
São os seguintes:
Artigo 1.º
(Autonomia financeira das autarquias)
1 - As freguesias, municípios e regiões administrativas têm património e finanças próprias, cuja gestão compete aos respectivos órgãos.
2 - A tutela sobre a gestão patrimonial e financeira das autarquias locais é meramente inspectiva e só pode ser exercida segundo as formas e nos casos previstos na lei, salvaguardando sempre a democraticidade e a autonomia de poder local.
3 - O regime de autonomia financeira das autarquias locais assenta, designadamente, no seguintes poderes dos seus órgãos:
a) Elaborar, aprovar e alterar planos de actividade e orçamentos;
b) Elaborar e aprovar balanços e contas;
c) Dispor de receitas próprias, ordenar e processar as despesas e arrecadar as receitas que por lei forem destinadas às autarquias;
d) Gerir o património autárquico.
4 - São nulas as deliberações de qualquer órgão das autarquias locais que determinem o lançamento de impostos, taxas, derramas ou mais-valias não previstos na lei.
Artigo 2.º
(Principios orçamentais)
1 - Os orçamentos das autarquias locais respeitam os princípios da anualidade, unidade, universalidade, especificação, não consignação e - não compensação.
2 - O ano financeiro corresponde ao ano civil, podendo efectuar-se, no máximo, duas revisões orçamentais.
3 - Deverá ser dada adequada publicidade ao orçamento, depois de aprovado pelo órgão deliberativo.
4 - O princípio da não consignação previsto no n.º 1 não se aplica às receitas provenientes de financiamentos das Comunidades Europeias.
Artigo 2.º-A (Novas atribuições e competências)
1 - Quando, por lei, for conferida qualquer nova atribuição e competência aos municípios, o Orçamento do Estado deve prever a verba necessária para o seu exercício.
2 - A verba global será distribuída pelos municípios, tendo em conta as despesas que se prevê realizar por cada município no exercício de novas competências.
3 - As receitas que os municípios recebam por força dos números anteriores são destinados, nos dois primeiros anos, ao exercício da atribuição ou competência respectiva, devendo aquelas autarquias locais inscrever nos seus orçamentos as dotações de despesa dos montantes correspondentes.
4 - Findos os dois anos de transição, a verba global é incluída no Fundo de Equilíbrio Financeiro, devendo os critérios da distribuição deste ser alterados, se necessário, tendo em atenção o exercício da nova atribuição ou competência.
5 - O plano de distribuição da dotação referida no n.º 1 deverá constar num mapa anexo no Orçamento do Estado.
Artigo 3 º (Receitas municipais)
1 - Constituem receitas do município:
b) 37,5% do imposto sobre o valor acrescentado incidente sobre a matéria colectável reconstituída correspondente às actividades turísticas, cujos serviços sejam prestados nas zonas de turismo e na área dos municípios integrados em regiões de turismo;
c) As verbas que nos termos do n.º 4 do artigo 2.º-e do artigo 2.º-A sejam postas à sua disposição;
d) O produto de lançamento de derramas;
e) Uma participação no Fundo de Equilíbrio Financeiro;
f) 2% do produto da cobrança da taxa devida pela primeira venda do pescado;
g) O produto da cobrança de taxas por licenças concedidas pelo município;
h) O produto da cobrança de taxas ou tarifas resultantes da prestação de serviços pelo município;
i) O rendimento dos serviços pertencentes ao município, por ele administrados ou dados em concessão;
j) O produto de multas e coimas fixadas por lei, regulamento ou postura que caibam ao município;
O produto da cobrança de encargos de mais-valias destinadas por lei aos municípios;
m) O produto de empréstimos, incluindo o lançamento de obrigações municipais;
n) O rendimento de bens próprios, móveis ou imóveis;
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o) O produto de heranças, legados, doações e outras liberalidades a favor do município;
p) O produto da alienação de bens;
q) Outras receitas estabelecidas por lei a favor dos municípios.
2 - Sempre que existam órgãos locais ou regionais de turismo, 50% das receitas a que se refere a alínea b) do n.º 1 deste artigo serão entregues directamente a esses órgãos pelos serviços competentes do Ministério das Finanças.
