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DIÁRIO
da Assembleia da República
I Série - Número 27
Quarta-feira, 7 de Janeiro de 1987
PORTE PAGO
IV LEGISLATURA
2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1986-1987)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 6 DE JANEIRO DE 1987
Presidente: Exmo. Sr. António Alves Marques Júnior
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Rui de Sá e Cunha
Jorge Manuel Lampreia Patrício
SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente, da apresentação de requerimentos e da resposta a alguns outros e da entrada na Mesa da proposta de lei n.º 50/IV.
Em declaração política, o Sr. Deputado Jorge Lemos (PCP) criticou o acção do Governo no sector da comunicação social e as censuras dirigidas à Assembleia pelo Governo e pela Igreja referentes à aprovação da chamada «Lei da Rádio».
Em declaração política, o Sr. Deputado Ferraz de Abreu (PS) repudiou os ataques do Governo e de figuras da hierarquia da Igreja à Assembleia pelo mesmo motivo. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Gomes de Almeida (CDS), Raul Castro (MDP/CDE) e Duarte Lima (PSD).
Também em declaração política, o Sr. Deputado António Capucho (PSD) analisou a posição de voto do PS e do PRD quanto à já referida Lei da Rádio, que considerou afrontosa para a Igreja. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Alexandre Manuel (PRD), Jorge Lacão (PS), Carlos Brito (PCP) e Manuel Alegre (PS).
Por seu turno, e ainda em declaração política, o Sr. Deputado Gomes de Almeida (CDS) condenou o PS, o PRD e o Governo pelas atitudes assumidas quanto d referida Lei.
O Sr. Deputado Alexandre Manuel (PRD) Interveio também sobre o mesmo assunto.
Foi aprovado um voto de pesar pela morte do poeta Joaquim Namorado, tendo produzido declaração de voto os Srs. Deputados José Manuel Mendes (PCP), Manuel Alegre (PS), Raul Castro (MDP/CDE), José Carlos Vasconcelos (PRD) e José Gama (CDS).
Ordem do dia. - Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.º 311/IV (PCP) (suspende a atribuição de reservas na zona de intervenção do Reforma Agrária até à conclusão da actividade decorrente do inquérito parlamentar à actuação do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação), 32l/IV (PS)(transfere para os tribunais administrativos a competência para a atribuição das reservas previstas na Lei n.º 77/77, de 29 de Setembro) e 325/IV (PRD) (sobre requisitos da demarcação e atribuição de reservas no zona da Reforma Agrária).
Intervieram no debate, a diverso título, além do Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação (Álvaro Barreto), Os Srs. Deputados João Amoral (PCP), Luís Capoulas e Marques Mendes (PSD),
Lopes Cardoso (PS), Vasco Miguel (PSD), Soares Cruz (CDS), João de Brito (PRD), Luís Rodrigues (PSD), Borges de Carvalho (Indep.), António Barreto (PS), José Manuel Casqueiro (PSD), Nogueira de Brito (CDS), Raul Castro (MDP/CDE) e Magalhães Mota (PRD).
Entretanto, procedeu-se à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de deputados do PSD e do PRD, que foi aprovado.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 21 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 20 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio Gaspar Rodrigues. Adérito Manuel Soares Campos. Alberto Monteiro Araújo. Álvaro Barros Marques de Figueiredo. Amândio Anes de Azevedo. Amândio Santa Cruz Basto Oliveira. António d'Orey Capucho. António Joaquim Bastos Marques Mendes. António Jorge de Figueiredo Lopes. António Manuel Lopes Tavares. António Paulo Pereira Coelho. António Roleira Marinho. António Sérgio Barbosa de Azevedo. Arlindo da Silva André Moreira. Arménio dos Santos. Arnaldo Ângelo de Brito Lhamas. Belarmino Henriques Correia. Cândido Alberto Alencastre Pereira.
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Hermínio Paiva Fernandes Martinho. Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho. Jaime Manuel Coutinho da Silva Ramos. Joaquim Jorge Magalhães Mota. José Alberto Paiva Seabra Rosa. José Caeiro Passinhas. José Carlos Torres Matos de Vasconcelos. José Carlos Pereira Lilaia. José Emanuel Corujo Lopes. José Fernando Pinho da Silva. José Luís Correia de Azevedo. José Rodrigo da Costa Carvalho. Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos. Roberto de Sousa Rocha Amaral. Rui José dos Santos Silva. Rui de Sá e Cunha. Tiago Lameiro Rodrigues Bastos. Vasco da Gama Lopes Fernandes. Vasco Pinto da Silva Marques. Vitorino da Silva Costa. Victor Manuel Ávila da Silva. Victor Manuel Lopes Vieira.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro. António Anselmo Aníbal. António Dias Lourenço da Silva. António da Silva Mota. António Manuel da Silva Osório. António Vidigal Amaro. Belchior Alves Pereira. Bento Aniceto Calado. Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas. Carlos Alfredo de Brito. Carlos Campos Rodrigues Costa. Carlos Manafaia. Cláudio José Santos Percheiro. Custódio Jacinto Gingão. João António Gonçalves do Amaral. João Carlos Abrantes. Joaquim Gomes dos Santos. Jorge Manuel Abreu de Lemos. Jorge Manuel Lampreia Patrício. José Manuel Antunes Mendes. José Estêvão Correia da Cruz. José Manuel dos Santos Magalhães. José Manuel Maia Nunes de Almeida. José Rodrigues Vitoriano. Luís Manuel Loureiro Roque. Manuel Rogério de Sousa Brito. Maria Ilda Costa Figueiredo. Maria Odete dos Santos. Octávio Augusto Teixeira. Zita Maria de Seabra Roseiro.
Centro Democrático Social (CDS):
Abel Augusto Gomes de Almeida. Adriano José Alves Moreira. Eugénio Nunes Anacoreta Correia. Francisco António Oliveira Teixeira. Henrique Manuel Soares Cruz. Horácio Alves Marçal. João Gomes de Abreu Lima. João da Silva Mendes Morgado. José Augusto Gama.
José Maria Andrade Pereira. José Miguel Nunes Anacoreta Correia. Manuel Afonso Almeida Pinto. Narana Sinai Coissoró.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
João Cerveira Corregedor da Fonseca. José Manuel do Carmo Tengarrinha. Raul Fernando de Morais e Castro.
Deputados independentes:
Gonçalo Pereira Ribeiro Teles. Maria Amélia do C. Mota Santos. António José Borges de Carvalho. Rui Manuel Oliveira Costa.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, espero que as festas que entretanto ocorreram tenham sido passadas da melhor maneira e que o ano de 1987 seja um ano das maiores felicidades tanto para VV. Ex.as como para todos os Portugueses, assim como um ano de trabalho profícuo da Assembleia da República.
Desculpem este meu aparte no início dos trabalhos deste ano de 1987.
Srs. Deputados, vai proceder-se à leitura do expediente, dos requerimentos e dos diplomas que deram entrada na Mesa.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Carta
Da Associação de Estudantes da Escola Secundária de Alexandre Herculano, no Porto, sobre o processo pendente desde 1983 quanto ao funcionamento da cantina naquela Escola.
Ofícios
Do conselho directivo da Escola Preparatória da Lourinhã, enviando o parecer do seu conselho pedagógico referente aos despachos n.º 32, 41, 42 e 43/86 dos ensinos básico e secundário;
Da Junta de Freguesia de Odivelas, no concelho de Loures, remetendo fotocópias de um ofício enviado ao director do Centro do Emprego de Loures sobre o Programa ATD;
Da Adega Cooperativa de Dois Portos, enviando fotocópias da moção aprovada na assembleia geral que se realizou no passado dia 21 de Dezembro, protestando pelo agravamento da taxa de comercialização imposta pela nossa adesão à CEE.
Telegramas
Dos secretariados das UCP/cooperativas agrícolas da zona da Reforma Agrária, protestando pelo despacho de S. Ex.ª o Secretário de Estado da Alimentação com a data de 19 de Dezembro findo;
Da Câmara Municipal de Valpaços, manifestando o seu repúdio e preocupação pela recente aprovação da Lei da Rádio, por considerar que a mesma representa um atentado escandaloso aos interesses da maioria do povo português.
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«Telexes»
Do Sindicato dos Bancários do Norte, da tendência sindical democrata-cristã, exigindo que seja aplicada integralmente a Lei n.º 46/79;
Da Câmara Municipal da Chamusca, manifestando a sua preocupação pelo recente agravamento da situação na Metalúrgica Duarte Ferreira e o seu empenhamento para que possa ser encontrada uma solução urgente para viabilizar a mesma.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Foram apresentados na Mesa, nas últimas reuniões plenárias, os requerimentos que a seguir vou indicar:
No dia 18 de Dezembro de 1986: ao Governo, pelos Srs. Deputados Almeida Pinto e Ângelo Correia, respectivamente; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulado pelo Sr. Deputado Dias de Carvalho; ao Ministério da Justiça (7), formulados pelo Sr. Deputado Jaime Coutinho; ao Ministério do Trabalho e Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado - Jerónimo de Sousa; ao Ministério da Educação e Cultura, formulados pelos Srs. Deputados Maia Nunes de Almeida, Raul Junqueiro e Álvaro Brasileiro; a diversos ministérios (3), formulados pelo Sr. Deputado José Magalhães; a diversos ministérios (5), formulados pela Sr.ª Deputada Maria Santos.
No dia 19 de Dezembro de 1986: ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado Jaime Gama; ao Governo (2), formulados pelo Sr. Deputado Álvaro Brasileiro.
No dia 22 de Dezembro de 1986: ao Governo (4), formulados pelo Sr. Deputado José Magalhães e outros; a diversos ministérios (5), formulados pelo Sr. Deputado João Abrantes; aos Ministérios das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e da Agricultura, Pescas e Alimentação (2), formulados pela Sr.ª Deputada Zita Seabra; a diversos ministérios (7), formulados pelo Sr. Deputado Jaime Gama; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Sá e Cunha, Vasco Marques, António Esteves, Correia de Azevedo, Agostinho de Sousa e Luís Roque; a diversos. ministérios (7), formulados pelo Sr. Deputado Armando Fernandes; à Secretaria de Estado das Vias de Comunicação e às Câmaras Municipais de Aveiro, Espinho e Mealhada (4), formulados pelo Sr. Deputado Corujo Lopes; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Rogério Moreira; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Maia Nunes de Almeida; ao Ministério da Educação e Cultura, formulados pelos Srs. Deputados Carlos Manafaia e Joaquim Gomes, respectivamente; ao Governo (2), formulados pelo Sr. Deputado Jerónimo de Sousa; ao Ministério do Plano e da Administração do Território, formulado pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo; a diversas câmaras municipais (272), formulados pelo Sr. Deputado Sousa Pereira; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulado pelo Sr. Deputado António Mota; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Guedes de Campos, Tiago Bastos e Silva Costa, respectivamente; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Paiva Campos; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado Lopes Vieira; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pela Sr.ª Deputada Cristina Albuquerque; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação (2), formulados pelo Sr. Deputado João de Brito; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Ivo Pinho.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Sousa Pereira, nas sessões de 9 de Janeiro e de 6 de Novembro; Rui Rabaça Vieira e Raul de Brito, na sessão de 19 de Novembro; Armando Fernandes, nas sessões de 15 de Maio e de 6 de Novembro; José Magalhães e José Manuel Mendes, na sessão de 12 de Junho; António Mota, nas sessões de 20 de Dezembro e de 30 de Junho; Luís Roque, nas sessões de 9 de Julho e de 18 de Novembro; António Paulouro, na sessão de 25 de Julho; Frederico de Moura e Zita Seabra, na sessão de 9 de Outubro; Vidigal Amaro, na sessão de 10 de Outubro; Custódio Gingão, na sessão de 16 de Outubro; Carlos Martins, na sessão de 28 de Outubro; Raul Junqueiro, na sessão de 18 de Novembro.
Deu ainda entrada na Mesa, e foi admitida, a proposta de lei n.º 50/IV (autorização para alterar o n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 3/86, de 7 de Fevereiro, que diz respeito ao imposto especial sobre o consumo de bebidas alcoólicas), que baixa à 5.ª Comissão.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República tem estado a viver sob um clima de calúnias e chantagem inadmissível num Estado democrático, em que tem assumido particular destaque a acção governamental. Incapaz de aceitar a sua condição de minoritário, o Governo habitua-se mal às regras da democracia, não olha a meios e não tem quaisquer escrúpulos para tentar alcançar os seus objectivos.
Especial referência merece a postura que o Governo tem vindo a assumir quanto à comunicação social. Ao invés do profundo e participado debate que a questão reclama em termos nacionais, o Governo tem optado pela imposição da sua vontade unilateral, no quadro de uma intensa ofensiva de manipulação e mentira. Não podemos esquecer que o Governo lançou sobre esta Assembleia um ultimato - que permanece - exigindo a aprovação de legislação que liquide o sector público da comunicação social, sob pena de estrangulamento financeiro das empresas públicas do sector.
É um facto que não pode ser ignorado, representando uma atitude de rebelião institucional sem precedentes na nossa história parlamentar e que, para além do que já fizemos em termos do Orçamento do Estado, merece resposta exemplar. Resposta que desde já deve ser dada através da apreciação parlamentar do decreto-lei que extingue a ANOP, cuja ratificação já foi solicitada pelo meu grupo parlamentar. Este é, aliás, um caso paradigmático da actuação governamental, que, ao arrepio das opiniões manifestadas pela maioria desta Câmara, pretende consumar agora o processo já iniciado pelo secretário de Estado, também do PSD, José Alfaia.
Ao extinguir a ANOP e criar a Lusa, o Governo enveredou por um processo de desrespeito pela legislação em vigor, sobre o qual pesam profundas dúvidas de constitucionalidade, como foi reconhecido pelo Provedor de Justiça, que suscitou a questão junto do Tribunal Constitucional. A paranóia do Governo foi tal que não se coibiu, talvez à imagem do que seria a sua
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própria actuação, de ver nesta atitude do Provedor de Justiça mais uma mão negra da oposição e não o exercício normal de um direito que a Constituição lhe atribui.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É este mesmo Governo que vem agora acusar a Assembleia da República, encabeçando a campanha de calúnias e inverdades que contra ela tem sido dirigida, por ter aprovado uma lei que dá cumprimento ao dispositivo constitucional segundo o qual «as estações emissoras de radiodifusão só podem funcionar mediante licença a conferir nos termos da lei».
Como já foi provado, mas importa novamente clarificar, dada a campanha de mistificação e manipulação em curso, são completamente falsas as afirmações do Governo sobre a matéria.
Vejamos, em primeiro lugar, o problema da desgovernamentalização da atribuição de frequências.
Só por manifesta má-fé se pode vir arguir, como «expediente de última hora», a consagração legal de mecanismos que assegurem a desgovernamentalização do processo de atribuição de frequências. Tal questão foi questão central no debate na generalidade, sobre a qual se pronunciaram todos os partidos e o próprio Governo. Mais, o Governo e o partido que o apoia, que agora tanto se encrispam contra a solução adoptada, não fizeram dela questão essencial durante o debate na generalidade, como se pode provar pelo voto favorável do PSD ao projecto de lei n.º 142/IV, em que tal desgovernamentalização era expressamente prevista.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Igualmente infundada é a censura do Governo quanto à reversão para o domínio público das frequências atribuídas a título precário nos últimos dois anos. Importa aqui referir que, como foi salientado por deputados da Subcomissão de Comunicação Social, o Governo, por ofício do chefe do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto do Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares, no passado dia 30 de Julho, deu conhecimento à Assembleia da República do parecer emitido pela Auditoria Jurídica da Presidência do Conselho de Ministros, na sequência de solicitação que nesse sentido lhe havia sido dirigida em 20 de Junho de 1986 pelo Secretário de Estado Marques Mendes quanto à interpretação do despacho que, a título precário, havia atribuído uma frequência à Rádio Renascença e outra à RDP.
Do documento em causa, convirá referir que a Auditoria Jurídica da Presidência do Conselho de Ministros considerava, designadamente, que «a referência a autorização provisória e a justificação de que a provisoriedade resultava de se entender que deveria ser a lei da radiodifusão a fixar o prazo da referida autorização nos conduz à conclusão de que a atribuição da rede nacional de FM, nas condições aí referidas, se fazia precária e condicionalmente».
Mais à frente referia-se que «não se trata, portanto, de acto constitutivo de direitos, mas de mera autorização precária de utilização de certa rede nacional de FM, em frequências a determinar pelos serviços de telecomunicações».
E concluía-se: «da natureza precária do acto resulta a possibilidade de cessação, a todo o tempo, das licenças por ele outorgadas, nos termos do que a lei da radiodifusão vier a estabelecer».
Importa dizer, Srs. Deputados, que este parecer foi homologado pelo Sr. Secretário de Estado Marques Mendes, que apôs sobre ele o seguinte despacho: «Concordo. Dê-se conhecimento, conjuntamente com o meu despacho de 20 de Junho de 1986, à Comissão Parlamentar de Direitos, Liberdades e Garantias.»
Estes documentos foram enviados à Comissão Parlamentar; portanto, a Assembleia da República conhecia, com rigor, a posição do Governo sobre esta matéria.
São também conhecidas as declarações, referidas em órgãos de comunicação social, do Secretário de Estado Marques Mendes, designadamente referenciadas pelo jornal O Século, no passado dia 30 de Agosto, segundo as quais «a concessão de dois canais em FM, um à RDP e outro à Rádio Renascença, antes da aprovação da lei da radiodifusão, foi uma atitude passível de desvirtuar a liberdade de acesso ao espaço radiofónico.»
Foi tendo em conta todos estes princípios que a Assembleia da República legislou, assim como legislou tendo também em conta a opinião do Governo.
Tem de se dizer, Srs. Deputados, que ao longo de todo este processo o Governo manifestou uma atitude dúplice e de completa hipocrisia política. O Governo vem hoje negar o que disse ontem, mente à opinião pública, lança-se em panaceias eleitoralistas com um doentio apego ao poder, não se coibindo de tentar instrumentalizar, a favor desta suja campanha política, os sentimentos religiosos do povo português.
O escândalo e a falta de princípios foi a tal ponto que ainda no passado sábado pudemos ver nos écrans televisivos como o Secretário de Estado Marques Mendes, que havia sido claramente desautorizado pelo Governo, não assumiu a única atitude digna que se poderia esperar de um cidadão com palavra - o pedido de demissão -, optando pela mentira despudorada, tentando atabalhoadamente desdizer o que disse e escreveu, retractando-se, não anunciando o pedido de demissão, antes aceitando ser reprogramado à pressa.
Este Secretário é bem a imagem deste Governo, que, misteriosamente, sempre se manifestou disposto a «sacrificar» a Rádio Renascença (que hoje tanto diz defender) desde que lhe não tocasse no poder discricionário de distribuição de frequências.
O Governo deve explicações à Assembleia da República; o Governo deve explicações ao País, como já foi reclamado por deputados desta Casa.
Entendemos, e desde já fazemos esta proposta aos restantes grupos parlamentares, que, com urgência, deve ser organizada uma sessão de perguntas ao Governo para que seja possível, de maneira transparente, às claras, sem manipulação ou censuras, tornar claro perante a opinião pública tudo o que se passou.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP sempre defendeu e sempre lutou para que as confissões religiosas, e designadamente a igreja católica, pudessem desenvolver cabalmente a sua missão. Aliás, nunca esteve em causa, nem poderia estar, qualquer acção que visasse calar a voz à igreja católica, como pretendem fazer crer os promotores da campanha em curso contra esta Assembleia. Ninguém de boa fé o poderá afirmar, conhecidas que são as condições de total liberdade com que a igreja católica tem vindo a desenvolver a sua actividade informativa, quer através da Rádio Renascença e da sua própria imprensa, quer através da RDP, nos seus três canais, e da RTP. Os números tornados públicos em comunicado emitido por membros da Subcomissão de Comunicação Social demonstram-no cabalmente. Agora não se pode compreender,
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Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A quadra natalícia que ora termina, quadra por excelência para reflexão sobre o amor e a paz entre os homens, foi perturbada pela montagem de um conflito absurdo e destinado a levar a confusão e a divisão ao povo português.
Quem percorreu nesta quadra aldeias e vilas, onde as fontes de informação continuam a ser sobretudo a rádio, a televisão e as homilias, viu-se confrontado com a inquietação e a perplexidade de pessoas que manifestavam o seu veemente desejo de conhecer a verdade sobre os actos atribuídos ao Parlamento. E isto porque à habitual campanha de desinformação do Governo se juntaram agora vozes inesperadas e revelando grande exaltação.
Os factos têm sido distorcidos, a verdade tem sido frequentemente omitida e até se tem recorrido a agressões verbais ressuscitando expressões e vocábulos ainda possuidores da carga de suspeição que lhes foi atribuída num passado recente e que denunciam por si só a verdadeira marca de alguns dos protagonistas.
Isto talvez explique o modo como está a ser aproveitada a contestação a uma das últimas leis aprovadas na Assembleia da República para se atacar, em termos inaceitáveis, o Parlamento, o órgão que melhor representa e simboliza a democracia. Desprestigiar a Assembleia da República parece ser de facto um dos objectivos de toda a absurda campanha a que vimos assistindo a propósito da chamada «lei da rádio». Por outro lado, não havendo nesta lei qualquer ataque à Igreja ou tentativa de coarctar o seu legítimo direito de informar e comunicar com os seus fiéis, como adiante se demonstrará, estamos a ser testemunhas, mais uma vez, de uma tentativa de criação de uma falsa questão religiosa, certamente para obter, através dela, dividendos políticos inconfessáveis e a divisão dos Portugueses.
É pois legítimo e necessário repor a verdade e é legítimo esperar que a Igreja analise serenamente os factos sem deixar que dela se utilizem os representantes encapotados dos saudosistas de uma sociedade autoritária, defensora de privilégios e inimiga do pluralismo democrático.
Custa ouvir os responsáveis da Igreja inverter os dados de um problema e afirmar que a lei de licenciamento da rádio «é um diploma legislativo vincadamente estatizante, de cariz totalitário, que não respeita a justa autonomia e a correcta liberdade de expressão da Igreja».
Estatizante e totalitária uma lei que, pelo contrário, pretende pôr termo ao oligopólio do Estado e da Rádio Renascença? Uma lei que recupera da própria emissora do Estado, e não só da Rádio Renascença, as frequências, que lhes tinham sido concedidas, a título provisório, para tornar agora possível o aparecimento de outras emissoras concorrentes e assegurar assim o pluralismo da informação?
Estatizante uma lei que vai desgovernamentalizar o processo de licenciamento de novas emissoras, fazendo-o depender de parecer favorável de um órgão plural e independente, à semelhança do que passa em muitos países democráticos?
Por que foi dito que esta lei punha em risco a sobrevivência da Rádio Renascença?
Por que não foi dito claramente ao povo português que, na data da sua aprovação, a lei em nada afectaria a capacidade da Rádio Renascença para continuar a fazer-se ouvir em todo o País como a mais poderosa emissora existente? A verdade é que a Rádio Renascença dispunha já, no nosso reduzido espaço radioeléctrico, da melhor e maior cobertura do País em frequência modelada e em onda média e é a única emissora privada da Europa autorizada a emitir em onda curta.
Aliás, a lei não exclui a Rádio Renascença dos futuros concursos nem de vir a obter através deles a tão desejada frequência.
Porquê então esta campanha contra uma lei reconhecida, por uns e outros, como uma necessidade, para disciplinar e regulamentar a utilização do nosso espaço radioeléctrico?
Sinceramente desejamos que não tarde a reflexão sugerida pelas interrogações que aqui deixamos formuladas e aguardamos que a tradicional serenidade e prudência de julgamento regressem aos espíritos para que se reconheça que é insustentável manter uma situação de excessivos privilégios, privando o povo português de outras vozes na informação.
E desejamo-lo sinceramente para que se afastem de nós as legítimas suspeitas de que estamos perante uma luta contra a democracia, para além da luta pelo controlo da informação e dos lucros da publicidade.
Uma voz do PSD: - Não apoiado!
O Orador: - Como se lê no recente comunicado da Subcomissão Parlamentar da Comunicação Social, a Assembleia da República aprovou uma lei democrática, transparente, não consagradora de privilégios e que procura assegurar a liberdade de expressão e o pluralismo na radiodifusão.
Em que se baseiam então as acusações e as censuras dirigidas contra a Assembleia da República quer pelo Governo quer pela Rádio Renascença e seus porta-vozes?
Todo o mal estaria contido nas disposições que permitem a recuperação para o domínio público disponível das frequências atribuídas, a título provisório, por um despacho do último governo e nas que criam o Conselho da Rádio, órgão de cujo parecer vinculativo dependerá a atribuição ou não de licenciamentos radiofónicos.
Quanto à reversão para o domínio público dos dois canais em litígio, o Governo sempre esteve de acordo com ela, através do Secretário de Estado da Comunicação Social, que espontaneamente enviou à Assembleia da República o parecer por ele solicitado à Auditoria da Presidência do Conselho de Ministros sobre o despacho em causa, ao qual deu o seu acordo.
Este parecer concluía pelo carácter precário das autorizações concedidas, com possibilidades da sua cessação a todo o tempo e nos termos que a lei da radiodifusão viesse a estabelecer.
(A propósito, o embaraço do Secretário de Estado, na sua intervenção televisiva de domingo, era notório. E a escapatória que arranjou foi fraca - não falar nas conclusões do parecer quanto à precariedade da concessão e limitar-se a repetir que o despacho do anterior governo era legal...)
Pois era. Pobre Sr. Secretário!
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Só após os protestos da Assembleia da República e a intensificação das pressões da Igreja nas vésperas da votação da lei é que o Governo e o seu partido assumiram uma posição «clara» de reprovação (e curiosamente não falando da RDP, para evitar certamente contradições com a sua política de um só canal, um só jornal, uma só televisão...). Só à última hora é que o Governo e o seu partido juntaram os seus protestos ao coro dos defensores do monopólio para a Rádio Renascença, não fosse a bancada do CDS ser a única a merecer o reconhecimento da Igreja e começar a recuperação do seu eleitorado...
Mas como não haveria a Assembleia da República de pôr termo à concessão provisória se, devido a acordos internacionais, Portugal, para além das frequências já anteriormente utilizadas pela Rádio Renascença e pela RDP, só pode dispor de mais três redes nacionais? Não havendo, portanto, reversão das duas redes em questão, ficariam em campo exclusivamente a RDP e a Rádio Renascença, isto é, manter-se-ia o duopólio até agora praticado, pois que só restaria um - frequência disponível e esta parece estar destinada a ser desdobrada em rádios regionais.
Em conclusão, podemos dizer que a lei nada contém que possa «fazer calar a voz da Igreja», porque a Rádio Renascença já possui as frequências necessárias para poder cumprir a sua missão e manterá portanto a sua poderosa voz. Podemos ainda dizer que a lei pôs termo a uma situação que, nas palavras ainda do Secretário de Estado da Comunicação Social, em declaração ao jornal O Século, «era passível de desvirtuar a liberdade de acesso aos espaços radiofónicos».
Compreendemos que a administração da Rádio Renascença se sinta beliscada nalguns dos seus objectivos e interesses e os procure defender. Já não compreendemos que algumas figuras da Igreja, tenham vindo a terreiro da forma como o fizeram e pondo a nu a sua avidez pelo domínio da informação. Porque, para nós, Igreja e Rádio Renascença não são bem a mesma coisa... Pelo menos não deveriam sê-lo...
Aliás, não podemos deixar de notar que este coro de vozes contrasta com o silêncio com que no passado se acolheram leis iníquas, essas sim, que privavam os cidadãos de todo e qualquer direito.
Aplausos do PS, do PRD, do PCP e do MDP/CDE.
O Partido Socialista sente-se chocado com a campanha de acusações desencadeadas por um sector que num passado recente o teve ao seu lado, impedindo atropelos à sua liberdade e contribuindo para que a sua voz não deixasse de se ouvir em Portugal.
Não há a mínima incoerência na nossa actual posição em relação com a defesa que fizemos então da Igreja e da Rádio Renascença.
Não atacámos nem ameaçámos a sobrevivência da Rádio Renascença ao contribuirmos para a aprovação de uma lei que consagra princípios de justiça, de
transparência e de igualdade no acesso ao espaço radiofónico.
Ontem como hoje defendemos igualdade de direitos para todos os cidadãos. Gostaríamos que a Igreja tivesse estado ao nosso lado e não no contrário. Dizemo-lo com sinceridade.
O outro ponto da lei motivo de contestação por parte do Governo é a questão das competências nela atribuídas das ao Conselho da Rádio, agora criado, e que o Governo entende serem exclusivamente suas.
Também compreendemos a recusa deste governo em aceitar aquelas inovações, não pelas razões aduzidas, mas porque, ao deixar de ser a única entidade a interferir no licenciamento dos alvarás, vê reduzida ou anulada a sua influência nas futuras emissoras. Para quem se habituou a telecomandar toda a informação, trata-se de um forte revés. Mas, se for avisado, deve limitar os seus protestos aos já emitidos, e não mais, porque tem de reconhecer que a lei é democrática, ao colocar os partidos dos governos e das oposições em plena igualdade perante um poder tão importante como é o da informação radiofónica.
O País tem agora uma lei que vai contribuir para a independência e para o enriquecimento da informação: Esperamos que cessem as campanhas que estão arrastando espíritos lúcidos para atitudes condenáveis. Não recusamos, como é óbvio, o direito de crítica a ninguém, com a condição de ser reflectiva, serena e justa. A inobservância destes quesitos tem sido, infelizmente, frequente, como ainda agora aconteceu nas afirmações que foram formuladas por uma alta figura da Igreja, numa das suas últimas homilias, onde a acção do Parlamento e dos partidos foi classificada de «espectáculo degradante». Por isso as repudiamos vivamente, e, porque estamos certos de que ninguém sairá dignificado de um debate assim conduzido e em que prevaleçam as reacções emotivas, desejamos concluir fazendo um apelo à razão, à serenidade e ao julgamento objectivo da lei.
A Assembleia da República, resistindo a todas as pressões e mantendo a sua independência, ao votar a lei da rádio procedeu com coragem e colocou mais uma pedra no edifício da democracia.
Aplausos do PS, do PRD, do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Gomes de Almeida, Raul Castro e Duarte Lima.
Tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Almeida.
O Sr. Gomes de Almeida (CDS): - Sr. Deputado Ferraz de Abreu, ouvimos com toda a atenção a intervenção de V. Ex. e não seria caso de pedirmos um esclarecimento não fora a circunstância de o Sr. Deputado, em nome do seu partido, ter adoptado aqui uma atitude asséptica, aparentemente de mãos limpas, em todo este problema.
Reporto-me naturalmente ao problema do licenciamento das estações de radiodifusão.
