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I Série - Número 52 2009
Sábado, 7 de Março de 1987
PORTE PAGO
DIÁRIO da Assembleia da República
IV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1986-1987)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 6 DE MARÇO DE 1987
Presidente: Exmo. Sr. António Alves Marques Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Rui de Sá e Cunha
José Manuel Mala Nunes de Almeida
SUMÁRI0. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação de requerimentos, da resposta a alguns outros e da entrada de diversos diplomas.
O Sr. Deputado José Coutinho (PSD) falou da importante visita de S. Ex.ª o Presidente da República a Trás-os-Montes e respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado José Lello (PS).
O Sr. Deputado Costa Carvalho (PRD) debruçou-se sobre a situação de O Comércio do Porto, tendo, no fim, respondido a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Mendes Bota (PSD).
O Sr. Deputado Jerónimo de Sousa (PCP) deu conta de problemas que afectam o Município de Loures e respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado João de Matos (PSD).
O Sr. Deputado Valdemar Alves (PSD) chamou a atenção para as principais carências do distrito de Aveiro, no que foi secundado pelo Sr. Deputado Horácio Marçal (CDS).
O Sr. Deputado Gomes Guerreiro (PRD) evocou o nascimento do poeta João de Deus, homenagem a que se associaram os Srs. Deputados Vieira Mesquita e Mendes Bota (PSD), e Henrique Morais (CDS).
O Sr. Deputado José Cruz (PCP) criticou algumas medidas da Câmara Municipal de Loulé no campo cultural, tendo, no final, respondido a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Mendes Bota (PSD).
Ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 43, 44 e 45 do Diário.
Foi ainda aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimentos e Mandatos relativo a substituição de deputados do PSD e do CDS.
Finalmente, após leitura do relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, procedeu--se à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 367/IV (PCP), que institui um novo enquadramento legal à venda das bombas de Carnaval, em especial, às crianças. Intervieram, a diversos titulo, os Srs. Deputados João Abrantes (PCP), Jaime Coutinho, Armando Fernandes e Paulo Guedes (PRD), Mendes Bota e Vieira Mesquita (PSD), Armando Lopes (PS) e Henriques Moraes (CDS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 12 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Abílio Gaspar Rodrigues.
Alberto Monteiro Araújo.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António d'Orey Capucho.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
António Manuel Lopes Tavares.
António Paulo Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arlindo da Silva André Moreira.
Belarmino Henriques Correia.
Cecília Pita Catarino.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos Silva e Sousa.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Flausino Pereira da Silva.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Jardim Ramos.
Francisco Mendes Costa.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Luís Esteves Bairrão.
Henrique Rodrigues Mata.
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2010 I SÉRIE - NÚMERO 52
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João Manuel Nunes do Valle.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
Joaquim da Silva Martins.
José de Almeida Cesário.
José Augusto Andrade.
José Assunção Marques.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Maria Peixoto Coutinho.
José Mendes Bota.
José Olavo Rodrigues da Silva.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Jorge Cabral Tavares de Lima.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel Maria Moreira.
Maria Antonieta Cardoso Moniz.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Fernando Miranda Relvas.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Parente Chancerelle Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Ferreira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Aloísio Fernando Macedo Fonseca. .
Américo Albino Silva Sal t eiró.
António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura..
António Manuel Azevedo Gomes.
António Miguel Morais Barreto.
António Magalhães Silva.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Manuel Luis.
Carlos Manuel G. Pereira Pinto.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Henriques Lopes.
Hermínio da Palma Inácio.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
Jorge Lacão Costa.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Carlos Pinto B. Mota Torres.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl da Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Raul Manuel Gouveia Bordalo Junqueiro.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Victor Hugo de Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Agostinho Correia de Sousa.
Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
António Alves Marques Júnior.
António Eduardo de Sousa Pereira.
António João Percheiro dos Santos.
António Lopes Marques.
António Magalhães de Barros Feu.
António Maria Paulouro.
Arménio Ramos de Carvalho.
Bártolo de Paiva Campos.
Carlos Alberto Narciso Martins.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Carlos Artur Trindade Sá Furtado.
Francisco Armando Fernandes.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho.
Jaime Manuel Coutinho da Silva Ramos.
Joaquim Jorge Magalhães Mota.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
José Caeiro Passinhas.
José Carlos Torres Matos Vasconcelos.
José Emanuel Corujo Lopes.
José Fernando Pinho da Silva.
José Luís Correia de Azevedo.
José Torcato Dias Ferreira.
José Rodrigo da Costa Carvalho.
Manuel Gomes Guerreiro.
Maria Cristina Albuquerque.
Maria da Glória Padrão Carvalho.
Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.
Rui José dos Santos Silva.
Rui de Sá e Cunha.
Tiago Gameiro Rodrigues Bastos.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Vitorino da Silva Costa.
Victor Manuel Ávila da Silva.
Victor Manuel Lopes Vieira.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António da Silva Mota.
António Manuel da Silva Osório.
António Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira.
Bento Aniceto Calado.
Cláudio José Santos Percheiro.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Estevão Correia da Cruz.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Luís Manuel Loureiro Roque.
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7 DE MARÇO DE 1987 2011
Maria Ilda da Costa Figueiredo.
Octávio Augusto Teixeira.
Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.
Centro Democrático Social (CDS):
António Filipe Neiva Correia.
Francisco António Oliveira Teixeira.
Henrique José Pereira de Moraes.
Horácio Alves Marçal.
João Gomes de Abreu Lima.
João da Silva Mendes Morgado.
José Maria Andrade Pereira.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Manuel do Carmo Tengarrinha.
Deputados independentes:
António José Borges de Carvalho.
Rui Manuel Oliveira Costa.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai enunciar os requerimentos apresentados na Mesa nas últimas reuniões plenárias.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Foram apresentados na Mesa nas últimas reuniões plenárias os seguintes requerimentos; no dia 26 de Fevereiro de 1987, ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Abílio Guedes, Carlos Luís, Jaime Coutinho, José Seabra, Agostinho Domingues, Caio Roque, Ramos de Carvalho e Dias de Carvalho; ao Ministério da Educação e Cultura e ao Governo (2), formulados pelo Sr. Deputado Magalhães Mota; a diversos ministérios (7), formulados pelo Sr. Deputado Armando Fernandes; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação (2), formulados pelo Sr. Deputado João de Brito; aos Ministérios da Administração Interna, da Justiça e da Saúde (2), formulados pelo Sr. Deputado Pinho Silva; à Secretaria de Estado da Juventude, formulado pelo Sr. Deputado Miranda Calha; ao Governo (3), formulados pelo Sr. Deputado Rogério Moreira; à Secretaria do Ambiente e Recursos Naturais, formulado pelo Sr. Deputado Álvaro Brasileiro; ao Ministério da Educação e Cultura (2), formulado pelo Sr. Deputado António Barreto; ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Guedes de Campos, António Paulouro e Caeiro Passinhas; a diversos ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Roleira Marinho; ao Ministério da Justiça, formulados pelos Srs. Deputados Horácio Marçal e Corujo Lopes; a diversos ministérios (2), formulados pelo Sr. Deputado Jorge Lemos e outros; ao Governo (4), formulados pelos Sr. Deputado Cláudio Percheiro e Belchior Pereira; à Secretaria de Estado do Turismo, formulado pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo; a diversos ministérios (3), formulados pelo Sr. Deputado Tiago Bastos; à Câmara Municipal de Aveiro, formulado pelo Sr. Deputado Sá e Cunha; à Secretaria de Estado da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Mendes Bota.
No dia 27 de Fevereiro de 1987: ao Governo (2), formulados pelo Sr. Deputado Rui Rabaça Vieira; ao Governo (3), formulados pelos Srs. Deputados José Apolinário e António Esteves; a diversos ministérios (5), formulados pelos Srs. Deputados Carlos Costa e António Mota; ao Ministério da Educação e Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Roleira Marinho; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado Oliveira e Sousa; ao Ministério do Plano e da Administração do Território e à Secretaria de Estado das Vias de Comunicação (2), formulados pelo Sr. Deputado Anselmo Aníbal; às Secretarias de Estado da Administração Local e do Turismo (2), formulados pelos Srs. Deputados Carlos Brito e José Cruz.
No dia 5 de Março de 1987: à Secretaria de Estado dos Transportes e Comunicações (2), formulados pelo Sr. Deputado Fernando Conceição; à RTP, formulado pelos Srs. Deputados Hermínio Martinho e Alexandre Manuel; ao Governo, formulado pelos Srs. Deputados Agostinho de Sousa, António Mota e Jorge Lemos; ao Ministério do Trabalho e Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado José Gama; ao Ministério da Saúde (2), formulados pelo Sr. Deputado Horácio Marçal; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (2), formulados pelo Sr. Deputado Jaime Gama; ao Ministério da Saúde (3), formulados pelo Sr. Deputado Vidigal Amaro; ao Governo (2), formulados pelo Sr. Deputado Jorge Patrício.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai enunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: o projecto de lei n.º 382/IV, da iniciativa da Sr.ª Deputada Helena Torres Marques e outros, do PS, propondo a criação de uma adjunta do provedor de justiça para os direitos da mulher, o qual foi admitido e baixou à 1.ª Comissão; e o projecto de resolução n.º 36/IV, apresentado pelo PS, pretendendo que seja substituída a expressão «direitos do homem» pela expressão «direitos humanos» e tendo sido igualmente admitido.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Coutinho.
O Sr. José Coutinho(PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por decisão de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, Bragança foi, durante duas semanas, a capital de Portugal. Durante cerca de duas semanas as potencialidades e carências, as esperanças e apreensões de uma parcela da alma portuguesa polarizaram as atenções dos portugueses. Durante duas semanas todo o povo português se reviu no espelho das virtudes, da tenacidade, da vontade de progresso do povo transmontano. Durante duas semanas o calor da hospitalidade transmontana venceu o gelo do Inverno mais inóspito de Portugal.
É como deputado pelo círculo de Bragança e como membro da bancada social-democrata que, quando as luzes dos holofotes se vão apagando e os ecos das ruidosas manifestações se vão diluindo, evoco tão importante evento. Não naturalmente no processo de aproveitamentos políticos fáceis, o que não seria digno nem de um presidente, que tem sabido perfilar-se como expressão de unidade nacional, nem seria, sobretudo, digno da magnífica lição de civismo e de vivência democrática oferecida urbi et orbi pelo povo transmontano.
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2012 I SÉRIE - NÚMERO 52
Ninguém desconhece, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que não era o Dr. Mário Soares o candidato que colhia as preferências da maioria esmagadora dos eleitores transmontanos há um ano chamados a eleger um Presidente da República. Não cremos, outrossim, que se possa acreditar que os transmontanos tenham, no curto espaço de um ano, sofrido uma tão ciclópica viragem a ponto de terem abandonado as suas convicções de ontem. Só quem não os conhece! Só quem ignorasse que na têmpera da alma transmontana e das suas convicções há muito da firmeza granítica dos recortes dos montes por onde aprenderam a olhar o mundo e a vida.
O que se passou foi muito mais simples e, ao mesmo tempo, mais sublime: uma límpida lição de democracia. Vencidos nas umas, os transmontanos beberam com a democracia a taça da vitória. E receberam com o carinho e a paixão que só eles conhecem quem ali chegava como um símbolo de democracia.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O sucesso desta visita vale assim como um sinal. O sinal de que não têm razão os profetas dos novos mundos; os que, ofuscados pelo iluminismo da pequenez das suas ideias, mais não têm feito do que agredir, na sua integridade moral, na sua sabedoria e na sua fé democrática, os transmontanos e as suas opções políticas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Com o seu comportamento ímpar, Trás-os-Montes colocou no pelourinho todos os profetas do obscurantismo, todos os autoproclamados paternalismos, e imprimiu, de forma irreversível, nas suas acções e opções políticas, o timbre e o cunho da democracia. Não será exagero afirmar que Bragança se perfilou, de facto, como uma academia de democracia.
É como deputado - protagonista privilegiado do jogo democrático - é como social-democrata, intérprete do ideal da sociedade aberta, que, como mais um eco, evoquei aqui o encontro de Bragança com o Sr. Presidente da República. Um encontro da Pátria, através do seu mais alto representante, com alguns dos seus melhores filhos; e da democracia com uma das mais autênticas expressões da respectiva vivência.
A terminar, permitam-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que desta tribuna dirija um agradecimento a todos os protagonistas desta página que Trás-os-Montes acaba de viver, em que me permito destacar o Sr. Presidente da República e todo o povo transmontano.
Finalmente, uma palavra de agradecimento à comunicação social, que foi uma autêntica caixa de ressonância dessa convivência do povo transmontano com o seu Presidente.
Aplausos do PSD.
O Sr. José Lello (PS): - Peço a palavra para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José LeLlo (PS): - Sr. Deputado José Coutinho, quero sublinhar o teor da intervenção de V. Ex.ª, tanto mais que ela vem trazer a esta Câmara o testemunho de alguém que viveu de perto essa jornada, que foi, como V. Ex.ª muito bem disse, uma jornada grandiosa vivida por S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, num contacto íntimo com as populações de Trás-os-Montes. Aliás, outra coisa não seria de esperar da generosidade dessas populações, como também muito bem V. Ex.ª testemunhou.