3 - Este artigo deve ser revisto logo que seja definido o novo elenco de impostos resultante da reforma fiscal.
4 - O Governo procederá à regulamentação do disposto na alínea b) do n.º 1 do presente artigo, por forma que o valor de 37,5 % da receita bruta do imposto sobre o valor acrescentado a que essa alínea se refere seja entregue aos municípios e aos órgãos locais e regionais de turismo onde os serviços turísticos são efectivamente prestados.
Artigo 5.º
(Actualização do rendimento colectável em contribuição predial)
1 - O rendimento colectável dos prédios urbanos não arrendados e dos rústicos será objecto de actualização não cadastral, a efectuar-se de acordo com os seguintes princípios:
a) O rendimento colectável dos prédios urbanos não arrendados será actualizado anualmente, de acordo com índices a incluir na Lei do Orçamento do Estado, os quais deverão ter em conta os parâmetros de actualização do valor dos fogos de renda condicionada e o grau de desactualização da matrizes;
b) O rendimento colectável dos prédios rústicos será objecto de actualização quinquenal, de acordo com os índices a determinar pelo Governo a incluir na Lei do Orçamento do Estado, tendo em conta o grau de desactualização das matrizes e a evolução regional dos preços dos principais elementos das contas de cultura, quando disponíveis.
2 - O disposto no número anterior não prejudica a actualização cadastral,
nesse caso fazer a respectiva comunicação às repartições de finanças competentes para a liquidação até 30 de Junho do ano anterior ao da cobrança.
3 - O imposto sobre veículos, criado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 599/72, de 30 de Dezembro, é pago no município da residência do proprietário, devendo ser feita a respectiva prova através da exibição do título do registo de propriedade.
4 - Na situação considerada pelo n.º 2, as repartições de finanças procederão à liquidação dos impostos em causa e entregarão aos municípios, até 30 dias antes da data prevista para o início da cobrança, os conhecimentos e outros elementos necessários para o efeito.
5 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2, os rendimentos considerados no n.º l, alínea a), do artigo 3.º são liquidados pela repartição de finanças e cobrados pela tesouraria da Fazenda Pública territorialmente competentes e por esta transferidos, até ao dia 15 de cada mês seguinte ao da cobrança, para o município titular desses rendimentos.
6 - Os encargos de liquidação, ou de liquidação e cobrança, quando sejam assegurados pelos serviços do Estado, não podem exceder 0,5% e 1,5% dos montantes liquidados, ou cobrados, respectivamente.
7 - Os municípios serão compensados através de verba a inscrever no Orçamento de Estado ou nos orçamentos das regiões autónomas pela isenção ou redução dos impostos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º que venham a ser concedidas para além das actualmente estabelecidas pela legislação em vigor.
Artigo 7.º
(Fundo de Equilíbrio Financeiro)
O Fundo de Equilíbrio Financeiro corresponde ao montante a transferir do Orçamento do Estado para os municípios, nos termos dos artigos 8.º e 9.º deste diploma.
Artigo 8.º
(Cálculo do Fundo de Equilíbrio Financeiro)
2 - O montante global que cabe a cada município na participação referida na alínea e) do n.º 1 do artigo 3.º figura num mapa publicado em anexo ao Orçamento do Estado e é transferido para as câmaras municipais por duodécimos até ao dia 15 do mês a que se referem.
Artigo 6.º
(Liquidação e cobrança)
1 - Os impostos referidos na alínea a) do n.º l do artigo 3.º, com excepção da taxa municipal de transportes, são liquidados pela repartições de finanças e cobrados pelas tesourarias da Fazenda Pública territorialmente competentes, sem prejuízo do que se dispõe no número seguinte.
2 - As câmaras municipais podem deliberar proceder à cobrança, pelos seus próprios serviços, dos impostos de cobrança virtual e do imposto sobre veículos, abrangidos pelo número anterior, devendo
Artigo 9.º
(Distribuição do Fundo de Equilíbrio Financeiro)
2 - A lei do Orçamento fixará em cada ano as percentagens do Fundo de Equilíbrio Financeiro para transferências correntes e de capital, não podendo a percentagem relativa às segundas ser inferior a 40%.