Haveria muitas perguntas para lhe fazer, no entanto vou pôr-lhe apenas uma síntese das que entendo serem essenciais. Solicito, pois, a V. Ex.ª o favor de aclarar toda esta questão nos seguintes pontos.
Em 11 de Outubro de 1985, o então secretário de Estado do Partido Socialista, Dr. Anselmo Rodrigues...
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Secretário de Estado do Governo!
O Orador: - O então secretário de Estado do Governo pertencente ao Partido Socialista (já agora, a propósito, refiro que o ministro respectivo também era do Partido Socialista) exarou um despacho nos termos do qual eram concedidas - uma à RDP e outra à Rádio Renascença - duas frequências em frequência modelada. Dizia-se nesse mesmo despacho que o
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sentido dessa atribuição - e justamente no dia em que aqui votámos a lei de licenciamento foi esclarecido, através de um debate na televisão, pelo secretário de Estado da altura, Sr. Dr. Anselmo Rodrigues (ele teve oportunidade de o esclarecer agora) - ou da sua provisoriedade era o de que deveria competir à futura lei da rádio o estabelecimento do prazo de licenciamento dessa atribuição.
Como V. Ex.ª sabe, salvo erro, o artigo 48.º da lei aprovada por esta Assembleia determina a caducidade das duas frequências concedidas à RDP e à Rádio Renascença decorridos 90 dias.
Ora, pergunto a V. Ex.ª qual o sentido efectivo da atribuição de uma frequência para ser explorada e utilizada durante 90 dias.
V. Ex.ª quis também ter a fineza de contemplar o meu partido com a consideração de que estávamos muito preocupados com a recuperação do nosso eleitorado.
Sr. Deputado, tenho de lhe confessar que estamos preocupados com a recuperação do nosso eleitorado. É para isso que existimos, é para isso que aqui estamos. Somos uma voz que repercute, ou deseja repercutir, pontos de vista de muitos portugueses, e essa é a nossa função. Todavia, esta nossa preocupação de recuperação do eleitorado faz-se com a observância da nossa coerência, e a recuperação do eleitorado que V. Ex.ª pretende fazer e a do seu partido é feita, com o devido respeito, à custa de uma manifesta e essencial incoerência...
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem
O Orador: -..., que decorre da dualidade, da duplicidade sistemática de posições que o PS adopta quando está no Governo e quando está na oposição.
Sr. Deputado, agradecia que me respondesse, designadamente, à primeira questão.
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Deputado Ferraz de Abreu, sob a forma de pedido de esclarecimento, queria manifestar o meu apoio à sua intervenção, visto que o MDP/CDE é subscritor da lei da rádio e mantém inteiramente a posição que assumiu.
Temos mesmo dificuldade em compreender a guerra absurda que foi desencadeada em torno dela. Dificuldade em compreendê-la, porque efectivamente não se trata de um diploma que possa, segundo se tem dito, calar a voz da Rádio Renascença, o que manifestamente não é o caso, nem nunca aconteceu, até porque, como também é público e notório, a Rádio Renascença tem mais frequências do que a Rádio Vaticano. Portanto, só com aquelas que possui seria um absurdo pensar-se que seria possível calá-la.
Desejaria, em particular, sublinhar o seguinte, Sr. Deputado: nesta guerra absurda o Governo tem apoiado a posição da Rádio Renascença, não se sabe bem se por entender que a lei é contra o Governo ou se para tentar identificar-se como o defensor da Rádio Renascença e da Igreja Católica, alternativa esta que, parece-me, Sr. Deputado, em nenhum dos seus termos corresponde à realidade, pois moralizar a distribuição de frequências não é senão um acto contra abusos e iniquidades. E não é exclusiva do Governo e do seu partido a defesa dos interesses dos católicos, pois há católicos em todos os partidos.
Eram apenas estas observações que desejava fazer-lhe.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem também a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Deputado Ferraz de Abreu, com toda a consideração e respeito pessoal que tenho pela sua pessoa, terei de dizer-lhe que é difícil para V. Ex.ª defender com rigor e coerência, neste particular, a posição do PS. E é difícil isentar o seu partido da acusação de hipocrisia política numa matéria como esta.
Quando V. Ex.ª vem aqui, à tribuna, dizer que a quadra natalícia, que é uma quadra de paz e amor, uma quadra de fraternidade, foi perturbada por um conflito artificial, Sr. Deputado Ferraz de Abreu, este conflito artificial, se é que é conflito e se é que é artificial, se não for um conflito real, é lançado pelo PS. E é lançado pelo PS através do vosso projecto, que não é um projecto «a domine» mas, sim, um projecto «ad radium».
Risos do PS.
Os senhores fizeram a aprovação de um projecto de lei «a galope» nesta Câmara para abranger, em concreto, as frequências atribuídas à Rádio Renascença e à RDP porque tinha um artigo que dizia que os operadores em funções não estavam sujeitos a concurso. E quiseram precisamente aprovar este projecto antes de eles entrarem efectivamente a concurso.
Repito: foi um projecto aprovado não «a domine» mas, sim, «ad radium».
Os senhores lançaram este conflito, pois foram os senhores que despoletaram o conflito contra a Rádio Renascença. Não é a Rádio Renascença nem a Igreja Católica que o estão a lançar contra os senhores.
É difícil para os senhores isentarem-se da acusação de hipocrisia política, quando V. Ex.ª vem aqui dizer quem está agora a defender este princípio são os saudosistas de uma sociedade autoritária e defensora de privilégios.
Quem é que o Sr. Deputado quer acusar? É o Sr. Dr. Almeida Santos? É o Dr. Raul Junqueiro? É o Dr. Anselmo Rodrigues? É o Dr. Mário Soares, que é Presidente da República? Não foram eles que concederam à Rádio Renascença, dois dias antes de uma campanha eleitoral, uma frequência?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Para quê? Para a Rádio Renascença gastar 100 000 contos e utilizá-los apenas durante 90 dias?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É esta a vossa coerência? É este o vosso rigor?
É por isso que eu digo que a vossa posição aqui, neste particular, é uma posição de profunda hipocrisia política.
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E fique evidenciado, Sr. Deputado Ferraz de Abreu, que os senhores têm duas medidas, têm duas bitolas; os senhores são procustianos. Os senhores têm a lógica de Procustes, figura da mitologia que quando capturava as suas vítimas tinha uma cama onde as colocava, e se a vítima era maior que a cama cortava-lhe as pernas, mas se a vítima era mais pequena esticava-lhas para dar até ao fim da cama. Os senhores são procustianos porque têm uma lógica quando estão no Governo e outra quando estão na oposição: quando estão no Governo, cortam; quando estão na oposição, esticam, ou vice-versa.
É desta acusação de hipocrisia política que, nesta questão, o PS não se consegue isentar, apesar das pantufas, dos pezinhos de lã e das palavras rendilhadas com que o Sr. Deputado aqui veio defender a posição da sua bancada.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente; Srs. Deputados: Naturalmente não sou tão inocente e tão ingénuo que não esperasse os ataques que acabam de ser proferidos contra o meu partido.
Ao Sr. Deputado Gomes de Almeida direi, em primeiro lugar, que tivemos a coragem de corrigir um despacho que considerámos que não contemplava a igualdade e o direito de todos os cidadãos perante a lei.
Fizemo-lo, Sr. Deputado, com a consciência exacta da campanha que íamos levantar contra nós. Fizemo-lo com a consciência exacta de que iríamos ter contra nós uma instituição tão poderosa, neste país, como é a Igreja Católica, e não tivemos medo de o fazer.
Em relação à vossa preocupação de colher votos, quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que não ouviu correctamente o que eu disse. A preocupação não era vossa, era do PSD. Os senhores foram coerentes: os senhores defenderam a Rádio Renascença; defenderam a Igreja Católica, dentro dos princípios que enformam a vossa filosofia. Quem não foi coerente foi o PSD. E falar aqui de coerência e hipocrisia «é extraordinário» - nas palavras do Sr. Deputado Duarte Lima -, porque a incoerência e a hipocrisia estiveram no PSD, que só à última hora mudou de opinião, só à última hora tomou uma posição clara contra esta lei. E a razão foi a que eu referi: o PSD tinha medo de que fossem os senhores - o CDS os únicos a terem o reconhecimento da Igreja Católica e que começassem assim a fazer a recuperação do vosso eleitorado.
Vozes do PSD: - Não é verdade!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Almeida.
O Sr. Gomes de Almeida (CDS): - Sr. Deputado, desejava apenas, para meu cabal esclarecimento, fazer a V. Ex.ª a seguinte pergunta: V. Ex.ª diz que o despacho do então Sr. Secretário de Estado, Dr. Anselmo Rodrigues, era injusto e de alguma forma iníquo, porque retirava ao País, aos interessados, margem concorrencial adequada no acesso às ondas de radiodifusão. Quando é que o PS se deu conta desta total incapacidade do despacho? E, na altura, o que é que fez e o que é que disse o PS? Dessa bancada alguém se levantou a protestar contra o despacho?
Tenho sido relativamente assíduo nas sessões da Assembleia e, francamente, Sr. Deputado, não me dei conta.
O Sr. Vidigal Amaro(PCP): - Assíduo? Não tanto!...
Risos.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Deputado, quero dizer-lhe que já no texto do projecto de lei sobre os meios audiovisuais que apresentámos incluíamos a correcção deste despacho.
Mas, Sr. Deputado, não temos nem procuramos manter a convicção de que lhe somos sempre infalíveis, e quando encontramos um erro cometido por nós ou uma medida que não consideramos justa não temos receio de corrigi-la.
Como disse, tínhamos consciência do que íamos fazer e sabíamos o que íamos desencadear com isso. Portanto, ninguém nos pode acusar de hipocrisia, porque sabíamos que com isto íamos pagar dividendos, custos políticos, e estamos aqui a enfrentá-los. Não temos o mínimo receio, temos a consciência disso.
Ao invés, o PSD desde o primeiro momento manteve uma posição ambígua nesta matéria...
O Sr. António Capucho (PSD): - É falso!
O Orador: - ..., obrigando o pobre do desgraçado do Sr. Secretário de Estado a ir à televisão dar o dito por não dito e a refugiar-se dizendo que o que estava em causa era apenas a legalidade do despacho - nunca foi posta em causa a legalidade do despacho -, e para não falar, nas suas próprias palavras, que considerava aquele despacho passível de coarctar a liberdade dos cidadãos no acesso à rádio. Isso é que é incoerência, isso é que é hipocrisia.
Direi ainda que não tenho os dons mitológicos do Sr. Deputado, mas tenha a sensibilidade e a coragem de chamar as coisas pelos seus nomes próprios.
Não vou insultá-lo a si, Sr. Deputado, nem à sua bancada, mas olhem bem para o vosso passado; olhem para tudo o que têm feito; olhem para uma transparência que os senhores tornam sempre escura; olhem para uma isenção que os senhores transformam na defesa do maior dos clientelismos; olhem para a liberdade que querem dar aos outros e que transformam no total domínio e manipulação dos órgãos de comunicação social.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E ainda assim vêm falar e dar-nos lições, aqui, nesta Assembleia, Sr. Deputado?
Aplausos do PS e protestos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão entre nós os alunos da Escola Secundária de Francisco Rodrigues Lobo, pelo que peço a VV. Ex.as que lhes façamos a saudação habitual nestas circunstâncias.
Aplausos gerais.
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O Sr. Presidente: - Também para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No rescaldo da aprovação pela esquerda parlamentar da inconcebível lei de licenciamento das estações de radiodifusão, importa, em primeiro lugar, reflectir sobre as razões que levaram o PS e o PRD a acompanhar o PCP e o MDP/CDE naquele voto.
Centro-me por agora na questão do claro e assumido afrontamento à igreja católica que representa aquele diploma, apesar das serôdias tentativas do PS de transferir atabalhoadamente as suas culpas para outrem e pese embora o lavar de mãos com que o PRD se procura justificar.
Que o PCP e o MDP/CDE votassem o que votaram, não admira nem justifica uma só linha mais.
Mas já surpreende a postura do PS e do PRD, embora assumam perspectivas não totalmente coincidentes.
De facto, o PRD anunciou atempadamente, embora no próprio dia da votação global final, que ponderaria o seu voto se entretanto o PS confirmasse aquilo que todos já sabiam. Isto é, que tinha sido informado que o despacho do governo do Dr. Mário Soares assumia um «compromisso de Estado», no sentido de que a atribuição de uma frequência de âmbito nacional à Rádio Renascença era insusceptível de ser questionada no futuro.
Não entro aqui na pseudodiscussão sobre a semântica do despacho de 3 de Outubro de 1985 do então Secretário de Estado, já que aquela não tem qualquer relevância política. Nem perderei tempo com a desmontagem, de resto já evidenciada pelo Governo, do pretenso significado do parecer da Auditoria Jurídica da Presidência do Conselho de Ministros e do despacho sobre ele exarado.
O que importa é que o PS, em sede de Plenário, manteve-se mudo até à votação. Deu o dito em 1985 por não dito em 1986 e desautorizou o então Ministro e Secretário de Estado, ambos socialistas, que estiveram na origem do despacho de Outubro de 1985.
Na falta de confirmação, o PRD votou a favor e passou a «batata quente» para as mãos do Sr. Presidente da República, invocando que era ele então o Primeiro-Ministro e, consequentemente, poderá vetar o diploma se, de facto, ocorreu o tal compromisso.
Pode este procedimento do PRD representar uma interessante jogada política, inserida nas múltiplas picardias com que os renovadores e socialistas se têm ultimamente mimoseado. Mas não colhe: seria mil vezes mais responsável aceder à solicitação do PSD e do CDS no sentido de adiar para 6 de Janeiro a votação do diploma, em ordem a obterem entretanto os esclarecimentos desejados. Mas também não colhe porque o PRD recusou que os artigos da lei em causa fossem avocados e debatidos em Plenário, ocasião também propicia para tal esclarecimento.
Logo, o PRD, ao votar o diploma favoravelmente, é inteiramente responsável pela respectiva aprovação, apesar da jogada de diversão política que representa o apelo a Belém.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Mas, apesar de tudo, mais grave é a atitude do PS. Sabia do compromisso anterior e ignorou-o. Sabia da gravíssima injustiça que cometia, e não hesitou. Sabia do afrontamento que iria provocar na Igreja, e não recuou. Sabia, finalmente, que ia deixar nas mãos do Dr. Mário Soares uma situação incómoda e desnecessária, e não se conteve.
É, esta a renovação prometida pelo Dr. Vítor Constâncio? Ao menos, o Dr. Soares continha alguns ímpetos anticlericais primários ao nível do mero verbalismo desgarrado e inconsequente. Agora, com este voto, parece que certas influências pouco transparentes passaram a ser determinantes...
O Sr. Mendes Bota (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Resta-nos aguardar a decisão do Sr. Presidente da República. O País espera uma atitude que traduza coerência e lucidez política, sem subterfúgios.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Estão inscritos para pedir esclarecimentos os seguintes Srs. Deputados: Alexandre Manuel, Jorge Lemos, Raul Castro, Jorge Lacão, Carlos Brito e Manuel Alegre.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Manuel.
O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Capucho, não vou gastar muito tempo a comentar a sua intervenção, porque a seguir, ainda no período de antes da ordem do dia, terei oportunidade de fazer uma intervenção em que, com serenidade, responderei a muitas das suas afirmações.
Quero, entretanto, perguntar-lhe como é que V. Ex.ª consegue justificar a afirmação segundo a qual o PRD foi atrás dos outros partidos. É que por ocasião do debate na generalidade denunciei claramente o modo de atribuição dessas frequências e, quando li a declaração de voto do meu partido, disse que só votaríamos favoravelmente a lei se ela contemplasse um conselho de rádio. Ou V. Ex.ª não esteve presente ou, se esteve presente, não esteve atento ... De qualquer modo, teria tido sempre oportunidade de ler o Diário.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Capucho, deseja responder agora ou no fim das intervenções?
O Sr. António Capucho (PSD): - No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Deputado António Capucho, V. Ex.ª apresenta-se aqui fazendo uma intervenção como se o seu partido nada tivesse a ver com a aprovação desta lei...
Vozes do PSD: - Pois não!
O Orador: -... como se pudesse lavar completamente as mãos do que ela inscreve.
Queria, pois, colocar-lhe duas ou três questões e gostaria que o Sr. Deputado António Capucho respondesse com clareza.
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O Secretário de Estado Marques Mendes, militante do seu partido, responsável pela área da comunicação social, produziu declarações no dia 30 de Agosto passado, referidas pelo jornal O Século, depois de uma visita à cooperativa TSF, dizendo o seguinte: «[...] a concessão de dois canais em frequência modulada - um à RDP e outro à Rádio Renascença - antes da aprovação da lei de radiodifusão foi uma atitude passível de desvirtuar a liberdade de acesso ao espaço radiofónico».
O mesmo Secretário de Estado homologou um parecer que, como conclusão, e é isto que importa relativamente ao parecer, diz o seguinte: «[...] a atribuição dos canais não se trata de um acto constitutivo de direitos mas de mera autorização precária de utilização de certa rede nacional de FM, em frequências a determinar pelos serviços de telecomunicações, e da natureza precária do acto resulta a possibilidade de cessação a todo tempo das licenças por ele o outorgadas nos termos do que a lei da radiodifusão vier a estabelecer».
Estas são palavras de um responsável do seu Governo, de um militante do seu partido, não são palavras dos partidos da oposição.
Agora o Sr. Deputado António Capucho aparece aqui bramando aos céus que, enfim, a oposição cometeu este crime de «lesa-pátria», de retirar à Rádio Renascença o que tinha sido dado por outro Governo.
Que coerência existe então, Sr. Deputado António Capucho, nas palavras do seu partido, nas palavras do seu Governo?
Mas há mais, Sr. Deputado; V. Ex.ª referiu que também o PSD se desvinculava desta lei. Não pode ignorar que o PSD votou favoravelmente, na generalidade, um projecto de lei que estava em debate e em que se consagrava no essencial as soluções que hoje constam da actual lei.
Então, quando esse projecto se debateu na generalidade o PSD não estava contra e agora, porque se criou uma campanha de intoxicação, o PSD, como que tentando apanhar o comboio, já está contra?
Que raio de coerência política é esta, Sr. Deputado?
Vozes do PCP: - Muito bem
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem igualmente a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Deputado António Capucho, os meus pedidos de esclarecimentos versariam dois aspectos.
O primeiro é o seguinte: foi afirmado pelo Sr. Deputado que o projecto de lei em causa desautorizou o autor do despacho. Ora, Sr. Deputado, creio que não é preciso ser licenciado em Direito, basta ter um dicionário de português à mão, para saber que uma concessão precária não é uma concessão definitiva. É algo sujeito a caducar porque foi concedida, como V. Ex.ª sabe, a titulo precário.
Como é possível considerar que se desautorizou o despacho, se o despacho fez a concessão a título precário e não a título definitivo? Há aqui uma evidente contradição.
Em segundo lugar, tenho dificuldade em compreender a indignação do Sr. Deputado em relação à Rádio Renascença, quando não faz a mínima referência a situação idêntica em relação à RDP. O Sr. Deputado, membro de um órgão de soberania, insurge-se contra o facto de o diploma ter atingido a Rádio Renascença mas não diz uma palavra em relação à RDP, que é uma estação oficial do Estado. É uma situação estranha, pois as duas, nas mesmas condições, foram objecto de concessão precária, mas o que é ainda mais estranho é que, por muito respeito que o Sr. Deputado e todos nós tenhamos pela Rádio Renascença e pela igreja católica - assim a igreja católica manifestasse o mesmo respeito por este órgão de soberania -, V. Ex.ª se tenha esquecido da RDP, que é uma estação de rádio do Estado e que deveria ter merecido ao Sr. Deputado, se essa não fosse uma posição de obter certos dividendos políticos, as mesmas referências que fez em relação à Rádio Renascença, mas que neste caso silenciou por completo.
Eram estas as perguntas que lhe deixava.
Vozes do MDP/CDE e do PCP: - Muito bem
O Sr. Presidente: - Ainda para um pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - O Sr. Deputado António Capucho revelou na sua intervenção uma grande preocupação pela coerência que o PS revelaria ou não revelaria nesta matéria, mas passou completamente em branco a coerência que o seu partido e o Governo que o senhor apoia revelam ou não revelam nesta matéria.
A pergunta que já aqui lhe foi feita é central neste debate: se há um parecer da Auditoria Jurídica da Presidência do Conselho de Ministros, que diz que nenhum direito foi atribuído, que diz que a natureza precária do acto implica a possibilidade da cessação do licenciamento a todo o tempo; se há um Secretário de Estado deste Governo que ainda não foi demitido até este momento, que eu saiba, que sobre este parecer disse: «Concordo, distribua-se o parecer à Comissão Parlamentar de Direitos, Liberdades e Garantias.» Se isto foi feito por este Governo, Sr. Deputado António Capucho, acha que este Governo tem alguma autoridade moral para criticar a atitude legislativa da Assembleia, quando no fundo este procedeu de acordo com o parecer jurídico da Auditoria do Conselho de Ministros e com o despacho de concordância de um Secretário de Estado deste Governo?
A segunda pergunta que lhe quero fazer é a seguinte: no projecto de lei de bases do sistema audiovisual, apresentado pelo PS, há uma norma semelhante à que foi aprovada nesta lei. Esse projecto de lei foi aqui debatido na generalidade. É certo que não chegou a ser votado porque baixou entretanto à Comissão, mas no debate de generalidade o seu partido disse alguma coisa contra a norma que em concreto estava nesse projecto de lei e que tinha por objectivo produzir o efeito que se veio a produzir?
Que eu saiba, nem uma única palavra foi dita nesse debate contra essa norma do projecto de lei que esteve em apreciação na generalidade e sobre a qual o PSD disse «nada».
A terceira pergunta é a seguinte: V. Ex.ª está informado de qual a assiduidade dos deputados da sua bancada durante a apreciação na especialidade dos trabalhos da Subcomissão de Comunicação Social?
Vozes do PSD: - «Bufo»!
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O Secretário de Estado Marques Mendes, militante do seu partido, responsável pela área da comunicação social, produziu declarações no dia 30 de Agosto passado, referidas pelo jornal O Século, depois de uma visita à cooperativa TSF, dizendo o seguinte: «[...] a concessão de dois canais em frequência modulada - um à RDP e outro à Rádio Renascença - antes da aprovação da lei de radiodifusão foi uma atitude passível de desvirtuar a liberdade de acesso ao espaço radiofónico».
O mesmo Secretário de Estado homologou um parecer que, como conclusão, e é isto que importa relativamente ao parecer, diz o seguinte: «[...] a atribuição dos canais não se trata de um acto constitutivo de direitos mas de mera autorização precária de utilização de certa rede nacional de FM, em frequências a determinar pelos serviços de telecomunicações, e da natureza precária do acto resulta a possibilidade de cessação a todo tempo das licenças por ele o outorgadas nos termos do que a lei da radiofusão vier a estabelecer».
Estas são palavras de um responsável do seu Governo, de um militante do seu partido, não são palavras dos partidos da oposição.
Agora o Sr. Deputado António Capucho aparece aqui bramando aos céus que, enfim, a oposição cometeu este crime de «lesa-pátria», de retirar à Rádio Renascença o que tinha sido dado por outro Governo.
Que coerência existe então, Sr. Deputado António Capucho, nas palavras do seu partido, nas palavras do seu Governo?
Mas há mais, Sr. Deputado; V. Ex.ª referiu que também que o PSD se desvinculava desta lei. Não pode ignorar que o PSD votou favoravelmente, na generalidade, um projecto de lei que estava em debate e em que se consagrava no essencial as soluções que hoje constam da actual lei.
Então, quando esse projecto se debateu na generalidade o PSD não estava contra e agora, porque se criou uma campanha de intoxicação, o PSD, como que tentando apanhar o comboio, já está contra?
Que raio de coerência política é esta, Sr. Deputado?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem igualmente a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Deputado António Capucho, os meus pedidos de esclarecimentos versariam dois aspectos.
O primeiro é o seguinte: foi afirmado pelo Sr. Deputado que o projecto de lei em causa desautorizou o autor do despacho. Ora, Sr. Deputado, creio que não é preciso ser licenciado em Direito, basta ter um dicionário de português à mão, para saber que uma concessão precária não é uma concessão definitiva. É algo sujeito a caducar porque foi concedida, como V. Ex.ª sabe, a título precário.
Como é possível considerar que se desautorizou o despacho, se o despacho fez a concessão a título precário e não a título definitivo? Há aqui uma evidente contradição.
Em segundo lugar, tenho dificuldade em compreender a indignação do Sr. Deputado em relação à Rádio Renascença, quando não faz a mínima referência a situação idêntica em relação à RDP. O Sr. Deputado, membro de um órgão de soberania, insurge-se contra o facto de o diploma ter atingido a Rádio Renascença mas não diz uma palavra em relação à RDP, que é uma estação oficial do Estado. É uma situação estranha, pois as duas, nas mesmas condições, foram objecto de concessão precária, mas o que é ainda mais estranho é que, por muito respeito que o Sr. Deputado e todos nós tenhamos pela Rádio Renascença e pela igreja católica -assim a igreja católica manifestasse o mesmo respeito por este órgão de soberania-, V. Ex.ª se tenha esquecido da RDP, que é uma estacão de rádio do Estado e que deveria ter merecido ao Sr. Deputado, se essa não fosse uma posição de obter certos dividendos políticos, as mesmas referências que fez em relação à Rádio Renascença, mas que neste caso silenciou por completo. Eram estas as perguntas que lhe deixava.
Vozes do MDP/CDE e do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Ainda para um pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - O Sr. Deputado António Capucho revelou na sua intervenção uma grande preocupação pela coerência que o PS revelaria ou não revelaria nesta matéria, mas passou completamente em branco a coerência que o seu partido e o Governo que o senhor apoia revelam ou não revelam nesta matéria.
A pergunta que já aqui lhe foi feita é central neste debate: se há um parecer da Auditoria Jurídica da Presidência do Conselho de Ministros, que diz que nenhum direito foi atribuído, que diz que a natureza precária do acto implica a possibilidade da cessação do licenciamento a todo o tempo; se há um Secretário de Estado deste Governo que ainda não foi demitido até este momento, que eu saiba, que sobre este parecer disse: «Concordo, distribua-se o parecer à Comissão Parlamentar de Direitos, Liberdades e Garantias.» Se isto foi feito por este Governo, Sr. Deputado António Capucho, acha que este Governo tem alguma autoridade moral para criticar a atitude legislativa da Assembleia, quando no fundo este procedeu de acordo com o parecer jurídico da Auditoria do Conselho de Ministros e com o despacho de concordância de um Secretário de Estado deste Governo?
A segunda pergunta que lhe quero fazer é a seguinte: no projecto de lei de bases do sistema áudio-visual, apresentado pelo PS, há uma norma semelhante à que foi aprovada nesta lei. Esse projecto de lei foi aqui debatido na generalidade. É certo que não chegou a ser votado porque baixou entretanto à Comissão, mas no debate de generalidade o seu partido disse alguma coisa contra a norma que em concreto estava nesse projecto de lei e que tinha por objectivo produzir o efeito que se veio a produzir?
Que eu saiba, nem uma única palavra foi dita nesse debate contra essa norma do projecto de lei que esteve em apreciação na generalidade e sobre a qual o PSD disse «nada».
A terceira pergunta é a seguinte: V. Ex.ª está informado de qual a assiduidade dos deputados da sua bancada durante a apreciação na especialidade dos trabalhos da Subcomissão de Comunicação Social?
Vozes do PSD: - «Bufo»!
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O Orador: - Faço-lhe a pergunta para saber se há alguma autoridade moral da sua bancada em vir a acusar as condições em que este processo legislativo decorreu quando os deputados da sua bancada foram os mais negligentes na participação dos trabalhos desse mesmo processo legislativo.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado António Capucho, apenas quero apresentar-lhe duas questões, depois de todas estas que já lhe foram colocadas.
Em primeiro lugar, quando vi subir à tribuna o líder do grupo parlamentar mais numeroso da Câmara supunha que o Sr. Deputado, continuando a afirmar a sua oposição à lei da rádio, viria aqui, também, marcar distâncias em relação a esta vaga, a esta onda de ataques à Assembleia da República, a que temos assistido, que viria aqui defender este órgão de soberania essencial no conjunto das instituições democráticas.
Não o fez, Sr. Deputado António Capucho, e eu pergunto-lhe: com a sua atitude vem V. Ex.ª dar cobertura a esses ataques? Concorda com todos eles? Distancia-se de alguns deles?
Era bom que esclarecesse a sua posição.
Também era bom, Sr. Deputado, esclarecer a Câmara acerca desta questão muito concreta: desde quando é o PSD contrário à reversão das frequências? Veja se se recorda a partir de que data.
Em que momento preciso é que o PSD adoptou essa atitude. Digo PSD como grupo parlamentar e PSD como Governo. Não teria sido só depois de ver consagradas as competências do Conselho da Rádio na atribuição das frequências? A questão da reversão das frequências não é, ao fim e ao cabo, uma maneira de o PSD e de o governo do PSD se oporem à desgovernamentalização na atribuição das frequências?
Era bom que esclarecesse esse ponto, porque o papel do PSD em toda esta questão é suspeitíssimo, tão suspeito que, para atingir os seus objectivos, chega a jogar com o prestígio das instituições democráticas e os sentimentos religiosos do nosso povo.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Deputado António Capucho, o PS assume globalmente a sua história e o seu passado, com os méritos e os deméritos, com os erros e as virtudes. Não tem a conhecida e costumada posição do PSD, que, sendo o partido com mais anos de poder, se apresentou às últimas eleições como se tivesse estado sempre na oposição.
Mas o facto de o PS assumir globalmente uma posição de solidariedade com os governos de que fez parte não significa que seja prisioneiro de uma decisão pontual de um dos seus membros, neste caso concreto da tão falada decisão do referido secretário de Estado, que não foi uma decisão dos órgãos competentes do partido, mas, sim, uma decisão pontual de um membro do Governo.
Por outro lado, gostaria que o Sr. Deputado me esclarecesse o seguinte: durante muitos anos fizeram-se acusações genéricas e vagas relativamente a forças obscuras que dominariam a sociedade portuguesa. Ultimamente isto tem sido um fantasma que entidades que o não deveriam fazer têm tentado ressuscitar. Quais são essas forças ou interesses pouco transparentes hoje dominantes no Partido Socialista?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.
O Sr. António Capucho (PSD): - Começando pelo fim, respondo ao Sr. Deputado Manuel Alegre, para que fique claro que as forças a que me refiro são claramente as da maçonaria.
