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Quinta-feira, 5 de Fevereiro de 1987
PORTE PAGO
DIÁRIO da Assembleia da República
IV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1986-1987)
Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral
Secretários: Exmos. Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Rui de Sá e Cunha
José Manuel Mala Nunes de Almeida
SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão eram 10 horas e 40 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n. º 350/IV.
Os Srs. Deputados Magalhães Mota, Marques Júnior e Roberto Amaral (PRD) e os Srs. Ministros Adjunto e para os Assuntos Parlamentares (Fernando Nogueira) e da Defesa Nacional (Leonardo Ribeiro de Almeida) usaram da palavra na abertura da interpelação ao Governo, apresentada pelo PRD, através de um debate sobre política geral do Executivo, centrado sobre os objectivos, componentes e alcance de uma política de defesa nacional e sua execução.
No debate que se seguiu usaram da palavra, a diverso título, além dos Srs. Ministros Adjunto e para os Assuntos Parlamentares (Fernando Nogueira), da Defesa Nacional (Leonardo Ribeiro de Almeida) e dos Negócios Estrangeiros (Pires de Miranda), os Srs. Deputados Ângelo Correia (PSD), Magalhães Mota (PRD), Silva Marques (PSD), Jaime Cama (PS), João Abrantes (PCP), Costa Andrade e Cardoso Ferreira (PSD), Marques Júnior (PRD), José Luís Nunes (PS), João Corregedor da Fonseca e Raúl Castro (MDP/CDE), Costa Carvalho (PRD), Carlos Brito e João Amaral (PCP), José Passinhas (PRD), João Morgado (CDS), José Cruz (PCP), Maria Santos (Indep.), Adriano Moreira (CDS), José Magalhães (PCP), Maria da Glória Padrão (PRD), Agostinho Domingues e José Lello (PS), Ivo Pinho (PRD), Jorge Patrício (PCP), Miranda Calha (PS), Sá Furtado (PRD), José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE), Tiago Bastos e Ana Gonçalves (PRD) e Gomes de Pinho (CDS).
Encerraram o debate o Sr. Deputado Hermínio Maninho (PRD) e o Sr. Primeiro-Ministro (Cavaco Silva).
Entretanto, foram aprovados na generalidade, na especialidade e em votação final global quatro projectos de resolução, apresentados pelo CDS, pelo PCP, pelo PRD e pelo PS, de recusa de ratificação do Decreto-Lei n. º 313/86, de 24 de Setembro, que extingue a Casa do Douro, criada pelo Decreto-Lei n.º 486/82, de 28 de Dezembro.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 3 horas e 25 minutos do dia seguinte.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 40 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Abílio Gaspar Rodrigues.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Monteiro Araújo.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Andrade Azevedo.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
António Paulo Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arlindo da Silva André Moreira.
Arnaldo Ângelo de Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos Silva e Sousa.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Jardim Ramos.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Luís Esteves Bairrão.
Henrique Rodrigues Mata.
João Domingos Abreu Salgado.
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João Luís Malato Correia.
João José Pedreira de Matos.
João Manuel Nunes do Valle.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
Joaquim da Silva Martins.
José de Almeida Cesário.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Filipe Athayde Carvalhosa.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Mendes Bota.
José Mendes Melo Alves.
José Olavo Rodrigues da Silva.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Jorge Cabral Tavares de Lima.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Maria Antonieta Cardoso Moniz.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Miguel Fernando Miranda Relvas.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Aloísio Fernando Macedo Fonseca.
Américo Albino Silva Salteiro.
António Almeida Santos.
António Cândido Miranda Macedo.
António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Miguel Morais Barreto.
António Magalhães Silva.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Carlos Manuel Pereira Pinto.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Henriques Lopes.
Hermínio da Palma Inácio.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
Jorge Lacão Costa.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Carlos Pinto B. Mota Torres.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Luís Gomes Vaz.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl d'Assunção Pimenta Rego.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Raúl Manuel Gouveia Bordalo Junqueiro.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Victor Hugo de Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
Ana da Graça Gonçalves Antunes.
António Alves Marques Júnior.
António Eduardo de Sousa Pereira.
António João Percheiro dos Santos.
António Lopes Marques.
António Magalhães de Barros Feu.
António Maria Paulouro.
rménio Ramos de Carvalho.
Bártolo de Paiva Campos.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Carlos Artur Trindade Sá Furtado.
Defensor Oliveira Moura.
Eurico Lemos Pires.
Fernando Dias de Carvalho.
Francisco Armando Fernandes.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho.
Jaime Manuel Coutinho da Silva Ramos.
Joaquim Jorge Magalhães Mota.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
José Caeiro Passinhas.
José Carlos Torres Matos de Vasconcelos.
José Emanuel Corujo Lopes.
José Fernando Pinho da Silva.
José Luís Correia de Azevedo.
José Rodrigo Costa Carvalho.
Manuel Gomes Guerreiro.
Maria Cristina Albuquerque.
Maria da Glória Padrão Carvalho.
Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.
Rui José dos Santos Silva.
Rui de Sá e Cunha.
Tiago Gameiro Rodrigues Bastos.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Vitorino da Silva Costa.
Victor Manuel Ávila da Silva.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António da Silva Mota.
António Manuel da Silva Osório.
António Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira.
Bento Aniceto Calado.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Carlos Manafaia.
Cláudio José Santos Percheiro.
Custódio Jacinto Gingão.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
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João António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Estêvão Correia Cruz.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Santos Magalhães.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Ilda da Costa Figueiredo.
Octávio Augusto Teixeira.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
António Filipe Neiva Correia.
António José Tomás Gomes de Pinho.
Francisco António Oliveira Teixeira.
Henrique José Pereira de Moraes.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
João José Camacho Borges de Pinho.
João da Silva Mendes Morgado.
José Maria Andrade Pereira.
Manuel Afonso Almeida Pinto.
Manuel Eugênio Cavaleiro Brandão.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Manuel do Carmo Tengarrinha.
Raúl Fernando de Morais e Castro.
Deputados independentes:
Gonçalo Pereira Ribeiro Teles.
Maria Amélia Mota Santos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar um diploma que deu entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Deu entrada na Mesa, e foi admitido, o projecto de lei n.º 350/IV, apresentado pelo Sr. Deputado Adriano Moreira e outros, do CDS, que propõe a lei de autonomia das universidades do Estado, que baixa à 4.ª Comissão.
O Sr. Presidente: - Entramos agora no período da ordem do dia com a interpelação ao Governo, apresentada pelo PRD, através de um debate sobre política geral do Executivo, centrado sobre os objectivos, componentes e alcance de uma política de defesa nacional e sua execução.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Na história constitucional portuguesa não se encontram muitos exemplos de interpelações sobre defesa. Possivelmente - e digo possivelmente, já que não foi aprofundada a investigação que fizemos - terá sido em 1924 a última efectuada e, assim mesmo, circunscrita ao conflito entre a Aeronáutica Militar e o Ministro da Guerra.
A prática de vários parlamentos no Mundo, pelo contrário, apresenta muitos exemplos.
Creio que só por superstição - aliás, compreensível - os assessores do Sr. Ministro da Defesa não lhe terão falado do debate parlamentar
ocorrido na República Federal da Alemanha a 7, 8 e 9 de Novembro de 1962, na sequência do chamado caso Der Spiegel. É que a conclusão do debate foi a remodelação do Governo, que deixou de incluir o Ministro da Defesa Franz-Josef Strauss, forçado à demissão.
Julgo que é este o pudor - chamemos-lhe assim - que explica que o Sr. Ministro da Defesa não estivesse ao corrente de que, nos vários parlamentos, as interpelações sobre Defesa são, sempre e sem excepção, precedidas de contactos entre os deputados interpelantes, os estados-maiores e o próprio Ministro da Defesa.
Porquê? Por uma razão de elementar bom senso, tão elementar que de todo dispensaria a lição comparada. Trata-se tão-somente de evitar que ao debate sejam trazidas matérias susceptíveis de afectar a segurança e o interesse nacional.
Pela nossa parte, fizemos, com toda a transparência e frontalidade, conhecer a nossa intenção de realizar tais contactos.
A resposta de S.Ex.ª, o Ministro, teve o mérito de mostrar que S.Ex.ª está na «disponibilidade do heroísmo». Pesa-lhe a «castidade na luta». Tem a convicção de que não acabou o período épico da nossa história.
Adiante. E que o Sr. Ministro não seja tentado a «tomar Cacilhas - e orchata».
Vozes do PRD: - Muito bem!
O Orador: - Creio que me será permitido começar por lembrar a importância do que se chama «sentimento nacional». Sem ele, o Estado não teria podido formar-se. Na sua ausência, não poderá subsistir. São diferentes, e ainda bem, as nossas maneiras de interpretar o interesse nacional. Não há monopólios de patriotismo. Mas se são postas ou divergentes as concepções quanto à maneira de agir, une-nos a mesma vontade de querer o melhor para a terra e o povo que são os nossos.
Não é por acaso que se fala de defesa nacional.
A Nação não é apenas a comunidade, cultural, se quisermos. É mais do que isso: uma vontade de ser comunidade política própria, uma intenção de viver junto e em conjunto viver a aventura de um futuro comum. Não é só um querer herdado, mas é, acima de tudo, um querer reafirmado no presente e para o futuro.
É isso que se defende.
Por isso, uma política de defesa há-de começar por reflectir sobre o que somos hoje, retomadas as fronteiras do século XV.
De que forma - e, em particular, de que forma adulta, sem romantismos adolescentes nem saudosismos caducos - assumimos a identidade nacional? De que modo, tem o Governo, tem o Ministro da Defesa Nacional, contribuído para este assumir?
O saber quem somos pressupõe que conheçamos o que nos une, porque uma nação não é uma realidade directamente perceptível, mas também algo que construímos dentro de nós, à medida do que esperamos dela. Foi por termos necessidade de nos sentir próximos que da nação se fez princípio de solidariedade; foi por querermos sobreviver que lhe atribuímos um destino que nos não permita morrer totalmente; foi por querermos escapar à mediocridade que lhe desejámos uma grandeza a que estivéssemos ligados.
E isto não é «nacionalismo», ou não é, pelo menos, nacionalismo de seita. É por isso, Srs. Membros do Governo, que, interpelando-os sobre defesa nacional,
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os questionamos sobre o modo como defendem o nosso património e a nossa cultura, a nossa língua, numa palavra, tudo quanto constitui o cimento que nos liga.
Perguntar-lhe-emos, pelo vosso sentido de Estado. Porque é o Estado que defende a nação e a sociedade as representa no exterior. Porque são as acções ou omissões do Estado que fazem com que para nós olhem como constituindo ou não uma «república de bananas».
Quando a integração europeia se confunde com um balanço comercial de colunas de deve e haver, de escrita de mercearia de bairro, ou ocasião de nepotismo exportado, quando o envolvimento português no contrabando de armas para o Irão e os «contras» da Nicarágua permanece, semana após semana, no silêncio, isto tem a ver com a própria soberania nacional.
A ignorância como defesa, ficou celebrizada pelos avestruzes, mas o «não saber» não desculpa, quando é obrigatório saber-se.
Vozes do PRÓ: - Muito bem!
O Orador: - VV. Ex.ªs, Srs. Ministros, não podem continuar a manter um silêncio embaraçado.
Não há aqui «inocência». Não lhes deixaremos sacudir a água do capote. Ou VV. Ex.ªs aceitaram «fechar os olhos» a acções alheias e servem mal, porque não há soberania nem independência nacionais que se afirmem pela subserviência, ou VV. Ex.ªs foram tão levianos que não podem merecer-nos confiança.
Mas o que não pode permanecer é o silêncio - comprometido ou cúmplice. VV. Ex.ªs terão de nos dizer hoje, aqui e agora, como assumem o Estado e a soberania portuguesa. A continuidade do vosso silêncio será, porventura, a mais eloquente das respostas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Defende-se diminuindo as vulnerabilidades de um país, aumentando-lhe os factores de coesão que congregam os seus nacionais, valorizando as suas potencialidades.
A independência não tem já o sentido antigo. Vivemos um mundo em que a interdependência é uma realidade.
Mas, e por isso mesmo, a defesa nacional obriga, e prioritariamente, a que a democracia cultural seja um objectivo que ultrapasse os discursos comicieiros.
A defesa é-o também, em relação ao «provincianismo», sinónimo de cosmopolitismo mal entendido que se acha na obrigação de vilipendiar aquilo que é próprio para exaltar o alheio.
Um projecto cultural é, em primeiro lugar, defesa da pessoa, porque a sociedade moderna não prescinde da integração. A burocracia pressupõe a adesão, o espírito comum, o reconhecimento de uma hierarquia abstracta.
A massificação de comportamentos e modelos, operada por alguma comunicação social e pela publicidade, é uma realidade do nosso tempo.
Aqueles que pretendem o monopólio do poder manipulam, sem escrúpulos, os grupos e os indivíduos.
É por isso preciso dizer que já não estamos no tempo em que a sobrevivência exigia a subordinação a uma ordem social configurada como intangível. Pelo contrário, não apenas os actos secundários, mas o projecto social, no seu conjunto, devem e podem ser objecto de debate. É a crítica que permite a criação do novo, a proposição do diferente, a coesão consciente.
O confronto, a discussão, o diálogo são exigências de cada um para poder ser. Na medida em que está implicado na organização do presente e na construção do futuro, cada um de nós pode, legitimamente, contribuir para a sua colaboração. A defesa nacional implica este poder aberto, sujeito ao confronto, quadro de participação.
Mas se um projecto cultural é defesa de cada um, no caso português é a forma de, continuando embora pobre o povo, não descer a miserável e, porventura, voltar a ser rico.
Defesa pressupõe que se valorizem factores de coesão, que acentuemos solidariedades.
Quando, Srs. Membros do Governo, um português é abandonado à sua sorte, seja ele raptado pela RENAMO ou alvo de qualquer outra violência, é a defesa nacional que abre brechas. Pior ainda quando, por acção ou omissão, são os raptores que são defendidos, protegidos, talvez acarinhados.
Uma outra vertente da coesão é a da protecção civil.
Que tem o Governo a dizer-nos nesta matéria? Já dispomos, ao menos, de um hospital de campanha? E até que ponto somos dependentes? Existe, no nosso comércio externo, um princípio de dispersão de riscos ou, pelo contrário, dependemos de um número reduzido de produtores ou de produtores pelo seu poder capazes de imporem condições ou potencialmente pouco nossos amigos ou «falsos amigos»? Diminuímos a nossa dependência tecnológica? Ou aumentamo-la? E como concebemos a valorização dos nossos recursos e do que somos? Renunciámos, e de uma vez por todas, a querer marcar e ser tempo para nos contentarmos com ser espaço, e espaço à venda?
É nossa convicção de que é por incapacidade que não dispomos de uma política de defesa, entendida como conceito global, com tarefas de âmbito pluridisciplinar.
Não se terá sequer entendido que a defesa, porque nacional, tem de encontrar e situar-se no plano do que une, na esfera do consenso, na liberdade e na tolerância.
É a ausência desta concepção global de defesa, como afirmação de uma comunidade que pretende continuar - e só o sentido de futuro dá perspectiva e sentido à ideia de defesa -, que nos vem faltando.
Por isso, os jovens não entendem sequer a necessidade do serviço militar. Sentem-no como algo sem sentido, que nada tem a ver com a sua vida. Por isso os símbolos nacionais se degradam. A Bandeira Nacional já só emociona quando a Rosa Mota ou o Carlos Lopes a fazem subir num mastro de estádio. A Portuguesa canta-se como apoio a uma equipa de futebol ou de hóquei em patins.
É por tudo isto, com a passividade de V. Ex.ª, Sr. Ministro da Defesa Nacional, que a defesa é geralmente entendida como se fosse, exclusivamente, um problema militar, questionável à base de saber se as Forças Armadas gastam ou não muito.
Não questionamos conceitos fundamentais nem sequer os grandes objectivos da política de defesa, mas o modo como ela não tem passado de palavras ou intenções. Nem será mais importante que o Governo, mais de quatro anos passados sobre a aprovação da Lei de Defesa Nacional, se revela incapaz de a implementar.
O que é verdadeiramente sério e grave é que se tenha gerado, e permitido que se gere, a ideia de que a defesa só tem a ver com alguns; que defesa nacional tenha só a ver com a compra de fragatas ou A-7.
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O que pretendemos é inverter este estado de coisas põe em causa a soberania e a independência nacionais, que isola as Forças Armadas do conjunto da Nação e parece ter como objectivo oculto conferir-lhes, sem meios, a ambígua honra de assegurar uma defesa em que ninguém acreditasse ou estivesse interessado.
O que desejamos é obrigar a reflectir sobre um problema que tem a ver com a nossa própria vontade de continuarmos livres e independentes.
Cabe aos Portugueses definir o valor que atribuem à protecção do que são e desejam ser, mas cabe a VV. Ex.ªs, Srs. Membros do governo, uma clarificação indispensável.
A sensação que temos é a de que tudo se diz previsto porque nada está pensado - e o vazio de uma folha branca permite qualquer escrita.
Se os Estados Unidos da América, voltando-se para o Pacífico, desenvolvida a «guerra das estrelas», deixarem «cair» a NATO, que sentido têm as decisões recentes do nosso Governo, por exemplo, em matéria de reequipamento? Que alterações determinam no pensamento estratégico de VV. Ex.ªs as notícias da capacidade espanhola de fabricar bombas atómicas?
São só duas questões e valem como exemplo e exercício. Mas quererá V. Ex.ª responder-lhes, Sr. Ministro da Defesa Nacional?
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Ao longo desta interpelação, com intervenções várias, confrontaremos o Governo com a concepção global de defesa que tive ocasião de esboçar.
É que, além do mais, a inexistência de um Ministério da Defesa contraria tal concepção global.
O Ministro da Defesa, sem Ministério, ou será um «embaixador» do poder político junto das Forças Armadas ou uma simples fachada, mais ou menos decorativa, destas.
V. Ex.ª, Sr. Ministro da Defesa, é apenas um «ministro sombra». Para mim, tenho ser uma problemática ultrapassada a tão falada subordinação das Forças Armadas ao poder político civil, que tem ainda como subjacente a ideia de que o «mundo militar» constitui um universo fechado e autónomo. Só se assim fosse se poderia falar em subordinação.
Se todos somos, fardados ou não, cidadãos de corpo inteiro, o que há é uma relação de cidadãos com o poder. Defesa nacional, ainda e sempre.
Nesta primeira intervenção é o sentido do alcance do debate que pretendemos o que tentei fazer. As intervenções seguintes levantarão e aprofundarão questões.
Muitas ficarão, certamente, por abordar, mas não deixaremos esbater-se nenhum problema levantado.
Como escreveu um ensaísta do nosso tempo: «A capacidade de defesa faz um todo com a aptidão à solidariedade: um país que não sabe, não ousa, não pode ser ele próprio, nada traz aos seus aliados e amolece a sua renovação.»
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Na sequência do que afirmou o meu companheiro de bancada Magalhães Mota fácil será ajuizar da oportunidade desta interpelação quando nada, ou quase nada, do que consta do seu próprio programa o Governo cumpriu em matéria de defesa nacional.
É hoje, entre os estudiosos dos assuntos de defesa, comummente assente que a defesa não se resume à existência ou não de Forças Armadas, nem sequer ao desenvolvimento mais ou menos adequado de umas Forças Armadas, embora não seja essa a percepção da opinião pública, nem infelizmente a de muitos responsáveis que pensam que, pelo facto de haver no Orçamento do Estado uma rubrica para a defesa nacional, diga-se Forças Armadas, se está a fazer uma política de defesa.
Um dos exemplos claros desta minha afirmação é a publicação do chamado Livro Branco da Defesa Nacional. De que se trata afinal? Sobre o título de defesa nacional trata exclusivamente e mal da componente militar de defesa, embora reconhecendo que por esse facto não abrange a globalidade da defesa.
Não pretendo, neste momento, fazer uma análise conceptual dos pressupostos constitucionais relativos à defesa nacional referidos neste chamado Livro Branco, mas simplesmente chamar a atenção e sublinhar que a primeira iniciativa vai mais uma vez induzir em erro as pessoas menos avisadas sobre a problemática da defesa.
Gostaria de deixar claro, se é que alguma dúvida ainda existe, de que não pretendemos fazer desta interpelação uma interpelação às Forças Armadas, mas sim ao Governo, mesmo quando, como é o caso, vamos abordar, nesta minha intervenção, a componente militar de defesa nacional.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As grandes linhas de orientação para uma política de defesa nacional são as que constam da Constituição da República, da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas e do conceito estratégico de defesa nacional.
Se para nós não oferecem dúvidas os preceitos referidos na Constituição da República, já pensamos que a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas não salvaguarda da melhor maneira a subordinação das Forças Armadas ao poder político, evitando a sua instrumentalização política, o que, como sabemos, tem acontecido com uma certa frequência.
Relativamente ao conceito estratégico de defesa nacional, gostaria de questionar o Governo relativamente à necessidade ou não da sua reformulação.
Na verdade, a resolução do Conselho de Ministros que aprova o conceito estratégico de defesa nacional é de 31 de Janeiro de 1985, e desde então o Governo solicitou a sua adesão à UEO e verificou-se a integração de Portugal na CEE. Será que estes acontecimentos não seriam suficientes para rever, de acordo com o n.º 1 do artigo 8.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, o conceito estratégico de defesa nacional? Ou será que a sua grande vacuidade permite qualquer política de defesa? Ou ainda que o pedido de adesão à UEO e a adesão à CEE não têm qualquer tipo de implicação com o conceito estratégico de defesa nacional?
Estarão aqui as razões pelas quais a Lei de Defesa Nacional e o conceito estratégico de defesa nacional não estão a ser cumpridos?
Vejamos: relativamente à Lei de Defesa Nacional, estão por elaborar (embora pense que a grande maioria dos anteprojectos já foram preparados pelas
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Forças Armadas), e já passaram mais de quatro anos, diplomas respeitantes: ao regime de mobilização e requisição; ao Código de Justiça Militar; ao Regulamento de Disciplina Militar; ao Regulamento de Continências e Honras Militares; à Direcção Nacional de Armamento; ao Regime Jurídico do Recurso ao Provedor de Justiça, em matérias de defesa nacional e Forças Armadas; à organização, competência, funcionamento e processo de tribunais militares, bem como o estatuto dos respectivos juizes; ao Instituto de Defesa Nacional; à Autoridade Nacional de Segurança; aos estabelecimentos fabris das Forças Armadas e respectivo pessoal civil; ao Estatuto do Pessoal Civil das Forças Armadas; ao domínio público marítimo, serviço geral de capitanias e uso do espaço aéreo, tendo em atenção as necessidades de defesa nacional; ao Estatuto da Condição Militar e demais legislação referente a oficiais, sargentos e praças; à Lei do Serviço Cívico.
É este o rol, sem ter tido a preocupação de ser exaustivo. Mas há mais: há ainda a considerar as medidas que a Lei de Defesa Nacional determina, sem fixar prazos, e que são de grande importância, como sejam: lei reguladora da colaboração das forças de segurança na execução da política de defesa nacional; lei sobre o contencioso administrativo-militar; lei sobre servidões militares e outras restrições ao direito de propriedade por motivos de defesa nacional; definição pelo Governo de regras e mecanismos próprios do sistema de alerta nacional; por último, aquilo que é verdadeiramente impensável: a estrutura orgânica do Ministério da Defesa Nacional, que não existe.
A falta de uma lei orgânica do Ministério da Defesa Nacional torna Portugal, provavelmente, o único país do mundo sem Ministério de Defesa Nacional. Temos um Ministro de Defesa (sempre tivemos), mas não temos um ministério, ou, por outras palavras, temos um Ministro a mais e um Ministério a menos.
Sr. Ministro, são atribuições do ministério, que não temos, entre outras coisas, «preparar e executar a política de defesa nacional, no âmbito das competências que lhe são conferidas pela Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, bem como assegurar e fiscalizar a administração das Forças Armadas e dos demais órgãos, serviços e organismos nele integrados».
Qual é a estrutura em que se apoia o Sr. Ministro da Defesa Nacional? Numa estrutura militar, o Estado-Maior General das Forças Armadas? Mas, Sr. Ministro, isto é inaceitável por dois motivos fundamentais: primeiro, a não existência do Ministério da Defesa Nacional reduz única e simplesmente a defesa nacional à problemática das Forças Armadas e o Ministro da Defesa in nomine a Ministro das Forças Armadas; segundo, a inversão completa e perigosa do espírito da Constituição da República e, em termos de objectivos, também da Lei de Defesa Nacional e das Forcas Armadas, uma vez que fez com que a hierarquia militar não esteja, nem podia estar (como nalguns aspectos temos visto), na realidade, completamente dependente do poder político.
Esta situação acaba por criar grandes inconvenientes para as Forcas Armadas, na medida em que recaem sobre elas muitos dos custos que deveriam ser assumidos pelo Governo, e muitas questões essencialmente políticas acabam por ser exageradamente militarizadas.
Como o Sr. Ministro sabe, é ao Ministério da Defesa que cabe «preparar e executar a política de defesa nacional», independentemente da delegação ou não do Sr. Primeiro-Ministro, e surge-nos a dúvida que resulta do facto de, não havendo estrutura orgânica do Ministério da Defesa, ser de admitir que a coordenação interministerial relativa ao assunto de defesa seja feita ao nível do Estado-Maior-General das Forças Armadas, com os inconvenientes que já apresentei.
Mas se não é assim, será de admitir que, por não haver ministério, não há ainda política de defesa, isto é, não estão a ser implementadas as acções e medidas concretas previstas no Programa do Governo e da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas?
Por simples questão de bom senso e seriedade política, não é possível admitir tal hipótese. Sendo assim, gostaria de saber que acções e medidas foram implementadas em ordem ao concurso de outros ministérios para uma política global de defesa.
Como o Sr. Ministro sabe, com a não rejeição do Programa do Governo deu-se início a um ciclo, a que poderíamos chamar «ciclo de política de defesa nacional», em que a aprovação da legislação adequada conduziria a uma sistematização da participação de todos os recursos humanos e materiais indispensáveis à defesa nacional em ordem a alcançar os objectivos de defesa consignados no conceito estratégico de defesa nacional e que o Governo no seu Programa considera, naturalmente, como objectivos da actividade geral do Governo.
Este acto implica que sejam definidas as acções necessárias para alcançar esses objectivos, o que implica que em cada ministério se desenvolvam as acções específicas de defesa no âmbito das acções gerais a desenvolver, de modo que seja possível coordenar, de forma coerente, as várias acções específicas de cada ministério necessárias para alcançar os objectivos de defesa e dando assim origem àquilo que poderíamos chamar «plano geral de defesa».
Neste aspecto que é que tem sido feito?
O Ministério dos Negócios Estrangeiros tem, na sua acção, em conta a componente de defesa nacional?
O Ministério da Indústria tem em vista as necessidades de defesa, integrando-as numa preocupação de estratégia de produção?
O Ministério da Educação e Cultura tem-se preocupado com o problema fundamental da mobilização da Nação, e particularmente da juventude, para uma vontade colectiva de defesa?
O Ministério dos Transportes e Comunicações tem equacionado a construção e melhoramento das redes de comunicações e telecomunicações e as suas incidências em problemas relacionados com a defesa?
Em que medida é que a política do Ministério das Finanças, na elaboração dos orçamentos, se tem limitado a atribuir ao Ministério da Defesa Nacional verbas para permitirem a sobrevivência das Forças Armadas ou têm essas verbas em conta as necessidades compatíveis com uma defesa nacional mínima?
Os ministérios, numa perspectiva global, têm tido como objectivos a diminuição da dependência externa em artigos considerados estratégicos?
Em que medida é que os acordos nacionais, quer de natureza económica quer de natureza militar, têm tido em conta a componente de defesa nacional, nomeadamente uma política que compatibilize uma defesa autónoma com a defesa colectiva em que Portugal está integrado?
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Ainda dentro deste espírito, em que medida é que 'tem sido equacionada a nossa posição de pequena potência, a qual exige a compensação de que a independência nacional é hoje fundamentalmente uma gestão equilibrada das multidependências?
Como é que com as carências que é legítimo supor haver no funcionamento do Ministério da Defesa Nacional pode ser assegurado que haja um acompanhamento das incidências da política de defesa no desenvolvimento das áreas sectoriais do Governo?
Que estudos e medidas concretas foram tomadas para permitir a criação, defesa e manutenção de reservas estratégicas fundamentais, em especial de alimentação, combustíveis e matérias-primas essenciais, a fim de melhorar as capacidades de sobrevivência e de resistência em caso de conflito, quer numa perspectiva de defesa de Portugal quer no âmbito da sua participação da defesa colectiva?
Estas acções conjuntas permitiriam, no âmbito militar, traçar algumas orientações, como, por exemplo: coordenação e integração de serviços e elementos comuns de apoio aos três ramos das Forças Armadas a fim de obter o máximo rendimento dos meios financeiros; programação de política de pessoal, conjugando o aperfeiçoamento com a adequada profissionalização nos campos considerados fundamentais; programas de modernização e aquisição de sistemas de armas, dando uma maior intervenção à indústria nacional.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Uma correcta política de defesa nacional tem de passar pela valorização e aumento da consciência e solidariedade nacionais, assim como tem de passar também por uma solidariedade social e uma coesão inter-regional. Dividir artificialmente os Portugueses entre democratas e antidemocratas é um grave erro, que apenas favorece jogos de poder de grupo ou de sector, mas nunca a coesão entre os Portugueses. Uma política de defesa nacional séria tem de passar por todo o povo, tem de ter aceitação generalizada, porque, em situações difíceis, é todo o povo que defende o País, e não apenas os profissionais do poder ou os militares profissionais.
A política de defesa nacional não pode ser instrumento para marginalizar e discriminar portugueses, quer no sector militar, quer em qualquer outro.
Tem de ser uma política de largos consensos; não pode ser um instrumento de poder de alguns, não pode ser a via pela qual se reduzem a cidadãos de segunda os militares e outros cidadãos briosos defensores dos valores democráticos, defensores dos interesses de Portugal e dos Portugueses.
É pacífico admitir-se que a política da defesa nacional se desenvolve em função das agressões ou ameaças externas que se desencadeiam ou podem vir a desencadear-se contra o País. O que já pode ser objecto de controvérsia é a definição dos processos para atingir os objectivos referidos e a concretização das medidas indicadas no Portugal de hoje face às realidades nacionais e internacionais envolventes, de modo a ser alcançado, em cada instante, o objectivo básico que a política de defesa nacional intenta prosseguir - a segurança.
São duas as matrizes que, no ponto de vista do PRD, devem orientar a política de defesa nacional:
A primeira relaciona-se, segundo um ponto de vista eminentemente português, numa visão nacional da concepção estratégica de defesa nacional, pela qual sejam acentuados os interesses nacionais, em comparação com os interesses gerais das alianças em que nos encontramos inseridos;
A segunda diz respeito à forma de actuação preferencial do tratamento das potenciais ameaças externas - dissuadir o seu desencadeamento. Isto implica a criação, desenvolvimento e previsão de emprego de um instrumento de força, em sentido lato, constituído por meios militares e não militares que permita que Portugal disponha de um conjunto dissuasor credível.
Será isto possível quando os orçamentos das Forças Armadas têm vindo sempre a diminuir, atingindo de 1976 para cá valores inferiores a 50% dos níveis normais verificados desde 1910, excluindo as situações excepcionais das 1.ª e 2.ª Guerras Mundiais e da guerra colonial, e, segundo o Livro Branco da Defesa Nacional, não permitem, de facto, estabelecer e apoiar um plano de reequipamento das Forças Armadas devidamente ajustado à situação actual?
Sr. Ministro da Defesa Nacional, o que pensa V. Ex.ª e o Governo fazer para obviar a esta situação? Esta tem sido a situação relativamente ao Orçamento do Estado para as Forças Armadas. E o que se tem passado relativamente ao chamado reequipamento militar?
A chamada Lei do Reequipamento Militar hipotecou mais de 160 milhões de contos antes de estarem definidos o conceito estratégico militar, as missões, o sistema de forças e o dispositivo das Forças Armadas portuguesas, pois foi aprovada em Julho de 1986 quando o Conselho Superior de Defesa Nacional aprovou esses elementos fundamentais para se poder ajuizar de uma lei de programação militar em Setembro de 1986, isto é, quase dois meses depois.
Mas há mais: o Parlamento desconhece o conceito estratégico militar, mesmo na sua versão mais aberta, quando é este conceito que deve condicionar todos os programas de reequipamento das Forças Armadas portuguesas.
É o conceito estratégico militar que condiciona a reestruturação das Forças Armadas ou são as Forças Armadas que condicionam o conceito estratégico militar? Quando o dispositivo que resulta do conceito estratégico militar e do sistema de forças é praticamente o existente, que foi o suporte e o enquadramento das Forças Armadas durante a guerra colonial, em que, inclusive, a nossa participação na NATO estava «adormecida», é de perguntar e sublinhar: Que Forças Armadas vamos ter? Sabe, por acaso, o Sr. Ministro de que efectivos face a este dispositivo realmente dispõe? Sabe se os encargos operacionais no papel têm qualquer correspondência prática?
As leis do reequipamento e de programação militar orientam-se fundamentalmente para missões NATO ou missões nacionais?
No âmbito dos compromissos NATO, que são, em certa medida, condicionantes da nossa capacidade de defesa autónoma, em que medida é que esta não está comprometida, quando uma grande parte dos recursos postos à disposição da instituição militar são canalizados para os compromissos no âmbito da Aliança (é o caso, no Exército, da 1.ª Brigada Mista Independente, na Força Aérea, entre outros, dos A-7 e dos P3B, e,
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na Marinha, entre outros, das fragatas Meko), que são indiscutivelmente os programas mais onerosos no reequipamento das Forças Armadas Portuguesas?
Sr. Ministro da Defesa, necessita Portugal de ter uma defesa militar mínima credível, dissuadora de ameaças que comportem baixos custos políticos e militares? Será essa defesa militar uma efectiva responsabilidade nacional ou admitimos que ela seja total ou parcialmente - e em que medida - uma responsabilidade do sistema colectivo de segurança em que nos integramos? Se a defesa militar da globalidade do território nacional implica uma repartição de execução do «trabalho estratégico» entre forças nacionais e forças da OTAN, que critérios serão seguidos de modo que melhor sejam salvaguardados os interesses nacionais?
Em que medida é que os reequipamentos se inserem numa acção coordenada de defesa nacional em ordem a fazer participar a indústria portuguesa em geral e a indústria de defesa em particular?
«[...] A constituição em Portugal de uma base industrial que possibilite a satisfação, ainda que parcial, da necessidade das Forças Armadas em armamento e material tem de constituir um objectivo prioritário, quer no plano político-militar, quer no plano de desenvolvimento económico e tecnológico», palavras do Dr. Figueiredo Lopes no Instituto de Defesa Nacional.
O que tem sido feito neste sentido? As leis de reequipamento e programação militar têm tido em conta este aspecto? Foram emanadas directivas gerais de modo a mobilizar recursos humanos e materiais para concretizar este objectivo?
«[...] Um esforço para estimular a indústria de defesa em Portugal seria benéfico para a economia portuguesa no seu conjunto e contribuiria para atenuar a situação precária actualmente existente. Além disso, este esforço seria vantajoso para a resolução de certos problemas logísticos da OTAN e teria um impacte psicológico favorável no reforço da solidariedade e da cooperação entre os aliados», são ainda palavras do Dr. Figueiredo Lopes, que consideramos importantes e adequadas, e gostaríamos de saber quais têm sido os passos dados neste sentido e que resultados se têm alcançado, considerando que a resolução de muitos dos problemas da indústria de defesa em Portugal se encontram intimamente ligados com as acções de reequipamento e modernização das Forças Armadas Portuguesas. Ou será que o Governo privilegia o equipamento muitas vezes obsoleto «imposto» pelos aliados ou, antes pelo contrário, pensa compensar estas «imposições» com fabrico em Portugal de componentes essenciais à Aliança? Neste caso, que medidas concretas já foram tomadas?
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As Forças Armadas Fizeram o 25 de Abril, devolveram a soberania ao povo português e hoje ainda assistimos a umas forças armadas que funcionam como uma ilha no conjunto da sociedade democrática. Esta situação faz com que as interrogações e as críticas se avolumem e em muitos casos levam o cidadão a questionar-se sobre os interesses e a necessidade de umas forças armadas, principalmente a juventude, que vê no serviço militar não um dever para com a Pátria mas um tempo perdido que nalguns casos lhes cria dificuldades difíceis de ultrapassar. É necessário, para obviar a este desconhecimento, uma maior ligação entre a instituição militar e o Parlamento, a par de um debate público sobre o papel das Forças Armadas na defesa nacional.
Por isso é necessário mobilizar a vontade nacional para a defesa, vontade que tem de assentar numa coesão e solidariedade nacional, numa identificação natural de todo o povo português com os interesses e objectivos nacionais, só possível com uma transparente actuação dos órgãos de soberania e dos responsáveis militares. Acontecimentos poucos claros como os que resultam de uma certa abdicação na defesa intransigente da dignidade e independência nacional, a par de soluções que no campo especificamente militar resultam de uma instrumentalização política das Forças Armadas, como os casos recentes e conhecidos de promoções e preterições por razões exclusivamente políticas...
Uma voz do PRD: - Muito bem!
O Orador: - ... assim como soluções militarmente inaceitáveis, como sejam a não colocação ao serviço de oficiais brilhantes das Forças Armadas tendo como única razão o facto de se identificarem com o 25 de Abril de 1974...
Aplausos do PRD, do PS, cio PCP e do MDP/CDE.
... são realmente elementos desagregadores da credibilidade da organização militar, com importantes reflexos na sociedade e na instituição militar e ferem os sentimentos profundos do povo português.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Algumas questões foram levantadas, muitas ficaram por abordar, mas espero que o debate que se segue possa de qualquer modo clarificar ideias, conhecer propósitos, assumir decisões, de modo que, relativamente às Forças Armadas, se passem a estabelecer os mecanismos de função inspectiva das Forcas Armadas e as actividades necessárias ao conhecimento permanente e atempado do grau de aproveitamento das forças, sua operacionalidade e eficiência, pelos mais elevados níveis de direcção estratégica, e levar a efeito uma política de prestígio da instituição militar, como uma das traves importantes do Estado, nomeadamente através de medidas de correcta e oportuna informação a seu respeito, de acções de dignificação em todos os campos, incluindo o económico-social, que contemplem adequadamente os seus membros, da não ingerência nos esquemas de actuação e responsabilidade que lhe são próprios e específicos e da resolução oportuna dos seus problemas.
Aplausos do PRD, do MDP/CDE e de alguns deputados do PS e do PCP.
O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, pedi a palavra para pedir esclarecimentos ao interpelante, embora se trate de um interpelante colectivo, visto o Grupo Parlamentar do PRD ter inscrito diversos oradores. Mas presumo que o meu pedido de esclarecimento terá lugar no fim da interpelação.
O Sr. Presidente: - Efectivamente, Sr. Deputado. Os pedidos de esclarecimento, tal como ficou acordado na conferência de líderes, terão lugar quando se entrar no período dos debates. E nós estamos ainda na fase de apresentação.
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O Sr. Silva Marques (PSD): - Então, Sr. Presidente, não posso pedir um esclarecimento ao interpelante, no final da interpelação?
O Sr. Presidente: - Pode sim, Sr. Deputado. Mas apenas quando terminar este período de apresentação.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, eu conheço o Regimento, que, de facto, estabelece que o Governo responde à interpelação. Porém, eu não pretendo responder à interpelação; o Governo fá-lo-á muito melhor do que eu. Pretendia apenas formular um pedido de esclarecimento ao interpelante.
O Sr. Presidente: - Está inscrito, Sr. Deputado. E logo que termine este período de apresentação e de resposta ao Governo será dada a palavra a V. Ex.ª a fim de formular pedidos de esclarecimento.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Roberto Amaral.
O Sr. Roberto Amaral (PRD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Como já foi salientado pelos companheiros de bancada que me precederam, a natureza do tema desta interpelação decorrente da própria Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas - actividade de carácter permanente, de natureza global e de âmbito interministerial - e a disciplina regimental desta forma de debate não permitirão certamente uma análise exaustiva de todas as questões com ele relacionadas.
Estou certo, porém, e este é também um dos nossos objectivos, que o debate deste tema e o aprofundamento de alguns conceitos fundamentais com ele relacionados, nomeadamente o da importância funcional do conjunto do território nacional, agora reportado à situação originária de território europeu «para-arquipélago», e das potencialidades de actuação política nos diversos níveis das relações internacionais decorrentes desse posicionamento geoestratégico, serão fortes contributos para um fortalecimento da consciência nacional e um aumento da coesão interna.
Será relativamente a estes dois pontos - importância geo-estratégica do território nacional e subsequente actuação no domínio das relações externas - que centrarei o principal da minha intervenção e que suscitarei as questões que gostaria de ver debatidas e respondidas pelo Governo.
Entre a política nacional de defesa e a política externa deverá sempre existir uma perfeita articulação por forma a tornar consistentes e compatíveis os objectivos a prosseguir por cada uma delas e que, em última análise, se podem resumir a um único - defesa e fortalecimento da independência nacional.
Passados que estão já quase treze anos sobre o 25 de Abril de 1974, que ao restabelecer a democracia em Portugal veio alterar radicalmente muitos dos aspectos em que se expressa toda a actividade nacional, afastadas que estão, porque não correspondentes aos reais sentimentos e interesses nacionais, algumas concepções estratégicas que visionavam para Portugal uma vocação terceiro-mundista e de não inserção na Europa Ocidental e assegurado que está o pleno funcionamento da democracia no nosso país, Portugal passa a dispor de todas as condições para definir e implementar uma adequada política de defesa nacional para um horizonte temporal suficientemente dilatado e para assegurar uma política externa coerente que supere as nossas vulnerabilidades e valorize as nossas potencialidades.
Dentro deste quadro de relativa estabilidade é, no entanto, possível equacionarem-se várias opções, que, ao valorizarem mais ou menos determinados aspectos da mesma realidade, determinam estratégias de actuação diferentes.
É precisamente atendendo a esta possibilidade que gostaríamos de saber o pensamento do Governo em ordem a podermos avaliar da coerência da sua actuação e da adequação dos meios disponíveis aos objectivos fixados.
É possível, por exemplo, dentro do actual quadro de compromissos internacionais assumidos por Portugal, valorizar mais ou menos determinadas componentes de teses iberistas, europeístas ou atlantistas, sendo logicamente diferentes os efeitos decorrentes de cada uma delas no plano interno e no plano externo.
A valorização da Península Ibérica como um todo, independentemente da colaboração que deverá sempre existir entre os dois países peninsulares e entre estes e os restantes países europeus, poderá determinar uma diminuição da importância estratégica do conjunto do território nacional e inclusivamente diminuir a solidariedade entre os três vértices do triângulo estratégico nacional.
Igualmente a acentuação de teses europeístas no domínio da defesa, no sentido da criação de um sistema de defesa europeu autónomo dos EUA, e que desde o aparecimento da Aliança Atlântica encontra defensores em diferentes países europeus, poderá também diminuir a importância nacional de, pelo menos, um dos vértices do triângulo estratégico português - os Açores.
Em tal circunstância, e dado que os Açores poderão também ser encarados como uma fronteira avançada do continente americano, sendo, por isso, indispensáveis para a garantia da segurança no Atlântico, os riscos de surgir uma linha de fractura entre os Açores e o continente aumentam consideravelmente, como é feito notar por aqueles que põem mais ênfase nas teses atlantistas.
Se considerarmos ainda o recente acordo de defesa celebrado em 1976 entre os Estados Unidos da América e a Espanha e a definição nele contida de uma zona de interesse comum, abrangendo o espaço aéreo e marítimo do continente e da Madeira mas deixando os Açores de fora, constata-se que o perigo de surgimento desta linha de fractura entre os Açores e o continente não só se acentua ainda mais como inclusivamente também aumenta a tendência para uma diminuição do potencial estratégico do conjunto do território nacional. Isto pelo reforço das funções atlânticas atribuídas a Espanha, em detrimento, ou pelo menos em sobreposição, das que Portugal sempre exerceu ao longo de toda a sua história.
De facto, Portugal sempre privilegiou a costa atlântica, para ela fazendo convergir toda a actividade política, económica, social e cultural nacionais e nela assentando as bases de todo o nosso relacionamento externo.
Esta vocação atlântica de Portugal, que ao longo de muitos séculos fundamentou toda a estratégia nacional, parece ainda hoje corresponder a muitos dos interesses nacionais, mas não podemos deixar de referir que a sua exagerada e exclusiva valorização poderá acentuar certos sentimentos nostálgicos de um passado que
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não volta e inclusivamente enfraquecer a opção europeia feita e assumida por sucessivos governos democráticos de Portugal.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Porque qualquer um destes modelos estratégicos tem os seus defensores, porque cada um deles tem elementos em comum com os restantes e porque nenhum deles é de todo incompatível com o conceito estratégico de defesa nacional já aprovado para o nosso pais, gostaríamos de saber qual o pensamento do Governo nesta matéria.
Para além disto, gostaríamos também de saber a posição do Governo relativamente às seguintes questões ainda em aberto na política nacional:
1.ª questão: Têm vindo os vários governos de Portugal, após o 25 de Abril de 1974, a tomar um conjunto de opções europeias, de que se destacam a adesão de Portugal à CEE, efectivada em Janeiro de 1986, e a adesão ao Conselho da Europa, consumada dez anos antes.
Nesta sequência, o governo do bloco central, a que o PSD pertenceu, formulou em 19 de Outubro de 1984 o pedido formal de adesão de Portugal à União da Europa Ocidental (UEO).
Este pedido de adesão foi, aliás, precedido da participação em várias reuniões daquela organização de delegações de deputados desta Assembleia, com o estatuto de observadores, e ainda recentemente foi aqui aprovada, para o mesmo efeito, uma proposta de resolução definindo a constituição de mais uma delegação parlamentar.
O significado deste pedido de adesão, atentos os objectivos que a UEO prossegue, será, assim, o de reforçar politicamente a opção europeia de Portugal e o de inserir o sistema produtivo nacional num processo de cooperação europeia nos domínios da investigação, da tecnologia e das indústrias ligadas à defesa.
Dado que se não tem conhecimento de nenhuma actuação do Governo nesta matéria, gostaríamos de ser informados do que pensa o Sr. Ministro da Defesa relativamente à UEO e àquele pedido, nomeadamente quanto aos termos em que se deverá processar a adesão e aos efeitos positivos para Portugal dela decorrentes.
Em suma, que explicações nos dá o Governo para o atraso de mais de dois anos na resposta da UEO a Portugal?
Mantém ou não o Governo interesse nessa candidatura?
Que diligências têm sido feitas no sentido de a concretizar?
2.ª questão: Se não existem dúvidas quanto à inserção de todo o território nacional no SACLANT (Comando Supremo Aliado do Atlântico), já elas poderão existir, e existem de facto, para alguns, pela inclusão do continente e da Madeira no Comando NATO da Área Ibero-Atlântica - IBERLANT, com sede em Oeiras, permanecendo os Açores fora desta área e integrados no WESTLANT, com sede em Norfolk, nos Estados Unidos da América ...
É esta uma questão que de vez em quando é aflorada em termos públicos, tendo, por exemplo, o comandante supremo do SACLANT, almirante Wesley Mc Donald, referido, aquando de uma sua passagem por Lisboa, em 1985, que a ideia de transferir os Açores, dentro do esquema organizativo da NATO, da área do WESTLANT para a do IBERLANT só poderia ser encarada no quadro de uma reorganização completa da estrutura NATO, mas acrescentando de seguida: «É um desejo razoável, que eu compreendo, mas traz desvantagens operacionais nas condições actualmente existentes, sobretudo em caso de conflito. Um dos principais problemas é que a área do IBERLANT ficaria demasiado grande e a estrutura de apoio montada nos Açores para a necessidade do WESTLANT ficaria fora do seu controle.»
Já mais recentemente, em Dezembro do ano passado, os órgãos de comunicação social noticiaram que aquando da reunião do Conselho do Atlântico Norte, que reúne os ministros dos Negócios Estrangeiros de todos os países membros da NATO, a integração dos Açores no IBERLANT tinha sido discutida numa reunião a sós entre o Ministro dos Negócios Estrangeiros Português e o Secretário-Geral da NATO, Lord Carrington.
Dado que esta é uma questão melindrosa e complexa - o próprio Ministro dos Negócios Estrangeiros Português reconhece que «apesar de os Açores fazerem parte integrante do território nacional, existem dificuldades históricas, relacionadas com a forma como as coisas foram definidas desde o início, que complicam o processo» -, é lícito supor-se que este processo tenha já sido levantado por este governo noutras alturas e em outras instâncias. Talvez pelo próprio Primeiro-Ministro, aquando da recente deslocação aos Estados Unidos da América, visita em que os temas abordados e os seus resultados foram sempre rodeados de um certo secretismo.
Mas, independentemente de esta questão ter sido ou não levantada pelo Sr. Primeiro-Ministro na sua deslocação aos Estados Unidos da América, gostaríamos de saber o entendimento do Governo sobre as missões que deverão ser assumidas por Portugal no quadro da defesa colectiva da NATO e ainda a fundamentação que o Governo tem vindo a fazer, bem como as hipóteses que existem de se vir efectivamente a concretizar a passagem dos Açores para a área do IBERLANT;
3.ª questão: Paralelamente ao processo de democratização de Portugal e da Espanha, iniciado recentemente e quase em simultâneo, temos vindo a assistir a uma tendência para os dois países se inserirem nos mesmos espaços extrapeninsulares, através do estabelecimento das mesmas alianças políticas, económicas e militares - é a integração na CEE, é a integração da Espanha na NATO, é também o tratado bilateral de defesa entre Espanha e os Estados Unidos da América.
Podendo estes factos determinar alterações significativas nas tradicionais vocações estratégicas dos dois países da Península Ibérica e, eventualmente, uma subalternização da posição estratégica de Portugal, como a já ocorrida em 1907, quando a potência marítima e nossa aliada - a Inglaterra - se aproximou da Espanha,
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formulo as seguintes perguntas ao Governo, muito particularmente ao Sr. Ministro da Defesa: Tem havido conversações com os Espanhóis quanto à delimitação de missões no âmbito da NATO? Que previsão faz o Governo sobre o grau de inserção militar da Espanha na NATO? Justificam estes factos uma alteração do conceito estratégico de defesa nacional e uma redefinição do quadro orientador das nossas relações internacionais?
4.ª questão: É a cooperação com os países africanos de expressão oficial portuguesa uma das prioridades da nossa política externa, podendo mesmo ser considerada como uma verdadeira e indiscutível questão nacional.
Sabendo-se do interesse de alguns desses países em estabelecer uma cooperação militar com Portugal e constando já a resposta positiva de alguns países ocidentais a esses pedidos, nomeadamente a assistência militar britânica ao exército moçambicano, gostaríamos de saber a posição do Governo Português nesta matéria;
5.ª questão: Foram recentemente os Portugueses informados pela imprensa norte-americana de acontecimentos que se passaram no seu território referentes ao que já é conhecido pelo «Irangate».
Por que motivo não informou o Governo atempadamente os Portugueses do que se passou? Porque o próprio Governo desconhecia os factos?
O que tem sido revelado por si só justificaria a constituição de uma comissão de inquérito! Não quer ter o Governo a iniciativa de a nomear?
Pode o Governo garantir-nos que controla tudo o que transita no Aeroporto de Lisboa e que possa pôr em risco a soberania nacional?
Deram os serviços governamentais competentes algumas explicação aos órgãos de informação dos Estados Unidos que têm levantado estas questões?
São estas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, algumas das questões que gostaríamos de ver aqui debatidas e respondidas pelo Governo.
Aplausos do PRD e do deputado João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE).
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, levo ao vosso conhecimento de que se encontram na galeria n.º 3 os alunos do curso de Defesa Nacional.
Pela dignidade de que estão revestidos, agradecia o favor de os saudarem da forma habitual.
Aplausos gerais.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, penso que seria este o momento em que poderia produzir o meu pedido de esclarecimento.
Protestos do PS e do PCP. E porque não?!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, foi acordado na conferência de líderes que os pedidos de esclarecimento se fariam apenas quando terminasse o período de apresentação.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, mas era neste momento que deveria ter lugar o meu pedido de esclarecimento, a fim de se poder melhor aquilatar no sentido da interpelação produzida.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, só que se entendeu que os pedidos de esclarecimento deveriam entrar no período do debate.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares.
O Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares (Fernando Nogueira): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: No nosso ordenamento jurídico-político, mereceu a figura da interpelação consagração constitucional. Isso significa que não apenas o objecto da interpelação mas também as suas motivações terão de ser sérias e de grande relevância nacional. De outro modo, estaríamos a desvirtuar a figura da interpelação e, do mesmo passo, a imagem da Assembleia da República, como órgão de soberania essencial à preservação e aprofundamento do regime democrático.
Há-de reconhecer-se que entre o que fica dito e o que realmente aconteceu vai uma grande distância.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Não apoiado!
O Orador: - Assim verifica-se que, desde o momento em que esta interpelação foi anunciada até àquele, que é este, em que efectivamente se concretiza, nada de politicamente decisivo se alterou em matéria de estabilidade política. Contudo, é grande a diferença entre o ambiente psicológico que artificialmente o PRD então procurou criar e aquele que hoje se vive. Nessa altura, o partido interpelante deu uma conferência de imprensa em que só faltou anunciar a queda do Governo. Hoje, a interpelação está efectivamente reduzida à sua real dimensão, ou seja, o exercício da faculdade que cabe a cada grupo parlamentar de provocar, em cada sessão legislativa, dois debates sobre assunto de política geral.
Atendendo à actual composição da Câmara, o que acontece hoje aqui pode voltar a acontecer, nada mais nada menos do que onze vezes, até ao final da presente sessão legislativa e 35 se o ponto de referência for o termo da legislatura. Trata-se, em suma, de uma concorrência normal na vida parlamentar, confinada aos objectivos definidos na Constituição e no Regimento da Assembleia da República e com um âmbito e alcance claramente delimitados.
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Algo de extravagante, portanto, se afigura o empolamento que o partido autor da interpelação promoveu ao tempo do anúncio da iniciativa.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Claro que a generalidade dos portugueses nenhuma importância ligou à ocorrência, por
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se tratar de mais um entre os muitos epidérmicos fenómenos políticos que a sabedoria popular aprendeu a considerar como não relevantes.
Aplausos do PSD.
Porém, aqueles que, por gosto ou obrigação, procuram analisar mais detalhadamente esses fenómenos - diria mesmo epifenómenos -, reconheceram neste a existência de mais um afloramento da disputa, então bem acesa, não entre a oposição e o Governo, mas sim dos partidos da oposição entre si.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Por outras palavras, o PRD, ao interpelar o Governo e ao dramatizar o que deve ser um acto normal da democracia parlamentar, não estava tanto a questionar o Governo, mas antes a procurar mostrar ao País (como se o País nisso estivesse interessado) que oposição mais forte do que a do PS só a do PRD.
Aplausos do PSD.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Isto é que é sentido de Estado!
O Orador: - Eu ainda não falei do PCP!
Houve mesmo observadores qualificados que viram na escolha do objecto da interpelação uma forma subtil de criar dificuldades, não apenas ao Governo, como, sobretudo, ao PS, quer em razão do tema quer em razão dos presumíveis oradores que hão-de intervir em nome da bancada socialista e das suas eventuais dissonâncias com a respectiva direcção política.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Já li isso no Semanário!
Risos.
O Orador - E que isto é mesmo assim, ou seja, que se tratou de uma operação interna no seio da oposição, demonstra-o a prontidão com que outros dois partidos, o PCP e o PS, lhe seguiram as pisadas (para variar...), anunciando iguais iniciativas, o que, se em termos quantitativos pode parecer mais gravoso para o Governo, em termos qualitativos é objectivamente atenuador do impacte e força que o PRD desejava ver na sua presente diligência.
Por outras palavras, o Parlamento - infelizmente, diríamos nós - continua, por vezes, a ser o palco e os portugueses os espectadores de uma luta que se trava no seio da chamada oposição de esquerda; luta que tem por objectivo claro a disputa pela liderança de um mesmo espaço político. Por isso e para isso todos os factos servem de bandeira e todos os pretextos de ocasião, porque importa é mostrar que se é mais oposição do que a restante oposição.
Aplausos do PSD.
Em qualquer caso, seja-nos permitido fazer notar que o tema escolhido a defesa nacional, é um tema demasiado relevante para ser jogado como arma de arremesso político e um tema demasiado sério para poder servir de instrumento privilegiado de oposição, quando se sabe que, à excepção porventura do PCP, não há divergências de fundo nesta matéria entre as forças partidárias portuguesas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A defesa nacional não se instrumentaliza.
Uma voz do PRD: - Não devia... não devia...
O Orador: - E não aproveita a ninguém fazer dela factor de divisão entre os Portugueses, pois o seu cerne e o âmago da sua essência é o contrário disso.
Por essa razão, neste momento, desejo declarar o propósito do Governo contribuir para que este debate seja uma ocasião ímpar para o reforço de um sólido e alargado consenso nacional sobre a matéria.
Vozes do PSD: - Devia começar por aí!
O Orador: - Querem fazer o favor de se acalmar, Srs. Deputados?
A defesa nacional é, ao mesmo tempo, consequência do reconhecimento do primado do interesse nacional e do supremo valor que a Nação Portuguesa constitui e afirmação indestrutível do patriotismo que caracteriza os Portugueses.
A independência nacional, a integridade territorial, a liberdade, a segurança das populações serão garantidas pela actividade de defesa nacional que o Estado e os cidadãos forem capazes de desenvolver.
Como se trata de preservar valores tão essenciais, ela tem de constituir uma realidade estável e permanente, não sujeita a oscilações conjunturais ou de ocasião, mas, ao mesmo tempo, tem de ser suficientemente flexível para que a alternância do poder político, que o regime democrático permite e impõe, não lhe cause dano irreparável.
Tudo isto são princípios adquiridos, não polémicos nem seriamente questionáveis. Assim como se oferece igualmente como incontestável o facto de a defesa nacional não ser restringível à área militar, antes constituindo dever de cidadania que todos, civis ou militares, para ela contribuam.
Por estas razões não seria compreensível que alguém pretendesse reduzir a problemática da defesa nacional e o debate sobre o seu significado às questões menores ou meramente imediatistas, a critérios financistas, a personalizações descabidas, a visões corporativistas ou a limitadas experiências pessoais.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - A Assembleia da República e o Governo, enquanto órgãos de soberania, têm o dever estrito de, num debate com o alcance que tem o debate sobre a defesa nacional, saber secundarizar o acessório para se poder concentrar no essencial. Em matéria de tão grande importância, os recalcamentos e frustrações têm de ser objecto de sublimação ou então estará posta em causa a nossa própria dignidade como titulares dos órgãos de soberania.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Ninguém tem o direito, em assuntos de Estado, de ser porta-voz de interesses específicos ou pessoais, perdendo de vista o interesse geral.
Aplausos do PSD.
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Assim como não será despiciendo, nem despropositado, lembrar, aqui e agora, que, antes da revisão da Constituição da República, em 1982, e da publicação da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas, ao Governo da República estava praticamente vedada a intervenção na mais significativa componente da defesa nacional - a componente militar - por a sua gestão pertencer quase em exclusivo a outras entidades.
Por isso nos causa admiração como há certos sectores que se atrevem a tão afoitamente reclamar que ainda há muito por fazer.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também não conseguimos acompanhar os que, como parece o caso do partido interpelante, consideram que a não existência ainda da lei orgânica do Ministério da Defesa Nacional significa o mesmo que a inexistência do próprio Ministério ou, ainda mais grave, a ausência de política de defesa. Na verdade, afigura-se-nos como não séria, ou pelo menos como insuficientemente fundamentada, a crítica, por mais de uma vez formulada, que muitas das dificuldades vividas em matéria de defesa nacional resultariam da falta dessa lei. Quem assim pensa, a estar de boa-fé, pensa mal, por reduzir a complexidade e a essenciabilidade duma questão que tem a ver com a própria existência do País a uma perspectiva organicista e, temos de o dizer, burocrática. É sacrificar a concepção e a substância à forma. É, em suma, um pernicioso indício de que, consciente ou inconscientemente, se deseja a funcionarização dos militares. A lei orgânica é, seguramente, um instrumento útil, de resto em vias de concretização, mas não deve ser eleita como um fim, como um objectivo essencial ou como panaceia milagrosa.
Passando agora à análise do requerimento da interpelação ao Governo, é possível detectar as seguintes áreas de interesse que o partido interpelante considera estarem conexionadas como o tema proposto.
Em primeiro lugar, a política externa, em relação à qual haverá lugar a uma intervenção específica, pelo que me abstenho de a aflorar aqui.
Depois, são referidos o respeito pelos símbolos nacionais, o relevo dado à importância de Portugal no Mundo, o desenvolvimento do País e são as próprias políticas de comunicação social e cultural que merecem referência específica.
Vejamos.
Quanto ao aprofundamento do respeito pelos símbolos nacionais, sendo matéria sobre a qual o Governo não detém, obviamente, competência exclusiva, nem por isso deixa de constituir uma sua preocupação permanente, como ficou bem explícito na recente aprovação em Conselho de Ministros de um diploma sobre o uso da Bandeira Nacional.
A legislação anterior sobre o uso da Bandeira Nacional encontrava-se dispersa e era incompleta, sendo datada, em alguns casos, do princípio do século.
Apenas constituía excepção a essa situação a regulamentação, completa e actualizada, já existente sobre o uso da Bandeira Nacional no âmbito militar e marítimo.
A iniciativa do Governo, ao estabelecer as regras gerais pelas quais se deve reger o seu uso, teve assim em vista a necessidade de dignificar a Bandeira Nacional como símbolo da Pátria e de avivar o seu culto entre todos os Portugueses.
No que respeita à referência à importância de Portugal no Mundo e à política de cultura, é grato constatar a curiosa e por certo involuntária coincidência dos
termos citados com duas das nove grandes opções que integravam a proposta de lei das grandes opções do Plano (1987-1990), apresentada pelo Governo à Assembleia da República em 15 de Outubro de 1986.
Trata-se da opção I «Língua, cultura e património» e da opção III «Valorização do papel de Portugal no Mundo».
Como é público, o Governo não abdicou dessas grandes opções, antes as transformou em linhas orientadoras da sua política a médio prazo, consagrando-as em resolução do Conselho de Ministros.
Pelo seu interesse, pertinência e propriedade para o debate em curso, iremos citar, na íntegra, uma das linhas de política que constituem desenvolvimento da já referida opção III. Diz ela: «Criação das condições susceptíveis de assegurar a capacidade de efectivo controle do espaço geoestratégico - terrestre, marítimo e aéreo -, de forma a possibilitar a permanente defesa autónoma dos interesses portugueses e a obtenção da necessária e credível capacidade de dissuasão. Tal orientação passa pelo reequipamento das Forças Armadas, de forma coerente com o elenco de ameaças estimadas, e pela garantia da assunção de responsabilidades nacionais de defesa comum na OTAN. Paralelamente, haverá que definir e concretizar uma política de desenvolvimento da indústria de defesa nacional. No domínio da zona económica exclusiva, ter-se-á de aprofundar o seu conhecimento, promovendo a sua ocupação efectiva, designadamente através do desenvolvimento de modelos de gestão racionalizada dos recursos pesqueiros marítimos e dos sistemas de litoral e da participação activa nas acções de articulação entre regiões do litoral.»