V. Ex.ª referiu que uma substancial parte do eleitorado transmontano não foi o eleitorado do Sr. Presidente da República e disse que tal não quis significar que esse eleitorado transmontano não transmitisse um. apoio que se verificou em todos os lugares onde o Sr. Presidente da República esteve. No entanto, queria, referir-lhe que, hoje em dia, o Sr. Presidente da República - e tem-no demonstrado na prática - é o Presidente de todos os portugueses. Não é, portanto, um Presidente que tenham um eleitorado definido, como ele muito bem afirmou na noite da própria eleição.
Sr. Deputado, V. Ex.ª referiu ainda ter sido a comunicação social uma câmara de ressonância de todas as aspirações e do extenso rol de reivindicações dessa região tão isolada e tão esquecida pelo poder central. Daí que lhe coloque esta questão: pensa agora V. Ex.ª que depois dessa jornada empolgante vivida pelo Chefe de Estado, em contacto íntimo com essas populações e tomando conta desse tipo de carências de há já longa data, estarão criadas as condições para que, de uma vez por todas, o Governo possa satisfazer essas reivindicações, aliás legítimas, e possa resolver as carências históricas dessa região?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Coutinho.
O Sr. José Coutinho (PSD): - Sr. Deputado José Lello, agradeço as palavras que proferiu e aproveitava para dizer que, efectivamente, Trás-os-Montes tem muitos problemas - todos sabemos disso -, embora, neste momento, muitos deles estejam em vias de resolução. Porém, outros levarão muito tempo, pois não é um ou dois anos que se recupera ò atraso de décadas do esquecimento histórico a que foi votada a região de Trás-os-Montes.
No entanto, cremos que a presença de S. Ex.ª o Presidente da República em Trás-os-Montes serviu não só para chamar a atenção para os problemas (que são muitos) da região transmontana, como também para mostrar, a muitas pessoas que lá foram, os aspectos positivos de uma região que é muitas vezes apresentada apenas pelo seu lado negativo. Além disso, é preciso ver também em Trás-os-Montes um mundo de potencialidades, um mundo de realidades positivas e não apenas a «terra coitadinha» que fica lá longe e que muita gente apenas conhece precisamente por aspectos negativos.
Portanto, também nesse aspecto e, sobretudo, para ver as realidades positivas que Trás-os-Montes detém, creio que serviu, em grande parte, a visita de S. Ex.8 o Sr. Presidente da República, pois levou lá muita gente, de outra maneira, dificilmente iria a Trás-os-Montes.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Carvalho.
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7 DE MARÇO DE 1987 2013
O Sr. Costa Carvalho (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seria bom que, politicamente, se falasse menos de jornais e muito mais dos jornais. Ao menos para se acabar, de uma vez por todas, com certas ideias herdeiro-românticas, para não dizer oportunistas, de um espírito tão barroco como bacoco.
O Sr. Joio Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Muito bem!
O Orador: - Barroco, porque se insiste em fazer do espelho e do desengano a consciência da informação; bacoco, porque também nesta matéria não sabemos o que queremos, ou, se queremos, disso não sabemos.
A verdade é que neste comércio do entendimento dos meios de comunicação social, somos um país onde os índices de surdez e de cegueira suplantam, de longe, os do analfabetismo. A tal ponto que, parafraseando Paulino Garagorri, nós, Portugueses, somos, com efeito, um povo que frequentemente faz um problema de si mesmo. E os jornais são uma espécie de janela da nossa individualidade colectiva, um miradouro voltado para a literatura do descontentamento dos poucos que os lêem, dos muitíssimos que nunca os leram ou jamais lerão, a despeito das campanhas feitas ao jeito de «ler jornais é saber mais», cujos resultados práticos são tão positivos como aqueles que poderia esperar quem pretendesse vender gelados na Lapónia.
Antes que o fumo alastrasse e se não desse fogo, há dias o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares voltou a soprar as chamas dos milhões de contos gastos com a comunicação social, incendiando o juízo dos que sempre teimaram em dizer que «ler jornais é dissipar mais os dinheiros públicos».
Ora, quando um Governo diz «mata», logicamente espera que o som de retorno seja «esfola», porque para isso está convenientemente preparada a opinião pública. De que jeito? Ou destapando feridas e atando ligaduras nas partes sãs do corpo ou procurando provar que, a exemplo dos ingénuos, também os governantes não são tocados pelo pecado da memória.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sabe-se, há milénios, que as palavras voam e os escritos permanecem. E no relatório da 1.ª Comissão Parlamentar, elaborado sobre as Grandes Opções do Plano e Orçamento do Estado para 1987, estão transcritas, ipsis verbis, as seguintes declarações do Sr. Secretário de Estado Marques Mendes: «No que compete ao Estado, o Governo considera o problema de O Comércio do Porto resolvido. Através da constituição de um fundo, por despacho conjunto publicado no Diário da República, 2.ª série, de 27 de Setembro de 1986, atendeu-se à indemnização por motivo das reformas antecipadas e ao investimento necessário à aquisição de uma rotativa. Nos moldes solicitados pela empresa contemplaram-se as pretensões e o fundo permitirá as indemnizações aos trabalhadores reformados e, ao mesmo tempo, servirá de aval a um financiamento bancário para a aquisição da rotativa.» E prossegue: «A informação do administrador de O Comércio do Porto, quanto ao fundo, só em parte é menos correcta, pois não refere a questão da rotativa; oculta elemento essencial e que é dado adquirido. Outra questão verdadeira é a de que a empresa de O Comércio do Porto suportou 115 000 contos com as antecipações aos pré-reformados, quantia essa que vai ser regularizada, de imediato, pela Secretaria de
Estado da Segurança Social [(...)] O assunto de O Comércio do Porto, em termos financeiros, é muito grave. A empresa tem um passivo de 1 200 000 contos, com a gravidade de que este passivo não se conheceu na sua real dimensão. Trata-se de uma questão que daria pano para mangas. O Governo não percebe como se pôde deixar chegar O Comércio do Porto à presente situação, sobretudo quando não se conhecia a real situação da empresa até há três meses a esta parte, caso muito grave, sobretudo porque se assistiu, impávidos e serenos, durante anos, a esta situação de o banco, que é proprietário, se assumir como credor e não como proprietário. Muitas orientações das seguidas até agora terão de ser definidas. Vão sê-lo a curto prazo e com as partes interessadas.»
Fim de citação, mas de modo algum fim da confusão. E por uma razão muito simples: estamos em Março de 1987 e O Comércio do Porto vai de mal a pior. Primeiro, porque sendo um caso com pano para mangas - como disse o Sr. Secretário de Estado -, nem sequer se pegou nele pelos colarinhos; em segundo lugar, porque nem 115 000 contos foram repostos, nem o fundo de 150 000 contos foi aplicado. Aqui chegados, entramos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, no chamado anedotário nacional.
É verdade, verdadíssima, que, de acordo com o tal despacho conjunto de 27 de Setembro de 1986, se determinou «A constituição no Banco Borges & Irmão, pelo Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego, de um fundo no montante de 150 000 contos, destinado a libertar um rendimento suficiente para suportar os encargos que ao Estado cumpre assumir no tocante às reformas antecipadas dos trabalhadores da empresa O Comércio do Porto, durante o período de 1986 a 1996, ou seja, até ao final do período excepcional decorrente da aplicação da citada Resolução n. º 52/84, de 26 de Dezembro». Novo fim de citação, outro começo de estupefacção.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O poeta Reiner Maria Rilke começa por dizer, creio que logo na primeira das suas Elegias: «Eu também tenho os meus mortos e eles falam-me.»
O Governo vai mais longe: também tem os seus mortos mas ressuscita-os, mantém contactos com o Além, acredita na metempsicose, põe os mortos a gerir a rés pública. De outro modo, como compreender que, em Setembro de 1986, encarregue o Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego de constituir um Fundo de 150 000 contos em favor de O Comércio do Porto, quando extinguiu esse mesmo Gabinete de Gestão pelo Decreto-Lei n.º 40/86, de 4 de Março? Que conclusão tirar deste bruxedo, desta autêntica trapalhada? O que se passa afinal e com que intenções? Um jornal em situação grave é mantido na tenda de um oxigénio que se promete e não se dá, são-lhe diagnosticados os males maiores e é o próprio médico (o Governo) que brinca com o resto da saúde do doente, apertando-lhe o gasganete. Enquanto isso, o Sr. Secretario de Estado Marques Mendes está convencido, e procura convencer os outros, de que o coxo tem pernas para andar.
Tudo isto daria para rir, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se não estivesse em causa o jornal diário mais antigo do País e se não se estivesse a jogar com o presente e o futuro de 518 trabalhadores.
Aplausos do PRD, do PS, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.
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2014 I SÉRIE - NÚMERO 52
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.
O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Costa Carvalho: Quero apenas, muito rapidamente, colocar-lhe duas questões.
Uma vez que a oposição parlamentar, neste hemiciclo, decidiu, desde há algum tempo a esta parte, utilizar o esquema regimental de perguntas ao Governo, não acharia mais correcto da sua parte solicitar frontalmente a presença do Sr. Secretário de Estado Marques Mendes nesta Assembleia e, dessa forma, colocar-lhe frente a frente os problemas que aqui mesmo colocou, podendo obviamente obter uma resposta mais cabal?
A segunda questão é a seguinte: V. Ex.ª colocou aqui as incongruências do Governo relativamente ao O Comércio do Porto, no entanto, não apontou soluções concretas. E era sobre isso que eu gostaria de ouvi-lo, ou seja, quais as soluções que o Sr. Deputado preconiza.
O Sr. António Osório (PCP): - Esteve distraído!
O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Carvalho.
O Sr. Costa Carvalho (PRD): - Sr. Deputado Mendes Bota: Naturalmente que já falei com o Sr. Secretário frente a frente e lado a lado. A resposta que obtive, Sr. Deputado, não foi nenhuma porque o Sr. Secretário ainda não me respondeu a requerimentos que apresentei há mais de um ano, e concretamente sobre a situação n'O Comércio do Porto.
O Sr. Corregedor da Fonseca (MDP/CDE):.- Já está dada a resposta!
O Orador: - Quanto às soluções, creio que elas estariam implícitas nas perguntas que foram feitas. O Sr. Secretário de Estado é que disse que estas eram as soluções. Apresentou-as na própria Comissão, mas a verdade é que nada resolveu. Em vez de soluções criou complicações à própria empresa. Desse modo, não me compete a mim arranjar soluções para essas complicações.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique de Moraes.
O Sr. Henrique de Moraes (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A saúde é um bem que todos desejamos e em Portugal é preocupação de todos os políticos, assim como assunto para a comunicação social.
É natural e até saudável que isso aconteça, demonstrando que a população da nossa Pátria vai ganhando consciência da qualidade de vida possível e desejável, factor que ajuda, por um lado, a detectar carências e, por outro, estimula a imaginação para resolver problemas.
Contudo, apesar do empenhamento de todos, o qual creio sincero e esforçado, podemos pelo menos afirmar que a saúde em Portugal não vai bem.
E, com isto, não quero criticar especialmente ninguém, nem mesmo o Governo, pois apesar de discordar de várias medidas tomadas, reconheço existir, da parte do executivo, um esforço de realçar, para melhorar a situação.
Críticas existem. Algumas bem fundamentadas, outras menos bem alicerçadas, havendo em contrapartida quem defenda, mais ou menos, vigorosamente, a política actual, verificando-se contudo que o coro de lamentações é maior do que o somatório dos elogios.
Isto, julgo ser natural, pois como diz o povo «casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão».
De facto, no meu entender, a saúde que todos desejam, mormente os doentes, ainda não é benesse generalizada, apesar de que, sob ponto de vista legislativo, haja uma série de leis cujo fim é fornecer a saúde aos Portugueses.
E se em medicina as técnicas e conhecimentos científicos transformam-se e evoluem' com grande rapidez, ultrapassando-se a verdade com novos conceitos e outras verdades, também a legislação sobre saúde deve ser ágil, sempre pronta a melhorar, acompanhando quanto possível o saber médico sempre atenta às realidades e com um sentido prático muito desenvolvido.
E é dentro da lógica destas considerações e com alguma prática perante o dia a dia dos doentes, que apresento a esta Câmara, que poderá fazer-se eco junto ao Ministério da Saúde se assim o entender, algumas sugestões simples mas que julgo úteis para os Portugueses e seus serviços de saúde. Não são inéditas mas têm a intenção de ser um reforço a quem também já as pensou.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: - Embora não conhecendo estatísticas, posso sem receio afirmar que a grande generalidade dos portugueses tem o primeiro contacto com os serviços de saúde através das consultas nos centros de saúde e suas delegações.
Ali, os médicos procuram resolver os problemas apresentados e na grande maioria dos casos os doentes, ou pseudo-doentes, vêem o seu problema ser acompanhado e mesmo resolvido in loco. Porém, casos há em que se torna necessário enviar o doente a um serviço, hospitalar ou a consulta de especialista em serviço para o Estado.
Na clínica privada, quando tal acontece, todos os médicos que rodeiam o doente mantém-se, praticamente sempre, em contacto, fornecendo ao médico assistente, e este, por sua vez, aos colegas das especialidades, as informações úteis para o bom seguimento .do doente. Isto não é difícil pois sabe-se aonde se encontra quem enviou e também se conhece para quem se envia o doente.
Um simples telefonema, outras vezes uma carta, resolvem a situação.
Este procedimento é a meu ver essencial e imprescindível...
Num serviço de saúde de tendência estatizante como é o nosso, estas relações entre médicos são muito menos pessoalizadas.
O médico assistente manda o doente não para um determinado colega mas para um serviço. Aí o doente é atendido por um médico de quem raramente sabe o nome e que em consultas posteriores pode ser substituído, tornando extremamente difícil o contacto do médico assistente.
