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I Série-Número 10
Sexta-feira, 14 de Novembro de 1986 239
DIÁRIO da Assembleia da República
PORTE PAGO
IV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1986-1987)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 13 DE NOVEMBRO DE 1986
Presidente: Exmo. Sr. Carlos Cardoso Lage
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto B. da Mota Torres
Rui de Sá e Cunha
José Manuel Maia Nunes de Almeida
SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente, da apresentação de requerimentos, da resposta a alguns outros e da entrada de diversos diplomas.
Em declaração política, o Sr. Deputado Rosado Correia (PS) abordou a problemática da habitação e criticou a política do Governo para o sector.
O Sr. Deputado Alexandre Manuel (PRD) saudou o II Congresso dos Jornalistas, a decorrer, e respondeu, no fim, a pedidos de esclarecimento a manifestações de apoio dos Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), Narana Coissoró (CDS) e Jorge Lemos (PCP).
O Sr. Deputado Carlos Pinto (PSD) referiu-se à importância das ligações aéreas entre a Beira Interior, o Nordeste transmontano e Lisboa e Porto, realçando o papel desempenhado pelas Linhas Aéreas Regionais (LAR), após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Armando Fernandes (PRD) e Armando Vara (PS).
O Sr. Deputado Álvaro Brasileiro (PCP) falou das graves consequências da integração na CEE para a indústria do tomate.
O Sr. Deputado Manuel Monteiro (CDS), a propósito da recente realização de um seminário subordinado ao tema «Os jovens e a justiça em Portugal», analisou algumas das causas da delinquência juvenil.
Em declaração política, o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos (PRD) apreciou questões relativas à visita à Madeira do Presidente da República da África do Sul, no que foi secundado pelo Sr. Deputado Raul Castro (MDP/CDE). No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado António Capucho (PSD).
O Sr. Deputado Raul Castro (MDP/CDE) criticou a política do Governo na zona da Reforma Agrária.
O Sr. Deputado Luís Martins (PSD), no seguimento da criação da Associação de Municípios da Beira Alta e Douro Sul, fez o balanço das realizações levadas a cabo naquelas regiões no pós 25 de Abril, respondendo depois a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Raul Junqueiro (PS).
O Sr. Deputado Lopes Cardoso (PS) trouxe à colação o facto de o Governo, ao abrigo da entrega de reservas, estar a desapossar terrenos comunitários.
O Sr. Deputado Armando Fernandes (PRD), na passagem dos 150 anos da criação dos primeiros liceus, evocou afigura de Passos Manuel.
O Sr. Deputado João Abrantes (PCP) interveio a propósito da situação da Companhia Portuguesa de Fornos Eléctricos, de Canas de Senhorim (CPFE).
O Sr. Deputado Jorge Lacão (PS), na sequência de notícias veiculadas pela imprensa, insurgiu-se contra a eventual alienação de alguns órgãos de comunicação social estatizados. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimentos dos Srs. Deputados Alexandre Manuel (PRD), Jorge Lemos (PCP) e Vieira Mesquita (PSD).
A Sr.ª Deputada Maria Santos (Indep.) condenou a intenção manifestada pelo Governo de denunciar a Convenção da OIT que proíbe o trabalho nocturno para as mulheres na indústria.
Foi aprovado um voto de protesto pela visita do Presidente da África do Sul, Pieter Bolha, à Região Autónoma da Madeira, apresentado pela deputada Maria Santos (Indep.) e por deputados do PS, do PRD, do PCP e do MDP/CDE. No final, produziram declarações de voto os Srs. Deputados José Gama (CDS), Vítor Crespo (PSD), Manuel Alegre (PS). Raul Castro (MDP/CDE), Jorge Lemos (PCP) e António Paulouro (PRD).
Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.ºs 172/IV (PCP) (Subsídio de dedicação exclusiva dos docentes do ensino superior e dos investigadores) e 177/IV (Alteração das disposições relativas ao regime de dedicação exclusiva na carreira docente universitária). Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Raul Junqueiro (PS), Bártolo de Campos (PRD) e Narana Coissoró (CDS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 5 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 25 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio Gaspar Rodrigues.
Alberto Monteiro Araújo.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Amândio Anes de Azevedo.
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Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Andrade Azevedo.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
António Manuel Lopes Tavares.
António Paulo Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arlindo da Silva André Moreira.
Arnaldo Ângelo de E fito Lhamas.
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Silva e Sousa.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Jardim Ramos.
Francisco Mendes Costa.
Francisco Rodrigues Porto.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Luís Esteves Bairrão.
Henrique Rodrigues Mata.
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos Abreu Salgado.
João Luís Malato Correia.
João José Pedreira de Matos.
João José Pimenta de Sousa.
João Maria Ferreira Teixeira.
José Olavo Rodrigues da Silva.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim da Silva Martins.
José de Almeida Cesário.
José Assunção Marques.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Maria Peixoto Coutinho.
José Mendes Bota.
José Mendes Melo Alves.
José Pereira Lopes.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Jorge Cabral Tavares de Lima.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel Maria Moreira.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Fernando Miranda Relvas.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Aloísio Fernando Macedo Fonseca.
Américo Albino Silva Salteiro.
António de Almeida Santos.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Miguel Morais Barreto.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães Silva.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel G. Pereira Pinto.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Henriques Lopes.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Helena Torres Marques.
Hermínio da Palma Inácio.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
José Apolinário Nunes Portada.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Carlos Pinto B. Mota Torres.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonel de Sousa Fadigas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl da Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Raul Manuel Gouveia Bordalo Junqueiro.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Agostinho Correia de Sousa.
Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
Ana da Graça Gonçalves Antunes.
António Eduardo A. de Sousa Pereira.
António João Percheiro dos Santos.
António Lopes Marques.
António Magalhães de Barros Feu.
António Maria Paulouro.
Arménio Ramos de Carvalho.
Carlos Alberto da S. Narciso Martins.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
Francisco Armando Fernandes.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho.
João Barros Madeira.
Joaquim Jorge Magalhães Mota.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
José Caeiro Passinhas.
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José Carlos Torres Matos Vasconcelos.
José Carlos Pereira Lilaia.
José Emanuel Corujo Lopes.
José Fernando Pinho da Silva.
José Luís Correia de Azevedo.
José da Silva Lopes.
José Rodrigo da Costa Carvalho.
Maria Cristina Albuquerque.
Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos.
Rui José dos Santos Silva.
Rui de Sá e Cunha.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Vitorino da Silva Costa.
Victor Manuel Ávila da Silva.
Victor Manuel Lopes Vieira.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António da Silva Mota.
António Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira.
Bento Aniceto Calado.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Manafaia.
Cláudio José Santos Percheiro.
Custódio Jacinto Gingão.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
José Estêvão Correia da Cruz.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Ilda da Costa Figueiredo.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.
Centro Democrático Social (CDS):
Abel Augusto Gomes de Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
António José Tomás Gomes de Pinho.
António Vasco Mello César Menezes.
Francisco António Oliveira Teixeira.
Henrique José Pereira de Moraes.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
José Augusto Gama.
José Manuel Nogueira de Brito.
José Maria Andrade Pereira.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.
Manuel Fernando Silva Monteiro.
Narana Sinai Coissoró.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Manuel do Carmo Tengarrinha.
Raul Fernando de Morais e Castro.
Deputados independentes:
Maria Amélia Mota Santos.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à leitura do expediente.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Cartas
De Duarte Santos, residente no Porto, remetendo o recorte de um jornal, em que se noticia a existência de uma fábrica que provoca poluição grave para os moradores na zona em que a mesma se situa, em Gueifães, no concelho da Maia;
E, com abaixo assinado, da Associação de Pais e Encarregados de Educação da Escola Secundária de Paço de Arcos, expondo a situação existente na denominada «linha do Estoril», em termos da falta de capacidade nas escolas preparatórias, secundárias e complementares, concretamente nas freguesias de Paço de Arcos, Carcavelos, Oeiras e Algés.
Ofício
Do secretariado dos delegados sindicais do Banco Fonsecas & Bumay, enviando o texto da moção aprovada em reunião que se efectuou no passado dia 23 de Outubro.
Telex
Da União dos Sindicatos de Viseu, representativa de vários sindicatos e delegações naquele distrito, repudiando o corte de energia efectuado pela EDP à Companhia Portuguesa de Fornos Eléctricos, em Canas de Senhorim.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Na última sessão foram apresentados os seguintes requerimentos: ao Ministério da Educação e Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Monteiro; ao Ministério da Educação e Cultura e ao Governo (14), formulados pelo Deputado Sr. Jorge Lemos; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Vidigal Amaro, e ao Ministério do Trabalho e Segurança Social, formulado pelos Srs. Deputados Ilda Figueiredo e António Mota.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes senhores deputados: Américo Salteiro e Rui Rabaça Vieira, na sessão de 22 de Maio; Barros Madeira, na sessão de 28 de Maio; Jerónimo de Sousa, na sessão de 17 de Julho; Maria Santos, na sessão de 15 de Julho; Reinaldo Gomes, na sessão de 25 de Julho; João Amaral e outros, na reunião da Comissão Permanente do dia 11 de Setembro; Luís Roque, na sessão de 9 de Outubro; Raul Junqueiro e Vidigal Amaro, na sessão de 10 de Outubro; José Magalhães, António Osório e Ilda Figueiredo na sessão de 16 de Outubro e Octávio Teixeira, na sessão de 23 de Outubro.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai enunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: Ratificação n.º 116/IV, da iniciativa do Sr. Deputado João Amaral e outros, do PCP, relativa ao Decreto-Lei n.º 233/86, de 14 de Agosto - Revoga o artigo 3.º e da nova
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redacção ao artigo 4.º do Decreto-Lei n. º 502/80, de 20 de Outubro, que aprova os estatutos do CAIACA (Complexo Agro-Industrial do Cachão)-, a qual foi admitida; projecto de lei n.º 293/IV, da iniciativa do Sr. Deputado Raul Junqueiro e outros, do PS - Propõe a criação da freguesia de Vale de Açores, no concelho de Mortágua -, o qual foi admitido e baixou à 10.ª Comissão; projecto de lei n.º 294/IV, da iniciativa do Sr. Deputado Andrade Pereira e outros do CDS - Sistema Poupança/Crédito ao Desenvolvimento Regional -, o qual foi igualmente admitido e baixou à 10.ª Comissão; ratificação n.º 117/IV, da iniciativa do Sr. Deputado Magalhães Mota e outros, do PRD, a qual se refere ao Decreto-Lei n.º 348-A/86, de 16 de Outubro - Altera o regime de revisão de preços de empreitadas e fornecimentos de obras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 273-B/75, de 3 de Junho. Revoga os Decretos-Leis n.ºs 273-B/75, de 3 de Junho, e 540/75, de 27 de Setembro -, tendo sido, de igual modo, admitida a proposta de lei n. º 45/IV, da iniciativa do Governo - propõe que se regule o regime de disciplina aplicável aos objectores de consciência -, a qual foi admitida e baixou à 1.ª Comissão.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, está inscrito o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, o qual não se encontra, porém, presente.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra Sr. Deputado.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, é que consta da ordem de trabalhos distribuída que seria, em primeiro lugar, apreciado o voto de protesto à visita do Presidente da África do Sul à ilha da Madeira.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, sou informado de que tem sido prática da Mesa apreciar esses votos no final do período de antes da ordem do dia.
Contudo, em minha opinião pessoal, penso que tal se deveria fazer no início, a fim de se poder descontar o tempo que se gasta nas declarações de voto nos tempos dos partidos - quando estes já gastaram os seus tempos, não se pode descontar. Porém, como neste momento há divergências, creio que vamos seguir a praxe, até que a questão seja reexaminada.
O Sr. António Capucho (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, pedi a palavra para, por um lado, dar o meu acordo a que se siga a praxe, discutindo o voto no final do período de antes da ordem do dia, mas também para, fundamentalmente, dizer a V. Ex.ª o seguinte: suponho que tal não foi acertado em conferência de líderes, mas também tem sido praxe que os três minutos de declaração de voto a propósito dessas iniciativas não são descontados no tempo do período de antes da ordem do dia. Assim sendo, estaríamos, pela nossa parte, disponíveis para que não houvesse descontos nos tempos a que temos direito.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se há esse entendimento na conferência de líderes, trata-se apenas de uma interpretação diferente do Regimento, à qual não ponho quaisquer objecções.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, em relação à ordem de trabalhos que nos foi distribuída, gostaria, em primeiro lugar, de confirmar se aquilo que nos é distribuído corresponde, de facto, à realidade. Se assim for, gostaria de saber como é que aparece agendado para hoje o projecto de lei n.º 291/IV, do PRD, cujo agendamento não foi anunciado na última sessão plenária, pois, regimentalmente, a ordem de trabalhos é fixada na sessão anterior.
A fixidez da ordem de trabalhos é uma das garantias do funcionamento desta Assembleia e ela não pode, assim, ser alterada com esta simplicidade e sem consenso. Tanto quanto me consta, não há consenso por parte do meu partido para alterar a ordem de trabalhos anunciada para hoje na última sessão plenária e nos termos regimentais, a qual não previa a inclusão do projecto de lei n.º 291/IV.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, vou tentar informar-me junto dos restantes membros da Mesa sobre a razão da inclusão do projecto de lei que acaba de referir. Depois lhe darei uma resposta.
Pausa.
O Sr. António Capucho (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, suponho que se quer pronunciar sobre esta questão, não é verdade?
O Sr. António Capucho (PSD): - Sim, Sr. Presidente, era para interpelar a Mesa em relação à interpelação do Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Presidente: - Tem então a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, nós temos duas fontes, não sei qual delas é a autêntica: uma distribuída pelo Serviço de Relações Públicas e outra pelos serviços de apoio ao Plenário. Convinha que a Mesa dirimisse isto, pois, normalmente, não coincidem, ou seja, as agendas publicadas neste papel branco - julgo que é a fonte autêntica, porque vem do Gabinete do Presidente - não coincidem, em regra, com este folheto 'que integra o projecto de lei em causa.
O Sr. Presidente: - Tem toda a razão, Sr. Deputado António Capucho. Também já tínhamos notado que há uma discordância entre as agendas para hoje distribuídas pelos dois serviços nestas folhas.
O que se passa é que na sessão anterior coube-me anunciar a ordem de trabalhos para hoje e, de facto, não foi referido o projecto de lei do PRD. No entanto, sou informado pelo Sr. Secretário de que na conferência de líderes de ontem teria ficado suspensa a inclusão deste
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diploma e ao fazer a agenda o Sr. Secretário fê-la na convicção de que não haveria objecções ou de que teria sido levantada a objecção do PS. Por conseguinte, há aqui uma pequena divergência.
A partir do momento em que há uma oposição por parte do PS e atendendo ao facto de que esta matéria só poderia seria agendada por consenso, creio que sairá da ordem de trabalhos.
O Sr. António Capucho (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, pedi novamente a palavra porque não tinha ainda acabado a minha interpelação à Mesa.
Sr. Presidente, tem havido consenso na conferência de líderes sobre esta matéria, ou seja, quando estão agendadas matérias sobre determinado assunto e aparece, com a antecedência mínima de oito dias, uma nova iniciativa rigorosamente sobre o mesmo assunto, há consenso - e pela nossa parte dá-lo-emos, em regra - para que seja agendado um novo projecto.
Queria apenas informar V. Ex.ª de que, de facto, o PS dirá o que entender - e reservou, na verdade, a posição sobre este projecto de lei do PRD -, mas que da parte do PSD não há nenhuma objecção a que o projecto de lei do PRD seja agendado e discutido concomitantemente com os outros dois.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, nós mantemos a nossa oposição ao agendamento deste projecto de lei, respeitando, porém, a tradição. Assim, esta nossa posição não significa que venhamos agora pôr em causa o princípio, que o Sr. Deputado António Capucho referiu, de que, como regra, a apresentação à Assembleia antecede de, pelo menos, oito dias o agendamento. Tem sido essa a prática.
No entanto, acontece que o projecto de lei em causa foi entregue na Mesa oito dias antes mas com um prazo muito mais reduzido, pois, como o Sr. Deputado António Capucho e os outros Srs. Deputados sabem, este agendamento é muito anterior a esta data. Isto porque, por razões compreensíveis e que a todos nos ultrapassam, ele tem vindo a ser passado de sessão para sessão. Porém, o agendamento não é de hoje, e, quando foi agendado, este projecto não tinha, nem de longe nem de perto, aqueles oito dias mínimos de antecedência em relação à ordem de trabalhos.
Daí mantermos a nossa oposição, mantendo-nos, no entanto, fiéis a essa praxe do agendamento de matérias conexas, desde que elas tenham sido submetidas à apreciação com um mínimo de oito dias de antecedência em relação ao agendamento, o que, repito, não é o caso concreto, e daí a posição do PS.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, o Grupo Parlamentar do PCP, embora confirmando as objecções e a reserva formuladas pelo representante do PS na conferência de líderes, estava perfeitamente convencido de que, ao fim e ao cabo, se tinha aceite o agendamento do projecto de lei do PRD para a sessão de hoje. Isto porque na conferência de líderes se fez a verificação de que o referido projecto tinha dado entrada com oito dias antes da data de hoje, em que, efectivamente, se ia proceder à sua discussão.
Tal como disse agora o Sr. Deputado Lopes Cardoso, é também verdade que este projecto tem transitado de sessão para sessão, mas quero também deixar aqui o meu testemunho de que, até certo momento, se pensou que esta discussão se não faria - há até um parecer da Comissão de Juventude no sentido de que a discussão fosse adiada. Foi só depois de se verificar que da parte do PSD não havia acordo em relação ao adiamento da discussão que o PRD anunciou a intenção de apresentar hoje o seu projecto de lei.
Portanto, como se vê, há aqui factos que vão ao encontro da praxe dos oito dias e, nesse sentido, há uma total abertura do PCP para que o projecto do PRD possa ser discutido hoje. No entanto, há também factos que vão ao encontro das razões aduzidas pelos Srs. Deputados do PS, razão por que, a subsistir essa objecção, nós não faremos força para que a praxe seja imposta, quando, na verdade, os pressupostos não se confirmam inteiramente.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Mas deviam invocar razões fortes, o que não fizeram!
O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Obviamente que também não vamos fazer força para que essa praxe seja respeitada. Queremos, no entanto, lembrar que o projecto de lei em questão deu entrada há exactamente oito dias e, sobretudo, queríamos recordar que em mais do que uma circunstância se verificou, precisamente em relação ao PS, um caso muito mais nítido de violação destas normas.
Recordo, como caso particularmente significativo, que quando o PRD apresentou um projecto de lei sobre a independência da informação televisiva, com condições de ser aprovado a muito curto prazo, demos o nosso acordo a que fosse agendado um projecto do PS, muito mais complexo, vasto e que ultrapassava esta matéria, o qual foi entregue no próprio dia ou, no máximo, na véspera.
O PS tem, obviamente, o Regimento pelo seu lado, mas pensamos que não tem outras coisas pelo seu lado. Assim, obviamente que nos submeteremos, mas tomaremos a devida nota.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos diz que o PRD apresentou este projecto há exactamente oito dias.
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É verdade. No entanto, lembrarei que há exactamente oito dias esta matéria estava agendada para ser discutida no Plenário.
O PS não recusa o facto de, no passado, ter aceite e até beneficiado de situações semelhantes. Porém, entendemos - e pela nossa parte será, de hoje para o futuro, a nossa prática - que uma das coisas a que é preciso pôr cobro, de uma vez por todas, nesta Assembleia, é às mudanças das ordens de trabalho de um dia para o outro e aos agendamentos que se fazem com 24 horas de antecedência, sem que os deputados tenham, minimamente, a oportunidade de se debruçar sobre as questões.
Temos as nossas culpas, que não rejeitamos, nessa prática passada, mas creio que chegou o momento de todos nós reflectirmos no sentido de que tal prática é errada, sendo que, pela nossa parte, PS, batermo-nos-emos para que ela mude, sem recusarmos a responsabilidade, que também nos cabe, no facto de ela ter subsistido durante muito tempo nesta Assembleia.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, na conferência dos representantes dos grupos parlamentares houve, na realidade, um acordo entre todos nós no sentido de que se poderia entregar um projecto de lei com oito dias de antecedência. Na realidade, o Regimento não diz isso, mas houve esse acordo, incluindo o do PS.
No entanto, ontem, o PS expôs certas reservas ao agendamento do projecto do PRD, mas, tanto quanto me recordo, o Sr. Presidente da Assembleia tomou a decisão de agendar esse mesmo projecto, remetendo para a súmula, creio eu, a expressão «reservas do PS».
Ouvi atentamente as afirmações do Sr. Deputado Lopes Cardoso e estou de acordo com o que afirmou. Na realidade, não devemos andar a alterar e a marcar agendamentos em prazos demasiado curtos, sendo que, em relação ao futuro, podemos rever isso e impor essa regra, a qual é bastante importante. Contudo, em relação a este projecto, creio que a razão assiste ao PRD, embora haja reservas por parte do PS.
Por outro lado, Sr. Presidente, havendo um projecto do PRD e podendo o PS impedir a sua discussão, criar-se-á um novo problema; é que discutimos hoje a proposta do Governo e só mais tarde discutiremos o projecto do PRD.
