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DIÁRIO

I Série - Número 28

Sexta-feira, 9 de Janeiro de 1987

8051 PORTE PAGO

da Assembleia da República

IV LEGISLATURA

2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1988-1987)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 8 DE JANEIRO DE 1987

Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral

Secretários: Exmo. Srs. Daniel Abílio Ferreira Bastos
José Carlos Pinto B. da Mota Torres
Rui de Sá e Cunha
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta de requerimentos, da resposta a alguns outros e dos diplomas entrados na Mesa.
Foi aprovado um voto de pesar pelo falecimento do escritor e jornalista João Gaspar Simões. Produziram declarações de voto os Srs. Deputados Raul Castro (MDP/CDE), José Manuel Mendes (PCP). Andrade Pereira (CDS), Raul Rego (PS), Joaquim Domingues (PSD) e José Carlos Vasconcelos (PRD).
O Sr. Deputado Armando Fernandes (PRD) focou a problemática da Metalúrgica Duarte Ferreiro. No final, respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Álvaro Brasileiro (PCP).
Em declaração política o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos (PRD) condenou declarações produzidos pelo Sr. Secretário de Estado para os Assuntos Parlamentares (Correia de Jesus) em entrevista concedida à RDP-Madeira. No fim, respondeu a protestos do Sr. Deputado António Capucho (PSD) e a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Carlos Brito (PCP).
O Sr. Deputado António Mota (PCP) referiu diversos problemas existentes em Trás-os-Montes e a situação de empresa TABOPAN.
O Sr. Deputado Eduardo Pereira (PS) abordou questões relativas à descentralização e ao processo de regionalização administrativa do País, no que foi apoiado pelo Sr. Deputado António Capucho (PSD).
O Sr. Deputado Costa Andrade (PSD), e propósito de um acórdão do Tribunal Constitucional sobre o novo Código de Processo Penal, teceu considerações acerca da necessidade de este Código conter normas que respondam às efectivas carências sociais. No final, respondeu e pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Raul Castro (MDP/CDE).
O Sr. Deputado João Morgado (CDS) falou das carências e problemas com que se debate e população do distrito de Viseu.
O Sr. Deputado Vidigal Amaro (PCP) criticou a política do Governo no sector de saúde.
Foi ainda aprovado um voto de congratulação pele comemoração do 60.º aniversário do lançamento do primeiro livro de Irene Lisboa, tendo produzido declarações de voto os Srs. Deputados Raul Castro (MDP/CDE), Rui Silva (PRD). José Manuel Mendes (PCP). Gomes de Almeida (CDS), Joaquim Domingues (PSD) e Raul Rego (PS).

Ordem do dia. - Foram votados, na generalidade, os projectos de lei n.º 3ll/IV (PCP), 32l/IV (PS) e 325/IV (PRD), sobre atribuição de reservas na zona de intervenção da Reforma Agrária, tendo o primeiro sido rejeitado e os dois últimos aprovados, baixando à Comissão de Agricultura e Mar, e requerimento do PS e do PPD, para discussão e votação na especialidade.
Iniciou-se a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 308/IV (PSD), que condiciona a afixação de publicidade ou propaganda, bem como a realização de inscrições ou de pinturas murais. Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados António Capucho (PSD), José Manuel Mendes (PCP), António Barreto (PS), Odete Santos (PCP). Jorge Lacão (PS). Agostinho de Sousa (PRD), Narana Coissoró (CDS) e Raul Castro (MDP/CDE).
Entretanto, foi lido e aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre e substituição de um deputado do CDS.
Após ter anunciado a ordem dos trabalhos da sessão seguinte, o Sr. Presidente encerrou o sessão, eram 20 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio Gaspar Rodrigues. Adérito Manuel Soares Campos. Alberto Monteiro Araújo. Álvaro Barros Marques de Figueiredo. Álvaro José Rodrigues Carvalho. Amadeu Vasconcelos Matias. Amândio Anes de Azevedo. Amélia Cavaleiro Andrade Azevedo. António d'Orey Capucho. António Joaquim Bastos Marques Mendes. António Jorge de figueiredo Lopes. António Manuel Lopes Tavares. António Roleira Marinho.

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António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arlindo da Silva André Moreira.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Ângelo de Brito Lhamas.
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Belarmino Henriques Correia.
Cândido Alberto Alencastre Pereira.
Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos Silva e Sousa.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Próspero Luís.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Jardim Ramos.
Francisco Mendes Costa.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Luís Esteves Bairrão.
José Álvaro Poças Santos.
João Domingos Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim da Silva Martins.
José de Almeida Cesário.
José Assunção Marques.
José Filipe de Athayde de Carvalhosa.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Maria Peixoto Coutinho.
José Mendes Bota.
José Mendes Melo Alves.
José Olavo Rodrigues da Silva.
José Pereira Lopes.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Jorge Cabral Tavares de Lima.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Maria Moreira.
Maria Antonieta Cardoso Moniz.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Fernando Miranda Relvas.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Parente Chancerelle Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Aloísio Fernando Macedo Fonseca.
Américo Albino Silva Salteiro.
António de Almeida Santos.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Miguel Morais Barreto.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães Silva.
Armando António Martins Vara.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel G. Pereira Pinto.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Henriques Lopes.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Helena Torres Marques.
Hermínio da Palma Inácio.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Carlos Pinto B. Mota Torres.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonel de Sousa Fadigas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul da Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Raul Manuel Gouveia Bordalo Junqueiro.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Victor Hugo de Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Renovador Democrático(PRD):

Agostinho Correia de Sousa.
Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
Ana da Graça Gonçalves Antunes.
António Alves Marques Júnior.
António Eduardo de Sousa Pereira.
António João Percheiro dos Santos.
António Lopes Marques.
António Magalhães de Barros Feu.
António Maria Paulouro.
Arménio Ramos de Carvalho.
Bártolo de Paiva Campos.
Carlos Alberto Narciso Martins.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
Eurico Lemos Pires.

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Fernando Dias de Carvalho.
Francisco Armando Fernandes.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho.
Jaime Manuel Coutinho da Silva Ramos.
Joaquim Jorge Magalhães Mota.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
José Caeiro Passinhas.
José Carlos Torres Matos Vasconcelos.
José Emanuel Corujo Lopes.
José Fernando Pinho da Silva.
José Luís Correia de Azevedo.
José Rodrigo da Silva Costa Carvalho.
Maria Cristina Albuquerque.
Maria da Glória Padrão Carvalho.
Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.
Rui José dos Santos Silva.
Rui de Sá e Cunha.
Tiago Lameiro Rodrigues Bastos.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Vitorino da Silva Costa.
Victor Manuel Ávila da Silva.
Victor Manuel Lopes Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço da Silva.
António da Silva Mota.
António Manuel da Silva Osório.
António Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira.
Bento Aniceto Calado.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Manafaia.
Cláudio José Santos Percheiro.
Custódio Jacinto Gingão.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Estêvão Correia da Cruz.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Santos Magalhães.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Ilda da Costa Figueiredo.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Octávio Rodrigues Pato.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes de Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
Francisco António Oliveira Teixeira.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João Gomes de Abreu Lima.
João da Silva Mendes Morgado.
Joaquim Rocha dos Santos.
José Maria Andrade Pereira.
Manuel Afonso Almeida Pinto.
Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.
Narana Sinai Coissoró.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

José Manuel do Carmo Tengarrinha.
Raul Fernando Morais e Castro.

Deputados independentes:

Gonçalo Pereira Ribeiro Teles.
Maria Amélia Mota Santos.
António José Borges de Carvalho.
Rui Manuel Oliveira Costa.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se à leitura dos requerimentos e dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - Foram apresentados na Mesa, na última reunião plenária, os requerimentos seguintes: ao Ministério da Educação e Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Gaspar Rodrigues; ao Governo (4), formulados pelo Sr. Deputado Sousa Pereira; ao Ministério da Indústria e Comércio, formulado pelo Sr. Deputado Guerreiro Norte; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado Magalhães Mota; ao Ministério da Educação e Cultura (5), formulados pelo Sr. Deputado Bártolo Paiva Campos; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Alexandre Manuel, José Lello, José Carlos Vasconcelos, Marques Júnior e Arménio Ramos de Carvalho; a diversos ministérios (5), formulados pelo Sr. Deputado José Pinho Silva, e ao Ministério da Justiça (2), formulados pelo Sr. Deputado José Magalhães.
O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Álvaro Brasileiro, na sessão de 10 de Abril; Jorge Patrício e Rogério Moreira, na sessão de 12 de Junho; Luís Roque, na sessão de 17 de Junho; Raul Junqueiro, na sessão de 15 de Julho; Maria Santos, na sessão de 9 de Outubro; Carlos Sá Furtado e José Magalhães, na sessão de 16 de Outubro; Jorge Lemos, na sessão de 23 de Outubro; Leonel Fadigas, Barros Madeira e Jerónimo de Sousa, na sessão de 6 de Novembro, e Raul de Brito, na sessão de 19 de Novembro.
Deram ainda entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: ratificações números: 122/IV, apresentada pelo Sr. Deputado Jorge Lemos e outros, do PCP, relativa ao Decreto-Lei n.º 432-A/86, de 30 de Dezembro, que extingue a Agência Noticiosa Portuguesa, E. P., designada por ANOP; 123/IV, apresentada pelo Sr. Deputado Hermínio Martinho e outros, do PRD, relativa ao Decreto-Lei n.º 432-A/86, de 30 de Dezembro, que extingue a Agência Noticiosa Portuguesa, E. P., designada por ANOP; 124/IV, apresentada pelo Sr. Deputado Ferraz de Abreu e outros, do PS, relativa ao Decreto-Lei n.º 432-A/86, de 30 de Dezembro, que extingue a Agência Noticiosa Portuguesa, E. P., designada por ANOP; 125/IV, apresentada pelo Sr. Deputado Francisco Teixeira e outros, do CDS, relativa ao Decreto-Lei n.º 429/86, de 29 de Dezembro, que estabelece normas relativas ao reconhecimento e regulamentação das denominações de origem correspondentes aos vinhos de qualidade produzidos em

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zonas vitícolas; projectos de lei n.º 328/IV; apresentado pelo Sr. Deputado Adriano Moreira e outros, do CDS - Lei do Segredo de Estado -, que baixa à 1.ª Comissão; 329/IV, apresentado pelo Sr. Deputado Adriano Moreira e outros, do CDS - Lei de Bases do
Sistema Educativo (escolas de artes e ofícios) -, que
baixa à 4.ª Comissão; 330/IV, apresentado pelo Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha e outros, do MDP/CDE - Lei Quadro das Regiões Administrativas -, que baixa à 1.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Informo os Srs. Deputados que
temos presente na Mesa dois votos, sendo um de pesar
e outro de congratulação, que mereceram já a aquiescência dos representantes de todos os grupos parlamentares.
Apenas, e tão-só por uma questão de administração dos tempos, se não houver objecções, ponho, desde já, à votação o voto de pesar.

Pausa.

Como não há objecções, vou passar a ler o voto de pesar - um projecto que nos foi presente pelo Exmo. Sr. Presidente Marques Júnior mas que a Mesa assume como projecto próprio.
O voto de pesar é do seguinte teor:

João Gaspar Simões, de cuja morte a Assembleia da República acaba de ter conhecimento, foi, durante seis décadas de intenso labor literário, um nome marcante da cultura portuguesa e constitui um caso, porventura único, de profissionalização e dedicação no exercício da crítica. De facto, Gaspar Simões começou a exercer a crítica, no final da década de 20, na «Presença», de que foi (com José Régio) um dos directores, e exerceu-a desde então regularmente, as mais das vezes semanalmente, até à actualidade, pois ainda agora continuava a assinar, aos domingos, a sua coluna no «Diário de Notícias».
É hoje ponto assente a grande importância da «Presença», a revista coimbrã a que se encontravam ligados, além dos já seus citados directores, outras figuras literárias inconfundíveis, como, entre outros, Miguel Torga, Casais Monteiro, Branquinho da Fonseca e Júlio Saul Dias; e é ponto assente também o contributo fundamental que Gaspar Simões deu para a «Presença», de que aliás foi também o «historiador», e a sua «geração», fossem o que foram e tivessem a influência que tiveram.
Gaspar Simões foi ainda, além de ensaísta, romancista e biógrafo (recorde-se o seu livro dedicado a Eça de Queirós), um verdadeiro pioneiro na valorização e divulgação do modernismo e sobretudo de Fernando Pessoa, que se hoje é universalmente reconhecido como um génio, nessa altura era ou desconhecido ou incompreendido, se não ridicularizado.
Saliente-se também que este incansável trabalhador das letras, quer através dos livros quer através da imprensa, foi sempre um democrata e como tal se comportou.
Finalmente, acentue-se que João Gaspar Simões integrava, desde a sua criação, o Conselho de Comunicação Social, que funciona junto desta Assembleia da República, Conselho a que sempre prestou toda a sua colaboração.

Assim, a Assembleia da República, reunida em sessão ordinária no dia 9 de Janeiro de 1987, exprime o seu profundo pesar pela morte de João Gaspar Simões.

Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O MDP/CDE votou favoravelmente o voto de pesar pela morte de João Gaspar Simões. Aliás, nem podia deixar de o fazer, porque se trata de uma figura marcante da literatura portuguesa, que pôde, através da sua feliz longevidade, não só fazer parte da geração da «Presença», que marcou uma época na literatura portuguesa, como, posteriormente a ela, continuar a exercer a sua actividade literária de forma a ocupar um lugar destacado na literatura portuguesa.
É perante o desaparecimento de uma personalidade que, além de outros méritos já salientados no voto de pesar lido pelo Sr. Presidente, teve o mérito de acompanhar, de pena na mão, a literatura portuguesa durante 60 anos, que o MDP/CDE se associa ao voto de pesar agora aprovado.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A presença regular de João Gaspar Simões na vida literária portuguesa, ao longo de mais de meio século, granjeou-lhe notoriedade e respeito. Impressiona a actividade crítica que desenvolveu, quase sem quebras, nas páginas do «Diário de Lisboa» da década de 30 e, nos últimos decénios, do «Diário de Notícias», teorizando, sustentando polémicas ásperas, divulgando autores nacionais e estrangeiros, apreciando as obras que animaram o nosso quotidiano cultural. Fundador da «Presença», com Régio, Branquinho da Fonseca e, numa primeira fase, Miguel Torga, manteve, até ao fim, inteira fidelidade aos ideais estéticos do movimento, defendendo concepções que cedo viriam a ser postas em causa pelos apelos solidários nascidos da injustiça social. Apegado às lições do realismo de novecentos, com tempero psicologístico, e às do modernismo que esmaltou o surgimento do «Orpheu», empenhou-se, de forma inexcedível, no estudo do legado queirosiano e na difusão, análise e tratamento do espólio de Fernando Pessoa, sempre carreando informação preciosa e pertinentes dados biográficos. Relativamente desconsiderada, a sua produção narrativa, presa a proselitismos de escola, revela a mesma argúcia e sensibilidade com que trabalhou nos outros domínios das letras. As suas «História da Poesia Portuguesa» e «História do Romance Português» constituem material de consulta obrigatória, no qual se contêm contributos positivos para uma investigação exigente, à luz dos instrumentos precisos hoje ao dispor.
Certamente que entre nós e Gaspar Simões existem diferenças radicais de pontos de vista, opções e práticas. Vêm da lonjura do tempo os debates ríspidos, as confrontações, as escolhas de campos inconvergentes. Também os agravos e as hostilidades. Tal não obstou nem obsta ao reconhecimento da coerência e dos méri-

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tos do seu procedimento intelectual. Daí que, para lá das divergências, honremos a lembrança do escritor e do cidadão, que, após Abril, desempenhou cargo público relevante no Conselho de Comunicação Social, merecendo agraciamentos do Estado democrático. O PCP associa-se, assim, de modo sincero, ao pesar expresso pela Câmara na hora enlutada do falecimento de João Gaspar Simões.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Andrade Pereira.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Morreu João Gaspar Simões e as letras portuguesas perderam um obreiro incansável.
Ao longo da sua longa vida, com uma disciplina e perseverança invulgares entre nós, Gaspar Simões escreveu até ao fim dos seus 83 anos.
Desde os tempos de estudante de Direito em Coimbra, altura em que foi um dos fundadores da revista «Presença», Gaspar Simões foi romancista, foi ensaísta, foi historiador e foi biógrafo entusiasmado de Eça e de Pessoa. Com as suas traduções, ajudou a conhecer entre nós autores fundamentais da literatura universal. Mas foi, sobretudo, o crítico literário que, durante meio século, com uma regularidade impressionante, com um desassombro invulgar, sem medo de desagradar a gregos e troianos, apegado a uma ética que era a sua, foi, de algum modo, a consciência crítica da nossa literatura.
Um juízo de valor sobre a sua obra exige outro juiz e deve, porventura, aguardar pela memória de amanhã.
Por nossa parte e agora queremos reverenciar a independência, a recusa de quaisquer alinhamentos estéticos ou políticos com que Gaspar Simões sempre exerceu a sua crítica.
Com Aquilino Ribeiro consideramos que «é fora de dúvida que, na terra dos compromissos em matéria de honra e competência, ele exerceu a sua magistratura com uma dose apreciável de imparcialidade e desassombro... »
Tanto seria suficiente para nos doer a morte de João Gaspar Simões; tanto seria suficiente para votarmos, como votámos, este voto de pesar.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Igualmente para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Rego.

O Sr. Raul Rego (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi a enterrar João Gaspar Simões, o tipo acabado do que há oitenta anos se chamava um homem de letras. Ensaísta, crítico literário, romancista, teatrólogo, talvez que a sua obra não resista ao desgaste do tempo. Talvez; mas as pedras mais ornamentais dos monumentos nem sempre são aquelas que lhes aguentam a estrutura.
João Gaspar Simões, que há pouco mais de cinquenta anos deixava a sua Coimbra por Lisboa, assentou cátedra de crítica literária no «Diário de Lisboa», primeiro, no «Diário Popular», depois, e, para findar, ainda nas vésperas de morrer, no «Diário de Notícias».
Fora um dos homens da «Presença», a geração coimbrã onde pontificavam José Régio e Miguel Torga, abarcando João José Cochofel, Alberto de Serpa, Francisco Bugalho, Albano Nogueira, Saul Dias, Adolfo Casais Monteiro, Branquinho da Fonseca, Fausto José; e fiel à ideia da «Presença», João Gaspar Simões havia de permanecer, fazendo-lhe até a história.
Em 1936, João Gaspar Simões iniciava em Portugal a crítica literária, íamos a dizer a crítica literária profissional; e deixámos ficar a palavra porque, se ele não conseguia viver dessa actividade profissional, praticava-a realmente como um profissional digno, não como um amigo que faz um jeito a este ou àquele escritor. No suplemento literário de quinta-feira do «Diário de Lisboa», a última página era de João Gaspar Simões, em que o «livro da semana», independentemente de ser autor consagrado ou desconhecido, era analisado à luz dos conceitos literários e estéticos de João Gaspar Simões. Tinha a honestidade profissional do homem que aplica os seus princípios, a sua doutrina, a sua experiência, os seus conhecimentos, também, às obras que tem na frente e analisa sem complacência e sem ódio. Essa honestidade intelectual e profissional lhe foi reconhecida, embora nem sempre pacificamente e às vezes tenha até sido discutida à portuguesa. O Chiado assistiu a mais de uma cena em que os conceitos estéticos foram discutidos com os punhos.
Homem de letras de rara honestidade intelectual e estética, não lhe fazia sombra a glória alheia, e lembremos que a universalidade de Fernando Pessoa deve muito à persistência e ao trabalho insano de João Gaspar Simões, na publicação das suas «Obras Completas». Como, aliás, a de Mário Sá Carneiro e a de alguns outros.
Entremeado com o crítico literário, que sempre foi, não se pode esquecer o biógrafo eminente de Fernando Pessoa e de Eça de Queirós. Esmiuçando pormenores, analisando as influências, não é o biógrafo que ergue um monumento num volume, como os de Oliveira Martins aos Filhos de D. João I ou a Nun'Álvares, não. É o crítico literário e o investigador que busca esclarecer todas as fontes, as escolas, que fizeram de Pessoa o grande poeta dos nossos dias e de Eça de Queirós o nosso maior romancista.
João Gaspar Simões foi um homem de letras de raro valor; mas, nesta Assembleia da República democrática, não quero deixar de assinalar também um cidadão que nunca hesitou em se mostrar democrata e que, muitas vezes, instou pelas liberdades cívicas em simples abaixo-assinados ou aderindo aos grandes movimentos em prol das liberdades, sobretudo da liberdade de expressão. Começara, aliás, por ser sócio e depois presidente da Associação Académica Republicana de Coimbra, onde teve como companheiro o meu companheiro António Macedo.
Escritor de talento, cidadão de carácter, assim eu vejo o meu amigo João Gaspar Simões, a quem a censura muitas vezes mutilou a prosa, mas nunca lhe conseguindo quebrar o carácter, a dignidade de cidadão e de escritor.
Aplausos do PS e de alguns deputados do PRD.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Domingues.

O Sr. Joaquim Domingues (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tendo admitido a inutilidade do trabalho que desenvolveu ao longo de dezenas de anos como crítico literário, tendo confessado o relativo inê

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xito da sua obra como criador artístico, reconhecendo que esta poderá ter - sido prejudicada por aquela, embora reclamando um fundamento ético para a sua actividade crítica, que juízo nos poderá suscitar, nas presentes circunstâncias, a personalidade de João Gaspar Simões?
Tendo conquistado o estatuto de figura tutelar das
letras portuguesas, sem escamotear o carácter, polémico
das posições que frontalmente expendeu, o traço mais neutro seria o que sublinhasse o ineditismo de uma presença constante, por mais de seis décadas, na vida literária portuguesa, sobretudo vocacionada para o ensaísmo e a crítica literária.
E quando, dentro de dois meses, passarem sessenta anos sobre a publicação do primeiro número da «Presença», poderia ainda afirmar-se fiel a alguns dos valores essenciais do movimento que lançou com José Régio e Branquinho da Fonseca.
É bem certo que se poderão considerar «datados» alguns desses valores estéticos e critérios de avaliação, mas seria mera presunção insinuar a existência de posições ou atitudes que escapem - neste domínio, aos condicionalismos epocais.
E, do seu tempo, João Gaspar Simões teve o, mérito de assumir a recusa dos critérios e valores desumanamente abstractizantes, mesmo correndo o risco de ser taxado de psicologismo ou subjectivismo.
Como teve ainda o mérito de bem cedo ter compreendido em que consistia o «provincianismo» latente ou patente no «caso mental português», tendo incansavelmente percorrido os itinerários da «pátria» que, sendo «a língua portuguesa», não poderia deixar de ser, por isso mesmo, a «literatura viva».
Dai o ter recusado os academismos e modismos que, seccionando a vida cultural portuguesa em escolas, correntes e movimentos, mais ou menos descontínuos, empobrecem ou anulam mesmo a possibilidade de uma visão englobante.
A persistente atenção que dedicou a Fernando Pessoa e ao movimento do «Orpheu» espelham bem essa consciência de que, mesmo no domínio literário, as descontinuidades se articulam sobre um tecido de constantes que seria ilusório ignorar. O mesmo se poderia, aliás, dizer quanto à reflexão que dedicou ao romance português.
E o seu «caso» poderá mesmo levar-nos a inquirir sobre o grau de atenção, ou desatenção, que as instituições oficiais de cultura vêm dedicando ao que, tantas vezes à sua margem, se constrói, ganha forma e vida, como expressão daquela razão ou espírito sem o qual seria inconcebível a realidade que somos, enquanto povo, que, primeiro na Europa, se fez Estado.
Filho do seu tempo, João Gaspar Simões será reconhecido como um dos que se devotou persistentemente a responder ao desafio, por mais insatisfeito que, afinal, se viesse a confessar.
Consciente de que o pior destino da literatura são os falsos ecos, que a cultura é viva quando se articula num diálogo de múltiplas leituras, em que a autenticidade de cada uma constitui um dos registos da linguagem comum na qual todos se reconhecem, cumpria o destino que se traçou.
Recordá-lo, neste momento, é, antes de mais, reconhecer que a sua presença deixou uma marca indelével no tempo que lhe foi dado viver.
O Grupo Parlamentar do PSD associa-se, assim, ao voto de pesar pelo falecimento de João Gaspar Simões.