Em segundo lugar, gostaria de dizer ao Sr. Deputado Manuel Alegre que é perfeitamente inútil tentar reduzir a decisão que está inserta no despacho de 1985 a um mero capricho do Sr. Secretário de Estado de então, como se de facto um despacho daquele âmbito, daquela natureza e com aquelas repercussões pudesse ser, naquela altura, da ignorância do ministro de então, deputado Almeida Santos, que foi pouco tempo depois o candidato do PS a primeiro-ministro, e do próprio primeiro-ministro.
Pretender reduzir esse despacho a um mero capricho do conhecimento exclusivo do secretário de Estado de então não colhe e certamente só por distracção é que o Sr. Deputado Manuel Alegre fez referência a isso.
Quanto a eventuais ataques à Assembleia da República, em que sou desafiado a concordar ou a demarcar-me deles, diria que a Assembleia tem sido na sua história, designadamente na sua história recente, vítima de alguns ataques injustos mas de outros perfeitamente pertinentes. E neste caso são, obviamente, pertinentes.
Tenho pena e só me demarco de alguns desses ataques quando, por exemplo, a televisão refere que «a maioria da Assembleia da República aprovou..., etc.», porque isso estabelece alguma confusão entre a maioria relativa que apoia o Governo - parece que foi ela que aprovou - e a maioria absoluta conjuntural que por vezes aí aparece.
Risos.
Mas fora isso, Sr. Deputado, não me demarco minimamente.
Aplausos do PSD.
No que respeita às afirmações do Sr. Deputado Alexandre Manuel gostava de dizer-lhe que, do meu ponto de vista, o essencial da questão por parte do PRD foi que o seu partido, apesar de tudo, no próprio dia da votação final global, fez aqui um claro apelo dirigido à bancada do PS, que não encontrou eco.
O PRD deixou aqui muito claro que queria que o Partido Socialista dissesse se o despacho de 1985 encerrava de algum modo um compromisso de Estado, porque se assim fosse - e isto ficou claro da vossa intervenção não só na Câmara como fora dela estariam dispostos a repensar a questão.
E a resposta da bancada do PS foi nada.
Apesar de tudo, o PRD tem esse mérito, essa escapatória ou esse bode expiatório e transferiu - tal como afirmei na minha intervenção - a «batata quente» para outrem.
O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?
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O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Muito obrigado por me permitir a interrupção, Sr. Deputado. Já agora quero agradecer-lhe, também, a defesa que faz do PRD, mas não precisamos dela.
Por outro lado, não foi essa a pergunta que lhe coloquei. É que a afirmação do Sr. Deputado foi muito mais grave que essa e foi em relação a ela que pedi esclarecimentos.
O Orador: - Não fiz nenhuma defesa do PRD, limitei-me, muito simplesmente, a relatar um facto concreto que aqui ocorreu e que está no eixo da minha intervenção. Até porque, obviamente, o PRD não precisa disso, talvez até por falta de defesa!...
Quanto às questões colocadas pelo Sr. Deputado Jorge Lemos, pode, de facto, questionar-se se foi inteiramente correcto e pertinente o despacho de 1985 e o seu espírito. Pode questionar-se e isso até seria uma discussão interessantíssima - e não quero afastar-me dela -, só que não é este o local para o fazer.
Todavia, Sr. Deputado, a questão fulcral não é essa,
mas, sim, a de sabermos se esse despacho encerra ou
não um compromisso de Estado, no sentido de que era
inquestionável no futuro a atribuição daquela frequência à Rádio Renascença.
O Sr. Jorge lemos (PCP): - Sr. Deputado António Capucho, dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Sr. Deputado, creio que utilizei dos dez minutos que tinha cinco minutos em duas folhas que escrevi, pelo que não posso estar sucessivamente a conceder interrupções, sob pena de ser eu próprio a ir contra o tempo de que disponho, atendendo a que fui alvo de seis pedidos de esclarecimento, o que muito me honra e orgulha.
Quanto ao facto da atribuição ser precária ou provisória, nada tenho a acrescentar, por muito que se levantem aqui vozes a propósito da situação «difícil» em que poderá estar o Sr. Secretário de Estado. Ao contrário dos senhores deputados que, questionam esta matéria, o nosso ponto de vista é o de que o esclarecimento público que o Sr. Secretário de Estado Marques Mendes já prestou sobre esta matéria põe um ponto final às dúvidas. Mais: julgo que em relação ao eleitorado e aos observadores imparciais também põe um ponto final nas dúvidas suscitadas. Não tenho mais nada a acrescentar!
Quanto à nossa votação, de facto viabilizámos na generalidade - como fazemos em relação a inúmeros diplomas - não apenas o diploma do Governo, que no seu preâmbulo era claro quanto a esta matéria da Rádio Renascença, mas também outros, o que não quer dizer que na especialidade concordássemos com todas as soluções lá inseridas. Isso é normal e faz parte dá prática parlamentar, como o Sr. Deputado muito bem sabe.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Curiosamente viabilizaram o que hoje dizem ser uma desgraça!
O Orador: - Não viabilizámos, Sr. Deputado. A votação que praticámos recentemente não teve que ver com nenhum diploma concreto apresentado e votado na generalidade, mas, sim, com um texto alternativo forjado em comissão. Isto é um facto e não queira desmentir esta questão. O PCP até votou favoravelmente a proposta do Governo, que dizia o contrário nessa questão!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado Raul Castro, invocando interpretações jurídicas, diz que esta lei não desautoriza o autor do despacho. Poderá ser a opinião de V. Ex.ª, mas eu ouvi o Sr. Dr. Anselmo Rodrigues na televisão e penso que ele tem uma opinião diferente. Mas pergunto-lhe se ele se sente desautorizado ou não.
Pelo menos, toda a sua intervenção televisiva vai no sentido inverso da posição que V. Ex.ª pretende insinuar, como é óbvio!...
Quanto ao Sr. Deputado Jorge Lacão e às suas «queixinhas» de assiduidade - não sei se ao chefe de turma se ao professor -, devo dizer que não sou polícia e que em matéria de assiduidade neste Plenário o que se tem demonstrado é que o meu grupo parlamentar tem ganho votações que normalmente não ganharia, eventualmente por razões que têm a ver com pânicos do PS em termos de abertura de crise, pelo que não me queixo minimamente da assiduidade dos meus deputados.
Se alguém tem ganho votações, quando qualquer observador independente veria que o PSD as deveria perder, é o meu grupo parlamentar e não o seu.
Aplausos do PSD.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a questão fundamental é esta: mesmo que todos concedêssemos honestamente que só no dia da votação final global é que esta Câmara se apercebeu de que alguma coisa de grave se estava a passar em relação a um determinado artigo que visava objectivamente a Rádio Renascença, e de que teria eventualmente havido um compromisso de Estado, então por que é que a Câmara, maioritariamente, não aceitou a avocação a Plenário desse dispositivo para poder debatê-lo em profundidade nesse mesmo dia ou, no mínimo, por que é que não autorizou o aditamento desse debate para hoje, conforme foi proposto pelos Grupos Parlamentares do CDS e do PSD? Porque a Câmara quis abrir uma questão religiosa, mais nada!
É esta a nossa opinião.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Gomes de Almeida, V. Ex.ª pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Gomes de Almeida (CDS): - Para me inscrever também para produzir uma curta declaração política, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - A Mesa toma nota da sua inscrição no período de antes da ordem do dia.
Srs. Deputados, deu entrada na Mesa um requerimento do PRD, em que é pedida, nos termos regimentais, a prorrogação do período de antes da ordem do dia.
O Sr. Deputado Carlos Brito pede a palavra para que efeito?
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Para interpelar a Mesa,
Sr. Presidente.
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O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, relativamente ao anúncio que acaba de fazer da entrada na Mesa de um requerimento para o prolongamento do período de antes da ordem do dia, pergunto à Mesa se tem em conta que a ordem do dia de hoje foi objecto de uma marcação feita pelo meu partido ao abrigo do direito correspondente e se os autores do requerimento também terão tido em conta essa circunstância.
É que, quando a ordem do dia é objecto de uma marcação feita ao abrigo do respectivo direito, tem sido praxe não se prolongar o período de antes da ordem do dia para não prejudicar o direito, muito limitado, exercido por determinado partido para ver discutida uma matéria do seu interesse.
Questiono desta forma o Sr. Presidente porque isso contraria um pouco a praxe que se tem seguido, mas, implicitamente, faço também a mesma pergunta aos autores do requerimento.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, de facto a Mesa não é capaz de responder concretamente a essa questão, porque admitiu que, inclusivamente, esse assunto já tivesse sido tratado conjuntamente em conferência de líderes. Pelos vistos não terá sido!
De qualquer modo, o requerimento deu entrada na Mesa em tempo, pelo que vou colocá-lo à votação.
O Sr. Deputado António Capucho pede a palavra para que efeito?
O Sr. António Capucho (PSD): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, permitia-me apelar a V. Ex.ª no sentido de que não pusesse o requerimento à votação sem previamente consultar o PRD. É que, de facto, as razões invocadas pelo PCP são sustentadas pela praxe regimental e parece-me errado prolongar o período de antes da ordem do dia havendo marcação da ordem do dia.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente, reconhecemos a pertinência da observação que foi feita; no entanto, gostaria de dizer que pela nossa parte teríamos todo o interesse em, para além da declaração política que vamos fazer de seguida - e penso que foi o facto de se terem registado até ao momento não só quatro declarações políticas mas também os muitos pedidos de esclarecimento a que elas deram lugar, que puseram em causa a oportunidade de outros partidos poderem usar da palavra -, podermos ainda produzir uma outra intervenção no período de antes da ordem do dia.
Prescindiríamos de qualquer outra intervenção neste período e, naturalmente, do intervalo, mas, embora considerando que o PCP tem razão quanto à praxe que invoca, gostaríamos de neste caso podermos pelo menos dispor de mais algum tempo no período de antes da ordem do dia para fazermos uma intervenção que reputamos de importante.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o problema está colocado...
Tem a palavra Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, obviamente que a declaração política do PRD não está prejudicada e tem sempre cabimento, aliás regimental.
Quanto à outra intervenção, Sr. Presidente, posta a questão nos termos em que é posta, o meu grupo parlamentar tem imensa dificuldade em ser juiz nesta questão. Só o PRD pode avaliar se, de todo em todo, essa intervenção é imperiosa. Creio, contudo, que vamos ficar com muito pouco tempo se entrarmos num prolongamento do período de antes da ordem do dia, porque se o PRD fizer uma intervenção, outros partidos podem desejar fazê-lo também. É apenas essa a nossa dúvida.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente, penso que resolveremos a questão com um resultado que nos parece equitativo.
Pela nossa parte gostaríamos de fazer uma intervenção acerca de declarações proferidas pelo Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares na Madeira sobre a Constituição da República, declarações que reputamos de extremamente graves, bem como de abordar a questão da Lei da Rádio.
Falará agora sobre a Lei da Rádio, visto ter sido o tema abordado por todos os grupos parlamentares, o meu companheiro de bancada Alexandre Manuel e reservaremos, se os outros partidos acordarem nesse sentido, a declaração política sobre as declarações proferidas pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares para o período de antes da ordem do dia da sessão da próxima quinta-feira.
O Sr. Presidente: - Não havendo objecções a que assim se proceda, continuando os nossos trabalhos, a Mesa informa que para produzirem intervenções estão ainda inscritos os Srs. Deputados Gomes de Almeida e Alexandre Manuel.
O Sr. Deputado Soares Cruz pede a palavra para que efeito?
O Sr. Soares Cruz (CDS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, fez-se aqui uma certa confusão quanto ao prolongamento ou não do período de antes da ordem do dia, pelo que gostava de saber se o intervalo regimental se mantém.
O Sr. Presidente: - Mantém-se, sim, Sr. Deputado.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Almeida.
O Sr. Gomes de Almeida (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não era intenção do CDS proferir hoje uma declaração política a propósito da lei de licenciamento das estações de radiodifusão. O que de essencial tínhamos a dizer a propósito desta matéria dissemo-lo antecipadamente, quer no Plenário, quer na
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Subcomissão de Comunicação Social, quer ainda nos trabalhos da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Entretanto, foram hoje proferidas várias declarações políticas e neste período de férias houve lugar a vivas reacções a propósito da aprovação desta lei, por parte da RDP, da Rádio Renascença e da hierarquia religiosa.
Srs. Deputados, do nosso ponto de vista há em todo este problema uma questão grave, que é, conforme dissemos na nossa declaração final aquando da votação do diploma, o problema da esquerdização do País pela via da esquerdização do Parlamento.
Oxalá - e formulamos sinceramente agora este voto - não esteja também em aberto uma questão mais profunda com a própria igreja católica.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Hipócrita!
O Orador: - O PS, o PRD e o PCP aprovaram um
diploma de licenciamento da rádio cujo efeito prático
será, no caso de vir a ser promulgado, o que manifestamente não esperamos, a sua próxima e tão urgente quanto possível revogação.
O CDS não põe em causa a natureza laica do Estado - e isto era bom que ficasse convenientemente entendido -, mas esta natureza não pode ser pretexto para uma atitude que lese os valores que a Igreja deseje exprimir, atitude essa que o País rejeitaria e que seria profundamente nefasta para o futuro do regime e das suas instituições.
Lastimamos em todo este processo a atitude do Partido Socialista, que é diferente consoante se encontra no Governo e na oposição. Lastimamos também a posição do PRD, que, naturalmente instado pela sua preocupação agora aparentemente radical de ganhar votos à esquerda, abandonou,- ao que parece - e não sei se definitivamente -, a sua preocupação de partido de equilíbrio e de charneira do sistema. Lastimamos, por fim, a própria atitude do Governo em todo este caso, já que é nossa sincera convicção que foi mais relevante a preocupação de capitalizar votos e simpatias do que a de evitar, em devido tempo, os malefícios decorrentes da lei aprovada, o que, a nosso ver, teria sido eventualmente possível.
Mas para o actual poder executivo é difícil - sabemo-lo! - resistir à tentação de mais um conflito institucional com a Assembleia da República.
Vozes d(r) CDS: - Muito bem!
O Orador: - Por último e ainda a propósito de conflitos institucionais com este órgão de soberania, é bom que não se identifique a Assembleia da República com a maioria conjuntural que aprovou a lei do licenciamento da rádio.
As maiorias, Sr. Presidente e Srs., Deputados, fazem-se e desfazem-se, mas a instituição permanece como elemento essencial da caracterização do Estado e do regime.
Aplausos do CDS e do deputado independente Borges de Carvalho.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o- Sr. Deputado Alexandre Manuel.
O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É triste que razões ditadas por oportunismos políticos e temores reverenciais continuem a impedir a «leitura» desapaixonada de um texto legal apenas orientado pelo interesse nacional e pela recusa das clientelas eleitoralistas, essa forma encapotada de corrupção que continua a fazer escola entre nós.
Vozes do PRD: - Muito bem!
O Orador: - É triste, mais triste ainda, que algumas dessas pretensas razões sirvam para negar posições anteriormente assumidas por parte de quem tão repetidamente vem falando em serviço à comunidade, por parte de quem usa (e abusa) da palavra transparência.
Aplausos do PRD e do PS.
É grave que o governo democrático de um país incentive uma entidade com a dimensão e a responsabilidade da Renascença a emitir ilegalmente numa frequência que, de acordo com compromissos internacionais subscritos pelo Estado Português (o chamado Plano de Genebra) e como muito bem recordou o Secretário de Estado responsável pela Comunicação Social, em despacho datado de 20 de Junho do ano findo, só entrará em vigor no próximo dia 1 de Julho.
Aplausos do PRD.
É grave, muito grave mesmo, que membros de um executivo que se pretende responsável, usem e abusem de alguns dos mais importantes órgãos de comunicação social para, com a conivência de comissários políticos «armados» com a carteira profissional de jornalistas, joguem com meias verdades, «esqueçam» documentos fundamentais e falem em compromissos de Estado que buscam o seu fundamento num despacho clandestino do qual só tiveram conhecimento nesta Câmara, por ocasião do debate dos projectos na especialidade (é o Dr. Marques Mendes quem o afirma), e se excitem farisaicamente, terçando armas em defesa de monopólios, mesmo que, para tanto, seja necessário contradizer o espírito da sua própria proposta de lei.
Vozes do PRD: - Muito bem!
O Orador: - Será bom recordar, a propósito, quem, aprovada que foi a lei, teve o direito de fazer ouvir a sua voz na RTP. Apenas e tão-só gente da Renascença, membros do Governo (que, como aconteceu no último fim-de-semana e a propósito de nada, ali foram contestar o que nunca foi afirmado) e o Dr. Anselmo Rodrigues, que, esquecido da dignidade do lugar que actualmente ocupa e das funções que, em tempos e por razões estritamente partidárias, tão mal desempenhou na Secretaria de Estado da Comunicação Social, tentou justificar o injustificável (aquele tristemente famoso despacho, assinado a 48 horas de um acto eleitoral e não precedido de qualquer concurso público) e ainda encontrou tempo para caluniar o PRD.
Vozes do PRD: - Muito bem!
O Orador: - Para os responsáveis pela informação do serviço público que é, que devia ser, a RTP não houve, até ao momento, lugar para os representantes
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das denominadas rádios locais (aqueles a quem, afinal, tudo foi prometido e agora quase tudo se quer tirar), nem para os autores da lei.
Por tudo isso e porque, apesar de várias solicitações, não foram respeitadas as mínimas regras da democracia, o PRD hoje mesmo apresentou queixa ao Conselho de Comunicação Social e irá exigir aquele pouco que ainda lhe resta: o direito de resposta.
Vozes do PRD: - Muito bem!
O Orador: - Mas, para além disto, há mais, muito mais mesmo, Sr. Presidente, Srs. Deputados.
É, de facto, preocupante que, quase treze anos depois de Abril e passados que foram mais de 25 sobre a abertura do Vaticano II, haja quem ainda use uma linguagem semelhante àquela que ultimamente, e no que respeita a este caso, vem sendo utilizada por membros do Governo ou pela Rádio Renascença, a emissora católica portuguesa, através dos seus principais responsáveis ou das denominadas notas do dia.
Por mim, sempre recusarei a utilização de uma linguagem paralela. Aqui ou em qualquer outro lugar. Tenho a certeza de que, pesem embora todas as campanhas e apesar da utilização abusiva que vem sendo feita de alguma comunicação social (a justificar, por si só, a criação do Conselho da Rádio), a verdade há-de vir ao de cima.
Por idênticos motivos também não comentarei os termos da nota subscrita pelo Conselho Permanente da Conferência Episcopal ou o teor das homilias natalícias proferidas pelos prelados responsáveis por algumas das principais dioceses portuguesas.
Tais afirmações, porque subscritas por uma entidade com a responsabilidade da Conferência Episcopal, só poderão buscar as suas razões no absoluto desconhecimento da situação. Hoje, perante os factos entretanto tornados públicos, estou sinceramente em crer que elas seriam impensáveis.
É que, de facto, Sr. Presidente, Srs. Deputados, pretendeu-se apenas fazer alguma justiça - a possível, eu sei -, diante de dois monopólios nascidos com o 25 de Abril e agravados ainda mais com um despacho assinado por um governante que não acreditava nas hipóteses de continuar em funções (de outra forma teria esperado 72 horas) e que em 1985 decide para 1987.
Sem uma tal decisão a RDP e a Rádio Renascença ficariam com todas as coberturas nacionais em onda média e frequência modulada (a frequência sobejante terá de ser, muito provavelmente, utilizada na criação das rádios regionais); sem uma tal decisão, como, em tempos, considerou o actual Secretário de Estado para a Comunicação Social, estaria desvirtuada a liberdade de acesso ao espectro radiofónico.
Importará acrescentar, a propósito, que, ao contrário do que alguns vêm falsamente afirmando, com tal decisão não se diminuiu a capacidade de emissão da Rádio Renascença (há anos que esta estação emissora mantém frequências por utilizar), nem muito menos se pretendeu impedir que a igreja católica continue a fazer chegar a sua mensagem a todo o País. E não apenas através da Rádio Renascença e das suas 24 frequências moduladas (quase o dobro da Antena 1 ou da Rádio Comercial), das suas dezassete ondas médias (mais uma que a Antena 1 e cinco que a Comercial) ou da onda curta, caso único, como se sabe, em estações privadas da Europa, mas ainda e também através do tempo de antena que, gratuitamente, lhe vem sendo atribuído na RTP e na RDP através da Antena 1, do Programa 2, da onda curta e da própria Rádio Comercial. Aí, ao longo de várias horas mensais que incluem transmissões directas da eucaristia dominical, de programas regulares de liturgia ou de formação cristã e de cerimónias especiais como a Semana Santa ou as peregrinações a Fátima de Maio, Agosto e Outubro, a RDP vai mais longe que a Renascença e de Roma transmite a catequese do Papa, semanalmente, na Antena 1, com repetição no Programa 2.
Como insuspeitamente, em declarações prestadas no último fim-de-semana a um semanário de Lisboa, afirmava um padre católico que tem dedicado grande parte da sua vida à comunicação social da Igreja, em lugares de grande responsabilidade, «a Renascença não fica prejudicada na sua função de emissora da Igreja, porque já possuía as frequências necessárias para poder cumprir a sua missão». E acrescentava, advertindo: «A emissora católica não está a emitir uma programação com uma leitura cristã da vida e dos problemas dos homens.»
Por mim não confundirei Rádio Renascença com Igreja nem departamento comercial da Rádio Renascença com os meios necessários para que a Igreja possa transmitir a sua mensagem.
Vozes do PRD: - Muito bem!
O Orador: - Há muito de Igreja em tantas estações emissoras, em muitas das rádios locais onde trabalham sacerdotes e leigos cristãos, com um testemunho evangélico bastante mais claro do que o que transparece em muita da programação, da publicidade e da informação da emissora católica oficial.
Aplausos do PRD, do PS e do MDP/CDE.
Ao contrário do que outros vêm fazendo, não utilizarei a Concordata de 1940 apenas nos termos e nas circunstâncias em que ela me convém - ai, se a Concordata fosse aplicada em toda a sua dimensão - e também recusarei a dicotomia que pretende dividir a sociedade ao meio, entre bons e maus, entre os que votaram favoravelmente a lei e os que a ela se opuseram. Como se não houvesse católicos entre os que apoiam esta lei, como se não houvesse católicos entre os que, aqui mesmo, a votaram favoravelmente.
Não poderei, finalmente, deixar de dizer que há membros do Executivo que faltam à verdade quando insinuam que só tiveram conhecimento dos factos poucas horas antes da votação. Deixando de lado o facto de os temas mais polémicos - frequências indevidamente atribuídas e Conselho da Rádio - terem constituído ponto prévio, ponto primeiro no âmbito da Subcomissão para a Comunicação Social há cerca de dois meses, eles estiveram bem presentes, por parte da minha bancada, no debate da especialidade. Em intervenção por mim feita e na declaração de voto que eu mesmo também li em nome do Grupo Parlamentar do PRD.
O que, de facto, está em causa são outras questões. São razões puramente eleitoralistas, que levam a esquecer declarações anteriores, que dizem que onde está «concordo» se deve ler «discordo», que deturpam pareceres jurídicos, que pretendem confundir o significado da palavra «provisório» e que levam um membro da Subcomissão a afirmar que as penalizações são muito
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severas. Como se elas não tivessem seguido de perto a sua própria proposta, que a Subcomissão, apesar de tudo, teve o cuidado de atenuar.
Agora, Sr. Presidente, Srs. Deputados, a lei apronta-se para seguir para Belém, a fim de ser promulgada pelo Sr. Presidente da República.
Há quem, recordado do que aconteceu com a transformação operada na bancada do Partido Socialista por ocasião da questão açoriana das bandeiras, pretenda que o Dr. Mário Soares virá utilizar o veto político ou então remetê-la para o Tribunal Constitucional. Sinceramente não creio que utilize como pretexto o Tribunal Constitucional. Não está nos seus hábitos - reconheça-se com sinceridade - deixar de assumir as suas responsabilidades.
Muito menos acredito que ele jogue no veto político, já que isso significaria colocar-se deliberadamente contra a maioria que o elegeu e dizer que, de facto, houve compromissos políticos. Mas se os houve que o diga claramente, para evitar especulações que começam a ganhar forma e nas quais sinceramente não acreditamos. Se os houve, o PRD estará disposto a cumpri-los, como claramente o afirmou o líder do meu grupo parlamentar, por ocasião da votação final global. E cumpri-los-á apesar das circunstâncias menos claras em que foi assinado o despacho e da enorme injustiça que ele acarreta, ao pretender que esta lei fosse apenas a lei dos restos.
Aplausos do PRD, do PS, do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento inscreveram-se os Srs. Deputados Gomes de Almeida e Borges de Carvalho. Porém, devo informar que o Sr. Deputado Alexandre Manuel esgotou o tempo de que o seu partido dispunha.
O Sr. Gomes de Almeida (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para informar que, na medida da disponibilidade real do meu partido, o CDS concede algum tempo ao Sr. Deputado Alexandre Manuel para que este possa responder.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Então, tem V. Ex.ª a palavra para formular pedidos de esclarecimento. Devo informar que o CDS dispõe de seis minutos.
O Sr. Gomes de Almeida (CDS): - Sr. Deputado Alexandre Manuel e Sr. Presidente da Subcomissão da Comunicação Social, na intervenção que produziu, V. Ex.ª fez referência a um problema que de certo ponto de vista é real e que é o da escassez de frequências radioeléctricas.
Mas a este propósito gostaria de saber a opinião do senhor deputado quanto ao seguinte aspecto: como sabe, a escassez de frequências é um dado real em todos os países em maior ou menor escala e depende daquilo que internacionalmente em cada convenção atinente à matéria for distribuído aos países signatários da mesma convenção.
A este propósito, no decurso dos trabalhos da Subcomissão, tive oportunidade de recordar que me parecia relativamente obtuso, para não dizer inteiramente incompreensível, que, em Portugal, a Lei do Licenciamento das Estações de Rádio não previsse a possibilidade de serem também distribuídas ou atribuídas frequências em onda longa. E disse que achava esta predisposição da Subcomissão completamente incompreensível, na medida em que existe apenas um problema técnico - que é um problema de aparelhos mas que é facilmente ultrapassável -, e que, para além disso, existe o conhecimento real de que grandes, respeitáveis e influentes estações emissoras europeias, de que posso citar a Rádio Europa 1 e a Rádio Luxemburgo, emitem justamente nessa mesma frequência, em ondas longas. Não consegui lucubrar a razão por que a Subcomissão e o partido a que o senhor deputado pertence não quiseram admitir a possibilidade de se estender e de se lutar contra a real escassez de frequências.
Por outro lado, como o senhor deputado sabe, não estive presente nos recentes trabalhos da Subcomissão de Comunicação Social, dado que me encontrava ausente de Lisboa neste período de férias do Natal. Porém, tomei conhecimento do teor do comunicado ou da conferência de imprensa que foi dada pelo PCP, pelo PS e pelo PRD em representação da Subcomissão.
Os Srs. Jorge Lemos (PCP) e Alexandre Manuel (PRD): - É falso!
O Orador: - Então, corrigirei o que disse e direi que a Subcomissão esteve representada nessa conferência de imprensa pelo PCP; pelo PS e pelo PRD. Só quis sublinhar essa circunstância para acrescentar claramente que a minha ausência se deveu ao facto de me encontrar fora de Lisboa e de não ter tido conhecimento da convocação - que presumo ter havido - dessa reunião.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Assinava o comunicado e tudo?
O Orador: - Isto é perfeitamente exacto e, Sr. Deputado Jorge Lemos, não vou consentir a V. Ex.ª o deleite de pôr em dúvida aquilo que estou a dizer.
Sr. Deputado Alexandre Manuel e Presidente da Subcomissão, tomei conhecimento das declarações feitas nessa mesma conferência de imprensa, mas, tanto quanto julgo saber, nela foram feitas afirmações inteiramente inexactas, que, também presumo saber, irão ser prontamente desmentidas pelos dois monopólios a que o senhor deputado se referiu e que presumo ser a RDP e a Rádio Renascença. Julgo saber que quer a emissora oficial quer a Rádio Renascença vão muito próximo e oportunamente refutar, sob um ponto de vista técnico, os pontos de vista expressos na conferência de imprensa da Subcomissão.
Contudo, era mais em relação à questão da escassez de frequências e da inserção do problema das ondas longas na nossa legislação que agradecia um esclarecimento por parte do Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho, que dispõe de dois minutos.
O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - Sr. Deputado Alexandre Manuel, quando vi V. Ex.ª subir à tribuna para falar sobre este assunto, pensei que finalmente vinha alguém, do lado da ética, dizer-nos o que de facto se passa com esta lei, dizer que aconteceram ilegalidades neste Plenário, que a lei, justa ou injusta, está mortalmente ferida de ilegalidade e de inconstitucionalidade e que portanto o PRD, apesar da sua posição
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favorável a ela, vinha dizer: «Meus senhores, temos que reconhecer que...». Porém, não disse nada! Portanto, mais uma vez, a ética ficou no lugar onde o PRD a pôs e de onde dificilmente a tirará.
Também me quero confessar surpreendido com a ausência de pedidos de esclarecimento por parte do Partido Socialista. Parece que todos os compromissos assumidos por membros do PS são para deitar fora pelo próprio partido - e V. Ex.ª dir-me-á qual a opinião da bancada do PRD - e que os três membros que estão comprometidos com ela desapareceram da bancada como que por encanto (um deles não é parlamentar, mas os outros dois são-no e desapareceram da bancada). Ora, o Partido Socialista guarda um silêncio sepulcral a este respeito e é o PRD que vem defender as posições que neste momento parecem ser as maioritárias daquele partido.
Finalmente, e porque o tempo não dá para mais, não posso deixar de confessar, mais uma vez, a minha estranheza quanto à forma inaceitável como V. Ex.ª aqui colocou determinados problemas. O senhor deputado, do alto do seu palanque ético-moral, vem dizer-nos que não admite que se classifiquem as pessoas em boas e más. Eu também não. Estou consigo, senhor deputado! Porém, logo a seguir o senhor deputado veio classificar as mensagens evangélicas daqueles senhores que pensa que têm uma mensagem evangélica melhor e daqueles que pensa que têm uma mensagem evangélica pior. Quero dizer: o Sr. Deputado Alexandre Manuel é, neste momento, uma espécie de papa desta Assembleia que vem dizer: a mensagem evangélica do senhor A é óptima, o senhor A vai para o céu; a mensagem evangélica do senhor B é má, o senhor B vai para o inferno - Alexandre Manuel dixit.
Risos.
Quanto a isto, senhor deputado, não há comentários a fazer senão registar as incoerências do PRD, o silêncio do PS e as classificações morais que, mais uma vez, o PRD vem atirar à cara da sociedade portuguesa como se esta fosse julgada pelo Sr. Deputado Alexandre Manuel, pelo Sr. General Ramalho Eanes ou pelo PRD. Porém, não é assim, Sr. Deputado! Quem do ponto de vista político julga a sociedade portuguesa são os Portugueses, são os eleitores, e do ponto de vista moral e evangélico ninguém tem que a julgar.