Discordarão os deputados do que fica dito? Na altura parecer terem discordado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo tem entretanto desenvolvido acções que mostram que não se deixa enredar no jogo das palavras, e no imobilismo cómodo em que alguns gostariam de o colocar, nem tão pouco se deixa bloquear por entraves injustificados e sem critério.
Assim, o Governo criou e empossou já a Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, iniciativa que, para além de ir contribuir para revigorar o sentido da nossa identidade nacional e a confiança em nós próprios, servirá, seguramente, para acentuar o valor e potencial que Portugal tem agora e sempre nas quatro partidas do Mundo. A influência e a capacidade de afirmação de um qualquer povo tem menos a ver com aspectos quantitativos e de territorialidade pura do que com valores morais e culturais.
A epopeia dos descobrimentos, cujos 500 anos agora se comemoram, lançou-se também ela no virar de uma página da nossa História, depois de ultrapassada grave crise interna e externa. Esse simbolismo ajuda-nos a prosseguir e a acreditar no futuro, a lembrar que somos muito mais do que um pequeno e pobre país recém-aderido à Europa Comunitária e permite-nos preparar a valorização que pretendemos efectiva e plenamente concretizável do papel de Portugal no Mundo.
Também, mais uma vez passando das palavras aos actos o Governo constituiu a Comissão Nacional da Língua Portuguesa, que funcionará na dependência directa do Primeiro-Ministro e que tem na sua génese, a par da necessidade da prossecução de uma política de defesa da língua portuguesa, o propósito assumido
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de reforçar o peso de Portugal na Europa e no Mundo, através e em ligação estreita com as comunidades de emigrantes portugueses e do relacionamento privilegiado e fraterno com mais seis países de língua portuguesa.
Uma voz do PS: - Têm feito precisamente o contrário!
O Orador: - Realce-se ainda que em ambos os casos houve a preocupação explícita de procurar interessar e envolver no processo personalidades de diferentes matizes e escolas de pensamento, pois comemorar os descobrimentos e defender a língua portuguesa não pode ser obra de uns tantos, mas antes um compromisso de todos.
Vozes do PSD: - Muito bem!.
O Orador: - Também a questão do desenvolvimento do País aparece como um dos temas propostos para análise pelo partido interpelante. Quanto a isso, sempre se dirá que, embora os dados falem por si, o assunto será objecto de tratamento adequado ainda no decurso desta interpelação.
Em matéria de comunicação social, item que surge igualmente referenciado no requerimento em questão, há que, antes de mais, fazer um apelo que é, ao mesmo tempo, um desafio.
Para expressar esse apelo e desafio, com a devida vénia, não resisto à tentação de reproduzir aqui um artigo de opinião publicado no Diário de Notícias, na passada sexta-feira, na parte em que diz: «Em Portugal as acções positivas, as promessas cumpridas, as soluções conseguidas não constituem notícia para a maioria dos órgãos de comunicação social nem suscitam o aplauso da grande massa dos cidadãos. Pelo contrário, um acidente, um insucesso, um projecto frustrado não só são projectados nos grandes títulos dos jornais como conquistam a adesão emocional do grande público. Constatando tal característica dos Portugueses, muitos políticos e responsáveis de outras áreas, em vez de empreenderem uma acção pedagógica, preocupam-se mais em denunciar os erros - reais ou inventados - do adversário que em estudar a realidade e formular programas consistentes para superar os problemas que nos afligem.»
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Julgo que estas palavras são dignas de ponderação. De resto, Fernando Namora lembra algures «a maledicência è a respiração da vida». Mas, é imperioso que deixe de o ser, em particular no que à defesa nacional diz respeito. Por isso, mais do que as iniciativas que a nível oficial possam ser tomadas e que o estão a ser efectivamente, como adiante se verá, é fundamental que as elites e os sectores ou segmentos sociais intelectualmente mais responsáveis dediquem parte do seu esforço de investigação e reflexão à análise dessa problemática. É urgente que se produzam e divulguem artigos de opinião atinentes à defesa nacional em áreas do saber como a economia ou o direito, a sociologia ou a psicologia, a ciência política ou as relações internacionais e até, e sobretudo, em matéria de estratégia, geopolítica e geoestratégica. Tudo naturalmente informado de uma salutar e desejável pluralidade de opiniões, mas sempre com o sentido de ajudar e construir.
Os órgãos de comunicação social esperam e precisam de contributos dos mais capazes e preparados para que se informe aqui por maioria de razão e fundamento com total rigor e isenção sobre a nossa História Pátria, sobre as dificuldades e vivências presentes e sobre a construção do futuro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo, na parte que lhe toca, publicou já através do Ministério da Defesa Nacional o Livro Branco da Defesa Nacional, o qual, sendo um trabalho notável, perdoar-me-ão a generalidade dos órgãos de comunicação social que o diga, não mereceu até agora a atenção devida. Espera-se que venha a tê-la.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Vai, vai!
O Orador: - Também no prosseguimento desta política de desenvolvimento de informação pública, com o prévio acordo do Sr. Ministro da Defesa Nacional, o Estado-Maior-General das Forças Armadas e a RTP estão a produzir doze filmes, quatro dos quais estão já totalmente concluídos, subordinados ao tema «Forças Armadas - Missões de Paz».
Ainda no que à RTP diz respeito é de interesse acrescentar que uma das duas linhas de força e vectores fundamentais que irão informar a programação da televisão a partir do próximo mês de Abril é justamente a dos descobrimentos portugueses e isto com o duplo sentido de dar a conhecer a nossa história reforçando assim o salutar patriotismo dos cidadãos, como ainda procurando abrir novos caminhos e mostrar como é possível valorizar as potencialidades da presença cultural e humana que temos em todos os continentes.
De resto a prova de que os Portugueses estão ávidos de se reencontrar e de reviver o passado com um sentido actual e prospectivo fica feita pelos níveis de audiência já atingidos por um programa com as características do programa «Portugal sem fim», que nos termos dos últimos indicadores conhecidos, que são de Dezembro, prendem a atenção de cerca de 50% dos telespectadores.
Outro exemplo de acções no domínio da política de comunicação social, com impacte na defesa da nossa identidade cultural e na promoção do reforço dos laços de afectividade com os nossos emigrantes e no estreitamento de laços de solidariedade entre todos os portugueses, onde quer que eles se encontrem, reside na reestruturação em curso do serviço de onda curta da RDP. Resumidamente refira-se que ela consiste na atribuição de autonomia de decisão em matéria de programação à direcção da onda curta, que passará a funcionar na directa dependência do conselho de administração daquela empresa, na criação de uma estrutura orçamental própria e ainda no forte investimento previsto para a melhoria da respectiva rede de emissores, tudo tendo em vista chegar mais longe e melhor.
Igualmente o recente contrato-programa celebrado entre o Estado e a Agência Lusa de Informação, recentemente criada, concede especial ênfase, e dá particular prioridade, às questões de interesse público atinentes à defesa e valorização da imagem e do papel de Portugal no Mundo, designadamente e de forma prioritária à abertura de delegações nos países africanos de expressão oficial portuguesa, e outras parcelas em que Portugal tem uma história, um passado, uma cultura e interesses relevantes a defender.
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Citámos, assim, alguns exemplos do que o Governo tem feito para, através da comunicação social e pelos meios que estão ao seu alcance, salvaguardar e potenciar valores que se prendem com a identidade nacional e com a defesa do nosso património cultural e histórico.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: De seguida, o partido interpelante refere a relevância da educação sobre a política de defesa nacional. Não pode o Governo estar mais de acordo com tal conexão e dela tem feito eco na sua prática política.
Ao Governo merece toda a atenção e tratamento prioritário a reforma da educação, garantindo os meios possíveis para promover o seu desenvolvimento quantitativo e promovendo os estudos e a adopção das medidas necessárias para garantir a sua melhoria qualitativa, para o que criou uma comissão especializada, independente e com largos poderes, sem prejuízo das competências próprias da Assembleia da República neste domínio.
À educação compete a formação básica e a transmissão dos conhecimentos sobre a realidade nacional, seus valores e seus símbolos. Dela depende o comportamento colectivo dos povos em situações de risco, adversidade e crise e a capacidade de reacção necessária à ultrapassagem dessas situações, afirmando uma vontade nacional de existir, de crescer, de determinar autonomamente o seu destino e de intervir nas decisões que afectem as comunidades em que se inserem. Do esforço na educação depende também a formação das elites capazes de pensar a Nação, de formular o seu projecto e promover o seu desenvolvimento cultural, social e económico, aceitando os grandes desafios das transformações decorrentes dos avanços científicos e tecnológicos, do advento da era da informação e da crescente internacionalização das nossas sociedades.
De tudo isto tem o Governo consciência, acompanhando e antecipando-se até ao movimento internacional das grandes nações industrializadas no sentido de considerar tema prioritário na sua preparação para o século XXI o desenvolvimento da educação, que aparece como questão essencial e instrumento privilegiado na política de defesa dessas nações.
Ainda recentemente ocorreu, por iniciativa dos sete países mais industrializados, uma conferência de peritos de alto nível sobre educação, cujos resultados serão apresentados na cimeira dos mesmos países, no corrente ano, em Viena.
Não foi por acaso que as conclusões desta conferência dão forte relevo à reforma curricular e à melhoria dos professores e do seu estatuto social como condições do necessário aumento de qualidade do sistema de educação formal, em consonância com a ênfase posta pelo Governo Português nos mesmos temas ao longo do ano transacto.
Não terá mesmo sido por acaso que nesta conferência fundamental, considerada pela imprensa uma verdadeira «cimeira» da educação, o delegado português tenha sido eleito presidente da secção central que debateu as linhas orientadores da reforma da educação e vice-presidente da conferência.
Cumpre acrescentar, que em relação à componente educativa, é sabido que não pode ser vista isoladamente, mas sim no quadro científico e tecnológico e nas possibilidades que lhe são oferecidas através do necessário estreitamento de relações de cooperação naqueles domínios.
Na verdade, o incremento dessas relações no âmbito da integração numa comunidade desenvolvida, traduzir-se-á para Portugal em efeitos estimulantes e por isso mesmo propiciadores de um desenvolvimento, que trilhando os caminhos da inovação, é determinante na estrutura económica e social do País e fará naturalmente diminuir a nossa dependência externa.
A prova da real importância que este Governo atribui a este sector está no facto de as dotações dos principais organismos financeiros e executores de investigação e desenvolvimento terem aumentado em medida cerca de 43% entre 1985 e 1987. Mas, se quisermos atender apenas ao aumento em matéria de investimento e tomando como exemplo a JNICT, então o aumento médio naquele período é de 120%.
Era também a este desafio que Portugal tinha de responder. Este Governo assim o fez.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Tem-se visto!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto aos aspectos do serviço militar obrigatório, à organização das Forças Armadas e às questões relativas à indústria de defesa e bem assim no que respeita a todos os aspectos relativos à componente militar stricto sensu, o Sr. Ministro da Defesa não deixará de esclarecer esta Câmara numa intervenção autónoma sobre o que já foi feito e também do que está planeado fazer-se.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PRD suscita, por último, a «questão das autonomias regionais».
Começaremos por afirmar que, para o Governo, a autonomia dos Açores e da Madeira é um assunto que se insere no quadro do normal funcionamento das nossas instituições democráticas.
Aos órgãos de soberania compete exaltar os méritos e perscrutar as virtualidades do processo autonômico, quer como a melhor forma de corresponder aos interesses e anseios das populações insulares, quer como o meio mais adequado para manter e reforçar a unidade do Estado.
O Governo tem consciência da importância geoestratégica dos arquipélagos dos Açores e da Madeira tanto quanto tem da importância do continente.
Sabe que a própria definição do papel da Nação Portuguesa no mundo passa hoje pelo, por vezes chamado, «triângulo estratégico» Continente-Madeira-Açores, que surge como factor valorativo e de identificação do nosso país, no contexto da defesa colectiva do Ocidente. O Governo reconhece ainda que as posições estratégicas das regiões autónomas conferem ao Estado Português uma acrescida força negocial internacional.
O Governo está pois consciente da importância das regiões autónomas em matéria de defesa nacional. Tal como se reconhecia no preâmbulo da proposta de lei relativa à defesa nacional e Forças Armadas, nas regiões autónomas situam-se importantes infra-estruturas de defesa.
O Governo está atento a todas as implicações que, em matéria de defesa, decorrem da autonomia regional. Desde a preocupação pedagógica em acentuar o valor da autonomia e simultaneamente esclarecer as populações locais sobre a sua própria vulnerabilidade; passando pela ideia de que a defesa supõe uma organização de meios, visando o desenvolvimento integral; até à eliminação do erro que consistiria em conceber
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o Estado como uma simples soma de regiões ou dê o colocar numa disputa dialéctiva de poder face às regiões autónomas.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Diga isso ao João Jardim!
O Orador: - Para o Governo não sofre dúvida a unidade da instituição militar para todo o território nacional. A defesa nacional ou a organização das Forças Armadas não são nem podem vir a ser regionalizadas, por se tratar de uma matéria cuja direcção, por definição, tem de pertencer sempre e integralmente aos órgãos de soberania competentes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Posto isto seja-me permitido relembrar que a política de Defesa Nacional ultrapassa, em larga medida, as questões do foro militar; num conceito alargado respeita a todos os quadrantes da administração e dos interesses públicos e abrange todo o conjunto de meios e recursos de que um Estado-nação dispõe para afirmar a sua autonomia, garantir a sua segurança e determinar o seu comportamento face a outras unidades políticas ou interesses organizados.
O conceito de defesa estende-se a todos os domínios de actividade dos cidadãos e à sua capacidade, abrangendo todas as áreas de defesa integrada e sistemática que implica «uma actuação concertada de todas as áreas de actividade para poder ser eficaz, envolvendo acções nos domínios da política, da economia, das finanças, da justiça, da administração, da técnica, da educação e dos demais sectores da actividade do Estado».
Esta ideia está implícita na Constituição, que define a Defesa Nacional como uma actividade desenvolvida pelo Estado e pelos cidadãos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mas se isto é assim, e supondo que ninguém o contesta, então a política de defesa nacional não pode nem deve ser usada para acentuar antagonismos entre portugueses e constituiria grosseira falta de ética que, quem quer que seja, pretendesse retirar a partir dela e à sua custa mesquinhos dividendos políticos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Ministro da Defesa Nacional (Leonardo Ribeiro de Almeida): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo e, na parte que especificamente se lhe refere, o Ministro da Defesa Nacional interpretaram a dedução do presente pedido de interpelação como uma excelente oportunidade para demonstrarem mais uma vez, perante esta Assembleia e perante o País, tudo o que de muito já se fez no âmbito da defesa nacional e, sobretudo, a forma coerente e programada como a sua acção se tem desenvolvido e há-de continuar a desenvolver-se no futuro.
Julgo ser ponto assente e que não sofre discussão que a problemática da defesa nacional é hoje unanimemente concebida como correspondente a um conceito globalizante, muito mais extenso do que a ideia de defesa militar.
E se isto é verdade no plano teórico, não é menos certo que tal realidade no caso português se encontra consagrada a nível político e legislativo quer na
Lei n.º 29/82 quer no conceito estratégico de defesa nacional, aprovado pelo Governo sobre as grandes opções que a Assembleia da República definiu.
Como resulta, portanto, desses dois textos, esta temática constitui uma actividade essencial do Estado, abrangendo os mais diversos sectores da sua acção.
É a Nação - toda a Nação - que deve estar envolvida e constituir a matriz e o escopo da defesa nacional.
O Sr. Mendes Bota (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Assim sendo, ela não se esgota na sua componente militar; e parece útil reafirmá-lo, mais uma vez, na medida em que muitos supõem ainda ser total a coincidência entre os dois conceitos. Mas, pese embora quanto acabo de referir, não há-de estranhar-se que a presente intervenção vise essencialmente a componente militar, visto que a ela se referem também as competências que a lei defere ao Ministro da Defesa Nacional.
Antes de mais, abordarei um aspecto que respeita a uma acusação formulada ao Governo repetidamente e que, pela sua natureza, deve ser desmentida desde já.
Não tem faltado quem acuse o Governo de não ter a vontade política de levar ao conhecimento da opinião pública os temas que se relacionam com a problemática da defesa nacional.
Nada mais injusto: e afirmá-lo não é senão a imprudente negação de uma verdade que os factos amplamente confirmam.
Com efeito, o Governo, tal como afirmou no seu Programa, tem conferido a maior importância à informação relativa a esta matéria, com vista a estimular a participação da comunidade portuguesa na realização do grande objectivo que é a defesa nacional.
O tempo de que disponho é escasso e, por isso mesmo, o desmentido formal de tais asserções traduz-se essencialmente no seguinte: orgulha-se o Ministro da Defesa Nacional de ter como constante dos seus procedimentos a preocupação de informar, de colaborar de nada esconder -com ressalva do que por sua natureza seja matéria classificada - em tudo que respeita a assuntos de defesa.
Assim, foi este governo que fez publicar pela primeira vez um Livro Branco de Defesa Nacional; e, como tive ocasião de escrever no respectivo prefácio, «deu-se por essa via início a uma forma de informação pública ajustada e oportuna sobre matéria do maior interesse para o Estado e para os cidadãos no âmbito das actividades de defesa nacional que a uns e a outros competem»; «livro que se pretende que constitua um elemento básico de esclarecimento da situação da defesa nacional no nosso país, necessário e útil para uma melhor integração dos Portugueses no exercício do direito de defesa da Pátria, que a Constituição da República Portuguesa consagra como dever cívico, fundamental de todos».
Junte-se a este indesmentível posicionamento e critério o incremento que se tem conseguido imprimir às actividades de estudo e divulgação do Instituto de Defesa Nacional.
Ao longo de 1986 realizou-se um número até aí não atingido de cursos, seminários, colóquios e ciclos de conferências em variadas localidades do País; o Governo sempre apoiou a sua realização; e o Ministro, sempre que possível, não deixou de, com a sua
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presença - e algumas vezes com a sua intervenção - dar o seu inequívoco apoio ao cumprimento desses programas.
E é profundamente gratificante, Srs. Deputados, verificar como as questões de defesa nacional são sempre tratadas aí de maneira séria, franca, aberta e útil, com a consciência permanente de que os temas tratados o devem ser com a verdadeira dimensão de Estado que os caracteriza, e não em obediência a critérios particularizados ou de capelinha.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Acrescente-se ainda, Srs. Deputados, a permanente disponibilidade do Ministro e do Secretário de Estado Adjunto da Defesa para, no espírito de solidariedade institucional e lealdade pessoal e recíproca que é timbre da estima respeitosa que os liga, comparecerem perante as comissões parlamentares desta Assembleia sempre que para tal têm sido solicitados.
Fica assim devolvida à procedência a acusação que nem nível tem para que se possa dar-lhe esse nome.
Em todo o caso, acrescentarei ainda que se encontra neste momento em preparação no meu Ministério e no Ministério da Educação e Cultura um despacho conjunto que tem por objecto estruturar o ensino da matéria de defesa nacional em estabelecimentos escolares, de modo a interessar e informar a juventude para as matérias desta natureza, e designadamente para os deveres e direitos que para os jovens decorrem em matéria de defesa nacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No plano das obrigações internacionais a que nos encontramos vinculados é a nossa participação na OTAN, sem dúvida, a de maior realce. Essa participação traduz a expressão real da vontade do povo português, por sua vez consubstanciada na vontade política unanimemente definida por todas as forças democráticas.
Na orientação que tem sido uma constante da posição portuguesa nesse domínio, o Governo entende que a nossa participação na Aliança Atlântica não pode traduzir-se na atitude passiva de um membro de segunda classe, que se limitasse a contribuir para a defesa colectiva com a simples concessão de facilidades aos seus aliados na utilização do seu tão valioso espaço geo-estratégico.
Nesta perspectiva, entendemos que Portugal deve ter uma capacidade de defesa autónoma eficaz e suficiente para, por si, constituir um claro e credível factor de dissuasão em relação a todo o território nacional.
Todos sabemos como, ao longo da história, pagámos caro e por várias vezes a nossa incúria nesse aspecto; é a dignidade nacional e a nossa condição de Estado soberano que tornam impensável que a defesa do nosso território e a garantia da sua integridade possam ficar exclusivamente a cargo de terceiros.
Aplausos do PSD.
O Orador: - É por isso que na preparação dos programas de reequipamento das Forças Armadas se tem tomado como critério constante a busca de soluções de duplo efeito, isto é, dar preferência a programas que permitam simultaneamente a satisfação das exigências de defesa própria e o cumprimento das nossas obrigações decorrentes da Aliança; daí que a posição claramente assumida a nível das instâncias competentes da NATO se tem traduzido na defesa firme da seguinte
posição: por um lado, a solidariedade entre os seus membros impõe que nos seja reconhecido o direito e facultados os meios de defendermos nós próprios a integridade do nosso território; por outro, a afirmação inequívoca de que não aceitaremos a atribuição de objectivos de forças que, comprovadamente, excedam as nossas possibilidades de os executar sem que nos sejam, simultânea e concretamente, garantidos os meios necessários à sua execução.
Esta posição encontrou, de resto, Srs. Deputados - e pela primeira vez -, na concretização do programa das novas fragatas uma clara afirmação de solidariedade atlântica.
Ainda no desenvolvimento da nossa posição no seio da Aliança, creio que vale a pena salientar as infra-estruturas em realização e que larga vantagem trarão ao nosso país, referindo, entre outros, o caso do SICCAP e o da ampliação do aeroporto de Porto Santo. No domínio dos acordos bilaterais de defesa afigura-se conveniente referir que, pese embora a forma vaga e ineficaz como se encontra redigido o acordo presentemente em vigor com os Estados Unidos da América sobre a concessão de facilidades na Base Portuguesa das Lages, acordo esse que deixa ao total arbítrio da Administração Americana a fixação da extensão da ajuda a prestar-nos em cada ano, foi possível obter para o ano corrente o que se pensa -e fortes razões existem desde já para aceitarmos que assim acontecerá - virá a ser uma inversão no sentido decrescente que a ajuda americana em matéria de defesa vinha tomando em 1985 e 1986.
Na verdade, foram-nos já atribuídos 80 milhões de dólares em grants; já me foi comunicada a primeira de duas listas de material de defesa surplus, que os Estados Unidos da América igualmente nos fornecerão graciosamente, e o montante destes, aliás, poderá vir ainda a ser reforçado (em cerca de mais 30 milhões de dólares), em função do orçamento suplementar neste momento já apresentado ao Congresso pela Administração Americana.
No que se refere aos acordos com a Alemanha Federal e referentes à utilização da Base Aérea Portuguesa de Beja, terão eles o seu termo em 1988; e, pela sua letra, o início das conversações tendentes à sua renegociação, terão necessariamente que ser comunicados até à data do próximo dia 31 de Julho.
Nessas negociações fará o Governo, como constante da sua condução e critério supremo que a elas presidirá, a salvaguarda dos legítimos interesses nacionais e o propósito de uma equilibrada e justa obtenção de contraprestações em matéria de defesa.
No que toca ao acordo com a França e que tem por objecto as facilidades concedidas na ilha das Flores, tem vindo a desenvolver-se normalmente, e, por isso, sem impor, neste momento, qualquer referência especial.
Mas cumpre, em todo o caso, salientar que, no seu âmbito, o Governo entendeu conveniente a constituição de uma comissão luso-francesa, a qual já está instituída e tem por fim a colaboração entre os dois países no domínio do desenvolvimento e intercâmbio em matéria de indústrias de defesa.
Farei também, Srs. Deputados, uma referência muito breve à colaboração no campo militar com os países africanos de expressão portuguesa, que o Governo considera de primacial importância.
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Pelo que respeita a Angola e Moçambique, é sabido que as próprias circunstâncias internas da vida desses dois países se têm processado e processam ainda de molde a não consentir uma apreciável ampliação de contactos.
Mas situação bem diferente ocorre, todavia, com a Guiné, com Cabo Verde e com São Tomé e Príncipe: militares guineenses continuam a frequentar estabelecimentos de ensino militar portugueses e espera-se que em futuro próximo essa colaboração poderá ampliar-se.
Designadamente em 1986, o Ministério da Defesa Nacional decidiu oferecer à República da Guiné-Bissau seis viaturas Unimog que o Exército recondicionou e que, em breve, serão efectivamente entregues.
Quanto a São Tomé e Príncipe, recebi em Junho findo a visita do Sr. Ministro da Defesa e Segurança daquele país; e do nosso cordial encontro resultou o projecto da celebração de novo protocolo de colaboração militar, já que o anterior caducara em 31 de Dezembro de 1985.
O seu texto encontra-se concluído, foi devidamente sancionado pelo Governo, plenamente aceite pelo Governo de São Tomé e Príncipe, e esse protocolo será assinado já no próximo dia 11 entre o Sr. Embaixador daquele país e o Ministro da Defesa Nacional.
Na decorrência da sua assinatura, deslocar-se-á posteriormente a São Tomé uma missão militar portuguesa, que analisará as diversas formas em que a cooperação vai desenvolver-se. Destaco, entre elas, pelo seu alto significado, a colaboração de Portugal na reestruturação e organização das Forças Armadas de São Tomé e Príncipe.
Também com a República de Cabo Verde se encontra em estudo um projecto de novo acordo que visa ampliar a colaboração militar com aquele país.
Uma vez aprovado, será um instrumento de alta eficácia no estreitamento das nossas relações.
Em termos de intercâmbio militar há que reconhecer que poucas têm sido as relações entre Portugal e o Brasil.
Todavia, gostosamente informo do honroso convite do Sr. Ministro do Exército do Brasil para o visitar oficialmente, convite que foi aceite.
Penso que essa visita poderá também constituir uma etapa poderosa na aproximação dos dois países no plano da colaboração militar e, porventura, também no das indústrias de defesa.
E tem cabimento afirmar, aqui e agora, o seguinte: todas as actividades desenvolvidas pelo Governo e que, pela sua natureza, se referem a relações externas de defesa têm sido desenvolvidas em perfeita e eficaz colaboração entre os Ministérios da Defesa Nacional e dos Negócios Estrangeiros; e vale a pena afirmá-lo porque assim se desfazem eventuais suposições de que tal não sucederia porque ou um ou outro, ou até ambos, não teriam, para o efeito, condições de funcionalidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No plano político-militar interno, cedo entendeu o Governo que, sem descurar os múltiplos aspectos em que a actividade do Ministério da Defesa Nacional se desdobra, a prioridade que, desde logo, se apresentava era conseguir, em tão curto prazo quanto possível, a elaboração e definição, pelos órgãos competentes, dos textos previstos nos artigos 23.º e 24.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.
Trata-se do conceito estratégico militar, das missões específicas das Forças Armadas, do sistema de forças e do dispositivo.
Foi possível fazer aprovar pelo Conselho Superior de Defesa Nacional logo em 18 de Dezembro de 1985 o primeiro desses textos; e as missões e o sistema de forças, depois de cuidadosa análise em conselho superior militar e mediante proposta do Ministro da Defesa Nacional, foram definidos pelo Conselho Superior de Defesa Nacional em 1 de Setembro do ano findo.
De resto, a definição destes últimos apresentou-se como de particular urgência pela circunstância de a lei quadro das leis de programação militar ter sido votada e aprovada muito antes da definição daqueles textos, embora os considerar como pressupostos de qualquer proposta de lei de programação militar a submeter a esta Assembleia.
E tem de aceitar-se, Srs. Deputados, que o conjunto desses textos constitui a estrutura conceptual básica e fundamental de todo e qualquer projecto de reestruturação das Forças Armadas e de qualquer actividade que vise o seu reequipamento e modernização.
Foi assim que este governo e o actual Ministério da defesa nacional, na sua acção serena e atenta, promoveram a elaboração dos textos que são, sem qualquer dúvida, o travejamento indispensável a um posterior pensamento coerente e sistematizado em matéria de Defesa Nacional.
No documento em que o partido interpelante delimitou o âmbito desta interpelação, mais uma vez se levanta a questão de legislação ainda não publicada, facto que, no entender desse grupo parlamentar, é preocupante e em que - cito - «a inexistência de um ministério, se tem permitido o funcionamento das Forças Armadas, não permite resolver por forma adequada questões como a da indústria da defesa».
Aceita-se a confissão útil de que a gestão das Forças Armadas tem sido possível na conjuntura e vale, por isso, a pena uma explicação mais pormenorizada a este respeito.
Embora se reconheça, Srs. Deputados, a necessidade e a vantagem da estruturação do Ministério, não é menos verdade que tem sido possível o exercício de todas as suas competências.
E direi que para a elaboração dessa lei se considerou, desde logo, a delicadeza do tema; não é exagerado dizer-se que com a atribuição ao Conselho da Revolução durante oito anos das larguíssimas competências de que dispôs até a sua extinção, o Ministério da Defesa Nacional não teve praticamente existência.
Consequentemente, para a elaboração de uma lei orgânica havia e houve que partir do zero; fazer os estudos de direito comparado que o caso impunha; e foi, assim, possível, em caminhada porventura lenta, mas segura, elaborar um projecto que foi o produto de colaborações leais, competentes e animadas pelo espírito comum de encontrar soluções a um tempo eficazes e adequadas aos condicionalismos que vivemos e à realidade que se propõe regulamentar.
Também quanto ao «enquadramento normativo» que se diz faltar, reafirma o Governo, e muito em especial o Ministro da Defesa Nacional, com toda a frontalidade, a explicação que mais de uma vez apresentou.
Todas e cada uma das leis do lote previsto no artigo 73.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas são diplomas legais que, pelo seu objecto, impõem a busca de soluções correctas, afincadamente estudadas e cuidadosamente reflectidas, para que venham a constituir diplomas de aplicação duradoura,
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visto que elas condicionarão no futuro amplos espectros do funcionamento e actividade das Forças Armadas.
Só em finais de 1986 se concluíram todos os estudos referentes aos respectivos projectos.
Será possível, agora, promover a prossecução do seu processo legislativo, para que possa em breve ter início a sua vigência.
E em relação a esta matéria que se diz de atraso e tão preocupante não deixarei de salientar que o Governo enviou a esta Assembleia, em 12 de Fevereiro de 1986 - há um ano menos oito dias -, a sua proposta de lei do serviço militar.
A sua discussão na generalidade processou-se em 12 de Junho do mesmo ano, tendo baixado à Comissão Parlamentar de Defesa Nacional para apreciação na especialidade com prazo de 45 dias.
Pois só agora essa discussão começou; e alguém ousa acusar de negligência a Comissão?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Governo, de seu lado, não faz favor a ninguém ao reconhecer que tal demora se deverá às exigências do trabalho que tanto nos absorve a todos.
Aplausos do PSD.
Este é o espírito objectivo de justiça que contrapomos às visões apaixonadas que partem de outras zonas do poder político.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E o mesmo se diga da proposta de lei de programação militar, apresentada nesta Assembleia há quase três meses, cuja demora pode até agravar custos de programas nela previstos.
Quem, em todo o caso, e de boa fé, Srs. Deputados, pode acusar por isso o Parlamento de negligência?
Por isso julgo - e assim o declaro - que é injusta, falsa, e denota um espírito de censura gratuita, estreita, uma insinuação do tipo daquela que o partido interpelante, a este respeito, formula e que não tem a mínima razão de ser.
Aplausos do PSD.
Mas ninguém pode, Srs. Deputados, negar que em matéria de defesa o Governo tomou medidas de natureza verdadeiramente estrutural e que, em breve, terão ampla repercussão na estrutura das Forças Armadas e até, também, na tão desejada cada vez mais intensa colaboração com meios civis.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Três pontos ainda desejava focar com muita brevidade: no texto oportunamente aprovado das missões específicas das Forças Armadas seguiu-se o critério de fazer incluir nele não apenas as suas missões específicas de natureza militar, mas também mencionar todas aquelas que, não sendo em si mesmas dessa natureza, se traduzem na colaboração que as Forças Armadas prestam a outros sectores da vida e da sociedade portuguesas.
Procurou-se por aí salientar e acrescer a disponibilidade e o empenho da instituição militar em colaborar desinteressadamente em inúmeras actividades que contribuem para a satisfação das necessidades básicas e a melhoria das condições de vida das populações.
A título de mera exemplificação, saliento aqui e recordo o diploma por este Governo elaborado, que equiparou as licenciaturas universitárias aos cursos ministrados nos estabelecimentos superiores de ensino militar. E muito gostosamente o faço, porque gostosamente também anuncio que, na decorrência dele, existem já neste momento protocolos de colaboração em matérias de investigação científica e tecnológica entre os dois tipos de escolas superiores.
Só por isso se regozija o Governo da equiparação que legalmente consagrou.
Segundo ponto: definidos os textos estruturais que já referi e aprovada que seja a Lei de Programação Militar, ficaremos dispondo de armadura legal necessária para o reequipamento das Forças Armadas e para, concomitantemente com ele, podermos iniciar uma reflexão profunda sobre o seu redimensionamento e reestruturação.
E como também já tive ocasião de referir, eles hão-de fazer-se em obediência a um princípio básico: as modificações a promover devem traduzir-se na existência de umas forças armadas integradas, constituídas pelos seus três ramos em pleno equilíbrio de capacidade operacional, de tal modo que, em cada momento, a atribuição de meios a cada um confira a todos idêntica eficácia, sem prejuízo e antes no respeito das suas diferenças específicas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tomando intencional e desvirtuadamente uma causa que não existe para um efeito que dela não resulta, o partido interpelante acusa o actual Ministério de, «por não existir», não ter capacidade para resolver os problemas da nossa indústria de defesa, como se a crise da nossa indústria de defesa tivesse surgido em 6 de Novembro de 1985.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É uma afirmação redondamente falsa!
Como é sabido, as nossas indústrias de defesa obedecem a três regimes diferentes: os estabelecimentos fabris dos ramos das Forças Armadas, a empresa pública INDEP, sob a tutela do Ministério da Defesa Nacional, e empresas privadas.
Há que reconhecer que alguns dos estabelecimentos fabris dos ramos têm níveis de produtividade que nos podem pôr a questão de saber se, de um ponto de vista meramente empresarial, não conviria extingui-los e comprar no mercado os produtos que fabricam. Tem-se optado pela negativa, porque é evidente a vantagem de não estar, nesse aspecto, dependente da vontade de terceiros e porque se estão tomando medidas no sentido do aumento da sua produtividade - sem esquecer o respeito social devido a todos quantos lá trabalham.
Vale ainda a pena fazer uma referência específica à situação na INDEP: completamente desactualizada no seu equipamento produtivo, com uma população laboral que excede em cerca de 50% as suas necessidades reais, actuando num mercado altamente competitivo dominado pela procura, a INDEP produz exclusivamente material ligeiro e carece de urgentes medidas de saneamento financeiro e de valorização do seu nível tecnológico, que vêm de há muito.
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Pois bem: foi este Governo que tomou as primeiras medidas indispensáveis para que possam ser seguidos os correctivos conducentes à sua viabilização efectiva.
Instituiu-se já a reforma antecipada e com vantagens especiais para os trabalhadores que queiram usar desta faculdade; incluiu-se no Orçamento do Estado para o corrente ano uma importante dotação para reforço do seu capital estatutário e publicou-se um despacho emanado dos Ministérios da Defesa Nacional, da Indústria e Comércio e das Finanças, que tem por objecto conseguir a articulação racionalizada da actividade da INDEP com a da SPEL e a da EXTRA - empresas nas quais o sector público detém a maioria do capital -, no âmbito da investigação tecnológica, da organização fabril e do acesso ao mercado internacional - tudo isto com vista à optimização das exploração das respectivas unidades produtivas.
Refira-se ainda que, através de um despacho conjunto dos Ministérios da Defesa Nacional, da Indústria e Comércio e do Plano e da Administração do Território, foi criado um grupo de trabalho com o objectivo de apresentação de propostas tendentes à definição da estratégia de desenvolvimento futuro da indústria nacional de defesa, na perspectiva da valorização do respectivo nível tecnológico, em proveito do conjunto da economia e de uma mais adequada satisfação das necessidades das Forças Armadas.
Foi também o actual Governo que procedeu à criação, no âmbito da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica e em estreita articulação com a Direcção Nacional de Armamento, da Comissão Coordenadora de Investigação na Área da Defesa, cujo objectivo principal é contribuir activamente para o planeamento, coordenação e organização da investigação tecnológica neste importante sector.
Talvez por isso queiram ainda atirar ao Governo uma pedra mais. Mas, antes de o fazer, que se pense se alguém terá feito neste capítulo algo que se pareça com o que o actual Governo já realizou e vai continuar a realizar.
Aplausos do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Referi-me até aqui e essencialmente à componente militar da defesa nacional. Mas não basta. Uma política global e bem definida de defesa nacional - tal como a entendemos - exige também uma articulada definição das acções dos diversos sectores da Administração.
Julgo ser útil e dever meu informar assim a Assembleia que face à carência de meios de informação com que este Governo deparou, se tem obedecido à seguinte linha de orientação: procura activar-se ao máximo o Conselho Nacional de Planeamento Civil de Emergência.
Ao longo de 1986, organizaram-se todas as subcomissões sectoriais e iniciaram estas a sua actividade regular, e foi possível promover já uma reunião - a que outras se seguirão - com a participação não só do Ministro da Defesa Nacional, que ao Conselho preside, mas também de todos os restantes ministros das pastas a que as subcomissões sectoriais pertencem.
Da acção profícua e entusiástica que as subcomissões têm realizado e que em 1987 se intensificará, é possível obter um conjunto de material de informação sistematizado sobre as vulnerabilidades - e também sobre as potencialidades - de que dispomos.
Esse manancial de informação será, aliás, largamente acrescido pela realização, em breve, do exercício «Wintex-Cimex/87» e pelas conclusões abundantes que dele vão resultar.
Admite-se que não virá do Conselho todo o material básico necessário, mas penso que por aí se abrirá um excelente caminho, como embrião da actividade conjugada dos diferentes ministérios. É, pelo menos, um ensaio que vale a pena aproveitar.
Com as diligências acrescidas que a experiência aconselhar e as realidades exigirem, espera-se ficar, em prazo relativamente razoável, com o material suficiente para que o Governo possa, então, elaborar as grandes linhas de um activo sistema global de defesa nacional.
Esse será o coroamento da política de defesa nacional sistemática, programada, abrangente, que o Governo se propõe, para que o conceito estratégico de defesa nacional, em vez de perguntarmos se não necessitará de uma revisão, deixe de ser - como até aqui - uma palavra vã.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Procurei fazer nesta minha intervenção inicial uma exposição das grandes linhas orientadoras da acção do Governo em matéria de defesa nacional. Por ela já deixei respondidas algumas das questões levantadas pelo partido interpelante. A todas as outras que enunciou ou que venham a ser colocadas responderei e responderemos no decurso do debate. Para isso fico inteiramente à vossa disposição.
Mas para concluir, desejo denunciar a falsidade que o partido interpelante praticou ao afirmar gratuitamente, como já nos vem habituando, que as Forças Armadas se acham «carentes de estabilidade».
Sei que não é raro que a afectividade dos indivíduos se revele às vezes por uma característica curiosa: efabulam e afirmam com veemência aquilo que como verdadeiro e real não acontece, mas que eles gostariam que acontecesse.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Não apoiado!
O Orador: - Não sei se será exactamente o caso, mas é por isso que me vejo obrigado a concluir pela forma seguinte, e dou disso pleno testemunho: as Forças Armadas portuguesas vivem hoje dignamente no seu dia-a-dia com serenidade e aprumo para o cumprimento das missões que lhes cabem.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Não carecem de estabilidade, porque a têm.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Vivem-na plenamente, e só porque a têm e a vivem são um factor digníssimo de estabilidade nacional.
Vozes do PSD: - Muito bem!
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O Orador: - E merecem que delas se diga que a nossa instituição militar hoje vive e trabalha sob os princípios da «honra e do brio militares».
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Isto é, só por si, uma garantia, e talvez muitos precisem de encontrar um lema idêntico para que, seguindo-o coerentemente, colaborem por fim, consciente, livre e sinceramente, na construção de Portugal em que o Governo está empenhado e que o admirável povo português merece. Talvez seja esse um grande e nobre acto de defesa nacional!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Marques Júnior, inscreveram-se os seguintes Srs. Deputados: Silva Marques, Jaime Gama, João Abrantes, Costa Andrade e Cardoso Ferreira.
Para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares, inscreveram-se os seguintes Srs. Deputados: João Corregedor da Fonseca, Magalhães Mota, Raúl Castro, José Carlos Vasconcelos, Marques Júnior, Jaime Gama e Costa Carvalho.
Para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro da Defesa Nacional, inscreveram-se os seguintes Srs. Deputados: Carlos Brito, José Magalhães, João Amaral, José Passinhas, João Morgado, Marques Júnior, Jaime Gama, José Cruz e Raúl Rego.
Dado que chegámos à hora regimental de interrupção dos trabalhos, ficam aqueles Srs. Deputados com a palavra reservada para a tarde.
Srs. Deputados, está interrompida a sessão.
Eram 13 horas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Magalhães Mota, o Sr. Deputado Secretário acaba de me informar que o Sr. Deputado Ângelo Correia também se tinha inscrito para lhe pedir esclarecimentos, mas acontece que eu não anunciei essa inscrição. V. Ex.ª vê algum inconveniente em que a Mesa dê agora a palavra ao Sr. Deputado Angelo Correia para esse efeito?
O Sr. Magalhães Mota (PRD): - De modo nenhum, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia.
O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Deputado Magalhães Mota, queria fazer-lhe apenas uma pergunta, que penso ser fundamental para o PRD, a fim de ser esclarecido o seu posicionamento neste debate.
A intervenção dos deputados do PRD tem, aliás, bastantes questões e matérias que, a seu tempo, serão respondidas ou às quais tentarão responder. Mas a questão nuclear, para nós, é a da compatibilidade entre uma expressão fundamental de V. Ex.ª e outras questões.
Disse V. Ex.ª, Sr. Deputado Magalhães Mota, o seguinte: «não questionamos os grandes objectivos da defesa nacional». Isto significa que o PRD assume e aceita um conjunto de formulações legislativas, de aspectos matriciais da organização do poder político na sua inter-relação com as Forças Armadas, e que aceita também, e não só, alguns posicionamentos que daí decorrem e as próprias formulações da política de defesa nacional, no que respeita aos macroobjectivos. Ora, se assim é, está em causa uma questão que é preciso esclarecer neste debate: se o PRD aceita, e não questiona, os grandes objectivos que decorrem fundamentalmente de uma lei, que é a Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas, aprovada na Assembleia da República em 1982, como é que o PRD hoje diz uma coisa que contraria frontalmente todo o posicionamento político do seu líder que, quando Presidente da República em 1982, não só elaborou um conjunto doutrinário, frontalmente contrário a essa lei, como até a vetou politicamente, obrigando a um recurso da própria Assembleia da República em relação à sua reconfirmação?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Está em aberto uma questão política básica, que é a de se saber qual é a matriz em que o PRD se insere.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É a matriz de 1982, do presidente do PRD? E não se venha dizer que um presidente da República tem, enquanto dignitário nesse grau da hierarquia do Estado, um pensamento e enquanto líder partidário outro, porque então eu pergunto: onde está a coerência e a ética, que são timbre no discurso político do PRD?
A questão que se põe é a de se saber o que é que o PRD perfilha: é aquilo que o deputado Magalhães Mota diz «a aceitação dos grandes princípios que daí decorrem». Se assim é, qual é a posição do seu líder neste debate? Ou, em alternativa, as frases do Sr. Deputado Magalhães Mota são falsas e escondem uma outra realidade, que, pelo caminho deste debate, são a ausência de um plano de fundo definido?
Essa é a questão básica que o PRD, antes de interpelar, tem de afirmar e dizer, porque estão em debate não só políticas, mas modelos, e é preciso saber onde está o PRD: ao fim e ao cabo, que modelo perfilha e onde está?
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Magalhães Mota, tem a palavra para responder ao Sr. Deputado Ângelo Correia, se assim o desejar.
O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Creio que a questão levantada pelo Sr. Deputado Ângelo Correia tem o mérito de esclarecer duas coisas.
Primeiro: aquilo que eu disse obrigou-o realmente a um esforço bastante enviesado para chegar à pergunta que queria fazer. Mas compreendo-o e responderei da mesma forma, embora nada do que eu disse lhe permita tirar as ilações que tirou.
O Sr. Deputado Ângelo Correia, que certamente esteve atento, descobriu uma coisa certamente essencial para o seu próprio pensamento e que lhe responde à sua própria questão, com grande clareza. Pelo menos, tenho para mim que assim é.
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Disse eu, a certo passo, que considero uma problemática ultrapassada a tão falada subordinação das Forças Armadas ao poder político civil, que ainda tem como subjacente a ideia de que o mundo militar constitui um universo fechado e autónomo. Só se assim fosse se poderia falar de subordinação, disse eu.
Creio que esta resposta o esclarecerá e, se quiser questões de compatibilidade, tem uma que eu próprio lhe dou: eu não votei favoravelmente a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas. O Sr. Deputado não precisava sequer de invocar o líder do meu partido, pois bastaria pensar na compatibilidade das minhas próprias posições.
O Sr. Angelo Correia (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Com certeza, Sr. Deputado.
O Sr. Angelo Correia (PSD): - Sr. Deputado, isso coloca um problema adicional, que renova a minha pergunta.
Como o Sr. Deputado confirmou, V. Ex.ª até nem votou, o que significa que há um distanciamento. Aí, a questão básica de rigor político e de seriedade de modelo político é esta: se o PRD aceita o travejamento básico, então aceita todas as consequências daí decorrentes. Mas se o PRD não está de acordo, como até parece decorrer do seu não voto, em 1982, por que é que ao longo desta interpelação e de mais de um ano de legislatura não teve a coragem, o rigor e a coerência de apresentar uma nova lei de bases de organização da defesa nacional e Forças Armadas?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Angelo Correia (PSD): - O PRD cala e consente ou tem alguma coisa inovadora a dar ao País?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado, agradeço a sua adenda, que me permite esclarecer muito simplesmente que não partilhamos da sua confusão: não confundimos os objectivos da defesa nacional, nem confundimos o travejamento constitucional da defesa nacional com a fórmula e a formulação que lhe foram dadas na Lei de defesa nacional.
É apenas essa confusão que está no seu espírito, quando pretende que os objectivos da defesa nacional são apenas uma formulação legal. É que, em nosso entendimento, não são.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Marques Júnior, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Marques Júnior e Sr. Deputado Magalhães Mota, visto que a vossa interpelação foi colectiva e o Sr. Deputado Marques Júnior fez a segunda parte do desenvolvimento: V. Ex.as preconizaram - e todos nós preconizamos - um conceito amplo e global de defesa nacional, incluindo a vertente cultural, a vertente da educação, a vertente institucional e, evidentemente, não apenas a vertente militar, em sentido estreito - todos nós estamos de acordo com isso, evidentemente - a vertente cívica, o respeito e a aceitação sem limites dos princípios da democracia pluralista, que implica um princípio básico: o do respeito cívico, inclusivamente pelo adversário, porque, de outra forma, não tem sentido o pluralismo partidário.
Pois bem, será que o vosso primeiro contributo para a defesa nacional, o vosso contributo preliminar foi o do sarcasmo - e digamos -, roçando a falta de respeito pelo adversário? Quer os senhores queiram, quer não, é um ministro de Portugal. Será esse o vosso contributo para a defesa nacional?
Srs. Deputados, eu não iria dizer que o Sr. Deputado Magalhães Mota é um líder sombra ou que o Sr. Deputado Marques Júnior é um deputado a mais, para utilizar, respectivamente, os vocábulos de um e de outro. Não vou, porque acho errado. Não faço cerimónias com os senhores no debate político, como irão ver de imediato, mas há uma coisa que, para mim, é sagrada: a relação cívica entre adversários políticos .. .
A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Muito bem!
O Orador: - ... porque é a única forma de eles se manterem no plano da congregação nacional. Sem isso não há defesa nacional, não há nada.
Vozes do PSD: - Muito bem!
Aplausos da Sr.ª Deputada Cecília Catarino.
O Orador: - Se ao falarmos de defesa nacional nos esquecermos disso, perguntar-nos-enios com alguma legitimidade se não há muito de hipocrisia em tudo isso.
preciso aplicar os princípios que, afinal de contas, se preconizam através de actos concretos. Mas de forma alguma me vou interrogar sobre se os senhores estão a mais ou a menos, se são sombra ou não e, muito menos, o Governo legítimo de Portugal.
Srs. Deputados, tenho sobretudo de me congratular com o facto de não ter sido essa a resposta do Governo. Felizmente para todos nós, portugueses, o Governo não entrou nesse tipo de afrontamento político. Felizmente para todos nós, repito.
Mas, Srs. Deputados, dando de barato essa vossa postura cívica relativamente aos membros do Governo legítimo de Portugal, pergunto-vos: por que não dão os senhores a necessária importância a uma das fundamentais vertentes da questão da defesa nacional, que é a das instituições do Estado Português e do seu funcionamento?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já esgotou o seu tempo.
O Orador: - Sr. Presidente, como pretendo continuar a usar da palavra, solicito-lhe que desconte estes minutos no tempo do meu partido.
O Sr. Presidente: - Faça então o favor de continuar no uso da palavra, Sr. Deputado.
O Orador: - Tivemos um período grave das nossas instituições quando o Presidente da República, roçando e mesmo ultrapassando a legitimidade das suas funções, se colocava numa posição que, sem dificuldade, se poderia classificar de obstrução aos órgãos de soberania. Foi o período do mandato do general Eanes, sobretudo em certas fases.
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Faço esta referência sem negar outros contributos positivos que o general Ramalho Eanes deu para a democracia em Portugal, mas, sem dúvida, em certas fases do seu mandato o general Ramalho Eanes colocou-se numa posição que, sem dificuldade, se poderia classificar - e foi classificada, entre outros, por mim próprio- de obstrucionista. Felizmente essa dificuldade foi ultrapassada e, portanto, deu-se um passo importante na defesa nacional. E isso, tenho que o reconhecer, foi graças às virtudes de cidadão, de democrata e patriota do presidente Mário Soares.
Risos do PS.
Srs. Deputados, não riam, pois não estou a querer colar-me ao presidente Mário Soares. Estou a procurar exprimir, com franqueza e frontalidade, as minhas ideias perante uma questão importante do meu país, que é a defesa nacional, e a questionar-vos, sem cerimónias, sem ter necessidade de usar de sarcasmos relativamente aos Srs. Deputados. Estou a questionar-vos com frontalidade e com sinceridade.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Pois bem, os Srs. Deputados do PRD não se questionaram sobre uma das questões fundamentais da defesa nacional, que é a do relacionamento das instituições do Estado Português.
Repito que, felizmente, foi ultrapassada a questão Governo-Presidência da República. Hoje estamos perante uma das mais graves questões da actualidade política portuguesa, que é a do relacionamento entre o Parlamento e o Governo, e os senhores não abordam essa questão, que é uma questão fundamental para a defesa nacional. Ou consideram que a defesa nacional dispensa que os órgãos de soberania tenham uma postura de conjugação de esforços dentro das competências das suas funções, relativamente às suas responsabilidades nacionais?
Os Srs. Deputados, juntamente com outros deputados de outras bancadas, têm suspendido sistematicamente e, inclusivamente, revogado tudo o que é decretos do Governo, que decorrem da competência governativa normal. Consideram isto bem? 15so não vos preocupa ou só vos preocupam os atrasos legislativos da parte do Ministro da Defesa Nacional? Têm a consciência tranquila?
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Não, não têm!
O Orador: - Não vos preocupa, do ponto de vista da defesa nacional, legitimarem um governo e recusarem dar-lhe os meios de governação?
O Sr. Deputado Marques Júnior foi, inclusivamente, ao ponto de recusar a legitimidade dos actos da competência governativa em matéria de chefias militares.
Sr. Deputado, V. Ex. disse que isso ofendia profundamente o espírito do povo português. Não ofende, Sr. Deputado Marques Júnior. Não são os actos legítimos de um governo legítimo que ofendem o povo português. Digo actos legítimos e não actos indiscutíveis porque, felizmente, na lógica do pluralismo partidário, todos os actos do Governo são discutíveis, mas não são ilegítimos, sob pena de os senhores serem tão responsáveis como o Governo por esses actos ilegítimos.
Sr. Deputado Marques Júnior, o que ofende profundamente o espírito do povo português é o espírito
vanguardista e, no fundo, a recusa, até às últimas consequências, da lógica da democracia pluripartidária, a que alguns, e, há alguns anos, muitos, designavam de burguesa. O que ofende profundamente o espírito do povo português é a recusa renitente em aceitar, sem condicionantes e limites, a lógica da democracia plurípartidária e, no fundo, a lógica e as consequências do voto livre do povo português.
Sr. Deputado Marques Júnior, nós lembramo-nos, porque temos a memória da história, uma memória ainda muito viva, tão viva quanto os agentes que fizeram essa história ainda estão vivos, dos vanguardismos que tivemos que vencer: do vanguardismo do Partido Comunista, na sua expressão gonçalvista, do almirante Rosa Coutinho, do vanguardismo do verdadeiro socialismo democrático do Grupo dos Nove. Felizmente, todos nós fomos capazes de congregar esforços para consolidar a democracia, mesmo aqueles que, em certo momento, estavam em discordância com o meu ponto de vista. Foi isso que deu alegria e satisfação ao povo português.
Sr. Deputado Marques Júnior, o que o ofende é o vanguardismo e a incapacidade de aceitar, sem limites, a lógica da democracia. E se tem dúvidas a este respeito, digo-lhe apenas o seguinte: várias vezes, e sucessivamente, o povo português disse não ao vanguardismo, fosse ele qual fosse, e disse sim à democracia.
E se alguém ainda continua a ter dúvidas, volte a perguntar-lhe.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, V. Ex.ª excedeu, de uma forma demasiado larga, os três minutos destinados aos pedidos de esclarecimento, pois quase fez uma intervenção. Oxalá isso não seja precedente para que as outras bancadas venham também a fazer o mesmo, pois então perdemos o ritmo das perguntas e entramos no domínio das intervenções.
Sr. Deputado Marques Júnior, pretende responder já ao Sr. Deputado Silva Marques ou responde no final a todos os outros Srs. Deputados que o vão questionar a seguir?
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Respondo no fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Contrariando um pouco a intervenção anterior, queria começar por felicitar o PRD pela oportunidade desta iniciativa.
Na verdade, a política de defesa merece ser discutida e não pode ser aceite - e o Partido Socialista protesta veementemente contra esse facto- a concepção segundo a qual uma interpelação sobre política de defesa nacional é, em si mesma, ilegítima.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Muito bem!
O Orador: - Foi essa a conclusão que extraímos das intervenções precipitadas do Governo sobre esta matéria.
Vozes do PS: - Muito bem!
Protestos do PSD,
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O Orador: - Gostaríamos também de felicitar o PRD, porque trouxe aqui à Assembleia da República, no início desta interpelação, um contributo plural e diversificado acerca das questões de defesa. Desde o Sr. Deputado Magalhães Mota, que tematizou o problema na sua incidência de oportunidade política de curto prazo, passando pelo Sr. Deputado Roberto Amaral, que lhe quis aditar a componente das relações internacionais e da política externa, ao Sr. Deputado Marques Júnior, que levantou algumas questões importantes em matéria de defesa nacional.
Esta interpelação é importante pelo tema em si mesmo, mas é também importante por um facto político que se patenteia através dela. É sobre esta matéria que eu gostaria de questionar o partido interpelante.
O PRD foi uma força política surgida, na sua matriz originária, como reacção ou protesto contra a revisão constitucional de 1982, naquilo que ela especificamente teve a ver com a inserção das Forças Armadas no estado democrático e também contra a Lei de Defesa Nacional.
A interpelação que hoje o PRD aqui apresentou e a forma como o fez denotam que o PRD evoluiu na matéria. Apesar de o PRD continuar naturalmente a não votar favoravelmente as despesas militares para o reequipamento das Forças Armadas, continuar a antagonizar, como fez o Sr. Deputado Marques Júnior na sua intervenção, aquilo que são as responsabilidades estritamente nacionais de defesa com as responsabilidades no plano aliado, o facto é que o PRD trouxe hoje a esta Assembleia uma contribuição substantivamente diferente daquilo que foi a sua matriz originária como força política e daquilo que foram as suas concepções durante muito tempo acerca da temática de defesa nacional.
Esse facto deve ser saudado pela democracia portuguesa e deve ser saudado pela Assembleia da República porque representa uma evolução positiva e, em certa medida, representa uma domesticação institucional da forma como essa força política se apresentou à opinião pública sobre a temática respeitante à defesa nacional.
A pergunta que eu queria fazer ao PRD é se, tendo chegado até aqui e tendo feito este progresso já de si longo e significativo, está disposto a dar o salto seguinte e a clarificar completamente a sua concepção em matéria de inserção das Forças Armadas no estado democrático, o próprio contributo do PRD para uma política consensual alargada na área da defesa nacional, a sua disponibilidade para equacionar o apoio responsável à modernização e ao reequipamento das Forças Armadas e também a clarificação do PRD no que respeita aos nossos compromissos internacionais, à Aliança Atlântica e às responsabilidades daí decorrentes. O País ganharia com essa segunda evolução do PRD, com o esclarecimento que os Srs. Deputados, a propósito deste problema, poderão prestar a esta Câmara.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Abrantes.
O Sr. João Abrantes (PCP): - O Sr. Deputado Marques Júnior habituou-nos a abordar as questões de defesa nacional com clareza e frontalidade como autoridade reconhecida na matéria. Por isso, ouvimo-lo sempre com interesse e gostaríamos de registar desde já a diferença entre esta postura e aquela assumida pelo Governo neste debate.
Vozes do PSD: - Ah! Ah!
O Orador: - Há, contudo, uma passagem da sua intervenção que entendemos merecer uma maior concretização, dadas as preocupações que da mesma transparecem. É a que se refere a acontecimentos pouco claros, resultantes de uma instrumentalização política das Forças Armadas que se prende com casos de preterições e promoções por razões exclusivamente políticas ou a não colocação ao serviço de oficiais brilhantes das Forças Armadas apenas por se identificarem com o 25 de Abril.
Quererá V. Ex. e concretizar estas afirmações? Pela nossa parte gostaríamos que o fizesse, e a Assembleia da República e o País considerariam de toda a utilidade o conhecimento destas situações.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não me parece que tenha havido até agora, nem dá parte do Governo, nem da parte das intervenções do PSD, qualquer dúvida sobre a Legitimidade desta interpretação! Parece-me, pois, que é uma questão que importa desde já clarificar. 15to porque esta legitimidade está extremamente acrescida por esta razão elementar: já foram aqui feitas várias interpretações possíveis quanto ao sentido desta interpelação. Será isto uma luta pela liderança da esquerda entre o PS e o PRD? É um interpretação possível! Penso, no entanto, que tudo isto poderá ter uma outra interpretação mais funda. Esta interpelação coloca-nos, de qualquer maneira, um problema quase metafísico da vida política portuguesa, que é este: o PRD como partido existe ou não existe? É possível demonstrar a existência do PRD?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Penso que, à luz da razão, esta é uma questão um pouco semelhante àquela que se punha na Idade Média! À luz da razão, Deus existe ou não existe? Bom, Santo Agostinho, que se confrontou com a pergunta, começava por responder: Videtur quod non (parece que não) e depois argumentava dizendo que sim. Quanto ao PRD, talvez devêssemos começar por dizer "parece que sim". Na verdade, há um grupo de deputados, na verdade faz interpelações, parece que sim... Mas por detrás disto este grupo parlamentar é mais do que um fenómeno histórico? Representa hoje alguma coisa?
Aqueles sinais onde naturalmente se mostra um partido, nas autarquias, no sindicalismo, nas manifestações culturais, nas associações académicas de estudantes, numa certa ligação entre um projecto político e o eleitorado, será que existe o PRD? Videtur quod non! Parece-me que não!
Risos do PSD.
Bom, mas de todo o modo, talvez esta interpelação sirva para isso, para aclarar este lado radical do ser. E como o ser - diz-se - é ser com, nós que somos
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de certa maneira colegas aqui nesta bancada, desejamos-lhe imensa felicidade e que consigam demonstrar que existem. Portanto, a legitimidade desta interpelação está fundamentada ao nível do mais radical que se pode imaginar. É ao nível da própria ontologia do partido interpelante.
Mas já agora, gostava também de fazer algumas perguntas. O Sr. Deputado faz algumas afirmações designadamente a seguinte: "As Forças Armadas fizeram o 25 de Abril e devolveram a soberania ao povo português [...]".
A primeira pergunta que lhe faço é esta: há da parte do Sr. Deputado uma reinterpretação da história? Dantes as forças políticas mais ou menos conotadas com o espectro ideológico do PRD costumavam falar do MFA como coisa distinta das Forças Armadas. São as Forças Armadas que historicamente fizeram o 25 de Abril e devolveram a soberania ao povo português? Quais as consequências desta reinterpretação da história, segundo o PRD, para efeito de Forças Armadas?
Depois reincidiria também numa questão que já foi posta, que é a questão de soluções que no campo especificamente militar resultam numa instrumentalização política. A pergunta que lhe faria era a seguinte, Sr. Deputado, com toda a seriedade que já foi louvada na sua intervenção, e que eu também subscrevo, até porque lhe dei o máximo de plausibilidade quanto a seriedade concerne: as promoções a que se refere o Sr. Deputado são sindicáveis, são criticáveis, são aberração do ponto de vista especificamente militar? Dó ponto de vista especificamente militar ferem os critérios de competência, ferem os critérios de legitimidade? E quem faz o aproveitamento político? O Governo que fez uma proposta, o Sr. Presidente da República que coonestou essas propostas ou, pelo contrário, a instrumentalização política está no acto daqueles que, à partida, e por debaixo das confissões de igualdade e de não discriminação, partem do princípio que há pessoas que à partida não devem ter acesso a determinados cargos? Onde está a instrumentalização? Ou será que o PRD é como aquele jovem médico, ou jovem médica - para evitar más interpretações -, que, ao tomar contacto com o doente, e em actos de apalpação do corpo da ou do doente, conforme o caso, lhe pergunta o que é que ele está a fazer. Um acto médico ou um acto de uma certa libido?
Será que afinal a instrumentalização está da parte daqueles que à partida não reconhecem ilegitimidades pessoais, isto é, há gaffes na democracia portuguesa ou faz-se a prova por argumentos especificamente militares? E quais estes argumentos especificamente militares? De competência, de dignidade, de seriedade? Quais os argumentos que em relação às promoções - e já também fizeram a pergunta em relação às preterições mas para já atenho-me a estas -, quais os argumentos que do ponto de vista especificamente militar, levam o Sr. Deputado a falar em instrumentalização?