Assim, creio que seria conveniente entrarmos no debate com o projecto de lei do PRD ou então, Sr. Presidente, teremos de adiar o debate, quer do projecto de lei do PRD quer da proposta de lei, e entrar noutro agendamento futuro.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, solicitei que me fosse fornecida a súmula da reunião da conferência de líderes e assim, enquanto a súmula não me for entregue, não tomarei qualquer decisão.
Pausa.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, se continuarmos a perder tempo com este incidente, não só não vamos apreciar o diploma do PRD, como não vamos apreciar os outros dois, por falta de tempo. Sugeria por isso que continuássemos com o período de antes da ordem do dia, para depois resolvermos este incidente noutro local.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Capucho, acolho inteiramente a sua sugestão. Vamos continuar o período de antes da ordem do dia, para depois, quando chegar a súmula da conferência de líderes, voltarmos a esta questão.
Como o Sr. Deputado José Carlos de Vasconcelos pediu para fazer a sua declaração política no final do período de antes da ordem do dia, no que não vejo inconveniente, dou a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado Rosado Correia.
O Sr. Rosado Correia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já não restam dúvidas a quem quer que seja que o governo Cavaco Silva é, de facto, o governo da oportunidade perdida.
Risos do PSD.
Só que vale a pena parar e ponderar, caso a caso, algumas das múltiplas e variegadas oportunidades já perdidas.
Risos do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Trago hoje à vossa consideração o que se tem vindo a passar no sector da habitação, mais concretamente, aquilo que não tem sido feito para dar satisfação a um dos direitos fundamentais mais importantes dos cidadãos - o direito à habitação.
Não estando ao alcance da maioria dos portugueses arrendar uma habitação, porque não existe política de construção habitacional para arrendamento quando dela necessitam, resta-lhes, em sacrifício familiar, comprá-la, mas, como é natural, só através do recurso ao crédito.
Perguntamos, então, o que é que a este respeito já foi feito pelo actual Governo, que vai contando com um ano de governação? A resposta é simples e tem apenas quatro letras: N-A-D-A ( = nada)!
Antecipo-me às dúvidas que devem perpassar por alguns de vós ao poderem pensar que o que acabo de dizer não corresponde à verdade, já que ainda recentemente foi publicado o diploma relativo ao crédito para habitação, só que, como diria o «nosso amigo» Jô Soares, «aí é qui mora o pirigo», porque, como passarei de imediato a demonstrar, essa medida corresponde exactamente a piorar as condições anteriores.
A vigência do Decreto-Lei n.º 459/83 terminou em Setembro e só nove meses depois é que o Governo o vem substituir por outro, que, como seria lógico e de esperar já que tanto demorou a gerar, deveria ser em tudo possuidor de novidades, o que, em tempos de economia favorável, descidas do petróleo, do dólar e de redução do défice externo, seria de esperar.
A espera de novidades acentuou-se ainda mais quando foi publicado o Decreto-Lei n.º 328-B/86, de 30 de Setembro, e se lê no seu preâmbulo que se «tornava indispensável a revisão do regime geral de crédito
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à habitação, por forma a permitir uma política de habitação adequada», já que o diploma anterior, ou seja, o Decreto-Lei n.º 459/83, se encontrava unicamente adaptado, passo a citar, «à situação macroeconómica recessiva que então se vivia».
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que inovação foi essa que o novo decreto trouxe?
Tome-se como exemplo o caso das bonificações: enquanto no regime anterior (o tal que se adequava ao tempo das vacas magras) a classe mais bonificada e necessitada era contemplada com 9,5%, agora é com 8,6% (baixou); a classe imediatamente a seguir tinha 6,5% de bonificação, tal como agora; a seguinte 4,5%, enquanto presentemente tem 4,3%, e a última, portanto das mais privilegiadas, 1,5%, tendo passado agora para 2,5%.
Isto, traduzido em termos de dinheiro, quer dizer, enquanto no regime anterior a classe mais bonificada (por ser a economicamente mais desfavorecida) pagava por cada 1000 contos de empréstimo 3107$ mensais no 1.º ano e 57 569$ no 25.º ano, agora que, volto a repetir, estamos em tempo de vacas gordas, vai pagar mais: 3824S40 no 1.º ano e 63 254$ no 25.º ano.
É então este o modo como o actual governo ajuda as classes necessitadas? É esta a inovação que trouxe? A adequação do regime de crédito à habitação à conjuntura económica favorável?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: não se ficam por aqui as inovações introduzidas pelo diploma para. como o Governo diz, beneficiar o povo português. E que existem atitudes que inevitavelmente nos levam a pensar, uma de duas:
Ou os actuais governantes pretendem unicamente promover a sua imagem através de medidas legislativas, não realistas mas demagógicas, bem exploradas em alguns órgãos da comunicação social, em especial na Televisão;
Ou os actuais governantes estão deliberadamente a adiar o problema habitacional do País.
Com efeito, que outra explicação se pode encontrar para o facto de, em simultâneo, se falar na descida da inflação e no plafond de aumento salarial de 9% (em negociação no Conselho de Concertação Social) e, repito, em simultâneo, se publicar um diploma como este a que nos estamos a referir, em que os aumentos das prestações anuais chegam aos 11,8% no 1.º ano e a 17,8% no 2.º ano. O que quer dizer que o Governo não acredita na descida da inflação ou, então, que pretende agravar a situação dos trabalhadores dando-lhes 9% de aumento salarial & aumentando-os em 11,8% no 1.º ano e em 17,8% do aumento anual de renda no 2.º ano. Então, por que razão afirma o Sr. Ministro, em entrevista ao jornal Urbanismo e Construção, de 6 de Outubro, que, e passo a citar, «é necessário compatibilizar a progressividade das prestações financeiras decorrentes dos empréstimos com a política de actualização de rendimentos das famílias, sem o que ocorrem, naturalmente, dificuldades acrescidas na solvência de muitos dos que recorrem ao crédito»?
Durante largos meses esteve paralisado o regime da «poupança-habitação», impossibilitando não só a compra de casa a muitos portugueses, como agravando o sector da construção civil. Por isso no 1.º trimestre de 1986 o número de licenças para construção diminuiu 12,8%, percentagem que vai aumentar, sem dúvida, porque não são tomadas quaisquer medidas para viabilizar a indústria da construção civil, a qual ainda recentemente viu a situação seriamente agravada com a aplicação do IVA, que, necessariamente, gera aumento dos custos de produção, sem que o Governo se importe minimamente com o assunto.
E que dizer do tão apregoado crédito bonificado para os jovens?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já não digo que perguntem aos jovens, mas pergunto: de que tipo de crédito se trata? Em que é que ele se distingue do outro? Passo a explicar: no 1.º e 2.º anos de amortização do empréstimo tanto faz ser jovem como não, porque o montante das prestações é o mesmo; a partir do 3.º ano os jovens pagam menos 200$ por mês. Não sei bem porquê, mas não consigo deixar de pensar num poema da poetisa Sophia de Mello Breyner, em que ela diz que «o demagogo diz da verdade a metade».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais podia ser dito a propósito do exemplar Decreto-Lei n.º 328-B/86, de 30 de Setembro, que é mais uma prova inequívoca da ausência de coerência da política em geral e da inexistência de um programa globalizante de política habitacional. Nove meses esteve o Governo para publicar o regime de crédito à habitação, pouco se importando que os processos de pedido de empréstimo se fossem acumulando aos milhares nas instituições de crédito durante longos meses. Entre Janeiro e Abril do corrente ano o crescimento do número de pedidos foi de 122%, enquanto o número de contratos celebrados apenas aumentou 11%. Por que é que o Governo deixa chegar a situação a este ponto, tendo o Secretário de Estado da Habitação sido obrigado a reconhecer já perante a Televisão que para solucionar os pedidos de crédito atrasados em três meses seria necessário que não entrassem mais pedidos?
A explicação para tudo isto está, repito, na inexistência de uma política de habitação ajustada à realidade. O que é que o Governo já fez para desenvolver a habitação social? Nada. Não serão as situações de economia favorável, como a actual, as mais indicadas para se intensificar a construção social e solucionar os problemas daqueles que nem ao crédito bonificado podem recorrer, os chamados indigentes e insolventes?
O que é que o Governo já fez em matéria de intensificação da autoconstrução e do regime de construção evolutiva ou de auto-acabamento? Nada. E quanto à recuperação de zonas históricas e zonas degradadas, e quanto ao sector das cooperativas de habitação, que fez o Governo? O Governo parece ignorar a importância deste sector para a resolução do problema da habitação, sobretudo no que se refere às camadas populacionais mais desfavorecidas. As cooperativas de habitação são, com efeito, as entidades mais vocacionadas e com maior experiência na construção de habitação social, foram já responsáveis pela construção de mais de 20 000 fogos e, se forem apoiadas, os resultados que delas se podem esperar serão progressivamente mais compensadores. Só que o actual governo não vê ou não quer ver esta realidade e, antes pelo contrário, parece apostado em seguir uma política de destruição do cooperativismo em Portugal; segundo afirmação dos responsáveis pela FENACHE, o Governo extorquiu às cooperativas, através do IVA, cerca de 1 milhão de contos e não foi capaz de pôr em prática soluções para a regularização das contas das cooperativas com o ex-Fundo de Fomento da Habitação nem de conceder financiamentos a infra-estruturas já aprovadas anteriormente.
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A intenção de destruição do cooperativismo resulta ainda mais clara do facto de o Governo apenas conceder às cooperativas financiamentos para o período de construção, obrigando-as, assim, a vender as habitações que promovem, como se fossem um promotor privado, esquecendo que as cooperativas podem responder anualmente e já a cerca de 6000 fogos por ano, o que corresponde a 18 milhões, mas o próximo orçamento não ultrapassa os 11 milhões para todo o orçamento do Instituto Nacional de Habitação (INH). Por outro lado, os cooperantes vêem-se obrigados a recorrer ao crédito de compra de casa própria, que leva entre nove a doze meses a ser concedido e encarece o custo da compra em mais de 10%.
Acresce que o Governo não deu ao INH os meios indispensáveis ao desempenho das funções legais que lhe são cometidas, donde resulta que os cooperativistas são obrigados a tratar com ele como se estivessem a negociar com uma qualquer instituição parabancária, ao invés de estarem a ser apoiados pelo organismo oficial especialmente vocacionado para o apoio às cooperativas de habitação.
E, como se tudo o que acabamos de dizer não fosse suficientemente elucidativo do esquecimento a que as cooperativas de habitação foram votadas, foi ainda há pouco publicado o Decreto-Lei n.º 366/86, que vem alargar o crédito à construção para arrendamento a várias entidades, designadamente instituições particulares de solidariedade social e instituições públicas sem fins lucrativos, com omissão, mais uma vez, das cooperativas de habitação.
A FENACHE estima que a repercussão da política do actual governo na promoção da habitação cooperativa fez encarecer cada fogo em cerca de 600 contos. Ora, estes custos tem também graves consequências ao nível da indústria de construção civil do País, determinando menos construção e menos escoamento da mão-de-obra e levando a que, progressivamente, os verdadeiros especialistas da construção civil a abandonem nas mãos de meros curiosos e especuladores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois do que acabo de dizer, penso que já em nenhum de vós restam dúvidas de que, em termos de política de habitação, há que reconhecer que as medidas tomadas por este governo só têm um significado: correspondem a uma política 'adiada e a propaganda.
Estamos em conjuntura económica favorável. O Governo não a quer aproveitar. Mais uma oportunidade perdida - um problema habitacional adiado.
Aplausos do PS e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Manuel.
O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os jornalistas portugueses estão desde ontem reunidos em congresso. Pela segunda vez depois da abolição da censura e para se debruçarem sobre uma questão que, pelas suas implicações, extravasa a dimensão da própria classe, porque de reflexo decisivo no funcionamento pleno da democracia que, hoje, nos é dado viver.
Refiro-me concretamente à importante questão da deontologia, frequentemente posta em causa no interior de uma classe alvo de pressões por parte de quem, ao longo dos tempos, tem ocupado as cadeiras do poder. Hoje, como ontem, e hoje, como anteontem.
Através da desigual invocação de princípios, conforme se é governo ou se está na oposição, usando e abusando (programadamente) da situação económica das empresas do sector (às quais convém não anular o passivo para, a todo o momento, poderem ser declaradas em situação económica difícil, com todas as consequências daí inerentes) ou utilizando alguns daqueles que, estrategicamente, foram sendo, vão sendo, colocados no interior das redacções dos diferentes órgãos de comunicação social. Explorando com alguma frequência o cansaço de uns tantos, já que - sabe-se, de saber certo - ninguém pode ser herói todos os dias, mas contando também com a colaboração de alguns, aqueles que, afinal, nada tem a ver com a profissão. São os que nunca foram jornalistas ou se algum dia, eventualmente, o foram já há muito o deixaram de ser, mesmo quando detentores de uma carteira profissional. São os comissários políticos que, colocados no interior dos diferentes órgãos de comunicação social, apenas estão ao serviço da verdade que até, talvez, nem sempre seja a sua, mas é seguramente a verdade de quem, um dia, lá os colocou. São os que, mantendo relações preferenciais com o poder, com os poderes, em detrimento do público que dizem servir, colaboram nos actos censórios que, hoje, doze anos depois da abolição da censura, se continuam, afinal, a «passear» pela informação portuguesa. São os que, esquecidos da sua força de mediadores, preferem as certezas às notícias, trocam os acontecimentos pelas verdades.
É por tudo isto, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que, contrariando a opinião de alguns (e, talvez, teoricamente com alguma razão), eu saúdo o II Congresso dos Jornalistas Portugueses, o PRD saúda os jornalistas portugueses reunidos em congresso. Apesar da opinião dos que argumentam que outros assuntos, outros temas, hoje e aqui deviam merecer debate preferencial. Só que deontologia - entre nós, tão enxovalhada, tão involuntariamente ignorada - atravessa toda a profissão, envolve toda a actividade de uma classe cada vez mais atraída por apetências que pouco ou nada têm a ver com ela.
Que, como ontem o afirmava o presidente da comissão organizadora do Congresso, este encontro não se venha a transformar num exercício colectivo de hipocrisia. Que - continuo a citá-lo - as acusações aí lançadas não sirvam de álibi à «mais vergonhosa das ingomínias profissionais»: a de tudo se dizer na Gulbenkian, para que tudo fique na mesma nos jornais, na rádio, na televisão.
Assim o esperamos, assim o desejamos, para que dias novos aconteçam na comunicação social, para que os jornalistas, unidos e dignificados, sejam capazes de enfrentar os ataques que aí estão, as ameaças que se adivinham. Que tenham a coragem de fazer frente aos que, até agora, tão ignobilmente se têm deles servido.
Aplausos do PRD, do PS, do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca, Narana Coissoró e Jorge Lemos.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Deputado Alexandre Manuel, de uma forma rápida, pois ainda estamos inscritos para usar da palavra e já não dispomos de muito tempo, queria colocar-lhe uma questão.
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Realçar a importância do II Congresso dos Jornalistas nunca é de mais no entanto, quero fazer-lhe uma pergunta muito concreta, muito simples e muito rápida: como V. Ex.ª sabe, um jornal, um semanário, afecto à área governamental, publicava que vai haver grandes «mexidas» na Radiotelevisão Portuguesa e diz textualmente que o PSD procura jornalistas para integrar a redacção da Radiotelevisão Portuguesa, como se não bastasse já o que lá existe. Gostava que V. Ex.ª, Sr. Deputado, comentasse esta notícia e, nomeadamente, me esclarecesse sobre se entende que nos órgãos de comunicação social estatizados, particularmente na Radiotelevisão Portuguesa, se deve obedecer a critérios de competência ou a critérios de partidos, nomeadamente do PSD.
O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, não apenas para pedir esclarecimentos, mas também para me congratular e exprimir um voto de solidariedade com o orador do PRD que aqui falou do II Congresso dos Jornalistas, submetido ao tema da deontologia profissional.
Naturalmente que a realização de um congresso sobre deontologia profissional pode dar a impressão de que não tem havido deontologia profissional entre os jornalistas e que para o futuro é necessário defini-la, como se, dez anos decorridos sobre a Revolução de Abril - que já aqui foi recordada - nestes últimos dez anos não tivesse havido deontologia profissional. Penso, no entanto, que esta conclusão seria fácil mas errada. É certo que existe em Portugal um problema gravíssimo no que à deontologia profissional diz respeito e colocaria duas hipóteses, perguntando ao orador por que é que surge agora a questão da deontologia profissional e o que é que o Sindicato dos Jornalistas, as associações de jornalistas e o lobby dos jornalistas têm feito pelos próprios jornalistas.
Sou advogado, já defendi cerca de 90 casos de abuso de liberdade de imprensa e nunca vi na minha vida profissional - outros advogados aqui o poderão confirmar - aparecerem representantes do Sindicato ou de associações de jornalistas no tribunal para defenderem os seus colegas, para afirmarem que aquilo que foi dito não foi abuso da liberdade de imprensa mas, sim, o exercício do legítimo direito de informar sobre o que entendem dever ser informado, o exercício do seu direito/dever de informar num Estado democrático e numa sociedade livre, que tem de trazer à «tona da água», ao conhecimento do público, tudo o que lhe «cheire» a corrupção, a manipulação, aos «comissariados políticos», à desvirtuação e ao enxovalho dos jornalistas. Nunca vi isso e pergunto: porquê este congresso, se durante dez anos ninguém se preocupou com a classe, nem sequer os próprios jornalistas? O que é que se pretende fazer para o futuro com o congresso sobre deontologia?
O segundo problema que eu queria ver resolvido tem a ver com o facto de hoje ser atribuída institucionalmente a defesa da deontologia profissional ao Conselho de Imprensa, que é, hoje, um irmão enjeitado na Constituição, pois é o Conselho de Comunicação Social que é erigido como órgão de tutela da isenção da informação, com os resultados que estão à vista, com tudo o que sabemos sobre o Conselho de Comunicação Social. E toda a acção meritória, digna e exemplar que o Conselho de Imprensa tem desempenhado, tem passado completamente à margem das preocupações dos jornalistas. Não vejo jornalista em Portugal que tenha louvado e se tenha batido pelo Conselho de Imprensa e pela sua dignificação.
Em terceiro lugar, queria perguntar ao orador que me precedeu e a quem estou a dirigir estas perguntas breves, porque o tempo é pouco e o assunto muito vasto, o que é que o PRD tenciona fazer de concreto para restabelecer em Portugal o respeito pela deontologia profissional.
O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Alexandre Manuel: Gostaria de lhe dizer, telegraficamente, uma vez que temos intervenções já programadas, que tem da parte da minha bancada todo o apoio para a intervenção que produziu, com a seguinte tónica: entendemos que a defesa da deontologia profissional passa, também, pelas condições que são dadas aos jornalistas para o exercício da sua profissão. E chamaria a sua atenção para casos muito concretos: o caso do recente contrato colectivo de trabalho; o caso da portaria de exclusão, que omitiu uma série de cláusulas que o Governo se havia obrigado a alargar, e, ainda, o caso escandaloso da Rádio Renascença, que nem sequer foi contemplada por essas cláusulas do acordo.
Saudando a sua iniciativa, ficar-me-ia por aqui.
O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Manuel.
O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero agradecer aos Srs. Deputados as questões que me colocaram e, em segundo lugar, dizer que irei ser muito breve, pois disponho de pouco tempo. É que as questões que me foram colocadas mereciam, todas elas, um amplo debate.
Sr. Deputado Jorge Lemos, quero dizer-lhe que as questões que pôs têm toda a premência. Apenas recordarei que fui o primeiro deputado a levantar essas questões.
Em relação às condições de trabalho dos jornalistas, fui o primeiro deputado a denunciar a não assinatura de parte do clausulado da portaria de extensão e fui também o primeiro deputado, nessa mesma intervenção, a denunciar o que se passava em relação à Rádio Renascença.
Sr. Deputado Narana Coissoró, V. Ex.ª colocou-me tantas e tais questões que algumas delas não as entendi, certamente por culpa minha. Sobre a questão do Conselho de Imprensa, quero dizer-lhe que muitos jornalistas têm elogiado a actividade do Conselho de Imprensa - recordo-lhe, inclusive, que alguns jornalistas integram esse mesmo Conselho.
Sobre o que o PRD pretende fazer relativamente à deontologia dos jornalistas, quero dizer-lhe que a nossa atitude e a nossa relação com a classe são a prova de que queremos alguma coisa diferente do que o que até agora se tem passado. O mesmo poderei dizer em relação a alguns dos projectos que apresentámos a esta Câmara e ainda as muitas intervenções que aqui já fizémos.
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Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, não li a notícia que referiu - tomei dela conhecimento ontem, na Gulbenkian, através da intervenção do presidente da Comissão Organizadora do Congresso -, mas quero crer que ela não seja verdadeira, porque, depois de tudo o que tem sido aqui dito pelo partido que apoia o Governo, não quero acreditar que uma coisa dessas seja, de facto, verdadeira.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Pinto.
O Sr. Carlos Pinto (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O desenvolvimento regional, especialmente o que respeita e envolve os interesses das regiões do interior, menos desenvolvido, tem de ser preocupação afirmada em cada gesto da Administração Pública e em cada decisão dos seus agentes. A realização de uma política neste campo será ineficaz se não mobilizar todos os que a ela podem juntar decisões acertadas.