3 - Os elementos e os indicadores para aplicação dos critérios referidos no n.º 1 devem ser comunicados de forma discriminada por cada município à Assembleia da República, juntamente com a proposta de lei do Orçamento.
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Artigo 10.º
(Taxas dos municípios)
Os municípios podem cobrar taxas por:
d) Realização de infra-estruturas;
b) Concessão de licenças de loteamento, de execução de obras particulares, de ocupação da via pública por motivo de obras e de utilização de edifícios;
c) Ocupação do domínio público e aproveitamento dos bens de utilização pública;
d) Prestação de serviços ao público por parte das repartições ou dos funcionários municipais;
e) Ocupação e utilização de locais reservados nos mercados e feiras;
f) Aferição e conferição de pesos, medidas e aparelhos de medição;
g) Estacionamento de veículos em parques ou outros locais a esse fim destinados;
h) Autorização para o emprego de meios de publicidade destinados a propaganda comercial;
O Utilização de quaisquer instalações destinadas ao conforto, comodidade ou recreio público.
j) Enterramento, concessão de terrenos, uso de jazigos, de ossários e de outras instalações em cemitérios municipais f) Licença de uso e porte de arma de fogo, de posse e uso de furão e de exercício de caça;
m) Licenciamento sanitário das instalações;
n) Registo e licença de cães;
o) Qualquer outra licença da competência dos municípios;
p) Registos determinados por lei.
Artigo 11.º
(Tarifas e preços de serviços)
1 - As tarifas a que se refere a alínea h) do n.º 1 do artigo 3.º respeitam às seguintes actividades:
d) Abastecimento de água;
b) Recolha, depósito e tratamento de lixos, bem como ligação, conservação e tratamento de esgotos;
c) Transportes urbanos colectivos de pessoas e mercadorias.
2 - As tarifas a fixar pelos municípios, bem como os preços a praticar nos serviços referidos na alínea i) do n.º 1 do artigo 3.º no âmbito dos serviços municipais e municipalizados, não devem ser inferiores aos encargos previsionais de exploração de administração respectivos, acrescidos do montante necessário à reintegração do equipamento.
3 - Nos casos em que o município decida fixar tarifas em desobediência ao preceituado no número anterior terá de inscrever obrigatoriamente como despesa o montante correspondente à indemnização compensatória.
4 - Os preços a cobrar pelos serviços referidos na alínea O do n.º 1 do artigo 3.º serão fixados pelos municípios, de acordo com os n.ºs 2 e 3 do presente artigo.
Artigo 12.º
(Subsídios e comparticipações)
1 - Não são permitidas quaisquer formas de subsídios ou comparticipação financeira por parte do Estado, institutos públicos ou fundos autónomos.
2 - O Governo poderá, porém, tomar excepcionalmente providências orçamentais necessárias à concessão de auxílio financeiro nas seguintes situações:
a) Calamidade pública;
b) Autarquias negativamente afectadas por investimento da responsabilidade da administração central, em especial estradas, auto-estradas, portos, aeroportos e barragens;
c) Recuperação de áreas de construção clandestinas ou de renovação urbana, quando o seu peso relativo transcenda a capacidade e responsabilidade autárquica, nos termos da lei;
d) Resolução de bloqueamentos graves, nos casos em que os municípios explorem transportes referidos na alínea c) do artigo 11.º ou tenham serviços municipais de bombeiros;
e) Instalação de novos municípios ou freguesias.
3 - O Governo definirá por decreto-lei, no prazo de 90 dias, as condições em que haverá lugar à concessão de auxílio financeiro nas situações citadas no n.º 2.
4 - As providências orçamentais a que se refere o n.º 2, à excepção das alíneas a) e e), deverão constar do anexo à Lei do Orçamento do Estado, de forma discriminada, por sectores, programa e município.
Artigo 14.º
(Regime de crédito)
1 - Os municípios podem contrair empréstimos junto de quaisquer instituições autorizadas por lei a conceder crédito.
2 - Os municípios podem emitir obrigações nos termos da lei.
