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DIÁRIO da Assembleia da República

I Série - Número 56

Quarta-feira, 18 de Março de 1987

PORTE PAGO

IV LEGISLATURA

2.ªSESSÃO LEGISLATIVA (1986-1987)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 17 DE MARÇO DE 1987

Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral

Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
Rui de Sá e Cunha
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n. º390/IV (PRD).
Em sessão especial especialmente dedicada ao debote do incidente provocado a propósito da visita de uma delegação da Assembleia do República à URSS e do consequente comunicado emitido pelo Governo, intervieram, a diverso título, além do Sr. Presidente da Assembleia da República (Fernando Amaral) - que chefiou a delegação - e dos Srs. Ministros dos Negócios Estrangeiros (Pires de Miranda) e Adjunto e para os Assuntos Parlamentares (Fernando Nogueira), os Srs. Deputados Raul Castro e João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), António Capucho (PSD), José Carlos Vasconcelos (PRD), Silva Marques, Dias Loureiro e Costa Andrade (PSD), Carlos Brito (PCP), Ferraz de Abreu, Manuel Alegre e Lopes Cardoso (PS), Gomes de Pinho (CDS), Magalhães Mota (PRD), Cardoso Ferreira (PSD), Narana Coissoró (CDS), Vltor Crespo (PSD), Sottomayor Cardia (PS), Bártolo de Campos e Sá Furtado (PRD), Andrade Pereira (CDS), José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE) e Almeida Santos (PS).
No final, foi aprovado um voto, apresentado pelo PS, PRD, PCP, CDS e MDP/CDE, de protesto e reprovação pela conduta do Governo e de congratulação pela conduta assumida pelo Presidente da Assembleia da República e pela delegação parlamentar, tendo proferido declaração de voto o Sr. Deputado Hermínio Martinho (PRD).
Foi aprovado um relatório da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de deputados do PSD, do PS, do CDS e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 21 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Monteiro Araújo.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Amadeu Vasconcelos Matias.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
António Manuel Lopes Tavares.
António Paulo Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Adindo da Silva André Moreira.
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Belarmino Henriques Correia.
Cândido Alberto Alencastre Pereira.
Carlos Miguei M. Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos Silva e Sousa.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Hermínio Pires dos Santos.
Francisco Jardim Ramos.
Francisco Mendes Costa.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Luís Esteves Bairrão.
Henrique Rodrigues Mata.

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João Álvaro Poças Santos.
João Domingos Abreu Salgado.
João Luís Malato Correia.
João Manuel Nunes do Valle.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquím Eduardo Gomes.
Joaquim da Silva Martins.
José de Almeida Cesário.
José Ãngelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Maria Peixoto Coutinho.
José Mendes Bota.
José Mendes Melo Alves.
José Olavo Rodrigues da Silva.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Luís Jorge Cabral Tavares Lima.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel Maria Moreira.
Maria Antonieta Cardoso Moniz.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Fernando Miranda Relvas.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Parente Chancerelle Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Aloísio Fernando Macedo Fonseca.
Américo Albino Silva Salteiro.
António Almeida Santos.
António Cândido Miranda.
Macedo António Carlos Ribeiro Campos.
António Frederico Vieira de Moura.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Miguel de Morais, Barreto.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães Silva.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel G. Pereira Pinto.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Henriques Lopes.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Helena Torres Marques.
Hermínio da Palma Inácio.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Carlos Pinto B. Mota Torres.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonel de Sousa Fadigas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Raul Manuel Gouveia Bordalo Junqueiro.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Agostinho Correia de Sousa.
Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
Ana da Graça Gonçalves Antunes.
António Alves Marques Júnior.
António João Percheiro dos Santos.
António Lopes Marques.
António Magalhães de Barros Feu.
António Maria Paulouro.
Arménio Ramos de Carvalho.
Bártolo de Paiva de Campos.
Carlos Alberto Narciso Martins.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Carlos Artur Trindade Sá Furtado.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
Fernando Dias de Carvalho.
Francisco Armando Fernandes.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho.
José Caeiro Passinhas.
José Carlos Torres Matos de Vasconcelos.
José Carlos Pereira Lilaia.
José Emanuel Corujo Lopes.
José Luís Correia de Azevedo
José. Rodrigues C. da Costa Carvalho.
José Torcato Dias Ferreira.
Manuel Gomes Guerreiro.
Maria Cristina Albuquerque.
Paulo Manuel Q. Guedes de Campos.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.
Rui José dos Santos Silva.
Rui de Sá e Cunha.
Tiago Gameiro Rodrigues Bastos.
Vaso da Gama Lopes Fernandes.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Vitorino da Silva Costa.
Victor Manuel Ávila da Silva.
Victor Manuel Lopes Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço da Silva.
António da Silva Mota.
António Manuel da Silva Osório.
Belchior Alves Pereira.
Bento Aniceto Calado.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Manafaia.

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Cláudio José Santos Percheiro.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
José António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Estêvão Correia da Cruz.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Ilda da Costa Figueiredo.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.

Centro Democrático Social (CDS):

António José Tomás Gomes de Pinho.
Francisco António Oliveira Teixeira.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Horácio Alves Marçal.
João Gomes de Abreu Lima.
Joaquim Augusto Garcia M. Pinto.
José Augusto Gama.
José Maria Andrade Pereira.
Manuel Afonso Almeida Pinto.
Narana Sinai Coissoró..
Pedro José Del Negro Feist.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Manuel do Carmo Tengarrinha.
Raul Fernando de Morais e Castro.

Deputado independente:

António José Borges de Carvalho.

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas entrados.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Deu entrada na Mesa o projecto de lei n.º 390/IV, da iniciativa do Sr. Deputado Carlos Lilaia, do PRD, sobre actualização do recenseamento eleitoral no estrangeiro, que foi admitido e baixa às 1.ª e 10.ª Comissões.

O Sr. Presidente:- Srs. Deputados, como pretendo fazer uma primeira intervenção para iniciar o debate correspondente à ordem do dia dos nossos trabalhos, em conformidade com o que fora deliberado pela conferência de líderes, e porque não posso nem devo presidir à orientação desses trabalhos, peço, nos termos regimentais e por acordo com o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano, ao Sr. Vice-Presidente Marques. Júnior o favor de me vir substituir. E vem o Sr. Vice-Presidente Marques Júnior tão-só porque tem acompanhado mais de perto todo este processo e estará nas melhores condições para poder dirigir os nossos trabalhos.
Peço, pois, a V. Ex.ª o favor de vir substituir-me.

Neste momento assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Marques Júnior.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Presidente Fernando Amaral, que subirá à tribuna, comunico a VV. Ex.as que, nos termos do artigo 93.º do Regimento, dirigirei os trabalhos até ao final da sessão, mas o Sr. Presidente da Assembleia da República, depois de usar da palavra, ocupará o seu lugar na Mesa, uma vez que a conferência de líderes entendeu, por unanimidade, que a sua intervenção ou intervenções no debate são sempre feitas na qualidade de Presidente da Assembleia da República e de chefe da delegação parlamentar que se deslocou à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e, por esse facto, não se justificaria que viesse a tomar o seu lugar na bancada de deputado.
Tem a palavra o Sr. Presidente Fernando Amaral.

Aplausos do PS, do PRD, do PCP, do CDS, do MDP/CDE e do Deputado do PSD Carlos Coelho.

O Sr. Presidente da Assembleia da República (Fernando Amaral): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto me comove a manifestação que acabo de ouvir, que veio, infelizmente, apenas concorrer para obliterar ainda mais, porventura, o discernimento, a objectividade e a frieza que haveria de ter nesta intervenção!
E se tenho que vos agradecer, muito penhoradamente, a manifestação de que acabo de ser objecto, tenho também que referir que ela me prejudicou profundamente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Oxalá, Srs. Deputados, ela não concorra para que eu não seja tão eficiente, tão correcto, tão concreto como as circunstâncias impõem.
Os imponderáveis da política obrigam-nos, tantas vezes, em função do insólito das situações criadas, a tomar posições ou a definir critérios que às vezes são o resultado, é certo, do imprevisto, mas que têm que estar numa linha de continuidade que possa garantir e definir a coerência que todos desejamos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Estou certo de que havereis de perdoar, porventura, uma ou outra omissão, porque não tive tempo, mas sobretudo disposição de espírito, para poder traduzir em papel e em forma escrita toda a série de problemas que esta viagem à União Soviética suscitou ao Parlamento, à delegação de que tive a honra de presidir e, de um modo muito especial, ao Presidente da Assembleia da República. Não tanto por ser o Fernando Amaral, que pouco importa, mas por ser a expressão que é espelho de um órgão de soberania em resultado do sufrágio a que foi submetido e a que a vossa benevolência escolheu para vos representar.

Vozes dm PS: - Muito bem!

O Orador: - Este problema, como havereis de adivinhar, trouxe muitas e graves questões, que esta delegação, num sentido de atenção, de correcção e de espirito solidário para com o seu Presidente, foi como que a manifestação do espírito que deve solidarizar todos quantos têm responsabilidades na defesa do interesse nacional. .
Vou entrar directamente no assunto. Para dizer o quê? Em princípio, para marcar a cronologia dos acon-

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tecimentos, para nos situarmos em tudo quanto vai ser objecto do meu esclarecimento, das questões e das perguntas que os Srs. Deputados tenham sobre esta matéria, para que possamos fazer friamente, objectivamente, uma apreciação bem calculada das tomadas de posição de cada um. 15to, não tanto para os Srs. Deputados que delas já têm conhecimento, porque as notícias, felizmente entre nós, fervilham com grande facilidade e tudo se passa com a maior transparência, mas para que o grande público, o povo português, que nós aqui procuramos representar, também possa ser clara e eficientemente esclarecido de todo este imbróglio que, às vezes, "coado" por uma imprensa nem sempre objectiva em busca dos frémitos das sensações, não dá uma imagem correcta, num perfil bem acentuado, dos factos que foram objecto desta. viagem e que agora nos trouxeram a este debate nesta sessão plenária.
Essa informação, porventura, será curta. É esse o meu desejo. Precisamente para que, levado pela força das emoções e, sobretudo, pelo sentido da defesa do Parlamento, não a leve demasiado longe, ainda que com verdade, porque expressão sentida daquilo que tenho vivido, convivido e sentido, tendo sempre presente os critérios que têm orientado a Assembleia da República na prossecução da defesa e resolução dos interesses que nos são confiados.
Em 18 de Novembro de l986, já lá vão, pois, muitos meses, recebi, por intermédio dos serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros, a informação de que a União Soviética confirmara, por seu intermédio, o convite que insistentemente nos vinha fazendo para que uma delegação parlamentar portuguesa se deslocasse a esse país.
No dia 6 de Fevereiro de, 1987, informei o Ministério dos Negócio Estrangeiros de que aceitava o convite e de que a visita se realizaria de 10 a 16 de Março.
Em 9 de Fevereiro, pedi ao Ministério dos Negócios Estrangeiros que me fornecesse o dossier das relações bilaterais entre Portugal e a, União Soviética.
Este dossier é o elemento fundamental onde, por certo, o Ministério dos Negócios Estrangeiros haveria de definir o quadro de actuação desta delegação, em função dos problemas existentes e, que condicional o relacionamento entre Portugal e a URSS.Se pedi este dossier foi precisamente para encontrar os quadros da linha de actuação possível, tendo em vista os problemas que estivessem em suspenso e sobre os quais
importaria à delegação, porventura, manifestar-se.
Este dossier, pensava eu, e continuo a pensar, constituía, pelos dados que nele fossem inseridos, o quadro dentro do qual a delegação da Assembleia da Repú-
blica haveria de movimentar-se.
O dossier das relações bilaterais entre Portugal e. URSS tem que ser, fatalmente, como que o panorama que há-de lançar luz, não só sobre as posições que haveríamos de assumir no tratamento dos problemas políticos de natureza internacional, mas sobretudo e muito especialmente no que respeita ao relacionamento entre Portugal e a URSS.
Recebi o dossier em 27 de Fevereiro de 1987. Nesse dossier, que estudei, como me competia- precisamente por isso o houvera pedido -, fala-se em várias e em múltiplas questões, quer do nosso posicionamento em relação a toda a política externa da União Soviética, quer em outros problemas que respeitavam de um modo especial ao relacionamento entre Portugal e a URSS.
Nesse dossier, porém, não existiam quaisquer reservas em relação às Repúblicas do Báltico, independentemente de se saber, e isto que não vá constituir argumento, porque é falacioso, se se vai ou não a qualquer uma dessas Repúblicas. Porque se é um problema que está pendente, se é um problema sobre o qual Portugal tem uma posição definida, se é um problema que se não ajusta inteiramente ao relacionamento que temos com a URSS, independentemente de a delegação ir ou não às repúblicas do Báltico, se era problema sério, se era problema actual, se era problema necessário, porque existente entre Portugal e a URSS, tinha forçosamente de constar desse dossier.

Aplausos do PS, do PRD, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

Porque, independentemente de se ir às repúblicas do Báltico, o problema poderia ser aflorado. E então com que estranheza da nossa parte haveríamos de receber a notícia dessa questão, abordada nas reuniões que tivemos com o Soviete Supremo, para termos de anunciar que estávamos absolutamente "em branco" sobre tal matéria...
Que não se venha pois ajuizar ou pretender justificar que no dossier em causa se não falava da questão das repúblicas do Báltico, tão-só porque não íamos às repúblicas do Báltico ou porque os serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros desconheciam tal posição.
Mas, o que é mais curioso, é que no dia 5, da parte da manhã, a propósito de se conhecer quais os Srs. Deputados que haviam de integrar a nossa delegação, o Sr. Dr. Leitão, Secretário da Embaixada Portuguesa em Moscovo, informou o meu Gabinete de que á nossa visita far-se-ia a Moscovo, Leninegrado, regresso a Moscovo e depois a Tallin, na Estónia.
No dia 5, da parte da manhã, nós recebemos este telefonema e, por amabilidade e gentileza do Sr. Embaixador da União Soviética em Portugal, a delegação, nesse mesmo dia, por cerca das 13 horas, tem em sua casa um almoço fraterno que correu, necessariamente, com a cordialidade resultante do relacionamento, que temos tido com a União Soviética, e durante ele nos dá nota da viagem que iríamos fazer a Moscovo, a Leninegrado, de novo a Moscovo e depois a Tallin, na Estónia, dando-nos a traços largos o programa do percurso da nossa visita.
Perguntou-nos, então, se aceitávamos. Pois, por que não, se ele era o nosso anfitrião? Acresce, ainda, que pelo estudo que havia feito do dossier não encontrei quaisquer reservas e pelo relacionamento que havíamos
estabelecido desde 1974 com a URSS, nunca houvera conhecimento de qualquer observação ou reserva.
É que eu dei-me ao cuidado de estudar - porque sempre o faço em viagens desta natureza- tudo quando constava sobre o nosso relacionamento com a União Soviética. É que eu tive - o cuidado de ler as declarações prestadas pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros Melo Antunes quando esteve na URSS, pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros Mário Soares quando visitou a União Soviética, pelo Sr. Presidente da Assembleia da República Tito de Morais e pela delegação parlamentar portuguesa chefiada pelo Sr. Deputado António Arnaut quando aí se deslocaram. É que eu tive o cuidado de verificar as declarações prestadas pelo Sr. Presidente da República Portuguesa quando visitou a União Soviética. É que eu tive

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o cuidado de analisar as declarações e os comunicados comuns resultantes destas delegações, acrescidos ainda do comunicado e das declarações prestadas pelo nosso querido Presidente da Assembleia Constituinte Henrique de Barros. É que eu tive o cuidado de analisar as declarações que foram então prestadas pela figura do Sr. Dr. Vera Jardim, que todos conhecemos, quando chefiou uma delegação que visitou a URSS. É que eu tive essa pretensão, esse desejo, de analisar, conhecer, viver todo esse problema, através, aliás, de um livro simples, admiravelmente escrito por quem teve a vivência mais próxima do nosso relacionamento com a União Soviética desde que estabelecemos as nossa relações diplomáticas.
Quando, onde e como surgiram tais reservas? Então, vamos estabelecer relações diplomáticas com um pais apenas a meio corpo, reconhecendo que da União Soviética não fazem parte quinze repúblicas mas apenas doze?!

O Sr. António Capucho (PSD): - Exacto!

O Orador: - Então, ao estabelecermos as nossas relações políticas, diplomáticas com a União Soviética, pusemos na altura qualquer reserva?
Devo dizer-vos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, da análise que fiz, e que não vou reproduzir, de todos estes documentos, nunca vi, no trato que estabelecemos de forma tão aberta - como, aliás, resulta dos princípios da nossa Constituição - com a União Soviética, em todo este relacionamento, e com aquelas figuras, de tão grande relevo na política nacional, que se tivessem estabelecido relações diplomáticas deste género e nestes termos, tendo por detrás uma reserva mental, no sentido de que se guarda no bolso uma reserva em relação a três repúblicas do Báltico, de modo a considerar que a União Soviética não é constituída pelas quinze mas apenas por doze.
15to é um facto insólito que em Moscovo vivemos dramaticamente, porque em política sou incapaz de estar a dar um abraço no sentido de solidificar e firmar amizades tendo atrás da cortina ou metida na gaveta uma reserva mental, que se não coaduna com a clareza, com a limpidez e, sobretudo, com a lealdade que devem existir nas relações entre Estados.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Porque não concebia tal posição e porque para tanto não fui sequer alertado por esse dossier, que traduz o fundamental do nosso relacionamento, vivi lá, conjuntamente com os restantes elementos da delegação, horas dramáticas. É que eu interrogava-me: Então, no dia 7, os jornais noticiaram a nossa visita à Estónia - nomeadamente o Comércio do Porto, o Diário de Notícias, o Correio da Manhã, o Diário e outros que agora não lembro -, o Serviço das Relações Públicas da Assembleia da República publicitaram-na na sexta-feira através da publicação Assembleia Dia a Dia, distribuindo-a por todos os grupos parlamentares, por todos os gabinetes, incluindo, necessariamente o de S. Ex.ª o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares - tendo-se feito a publicitação desse facto que, no sábado, já era do conhecimento público - e aguarda-se o sábado, passa o domingo, estou aqui todo o dia de segunda-feira no Parlamento e ainda na terça-feira até às 10 horas e 40 minutos e não há uma palavra do Ministério dos Negócios Estrangeiros a pôr-me de sobreaviso, a dizer-me para ter cuidado porque há este problemas, estas reservas ou compromissos?! (...)
Quem mal não pensa, mal não cuida...
Embarcámos com a satisfação e a alegria de quem vai na continuidade do relacionamento que havia sido estabelecido por grandes figuras do pensamento político português e, sobretudo, porque sentia, realmente, o desejo e a felicidade, devo dizê-lo, de ir reatar relações que aqui mesmo tinha estabelecido. E sabeis vós com quem, Srs. Deputados? É que, com a cobertura dos serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros, recebi aqui, em Portugal, o Presidente da República da Estónia. Recebi-o, na verdade, no meu Gabinete, assim como o fez o Sr. Presidente da República Portuguesa e o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Como sabem, os homens da URSS são expansivos; há qualquer coisa de muito próprio na sua maneira de ser, muito expressiva, que me agrada e cativa.

Risos do PSD.

Daí, Srs. Deputados, o meu desejo de corresponder a esse início de relacionamento que havia começado aqui, no meu Gabinete, com o Sr. Presidente da República da Estónia.
Chegámos a Moscovo às 21 horas, tendo sido recebidos pelo Sr. Embaixador de Portugal em Moscovo, que me desejou boa viagem na digressão pela URSS e que tudo corresse da melhor forma. Fez-me companhia cerca de 200 metros, falando sobre a viagem, sobre Leninegrado, sobre Moscovo e sobre a República da Estónia.
Fomos então para uma sala onde se encontrava o Sr. Presidente da República da Estónia, Vice-Presidente do Soviete Supremo, para nos abraçarmos na continuidade das relações que aqui havíamos estabelecido. 15to com larga cobertura da televisão e da imprensa. Recordámos então a viagem que ele fizera a Portugal, altura em que me disse que no dia 14 me iria receber na Estónia para pagar a divida de gratidão pela simpatia com que tinha sido recebido em Portugal, se é que isso acrescentava - era possível, tão grande tinha sido a distinção com que Portugal o recebera.
É nesta ambiência que se desenvolvem os cumprimentos cordiais entre nós e todos os elementos do Soviete Supremo, que ali estavam para nos receber.
Terminados os cumprimentos, que foram muito para além dos formalismos habituais, do formalismo do ritual, convidou-nos a passar a outra sala onde nos serviram uma breve refeição. Sentámo-nos numa longa mesa e ao meu lado ficou o Sr. Embaixador de Portugal em Moscovo. A conversa andou à volta do programa e aí foi-nos fornecido um libreto do qual constavam os horários dos comboios que teríamos de tomar, o número dos voos, as horas das reuniões, as pessoas com quem iríamos contactar, em resumo, o pormenor da visita segundo o percurso que havíamos acordado.
O Sr. Vice-Presidente do Soviete Supremo, que ali estava nessa qualidade, analisou o programa e buscou a nossa concordância, procurando saber se pretendíamos sugerir ainda qualquer outro facto, situação, visita ou contacto com outras pessoas. Dissemos-lhe que nos reportávamos para S. Ex.ª enunciar que concordávamos com o programa.

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O Sr. Embaixador de Portugal, que estava ao meu lado e que durante esta meia hora trocou também impressões sobre o programa, não me disse nada, não me referiu qualquer elemento que de, algum modo, pudesse pôr em dúvida a confirmação da concordância quanto ao programa que nos havia sido dado.
Quando nos levantámos recebi um recado. Não posso precisar quem mo deu, mas penso que foi o Sr. Secretário da Embaixada. Veio dizer-me que o Sr. Deputado António Capucho tinha um recado urgente para mim, mas que não era grave. Suponho que este, "não era grave", era tão-só para travar a minha imaginação quanto a possíveis tragédias que, infelizmente, me têm acontecido sempre que vou ao estrangeiro uma quando estava em Berlim, que é do conhecimento geral, e outra quando estava na Dinamarca, que me obrigou a cancelar a viagem e a regressar, por razões que todos os Srs. Deputados conhecem.
Não era nada de grave, disseram-me, certamente por amabilidade e generosidade; para que eu não permitisse que a minha fantasia voasse para os domínios, da tragédia...
Fomos para o hotel, onde chegámos cerca da meia-noite, para jantar. Estávamos no fim do jantar, seriam já 24 horas e 30 minutos - hora de MOSCOVO-, quando recebi a notícia de que o Sr. Embaixador me pedia uma audiência, ao que anui, dizendo:

Sim senhor, então o Sr. Embaixador que esteja aqui no hotel dentro de 20 minutos.

Efectivamente, 20 minutos depois o Sr. Embaixador, acompanhado do Sr. Conselheiro da Embaixada, estava nas instalações que me haviam sido destinadas. Entretanto, e antes de eles estarem presentes, tive oportunidade de fazer o telefonema ao Sr. Deputado António Capucho, que, mais ou menos nos termos que passo a referir - posso não ser tão fiel quanto o necessário no que respeita às palavras, mas, no fundo, o que importa é a ideia -, me alertou para o facto de existirem algumas preocupações entre os deputados da Assembleia da República (e indicou-me o nome de dois Srs. Deputados que fixei, mas além destes outros havia) quanto à nossa viagem à Estónia e que bom seria que cancelássemos essa viagem.
Perante todo o cenário que vos descrevi e no estado emocional que estávamos vivendo - de alegria pela visita que estávamos fazendo à URSS -, disse ao Sr. Deputado António Capucho que me parecia ser difícil tomar essa resolução, tanto mais que, não conhecíamos razões fundas que tivessem um tal carácter de seriedade que nos inibissem de prosseguir a viagem até à Estónia. Mas iria falar com os Srs. Deputados que constituíam a delegação para se resolver qual a atitude a tomar.
Minutos depois entrou o Sr. Embaixador de Portugal em Moscovo, acompanhado do Sr. Conselheiro da Embaixada, para me dar a notícia - e notem bem, Srs. Deputados -, de dois telegramas: um deles que não sabiam ainda bem ao que se referia, porque se reportava a correspondência enviada através da mala diplomática e que ainda não tinha chegado a Moscovo; o outro era um telex que, recomendava ao Presidente da Assembleia da República, necessariamente à dele-gação, que cancelasse a última parte da viagem, ou seja, a ida à Estónia, na sequência, pois, do telefonema que fiz ao Sr. Deputado António Capucho.
Daí a minha surpresa, porque não entendia que tão-só por razões de Estado a delegação tivesse que cancelar o programa com o qual havia concordado. Tive-mos uma longa conversa, de cerca de hora e meia, procurando esclarecer os motivos pelos quais havia essa razão de Estado. E o que é verdadeiramente surpreendente, Srs. Deputados, é que o nosso Embaixador, a nossa Embaixada, que tem a obrigação de conhecer todo o relacionamento escondido, ou patente, a descoberto ou frontal, entre Portugal e a URSS, desconhecia totalmente a existência de qualquer reserva em relação às repúblicas do Báltico.
Mas como é isto possível, Sr. Embaixador? Perguntei eu. A Embaixada não conhece, não tem nenhum elemento, que possa esclarecer o Sr. Presidente acerca das razões que teriam levado o Ministro dos Negócios Estrangeiros a fazer esta recomendação por telex, respondeu-me o Sr. Embaixador.
Nesta ambiência do desconhecido e porque como Deputado não aceito facilmente o argumento "razão de Estado"sem que conheça os correspondentes fundamentos, sob pena de ser julgado um "pau mandado"...

Aplausos do PS, do PRD, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

... e eu não poderia aceitar a secura de tão directa como curta notícia. "Dê-me uma fotocópia desses telexes para poder conversar com os meus companheiros
acerca dessa posição", pedi eu. E com que mágoa, Srs. Deputados, e com que tristeza o digo, o Sr. Embaixador, invocando o secretismo dessas relações,
referindo que os telexes eram secretos e confidenciais, não me forneceu a cópia desses documentos.

Vozes do PS e do PCP: - Que vergonha!

O Orador: - É uma situação tão insólita perante o Presidente da Assembleia da República que não posso, sem um grave protesto, deixar de afirmar que, pelo menos, é estranho um comportamento de tal ordem, perante documentos que, ao fim e ao cabo, nos diziam ,directamente respeito.

Aplausos do PS, do PRD, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

Depois dessa longa conversa, o Sr. Conselheiro da Embaixada com uma riqueza de sugestões e de razões que se ficavam apenas e tão-só, na fantasia da inteligência dos factos, encontrou como solução a menos desairosa - é este o termo -, ou seja: a de ir dizer no dia seguinte que, por razões de Estado, me via colocado na necessidade de cancelar a última parte dá visita. "Não, Sr. Conselheiro, eu não actuo em posições desairosas; actuo frontalmente! Procure os argumentos, diga as razões, diga onde e como é que o Governo Português tornou posições, sobre esse problema. Mas também tem que me explicar por que é que a Embaixada, que tem especial obrigação - e este parece-me ser um princípio irrecusável e de tal modo evidente que será estultícia da minha parte continuar a repisá-lo - já que- está ali, precisamente, para providenciar, conhecer e saber do trato dos problemas entre Portugal e a URSS não foi capaz de dizer nada, na medida em que não conhecia nada, sobre tal matéria porque o Governo nunca lhe participara tal."

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Pedi então: "Sr. Embaixador, veja nos arquivos da sua Embaixada se existem alguns documentos relacionados com esta matéria, porque invocar-me tão-só a razão de Estado sem mais nada, creio que os Srs. Deputados não irão aceitar porque eu também não aceitarei. "

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!

O Orador: - Saíram os Srs. Embaixador e Conselheiro cerca das três horas da madrugada. Entraram os Srs. Deputados para uma primeira reunião. Relatei-lhes o recado do Sr. Deputado António Capucho, a conversa que tive com os Srs. Embaixador e Conselheiro e a proposta que me foi apresentada como sendo a "menos desairosa" para sair da situação.
Haveis de adivinhar, fatalmente, qual o estado de espirito com que se encontravam os Srs. Deputados, lá longe, àquela hora da madrugada, tentando resolver este problema, procurando, através dos respectivos partidos, um conhecimento mais largo acerca desta matéria. E os Srs. Deputados, com uma dificuldade muito grande, fizeram telefonemas e devo dizer que, na emergência, valeu-nos o Sr. Deputado Gomes de Pinho que, falando com fluência o inglês, foi capaz de encontrar processo de estabelecermos contactos com Portugal. Na verdade, foram feitos vários telefonemas, mas não resultaram: uns, porque desconheciam a questão; outros, porque não sabiam bem o que é que se estava a passar. Assim, fui eu - e isto que fique bem claro que tomei a iniciativa de contactar o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Ora, aí está!

O Orador: - E quero ainda referir que tenho estranhado - e não seria porventura razão para o anotar aqui - que quando o Presidente da Assembleia da República sai do País chefiando delegações, nunca os serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros tiveram a delicadeza, a correcção de estar presente na despedida, na medida em que se trata de alguém que vai representar Portugal.

Aplausos do PS, do PRD, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

Outro tanto, Srs. Deputados, não aconteceu com S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, que teve o cuidado de mandar, tanto à partida como à chegada, o seu representante. É que ele tem a consciência de que quando uma delegação deste género sai do País é Portugal que se desloca.

Aplausos do PS, do PRD, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

Pois bem, Srs. Deputados, fui eu que tomei essa iniciativa, em desespero de causa para, através do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, procurar saber a razão do telex. E S. Ex.ª referiu-me que se tratava da política do Governo e que, em principio, não reconhecíamos as Repúblicas do Báltico. Procurei saber quais as manifestações pelas quais alguma vez se tivesse dado noticia a esse respeito e por que é que não inscreveram isso no dossier.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!

O Orador: - Se realmente havia essas reservas, que são tão graves para o relacionamento político entre Portugal e a URSS, por que razão é que não informamos de forma directa e frontal, como exige a cordialidade, a franqueza e a boa fé política que o Tratado e a Carta da ONU impõem e que sobretudo a Acta Final de Helsínquia exige? Por que razão é que não actuámos desde o inicio, independentemente das relações que haveríamos de estabelecer, porque não esclarecemos nós, e de pronto, essas reservas perante a União Soviética?
Perante a minha preocupação e sem sair deste problema, o Sr. Ministro fez-me uma afirmação que achei verdadeiramente insólita em relação ao meu estado de espírito - como podereis adivinhar, tínhamos chegado a Moscovo naquele dia, eram 3 horas da madrugada e estávamos a viver sob esta tensão desde cerca das 11 horas do dia anterior - ao dizer-me que se realmente eu estava na disposição de prosseguir a viagem, o Governo faria um comunicado. De pronto reagi dizendo: "Sr. Ministro, mas isso é muito grave! É muito grave que, estando uma delegação portuguesa na URSS, o Governo vá fazer um comunicado sobre matéria que me não esclareceu devidamente, como lhe competia, através do dossier que me enviou".
Foi cauteloso o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, porque, em presença desta minha reacção, me disse que, no dia seguinte, iria falar com S. Ex.ª o Primeiro-Ministro. Assim, pedi para me informar via embaixada porque era difícil contactar com o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
No dia seguinte não recebi qualquer informação e só na quinta-feira - estávamos nós em Leninegrado, depois de uma viagem noctuma de comboio entre Moscovo e Leninegrado - recebemos, via telefónica, por parte da Embaixada em Moscovo, o teor do comunicado e o teor de dois telexes: um, dirigido ao Sr. Deputado Ferraz de Abreu e outro dirigido ao Sr. Deputado Roleira Marinho. Estes dois telexes recomendavam ou proibiam - já não sei bem os termos - que estes dois Srs. Deputados não acompanhassem a delegação à Estónia. Estes dois elementos, junto com o comunicado, vieram estralhaçar, dificultar, criar uma tensão mais pesada, nervosa, de que, aliás, os nossos acompanhantes soviéticos deram fatalmente conta.
Havia necessidade urgente de contactar com Lisboa. 15so só foi possível cerca das 22 horas, mercê do programa que tínhamos que cumprir. Então, entrou-se em contacto com Lisboa e o Sr. Deputado Ferraz de Abreu trouxe-me a noticia de que o partido havia retirado a tal reserva ou proibição e concedia-lhe inteira liberdade para ser solidário com o Presidente da Assembleia da República, tomando a decisão que ao caso mais conviesse. Eu lhe agradeço o facto de me ter participado tal, porque isso foi processo de atenuar um pouco as graves tensões que vivi nesta viagem pelo conjunto de problemas que os Srs. Deputados facilmente compreenderão.
Ainda nessa noite, cerca de uma hora mais tarde, tínhamos que embarcar a caminho de Moscovo. Combinámos então que durante a viagem de comboio, num dos cubículos onde estavam duas camas, apertados, como compreenderão, fizemos a reunião da delegação. Reunimo-nos por cerca de uma hora da madrugada e todos os Srs. Deputados, com a abstenção do Sr. Depu-

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tado Roleira Marinho, eram da opinião de que deveríamos prosseguir a viagem, Tinham ponderado todas as questões, pensavamos nós! Tínhamos pensando que todo o relacionamento a partir de 1974 era de uma cordialidade e subordinado ao espírito de boa fé que não poderia, de modo algum, permitir que agora, com esse fundamento, se viesse a dizer ao Soviete Supremo que não reconhecíamos a integridade ' das fronteiras da União Soviética, tal como ela se representava quando estabelecemos as nossas relações diplomáticas. Tínhamos pensado que alguma coisa tinha acontecido aqui em Portugal e que era de tal modo importante que havia definido critérios de orientação, de posicionamento e de relacionamento com todos os Estados do mundo, que não permitia que à última da hora se viesse, numa posição tão estranha e tão profundamente desairosa, dizer ao Soviete Supremo que tínhamos que lhe cortar uma "grossa fatia".
E quando chegámos a Moscovo, em função do pedido que formulei à Embaixada, no sentido de procurar nos respectivos arquivos algum documento que pudesse alicerçar a tal razão de Estado, foi-me fornecido um documento. Quereis saber qual, Srs. Deputados?

Pausa.

Não o encontro... devo tê-lo aí em qualquer parte!

Risos de alguns deputados do PSD.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Nós conhecemo-lo!

O Orador: - É que os papéis são tantos e colhidos à última da hora na precipitação da necessidade de fazer estes esclarecimentos que devo dizer. Srs. Deputados, sob pena de me julgar fortemente ofendido, que não aceito que alguém seja capaz de sorrir, como está acontecendo, pelo facto de eu não ter aqui o documento.

Aplausos do PS, do PRD, do PCP, do CDS e do MDP/CDE e dos deputados do PSD Guerreiro Norte e Mário Maciel.

Srs. Deputados, esse documento único que me foi fornecido pela Embaixada é de 31 de Agosto de 1940, subscrito por António de Oliveira Salazar.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Que vergonha! Sabia mais do que estes!