As grandes frases de circunstância merecerão o desprezo das populações e o descrédito de quem as profere, se, designadamente, os passos positivos que vão sendo dados na criação de serviços e de infra-estruturas imprescindíveis vierem a ser inviabilizados por certos responsáveis de empresas públicas que, sem olharem a compromissos assumidos e responsabilidades nacionais, actuam de forma a merecerem a intervenção de quem tem a obrigação de não pactuar com acções, só explicáveis pela ignorância que muitos ainda têm do estado de desenvolvimento do interior do País.
O Sr. Daniel Bastos (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As ligações entre a Beira Interior, Nordeste transmontano e Lisboa e Porto por via aérea constituem, desde a sua criação, um serviço de importância cada vez maior, como alternativa possível ao envelhecimento do caminho de ferro e às péssimas ligações rodoviárias.
Lisboa a oito horas da Guarda, a sete horas da Covilhã, a seis horas de Castelo Branco, por comboio, torna-se mais próxima com uma hora de voo. Os 350 000 penosos metros de estrada minimizam-se com os custos comparativamente mais acessíveis da ligação aérea.
A aceitação e incremento da utilização destas ligações está bem patente na análise que a LAR - Linhas Aéreas Regionais faz no relatório de 27 de Outubro de 1986, onde se afirma que «no eixo do Nordeste transmontano e nas Beiras existe um mercado potencial [...] ou seja, Bragança/Vila Real/Covilhã e Viseu, que já são geradoras de tráfego importante e a acarinhar. Isto supõe que, face à irregularidade das carreiras, por condicionalismos de ordem técnica e insuficiente apetrechamento de equipamento dos aeródromos, será possível, com serviço regular pontual e a preço razoável, obter boas taxas de utilização. Assim o têm compreendido as câmaras municipais servidas por estas ligações, que com sacrifício e esforço financeiro na LAR e na melhoria das instalações aeroportuárias vêm trabalhando para a ultrapassagem dos impedimentos que permitam explorar um mercado potencial que existe e que necessita de ter sem quebras uma oferta permanente de transporte aéreo.
A LAR tem como sócias as câmaras municipais, empresas privadas e a TAP, sucede à TAP Regional, que iniciou o serviço aéreo para o interior do País, e é fruto da iniciativa da TAP na reestruturação das suas actividades.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi neste quadro que a direcção da LAR apresentou, em reunião da passada semana, uma proposta de análise de perspectivas e objectivos, que passa, designadamente, pela criação de novos serviços, reestruturação da frota, dando-lhe meios próprios de gestão empresarial, com objectivos comerciais e concorrenciais.
Trata-se de um esforço da direcção da LAR, apoiado pelas câmaras municipais, que, inclusive, estão dispostas a reforçar a sua participação financeira no capital da LAR. Também esta medida encontra aceitação por parte das empresas privadas.
Todavia, este trabalho conjunto é, porém, frustrado pela TAP, que, invocando a necessidade de subsídios a assegurar pelo Estado, liberalização de tarifas e redução de número de operações, bloqueia a tomada de decisões, foge ao diálogo e assume uma postura de quem está indiferente à manutenção do serviço aéreo regional. Diríamos mesmo que a conduta de certos representantes e a sua falta de diálogo apontam para o desejo de extinguir a LAR.
A ser esta a verdadeira intenção da TAP, tratar-se-ia de uma medida atentatória dos interesses do interior e das populações da Beira Interior e do Nordeste transmontano, que, como deputado, não posso deixar sem um sentido protesto.
No momento em que o Estado investe centenas de milhares de contos em melhoramentos em aeródromos, pistas de aterragem, meios de radioajuda, equipamentos de apoio e serviços meteorológicos. Num momento em que o esforço de promoção do transporte aéreo regional está já internacionalizado, não se compreende a posição insensata da TAP, que não está a ter em conta os verdadeiros interesses nacionais.
A não haver uma ponderação desta empresa quanto aos interesses das populações do interior, julgamos que o Governo não poderá deixar de intervir, para defesa de um serviço imprescindível para o desenvolvimento regional.
Actuações que conduzam à extinção da LAR não podem ser aceites por um governo que se vem propondo resolver o problema vital para o desenvolvimento das regiões, que é a carência de infra-estruturas no domínio dos transportes.
É neste sentido que aguardamos a sua intervenção.
Aplausos do PSD e de alguns deputados do CDS.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Carlos Pinto os Srs. Deputados Armando Fernandes e Armando Vara.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Armando Fernandes.
O Sr. Armando Fernandes (PRD): - Pretendia dizer, sob a forma de pedido de esclarecimento, que estou inteiramente de acordo com a intervenção do Sr. Deputado do PSD e que lhe dou inteiro apoio, pois
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também eu já fui vítima dos malabarismos da TAP e da maneira como se está a comportar para extinguir essas ligações aéreas regionais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.
O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Deputado Carlos Pinto, quero não só manifestar o meu apoio à sua intervenção, como também formular-lhe pedidos de esclarecimento.
V. Ex.ª, Sr. Deputado, não considera que o principal obstáculo à rentabilização das linhas aéreas que referiu reside nas más condições dos aeródromos que servem de suportes a esses voos?
Não considera também que as verbas previstas no PIDDAC para o próximo ano são insuficientes para fazer face às deficiências que referiu?
O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Pinto.
O Sr. Carlos Pinto (PSD): - Srs. Deputados, uma breve resposta, dado que estou limitado em termos de tempo disponível do meu grupo parlamentar.
De facto, não considero que as razões principais da não rentabilização da TAP estejam nos aeródromos e nas verbas insuficientes que, na palavra do Sr. Deputado Armando Vara, estão atribuídas no PIDDAC. Para mim, as principais razões estão na falta de devida estruturação da frota e também na não abertura de algumas linhas, que são extraordinariamente rentáveis, em termos de exploração aérea, e que, naturalmente, iriam custear algumas ligações aéreas que neste momento têm de ser deficitárias, em termos de tempo de promoção do próprio serviço.
Aliás, julgo que o investimento das verbas para melhoria dos aeródromos depararia com dificuldades de execução de algumas obras, que neste momento já se estão a verificar em alguns aeródromos.
Portanto, considero que, efectivamente, a solução deste problema passa pela disponibilidade da TAP em encarar todas as propostas que lhe foram feitas no âmbito da LAR - Linhas Aéreas Regionais.
O Sr. Presidente: - Antes de conceder a palavra ao Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos para uma declaração política, vou dar uma «rodada» por todas as bancadas (risos) pois falta falar um Sr. Deputado do PCP e outro do CDS e que também estão inscritos.
Tem, pois, a palavra para uma intervenção o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro.
O Sr. Álvaro Brasileiro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se a nossa agricultura se desenvolvesse na razão directa da incompetência e da negligência que sobre ela se abate, Portugal teria, por certo, a agricultura mais desenvolvida da Europa.
Mas não é assim, e da incompetência e negligência deste governo e dos que o precederam, responsáveis ainda por uma política de progressiva deterioração dos «termos de troca» entre a agricultura e os outros sectores, têm resultado gravíssimas consequências para a nossa economia e para os agricultores.
O que este ano se passou com o tomate para a indústria é o exemplo acabado de como se deve liquidar uma cultura de enorme importância para o País e arrastar para a ruína milhares de agricultores, e não só. O tomate para a indústria, com uma área média anual de cultivo da ordem dos 18 000 ha, constitui cerca de 95 % do volume total dos produtos hortícolas utilizados pela indústria, representando o produto transformado cerca de 60 % do valor das nossas exportações de hortícolas e frutícolas e mais de 30 % do valor total das nossas exportações de produtos agro-alimentares de origem vegetal e animal.
Trata-se, indiscutivelmente, de uma cultura de elevado interesse económico e social, não se podendo ainda subestimar que cada campanha de tomate envolve mais de 4 milhões de horas de trabalho, desde 'á preparação da terra até à colocação do tomate à porta da fábrica. Isto equivale, durante os meses de Abril a Outubro, a mais de 20 000 postos de trabalho permanente nos campos, grande parte deles preenchidos 'pelos próprios seareiros e seus familiares, para quem esta cultura constitui parte substancial, quando não exclusiva, dos seus rendimentos.
Só que, neste primeiro ano de integração de Portugal na CEE, para grande número de seareiros e suas famílias o tomate terá sido a sua ruína.
Confrontados, primeiro com as rendas altamente especulativas que ameaçam a própria viabilidade económica desta e de outras culturas regadas, sobretudo se feitas em regime de arrendamento de campanha, os produtores viram-se sujeitos a um novo factor de estrangulamento, decorrente da imposição de quota à produção de concentrado de tomate.
Vejamos a situação: a indústria sujeita às referidas quotas resolve o problema fazendo contratos com os produtores na base do volume de matéria-prima a entregar por estes às fábricas; os produtores ficaram na situação de terem de indemnizar a indústria se a produção fosse inferior à contratada ou terem de ficar com os excedentes se a produção fosse superior à estabelecida no contrato.
Ora, não sendo a produção agrícola exactamente a mesma coisa que a produção de parafusos, em que é possível determinar a equivalência entre o aço incorporado e o número de parafusos que se vai obter, o que aconteceu é que os produtores de tomate ficaram na situação de «presos por ter cão, presos por não o ter». Como é possível desenvolver uma política de melhoria de rendimento das culturas se o produtor é penalizado por essa melhoria?
Como é possível fazer recair sobre a produção primária todo o ónus dos riscos decorrentes de uma situação para a qual ela não foi tida nem achada?
Não pode ser, será por certo o que todas as pessoas de bom senso dirão. Mas em Portugal pode ser. E pode, porque entre outras razões, por incompetência e negligência negocial com a CEE - primeiro dos governos que negociaram o tratado de adesão, depois deste governo -, não foi assegurado para os nossos produtores o regime de retirada à produção dos excedentes de tomate fresco.
Estamos, assim, na condição de sermos o único Estado membro da Comunidade sem direito a beneficiar deste regime.
Esta situação é tão mais grave quanto lhe acresce um conjunto de factores internos só possíveis de se verificarem dada a debilidade do sector, a falta de apoio do
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Governo, a impunidade com que se cometem irregularidades e a própria desorganização dos produtores. Que factores foram estes? Poderá perguntar-se:
1) Uma fábrica que firmou contratos com os produtores, trata-se da CONSOL, e que não chegou a abrir as portas, deixando os seareiros com o tomate por colocar.
Situação quase idêntica a verificada com a EÇA, em Alvalade do Sado, que apenas terá recebido cerca de 4000 t de tomate em 900 ha. Consequência disto: produção perdida, produtores arruinados, trabalhadores no desemprego, comércio de rastos.
2) O atraso na recepção do tomate pelas fábricas.
Razões: deficientes infra-estruturas de recepção, mas também interesse conjuntural de retardar a recepção como forma de reduzir o volume, dada a situação excedentária nacional e externa.
Isto levou a que a indústria se não mostrasse interessada em atingir a quota de 120 000 t de concentrado, como estava estipulado no acordo da CEE.
Consequência: depreciação do tomate, com prejuízo para os produtores e dificuldades acrescidas para o escoamento da produção.
Deve ser assegurada a restituição à exportação para os Estados Unidos da América, Canadá e EFTA, mercados tradicionais com importância decisiva para as nossas exportações e nos quais estamos a perder posição por falta de preços competitivos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, face à gravidade da situação atrás apontada, o PCP, através das organizações regionais do Alentejo, Setúbal e Ribatejo, realizou no passado dia 8 de Novembro um debate sobre os problemas do tomate e a CEE, onde estiveram cerca de 350 produtores das três regiões e onde foram aprovadas conclusões importantes que apontam para medidas urgentes, tanto na campanha de 1985 e 1986 como para a próxima campanha de 1987.
Também em relação a este grave problema o Governo não defendeu os interesses nacionais, malbaratou oportunidades e prejudicou os agricultores e a agricultura. Por essa razão, urge a concretização de uma outra política agrícola para bem do País e dos portugueses.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Monteiro.
O Sr. Manuel! Monteiro (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um dos problemas que mais gravemente afectam a sociedade contemporânea é o da criminalidade.
Tal facto, por si só preocupante e merecedor de atenção, assume, todavia, proporções constrangedoras quando se constata ser a juventude uma das principais expoentes de tal fenómeno.
As razões de tal acaso não têm, contudo, com grande admiração nossa, sido objecto do estudo e da reflexão, que cremos necessária e imprescindível, por parte das entidades competentes. Falta de tempo, desconhecimento ou desinteresse, o que é certo é que a delinquência juvenil, que tem vindo a aumentar no nosso país, não tem sido considerada uma questão tão importante que suscite, & par de outros assuntos, um lugar de destaque nas discussões dos detentores do poder político.
Recentemente, e porque não quer ser igual aos que critica, a juventude centrista realizou, em colaboração com o Instituto Amaro da Costa, um seminário subordinado ao tema «Os jovens e a justiça em Portugal». Nesse seminário, que contou com a presença e participação de várias individualidades, de que destacamos os directores do serviço Tutelares de Menores, do Instituto de Reinserção Social, da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais e do Centro de Estudos Judiciários, foram abordadas com frontalidade algumas das causas da delinquência juvenil, bem como apontadas pistas para a resolução de tão nefasto problema.
Os participantes e intervenientes, que comungavam de diversa doutrina política e se inspiravam em variada inscrição ideológica, souberam, contudo, encontrar-se no debate sério e construtivo, cientes da necessidade de ultrapassar as balizas partidárias e encontrar pontos de entendimento que contribuíssem para combater o crime, salvando a juventude e a comunidade.
E é para vos falar das conclusões deste seminário que requeiro um pouco da vossa atenção, pedindo-vos, em nome do CDS e da Juventude Centrista, que como representantes do povo português saibais e saibamos trabalhar no sentido de alcançarmos a diminuição da delinquência juvenil, aspirando a uma sociedade onde o crime não seja nem mais uma opção de vida nem a única porta de saída para muitos dos nossos jovens.
A educação e o ensino são apontados unanimemente como ponto de frustração e revolta da nossa juventude. As diferenças abissais entre o que os jovens anseiam da escola e aquilo que o sistema educativo lhes oferece constitui uma situação de risco psicossocial, com reflexos potenciais na criação de apetência para a prática de comportamentos desviantes. Podemos com propriedade afirmar que a violência começa nas estatísticas educativas e na degradação física e pedagógica do ambiente escolar. Bastará lembrar, entre outros exemplos, as taxas de insucesso e de deserção escolar, os milhares de alunos que todos os anos ficam à porta da universidade, sem formação que permita uma oportuna integração nas estruturas produtivas, etc.
A família, que tantos ataques tem sofrido, não deixa de ter, enquanto comunidade natural para a qual os homens se encaminham como forma normal de realização em sociedade, um papel insubstituível na formação da personalidade do jovem. A família é o centro da harmonia, da educação e do respeito, próprio e alheio, e só ela em grande medida pode ajudar a encaminhar ou reencaminhar o jovem. Daí que a tenhamos de apoiar, ou pelo menos defender, daqueles que sabendo da sua força e importância na nossa sociedade tudo têm feito no sentido de a destruir. O desemprego, propiciador do ócio e da deformação criativa do indivíduo, a falta de habitação e de habitação dimensionada para as características e necessidades de uma equilibrada conviviência familiar, a degradação do estatuto económico e social das famílias, o nível de formação cultural, a mutação de valores e costumes, têm sido e são um factor poderoso de desinserção social do jovem e da sua recondução nos caminhos da delinquência.
O comportamento anti-social dos jovens, menores ou maiores, revela a deficiência na formação da sua personalidade. A sociedade, que se arroga o direito de educar e formar os jovens, não pode ser desresponsabilizada dos resultados criados pela deficiência das estruturas que erigiu. Ë, pois, necessário fazer uma pedagogia social de assunção desta responsabilidade.
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Até porque a primeira medida correctiva dos desvios praticados pelos jovens em relação às condutas não penalizadas é compreender os motivos desses desvios.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O panorama geral é, neste âmbito, desolador, a delinquência juvenil é cada vez maior, os delitos cada vez mais violentos, o sistema de recuperação mais inexistente, o sistema prisional mais obsoleto e insuficiente.
Sabe-se de há muito que a prisão é um factor de criminogenia. A aduzir a tal facto, as nossas prisões encontram-se superlotadas, nelas sendo alojados indiscriminadamente presos de alta perigosidade com presos de furtos sem grande expressão. A Direcção-Geral dos Serviços Prisionais diz não possuir meios para executar o regime legal aplicável à gestão prisional. Para alimentar e vestir cada preso, aquela Direcção-Geral dispõe actualmente de 220$ por dia. Por outro lado, as prisões ressentem-se da falta de habilitações e de formação do pessoal prisional, ressaltando a necessidade de criação de uma escola de formação para esse pessoal, de modo a suprir as carências existentes.
Mas o que não deixa de ser ainda mais desolador é que, perante este quadro, com os dados fornecidos e divulgados pelos mais altos responsáveis por este sector, vamos vendo e ouvindo o Governo, nomeadamente através do Sr. Primeiro-Ministro, dizer que tudo tem melhorado no País e que a juventude é disso a mais fiel testemunha.
O Sr. Mendes lota (PSD): - E é verdade!
O Orador: - Erguemos, pois, hoje e aqui a nossa voz, para, num espírito de crítica que pretendemos e sabemos construtiva, dizer que o Governo está enganado.
Fazemo-lo, assumindo as nossas responsabilidades de partido da oposição construtiva e séria, que louva os bons actos e condena as omissões.
É que enquanto nos dizem que o número de exemplares do cartão-jovem tem aumentado, nós, que não pomos em causa tal informação, verificamos que também o consumo da droga tem ultimamente subido, bem como o número de inquilinos jovens nas cadeias tem crescido.
Como pode estar tudo bem quando as novas gerações de Portugal procuram numa escala preocupante os caminhos da violência? Afinal, algo está errado!
Para onde nos conduzem?
Fazem-se estatísticas sobre tudo e mais alguma coisa. Hoje vivemos na lógica dos números. Mas, curiosamente, não se atende, com a atenção devida, a um problema desta natureza.
Tenhamos a coragem de enfrentar a realidade e estudar e reflectir sobre as verdadeiras causas e não só sobre os seus efeitos. Queremos que o Governo e demais detentores do poder político saibam que o futuro da nossa sociedade depende do grau de resolução que for capaz de dar aos problemas das novas gerações, numa só palavra, da sua juventude.
A construção do País não se faz sem os jovens, muito menos contra eles. Saibamos não o esquecer.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.
O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PRD tem sido, e será sempre, defensor intransigente e ardoroso das autonomias regionais, que só o regime democrático tornou possíveis, assim como de tudo o que elas representam para o País e para as populações insulares. Ora, a consolidação, o desenvolvimento e o aprofundamento dessas autonomias, que o PRD entende ser um objectivo nacional, só ganha se exercido nos seus justos limites constitucionais e legais, só perde se maculado por excessos ou desvios, só se destrói quando o corrompem as sombras do separatismo, que é a sua negação.
Com efeito, a autonomia dos Açores e da Madeira, além de visar «a participação democrática dos cidadãos, o desenvolvimento económico e social e a defesa e promoção dos interesses nacionais», visa, natural, necessária e patrioticamente, «o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses». E nunca por nunca ser poderia a autonomia pressupor ou admitir a destruição ou o enfraquecimento da unidade e da solidariedade nacionais.
Porque assim é, a Constituição enumera, no seu artigo 229.º, os poderes das regiões autónomas, os quais não se estendem, obviamente, aos domínios que conformam a unidade da Nação, entre os quais se conta, sem margem para qualquer dúvida, o da unidade da representação do Estado e da consequente unidade da direcção da sua política externa.
«A soberania, una e indivisível», que «reside no povo» e o «Estado unitário», a que se referem os artigos 3.º e 6.º de uma lei fundamental, têm, naqueles domínios, a sua única expressão e representação possíveis através dos órgãos da República. Igualmente não podem ter acepção ou aplicações diferentes, em qualquer parte do território português, os princípios do nosso «Estado de direito democrático» e os que regem as relações internacionais do Estado Português, consagrados no artigo 7.º da Constituição. Entre estes princípios avultam «o respeito dos direitos do homem» e o «direito dos povos à autodeterminação e à independência», direitos profundamente atingidos e violados em qualquer regime racista e opressor.
Enfim, a obediência às normas e aos princípios do direito internacional e às decisões e medidas das organizações internacionais de que Portugal faz parte impõe-se em todo o País, acentuamos: em todo o País, sem qualquer excepção, continental ou insular.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estas considerações são-nos exigidas pela visita à Madeira do Presidente da República da África do Sul, acompanhado do seu Ministro dos Negócios Estrangeiros e de uma vasta comitiva.
Quando na África do Sul se continua a praticar uma política de apartheid e forte repressão, profundamente violadora de elementares direitos do homem, das liberdades fundamentais, do direito internacional, das deliberações da ONU e até dos princípios humanistas, cristãos e de convivência multirracial que constituem o melhor da raiz e da tradição do nosso povo; quando, em todas as instâncias internacionais, se multiplicam esforços para isolar o regime sul-africano, assim tornando clara a sua condenação pela consciência universal, em ordem a coagi-lo a alterar radicalmente a sua política.