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Algumas questões já foram aqui colocadas ao Sr. Deputado Marques Júnior, nomeadamente esta última acerca da afirmação que ele produziu de que este Governo instrumentaliza as Forças Armadas, dizendo mesmo que se tratava de uma instrumentalização política. É, no fundo, aquilo que já ouvimos da boca de alguns elementos de outro grupo parlamentar, chamando-lhe então governamentalização das Forças Armadas. Bom seria, Sr. Deputado, e para que esta questão ficasse suficientemente clarificada, que V. Ex. traduzisse no concreto aquilo que deixou de uma forma relativamente pouco clara, mais a mais sabendo V. Ex. - distinto representante ou, se quiser, distinto militar - as formas como se processam as promoções e as nomeações nas Forças Armadas. Convinha, portanto, que V. Ex. clarificasse este problema sob pena de questões que aqui deixou e de as críticas implícitas se dirigirem muito mais às próprias Forças Armadas e à instituição militar do que ao Governo.
Referiu V. Ex., para além disso, "[...] que a Lei de Defesa Nacional não salvaguardava a subordinação das Forças Armadas ao poder político [...]" - foram estas as palavras exactas. E voltamos então à questão essencial, que aqui já foi colocada ao seu partido e que parece clara, nomeadamente através da intervenção em resposta do Sr. Deputado Magalhães Mota, de que o PRD não se revê no actual travejamento jurídico.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Esta é a questão de fundo. E poderá o Sr. Deputado Magalhães Mota, de uma forma mais ou menos enviesada, querer significar, tergiversando, que os objectivos não se confundem com a tradução no texto da lei. São formas de sofismar em que o Sr. Deputado e o seu partido são mestres, na ausência de uma clarificação que cada vez se torna menos possível no seu partido.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Disse também o Sr. Deputado Marques Júnior que ao Ministro da Defesa Nacional compete a condução da política de Defesa Nacional. Recomendaria
a V. Ex. que pegando no artigo, salvo erro, 44.º da Lei de Defesa Nacional, lesse o que lá está escrito: "O Ministro da Defesa Nacional é politicamente responsável pela elaboração e execução da componente militar da política de Defesa Nacional, pela administração das Forças Armadas, pela preparação dos meios militares [...]".
Queria provavelmente V. Ex. a, mas faltou-lhe a coragem, interpelar o resto do Governo sobre esta matéria. Mas preferiu, aliás como o Sr. Deputado Magalhães Mota, com alguma falta de cortesia - é preciso dizê-lo -, fazer incidir as suas críticas políticas, perfeitamente ad hominem, pessoalmente, no Ministro da Defesa Nacional.
Disse mais, o Sr. Deputado - e parece-me que esta talvez tenha sido a afirmação mais grave que tenha proferido - que é urgente, que é necessário, um debate entre o Parlamento e as Forças Armadas. Quererá isto significar que leva às últimas consequências o facto de não se rever no actual travejamento jurídico, querendo ultrapassar o representante do Governo, querendo, no quadro legal estabelecido na revisão constitucional de 1982, ultrapassar o único membro do Governo que, perante esta Câmara, pode ser responsável, responsabilizado, fiscalizado e interlocutor em nome das Forças Armadas?
Eram estas as questões que lhe queria colocar Sr. Deputado.
Aplausos do PSD.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior para responder às questões que lhe foram postas.
Entretanto, o Sr. Deputado Magalhães Mota levantou também o braço, certamente para dizer que, tendo sido invocado o seu nome, gostaria de responder. Certamente que terá essa oportunidade depois de o Sr. Deputado Marques Júnior, que é a pessoa directamente interpelada, ter usado da palavra.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, perdoe-me a observação, o Sr. Deputado Magalhães Mota terá oportunidade de responder se o pretender e invocando a figura regimental respectiva, sob pena de eu próprio também me sentir tentado a responder a outras observações feitas!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, o Sr. Deputado Magalhães Mota levantou o braço como indicativo de que pretendia certamente responder, mas como a prioridade é do Sr. Deputado Marques Júnior...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Desculpe Sr. Presidente, mas o Sr. Deputado Magalhães Mota já respondeu!
O Sr. Presidente: - Mas o nome foi invocado, e certamente pretenderá dizer alguma coisa.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, ontem o meu nome foi invocado e não me senti com nenhuma legitimidade regimental para intervir!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota para interpelar a Mesa.
O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente, penso que é extremamente fácil. É que o Sr. Deputado Silva Marques inscreveu-se de facto para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Marques Júnior, mas depois pediu-me também esclarecimentos a mim. Quer dizer, pediu esclarecimentos ao Sr. Deputado Marques Júnior e pediu esclarecimentos ao Sr. Deputado Magalhães Mota que invocou expressamente pelo nome. Só pretendo prestar-lhe os esclarecimentos que me pediu.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Gostaria de dizer, como preambular à minha resposta, aos colegas deputados que tiveram a amabilidade de me dirigir perguntas que me sinto relativamente satisfeito e muito honrado com as perguntas que me fizeram por várias razões, mas a principal é a de que permite, nas respostas que pretendo dar, clarificar alguns conceitos que eventualmente tenham ficado menos claros na minha exposição.
Relativamente ao Sr. Deputado Silva Marques, que não é propriamente uma pergunta, pois insere-se numa intervenção porque foi extraordinariamente longa e só por isso justificaria da minha parte - e a minha bancada não tem muito tempo - uma resposta muito mais longa, pediria desculpa se, não respondendo ou não abordando todas as questões, me cingisse a algumas que me parecem fundamentais. E penso, porque me é caro, porque é sensível à minha própria sensibilidade - e perdoe-se-me esta expressão - o facto do argumento que invocou o Sr. Deputado com o qual estou natural e completamente de acordo. Refiro-me ao problema do respeito cívico que deve haver entre adversários políticos, englobando este aspecto também como uma componente fundamental, eventualmente muito importante numa política global de defesa nacional.
É evidente que estou de acordo com o Sr. Deputado e considero pertinente a sua observação. Só que penso que esse respeito não deixou de existir pelo facto de, na minha intervenção, ter feito algumas perguntas - e foi de perguntas que se tratou - e mesmo quando relativamente a ilustrar a minha ideia. E devo aqui confessar que me interroguei várias vezes se a devia colocar tendo entendido que não era ofensivo, que não era falta de respeito pondo a questão como pus em termos interrogativos, que é aquela frase que tenho em que refiro se de facto temos um ministro a mais e um Ministério da Defesa a menos.
15so insere-se naturalmente no contexto da minha intervenção, é a sequência lógica da minha intervenção, está em termos interrogativos e não pretendi com esta minha afirmação ofender o Sr. Ministro da Defesa Nacional que é, de facto, o Ministro da Defesa do Governo de Portugal!
Vozes do PDS: - Muito bem!
O Orador: - Relativamente a outras questões que foram abordadas, como por exemplo a questão da pertinência da interpelação sobre defesa nacional, penso que não só se justifica como se impõe há muitos anos! E por que é que os políticos responsáveis deste país não hão-de reconhecer - isso não é mal nenhum - que há instituições que têm sido tabu em Portugal? Num regime perfeitamente democrático, como se passa em todos os países do mundo com tradição democrática, há questões que não podem ser tabu e que devem ser questionadas na verdadeira medida em que podem e devem ser questionadas. E refiro aqui mais uma vez, para sublinhar o cuidado que pusemos na interpelação, que o PRD dirigiu uma carta ao Sr. Ministro da Defesa propondo-lhe um encontro porque entende e admite como natural que haja questões cujo melindre possa e não deva ser abordado pelo menos de certa maneira ao nível da Assembleia da República, tendo a resposta do Sr. Ministro sido negativa... em termos que consideramos não muito curiais, entendemos que não só se justifica como é pertinente este tipo de interpelação.
Diria mesmo que, no fim da interpelação, deveria surgir aqui a ideia de que não há tabus, de que deve ser perfeitamente transparente a posição do Parlamento sobre a política de defesa, de que isto se deve inserir num debate público e aberto e mesmo que as Forças Armadas não são uma instituição secreta, nem maçónica mas antes uma instituição que deve ser aberta, fiscalizada e inspeccionada pelos órgãos superiores do Estado, o que penso valorizaria a própria componente militar e o comportamento das Forças Armadas. 15to porque hoje há muitas coisas que são ignoradas e
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questionadas e cuja culpa e responsabilidade, à falta de melhor álibi, se atribuem às Forças Armadas, mas que não são da responsabilidade destas.
Vozes do PRD: - Muito bem!
O Orador: - 15to enquadra-se numa questão que penso ser também relevante e que o Sr. Deputado Silva Marques abordou, que é a da relação entre as instituições e, particularmente, a relação da Assembleia com o Governo nesta como noutras matérias.
Sr. Deputado, é evidente que o PRD privilegia e apoia intransigentemente boas relações entre todos os órgãos de soberania e estas instituições e, especialmente, as relações institucionais entre a Assembleia da República e o Governo. O que o PRD não aceita é que a Assembleia da República seja simplesmente uma caixa de ressonância da vontade do Governo, não abdicando de fazer com que ela seja um órgão de fiscalização da actividade governativa. Entendo que isto possa criar alguns engulhos ao governo, mas é este o entendimento do PRD sobre a acção a desenvolver pela Assembleia da República nesta matéria. O PRD considera que só se assume responsavelmente como um partido político se na Assembleia da República questionar o Governo e só deixar passar o que entende adequado e não estar aqui simplesmente a fazer aquilo que, do ponto de vista do Governo, deve ser feito pela oposição.
Relativamente aos vanguardismos, penso que esta é uma questão do passado. Não defendo nenhum vanguardismo e considero que não é correcto entender-se que, nesta interpelação e na minha intervenção, está algum vanguardismo ligado a saudosismos do passado.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Sr. Deputado, permito-lhe a interrupção apenas por uma questão cívica, porque tenho muito pouco tempo.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado, a ser assim, do que V. Ex. discorda é das escolhas que o Governo fez relativamente às propostas sobre as chefias militares, mas não toca na questão da legitimidade e da plena competência do Governo para o fazer.
15to é para resolver o problema do vanguardismo...
O Orador: - Já vou a essa questão, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Então, resolva-a já, porque o Sr. Deputado estava a abordar a questão do vanguardismo!
O Orador: - Sr. Deputado Silva Marques, é evidente que o PRD pensa que o Governo não violou nenhuma norma legal ou jurídica - não sei bem como é que isto se diz em termos de Direito. Penso que pode haver interpretações diversas, mas, de qualquer modo, creio que não estou a negar ao Governo a legitimidade de fazer as promoções que fez. Mas mais adiante abordarei esta questão.
Gostaria de dizer ao Sr. Deputado Jaime Gama, a quem agradeço as palavras iniciais, que o PRD não nasceu com os pressupostos que V. Ex. equacionou. Já várias vezes isto foi dito, mas não me importo de o resumir novamente: o PRD nasceu para que seja possível - e devo dizer que não tenho a certeza de que, na prática, isso possa acontecer, mas é um desejo nosso - que, nas relações entre as instituições democráticas, aquilo que se diz aos Portugueses na teoria se possa consubstanciar na prática. Nesse aspecto o PRD está, eventualmente, numa situação privilegiada, pois nunca foi poder e não tem compromissos especialmente assumidos que lhe criem dificuldades, que compreendemos em relação aos outros partidos. Só esperamos que quando o PRD for poder, enquanto o for e depois de deixar de o ser, tenha capacidade para se libertar dos condicionalismos que fazem com que a teoria seja uma coisa e a prática seja outra.
Aplausos do PRD.
Relativamente à Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, naturalmente que o PRD não está contra os seus principais objectivos de fundo. Ao contrário, o PRD comunga das dúvidas oportunamente expressas na Assembleia da República pelo veto do então Presidente da República relativamente a saber se o próprio articulado da lei cumpre um dos objectivos fundamentais da Constituição, que é o da plena e completa subordinação das Forças Armadas ao poder político democrático.
O PRD acompanha com algum interesse esta evolução que o Sr. Deputado Jaime Gama referiu, embora com alguma preocupação, que manifestou, nomeadamente, ao não votar certas despesas militares. Com efeito, o PRD absteve-se na votação da Lei do Reequipamento Militar, na medida em que, do nosso ponto de vista, ela hipotecava uma modernização e um reequipamento adequado das Forças Armadas em termos de futuro. Na realidade, foram 160 milhões de contos hipotecados, quando não estavam definidos pelo Governo preceitos fundamentais, nomeadamente quanto ao conceito estratégico militar, sem os quais, responsavelmente, a Assembleia da República não devia, em nossa opinião, ter assumido esse compromisso. Poderão dizer que se trata apenas de uma questão formal, mas, do nosso ponto de vista, trata-se de uma questão fundamental, de uma discussão extraordinariamente importante.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Permite-me uma interrupção, Sr. Deputado?
O Orador: - Não sei se, do ponto de vista regimental, posso ser interrompido por um Sr. Deputado que não é interpelante. No entanto, faça favor.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marques Júnior, efectivamente não podia, neste caso, ser interrompido, pois apenas os Srs. Deputados interpelantes podem fazê-lo. Mas, se V. Ex.º concedeu a palavra, faça favor, Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Intervenho porque acabei de ouvir uma afirmação no sentido de que a Lei do Reequipamento Militar tinha hipotecado em não sei quantos milhões de contos a modernização e reequipamento das Forças Armadas. É que, se V. Ex. pensa que é assim, então um partido que liga a teoria com a prática não se devia ter abstido, mas sim votado contra, o que VV. Ex.as não fizeram.
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O Orador: - O Sr. Deputado antecipou-se à minha resposta. Na nossa declaração de voto relativa a essa votação dissemos claramente que só não votámos contra porque não ficou suficientemente claro que essa lei não correspondia a compromissos assumidos em nome do Estado português e tive, nessa altura, ocasião de dizer que, se o Governo assumisse plenamente na Assembleia da República que isto correspondia a compromissos anteriormente assumidos, o PRD, sem cuidar de saber quem eram os responsáveis, faria um apelo a todos os órgãos de soberania para se solidarizarem com essa votação. Mas isso exclusivamente por essa razão e não por outra.
Vozes do PRD: - Muito bem!
O Orador: - Relativamente à inserção das Forças Armadas num estado democrático, é evidente que, para nós, isso é inquestionável.
Por outro lado, embora sejamos favoráveis a uma política de modernização e reequipamento das Forças Armadas, pensamos que isso tem de ser feito tendo em conta os seguintes factores fundamentais: primeiro, os interesses nacionais, que correspondem a uma defesa autónoma credível, e, depois, os interesses da aliança em que Portugal se encontra inserido e que nós, naturalmente, não questionamos.
Todavia, no próprio interesse da aliança - e é isso que consta do tratado -, não nos pode ser pedido um esforço de participação da aliança quando não temos capacidade para ter uma posição de defesa autónoma credível, pelo que esse aspecto deve ser preferencial relativamente ao outro factor.
Não vou ter tempo de responder individualmente aos restantes Srs. Deputados que me interpelaram, mas creio que aquilo que vou dizer esclarece uma das questões que me foi posta por vários Srs. Deputados.
No que se refere à questão que o Sr. Deputado Costa Andrade me colocou sobre as Forças Armadas, devo confessar-lhe que o texto que comecei a ler dizia: "Forças Armadas, ou, melhor, uma parte das Forças Armadas [...]". Entendi que, uma vez que estávamos a tratar da defesa nacional, isso era incorrecto, pois poderia ser mal interpretado. De facto, não quis dizer que o próprio 25 de Abril era património de uma parte das Forças Armadas, porque mesmo essa parte das Forças Armadas fê-lo em nome das Forças Armadas, pelo que o 25 de Abril é património de todas as Forças Armadas.
Aplausos do PRD e do Sr. Deputado Costa Andrade.
No que se refere às promoções por razões exclusivamente políticas, como afirmei na minha intervenção - e tive o cuidado de não citar nomes -, penso que se os Srs. Deputados têm acompanhado suficientemente o evoluir da situação serão capazes de entender o caso que passo a descrever: deu-se, ultimamente, a ocupação de um lugar na hierarquia militar que, estando vago há não sei quantos anos, não se pode dizer que o tenha sido por razões estritamente profissionais e militares de operacionalidade das Forças Armadas ou do Estado-Maior, porque, senão, não se compreende que esse lugar tivesse estado tantos anos sem ser ocupado.
Quais foram, então, as razões?
Aplausos do PRD, do PS, do PCP e do MDP/CDE.
É que - e passo a explicar - relativamente a outros militares acontece o seguinte: apesar de, ao abrigo da Constituição e da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, os militares saberem e assumirem perfeitamente que têm certas restrições às suas liberdades de cidadãos, há coisas que eles podem fazer sem violarem nenhuma regra, designadamente o Código de Justiça Militar e o Regulamento de Disciplina Militar. E é por isso que um militar por se identificar com o 25 de Abril e por presidir à assembleia geral da Associação 25 de Abril é preterido na sua promoção, enquanto o facto de se ser presidente da Associação de Comandos permite uma promoção ao posto imediato.
Aplausos do PRD do PS, do PCP e do MDP/CDE.
Quanto ao que foi considerado quase um sacrilégio da minha parte - e devo dizer que fiquei espantado com isso -, o que na realidade disse claramente na minha intervenção foi que, para obviar ao desconhecimento da instituição militar, é necessária uma maior ligação entre a instituição militar e o Parlamento, através, nomeadamente, da Comissão de Defesa, que aliás este ano tem mantido relações com o Governo através do Sr. Ministro da Defesa Nacional relativamente a assuntos importantes. O que penso é que esse trabalho tem de ser intensificado, apesar de, segundo me apercebi, se ter vindo a fazer, nesse aspecto, uma ligação que não era habitual.
Referi, depois, que tal deveria ser feito a par de um debate público sobre o papel das Forças Armadas na defesa nacional. E isto porquê? Porque muitos de nós, deputados - e ainda hoje isto foi aqui claramente dito -, temos a noção de que falar de defesa nacional é falar das Forças Armadas, quando isso não é verdade, pois as Forças Armadas são apenas uma componente instrumental da defesa nacional, componente essa que será extraordinariamente importante quando falharem outras.
Como dizia o Prof. Adriano Moreira aos seus alunos - e não sei se vou reproduzir bem a frase -, a profissão das armas é aquela que se aprende para não ser utilizada, e é nesse sentido que entendo que o debate sobre o papel das Forças Armadas na Defesa Nacional é extraordinariamente importante para que não se crie a ideia de que falar de defesa nacional é falar de Forçar Armadas, o que não é objectivamente verdade.
Aplausos do PRD, do PS e do MDP/CDE.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, interpelo a Mesa, uma vez que o Sr. Deputado Marques Júnior, em resposta a um pedido de esclarecimento que lhe fiz, equacionou a questão nestes termos: é ilegítimo não promover um determinado militar por estar ligado à Associação 25 de Abril. É um juízo que respeito e que, depois de conhecer melhor os dados, talvez venha a subscrever. Mas dizer isto é uma coisa. Agora, é hipocrisia dizer ao mesmo tempo que um militar, por ser membro da Associação de Comandos, não deveria ser promovido.
Protestos do PRD e do PCP.
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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Costa Andrade, quero só chamar-lhe a atenção de que aquilo que fez não foi bem uma interpelação à Mesa.
Entretanto, a Mesa determinou que, em presença da questão directa que foi formulada pelo Sr. Deputado Cardoso Ferreira, concede agora a palavra, para responder, ao Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente, suponho que foi o Sr. Deputado Silva Marques e não o Sr. Deputado Cardoso Ferreira que me dirigiu a pergunta.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Eu não fui, não lhe coloquei nenhuma questão directa!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Magalhães Mota, afinal, parece que ninguém pretende que V. Ex. responda.
O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Bom, o Sr. Deputado Cardoso Ferreira tenho a certeza que não me perguntou nada. Se o Sr. Deputado Silva Marques me invocou apenas para me cumprimentar, então sento-me.
Risos e aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos prosseguir com as interpelações ao Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares, para que dou a palavra ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, que é o primeiro orador inscrito para intervir.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares, vou inquirir o Governo sobre um problema que preocupa o nosso grupo parlamentar, mas que também deve preocupar esta Câmara e o próprio Governo.
Trata-se de um assunto que ultrapassa, sem dúvida, o mero interesse partidário.
Sr. Ministro, consta, desde há tempos, que no nosso país se desenvolve um negócio ilegal extremamente grave dado o produto que é transaccionado ter um valor estratégico, o que já ontem referi aqui em declaração política. Trata-se do contrabando de matérias radioactivas em que participam organizações portuguesas e estrangeiras.
Durante aquela minha intervenção referi expressamente o facto de, ainda há bem pouco tempo, terem sido ilegalmente colocados à venda em Lisboa, por vários milhões de dólares, 36 recipientes de vários quilos contendo urânio e plutónio, bem como outras matérias radioactivas roubadas.
Ora, a exportação de matérias-primas com valor estratégico - e cito isto para o Sr. Ministro poder pensar bem sobre o assunto, uma vez que parece estar bastante sorridente perante esta minha pergunta - obedece a regras que devem ser respeitadas, como prevê um decreto-lei em cuja leitura participou, entre outros, o então Secretário de Estado da Defesa Figueiredo Lopes, actualmente deputado.
Na legislação em vigor prevê-se também o controle no domínio da segurança, sobre matérias-primas e produtos industriais de alto risco. No entanto, parecem existir facilidades em contrabandear tais produtos, como se comprovou por uma investigação efectuada recentemente pela revista alemã Stern, que publicou uma ampla reportagem sobre essa investigação levada a cabo em Portugal, revelando nomes, moradas, fotografias, etc.
Tem havido, sem dúvida, uma negligência inaceitável, o que não pode deixar de nos intranquilizar. E não se diga que se trata de mera especulação jornalística, porque pelo menos um centro oficial de pesquisa radioactiva alemão fez testes a algumas amostras destas matérias.
O que também interessa saber, Sr. Ministro, é se o Governo, tendo tomado conhecimento de uma reportagem deste teor, que ocupa várias páginas, actuou no sentido de esclarecer a situação.
Parece, Sr. Ministro, que não se tem cumprido disposições legais e que não existe um controle e fiscalização apertados sobre o condicionamento daqueles produtos, o que, somado a outro tipo de contrabando de armamento que ultimamente tem sido muito divulgado, leva certa imprensa europeia - e temos fotocópias desses artigos - a classificar Portugal como uma "república das bananas", onde a permissividade é total neste campo.
Perante esta situação pessimista e grave, pergunto: tendo aquelas matérias-primas grande valor estratégico, que medidas vai o Governo adoptar - se é que já não as adoptou- para cumprir a legislação em vigor e impedir esse comércio ilegal, que põe em causa o nosso prestígio internacional e a nossa própria independência?
Espero que o Sr. Ministro esclareça este assunto, pois julgamos que é exactamente nesta importante interpelação sobre defesa nacional em boa hora apresentada pelo PRD que o Governo deve prestar todos os esclarecimentos sobre tão grave e tão sensível problema.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares, antes de formular os pedidos de esclarecimento que tenho para lhe dirigir queria pedir-lhe o favor de, junto do Sr. Primeiro-Ministro, ser intérprete do agradecimento da nossa bancada pela sua presença no início deste debate. Creio que tal facto, embora correspondendo a um dever funcional, é por si só também expressão da relevância que atribui ao sentido desta interpelação e ao conteúdo do que nela se discute. Por isso, gostaria que o gesto do Sr. Primeiro-Ministro não passasse desapercebido pela nossa parte.
Sr. Ministro, V. Ex. disse - e bem - que a defesa nacional não se instrumentaliza. Creio que todos estaremos de acordo quanto a este princípio e pena foi que V. Ex. iniciasse a sua intervenção por algo que pareceu uma instrumentalização. V. Ex. bem sabe, V. Ex. bem conhece, que não é esse o sentido desta interpelação!
Quando o Sr. Ministro anuncia algumas medidas tomadas e a tomar, gostaria que as datasse. Na verdade, em algumas pessoas reina a convicção de que algumas medidas - como por exemplo as tomadas em relação à Bandeira Nacional - foram tomadas já depois do anúncio desta interpelação. Poderá V. Ex. confirmar tal facto ou deveremos apenas anotar a coincidência?
O Sr. Ministro anunciou-nos vários aspectos do novo mapa tipo ou da nova programação da televisão. Trata-se de uma manifestação da consabida independência
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da Radiotelevisão face ao Governo ou, pelo contrário, trata-se de uma orientação e esse aspecto da actividade televisiva, enquadra-se na orientação da política governativa?
Na intervenção que produziu, o Sr. Ministro falou-nos dos grandes objectivos da interpelação, que criticava. Será que entendi mal ou, pelo contrário, será que toda a intervenção de V. Ex. foi no sentido de manifestar algumas concordâncias?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero congratular-me com os termos sérios, profundos e responsáveis, com que a presente interpelação foi apresentada no Parlamento. Ao congratular-se pela forma como ela foi apresentada, o MDP/CDE não pode deixar de assinalar o facto de a tão importante interpelação estarem a assistir alguns militares que têm o seu nome ligado ao movimento revolucionário do 25 de Abril, alguns militares que tornaram possível a democracia em Portuga e, inclusivamente, este debate democrático que hoje se está a realizar.
Aplausos do MDP/CDE, do PS, do PRD e do PCP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Creio que apenas o Governo, nas duas intervenções que os seus membros produziram, se afastou do conceito que já aqui tem sido manifestado por parte de várias bancadas quanto à forma que revestiu a presente interpelação.
Quando o Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares refere que a defesa nacional não se instrumentaliza e que ninguém tem o direito de ser porta-voz de interesses pessoais só posso entender estas afirmações como uma autocrítica que o Sr. Ministro faz em nome do seu Governo.
Gostaria de perguntar ao Sr. Ministro da Defesa Nacional por que razões é que o Estatuto do Oficial do Exército, que devia estar revisto desde Novembro de 1983 por força da Lei de Defesa Nacional - revisão essa a ser efectuada em conformidade com essa Lei e não contra os seus princípios - ainda não foi revisto.
A propósito da discriminação que se tem vindo a fazer no seio das Forças Armadas em relação a um sistema de escolha e nomeação dos mais altos chefes militares e dos altos comandos, assim como promoções a oficial general e a general, que estão na dependência directa do Governo - e, portanto, o Governo tem que assumir aí a sua fundamental responsabilidade -, gostaria de saber qual a razão por que a proposta de nomeação do Sr. General Soares Carneiro para o cargo de Vice-Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas foi apresentada ao Governo pelo Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas sem ouvir nem informar previamente o Exército. Por que razão é que se tal cargo esteve vago durante anos apenas quando se aproximava o fim do mandato do actual Chefe do Estado-Maior S. Ex.º verificou que tinha necessidade de preencher essa vaga, que por coincidência seria preenchida por um general, que, dentro em breve, atingiria a idade de passar à reserva e que só por essa promoção escapou a isso?
Estas são demasiadas coincidências que gostaríamos de ver esclarecidas pelo Sr. Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares, por vezes V. Ex.º tem neste governo o papel simpático de anunciar as acções benéficas do Executivo. Por vezes também tem a incumbência rara e privilegiada de desenvolver algumas acções especialmente imaginativas, assim como de realizar missões impossíveis. Portanto, o Sr. Ministro deve ser cumprimentado pelo facto de hoje ter vindo aqui ao Parlamento assumir uma missão impossível.
Na intervenção que produziu, o Sr. Ministro, ao pretender sugerir que esta interpelação era ela mesma geradora de mais problemas na área da oposição do que na área, do Executivo, veio dizer algo que não é minimamente verdadeiro e veio esconder o facto de que, na verdade, esta interpelação coloca extremos problemas ao Governo. Em primeiro lugar, isso verifica-se pelo facto de já neste momento existir uma guerra de porta-vozes, que não dignifica nem o Governo, nem as instituições, nem as Forças Armadas, entre as fugas feitas pelo Gabinete do Ministro da Defesa Nacional e as contrafugas feitas pelos gabinetes dos estados-maiores a propósito da eventual aprovação de um projecto ou anteprojecto de estruturação do Ministério da Defesa Nacional. O Governo, sabendo que estava perfeitamente em claro nessa matéria e querendo evitar o atrito com a Assembleia, lançou deliberadamente uma fuga na imprensa cujos contra-efeitos não pôde calcular no momento inicial.
Vozes do P5: - Muito bem!
O Orador: - Em segundo lugar, não é por acaso que o Sr. Primeiro-Ministro, apesar de muito cumprimentado pelo PRD pela sua presença inicial neste hemiciclo, não falou no início desta sessão. É que na estratégia de salvaguardar dentro do Governo a imagem do Primeiro-Ministro em relação aos restantes membros não era aconselhável que ele usasse da palavra em socorro do responsável da pasta da Defesa Nacional neste debate. Essa incumbência coube ao Sr. Ministro Adjunto, que agora, apressadamente, se começa a preocupar por questões de defesa nacional e está a assumir um papel de tutela sobre o Ministério da Defesa Nacional. Dir-se-ia, aliás, que o actual titular da pasta foi, a dado momento, duplamente "ensanduichado", quer pela designação de um novo secretário de Estado, especialista em gestão financeira, quer pelo Sr. Ministro Adjunto, especialista na gestão estratégica da política do Governo.
Além disso, o Governo, ao pretender chamar aqui para depor os Srs. Ministros dos Negócios Estrangeiros e da Educação e Cultura, quis não assumir um conceito global de defesa - visto que o Governo não está estruturado na sua orgânica para a assumpção desse papel -, mas quis apenas diluir a imagem visível do Governo neste debate para reduzir ao máximo a visibilidade política do actual titular da pasta.
Gostaria, pois, de perguntar ao Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares se, na verdade, esta interpelação, bem como toda a política de defesa nacional, não coloca um seriíssimo embaraço político ao actual governo.
Aplausos do PS.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Carvalho.
O Sr. Costa Carvalho (PRD): - Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares: Na intervenção que formulou, V. Ex. diz que «os órgãos de comunicação social esperam e precisam de contributos dos mais capazes e preparados para que se informe... ». Um pouco mais à frente, a propósito do Livro Branco da Defesa Nacional, refere que «não mereceu até agora a atenção devida pela generalidade dos órgãos de comunicação social». E em seguida conclui dizendo: «Espera-se que venha a tê-la.»
Sr. Ministro, a questão é muito simples: V. Ex. veio aqui trazer-nos novidades, inclusive a de que a comissão editorial da Lusa já está a funcionar. Se assim é, provavelmente que o Sr. Ministro foi mandatado por todos os directores de jornais, possivelmente pela televisão ou pela rádio, para dizer o que os órgãos de comunicação social esperam. Quer dizer, V. Ex. aqui comanda! Porém, logo a seguir diz que se espera que os órgãos de comunicação social o venham a fazer. Então aqui, V. Ex., depois de comandar, manda!
Num discurso como este, gostava de saber como é que o Sr. Ministro situa a comunicação social. Como sujeito ou como verbo, como acção ou como agente?
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares.
O Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares: - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, lamento informá-lo que a Stern não é leitura minha habitual e, portanto, não estou munido dos mesmos dados que o Sr. Deputado para me poder pronunciar sobre as questões que colocou.
Claro que este governo também não governa ao sabor do que dizem os órgãos de comunicação social. No entanto, se o Sr. Deputado é portador de elementos que apontam no sentido que referiu e que indiciarão a prática de delitos graves e de acções que são contrárias aos interesses nacionais, agradecia-lhe muito o favor de encaminhar esses dados para o Governo - e devo dizer, aliás, que me admira que até agora ainda não o tenha feito.
Aplausos do PSD.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Vai ser feito um requerimento, Sr. Ministro!
O Orador: - Sr. Deputado Magalhães Mota, quero agradecer-lhe as palavras amáveis que dirigiu ao Sr. Primeiro-Ministro.
Também quero reafirmar o que disse, ou seja, que para o Governo a defesa nacional não se instrumentaliza. Contrariamente ao que aqui já foi sugerido, o Governo não entende que a política de defesa nacional não possa ser objecto de uma interpelação ao Governo. O que o Governo entende e tem a obrigação de fazer é a análise do enquadramento político que envolveu a iniciativa sobre a interpelação em matéria de defesa nacional, porque nas duas outras interpelações que houve e que foram solicitados por dois partidos da oposição nenhum deles fez o show-off de convocar uma conferência de imprensa para a anunciar. 15to numa altura em que o líder do PRD, passadas uma ou duas semanas, dizia num semanário de grande expressão que são praticamente inevitáveis as eleições em 1987. Por acaso, há três dias foi referido o contrário, ou seja, que a opinião pública parece não se inclinar para eleições antecipadas em 1987. Portanto, o que contestei foi o tratamento político que foi dado pelo PRD a uma iniciativa legítima, porque - repito -, ninguém tem o direito de instrumentalizar a defesa nacional para dela retirar dividendos políticos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Na intervenção que formulei disse que o Governo, depois de ter feito esta nota, está aqui para, em conjunto com todos os Srs. Deputados, procurar alargar o consenso nacional sobre matéria que é de fundamental importância, porque é essencial para a existência do País e da Pátria a que todos pertencemos e queremos continuar a pertencer.
O Sr. Deputado também perguntou, com toda a legitimidade, quais são as datas das medidas que enunciei em relação aos pontos que eram referidos no requerimento que o PRD apresentou para que esta interpelação tivesse lugar. Em seguida pediu-me que esclarecesse a questão da utilização da Bandeira Nacional.
Em 9 de Julho de 1986 o Sr. Primeiro-Ministro, com base numa nota elaborada no Gabinete do Primeiro-Ministro sobre a utilização da Bandeira Nacional, fez um despacho que diz o seguinte: «Envie-se cópia a todos os Srs. Ministros pedindo-lhes a melhor atenção para o assunto.» Ora, foi em resultado das diligências feitas pelos ministros, da análise da nota e do levantamento da situação que foi preparado um diploma legal que acabou por ser aprovado na reunião do Conselho de Ministros realizada na semana passada. Este era um processo que estava em curso desde Julho de 1986.
As outras medidas que anunciei, como sejam a estrutura de onda curta da Radiodifusão Portuguesa, que data de 29 de Novembro de 1986 - publicação em Diário da República -, e a Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, que data de 22 de Novembro, são medidas que foram tomadas anteriormente à data do anúncio da interpelação ao Governo sobre defesa nacional que o PRD resolveu apresentar.
Em matéria da Radiotelevisão Portuguesa penso - e aí tenho-me preocupado no sentido de ler as críticas da comunicação social em matéria de programação da televisão- que ninguém de boa fé pode contestar que está mais que garantido o pluralismo ideológico em termos de programação e de informação na Radiotelevisão Portuguesa.
Risos do PCP.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Boa piada!
O Orador: - Ainda não ouvi ninguém dizer que tenha sido preterido para a apresentação de qualquer programa na RTP.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Não lê as actas da Assembleia, Sr. Ministro!
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0 Orador: - Sr. Deputado, posso ler as actas da assembleia, mas sei distinguir entre o que consta das actas e a realidade, porque nem sempre o que é transcrito para as actas corresponde à verdade.
Aplausos do PSD.
Posso explicar ao Sr. Deputado - aliás, devo dizer que tenho muito gosto em o fazer - por que é que sei que um dos vectores, uma das linhas de força para a programação da Radiotelevisão Portuguesa a partir de Abril é justamente a dos descobrimentos portugueses e uma outra linha é a dos 30 anos da televisão.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Lê a TV Guia!
0 Orador: - Também não leio a TV Guia, Sr. Deputado!
0 Sr. José Magalhães (PCP): - Não lê? É escandaloso!
O Orador: - Sei isso porque quis saber qual o grau de receptividade que estava a merecer o programa Portugal sem Fim, programa esse que considero notável. Na altura explicaram-me - e esse foi o dado que citei na intervenção que tive oportunamente de fazer - que mais de 50 % dos telespectadores acompanham esse programa, o que é uma percentagem notável em termos de televisão. Nessa ocasião, os responsáveis pela televisão> informaram-me que iam persistir nesta linha condutora em que a televisão ia ser posta ao serviço dos interesses nacionais e ia ter uma preocupação fundamental em termos da presença de Portugal no mundo. Foi por estes motivos que pude dar a boa nova aos Srs. Deputados - pelo menos espero que a tenham interpretado como uma boa nova!
Quanto às concordâncias que manifestei em relação a alguns pontos de interpelação e do requerimento que sustenta a interpelação que o PRD apresentou ao Governo, é pacífico que a defesa nacional não se esgota na componente militar; é também um problema da educação e cultura, da política de comunicação social. E eu dei conta ao Sr. Deputado - porque de uma interpelação se trata - daquilo que o Governo já fez em todas estas áreas para proteger a defesa nacional e os interesses nacionais, para, em suma, afirmar a postura e a posição de Portugal no mundo. Foi por isso que mostrei concordância, porque foram afirmações produzidas pelo PRD que têm pleno cabimento na parte em que, evidentemente, lhe foi reconhecido.
Quanto ao Sr. Deputado Raul Castro, com certeza que por distracção, não me dirigiu qualquer pergunta. Dirigiu-as ao Sr. Ministro da Defesa Nacional, que por certo não as deixará sem resposta.
Finalmente, agradeço ao Sr. Deputado Jaime Gama as suas palavras que, no entanto, considero imerecidas. Não tenho tantos méritos...
Vozes do PS: - Ah! ... Ah! ...
O Orador: - Há outros deméritos que o Sr. Deputado quis acentuar por detrás dos elogios que, pretensamente, me dirigiu.
Queria referir-lhe, Sr. Deputado, que não vejo por que razão terá de ser o Sr. primeiro-ministro a abrir todas as interpelações ao Governo. Já dei conta na minha intervenção que pode haver 35 até ao final da legislatura, onze até ao final da actual sessão legislativa. Assim, não é razoável admitir que o Sr. Primeiro - Ministro tenha que vir abrir todas as interpelações.
Depois, também afirmei que alguns observadores qualificados viam na intervenção do PRD uma eventual tentativa para colocar em dificuldades o PS e, em particular, alguns elementos da bancada do PS que teriam dissonâncias políticas com a actual direcção partidária. O Sr. Deputado Jaime Gama, com a sua habitual habilidade e a sua superior inteligência, conseguiu virar as dificuldades ao contrário, como ficou bem nítido e acentuado na interpelação que quis dirigir ao Sr. Deputado Marques Júnior.
Também tenho que o cumprimentar por isso, não constituindo, porém, este meu cumprimento apenas uma devolução daqueles que o Sr. Deputado me quis dirigir.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Bem-me-quer, mal-me-quer.
Risos.
O Credor: - Queria também registar uma circunstância que me deixou algo perplexo. Será que o Sr. Deputado Jaime Gama dispõe de um serviço de informações próprias? Como é que sabe que houve fugas do Governo e do Chefe do Estado-Maior? Tenho a impressão de que mais ninguém...
O Sr. Jaime Gama (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jaime Gama (PS): - O meu serviço de informações é a leitura dos jornais.
O Orador: - O Sr. Deputado é capaz de me dizer quais os jornais onde é dito que saiu um documento do Ministério da Defesa Nacional e um outro do Gabinete do Chefe do Estado-Maior do Exército, ou das Forças Armadas?
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Ministro, embora seja passível de culpa por estar a fazer publicidade a um periódico, a minha leitura matinal é o Diário de Notícias.
E lá V. Ex. encontrará estas notícias.
O Orador: - E vem lá que houve uma fuga instigada pelo Governo? Vem lá isso, Sr. Deputado?
O Sr. Jaime Gema (PS): - Sr. Ministro, é óbvio que isso não está lá dito. Porém, a matéria que lá vem só se compreende nessa base.
O Orador: - Eu compreendo que o Sr. Deputado não possa revelar as suas fontes de informação!
Risos.
Vozes do PSD: - Boa!
0 Sr. Carlos Brito (PCP): - Afinal não é só a TV Guia que o Sr. Ministro não lê!
O Orador: - Queria também dizer-lhe, Sr. Deputado Jaime Gama, que é natural que o Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares intervenha num debate desta natureza. Porque se o Sr. Deputado tivesse
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tido o cuidado - e com certeza teve - de ler o requerimento que sustenta a interpelação apresentada pelo PRD, veria que o que o PRD diz é que se trata de uma interpelação sobre a política geral, centrada na política da defesa nacional. Mas são referidos pontos relativos à política de comunicação social, à cultura, à educação e a muitas outras matérias a que, como compreenderá, não pode o Sr. Ministro da Defesa Nacional responder a todas.
Quanto ao Sr. Deputado Costa Carvalho, sinceramente, acho que fez uma leitura exegética daquilo que eu disse, que só no seu espírito pode ter o sentido que lhe atribuiu. Recomendo-lhe, Sr. Deputado, que com uns óculos que lhe proporcionem maior objectividade, volte a ler o que eu disse.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - A primeira inscrição para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro da Defesa Nacional é a do Sr. Deputado Carlos Brito, a quem dou a palavra.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Ministro da Defesa Nacional: Não posso deixar de registar, como revelador do estado de inquietação em que o Governo se encontra, a circunstância de o Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares nos ter confessado que tinha suspirado de alivio ao verificar que a interpelação era afinal uma ocorrência normal na vida parlamentar.
O Sr. Ministro da Defesa Nacional é um político habituado a estas lides, nomeadamente, pelas funções que aqui já desempenhou, não está neste momento numa inquietação tão grande e sabe o que é uma interpelação. Por isso mesmo colocar-lhe-ia três perguntas em matérias que reputo de grande importância.
A primeira refere-se ao conceito estratégico de defesa militar. O País ainda não sabe, não teve nenhuma possibilidade de avaliar, se o conceito estratégico de defesa militar em vigor está ou não conforme a Constituição e a Lei de Defesa Nacional. Naturalmente que nós não pretendemos ter o conhecimento do pormenor deste texto, mas um conhecimento aberto, que pelo menos, desse essas garantias.
Entretanto, chegou ao conhecimento público que na ordem de operações do exercício ORION 86 se configuraram incidentes internos, testemunhando a existência de um inimigo interno aliado às forças do inimigo externo. Esses incidentes consistiam em greves da CP e da Rodoviária Nacional, em acções sindicais e manifestações, juntamente com atentados e assaltos a bancos.
A nossa Constituição é muito clara no que respeita à defesa nacional e a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas também o é. Assim, pergunto ao Sr. Ministro da Defesa se considera que isto está conforme com a Constituição e com a referida Lei. E mais: parece-lhe, do ponto de vista de uma pedagogia democrática das Forças Armadas, que isto seja adequado? E pergunto-lhe ainda se é o exercício ORION 86 que não está conforme com o conceito estratégico de defesa militar ou se, pelo contrário, é o conceito estratégico de defesa militar que não está conforme com a Lei de Defesa Nacional e com a Constituição da República Portuguesa.
A segunda pergunta, Sr. Ministro, refere-se ainda às conversações tidas pelo Sr. Primeiro-Ministro nos Estados Unidos da América. Na altura, em Setembro de 1986, não apenas o meu partido, mas vários partidos representados na Assembleia da República, defenderam a necessidade de ser dada uma informação à Assembleia e ao Pais sobre o conteúdo dessas conversações e, sobretudo, uma resposta clara à questão de elas representarem ou não novos compromissos militares para o nosso pais.
Foram sugeridas várias formas pelas quais esse esclarecimento poderia ser prestado, mas nenhuma surtiu efeito, de forma que a questão se mantém de pé. E tanto mais quanto é certo que o Sr. Primeiro-Ministro se encontrou com altas personalidades da vida americana, particularmente vocacionadas para o tratamento destas questões, desde o presidente dos Estados Unidos da América, o vice-presidente e o secretário de Estado da Defesa até ao então director da CIA. A verdade é que os EUA têm tornado pública a sua pretensão de alargamento das já amplas facilidades que disfrutam em território nacional e, por isso mesmo, creio que esta interpelação seria uma boa oportunidade para o Governo prestar os devidos esclarecimentos à Assembleia da República e, por seu intermédio, ao País.
Finalmente, a terceira pergunta pode ser muito brevemente formulada nestes termos: as notícias de hoje de manhã assinalam um agravamento da tensão no Médio Oriente e o receio de uma nova escalada da intervenção norte-americana nesta região do mundo. Todos aqui sabem o que isto pode representar no que respeita à utilização pelos Estados Unidos da América das bases existentes no território nacional. Face a esta situação, foi também anunciado hoje de manhã que o Chipre não autorizava a utilização de bases cipriotas em qualquer operação contra a Síria.
Pergunto ao Sr. Ministro da Defesa Nacional se o Governo Português tenciona fazer uma declaração de igual teor.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Ministro da Defesa Nacional: não coloquei perguntas ao Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares e, tudo visto, julgo que fiz bem em me reservar para V. Ex., na medida em que o máximo que o Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares nos trouxe foram algumas informações pitorescas, designadamente o facto de não ler a TV Guia e o Diário de Notícias. Faz muito mal!
No entanto - devo dizê-lo -, a intervenção que fez revela que lê bastante bem os boletins de recortes de imprensa do Semanário, do Diabo e de outras publicações, porque na primeira parte da sua intervenção limita-se a repetir algumas pequenas intrigas e coscuvilhices de boudoir ...
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Ridículo!
O Orador: - ... estilo «meia desfeita», que esses jornais têm publicado. Creio que isso é lamentável.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Na segunda parte, limita-se a fazer uma espécie de sumário do Diário da República - nós também o recebemos - quanto às medidas do
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Governo, com a peculiaridade de que as anuncia como quem anuncia um automóvel no Faz de Conta - grande prémio, grande realização! -, em relação a coisas que em certos casos são mesquinhas, noutros são erróneas e noutros são polémicas e que por si só davam uma interpelação. Trata-se de uma maneira de fazer política que consiste em vender detergentes e que, igualmente, considero lamentável.
As perguntas que tenho a dirigir ao Sr. Ministro da Defesa Nacional são sobre um aspecto, que considero sério, do discurso que proferiu.
Esse discurso tem omissões que, quanto a mim, são gritantes. Porém, creio que essas omissões - e a interpelação também serve para isso - não podem prolongar-se, ainda que tenham existido num momento inicial. O Sr. Ministro, no seu discurso, omitiu inteiramente a componente. «informações» da política da defesa nacional. Creio que tal não é aceitável, em geral, sobretudo neste preciso momento e nesta precisa conjuntura.
Veio a público há tempos - como o Sr. Ministro sabe - que há quase precisamente um ano três pistoleiros profissionais portugueses, armados e pagos pelos «GAL», executaram no Sul da França dois atentados contra elementos da ETA.
Sabe-se hoje - e V. Ex. saberá melhor que ninguém - que esses operacionais foram recrutados por um agente da Direcção de Informação da 2.8 Divisão do Estado-Maior-General das Forças Armadas, Repartição A. E isto suscita no presente quadro e nestas circunstâncias pelo menos três perguntas.
Quanto à primeira, é lamentável que não tenha sido respondida pelo Governo, uma vez que anda nas bocas do mundo, é formulada por vários jornais e é uma questão fundamental que ninguém pode responsavelmente deixar de fazer, e que é esta: qual é, Sr. Ministro da Defesa Nacional, o grau de envolvimento dos serviços de informações militares portugueses em acções terroristas dos «GAL»? Quem, exactamente, na Administrativa Portuguesa estava a par destas operações? Ou ninguém estava? Como foram elas possíveis e que fez o Governo antes e - sublinho - depois de conhecer a sua existência?
A segunda pergunta decorre da antecedente: que medidas tomou o Governo para dar resposta à situação criada, independentemente da responsabilidade do Governo neste caso?
O Sr. Ministro saberá bem que o envolvimento em acções terroristas significa, evidentemente, uma perversão bastante grave das funções dos serviços de informações e até uma inversão das suas finalidades, na medida em que, em vez de reduzir as vulnerabilidades e aumentar as potencialidades de defesa, acções desse tipo acarretam, sim, riscos de retaliação, por exemplo, sobre unidades militares e outros objectivos nacionais.
Repito, portanto, a pergunta, Sr. Ministro: que medidas foram tomadas pelo Governo para prevenir e minorar riscos deste tipo? Ou será que o Governo vai assumir a responsabilidade de achar que tudo vai correr pelo melhor e logo se vê?
A terceira e última pergunta tem carácter estrutural e creio que o debate ficaria incompleto se não a colocássemos aqui. Será que o Governo vai aproveitar esta ocasião institucional, que creio ser adequada, para, quebrando finalmente o silêncio, fornecer à Assembleia da República informações sobre o estado de implementação do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e da reestruturação dos serviços de informações? Ou será que teremos de esperar pelo rebentamento de outro escândalo para ler então nas páginas deste ou daquele jornal informações que o Governo sistematicamente se tem recusado a fornecer à Assembleia da República?
Pode o Governo invocar o segredo de Estado, mas então peça uma sessão reservada, que o Regimento permite, e informe a Câmara sobre a situação exacta existente nesta matéria. Não pode é continuar o silêncio estranho, pesado e perigoso que vem reinando relativamente a uma área tão sensível como esta.
O Sr. Presidente: - Também para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Ministro da Defesa Nacional, pretendia colocar-lhe algumas perguntas, já que o tempo não permite todas as perguntas que seria necessário formular.
O Sr. Ministro, na sua intervenção, afirmou a certa altura que estão a ser feitas diferentes diligências e que pensa ficar, num prazo relativamente curto, com material suficiente para que o Governo possa, então, elaborar as grandes linhas de um activo sistema global de defesa nacional Quer isto dizer, Sr. Ministro, que esta interpelação foi prematura? Que o partido interpelante podia ou devia ter esperado que o Governo reunisse e definisse aquilo que se está a debater e que é o sistema global de defesa nacional? É esta a confissão expressa ao País e ao mundo de que não há política de defesa nacional?
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Orador: - Segunda questão: o Sr. Ministro teceu algumas considerações sobre a filosofia do reequipamento das Forças Armadas e falou, nomeadamente, na opção por programas de duplo efeito. A agência Lusa, num despacho que tem origem em material fornecido pelo Pentágono, segundo informação da própria agência, refere nos jornais de hoje - não tenho culpa, não combinei essa questão - que vão ser adquiridos, por 2,5 milhões de contos, dez canhões antiaéreos que contribuirão para a segurança nacional dos Estados Unidos da América.
Aqui, qual é o duplo efeito, Sr. Ministro? O efeito principal está determinado: é a segurança nacional dos Estados Unidos da América. E já agora, se é este o objectivo definido e confessado, eu pergunto ao Sr. Ministro se o Governo entende chamar o Sr. Embaixador dos Estados Unidos da América para que explique por que é que conta ao País aquilo que o País pode ler lendo as actas do Congresso; por que é que permite que Portugal saiba aquilo que está escondido nas actas do Congresso, embora toda a gente que lê inglês possa saber.
Quanto à terceira pergunta ela incide sobre a indústria de defesa. A questão da indústria nacional de defesa não é irrelevante, mas sim uma questão central, que tem um valor estratégico próprio. Neste momento, o que se pode perguntar é isto e só isto: como é que é possível considerar um planeamento em reequipamento das Forças Armadas e em infra-estruturas de defesa a cinco anos e, simultaneamente, esquecer que uma das componentes fundamentais de uma filosofia de reequipamento devia consistir precisamente na
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definição das componentes desse reequipamento, que são feitas pela indústria nacional? Ou, dito por outra forma, como é que é possível «pôr o carro à frente dos bois» e não fazer, simultaneamente, opções de programação e de definição das reconversões necessárias à indústria de defesa e em particular ao INDEP, que é provavelmente a situação mais dramática que existe neste momento?
Quarta questão: quererá o Sr. Ministro explicar à Assembleia da República por que é que, passado um ano e meio de governo, a situação no que toca à elaboração legislativa conhece o atraso que é evidente? Poderá, particularmente, o Sr. Ministro explicar por que é que o Estatuto da Condição Militar não foi ainda apresentado a esta Assembleia?
A quinta questão, muito brevemente, é a seguinte: Sr. Ministro, existe uma situação no âmbito do seu Ministério que é a dos trabalhadores dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas e que tem uma componente que - posso dizê-lo com clareza - já colocou o País no banco dos réus da Organização Internacional do Trabalho. Trata-se da recusa do exercício dos direitos fundamentais previstos na Constituição e nos tratados internacionais a que Portugal aderiu, nomeadamente os relativos à Organização Internacional do Trabalho, que colocou o País numa situação de negar a um certo grupo de trabalhadores, por sua responsabilidade e do seu Ministério, aquilo a que têm direito. E têm-no em todos os países da Europa, excepto naquele pais europeu chamado Turquia, onde esses direitos não são ainda bem reconhecidos. Pergunto, pois, ao Sr. Ministro: esta situação vai terminar ou vai prolongar-se?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Passinhas.
O Sr. José Passinhas (PRD): - O Sr. Ministro da Defesa Nacional referiu a questão da Lei do Serviço Militar e afirmou que só agora a Comissão de Defesa Nacional começou o debate na especialidade. Devo lembrar-lhe que a subcomissão constituída para apreciar aquela proposta na especialidade deu já por cumprido o seu trabalho, como aliás o Sr. Ministro deverá saber, pois recebeu, em tempo oportuno, um texto que a subcomissão elaborou.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Ora aí está!
O Orador: - E tê-lo-ia terminado há mais tempo se às reuniões de trabalho previamente programadas o PSD não tivesse primado pela ausência a algumas.
Devo dizer-lhe ainda que, embora tal proposta de lei tivesse sido aprovada na generalidade durante o Verão passado, ela foi unanimemente considerada como insuficiente, quer no domínio da sua conceptualização, quer ainda pela ausência de respostas aos desafios que se colocam ao cumprimento do serviço militar. 2 portanto, uma lei complexa, que necessita de profunda reflexão.
Gostaria também de lhe dizer, Sr. Ministro, que esperava que viesse colocar aqui alguns problemas reais e concretos que se prendem com o serviço militar e por isso lhe coloco algumas questões.
Em relação à falta de sentido que para o jovem têm o cumprimento do serviço militar obrigatório e a total ausência de informações em relação aos seus objectivos, como tenciona solucionar tais problemas?
Como pensa acompanhar os problemas que se consubstanciam na pouca utilidade que os jovens vêem na maior parte do tempo de permanência em unidades militares?
Como pensa ainda dar solução aos problemas sociais que se levantam no cumprimento desse dever?
Vozes do PRD, do PCP e do MDP/CDE: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Morgado.
O Sr. João Morgado (CDS): - Sr. Ministro da Defesa Nacional, começarei por dizer que a minha bancada considera positiva esta interpelação do PRD. E considera-a positiva quer pelo tema que ela encerra, quer porque traduz um direito regimental de um partido político que, ao utilizá-lo, do nosso ponto de vista, nem abusou dele, nem desdenhou o poder que tinha de o utilizar.
Por isso, não compreendemos muito bem um certo agastamento que encontramos na intervenção do Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares, agastamento esse que, aliás, não se compreende ainda por uma outra razão: é que, dada a intervenção do Sr. Ministro da Defesa Nacional, que veio comunicar à Câmara e, naturalmente, ao País a tomada de medidas que estes desconheciam, a interpelação pode ter sido, dessa forma, um bom momento para o Governo dar essa notícia e para se prestigiar. Por isso mesmo, repito-o, não compreendo muito bem o agastamento do Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares.
O Sr. Ministro da Defesa Nacional deu-nos notícia de que estavam a ser desenvolvidas medidas de cooperação militar com os países de expressão oficial portuguesa. Designadamente, disse que iria ser enviada à nossa ex-colónia de São Tomé e Príncipe uma missão militar. Porém, disse mais: afirmou que, relativamente às outras ex-colónias, essa cooperação não era ainda um facto, não era ainda possível.
Com efeito, esta era uma das questões que queria colocar ao Sr. Ministro, isto é, se o Governo pensa realmente implementar, junto das outras ex-colónias portuguesas, essa cooperação militar e porquê.
Por outro lado, se essa cooperação militar não tem existido em relação às restantes quatro ex-colónias, gostaria de saber quais os motivos que têm impedido essa mesma cooperação.
Queria ainda perguntar ao Sr. Ministro - e uma vez que o tempo de que disponho está a acabar - quando pensa V. Ex. que o País poderá ter definido um conceito de defesa nacional. 15to porque o Sr. Ministro afirmou - terminou a sua intervenção mais ou menos assim - que «neste momento, temos de procurar que o conceito de defesa nacional deixe de ser uma palavra vã».
Portanto, tal significa que neste momento, para V. Ex. esse conceito é uma palavra vã. Perguntar-lhe-ia para quando, Sr. Ministro da Defesa Nacional, poderemos pensar ter um conceito de defesa nacional que não seja palavra vã.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Uma vez que disponho de pouco tempo, gostaria de colocar uma questão muito rápida ao Sr. Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Ministro da Defesa Nacional, a determinada altura da sua intervenção, disse, de certo modo - foi esse, pelo menos, o sentido das palavras -, que havia muitas coisas para fazer - naturalmente que o Ministério da Defesa Nacional ainda não fez tudo - e, de certo modo também, atribuiu algumas culpas a um período em que o Conselho da Revolução tinha uma grande responsabilidade na organização militar.
É verdade que, numa determinada altura, o Conselho da Revolução tinha uma grande responsabilidade, mas quero lembrar o Sr. Ministro de que vivíamos um período de transição e não seria correcto o Conselho da Revolução tomar medidas de fundo relativamente à organização das Forças Armadas e à sua articulação numa perspectiva de defesa nacional. 15to porque o Governo, depois de passado o período de transição, teria, provavelmente, ideias profundas e diferentes sobre essa matéria, aliás como se verifica relativamente a muitos dos diplomas que foram aprovados pelo Conselho da Revolução. Além disso, as primeiras medidas legislativas da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas apontam para a revisão de todos ou quase todos os diplomas elaborados por aquele então órgão de soberania, o que é, aliás, perfeitamente legítimo e até natural.
Portanto, gostaria apenas de lembrar o Sr. Ministro de que o Conselho da Revolução não poderia reestruturar, reorganizar e modernizar as Forças Armadas. Numa palavra, não poderia fazer aquilo que após o período de transição seria da exclusiva responsabilidade do Governo, em geral, e do Ministro da Defesa Nacional, em particular. Ou será que o Sr. Ministro da Defesa Nacional tem sobre esta matéria um entendimento diferente?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria corroborar a informação prestada à Câmara e ao Sr. Ministro da Defesa Nacional pelo Sr. Deputado José Passinhas, em relação aos dois únicos diplomas remetidos pelo Governo e que, neste momento, se encontram em apreciação na Comissão de Defesa Nacional desta Assembleia.
Temos, em primeiro lugar, o respeitante ao serviço militar obrigatório.
Trata-se de um diploma cuja versão inicial apresentada pelo Governo é tecnicamente muito incorrecta e que tem sido objecto de um trabalho profundíssimo em sede, primeiro, de subcomissão e, agora, de comissão, com o próprio Ministro da Defesa Nacional e o Secretário de Estado Adjunto.
Já houve em primeira reunião, e se nesta e na próxima semana não puderem realizar-se reuniões com o Governo, isso fica a dever-se unicamente aos impedimentos do calendário dos membros do Governo.
Quanto à Lei de Programação Militar, queria informar que ela já está agendada para discussão, na generalidade, no Plenário desta Assembleia.
Independentemente de outras questões que abordarei na minha intervenção, queria colocar ao Sr. Ministro duas questões.
A primeira relaciona-se com a política de redignificação do uso da Bandeira Nacional e gostaria de perguntar ao Sr. Ministro da Defesa Nacional se foi dada qualquer instrução para que a mesma seja hasteada à entrada das Bases Aéreas de Beja e das Lajes.
Queria também perguntar a V. Ex.ª se foram dadas algumas instruções aos serviços dependentes do Ministério da Justiça (Polícia Judiciária) ou em ligação com ele (tribunais e conservatórios), do Ministério das Finanças (Guarda Fiscal e alfândegas) e do Ministério da Administração Interna (Policia de Segurança Pública), para que o uso da Bandeira Nacional nas Regiões Autónomas seja, em absoluto, compatível com o disposto na última revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.
Queria também perguntara V. Ex.º se esta política de redignificação da Bandeira Nacional assumida pelo Governo é partilhada pelo Governos Regionais, da responsabilidade do PSD, nos Açores e na Madeira.
Por último, queria ainda perguntar ao Sr. Ministro quais os elementos de que dispõe e que possa fornecer a esta Câmara acerca da recente presença junto das águas portuguesas, e em contradição com tradições anteriores, de uma unidade naval Líbia, das medidas que foram adoptadas pelo Governo para o acompanhamento dessa situação e do grau de prontidão do nosso dispositivo militar para encarar situações do género.
Queria naturalmente que o Sr. Ministro o confirmasse e que, igualmente, me confirmasse se, no caso de essa situação ter ocorrido, o Governo soube dela atempadamente ou se - como em circunstâncias anteriores, quando se deu um incidente entre uma unidade naval soviética e uma unidade naval portuguesa -, o Governo só tomou conhecimento da ocorrência posteriormente e por informações transmitidas pela nossa missão permanente junto da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), em Bruxelas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Cruz.
O Sr. José Cruz (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Defesa Nacional: A imprensa das mais diversificadas origens, das mais credíveis fontes, tem vindo a divulgar que o território nacional foi utilizado para uma operação obscura que ofende a dignidade nacional: a vertente portuguesa do «Irangate».
Tal operação coloca o Governo perante legítimas, chocantes e embaraçosas dúvidas, tanto mais que a implícita acção de ilegalidade institucional praticada pela administração Reagan a inibe de invocar acordos bilaterais ou multilaterais para a respectiva consumação.
O território português, pelo até hoje revelado, foi o único da Europa a ser usado como placa giratória na execução de estratégias por definição aos conceitos de defesa da Pátria e de independência nacional. Cabe aos Ministros da Defesa Nacional e dos Negócios Estrangeiros, de acordo com a lei, a fiscalização das operações de exportação e reexportação de armamentos.
Os Portugueses e a Assembleia da República têm o direito de ser informados e o Governo tem o dever de quebrar o estranho silêncio a que se remeteu em tão delicada matéria.
Permita-me então, Sr. Ministro, que lhe coloque as seguintes perguntas - e isto apesar da nota que já foi divulgada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros: é ou não é verdade que tais operações existiram e que
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foram fornecidas armas aos chamados «contrais» da Nicarágua e traficadas outras também para o Irão? Controla o Governo ou não a fiscalização das saídas de arma
mento para o exterior e que medidas já aplicou ou pensa aplicar? Confirma ou nega pressões de membros da Administração Norte-Americana, em obediência a obscuras diplomacias que envolvem serviços secretos de outros países e conceitos não revelados da política externa fora dos condicionantes a que deve obedecer a defesa nacional?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, eu tinha já feito as perguntas, talvez por antecipação, ao Sr. Ministro da Defesa Nacional e, portanto, prescindo neste momento de fazer outras perguntas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Santos.
A Sr.ª Maria Santos (Indep.): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Sr. Ministro da Defesa Nacional: Primeiramente, gostaria de dizer que Os Verdes se reconhecem no espírito subjacente ao artigo 7.º da Constituição da República Portuguesa. Por isso nos empenhamos na sua aplicação integral, pois consideramos que, embora Portugal seja um pequeno pais,
Risos.
poderá e deverá ser um exemplo do modo como os pequenos países poderão contribuir para a implementação de um posicionamento sócio-político que se
afirme a partir de uma nova postura de projecção cultural que estruture um dinamismo pacifista e solidário.