Aplausos do - PSD e de alguns deputados do PS e do PRD.

O Sr. Presidente: - Finalmente, para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PRD associou-se a este voto de pesar pela morte de João Gaspar Simões em homenagem a um homem que, desde há sessenta anos, teve um papel relevante, embora muitas vezes polémico, na literatura portuguesa.
Quer como ensaísta e crítico - função que desempenhou de um modo ininterrupto ao, longo de todas estas décadas -, quer como ficcionista (será bom recordar o romance «Elói ou Romance Numa Cabeça», que alguns críticos consideraram como uma obra de ficção relativamente importante, e a faceta de crítico ensaísta do seu autor terá contribuído para fazer esquecer); quer ainda como biógrafo, sendo sobretudo de lembrar as suas excelentes biografias de Eça de Queirós e de Fernando Pessoa, Gaspar Simões teve, de facto, um lugar marcante na literatura portuguesa.
Para além do destacado, é de acentuar que Gaspar Simões foi - esse é um dos méritos históricos que ninguém lhe retirará -, assim como os seus companheiros da «Presença», entre os quais avulta José Régio, aquele que primeiro, compreendeu (embora, se calhar, mais tarde essa sua compreensão se tenha mostrado, em alguns aspectos, imperfeita) e ajudou a tornar conhecida e a divulgar esse génio universalmente reconhecido da poesia, que - é Fernando Pessoa.
Quando ele era em geral desconhecido, às vezes até ridicularizado, Gaspar Simões foi um pioneiro na divulgação do modernismo e, como disse, do próprio Fernando Pessoa. E pense-se o que se pensar acerca da evolução dos seus méritos, não - se pode esconder nem esquecer, por, infelizmente, ele ter falecido, que a sua obra suscitou depois polémica, que terá, de certa forma, estiolado alguns conceitos, porventura ultrapassados.
Além disso, penso que Gaspar Simões foi o primeiro grande profissional da crítica em Portugal. Foi um homem que assumiu a profissão de crítico, de escritor, de trabalhador das letras. Ele foi um trabalhador incansável e esse é um mérito que certamente todos lhe reconhecerão.
Todos, ou quase todos, os grandes escritores portugueses, sobretudo ficcionistas e poetas de algumas décadas, terão tido da sua parte algumas das análises e comentários mais prescientes. Muitos deles, quando se estrearam, terão tido em Gaspar Simões as primeiras palavras de compreensão, de apoio e de estímulo. Julgo que muitos dos grandes escritores contemporâneos virão a terreiro dizer isso, prestando-lhe assim uma homenagem. Aliás, muitos deles já lha prestaram em vida e outros, não o tendo feito, irão fazê-lo agora.
Finalmente, também não podemos esquecer, como, de resto, é sublinhado no voto que foi aprovado, que Gaspar Simões sempre foi um democrata, e que na fase terminal da sua vida integrou um órgão, que aliás funciona junto desta Assembleia da República, que é o Conselho de Comunicação Social, ao qual deu todo o seu esforço.
- Por estas razões, sinteticamente expostas, nos associámos ao voto de pesar aqui aprovado.

Aplausos do PRD e de alguns - deputados do PS e do PSD.

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O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente, na última terça-feira tivemos ocasião de dizer que faríamos hoje uma declaração política relativa a declarações do Sr. Secretário de Estado para os Assuntos Parlamentares que consideramos de extrema gravidade.
Gostaríamos de saber se o Sr. Secretário de Estado pretende estar presente a uma declaração que versa uma intervenção que fez. Nesse caso, a nossa bancada aguardaria pela presença de um membro do Governo que possa dar explicações sobre as declarações que fez.
Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Vou providenciar nesse sentido, Sr. Deputado Magalhães Mota.

Pausa.

Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, agradece-se a cortesia - se assim se pode chamar do PRD, implícita na interpelação à Mesa do Sr. Deputado Magalhães Mota, mas, como é óbvio, o Sr. Secretário de Estado sabia perfeitamente que esta declaração política ia ser feita e que tem precedência sobre todas as outras declarações. Portanto, estará ou não presente, consoante quiser ou não estar presente.

Poderíamos, pois, prosseguir os nossos trabalhos.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª afiança-me que o Sr. Secretário de Estado tinha conhecimento de que o PRD ia fazer esta intervenção?

O Sr. António Capucho (PSD): - Obviamente que sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Entretanto, a Mesa já encetou diligências nesse sentido e, depois de ter falado com o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, não vê inconveniente em que se prossiga o período de antes da ordem do dia. Depois de termos a certeza sobre se o Sr. Secretário de Estado estará ou não presente, concederei a palavra ao Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos para produzir a referida declaração política. Tudo isto, repito, com a aquiescência do Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.

Há alguma objecção?

Pausa.

Não havendo objecções, concedo a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado Armando Fernandes.

O Sr. Armando Fernandes (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: ainda não há muito tempo foi denunciada nesta Câmara a tensa situação que se vivia na Metalúrgica Duarte Ferreira, no Tramagal.
Se na altura a situação era má, neste momento podemos afirmar que se vivem tempos dramáticos naquela unidade fabril, com todo o cortejo de malefícios sociais à mistura.
Nesta altura, os trabalhadores receberam o salário respeitante ao mês de Dezembro, estando por pagar o 13.º mês e 40% dos salários respeitantes aos meses de Outubro e Novembro.
Mas, para além da não existência da garantia de os
trabalhadores passarem a receber a tempo e horas o salário, ameaça-os o espectro do desemprego. Com efeito, após terem sido despedidos 476 trabalhadores, o conselho de administração requereu autorização para aplicar o «lay off» a 294 trabalhadores.
Em reunião efectuada na Câmara Municipal de Abrantes, no dia 24 de Dezembro, o conselho de administração da Metalúrgica Duarte Ferreira reafirmou o seu propósito em viabilizar a empresa; os representantes dos trabalhadores manifestaram o seu desejo em defenderem os postos de trabalho, ao invés, o representante do Governo, o Governador Civil de Santarém, informou os presentes de que o Ministério do Trabalho irá garantir assistência social aos afectados, e, quanto à viabilização da empresa, informou-nos de que o Ministério da Indústria não acredita no futuro da empresa. Ficámos com a impressão de o Governo estar mais interessado na institucionalização da «sopa dos pobres» que na salvação daquela histórica unidade industrial.
A Metalúrgica Duarte Ferreira já foi discutida muitas vezes nesta assembleia. Pelos vistos, não será a última, pois estão em jogo interesses importantes para a região do Ribatejo e interesses de índole social com incidência junto de milhares de pessoas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: a resolução do Conselho de Ministros n.º 11/85 atribuiu à Metalúrgica Duarte Ferreira um subsídio de 320 000 contos e estabeleceu um conjunto de medidas para a empresa se viabilizar, entre as quais a de proceder ao despedimento de 476 trabalhadores. Na altura, os trabalhadores manifestaram a sua repulsa, pois previam que tal resolução
não viria contribuir para a solução do problema.
Por despacho conjunto de 30 de Abril de 1986 dos Ministros das Finanças, do Plano, da Indústria e do Trabalho, é prorrogado por mais um ano o estado de situação difícil na empresa, prazo esse que termina em 7 de Março de 1987. Esperava-se que com essa prorrogação o Secretário de Estado do Planeamento e Desenvolvimento Regional, em conjugação com o Secretário de Estado da Indústria e Energia, estudasse as «acções necessárias à definição e implementação de um programa integrado de desenvolvimento para a região do Tramagal» e fosse integrada prioritariamente nesse plano a problemática da Metalúrgica Duarte Ferreira.
Em vez do cumprimento desse despacho, sabemos hoje que a Metalúrgica Duarte Ferreira não é prioritária para o Governo. Talvez por isso, em Agosto, o Banco Fonsecas & Bumay, seu maior credor, cortou-lhe o crédito, numa altura em que se projectava um
investimento de 50 mil contos no sector da fundição.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: os despachos conjuntos, os subsídios, as promessas eleitorais não resolveram nem viabilizaram esta empresa. Os trabalhadores vivem na instabilidade, na insegurança, recebem o salário inseguramente, estão ameaçados de nova onda de despedimentos. Isto quando a empresa tem em carteira
para o ano de 1987 um potencial de mais de 700 mil contos em encomendas.
O Ribatejo continua à espera de um plano integrado de desenvolvimento regional, o Tramagal continua à espera de ver medidas capazes de salvar aquela unidade industrial, os trabalhadores continuam à espera de ver consagrado o direito ao trabalho e ao salário completo.
O Ribatejo, os empresários, os trabalhadores e a popu-

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lação vão continuar à espera de medidas capazes de criar um desenvolvimento correcto e harmonioso daquela que é uma das regiões mais ricas do País.
Assim o exige o progresso económico e social, assim o exige a região, assim o exige o mais elementar bom senso. Esperemos que o Governo ouça mais este apelo: Pela nossa parte, continuaremos atentos.

Aplausos do PRD e de alguns deputados do PS.

O Sr. presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro.

O Sr. Álvaro Brasileiro (PCP): - Sr. Deputado Armando Fernandes, certamente que o Sr. Deputado teve conhecimento de que, há bem pouco tempo, o meu grupo parlamentar alertou também a Câmara para a gravidade da situação da Metalúrgica Duarte Ferreira. De qualquer modo, foi muito oportuna a vossa intervenção, uma vez que os problemas se agudizam.
Chamo a tenção para o facto de o meu grupo parlamentar estar na disposição de, em conjunto com os outros grupos parlamentares, fazer «démarches» de maneira que se solucione um problema que não é apenas um escândalo, mas também um crime que se está a praticar contra os trabalhadores da Metalúrgica Duarte Ferreira, assim como contra a população e a economia nacional.
Temos, na globalidade, de dar a nossa ajuda e contribuição para a solução de um problema que já começa a tocar as raias do escândalo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Fernandes.

O Sr. Armando Fernandes (PRD): - Sr. Deputado Álvaro Brasileiro, agradeço-lhe as suas palavras.
Também nós já aqui dissemos, por diversas vezes, que estamos inteiramente de acordo em criar, juntamente com deputados de outras bancadas, um conjunto de medidas que possa estabelecer uma análise rigorosa da situação na Metalúrgica Duarte Ferreira.
Para isso, todavia, é também necessário que o Governo contribua com a sua boa vontade. Isto por que não é fazendo receber os trabalhadores e a administração por assessores, não criando planos ou não cumprindo as resoluções e até o Despacho n.º 118/86 do actual Governo, que viabiliza a Metalúrgica Duarte
Ferreira. Neste aspecto, estou inteiramente de acordo consigo.

O Sr. Presidente: - Informo os Srs. Deputados de que, feitas as devidas diligências, não foi possível encontrar o Sr. Secretário de Estado.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começamos por sublinhar que preferiríamos que estivesse presente o Sr. Secretário de Estado. Porém, apesar de ele ter entendido não estar presente, mesmo assim, passo a produzir a minha declaração política.

O Sr. António Capucho (PSD): - Está a governar, Sr. Deputado!

O Orador: - Está a governar? Esperemos que a sua governação seja melhor do que aquelas afirmações a que me irei referir!

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, em entrevista à RDP-Madeira, de que os jornais se fizeram eco, fez afirmações que, pela sua extrema gravidade, não podemos deixar de trazer a esta Câmara, escalpelizar e denunciar.
Segundo a informação que dessa entrevista nos é fornecida pelo «Diário de Notícias», de domingo, dia 4 do corrente mês, e que temos de tomar por boa, pois, - ao fim destes dias, não teve qualquer desmentido, o Sr: Secretário de Estado afirmou - é o que dá titulo à noticia - que a «a Constituição não é portuguesa».

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não, não foi isso!

O Orador: - Reproduzindo integralmente a sua afirmação: «Temos uma Constituição da República, mas não temos uma Constituição portuguesa, pelo que é preciso que, na próxima revisão constitucional, seja encontrada uma fórmula que viabilize a existência dessa Constituição portuguesa.»
Em linguagem vicentina, a afirmação do Sr. Secretário de Estado para os Assuntos Parlamentares haveria de classificar-se de uma forma que, a ser utilizada nesta Assembleia, decerto feriria os tímpanos mais sensíveis. E o mesmo, decerto, aconteceria se a houvéssemos de adjectivar e zurzir, em termos camilianos, com qualificativos necessariamente escolhidos entre os mais devastadores que o mestre de Seide usou nas suas polémicas. Já se entendêssemos mais adequado e para isso tivéssemos o talento necessário - o que obviamente, não acontece - para «farpeá-la como a «ramalhal figura» ou o «divino» Eça, a afirmação do Secretário de Estado seria demolida pelo «riso que peleja contra [...] a tolice», como Eça escreveu, o riso que muitas vezes «é uma filosofia» ou pelo menos uma «opinião». E, em tal caso, sinceras e sonoras gargalhadas haviam de ribombar por toda esta solene Câmara.

O Sr. António Capucho (PSD): - Ai, Jesus!

O Orador: - Só que, Sr. Presidente, Srs. Deputados, a nós cabe-nos dar a esta e a outras afirmações do Sr. Secretário de Estado não um tratamento literário, mas uma «resposta» política. Por isso, não vamos sequer aprofundar se o Sr. Secretário de Estado, que desde os microfones da RDP-Madeira «decretou» não ser portuguesa a Constituição da República de Portugal, entende que a Constituição aprovada neste Parlamento em 1976 e aqui revista em 1982 é uma Constituição espanhola, ou uma Constituição francesa, ou - «hélas!» - uma Constituição russa, ou uma Constituição norte-americana (esta decerto que não, pois dá muito mais capacidade de intervenção e poderes ao Parlamento, o que não agradaria ao Sr. Secretário de Estado e ao Governo que integra), ou, ainda mais original, uma Constituição chinesa, ou, ainda mais insólito, uma Constituição yemenita ou panamiana.

Vozes do PRD: - Muito bem!

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O Orador: - Deixando, pois, o aprofundar destas questões e deste mistério, o que fica é isto, que é gravíssimo: um membro do Governo da República considera que não é portuguesa a nossa Constituição, a lei fundamental do País, com a qual se tem de conformar todo o ordenamento jurídico.
A Constituição da República, em que se plasmaram os grandes ideais e valores do libertador 25 de Abril; a Constituição que, quando aprovada em 1976, embora naturalmente marcada pela conjuntura em que nasceu, e para lá das legítimas discordâncias sobre alguns dos seus comandos e, sobretudo, «considerandos», representou a vitória final sobre quaisquer novas tentações totalitárias ou autoritárias e que em 1982 foi revista nos termos que ela própria dispõe; a Constituição aqui saudada e festejada em Junho último, quando se completaram dez anos da sua vigência; a Constituição que é a Magna Carta do nosso regime democrático e dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos; a Constituição que o Presidente da República jura cumprir e fazer cumprir, a que devem respeito e obediência todos os órgãos de soberania e todos os cidadãos, não é sequer considerada portuguesa por um membro deste Governo! É difícil admitir ou visionar mais grave e pior do que isto!
Assim, tendo dito o que lhe é atribuído e que não desmentiu, o Sr. Secretário de Estado ou se retracta, dizendo que não quis dizer aquilo que disse, ou se demite, ou ainda, a não se verificar nenhuma das anteriores hipóteses, o Sr. Secretário de Estado deve ser demitido. Não há alternativa: impõe-no a dignidade das instituições democráticas e o respeito que lhes é devido.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Era isto, fundamentalmente, como questão de Estado, o que o PRD desejava exprimir nesta sua declaração política. Mas, já que a faz, não pode também deixar passar sem refutação outras declarações do referido membro do Governo na mesma entrevista, nas quais o nosso partido é directamente visado.
Com efeito, na sequência da anterior afirmação - e não desmerecendo dela -, o Sr. Secretário de Estado entra no tema da revisão constitucional, opinando que «não existem condições para fazer qualquer revisão constitucional digna desse nome atendendo ao aspecto partidário da actual Assembleia da República», defendendo assim a necessidade de «ser encontrada uma maioria qualificada capaz de assumir as grandes sugestões nacionais, enfrentá-las e ter vontade política para resolvê-las» e acrescentando mesmo que o PRD, «em matéria de Constituição, está muito próximo do PCP». E conclui dizendo ainda que «se analisarmos os textos distribuídos no final das reuniões importantes do PRD, em todos eles existe uma espécie de repetição do acto de fé nesta Constituição».
Face a estas declarações, importa sublinhar o seguinte:
Primeiro, o PRD tem uma posição clara e autónoma sobre a Constituição e tudo o que ela representou e representa para a nossa Pátria, posição expressa nos seus textos estruturantes, inclusive quanto a algumas modificações que julgamos lhe devem ser introduzidas e que abrem logo o capitulo I do nosso Programa.
Segundo, a Constituição da República tem de ser respeitada por todos, a começar, naturalmente, pelos titulares dos órgãos de soberania. Não a sacralizamos, considerando-a intocável, mas recusamos terminantemente transformá-la em álibi para males, incapacidade e incompetências, como tantas vezes tem acontecido, à semelhança do que aconteceu ou acontece com outros falsos álibis.

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Orador: - Terceiro, tomamos a devida nota do medo que um membro do Governo tem da actual composição desta Assembleia para rever a Constituição. Decerto seria mais fácil e cómodo - só que, em nosso juízo, não seria o melhor para o País e para a democracia - revê-la com apenas dois partidos reunindo a maioria qualificada necessária e que se pudessem «entender», como, aliás, aconteceu no passado, designadamente no quadro geral de um acordo ou de acordos que passassem pela divisão clientelista de cargos e lugares e pelo «tiro» ao alvo de alguns objectivos e adversários comuns.

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Orador: - Quarto, o PRD rejeita também, com veemência, o método, vindo do passado mais obscurantista da ditadura, mas que agora está a ser de novo usado (só que, felizmente, e dado que vivemos em democracia, sem as sinistras consequências do antigamente), de sugerir colagens, seguimentos ou coincidências com o PCP como forma de ataque ou destruição de argumentos, como ainda agora aconteceu, uma vez mais, a propósito dos projectos de lei da Reforma Agrária que hoje vamos votar. Aliás, esse velho e antidemocrático método parece já não conseguir grandes resultados, como se viu nas duas últimas eleições presidenciais.
Quinto, o PRD desafia o Sr. Secretário de Estado a provar que tenha o mínimo de fundamento o que afirma sobre hipotéticos «actos de fé» constitucionais contidos em todos os textos distribuídos no final das suas reuniões importantes. Aliás, se o fizéssemos, deles não teríamos que nos penitenciar. Só que demonstraríamos bastante falta de imaginação.
Mas, em matéria de desafio, temos outro, enfim, para lhe fazer, e mais solene, sobre uma sua outra grave acusação ao nosso partido, qual seja a de que o PRD «tem a voracidade do poder», acusando-o de ter sido criado para «empregar pessoas» e distribuir «cargos políticos» e «as chamadas benesses do Poder», por o general Ramalho Eanes, enquanto Presidente da República, não o ter podido fazer.

Risos do PRD.

Ora, o Sr. Secretário de Estado pertence a um governo que só não foi inviabilizado desde o debate do seu Programa graças à posição responsável do PRD, tomada por razões nesta mesma tribuna claramente expressas em mais de uma ocasião. O PRD está pois, desde o início, numa posição que lhe permitiria ter ascendido à área do poder, ter exigido ou solicitado contrapartidas - benesses, lugares ou o que quer que se lhe chame - para não inviabilizar o Governo. Nunca o fez. Nunca o fez - repito - de forma inequívoca. Sempre defendemos e privilegiámos o diálogo com todos, incluindo o Governo, mas nunca negociámos as nossas posições nem nunca cedemos em princípios para ganhar em clientelas, como outros tantos têm feito ao longo dos muitos anos. Ninguém, mas ninguém, ocupa qualquer cargo ou lugar ou teve qualquer

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beneficio indevido por ser do PRD. O contrário é quê pode ser exacto, como foi exacto, no passado, ainda era Presidente da República o Sr. General Ramalho Eanes, ter havido cidadãos prejudicados, quando não perseguidos, por o terem apoiado e por serem considerados «eanistas».

Aplausos do PRD.

Esta é a verdade inteira e pura. E o Sr. Secretário de Estado, a quem fazemos a justiça de saber o que quer dizer «voracidade» - designação muito utilizada em relação às «piranhas», aos «vermes» e às labaredas que ninguém consegue deter -, fica desafiado solenemente a provar o que afirma. Se o não fizer, como não pode fazer, ou se retracta, dizendo que também aqui disse o que não quis dizer, ou apresenta, desculpas, ou teremos de considerar que mentiu e caluniou o PRD.

Aplausos do PRD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Custa-nos - e devo dizer, muito francamente, que a mim mesmo me custa - ter tido de fazer uma intervenção como esta e mesmo utilizar a linguagem crua a que as circunstâncias nos obrigaram. E custa-nos tanto mais por se tratar de um Sr. Secretário de Estado encarregado das relações com este Parlamento - O que deve exigir especial capacidade de bom relacionamento e diálogo - e por sempre termos mantido com ele uma relação que julgávamos aberta e cordial. Porém, a gravidade do que afirmou a tanto nos obrigou. Sinceramente, esperamos e desejamos que no futuro não nos obriguem a fazer outra intervenção de teor semelhante a esta.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capacho (PSD): - Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, não vou, obviamente, fazer comentários sobre o que afinal parece ser o essencial das declarações do Sr. Dr. Correia de Jesus em termos de «ofensa» à bancada do PRD, que tem a ver com as declarações que ele fez relacionadas com o vosso partido e talvez não tanto com a questão da Constituição. Não farei comentário sobre isso, pois, sendo ele membro da Comissão Política Nacional e, para além do mais, cidadão, faz os comentários sobre o PRD que entender.
Fiquei apenas mais preocupado do que o que já estava a propósito das perspectivas do PRD face à próxima revisão constitucional. Mas pode ser apenas fumo sem fogo, pelo que aguardaremos o tempo oportuno para vermos qual é a postura concreta do PRD face a essa matéria fundamental.
Quanto à questão dos títulos de alguma imprensa a propósito das referidas declarações, começarei por dizer que, manifestamente, os comentários de V. Ex.ª não são feitos com base na análise concreta das declarações produzidas pelo Dr. Correia de Jesus à Radiodifusão da Madeira, mas sim aparentemente baseados - e parece-me que V. Ex.ª confirma isso - em notícias publicadas nos jornais. Logo, como ficou óbvio, V. Ex.ª parte de afirmações inteiramente desligadas do respectivo contexto - como é normal quando se parte de declarações deste tipo publicadas na imprensa - e, porventura, ignora que o Sr. Dr. Correia de Jesus explicitou nessa entrevista, que falava a título pessoal. É que, se de facto V. Ex.ª tivesse ouvido a entrevista ou lido a sua reprodução (pois de uma entrevista radiofónica à RDP se tratou), teria verificado que o Dr. Correia de Jesus se limitou a citar - e transcreveu-a «ipsis verbis» - uma declaração feita pelo então docente universitário Dr. Correia de Jesus, há cerca de três anos, num colóquio sobre a Constituição, em que, de resto, participaram vários constitucionalistas de diversos quadrantes políticos.

Protestos do PRD.

A bancada do PRD está nervosa.
Que se saiba, naquela altura, há três anos, tal declaração não provocou quaisquer reacções negativas, quer da parte de presentes quer de ausentes. E se na altura o PRD ainda não existia, segundo o Sr. Deputado do PRD que interveio, havia «eanistas».

Vozes do PSD: - Muito bem!

Orador: - Quanto à questão do desmentido, não espere V. Ex.ª qualquer desmentido ou esclarecimentos, adicionais por parte do visado, já que os membros do Governo estão demasiadamente ocupados com coisas sérias, com a governação, para andarem a corrigir ou a desmentir tudo o que de menos correcto ou falso os meios de comunicação possam dizer a seu respeito. Se fôssemos pelo desmentido sistemático, não se faria outra coisa.
Já agora, quanto à Constituição, permita-me que lhe acrescente o seguinte: se um extraterrestre descesse aqui e analisasse a nossa Constituição sem saber que ela é portuguesa, pensaria, porventura, sobre algumas passagens, que ela seria mais adequada à Etiópia ou à Albânia do que a Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PRD.