3 - Os empréstimos a que se refere o n.º 1 do presente artigo podem ser a curto, médio e longo prazos.
4 - Os empréstimos a curto prazo podem ser contraídos para ocorrer a dificuldades de tesouraria, não podendo o seu montante ultrapassar, em qualquer momento, um décimo do Fundo de Equilíbrio Financeiro que cabe ao município.
5 - Os empréstimos a médio e longo prazos podem ser contraídos para aplicação em investimentos reprodutivos e em investimentos de carácter social ou cultural ou ainda para proceder ao saneamento financeiro dos municípios.
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6 - Os encargos anuais com amortizações e juros de empréstimos a médio e longo prazos, incluindo os empréstimos obrigacionistas, não podem exceder o maior dos limites do valor correspondente a três duodécimos do Fundo de Equilíbrio Financeiro que cabe ao município ou a 20 % das despesas realizadas para investimento pelo município no ano anterior.
7 - Quando ocorram atrasos nos prazos legalmente previstos para aprovação da Lei do Orçamento do Estado, poderá a capacidade de endividamento autárquico ser transitoriamente avaliada com base nas transferências orçamentais do ano imediatamente anterior, podendo haver lugar a acertos posteriores à publicação daquele diploma legal, se isso for do interesse dos municípios.
8 - Os empréstimos contraídos perante entidades privadas não podem ocasionar encargos nem condições de amortização mais desfavoráveis do que os que resultem da sua contracção, em equivalentes condições de acesso, perante instituições públicas de crédito nacionais.
9 - Aos empréstimos contraídos para construção de habitações destinadas a venda, bem como àqueles que se destinam à reparação, conservação e reabilitação de edifícios, contraídos ao abrigo do Decreto-Lei n.º 449/83, de 26 de Dezembro, não é aplicável o disposto no n.º 6.
10 - Dos limites previstos no n.º 6 ficam também excluídos os encargos anuais relativos a empréstimos contraídos com o fim exclusivo de ocorrer a despesas extraordinárias necessárias à reparação de prejuízos ocorridos em caso de calamidade pública.
11 - Os empréstimos contraídos para construção de habitações destinadas a venda são garantidos pela respectiva hipoteca.
12 - O Governo regulamentará por decreto-lei os demais aspectos com a contracção de empréstimos, nomeadamente no que diz respeito ao recurso ao crédito pelos serviços municipalizados e associações de municípios, à bonificação das taxas de juros, ao prazo e garantias, com exclusão de qualquer forma de aprovação tutelar.
Artigo 15.º
(Contratos de reequilíbrio financeiro)
1 - Os municípios em que se verifiquem situações de desequilíbrio financeiro estrutural ou de ruptura financeira poderão, por sua iniciativa, celebrar contratos de reequilíbrio financeiro com instituições de crédito.
2 - Compete ao Governo regulamentar por decreto-lei as condições de celebração dos contratos de reequilíbrio financeiro.
Artigo 16.º
(Dívidas ao sector público)
Quando os municípios tenham dívidas às entidades não financeiras do sector público, pode ser deduzida uma parcela às suas transferências correntes e de capital, até ao limite de 15 %, desde que aquelas dívidas se encontrem definidas por sentença judicial transitada em julgado.
Artigo 17.º
(Receitas da freguesia)
Constituem receitas da freguesia:
a) Uma participação nas receitas do município;
b) O produto da cobrança de taxas das freguesias;
c) O produto de multas e coimas fixadas por lei, regulamento ou postura que caibam às freguesias;
d) O rendimento de bens próprios, móveis ou imóveis;
e) O produto de heranças, legados, doações e outras liberalidades feitas a favor das freguesias;
f) O produto da alienação de bens;
g) O rendimento proveniente da prestação de serviços pelas freguesias;
h) O rendimento de mercados e cemitérios das freguesias;
i) Outras quaisquer receitas estabelecidas por lei ou regulamento a favor das freguesias.