O Orador: - Esse documento - aliás, escrito de uma forma inteligente - refere expressamente o seguinte: "tendo a encorporação, [...]" - notem bem, Srs. Deputados, que não se fala em anexação ou em ocupação, que são termos jurídicos cujo peso é bem diferenciado - " [...] das Repúblicas da Estónia, da Letónia e da Lituânia, na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, Estado cujo Governo Portugal não reconhece, feito cessar as relações [...]."
E acrescenta dizendo que cessa a representação diplomática que estas repúblicas bálticas tinham em Portugal, assim como as nossas que estavam nessas repúblicas.
E, Srs. Deputados, notem bem - é preciso analisar o português - não porque não tenha reconhecido a encorporação porque foi um facto, mas apenas e tão-só porque não reconhecia o governo da União Soviética.
Mas este documento acaba dizendo o seguinte - e daí a inteligência das coisas de quem sabe prevenir o futuro: "[...]: o Governo Português faz público por esta notificação que deixam de vigorar todos os referidos tratados enquanto durar tal estado de coisas".
Se é que em Portugal nada aconteceu desde 1940 até agora, se é que a nossa embaixada em Moscovo continua ancorada a este documento, e outros não possui, se é que andamos tão distraídos e em Portugal nada aconteceu, então terei de pensar que estou, porventura num mundo que não é o nosso.

Aplausos do PS, do PRD do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

Srs. Deputados, então sim, já que a nossa embaixada não nos deu qualquer informação, procurei saber, através da União Soviética se havia alguns elementos que nos pudessem esclarecer. Entre Portugal e a URSS não existe qualquer documento, instruções, qualquer declaração, qualquer insinuação que seja, depois de 1974, altura em que estabelecemos relações diplomáticas, através dos quais seja possível tirar qualquer ilação desse género.
Conversávamos, então, entre nós e perguntávamo-nos: "será que Portugal vai na cola da política de outros Estados?"

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!

O Orador: - "Mas haverá algum compromisso com outros Estados, que não conheçamos? Será que Portugal anda na sombra da política que os outros Estados prosseguem?"

Aplausos do PS, do PRD, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Temos que ser autónomos!

O Orador: - Quero crer e tenho a certeza que não, Srs. Deputados. Mas, efectivamente, em presença da conjugação destes factos e destes factores, eles ressaltam de tal modo que nos deixam uma profunda preocupação.
Analisámos ainda a posição de outros Estados e então soubemos que, em 1986, uma delegação dos Estados Unidos da América fez uma visita à Letónia - uma república do Báltico - ...

O Sr. João Corregedor dm Fonseca (MDP/CDE): - Ora aí está!

O Orador: - ... composta por três embaixadores de alto coturno: um era o embaixador na Hungria e foi agora nomeado embaixador na URSS; outro, era um assessor especial do Sr. Presidente da República dos Estados Unidos da América.
Mas então, em presença destes comportamentos, que espaço nos resta?
Ouvi hoje dizer - e só hoje, Srs. Deputados - que havia uma resolução - a Resolução n.º 782, se não estou em erro - do Conselho da Europa sobre esta questão.
Mas a Assembleia do Conselho da Europa - cujas resoluções sabemos que não tem carácter vinculativo,

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porque se exprime, apenas e tão-só, por recomendações - sabe que Portugal nunca se manifestou quanto às Repúblicas do Báltico.
E porquê? Porque o Sr. Presidente da delegação portuguesa ao Conselho da Europa, em Outubro, enviou um telex referindo isso mesmo. Oxalá que eu encontre o documento, mas, se o não conseguir, desculpar-me-ão! ...

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Está aqui se for preciso!

O Orador: - Está aqui.
Em 13 de Outubro de 1986, o Sr. Presidente da Delegação de Portugal à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa mandou o seguinte telex, precisamente em função da preparação da Resolução n.º872:

Na sequência da vossa carta de 17 de Setembro último, eu vos informo que o Estado Português não tomou, até hoje, posição concreta relativa à encorporação dos Estados Bálticos na União Soviética.

Usou o termo exacto: encorporação. Declarou, pois, o Sr. Presidente da Delegação de Portugal à Assembleia do Conselho da Europa em ofício dirigido ao respectivo Presidente, que Portugal não tomou, até hoje, qualquer posição sobre os Estados Bálticos.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Quem é que assina?!

O Orador: - Mas eu tenho hoje conhecimento disto e, hoje, é natural que toda a gente saiba tudo sobre a Estónia, a Lituânia e a Letónia. Hoje, toda a gente se julga com capacidade e competência para discutir o problema, E não faltarão os sagazes da política e os espertos da oportunidade,.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... para cavalgarem na crista da onda da movimentação política e de se julgarem os expert do relacionamento entre Portugal e a URSS.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Só que antes de partirmos e depois de ter sido já noticiado nos jornais, depois de ter sido dada a informação através da nossa publicação a Assembleia Dia a Dia, quem é que sabia do posicionamento do Governo? Onde é que o Governo ou os governos de Portugal tinham manifestado essas reservas? Onde? Como? Em que circunstâncias? O desconhecimento era total e, ainda hoje, agora, desconheço essa matéria, esperando, certamente, que S. Ex.ª o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros nos irá dizer quando, por que maneira e onde é que Portugal manifestou as suas reservas ou as suas preocupações em relação ao problema da encorporaçâo das repúblicas do Báltico.
Porque, Srs. Deputados, se esse problema era candente, se era realmente um problema sério e recente, haja em vista a declaração do Sr. Presidente da Delegação de Portugal à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, porque não constava do dossier fornecido?
O que teria, então, levado os serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros a omitir, tão gravemente, no dossier que me entregou, a notícia deste facto?

Vozes do PS e do PRD: - Muito bem!

O Orador: - É certamente uma outra questão que S. Ex.ª o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros nos fará o favor de esclarecer.
Pois, Srs. Deputados, tivemos conhecimento daqueles documentos, com a alteração que o Sr. Deputado Ferraz de Abreu teve a amabilidade de me referir depois, e efectuámos a tal reunião, no comboio e àquelas horas da madrugada, enquanto viajávamos a caminho de Moscovo. E todos os Srs. Deputados presentes - com abstenção do Sr. Deputado Roleira Marinho, por razões que bem se compreendem e que já referi eram da opinião que se deveria ir à Estónia.
Mas a mim competia-me outras responsabilidades. Estava em causa o tal sentido de Estado e, porventura, desconhecendo as tais razões - como ainda hoje não conheço - que justificassem tal razão de Estado, eu não queria pôr em causa o relacionamento entre os dois países. Até porque o meu desconhecimento teria que ter um limite, para além do qual se haveria de fazer luz e o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros tem, certamente, essa luz para encurtar a minha ignorância, pelo que irá dizer. Havia realmente este compromisso, com este, aquele e aqueloutro Estado? 15to porque no comunicado se refere a generalidade de Estados, sem referir quais. Os da ONU, da NATO e da CEE?
Mas eu li com cuidado o comunicado e se estranhei que ele tivesse resultado do conhecimento através da imprensa - tão tardiamente, porque a imprensa noticiou a visita no sábado -, o que é realmente estranho e insólito, uma conclusão retirava: não há nenhuma resolução da NATO, não há nenhuma resolução da CEE, visto que se fala apenas e tão-só da "generalidade de Estados"!
E perguntava-me - como me pergunto hoje: "mas, então, nós subscrevemos a Acta Final de Helsínquia e ali, no ponto 4 desta Acta, está fixado o princípio do respeito das fronteiras de todos os Estados que subscreveram esse documento." Esse era um dos problemas candentes, que estavam em suspenso desde a última Grande Guerra; era o caso das fronteiras das Alemanhas Ocidental e de Leste - era o caso de Berlim e outros casos. E foi por essa razão que se estabeleceu esse princípio, para criar estabilidade e segurança no relacionamento entre os povos.
Talvez por isso o Sr. Presidente da República de Portugal, quando esteve na União Soviética, tivesse recordado a participação portuguesa na Conferência sobre a Segurança e a Cooperação Europeia, cuja Acta Final teve a honra de subscrever em Helsínquia, e que fixou os princípios que deviam garantir a paz na Europa, resolvendo muitas questões que ficaram em aberto desde a II Guerra Mundial.
Foi com essa preocupação que a Acta Final de Helsínquia, para se ganhar a estabilidade na Europa, que se estabelecia o princípio do respeito mútuo das fronteiras com que cada Estado, no momento subscrevia a Acta Final de Helsínquia.
Então subscrevemos esta Acta, estabelecemos as nossas relações diplomáticas e guardamos no bolso uma reserva para consumo doméstico? 15to é concebível, apenas para servir de ponto de fricção entre a Assembleia da República e o Governo...

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... e para colocar a Assembleia da República e o Presidente da Assembleia da República na situação que vos acabei de descrever?

Aplausos do PS, do PRD, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

Pois, Srs. Deputados, nesse dia, da parte da manhã, depois dessa longa e atormentada viagem, apenas nos espíritos porque o comboio era suficientemente cómodo, informei a delegação de que ia cancelar, a viagem à Estónia. Todos foram solidários comigo. Haverei de ter uma palavra de apreço para todos os deputados que foram de uma delicadeza, de uma atenção, de uma diligência, de um acolhimento, diria mesmo de um carinho para com o Presidente da Assembleia da República...

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Foram dignos!

O Orador: - ...que não posso esquecer a gratidão que lhes devo.
15to tão-só porque aí estava em jogo a representação da Assembleia da República.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Eles aceitaram e solidarizaram-se com a minha resolução.
Haveria agora que moderar o meu estado de espírito para ir participar ao Soviete Supremo as circunstâncias pelas quais me via obrigado a cancelar a visita à Estónia.
Participei, de imediato, ao Sr. Deputado do Soviete Supremo que fazia parte da delegação e, momentos depois, viera dizer-me que eu teria de afirmar isso junto do Sr. Presidente do Soviete das Nacionalidades, com quem íamos ter uma reunião, 10 minutos depois.
Assim foi. Nessa reunião tratou-se, em primeiro lugar, de problemas de carácter internacional. Cada um de nós afirmou as suas posições - e os partidos manifestaram-nas através dos espaços políticos de que são portadores e que ali, de algum modo, representavam -, para que se ficasse com a ideia de que representávamos uma democracia pluralista onde cada um tem o direito (e neste caso em representação e como expressão dos respectivos partidos políticos), de manifestar a opinião que julgasse mais pertinente nesse relacionamento em relação aos problemas internacionais.
Entrámos depois num segundo capítulo. É claro que o Soviete Supremo já estava preparado, uma vez que tinha os comunicados e outros elementos. Devo mesmo dizer que sabiam mais do que nós!...
Aí procurei traçar a nossa arquitectura constitucional para definir o posicionamento do Sr. Presidente da República, do Presidente da Assembleia da República e o do Governo, quais os respectivos espaços de competência, para concluir que ao Governo compete, constitucionalmente, a orientação dos negócios externos, e que toda a política externa é da responsabilidade do Ministério dos Negócios Estrangeiros, ainda que sob a égide, chamemos-lhe assim, de S. Ex.ª o Presidente da República, que é a expressão máxima da representação do Estado Português.
Houve uma forte reacção, como aliás era de esperar. Procurei encaixar, o melhor que pude e soube, esta situação para repisar, de novo, os desejos que tínhamos de manter o relacionamento entre a Assembleia da República e o Soviete Supremo. A conversa foi-se amenizando, foram-se trocando argumentos e razões e o Sr. Presidente do Soviete das Nacionalidades, depois de uma breve troca de impressões entre eles, acabou por declarar que o incidente não iria prejudicar nem afectar o bom relacionamento que se havia encetado, não só agora, mas desde 1974. Relembrou-se a viagem dos Srs. Presidentes da Assembleia da República António Arnaut e Tito de Morais para que, de modo nenhum, fossem afectadas as nossas relações.
Entendia eu que deveria ir mais longe, abrangendo não só a relação do Parlamento mas também em relação aos órgãos de Estado, o que não foi, em princípio, confirmado.
A sessão acabou com algum desconforto, não sem que o Sr. Presidente do Soviete das Nacionalidades, depois desta longa conversa, que durou cerca de 1 hora e 30 minutos, nos tenha feito uma proposta alternativa. 15to precisamente para demonstrar que, na sequência do que afirmara, este incidente não iria afectar o nosso relacionamento.
Ele fez-nos então uma proposta no sentido de visitarmos uma vila e uma outra cidade. Fiquei com sérias dúvidas se teria que perguntar a alguém!...

Risos do PS, do PRD e do PCP.

0 Sr. António Capucho (PSD): - Agora já se podem rir?!...

O Orador: - Será que esta delegação poderá ir?
Então, ganhei coragem e, depois de consultar os meus companheiros, decidimos correr o risco...

Risos do PS, do PRD e do PCP .

... de ir a essas cidades!...
Foi, sem dúvida, uma alternativa admirável, da qual muito aproveitámos.
O resto pouco interesse tem: despedimo-nos e o Sr. Presidente do Soviete das Nacionalidades teve a amabilidade de nos acompanhar ao aeroporto para aí nos apresentar despedidas. Estiveram também presentes o Sr. Embaixador e os Srs. Conselheiro de Embaixada e Secretário da Embaixada.
Na conversa que tive com o Sr. Presidente do Soviete das Nacionalidades, e em função daquilo que eu tinha deixado em suspenso, quando referia o bom relacionamento a manter e a fortalecer entre os parlamentos, teve a afirmação política de referir de novo que o incidente não iria afectar o relacionamento entre os Estados. Foi um avanço substancial.
Despedimo-nos cordialmente, satisfeitos, embora profundamente magoados nas feridas que outros, que não eles, nos abriram no percurso que vivemos na União Soviética.
Penso que outros factos, outros fenómenos de pormenor, não interessarão tanto. Decerto haverá outras intervenções, porventura, dos Srs. Deputados que me acompanharam, e ficarei aqui à vossa disposição para que me façam perguntas que visem o esclarecimento de outras posições que eventualmente não tivesse clarificado convenientemente.

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Só vos peço uma coisa, pois, cansado como estou, não tenho oportunidade de tomar notas e apontamentos: não me enroupem as perguntas; façam uma pergunta directa e permitam-me que responda de imediato. 15to sob pena do receio que tenho - com toda a franqueza o digo - de não conseguir responder convenientemente a todas as vossas questões. É que não dormi ontem nem anteontem e estou aqui numa situação que poderia qualificar de desesperada.
Espero, pois, de vós o favor dessas perguntas.

Aplausos do PS, do PRD, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para formularem pedidos de esclarecimento, estão inscritos os Srs. Deputados Raul de Castro, João Corregedor da Fonseca, António Capucho, José Carlos Vasconcelos, Silva Marques, Dias Loureiro, Costa Andrade, Cardoso Ferreira, Vasco da Gama Fernandes, Borges de Carvalho, Carlos Brito e Manuel Alegre.
Por outro lado, gostaria de informar os Srs. Deputados de que os tempos gastos nos pedidos de esclarecimento contam para efeitos de tempo global de debate atribuído a cada grupo parlamentar, tal como foi decidido em conferência de líderes.
Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Foi na qualidade de membro integrante da delegação que visitou recentemente a União Soviética que me inscrevi para dirigir estas palavras a V. Ex.ª Sr. Presidente da Assembleia da República, Dr. Fernando do Amaral: A forma como V. Ex.ª tem sabido desempenhar as altas funções de Presidente da Assembleia da República impuseram-no à nossa consideração. Mas a dignidade com que V. Ex.ª exerce a Presidência da Assembleia da República mais ainda se evidenciou quando, chefiando a delegação desta Assembleia na sua visita à União Soviética, V. Ex.ª foi confrontado com uma situação lamentavelmente inédita na história das delegações parlamentares, criada pela inoportuna e descabida atitude do Governo já no decurso do programa da visita.
Em circunstâncias particularmente difíceis, soube então V. Ex.ª dar nova prova de uma dignidade e de um sentido de Estado que mais uma vez contribuíram para o prestigiar, relegando para o local próprio quem julgou que o iria diminuir e à instituição a que V. Ex.ª preside, pois só esses, e não o Parlamento e o seu Presidente, ficaram diminuídos.
As palavras que lhe dirijo são tanto mais sentidas quanto é certo que a nossa posição e a do MDP/CDE era no sentido de se manter sem alteração todo o programa da visita, sem embargo da solidariedade manifestada quanto à decisão que V. Ex.ª viesse a tomar.
Queria ainda, na qualidade de elemento integrante da delegação, saudar a conferência de líderes e o presidente em exercício, deputado Marques Júnior...

O Sr. Carlos Luís (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... pela permanente solidariedade que souberam manifestar em relação à delegação da Assembleia da República, assumindo a compreensão de que o Governo pusera em causa a própria instituição parlamentar e o Presidente que a representa.
Nem na Embaixada de Portugal em Moscovo, nem no Soviete Supremo da URSS, como nos foi referido, havia conhecimento de quaisquer reservas do Governo quanto às três repúblicas do Báltico.
É por isso claro que o Governo, com o seu insólito procedimento, desenterrou um machado salazarista da guerra fria, definitivamente enterrado com o 25 de Abril, que estabeleceu, no tocante às relações internacionais, a cooperação com todos os povos para o progresso da humanidade.
Não precisa V. Ex.ª, Sr. Presidente, de tomar nota das minhas palavras, porque elas não se destinam a obter uma resposta senão aquela que a sua consciência e o seu coração sempre souberam dar às suas altas funções.

Aplausos do MDP/CDE, do PS, do PRD e do PCP.

O Sr. Presidente: - Informava os Srs. Deputados de que estamos num período de pedidos de esclarecimento, havendo seguidamente, conforme foi decidido em conferência de líderes, um período para cada grupo parlamentar intervir.
Portanto, a Mesa solicitava aos Srs. Deputados que, tanto quanto possível, se inserissem neste esquema estudado e aprovado na conferência de líderes, sendo que a Mesa vai considerar esta intervenção, porque a sua duração é descontada no tempo global, também como um pedido de esclarecimento, embora feito em condições especiais.
Assim, perguntaria ao Sr. Presidente da Assembleia da República se deseja responder ao Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Presidente dm Assembleia da República: Não, Sr. Presidente; não houve qualquer questão...

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, queria interpelar a Mesa porque me dá a sensação de que o Sr. Deputado Raul Castro acaba de violar o que foi acordado em conferência de líderes.
Com efeito, foi acordado ouvirmos, primeiramente, uma exposição do Sr. Presidente da Assembleia da República sobre os factos em análise, em seguida haver pedidos de esclarecimento e só depois as declarações políticas a cargo de cada um dos grupos parlamentares. Porém, o que acaba de ser feito é manifestamente uma declaração política, inserida na segunda parte, digamos assim, do processo.

Protestos do PS, do PCP e do MDP/CDE.

Dessa forma, se a oposição me permitir que continue no uso dá palavra, sugeria ao Sr. Presidente que chamasse a atenção dos deputados para que, imediatamente a seguir a intervenções, não fujam àquilo que foi acordado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se me permitem esta minha observação - e peço desculpa pela imper

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tinência -, temos um longo debate à nossa frente, pelo que agradecia que VV. Ex.as mantivessem a serenidade necessária para que esse mesmo debate corra da melhor maneira.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr: Presidente, pedi a palavra tão-somente para esclarecer que, no âmbito do Parlamento, não é com certeza esta a primeira vez que, através da figura do pedido de esclarecimento, se faz uma curta afirmação, com eu fiz.
Portanto, penso que teria sido bem melhor para a dignidade deste debate que o Sr. Deputado António Capucho não tivesse levantado esta questão.

Vozes do MDP/CDE: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Capucho, permitia-me lembrar-lhe que, antes de V. Ex.ª interpelar a Mesa e imediatamente após a intervenção do Sr. Deputado Raul Castro, fiz uma observação no exacto sentido para que o Sr. Deputado António Capucho chamou a atenção.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Mas não interrompeu o orador, nesse caso!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Presidente da Assembleia da República, ouvi V. EX.ª com toda a atenção. V. Ex.ª foi claro, transparente e límpido; nada ficou por esclarecer. V. Ex.ª foi igual a si mesmo, e este é o melhor elogio que lhe posso fazer.
Como é evidente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o mesmo não poderemos dizer em relação ao Governo, É que, enquanto V. Ex.ª revelou um alto sentido de Estado, o Governo não revelou sentido de Estado nenhum.
Com efeito, o Governo não foi claro nem transparente, foi afrontoso para a Assembleia da República e para a segunda é figura do Estado, que é V. Ex.ª.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - 15so é conversa fiada!

O Orador: - Depois da intervenção de V. Ex.ª, não sei que argumentos terá o Governo para se defender e seria bom que pensasse em pedir desculpa à Assem
bleia da República e a V. Ex.ª Sr. Presidente da Assembleia da República, ia pedir-lhe a resposta a uma simples questão se quiser fazer o favor de me responder.
Sabe- se que S. Ex.ª o Sr. Presidente da República vai este ano à União Soviética, assim como estão de pé convites de entidades portuguesas de alto nível a entidades soviéticas, igualmente de alto nível, para visitar Portugal. S. Ex.ª o Sr. Presidente da República já manifestou publicamente, em várias declarações, a importância que dá a esta sua deslocação à União Soviética, creio que no final deste ano.
Sendo assim, Sr. Presidente da Assembleia da República, perguntava-lhe: nesta sua deslocação, V. Ex.ª foi portador de alguma mensagem pessoal, verbal ou escrita, do Sr. Presidente da República para alguma autoridade soviética?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o. Sr. Presidente da Assembleia da República.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, em conversa com o Sr. Presidente da República, ele fez-me mensageiro dos melhores cumprimentos para o Sr. Presidente do Soviete Supremo. No entanto, como não estava, participei-os tão-só ao 1.º vice-presidente do Soviete Supremo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente da Assembleia da República, gostaria de lhe formular, concreta e serenamente, algumas questões a propósito da intervenção que acaba de produzir, sendo a primeira, aliás, a propósito do comunicado que V. Ex.ª leu ontem e que ouvi, pelo menos, aos microfones da RTP.
Nesse comunicado, em que, se me permite, entendo que V. Ex.ª agiu e faz afirmações como juiz em causa própria, permite-se afirmar que o Governo actuou neste caso sem sentido de Estado.
Ora bem, apenas hoje é que estamos a debater e a esclarecer (ou a procurar esclarecer) esse assunto, a pedido de V. Ex.ª e da delegação - e muito bem -, que questionaram o Sr. Presidente em exercício e a conferência de líderes no sentido de adiarmos para hoje, após a chegada da delegação, o referido debate. 15to para que, em conjunto com todos os intervenientes - Governo, delegação, grupos parlamentares -, discutíssemos, analisássemos e tirássemos conclusões.
Assim, penso que o comunicado lido por V. Ex.ª se precipita no sentido de emitir juízos de valor, juízos em causa própria, e contém uma afirmação que reputo de gravíssima: a afirmação a priori de que o Governo agiu nesta matéria sem sentido de Estado.

Protestos do PS e do PCP.

Eu pergunto a V. Ex.ª se mantém essa afirmação ou se, de facto, no mínimo, a suspende até ao final deste debate.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A segunda questão...

O Sr. Presidente da Assembleia da República: Sr. Deputado, se me der licença procuraria responder de imediato a V. Ex.ª...

O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente, faça favor.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: Sr. Deputado António Capucho, em função do conhecimento que tenho dos dados que até ao presente possuo, não retiro uma palavra das afirmações que fiz.

Aplausos do PS, do PRD, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

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O Orador: - Constato que V. Ex.ª está esclarecido antes do debate ...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... enfim, sem ter, pelo menos, ouvido as intervenções do Governo e dos diversos grupos parlamentares. Assim sendo, começo a pôr em causa a própria utilidade do debate, mas isso é com V. Ex.ª.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O segundo ponto sobre o qual gostaria que V. Ex.ª me informasse é o seguinte: pelo menos para mim, não ficou claro porque é que cancelaram então a visita à Estónia.

Vozes do PCP: - Não esteve atento!

O Orador: - Se era tão líquido, tão evidente, tudo o que V. Ex.ª acaba de referir a propósito do relacionamento diplomático entre Portugal e a União Soviética, então por que é que cancelaram a visita à Estónia?
É a segunda questão que lhe queria pôr.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: - Sr. Deputado, com certeza que V. Ex.ª não atendeu àquilo que referi.
Com efeito, eu disse que por razões de Estado - até onde ia o meu desconhecimento, esperava que houvesse necessariamente outro espaço onde, por certo, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros haveria de fazer luz -, com receio de, precisamente, não ter atingido, tão totalmente quanto na altura me era possível, correndo porventura o risco de me estar a distorcer por dentro, achava preferível, em respeito ao critério da orientação dos negócios do Estado e ainda que no seu desconhecimento (competem exclusivamente ao Ministro dos Negócios Estrangeiros), cancelar a visita.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Bem, Sr. Presidente da Assembleia da República, estando nós, no fundo, em diálogo - a solicitação de V. Ex.ª, mas que considero ser uma forma correcta de relacionamento extraordinário nesta Câmara para um momento extraordinário -, diria que, de facto, não é nenhuma bizantinice deste Governo, ou do PSD, as reservas e a posição que têm em relação às Repúblicas Bálticas.

Protestos do PS e do PCP.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Não podem ouvir agora?!

O Orador: - Não entrarei em pormenor nessa matéria, mas, como ia dizendo, não é bizantinice deste Governo nem do partido que o apoia. É uma preocupação partilhada por outras bancadas desta Câmara, embora neste debate esse aspecto não sobressaia, aliás, por interesse político, que respeita, dessas mesmas bancadas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Porém, na altura, questioná-las-ei, ou outros colegas meus o farão, a propósito da questãO das repúblicas bálticas. Além disso, não se pode passar de forma breve - ia dizer "ligeira", mas não é essa a intenção - sobre, designadamente, a resolução do Conselho da Europa.
O que é para mim fundamental é saber se V. Ex.ª, apesar do panorama de certo modo idílico com que trata a encorporação das repúblicas bálticas na União Soviética, reconhece ou não, tal como o Conselho da Europa, que aí se verificam flagrantes violações dos direitos do homem, designadamente a violação a um direito fundamental, hoje em dia muito caro à diplomacia portuguesa, que é o direito à autodeterminação dos povos, tal como está reconhecido nessas resoluções.

Aplausos do PSD e do deputado independente Borges de Carvalho.

Outra questão muito concreta que gostaria de pôr ao Sr. Presidente da Assembleia da República é se V. Ex.ª considera que informar o Governo através desta publicação Assembleia Dia a Dia é uma informação, no mínimo, idónea.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - De facto, o Governo, reiteradamente, solicitou, como consta dos documentos, que o Gabinete de V. Ex.ª o informasse detalhadamente da visita.
Não ignoro as vicissitudes por que passou, a forma como o Gabinete de V. Ex.ªe as duas embaixadas trataram desta visita, que, do meu ponto de vista, permitiram que, inadvertidamente, fosse incluído no programa a deslocação às repúblicas bálticas.
No entanto, o que não posso também ignorar é que não haja, efectivamente, uma comunicação formal; embora o Governo a tenha solicitado reiteradamente, não há uma comunicação formal do Gabinete de V. Ex.ª e ou de V. Ex.ª e ao Governo.
E não me venham dizer - e agora não me refiro a V. Ex.ª, embora julge que tenha focado isso na sua intervenção - que a entrega destes papéis nas bancadas e, eventualmente, no Gabinete do Sr. Secretário de Estado é uma informação idónea ao Governo. 15to poderá ser um fait divers, mas retrata bem aquilo que pensamos sobre a forma idónea como esta informação é tratada.
Ainda há menos de quinze dias referi em conferência de líderes, quando V. Ex.ª apelou aos grupos parlamentares para que fossem "poupados" na elaboração de fotocópias, que esta informação poderia ser perfeitamente suprimida, pois não a utilizamos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Esse é um argumento espectacular!

O Orador: - Nós temos uma informação que diz rigorosamente o mesmo naquilo que é essencial, que é a informação da Mesa, e é dessa que nos servimos.
É claro que se alguém tivesse detectado esta informação, eventualmente não se cometeria a inadvertência.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Estavam todos a dormir!

O Orador: - Pergunto também a V. Ex.ª se não considera que não teria havido nenhum comunicado do Governo - e chamo, veementemente, a atenção da Câmara para o teor urbano...

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O Sr. José Magalhães -(PCP): - Urbano?!

O Orador: - ... e adequado, em nossa opinião...

Protestos do PCP.

Certamente que não é a vossa. Aliás, neste e noutros assuntos, designadamente quanto aos estados bálticos, Srs. Deputados do Partido Comunista, graças a Deus que estamos nos antípodas.

Aplausos do PSD e do deputado independente Borges de Carvalho.

Protestos do PCP e do MDP/CDE.

A questão concreta que punha a V. Ex.ª é se não considera que. esse comunicado não teria ocorrido se, efectivamente e conforme o previsto, V. Ex.ª tivesse contactado o Ministro dos Negócios Estrangeiros, para o qual houve um compasso de espera de, doze ou catorze horas, segundo as minhas contas.
Finalmente, Sr. Presidente da Assembleia da República, para mim, como presidente do Grupo Parlamentar do PSD, a questão de fundo será abordada obviamente na declaração política que faremos, embora não a deixe também de trazer agora à colação.
Nada diz V. Ex.ª sobre aquilo que considero óbvio e que, à falta de melhor termo, chamei inadvertência no estabelecimento do programa .
Portanto, a questão fundamental é a de saber como se evitar que situações deste tipo se possam repetir. 15to é, que medidas é que a Assembleia da República deve tomar - e outros órgãos de soberania, por que não dizê-lo? - para que situações deste tipo não se repitam.

Vozes do PRD: - Mudar o Governo! Mudar o Ministro!

O Orador: - V. Ex.ª foi omisso quanto a isso.

Permito-me, em serenidade - apesar das tentativas para que a perca, o que ao fim de três anos ainda ninguém conseguiu nesta Assembleia , dizer, a V. Ex.ª
que há pelo menos duas medidas que poderão ser tomadas.
Como se constata a Comissão Parlamentar t de Negócios Estrangeiros, e Emigração não foi tida nem achada, nem nesta deslocação nem em qualquer outra. É que certamente que se, fosse tida ou achada nesta deslocação ou em qualquer outra, vozes discordantes da inclusão - e que não eram da minha bancada - das Repúblicas Bálticas no programa da deslocação se teriam levantado atempadamente (o que não aconteceu, pois souberam-no tardiamente) e nada disto se teria passado.
Não estou a criticar o Presidente da Assembleia da República; estou a fazer, se quiserem uma autocrítica, porque eu próprio jamais levantei este problema em conferência de líderes.
Porém, faço-o agora, construtivamente, dizendo a V. Ex.ª que me parece que, de futuro - e insisto, para que conste -, este tipo de deslocações, designadamente quando são presididas por V. Ex.ª qualquer deslocação oficial da Assembleia, da República ou qualquer recepção oficial da Assembleia da República, como curiosamente a conferência de líderes já deliberou há dois ou três dias atrás, certamente porque a minha sugestão não é tão descabida como isso, passem a ser feitas mediante um programa ou, pelo menos, com a participação da Comissão- Parlamentar de Negócios Estrangeiros e Emigração. É o que vai, aliás, acontecer com a próxima delegação do Canadá, quando cá chegar.

0 Sr. Carlos Brito, (PCP): - Já tem acontecido mais vezes!

O Orador: - Desconheço!...

Em segundo lugar, o facto relevante - Sr. Deputado Carlos Brito, eu ouvi o seu aparte - é que, de facto, nesta deslocação à União Soviética, a Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros e Emigração não foi tida nem achada, e apenas estou a sugerir que de futuro o seja. 15to porque se o fosse, não tenho dúvidas de que vários deputados que lá têm assento e que nem sequer são do meu partido, teriam atempadamente alertado com veemência para o inconveniente dessa deslocação.
A segunda questão é que seria de ponderar se nesta Assembleia, assessorando o Gabinete de V. Ex.ª e, eventualmente, a própria Comissão de Negócios Estrangeiros e Emigração, não deveria existir um assessor diplomático que pudesse colmatar lacunas manifestas, que se têm verificado neste campo e que são do domínio público.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Presidente da Assembleia da República.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: Sr. Deputado António Capucho, vou ultrapassar o comentário da visão idílica, para ficarmos por aqui, mas gostaria de referir que é verdade que não houve efectivamente nenhuma informação formal.
Não pude telefonar, mas o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros sabia da minha preocupação e tinha meios próprios para comunicar, através da embaixada, se efectivamente o caso tinha a gravidade que ele sabia ter melhor do que ninguém, visto ter a sensibilidade e a acuidade para o problema.
Em relação ao compasso de espera, Sr. Deputado, essa visita só se faria no sábado, pelo que havia ainda toda a quinta-feira e a sexta-feira para o Sr. Ministro me comunicar as razões de tal razão de Estado.
Quanto à experiência que V. Ex.ª anotou, para que erros desta natureza - se erros existem - não se venham a verificar, a experiência também dá lições e certamente a conferência de líderes onde o Sr. Deputado apresentou o caso tomará esse facto em consideração para que depois, dada a viabilidade e a pertinência do que referiu, isso possa ter efectivação. Ainda bem que é assim. Só que é pena 4ue tão tarde se tenha lembrado disso e que ao longo de toda esta vida parlamentar nunca se tivesse agido desse modo, ainda que quando. as muitas delegações estrangeiras vêm a Portugal sempre procure fazer representar a Comissão dos Negócios Estrangeiros e Emigração.
No que se refere aos outros processos para se evitar estes factos, pela minha parte, se quer o meu testemunho, acho bem que porventura tal se venha a concretizar nos termos que referiu. É uma achega sem dúvida
proveitosa.

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Penso que foram estas questões que V. Ex.ª me levantou.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais queria dar o acordo da minha bancada à sugestão do Sr. Deputado António Capucho sobre a existência deste tipo de assessores que são muito necessários não só para essa Comissão como para outras. Sobretudo no que se refere à Comissão dos Negócios Estrangeiros e Emigração, se conseguirmos arranjar assessores tão qualificados que saibam das relações entre Portugal e os vários países mais do que o próprio embaixador de Portugal nesses países e decerto mais do que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

Decerto que todos teremos muito a lucrar com isso, até o Governo, que, assim, como em outros aspectos, terá alguma coisa a aproveitar do contacto com esta Assembleia.
A primeira das perguntas concretas que queria colocar a V. Ex.ª refere-se ao telegrama que V. Ex.ª e, na sequência da reunião que tivemos a altas horas da madrugada em Moscovo, fez ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que teria, com certeza, muito mais facilidade em contactar connosco, porque sabia onde estávamos e era um Ministro a dirigir-se à segunda figura da hierarquia do Estado...

Vozes do PRD, do PCP e do MDP/CDE: - Muito bem!

O Orador: - Houve uma inversão total, neste e noutros aspectos, de tudo, inclusive da hierarquia dos valores do Estado.