O Orador: - Disse claramente que seria só em relação a «algumas passagens».
Contudo, isto não quer dizer que o meu partido, o meu grupo parlamentar ou qualquer membro do Governo não possam discordar deste ou daquele ponto da Constituição. E é o caso, pois discordamos deste ou daquele ponto da Constituição, como se sabe e como se verá quando da revisão constitucional. De qualquer modo, acatamos - não tenho dúvidas nenhumas em o dizer e em o mostrar, pois fazêmo-lo na prática - a Constituição da República Portuguesa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, V. Ex.ª pediu a palavra para formular pedidos de esclarecimento?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso dou primeiro a palavra ao Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, para contraprotestar, se o desejar.

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O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Deputado António Capucho, devo dizer-lhe que me surpreendeu a intervenção de V. Ex.ª, cuja serenidade na condução da sua bancada me tenho habituado a respeitar.
E surpreendeu-me, primeiro - e começando pelo fim -, porque, salvo o devido respeito, comparou o Sr. Secretário de Estado a um extraterrestre que tivesse vindo de outro planeta e que pela primeira vez visse esta Constituição.

Risos do PRD.

O Sr. Secretário de Estado tem virtudes e defeitos, como toda a gente, mas não lhe conhecia esse de ser um extraterrestre.

Risos do PRD.

Soube agora que era um docente com uma lição proferida nesta matéria - desconhecia-o -, mas isso só vem agravar as suas declarações, pois significa que não lhe saíram no calor da entrevista, não foram «lapsus linguae» ou «lapsus calami», foi alguma coisa de mais pensado, premeditado.
Portanto, o Sr. Secretário de Estado ainda não era Secretário de Estado e já pensava que a Constituição da República de Portugal não era portuguesa. Mas, nesse caso, tinha uma boa solução: ficava na sua Madeira natal - cujos ares, se calhar, lhe inspiraram, com outras influências, estas declarações vibrantes -, e ninguém o obrigava a ser membro de um Governo que tem de cumprir e respeitar a Constituição.

Aplausos do PRD, do PS e do MDP/CDE.

E para mim, como português, não há nada mais grave do que considerar que a Constituição não é portuguesa. V. Ex.as podem dizer que ela é de inspiração marxista, que é socialista e que está cheia de excrescências desnecessárias - é uma opinião -, mas não há nada pior do que considerar que a Constituição da República de Portugal não é portuguesa.

O Sr. António Capucho (PSD): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. António Capucho (PSD): - Ó Sr. Deputado, uma coisa tem de ficar clara: é que nem nas notícias vindas a lume na imprensa escrita, nem muito menos na entrevista dada à RDP, cuja gravação V. Ex.ª poderá consultar, em altura alguma perpassam sequer indícios de que o Sr. Secretário de Estado não acata a Constituição, antes pelo contrário.
Por outro lado, o Sr. Deputado não pode negar a ninguém, nem mesmo a um membro do Governo, o direito de citar uma afirmação sua, feita no âmbito de um colóquio sobre a Constituição, em que, como constitucionalista e intelectual do direito que é - como certamente V. Ex.ª reconhece -, o Sr. Secretário de Estado fez comentários sobre soluções concretas e pontuais que a Constituição encerra e que do ponto de vista dele não são soluções portuguesas.
Qual é o problema disto, Sr. Deputado?! Não empole, nem tente tirar daí que há um membro do Governo que não acata a Constituição! O Sr. Deputado está a tirar uma ilação que não é verdadeira!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado António Capucho, se o Sr. Secretário de Estado tivesse dito que nesta Constituição há muitas soluções com as quais ele não concorda e que pensa não estarem de acordo com a melhor tradição do direito português, obviamente que não teríamos produzido esta intervenção. Mas o que o Sr. Secretário de Estado disse textualmente foi que temos uma Constituição da República, mas não temos uma Constituição portuguesa, pelo que é preciso que na próxima revisão constitucional seja encontrada uma fórmula que viabilize a existência dessa Constituição portuguesa».
«Não temos uma Constituição portuguesa» foi o título que saiu em vários jornais, designadamente no «Diário de Notícias», que não é um jornal qualquer, e o Sr. Secretário de Estado não desmentiu nem esclareceu esta afirmação. Portanto, isto reveste-se da maior gravidade e não tem nada a ver com a discordância, que - volto a dizê-lo - é perfeitamente legítima, sobre alguns comandos ou considerandos da Constituição. Querer dizer o contrário, por mais brilhante que seja a dialéctica utilizada, é fugir da essência da questão. Temos um secretário de Estado que disse publicamente, e não desmentiu, que a Constituição a que deve obediência não é portuguesa e para mim, como português, não há pior insulto, nem pior acusação do que esta.
Portanto, o PRD mantém inteiramente a sua posição sobre este assunto.

Aplausos do PRD, do PS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, vou fazer-lhe uma pergunta de natureza muito prática, antecedida apenas de uma breve introdução.
Perfilhamos de grande parte das considerações que o Sr. Deputado produziu relativamente às lamentáveis e gravíssimas declarações do Sr. Secretário de Estado para os Assuntos Parlamentares, feitas em primeira ou segunda mão, citando-se, como alega o Sr. Deputado António Capucho.
Também nos associamos à sua exigência de demissão do Sr. Secretário de Estado, mas pensamos que não é de esperar que, por iniciativa própria ou do Governo, isso venha a acontecer...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ..., como, de resto, se pode verificar nos antecedentes que já existem. Ainda ontem falámos aqui do Secretário de Estado que tem hoje a tutela da comunicação social e anteriormente vimos como membros do Governo e da bancada do PSD foram desautorizados pelo Sr. Primeiro-Ministro sem que tenham reagido de uma forma digna, como seria recomendável.
Tudo isto nos inculca a ideia de que não haverá a tal demissão se a Assembleia da República não tomar qualquer iniciativa, e por isso mesmo lhe pergunto se não encara a necessidade de serem tomadas medidas por parte da Assembleia da República para obter a demissão do Sr. Secretário de Estado enquanto não se obtém a demissão do Governo.

O Sr. António Capucho (PSD): - Uma moção de censura, muito bem!

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Deputado Carlos Brito, no PRD gostamos sempre de confiar nas pessoas até ao último momento e quando dissemos que ainda aguardávamos que o Sr. Secretário de Estado nos viesse dizer que não quis dizer aquilo ou que se retractasse é porque acreditamos que essa seja uma hipótese.
Também este Governo - que é um governo da República legítimo - e o Primeiro-Ministro nos hão-de merecer ainda e para já a consideração de, face à gravidade desta situação, tomarem alguma medida. Se o não fizerem, o PRD ponderará a atitude que deve tomar através do próprio partido e no local próprio.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Mota.

O Sr. António Mote (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Dezembro passado desloquei-me a vários concelhos de Trás-os-Montes, onde contactei com agricultores e produtores de batata, nomeadamente da região do Barroso.
Pude constatar que na última campanha os produtores tiveram largas centenas de contos de prejuízos, resultantes do apodrecimento da batata, não tendo tido, até ao momento, qualquer ajuda por parte dos Serviços Regionais de Agricultura e do Governo, não só quanto a esclarecimentos pedidos, como quanto aos subsídios à produção.
Acresce que este ano foi particularmente mau para a produção, tendo esta ficado a menos de metade do que seria normal, tendo havido muitos agricultores que nem sequer conseguiram ficar com batata para consumo próprio, devido ao apodrecimento precoce deste tubérculo. Os agricultores tiveram de deitar fora largas dezenas de toneladas estragadas em vastas áreas, nomeadamente em Vilarinho, Cerdedo e Dornelas.
E isto acontece não por culpa dos agricultores, mas sim pelo insuficiente ou nulo trabalho de apoio técnico à agricultura por parte do Ministério da Agricultura, nomeadamente quanto às sementeiras, à fertilização e ao tratamento fitossanitário.
Os agricultores testemunharam que após recorrerem aos técnicos da Direcção Regional da Agricultura, estes, incompreensivelmente, em vez de analisarem, como lhes competia e era seu dever, a situação, transmitiram aos agricultores nada ser possível fazer, porque nem seguro havia que os abrangesse.
Os agricultores exigem que o Governo, como lhe compete, tome medidas rápidas para salvaguardar os prejuízos.
Dirigimos aqui, na Assembleia da República, a pergunta ao Governo: o que vai fazer para apoiar os produtores de batata?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na visita pude também contactar com trabalhadores da TABOPAN, em Vila Pouca de Aguiar, que me expressaram o mais vivo repúdio pela forma como a administração atenta contra os seus legítimos direitos, estando encerrada a empresa desde a 2.ª quinzena de Abril passado.
Os 92 trabalhadores têm neste momento quatro meses de salários em atraso, subsídio de férias e I3.º mês de 1986 e a administração tem vindo a ameaçar, em nítida manobra de chantagem, com o encerramento da empresa, chegando a dizer que se «os trabalhadores lutarem pelos salários, encerrará a empresa».
Mas eles têm razão na sua luta.
A administração deve-lhes, incluindo a unidade fabril de Amarante, diuturnidades, subsídios de férias desde 1979, após a revisão do contrato colectivo de trabalho, subsídios de Natal de 1984, 1985 e 1986 e subsídio de férias de 1985, salários de Outubro, Novembro e Dezembro, num total de 276 750 contos.
Srs. Deputados, estão em causa 1500 postos de trabalho na região, e da nossa parte - e penso que da Assembleia da República - deveríamos perguntar ao Governo se os organismos competentes do Ministério do Trabalho actuaram na empresa e verificaram as ilegalidades da administração e que resposta dão aos trabalhadores e à Assembleia da República.
Ao trazer aqui alguns problemas da região de Trás-os-Montes e do Douro gostaria de, por fim, me congratular pelo agendamento neste mês das ratificações apresentadas pelos diversos grupos parlamentares, em que o PCP se inclui, do Decreto-Lei n.º 313/86, que lesivamente alterou o Estatuto da Casa do Douro.
O que os 28 000 agricultores esperam agora da Assembleia da República, e para isso contarão com o empenhamento do Grupo Parlamentar do PCP, é que esta dê adequada resposta aos seus interesses.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Igualmente para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Sr. (Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Reunidos em Setembro passado na Figueira da Foz, nas suas VII Jornadas Parlamentares, os deputados socialistas decidiram, como consta das suas conclusões, consagrar o melhor dos seus esforços à elaboração de medidas, à preparação de diplomas e à luta pela descentralização, pela reforma do Estado e pela regionalização.
Um grupo de trabalho então constituído tem vindo a dinamizar o processo, encontrando-se neste momento concluídos os primeiros projectos de lei que serão submetidos à apreciação da comissão nacional do nosso partido, que, para o efeito, reúne em Lisboa no próximo dia 10 de Janeiro.
Uma vez acolhidas as sugestões mais salientes do debate, serão aqueles projectos imediatamente apresentados à Assembleia da República, dentro do prazo estabelecido pela Comissão de Administração Interna e Poder Local.
Consciente da complexidade e das dificuldades que o processo global de descentralização e de regionalização do continente apresentam, o Grupo Parlamentar Socialista articulou os seus projectos de lei, preparou uma metodologia para a sua análise, adoptou uma calendarização das acções a levar a cabo até à completa institucionalização das regiões e propõe um sistema de consultas que minimize essas dificuldades e reforce as condições de sucesso.
Mas todos sabemos que o nosso processo de regionalização não poderá vingar, não vingou em qualquer outro país, a partir de um simples acto de promulgação da legislação que o consagre, por melhor que se trabalhem os seus aspectos formais e processuais e se cuide da sua parte substantiva.

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O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O nosso processo de regionalização levará alguns anos a edificar, sendo fundamental para o êxito da sua institucionalização contar desde o primeiro acto com a compreensão, o apoio e, desejavelmente, com o entusiasmo das populações, o que só se conseguirá desde que as mantenhamos perfeitamente esclarecidas: primeiro, a respeito das vantagens do sistema que lhes é proposto; segundo, da transparência, do realismo e da razoabilidade dos projectos, dos meios e das competências que a Assembleia da República destina às regiões; depois, do grau da sua participação nas sucessivas fases preparatórias, e, finalmente, das garantias de que serão elas a decidir, em última instância, da institucionalização concreta da sua região.
Para o êxito do processo será essencial que a Assembleia da República, em cada momento, em cada passo, lhes transmita sentido de unidade, de realismo, de prudência e de convicção nas suas propostas.
Nenhuma força política ou grupo parlamentar que a represente poderá, por si, nem nenhuma maioria não qualificada desta Assembleia deverá, em questão de tal transcendência e influência no nosso destino colectivo, impor a sua vontade aos outros.
Não ignoramos que as manifestações de apoio e certos sinais de reserva a respeito deste processo surgem um pouco de todos os quadrantes, de militantes e de simpatizantes de todas as forças políticas.
Uma divisão deste tipo da sociedade portuguesa resultante dessa imposição podia comprometer definitivamente o que nos propomos organizar e reforçar e o que nos propomos erradicar.
Pretendemos que a regionalização seja um instrumento actuante da descentralização, pretendemos contribuir para uma nova legitimação do poder democrático e não para uma nova controvérsia nacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com este sentido da responsabilidade que iremos propor que a primeira fase do processo parlamentar compreenda o debate e a aprovação de um projecto de lei de bases de regionalização e de uma lei quadro de desconcentração da administração central do Estado e a análise e preparação para consulta nacional de um projecto de lei de criação das regiões administrativas.
É com o mesmo sentido de responsabilidade que iremos convidar todas as forças políticas com assento neste hemiciclo para encetarmos um diálogo que nos poderá conduzir a um amplo consenso parlamentar capaz de galvanizar um largo consenso nacional.
A descentralização, a desconcentração e a regionalização constituem a via mais clara para as indispensáveis reformas que hão-de permitir as acções de desenvolvimento e de modernização pelas quais o País há tanto tempo anseia. Não haverá uma nação forte sem regiões fortes.
É forçoso reconhecer, como foi referido nas conclusões das nossas jornadas, que, passados doze anos sobre a Revolução de Abril e dez anos depois da fundação do regime democrático, o Estado Português não se modernizou suficientemente e não se encontra aberto e acessível aos cidadãos tanto quanto seria legítimo esperar e tanto quanto a nossa integração na CEE imporia.
A reforma do Estado, a devolução das competências aos órgãos das autarquias locais e a desconcentração da Administração constituem prioridades nacionais e de acção política a favor da humanização das instituições, do desenvolvimento social e económico e da democraticidade da nossa vida colectiva.
A criação das regiões administrativas, quando conseguida através de um amplo consenso nacional, não poderá pôr em causa a unidade do Estado, antes contribuirá para o reforço dessa unidade.
Quando nos interrogamos sobre o presente das autonomias e o futuro das autarquias locais, temos de reconhecer: primeiro, que o sistema apresenta um saldo político francamente positivo; segundo, que o processo de regionalização do continente não é equivalente ao processo autonómico dos arquipélagos atlânticos; por último, que nunca esta Assembleia da República perdeu o controle do processo, podendo em qualquer momento tomar as medidas legislativas que a experiência aconselhe a fim de contrariar ou impedir que se verifiquem ou se repitam desvios aos princípios constitucionais que lhe compete salvaguardar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para que o consenso parlamentar seja possível torna-se necessário que todos os grupos parlamentares avancem projectos de lei elaborados com idêntico realismo e flexibilidade.
Consideramos que esse consenso seria facilitado se as grandes bases do processo de regionalização fossem individualizadas num primeiro projecto de lei, deixando para um segundo os princípios específicos da criação das várias regiões e a sua delimitação e, para terceiros projectos, a institucionalização, individualizada, das várias regiões.
O primeiro projecto de lei, base das consultas que se farão aos cidadãos eleitores e às autarquias, deveria ser urgentemente apreciado e votado nesta Assembleia da República, inegavelmente legitimada para o efeito.
Os vários projectos de lei de criação das regiões deveriam dar lugar a um projecto básico de consulta, a preparar por comissão competente deste Parlamento, que faria evidenciar, a par do articulado consensual, os conjuntos dos artigos que não merecessem acordo maioritário qualificado, explicitando as diferenças existentes e acompanhando com cópias dos projectos recebidos dos diversos grupos parlamentares, para maior esclarecimento dos consultados.
Aliás, existem já, do nosso ponto de vista e nesta base, princípios adquiridos, que passo a referir:

Assim, o município, por ser a autarquia local que melhor traduz as exigências da dimensão humana e da proximidade dos cidadãos e a unidade político-administrativa da unidade territorial - o concelho -, portadora de inestimáveis e perenes tradições históricas, deve ser o principal destinatário das reformas da Administração e da descentralização;
O ponto de partida da criação das regiões administrativas deve residir em agrupamentos de distritos que, numa primeira fase, constituirão a génese de novas autarquias regionais;
As regiões do interior devem ser autonomizadas, dotadas de poder político-administrativo próprio e de órgãos técnicos adequados, como forma de romper as forças geradoras do subdesenvolvimento e de esbater as tendências para o predomínio económico e social das áreas litorais;
A indispensabilidade da admissão de soluções práticas diferentes no tempo para a institucionalização concreta das regiões;

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A lei de criação das regiões administrativas e as medidas complementares deverão prever e garantir a transferência de pessoal, meios e recursos para todas as regiões e em especial para as do interior mais carenciadas;
A lei quadro de regionalização deve, todavia, admitir os princípios da flexibilidade e da possibilidade de correcção e adaptação, em particular nas áreas limítrofes, devendo essas correcções e adaptações ser feitas de acordo com as vontades das populações interessadas e respeitando o princípio da continuidade das áreas;
O processo de regionalização deve incluir uma vasta consulta institucional e autárquica prévia e, eventualmente, consultas directas aos cidadãos eleitores.

O Grupo Parlamentar Socialista exprime a sua preferência por soluções com raízes em tradições históricas, nomeadamente provinciais, a exemplo do modelo que o nosso partido apresentou em 1979, rejeitando soluções puramente tecnocráticas e artificiais, sem relação com as referências culturais das populações.
Os socialistas entendem recusar a divisão de Portugal às fatias, uma vez que os desequilíbrios entre o litoral e o interior, entre regiões ricas e regiões subdesenvolvidas, são de tal maneira gritantes que só a definição de uma real identidade institucional e a atribuição de poder político-administrativo próprio às regiões do interior poderão contribuir para o futuro reequilíbrio que se deseja.
O Grupo Parlamentar Socialista reafirma ainda que, em devido tempo, aquando da próxima revisão, proporá a retirada da Constituição dos obstáculos processuais à regionalização.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estes três projectos de lei que vamos oferecer à vossa consideração são, como dissemos, os primeiros de um conjunto mais vasto, que, no respeito pelo artigo 167.º da Constituição, são matéria da exclusiva competência legislativa do Parlamento. Por exemplo, os diplomas
referentes ao processo eleitoral e ao estatuto dos titulares dos órgãos regionais, incluindo o regime das respectivas remunerações, e os de institucionalização e modificação territorial das regiões administrativas, para já não falar do sistema de consultas directas aos cidadãos eleitores, em apreciação.
Outros diplomas deste conjunto devem, em nossa opinião, ser preparados nesta Casa, embora o artigo 168.º da Constituição permitisse que se concedessem autorizações ao Governo para sobre essa matéria legislar. Referimo-nos, de um modo especial, a um novo sistema e orgânica do planeamento e a um novo regime de finanças locais que atenda à criação das novas autarquias.
O Grupo Parlamentar Socialista estará, igualmente, aberto a encontrar soluções conjuntas com os outros grupos parlamentares para este pacote de diplomas.
Para completar o universo da legislação de descentralização e de desconcentração caberá ao Governo um papel do maior relevo.
Permita-nos, finalmente, Sr. Presidente, que avancemos uma última proposta: para dinamizar todo este processo, findo o prazo fixado pela Comissão de Administração Interna e Poder Local para apresentação dos projectos de lei de regionalização, sugerimos que a conferência de líderes, face à carga adicional de trabalho e à especificidade deste pacote, crie uma comissão «ad hoc», formada por representantes de todos os grupos parlamentares.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Deputado Eduardo Pereira, socorro-me desta figura- regimental de pedido - de esclarecimento relativamente à intervenção que acaba de produzir para lhe dizer que interprete o nosso aplauso como um apreço, na generalidade, pelas considerações que expendeu sobre esta questão e a nossa congratulação pela forma como encara o problema da regionalização.
O Sr. Deputado assumiu nesta matéria uma postura de Estado que nos apraz registar. Encare o nosso aplauso apenas com uma reserva pontual em relação à delimitação preconizada pelo Partido Socialista. No resto, V. Ex.ª pode contar com a nossa solidariedade e a nossa colaboração numa questão que interessa a todos os portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ontem e anteontem, os órgãos de comunicação social deram notícia do sentido das decisões contidas num acórdão do Tribunal Constitucional a propósito do Código de Processo Penal, e isto num processo de apreciação preventiva da constitucionalidade, suscitado por S. Ex.ª o Presidente da República, sobre cerca de uma vintena de artigos desse diploma:
Naturalmente, não terá escapado ao observador menos desprevenido um certo desfasamento entre, por um lado, a importância e a transcendência institucional das matérias em causa e, por outro lado, o seu impacte na comunicação social.
Compreende-se, naturalmente, também, que o hermetismo conceitual e categorial destas matérias e o da própria linguagem tenham dificultado aos meios de comunicação social uma mediação correcta entre aquilo que se passou no Tribunal Constitucional e a opinião pública.
Por outro lado, dado também o perigo de este acontecimento passar despercebido nesta Câmara - naturalmente distraída com as vicissitudes mais gratificantes da conjuntura e com a análise de alguns adjectivos, empregues, por vezes, na qualificação de certas realidades da vida jurídica portuguesa -, talvez seja oportuno deixar aqui o testemunho da nossa maneira de encarar esta importante decisão do Tribunal Constitucional.
Começo assim por recordar esta evidência extremamente simples: só aparentemente esta matéria tem a ver com o público restrito que é o dos juristas. Na verdade, no processo penal jogam-se, por um lado, a liberdade, a segurança e a paz jurídica dos cidadãos e, por outro lado - importa ter disso consciência -, a própria sobrevivência do regime democrático. Isto porque