Não quero ainda deixar de registar mais um anátema...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o tempo de que dispunha.
O Orador: - Sr. Presidente, entretanto, fiz uma sinalefa aos deputados do PSD e creio que estes me concederam algum tempo para concluir o meu pedido de esclarecimento.
O Sr. Presidente: - Certamente, Sr. Deputado. Contudo, peço-lhe o favor de ser breve.
O Orador: - Sr. Deputado Alexandre Manuel, deixando de abordar uma série de dúvidas que gostaria de levantar, não queria terminar - não tendo para isso procuração seja de quem for - sem colocar uma pergunta, uma pergunta muito simples: V. Ex.ª disse que havia uns fulanos - não sei se a expressão exacta era a de «fulanos», mas, se não, era uma expressão deste tipo - com carteira profissional de jornalistas que funcionavam como comissários políticos. Isto tem a sua gravidade: para mim não, porque não sou jornalista, mas certamente que a terá para os jornalistas. Talvez fosse útil V. Ex.ª dizer quem são essas pessoas para que os agredidos se possam defender se tiverem razões para isso.
Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Alexandre Manuel, como V. Ex.ª já não dispõe de tempo para usar da palavra, a Mesa concede-lhe um minuto para responder.
O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Sr. Presidente, serei muito rápido. Como é habitual, o Sr. Deputado Borges de Carvalho não colocou nenhuma pergunta...
O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - V. Ex. ª é que não sabe responder, o que é diferente!
O Orador: - Como V. Ex.ª não disse nada - aliás, como é hábito - e como os deputados mais esclarecidos desta Câmara perceberam que V. Ex.ª não fez nenhuma pergunta, nada tenho a responder.
O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - Há os esclarecidos e os que não são esclarecidos; há os bons e os maus; há os esclarecidos e os obseuros.
Risos.
O Orador: - Ao Sr. Deputado Gomes de Almeida, quero dizer que a convocatória da reunião foi feita nos termos regimentais. Também não houve qualquer conferência de imprensa, mas apenas se verificou a presença de representantes de alguns órgãos de comunicação social no final da reunião da Subcomissão...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Foi coincidência!
O Orador: - Pelos vistos, V. Ex.ª Sr. Deputado Narana Coissoró, acaba de dar resposta ao Sr. Deputado Borges de Carvalho. Felizmente que há muitos jornalistas que não são comissários políticos...
O Sr. Deputado Gomes de Almeida foi convocado, mas, pelos vistos, encontrava-se ausente de Lisboa. Posso dizer-lhe que não se tratou de uma conferência de imprensa da Subcomissão, mas, sim, dos membros da Subcomissão que subscreveram aquele comunicado. Terei muito gosto em fornecer-lhe esse texto e creio que, em relação a muitas das questões ali colocadas, V. Ex.ª também as subscreveria, já que apenas se trata de um relato dos factos.
Quanto à questão das ondas longas, recordo-me da advertência feita pelo Sr. Deputado no início do debate, e devo dizer-lhe que, como certamente também se recordará, sugeri que essa questão seria um bom tema para tratar posteriormente. Inclusivamente, pedi a V. Ex.ª que avançasse com uma proposta nesse sentido. Na realidade, o Sr. Deputado disse que aquele não seria o momento mais adequado, e ficámos de esclarecer esse aspecto em tempo oportuno.
O Sr. Deputado também se referiu à adaptação dos próprios aparelhos, mas se agora tanto se discute em relação às frequências moduladas e ondas médias, isso iria levantar alguns problemas a muito curto prazo.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido um voto de pesar subscrito por deputados de todos os grupos parlamentares.
Foi lido. É o seguinte:
Voto de pesar
Joaquim Namorado foi uma personalidade singularíssima da cultura portuguesa do nosso tempo, uma grande figura moral e política. Animador de iniciativas e combatente pela liberdade, exerceu sobre sucessivas gerações uma influência determinante e rica. Afastado pela ditadura de funções na escola pública, viu-se compelido ao recurso a lições privadas de matemática para sobreviver. Mas o seu verdadeiro magistério era o do quotidiano convívio formativo, o da critica - em vez da louvaminha
dócil, o da irreverência e do inconformismo perante o mal-estar e as injustiças. Todos lhe devemos um pouco.
O 25 de Abril permitiu que a Universidade de Coimbra, através da Faculdade de Ciências e Tecnologia, o integrasse nos seus quadros docentes, reparando, de forma tardia e parcial, embora, uma enorme dívida. Recentemente, havia sido agraciado
com a Ordem da Liberdade e com outras distinções relevantes, sempre as acolhendo de modo que espelhassem um preito merecido destinado aos seus companheiros de luta pelos ideais da fraternidade e do humanismo.
Nome de topo do movimento neo-realista, dinamizador de revistas e publicações como a Vértice, a que deu o fruto de uma inteligência e de um esforço de mais de meio século, mordaz e terno, tolerante e incomplacente, o poeta de «Incomodidade» marcou, de maneira profunda, uma época convulsionada da nossa vida colectiva e um período fecundo da literatura do nosso país.
Morreu agora, na sua Coimbra quase natal, após
uma doença prolongada e uma coragem inexcedível.
A Assembleia da República, reunida, em sessão ordinária, no dia 6 de Janeiro de 1987, expressa, neste momento de luto, o seu pesar veemente pela morte de Joaquim Namorado, escritor e cidadão
exemplar.
Srs. Deputados, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho na bancada os livros de Joaquim Namorado. Neles perdura e vibra uma escrita que assumiu o tempo dos rudes desafios, da coragem e da integridade, do construir os dias da
liberdade. Também a estética de uma literatura irrigada pelas aspirações colectivas, em que o povo era destinador e destinatário, alheio a percursos mera mente lúdicos, ensejados para deleite de minorias bolorosas. E ainda o sarcasmo, a irreverência, o chiste de bom gosto, a solidariedade, a ternura contida ou emocionada.
Assim:
«O Douro é um rio de barcos onde remam os barqueiros suas desgraças, primeiro se afundam em terra as suas vidas que no rio se afundam as barcaças. [...] O rio Douro é um rio de sangue, por onde o sangue do meu povo corre.»
ou, de forma límpida e bela, em decalque de um desenho de Manuel Ribeiro de Paiva:
«Num mundo de maiorais, de feitores, de cães de guarda, ficou no pó das estradas a marca dos nossos passos continuando outros passos. O caminho é por aqui, dirá quem vier depois olhando estes sinais e disso estará tão certo que o que ainda é distante lhe será perto.»
Personalidade singularíssima, o grande poeta da «Incomodidade» marcou, de forma indelével, sucessivas gerações. Os que, no curso de meio século, contaram com o seu magistério, o seu companheirismo, a sua disponibilidade, foram e são testemunho da inteireza moral e política do cidadão que não poupou esforços no seu quotidiano de animador cultural. Organizou inúmeras e diversificadas iniciativas de combate ao regime opressor, na difusão da arte popular e da literatura insubmissa, na formação intelectual dos jovens.
Nome cimeiro do movimento neo-realista, em cuja estruturação prodigalizou energias, entusiasmo e criatividade, colaborou em jornais e publicações que se tornaram legenda, assegurou a permanente dinamização da revista «Vértice», à qual chamou muitos dos que se afirmam hoje referências indeclináveis do nosso acervo ficcional, poético ou ensaístico; prefaciou, com rigor e rara lucidez, obras de destacados autores, partilhando o seu itinerário sem o menor laivo de subserviência.
O seu trato, tantas vezes áspero, evidenciava uma funda sinceridade, um constante sentido de cooperação e ajuda, uma lealdade exemplar. Simples, empenhado, amando a vida no que ela tem de inovador e fecundo, apagou a obra pessoal em detrimento de um trabalho diário para benefício da comunidade cívica e das letras. Inédita está uma parte substancial e notável da sua produção, que urge editar na íntegra. Cabe-nos agora a responsabilidade de honrar-lhe a memória também através da divulgação cuidada do legado.
Ao cabo de uma existência que provou amargores e perseguições, o Portugal democrático integrou Joaquim Namorado na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, homenageou-o e condecorou-o, em várias manifestações reparadoras, decerto insuficientes e tardias mas irrecusavelmente justas. Porque a «Poesia» continua a ser «Necessária», porque o testemunho empunhado por quem evocamos segue, enriquecido, em nossas mãos, entendemos que a Câmara se nobilitou aprovando, por unanimidade, o voto de pesar apresentado. E o PCP conclui estes escassos e duros minutos dando, de novo e por fim, a voz ao camarada e ao amigo que (fisicamente) todos perdemos:
«A poesia é uma máquina de produzir entusiasmo e é preciso que os versos sejam verdadeiros.»
Aplausos do PCP, do PS, do PRD, do MDP/CDE e de alguns deputados do PSD.
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O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre,
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com Joaquim Namorado desaparece uma das grandes figuras de uma geração que deu ao País escritores e poetas tão significativos como Carlos de Oliveira, Fernando Namora, Manuel da Fonseca, Mário Dionísio, Álvaro Feijó, João José Cochofel e Alves Redol. Foi ele quem deu o nome a esse movimento que abriria novos caminhos à literatura portuguesa - o movimento neo-realista, que os cultores da moda procuram hoje minimizar, esquecendo-se (ou talvez não) do significado estético, ético e cívico dessa nova escrita empenhada e comprometida com o destino do homem português. Polarizador e aglutinador das energias do grupo do Novo Cancioneiro, Joaquim Namorado haveria de tornar-se, como escreveu Eduardo Lourenço, na sua principal referência activa e ética. Poeta pelo que escreveu e também pela forma como viveu e conviveu, Joaquim Namorado foi um extraordinário animador cultural e cívico, que marcou as sucessivas gerações que por Coimbra passaram. Influenciado pela guerra civil de Espanha e pela geração poética de Lorca e Alberti, Joaquim Namorado deixa-nos sobretudo uma lição de incomodidade, lição de poesia de poeta que sempre incomodou porque sempre soube incomodar-se. A sua escrita era agreste, agressiva, sarcástica, por vezes provocadora e quase dura. Assim ele era. Mas por detrás da forma e do estilo estava um homem cheio de ternura, um lírico desesperado, como notou Jorge de Sena. Como já tive ocasião de dizer, a sua forma de ser e de escrever era uma ternura do avesso.
Proibido de exercer a sua profissão de professor, quer no ensino público quer no particular, forçado a dar explicações para ganhar a vida, preso várias vezes pela policia política, Joaquim Namorado manteve-se sempre fiel e igual a si mesmo, exigente consigo e com os outros. Não transigiu com modas. Tinha uma certa concepção da vida e da literatura, era contra as doutrinas formalistas, vociferava contra a arte pela arte, defendia uma literatura empenhada e solidária com raízes na terra portuguesa. Não é por acaso que os seus principais livros têm por titulo «Incomodidade» e «Poesia Necessária». Era o que ele entendia que a poesia devia ser, uma provocação e um contrapoder, uma denúncia e um combate, uma intervenção ditada pela necessidade histórica e circunstancial.
Por isso escreveu:
«Sejam meus versos a vogal precisa bata no meu pulso o coração do mundo.»
Definiu a poesia como máquina de produzir entusiasmo. E foi o que fez da sua vida: um acto permanente de resistência cultural e cívica, uma máquina de estimular os outros na «Vértice» (a que dedicou grande parte do seu tempo e da sua energia), nas tertúlias, no ensino, na convivência. Incomodando e incomodando-se sem nunca se acomodar, deixando em todos os que com ele privavam a marca de uma invulgar e apaixonante personalidade.
«Encantava-o», como escreveu Mário Dionísio, «escandalizar, ser contra, evitar que pôr os pontos nos "ii" o fizesse supor num lado que não era o seu.» Tomou sempre partido, na literatura e na vida, sem por isso deixar de ser um espírito aberto e tolerante, respeitado até pelos adversários. A marca da sua acção, a grandeza da sua vida, ultrapassam talvez a da própria obra. Mas essa foi a sua opção de intelectual resistente e combatente. Ele detestava as torres de marfim, o texto do texto, a leitura da leitura. Arte e vida eram para ele inseparáveis. Numa e noutra deixou o seu estilo, a sua marca, o fulgor de alguns seus versos, a chama da sua atitude e da sua vida.
Não o esquecerão aqueles que como eu, José Carlos Vasconcelos e tantos outros lhe devemos muito da nossa formação estética, cultural e cívica. Não o esquecerão os que, ao longo dos anos, com ele aprenderam uma difícil, exigente e fraterna solidariedade.
Vivemos uma época de alguma perplexidade e não pouca trafulhice intelectual. A ditadura da moda impõe a sua lei, como escreveu recentemente Fernando Namora, referindo-se aos ataques à geração do «Novo Cancioneiro»: «O que foi lendo sobre essa época e o que ela representou na história da literatura portuguesa é por via de regra tolice. Tolice ou má fé. Instalou-se na nossa cena uma espécie de bando arrogante, de uma ligeireza patética, capaz de varrer com um único gesto uma geração ou uma centúria. Para trás deles é o vácuo; à frente ou aos lados uns autodeclarados génios que eles servem ou desservem consoante os seus humores de pistoleiros sem lei.»
É por isso que recordar hoje Joaquim Namorado não é só prestar homenagem ao principal animador de um movimento literário; é recordar a nova dimensão e o novo impulso que Joaquim Namorado e os seus companheiros trouxeram à resistência cultural e cívica do povo português. É homenagear a coragem e coerência intelectuais e é homenagear a própria poesia, como canto de liberdade e fraternidade entre os homens.
Aplausos do PS, do PRD do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quem, além de conhecer a obra de Joaquim Namorado, teve ensejo de com ele conviver pode verificar que tudo aquilo que se pode dizer a seu respeito, inclusivamente o que consta do voto de pesar que acaba de ser aprovado por unanimidade, está longe de exceder aquilo que a seu respeito deveria ser dito.
Quem em especial com ele, como connosco aconteceu, pôde comunicar verificou que Joaquim Namorado, além de ter uma influência determinante na nova corrente literária do neo-realismo, de que ele foi, em Coimbra, o grande animador através do lançamento do «Novo Cancioneiro», não só lançou uma nova corrente que representou um novo passo na literatura e na arte portuguesas a seguir à chamada geração da Presença como também abriu com a sua acção uma nova maneira de estar na vida em defesa de uma sociedade mais livre e mais fraterna.
Fazia parte da sua personalidade não só a sua dureza como um espirito satírico, presente também na sua poesia - como, aliás, aqui já foi recordado. Carácter satírico que não impedia, visto que através das suas próprias sátiras era possível sempre reconhecer lições, não só sucessivas gerações que com ele puderam privar como aqueles que foram da sua geração, de com ele terem sempre alguma coisa a aprender. Ele representa o alto exemplo de um escritor fiel a si próprio, de um homem que em Coimbra, fossem quais fossem as con-
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dições, nunca escondeu as suas ideias e que sempre manifestou a coerência que tinha com a sua maneira de pensar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É por isso que eu, com a mais profunda emoção, com a emoção de quem foi um amigo pessoal de Joaquim Namorado desde os difíceis anos 40 da resistência ao fascismo, em meu nome e em nome do MDP/CDE, me associo inteiramente à homenagem à memória de Joaquim Namorado.
Aplausos do PS, do PRD e do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.
O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PRD e eu próprio congratulamo-nos com o facto de esta Assembleia ter aprovado por unanimidade um voto de pesar pelo desaparecimento de Joaquim Namorado. Foi um acto de justiça a um homem, a um cidadão, a um poeta que durante a sua vida foi vítima de tantas injustiças.
Poeta e cidadão incómodo, Joaquim Namorado foi uma figura singular em Portugal no ponto de vista cultural, cívico e humano - e permitam-me que ponha em relevo este último aspecto -, como seu amigo de muitos anos que fui, como seu compadre, como pessoa que com ele trabalhou diariamente, designadamente na revista «Vértice», durante vários anos. Foi a esse carácter singular e impar que o meu amigo e camarada de poesia Manuel Alegre chamou uma espécie de «avesso da ternura» - evidenciada, em outro plano, numa colecção, que o próprio Joaquim Namorado e eu lançámos, chamada «Cancioneiro Vértice», e que pretendeu prolongar ou ser uma espécie de uma segunda geração do neo-realismo, surgido em torno do «Novo Cancioneiro».
Jorge de Sena classificou-o de um lírico desesperado, reconhecendo nele, para além do crítico de um formalismo velho e balofo, o verdadeiro poeta que era, como singularmente alguns dos maiores poetas surrealistas o viriam a incluir em antologias da poesia surrealista e abjeccionista. É porque Joaquim Namorado, para além dessa sua poesia empenhada, era um grande poeta em que a imaginação e até o automatismo tinham raízes de cidade. E alguns dos seus pequenos poemas constituem pequenas jóias da poesia portuguesa de sempre, desde a célebre «Viagem aos mares do Sul» - poema que diz: «eu nunca fui lá» - até àquele outro que diz: «Onde o santo punha o pé nasciam rosas/E o povo lamentava que ele não fizesse o mesmo com batatas.»
Era uma figura sarcástica, Joaquim Namorado, mas esse sarcasmo escondia, como digo, uma grande ternura e a grande dimensão humana, daquele que foi um resistente, um combatente pelos seus ideais. Por detrás de uma afirmação um pouco «espectacular» e por vezes quase insuportável de uma aparência truculenta escondia-se um grande coração de «um amigo do seu amigo», de homem aberto, tolerante e capaz de dialogar, de discutir, e até de ajudar aqueles que pensavam de uma forma muito diferente da dele.
O 25 de Abril fez justiça ao professor que foi impossibilitado até de dar aulas no ensino particular e que, com grandes dificuldades, vivia de dar explicações. Fez justiça ao homem que foi perseguido, que nunca se vergou na sua incomodidade, na sua grandeza, constituindo de facto uma dessas reservas morais e cívicas que não veio nos jornais e que, inclusive, chegou ao máximo da dádiva, que foi sacrificar grande parte da obra que poderia ter e que não teve, pois a que nos deixou estava abaixo do que o próprio Joaquim Namorado era capaz. Sacrificou a sua obra a uma intervenção, a uma dinamização cultural e cívica de todos os dias e, a maior parte das vezes desconhecidas, que não chegava aos grandes centros de Lisboa ou Porto. Aliás, não sei sequer se a nossa televisão terá recolhidas algumas imagens do Joaquim.
Durante anos e anos em que, no período da ditadura, disse poesia em muitos locais deste país, quer em fábricas quer em cooperativas e em clubes, etc., senti como a sua poesia «dizia» ao nosso povo. O poema «Port-wine», que o José Manuel Mendes há pouco referiu, e que eu costumava dizer nesses encontros com o nosso povo (quando dizia versos dos grandes poetas portugueses, entre os quais incluía sempre o Joaquim) causava uma impressão que ainda hoje «sinto». Havia gente oprimida deste país que não resistia às lágrimas ou aos «vivas» ao ouvir esse poema. Essa era a melhor homenagem que se podia fazer ao Joaquim, essa, lembrar os seus versos e o seu exemplo, é a melhor homenagem que se pode fazer a Joaquim Namorado.
Aplausos do PRD, do PS, do PCP, do MDP/CDE, de alguns deputados do PSD e do CDS e do deputado independente Borges de Carvalho.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Gama.
O Sr. José Gama (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Coimbra perdeu mais um professor. Dobraram os sinos da velha Universidade, anunciando que a sua cidade, a sua Faculdade de Ciências ficara mais pobre. De Joaquim Namorado resta a memória e a sementeira da sua obra.
Poeta de palavras livres, irreverentes e inconformadas, Joaquim Namorado conheceu a perseguição porque a fidelidade às suas convicções mais profundas voara mais alto que o temor às zangas do poder constituído.
Uma voz do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Pedagogo exímio, que vários jovens da minha geração tiveram o privilégio de ter como explicador, Joaquim Namorado irradiava a simpatia contagiante dos homens simples que não vestem casaca para exibir a profundidade do seu pensamento.
Obrigado a dar explicações de matemática por o seu nome integrar o índex dos mestres proibidos, Joaquim Namorado veria mais tarde a justiça bater à sua porta quando em Portugal aconteceu o Tempo Novo da Liberdade. Terá sido um encontro tardio para o velho lutador, abnegado e persistente, a Ordem da Liberdade e a medalha de ouro da cidade de Coimbra terão representado mais um testemunho público de que é inútil barrar o caminho ao vento norte dos ideais.
Nunca nos encontrámos nas mesmas sessões de esclarecimento político, nem frequentámos os mesmos comícios, simplesmente porque morávamos ideologicamente em sítios diferentes. O respeito pela cultura proíbe-nos, todavia, ciúmes, raivas e intolerâncias. A esta floresta de vícios a cultura diz-nos: não!
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Por isso o autor do Aviso à Navegação e de Vida e Obra de Federico Garcia Lorca merecem todo o nosso respeito. Votámos, por isso, a favor do voto de pesar.
Aplausos do CDS, do PS, do PRD, do PCP, do MDP/CDE e de alguns deputados do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Mendes Bota, pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, pedi a palavra só para dizer que, apesar de subscrevermos muito daquilo que foi dito sobre Joaquim Namorado, iremos entregar a nossa declaração de voto, por escrito, na Mesa.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sá Furtado, para que efeito pediu a palavra?
O Sr. Sá Furtado (PRD): - Sr. Presidente, quero simplesmente anunciar também que irei entregar uma declaração de voto subscrita por mim e pelos Srs. Deputados Ramos Carvalho e António Paulouro.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, chegámos à hora regimental do intervalo...
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, de facto não chegámos só agora à hora regimental do intervalo, pois já passaram 20 minutos, pelo que a minha bancada sugeria que não houvesse intervalo regimental, de modo que pudéssemos iniciar imediatamente o debate dos diplomas agendados.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, não podemos dar assentimento à pretensão do Sr. Deputado António Capucho. Daríamos com facilidade o nosso acordo, mas acontece que temos agora uma conferência de imprensa e não podemos adiá-la.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em termos regimentais, não havendo acordo entre os grupos parlamentares, não podemos prescindir do intervalo regimental, pelo que declaro interrompidos os trabalhos.
A sessão recomeçará às 18 horas e 20 minutos e faço um apelo aos Srs. Deputados para que estejam presentes às 18 horas e 20 minutos, pois ainda temos cerca de duas horas e meia de trabalho pela frente.
Eram 17 horas e 5O minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entrando agora no período da ordem do dia, vai proceder-se à discussão conjunta dos projectos de lei n.º311/IV, do PCP, que suspende a atribuição de reservas na zona de intervenção da Reforma Agrária até à conclusão da actividade decorrente do inquérito parlamentar à actuação do Ministério da Agricultura; 321/IV, do PS, que transfere para os tribunais administrativos a competência para atribuição das reservas previstas na Lei n.º 77/77, de 29 de Setembro, e 325/IV, do PRD, relativo aos requisitos da demarcação e atribuição de reservas na zona da Reforma Agrária.
Os tempos atribuídos são os seguintes: Governo, PS, PRD e PCP, 20 minutos cada um; CDS, 12 minutos; MDP/CDE, 10 minutos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Por muito peso - e tem-no seguramente - que tenha a Reforma Agrária e o cumprimento dos respectivos imperativos constitucionais no decurso deste debate, uma outra questão central que aqui estará em evidência prende-se directamente com a moralidade da Administração Pública, a legalidade da sua actuação e a credibilidade do Estado e das instituições democráticas.
Pensar-se-á, e desejar-se-á, que o Estado seja pessoa de bem e que a Administração Pública paute a sua actuação pelos critérios da legalidade, da prossecução do interesse público, da imparcialidade.
Só que, dez anos após as últimas expropriações na zona da Reforma Agrária, dez anos após a publicação da Lei n.º 77/77, oito anos e meio após o termo do prazo de apresentação dos requerimentos de reservas (que cessou em Junho de 1978), a zona da Reforma Agrária é campo da mesma (ou de maior) instabilidade e os processos de reserva crescem e renascem por todo o lado.
Só por si tal facto mereceria contundente crítica. Como é possível tal situação? Como é possível que desde Outubro de 1986 tenham sido marcadas 35 reservas, que haja notificação de mais 32 e que se calcule em mais de 80 os outros processos em curso?
Que cataclismo passou pelos gabinetes do Ministério e que levou à reinstrução e reabertura de, pelo menos, mais 150 processos, isto do que se sabe publicamente, já que, provavelmente, muitos mais poderão estar em curso?
O facto é que dez anos após as últimas expropriações, a actuação imprimida pelo Ministro Álvaro Barreto ao Ministério tem conduzido, por todas as formas e feitios (através da reabertura e reinstrução de processos, através da sistemática aceitação de novos requerimentos, através da concessão de novas e cada vez maiores áreas de reserva), a conceder aos latifundiários a posse de toda a terra que detinham em 25 de Abril. De outra forma: o Ministério, pela sua prática, reconstitui o latifúndio, que a Constituição determina que seja eliminado, e liquida a Reforma Agrária, que a Constituição determina que seja efectivada.
Os caminhos que têm conduzido a esta situação estão, como já o disse, como uma das questões centrais de todo este debate.
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A regra da conformidade dos actos administrativos à lei é sistematicamente negada, em tais termos que se pode dizer que o Ministério conseguiu inverter a presunção da legalidade, isto é, a regra passou a ser a de que os actos do Ministério se presumem ilegais. Basta atentar no volume de centenas e centenas de despachos anulados pelo Supremo Tribunal Administrativo.
A imparcialidade, que deveria pautar a conduta da Administração, é subvertida pela aceitação sistemática dos pontos de vista dos requerentes reservatários, das suas pretensões, da «prova» que apresentam e que as mais das vezes, de tão frágil e miserável consistência, não merece qualquer espécie de crédito (quando não sucede que têm a fraude mesmo à vista, como no caso da exibição de recibos em impressos com data de impressão na tipografia de anos depois da data do recibo!).
A prossecução do interesse público, por seu lado, é pura e simplesmente postergada, para transformar os processos na prossecução dos interesses privados e ilegítimos de ex-latifundiários, com expressa invocação desse facto.
Quanto à moralidade de procedimentos, é só recordar o que é do domínio público - os casos de acusação de corrupção, de ilegalidades e de ligações às famílias de latifundiários que têm sido feitas a funcionários do Ministério, funcionários que instruíram uma parte substancial dos processos agora em apreciação - para se poder concluir que a imoralidade atinge profundamente a conduta da Administração Pública neste sector e transformou-se num vício insanável de todo este processo.
A situação que hoje se vive, há que dizê-lo com frontalidade, é um verdadeiro tumor no Estado democrático, que põe em questão a própria credibilidade das instituições.
O que, ao fim e ao cabo, se estende à própria função jurisdicional e ao Supremo Tribunal Administrativo. A situação é a de um verdadeiro pandemónio. Não se pode aceitar que o Ministério tenha transformado em regra a prática ilegal, que tenha assumido como postura o desrespeito permanente, que se coloque face à justiça como se esta fosse um ser anómalo e, escândalo maior, um obstáculo - tudo o que levou a comissão de inquérito a propor já duas queixas contra o próprio Ministro.
A situação de caos levada pelo Ministério ao tribunal resulta, ao fim e ao cabo, da inversão das mais simples e fundamentais regras conformadoras da actuação da Administração Pública. Onde deveria pautar a regra da legalidade, a ilegalidade tornou-se norma. Onde devia pautar a regra do respeito pelas decisões judiciais, o desrespeito impõe-se como rotina.
É já de 382, perto de 400, o número de acórdãos
não cumpridos pelo Ministro. -
Não cabe, no quadro desta curta intervenção, dar um panorama completo da situação, até porque ele há-de resultar ser feito com profundidade e total alcance, no âmbito dos trabalhos da comissão de inquérito.
Referia tão-somente um caso: a mulher de um latifundiário, casada com comunhão de adquiridos, vem a requerer uma reserva alegando a aquisição onerosa pelo marido de uma propriedade na constância do matrimónio. A reserva é-lhe sucessivamente negada em despacho devidamente fundamentado, o que apreciado pelo Supremo Tribunal Administrativo é também negado. Em 1985, de supetão, o processo é reaberto e em meia dúzia de meses a reserva (de 90 000 pontos) é atribuída. O Supremo Tribunal Administrativo suspende a eficácia do despacho - o Ministério não cumpre. Entretanto, descobre-se outro escândalo: a propriedade em questão tinha pouco mais de 60 000 pontos, pelo que a requerente, se tivesse qualquer direito (que não tinha), ele não poderia ultrapassar cerca de 30 000 pontos! Solução simples do Ministro: revoga o despacho anterior e emite novo despacho dando 30 000 pontos de reserva de propriedade... E mais 60 000 pontos em exploração, isto quando ela não explorou nem um hectare que fosse! Isto é: os mesmos 90 000 pontos do despacho revogado e o mesmo excesso de 60 000 pontos em relação ao máximo a que a requerente teria direito... Quando não tinha direito a nenhum!
Entretanto, a revogação é comunicada ao Supremo Tribunal Administrativo, que, obviamente, considera extinta a instância. Conclusão: as cooperativas interessadas têm de apresentar novo recurso do novo despacho do Ministro, desta vez com vista à anulação do segundo despacho, que, se for suspenso ou algum problema houver com ele, o Sr. Ministro não hesitará em revogá-lo e fazer um terceiro. Nem Rocambole era capaz de tanto. Só que, se a situação é rocambolesca, não é isso que a caracteriza.
A questão de fundo é outra: como é tudo isto admissível? Onde está o respeito dos princípios da boa fé e imparcialidade da Administração Pública numa actuação que visa, no fundo, tão-somente, dar os 90 000 pontos, custe o que custar, e que põe o tribunal como uma arena de manipulações e golpes? Onde é o Estado pessoa de bem?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este debate, resultante de marcação do PCP, inicia-se, pelo conjunto de projectos apresentados, com a consciência maioritária de que uma situação como esta não pode continuar.
Só que, se para se encontrar a adequada solução é obviamente necessário adoptar a medida legislativa adequada a reconduzir a actividade em torno da atribuição de reservas e de entregas de terras para exploração ao campo da legalidade, da moralidade, da prossecução do interesse público, é também necessário não esquecer não só os valores constitucionais próprios da defesa da Reforma Agrária como os direitos e garantias dos administrados.
Não se pode aqui e neste momento esquecer como esta escandalosa actividade da Administração Pública tem atingido profundamente a vida das UCPs/cooperativas, como se tem traduzido no levar à permanente instabilidade nos campos alentejanos, como visa afinal a liquidação da Reforma Agrária e a passadista reconstituição do latifúndio.