Para além disso, os doentes por razões diversas-(por exemplo situações de urgência) recorrem a hospitais aonde são tratados e medicados sendo posteriormente seguidos, no centro de saúde, pelo médico assistente.
Na minha experiência, tenho verificado que - o trabalho de clínica geral e o dos médicos, quer hospitalar, quer especialistas, é geralmente desligado espe-
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cialmente no sentido destes para o médico assistente deixando-o desarmado e em situação deveras difícil.
Reconheço que a carreira de clínico geral e a carreira hospitalar são separadas, mas a inexistência de uma sistemática e obrigatória interligação entre ambas, é altamente lesiva do interesse do doente e até injustificado sob ponto de vista da ética médica.
E, portanto, e para já, sem querer entrar em considerações sob se os clínicos dos postos de saúde deveriam ou não ser ramificações dos serviços hospitalares, venho propor que o Governo crie um sistema coordenador da ligação hospital-especialista com o centro de saúde.
Com isto, desejo acabar com a imperdoável mensagem enviada através do doente para que o médico assistente faça isto ou aquilo ou que a opinião mais especializada é esta ou aqueloutra.
Os doentes nunca podem ser recadeiros e os médicos carecem sempre de todas as informações para melhor tratamento dos doentes.
Julgo ser também um problema que deva preocupar a Ordem dos Médicos a qual deverá ajudar a encontrar uma solução sem burocracias complicativas mas eficiente, como por exemplo a obrigatoriedade de entregar ao doente nos hospitais e serviços de especialidade o nome e local onde o médico que o atendeu possa ser encontrado.
Outro problema de que desejo falar é o do dimensionamento das embalagens dos medicamentos. Poucas palavras, pois muito se tem dito e escrito sobre o assunto.
Muitos interesses poderão estar em jogo, mas só o do doente pretendo salvaguardar.
As dimensões das embalagens dos medicamentos, todos o sabem, traziam desperdícios substanciais para o Estado.
Não havia utente do serviço de saúde que se prezasse que não tivesse uma gaveta de medicamentos já sem utilidade. Era urgente e correcto modificar esse estado de coisas. Contudo, as medidas adoptadas não me parecem as mais acertadas, e o que se torna necessário é existir da parte do Governo uma disponibilidade para rever os actuais critérios.
Por hoje, uma terceira proposta quero apresentar.
Todos sabem que a nível de serviços de saúde existe o «médico de família».
A propósito, direi que esta solução para a clínica geral não me agrada, mas, por agora, aceitamo-la.
Cada clínico geral tem obrigatoriamente, e por lei, que atender um mínimo de 1500 utentes inscritos na sua consulta, contudo a lei não limita o número máximo de inscritos.
Sou de opinião que isto é uma lacuna que urge remediar.
Em primeiro lugar, e principalmente, porque com menos doentes o médico poderá dispensar-lhes melhores cuidados e, em segundo lugar, com esta medida haveria muito beneficiário a necessitar de médico para se inscrever, o que seria um passo importante para a resolução do problema dos 1500 médicos no desemprego.
Julgo, mas sem fazer disso uma questão fechada, que o número máximo correcto seria de 2500 inscritos. Em cada um dos concelhos de Portugal haveria largos milhares de doentes por inscrever, os quais absorveriam algumas centenas de médicos.
Três propostas simples mas por as julgar úteis as apresento a VV. Ex.ªs para que em Portugal os Portugueses, para além do direito à doença, possam também, cada vez mais, usufruir do direito à saúde.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais pedidos de esclarecimento, pelo que aproveito para informar que às 11 horas há uma conferência de líderes, pedindo assim aos respectivos líderes das diversas bancadas para fazerem o favor de se dirigir ao gabinete do Sr. Presidente.
Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado que se segue, gostaria de informar os Srs. Deputados de que se encontram a assistir aos nossos trabalhos os alunos da Escola Secundária de Sever do Vouga, os alunos da Escola Primária n.º 72, da Lapa, e os alunos da Escola Secundária de Águeda, para os quais pedia a saudação habitual, com o respeito que nos merece, de facto, a juventude portuguesa.
Aplausos gerais.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma delegação do meu grupo parlamentar deslocou-se recentemente ao concelho de Loures para tomar conhecimento de alguns dos problemas mais candentes com que são confrontadas as populações, problemas que reclamam decisões urgentes do poder central, uma conjugação de esforços entre municípios, uma disponibilidade de diálogo entre todos os representantes eleitos para as autarquias, na procura de soluções que não se compadecem já com interesses partidários de vistas curtas ou eleitoralistas, tão grandes são as ameaças de ruptura. Aliás, o acompanhamento, as explicações e informações dadas nos locais por dezenas de autarcas de diversas forças políticas democráticas, por técnicos e jovens generosos, revelaram que, caso o Governo queira, ainda não é tarde de mais.
Começámos pela lixeira de Beirolas. De forma crescente, as populações das freguesias de Sacavém, Portela, Moscavide, e agora também de Olivais, têm vindo a protestar pelo cheiro nauseabundo que invade, por vezes, toda a zona. Fomos proibidos de entrar (deputados, verador da Câmara de Lisboa, presidente e vereadores da Câmara de Loures, presidentes de juntas de freguesia e outros eleitos). Mas a visão possível, a par das explicações técnicas objectivas revelaram o que se quer esconder. As insuficiências e deficiências de manutenção da fábrica de tratamento, onde se despejam diariamente mais de 800 t do lixo da cidade, tem como resultante, em primeiro lugar, que os excedentes não tratados fiquem em «valas» e, em segundo lugar, que a matéria orgânica seja só parcialmente tratada.
As consequências são óbvias: libertação de gases nauseabundos e de líquidos altamente lexiviantes que de certo contaminam o Tejo. Impõem-se soluções técnicas, impõe-se diálogo entre municípios e alternativas. Quando estão em causa esses bens preciosos que são o Tejo e a saúde pública, não se pode aceitar nem compreender a posição fechada de quem tem poder decisivo na Câmara de Lisboa, ou o papel de pilatos da Secretaria de Estado do Ambiente.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
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O Orador: - Deslocámo-nos para Sacavém. A maré baixa expunha com crueza esse esgoto de céu aberto em que está transformado o rio Trancão. Um grupo de jovens generosos em campanha de sensibilização, para a defesa do rio, presentes na visita, acreditam que, com o envolvimento das populações, autarquias, ministérios e Assembleia da República é possível travar a degradação do rio e impedir que ele seja um veio envenenado a entrar diariamente no leito do Tejo.
A envergadura dos investimentos necessários para estas estações de tratamento, de esgotos domésticos e industriais que vêm de Loures, Sintra, Amadora, Mafra, Arruda dos Vinhos, Vila Franca de Xira e Lisboa passam por um esforço intermunicipal das empresas poluidoras e, simultaneamente, por uma quota-parte de responsabilidades do poder central através do Orçamento do Estado. Ali, sobre a ponte do rio Trancão, também pudemos verificar as consequências do estrangulamento viário que provoca filas de viaturas de l km a 2 km envolvendo particularmente as populações da Póvoa de Santa Iria e de São João da Talha.
Quantas horas de trabalho perdidas, quanto combustível queimado não seriam evitados se, numa 1.ª fase e sem prejuízo de outras alternativas de fundo, fosse aberto um nó na auto-estrada Vila Franca de Xira-Lisboa, próximo de São João da Talha.
No Bairro da Urmeira, na zona da Pontinha, existe uma zona conflitual entre os moradores ameaçados de despejo e o governador civil responsável pela sua administração. Pudemos constatar as condições degradantes e infra-humanos em que vivem as pessoas alojadas desde as cheias de 1966. Num estado de revolta pura, mostraram-nos o grau de degradação das suas casas, onde entrámos, recusam-se a ficar sem tecto, apelam justamente a tudo e a todos pára manter ao seu direito à habitação. Pequeno exemplo do País que temos, dismistificador das manifestações de auto-elogio governamental, o Bairro da Urmeira, aqueles milhares de homens, mulheres e crianças reclamam do poder central, não uma solução cega e legalista, não o derrube por parte do governador civil de casas pré-fabricadas com um mínimo de condições construídas pela Câmara Municipal de Loures, mas as medidas certas onde prevaleça a justiça social.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Na acessibilidade a Odivelas pudemos verificar os problemas diários que afectam cerca de 30 000 automobilistas que se deslocam para Lisboa.
A construção do nó viário de Odivelas é o prolongamento do Metro até esta populosa zona são. medidas de futuro que o presente reclama urgentemente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quisemos nesta intervenção falar de problemas sérios, que têm fundamentalmente a ver com responsabilidades e decisões da administração central.
Omitimos as realizações, o trabalho, a competência, a obra exaltante feita por autarcas e populações laboriosas que ambicionam o progresso num concelho onde seja bom viver.
Ali, em Loures, onde nascemos e, vivemos, que já foi terra de homens que nunca foram meninos, num concelho onde existem mais crianças em idade escolar do que em Lisboa, os homens de hoje têm a responsabilidade de garantir a qualidade de vida, o bem-estar, o progresso harmonioso e o futuro.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João de Matos.
O Sr. João de Matos (PSD): - Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, ouvi com particular atenção a sua intervenção e queria dizer-lhe que, para além das funções que desempenho aqui como deputado, sou também vereador da Câmara Municipal de Loures. Por isso, desde já lhe agradeço a oportunidade que me deu de trazer ao conhecimento do Plenário (e talvez do vosso), não os problemas que o Sr. Deputado apontou, mas aqueles que são os verdadeiros problemas, as verdadeiras chagas do concelho de Loures.
Senão vejamos: na sua intervenção, que dissessem respeito ao concelho de Loures - repito,- que dissessem respeito ao concelho de Loures -, focou três questões importantes. Foram elas, a estação de tratamento de Beirolas, a poluição do rio Trancão e, finalmente, o bairro da ADL, na Urmeira, Pontinha.
A restante intervenção foi a habitual crítica ao Governo, mas, desta vez, para esconder o que o Sr. Deputado viu e ouviu do concelho de Loures è que, na maioria dos casos, é da responsabilidade da Câmara Municipal de Loures, de maioria APU.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Dois problemas importantes, mas, para quem conhece minimamente o concelho, são secundários ao pé de muitos outros.
Por isso, pergunto-lhe de uma forma muito concreta se no seu passeio a Loures não viu nem ouviu falar de algumas questões que lhe vou colocar, e que resposta a Câmara de Loures está a pensar dar aos seus munícipes.
150 bairros clandestinos, onde moram cerca de 100 000 pessoas (representando um terço da população do concelho) numa situação degradante para qualquer ser humano - sem água, saneamento, electricidade e com promessas da Câmara Municipal de Loures, de alguns anos a esta parte, dizendo resolver os problemas em vésperas de eleições autárquicas. Simples propaganda política.
Lembro que só o orçamento deste ano da Câmara Municipal de Loures para habitação tem uma verba de 60 000 contos (3 % do orçamento) e que para a construção de um canil existem 18 000 contos de verba disponível.
Falta de infra-estruturas em todo o concelho, com a agravante de ter chegado ao meu conhecimento que as populações de Pinheiro, de Loures, Botica e São Sebastião de Guerreiros têm recebido um aviso para o pagamento de taxas de conservação de esgotos quando esta área não está dotada de saneamento.
Fala também o Sr. Deputado em questões ambientais, quando é a própria Câmara Municipal de Loures que autoriza a instalação de fábricas de sebo em Odivelas, Frielas, Tojal e Sacavém, com todas as consequências ambientais e ecológicas daí advenientes para a saúde de todos nós.
Isto sem falar da lixeira de Montemor e na ribeira de Odivelas, que ultrapassam em muito os grandes problemas de Beirolas.
Estes são alguns dos verdadeiros problemas do concelho de Loures, mas, por isso, mais uma vez, Sr. Deputado, lhe agradeço a oportunidade que me deu e também gostaria que o Sr. Deputado, de uma forma
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muito concreta, respondesse a estas questões que preocupam sobremaneira os munícipes e a população do concelho de Loures.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Descobri agora que, afinal, também existe aqui um vereador da Câmara Municipal de Loures.
Vozes do PSD: - Já tinha obrigação de saber!
O Orador: - São tão pequeninos que ainda não tinha reparado, sabe?
Protestos do PSD.
Vozes do PSD: - Ai, o Sr. Deputado é pelas estaturas?
O Orador: - Quanto à questão do apoio das populações à Câmara APU, digo-lhe que a experiência que há algum tempo o seu partido teve em relação ao derrube da Câmara e a resposta das populações foi bastante significativa. O melhor é não se meter nisso, Sr. Deputado!...
De facto, existe uma Câmara de maioria absoluta APU e apesar de todos os jogos partidários as populações deram a melhor resposta com a votação que efectuaram e a consequente eleição da maioria absoluta dos representantes da APU.
O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Parece que estão arrependidos!
O Orador: - O Sr. Deputado está um pouco excitado ... Também é de Loures?
Risos.
O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Sou de perto, ali ao lado!...
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: E pensei eu que o Sr. Vereador João de Matos ia saudar as minhas palavras, particularmente nestas questões que aqui levantei e que são muito sérias, aliás questões em relação às quais alguns representantes do PSD eleitos para autarquias locais também já tomaram posições claras, como, por exemplo, os eleitos locais da Portela de Sacavém, que estão solidários com as posições de outros autarcas em relação ao problema dramático que é aquela lixeira.