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ou um Estado democrático se mune com leis processuais penais que assegurem a repressão e a prevenção da criminalidade em condições de eficácia e de justiça, ou a própria sociedade procurará meios alternativos e não institucionais de garantir a segurança, a paz e a tranquilidade, o que tem consequências extremamente disfuncionais do ponto de vista de um sistema democrático. Com efeito, aumentarão, por um lado, as quotas de medo e desconfiança na sociedade, isto é, entre as células da sociedade e destas em relação às instâncias oficiais. Cava-se assim um abismo e não se estabelece uma cooperação entre a sociedade e as instâncias formais encarregadas da repressão da criminalidade.
Chamo também a atenção de certas forças, as quais utilizam muitas vezes um discurso - pelo menos ao nível das palavras - que inclui certas ideias tão caras como as de igualdade e socialização, para as consequências que poderão advir desta circunstância, ou seja, de desarmar o Estado de meios eficazes, adequados e justos de repressão da criminalidade. Tal pode, com efeito, redundar em que a segurança e a paz se transformem em privilégio de ricos, pois, sendo uma das tarefas fundamentais do Estado garantir a segurança de todos - isto é, como agora se costuma dizer, socializar também a segurança -, pode, na medida em que não se dotar o País de instituições adequadas, estar a fazer-se da segurança um privilégio dos possidentes, dos mais poderosos.
Por tudo isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, e tendo bem presente que os parlamentos nasceram à sombra da luta por garantias de processo penal - foram o processo penal e as questões fiscais que deram historicamente origem aos parlamentos -, bem valerá a pena que esta Assembleia perca alguns minutos com o significado deste acórdão.
Como é do conhecimento público - na medida daquilo que nos é possível conhecer através dos meios de comunicação social -, da cerca de uma vintena de artigos cuja inconstitucionalidade foi suscitada por S. Ex.ª o Presidente da República, o Tribunal Constitucional apenas individualizou situações de desconformidade com a Constituição em escassas alíneas de escassos seis artigos da lei fundamental, o que não deixa de ser expressivo se atendermos ao facto de o Código de Processo Penal ter mais de 500 artigos. E não se diga que a quantidade é irrelevante. De facto, não o é, pela razão simples e decisiva de que todas as normas de processo penal contendem directamente com a Constituição; todas as normas de processo penal são direito constitucional aplicado. Portanto, o simples facto de apenas uma ou outra alínea terem sido, em seis artigos, julgadas inconstitucionais é expressivo.
É, aliás, expressivo também o facto de, em relação ao sistema fundamental que se previa nesse Código e àqueles pontos que andaram mais à flor da pele na discussão normalmente alarmista e quase sempre sem fundamento que por aí andou, também o Tribunal Constitucional não ter dado razão a essas crises.
Estou a lembrar-me, por exemplo, da célebre questão do sigilo profissional, inclusive o dos jornalistas. Na verdade, bem andou o Tribunal Constitucional quando adoptou uma postura semelhante àquela que adoptaram os autores do projecto do Código Penal, isto é, a de que o entendimento e a vivência de um Estado democrático passam sempre e necessariamente pela difícil e possível conciliação entre esta antinomia: por um lado, a necessidade de hipostasiar, de transcendentalizar, de dar o máximo valor a determinados conceitos fundamentais - liberdade, segurança paz, verdade material, etc. - e, por outro lado, a importância de evitar cair na tentação de absolutizar qualquer destes valores.
Com efeito, se absolutizarmos o direito de segredo dos jornalistas ou de outros profissionais, a procura da verdade material, as garantias do arguido ou a segurança das vítimas, portanto se absolutizarmos qualquer destes valores - e normalmente cede-se à tentação de o fazer - e se não se realizar uma adequada concordância prática entre todos eles, entrar-se-á então na antecâmara de soluções totalitárias ou pré-totalitárias.
Portanto, e como já o referi, bem andou por isso o Tribunal Constitucional ao assumir essa postura neste e noutros pontos e, sobretudo, ao manter íntegra a estrutura fundamental do processo naquilo onde verdadeiramente se definem as coisas e naquilo que realmente tem de inovador. E estou a pensar, sobretudo, no sistema de inquérito preliminar e de instrução essa fase de que tanto se falou e que tantas vezes foi apelidada de inconstitucional, falando-se na administrativização e na policialização da instrução. Assim, tanto nisto como no sistema de recursos ou como na simplificação do formalismo processual, todo este sistema passou íntegro no Tribunal Constitucional. Foi este acontecimento, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que me permitiu tomar estes minutos à Câmara.
Chega ao fim a trajectória deste processo, o qual começou, pode dizer-se, nos bancos das universidades portuguesas. Na verdade, a ciência portuguesa, superiormente representada pelo Prof. Figueiredo Dias, deu um contributo fundamental. Por outro lado, o Governo deu também o seu contributo e igualmente o deu esta Assembleia ao viabilizar a concretização dessa grande necessidade de um novo processo penal, a qual vinha já desde o 25 de Abril. Com efeito, os primeiros documentos do Movimento das Forças Armadas falavam em dotar o País de uma nova ordenação processual penal.
É, pois, a esta obra colectiva que agora se põe termo, com a colaboração da inteligência e da cultura jurídica portuguesa, do Governo, da Assembleia da República, do Presidente da República e do Tribunal Constitucional.
No entanto, permitam-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que destaque de forma especial a acção do Governo. É que, por um lado, este Governo mostrou que não basta denunciar carências, sendo também necessária a acção. Todos os Governos denunciaram sempre a necessidade de dotar o País de um novo Código de Processo Penal; porém, para além de a ter também denunciado, este Governo concretizou essa necessidade. Por outro lado, fê-lo - importa salientá-lo - numa postura de grande respeito, quer perante a ciência, quer perante os valores de Estado de direito democrático, quer ainda numa atitude de procura de consensos fundamentais; aliás, a maioria qualificada com que a lei de autorização legislativa foi aprovada é disso factor sintomático e desse consenso de fundo só se excluiu quem quis.
Esta postura do Governo é também, de certo modo, emblemática. Não tem razão quem diz que o Governo foge aos consensos, pois, em matérias fundamentais que relevam do consenso, o Governo não só o pro

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eurou, como também o viabilizou. Não pode é pedir-se que, em nome de consensos, o Governo renuncie ao seu Programa, como não pode pedir-se que, em nome de uma hipotética ideia de consenso, se não aprovem propostas que o Governo faz, com às quais se diz concordar em pleno mas que não se votam por questões de forma ou de modelo de iniciativa legislativa. Penso assim que esta questão deveria ser salientada, isto é, este emblema de procura activa de consenso.
Espero que este exemplo frutifique nas tarefas que aí vêm e que reclamam de nós grandes consensos e um grande sentido de Estado, como são os casos da regionalização e, sobretudo, da revisão constitucional.
É dramático, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, doze anos decorridos sobre o 25 de Abril, tenhamos ainda um problema constitucional. Contudo, tê-lo-emos enquanto a nossa Constituição não for apenas e exclusivamente a constelação dos consensos fundamentais da sociedade portuguesa. Até lá, o problema constitucional há-de subsistir e os intelectuais, os cultores da ciência jurídica, hão-de continuar essa tarefa, em nome da liberdade de criação científica e da missão que lhes compete de adequar todas as instituições aos valores fundamentais do direito e à idiossincrasia do povo português, a qual é um direito e um dever. O resto, revela já um pouco da censura ao labor da inteligência, o que não é de admitir num Portugal democrático.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Deputado Costa Andrade, ouvi atentamente a sua intervenção sobre uma matéria de interesse como é a questão do Código de Processo Penal, contudo, fiquei na dúvida sobre se o Sr. Deputado a fez para assinalar o mérito do Prof. Figueiredo Dias ou o do Governo, sendo certo que quem fez o Código de Processo Penal foi efectivamente o referido professor.
De qualquer forma, o Sr. Deputado incidiu, essencialmente a sua análise sobre o acórdão do Tribunal Constitucional.
Ora, como não conheço esse acórdão, e partindo do princípio de que o Sr. Deputado possui uma cópia, pedir-lhe-ia o favor de me fornecer uma cópia. Com efeito, o que conheço é apenas o que os jornais disseram a tal respeito. Naturalmente que o Sr. Deputado, que é uma pessoa privilegiada, tem acesso ao texto do Tribunal Constitucional, mas eu não tenho. É que V. Ex.ª falou de tal maneira em pormenores desse acórdão que não é de admitir outra conclusão: só fala como o Sr. Deputado falou quem tem conhecimento do teor desse texto.
O certo é que usou uma figura de retórica - «cerca de uma vintena de artigos» - quando eram apenas dezasseis os artigos em relação aos quais o Sr. Presidente da República suscitou a questão da fiscalização preventiva da constitucionalidade.
Por outro lado, o Sr. Deputado deu a entender que o processo estaria fechado quanto à apreciação da constitucionalidade, sabendo perfeitamente que não é assim.
Portanto, o que estava em causa eram os dezasseis artigos que o Sr. Presidente da República submeteu à apreciação preventiva do Tribunal Constitucional, e só esses. Naturalmente que o Código de Processo Penal é um diploma muito mais extenso e outros artigos
poderão ser objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional - não neste momento, mas posteriormente, como é evidente.
Isto significa que penso que a intervenção do Sr. Deputado foi demasiado eufórica em relação à situação real que se verificou.
Por outro lado, devo dizer-lhe que me soou desagradavelmente o uso repetido da palavra «repressão»: E muito mais vindo da sua parte, visto que o Sr. Deputado conjuga...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, para efeitos de preparar o meu trabalho intelectual para a resposta que lhe vou dar, pedia-lhe o favor de me dizer quantas vezes usei da palavra repressão, uma vez que V. Ex.ª ficou chocado com o facto de eu a ter usado.

O Orador: - Sr. Deputado, não tenho aqui um computador para fazer esses cálculos, mas creio que usou pelo menos duas vezes a palavra repressão. Disse, por exemplo, que o Código de Processo Penal era um instrumento importante para a repressão da delinquência.

Uma voz do PSD: - É evidente!

O Orador: - Ora, como o Sr. Deputado sabe, trata-se de uma palavra já abandonada; agora fala-se é de prevenção especial e de prevenção geral. Quer dizer, quer o objectivo da lei penal quer da lei de processo penal não é hoje, como não o é há muito tempo, a repressão, mas sim uma situação de modo a prevenir novos crimes - e isto tanto no Código Penal como no Código de Processo Penal, repito. Só quem realmente tem uma certa pendência para a repressão é que pode confundir estas questões, o que eu muito estranho por parte do Sr. Deputado.
No que diz respeito ao seu apelo aos consensos, em relação à Constituição, gostaria de lembrar que o maior consenso que se verificou foi em relação à sua aprovação, em 1976. E foi o maior consenso, porque nessa altura o CDS não a votou favoravelmente, mas o seu partido votou-a.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Costa Andrade, o seu partido não dispõe de tempo para que possa responder. No entanto, a Mesa entende que o tema tem realmente interesse, pelo que lhe concede a palavra, pedindo que V. Ex.ª seja o mais sucinto possível.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, quero
agradecer à Mesa a concessão feita.
Sr. Deputado Raul Castro, se eu tivesse feito o pedido de esclarecimento que V. Ex.ª fez, com certeza que diriam que me tinha excedido, pois, a propósito de um pedido de esclarecimento, tinha feito uma intervenção. Mas eu não vou fazer esta observação, pois gostei muito de o ouvir e pena foi que não pudesse alongar os seus pedidos de esclarecimento. Gosto muito do diálogo e, portanto, foi com gosto que o ouvi.
Acerca da minha intervenção, permito-me fazer uma correcção: é verdade que a questão da constitucionalidade foi suscitada em relação a dezasseis artigos e eu

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falei em cerca de uma vintena; errei nessa parte, mas penso que ela é uma questão transcendente. De qualquer modo, errei nessa parte.
Sr. Deputado, também sei que aquilo que foi feito foi apenas uma fiscalização preventiva da constitucionalidade desse diploma e, portanto, falei apenas na perspectiva desse entendimento.
V. Ex.ª começou por fazer algumas considerações e fez esta observação espantosa: «A quem se deve o mérito do Código? O mérito do Código deve-se ao Prof. Figueiredo Dias ou ao Governo?»
Esta observação e esta pergunta é espantosa para quem, pela primeira vez, diz que o Código tem mérito, porque até aqui sempre toda a intervenção do MDP/CDE foi...

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Dá-me licença, Sr. Deputado.

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - O Sr. Deputado Costa Andrade está enganado, pois não é a primeira vez que o MDP/CDE afirma que o Código de Processo Penal, projecto do Prof. Figueiredo Dias, tem mérito. Porém, isto não significa que o MDP/CDE concorde com todas as disposições.

O Orador: - A quem se deve o mérito, perguntou V. Ex.ª É evidente que este Governo teve o mérito de pôr a ciência jurídica a trabalhar ao serviço de uma causa de interesse nacional e é evidente que o mérito científico é dos autores que fizeram o trabalho científico; porém, o mérito de viabilizar a reforma, de converter um mero desejo de reforma numa reforma efectiva, numa verdadeira reforma estrutural, é do Governo, que viabilizou esse desejo.
Se o Sr. Deputado quer confrontar as coisas, devo dizer-lhe que a quem competia fazê-lo era à Assembleia da República. A Assembleia da República, em vez de se entreter com outras coisas, podia ter feito um Código de Processo Penal e não o fez.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Deputado, penso que, nesta matéria, se o Sr. Deputado tivesse tomado a iniciativa, ela estava entregue em boas mãos. O Sr. Deputado, que é especialista na matéria, nunca tomou essa iniciativa e, portanto, o que disse será talvez uma autocrítica...

O Orador: - Sr. Deputado Raul Castro, assumo a minha parte de autocrítica, mas quem é que diz que esta bancada é minoritária e não pode ter grandes iniciativas? Quem é que diz, aqui nesta Assembleia, que a maioria está aí, que a Pátria está toda no MDP/CDE e nas forças que o apoiam? Aqui está uma pequena minoria e era da Pátria, da sua plenitude e da sua alma, que está nas mãos do MDP/CDE, que devia vir a resposta a esta ânsia colectiva.
Sr. Deputado, a maioria está aí e, sendo esta apenas uma bancada minoritária, não nos pode exigir isso.
Mas voltemos às coisas sérias...

Agradeço-lhe também, Sr. Deputado, a subtil distinção que fez entre prevenção, repressão, prevenção geral e especial. Porém, aceite a plausibilidade do meu testemunho: continua a falar-se em repressão criminal, que tem várias formas.
É preciso reprimir a criminalidade que existe e é preciso prevenir a criminalidade que ainda não existe. Isto são coisas diferentes, Sr. Deputado!
Nos velhos bancos das universidades medievais, onde se formou a inteligência europeia, dizia-se que a inteligência humana se forma e se revela na distinção. Ora, uma coisa é reprimir a criminalidade que existe - e mantenho o que disse, pois creio que ela deve ser reprimida -, outra coisa diferente é prevenir a criminalidade, que obviamente ainda não existe, para que não venha a existir.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à Constituição, penso que não é este o momento adequado para discutirmos essa questão, mas se o Sr. Deputado pretender, oportunamente podemos discutir a revisão constitucional.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Morgado.

O Sr. João Morgado (CDS): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados: Constitui lugar-comum dos programas e planos governamentais a referência às assimetrias regionais entre o litoral e o interior do País, ao propósito de as eliminar, ou pelo menos atenuar, e de promover o apoio às regiões mais desfavorecidas.
O Programa do actual Executivo não fugiu à regra e também nele se encontram declarações de intenção nesse sentido.
Legítimo seria esperar, por isso, que na sua acção concreta o Governo passasse de meras declarações de intenção a actos, de modo que, decorrido mais de um ano de governação, fossem palpáveis os resultados obtidos e se pudesse afirmar com verdade que se iniciara um caminho longo e difícil mas apaixonaste e moralizador.
Legítimo seria esperar que o interior do País deixasse de ser apenas o terreno onde se conquistam votos com processos aliciantes para se tornar numa área prioritária das preocupações da governação.
No distrito de Viseu as populações têm esperado que o actual Governo promova a progressiva implementação de medidas concretas, visando a satisfação dos seus anseios de há muito reconhecidos como legítimos.

No entanto, e em vez disso, têm assistido ao agravamento das suas condições de vida e de existência, especialmente em quatro áreas essenciais: da saúde, da educação, da indústria e da agricultura.
Na área da saúde, a situação é simplesmente deplorável: assim é que, salvo nos hospitais distritais de Viseu, não existe serviço de atendimento permanente de clínica geral, limitando-se o atendimento de doentes ao período diário de doze horas, que começa às 8 horas e termina às 20 horas.
Fora desses períodos, qualquer paciente carecido de tratamento urgente terá de ser transportado a dezenas de quilómetros de distância para ser assistido em estabelecimento hospitalar estatal.

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Significa isto que dois terços da população do distrito não dispõe de qualquer assistência permanente durante a noite na área do concelho em que reside.
Situação grave também se verifica no que respeita a internamentos, só possíveis em hospitais distritais.
A situação descrita não é devida, por certo, à falta
de médicos, uma vez que, ainda recentemente, foram
dispensados de serviço, por serem desnecessários, segundo opinião do Governo, para cima de um milhar de policlínicos.
Também não será devida à carência do pessoal de enfermagem, pois, de outro modo, já teria sido criada e instalada no distrito a escola de enfermagem há muito reclamada na cidade de Lamego.
Igualmente não se deverá à inexistência de instalações, porquanto em alguns concelhos, hoje privados de atendimento permanente e de internamento hospitalar, esse atendimento e internamento já funcionaram.
Do mesmo modo, não pode ser atribuída à impossibilidade de recrutar pessoal auxiliar, sabido que as vagas dessas categorias nos serviços públicos são disputadíssimas.
Cabe, por isso, perguntar ao Governo a que se deve tal situação.
Mas há mais: a cidade de Viseu reclama, de há vinte anos a esta parte, a construção de um novo hospital, de que efectivamente carece, dado o enorme movimento hospitalar e a boa qualidade do corpo clínico, contrastantes, aliás, com as fracas condições de funcionamento do hospital existente.
O terreno para a construção foi adjudicado pelo governo em 1967 e então mandado elaborar o respectivo projecto, segundo informação prestada pela Câmara Municipal de Viseu.
Estranhamente, vinte anos volvidos, Viseu ainda não viu sequer o projecto do seu novo hospital.
Na área da educação a situação é também alarmante: numa região em que a taxa de analfabetismo ronda os 29%, segundo elementos fornecidos pela Comissão de Coordenação Regional do Centro, e em que, dos não analfabetos, 79% têm exclusivamente formação primária, cancelou este Governo as matrículas na Escola do Magistério Primário de Lamego sem a fazer substituir por outro estabelecimento de ensino vocacionado para a formação de professores do ensino primário. A cessação do acesso à Escola do Magistério Primário de Lamego criou um enorme vazio para os estudantes dos dez concelhos do Douro Sul que perspectivavam a obtenção de um curso na área do ensino médio.
Afadigaram-se posteriormente alguns políticos em convencer as populações afectadas de que não havia razões para protestos nem para alarme, porque em Lamego iria funcionar brevemente um estabelecimento de ensino que constituiria uma extensão da Escola Superior de Educação de Viseu. Assim será, talvez. Mas, para já, e no ano em curso, os estudantes que completaram o 11.º e o 12.º anos encontraram encerradas as portas da Escola de Magistério Primário de Lamego.
E a formação de professores em Lamego foi, pelo menos, injustificadamente interrompida.

Uma voz do CDS: - Muito, bem!

O Orador: - Por outro lado, não se vislumbrou que o Governo encarasse com entusiasmo a criação, no distrito de Viseu, de uma escola superior de educação física, justa aspiração das gentes da Beira Alta, que deveria funcionar mediante o aproveitamento das instalações do Centro Regional de Formação da cidade de Lamego.
Na área da indústria o panorama não é menos preocupante: o distrito de Viseu quase não dispõe de indústrias transformadoras das principais matérias-primas que produz - a fruta e as madeiras.
Mas o mais grave é que há bem pouco tempo cessou a laboração da maior indústria sediada no distrito - a Companhia Portuguesa de Fornos Eléctricos.
O distrito ficou mais pobre, como mais pobre ficaram as gentes de Nelas, e em particular os trabalhadores da empresa, à qual a EDP cortou o fornecimento da energia eléctrica.
Fica-se a pensar se não deveria o Governo ter obviado a esta situação, que lançou no desemprego centenas de trabalhadores e paralisou uma empresa de real importância regional e nacional.
Fica-se a pensar se o critério seguido pelo Governo, relativamente a uma empresa sediada no interior do País, teria sido o mesmo, caso essa empresa laborasse nos arredores de Lisboa.
Deixei para o termo desta intervenção a agricultura, exactamente porque as recentes medidas governativas nesta área têm sido de molde a desconcertar os mais confiantes: uma por acção, outras por omissão.
Relativamente às primeiras, o CDS tem requerido a sua submissão ao processo de ratificação: refiro-me concretamente ao decreto-lei que extinguiu a Casa do Douro e ao diploma que criou diversas designações para vinhos de regiões a demarcar.
Quanto às segundas, e embora limitado pelo tempo, não posso deixar de referir aqui o total alheamento do Governo aos problemas com que se debate a Adega Cooperativa da Penajóia, decorrentes de um incêndio que destruiu grande parte das suas instalações, e da Adega Cooperativa de Lamego, a braços com encargos financeiros da ordem dos 600 000 contos, que os vitivinicultores associados não podem satisfazer.
A Adega da Penajóia, mercê do esforço da sua actual direcção e dos associados e tendo apenas recebido do seguro a quantia de 12 500 contos, conseguiu fazer construir, em tempo recorde, as instalações destruídas pelo fogo.
Mas o Governo foi até agora insensível aos pedidos de auxílio, talvez com o argumento pouco convincente de que não é uma companhia seguradora.
Os associados da Adega e a economia da região que serve não poderiam dispensar o funcionamento daquela unidade e mal teria ido para os vitivinicultores da Penajóia se esse funcionamento se não tivesse verificado na última vindima.
Porém, os prejuízos sofridos atingem 120 000 contos e não se afigura razoável que o Ministério da Agricultura continue alheado de uma grande calamidade, para mais dispondo de uma verba de 3 milhões de contos para apoio às cooperativas de Trás-os-Montes.
Aliás, este Governo não só ainda não dotou a Cooperativa de Penajóia com qualquer subsídio, como ainda lhe negou o subsídio de 500 contos que lhe havia sido concedido pelo Secretário de Estado do Fomento Cooperativo do governo do chamado «Bloco Central».
Também a Adega Cooperativa de Penajóia este Governo deixou até agora mais pobre.

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A Adega Cooperativa de Lamego, por sua vez, com uma dívida assinalável, a vencer elevados juros, não poderá subsistir por muito mais tempo sem o apoio governamental.
Os associados ainda não receberam o valor do vinho que ali entregaram em 1983 e em 1984; e a alguns mesmo não foi pago o vinho entregue em 1982.
A situação é muito má e o Governo não deve nem pode continuar indiferente a ela, certo como é que os vitivinicultores do concelho de Lamego não podem prescindir da sua adega cooperativa: a maior parte deles não tem vasilhame para encubar a sua produção e terão de vendê-la ao desbarato aos oportunistas se a Adega não assegurar a recolha e o pagamento atempado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Abordei apenas pela rama quatro áreas de importância fundamental para o distrito de Viseu, no propósito sério de transmitir a este Parlamento e ao Governo as angústias das gentes da Beira Alta e do Douro Sul. A falta de tempo impede-me de aprofundar as questões tratadas, o que tenciono fazer em próximas intervenções.
Mas espero que, mesmo assim, as minhas palavras sejam mais um alerta das populações que, no interior, aguardam a atenção do poder.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para terminar o período de antes da ordem do dia, temos um voto de congratulação que, embora tenha merecido a subscrição de todas as bancadas, vou submeter à votação.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, compreendemos muito bem - aliás, há uma praxe parlamentar nesse sentido e ainda na passada sessão nós próprios levantámos essa questão - que, havendo a fixação da ordem do dia por um partido, não se deve prolongar o período de antes da ordem do dia. No entanto, acontece que temos, desde o início da sessão, um deputado inscrito para intervir nos dez minutos de que o meu partido dispõe. Portanto, esse deputado deseja fazer uma intervenção que ocupará apenas quatro minutos, e eu não vejo porque razão ele não há-de falar. Creio que o atraso que irá provocar nos trabalhos é mínimo.
Entretanto, chegará a hora regimental do intervalo e nessa altura interromperemos os trabalhos, que recomeçarão com o debate do projecto de lei cuja marcação foi feita pelo PSD.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - A Mesa entende que é de aceitar o pedido que V. Ex.ª formulou, pelo que concedo a palavra ao Sr. Deputado Vidigal Amaro para intervir.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: «Médicos distribuídos por todo o País. Cerca de 620 médicos policlínicos começarão, no próximo dia 1 de Fevereiro, a prestar serviço em todo 0 País, sendo distribuídos pelos dezoito distritos do continente e por quatro distritos insulares.»