A bancada do Governo há-de estrebuchar ainda, há-de tentar enlamear os trabalhadores da Reforma Agrária, há-de tentar desvirtuar o sentido e alcance dos preceitos constitucionais imperativos de garantia da Reforma Agrária.
Que o cidadão Álvaro Barreto não goste da Constituição e das leis que nos regem, é do seu direito e eventualmente, do seu interesse. Mas que, como ministro, transporte para a Administração Pública opções e comportamentos que violam a Constituição e a lei, isso é que não é admissível no Estado de direito democrático.
Vozes do PCP: - Muito bem!
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O Orador: - No nosso projecto de lei propomos que sejam suspensas as atribuições de reservas, afim de que seja dado o tempo necessário à comissão parlamentar de inquérito para analisar toda a situação e para o Plenário da Assembleia da República, face ao relatório do inquérito, poder tomar com tempo e com eficácia as medidas adequadas, designadamente, se for esse o caso, no campo legislativo.
Materialmente, o projecto de lei corresponde à suspensão de alguns artigos da legislação em vigor. Para que isso fique claro, entregamos na Mesa da Assembleia uma proposta de substituição do artigo 1.º do nosso projecto de lei, em que se especificam os artigos do que se propõe a suspensão (designadamente, os artigos 15. º e 27. º do Decreto-Lei n.º 81/78, de 29 de Abril, e o artigo 46. º do Decreto-Lei n.º 111/78, de 27 de Maio).
Nos projectos do PS e do PRD estão propostas outras soluções. Analisamo-las positivamente, na medida em que contribuam para a estabilidade nos campos da Reforma Agrária, para a garantia dos direitos dos administrados, particularmente dos trabalhadores agrícolas e dos pequenos e médios agricultores e para a moralização da actividade do Estado.
E também para que este cumpra as suas obrigações. Para que, por exemplo, não se passe o que - por omissão do dever, imposto pela lei e pela Constituição, de expropriação - se está a passar hoje, com latifundiários a reconstituírem o latifúndio através de acções de reivindicação de terras expropriáveis e que, ao contrário do que deveria ter sucedido, não estão ainda expropriadas.
Para que, também, se apoie a produção e quem produz. Para que, finalmente, o Estado democrático se honre, no caminho da estabilidade, do progresso e da justiça.
Aplausos do PCP e da deputada independente Maria Santos.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, estão inscritos os Srs. Deputados Luís Capoulas e Marques Mendes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas.
O Sr. Luís Capoulas (PSD): - Sr. Deputado João Amaral, o senhor falou, falou, repetiu o que o senhor e todo o seu grupo parlamentar vêm aqui repetindo desde há dez anos, com uma diferença: há dez anos, e nos anos subsequentes, a lei era inconstitucional, enquanto hoje a aplicação da lei é ilegal.
Referiu-se nomeadamente a 382 acórdãos não cumpridos. Já no ano passado eram 300 acórdãos. Foi então criada uma comissão de inquérito, que funciona há nove meses e que em todo esse tempo só conseguiu descobrir dois pretensos acórdãos não cumpridos, e mesmo quanto a esses, como se verá quando o assunto for aqui discutido em Plenário, não tem razão.
O que pergunto é o que é feito dos outros 380 acórdãos.
Será que a comissão parlamentar de inquérito é tão «míope» que não consegue descobrir todos estes acórdãos não cumpridos, uma vez que só encontrou dois acórdãos não cumpridos e mesmo esses são discutíveis, como adiante se verá?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.
O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Deputado João Amaral, ouvi com atenção a intervenção que acabou de produzir e quero formular-lhe apenas uma pergunta.
Ao longo da sua intervenção citou V. Ex.ª um caso de não cumprimento, de ida a tribunal, respectiva suspensão, etc. Depreendi das palavras que proferiu que esses elementos foram obtidos na comissão de inquérito, aliás, conjugado isso com notícias que vi na comunicação social de que a comissão propôs, inclusivamente, participação-crime.
Diz a Lei n.º 43/77 que o que se passa no seio de qualquer comissão de inquérito parlamentar é absolutamente confidencial até ao termo da apresentação do relatório no Plenário da Assembleia da República.
Sr. Deputado, creio que V. Ex.ª faz parte dessa comissão de inquérito, pelo que pergunto se acha correcto, para não utilizar outra terminologia, trazer intempestivamente a plenário factos ocorridos no seio da comissão de inquérito parlamentar.
Por outro lado, pergunto ao Sr. Deputado se a comissão de inquérito parlamentar é uma comissão de inquérito político - como, aliás, resulta neste caso concreto da Resolução n.º 9/86 - ou se é uma comissão de investigação policial para depois fazer participações.
Nesse sentido, gostaria de saber a interpretação que V. Ex.ª e a sua bancada dão relativamente a uma comissão de inquérito parlamentar.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amara] (PCP): - Devo dizer que a última coisa que esperava da formulação de pedidos de esclarecimentos relativamente à minha intervenção era que procurassem trazer ao conhecimento da opinião pública o que se passa no seio da comissão de inquérito.
No fundo, foi isso o que os Srs. Deputados Luís Capoulas e Marques Mendes tentaram fazer.
Conheço as dificuldades que resultam do facto de, sendo membro da comissão parlamentar de inquérito, estar tolhido naquilo que pude aqui trazer para a minha intervenção. Precisamente porque conheço essas dificuldades é que a minha intervenção foi factualmente pobre.
Tive uma enorme dificuldade em poder carrear para aqui casos que conheço, e devo dizer que se o fizesse o escândalo seria grande e rebentaria com muita força. E precisamente porque não trouxe para aqui os casos que conheço é que o Sr. Deputado Marques Mendes me critica.
O caso que descrevi sem sequer citar nomes é a parte factual trazida ao conhecimento da opinião pública pelo Secretariado das Unidades Colectivas de Produção sobre um determinado caso.
Não adiantei nem mais uma palavra além do que é do conhecimento público. Ainda lhe posso dizer mais: eventualmente, até poderei saber sobre esse caso outras coisas que aqui não tenho que referir. Nem quero entrar nessa discussão.
O que eu esperaria da bancada do PSD seria que, eventualmente, me questionassem sobre o bem fundado da necessidade de suspender as reservas e certas normas.
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Esperaria, sim, que viessem ao terreno concreto das alegações que fiz e que, no fundo, se destinam aprovar que o que é do conhecimento da opinião pública descaracterizou a actuação da Administração Pública neste sector, nos seus elementos integradores: foi desrespeitado o princípio da boa fé administrativa; é desrespeitado o princípio da imparcialidade; não é respeitado o princípio da prossecução do interesse público e por tudo isso estamos na necessidade de tomar uma medida de salvaguarda das instituições, da boa fé da Administração Pública e até das instituições democráticas.
O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Deputado, casos como esse que referiu e que disse serem do domínio público foram já referidos - talvez não com tanto pormenor - aquando do debate para a aprovação da constituição da comissão de inquérito.
Nessa altura ficou esclarecido pela Assembleia da República que tudo se iria apurar na comissão de inquérito. Logo, não pode trazer-se aqui ou a qualquer outro lugar o que ocorre na comissão parlamentar de inquérito sem que esteja terminada a sua actuação - é o que decorre da Lei n.º 43/77, da própria Constituição e a lógica assim o impõe -, isto é, até que o respectivo relatório seja trazido a Plenário.
A lei vai mais longe e diz que qualquer coisa que, sem violar o sigilo, a comissão entenda trazer a público em qualquer circunstância só o deve fazer através do seu presidente.
O Orador: - Sr. Deputado Marques Mendes, acho que é de registar as suas palavras e estou de acordo com elas. Não tenho nada a objectar.
Portanto, a lei das comissões de inquérito, tal como foi feita em Portugal continental, na tradição que corresponde ao tipo de comissões de inquérito - o que, aliás, e como sabe, não é necessário, pois noutros países há comissões de inquérito abertas, de sentido totalmente diferentes -, conduz a isso.
Por minha parte há um integral respeito dessa norma.
O que lhe digo é que os casos colocados à opinião pública, nos termos em que o são colocados - e não aquilo que ultrapassa o que é do conhecimento da opinião pública como sendo casos próprios da comissão -, são, ao fim e ao cabo, a vida de uma certa realidade que é a Reforma Agrária.
O que lhe pergunto é o seguinte: pela sua óptica, a comissão de inquérito não seria transformada numa forma de abafar tudo o que se está a passar no âmbito dos campos alentejanos, no âmbito da aplicação da Reforma Agrária, em tais termos que, quando simpaticamente, depois de um esforço abnegado, os deputados concluíssem o seu trabalho, esse trabalho fosse meramente histórico, um trabalho para efeitos de registo de alguma coisa que já tinha morrido? Ou não será antes que, neste momento, ainda estamos com a capacidade de intervenção, ainda estamos com a capacidade de decisão necessária e suficiente para conseguir dois objectivos, que são, primeiro, o de intervir através deste Plenário em termos de que a comissão possa produzir trabalho útil, e, segundo, que esse trabalho útil se traduza no cumprimento e na defesa do que é um imperativo constitucional, que é a defesa da Reforma Agrária?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A «instalabilidade» fundiária constitui hoje um dos principais obstáculos ao desenvolvimento na zona de intervenção da Reforma Agrária.
A incerteza quanto às relações de propriedade, a indefinição quanto ao estatuto jurídico da terra e à posse útil das áreas expropriadas ou nacionalizadas, a ausência de garantias quanto ao exercício da actividade agrícola, tanto para os empresários capitalistas como para os agricultores autónomos e para as cooperativas e unidades colectivas, arrastam consigo graves consequências no nível e natureza dos investimentos e no necessário esforço de modernização tecnológica.
Factor primeiro da instabilidade e incerteza: a forma como, ao longo do tempo, se vem arrastando o processo de atribuição de reservas.
Para documentar esta afirmação basta relembrar que, cerca de dez anos decorridos desde o último acto expropriatório e muito mais de meia dúzia de anos passados sobre a data limite prevista na lei para o exercício do direito de reserva, subsistem centenas de processos, arrastando-se entre o Supremo Tribunal Administrativo (STA) e o Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação (MAPA).
Mas como e porquê foi possível chegar-se a esta situação?
Ainda quando se não questione a filosofia subjacente à Lei n.º 77/77, nem as opções que nela se perfilharam em matéria de Reforma Agrária, a leitura do seu articulado, à luz da experiência acumulada, parece apontar, sem margem para grandes controvérsias, no sentido de que a situação criada no domínio da atribuição de reservas radica na forma como o exercício desse direito é contemplado na lei.
A Lei n.º 77/77 regulou a atribuição do direito de reserva, por forma que se pode sumariamente descrever - e vale a pena relembrá-lo - do seguinte modo:
a) A titularidade concreta do direito é determinada não só pela qualidade de proprietário expropriado como também pela verificação das mais variadas situações jurídicas e factuais;
b) Definida a titularidade do direito, a área a atribuir a cada um dos titulares é, dentro de certos limites (de um mínimo de 35 000 pontos aos máximos fixados no artigo 29.º da Lei), determinada ou influenciada por numerosos factores e circunstâncias. A própria vontade do reservatário pode influenciar a área de reserva: determinando a forma do cálculo da pontuação (artigo 31.º), usando da opção que lhe confere o artigo 33.º, ou ainda fazendo substituir a reserva por uma pensão vitalícia nos termos do n.º 4 do artigo 26.º;
c) Definida a área de reserva, a respectiva demarcação é por seu turno condicionada por numerosos factores, que vão da situação dos prédios expropriados ou sujeitos a expropriação até à vontade do reservatário;
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d) Ao Ministro da Agricultura são expressamente concedidos poderes para, em função da ocorrência de algumas das situações a que se fez referência: atribuir reservas entre determinadas pontuações, mínima e máxima; dispensar a verificação de determinados requisitos e majorar a área de reserva (artigo 28.º, n.º 1 e 2).
e) Aos trabalhadores permanentes dos prédios para onde se projecta a localização da reserva é assegurado o direito de audiência prévia.
O Decreto-Lei n.º 81/78, de 29 de Abril, procedeu à regulamentação da Lei n.º 77/77 e veio dispor, nomeadamente, sobre o desencadeamento do processo de exercício do direito de reserva; a distribuição do ónus da prova; regras específicas sobre a prova testemunhal; obrigatoriedade da indicação da prova produzida; formalismo das notificações aos interessados; prazo para as empresas agrícolas explorantes poderem tomar posição no processo; regras específicas sobre a prova dos factos alegados na resposta; formalismo da demarcação da reserva e as faltas processuais conducentes à anulação da decisão final - perdoem-me esta longa referência, mas vale a pena para que se tenha a noção exacta da complexidade do processo.
Para o exercício de um direito reconhecido a certos particulares em consequência das expropriações, optou-se, na altura, por um processo e por uma decisão de natureza administrativa.
No entanto, e desde logo, a consciência de se estar perante uma situação típica de conflito, não apenas entre o interesse particular e o interesse público, mas também entre o interesse do candidato à reserva e o interesse da empresa agrícola explorante dos prédios por ela afectados, impôs que se tivesse rodeado esse processo de regras e cautelas como as que se recordaram - regras que são afinal muito mais características da actividade judicial -, recordo a alegação de factos, a produção e a avaliação de provas, o princípio de audiência contraditória, etc.
Os frutos desta opção legislativa podem hoje avaliar-se em profundidade e extensão: os funcionários do Ministério da Agricultura, sem que para tal se encontrem vocacionados ou preparados e rodeados das necessárias garantias, viram-se envolvidos numa melindrosa actividade de avaliação de provas e averiguação de factos que a lei tinha querido submeter à regra do contraditório.
Das suas opções e inclinações passaram a depender não só a existência ou inexistência de direitos fundiários, como também a maior ou menor extensão desses direitos.
A opção legislativa fez com que as apreciações de um funcionário, em matéria de prova, pudessem influenciar a atribuição, ou não, de direitos sobre milhares de hectares.
Por outro lado, os direitos dos reservatários passaram a ser fixados e concedidos por decisão de um governante, para a qual nem sequer se previu a exigência da publicidade do acto.
Terminando os processos de exercício do direito de reserva por actos administrativos, naturalmente deles tinha de poder ser, como foram, interpostos recursos contenciosos.
Destes recursos resultou a anulação de centenas de actos de concessão de reserva, seja por violação das regras processuais, nomeadamente a da audiência contraditória e as tocantes à prova, seja por violação da lei, e mesmo por incompetência e usurpação de poder.
O impressionante conjunto de decisões do STA anulando as decisões do MAPA nesta matéria representa, por si só, um eloquente julgamento dos méritos da opção legislativa: a via escolhida trazia consigo a multiplicação dos vícios e vulnerabilidades. A tais decisões anulatórias tem reagido o Ministério da Agricultura com a reinstrução dos processos e a tomada de novas decisões, as quais, de novo recorridas em muitos casos, têm sido frequentes vezes anuladas, por se verificarem outros vícios. Deste modo, e como se disse, já quase dez anos depois das últimas expropriações, e tendo o prazo para a apresentação dos pedidos de reservas terminado já em 30 de Junho de 1978, pendem ainda no MAPA processos de reserva em número elevado, mas que ninguém conhece, para não falar nos recursos em instância no STA, muitos dos quais irão dar lugar, a manter-se o sistema actual, a novos processos administrativos.
É a esta situação que se procura obviar com o projecto de lei do Partido Socialista.
A opção de entregar a um membro do Governo 0 encargo de, através de decisão administrativa, proceder à atribuição a particulares de direitos de propriedade fundiária e decidir da sua medida e valor económico era, à partida, de mérito discutível.
Quem decidia e instruía ficava exposto a pressões e desgastes que facilmente iriam além do tolerável.
Quem era beneficiado ficava investido de um direito fundiário que tinha por base meros actos da Administração.
Quem era afectado, nomeadamente as cooperativas e UCPs explorantes, dificilmente ficava convencido e informado, e isto também em virtude da própria natureza administrativa do processo.
O apuramento judicial da existência de várias centenas de decisões viciadas criou uma situação indiscutivelmente grave para a imagem da Administração e do Estado e para os próprios reservatários, cujos direitos se vêm a revelar de uma vulnerabilidade e precariedade insuspeitadas e para as entidades explorantes que legitimamente acusam a Administração de não lhes reconhecer nem acautelar os respectivos direitos.
O facto de ser necessário tomar em consideração, em cada caso, um número de circunstâncias de facto tão significativo como o que foi recordado, através do recurso a variados meios de prova, nomeadamente testemunhal, e sob a luz do princípio do contraditório, e ainda o imperativo de rodear as decisões finais de um prestígio e de uma estabilidade que lhes têm faltado, aconselham, do nosso ponto de vista que se entenda de modo diferente o processo de exercício do direito de reserva.
É assim que o projecto de lei do PS passa a conceber este direito, não como um direito a obter uma decisão administrativa constitutiva de um direito de propriedade, como até agora tem ocorrido, mas como um direito a obter uma decisão judicial constitutiva desse direito de propriedade. Deste modo, o juízo sobre a verificação dos pressupostos, os factos alegados, as provas produzidas e a determinação do conteúdo do direito que no caso couber passam a ser confiados não à Administração mas aos tribunais.
Emenda-se, pois, à luz da experiência, a opção inicial, jurisdicionalizando o exercício de um direito que foi administrativizado à partida, com inconvenientes que hoje são facilmente descortináveis para todos os interessados - desde aqueles que viram os seus actos
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centenas de vezes censurados e anulados pelos tribunais, aos que viram os direitos de reserva que lhes haviam sido atribuídos precarizados e postos em causa, aos que, enfim, não encontram forma de assegurar o cumprimento atempado das decisões anulatórias dos tribunais.
A natureza das questões em causa e a própria experiência e prestígio adquiridos pelos tribunais administrativos nesta matéria parece aconselhar que sejam estes os indigitados para intervir no processo de exercício judicial do direito de reserva. Neste sentido, a regulamentação posterior à revisão constitucional do processo nos tribunais administrativos, com a previsão, ainda que incipiente, de nova espécie de acções para o reconhecimento de direito, fornece um ponto de partida que naturalmente se tornará necessário desenvolver e concretizar.
Esse o sentido do artigo 4.º do projecto de lei, que comete ao Governo a tarefa de fixar por decreto-lei a regulamentação necessária à boa execução do que nele se dispõe.
A inovação agora introduzida - ou melhor, que agora se pretende introduzir - e que se pretende constitua um contributo para a estabilidade e a certeza nas relações fundiárias na zona de intervenção impõe do mesmo passo a clarificação da situação presente, que se mantém envolta em obscuridade e em secretismo indesejáveis, e a delimitação precisa dos universos dos casos resolvidos e dos casos pendentes (estes últimos os únicos que, em homenagem à estabilidade, poderão beneficiar do novo regime proposto).
É, aliás, motivo de escândalo que o País, que através das páginas do Diário da República tomou conhecimento de todas as expropriações efectuadas, não possa hoje saber quais as reservas atribuídas até ao presente e quais as suas dimensões e beneficiários. Isto quando há conhecimento seguro de que centenas de decisões administrativas de atribuição de reservas foram objecto de censura e de anulação por parte do STA.
Por isso se prevê, em articulação com a implementação da inovação proposta, que o MAPA faça publicar no Diário da República uma lista através da qual os interessados e o País em geral fiquem oficialmente a saber quais os casos de atribuição de reservas que se encontram definitivamente encerrados e aqueles outros que, tantos anos volvidos, se mantêm pendentes.
Não consente o tempo que nos atardemos na apreciação dos projectos de lei do PCP e do PRD. Deles referiremos, por isso, apenas aqueles aspectos que maiores dúvidas nos suscitam.
O projecto de lei do PCP apenas bloqueia o exercício dos poderes actualmente conferidos à Administração, retardando a necessária estabilização e clarificação das situações, sem trazer qualquer melhoria ao sistema legal vigente, seja pontual, seja de concepção. É um projecto que aponta para a simples paralisia das faculdades administrativas previstas na lei vigente, sem contribuição ou compromisso positivo no sentido de uma solução legal superior.
O projecto de lei do PRD, não desadministrativizando por inteiro o exercício do direito de reserva, prevê um processo de «confirmação jurisdicional» de actos da Administração sem suficientes pontos de apoio entre nós e que põe em causa de modo discutível e controverso o clássico «privilégio da execução prévia» que tradicionalmente constitui parcela integrante dos actos da Administração, acabando por comprometer os tribunais no exercício de poderes que continuam a ser pensados como administrativos.
A experiência impõe que se reconsidere a opção inicial.
Vale aqui que se acrescente, em abono da verdade, que a consciência de todos estes problemas não esteve ausente do legislador aquando da feitura da Lei n.º 77/77. Daí a cautela tomada na altura, criando a Comissão de Fiscalização, no seio da Assembleia, aos actos discricionários do Ministro da Agricultura. Só que, também aqui, a experiência dos últimos dez anos veio demonstrar que a solução julgada, na altura, capaz de obviar os inconvenientes se revelou ineficiente, ineficaz, e não teve quaisquer consequências práticas e também aqui a experiência impõe que se reconsidere o facto em toda a sua dimensão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei do PS não constitui uma resposta - longe disso - para todos os problemas que se colocam na zona de intervenção nem sequer para todos aqueles que nela são causa de instabilidade e de insegurança. Procura, tão-só, e mais modestamente, pôr cobro à situação em que há anos se vive no domínio da atribuição de reservas e que toca - como já disse - as raias do verdadeiro escândalo nacional, não prestigiando a Administração, não acautelando de forma eficaz e certa os direitos de ninguém e contribuindo para o caos que se vai instalando nas relações fundiárias na zona de intervenção. Se conseguirmos com este projecto isto, já não teremos conseguido pouco.
Aplausos do PS e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Lopes Cardoso inscreveram-se os seguintes Srs. Deputados: Vasco Miguel, Marques Mendes e Soares Cruz.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vasco Miguel.
O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, da sua intervenção poder-se-á deduzir eventualmente que se a Lei n.º 77/77 tivesse sido aplicada «tout court», não teria havido necessidade de o PS apresentar o projecto que está em discussão. Por outro lado, o Sr. Deputado, depois de lamentar - como já referi - o atraso na implementação da Lei n.º 77/77, preconiza uma solução que se traduz em passar a matéria da atribuição de reservas para a competência dos tribunais. Ora, Sr. Deputado Lopes Cardoso, a experiência mostra que, se porventura ainda nenhum Governo foi capaz de implementar aquela lei, os tribunais muito menos o serão, porque há casos de apreciação de recursos que demoraram sete anos, e por aí não vamos chegar a conclusão nenhuma.
Por outro lado, também não compreendo como é que o Sr. Deputado quer solucionar este problema, que realmente tem de ser solucionado, através dos tribunais, quando há provas evidentes de que por essa via não conseguiremos resolver absolutamente nada.
E, mais grave, não entendo como é que o Sr. Deputado consegue conciliar o artigo 114.º da Constituição com tudo o que o PS preconiza neste projecto.
Parece-me que só depois de o Sr. Deputado esclarecer cabalmente esta Câmara da forma como consegue dar celeridade ao processo através dos tribunais e conciliar o projecto com o artigo 114.º da Constituição, poderemos entender o que o PS pretende. Porque se não conseguir esclarecer isto, fique a saber, Sr. Deputado, que nós também não entendemos e nem sequer o PS preconiza nada com este documento.
Vozes do PSD: - Muito bem!
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.
O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, ouvi atentamente a sua intervenção, que muito apreciei, e embora não vá, agora, questionar o projecto apresentado, gostaria, no entanto, que me esclarecesse sobre um ponto.
No artigo 2.º do projecto de lei do PS, que contém duas alíneas, fala-se de duas situações absolutamente distintas: uma, a alínea a), refere-se a uma lista das decisões atribuindo reservas sobre as quais não houve interposição de recurso ou, se houve, cuja decisão foi confirmada; e, na alínea b), fala-se de listas dos pedidos de atribuição de reservas ainda em curso. No n.º 1 do artigo 3.º diz-se que a contar da publicação dessas listas serão remetidos os processos de reserva nele pendentes.
Porque depois, no n.º 3 deste artigo, se diz: «Recebidos os processos administrativos a que se referem os números anteriores [...)», gostaria de saber muito concretamente o seguinte: a lista e os processos que vão para o Tribunal Administrativo, no entendimento do projecto de lei apresentado, são os que ainda não têm decisão definitiva ou todos eles, incluindo aqueles sobre os quais já foi proferida decisão definitiva pelo Ministério sem possibilidade de recurso, ou ainda aqueles a que, embora passíveis de recurso, foi negado provimento. Isto é, vão todos para o Tribunal Administrativo para notificação aos interessados a fim de, num prazo de três meses, proporem a acção respectiva? É isso, Sr. Deputado?
Gostaria de saber, pois parece-me que a redacção permite ambas as interpretações.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. )Lopes Cardoso (PS): - Não é isso, Sr. Deputado. Numa leitura muito rápida, até me parece que nem sequer se pode inferir isso. Mas admito que sim e será apenas uma questão de corrigir a redacção. O nosso objectivo é o de transitarem apenas aqueles sobre os quais não há ainda uma decisão. Todos os processos já encerrados - aliás, disse-o na minha intervenção - estão encerrados, estão arrumados, acabou.
O Orador: - Faço a pergunta, exactamente porque o Sr. Deputado na sua intervenção focou mais de uma vez o problema da estabilidade. Ora, se fosse essa a interpretação que decorre daqui não haveria estabilidade. É que pode efectivamente haver duas interpretações diferentes, pois a redacção é incorrecta. Gostava, por isso, que o Sr. Deputado me esclarecesse em relação a este ponto, que reputo de muito importante.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz.
O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Lopes Cardoso: Não tendo nada a ver com a nossa posição em relação ao projecto de lei apresentado pelo PS - que, posso adiantar desde já, é frontalmente contra -, gostaria de lhe colocar uma questão, pois talvez por falta de capacidade de percepção da minha parte não consegui entender V. Ex.ª quando pretendeu justificar o interesse que tinha na publicação, no Diário da República, da lista de todas as reservas atribuídas e da área de que constava cada uma. Francamente, não consigo entender esse seu interesse, a não ser que tenha como objectivo retomar todo este processo do início. Gostaria, Sr. Deputado, que me esclarecesse em relação a este assunto.
O, Sr. presidente: - Srs. Deputados, informo o Partido Socialista de que o tempo global de que dispõe são quatro minutos.
Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Devido ao pouco tempo ponho, desculpar-me-ão, mas terei de ser telegráfico.
Em relação ao Sr. Deputado Soares Cruz, direi unicamente que a razão é muito simples: é para que todo este processo seja transparente e, assim, como podemos saber tudo o que foi expropriado, possamos também saber tudo o que foi entregue em matéria de direito de reserva. É pura e simplesmente a necessidade de tornar transparente um processo que não o é. E é dificilmente aceitável que actos com a importância destes possam ser actos não publicitados.
Em relação às questões que me pôs o Sr. Deputado Vasco Miguel, dir-lhe-ei que se a entrega aos tribunais pode ser morosa, essa demora decorrerá em grande parte da regulamentação do processo que cabe ao Governo fazer, no quadro do nosso projecto de lei, e dos meios de que os tribunais administrativos venham a ser dotados para dar resposta a estas questões. Terá, no entanto, duas vantagens fundamentais: deixaremos de continuar no sistema do - desculpe a expressão - «casa e descasa», com anulações e reinstruções sucessivas, e terá ainda a vantagem de, a partir daí, termos uma certeza nas decisões, o que actualmente não temos.
Quanto ao artigo 114.º da Constituição, Sr. Deputado, a questão é muito simples: trata-se de saber se a Assembleia pode actuar em actos administrativos. Se o Governo tem competência nesta matéria é porque a Lei n.º 77/77 lhe atribuiu essa competência administrativa, e assim como lhe atribuiu essa competência, poderá agora passá-la para os tribunais. Telegraficamente, por falta de tempo, dir-lhe-ei que, face ao modo como é configurado o exercício do direito de reserva na Lei n.º 77/77, é porventura mais discutível a constitucionalidade do acto administrativo para responder a esse processo do que a jurisdicionalização desse acto. Talvez a inconstitucionalidade resida na opção que se fez na Lei n. I 77/77 para o processo que se criou e não naquela que se propõe agora.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai ler um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.
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O Sr. Secretário (Jorge Patrício): - O relatório é do seguinte teor:
Comissão de Regimento e Mandatos
Relatório e parecer
Em reunião realizada no dia 6 de Janeiro de 1987, pelas 15 horas, foram observadas as seguintes substituições de deputados:
Solicitada pelo Partido Social-Democrata:
Francisco Rodrigues Porto (circulo eleitoral de
Lisboa), por Amadeu Vasconcelos Matias. Esta substituição é pedida, nos termos da alínea b), n.º 2, do artigo 5.º da Lei n.º 3/85 (Estatuto dos Deputados), por um período não inferior a quinze dias, a partir do passado dia 1 de Janeiro corrente, inclusive.
António José Cardoso e Cunha (círculo eleitoral de Santarém), por José Guilherme Pereira Coelho dos Reis. Esta substituição
é pedida, nos termos da alínea b), n.º 2, do artigo 5.º da Lei n.º 3/85 (Estatuto dos Deputados), por um período não superior
a um ano, a partir do passado dia 1 de Janeiro corrente, inclusive.
Solicitada pelo Partido Renovador Democrático:
João Barros Madeira (círculo eleitoral de Faro), por Manuel Gomes Guerreiro. Esta substituição é pedida, nos termos da alínea b), n.º 2, do artigo 5. º da Lei n.º 3/85 (Estatuto dos Deputados), por um período não superior a seis meses, a par tir do passado dia 5 de Janeiro corrente, inclusive.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais. A Comissão: Vice-Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, Rui de Sá e Cunha (PRD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - João Domingos Fernandes Salgado (PSD) - José Maria Peixoto Coutinho (PSD) - António Marques Mendes (PSD) - Carlos Manuel Luís (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - Carlos Alberto Correia Rodrigues Macias (PRD) - Vasco da Gama Fernandes (PRD) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - José Manuel Antunes Mendes (PCP) - António José Borges de Carvalho (CDS) - João Cerveira Corregedor da Fonseca (MDP/CDE).
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão.
Como não há inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, o Partido Socialista, tendo tomado conhecimento do falecimento de João Gaspar Simões, desejava anunciar que na próxima reunião plenária tomará a iniciativa de apresentar um voto de pesar, a não ser que a mesa tome hoje mesmo uma iniciativa nesse sentido.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Ferraz de Abreu, a sua intenção está registada e a Mesa ponderará esse facto.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João de Brito.