Estas são, pois, as raízes do pensamento ecologista, são desafios à construção de novas mentalidades, que alguns, no entanto, rotulam de utópicas e irrealistas, tentando assim, em certa medida, limitar a nossa apreciação e conhecimento da problemática da defesa nacional.
Mas o que nós questionamos verdadeiramente, Sr. Ministro, é tudo aquilo que possa comprometer uma visão nacional dos problemas de defesa do nosso
país.
Por isso, passemos às perguntas: dispõe o Governo de garantias de que as facilidades concedidas aos Estados Unidos da América na Base Aérea das Lajes não
estão a ser objecto de utilizações que incluam a instalação e trânsito de armas nucleares? Pode o Sr. Ministro da Defesa Nacional garantir a esta Assembleia que
não há, neste momento, armamento nuclear nessa Base?
Sabe o Sr. Ministro quem passa pelas Lajes e onde vai?
A sua vinda aqui hoje, Sr. Ministro, poderia ter, e terá certamente, muito interesse se nos esclarecesse, finalmente e completamente, sem margem para
dúvidas, sobre o mistério da estação de rastreio de Almodôvar. Em que pé estão as negociações? Que rastreio se pretende com esta estação? Qual a conexão com os
planos da denominada «guerra das estrelas»? Quais as implicações e riscos para Portugal? Qual a posição do Governo Português?
Por outro lado, aparecem notícias nos jornais de que os Estados Unidos vão deixar de dispor das bases que utilizam em Espanha e pretenderiam instalar-se em Portugal. É isto verdade, Sr. Ministro?
Passaria agora a outra questão, que é para nós extremamente importante.
A Lei n.º 6/85 reconhece o direito à objecção de consciência em relação ao serviço militar obrigatório, mas as circunstâncias da sua entrada em vigor, a sua insuficiente divulgação e alguns aspectos do seu próprio conteúdo condicionam o cumprimento dos mecanismos que possam, efectivamente, levar a que jovens portugueses consigam entregar atempadamente a sua predisposição para a objecção.
No entanto - e, já agora, o informava -, o Partido Ecologista Os Verdes apresentou alterações a esta lei para suprir os mais injustos obstáculos que se colocam e que têm sido justamente criticados pelos objectores.
Neste sentido, gostaria de saber qual a posição do Governo Português em relação à efectivação do direito de objecção de consciência, como encara a revisão dos aspectos de comprovada ineficácia contidos na lei em vigor e que medidas adoptou ou vai adoptar com vista à ultrapassagem da situação criada.
Sr. Ministro, para terminar, dir-lhe-ia que acho que não pode sair daqui hoje sem responder, frontalmente e com bastante verdade, a estas perguntas, e espero francamente que não se limite a dizer-me, como o fez da última vez, que também o senhor gostaria de uma sociedade em que «os lobos e os cordeiros pastassem lado a lado».
Porém, se o Sr. Ministro conseguir pôr os lobos a comer erva ... Bom, para um ministro da Defesa era assim qualquer coisa de extraordinário!
O que lhe peço, Sr. Ministro, é que, ao menos, nos informe rigorosamente sobre os riscos reais de o nosso pais se tornar num «cordeiro» para um qualquer holocausto preparado por certos lobos que V. Ex. conhece!
O Sr. António Capucho (PSD): - V. Ex. é que os deve conhecer, pois está sentada ao lado dos amigos deles!
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro da Defesa Nacional, V. Ex.ª ficará com a palavra reservada para responder logo após o intervalo que vai agora ter lugar. Queria ainda lembrar aos Srs. Deputados que, pelas 18 horas, teremos votações.
O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, se V. Ex. a inicia o intervalo e se às 18 horas os trabalhos tomam outra natureza, gostaria que me esclarecesse a que horas é que, concretamente, recomeçará a interpelação.
O Sr. Presidente: - Cinco minutos depois, Sr. Ministro, pois trata-se de uma votação final global.
Srs. Deputados, está então interrompida a sessão.
Eram 17 horas e 25 minutos.
Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 20 minutos.
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Srs. Deputados, o Sr.- Deputado Secretário vai ler o projecto de resolução do CDS sobre a ratificação n.º 100/IV, do Decreto-Lei n.º 313/86, de 24 de Setembro, que extingue a Casa do Douro, criada pelo Decreto-Lei n.( 486/82 de 28 de Dezembro, que será submetido à votação de seguida.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Projecto de resolução apresentado pelo CDS relativamente à ratificação n.º 100/IV, de que é autor:
Resolução
Nos temos e para os efeitos do artigo 145.º do Regimento, os deputados do Grupo Parlamentar do CDS abaixo assinados propõem a apreciação da seguinte resolução:
Artigo 1. º A Assembleia da República recusa a ratificação do Decreto-Lei n.º 313/86, de 24 de Setembro, que extingue a Casa do Douro, criada pelo Decreto-Lei n.º 486/82, de 28 de Dezembro.
Art. 2. º. É reposto em vigor o Decreto-Lei n.( 486/82, de 28 de Dezembro, com as modificações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 230/83, de 28 de Maio.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, V. Ex. pede a palavra para que efeito?
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, atendendo ao barulho que se faz sentir na Sala não me apercebi de qual o projecto de resolução que vai ser submetido à votação.
O Sr. Presidente: - É o projecto de resolução do CDS sobre a ratificação n.º 100/IV, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, queria fazer a sugestão à Mesa de que fossem sujeitos a votação conjunta os quatro projectos de resolução sobre esta matéria.
O Sr. Presidente: - Atendendo a que todos os projectos de resolução têm o mesmo teor, diferindo apenas em certos aspectos gramaticais, o que não interfere na respectiva substância, a Mesa vai-os colocar à votação simultaneamente.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Já se procedeu ontem da mesma forma!
O Sr. Presidente: - Não é muito ortodoxo mas vai-se proceder desse modo, se não houver objecções da parte de outras bancadas.
Pausa.
Não havendo objecções, vamos passar à votação, na generalidade, conjunta dos quatro projectos de resolução, do CDS, do PCP, do PRD e do PS.
Submetidos à votação, foram aprovados, com votos a favor do PS, do PRD, do PCP, do CDS, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos e a abstenção do PSD.
Srs. Deputados, passamos à votação na especialidade dos dois artigos dos projectos de resolução.
Submetidos à votação, foram aprovados, com votos a favor do PS, do PRD, do PCP, do CDS, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos e a abstenção do PSD.
Srs. Deputados, passamos à votação final global.
Submetidos à votação, foram aprovados com votos a favor do PS, do PRD, do PCP, do CDS, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos e a abstenção do PSD.
Srs. Deputados, quaisquer declarações de voto sobre estas votações deverão ser entregues por escrito na Mesa.
Para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Procurarei responder à numerosa série de perguntas que me foram formuladas, e desde já manifesto a minha satisfação por ser objecto de um vão vivo interesse por parte da Assembleia da República.
As questões foram-me colocadas em dois tempos: umas foram-me colocadas pelo Sr. Deputado Raul Castro, na mesma oportunidade em que usou da palavra para fazer perguntas ao Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares, e as restantes foram-me endereçadas especificamente.
Começarei, portanto, pelas perguntas que o Sr. Deputado Raul Castro me colocou e a primeira delas refere-se às razões por que o Estatuto do Oficial do Exército, que deveria estar revisto desde 1983, ainda não o está.
Sr. Deputado, não é necessário repetir aqui as razões pelas quais, com toda a clareza que já referi na minha intervenção inicial, e com a solidariedade do Governo, entendi que a delicadeza dos diplomas que se elencam no artigo 73. º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas obrigavam a que a celeridade fosse sacrificada a uma legislação acertada, que fosse uma legislação que pudesse ser eficaz sem passar pelos sobressaltos de alterações permanentes ou, pelo menos, exigíveis a curto prazo.
Ora, acontece que o Estatuto do Oficial do Exército, como o Estatuto do Oficial das Forças Armadas que tem de o anteceder, tem prévio condicionamento à publicação da Lei do Estatuto da Condição Militar. E, posso acrescentar que a Lei do Estatuto da Condição Militar está pronta há semanas e que, em face do respeito que o Governo mais uma vez manifestou pelo Estatuto da Oposição, o Conselho de Ministros entendeu que deveria trocar impressões sobre ela com todos os partidos com assento na Assembleia da República.
15so processou-se ao longo das últimas semanas e posso dizer que se recolheram algumas indicações que deverão ser objecto de reflexão, no sentido de melhorar o texto da lei. Consequentemente, penso que
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brevemente a Assembleia da República terá a oportunidade de se debruçar sobre esta lei e na decorrência dela ser então aprovado esse estatuto.
Perguntou-me V. Ex.º pela discriminação no seio das Forças Armadas, bem como por promoções que têm vindo a ser feitas e por que razão a nomeação do Vice-Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (Vice-CEMGFA) foi feita sem a audiência e informação dos chefes militares.
É simples, Sr. Deputado. Como V. Ex.º sabe, qualquer dos lugares de chefia nas Forças Armadas é uma exigência da lei. Tem que haver Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA) e tem que haver chefes do estado-maior dos diversos ramos. A singularidade e a excepção surgem exactamente no caso do Vice-CEMGFA, porque é da discricionaridade do CEMGFA e, por isso mesmo, está na sua competência a manifestação de vontade de o ter ou não.
Em relação ao caso concreto, aconteceu que o CEMGFA entendeu oportuno nomear o seu Vice-Chefe e fez a proposta nos termos da lei do Governo, através do Ministro da Defesa Nacional. O Ministro da Defesa Nacional submeteu essa proposta à aprovação do Governo e devo dizer que o Governo entendeu que o perfil do Sr. General Soares Carneiro era o de um militar profissionalmente digno e respeitado - o que penso que ninguém contesta - e, por essa razão, o Governo submeteu a proposta a aprovação do Sr. Presidente da República, que a apreciou favoravelmente, nomeando o Vice-CEMGFA.
O que aconteceu foi que tudo correu com uma dignidade, com uma tranquilidade e com uma ausência de brouhaha que pode ser agradável a muita gente, mas a que nem a Presidência da República, nem o Governo, nem as chefias militares estão interessados e por isso mesmo tudo se passou em completa normalidade.
O Sr. Deputado Carlos Brito, colocou-me várias perguntas, das quais a primeira que destaco é a que questiona se o conceito estratégico militar está de acordo com a Constituição e com a lei.
O conceito estratégico militar tem que existir, mas não há nenhuma lei que diga como ele deve ser e toda a sua génese se passa nos termos em que os artigos 23.º e 24.º da própria lei o definem.
Por outro lado, V. Ex.` manifestou-se preocupado porque num determinado exercício que as Forças Armadas promoveram se teria previsto a existência de inimigos externos aliados a inimigos internos e questionou se isto é pedagogia democrática.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que V. Ex.º se esqueceu de que esta Assembleia aprovou a Lei do Estado de Sitio e do Estado de Emergência e que mesmo que o exercício possa já ter sido efectuado em termos idênticos antes da aprovação dessa lei, a verdade é que qualquer exercício que tenha em vista a prevenção de uma situação que todos os Srs. Deputados votaram não ofende ninguém, não alarma ninguém, e se alguém pode ficar preocupado com isso serão os que possam ter em mente que virtualmente em qualquer momento possam exercer...
Vozes do PCP: - Não, isso, não!
O Orador: - Srs. Deputados, não me estou a dirigir ao PCP, estou a dizer que isso só pode constituir preocupação para quem...
Protestos do PCP.
Srs. Deputados, longe de mim a ideia de pôr em causa o vosso patriotismo.
Estou apenas a dizer que se alguém, por qualquer razão, pensa representar uma estratégia indirecta...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Não é isso!
O Orador: - É isto, Sr. Deputado, se alguém pensa, esse que se assuste. Agora, que o exercício tem um pleno suporte legal é indiscutível.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - O Sr. Ministro dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Não dou, Sr. Deputado. Já lhe disse que de maneira nenhuma o pretendia atingir.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Insisto, Sr. Ministro.
O Orador: - Então, faça o favor, Sr. Deputado. Peço, contudo, ao Sr. Presidente o favor de me reservar o tempo que resulta desta interrupção.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Ministro, muito obrigado pela concessão desta interrupção. Sr. Presidente, este tempo da interrupção deve contar no tempo da minha bancada.
O Sr. Presidente: - A Mesa fará uma boa gestão do tempo.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Ministro da Defesa Nacional, esta sua observação só revela que, tal como disse há pouco, V. Ex.º é um político habituado a estas lides parlamentares e que, portanto, compreende a importância do diálogo parlamentar para o esclarecimento das questões.
Sr. Ministro, esta questão da ameaça interna e do inimigo interno não é uma preocupação do meu partido, é uma preocupação dos democratas portugueses, dos democratas em qualquer ponto da terra.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Participei nos trabalhos da Comissão da Assembleia da República que elaborou a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas onde essa questão foi muito discutida. E foi por maioria da Assembleia da República, que tinha então uma composição diferente da actual, que o conceito de ameaça interna e de inimigo interno saíram da Constituição. Saíram da Constituição porque são antidemocráticos e anticonstitucionais e o Sr. Ministro não está a ter estas questões em consideração.
Portanto, não é qualquer partido nem qualquer deputado que está em causa, são as leis da República e são os conceitos que presidem à democracia portuguesa.
Vozes do PCP: - Muito bem!
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O Orador: - Sr. Deputado, o perigo que possam correr as instituições democráticas é uma previsão expressa da Lei do Estado de Sítio e do Estado de Emergência. A Constituição que V. Ex.ª invoca, no seu artigo 275. º ...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Não é, está enganado, Sr. Ministro.
O Orador: - Sr. Deputado, deixe-me permanecer no erro.
O artigo 275. º dispõe o seguinte:
As leis que regulam os regimes do estado de sítio e do estado de emergência fixam as condições do emprego das Forças Armadas quando se verifiquem aquelas situações.
Logo, é legítimo que se dentro de determinados limites as Forças Armadas possam intervir nessa hipótese e se treinem para isso. E não faltaria, com toda a certeza, se não o fizessem, a censura de que não estavam a preparar-se com prontidão para isso.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em relação à questão sobre as conversações do Sr. Primeiro-Ministro nos Estados Unidos da América e se elas representam novos compromissos militares e um alargamento de facilidades, a posição que temos é que tive ocasião de anunciar à Comissão de Defesa Nacional.
Quanto ao agravamento da tensão no Médio Oriente, penso que ela não é, felizmente para todos nós, um agravamento tão radical como o Sr. Deputado referiu. É um problema que, creio, continua a assentar essencialmente nos reféns, mas o que é certo é que neste momento e por causa disso não nos foram solicitadas quaisquer medidas ou facilidades acrescidas.
Por outro lado, o Sr. Deputado José Magalhães questionou-me sobre a componente da informação da política de defesa nacional e o caso «GAL», e em conclusão das suas questões perguntou-me 'que informações lhe poderia fornecer sobre o Serviço de Informação Estratégica de Defesa.
O que lhe posso dizer, Sr. Deputado, é que o Serviço de Informação Estratégica depende do Sr. Primeiro-Ministro, não depende de mim. Do Ministro da Defesa Nacional depende, por intermédio do CEMGFA, o Serviço de Informações Militares e o que lhe posso assegurar, dentro dos estritos limites em que o posso garantir com inteira certeza, é que nenhum oficial da Divisão de Informação ou qualquer outro oficial das Forças Armadas Portuguesas esteve minimamente envolvido no que se passou com o atentado ocorrido no Sul da França.
Por isso, não há que responder sobre o que é que se faz no desenvolvimento disto e que medidas se tomam, porque não há medidas a tomar.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não há?! ...
O Orador: - Não, Sr. Deputado, porque não há ninguém envolvido.
O Sr. Deputado João Amaral perguntou-me se há material suficiente para um activo plano global de planeamento. Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que considero - e creio que já uma vez tive aqui a ocasião de o dizer - que V. Ex. com interpelações deste tipo passam ao Governo e ao Ministro da Defesa Nacional um atestado de competência e de capacidade espantosa, porque exigem que tenhamos feito tudo quando, muitas vezes, por forças com as quais nada temos a ver, foram exactamente criadas as situações de debilidade com que hoje temos de lutar.
Aplausos do PSD.
A situação é esta: o Governo tem a plena consciência de que uma defesa nacional tem de ser algo de global, que apele desde a solução dos problemas materiais, que vão dos transportes às reservas estratégicas, à vontade da defesa e esta última alicerça-se na educação, na estrutura cívica e, muito em especial, Sr. Deputado na unidade do culto dos valores fundamentais que nos unem como Pátria e que fazem com que sejamos uma Pátria diferente de outras.
Por isso mesmo, a orientação do Ministério aponta para uma recolha de materiais porque, por enquanto, o carreamento é modesto. O Conselho de Planeamento Nacional de Emergência é, como sabem, constituído por sete subcomissões sectoriais: três do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, três do Ministério da Indústria e Comércio e uma do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação.
Pensa-se que pelo trabalho destas subcomissões e pela intervenção dos ministros que as tutelam no contacto com o Ministro da Defesa Nacional vai ser possível ir começando a obter elementos e, mais do que isso, um sistema de análise para os obter acrescentando, para podermos começar a ter material suficiente que permita que depois o Governo elabore umas linhas genéricas de defesa nacional que possa, inclusivamente, submeter a esta Assembleia, mas que sejam realmente uma actuação do conceito estratégico de defesa nacional.
E aproveito para lhe dizer, Sr. Deputado João Morgado, que não o considero uma palavra vã; o que pretendo dizer é que é preciso actuá-lo e isso consiste em pô-lo no conjunto de valores morais, culturais e económicos numa acção concreta para a qual é necessário carrear meios e este é um daqueles que entendo que embrionariamente pode ser um caminho, embora não seja tudo.
Quanto aos canhões antiaéreos, o Sr. Deputado não tem que chamar embaixador nenhum, porque se os jornais disseram que os vamos comprar é mentira. O Governo está neste momento condicionado pela Lei de Programação Militar que apresentou a esta Assembleia e com certeza que não ia cometer a estultícia de empenhar nada menos do que muitos milhões na compra de material que não submeteu à Assembleia e não incluiu na lei. .
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Já respondi à questão sobre a demora na apresentação do Estatuto da Condição Militar e quanto ao estatuto dos trabalhadores dos estabelecimentos fabris, devo dizer-lhe, Sr. Deputado João Amaral, que tenho perfeito conhecimento do parecer da Organização Internacional de Trabalho e, V. Ex. não os referiu, também dos pareceres da Procuradoria-Geral da República...
O Sr. João Amaral (PCP): - Do Provedor da Justiça e do Tribunal Constitucional.
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O Orador: - ... do Provedor da Justiça e do Tribunal Constitucional. Tenho conhecimento de todos eles, Sr. Deputado, e tenho plena consciência do peso que isso tem que ter nas decisões do Governo. Mas VV. Ex.as. também sabem que isso passou sobretudo pelo Ministério do Trabalho e Segurança Social e sabem perfeitamente que neste momento a própria comissão de trabalhadores interessada tem pendentes recursos no Supremo Tribunal Administrativo, facto a que não se poderá deixar de atender.
O Sr. João Amaral (PCP): - Não é verdade que tenha passado pelo Ministério de Trabalho!
O Orador: - Depois conversaremos sobre isso, Sr. Deputado. Sabe bem que sim!
O Sr. Deputado José Passinhas disse que a Comissão deu por findo o seu trabalho em relação à Lei do Serviço Militar. Com toda a certeza que deve ter sido uma confusão, pois o próprio Sr. Deputado Jaime Gama se encarregou de a rectificar ao dizer que temos marcadas reuniões para breve, tendo a primeira delas lugar no dia 14.
Agradeço que me tenha dito que se trata de uma lei que necessita de profunda reflexão.
Em todo o caso, não quero deixar de salientar que, se é certo que ela foi enviada e discutida em 12 de Junho e se se entendeu que o seu texto era insuficiente - e não me recordo agora se foi V. Ex.ª ou o Sr. Deputado Jaime Gama quem fez a arguição -, também é certo que, embora a modificação do texto fosse da competência da Assembleia, foi o Ministro da Defesa quem, voluntariamente se prestou a colaborar desde logo no refundir desse texto, o qual fez chegar à Assembleia em Outubro pela mão do Sr. Vice-Presidente da Comissão de Defesa Nacional.
Em todo o caso, o facto de me dizer que todas estas leis precisam de uma bem ponderada e rigorosa reflexão é algo que lhe agradeço.
O Sr. Deputado João Morgado falou-me no problema da cooperação.
Como lhe disse, a situação é a de que as próprias circunstâncias internas que se vivem em Angola e Moçambique, que deploramos e que desejamos que se encaminhem para uma solução pacífica dentro em breve, não são de modo a permitir ampliar contactos que já existem.
Agora, não disponho de muito tempo mas, posteriormente, se o Sr. Deputado assim o desejar, posso dizer-lhe que tem havido, apesar de tudo, cooperação com Moçambique.
Em relação à Guiné, conforme lhe disse, mantemos o treino de oficiais guineenses.
Em relação a Cabo Verde, tenho um projecto de acordo para um ampliar da colaboração militar e assinarei no próximo dia 11 um acordo com São Tomé e Príncipe.
Em relação ao Sr. Deputado Jaime Gama, a cujas perguntas quis responder em último lugar porque, neste caso, o último é sempre o primeiro.
Risos do PS.
Quero lembrar-lhe que ambos temos sobre os ombros a responsabilidade e o orgulho de termos já prestado ao nosso país serviços a nível do Estado.
Portanto, cada um de nós deve ter pelo outro, na terminologia que usa, um respeito que é reciprocamente merecido.
V. Ex. permitiu-se insinuar e afirmar que a situação era a de que o Ministro da Defesa estava «ensanduichado» entre o Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares e o seu Secretário de Estado. 15so não é verdade.
Que ninguém confunda a cordialidade que resulta de um mínimo de elegância que, sem presunção, se coloca sempre no trato para com todas as pessoas - seja ministro ou seja secretário de Estado, seja chefe militar ou seja o mais modesto funcionário do meu Gabinete - com a subserviência ou com a ausência de assunção das minhas responsabilidades, pois no meu Ministério mando eu.
Sr. Deputado, como quem diz o que quer, talvez tenha que ouvir o que não quer, posso dizer-lhe que (essa tem sido a minha percepção e a minha angustiante dúvida) quem talvez esteja «ensanduichado» é o País, a pela maneira negligente como V. Ex. negociou com os americanos o Tratado das Lajes e do Tratado da Geodese.
Aplausos do PSD.
Basta dizer que no primeiro destes tratados foi deixada aos americanos a possibilidade de a sua contraprestação em material ser segundo a sua vontade, com uma simples manifestação de rising trend segundo os seus best efforts, e no segundo daqueles tratados nem prazo foi fixado.
Uma das lutas que hoje o Governo está a travar é para que neste último acordo seja, pelo menos, fixado um prazo, quando não temos Geodese ad eternum.
O Governo não deixará de honrar os seus compromissos, mas bater-se-á, no plano em que ainda lhe foi deixada liberdade negocial, pela preservação não só dos interesses nacionais mas também dos interesses regionais a que legitimamente se deve atender.
Aplausos.
Sra. Deputada Maria Santos, posso dizer-lhe que o Governo garante que não há armas nucleares em Portugal.
Os utentes das bases portuguesas, que o são por autorização e deferência nossa, são obrigados a revelar as armas convencionais que têm armazenadas, e só essas, pelo que lhe posso assegurar que não há armamentos nucleares em qualquer das nossas bases.
No que diz respeito a Almodôvar, já disse o que tinha a dizer.
Creio que a pergunta que me colocou relativamente às bases em Espanha foi no sentido de saber se a circunstância de prever uma redução de bases americanas em Espanha isso iria implicar, em alguma medida, um aumento das mesmas em Portugal.
O conceito que temos de soberania, Sra. Deputada, não nos permite ser, de maneira nenhuma, armazém subsidiário de ninguém. Se o Governo Português entender que pode e deve negociar quaisquer facilidades com países amigos, há que fazê-lo na consideração autónoma dos seus interesses e do dos países amigos que se lhe contrapõem e nunca na circunstância do que possa ter acontecido entre eles e terceiros.
Também me foi feita uma referência em relação ao problema do objector de consciência.
Neste momento, esse problema escapa já ao meu Ministério, pelo que a Sra. Deputada poderá obter informações numa interpelação que terá lugar dentro em breve.
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Finalmente, quanto às questões que me foram colocadas relativamente ao chamado «escândalo Irangate», posso afirmar com plena segurança que, embora seja o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros quem por direito próprio, pelas mais elementares razões de competência, poderá referir-se detalhadamente a ele, nenhum avião militar, em nenhum aeroporto civil ou militar português, transitou armas que possam estar metidas nessa embrulhada.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - E quanto a um avião civil?
O Orador: - Mais: gostaria de saber se, em qualquer momento, alguém encontrou vestígios de armamento português nas mãos dos «contra» da Nicarágua.
Não sei se isso aconteceu com armamento romeno e polaco, mas com armamento português não pode acontecer, com toda a certeza.
Aplausos do PSD.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, desejo exercer o direito de defesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, uso da palavra sob a figura regimental do direito de defesa face à intervenção caluniosa do Sr. Ministro da Defesa.
O Sr. Ministro da Defesa, naturalmente, sentiu-se agastado com o teor das observações que fiz, no uso dos meus direitos, ao Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares acerca da forma como o Governo tinha procurado enquadrar a visibilidade do Ministro da Defesa neste debate. Dai o Sr. Ministro ter proferido perante a Câmara duas acusações extremamente graves, sobretudo naquilo que elas têm de declaração proferida por um membro do Governo.
Naturalmente, só elas explicam a reacção que, de imediato, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros teve na bancada do Governo.
Em primeiro lugar, devo dizer ao Sr. Ministro da Defesa - o que mostrou não saber de forma liminar e deveria sabê-lo - que quer o acordo técnico quer o acordo laboral que regulam as facilidades concedidas aos americanos nas Lajes foram, naturalmente, negociados pelo Governo mas foram, depois, aprovados pela Assembleia da República.
Tanto o acordo técnico como o acordo laborai foram subscritos no âmbito do seu Ministério e foram tecnicamente negociados pelo Ministério da Defesa Nacional.
Devo também dizer que o resultado dessas negociações foi altamente satisfatório porque a ajuda concedida pelos norte-americanos a Portugal duplicou em relação à Região Autónoma dos Açores, mais do que duplicou em relação às Forças Armadas, e ainda teve uma nova extensão que permitiu a viabilização da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento.
O que irrita o actual governo é que o governo de que fui Ministro dos Negócios Estrangeiros tivesse conseguido fazer elevar substancialmente a ajuda americana a Portugal, vencendo a inércia dos governos anteriores nessa negociação.
Em virtude da sua fraquíssima capacidade no plano internacional, o actual governo só tem assistido ao decrescimento progressivo da ajuda norte-americana a Portugal.
É isso o que irrita o actual governo: a sua incapacidade para pressionar as autoridades americanas e para obter o que foi obtido durante o governo anterior.
Uma outra questão é relativa ao Acordo Geodese.
No decorrer do mandato do governo anterior houve uma troca de notas em que o Governo Português se declarou disponível para a instalação em Portugal dessa estação. Em virtude dessa troca de notas houve a obtenção de um aumento de contrapartida civil ao desenvolvimento da economia e da ciência em Portugal, que é o que está a viabilizar a actividade da Fundação Luso-Americana. As matérias referidas pelo Sr. Ministro, designadamente o prazo de vigência de qualquer acordo respeitante a essa instalação, são do âmbito do acordo técnico, o qual ficou para ser negociado e que o actual Governo também não tem conseguido negociar. Como não é capaz de o fazer, vem, então, dizer que a dificuldade reside unicamente no facto de a prévia troca de notas ter sido pouco clara. Agora, o acordo técnico é que tem de ser claro e o Governo tem de o saber negociar.
Em lugar de vir fazer afirmações desta natureza para a assembleia da República, Sr. Ministro - é com mágoa que lhe o digo -, melhor fazia em estudar esses documentos e em aprender um pouco acerca da negociação desses problemas.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para dar esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa.
O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Deputado, nas afirmações que fiz comecei por referir - e o Sr. Deputado ouviu muito bem - o respeito recíproco que ternos um pelo outro.
Reconheço que o Sr. Deputado há-de ter tentado fazer, com toda a certeza, o melhor possível. Contudo, não posso deixar de lhe dizer que mesmo que num próximo acordo seja viável a fixação de um prazo, o Sr. Deputado não tem a mínima razão quando diz que o Governo não tem tido a capacidade de negociar esse acordo, visto (e não vale a pena estar agora aqui a referir essas razões) que é pelo facto de entender que há, neste momento, exigências que ultrapassam os limites do aceitável que esse acordo não está assinado.
O Sr. Deputado sabe que se ele não está assinado não é por incúria ou por incompetência do Governo.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Ministro, dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça o favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Fiquei satisfeito com a explicação do Sr. Ministro, segundo a qual é no âmbito do acordo técnico que cabe estipular a duração do mesmo, o que contradiz completamente as suas afirmações anteriores.
O Orador: - Não, Sr. Deputado, não contradiz. É possível que esse prazo seja fixado no acordo técnico, mas nada impedia que se tivesse fixado um prazo da mesma maneira que foram fixados prazos para os outros acordos.
Em todo o caso, os sentimentos que expressei na altura não são postos em causa por esta circunstância. Mantenho o que lhe disse então e o que lhe acabo de dizer.
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Não levanto nenhuma suspeição a seu respeito. O Sr. Deputado sabe perfeitamente o que comecei por referir na minha intervenção e não tenho quaisquer dúvidas em reafirmá-lo.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Mas foi pouco correcto!
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, desejo usar da palavra.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Brito pretende usar da palavra para que efeito?
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, sob a figura regimental da interpelação à Mesa, desejo anunciar aos Srs. Membros do Governo que, no sentido de terem uma informação cabal, apresentámos na Mesa por escrito, as dez perguntas que, no quadro desta interpelação, apresentámos ao Governo.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A realização desta interpelação confere ao PS a oportunidade para reafirmar as críticas que vem formulando à inconsistente política de defesa do actual governo, nomeadamente por intermédio da intervenção por mim proferida nesta Câmara em 6 de Novembro de 1986.
Não motiva o PS nenhum outro objectivo que não seja o de serenamente contribuir para o estabelecimento de um consenso democrático sobre os problemas de defesa, numa perspectiva nacional e aliada. O PS possui, desde há muito, uma clara filosofia institucional na área da defesa nacional, que o distingue com toda a clareza do que possam ser expressões directas ou veladas de grupos corporativos, correntes de desestabilização das Forças Armadas, projectos pessoais de instrumentalização do corpo militar ou apelos neutralistas. Com tal sentido das responsabilidades apresentámos ao debate público em Dezembro de 1981 um pacote sobre defesa e interviémos na revisão constitucional de 1982 e na elaboração da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas que no mesmo ano se lhe seguiu. Com esse propósito consensual temos votado a favor das despesas militares, pugnámos pela programação militar e contribuímos decisivamente para a melhoria de diplomas tão relevantes como os referentes ao estado de sítio e estado de emergência ou ao serviço militar obrigatório. Uma tal atitude dá-nos, por isso, a força política suficiente para exigir que o País seja dotado de uma defesa credível, funcional e moderna, alicerçada na vontade de protecção da soberania e no cumprimento dos compromissos internacionais. Portugal continua infelizmente a ser um país sem defesa. Um raid aéreo sobre Lisboa não poderia ser convenientemente detectado, nem interceptado, nem neutralizado. O assalto ou a tomada de um aeroporto numa ilha de um dos arquipélagos atlânticos não poderiam ser dissuadidos ou evitados. Uma ameaça naval à nossa frota mercante ou pesqueira, sobre a nossa Zona Económica Exclusiva, rotas de comércio, águas costeiras ou instalação portuária, não poderia ser eficazmente contida. Uma operação terrorista de alta violência certamente não seria prevista e pela certa não poderia ser retaliada.
Perante a evolução das ameaças ao território nacional, não houve adequação das respostas tornadas necessárias. Um discurso preconceituoso, retórico e balofo persiste em substituir a necessária definição de uma política de defesa. Sem essa definição, processada de forma autónoma, o Estado fica à mercê de que as suas opções em zona tão vital como a defesa sejam determinadas ou por fluxos empíricos e corporativos dos poderes fácticos ou por pressões e contingências externas ditadas por aliados fortes. Assim, não haverá definição da política de defesa pelo Estado. Haverá política de defesa definida à revelia do Estado e endossada ao sistema político por intermédio de qualquer personagem deslumbrada com o ritual das paradas e disposta a preencher esse papel subalterno. O ideal para essa função é até que pouco ou nada conheça do assunto, para não entender as situações equívocas em que a doutrina é em sua frente definida e traçada por quem apenas a deveria executar e cumprir.
A maior ameaça à defesa de Portugal é, pois, a ausência de uma política de defesa elaborada de forma transparente. Ao secundarizar os sectores políticos do Governo, numa demonstração de elevada rusticidade mental, o PSD tem vindo a contribuir para uma perniciosa erosão dos poderes públicos, das instituições e do Estado. O saldo do PSD na área da defesa é aterrador.
Há mais de quatro anos os sucessivos titulares da pasta da Defesa - todos do PSD - têm deixado de dar qualquer desenvolvimento legislativo consistente à Lei n.º 28/82, de 11 de Dezembro (Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas). Os prazos estipulados para a elaboração da legislação complementar foram ultrapassados. O actual governo mantém idêntica linha de inoperância. Ao completo arrepio do estipulado naquela lei, ainda não foram elaborados quase todos os diplomas a que a mesma se refere.
No que diz respeito à defesa nacional, o escasso trabalho desenvolvido no plano normativo, ainda por cima, não é mérito da actual equipa governamental. As propostas de lei sobre o estado de sítio e o estado de emergência e sobre o serviço militar obrigatório foram elaboradas, em versão inicial, durante a vigência do executivo anterior. A Assembleia da República, ao condicionar, no Orçamento de 1986, a efectivação de certas despesas de defesa à sua inscrição em lei de programação militar, obrigou o Governo a ter que determinar a sua elaboração, bem como dos conceitos em que se apoia (conceito estratégico militar, missões das Forças Armadas, sistemas de forças e dispositivos). Num e noutro caso, o Governo agiu em segunda instância e não como factor essencial. Em ambas as situações, teve, aliás, o Parlamento que corrigir as profundas insuficiências das propostas governamentais. Em 8 de Janeiro de 1986 o actual Ministro da Defesa Nacional asseverava à Comissão Parlamentar de Defesa que a maior parte da legislação complementar da Lei de Defesa Nacional seria em breve ultimada. Em 11 de Julho desse mesmo ano, ao discursar no IDN perante o estágio interforças, mudava de ideias e, para justificar o atraso, explicava que se tinha optado por um «critério que preferiu a uma rapidez, porventura leviana, a reflexão que, para ser séria e profunda, exige tempo». Com estes critérios do Governo, resta-nos talvez esperar até ao novo milénio para ver aclarada a situação.
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O mais grave, porém, é que o Governo persiste em não aprovar a orgânica do Ministério da Defesa Nacional. Por quanto tempo continuaremos a ser o exemplo insólito de um país sem Ministério da Defesa? Temos a ousadia doutrinária de nos abalançar à definição do mais global dos conceitos de defesa nacional, mas não tivémos ainda o realismo suficiente para estruturar um mínimo indispensável na área governamental da defesa. Que contra-senso!
As consequências desta lacuna são enormes. A dignidade e o prestígio do Estado democrático estão em causa.
Por um lado, o Governo, órgão supremo da administração civil e militar, encontra-se totalmente incapacitado de elaborar uma política de defesa digna desse nome. A fraquíssima qualidade legislativa dos diplomas oriundos deste sector só é explicável pelo caos reinante. Por outro lado, matérias relevantes não têm sido objecto da menor coordenação, como se verifica nos casos da gestão financeira e de pessoal ou da aquisição de bens e serviços. As Forças Armadas acabam por ser as vítimas directas de um sistema híbrido de auto-organização por ramos, o qual lhes dificulta a necessária modernização.
Vejamos algumas áreas mais sensíveis.
No que respeita à política de pessoal, ainda não foi normalizada - nem se vislumbra orientação nesse sentido - a pirâmide invertida dos quadros permanentes. A reforma do ensino militar não foi empreendida. O serviço militar obrigatório não foi modernizado. A carreira militar atravessa uma perigosa indefinição, geradora de algumas frustrações nos quadros. Estamos longe do desejável rejuvenescimento e mobilidade da função militar num país europeu.
No que se refere ao material de guerra, não é satisfatório o grau de conhecimento científico e técnico dos modernos sistemas de armas. A direcção nacional de armamento não foi criada. As indústrias de defesa não se reconverteram. A importação e exportação de armamento e munições tem um controle frouxo. Não temos sabido inserir-nos no Grupo Europeu Independente de Programas da OTAN nem valorizar as possibilidades contidas em acordos bilaterais para revitalizar a indústria portuguesa de defesa. Não há articulação entre as despesas de investimento na área da defesa e as potencialidades do parque industrial nacional. O cenário de programação militar 1987-1991 prevê gastos de 350 milhões de contos em material, mas praticamente nada será adquirido em Portugal.
Quanto a um ponto tão significativo como o das informações, ignora-se o que se passa com o serviço de informações estratégicas de defesa. Não se sabe se já encontra a funcionar, nem quais os seus responsáveis, ou se foi pura e simplesmente congelada a sua formação.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Ministro não responde a isso!
O Orador: - No que toca à cooperação militar com terceiros Estados, ainda não se deu o impulso decisivo em relação aos países africanos de expressão oficial portuguesa. Nenhum acordo de assistência técnica ou de defesa nos liga a nenhuma dessas nações. Nenhum centro de estudos militares africanos serve de elo de ligação entre as forças armadas desses países e de Portugal. 0 Reino Unido, a França, o Zimbabwe, a Tanzânia, Cuba ou a União Soviética detêm hoje nos «cinco» uma visibilidade militar muito superior à portuguesa.
Em matéria das demais relações externas de defesa, o panorama não é menos desanimador. Devíamos e podíamos gerir de forma mais autónoma e determinada a nossa participação na Aliança Atlântica, os nossos termos de referência à organização militar do tratado, o contributo próprio à definição geral das políticas aliadas. Deixámos cair o tema da adesão à União da Europa Ocidental. A nossa voz não se ouve na CSCE nem na ONU. Somos inexistentes em matéria do diálogo Leste-Oeste. Não ousámos formular propostas no terreno da defesa europeia. Descurámos as relações de defesa com os nossos vizinhos próximos (Espanha e Marrocos) e não tirámos o partido que devíamos dos acordos bilaterais de defesa com a República Federal da Alemanha e a França. Não soubemos reagir devidamente à diminuição da ajuda militar dos Estados Unidos da América. Desde que o Brasil evoluiu para um sistema democrático, resfriámos os contactos e não equacionámos qualquer relacionamento na área determinante das indústrias de defesa.
País sem Ministério da Defesa e sem política de defesa, Portugal é um país sem defesa. A ausência de doutrina e de meios modernos de concepção e direcção é a principal responsável por esse terrível estado de coisas de que o País não se apercebe, confundido por vezes por aqueles que, na imprensa, substituem o necessário debate sobre defesa nacional - permanente em todas as democracias - pelo rosário de intrigas acerca de promoções, colocações e nomeações de militares ou sobre as ambições políticas dos menos conformados com os ditames do regulamento.
O PS entende que é necessário romper esse círculo vicioso e dotar o Pais de uma política de defesa e de um Ministério da Defesa, para que Portugal passe a ser um país defendido e seguro. Só no quadro de uma moderna política de defesa as Forças Armadas desempenharão plenamente as suas funções constitucionais e os seus membros encontrarão motivação, estímulo e recompensa para a opção feita pela carreira das armas. É também para propiciar uma carreira militar moderna e dignificada e ir ao encontro de aspirações rejuvenescedoras nos três ramos das Forças Armadas que se torna urgente accionar uma reforma estrutural do sector da defesa.
Esta Assembleia e o Pais sabem que o PS empreenderia uma melhor, mais ajustada e mais activa política de defesa do que o PSD. Sabem igualmente, e este debate demonstra-o uma vez mais, como somos decisivos na polarização de uma alternativa modernizadora ao actual governo. Sabem como o Governo receia que o Ministro da Defesa se debata na televisão, em torno destes problemas, com o maior partido da oposição. Mesmo assim o PS, consciente da importância da matéria em causa, assume-se como oposição responsável e, tendo em conta a situação minoritária do Governo, e a fragilidade daí resultante, continua a apostar no estabelecimento de um consenso nacional e democrático para as questões de defesa, sem as sujeitar a qualquer dramatização bipolarizadora ou à exiguidade de apoios parlamentares do Executivo. Dentro em breve, iremos debater no plenário da Assembleia da República a lei de programação militar para 1987-1991, envolvendo vultuosos investimentos militares. Sózinho, o Governo não a poderá fazer aprovar no Parlamento. Muito
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Dificilmente o PS a viabilizará sem um inequívoco compromisso do Governo quanto à estruturação do Ministério da Defesa Nacional e ao calendário de publicação dos diplomas complementares da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas. Quando os governos são incapazes e impotentes, o direito e o dever da oposição é criticá-los e propor alternativas, mas o seu efectivo poder em circunstâncias como as presentes é obrigá-los a governar. O PS em matéria de defesa nacional não faz obstrução nem paralisa, antes desafia o Governo a governar, a elaborar uma política, a estruturar um Ministério da Defesa Nacional e a possuir um ministro. Civis ou militares, os portugueses responsáveis exigem que se ponha termo à indigência governamental em matéria de defesa e que o País, neste campo, acerte o passo enquanto é tempo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: De um debate como o de hoje, em que um Governo como este não pode sair como entrou, a opinião pública espera uma clarificação urgente, uma decisão adequada, um compromisso solene, em suma, uma certeza. A garantia de que Portugal vai ter uma verdadeira política de defesa nacional é assunto que não pode nem deve continuar a ser adiado pelo Governo. Como oposição alternativa não contribuiremos um minuto mais para essa frustração generalizada. Portugal merece uma defesa nacional credível, moderna e democrática.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados João Amaral e Cardoso Ferreira.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Jaime Gama, vou reportar-me a um ponto muito concreto da sua intervenção e em relação ao qual estou de acordo.
O Sr. Deputado, referindo-se à necessidade de um acompanhamento nacional dos problemas da defesa, disse - e isso parece-me básico e central - que não poderá haver um exacto empenhamento nas questões que dizem respeito à defesa enquanto não for feito um debate. Entretanto fê-lo, contrapondo a isso a informação e também o debate sobre situações de nomeações, promoções e preterições que existem e que neste debate mereceram comentários com alguma profundidade.
Muito contritamente, pergunto se não entende que questões desse tipo são também uma componente relevante de uma política de defesa nacional e o facto de ser necessário um debate alargado não exclui a necessidade de questões como essas serem colocadas na praça pública, na opinião pública.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Deputado Jaime Gama, V. Ex. traçou o que se poderia classificar de um quadro perfeitamente catastrófico do sector da defesa no actual governo. E fê-lo com o à vontade - como se isso fosse possível!- de quem nunca teve responsabilidades governativas no anterior governo, nomeadamente numa área que teve relação com algumas das questões que aqui referiu, ou seja, a vertente externa da política de defesa portuguesa.
V. Ex. atribuiu deméritos ao actual governo e méritos ao anterior Ministério da Defesa. Ora bem, há aqui uma contradição perfeitamente insanável, Sr. Deputado. Como é que V. Ex. consegue compatibilizar a ideia de que, em relação ao anterior governo, sendo V. Ex. um ilustre membro desse mesmo governo, não havia uma política solidária? Como consegue V. Ex. isolar a questão de defesa nacional no anterior governo e ao mesmo tempo, no que toca ao actual governo, responsabilizá-lo em globo?
Não parece razoável, Sr. Deputado, que V. Ex. surja perante esta Câmara com um elenco tão vasto e arrasante de críticas, de formulações, de sugestões como se o seu partido, e nomeadamente V. Ex.a, estivessem na oposição há longos anos, como se algumas das questões que referiu não se repercutissem no tempo, por força do arrastar de negociações, que são necessariamente morosas, como V. Ex.º muito bem sabe, e por força da ponderação necessária nalgumas soluções em relação às quais hoje, curiosamente, se exige do Governo e do Ministério da Defesa a celeridade que porventura V. Ex. e o seu partido entenderam não dever exigir no anterior governo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Ao Sr. Deputado Cardoso Ferreira, ilustre membro do Conselho Superior de Defesa Nacional, devo dizer que o facto de eu ter pertencido ao anterior governo não significa que eu tenha aqui que vir responder por quatro anos de gestão do PSD no Ministério da Defesa Nacional. É uma questão que tem que ficar muito clara e que o País deve analisar.
Em segundo lugar, devo dizer-lhe que a Lei de Defesa Nacional, que o Sr. Deputado devia consultar com mais frequência, é muito clara e taxativa quando comete, em exclusivo, ao Ministro da Defesa Nacional o acompanhamento e a direcção das relações externas de defesa.
Aí o Sr. Deputado tem uma explicação claríssima.
Ao Sr. Deputado João Amaral, devo dizer que compreendo as razões que o levaram a formular a pergunta. São problemas que num Parlamento democrático, como é o nosso, se afloram. O seu partido e outras forças democráticas são, por vezes, intérpretes de questões dessa natureza.
Mas eu tenho, e o PS procura ter, uma visão institucional dos problemas de defesa nacional e não uma visão relacionada com a componente pessoal, para exprimir de uma maneira genérica. Ou seja, eu desejaria viver num país - e para isso contribuo - onde a questão da nomeação de um chefe militar (comandante de uma unidade ou comandante de uma região) não fosse objecto de especulação na imprensa.
Em nenhuma democracia estabilizada isso acontece, e creio que todos nós temos o dever de trabalhar para que a defesa nacional seja um assunto discutido como uma questão institucional e uma verdadeira questão de Estado e não como um fait divers romanesco, apenas aflorado pelo capricho de certas situações que, sendo embora existentes, são acessórias àquilo que deve ser uma perspectiva institucional democrática sobre a questão da defesa nacional.
Vozes do PS: - Muito bem!
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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente * da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Porque não temos uma lei de segredo de Estado, admito que muitas das perguntas a fazer, neste debate, fiquem sem resposta porque o uso em vigor do que pode e do que não pode ser publicado depende do critério do Governo. Irei sublinhando algumas.
A presente interpelação sobre á defesa diz respeito a um domínio dos interesses nacionais em que o consenso deve prevalecer sobre as divergências partidárias. Mas é justamente o consenso sobre os interesses nacional permanentes que torna útil e indispensável à análise controvertida sobre as maneiras como estão a ser prosseguidos e as outras, se possíveis, melhores opções para os defender.
Acontece que o Governo como que respondeu, por antecipação, ao debate, publicando o Livro Branco da Defesa Nacional, que está à disposição da Câmara. Todavia, esse mesmo documento julgamos que contribuiu para alargar inesperadamente a interpelação pela razão seguinte: a chamada Lei de Defesa Nacional (Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro) é inteiramente dominada pelo conceito de agressão externa, tendo sido recusado expressamente o conceito mais alargado e moderno que vinha sendo apurado, designadamente, pelo Instituto de Defesa Nacional.
O Livro Branco, dando um passo em frente, que aprovamos, recolhe o conceito operacional, então afastado por razões políticas conjunturais, e consagra que, no ponto de vista governamental, «a defesa nacional é, na realidade, um conjunto de medidas e de actividades que visam a realização do objectivo da segurança nacional» e que esta «pode também ser efectivamente afectada por agressões ou ameaças externas não militares, o que obriga à consequente formulação de conceitos de defesa nacional que abranjam, em permanência e de forma flexível e integrada, todas as medidas e acções de natureza política, económica, sócio-cultural, que as devem enfrentar ou dissuadir».
Sem encontrar no texto a expressão consagrada, mas tendo-a ouvido hoje pelo Ministro da Defesa, julgamos que finalmente aqui está o reconhecimento de que a estratégia indirecta não pode ser ignorada pela defesa, como a NATO já não a ignorava em 1982, isto para salientar apenas um dos elementos importantes do conceito realisticamente adoptado. Talvez agora o Governo já possa responder à pergunta, pendente faz muito tempo, sobre quem é que autorizou um oficial das forças armadas portuguesas a exercer um proeminente cargo e uma actividade notória no creio que chamado Conselho Mundial da Paz, instrumento inegável da estratégia indirecta do Pacto de Varsóvia.
Acontece porém que, para responder a uma interpelação sobre defesa nacional, assim mais apropriadamente definida pelo Governo, não chega para responder ao Parlamento o ministro das Forças Armadas, que seria a verdadeira designação do Ministro da Defesa, porque, nos termos do artigo 43. º da Lei n.º 1 29/82, « o Primeiro-Ministro é politicamente responsável pela direcção política da defesa nacional».
Para não repetir comentários feitos em intervenções anteriores, e sabendo que estão presentes no espírito dos Srs. Deputados os objectivos fixados pela Lei de
Defesa Nacional e pelo conceito estratégico de defesa nacional de 1985, tentaremos apenas lembrar razões, conhecidas, pelas quais o chamado «triângulo estratégico português» está submetido a riscos que suportamos sem os provocar e sem os poder afastar: o espaço português possibilita o controle marítimo e aéreo do acesso ao Mediterrâneo à vertente atlântica do Sudoeste europeu; passam pelo nosso mar algumas das rotas marítimas vitais para a Europa; ao longo da nossa costa navegam diariamente mais de 500 navios que transportam, além do mais, dois terços do petróleo importado pela Europa Ocidental; pelas nossas águas transita grande parte das exportações do Mercado Comum, cujo comércio internacional é marítimo em 70 %; das costas portuguesas, ou ao largo das nossas águas, partem ou encontram-se instalados alguns fundamentais sistemas de telecomunicações, especialmente cabos submarinos que ligam o continente europeu à África e à América do Sul.
Independentemente das obrigações assumidas na Aliança Atlântica, por opção nunca necessitada de plebiscito, como aconteceu em Espanha, nem afastada pela mudança de regime, para o País exógeno que somos, os eventuais conflitos que outros decidam, a segurança nacional está sujeita a uma variação de ameaças que não provoca nem controla, e que faz da capacidade de autonomia de defesa um imperativo talvez para sempre longe das nossas possibilidades materiais, mas necessariamente apoiada na consciência cívica esclarecida, na decisão e na credibilidade da vontade nacional, e isto está ao nosso alcance.
Ora, parece não ser impossível concordar com todas, ou, pelo menos, parte das seguintes observações:
1) A opinião pública continua excessivamente alheia às necessidades da segurança nacional no mundo em que nos aconteceu viver, porque faltam as acções de esclarecimento necessárias e suficientes;
2) Não estão, por isso, vivos os deveres cívicos relativos à defesa, e dos quais a lei não dispensa sequer os objectores de consciência (artigo 9.º, n.º 4, da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas) quando haja áreas do território nacional ocupadas por forças estrangeiras, porque então é obrigação geral passar à resistência, activa e passiva;
3) A investigação e o ensino sobre a defesa nacional, salvo pequenas e difíceis iniciativas, são negligenciados a todos os níveis, incluindo o universitário, não obstante a campanha de desinformação a cargo da estratégia indirecta;
4) É discutido o nível tecnológico e de eficácia das indústrias de defesa nacional, falando-se na progressiva degradação da INDEP e demais indústrias de defesa, sob a tutela do Ministério da Defesa;
5) Falta a orgânica do Ministério chamado «de Defesa», e que é apenas das Forças Armadas;
6) Falta parte importante da legislação complementar da Lei de Defesa Nacional.
Estes pontos chegam para mostrar a amplitude da interpelação e, atendendo apenas a algumas das preocupações, deveríamos ter algumas respostas do Ministério da Educação e Cultura, e, sobretudo, do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Quanto ao primeiro, porque tal ensino tem muito que ver com a vocação
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atlântica portuguesa, no passado e no futuro, com as grandes estratégias nacionais, com o consenso e individualidade do povo, com a personalidade básica dos Portugueses. Quanto ao segundo, porque, tomando nós partido nos riscos que objectivamente sempre correríamos, e pertencendo à NATO, não temos a ajuda suficiente, em termos de infra-estruturas e equipamento, a que nos sentimos com direito nos termos da Aliança. E obter isto faz parte de uma política externa, cujo desenvolvimento e resultados, se um e outros existirem, deveríamos conhecer.
O risco assumido por decisão política vai muito para além das compensações relacionadas com a utilização das instalações militares em território nacional pelos Estados Unidos da América, pela República Federal da Alemanha e pela França, diz respeito ao nosso poder funcional que os aliados devem querer que seja autonomamente mantido. Também diz respeito à política externa, em vista da aceitação das questões fora da zona, pela NATO, o problema do Atlântico Sul, em que tanto falámos quando da visita do presidente Sarney, mas não sabemos se existe e que resultados tem, no caso de existir, uma política de cooperação, e não apenas de material e escassas bolsas, que tenha especialmente em vista Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé, e, todavia, não são desconhecidos indícios de movimentações alarmantes, pelo menos na costa africana.
E ousamos dizer que esta larga ignorância nossa é inquietante, verificando-se da interpelação que algumas respostas há muito poderiam ser do domínio público e só agora foram iniciadas e desejaríamos que os Portugueses pudessem ser tranquilizados com mais notícias que a diminuíssem porque, desde a instituição da aliança, a situação mudou de tal modo que já não deveremos talvez considerar-nos uma retaguarda mas sim uma frente.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Temos escutado de entendidos que a doutrina do almirante soviético Gorsbkov, desenvolvida num livro chamado O Poderio Naval do Estado, tem sido meticulosamente executada nos últimos dez anos, considerando as áreas ibero-atlânticas e os Açores, concretamente as Lajes, como alvos preferenciais de uma ofensiva rápida para estrangular a capacidade americana de resposta: o aumento do poderio naval soviético no Atlântico é do conhecimento comum, mas política externa nossa, compensatória dos riscos, não é conhecida e não é também certo que seja susceptível de esclarecimento nesta interpelação porque não temos lei de segredo de Estado.
Sabemos apenas que paira uma ameaça permanente sobre o espaço português, que os riscos cresceram desde a entrada na aliança, mas não temos elementos para medir a vulnerabilidade. Mas não desconhecemos que dificilmente corresponde à conjuntura querer integrar Portugal, com a Grécia e a Turquia, num só programa que tem em vista melhorar a capacidade de defesa convencional e a assistência militar, quando são bem diferentes o flanco sul mediterrânico e a nossa posição geo-estratégica atlântica; que não corresponde aos nossos interesses, nem aos brios, globalizar a região ibero-atlântica, porque isso favoreceria a Espanha dubitativa (à qual interessa o eixo Baleares-Gibraltar-Canárias em face do noroeste africano e da entrada do Mediterrâneo), enquanto a nós pertence naturalmente a área de intervenção do CINCIBERLANT, com justificada extensão aos Açores.
Em suma, a proclamada solidariedade atlântica, e tal como consta que tem sido continuada insistência dos nossos representantes no Eurogrupo e no Comité de Planeamento de Defesa, e.
Mas pode isto sonhar-se que virá dos nossos recursos, ou de uma política externa que convença que o faremos melhor nós, com determinação e credibilidade, do que outros que venham repetir a nossa casa dolorosas experiências do passado histórico? Participar no actual esforço europeu, envolver-nos no Projecto Eureka, participar na investigação da iniciativa estratégica de defesa, diz respeito à renovação tecnológica nacional, e são esforços e comprometimentos que devem ser apoiados.
Mas segurança nacional sem uma desenvolta, imaginativa, persistente e recompensada política externa não está ao alcance dos nossos recursos próprios de hoje. Só que nesta interpelação dificilmente teremos ocasião e tempo de meditar em comum sobre este interesse geral e fundamental. Será que ir combater na Itália ainda corresponde à conjuntura que vivemos!
É claro que problemas como este andam ligados ao conceito estratégico militar, e este suponho que geralmente entendemos que não pode andar inteiro pela ribalta das publicidades. Mas como é que vamos cumprir todas as obrigações dos órgãos de soberania e dos cidadãos, no domínio da segurança nacional, se não existe uma lei de segredo do Estado que possa servir de referência e de medida ao que deve ser resguardado e ao que deve ser conhecido?
Todavia, aquilo que se vai sabendo pelos jornais que passam ao nosso alcance deixa supor que o quadro das ameaças mudou tão radicalmente que a estratégica indirecta tem ao seu dispor uma tão adiantada engenharia social, que o terrorismo artesanal e de Estado se tornou tão ameaçador para os direitos, liberdades e garantias que alguma coisa deve ser necessária mudar, sobretudo depois que, em 1986, a definição internacional portuguesa mudou tão radicalmente.
Estamos preparados ou a preparar-nos eficazmente nesse domínio que faz parte do conceito da defesa nacional do Livro Branco? São apenas alarmistas as notícias que falam de uma promiscuidade incontrolada da nossa sociedade civil enfraquecida? Não parece que esta interpelação possa levar a uma resposta, pela contradição já referida, e mais uma vez lembrada, entre os conceitos e a organização governamental.
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Não desejaria que estas palavras, como vai sendo inevitável no ambiente em que vivemos e não conseguimos modificar, pudessem ser consideradas como visando outro objectivo que não seja o de contribuir para a meditação que temos de fazer em comum, com divergências inevitáveis, mas todos inspirados . no mesmo amor ao País, que certamente anima os que governam e os que são governados. É útil que em matéria tão grave não haja o temor de mostrar dúvidas nem o orgulho de estar necessariamente certo. 15to porque todos falamos, ao abordar estes assuntos, da paz que não violaremos por acto próprio e da guerra que progressivamente depende dos outros e do acaso.
Lembrarei algumas palavras de Gandhi, o único santo laico da política contemporânea: «Não existe motivo para dizer ou pensar que um grupo de homens e mulheres não podem ser educados para agirem sem violência como um grupo ou nação. Na verdade, a soma final da experiência da humanidade é que, de um modo ou de outro, os homens sobrevivem, facto do qual deduzo que é a lei do amor que rege a Humanidade [...] Mas a tragédia é que os chamados homens e nações que se dizem civilizados conduzem-se como se a base da sociedade fosse a violência.»
Uma violência que nos obriga á este esforço, na busca daquilo que talvez as circunstâncias, que não governamos, tornem impossível alcançar: a segurança nacional. Mas, nesse caso, que não seja pelo nosso desentendimento, seja apenas porque não conseguimos entender os sinais dos tempos, ou porque as exigências dos tempos ficam para além da nossa capacidade.
Aplausos do CDS e de alguns deputados do PS e do PRD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Angelo Correia.
O Sr. Angelo Correia (PSD): - Sr. Deputado Adriano Moreira, ouvi a sua intervenção com atenção, como sempre faço, e fiquei na dúvida - e seguramente o problema é meu- sobre quais são os seus objectivos.
O Sr. Deputado, mais do que para a própria Câmara, falou para o País através da Câmara.
Começou por dizer que a ausência de uma lei de segredo de Estado o impedia de fazer perguntas, porque eventualmente não obteria respostas. Não seria melhor ter feito as perguntas para saber até que ponto o seu juízo era compatível com a própria resposta do Governo? Não seria melhor desresponsabilizar o Governo da ausência de respostas, que não lhe foram formuladas, por perguntas suas? Mais: por que não colocou a dúvida perante o único documento, que não foi explicitado ao País, que é o conceito estratégico militar e cuja responsabilidade não cabe ao Governo, já que ele foi elaborado no âmbito exclusivo do Conselho Superior de Defesa Nacional?
O Sr. Deputado Adriano Moreira colocou, em segundo lugar, um conjunto de questões relativas a uma descoberta que V. Ex. e pensa ter feito e que é esta: com base nas primeiras páginas do Livro Branco, que o Ministério da Defesa Nacional vinha preparando, o Sr. Deputado pretende dizer que afinal o Governo repõe um novo tipo de ameaça decorrente de uma estratégia indirecta.
Para o Sr. Deputado Adriano Moreira isso não era suficientemente visível e credível perante o próprio texto básico da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas?
Uma intervenção ou uma estratégia indirecta tem sempre uma génese externa. A sua configuração, sendo ou não interna, não decorre da origem de quem provoca a tentativa de uma estratégia dessa natureza, não tem em vista o destinatário mas, isso sim, a configuração da génese.
O Sr. Deputado Adriano Moreira coloca ainda uma terceira questão decorrente da eventual mudança de cenário, nos últimos anos, face a um novo tipo de ameaça e, curiosamente, quando refere isso,- fala imediatamente nos chamados «conflitos fora de área».
Sr. Deputado Adriano Moreira, como já é a segunda vez que fala nisto, gostava de saber o que é- que o CDS pensa e sente sobre qual deveria ser o envolvimento do Estado Português nos chamados «conflitos fora de área». O conflito fora de área tem uma delimitação jurídico-política: é a delimitação que decorre da nossa participação no Tratado do Atlântico Norte, que tem um limite geográfico e político. Será que com isso o Sr. Deputado Adriano Moreira está a tentar prefigurar que nos devamos mexer e mover para zonas fora da área do Tratado do Atlântico Norte?
Curiosamente, quando o Sr. Deputado fala disso, faz imediatamente a correlação entre a política do Estado português e os países de língua portuguesa. Fê-lo hoje, e são duas questões completamente distintas. Se o não forem é altissimamente perigosa a sua pergunta, porque nessa altura é perigosa a ligação e a articulação que Portugal esclareceria, donde a correlação que imediatamente se faz, para quem o ouve, da articulação entre as duas questões - que teoricamente devem ser tratadas em separado. Peço-lhe, pois, que as isole no seu discurso futuro, para não provocar a dúvida no espírito de todos nós perante aquilo que o Sr. Deputado quer. É porque se quer outra coisa, seremos obrigados a dizer que não.
Por último, o Sr. Deputado referiu várias vezes a expressão «perante a nova configuração de ameaça». Penso que não é nova; ouvi uma vez, da sua parte, a seguinte expressão: «um país defende-se não só dos seus inimigos, mas também dos seus amigos». Penso que é a génese natural de qualquer Estado defender o seu próprio santuário. Donde a lógica da sua defesa não decorrer só dos inimigos reais mas dos potenciais; decorre de qualquer lógica de agressão ou ameaça eventual.
Assim sendo, quando o Sr. Deputado coloca o problema, deve-o colocar em termos de localização de ameaça ou também, e sobretudo, dos meios que lhe respondem e que o Sr. Deputado citou. Mas, Sr. Deputado Adriano Moreira, não são todos esses meios os que estão configurados na próxima lei de programação militar, que aqui iremos debater? Ou há algo de novo, algo de diferente que o Sr. Deputado defenda, queira e promova?
São estas as dúvidas ligeiras que lhe queria perguntar por agora.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira. ,
O, Sr. Adriano Moreira (CDS): - Em primeiro lugar, queria dizer ao Sr. Deputado Angelo Correia que estamos pagos: é que vejo que não entendeu o que eu disse e, para ser franco, eu não entendi a maior parte daquilo que o Sr. Deputado disse.
Aplausos e risos do CDS, do PS e. do PRD.
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Em todo o caso, em relação àquilo que consegui entender, queria começar por sublinhar que os deputados falam para o País. Aquilo a que, estranhamente, com frequência, estamos submetidos é que só falamos para a Câmara...