Artigo 18.º
(Taxas das freguesias)
As freguesias podem cobrar taxas:
a) Pela utilização de locais reservados a mercados e feiras sob jurisdição ou administração da freguesia;
b) Por enterramento, concessão de terrenos e uso de jazigos, de ossários e de outras instalações em cemitérios da freguesia;
c) Pela utilização de quaisquer instalações sob jurisdição ou administração da freguesia destinadas ao conforto, comodidade ou recreio do público;
d) Pela prestação de serviços administrativos pelos funcionários da freguesia;
e) Pela passagem de licenças da competência da freguesia que não estejam isentas por lei;
f) Pelo aproveitamento do domínio público sob a administração da freguesia.
Artigo 19.º
(Participação das freguesias nas receitas municipais)
1 - O orçamento do município fixa, em cada ano, o montante a distribuir pelas respectivas freguesias, por força do disposto na alínea á) do artigo 17.º
2 - O montante a que se refere o número anterior não pode ser inferior a 10 % das verbas provenientes do Fundo de Equilíbrio Financeiro para as despesas correntes, com excepção dos municípios com apenas uma freguesia, caso em que aquele limite poderá ser inferior.
3 - O mapa de distribuição pelas freguesias da verba a que se refere o presente artigo é publicado em anexo ao orçamento do município, depois de aprovado pela assembleia municipal, de acordo com os seguintes critérios:
a) 10 % distribuídos igualmente por todas;
b) 45 % distribuídos na razão directa do número de habitantes;
c) 45 % distribuídos na razão directa da área.
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4 - Em qualquer caso, o montante determinado para cada freguesia pelo disposto no número anterior nunca pode ser inferior às despesas previstas nas leis que regulamentam o estatuto remuneratório dos eleitos da freguesia.
Artigo 20.º
(Multas e coimas)
1 - A violação de posturas e de regulamentos de natureza genérica e. execução permanente das autarquias locais constitui contra-ordenação sancionada com coima.
2 - As coimas a prever nas posturas e nos regulamentos municipais e de freguesia não podem ser superiores, respectivamente, a dez vezes e uma vez o salário mínimo nacional/indústria nem exceder o montante das que forem impostas por autarquias de grau superior ou pelo Estado para contra-ordenação do mesmo tipo.
3 - As posturas e regulamentos referidos no n.º 1 não podem entrar em vigor antes de decorridos quinze dias sobre a sua publicação nos termos legais.
4 - A competência para a instrução dos processos de contra-ordenação e aplicação das coimas pertence aos órgãos executivos das autarquias locais, podendo ser delegada em qualquer dos seus membros.
5 - As autarquias locais beneficiam ainda, total ou parcialmente, das multas fixadas por lei a seu favor.
Artigo 21.º
(Contencioso fiscal)
1 - As reclamações e impugnações dos interessados contra a liquidação e cobrança dos impostos considerados no n.º 1 do artigo 3.º e das derramas que sobre os mesmos incidirem são deduzidas perante a entidade competente para a liquidação e decididas nos termos do Código de Processo das Contribuições e Impostos.
2 - As reclamações e impugnações dos interessados contra a liquidação e cobrança de taxas, mais-valias e demais rendimentos gerados em relação fiscal são deduzidas perante os órgãos executivos das autarquias locais, com recurso para o tribunal tributário de 1.º instância territorialmente competente.
3 - Compete aos tribunais tributários de 1.º instância a instrução e o julgamento das infracções cometidas em relação à liquidação e cobrança dos impostos e derramas mencionados nos artigos 3.º e 4.º.
4 - Do auto de transgressão por contravenções cometidas em relação à liquidação e cobrança de taxas e mais-valias pode haver reclamação no prazo de dez dias para os órgãos executivos das autarquias, com recurso para os tribunais tributários de 1.º instância.
5 - Compete aos tribunais tributários de 1.º instância a cobrança coerciva de dívidas às autarquias locais provenientes de impostos, derramas, taxas e encargos de mais-valias, aplicando-se, com as necessárias adaptações, os termos estabelecidos no Código de Processo das Contribuições e Impostos.
Artigo 22.º
(Principios da contabilidade autárquica)
1 - O regime relativo à contabilidade das autarquias locais visa a sua uniformização, normalização e simplificação, de modo a construir um instrumento de gestão económico-financeira e permitir a apreciação e o julgamento da execução orçamental e patrimonial.