O Sr. João de Matos (PSD): - Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. João de Matos (PSD): - Sr. Deputado, eu disse que estes problemas eram importantes e que estava preocupado com eles, só que também lhe disse que havia outros que me preocupavam muito mais do que estes e concretamente referi-lhe as questões da lixeira de Montemor e das fábricas de sebo.
O Orador: - Mas, quando eu esperava que o Sr. Deputado, também como vereador de Loures, viesse aqui preocupar-se com os problemas do meu concelho, V. Ex.ª preferiu fazer um ataque à Câmara Municipal de Loures. Não sei se o Sr. Deputado nasceu lá ou não, mas sabe que nós que lá nascemos e lá vivemos há muitos anos temos acompanhado a evolução daquela terra e a obra criadora que ali foi realizada, não só pela APU mas também por outros democratas que contribuíram com o seu trabalho para que fosse bom viver naquele concelho.
O Sr. Deputado fala dos bairros clandestinos. É verdade, existem lá 150 bairros clandestinos. Mas sabe porquê? Porque as populações são empurradas aqui de Lisboa ...
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Muito bem!
O Orador: - ... devido ao encerramento de empresas e à existência de rendas tão caras que se tornam impossíveis para os trabalhadores e outros cidadãos, o que origina que eles tenham de facto de ir para essas zonas por falta de uma política de habitação social, que não existe por parte da administração central e tem faltado nos sucessivos governos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Esta é que é a questão! O que é que o Sr. Deputado quer fazer? Derrubar os 150 bairros clandestinos onde vivem cerca de 100 000 pessoas? É isso que quer?!
A Câmara Municipal de Loures tem feito uma obra construtiva e apesar de existirem problemas, penso que não é com partidarites agudas, com ataques descabelados à Câmara e com posições sectárias que se conseguem, de facto, as soluções mais justas e se resolvem os sérios problemas daquele grande concelho.
O Sr. Roleira Marinho (PSD): - É a nova era!
O Orador: - Sr. Deputado Roleira Marinho, vá lá ver a obra feita para depois poder falar! O senhor é apenas um vizinho, que desconhece aquela realidade!
Já lhe disse para ter calma, Sr. Deputado!
O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Tenho muito gosto em ouvi-lo!
O Orador: - Não parece, não parece!
Mas queria dizer-lhe, Sr. Deputado João de Matos, que de facto, como vereador, o senhor deu um mau contributo para que se resolvam os problemas daquele concelho. E nas próximas eleições vai verificar, mais uma vez, que aquela população vai de novo manifestar o seu apoio à APU, como fez nas anteriores eleições.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Valdemar Alves.
O Sr. Valdemar Alves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os problemas regionais e locais que chegam ao conhecimento dos deputados são às catadupas.
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Será nosso dever dar o contributo possível para a sua resolução. Trazê-los aqui não será propriamente resolvê-los. Lembrá-los, contudo, poderá ser um passo em frente.
Em breves minutos gostaria de falar de alguns desses problemas que interessam às populações do meu distrito - Aveiro.
Se alguns não serão de fraca solução, penso que, pelo menos, um deles não será muito difícil. Bastará um pouco de boa vontade.
Passo a expor: primeiro, a CP - Companhia de Caminhos de Ferro Portugueses, E. P., criou alguns comboios, designados por inter-cidades, que fazem a ligação entre Lisboa e Porto. São quatro por dia, dois em cada sentido.
Não penso pôr em dúvida a boa intenção desta medida.
Julgo, contudo, que esta medida poderia e deveria ser repensada de modo que estes comboios fizessem paragens em Aveiro e Coimbra. As populações destas duas regiões bem merecem uma atenção. São muitas as pessoas que necessitam de se deslocar frequentemente a Lisboa e ao Porto e estas ligações facilitavam imenso as suas deslocações. Por outro lado, a CP beneficiaria de mais passageiros, sem prejudicar grandemente os seus horários. Dois ou três minutos gastos nestas paragens não seriam significativos.
Espero que a CP pondere o problema e o resolva.
Segundo já aqui referimos algumas vezes, o estado calamitoso das estradas do distrito de Aveiro. Os remendos que se vão fazendo não resistem ao Inverno e ao tráfego. Por exemplo, a estrada Aveiro-Águeda é já, não uma estrada, mas um caminho fraco.
E para cúmulo nela existe, ou melhor, vai resistindo uma ponte - a célebre e famigerada Ponte da Rata - feita de madeira, autêntico monumento ao paleolítico ...
Para quando a solução deste caso? Serão precisos ainda mais acidentes mortais, mais gritos de dor para acordarmos para a realidade?
Terceiro, é a região da Bairrada reconhecidamente a zona do País onde a vitivinicultura assume um peso económico e social. A constatação deste facto levou à criação, por forma legal, da Região Demarcada da Bairrada.
Os seus vinhos, espumantes e aguardentes são famosos nacional e internacionalmente. Toda esta riqueza, todo este potencial vinícola, todo este património de qualidade que nos orgulha, foi sendo construído, ao longo dos anos, graças ao esforço de muitos bairradinos devotados, da muita experiência adquirida por todos quantos se empenharem, dia a dia, no plantio da vinha, na selecção das castas, na descoberta de técnicas que culminaram no fabrico dos vinhos actuais.
Todavia, o progresso e a evolução tecnológicos, as cada vez maiores exigências de qualidade jamais se poderão compadecer com meros amadorismos. Sempre mais nos vão ser exigidos maiores esforços de aperfeiçoamento, aperfeiçoamento só possível com técnicas especializadas.
E onde estão, em Portugal, os técnicos deste sector, os enólogos?
A questão que ponho é, pois, a seguinte: existe, em Anadia, a Estação Vitivinícola da Beira Litoral, que funciona com este nome desde 1931 e é sucessora da primitiva Escola, Prática de Viticultura e Pomologia da Bairrada, criada por decreto real de 30 de Junho de 1887.
Passou esta Estação por várias vicissitudes e teve várias designações ao longo dos anos. Assim, chamou-se sucessivamente Estação Ampelo-Filixérica e Estação Elementar de Viticultura Prática em 1891, Escola de Viticultura Alexandre Seabra em 1892, Escola do Serviço Manual da Bairrada em 1899, Estação do Fomento Agrícola da Bairrada em 1901, Estação Agrária da 4.ª Região Agrícola em 1911, Posto Agrário da Bairrada em 1913 e, finalmente, Estação Vitivinícola da Beira Litoral em 1931.
Não vou, obviamente, descrever toda a longa e importante acção desenvolvida em todos estes 100 anos que se completarão no próximo dia 30 de Junho.
Direi tão-só que durante um século esta instituição soube criar um património físico e histórico que bem poderia ser aproveitado.
A acrescer a isto, não podemos esquecer que é à sua volta que se localizam o maior número, as maiores e melhores caves do País.
Neste contexto, uma das aspirações velhas da Bairrada é a criação de um curso de viticultura e enologia permanente que possibilitasse a formação de técnicos qualificados.
No ano em que a Estação Vitivinícola da Beira Litoral faz um século de vida não seria uma boa oportunidade para o Governo lhe dar uma prenda de aniversário?
E se essa prenda fosse precisamente a criação de um curso de viticultura e enologia, eventualmente ligado às Universidades de Aveiro e Coimbra?
Porque em Anadia e na Bairrada existem todas as condições físicas e históricas, porque a secular Estação Vitivinícola o merece, aqui deixo a minha sugestão e o meu apelo ao Governo, designadamente aos Srs. Ministros da Educação e Cultura e da Agricultura Pescas e Alimentação: - Vamos dar-lhe esta prenda?
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Horácio Marçal.
O Sr. Horácio Marçal (CDS): - Sr. Deputado Valdemar Marques, ouvi com muita atenção a sua intervenção e quero dizer-lhe que comungo da sua opinião na maioria dos problemas referentes ao distrito de Aveiro que aqui colocou.
O problema dos comboios rápidos tem preocupado muitos deputados deste distrito e parece-me que realmente o Governo devia encarar seriamente a possibilidade da paragem dos comboios que vêm directamente do Porto a Lisboa em Aveiro ou Águeda, porque, estando nós a meio do caminho, só temos hipótese de apanhar o avião no Porto e muitas vezes quando lá vamos há nevoeiro, o que nos coloca numa situação de inferioridade em relação ao Porto. Portanto, comungo totalmente das suas afirmações quanto a este ponto.
Quanto às estradas no distrito de Aveiro, é evidente que um distrito próspero como é aquele tem muitas carências em relação à sua rede viária. O Sr. Deputado falou aqui da ligação de Aveiro a Águeda e na Ponte da Rata - uma antiga e outra mais moderna, ambas a cair -, mas queria aqui chamar à atenção para uma questão que, por já ter sido falada ou por outra qualquer intenção do Sr. Deputado, V. Ex.ª omitiu. Refiro-me a um ponto altamente importante daquela zona do País, autêntico nó górdio, que é o estrangulamento do trânsito da estrada nacional n.º 1, em Águeda.
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E pergunto-lhe, Sr. Deputado, se V. Ex.ª tem conhecimento de quando é que o Governo prevê fazer o desvio da estrada nacional n.º 1, em Águeda, que preocupa não só as pessoas da região mas todo o País, e se sabe quais são os estudos existentes referentes à ligação da zona de Aveiro ao futuro nó da auto-estrada na zona de Águeda.
Quanto aos vinhos da Bairrada, congratulo-me com a proposta que acaba aqui de fazer. Parece-me que isso seria realmente uma saída airosa para os jovens que poderiam dedicar-se à enologia e à viticultura, para além de considerar esses estudos muito necessários à nossa região. Congratulo-me com esse facto e oxalá as pessoas tomem a sério e estudem profundamente as suas palavras, porque parece que haveria toda a vantagem nisso para a agricultura da região da Bairrada.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Valdemar Alves.
O Sr. Valdemar Alves (PSD): - Sr. Deputado Horácio Marçal, muito obrigado pelas suas palavras e pela solidariedade que demonstrou em relação à maioria ou mesmo totalidade da minha intervenção.
Estamos no mesmo distrito, acho que os interesses são comuns e que só de mãos dadas todos os aveirenses e as pessoas mais responsáveis poderão encontrar soluções para os muitos e graves problemas que ainda afectam o nosso distrito.
Em relação à questão que colocou referente ao estrangulamento da passagem de Águeda, ele é tão conhecido que penso que preocupa todas as pessoas, principalmente aquelas que têm de por lá passar.
É óbvio que na minha intervenção - curta, como tinha de ser - não podia focar todos os problemas que nos afligem, pelo que procurei focar apenas três casos concretos para os pôr à consideração de quem terá a possibilidade de os resolver.
De resto, quanto à passagem por Águeda, estamos completamento de acordo. Foi um problema que afectou o Sr. Deputado nas suas funções autárquicas, bem como me afectou a mim quando por lá passei e como penso que afecta a todos os autarcas do nosso concelho.
Bem precisamos que este problema de Águeda seja resolvido, assim como outros: por exemplo, o cruzamento junto da sua terra, Aguada de Baixo, que tantas mortes tem provocado e bem precisava de uma solução urgente, nem que fosse uma mera ponte metálica para resolver o problema daquela trágica passagem.
Resta-me dizer que não tenho conhecimento em pormenor dos estudos feitos para resolver este problema, mas tenho esperança e apelo, juntamente consigo, para que esta questão seja bem ponderada e resolvida no mais curto espaço de tempo possível.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gomes Guerreiro.
O Sr. Gomes Guerreiro (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, caros estudantes presentes nas galerias: Subo a esta tribuna para, perante VV. Ex.ªs, isto é, perante o País, lembrar que no próximo dia 8 se comemora uma vez mais o nascimento de um dos mais notáveis cidadãos portugueses de todos os tempos: João de Deus.
É honroso para esta Câmara prestar homenagem ao espírito excelso de quem lutou toda a sua vida, com tenacidade, pela patriótica causa da extinção do analfabetismo em Portugal.
João de Deus nasceu no concelho de Silves, São Bartolomeu de Messines, em 1830 e faleceu em Lisboa a 11 de Janeiro de 1896, tendo tido funeral para os Jerónimos, a que se associou o Rei D. Carlos, que constituiu uma imponente homenagem nacional.
Homem de bem e da não violência que alguns consideram santo, tal como Antero, ou «tradutor de Deus», como lhe chamou Pinheiro Chagas, à violência, à ignorância, à incompetência e a tudo o que constituísse, em sua consciência, violação ou atentado aos princípios da dignidade humana, reagia sempre, no dizer de Mourão--Ferreira, com tristeza, mágoa e indignação.
Poeta, pedagogo, humanista, deputado, jornalista, cidadão de dimensão nacional, sem escola e sem grupo, isolado na sua arte mas convivendo com os homens mais marcantes do seu tempo, figura quase lendária, foi um símbolo de simplicidade, fraternidade, humanidade e coragem. Herdeiro físico e intelectual dos antepassados árabes, dá-se com ele, finalmente, o reencontro do povo algarvio com a sua própria tradição, após sete séculos de isolamento, ressuscitando os mais antigos valores do lirismo pré e pós-reconquista de Ibn Ammar e de Luís de Camões, respectivamente. Durante esse longo período, como já afirmei nesta Sala, o Algarve viveu ensimesmado, sem ligações com o mundo, em regime de subsistência material e intelectual, numa «apagada e vil tristeza» que o fez recuar do nível elevado de civilização que havia atingido enquanto fez parte do Andaluz. Contudo, João de Deus não canta, como os seus antecessores mais próximos, da época esplendorosa de Al Mutamide, as belezas e os encantos da vida, da paisagem e das belas mulheres de Silves, mas sim os pobres, como aquele menino que já noite cerrada dizia que «debaixo daquela arcada passava-se a noite bem» e, mais adiante: «Ah, mãe, que tristeza/Não ter uma choça!/... Não falo em riqueza,/Mas ter casa nossa.»