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - ... e que o País não escuta. Esta circunstância repete-se continuadamente.
Vozes do CDS e do PS: - Muito bem!
O Orador: - Fico esperançoso com a minha intervenção de hoje, porque o Sr. Deputado Angelo Correia não tem dúvidas de que estive a falar para o País.
Espero que esta minha intervenção tenha escapado àquilo que vem sendo normal, ou seja, a de as intervenções parlamentares ficarem dentro da Câmara e não
passarem ao conhecimento do País.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, suponho que, ao longo da minha intervenção, formulei uma série de perguntas fundamentais dirigidas não apenas ao Ministro da
Defesa Nacional mas aos Ministros da Educação e Cultura e dos Negócios Estrangeiros.
Porque tenho alguma experiência do Estado e sei quais são as suas responsabilidades, sublinho perante a Câmara que um país que não tem lei do segredo de Estado é um país que, numa discussão destas, se vê
arriscado a não receber as respostas que pretende, porque não tem ponto de referência para definir aquilo que é reservado e aquilo que deve ser publicado.
O Sr. Angelo Correia (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Angelo Correia (PSD): - Agradeço-lhe a interrupção.
Peço ao Sr. Presidente para descontar o tempo que vou gastar no tempo que o meu partido dispõe.
O Orador: - Pode usar do tempo do meu partido, Sr. Deputado.
O Sr. Angelo Correia (PSD): - Não, por amor de Deus. Amabilidade com amabilidade se paga!
Sr. Deputado Adriano Moreira, eu não tenho dúvidas de que V. Ex. e falou para o País; tenho dúvida é que o País perceba o que V. Ex.º quer, o que é
completamente diferente. Sou um cidadão médio, um cidadão normal...
Risos.
O Sr. João Amaral (PCP): - Não exagere!
O Orador: - ... e, em sede de uma interpelação, a questão que coloco é a de saber não as perguntas em concreto que formulou ao Governo, uma vez que
essas as entendi, mas o alcance genérico e exterior das questões de fundo que colocou e que eu não entendi.
Mais: quando o Sr. Deputado coloca o problema da dificuldade de fazer perguntas pela ausência da lei do segredo de Estado, não estará a coarctar-se e a encontrar um álibi, uma explicação, para não fazer qualquer tipo de pergunta?
O Adriano Moreira (CDS): - Sr. Deputado, em primeiro lugar, queria dizer-lhe, para aumentar o seu ânimo próprio - que já é muito -, que se subavalia quando se considera um cidadão médio. Ninguém o considera assim.
Risos do CDS e do PS.
Toda a gente o considera muito acima da média.
Em segundo lugar, certamente por V. Ex.ª estar ocupado com pensamentos mais profundos, ainda não consegui fazer-lhe entender que quem tem de dar as respostas às perguntas que estão aqui enumeradas, que são claras, vitais e importantes - porque quem está a ser interpelado não sou eu, mas o Governo -, não tem critério de referência, e ele é fundamental.
Penso que qualquer deputado entende que o critério de referência para a definição do segredo de Estado é um critério fundamental, porque não pode ficar ao arbítrio de quem governa - que não tem critério nenhum que o obrigue - a fazer uma definição daquilo que tem de tornar público e daquilo que tem de manter reservado.
E, com isto, está a falar-se numa situação estrutural do Estado e não da situação de um governo em particular. Dou-lhe um exemplo: o CDS perguntou a vários governos qual era o instrumento diplomático que tinha restabelecido as relações com a China. Não foi a este governo, foi a vários governos.
Não entendo que os governos sucessivos, que são de vários partidos, estivessem todos combinados, por antecipação, para não dar a conhecer ao pais a existência do documento.
Entendo - porque proeuro fazer justiça à recta intenção de quem governa, seja qual for o partido a que pertença - que a preocupação dos responsáveis (neste caso o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Primeiro-Ministro) teve que ver com a questão a que genericamente chamamos segredo de Estado. $ a justiça que eu posso fazer a quem governa.
Outras perguntas que o CDS tem pendentes não obtiveram resposta até hoje - uma repeti-a no início do meu discurso -, e eu imagino que também devem existir objecções dessas, ponderosas, que dizem respeito ao interesse público, que movimentam a atitude omissiva dos governantes. Nunca atribuo intenções que não estejam ligadas ao interesse público.
Espero que isto seja perfeitamente inteligível pelo Sr. Deputado, desde que esteja atento àquilo que eu digo.
Em segundo lugar, a definição da nossa debilidade material para responder às exigências da segurança nacional é um facto que tem de ser levado ao conhecimento da população.
A população não pode imaginar que o problema da segurança nacional é o de saber quem é o Vice-Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas; a população não pode ser convencida que o problema da segurança nacional é o de saber se o Ministro da Defesa Nacional já fez os textos todos ou não.
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A população não pode ser iludida sobre a questão de saber que a segurança nacional tem que ver com a movimentação de uma conjuntura internacional, que nós dificilmente apreendemos, e que, por isso mesmo, exige toda aquela intervenção - que, essa, não depende de ajusta externa - que enumerei de forma concreta e clara e que diz respeito ao aparelho educativo. Não é precisa nenhuma ajuda americana para que o sistema educativo português corresponda às exigências da segurança nacional. E isto não está feito. Estas perguntas foram claramente feitas e hão-de existir razões para não terem sido respondidas na altura em que elas foram colocadas. .
Mas isto tem de ser levado ao conhecimento do País. O País não pode pensar que o problema da segurança nacional ande alheio desta situação. É isto que pretendo transmitir ao País.
Por outro lado, se, mesmo um cidadão acima da média - que é o Sr. Deputado Angelo Correia -, ficar convencido de que não há outra intenção na intervenção do CDS, eu trataria agora, brevemente, de um outro ponto (com licença do Sr. Presidente, uma vez que sei que o tempo já escasseia), que é o que se relaciona com o Atlântico Sul e àquilo que, com tom alarmado, o Sr. Deputado chamou as relações com os países de expressão oficial portuguesa.
Se convencermos o Pais de que o problema da segurança nacional é um problema juridicamente balizado por acordos internacionais, não estamos a dizer a verdade ao País. Porque sabemos que, no sistema mundial instaurado e interdependente, não se sabe onde começa a agressão, nem quem fica no caminho dela. E ninguém vai querer saber de tratados, nem de limitações jurídicas. Esta consciência tem de ser dada ao País, porque este pais de 92 000 Km Z está situado na convergência de ambições alheias e que não controlamos - é isto que tem de ser dito ao País.
É por isso que (provavelmente o Sr. Deputado não assistiu), quando esteve aqui o Presidente Sarney, falámos concretamente dos problemas do Atlântico Sul. E todos sabem que tem sido uma preocupação fundamental do Presidente Sarney a segurança do Atlântico Sul, no sentido da sua desnuclearização. Todos sabemos, de igual modo, que nos interessa que essa situação possa eventualmente ser conseguida.
É igualmente do conhecimento geral que, se pudermos ter uma palavra nesse domínio - com o auxílio e cooperação dos Estados de expressão oficial portuguesa, ou de outra qualquer expressão -, estamos a contribuir para aquilo que desejamos, que é paz e segurança para os nossos dias.
15to é muitíssimo claro e demasiadamente sério para que não seja considerado e meditado na sua simples expressão formal.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos interromper os nossos trabalhos até às 21 horas e 30 minutos.
Está interrompida a sessão.
Eram 20 horas.
Srs. Deputados, declaro, reaberta a sessão.
Eram 22 horas e 10 minutos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Pires de Miranda): Sr. Presidente, Srs. Deputados: A finalidade primordial de qualquer Estado é assegurar a paz interna e o desenvolvimento da comunidade que o integra e
defender os interesses do País perante o exterior. As relações entre os Estados são sobretudo as relações de força. Não existindo na ordem internacional, ao
contrário da ordem interna, um poder que se sobreponha às partes potencialmente em conflito, em última análise os Estados a nada mais podem recorrer do que a
si próprios para se defenderem. Assim, o interesse nacional é o critério supremo no relacionamento entre Estados.
A defesa externa dos interesses de um país envolve basicamente duas componentes: a permanente negociação entre Estados, tarefa da diplomacia, e a defesa militar, missão das Forças Armadas. Daí, a proximidade entre as funções dos militares e as dos diplomatas - não certamente nos métodos, mas quanto aos
objectivos que lhes dão sentido. Ambas as missões, ao assumirem a defesa externa do País e dos seus interesses, revelam a individualidade própria da comunidade
nacional e a unidade do Estado que politicamente a estrutura e lhe dá força.
Na frente externa, cabe ao Ministério dos Negócios Estrangeiros a defesa diplomática dos interesses nacionais. Mas importa sublinhar que a eficácia da acção diplomática depende do grau de credibilidade do Pais no exterior, ou seja, depende da imagem de coesão e força que a Nação souber dar de si mesma.
Exige-se, assim, uma articulação entre a frente externa e os esforços em curso na frente interna, pois só por abstracção é possível desligar a política externa da interna. Trata-se, afinal, das duas faces da mesma moeda.
Aliás, uma política de defesa, no verdadeiro sentido da expressão, está longe de se limitar a aspectos militares e diplomáticos. Defender o País é torná-lo mais forte, mais determinado, mais capaz de se afirmar na cena internacional a todos os níveis. Por isso, a defesa implica necessariamente a modernização da economia e da sociedade, a reforma das estruturas produtivas e
administrativas e o aproveitamento de todas as potencialidades de desenvolvimento dos Portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como já afirmei nesta Assembleia, as grandes prioridades de política externa portuguesa são objecto de um apreciável grau de consenso entre os partidos democráticos. Por isso, elas são as mesmas desde há mais de dez anos, não obstante a sucessão de governos que entretanto se verificou.
Trata-se, na verdade, de opções nacionais, o que é um bem inestimável - pois, desta forma, a política externa ganha continuidade e credibilidade. Ou seja,
ganha eficácia na defesa dos interesses nacionais.
É o que se passa, nomeadamente, com a opção europeia. Ao aderirmos às Comunidades Europeias não só suscitámos um condicionalismo capaz de estimular e
apoiar a modernização da economia como nos integrámos num quadro multilateral e comunitário onde os interesses de um país da dimensão de Portugal têm
possibilidades de afirmação que não estariam ao nosso alcance caso actuássemos isoladamente, tendo então que lidar bilateralmente com países mais poderosos.
Por outro lado, entrando nas Comunidades Europeias, Portugal passou a participar activamente nos esforços de harmonização, sempre que possível, das políticas
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externas dos Estados membros. Aí, não só o País é chamado a pronunciar-se quanto a problemas internacionais, sobre muitos dos quais anteriormente não dispunha de influência, como a nossa palavra e a nossa opinião são ouvidas e respeitadas, sobretudo quando estão em jogo questões envolvendo áreas do Globo a que nos ligam laços profundos e seculares - caso, por exemplo, da África Austral.
Esta é, de resto, uma das razões que explicam como a nossa entrada na Europa Comunitária, longe de levar ao enfraquecimento das relações de Portugal com os países africanos de língua oficial portuguesa - relações que são outra grande prioridade da nossa política externa -, bem pelo contrário valoriza e reforça tal relacionamento.
Por tudo isto se torna claro que a integração de Portugal nas Comunidades Europeias está a ser, porque convenientemente gerida, um factor de fortalecimento da capacidade de afirmação do país no mundo. Não se trata de lutar contra quaisquer fantasmas de perda de identidade nacional ou até de soberania. Nunca tal estaria seriamente em causa no País da Europa que é, depois da Dinamarca, aquele que há mais tempo estabilizou as suas fronteiras. Portugal sempre manifestou, ao longo de oito séculos, um alto grau de identidade nacional própria. No mundo de crescente interdependência em que vivemos, não há dúvida, porém, de que um país da nossa escala encontra nas Comunidades Europeias novas e importantes oportunidades, não apenas para se modernizar, como também para aumentar o seu peso e a sua influência no panorama internacional.
A opção europeia de Portugal foi basicamente uma escolha política: a escolha de um modelo democrático e ocidental de organizar a economia, a sociedade e o Estado. Ao aderirmos à Europa Comunitária afirmamos os valores de civilização que nos são caros - valores de democracia, pluralismo e respeito pelos direitos humanos. Por isso, o Portugal democrático nunca dissociou a integração nas Comunidades Europeias de uma participação activa na NATO- uma outra prioridade da política externa portuguesa desde há mais de dez anos.
Na verdade, consideramos a Aliança Atlântica como uma organização indispensável, no plano da defesa, para preservar aqueles valores de civilização, sem os quais, de resto, não teria sentido a própria construção da Europa. Uma Europa que, na perspectiva portuguesa, tem de ser construída em conjugação com os Estados Unidos - que com os europeus comungam dos mesmos ideais democráticos - e nunca tendendo para uma qualquer «terceira via» equidistante entre as duas superpotências.
Quer isto dizer que a prioridade atribuída pela política externa portuguesa à participação activa nas tarefas da Aliança Atlântica, bem como o relacionamento do País com os Estados Unidos, não resultam de mera fatalidade geográfica, nem sequer traduzem apenas a conveniência de valorizar geoestrategicamente o território nacional. Acima de tudo, o que conta é a opção democrática dos Portugueses e as exigências de segurança daí decorrentes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Portugal é, pois, membro activo da Aliança Atlântica. Da solidez e da eficácia desta dependem a nossa segurança, a nossa possibilidade de viver em paz e a preservação do sistema político, económico e social que escolhemos.
Ora, o Pacto de Varsóvia tem capacidade convencional que excede a do Pacto do Atlântico, mesmo incluídas as forças francesas e espanholas, as quais não integram a estrutura militar da Aliança. Por isso, a dissuasão nuclear constitui um elemento essencial da estratégia defensiva aliada.
Assim, se se caminhar para uma eventual redução de arsenais nucleares, terá também de se procurar um equilíbrio de forças convencionais na Europa. Nesse sentido decorreram as negociações de Estocolmo sobre medidas criadoras de confiança e de segurança, e decorrem agora em Viena, no âmbito da CSCE, conversações preparatórias de novas negociações no campo convencional.
A posição do Governo Português é clara: quando se negociarem reduções de forças e armamento, as negociações deverão decorrer bloco a bloco, pois a ameaça aos países da Aliança Atlântica não reside nos países neutros e não-alinhados da Europa, mas sim no poderio militar do Pacto de Varsóvia.
Os Estados Unidos desempenham, naturalmente, um papel importante em todo este processo. Gostaria de lembrar que aqueles que insistem em ver a Europa constrangida entre duas superpotências ignoram realidades elementares. A divisão efectiva que existe não é entre a Europa, Estados Unidos e União Soviética. É entre a Europa Ocidental e Estados Unidos, de um lado, e União Soviética e seus satélites, do outro. Esquecer isto é correr graves riscos. A solidariedade ocidental, sem a qual a nossa segurança ficaria gravemente ameaçada, depende do bom entendimento entre a América do Norte e os seus parceiros europeus da Aliança Atlântica.
Esse entendimento não exclui divergências ocasionais, competição, concorrência e defesa intransigente dos interesses nacionais de cada um. Tal se passa no campo económico e no campo político, no plano multilateral ou no plano bilateral.
Já o tenho dito e repito-o agora: Portugal é um aliado firme dos Estados Unidos e por isso é também um aliado exigente. Estados soberanos entram em acordos para benefício mútuo. Aqui, como em outras áreas da nossa política externa, o Governo tudo tem feito para que - em cada negociação, ou renegociação específica, em cada ajuste feito, em cada exploração de novos caminhos - o benefício para Portugal seja o maior possível.
Tal não significa esquecer o enquadramento global e ignorar a perspectiva histórica. Pelo contrário. O futuro constrói-se no presente - e as visões de conjunto só servirão aqueles que tiverem os pés bem firmes na terra. '
Aplausos do PSD.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para pedir esclarecimentos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: Como se terá certamente apercebido durante a parte da tarde, esta interpelação serviu, pelo menos, para que o Sr. Ministro da Defesa Nacional fizesse a mais surpreendente declaração que ouvimos nos tempos recentes sobre a política externa
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do Governo, a saber: o Governo considera-se «entalado», ou que o País «entalado» está, com os acordos em vigor com os Estados Unidos.
Gostava de perguntar ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros - que, no fundo, tem a responsabilidade directa por essa área (sem exclusão do Sr. Primeiro-Ministro, naturalmente)- se o Governo coloca a questão da renegociação, global ou parcelar, dos acordos em vigor com os Estados Unidos da América e em que sentido a encara, se é que a encara - a não ser que admita que está «entalado» mas calado.
Por outro lado, não conseguimos saber, apesar das muitas diligências feitas no âmbito da Assembleia da República no mês de Setembro, Outubro e Novembro, se essa matéria tinha sido objecto de debate por ocasião da deslocação do Sr. Primeiro-Ministro aos Estados Unidos da América - deslocação essa em que teve ocasião de se avistar e trocar impressões com altas personalidades da administração norte-americana, incluindo com o então director da CIA.
Em todo o caso, este ponto dos acordos em vigor e dos respectivos contornos e implicações para Portugal foi abordado nessas negociações e conduziu a resultados que o Sr. Ministro esteja, neste momento, em condições de revelar?
A segunda questão diz respeito a uma outra informação aqui prestada pelo Sr. Ministro da Defesa Nacional. Relativamente à questão da exportação e transbordo (ou, de alguma forma, passagem) de armas no quadro da operação secreta denominada «Irangate», o Sr. Ministro teve o cuidado de precisar que se responsabilizava perante a Câmara em afirmar que não havia conhecimento governamental da passagem de aviões militares.
O Sr. Ministro sublinhou esta palavra, e creio que não o fez por acaso. Considero ser a mais condenável, e até perniciosa, técnica de abordar questões em que possa existir algum segredo de Estado - questão há pouco colocada pelo Sr. Deputado Adriano Moreira. Esta é a forma e o ângulo mais pernicioso, que é o ângulo da meia-verdade, o ângulo da resposta capciosa, o ângulo do encobrimento.
Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, Srs. Membros do Governo: Como toda a gente sabe, a administração norte-americana não foi suficientemente insensata para colocar aviões americanos fazendo esse tráfico. Os aviões, segundo consta na imprensa, terão sido aviões da CIA, mas aviões de uma linha adequada, camuflada, etc., etc. É essa a questão que está colocada e a que é preciso responder. Responder à outra questão, é não responder, é ocultar a verdade. É uma política de meias-respostas, na qual o Governo está empenhado.
Em relação à questão dos GAL, há pouco abordada, procedeu o Governo em termos idênticos, ao dizer que não tinha havido nenhum oficial da DINFO envolvido em operações.
O Sr. Ministro escamoteou, historicamente, a questão ao dizer que o que se coloca é o envolvimento de um agente. Sei que um agente não é um oficial, mas
creio ser uma má forma de colocar questões desta importância.
Portanto, perguntava ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, fazendo um apelo para que responda frontal, directa e rigorosamente, sobre qual é a posição do Governo em relação à pista portuguesa do escândalo denominado «Irangate». Qual a intervenção do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que controles e cautelas tornou o Ministério, que conhecimento e que intervenção teve na altura? Designadamente, o Sr. Ministro desmente ou confirma os contactos, que a impressa deste fim-de-semana noticiou, entre os elementos da Administração Norte-Americana e o Sr. Ministro pessoal e directamente?
Creio que é absolutamente imprescindível que a Assembleia da República obtenha respostas - não ambíguas, nem capciosas - a perguntas que o País tem o direito de fazer, que na Assembleia da República temos todos o dever de formular e que temos o direito de ver respondidas com clareza e, sobretudo, Sr. Ministro, com verdade integral.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros para responder, se o desejar fazer.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: - O Sr. Deputado José Magalhães fez-me três perguntas, sendo uma referente à visita do Sr. Primeiro-Ministro aos Estados Unidos. Devo dizer-lhe, em relação a isso, que se tratou de uma visita de Estado e não de uma visita de transmissão de informação. Se houvesse informação importante e relevante a fazer, ela já tinha sido feita.
Outra pergunta refere-se à renovação de acordos com os Estados Unidos. É sabido que os acordos existentes têm alguns aspectos que necessitam ainda de ser acertados. É natural que o Governo se empenhe, como é sua obrigação, em cada ocasião e estágio da negociação, em melhorar as condições - é absolutamente natural que assim proceda. Não está em causa a revogação de acordos com os Estados Unidos, mas sim o ajuste de certos aspectos que ainda falta determinar.
Quanto à última questão, refere-se o Sr. Deputado ao caso Irangate (como é conhecido). Apenas lhe queria lembrar que o Governo não esteve calado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Refere-se à nota oficiosa?
O Orador: - No dia 22 de Janeiro, o Governo emitiu um comunicado em que esclarecia claramente a situação. Diz-se claramente que o Governo não autorizou o transbordo, em aeroportos nacionais, de material de guerra proveniente dos Estados Unidos da América, ou de 15rael, para o Irão ou para a Nicarágua.
Acho que não podem existir dúvidas quanto ao não envolvimento de autoridades portuguesas neste caso.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Não, desculpe.
Risos.
Protestos do PCP.
Não queria entrar em considerações sobre especulações surgidas de vária natureza. Esta é a realidade. Parece-me que é irrelevante saber as conversas que, eventualmente, possam haver entre membros do
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Governo e as autoridades estrangeiras. O que é importante são as declarações que o Governo Português faz e as medidas que toma. 15so é que é importante.
A nossa afirmação é categórica: não houve transbordo de armas americanas nem para o Irão nem para a Nicarágua.
No que concerne ao problema de venda de equipamento, munições, armas ou material de defesa para organizações ou movimentos que combatem governos internacionalmente reconhecidos, tal não é verdade. As transacções desses equipamentos fazem-se de acordo com o Decreto-Lei n.º 371/80, de 11 de Setembro, tendo sido seguidas todas as regras. Não se fez, portanto, nenhuma venda a qualquer movimento que combata governos internacionalmente reconhecidos.
Julgo que as explicações do Governo foram bem claras a partir do dia 22 de Janeiro, nunca tendo havido dúvidas a este respeito.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães pede a palavra para que efeito?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Para defesa da honra, Sr. Presidente.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Foi atacado por alguém?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, esperei que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros autorizasse a interrupção que lhe solicitei, como procedimento normal. Mas, ao que parece, foi advertido para que não o fizesse - é um direito, não o contesto ...
Em todo o caso, os termos em que entendeu não responder à pergunta que lhe tinha sido dirigida e, sobretudo, os termos em que entendeu reafirmar, pura e simplesmente aquilo que o Governo tinha dito em nota oficiosa do dia 22 de Janeiro, perante a Assembleia da República, parecem-me revestir substancial gravidade.
A nota oficiosa do Governo, publicada nas circunstâncias em que o foi e depois de um período de grande silêncio, num momento em que, até por força de investigações do Congresso Norte-Americano já eram conhecidos bastantes factos (ao que parece incontroversos) sobre a pista portuguesa no escândalo Irangate, significa a continuação da mesma atitude de negação de coisas hoje evidentes e que comprometem o próprio prestígio da própria Administração Portuguesa perante a comunidade internacional. E não será com pequenas habilidades linguísticas e lexicais - como aquelas que constam do comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros e que o Sr. Ministro repetiu agora numa forma pior, se me permite - que a dignidade nacional consegue ser defendida perante as instâncias internacionais.
O Governo diz que não autorizou. Mas isso é a confissão de impotência governamental perante aquilo que foi uma operação de transbordo de armamento que terá chegado a organizações somozistas. Há pouco o Sr. Ministro da Defesa Nacional disse à Assembleia da República: «Não chegou nenhuma arma portuguesa a elementos da guerrilha somozista.» Pergunto com base em
que informações é que S. Ex.º disse isto e pergunto também com base em que informações é que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros nega peremptoriamente isto que é hoje, ao que parece, uma evidência.
Segundo aspecto: O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros afirmou que « O Governo não autorizou o transbordo em aeroportos nacionais de material de guerra proveniente dos Estados Unidos ou de 15rael para o Irão ou Nicarágua».
Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, face ao que hoje se sabe, a questão não está em o Governo o ter autorizado ou não. A questão está no facto consumado, aparentemente nas barbas do Governo ou com a sua própria conivência, segundo elementos indicadores que chegam ao conhecimento do povo português através de órgãos de comunicação social, mantendo o Governo sobre esta matéria a atitude que o Sr. Ministro aqui exibiu.
Pode, naturalmente, não responder. Pode fazer um ar abespinhado, agastado, e dizer: «Não, não! Nós não respondemos a coisas dessas. Leiam no jornal, amanhã, a continuação do próximo capítulo desta telenovela das armas do Irangate.»
Considero que essa atitude, se for adoptada pelo Sr. Ministro - e espero que não - seria mau conselho. Significaria uma atitude lesiva dos direitos que a Assembleia da República tem numa matéria de interesse nacional.
Finalmente, quanto às medidas em vigor para o controle das importações e exportações, o Sr. Ministro anunciou, na sua nota oficiosa, que o Governo ia adoptar medidas para minimizar os riscos de desvio de armamento. Ora, que a legislação em vigor propicie esses riscos de desvio, creio que seria cegueira completa negá-lo. Se o Governo nega isto, que é uma evidência, então é caso para deitarmos as mãos à cabeça e pensamos que controle é que existe em relação a opções muito melindrosas de política externa, traduzidas num envio de armamento para aqui, para ali ou para acolá.
Quem controla isto?
Se o Governo não controla isto, se não tem mão nesses circuitos, quem é que tem mão? E, designadamente, como é que a Assembleia da República e os outros órgãos de soberania podem responsavelmente aceitar que tudo se passe no meio desta penumbra, desta irresponsabilidade e até, possivelmente, desta corrupção?!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: Sr. Deputado, eu queria reafirmar que o X Governo não autorizou transbordo de qualquer material proveniente dos Estados Unidos ou de 15rael para o Irão e Nicarágua e não passou nenhum material desta natureza em qualquer aeroporto nacional.
O Sr. João Abrantes (PCP): - Ou, se passou, foi muito baixinho!
Risos.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
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O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A interpelação que agora ocorre há-de servir e tem servido, aliás, desde logo, para levar ao conhecimento do País um balanço da política de defesa seguida pelo Governo e dos seus reflexos sobre o País e sobre os Portugueses.
Não é por inocência, nem por acaso, que as questões de defesa nacional raramente têm o tratamento público que é necessário e indispensável. E também não há inocência nem acaso no facto de os Portugueses estarem a ser sucessivamente arredados pelo Governo da discussão das opções que este vai fazendo nesta área.
A afirmação, que em certa medida hoje aqui já foi feita, de que o Governo não teria política de defesa, devo dizer que não contribui para esclarecer o sentido das opções governamentais. O Governo não tem, ou não terá, um sentido nacional da política de defesa, mas essa constatação, por si, não justifica que se ignore ou subestime o alcance dos compromissos, designadamente externos, que vem assumindo e da prática que vem seguindo.
O sector da defesa nacional, no quadro da política governamental, é bom dizê-lo claramente, está a ser atingido por uma profunda doença, que ameaça alastrar.
E talvez se ponha o dedo na ferida se se disser que tudo o que vem sendo feito pelo Governo nesta área, conduz àquilo que será a maior das vulnerabilidades, a existência e o aprofundamento de um fosso entre os interesses do País dos Portugueses e os objectivos seguidos na área da defesa pelo Governo.
Quando isso sucede, como está a suceder, quando se diagnostica a não identificação do povo, que é destinatário e suporte de uma política de defesa nacional, com os objectivos que os responsáveis governamentais lhe definiram, então, é necessário dizê-lo com clareza, está a comprometer-se a própria capacidade de defesa.
Atribuir os erros profundos que o Governo está a cometer à inexistência de uma lei orgânica do Ministério da Defesa ou às características pessoais desta ou
daquela figura política pode evidenciar questões que obviamente existem, mas, por esse lado, fica-se longe do cerne das questões. -
O País, Srs. Deputados, mudou profundamente nos últimos doze anos com a revolução vitoriosa do 25 de Abril, O Portugal democrático dos anos 80, o Portugal que liquidou a ditadura e o colonialismo e que caminha para o futuro com novas gerações de jovens que não fizeram nem conheceram a guerra colonial há-de ser forçosamente um país diferente que reclama opções novas, actualizadas, que enterrem o passadismo, coisas que obviamente os especialista obcecados pelas «estratégias indirectas» têm, por razões óbvias, dificuldade em entender e, muito mais, em aceitar.
O artigo da Constituição (273.º, n.º 2) que define como objectivos de defesa nacional «garantir no respeito das instituições democráticas .ª independência nacional, a integridade do território e a liberdade e á segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaças externas» não pode ser lido separadamente do artigo sobre as relações internacionais (artigo 7.º, n.º 1), segundo o qual «Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, no respeito dos direitos do homem, do direito dos povos à autodeterminação e à independência, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade». É bom ler e citar aqui este artigo.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Não há política de defesa nacional que não comece, também, por uma política externa independente e multilateral. O contrário do que o Governo está a fazer. Os casos já aqui trazidos hoje, do envolvimento de Portugal no Irangate e do envolvimento, tocando departamentos militares de informações, em acções terroristas no quadro da questão basca, são afloramentos chocantes de processos políticos conduzidos contra os interesses do País e contra os objectivos da defesa nacional.
No caso Irangate, os interesses concretos eram os da Administração Reagan.
Aliás, os interesses estratégicos dos Estados Unidos da América tornaram-se na obsessão pedra de toque da política de defesa do Governo Português. 0 Primeiro-Ministro, numa intervenção produzida no Instituto de Defesa Nacional, vem mesmo a fazer-se advogado da subordinação estratégica de toda a Europa ocidental aos Estados Unidos da América, criticando assim, implicitamente, os tímidos esforços que alguns políticos e especialistas europeus têm vindo a fazer no sentido da construção de um pensamento estratégico próprio.
No Livro Branco de Defesa Nacional, editado pelo Ministério da Defesa, afirma-se sem peias que «Portugal está colocado no caminho da confrontação Leste-Oeste onde se entrechocam interesses estratégicos da maior importância para as duas superpotências mundiais».
É a visão do livro branco - talvez fosse melhor chamar-lhe livro negro.
Traduzido na prática, os Açores (integrados num comando NATO com sede nos Estados Unidos da América) tornaram-se numa base de uso americano para fins múltiplos, que não excluem a passagem das Forças Armadas dos Estados Unidos da América para operações na Europa, Norte de África e Médio Oriente.
O próprio território continental é crescentemente envolvido na manobra militar dos Estados Unidos da América.
O reequipamento das Forças Armadas é conduzido, em pontos particularmente significativos (e caros), na base das opções dos Estados Unidos da América, que fornecem o material em tais termos que, como salientava um alto responsável das Forças Armadas, não é possível a Portugal «impor o que pretende».
O mais recente e mais caro equipamento adquirido - as esquadras de A-7, as fragatas MEK0, os P-3, o equipamento da 1.ª Brigada Mista Independente - tem missões específicas no quadro da NATO, designadamente para operar fora do controle supremo dos altos comandos militares portugueses e mesmo em território estrangeiro.
Não se trata aqui de trazer ao conhecimento público algo que não seja sabido. Trata-se sim de realçar os dois traços essenciais a que tem conduzido a política de alianças militares e o afunilamento da política externa. Por um lado, o território nacional fica considerado base operacional para forças militares estrangeiras; por outro lado, a filosofia de reequipamento
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militar português, inserida nas necessidades militares estrangeiras, conduz à «desocupação» real do território nacional pelas Forças Armadas Portuguesas.
E isto, infelizmente, não é ficção: conhecem-se as notícias de planos concretos da NATO em que parcelas do território nacional são «defendidas» por unidades de outros países. «Defendidas» quer aqui dizer, obviamente, ocupadas.
O centro de toda a questão está aqui. Não se poderá entender, não poderão entender os Portugueses, que se afirme, sem desmentido, que Lisboa não tem a defesa aérea necessária e que, ao mesmo tempo, se anuncie, como prioritária, a aquisição aos Estados Unidos da América de uma bateria de mísseis Hawk para instalar na ilha Terceira, precisamente onde os Estados Unidos da América operam! Não se poderá entender que a brigada operacional que tem o exército tenha a missão preferencial em Itália, isto enquanto vêm notícias de que se fazem exercícios sem balas, porque não há dinheiro, e de que não há fardamentos nem munições para os escalões de mobilização.
Inevitavelmente, o fosso entre os Portugueses e a defesa nacional alarga-se.
As questões agravam-se, entretanto, na própria componente do relacionamento do Governo com as Forças Armadas e no relacionamento Governo/Forças Armadas com o Portugal democrático.
Quando o general Kaulza de Arriaga verte todo o seu veneno antidemocrático e defende despudoradamente o colonialismo e a ditadura numa revista militar; quando um exercício militar é desenhado com referência a um inimigo que envolve organizações de trabalhadores e movimentos de opinião nacional, numa clara preparação para o uso das Forças Armadas em missões de segurança interna, contra o «inimigo eterno», ou quando um general político é nomeado pelo partido que o propôs para Presidente da República para um alto cargo militar, a dois dias da passagem a reserva, então o mínimo que se poderá dizer é que é necessário repensar de fundo toda a política que está a ser seguida, é necessário e urgente pôr um travão a estes fenómenos de partidarização, pelo PSD, das Forças Armadas e da sua colonização ideológica por forças da direita e da extrema direita.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE
Que explicação se pode dar a uma juventude ávida de entender o mundo que a rodeia para o facto de os oficiais que ajudaram a construir o Portugal em que vivem, o Portugal de Abril, sejam preteridos nas promoções ou colocados na prateleira, precisamente por serem oficiais de Abril? Que espécie de coerência pode haver numa educação que tem uma premissa como esta?
Que sentido de orgulho nacional se pretende dar a esses jovens quando se verifica que, para o acesso a cargos determinantes nas Forças Armadas, o que pesa não é ser português, ser competente e estar empenhado em defender a pátria, mas sim a opinião da NATO, a credenciarão NATO?
Mesmo a omissão da elaboração da legislação complementar da Lei de Defesa Nacional, de que resulta a manutenção em vigor de legislação velha e ultrapassada, muito dela ainda eivada das concepções da ditadura, reflecte, por responsabilidade e vontade do Governo, a mesma postura passadista e retrógrada.
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Serve para exemplo o Estatuto da Condição Militar, o Código de Justiça Militar, o Regulamento de Disciplina Militar e a lei sobre mobilização. São instrumentos legislativos decisivos para o rejuvenescimento conceptual sobre o que é o cidadão militar e sobre a sua ligação e inserção na sociedade. Sabido que o nível de reflexão que hoje se faz em todo o mundo sobre a matéria tem conduzido a soluções legislativas crescentemente legitimadoras do estatuto de cidadão que cabe em primeira linha ao militar, bem se entende a paralisia do Governo em suscitar na Assembleia da República um debate que conduzirá, muito provavelmente, se não inevitavelmente, à aprovação de textos tendentes a tirar os militares do ghetto onde o Governo os pretende manter e a retirar-lhes o estatuto de cidadão de 2.8 que o Governo lhes quer impôr.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O Estado democrático deve emergir em todas as componentes do todo nacional e no quadro da defesa nacional e dos seus objectivos as Forças Armadas hão-de integrar o país que somos, com os contornos definidos constitucionalmente.
Repito: no quadro constitucionalmente definido. Porque, no fundo, é disso que neste debate se trata, é de saber se a doença que alastra no domínio da defesa não radica precisamente aí, na desconformidade entre o país que somos e as opções que estão a ser feitas.
O fulcro da nova conceptualização estratégica, que está por fazer, só é nacionalmente inteligível (só ganhará o núcleo essencial da vontade dos Portugueses), se tiver por primeiro e soberano ponto de referência os interesses do país que somos. Não se vencerá o fosso que separa os portugueses da política de defesa nacional enquanto, como o faz o Governo, se fizer dos compromissos externos contrários ao interesse nacional a raiz, a condicionante e o desenho básico da política de defesa.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O conflito entre esses compromissos externos e um pensamento próprio e nacional da política de defesa só tem um critério nacional de resolução: o de privilegiar os interesses nacionais.
Neste sentido, torna-se compreensível afirmar que a política nacional (sublinho, nacional) de defesa está por construir. Com graves consequências em diferentes domínios.
A questão das reservas estratégicas é um dossier como que abandonado, a indústria nacional de defesa é relegada para último plano, propondo-se toda uma programação militar sem a equacionar com as dificuldades e necessidades de empresas do sector (como por exemplo a INDEP). Novas dependências e ameaças são negociadas, como a da instalação da estação electro-óptica de Almodôvar, desprezando as vulnerabilidades acrescentadas ao País. O trânsito de forças armadas dos Estados Unidos da América para operações em países próximos é autorizado sem a mínima consideração pelo quadro de ameaças regionais.
Tudo isto, Srs. Deputados, é inaceitável se quisermos ter uma política própria de defesa nacional, se quisermos assegurar uma capacidade de defesa autónoma e credível.
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É sobre esse novo quadro de referência que é necessário reflectir e para que é necessário trabalhar.
Com certeza de que esse é o caminho para a mobilização da vontade dos Portugueses para a defesa nacional, que esse é o caminho da defesa da independência nacional.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para fazer um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
Vozes do PCP: - Ah! ...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Srs. Deputados, eu, desarmado e inofensivo, provoco um tal espanto em VV. Ex.as? ... Imaginem o que seria eu verdadeiramente militarizado!
Risos do PSD, do CDS e de alguns deputados do PS.
Aplausos do PSD.
Mas vou colocar ao Sr. Deputado João Amaral uma questão evidentemente inofensiva, desarmada.
Sr. Deputado João Amaral, de que valem as palavras quando são vazias de sentido? O que dá sentido às palavras é um mínimo de coerência que lhes possamos atribuir com as nossas atitudes, ou melhor, neste caso com as vossas!
O Sr. Deputado João Amaral fez uma jura de fidelidade ao princípio da autodeterminação, considerou mesmo que uma vertente da nossa política - e acho isso muito bem - deveria ser a da autodeterminação.
Primeira questão: está V. Ex.a, então, do lado dos povos bálticos? É, justamente, pela autodeterminação da Letónia, da Lituânia e da Estónia, cuja ocupação pela União Soviética acabou de ser condenada em resolução da última Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa? Responda a esta questão e será uma óptima oportunidade para começar a dar um mínimo de coerência às suas palavras e, a partir daí, a merecer que nós ouçamos com seriedade o seu discurso.
Segunda questão: o que pensa o Sr. Deputado dos levantamentos populares que tiveram lugar no Kazaquistão? A tal ponto...
Protestos e risos do PCP.
Os senhores riem porque ainda não aplicaram as determinações de Gorbatchev, ainda não estão a aplicar o voto secreto!
Risos e aplausos do PSD.
Os senhores ainda não introduziram o voto secreto: as comunicações são lentas, têm essa desculpa. Mas logo que a directriz chegar, os senhores fá-lo-ão rapidamente e autocriticar-se-ão.
Risos do PSD.
Sabem isso perfeitamente! Normalmente, fazem-no com um atraso de anos mas acabam por o fazer e, no fundo, só merecem o nosso apreço por isso.
Mas que pensa o Sr. Deputado acerca das revoltas populares que tiveram lugar no Kazaquistão, precisamente em nome da independência nacional desse povo, que, como sabe, é predominantemente muçulmano? Estas revoltas chegaram a tal ponto que foram reconhecidas por Gorbatchev no seu último discurso, pois, evidentemente, não podendo deixar de reconhecer o acontecimento, inclusive a sua razão de ser nacionalista, aceitou-o, embora recusando a eventualidade de esse nacionalismo ser aceite ao ponto da independência. De qualquer modo, reconhecem o acontecimento e até as suas motivações.
Sr. Deputado, o que pensa desta questão? Não me diga que vai ao ponto de não reconhecer o acontecimento! De facto, aqui não é o caso de se dizer que é mais papista que o Papa, porque V. Ex.ª não tem nada a ver com o Vaticano...
Risos do PSD.
Mas dá-me a impressão que se coloca numa posição em que poderíamos dizer que «é mais moscovita que o próprio».
A última questão: vejo que o Sr. Deputado José Magalhães tem problemas. Está em tumulto, Sr. Deputado? Tenha calma, Sr. Deputado...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Estou em quê?
O Orador: - O Sr. Deputado não sabe o que é um tumulto?
Risos do PSD.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não alargue o espectro da provocação!
O Orador: - Tenha calma, Sr. Deputado, vou fazer a última pergunta ao seu colega João Amaral.
Sr. Deputado, V. Ex.ª disse e exemplificou que este governo poderia contribuir grandemente para aumentar a nossa capacidade de defesa nacional, reconheço-o. Este governo, com certeza, ainda fará muito mais nesse sentido. Mas faço-lhe uma pergunta que, ao mesmo tempo, é um desafio: no dia em que os comunistas de Portugal - ou, se quiserem, portugueses se inserirem na lógica da democracia pluralista, seriamente, sem reticências, e, através do seu comportamento prático, demonstrarem que assim o fizeram, nesse dia Portugal terá dado um grande passo no sentido de reforçar a sua defesa nacional.
Aplausos do PSD e do Sr. Deputado Independente Borges de Carvalho.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - A culpa não é dele, é do médico!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira, para formular um pedido de esclarecimento.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Deputado João Amaral, merece a pena realçar um aspecto da sua - intervenção, em perfeita dissonância com o que as restantes oposições têm dito neste debate. .
De facto, tem sido a tónica das restantes oposições que não existe uma política de defesa por parte deste governo e V. Ex.ª vem dizer que, de facto, essa política existe. Devo dizer que não contávamos com tamanha ajuda da parte da sua bancada.
V. Ex.ª diz também que não concorda com essa política de defesa e pretexta que o povo não se identifica com a que é praticada por este governo. Sr. Deputado,
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não será uma pretensão excessiva da sua parte querer arrogar-se como vem sendo hábito, infelizmente a representação exclusiva do povo português? Não acha V. Ex.º que todos os outros representantes e todos os outros grupos parlamentares desta Câmara significam e representam também uma parte significativa do povo português, porventura uma parte mais significativa deste povo no que concerne a esta matéria, nomeadamente à Lei de Defesa Nacional, para cuja maioria na aprovação V. Ex." e o seu partido não contribuíram?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. José Magalhães (PCP): - E muito bem! Não estamos nada arrependidos!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Srs. Deputados, trouxe a este debate um conjunto de questões que, no ângulo da concepção de defesa nacional que aqui defendemos, consideramos da maior relevância. Sobre todas e cada uma das questões que foram postas e que têm a ver com o quadro de dependências externas a nível de utilização do território nacional, com o quadro de reequipamento, com o relacionamento entre o Governo e as Forças Armadas, com a ausência de perspectivas concretas em relação à emissão de nova legislação que adequadamente insira aquelas na sociedade e, ainda, acerca das outras questões que coloquei sobre essa matéria, não posso deixar de registar que nem o Sr. Deputado Silva Marques que, aliás, não tem culpa porque não sabe nada disto -, nem o Sr. Deputado Cardoso Ferreira disseram fosse o que fosse.
Srs. Deputados, obviamente que não se trata aqui de cada um puxar pelo número de votos, de os contar e dizer o que valem. 15so está representado no número de deputados que aqui temos. Do que se trata, seriamente, é de saber se as políticas que estão a ser seguidas conduzem à identificação do País com a política de defesa.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Eu não disse, Sr. Deputado, nem reclamei que outro quadro político pudesse resolver essa questão; apenas pus o dedo numa ferida e numa ferida real, que é uma questão muito séria. Há queixas de muitos lados no sentido de que a juventude hostiliza o serviço militar, que a juventude não o entende ou que lhe entende a penosidade mas não o seu sentido patriótico, etc., e eu posso, tenho legitimidade, tenho mesmo o dever de fazer aqui uma reflexão sobre isso. Assim, perguntei a que se deve esse divórcio, procurei defini-lo a um certo nível e procurei situá-lo precisamente num ponto que me parece central: o País, necessariamente, terá dificuldade em entender uma política de defesa que não tem a ver com o País. E se cada um de nós meter a mão na consciência e não julgar só pela política, suponho que não será difícil encontrar um certo consenso nessa afirmação clara de que aí é que está o mal desta política, da política que existe, Sr. Deputado.
Na verdade, o que eu quis dizer foi que afirmar-se que este governo não tem política de defesa é negar-se a evidência de que estão a ser levadas a cabo acções
que conduzem, por exemplo, à situação de os jovens não entenderem o serviço militar, o que é extremamente grave. De facto, está em marcha uma má política de defesa, se se quiser uma política de antidefesa, ou, pelo menos, uma política de defesa que não tem como conteúdo essencial o interesse nacional.
Esta, Sr. Deputado Cardoso Ferreira, é a postura séria que há que ter neste debate e sempre a assumi, sempre a assumimos nesta bancada e sempre a assumiremos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Não posso, por isso, deixar de fazer um pequeno aparte em relação ao Sr. Deputado Silva Marques - que entrou nisto, como, aliás, é costume, por encargo do seu grupo parlamentar, que lhe destinou essa tarefa -, dizendo-lhe que essa tarefa e o papel - que lhe reservam não o honram. Mas muito mais e muito mais grave do que isso é o facto de ter aceitado esse papel, esse papel miserável que acabou de fazer! ...
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para defesa da honra, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado João Amaral... e trato-o por Sr. Deputado porque nenhuma agressão de natureza moral, nenhuma, pode crer - e poderão, o senhor e os colegas, repetir as vossas agressões morais em número infindável -,.. .
O Sr. José Magalhães (PCP): - Nem é preciso!
O Orador: - ... conseguirá fazer-me prescindir das minhas obrigações de deputado, como seja a de me pronunciar com veemência mas sem insultar seja quem for nesta Câmara.
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Ninguém o conseguirá fazer e o facto de os senhores o fazerem não me cria raiva contra os senhores, cria-me amargura, porque o vosso comportamento é uma questão basilar da defesa nacional, hoje, no nosso país, infelizmente! ...
De qualquer modo, Sr. Deputado João Amaral, tenho aqui o documento da última reunião da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa que condena, expressamente, a ocupação dos Estados Bálticos pela União Soviética - leia-o, se não acreditar -, lembrando que a incorporação na União Soviética dos três Estados Bálticos, Letónia, Estónia e Lituânia, foi e continua a ser uma violação flagrante do direito à autodeterminação dos povos e que, ainda hoje, essa incorporação não foi reconhecida pela maior parte dos Estados europeus e por numerosos membros da comunidade internacional, etc.
Sr. Deputado João Amaral, com insultos ou sem insultos, responda-me a esta questão: os senhores, comunistas portugueses, o que é que pensam desta situação? Uma vez que os senhores discutiram a política internacional do Governo, não me vão responder que só se ocupam dos assuntos internos do País, o que costuma ser a vossa resposta.
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O Sr. João Amaral (PCP): - Era só o que faltava que desse troco a isso!
O Orador - Os senhores querem ocupar-se deste assunto de política internacional, sobretudo quando foram os senhores mesmos que começaram a dar vivas à autodeterminação? Agora, os senhores não podem levar o vosso vanguardismo ao ponto de considerarem que têm o direito de dizer aquilo que vos apetecer sem ninguém vos pedir e sem que, ao menos, expliquem a vossa coerência. É isso que estou a fazer, Sr. Deputado, e os senhores tenham um momento de elevação e sejam capazes de me responder sim ou não.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - O Sr. Deputado Silva Marques comporta-se, neste debate político, sobre as questões de defesa ou noutro qualquer debate político, como uma espécie de «galo de combate». Mas a questão essencial que pode ser transportada seriamente para este debate, no quadro de uma reflexão sobre a política de defesa nacional, há-de ser conduzida a partir das premissas próprias do país que somos e das premissas próprias na nossa inserção no mundo. Como o Sr. Deputado Silva Marques não acrescentou nada à questão que está em debate, o que devo dizer é que não retiro uma única palavra em relação às observações que fiz sobre a forma miserável como se está a portar neste debate.
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Angelo Correia.
O Sr. Angelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A interpelação que o PRD promoveu nesta Assembleia é legítima, em termos constitucionais e em termos políticos; é uma questão indiscutível. Dos propósitos que, porventura, tenha politicamente, não os podemos aferir, só ele próprio. Apenas aferiremos do conteúdo da sua intervenção, aqui, hoje, bem como da dos outros partidos políticos, e é em função disso que nos debruçaremos.
Todavia, ao longo deste debate e na parte em que já foi travado, perpassa um conjunto de circunstâncias que, do meu ponto de vista, se baseia em alguns equívocos, noutros casos em contradição e, sobretudo, baseia-se numa clara dessintonia de posição entre as várias oposições parlamentares. '
Do ponto de vista da Assembleia da República, para discutir um problema tão importante como o da defesa nacional, não é justificável nem é lógico fazê-lo sem uma relação histórica. Não tem sentido tentarmos partir do zero do dia de hoje, como se, neste domínio, a história não tenha consequências profundas e grandes. Por isso, é lógica uma análise de alguns antecedentes.
Até há cerca de alguns anos atrás, Portugal possuía um conceito de defesa nacional restrito, limitado e incorrecto, meramente apenso à noção de defesa militar. Há alguns anos atrás, o vector mais importante da defesa nacional militar, que são as Forças Armadas, encontrava-se numa situação de profunda transformação estrutural e, eventualmente, até orgânica.
De uma guerra em África, de uma guerra sem meios, de uma guerra que cumpriram, as Forças Armadas encontravam-se num teatro euro-atlântico diferente, num teatro em que os meios de equipamento requeridos eram substancialmente diferentes daqueles que tinham tido no passado. Punham-se, por isso, duas questões básicas: para o Exército a noção do seu equipamento, para a Armada e para a Força Aérea a noção do seu reequipamento. Daí decorreram sequelas fundamentais que, hoje em dia, ainda vivemos: efectivos enormes, problemas não resolúveis, frutos dos antecedentes do Estado Português, situações de inadequação estrutural.
E é curioso e importante quando muitas vezes se fala como hoje falou o Partido Socialista, pela voz do Sr. Deputado Jaime Gama -, das questões da inversão da pirâmide ou da alteração da pirâmide etária do quadro de oficiais, do quadro permanente das Forças Armadas, de todo o Exército ... Sr. Deputado Jaime Gama, não é lícito tocarmos esse problema sem. tocarmos uma questão prévia.
Quando em 1975 e 1976 já se sabia do necessário redimensionamento do Exército português, o poder político de então - de 1976 em diante -, encheu o funcionalismo público de dezenas de milhares de funcionários novos sem ter a capacidade e a presciência de utilizar grande parte dos meios humanos disponíveis já nessa altura, reenquadrá-los e reciclá-los numa óptica de Administração Pública. Pelo contrário, deixou inerte uma questão que foi um ónus - e hoje em dia ainda é mais um ónus-, pelo facto de, no momento próprio e quando havia capacidade de absorção possível ao nível da Administração Pública Portuguesa, o problema ter sido, pura e simplesmente, escamoteado. Pagamos hoje ainda os erros do dia de ontem, donde o facto de recordarmos alguns antecedentes.
Recordamos, por último, o antecedente fundamental que decorre - e tem decorrido nos últimos anos do posicionamento do instrumento mais importante do Estado, as Forças Armadas, no tocante ao vector militar da defesa. E é necessário fazê-lo porque quando alguns senhores deputados, quando alguns grupos parlamentares, invocam a necessidade de coesão nacional, a necessidade de uma vontade nacional, a vontade de represtigiar as Forças Armadas - vector indispensável da defesa nacional -, eu pergunto: quantos ataques injustos, quantas diatribes, quantas calúnias, quantos actos de desestabilização são promovidos nalguma imprensa com o objectivo de provocar tensões na periferia às Forças Armadas, criando com isso circunstâncias que dificultam uma gestão política dessas mesmas Forças Armadas?
Com que lógica invocam hoje alguns o argumento da vontade nacional, da unidade nacional, do represtígio das Forças Armadas, tendo sido esses mesmos, em algumas circunstâncias e em algumas sedes, que fizeram ou induziram o desprestígio dessas mesmas instituições e a minoração e a desvalorização desses mesmos valores.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os antecedentes são indispensáveis para a analisar o presente. E do presente, e desta interpelação, resultaram, do nosso ponto de vista, três tipos fundamentais de
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críticas, para as quais gostaria de trazer algum contributo de reflexão: críticas relativas à articulação externa da nossa política de defesa; críticas relativas à organização e ao funcionamento das Forças Armadas e à sua inter-relação com o poder político; críticas de natureza genérica, ou mais específica, em relação a alguns dos problemas da própria política de defesa. Abordemo-las com algum pormenor.
Começo pela primeira questão, a que foi colocada pelo Sr. Deputado Roberto Amaral quando citou o acordo, fundamental, que os Estados Unidos da América celebraram com a Espanha, em 1976, através do qual se criou uma figura chamada «zona de interesse comum» que abrangia não só o território espanhol, mas que se projectava numa zona do espaço português.
Sr. Deputado Roberto Amaral, V. Ex." tem dúvidas de que foi por via de debilidade política criada em Portugal nos anos de 1974 e de 1975 que os Estados Unidos da América e o mundo ocidental, numa lógica de autodefesa, encontraram em Espanha um parceiro capaz de supletivar a capacidade suficiente de afirmação de um Estado genuinamente democrático em Portugal?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E, por via disso, foram obrigados a criar o instrumento, que, ultrapassando em alguns domínios esferas de influência normal do Estado português, criou com isso uma debilidade.
O que o senhor denuncia eu já o denunciei há três anos quando analisámos nesta Câmara as bases do conceito de estratégia de defesa nacional. Mas a génese do Sr. Deputado Roberto Amaral temo encontrá-la na debilidade genérica em que em 1974 e 1975 se achou o Estado democrático português.
Aplausos do PSD.
Foca, em segundo lugar. o Sr. Deputado o problema das relações com Espanha.
As relações com Espanha terão sempre o seu grau de equívoco. Entre nós e os Espanhóis haverá sempre algo de não suficientemente claro em alguns domínios. Mas quero dizer que a sua questão não é tão importante desde que a Espanha apenas aceitou fazer parte da Aliança em termos políticos e não se inserir na sua estrutura militar.
Voz do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A sua questão, que decorria fundamentalmente do problema que colocou da articulação dos vários subcomandos que se poderiam colocar, é uma questão que não tem razão de ser neste momento ' visto que a Espanha não se integrou no dispositivo militar da Aliança Atlântica.
Todavia, e não querendo escamotear a questão, é nossa intenção e nosso desejo enquanto partido, e defendendo aquilo que o Governo tem dito e tem feito, continuarmos a pensar que Portugal deve estar ligado ao comando atlântico; deveremos desviar o mais possível a Espanha para o comando europeu e deveremos, sobretudo para Portugal, preservar a chamada «defesa em profundidade», isto é, retomar a ideia de que a nossa defesa se faz fundamentalmente na zona atlântica. Só que para isso os meios financeiros - e já lá iremos - são as condições necessárias do exercício desse mesmo poder.
Nesse aspecto é importante que o PRD medite numa questão básica. Quando denunciarmos uma situação - e o Sr. Deputado Roberto Amaral fê-la bem e com rigor -, é preciso ser-se coerente com os instrumentos para combater essa denúncia, e por isso, Sr. Deputado, quando o senhor diz que «é preciso acautelar as relações com a Espanha», a resposta é que a defesa em profundidade deve ser atlântica, deve corresponder a Portugal, só que os meios para o seu exercício são, por exemplo, patrulhadores oceânicos, P3, interceptores, etc. E aí, quando os senhores tiveram oportunidade de comprovar na prática o vosso apelo, o vosso interesse, a vossa concordância com o princípio, os senhores falharam.
Quando há sete ou oito meses, nesta Câmara, debatemos os meios técnicos necessários para colmatar a dificuldade que o senhor referiu, o PRD, em vez de ser coerente com a sua postura, absteve-se. O PRD, em vez de dizer o «sim» inevitável, aquilo que o senhor hoje diz, nessa altura absteve-se!
A segunda questão que valeria a pena focar é aquela que o Sr. Deputado Marques Júnior colocou e que se prende com a chamada noção de «repartição de trabalho estratégico Portugal e a NATO», questão, aliás, correlata com aquela que o Sr. Deputado João Amaral, em certa área da sua intervenção, também colocou.
Trata-se de uma questão conceptual errada, do seu ponto de vista. Percebo a sua preocupação, mas a formulação - os termos em que o fez - não são correctos. Ou seja, não há nenhum meio militar, não há nenhum instrumento de defesa que Portugal tenha adquirido ou esteja para adquirir que cumpra previamente missões da NATO. Não senhor, qualquer dos meios que Portugal tem, ou está para adquirir - decorrentes de leis aprovadas nesta Assembleia -, cumprem em primeiro lugar objectivos de santuário e só numa segunda fase cumprem objectivos que, por decorrência, podem ser transmissíveis para os nossos parceiros da Aliança Atlântica. Mas são-no porque previamente cumprem objectivos específica e estritamente nacionais.
Não há, pois, razão, Sr. Deputado Marques Júnior, em estabelecer uma destrinça entre «trabalho estratégico NATO» e «trabalho estratégico nacional». A dúvida, aliás, não é legítima porque, se reparar bem, o sistema de forças e o dispositivo que foi aprovado, e que já nos foi até comunicado, na base v diz que os meios afectos à Aliança Atlântica são exactamente aqueles que correspondem aos capítulos II e IV, que são os meios de defesa aéreo, aero-naval e de plataforma. Ou seja, o que a própria lei contempla é que a afectação de meios à NATO só se faz depois de estar previamente resolvida a questão da defesa do próprio território, quer no espaço aéreo, quer naval, quer da própria plataforma. Assim, pela natureza do equipamento, pela natureza da sua missão e por efeitos da própria lei, a questão que o Sr. Deputado Marques Júnior neste momento coloca não é pertinente.
O Sr. José Magalhães (PCP): - 15so não é confidencial?!
O Orador: - Não, está publicado. Se o Sr. Deputado não leu, é seguramente porque o seu partido lhe está a ocultar informação, o que é gravíssimo.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Nesses termos não está publicado!
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O Orador: - Além das questões que já sabemos, há mais outra no PCP: a ocultação de informação ao Sr. Deputado José Magalhães! Hoje tentarei meter uma «cunha» ao Sr. Deputado João Amaral para lhe dar os elementos. Ele tem-nos! ...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Já falamos nisso ...
O Orador: - O Sr. Deputado Marques Júnior colocou uma terceira questão, que no nosso ponto de vista, não é pertinente.
Colocou o Sr. Deputado a questão de que o conceito de estratégia de defesa, quando foi aprovado, não teria tido em conta quer a nossa adesão à CEE quer a nossa adesão à União da Europa Ocidental. Com o devido respeito, devo dizer que não é assim.
Quer nos próprios termos em que o conceito estratégico está explícito - basta ler o ponto 3.ªdo conceito estratégico nacional, onde já está inserida a ligação eventual à CEE -, quer em toda a matriz que norteou a elaboração do conceito, ele está feito em termos de Portugal, com uma defesa previamente autónoma, socorrendo-se, em segunda instância, apenas, de meios exteriores, em termos de solidariedade atlântica, que nos possam ser fornecidos no caso de eles não serem suficientes. Logo, quer a visão da CEE quer a da UEO não são antinómicas do actual conceito estratégico de defesa nacional. E passo a explicar porquê.
A NATO, da qual nós participamos, tem dois pilares fundamentais: o pilar americano e o pilar europeu. A participação de Portugal na União da Europa Ocidental não é uma condição de favorecimento da Europa preterindo os Estados Unidos, é apenas o reforço do pilar europeu, de modo que ele possa concorrer numa situação de maior igualdade, em solidariedade, no seio da Aliança Atlântica. Não há, pois, uma questão básica de autonomia, há, sim, uma questão do próprio reforço do pilar europeu.
As questões de equipamento colocadas nesta Assembleia merecem-nos os seguintes comentários: o Sr. Deputado Marques Júnior colocou, como crítica, o facto de o equipamento, em alguns meios patrulhadores oceânicos - as fragatas, P3 e outros -, ter sido proposto pelo Governo e aprovado na Assembleia antes da definição jurídica das missões.
O Sr. Deputado Marques Júnior tem razão formal, mas não tem qualquer razão substancial. Em termos de forma é assim, em termos de substância não é. Porque, repare, quando V. Ex.ª leu o conjunto do sistema de forças que foi definido a posteriori, verificou que aquilo que foi aprovado em Junho/Julho é exactamente o conjunto que está explícito no sistema de forças proposto em Dezembro. Houve, portanto, uma antecipação.
Quando do debate, em Junho, nesta Câmara, eu disse que era um acto de presunção do Governo, uma assunção presuntiva, que aquilo que iria aparecer no sistema de forças era exactamente o que correspondia ao próprio sistema de aquisição nessa altura. Logo, a dúvida do Sr. Deputado Marques Júnior não tem razão de ser.
A questão que o Sr. Deputado Jaime Gama colocou quanto às dificuldades, insuficiências e inadequações de equipamento merece alguma reflexão.
O Sr. Deputado Jaime Gama sabe seguramente melhor do que eu que um país não tem o equipamento que quer, tem, antes, o equipamento que pode, decorrente de circunstâncias em parte internas, em parte externas.
No equipamento há a compatibilização entre três vectores: a ameaça, os meios e os recursos financeiros. E quando se escolhe, perante um certo tipo de ameaça, um meio que lhe responda, podem os recursos financeiros não ser suficientes para essa necessidade.
Por isso, há sempre um ciclo vicioso, há sempre um raciocínio em que se começa da ameaça para muitas vezes se voltar de novo à ameaça, respondendo-lhe com os meios que não são os mais desejáveis, mas que são aqueles de que um país pobre como o nosso pode dispor para resolver essas mesmas dificuldades.
Simplesmente, quando o Sr. Deputado Jaime Gama põe o problema de que Portugal não tem os meios suficientes, Portugal é um país desarmado, não está suficientemente armado, e se colocar a questão no dia de hoje, imputando uma responsabilidade a este governo - ao X governo - por este facto, é uma atitude politicamente inconsequente e errada.
Efectivamente, uma modernização de meios de equipamento demora anos. Mais: eu não sei de nenhum Governo constitucional, depois do 25 de Abril, que tenha feito um esforço financeiro tão célere, tão programado e tão transparente como este. Qual o governo em que V. Ex.a, ou o seu partido, participou que tenha afectado tanto ao reequipamento das Forças Armadas como este? Em que governo esteve V. Ex.ª ou o seu partido que, por ventura, tenha definido com tanta clareza o sistema de forças e o dispositivo? Em que governo esteve V. Ex.ª que, porventura, tenha consagrado valores tão elevados ao financiamento futuro das Forças Armadas? As contas feitas para 1987 demonstram que, face ao ano anterior, há uma evolução, em 50 % superior, em termos de equipamento.
O Sr. Deputado Jaime Gama dirá: «É insuficiente», e dir-lhe-ei que estou de acordo perante a vulnerabilidade.
Mas a resposta que esta Assembleia tem de dar não é apenas dizer: «É insuficiente.» O que esta Assembleia tem que responder é: «Onde é que vamos buscar meios? Onde vamos cortar? Vamos cortar nas áreas de equipamento social, de prestações de ajuda, para supletivar os meios necessários para a defesa nacional?» Onde é que VV. Ex.as encontram esses meios?!