2 - À contabilidade dos serviços municipalizados e das empresas municipais e intermunicipais será aplicado o Plano Oficial de Contabilidade, com as adaptações que se lhe impuserem. 1.º - A contabilidade das freguesias pode limitar-se ao simples registo de receitas e despesas, quando não excedam o limite fixado no n.º 2 do artigo 24.º
4 - A matéria respeitante à contabilidade autárquica é definida por decreto-lei, podendo os procedimentos contabilísticos ser definidos através de decreto regulamentar.
Artigo 23.º
(Tutela Inspectiva)
1 - Cabe ao Governo, através da Inspecção-Geral de Finanças, fiscalizar a legalidade da gestão patrimonial e financeira dos municípios e freguesias.
2 - Os municípios e freguesias referidos no n.º 2 do artigo anterior devem ser inspeccionados ordinariamente pelo menos uma vez no período de cada mandato.
3 - O Governo pode ordenar inquéritos e sindicâncias mediante queixas ou participações devidamente fundamentadas.
4 - Nas regiões autónomas, a competência referida nos números anteriores cabe aos governos regionais, que podem solicitar ao Governo da República o apoio da Inspecção-Geral de Finanças.
Artigo 24.º
(Apreciação e Julgamento das contas)
1 - As contas das autarquias locais são apreciadas pelo respectivo orgão deliberativo, reunido em sessão ordinária, até ao final do mês de Abril do ano seguinte àquele a que respeitam.
2 - As contas dos municípios e as das freguesias que movimentem anualmente importâncias globais superiores a 250 vezes o salário mínimo nacional/indústria serão enviadas pelo órgão executivo até ao final do mês de Maio, independentemente da sua apreciação pelo órgão deliberativo, ao Tribunal de Contas, com cópia ao Ministério do
Plano e da Administração do Território.
3 - O Tribunal de Contas julga as contas até 30 de Novembro de cada ano e remete o seu acórdão aos respectivos órgãos autárquicos, com cópia ao Ministério do Plano e da Administração do Território.
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Artigo 25.º
(Regime transitório)
1 - A partir de 1987 e até 1990, o Fundo de Equilíbrio Financeiro será distribuído do seguinte modo:
a) No primeiro ano de aplicação da presente lei, 80 % do Fundo de Equilíbrio Financeiro será repartido pelos municípios de forma proporcional à respectiva participação na distribuição estabelecida para o ano de 1986, decrescendo esta percentagem de vinte pontos em cada um dos anos seguintes;
b) A parte remanescente em cada ano é distribuída de acordo com os critérios definidos no n.º 1 do artigo 9.º da presente lei.
2 - A aplicação dos novos critérios não pode, em caso algum, implicar redução do valor nominal do Fundo de Equilíbrio Financeiro que o município recebeu no ano anterior, devendo a diferença ser coberta através de verbas obtidas por dedução proporciona] nas participações dos municípios com taxas de crescimento superiores à média de variação do Fundo de Equilíbrio Financeiro nesse ano.
Artigo 26.º
(Isenções)
1 - O Estado e os seus institutos e organismos autónomos personalizados estão isentos do pagamento de todas as taxas e encargos de mais-valias devidos às autarquias locais e aos distritos nos termos do presente diploma.
2 - Exceptuam-se das isenções do n.º 1 as tarifas e os preços de serviços referidos no n.º 1 do artigo 11.º
3 - As autarquias locais gozam do mesmo regime de isenção de pagamento de todos os impostos, taxas, emolumentos e encargos de mais-valias de que goza o Estado.
Artigo 27.º
(Regiões autónomas)
A presente lei é directamente aplicável às autarquias locais das regiões autónomas, sem prejuízo da regulamentação pelas assembleias regionais, na medida em que tal se torne necessário.
Artigo 28.º
(Norma revogatória)
1 - É revogado o Decreto-Lei n.º 98/84, de 29 de Março, salvo o disposto no n.º 3 do presente artigo.
2 - Mantêm-se em vigor os diplomas legais publicados em execução da Lei n.º 1/79, de 2 de Janeiro, e do Decreto-Lei n.º 98/84, de 29 de Março, na parte não contrariada pela presente lei.