Neste seu caminho, guiado por generoso ideal, João de Deus, o mestre e o amigo, como lhe chamavam, «exerceu um apostolado patriótico e social que não é dos aspectos menos cativantes da sua personalidade», como disse João de Barros.
Enquanto exprimia em versos inolvidáveis os seus sentimentos, gastou cerca de oito anos na preparação cuidadosa da Cartilha Maternal, a fim de evitar às crianças as torturas e as angústias dos métodos de ensino então usados.
Não se pense ter sido natural o aparecimento, para a cultura portuguesa, deste homem na serra algarvia. Desde o tempo dos grandes vultos da cultura árabe, haviam passado, para o Algarve, séculos de estagnação cultural, de perda de memória colectiva e até da própria identidade. Longe dos centros de animação cultural, deles afastado por um extenso território brenhoso, terra de ninguém, inóspita e de difícil travessia, o chamado Reino do Algarve, cortada a sua ligação natural com terras do Andaluz, definhou e regrediu. O aparecimento de João de Deus e, pouco tempo depois, de Teixeira Gomes ficou a dever-se a uma certa animação comercial que permitiu, finalmente, que duas famílias, tivessem a possibilidade, a coragem e o esclarecimento de enviar dois dos seus filhos para a Universidade de Coimbra.
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A universidade de então, um pouco como a de hoje, não motivava nem preparava para a vida. Mas esta aparecia nas tertúlias, nos movimentos estimulados pela geração académica que recebia do estrangeiro - principalmente de França - notícias do despertar de um mundo novo, que de modo algum se vislumbrava nas centenárias «sebentas» recitadas monotonamente por «lentes» desmotivados.
O poeta do Campo de Flores possuía talento ao ponto de ser considerado por alguns dos seus contemporâneos um herdeiro de Camões, no que diz respeito à sua produção lírica. Antero, o justo Antero, escreveu que só uma alma gémea daquele grande poeta poderia assim transpor o abismo de três séculos. Cito, como exemplo!
Consolos não te dou, que não existe
Quem de lágrimas suas nunca enxuto
Possa as de outro enxugar:
Não pode alívios dar quem vive triste,
Mas é-me doce a mim chorar se escuto
Alguém também chorar.
A lição de João de Deus «continua, alarga-se, interpenetra-se dia a dia - diria João de Barros -, dando-nos uma lição de simplicidade harmoniosa».
Desde muito cedo João de Deus, como escreveu Mourão-Ferreira, se afirma como lírico excepcional, não só pela graciosa naturalidade de linguagem mas também pela elevação dos sentimentos e casta singeleza da inspiração. E tudo isto numa métrica variada, utilizando um vocabulário relativamente pobre que torna o poeta acessível a todas as camadas da população. O próprio Cesário Verde que, por motivos temáticos, tão afastado estava de João de Deus, dedica-lhe um poema que termina assim:
O sentimentalismo há de mudar de fases;
mas só quando morrer a derradeira flor
É que não hão de ler-se os versos que tu fazes,
Ó bom João de Deus, ó meu devaneador.
João de Deus foi eleito deputado por Silves em 1868 por iniciativa de um grupo de amigos que lhe admiravam a eloquência. Hoje, quero crer, nenhum dos grupos partidários desta Câmara desdenharia tê-lo sentado na sua bancada. Isso apesar de ele próprio, em campanha eleitoral, deslocando-se no dorso de um burro, conversando e convivendo, não deixava de dizer que, a bem do País, não votassem nele.
Antero, Eça de Queiroz, Teófilo Braga, Junqueiro, Gaspar Simões, João de Barros, Mourão-Ferreira, Viegas Guerreiro entre outros, e até estrangeiros conhecedores da nossa literatura, como Lê Gentil e Aubrey Bell glorificaram o talento lírico e o humanismo do poeta. Aqui gostaria de destacar que Unamuno afirmou que João de Deus é um dos maiores poetas líricos do mundo e que a sua obra é um prodígio de graça, de frescura e de sentimento.
Todos os admiradores do poeta são unânimes em afirmar que a melhor homenagem a prestar ao seu génio consiste em divulgar o seu método, utilizando-o, melhorado se for caso disso, mas com a mesma dedicação, vontade e amor com que foi criado. Isso de resto foi feito por seu filho, João de Deus Ramos e ainda o é por sua neta, Sr.ª D. Maria da Luz, ao ponto de existirem espalhados pelo país cerca de 30 jardins-escolas João de Deus que procura, mais do que transmitir um método de ensino, espalhar a mensagem de amor e de luta constante contra o que ele classificou como a vergonha da nossa sociedade: o analfabetismo.
A criança portuguesa, escreveu Delfim Santos num texto, sobre João de Deus, continua desconhecida e tristemente à mercê de uma pseudo-pedagogia imprópria e torturante, que lhe não facilita a aprendizagem nem lhe favorece o desenvolvimento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: São a mensagem e o exemplo cívico de João de Deus que o PRD, na data do seu nascimento, convida toda esta Assembleia a recordar e a propalar, para que sejam conhecidos em todos os recantos da nossa terra. Da escola depende, em grande parte, a via que permite a distribuição equidosa do produto, o desenvolvimento harmonioso da periferia dó País, o desfazer das injustas assimetrias que continuam a caracterizar a nossa sociedade e, consequentemente, a liberdade e o bem-estar do povo português.
Aplausos do PRD, de alguns deputados do PSD e do deputado independente Borges de Carvalho.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira Mesquita.
O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Sr. Deputado Gomes Guerreiro, antes de mais, desejava associar-me à homenagem ao poeta João de Deus que acaba de apresentar perante esta Câmara, para salientar que a obra de João de Deus é notável mas é, fundamentalmente, importante no aspecto pedagógico.
A obra que ele nos legou e que hoje, com a criação da Associação dos Jardins-Escolas João de Deus, está espalhada por todo o País, ministrando o ensino primário a mais de 6000 crianças, é digna do apreço e do louvor de todos os portugueses, como instituição de solidariedade social. Por isso, me associo à homenagem que V. Ex.ª aqui prestou ao poeta e ao pedagogo João de Deus, que foi um homem notável na sociedade portuguesa. Daqui lhe transmito todo o apreço que temos pela figura de João de Deus.
Igualmente quero manifestar a nossa própria intenção de, em devido tempo, falarmos nessa obra notável que é a realizada pela Associação dos Jardins-Escolas João de Deus.
O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu partido já não dispõe de mais tempo, mas a Mesa concede-lhe a palavra para formular o seu pedido de esclarecimento.
O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, obviamente, não pedi a palavra para formular um pedido de esclarecimento, mas julgo que a Mesa não me irá negar estes breves trinta segundos para que possa também associar-me às declarações do meu companheiro de bancada e afirmar quanto prazer tive ao escutar as palavras do meu brilhante conterrâneo, Prof. Gomes Guerreiro, falando do não menos brilhante algarvio João de Deus.
É, apenas, para dizer que estou totalmente de acordo e que saliento a oportunidade desta intervenção, porquanto, tendo a luta contra o analfabetismo sido uma das grandes preocupações de João de Deus, enquanto vivo, e uma vez que em Portugal, infelizmente, ainda não está extinta essa chaga, digamos que essa luta permanece. Portanto, não é demais virmos aqui realçar o exemplo desse homem que foi João de Deus, o
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exemplo de uma associação que continua a desenvolver não só a luta contra o analfabetismo como também a luta a favor dos valores humanistas. Portanto, quero salientar todo o meu apoio à intervenção que foi proferida. E oxalá que este exemplo seja multiplicado e que a comunicação social transmita para a população que João de Deus é um nome que vale a pena recordar, porque foi um homem, um grande homem, na história portuguesa.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, também neste sentido, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Moraes.
O Sr. Henrique Moraes (CDS): - Sr. Presidente, serei muito rápido.
Queria dizer ao Sr. Deputado que o CDS também se solidariza com a homenagem prestada a esse grande português que foi João de Deus. Muitos de nós que aqui estamos recebemos a influência benéfica do seu trabalho através da Cartilha que ele idealizou e que se publicou e que durante tantas gerações serviu para abrir a inteligência de tantos jovens.
Para terminar, aproveito a presença nas galerias destas crianças, desejando que ao longo da sua vida também possam receber, na instrução que vão tendo, influências tão benéficas como muitos de nós tivemos através do trabalho de João de Deus.
O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Gomes Guerreiro. O seu partido também já não tem tempo, mas a Mesa concede-lhe um minuto.
O Sr. Gomes Guerreiro (PRD): - Sr. Presidente, muito obrigado, mas nada tenho a acrescentar.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Cruz.
O Sr. José Cruz (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A opinião pública do Algarve está chocada e preocupada com os ataques à cultura protagonizados por dois responsáveis do PSD na região.
Trata-se da Sr.ª Delegada Regional da Secretaria de Estado da Cultura que acumula com o cargo de vereadora do pelouro da cultura na Câmara Municipal de Loulé e do Sr. Presidente da Câmara Municipal de Loulé.
A natureza dos seus actos e a indignação que provocaram entre a intelectualidade algarvia e os largos reflexos negativos que eles tiveram na comunicação social regional fazem com que os apresente hoje, aqui, ao conhecimento da Assembleia da República e do País.
A Sr.ª Delegada Regional da SEC ordenou o «despejo» do Grupo de Teatro Lethes de um edifício da Cruz Vermelha Portuguesa.
O Sr. Presidente da Câmara Municipal de Loulé interditou a utilização do Cine-Teatro Louletano, solicitado pela Casa da Cultura de Loulé para a realização de um espectáculo com o artista Carlos Paredes, com a desculpa de que o artista não levaria à sala do Cine-Teatro lotações que justificassem a cedência.
Entendeu o Sr. Presidente da Câmara de Loulé que a sua salinha tinha mais lotação que o Coliseu ou a Gulbenkian, o Olympia ou a Opera de Frankfurt, onde
Carlos Paredes já exibiu o seu talento, que, por demais conhecido de VV. Ex.ªs, me dispenso de elogiar e relevar.
O Grupo de Teatro Lethes é, no Algarve, herdeiro de uma tradição teatral que remonta do ano de 1957 e tem no seu activo a realização de cerca de 300 espectáculos, tendo-se assumido como autêntica escola de actores, conservatório popular de arte dramática e palco de exibição de numerosas peças de autores portugueses e estrangeiros.
À delicadeza da apresentação de cumprimentos à nova delegada por parte do Grupo de Teatro Lethes respondeu esta responsável do SEC com a ordem de despejo de um lugar onde o Grupo estabeleceu um protocolo de utilização com a proprietária, a Cruz Vermelha Portuguesa.
Fica o Grupo, desta forma, sem sede, sem local de ensaios ou onde proteger o guarda-roupa e os cenários, expulso de um local que é a sua sede própria, por escritura pública de 6 de Junho de 1979, publicada no Diário da República, e que ninguém, até agora, contestou.
Estes actos anticultura por parte de responsáveis do PSD no Algarve são inaceitáveis e exigem uma rápida reparação dos prejuízos causados e também que os democratas reforcem a sua unidade para que eles não voltem a repetir-se.
Hoje, foram o Lethes e Carlos Paredes. Se nos calamos, amanhã quem será?
Aplausos do PCP, do MDP/CDE e de alguns deputados do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.
O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, a minha interpelação vai no sentido de perguntar se haveria alguma possibilidade de a Mesa me condescender um pouco de tempo para poder exarar um pequeno protesto: na minha qualidade de presidente da Assembleia Municipal de Loulé e de responsável autárquico, sinto-me também, directa ou indirectamente, atacado pela intervenção do Sr. Deputado José Cruz.
O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Mas quanto aos factos?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Mendes Bota, de facto, nem o senhor nem o Sr. Deputado do PCP dispõem já de tempo, mas, atendendo às condições, a Mesa vai conceder-lhes um minuto. Peco-lhe, pois, que seja muito rápido.
O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, não sei se o CDS ainda terá algum tempo disponível que me possa ceder ...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o CDS também já não dispõe de tempo e, embora eu não tenha consultado os meus colegas da Mesa, julgo que não se oporão à cedência que lhe fiz.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, dá-me licença?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
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O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, suponho que a minha bancada ainda tem tempo e, se assim, for, dispensaremos o tempo necessário aos dois Srs. Deputados, pedindo apenas que o utilizem com parcimónia.
O Sr. Mendes Bota (PSD): - Muito obrigado, Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado Lopes Cardoso. Sendo assim, do ponto de vista regimental, fica sanado este pequeno incidente. De qualquer modo, a Mesa deseja esclarecer que estava na disposição de conceder aos dois Srs. Deputados um tempo mínimo. Mas, uma vez que o PS dispõe de tempo e o dispensa, concedo a palavra ao Sr. Deputado Mendes Bota.
O Sr. Mendes Bota (PSD): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Deputado José Cruz, gostaria de lhe formular algumas perguntas.
Em primeiro lugar, gostaria de saber se a razão pela qual veio fazer essa intervenção no Plenário terá sido motivada pela leitura de alguns artigos que foram publicados nalguns órgãos da comunicação social.