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Orador: - Pela descrição de V. Ex.ª pareceu que o Sr. Ministro tinha de certa forma anunciado que o Governo ia emitir um comunicado com a sua posição.
Acontece que eu e o Sr. Deputado Gomes de Pinho estávamos junto de V. Ex.ª - até foi o Sr. Deputado Gomes de Pinho que passou o telefonema do Sr. Ministro - e a ideia com que fiquei, e que julgo ter sido a ideia que V. Ex.ª de imediato nos transmitiu, foi diferente: foi a de que o Sr. Ministro tinha dito que o Governo, se a deslocação se concretizasse, se sentiria na obrigação de emitir um comunicado a expressar a sua posição sobre esta questão. Ora, isto, apesar de tudo, seria totalmente diferente e não teria a gravidade que resultou do comunicado que foi emitido, pois ficaria claro - o que aliás sempre esteve fora de causa para nós - que uma visita de âmbito inteparlamentar nunca por nunca poderia alterar um princípio da política externa portuguesa, designadamente por razões constitucionais. Portanto, o primeiro esclarecimento que pretendia de V. Ex.ª visa o teor do telefonema.
O segundo era no sentido de saber se V. Ex.ª nos poderia dizer se, não tendo o Sr. Ministro nem o Governo contactado V. Ex.ª para lhe dar prévio conhecimento do comunicado, o que seria o mínimo exigível para tentar encontrar uma fórmula que, preservando os valores alegadamente em causa, salvaguardasse o mínimo do respeito, inclusive humano, peias pessoas que integravam esta delegação e pela figura do seu Presidente...

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Orador: - ... e sendo certo que a Assembleia da República estava a funcionar, o Governo informou previamente esta Câmara do teor desse comunicado e da sua publicação.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Presidente da Assembleia da República.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: Sr. Deputado, o telefonema passou-se exactamente como V. Ex.ª referiu. Disse mesmo ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros que a decisão iria ser tomada depois em função da conversa que haveria de ter com os Srs. Deputados e, o Sr. Ministro, em função da minha reacção, porque achava realmente grave que o comunicado viesse a aparecer, referiu-me que no dia seguinte, ou melhor, no mesmo dia, visto já ser de madrugada, iria ponderar a situação com o Sr. Primeiro-Ministro. Na altura, no termo desta comunicação ainda não tínhamos tomado qualquer decisão nem eu a tomaria sem ouvir os Srs. Deputados, que aliás estavam ali presentes.
Quanto à informação à Assembleia da República, não tenho conhecimento do facto porque ainda não tive a possibilidade de contactar com os serviços ou ver a correspondência dirigida à Assembleia, mas penso que o Sr. Presidente em exercício estará nas melhores condições para a poder fazer.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, V. Ex.ª pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, sob a forma de uma interpelação à Mesa queria pedir à Mesa que esclarecesse esta segunda questão que o Sr. Presidente abordou e que penso ter bastante interesse.

O Sr. Presidente: - Relativamente a essa questão, a Mesa pode informar que o Gabinete do Sr. Presidente da Assembleia da República em exercício teve conhecimento de que havia um comunicado quando foi solicitado por um órgão de comunicação social a comentar um comunicado que teria sido distribuído.
Portanto, a Assembleia da República só teve conhecimento de que havia um comunicado do Gabinete do Sr. Primeiro-Ministro quando o Gabinete do Sr. Presidente da Assembleia da República em exercício foi solicitado, a pedido de um órgão de comunicação social, a comentar esse mesmo comunicado.
Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

Protestos do PCP, do PS e do MDP/CDE.

O Sr. Silva Marques (PSD)- - Os senhores já hoje aqui fizeram várias manifestações e sobretudo as de há bocado revelaram-se particularmente pré-preparadas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Estamos aqui e, ao menos por enquanto, temos ainda o direito de ir apreciando- os vossos comportamentos espontâneos.
Sr. Presidente da Assembleia da República, é toda a consideração que tenho por V. Ex.ª que me leva precisamente a pôr-lhe aqui, em frente de todos nós, deputados deste Parlamento Português, estas questões.
Sr. Presidente da Assembleia da República, pensa que é correcto, do ponto de vista dos interesses . do Estado Português e da dignificação do nosso Parlamento, este debate tal como V. Ex.ª o pretendeu realizar? Penso que não, Sr. Presidente!

Aplausos do PSD.
Protestos do PS, do PRD, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Deputado Fernando Amaral, sou incapaz - por que não tive até este momento a oportunidade nem tenho a intenção de o fazer, embora se isso vier a ocorrer como necessário fá-lo-ei - de emitir uma opinião acerca da negligência do Governo. V. Ex.ª defendeu essa tese, eu não a recuso, mas não vou emitir um juízo sobre esse ponto de vista, tal como não vou emitir um juízo sobre a cordialidade sem reserva mental da diplomacia soviética. Mas permita-me apenas lembrar à V. Ex.ª, Sr. Presidente da Assembleia da República Portuguesa, que a diplomacia sempre teve reservas e bem matizadas, a portuguesa e todas as outras, pois por definição isso faz parte da diplomacia e, portanto, custa-me a admitir que a diplomacia soviética, atitude sem reserva e, por isso, seja classificada como estando de boa-fé e a minha diplomacia seja condenada por actuar com reservas, sendo por isso, apodada como estando de má-fé.

Aplausos do PSD.

Agora desejo colocar mais esta questão a V. Ex.ª: o Sr. Presidente da Assembleia da República defendeu aqui, perante todos, um ponto de vista claro sobre política externa e, sobretudo, sobre a orientação diplomática. V. Ex.ª defendeu com toda, a clareza - e é um ponto de vista legítimo da parte de um cidadão, mesmo de um deputado - a tese de que o nosso país não deveria ter reservas, manifestadas sobre que forma for, relativamente à encorporação dos estados bálticos na URSS. E digo reservas manifestadas sobre que forma for, porque os mais diferentes Estados da Europa democrática não reconhecem a encorporação dos estados bálticos na União Soviética.
De qualquer modo, as atitudes diplomáticas são manifestadas das formas mais variadas, como aliás se pode tomar conhecimento através do debate que teve lugar no Conselho da Europa, onde nos pudemos aperceber da forma múltipla e matizada como cada Estado democrático da Europa tomou posição relativamente a esta questão. De qualquer modo, sempre dentro do princípio do não reconhecimento, de jure pelo menos.
Ora, V. Ex.ª pensa que não e entende que se nós reconhecemos a URSS devíamos retirar qualquer reserva relativamente à questão da encorporação dos Estados Bálticos. Ficámos esclarecidos, Sr. Presidente da Assembleia da República, mas a opinião do Governo Português, e não apenas deste,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... espero que o Governo seguinte, quando vier, a mantenha - é a de não reconhecer a anexação, designada em termos correntes na diplomacia europeia por encorporação, dos estados bálticos que estão sob a "pata" do imperialismo soviético.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente da Assembleia da República, o meu ponto de vista não é tão estranho nem tão insólito, porque foi aprovado por unanimidade na última sessão plenária do Conselho da Europa.
V. Ex.ª disse que era insólito da nossa parte reconhecermos a União Soviética e mantermos reservas relativamente a este caso. Pois devo dizer-lhe, Sr. Deputado Fernando Amaral e Presidente da Assembleia da República Portuguesa, que o insólito seria o contrário, porque todos os demais Estados actuam precisamente segundo a posição do não reconhecimento, pelo menos de jure, da encorporação dos estados bálticos na URSS.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Porquê pois, Sr. Presidente da Assembleia da República, classificar a posição do Governo e da minha bancada de insólita relativamente a essa questão?
Uma última questão. É verdade que a manifestação optimista e positiva de um determinado relacionamento poderá não legitimar a adjectivação "visão idílica". Reconheço isso e não costumo adjectivar e muito menos insultar, como V. Ex.ª sabe, os que apresentam pontos de vista adversos ao meu. Assim, Sr. Presidente da Assembleia da República, não direi "visão idílica das coisas", mas há um pragmatismo imposto pelos factos que nos deve levar a pensar não quero utilizar adjectivos, mas é inevitável- segundo o realismo das coisas.
Sr. Presidente da Assembleia da República, não creio que V. Ex.ª tivesse ouvido da parte do Presidente do Soviete das Nacionalidades ou da parte do Presidente
do Soviete dos Cidadãos dois pontos de vista diferentes acerca da ocupação do Afeganistão pela União Soviética. Eles, relativamente à política externa, têm
uma posição unívoca e é este o sentido que faz construir um Estado.
O que não tem sentido é que estejamos a fazer aqui um debate, esse sim insólito, acerca da unidade externa da política do Estado Português.

Aplausos do PSD e do deputado independente Borges de Carvalho.

O Sr. Presidente: - Sr.Deputado João Corregedor da Fonseca, V. Ex.ª pede a palavra para que efeito?

O Sr. João Corregedor dm Fonseca (MDP/CDE): Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

0 Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Presidente, o Sr. Deputado Raul Castro fez parte da delegação que acompanhou o Sr. Presidente à União Soviética, fez uma intervenção de apoio ao Sr. Presidente da Assembleia da República, e V. Ex.ª, e muito bem, porque tínhamos um calendário próprio, chamou a atenção do Sr. Deputado Raul Castro.

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Esta última intervenção não foi uma pergunta, Sr. Presidente...

Vozes do PSD: - Foram várias!

O Orador: - ...foi uma provocação, consubstanciou-se numa série de intervenções, e, assim, espero que a Mesa tenha o mesmo comportamento em relação ao Sr. Deputado em questão que teve para com o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Você ainda não regressou da Estónia!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa informa que só não fez essa observação relativamente à intervenção do Sr. Deputado Silva Marques, que fez, de facto, algumas perguntas, mas cujas palavras também tiveram o teor de uma intervenção, porque o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, ao interpelar a Mesa, retirou ao seu presidente a possibilidade de fazer essa intervenção.
Em segundo lugar, gostaria de informar os Srs. Deputados e os grupos parlamentares, para que possam gerir os seus tempos, de que a Mesa não tem cortado os pedidos de esclarecimento depois dos três minutos regimentais, porque está a contar o tempo para efeitos do tempo global atribuído a cada grupo parlamentar.
Depois deste esclarecimento da Mesa, dou a palavra, para responder, ao Sr. Presidente da Assembleia da República.

O Sr. Presidente da Assembleia da República : Sr. Deputado Silva Marques, quanto lhe agradeço a amabilidade das questões que colocou, sobretudo a correcção com que elas vieram enroupadas, porque isso também coloca dignidade no relacionamento que aqui se pretende estabelecer na Assembleia da República. Muito obrigado por isso.
Refere V. Ex.ª o valor do debate. Eu pretendia que ele fosse tão-só de esclarecimento das posições, para ser construtivo e para que factos desta natureza permitam soluções de futuro consentâneas com o interesse do País. Por isso, estamos a falar e a raciocinar sobre factos consumados. É sempre fácil e é sempre simples, depois de eles terem acontecido, apontar agora soluções, e quanto agradeci há pouco que eu, ou outro que aqui esteja, venha realmente a aproveitar-se das lições que aqui foram colhidas.
Mas isso não nos vai, de modo nenhum, retirar do objectivo deste debate, que é o do esclarecimento dos factos. Será isto referir que o Governo é negligente? Não, Srs. Deputados, pretendo apenas anotar, até que porventura seja esclarecido, e se aqui surgir um esclarecimento tal que me leve a compreender que estive e estou enganado, com a mesma frontalidade com que recuso e reprovo a situação, me apresentarei humildemente a pedir desculpa. E isto porque não ando nas franjas cinzentas da diplomacia e porque não concebo uma diplomacia que não seja clara e transparente. Quando digo clara e transparente é porque, se o Governo Português estabeleceu relações diplomáticas com a União Soviética, não colocou essas reservas, nunca as declarou nem afirmou, antes pelo contrário, como tivemos ocasião de ver através do telex do Sr. Deputado Amândio de Azevedo, como presidente da delegação portuguesa ao Conselho da Europa. Se não conheço nenhuma afirmação - nem ela me fora referida antes- do Governo Português sobre este problema, penso que a nossa diplomacia, de todos os governos, não tem sido leal nem franca em relação a este caso.
Os outros governos, que porventura me poderão referir - e já li isso hoje, ainda que em diagonal- reconhecem com reservas, mas fazem-no frontalmente e, neste casos, o Governo da União Soviética sabe que eles fazem essas reservas.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente Fernando Amaral, um bom número de Estados democráticos europeus acentuam o não reconhecimento da encorporação, evitando precisamente as visitas oficiais, apesar de, entretanto, assinarem acordos internacionais. E o caso, por exemplo, dos Estados da zona ribeirinha dos países bálticos, como a Dinamarca e a Suécia, que, por razões de indemnizações de guerra, tiveram de assinar tratados, sob pena de não as receberem, e, no entanto, isso não os impede de manter o princípio de não reconhecimento da encorporação e acentuam-no, precisamente, evitando as visitas oficiais e, sobretudo, as de grande nível de Estado.

O Orador: - Sr. Deputado Silva Marques, continuamos num equívoco e não quero, de modo nenhum, ser triturado - desculpará - pela dialéctica sempre bem fundamentada do Sr. Deputado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Estou apenas a pretender dizer que o Governo Português, pelo menos que eu tenha conhecimento - quando me refiro a Governo estou-me a referir à extensão dos governos -, nunca se afirmou nesse sentido, pois que o faça e o declare publicamente.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Quis afirmar-se agora!

Protestos do PS, do PRD e do PCP.

O Orador: - Perdoe-me, Sr. Deputado, mas não percebi o seu comentário.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente Fernando Amaral, peço desculpa, mas se, de facto, nos queremos esclarecer, V. Ex.ª há-se compreender que eu pretenda dialogar com V. Ex.ª.
Admitindo que o Governo Português tinha estado sonolento desde a última grande guerra e que, entretanto, todos nós acordámos apenas neste momento, verificou-se esta situação: estávamos distraídos e estamos na eminência, contrariamente aos outros países democráticos da Europa, de, pela via de facto, darmos um indício de reconhecimento da encorporação.
A questão que se colocou é a seguinte: devemos impedir essa visita ou não e, por esta via, reconhecer a encorporação ou não?
Penso que, se estávamos todos distraídos, a viagem devia ser interrompida - e felizmente que foi. É esta

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a questão que está em causa. Aceito que tenha havido negligências de um lado e boa fé do outro, mas a questão é esta, Sr. Presidente!

O Orador: - Se aceita essa negligência ou outra, não volto a referir-me ao assunto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª referiu-se à proposta do Conselho da Europa; é uma última manifestação, mas nós não conhecemos a posição do Governo português nem sabemos se este a manifestou para além do telex que já tive oportunidade de referir.
A determinada altura V. Ex.ª teve o cuidado, em relação às reservas, de falar dos direitos do homem, da anexação, dizendo que era um processo violento, que estava sob a influência ou peso de determinado Estado sobre outro. Em relação a isso, devo dizer-lhe que há situações que às vezes não, compreendo, sobretudo quando se trata dos direitos do homem V. Ex.ª sabe, porque me conhece bem, que não transijo na defesa dos direitos do homem, pois acho que é um elemento fundamental, necessário, não só à sobrevivência dos povos, mas também da humanidade.
Não sei se andaremos a reboque porventura de compromissos que desconheço, mas por vezes também me pergunto se essa solidariedade de compromissos abrange, por exemplo, a nossa situação, pois há Estados que estavam sob a soberania portuguesa e que agora pertencem a outro Estado com os quais temos relações. Ora, esses outros Estados, já que aí houve uma ocupação violenta, não mandam lá os seus governantes ou eles estão proibidos de passar por lá? Refiro-me, por exemplo, fazendo porventura caricatura da situação, a Goa, Damão e Diu.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não são casos parecidos!

O Orador: - Não são parecidos! Então...

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Sempre os reconhecemos!

O Orador: - Reconhecemos! Então com que fundamento, em função dos direitos, do homem e da liberdade dos povos?

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Mas era o direito à autodeterminação!

O Orador: - Se é esse, fica apenas à questão no ar para sabermos se realmente a solução também era essa.
Quanto ao facto de ter caracterizado a atitude como insólita, devo dizer que não quis envolver a bancada do meu partido nem, de modo nenhum, o Governo. Disse que havia uma omissão grave, referindo como fonte fundamental de informação o dossier que me foi enviado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, que não continha nenhumas reservas, que não as conhecia, que não me foram explicadas nem fundamentadas. Este é o ponto fundamental que está na base da sequência de tudo quanto foi relatado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Para colocar uma outra questão ao Sr. Presidente Fernando Amaral.

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, fica inscrito para formular o seu pedido de esclarecimento.
Para formular pedidos de esclarecimento, tem agora a palavra o Sr. Deputado Dias Loureiro.

O Sr. Dias Loureiro (PSD): - Sr. Presidente da Assembleia da República, creio que o sentido de Estado obriga a todos e obriga também a que tenhamos serenidade. Pela minha parte, será nesses limites que me vou tentar manter.
Queria colocar-lhe, de boa fé e com sinceridade absoluta, uma questão que para mim se afigura crucial para meu próprio esclarecimento e para meu próprio juízo
acerca de tudo isto. Mas, antes disso - perdoará V. Ex.ª -, vou fazer duas brevíssimas considerações.
Em primeiro lugar, quero dizer-lhe que, ouvindo o seu discurso, recordei de um personagem que Ferreira de Castro celebrizou e que certamente V. Ex.ª conhe-
cerá tão bem como eu. Refiro-me a Melo Palheta, um dos pioneiros que, no século passado, subiu em primeiro lugar o Amazonas e que, depois de o ter subido,
de tanta peripécia e de tudo aquilo que viu, só teve uma exclamação: "Acabei a minha capacidade de espanto." Devo dizer-lhe, Sr. Presidente da Assembleia
da República, que, ao ouvi-lo, me considerei bem mais simples mortal que Melo Palheta, porque não precisei de subir o Amazonas para acabar com " a capacidade
de espanto", bastando-me ouvir o seu discurso.

Aplausos do PSD.

O discurso de V. Ex.ª tem, pelo menos, duas partes distintas. Uma delas, consta das considerações, que teceu acerca do que deve ser a política externa e, concretamente, do que deve ser a nossa relação com ã União Soviética. V. Ex.ª tem todo o direito de o fazer como cidadão que é deste país e até terá todo o direito de o fazer como deputado e, portanto, membro de um órgão de soberania. Mas permita-me, Sr. Presidente Fernando Amaral, que lhe recorde que não é mau ter uma visão recíproca da solidariedade institucional, pois V. Ex.ª também é - não o pode esquecer - Presidente desta Câmara, Presidente de um órgão de soberania.
Portanto, seria bom ter este conceito de solidariedade institucional presente, sobretudo quando se está a discutir unia matéria cuja condução é da exclusiva responsabilidade e competência do Governo e, mais do que isso, quando se trata de política externa. Creio que aí, sobretudo aí, a solidariedade institucional devia estar presente.
Na sequência do seu discurso tinha três perguntas para lhe colocar, mas elas já foram levantadas pelo meu colega de bancada e líder parlamentar, António Capucho. Delas pareceu-me resultar claro e provado- se me permitir falar assim - que, tendo, por várias vezes, havido insistência por parte do Ministério dos Negócios Estrangeiros para que lhe fosse comunicado todo o programa da visita oficial da delegação à União Soviética, V. Ex.ª não o fez formalmente. 15to parece-me estar assente.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No entanto, V. Ex.ª faz uma condenação ética e política do Ministério dos Negócios Estrangeiros e do Governo baseado no seguinte:

O Governo ou o Ministério dos Negócios Estrangeiros teve conhecimento, em determinado momento, de que eu me ia deslocar à União Soviética e também à Estónia e só posteriormente veio dizer que, mercê da política externa portuguesa, haveria inconvenientes em que essa viagem fosse efectuada.

O Sr. Presidente da Assembleia da República perdoará, mas não compreendo essa atitude! Se, apesar dos pedidos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, V. Ex.ª não comunicou formalmente que ia visitar a Estónia, como é que vem depois condenar o Governo por não ter dado as informações? Como é que o Sr. Presidente da Assembleia da República diz que o Ministério sabia que V. Ex.ª ia à Estónia?

Protestos do PCP.

Esta é que é minha questão, pois é a partir dela que o Sr. Presidente da Assembleia da República condena a falta de informação por parte do Ministério! Só depois de resolvida esta questão é que estarei apto a fazer um juízo do Sr. Presidente da Assembleia da República.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PCP): - E é isto o secretário-geral do PSD!

O Sr. Presidente: -. Para responder, tem a palavra o Sr. Presidente da Assembleia da República.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: - Sr. Deputado Dias Loureiro, não quero repetir-me -acho que quem coloca as questões tem obrigação de estar atento àquilo que se referiu -, mas comecei até por lançar esta questão: não faltará quem levante a questão que o Governo não sabia que eu ia à Estónia.
Mas não é o facto de ir à Estónia que não obriga, penso eu, a que o dossier viesse completo com todas as questões e, sobretudo, acerca dessas reservas. Eu
poderia ir a Vladivostok, que é muito longe, mas as reuniões políticas, quer no domínio internacional, quer nas relações bilaterais das questões que se levantam nessas reuniões, deveriam fatalmente habilitar-me a estarem condições para poder dar resposta se esse problema fosse abordado, uma vez que é um problema que
existe.

O Sr. Dias Loureiro (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Presidente da Assembleia da República?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Dias Loureiro (PSD): - V. Ex.ª não disse ao Ministério que ia à Estónia, mas lamenta agora que o Ministério, apesar de tudo, não tivesse dito o que pensava sobre a questão das repúblicas bálticas. Ora, não poderá também admitir que o Ministério pensasse que, sendo V. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, soubesse o que pensam os países ocidentais sobre essa matéria, desde há 40 anos?

Risos do PCP.

O Orador: - Como é fácil, Sr. Deputado, raciocinar em presença de factos consumados!
Agora, V. Ex.ª e certamente muitos outros levantarão a ideia de que toda a gente sabe o que se passa na Estónia, na Lituânia e Letónia. Agora é fácil raciocinar, Sr. Deputado.

O Sr: João Amaral (PCP): - Nem o embaixador da URSS sabia!

O Orador: - Mas V. Ex.ª, como responsável político que é e até porque lê nos jornais, pois sei que é uma pessoa cuidadosa nesse aspecto, precisamente para estar à la page de tudo quanto se passa, porque é que não se despertou, porque é que não teve o sentido de solidariedade e não veio dizer ao seu companheiro de partido, à pessoa com quem tem relações, que havia realmente este problema. "Deixa lá avisar o Fernando Amaral, vou explicar-lhe o que se passa", por exemplo isso.

Vozes do PS e do PRD: - Muito bem!

O Orador: - 15to leva-me a crer que V. Ex.ª, tal como a generalidade de todos os outros, não era sensível para o problema. Agora, sim, estamos noutra situação.
Mas, Sr. Deputado, queria dizer-lhe, ultrapassando os pressupostos da pergunta, pois poderiam lançar-me em perspectivas diferentes que eu não quero para que se não julgue que somos "deputados de caçarelhas", que a esperança é um elemento tão condicionante das minhas perspectivas políticas que nunca a perco.
Por outro lado, entendo que deve haver serenidade, objectividade e que devemos centrar tão-só os esclarecimentos que pretendemos na questão fundamental. Com efeito já referi que não informei formalmente, portanto isto é um assunto encerrado. No entanto, se outro Sr. Deputado me vier perguntar isso de novo, certamente que me repetirei no assunto. Também já expliquei toda a movimentação em volta disso, pelo que não entendo a razão da reincidência na pergunta.
Sr. Deputado, queria também dizer-lhe que a solidariedade institucional não obriga ao silêncio, sob pena de, em função das explorações que se fizeram, continuarmos, porventura, numa situação de especulação condenável sobre órgãos de soberania. É, pois, com esse espírito que julgo que os debates se devam orientar e prosseguir nos esclarecimentos que ainda faltam.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, está inscrito o Sr. Deputado Costa Andrade.
Srs. Deputados do PSD, permitam-me informar que, dos 23 minutos atribuídos ao PSD para o debate, apenas têm dois minutos. Depois têm mais dez minutos, os quais poderão também utilizar em pedidos de esclarecimento, limitando, no entanto, o tempo de intervenção.
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

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O Sr. Costa Andrade (PSD): -Sr. Deputado Fernando Amaral, tenho dois minutos que se destinam precisamente a pedir esclarecimentos no rigoroso sen
tido do termo.
Esta questão já foi colocada, peço desculpa, mas a resposta não foi dada e convinha que fosse. O Sr. Deputado Fernando Amaral, ao referir-se a uma recomendação do Conselho da Europa, diz que se trata apenas de uma recomendação e que, portanto, não é vinculativa. Estou absolutamente de acordo, só que a recomendação parte de uma análise factual e essa análise é esta: nas repúblicas da Estónia são sistematicamente violados os direitos fundamentais do homem.
Concorda o Sr. Deputado com esta análise de facto ou a análise de facto do Sr. Deputado é outra? Está é a primeira questão que lhe coloco.

Protestos do PRD.

O Sr. Presidente de Assembleia da República: Sempre que estejam em causa os direitos do homem estou necessariamente na primeira linha.
Quanto ao que se passa na Estónia, devo dizei-lhe muito francamente que não sei e não faço juízos ...

Protestos e risos do PSD.

Aqui está uma atitude que não suporto, não acho digna, não acho correcta, porque eu não estou aqui para fazer graça; estou aqui para responder seriamente e com todo o peso das minhas convicções. Exijo dos Srs. Deputados o respeito que me é devido, porque também os trato com o mesmo respeito.

Aplausos do PS, do PRD, do PCP, do CDS e do
MDP/CDE.

Sr. Deputado Costa Andrade, desculpe esta minha reacção, mas não suporto indelicadezas porque não sou indelicado para ninguém.

O Orador: - O discurso do Sr. Presidente da Assembleia da República foi longo, muito preciso e claro no que toca a enunciação de factos. Ficámos perfeitamente esclarecidos quanto à cronologia, mas quanto ao sentido material do discurso ficaram-nos algumas dúvidas.
Por um lado, o Sr. Presidente diz: " Não fomos bem informados pelo Governo", deixando entender que se o tivessem sido, a conduta seria outra.
Por outro lado, e isto parece contrariar aquilo que se deixa supor no prolongamento da outra hipótese, o Sr. Deputado fez toda uma tese do direito internacional, utilizou argumentos de carácter literal, sistemático e histórico, inventou todo um conjunto de coisas, inventou algo que se terá passado em Portugal desde 1940, para concluir - foi a tese do Sr. Deputado que as reservas que agora se invocam não tinham razão de ser.
Ora, isto suscita-me alguma perplexidade. Qual é, afinal, a atitude verdadeira: o Sr. Deputado se tivesse sabido não iria ou, pelo contrário, se as coisas se tivessem esclarecido "eu manteria a minha porque entendo, á luz da minha interpretação do direito internacional, que não há argumentos para este tipo de reservas".
Terceira pergunta...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Costa Andrade, esgotou o seu tempo disponível.

O Orador: - Sr. Presidente, penso que no meu tempo foi contabilizado o tempo de resposta do Sr. Presidente da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Costa Andrade, as intervenções do Sr. Presidente da Assembleia da República não foram contabilizados no tempo do seu partido, mas queira terminar a sua questão.

O Orador: - Uma pergunta muito curta que não faria se pudesse dizer do Sr. Presidente da Assembleia da República o que Unamuno dizia dele próprio: "Aqueles que me conhecem sabem que não sou capaz de estar calado, que não sou capaz de ficar quieto."
O Sr. Presidente da Assembleia da República disse que o Governo não tem sentido de Estado, disse que a Assembleia, e só a Assembleia, teve neste processo sentido de Estado. Ora, estando o Sr. Presidente com a Assembleia atrás e do lado do Estado, estando o Governo contra o Estado, quem não o conhece e não sabe bem que atitude o Sr. Presidente vai tomar, pergunto se a atitude do Sr. Presidente é só o protesto desta intervenção?

O Sr. Presidente da Assembleia de República: Sr. Deputado Costa Andrade, V. Ex.ª continua também, na linha do pensamento de outros Srs. Deputados, por vezes, a raciocinar, apenas e tão-só, em presença dos factos consumados.
Mas é preciso que V. Ex.ª se situe lá, no local em que estávamos, no desconhecimento dessas situações e sabendo apenas que se trata de uma razão de Estado que não conhecíamos perfeitamente.
As reservas em relação aos estados bálticos só aparecem depois do comunicado. Se nos fosse dito de antemão que o Governo Português tinha já manifestado publicamente, aqui, além ou não sei onde, reservas quanto a isso... o princípio pelo qual cancelámos a viagem foi o de nos subordinarmos aos critérios que o Governo comanda quanto à sua política externa, embora tivéssemos o desejo de conhecer e de saber os fundamentos reais da razão de Estado que levavam a esse pedido de; cancelamento.
Se eu soubesse de antemão que o Governo Português tinha efectivas reservas em relação às repúblicas bálticas, certamente que o programa nem se faria.
E quando sabemos que vamos à Estónia, precisamente através da Embaixada de Portugal em Moscovo, quem é que levanta questões desse género? Quem as suspeita?

Aplausos do PS, do PRD, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente da Assembleia da República, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - 15so permite-me concluir que a outra vertente do discurso, na medida em que o Sr. Presidente apresenta argumentos de carácter de direito internacional, de história, etc...

O Orador: - Para justificar as minhas dúvidas, Sr. Deputado, lá, naquele ambiente.

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O Sr. Costa Andrade (PSD): - Mas, neste momento, aqui, uma vez que o Sr. Presidente...

Protestos do PS, do PRD, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

O Orador: - Sr. Deputado, não lhe vou agora fazer a confissão pública porque isso não diz directamente respeito ao esclarecimento que se pretende aqui demonstrar.

0 Sr. Costa Andrade (PSD): - O esclarecimento que solicito, Sr. Deputado, é o seguinte: o Sr. Deputado invocou um conjunto de argumentos de carácter histórico, literal, de convenções de direito internacional
Na altura, utilizou apenas esses argumentos como suposição ou ainda os mantém?
Este é um pedido de esclarecimento perfeitamente justificado face à intervenção que o Sr. Deputado acaba de produzir.

O Orador: - Sr. Deputado, não posso falar em nome da Assembleia da República para lhe poder dar a resposta conveniente, e V. Ex.ª vai-me permitir que guarde o meu posicionamento pessoal para outra oportunidade.

Aplausos do PS, do PRD e do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vasco da Gama Fernandes.

O Sr. Vasco da Gama Fernandes (PRD): - Sr. Presidente, quero apenas anunciar que considero a autópsia feita, já se pode considerar qual é o cadáver, pelo que prescindo do uso da palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Quero formular este pedido de esclarecimento de uma forma muito sóbria, como o Sr. Presidente pediu, mas na realidade não posso deixar de sublinhar o grande rigor, a isenção e a dignidade com que o Sr. Presidente apresentou ã Assembleia da República as posições e as perplexidades da delegação que chefiou, em face do incidente político-diplomático muito grave que foi criado pelo Governo.
Uma primeira pergunta que coloco, muito simples, é a seguinte: uma vez que o lamentável comunicado do Governo foi publicado em Lisboa ao fim da tarde do dia 11, em que data e a que horas é que ele foi transmitido à delegação parlamentar que se encontrava na União Soviética?
Entretanto, Sr. Presidente, foi-nos agora distribuída uma documentação que tínhamos pedido ao Ministério dos Negócios Estrangeiros. Essa documentação confirma largamente o que foi dito pelo Sr. Presidente, bem como confirma o que supúnhamos.
De facto, na Embaixada de Portugal em Moscovo não havia qualquer documentação sobre reserva em relação ao território da União Soviética. Para além disso, é-nos dada a informação de que o embaixador de Portugal na União Soviética visitou a Lituânia, enfim, múltiplas e múltiplas confirmações.
Mas há um dado muito curioso, o qual gostaria que o Sr. Presidente comentasse.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Mais alguma nota do Salazar, não?

O Orador: - Num de dois telexes, provavelmente um dos tais que não foram entregues ao Sr. Presidente (estão aqui dois que correspondem mais ou menos ao teor que o Sr. Presidente referiu), são dadas instruções ao Sr. Embaixador no sentido de lhe comunicar um determinado despacho, despacho esse emitido no dia 13 de Fevereiro, mas que a Embaixada não tinha. Esse despacho chegou lá juntamente com um outro no qual seguiam as instruções para o Sr. Embaixador relativamente à delegação parlamentar que se encontrava na União Soviética.
Esse despacho é datado de 13 de Fevereiro e diz, entre outras coisas, que "o Sr. Embaixador de Portugal em Moscovo não se deve deslocar aos países bálticos".
A 4 de Fevereiro, o Sr. Presidente comunicou para o Ministério dos Negócios Estrangeiros que tinha aceite o convite do Soviete Supremo e nessa altura solicitou o famoso dossier, dossier esse que lhe foi fornecido a 27 de Fevereiro.
Ora, o despacho de 13 de Fevereiro foi emitido, portanto, mais ou menos, entre aquelas datas.
Como é que se compreende que a matéria deste despacho não tivesse sido incorporada nesse dossier?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Esta questão não coloca, clara e abertamente, uma questão de boa-fé?

Vozes do PCP: - Muito bem?

O Sr. Presidente da Assembleia da República: Sr. Deputado, sem poder afiançar com todo o rigor, penso que o comunicado nos foi participado telefonicamente durante a parte da tarde do dia 13.
Quanto ao que V. Ex.ª me refere devo dizer que, pelo que me foi dito durante a primeira conversa que tive com o Sr. Embaixador, eu sabia que um dos dois telexes se referia a determinada documentação que ainda não havia chegado na mala do correio diplomático, porque esta estava atrasado. Por outro lado, não tinha conhecimento do seu teor porque não me foi fornecida cópia dele, pelo que ainda hoje não sei o que nele se diz.
Anoto, porém, o facto que V. Ex.ª me refere e que vem situar a data de emissão desse despacho entre a data do meu pedido do dossier e a data em que ele me foi entregue.
E o facto de tal ter sido participado à Embaixada em Moscovo e não me ter sido participado a mim é mais uma razão funda para estranhar o facto insólito de no dia 27 me terem enviado esse dossier com um facto tão recente que tenha sido objecto de correspondência diplomática para o Sr. Embaixador que, aliás, também o desconhecia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente da Assembleia da República, podemos dizer que este lamentável episódio se desenvolveu em duas frentes: uma, a nível interno, de que foram protagonistas o

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Governo e o Ministério dos Negócios Estrangeiros; outra, a nível externo, cabendo à delegação da Assembleia da República enfrentar a situação criada pelos primeiros protagonistas.
Nesta segunda frente e de tudo o que nela se desenrolou posso dar o meu testemunho.
Aproveito para expressar a V. Ex.ª toda a minha admiração pela maneira corajosa e pela dignidade querevelou em enfrentar tão difícil situação que todos nós
lá vivemos.
Presto, pois, aqui as minhas homenagens a V. Ex.ª.
Agora, tentando esclarecer melhor esta situação, quero apenas saber se uma declaração do Sr. Primeiro-Ministro na televisão, onde aparece tão poucas
vezes...