Numa altura muito especial em que também a CEE, os Estados Unidos e outros países da OCDE decidiram passar da condenação formal do regime do apartheid e promover medidas concretas para o combater.
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Mais ainda, exactamente no momento em que Portugal participa das decisões tomadas neste sentido pela CEE, o que, como é evidente, obriga o nosso país a co-responsabilizar-se por elas, com coerência e sem equívocos, em Portugal o Presidente da República da África do Sul e a sua vasta comitiva visitam a Madeira, a convite do Governo Regional, segundo notícias veiculadas publicamente e não desmentidas, são recebidos oficialmente e cumprem um programa oficial, embora, singularmente, a visita se diga privada!...
Mas estarão o Sr. Pieter Botha, o Sr. Pik Botha e toda a sua comitiva na nossa Madeira para gozar umas férias e ver a beleza da ilha? Tivessem eles chegado ao Funchal, por sua iniciativa, para apanhar sol, tomar banho e comer umas boas espetadas, e decerto não estaríamos aqui a ocupar-nos deste assunto ...
A realidade, porém, é completamente outra - e fala, indesmentivelmente, por si.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E a realidade não muda por mudarem as palavras que a pretendem exprimir, ou disfarçar, a realidade não muda por a visita ser alegadamente «particular» ou porque se diz que ela é particular: esta é uma mera questão semântica, ou pouco mais.
Ora julgamos que os órgãos de soberania da República, designadamente o Governo, não têm de curar da semântica - têm de cuidar dos factos, dos interesses do País, do respeito e da fidelidade às obrigações e aos compromissos internacionais que assumimos, do respeito e da fidelidade aos princípios que enformam o nosso regime democrático e até a nossa consciência de povo livre e solidário com os outros povos.
Repare-se que na visita particular que fez a França o Presidente da República da África do Sul não foi recebido por nenhuma entidade oficial, muito menos a nível correspondente a um presidente do Governo Regional, não teve nenhuma recepção ou programa oficiais.
Na portuguesa Região Autónoma da Madeira tudo foi diferente, perante o silêncio ou as palavras poucas, vagas e desculpabilizadoras de quem tinha obrigação de assumir as suas responsabilidades.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!
O Orador: - Mais e pior: hoje mesmo, os órgãos de comunicação social reproduzem afirmações do Presidente do Governo Regional, de acordo com as quais a visita do Presidente da África do Sul «só é particular para dar cobertura ao PSD» e os seus pormenores foram «combinados com o Ministro da República».
O que se passou reveste-se, assim, a vários títulos, de uma importância e gravidade que não se podem minimizar. E por isso o PRD, além das posições que já tomou (entre as quais a da sua estrutura regional da Madeira, que a televisão e a imprensa locais silenciaram, o que é também significativo da situação que ali se vive), entendeu fazer hoje esta declaração política.
O que se passou contraria princípios que temos por essenciais, atenta contra a unidade de acção externa do Estado Português, diminui a credibilidade da nossa posição na CEE, pode prejudicar, a prazo, as potencialidades de Portugal como interlocutor na África Austral e até as nossas relações com os novos países de expressão oficial portuguesa.
O que se passou, embora pareça, de imediato, favorável à grande comunidade portuguesa (designadamente de madeirenses) na África do Sul, que não esquecemos e cujos interesses importa sempre defender, não é a melhor forma de os prosseguir e poderá acabar mesmo por só lhes ser prejudicial.
O que se passou tem uma «leitura» ainda mais nítida e assume ainda maior gravidade e significado se, por um lado, atendermos às citadas afirmações do Presidente do Governo Regional e, por outro, situarmos esta visita à Madeira de Pieter Botha na sequência da atitude das autoridades da Região, que desrespeitou ostensivamente, para não dizer mais, o luto nacional pela morte do Presidente Samora Machel, decretado pelo Governo da República.
Tratou-se, também aí, e porventura de uma forma ainda mais inequívoca, de não cumprir uma deliberação dos órgãos de soberania da República, como se a Madeira não lhes devesse obediência ou não fosse Portugal. Isto é uma matéria particularmente delicada, e um ponto em relação ao qual se manifestou até uma completa identidade de posições, como o atesta o unânime pesar manifestado neste Parlamento por todos, todos, os partidos.
Na altura da morte trágica do presidente, amigo de Portugal, de um país amigo de Portugal, a quem nos ligam muito especiais laços de história, língua e cultura, o pretexto invocado pelo Governo Regional para aquele desrespeito pelo luto nacional decretado foi o de que em Moçambique eram violados os direitos do homem. Duas semanas depois, inacreditavelmente, o mesmo Governo recebia de braços abertos o presidente de um regime universalmente condenado pela violação dos direitos do homem, do direito internacional e das decisões das instâncias internacionais: um regime que, exactamente, tanto tem contribuído para a desestabilização e os graves problemas dos países africanos de expressão oficial portuguesa, incluindo Moçambique.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PRD condena com vigor este estado de coisas e exige um esclarecimento imediato do Governo da República, que, aliás, não queremos sequer admitir esteja a actuar em consonância com o Governo da Madeira, e que não pode misturar questões de Estado com eventuais questões internas de partido; isto é, que tem de agir tendo em conta apenas os imperativos constitucionais e os interesses nacionais, e não o facto de o Governo Regional ser do partido que o apoia e ter a força que se conhece.
O PRD mais uma vez reafirma, como fez a propósito de recentes declarações do Presidente do Governo Regional dos Açores, que nenhum destes factos, por mais grave que seja, deve interferir ou servir de pretexto para que de qualquer modo se ponham em causa ou diminuam as autonomias regionais, cujos problemas haverão de ser discutidos, se for o caso, em sede de revisão constitucional.
Enfim, enquanto representantes dos Portugueses, exigimos também que o Governo explique a acção que entende exercer para que a autoridade democrática do Estado se exerça em todo o território português e a sua representação e acção externas se revistam da unidade que a própria unidade nacional exige, sem contradições ou duplicidades inadmissíveis.
Aplausos do PRD, do PS, do PCP e do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos.
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O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos os Srs. Deputados António Capucho e Raul Castro.
Tem, pois, a palavra, para esse efeito, o Sr. Deputado António Capucho.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, não tenho muito tempo e a resposta detalhada à sua intervenção será dada mais adiante, aquando da declaração de voto que há-de ser lida pelo meu colega de bancada Vítor Crespo a propósito de um voto entrado na Mesa sobre esta questão. Mas, sem embargo, não resisto a fazer-lhe uma ou duas perguntas.
Apesar de toda a consideração que tenho por V. Ex.ª, começo por classificar a sua declaração política como reveladora de alguma hipocrisia.
V. Ex.ª não considera que há uma manifesta contradição entre, por exemplo, os elogios rasgados e prodigalizados nesta Câmara, em relação à atitude pragmática e realista do malogrado Presidente Samora Machel, que dizia - e bem - que não podia escolher os vizinhos e não teve qualquer pejo em sentar-se à mesa com o Presidente Botha, assinando com ele, designadamente, um tratado e, ao mesmo tempo, a crítica cerrada e virulenta que V. Ex.ª fez, a propósito de uma visita de carácter particular, em que, sem prejuízo da nossa postura a propósito do apartheid, há que ter em conta a realidade concreta que é o facto de termos relações diplomáticas com a República da África do Sul?
O facto de 300 000 madeirenses labutarem na República da África do Sul e de cerca de 600 000 a 700 000 portugueses mereceria, da nossa parte, uma atitude mais pragmática e mais realista, como aquela que V.ªs Ex.ªs aplaudiram em relação ao Presidente Samora Machel!
V. Ex.ª não considera, por exemplo, que mais pragmática e realista foi a atitude do Ministro da República Lino Miguel, que, com bastante bom senso, reduziu esta visita de carácter particular às suas reais dimensões, não a enfatizando nem prodigalizando comentários de natureza - parece-me - lateral em relação ao cerne da questão?
Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, teria muito mais para lhe dizer, mas ficarei por aqui, pois o tempo não permite alongar-me.
Mas quero dizer-lhe que, mais adiante, o nosso deputado Vítor Crespo dar-lhe-á uma resposta sobre este assunto.
Acrescentarei apenas uma nota: V. Ex.ª não considera também contraditório que se faça tanto barulho a propósito de uma visita particular à Região Autónoma da Madeira, quando não se fez qualquer barulho quando a mesma personalidade, em visita oficial ao nosso país, há dois ou três anos, foi convidado por um Primeiro-Ministro, que, por acaso, não era do nosso partido?
Aplausos do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, sob a forma de pedido de esclarecimento e porque, na realidade, não tenho qual quer dúvida nem qualquer esclarecimento a pedir-lhe, quero simplesmente exprimir-lhe a minha total concordância com a sua declaração política e afirmar-lhe, em nome do MDP/CDE, que perfilhamos inteiramente o teor da sua intervenção, condenando energicamente a atitude adoptada pelo Presidente do Governo da Madeira.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.
O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Deputado António Capucho, não obstante a consideração que tenho por V. Ex.ª, ou por isso mesmo, entendo que se deveu certamente a um lapso de linguagem a utilização da palavra hipocrisia, que é uma coisa que não utilizamos nem utilizaremos.
Não existe qualquer contradição entre os elogios feitos à acção do Presidente Samora Machel com as posições agora tomadas.
Não temos de nos arvorar em juízes e julgar os actos do Presidente Samora Machel, enquanto Presidente da República Popular de Moçambique. No entanto, lembro-lhe que, felizmente, a situação em Portugal em relação à África do Sul e a de Moçambique em relação a esse mesmo país são diferentes, quer geograficamente quer por não estarmos submetidos, inclusive, a uma agressão por parte da África do Sul - como a que parece verificar-se em Moçambique -, quer porque essa visita do Presidente Samora Machel não se destinou propriamente - julgo eu - a festejos e a sorrisos, mas a tentar exactamente pôr termo a essa agressão efectuada pela África do Sul, o que, infelizmente, parece não ter sido conseguido. Aliás, também não podemos deixar de tomar na devida consideração este facto.
Por outro lado, nos seus pressupostos V. Ex.ª parte sempre - e acentuou muito - deste carácter de visita particular, carácter esse que, para além dessas questões meramente semânticas, ainda não foi devidamente esclarecido, ou seja, ainda não foi dito porque é que a visita era apenas particular.
Pelo contrário, eu esperava que V. Ex.ª tivesse comentado a afirmação do seu colega de partido e Presidente do Governo Regional, que disse publicamente que a visita era particular, apenas para dar cobertura ao PSD.
Finalmente, não temos de nos pronunciar...
O Sr. António Capucho (PSD): - Dá-me licença, Sr. Deputado?
O Orador: - Faca favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito obrigado, Sr. Deputado. É evidente que eu não comento títulos do Diário de Notícias, que não sei se são desgarrados ou inseridos em determinado contexto. Não vou comentar informações que constam de títulos de jornais, estatizados ou não, avulsamente. Não faço comentários sobre isso.
O Orador: - Eu não queria que comentasse o título do Diário de Noticias mas, sim, as afirmações do Sr. Presidente do Governo Regional da Madeira, porque penso que certamente o seu partido - um partido com toda a organização e implantação como a que
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tem -, perante a gravidade dos factos, já entrou em contacto com o Dr. Alberto João Jardim para saber se correspondem ou não à verdade as declarações que lhe são atribuídas.
Pelo menos, ainda não as vi desmentidas.
Finalmente, é óbvio que não temos de fazer comentários à intervenção do Sr. Ministro da República. Mas, se tivéssemos mais tempo, também os poderíamos fazer.
Queria ainda dizer que,- quanto a uma visita efectuada a Portugal na vigência do Governo anterior, por um ministro sul-africano, não desejamos pronunciar-nos agora.
Lembro-lhe apenas que, se então não nos pronunciámos, foi porque o PRD ainda não existia nessa altura, pois, se existisse, decerto a teria condenado.
Aplausos do PRD e do deputado Lopes Cardoso (PS).
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar imediatamente à apreciação do voto que transitou da sessão anterior.
Está esgotado o tempo do período de antes da ordem do dia, mas as intervenções dos Srs. Deputados não ficam prejudicadas, porque já entrou na Mesa um requerimento para prolongamento deste período por 30 minutos.
Assim, passamos imediatamente à discussão do voto e as intervenções dos Srs. Deputados terão lugar no período de prolongamento, de 30 minutos.
O Sr. Secretário Reinaldo Gomes vai proceder à leitura do voto.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, não nos opomos a esse procedimento, mas a praxe é no sentido de o voto ser votado e sujeito às declarações de voto no final do período de antes da ordem do dia.
Se há prolongamento deste período, penso que deveríamos continuar com as intervenções.
De qualquer modo, se V. Ex.ª se inclinar nesse sentido, não nos opomos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, essa praxe não tem suporte regimental.
A minha interpretação é a de que o voto deveria ser a primeira coisa a ser apreciada, e o prolongamento vai adiando sucessivamente o voto, ficando dependente do requerimento de prolongamento.
Mas se os Srs. Deputados entenderem que é assim, que esta praxe se deve manter, não levanto objecções.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, nós também não faremos disto uma questão maior.
Mas, de facto, estamos de acordo com o Sr. Deputado António Capucho: a praxe tem sido sempre a de, no termo do período de antes da ordem do dia - quer com prolongamento quer sem prolongamento -, serem apreciados e votados os votos.
Mas, enfim...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, não tenho objecções. Nem sempre as praxes são razoáveis...
Está ainda inscrito no período de antes da ordem do dia o Sr. Deputado Raul Castro, a quem concedo a palavra.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Constitui um imperativo ético e político denunciar a actuação do Governo a propósito da sua insistência em prosseguir uma política para a Zona da Reforma Agrária lesiva dos interesses das populações rurais, impeditiva do pleno aproveitamento das potencialidades agrícolas de mais de um terço do território nacional, ofensivo da legalidade democrática e foco de permanente instabilidade social.
Nesta Assembleia têm sido repetidamente denunciadas a insensatez desta política, as ilegalidades, irregularidades e abusos de poder que enformam os processos de actuação dos serviços do Ministério da Agricultura e o desrespeito sistemático que manifesta pelas decisões judiciais favoráveis às cooperativas.
Parece não pesar ao Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação que tais práticas estejam a ser investigadas no âmbito de uma comissão eventual de inquérito desta Assembleia e que a proposta de lei n.º 29/IV, que aqui apresentou como propósito evidente de dar cobertura à sua acção, tenha sido claramente rejeitada.
Insiste o Ministro no seu propósito de estrangular cooperativas, retirando-lhes terras indispensáveis à sua viabilidade económica, a pretexto de demarcação de novas reservas, majorações, recolocações, concursos públicos, etc., sem cuidar das graves repercussões destas medidas, quer em termos de agravamento de desemprego quer em termos de quebra de produtividade do sector.
Num levantamento feito pelo secretariado das UCP's/Cooperativas Agrícolas e sindicatos de trabalhadores da agricultura dos distritos de Beja, Évora, Portalegre, Santarém e Setúbal refere-se que só no passado mês de Outubro foram retirados a várias cooperativas mais de 5000 ha das melhores terras e que, entre processos já despachados e outros em vias de despacho de que se tem conhecimento, se prepara a urgente entrega de novos reservatários de mais de 30 000 ha, comprometendo mais de 3000 postos de trabalho, nada menos que passados oito anos depois de expirado o prazo legal para a apresentação de pedidos de reserva e conclusão dos processos (como estabelece o n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei 81/78, de 28 de Abril).
Por outro lado, o Ministro persiste na recusa em cumprir os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo que mandam suspender ou anular entregas de reservas, chegando ao cúmulo de escamotear da publicação no Diário da República, uma das conclusões do parecer por si solicitado ao conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República, na qual é expressamente reafirmada a obrigatoriedade de cumprimento imediato dessas decisões (Diário da República, 2.ª série, n.º 186, de 14 de Agosto de 1986).
Esta actuação do Ministro e a sua ostensiva oposição à regularização das situações de posse da terra por parte de cooperativas agrícolas, quer abstendo-se de expropriar herdades que estão nas condições para tal exigidas, quer adiando indefinidamente a celebração de contratos de uso da terra entre as cooperativas e o
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Estado, tem obviamente gravíssimas consequências, impedindo a consolidação das formações económicas que actuam na região, travando os investimentos e impossibilitando às cooperativas o recurso aos apoios financeiros da CEE.
Animados por esta situação, os antigos proprietários, mesmo os que já receberam resrvas, vão colocando nos tribunais comuns acções de reivindicação de propriedade de herdades não expropriadas que estão na posse útil de cooperativas, criando dificuldades acrescidas a um processo de estabilização social e ao desenvolvimento económico.
A propagandeada política de distribuição de terras, a título individual, a pequenos agricultores ameaça, também ela, revelar-se uma fraude, na medida em que o Ministro começa a dar o dito por não dito, despedindo agricultores anteriormente contemplados para devolver as herdades aos antigos proprietários.
As infra-estruturas que deveriam ter sido criadas na região para possibilitar uma actividade agrícola rentável não o foram, com prejuízo mais acentuado para essas classes camponesas que o Governo afirma apoiar.
Não admira que o espectro da desertificação demográfica comece a perfilar-se no horizonte, que os jovens se sintam defraudados e abandonem os campos, que desesperem pelo presente e temam pelo futuro.
É, pois, urgente acabar com esta política de ataques às cooperativas e a todas as formações resultantes da Reforma Agrária; é urgente acabar com as entregas de reservas e cumprir os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo; é urgente efectuar a expropriação das herdades que estão na posse útil das cooperativas e se encontram nas condições legais para tal; é urgente eliminar os bloqueios de ordem económica e financeira impostos às cooperativas, quer pagando as dívidas de milhões de contos que o Estado tem para com elas, quer celebrando contratos de uso da terra, de modo a poderem, efectuar investimentos e candidatar-se aos apoios concedidos pela CEE; é urgente dotar a região e, em particular, os meios rurais das infra-estruturas necessárias ao exercício digno e rentável da actividade agrícola; é urgente prestar aos agricultores apoio técnico esclarecido e actualizado; é urgente travar a desertificação demográfica da região; é urgente pôr o ministério ao serviço da agricultura portuguesa e dos seus agricultores reais.
É urgente uma nova política agrícola!
É urgente outra política, que respeite a Constituição e os caminhos de Abril, que este governo é incapaz de pôr em prática.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Martins.
O Sr. Luís Martins (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi na rua e em festa que o povo do distrito de Viseu viveu a jornada libertadora do 25 de Abril. Marcados pelo isolamento, pela guerra, pela injustiça, pela opressão, pela ignorância, pelo atraso e pela ditadura, os Beiraltinos depositaram no 25 de Abril a esperança na mudança, pela liberdade, pela educação, pelo desenvolvimento e pela democracia.
Porém, cedo a esperança se transformou em dúvida, a dúvida em frustração e a frustração em desespero.
A guerra havia terminado, mas os emigrantes não regressavam aos seus lares, as novas vias de comunicação não apareciam, não apareciam as escolas, os hospitais, o desporto, a cultura, o desenvolvimento agrícola, industrial, comercial, a segurança social, os postos de trabalho.
Os recursos locais continuavam a ser devastados, enquanto outras regiões, porque mais próximas dos novos senhores, viviam à «tripa forra.»
Mas a alma não morreu e a esperança renasceu em 1979 com Francisco Sá Carneiro. O líder do PSD fez novamente acreditar que era possível realizar o espírito libertador do 25 de Abril.
Temos em 1980 Sá Carneiro como Primeiro-Ministro e o Partido Social-Democrata no Governo. A mudança começou. Sá Carneiro morreu mas o seu espírito e o seu partido continuaram vivos e no Governo.
O Sr. Solva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Uma vida de luta pela defesa da justiça, da liberdade, da igualdade e da democracia fizeram dele o ponto referencial dos pobres e dos oprimidos, criando presente aos velhos e futuro aos jovens.
Aplausos do PSD.
O Orador: - Passaram sete anos e o PSD no Governo e com orgulho pode fazer hoje o ponto da situação.
Às sete escolas pré-primárias do 25 de Abril e às onze de 1980 substituem-se hoje 314. À insuficiência de escolas primárias em 1980, temos hoje a cobertura total do distrito. Às cinco escolas preparatórias existentes em 25 de Abril e em 1980, teremos em Outubro de 1987 a cobertura total com 27 escolas construídas. À inexistência do ensino superior, temos hoje a Escola Superior de Educação e em Outubro a Escola Superior de Tecnologia.
À falta de estradas em 1980, que travavam o desenvolvimento e provocavam o isolamento, poderemos dizer que em 1987 teremos a cobertura quase total das vias fundamentais.
À insuficiência de hospitais e centros de saúde em 1980, temos hoje construídos ou em construção os equipamentos que a breve prazo darão a cobertura total, embora falte ainda o Hospital Distrital de Viseu, que este governo fatalmente terá de lançar.
Dos poucos quartéis de bombeiros, apenas oito em 1980, num total de 30 corporações, faltam-nos hoje apenas dois.
À insuficiência de infra-estruturas desportivas, temos hoje perspectivas optimistas com uma cobertura razoável.