É que, efectivamente, é bastante conhecida a sua ligação à comunicação social e nós também não sabemos onde acaba esta «pescadinha de rabo na boca». Ou seja, há alguém que veicula determinado tipo de notícias tendenciosas para a comunicação social para depois, servindo-se da respectiva publicação, vir provocar um grande alarido, um grande escândalo, à volta dessas mesmas notícias.
Sobre o Grupo de Teatro Lethes, gostava de lhe perguntar, concretamente, se V. Ex.ª, Sr. Deputado José Cruz, se baseou unicamente nos artigos que vieram publicados nalguns semanários e nalguns diários ou se tem em seu poder a carta da delegada da Secretaria de Estado da Cultura; se tem conhecimento concreto acerca do teor desse «despejo» do Grupo de Teatro Lethes. É porque, embora não estando em causa o passado desse Grupo de Teatro, o qual é de enaltecer, efectivamente, há muito que se lhe diga ... Devo dizer-lhe que, embora me recuse a fazê-lo aqui, há muito que se lhe diga sobre o que é o espólio que estava a ocupar uma determinada área dentro do Teatro Lethes e cuja retirada foi solicitada por o mesmo estar a prejudicar a futura utilização desse Teatro.
Sobre a questão de Carlos Paredes, creio que se reconhece a uma câmara municipal o direito de ter os seus critérios próprios com vista à cedência, gratuita ou não, de salas de espectáculos para a realização de determinado tipo de espectáculos para o público. Gostava que me dissesse se tem ou não conhecimento de que o espectáculo de Carlos Paredes, em termos de público, seria ou não gratuito.
Igualmente gostaria que me dissesse se sabe ou não sabe que a Câmara Municipal de Loulé utiliza o Cine-Teatro Louletano, que, aliás, recuperou - e muito bem -, para a realização de muitos espectáculos culturais, desde música clássica até recitais de poesia e muitos outros, proporcionando assim, gratuitamente, à população o acesso a uma cultura alternativa àquela que geralmente é considerada de mais baixo nível qualitativo, como é o caso dos filmes que, infelizmente, são projectados em muitas salas do País e que, obviamente, também têm o seu público em Loulé.
Portanto, a questão que lhe queria pôr é a seguinte: tem alguns elementos mais concretos que lhe permitam vir aqui fazer, com tanta firmeza, um ataque à Câmara Municipal de Loulé?
Desde já, queria também recusar a ideia de que, da parte do PSD existe algum ataque à cultura ou algum interesse em atacar instituições culturais. De facto, o que existe são razões para determinado tipo de actuações, e essas, obviamente, têm de ser defendidas pelos responsáveis directos, e é lamentável que eles não estejam presentes, mas certamente lhe darão a resposta que o Sr. Deputado hoje merecia.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Cruz.
O Sr. José Cruz (PCP): - Sr. Presidente, quero começar por agradecer ao Partido Socialista o tempo que me cedeu para poder responder.
Sr. Deputado Mendes Bota, depois da defesa que ainda há pouco fez da cultura, referindo-se a João de Deus, e também depois da sua posição aquando do caso do palácio de Estói, o que esperava de si era um acto de contrição, porque é também um alto responsável regional do PSD e deveria contribuir para rectificar estas atitudes aberrantes e discriminatórias de membros do seu partido, senão fica irremediavelmente identificado com eles.
Uma voz do PCP : - Muito bem!
O Orador: - Quanto aos elementos que me pede, por acaso, tenho comigo a carta com que me respondeu a Câmara Municipal de Loulé e onde não é citado nenhum dos critérios de que o Sr. Deputado falou. O que a Câmara diz, simplesmente, é que pensa utilizar a sala para realizações do Município e para manifestações de interesse público que levem àquela sala lotações que o justifiquem. Ora, no caso da actuação de Carlos Paredes penso que este critério está completamente justificado, até porque a Câmara promoveu um espectáculo de poesia e a assistência era de dez pessoas!
Quanto à questão da delegada da Sr.ª Secretária de Estado da Cultura, para além de ter comigo um comunicado do Partido Socialista confirmando tudo o que acabo de dizer, possuo também cópia do processo que me foi entregue pela Casa da Cultura de Loulé. Para além disso, falei com os responsáveis do Grupo de Teatro Lethes e tenho ainda uma exposição que aqueles dirigiram a todos os órgãos locais dos partidos com representação parlamentar onde são expostas todas as razões que já enumerei.
Sr. Deputado Mendes Bota, penso que a intervenção que aqui fiz é bem fundamentada. Nela responsabilizei dois altos funcionários do PSD na região e esperava que, de facto, o seu partido não viesse a fazer a defesa desses critérios, mas tão-somente a lamentá-los.
Vozes do PCP: - Muito bem!
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim do período de antes da ordem do dia e, entrando
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na primeira parte da ordem do dia, submeto à aprovação os n.ºs 43 a 45 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias de 12, 13 e 17 de Fevereiro passado.
Pausa.
Não havendo objecções, consideram-se aprovados. O Sr. Secretário vai ler um relatório da Comissão de Regimento e Mandatos.
O Sr. Secretário (Maia Nunes de Almeida): - É do seguinte teor:
Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos
Em reunião realizada no dia 6 de Março de 1987, pelas 10 horas, foram observadas as seguintes substituições de deputados:
Solicitadas pelo Partido Social-Democrata:
José Filipe de Mendonça Athayde de Carva-Ihosa (círculo eleitoral de Lisboa), por Francisco Hermínio Pires dos Santos. Esta substituição é determinada nos termos da alínea é) do n. º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 3/85 (Estatuto dos Deputados), a partir do dia 5 de Março corrente, inclusive.
José Carlos Travassos Relva (círculo eleitoral da Guarda), por José Augusto Limão de Andrade. Esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85 (Estatuto dos Deputados), por um período não inferior a quinze dias, a partir do dia 1 de Março corrente, inclusive.
Solicitadas pelo Partido do Centro Democrático Social:
Carlos Eduardo de Oliveira Sousa (círculo eleitoral de Aveiro), por Joaquim Augusto Garcia Marques Pinto. Esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85 (Estatuto dos Deputados), por um período não inferior a quinze dias, a partir do dia 5 de Março corrente, inclusive.
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró (círculo eleitoral de Coimbra), por Carlos José Machado Laranjeira Pereira. Esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85 (Estatuto dos Deputados), por um período não inferior a quinze dias, a partir do dia 5 de Março corrente, inclusive.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
A Comissão: Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Carlos Manuel Luís (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - Jaime Manuel Coutinho Ramos (PRD) - Carlos Alberto Correia Rodrigues Matias (PRD) - Vasco da Gama Fernandes (PRD) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - António José Borges de Carvalho (CDS) - João Cerveira Corregedor da Fonseca (MDP/CDE).
O Sr. Presidente: - Está em apreciação, Srs. Deputados.
Pausa.
Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Oliveira e Costa, Gonçalo Ribeiro Teles e Maria Santos.
Srs. Deputados, entrando agora na apreciação do projecto de lei n.º 367/IV (PCP), que institui um novo enquadramento legal à venda das bombas de Carnaval, tendo em vista a segurança dos cidadãos e, em especial, das crianças, o Sr. Secretário vai ler um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo a este projecto de lei.
O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - É do seguinte teor:
Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
1 - O presente projecto de lei do PCP pretende dar resposta a um problema para o qual já se deveria ter encontrado uma solução legal há mais tempo, já que a venda desregrada de bombas de Carnaval é apta para criar situações das quais resultam claramente perigos reais para a comunidade em geral e para as crianças em particular.
2 - A legislação actualmente existente, e que se contém no Decreto-Lei n.º 376/84, de 20 de Novembro, não tem podido, por falta de precisão, dar uma resposta eficaz a este problema, pelo que é pertinente a consideração de uma solução que acabe ou que condicione fortemente a circulação de tais artigos.
3 - O presente projecto de lei do Partido Comunista visa obter essa solução, não no sentido da proibição tout court da venda de bombas de Carnaval, mas do seu condicionamento, que opera através de um sistema de autorização prévia.
4 - Alguns reparos de carácter formal poderão ser feitos ao articulado do projecto:
A redacção do artigo 1.º do projecto deveria ser corrigida na exposição «vulgo bombas de Carnaval», já que a mesma se não afigura tecnicamente escorreita; seria mesmo
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de ponderar se o próprio artigo 1.º não deveria ser suprimido, já que o seu conteúdo se afigura, m ais consentâneo com o texto de um preâmbulo e não com o texto de uma lei;
O artigo 2.º destina-se a integrar nos anexos com regulamentos aprovados pelo Decreto-Lei n. º 376/84 as bombas de arremesso e similares, de modo a não deixar dúvidas de que a estes produtos se aplicam as respectivas normas. Talvez fosse conveniente precisar melhor o tipo de produtos a submeter a este regime, porque parece haver diferenças importantes entre eles.
Para além do que fica exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de parecer que o projecto de lei n.º 367/IV, do PCP, está em condições de subir, ao Plenário e ser discutido na generalidade.
Palácio de São Bento, 4 de Março de 1987. - O Vice-Presidente da Comissão, (Assinatura ilegível.) - O Deputado Relator, Domingos Duarte Lima.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção de apresentação do projecto de lei n.º 367/IV, tem a palavra o Sr. Deputado João Abrantes.
O Sr. João Abrantes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP apresentou para apreciação urgente um projecto de lei que visa pôr fim à inaceitável situação existente no tocante à venda de bombas de Carnaval. Congratulamo-nos com o seu agendamento. .....
Temos em vista garantir a segurança dos cidadãos e, em especial, a segurança das crianças. Mas o nosso projecto de lei é também um alerta em relação às vulnerabilidades decorrentes do quadro legal hoje aplicável à venda de explosivos.
Com efeito, a legislação em vigor. reguladora das actividades de fabrico, licenciamento de estabelecimentos, armazenagem, comercialização, emprego e fiscalização de produtos explosivos e matérias classificadas perigosas está eivada de soluções dúbias, originando confusões gravíssimas. Na prática, à debilidade é tal que qualquer pode adquirir quantidades incontroláveis destes produtos para fins que podem ser menos claros e com objectivos que podem pôr em perigo a segurança pública e a integridade física do seu utilizador.
De facto, os conceitos e classificações contidos nos três regulamentos que constituem o Decreto-Lei n.º 376/84, de 20 de Novembro, não são coincidentes e ou deixam de fora algumas composições ou objectos que pela sua perigosidade atentam contra a saúde e tranquilidade públicas.
Duas questões se colocam desde logo na abordagem deste problema: em primeiro lugar, as bombas de arremesso, em que se incluem as chamadas bombas de Carnaval; em segundo lugar, as bombas para fins criminosos, cujo fabrico - pode ser perfeitamente indiscriminado face à inexistência de adequado controle das quantidades que qualquer pode: adquirir.
O projecto de lei do PCP, na sua versão originária, pretende dar resposta' à primeira das questões, porque ela envolve sobretudo a segurança das crianças, que são as principais vítimas desta lacuna grave, e parece-nos perfeitamente justificável a urgência que se põe na definição legal desta situação, tais são os danos irreparáveis conhecidos.
Face ao consenso estabelecido na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias quanto ao bem fundado do projecto de lei n.º 367/IV, poderá afirmar-se que não haverá mais carnavais com bombas - 1987 foi o último. E ninguém levará a mal. A medida que hoje vamos aprovar colherá geral aplauso. Mais ainda: o simples anúncio de que a Assembleia da República iria proibir a venda indiscriminada das bombas carnavalescas inibiu fortemente o seu comércio e utilização, como todos pudemos constatar nestes dias.
Temos condições para preparar com tempo legislação que elimine os riscos existentes, por todos reconhecidos e sublinhados no projecto do PCP, apresentado em 12 de Fevereiro de 1987.
O próprio Instituto Nacional de Defesa do Consumidor (INDC), no seu comunicado de 20 de Fevereiro de 1987, veio alertar para o perigo que constitui para a saúde e segurança dos consumidores o uso das bombas de Carnaval,. referindo a ocorrência de acidentes graves com crianças e anunciando o estudo de legislação especial.
A Fundação Portuguesa de Cardiologia tem vindo a alertar para o perigo da explosão de bombas de Carnaval que podem agravar doenças cardíacas ou provocar arritmias.
Conhece-se, por outro lado, um parecer da Comissão de Explosivos que resulta da análise efectuada a bombas de Carnaval em que ás consideram «perigosas, já que correspondem a bombas de arremesso e na sua composição entra a pólvora negra, não se tratando, pois, de brinquedos pirotécnicos» e sendo algumas de fabrico clandestino.
A própria Lei de Defesa do Consumidor, a Lei n.º-29/81, de 22 de Agosto, estipula expressamente a proibição do «fornecimento de bens ou serviços que, quando utilizados em condições, normais, possam implicar perigo para a saúde ou segurança do utente».
A opinião de várias autoridades que intervêm no circuito, desde o licenciamento de estabelecimentos para fabrico de produtos explosivos até à sua comercialização, é, porém, contraditória. Todos apontam a redacção da lei como causadora desta polémica.
Assim, enquanto o INDC considera ilegal a venda de bombas de Carnaval, dada a sua perigosidade, a PSP entende que a proibição da sua venda não está claramente expressa na lei.