Risos do PS.

... foi precedida de alguma contacto ,ou de alguma aquiescência de V. Ex.ª para dizer que este tão episódio da nossa vida nacional se podia considerar encerrado.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: - Sr. Deputado Ferraz de Abreu, não quero pronunciar-me sobre essa situação.
Trata-se de um, critério de S. Ex.ª o Sr. Primeiro-Ministro, que aceito como sendo uma afirmação de uma pessoa altamente responsável.
O meu critério não é esse. Entendo que, para esclarecimento total da opinião pública, importa saber até onde vai a responsabilidade de cada órgão neste imbróglio que se criou.
Daí que eu entenda que haveria necessidade. deste esclarecimento, desta troca de impressões e que o facto se não pode ultrapassar assim tão facilmente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS):- Sr. Presidente da Assembleia da República, o carácter é em si mesmo um valor político e cívico pelo que, desde já, quero manifestar a V. Ex.ª o nosso respeito, o nosso apoio e a nossa solidariedade.
Sou membro da delegação parlamentar portuguesa ao Conselho da Europa, da qual, aliás, sou vice-presidente, mas não participei na sessão plenária, onde
foi discutida e votada a resolução já aqui, referida e que, como já várias vezes aqui foi sublinhado, tem um carácter vinculativo.
Neste momento desconheço, aliás, se o Comité de Ministros do Conselho da Europa tomou ou não posição sobre a matéria.
Mas no ponto em que está a discussão, no ponto a que chegámos sobre a questão de fundo, devo dizer que se neste momento eu fosse perguntado sobre a matéria responderia agora como respondeu então o Sr. Deputado Amândio de Azevedo, ou seja, que Portugal não tem uma posição concreta sobre essa matéria, porque é isso o que constato.
Foi aqui dito por alguns Srs. Deputados que o Ministério dos Negócios Estrangeiros não tinha conhecimentodo programa.
Se não estou em erro, V. Ex.ª afirmou na sua exposição que o programa lhe foi comunicado por telefone pela Embaixada Portuguesa em Moscovo.
A ser assim, quero perguntar a V.Ex.ª se tal desconhecimento não é, antes, um problema interno do Governo, nomeadamente do funcionamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros

Vozes do PS, do PCP e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, Sr. Presidente, se a memória não me atraiçoa e uma vez que não o tenho aqui presente, o comunicado do Governo refere a posição
dos países da NATO e da CEE sobre esta matéria.
Gostaria. de perguntar a V.Ex.ª se porventura lhe foi comunicado pelo Governo, pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, quais os países da NATO ou da CEE que manifestaram reservas quanto ao reconhecimento das Repúblicas Bálticas como parte integrante da União Soviética, quando o fizeram, como o fizeram, sob que forma e se foi feito esporadicamente ou se o têm feito de uma maneira continuada e persistente. 15to, porque essa referência foi feita no comunicado do
Governo, se não estou, em erro, mas não tenho conhecimento dela(não sei se o próprio Governo tem), porque nada foi adiantado sobre qual a forma, quando
e como esses países manifestaram essa posição.
Sem dúvida que isso é importante para a posição portuguesa, com parte integrante que é da NATO e da CEE, embora eu entenda que Portugal, no conjunto de interpendências que é a vida política internacional de hoje, deve ter também a sua voz própria e o máximo de autonomia possível porque só isso é compatível com a dignidade e com a independência nacional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente da Assembleia da República: - Sr. Deputado, tenho apenas que reafirmar que, efectivamente, no dia 5 de manhã se recebeu o telefonema
da Embaixada em Moscovo referindo qual o percurso da visita.
Quanto às restantes perguntas que colocou, quero referir a V.Ex.ª e que não tenho qualquer conhecimento sobre o assunto porque até ao momento não recebi por parte do Governo qualquer informação acerca das mesmas.

Aplausos do PS, do PRD, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

Sr. Presidente, desejo fazer ainda uma declaração.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Presidente da Assembleia da República.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: - Desejo fazer uma declaração em função do muito respeito, admiração e também, de algum modo, prestar a minha solidariedade ao Sr. Deputado Adriano Moreira que, conforme fui informado no início deste debate, não pode estar aqui presente para participar neste debate por - infelizmente, e por isso vai a minha solidariedade à dor que agora sente - lhe ter falecido sua mãe.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, de imediato os diferentes grupos parlamentares irão produzir as suas respectivas intervenções, para as quais há já inscrições para as quais há já inscrições.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

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18 DE MARÇO DE 1987 2193

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo insiste em criar confrontos institucionais com a Assembleia da República. Só que desta vez foi longe demais.
Este governo do PSD, apesar da sua base de apoio parlamentar ser francamente minoritária, actua como se não tivesse de prestar contas a ninguém ou como se este órgão de soberania não tivesse como uma das suas principais funções, fiscalizar a actividade governamental e não o contrário. O Governo depende da Assembleia da República e não é a Assembleia da República que depende do Governo. Quantas vezes é preciso dizer isto para que o Governo cumpra a Constituição?
Incapaz de solucionar os graves problemas sociais com que a população se defronta, incapaz de criar melhores condições de vida aos Portugueses, exercendo a sua actividade sem eficácia em todos os sectores vitais para o País, o Governo, numa tentativa de camuflar a sua fraqueza, opta pelo conflito permanente com a Assembleia da República.

O Sr. António Capucho (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Nada do que dizemos é, infelizmente, novidade. Todos sabemos como este elenco governamental em vez de procurar democraticamente o diálogo e de tentar obter consensos, actua com arrogância, sem respeito pelas mais elementares regras constitucionais. O relacionamento com a Assembleia da República não pode, em circunstância alguma, reger-se por normas impostas pelo Governo.
A Assembleia da República não aceita, e já o tem demonstrado, os confrontos, as imposições ou as ameaças de abertura de crises políticas por parte do Governo.
O que o País necessita é de um governo que saiba governar na defesa dos verdadeiros interesses nacionais e não de um governo que procure constantemente a desestabilização.
À Assembleia da República não cabem quaisquer responsabilidades pelo aumento do desemprego, pela inexistência de uma política de desenvolvimento do País, pela situação caótica em que o ensino se encontra, ou pela não aplicação de programas e de políticas credíveis que relancem a nossa economia.
Antes pelo contrário, deve-se à Assembleia da República, com a sua actuação democrática e consciente, que algumas medidas gravosas do Governo não tivessem sido aplicadas.
Mas o Governo foi, desta vez, longe demais.
O Governo decidiu atingir a dignidade não só do órgão de soberania, a Assembleia da República, o que é grave, mas também a dignidade da segunda figura do Estado: a do próprio Presidente da Assembleia da República, que merece inteiro apoio do Grupo Parlamentar do MDP/CDE e de toda a oposição, como ficou amplamente demonstrado.
O Primeiro-Ministro e todos os membros deste governo actuaram de uma forma que excede tudo o que é possível imaginar, com reflexos negativos e até caricaturais a nível internacional.
Não tenhamos dúvidas Srs. Deputados: a figura do Sr. Presidente Fernando Amaral foi posta em causa e quando assim aconteceu foi afectada a própria dignidade do Estado.
O Presidente da Assembleia da República e todo 0 Parlamento foram desautorizados.
Não podemos deixar passar em claro esta afronta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há mais de dez anos foi assinada por dezenas de Estados a Acta Final de Helsínquia. Nesse importante documento diz-se nomeadamente que os Estados participantes na conferência consideram como invioláveis todas as suas fronteiras, abstendo-se, em conformidade, de qualquer acto incompatível com os princípios e os fins da Carta das Nações Unidas contra a integridade territorial, independência política ou unidade dos Estados participantes.
Portugal é subscritor desta Acta, que ratificou as fronteiras de todos os Estados.
A propósito da deslocação da delegação da Assembleia da República à União Soviética convém recordar, Srs. Deputados, que esta constitui a retribuição de idêntica visita efectuada ao nosso país, a convite da Assembleia da República, de uma representação soviética em Junho de 1985. Essa delegação era presidida pelo Sr. Ruitel, Vice-Presidente do Presidium do Soviete Supremo e Presidente do Soviete Supremo da República da Estónia.
Esses parlamentares foram recebidos pelo Presidente da República e pelo Primeiro-Ministro, pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros e pela Assembleia da República, tendo sido acompanhados nas suas deslocações no nosso país pelo então deputado do PSD e Vice-Presidente da Mesa da Assembleia da República Manuel Pereira, hoje deputado ao Parlamento Europeu.

Pausa.

Sr. Presidente, quando o Sr. Secretário-Geral do PSD deixar que o Sr. Ministro ouça a minha intervenção, eu continuarei. O Sr. Secretário-Geral do PSD desculpar-me-á, mas é que estou a falar para o Governo, pelo que V. Ex.ª terá de respeitar o que estou a dizer. Se não quer ouvir a minha intervenção vá para os corredores tomar um café que não lhe faz mal algum.

Vozes do PSD: - Malcriado!

O Orador: - Viu-se bem a boa educação de VV. Ex.as quando o Sr. Presidente da Assembleia da República chegou ontem a Lisboa, como o PSD se fez representar na Assembleia da República e como se comportaram aqui quando o Sr. Presidente entrou nesta Assembleia.

O Sr. António Capucho (PSD): - E o que é que o senhor tem a ver com isso?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, estão reunidas as condições para poder prosseguir com a sua intervenção.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Do comunicado final dessa deslocação resulta, de entre outros pontos, o desejo expresso de contribuir para o
desenvolvimento das boas relações, de boa vizinhança e de cooperação entre ttodos os Estados nos termos da Acta Final de Helsínquia.
Ninguém pôs em causa nem a visita, nem a qualidade dos elementos que constituíram a delegação sovié-

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tica, nem os termos do comunicado assinado entre as duas partes, nem o actual governo tomou alguma vez posição política sobre as repúblicas bálticas. Nunca o fez!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Numa altura em que há boas perspectivas para o desanuviamento internacional, o Governo Português, numa demonstração de incapacidade em manter uma política externa autónoma e independente, tentou com um acto que não consideramos irreflectido, mas sim irresponsável, criar um ambiente contrário à boa cooperação entre os povos.
Esta gravíssima conduta governamental é lamentável, O Governo tinha conhecimento do tipo de deslocação que iria ser efectuada. Ninguém esteve contra o programa, nem o. Governo fez saber, por exemplo, à Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, onde o Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares tem assento, que havia alguma reserva nas relações entre os dois países.
0 Governo preferiu aguardar que o Sr. Presidente da Assembleia da República e os deputados que constituíam a representação parlamentar, entre os quais se contavam presidentes e vice-presidentes de grupos parlamentares e membros da Mesa da Assembleia da República, se encontrassem já no estrangeiro e em plena visita para abrir novo confronto com a Assembleia da República num acto hostil que repudiamos.
É também extremamente grave e grosseiro que o Governo nem sequer se tenha dignado informar a Assembleia da República e o seu presidente em exercício da posição pública que ia assumir naquele aberrante comunicado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, vou terminar. O que se passou constitui, sem dúvida, mais uma grave afronta a somar à extensa lista de actuações pouco dignas de um governo que urge ver substituído através do indispensável encontro de uma solução alternativa por parte das forças da oposição com assento na Assembleia da República.

Aplausos do MDP/CDE e de alguns deputados do PS, do PRD e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão que nos ocupa não é uma questão menor, nem pode ser reduzida às dimensões mesquinhas da pura chicana política. Assim o entendeu, desde o inicio, V. Ex.ª, Sr. Presidente Fernando Amaral, e ao longo do seu discurso, a que quero aqui prestar a minha homenagem.

Uma voz do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não é uma questão menor, porque envolve a seriedade de que se deve revestir o comportamento dos órgãos de soberania no quadro das relações internacionais; não é uma questão comodamente redutível às proporções da mera chicana política porque está em causa a dignidade que deve pautar o relacionamento institucional.
E porque se não trata de uma questão menor, nem de um conflito que seja legítimo empolar por razões partidárias, no sentido mais estreito da palavra, gostaria de saber guardar a serenidade que o respeito pelos valores em jogo exige de cada um de nós.
Mas serenidade que, diga-se desde logo, não pode excluir firmeza na condenação do que em nosso entender é condenável, porque atentatório do prestígio do
País e desta Assembleia da República.
Sobre o modo como foi, preparada a visita da missão parlamentar que acaba de se deslocar à União Soviética já o Sr. Presidente da Assembleia nos deixou aqui um relato exaustivo.
Não vou retomá-lo, nem sobre ele me atardarei.
Direi apenas - e, agora, em nome do meu grupo parlamentar - que quero exprimir ao Sr. Presidente da Assembleia da República a solidariedade do Grupo Parlamentar do PS e o seu apreço pela forma como assumiu, neste caso, a defesa da dignidade da Assembleia da República, a que acrescentarei, por, certo com o acordo dos meus camaradas de partido, a dignidade do Estado Português.

Aplausos do PS, do PCP e do MDP/CDE.

Para o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, mais importante do que dilucidar até ao mais ínfimo pormenor a forma como foi organizada aquela visita, apurar com prudente minúcia o rigor dos factos que envolveram essa organização, bem mais importante do que isso, é a situação criada, no plano externo e no plano interno, pela atitude que o Governo entendeu assumir e que constitui uma clara afronta às mais elementares regras da conduta diplomática e_ da cooperação entre órgãos de soberania.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!

O Orador: - Atitude que nenhum erro ou omissão, porventura cometidos pela Assembleia da República, na preparação da visita à União Soviética - o que não foi o caso - poderia explicar e menos ainda justificar.

Uma voz do PS: - Muito bem!

O Orador: - Daí que o mais importante neste momento não seja saber-se se era ou não aconselhável incluir no itinerário da missão parlamentar uma visita à República da Estónia.
Como não é também, porventura, o mais importante saber se o Governo, nos elementos que facultou à Assembleia da República sobre as relações luso
-soviéticas, omitiu ou não quaisquer informações sobre a sua posição face às chamadas " repúblicas bálticas" - e é incontroverso que as omitiu -, embora se nãoo tivesse feito teria certamente evitado os problemas posteriormente surgidos.
Mais relevante é, contudo, saber se o Governo conheceu as grandes linhas do programa da missão parlamentar com antecedência que lhe permitisse exprimir junto da Assembleia da República a sua posição. Tudo indica que sim, que o conheceu com antecedência, que o conhecia ou que, no mínimo, o podia ter conhecido, quanto mais não fora através dos seus próprios canais diplomáticos ou de ligação à Assembleia da República - para não referir já a imprensa, que a publicitou no dia 7 de Março.
Mas ainda que assim não fosse, essa ignorância não poderia justificar a atitude do Governo.
Em qualquer circunstância esta estrita obrigação do Governo agir com tacto, discrição, ponderação, numa palavra, com sentido de Estado, que são o contrário mesmo do alarido, do rufar de tambores e soar de

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trombetas com que o Governo veio à praça pública condenar e denunciar a Assembleia da República, indiferente e alheio à imagem que dava do Estado Português, já não só no plano interno, mas também no plano internacional.
E porquê?
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros explicou-o (e explicou-o sem sorrir): era urgente um esclarecimento público, não fosse alguém mais desprevenido imaginar que a política externa portuguesa sofrera uma inusitada viragem!
Se esta era a intenção do Sr. Ministro, o resultado só terá sido o de reforçar a ideia de que o casuísmo é a regra de actuação do Governo em matéria de política externa ...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Exacto!

O Orador: - ...para não referir já o espanto que o modo como o Executivo agiu terá por certo causado em todas as chancelarias estrangeiras.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não teve o Governo oportunidade de contactar o Sr. Presidente da Assembleia antes da sua partida para a União Soviética, alertando-o para a natureza do programa já acordado? Tudo indica que sim. Porque o não fez?
Tinha o Governo canais diplomáticos que lhe permitissem agir e fazer chegar a sua posição à missão parlamentar, com a discrição que se impunha? Por certo que sim,
O Governo proferiu o comunicado de imprensa. A repreensão pública.
Atitudes a que o Sr. Primeiro-Ministro nos vai querendo habituar. Atitudes que não cedem, nem perante a solidariedade governamental (quem esqueceu já a saga do aumento dos professores universitários), nem perante a solidariedade institucional, nem sequer perante o sentido de Estado.
Tinha o Governo a estrita obrigação de manter a Assembleia da República e o Presidente em exercício informados das iniciativas que tencionava tomar? A estrita obrigação de delas lhes dar conhecimento antes de as tornar públicas? Por certo que sim, por certo que tinha.
O Governo preferiu o facto consumado.
Escolheu uma via nova e original: o relacionamento com a Assembleia da República por interposto comunicado de imprensa.
E é tudo isto, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que é grave: a leviandade com que o Governo se permite agir tanto no plano interno como no plano externo; o acinte que coloca nas suas relações com a Assembleia da República. Grave e intolerável!
É necessário que o Sr. Primeiro-Ministro apresente a esta Assembleia todas as razões que levaram o Governo a agir como agiu, a publicar o comunicado que publicou, a não tratar a visita com a responsabilidade que se impunha.
Quem colocou, e a quem, as cascas de banana a que o Sr. Primeiro-Ministro fez referência na sua declaração televisiva de 14 de Março?

0 Sr. Jorge Lemos (PCP): - Boa pergunta!

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro e o Governo acomodam-se mal com a existência de uma Assembleia que não se deixa controlar nem dominar.
Mas o Sr. Primeiro-Ministro e o Governo têm que se habituar ao funcionamento das instituições democráticas e têm que habituar-se a respeitá-las.
Porque vivemos em democracia e porque democracia não pode ser impunidade, ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, responsável pela política externa, não deveria, perante a situação criada, restar outro caminho que não fosse o de se demitir.

Aplausos do PS, do PRD, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Deputado Fernando Amaral: Não posso começar esta declaração sem lhes exprimir, em nome do Grupo Parlamentar do CDS e no meu próprio, o respeito devido à sua atitude corajosa e digna...

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!

O Orador: - ...que em circunstâncias tão difíceis, tornou possível a defesa da dignidade nacional, evitou as consequências mais gravosas da quebra da solidariedade institucional e impediu que o procedimento do Governo pusesse em causa interesses fundamentais do País.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Saudamo-lo e exprimimos-lhe, pois, a nossa solidariedade como presidente desta Assembleia.

Aplausos do CDS, do PS, do PRD, do PCP e do MDP/CDE.

15to nada tem a ver com as posições que V. Ex.ª tem o direito pessoal de exprimir em matéria de política externa, como em outros domínios, e de que em certos casos tivemos ocasião de discordar, as quais, aliás, não constam do comunicado final da visita à URSS.
O CDS teve já ocasião de afirmar com clareza a sua posição sobre este lamentável incidente através dos seus órgãos próprios e, em particular, através do seu presidente, que razões - e só por essas - já conhecidas, o impedem de estar hoje aqui presente.
Consideramos, em primeiro lugar, necessário preservar a imagem externa de Portugal, que nada nem ninguém tem o direito de atingir.
Consideramos, em segundo lugar, a defesa da dignidade dos órgãos de soberania, que por nenhuma razão de conveniência política é admissível pôr em causa.

Uma voz do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Consideramos, em terceiro lugar, a necessidade do cumprimento de regras fundamentais de relacionamento institucional, sem as quais o regime democrático não pode funcionar, e que por isso constituem um verdadeiro imperativo constitucional.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Consideramos, em quarto lugar, o respeito por um quadro de valores fundamentais nos quais

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se tem que inscrever toda a acção política, sob pena de o confronto de opiniões ou dê estratégias a ela inerentes se transformar numa guerrilha onde vale tudo e onde os fins justificam todos os meios.
Finalmente, queremos aqui fazer a afirmação clara de que a política externa portuguesa, por cuja condução o Governo é responsável, não é um património exclusivo deste ou daquele ministro, mas deve exprimir os interesses fundamentais do País, no quadro de um consenso nacional, que sempre tem existido entre os partidos democráticos e que agora ameaça ser gravemente perturbado.
Como queremos aqui exprimi a nossa adesão clara a um conjunto de princípios basilares de ordem internacional, entre os quais o direito pelo direito à autodeterminação dos povos e o primado da liberdade individual, e a nossa recusa em aceitar quaisquer situações em que esses direitos sejam violados, com o acontece nas chamadas repúblicas bálticas. A posição que temos sobre esta matéria, quanto ao fundo da questão; não deve ser confundida com outra questão, que é a do comportamento do Governo e da sua relação com este Parlamento. É esta a questão fundamental que está hoje aqui a ser discutida e que hoje aqui deve ser aclarada.

Vozes do CDS e do PS: - Muito bem!

O Orador: - À luz destas regras, que, além do mais, são as que o bom senso impõe, se deveria ter resolvido um problema que, sendo delicado, não era com certeza insolúvel. Assim o impunha, em primeiro lugar, o interesse nacional.
Deveria ter sido assim, mas não o foi, e para nós é claro, e ficou aqui já demonstrado, e por isso o declaramos agora com plena convicção que a principal responsabilidade de tal facto não é da Assembleia, mas do Governo, e em especial do Ministro dos Negócios Estrangeiros.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - É que há um facto que não precisa de mais comprovação, mesmo para os Srs. Deputados menos atentos: a Assembleia da República soube do programa da visita à União Soviética através da Embaixada de Portugal em Moscovo. E não é pois lícito sequer admitir...

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... que desse facto se não retire a conclusão de que o Ministério dos Negócios Estrangeiros poderia desconhecer esse programa.

Vozes do CDS, do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E a verdade clara é que o MNE não manifestou qualquer reserva sobre eles antes da partida da delegação.
Aliás, a actuação do MNE exige já cabal esclarecimento e espera-se do Sr. Ministro, aqui presente, que sejam fornecidos à Assembleia da República todos, mas todos, os dados de que o Governo dispõe, e permito-me desde já observar que os elementos que à última hora nos foram fornecidos não preenchem esta necessidade absoluta. É que esses dados são indispensáveis para que se possam apurar responsabilidades e os Portugueses possam adquirir a certeza de que não são enganados por quem tem o dever de os informar com total isenção.

Vozes do CDS e do PS: - Muito bem!

O Orador: - Esperamos que este debate, que deve ser sério e rigoroso mas não dramatizado, venha a concluir-se de modo a permitir ainda a reparação dos danos políticos e morais produzidos pela forma como todo este processo foi conduzido pelo Governo.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!

O Orador: - Esperamos também que dele possamos sair com uma ideia clara, do modo como o Ministro dos Negócios Estrangeiros e o Governo que integra se determinaram na defesa do interesse nacional, das regras de funcionamento da nossa diplomacia e dos valores fundamentais que lhes estão subjacentes.
Porque o que este incidente revela não é tão-só uma indisculpável ligeireza, é também uma perigosa incompetência, uma manifesta incapacidade, que nenhum subterfúgio propagandístico consegue já iludir.
A Assembleia da República não pode pois aceitar ser vítima da incompetência do Governo! Pela nossa parte estamos dispostos a assumir todas as nossas responsabilidades. Esperamos, pois, que o Governo faça o mesmo.

Aplausos do CDS, do PS, do PRD, do MDP/CDE e de alguns deputados do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos de Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O incidente político e diplomático criado pelo Governo a propósito da deslocação de uma delegação parlamentar à União Soviética constitui uma afronta sem precedentes à Assembleia da República, ao seu Presidente - segunda figura do Estado - e ao próprio prestígio e dignidade do Estado Português perante a comunidade internacional. '
A conduta do Governo é escandalosa e indefensável. O comunicado através do qual o Gabinete do Primeiro-Ministro trouxe a questão a público em 11 de Março, as acusações irresponsáveis do Ministro dos Assuntos Parlamentares no dia 12 de Março, as declarações do Primeiro-Ministro no Porto, apresentando uma versão falsa dos acontecimentos e apressando-se a considerar encerrado o grave incidente, tentando minimizá-lo, traduzem uma chocante falta de sentido de Estado e de solidariedade institucional, como foi sublinhado pelo Presidente da Assembleia da República em nome da delegação parlamentar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas por cima de tudo isto é especialmente grave que o Governo, a frio, conhecendo agora sem nenhuma espécie de dúvidas os factos e as opiniões da delegação, expressas no comunicado lido à chegada pelo Sr. Presidente da Assembleia, tenha entendido replicar de imediato, remetendo à televisão o Ministro dos Negócios Estrangeiros, que, no seu estilo peculiar,

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sem poder desmentir que o Governo teve conhecimento prévio do programa da visita, sustentou uma versão falsificada dos factos e fez graves críticas e imputações ao Presidente da Assembleia da República sobre os critérios que presidiram à sua decisão e adiantou novas acusações à Assembleia da República.

O Sr. João Amaral (PCP): - Que vergonha!

O Orador: - Todos os elementos comprovam que não estamos perante mais um deslize ou mais uma manifestação de incompetência do Governo e, em especial, do Ministro dos Negócios Estrangeiros. Tudo indica que a actuação do Governo foi e é premeditada e marcada pela má-fé.
O Governo falta à verdade e revela má-fé quando alega e continua a alegar perante a opinião pública o desconhecimento do programa da visita.

Os Srs. João Amaral (PCP) e Manuel Alegre (PS): - Muito bem!

O Orador: - É verdade e está provado que a Embaixada de Portugal em Moscovo participou activamente na organização do programa da visita, que comunicou em primeira mão à Assembleia da República no dia 5 de Março. É impensável que não exista cópia no MNE desta comunicação e dos contactos feitos pela Embaixada com as autoridades soviéticas na organização da visita.
O programa da visita foi debatida e acordado entre uma delegação parlamentar constituída por deputados destacados de todos os grupos parlamentares, salvo um, que não pôde fazer-se representar por motivos que são conhecidos, e o embaixador da União Soviética em Lisboa, no dia 5 de Março. Foi entregue no dia 6 de Março no Gabinete do Secretário de Estado encarregue das relações com o Parlamento; foi amplamente distribuído pelos deputados, grupos parlamentares e órgãos de comunicação social; foi especialmente comunicado a cada um dos membros da delegação em oficio do Gabinete do Sr. Presidente da Assembleia da República.
Cobre-se, assim, de ridículo o Primeiro-Ministro e os que o seguiram quando diz que os membros da delegação só conheceram o programa quando chegaram a Moscovo e insinua que a Assembleia teria caído numa casca de banana e também o Ministro dos Assuntos Parlamentares quando afirma que soube da deslocação pela imprensa.
Em segundo lugar, o Governo diz que fez o que tinha a fazer para comunicar à Assembleia a sua posição sobre uma questão que se prende com a condução da política externa. É falso!
No dossier enviado pelo MNE à Assembleia não faz qualquer reserva a qualquer território da União Soviética. Na Embaixada em Moscovo nada consta, como se confirma agora pela documentação enviada pelo Governo, e, se toda essa documentação for verdadeira, o que sobra são motivos, novos motivos, para suspeitar da boa-fé do Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ainda que se pudesse aceitar a falsa alegação do Governo de que só teria conhecido o programa pela imprensa que o divulgou nos dia 7, 8 e 9
de Março, com menção específica da visita à Estónia, o Governo não faz nenhuma diligência junto da Assembleia da República para lhe comunicar as suas objecções. Deixou partir a delegação no dia 10 sem qualquer contacto - de resto não havia qualquer representante do MNE, como foi sublinhado pelo Sr. Presidente no aeroporto, à despedida da delegação.
Mais: nenhum membro do Governo tomou a iniciativa de contactar a delegação. Foi por iniciativa do Sr. Presidente da Assembleia, e não do Governo, que foi estabelecido contacto telefónico entre o MNE e o Sr. Presidente, na madrugada de 10 para 11 de Março.
Nesse contacto o MNE advertiu que, na hipótese de a delegação manter a deslocação à Estónia; o Governo tornaria público um comunicado crítico, tendo-se comprometido na circunstância a contactar de novo o Sr. Presidente após contacto com o Primeiro-Ministro. O NINE não só não o fez nunca mais, como o Governo emitiu, sem mais, o lamentável comunicado que é de todos conhecido e promoveu a seguir uma abjecta campanha contra a Assembleia da República em alguma imprensa.
É um comportamento injustificável no relacionamento entre órgãos de soberania e altos membros da hierarquia do Estado. Mas há razões que revelam ainda de forma mais impressiva que o Governo agiu de má-fé.
Importa que o Ministro dos Negócios Estrangeiros, ou alguém por ele, esclareça porque é que o Governo mandou enviar para Moscovo por mala diplomática, expedida de Lisboa no dia 6 de Março, no dia seguinte à comunicação pela Embaixada Portuguesa do programa da visita, e três dias antes da partida da delegação, um exemplar do Diário do Governo de 1940 contendo um despacho de Salazar sobre as relações com os estados bálticos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Foi uma armadilha!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É uma casca de banana!

O Orador: - Importa também esclarecer as intrigantes declarações do Primeiro-Ministro quando justifica estes métodos indignos usados pelo Governo com aquilo a que chamou á necessidade de esclarecer "dúvidas surgidas em Portugal e no estrangeiro sobre se tinha havido modificações na política externa portuguesa".

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem! Pergunta essencial!

O Orador: - Donde Provinham estas dúvidas? Quem as exprimiu? Sabe-se que em conferência de imprensa, em Lisboa, no dia 9 de Março de 1987, na sequência de contactos com o Primeiro-Ministro e o MNE, o embaixador americano na ONU, o Sr. Vernon Walters, fez alusão ao não reconhecimento do Estatuto dos Estados Bálticos, pelo seu país.
É impossível não ver por detrás de todos estes atropelos praticados pelo Governo contra a Assembleia da República o sinal inequívoco da existência de pressões que nem por serem inconfessáveis são menos vergonhosas.

Vozes elo PCP: - Muito bem!

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O Orador: - E é assim que, mais uma vez, vemos o nosso país envolvido numa situação que, nos termos em que foi conduzida, resulta prejudicial para os interesses de Portugal e só pode agradar àqueles que querem envenenar a atmosfera internacional como uma maneira de impedir o desanuviamento nas relações internacionais favorável à paz e à cooperação, que actualmente se começa a respirar na Europa e no mundo.
É neste quadro que o incidente através do qual o Governo proeurou, transferir para a esfera das relações externas a sua guerrilha institucional contra a Assembleia .da República tem de ser apreciado como profundamente lesivo dos interesses do Pais e do prestigio das instituições democráticas.
O Grupo Parlamentar do PCP, solidário com a posição da delegação e do seu presidente perante a melindrosa situação que lhe foi criada, associar-se-á a todas as iniciativas através das quais a Assembleia da República exprima a condenação da vergonhosa e desprestigiante conduta do Governo.

Aplausos do PCP, do PS, do PRD, do CDS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Deputado Fernando Amaral: Serão naturalmente para V. Ex.ª as nossas primeiras palavras, para lhe dizer, com toda ,a simplicidade e com toda a naturalidade, que mais uma vez tivemos ocasião de apreciar a verticalidade do seu comportamento, a inteireza do seu carácter e a vontade firme com que é capaz de resistir e dizer "não" no interesse do Estado e não na subserviência a quaisquer outros interesses.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

Gostaríamos de colocar esta questão exclusivamente naquilo que nos parece essencial. Em primeiro lugar, no comportamento das instituições políticas portuguesas, no que diz respeito à condução da política externa. Entendemos que a política externa portuguesa não pode ser obra do improviso, do acaso, da ligeireza e, muito menos, que possa ser ditada por outrem, que não por nós próprios.

Vozes do PRD e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Entendemos que a política externa portuguesa é, como tal, um assunto de Estado, que tem de ser tratado com tais características de seriedade, que não se compadecem com qualquer destas situações.
As embaixadas de Portugal têm por missão acompanhar e preparar cuidadosamente todas as deslocações de órgãos de soberania. A elas compete, em primeiro lugar, o estabelecimento do contacto e do diálogo com as autoridades dos respectivos países para preparação de todas as deslocações. E esse trabalho, que tem de ser um trabalho feito com toda a seriedade e com todo o rigor, não pode ser deixado no desconhecimento do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Se o Ministro dos Negócios Estrangeiros ignora o que fazem as suas embaixadas, algo está errado na política externa portuguesa...

Aplausos do PRD, do PS, do PCP, do CDS e do MDP/CDE .

... e o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros já pactuou tempo demais com essa situação, se ela ocorreu. Temos de lho dizer com toda a frontalidade.
Se o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, pelo contrário, acompanhou, como devia, a actividade da sua embaixada e essa actividade da embaixada, tam
bém como devia, lhe foi comunicada oportunamente, então será"o Sr. Primeiro-Ministro que terá pactuado tempo de mais com uma situação irregular.
Creio que a situação é perfeitamente clara em termos de responsabilidade. E porque estas responsabilidades são sérias e devem ser assumidas, não podem ser deixadas no silêncio, que também seria cúmplice delas.
A segunda questão - e a segunda vertente - que ternos de examinar neste debate é a da concepção de Estado que está presente no relacionamento dos órgãos de soberania entre si na ordem jurídica interna e no relacionamento na ordem jurídica internacional desses mesmos órgãos de soberania, quando assumimos a ideia de que poderá haver divisões em relação à política que é seguida.
Há, efectivamente, uma diferença essencial entre a concepção de Estado que se partilha: há quem entenda o Estado como o núcleo central de toda a energia que anima a vida política, que, como tal, parte do pressuposto de que nenhuma sociedade é viável sem um mínimo de entendimento entre os seus membros, sem a adesão aos valores essenciais, cuja aplicação as estruturas sociais e políticas asseguram.
Essa concepção de Estado traduz-se, na ordem externa, pela unidade desse mesmo Estado e pela unidade da sua presença.
A outra concepção de Estado é a do Estado como uma taça ou como um troféu, conquistado depois de uma corrida ou, melhor ainda, de uma qualquer competição mais ou menos desportiva. É a do Estado eleitoral em permanente campanha, a estabelecer alianças e a definir adversários, em que o poder estatal é um poder de combate, em que o Estado assume as funções de cima de arremesso, em que os acontecimentos são espectáculo e as pessoas são tratadas como se fossem meras personagens.

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Orador: - Esta concepção de Estado, recusamo-la, e porque a recusamos não aceitamos - e esta é a nossa posição de princípio - que, quaisquer que sejam as circunstâncias, o Governo Português tenha entendido que o melhor modo de actuação era um comunicado público de desaprovação da Assembleia da República, quando ela se encontrava em missão externa e de soberania.
15so não podemos admitir.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

O Governo Português teve meios, teve tempo e oportunidade de resolver por vários outros modos esta situação. Não o fazendo, é, de facto, revelador de que lhe

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faltou totalmente o sentido de Estado e o sentido da dignificação da nossa presença no exterior, que a todos nós deveria mover e ser o principal argumento que aqui nos juntasse e aqui nos reunisse.
Quando uma delegação da Assembleia da República, em representação do País, em missão internacional - de todos conhecida -, ela merece o respeito de todos nós, e não pode nem deve ser tratada pela forma como o foi, por este comunicado do Governo. Ele é revelador de uma atitude, é revelador de uma concepção de Estado, de uma ligação entre as instituições, que não podemos aceitar nem partilhar.
Quaisquer que sejam as circunstâncias, quaisquer que sejam as desculpas, elas não valem face a este facto essencial, que é o de o Governo Português não ter sido capaz de agir perante uma delegação em representação no exterior, tendo em conta e em obediência fundamental o interesse do Estado Português que ali estava representado.