Ao poder local débil e a dar os primeiros passos em 1980, de chapéu na mão no Terreiro do Paço, temos hoje um poder local forte, autónomo e cioso dos seus poderes, das suas competências e consciente das suas responsabilidades.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seria fastidioso enumerar aqui o que se realizou, mas o que se realizou e está em vias de se realizar foi e é com o PSD no Governo, quer nos governos da AD, com o CDS e o PPM, quer com o PS no governo do «bloco central», quer, sobretudo, com o PSD sozinho, é fruto do trabalho das populações, dos autarcas e dos militantes do PSD, que no Governo e nas autarquias locais do distrito - onde detêm 3250 dos seus 5000 autarcas - tor-
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naram possível dizer hoje que com Sá Carneiro, com Balsemão, com o saudoso Carlos da Mota Pinto, com Cavaco Silva, que retomou na sua pureza o projecto de Sá Carneiro, e com o PSD o 25 de Abril valeu a pena.
Também, por isso, o eleitorado do distrito tem sempre reconhecido nas umas o trabalho, o empenhamento, a honestidade e a responsabilidade do Partido Social-Democrata.
Srs. Deputados, apesar de todo o desenvolvimento que existe, da esperança renascida, há problemas fundamentais da vida da região que não bastam as autarquias e o Governo para os resolver. Ë necessária a vontade, a imaginação, a dinâmica e a organização das forças políticas locais, unidas no fundamental, para dar forma e força à vontade colectiva para que, com o apoio do Governo, se realize o progresso e a modernidade.
A região é rica de potencialidades económicas, culturais, históricas e humanas.
Temos o núcleo fundamental da maior mancha florestal de pinho da Europa, recursos que são delapidados pelos incêndios no Verão e pelas indústrias do sector, que a preços de feira os levam para outras regiões, onde pagam impostos que beneficiam indevidamente outros municípios. Acresce que as matérias-primas não são racionalmente aproveitadas por falta de estudos, de investigação e de tecnologia adequada que permitam o aproveitamento integral dos recursos.
Temos as maiores reservas de urânio do País, senão da Europa, que ali são exploradas sem compensações. Temos no distrito a maior área da região do Douro, o maior número de vitivinicultores e a maior e a melhor produção de vinho do Porto.
Temos a grande parte da região do Dão produtora dos melhores vinhos de mesa do País. O acompanhamento, o apoio e colaboração nas acções de reconversão das vinhas do Douro e do Dão que o Governo quer desenvolver é uma necessidade.
Temos ainda uma grande área do distrito com uma agricultura ultrapassada, com as explorações agrícolas que necessitam de ser redimensionadas e racionalizadas, sendo necessária uma acção pedagógica junto dos agricultores para que possam beneficiar dos fundos comunitários, e não sejam os habilidosos a beneficiar em detrimento da colectividade.
Encontrar com o Governo as formas de em Outubro abrir a Escola Superior de Tecnologia; criar em Lamego a Escola Superior de Educação Física; lançar o Hospital Distrital de Viseu; construir vias de comunicação a nível intermunicipal; incentivar a criação de novas indústrias que sejam capazes de fazer o aproveitamento integral dos recursos existentes, de criar postos de trabalho, de fixar as populações e de inverter as assimetrias regionais...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ... estas são situações, necessidades e objectivos sentidos por toda a população. Encontrar a saída e dar-lhe forma é o horizonte.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Encontrámos a saída e a forma e em boa hora a apresentámos aos deputados dos outros partidos do distrito, que aderiram entusiasmados, com um
sentido democrático que não nos surpreendeu. Assinámos um acordo entre nós que define os objectivos fundamentais, em que, despidos dos preconceitos partidários, ideológicos, de quantidade ou qualidade, nos propomos dar forma àquele projecto.
Assim, no passado dia 8 de Novembro, no mesmo local onde se reuniram as primeiras Cortes, os autarcas dos 24 municípios do distrito de Viseu, conjuntamente com os seus deputados, num acto histórico, criaram a Associação de Municípios da Beira Alta e Douro Sul, que com as forças económicas, sociais e culturais da região se propõe realizar aqueles objectivos.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Para a prossecução destes objectivos convidamos, se nos quiserem acompanhar, os Srs. Deputados e os municípios de Aveiro e da Guarda.
A partir do dia 8 de Novembro nada será igual, e, como diria o Sr. Presidente da Câmara de Lamego, «que não dividam os homens aquilo que a história e a solidariedade uniu».
O centralismo e o receio pela perda do poder atávico, nalguns políticos lisboetas, coloca-nos algumas nuvens no horizonte.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A corrida louca de um processo de regionalização que alguma falta de sentido da democracia e do Estado foi iniciada preocupa-nos. O projecto de lei do Partido Comunista já foi rejeitado nas 24 assembleias municipais do distrito.
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - A rejeição total e absoluta de projectos de retalhar o País em fatias, como se de uma herança se tratasse, é afirmada pelos deputados e autarcas do distrito de Viseu.
Não se criam regiões contra a vontade das populações e das instituições. As regiões têm de resultar da vontade expressa das populações que se constituam como tal, e então, sim, teremos regiões criadas de uma forma que agrega e consolida o Estado democrático.
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem.
O Orador: - A inversa, ou seja a criação de figurinos pelos directórios partidários, é a desagregação do Estado, a radicalização e o atirar os Portugueses uns contra os outros. Regionalização assim? Encontrarão o distrito de Viseu unido para dizer: «Não, muito obrigado.» O reforço do poder local, do municipalismo e o intermunicipalismo é a nossa aposta e a nossa via.
Porque temos pressa de consolidar a unidade do Estado democrático, queremos ir devagar, sem sobressaltos, para o conseguir. O bom senso, o patriotismo e a defesa intransigente da democracia acabarão por condicionar os mais exaltados.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Luís Martins, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Junqueiro.
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O Sr. Raul Junqueiro (PS): - Sr. Deputado Luís Martins, em primeiro lugar quero saudar a «profissão de fé» no distrito de Viseu, que o Sr. Deputado acaba de fazer, e mais concretamente na região que aquele distrito abarca.
No entanto, quero referir que, pela intervenção do Sr. Deputado, me pareceu que em Viseu está tudo feito e não há nada para fazer: há escolas, há hospitais, há vias de comunicação.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Está feito e foi o PSD que o fez.
O Orador: - E, infelizmente, este não é o retrato do distrito e nem tudo o que se fez, manda a verdade dizê-lo, foi, ao contrário do que poderia parecer, obra do PSD ou dos governos do PSD. Foi sobretudo obra do poder político, local e central em justa associação.
Mas não podemos esquecer que o distrito de Viseu tem ainda carências extremamente graves, e se aumentou o número de escolas, a verdade é que continua ainda a existir um número significativo de escolas por fazer; se existe ensino superior, a verdade é que não funciona nos termos em que deveria, e há escolas fundamentais, mesmo no próprio ensino politécnico, que falta pôr a funcionar, como é o caso da Escola Superior de Tecnologia.
Todos conhecemos, também, os problemas em matéria de saúde no distrito e os graves constrangimentos que existem neste momento com os Hospitais Distritais de Lamego e de Viseu.
As próprias vias de comunicação têm sido, e infelizmente ainda continuam a ser, um factor de grave constrangimento ao desenvolvimento, ao progresso e à modernização do distrito de Viseu.
Por outro lado, no campo do desenvolvimento industrial não tem sido, ainda, dotado o distrito das infra-estruturas fundamentais para o seu real desenvolvimento, assistindo todos nós com preocupação a que algumas das indústrias fundamentais como, por exemplo, aquela em que labora a Companhia Portuguesa de Fornos Eléctricos sejam postas em causa com a paragem de empresas importantes, como aquela, sem que o poder político e o executivo tenham aí uma palavra decisiva.
No entanto, penso que o que deve ser saudado neste momento a nível do distrito é aquilo que o Sr. Deputado Luís Martins acabou por referenciar na sua intervenção, que é a constituição, no passado dia 8 de Novembro, da Associação de Municípios da Beira Alta e do Douro Sul, uma decisão promovida em conjunto por todos os deputados e autarcas do distrito, sem excepção, e que representa, a nosso ver, uma manifestação de vitalidade, uma manifestação de aposta na região, no distrito, no desenvolvimento das populações, no progresso e na modernização do distrito.
Este parece-me ser o ponto mais importante a salientar aqui.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Martins.
O Sr. Luís Martins (PSD): - Sr. Deputado Raul Junqueiro, em relação às questões que suscitou, quero referir que não disse que estava tudo feito, disse aquilo que se tem feito. Não foi o PSD sozinho que o fez, como referi na minha intervenção, foi feito com o PSD no Governo, mas também numa altura coligado com o PS e noutra com o CDS e com o PPM, como também referi.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sozinhos fizeram muito pouco.
O Orador: - As vias de comunicação que temos no distrito, como o Sr. Deputado sabe tão bem como eu, são vias fundamentais para a região e para o exterior.
Nós temos as potencialidades e as matérias-primas, e o problema que se põe aos deputados e autarcas do distrito é o de saber se vamos continuar a ver fugir da nossa região o que produzimos, para outros criarem riqueza noutras regiões do País, enquanto essas vias de comunicação servem para os nossos jovens pedirem boleia para emigrarem para o litoral ou para o estrangeiro.
Esse é o grande problema e, como sabem, é a aposta de todos os deputados do distrito de Viseu e dos autarcas locais.
Ao nível do investimento industrial, pensamos e acreditamos que existem investidores potenciais na região, não são uma espécie vinda de qualquer planeta, existem na região e há necessidade de lhes dar incentivos para que possam investir ali. O que acontece é que de alguma forma, em Viseu como em muitas regiões do País, muita gente tem uma perspectiva corporativa, pensando que o Estado lhes faz os parques industriais e que, depois, ainda há-de ser ele a construir fábricas para criar os postos de trabalho.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A dinâmica que se criou no distrito de Viseu e que nenhum dos Srs. Deputados tenha dúvida é uma dinâmica que não parará, porque assenta na defesa intransigente dos valores e dos princípios que enformam os princípios democráticos e a defesa das populações. Não parará, como disse, porque os deputados e os autarcas do distrito não deixarão.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O arbítrio e a discricionariedade que pautam o modo como o Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação intervém em matéria de reforma agrária direi mais, a falta de respeito pelas normas legais com que essa intervenção se faz, bem documentada pelo número inacreditável de despachos ministeriais que são sucessivamente «caçados» pelo Supremo Tribunal Administrativo- é um facto conhecido, e não é sobre a generalidade desse comportamento que vou, agora, roubar alguns minutos aos Srs. Deputados. Mas, Srs. Deputados, se estamos já habituados às intervenções do MAPA, em que desapossa sem base legal cooperativas e pequenos agricultores de terras na sua posse, e isso para nós já não é novidade, chegou recentemente ao meu conhecimento, através da Comissão de Agricultura e Mar, desta Assembleia, um caso que é novo, em que o Governo vai mais longe.
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Começou, ao abrigo da entrega de reservas, a desapossar terrenos comunitários, e era este caso muito concreto que queria trazer ao conhecimento dos Srs. Deputados: o Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação atribui uma reserva à Casa de Bragança que inclui 400 ha de baldios que estão na posse de uma junta de freguesia, nomeadamente da Junta de Freguesia de Aveiras de Cima.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Que vergonha!
O Orador: - Os Srs. Deputados dir-me-ão que, em si mesmo, este é um caso de somenos importância, e talvez, se o considerarmos de per si, o possamos considerar como tal.
Mas, se pensarmos que ele é apenas um dos muitos casos em que todos, em todos os sectores da nossa vida pública em que o arbítrio, a discricionariedade, a falta de respeito pelas normas legais são o dia-a-dia da gestão deste Governo, então, Srs. Deputados, se não atentarmos em cada um destes casos e não o travarmos rapidamente, sob o pretexto de que talvez cada um deles por si não mereça importância, pode ser que um dia nos encontremos, pela soma de todos esses actos, perante uma situação em que seja demasiado tarde para travar o processo.
É tempo de a Assembleia assumir as suas responsabilidades e de não permitir o prosseguimento de actos desta natureza, em que o arbítrio, a discricionariedade e a falta de respeito pela lei são a norma que rege a actuação deste Governo.
Aplausos do PS, do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Fernandes.
O Sr. Armando Fernandes (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao votar favoravelmente, no passado mês de Julho, a proposta de lei de bases do sistema educativo, esta Câmara contribuiu decisivamente para o travejamento por onde irá passar o sistema educativo nos próximos anos. Dignificou-se a Assembleia, está dignificado o País, com esta iniciativa legislativa. É com esta introdução que começo por me referir à criação, dos primeiros liceus, faz 150 anos na próxima segunda-feira.
Tal iniciativa, verdadeiramente revolucionária para a época, deve-se ao ilustre político liberal Passos Manuel. Prestigiado por anos e anos a defender princípios conducentes à felicidade dos povos, paladino da liberdade, porta-estandarte dos humilhados e ofendidos, patriota de primeira linha, Passos Manuel, em menos de um ano, e apesar dos estorvos, das dificuldades sucessivas criadas ao governo com a «belenzada» e «revolta dos marechais», consegue realizar intensa e profunda obra legislativa no campo da educação e cultura, obra essa alicerce fundamental para a transformação mental do Portugal oitocentista.
Se a 17 de Novembro de 1936 é a já referida criação dos liceus, no dia imediato era a vez do Conservatório de Artes e Ofícios. Antes dessas datas tinha encarregue Almeida Garrett de elaborar e propor ao governo um plano para a fundação e organização do Teatro Nacional de Lisboa, do qual resultou o decreto de 15 do mesmo mês de Novembro, que criava a Inspecção-Geral dos Teatros e o Conservatório Geral de Arte Dramática.
Foi ele o fundador da Academia de Belas-Artes, colocando-a no edifício do extinto Convento de São Francisco, dotando-a de uma biblioteca especializada, nomeando desde logo as pessoas para os lugares indispensáveis ao seu funcionamento.
Ainda em Dezembro de 1836, dá Passos Manuel nova organização às Escolas Médicas e Cirúrgicas do Porto e de Lisboa e já no mês de Janeiro do ano seguinte funda a Academia Politécnica do Porto.
Outras iniciativas se seguiram, pois para ele a renovação do ensino, do primário ao secundário, era prioritária. E nessa renovação a pedra angular foi a fundação de liceus por todo o País.
Soube Passos Manuel elevar-se em todos os domínios muito acima do comum dos políticos de então, mas nenhum lhe foi tão caro como o da educação. Quando desencantado com as realidades públicas se retirou para o seu Vale de Lobos, ele costumava lembrar o seu dito favorito: «Eduquem o povo, e ele saberá ser livre.»
Ao lembrar nesta Câmara Passos Manuel a pretexto da data referida, talvez seja oportuno lembrar que a forma mais digna de honrarmos a memória de Passos Manuel seja esperar do Governo, dos governos, uma constante acção no domínio da educação e cultura. A este governo pede-se, desde já, um maior dinamismo na aplicação da Lei de Bases do Sistema Educativo, lei essa votada, como já disse, por uma grande maioria dos deputados desta Câmara.
Aplausos do PRD, do PS e de alguns deputados do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Abrantes.
O Sr. João Abrantes (PCP): - Começo com um aparte, já que falo de uma questão que se refere ao distrito de Viseu. O Sr. Deputado Luís Martins condenou o projecto de lei do PCP de criação de regiões administrativas, mas, em toda a sua intervenção, nunca falou de outra coisa senão do distrito de Viseu. Compreende-se a razão que o levou a falar do projecto de lei do PCP: foi para, a seguir, dizer que o distrito de Viseu não ia aceitar posições de direcções partidárias com divisões de regiões administrativas que esmagassem o distrito.
Afinal, o Sr. Deputado até não achará mal o nosso projecto. O recado era para outros, talvez para o seu próprio partido, o PSD, e para o Governo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na sequência de um requerimento já apresentado, voltamos hoje a trazer aqui o problema da Companhia Portuguesa de Fornos Eléctricos de Canas de Senhorim (CPFE). E fazemo-lo porque desde então a situação se tem agravado e estão em perigo 800 postos de trabalho da empresa, que deixou de produzir, sem energia eléctrica para a sua laboração.
A Companhia Portuguesa de Fornos Eléctricos, instalada no distrito de Viseu há 68 anos, é uma empresa de vital importância na economia regional, não só pelos 800 postos de trabalho que garante como ainda pelos reflexos na actividade comercial e em toda a vida económica das freguesias e concelhos vizinhos.
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Na economia nacional o carácter estratégico da produção do silício, largamente aplicado na electrónica, e os mais de quatro milhões de contos entrados anualmente no País com a sua exportação, obriga-nos, a todos nós, a uma atenção redobrada ao que se está a passar e a envidar todos os esforços para que a solução se encontre.
Convém saber que se chegou a esta situação por uma gestão ruinosa da empresa, presidida por Francisco Guedes Geraldes, com carreira feita no desmembramento de duas outras empresas metalúrgicas, a MIL-NORTE e a VICOMINAS, que deixou acumular dívidas à EDP superiores a dez milhões de contos e cujo conselho de gerência ordenou, em 5 do corrente mês, o corte de energia à CPFE.
E esta é a situação a que urge pôr cobro!
Desde logo o Governo não pode divorciar-se desta situação e assumir uma falsa posição de árbitro, tanto mais que os maiores credores da empresa são a banca nacionalizada e a empresa pública EDP.
Mas também, e sobretudo, porque o processo de delapidação de capitais por parte da administração da empresa que conduziu a esta etapa é um processo nebuloso e de contornos mal definidos e que de alguma forma envolve o Ministério da Indústria, como noticiaram vários jornais e ainda não foi desmentido.
Como se disse, o Sr. Francisco Guedes Geraldes é accionista principal das três empresas referidas, CPFE, MILNORTE e VICOMINAS, e pretende formar, com a sua fusão, uma nova empresa no ramo, a EUROLI-GAS, cujo projecto foi já autorizado pelo Ministério da Indústria. Falta saber se o subsidia, mas essa resposta obtê-la-emos com o requerimento que a seguir entregaremos na Mesa da Assembleia.
A viabilidade desta empresa está comprovada por vários estudos existentes e os próprios trabalhadores estão na disposição de recuperar a empresa, aceitando a aplicação do Decreto-Lei n.º 177/86, de 2 de Julho, desde que o acordo garanta a manutenção dos seus postos de trabalho.
É por isso que aguardam com alguma impaciência a decisão do juiz de direito do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, relativamente ao requerimento de três administradores da CPFE, datado de 11 de Setembro, a solicitar a aplicação do citado decreto-lei.
Os trabalhadores não querem o arrastamento desta situação, mas estão dispostos a lutar, como já provaram ontem.
Contrastando com o optimismo histórico do Sr. Deputado Luís Martins, o PSD, que, como seria de esperar, ignorou pura e simplesmente este drama social, diremos que Viseu é um distrito pobre e esquecido do interior e o seu desenvolvimento passa pela viabilização das poucas indústrias que possui.
A necessidade da correcção das assimetrias regionais não pode ser um pregão para alguns; ela passa não só pela criação de novos pólos de desenvolvimento, mas também pela manutenção e ampliação dos já existentes. É isto que importa garantir.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ninguém ignora que a comunicação social atravessa uma encruzilhada em Portugal e que os seus destinos estão, neste momento, em debate profundo e em opções de fundo no que diz respeito a esse mesmo futuro.
Ninguém ignorará, também, que o futuro da comunicação social no nosso país pode, se não vier a ser resolvido da melhor maneira, afectar as regras de equilíbrio no funcionamento do Estado democrático.
Temos, por isso, fundadas preocupações acerca das decisões que parecem estar a ser tomadas - ou ameaçam ser tomadas - sem um quadro de transparência suficientemente definido.
Quando, recentemente, a Subcomissão de Comunicação Social pretendeu analisar com os responsáveis governamentais a situação financeira para as empresas de comunicação social do sector público - tendo até tal reunião sido prometida aos deputados da referida Subcomissão - nem o Sr. Secretário de Estado com tutela no sector, nem o Sr. Secretário de Estado do Tesouro, com responsabilidade na área das finanças relativamente aos investimentos nas empresas públicas de comunicação, compareceram à reunião marcada pela Subcomissão.
Por isso mesmo, muitos elementos necessários ficaram por apurar nesta fase prévia de elaboração dos materiais com vista ao Orçamento do Estado.
Por outro lado, tendo a referida Subcomissão tomado a iniciativa de ouvir os conselhos de administração das empresas públicas de comunicação social, aí se verificou a ausência do conselho de administração da Empresa Pública Diário Popular, alegando não ter reunido os elementos suficientes para poder comparecer junto da Comissão.
É por isso que, com surpresa, assistimos ao anúncio hoje formulado pelo Sr. Ministro de Estado quanto à intenção de desmembramento da Empresa Pública Diário Popular. Surpresa que decorre do facto de não ser da ignorância do Governo a iniciativa tomada por alguns grupos parlamentares da Assembleia da República com vista à ratificação do decreto-lei que regulamenta as alienações das quotas, das participações e dos títulos pertencentes ao sector público da comunicação social.