Uma voz do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A não ser VV. Ex.ª optem por outra solução: aumentar o défice do Estado, aumentar a inflação, e com isso corroer o valor do próprio equipamento que se propõem comprar! VV. Ex.as estão num ciclo vicioso do qual não podem sair.
Aplausos do PSD.
Não chega dizer: «É insuficiente.» É preciso dizer: «Como e onde.» E quando V. Ex.ª detecta a dificuldade, mas sem trazer à colação a resposta, V. Ex.º apenas se projecta como ministro sombra...
O Sr. José Lelo (PS): - E o senhor é a sombra de um ministro.
O Orador: - .. . mas não mais do que isso.
Vozes do PSD: - Muito bem!
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O Orador: - A questão última que valeria a pena tocar é aquela que decorre de alguns aspectos de natureza política aqui trazidas.
O Sr. Deputado Magalhães Mota, e em certo sentido o Sr. Deputado João Amaral, quiseram dar a ideia de que as Forças Armadas podiam estar hoje mais isoladas da Nação do que estiveram no passado.
Com o devido respeito, penso que não é assim, antes pelo contrário. Qualquer sector democrático reconhece às Forças Armadas uma inserção específica na contextura nacional. Têm um estatuto próprio um código de justiça, um regulamento disciplinar próprio, têm reconhecimento de uma instituição fundamental nacional.
Simplesmente, dizer que as Forças Armadas estão mais distantes da Nação do que estavam no passado é admitir o princípio de que, em Portugal, há uma separação entre o meio castrense e o meio civil, o que é um erro básico, é não perceber que a base organizatória das Forças Armadas são os jovens, são os mancebos portugueses, que há uma osmose profunda entre sociedade civil e sociedade militar. Mais: VV. Ex.a' por mais voltas que dêem não explicam o 25 de Abril sem uma profunda osmose entre a sociedade civil e a sociedade militar. Era impossível o 25 de Abril sem uma participação, na consciencialização de grande parte dos oficiais do quadro permanente, dos cidadãos portugueses fazendo o serviço militar obrigatório, os quais consciencializaram mais e melhor esses oficiais das Forças Armadas.
O Sr. Marques Júnior (PSD): - É verdade!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Não há, por isso, separação conceptual. E cada vez há menos, porque cada vez mais a Assembleia e o poder político reconhecem o serviço militar obrigatório como sendo a base organizativa das Forças Armadas. Cada vez mais eventuais vantagens adicionais exteriores ao estatuto próprio estão a ser dirimidas, cada vez mais a transparência da decisão, no que respeita ao instituto militar, é aqui debatida e é trazida à colação na imprensa, na comunicação social. Por outro lado, a formação que é dada às nossas Forças Armadas tem um conteúdo cada vez mais claramente nacional e democrático, porque cada vez mais o nosso grau de articulação externa tem em conta, e reforça, o próprio vector português.
É por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que só há uma maneira de provocarmos, eventualmente, um distanciamento maior do instituto militar face ao País. E se algumas forças políticas ou alguns meios de comunicação social quiserem provocar tensões na periferia às Forças Armadas, com isso provocam uma separação mais forte, através de uma acção psicológica.
Penso que não é esse o posicionamento dos sectores democráticos, pelo menos não o tem sido, pelo contrário, o seu posicionamento tem sido numa óptica integradora, pelo que não estamos preocupados com essa crítica e a consideramos infundada, como infundada é também a crítica da instrumentalização das Forças Armadas pelo poder político e por este governo. O Sr. Deputado João Amaral foi mais longe e falou mesmo de colonização ideológica.
É preciso demarcar com rigor e com clareza o que é da competência exclusiva das Forças Armadas e o que é da competência exclusiva do poder político, pois não pode ser imputável ao poder político qualquer promoção no interior das Forças Armadas. 15so é de esfera da competência exclusiva das Forças Armadas e não se venha dizer neste debate que querem prestigiá-las quando, ao utilizar este argumento, se pretende utilizar o Governo como tabela política.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Não é o Governo que faz a política geral de promoções internas dentro das Forças Armadas. Por isso, Sr. Deputado Marques Júnior e Sr. Deputado João Amaral, o trazer a ideia da sua partidarização ou da sua governamentalização é não só contrário a todo o instituto jurídico que nos rege - que faz verter na condução da política de defesa nacional os três órgãos de soberania: Presidente da República, Assembleia da República e Governo como é contrário a toda a lógica de funcionamento interno das próprias Forças Armadas e dos seus órgãos próprios.
O Sr. Deputado Jaime Gama disse, entre outras coisas, que este governo não fazia legislação suficiente decorrente do artigo 73.º da Lei de Defesa Nacional e enunciou e elencou um certo número de leis, mas esqueceu-se, quando leu esse artigo, de que essa responsabilidade é tanto do governo como da Assembleia da República, é tanto deste Governo como é do PS, do PRD, do CDS ou do PCP.
Aplausos de alguns deputados do PSD.
Com que moral vêm os senhores unilateralmente requerer ao Governo que faça algo, quando os senhores - ainda por cima arrogando-se da melhor capacidade gestionária e de condução política do que o próprio PSD - o não fazem?
Por que é que os senhores, que se dizem os bons e os mais capazes, não dão o exemplo? Ou será que o serem bons não passa do discurso e na prática não o conseguem provar?
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Será que, mais uma vez, V. Ex.ª apenas ficam na sombra? Provem que são bons! Em vez de dizerem que são melhores, provem-no, façam-no e mostrem à Assembleia da República a produção legislativa!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. José Lelo (PS): - Não se preocupe!
O Orador: - Uma das condições políticas que o PRD, o PS e o PCP quiseram introduzir, com justeza, neste debate foi a de que a eficácia da política de defesa nacional depende do maior grau de solidariedade nacional. 15to é - tentando interpretar as palavras de cada um -, do maior esforço de unidade, de desenvolvimento, de existência e coexistência, de cidadania clara em todos os portugueses, evitando radicalismos e polarizações extremas. E, estando eu de acordo com esta base de raciocínio, a minha pergunta é: qual foi o governo, até hoje, que conseguiu produzir, nos últimos anos, melhores condições económicas e sociais que esbatessem mais fortemente os conflitos sociais?
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Qual foi o poder político em Portugal, até hoje, que conseguiu encontrar condições económicas e sociais que procurassem esbater, fundamentalmente, as dificuldades da vida, com vista ao necessário exercício da solidariedade nacional?
Nesse aspecto, estamos de acordo com VV. Ex." no enunciado, mas a conclusão é que, curiosamente, com este Governo estão encontradas melhores condições do que anteriormente.
Não falarei da questão relativa ao Irangate, porque foi claramente dito - e assumimos e reafirmamos aquilo que ouvimos - que com o ?C Governo não foi autorizada a passagem de qualquer meio de transporte de armas para locais, como, por exemplo, a Nicarágua.
Seria, sim, curioso tentar saber, Sr. Deputado João Amaral, quais são os tipos e a origem geográfica e política das armas...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito curioso!
O Orador: - ... que, neste momento, armam os «contras». Talvez tivesse interesse saber quais eram...
O Sr. João Amaral (PCP): - E como é que se pode saber?
O Orador: - Se o PCP estiver interessado, poderemos, nessa altura, conversar sobre o assunto.
O Sr. José Magalhães (PCP): - E sobre as fontes?
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Concluir este debate passa por uma questão básica que é a de o PSD, o PS e o CDS, com as divergências naturais de posicionamento democrático que têm como suporte e como oposição ao Governo, manterem uma matriz de pensamento e de organização comummente aceite pelos três, que é a que decorre da lei básica aprovada pela Assembleia da República em 1982, chamada Lei de Bases de Organização de Defesa Nacional e das Forças Armadas.
Permanece, todavia, nesta interpelação uma questão de fundo: não basta interpelar, pois, por um lado, quando se interpela quer-se saber, mas, por outro, contrapõe-se um modelo a outro. E a questão neste debate é a de saber qual é o modelo que legitima o pensamento e a acção do PRD e qual é o modelo que legitimou o pensamento e a acção do PCP. Faço-o diferenciadamente por uma razão: é que encontro razões suficientes para pensar que há uma evolução muito forte no PRD, mas não suficientemente explicitada. E seria importante para o País saber o que o PRD pensa neste domínio, sobretudo para encontrar algo que é importante para uma estabilidade no domínio da defesa nacional.
A procura de um consenso na defesa nacional é imperiosa, não por razões do meu Partido, mas por razões nacionais, que transcendem todos nós e a bancada onde estamos. São políticas que perduram para além do tempo de existência dos governos de uma ou outra cor política, são questões que devem unir, porque devem unir, uma vontade nacional explícita.
Seria, pois, importante para o PRD um exercício de reflexão. E, se porventura já o fez, seria importante uma explicitação pública sobre qual a matriz básica segundo a qual conduz o seu posicionamento político em relação a este domínio. Sem essa definição clara e precisa é difícil o diálogo, porque podemos estar a falar de críticas a modelos diferentes e, como tal, não, aferíveis.
Esta é uma questão básica que não ponho ao PCP porque, obviamente, o seu modelo não é aquele que nós perfilhamos, mas do PRD seria importante esse contributo.
De qualquer forma, e independentemente dessa aferição, este debate trouxe várias evidências. A primeira é a de que há um consenso muito forte em muitos domínios sobre a defesa nacional. Há um consenso claro sobre o travejamento jurídico, de um modo genérico, no sector democrático; há um consenso muito forte no que respeita ao conceito de defesa nacional, amplo, claro e, sobretudo, que quase coincide com a condução geral da política do próprio Estado; há a prefiguração das Forças Armadas como instituição fundamental nacional, como instituição executora da política de defesa nacional, que obedece - e isto é importante, Srs. Deputados, porque desmistifica algumas acusações erradas - à governamentalização da política de defesa.
Se há sector em Portugal onde a vertente dos três órgãos de soberania se manifesta, esse é a política de defesa nacional. Presidência da República, Assembleia da República e Governo coincidem e convergem nessa definição. Mas essa convergência, que significa a supremacia do poder político civil sobre as Forças Armadas, tem, todavia, um limite, que é o da autonomia própria das Forças Armadas. Estas são autónomas num certo número de graus e domínios e o poder político deve reconhecer essa autonomia, que é a contrapartida da supremacia do poder civil, e o poder político não interfere nesse grau de autonomia, pois, se o fizesse, perverteria as regras dessa mesma instituição.
Há consenso em Portugal, também, quanto ao conceito de ameaça. Em Portugal perfilam-se, em termos de defesa nacional, ameaças de origem externa e é perante estas - e só perante estas - que o instituto militar previne e reage, a não ser num caso excepcional, que é o do estado de sítio, em que o comando das próprias forças de segurança é cometido à autoridade militar máxima, para controle da situação.
Esta base política, que serve e é suficiente para a condução da política nacional, permitiu hoje nesta Câmara verificar que não há questionação básica sobre estes princípios.
Em segundo lugar, verificámos que há disponibilidade do PS, mediante condições que explicitou, para apoiar medidas concretas que o Governo vai tomar, de impacte e de longo alcance, na Assembleia da República. Essa disponibilidade demonstrada pelo PS reforça a minha tese de que esta interpelação foi extremamente útil para a Nação e para o próprio poder político, porque deu mais condições de sustentabilidade e de adequação, neste caso concreto, a uma política sólida e definida.
Em terceiro lugar, houve recomendações e houve críticas -, algumas das quais justas; quanto às recomendações para se fazer ainda mais, elas significam um empenho e uma disponibilidade da própria Assembleia da República e da oposição.
Por isso, Sr. Presidente, Srs. Deputados, no final desta minha intervenção, tenho de manifestar o regozijo do PSD e do seu Grupo Parlamentar com esta interpelação, porque, afinal, ela veio propiciar, neste domínio, quase uma base mais alargada de sustentabilidade para o próprio Executivo...
Risos do PRD.
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Veio trazer à colação consensos e algumas recomendações no que respeita a algumas acções a empreender.
O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Brilhante!
O Orador: - Por isso, Sr. Presidente, Srs. Deputados, numa área tão sensível e importante, que releva da soberania ao mais alto nível, o PSD prestou um bom serviço à democracia e ao Governo. Estamos gratos por isso.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Roberto Amaral.
O Sr. Roberto Amaral (PRD): - Sr. Deputado Angelo Correia, serei muito breve, porque o meu grupo parlamentar já dispõe de pouco tempo e muitas intervenções estão ainda previstas. Com isto, quero pedir-lhe desculpa, mas o pouco tempo que vou usar não significa menos consideração pela intervenção que acaba de produzir.
Começo por lhe agradecer o reconhecimento público manifestado na tribuna da Assembleia da República de que as questões por mim colocadas o foram bem. No entanto, e quanto às duas questões a que pretendeu responder-me, quero dizer que não foi minha intenção - nem o fiz - criticar o acordo de defesa estabelecido entre os Estados Unidos e a Espanha. Aliás, não tinha mesmo nada de o fazer, porque se trata de um acordo celebrado entre países terceiros, que não Portugal.
Apenas coloquei a questão, conjuntamente com outros dois factos - a adesão da Espanha à NATO, há pouco tempo ocorrida e referendada, e a integração também da Espanha na CEE -, para evidenciar que as alianças extrapeninsulares dos dois países, Portugal e Espanha, são as mesmas, verificando-se uma tendência para a diminuição da importância estratégica do conjunto do território nacional.
E quando aludi a este acordo da Espanha com os Estados Unidos, assinado em 1980, foi também para evidenciar o risco que existe de surgimento de uma fractura entre os Açores e o continente, dada a sobreposição de funções em território aéreo e marítimo portugueses. Não foi, portanto, uma crítica ao acordo, mas sim uma ilação derivada deste acordo, conjugada com estes dois factos.
Registo a pouca importância dada pelo Sr. Deputado ao facto de os Açores estarem no WESTLAND e não no IBERLAND, mas isto foi um preocupação manifestada e vinda a público nos órgãos de comunicação social, expressa pelo próprio Ministro dos Negócios Estrangeiros português. As perguntas que coloquei relativamente a esta questão não foram respondidas, como o não foram inúmeras outras constantes da minha intervenção.
De qualquer forma, registo o facto de as perguntas que fiz ao Governo terem sido respondidas não por ele, mas pelo Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Deputado Angelo Correia, disponho de pouco tempo e, por isso, peço desculpa por não ser exaustivo face às questões que me dirigiu e que gostaria de abordar na perspectiva de encontrarmos as melhores soluções para os problemas por mim levantados.
O Sr. Deputado levantou uma dúvida, que penso que não deveria subsistir depois da minha intervenção, que é a de saber qual é a matriz do PRD relativamente à Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas. É só uma, Sr. Deputado: o PRD concorda em absoluto com os objectivos daquela Lei, mas tem dúvidas relativamente a alguns aspectos da sua articulação - precisamente naquele aspecto em que pode ter uma influência negativa sobre as Forças Armadas, no aspecto em que pode partidarizar ou governamentalizar as Forças Armadas.
Pensamos que as Forças Armadas são uma instituição de tal modo importante que estão acima de todas as questões partidárias, devem ser salvaguardadas em última instância e não podem correr o risco dessa partidarização.
As nossas dúvidas relativamente à Lei de Defesa Nacional são-no só relativamente àqueles aspectos normativos em que esta questão não fica devidamente salvaguardada. Relativamente aos demais aspectos, não temos dúvidas em subscrever a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, nomeadamente quanto aos objectivos.
O Sr. Deputado respondeu em vez do Governo a muitas das questões que coloquei. A algumas dúvidas que levantei - e não fiz outras considerações- deu resposta, mas é a sua resposta. No entanto, há algumas coisas em que o Sr. Deputado não compreendeu aquilo que eu disse ou, então, temos interpretações diferentes; por exemplo, relativamente ao trabalho estratégico e à repartição deste entre as forças nacionais e a NATO, que se relaciona, nomeadamente, com o problema dos patrulhas oceânicos ou das fragatas, o que não é a mesma coisa.
Vou dar um exemplo simples: com metade do orçamento disponível para as fragatas - cuja missão só pode ser orientada fundamentalmente em funções da NATO, o que não implica que não façam missões nacionais - poder-se-iam construir em estaleiros nacionais, praticamente sem incorporação estrangeira, quinze patrulhas oceânicos, suficientes para fiscalizar toda a zona económica exclusiva, o que, naturalmente, não se consegue com as fragatas.
Vozes do PRD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE)- Sr. Deputado Angelo Correia, V. Ex.ª disse que se regozijava com esta interpelação, porque ela trouxe à colação a necessidade de submeter a consensos, recomendações e acções a empreender. A verdade é que, depois de ouvir V. Ex.a, fiquei sem saber quais são os consensos, quais são as recomendações e quais são as acções a empreender neste importante domínio, que é o da defesa nacional.
Disse o Sr. Deputado, a determinada altura, que pagamos hoje os erros de ontem. Está com certeza a fazer uma crítica ao seu próprio partido, uma vez que o Ministério da Defesa nos últimos anos tem sido ocupado por membros do seu partido. Pergunto se essa responsabilidade vos deve ser assacada, uma vez que dezasseis leis, de acordo com a Lei de Defesa Nacional de 1982, deviam ter sido implementadas e até hoje
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não o foram e já nesta interpelação foram apontadas por diversos oradores, nomeadamente pelos Srs. Deputados Jaime Gama e Marques Júnior. Que responsabilidade tem, Sr. Deputado Angelo Correia, o seu próprio partido nesta situação? Refiro isto desagradavelmente, uma vez que, quer o Sr. Ministro da Defesa Nacional, quer o Sr. Ministro-Adjunto e para os Assuntos Parlamentares, quer outros oradores, assacam a outros partidos responsabilidades que, ao fim e ao cabo, caem clara e exactamente sobre o partido de V. Ex. a
Em relação a esta questão de defesa nacional e no que se refere ao contrabando - questão a que hoje pessoalmente já me referi, bem como ontem o fez o meu grupo parlamentar, e sobre a qual já tivemos oportunidade de trocar impressões -, pergunto-lhe, quanto a matérias-primas de valor estratégico que não estão a ser devidamente defendidas (pois não está a ser cumprida a legislação existente, feita até por membros do seu partido enquanto membros do Governo), se está ou não de acordo em que a falta de fiscalização sobre determinado tipo de matérias-primas de valor estratégico, como sejam as radioactivas, permite que elas estejam a ser contrabandeadas em Portugal, o que afecta a nossa própria defesa.
V. Ex.ª disse a determinada altura - e cito-o porque vou assentando o que se diz- que «a nossa defesa é uma defesa em profundidade no meio atlântico», e de repente referiu, com uma certa confusão, que não compreendi, talvez por culpa minha, dificuldades de meios. Pergunto-lhe, Sr. Deputado, se se referia a meios financeiros. Se se trata de meios financeiros, por que razão o Governo, quando discute o Orçamento do Estado, não apresenta propostas claras de meios para fazer face a essas dificuldades e para implementar na defesa nacional um programa correcto e coerente, que necessariamente obriga a esses meios?
Fala de «defesa em profundidade no meio atlântico» e depois refere dificuldades de meios para atingir essa actuação. A que tipo de dificuldades se refere e de quem é a responsabilidade?
Logo a seguir referiu o Sr. Deputado que implementar uma prática política de defesa nacional coerente e necessária ao País só seria possível - e passo a citar porque tomei notas- «se VV. Ex.as quiserem aumentar o défice do Estado e a inflação». Por isto, pergunto-lhe: então, como é? Se para melhorar o nosso sistema de defesa temos dificuldades, porque podemos criar um défice do Estado, em que é que ficamos? Qual é realmente a sua posição em relação a estas questões? A culpa é do défice e da inflação, que poderão ser aumentados, ou é da falta de uma política realista do Governo neste campo, que se tem revelado bastante preocupante para todos nós?
Em toda a sua intervenção, bastante sincopada, referiu inexplicavelmente o caso denominado «Irangate» e disse não haver conhecimento de que qualquer meio aeronáutico tivesse passado em Portugal com essas armas. O Sr. Ministro da Defesa Nacional, Leonardo Ribeiro de Almeida, por quem tenho uma particular estima - e não tenho qualquer complexo em dizê-lo aqui claramente, para toda a gente ouvir -, declarou esta tarde: «Não tem o Governo conhecimento de nenhum avião militar que tenha transportado armas». O Sr. Deputado tem conhecimento apenas de que não houve aviões militares envolvidos ou tem conhecimento de que também não houve aviões civis? É que as notícias tornadas públicas, não só em Portugal como nos Estados Unidos da América - nomeadamente por um tenente-coronel North, conselheiro do Presidente Reagan -, referem claramente que aviões civis terão escalado Portugal.
O Sr. Deputado disse que não houve nenhuns meios aeronáuticos. Onde obteve essa informação? É capaz de nos informar? Será que foi a Embaixada dos Estados Unidos da América que lhe deu esse tipo de informação, Sr. Deputado?
O Sr. Deputado é um deputado atento a estas questões e, embora esteja em desacordo, não deixo, nem nunca deixarei, de lhe reconhecer uma certa coerência em toda a sua actuação aqui. Por isso pergunto-lhe se não considera que a falta de uma lei orgânica do Ministério da Defesa é grave. Como interpreta V. Ex.ª o facto de que o Ministério da Defesa de um país não tenha uma lei orgânica?
Peço desculpa ao Sr. Ministro por dizer isto, mas há quem diga que, em Portugal, o Ministério é apenas o Ministro, que é um verbo de encher - seja ele qual for -, uma vez que quem manda são os militares e o Ministro é apenas uma figura. Acha dignificante para o nosso país que se diga uma coisa destas? Por que razão não há uma lei orgânica do Ministério da Defesa? O Sr. Deputado é capaz de o explicar, já que o Sr. Ministro, apesar de toda a boa vontade, não foi capaz de nos dar essa informação?
Para concluir, Sr. Deputado, pergunto-lhe: que política global de defesa existe neste país? Toda a sua intervenção - aliás, como as de hoje à tarde- foi sincopada, salteada, e o Sr. Deputado Adriano Moreira teve oportunidade de classificar essa política de defesa, quanto a mim muito bem, ao dizer que não a compreendeu. Mas eu faço-lhe a justiça de tentar obter respostas e por isso pergunto: que tipo de política global de defesa existe em Portugal, nomeadamente com este governo?
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
0 Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Angelo Correia, estou de acordo consigo, sem dúvida nenhuma, quanto a um ponto, que é o de que debates como este que estamos a travar são importantes. O PSD terá feito mal em ter começado a gastar tempo do debate, embora vejamos agora que acaba regozijado, o que é sempre um estado confortável - logo se verá quanto tempo lhe durará o regozijo e como, mas isso é outra questão...
O que quero sublinhar neste momento é que uma das razões da importância dos debates é precisamente o contributo informativo que eles carreiam. E aqui o Sr. Deputado destacou-se, uma vez que acabou de citar um documento com a chancela «confidencial ». E reafirmo e insisto num aparte que fiz na altura própria.
15to é, quando citou aqui as missões, o sistema de forças, etc., deu um contributo, porventura útil, no sentido do esclarecimento do povo português quanto a esses aspectos, porque não se limitou a citar aquilo que está no Livro Branco, que é bastante sinuoso e cuidadoso na veiculação das informações sobre essa matéria - ou não tenha sido feita por especialistas.
Risos.
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O Sr. Deputado, embora seja especialista, ao que 'se sabe e julga, acaba de ter um deslize profissional, qual seja o lapso de verdade, porque debitou aquilo que era suposto ocultar. 15to coloca a questão há pouco equacionada pelo Sr. Deputado Adriano Moreira, que é a do segredo de Estado. 15to é: estão o Governo e o PSD disponíveis para, já não digo corrigir os seus lapsos, porque isso é uma tarefa um bocado hercúlea, mas para estabelecer um regime jurídico preciso, que permita uma destrinça rigorosa desses aspectos e assim contribua, sem prejuízo das questões de Estado que envolvem certa reserva, para uma maior divulgação de aspectos importantes para que o povo português conheça exactamente as situações, as ameaças e os problemas? É a primeira pergunta.
A segunda questão diz respeito ao conceito estratégico militar e àquilo que nós aqui tínhamos colocado ao Sr. Ministro da Defesa Nacional, sem grande êxito, pese embora o esforço. A pergunta que colocámos, a propósito do exercício Orion 86, foi se o conceito estratégico militar continha, entre as suas componentes, a definição de inimigo interno.
Não estou a pedir que tenha outro lapso e nos diga o conceito militar. Mas creio que é importante que o Sr. Deputado Angelo Correia contribua para que se esclareça um pouco a situação confusíssima que foi criada pelo Sr. Ministro da Defesa Nacional, isto é, gostaríamos de saber qual é o conteúdo da Lei de Defesa Nacional em relação a este aspecto.
Todos estávamos convindo que a revisão constitucional e a elaboração da lei tinha excluído expressa, directa e premeditadamente, ao contrário da proposta originária do governo da AD, a noção de inimigo interno.
Fê-lo por razões que são conhecidas, que se ligam a uma certa concepção da democracia e do papel das diversas forças partidárias e dos cidadãos, independentemente daquilo que pensem sociais-democratas, socialistas ou comunistas das mais diversas orientações ideológicas, pois todos são portugueses. Partiu-se deste princípio basilar e do princípio do que a defesa da Pátria era um dever comum, absolutamente inderrogável.
Este conceito foi consagrado. Com grande surpresa minha, o Sr. Deputado Adriano Moreira declarou peremptoriamente: «Lendo o Livro Branco da Defesa Nacional constatei que o Governo, e muito bem, tinha revisto o conceito de defesa nacional, tinha adoptado o conceito alargado - e até que tinha sido sensível à colaboração da NATO -, um conceito de estratégias, que finalmente tinha uma corroboração e uma consagração oficial em Portugal», ao que o Sr. Deputado Angelo Correia replicou sisudamente: «Nada disso, isso está consagrado desde 1982, está na Lei de Defesa Nacional.»
Sr. Deputado Angelo Corria, isto deixa-me perplexo. Conhecendo todos nós a história da Lei de Defesa Nacional e sabendo que esse conceito de forma alguma foi consagrado na Lei de Defesa Nacional, V. Ex.º está, certamente, a fazer uma revisão de facto. 15so é uma mudança de posição do Partido Social-Democrata? É essa a posição do Partido Social-Democrata neste momento?
Creio que é fundamental que esclareça este aspecto, pois sobre ele o Sr. Ministro da Defesa Nacional não foi absolutamente nada esclarecedor e criou interrogações preocupantes.
A segunda questão que eu colocaria, muito rapidamente, é relativa a uma acusação feita pelo Sr. Deputado Angelo Correia à imprensa, em relação àquilo que chamou «acções de instabilização das Forças Armadas na periferia» - assim entendi - ou «tensões na periferia das Forças Armadas».
Estou a lembrar-me daquilo que aconteceu aquando da revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores. Em Julho ou Agosto de 1986 as chefias militares alertaram o Governo sobre certas implicações da revisão do Estatuto, aqui ocorrida. Como é sabido, o Governo não transmitiu à Assembleia da República o conjunto das informações de que era detentor e até este preciso momento ainda não transmitiu o memorando, de Agosto de 1986, das chefias militares sobre este aspecto.
Pesem as explicações do Governo, nós consideramos que isto significa a intercepção e retenção indevida de informações que não são propriedade do Governo, pois são informações relevantes para todos os órgãos de soberania e, desde logo, para a própria Assembleia da República, que tinha - e tem - responsabilidades em matéria do estatuto das regiões autónomas, como foi o caso.
O Governo não o fez e eu pergunto-lhe, Sr. Deputado, que culpa é que tem a imprensa do debate público que se originou na sequência desta detenção. Mais ainda: dirigentes do PSD regionais dirigiram ataques descabelados a elementos das Forças Armadas.
Sr. Deputado, a imprensa que veiculou estes ataques tem alguma culpa que estes dirigentes do PSD tenham desencadeado isto, que eu suponho chamará, por rigor de critérios, «tensões na periferia das Forças Armadas», ou até no seu coração ou até nas suas chefias - como entender, o Sr. Deputado saberá melhor do que eu?
Finalmente, o Sr. Primeiro-Ministro, que ali está, guardou silêncio absoluto sobre esta questão durante todo o processo. Não se dignou dizer uma palavra, e mais: quando se verificaram outras tendências centrífugas, que passaram pelo patético caso do luto nacional não cumprido na Madeira, pediu um parecer à Procuradoria-Geral da República e, todavia, não tomou qualquer posição que permitisse sanar, evitar, que este mal alastrasse.
O PSD assegurou solenemente aqui, na Assembleia da República, que se a resolução da Assembleia Regional da Madeira fosse alguma vez publicada iria ao Tribunal Constitucional requerer a sua declaração de inconstitucionalidade. Ora, até à data, o PSD não requereu a declaração da inconstitucionalidade desta resolução, lamentável e contrária ao próprio sentido de integridade da Pátria.
Pergunto-lhe, Sr. Deputado, se a imprensa tem culpa destas tensões que preocupam seguramente as Forças Armadas, como preocupam todos os portugueses e que não são culpa da imprensa.
A minha pergunta final, Sr. Deputado Angelo Correia, é, pois, a seguinte: não está a utilizar a imprensa para ocultar e escamotear responsabilidades muito graves de dirigentes partidários, do seu próprio partido e da sua própria bancada, em relação a questões que se prendem com as preocupações justas das Forças Armadas, em relação a questões tão fundamentais como a unidade da Pátria?
Creio que é importante que aproveite esta ocasião para clarificar este aspecto, sobre o qual o seu partido tem guardado um silêncio que eu considero, francamente, muito preocupante.
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Angelo Correia, se desejar responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados, tem a palavra para esse efeito.
O Sr. Angelo Correia (PSD): - Tenho muito pouco tempo, mas vou começar por responder ao Sr. Deputado José Magalhães, que me convidou a responder e a não omitir o que quer que fosse.
Sr. Deputado José Magalhães, essa é curiosíssima vinda da sua bancada, pois quando há pouco fizemos algumas perguntas sobre a posição política do seu partido em relação a algumas questões o silêncio da sua bancada foi total.
O Sr. José Magalhães (PCP): - 15so é provocação!
O Orador: - Mas agora exige-nos e pede-nos que respondamos cabalmente às questões. Está bem, nós não tomamos a sua atitude nem a atitude da sua bancada.
Para nós, quem quer que seja que, de uma maneira ou de outra, coloque aquilo que eu chamei de «tensões na periferia» em relação às Forças Armadas não tem comportamento suficientemente credível nem a minha aceitação. Seja quem for! Essa é a minha opinião, às claras.
Ninguém de nós é imune aos erros. Só que às vezes nós temos coragem e consciência de denunciarmos os nossos próprios erros e autocriticarmos. Os senhores é que não o fazem!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ora essa, fizemo-lo em eleições!
O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães, verifiquei uma coisa interessantíssima: é que, afinal, o senhor tem um sentido policial agudo, agudíssimo!
Risos do PSD.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Olhe que não!
O Orador: - Conseguiu ler no papel, mas leu mal - é por ser meia-noite, com certeza -, pois não está lá «confidencial» mas sim «reservado».
Risos do PSD.
Vozes do PCP e do MDP/CDE: - Está «confidencial»!
O Orador: - Então, o caso é outro. É que tornaram-no confidencial internamente, o que é mais grave!
Aplausos e risos do PSD.
Se quiser mostro-lhe o papel. Está aqui escrito «reservado».
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mostre o seu, que eu mostro o meu!
O Orador: - Essas fontes de informação... é a triagem de informação que lhe chega...
Risos do PSD.
Mas, voltando à questão, agora com alguma seriedade, reconhecemos que a questão das reservas é importante. Pela minha parte: touché!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Mas, de qualquer forma, há um princípio em democracia para o qual devemos caminhar: nada melhor para uma instituição fundamental do que a transparência, nada melhor para uma democracia do que a transparência. E quanto mais pudermos caminhar no processo evolutivo - porque é um processo evolutivo que demora anos, a transição demora anos, pois o peso e o lastro da história também têm o seu peso negativo -, no sentido de uma transparência total, o mais total possível, daquilo que deva ser transmitido ao povo português, tanto melhor, pois todos nós ganharemos. É nesse aspecto o meu sentido de antecipação ao «reservado».
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ou confidencial!
O Orador: - Passo, muito rapidamente, às questões colocadas pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
Perguntou-me que tipo de defesa existe em Portugal e responder-lhe-ei com uma frase muito simples: a criação de um dissuasor mínimo credível, capaz de promover ou evitar a ameaça externa ou, se ela se configurar, poder responder no momento, até ao exercício da solidariedade atlântica.
Segunda pergunta...
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Dá-me licença, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça o obséquio, Sr. Deputado.
Percebeu o que eu disse?
Risos do PSD.
O Sr. João Corregedor ala Fonseca (MDP/CDE): Ah! Percebi!
V. Ex.ª é extremamente claro quando não é sincopado, para não dizer confuso.
Sr. Deputado, agradeço aquilo que me disse e só lhe pergunto, em relação a essa sua afirmação sobre política de defesa, de que a estrutura apoia a política de defesa, o seguinte: V. Ex.ª, que já foi ministro, é capaz de me informar se aceitava ser Ministro da Defesa com a estrutura actual que apoia o Sr. Ministro da Defesa?
Risos do PRD, do PCP e do CDS.
O Orador: - Afinal, vejo que o regozijo do PCP ainda é maior do que aquele que eu pensava.
Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, a inexistência de uma lei orgânica do Ministério da Defesa não significa nem determina a ausência de uma política de defesa nacional. São questões completamente diferentes.
Se me perguntar se a existência do Ministério da Defesa Nacional ajuda, respondo-lhe que sim, que ajuda.
Mas ainda vou ser mais claro, e o Governo perdoar-me-á se eu falar a título pessoal...
O Sr. José Lelo (PS): - Pode falar!
O Orador: - A única questão, a questão mais grave ou melindrosa - e é preciso termos alguma prudência e compreensão do problema - que se coloca numa lei orgânica do Ministério da Defesa é o problema da Inspecção-Geral das Forças Armadas. Não vale a pena escamotear as questões, o que vale a pena é encará-las com lucidez e serenidade.
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As Forças Armadas Portuguesas durante um certo número de anos estiveram submetidas ao «sistema do chamado capitão Santos Costa», que deu os frutos negativos que deu, estiveram submetidas a uma tutela do Conselho da Revolução durante seis ou sete anos. Como é que no início da vigência de um regime democrático se vão submeter a um tipo de inspecção-geral?
Mais: que inspecção-geral? Inspecção-geral de modelo alemão, de modelo francês? Que modelo?
Sr. Deputado, a ponderação desta questão extremamente séria, que obriga a uma reflexão e a um diálogo profundos, não permite soluções rápidas e fáceis, porque soluções rápidas políticas podem ser as mais inconsequentes e as mais negativas.
O Sr. Domo Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Já lá vão cinco anos desde a data da Lei de Defesa Nacional, que é de 1982!
O Orador: - Com o devido respeito, Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, são três anos e meio.
V. Ex. H coloca a questão de saber o que é a defesa em profundidade. É a defesa que se exerce no nosso espaço aéreo e naval, que cobre, naturalmente, toda a zona que está sob a nossa jurisdição militar.
E com isto respondo também ao Sr. Deputado Roberto Amaral.
Compreendi que o Sr. Deputado não criticava o acordo com a Espanha e não desvalorizei a inserção dos Açores no triângulo estratégico português em termos de subcomando no WESTLAND, aliás, se ler as actas do debate do conceito estratégico de defesa nacional verifica que eu já tinha tocado no problema.
Reconheço que o Governo Português está a fazer esforços nesse sentido. Sou solidário com ele e se não respondi à pergunta foi apenas por falta de tempo.
Na verdade, defesa em profundidade é a obtenção dos meios aéreos e navais que permitam a detecção à distância de qualquer ameaça credível que se projecte no território nacional.
Em termos técnicos, é isto a defesa em profundidade. Percebeu, Sr. Deputado?
Risos do PSD.
Se percebeu, óptimo.
Volto às questões das leis: o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca listou as leis e eu volto ao meu argumento: as leis tanto são da responsabilidade deste governo como são da sua responsabilidade. A não ser que o Sr. Deputado, devido à sua vinculação política, não tenha autonomia para o poder fazer. Mas se tem essa autonomia, então é também da sua responsabilidade, que é exactamente igual à dos outros partidos da Assembleia da República. E se não o fazem, não peçam ao Governo mais do que aquilo que os senhores fazem...
O Sr. Domo Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): São dezoito leis, fora os regulamentos!
O orador: - Por último, Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, eu disse que pagamos hoje os erros de ontem e V. Ex.ª falou dos últimos três anos e dos meios de gestão do PSD na área da defesa. Aliás, com isto respondo um pouco ao Sr. Deputado Jaime Gama, que se esqueceu de uma coisa na sua intervenção: é que o artigo 43.º da Lei de Defesa Nacional diz que a responsabilidade última de condução da política de defesa nacional é do Primeiro-Ministro. E, que eu me recorde, o Primeiro-Ministro do governo anterior é o actual Presidente da República...
V. Ex.º não pode endossar nem assacar a responsabilidade de condução da política de defesa nacional só para um lado quando isso lhe convém! V. Ex.º tem de a aplicar também a si, na sede onde esteve e na tutela em que esteve.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Nós criticámos em devida altura.
O Orador: - Como tal, quando falei de erros não foi dos erros próximos, mas, sobretudo, dos mais graves para mim, que foram cometidos em 1974 e 1975. Foi desses que eu falei.
Em relação ao Sr. Deputado Marques Júnior, que falou na matriz do PRD, sobre a qual o seu partido analisa e projecta a sua base do conceito de Defesa Nacional.
Sr. Deputado Marques Júnior, com o devido respeito e a amizade que por si tenho, a sua resposta é mais preocupante, porque V. Ex.º diz o seguinte: genericamente, estamos de acordo com a lei, mas temos dúvidas. E onde? Não é num ponto menor, mas num ponto essencial, que é, como V. Ex.ª disse, na articulação entre o poder político e as próprias Forças Armadas. Ou seja, V. Ex. e está de acordo com uma coisa, mas não sabe e tem dúvidas sobre o essencial dessa mesma coisa. Donde V. Ex.ª ainda estar pior do que estava antes de me responder.
Risos do PSD.
Daí, a questão que V. Ex.as têm hoje é grave internamente, e têm de se esclarecer. O tempo seguramente vos ajudará a isso!
Risos do PSD.
Quanto à governamentalização da política de defesa, Sr. Deputado Marques Júnior, estando ou não de acordo com a Lei Quadro da Defesa Nacional e das Forças Armadas, todos nós sabemos que a condução e definição da política de defesa nacional não é uma acção da esfera do Governo. Veja o enunciado de acções da competência exclusiva da Assembleia da República, veja o enunciado das questões que, administrativa e politicamente, dependem do Conselho Superior de Defesa Nacional, onde está inserido o Sr. Presidente da República, representantes da Assembleia da República, do Governo e as chefias n-militares.
Não se pode, nem é legítimo, falar em governamentalização. 15so foi um espantalho político utilizado há cinco anos para evitar que a lei hoje em vigor tivesse aparecido. Esse espantalho não é legítimo nem é correcto. O Sr. Deputado está equivocado e, pior, sabe que está equivocado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Infelizmente não é um espantalho!
O Orador: - Passo agora a responder à última questão, que se relaciona com as fragatas e os patrulhadores oceânicos, em alternativa.
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Sr. Deputado Marques Júnior, uma coisa é a ZEE, uma coisa são patrulhadores oceânicos, que impedem meios exteriores de virem fazer capturas na ZEE portuguesa, de passarem por ela não autorizadamente ou de a depredarem, outra coisa são patrulhadores oceânicos e fragatas que têm uma missão de protecção das chamadas linhas de comunicação marítima, muito mais amplas que a ZEE.
Quando o Sr. Deputado Marques Júnior põe uma em alternativa da outra, não tem sentido técnico militar, visto que cumprem funções diferenciadas. Podem ter compatibilidade financeira de analogia, mas cumprem missões opostas. Logo, não compare aquilo que não tem comparação: são objectivos militares distintos, diferentes.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Não comparei!
O Orador: - Por último, a resposta à pergunta do Sr. Deputado José Magalhães sobre o regozijo.
Regozijei-me com a maneira como foi conduzido este debate. Regozijei-me por um certo tipo de aproximações, regozijei-me por uma coisa ainda mais importante: é que foi possível, nesta Câmara, travar um debate com seriedade, com alguma profundidade, em que todos ganhámos, em que todos aprendemos alguma coisa.
Uma voz do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Espero que outros o tenham feito, com a mesma humildade e, sobretudo, com a consciência de que esta questão é tão importante que deve reunir mais do que dividir. A nossa ideia e a minha intervenção foi sobretudo para propiciar um pouco mais essa unidade.
Aplausos do PSD e do deputado independente Borges de Carvalho.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr . a Deputada Maria da Glória Padrão.
A Sr.ª Maria da Glória Padrão (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: No momento em que Portugal vive a nova ordem mundial que se pensa em termos de filosofia dos grandes espaços, tem de se equacionar ou de se reequacionar nas várias vertentes que o conceito implica, nomeadamente no da vertente cultural.
Está, pois, no domínio do óbvio o explícito no conceito estratégico de defesa nacional ao referir o factor cultural tanto nos objectivos permanentes como nas estratégias (ou nas intenções de estratégia) do seu fomento interno e no plano da política externa.
Ao querer viver a nova ordem mundial, Portugal aceitou uma deslocação de fronteiras e a troca do seu traçado por grandes espaços plurinacionais que já não, ou que não só, os do atlantismo; aceitou substituir a independência pela interdependência; aceitou, nomeadamente, apostar na credibilidade europeia ao acreditar numa cooperação comunitária; aceitou rever a concepção de Estado soberano tradicional que já não responde isolado aos fins para que foi criado e investir na Europa dos cidadãos terçando armas contra a tão proclamada decadência do Ocidente.
Portugal fez isso, também, porque à visão apocalíptica de um ensimesmamento (e esgotado que fora o ciclo do Império), optou pelas vias integradas por direito à vida ou por instinto de sobrevivência.
É isto que é preciso lembrar e definir. O direito à vida, culturalmente, diz que somos esta vontade de continuarmos juntos neste chão que é nosso e onde a cada esquino do tempo, sobretudo em momentos de crise, nos perguntamos quem somos.
É a essa interrogação profunda e perturbante que vamos sabendo que somos a busca de nós em dupla imagem exaltante e degradante, o apelo em devir, o projecto que dinamiza e não a chegada que faz parar, a memória que localiza mas que muitas vezes é sem referente objectivo, os participantes de um diálogo com o tempo que diagramaticamente é o círculo platónico e cristão e a semi-recta judaica e marxista, o sentido dramaticamente ocidental da pergunta à vida posta pela morte.
Entretanto, o instinto de sobrevivência diz que somos sem grandeza uma identidade esquartejada (como se define nas Grandes Opções do Plano), um grupo de habitantes a granel e não de pessoas ou de cidadãos, uma colaboração distraída ou arrastada por interesses de outros, a redução ao emolduramento mercadejável das estatísticas tecnocráticas tomadas como fins, a bagatela dos massacres de ideologias de cópia ou de substituição.
Viver ou sobreviver: é isto o que é preciso escolher e discernir com rigor.
Discernir com rigor passa por clarificar um conceito de defesa em que, na realidade intercultural, o singular português se pense e se saiba e se defenda como uma comunidade nacional forte e consciente da sua situação de subsistema dentro dos vários sistemas internacionais ou como um regionalismo agressivo que é parceiro igual que mede a história com outros horizontes. Discernir com rigor é aceitar o desafio onde recusamos ser um projecto irremediável dentro de uma certa existência mas onde queremos ser um projecto irrecusável no diálogo. E porque a morte tem cúmplices entre os homens, há que vigiar para que o nosso conceito estratégico de defesa nacional não seja um apagar de luzes para todos os gatos ficarem pardos, mas o princípio fundamental a cujo serviço livremente nos colocamos porque acreditamos na inteligência que diz que um país só justifica a sua defesa se oferecer condições de vida (não de sobrevivência) suficientemente motivadoras e porque acreditamos em formas novas de tornar possível a convivência, exigindo respostas avisadas às mutações sociais, rejeitando vagas ou interesseiras filantropias e rejeitando, com todo o vigor, qualquer forma de estupidez dos néscios.
Dozes do PRD: - Muito bem!
A Oradora: - Discernir com rigor é saber quem somos, o que fazemos e o que faremos no teatro das operações, um teatro com ameaças e desafios que fazem prever profundas consequências neste momento incalculáveis. Um dos vectores do desafio, que tem sido predominante, é o tecnocrático e o que se discute em termos económicos. É nesse terreno de integração económica que o problema da cultura se torna mais agudo e mais vulnerável para nós.
Mas a questão da cultura parece que não nos move. Talvez porque arrasta uma enumeração pacífica de objectivos ou uma nebulosa de objectivos, talvez porque a falta de conceitos operacionais ou a organização dos instrumentos internos de fomento e de sustentação dificulte a orientação. Talvez porque a cultura
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entre nós serve para enfeitar campanhas eleitorais ou é noção fortemente ligada só à didáctica e aos tempos livres ou é sinónimo de erudição e nem dá imediatamente de comer. Assim continua a caminhar-se mais ou menos alegremente para a barbárie. Ou em caso de desenvolvimento só material, continua a caminhar-se mais ou menos alegremente para graus superiores da evolução animal. Juntando a isto o nosso atraso em várias frentes, o nosso tradicional descaso, a passividade dos brandos costumes, a longa lista das carências e das ocultações nos domínios culturais, as recentes declarações do Sr. Primeiro-Ministro neste Parlamento de agressão a uma forma de inteligência portuguesa, corremos cada vez mais o risco de estarmos à mercê de homens que, se as estrelas de apagassem, se limitariam a rir (Edwin Robinson).
Vozes do PRD: - Muito bem!
A Oradora: - Falo de tecnocratas, naturalmente, que amesquinham de forma sagaz e subtil porque nem sequer fornecem os instrumentos que permitem identificar situações e não há combate sem objecto conhecido. Depois, restar-nos-ão medidas por arrastamento. Envelhecemos.
O nosso lugar no mundo passa pelo diálogo cultural e por uma base de relação de identidades que transcendem os sistemas políticos e económicos que estão sempre de passagem.
Sr. Ministro da Defesa, julgo não ser ousadia da minha parte acreditar que para V. Ex.ª as questões do presente são sobretudo as questões do futuro e que mais do que um património para amanhã se trata de saber que património para amanhã.
Julgo não ser ousadia da minha parte não o incluir no número daqueles que, de cada vez que alguém fala de cultura, comenta a posição do declarante com a palavra do italiano Carducci: «Da boca blasfema caía palpitante um sapo verde.»
Julgo não ser ousadia saber que entende e aceita que há disjuntivas rigorosamente exclusivas e que uma delas é esta: ou nos salvamos culturalmente ou submergimos, ou escolhemos ser interdependentemente vivos ou dependentemente sobreviventes.
Vou-lhe fazer três perguntas, Sr. Ministro. A sua função vincula-o a respostas rigorosas e objectivas. Por isso, com a maior lisura, permito-me um pré-aviso: não me bastam grandes palavras que dizem tudo para não dizerem nada e que, como sabe, mascaram muitas vezes a impotência, a ligeireza, o aventureirismo, o improviso, e nos deixam ao sabor das flutuações. Não me bastam as grandes palavras que descaracterizam, que podem ir a caminho da desnacionalização, que podem levar a desnacionalização à degenerescência. Quero a objectividade que a nossa dimensão cultural impõe, que é a nossa, e que nos obriga em dever e em direito a ser o contrapoder sem perversidade na ordem internacional.
Para já, as perguntas são só estas, Sr. Ministro da Defesa: qual é, no entendimento deste governo e no entendimento de V. Ex.ª o quadro nítido das vulnerabilidades que neste momento são uma ameaça ao nosso tecido cultural e, portanto, à nossa identidade nacional?
Qual é o conjunto das medidas rigorosas para o combate a essas vulnerabilidades?
Que pontos são privilegiados no combate específico em três frentes: o europeísmo, o iberismo e o atlantismo?
Das suas respostas, Sr. Ministro, saberá o País se este governo escolheu viver ou sobreviver.
Aplausos do PRD, do PS, do PCP e do CDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro, igualmente para uma intervenção.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Ao contrário do optimismo e dos tons cor-de-rosa com que o Sr. Ministro da Defesa Nacional aqui apresentou a situação existente no País no que diz respeito à defesa nacional, é bem diferente a realidade. Embora sem possibilidade de abordar todos os problemas existentes, devemos referir-nos, pelos menos, a alguns deles, que documentam a gravidade da situação.
Começaremos pelo que diz respeito à discriminação nas Forças Armadas. Os militares deviam, naturalmente, ter garantias contra a discriminação, violadora do respeito devido aos seus direitos fundamentais. Mas a discriminação tem constituído um meio privilegiado de instrumentalização e partidarização das Forças Armadas.
É sabido que a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas criou um sistema de escolha e nomeação dos mais altos chefes militares e dos altos comandos, assim como de promoções a oficial general e a general, na dependência directa do Governo, o qual, deste modo, permite que, através da discriminação, sejam instrumentalizadas as Forças Armadas. Há, aliás, várias formas de pôr em prática essa discriminação: não oferecer iguais oportunidades de valorização técnico-militar, relativamente ao exercício de funções de comando e do estado-maior, ou de funções adequadas ao posto, frequência de cursos, estágios, colocações, etc.; utilização de critérios de avaliação de mérito subjectivos e autoritários, por meio dos quais se cria a possibilidade de introduzir pontos de vista políticos na apreciação militar.
Todas estas formas de discriminação se conjugam para ocasionar a interrupção forçada da carreira militar ou sérios prejuízos de ordem material e moral na vida militar. Entre outros, são disto exemplos recentes a não promoção a general do brigadeiro Pezarat Correia e a não atribuição de funções ao general Garcia dos Santos, dois dos mais destacados militares de Abril, profissionalmente dignos e respeitados.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Muito bem!
O Orador: - E em sentido inverso se pode referir a promoção do general Soares Carneiro dias antes de passar à reserva.
A discriminação é, evidentemente, ilegal, pois viola o artigo 28. º, n.( 3, da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, o qual estabelece que «nenhum militar poderá ser prejudicado ou beneficiado na sua carreira em razão de ascendência, sexo, raça, território de origem, religião, convicção política ou ideológica, situação económica ou condição social». Mas não é só violadora da lei, pois mina os próprios fundamentos da instituição militar, com as graves implicações negativas que ocasiona na unidade moral e na coesão das Forças Armadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: No que diz respeito ao serviço militar
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obrigatório, não é menos grave a situação existente. Tal serviço não oferece presentemente atractivos para a grande maioria da nossa juventude. Tal resulta de vários factores: a duração do tempo de serviço, o mau aproveitamento do tempo após o período de instrução, o baixo nível técnico-profissional e cultural da instrução, as deficientes condições materiais de vida dos militares do contingente, muitas vezes com graves reflexos na vida dos seus familiares, limitações aos direitos dos cidadãos enquanto militares e a persistência de comportamentos autoritários entre os quadros e entre a hierarquia.
Ocorre aqui perguntar que espécie de educação cívica é ministrada aos militares. Têm eles conhecimento do que é a lei fundamental da República e dos direitos e garantias individuais dos cidadãos? Há ou não quartéis em que os objectores de consciência são vexados e ridicularizados em desenhos afixados, identificando-os com homossexuais?
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: É ainda sabido que se persiste em recusar o exercício da actividade sindical em organismos sob a administração do Ministério da Defesa, que integram funcionários ou agentes da função pública, nomeadamente departamentos fabris, Manutenção Militar, INDEP e outros. Ainda no passado mês de Janeiro o MDP/CDE dirigiu um requerimento ao Governo no sentido de o Sr. Ministro da Defesa Nacional emitir directivas que garantam o pleno exercício da liberdade sindical nos serviços dos departamentos das Forças Armadas já referidos, ou seja, em todos os serviços em que trabalha pessoal civil.
E se desta matéria passarmos para outras, teria ainda de se perguntar: como compreender que os sargentos que mais se têm destacado na apresentação das aspirações da classe junto dos seus próprios camaradas tenham sido alvo de medidas persecutórias e intimidativas, chegando-se a aplicar sanções disciplinares, sob o pretexto de que essa legítima actuação seria «prejudicial à disciplina militar e ofensiva dos superiores hierárquicos»?
Que distância, Sr. Ministro da Defesa, das suas afirmações aqui feitas de que tudo correria no melhor dos mundos possíveis, sem problemas, nem brouhaha, em matéria de defesa nacional!
A presente interpelação permitiu definir a distância que vai do optimismo do Sr. Ministro à confrangedora realidade. É, afinal, a mesma distância que corresponde à falência de toda a política deste governo.
Aplausos do MDP/CDE e do PCP.
O Sr. Presidente: - Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Carvalho.
0 Sr. Costa Carvalho (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A história prova-nos que foi num momento de crise de identidade que a imprensa periódica surgiu em Portugal, precisamente para reforço da defesa nacional, para restituir o perdido sentido de independência, para, na coesão interna, alimentar com as ideias o que se restaurava pelas armas. Foi a época das «gazetas» de 1641.
Hoje o mundo é outro, as ameaças e as vulnerabilidades são diversas e, consequentemente, também distintos os sinais dos tempos.
A Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, no seu artigo 6.º, estabelece que «a necessidade da defesa nacional, os deveres dela decorrentes e as linhas gerais
da política de defesa nacional serão objecto de informação pública, constante e actualizada». Com a posterior formulação do conceito estratégico de defesa nacional, o aspecto é reforçado, ao sustentar-se que, com vista à existência de um ideal nacional e de uma determinação política fortes, que alicerçam uma sólida vontade de defesa, «deve ser desenvolvida e fortalecida a consciência da identidade nacional e a consciência cívica de toda a população, em especial da juventude, enquadradas numa opinião pública nacional esclarecida e motivada em matéria de segurança e de defesa».
Também nesta perspectiva meramente comunicacional, o Livro Branco da Defesa Nacional, em vez de preencher uma lacuna, antes a reforça, amplia-a e até lhe cava o vazio ao anunciar a desanimadora intenção de que «em princípio, encontra-se prevista a publicação de edições anuais que permitam complementar e também actualizar, quando necessário, as informações agora fornecidas».
Temos, assim, que da «divulgação pública, constante e actualizada» colhe-se não o fruto sazonado mas a ideia apodrecida na inoportunidade da sua fruição.
De maneira que nem informação, nem difusão, nem, logicamente, opinião. Esta incongruência nem nos conceitos napoleónicos caberia: «Não basta, para ser justo, fazer o bem; é preciso, igualmente, que os administrados sejam convencidos. A força alicerça-se na opinião. Que é o Governo? Nada, se não tem opinião.»
Eis como o Governo perde uma outra oportunidade de ser justo, de fazer o bem e de ter opinião. E porquê? Por não conseguir que a defesa nacional seja assunto capaz de concitar o interesse dos Portugueses, por não ter engenho para fazer da segurança um elemento de coesão interna. E os órgãos de comunicação social, mais do que um veículo, são o repetidor dessa incapacidade governamental, ao continuarem a erigir, como temas paradigmáticos da defesa, os desfiles militares, os juramentos de bandeira, as promoções e algo mais que faz radicar nos espíritos menos esclarecidos a ideia de que as Forças Armadas foram e continuam a ser o Pantagruel sentado à mesa do Orçamento do Estado.
É que nas preocupações do Governo, no tocante a esta matéria, não se perfilam os aspectos fundamentais da formação e da informação da opinião pública; escasseiam ao Governo ideias para um inovado e amplo debate, nomeadamente nos mass media, sobre as inquietações que envolvem a defesa nacional; não se acerta com o discurso adequado à necessidade de o Governo e os órgãos de comunicação social se assumirem mais como guardiões do interesse público do que como seus presuntivos intérpretes.
Sem isto a comunicação social continuará a ser uma das nossas múltiplas vulnerabilidades, porque na dependência externa, até das fontes de informação, sobre assuntos de ordem interna.
Enquanto isso e apressadamente, o Governo apresta-se para embarcar na Lusa, a fim de dar novos mundos informativos a um mundo que, no remoto ano de 1668, o Padre António Vieira se permitiu ver utilizando - vejam bem - a óptica deste Governo. Não é que aquele prosador já então dizia que a defesa da soberania nacional, dos interesses portugueses, deveria começar precisamente lá fora, no estrangeiro, com a montagem de um vasto e eficiente comércio de notícias, pois quem mais as vendesse mais poder teria e melhor se preveniria contra as ameaças?
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Já não sei se nos faz falta uma política moderna de comunicação social, ou se o melhor é continuar a aconselhar-me com o Padre António Vieira! ...
Aplausos do PRD e do deputado João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE).
O que sei é que a dominação ideológica - compreendida nas suas formas de compra massiva de produtos culturais nacionais - não nos permite ganhar a «guerra dos espíritos» e favorece a existência de um povo alheado das realidades nacionais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Estado, se quiser ganhar a colaboração dos Portugueses na prevenção e esclarecimento das ameaças, tem de libertá-los da sensação de estarem a proteger algo de abstracto, de subtrair os Portugueses à suspeita de que, afinal, o Estado só a ele se procura defender.
A política de defesa nacional não é, certamente, um livro branco, como também a política de protecção civil não será aquela que, em boa verdade, nem sequer temos.
E talvez neste domínio não militar fosse possível e praticável a propedêutica que, na captação imediata do interesse da comunicação social e no mais fácil entendimento da opinião pública, possibilitasse avançar-se para fases mais complexas de segurança cujo conhecimento generalizado se torna obrigatório e urgente.
Seria, pois, necessário articular um sistema nacional de protecção civil (nomeadamente as actividades de defesa civil) com a defesa militar e desenvolver e aperfeiçoar os mecanismos de planeamento civil de emergência.
A realidade, infelizmente, é bem outra: descoordenação, recursos não inventariados, aprovisionamentos incalculados, incompatibilidades nas telecomunicações, reservas de informação inexistentes, regulamentações caducas ou de aplicação conflituosa. 15to para além de uma total ausência de acções pedagógicas efectivas junto das populações, de um indefinido encarecimento dos reais préstimos dos radioamadores, de campanhas tímidas apoiadas em literatura, que só não é sóbria no absurdo dos conselhos, sem dúvida, por se confiar mais na protecção celestial do que na protecção civil.
Temos tão entranhado o gosto pelo desafio à tragédia que, por exemplo, nada se faz para evitar os riscos a que as condições de transporte ferroviário expõem, semanalmente, milhares de jovens a prestar o serviço militar; temos uma tamanha atracção pelo abismo que confiamos à eficácia de ultrapassados telefones magnéticos a circulação de comboios numa rede quase só de via única, não nos preocupando em saber se esses telefones até nem funcionam tantas vezes, apenas porque sistematicamente são roubadas as linhas aéreas de cobre. Acontecido o desastre, consumada a tragédia, bem à maneira portuguesa, todos fazemos o mea culpa, mas no peito dos outros...
«Também... não exageremos! » - dirá o Governo. E eu concordo. Na verdade, não é que haja insegurança. Só que a segurança é a segurança de há cem anos.
«Tudo é feito na base da improvisação. Há os incêndios, toda a gente corre, mas nada está preparado para actuar. Há uma cheia, idem, aspas. As pessoas agem por impulsos, impulsos fortes, perante as situações de catástrofe, mas impulsos. Não há uma estrutura organizada.»
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Acabei de citar, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, declarações do governador civil do Porto a um jornal diário; conclusões amargas do governador de um distrito onde o Serviço Nacional de Protecção Civil se resume a um telefone e a um oficial do Exército... Noutros distritos, nem isso!
Três perguntas muito directas, Sr. Ministro: considerando que em toda a espécie de mudez há um esforço permanente de querer falar, como é que o Sr. Ministro da Defesa Nacional tem actuado junto da opinião pública para a esclarecer sobre a razão de ser e a importância das Forças Armadas - no contexto da política de defesa nacional?
Antes de passar à segunda pergunta, gostaria de dizer ao Sr. Ministro que tenha comigo uma videocassete que tem os defeitos técnicos de quem é inexperiente na matéria mas que talvez fosse útil ser visionada (é pena não estarmos apetrechados para o fazer).
No domingo passado à noite fui à estação de Campanhã. Está aqui a imagem do que é o transporte ferroviário dos militares. Com o devido respeito pela dignidade das pessoas, tenho o pressentimento de que, em Portugal, se transportam em melhores condições os animais...
Por isso, porque aos fins-de-semana as condições de transporte de militares são visivelmente humilhantes, chocantes e degradantes, pergunto que acções pensa o Governo deverem ser desenvolvidas no respeito pela dignidade e segurança dos jovens, pela justa tranquilidade dos pais. Ou julga o Governo não haver uma profunda diferença entre o viver jovem e o morrer jovem? Estarei a dramatizar?
A repetir-se a tragédia de Cavês, de 28 de Dezembro de 1981, como responderia o Serviço Nacional de Protecção Civil, admitindo-se que o distrito de Braga viesse a ficar de novo isolado em termos de telecomunicações?
Pelo que já se ouviu do Governo, teremos aqui reeditado o dia 14 de Julho de 1789, quando Luís XVI escreveu no seu diário: «Hoje, nada a assinalar.» E o Sr. Ministro Adjunto, com súbita miopia, acrescentará: «Nada a assinalar, a não ser um atrevimento do PRD. Foi reduzido à sua real dimensão» - o atrevimento, claro!
É uma maneira de ver e, naturalmente, é também uma maneira de falar.
Aplausos do PRD e do deputado João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE).
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Agostinho Domingues.
O Sr. Agostinho Domingues (PS): - Sr. Deputado Costa Carvalho, quero apenas felicitá-lo pela intervenção que produziu, que apoio de um modo geral mas muito particularmente quanto à questão que colocou ao Sr. Ministro sobre o problema do transporte dos militares, concretamente nos fins-de-semana.
Há muito tempo que eu próprio tinha decidido elaborar uma intervenção de fundo sobre essa matéria. O Sr. Deputado foi extraordinariamente feliz em trazer aqui este problema, que é dramático.
Acho que, de facto, os nossos soldados merecem outro respeito, pelo que me associo ao seu apelo no sentido de que o Sr. Ministro da Defesa Nacional encontre medidas que dignifiquem a situação dos nossos soldados, concretamente quanto ao seu transporte dos quartéis para as suas casas e vice-versa.
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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Lelo.
O Sr. José Lelo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Proliferam no quotidiano de todos nós os exemplos vincados que testemunham a crise de valores que grassa em certos sectores da sociedade portuguesa. Crise que se revela em múltiplos aspectos, de que um dos mais expressivos será, porventura, o modo como, entre nós, se vão subestimando as questões da defesa nacional. Atribui-se-lhes, em regras, apenas uma importância de natureza estritamente militar, do que resulta a confusão reinante entre assuntos de carácter global da defesa e os problemas específicos das Forças Armadas enquanto instituição.