Aplausos de pé do PRD, do PS, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr.Deputado Magalhães Mota, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Deputado Magalhães Mota, V. Ex.ª esteve presente na reunião do Conselho da Europa, em que foi votada a resolução de que hoje tanto se tem aqui falado e que V. Ex.ª votou favoravelmente, como todos nós sabemos, porque consta das actas.
Tendo V. Ex.ª tido conhecimento, através da folha informativa da Assembleia da República, no dia 6, quea deslocação da delegação da Assembleia da República
era, nomeadamente, à Estónia, seria interessante saber que medidas tomou ou que diligências efectuou no sentido de alertar o Presidente da Assembleia ou a dele-
gação para que não se tivesse verificado um incidente que hoje - parece - todos lamentamos, mas muitos queremos encobrir.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Magalhães Mota, ao ouvir a sua intervenção, pareceu-me que pôs a hipótese - não sei se é hipótese ou se
é uma afirmação mas, de qualquer forma, fê-lo de uma forma insinuadora ou elíptica - de que a nossa política externa teria sido feita por outrem. Gostaria, pois, que me dissesse o que quer dizer com isto.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr.Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Respondo em primeiro lugar ao Sr. Deputado Cardoso Ferreira, que me colocou a questão da Resolução n.º 872, da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa.
Suponho que o Sr. Deputado Cardoso Ferreira a tem presente e creio que vale a pena considerarmos que ela tem dois pontos essenciais, ou seja, o ponto 13 e o ponto 14, que é o final da resolução, pois tudo o mais são considerandos. Nela se diz que se lança um apelo ao Governo da União Soviética para que respeite o direito à audodeterminação e aos direitos do homem nos estados bálticos e no ponto 14 convidam-se os governos dos Estados Membros do Conselho da Europa a atrair, no âmbito da Conferência de Viena e, se necessário, em reuniões ulteriores à conferência sobre a segurança europeia, a atenção dos estados participantes sobre as graves violações dos direitos do homem e de direito à autodeterminação nos três estados bálticos.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - E os considerandos?!

O Orador: - Como o Sr. Deputado verificará, a resolução constitui um apelo aos Estados membros, constitui também um apelo ao Governo da União Soviética e nada diz sobre o relacionamento dos Estados.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - E os considerandos?!

O Orador: - Mas se o Sr. Deputado está interessado nos considerandos, também poderá conhecer a posição dos vários Estados intervenientes, inclusive dos Estados da NATO, da CEE e outros, como é o caso da Holanda, que é um caso conhecido, pois consta de um telegrama enviado ao Conselho da Europa. V. Ex.ª sabe com certeza também qual é o âmbito das vinculações do Conselho da Europa.
Mas o que queria dizer, Sr. Deputado, e creio que isso terá ficado patente na minha intervenção, é que qualquer que seja o posicionamento, qualquer que seja a situação que esteja em jogo, o que nada explica, justifica, nem desculpa é a atitude do Governo Português ao emitir um comunicado público, quando tinha outros meios de resolução.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Parece-me que o Sr. Deputado está a querer omitir a questão fundamental.

O Orador: - Não, não.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Aliás, o Sr. Deputado, através da leitura de alguns pontos dessa resolução, quase tentou desculpar-se e dar uma ideia de que afinal não a teria votado.
Gostava de saber se o Sr. Deputado efectivamente votou ou não a resolução com considerandos e com os pontos que aí leu. Essa é que é a questão, pois, de outro modo, a Câmara poderá ficar com a ideia de que eu a induzi em erro, no sentido de que o Sr. Deputado teria votado de maneira diversa, que não favoravelmente. E isso é que conta.

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Mais, Sr. Deputado: se me dá licença, não, merece a pena...

O Orador:- Eu alivio já a sua tranquilidade, Sr. Deputado Cardoso, Ferreira: não tenho a certeza, mas dou-lhe de barato que votei a favor.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD):- Muito obrigado!

Risos.

O Orador:- Não tenho qualquer problema quanto a isso.
Não estou suficientemente recordado desta questão para saber se estava presente no momento da votação.
Posso dizer-lhe que não participei neste debate, mas não tenho qualquer problema em lhe dizer que, se estivesse presente na Sala, poderia ter votado favoravel-
mente esta resolução. Não tenho qualquer problema em dizer isto. Simplesmente, Sr. Deputado, o que isso não lhe permite é tirar qualquer ilação, no sentido da que tirou, nem lhe permite desculpar a atitude do Governo Português em relação a um comunicado público.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Ora essa!

O Orador: - Mas, mais não lhe permite uma outra coisa, que é mais grave dentro da sua posição. É que se o Sr. Deputado considera que esta posição do Conselho da Europa é, vinculativa para o Governo Português, então o Governo Português tinha obrigação de a ter transmitido de imediato à Assembleia da República.

Vozes do PRD e do PS: - Exacto!

O Orador: - Tinha obrigação de ser transmitida à Assembleia da República no dossier que forneceu ao Sr. Presidente da Assembleia e tinha obrigação de a ter tornado pública em Portugal...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: -...porque, como o Sr. Deputado não ignora, há bastantes recomendações do Conselho da Europa que o Governo Português não subscreve e há bastantes recomendações que subscreve, mas depois não ratifica. Portanto, nós ficamos na mesma, sem saber se o Governo Português seguia ou não esta recomendação.

Vozes do PRD: - Muito bem!

0 Orador: - Mas, se o seu entendimento é verdadeiro, o que o Sr. Deputado tem a fazer é juntar-se à censura ao Governo peio facto de ele não ter comunicado esta posição à Assembleia da República.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP e do MDP/CDE.

Quanto ao Sr. Deputado Narana Coissoró, dir-lhe-ei que o Governo dá, no comunicado publicado, uma versão dos acontecimentos que, de algum modo, é
preocupante quanto à posição independente do Governo Português. É que, no próprio comunicado do Gabinete do Primeiro-Ministro, o Governo diz que
sempre existiram reservas quanto ao estatuto da. Estónia, da Letónia e da Lituânia por de um número significativo de Países, que nunca reconheceram, de direito, a situação criada em 1940. "Tal é o caso" e cito."da generalidade dos países da NATO e das Comunidades Europeias, que têm manifestado as referidas reservas de forma continuada e consistente".
Quer dizer, não há nenhuma referência a uma posição própria portuguesa; faz-se uma referência à generalidade que, ainda por cima, não é exacta dos países da NATO e das Comunidades Europeias.
Posso alicerçar-me nesta afirmação para me interrogar sobre, se a nossa política externa é conduzida por nós ou pela generalidade dos países da NATO e das Comunidades Europeias, que têm manifestado as referidas reservas, de forma continuada e consistente.

Vozes do PRD e do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Crespo.

O Sr. Vítor Crespo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Devo dizer que tenho tido o prazer de me dirigir a esta Câmara, em várias circunstâncias, e que o não faço no dia de hoje com a mesma alegria.
Em primeiro lugar, pelo respeito que me merecem as pessoas envolvidas neste debate.
Em segundo lugar - e mais fundamental do que isso - porque é o primeiro debate exclusivamente centrado em política externa e que se fez de tal maneira e sobre uma matéria que, inevitavelmente, vai trazer prejuízo ao Estado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Quem é o culpado?

O Orador: - Quem é o culpado? Não é, certamente, o Governo.

Risos, do PS e do PCP.

Uma voz do PCP: - Essa é boa!

O Orador. - Ao fazer as minhas considerações, e sem me arrogar de uma cultura que não tenho,...

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Não apoiado!

O Orador: -... julgo que não é discipiendo, antes pelo contrário, é importante que façamos este debate no contexto daquilo que ele significa.
Temos estado a fazer uma espécie de psicodrama acerca das questões processuais, sem nunca termos ido ao fundo das questões, sem nunca termos atentado devidamente sobre aquilo de que se trata. É que as conclusões que se poderiam tirar seriam completamente distorcidas porque os processos não têm significado sem se olhar para o fundo, os comportamentos não têm significado sem se atender aos pontos ou às questões que se querem atingir.
É preciso não esquecer qual é a situação dos países bálticos - e não o faço ou digo alguma coisa sobre isso por qualquer anticomunismo primário. De resto, aquilo que eu vou dizer está contido, praticamente, em todos os livros da história da zona, está contido na resolução aqui já referida e nas respostas dos países membros para a preparação dessa resolução.

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Os países bálticos foram, efectivamente, anexados no pós-guerra pela União Soviética, e essa situação não foi reconhecida pelos governos dos estados ocidentais. A anexação foi feita no termo da guerra e até 1951 manteve-se uma guerra de independência e uma guerra nacionalista.
Nesse período, 20% da população dos países bálticos foi presa, deslocada para a Sibéria e, em muitos casos, morta.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A contestação cultural e a contestação religiosa é dos dias de hoje. Em 1980-1981 houve prisões de sacerdotes católicos e houve uma questão que, aliás, se ligou com uma questão paralela, na Polónia, que foi do conhecimento de todos os cidadãos devidamente esclarecidos sobre a matéria.
A "russificação" dos países bálticos está a fazer-se com extremas dificuldades. Ainda há dias tivemos ocasião de verificar na televisão que a própria visita do Primeiro-Ministro da União Soviética, Gorbatchev, exactamente à Estónia se situava no problema das dificuldades que o Estado Soviético estava a encontrar nos países bálticos, como, aliás, noutras repúblicas soviéticas.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Mas este debate é sobre o Governo ou sobre a Estónia?!

O Orador: - Portanto, há aqui toda uma questão política que não pode ser esquecida, como há uma questão de direitos humanos que também não pode ser esquecida.
Não há liberdade de uso de língua, não há liberdade religiosa nem há todas aquelas liberdades que nós sabemos não existirem na União Soviética.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, não podemos esquecer que, quando se colocou uma situação concreta, o Estado Português, do país democrático de depois do 25 de Abril, tinha todo o direito e todo o dever de denunciar que Portugal não aceitava a anexação dos países bálticos. 15to, sempre e particularmente neste momento, enquanto vivemos uma situação semelhante e paralela relativamente ao território ocupado de Timor.
Por todas essas razões, assistia total legitimidade ao Governo em se demarcar de uma visita que, naturalmente, seria interpretada de outro modo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A segunda questão é relativa à maneira como se processou a visita e a muitas das considerações que aqui foram feitas.
Tem-se dito que houve o relatório do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que não fazia referência a esta matéria. 15so é natural. Não fez referência a esta matéria nem fez referência a outras matérias.
A questão não está aí, mas sim na necessidade que a Assembleia da República tinha de ser esclarecida concretamente sobre qual era o objectivo e o teor da reunião e da visita à União Soviética. Se assim não aconteceu - e até admitido que houve lapso -, não se pode assacar ao Ministério dos Negócios Estrangeiros
ter produzido um relatório incompleto. É que o Ministério dos Negócios Estrangeiros só poderia ter produzido um relatório completo, na visão que aqui tem sido encarada, se tivesse mandado todos os dossiers do Ministério, o que, obviamente, não era possível.
A segunda questão que aqui se tem levantado muito é o facto de termos assinado a Acta de Helsínquia. Mas há uma leitura completamente distorcida disso.

O Sr. António Capucho (PSD): - É isso!

O Orador: - Posso dizer que a própria União Soviética discute algumas das suas fronteiras.
De resto, a questão dos direitos humanos antecede a própria questão das fronteiras nacionais de cada país. De outra maneira, eram impossíveis, para todo o sempre, movimentos de autonomização dentro de qualquer país.
Mas, se isso fosse verdade, se a questão tivesse a importância que aqui se quis dar, não vejo como é que se podia considerar, por exemplo, um caso bem próximo de nós, que é a reivindicação da Inglaterra, que assinou a Acta de Helsínquia, quanto a Gibraltar, relativamente à Espanha, que também assinou a Acta de Helsínquia.
Por isso mesmo, o problema tem sido completamente desfocado e posto fora do contexto.
Digo isto porque me preocupa a posição do Sr. Presidente da Assembleia da República, que, aliás, já lhe foi expressamente perguntada por um meu colega de bancada, e que não é evidente no decorrer do debate aqui travado. Era importante que essa posição ficasse esclarecida, sob pena de haver danos na política externa portuguesa, que é conduzida e da responsabilidade do Governo, como todos nós sabemos.
Qual é a real posição dos diferentes partidos e, em face de algumas considerações que aqui foram tecidas, temos o direito de perguntar qual é a real posição dos diversos partidos relativamente à questão dos direitos humanos, à anexação dos países bálticos, ou de qualquer região ou país, seja onde for!

Aplausos do PSD.

Este é o problema essencial que não podemos esquecer neste debate, e não podemos por isso debruçarmo-nos apenas sobre questões de comportamento. De resto, há uma outra questão que me surpreendeu: a facilidade com que se puseram as orientações provindas de uma embaixada em plano superior ao daquelas provindas do Ministério.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Quem é que fez isso?

O Orador: - Diz-se e comenta-se que a delegação teve dificuldades porque não foi devidamente informada pela Embaixada, mas ao mesmo tempo se diz que houve da parte do Ministério, especificamente do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, e em devido tempo - com a delegação já lá, é certo - o cuidado de chamar a atenção para as dificuldades que tal visita podia trazer ao Estado Português. Não se compreende, portanto, que se teçam considerações mais ou menos extensas, mas fora do conteúdo, sobre a posição que a Embaixada poderia ter tomado.
Por isso mesmo, e na sequência do que disse o meu colega António Capucho, quero referir que há neste processo inúmeros lapsos que era conveniente que nunca mais se voltassem a repetir.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: - Estão inscritos para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Vítor Crespo os Srs. Deputados Magalhães Mota, Gomes de Pinho, Narana Coissoró, Jorge Lemos, Carlos Brito e Sottomayor Cardia. No entanto, uma vez que o Sr. Deputado Vítor Crespo não dispõe de tempo, a Mesa decide conceder-lhe dois minutos para que possa responder aos pedidos de esclarecimento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente, penso que poderei ajudar a Mesa, pois dos três minutos de que disponho para formular pedidos de esclarecimento só usarei um, concedendo, os outros dois ao Sr. Deputado Vítor Crespo.
O Sr. Deputado Vítor Crespo, proeurou , na sua intervenção, não distinguir não usarei a expressão "confundir" - dois tipos de situação a do respeito pelos direitos do homem e as situações de reconhecimento dos países.
Sr. Deputado, temos ou não relações com a África do Sul, com a União Soviética, com vários países da América do Sul? Existem ou não relações diplomáticas do Estado Português com reconhecimento pleno das suas fronteiras e sem que isso nada tenha a ver com as violações dos direitos do homem que aqui várias
vezes repudiámos? Existem ou não relações diplomáticas?
Segunda questão: se o Sr. Deputado pensa que deveria ser a Assembleia da República a comunicar o seu programa e, portanto, a estabelecer o seu programa de visita, não considera que, nesse caso, haveria uma inversão da política externa? Ou, pelo contrário, não acha que deverá ser o Governo, através das embaixadas, a organizar o programa e a comunicá-lo à Assembleia da República, como efectivamente fez na véspera da deslocação e em relação ao programa que tinha acordado com as autoridades do país convidante?

O Sr. Presidente:- Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (PS):- Sr. Presidente, serei breve e uma vez que o Sr. Deputado Vítor Crespo não, dispõe de tempo, ceder-lhe-ei também algum tempo da minha bancada para que ele me possa responder.
Sr. Deputado Vítor Crespo, a questão que lhe queria pôr é apenas uma, e é a de algum modo a resposta à interpelação que fez às diversas bancadas, no sentido de saber qual a posição dessas bancadas em relação às questões dos direitos humanos e da autodeterminação. Queria dizer-lhe que aqueles que se encontram na bancada do Partido Socialista lutaram pelos direitos humanos e pela autodeterminação antes do 25 de Abril e continuam a lutar por ela depois do 25 de Abril.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Silva Marques (PSD): - 15so não é resposta!

O Orador: - A questão concreta que lhe queria colocar era, dando de barato e por facilidade de raciocínio tudo quanto o Sr. Deputado Vítor Crespo afirmou sobre a questão da política externa e sobre o modo como se organizam as viagens e as responsabilidades que eventualmente caibam ou não à Assembleia da República, a de saber se o Sr. Deputado entende que a forma curial de o Governo abordar esta matéria era a do comunicado público à revelia da Assembleia da República e da missão que se encontrava em Moscovo. 15to, para além das razões que eventualmente possam, e que só admito por absurdo e por facilidade de raciocínio,, justificar a posição do Governo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Deputado Vítor Crespo, V. Ex.ª começou a sua intervenção dizendo que esta era uma das intervenções menos agradáveis que fazia nesta Assembleia. Permita-me que tenha de lhe dizer que a considero também como uma das menos felizes.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Não apoiado!

O Orador:.- O Sr. Deputado não veio aqui para colaborar no esclarecimento dos factos, e essa é que deveria ser a finalidade deste debate. Não estamos aqui
a debater a posição portuguesa sobre a questão da Estónia - não é essa aqui hoje a questão fundamental, e teremos porventura oportunidade de discutir essa
questão noutras circunstâncias, creio que, aliás, as posições dos diversos partidos nessa matéria são conhecidas -, mas sim para analisar a relação entre o
Governo e Assembleia da República no decurso deste processo. O Sr. Deputado, aí, assumiu uma atitude clara de absolvição do Governo das suas responsabilidades.
Pergunto-lhe, pois, Sr. Deputado, se não é verdade, se não reconhece que na intervenção do Governo nesta matéria, em especial do Ministério dos Negócios Estrangeiros, há - para não entrar em juízos de outra ordem - uma manifesta incompetência. Não considera V. Ex.ª - e reitero a pergunta feita há momentos que a divulgação de um comunicado público sem prévio conhecimento do Presidente da Assembleia da República, quando ele se encontrava no estrangeiro, é uma manifesta quebra de solidariedade institucional? Considera V. Ex.ª que este procedimento do Governo é defensável? Que se pode absolver? Era sobre isto que gostávamos de o ouvir e de conhecer á posição do seu partido porque sobre a posição do PSD em relação às repúblicas bálticas nós não temos dúvidas, como certamente o Sr. Deputado não tem dúvidas em relação à nossa. Só que nós não confundimos as duas questões e não procuramos absolver o Governo, encobrindo a sua incompetência com a segunda questão que V. Ex.ª aqui abordou abundantemente.

Aplausos do CDS e do PRD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Vítor Crespo, quis V. Ex.ª, com a sua natural habilidade, desviar o debate que aqui estamos a travar para
o reconhecimento ou não da anexação ou incorporação da Estónia pela União Soviética e qual o valor que esta anexação tem para a política externa portuguesa.
Naturalmente que não é isto que está em causa, na medida em que a simples ida de uma delegação parlamentar para visitar a Estónia jamais poderia significar

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o reconhecimento por parte do Estado Português da situação da Estónia face ao problema dos direitos humanos ou da sua anexação.
V. Ex.ª sabe que a comissão eventual de Timor autorizou um deputado desta Assembleia - o meu ilustre colega de bancada Miguel Anacoreta Correia - a visitar Timor. E o facto de um deputado da Assembleia da República ter sido expressamente autorizado a visitar Timor jamais significou que o Estado Português reconhecia a violação dos direitos do homem e o genocídio praticado pelo Estado Indonésio, em Timor.
Em segundo lugar, está por demonstrar que a visita do Presidente da Estónia aqui em Portugal, largamente referida pelo Sr. Presidente da Assembleia da República na sua intervenção, alguma vez tenha significado o reconhecimento e a aceitação por parte do Estado Português da anexação ou da incorporação.
Em terceiro lugar, quis V. Ex.ª dizer - e queria que isto ficasse bem claro - que o Governo quis demarcar-se da visita parlamentar à URSS. O que é que isto significa? O comunicado do Sr. Primeiro-Ministro era apenas para dizer que não concordava com esta visita? Demarcar-se não significa que não concorda, ele fez mais do que isso: mandou um comunicado para proibir, pediu aos partidos que dissessem aos seus deputados que mandassem os telexes através do Ministério dos Negócios Estrangeiros pedindo-lhes que não acompanhassem o Sr. Presidente da Assembleia da República à Estónia, fez declarações a dizer que o Sr. Presidente da Assembleia da República, ingenuamente, talvez por falta de tacto, estava prestes a cair numa "casquinha de banana" deitada a uns centímetros dos seus pés e, soberanamente, vem dizer que o assunto está encerrado. 15to não é demarcar-se, o Governo intrometeu-se, quis afirmar a sua competência exclusiva sobre a política externa e quis proibir a visita parlamentar a determinadas partes da União Soviética.
15to é demonstrar ao País a continuação feroz da guerrilha institucional, envolvendo agora não apenas os deputados, não apenas o órgão em si, mas também a segunda figura do Estado Português que é o Presidente da Assembleia da República. O que o Governo quis fazer não foi demarcar-se, foi ofender, foi minimizar, diminuir e demonstrar que não são só os deputados que andam a dormir. Na televisão e na imprensa, na mesma noite em que se dá o incidente da afirmação de que o Presidente da Assembleia da República ia cair na "casca de banana", veio a seguir a notícia de que duas comissões parlamentares estavam a dormir sobre os seus projectos, um dos quais sobre Setúbal, e que não tratavam desses projectos há mais de três meses.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - É uma vergonha!

O Orador: - Não me diga que isto é uma mera coincidência. 15to fazia parte de uma campanha de propaganda e de uma estratégia para minimizar o Sr. Presidente da Assembleia da República e os Srs. Deputados.

Protestos do PSD.

É exemplo disso a maneira como hoje, independentemente das razões que tivesse, a bancada do PSD reagiu ao discurso do Sr. Presidente da Assembleia da República. 15to mostra que, nem sequer deixando de lado as razões do Governo-oposição, não mereceu à bancada do PSD a homenagem que deve merecer um relato qualquer que ele seja, e este foi um relato imparcial, isento e objectivo, acerca da sua visita à URSS. A bancada do PSD, concordasse ou não com o relato, devia prestigiar o Presidente da Assembleia da República e não demarcar-se dele. Mas demarcou-se, e o PSD ainda não demonstrou - e estamos à espera que demonstre - que a exposição do Sr. Presidente da Assembleia da República tivesse pecado por algum facto que não se tivesse verificado.

Aplausos do CDS, do PS, do PRD, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Deputado Vítor Crespo, já está claro que o Sr. Deputado tentou levar a matéria para outro campo, fugindo à questão da responsabilidade governamental, e como o tempo é curto, far-lhe-ei apenas duas perguntas muito concretas.
A sua intervenção centrou-se na importância que o Estado Português atribui a este problema. Primeira questão: porque não constava essa matéria do dossier que foi entregue ao Sr. Presidente da Assembleia da República pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros se era uma matéria tão importante?
Segunda questão: se era uma matéria tão clara como a diplomacia portuguesa, por que razão teve o Ministério dos Negócios Estrangeiros de enviar, em 10 de Março, para a Embaixada de Moscovo - já estava a delegação em Moscovo - um telex dizendo que "não deverá o embaixador de Portugal em Moscovo, ou qualquer outro membro dessa Embaixada, deslocar-se ao antigo território daqueles estados...(subentenda-se estados bálticos)... apenas podendo o pessoal dessa missão fazê-lo sem carácter oficial, etc ... " se era assim tão claro, porque é que só em 10 de Março sai esta posição do Governo?
Sr. Deputado Vitor Crespo, se era tão claro como isso, porque é que o Governo, ao mesmo tempo que sonegava informações ao Sr. Presidente da Assembleia da República, incluía na mala diplomática, em 6 de Março, um decreto de Salazar, de 1940, sobre a matéria?
Estes dados têm de ser explicados, e o Sr. Deputado não pode, apelando a um certo consenso de um determinado ponto de vista que será o seu, querer esquecer a condenável atitude governamental.
Tem de responder sobre isto sob pena de não estar a actuar como deputado mas como outra coisa que me permito não qualificar.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - O Sr. Deputado Vítor Crespo confessou que tinha feito esta intervenção contrariado e devo dizer-lhe que me causou dó ouvi-lo. É uma intervenção de tipo dinossáurico que já não se usa nos fóruns europeus, salvo naqueles muitíssimo reaccionários.
Quero dizer-lhe que as suas acusações em relação ao que se passa na Estónia valem tanto quanto a sua absolvição incondicional da conduta do Governo. É exactamente a mesma coisa. É o primitivismo que justifica condutas como as que este governo, este Primeiro-Ministro e este Ministério dos Negócios

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Estrangeiros têm para com a Assembleia da República e para com altos dignatários dos órgãos do poder político.
Portanto, não tenho muita confiança que o Sr. Deputado Vítor. Crespo possa raciocinar lucidamente em relação à matéria que estamos a tratar, mas
sempre lhe quero perguntar o seguinte: não considera o Sr. Deputado Vítor Crespo que tudo o que se passou e a maneira como isto foi conduzido pelo Governo
resulta num vexame à Assembleia e numa afronta ao Presidente da Assembleia da República, que é a segunda figura do Estado? 15to não o faz reflectir, não
o faz pensar? Acha que tudo o que o Governo fez foi bem feito e que a culpa é toda da Assembleia da República? É assim que pensa?
Responda a isto e vamos ver se o seu anticomunismo não é precisamente a sua falta de razão.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Deputado Vítor Crespo, ouviu-o com muita atenção, ouvi-o com proveito, mas não posso dizer que o tenha ouvido com prazer. Precisamente, e para que o proveito - no confronto das ideias, naturalmente - seja maior, quero começar por lhe manifestar o meu ponto de vista global sobre o que ocorreu. E sei que o Sr. Deputado está inteiramente em desacordo.
O que ocorreu, do meu ponto de vista, foi uma ofensa premeditada do Governo à Assembleia da República na pessoa do seu Presidente. O Sr. Deputado não está de acordo, está no seu direito, mas este é o meu ponto de vista.
Devo, aliás, esclarecer que não entendo que tenha sido uma ofensa premeditada do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros - e talvez por ele não ser o verdadeiro autor está silencioso -, mas uma ofensa premeditada do Sr. Primeiro-Ministro.
Mas, se esta é uma questão de divergência entre nós, queria colocar-lhe uma pergunta - atinente com esta matéria. V. Ex.ª disse que toda a discussão até à sua intervenção se havia centrado em questões processuais.
A minha pergunta é a seguinte: Sr. Deputado Vítor Crespo, considera V. Ex.ª que o comunicado do Governo é um acto meramente processual? Esta é a primeira pergunta.
O Sr. Deputado expôs, com grande nitidez, uma doutrina sobre relações internacionais e essa doutrina foi, no - pouco tempo de que dispunha, exposta com muita clareza, mas devo dizer-lhe que se me afigura que é uma doutrina totalmente revolucionária.
Na verdade, e para além de considerações gerais sobre a questão do binómio direitos do homem/relações internacionais, questão que não nos dá tempo para entrar em detalhes, pergunto-lhe: é só nas repúblicas bálticas que não são respeitados os direitos do homem na União Soviética, Sr. Deputado Vítor Crespo? E se não é só nesses territórios, pergunto-lhe se V. Ex.ª considera que a autodeterminação dos países bálticos é prioritária na política de liberalização em curso na. União Soviética.
Se V. Ex.ª me disser que é só nos países bálticos que há violação dos direitos do homem na União Soviética - o que certamente nem o Presidente Gorbachev afirma - ou se me disser que é prioritário neste processo de liberalização que está a ocorrer na União Soviética - a autodeterminação dos países bálticos -, então felicito V. Ex.ª não só pela coerência da tese que expendeu, pelo radicalismo revolucionário dos conceitos que manifestou, mas também pela sua coerência. Se não me afirmar isto, não o posso felicitar pela sua coerência e tenho que considerar a sua interpretação como uma interpretação ditada por uma conveniência meramente partidária.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Vítor Crespo, para responder, se desejar, às perguntas que lhe foram formuladas, tem seis minutos, sendo dois minutos dados pela Mesa, dois minutos cedidos pelo PRD e dois minutos cedidos pelo PS.

O Sr. Vítor Crespo (PSD): - Vou procurar, apesar de tudo, ser breve.
Desde já, e de início, digo que não responderei às análises comportamentais pessoais; poderei responder às análises comportamentais da bancada, até porque e por hábito não o faço, seja a que deputado for, pelo que; obviamente, também não o faço a mim próprio.
O Sr. Deputado Magalhães Mota colocou a questão dos direitos humanos e a importância das relações diplomáticas. A questão, que aliás não me é estrita, foi-me suscitada por uma tese expendida - pelo menos foi essa a leitura que fiz dela - pelo Sr. Presidente da Assembleia da República, por quem, aliás, tenho a maior consideração e respeito. Poderia ler-se na sua tese que, pelo facto de nós termos relações diplomáticas com um determinado país, tínhamos que aceitar tudo o que se passava dentro desse país. Ora, não é assim! O facto de termos relações diplomáticas, com a União Soviética não impede que nos devidos momentos e nos momentos próprios chamemos a atenção para a falta de liberdade e para o desrespeito pelos direitos humanos que existe na União Soviética e até para problemas como é o da anexação dos países bálticos.
O Sr. Deputado Magalhães Mota põe-me uma questão curiosa sobre competências do governo, da Assembleia da República e do Presidente da República sobre relações internacionais. É óbvio que á Assembleia da República, com o seu poder de análise dos comportamentos do Governo e da crítica política, tem também acção sobre as relações internacionais e sobre, a política externa. Mas a condução efectiva dos negócios do Estado e a política externa é conduzida pelo Governo em sintonia com o Presidente da República, embora a Assembleia da República tenha a sua competência derivada, que resulta da análise política do comportamento do Governo. Por isso discordo - e ponho a expressão entre aspas pois é um pouco forte- "que a Assembleia da República exerça uma actividade diplomática paralela, excepto se ela for em total e completa sintonia com o Governo e no respeito das orientações de quem tem competência para o fazer".
Estou perfeitamente à vontade para o dizer porque tive ocasião de, na Comissão de Negócios Estrangeiros e Emigração, defender este mesmo ponto e de considerar que é extremamente errado que ó único órgão dentro da Assembleia que tem alguma competência em política externa a Comissão de Negócios Estrangeiros e Emigração - tenha ficado completamente à margem de todas estas visita da Assembleia como entidade.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - 0 Sr. Deputado Lopes Cardoso referiu-se ao problema dos direitos do homem e à autodeterminação. Devo dizer que não tomei bem nota dessa sua pergunta pelo que a minha resposta pode não ser perfeita, mas é evidente que a autodeterminação se insere no capítulo dos direitos humanos e é um ponto essencial para os direitos humanos. Cada povo deve, em plena liberdade, decidir dos seus próprios interesses e do seu próprio futuro.
Quando o Sr. Deputado pergunta se foi curial o Governo emitir um comunicado público, julgo - e ninguém me encomendou que o dissesse nem troquei impressões com o Governo sobre isso - poder afirmar que foi penoso para o Governo transmitir esse comunicado...

Vozes do PCP: - Que vergonha!

O Orador: - ... simplesmente para grandes males grandes remédios, e, havia necessidade de fazer aqui uma tomada de posição do Governo sobre esta matéria.

Aplausos do PSD.

Relativamente à questão da Estónia e de todos estes problemas, incluindo a questão de o Ministério só agora ter dado instruções à Embaixada sobre a deslocação, queria em primeiro lugar dizer que um diplomata não se pode descolar da capital sem pedir autorização ao respectivo Ministério. Se não foi dada uma instrução dessa natureza ao embaixador que está em Moscovo é porque, com certeza, o embaixador nunca tinha pedido para ir à Estónia, à Letónia ou à Lituânia porque nessas circunstâncias o problema ter-se-ia já levantado.
É natural - e todos os Srs. Deputados o podem saber- que as posições dos Estados em matéria de política externa tomam as mais variadas formas: pode ser sob a forma de um comunicado, pode ser sob a forma da omissão de um determinado acto ou parecer em determinado lugar e há variadíssimas maneiras de manifestar a vontade do Estado Português, manifestá-la no momento em que ela tem que ser manifestada.
Na caso vertente, como não tínhamos relações com a União Soviética é natural que nunca tivesse surgido ocasião para ter que haver uma manifestação pública dessa vontade.
A primeira vez que essa ocasião surgiu foi agora. Mas não há nada contrário a essa vontade, e isso significa em uso diplomático a manifestação dessa própria vontade.
A quebra de solidariedade institucional, não digo - aqui lamento ter que dizer que não se trata do problema do ovo e da galinha, saber quem é que está primeiro, se é o ovo, se é a galinha - que seja em muitos casos uma situação complicada. Aqui, neste caso, não há ovo nem galinha. Há uma situação muito clara: ao Governo compete o exercício da política externa. A Assembleia da República, se coadjuvar numa acção diplomática, tem ela própria, e este é o meu entendimento, de concertar as suas posições com o Governo.
15to não quer dizer que a Assembleia da República não possa exercer essas prerrogativas, mas tem que o fazer, em meu entender, em conjugação perfeita com o Governo e com a Presidência da República.
É evidente que a visita da delegação parlamentar portuguesa à Estónia não significava um processo de reconhecimento formal, mas nas condições em que ela se fazia - e é preciso não esquecer que na sequência da votação do Conselho da Europa a visita de uma delegação com o nível da delegação que se propunha visitar - a Estónia significava uma situação de quase reconhecimento- tornava extremamente difícil ao Estado Português tomar depois disso uma posição diferente.
De resto, queria dizer ao Sr. Deputado Narana Coissoró que o Sr. Deputado do CDS que se deslocou a Timor não o fez em representação da Assembleia da República, mas, com o conhecimento da Assembleia da República, e foi expressamente indicada como uma visita de carácter pessoal.
O Sr. Deputado Carlos Brito diz que é uma posição de anticomunismo primário... Conheço um pouco essas reacções...

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Primárias!

O Orador: - ... da parte do PCP: quando está em situações de dificuldade em questões de direitos humanos, de liberdade e de garantias nos países que lhes são próximos vêm sempre com a história do anticomunismo primário.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Não temos lições a receber de vocês!