O Sr. João de Brito (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A Reforma Agrária, com a inerente eliminação dos latifúndios e a entrega para exploração dos prédios nacionalizados e expropriados a pequenos agricultores, a cooperativas de trabalhadores rurais e de pequenos agricultores e a outras unidades de exploração colectiva por trabalhadores, e o apoio do Estado às empresas que assumam quaisquer destas formas são imperativos constitucionais, como o é, dentro de determinados limites legais, a garantia da propriedade privada da terra.
As disposições constitucionais relativas a estas matérias e a outras que com elas directamente se prendem foram, em devido tempo, objecto de regulamentação própria, suficientemente explícita, susceptível embora de correcções e aperfeiçoamentos, para que da sua aplicação pudessem resultar efeitos positivos na complexa situação social e económica existente na parte do território legalmente definida como ZIRA (Zona de Intervenção da Reforma Agrária).
Com alguns defeitos e desajustamentos, que o tempo e a prática já fizeram sobressair, a Lei n.º 77/77 e os principais diplomas seus derivados, nomeadamente o Decreto-Lei n.º 111/78, de 27 de Maio, e o Decreto-Lei n.º 81/78, de 29 de Abril, se outros méritos não tivessem, têm o peso e valor indiscutíveis de terem emanado de órgãos de soberania legítimos, e a validade que daí lhes advém não foi pelas instituições e segundo os mecanismos apropriados posta em causa.
O Governo, a Administração e os seus serviços e agentes, independentemente das objecções, das reservas de princípio e da diversidade das opiniões dos responsáveis, e mesmo dos sentimentos de contrariedade que o cumprimento de tais normativos lhes possam, eventualmente, suscitar, não podem eximir-se a esse cumprimento, sob pena de fomentarem a incerteza, a
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insegurança e o arbítrio e de desacreditarem aos olhos da Nação as instituições democráticas e o Estado de Direito.
A reorganização da posse da terra é, evidentemente, a componente nuclear da Reforma Agrária.
Os mecanismos indispensáveis - susceptíveis de correcção, é certo - para que essa reorganização se opere com êxito estão legalmente instituídos.
O Estado dispõe na ZIRA de um património fundiário vultoso, o qual não poderá deixar de ser utilizado em consonância com o interesse nacional.
Não expressamente considerado «meio de fomento» na Lei n.º 77/77, ele é-o, por excelência, na perspectiva do aumento da produção agro-pecuária, do fomento do associativismo e da melhoria das condições de vida dos profissionais da agricultura e da população rural em geral. Subjacentes e comandando o seu uso estão, naturalmente, valores como o reforço da solidariedade e da participação, a dignificação dos cidadãos e das classes em subposição económica, social e cultural, a vocação e função social dos recursos e a exigência de que o seu aproveitamento seja racionalizado por forma a assegurar a sua optimização no presente e a protecção a longo prazo.
O regime de entrega de terras nacionalizadas e expropriadas ficou estabelecido em 1978 e o limite máximo do prazo para requerimento de reservas foi fixado em 30 de Junho daquele ano pelo Decreto-Lei n.º 81/78, de 29 de Abril.
Apesar de, em tempo útil, terem sido criados tais instrumentos legais, verifica-se, porém, que, decorridos nove anos, todo o processo parece estar em aberto.
A entrega de reservas parece não ter fim, as majorações técnicas continuam a ser pedidas e concedidas, as terras são concedidas para exploração, sem que se vislumbrem os critérios de racionalidade económica dessa concessão, a pessoas singulares que, em inúmeros casos, à data das respectivas entregas não satisfaziam requisitos legais essenciais - o de serem pequenos agricultores.
No geral, a situação dos novos estabelecimentos, incluindo os que nasceram de contratos de arrendamento rural comum, continua sendo da maior precariedade em virtude de, conforme já tem sucedido, os respectivos titulares estarem sujeitos a acções de desapossamento fundiário por efeitos de atribuições de reservas e de majorações.
Extensas áreas expropriadas continuam, de facto, na posse dos ex-proprietários, a quem a lei não reconhece capacidade para sobre elas exercerem direitos de exploração.
Às cooperativas agrícolas de produção, apesar de preencherem os requisitos legais para o efeito, é recusada a celebração de contratos de entrega de terras - são pouquíssimas aquelas que tiveram tal «privilégio», o qual se traduz, de imediato e apenas, no pagamento ao Estado das respectivas contraprestações pecuniárias e que este tem manifestado tanta relutância em receber.
O desemprego não cessa de crescer na ZIRA, a produção agrícola não aumenta, o associativismo agrícola de produção ou definha ou não beneficia da existência de terras nacionalizadas e expropriadas, a política de instalação de jovens agricultores não é articulada com a concessão de terras (há casos de entregas feitas a reformados). A inúmeras empresas está, pela precariedade da sua existência, vedado o acesso aos fundos comunitários.
É patente na ZIRA uma situação de anomia, que impede o desenvolvimento económico, desacredita, pela sua inoperância, os serviços regionais de agricultura, impede a extensão rural (cuja generalização a lei de bases considera ser um meio de fomento), nega o exercício de direitos fundamentais a inúmeros cidadãos, que se vêem compelidos a emigrar não se sabe para onde, e põe em causa a solidariedade nacional e a dignidade das instituições democráticas.
Temos assistido ao longo destes nove anos a uma sistemática omissão de princípios consignados na Lei n.º 77/77. A preocupação dos governos que se têm sucedido tem estado, na verdade, apenas centrada na demarcação de reservas e majorações.
Que dizer das acções que os diversos ministérios da agricultura têm realizado com vista ao fomento agrário?
Como se tem incentivado o aumento da produção e da produtividade da agricultura?
De que modo se tem promovido o associativismo agrícola?
Que se tem feito para melhorar a situação económica, social e cultural dos trabalhadores rurais e dos pequenos e médios agricultores?
No entanto, estas são finalidades que a Lei de Bases da Reforma Agrária claramente aponta com vista ao fomento agrário, que a própria Constituição da República realça como objectivos prioritários para o desenvolvimento do sector agrícola.
Quando, à luz de tais princípios, a que ninguém pode negar justeza, analisamos a realidade actual com a sua expressão em 1977 ou quando se compara a produção e a produtividade da agricultura, a evolução do associativismo agrícola e das condições de vida dos trabalhadores ocorridas nos últimos nove anos com o comportamento desses mesmos fenómenos em períodos anteriores a 1977, verifica-se que, de um modo geral, o saldo é acentuadamente negativo.
Contudo, têm sido consumidos recursos extremamente vultosos.
O crédito de investimento agrícola aprovado pelo IFADAP nas áreas geográficas de actuação das Direcções Regionais de Agricultura do Alentejo e do Ribatejo e Oeste (onde está circunscrita a quase totalidade da zona de intervenção) ascendeu, entre 1981 e 1983, a mais 9 milhões de contos, o que representa quase 70% do total do crédito bonificado concedido à agricultura do continente no mesmo período.
Que dizer das largas dezenas de milhões de contos de crédito de curto prazo bonificado concedido na mesma área e no mesmo lapso de tempo? e das avultadas somas expendidas em depesas de instalação, manutenção e funcionamento das direcções regionais de agricultura e dos milhões de contos concedidos sob a forma de subsídios de desemprego aos rurais do Ribatejo e do Alentejo nos últimos anos?
Estes são elementos claros da situação absurda, lesiva do interesse nacional, desonrosa para as instituições e para o poder político, que não poderá deixar de ser responsabilizado pela ilegitimidade da política que tem vindo a ser praticada naquela importante parcela do território nacional.
Na verdade, quantos pequenos agricultores e cooperativas agrícolas de produção - por contraposição aos grandes empresários, sociedades agrícolas, fundações, etc. - tiveram acesso ao crédito agrícola bonificado, sabendo-se que o legislador colocou aqueles no
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1.º escalão de prioridade relativamente a estes no acesso ao conjunto das «medidas incentivadoras da actividade de empresas agrícolas», entre as quais se situa, em primeiro lugar, o crédito?
Que política de apoio ao associativismo agrícola tem vindo a ser seguida se, decorridos nove anos sobre a entrada em vigor de um diploma que fixa como objectivo do fomento agrário «a promoção do associativismo», existem actualmente na ZIRA cerca de metade das associações agrícolas que então existiam?
Quantas acções de formação cooperativa para quadros e dirigentes de cooperativas agrícolas foram promovidas pelos serviços próprios do Ministério da Agricultura?
Quantos cooperadores - agricultores autónomos e trabalhadores rurais - beneficiaram dessas acções?
Todavia, sistematicamente se produz uma prática discursiva estereotipada, visando o descrédito dos princípios fundamentais do ideal cooperativo, através da acusação fácil e irresponsável, mas ideologicamente bem situada, de «controleirismo», «instrumentalização», do desvirtuamento do exercício do princípio da livre adesão.
Que autoridade moral tem o Ministério da Agricultura, na sua actual e anteriores gestões, para emitir tais juízos de valor reprovativos, quando é praticamente nulo o esforço que, até à data, empreendeu em ordem à promoção do associativismo agrícola?
A necessidade de se incrementar a produção agrícola, de se promover o associativismo e de se alargar a formação profissional no sector agrícola são razões que deveriam levar o Ministério a conferir prioridade a um tal tipo de acções formativas.
Outros exemplos poderiam ser apontados relativamente ao incumprimento de disposições legais verdadeiramente basilares para o êxito da Reforma Agrária e que ajudariam a compreender as razões da deplorável situação a que se chegou na ZIRA.
Em síntese, pode com segurança afirmar-se que o conjunto dos «meios de fomento» que o legislador definiu e vinculou à concretização dos objectivos do fomento agrário ou não têm sido utilizados ou então têm sido postos ao serviço de objectivos e segundo regras diferentes das que se encontram estipuladas na Lei n.º 77/77. São os casos do crédito, da concessão de subsídios, da utilização e alienação de máquinas e equipamentos agrícolas, da formação profissional, etc., incluindo a componente substancial do património fundiário nacionalizado e expropriado.
Acrescendo a tudo isto, têm sido numerosas as denúncias públicas de alegados actos ilegais e numerosos os indícios, também publicamente anunciados, de actos de corrupção envolvendo agentes da Administração, que estão a ser alvo de inquérito nesta Câmara.
Sr. Presidente Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: este o sombrio esboço de um quadro cujas cores reais são seguramente muito mais negras e que a Assembleia da República não pode deixar de encarar de maneira atenta e efectiva. Impõe-se uma tomada de decisão que possa remediar os males praticados, corrigir os desvios e fazer imperar a lei e o respeito devido ao Estado de direito.
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão inscritos para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Luís Rodrigues e Borges de Carvalho.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Rodrigues.
O Sr. Luís Rodrigues (PSD): - Sr. Deputado João de Brito, ouvi com atenção a sua intervenção e devo dizer-lhe que fiquei algo surpreendido por ter dito muita coisa, mas não ter, pura e simplesmente, tocado no projecto apresentado pelo PRD. Será que o Sr. Deputado está por fora do projecto ou será que estamos perante um projecto indefensável?
Uma vez que o Sr. Deputado não focou o projecto do PRD, vou eu fazer um pequeno afloramento dele, que é o seguinte: aquilo que à primeira vista ressalta como mais evidente é um dos erros desse projecto, ou seja, a apreciação técnica pelo Supremo Tribunal Administrativo da atribuição das reservas.
Como é que o Sr. Deputado irá contemplar a actuação técnica do Supremo Tribunal Administrativo para a atribuição das reservas? Será que o Supremo Tribunal Administrativo, para se pronunciar, irá dotar os seus quadros de técnicos especializados em questões agrícolas ou será que terá de recorrer à Administração e, neste caso, ao Ministério da Agricultura ou aos serviços dele dependentes para suprir essa lacuna?
Era esta a questão que lhe queria colocar, Sr. Deputado João de Brito.
O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado João de Brito, tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.
O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - Sr. Deputado, temos perante nós três projectos, cujo conteúdo nos interessa discutir, e, naturalmente, cada partido tem o pleníssimo direito de vir aqui expor a sua doutrina sobre a matéria.
Se me permite, direi que nestes três projectos há um perfeitamente claro, que é o do PCP, que propõe que esta Assembleia, por via de lei, suspenda a aplicação de determinada lei, o que me parece perfeitamente lógico, legítimo e claro. É uma posição política como qualquer outra, independentemente da minha concordância ou discordância em relação a ela.
Há dois outros projectos de sentido semelhante, que são o do Partido Socialista e o do seu Partido, Sr. Deputado João de Brito.
No caso do projecto apresentado pelo Partido Socialista, este fica-se pela estranha passagem de uma das decisões administrativas para os tribunais, o que me parece nem dever ser considerado, a não ser que a ideia do Partido Socialista seja abolir uma instância, simplificando o processo nesse sentido, ou seja, tornando as coisas mais rápidas. Não acredito que seja assim, mas, enfim!...
Acho que este projecto não é sequer de considerar, pois é uma montruosidade de tal maneira grande que dificilmente o poderemos discutir.
Por seu lado, o PRD, numa tentativa de moderar a posição do Partido Socialista, vem, quiçá, complicá-lo um bocadinho mais, na medida em que retira ao acto administrativo, ao acto da Administração Pública, a sua executoriedade, passando-a para os tribunais administrativos.
Normalmente, dos actos da Administração cabe recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, julgo eu. Aqui não se trata propriamente de um recurso: é, mais uma vez, a passagem para os tribunais administrativos da executoriedade, que faz parte da natureza do acto.
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Gostaria que o Sr. Deputado me explicasse, se possível, como é que isto se articula e como é que consegue justificar isto em boa doutrina.
O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados, tem a palavra o Sr. Deputado João de Brito.
O Sr. João de Brito (PRD): - Vou ser muito rápido, porque não quero esgotar o tempo de que o meu Partido ainda dispõe, pois ainda vamos fazer uma intervenção.
Realmente, o Sr. Deputado Luís Rodrigues antecipou-se, porque não me cabe fazer a apresentação do projecto de lei do PRD. Haverá uma segunda intervenção, no decorrer da qual esse projecto será apreciado, bem como os outros apresentados a esta Câmara.
De qualquer maneira, quero dizer-lhe que a crítica feita ao projecto do PRD, mesmo antes de ele ter sido apresentado com certeza, o Sr. Deputado já o leu -, tem mais a ver com o projecto de lei do Partido Socialista, porque no nosso apenas se prevê a apreciação prévia da legalidade pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Quanto à questão levantada pelo Sr. Deputado Borges de Carvalho, a mesma também será respondida numa segunda intervenção.
Penso que essa questão me ultrapassa completamente, pois não sou formado nessas matérias e trata-se de uma questão técnica de direito administrativo, que será respondida aquando da outra intervenção do meu Partido.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz.
O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estávamos perfeitamente conscientes, em Março de 1986, quando discutíamos a criação de uma comissão de inquérito à Reforma Agrária, que esta iniciativa se inseria num plano que visava a desestabilização e a perturbação do relacionamento social numa importante zona do País, a chamada «Zona de Intervenção da Reforma Agrária», que começava a dar mostras evidentes de paz e de progresso.
Começava-se a notar um bom relacionamento entre os agentes económicos, os mandatários de forças políticas que tinham contribuído para o estabelecimento de um clima de «guerra civil» iam perdendo a sua influência; o seu poder de mobilização junto dos trabalhadores era de tal modo nulo que as habituais concentrações em Évora, na Praça do Geraldo, eram bem menos frequentadas do que é costume naquele aprazível local em dias de mercado.
Enfim, o PCP e os seus aliados verificavam que o seu terreno dilecto de actuação estava a desaparecer.
Havia, portanto, que lançar mão a métodos que pudessem pôr em causa o clima de apaziguamento que se estava a viver.
Quando na altura se discutiu a criação da comissão de inquérito, tivemos a ocasião de manifestar as mais sérias dúvidas em relação à sua eficácia.
Longe estávamos de adivinhar o que se encontrava a coberto de tal proposta.
Não foi preciso muito tempo para verificarmos que o interesse em averiguar o que quer que fosse era praticamente nulo. Sobre a mesa de trabalho da comissão
o papel começava a cair aos quilos, as petições às dezenas e os objectivos que a comissão se propôs atingir cada vez mais longínquos.
Claro, foi evidente o que se pretendia. Lançar a dúvida sobre a opinião pública, insinuar que a irregularidade existente num ou noutro caso era comum a todos os processos. Que toda a entrega de reservas se estava a processar em termos de muito maior injustiça e ilegalidade do que as tristemente célebres ocupações selvagens dos tempos do PREC.
Em suma, estamos perante uma tentativa desesperada para a retoma do clima instável e desconfiante que há cerca de uma dezena de anos se viveu no Alentejo. Julgamos que a situação hoje é bem mais grave do que antes.
Porque assistimos ao seguidismo inexplicável de outros partidos da oposição democrática (PS e PRD), que de uma forma mais ou menos encapotada acabam por querer viabilizar os planos do seu líder para esta área - o PCP.
É óbvio que o projecto de lei do PCP visa exclusivamente a paralisação da entrega de reservas. É hipócrita o argumento de que essa paralisação só existe enquanto o inquérito estiver em curso, porque é por demais sabido por todos nós que o inquérito não tem o seu epílogo à vista.
E o prazo apontado (30 de Outubro 87) significa que é mais um ano agrícola perdido.
Logo, o projecto do PCP é mais uma das suas tentativas para pôr em causa a Lei n.º 77/77, aprovada maioritariamente pela Assembleia da República.
O PS apresenta-nos um projecto que, para além de pretender apoiar os métodos comunistas, traz-nos outras novidades, sem que consigamos descortinar o porquê do querer, em forma de lei, saber quais as reservas legitimamente entregues e a quem.
Parece, assim, estar nas intenções do PS recomeçar todo o processo do que foi feito em termos de aplicação da Lei de Bases Gerais da Reforma Agrária.
Não podemos deixar de achar muito estranho vir agora o PS com este projecto, pois como é sabido militam nas suas bancadas personalidades com particular responsabilidade do que foi feito em termos de Reforma Agrária, nomeadamente na atribuição de poderes discricionários ao Ministro da Agricultura e das justificações que ao tempo foram apresentadas para que assim se procedesse; e de repente propõe que se mude a agulha e passe a atribuir competências aos tribunais administrativos, que, como é do conhecimento geral, não dispõem nem poderão dispor de meios técnicos para executarem as funções que lhes querem cometer.
Acresce que a Reforma Agrária é, nos termos constitucionais, um dos instrumentos fundamentais de realização dos objectivos de política agrícola, que - ainda segundo a Constituição - deve ter em vista, designadamente, a melhoria da situação económica, social e cultural dos trabalhadores rurais e dos agricultores, o aumento da produção e da produtividade da agricultura, além da gestão racional dos solos e dos restantes recursos naturais, tendo vectores para cuja apreciação os tribunais jamais foram vocacionados e que, de modo algum, se integra na competência desse órgão de soberania.
Vozes do CDS: - Muito bem!
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O Orador: - Bem pelo contrário, a condução da política geral do País e, portanto, das diferentes políticas sectoriais, como é o caso da política agrícola, é, nos termos do artigo 185.º da Constituição, da exclusiva competência do Governo, que, por proibição, expressa do artigo 114.º, a não pode delegar em qualquer outro órgão de soberania.
A este propósito, noto que há uma certa curiosidade na atitude do PS, na diminuição permanente dos poderes do Governo: parece que, de uma vez por todas, desacreditou em si próprio e já perdeu as esperanças de voltar ao Governo.
Vozes do CDS: - É verdade!
O Orador: - O PRD vem uma vez mais colocar-se envergonhadamente a reboque do PCP, dando-lhe todo o seu apoio e apresentando uma proposta que evidencia bem a sua postura no quadro político nacional.
Dá uma no cravo e outra na ferradura!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - No preâmbulo aflora uma série de princípios que têm sido sistematicamente esquecidos na política agrária portuguesa, referindo, e bem, que a manter-se tal situação apenas se geram e fomentam a incerteza, a insegurança e o arbítrio, para a seguir, no articulado, propor um conjunto de medidas perfeitamente desadequadas da realidade, tal como o PS o faz, remetendo a confirmação de actos governativos para os tribunais administrativos, que, como atrás já foi referido, não dispõem dos meios técnicos exigíveis.
Acresce que dos actos do Governo só pode recorrer-se para o STA e o que o PRD propõe no seu projecto analisar-se-ia no recurso sistemático para os tribunais administrativos de círculo.
Para o Grupo Parlamentar do CDS o destino dos diplomas que hoje apreciamos não oferece quaisquer dúvidas; a sua reprovação será total, com a manifestação do nosso mais vivo repúdio.
O CDS sempre se manifestou contra o processo seguido nesta «Reforma Agrária», tendo procurado em todos os actos políticos impedir a prossecução de métodos que acha altamente violentadores dos direitos do Homem.
Hoje, passados mais de uma dezena de anos; o balanço que nos fica é assustadoramente negativo: observamos uma agricultura descapitalizada, carente dos meios técnicos necessários para o seu desenvolvimento, com falhas inultrapassáveis em meios humanos e a eternização da desconfiança dos empresários, que não conseguem vislumbrar garantias para os seus investimentos.
Uma voa do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Mais uma vez afirmamos que para o CDS a Reforma Agrária não é o conjunto de medidas que visa a espoliação da propriedade privada, mas antes o conjunto de acções que promova o aumento de rentabilidade da terra, eliminando todas as formas de abandono e de subaproveitamento, na procura de uma continuada melhoria do nível de vida de quem na agricultura trabalha.
Entendemos que já há muito tempo este governo poderia ter encerrado todo o processo, assegurando na zona de intervenção da Reforma Agrária toda a serenidade e segurança indispensáveis à modernização através de investimentos que a adesão à CEE necessariamente exige.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta Assembleia vem sendo ultimamente acusada, algumas vezes injustamente, de cometer erros.
Porque queremos ficar de consciência tranquila, entendemos deixar aqui o nosso alerta para que não venhamos a ser acusados de voltar a cometer outro erro.
Nos termos do artigo 104.º da Constituição, na definição e execução da Reforma Agrária deve ser assegurada a participação das organizações dos agricultores e dos trabalhadores rurais.
As iniciativas legislativas em apreciação integram-se inequivocamente na definição e execução da Reforma Agrária, pelo que não pode deixar de considerar-se uma gravíssima omissão não terem sido aquelas organizações previamente ouvidas.
Não deixarão elas de vir clamar; e com toda a razão, por não terem sido auscultadas em matéria que pode assumir foros da maior gravidade, atentas as implicações económicas e sociais que a eventual aprovação de qualquer dos projectos de lei envolverá.
Aplausos do CDS e do deputado independente Borges de Carvalho.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, acaba de dar entrada na Mesa um requerimento subscrito por deputados do PCP, que vai ser lido.
Foi lido. É o seguinte:
Ao abrigo das disposições regimentais aplicáveis, os deputados abaixo assinados requerem o prolongamento dos trabalhos até ao termo do debate dos projectos de lei números 311/IV, 321/IV e 325/IV.
Vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto, a quem informo de que dispõe de três minutos.
O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Mesmo em termos muito breves, não gostaria de não me exprimir pessoalmente sobre os diplomas ora em debate.
Aprovo e apoio com sinceridade o projecto de lei do meu partido, não apoiando os outros dois diplomas apresentados.
Em certo sentido, ao fim de dez anos após a Lei da Reforma Agrária ter sido aprovada, alguns mecanismos de cautela, nomeadamente a comissão parlamentar, não resultaram e, em virtude do comportamento do Governo relativamente à Reforma Agrária, entendo ser necessário este ajustamento.
Estamos novamente a debater aqui esta dolorosa questão da Reforma Agrária e mais uma vez nos damos conta do vazio do Governo, da sua falta de desígnio, de ideias e de planos. Por isso, mais uma vez também, o Governo, o Ministério da Agricultura e o partido que apoia o Executivo podem e devem ser acusados de negligência e de omissão políticas, de erro e miopia.
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Permitam-me que enumere e exemplifique rapidamente algumas das críticas que faço ao Governo e que fundamentam o meu apoio à alteração que neste momento está a ser debatida.
Acuso o Governo de falta de coragem, por não ter apresentado uma nova lei de orientação agrária, de desenvolvimento agrícola ou de reforma agrária.
Acuso o Governo de falta de capacidade de diálogo e de não construir as maiorias parlamentares necessárias à aprovação de novas leis gerais de desenvolvimento e de orientação para a agricultura.
Acuso o Governo de falta de preocupação pela questão social, económica e produtiva, apesar do que diz e da preocupação exclusiva com a questão da propriedade.
Acuso o Governo de dar frequentemente o privilégio apenas à propriedade, em detrimento da exploração e da empresa agrícola, no que há de mais moderno para a agricultura portuguesa.
Acuso o Governo de falta de transparência nos processos administrativos, de clareza e de regularidade nas decisões e na sua aplicação.
Acuso o Governo de não ter percebido o interesse nacional e o interesse público e de estar submetido a interesses parcelares, privados e de grupo.
Acuso o Governo de incompetência e de falta de eficácia. O Governo não conseguiu pagar as indemnizações por terras expropriadas, não conseguiu definir e determinar os estatutos de terra, não conseguiu receber as rendas que os beneficiários da Reforma Agrária devem pagar, não conseguiu legislar para eliminar ou abolir a Zona de Intervenção da Reforma Agrária, etc.
Isto são incompetências do Governo, que durante um ano se defendeu, escondendo-se por detrás da impossibilidade de legislar em virtude da oposição, quando o que o povo português pede a um Governo é que encontre as maiorias políticas necessárias, suficientes e adequadas à legislação de que o País carece.
Acuso o Governo do inaceitável desígnio de querer manter e alimentar a instabilidade e a insegurança nos campos do Sul de Portugal, conservando abertos todos os processos de expropriação e de atribuição de reservas.
Acuso o Governo de indiferença perante a necessidade de dar estabilidade e segurança aos beneficiários da entrega de terras.
Talvez se aprove hoje a primeira alteração à Lei de Bases Gerais da Reforma Agrária, votada há dez anos. Não escondo que é uma proposta supletiva, circunstancial, motivada pela inépcia e pela incompetência do Governo em matéria agrária. O Governo mantém a sua teimosia de não legislar de novo, de não legislar para o futuro e de não cumprir o seu dever, que é o de encontrar as maiorias necessárias à definição e à determinação de uma política agrária e de desenvolvimento agrícola para Portugal.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Casqueiro, para pedir esclarecimentos.
O Sr. José Manuel Casqueiro (PSD): - Sr. Deputado António Barreto, foi com particular atenção que ouvi a sua intervenção e devo dizer-lhe que tive dúvidas sobre o tipo de interpelação que lhe deveria fazer. Isto porque o Sr. Deputado foi o autor da Lei
n.º 77/77, à qual, na altura da sua preparação e apresentação, suscitámos profundas dúvidas e críticas à arbitrariedade e aos poderes discricionários que eram atribuídos ao Ministério da Agricultura.
Todo esse princípio se manteve e foi preciso que decorressem alguns anos para que a comissão que referiu há pouco viesse a ser constituída no Parlamento para apreciação dos actos do Ministério da Agricultura, precisamente em 1980, isto é, três anos depois da aprovação da Lei n.º 77/77. Quer dizer, na altura não houve vontade política, nem do Partido Socialista nem de qualquer outro partido representado nesta Câmara, para propor exactamente o controlo dos actos arbitrários e discricionários do Ministro da Agricultura.
Fui responsável por essa iniciativa política em 1980, porque vi sempre com desagrado os poderes discricionários que eram atribuídos ao Ministério da Agricultura.
Da sua intervenção acho, no entanto, que devo fazer ressaltar um outro aspecto que me chocou profundamente, Sr. Deputado. Foi quando V. Ex.ª atribuiu ao Governo responsabilidades que têm de ser dirigidas inteirinhas à oposição, muito particularmente aos partidos democráticos que apoiaram a integração de Portugal no Mercado Comum e que ainda hoje não são capazes de adaptar o seu pensamento a esse mesmo objectivo.
É que, de facto, não reconhecer hoje, em 1987, que a Lei n.º 77/77, mais conhecida por «lei Barreto», já está desactualizada parece-me ser um erro profundo. Da mesma forma, é um erro profundo imputar ao Governo a responsabilidade de não alterar a lei, quando ainda há poucos meses fomos confrontados com um projecto de alteração da mesma que a Assembleia rejeitou na generalidade, sem sequer querer proceder à sua discussão na especialidade e alterá-la, aproveitando aquilo que de positivo ela contivesse.
Por essas razões, Sr. Deputado, considero inaceitável a forma como V. Ex.ª acusou o Governo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Igualmente para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado António Barreto, não considero inaceitável a forma como V. Ex.ª acusou o Governo; considero-a literariamente magnífica, como, de resto, considero sempre as suas intervenções nesta Assembleia. Mas penso que ela constituiu o maior argumento que poderia ter sido fornecido ao Governo e ao partido que o apoia na crítica ao projecto de lei da sua bancada. É que V. Ex.ª produziu uma crítica ao Governo em termos que salientam a estrutura administrativa das decisões que recaem sobre pedidos de reservas.
Ora, é sobre essa questão que nos temos de concentrar neste momento, como há pouco o meu colega de bancada Borges de Carvalho salientou e sublinhou muito bem.
V. Ex.ª produziu um conjunto de críticas à forma como o Governo tem executado a sua política agrícola, política essa que está definida em recorte constitucional, como V. Ex.ª sabe, e que tem de ser vertida e traduzida através de decisões administrativas.
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Nesta medida, pergunto como é que V. Ex.ª e a sua bancada conseguem passar para os tribunais, para o poder jurisdicional, decisões quê são de recorte administrativo. Que eficácia é que V. Ex.ª encontra nessa transferência, a não ser a do puro empate das decisões, isto é, chegar à solução do Partido Comunista Português por outra via, pela via do empastelamento das decisões?
Era essa seriedade que gostava de ver na apreciação do vosso projecto de lei.
Esta é uma decisão de recorte, administrativo e os tribunais recusam-na normalmente quando sobre eles fazemos recair competência para este tipo de decisões. E há vários exemplos nesse, sentido, Sr. Deputado! Os tribunais, pura e simplesmente, não decidem porque não têm estrutura técnica para o fazer, dado que as decisões são de carácter político e administrativo.
Pergunto, pois, qual a lógica e o objectivo último desta transferência. Por que é que ela não terá sido proposta antes, quando governava o bloco central, e só agora o é? Qual é o seu objectivo?
Era sobre isto que gostava que o Sr. Deputado António Barreto me esclarecesse a mim, a Câmara e o País.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.
O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Deputado José Manuel Casqueiro, quero chamar-lhe a atenção para o facto de a argumentação do Governo e do PSD relativamente aos obstáculos que a oposição está a criar à acção do Governo estar em vias de esgotamento acelerado e começar a virar-se contra o próprio Governo.