De facto, o que a lei proíbe ha alínea a) do n.º 3 do artigo 22.º do regulamento sobre o fabrico, armazenagem, comércio e emprego de produtos explosivos é a venda e emprego de explosivos ou de pólvora negra a quem não tenha autorização do Comando-Geral ou comandos distritais da PSP, e esta autoridade considera que no caso das bombas de Carnaval não se está perante explosivo ou pólvora, mas sim em presença de produtos explosivos em cuja composição entra a pólvora negra.
É perante este quadro que o PCP decidiu apresentar o seu projecto de lei, já que tarda uma resposta legislativa adequada, apesar, dos alertas de todos os lados, inclusive de pais de crianças e encarregados de educação e até de crianças (da Escola de Pêro Vaz de Caminha).
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Como ficou bem provado neste Carnaval, haverá sempre lugar para divertimentos que não atentem contra a nossa saúde e segurança.
A RTP mostrou-nos há dias a beleza das cegadas de Sesimbra; no Alentejo as famosas «brincas», os enterros do Entrudo no Norte, os desfiles um pouco por todo o País, são exemplos do que se podem fazer com alegria na quadra carnavalesca.
Uma última observação, Sr. Presidente, Srs. Deputados: A legislação em vigor, como sublinhei no início desta intervenção, tem outras deficiências além da que agora nos propusemos colmatar. O presente processo legislativo pode servir para detectar com rigor e colmatar essas outras deficiências que viabilizam a aquisição anárquica de produtos explosivos e matérias perigosas eventualmente para fins ilícitos e mesmo criminosos.
Exprimindo a disponibilidade do PCP para o esforço necessário à elaboração de legislação que ponha ponto final às vulnerabilidades decorrentes do quadro vigente, quero, Sr. Presidente, congratular-me em nome desta bancada com o consenso estabelecido em torno do nosso projecto.
Aplausos do PCP e do Sr. Deputado Lopes Cardoso (PS).
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado João Abrantes, inscreveram-se os seguintes Srs. Deputados: Jaime Coutinho, Armando Fernandes, Paulo Campos e Mendes Bota.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Coutinho.
O Sr. Jaime Coutinho (PRD): - Sr. Deputado João Abrantes, concordo plenamente com V. Ex.ª quando diz que a legislação actualmente existente é imprecisa e deficiente.
No entanto, a leitura que fiz do projecto de lei do PCP suscitou-me algumas dúvidas e levou-me igualmente a pensar que padece de algumas incorrecções e até redundâncias. Por isso, passo a expô-las.
No artigo 2.º, o projecto de lei pretende classificar as bombas de arremesso como produto explosivo e, assim, enquadrá-las no disposto no Decreto-Lei n.º 376/84. Ora, sucede que as bombas de arremesso são consideradas fogos-de-artifício e já estão enquadradas naquele decreto-lei, pelo que esta disposição se torna redundante, pois já são consideradas de facto como produtos explosivos.
Quanto aos outros artefactos, como os buscapés e similares, que são considerados brinquedos pirotécnicos, estes também se enquadram nos produtos explosivos.
Em relação ao artigo 3.º e discordando do n.º 3 do relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que afirma que o actual projecto de lei não pretende proibir tout court a venda de bombas de Carnaval, devo dizer que fiquei com a ideia contrária. E isto porque o artigo diz que «a venda de bombas de arremesso só pode ser feita a quem possuir autorização para a sua aquisição e emprego [...]», o que, nos termos do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 376/84, só será possível a maiores de 18 anos, na defesa das produções agrícolas ou florestais ou no exercício autorizado da caça de batida. Assim, as bombas de Carnaval deixarão de existir, porque os seus objectivos não são estes, mas sim atingir fins lúdicos.
Em relação ao artigo 4.º e no que diz respeito a sanções, o projecto de lei prevê a possibilidade de encerramento do estabelecimento de venda. Ora, sendo o encerramento uma medida de segurança que surge como consequência da prática de um crime, não compreendo como, existindo apenas uma contra-ordenação, se pode adoptar o mesmo figurino.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Armando Fernandes.
O Sr. Armando Fernandes (PRD): - Sr. Deputado João Abrantes, ouvi com atenção a intervenção que produziu, mas fiquei com algumas dúvidas.
Gostaria de saber se no projecto de lei que apresentou são proibidos, por exemplo, os estalinhos de Carnaval, os buscapés e toda aquela panóplia de brinquedos de Carnaval ou de divertimentos que têm a ver com o lúdico, com a festa, com a etnologia portuguesa. Todo este conjunto de «armas» e de brinquedos de Carnaval, e não só, são contemplados no diploma que apresentaram em termos de proibição?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Campos.
O Sr. Paulo Campos (PRD): - Sr. Deputado João Abrantes, no fundo, vou repetir um pouco aquilo que disse o deputado que me antecedeu no uso da palavra.
Tenho alguma dificuldade em perceber o alcance prático deste projecto de lei que apresentaram - percebo o alcance filosófico, mas não o prático - e, assim, gostaria de colocar apenas uma pergunta de pormenor para me ajudar a compreendê-lo.
Quando no artigo 2.º do diploma se referem os buscapés e similares - e creio que buscapés devem ser as bichas de rabiar -, gostava de saber se, com isto, os Srs. Deputados pretendem que apenas os maiores de 18 anos possam brincar com bichas de rabiar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.
O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Deputado João Abrantes, V. Ex.ª congratulou-se pelo agendamento deste projecto de lei numa altura em que muitas pessoas dizem que a Assembleia está com o Carnaval atrasado, pois esta época já passou e ainda agora estamos a discutir as bombas de Carnaval. Porém, passa-se o contrário, pois a um ano de distância já aqui nos encontramos a discutir um problema que se irá pôr no próximo Carnaval.
Não sei se a terminologia «bombas de Carnaval» que é empregue no preâmbulo será a mais correcta, uma vez que este tipo de brincadeira é utilizado noutras festas populares, nomeadamente nos Santos Populares.
Por outro lado, não sei se por lapsus linguae se propositadamente, o Sr. Deputado referiu no seu discurso o facto de não haver mais Carnavais com bombas. Ora, não sei se se tratou de um engano ou se lhe fugiu a boca para aquilo que o coração mandava, ou seja, se referiu a intenção verdadeira deste projecto de lei, que seria proibir o uso deste tipo de brincadeiras de Carnaval, de brincadeiras explosivas. Gostaria, pois, que me esclarecesse se será esse o objectivo desta iniciativa e, se assim é, por que é que não foram mais longe neste mesmo projecto de lei, determinando, pura e simples-
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mente, a sua proibição. E digo isto porque nas considerações que se fazem no preâmbulo há um cuidado muito especial com os doentes cardíacos, que são afectados pelos estampidos e pelas explosões das bombas de Carnaval; mas, afinal de contas, a consequência deste diploma, se ele vier a ser aprovado, é, pura e simplesmente, que as bombas continuarão a existir, só que serão bombas legais, bombas classificadas, vendidas por estabelecimentos com licença e com alvará próprio. Portanto, os doentes cardíacos continuarão sujeitos aos estampidos e obviamente que a sua doença não é atenuada pelo facto de a bomba ser legalizada, pagar taxa ou IVA ou outro imposto qualquer.
Parece-me, pois, que há uma grande preocupação no controle de venda deste tipo de produtos, mas não se explora suficientemente o controle da sua produção.
Coloca-se ainda o problema da segurança interna, nomeadamente quanto à possibilidade de se criarem stocks de um produto explosivo que possa ser utilizado com fins terroristas, e eu gostaria de ouvir a opinião do Sr. Deputado no sentido de saber como é que esse controle irá ser feito, dado que ele já está totalmente previsto no quadro legal que também passará a ser aplicável a este tipo de material.
Assim, a nossa preocupação não é no sentido de saber se não haverá mais Carnavais com bombas mas sim se não haverá bombas mesmo sem estarmos em época de Carnaval.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Abrantes.
O Sr. João Abrantes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Congratulo-me com as questões que foram colocadas, ainda que algumas delas pretendam retomar aquilo que vimos noticiado em alguma imprensa, ou seja, que estamos a brincar com coisas sérias. Porém, vou procurar responder a todas as questões que foram levantadas.
Sr. Deputado Jaime Coutinho, a questão que se coloca em termos da legislação existente, que está repartida por três regulamentos que constituem o Decreto-Lei n.º 376/84, é extremamente confusa, desde logo em relação à classificação, porque não estão classificadas as bombas de arremesso. Portanto, a primeira preocupação é a de classificar como bombas de arremesso estes artefactos que servem para brincar ao Carnaval e para outros fins que foram referidos, como seja o de espantar a caça em protecção das produções agrícolas.
Feita essa classificação, é a partir daqui que estabelecemos a proibição de acordo com a regulamentação que já existe, ou seja, é proibida a comercialização destes produtos a menores de 18 anos.
O Sr. Jaime Coutinho(PRD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jaime Coutinho (PRD): - Sr. Deputado João Abrantes, V. Ex.ª disse que as bombas de arremesso não estavam classificadas como produto explosivo?
O Orador: - Exacto!
O Sr. Jaime Coutinho (PRD): - Ora, se o Sr. Deputado ler o n.º 2 do artigo 38.º do decreto-lei verificará que «o lançamento de fogos-de-artifício designados por 'bombas de arremesso' só é permitido na defesa das produções agrícolas [...]».
O n.º 4 do anexo I, em que se especificam quais os produtos explosivos, refere o seguinte: «Objectos carregados de composições pirotécnicas, artifícios pirotécnicos (inflamadores, brinquedos pirotécnicos, fogos-de-artifício e artifícios de sinalização) [...]» Ora, aqui refere-se claramente que os fogos-de-artifício são produtos explosivos.
O Orador: - Mas afinal são os fogos-de-artifício ou as bombas de arremesso?!...
A questão é que não há classificação de bombas de arremesso nestes anexos que classificam os produtos explosivos e as matérias perigosas. Vamos ver se nos entendemos!...
O Sr. Jaime Coutinho (PRD): - Dá-me licença que o interrompa de novo, Sr. Deputado?
O Orador: - Sr. Deputado, peço desculpa, mas estou praticamente a esgotar o tempo de que disponho para responder e, portanto, não posso estar constantemente a permitir interrupções.
O Sr. Presidente: - Exactamente, Sr. Deputado, V. Ex.ª já esgotou praticamente todo o tempo de que dispunha para responder.
O Orador: - Sr. Deputado Jaime Coutinho, muito concretamente quero dizer-lhe que as bombas de arremesso não estão classificadas em nenhum dos anexos dos três regulamentos que existem. Portanto, tanto podem ser classificadas como composições pirotécnicas, já que são sonoras, como objectos carregados de composições pirotécnicas ou como brinquedos pirotécnicos.
Ora - e esta é a grande questão -, o Instituto Nacional de Defesa do Consumidor não as classifica como brinquedos pirotécnicos, dado o grau de perigosidade que têm e a quantidade de pólvora negra que contêm. Daí que esta classificação seja essencial como ponto de partida para a regulamentação que pretendemos.
Portanto, as bombas de Carnaval não irão estar proibidas enquanto bombas de Carnaval ou bombas de qualquer outra coisa. Com isto, respondo aos outros Srs. Deputados...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o tempo de que dispunha.
O Orador: - Agradecia alguma compreensão por parte da Mesa, dado que permiti uma interrupção que me consumiu algum tempo e, na verdade, gostaria de poder responder a todos os Srs. Deputados.
O Sr. Presidente: - Certamente, Sr. Deputado. No entanto, gostaria de lhe lembrar que a interrupção foi permitida por V. Ex.ª, que devia saber exactamente do tempo de que dispunha.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, o MDP/CDE concede algum tempo ao Sr. Deputado João Abrantes para que este possa responder a todos os Srs. Deputados que o interpelaram.
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O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
O Orador: - Portanto, a partir de agora estas bombas de arremesso continuarão a ser permitidas para os fins que a própria legislação especifica, designadamente na protecção de produções agrícolas.
O Sr. Deputado Armando Fernandes mostrou-se preocupado com os estalinhos de Carnaval e com os buscapés e perguntou se eles também seriam proibidos. Ora, eles são considerados brinquedos pirotécnicos, não têm exactamente a grande perigosidade que é reconhecida às bombas de Carnaval e certamente que poderão continuar a ser comercializados.
Quando me perguntam se poderemos ter Carnaval sem bombas, devo dizer que poderemos ter Carnaval sem bombas perigosas, mas continuaremos a ter Carnaval com estalinhos, com buscapés e, inclusivamente, com as bichas de rabiar, que tanto preocupam o Sr. Deputado Paulo Campos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É de muito mau gosto!...
O Orador: - Efectivamente, o Sr. Deputado Paulo Campos não percebe o alcance prático deste projecto de lei, mas retomo os argumentos que foram expendidos e que terei gosto em lhe fornecer para que o Sr. Deputado se possa documentar um pouco mais.
Penso que o Sr. Deputado Mendes Bota focou um aspecto extremamente importante que está contido na nossa intervenção.
É que exactamente este nosso projecto de lei, que trata apenas de um dos aspectos da comercialização dos produtos considerados explosivos e perigosos, tem outras vertentes. Levantámos essa questão e estamos perfeitamente abertos a aceitar sugestões que possam resolver a globalidade destes problemas, designadamente para que se evite a constituição de stocks de matérias explosivas para fins menos claros, ilícitos ou mesmo criminosos.
Considero, portanto, que foi extremamente importante o Sr. Deputado ter focado esse aspecto, que é, de facto, um dos aspectos importantes que abordámos na nossa intervenção.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira Mesquita.