Assim, a defesa nacional não vem sendo entendida nem na sua exacta dimensão, nem em função da sua real importância face aos objectivos nacionais. Este estado de coisas radica de razões diversas: em primeiro lugar, do facto de a generalidade da população estar legitimamente compenetrada de que um eventual conflito envolvendo Portugal não está iminente e nem sequer é credível em termos de probabilidade próxima; em segundo lugar, do facto de as ameaças potenciais se não encontrarem plenamente tipificadas e muito menos interiorizadas pelo sentir colectivo da sociedade portuguesa.
Por outro lado, tão pouco se recortam muito claras perante a opinião pública as motivações que poderiam levar a que se instalasse um clima de conflitualidade entre as potências da, área que, de per si, ou por influência do afrontamento de blocos, pusesse em causa a paz na região.
Estas razões avolumadas por traumas recentes, como a guerra em África, e reforçadas pela proliferação de ideologias pacifistas de indução externa, conduziram à preocupante situação da existência de importantes sectores da opinião pública nacional que, alegadamente, tergiversam perante a necessidade da assunção de uma vontade expressa de defender o País.
Assim, a defesa nacional vem sendo encarada pela opinião pública e, o que é pior, pelas próprias instâncias governamentais como mera plataforma giratória de gestão dos assuntos do foro castrense, do que resulta uma total ausência de uma política coerente que estruture uma verdadeira defesa integrada do País.
Com efeito, a defesa nacional terá de ser hoje em dia assumida em termos muito mais amplos que transcendem o mero conceito de defesa militar, já que a par desta coexistem as defesas económica, civil, cultural, psicológica, etc. Aliás, essa realidade é consagrada no próprio articulado da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas quando aí se refere a natureza global da política de defesa nacional e, ainda, quando, no artigo 6.º, se define o seu âmbito interministerial.
A defesa nacional constituirá, assim, o somatório de todas aquelas componentes, em que as que se referem aos aspectos político, económico e sócio-cultural assumem um papel de inegável relevo. Por essa razão, a defesa nacional, privilegiando obviamente a necessidade em defender a integridade e a independência nacionais perante as ameaças que façam perigar a segurança da Nação, envolve igualmente a defesa do seu património moral, cultural e material. Ora, esta tarefa pressupõe uma maior coordenação governamental quanto aos aspectos sectoriais que implicam com a política de defesa nacional.
Não poderá, pois, o Ministro da - Defesa Nacional deixar de ter uma intervenção qualificada no quadro da preservação dos valores que são a razão da nossa identidade própria, cultural e política, como não se poderão minimizar os aspectos da complementaridade interministerial a serem assegurados pela coordenação do próprio Governo.
Mas não poderá ao Ministro da Defesa Nacional ser indiferente, por exemplo, a inexistência de reservas estratégicas que, em caso de conflito, de bloqueio marítimo ou de catástrofe, possa determinar a paralisação de sectores vitais da economia ou até conduzir a situações de rotura no abastecimento alimentar e na estrutura do sistema hospitalar que comprometam todo e qualquer esforço de defesa.
Neste sentido, não poderá o Ministério da Defesa Nacional deixar de suscitar a dinamização de programas de cooperação interministerial no sentido do lançamento de estruturas que visem o ensino da defesa nacional e assegurem as respectivas especializações de nível universitário, aliás como sucede em todos os países ocidentais.
Não poderá o Ministério da Defesa Nacional descurar o fomento de acções de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias de ponta utilizadas nos sistemas de armas que vão equipando as Forças Armadas, garantindo uma componente nacional na manutenção regular desses equipamentos.
Não poderá o Ministério da Defesa Nacional deixar de colaborar no quadro da política externa de defesa, dinamizando uma intervenção acutilante e eficaz do nosso país no seio de organizações internacionais como a Agência Espacial Europeia, o Centro Europeu de Pesquisa Nuclear, o Euro Grupo, o IEPG, o NIAG, etc., em ordem a que Portugal possa, por essa via, participar em projectos de desenvolvimento tecnológico que revertam como um contributo válido no sentido de mitigar os atrasos que limitam o nosso desenvolvimento. Não poderá, enfim, o Ministério da Defesa Nacional descurar a importância estratégica de todos esses sectores relevantes para a economia e, por conseguinte, para a independência nacional, como o são as telecomunicações, as vias rodoviárias, os portos, os transportes marítimos e aéreos, bem como os caminhos de ferro, sem deixar de ter em conta as indústrias como a farmacêutica, de produção energética, de fabrico de componentes e a indústria especificamente de defesa nacional.
Ao realçar-se o âmbito e a multiplicidade das áreas que se interligam com os interesses da defesa nacional, apenas se pretendeu chamar a atenção para as implicações que da ausência de uma política de defesa nacional poderão decorrer para o País.
Com efeito, comprovando uma ligação obsessiva às questões de ordem militar, o Ministério da Defesa Nacional não existe enquanto tal e ocupa, envergonhadamente, algumas assoalhadas no Estado-Maior-General das Forças Armadas. 15to quase cinco anos depois da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas e após três anos e meio de consulado social-democrata na pasta da Defesa.
Assim, o Ministério da Defesa Nacional, nessa qualidade, não existe; é uma figura de ficção. Na verdade, mais não tem sido do que uma ligação funcional entre a hierarquia militar e a hierarquia política. Por isso, tem andado à boleia das circunstâncias, não tendo conseguido impor uma política coerente, nem sequer fazer
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ouvir o seu parecer sobre decisões sectoriais que contendem com os interesses estratégicos da defesa nacional. O que se reflecte em campos muito vastos que abrangeriam o caso de um encerramento de um troço fronteiriço de caminho-de-ferro, ou do abate de unidades importantes da nossa marinha mercante, ou da alienação para multinacionais estrangeiras de sectores industriais de ponta, ou então do debate da problemática da regionalização - objecto actualmente de um inexplicável alheamento pelo Ministério da Defesa Nacional. Embrenhado em preocupações burocráticas, enredado na gestão do quotidiano, marginalizado pelo pragmatismo sem substância de um Governo que confunde a defesa da Nação com questões mesquinhas de politiquice barata e sobrepõe a demagogia eleitoralista às questões de Estado, o Ministério vai-se adiando, penosamente, com um ministro esforçado mas impotente para impor uma qualquer linha política.
Sendo embora membro de pleno direito do IEPG Grupo Europeu Independente de Programas, Portugal não participa em nenhum dos 21 programas conjuntos em curso, nem sequer tem mantido um especialista português como membro permanente no Wisemen Study Group. Entretanto, a nossa vizinha Espanha, agora chegada à Aliança, é já presidente do IEPG e participa em três programas.
Por outro lado, no seu novo plano de cinco anos, o Departamento de Defesa Americano, ao abrigo da iniciativa Nunn, reservou uma verba de 2,9 biliões de dólares destinados a financiar programas de cooperação no domínio da pesquisa e desenvolvimento de novos sistemas de armas com os seus aliados.
Em curso estão, assim, diversos programas de cooperação, nos quais Portugal não participa. Não valerá a pena dizer que o nosso país, não sendo um utilizador final dos sistemas produzidos, está liminarmente afastado da produção. Com efeito, como se constatará quando do debate da lei de programação militar, Portugal está em fase de reapetrechamento no que concerne ao equipamento de defesa, devendo, por isso, tirar partido dessa situação. No entanto, o que se verifica é que, por exemplo, no quadro dos projectos de cooperação acordados pelos directores nacionais de armamento ao abrigo deste programa, o nosso país não colabora no projecto ADA, no Sistema de Identificação Nato, no MSOW - Modular Standoff Weapons, no MIDS - Multifunctional Information Distribution System, nem sequer no projecto conjunto de nove países, Espanha e Turquia incluídos, para o desenvolvimento de uma munição guiada de 155 mm, o que no mínimo será lastimável, quando se prevê agora um investimento significativo, no quadro da reformulação do INDEP, para produção de munições daquele calibre, previsão que não sabemos se se concretizará ou não, tanto mais que vai tardando a «luz verde» para a viabilização do INDEP, espartilhado financeiramente com encargos asfixiantes e incomportáveis e os salários deste mês ameaçados.
Por isso, o que é feito da indústria nacional de defesa da tutela do Ministério da Defesa Nacional? Totalmente ultrapassada do ponto de vista tecnológico, atingiu um tal estado de obsolescência que, não colmatando a maioria das dependências portuguesas do exterior, não se ajusta igualmente aos padrões requeridos pela Aliança Atlântica. Assim, não cumprindo a sua estratégia, sobrevive apenas á custa de guerras periféricas e não em função da paz.
A reformulação das indústrias de defesa pressupõe um outro tipo de atitude perante este problema e implica uma aposta decisiva na invocação tecnológica, tendo em conta que a aplicação civil dessas tecnologias tem sido determinante para o desenvolvimento dos países mais poderosos nossos aliados.
Não bastarão, pois, operações de estética para alterar o estado actual da situação da defesa nacional no nosso país. É preciso mais, é preciso alterar as mentalidades, as prioridades e o modo de tratar os assuntos de Estado no seio da actual equipa governamental. Se as questões de defesa nacional não vierem a ser, efectivamente, encaradas a uru outro nível, com outra dignidade, sem preocupações economicistas ou de carácter partidário conjuntural, então não valerá a pena mudar.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ivo Pinho.
O Sr. Ivo Pinho (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: No Programa do actual Governo e, bem assim, nas chamadas Grandes Opções do Plano a médio prazo - recentemente dirigidas em programa interno de acções do Governo -, respingam-se referências genéricas, avulsas à problemática da defesa e da independência, mas nenhuma delas deixa antever os contornos normativos da política de defesa ou das acções concretas a desencadear visando a independência nacional.
Num país pequeno, dependente e periférico em termos económicos, culturalmente sujeito a agressões permanentes e com um tecido social puído e desgastado por importantes factores de divisão e de decomposição, a ideia e a prática da independência nacional adquirem particular relevância enquanto elementos aglutinadores de identidade da Nação e, bem assim, enquanto factores de coesão e de afirmação do regime e do sistema democrático vigentes.
Para nós a garantia da defesa e da independência nacional têm de consubstanciar-se na gestão coerente e organizada das nossas múltiplas dependências, maximizando as vantagens emergentes da sua diversificação e minimizando os custos sociais e económicos das mesmas.
A chamada «teoria das ameaças» explica que um país é tanto mais ameaçado quanto maiores forem as suas vulnerabilidades. A esta luz, uma reflexão sobre a problemática da defesa é, sobretudo, uma reflexão sobre vulnerabilidades.
As dependências e vulnerabilidades portuguesas são muitas e, em geral, bem conhecidas.
Em termos geográficos, avulta a enorme sensibilidade da situação geoestratégica do País, à qual acrescem o constrangimento físico face à Espanha e a descontinuidade do território nacional.
No domínio económico, salientam-se as debilidades no abastecimento de certas matérias-primas e subsidiárias estratégicas, bem como as excessivas dependências alimentar, energética e tecnológica.
Nos serviços é particularmente notória a insuficiência da marinha mercante nacional, cuja quota no transporte de mercadorias transaccionadas com o exterior não tem cessado de decrescer.
Finalmente, na área propriamente militar, é especialmente gritante a ausência de ocupação do extenso - e estratégico - mar interterritorial por meios navais oceânicos e por meios aéreos.
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Seria, obviamente, irrealista admitir que as vulnerabilidades e dependências referidas são passíveis de plena erradicação. E, porém, necessário empreender esforços determinados para, com realismo mas também com voluntarismo e audácia, se combater, gradual mas determinantemente, a situação descrita. para tanto, afigura-se fundamental definir e operacionalizar sistemas expeditos e ágeis de articulação entre o Ministério da Defesa Nacional e os departamentos de Estado que superintendem nos domínios da agricultura e pescas, da indústria e energia, dos transportes e comunicações e da investigação científica e tecnológica.
Sr. Ministro da Defesa Nacional, sendo ponto assente que a redução das vulnerabilidades é condição sine qua non para garantir a defesa e independência nacional, importa conhecer qual tem sido - na medida em que a Lei Orgânica do Ministério se encontra em fase de ultimação - e qual vai ser o envolvimento e as atribuições do Ministério da Defesa Nacional em matéria de definição da estratégia de desenvolvimento do País e das políticas sectoriais em áreas para a defesa nacional. Em particular, afigura-se importante que sejam prestadas informações sobre: os esforços já empreendidos, em curso e a empreender, no sentido de, em conformidade com o disposto na Resolução n.º l0/85, se constituírem reservas estratégicas em áreas vitais, em especial na alimentação, nos combustíveis e nas matérias-primas; os níveis dos stocks de segurança considerados bastantes para garantir o abastecimento normal do País dos produtos estratégicos referidos; os sistemas de articulação entre o Ministério da Defesa Nacional e as empresas importadoras, abastecedoras e transportadoras daqueles produtos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O conhecimento das intenções do Governo em matéria de defesa nacional é vital para dotar de utilidade social a presente interpelação. Por razões conhecidas, a problemática da defesa esteve, entre nós, rodeada do maior secretismo. Tratava-se sempre de matéria classificada, de segredo militar. Vivemos hoje em democracia e, por isso, sem prejuízo da manutenção da figura do segredo militar nos casos, necessariamente circunscritos, em que tal se justifique, importaria «desclandestinizar» a acção governamental na área da defesa.
É difícil delimitar, com rigor, onde começa e onde acaba a defesa nacional. Queira-se ou não, a política de defesa está inextrincavelmente ligada a outras políticas, designadamente à política externa. Já no decurso da actividade do presente executivo têm ocorrido factos desprestigiantes para o País. Tais factos têm sido divulgados pelos órgãos de comunicação social e, apesar da gravidade de certas afirmações, o Ministério da Defesa Nacional tem-se refugiado num mutismo cúmplice, socialmente condenável.
Sr. Ministro da Defesa Nacional, qual é, efectivamente, o nível de acompanhamento e o grau de controle do ministério que V. Ex.ª dirige relativamente a certas operações - designadamente venda de material bélico ao exterior - com incidência perversa na imagem externa do País?
Quais são as intenções do Ministério relativamente à actuação de intermediários pouco escrupulosos no comércio externo de armamento?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A concluir esta intervenção, afigura-se pertinente tecer algumas considerações sobre a envolvente geral em que labora a indústria militar nacional.
Trata-se de uma matéria delicada, acrescendo que a informação sobre o assunto é insuficiente e deficiente.
É sabido que, por imperativo constitucional, o sector da produção de armamento se encontra vedado à iniciativa privada.
Em 1980 criou-se a INDEP - Indústrias Nacionais de Defesa, E. P., com o objectivo de conferir unidade de comando e organização a um sector importante da indústria militar nacional - o fabrico de armamento, munições e explosivos.
Para além da INDEP, a indústria militar nacional compreende os estabelecimentos fabris das Forças Armadas - que dependem das respectivas armas - e empresas privadas com produções militares, as quais, de resto, assumem uma importância significativa na produção, nas vendas e, sobretudo, na exportação de produtos militares.
A indústria militar, talvez por atavismo, continua excessivamente fechada sobre si: é manifestamente insuficiente a articulação que estabelece com a indústria nacional e a sua capacidade de manobra encontra-se fortemente limitada pela «ajuda» externa que, nos planos bilateral e ou multilateral, lhe é fornecida.
Ao contrário do que sucedeu na generalidade dos países ocidentais, não foi assegurada a necessária coordenação, especificação e normalização da aquisição de bens de consumo e de investimento com base nas capacidades e potencialidades da indústria nacional.
Desperdiçaram-se, assim, potencialidades e complementaridades tecnológicas e produtivas não negligenciáveis e, consequentemente, perderam-se excelentes oportunidades comerciais, cujo interesse para o País extravasava os estritos interesses económicos e financeiros.
Actualmente, afigura-se não existirem razões políticas nem, menos ainda - atentos os baixos níveis de produtividade global dos factores produtivos na indústria militar -, motivações económicas para aceitar, sem controvérsia, o autarcismo produtivo das Forças Armadas.
Dir-se-á que se tem caminhado no sentido de perspectivar, em novos moldes, o relacionamento entre as indústrias militar e nacional, havendo, inclusivamente, exemplos recentes de celebração de contratos de desenvolvimento e de contratos-programa com empresas privadas.
É verdade que, como foi afirmado pelo Ministro da Defesa Nacional na sua primeira intervenção nesta sessão, se têm lançado experiências positivas, mas também o é que importa intensificar a cooperação entre empresas industriais e empresas militares, nomeadamente no domínio do desenvolvimento tecnológico.
É lamentável que se não optimizem as potencialidades que certas pequenas e médias empresas industriais oferecem. Pode argumentar-se que, na maioria dos casos, essas empresas detêm potencial produtivo bastante para satisfazer, em quantidade e em qualidade, as encomendas militares. Todavia, sabe-se que, havendo adequado planeamento e programação rigorosa das encomendas e substituindo-se o tradicional concurso público pela figura do contrato-programa, será possível, em muitos casos, a partir da oferta de agrupamentos de empresas, obter-se resposta atempada e adequada às solicitações formuladas.
Em conclusão, afigura-se que a definição e implementação de sistemas expeditos de cooperação entre a indústria militar e a indústria nacional apresenta
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vantagens apreciáveis, cumprindo destacar as seguintes: melhor aproveitamentos dos recursos nacionais; maior incorporação nacional nos consumos militares e, bem assim, maior valor acrescentado dos produtos militares que exportamos; elevação dos níveis técnicos e tecnológicos das produções militares; melhoria da produtividade global dos factores produtivos da indústria militar.
Não parece haver alternativa ao modelo de cooperação preconizado. Nada fazer significará ameaçar, a médio prazo, a indústria militar nacional e consentir que Portugal continue a ser, no quadro da NATO, um parente pobre, incapaz de participar em projectos de desenvolvimento tecnológico com importantes sinergias endogeneizáveis.
Sr. Ministro da Defesa Nacional, a garantia da defesa e da independência nacional passa também - como, de resto, é reconhecido pela Resolução n.º 10/85 - pela existência de uma indústria militar perspectivada para o futuro.
Neste contexto, e tendo em conta es acções que o Governo está a desenvolver nesta matéria - hoje sinteticamente comunicadas ao Plenário pelo titular da pasta da Defesa -, afigura-se importante conhecer, com o rigor e desenvolvimento necessários, o seguinte: Quais são os contornos essenciais da estratégia a adoptar em matéria de indústria nacional de defesa? Que modelo organizativo se encontra configurado para a indústria militar? Que modalidades de cooperação com a indústria nacional se encontram previstas?
Cremos, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo
Srs. Deputados, que as questões formuladas nesta intervenção têm pleno cabimento. Gostaríamos de ouvir respostas claras e consistentes da parte do Governo.
Aplausos do PRD.
Entretanto assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Carlos Lage.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, aproveito esta ocasião para informar a Câmara de que os tempos disponíveis são os seguintes: 9 minutos para o Governo; 21 minutos para o PS; 10 minutos para o PRD; 18 minutos para o PCP; 9 minutos para o CDS; 8 minutos para o MDP/CDE e, além disso, o período de encerramento, que é de 60 minutos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Patrício.
O Sr. Jorge Patrício (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Uma curta intervenção para referir que para nós é inquestionável que, para além da necessidade de ser conhecida, compreendida e apoiada por todos os portugueses, a política de defesa nacional tem, necessariamente, de ter como componente fundamental e nos seus objectivos imediatos o dever de encontrar as soluções para os sérios problemas que se levantam aos jovens no cumprimento das suas obrigações militares.
Sabemos todos que a prestação do serviço militar obrigatório constitui um direito e um dever patriótico, constitucional, de todos os portugueses que a ele estão obrigados e perante o qual, é nossa convicção, a maioria dos jovens não declinam as suas responsabilidades.
Mas o que também sabemos é que o serviço militar obrigatório é prestado em más condições e que por esse
motivo é alvo de contestação por parte significativa dos jovens, verificando-se até algumas tentativas de fuga ao seu cumprimento.
Associando esta realidade à ausência total de esclarecimento sobre quais os objectivos do serviço militar, bem como das possibilidades que nele se oferecem aos jovens, criou-se e continua a criar-se um distanciamento grande entre estes, as suas obrigações militares e a instituição, situação esta que, em nossa opinião, deve ser rapidamente alterada.
É certo que a Assembleia da República aprovou na generalidade a proposta de lei que o Governo nos apresentou sobre o serviço militar obrigatório e que no momento presente se encontra em discussão na comissão parlamentar respectiva.
Mas também é certo que nessa proposta de lei o Governo esqueceu por completo as medidas que se impõem tomar no sentido de dignificar o serviço militar obrigatório, como esquece na sua acção governativa a necessidade de encontrar as soluções que proporcionem uma maior aproximação dos jovens perante es Forças Armadas e a compreensão real para o cumprimento de um dever que é de todos nós, o da defesa do território e da independência nacional.
E esta é para nós uma questão central que não pode ser esquecida neste debate; nem sequer pode ser transferida, apenas e tão só, para a lei sobre o serviço militar que a Assembleia da República vier finalmente a aprovar; nem todas as deficiências e dificuldades que sabemos existirem perante o cumprimento do serviço militar podem ser supridas através da lei.
O que importa saber é se o Governo tem ou não vontade política para, através da sua acção governativa, debelar tais dificuldades.
Esta é a pergunta que fica, porque o que os jovens precisam de saber é se o imenso tempo disponível depois de prontos os diplomas vai ou não ser preenchido com actividades desportivas, culturais e de valorização profissional e escolar.
O que os jovens precisam de saber é se vão ou não continuar quase que impossibilitados de encontrar emprego pelo facto de não terem o serviço militar cumprido.
O que precisam de saber é se onde a alimentação é má ou mal confeccionada, vai ou não ser melhorada. Se onde os transportes são péssimos vão ou não ser melhorados.
O que os jovens precisam de saber é se o Governo, com a sua acção, vai ou não contribuir para um novo relacionamento entre soldados e graduados, dignificando-o, por forma a erradicar comportamentos injustos e autoritários e que em nada abonam ao prestígio das Forças Armadas, criando dessa forma um ambiente e um clima de compreensão mútua e de colaboração na resolução dos diversos problemas.
Afinal de contas, o que importa saber é se o Governo tem ou não vontade em aplicar uma política que tenha como objectivo principal a dignificação do serviço militar obrigatório e a criação das condições necessárias aos jovens que o cumprem.
Não conseguimos vislumbrar essa vontade, nem na proposta de lei do serviço militar, nem na acção governativa que o Governo desenvolve, nem nas intervenções e explicações que produziu no decorrer desta interpelação. Aqui reside mais uma das razões para que consideremos que o Governo, a continuar assim, presta um mau serviço ao País, às Forças Armadas e à juventude portuguesa.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.
O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Se a recente publicação do Governo sobre o seu primeiro ano de actividade tivesse algum mérito reconhecível, ele residiria substancialmente na constatação de que muito do que foi apontado no Programa do Governo apresentado a esta Assembleia da República em 1985 não teve concretização real.
A área da defesa nacional não foge à regra e porventura talvez até seja nesta área que assenta um dos pontos mais frágeis deste executivo.
No Programa do Governo, baseado obviamente nas «principais orientações em matéria de defesa nacional definidas na Constituição da República e na Lei de defesa Nacional e das Forças Armadas, foi decidido consubstanciar acções e medidas concretas no desenvolvimento e fortalecimento da consciência cívica de toda a população, em especial da juventude, de modo a estimular-se a participação da comunidade nacional na realização do grande objectivo que é a defesa, conceber e organizar o serviço militar obrigatório como modo de participação directa dos cidadãos portugueses na actividade de defesa e promover o desenvolvimento da investigação sobre a defesa nacional e do respectivo ensino em centros ligados a estabelecimentos de ensino e a valorização do nível tecnológico das indústrias de defesa nacional em proveito do conjunto da economia, da tecnologia do País e das necessidades das Forças Armadas».
Destas três áreas de intervenção, definidas pelo Governo como prioritárias, só temos conhecimento até agora da apresentação da Lei do Serviço Militar Obrigatório, já aprovada na generalidade por esta Câmara, muito embora no conjunto das intervenções então proferidas ter sido considerada fraca e impregnada de lacunas em tudo contrárias à actualidade e respectiva aplicação.
Caberia agora perguntar, nesta interpelação e nesta oportunidade, onde estão as acções de fortalecimento da consciência cívica, onde estão as acções relacionadas com o desenvolvimento da investigação sobre a defesa nacional e onde está a valorização do nível tecnológico das indústrias de defesa nacional, sendo certo, pelo contrário, que no caso destas últimas as mesmas atravessam uma crise profunda para a qual não se conhecem soluções ou iniciativas.
Em matéria de ordenamento jurídico estão ainda por apresentar muitos diplomas sequenciais à aplicação da Lei de Defesa Nacional, de entre os quais destaco, por expressamente terem sido referidos no Programa do executivo, os diplomas relativos à condição militar e organização e funcionamento das Forças Armadas. Por outro lado - e como estipulava o Programa - a urgente estruturação do Ministério da Defesa Nacional continua à espera de melhores dias.
O Governo, em matéria de defesa nacional, geriu a circunstância e se hoje já está aprovada uma legislação «intercalar» sobre programação militar e se a Comissão Parlamentar de Defesa discute a programação militar para os próximos cinco anos, tal facto resulta mais das obrigações próprias destas matérias do que da iniciativa ministerial respectiva.
Sr. Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, Srs. Deputados: A política de defesa nacional não pode andar dissociada das nossas relações externas. Tal ligação radica no critério supremo que há-de animar estas actividades do Estado e que são a manutenção e o fortalecimento da independência nacional. Assim se compreenderá que a coerência entre a política externa e o seu sistema militar estão evidentemente interligados. Talvez por isso considerou o Governo oportuno definir que em matéria de «política externa de defesa nacional a participação na Aliança Atlântica bem como o papel do nosso país na defesa e segurança europeias implicavam para a defesa nacional especiais responsabilidades no domínio das relações externas, tal como as funções de Portugal no quadro da NATO impunham como princípio a rejeição de uma atitude meramente passiva que consistisse numa simples concepção de facilidades aos aliados em território nacional».
Mas que se tem feito por tais objectivos?
Já na análise do Orçamento do Estado para 1986 se verificava que o investimento então apresentado resultava em exclusividade das verbas provenientes da ajuda financeira dos países aliados e que não estava a ser suficientemente equacionado pelas autoridades americanas o acordo rising-trend quanto ao auxílio militar do que resultava a diminuição de dádivas e dos créditos provenientes do apoio americano ao nosso país em contrapartida das facilidades bilaterais concedidas. Notava-se o decréscimo da ajuda norte-americana o que, no entender da Comissão, deveria suscitar uma adequada intervenção diplomática do Governo Português.
De nada valeu esta referência, pois que na preparação para discussão do Orçamento do Estado para 1987 a comissão voltava a considerar os mesmos aspectos do ano anterior. Mais uma vez se considerava que a ajuda norte-americana à modernização das Forças Armadas vinha a decair desde 1984, passando de 127 milhões de dólares em 1985 para 112 milhões de dólares em 1986, e previsivelmente 80 milhões de dólares para o ano de 1987, constatando-se ainda que as verbas previstas no acordo luso-francês não eram utilizadas e que as relações de defesa com a França não conheciam qualquer desenvolvimento. Por outro lado e ainda neste relatório, reconhecia-se que não havia informações sobre a renegociação do acordo luso-alemão e que no quadro multilateral ou nos acordos bilaterais nada se suscitava que permitisse qualquer cooperação com incidência nas indústrias de defesa.
Torna-se, pois, difícil no quadro delineado que o País assegure com a devida solidez a protecção dos seus interesses e a assumpção plena dos seus compromissos internacionais.
De facto, não há uma política externa de defesa nacional. Temos uma presença passiva no quadro da OTAN e ainda não somos membros de pleno direito da União da Europa Ocidental. Não lançamos iniciativas de cooperação militar no quadro de diversas organizações internacionais e com os países de expressão portuguesa - aliás, em muitos deles nem sequer temos adidos militares nas nossas representações diplomáticas - e não damos a devida atenção aos acordos bilaterais.
Em 31 de Julho de 1988 terminará a validade de - entre outros - diversos acordos luso-alemães que têm incidência no armazenamento de munições na Base Aérea de Beja, na zona residencial de Beja, na co-utilização do campo de tiro de Alcochete, na utilização da Base Aérea de Beja e na respectiva actualização e extensão dos próprios acordos militares. Também
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o auxílio referente a material e equipamento militar e a prestação de serviços no valor de 45 milhões de marcos todos os dezoito meses será válido até 1988, bem como o empréstimo a juro baixo e longo prazo de amortização, até 100 milhões de marcos por ano.
Como o prazo de validade dos acordos poderá ser prorrogado por mútuo acordo devendo a parte interessada solicitar o início de negociações com uma antecedência mínima de doze meses, dentro em breve ter-se-á de encarar estas negociações.
Que nos diz o Governo sobre esta matéria? Foi cumprido o acordado na sua globalidade? Que perspectivas se antevêem para a renegociação? Ou será que se irá manter um manto de silêncio sobre este assunto?
Em Outubro de 1984 foi assinado um novo acordo entre o Governo Português e o Governo Francês respeitante à utilização pela França de facilidades no arquipélago dos Açores.
Como contrapartida das facilidades concedidas, a República Francesa presta à República Portuguesa um auxilio anual de 500 000 contos. Desta verba, 300 000 destinam-se ao desenvolvimento económico da Região Autónoma dos Açores e 200 000 à aquisição de material francês pelas Forças Armadas Portuguesas.
Até agora não foram utilizados os meios financeiros postos à disposição de Portugal, ou seja, os 200 000 contos anuais indexados. Qual a razão por que não foram ainda utilizados?
No mesmo acordo previa-se a cooperação em matéria de indústrias de defesa. Teve alguma sequência tal possibilidade de colaboração? A situação das nossas indústrias neste campo é ilustrativa de que não se estão a desenvolver as potencialidades de cooperação previstas.
Quanto aos acordos entre Portugal e os Estados Unidos já atrás referimos que está a diminuir a nossa posição em termos de contrapartidas financeiras com finalidades militares. Aguardamos ainda para o corrente ano as decisões do Congresso dos Estados Unidos sobre esta matéria. No entanto, somos levados a pensar que diminuirão as contrapartidas financeiras. Aliás, se não fosse assim, como se explicaria a recusa do Primeiro-Ministro em vir à Comissão Parlamentar de Defesa explicar os resultados da sua visita recente aos Estados Unidos?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vemos com preocupação todo este estado de coisas. Urge inverter a situação, optando-se por uma política afirmativa em termos de defesa nacional.
Termino com a convicção de que as considerações feitas «poderão propiciar acções que melhorem a nossa defesa tal como disse aqui há algum tempo um colega meu de bancada - não só porque tal é importante para a nossa segurança e independência, mas porque o é também para a garantia necessária da nossa tranquilidade e da nossa paz».
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sá Furtado.
O Sr. Sá Furtado (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O desenvolvimento científico, técnico e industrial dar-nos-á, além de benefícios materiais, a consciência de não sermos menores no concerto das nações, tornar-nos-á confiantes e orgulhosos de nós mesmos, homens e mulheres de aqui e agora, sem o recurso freudiano de constantemente nos refugiarmos nas glórias de antanho para nos justificarmos como povo. A ciência e tecnologia, dando-nos a alegria e a satisfação de concretizarmos colectivamente em obras a nossa inteligência e o nosso engenho, constituem requisito prévio, que não único, para a coesão nacional. Esta a dimensão culturalmente moderna da ciência e da tecnologia com implicações óbvias e irrecusáveis ao nível da consciência nacional e da soberania.
Não julgo ter o Governo desenvolvido uma acção esclarecida para obviar à deterioração crescente da nossa matriz industrial. O Governo mantém-se impassível, deixa correr quando não colabora nesta erosão patrimonial, seja por incapacidade seja por mor do seu fervor neo-liberal.
Num mundo em rápida transformação tecnológica, a que já se chama Terceira Revolução Industrial, o pouco avançar, agravado pelo delapidar de potencialidades, significa para Portugal um real atraso, um aumento das dependências externas, logo, o acréscimo da sua vulnerabilidade global.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A nossa indústria de defesa mantém a estrutura e produção herdadas da guerra colonial, pelo que, decorrida mais de uma década, a sua crise estrutural não pára de agravar-se, por a tecnologia utilizada ser pouco elaborada, estando ao alcance de qualquer país em vias de desenvolvimento. A incorporação nacional está muito aquém das metas, já de si modestas, que nos propusemos alcançar. Há que proceder à reconversão tecnológica da indústria militar tendo em mente o reforço da capacidade de defesa autónoma, a abertura de novos mercados, nomeadamente no seio da OTAN, e a eficácia da política externa.
Que tem feito o Governo e, mais particularmente, V. Ex.a, Sr. Ministro, neste domínio? Não se terão vindo a degradar, abaixo do admissível, as nossas vulnerabilidades sem se curar, em simultaneidade e por decoro, de lhes dar adequada cobertura política e diplomática? Não foi o Estado Português enredado, por desatenção e descaso na teia confusa e enxovalhante do escândalo do IRANGATE, com manifesto prejuízo para a nossa consciência colectiva e imagem internacional?
A investigação científica, com as suas virtualidades e aplicações, dado o seu carácter de universalidade, é tributária da defesa, qualquer que seja a acepção considerada. É assim preocupante que, no presente ano, a investigação e desenvolvimento não vá além de uns magros 0,4 % do produto nacional bruto, o que, indubitavelmente, conduzirá ao crescente aumento da nossa dependência.
Não existe uma política global interactiva, contemplando meios e objectivos, que ligue as Forças Armadas ao sistema científico-tecnológico nacional. Torna-se imprescindível articular as necessidades militares com a ciência, a tecnologia e a indústria.
Tem o Sr. Ministro da Defesa alguma filosofia relativa a esta articulação ou simplesmente aguarda relatórios de comissões?
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A tecnologia, a defesa e as relações externas formam uma tríade dificilmente destrinçável. Os apoios que nos têm sido concedidos através da Comissão de Investigação para a OTAN - a INVOTAN- deverão ser ampliados e reforçados,
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explorando as potencialidades de transferência tecnológica que a Aliança Atlântica oferece no vasto campo da modernização industrial. Tendo-se iniciado em 1985 no campo da investigação e desenvolvimento experimental a identificação de projectos de cooperação económica, poderia o Sr. Ministro da Defesa Nacional dizer-nos o que sabe sobre o caso e as vantagens já obtidas para Portugal?
Nem tudo é, neste domínio, pacífico no seio da Aliança, surgindo por vezes dificuldades, por parte dos Estados Unidos, respeitantes à transferência de alta tecnologia. Qual a posição adoptada pelo Governo Português, nomeadamente no seio do COCOM (Co-ordinating Committee on Multilateral Export Controls), para salvaguarda dos nossos interesses, em especial os de índole estratégica?
Nos acordos bilaterais de incidência militar a nossa debilidade económica e tecnológica coloca-nos na posição de, no capítulo da defesa, dispensarmos tão-somente facilidades territoriais para instalação de bases estrangeiras. As recentes GOPs, instrumento ideológico do Governo, pretendem dar suporte teórico a esta prática, reduzindo o País, do ponto de vista geoestratégico, a um sítio, a um lugar que se mercadeja, sem pretender, ao menos, apelar às energias e potencialidades nacionais, que, adormecidas, importa patrioticamente despertar. Poderia o Governo vir adoptando uma política ajustada de contrapartidas tecnológicas e industriais com consequências na absorção de know-how e efeitos positivos no domínio estratégico e no da modernização do tecido industrial. Não tem o Governo evidenciado a menor sensibilidade nesta área, o que se assinala e lamenta. A complexidade e delicadeza desta matéria requerem o suporte orgânico e funcional do Ministério de Defesa. Quando pensa V. Ex.º, Sr. Ministro, que a estruturação do Ministério esteja realizada a fim de obviar a estas e outras graves disfunções e prejuízos?
Integrados que estamos nas Comunidades Europeias, a manutenção da nossa identidade e auto-reconhecimento como pátria obrigam-nos a um grande esforço e determinação para implantar indústrias de alta tecnologia.
Está presentemente em lançamento no seio da CEE um programa-quadro para a ciência e tecnologia. Poder-me-ia o Sr. Ministro dizer qual a participação portuguesa e mais especificamente a relativa à área da defesa?
Vem a propósito abordar a questão da iniciativa da defesa estratégica, projectada pela administração Reagan. Qual a posição assumida pelo Governo Português e por V. Ex.ª neste crucial problema com sérios reflexos na nossa condição de Estado soberano? É-nos conveniente, como pequena potência, a fantástica evolução das tecnologias militares levando à rápida obsolescência de armas e equipamentos?
Qual a orientação defendida por V. Ex.ª, Sr. Ministro, quanto ao posicionamento de Portugal?
Dado que o programa europeu Eureka foi lançado com vista a contrabalançar a iniciativa de defesa estratégica visando contribuir para uma maior autonomia estratégica, científica e tecnológica da Europa, o Governo deve, obrigatoriamente, empenhar-se em acompanhá-lo e fazer com que Portugal entre decididamente na aventura estimulante da Europa da tecnologia. Qual a intervenção do Ministério da Defesa, quais as orientações e o nível de financiamento já definidas por V. Ex.ª?
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs., Deputados: Não podemos consentir em nos deixar remeter, à condição de aliado de segunda, cerceando fatalisticamente o nosso papel ao de concessionário de facilidades territoriais. Nem tão-pouco devemos passivamente aceitar que a defesa do território nacional possa ser exclusivamente confiada a terceiros.
Os Portugueses, esta nação antiga e soberana de mais de oito séculos, podem e sabem embarcar para as índias do nosso tempo, de todos os tempos, desses tempos idos de glória, que são o conhecimento, a ciência e a técnica aliados a uma vontade firme de solidariamente realizar uma obra colectiva. Deve este Governo, todos os governos e todos nós, procurar sem desfalecimento os caminhos da modernidade, da independência nacional e do orgulho de ser português.
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Da acção governativa ressalta claramente não ter o Governo uma política de defesa nacional.
Não se trata sequer de ter uma política errada ou uma política inadequada, mas tão-só de não ter qualquer espécie de política.
Mais! O Governo não dispõe dos instrumentos legislativos e das estruturas institucionais susceptíveis de contribuírem para a formulação e execução de uma qualquer política. Não dispõe de um Ministério de Defesa Nacional dotado das adequadas estruturas à execução da política formulada.
O Governo não tem, igualmente, uma doutrina de defesa nacional, não tem um pensamento que pense e actue nessa doutrina.
O Governo não tem uma doutrina de defesa nacional.
Para ele não é claro o que defender e como defender. Daí uma confusa e inexpressiva acção.
Para nós, defender Portugal não se confunde com a simples defesa de uma área geográfica delimitada para o que se alinham meios e se expõem estratégias apenas acessíveis aos iniciados.
Para nós, toda e qualquer política de defesa tem como fim defender um lugar para Portugal no mundo que lhe permita uma intervenção na história.
A existência e o dimensionamento de meios militares, em tempo de paz, visam não só prevenir as ameaças que se perfilam no mundo instável e perigoso em que vivemos mas também ocupar, com meios portugueses, o espaço de defesa dos nossos interesses vitais e executar, neste campo específico, uma política globalmente definida.
Portugal orienta a sua política de defesa em quatro espaços fundamentais: no espaço euro-atlântico das suas fronteiras históricas; no espaço da Europa das Comunidades, em que nos integramos; no espaço euro-atlântico coberto pelo Tratado do Atlântico Norte; no espaço euro-africano, em que nos projectámos em oito séculos de história.
É na compreensão conjugada destes quatro espaços fundamentais que é possível formular uma doutrina de defesa nacional.
O Governo tem uma consciência difusa e não sistemática destas realidades.
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Difusa, porque considera a defesa das fronteiras nacionais de forma fixista, formula a adesão à CEE como um projecto puramente económico e providencialista, encara a nossa presença na Aliança Atlântica como uma forma de reequipamento militar a que um posicionamento seguidista retira, inclusive, qualquer credibilidade, não faz um esforço sério para compreender a nossa projecção no espaço euro-africano.
Não sistemática, porque considera (quando considera ... ) todos estes espaços de existência, de uma forma fixa, cindível e não como uma convergência de integrantes transformadoras.
Portugal está, por falta de uma doutrina e de uma política de defesa consequentes, ausente de todos os debates marcantes da nossa época.
Liminarmente não tem o Governo sabido identificar as ameaças às nossas fronteiras tradicionais e à integridade nacional.
Contra estas não podem, em caso algum, prevalecer os interesses dos nossos inimigos ou as concepções geoestratégicas dos nossos amigos...
De seguida, não tem ainda o Governo sabido compreender a realidade europeia no plano de uma política de defesa nacional.
A voz portuguesa deve ser, neste como noutros campos, cada vez mais uma voz europeia.
Para tanto urge, desde logo, perspectivar a presença de Portugal na Aliança Atlântica num quadro europeu.
Tal implica levantar o pilar europeu da Aliança Atlântica não só coordenando as políticas como forma de abrir as portas a um diálogo com os Estados Unidos da América e com o Canadá mas também pugnando pela criação de uma entidade que coordene as políticas de defesa europeias, nomeadamente apoiando os esforços de modificação do Tratado de Bruxelas e anexos e de revitalização da União da Europa Ocidental.
O Governo não tem sabido (ou querido) continuar os esforços empreendidos pelo então Ministro dos Negócios Estrangeiros Jaime Gama e pela Assembleia da República visando promover a entrada de Portugal na União da Europa Ocidental.
Mais! O Governo não apresentou uma qualquer política alternativa nem sequer uma presença (ou vontade de presença... ) nos diversos projectos europeus -multilaterais ou bilaterais- de produção de armamentos.
A padronização é cada vez mais uma exigência de defesa dos países da Europa.
Sobre esta matéria o Governo também não tem política.
E deveria tê-la, pois a construção da Europa far-se-á não de uma forma fixa e vertical mas através de uma «estrutura complicada de poderes que não será necessariamente uma cópia do estado histórico».
Não temos, consequentemente, uma voz autónoma na Aliança Atlântica.
Portugal, pela sua dimensão geográfica e económica, terá uma voz tanto mais autónoma na Aliança Atlântica quanto mais souber ser uma voz europeia.
É a recusa (ou ignorância) da sua dimensão europeia que traz Portugal mudo e quedo perante o projecto de iniciativa de defesa estratégica e as suas consequências num, sempre possível, «teatro de operações» europeu...
É esta incompreensão do papel de Portugal no mundo e da sua forma de intervenção na história que faz com que o Governo se mantenha à margem do debate sobre o controle de armamentos e sobre o desarmamento (não é a mesma coisa...), questões sobre as quais temos uma palavra a dizer e que vão dominar o debate estratégico dos anos mais próximos.
Este vazio de políticas é tanto mais grave quanto é certo ter o Governo a tendência para aceitar, passivamente, o seu preenchimento por políticas de outrem que não são fundadas nas nossas realidades e não defendem, como não podem defender, os nossos interesses.
Nesta matéria há como que um acto permanente de renúncia.
É essa permanente renúncia à possibilidade de uma política nacional em matéria de defesa que explica a renúncia à sua expressão no espaço euro-africano.
A dimensão africana de Portugal tem sido uma constante da nossa história.
A descolonização veio permitir continuar a projecção africana de Portugal em bases sólidas e duradouras.
Uma política de defesa bem definida permitirá, como talvez em mais nenhum outro campo, assumir o papel de ponte entre a Europa e a África, que vimos, de há muito, reivindicando.
Só assim será possível dar a nossa contribuição para que aos povos de África se abram opções políticas diferenciadas dos alinhamentos tradicionais.
Mais ainda! É de interesse nacional e constitui uma fronteira de defesa do interesse nacional a existência de países africanos onde a língua portuguesa seja a língua nacional desses estados.
A abertura das nossas escolas militares para a formação de quadros, a criação de opções possíveis de material nos nossos arsenais e a abertura dos nossos arquivos cartográficos são aspectos de cooperação a assumir como política de defesa bem definida e, sobretudo, bem entendida.
Portugal necessita de ter um ministério de defesa nacional para definir uma política de defesa consequente.
Simplesmente não existe um ministério sem lei orgânica e não há lei orgânica do Ministério da Defesa Nacional.
Quer dizer que não há quadro definido, não há direcções-gerais, há tão-só um edifício ou, se se quiser, um andar...
Trata-se, com tristeza o dizemos, de uma concepção arquitectural e não institucional...
Não falta só a lei orgânica do Ministério da Defesa Nacional mas também um conjunto de legislação definida na Lei de Defesa Nacional, que importa, urgentemente, publicar.
Enfim, só e ainda duas questões a título de exemplo: a primeira é a de que importa definir uma política clara quanto às nossas indústrias de armamentos. Não só quanto ao seu desenvolvimento mas também quanto ao controle das suas opções de venda. Trata-se de questões de suma importância, como, aliás, acontecimentos recentes vieram demonstrar e que os Portugueses têm o direito de conhecer na Assembleia da República e não na Câmara dos Representantes ou no Senado dos Estados Unidos da América.
A segunda é a de que importa legislar em matéria de defesa da tecnologia, portuguesa de origem ou importada, pois será cada vez mais difícil importar tecnologia, nomeadamente em matéria de defesa, se não dermos garantias claras aos nossos parceiros e aliados quanto à segurança da tecnologia adquirida.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: A defesa nacional é um dever constitucional de todos os portugueses.
Trata-se de um dos sectores da nossa vida pública onde é mais urgente encontrarmos grande consenso nacional.
Importa que exista uma real estabilidade das políticas neste sector para que a credibilidade e a coerência se mantenham.
Estamos prontos a responder ao desafio que o Governo nos coloca.
À ausência de uma política de defesa nacional, contrapomos a disponibilidade para contribuir de forma construtiva e decisiva para a sua elaboração.
Advertimos, porém, o Governo: a nossa principal vulnerabilidade em matéria de defesa é a ausência de uma doutrina, de uma política, de um ministério.
Aplausos.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha.
O Sr. José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE): - Em primeiro lugar, devemos encarecer a oportunidade da interpelação do PRD, que permite a esta Câmara enfrentar um dos assuntos mais delicados e sem dúvida mais preocupantes da nossa vida colectiva.
E, quase no final deste debate, ressaltam ainda com maior evidência a ausência de política de defesa do Governo e a falta de transparência da sua actuação neste domínio e a sua incapacidade para esclarecer questões centrais que a gravidade dos problemas impõe e a legítima preocupação dos Portugueses exige.
A falta de informação sobre questões que se impunha esclarecer em favor da clarificação da vivência democrática, do normal funcionamento das instituições e da aquietação dos Portugueses tem servido de justificação para ocultar factos que a todos dizem respeito, que a todos interessa. Assim, a discussão crítica sobre a doutrina militar e os sistemas de armamentos é submetida às restrições da classificação da informação.
Desloca-se, assim, com o maior relevo, a questão acerca do tratamento da informação no interesse da defesa nacional: que tipo de controle é o mais apropriado, mais necessário e justificado? O que deve ser classificado e o que não deve ser classificado?
Vejamos um exemplo bem recente: invoca-se o segredo de Estado para não dar informações sobre as suspeitas de relações da 2.1 Divisão/EMGFA com o « GAL».
Com esta questão se relaciona o comércio, trânsito e contrabando de armas e de material radioactivo em Portugal, País já considerado internacionalmente uma porta aberta à permissividade.
Em nosso entender, o desenvolvimento das indústrias de defesa deve ser feito para satisfazer as necessidades do nosso país e, acessoriamente, as dos nossos aliados.
Mas não se deveria entrar, como já se entrou largamente, pelo caminho da traficância desregrada dos armamentos, sem o indispensável controle das autoridades.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Muito bem!
O Orador: - Pensamos, assim, que, admitindo não haver conivência, há pelo menos inoperância óbvia do Governo para controlar estes negócios, pelo que as actuais empresas privadas de comércio de armas em Portugal deveriam ser, pura e simplesmente, extintas.
Uma outra nota diz respeito à Aliança Atlântica. O MDP/CDE é contra qualquer bloco político ou militar. Mas, nas circunstâncias actuais, não defendemos a saída de Portugal do Pacto. Mas também não defendemos a inevitabilidade da nossa participação em nome de um duvidoso cientifismo de natureza geopolítica que segrega fatalmente uma geoestratégia para justificar, acima de tudo, uma opção política e ideológica.
Uma opção não justificada pelos interesses nacionais, pela nossa tradição e ligações históricas, pelos objectivos que temos em comum com países colocados no mesmo plano do nosso na divisão mundial do trabalho e na ordem económica internacional.
Disse aqui, claramente, há pouco, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.- é, acima de tudo, a necessidade de termos o apoio dos Estados Unidos da América, e nunca qualquer perspectiva do que denominou como terceira via. O que significa, de facto, uma política de não independência relativamente a interesses estratégicos externos.
Nas condições actuais, como já dissemos, não pomos em causa a nossa presença na NATO, mas defendemos que essa presença devia ser orientada pelos princípios expressos no artigo 7.º da Constituição da República: «Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios [...j da solução pacífica dos conflitos internacionais, da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade.» «Portugal preconiza a abolição de todas as formas de imperialismo, colonialismo e agressão, o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.»
À luz destes princípios constitucionais, Portugal deveria desenvolver dentro da NATO uma política não alinhada com as políticas mais agressivas da Aliança, mas, sim, no sentido da diminuição das tensões regionais e globais; mas, sim, no sentido de contribuir para pôr fim à escalada armamentista; mas, sim, no sentido de contribuir para serem levadas a bom termo negociações, quer no domínio das armas nucleares e de exterminação, quer no das armas convencionais, com vista a um desarmamento geral mutuamente aceitável; mas sim, no sentido de defender a celebração de um tratado entre a NATO e o Pacto de Varsóvia de não recurso à força para dirimir as questões litigiosas, como primeiro passo para a ulterior criação de um sistema colectivo de segurança à escala mundial.
Uma política de defesa alimentada ou sobretudo justificada, nas suas alianças, pelos perigos de ameaças armadas do exterior?
Preferíamos, antes, uma política sobretudo preocupada com as ameaças externas de natureza económica e sociocultural, em relação às quais - essas, sim - nos encontramos cada vez mais desprotegidos.
Esta é a verdadeira realidade, esta a verdadeira exigência nacional e patriótica que hoje se nos levanta.
Aplausos do MDP/CDE.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Fernando Amaral.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Passinhas.
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O Sr. José Passinhas (PRD): - Sr. Presidente, - Srs. Deputados: Segundo a Constituição da República Portuguesa é obrigação do Estado Português assegurar a defesa nacional. Às Forças Armadas incumbe a defesa militar da Nação, sendo estas compostas exclusivamente por cidadãos portugueses e organizadas com base no serviço militar obrigatório.
Eis por que uma análise do serviço militar assume importância decisiva, por aquilo que representa não só para o cidadão que o cumpre mas também para a defesa nacional, que dele necessita para a sua organização. É, aliás, por seu intermédio que se estabelece a primeira relação dos jovens com a problemática da defesa, especialmente pela sua vertente militar. Esta relação terá de ser, da parte dos responsáveis políticos, sistematicamente acompanhada, já que à imagem que as Forças Armadas hoje projectam não é indiferente o modo como tal relação se estabelece ou caracteriza.
Aos governos não bastam as profissões de fé, a repetição de conceitos mais ou menos abstractos, para que se diga que as questões de defesa estão a ser geridas de acordo com o interesse nacional.
Um serviço militar, na sua concepção global e nos diversos aspectos do seu cumprimento, capaz de diminuir a distância entre as Forças Armadas e a chamada sociedade civil deverá constituir uma das preocupações de qualquer governo. A este propósito cabe perguntar o que tem sido feito pelo actual Ministério da Defesa Nacional.
Estamos em crer que, passado um ano de governação, muito pouco se fez que tivesse tido resultados palpáveis. Bastará pensar na fragilidade do consenso social sobre a função actual das Forças Armadas, numa sociedade periférica como a nossa, para que aquela conclusão se faça sem necessidade de um grande esforço.
Apesar da ausência de estudos sistemáticos, alguns inquéritos disponíveis parecem dar confirmação à hipótese de que também na sociedade portuguesa a instituição militar sofre de um relativo isolamento que este, como outros governos, não tem sabido combater.
É assim que as Forças Armadas, efusivamente saudadas pela sua acção libertadora, passados que são apenas doze anos sobre o 25 de Abril, parecem surgir aos olhos dos Portugueses como uma instituição agora e tão-só discretamente tolerada.
A consciência nacional sobre toda a temática da defesa só tenuamente é estimulada. A realidade devolve-nos, aliás, alguns sinais de pessimismo. E o Governo, que faz o Governo para combater a indiferença verificada? Sensibiliza a juventude para estas questões?
O conhecimento do fenómeno militar é em Portugal infelizmente reduzido, sendo ainda mais raros os estudos disponíveis relacionados com as imagens recíprocas entre civis e militares.
Parece-nos que um governo minimamente atento a estes fenómenos, para além dos aspectos de enquadramento legal - importantes, necessários e, alguns deles, urgentes -, deveria, em paralelo, preocupar-se em promover, tanto interna como externamente, estudos de opinião que ajudassem a melhor detectar motivações, atitudes e valores projectados pela instituição militar para que se pudessem introduzir os mecanismos necessários à regulação de todo este complexo sistema de defesa.
No que se refere à questão especifica do serviço militar, o problema ganha outras dimensões, porventura mais preocupantes, pelas repercussões sociais que dele relevam, sem que se vislumbre, sequer, o esboçar de medidas que restituam ao serviço militar a importância social que ele inegavelmente já teve.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O n.º 1 do artigo 276.º da Constituição refere que a defesa da Pátria é dever fundamental de todos os Portugueses.
Mas, sem que lhes tenha sido formada, ao longo do seu processo educativo, uma clara consciência cívica, não será natural que as novas gerações tenham dificuldade em entender por que razão são chamadas à prestação do serviço militar obrigatório? Ou que é seu dever a defesa da Pátria?
É nestas condições redutoras que se dá o ingresso dos jovens no serviço militar. $ assim que, neste âmbito, algumas lacunas atrás apontadas deveriam ser empenhadamente preenchidas no sentido de dar sentido útil ao cumprimento de um dever constitucionalmente expresso.
Neste domínio, tem V. Ex.º, Sr. Ministro da Defesa Nacional, um conhecimento exacto acerca do modo e das condições em que se processa a passagem pelo serviço militar em ordem a saber, designadamente, da qualidade da formação cívica ministrada nos estabelecimentos militares, não tanto pela sua inexistência, mas pela sua qualidade, de modo que o resultado daquela constitua uma real valorização do cidadão? Que informações concretas possui o Sr. Ministro?
Sabendo das reacções ao serviço militar, visíveis já em muitos segmentos da sociedade portuguesa, tem o seu Ministério conhecimento das suas causas?
Gostaríamos ainda de saber que esforços têm sido feitos tendentes à criação de um sentimento de identidade nacional, complementados com incentivos a outros valores como os da liberdade, democracia ou, ainda, os de cooperação e solidariedade internacionais essenciais à formação do cidadão.
Ainda no domínio da sensibilização da opinião pública para a temática da defesa, lançou recentemente o Ministério da Defesa Nacional um Livro Branco da Defesa Nacional. Se se louva o esforço de informação não se pode, todavia, deixar de perguntar: qual o real significado deste livro? Surgindo ele organizado apenas em torno de alguns aspectos de carácter formal, pensará o Sr. Ministro da Defesa Nacional que as lacunas apontadas ficarão preenchidas?
Ficando-se pela descrição, o livro branco optou por deixar de lado a equação dos problemas reais e concretos da defesa, sobretudo na sua relação com a juventude portuguesa. Somos dos que duvidamos, neste âmbito, dos seus efeitos úteis.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Se o serviço militar coloca algumas questões que, em abstracto, são de modo a exigir alguma reflexão no sentido de, para o futuro, se começar a pensar na perspectivação de uma política integrada, susceptível de preencher lacunas, eliminar vulnerabilidades criando condições para o fortalecimento da coesão interna, outras questões que, pelo seu interesse imediato, necessitam já de urgente resolução. Vale a pena referir, pelo peso social que possui, o problema dos amparos de família.
Independentemente do modo como vier a ser tratada esta questão na futura Lei do Serviço Militar, parece-nos útil perguntar, desde já, como pensa o Ministério
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da Defesa Nacional acompanhar aquelas situações. Que instrumentos possuí o Ministério para esse efeito? Estarão as unidades militares preparadas, ao nível dos recursos humanos disponíveis, para executar uma política de atendimento e acolhimento, susceptível de atender a problemas individuais/familiares que se revelam de maior acuidade na sua satisfação?
Se existem alguns bloqueios para uma equilibrada inserção no serviço militar, parece-nos que algumas medidas deveriam ser tomadas pelo Governo no
sentido de potenciar e enquadrar os recursos disponíveis através de uma correcta política de aproveitamento das potencialidades existentes no domínio militar.
Nesse sentido, deverá caminhar-se para a criação do serviço nacional que, numa lógica de enquadramento, seja susceptível de abarcar subsistemas de prestação de serviços virados para a comunidade, bem como, no domínio da cooperação, criar as condições necessárias para a sua efectivação como prestação complementar à formação militar básica.
Um esforço deverá ainda ser feito no sentido de criar nova base de entendimento oficial, designadamente a nível interministerial, para que se desenvolvam e intensifiquem acções de cooperação mais estreita, tendentes a atenuar as numerosas carências que existem no campo da profissionalização técnica.
É, assim, desejável que bens, serviços, equipamentos e recursos humanos existentes na instituição militar sejam, pelo Governo, devidamente inventariados e avaliados nas suas potencialidades, de modo que, pela sua utilização, venham a atenuar algumas daquelas carências.
Para tanto, uma política de gestão e desenvolvimento de recursos humanos deverá ser então claramente definida. Difícil seria de compreender, pela sociedade portuguesa, que tais recursos não fossem utilizados nesse sentido.
O que se pede é que se proceda, desde já, ao estabelecimento de protocolos, nomeadamente entre estabelecimentos de ensino e outras organizações, com a instituição militar.
As carências são imensas. Há todo um vasto campo onde é possível investir no sentido de aproximar e melhor integrar as Forças Armadas na sociedade que é, a nossa. Com essa aproximação muito terão a ganhar os jovens de Portugal.
Assim haja vontade política.
Aplausos do PRD, do MDP/CDE e de alguns deputados do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Tiago Bastos.
O Sr. Tiago Bastos (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Irei deter-me no domínio da política externa no tema da cooperação, em especial com os países de língua oficial portuguesa, uma vez que os meus colegas já abordaram outros sectores da política de defesa nacional.
Realço a cooperação económica, científica, cultural e diplomática com os países de língua portuguesa, com os países onde existem as principais comunidades portuguesas e em geral com todos os países do espaço atlântico e africano.
Esta deve ser intensificada com o objectivo de favorecer a forte presença de Portugal de forma relevante.
A cultura portuguesa não pode continuar a ser esmagada pelas de alguns países.
A História de Portugal não pode continuar a ser contada ao Mundo (e, mais escandalosamente ainda, aos Portugueses) pelos outros.
Aqueles que costumam evocar o passado histórico de Portugal parecem esquecer-se da tradição universalista da cultura portuguesa que o passado nos legou. E esquecem-se de que não há melhor maneira de se ser fiel a essa tradição universalista do que a relação com a diversificação das origens das influências sobre a cultura portuguesa. Só assim será possível destruir a tendência actualmente existente de domínio da cultura portuguesa por parte de duas ou três culturas estrangeiras, e que tende a acentuar-se com a entrada de Portugal para a CEE.
Significa isto que Portugal deve diversificar e reforçar o mais possível as suas relações com outras nações. E a maneira mais lógica de o fazer é começando por aquelas que têm um passado comum connosco, onde sobressaem o Brasil e os países africanos de língua oficial portuguesa.
A cooperação é uma exigência nacional que tem o seu fundamento nos cinco séculos de relacionamento entre portugueses e africanos, que conduziram ao conhecimento mútuo, à criação de afinidades, à amizade.
Os países africanos de língua oficial portuguesa sabem hoje que Portugal é um país com dificuldades e atrasos, que procura desenvolver-se, como sabem que Portugal pode contribuir para o seu (deles) desenvolvimento, confiam nos Portugueses e desejam a sua cooperação. Portugal ainda não compreendeu que uma forte cooperação com os países africanos de língua oficial portuguesa contribuiria, além do mais, para o desenvolvimento do nosso próprio país. É lamentável!
E acima de tudo tem-se esquecido que a questão essencial não é económica nem financeira. É uma questão de identidade e afirmação nacionais! Portugal é um país com longa experiência em África, com um profundo conhecimento de África, é um país historicamente virado (também) para África.
Na situação actual a cooperação, entendida como acto de cooperar, é inexistente.
É necessário estabelecer uma cooperação luso-africana efectiva, baseada num conjunto de acções concertadas que favoreçam o desenvolvimento de ambas as partes.
A tarefa vital reside na elaboração de uma decidida política de cooperação, dotada de uma estratégia esclarecida, de princípios orientadores explícitos, de objectivos concretos, de instrumentos eficazes e de meios adequados.
Trata-se, no essencial, de pôr em prática um verdadeiro projecto de cooperação a médio e longo prazo, tendo como base:
A definição de uma política inovadora e objectiva para o espaço africano capaz de fortalecer a nossa presença histórica, cultural e económica e que reconheça os países africanos de língua portuguesa como parceiros privilegiados do nosso país;
O apoio mais activo à penetração e à expansão das actividades das empresas portuguesas, nomeadamente através da criação de envolventes propícias ao investimento directo português nos países africanos, designadamente sobre a forma de empresas mistas;
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A criação nos países africanos, sobretudo nos de língua oficial portuguesa, de melhores condições de acolhimento e estada aos cooperantes e incentivação destes, conferindo-lhes, nomeadamente, alternativa à prestação do serviço militar obrigatório;
A incentivação da expansão da língua portuguesa, enviando maior número de professores devidamente habilitados, criando esquemas salutares de intercâmbio de livros e de outros objectos culturais, apoiando a elaboração de programas e regulamentos, etc.;
O aumento do número de bolsas de estudo a conceder aos estudantes oriundos dos países de língua portuguesa para frequentarem em Portugal cursos médios e superiores e o incentivo à realização de estágios de operários e técnicos africanos em empresas portuguesas;
O estímulo aos investigadores portugueses (linguistas, etnólogos, médicos biólogos, etc.) para irem aprender África em África e para voltarem e ensinarem África em Portugal.
Aliás, do que estamos à espera para ensinarmos nas nossas universidades as línguas e os dialectos, as religiões, os contos e as tradições, as lendas e os mitos das zonas africanas com que os Portugueses contactaram? Estaremos à espera de que outros países façam menos bem aquilo que nós ternos obrigação histórica de fazer bem?
E não basta que os Portugueses se dediquem a estudar África, é necessário que aumentem e muito o intercâmbio cultural com os outros povos com quem contactaram no passado.
A melhor maneira de manter viva a presença portuguesa nos diversos pontos do mundo é levando Portugal através dos Portugueses e «trazendo o mundo» a Portugal através deles.
Só assim os mais diversos povos do mundo continuarão a interessar-se pelos Portugueses. Só assim os Portugueses poderão conhecer o mundo e não apenas adquirir alguns «enlatados» acerca dele, como hoje em dia fazem.