É que a população começa a dizer: «Se há um ano que eles se queixam dos obstáculos da oposição, é porque, de facto, a oposição é poderosa e o Governo não o é.» E o que há cerca de seis ou dez meses era um belo cenário de drama; de impossibilidade de acção pelo martírio das forças do mal conjugadas, começa a transformar-se e a dar resultados contraproducentes.
Hoje em dia começa a não haver ninguém que acredite que um Governo não cumpra um dos seus deveres, que é o de encontrar as maiorias parlamentares e legislativas necessárias à concretização dos seus planos. Mais ainda: a determinação de há seis meses começa lentamente a transformar-se na arrogância da teimosia.
Estes fenómenos são muito delicados, Sr. Deputado!
A sensibilidade pública vai-se, transformando e isso é muito delicado. Então, o Governo não faz o sacrifício de alterar algumas das suas opiniões em prol do interesse nacional? Se não pode fazer 100%, por que é que não poderá fazer 90 %?
Relativamente à sua frase - que cito de memória «as responsabilidades vão inteirinhas para a oposição», devo dizer-lhe que não a diga muito alto, Sr: Deputado José Manuel Casqueiro, porque em Portugal ninguém acredita no que o Sr. Deputado acaba de dizer.
E eu digo-lhe que estou à vontade, Sr. Deputado! Em 1977, a Lei de Bases Gerais da Reforma Agrária podia ter sido aprovada - sabíamo-lo todos - com uma minoria muito relativa, no entanto, foram tomados todos os compromissos políticos e feitos todos os sacrifícios e concessões para que a Lei de Bases Gerais da Reforma Agrária fosse uma lei maioritária e politicamente legítima no Parlamento.
É este esforço que o Governo não faz e que, uma vez mais - desde há um ano que o venho fazendo -, o desafio a fazer. Mas o Governo não tem coragem política para fazer esse esforço, esse sacrifício e esse trabalho em prol do interesse nacional.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, disse há pouco que considera esta proposta circunstancial. O Governo não merece a minha confiança para reabrir os processos de entregas de reservas, pela falta de transparência, pela forma atrabiliária, pela confusão, pela promiscuidade jurídica e decisória.
O Governo não merece a minha confiança para isto e há que, do ponto de vista do interesse nacional, impedir que ele continue a lançar a confusão enorme e o matagal jurídico, político e agrário que existem nesta matéria.
Protestos do PSD.
Srs. Deputados, talvez seja um bom incentivo para que o Governo, ou maiorias formadas no Parlamento, produzam aqui mesmo, ainda em 1987, uma nova lei de desenvolvimento agrícola, de fomento rural e de orientação para a agricultura portuguesa, que é o que verdadeiramente necessitamos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Lima Duarte (PSD): - Não respondeu a nada!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação.
O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação (Álvaro Barreto): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de começar a minha intervenção por agradecer ao Parlamento a atenção que teve para com o Governo e, em particular, para comigo, ao fazer o adiamento da discussão destes três projectos de lei, em virtude da minha impossibilidade de comparecer na data previamente marcada para essa discussão.
Estamos hoje, neste hemiciclo, a discutir três projectos de lei tendentes, segundo o que dizem os apresentadores dos diversos projectos, a contribuir para a estabilização da situação existente na zona da Reforma Agrária.
Gostaria de dizer que a minha interpretação daquilo que agora nos é proposto é totalmente diversa e que a consequência de eventualmente vir a ser aprovado qualquer dos projectos de lei irá exactamente no sentido contrário àquilo que foi dito pelos apresentadores dos diversos projectos. Terei ocasião de, no decurso da minha intervenção, explicitar essas razões.
Antes disso, porém, gostaria de dizer que, na minha interpretação, estamos hoje aqui a ver o culminar de uma estratégia habilmente desenvolvida ao longo de vários meses pelo Partido Comunista Português. Desde 1977, o Partido Comunista nunca aceitou a implementação da Lei n.º 77/77, lei que na altura teve um valor extraordinário. Quando, em Março de 1986, aqui se discutiu a instauração da comissão de inquérito, tive o prazer de homenagear o Sr. Deputado António Barreto pela coragem que nessa altura teve em apresentar uma lei que, na realidade, contribuiu fortemente para, de uma vez por todas, ser iniciado o respeito dos direitos dos homens na zona de intervenção da Reforma Agrária.
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Desde esse dia que o Partido Comunista nunca aceitou essa implementação. É preciso reavivar a memória para as marchas de luta, as jornadas de protesto e as diversas tentativas que o Partido Comunista sempre fez para impedir a aplicação da Lei n.º 77/77.
A própria Lei n.º 77/77 previu, no seu artigo 72.º, a criação de uma comissão de apreciação aos actos do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação. Essa comissão foi criada em 1980, mas não fez qualquer trabalho até 1986. Ou seja, durante seis anos todos os partidos representados neste hemiciclo não viram qualquer necessidade de fazer funcionar esta Comissão.
Grande parte do trabalho que hoje a Comissão de Inquérito está a realizar poderia ter sido feito por essa Comissão, porque a redacção do seu artigo assim o permite. E já tive ocasião de, no debate de Março de 1986, referir esta questão.
Na altura, o Partido Comunista, ao tomar a iniciativa - foi ele que o fez, uma vez mais - de propor a criação da Comissão de Inquérito, teve por objectivo montar toda esta sua estratégia. Imediatamente a seguir, o PS e o PRD apresentam também projectos de comissões de inquérito, ligeiramente diferentes, mas que atingiam os mesmos objectivos visados pelo Partido Comunista Português.
Foi criada a Comissão de Inquérito. Essa Comissão previa como 1.ª fase um período de três meses, ao fim do qual deveria obrigatoriamente apresentar o relatório das suas conclusões, e um período de seis meses para as 2.ª e 3.ª fases, que eram muito mais vastas do que a 1.ª Ainda não se terminou a 1.ª fase, já passaram nove meses e ainda não se produziu qualquer relatório final sobre essa mesma 1.ª fase.
Segundo o Partido Comunista, são 382 os acórdãos não cumpridos pelo Governo. No entanto, só recentemente foram feitos relatórios parciais.
Gostaria de salientar que pela primeira vez neste hemiciclo se decide, uma vez mais por iniciativa do Partido Comunista, fazer a apresentação de relatórios parciais. Para quê? Para propor a apresentação de processos crime ao Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação.
O primeiro, curiosamente, foi apresentado uns dias antes da marcação do debate neste hemiciclo deste mesmo projecto do Partido Comunista Português. E para quê? Para criar, mais uma vez, a encenação de que se passavam coisas gravíssimas, tão graves que até agora, ao fim de nove meses, praticamente ainda não houve conclusões nenhumas e tão graves que justificariam perante a opinião pública que fosse aprovada a paralisação das entregas de reservas.
Como a primeira discussão foi adiada e marcada para hoje, surpreendentemente, uns dias antes da segunda marcação do debate aparece um segundo processo crime, uma vez mais por proposta do Partido Comunista Português.
Mais do que isso, o que fez, entretanto, o Partido Comunista? Fez manifestações à porta da residência oficial do Sr. Primeiro-Ministro, em excursões folclóricas, que lembram os velhos tempos do almirante Tenreiro...
Aplausos do PSD e do deputado independente Borges de Carvalho.
Protestos do PCP.
... com três ou quatro camionetas cheias de pessoas, que vi à porta do Ministério, no Terreiro do Paço, manifestações que lembravam o antigamente. Tentou fazer mobilizações de gloriosas jornadas de luta no Alentejo, onde estiveram marcadas seis concentrações em diferentes locais dessa região. Todavia, conseguiram somente mobilizar, e pouco, em Beja e Évora.
Ora, é exactamente para atenuar esta frustração do Partido Comunista Português, sentindo fugir-lhe debaixo dos pés a capacidade de obter a mobilização dos trabalhadores alentejanos para aqueles que são os seus desígnios, que consistem em manter na indefinição completa a posse da terra na zona de intervenção da Reforma Agrária, que o mesmo Partido Comunista decide avançar com este projecto, que hoje aqui apresenta.
É todavia um projecto claro, um projecto coerente, que está de acordo com aquilo que são os objectivos do Partido Comunista Português. Discordo frontalmente das motivações que estão por detrás do projecto do Partido Comunista, mas tenho de dizer que é um projecto coerente e que todo ele foi montado, de certa maneira, para que fosse paralisada a entrega de reservas na zona de intervenção da Reforma Agrária, frustrando os direitos de todos aqueles que, baseados numa lei existente, elaborada pela Assembleia da República, aguardam a definição dos seus direitos fundiários.
Paralelamente a isso, que fazem, uma vez mais, o Partido Socialista e o PRD? O Partido Comunista apresenta em 2 de Dezembro o seu projecto de lei. O PS apressa-se, uma vez mais, tal como da primeira vez, a reboque do Partido Comunista, a apresentar em 17 de Dezembro um projecto, aparentemente diferente daquela que é a posição do Partido Comunista.
Vozes do PSD: - É o costume!
O Orador: - O PRD, no dia seguinte, a 18 de Dezembro, aparece novamente com um projecto, também do mesmo teor, que, como direi a seguir, irá ter exactamente as mesmas consequências.
Já anteriormente a isso, o Partido Comunista tinha lançado o problema da desobediência da Administração aos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, não levando em linha de conta o parecer da Procuradoria-Geral da República n.º 183/81, que determina claramente que, quando a declaração de ilegalidade for feita pelo Supremo Tribunal Administrativo, deverá ser reinstruído o processo e retirados todos os vícios de forma. Ora, esta foi a doutrina adoptada por todos os governos desde 1981 e, Srs. Deputados do Partido Socialista, também a doutrina seguida durante os dois anos e meio do governo do bloco central. Neste governo esteve à frente da Secretaria de Estado da Estruturação Agrária um militante do Partido Socialista, que seguiu exactamente a mesma orientação que hoje tenho estado a seguir no meu Ministério, ou seja, a de, perante a determinação dos acórdãos do Supremo Tribunal, mandar reinstruir os processos em causa, tal como o parecer n.º 183/81 determina.
Estamos neste momento a seguir exactamente aquilo que foi seguido, com a aprovação explícita do Partido Socialista, durante os dois anos e meio em que foi governo.
É, pois, também interessante verificar que já no debate de 1986 o Partido Socialista veio levantar a questão dos acórdãos. E lembro-me perfeitamente de
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o Sr. Deputado Vasco da Gama Fernandes ter colocado explicitamente a questão de saber como era possível esta situação dos acórdãos.
Ou seja, uma vez mais o Partido Socialista age dentro daquilo que hoje é uma sua característica, que é a de uma total incoerência em tomar uma posição quando é governo, esquecendo totalmente, como ainda recentemente verificámos noutros processos lamentáveis, aquilo que aprovou anteriormente.
Aplausos do PSD e do deputado independente Borges de Carvalho.
E apresenta então uma proposta de alteração.
Já disse, em relação ao projecto do PCP, que ele é coerente e correcto e está de acordo com os objectivos do Partido Comunista. É contrário à nossa filosofia e manterá a indefinição e a instabilidade na zona de intervenção da Reforma Agrária, mas está de acordo com o que foram sempre os objectivos do Partido Comunista Português.
Vejamos agora o projecto do Partido Socialista.
Em primeiro lugar, é opinião do Governo - quero dizê-lo frontalmente - de que ele é grosseiramente inconstitucional, violando frontalmente os artigos 185.º e 114.º da Constituição dá República Portuguesa, que definem claramente que o Governo é o órgão principal da Administração Pública.
Estamos perante casos claros de actos administrativos. E o Sr. Deputado Lopes Cardoso até disse que mesmo no artigo 72.º se falava em funções de carácter administrativo. São, na realidade, atribuições de carácter administrativo que estão em jogo e pretende-se, pura e simplesmente, transferi-las para os tribunais, em violação total e completa da própria Constituição.
Isso também acontece em relação ao artigo referente à separação de poderes, que também é violado frontalmente.
Mas, relativamente a este assunto, o Governo requererá, em instância própria, a declaração de inconstitucionalidade, se, por acaso e para azar dos agricultores do Alentejo, vierem a ser aprovadas as propostas do Partido Socialista.
Independentemente dessa sua inconstitucionalidade, diria que a incompetência - devolvo-a ao Sr. Deputado António Barreto - que demonstra a apresentação do projecto é gritante e significa não conhecer a realidade. Sabem os Srs. Deputados do Partido Socialista quais são as razões principais do número elevado de reservas que estão neste momento em curso?
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Toda a gente sabe!
O Orador: - Tiveram o cuidado de as analisar?
Não são reservas novas, porque, em relação a estas, o prazo caducou em Junho de 1978. A grande maioria das posições decorre da aplicação dos artigos 28.º, 29.º e 31.º da Lei n.º 77/77.
O artigo 28.º refere as majorações e permite ao Ministro da Agricultura, dentro dos poderes discricionários que o então ministro António Barreto sustentou, com razão, deverem existir na Lei 77/77, determinar as majorações de 10 % ou de 20 %, em função das condições técnicas da sua exploração. Ou seja, se houver um determinado ordenamento cultural, uma determinada complementaridade ou uma determinada e clara perda de produtividade agrícola, pode o Ministro, nesses casos, apresentar o projecto de majoração.
Pergunto a mim próprio como é que os tribunais vão amanhã avaliar se uma majoração está ou não correctamente concedida, que corpo técnico têm os nossos tribunais para poderem debruçar-se sobre esses casos.
Mais do que isso, quando no artigo 29.º se fala dos critérios de pontuação, está prevista a exclusão, na pontuação, de benfeitorias. São hoje inúmeros os casos de antigos reservatários que contestam os critérios técnicos de desconto das benfeitorias e discutem se as áreas das barragens que fizeram têm ou não uma determinada área e se as áreas são de regadio ou de sequeiro.
Pergunto a mim próprio como é que os tribunais vão decidir essas questões e com que corpo técnico é que as vão decidir.
Além disso, há, como sabem, limites de áreas e limites de pontuação, sendo os limites de áreas fixados no artigo 31.º, que fixa o limite de 500 ha para determinados terrenos, podendo, em certas circunstâncias de aptidão silvo-pastorícia, atingir cerca de 700 ha. São imensos os casos de antigos reservatários que vêm reclamar neste momento que, tendo as suas terras aptidão silvo-pastorícia, a sua área deve ser alargada para 700 ha.
Estou a ver os juízes dos tribunais administrativos a fazer directamente a avaliação e a saberem se o terreno tem aptidão silvo-pastorícia ou outras aptidões.
Como é que o Partido Socialista prevê resolver estes casos, que são os casos da grande maioria dos processos que estão em reinstrução? Majorações, pontuação, revisão de pontuação, critérios de benfeitoria e limites de área, estes os grandes valores.
Os casos de provas factuais que estão em curso - como o de provar se um indivíduo é ou não explorador directo, colocado pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso, e o de doações ou não doações - contam-se pelos dedos.
Pergunto, pois, a mim próprio como é que, assim, o Partido Socialista - a não ser por um total desconhecimento da realidade e uma incompetência completa, que demonstra pela simples apresentação do seu projecto - poderia prever o que se iria fazer.
Também desconhece a realidade de que hoje o Supremo Tribunal Administrativo demora quatro a cinco anos a apresentar os seus acórdãos, as suas decisões sobre processos.
O processo que hoje foi alvo de processo-crime, apresentado pela Comissão de Inquérito, é um processo de 1979-1980 e que só teve a sua conclusão em 1984.
É aos organismos que estão afogados com trabalho, que demoram quatro a cinco anos a tomar decisões, que se vai entregar a resolução do problema da estabilidade da estrutura fundiária do Alentejo. Isso mais não demonstra que uma intenção de paralisar essa mesma resolução do problema, sem ter a coragem de o colocar frontalmente, como o faz o Partido Comunista. Querem fazer um apoio encapotado e envergonhado à proposta do PCP, mas muito mais ampliado.
Aplausos do PSD e do deputado independente Borges de Carvalho.
Eu sei que o Partido Comunista gostaria de ter pedido a paralisação «ad eternum» da Lei n.º 77/77. Mas, por uma questão de se limitar aos seus pedidos, prevê agora essa paralisação para Outubro de 1987 - prevendo que dentro de nove meses a Comissão terá terminado os seus trabalhos -, propondo nas alterações essa mesma paralisação até ao fim dos trabalhos da Comissão.
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O Partido Socialista propõe entregar aos tribunais administrativos essa função, o que tem um significado mínimo, a avaliar pelo passado. Não há qualquer razão para que seja alterada essa situação - quatro a cinco anos.
Estamos, portanto, perante um caso claro de uma solução muito mais gravosa que aquela que é apresentada pelo Partido Comunista.
O PRD apresenta, em último lugar, a sua proposta, algo consciente das limitações ou da real «não base» da proposta apresentada pelo Partido Socialista, e vai para uma solução que não é carne nem peixe.
Vozes do PSD: - É o costume!
O Orador: - Ou seja, diz, inclusivamente: «Deixa-se ao Executivo o poder de decisão, mas a executoriedade dos actos apresentados pelo Governo terá de ser previamente submetida à aprovação dos tribunais.»
É, do ponto de vista do Governo, inconstitucional. Tal situação abriria a porta a que, mais tarde, uma lei deste Parlamento viesse dizer: «Todo e qualquer acto do Governo, antes de poder ser executado, tem de ser submetido aos tribunais.»
Os partidos democráticos da oposição certamente saberão que isto seria contra os interesses da democracia portuguesa. Era fazer o Governo depender dos tribunais, situação que seria perfeitamente inadmissível e de um surrealismo só susceptível de ser pensado pelo partido de que é originária.
Ninguém mais teria imaginação para propor uma situação destas.
Aplausos do PSD e do deputado independente Borges de Carvalho.
Todas as considerações que tecemos em relação à solução do Partido Socialista se aplicam na íntegra à solução do PRD, nomeadamente no que concerne às perguntas de carácter técnico e à demora dos tribunais na avaliação das decisões do Governo.
Na realidade, haveria decisões do Governo que iriam para os tribunais administrativos e que demorariam tanto tempo que nunca mais teriam qualquer solução. Desse modo, em vez de uma situação de estabilidade, estaríamos na instabilidade total. Isto para não falar já do prejuízo que adviria para o cidadão comum que tem acções propostas nos tribunais civis - veria, de repente, os tribunais afogados com centenas de projectos para apreciação, deixando, com certeza, para trás todos aqueles processos. Resultaria um prejuízo evidente para todos os cidadãos ao aceitar-se tal proposta.
Daí considerar que, para a zona de intervenção da Reforma Agrária, seria trágico; teria exactamente as consequências contrárias àquilo que o Partido Socialista e o PRD propõem, caso algum dos dois projectos fosse aprovado.
Terminaria com uma referência ao Sr. Deputado António Barreto, cuja amizade e consideração muito estimo.
Gostaria que, antes de se pronunciar com a veemência e o brilho com que discursou, falasse com a direcção do seu partido e se informasse devidamente, para poder fundamentar as posições que veio aqui tomar.
Deixo-lhe só este conselho: faça esse contacto, faça essa referência, e depois, mais tarde, voltaremos a falar.
Aplausos do PSD e do deputado independente Borges de Carvalho.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação os Srs. Deputados João Amaral e António Barreto. No entanto, o Sr. Deputado António Barreto já não dispõe de tempo, o mesmo acontecendo com o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
Pausa.
O MDP/CDE cede três minutos ao Partido Socialista, pelo que dou a palavra ao Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A intervenção que o Sr. Ministro fez pode-se caracterizar de uma forma relativamente simples: a de tentar fugir à questão de fundo que este projecto (e cada um dos que aqui estão colocados) levanta, tentando encontrar diferentes alvos dentro da Assembleia para que, de alguma forma, pudesse confundir a questão.
Aquilo a que o Sr. Ministro não respondeu, porque não quer e não pode responder, é esta simples questão: é ou não um facto que o trabalho fundamental da Comissão de Inquérito - tanto quanto podemos aqui falar do seu trabalho - incide, não sobre casos de discricionariedade, mas sobre casos claros de ilegalidade? E é ou não claro que o próprio Sr. Ministro acaba por confessar isso quando, dizendo que os casos de reinstrução são casos em que existiram vícios formais que há que suprir, vem dizer que o que se tem aberto nestes casos é a concessão de mais terra, por novas majorações, por novas benfeitorias e por outras situações de índole idêntica?
É ou não é verdade que o Sr. Ministro confessa que mente?
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
Sr. Ministro, a questão referente ao atraso dos trabalhos da Comissão é também da sua responsabilidade e não vale a pena ser aqui discutida. Há-de chegar a altura propícia para a sua discussão.
Não fale de tão alto, porque os resultados da Comissão de Inquérito hão-de aparecer nesta Assembleia e o Sr. Ministro sabe perfeitamente que será culpado de diferentes vícios. E, desde logo, de um que é fundamental - o Sr. Ministro não pode fugir a esta questão, que é pública e notória -, pois continua a despachar processos instruídos e feitos por funcionários do Ministério que sabe serem alvo de gravíssimas acusações. Continua a instruir processos que foram, à partida, elaborados por funcionários do Ministério, alguns deles suspensos. E não teme que tal suceda; não teme que isso manche a Administração Pública; não teme que isso ponha em questão a própria credibilidade do Estado.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.
O Sr. António Barreto (PS): - Muito obrigado ao MDP/CDE por ter cedido o seu tempo.
Hoje é já a segunda vez que me encontro face a um momento de irracionalidade no discurso político.
Esta tarde, a propósito de um processo político, foi dito qualquer coisa sobre as forças obscuras e a maçonaria no meu partido. Senti-me perante um gesto de identificação de coisas diferentes, que é um gesto de irracionalidade na vida política, mas, enfim...
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Agora, grande parte da intervenção do Sr. Ministro Álvaro Barreto foi sobre o carácter comunista de tudo isto. Somos todos comunistas, andamos todos a reboque, o que é mentira.
O Sr. Ministro sabe perfeitamente (e por mim falo) que em cinco distritos do Sul do País o PS fez, em 1985, campanha eleitoral baseada num certo número de pontos que estão agora incluídos nas diferentes iniciativas que o PS está a tomar, seja relativamente ao Livro Branco, seja à não abertura de novas reservas; à estabilização fundiária no Alentejo, etc., etc. São projectos autónomos do Partido Socialista.
Por outro lado, gostava de lhe perguntar se nunca se inquieta com o facto de o seu partido ter estado sete anos nessa pasta e não ter resolvido a questão acessória. A questão das indemnizações ajuda a resolver a questão fundiária e ajuda a estabilizar toda esta situação. Há um conjunto de medidas económicas, políticas e administrativas que trariam estabilidade.
O Sr. Ministro não se inquieta com o facto de os processos não serem fechados? Ao fim de sete anos não há processos fechados. Todos os processos têm várias decisões finais e terminais.
Houve mesmo um Ministro da Agricultura do seu partido que, na véspera de sair do Governo e de abandonar a pasta, fez um despacho mandando abrir de novo todos os «dossiers» e todos os processos anteriores.
O Sr. Ministro não se inquieta com isso? Penso que todos nós nos inquietamos, e muito. O Sr. Ministro da Agricultura devia também inquietar-se e ter preocupações em face disso.
Será que está a fazer o jogo do Partido Comunista? Será que está a procurar a instabilidade no Alentejo? Já que estamos a brincar uns com os outros...
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Está, está!
O Orador: - Finalmente, não percebi a sua graça sobre a direcção do meu partido. Não sei o que vou perguntar à direcção do meu partido!
Estou em excelentes relações com a direcção do meu partido, nem imagino que o Sr. Ministro esteja em melhores relações com a direcção do meu partido que eu próprio. Mas, se tem alguma revelação a fazer-me, faça-a, porque eu estou ansioso.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr., Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: Creio que vale a pena meditar na forma como o Sr. Ministro abordou esta questão.
Teve esta atitude espantosa: acusou o projecto de lei do Partido Socialista de ser ferido de uma inconstitucionalidade grosseira, por intervir na esfera dos tribunais administrativos. Em relação ao projecto do PCP, considerou-o perfeitamente correcto.
Como é que é admissível que se considere inconstitucional o projecto do PS nessa base e não se vislumbre uma sombra de inconstitucionalidade num projecto que, mantendo o acto na esfera dos tribunais administrativos, pura e simplesmente impede o Governo de actuar? Aí tudo bem! Porquê, Sr. Ministro?
Será, Srs. Deputados - e fica aqui para ponderar porque o projecto do Partido Comunista apenas se limita a retirar as competências que têm permitido a este governo agir de uma forma totalmente arbitrária e discricionária na zona da Reforma Agrária, por um período bem demarcado, deixando-lhe a perspectiva de poder eventualmente prosseguir no arbítrio, na discricionariedade, nas ilegalidades que tem cometido, enquanto o projecto do PS (a ser aprovado) retira definitivamente a possibilidade de se poder continuar a agir da forma prepotente e discricionária como se tem agido?
Talvez, no fundo - como dizia o meu camarada António Barreto -, ao Sr. Ministro interesse o caos: Porque o caos e a estabilização significam o quê, para este governo? Significam a criação de situações de facto, sem qualquer suporte legal que as sustente.
Se é isso a estabilidade, a legalidade para o Governo, compreendemos perfeitamente a forma como ele reagiu em relação ao projecto do Partido Socialista.
O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento formulados, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, se assim o desejar.
O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: - O Sr. Deputado João Amaral, na sua primeira intervenção, tinha confessado que a sua intervenção tinha sido factualmente pobre. Eu diria que foi factualmente paupérrima e mais pobre ainda foi a questão que colocou à minha intervenção.
O Sr. Deputado começa por afirmar que existem ilegalidades. Tanto quanto sei, ainda não está provada qualquer ilegalidade, embora isso possa estar provado na opinião do Partido Comunista Português. No entanto, isso ainda não faz lei.
Os processos-crime também não foram ainda apresentados e no dia 22 de Dezembro passado pedi um parecer à Procuradoria-Geral da República, o qual em breve virá provar, uma vez mais, que o Governo está a actuar de acordo com a lei e que não há qualquer razão para instaurar processos-crime.
Isso não impede que na imprensa do Partido Comunista, como o fez ainda hoje «O Diário», se diga que eu já tenho queixas-crime apresentadas, etc.
É vidente que isso é para criar a tal encenação que é possível fazer.
Relativamente às majorações, eu não disse que eram as mesmas. Talvez eu não tenha sido claro, mas disse que há dois tipos de processos: os referentes à reinstrução de todos aqueles processos que o Supremo Tribunal Administrativo analisou, o que estamos a fazer à luz do parecer n.º 183/81, e os processos de majorações ou benfeitorias.
São casos completamente diferentes, pelo que, uma vez mais, a intervenção do Sr. Deputado foi factualmente pobre.
Relativamente à intervenção do Sr. Deputado António Barreto, percebi finalmente por que é que o Partido Socialista obteve tão fracos resultados no Alentejo. É porque fez a sua campanha com base nestes resultados que veio aqui apresentar.
Aplausos do PSD.
Com efeito, eu não tinha percebido como é que o PRD tinha ido ganhar tantos votos ao Partido Socialista, inclusivamente em Évora, onde os resultados não foram brilhantes. Está dada a explicação: foi por estas teses com que o Partido Socialista se apresentou que se atingiram esses resultados. Isto mostra, uma vez
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mais, o julgamento certo que os Alentejanos têm para castigar quem lhes apresenta tão fracas e pobres propostas.
O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Ministro, dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Barreto (PS): - Por esse ponto de vista, o Sr. Ministro pensa que quando, há muitos anos atrás, o PSD tinha uma baixa percentagem de votos no Alentejo, era porque não tinha razão. Acha que a razão está sempre ligada ao número de votos? Eu acho que não, Sr. Ministro. Pode-se ter poucos votos e ter razão.
O Orador: - Sr. Deputado, só lhe digo que, a continuar com esse tipo de intervenções, ainda vão ter muito mais razão e, no futuro, muito menos votos.
Risos do PSD.
O Sr. José Lello (PS): - Olhe que não, olhe que não!
O Orador: - Já ouvi essa expressão «olhe que não, olhe que não», mas foi noutros tempos.
Risos do PSD.
Relativamente à ligação que tenho ao Partido Comunista, uma vez que me acusam de tudo, penso que essa é a última coisa de que me faltava acusarem. Tenho as costas largas, não me importo nada que digam isso. No entanto, uma vez mais, e tal como a vossa proposta, não deixarão de suscitar uma certa descrença as afirmações do Partido Socialista.
Em relação ao que foi aqui dito sobre os «processos fechados», nas reuniões que tivemos eu já disse que concordava perfeitamente que, pela mesma razão por que foi fixada uma data limite para a apresentação dos processos de reserva, também fosse claramente fixada uma data para acabar com esse processo, para não suscitar dúvidas como as que, por exemplo, o Sr. Deputado Lopes Cardoso tem sobre se as majorações são ou não reservas, sobre a revisão de processos, ou ainda sobre a passagem para silvo-pastorícia.
É claro que também não estamos de acordo em que, tal como diz a actual lei, se apresentem revisões constantes. Já tivemos oportunidade de o dizer. Se fosse essa a proposta de qualquer dos partidos, não teria qualquer objecção da nossa parte, pois estamos mais interessados que todos na estabilidade daquela região. Até já fizemos uma proposta concreta, que a oposição rejeitou.
Relativamente ao pedido que lhe fiz para que falasse com a direcção do seu partido, Sr. Deputado António Barreto, não o fiz em tom de graça, não me referia a qualquer questão, mas basicamente à existência ou não de uma nova lei que pudesse obter consenso. Se não adiantei mais foi porque entendi que não o devia fazer, mas, uma vez mais, aconselho-o a falar com a direcção do seu partido.
Em relação ao Sr. Deputado Lopes Cardoso, foi para mim gratificante ver que nesta Assembleia existe alguém que ainda sabe menos da Constituição do que eu.
Risos do PSD.
Quanto às acusações que me fazem de ser permanentemente violador da Constituição, talvez baseado no meu desconhecimento, verifico...
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Presunção e água benta, cada um toma a que quer.
O Orador: - Talvez seja, Sr. Deputado. Mas verifico que o Sr. Deputado consegue vencer-me nisso, porque - segundo me dizem - a suspensão de uma lei não levanta qualquer questão de inconstitucionalidade. Terá consequências graves...
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Posso interrompê-lo, Sr. Ministro?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - O Sr. Ministro leu o projecto de lei do PCP? Não leu!
O Orador: - Li, sim, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - O projecto de lei do PCP, na versão submetida a apreciação por esta Assembleia, não suspende lei nenhuma, suspende as acções do Governo.
Quanto à constitucionalidade, repito aquilo que disse em voz baixa, para que fique gravado: Sr. Ministro, presunção e água benta, cada qual toma a que quer. Água benta, por hábito, tomo pouca, e presunção, se calhar tenho, mas o Sr. Ministro, em presunção e água benta bate-me, com certeza.