Esta é a notícia do dia 6 de Janeiro de 1977 de um dos jornais diários.
Precisamente no mesmo dia 6 de Janeiro, dez anos passados, um título de primeira página de um matutino: «Jovens médicos no desemprego.»
Que se passou em Portugal, no campo da saúde, em dez anos, que leva um governo a despedir perto de 1500 médicos?
Os indicadores de saúde, a facilidade de acesso a cuidados médicos, a quantidade e qualidade dos serviços de saúde em Portugal no começo do ano de 1987 serão tão bons, cumprem os preceitos legais e constitucionais, garantem o direito à saúde, de modo a permitir que um governo tome a medida de despedir, de uma assentada, cerca de 1500 médicos?
Não, a realidade, infelizmente, é bem outra.
Todos os indicadores de saúde nos colocam na cauda da Europa. A mortalidade infantil e, muito especialmente, a mortalidade perinatal, a mortalidade materna, a morbilidade e mortalidade por doenças infecciosas apresentam números que assustariam qualquer governante que fosse responsável.
Todos conhecemos as dificuldades de acesso a uma simples consulta ou a uma consulta de especialidade. Quem consegue obter nos serviços públicos uma consulta de oftalmologia ou de estomatologia? E que dificuldade existe nos pequenos centros para a realização de uma análise ou de uma simples radiografia? Quantas especialidades não existem em hospitais distritais?
Quem, aqui, nesta sala, deputados, funcionários da Assembleia ou jornalistas, poderá dizer que tem acesso fácil e está contente com os cuidados prestados nos serviços públicos de saúde, que todos pagam e a que têm direito?
E esta, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é a questão central que o Governo não desconhece. E não desconhece porque sabe que os hospitais e centros de saúde não têm ainda capacidade para prestar todos os cuidados de saúde a que os cidadãos têm direito.
É por isso que o Governo inscreve no Orçamento do Estado uma verba de muitos milhões de contos para pagar as «convenções», que não são mais do que serviços prestados por terceiros, por manifesta incapacidade de os serviços públicos os realizarem.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Exactamente!

O Orador: - É igualmente por saber que os serviços públicos não dão a resposta necessária, que promove e permite propaganda ao «seguro-doença», como o faz aquele cartaz onde aparece um indivíduo desesperado a perguntar «como vou pagar a conta do hospital?» Como se não fossem totalmente gratuitos todos os tratamentos hospitalares.
É, pois, conhecendo as carências gritantes existentes no campo da saúde que o Governo começa o ano despedindo 1500 médicos.
É o estender aos trabalhadores da saúde o trabalho precário e tarefeiro, que atinge também milhares de trabalhadores portugueses nos mais diversos ramos de actividade, o que a Ministra da Saúde pretende com esta medida.
Mas que estudos estão realizados no Ministério que possam afirmar que existem médicos a mais?
Onde estão os quadros médicos dos hospitais e dos centros de saúde? Onde estão os números das vagas preenchidas e por preencher na carreira de saúde

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pública? Que necessidades existem em áreas como a medicina escolar e a medicina do trabalho, área esta onde as doenças profissionais e os acidentes de trabalho atingem números impressionantes e escandalosos?
Era este estudo, eram estes números que serviriam para justificar as carências ou os possíveis excessos de médicos. Mas isto não foi nem está realizado e a medida agora tomada vai agravar o já mau funcionamento dos serviços de saúde.
Esta medida, perfeitamente descabida, traz para já situações intoleráveis.
Em muitos hospitais distritais, ainda ontem, não havia conhecimento oficial deste despedimento, e as direcções clínicas pediram aos médicos para se manterem nos seus postos de trabalho, pois se o não fizessem alguns serviços de urgência teriam de encerrar.
Nos hospitais centrais, na urgência, equipas houve que ficaram reduzidas a metade. A demora média de espera por atendimento é de cerca de quatro a cinco horas. Significativo é, sem dúvida, o facto de os directores de serviço de Santa Maria, em conjunto, entregarem um abaixo-assinado à Sr.ª Ministra protestando contra esta situação e não se responsabilizando por quaisquer faltas no atendimento dos doentes.
Mas, Sr. Presidente, Srs. Deputados, será também bom lembrar que todos estes médicos, agora e segundo a Ministra não necessários nos serviços públicos, tiveram, quando entraram para as faculdades, de se sujeitar aos «numeris clausis». Que planeamento foi então feito? Para que servem os «numeris clausis»? É inadmissível e inaceitável que há uns anos atrás se previsse a necessidade de um certo número de médicos e que agora se venha dizer que estes não são necessários e que se encontram em excesso.
Este despedimento colectivo irá piorar os serviços de saúde e levará à ruptura das urgências, com o consequente encaminhamento daqueles que podem pagar para a medicina privada e para as convenções. Os gastos com a saúde não irão assim diminuir, irão sim aumentar, pois as convenções irão levar muitos milhões de contos.
Para estes profissionais o desemprego é justificado pelo Governo como natural, pois ele também existe nos países da CEE. Mais uma grande vantagem da entrada de Portugal, na Europa dos 12...
Não pode ser, Sr. Presidente, Srs. Deputados.
Esta Assembleia não pode assistir, de braços caídos a decisões como esta, que põem em causa o direito à saúde do povo português.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE:

O Sr. Presidente: - Pediram a palavra, certamente para formular pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados Horácio Marçal, Dias de Carvalho, e Jardim Ramos.
Porém, como nem o PCP nem dois dos Srs. Deputados que o pretendem interpelar têm tempo, ficam com a palavra reservada para a sessão de amanhã, que também terá período de antes da ordem do dia, a fim de formularem pedidos de esclarecimento, aos quais certamente o Sr. Deputado, Vidigal Amaro responderá.
Queiram desculpar, mas penso que este será o melhor processo de resolver a falta de tempo com que estamos a lutar.

A fim de terminar o período de antes da ordem do dia, vai ser lido o voto de congratulação que há pouco anunciei.

Foi lido. É o seguinte:

Recordar Irene do Céu Vieira Lisboa é distinguir a mulher escritora e pedagoga, num acto de admiração, respeito e gratidão, que se lhe tributa por feitos e obras que de uma forma tão simples dedicou ao seu semelhante.
Num reconhecimento expresso das obras que produziu e ao comemorar-se o 60.º aniversário do lançamento do seu primeiro livro, a população e o município da sua terra natal prestaram-lhe justa homenagem, à qual a Assembleia da República se associa e solidariza e em razão dela exprime o seu voto de congratulação.

Vamos votar, Srs. Deputados.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Pediram a palavra, para declaração de voto, os Srs. Deputados Raul Castro, Rui Silva, José Manuel Mendes, Gomes de Almeida, Joaquim Rodrigues e Raul Rêgo.
Tem a palavra, o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta Assembleia acaba de praticar um acto de inteira justiça ao aprovar por unanimidade o voto de congratulação relativo à escritora Irene Lisboa.
Irene Lisboa, nos anos distantes de 1930 e 1940, época em que para uma mulher era difícil escrever - e por isso muitas vezes escreveu com um pseudónimo masculino -, distinguiu-se não só pela sua posição cívica, de democrata e de antifascista perseguida pelo regime, mas também pelo alto mérito da sua obra, mérito esse que tem características invulgares, na medida em que Irene Lisboa é talvez a escritora portuguesa em cuja obra mais está presente o propósito de realizar uma obra de sentido pedagógico, ao alcance sobretudo das camadas mais humildes da população.
Por tudo isto, Irene Lisboa foi não só uma grande escritora mas também uma grande pedagoga e a sua obra não é apenas desse tempo, é sim, uma obra de sempre. Perante a sua memória nos curvamos, associando-nos ao voto de congratulação que assinala o 60.º aniversário do lançamento da sua primeira obra.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, não recuso usar da palavra imediatamente, mas gostaria de colocar à Mesa a seguinte questão: apercebi-me de que o Sr. Deputado Rui Silva, do PRD, pediu a palavra antes de mim. Ora, dado que foi ele o promotor na Câmara desta iniciativa, julgo que seria de toda a justiça ser ele a falar antes de eu próprio produzir a minha declaração de voto.

Uma voz do PCP: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Manuel Mendes, eu não me tinha dado conta desse facto; limito-me apenas a seguir a lista que me dão. Mas compreendo a delicadeza de V. Ex.ª, aceito-a e aplaudo-a.
Tem, assim, a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Antes de mais, quero agradecer ao Sr. Deputado José Manuel Mendes a atenção que teve ao dar-me a oportunidade de falar antes da bancada do PCP.
«Voltar atrás para quê»? Sob a forma de pergunta, este titulo simbólico de Irene Lisboa pode servir de epígrafe à tomada de posição do Grupo Parlamentar do PRD. E a resposta é múltipla, desagua em delta. Trata-se de voltar atrás, lembrando a escritora não por uma atitude regressiva mas porque a importância da memória, a importância da história, são chão fundamental para construir as linguagens projectivas.
Por isso se pára um pouco nos patamares do tempo para comemorar, lembrando não só a obra literária e pedagógica da escritora, mas também as dificuldades do seu enquadramento cronológico. E ainda, por respeito a uma vida humana, demasiado humana, uma vida que cristalizou nos textos um «eu» que não é pessoal mas sujeito colectivo de amargura no seu isolamento.
Irene Lisboa nasceu no concelho de Arruda dos Vinhos no dia de Natal do ano de 1892.
Filha de um velho proprietário rural e de uma camponesa muito jovem, cedo foi tirada do contacto com o afecto materno e afastada da sua região natal, sendo criada por familiares, como fruto pouco desejado. Desde os 17 anos entregue a si mesma, Irene Lisboa frequenta o Magistério Primário, distingue-se pela sua capacidade intelectual, o que lhe valeu ser bolseira na Bélgica e na Suíça, onde aprofunda os seus conhecimentos de pedagogia.
De regresso a Portugal, Irene Lisboa dá o salto qualitativo na sua vida: introduz a metodologia pedagógica de Montessori na sua prática docente, recorrendo ainda às inovadoras técnicas de Froebel.
De facto, a Irene Lisboa devemos em Portugal a divulgação da ideia de que a criança não é um adulto em miniatura, mas uma personalidade em formação constante, que não necessita de ser «moldada» à imagem e semelhança de qualquer «tipo ideal» preconcebido, mas deve descobrir, por si mesma, aquilo que se pretende do mundo e da vida.
Em 1926, inicia a sua vida literária, com «Contarelos», livro infantil, objecto da homenagem que lhe foi prestada pelo município da sua terra natal e à qual esta câmara hoje se associou. Seguiram-se 30 anos de produção variada, com obras que vão da poesia ao ensaio pedagógico, passando pela crónica.
Não foi fácil uma certa forma de vida literária para o tempo mensurável da escritora. Entre 1939, ano de publicação do 1.º volume de «Solidão» e do «Manifesto», de Alves Redol, e 1958, ano do aparecimento de «Crónicas da Serra», e exactamente um ano antes de «Aparição», de Virgílio Ferreira, situa-se a parte fundamental da sua criação. O cenário oficioso e instituído era o do neo-realismo com a carga maniqueísta de todos conhecida. Daí que Irene Lisboa tenha sofrido também os embaraços em relação aos editores por causa de uma obra que não seguia cânones dicotómicos de formulário ideológico, então na moda, nem se autorizava com a estabilidade de categorias ou géneros estabelecidos (porque é um marco de dissolução), nem tinha modos de comportamento que se coadunassem com ribaltas de propaganda, sobretudo lisboeta, nem era homem e por isso, por razões mentais e óbvias, facilitava a recusa dos homens editores e que na cultura então só viam o negócio.
Voltar atrás é conhecer esta realidade para que ela não volte nunca mais a acontecer.
Voltar atrás, num olhar comovido à memória da escritora, é saber que na língua universal da solidão há uma linguagem portuguesa que a diz: «Na paixão da vida nas suas formas mais humildes, na revelação desta Lisboa como uma aldeia desterrada, no surpreender, não retalhos da vida mas os nós da vida, em todas as conversas com cada um e com ninguém, na construção dos andaimes do vazio pleno.» E exactamente porque o saldo se pode resumir numa mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma, talvez seja essa a sua atmosfera mais gratificante.
Marginalizada como escritora mas consciente de que estava a construir uma obra, Irene Lisboa viveu os últimos anos de vida desesperada por nunca ter encontrado no seu país o êxito público, a interessada aceitação editorial, a simples projecção a que se sabia com direito.
Faleceu em Lisboa em 25 de Novembro de 1958.
José Gomes Ferreira, referindo-se a Irene Lisboa, escreveu:

Friamente, depois de pesar bem as palavras na cabeça e no coração, ouso declarar que considero Irene Lisboa como a maior escritora de toda a nossa história literária.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É inquestionavelmente justa a evocação de Irene Lisboa hoje nesta Câmara democrática. A escritora foi, no decurso da vida, uma insubmissa, serena, discreta e sincera. Nunca pactuou com o regime tirânico, estimulando, enquanto professora e cidadã, a criatividade, o senso crítico, o espirito livre, companheira dos que aviventaram a «Seara Nova» e o projecto combativo em que se substanciava, colaboradora da «Presença», do «Sol Nascente», de «O Diabo», partícipe das inúmeras iniciativas culturais que buscavam o lado sofrente e escamoteado do existir colectivo, uma literatura seivada pelas aspirações de justiça social, afirmou-se a partir da sua singularidade estética, atingindo planos de alto merecimento.
Os textos de Irene Lisboa - ou de João Falco, pseudónimo que, por conhecidas razões, utilizou durante anos - revelam uma sensibilidade dolorida, povoada pela memória da infância e da adolescência, atenta aos problemas e à dor dos outros; dão-nos o perfil de pequenas comunidades, urbanas ou rurais, a traço simples e preciso, com as suas regras e gentes; constituem um roteiro enternecido de contrastes, uma paleta de solidariedade instintiva.
Nas «Crónicas da Serra», nos «Apontamentos», em «Solidão» I e II ou «Título Qualquer Serve para Novelas e Noveletas», entre outros, deparamo-nos com tipos populares argutamente construídos, sejam eles epígonos de uma filosofia estóica ou andarilhos de verbo solto e fantasia pronta. Vemos desfilar uma diversificada gale-

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ria de entes vizinhos do nosso quotidiano social-histórico das décadas de 30, 40 ou 50: a mulher-a-dias, a padeira, o lojista, os sapateiros, as vendedeiras, figuras em que ecoa a voz do Cesário e andam, de modo diferente, nas páginas de Miguéis ou José Gomes Ferreira; ou, numa ambiência campesina, a moleira, os pastores, os homens, mulheres e crianças de um espaço e uma época de carências e flagelações iníquas.
Povo, pessoas individuais em movimento, porfiando pela sobrevivência entre rudes vicissitudes, habitam a ficção e a poesia prosaizante de Irene, tanto como o imaginário da aldeia, recolhido nas histórias verazes ou fantásticas do entrevado Maurício. Certos dos contos de atmosfera sonhadora, infanto-juvenil ou não, lembram, pelo engenho e pela graciosidade, Hans Andersen ou Grimm e continuam, de maneira notável, caminhos abertos com o surto humanizador da 1.ª República. Assim, em «Uma Mão Cheia de Nada, Outra de Coisa Nenhuma», um dos seus livros mais popularizados, é a pujança da sua capacidade de indagação psicológica, sem quaisquer excessos, que nos surpreende e intimiza com universos anteriores à adultez de tanta e tão contraditória problematicidade.
Raras são as obras da autora disponíveis no mercado. Apesar do lançamento, relativamente recente, de uma colectânea bem estruturada e sucedida, impor-se-ia o estudo aprofundado do seu legado, com vista a uma publicação criteriosa e apoiada. Não está isso, sobretudo, na esfera das competências parlamentares, mas é curial aproveitar o ensejo para aqui hastear este sinal e aglutinar as vontades necessárias. É na sua bibliografia que um escritor vive. Não aceitemos, por incúria, partilhar de uma segunda ou terceira morte de Irene Lisboa, uma das personalidades fecundantes do nosso rico percurso literário.
Bem fez, pois, o Município da Arruda dos Vinhos em promover uma homenagem expressiva à pedagoga e ficcionista sua conterrânea. A ela se associa, na Assembleia da República, através do seu voto, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, proclamando o seu empenho em cooperar, pelos métodos e nas circunstâncias azados, em quanto projecte o acervo valioso, imperecível, de Irene Lisboa.

Aplausos do PCP, do PS, do PRD e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Almeida.

O Sr. Gomes de Almeida (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS associa-se à homenagem recordatória a Irene Lisboa, a propósito da passagem do 60.º aniversário da publicação da sua primeira obra.
Nascida em Arruda dos Vinhos em 1892, professora primária, formação que viria a reflectir em toda a sua obra, Irene Lisboa notabilizou-se pelo eminente carácter didáctico e pedagógico dos seus trabalhos, que constituíram a afloração importante da personalidade feminina num mundo cultural que, ao tempo, era pouco propício à afirmação da mulher.
Não terá sido porventura um espirito genial; foi, contudo, uma personalidade exemplar na sua persistência e na sua afeição a Lisboa, que tanto lhe deve como cronista que foi do seu quotidiano.
A actualidade da sua obra resulta do estilo simples e discreto que fizeram de Irene Lisboa uma referência importante da língua portuguesa, especialmente para a nossa juventude.

Recordando esta figura das nossas letras, o meu partido presta tributo assim também à importância do género cultivado pela escritora para a cultura nacional.

Aplausos do CDS, do PSD, do PS e do PRD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Domingues.

O Sr. Joaquim Domingues (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A celebração, quase 30 anos após a sua morte, do lançamento do primeiro livro de Irene Lisboa, significa que a escritora e a mulher estão vivas na memória colectiva.
De facto, tanto na vida profissional como na obra escrita - quer a de pendor pedagógico quer a de carácter literário -, Irene Lisboa foi capaz de sublimar em termos de comunicação, de dádiva pessoal e de criação artística o drama da solidão com que se debateu.
É por isso rica de significado a iniciativa do Município de Arruda dos Vinhos homenagear quem nela nasceu, mesmo que a temática dominante da sua obra literária esteja marcada pelo quotidiano lisboeta.
Ao reivindicar algo que considera fazer também parte do seu património, sublinha os múltiplos sinais do crescente papel das autarquias no domínio cultural.
A perspectiva centralista da dinamização cultural passou à história como uma das bizarrias com que alguns iluminados pretenderam combater as trevas alheias, quantas vezes ao serviço de interesses ideológicos e partidários bem conhecidos.
E, embora se deva prevenir a tentação de usar a cultura como investimento de prestígio em que rivalizem os poderes locais, deve reconhecer-se a urgência da descentralização no âmbito da política cultural.
Descentralização que o, Governo vem prosseguindo de forma ponderada, mas segura, como é já patente em diversas medidas e orientações, mas que só poderá revelar uma lógica própria quando se conjugue com o empenhamento dos responsáveis autárquicos, com o dinamismo local, através de iniciativas que correspondam às efectivas motivações de cada comunidade.
Neste entendimento, o Grupo Parlamentar do PSD congratula-se pela homenagem com que o Município de Arruda dos Vinhos celebra a passagem do 60.º aniversário da publicação do primeiro livro de Irene Lisboa.

Aplausos do PSD, dó PS, do PRD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra. o Sr. Deputado Raúl Rêgo.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PS associa-se ao 60.º aniversário da publicação do primeiro livro de Irene Lisboa, escritora que foi uma pedagoga com o nome de Manuel Soares, que foi uma grande escritora com o nome de João Falco e outros, e que José Gomes Ferreira - como já aqui foi lembrado - considerava a maior escritora portuguesa. Quer dizer, Irene Lisboa foi uma escritora clandestina, porque na clandestinidade viveu, como viveu o País em que ela teve de escrever, em que ela fez a sua vida de professora, de pedagoga e de escritora.
Dentro de quatro anos comemorar-se-á o centenário do seu nascimento e esperamos que o Município de Arruda dos Vinhos tome então a iniciativa de celebrar condignamente Irene Lisboa pelo que ela representou

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e por aquilo que ela poderia ter sido, seguindo na senda
das mulheres republicanas como Angelina Vidal, Carolina Ângelo, Ana de Castro Osório e outras.
Irene Lisboa é realmente a representante mais típica
das mulheres republicanas no Portugal clandestino, do
tempo em que ela exerceu a sua profissão literária.
Associamo-nos ao aniversário da publicação do seu
primeiro livro e esperamos que o centenário do seu nascimento seja também condignamente celebrado.
Aplausos do PS, do PSD, do PRD, do PCP e do
CDS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder ao habitual intervalo; prosseguiremos os nossos trabalhos às 18 horas e 15 minutos com as votações na generalidade dos projectos de lei que ontem foram apreciados.
Está suspensa a sessão, Srs. Deputados.
Eram 17 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 35 minutos.
Srs. Deputados, vamos passar à votação, na generalidade, dos projectos de lei n.º 311/IV, do PCP, 321/IV, do PS, e 325/IV, do PRD, sobre atribuição de reservas na zona de intervenção da Reforma Agrária.
Em primeiro lugar, submeto à votação, na generalidade, o projecto de lei n.º 311/IV, do PCP - Suspende a atribuição de reservas na zona de intervenção da Reforma Agrária até à conclusão da actividade decorrente do inquérito parlamentar à actuação do
Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação.
Submetido à votação, foi rejeitado com votos contra do PSD, do PRD, do CDS e do deputado independente Gonçalo Ribeiro Teles, votos a favor do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos e a abstenção do PS.

Passamos agora à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 321/IV, do PS - Transfere para os tribunais administrativos a competência para a atribuição das reservas previstas na Lei n.º 76/77, de 29 de Setembro.

Submetido à votação, foi aprovado com votos a favor do PS, do PRD do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos, votos contra do PSD e do CDS e a abstenção do deputado independente Ribeiro Teles.

O Sr. Deputado Guido Rodrigues pede a palavra para que efeito?
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, para requerer a contagem dos votos.
O Sr. Presidente: - Assim se fará, Sr. Deputado.

Procedeu-se à contagem.

O resultado da votação é o seguinte: 111 votos a favor, 90 votos contra e 1 abstenção, pelo que a proposta foi aprovada por maioria, como previamente havia sido anunciado.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 325/IV, do PRD - Requisitos da demarcação e atribuição de reservas na zona da Reforma Agrária.

Submetido à votação, foi aprovado com votos a favor do PS, do PRD, do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos, votos contra do PSD e do CDS e a abstenção do deputado independente Gonçalo Ribeiro Teles.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, é para dizer que vai ser enviado para a Mesa um requerimento de baixa à Comissão dos dois projectos de lei agora aprovados.

O Sr. Presidente: - Ficamos, então, a aguardar.
Entretanto, e caso não vejam inconveniente nisso, anuncio que em seguida será posto à discussão o projecto de lei n.º 308/IV, do PSD, que condiciona a afixação de publicidade ou de propaganda, bem como a realização de inscrições ou de pinturas murais.
O Sr. Deputado João Amaral pede a palavra para que efeito?

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, nos termos regimentais, ou se continua a discussão na especialidade dos projectos de lei que foram aprovados ou entra na Mesa um requerimento para que os referidos projectos de lei baixem à Comissão. Como suponho que vai dar entrada um requerimento nesse sentido, pedia ao Sr. Presidente...

O Sr. Presidente: - Já foi anunciado, Sr. Deputado. Tinha apenas pedido à Câmara que consentisse no prosseguimento dos trabalhos para ganharmos tempo, pois já tinha anotado e registado que esse requerimento ia dar entrada.

Pausa

Srs. Deputados, vou submeter à votação o seguinte requerimento:

Nos termos dos artigos 171.º, da Constituição e 153.º do Regimento, os Deputados abaixo assinados dos Grupos Parlamentares do Partido Renovador Democrático e do Partido Socialista requerem a baixa dos projectos de lei n.º 321/IV e 325/IV à Comissão de Agricultura e Mar, por um período de dez dias para efeitos de discussão e votação na especialidade.

Vamos votar, Srs. Deputados.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Rui Oliveira e Costa e Borges de Carvalho.