Sabendo o Governo que esta diligência está em curso na Assembleia da República, qualquer medida de fundo tomada no domínio do sector público antes de o processo estar concretizado releva naturalmente de uma tentativa de antecipação à deliberação democrática da Assembleia da República, que não augura manifestamente nada de bom às decisões que estão em curso.
Refiro-me concretamente ao caso, hoje anunciado, da Empresa Pública Diário Popular. Muitos são os indícios de que uma medida de concessão se prepara relativamente à Rádio Comercial, actualmente no âmbito da RDP, E.P.
Se tais iniciativas vierem a ser concretizadas pelo Governo antes de concretizado o processo de ratificação solicitado relativamente ao decreto-lei que regulamenta as alienações das empresas do sector público da comunicação social, inferiremos daí que o Governo procura decidir à revelia da vontade da Assembleia da República em matéria que, sendo do âmbito dos direitos, liberdades e garantias, é também da própria competência do Parlamento.
Neste sentido, apresentamos o nosso vivo protesto pela iniciativa extemporânea do Governo e anunciamos que todas as diligências serão feitas para que o agendamento do pedido de ratificação venha a ser feito no mais curto prazo de tempo possível.
Aplausos do PS, do PCP e do MDP/CDE.
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O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimento, os Srs. Deputados Alexandre Manuel, Jorge Lemos e Vieira Mesquita.
Informo, no entanto, que o Sr. Deputado Vieira Mesquita já não dispõe de tempo, bem como o Sr. Deputado Jorge Lacão, que cedeu os seus quatro minutos disponíveis à Sr.ª Deputada Maria Santos.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, como compreenderá, seria da minha vontade responder às questões que me fossem formuladas. Não dispondo de tempo, só o poderei fazer se os interrogantes, no caso de disporem de tempo próprio, puderem conceder-me algum tempo para esse efeito.
O Sr. Presidente: - Certo, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Manuel.
O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Sr. Presidente, sendo assim, certamente que não vale a pena pedir qualquer esclarecimento, já que o Sr. Deputado Jorge Lacão não dispõe de tempo para responder.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa concederá ao Sr. Deputado Jorge Lacão o tempo estritamente indispensável para responder, na medida em que se os senhores deputados têm vontade de pedir esclarecimentos é porque o assunto é importante.
Faça favor, Sr. Deputado Alexandre Manuel.
O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, quero apenas dizer que também fiquei surpreendido com essa atitude. Realmente, o inesperado acontece.
Pela nossa parte, também faremos o possível para que tudo seja resolvido o mais depressa possível.
Vozes do P§: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Deputado Jorge Lacão, quero manifestar-lhe também o meu apoio à sua intervenção e, bem assim, o do meu grupo parlamentar e dizer-lhe que a informação que aqui nos trouxe nos deixa tanto mais espantados quanto é certo que o actual conselho de gerência da Empresa Pública Diário Popular se recusa a vir à Comissão prestar depoimentos, sendo seguida idêntica atitude por membros do Governo, que não prestaram sobre esse matéria qualquer informação.
Mas o caso é mais grave, Sr. Deputado Jorge Lacão. Chamaria a atenção desta Câmara para o seguinte facto: a Assembleia da República, designadamente através da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, aprovou por unanimidade um relatório em que é feita uma radiografia do sector público da comunicação social e todos os partidos tiveram a oportunidade de dar o seu voto favorável a determinados aspectos referidos nesse relatório que apontam precisamente para o facto de que o sector público da comunicação social é necessário e tem viabilidade se assim houver vontade política. É para este facto que gostaria de chamar a atenção da Assembleia da República.
O Governo não pode actuar contra a vontade unânime desta Casa. É importante salientar isto e também que mesmo o PSD votou favoravelmente o relatório da Comissão, no qual expressamente são referidos esses aspectos.
Logicamente, o Sr. Deputado Jorge Lacão contará com a minha solidariedade e com a do meu grupo parlamentar para, tão cedo quanto possível, agendarmos para discussão esse decreto-lei, que deveria ter regulado uma lei da Assembleia da República, mas que em tudo a desvirtuou, e que visa, no fundo, promover um leilão atrabiliário dos órgãos de comunicação social do sector público.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vieira Mesquita, que dispõe apenas de um minuto, concedido pela Mesa.
O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Jorge Lacão, o sentido do meu pedido de esclarecimento vem no seguimento daquilo que acho necessário fazer perante a Câmara, que é precisar exactamente a disponibilidade que sempre teve o Sr. Secretário de Estado da tutela do sector da comunicação social face à Subcomissão da Comunicação Social. Sempre que o Sr. Secretário de Estado foi solicitado para participar nos trabalhos da Subcomissão, o mesmo não deixou de estar presente.
Na fase final, quando os trabalhos já estavam suficientemente adiantados e estava para se produzir um extenso relatório, que nós também votámos favoravelmente, ficou consignado exactamente o relatório escrito do Sr. Secretário de Estado da tutela, a quem incumbe a gestão e a informação relativamente a todas as empresas da comunicação social, bem como a responsabilidade em relação a todas as empresas públicas. Isso foi dito pelo Sr. Secretário de Estado da tutela da comunicação social e ficou esclarecido que, sempre que se mostrasse necessário prestar esclarecimentos à Subcomissão, este Secretário de Estado estaria disponível para o fazer.
Penso que esta precisão era necessária e deveria ser feita.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, gostaria de saber de quanto tempo disponho.
O Sr. Presidente: - Já não dispõe de tempo, Sr. Deputado.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - É pena já não dispor de tempo, Sr. Presidente.
Se tivesse tempo, quereria manifestar o meu total apoio à intervenção do Sr. Deputado Jorge Lacão, uma vez que, segundo parece, não há um único dia em que
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o Governo não actue contra os órgãos de comunicação social estatizados. Se tivesse tempo, desenvolveria um pouco mais este meu pensamento.
Vozes do PSD: - É pena!...
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão, que dispõe de dois minutos para o efeito.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Começo por responder muito rapidamente ao Sr. Deputado Vieira Mesquita, que funcionou, no pedido de esclarecimento que formulou, como porta-voz do interesse governamental. E, aliás, outra coisa não seria de esperar.
Quero dizer ao Sr. Deputado Vieira Mesquita que, efectivamente, como ambos sabemos, o Sr. Secretário de Estado da tutela esteve presente numa reunião da Subcomissão de Comunicação Social. Todavia, quando interpelado sobre as questões relativas a cada empresa do sector, escusou-se a responder a essa matéria, alegando a vontade de estar presente com o Sr. Secretário de Estado do Tesouro, reunião à qual nem um nem outro acabaram por comparecer.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ora aí está!
O Orador: - Tendo-se verificado esta omissão e não tendo sido possível, na conferência de líderes de ontem, agendar a ratificação do decreto-lei a que me referi para a sessão plenária de amanhã, o que é de espantar é que o Ministro Adjunto aproveite estas circunstâncias e estas omissões para anunciar a desintegração da Empresa Pública Diário Popular justamente nesta fase.
Aplausos do PS.
Quando nós encarámos com boa fé a atitude do Secretário de Estado da tutela, temos agora legitimidade para rever esta posição e dizer que o que pretenderam foi sonegar os elementos de informação à Assembleia da República para poderem decidir, nas costas do Plenário e da Comissão, como bem entendessem e sem que pudessem ser fiscalizados acerca disso, como é da competência do Parlamento.
Aplausos do PS e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, quero interpelar a Mesa no sentido de saber se houve alguma deliberação sobre o intervalo regimental em relação à qual eu estivesse eventualmente distraído.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Capucho, este atraso decorre da lógica do prolongamento do período de antes da ordem do dia. Na medida em que este está quase a concluir-se, presumo que não faria muito sentido fazermos o intervalo e ficarmos com quatro ou cinco minutos daquele período para o reinicio da sessão.
Proporia até que o voto de protesto agendado fosse apreciado e votado antes do intervalo regimental.
O Sr. António Capucho (PSD): - Certo, Sr. Presidente. A minha bancada dá consenso a essa decisão de V. Ex.ª
O Sr. Presidente: - Eu sabia, Sr. Deputado, pois a sensatez caracteriza-nos aos dois.
Risos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho de Sousa.
O Sr. Agostinho de Sousa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Fevereiro do ano corrente a ventania derrubou a torre do centro emissor do Muro da RTP na serra Amarela, um acidente banal, que - veremos - acaba por não o ser.
A título de consolo, a RTP informou as «vítimas» de que iriam gozar de apreciáveis benefícios na recepção dos sinais televisivos, porque a nova antena passaria da altura de 20 m para 50 m. Os mais optimistas agradeceram à tempestade e concluíram, com certa precipitação, que não há tempestades só e inevitavelmente más - dois favores que não dispensarão, com certeza, à RTP.
Uma delegação do conselho de gerência e da direcção técnica da RTP que visitou os distritos de Viana e Braga afirmou «a sua plena consciência da situação criada a milhares de utentes do serviço público de televisão, que continuam privados do acesso às emissões do 1.º, 2.º canal ou de ambos».
O público pouco se incomodaria que a preocupação da RTP fosse menor ou nenhuma, desde que a prestação desse serviço, de manifesto interesse público, fosse mais rápida e, sobretudo, melhor.
Teme-se que as promessas da RTP não sejam respeitadas, o que põe em causa os recados da tal «plena consciência de» ....
A RTP assegurou que a instalação estaria concluída em dois ou três meses, ou seja, em fins de Agosto, princípios de Setembro, dado que o levantamento da estrutura metálica exigia a construção de maciços cuja demora calculava em dois meses.
Uma outra das justificações para a demora foi a do custo previsto da obra - cerca de 50 mil contos. A RTP - cito - «não se dispensava dos cuidados devidos para evitar a delapidação de dinheiros públicos». Objectivo louvável, a generalizar a todas as despesas e que deve fazer carreira, porque não há cidadão indiferente ao rigor, à disciplina, à eficácia e à cautela nos gastos - em todos os gastos - dos dinheiros públicos.
Simplesmente, as populações interrogam-se e perguntam se, estando em jogo um interesse relevante de dezenas de milhares de pessoas, a execução e cumprimento de um dever público essencial e a permanência de uma gritante imoralidade administrativa - pagar um serviço que não é prestado -, o investimento não tem um cunho prioritário e urgente. E interrogam-se, com legitimidade, se não houve - e não continua a haver - gastos cujos montantes e prioridades sejam muito mais controversos. Estamos a lembrar-nos, por exemplo, de que as telenovelas Origens e Chuva na Areia custaram «apenasmente» 66 000 e 172 822 contos.
Neste momento, todavia, faço-me eco de rumores preocupantes de que a entrada em funcionamento do 1.º e 2.º programas do Centro do Muro, contra todos os compromissos assumidos e necessidades públicas, só ocorrerá em meados de 1987. As populações afectadas não acreditam: a peculiaridade das antenas estará ultrapassada; não houve as tradicionais maldades ou travessuras meteorológicas; as taxas continuam a ser cobradas. Exige-se uma resposta imediata e clarificadora da RTP.
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Se o boato se confirmar, a RTP é responsável pela espoliação dos direitos de recepção da TV e, sobretudo, das taxas aos habitantes dos distritos de Braga e de Viana do Castelo e - o que não é menos grave - a exclusiva culpada por uma parte assinalável dessas populações receber tão-somente programas emitidos pela TV espanhola, com os custos que tal influência provoca, mas que ultrapassam, com toda a certeza, a sensibilidade dos responsáveis da RTP.
A importância do assunto parecer sofrer de uma diminuição tradicional: afectar só a «periferia» dos «confins» deste pequeno país. Enfim, má tradição e piores regras que o tempo e a mudança ainda não domesticaram.
Infelizmente, é a altura e ainda é oportuno relembrar à RTP que também é nossa, portuguesa, provinciana e rural. Apenas a queremos na dimensão possível e obrigatória.
Há neste comportamento outro grave fermento de distância democrática, a acrescer a tantos outros.
Até quando?
Aplausos do PRD e de alguns deputados do PS.
O Sr. Presidente: - Pediram a palavra deputados do PRD e do CDS, mas não a posso conceder, uma vez que nem o PRD nem o CDS dispõem de tempo.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Santos.
A Sr.ª Maria Santos (Indep.): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Nunca me passaria pela cabeça que o Governo tomasse nas suas mãos, como medida prioritária no combate à discriminação das mulheres e em nome da sua suposta igualdade, a denúncia da Convenção n.º 89 da OIT, de 1948, ratificada no mesmo ano por Portugal e que proíbe o trabalho nocturno para as mulheres na indústria.
A confirmar-se tal intenção, anunciada pelo Ministro do Trabalho na passada segunda-feira, chego à conclusão de que, em vez de avançarmos na construção de uma política económica que corporize uma efectiva emancipação da mulher no todo social, regredimos, justificando-se estas medidas com os falsos argumentos de uma pretensa igualdade, no preciso momento em que se fecham creches e se penaliza o exercício do direito à maternidade das mulheres trabalhadoras.
É que, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, a igualdade não se defende sobrecarregando e retirando direitos legitimamente adquiridos às mulheres portuguesas.
Mas se há tanta vontade de defender uma igualdade de direitos, que se publiquem então as portarias, ficando as quotas obrigatórias de participação de mulheres em acções de formação profissional, que se apliquem a lei da maternidade e a lei do aborto, que se promova o acesso ao emprego e à igualdade salarial.
Há de facto muito para se fazer nesta área, mas estamos longe, e diria mesmo que, por esta via, estamos cada vez mais longe, de alcançar uma igualdade adequada ao nosso tempo, que afirme um pulsar social, económico e cultural não discriminatório.
Que se perceba que hoje a degradação social que se verifica atinge principalmente a mulher, que sente o peso da discriminação em todas as áreas e sectores de actividade, e que, se fui buscar este exemplo, foi para demonstrar a mediocridade de raciocínio que ele encobre. É que a igualdade não passa por aqui!
É que a essência de uma sociedade que se quer igualitária e humana tem de reagir contra a crise em que vivemos, tem de redescobrir a solidariedade, tem de encontrar uma forma de viver que rompa com a ideologia quantitativa do crescimento ilimitado e adopte as medidas que permitam uma vivência social onde as mulheres e os homens portugueses participem plenamente no processo de emancipação da mulher e o entendam como inseparável da evolução da sociedade no seu conjunto.
Igualdades assim não queremos, muito obrigada!
Aplausos do PS, do PRD, do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se à leitura do voto de protesto acerca da anunciada visita de Pieter Botha à Região Autónoma da Madeira.
Foi lido. É o seguinte:
Voto de protesto
Considerando que a anunciada visita do Presidente da África do Sul, Pieter Botha, à Região Autónoma da Madeira põe em causa o princípio da unidade da política externa portuguesa;
Considerando que o futuro próximo condenará inevitavelmente o regime do apartheid;
Considerando que a divulgada recepção a prestar ao chefe do regime de Pretória pelo Presidente da Região Autónoma da Madeira, Alberto João Jardim, se opõe ao sentido da história, da liberdade e dos direitos humanos:
A Assembleia da República, reunida em plenário na sessão plenária de 13 de Novembro de 1986, protesta pela anunciada visita do principal responsável do apartheid, Pieter Botha.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, gostaria que a Mesa informasse quais são os grupos parlamentares que assinam este voto de protesto.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado, o Sr. Secretário irá de imediato atender o seu pedido.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, este voto de protesto é subscrito pela Sr.ª Deputada Maria Santos e por deputados do PS, do PRD, do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto de protesto que acabou de ser lido.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PRD, do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos e votos contra do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Gama.
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O Sr. José Gama (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está na Região Autónoma da Madeira o Sr. Pieter Botha, presidente da África do Sul. As reacções da esquerda portuguesa quiseram tornar esta visita particularmente notada. A esquerda, em suma, não gostou.
Não se extinguindo a história por decreto e, muito menos, por simples declarações parlamentares, ternos boas razões para afirmar que está no funchal o presidente de um país amigo. Não consta da memória deste povo que alguma vez tenha mandado expropriar as casas ou bens de portugueses nem, tão-pouco, que alguma vez tenha arremedado da nossa história. Enquanto em países vizinhos se apeavam estátuas, só porque elas perpetuavam feitos de portugueses, no país do Presidente Pieter Botha erguiam-se estátuas novas, que, ao lado de padrões antigos, aí estão para continuar o nome de Portugal. Diogo Cão lá está na cidade do Cabo para dizer aos homens, novos e velhos, como foi a historia trágico-marítima deste povo que demandou as índias. Não me consta que noutros Estados africanos, curtidos os arroubos revolucionários, se tenha feito regressar Mouzinho de Albuquerque ao seu pedestal inicial ou feito as pazes com as estátuas estilhaçadas de portugueses de antanho.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Quando milhares de portugueses de famílias divididas e sem haveres fugiram de Angola e Moçambique, o país do Presidente Pieter Botha abriu-lhes as portas do trabalho e do sossego.
Quando estourava pelas costuras o mundo do emprego em Portugal, o país do Sr. Presidente Botha refazia o sonho de muitas famílias sem responsabilidade alguma nas guerras ou nos empregos que dão sustento e futuro.
Quando nos chegam notícias - que, infelizmente, já circulam sem espanto e com rotina - e nos falam de portugueses cativos, têm sido as fronteiras do país do Presidente Pieter Botha o ponto de encontro da libertação.
Quando as raízes da ira persistem em encontrar uma solução armada para os conflitos da África austral, os presidentes Pieter Botha e Samora Machel juraram calar canhões brindando à saúde da paz e da boa vizinhança.
Não estranhamos, por isso, que o Dr. Jaime Gama, então Ministro dos Negócios Estrangeiros do bloco central, e com a prudência que toda a gente lhe reconhece, tenha feito de Pick Botha seu convidado oficial. Consagrou-se também e assim a importância de uma comunidade de centenas de milhares de portugueses que, felizmente, os desatinos da história não obrigaram a regressar a Portugal, onde já somos tantos para terra tão nobre, mas tão pequena.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Em nome de um realismo político desapaixonado, não podemos deixar de considerar inoportunas as reacções da esquerda portuguesa. Há outras alturas mais apropriadas para falar do apartheid. E nós, neste domínio, como noutros, estamos de bem com a nossa consciência. Jamais e em tempo algum o CDS o consentiu ou aplaudiu. Só que sabemos distinguir o tempo e o modo sem jamais pormos em causa a nossa coerência.
Fique a esquerda sossegada que, quando visitar Portugal o presidente de um qualquer regime totalitário, não seremos determinados por agastes ou amuos partidários; antes, saberemos considerar o superior interesse nacional. Ai de nós se fizéssemos coincidir uma sessão parlamentar com a visita, em viagem de turismo ou por amizade confessada, de um ditador qualquer para aqui reinvidicarmos, por exemplo, a liberdade para os judeus que desejam emigrar ou tão-só o cumprimento dos direitos do homem.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Logo viriam vozes sábias e prudentes, com a colectânea da jurisprudência das cautelas diplomáticas bem erguida a fazer a apologia da palavra calculada, em reverente convite a um silêncio cauteloso.
Porque somos pela hospitalidade e o diálogo, por sabermos ir ao encontro do desejo de centenas de milhares de emigrantes e suas famílias, na linha das tradições portuguesas, exemplares da arte de bem receber, e por não perfilharmos o alarmismo da esquerda portuguesa que este voto documenta, votámos contra, sem com isto termos deixado de estranhar que o Governo central tenha dito «não» e que o Governo Regional da Madeira tenha dito «sim» ao Sr. Presidente da África do Sul.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Crespo.
O Sr. Vítor Crespo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD não pôde dar o seu apoio ao voto de protesto apresentado pelo PCP, MDP/CDE, PS e PRD.
A visita das autoridades sul-africanas é de natureza estritamente particular, como é amplamente reconhecido. Nela não houve até à data, e não vai haver até ao seu termo, um só aspecto que lhe possa conferir qualquer carácter de oficialidade.
A natureza da visita não permite que seja tratada sobre uma qualquer perspectiva oficial.
O PSD condena o apartheid.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É um regime detestável, viola quotidianamente os princípios da democracia e dos direitos humanos.
Têmo-lo dito e quero-o repetir mais uma vez.
Mas devemos ter o discernimento para saber pensar e agir com serenidade, ver os factos tal como são, não distorcidos pelo prisma de qualquer paixão partidária.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Portugal é, felizmente, depois da Revolução de Abril, um país aberto e livre como gostaríamos que fossem todos os outros, entre eles a República da África do Sul. E nisto nos continuaremos a empenhar.
Mas não entendemos fechar as nossas portas a visitas turísticas por critérios que não sejam os legítimos e próprios de uma democracia plena e no respeito pelas regras aceites da convivência nacional e internacional.
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Recordo aos Srs. Deputados que temos relações diplomáticas com a República da África do Sul e nada poderia justificar não permitir uma visita turística ao seu presidente ou outro qualquer membro do Governo. Seria um acto necessariamente contraditório com a situação diplomática existente e por isso mesmo carregado de absurdo.
Visto que foi concedido, como é de regra, e por isso também não poderia deixar de ter havido informação e acordo prévio entre SS. Ex.ª o Presidente da República e o Primeiro-Ministro.