O Orador: - Efectivamente, é um "anticomunismo" (entre aspas) primário ao contrário porque ninguém pode falar daquilo que existe e que todos nós, infelizmente, conhecemos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Sottomayor Cardia, não me surpreende que V. Ex.ª diga que isto foi uma ofensa determinada do Primeiro-Ministro à Assembleia da República. De resto, o que disse bem na linha da coerência daquilo que já tem feito em situações anteriores.
Digo-lhe que não. Digo-lhe que foi o reconhecimento pelo Governo da necessidade de o Estado - e eu aqui devo corrigir porque, muitas vezes, por influência de outras línguas que mais ou menos falo, utilizei a palavra "desmarcar" pondo um "s" a mais, mas isso não interessa muito para o assunto - tomar uma posição clara no momento em que foi oportuno e no momento em que as questões se puseram.
Sr. Deputado Sottomayor Cardia, vou suficientemente longe para lhe dizer que, efectivamente, se a liberalização de Gorbachev tem um significado profundo - e não sou dos que esconde que tem um razoável significado -, isso, levado às últimas consequências, tem que levar à democracia tal como nós a entendemos e às consequências para as repúblicas soviéticas submetidas, tal como nós entendemos a Europa democrática e livre.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, de acordo com o esquema acordado em conferência de líderes para este debate, vai processar-se agora a intervenção do Governo, que nesta primeira fase não estará sujeita a limites de tempo.
Tem, pois, a palavra para esse efeito o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

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O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Pires de Miranda): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este debate tem mostrado que o Governo não tinha conhecimento do programa que a delegação da Assembleia da República pensava cumprir na União Soviética, apesar de várias vezes o ter solicitado por escrito e telefonicamente.
A responsabilidade da concepção e da condução da política externa de Portugal cabe constitucionalmente ao Governo. Não se trata, hoje, de discutir a política externa portuguesa, mas de avaliar as condições em que se realizou uma visita oficial ao estrangeiro de uma delegação da Assembleia da República.
Precisamente porque lhe incumbe a responsabilidade de conduzir a política externa nacional, o Governo deve colaborar na preparação das iniciativas de outros órgãos de soberania em matéria de visitas oficiais a países estrangeiros. Como é evidente, estas visitas têm de ser organizadas com todas as cautelas, de maneira a assegurar a dignidade do Estado e a coerência da sua representação externa.

O Sr. António Capucho -(PSD):- Muito bem!

O Orador: - Tal implica um cuidado muito particular nas comunicações entre os órgãos de soberania, para que todos os aspectos das projectadas visitas sejam
devidamente, e em tempo, considerados. E o mínimo que se terá de exigir nesta matéria, será que os órgãos de soberania está estabeleçam comunicações oficiais, formais, e naturalmente escritas isto, bem entendido, sem prejuízo de outro tipo de contactos adicionais.
É, por isso, surpreendente que o Sr. Presidente da Assembleia da República considere que, na preparação de uma visita da segunda figura do Estado Português a uma grande potência como é a União Soviética, a informação ao Governo sobre o programa se poderia processar através da publicação da Assembleia da República Assembleia Dia a Dia, invocando que esta é distribuída no Gabinete do Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
Há que seguir os canais apropriados, o que não foi feito, pelo que a preparação desta visita pela Assembleia da República se revestiu de aspectos que, o interesse do País recomenda que se evitem.
Na mesma linha, aliás, se insere a alegação de que o programa da visita foi conhecido através de telefo
ema da nossa Embaixada em Moscovo para a Assem-
bleia da República. Além de, como é óbvio, não ser este o canal apropriado para a Assembleia da República transmitir ao Governo ó programa, o que a
Embaixada comunicou, foi apenas uma proposta soviética.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): O Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares não faz rigorosamente nada cá!

O Orador: - Na quinta-feira, dia 5 de Março, a Embaixada de Portugal em Moscovo telefonou para o Soviete Supremo pedindo o programa da visita da delegação da Assembleia da República chefiada pelo seu Presidente. Assim, foram-lhe dadas telefonicamente as linhas gerais do programa, que incluía uma possível ida
á, Estónia. Pediu, e foi-lhe recusado, um programa escrito por se tratar ainda de um projecto de programa e nesse mesmo dia a Embaixada informou, via telefónica, o Gabinete do Sr. Presidente da Assembleia da República sobre o assunto.
Mas o modo como a Assembleia da República conduziu a preparação desta visita levou a que, não tendo o programa sido oficialmente transmitido ao Governo, jamais o Governo tenha emitido a sua opinião sobre ele de modo a permitir a sua negociação pela Assembleia da República.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador:- A contribuição do Ministério dos Negócios Estrangeiros para a preparação de tão importante visita não deveria, a nosso ver, confinar-se á elaboração de um dossier sobre as relações luso-soviétícas. Tal dossier foi preparado e entregue à Assembleia da República em devido tempo, mas, como é óbvio, não se referia, nem tinha que se referir, ao caso específico dos estados bálticos, incorporados em 1940 na União Soviética...

O Sr. José Cargos de Vasconcelos (PRD): - Nem sabia...

O Orador: -... , pois nada faria supor que a delegação parlamentar encarasse a hipótese de visitar esses estados.

Risos do PS, do PRD, do PCP e do CDS.

Como é corrente em todas as visitas de altas figuras do Estado ao estrangeiro, o dossier em causa continha informações sobre a conjuntura política interna e externa do país a visitar, bem como das relações económicas, culturais e políticas, desenvolvida recentemente com Portugal. Mas o programa, repito, que é um elemento essencial em qualquer visita, não chegou ao conhecimento oficial do Governo.
O relacionamento entre a Assembleia da República e o Governo, como órgãos de soberania que se respeitam e que devem zelar pela dignidade do Estado, não pode, na verdade, assentar em procedimentos deste tipo.
É indispensável discutir o programa. A vida diplomática e as relações entre os Estados são normalmente muito difíceis. Não podemos ser ingénuos quanto a isto e, portanto, há sempre que discutir o programa de uma visita. E aqui não se tratava propriamente de organizar uma visita de um grupo não representativo do País, mas de uma alta figura do Estado.
Porque não se cumpriram regras elementares no relacionamento entre órgãos de soberania - e nisso nenhuma culpa cabe ao Governo - a delegação parlamentar portuguesa, caso a visita se tivesse realizado, teria introduzido um desvio na coerência da política externa do País.
Aliás, igualmente surpreende que os parlamentares não se hajam dado conta da situação que podia ser criada, pois ainda em Janeiro passado a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, com os votos favoráveis dos deputados portugueses presentes, votou uma moção confirmando que a Acta Final de Helsínquia de modo algum pôs em causa o direito dos povos bálticos à autodeterminação. Não seria esta visita oficial, a este nível e nesta altura, tomada como um desmentido àquela moção?

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E não se compreende que não tenham sido razões substantivas de política externa a determinar a decisão de cancelar a visita. Ou seja, se não fora o comunicado do Governo, alertando para a gravidade de se concretizar a projectada visita à Estónia, esta ter-se-ia mesmo realizado.
Ao ter conhecimento de tal visita pela imprensa foi nessa altura que ela se tornou pública e, portanto, mais grave o Governo analisou ponderadamente o assunto. Fizeram-se várias diligências, por telex e por telefone, de maneira a informar o Sr. Presidente da Assembleia da República quanto ao entendimento do Governo das consequências desta visita. Eu próprio, como é do conhecimento público, conversei telefonicamente com o Sr. Presidente sobre o assunto.

O Sr. João Amaral (PCP): - É preciso ter descaramento!

O Orador: - E aqui, Sr. Presidente, aproveito para dizer que nunca foi posto em dúvida que tivesse sido V. Ex.ª a fazer-me o telefonema.

Protestos do PCP.

Repito que nunca foi posto em dúvida, por mim ou pelo Governo, que tivesse sido S. Ex.ª o Sr. Presidente da Assembleia da República a fazer-me o telefonema.
Só quero lembrar que quando se falou com o Sr. Embaixador de Portugal em Moscovo houve o cuidado de dar o meu número de telefone exactamente para esta eventualidade. É que pareceu-nos que seria muito mais simples para o Sr. Presidente da Assembleia da República ser ele a telefonar-me do que ser eu a fazê-lo não sabendo onde é que ele estava. Portanto, a razão é exclusivamente esta.

Protestos do PS, do PRD, do PCP e do CDS.

Nessa altura informei o Sr. Presidente da Assembleia da República da situação e da opinião do Governo sobre as consequências da visita, tendo surgido na conversa a possibilidade de voltar a haver uma comunicação entre o Sr. Presidente da Assembleia da República, eu próprio e o Sr. Primeiro-Ministro na manhã seguinte. Mas o que passou - e devo dizer que o meu entendimento é bem claro a este respeito - foi que o Sr. Presidente me disse que tinha uma agenda muito sobrecarregada mas que por volta das 13 horas talvez tivesse um momento livre, ao que lhe respondi que nessa altura me parecia mais conveniente que, quando tivesse o tal momento livre na sua agenda, tomasse ele a iniciativa de me telefonar.

O Sr. António Capucho (PSD): - Tão claro como a água!

O Orador: - A indicação que me então foi dada foi que isso ocorreria por volta das 13 horas.
O Governo ponderou o assunto e esperou até cerca das 8 horas (hora de Moscovo) para dar conhecimento público do comunicado.
Não procedeu, pois, o Governo com alto sentido da dignidade do Estado?

Vozes do PRD e do CDS: - Não!

Vozes do PSD: - Sim!

O Orador: - Tudo poderia ter ficado então resolvido, sem necessidade de o Governo vir a público com um comunicado.
Mas porque, apesar dos alertas sucessivos do Governo, a visita à Estónia se mantinha, o Executivo não podia furtar-se a vir, publicamente, esclarecer a posição portuguesa neste ponto importante da política externa nacional. Desafiamos quem quer que seja a encontrar no comunicado do Governo qualquer beliscadura à dignidade da Assembleia da República e do seu Presidente.

Risos do PS, do PRD, do PCP e do CDS.

Não farei comentários às declarações do Sr. Presidente da Assembleia da República sobre matérias de política externa, pois o Sr. Primeiro-Ministo irá pessoalmente escrever ao Sr. Presidente.
No entanto, gostaria de fazer uma reflexão sobre o problema da Acta Final de Helsínquia.
Pelo simples facto de Portugal ter reconhecido a União Soviética em 1974, o nosso país não se obrigou a aceitar e muito menos a concordar com a incorporação, pela União Soviética, da Estónia, da Letónia e da Lituânia.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - De onde é que isso consta?

O Orador: - A visita àqueles Estados de representantes de Portugal na capital soviética e, por maioria de razão, de delegações chefiadas por titulares de órgãos de soberania poderia implicar o entendimento do reconhecimento pelo nosso Estado daquela incorporação.
Naturalmente que os Srs. Deputados compreendem que a diplomacia dá certos sinais. Ora, um dos sinais de que se mantêm reservas quanto a determinada acção de um outro Estado é exactamente não fazer visitas a essas regiões. Há muitas maneiras de mostrar essas reservas e naturalmente que temos de actuar de uma forma muito cuidadosa, na medida em que estão em causa os interesses de Portugal.
Quero referir ainda que a Acta Final de Helsínquia, assinada em 1975, em nada veio alterar o fundamento jurídico e político das posições portuguesas. Pelo contrário, os princípios fundamentais da Acta Final reforçam-no, particularmente o princípio da integridade territorial dos Estados, a igualdade soberana e respeito pelos direitos inerentes à soberania, a abstenção de recorrer à ameaça ou ao uso da força, à inviolabilidade das fronteiras, à igualdade de direitos e autodeterminação dos povos. Em especial a última frase do 4.º princípio "Integridade territorial dos Estados", que diz que "nenhuma ocupação ou aquisição pela força militar será considerada legal", pode e deve ser interpretada como referindo-se não apenas ao futuro, mas também àqueles casos do passado recente que deram lugar a violações maciças dos direitos do homem ainda persistentes - é o caso dos estados bálticos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Queria ainda prestar alguns esclarecimentos porque ouvi algumas insinuações de alguns deputados sobre a autonomia da política externa portuguesa.

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Não andamos a reboque de ninguém e contribuimos para formar a opinião quer na NATO quer na CEE e, portanto, quando dizemos que é a opinião da NATO e da CEE ela também é nossa.
Tal como já tive ocasião de esclarecer publicamente, quero dizer que não, houve pressão de qualquer natureza de qualquer Estado sobre esta matéria.

O Sr. Rogério de Brito (PCP):- Onde é que eu já ouvi essa?!

O Orador: - Quanto ao problema das relações com a União Soviética, devo dizer que recebi do Sr. Embaixador da União Soviética em Lisboa, que ontem
me pediu uma entrevista - contrariamente ao que alguns deputados podem pensar, recebo com alguma frequência o Sr. Embaixador da União Soviética. Tive
ocasião de conversar com ele sobre vários assuntos que interessam aos dois países, como seja o problema do desarmamento, os problemas do Afeganistão, da África Austral, etc., e posso assegurar-vos que as relações entre Portugal e a União Soviética não foram em nada afectadas pelo que se passou. Portanto, os Srs. Deputados podem estar descansados sobre essa matéria.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Graças à actuação da Assembleia!

O Sr. João Amaral (PCP): - Graças à actuação do Presidente da Assembleia da República.

O Orador: Para finalizar, apenas formulo o seguinte voto: que, de futuro, e tal como acontece sistematicamente com outros órgãos de soberania, a Assembleia da República passe a preparar, com o devido cuidado as suas deslocações oficiais ao estrangeiro para que a dignidade do País e o seu posicionamento na cena internacional sejam salvaguardados. Já hoje aqui houve sugestões nesse sentido.

Aplausos do PSD e do Sr. Deputado Independente Borges de Carvalho.

O Sr. Presidente: - A Mesa pergunta aos membros do Governo se nesta parte dos trabalhos ainda pretendem fazer mais alguma intervenção para que os gru-
pos parlamentares possam adequar os pedidos de esclarecimento que pretendem colocar, uma vez que o Governo, nesta matéria, não tem limite de tempo.
Assim, gostaria de saber se há mais membros do Governo que pretendem intervir nesta fase do debate ou se a intervenção do Executivo se limita à intervenção
do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares (Fernando Nogueira): - Sr. Presidente, nesta fase do debate os membros do Governo não pretendem fazer mais nenhuma intervenção.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Ministro.
Para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros inscreveram-se os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca, Car
los Brito, Gomes de Pinho, Raul Castro, Magalhães Mota, Sottomayor Cardia, Narana Coissoró, Ferraz de Abreu, José Carlos Vasconcelos, Bártolo de Campos,
Manuel Alegre, Andrade Pereira e Sá Furtado.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE):
Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, entre a exposição de V. Ex.ª e as lapidares explicações do Sr. Presidente da Assembleia da República, lamento ter que lhe dizer mas não podemos hesitar: entre uma e outra preferimos a do Sr. Presidente da Assembleia da República.

Vozes do PSD:- Ah! Ah!

O Orador: - O Sr. Presidente da Assembleia da República é do vosso partido, Srs. Deputados.
Sr. Ministro lamento que nas suas intervenções não tenha tido o cuidado de não tentar desautorizar o Sr. Presidente da Assembleia, como o fez agora, e de não tentar desmenti-lo porque V. Ex.ª foi incapaz de rebater, ponto por ponto, a exposição do Sr. Presidente da Assembleia da República.
Também lhe digo, Sr. Ministro, que noutro qualquer país da CEE ou, por exemplo, nos Estados Unidos - que é tanto do agrado de VV. Ex.as - um incidente desta natureza certamente que levaria a demissões, não digo de todo o Governo, mas de alguns ministros. Lamento ter que lhe dizer isto.
O Sr. Ministro disse que eram necessários debates com a Assembleia da República, nomeadamente no campo da política externa. Talvez não seja necessário recordar ao Sr. Ministro que uma única reunião que houve com a Comissão de Negócios Estrangeiros e Emigração foi necessária "arrancá-la a ferros", pois, foi pedida há poucas semanas. O Sr. Ministro deve estar recordado disso!
Se o Sr. Ministro continuar no Governo certamente que irá ser chamado mais vezes à Comissão de Negócios Estrangeiros e Emigração para prestar contas sobre
determinadas matérias.

O Sr. António Capucho (PSD):- Essa ameaça é um espanto!

O Orador: - É um espanto para o Sr. Deputado António Capucho, mas o Sr. Deputado reservou um pouco a sua actuação aqui dentro e se quiser fazer uma intervenção também gostarei de lhe fazer perguntas.
Sr: Ministro por que razão é que no dossier solicitado pelo Sr. Presidente da Assembleia da República o Governo não apresentou reservas sobre qualquer matéria nas relações bilaterais entre Portugal e a União Soviética? V. Ex.ª disse que nesse dossier não há que referir nada sobre os estados bálticos. O Sr. Presidente da Assembleia da República pediu-lhe claramente que o informasse, através de um dossier, sobre as questões essenciais das relações entre os dois países e se havia quaisquer reservas.
Foi ou não a Embaixada de Portugal na União Soviética que no dia 4, no Soviete Supremo, ultimou o programa da delegação portuguesa? Informou ou não a Assembleia? Informou ou não o Ministério dos Negócios Estrangeiros? Que canais diplomáticos e de informação tem o Ministério?
Quando uma embaixada prepara um programa desta natureza, necessariamente que informa o Ministério dos Negócios Estrangeiros, a não ser que V. Ex.ª me diga o contrário. Em caso afirmativo, pergunto-lhe se vai proceder a quaisquer demissões na Embaixada de Portugal em Moscovo.

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Em relação ao comunicado - inclusivamente já aqui foi defendido pelo PSD que o comunicado não tem importância - gostava de saber que razões de Estado levaram o Governo a tornar público um comunicado da natureza deste, ou seja, um comunicado aberrante, sem que ao menos houvesse uma tentativa de informar o Presidente da Assembleia da República em exercício e a Assembleia da República.
O Sr. Ministro teve os dias 4, 5, 6, 7, 8 e 9 e só quando o Sr. Presidente da Assembleia da República foi para o estrangeiro é que tornou público o comunicado. Que razões de Estado levam um governo a comportar-se desta maneira?
Para terminar, pergunto se V. Ex.ª leu a parte final do capítulo IV sobre "Integridade territorial dos Estados" da Acta Final de Helsínquia. Devo dizer que a tenho comigo em vários idiomas. V. Ex.ª esqueceu-se de ler os 1.º e 2.º parágrafos, assim como o capítulo III sobre "Inviabilidade das fronteiras". Esta Acta Final de Helsínquia foi assinada pelo Estado Português. Ela foi assinada por 35 Estados, nomeadamente por países da CEE e pelos Estados Unidos da América.
Pergunto-lhe, Sr. Ministro, se, perante todo este incidente, o Estado Português pensa denunciar a Acta Final de Helsínquia.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Carlos Brito para pedir esclarecimentos, ponho à consideração dos grupos parlamentares, porque não tenho a certeza do que ficou acordado em conferência de líderes, se a sessão se vai ou não prolongar até terminarmos o debate, portanto para além das 20 horas.

Pausa.

Como não há objecções, a sessão é prolongada para além das 20 horas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros começou a intervenção por fazer duas afirmações contraditórias: primeiro disse que este debate mostra que o Governo não tinha conhecimento do programa e, logo a seguir, disse que era ao Governo que competia a direcção da política externa.
Pergunto-lhe se um dos primeiros aspectos da direcção da política externa não é a direcção do aparelho diplomático...

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... e se, havendo direcção do aparelho diplomático, o Ministério dos Negócios Estrangeiros não conhece aquilo que uma embaixada conhece.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Ou não será assim, Sr. Ministro? Não será este um princípio fundamental da diplomacia?

O Sr. João Amaral (PCP): - Se não tem mão na Embaixada que o confesse!

O Orador: - O que aconteceu, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, é que foi o Ministério dos Negócios Estrangeiros que informou a Assembleia da República do programa...

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... e não era a Assembleia da República que tinha possibilidades de informar o Ministério dos Negócios Estrangeiros do programa.

O Sr. João Amara] (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Ministério dos Negócios Estrangeiros antecipou-se à Assembleia da República no conhecimento do programa e o Sr. Ministro, por obrigação, conhece-o. Se assim não é, é por desleixo, é porque não controla, não dirige o aparelho diplomático.
15to é muito simples.

Aplausos do PCP e de alguns deputados do PS.

Em segundo lugar, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros não consegue convencer ninguém. O tal despacho de 13 de Fevereiro do corrente ano - tão recente e que foi emitido pela Secretaria de Estado exactamente no momento em que está a ser elaborado o dossier para o Sr. Presidente da Assembleia da República - não era matéria que obrigatoriamente tinha de ser incorporada no tal dossier. Se o não foi, o Sr. Ministro deve explicações à Assembleia da República sobre as razões por que o seu Ministério o não fez, porque isto é da sua responsabilidade ou da do Sr. Secretário de Estado. O Sr. Ministro deve explicações à Assembleia da República e não pode furtar-se a elas.
Em terceiro lugar, Sr. Ministro, devo dizer-lhe que não era nada improvável que a delegação fosse convidada a visitar a Estónia, uma vez que um alto responsável estoniano aqui esteve, em visita ao nosso país, a dirigir a última representação parlamentar soviética. Mas passemos adiante!
Gostaria ainda de perguntar se o Sr. Ministro não tem nenhuma notícia de que um embaixador português em Moscovo visitou um dos países bálticos. Não tem? Confessa que não tem, Sr. Ministro? Entende que é natural que um Ministro dos Negócios Estrangeiros não tenha conhecimento disto?
Passando a uma outra questão, devo dizer que me preocupou a maneira como o Sr. Ministro se referiu à questão das fronteiras da União Soviética e a referência que fez a acontecimentos recentes.
Pergunto: aquando do estabelecimento das relações diplomáticas entre Portugal e a União Soviética foi formulada alguma reserva por parte do Governo Português? O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal formula hoje alguma reserva em relação às fronteiras da União Soviética? O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal tem dúvida em relação às fronteiras da Europa, resultantes da Segunda Guerra Mundial? Como é que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros considera o problema das fronteiras da Europa resultantes da Segunda Guerra Mundial?
Depois das afirmações que aqui fez, era importante que o Sr. Ministro esclarecesse, até ao fim, o seu pensamento nesta matéria.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Orador: - Finalmente, o Sr. Ministro proclama que, depois de uma conversa que teve com o Sr. Embaixador da União Soviética, pode afirmar à Assembleia da República que as relações não foram beliscadas, prejudicadas.
O Sr. Ministro não entende que se assim é, se as relações não foram prejudicadas, deve um agradecimento, que não fez, à delegação quê esteve na União Soviética e ao seu presidente, que é o Presidente da Assembleia da República? Não acha que é uma ingratidão o Governo e o Ministério dos Negócios Estrangeiros, depois de terem procedido tão desajeitadamente em matéria internacional, virem agora aqui dizer que não há prejuízos? Não acha que é uma ingratidão não reconhecer a quem se deve que não haja prejuízos?

Aplausos do PCP, do PS, do PRD e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, a primeira observação que gostaria de fazer é a de que a intervenção de V. Ex.ª defraudou substancialmente a nossa expectativa.
Estávamos convencidos de que V. Ex.ª ia trazer aqui, numa atitude de cooperação com a Assembleia da República ainda admissível e particularmente desejável nesta fase deste processo, um conjunto de informações que até agora não prestou a esta Casa, informações que são devidas, que lhe foram reiteradamente solicitadas, que V. Ex.ª continua a não fornecer e que para nós são essenciais para um juízo definitivo sobre este problema.
E a primeira questão que gostaria de lhe colocar é a seguinte: V. Ex.ª entende que já forneceu, designadamente nos documentos que hoje nos foram entregues, todos os elementos relativos a este processo que constam dos arquivos do seu Ministério, designadamente toda a correspondência trocada entre a nossa Embaixada em Moscovo e o Ministério dos Negócios Estrangeiros pelas várias vias possíveis? Ou V. Ex.ª entende dever aqui esclarecer-nos que alguns desses elementos não nos foram fornecidos e invocar para isso, porque só nessas circunstâncias tal será admissível, o segredo de Estado?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Era o que faltava!

O Orador: - Em segundo lugar, V. Ex.ª começou a sua intervenção dizendo que o Governo não tinha conhecimento do programa da visita e que este debate o tinha provado. É uma afirmação manifestamente infundada. Se alguma coisa este debate provou, inclusive na sua intervenção, foi que o Governo tinha conhecimento do programa da visita, incluindo a parte crítica da visita à Estónia.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - E tinha-o por várias vias: pela via diplomática, através da nossa Embaixada em Moscovo, pela via da informação directa da Assembleia da República e pela via da imprensa, que V. Ex.ª aliás invocou antes da partida da delegação.
Por que é que então só depois da partida da delegação, com manifesto prejuízo para a imagem externa do País e para a dignidade deste órgão de soberania, é que houve uma intervenção do Ministério dos Negócios Estrangeiros? Não é isto, Sr. Ministro, uma verdadeira quebra da solidariedade institucional?
A terceira questão que lhe queria colocar refere-se à afirmação de V. Ex.ª de que as visitas devem ser preparadas com cautela. Estamos inteiramente de acordo, Sr. Ministro, e se alguma coisa temos a verberar é á falta de cautela com que o seu Ministério agiu nesta matéria. Não é cautela o Presidente da Assembleia da República ter pedido ao Ministério um relatório circunstanciado sobre as relações com a União Soviética?
Não é cautela, Sr. Ministro, termos acedido a uma intervenção do seu Ministério no sentido de que esta visita se concretizasse em tempo útil?
Não é cautela, Sr. Ministro, termos estabelecido contactos directos com a nossa Embaixada em Moscovo, que para nós têm, como é óbvio, uma valor de informação oficial?
Não são estas cautelas adequadas à Assembleia da República?
É claro que V. Ex.ª pode dizer que seriam necessárias ainda mais cautelas. No entanto, julgo que uma das conclusões deste debate é que com este governo todas as cautelas são poucas!

Aplausos do CDS, do PS, do PRD, do PCP e do MDP/CDE.

O Orador: - Terceira questão, Sr. Ministro - e creio ser este um ponto essencial sobre o qual julgo que V. Ex.ª se não furtará a dar-nos uma informação: diz V. Ex.ª que houve contactos entre a nossa embaixada e o Soviete Supremo.
Penso que V. Ex.ª confirmará que esses contactos existiram antes da partida da delegação portuguesa, penso que a Embaixada - e V. Ex.ª poderá confirmá-lo - fez sugestões concretas quanto ao programa da visita desta delegação e estou seguro de que a Embaixada não colocou qualquer reserva quanto à visita à Estónia, ao contrário do que terá acontecido em relação a outros pontos do programa preparado pelas autoridades soviéticas.
Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, o que é que isto significa em termos diplomáticos e o que é que isto significa em termos de condução da política externa do nosso país?
A quarta questão que queria levantar a V. Ex.ª é a questão do célebre despacho DSE-337, de 13 de Fevereiro do corrente ano.
V. Ex.ª enviou esse despacho à nossa Embaixada - aliás uma das suas principais destinatárias -, tanto quanto é possível deduzir destes elementos, apenas em 10 de Março, isto é, quando a delegação portuguesa já se encontrava em Moscovo, sendo que o referido despacho era de 13 de Fevereiro.
Assim, a primeira questão que se nos levanta - aliás, esta questão já aqui foi levantada, mas eu reitero-a - é a seguinte: por que não incluir o teor deste despacho, que, pelos vistos, era matéria importante para o seu Ministério e para as nossas relações com a União Soviética, no relatório apresentado ao Presidente da Assembleia da República? No entanto, porquê também só o comunicar com quase um mês de atraso à Embaixada de Portugal em Moscovo, que era seguramente o principal elemento da elaboração do programa da visita da delegação parlamentar e das rela-

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ções entre as autoridades portuguesas e soviéticas na preparação dessa viagem? Qual é a explicação que V. Ex.ª dá para isto?
Mas mais: qual é a explicação que V. Ex.ª dá para o facto de o embaixador português reiteradamente lhe afirmar, de acordo com os elementos de que aqui dispomos, que não tem conhecimento deste despacho, que lhe terá sido comunicado por telex ou por uma via expedita, mesmo durante a viagem e a estadia da delegação portuguesa? O que é que explica que um despacho desta importância, que diz directamente respeito à situação dos países bálticos, continuasse a ser ignorado pela nossa Embaixada em Moscovo?
Não considera isso um elemento gravemente perturbador da iniciativa diplomática portuguesa? E não considera V. Ex.ª que toda esta falta de informação poderia provocar, e com certeza provocou, graves danos à missão portuguesa, à missão que a Assembleia da República se propunha desempenhar na União Soviética?
Finalmente, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, como é que se compreende que V. Ex.ª admita que uma delegação portuguesa que está de visita a um país estrangeiro seja informada de decisões tão importantes como aquela que o Governo tomou através de um comunicado público por outras autoridades que não as portuguesas?
V. Ex.ª tentou dar aqui uma explicação que não convence ninguém nem corresponde verdadeiramente aos factos. V. Ex.ª afirmou à delegação portuguesa, na pessoa do Sr. Presidente da Assembleia da República, que iria falar com o Primeiro-Ministro e que iria ponderar os argumentos invocados pelo Presidente da Assembleia da República, que eram argumentos perfeitamente lógicos e razoáveis.
O Sr. Presidente da Assembleia da República pediu-lhe que fundamentasse concretamente a posição que nos solicitou que tomássemos e o Sr. Ministro sabia que não era uma posição fácil de tomar.
Esta fundamentação era perfeitamente razoável para que pudéssemos fazer um juízo independente e também para que pudéssemos tomar uma decisão acertada. V. Ex.ª reconheceu que estes argumentos era válidos e por isso disse que ia ponderar esta situação com o Sr. Primeiro-Ministro. Ora, não seria razoável, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que, depois dessa ponderação, V. Ex.ª fizesse um pequeno esforço para nos comunicar o resultado dela? E, Sr. Ministro, já não me estou a situar sequer ao nível das relações institucionais; estou a situar-me ao nível das relações humanas, das relações entre portugueses, das regras do mais elementar bom senso. Porém, V. Ex.ª não fez nada disto e quer agora imputar-nos alguma responsabilidade por esse contacto não ter sido estabelecido.
Não queria fazer juízos, pois V. Ex.ª como responsável pela nossa diplomacia, sabe com certeza como são difíceis as comunicações, particularmente no decorrer de uma viagem destas. E creio que V. Ex.ª em consciência reconhecerá que o facto de o Governo ter emitido um comunicado nas circunstâncias em que o fez foi uma atitude não apenas inamistosa e reveladora de uma falta de solidariedade, mas reveladora também - e isso choca-me particularmente - de uma grande incompetência diplomática.

Uma voz do PRD: - Muito bem!

O Orador: - Se há alguma coisa que V. Ex.ª possa retirar do que se passou a seguir, é que, apesar de tudo isso, a delegação presidida pelo Presidente da Assembleia da República soube pôr de parte todos estes aspectos, que eram pessoal e institucionalmente relevantes, e orientar-se no sentido do respeito por aquilo que entendeu ser o interesse nacional. E, se realmente maiores danos não resultaram para a imagem pública de Portugal, permita que lhe diga que não foi pela actuação do Governo, mas pela actuação desta delegação, em particular do Sr. Presidente da Assembleia da República.

Aplausos do CDS, do PS, do PRD, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Informo a bancada do CDS de que o Sr. Deputado Gomes de Pinho esgotou o tempo do CDS.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): - E foi muito bem esgotado!

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, torna-se claro para todos os que puderam ouvir a sua intervenção que ela não conseguiu nem convencer ninguém da razão que o Governo na realidade não tem nem retirar gravidade ao seu comportamento em relação a este órgão de soberania e ao seu Presidente, que é - convém sempre lembrá-lo a segunda figura do Estado.
O Sr. Ministro começa por afirmar que o Governo não tinha conhecimento do programa da visita. Mas, na realidade, sabe-se que a visita foi estabelecida entre a Embaixada de Portugal e o órgão que convidava, que era o Soviete Supremo e, naturalmente, é incompreensível que, tratando-se tudo isto através da Embaixada, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros não tivesse conhecimento. Além disso, na folha da ordem de trabalhos da Assembleia da República de sexta-feira estava publicado o programa da visita e existe um Secretário de Estado para os Assuntos Parlamentares, de cuja missão faz naturalmente parte tomar conhecimento do que se passa aqui na Assembleia da República. Os jornais de sábado trazem o programa da visita, mas, além de tudo isto, há o envio da mala diplomática, contendo o célebre Diário do Governo de 1940, que é enviado para a nossa Embaixada em Moscovo na sexta-feira, ou seja, dias antes da partida da delegação parlamentar para Moscovo.
15to mostra, por um lado, que o Governo tinha conhecimento da visita à Estónia e, por outro lado, que só não comunicou com a delegação da Assembleia da República porque o não quis fazer.
O Sr. Ministro afirmou também que, pelo facto de em 1974 Portugal ter reconhecido a União Soviética, não significava o reconhecimento das três repúblicas bálticas.
Como é evidente, trata-se de uma enormidade.
Como é sabido, a União das Repúblicas Soviéticas abrange quinze repúblicas e o Sr. Ministro pretendeu convencer-nos de que em 1974 o Governo Português só reconheceu doze dessas quinze.

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2212 I SÉRIE - NÚMERO 56

É evidente que se trata de um manifesto absurdo.
Por outro lado, ao justificar esse facto, dizendo que o dossier enviado ao Sr. Presidente da Assembleia não tinha que referir os problemas relacionados com as repúblicas bálticas porque não se sabia da visita a essas repúblicas e que nem o embaixador tinha conhecimento disso, chegamos à conclusão que aquilo que o Sr. Ministro considera um problema tão importante poderia nunca ser conhecido pelo próprio embaixador na União Soviética, desde que não houvesse uma visita desse mesmo embaixador a qualquer destas repúblicas.
Trata-se de uma estranha orientação do Governo nesta matéria bem como no que respeita à elaboração de um dossier sobre as relações bilaterais.
Desejo ainda ser esclarecido sobre como é que o Sr. Ministro pode explicar que tenha sido recusada ao Sr. Embaixador a possibilidade de mostrar o telex ao Sr. Presidente da Assembleia da República.
Mais ainda, durante a estada, vários deputados manifestaram interesse em visitar o túmulo de Lenine, que não conheciam, visita essa que não fazia parte do programa. Ora, na parte final da visita os nossos anfitriões acabaram por nos explicar delicadamente que fora proposto pelo Soviete Supremo que do programa constasse uma visita ao túmulo de Lenine - considerado como o fundador do Estado Soviético - e nele se depositasse um ramo de flores. Mais, disseram-nos que tal proposta havia sido comunicada mais de um mês antes da ida da delegação a Moscovo e que houvera duas insistências junto da Embaixada de Portugal nesse sentido.
Por ordem de quem é que a Embaixada de Portugal nunca comunicou esta proposta que fora feita?
Acrescento, ainda, que as outras duas delegações parlamentares que se deslocaram à União Soviética cumpriram também este número do programa.
Tudo isto mostra que a Embaixada de Portugal age, naturalmente, na dependência do Sr. Ministro e só assim se compreende que possa tomar estas atitudes que colidem frontalmente...
O Governo actuou de forma deliberada, de forma não transparente e ofensiva para com este órgão de soberania e para com a figura do seu Presidente.