3 - Mantém-se em vigor toda a legislação vigente sobre finanças distritais.
4 - É revogada a base vi da Lei n.º 2107, de 5 de Abril de 1961.
Artigo 29.º
(Entrada em vigor)
A presente lei produz os seus efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1987, sendo aplicável na elaboração e aprovação do Orçamento do Estado para 1987.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, gostaria de informar a Câmara de que na próxima sessão vou fazer uma declaração de voto.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a próxima reunião terá lugar amanhã, às 10 horas, com período de antes da ordem do dia. No período da ordem do dia iremos continuar o debate sobre a Lei das Finanças Locais e em seguida apreciar-se-á o projecto de lei n.º 162/IV, apresentado pelo CDS, que diz respeito ao direito de associação dos menores de 18 anos, e a proposta de lei n.º 41/IV, que garante o exercício do direito de associação dos menores de 18 anos e define associações juvenis.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, no anúncio que V. Ex.ª fez da ordem do dia para a próxima reunião há um lapso, na medida em que antes de apreciarmos esses diplomas há outros que têm prioridade e que são os seguintes: o projecto de lei n.º 140/IV, apresentado pelo PSD, sobre o licenciamento de jogos e diversões; o projecto de lei n.º 141/IV, do PSD, sobre abonos a titulares de juntas de freguesias, e os projectos de lei n.ºs 172/IV, do PCP, e 177/IV, do PRD, sobre dedicação exclusiva dos docentes e investigadores universitários.
O Sr. Presidente: - Exactamente, Sr. Deputado. Aliás, esses são diplomas que transitaram de uma outra reunião e, por lapso, não os referi.
Portanto, a ordem do dia de amanhã será a continuação do debate de hoje, seguindo-se a discussão desses diplomas que o Sr. Deputado António Capucho anunciou e por fim aqueles que eu referi.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 15 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Abílio Gaspar Rodrigues.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Arménio dos Santos.
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74 I SÉRIE - NÚMERO 3
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Dinar Serrão Alhandra.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Francisco Mendes Costa.
João José Pedreira de Matos.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Filipe Athayde Carvalhosa.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Pereira Lopes.
Licinio Moreira da Silva.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Partido Socialista (PS):
Alberto Manuel Avelino.
António Miguel Morais Barreto.
António José Sanches Esteves.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Manuel Torres Couto.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Victor Hugo de Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
José Rodrigo da Costa Carvalho.
Maria Cristina Albuquerque.
Tiago Gameiro Rodrigues Bastos.
Partido Comunista Português (PCP):
António Dias Lourenço da Silva.
Carlos Alfredo de Brito.
Domingos Abrantes Ferreira.
Maria Odete dos Santos.
Zita Maria de Seabra Roseiro.
Centro Democrático Social (CDS):
Abel Augusto Gomes de Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
António Vasco Mello César Menezes.
Eugénio Nunes Anacoreta Correia.
Henrique José Pereira de Moraes.
José Augusto Gama.
José Luís Nogueira de Brito.
José Miguel Anacoreta Correia.
Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Deputados independentes:
Rui Manuel Oliveira Costa.
Gonçalo Pereira Ribeiro Teles.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados: Partido Social-Democrata (PSD):
Amândio Anes de Azevedo.
Amélia Cavaleiro Andrade Azevedo.
Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho.
Fernando José Alves Figueiredo.
José de Vargas Bulcão.
Manuel da Costa Andrade.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Partido Socialista (PS):
António Cândido Miranda Macedo.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
João Cardona Gomes Cravinho.
José Barbosa Mota. Rui Fernando Pereira Mateus.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Francisco Barbosa da Costa.
Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho.
Vitorino da Silva Costa.
Victor Manuel Ávila da Silva.
Partido Comunista Português (PCP):
Joaquim Gomes dos Santos.
Maria Margarida Tengarrinha.
Centro Democrático Social (CDS):
Narana Sinai Coissoró.
Os REDACTORES: Maria Leonor Ferreira - José Diogo.
PREÇO DESTE NÚMERO: 133$00
Depósito legal n.º 8818/85 IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E P.