Se enveredássemos por outros caminhos, o de recusar um visto turístico para uma visita de repouso, estaríamos a entrar por vias tortuosas. Não é difícil, seja a quem for, produzir listas de responsáveis pela violação de direitos humanos. Com a aprovação deste voto e em coerência com ele quantas portas não teríamos de fechar nas nossas fronteiras? Não estaria incluído, por exemplo, um general Pinochet...
Aplausos do PSD.
... que cerceia e oprime as aspirações democráticas do povo chileno, um general Jarusselski, que persegue um sindicalismo livre e empurra para a clandestinidade o Solidariedade...
Aplausos do PSD.
... ou um Presidente Gorbachov, que com as suas divisões ocupa o Afeganistão e impede que este povo procure os seus próprios caminhos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E não devemos também esquecer que há uma grande dose de hipocrisia neste voto. Já teremos esquecido que em Novembro de 1983 visitou Portugal, a convite do Sr. Ministro Jaime Gama, o Ministro dos Negócios Estrangeiros da África do Sul? E que a 29, 30 e 31 de Maio de 1984 nos visitou o Presidente da República da África do Sul, Sr. Pieter Botha, a convite do então Primeiro-Ministro, Dr. Mário Soares?
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Muito bem!
O Orador: - E que nessa visita o Sr. Pieter Botha se avistou com o Sr. Presidente da República e com o Sr. Primeiro Ministro? E que se saiba não houve então nenhum voto de protesto.
É também preciso que não esqueçamos um outro aspecto importante.
O voto que aqui a Assembleia aprovou é de mau aviso, falho de sabedoria. Classificações que faço sem entrar pelas necessidades da real-politik.
A Assembleia da República - órgão de soberania -, ao tomar conhecimento e discutir uma visita particular, está ela mesmo a emprestar um carácter diferente à visita e, de certo modo, a dar-lhe um cariz oficial.
Vozes do PSP: - Muito bem!
O Orador: - De acordo com regras geralmente aceites pela comunidade internacional, não é uma visita particular que põe «em causa a política externa portuguesa».
Mas outro tanto não diremos com a aprovação do voto. A cada um as suas responsabilidades. A Oposição, que mais uma vez se dá as mãos num coro comum, que assuma as que lhe vão de feição.
Também por isso o PSD votou contra.
E dessa maneira a minha bancada está a pôr os interesses do Estado acima da procura de um papel declamatório que, em nosso entender, tem sido por vezes usado e abusado nesta Câmara.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A visita do Presidente Botha à Madeira suscita uma grave questão de regime e de Estado.
Risos do PSD.
A questão da unidade da política externa portuguesa, a questão da unidade do Estado democrático português. Estamos perante um novo abuso do poder autonómico, contrário à dignidade e à consolidação da própria autonomia. E estamos perante uma nova e significativa demissão do Governo da República, contrária à dignidade e ao prestígio do Estado português.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A política externa não pode ser fragmentada, nem regionalizada, nem muito menos condicionada por atitudes caprichosas ou por interesses parcelares. Os interesses globais de Portugal e a unidade do Estado não podem ser sacrificados aos problemas da unidade interna de um partido. É uma questão grave, séria, que tem a ver com a permanência dos valores nacionais e não se compadece com uma visão politiqueira, táctica ou conjuntural.
Acusamos por isso, e acima de tudo, o silêncio do Sr. Primeiro-Ministro.
É um silêncio revelador de falta de coragem política e de sentido de Estado. Um silêncio que traduz a incapacidade de fazer prevalecer as responsabilidade constitucionais e nacionais do chefe do governo sobre as conveniências de chefe de partido.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Esta é a questão de fundo, que não pode ser iludida nem minimizada.
Há também o problema de saber se a posição de Portugal em África e o papel que pode desempenhar na busca das vias do diálogo para uma solução de paz podem ser comprometidos por atitudes e interesses que nada têm a ver com a vocação humanista e anti-racista que constitui uma das pedras de toque da portugalidade.
Não está em causa questionar se, na procura de uma solução pacífica que contemple a complexidade dos interesses em jogo na África Austral, Portugal deve ou não dialogar também com as autoridades da República da África do Sul.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Muito bem!
O Orador: - O que está em causa é saber quem deve assumir a responsabilidade desse diálogo, como, quando, em que circunstâncias, com que perspectiva política global.
Aplausos do PS e do MDP/CDE.
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Nesse sentido, seja qual for a opinião que se tenha sobre essa decisão, o convite feito pelo governo anterior - que era de responsabilidade comum do Partido Socialista e do Partido Social-Democrata - às autoridades da República da África do Sul foi, pelo menos, um acto de transparência política e de condução da política externa pelo órgão a quem ela compete, que é o Governo da República.
Aplausos do PS.
O que está em causa ainda é o problema de saber se não se torna cada vez mais necessário e urgente conduzir uma acção de pedagogia política que leve a comunidade portuguesa da África do Sul a compreender que quer a defesa dos seus interesses quer a defesa do interesse nacional português só podem ser asseguradas na base da condenação inequívoca do apartheid, do respeito dos direitos humanos e da soberania e integridade territorial de todos os estados africanos vizinhos. Essa é a única política compatível com a nossa vocação, com a defesa dos valores nacionais e dos interesses permanentes de Portugal.
Por isso votamos favoravelmente este voto de protesto contra uma visita que, perante o silêncio do Governo da República, não deixará de ser interpretada como duplicidade, comprometendo e enfraquecendo a posição de Portugal na Europa, em África e no Mundo.
Mas queremos que fique claro o sentido do nosso voto. O nosso protesto não incide tanto numa decisão do chefe do Governo Regional, que talvez tenha pretendido desse modo desafiar, provocar ou, segundo as suas palavras, «dar cobertura» ao PSD. O nosso protesto fundamental é contra o silêncio do Sr. Primeiro-Ministro, um silêncio que só pode ser interpretado como cumplicidade ou capitulação. A menos que o Governo tenha, em matéria de tão grande relevância, uma política de duas caras, de várias vozes, alguns silêncios e nenhum sentido do interesse nacional.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raúl Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O MDP/CDE associou-se ao voto que acabou de ser aprovado, tendo tomado posição pública de condenação da visita efectuada pelo Presidente Pieter Botha à ilha da Madeira a convite do Presidente do Governo Regional.
Na realidade, para nós são inseparáveis nesta visita, por um lado, as características do regime de Pretória, que é um regime do racismo mais feroz, e, por outro, são para nós também altamente graves as condições em que tal visita se processou, visto que é sabido que só pode haver uma política em todo o território da República; não pode haver uma política em Lisboa e outra na ilha da Madeira.
Verificámos, pois, que o Presidente do Governo Regional tentou justificar esta visita - aliás, isso foi aqui referido por alguns senhores deputados - como tratando-se de uma visita particular. Bem estranha visita particular é esta, em que não só o Presidente do Governo da África do Sul é acompanhado por outros ministros, como é recebido pelo Presidente do Governo
Regional, por membros do seu Governo, por onze presidentes de câmaras e até por um representante oficial da Igreja Católica na ilha da Madeira! Nunca ninguém pode considerar que tal visita seja a título particular!
Não poderá aqui o Presidente do Governo Regional da Madeira dizer: «Adivinhem quem vem jantar?», porque já todo o mundo sabia que ali estavam presentes todas as autoridades da Madeira a receber essa comitiva altamente representativa do regime da África do Sul.
É uma justificação sem nexo afirmar-se que se trata de uma visita particular, porque essa justificação consistiria, da parte do Sr. Alberto João Jardim, em defender o numeroso grupo de emigrantes na África do Sul. Traduz, por um lado, uma atitude de política externa contrária à política do Governo, que é para todo o território da República, e, por outro, admite implicitamente que não se trata de uma visita particular, porque, sendo uma visita particular, um simples jantar e um almoço, a visita à ilha da Madeira em nada deve contribuir para aquilo que o Sr. Alberto João Jardim se propõe, que é manter a continuidade do regime do apartheid na África do Sul.
Vozes do PSD: - Isso é falso!
O Orador: - Em face das disposições constitucionais e repudiando aqueles que aproveitam este ensejo para exprimir preconceitos contra a independência dos países de língua portuguesa, o MDP/CDE manifesta a total adesão à condenação de um acto político que ao mesmo tempo coloca em cheque o Governo de Portugal, dado o seu silêncio e a sua passividade perante um acto em que deveria ter uma intervenção clara, positiva e não se remeter ao silêncio.
Aplausos do MDP/CDE e do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como tivemos oportunidade de afirmar na intervenção que produzimos na passada terça-feira, condenamos frontalmente a iniciativa do Presidente do Governo Regional da Madeira ao convidar para uma visita chamada «de carácter particular» o principal responsável pelo regime do apartheid na África do Sul.
Face à dimensão que as cerimónias assumiram, perguntamos mesmo o que não seria uma visita de carácter oficial. Seria então o quê, se esta visita de carácter particular foi o que foi?!
Para além do que já deixámos referido, gostaríamos de dizer que é preocupante que o Governo da República Portuguesa permita que sejam governos regionais, e designadamente o Governo Regional da Madeira, a tentar conduzir a política externa portuguesa sem qualquer tipo de manifestação. Essa é uma grave falha por parte do actual Governo e, certamente, o Sr. Primeiro-Ministro e o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros terão de explicar a esta Assembleia da República o modo como actuaram em relação a esta visita.
Gostaríamos também de dizer que a atitude que o PSD aqui assumiu é uma atitude que, do nosso ponto de vista, toca as raias de uma grande hipocrisia - e uso a palavra hipocrisia com o exacto sentido -, porque em vários encontros e fóruns internacionais esse
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partido tem defendido posições frontalmente condenatórias da política do apartheid e ao mesmo tempo o presidente de um governo regional do PSD recebe de braços abertos o principal responsável por esse mesmo regime do apartheid em visita particular, ou seja, como bons amigos. Isso é algo que urge clarificar!
O Sr. António Capucho (PSD): - Exacto! É isso mesmo! Não há nada a clarificar!
O Orador: - Foi aqui dito que o Sr, Pieter Botha era o presidente de um país amigo de Portugal. É curioso que se diga nesta Casa que o presidente de um país que financeira e militarmente suporta uma organização terrorista que combate o regime de Moçambique, que rapta e chega mesmo a matar cidadãos portugueses, é o presidente de um país amigo de Portugal.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Ao tomarmos esta atitude de votar favoravelmente o voto em questão, mais uma vez quisemos deixar bem expresso que a posição do PCP é de total condenação da visita do Sr. Pieter Botha à Região Autónoma da Madeira.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Santos.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa, na medida em que a Sr.ª Deputada Maria Santos não pode fazer nenhuma declaração de voto.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Capucho, a explicação pela qual concedo a palavra à Sr.ª Deputada Maria Santos é na base do bom senso. Isto é, a Sr.ª Deputada Maria Santos é a primeira subscritora deste voto e, como tal, não faria sentido privá-la de formular uma declaração de voto.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, a Mesa pode fazer as interpretações que quiser, mas tem que cumprir o Regimento e, segundo este, só os grupos parlamentares podem fazer declarações de voto.
O Sr. Presidente: - Presumo que este é um dos pontos em que se verifica uma lacuna regimental, visto que fazendo cada grupo parlamentar uma declaração de voto, o deputado que propõe o voto fica sem direito a usar da palavra, sobretudo se houver consenso no sentido de que os votos não dão lugar a discussão e apenas se faz uma declaração de voto. O caso é tanto mais significativo quanto a Sr.ª Deputada Maria Santos tomou a iniciativa de apresentar este voto.
Não sei qual é a opinião dos restantes Srs. Deputados e já agora agradecia que se pronunciassem.
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, é evidente que, segundo uma leitura estrita do Regimento, o Sr. Deputado António Capucho tem razão, e a verdade é que se não houvesse consenso por parte do PSD, a Sr.ª Deputada Maria Santos não poderá usar da palavra.
Ora, pela nossa parte, e dadas as circunstâncias referidas pelo Sr. Presidente, não temos nada a opor a que a Sr.ª Deputada use da palavra para produzir uma declaração de voto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.
O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, concordamos em que a Sr.ª Deputada Maria Santos produza uma declaração de voto e regozijamo-nos pelo facto de, neste caso, o PS demonstrar uma melhor compreensão em relação às praxes desta Casa - isto, em relação ao tema que há pouco teve lugar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raúl Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O MDP/CDE não se opõe a que a Sr.ª Deputada Maria Santos, como primeira subscritora do voto, possa usar da palavra, ainda que não represente nenhum grupo parlamentar.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, ao abrigo da figura regimental de interpelação à Mesa, já que foi esta a figura que foi utilizada pelo Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, apenas gostaria de dizer ao Sr. Deputado que se reflectir sobre as duas situações em confronto talvez seja capaz de compreender as nossas posições diferentes em relação a essas duas situações.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.
O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nem sequer vou exprimir a posição da minha bancada sobre esta matéria, porque julgo que esta auscultação aos grupos parlamentares tornou-se inútil a partir do momento em que o PSD não deu o seu acordo quanto ao facto de a Sr.ª Deputada Maria Santos fazer uma declaração de voto. Julgo, pois, que estamos a perder tempo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Subscrevemos a opinião do Sr. Presidente e apelamos ao PSD no sentido de que, apesar de não ser regimentalmente correcto, por uma questão de abertura e talvez de princípio para o Sr. Deputado António Capucho, não se oponha a que a Sr.ª Deputada Maria Santos faça uma declaração de voto.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, na medida em que se verificam objecções por parte do Sr. Deputado António Capucho, embora quanto a mim não se trate de uma interpretação rígida do Regimento - o Regimento tem de ser interpretado em muitos casos exten-
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sivamente -, a verdade é que esta é uma situação em que, sob o ponto de vista moral, não faz sentido privar do uso da palavra o deputado que tomou a iniciativa de apresentar o voto. Evidentemente que no nosso Parlamento a palavra é disciplinada por diversas formas, mas creio que quem toma uma iniciativa deve ter o direito de a defender e, quanto a mim, não há nenhum Regimento que, moralmente, o possa impedir. Foi, pois, nesse sentido que coloquei a questão com seriedade e não para saber quem é que, numa atitude generosa, está a favor ou quem está contra.
Penso que esta questão poderá ser abordada noutras circunstâncias em conferência de líderes parlamentares ou na própria revisão do Regimento da Assembleia da República. Neste sentido, para que este problema não degenere, peço à Sr.ª Deputada Maria Santos que tenha paciência, pois a questão será posteriormente analisada. Se quiser pode fazer uma declaração de voto por escrito, Sr.ª Deputada.
Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado António Paulouro.
O Sr. António Paulouro (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Renovador Democrático votou favoravelmente o voto de protesto em causa e apresentará por escrito as razões por que o fez.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, suponho que V. Ex.ª irá agora anunciar o intervalo regimental. Antes que o faça, queria pedir-lhe o favor de, a pedido do Partido Socialista, convocar uma conferência de líderes, a realizar durante o intervalo, dada a receptividade manifestada há pouco por alguns grupos parlamentares quanto ao agendamento, tão urgente quanto possível, do decreto-lei que foi referido.
O Sr. Presidente: - Aliás, esse é um direito do Partido Socialista, independentemente do conteúdo que pretende dar a essa conferência de líderes.
O Sr. António Capucho (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, não pretendo obstaculizar esta iniciativa e a prova disso é que o meu grupo parlamentar apresentou uma convocatória, por mim assinada, no sentido de se realizar uma conferência de líderes precisamente durante o intervalo. No entanto, a realizar-se uma conferência de líderes com o meu grupo parlamentar, ela terá de ser noutra ocasião. De resto, está convocada uma conferência de líderes para amanhã, às 10 horas e 30 minutos, suponho. Se entenderem que essa não é a altura adequada, poderá ser às 19, às 20, às 21 ou às 22 horas, quando quiserem.
O Sr. Presidente: - Pergunto ao Sr. Deputado Jorge Lacão se o assunto que referiu pode ser colocado na conferência de líderes a realizar amanhã.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, como deve calcular, o facto de estar convocada, pelo Sr. Deputado António Capucho, uma conferência de líderes para o intervalo, o PS não vê inconveniente em que, na sequência das matérias já agendadas, se trate da que acabámos de referir. Se o Sr. António Capucho vir algum inconveniente, mantemos o nosso pedido de realização de uma conferência de líderes, que materialmente se realizará após aquela que foi solicitada pelo Sr. Deputado António Capucho, e assim vamos dar ao mesmo.
O Sr. António Capucho (PSD): - Não percebeu. Não é nada disso!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, o meu pedido da palavra não tem a ver com a discussão que está a processar-se. É apenas para requerer que, sem prejuízo do intervalo regimental, a sessão seja interrompida por mais 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, vamos ter de fazer ajustamentos na ordem de trabalhos, na medida em que amanhã é dia parlamentar e hoje vamos entrar bastante tarde na ordem do dia. Talvez valha a pena fazermos uma conferência de líderes, que se realizará depois do intervalo e depois da reunião que o Sr. Deputado António Capucho terá com o seu grupo parlamentar.
Se não houver objecções, convoco a conferência dos grupos parlamentares para as 19 horas e 30 minutos.
Está interrompida a sessão, que recomeçará às 19 horas e 25 minutos.
Eram 18 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entrando no período da ordem do dia, vamos prosseguir os nossos trabalhos com a continuação da discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.º 172/IV, da iniciativa do PCP - Subsídio de dedicação exclusiva aos docentes do ensino superior e dos investigadores, e n.º 177/IV, da iniciativa do PRD - Alteração às disposições relativas ao regime de dedicação exclusiva na carreira docente universitária.
A discussão destes diplomas iniciou-se no final da passada sessão plenária e nela intervieram dois Srs. Deputados, um do PRD e outro do PCP.
O Sr. Deputado Narana Coissoró tinha ficado inscrito para formular um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Sá Furtado, que não está presente, pelo que o Sr. Deputado Narana Coissoró não tem interlocutor.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Prescindo de formular o pedido de esclarecimento, Sr. Presidente.
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O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
Para produzirem intervenções estão inscritos os Srs. Deputados Raul Junqueiro, Narana Coissoró, Raul Castro e Vítor Crespo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Junqueiro.
O Sr. Raúl Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apreciamos hoje dois projectos de lei que, apresentando embora soluções diferentes para o mesmo problema, estão irmanados pelo desejo de contribuir para a dignificação das carreiras profissionais dos professores universitários e dos investigadores.
Daí que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista os vá votar favoravelmente, na generalidade, sem prejuízo de ter igualmente apresentado um importante lote de propostas de alteração, substituição e aditamento, que constituem o seu contributo com vista a, na especialidade, promover possíveis e desejáveis melhorias de concepção e tratamento.
A existência em qualquer país de um número significativo de professores e investigadores de alta craveira pedagógica e científica constitui condição indispensável para o seu progresso e desenvolvimento.
E, também, não hesito em afirmá-lo, representará cada vez mais uma condição essencial para a preservação da sua própria independência.
Numa sociedade atingida em cheio por uma evolução tecnológica sem precedentes, onde as transformações se sucedem a ritmo vertiginoso, é fundamental a existência de capacidade e de autonomia científicas, em ordem a preservar a identidade nacional e a preparar os caminhos do futuro.
Para tal é não só necessário investir com carácter prioritário numa política de constante formação e valorização dos recursos humanos, mas também proporcionar os meios e as infra-estruturas que permitam a realização dos grandes objectivos nacionais, definidos sectorial e globalmente.
É nesta conformidade que pensamos ser urgente e inadiável a realização de um grande debate parlamentar sobre os problemas graves que afectam hoje o funcionamento das universidades em Portugal e sobre as condições em que se encontram os centros de investigação científica, bem como os meios postos à sua disposição.
Importa que o País tenha a consciência de que se trata de questões fundamentais para o seu futuro e que, por isso mesmo, se saiba o que está a acontecer aos diversos níveis.
Em nossa opinião, e independentemente de uma reflexão mais aprofundada a fazer no momento conveniente, existem três pontos a exigir medidas imediatas.
Em primeiro lugar, o reforço da autonomia universitária, visando uma mais eficaz inserção das universidades na comunidade e uma maior identificação com o país real.
Temos de matar, de uma vez por todas, a universidade escolástica.
A simples transmissão de conhecimentos e a própria investigação fundamental, embora continuem a merecer o maior destaque e importância, não podem ser as únicas missões da universidade.
A investigação específica e dirigida, a correspondência com os destinatários directos e indirectos do ensino e a vivência conjunta dos problemas que afectam as actividades sociais, económicas e culturais têm de constituir igualmente missões de relevo, destinadas a provocar impactes significativos na estrutura de base da comunidade.
Felizmente que podemos ver no nosso país salutares exemplos disto mesmo, quer nas novas, quer nas velhas universidades, quer nos grandes centros urbanos do litoral, quer nos do interior.
Mas importa prosseguir sem desfalecimentos este caminho, que é o único capaz de garantir o êxito e a construção de um futuro melhor.
Em segundo lugar, o reforço das verbas postas à disposição das universidades, tendo em vista a melhoria das instalações e dos equipamentos e, também, o reforço das verbas destinadas a investigação e desenvolvimento.
O Partido Socialista apresentou já na Assembleia da República um projecto de lei sobre a promoção e o enquadramento da investigação científica e tecnológica, o qual foi aprovado na generalidade com o voto unânime dos deputados.