Aplausos do MDP/CDE, do PCP e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães lota (PRD): - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, de acordo com a cópia da documentação que nos enviou no dia 9 de Janeiro de 1987, foi enviado um telex de resposta à a Embaixada em Moscovo pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, comunicando-lhe a aceitação da viagem por parte de uma delegação da Assembleia da República.
Gostaria que nos informasse sobre quais as diligências a que a Embaixada procedeu de 9 de Janeiro a 10 de Março e qual a atitude do Governo se, por acaso, se verificou um silêncio por parte da Embaixada.
Se foi esse o caso, o Governo, responsável pela condução da nossa política externa não se preocupou no sentido de obter informações por parte da Embaixada?
No dia 11 de Março foi publicado o comunicado do Gabinete do Sr. Primeiro-Ministro e, de acordo com a comunicação que nos foi transmitida, no dia 13 de
Março - dois dias depois - é que a Secretaria de Estado envia um telex para a Embaixada em Moscovo, dizendo o seguinte:

Para que esta Secretaria de Estado possa avaliar devidamente inclusão da Estónia no programa de visita S. Ex.ª Presidente da Assembleia da República à Rússia, muito se agradeceria V. Ex.ª nos habilitasse com os seguintes elementos: quando teve essa Embaixada conhecimento oficial ou não da decisão soviética de proceder à inclusão referida? Existe ou não nessa Embaixada documentação sobre essa matéria, isto é, posições países democráticos quanto anexação estados bálticos por União Soviética? Foi dita matéria tratada alguma vez em reuniões aliados ou parceiros em que V. Ex.ª ou outro membro dessa missão tenha par-
ticipado?

Dois dias depois do comunicado do Gabinete do Sr. Primeiro-Ministro, a Secretaria de Estado queria estas informações?!!!
15to pressupõe que, até à data, a Secretaria de Estado - e tenho pena que o Sr. Secretário de Estado tenha escolhido esta ocasião para se ausentar - não tinha tratado de nada sobre esta matéria.
Recebe uma resposta da Embaixada e, nem aí, tem nenhum esclarecimento a prestar?
Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado: que condução de política externa é esta? Que espécie de garantias podemos esperar de V. Ex.ª, deste Governo, das suas embaixadas em relação à condução da nossa política externa? Que espécie de garantias pode dar-nos V. Ex.ª depois do discurso aqui feito? Que espécie de confiança julga poder merecer?

Aplausos do PRD, do PS, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.
15to pressupõe que, até à data, a Secretaria de Estado - e tenho pena que o Sr. Secretário de Estado tenha escolhido esta ocasião para se ausentar - não tinha
tratado de nada sobre esta matéria.
Recebe uma resposta da Embaixada e, nem aí, tem nenhum esclarecimento a prestar?
Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado: que condução de política externa é esta? Que espécie de garantias podemos esperar de V. Ex.ª, deste Governo, das suas Embaixadas em relação à condução da nossa política externa? Que espécie de garantias pode dar-nos V. Ex.ª e depois do discurso aqui feito? Que espécie de confiança julga poder merecer?

Aplausos do PRD, do PS, do PCP e do MDP/CDE.

Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.
Informo a bancada do PS de que há três deputados do PS inscritos e de que o PS dispõe de três minutos.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, há, de facto, um ponto sobre o qual o Governo tem posição assente em política externa: a questão dos estados bálticos. E por isso pergunto o seguinte: desde quando está definida pelo Governo português a actual posição sobre os estados bálticos?

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18 DE MARÇO DE 1987 2213

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Desde Salazar.

O Orador: - Designadamente, se está definida, isso foi antes ou depois da resolução votada em finais de Janeiro na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa?
Segunda questão: em que aspectos concretos é que a versão que V. Ex.ª deu dos factos contradita a versão que nos foi apresentada por S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República?
Finalmente, Sr. Ministro, permita-me que o felicite pela sua franqueza e o louve pela sua honestidade, difícil de assumir numa situação destas. V. Ex.ª veio dizer-nos que conhecia desde 5 de Março que a delegação parlamentar iria ou poderia ir à Estónia. Depois aconteceu o que aconteceu. Nós já sabíamos que o Governo não coopera com a Assembleia da República, mas com a declaração de V. Ex.ª ficámos perfeitamente cientes de - aliás, como eu há pouco disse, sendo agora a confirmação - que este incidente foi premeditado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Adérito Campos (PSD): - Pouco conclusivo!

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Nada conclusivo!

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - O Sr. Ministro veio aqui repetir o espectáculo penoso que ontem já proporcionara a este país, próprio de quem não tem argumentos e tem muita dificuldade em explicar o inexplicável. Teria sido bonito ver o Sr. Ministro agradecer aqui ao Sr. Presidente da Assembleia da República a acção exercida em Moscovo, o que permitiu que o Governo soviético viesse propositadamente à despedida no aeroporto, lembrando e afirmando que isto não teria alterado ou perturbado as nossas relações.
Finalmente, falou o Sr. Ministro em independência do Ministério dos Negócios Estrangeiros em matéria de política externa. Para que não nos fiquem dúvidas, gostaria que o Sr. Ministro nos explicasse o seguinte: quando ontem na televisão disse que logo que foi conhecido o nosso itinerário alguém lhe perguntou se íamos alterar a nossa política externa, quem é que foi que lhe sugeriu uma semelhança absurda com o caso de Timor?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, o espectáculo que V. Ex.ª aqui nos proporcionou é um espectáculo que temos de considerar pelo menos como deprimente. Como dirigente político e como cidadão deste país tenho de o lamentar, vindo de um ministro que faz parte de um Governo o qual quando foi preciso e quando entendemos dever fazer, louvámos - pelo que temos agora a autoridade moral para dizer que é triste que seja possível em Portugal assistirmos ao espectáculo a que assistimos e a tudo o que está na base desse mesmo espectáculo.

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª, efectivamente, não desmentiu nada dos factos que aqui foram transmitidos. Aquilo a que se assistiu, inclusive por parte de alguns deputados da bancada que apoia o Governo, foi tentar transformar o problema numa questão de política externa e num debate de sobre direitos do homem, e nós não autorizamos nenhum dos seus deputados que aqui falou a dizer que os defende mais do que nós. Tratou-se de tentar transformar numa questão de política externa o que é nitidamente uma questão de política interna, de dignidade do Estado e de responsabilidade de um governo. Quem assim tentou alterar o sentido fundamental deste debate é porque efectivamente nada tinha a dizer sobre a essência das questões.
Queria também dizer que um membro do Governo que entende que um comunicado como aquele que o Governo, através do Gabinete do Primeiro-Ministro, tornou público, na ausência da delegação da Assembleia da República, não causa qualquer beliscadura à Assembleia da República, tem, além do mais, uma grande falta de senso, no sentido político e até de solidariedade humana que merecem os deputados e os cidadãos que integravam esta delegação.
Quero por fim recordar-lhe que V. Ex.ª- é uma questão que lhe ponho esperando que não se tenha tratado de um lapso freudiano -, reconhecendo tudo o que de essencial constava da exposição do Sr. Presidente e de vária documentação, disse que o Ministério teve conhecimento só do projecto de visita através da Embaixada. Recordo que foi sempre ela quem informou a Assembleia, sendo de referir que no documento de 3 de Fevereiro do embaixador em Moscovo se diz o seguinte:

(...] este Ministério dos Negócios Estrangeiros (o da União Soviética) informa-nos que o Soviete Supremo indicou o período de 10 a 16 de Março para a visita da delegação parlamentar portuguesa à União Soviética. Muito agradeceria V. Ex.ª o favor da transmissão quanto precede Gabinete de S. Ex.ª Presidente da Assembleia da República [...]

Só por si, este documento é perfeitamente elucidativo e indesmentível quanto a dizer que foi o próprio Ministério dos Negócios Estrangeiros que, desde a fixação da data, o transmissor para a Assembleia da República de tudo o que se referia a esta viagem, pelo que teve conhecimento do programa antes mesmo da própria Assembleia.

Aplausos do PRD.

Quando V. Ex.ª, a propósito disto, diz que teve apenas conhecimento de um projecto, isso é particularmente grave.
V. Ex.ª reconheceu que teve conhecimento do que era o projecto e face a ele não se pronunciou, parece que estava à espera que o projecto se transformasse numa realidade irreversível para depois criar o conflito e a situação grave que criou para o país!

Aplausos do PRD, do PS, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Bártolo de Campos.

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2214 I SÉRIE - NÚMERO 56

O Sr. Bártolo de Campos (PRD): - O Sr. Ministro diz que o Governo tomou conhecimento da ida à Estónia pela imprensa no dia 7. Admitindo este dado como base de trabalho, que fez o Governo em seguida?
Ponderou, deixou partir a delegação, enviou um telex, falou com o Presidente da Assembleia da República porque este telefonou, esperou que este voltasse a contactar, e considera que fez tudo. Então, emite o comunicado.
Será que o Governo fez tudo? Será que o Governo só podia fazer isto para conseguir os objectivos que diz defender, isto é, como primeiro objectivo, evitar a visita à Estónia, como segundo objectivo, assegurar o bom relacionamento entre os órgãos de soberania e, como terceiro objectivo, garantir a dignidade do Estado? O Governo só dispunha meios antes do comunicado ou o Governo não tinha estes objectivos?

Aplausos do PRD, do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre, dispondo para o efeito de um minuto.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Lamento dizer-lhe, Sr. Ministro,, mas o teor e ligeireza da sua intervenção demonstraram falta de respeito pela Assembleia da República...

Urna voz do PSD: - Outra vez!?

O Orador: - ... falta de respeito pelo seu Governo, como governo democrático...

Uma voz do PSD: - 15so é um exagero!

O Orador: - ... e falta de respeito pelo interesse nacional.

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Orador: - Choca-me que o Sr. Ministro pareça não ser capaz de compreender que a publicação do comunicado, independentemente dos seus termos, é muito mais que uma beliscadura, é uma facada na solidariedade institucional e é uma facada ou uma violação das regras básicas internacionais. 15to leva-me a crer que houve uma intenção premeditada de criar um incidente político à Assembleia da República e um incidente político nas relações com a União Soviética com uma finalidade. Porquê? Talvez porque o Governo esteja convencido que isso serve os seus desígnios eleitorais.
Mas, se é assim, Sr. Ministro, temos de chegar à conclusão de que o Governo está disposto a sacrificar tudo para obter ganhos eleitorais. E nesse tudo vai a democracia, vai o interesse nacional.
Se é assim, temos de chegar à conclusão de que este governo não pode nem merece continuar a governar Portugal.

Aplausos do PS, do PRD, do PCP e do MDP/CDE.

Protestos do PSD.

O Sr. Adérito de Campos (PSD): - É preciso é coragem!

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Deputado, cresça e apareça.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que façam silêncio e deixem prosseguir o debate.
Também para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro, tem a palavra o Sr. Deputado Sá Furtado.

O Sr. Sá Furtado (PRD): - Sr. Ministro, antes da partida da delegação da Assembleia da República, não quis o Governo, embora conhecendo-a, tomar posição sobre a visita à Estónia por lhe faltar comunicação formal por parte do Sr. Presidente da Assembleia da República.
Pergunto: Quais as razões, ainda ocultas, que levaram o Governo a modificar o seu entendimento, emitindo o famigerado comunicado, sem a previamente indispensável carta do Sr. Presidente da Assembleia da República?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, do conjunto de inscrições para pedidos de esclarecimento, apenas dois Srs. Deputados do CDS não dispõem de tempo porque inclusivamente cederam dois minutos ao PSD.
Como parece serem estes os únicos Srs. Deputados que não dispõem de tempo e para que não fiquem privados de usar da palavra, a Mesa concede um minuto a cada um deles.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito obrigado, Sr. Presidente. Farei rapidamente as minhas perguntas.
A primeira delas é a seguinte: V. Ex.ª Sr. Ministro, confirmou que o Sr. Embaixador tinha transmitido a proposta do Soviete Supremo à delegação portuguesa.
Sempre aprendi como regra elementar das embaixadas, porque tenho imensos colegas de curso e amigos em altos postos do aparelho diplomático, que nenhum embaixador nem nenhum secretário ou conselheiro entra em contacto com outros órgãos de soberania sem imediatamente dar conhecimento ao Ministério dos Negócios Estrangeiros da conversa havida. 15to é, se um embaixador fala com o Presidente da República ou com o Presidente da Assembleia da República ou com alguém sobre assuntos de Estado, tem a obrigação - e tem-na sempre - de se reportar imediatamente ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e de repetir aquilo que disse a esses órgãos de soberania.
Pergunto, Sr. Ministro, se actualmente este procedimento deixou de existir no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Os embaixadores andam em roda livre e não dão qualquer satisfação ao Sr. Ministro acerca das conversas que têm com outros órgãos de soberania?
Segundo problema, que é muito mais importante: durante o discurso que V. Ex.ª recitou, disse que o Sr. Primeiro-Ministro iria responder por carta ao Sr. Presidente da Assembleia da República a algumas afirmações proferidas por este relativamente à política externa.
Não sei dizer se o Sr. Primeiro-Ministro quer dar estas explicações e, sabendo que hoje iria ser travado aqui o debate sobre essa questão, porque é que se reserva de escrever, por carta, a sua opinião ou "puxar as orelhas" ao Sr. Presidente da Assembleia da República por carta e não vem aqui à Assembleia da República dizer publicamente aquilo que quer dizer? Ou quer dizer por carta através da televisão?

Risos.

Vozes do PRD: - É isso!

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Andrade Pereira, que dispõe também um minuto.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, V. Ex.ª na sua intervenção, teve, no fundo, três preocupações.
A primeira foi a de dar conta de que, nos termos constitucionais, era o Governo que tinha competência para conduzir política externa, com o que estamos inteiramente de acordo. A segunda foi a de que o Governo tinha uma determinada posição, que era a do Conselho Parlamentar da Europa, relativamente ao problema das repúblicas bálticas, com o que também estamos inteiramente de acordo. Depois, adiantou duas coisas que, no fundo, foi a única coisa que deu em termos de explicação a esta Câmara: uma, a de que o programa devia ter sido fornecido pela Assembleia da República ao Governo, que o pediu por escrito. Pergunto, porventura repetindo uma pergunta que já foi feita várias vezes a V. Ex.ª: qual era realmente a forma adequada, quais eram os canais apropriados que V. Ex.ª entendia que deviam ter sido utilizados pela Assembleia da República para definir e para ajustar o seu programa da visita, que não através da Embaixada, como realmente foi, e porque é que a Embaixada não comunicou ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, se é que não comunicou?
Uma última questão para ser rápido e para cumprir o tempo de que disponho. V. Ex.ª fez a afirmação, que é, do meu ponto de vista, a questão mais essencial em toda esta questão desagradabilíssima e neste confronto institucional que na realidade se verifica, de que face aos alertas sucessivos do Governo e face à indisponibilidade da delegação de alterar o seu programa saiu o comunicado.
Só pergunto, Sr. Ministro, muito concretamente: quando e como foram feitos os alertas sucessivos e como soube V. Ex.ª da indisponibilidade da delegação para desistir de ir à Estónia, como efectivamente desistiu?

O Sr. Presidente: - Para responder às questões que lhe foram colocadas, tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, se o desejar.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por dizer que não há nenhuma razão oculta na actuação do Governo. O Governo actuou com toda a lisura, com todo o cuidado.

Protestos do PS, do PRD e do PCP.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não vim aqui dar um espectáculo - não é esse o meu hábito -, vim aqui apenas prestar esclarecimentos que me parecem importantes.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não houve, portanto, qualquer problema de má-fé e acho que a Assembleia não tem fundamento para o dizer.
Nos esclarecimentos que vou dar a seguir espero clarificar este assunto.
Referirei, em primeiro lugar, um problema que é importante: o problema das embaixadas, e neste caso particular o da Embaixada em Moscovo.
Julgo que é importante que todos os órgãos de soberania não forcem ou não levem funcionários diplomáticos a não cumprir, por razões que a prática tem, talvez, amolecido um pouco, as regras estabelecidas. Julgo que isto é muito importante, pois prova que contactos entre os órgãos de soberania e as embaixadas devem ser evitados. E também devem ser, obviamente, evitados os contactos entre as embaixadas e os órgãos de soberania.

Protestos do PS, do PRD e do PCP.

O que se passou foi que a Embaixada em Moscovo - e a esse propósito devo dizer que quer o Sr. Embaixador, quer o conselheiro estão lá há mais de quatro anos...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Quem telefona é a Embaixada, não é a Assembleia!

O Orador: - Quer o embaixador quer o pessoal diplomático que se encontra em Moscovo está lá há muitos anos, pelo que deveriam ter conhecimento de algumas regras e de alguns aspectos importantes da política soviética.
O Sr. Deputado Magalhães Mota não se deve surpreender por termos mandado aquele telex que referiu. Aquele telex é exactamente o primeiro passo que decidi tomar para obter um esclarecimento completo sobre a actuação da Embaixada em Moscovo.
Portanto, a explicação para esse telex é exactamente esta. Mas penso que esse é um problema diferente que não deve ser aqui misturado. A acção que, a partir de agora, o Ministério vai desenvolver em relação ao comportamento da Embaixada de Portugal em Moscovo...

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?

O Orador: - Desculpe, Sr. Embaixador... perdão, Sr. Deputado - não o quis envolver nas tricas diplomáticas...
Portanto, o telex que referiu é exactamente o primeiro passo para a obtenção de um esclarecimento e de responsabilidades.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Está a querer achar um bode expiatório!...

O Orador: - Na realidade, na quinta-feira, dia 5, a Embaixada comunicou telefonicamente com a Assembleia - e certamente que o fez no intuito de tornar o processo mais rápido -, mas não informou o Ministério. Naturalmente que essa é uma das matérias que está a ser investigada.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Permite-me que o interrompa agora, Sr. Ministro?

O Orador: - Deixe-me só acabar esta ideia, Sr. Deputado.
Julgo, portanto, que este assunto não deve ser metido nesta discussão. Não há dúvida de que há aspectos de comportamento dos diplomatas em Moscovo que terão de ser averiguados, o que está a ser feito com toda a cautela.

Protestos do PCP.

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2216 I SÉRIE - NÚMERO 56

Relativamente à carta que o Sr. Primeiro-Ministro vai escrever ao Sr. Presidente da Assembleia da República, isso justifica-se exactamente pela vontade de não trazer para aqui um problema que pode bolir com a dignidade do Estado. Ele vai, portanto, ser tratado entre, o Sr. Primeiro-Ministro e o Sr. Presidente da Assembleia da República.

O Sr. Magalhães Mote (PRD): - Sr. Ministro, agora, que já acabou o seu raciocínio, podemos voltar à questão?

O Orador:- Faça favor.

O Sr. Magalhães Mota (PRD):- Serei extremamente rápido, Sr. Ministro.
O que quero pôr em causa é o seguinte: uma vez que Embaixada tinha conhecimento da situação desde o princípio de Janeiro, conhecimento esse que lhe havia sido dado pelo próprio Ministério, não acha o Sr. Ministro estranho que só o dia 13 de Março a Secretaria de Estado tinha mandado um telex à Embaixada para saber como é que ela tinha acompanhado a situação? Então, antes não se preocupou, quando se tratava da deslocação de uma delegação da Assembleia da República chefiada pela segunda figura do Estado?
Então, o Ministério deixou que tudo corresse como se corresse no melhor dos mundos, quando afinal, ao que parece, não corria?

O Orador: - Sr. Deputado, julgo que já expliquei bem esse assunto.
Esse telex tem de ser encarado como a primeira acção que o Ministério está a desenvolver no sentido do cabal esclarecimento da questão. Portanto, foi depois de o comunicado ser feito, de se ter tido conhecimento das declarações do Sr. Presidente da Assembleia da República em Moscovo, que quisemos apurar tudo, e é isso que se está a fazer. Esse telex, que parece ter sido enviado muito tarde, na realidade não foi, mas tão-só depois de se terem verificado esses acontecimentos que queremos esclarecer.

Vozes do PSD: - Muito bem'

O Sr. José Magalhães (PCP): - E a questão da mala diplomática?

O Orador: - Lá chegarei.
Relativamente ao problema da visita à Estónia de diplomatas, tanto quanto sei houve dois embaixadores portugueses que aí se deslocaram, mas fizeram-no a título puramente particular, privado, exactamente para mostrar que não havia qualquer posição portuguesa que pudesse levar a concluir que estávamos de acordo com a incorporação das repúblicas bálticas.

Risos do PS, do PRD, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

O Sr. Carlos Brito (PCP):- 15to é ridículo!

O Orador: - Sr. Presidente, assim não é possível continuar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados com estas interrupções estamos a perder tempo e nunca" mais atingimos o final dos nossos trabalhos. Desta forma, o Sr. Ministro não se consegue fazer ouvir e não atingimos o objectivo que pretendemos. Há regras que devem ser seguidas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Peço desculpa, mas, de facto, os Srs. Deputados não estão a cumprir estas regras que permitem e impõem que o Sr. Ministro, que está no uso da palavra, preste os esclarecimentos que entender. Depois, os Srs. Deputados pronunciar-se-ão igualmente da forma que entenderem, mas agora quem está no usoda palavra é o Sr. Ministro.

Aplausos do PSD e do deputado independente Borges de Carvalho.

O Sr. Lopes CaPdoso (PS):- Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, efectivamente há regras que devem ser cumpridas, mas também há uma praxe que é vulgar usar-se e que é a de solicitar a interrupção.

Vozes do PSD: - Não é isso que está em causa! São as risotas!

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - É evidente que o Sr. Ministro é perfeitamente livre de conceder ou não a interrupção. Porém, a advertência do Sr. Presidente
poderia ter sido feita no início desta sessão quando o
Sr. Presidente da Assembleia da República, Dr. Fernando Amaral, foi sucessivamente interrompido e deu os esclarecimentos que entendeu.

Vozes do PSD:- Quando?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio, que neste momento estão devidamente esclarecidas as situações e as regras são conhecidas.
Faça favor de continuar Sr. Ministro.

O Orador:- Os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca e Carlos Brito perguntaram qual a posição do Governo sobre o Acto de Helsínquia e as fronteiras da Europa depois da última guerra.
Obviamente que aceitamos o Acto de Helsínquia, ele foi subscrito em 1975 por Portugal, portanto está em vigor e não vamos denunciar o acordo. Contudo, devo dizer que o próprio acordo prevê que problemas graves de incorporação contra a vontade dos povos em outros Estados deve merecer um atenção especial. Portanto, é nesse aspecto que temos que ter cuidado e foi exactamente isso que fizemos.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?

O Orador: - Srs. Deputados, peço para providenciarem no sentido de não me interromperem.

O Sr. Presidente:- Faça favor de continuar, Sr. Ministro, que não será interrompido.

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O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Só queria saber se é antes ou depois de 1975!

O Orador: - Uma das nuances que temos para não dar a nossa aprovação ao que se passa nas repúblicas do Báltico é exactamente evitar deslocações oficiais de responsáveis portugueses. Parece-me que isso é natural, aliás, à semelhança do que fazem os nossos parceiros da CEE, pois, como referi há pouco, a política dos nossos parceiros e a nossa é feita em conjunto. Portanto, não vamos a "reboque" de ninguém.
O Sr. Deputado Gomes de Pinho perguntou se eu dei toda a informação que foi solicitada. Julgo que sim, provavelmente com a única excepção do tal despacho que foi referido. Honestamente, devo dizer que não tenho conhecimento de mais alguma coisa, mas, na medida em que o Sr. Deputado levanta o problema, vou averiguar se há outras coisas. O que hoje solicitei aos serviços foi toda a documentação trocada entre o Ministério e a Embaixada.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - E o despacho do dia 13?

O Orador: - Quanto ao facto de apenas termos reagido na terça-feira, devo dizer que só tivemos conhecimento dessa questão na véspera, e não antes. Na verdade, não tive conhecimento do telefonema do dia 5. Recordo que, quer na quinta-feira, quer na sexta-feira, houve um contacto com o Gabinete do Sr. Presidente da Assembleia da República feito por um diplomata do Ministério dos Negócios Estrangeiros, no sentido de obter esclarecimentos sobre o programa. E repito: é indispensável conhecer o programa antes das visitas porque senão podemos ser confrontados com as tais habilidades - desculpem-me a expressão - que todos os Estados usam para conseguir determinadas vantagens.
Portanto, é indispensável, antes de se sair de Portugal, conhecer em detalhe o programa para podermos dar uma opinião e para que a Assembleia da República tenha dela conhecimento. Neste caso, devo dizer que antes de segunda-feira não tivemos conhecimento do programa.
Portanto, o assunto foi ponderado e na terça-feira fizeram-se contactos com a Embaixada, como já referi, e, com todo o respeito que tenho pelas posições das outras pessoas, não tenho dúvidas quanto ao entendimento com que o Governo ficou quanto às conversas que tive. Não tenho qualquer dúvida. O Governo esperou até às 8 horas de Moscovo, no sentido de saber se havia qualquer reacção relativamente às conversas que tive na véspera. Não houve, pois, má-fé. O que não podíamos era prolongar a situação por mais tempo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Julgo que já respondi ao Sr. Deputado Raul Castro, quando ele se refere ao telefonema da Embaixada, à informação da Assembleia e ao tal despacho já conhecido.
Reafirmo a importância de as embaixadas não serem contactadas directamente pelos outros órgãos de soberania, precisamente para evitar problemas desta natureza. Naturalmente que têm conhecimento - aliás, não é a primeira vez que nesta Assembleia isso se discute - da acção que nesse sentido estamos a ter no Ministério. Temos que pôr um bocado de ordem nestas relações para evitar casos destes, para evitar que as embaixadas sejam contactadas directamente, porque depois dá este resultado. 15so não vai ser consentido e, para que assim seja, tem vindo a ser feito um esforço muito grande, e os Srs. Deputados sabem muito bem que isso tem sido feito. Por vezes até me têm criticado, dizendo que em certos casos os senhores diplomatas têm carradas de razão. Julgo que essas foram as palavras utilizadas por um Sr. Deputado sobre algumas das acções que estamos a tomar.
Ao Sr. Deputado Magalhães Mota julgo que já respondi quanto a saber a razão por que é que aparece aquele telegrama do dia 11 de Março.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Do dia 13.

O Orador: - Faço aqui um pequeno parêntesis para dizer que me custa imenso estar a tratar destas matérias. 15to porque, tratando-se de matérias internas do Ministério que envolvem funcionários, com os quais há que ter todo o cuidado e respeito, não queria entrar nesse assunto. Mas não deixarei de averiguar os factos.
Quanto ao reconhecimento dos estados bálticos, referi que, quando em 1974 se reconheceu a União Soviética, se reconheceu toda a União Soviética, incluindo as três repúblicas do Báltico. Insisto: uma coisa é reconhecer; outra é não estar de acordo com a situação que ali se vive, e uma das maneiras de o demonstrar - repito - é a de evitar que haja visitas de responsáveis políticos portugueses a essas repúblicas, porque senão perdemos toda a força e moral quando queremos falar destas matérias de autodeterminação e respeito pelos direitos do homem.
Quanto ao problema das relações com a União Soviética, naturalmente que eu não quero revelar - e não vou invocar o segredo de Estado - os termos da conversa que tive com o Sr. Embaixador da União Soviética, que encontro com uma certa regularidade, contrariamente ao que se pode supor...

Risos.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Ó Sr. Ministro, tenha cuidado!...

O Orador: - Não preciso de ter cuidado, Sr. Deputado.
Não tenho qualquer razão para julgar que, em qualquer altura desta visita, estiveram em perigo as relações entre a União Soviética e Portugal. Não foi nada disto que se passou.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Não esteve lá! Devia lá ter estado!

O Orador: - Portanto, sem querer revelar a conversa que tive - e não é que seja um segredo de Estado - posso assegurar-vos de que foi isso que se passou. Nunca esteve em causa, durante este período, qualquer deterioração das relações entre Portugal e a URSS.
Naturalmente que a diplomacia usa as suas técnicas e as suas tácticas e, se conseguir obter alguns resultados tácticos, não deixa de o fazer. Contudo, as grandes potências sabem muito bem como lidar com estes aspectos das relações diplomáticas e aceitam perfeita-

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mente que se lhes diga "Não!". Faz parte da vida dizer "Não!" e não devemos ter muita preocupação em dizer que não aos estrangeiros.

Risos do PCP.

Srs. Deputados, como referi, não estamos sob qualquer influência de países estrangeiros. 15so que disseram não se aplica ao Governo, mas já não sei se todas as pessoas aqui na Assembleia poderão ter esta mesma posição!...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Agora, não é por falar com os embaixadores da União Soviética ou dos Estados Unidos da América que me sinto pressionado.
Considero que realmente o comunicado do Gabinete do Sr. Primeiro-Ministro não causa qualquer beliscadura. É muito correcto.

Risos do PS, do PRD, do PCP e do MDP/CDE.

Peço a atenção dos Srs. Deputados para o texto, porque ele é muito correcto e como é sabido não foi publicado sem primeiro se ter o cuidado de informar o Sr. Presidente da Assembleia da República de que o iríamos fazer.

Protestos do PS, do PRD, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

Foi o que aconteceu no telefonema que fiz de terça-feira para quarta-feira e isso ficou bem claro.
Esse é o meu entendimento e não tenho dúvidas quanto a isso. É a minha palavra, que vale eventualmente tanto como qualquer outra, mas é a minha.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Esperámos até às 8 horas de Moscovo, para tornar público o comunicado e, pareceu-nos que não devíamos aguardar mais tempo, para não haver dúvidas quanto à posição de Portugal em relação aos problemas que se passam nas repúblicas bálticas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Gomes de Pinho, V. Ex.ª pede a palavra para que efeito?

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

0 Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente,, tanto quanto julgo vai iniciar-se a última fase deste debate, que pressupõe intervenções dos vários grupos parlamentares. Assim sendo, agradecia que V. Ex.ª me informasse de qual o tempo global disponível e o tempo de cada partido.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, acontece que quase nenhum grupo parlamentar já tem tempo. O Governo dispõe de 21 minutos - e aproveito para informar que a intervenção do Sr. Ministro e os pedidos de esclarecimento não contaram para o efeito deste tempo -, o PSD não tem tempo, o PS tem um minuto, o PRD tem quatro minutos, o PCP, bem como o CDS não têm tempo e o MDP/CDE tem dois minutos.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, se me permite, essa informação é muito útil porque penso que vem por a claro um problema com que neste momento nos defrontamos. É que vamos dar início à última fase prevista deste debate e ela não é possível, porque nenhum grupo parlamentar tem verdadeiramente tempo para intervir.
Julgo que seria razoável, para que no fundo não fiquemos aqui numa situação um tanto ridícula - e, pondo isto à consideração dos outros grupos parlamentares, permitia-me solicitar o seu consenso para esta proposta -, que fosse dado um período curto de tempo, digamos cinco minutos, para que todos os grupos parlamentares se pudessem pronunciar agora, no termo do debate, e depois da comunicação do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e dos seus esclarecimentos.
Portanto, a proposta concreta que submeto à Mesa vai no sentido de que seja dado um período, que não ultrapasse os cinco minutos, a cada grupo parlamentar para ainda poder intervir.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, de facto, para três grupos parlamentares não há oportunidade de intervirem nesta fase do debate porque administraram o tempo como lhes conveio, ou seja, intervieram, na primeira parte. Contudo, é da nossa exclusiva responsabilidade o facto de, neste momento, não termos tempo, o qual utilizaríamos - tal ficou muito claro em conferência de líderes - como entendessemos.
Nesses termos, não dou o meu consenso a que qualquer modalidade adoptada em conferência de líderes seja, neste momento, alterada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, é evidente que a questão está ultrapassada, pois o PSD não dá o seu consenso.
De qualquer modo, não queria deixar de expressar aqui a posição da minha bancada, a qual vai no sentido daquilo que tinha sido proposto pelo Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, já há a, manifestação da oposição por parte do PSD, mas, naturalmente, para que se compreenda que é o PSD

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que não permite que se faça consenso e que o debate seja mais aprofundado, também queremos declarar o nosso apoio à proposta feita pelo Sr. Deputado Gomes de Pinho.

Protestos do PSD.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Presidente, queria referir que estávamos de acordo com a proposta do Sr. Deputado Gomes de Pinho...

Vozes do PSD: - É evidente!

O Orador: - ... e queria relembrar, nomeadamente ao PSD, que até agora nenhum grupo parlamentar exigiu que o Governo tivesse tempo limitado. Com efeito, o Governo teve a possibilidade de utilizar o tempo que entendeu e lamentamos que o PSD tenha feito o que fez agora, para não dar mais três ou cinco minutos aos grupos parlamentares, a fim de que pudessem usar da palavra.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, nós constatamos aqui uma manifesta falta de sensibilidade política do PSD...

Protestos do PSD.

... em relação ao que deveria ser este debate e talvez até ao espírito da deliberação da conferência de líderes.
No entanto, confio que o Governo, que dispõe ainda de 21 minutos e que não se propõe voltar a intervir, não tenha esta insensibilidade e faculte aos grupos parlamentares que lho solicitarem o tempo necessário para produzirem uma curta intervenção.
Portanto, Sr. Presidente, submetia esta proposta, através da Mesa, à consideração dos Srs. Ministros Adjunto e para os Assuntos Parlamentares e dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em termos regimentais, esta é uma situação muito clara. Corri efeito, não havendo consenso entre os grupos parlamentares, a Mesa não pode, nesta matéria, tomar qualquer deliberação em contrário.
Quanto à proposta agora aduzida pelo Sr. Deputado Gomes de Pinho, de facto o Governo dispõe ainda de 21 minutos. Porém, é o Governo que os administra e a Mesa nem sequer tem de se pronunciar relativamente a isto.
Neste sentido, e independentemente de diligências que possam fazer em contrário, a Mesa dá a palavra para formular uma intervenção ao Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha, que dispõe de dois minutos.

O Sr. José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começamos por lamentar esta obstrução, pois, em nosso entender, seria precisamente o PSD aquele partido que estaria mais interessado em que se levasse o esclarecimento desta questão até às últimas consequências. Quer isto dizer que não está interessado no esclarecimento desta questão até às últimas consequências?

Protestos do PSD.

Além disso, e em jeito de balanço, poderíamos dizer que o debate provou que houve um erro grave do Governo. Com efeito, os factos são insofismáveis e não vale a pena voltar a eles.
O debate mostrou também que foi demasiada a inépcia, a incompetência e a falta de tacto político para que se possa aceitar tratar-se de um lapso ocasional do Governo.
Trata-se, na verdade, de um erro resultante de uma acção meditada, e só não dizemos premeditada porque não gostamos de fazer juízos de intenção. Mas como não ter essa suspeita quando se trata de mais uma peça lançada pelo Governo a perturbar o relacionamento com a Assembleia da República?
Como não ter essa suspeita, quando isso vem tão gravemente atingir um dos princípios fundamentais da nossa estabilidade institucional, e que é o respeito pela dignidade e solidariedade entre os órgãos de soberania, provocando mais uma guerrilha para desviar as atenções do público perante a gravidade crescente da sua política social?

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Muito bem!