Aplausos do PS.
O Orador: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, faz-me justiça ao julgar que o bato em muitas outras coisas, mas também nessas, com certeza.
Risos do PSD.
Penso que de maneira nenhuma poderá dizer que eu disse que estava de acordo com a proposta do PCP. Não disse que era correcta, como o Sr. Deputado disse para a gravação. Limitei-me a dizer que é coerente com os objectivos do PCP, dos quais divirjo frontal e basicamente. Portanto, não há qualquer questão de correcção, e talvez fosse bom que a gravação registasse que o Sr. Deputado está a concordar com a minha interpretação.
Aplausos do PSD.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Está na gravação, Sr. Ministro. Enviar-lhe-ei a cópia.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Queria aqui lembrar que já numa intervenção feita nesta Câmara em 13 de Novembro - e procurando, pela minha parte, reconduzir este debate aos termos de serenidade com que me parece que deve ser conduzido- o MDP/CDE afirmou aqui que têm sido repetidamente denunciadas as ilegalidades, irregularidades e abusos de poder de que enfermam os processos de actuação dos serviços do
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Ministério da Agricultura e o desrespeito sistemático que manifestam pelas decisões judiciais favoráveis às cooperativas. Acrescentava-se, até, que o Sr. Ministro persistia na recusa em cumprir os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo que mandam suspender ou anular entregas de reservas, chegando ao cúmulo de escamotear a publicação no «Diário da República» de uma das conclusões de um parecer, por si solicitado ao conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República, no qual é expressamente reafirmada a obrigatoriedade de cumprimento imediato das decisões, parecer esse publicado no «Diário da República», de 14 de Agosto de 1986.
É em face destas circunstâncias que o MDP/CDE se deverá pronunciar em relação aos três projectos de lei em apreciação - e não propostas de lei, como, certamente por lapso, o Sr. Ministro referiu -, e tão-só em relação a este condicionalismo, que é um condicionalismo público e notório no nosso país.
Na verdade, não nos deixamos influenciar pelo argumento apresentado pelo Sr. Ministro de que na base destes três projectos de lei estaria uma sinistra maquinação do PCP. Devemos dizer ao Sr. Ministro que, efectivamente, o que nos move é o que em Novembro último aqui repetimos, e essa alegação da maquinação sinistra do PCP faz-nos recuar a tempos felizmente já pertencentes ao passado e pouco dignifica a intervenção do Sr. Ministro.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O que sucede quanto aos três projectos é o que se segue. O do PCP é uma resolução que visa suspender a entrega de reservas até à decisão do inquérito, e é classificado, mesmo por aqueles que com ele não concordam, como um diploma perfeitamente lógico, com o que concordamos. Existindo, inclusivamente, um inquérito pendente nesta assembleia para determinar as ilegalidades e as violações de lei cometidas pelo Sr. Ministro, naturalmente que uma resolução deste teor é a providência que se segue à situação resultante desse inquérito pendente.
Por outro lado, considerando estes dois projectos, um do PS e outro do PRD (o primeiro atribuindo aos tribunais administrativos a competência para a atribuição de reservas e o segundo sujeitando à confirmação dos tribunais administrativos essa mesma atribuição), não nos parece enfermarem do vício que tanto preocupou a bancada do CDS, qual seja o de transferir para os tribunais aquilo que seria a única competência do Governo, órgão executivo e administrativo. Na realidade, é, por um lado, evidente que seria sempre o Governo a apresentar ao tribunal, a tomar a iniciativa da apresentação das reservas e, portanto, de a fazer acompanhar dos requisitos legais para que o tribunal se possa pronunciar. Por outro lado, assistimos já hoje à atribuição aos tribunais da competência para a decisão respeitante à resolução dos arrendamentos rurais. Não conseguimos perceber como é que se pode formular esta indignação quanto à atribuição de reservas quando em relação a matéria semelhante e com as mesmas dificuldades, quais sejam as de os tribunais terem de investigar se efectivamente ocorrem ou não as causas de resolução do arrendamento rural que o senhorio invoca, ninguém levantou a voz contra essa prática legislativa e jurisprudencial corrente, pretendendo-se apenas pôr em causa esta prática, semelhante, relativa à atribuição de reservas.
Naturalmente que os tribunais, como é sabido, têm meios, não só através da inspecção judicial, mas até através do recurso a técnicos para que lhes dêem as suas opiniões sobre esta e outras matérias, ainda que não tenham, como é evidente, conhecimentos específicos quer sobre a atribuição de reservas, quer sobre arrendamentos rurais, quer sobre uma infinidade de matérias que estão atribuídas à decisão dos tribunais. Não nos parece, por isso, que se possa argumentar contra o projecto apresentado pelo PS e em parte contra o apresentado pelo PRD com esse argumento. Na realidade, parece-nos que o argumento é destituído de base porque tanto o projecto do PS como o do PRD traduzem o mesmo propósito de ir ao encontro de uma situação clamorosamente injusta e anormal verificada na Zona de Intervenção da Reforma Agrária - embora por caminhos não coincidentes -, uma vez que os meios que adoptam não são inteiramente coincidentes; um, atribuindo aos tribunais, e o outro, sujeitando a confirmação.
Em relação a uma situação que é pública e notória, que é preocupante e cujas clamorosas consequências foram recentemente reconhecidas numa publicação do Instituto de Damião de Góis, perante estas circunstâncias, o MDP/CDE votará favoravelmente na generalidade os três projectos de lei agora apresentados.
Aplausos do MDP/CDE, do PCP e do Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas.
O Sr. Luís Capoulas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há dez anos que o Partido Comunista vem clamando pela suspensão da Lei n.º 77/77 (Lei da Reforma Agrária).
Desde a sua aprovação nesta Câmara que o PC a vem apelidando de inconstitucional; desde logo, considerou sistematicamente ilegais os actos administrativos praticados pelos sucessivos governos no cumprimento desta Lei.
Compreende-se facilmente que um Partido que, através do 11 de Março, tentou a colectivização total da economia nacional veja em tal Lei o ruir do seu projecto totalitário e tudo faça para impedir a sua aplicação.
É que a Lei n.º 77/77 veio determinar a entrega de reservas aos expropriados, permitir o arrendamento de terras a pequenos e médios agricultores, dar condições de sobrevivência aos perseguidos, conceder aos campos do Alentejo o direito a uma «agricultura livre»!
Ainda em Fevereiro passado, num seu projecto de resolução, o Partido Comunista afirmava relativamente a esta Lei: «[...] a sua suspensão constitui um imperativo imediato, ao qual a Assembleia da República deve associar-se através da aprovação do presente inquérito [...]». Mas tal proposta foi rejeitada, e o Partido Comunista viu mais uma vez os seus objectivos frustrados.
Há apenas dez meses que o PCP pôs à prova, sem sucesso, os partidos democráticos desta Câmara! Já hoje os submete a novo teste!
Argumenta agora falaciosamente, depois de nove meses de actividade da comissão de inquérito, cujo mandato era de três meses, com a necessidade de suspensão da Lei n.º 77/77, de modo a evitar dificuldades aos trabalhos da comissão parlamentar, pretensamente prejudicados pela actividade governativa.
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Entretanto, cuidou o PCP de montar o cenário condizente à presente ofensiva.
Fez aprovar na comissão de inquérito dois relatórios não só parcelares como principalmente parciais e sectários, em que procura incriminar o Sr. Ministro da Agricultura pelo dito «não cumprimento» de dois acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo. Constate-se que, dos tão propalados 300 acórdãos não cumpridos», foram precisos nove meses para que o PCP descobrisse dois, e mesmo nesses não tem qualquer razão, conforme se provará quando da discussão dos respectivos relatórios em Plenário, sendo de lamentar que tal não tenha acontecido previamente à sua divulgação pública.
Mas as inverdades difundidas, que outra coisa não são as meias verdades, eram naturalmente indispensáveis à encenação deste debate.
Mas o pretexto invocado é perfeitamente vazio de sentido na ordem jurídico-constitucional)
De facto, como justificar constitucionalmente que a actividade de uma comissão parlamentar imponha a suspensão de uma lei da República e a paralisia da Administração no respectivo âmbito?
E que dizer das nefastas consequências para a agricultura portuguesa resultantes da indefinição quanto à posse de 400 000 ha de terra, cerca de 10 % da nossa superfície agrícola útil, particularmente num momento em que se avizinha a nossa integração plena na política agrícola comum?
No plano dos direitos individuais, que sentido fará protelar a sua satisfação para uns reservatários ou pequenos e médios agricultores com fundamento em alegadas irregularidades de que outros terão beneficiado?
A quem responsabilizar pelos prejuízos que lhes forem causados e que decorrerão de prolongada demora na satisfação de direitos legalmente protegidos?
O projecto do PCP, além de descabido, contraria pois seriamente o interesse da agricultura nacional! Visa apenas e manifestamente a consolidação do seu controlo sobre 10 % da terra agrícola nacional, situação perfeitamente intolerável num Estado democrático de direito!
Mas é com tão claro objectivo que os projectos do PS e do PRD estranhamente convergem!
De facto, também nenhum destes projectos cuida da reparação de eventuais irregularidades em que supostamente se baseiam, mas ambos conduzem ao mesmo efeito do projecto do Partido Comunista - a suspensão, na prática, da entrega de reservas e da distribuição de terras a pequenos e médios agricultores.
O Partido Socialista, possuído de cega obstinação na obstrução à acção do Governo, não hesitou em, desta vez, meter na gaveta não só a Constituição da República como o secular e universal princípio da separação entre os poderes executivo e judicial.
Abstendo-nos de qualquer outro comentário, aqui deixamos apenas uma dúvida: se aprovado o projecto do PS, se cometida aos tribunais a função executiva, qual o órgão de soberania que passaria a exercer a função jurisdicional? A Assembleia da República?
O PRD optou, em apoio do Partido Comunista, decididamente pela confusão! Confusão que começa na contradição entre as preocupações expostas no preâmbulo e as medidas preconizadas no articulado.
Vejamos: reconhece-se a maior urgência em implantar a nova estrutura fundiária imposta pela Lei n.º 77/77, mas propõe-se um sistema de tal forma complexo e impraticável que paralisará completamente tal reestruturação fundiária! De facto, cometer-se aos tribunais tarefas de natureza técnica para os quais não estão minimamente vocacionados nem apetrechados é a forma mais eficaz de garantir a sua inoperância!
Reconhece-se que a situação actual impede o desenvolvimento, mas preconiza-se um sistema que leva ao impasse absoluto.
Apela-se para um regime que dê garantias de segurança, equidade e justiça na demarcação e atribuição de reservas, mas equipara-se a posição dos expropriados à dos que assumiram a posse da terra pela força e nela se mantêm a título precário; retira-se ao reservatário o elementar direito de optar pela localização da sua reserva e impõe-se o compromisso impossível entre os interesses dos ocupantes e os interesses dos legítimos titulares de um direito de propriedade!
Concede-se aos ocupantes o direito a proporem demarcações alternativas às requeridas pelos legítimos interessados!
Não resisto a, ironicamente, considerar que quando o PRD invoca os princípios gerais de direito esquece um daqueles em que o direito entronca mais claramente com a ética - o princípio do não locupletamento à custa alheia ou do enriquecimento sem causa.
Depois, imagine-se, comete-se aos tribunais a apreciação da viabilidade económica das explorações agrícolas e das demarcações das reservas no terreno!
Como se tudo isto não bastasse, que confusão maior que a de retirar o carácter executório aos actos administrativos? Criou o PRD uma nova definição de acto administrativo ou já desesperou de algum dia ser Governo?
E, fazendo depender a eficácia dos actos administrativos de confirmação jurisdicional, para que instância passarão os administrados a interpor recurso das decisões?
Quer o projecto do PS quer o do PRD satisfazem, pois, pelo seu resultado prático os velhos e confessos objectivos do Partido Comunista: impedir o Governo de resolver o contencioso fundiário no Alentejo, mantendo 400 000 ha como «terra de ninguém»; cercear a confiança dos agricultores alentejanos, dificultando o esforço de modernização e reconversão agrícolas, assim se comprometendo o seu futuro no contexto agrícola comunitário; levar o descontentamento aos pequenos e médios agricultores, entre os quais os jovens, que no Alentejo já desesperam de vir a ter acesso à terra.
E quantas vezes a terra ontem expropriada se encontra hoje completamente desaproveitada ou na posse de intermediários pouco escrupulosos!...
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os projectos em debate, além dos vícios de que enfermam, comprometem, pois, o interesse de uma agricultura livre, moderna, produtiva, europeia! Colidem com o interesse nacional!
O povo português, para quem a querela desta pseudoreforma agrária sempre tem sido particularmente esclarecedora do posicionamento partidário, não deixará de extrair deste debate as devidas ilações, não deixará de concluir sobre quem lidera efectivamente a oposição ao Governo legítimo de Portugal!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
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O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O modesto jurista que sou sente-se com algumas dificuldades em tomar parte neste debate.
Com o Sr. Ministro da Agricultura aprendi algo sobre a Constituição; com o veterinário, Dr. Soares Cruz, aprendi algo sobre direito administrativo; com o Sr. Deputado Luís Capoulas aprendi alguma coisa sobre a Constituição e direito administrativo. Creio que terei que falar sobre pecuária, silvicultura e outras matérias!...
Aplausos do PRD.
E outras dificuldades terei, naturalmente.
Tentarei, portanto, desenvencilhar-me delas tão bem quanto puder, até porque me parece que, curiosamente, nenhum dos Srs. Deputados a que me referi terá lido o projecto que criticaram. Isto porque as críticas que formularam revelam inteiro desconhecimento do seu conteúdo.
Começando pelas afirmações do Sr. Ministro, e repetidas depois, devo dizer que nenhuma delas tem conteúdo.
Começaria por dizer que a taxa média de variação do produto agrícola bruto de 1976-1980 foi de mais 1,4 %, correspondendo 9,9 % ao ramo florestal, 1 % à pecuária e 0 % à parte vegetal; a superfície semeada anualmente diminuiu 2,2 % da taxa média de variação anual de 1970 a 1981; de 1975 a 1980 os preços dos produtos alimentares, no seu conjunto, cresceram 248 %, ou seja, claramente mais do que o índice geral dos preços, que subiu 214 % no mesmo período.
Não colocarei neste momento os problemas inerentes à adesão de Portugal à CEE e o modo como estamos, melhor dizendo, não estamos, a preparar-nos para lhe responder em termos agrícolas.
Apenas gostaria de citar uma afirmação recente de um técnico conceituado, segundo a qual imputar a estagnação da produção agrícola à existência em Portugal de um número muito elevado de pequenos agricultores familiares é uma explicação pouco consistente, se nos lembrarmos que, apesar das medidas políticas, desde 1960, terem sido tomadas em função da grande exploração, é à pequena agricultura que se fica devendo a quota-parte mais significativa da produção.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Largarei, obviamente, este campo para me ater nas matérias que estão em debate, mas em que os dados citados constituem enquadramento que não pode ignorar-se.
Gostaria de dizer, em primeiro lugar, que aquilo que para nós é mais importante no nosso projecto não foi certamente preparado por nenhum dos Srs. Deputados intervenientes. Refiro-me à transformação dos actos discricionários do Ministério da Agricultura em actos vinculados.
A discricionariedade, tal como tem sido entendida pelo Ministério da Agricultura em sucessivos governos, não tem sido apenas uma escolha livre de critérios mas também uma livre escolha de oportunidade temporal; e essa discricionariedade de aplicação temporal tem sido a maior causa de agitação e de perturbação nesta situação, de tal modo que os Srs. Deputados, preocupados com a dificuldade do sistema, se tivessem atentado neste aspecto teriam concluído que só ele permite reduzir drasticamente as situações.
Na verdade, se os Srs. Deputados atentarem no artigo 28.º da Lei n.º 77/77, sobre majorações, ou no artigo 29.º, sobre os limites máximos de reservas, chegarão facilmente à conclusão de que o entendimento correcto, aplicável quer ao artigo 28.º quer ao artigo 29.º, é o de que quer as majorações quer os limites máximos de reserva deveriam entender-se aplicados temporalmente no momento da constituição da reserva.
Continuar indefinidamente a rever majorações e critérios de exploração é um critério de oportunidade que se traduz afinal numa perfeita, flagrante e espantosa ilegalidade.
Vozes do PRD: Muito bem!
O Orador: - E tão espantosa quanto isto: em primeiro lugar, uma situação de profunda desigualdade entre os agricultores do País. Qualquer agricultor de Trás-os-Montes ou das Beiras que chegue à conclusão de que a sua exploração tecnicamente aconselhável é do tipo silvo-pastoril não pode pedir mais 200 ha ao Sr. Ministro da Agricultura, uma vez que este não lhos pode conceder, não tem nenhuma forma de lhos conceder. Mas, se esse agricultor for do Alentejo, já pode, porque, se se considerar que a situação é «tecnicamente aconselhável», o Sr. Ministro vai julgar da oportunidade de rever critérios anteriores e considerar agora outro como mais adequado.
E mesmo agora, quase oito anos depois de encerrado o processo, vai revê-lo novamente e dizer: «Agora mudou de exploração; o critério é oportuno. Tome lá mais 200 ha.»
Creio que terão aqui os Srs. Deputados um exemplo claro de como a discricionariedade, utilizada não apenas, como é normal, no nosso direito administrativo em matéria de critérios, mas no tempo, é a causa provada e concreta da indefinição permanente de todas as situações.
O Sr. Ministro fará o favor de me corrigir se erro quando digo que 90 % das situações são situações deste tipo, ou seja, de majorações novas, de revisão de critérios, de aplicação de novas explorações. É quanto a isto que é preciso pôr cobro; e aqui teríamos, repito, 90 % dos casos resolvidos.
Um segundo aspecto, também importante e que vale a pena contemplar, tem a ver com as várias críticas que foram formuladas e que se pronunciaram em relação a situações variadas de direito constitucional.
Creio que a chamada de atenção para o artigo 104.º da Constituição que foi feita, a ter alguma pertinência, põe em causa a votação na generalidade da Lei do Emparcelamento Rural por referência ao artigo 98.º Vale a pena ter isso em consideração, mas não me alongaria nesse tema.
Gostaria de lhes lembrar que a Constituição, na sua forma revista em 1982, modificou o sistema dos nossos tribunais administrativos e transformou o contencioso, que era de simples anulação, em contencioso que pode pronunciar-se - di-lo o ponto final do n.º 3 do artigo 268.º da Constituição, para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido. O artigo 268.º, n.º 3, resolve portanto as dúvidas constitucionais que foram colocadas, e creio que nesse aspecto a intervenção do Sr. Ministro teve pelo menos o mérito de pôr em causa o seu colega de bancada e Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, para quem a Constituição não é portuguesa.
Vozes do PRD: - Muito bem!
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O Orador: - Creio que, nesse aspecto, a Constituição foi resolvida hoje como portuguesa pelo Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, e só temos que nos congratular com isso.
Gostaria de dizer ainda que um outro aspecto em que, porventura, se não terá atentado devidamente é o de que aquilo que se pretende por parte do projecto de lei do PRD é tão-somente uma apreciação prévia de legalidade de actos da Administração. E essa apreciação não é, de modo algum, um critério esdrúxulo; aliás, não o seria sequer a diminuição ou a extinção, mesmo em Portugal, do chamado «privilégio da execução prévia». Não somos obrigados a seguir o sistema francês permanentemente. Há outras administrações. Temos sistemas no mundo em que o privilégio da execução prévia implicando o uso da força contra pessoas ou bens não existe. Por exemplo, a Administração Inglesa não deixa de ser uma administração pelo facto de não gozar deste privilégio e ter que recorrer aos tribunais comuns.
Não estaremos nesse campo; pois não creio que valha a pena. O que vale é circunscrevermo-nos ao nosso próprio projecto de lei. Esse limita-se a considerar que o tribunal deve fazer uma apreciação prévia de legalidade de actos. Porquê? Porque, precisamente, essa decisão resolve a maior parte dos problemas causados. A simples substituição dos actuais critérios por critérios vinculados elimina 90% das situações contenciosas neste momento existentes. O resto seria facilmente sujeito à apreciação prévia de legalidade por um tribunal, e isso teria um mérito: permitiria que a situação de instabilidade vigente neste momento terminasse ou, pelo menos, tivesse maiores garantias de segurança. Porque, poderá o Sr. Ministro dizer-me quantos actos já foram anulados pelo Supremo Tribunal Administrativo? Quantos anos depois de eles terem sido efectuados foram esses actos anulados? Qual é a situação mais instável: a de os particulares obterem uma declaração prévia de legalidade ou obterem a anulação da decisão governamental anos depois, repondo pretensamente uma situação inicial, nessa altura já profunda e gravemente alterada? O tempo não me permite que continue, mas gostaria, pura e simplesmente, que quando se fazem críticas elas fossem feitas pelo menos com o conhecimento minimamente aprofundado dos projectos em causa e que não nos limitássemos a dizer que projecto novo é qualquer coisa que vem simplesmente a reboque.
Temo-nos habituado a considerar que quando se apresenta um projecto de lei é porque ele tem diferenças substanciais ou, pelo menos, algumas diferenças em relação a outros projectos apresentados.
E pensamos que é um tão fraco argumento quanto foi demonstrado; quer dizer, se o simples facto de situações serem arrastadas coincidisse com tomadas de posições, creio que o Ministério de Agricultura, Pescas e Alimentação estaria num franco processo de arrastamento, e de há muito tempo.
Creio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a situação vigente nos obriga a medidas correctivas, a medidas estabilizadoras, a medidas que introduzam no nosso direito e no nosso sistema social alguma tranquilidade, alguma serenidade, alguma segurança.
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Soares Cruz, para que efeito pediu a palavra? É que o seu grupo parlamentar já não dispõe de tempo.
O Sr. Soares Cruz (CDS): - Para exercer o direito de defesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra.
O Sr. Soares Crava (CDS): - Sr. Deputado Magalhães Mota, muito rapidamente quero dizer-lhe que me sinto lisonjeado por V. Ex.ª ter aprendido comigo alguma coisa de direito constitucional - «em casa de ferreiro, espeto de pau».
Risos do CDS e do PSD.
Por outro lado, deixe-me acrescentar que tenho aprendido algumas vezes conceitos de pecuária com ilustres juristas.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Capoulas, V. Ex.ª também pediu a palavra para exercer o direito de defesa?
O Sr. Luís Capoulas (PSD): - Exactamente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: -- Tem a palavra para esse efeito, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Capoulas (PSD): - Sr. Presidente, invocando a figura do direito de defesa, pretendia sobretudo prestar um esclarecimento. É que o Sr. Deputado Magalhães Mota ficou surpreendido com as minhas alegações sobre direito administrativo.
Quero esclarecer o Sr. Deputado Magalhães Mota de que, embora não tendo qualquer formação em direito administrativo, sei ler português e inspirei-me, por exemplo, num parecer da Procuradoria-Geral da República, em que se diz, nomeadamente, que «os actos administrativos obrigam por si próprios e são imediatamente executórios», isto é, gozam do chamado «benefício ou privilégio da execução prévia».
E, mais adiante, citando o Dr. Sérvulo Correia, diz-se que
«os actos administrativos obrigam, desde logo, os seus destinatários e beneficiam da presunção de legalidade».
Portanto, não é necessário ser constitucionalista ou administrativista para se saber compreender isto.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Parece!
O Orador: - Mas talvez já não se possa dispensar algum conhecimento da agricultura, principalmente do Alentejo, para se poderem propor iniciativas legislativas que tenham minimamente em consideração a realidade a que se destinam.
De facto, se o Sr. Deputado Magalhães Mota se desse ao trabalho ou ao incómodo de passar uns tempos no Alentejo, de viver problemas da agricultura alentejana e da Reforma Agrária e de sofrer as agruras que eles têm sofrido, talvez compreendesse melhor as objecções que nós apresentámos ao projecto que ele se dignou subscrever.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Magalhães Mota, V. Ex.ª deseja alguma explicação?
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O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Não, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, V. Ex.ª também pediu a palavra, mas o seu grupo parlamentar já não dispõe de tempo.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, pretendia pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Presidente: - Acontece que já não dispõe de tempo.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - É lamentável, Sr. Presidente, pois não vou conseguir demonstrar que o Sr. Deputado Magalhães Mota, uma vez mais, não conseguiu o impossível, isto é, não conseguiu demonstrar que havia razoabilidade no projecto apresentado pela sua bancada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Amaral.
Entretanto, Sr. Deputado, informo-o de que apenas dispõe de um minuto.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, eu digo num minuto aquilo que tenho para dizer.
Face à leitura atenta que o Sr. Deputado Luís Capoulas fez de um parecer da Procuradoria-Geral da República, gostaria que esclarecesse se se trata do caso daquele parecer que tinha uma 6.ª conclusão, que obrigava o Sr. Ministro a cumprir os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo e que o Sr. Ministro homologou omitindo precisamente a 6.ª conclusão que o obrigava a cumprir os acórdãos.
É tudo, Sr. Presidente.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Capoulas, para que efeito está a pedir a palavra?
O Sr. Luís Capoulas (PSD): - Sr. Presidente, como o Sr. Deputado João Amaral me fez uma pergunta, gostaria de lhe responder.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o PSD já não dispõe de tempo, pelo que não lhe posso dar a palavra.
Srs. Deputados, está encerrado o debate, na generalidade, dos três projectos de lei em discussão, realizando-se a votação dos mesmos diplomas na próxima quinta-feira, pelas 18 horas.
Ainda antes de encerrar a sessão quero responder a uma questão levantada pelo Sr. Deputado Ferraz de Abreu.
Está na Mesa um projecto de voto de pesar pela morte de João Gaspar Simões, mas não vai ser lido agora, porque, por razões administrativas, há interesse em que a sessão não se prolongue por muito mais tempo.
Portanto, o voto ficará para a sessão da próxima quinta-feira.
Srs. Deputados, a nossa próxima sessão plenária será na quinta-feira, às 15 horas, com a seguinte ordem de trabalhos: período de antes da ordem do dia e período da ordem do dia, do qual consta a discussão do projecto de lei n.º 308/IV, apresentado pelo PSD (condiciona a afixação de publicidade ou propaganda, bem como a realização de inscrições ou pinturas murais), estando fixados os tempos disponíveis para cada grupo parlamentar. Às 18 horas, proceder-se-á à votação dos três projectos de lei que hoje acabámos de discutir.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 21 horas e 15 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Amadeu Vasconcelos Matias.
Partido Socialista (PS):
Alberto Marques de Oliveira e Silva. José Luís do Amaral Nunes. Victor Hugo de Jesus Sequeira.
Partido Comunista Português (PCP):
Jerónimo Carvalho de Sousa. Octávio Rodrigues Pato. Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.
Centro Democrático Social (CDS):
Hernâni Torres Moutinho. José Luís Nogueira de Brito.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Álvaro José Rodrigues Carvalho. Amélia Cavaleiro Andrade Azevedo. Aurora Margarida Borges de Carvalho. Henrique Luís Esteves Bairrão. Henrique Rodrigues Mata. João Luís Malato Correia. Manuel da Costa Andrade.
Partido Socialista (PS):
António Carlos Ribeiro Campos. Jorge Fernando Branco Sampaio. José Barbosa Mota. José Manuel Torres Couto. Rui Fernando Pereira Mateus.
Partido Renovador Democrático (PRD):
José da Silva Lopes. Manuel Gomes Guerreiro. Maria Cristina Albuquerque. Maria da Glória Padrão Carvalho.
Partido Comunista Português (PCP):
Domingos Abrantes Ferreira.
Centro Democrático Social (CDS):
António José Tomás Gomes de Pinho. António Vasco Mello César Menezes. Joaquim Rocha dos Santos. Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão. Manuel Tomás Rodrigues Queiró. Pedro José Del Negro Feist.
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7 DE JANEIRO DE 1987
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Declarações de voto enviadas à Mesa para publicação e relativas ao voto de pesar pela morte do poeta Joaquim Namorado.
Tinha uma verdade - a sua verdade!
Bateu-se por ela com a valentia dos grandes guerreiros - fez da palavra e, sobretudo, do exemplo, as suas armas.
Tinha uma verdade - a sua verdade!
Foi capaz de sofrer, sem tréguas, por ela - nada foi bastante para o demover.
Tinha uma verdade - a sua verdade!
Teve a coragem de fazer da sua vida - inteira o espelho das suas ideias.
Joaquim Namorado foi um homem de cultura e de ciência - poeta maior, pedagogo ilustre.
Coimbra ficou mais pobre; empobrecida ficou a cultura portuguesa.
Em poucas palavras - como Namorado gostava -, foi a coerência para além do discurso.
Tinha uma verdade - não é a minha verdade! Sem embargo, aprendi por Namorado muitas coisas. A mais importante: que a cultura é uma pátria sem fronteiras. Ponho, por isso, sentido luto.
O PSD associa-se, assim, ao voto de pesar da Câmara.
Assembleia da República, 6 de Janeiro de 1987. - Pelo Grupo Parlamentar do PSD, Dias Loureiro.
Faleceu Joaquim Namorado. Poeta, ensaísta, crítico literário e de artes plásticas, amigo do seu amigo, foi uma referência viva, empenhada e coerente de muitas gerações que por Coimbra passaram. Poeta da «incomodidade», ele mesmo incómodo, por exigente, com os outros e consigo próprio, generoso e fraterno, perseguido e humilhado, três vezes preso, sempre liberto, cassado do seu diploma de professor de Matemática do ensino oficial e do privado, viveu honradamente do seu ofício de explicador, até que em 1974 encontrou derradeira e curta satisfação profissional ensinando na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra.
Sob a ironia e o sarcasmo escondia uma generosidade fraterna, um lirismo desesperado, por não ver, com a urgência que a história reclamava, o seu povo, o nosso povo alcançar os níveis de desenvolvimento cultural, social e económico por que Joaquim Namorado empenhadamente lutou com coerência cívica, lúcida e abnegada. Companheiro de, entre outros, Fernando Namora, Carlos de Oliveira, Manuel da Fonseca, foi figura cimeira do neo-realismo português, batalhador infatigável da cultura, como bem o atesta a longevidade ímpar e de qualidade da revista «Vértice».
A mensagem da vida de Joaquim Namorado, o apelo que nos lança, está bem conformada nos seus versos:
«O caminho é longo! - Mas nada é longe e distante quando se quer realmente... e nunca o cansaço é tão grande que um passo mais se não possa dar.»
Os Deputados do PRD: Sá Furtado - Ramos de Carvalho - António Paulouro.
OS REDACTORES: Maria Leonor Ferreira - Carlos Pinto da Cruz.
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PREÇO DESTE NÚMERO: 168$00
Depósito legal n.º 8818/85
IMPRENSA NACIONAL - CASA DA MOEDA, E. P.