Aí se contempla a resolução de alguns dos problemas apontados, mas é fundamental que o Governo não descure os restantes, que, a não serem atacados, poderão comprometer o esforço que vem sendo desenvolvido.
Não se pode aceitar, nem nós nem o País, que continue a verificar-se a manutenção do estado deplorável das instalações de grande parte das universidades ou o vazio dos laboratórios ou a supressão das aulas práticas pela falta de equipamento.
Importa encontrar soluções de fundo e, sobretudo, um plano global capaz de prever e executar as mudanças qualitativas e quantitativas que são necessárias.
Em terceiro e último lugar, o reforço das carreiras profissionais dos docentes e dos investigadores, quer em número quer em qualidade.
Mas, ao mesmo tempo, há que encontrar formas de remunerar convenientemente estes profissionais, de modo que possam realizar o seu trabalho com tranquilidade e segurança.
A chamada «fuga de cérebros» atinge sobretudo os países subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento, onde determinados professores e investigadores de alta craveira são aliciados para irem trabalhar para os chamados «países ricos».
Conhecemos todos exemplos de sobejo.
A maior parte dos saltos qualitativos do nosso século deveu-se a cientistas que, embora radicados em países fortemente desenvolvidos, eram oriundos de países pobres considerados atrasados.
O nosso país, situando-se no meio caminho entre o subdesenvolvimento e o desenvolvimento, está particularmente vulnerável a este fatídico fenómeno.
Isto porque, por um lado, existe já um número considerável de professores e investigadores de reputação mundial e, por outro lado, as suas condições de trabalho e remuneração são francamente negativas, sobretudo quando comparadas com as dos seus colegas estrangeiros.
Se acrescentarmos que existe hoje uma feroz concorrência entre países e até entre continentes, tendo em vista a supremacia científica e tecnológica, somos forçados a reconhecer que temos de tomar medidas com toda a urgência.
O que fica exposto não pretende, insisto uma vez mais, ser uma análise exaustiva sobre este tema.
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Traduz apenas uma brevíssima reflexão destinada a exprimir algumas preocupações e a enquadrar o sentido do voto favorável que daremos aos diplomas legais em apreciação.
É certo que os mesmos procuram responder apenas parcelarmente às questões fundamentais que se colocam neste domínio.
Apesar disso, constituem um contributo positivo para a resolução de problemas importantes, como sejam os das condições remuneratórias dos docentes universitários e dos investigadores.
Pela nossa parte, como referi no início desta intervenção, apresentámos um importante lote de propostas de alteração, substituição e aditamento.
Em primeiro lugar, optámos por associar os novos estímulos preconizados para a carreira docente universitária em grau idêntico à carreira de investigação científica, já que entendemos ser uma equiparação justa, susceptível não só de corrigir as assimetrias actuais, mas também de criar um quadro de maior flexibilidade nas opções entre as duas carreiras.
Não esquecemos igualmente a carreira docente do ensino superior politécnico, dada a sua relevante função no sistema educativo nacional e a necessidade de gerar condições para o efectivo funcionamento dos respectivos institutos.
Em segundo lugar, propomos a definição, em termos equivalentes, para as carreiras mencionadas, do regime de dedicação exclusiva.
Saliente-se, a este propósito, a injustiça que se verifica, dada a circunstância de este regime se encontrar legalmente definido para a carreira de investigação científica em termos diferentes e mais desfavoráveis do que para a carreira docente universitária.
Porquê só o pessoal de investigação «que preste serviço docente ou exerça actividades de desenvolvimento experimental» pode optar pela dedicação exclusiva, quando ao pessoal docente não se fazem quaisquer exigências, a não ser a de, como no caso do pessoal de investigação, renunciar ao exercício de qualquer função ou actividade remunerada, incluindo o exercício de profissão liberal?
Aliás, a exigência de prestação de serviço docente, como parte integrante da própria actividade do pessoal de investigação, é manifestamente contraditória com a noção de dedicação exclusiva à investigação.
Quanto à exigência alternativa de se exercerem actividades de «desenvolvimento experimental» (ou seja, de utilização de conhecimentos e experiências científico-técnicas na concepção de produtos susceptíveis de serem lançados no mercado), é injustificável no actual contexto de integração na CEE, o qual impõe que a investigação científica em Portugal se desenvolva e atinja níveis elevados em qualquer das suas formas: investigação fundamental, investigação aplicada (ou orientada) e desenvolvimento experimental. Em termos de competição e em termos de cooperação com os países da CEE, Portugal não pode relegar-se a si próprio para uma posição deliberadamente marginal ou subordinada.
Em terceiro lugar, alarga-se o número de situações em que não se verifica quebra do regime de dedicação exclusiva, em virtude da percepção de certas remunerações.
Destaco o caso das actividades exercidas, quer no âmbito de contratos entre a instituição a que se pertence e outras instituições públicas ou privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais, quer no âmbito de projectos subsidiados por quaisquer dessas entidades, ou ainda a prestação de serviço docente em estabelecimento de ensino superior público diverso da instituição a que se esteja vinculado.
Em quarto lugar, propõe-se um método de cálculo das remunerações complementares de dedicação exclusiva que, em nosso entender, é simples e de fácil compreensão e execução.
Em quinto lugar, simplificam-se os mecanismos administrativos de aplicação das remunerações complementares, eliminando-se, nomeadamente, toda a espécie de requerimentos e despachos, ao mesmo tempo que se impõe ao Governo que regulamente de forma idêntica as carreiras em apreço, impedindo que eventuais discriminações possam ser estabelecidas por essa via.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista, ao viabilizar os projectos de lei em apreciação e ao apresentar a sua própria proposta, está convicto de contribuir, em termos práticos, para o indispensável reforço da capacidade e da autonomia científica nacional.
Aplausos do PS, do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, pediu a palavra o Sr. Deputado Bártolo de Campos. Contudo, o Sr. Deputado Raul Junqueiro já não dispõe de tempo para responder.
O Sr. Bártolo de Campos (PRD): - Sr. Presidente, o PRD concede o tempo necessário para o Sr. Deputado Raul Junqueiro responder.
O Sr. Presidente: - Assim sendo, tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Bártolo de Campos (PRD): - Sr. Deputado Raul Junqueiro, como sabe, o nosso projecto de lei n.º 177/IV introduz duas mudanças estruturais, que consideramos importantes, no assunto que aqui está a ser debatido.
A primeira considera a situação de desempenho em regime de exclusividade como normal dentro do exercício das funções docentes na universidade e, por outro lado, a segunda visa a saída do sistema das letras e coloca toda a tabela salarial num sistema diferente, já utilizado noutros casos.
O PS apresentou uma série de propostas que vão contra estas duas mudanças que propomos.
Assim, e porque não o entendi bem, o Sr. Deputado perguntava-lhe, em primeiro lugar, porque é que não estão de acordo com as nossas propostas.
Julgo que não teve ocasião de esclarecer este aspecto na sua intervenção; de facto, as propostas que fazem são totalmente incompatíveis com as nossas e consubstanciam-se num outro projecto.
Em segundo lugar, as vossas propostas vão no sentido das que o PCP apresenta no seu projecto de lei n.º 172/IV: mantêm o sistema de exclusividade como um sistema excepcional e não como um sistema normal de desempenho das funções e recorrem ao sistema das percentagens, fazendo umas pequenas alterações às propostas do PCP, como seja a de os professores associados serem 55 em lugar de serem 56, verificando-se assim umas pequenas diferenças de percentagens.
A segunda questão é a de saber se não lhe parece que as vossas propostas de alteração ao projecto de lei do nosso partido estaria melhor se fossem feitas em
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relação ao projecto de lei do PCP, na medida em que é com a filosofia deste que se identifica o vosso próprio diploma.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Raul Junqueiro, tem a palavra para responder e dar esclarecimentos ao Sr. Deputado Bártolo Campos, mas como já não dispõe de tempo para o fazer, este terá de ser descontado no tempo do PRD.
O Sr. Raul Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, nesse caso serei muito breve e começo por agradecer ao PRD o tempo que me cede.
O Sr. Deputado Bártolo de Campos fez uma pergunta e deu-lhe resposta. Ou seja, a razão pela qual nós apresentamos uma proposta diferente da do PRD no que toca ao cálculo do subsídio de exclusividade para os docentes universitários é porque, efectivamente, a nossa proposta tem outra filosofia. Procurámos, por isso, ser coerentes e adoptar o mesmo tipo de cálculo, quer se trate da carreira docente universitária, quer da carreira de investigação científica, quer da do ensino superior politécnico. Fizemo-lo, ao contrário do projecto de lei do PRD, que, de facto, propõe um cálculo específico e determinado no que toca à carreira docente universitária e, depois, mercê de uma proposta de aditamento, introduz um outro critério para o ensino superior politécnico, que nada tem que ver com aquele.
Portanto, a filosofia da nossa proposta de alteração é diferente da do projecto de lei do PRD. Pensamos que o nosso obedece, de facto, a uma coerência, que tem o mesmo tipo de princípios para as três carreiras docentes.
No entanto, isto não quer dizer que estejamos totalmente em desacordo relativamente à filosofia que preside ao projecto de lei do PRD. Pensamos que, na especialidade, os dois projectos se poderão compatibilizar. De facto, a questão de se considerar o exercício das funções docentes universitários como sendo, à partida, uma situação de exclusividade de investigação, ou seja, considerar-se que, por definição, o docente universitário é também um investigador, é uma questão com que concordamos teoricamente mas quanto à qual precisamos de resolver, antes e na prática, um conjunto de problemas. Pensamos que esse conceito poderá ser apoiado, mas temos que esclarecer um conjunto de questões prévias, porque se fôssemos aplicar a proposta tal qual é apresentada pelo PRD corríamos o risco de introduzir graves distorções no esquema de prestação do serviço docente. É por isso que preferimos apresentar uma proposta própria, que é globalmente coerente, estando dispostos a dialogar, a conversar na especialidade, para depois, no conjunto dos projectos de lei do PCP e do PRD e da nossa própria proposta, encontrarmos um consenso que permita realizar o objectivo que, ao fim e ao cabo, é o dos três grupos parlamentares e que consiste em se oferecerem melhores condições de remuneração aos docentes e aos investigadores.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dado o tempo subjectivo que está ao meu dispor e o tempo objectivo que tem a Câmara - que são sete minutos - e porque este problema tem que ser debatido noutra sede e noutra altura, com mais vagar, limitarei as minhas considerações a apenas alguns pontos que reputo indispensáveis para o tratamento destes dois projectos de lei.
Em primeiro lugar, nos dois diplomas, parte-se do princípio que o aumento de remunerações dos docentes universitários e dos investigadores científicos resolve o problema da docência e da investigação em Portugal.
Tanto do relatório como dos discursos ontem proferidos pelos representantes do PCP e do PRD parece deduzir-se que tudo estará bem na universidade, que tudo estará bem em todo o lado se dermos as condições materiais remuneratórias aos docentes para que a universidade ganhe o seu prestígio, os docentes o seu brilho e a investigação progrida em Portugal.
Em primeiro lugar, deve dizer-se que, embora seja básico e importante, o aspecto remuneratório não é o fundamental da docência e da investigação em Portugal porque no nosso país faltam as infra-estruturas que o Sr. Deputado Raul Junqueiro aqui teve oportunidade de referir. Um professor catedrático universitário ou um investigador de renome pode ser bem remunerado mas não ter à sua disposição materiais indispensáveis para levar a cabo a investigação e a docência. E quando me lembro que há em Portugal muitas escolas superiores que não têm verbas para comprar revistas da especialidade, que não têm verbas para comprar aparelhos que noutras universidades são considerados absolutamente elementares, quando faltam métodos de informática, quando faltam bases ou infra-estruturas onde assentar a investigação e a docência, parecerá muito esquisito que se nivelem os professores através da remuneração para estarem de par com os de outras universidades, privadas ou públicas, de outros países da CEE e que se não tomem também em conta os aspectos em que assenta esta investigação e em que esta docência se deve igualmente basear.
Não é que o problema seja novo - toda a gente tem consciência disso -, e durante o debate da Lei de Bases do Sistema Educativo este assunto já foi amplamente tratado. Mas, porque vem hoje aqui falar disto, não tenhamos a veleidade de pensar que se esgota o problema da dedicação exclusiva com estes dois projectos de lei, que vamos votar favoravelmente. Nada disso! E nem sequer se justifica - e peço desculpa aos oradores que me precederam - que a propósito das remunerações se encham os discursos com todos os problemas acerca do estatuto da função docente e da investigação científica. Esse debate ainda está por fazer, teremos de o fazer o mais rapidamente possível e esta não é a altura própria para tal.
Desde já, o problema que se me põe, e que se tem posto em todas as universidades, é o de saber o que é o conceito de dedicação exclusiva. Será dedicação exclusiva o professor ou o investigador permanecer todo o tempo na biblioteca ou no seu laboratório ou dentro de quatro paredes para produzir livros, sebentas, manuais, tratados, ou a dedicação exclusiva também significa que este professor deve estar ligado à vida? E quando digo estar ligado à vida quero dizer estar ligado àquilo que na realidade se passa.
Isto é um problema de profissões liberais, ou seja, um problema de saber se um professor catedrático pode ou não, mediante actividade remunerada, seja ela privada ou pública, dar os frutos da sua investigação e do seu saber a entidades públicas ou privadas e se isto deixa de ser dedicação exclusiva.
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Estamos aqui, segundo as nossas leis, perante uma fantasia, pois se analisarmos os nossos mapas de professores e se virmos como são divididos os períodos de tempo integral (100%), verificamos que nenhum daqueles professores podia trabalhar para as actividades privadas ou públicas fora da dedicação exclusiva, uma vez que as horas do funcionalismo que lhes são exigidas estão todas esgotadas para a universidade.
Pergunta-se então: se todas aquelas horas devem ser dedicadas à universidade, como é que os professores dão os pareceres, como é que trabalham para as empresas, como é que fazem os projectos, como é que fazem a investigação para as empresas privadas e para as empresas públicas? Alguma coisa está mal e a lei é que está mal! O conceito de dedicação exclusiva está mal, por isso mesmo é necessário saber da sua ligação à vida, às realidades, às actividades privadas ou às entidades públicas remuneradas.
Se um professor prestar esse mesmos esforços, se prestar esta mesma actividade sem remuneração, a lei entende tratar-se de dedicação exclusiva, mas se receber uma remuneração, entende que já não se trata de dedicação exclusiva. Isto é, se um professor fizer um parecer a um senhor ministro e não for remunerado, está dentro do conceito de dedicação exclusiva; mas se o senhor ministro lhe pagar, já não está dentro dele. Ora, por aqui se vê a falsidade e fragilidade do conceito de dedicação exclusiva.
Os dois projectos de lei não tocam nesta questão fundamental do conceito de dedicação exclusiva, dando--no como assente. Por isso mesmo não pode o simples problema da remuneração resolver a questão da dedicação exclusiva.
Em segundo lugar, existe todo o problema de organização de dedicação exclusiva e dedicação de investigação científica. A Assembleia da República ou qualquer outro órgão de soberania não pode intervir, julgo eu, neste aspecto com demasiada extensão e profundidade, pois é um problema que se liga fundamentalmente com a autonomia das universidades.
A autonomia das universidades e a autonomia de cada universidade tem que definir os seus projectos de investigação, de docência, os quadros em que se operará e como será remunerada a investigação e a docência. Sei que em Portugal isto é muitíssimo difícil; no entanto, direi que na América, por exemplo, não encontramos professores em duas universidades que ensinem as mesmas matérias e com as mesmas remunerações. Os professores da Universidade de Columbia são mais bem pagos duas ou três vezes do que os da Universidade estadual, do Hampshire ou da Califórnia.
Naturalmente que em Portugal não poderemos seguir este critério; mas não haverá um critério para distinguir os bons dos maus professores, para distinguir os bons dos maus investigadores? Isto é, dizemos que há professores em regime de dedicação exclusiva e depois exigimos destes apenas relatórios!
Verificamos que há professores que produzem livros, tratados, manuais que dão à investigação todo o seu esforço - são os tais cérebros que toda a gente disputa - e que ganham exactamente o mesmo do que aquele outro professor que está sentado a seu lado, também em regime de dedicação exclusiva, mas nunca fez mais nada do que repetir o seu manual durante vinte anos; pergunto se este critério poderá ser válido para sempre nas nossas universidades ou se se deverá
procurar outras formas de premiar a investigação científica e a docência, de premiar o esforço em prol do avanço das universidades em cada ramo do saber que se pretende.
São ideias que temos de debater, mas naturalmente que não será este o momento azado para isso.
Embora muitas outras coisas houvesse ainda para dizer, concluo referindo que votaremos favoravelmente estes dois projectos de lei com a consciência de que este é o pequenino primeiro passo para a resolução do problema das remunerações, que se prende com o do estatuto dos investigadores e da carreira docente, que por sua vez está ligado ao problema da autonomia da universidade, que por sua vez tem a ver com a questão da estruturação das boas e más universidades, que por sua vez ainda se relaciona com o problema da integração do saber português no saber europeu e no saber universal.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lemos inscreveu-se para pedir esclarecimentos, mas acontece que somos chegados à hora regimental para o termo da sessão. Todavia, para não matar o debate, se os Srs. Deputados não fizerem objecções...
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Prescindo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Nesse caso passo a anunciar que a próxima sessão plenária terá lugar amanhã, pelas 10 horas, sem período de antes da ordem do dia e constando da agenda de trabalhos a continuação das matérias agendadas para hoje e o projecto de lei n.º 235/IV, sobre passaportes diplomáticos. Como ainda se encontra reunida a conferência de líderes, só amanhã de manhã ela nos poderá dizer se constará da agenda alguma outra matéria.
Relativamente ao projecto de lei n.º 235/IV, que referi, há consenso entre todas as bancadas parlamentares que o seu tratamento consistirá praticamente apenas numa votação, que evidentemente terá lugar no final da sessão.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Dá-me licença que interpele a Mesa, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de dar uma sugestão no sentido de, dado tratar-se apenas de uma votação, incluir este projecto de lei na agenda imediatamente a seguir aos diplomas que constavam da agenda de hoje, sob pena de a votação não se efectuar amanhã.
O Sr. Presidente: - Creio que, depois de se concluir a discussão destes diplomas, talvez seja conveniente fixar uma hora de votação, por exemplo ao meio-dia, sendo também objecto de votação um relatório.
Ainda amanhã serão apreciados três pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos, um dos quais por votação secreta.
Dado que, conforme estipula o artigo 55.º do Regimento, a ordem de trabalhos deve ser fixada para as duas reuniões seguintes, posso desde já informar que na próxima terça-feira haverá sessão às 10 horas, iniciando-se aí o debate, na generalidade, das propos-
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tas de lei das Grandes Opções do Plano (1987-1990) e Grandes Opções do Plano para 1987 e do Orçamento do Estado para 1987. Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 5 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Alípio Ferreira Dias.
Arménio dos Santos.
José Filipe de Ataíde Carvalhosa.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Licinio Moreira da Silva.
Manuel da Costa Andrade.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Partido Socialista (PS):
João Cardona Gomes Cravinho.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Bártolo de Paiva Campos.
Tiago Gameiro Rodrigues Bastos.
Partido Comunista Português (PCP):
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel dos Santos Magalhães.
Centro Democrático Social (CDS):
António Filipe Neiva Correia.
Eugénio Nunes Anacoreta Correia.
João Gomes de Abreu Lima.
João da Silva Mendes Morgado.
Deputados independentes:
Rui Manuel Oliveira Costa.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Adérito Manuel Soares Campos.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Cândido Alberto Alencastre Pereira.
Domingos Duarte Lima.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Próspero Luís.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
José Ângelo Ferreira Correia.
José de Vargas Bulcão.
Manuel Ferreira Martins.
Partido Socialista (PS):
Alberto Manuel Avelino.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Jaime José Matos da Gama.
José Barbosa Mota.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Torres Couto.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Victor Hugo de Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António Alves Marques Júnior.
Carlos Artur Trindade Sá Furtado.
Eurico Lemos Pires.
Fernando Dias de Carvalho.
Jaime Manuel Coutinho da Silva Ramos.
Maria da Glória Padrão Carvalho.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Partido Comunista Português (PCP):
António Dias Lourenço da Silva.
António Manuel da Silva Osório.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Rodrigues Vitoriano.
Zita Maria de Seabra Roseiro.
Centro Democrático Social (CDS):
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Deputados independentes:
António José Borges de Carvalho.
Gonçalo Pereira Ribeiro Teles.
Declaração de voto enviada para a Mesa relativa ao voto de protesto pela visita de Pieter Bolha à Região Autónoma da Madeira:
Foi entendimento maioritário protestar pela visita de Pieter Botha à Região Autónoma da Madeira, voto que se insere no protesto mundial contra um regime que, no limiar do século XXI, mantém a mais escandalosa discriminação entre seres humanos.
Voto que «Os Verdes» entendem como mais um contributo para a condenação pública do apartheid.
A Deputada Independente, Maria Santos.
As REDACTORAS: Maria Leonor Ferreira - Ana Maria Marques da Cruz.
PREÇO DESTE NÚMERO: 119$00
Depósito legal n.º 8818/85
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.