Srs. Deputados, está em discussão o projecto de lei n.º 308/IV.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

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O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cabe-me proceder à apresentação do projecto de lei n.º 308/IV, do PSD, que condiciona a afixação de publicidade ou de propaganda, bem como a realização de inscrições ou de pinturas murais.
Não me alongarei sobre a pretensa polémica suscitada em redor da invocada inconstitucionalidade deste projecto de lei. Esse debate, no essencial, foi já travado aquando da apreciação do parecer emitido pela Comissão de Assuntos Constitucionais, a propósito do recurso de admissibilidade do diploma, interposto pelo PCP e pelo MDP/CDE.
Do nosso ponto de vista, não há no nosso projecto o mínimo afloramento de inconstitucionalidade. A pretensa restrição ao direito de liberdade de expressão, mesmo que ocorra, visa salvaguardar outros direitos constitucionalmente protegidos - o direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado e o direito de propriedade privada -, os quais não têm obviamente dignidade inferior à daquele.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entrando na substância do diploma, peço-lhes que me acompanhem num rápido diagnóstico da situação caótica com que todos os dias deparamos.
Cartazes e pinturas murais são distribuídos indiscriminadamente por fachadas de prédios de toda a sorte. Processos sofisticados de colagem e tintas especiais, fazem-nos resistir ao tempo, de forma que, em muitos casos, se depara com sobreposições, que agravam a agressão visual e confundem completamente a mensagem que se pretendia transmitir.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O resultado é óbvio: o património construído, mas também o património natural, está conspurcado por todo o lado. Os proprietários dos prédios e respectivos usufrutuários não são tidos nem achados. Em regra é pela noite cerrada que as agressões se praticam, pelo que nem têm ocasião para protestar. Perante os factos consumados, um ou outro, mais persistente, lá vai procedendo a uma limpeza. Passados talvez poucos dias, verificará que a despesa que teve foi em vão: novos cartazes ou novas pinturas substituem as anteriores, degradando ainda mais as fachadas antes limpas.
As câmaras são também impotentes para debelar o flagelo. Ainda este Verão, uma câmara vizinha da capital organizou dezenas de jovens contratados pela organização dos tempos livres em brigadas de limpeza para lavagem das paredes dos centros urbanos. Foi tarefa e encargo inútil: uma semana depois, para desespero desses jovens e frustração dos munícipes, tudo estava como dantes. Isto é, novamente conspurcado por cartazes.
A mesma preocupação é vivida por grupos de cidadãos interessados em colaborar na reanimação dos espaços citadinos e em recuperar a degradação urbana. É o caso do Grupo de Animação para a Recuperação de Lisboa, cujos objectivos e projectos nos são relatados num semanário de sábado passado. Permitam-me que transcreva dessa interessante reportagem, as seguintes passagens referentes ao problema hoje em debate:

Paredes de Lisboa. Literalmente cobertas por milhares e milhares e milhares de cartazes, comerciais uns, políticos outros. As poucas cores da capital soterradas por toneladas de papel; que tanto incitam ao voto como à compra.

De quando em vez, quase sempre logo após as campanhas eleitorais, brigadas de limpeza da Câmara Municipal de Lisboa metem-se ao trabalho, que é como quem diz à mangueira e... descolam uns quantos cartazes.
No dia seguinte, quando não umas breves horas depois, as paredes voltam a estar preenchidas: os partidos e os candidatos dão então lugar aos tais cursos de meditação transcendental ou mesmo ao centro comercial aberto ali ao virar da esquina.
Mas longe vão os tempos dos cartazes simples e afixados com colas normais. Em treze anos as técnicas sofreram grandes «progressos». O cartaz pequeno deu lugar ao grande, com mais de 30 ou 40 m2.
A afixação já não é ao deitar da mão, é ao nível de um 1.º ou 2.º andar. As colas utilizadas são à prova de água e de mão alheia. De mão alheia, que é como quem diz, de rasgador de ocasião.
É que, para estes, há quem tenha descoberto que vidro moído misturado com cola dá resultado.

De facto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é importante salientar que fora das campanhas eleitorais, é hoje muito mais significativa a área colada referente a propaganda comercial e, dentro desta, a que se refere a espectáculos musicais de teatro de revista, para não referir os tais cursos de meditação transcendental, o concurso de tango entre selecções do Porto e de Lisboa, bailes variados, etc.
E hoje existem inúmeros veículos para a publicidade comercial, certamente pelo menos de custo-eficácia bem mais reduzido do que o do cartaz colado.
De resto, também para a propaganda política, o custo-eficácia de outros meios é bem mais aliciante do que o dos cartazes. Parece que o interesse destes prende-se mais com a necessidade fútil de se evidenciar capacidade de mobilização partidária do que com a obtenção de efeitos precisos através de imagens gráficas que já ninguém capta, tal é a profusão e a confusão de manchas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entro agora nas soluções preconizadas nos oito artigos do projecto de lei de que sou 1.º subscritor. São soluções, quanto a nós, exequíveis, simples e cremos que eficazes.
No essencial, pretende-se que a afixação de cartazes e as inscrições murais se circunscrevam aos espaços e suportes licenciados pelas câmaras municipais para o efeito, mediante prévio consentimento dos proprietários ou usufrutuários dos respectivos locais e, em casos excepcionais, também com o parecer favorável de entidade com jurisdição sobre esses locais.

Estabelece-se que o licenciamento das câmaras não deverá ser concedido em casos óbvios, como sejam aqueles que possam prejudicar o enquadramento de monumentos nacionais e de edifícios de interesse público, quando possa ser afectada a circulação e a segurança das pessoas ou sempre que se suscite confusão com a sinalização do tráfego.
Não ignoramos nem queremos escamotear que a aprovação do presente projecto de lei conduz necessariamente a que toda a publicidade comercial e parte da propaganda política ou afim, sempre que pretenda utilizar imagens e grafismo na via pública, tenha de socorrer-se de suportes publicitários concessionados a empresas especializadas, vulgarmente designados por «placards».

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Complementarmente, e apenas para a propaganda política, as câmaras poderão e deverão destinar suportes especiais para o efeito. É, de resto, uma iniciativa já experimentada com êxito nalguns municípios, sendo também certo que a própria lei prevê solução análoga a cargo das juntas de freguesia, mas apenas para os períodos eleitorais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei que está em debate pretende disciplinar uma situação que a esmagadora maioria da população considera caótica e degradante. Ninguém de boa fé pode justificadamente levantar o espantalho da Constituição para, numa atitude conservadora e retrógrada, deixar tudo como está.
A solução preconizada -repetimos- parece-nos razoável e eficaz. Mas estamos obviamente receptivos a todas as sugestões que, em sede de especialidade, as diversas bancadas queiram apresentar, em ordem a melhorar o nosso trabalho.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento estão inscritos os Srs. Deputados José Manuel Mendes, José Magalhães e António Barreto.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado António Capucho, a intervenção que acabou de produzir não trouxe nada de novo à discussão que havia sido feita aquando do debate da impugnação da admissibilidade por razão de inconstitucionalidade. Reproduziu o preâmbulo e acrescentou alguns dados, que são do conhecimento geral e que apenas contribuem para um diagnóstico que, de certo modo, é fácil subscrever. O problema está nas soluções ensejadas pelo próprio projecto de lei, que não distingue, à partida, a publicidade comercial e a propaganda política e condiciona a liberdade de expressão a licenciamento administrativo, o que é uma óbvia inconstitucionalidade, e escolhe um caminho intolerável quando não se afoita sequer a fazer a divisão nítida entre os materiais que são deléveis e os que, sendo indeléveis, podem causar prejuízos à propriedade privada e a outros interesses que importa tutelar, que a Constituição da República não deixa de acautelar.
Tenta fazer, finalmente, a imposição de processos ditos novos, de promoção ideológico-partidária, em tom que, permita-me que lhe diga, não deixa de ser indebitamente taxativo e, nessa justa medida, também inaceitável, porque a propaganda é, por definição, um domínio da imaginação de cada qual, da realização da capacidade criativa de cada partido e de cada força. O Sr. Deputado António Capucho deverá responder, designadamente, a questões como aquelas que coloquei, sendo certo que nós, a bancada do PCP, estamos dispostos a considerar, em sede normativa, a harmonização de interesses e de conflitos, desde que, por um lado, se respeite a Constituição e, por outro, não se ponham em causa direitos elementares, que são adquiridos do regime democrático.
Era importante, assim, que pudesse replicar aos argumentos em torno de duas questões centrais: primeira, como aceitar a proposta do PSD justamente naquela área em que, nada distinguindo, sujeita a propaganda política a licenciamento das autarquias, das câmaras municipais? segunda, como poder defender, numa sede com as características eminentemente políticas e responsáveis da Assembleia da República, que venha alguém a contestar um projecto de lei como o que nos apresentou, em que essenciais princípios jurídicos e regras gerais de convivência cultural são postos em causa, ademais acompanhando-se de justificações que de forma alguma são as mais meritórias? Poderíamos continuar, temos uma intervenção de fundo que detalhará cada uma destas matérias sectoriais, mas, liminarmente, impõe-se que o Sr. Deputado António Capucho defina a posição da bancada do PSD relativamente àqueles problemas que suscitam, evidentemente, questões de constitucionalidade, que como tal são sinalizáveis e, a todos os níveis, intoleráveis do ponto de vista político.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.

O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Deputado António Capucho, sou sensível a todo o problema que referiu e partilho de grande parte da sua análise, do seu diagnóstico e até da intenção de muitas das soluções apresentadas. O meu partido vai exprimir-se daqui a pouco tempo mais séria e fundamentadamente sobre a questão, teremos algumas reticências de carácter processual e jurídico, que serão expressas dentro de pouco tempo.
No entanto, devo dizer-lhe, a título pessoal, que tenho algumas dúvidas quanto à eficácia de mecanismos jurídicos e normativos deste tipo. Toda a matéria tratada neste projecto de lei está relacionada com coisas mais profundas das sociedades, da civilização, do civismo, dos costumes políticos, sociais, culturais, etc. Por isso mesmo, teria tendência a dar mais força, ou a dar privilégio, a qualquer coisa no domínio do voluntarismo ou da responsabilidade, do que a mecanismos jurídicos e legais deste tipo. O que não quer dizer que seja contra ou que seja crítico, mas sim muito pessimista, ou muito céptico, em relação a isto.
Gostaria, Sr. Deputado, de saber a sua opinião sobre a hipótese de os partidos políticos, todos ou quase todos, assinarem entre eles um acordo ou um tratado de bom comportamento eleitoral, ou de comportamento eleitoral, que contemplaria matérias como sejam o tom das campanhas eleitorais, a propaganda política geral nas campanhas eleitorais e fora delas, as colagens, os cartazes, as degradações feitas no património, na natureza, no quotidiano das nossas cidades e vilas, etc.
Evidentemente, um problema grande, nesta hipótese, é o de quem é que toma a iniciativa, pois quando uma pessoa ou um partido toma uma iniciativa deste tipo cria algumas crispações nos outros partidos, nas outras pessoas. Nesta medida, penso que um acordo deste género, sob a égide do Presidente da República, do Presidente da Assembleia da República ou do Governo, no fundo de um dos três órgãos de soberania, seria susceptível de ter a responsabilidade pessoal das direcções dos partidos e a responsabilidade colectiva dos partidos, que renunciariam pública e voluntariamente, na televisão, nos jornais, etc., às depredações da Natureza, do património, das casas e, ainda, num bom comportamento eleitoral e político, a prescindirem de ataques caluniosos de natureza pessoal. Que é que o Sr. Deputado António Capucho pensa desde conjunto de propostas ou de reflexões?

O Sr. Presidente: - Uma vez que o Sr. Deputado José Magalhães prescindiu da palavra, para responder aos pedidos de esclarecimento tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

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O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começando por responder ao Sr. Deputado do Partido Comunista, devo dizer, em primeiro lugar, que não vou reentrar na polémica sobre a eventual inconstitucionalidade que o Partido Comunista invoca a propósito deste diploma. Já foi objecto de debate aqui, não vejo inconveniente que continue a sê-lo, mas certamente não serei eu que irei rebater, mais uma vez, os argumentos que o Partido Comunista, já em sede de plenário, aquando do debate do parecer da Comissão, entendeu produzir. Bom, se o Partido Comunista proferir outra intervenção nesta Câmara - e já verificámos que há um deputado inscrito para o efeito -, provavelmente a minha bancada voltará à estacada sobre o assunto, se entender que vale a pena repetir argumentos que, para nós, estão esgotados.
Quanto ao facto de a nossa iniciativa não distinguir a propaganda comercial da propaganda política, isso é propositado. O que pretendemos é defender a agressão que detalhadamente, ou pelo menos de uma forma tão precisa quanto possível, descrevemos na nossa intervenção e que consta do preâmbulo do projecto de lei. Essa degradação é indiscriminadamente feita com base em propaganda comercial e com base em publicidade partidária. Não há distinção; tanto atenta contra os princípios fundamentais que a Constituição também consagra e que V. Ex.ª habitualmente não cita, que são o direito a um ambiente ecologicamente sadio...

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Normalmente cito, Sr. Deputado.

O Orador: - ... e o direito à propriedade privada, como dizia, tanto agride, tanto afecta esse princípio um cartaz partidário como um cartaz de uma festa de Natal. Portanto, não há que distinguir, mas sim que disciplinar ambos os casos. Evidentemente que não entrámos em considerações a propósito de coisas deléveis ou indeléveis, mas admito que o projecto de lei possa, na especialidade, contemplar de forma particular as tintas que sejam deléveis. Confesso, contudo, que acho sumamente ridículo que se entre aqui nesse pormenor, mas em sede de comissão se entenderá o que se considerar justo sobre esta matéria.
Chamo a atenção do Sr. Deputado para o facto de não se pretender regulamentar o conteúdo da mensagem política do cartaz partidário que é licenciado pelas câmaras, obviamente, mas sim o suporte onde esses cartazes podem ser afixados. Era o que faltava, que as câmaras se pronunciassem sobre o conteúdo. É que perpassou da sua intervenção - presumo que não seja isso que quisesse dizer - que V. Ex.ª punha em causa que a Câmara, ao licenciar, pudesse estar a fazer um juízo subjectivo sobre o conteúdo do cartaz; nada disso, obviamente o que tem de licenciar é o suporte para o efeito.
Quanto ao Sr. Deputado António Barreto, talvez seja mais pessimista do que V. Ex.ª em relação - a outras fórmulas de educação cívica que pudessem contornar a questão. Não creio que essa solução resulte depois de termos criado o mau hábito e o laxismo de deixar colar cartazes, permita-se a expressão, «à balda» nos centros urbanos, como se deixou nos últimos treze anos, sem qualquer consequência. E mais, perante acções manifestamente louváveis de câmaras municipais, através da organização dos tempos livres, como, aconteceu em Cascais, e noutros casos através dos próprios serviços, como aconteceu em Lisboa, em que em quinze dias se limpa completamente três ou quatro grandes centros urbanos, em que a população vive com expectativa o resultado positivo dessa limpeza, verificou-se que, passada uma semana, volta tudo exactamente ao que estava, com cartazes, nesse caso, de propaganda comercial, de um concerto de um artista português.
Daí que penso não serem inúteis as acções do tipo das que V. Ex.ª pretende privilegiar, mas julgo que não será o único caminho nem o caminho preferencial.
É indispensável que a lei defina os locais onde se pode proceder à afixação de cartazes e penso que as Câmaras Municipais, esse poder local que todos nós defendemos, estão em condições excepcionais para procederem em conformidade, embora tenha as maiores reservas em relação a muitos dos suportes que, por exemplo nesta cidade, são utilizados para a publicidade comercial, como, por exemplo, aqueles que se situam em plena via pública e que só servem para os milhares de invisuais desta cidade terem de, invariavelmente, chocar contra eles, pois são barreiras arquitectónicas gravíssimas e são uma atitude negativa por parte da Câmara. Mas temos hoje inúmeras experiências na Europa, em que é perfeitamente possível, sem degradar o ambiente e a paisagem visual, colocar suportes para este efeito.
Quanto ao acordo que V. Ex.ª cita a propósito dos partidos políticos, começaria por dizer que quem nos dera que a degradação actualmente existente fosse originada, fundamentalmente, pelos partidos políticos. Penso que, neste momento, os partidos políticos estão de facto suficientemente consciencializados para a necessidade de se conterem nessa matéria e a minha experiência, designadamente como director de várias campanhas eleitorais, é que os próprios partidos têm abandonado progressivamente o cartaz, em benefício de outras mensagens gráficas muito mais eficazes - V. Ex.ª saberá isso tão bem ou melhor que eu -, como, por exemplo, através de impressos entregues em mão em locais de grande afluência de público ou mesmo nas caixas do correio, sendo estes considerados os mais eficazes e, aliás, os mais baratos.

O problema é que não são os partidos que, essencialmente, conspurcam as paisagens. Hoje em dia, se V. Ex.ª atentar bem, dirija-se ao Cais do Sodré ou à Baixa de Lisboa e vê afixados fundamentalmente cartazes inconcebíveis de publicidade comercial do tipo que referi, para parodiar um pouco, de cursos de meditação transcendental, bailes de pinhata e outros, abertura de supermercados e espectáculos musicais. Por outro lado, não sei por que razão as empresas musicais que têm a seu cargo a organização e promoção de espectáculos de «heavy metal» ou de concertos de outro tipo adoptaram este processo de publicidade, pois não acredito no custo-eficácia deste meio.

Mas, insisto muito, pelo menos na capital e nos centros urbanos à volta de Lisboa, o grande responsável pela degradação não é o cartaz político, mas sim o comercial. Antes fossem os partidos políticos, pois, nesse caso, um acordo de cavalheiros poderia resolver o problema, e a nossa disponibilidade é total para um acordo desse tipo, que envolva inclusivamente as questões que V. Ex.ª colocou e que, não tendo a ver directamente com a matéria em debate, parece-me muito bem que sejam consideradas num acordo desse género,

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como sejam a utilização de calúnias de que muitas vezes somos vítimas ou a utilização de imagens de outros partidos, que entendemos não ser um processo correcto. Há muitas questões que estamos disponíveis para considerar num acordo desse tipo, por que não liderado pelo Presidente da Assembleia da República?
Só que isso é complementar, somos pessimistas e pensamos que sem um diploma legal que cometa ao poder locar, neste caso às câmaras municipais, um meio eficaz que permita disciplinar a afixação de cartazes, designadamente, para não dizer principalmente, dos cartazes comerciais, a situação não será debelada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República poderia discutir hoje, seriamente, as formas de compatibilizar entre si direitos e liberdades previstos constitucionalmente, encontrando a solução harmoniosa na definição dos limites emanentes a cada um.
Definir esse quadro quanto ao direito e à liberdade de expressão, quanto ao ambiente e qualidade de vida e ainda quanto ao direito à privacidade é tarefa que sem dúvida nos cabe.
A Assembleia da República pode e deve encontrar as soluções para, por exemplo, defender o património arquitectónico de degradações, defender a propriedade de danos, o património natural de conspurcações, mas sem que isso signifique a imolação da liberdade de expressão no altar de outros interesses, que estão manifestamente subjacentes aos falsos argumentos que acompanham o projecto de lei do PSD.
Com este projecto, a Assembleia da República vê dificultado o debate que se impõe.
O debate que conduzisse a soluções que impedissem, de uma vez por todas, a criação livre de restrições à liberdade de expressão, que por esse país se tem vindo a fazer através de posturas municipais e regulamentos de governos civis, aquelas e estes manifestamente inconstitucionais, como tem vindo a ser reconhecido pelo Tribunal Constitucional.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Não é isto que o PSD pretende. O projecto de lei do PSD, em primeiro lugar, assenta em pressupostos viciados quanto à realidade e à memória histórica da propaganda após o 25 de Abril; em segundo lugar, visa reforçar o monopólio governamental e do PSD quanto às formas de expressão, proibindo as que estão ao alcance e são mais usadas pelos partidos de oposição e organizações populares.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Exacto!

A Oradora: - Para isso, o PSD amalgama todas as formas de propaganda, não distingue a propaganda política da propaganda comercial, confunde a propaganda que não atinge nem colide com qualquer direito ou interesse e a que tem de ser harmonizada com estes.
Em segundo lugar, o PSD institui mecanismos de censura e intervenção autárquica inconstitucionais, como já sublinhou a Comissão de Assuntos Constitucionais desta Assembleia. Importa examinar um a um estes quatro aspectos.

Em primeiro lugar, o projecto parte de um quadro propositadamente viciado, inventando um fosso na sociedade portuguesa e pondo num lado os trabalhadores, as forças democráticas, e na outra margem os magníficos combatentes contra a denominada (em despacho ministerial) «intrusão visual».
Aqueles seriam os terríveis conspurcadores de paredes, estes os defensores do património artístico e natural.
Quem se detiver nas paredes deste país verá que de facto assim não é.
A memória das palavras ilustra sinais de contradição, ecoa vozes distintas, de todos os quadrantes. É distorção grave confundir a degradação e a expressão (sem danos) das exigências de quem, dando voz à luta colectiva, tem o cuidado de salvaguardar o património, tem a preocupação do recorte artístico.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - E mostra também, por vezes, como a sanha contra a democracia leva às pinturas mais toscas e inacabadas, mesmo em monumentos nacionais.
Um diploma que pretenda ser harmonioso e equilibrado não pode pois partir da clivagem que os autores do projecto artificialmente criaram.
Não pode tratar de forma igual o mural artístico ou o cartaz que dá brilho e beleza ao espaço urbano, a escrita breve em taipais, as feridas em monumentos nacionais, a degradação de espaços protegidos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - São coisas completamente distintas. Pior ainda se daí se partir, como parte o PSD, rumo às restrições à liberdade de expressão, rumo à imposição de um modelo de propaganda que lhe convém, para violar grosseiramente os princípios constitucionais do pluralismo político, da liberdade partidária e da livre expressão.
De facto, os falsos argumentos, precisamente porque são falsos, não conseguem esconder que o que se pretende defender não é a ecologia, não é o ambiente e a qualidade de vida, não é o direito à propriedade, mas acima de tudo o monopólio governamental dos meios de expressão.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Conseguido o controle dos meios de comunicação social, o PSD vê colisões de direitos em tudo, inventa colisões mesmo onde não existem e vem agora pretender coarctar direitos legitimamente exercidos, legalizando práticas inconstitucionais por parte de algumas autarquias, que, com afã, salvaguardam ilustres visitantes contra a incomodidade da faixa que protesta.
O PSD pretende mesmo impor aos outros partidos, aos sindicatos, às organizações sociais, meios de expressão, como claramente resulta de recente conferência de imprensa largamente noticiada.
O PSD quer determinar que as formas mais eficazes de propaganda, e por ordem crescente - como diz -, são as seguintes: o panfleto distribuído na rua em mão, o impresso não assinado do tipo «As dez razões para votar no partido X» e a carta pessoal, ou seja, o correio directo para casa de eleitores.

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Para o PSD isto é que é bom, é isto que está a dar. E porque isto é bom para o PSD, que pode suportar as despesas do correio directo, tem de ser bom para os outros.
Assim que o projecto visa afinal impor um padrão de propaganda, um padrão caro, altamente dispendioso, inacessível a muitas organizações.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Jogando, pois, na desigualdade económica, o projecto de lei do PSD visa, ao fim e ao cabo, reduzir à expressão mais murmurada os protestos que se fazem ouvir contra o governo de Cavaco Silva, contra o governo do PSD.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - O projecto de lei n.º 308/IV, na medida em que visa impor um padrão de propaganda, na medida em que pretende impor um quadro reduzido de meios de expressão, apresenta-se desde logo como inconstitucional, por cercear, na liberdade de expressão, os aspectos instrumentais dessa liberdade. As restrições a tal liberdade resultam claramente do articulado.
Em primeiro lugar, porque impõe um licenciamento prévio pela câmara municipal. Um licenciamento caso a caso, uma censura prévia que comprime o direito e aniquila o seu conteúdo. Permitindo assim o mais puro arbítrio.
Em segundo lugar, porque enumera, apenas com carácter exemplificativo, as proibições, deixando às câmaras municipais a tarefa de as alargarem ainda mais através de regulamentos autónomos. E isto é manifestamente inconstitucional.
Estamos, com efeito, em matéria de reserva de lei. E nesta sede é a lei que tem de «estabelecer uma regulamentação suficientemente determinada e densa», é a lei que tem de preencher toda a regulamentação primária, deixando para os regulamentos apenas e tão-só os aspectos secundários.
Não acontece assim no projecto do PSD. É que, ao estabelecer, no artigo 2.º, que a licença não deverá ser concedida designadamente nos seguintes casos (segue-se a enumeração exemplificativa) e ao delegar para as câmaras municipais a regulamentação do diploma, nomeadamente dos casos de não licenciamento, o PSD está a permitir que em matéria de reserva de lei as câmaras municipais façam regulamentos autónomos.
E o PSD sabe muito bem que nesta matéria tal não pode acontecer, porque a Constituição não o permite. Sabem muito bem os autores do projecto que em matéria de reserva de lei os regulamentos podem conter tão-só pormenores de execução para assegurar o exercício do direito e não podem conter mais do que isso, ainda que tenha havido uma delegação legal para exceder o conteúdo constitucional destes regulamentos. Delegação que existe de facto no projecto de lei do PSD, mas que, por ser inconstitucional, não obstaria à inconstitucionalidade dos regulamentos que lançassem mão daquela delegação.
Estão, pois, bem evidentes os reais objectivos do projecto de lei em debate. Que não são os de compatibilizar direitos ou de salvaguardar o que quer que seja, mas tão-só os de reprimir a liberdade de expressão exercida de forma equilibrada, harmonizadora.