O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 367/IV, da iniciativa do Grupo Parlamentar do PCP, visa instituir novas medidas jurídicas no que respeita à comercialização e venda das denominadas bombas de Carnaval, com a finalidade de assegurar a protecção e tranquilidade dos cidadãos em geral e das crianças em particular.
A solução preconizada no projecto em discussão revela-se positiva e corresponde a uma real preocupação das populações que desejam ver regulamentada, de forma eficaz, a venda e utilização de tais engenhos.
Com efeito, as consequências nefastas do emprego destas pseudobrincadeiras de Carnaval são visíveis, a cada passo, nas crianças com mãos gravemente queimadas ou esfaceladas, nas agressões dos órgãos auditivos e nos sobressaltos provocados nos adultos que em muitos casos ficam séria e incomodamente perturbados.
É também um interesse digno da maior protecção jurídica, conforme refere a fundamentação preambular do projecto de lei, atentar no perigo que pode representar a concentração de substâncias explosivas, com reflexos inevitáveis na «tranquilidade dos cidadãos e da segurança pública».
Pena é que esta preocupação elementar de evitar o uso e a proliferação de explosivos não exista, igualmente e com maior determinação, quando se trate de fazer aprovar, com exigível celeridade, por esta Assembleia legislação especial para garantir «o mais». Mas sempre vale a pena prevenir situações que as futuras festas de Carnaval acarretam (a deste ano já passou), apesar de ser «o menos».
É que temos para nós que deveríamos acordar para aqueles outros bem mais importantes interesses postos em causa, tantas vezes de forma irreversível, por actos de alta criminalidade.
As disposições propostas no projecto de lei em análise afiguram-se pertinentes, embora careçam, em alguns aspectos, de ser complementadas por via regulamentar.
Por outro lado, no momento actual, o teor do artigo 6.º do diploma revela-se inadequado, pelo que se propõe a sua substituição por uma norma que confira ao Governo a faculdade de emitir os regulamentos necessários à eficaz execução da lei.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Social-Democrata votará favoravelmente o presente projecto de lei, tendo preferencialmente em consideração a protecção, o sossego e a tranquilidade públicas dos cidadãos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Coutinho.
O Sr. Jaime Coutinho (PRD): - Sr. Deputado Vieira Mesquita, V. Ex.ª disse que o artigo 6.º do projecto de lei apresentado pelo PCP devia ser alterado, tendo em vista a necessidade de regulamentação.
Ora, sucede que a Lei de Defesa do Consumidor estabelece muito concretamente, no n.º 2 do seu artigo 5.º, o período máximo de um ano após a sua publicação para o Governo tornar públicas as listas identificativas das substâncias oficialmente tóxicas ou perigosas.
Bom, de facto, isto competia ao governo na altura em funções, mas ele não o fez, e é preciso que se reconheça esse facto.
Era só esta observação que queria fazer-lhe, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira Mesquita.
O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Sr. Deputado Jaime Coutinho, é evidente que, uma vez que esta matéria não é da competência reservada da Assembleia da República, o Governo tem sempre a possibilidade de vir a regulamentar e a complementar esta lei com os regulamentos necessários à sua boa execução. Simplesmente, entendemos que esta lei não só deve tratar deste problema de uma forma séria, como o faz, mas pode ainda ser devidamente aperfeiçoada, em sede de especialidade, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. É que aí há a possibilidade de a Comissão solicitar a participação de enti-
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dades que tenham a ver directamente com o manuseamento e tratamento desta matéria e que, portanto, possam prestar os esclarecimentos necessários ao estabelecimento de um quadro legal que venha resolver, de uma forma cabal e de uma vez por todas, um problema que não deixa de ser grave e que afecta os cidadãos, que nestas épocas são molestados com as vulgarmente designadas bombas de Carnaval e outros tipos de engenhos que não contribuem, de maneira nenhuma, para o seu sossego, e cujo uso indiscriminado pode mesmo revelar-se perigoso. Isto para além do perigo que representa a concentração deste tipo de explosivos, que pode sempre ocorrer de uma forma mais ou menos sofisticada, gerando perigos ainda maiores para a tranquilidade pública.
É por estas razões que entendemos que este projecto de lei deve ser aprovado nesta Câmara.
O Sr. Presidente: - Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Lopes.
O Sr. Armando Lopes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entendemos perfeitamente justificado pela prática o projecto de lei n.º 367/IV, do PCP, que pretende instituir um novo enquadramento legal à venda das bombas de Carnaval.
É certo que nos termos do artigo 38.º do Regulamento sobre o Fabrico, Armazenagem, Comércio e Emprego de Produtos Explosivos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 376/84, de 20 de Novembro, o lançamento de foguetes ou a queima de quaisquer outros fogos-de-artifício só poderá ser feito por pessoas tecnicamente habilitadas, indicadas pelos técnicos responsáveis das fábricas de pirotecnia ou das oficinas pirotécnicas, mediante licença concedida pela autoridade policial de cada município.
Só que este Regulamento, na nossa leitura, não prevê o emprego das chamadas bombas de Carnaval e, no entanto, elas não são menos perigosas que os foguetes e os fogos-de-artifício.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Na verdade, sente-se há muito a necessidade de evitar os frequentíssimos acidentes com bombas que se dão na época do Carnaval - e, nalguns pontos do País, noutras épocas -, sobretudo com crianças, e dos quais resultam muitas vezes sequelas que se prolongam por toda a vida.
A abertura completa na venda de bombas de Carnaval está na origem desses acidentes.
Não parece que devamos continuar a lamentar a situação, mantendo-a. A Assembleia da República tem uma especial responsabilidade nesta matéria, já que lhe cabe a competência constitucional de elaborar as leis que defendam os direitos e as liberdades dos cidadãos, mas também a sua segurança e a sua integridade física.
São as crianças as principais vítimas destas brincadeiras perigosas de Carnaval; mas são-no também as pessoas idosas e os doentes, a quem as explosões inesperadas podem provocar consequências irreparáveis.
A isto acresce o perigo de se venderem livremente explosivos que podem servir para fins altamente perigosos quanto à segurança das pessoas e dos bens.
Entendemos, pois, que está perfeitamente justificada a iniciativa do presente projecto de lei. Talvez a nível da especialidade se lhe possam introduzir melhoramentos pontuais.
De qualquer forma e por todas estas razões, iremos votar favoravelmente, na generalidade, o presente projecto de lei.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Morais.
O Sr. Henrique Morais (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 367/IV, cuja boa intensão é por mim reconhecida, teria justificado urgência de ser discutido e votado nas semanas que precederam o Carnaval, vislumbrando-se, mesmo assim, difícil a sua aplicabilidade ainda este ano.
Mas haverá mais Carnavais e é necessário e justo que se previnam alguns acidentes devidos às chamadas «bombas de Carnaval». E por isso compreendo que o Partido Comunista Português continue preocupado com «buscapés, bombas e similares».
Julgo, porém, que há certo exagero na descrição de desastres relacionados com esses explosivos feita no preâmbulo do projecto, mas compreendo que para calar o barulho das ditas bombas um sussurro dificilmente audível não seria suficiente.
Julgo também que este ano, por exemplo, não houve, felizmente muitos desastres. A polícia, pelo menos em algumas localidades, agindo com bom-senso e oportunidade, conseguiu que não fossem vendidas algumas «bombas» de maior poder destruidor e assim tivemos um Carnaval relativamente pacífico.
E por a situação não ser tão dramática como os autores a desenham, receio que a opinião pública não esteja ainda receptiva a uma proibição drástica de todo o tipo de bombinhas carnavalescas, acabando por haver uma certa tolerância, ilegal, de resto, que por arrastamento conduzirá novamente à situação presente.
Sem querer transformar as referidas «bombas» num apetitoso fruto proibido, julgo que deveria haver pelo menos uma recomendação ou mesmo um artigo no projecto de lei que aconselhasse, através do Ministério da Educação e Cultura, as escolas a instruírem as crianças nos perigos dos explosivos.
Este assunto será trabalho para a Comissão, que, em virtude de ter passado a época carnavalesca, terá algum tempo para melhorar o projecto, se assim o entender.
Salvo melhor entendimento, ao classificar as bombas, buscapés, similares (artigo 2.º), como produtos explosivos, esses materiais só poderão ser vendidos por quem possuir carta de estanqueiro (capítulo Hl, artigo 18.º), a não ser que o comerciante se enquadre na alínea c) do n.º 3 do referido artigo 18.º, que julgo ser o caso. Portanto, o vendedor, desde que não tenha mais de 10 kg de peso bruto de materiais explosivos armazenados - como diz a alínea c) do n.º 3 do artigo 18.º-, poderá vender os materiais que com este decreto-lei se pretende proibir.
Bem sei que no n.º 1 do artigo 3.º se diz «A venda [...] sendo-lhe aplicável, designadamente, o regime de autorização prévia passada pela autoridade policial competente nos termos do Decreto-Lei n.º 376/84 [...]»
Ora, o capítulo III trata do comércio destes produtos. Daí decorre que os chamados fogos de artificio tenham de ter prévia autorização policial [artigo 22.º, n.º 3, alínea ar)]. Se assim for, as referidas bombas
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estão nas mesmas condições. E daí, quais as regras que a polícia deve usar para conceder ou não a licença. E depois de passada a licença como é que este decreto--lei vai influir na venda ao público?
Se estas dúvidas tiverem razão de existir, suponho que a Comissão terá de introduzir modificação no projecto de lei para que não aconteça que, ao ser remetido para o decreto-lei de 1984, não feche uma porta deixando uma frincha por onde «passarão» todas as bombas, deixando de ter qualquer alcance e utilidade o trabalho realizado neste Plenário.
Sinceramente julgo o trabalho da Comissão muito difícil, pois não consegui ver ainda que se possa atingir o fim desejado sem algumas alterações ou aditamentos ao próprio Decreto-Lei n.º 376/84.
O Sr. Presidente: - Não há pedidos de esclarecimento e como na Mesa não deram entrada mais inscrições para intervenções sobre este projecto de lei, vamos dar por terminados os nossos trabalhos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, parece-me que havia consenso no sentido de proceder hoje à votação do projecto de lei e, de resto, é altamente consensual determinar a sua baixa à Comissão, como parece também ter resultado do debate agora realizado. Ainda ontem me disseram isso na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, e só não será assim se houver mudança de posição das direcções partidárias.
Sr. Presidente, solicitava que consultasse as bancadas de todos os partidos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Bártolo Campos.
O Sr. Bártolo Campos (PRD): - Sr. Presidente, o Grupo Parlamentar do PRD propõe que a votação do projecto de lei n.º 376/IV seja efectuada noutro dia.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que não há consenso quanto ao projecto de lei ser votado hoje, nos termos regimentais, ele será votado na próxima terça-feira, às 18 horas.
Desejo ainda anunciar a VV. Ex.ªs a ordem de trabalhos para terça-feira, dia 10, e chamar em especial a atenção para o facto de o debate sobre integração europeia se iniciar às 10 horas, não havendo período de antes da ordem do dia. Às 18 horas será efectuada a votação do projecto de resolução n.º 32/IV e também a votação do projecto de lei n. º 367/IV, a cujo debate na generalidade acabámos de proceder, ambos apresentados pelo PCP.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 12 horas e 30 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Dinah Serrão Alhandra.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
João Luís Malato Correia.
Joaquim Eduardo Gomes.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Partido Socialista (PS):
António Carlos Ribeiro Campos.
Armando António Martins Vara.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Helena Torres Marques.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Apolinário Nunes Portada.
Leonel de Sousa Fadigas.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Ana da Graça Gonçalves Antunes.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
Partido Comunista Português (PCP):
António Dias Lourenço da Silva.
José Manuel Santos Magalhães.
Maria Odete dos Santos.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Carlos José L. Pereira.
Joaquim Augusto Pinto.
Narana Sinai Coissoró.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Adérito Manuel Soares Campos.
Amélia Cavaleiro Andrade Azevedo.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
Arménio dos Santos.
Cândido Alberto Alencastre Pereira.
Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho.
Fernando José Alves Figueiredo.
Francisco Hermínio P. dos Santos.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Mendes Melo Alves.
Manuel da Costa Andrade.
Mário Jorge Belo Maciel.
Partido Socialista (PS):
António de Almeida Santos.
António Cândido Miranda Macedo.
António José Sanches Esteves.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
José Barbosa Mota.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Torres Couto.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Rui Fernando Pereira Mateus.
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Partido Renovador Democrático (PRD):
Fernando Dias de Carvalho.
José Carlos Pereira Lilaia.
José da Silva Lopes.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Carlos Manafaia.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
João António Gonçalves do Amaral.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Rodrigues Vitoriano.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Zita Maria de Seabra Roseiro.
Centro Democrático Social (CDS):
Abel Augusto Gomes de Almeida.
António José Tomás Gomes de Pinho.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
José Augusto Gama.
Manuel Afonso Almeida Pinto.
Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.
Manuel Vaz da Silva.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
Raul Fernando Morais e Castro.
Deputados independentes:
Gonçalo Pereira Ribeiro Teles.
Maria Amélia Mota Santos.
Rectificação ao n.º 41, de 7 de Fevereiro de 1987
Na intervenção do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (p. 1639, col. 1.ª, 1. 43 e 44), onde se lê «se redobrarem os esforços contra a repressão do tráfico» deve ler-se «se redobrarem os esforços na repressão do tráfico».
As REDACTORAS: Maria Leonor Ferreira - Maria Amélia Martins.
PREÇO DESTE NÚMERO: 88$00
Depósito legal n. º 8818/85
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.