Esses «enlatados», aliás, chegam ao ponto de tratar da história de Portugal. É ocaso de um «quadro sinóptico de história universal», comprado em Lisboa, e em que não existe expansão portuguesa! Ou da série Colombo exibida o ano passado na RTP. Mas, se são tristes a absorção de «enlatados» como este e a ignorância dos Portugueses relativamente à sua história, muito mais triste é que a nossa nação esteja tão habituada a que contem a sua história, que aceite que lha contem e acredite no que os outros lhe contam sobre si própria.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Defesa Nacional: O que de realmente importante a cooperação, e em especial com aqueles povos com quem temos um passado comum, assume numa perspectiva de defesa nacional é a capacidade da coragem de nos virarmos para fora, de assumirmos um papel no mundo, de sabermos qual é o nosso papel no mundo.
Estaremos a fortalecer a nossa defesa quando reflectirmos sobre o que significa dizermo-nos portugueses.
Estaremos a preparar a nossa defesa porque quanto mais ampla e prestigiada for a presença de Portugal no mundo maior será a confiança em si próprio e menores serão as «agressões» externas.
Estaremos a consolidar a nossa defesa porque as gerações futuras poderão herdar um Portugal que respeitem e respeitado e com profundos laços de amizade nos mais diversos pontos do mundo.
Estaremos a pensar em defesa porque a Nação será sempre mais do que estarmos confinados a um território nacional.
Mas, Sr. Ministro da Defesa Nacional, tudo isto não podem ser só palavras, por mais sentidas que sejam, exigem actos, exigem acima de tudo vontade política de apostar decisivamente numa política de cooperação determinada, aberta, franca e sobretudo descomplexada.
Aplausos do PRD e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Quase no termo deste debate, importa retirar dele algumas conclusões.
O tratamento dado pelo Governo às pertinentes e abundantes questões suscitadas pela interpelação do PRD sobre a política de defesa nacional, tanto pelo partido interpelante como pelos outros partidos da oposição, confirma, uma vez mais, a incapacidade do executivo do Primeiro-Ministro Cavaco e Silva para assumir uma postura de Estado quando discute com a Assembleia da República.
Mais uma vez o Governo demonstrou neste debate que o preocupa muito mais a sua própria defesa do que a defesa nacional.
Duas palavras caracterizam bem a intervenção governamental: a pesporrência e a propaganda.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!
O Orador: - Não exageramos. Apesar de o tema ser «demasiado relevante», como reconheceu um Sr. Ministro, o Governo usou e abusou de uma e de outra.
No que toca à primeira, o Ministro Adjunto, depois de gastar três páginas (já que gosta de quantificações) do seu discurso a manifestar o agastamento governamental por estar colocado na situação de interpelado, brindou-nos, entre várias outras, com o anúncio de que as grandes opções a médio prazo, o tal diploma aberrante e anacrónico que o Governo retirou à pressa da Assembleia quando ia ser seguramente chumbado, está afinal em vigor. Porque, vangloriou-se desafiador, o Governo «não abdicou dessas grandes opções».
O Sr. José Magalhães (PCP): - Espantoso!
O Orador: - $ neste estilo de provocação institucional que o governo PSD entende as suas relações com outros órgãos de soberania.
No que toca à propaganda, foi o que principalmente procuraram fazer todos os ministros que intervieram no debate, nisto também se destacando o Ministro Adjunto, que anunciou programas de televisão, filmes e livros (só lhe faltou reclamar os preços módicos) e não deixou de emitir observações, advertências e orientações para a comunicação social.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ele é que sabe!
O Orador: - O Governo chega a pormenores ridículos na sua ânsia de propaganda. Como todos se
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recordam, durante a polémica em torno dos símbolos nacionais que se gerou no passado Verão com a aprovação da primeira revisão dos Estatutos dos Açores, o Governo, que podia perfeitamente tê-la evitado, manteve-se absolutamente silencioso, mesmo em face de declarações de cariz separatista. Diz agora que aprovou legislação sobre o uso da Bandeira Nacional e, embora tenha falhado no fundamental, aparece a vangloriar-se do feito, como se não fosse afinal uma obrigação que as circunstâncias puseram em evidência.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - A atitude de pesporrência e propaganda assumida pelo Governo impediu o aprofundamento de muitas questões que se prendem com as grandes opções em matéria de defesa nacional, como de sobremaneira interessava ao País. Mas não impediu que viessem à superfície o grande embaraço do governo PSD nesta matéria, as suas opiniões sobre a situação militar do País e as graves concepções e omissões que caracterizam a sua política de defesa nacional.
Aplausos do PCP.
É precisamente as conclusões do debate que nos propomos fazer ressaltar agora nesta curta intervenção, uma vez que deixámos apontadas noutra algumas das principais críticas, preocupações e propostas alternativas do PCP.
Este foi um debate importante pela pluralidade das contribuições. Compare-se com o carácter hirto e monolítico do Livro Branco que o Governo editou. Este debate é que é o verdadeiro livro branco da defesa nacional.
A nosso ver, há cinco traços da intervenção do Governo que importa salientar, pela novidade ou pela gravidade que comportam.
O primeiro é a afirmação do Sr. Ministro da Defesa de que «o País está entalado» pelo acordo feito com os Americanos - pelo governo PS/PSD em relação à Base das Lajes. É uma afirmação que surpreende pela crueza, mas que confirma e traduz a política de submissão e dependências múltiplas que temos vindo a condenar no campo diplomático, militar, económico e cultural. Mas o que é igualmente surpreendente é que o mesmo Ministro, que teve este inesperado desabafo, faça de conta que o PSD não estava também no Governo que assinou o acordo e continue a recusar qualquer esclarecimento à Assembleia da República em relação às pretensões americanas, já tornadas públicas, sobre novas facilidades de actuação no território nacional.
O que ouvimos neste debate legitima todas as interrogações em relação a novos compromissos e volta a colocar na ordem do dia a visita do Sr. Primeiro-Ministro aos Estados Unidos e as conversações que manteve com as mais altas personalidades, incluindo os responsáveis pela defesa e pela CIA.
O segundo é a afirmação do Sr. Ministro da Defesa de que o conceito estratégico de defesa nacional é hoje uma palavra vã, o que, mais do que uma gafe, deve ser interpretado como o sentimento da ausência de uma defesa militar nacional e das espantosas carências nas demais componentes de defesa, cujo levantamento foi aqui feito ao longo da interpelação com contribuições de quase todas as bancadas.
O terceiro é a inquietante confusão de conceitos que o Sr. Ministro aqui exibiu ao assumir a defesa de orientações expressamente rejeitadas pela Constituição e a Lei de Defesa Nacional, apontando para um conceito alargado de defesa nacional e a introdução da noção de «inimigo interno». A confusão pode não ser inocente e estar articulada com o conceito das «estratégias indirectas» que também aqui ouvimos referir, visando todas elas a atribuição às Forças Armadas que um papel de intervenção repressiva em relação a conflitos políticos e sociais. Esta revelação, tão grave, exige, com urgência, medidas clarificadoras por parte da Assembleia da República.
O quarto é a tentativa feita pelo Ministro da Defesa para legitimar uma prática de promoções discriminatórias (em que os preteridos são os militares ligados ao 25 de Abril) e o prosseguimento das orientações que visam reduzir os elementos das Forças Armadas a cidadãos de 2.ª classe, transformando a limitação ao exercício de direito que a Constituição admite em eliminação de direitos, como acontece no projecto de Estatuto de Condição Militar.
O quinto é o silêncio comprometido e a tentativa enviesada do Sr. Ministro da Defesa para desviar as questões da pista portuguesa do «Irangate», o envolvimento do nosso país no fornecimento de armas aos «contras» da Nicarágua e o presumível envolvimento de elementos dos serviços de informações militares em atentados terroristas promovidos pelo «GAL».
A posição do Sr. Ministro é muito grave e não infunde qualquer tranquilidade ou sentimento de segurança, pois sabe-se como o envolvimento do pais nestas operações sinistras, como acontece igualmente com a RENAMO e a UNITA, agravam seriamente as vulnerabilidades da nossa defesa.
O Sr. João Andrade (PCP): - Muito bem,
O Orador: - No caso do «Irangate», a soberania nacional, as instituições e a imagem do nosso país foram ultrajadas por agentes ao serviço da Administração Americana. Foi aprovado também que o quadro legal em vigor sobre a exportação e importação de armas contém deficiências que potenciam os riscos de desvio e abuso. Resta saber se foi só isto ou se se verificaram também pressões de membros da Administração Americana ou a ela ligados sobre autoridades portuguesas. É indispensável que tudo fique esclarecido. Por isso mesmo, o Grupo Parlamentar do PCP já depositou na Mesa a proposta de um inquérito parlamentar à componente portuguesa do «Irangate».
Abordámos cinco dos traços mais característicos da intervenção do Governo neste debate. Referem-se a cinco áreas diferentes e todas fundamentais da política de defesa nacional. Há-de aceitar-se que o resultado é inquietante.
Compreende-se, por isso, que o Governo se tenha encontrado mais só do que nunca, mais minoritário do que nunca, apesar de ter pretendido sublinhar no início que era largo o consenso nesta matéria. A sorte é que as interpelações ainda não terminam com uma votação.
O Sr. António Capucho (PSD): - É pena!
O Orador: - Mas o Governo voltou a chumbar. Desta vez chumbou na defesa nacional, como ontem
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chumbou na questão da gestão hospitalar e como atrás - chumbou nas grande opções anuais e a médio prazo e em praticamente todos os campos fundamentais da vida nacional.
O Governo não é capaz de promover a coesão do País, desde logo porque uma política que afronta os trabalhadores mina uma base fundamental para a eficaz defesa da Pátria. O Governo também já provou que não é capaz de assegurar a cooperação dos órgãos de soberania. É um governo de confrontação e rebeldia institucional, de que mais uma vez deu mostras.
Está feita e refeita a prova de que este governo não serve, tem que ser destituído e substituído. O País já dispensa outras provas.
Seja como for, pela nossa parte continuaremos a dar o nosso concurso nos debates que vão seguir-se, não apenas para que essa prova seja feita de forma ainda mais exaustiva, mas para que se vão também afirmando as grandes linhas de uma política alternativa.
Interviemos no debate de hoje com a sobriedade e a responsabilidade com que sempre tratámos, desde o 25 de Abril, das questões das Forças Armadas e da defesa nacional.
Entendemos que, procedendo assim, temos contribuído para a estabilidade do regime democrático, a elevação dos sentimentos patrióticos do nosso povo e a defesa da unidade da Pátria e da independência nacional.
É com o mesmo espírito que dizemos agora que a Assembleia da República não se pode limitar a dizer «não» à política deste governo, tem que ser capaz de dizer «sim» a um novo governo e a uma nova política.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Gonçalves.
A Sr.ª Ana Gonçalves (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Três em cada dez jovens consideram que Portugal é um país em que dá gosto viver.
Cerca de dois em cada dez vivem em Portugal porque ainda não conseguiram sair, o que declaram fazer na primeira oportunidade.
Os restantes acham que este é um país em que se vive simplesmente porque é o nosso.
Significa isto que mais de metade da população juvenil, entre os 15 e os 24 anos (cerca de 68,5 %) manifesta indiferença pelo nosso país ou, indo mais longe, anseia pela troca das fronteiras portuguesas por outras.
Estes são os resultados de um inquérito a jovens levado a cabo em 1983 pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento, sobre valores da juventude portuguesa.
Resultados que deverão ser objecto de aturada análise por todos os que, detendo parcelas de poder efectivo, poderão contribuir para mudar o actual estado de coisas.
Resultados que, sem surpresa mas com tristeza, constatamos estarem intimamente ligados ao quadro de vida que Portugal oferece aos seus jovens.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, poder-se-á perguntar com alguma estranheza por que são trazidos à colação, numa interpelação sobre defesa nacional, os dados referentes a um inquérito relativo ao que os jovens pensam de Portugal enquanto espaço de vida individual e colectiva.
Nada, responderão alguns. Muito, poderão também responder outros.
Penso que efectivamente muito tem a ver.
Senão vejamos: qualquer política de defesa nacional tem um pressuposto fundamental: a coesão de uma comunidade, o desejo de um povo, a vontade nacional de proteger os seus valores, cultura, identidade própria face a hipotéticas ou reais agressões ou ameaças externas.
É assim a defesa nacional indissociável da vontade nacional, da mobilização de um povo que acredita nos valores que o individualizam e que por isso os quer defender.
O gosto de se ser português e o desejo de continuar português são condicionantes da defesa das nossas fronteiras.
As novas gerações assumirão sempre um papel determinante na continuidade do País, pois a eles caberá defendê-lo.
Daí que se possa com pertinência, afirmar que só faz sentido defender um país se ele criar um quadro de vida que propicie ou permita às novas gerações e às gerações futuras preocuparem-se com a sua defesa, pois serão essas gerações que, recebendo o legado histórico, o deverão continuar.
Sr. Ministro da Defesa, quando os jovens são hoje tratados como quase elementos periféricos ou marginais à própria sociedade, poder-se-á moralmente exigir-se-lhes que defendam esta nação que é também a sua?
E que o façam com patriótico orgulho de ser português?
Que tipo de país se oferece aos jovens portugueses? Oferecerá Portugal aos jovens cidadãos condições de vida, repito, condições de vida, em contraposição a condições de sobrevivência, minimamente satisfatórias por forma a manter o tal gosto de se ser português?
Começo por referir o ensino, em que a famigerada reforma tanto tarda em se sentir.
Desde o ensino secundário arquitectado em termos de saída para o ensino universitário, sendo que para os jovens que não ingressam na universidade é a frustração, o marasmo, os chamados tempos livres, demasiado livres, aliás. Para os jovens que ingressam na universidade é a frustração adiada por cinco ou seis anos.
Numa outra perspectiva, o ensino, desde o básico ao secundário, assumindo-se como um sistema de funil, empurrando os jovens para a universidade e impondo-lhes, para aí entrar, os limitativos numerus clausus, vem reforçar o individualismo dos jovens, incentivar a desenfreada competitividade em detrimento de sãos e fundamentais valores como a solidariedade e a coesão.
É o primeiro emprego que não se consegue e quando se consegue é inevitavelmente precário.
É o desemprego juvenil a afligir 64% do total dos desempregados.
É todo um universo de jovens dos meios rurais que vêem o seu acesso à terra bloqueado, quando a eles caberia, porque receptivos à inovação e à modernização, num quadro de uma política agrícola coerentemente delineada e correctamente implementada, um papel dinamizador da reforma de toda a estrutura agrária portuguesa.
É a vulnerabilidade do jovem perante solicitações marginais na sociedade, desde o consumo de drogas até à delinquência juvenil.
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É todo um mundo de comportamentos desviantes, tanto mais preocupantes quanto a sociedade já provou a sua incapacidade para reabilitar e reintegrar esses jovens no seu seio.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - É a independência económica e familiar que tarda cada vez mais, com todas as frustrações que acarretam os sonhos adiados, tão adiados que se perdem na memória.
Sr. Ministro da Defesa, este é o quadro das condições de sobrevivência que se oferece aos jovens. Como é que V. Ex.ª pensa, neste contexto, dar prossecução ao objectivo fixado no programa do seu governo e que passo a citar: «Torna-se necessário desenvolver e fortalecer a consciência cívica de toda a população, em especial da juventude, de modo a estimular a participação da comunidade nacional na realização do grande objectivo nacional que é a defesa.»?
Não pense, Sr. Ministro da Defesa - bem como outros Srs. Deputados que tiveram uma reacção de alguma estranheza face a esta intervenção sobre juventude, dado o adiantado da hora, e que, de certo, acham este assunto perfeitamente descabido -, que fiz uma dissertação especulativa que nada tem a ver com a realidade. .
Esteja atento, Sr. Ministro da Defesa - e Srs. Deputados -, ao que se passa à sua volta, ao que sentem os jovens portugueses sobre a magna questão da defesa nacional, e decerto constatará com preocupação o sentimento que vai ganhando corpo entre os jovens e que se traduz nisto: «Portugal não nos dá nada, não dá sequer a esperança de um futuro melhor, então que o defenda quem quiser, e quem quiser defendê-lo deve ser pago e bem pago.»
Foi com grande preocupação que tomámos, juntamente com outros partidos, contacto com meia centena de jovens que, num debate em Santarém - aliás a terra de V. Ex.ª, Sr. Ministro- sobre serviço militar, desenvolviam este raciocínio justificando a sua oposição ao serviço militar obrigatório.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Defesa, fica aqui expressa a nossa preocupação: que a compreenda quem a quiser compreender.
Exerça a sua influência, se é que a tem, no governo de que faz parte com vista a tentar minorar os graves problemas com que se defrontam os jovens portugueses, para que o conceito estratégico de defesa nacional não deixe de ser convenientemente desenvolvido por ausência de empenhamento, motivação ou vontade dos cidadãos que amanhã terão sobre si a pesada responsabilidade de defender o Pais a que ainda muitos se orgulham de pertencer.
Aplausos do PRD, do PS, do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Procurámos, nas nossas sucessivas intervenções, com a noção exacta do alto valor nacional que tem a problemática de defesa, dar nota do esforço que o Governo, em pouco mais de um ano, tem desenvolvido para realizar uma tarefa que, pela sua grandeza e pela sua complexidade, exige anos.
Na parte que concretamente me respeita - e devo lembrar aos Srs. Deputados que a problemática da defesa nacional se reparte por todos os órgãos de soberania e que no Governo há o Ministro a quem compete, essencialmente, o sector da componente militar não posso deixar de dizer, em breves palavras - pois creio ter apenas alguns minutos -, que, nas intervenções que fizemos, deixámos praticamente respondidas, porventura de maneira sintética, todas ou quase todas as questões que aqui foram levantadas.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Infelizmente não!
O Orador: - Nos esclarecimentos que a seguir prestámos, completámos e esclarecemos essas posições.
Srs. Deputados, queria dizer-lhes também que, depois, nas intervenções de todas V.V. Ex.ªs, se é certo que uma ou outra teve o valor positivo de uma recomendação, o Governo não encontrou senão a repetição estereotipada daquilo a que já tinha respondido.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É um problema do Governo: não vai além!
O Orador: - Em todo o caso, Srs. Deputados, não queria deixar de recordar, numa breve síntese que procurei traçar, com as limitações que todo e qualquer homem tem quando sobre os seus ombros caem tão pesadas responsabilidades, que este governo tinha definido os elementos essenciais da estruturação futura das Forças Armadas.
Fiz referência à actividade que no plano externo da defesa o Ministério desenvolveu e, como já disse, à possibilidade que se abriu para agora podermos pensar a sério na reestruturação, no redimensionamento das nossas Forças Armadas e na sua modernização. E concluí com a afirmação de que, pelos meios ao seu alcance, o Governo procurará, designadamente através das possibilidades estruturais que fornece o Conselho Nacional do Planeamento Civil de Emergência, fazer a avaliação de todas as possíveis potencialidades de que dispomos e igualmente de todas as vulnerabilidades.
VV. Ex.as fizeram a afirmação repetida, exaustivamente repetida, das vulnerabilidades. Mas hão-de reconhecer que as vulnerabilidades viemos encontrá-las criadas, as potencialidades estamos a começar a criá-las!
Aplausos do PSD.
Srs. Deputados, depois de ter traçado esta síntese, quereria apenas, numa breve palavra, falar num outro elemento fundamental da defesa, sem o qual, pesem embora todos os argumentos que aqui foram utilizados, nenhum país pode, válida ou autenticamente, pensar na sua defesa: a vontade de se defender.
Quereria dizer-vos, Srs. Deputados, que segui com interesse tudo quanto aqui foi feito e dito como apelo a um acréscimo cultural do nosso país, e quereria dizer que não acredito - se bem entendi algumas das intervenções que aqui foram produzidas- que a independência de uma pátria seja feita do equilíbrio de várias interdependências.
A independência de uma pátria é endógena.
Vozes do PSD: - Muito bem!
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O Orador: - Nasce do amor, da cultura, da educação, do respeito que cada um e todos os nossos cidadãos tenham pelo nosso património cultural. $ esse o empenhamento do Governo.
O Governo, ao anunciar, de uma maneira muito sintética, todo o seu programa de apuramento dos elementos que podem conduzir à definição de umas linhas gerais de actividade em termos de defesa nacional, estava exactamente a ter em conta que essa actividade global, que só por si, Srs. Deputados, envolve todas as actividades nacionais, tem de necessariamente realizar defesa, através da defesa criar segurança e a segurança chama-se paz. E na invocação de um nome que muito prezo, recordando uma afirmação que em determinado momento ouvi, para o Governo o novo nome da paz é desenvolvimento.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Srs. Deputados, é extremamente fácil criticar e censurar. Porém, como eu gostava - como, com certeza, todos gostaríamos- de ter uma varinha de condão ou a capacidade de fazer milagres, para realizarmos, num minuto ou num dia, tudo quanto VV. Ex.ªs, sem afinal nenhum de nós nada ter feito, durante todo o dia de hoje enunciaram.
Tem o Governo a preocupação do desenvolvimento integral de todos e de cada um dos Portugueses. Mas o Governo também sabe que esse acréscimo de cultura, no sentido mais amplo da palavra, não lhe cabe só a ele. Ele faz-se por via da educação, embora o Governo também não tenha da educação uma visão estatizante.
A educação é a grave responsabilidade de cada um de nós, na família, na escola, em todos os meios de comunicação, criar no espírito dos nossos filhos, dos nossos jovens e, por que não dizê-lo, rememorar até no nosso próprio espirito o valor extraordinário e impar de uma cultura grande de oito séculos, original, profundamente criadora e universalista.
Se o soubermos fazer - e o Governo tudo fará para o conseguir -, então poderemos orgulhar-nos de termos mulheres e homens perfeitamente conscientes, portugueses integrais, colaborantes na defesa em que todos temos de nos empenhar, e poderemos então - passem os homens mas fiquem as obras- ter construído uma pátria que seja digna de ser então proclamada ditosa entre as pátrias.
Com todas as limitações, através de todas as censuras e assumindo as minhas responsabilidades, será esse o meu empenhamento total, será esse o empenhamento total do Governo.
Que ninguém censure um governo por não ter feito ainda o que ainda ninguém tinha feito e por não ter vencido as dificuldades que outros criaram e que ele herdou.
Nada mais tenho a acrescentar.
Aplausos do PSD.
O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Ministro da Defesa Nacional, quando vi V. Ex.ª preparar-se para usar da palavra, imaginei que, a esta hora da madrugada, essa seria, porventura, uma excelente oportunidade para que, despindo a auto-suficiência de que o Governo se vestiu para encarar este debate, o Sr. Ministro viesse aqui reconhecer, com uma humildade que julgo que muito o dignificaria, que, durante estas longas horas que aqui estivemos, muito de positivo e de construtivo foi dito por várias bancadas, diria mesmo por todas as bancadas.
Aplausos do PS, do PRD, do PCP e do MDP/CDE.
Mais: pensei que este debate poderia, tendo decorrido da forma séria como decorreu, ter constituído uma extraordinária oportunidade para que saíssemos daqui com o sentimento de ter reforçado a nossa coesão colectiva sobre um problema fundamental para a independência de Portugal e dos Portugueses como é a questão da defesa nacional.
Vozes do PRD: - Muito bem!
O Orador: - Imaginava que isso pudesse ter acontecido, esperava e desejava que isso tivesse acontecido, mas infelizmente não foi isso que aconteceu.
Com efeito, V. Ex.ª veio, disfarçando, porventura com alguma emotividade, os seus sentimentos, acabar por dizer que o que aqui se tinha passado e ouvido era a repetição de uma cassete, de um discurso estereotipado, vazio, oco de sentido.
No entanto, não foi isso, Sr. Ministro da Defesa Nacional, que, de facto, aqui se passou, e este pequeno comentário visaria, ao contrário da intervenção de V. Ex.ª, extrair deste debate, até agora - e faço votos para que isso se venha a reforçar até ao fim do debate -, uma ideia apesar de tudo optimista.
Abordámos problemas essenciais, reflectimos sobre eles, ultrapassámos as fronteiras ideológicas que em muitos casos nos dividem e que dividem profundamente este Parlamento e creio que tomámos uma consciência comum da gravidade desses problemas e da necessidade de os encararmos de uma fora colectiva, a fim de que possam ser resolvidos.
O presidente do CDS e deputado Adriano Moreira colocou aqui uma questão fundamental: a de que a nossa dimensão, os nossos recursos, não são porventura suficientes para que, num quadro de isolamento, possamos resolver sozinhos os problemas da defesa nacional. E eu diria que isso será ainda mais difícil e impossível se, além de sozinhos, estivermos profundamente divididos.
O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Apostura do Governo, a postura de V. Ex.ª em concreto, privilegiou, porém, mais aquilo que nos divide do que aquilo que seguramente nos une acerca desta matéria tão importante.
É por isso que julgo poder concluir-se que o Governo sai daqui voluntariamente mais isolado, porque quis esse isolamento como estratégia política de abordagem deste debate.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Muito bem!
O Orador: - E porque sai mais isolado, sai também mais responsável.
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É por isso, Sr. Ministro, que nós seremos naturalmente mais exigentes.
Aplausos do CDS, do PS, do PRD, do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Creio, Sr. Deputado, que não entendeu o que eu disse.
Vozes do PSD: - Muito bem!
Protestos do PCP.
O Orador: - Eu fiz a afirmação de que, entre várias intervenções, algumas houve que realmente podem e devem ser entendidas como recomendações e a que, por isso, reconheci carácter positivo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Divisionismo!
O Orador: - E, senão o tivesse dito, não estaria agora a dizer que o tinha feito.
Posteriormente, Sr. Deputado, afirmei que houve toda uma série de intervenções que foram a reprodução estereotipada umas das outras. Creio que isto é perfeitamente evidente.
Não pode, portanto, o Sr. Deputado retirar das minhas palavras tais conclusões, até porque fiz esta afirmação: "quem puder fazer o milagre, ter a varinha de condão para dar realização, num minuto, a tudo quanto aqui foi dito que o diga".
O Sr. Carlos Brito (PCP): - E insiste! ...
O Orador: - Penso, Sr. Deputado, que fez uma interpretação unilateral. O senhor é que teve uma visão sectorial do que eu disse - não me pode imputar uma responsabilidade que é fruto de um puro erro de interpretação da sua parte.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Como o prova a reacção da Câmara!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, entramos agora no período de encerramento. Para tanto, concedo a palavra ao Sr. Deputado Hermínio Martinho.
O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Todos os parlamentos - e digo-o sem adjectivos, porque só são autênticos parlamentos os que são livres, com deputados democraticamente eleitos desde sempre usaram os seus poderes para obter dos governos informações e justificações das suas formas de conduta.
Todos os parlamentos exercem um controle que tem a força democrática dos votos dos cidadãos que elegeram os deputados. A crítica, dizia António Sérgio, é o sal que impede que nos corrompamos.
Vozes do PSD: - Cuidado com os diabetes!
O Orador: - Sem confronto, sem discussão, sem diálogo, a democracia seria apenas uma palavra vazia de conteúdo.
Todos sabemos isto. E é porque todos sabemos isto que vemos com preocupação crescente como as palavras se vão pervertendo e parecem assumir outros significados.
Quero, por isso, começar por lembrar ao Governo, na pessoa dos seus membros aqui presentes, que assumimos, e assumiremos, as nossas posições com orgulho mas sem arrogância.
Por isso, também nos não incomoda a consciência das nossas limitações, que sempre teremos a humildade democrática de reconhecer. Porém, nunca seremos subservientes.
Estamos à vontade para dizer que nunca recusámos o diálogo, mas não aceitamos que o diálogo se confunda com imposição.
Por isso, nunca recusámos dialogar com o Governo. Mas, ouvir as vossas razões, ponderá-las, não significa tê-las por boas, excepto quando disso nos convençam.
Quando um Sr. Deputado do PSD entendeu como obstáculo a afirmação de pontos de vista diferentes e acusou o anterior Presidente da República de obstruir a acção do Governo, só por dela exprimir discordância ou vetar algumas leis, havemos de interrogar-nos sobre senão está assim a exprimir-se a tentação totalitária daqueles que se julgam senhores absolutos da razão e da verdade.
Vozes do PRD: - Muito bem!
O Orador: - Que o Senhor Ministro de Estado, mais que aceitar como democrático e normal que o Governo seja interpelado, se preocupe em encontrar motivos outros para essa interpelação é um exercício público de imaginação - que provavelmente o Sr. Ministro necessitava fazer - mas é um entendimento empobrecedor da vivência democrática e parlamentar.
Vozes do PRD: - Muito bem!
O Orador: - Temos de reconhecer que o Governo parece que se agastou por ser interpelado...
Alguns senhores deputados, mais agastados, tiveram que mostrar-se.
Houve mesmo quem, assaltado por uma inquietante "dúvida ontológica", se interrogasse sobre a existência do PRD!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Já foi para Coimbra a esta hora!
O Orador: - Talvez se justifique uma reciclagem democrática que lhes lembre que é o povo, através de eleições, que diz o que cada partido é e o que vale.
Disse-o de forma inequívoca, em relação ao PRD, nas eleições de Outubro de 85. E voltará a confirmá-lo...
Risos do PSD.
... de forma porventura ainda mais expressiva, quando de novo houver eleições.
Risos e protestos do PSD e do CDS.
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Os Portugueses não mudam tão facilmente de opinião como alguns partidos políticos que têm posições diversas quando no Governo ou na oposição ou sempre que mudam de liderança.
Aplausos do PRD e do PS.
Vozes do PSD: - Troca de galhardetes à esquerda!
O Deados: - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: A defesa, porque nacional, tem de encontrar-se no plano do que une na esfera do consenso.
Dissemo-lo logo no início deste debate.
O facto de não confundirmos consensos necessários com o artificialismo dos falsos consensos, que equivalem ao silêncio que rodeia assuntos tabu, seria, por si só, uma primeira justificação deste debate.
Sabemos, e sabemo-lo agora todos, como foram insuficientes e desajustados alguns conceitos, como foi errado que se tivesse deixado pensar que defesa era exclusivamente um problema de equipamento das Forças Armadas e da votação das verbas a tal destinadas.
Tomámos claro que defesa tem a ver com todos. Por isso, tem de ser objecto de debate. Por isso, o Governo teve de ser interpelado para explicar as suas concepções, os seus actos e as suas omissões.
Uma concepção global de defesa implica, em primeiro lugar, uma comunidade que se reconhece como tal, e por ser comunidade não pode nem deve ser artificialmente dividida.
O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Muito bem!
O Orador: - Comunidade que se relaciona com outras e nesse relacionamento actua com individualidade, procurando, no caso português, actuar com fidelidade no sentido de universalismo que marcou a nossa vida colectiva, actuando integrado numa ordem mundial interdependente e tendo presente que quanto mais nos integramos em esforços maiores mais necessário se torna assumirmo-nos como somos.
Uma concepção global de defesa pressupõe, também, que há que valorizar e incrementar factores de coesão.
Há um património que não podemos deixar continuar a delapidar. A defesa nacional passa também por aqui, como passa pela defesa da língua e da cultura.
É indispensável a diminuição dos factores que comprometem a nossa independência, sejam eles o nosso atraso científico tecnológico ou a dependência alimentar em que nos deixámos colocar.
Não podemos continuar a importar mais de 50 % dos bens alimentares que consumimos, sob pena de sermos cada vez mais dependentes.
A melhoria, quantitativa e qualitativa, do nível de satisfação de necessidades básicas do nosso povo é uma exigência de solidariedade.
Não há defesa se alguns de nós, em particular os mais desfavorecidos, continuarem a sentir que a Pátria lhes é madrasta, que tudo se passa como se nela não tivessem lugar ou fossem a mais.
Por isso, o desenvolvimento é condição de defesa. A defesa nacional passa também pela diminuição de outras vulnerabilidades e exemplos variados que pudemos dar ao longo do debate, desde a situação da nossa indústria em geral, até ao caso particular na nossa indústria de defesa.
Creio que, no final deste debate, podemos dizer que demos um contributo - que, sem falsa modéstia, julgamos poder classificar como importante - para que a defesa nacional não mais possa ser entendida como confinada ao seu vector militar.
Pelo contrário: é porque são todos os portugueses a assumir a consciência da defesa nacional, porque a defesa é uma concepção global, que as Forças Armadas devem ser valorizadas e dotadas dos meios adequados ao cumprimento das suas missões.
A eficácia e o prestígio das Forças Armadas, até no modo como se integram nas alianças de que somos parte - e em que não podem integrar-se de forma secundarizada ou diminuída -, a sua capacidade própria, independentemente de integrarem e participarem em defesas colectivas, são uma resultante e não um ponto de partida.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As intenções que do Governo ouvimos não nos convenceram que esta indispensável concepção global de defesa nacional seja, da sua parte, mais do que discurso apressadamente repetido, mas não enraizado nem levado à prática.
Que, como valorização do nosso património histórico, o Sr. Ministro de Estado nos anuncie um programa de televisão ou, noutro plano, que o Sr. Ministro da Defesa nos revele que vai ao Brasil, são, havemos todos de reconhecê-lo, más respostas a esta interpelação.
Quanto às questões fundamentais que colocamos, as que têm a ver com a indispensável visão global da defesa, com a definição das grandes prioridades e opções nacionais, com o nosso futuro de país e de povo - essas questões fundamentais ficaram, em geral, sem qualquer resposta, ou, pelo menos, sem uma resposta minimamente satisfatória.
Mas, pensamos que foi muito importante que essas questões tenham sido colocadas - pois, pôr as questões e estar de acordo sobre a sua relevância já é meio caminho andado para se poderem encontrar as respostas necessárias. Respostas para que, sem cuidar de visões e interesses de partido, todos temos de dar o nosso contributo, em termos democráticos e nacionais, e em torno das quais qualquer governo deve procurar o diálogo e o consenso necessários -, o que este Governo não tem querido ou sabido fazer.
Aplausos do PRD.
O PRD sente-se, assim, naturalmente satisfeito por ter tomado a iniciativa desta interpelação e suscitado este debate, que se revestiram de indiscutível interesse e significado nacionais. Não foi só, nem tanto - por exemplo -, chamar a atenção para as deficiências e os atrasos na legislação: o simples facto de se fazer esta interpelação parece ter levado o Governo a tomar ou a acelerar algumas iniciativas legislativas. Não foi apenas - mas também isso foi significativo e, só por si, justificaria talvez o debate - chamar a atenção para que os jovens não entendem o sentido cívico do serviço militar e isso representar que o sentimento e o conceito da defesa nacional não estão difundidos nem enraizados. Foi, enfim, toda uma vasta e fundamental problemática de dimensão e sentido nacionais que aqui passaram ao longo desta interpelação do PRD - a primeira a realizar-se no decurso desta legislatura, e que, também por isso, se revestiu de especial significado político.
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Apraz-nos registar que, em última instância, todos o tenham reconhecido - até, após as reacções intempestivas e inadequadas do executivo, e em especial do Sr. Ministro da Defesa, deputados do partido que apoiam o Governo.
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro (Cavaco Silva): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: São quase três horas da manhã. O interesse suscitado por esta interpelação encontra tradução no número de deputados que ainda resistem à atracção do conforto do lar. Algo está mal na organização deste tipo de debate. Compete à Assembleia da República revê-lo, de forma a evitar o descrédito desta figura constitucional, principalmente se tivermos em atenção que até ao fim da sessão legislativa ainda podem ocorrer onze interpelações e até ao fim da legislatura trinta e cinco.
Nos últimos anos têm sido mais frequentes e aprofundados os debates sobre a defesa nacional, tanto nesta Assembleia como na comunicação social. Pode dizer-se que esse ciclo se iniciou com debates que conduziram à aprovação da Lei de Defesa Nacional em 1982, foi continuado com o debate das grandes opções do conceito estratégico de defesa em 1984, manteve-se ao longo de 1986 e é realizado agora com esta interpelação centrada na política da defesa.
É saudável que num regime democrático se aprofundem os debates sobre a defesa, ou seja, sobre conceitos que são essenciais para os interesses vitais do País. Ainda bem que o debate sobre defesa nacional foi reaberto sob a forma de interpelação ao Governo. Porque, ao contrário do que alguns sectores da oposição pretendem fazer supor, é com todo o interesse e empenhamento que o Governo se afirma neste debate público, até porque está à vontade para o fazer, pelo progresso que tem desenvolvido em todas as componentes da política de defesa e pela forma patriótica e sentido de Estado como tem actuado.
Têm-se discutido bastante, princípios e conceitos, o que consideramos desejável e necessário. Mas para além disso, este Governo tem revelado vontade e capacidade de dar conteúdo real a esses conceitos, passando das palavras aos actos.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Vê-se!
O Orador: - Os princípios fundamentais e objectivos permanentes estão fixados na Lei de Defesa Nacional. Os aspectos essenciais da estratégia global do Estado foram estabelecidos no conceito estratégico de defesa. Tem sido no quadro e observância destes textos e do Programa do Governo aprovado por esta assembleia que temos vindo a desenvolver e executar a política de defesa.
As condições de base para desenvolver a vontade de defesa nacional situam-se no plano político geral.
É essencial que a condução política seja nítida, coerente e aponte uma linha de futuro clara, para que seja dado sentido à vida colectiva, condição para o reforço da coesão nacional. O desenvolvimento da consciência sobre a identidade nacional, da consciência cívica, da afirmação da integridade do Estado, do respeito pelos
símbolos nacionais e a informação pública em matéria de defesa são aspectos fundamentais que têm merecido atenção cuidada por parte do Governo.
O Sr. José Magalhães (PCP): - E do Jardim!
O Orador: - Entre as acções nesta área, deve incluir-se o lançamento e apoio às actividades preparatórias das comemorações dos descobrimentos portugueses e as medidas para dignificação e avivamento do culto da bandeira nacional entre todos os portugueses.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Já foi dito de manhã!
O Orador: - A celebração dos Descobrimentos constituirá uma boa oportunidade - também para a bancada da esquerda - para que os Portugueses se encontrem com a sua história e melhor possam reflectir sobre o que é hoje o papel de Portugal no mundo.
Surpreende assim que certas forças da oposição, colocando interesses partidários acima de superiores interesses nacionais, possam hesitar no apoio, ou mesmo contrariar os esforços desenvolvidos pelo Governo, em domínios que se situam ao mais alto nível dos objectivos permanentes do Estado.
Consideramos importante a correcta informação da opinião pública em matéria de defesa. Sem dúvida que para este fim concorrem os debates nesta Assembleia. Há, no entanto, que distinguir as intervenções que visam o esclarecimento das questões de defesa - onde se situou sempre o Governo neste debate - e as posições que só pretendem obter efeito político partidário, procurando confundir as verdadeiras questões que se põem.
Estou certo que agora, como tem acontecido em debate sobre outras matérias - como ainda recentemente sobre a lei da rádio e a Reforma Agrária - a opinião pública saberá distinguir o trigo do joio.
O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Se a deixarem!
O Orador: - Também concorrem para a informação pública artigos que têm sido publicados nos órgãos de imprensa, felizmente cada vez com mais frequência, denotando um crescente interesse pelas questões de defesa.
Com o objectivo de contribuir para o esclarecimento da opinião pública, o Governo tomou a iniciativa de publicar o Livro Branco da Defesa Nacional. Este tipo de publicação, que é prática em outros países democráticos, é divulgado pela primeira vez em Portugal e constitui uma base e referência para futuras edições, que serão sucessivamente aperfeiçoadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O desenvolvimento económico e social condiciona de forma determinante toda a vida nacional, sendo por isso uma área chave também para a defesa.
Estamos empenhados em modernizar a economia, dotando-a de um aparelho produtivo coerente, eficaz, competitivo e preparando-a para funcionar em mercado aberto e concorrencial, contribuindo decisivamente para dar mais bem-estar e segurança aos Portugueses.
Os Srs. Deputados sabem que no pouco mais de um ano que levamos de governo atingimos as metas a que nos propusemos, avançando na execução da nossa estratégia de desenvolvimento do País.
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O Sr. José Magalhães (PCP): - É o máximo!
O Orador: - Os números da inflação ai estão perante os olhos de todos. Seria um acto de isenção das forças políticas da oposição reconhecer que o Governo conseguiu exceder o objectivo fixado e que a oposição julgava como não realizável. E seria também inteligente e revelador de conhecimentos na matéria reconhecer o contributo decisivo da política económica do Governo para o desaceleramento do crescimento dos preços.
Vozes do PSD: - Muito bem!
Vozes do PCP: - Olhe que ainda dispara!
O Orador: - Também não restam hoje dúvidas que l986 foi um ano de recuperação da actividade económica e que alcançámos os objectivos propostos quer para o crescimento da produção quer para o crescimento do investimento.
Estes resultados foram conseguidos sem pôr em causa o equilíbrio externo, o que exigiu no entanto um esforço grande para contrariar as acções ou intervenções demagógicas e pouco responsáveis de alguns partidos, visando uma expansão excessiva do consumo e as suas tentativas para impedir o crescimento sustentável da economia portuguesa.
Para os resultados altamente positivos conseguidos em 1986, hoje amplamente reconhecidos e sublinhados nas instâncias internacionais - infelizmente ainda há quem, entre nós, se vá desacreditando insistindo em fechar os olhos; deixemo-los viver no eseuro - para esses resultados, dizia, muito contribuiu o clima de confiança que o Governo conseguiu restabelecer.
Compreendo o embaraço de algumas oposições, compreendo o Partido Comunista - ainda por cima confuso com os ventos do Leste.
Risos do PSD.
O Sr. João Amaral (PCP): - 6 doutor, está cada vez pior!
O Orador: - Mas penso que é um erro procurarem esconder esse embaraço com afirmações que, de tão infundadas, incorrectas, demagógicas e desprovidas de senso, só podem dar lugar a sorrisos.
O Sr. João Amaral (PCP): - Olhe que o sorriso sai-lhe para cima!
O Orador: - Então ainda há Srs. Deputados que se atrevem a dizer que em 1986 o crescimento económico, a queda da inflação, a expansão do investimento, o aumento dos salários reais e a melhoria das condições de vida da população foram baixos?
Meus senhores, há um mínimo de bom senso abaixo do qual as forças políticas não podem descer, sem risco de grave descrédito.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O que têm a dizer os Srs. Deputados quando uma organização insuspeita como a OCDE afirma que em 1986 o crescimento do produto foi 0 % na Grécia, 1,5 % na Irlanda, 3 % em Espanha, enquanto Portugal atingiu 4,25 %, um valor só igualado pela Noruega!
E como explicam os Srs. Deputados que a mesma organização afirma que, em percentagem do produto interno bruto, o nosso superavit nas contas externas representou 5,7 % do produto, quando países como a Grécia, a Irlanda, a Dinamarca e a Noruega registaram défices que vão de 1,8 % a 6,8 %.
Vozes do PS: - Estão de rastos esses países.
O Orador: - Será que estes países não disfrutaram da mesma conjuntura internacional como Portugal?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Ou será que esses países se situam noutro planeta, onde não há petróleo, em que não circula o dólar e onde não se praticam taxas de juro?
Aplausos do PSD.
Compreende-se que custe a aceitar a alguns Srs. Deputados que o poder de compra dos salários tenha subido 5 % em 1986 e o poder de compra dos reformados e idosos tenha subido mais de 10%.
O Sr. José Magalhães (PCP): - E o trabalho precário?
O Orador: - Mas o facto é que isso aconteceu e a população sente-o e sente-o bem, por muito que isso incomode a esses Srs. Deputados, a quem dirijo uma última pergunta.
O Sr. José Magalhães (PCP): - E a fome?
O Orador: - Qual é o ano, depois do 25 de Abril, que apresenta melhores resultados do que 1986?
O Sr. José Magalhães (PCP): - E os salários em atraso?
O Orador: - Srs. Deputados, o comportamento da avestruz não compensa. Nunca compensou.
O Sr. José Magalhães: - E o desemprego?
O Orador: - Atente-se numa sondagem recente da GALUP feita nos cinco continentes, a qual revela que só 18 % dos Portugueses consideram que a sua situação piorou em 1986, o que é notável face aos 28 % verificados para a média da CEE, sendo aquela percentagem apenas ultrapassada pela da Alemanha e pela do Luxemburgo.
E mais, é assim quando a mesma sondagem revela que 44 % dos Portugueses estão convencidos que 1987 será melhor do que l986, contra apenas 36 % para a média da CEE, sendo aquela percentagem apenas ultrapassada pela dos Italianos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É um paraíso e a gente não sabia.
O Orador: - O paraíso é na Sibéria.
O Sr. João Amaral (PCP): - Hoje está cheio de imaginação.
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O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, fazemos hoje parte integrante da Europa comunitária, pelo que temos de nos aproximar dos seus padrões de desenvolvimento. Os atrasos acumulados só poderão ser recuperados se crescermos economicamente mais depressa do que os nossos parceiros.
O Sr. João Amaral (PCP): - O Silva Marques está a fazer escola.
O Orador: - Corrigidos que estão alguns dos desequilíbrios básicos que caracterizaram a economia portuguesa no período recente, compete aos agentes económicos, incluindo o próprio Estado, saber aproveitar as oportunidades para avançar o processo de modernização que transforme Portugal num país desenvolvido.
Não faz hoje sentido pensar em defesa nacional desligada da sua componente económica.
Todos temos ainda presente o custo que pagámos e estamos a pagar por loucuras revolucionárias e estatizantes vividas a seguir ao 25 de Abril e pelos erros de política económica cometidos. Que o digam os trabalhadores do distrito de Setúbal.
Aplausos do PSD.
Importa ter presente que uma economia desequilibrada e em crise fica de sobremaneira exposta a interesse alheios que, nessas ocasiões, nunca deixam de se fazer sentir. Dito de outra forma, a instabilidade política interna e a desarticulação da economia acarretam sempre uma maior vulnerabilidade no que concerne à independência nacional. Então deixam de existir condições para executar uma verdadeira política de defesa nacional.
Portugal tem um passado e uma experiência única no mundo de que nos podemos orgulhar. Pena é que nem todos os sectores políticos assumam com sinceridade e de forma plena esse orgulho nacional.
Mas, porque não podemos nem queremos viver da história, somos todos chamados, neste final do século XX, a afirmar a nossa identidade e os nossos valores culturais, por forma a mantermos, com toda a dignidade, o lugar a que temos direito no contexto internacional.
Este objectivo geral tem várias vertentes e passa indiscutivelmente pelo desenvolvimento económico.
Promover uma estratégia de desenvolvimento, como temos vindo a fazer, implica bulir com muitas estruturas económicas e sociais e, portanto, nalguns casos incomodar muitos interesses adquiridos.
Porque é muito o que está por fazer, não podemos admitir que se desperdicem recursos, quer eles sejam naturais, humanos ou financeiros.
Estamos por isso a trabalhar com afinco para modernizarmos a nossa agricultura, adormecida durante décadas, o que conduzirá só por si a uma redução apreciável da nossa dependência externa.
No domínio da indústria, esgotado que está desde há muito o modelo de desenvolvimento adoptado na década de 50, esperamos proporcionar a modernização do tecido industrial português de forma a produzirmos em termos competitivos de qualidade e preço e ter a criatividade e a imaginação necessárias para descobrir as áreas de produção nas quais o País disponha de vantagens comparativas.
O desenvolvimento agrícola e industrial e também do sector dos serviços que está ao nosso alcance empreender até ao final do século exigirá uma reforma de mentalidades. A reforma do ensino e a valorização dos recursos humanos que estamos levando a cabo e a melhoria das condições sociais do povo português por que lutamos têm de caminhar a par com a modernização da nossa economia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, também os transportes são um sector importante para o desenvolvimento e no plano estratégico. Como país marítimo que somos, a evolução decrescente da frota nacional e outros problemas relacionados com o transporte marítimo não podiam deixar de constituir uma área de preocupação.
O Governo produziu já legislação visando criar condições favoráveis ao exercício do transporte marítimo, para apoiar o desenvolvimento da marinha de comércio, para redefinir os princípios relativos ao sistema portuário nacional e para reformular o direito comercial marítimo.
O rápido desenvolvimento do País nas várias frentes económicas e sociais deverá ser acompanhado pela modernização da Administração Pública, a qual tem de ser racionalizada e simplificada para que se obtenha um significativo aumento da eficácia da gestão pública.
Também nesta frente está o Governo empenhado e a dar resposta às necessidades sentidas: foram já tomadas medidas que visam a simplificação dos procedimentos administrativos, a desconcentração de competências e a melhor informação e atendimento dos cidadãos e organizações privadas pelos serviços públicos.
A tarefa imensa que temos à nossa frente exige que saibamos todos - Governo e oposição - assumir as nossas responsabilidades. Não temos o direito de perder tempo em lutas estéreis, que mais não fazem do que criar condições de instabilidade que vêm retardar o avanço no caminho do progresso. Quem for por aí não terá a nossa companhia.
Estabilidade política e desenvolvimento económico e social são condições essenciais para desenvolvermos com eficácia a política de defesa nacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, no plano externo, o reforço da participação activa de Portugal na Aliança Atlântica é não apenas um objectivo expresso no Programa do Governo, em consonância com o conceito estratégico de defesa, como ainda um vector de consenso entre o partidos democráticos representados nesta assembleia.
A solidariedade com os parceiros da Aliança tem sido reafirmada em diversas ocasiões e constitui um contributo político para a paz na Europa, essencial para a nossa própria segurança. A par da componente europeia de defesa é pacífico o papel dos Estados Unidos no sistema de segurança colectiva da Aliança. Esta posição encontra correspondência no posicionamento euro-atlântico do nosso território e da nossa identidade cultural.
Para além do contributo político, a nossa participação nos diversos órgãos da OTAN tem sido constante e activa, sendo oportuno salientar o significativo alargamento da participação da área governamental em exercícios aliados, conforme sucederá no corrente ano pela primeira vez.
Ao falar em solidariedade com os nossos parceiros da Aliança importa referir instalações utilizadas por países aliados em território nacional.
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Esta utilização, que reforça a capacidade colectiva de defesa da Aliança, pode implicar riscos acrescidos, de que aliás todos os responsáveis políticos - e todos os governos - estão e estavam conscientes.
Mas importa sublinhar, uma vez mais, que os acordos realizados permitem a completa autonomia da nossa decisão, caso a caso. É política do Governo que essa autonomia seja claramente afirmada, o que tem sido feito, sem que tal signifique quebra de solidariedade.
No quadro regional consideramos importante o aprofundamento das relações com os países vizinhos, devendo ser desenvolvidas, em especial nos aspectos de que resultam benefícios mútuos.
A cooperação de Portugal com os países africanos de expressão portuguesa é também um segmento importante da nossa política externa, que não pode ser dissociada da complexa situação na África Austral.
Em Angola e Moçambique há situações de conflito armado diferentes, inserindo-se claramente no caso de Angola na estratégia indirecta das superpotências.
A posição firme do Governo é conhecida: devem ser criadas condições para o restabelecimento da paz em Angola e o apoio militar a qualquer das partes contribui para agravar o conflito armado e para perpetuar a situação de Angola como ponto de discussão das superpotências.
A situação é igualmente complexa, mas diferente, no caso de Moçambique, onde importa sublinhar a necessidade de apoiar esforços para que os Moçambicanos possam satisfazer as mais elementares necessidades humanas e alcançar um clima de paz.
O Governo Português tem praticado e manterá uma política de cooperação franca e aberta com os países de expressão portuguesa, mantendo-se sempre atento a tudo o que possa favorecer as oportunidades de paz, nos casos em que há conflito.
Um vector prioritário da nossa política externa dirige-se à Europa comunitária. Para além da construção da Europa económica, têm-se desenvolvido condições para a formação da vontade política europeia, que começa a concretizar-se em posições externas comuns através da cooperação política europeia.
Ao alargarmos as relações com outros países do quadro bilateral para o vasto âmbito comunitário reduzimos dependências, diversificamos o nosso relacionamento e reforçamos por esta via a identidade e a soberania nacionais.
Teremos hoje maiores possibilidades de afirmar os nossos interesses e de exercer influência sobre as políticas de outros Estados.
A nossa presença nas Comunidades Europeias valoriza e reforça o desenvolvimento da cooperação com os países de expressão portuguesa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, na componente militar da defesa nacional há várias áreas a considerar.
No plano externo, constitui aspecto essencial a nossa participação na OTAN, como disse há pouco. Estamos integrados na estrutura militar da Aliança e a nossa atenção centra-se, naturalmente, na componente atlântica do sistema colectivo de defesa, em resultado da situação euro-atlântica da nossa posição. Consideramos como objectivo que todo o território nacional fique integrado na estrutura sob um único comando OTAN, com sede em território português.
Por outro lado, o facto da maior parte dos nossos meios militares estarem orientados para a área da influência atlântica, que nos é própria, não significa que ignoremos a solidariedade na Aliança. Em satisfação aliás de compromissos anteriormente assumidos, mantemos forças orientadas para a defesa avançada da Europa.
Não obstante as medidas de contenção orçamental, a importância que o Governo atribui à componente militar está bem patente no facto de, em 1987, as despesas militares conhecerem um acréscimo real de cerca de 12 %, em relação a 1986. Por este facto bem se pode avaliar a falta de fundamento e de realismo de certas especulações sobre uma hipotética insuficiência de verbas atribuídas às Forças Armadas. Estas especulações são periódicas e eram anteriormente de efeito mais fácil, porque não estavam definidas, como agora, as missões específicas para as Forças Armadas, nem existia programação a médio prazo.
Reconhece-se que são grandes as carências das Forças Armadas em equipamento moderno, mas a escassez de recursos e o ainda fraco nível de desenvolvimento económico e social do País exigem um combate sem tréguas aos desperdícios e a atribuição de prioridade ao investimento, em detrimento do consumo. O acréscimo de recursos financeiros para material militar tem que se inscrever num sistema de planeamento ordenado e a prazo, para que os objectivos de forças sejam alcançados com eficácia.
Foi isso que o Governo fez. Os mecanismos previstos na Lei de Defesa Nacional para o planeamento foram, pela primeira vez, concretizados em 1986, desenvolvendo-se as acções previstas, que culminaram na proposta de lei da programação militar para o período 1987-1991.
Na questão do reequipamento militar retomo afirmações que já produzi aqui: por um lado, não é possível nem desejável que de uma só vez se disponha de todas as verbas que pareceriam necessárias para equipar as nossas Forças Armadas. Por outro lado, devo reafirmar que pela primeira vez se está a avançar em bases sólidas no apetrechamento de um aparelho militar moderno, à altura das necessidades e das possibilidades nacionais.
No que se refere a diplomas legislativos o Governo apresentou a esta Assembleia várias propostas de lei, nomeadamente do serviço militar, dos estados de excepção, do estatuto disciplinar do objector de consciência, estando já pronta a proposta sobre o estatuto da condição militar.
A par destas propostas muitas medidas da competência do Governo foram tomadas, em ritmo crescente, estando nesta fase a ser ultimada a lei orgânica do Ministério da Defesa.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Pela primeira vez!
O Orador: - Também na área das indústrias de defesa, o Governo mais uma vez passou das palavras aos actos e tem vindo a tomar medidas para a viabilização da INDEP, cuja situação se vinha degradando, por no passado não terem sido oportunamente corrigidas as suas deficiências estruturais.
A finalizar devo fazer uma observação: referiu o PRD, no texto inicial da interpelação, que as Forças Armadas estão carentes de enquadramento normativo e de estabilidade.
A instituição militar é ímpar, no sentido de que dispõe de conhecimento acumulado e de uma tradição de
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pensamento e de acção, dos quais resultam um espírito organizativo e uma precisão de procedimentos a todos os títulos notáveis.
Se é um facto que falta ainda concluir alguns textos previstos na lei de defesa nacional, cujos prazos aliás estavam já largamente excedidos quando este Governo tomou posse, daí até afirmar-se que as Forças Armadas estão carentes de enquadramento normativo vai um excesso que toca as raias da demagogia e subestima a instituição militar, a qual não o merece.
Mas «carência de estabilidade» é uma outra afirmação mais grave do PRD.
As Forças Armadas não estão carentes de estabilidade. Pelo contrário, estão organizadas, estáveis e disciplinadas, constituindo em si mesmas um factor de estabilidade e de segurança.
Srs. Deputados: As Forças Armadas não precisam dos lamentos de ninguém para continuarem a afirmar-se como uma sólida instituição, suporte último da independência nacional, actuando de acordo com as orientações superiores emanadas dos órgãos constitucionalmente competentes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Nem da demagogia do Governo!
O Orador: - O Governo, órgão de soberania responsável pela condução da política externa e da política interna, incluindo a da defesa nacional, reafirma, pela minha voz, que nada temeu nesta interpelação. E nada temeu porque, como diz o povo, nada deve a nada nem a ninguém, ...
O Sr. José Magalhães (PCP): - É surdo!
O Orador: - ... nomeadamente nos esforços que lhe têm sido pedidos para, também neste domínio, colocar Portugal e as suas instituições no caminho do desenvolvimento e do progresso.
Por isso mesmo, neste debate parlamentar foi dada resposta adequada a todas as questões colocadas que respeitaram à dignidade ...
Risos do PRD.
... e ao sentido de estado que sempre devem timbrar o tratamento de matérias com a elevação daquelas que aqui estiveram em apreço.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Vide Fernando Nogueira.
O Orador: - Os Portugueses esperam de nós, neste ano de 1987, que não desperdicemos nenhuma das oportunidades de melhorar as suas condições de vida. O Governo, por si, já demonstrou que tudo faz, no que está ao seu alcance, para que essa melhoria seja uma realidade.
Nesta interpelação - direito inalienável da oposição - ficou mais uma vez evidenciado que não há pretextos antigos, ardis preconcebidos, campanhas desesperadas ou lutas alheias que nos desviem de trabalhar com determinação e seriedade pelo futuro de Portugal.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos. A próxima reunião plenária terá lugar na próxima sexta-feira, às 10 horas. Da respectiva ordem de trabalhos consta uma sessão de perguntas ao Governo.
Srs. Deputados, está, pois, encerrada a sessão.
Eram 3 horas e 25 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
António d'Orey Capucho.
António Manuel Lopes Tavares.
Arménio dos Santos.
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Cândido Alberto Alencastre Pereira.
Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Fernando José Alves Figueiredo.
Francisco Mendes Costa.
João Álvaro Poças Santos.
Joaquim Eduardo Gomes.
José Assunção Marques.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Manuel Maria Moreira.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Rui Manuel Parente Chancerelle Machete.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Partido Socialista (PS):
António José Sanches Esteves.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
José Apolinário Nunes Portada.
José Manuel Torres Couto.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonel de Sousa Fadigas.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Carlos Alberto Narciso Martins.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
José Carlos Pereira Lilaia.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Victor Manuel Lopes Vieira.
Partido Comunista Português (PCP):
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Rodrigues Vitoriano.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Odete dos Santos.
Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.
Centro Democrático Social (CDS):
Abel Augusto Gomes de Almeida.
Carlos Eduardo Oliveira Sousa.
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Horácio Alves Marçal.
José Augusto Gama.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Narana Sinai Coissoró.
Deputados independentes:
António José Borges de Carvalho.
Rui Manuel Oliveira Costa.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Mário Jorge Belo Maciel.
Partido Socialista (PS):
António Carlos Ribeiro Campos.
António Manuel Azevedo Gomes.
Helena Torres Marques.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Barbosa Mota.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Partido Renovador Democrático (PRD):
José da Silva Lopes.
Partido Comunista Português (PCP):
António Dias Lourenço da Silva.
Domingos Abrantes Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.
Centro Democrático Social (CDS):
Eugénio Nunes Anacoreta Correia.
João Gomes de Abreu Lima.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Declaração de voto enviada à Mesa para publicação, relativa è votação das ratificações sobro o Decreto-Lei n.º 313/86, de 24 de Setembro.
Na ignorância revelada perante a realidade da vitivinicultura duriense, na indisponibilidade para auscultar, convenientemente e no devido tempo, o pensamento das forças representativas da lavoura duriense e na incapacidade do Sr. Secretário de Estado da Alimentação concretizar e confirmar perante o Governo os propósitos enunciados na reunião que teve com o Conselho Regional Agrário da Casa do Douro, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista não pode deixar de criticar veementemente o comportamento do Governo perante tão grave situação, como, também, o comportamento do partido do Governo - o PSD pela insegurança e incerteza manifestada em torno desta questão essencial para o Douro e pela dualidade de posições assumidas: uma na região, outra, aqui, nesta Assembleia.
Ao mesmo tempo que lamentamos este comportamento do Governo e do PSD, queremos regozijar-nos pela decisão da Assembleia da República ao recusar a ratificação do famigerado Decreto-Lei n.º 313/86, de 24 de Setembro.
O Partido Socialista sempre acompanhou com grande atenção e preocupação esta problemática que agitou os agentes económicos da região duriense.
Foi o primeiro partido a erguer a sua voz de inquietação na Assembleia da República.
Conseguiu promover um debate alargado em que participaram todas as forças políticas com assento na Assembleia da República, a direcção da Casa do Douro e a mesa do Conselho Regional Agrário, no final do qual foi unanimemente afirmado o total desacordo em relação ao famigerado Decreto-Lei n.º 313/86 do governo Cavaco Silva, pedindo pura e simplesmente a sua revogação e repondo em vigor o Decreto-Lei n.º 486/82, que no essencial define com correcção as atribuições e competências da Casa do Douro, acautela o seu património e permite-lhe posicionar-se como instituição defensora da vitivinicultura duriense sem prejuízo das melhorias que se justifique introduzir-lhe.
Neste contexto, o Partido Socialista revelou-se conhecedor deste importante sector da lavoura portuguesa e defensor dos legítimos interesses dos durienses, ao mesmo tempo que se afirmou como força partidária interessada no diálogo e nos consensos possíveis, que o PSD tem inviabilizado.
Ao rejeitar este diploma do Governo, de tão gravosas implicações para a Região Demarcada do Douro, a Assembleia da República acaba de devolver ao Douro parte da sua história e do seu trabalho.
A partir de agora temos a porta aberta para avançarmos decidida e decisivamente para a efectiva institucionalização da Casa do Douro, tomando como ponto de partida o Decreto-Lei n. I 486/82, com as modificações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 230/83.
Assim sendo, o sentido do voto do Grupo Parlamentar do Partido Socialista deve ser interpretado como a defesa do Douro e dos durienses, assim como a firme intenção de contribuir para a reorganização do sector vitivinícola da Região Demarcada legítimo do Douro, através da participação responsável dos diversos interesses organizados e através da articulação de toda a sua estrutura organizativa.
Concreta e designadamente interessa desde já reformular funcional e organicamente o Instituto do Vinho do Porto; definir regras mais claras sobre a composição, as atribuições e competências e modo de funcionamento da Casa do Douro; realizar eleições para os corpos directivos, segundo um regulamento eleitoral a publicar, elaborar e aprovar os estatutos da Casa do Douro.
Deste modo, poderemos vir a ter, finalmente, um sector vitivinícola organizado, com a Casa do Douro cada vez mais representativa da vitivinicultura duriense e cada vez mais apostada na promoção e defesa continuada da Região Demarcada do Douro.
O Deputado do PS, Aloísio da Fonseca.
OS REDACTORES: Ana Maria Marques da Cruz Carlos Pinto da Cruz - José Diogo - Maria Amélia Martins - Maria Leonor Ferreira.
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PREÇO DESTE NÚMERO: 384$00
Depósito legal n.( 8818/85
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.