É um projecto que, ao invés de procurar determinar com equilíbrio os limites emanentes de direitos que possam vir a estar em colisão, abre as portas à criação livre desses limites por parte das autarquias.
Quanto a nós, recusamos, de facto, essa solução. Exemplos temos, e suficientes, sobre os resultados daquela criação livre.
Chegou-se ao absurdo de invocar o direito ao silêncio, quando, na hora mais fervilhante do mercado municipal, um dirigente sindical fazia à porta desse mercado propaganda sonora de reivindicações salariais. Para lhe tentar impor a ordem de silêncio.
Aqui e além assistimos ao espectáculo de ver apagar murais que não provocam danos, nem degradam coisa nenhuma, antes melhoram um muro abandonado e degradado apenas com o decorrer dos anos.
Na sanha contra a liberdade de expressão, expõem-se trabalhadores municipais ao ridículo de caiar e tornar a caiar sobre um mural artístico. Ao ridículo, acompanhado de desespero, de arrancar faixas que se estragavam alguma coisa era o dia de quem tinha programado uma passeata de propaganda calma e sorridente e encontrou protestos.
A tudo isto assistimos, e, por isso mesmo, estaríamos de facto interessados em acabar de vez com estas formas de censura «a posteriori», que algumas vezes têm levado ao banco dos réus quem exercia um direito e uma liberdade, com respeito pelos direitos dos outros.
Algumas vezes mesmo houve que recorrer ao Tribunal Constitucional para que fosse reconhecida a sem razão de quem censura.
Mas não é este o projecto que permitirá repor o equilíbrio. Este é sim o projecto de quem pretende tão-só sacrificar a liberdade de expressão aos seus planos de defesa de um governo minoritário, que multiplica as violações da Constituição e da lei para se aferrar ao poder e distorcer o normal funcionamento das instituições.
Temos confiança de que esses planos serão derrotados.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Reconhecemos, sem esforço, que a utilização indiscriminada de meios de publicidade ou de propaganda tem contribuído para acelerar a degradação ambiental de muitas áreas urbanas e zonas paisagísticas do País.
Reconhecemos que as mais elementares preocupações de protecção do nosso património arquitectónico, da paisagem ou da própria higiene pública aconselham a que se tomem medidas que obstem à proliferação indiscriminada de pinturas e colagens em tudo quanto são dois palmos de parede ou de superfície disponível.
Todos temos direito a um ambiente ecologicamente são. Todos temos o dever cívico de contribuir para o realizar. Mas partilhar o reconhecimento de uma necessidade não equivale a partilhar toda e qualquer proposta de solução para a satisfazer. Sobretudo se a solução pretendida incorrer no perigo de abrir problemas mais graves que aqueles que visa resolver.
Já sabemos - e já oportunamente aqui debatemos o problema - que a Constituição da República a todos garante, sem discriminações, o direito a exprimir e a

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divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio. Sabemos também que eventuais restrições ao conteúdo dos direitos fundamentais são do domínio reservado da lei e só podem verificar-se nos casos expressamente previstos na Constituição. Sabemos ainda que, quando algumas autarquias locais pretenderam regulamentar as condições de afixação de publicidade e propaganda, tais iniciativas foram constitucionalmente logradas, já porque incorriam em vício de forma - o órgão e o meio eram impróprios para alterar a ordem jurídica -, já porque violavam materialmente a Constituição nos casos em que restringiam a liberdade de expressão, submetendo-a a exigências de prévia autorização administrativa.
Ora, devemos interrogar-nos se o projecto de lei apresentado pelo PSD não incorrerá nos dois vícios que acabámos de referir.
Desde logo, o projecto não distingue entre os conceitos de publicidade e de propaganda. Será que ambas as actividades correspondem ao exercício de um direito fundamental?
Será que a iniciativa comercial de divulgação da marca de um certo produto equivale à iniciativa de divulgação de uma ideia, mormente uma mensagem política?
Julgamos, como aconselha a chamada «jurisprudência dos interesses», que distintas realidades humanas e sociais admitem diferentes tratamentos na ordem jurídica.
Se o não fizermos, correremos o risco de contribuir para gerar soluções de todo em todo insuportáveis.
Que, por exemplo, um comerciante careça de licença camarária para afixar na fachada do prédio um anúncio permanente do seu estabelecimento comercial, a todos se afigura óbvio. Mas que o mesmo indivíduo pudesse vir a sofrer uma pesada coima por colocar à janela de sua casa a fotografia ou o símbolo de uma candidatura eleitoral, seria caso para nos lamentarmos por tão grave renúncia e tão elementar acto de liberdade.
Simplesmente, essa possibilidade está configurada no projecto do PSD...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Essa e outras!

O Orador: - ... nos termos do qual o acto administrativo de licenciamento condiciona todo e qualquer acto de afixação, mesmo amorável, de publicidade ou de propaganda. Acreditamos que tão longe o PSD não desejava ir. Admitimos que o PSD acabe por ponderar na conveniência de distinguir actos de publicidade de actos de propaganda e que convenha em que uma sociedade comercial e um partido político não desempenham, manifestamente, funções sociais de idêntica relevância. Que, por isso mesmo, não devem, não podem, ser objecto de idêntico tratamento.
O projecto de lei em análise visa conferir às câmaras municipais, além da competência para actos de licenciamento, competência para a aprovação de regulamentos definidores das condições de afixação de publicidade ou de propaganda ou de realização de inscrições e pinturas murais.
A atribuição de tal competência não é suficientemente delimitada para garantir uma regulamentação que se quede nos limites das necessidades impostas pela coexistência dos direitos que concorrem para garantir uma convivência social ordenada, como ocorre, naturalmente, com o próprio direito de propriedade. A porta ficaria aberta para, mais que uma adequada conformação de direitos, vir a limitar-se o conteúdo da liberdade de expressão, por limitação arbitrária dos meios instrumentais de exercício dessa liberdade.
Mau grado a boa fé que a nós, legisladores, nos possa assistir, não podemos admitir que uma lei saída da Assembleia da República venha a permitir que, em qualquer concelho do País - um só que seja -, o poder regulamentar e a prévia exigência de um acto administrativo funcionem para impedir a liberdade de expressão.
Daí que a solução legal a adoptar deva rodear-se das maiores cautelas.
Instituições com dignidade constitucional, tais como sindicatos ou partidos políticos, que concorrem para a organização e a expressão da vontade popular, não devem ficar na dependência de um poder municipal contra o qual só poderiam reagir por impugnação dos respectivos actos administrativos.
Não pode admitir-se que, em matéria de liberdades públicas, os órgãos de um município disponham de uma tão vasta competência regulamentar.
Seria caricato que a Assembleia da República se despojasse de uma competência exclusiva por um mero processo de delegação de poderes, abrindo as portas à possibilidade de mais de 300 regulamentos diferentes, tantos quantos os concelhos do País, ainda por cima sem possibilidade de serem ratificados por um órgão superior.
O enquadramento legal desta matéria é, reconheça-se, manifestamente difícil. Mas não devemos fugir às dificuldades, alienando a outrem o que o Parlamento deve definir, criando um elenco tipificado, rigoroso e preciso das formas de exercício distinto das actividades de publicidade e de propaganda, tendo, designadamente, em conta os agentes de uma e de outra. Tipicidade que deverá distinguir ainda entre apresentação fixa e apresentação amovível de mensagens ou de propaganda.
A lei deve definir ainda, na linha de legislação já existente, quais os elementos do património público ou os locais de acesso público vedados à afixação de propaganda.
Por outro lado, é de admitir que as autarquias locais condicionem certas zonas à afixação de cartazes ou de pinturas murais, se tais zonas forem previamente declaradas interditas, com base em interesse relevante consignado na lei.
Deverão fazê-lo, não em função de solicitações pontuais, mas segundo uma definição geral publicada no início de cada ano, através de postura obrigatoriamente sujeita a aprovação das assembleias municipais. Do acto constará igualmente a indicação dos locais expressamente colocados pelas autarquias, nessas zonas, à disposição para afixação de materiais publicitários ou de propaganda.
Um regime legal assim concebido, estamos certos, garantirá melhor e mais eficazmente o equilíbrio dos interesses em jogo.
Neste sentido, as dúvidas colocadas ao projecto de lei do PSD são, segundo suponho, uma forma de nos colocarmos a todos perante a exigência, fundamental entre todas, de preservar as condições de liberdade e de legalidade próprias de um Estado de direito, fundado no pluralismo político e na garantia das alternativas democráticas.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao realçar vários aspectos melindrosos envolvidos nas hipóteses de solução apresentadas pelo PSD, desejo voltar a sublinhar a nossa preocupação em face do estado de coisas existente. Estado de coisas que carece de ser corrigido e, como é evidente, por iniciativa daqueles que têm perante o País o dever de afirmar o civismo como atitude e como prática.
Neste sentido, apreciamos o projecto de lei do PSD como um contributo inicial, mais do que como uma solução final, para a definição de um quadro legal regulamentador das condições de afixação de publicidade ou de propaganda, bem como da realização de inscrições ou de pinturas.
Queremos contribuir para a existência de um país limpo, de um país onde dê gosto viver, sem esquecer que o primeiro sinal de higiene pública é o da higiene mental, o da liberdade, o da defesa do direito de expressão. Não queiramos ganhar aquele objectivo perdendo irremediavelmente o segundo.
Vamos, por isso, contribuir para a elaboração de uma lei que na sua versão final não permita a discricionariedade e, por via dela, a arbitrariedade. Vamos fazê-lo com espírito construtivo. E com a participação de todos será, certamente, possível vir a ter uma lei equilibrada e consensual.

Aplausos do PS.

O Sr. Agostinho de Sousa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permito-me iniciar a intervenção socorrendo-me de um juízo de Roland Dumas, em «Le Droit d'Information», perfeitamente adequado a um alerta contra os riscos de uma acção menos reflectida.
A liberdade de expressão de pensamento é uma liberdade pública que o legislador deve manejar com preocupações de luxo.
O projecto, objectivamente, não revela essa cautela - longe disso - e inscreve-se numa linha de questionável fidelidade à melhor solução constitucional e democrática.
Deter-me-ei, de momento, pela apreciação da filosofia política que lhe subjaz.
Entendo que alguns dos aspectos aqui focados, que tendem a absorver a atenção da Assembleia da República, são claramente menores relativamente a estas questões de princípio.
O projecto contém medidas que representaram uma mutilação sensível da referida liberdade, dificilmente concebível sem uma ampla propaganda de opinião, em particular político-partidária e da comunicação de ideias em geral, naquele domínio.
A proclamação pública de uma mensagem desta, natureza distingue-se e demarca-se desde logo de toda a espécie de actividade publicitária.
São diferentes e irredutíveis os objectivos a que se propõe, a natureza do seu conteúdo e os resultados em que se traduz, sendo certo que a publicidade comercial tem, além do mais, acesso a todos os meios.
Associar, pois, num tratamento jurídico e político a propaganda de conteúdo opinativo ou de protesto de fé a uma qualquer publicidade de índole económica, financeira ou comercial revelaria, além de uma desfavorável sensibilidade, um discutível sentido das conveniências - com a devida vénia -, que não de inteligência, por razões que estão à vista.

De todo em todo, a solução não escapa a um juízo de desfavor sobre a sua provável inspiração e objectivos ideológicos.
Uma defesa correcta e coerente da liberdade de expressão, na sua plenitude constitucional e política, não encontra na orientação do projecto o devido e merecido eco.
À consciência e às preocupações democráticas, o problema essencial que se põe é, fundamentalmente, o da salvaguarda do princípio em si mesmo e o da eficácia da sua aplicação.
Na sequência do exposto, a pretendida valorização do peso das decisões administrativas, tal como o projecto configura, de proibição de propaganda, nomeadamente político-partidária nos seus termos instrumentais, representa uma diminuição, como se procurará pôr em destaque.
A liberdade de propaganda deverá existir como regra e as proibições como excepção, com a prudência de serem expressas e discriminadas.
O projecto subverte este princípio elementar. Privilegia a intervenção administrativa, a interdição vira regra, a excepção é a liberdade de propagandear, assim esvaziada, em grande parte, do seu sentido, força e dignidade democrática.
Tal liberdade, sobretudo a de cariz político e político-partidário, aparece no projecto como o parente pobre, das liberdades políticas - cito, a propósito, Roland Dumas. Como também cito, a propósito, com todos os desfavores das citações, Robert Ducas, que, comentando em França a alteração da lei de imprensa, perante uma situação próxima dizia que o Estado liberal retomava um dos métodos do Estado de polícia.
0 espírito do projecto e, como é óbvio, a sua letra ignoram ou fazem por ignorar as dificuldades de acesso crescente dos pequenos partidos, das minorias aos grandes meios de comunicação social.
Não trata, minimamente, de ajustar ou atenuar a clamorosa desigualdade de acesso aos meios de expressão; pura e simplesmente, agrava-os.
Por outro lado, não houve sequer a elementar cautela de declarar as proibições somente depois de assegurados, ou pelo menos previstos, os locais ou critérios da sua criação, para propaganda através, eventualmente, de posturas a sancionar pelas assembleias municipais.
Não é difícil também conjecturar um futuro de confusão, de injustiças relativas e, como casos extremos, os actos e decisões de manipulação político-partidária.
Cada câmara municipal terá o seu critério, cada concelho as suas decisões para conceder ou denegar licenciamentos, para a escolha de locais, para a decisão sobre superfícies mínimas para propaganda, em função da - área do concelho, do número de habitantes e de partidos, para conciliar a concorrência da publicidade e da propaganda, dos partidos e das entidades comerciais, de uns e de outros e mais das associações recreativas, sindicatos; desportivas, culturais, religiosas, felizmente em crescendo, e alcançar a partilha equilibrada, para definir os critérios do prejuízo de beleza ou do enquadramento dos monumentos, etc., etc.
Creio que, a título de exemplo, basta. A bondade do projecto não melhora, todavia, na óptica da sua legalidade. Não adrega alcançar o pretendido ou, pelo menos, anunciado ponto de equilíbrio entre a necessidade de preservar a liberdade de expressão de pensamento e a de garantir os valores de defesa do ambiente e da propriedade privada.

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O resultado é, ao contrário, uma declarada rotura. Preliminarmente, rebate-se a alegada necessidade de apetrechar as autarquias com os poderes legais bastantes para o exercício dos seus deveres de salvaguarda dos valores paisagísticos, estéticos e de salubridade pela presente via legal.
Como se pondera no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 74/84, no processo n.º 72/82, citando Vieira de Andrade, a ausência de intervenção do legislador não transfere para o poder administrativo uma competência normativa para concretizar, regulamentar ou restringir os preceitos sobre direitos, liberdades e garantias, nem lhe deixa uma competência lata para limitar as liberdades, de acordo com as exigências do interesse e da ordem públicos.
O conteúdo dos preceitos do projecto é de uma verdadeira disciplina compressora sobre a liberdade de expressão de pensamento e de informação e sobre os modos de a concretizar em todas as modalidades de publicidade e de propaganda, nomeadamente política e político-partidária.
Não se trata de disciplinar e organizar a correcta execução dos preceitos constitucionais que vigoram na matéria, para os adaptar às conveniências e às necessidades da vida social, simplificando, esclarecendo e tornando mais eficiente, segura e pacífica a sua aplicação. Visa-se, sim, condicionar o direito de cada um manifestar o seu próprio pensamento e de o tornar público e, bem assim, o uso de meios para a sua comunicação e difusão. Não se trata de medidas de melhoramento de normas constitucionais, apesar de a sua aplicação directa não dispensar, é verdade, soluções organizativas que a desenvolvam.
O alcance e o conteúdo dos direitos são afectados por restrição ou compressão e não por mero condicionamento. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais. A restrição carece, portanto, de uma autorização constitucional expressa (ou, eventualmente, imposta...) e afecta o conteúdo essencial do preceito sobre a liberdade de expressão de pensamento.
Pretende visar a salvaguarda de outros direitos constitucionalmente protegidos, sendo certo, todavia, que o direito de propriedade privada está regularmente garantido, sendo conveniente, porventura, melhorar essa protecção. A alegada ofensa do direito ao ambiente de vida sadia e ecologicamente equilibrada que se pretende preservar, e que se anuncia como um dos aspectos fundamentais do equilíbrio, não resulta essencial ou significativamente da acção agressiva da propaganda de natureza política - como, aliás, aqui foi reconhecido -, pelo que a medida é claramente excessiva e desproporcionada quanto à compressão realizada.
Mas, além destes pressupostos materiais, a lei deverá satisfazer um outro novo requisito: revestir carácter geral e abstracto.
A restrição não tem carácter de generalidade, uma vez que ocorrerá ou não se a autorização for concedida ou recusada.

Como o poder das câmaras municipais se exercerá discricionariamente, desvinculado de um fim determinado de ordem pública para recusar uma autorização, poderá impedir, caso a caso, o exercício do direito.
O projecto abre, assim, as portas ao arbítrio, com violação dos números 2 e 3 do citado artigo 18.º da Constituição, que contém uma proibição qualificada de arbítrio, doutrina que se sustenta no referido acórdão do Tribunal Constitucional, de que nos socorremos.
A terminar, uma objecção de menor alcance, mas nem por isso de subestimar.
Onde a lei previne já proibições, abre-se no projecto a hipótese de se poder fazer propaganda, em particular político-partidária, desde que concedido licenciamento.
Repare-se que na enumeração dos casos concretos de recusa se não prescreve a proibição pura e simples, por exemplo, de afixação em monumentos nacionais ou em edifícios de interesse público, como já acontece, mas se condiciona ao prejuízo da beleza ou ao enquadramento dos monumentos nacionais.
Objectar-se-á que o risco só é sustentável na base de uma interpretação literal, visto dever entender-se que as normas contêm, ou pode entender-se implícita, a ressalva das existentes. Mas a ressalva não se consagrou, permitindo a dúvida sobre se as anteriores proibições se mantêm com o exacto sentido e alcance em que se configuram.
Naturalmente que, juntamente com os autores do projecto, e de acordo com as propostas já aqui apresentadas na Assembleia da República, partilhando das preocupações dos excessos e dos desvios ao bom senso por vezes verificados, designadamente quanto a certos atropelos cometidos sobre a paisagem e a propriedade privada, sobretudo com pinturas e pinchagens de fachadas, e protecção de zonas monumentais, propomo-nos encontrar uma solução de consenso, mas por outra via.
Entendemos, todavia, que é perfeitamente viável - e mais que isso, necessário - encontrar essa solução num quadro constitucional adequado, alargando o espectro das proibições, em termos concretos e clarificados, aumentando-as no número, alargando-as no alcance, ajustando-as a reconhecidas exigências e conveniências de natureza social, cultural, ambiental e política, designadamente, por exemplo, preservando zonas históricas e monumentais.
E assumiríamos a responsabilidade que parece - parece, reacentuo, com todos os riscos das aparências em política - queremos enjeitar, conferindo às câmaras a responsabilidade de decisões que nos cabem.
Por isso mesmo, o PRD mostrar-se-á sensível a uma solução menos controversa e mais correcta, no plano da filosofia política e da legalidade.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Ao ouvir o Sr. Deputado Agostinho de Sousa comecei a ter saudades de uma voz que aqui falta e que se costumava sentar perto do PCP. O PCP dizia que ficava à direita dessa voz e nós dizíamos que ficava à extrema-esquerda.
O seu discurso de hoje fica muito à esquerda de todas as bancadas que aqui levantaram a voz sobre a proposta do PSD. Um belo discurso, que V. Ex.ª pode-

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ria ter aproveitado, foi o proferido pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes no dia 2 de Abril de 1985, no qual, numa linguagem elegante, se levantou o problema que V. Ex.ª hoje colocou - mal -, e que é o de qual a dose que deve existir entre o direito de propriedade privada e o direito à livre expressão.
O PCP abandonou hoje esta tese e é pena que o tenha feito.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Abandonou-a?!...

O Orador: - Abandonou-a, de certa maneira, ou melhor, abrandou, cedeu em favor da propriedade privada, fez outro discurso mais bonito, mais político, mais interventivo, mais badalado, mas o sumo jurídico, ou seja, aquilo que verdadeiramente impressionou no discurso de 2 de Abril de 1985 do Sr. Deputado José Manuel Mendes, deixou marca, mas não deixou eco no próprio Partido Comunista.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Isto é espantoso!

O Orador: - Vindas especialmente da bancada do PRD, as afirmações violentas sobre o direito de expressão, contra o direito de propriedade, contra o direito de cada um preservar a limpeza da cidade, dos seus muros, preservar o ambiente e a qualidade de vida suscitam-me o desejo de perguntar onde é que foi beber tanta doutrina sobre o abuso do direito de informação contra a defesa da própria informação, através do direito de cada um se precaver contra esse mesmo abuso.
V. Ex.ª cita erradamente Vieira de Andrade; porque ele diz claramente que a Assembleia da República pode delegar este poder nas câmaras municipais - e, aliás, isso é o que consta igualmente do parecer da comissão.
V. Ex.ª subiu àquela tribuna para desdizer o que Vieira de Andrade disse! Por outras palavras, V. Ex.ª «faz uma doutrina nova, constrói uma teoria maximalista que nenhum constitucionalista, nem sequer o PCP, foi capaz de construir, para, no fim, se colocar numa postura de «bota abaixo o projecto de lei do PSD».
Não era isto que esperávamos do PRD, embora ultimamente seja este o tom que vem querendo imprimir às suas intervenções.
De qualquer modo, para nosso benefício, quero saber qual é a solução positiva que o PRD propõe para este problema. O PS já o disse e o PCP também; resta agora que o PRD o faça, de modo que possamos saber que espécie de consenso podemos esperar da sua parte.

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem apalavra o Sr. Deputado Agostinho de Sousa.

O Sr. Agostinho de Sonsa (PRD): - Devo começar por esclarecer o Sr. Deputado Narana Coissoró de que, realmente, não bebemos dos mesmos sítios; utilizamos tipos de alimentação diferentes quanto a essa matéria.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Nota-se, nota-se!

O Orador: - O que quero dizer é que a sua apreciação das intervenções já não colhe em termos de se saber se está à esquerda do PCP se está por cima ou por baixo ou... salvo seja...

Risos.

De maneira que, quanto a isto, fique o Sr. Deputado descansado, pois não estou preocupado em que o senhor me coloque onde bem entenda. E não o estou por duas ordens de razões: primeira, estou muito pouco preocupado com a sua opinião; segunda, chego à conclusão de que V. Ex.ª não entendeu o que eu disse ou então não estava atento. Mas como V. Ex.ª é inteligente, vou reconhecer que estava distraído.
Com efeito, não ataquei o direito de propriedade. V. Ex.ª estava a ouvir mal. Eu até disse - e permito-me repetir - que o direito de propriedade está salvaguardado, porque inclusivamente o n.º 1 do artigo 62.º o garante, na medida em que nos edifícios particulares a afixação de propaganda depende do consentimento do dono, independentemente da existência de outro normativo.
A própria legislação eleitoral não considera crime de furto, roubo ou dano a atitude do proprietário ou usufrutuário que retira esta propaganda.
Mais, o Sr. Deputado continuou a estar distraído porque eu disse e apresentei como solução uma extensão das proibições expressas.
Admiti, aliás, que, em relação à propriedade privada, se considerassem essas proibições em termos do tipo de propaganda utilizada, nomeadamente pinchagens - e com certeza que o Sr. Deputado sabe o que isso é -, tintas danificadoras, etc., inclusivamente através da aplicação de eventuais multas.
Logo, não estou contra a propriedade privada. O que me parece é que o Sr. Deputado quer que eu esteja... primeiro, sentou-me ali, segundo, tirou-me aquilo que eu disse e, terceiro..., enfim, já nem sei o que lhe hei-de dizer ...

Risos.

Perdão, mas parece-me que ainda há qualquer coisa para dizer.
Quero também dizer-lhe que creio que a «saudade» o perturbou. Tenho de admitir perfeitamente que essas saudades, muito portuguesas, muito fadistas, dêem neste resultado.
Quando invoquei Vieira de Andrade, V. Ex.ª ouviu mal, e tenho de admitir que me posso ter pronunciado mal ou, então, continuou a fazer que não entendeu, porque sabemos que V. Ex.ª entende.
Na sequência do desenvolvimento constitucional, o que quis dizer exactamente é que, do meu ponto de vista, este poder de decisão não se inscreve nem se insere no poder regulamentar autónomo das assembleias.
Compreende, Sr. Deputado?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não entendo muito bem!

O Orador: - Quando lhe passar a saudade, V. Ex.ª entenderá.
Para terminar, quero adiantar um outro pormenor.
Esta tese é controversa. Tenho de admitir que o Sr. Deputado tenha uma outra posição, que considere que isto é perfeitamente constitucional e que não haja qualquer contorção de ordem ideológica. Por isso mesmo é que o Sr. Deputado está aí e eu estou aqui. Mas olhe que não estou ali sentado. Não sei se está a ver bem, pelo que peço que repare com atenção.
Embora eu seja pequeno, magro e curto, embora passe pela chuva, quero mostrar-lhe a minha presença.

Risos.

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A terminar, direi que dentro destes princípios não somos radicais. O que temos - e pessoalmente tenho - é a frontalidade de assumir posições que eventualmente possam confundir-se com posições que venham da direita, do centro ou da esquerda, desde que as julguemos justas e para elas tenhamos fundamentos.
Que isso fique claramente assente.
V. Ex.ª terá ainda oportunidade de ter mais saudades, de não ter nenhuma ou de verificar que assim é.

Aplausos do PRD.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Manuel Mendes pede a palavra para que efeito?
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, fui referido, embora simpaticamente, pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, o que me coloca na necessidade de prestar alguns esclarecimentos, para o que existe uma figura regimental
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado Narana Coissoró, nunca fiz nesta Câmara dois discursos diferentes acerca desta matéria ou de qualquer outra.
Acontece que o que eu disse em Abril de 1985 - situo-me de acordo com os dados que forneceu, pois não tenho a certeza se foi essa a data - é o que hoje mantenho.
O Sr. Deputado é um idólatra da propriedade privada. Nós não somos os seus carrascos.
Entendemos que há interesses em colisão e que importa harmonizá-los, desde que a ordem jurídico-constitucional seja defendida até ao fim.
Nunca advoguei a legitimação da pinchagem nos painéis de Almada Negreiros no cais da Rocha de Conde de Óbidos, na Mona Lisa ou em qualquer monumento do País uma vez que, nesta bancada, sufragamos um completo respeito pelo nosso património - e temos
dado provas disso.
Entendemos que na vida portuguesa importa levar por diante uma verdadeira política de preservação daquilo que é um legado histórico e, portanto, também um sinal de futuro.
O que acontece é que, nestas matérias, pensamos
dever agir com extrema ponderação e com grande sentido de responsabilidade.
O equilíbrio, o sentido da composição de interesses, não pode ser obtido à revelia da protecção de valores que a Constituição da República tutela de modo especial.
Não se pode confundir uma caixa de sabões e um partido político. Daí que não seja correcto miscigenar a publicidade comercial e a propaganda partidária.
Não se trata do mesmo modo o que é distinto pela sua natureza e é constitucionalmente tido como tal.
Foi o que eu disse no passado e é o que digo hoje.
Bom seria que estes problemas fossem considerados com grande rigor e não da forma arbitrária e inçada de inconstitucionalidades seguida pelo projecto do PSD.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai proceder à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Secretário (Maia Nunes de Almeida): - O relatório e parecer é do seguinte teor:

Em reunião realizada no dia 8 de Janeiro de 1987, pelas 16 horas, foi apreciada a seguinte substituição de deputado:

1 - Solicitada pelo Partido do Centro Democrático Social:

Pedro José Del Negro Feist (círculo eleitoral de Lisboa) por António Filipe Vieira Neiva Correia. Esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85 (Estatuto dos Deputados), por um período não inferior a quinze dias, a partir do passado dia 7 de Janeiro corrente, inclusive.

2 - Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido Partido no concernente círculo eleitoral.

3 - Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.

4 - Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

A Comissão de Regimento e Mandatos: Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) Vice-presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, Rui de Sá e Cunha (PRD) Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) João Domingos Fernandes Salgado (PSD) - António Marques Mendes (PSD) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Carlos Manuel da Costa Candal (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - Jaime Manuel Coutinho Ramos (PRD) - Carlos Alberto Correia Rodrigues Matias (PRD).

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

Visto ninguém pretender usar da palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, a matéria em debate é uma marcação do PSD. No entanto, não queríamos solicitar o prolongamento dos

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trabalhos já que nos parece que a agenda de amanhã comporta perfeitamente a continuação deste debate que, se a Câmara não tiver objecções, poderia ter lugar imediatamente a seguir ao período de antes da ordem do dia e depois então abordar-se-ia a proposta de resolução do Governo desde que a votação do projecto de lei em questão pudesse fazer-se às 12 horas concomitantemente com a votação da Lei de Bases do Ambiente e da Lei das Associações de Defesa do Ambiente.

O Sr. Presidente: - Se a Câmara não tiver nada a opor, assim se fará, Sr. Deputado.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Convém recordar as características que apresenta o projecto de lei em apreço. No artigo 1.º diz-se que «só é permitida a afixação de publicidade ou de propaganda de qualquer natureza [...] quando previamente licenciados pela câmara municipal» e insiste-se no mesmo licenciamento no n.º 1 do artigo 2.º quando se refere que «o pedido de licenciamento é dirigido ao presidente da câmara municipal da respectiva área».
Ora, como já foi referido, daqui resulta que o vício fundamental deste projecto de lei é o tratamento indiferenciado da publicidade comercial e da propaganda política; ao mesmo tempo, ao tratar indistintamente as duas matérias, ele incorre em dois grandes vícios de inconstitucionalidade. O primeiro, refere-se ao facto de não se tratar de um diploma de carácter regulamentar executivo, visto que se o fosse - tal como se salienta num acórdão do Tribunal Constitucional, de 10 de Julho de 1984 - ele não deveria restringir, mas assegurar e fortalecer o direito fundamental constitucionalmente assegurado.
Por outro lado, ao estabelecer o prévio licenciamento, ele corresponde a uma compressão da liberdade de expressão do pensamento assegurada no artigo 37.º, visto que - e citando o mesmo acórdão do Tribunal Constitucional - «[...] tal se reconduz ao conceito de censura prévia».
O reconhecimento pelo Sr. Deputado António Capucho - que é o primeiro signatário deste projecto de lei, quer em conferência de imprensa (que creio que foi para a apresentação deste diploma), quer na intervenção que hoje produziu nesta Assembleia - de que as maiores preocupações quanto à preservação do ambiente resultam da publicidade comercial torna mais dificilmente compreensível o tratamento indiferenciado das duas matérias. E isto, sobretudo, conhecendo-se o próprio parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, embora com o propósito evidente e habitual de não inviabilizar a discussão do diploma, visto que se tratava de um parecer sobre recursos da admissão deste projecto de lei. A verdade é que a leitura atenta do mesmo evidencia - como a própria Comissão, naturalmente por maioria, teria ficado com essa ideia, tanto mais sendo relator o Sr. Deputado Jorge Lacão - que ele era inconstitucional por estas duas ordens de razões que há pouco referi: a de que não é uma norma regulamentar executiva e ainda a de que atinge, por inconstitucionalidade material, o artigo 37.º, na medida em que comprime a liberdade de expressão através do sistema de autorização ou de censura prévia.

O MDP/CDE reconhece a necessidade - e nisto estamos de acordo com as afirmações do Sr. Deputado António Capucho - de melhor regulamentar o que diz respeito à publicidade comercial. Neste sentido, já aquando da discussão dos dois recursos, tivemos ocasião de referir que o MDP/CDE iria apresentar um projecto de lei, que, aliás, hoje deu entrada na Mesa, e, embora oficialmente não possa acudir a ele, devo dizer que tive o cuidado de o entregar a todos os grupos parlamentares. Digo isto para demonstrar que, efectivamente, partilhamos da preocupação de defender o ambiente em relação ao abuso da publicidade comercial.
Por outro lado, quero dizer que, ao formularmos este juízo crítico sobre o projecto de lei em questão, tal não significa que o MDP/CDE seja partidário de práticas selvagens em matéria de propaganda política, nomeadamente com violação de disponibilidades legais já existentes, como o artigo 66.º da Lei n.º 14/79, de 16 de Maio, que se destina a preservar uma série de edifícios, desde monumentos nacionais e outros, mesmo em relação à propaganda política.
Porém, um projecto de lei como este, com estas características, violando claramente o direito de livre expressão do pensamento, não poderia contar com o nosso voto favorável. Podemos mesmo dizer que a urgência que o PSD, partido do Governo, mostrou na sua apresentação convence-nos que se trata da última pedra que o Governo deseja colocar no sentido de amordaçar a oposição.
Não lhe bastando já o controle da televisão e da radiodifusão, através deste projecto de lei, que tão urgentemente pretendeu ver agendado, o Governo pretende inviabilizar o direito constitucionalmente assegurado de a oposição poder manifestar livremente o seu pensamento.
Por estas razões, tal como decorre da posição assumida relativamente à admissão e tal como decorre da posição já assumida noutra legislatura em relação a um projecto de lei desta natureza, independentemente das preocupações que possam estar subjacentes a esta matéria e que até estão demonstradas pela apresentação de um projecto de lei do MDP/CDE, não podemos dar o nosso voto favorável ao diploma em discussão e na votação na generalidade votaremos contra ele.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a próxima reunião terá lugar amanhã às 10 horas, com período de antes da ordem do dia. Do período da ordem do dia constará a continuação da discussão do projecto de lei n.º 308/IV, apresentado pelo PSD, a apreciação da proposta de resolução n.º 4/IV e ainda a votação final global dos relatórios referentes aos diplomas relativos à Lei de Bases do Ambiente e à Lei das Associações de Defesa do Ambiente. Devo ainda comunicar que haverá oportunidade de serem produzidas declarações de voto com a duração máxima de três minutos por partido.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, na ordem de trabalhos da próxima reunião, no caso de estar ultimada a discussão do projecto de lei apresentado pelo PSD, também consta a votação na generalidade do mesmo.

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9 DE JANEIRO DE 1981

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O Sr. Presidente: - Se entretanto essa discussão se ultimar até às 12 horas, assim se fará, Sr. Deputado. Está encerrada a reunião.
Eram 20 horas e 5 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira. António Paulo Pereira Coelho. José Ângelo Ferreira Correia. José de Vargas Bulcão. Luís Manuel Costa Geraldes. Manuel Joaquim Dias Loureiro.

Partido Socialista (PS):
António Manuel de Oliveira Guterres. Carlos Manuel N. Costa Candal.

Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Campos Rodrigues Costa. Joaquim Gomes dos Santos. Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.

Centro Democrático Social (CDS):
Eugénio Nunes Anacoreta Correia. Henrique Manuel Soares Cruz. José Luís Nogueira de Brito. José Miguel Nunes Anacoreta Correia.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Henrique Rodrigues Mata. João Luís Malato Correia. José Augusto Santos Silva Marques. Mário Jorge Belo Maciel.

Partido Socialista (PS):
António Poppe Lopes Cardoso. José Barbosa Mota. José Luís do Amaral Nunes. José Manuel Torres Couto. Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia. Rui Fernando Pereira Mateus.

Partido Renovador Democrático (PRD):
Carlos Artur Trindade Sá Furtado. José Carlos Pereira Lilaia. José da Silva Lopes. Manuel Gomes Guerreiro. Vasco da Gama Lopes Fernandes.

Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas. Domingos Abrantes Ferreira. Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):
António Filipe Neiva Correia. António José Tomás Gomes de Pinho. António Vasco Mello César Menezes. José Augusto Gama. Manuel Tomás Rodrigues Queiró.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE): João Cerveira Corregedor da Fonseca.

Declaração do voto enviada è Mesa para publicação
sobre os projectos de lei números 311/IV, 321/IV e 325/IV

1 - Os deputados do Partido Renovador Democrático tiveram em consideração, ao exprimirem o seu voto, em primeiro lugar a ausência de uma política agrícola capaz de corresponder aos desafios do futuro e de ultrapassar o atraso do desenvolvimento técnico e a falta de dinamismo dos campos portugueses.
A quase estagnação do produto bruto do sector, o êxodo dos meios rurais, que prossegue agora para as cidades quando a emigração quase estacionou, o abandono de terras de cultivo, o estender dos matos e a progressiva tendência para a desertificação de vastas áreas, a fraqueza do investimento, traduzida na baixa formação de capital fixo, são outros tantos sintomas de uma crise prolongada no tempo, mas a que a integração de Portugal na CEE vem dar nova acuidade - e bastará pensar-se, por exemplo, na necessidade de importações a preços superiores aos dos mercados mundiais, nos preços internos não competitivos, etc., etc. -, exigindo uma resposta política, de que sucessivos governos se têm mostrado incapazes.
2 - A prioridade, quando não exclusiva preocupação dos governos, com a chamada «zona de intervenção da Reforma Agrária» afigura-se ter subjacente uma perspectiva duplamente errada: em primeiro lugar, como escreve Carminda Cavaco, «Estruturas Agrárias e Mecanização Agrícola em Portugal», sofre do preconceito de uma estrutura agrária «largamente dominada pelas pequenas e muito pequenas empresas familiares, parceladas, economicamente inviáveis, socialmente ineficazes, predominantemente de autoconsumo, não passíveis de qualquer aperfeiçoamento técnico, em suma, 'explorações familiares patológicas' entregues a agricultores analfabetos, individualistas, idosos, resistentes às inovações e sem mentalidade empresarial».
De tal preconceito resulta que os modelos elaborados pelos serviços oficiais se inspiram na teoria de que só «a grande exploração pode ser moderna e eficiente, permitir simultaneamente elevadas produtividades de terra e do trabalho, abrir-se à mecanização, ao emprego e adubos, às espécies melhoradas, vegetais e animais, aos investimentos vultosos em obras de beneficiação e de reordenamento parcelar, e responder correctamente aos empréstimos financeiros com juros bonificados e aos subsídios estatais».
Desde 1960 que se pensará assim. Os resultados falam, porém, por si.
O segundo aspecto é mais grave: é a ideia de que haverá de repor as situações anteriores à Reforma Agrária, mantendo-se para tal uma situação de permanente instabilidade, que é também a de manter-se um processo permanentemente em aberto e em causa.
Por isso se não pagam indemnizações. Por isso, quase dez anos depois de legalmente encerrados, os processos continuam.
Como na exposição de motivos do projecto n.º 325/IV se escreveu:

O regime de entrega de terras nacionalizadas e expropriadas ficou estabelecido em 1978 (Decreto-Lei n.º 111/78, de 27 de Maio) e o limite máximo

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I SÉRIE - NÚMERO 28

do prazo para serem requeridas reservas fixado em 30 de Junho de 1978 (Decreto-Lei n.º 81/78, de 29 de Abril).
O que se verifica, decorrido todo este tempo, é que todo o processo parece estar em aberto. A entrega de reservas parece não ter fim, as majorações técnicas continuam a ser pedidas e concedidas, entregam-se terras a quem não parece satisfazer requisitos legais essenciais, foram celebrados mais de dois mil contratos de «licença de uso privativo» ao abrigo de uma portaria considerada ilegal, o desemprego cresce, a produção agrícola não aumenta, a corrupção instalou-se.
É como que uma situação de anomia, que impede o desenvolvimento, desacredita, pela sua inoperância e pelo clima de suspeição que a envolve, o Ministério da Agricultura, impede a extensão rural e põe em causa a dignidade das instituições, bem como a paz e a justiça social na zona da Reforma Agrária.
A actuação discricionária, e como tal pela lei estabelecida, dos ministros da Agricultura está na origem dos abusos, efectivos ou alegados, bem como de conflitos constantes.
Impõe-se pôr termo a este estado de coisas, encontrando para a demarcação e atribuição de reservas um regime que dê garantias de segurança, equidade e justiça, impedindo os abusos e os favores, ou simples suspeita deles, que a actual legislação tem possibilitado.

3 - Foi por considerar que o projecto de lei n.º 311/IV não respondia aos problemas de fundo suscitados que contra ele votaram os deputados do Partido Renovador Democrático.
A simples suspensão nada resolveria quanto ao passado e, em particular, quanto ao futuro.
Seria um simples interregno.
Acresce que, na sua versão final, o projecto apresentado pelos deputados do PCP, constituindo uma tentativa de suspensão do acto legislativo por outro acto legislativo de igual força, não violaria o princípio de separação e interdependência dos órgãos de soberania, ainda que reduzindo, embora temporariamente, a actividade administrativa do Governo, mas suscita outros problemas de constitucionalidade.
Não parece possa aceitar-se, pacificamente, a tese extraída de Gomes Canotilho e Vital Moreira («Constituição Anotada», 2.º vol. p. 441), de acordo com os quais «a obrigação constitucional de realização da Reforma Agrária tem, por um lado, um sentido jurídico positivo - impondo a sua efectivação - e, por outro lado, um sentido negativo, proibindo a sua revogação, uma vez realizada». Logicamente, a interrupção temporária do processo de realização da Reforma Agrária violaria qualquer dos sentidos referidos por aqueles autores e, como tal, estaria ferida de inconstitucionalidade material. Parece excessiva a conclusão.
Os deputados do PRD não consideraram, consequentemente, este argumento. Pensam antes que, se é certo que a realização da Reforma Agrária é uma obrigação constitucional, outros objectivos, igualmente constitucionais, podem determinar, por exemplo, a sua interrupção.

Os deputados eleitos pelo Partido Renovador Democrático entenderam antes o projecto de lei n.º 311/IV, apresentado pelos deputados do PCP, como violando as garantias constitucionalmente previstas para a protecção dos direitos, liberdades e garantias.
Independentemente da natureza polémica do direito de reserva - nomeadamente o determinar se, como se diz no parecer n.º 24/77 da Comissão Constitucional, «a área atribuída ao reservatário chega a ser expropriada (ou nacionalizada) sob condição resolutiva ou se nunca deixa, retroactivamente, de lhe pertencer em propriedade» -, é, todavia, indiscutível que o direito de reserva se desenvolve, em princípio, embora com limitações, num conteúdo de direito de propriedade.
Assim sendo, e suspendendo-se tal direito - ao qual se aplicam, por força do disposto no artigo 17.º da Constituição da República, as garantias consagradas nos artigos 18.º e 19.º -, seria violada a Constituição.
Mesmo que se entendesse que não se trataria de verdadeira suspensão, mas de uma mera restrição. O diploma em análise constituiria um exemplo típico das chamadas «leis medidas», ou seja, leis gerais, mas concretas, destinadas a ser aplicadas a um número indeterminável de destinatários, mas apenas numa situação concreta, previamente limitada, e a que falta o carácter de abstracção e permanência. Ora, nos termos do artigo 18.º, n.º 3, da Constituição, as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto, o que não é manifestamente o caso.
Tais foram as razões, de constitucionalidade, que nos levaram a votar contra o projecto n.º 311/IV.
5 - Quanto ao projecto de lei n.º 321/IV, da autoria de deputados do PS, não nos oferece dúvida, ao contrário do afirmado pelo Governo, a sua constitucionalidade.
O n.º 3 do artigo 268.º da Constituição, na sua parte final, parece responder com clareza às objecções formuladas.
Questão diversa, mas que a discussão na especialidade poderá aclarar e corrigir, e por isso não prejudicou a nossa votação favorável, é a da viabilidade de iniciativa no estado actual dos nossos tribunais.
Outro problema que o projecto suscita é o facto de, um tanto contraditoriamente, ele acabar por confiar ao Governo a regulamentação de que, em última análise, todo o normativo ficará dependente.
6 - Quanto ao projecto apresentado por deputados do PRD, mereceu também o nosso voto favorável.
Em democracia não há poderes discricionários.
O que existe é a liberdade concedida, mas pela lei, à Administração de escolher, entre vários comportamentos possíveis, o mais adequado à realização do interesse público protegido pela norma que confere essa liberdade de escolha.
Sucessivos governos têm entendido, porém, que não só podem livremente escolher qualquer critério como preencher livremente os «conceitos vagos e indeterminados» que aparecem nalguns preceitos da Lei n.º 77/77.
A lei apenas incumbe à Administração, nestes casos, que a interprete.
Mas esses juízos de verificação são distintos de um juízo de oportunidade quanto à decisão ou de escolher o conteúdo da acção.

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9 DE JANEIRO DE 1987

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Não é possível hoje continuarem-se a fazer majorações ou a aceitar alargamentos de áreas de reservas, porque o Sr. Ministro entende ser agora o momento correcto.

Não é.

Por isso, o único caminho que aqui se afigura válido é substituir a discricionariedade mal entendida pela vinculação.

Por outro lado, a não se introduzir um sistema como o sugerido na iniciativa legislativa dos deputados do PS, a verificação da legalidade como condição de executoriedade dos actos afigura-se a melhor solução.

Perdoar-se-á a imodéstia de julgar que ela é mesmo preferível à solução adoptada no projecto do PS.

Dir-se-á, aliás, para aqueles a quem tal fez alguma confusão, que, como ensina por exemplo Ehrhardt Soares, a execução coerciva do acto administrativo pela Administração não vale como princípio geral.

O chamado «privilégio de execução prévia» entendido como poder de execução coerciva - que é o sentido tradicional - vem sendo aliás objecto de progressiva redução na evolução dos direitos administrativos da Europa Ocidental. (Cf. Sérvulo Correia, «Noções de Direito Administrativo», vol. I, p. 339.)

O que caracterizará os sistemas administrativos por contraposição aos de administração judiciária será assim a «autotutela administrativa», na expressão de Garcia de Enterria.

Só que nada obsta a que em Portugal se introduzam novas fórmulas.
De qualquer modo, o acto administrativo, embora carecido de eficácia - e é o caso, por exemplo, dos actos sujeitos a aprovação -, não deixa de ser obrigatório. «Só que a definição obrigatória se encontra numa situação de virtualidade ou latência derivada de factores exógenos aos elementos essenciais do acto.» (Sérvulo Correia, op. cit., p. 336.)
As vantagens do sistema em termos de segurança jurídica afiguram-se incontroversas.
Seria aliás útil o conhecimento, antes da votação final, do número de decisões administrativas anuladas pelo tribunal, o ano da decisão administrativa e o ano da decisão de anulação, para ponderar onde poderão existir razões de instabilidade.
7 - Espera-se que o debate na especialidade permita encontrar soluções, para que estão abertos os deputados renovadores democráticos, capazes de introduzir neste processo condições de estabilidade, transparência e justiça social, que lhe têm faltado.
Para tal, não regatearemos o nosso contributo.

Palácio de São Bento, 9 de Janeiro de 1987. - Os Deputados do PRD: Hermínio Martinho - Magalhães Mota - José Carlos Vasconcelos - António Sousa Pereira - Bártolo Paiva Campos - Marques Júnior.

AS REDACTORAS: Maria Amélia Martins - Cacilda Nordeste.

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PREÇO DESTE NÚMERO: 129$50

Depósito legal n.º 8818/83

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

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