O Orador: - Como não ter essa suspeita quando, perante os sinais de desanuviamento internacional sabemos haver círculos internacionais que vêm multiplicando ataques que levam ao agravamento de tensões internacionais, nomeadamente ao confronto entre os Estados Unidos e URSS esbatido após as propostas de Gorbatchov?
Como não ter esta suspeita, quando, após fases de tensão nas relações entre Portugal e a União Soviética, as relações luso-soviéticas estavam em vias de normalização e após esta importante visita de Estado, está programada, ainda para este ano, a visita do Sr. Presidente da República à URSS?
Perante a gravidade dos factos, seria normal que o Sr. Primeiro-Ministro assumisse, em toda a extensão, a principal responsabilidade que tem em todo este caso com o único acto que seria o seu corolário lógico.
Da parte do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, esperava-se, não inevitavelmente qualquer humilhante retratação, mas o esclarecimento objectivo e convincente e a verificação de eventuais dificuldades próprias. Além disso, era de elementar justiça o reconhecimento do mérito da actuação do Presidente da Assembleia da República e de toda a delegação.
Mas o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros não fez nada disto e, nesta última resposta, foi patente o seu descontrole e desorientação, como o foi também na transferência de responsabilidades para o bode expiatório, o Sr. Embaixador de Portugal em Moscovo.
Assim, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, tem uma oportunidade, mas uma só, para sair dignamente deste debate: demita-se Sr. Ministro!

Aplausos do MDP/CDE, do PS, do PRD, do PCP e do CDS.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha intervenção será curta e será o resultado de uma reflexão de quem assistiu, de forma serena, o mais serena possível, a um debate que, do nosso ponto de vista, estava viciado, porque a questão originária que lhe deu lugar, ao contrário do que parece, não é um processo de transferência de responsabilidades que a Assembleia, e em particular os partidos da oposição, quis fazer ao Governo. O vício originário não é o comunicado do Governo, mas sim o facto de a Assembleia da República, à revelia do Governo...

Vozes do PCP: - E insiste!

O Orador: - ... e sem o conhecimento do Governo, ter incluído no programa da visita à União Soviética uma visita à Estónia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se isso não tivesse acontecido, se essa visita não tivesse sido incluída, sem conhecimento do Governo e sem conversação prévia com este...

O Sr. José Magalhães (PCP): - É falso!

O Orador: - ... hoje não estaríamos aqui a discutir nada disto, e não teria, tão-pouco, havido o comunicado que os senhores tanto verberam.
E ainda digo mais: o comunicado - esta é a posição do Governo, podem os Srs. Deputados discordar com ela, pois já estamos habituados a que discordem de tudo o que tenha origem no Governo...

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Falso!

O Orador: - Como estava a dizer, o comunicado, que dramaticamente tem sido empolado, diz o seguinte: O Governo teve conhecimento pelos jornais de que a delegação da Assembleia da República em visita à União Soviética...

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - É mentira!

O Orador: - É mentira que o comunicado diz isto?
Repito que o comunicado diz que "o Governo teve conhecimento pelos jornais de que a delegação que a Assembleia da República mandou à União Soviética ia à República da Estónia".
O Governo é responsável pela condução da política externa do País. Reconhecer isso também é dignificar o Estado e não o reconhecer é não ter sentido de Estado.

Aplausos do PSD.

Diz-se no comunicado qual é a posição pública que o Governo tem sobre esta matéria que faz parte da política externa. Depois, o comunicado termina do seguinte modo: "O Governo comunicou já à delegação da Assembleia da República a inconveniência, pelas razões apontadas, da realização da referida visita, que seria contrária à política sempre adoptada."
O Governo não faltou ao respeito a ninguém. No cumprimento das suas responsabilidades, o Governo exerceu um dever que é o de assumir as posições que considera mais correctas em termos de política externa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fizeram-se aqui afirmações múltiplas de que o Governo estaria enformado de intenções malévolas, tenebrosas e que teria tentado instrumentalizar pessoas, não salvaguardando os valores da pessoa humana.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, permitam-me que diga que essas não foram mais do que afirmações gratuitas, pois os senhores não provaram nada do que disseram, e tinham obrigação de o fazer, uma vez que se trata de afirmações graves.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, como não provaram o que afirmaram, legitimam-me que diga agora que falta saber quem instrumentalizou quem.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Falta saber se os protagonistas dessa instrumentalização não são diferentes daqueles que os senhores referiram.

Aplausos do PSD.

Srs. Deputados, os senhores não provaram que o Governo tivesse conhecimento oficial ou oficioso dos termos finais do programa acordado pela Assembleia da República e os senhores que afirmaram que o Governo tinha tido conhecimento do programa tinham obrigação de o provar, pois sabem tão bem quanto o Governo 'que a prova negativa é impossível.
Como é que o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares pode provar que não leu a tarjeta, o papelinho pendurado na folha informativa da Assembleia?

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE):- Mas devia ler!

O Orador: - Não devia nada ler, Sr. Deputado.
Comunicar-se isso ao Governo através de um papel que se coloca em cima de uma secretária de um contínuo é não ter sentido de Estado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Papel esse que nem sequer é lido!

O Orador: - Com certeza que não, porque o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares sabe tudo quanto se passa na Assembleia da República através da conferência de líderes. Todas as deliberações da Assembleia que têm a ver com o Governo passam pela conferência de líderes e é por isso que ele lá tem assento.
No Regimento da Assembleia não está prevista a existência do boletim informativo Assembleia Dia a Dia, nem tem de estar, porque não é esse o mecanismo normal de relações e de intercomunicação entre o Governo e a Assembleia da República.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Os senhores também não provaram que o Governo tivesse sabido através da Embaixada em Moscovo qual o programa da visita.
Srs. Deputados, VV. Ex.as só consideram ofensa o riso em determinadas circunstâncias e já não o consideram noutras.

Aplausos do PSD.

Os Srs. Deputados consideraram incorrecto o que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros disse, e fizeram-no de forma que considero, essa sim, de política-espectáculo, pelas intervenções mais ou menos exultantes que fizeram. Consideraram que o Sr. Ministro não tinha razão quando afirmava que os órgãos de soberania, que não o Governo, não se devem corresponder com as embaixadas de forma directa, à revelia do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Pergunto: será curial que a Assembleia da República, estando em Lisboa o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, se entenda com o Governo através da Embaixada em Moscovo? Mas isto passa pela cabeça de alguém?
Então o Sr. Presidente da Assembleia da República invoca aqui o Sr. Dr. Leitão (que todos prezaremos muito), que é secretário da Embaixada em Moscovo - não sei se é, mas parece que sim, fiquei a sabê-lo agora -, dizendo que ele teria enviado um projecto-programa e que a partir daí o Governo teria conhecimento dele? Não é verdade! O Governo não teve conhecimento do programa.
O Governo só teve conhecimento do programa através de notícias que vieram nos jornais.
Estava eu aqui sentado com o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros no dia do debate sobre a integração europeia quando o Sr. Ministro, que na véspera havia passado já tarde pelo seu Gabinete e tinha trazido os elementos que o seu Gabinete lhe tinha proporcionado, e lá vinha devidamente assinalada a fotocópia do jornal, e foi aqui, na minha presença - e os senhores não têm o direito de duvidar da minha palavra...

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros tomou conhecimento de que a delegação da Assembleia da República ia à República da Estónia.
Se não acreditam na palavra do Ministro, acreditem na palavra de honra de um homem ...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Qual é a honra que os senhores têm?

O Orador: - ... que soube aqui, através do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, e vos garante que foi nesse momento e não noutro que tomámos conhecimento. Os senhores não têm o direito de duvidar da nossa palavra.

Aplausos do PSD.

Mas se por hipótese académica, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não fosse verdade aquilo que estou a dizer, por que razão a Assembleia da República, se considerou o programa como assente no dia 5 e o pôs na sua "folha informativa", não escreveu ao Governo, como era sua obrigação e como o Governo insistentemente lhe tinha pedido, a comunicar esse programa? Se o tivesse feito, não estaríamos aqui ...

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... ou, então, o Governo estaria aqui por razões diferentes e os senhores teriam razão. Por que é que não comunicaram ao Governo? Não é isto uma falta de respeito para com o Governo?

O Sr. Duarte Lima (PSD): - É!

O Orador: - Não é uma falta de respeito para com o Ministério dos Negócios Estrangeiros?

O Sr. Duarte Lima (PSD): - É!

O Orador: - Não é isto ignorar quem conduz a política externa do Governo? Quem conduz a política externa do Governo ainda é o Governo, enquanto for legítimo, e continuará a sê-lo, quer os senhores queiram, quer não.

Protestos do PS, do PRD, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Quer queiram, quer não, Sr. Ministro?

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - 15so é muito grave!

O Orador: - Nós é que conduzimos a política externa.
Não depende da vossa vontade o Governo ser legítimo ou não, pois já está legitimado. Têm é de fazer uma manifestação de vontade diferente!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Ah, isso é diferente'

0 Orador: - Pois é, pois é!

Aplausos do PSD.

O 0rador: - Não bastam votos piedosos, Srs. Deputados. Não bastam estes votos para tirar a legitimidade ao Governo. É preciso mais, mais alguma coisa.

O Sr. António Capucho (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria apenas que este debate, que considero viciado desde a origem...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Viciado desde a origem por vocês!

O Orador: - ... nos permitisse a todos pensar no futuro e articular do melhor modo a ligação entre o Governo, órgão responsável pela política externa, e a Assembleia da República, que o Governo naturalmente gostará de ver em delegações no estrangeiro, mas de forma articulada com o Governo.
A terminar digo o seguinte: o Sr. Presidente da Assembleia da República fez aqui referência a discursos vários, a entrevistas várias que leu de ex-Ministros dos Negócios Estrangeiros, de ex-Presidentes da Assem

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bleia da República e julgo que citou mesmo o Sr. Presidente da República. Portanto, leu documentos produzidos por todas estas entidades responsáveis. Mas melhor fora que se tivesse dignado falar com o Ministro dos Negócios Estrangeiros do X Governo Constitucional, que é este.

Aplausos do PSD.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra da minha bancada.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, lamento ter de utilizar esta figura regimental - facto, aliás, pouco usual no meu partido -, e faço-o por duas razões. Em primeiro lugar, porque o Governo silenciou a nossa proposta de facultar algum do muito tempo disponível que tem para permitir que os grupos parlamentares se pudessem pronunciar sobre as últimas posições que o Governo, aqui exprimir. Registamos o facto e passaremos a retribuir ao Governo exactamente na mesma moeda no futuro.
A segunda razão por que me permito utilizar esta figura é porque considero que a intervenção do Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares foi manifestamente infeliz...

Uma voz do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - ... e ao atribuir um conjunto de intenções e de afirmações à minha bancada, que não foram proferidas nem estavam na nossa mente, ofendeu-nos gravemente.
O Sr. Ministro diz que nós, os deputados - portanto, também a minha bancada -, não provámos nenhum dos factos que afirmámos. 15so é completamente falso!

O Sr. Duarte Lima (PSD): - É verdade!

O Orador: - Se houve alguém que não infirmou os factos que estiveram aqui em debate foi o Governo, que, aliás, em grande parte os admitiu no discurso do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E, Sr. Ministro, não venha aqui tentar transferir para o plano das relações pessoais uma questão que é eminentemente política, nem invocar questões de honra ou de palavra pessoal, que nós jamais poríamos em causa, para legitimar as atitudes e as afirmações do Governo.
Estamos perante factos políticos, perante uma situação política e é politicamente que deve ser analisada, sem ultrapassar esse âmbito e esse limite. E nesse estrito plano temos de reconhecer, Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares, que nem o Governo nem o partido que aqui o apoia foram capazes de infirmar quaisquer das afirmações fundamentais dos deputados desta Assembleia e os factos em que se basearam os nossos juízos.

O Sr. António Capucho (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - É bom que isso fique aqui claro. E, Sr. Ministro, tentar pôr isso em causa é, pelo menos, uma forma pouco correcta de argumentar politicamente.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, apesar de tudo, teve a razoabilidade ou a sinceridade - admito que as duas coisas - de não se colocar nesse plano. E por isso, apesar de tudo, a intervenção dele foi diferente da do Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares e não suscitou esta nossa reacção.

Aplausos do CDS, do PS, do PRD, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a. palavra o Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares: Sr. Deputado Gomes de Pinho, o que afirmei foi que os Srs. Deputados tinham obrigação de provar aquilo que tinham dito, isto é, que o Governo tinha tido prévio conhecimento do programa. Mas não provaram coisa nenhuma.

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - Não provaram que o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, eu próprio, ou qualquer membro do Governo tenha tido conhecimento da folha Assembleia Dia a Dia, ou lá como se chama a folha.

Vozes do PSD: - É um panfleto!

O Orador: - Em segundo lugar, não provaram que, através do secretário da Embaixada em Moscovo, o Dr. Leitão, tivesse sido comunicado ao Governo o projecto de programa, como foi comunicado à Assembleia.
E a prova disso, Sr. Deputado, é que o Governo - coisa que a Assembleia não fez - facultou aos Srs. Deputados toda a correspondência trocada entre a Assembleia e o Ministério dos Negócios Estrangeiros, enquanto a Assembleia não facultou aos Srs. Deputados toda a correspondência trocada entre o Governo e a Assembleia. Gostaria de saber porquê.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra também para a defesa de honra da minha bancada.

Risos do PSD.

Aliás, Sr. Presidente, pedi a palavra logo a seguir a algumas afirmações feitas pelo Sr. Ministro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: o Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares veio aqui, numa última tentativa, procurar inverter os factos e as responsabilidades. Fê-lo de uma maneira inábil e ofensiva para a Assembleia da República e para o sentido da responsabilidade com que travámos este debate.

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Na verdade, não foi a Assembleia da República que entrou em contacto com a Embaixada de Portugal em Moscovo, mas o contrário. 15to é, a Embaixada é que entrou em contacto com a Assembleia da República. Se o Ministério dos Negócios Estrangeiros não controla o aparelho diplomático, isso não é imputável à responsabilidade da Assembleia da República e isso só revela mais uma área de incompetência do Governo.

Vozes do CDS: - É verdade!

Aplausos do PCP, do PS, do PRD e do MDP/CDE.

O Orador: - Em segundo lugar, quem comunicou à Assembleia da República o programa da visita foi a Embaixada de Portugal em Moscovo. E se aquela Embaixada não comunicou o programa ao Ministério dos Negócios Estrangeiros isso não foi por culpa da Assembleia da República e só revela que são deficientes as relações entre o aparelho diplomático e o Ministério dos Negócios Estrangeiros.
15so só mostra, mais uma vez, a incompetência do Governo. Mas, chegando ao conhecimento da Assembleia da República um programa transmitido por uma embaixada, não tem de se preocupar em ser ela a transmiti-lo ao Governo, pois pressupõe - esse é um princípio da diplomacia - que a embaixada e o Ministério estão em íntima conexão e que o que a embaixada comunica para aqui, comunicou também, provavelmente até antes, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Como é normal!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Provámos também que o dossier fornecido pelo Governo à Assembleia da República era omisso numa questão que o Governo veio aqui dizer ser essencial, ser um ponto chave da sua diplomacia, o ponto capital do seu relacionamento com a União Soviética. Assim se apresentou o Govcrno com esta postura neste debate.
Pois bem, provámos que uma peça essencial para esse relacionamento com a União Soviética foi omitido pelo Governo no dossier.
Com que objectivo? Concluímos aqui que foi por má-fé, que foi "gato" pensado e para vir a desenvolver a sua guerrilha contra a Assembleia da República.
15to, Sr. Ministro, foi aqui demonstrado.

Protestos do PSD.

O Orador: - E o Sr. Ministro não pode invocar a sua palavra e a sua honra para desmontar esta demonstração que foi feita neste debate.

0 Sr. Manuel Martins (PSD): - 15to não é uma intervenção, Sr. Presidente!
Já acabou o tempo!

Protestos do PCP.

O Orador: - É verdade que o Sr. Ministro, neste momento, ainda pode dizer...

Vozes do PSD: - Acabou o tempo, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço o favor de fazerem silêncio, para que o Sr. Deputado Carlos Brito possa terminar a defesa da honra.

O Orador: - Sr. Presidente, peço-lhe o favor de explicar àquele Sr. Deputado do PSD que falou há pouco os seus direitos regimentais. É que, nos termos do Regimento, podem-se fazer manifestações de concordância ou discordância, mas não se pode tentar tirar a palavra aos deputados que estão no uso dela.
A bancada do PSD já não queria que este debate prosseguisse, não permitiu que os tempos fossem alargados, não queira agora que os Srs. Deputados sejam privados...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, porque é que não conta o tempo que o Sr. Deputado está a utilizar?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, a Mesa deu-lhe a palavra ao abrigo da figura regimental da defesa da honra, para a usar exclusivamente para esse efeito.

O Orador: - É o que estou a fazer, Sr. Presidente, e com todo o respeito pelo Regimento. Mas não deixo de responder às provocações, quando elas me são feitas.
Concluindo, Sr. Presidente, queria dizer que o Governo se gabou aqui de que, independentemente da vontade da Assembleia da República, quer nós queiramos, quer não, continua a governar.
Faço um apelo às bancadas da oposição: não queiramos que este governo continue a governar.

Aplausos do PCP e de alguns deputados do PRD.

O Sr. António Capucho (PSD): - Gostava de ouvir a resposta ao apelo!

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares, V. Ex.ª deseja usar da palavra para dar as explicações a que tem direito ao abrigo da mesma figura regimental?

O Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, penso que as explicações que teria de dar já resultaram da minha intervenção anterior, pois não me pareceu que tivessem sido introduzidos dados novos, nem que atingi a honra do Sr. Deputado Carlos Brito.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, para que efeito pediu a palavra?

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, lamento ter de o dizer, mas é para defesa da honra da minha bancada, e faço-o pela segunda vez, a seguir a intervenções do Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra, para esse efeito.

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O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares: Como acabei de dizer, é a segunda vez que uso da palavra para defender, num caso, a minha honra pessoal e, noutro caso, a honra da minha bancada. E faço-o não só pela maneira como se dirigiu ao Parlamento da outra vez e desta, mas porque acho que este Parlamento foi insultado e ofendido na sua honra por todo o comportamento do Governo neste caso.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Só falta o Sr. Ministro vir aqui dizer, depois da displicência com que se dirigiu a todos nós e da arrogância que pôs nas suas palavras, que afinal de contas o Sr. Presidente da Assembleia da República é apenas a segunda figura do Estado, que ainda há acima dele o Presidente da República. Não dramatizemos, portanto.
Mas é pena que, no meio disso tudo - e não vou entrar nos pormenores -, o Governo não tenha sentido a necessidade de alguma humildade, de alguma penitência e de algum pedido de desculpa ou de satisfação a esta Assembleia da República, depois de tudo o que aqui foi, demonstrado, sobretudo no plano dos factos.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros disse - e muito bem - que é ao Governo que compete dirigir a política externa.
Apeteceu-me gritar-lhe daqui: dirija, Sr. Ministro. Dirija a política externa...

Risos e aplausos do PS, do PRD, do PCP, do CDS e do MDP/CDE .

... porque, infelizmente, foi o que o Sr. Ministro não fez. E não fez até ao ponto de lavar as suas mãos da incompetência dos seus embaixadores e das suas embaixadas, que são nossas. Mas são-no sob a sua direcção, e a responsabilidade pelos erros que eles cometem é também sua, Sr. Ministro.
Como sabe, os ministros têm toda a responsabilidade dos seus sectores. Eu já fui ministro e assumi-a, sempre que foi caso disso.
Só lhe queria, entretanto, perguntar isto, Sr. Ministro: não lhe ocorreu, por acaso, que se viesse a ser necessário, em última instância, a publicação de um comunicado do Governo, deveria ao menos esperar-se pela consumação do grave delito de se visitarem as Repúblicas do Báltico? Porquê antes? Vou-lhe explicar porquê, Sr. Ministro: porque isto é um acto reiterado da vossa política, que não sabem fazer outra que não seja esta, de aproveitar ou tentar aproveitar todas as "pretensas" faltas destes Parlamento para as denunciarem junto da opinião pública.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não quiseram perder tempo. Julgaram que tinham apanhado em falta imperdoável o Presidente da Assembleia da República e os deputados da sua delegação e, em última análise, esta Casa: "vamos denunciá-los junto do povo, para que se saiba como são irresponsáveis".
Foi o que os senhores fizeram, uma vez mais, porque esta é a vossa política. Sempre o fizeram. Em momento algum deixaram de aproveitar a mais breve circunstância que lhes pareceu favorável para diminuírem esta Casa.
É Pena que nunca lhes tenha ocorrido que a melhor maneira de defender os direitos humanos é respeitar os parlamentos, onde se fazem as leis que garantem esses direitos.

Aplausos do PS, do PRD, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

E, mais do que isso, Sr. Ministro, onde se fiscalizam os governos que os desprezam?
Queria dizer-lhe também, Sr. Ministro, que, depois de ter ouvido a posição do Governo em todo este caso e, sobretudo neste debate, a arrogância com que aqui vieram negar à maior evidência sem terem tido a preocupação de salvaguardar o prestígio desta Casa minimamente - antes pelo contrário, de reforçar o ataque que desde a primeira hora está na vossa intenção -, me apeteceu dizer só isto: Sr. Presidente da Assembleia da República, tem a nossa solidariedade, a nossa admiração, a nossa estima, enquanto o Governo, infelizmente - e lamento dizê-lo -, tem a nossa lástima.

Aplausos do PS, do PRD, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

0 Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares: - Quase me sinto honrado pelo facto de o Sr. Deputado Almeida Santos ter tido por duas vezes
necessidade de defender a sua honra, depois de eu ter falado no plenário. E isto por duas razões fundamentais: em primeiro lugar, porque não sou uma pessoa
que sempre que fala ofende a dignidade de outros; em segundo lugar, porque o Sr. Deputado Almeida Santos não tem uma sensibilidade tão grande que se sinta
ofendido sempre que alguém fala.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Compreendo, então, que só exista uma razão para o uso da figura regimental da defesa da honra. É que das duas vezes que isso aconteceu o Grupo Parlamentar do Partido Socialista não tinha tempo regimental e o Sr. Deputado Almeida Santos teve de usar essa figura.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Manuel Martins pediu a palavra para interpelar a Mesa?

O Sr. Manuel Martins (PSD): - Não, Sr. Presidente, mas porque me foi dirigida a palavra pelo Sr. Deputado Carlos Brito. Assim, pedi imediatamente a palavra, para dizer ao Sr. Deputado Carlos Brito que não admirava que eu, como simples deputado, não conhecesse o Regimento desta Assembleia. Mas devo dizer que o conheço.

O Sr. Presidente: - Então o Sr. Deputado pretende interpelar a Mesa?

O Sr. Manuel Martins (PSD): - Não, Sr. Presidente, fui directamente atingido pelo Sr. Deputado Carlos Brito.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não lhe posso conceder a palavra para esse efeito.

Risos.

O Sr. Manuel Martins (PSD): - Então pretendia interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Martins (PSD): - Sr. Presidente, fui directamente interpelado pelo Sr. Deputado Carlos Brito, dizendo que eu não conhecia o Regimento desta Assembleia. Quero dizer-lhe, Sr. Presidente, que o conheço, embora, como simples deputado, pudesse não o conhecer. Exijo é que o Sr. Deputado Carlos Brito, como presidente de um grupo parlamentar, o deveria conhecer melhor do que demonstrou conhecê-lo, na medida em que invocou uma figura regimental que não foi aquela que efectivamente usou. Disse usar a figura regimental para defender a honra da sua bancada, mas na realidade esteve aqui a fazer uma intervenção.
Lamento, pois, que o Sr. Presidente não tivesse chamado imediatamente a atenção do Sr. Deputado Carlos Brito, inclusivamente para cumprir o Regimento, e não lhe tivesse retirado a palavra.
Era isto que na altura pretendi dizer, mas não tive possibilidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, relativamente à questão da defesa da honra, que é sempre polémica, devo dizer que, apesar de dirigir os trabalhos da Assembleia há relativamente pouco tempo, tenho presente aquilo que é uma prática desta Assembleia.
O artigo 89.º do Regimento, que não se refere apenas à honra, mas à reacção contra ofensas à honra ou consideração, estabelece no seu n.º1 que "sempre que um deputado ou membro do governo considere que foram proferidas expressões ofensivas da sua honra ou consideração pode, para se defender, usar da palavra por tempo não superior a três minutos". Nestes casos, uma vez que é invocada a defesa da honra tem sido prática e eu também o entendo assim, a Mesa, e neste caso o Presidente, não tem o direito de interpretar o que é que se entende ou não por defesa da honra. Tem sido sistema dar a palavra aos Srs. Deputados e penso que neste caso a Mesa limitou-se a cumprir aquilo que tem sido uma prática nesta Casa relativamente a questões deste tipo.

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE):- Já percebeu, Sr. Deputado?

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Porque temos muito pouco tempo, vou ser breve.
Quanto à intervenção do Sr. Ministro Fernando Nogueira, não sei se deva dizer que nos surpreendeu porque se colocou exactamente ao mesmo nível da intervenção do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, apenas com uma diferença: é que foi mais empolgada, para não usar a expressão "mais arrogante". De resto, a falta de argumentação, a falta de fundamentação, a falta de seriedade, ao dar como provadas coisas que o não foram e ao querer atribuir a esta Assembleia o ónus de provar coisas que ela não podia provar, foram exactamente as mesmas.
Queria acentuar apenas três notas.
Primeira: o mínimo de competência do Ministério dos Negócios Estrangeiros e do Governo, se o que pretendessem não fosse arranjar um incidente com esta Câmara, obrigaria a, mesmo que entendessem tomar uma posição pública sobre esta matéria, tê-lo feito noutra altura, depois de terem comunicado com o Sr. Presidente da Assembleia da República - quando foi o Sr. Presidente que comunicou com o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros -, e, obviamente, dizendo apenas isto: a visita de uma delegação parlamentar à União Soviética e, dentro dela, à República da Estónia em nada alterava a posição do Governo Português em matéria de política externa. Se isso tivesse sido feito, não teria sido levantado o grave incidente que se levantou. VV. Ex.as, neste caso, só têm de escolher entre uma de duas coisas para classificar a sua atitude: ou má-fé ou incompetência. E não podem sair desta "escolha". Entre estas duas é óbvio para qualquer espírito, é de mediana clareza, que era essa a posição que o Governo deveria tomar se o que tivesse em vista fosse apenas definir a posição política da política externa em relação a este problema.

Vozes do PRD: - Muito bem!

0 Orador: - Segunda: V. Ex.ª inclusive, trouxe à colação o seu testemunho pessoal para dizer que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros só aqui teve conhecimento da ida da delegação parlamentar à Estónia. V. Ex.ª, que além do mais é um jurista, está até a faltar a um certo respeito que é devido à inteligência. É óbvio que se o Governo não pode provar um facto negativo, muitos menos a Assembleia pode provar que qualquer governante tem conhecimento concreto de um facto, mesmo que lhe seja enviada uma carta com o protocolo, porque quem envia a carta com o protocolo não vai verificar se o Sr. Ministro a leu. O que se tem de provar são as circunstâncias que demonstram que tinham obrigação de a conhecer.

Vozes do PS e do PRD: - Muito bem!

O Orador: - E em política é isso que interessa. O Sr. Ministro tinha obrigação de conhecer. Se não conheceu, a responsabilidade é do Governo e não da Assembleia. E isto é óbvio.

Aplausos do PS, do PRD, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

Terceira: é evidente que se a Assembleia da República não informou o Governo de modo formal, através de um ofício, doo programa da viagem é porque com certeza, além dos tempos apertados, que já foram referidos, em que isto ocorreu, partiu do princípio que o Ministério dos Negócios Estrangeiros funcionava minimamente - o que afinal não é verdade - e que, portanto, já estaria informado.
Como referi aqui na Câmara - e V. Ex.ª, assim como o Sr. Ministro, fizeram de conta que não ouviram, por telegrama de 3 de Fevereiro, é o Sr. Embaixador da União Soviética que, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, informa a

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Assembleia da realização da visita. E por isso se tinha de partir do princípio que o Ministério estava informado através da sua própria embaixada. Enfim, o
Governo nada desmentiu e daqui resultam claras a sua posição e a oposição entre uma atitude (a sua) que não tem grandeza, não tem dimensão de Estado,- e que personifica uma vez mais uma tentativa de gerar um conflito institucional e a grandeza e a dimensão de Estado de uma atitude que nós simbolizamos na personalidade ímpar, que aqui homenageamos, do Presidente desta Assembleia, Sr. Dr. Fernando Amaral.

Aplausos do PS, do PRD, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção de um minuto, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente: Este debate está de facto viciado desde o seu inicio, mas não pelas razões aqui aduzidas pelo Sr. Ministro. Está
viciado porque, conforme se comprovou, o Governo não está aqui nem para debater, nem para esclarecer, nem para dialogar.

Uma voz do PSD: - Então?!...

O Orador: - Está aqui para prosseguir uma estratégia política, que está, aliás, na origem deste incidente.
Estratégia política essa que é a de confronto permanente com a Assembleia da República. Pensamos, aliás, que este incidente constitui um caso exemplar e paradigmático no que respeita à forma como nos posicionamos relativamente ao sistema político e a este regime. Num extremo, o Governo, com a sua arrogância e a sua posição de confronto institucional, a qual, num país como o nosso, é em si mesma fomentadora de "dissidismo" e corre o risco de introduzir gravíssimas distorções no funcionamento da nossa, democracia.

Uma voz do PSD: - Não apoiado!

0 Orador: - No outro ponto, o Presidente da Assembleia da República, que nos deu o exemplo de isenção, de nobreza cívica e política. Eu diria que Portugal precisa de atitudes cívicas e de exemplos como os que nos deu o Presidente da Assembleia da República, Fernando Amaral, e não dos maus exemplos que nos dá este Governo.

Aplausos do PS, do PRD, do PCP e do MDP/CDE.

Sr. Ministro, deixe-me dizer-lhe: os actos políticos têm sempre coincidências, têm sempre consequências. Este incidente não acabará aqui. Nós sabemos - e refiro-me a um aparte que há pouco fez - das dificuldades e das divergências entre as forças da oposição. Mas não se iluda, Sr. Ministro: há entre nós uma convergência essencial, que é o amor a liberdade e a defesa deste regime. Não deixaremos que este governo o perverta ou o estrague.

Aplausos do PS, do PRD, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, chegámos ao fim do nosso debate.
Deu entrada na Mesa, como os Srs. Deputado sabem, dado ter sido mandado distribuir pelos diversos grupos parlamentares, um voto relativo a esta matéria, que, nos termos regimentais, será oportunamente agendado em conferência de líderes.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, creio que se justificaria, a não haver oposição de nenhum dos grupos parlamentares - o que suponho não, acontecerá -, que o voto fosse votado hoje, no termo deste debate.

O Sr. António Capucho (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, a nossa bancada não vê qualquer inconveniente em que o voto seja votado hoje.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há um pedido para que o voto seja votado hoje e há consenso ao nível dos vários grupos parlamentares.
Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:

O incidente provocado pelo Governo, a propósito da visita à URSS de uma delegação da Assembleia da República, chefiada pelo seu Presidente, assumiu proporções e revestiu-se de aspectos especialmente graves, aliás já salientados na declaração produzida pelo Sr. Presidente, em nome da delegação, à sua chegada a Lisboa.
Com efeito, e além do mais, a atitude do Governo em todo este processo pôs em causa a dignidade da Assembleia da República, do seu Presidente e da delegação parlamentar. Exigindo e assim uma inequívoca tomada de posição, a Assembleia da República exprime o seguinte voto:

1) De protesto e reprovação pela conduta do Governo, em especial pelo comunicado do dia l2 de Março, por tal conduta ser reveladora de uma clara falta de sentido de Estado e de solidariedade institucional;

2) De congratulação pela forma como o Presidente da Assembleia da República e a delegação parlamentar que chefiou souberam, numa situação profundamente delicada, assumir uma conduta de grande dignidade, sentido das responsabilidades de Estado e defesa do prestígio das instituições;

3) De saudação ao Sr. Presidente da Assembleia da República, a quem exprime todo o apoio e solidariedade.

Seguem-se as assinaturas regimentais.
O Sr. Deputado Silva Marques pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

0 Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

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O Sr. Silva Marques (PSD): - Tenho o direito, como deputado, de saber quem subscreve o voto. Por isso, pedia-lhe que me informasse quem são os subscritores.

O Sr. Presidente: - Vou tentar decifrar os nomes dos Srs. Deputados.
Embora creia que este voto tenha sido distribuído, vou indicá-los: Srs. Deputados Magalhães Mota (PRD), José Carlos de Vasconcelos (PRD), Alexandre Manuel (PRD), Carlos Brito (PCP), João Amaral (PCP) António Mota (PCP)... Confesso que há algumas assinaturas mais difíceis de ler, são do PS e, de entre elas, consta a do Sr. Deputado Manuel Alegre. O voto é também assinado pelo Sr. Deputado Gomes de Pinho (CDS) e existe outra assinatura, também do CDS, que não consigo ler. E consta também a assinatura do Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha, do MDP/CDE, entre outras que não consigo decifrar.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - Sr. Presidente, pretendia perguntar, uma vez que não foi feito o pedido de votação deste voto para esta sessão, e na medida em que não me parece regimental, a não ser que para tal haja consenso, se o voto vai ser votado sem discussão.

O Sr. Presidente: - De facto, a Mesa pôs à consideração dos Srs. Deputados, a pedido do Grupo Parlamentar do CDS, se o voto deveria ser votado hoje. Penso que, sendo o voto relacionado com esta matéria, a Mesa partia do pressuposto que a discussão estaria concluída com o debate que se processou.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, foi precisamente partindo desse pressuposto que sugeri que o voto fosse votado, considerando que é a conclusão lógica deste debate. Mas se algum grupo parlamentar entender que se deverá abrir uma discussão, com certeza que aceitamos isso.

Risos.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, este voto foi distribuído às 15 horas e desde essa hora não temos feito outra coisa senão discutir o seu conteúdo.

0 Sr. Presidente: - Assim, havendo consenso entre os vários grupos parlamentares, passamos de imediato à votação.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PRD, do PCP, do CDS, do MDP/CDE e dos deputados independentes Oliveira Costa e Ribeiro Teles e votos contra do PSD e do deputado independente Borges de Carvalho.
Aplausos do PS, do PRD, do PCP, do CDS, do MDP/CDE e dos deputados independentes Rui Oliveira e Costa e Ribeiro Teles.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Hermínio Martinho pediu a palavra para que efeito?

0 Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Sr. Presidente, pretendia fazer uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, confesso neste caso uma certa ignorância regimental... Mas o PRD dispõe ainda de um minuto. Pode, assim, o Sr. Deputado utilizá-lo.
Entretanto, para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

0 Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, pretendia apenas pedir à Mesa que me informasse se os diferentes grupos parlamentares têm direito a uma declaração de voto ou se a Mesa concedeu ao Sr. Deputado Hermínio Martinho um minuto que ele já tinha. Não estou a levantar nenhuma questão, mas apenas a tentar saber qual o processo estabelecido.

0 Sr. Presidente: - A Mesa não concedeu tempo nenhum. O Sr. Deputado do PRD tem esse tempo porque o PRD guardou um minuto. É esta a razão por que lhe é concedida a palavra por um minuto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Martinho.
Peço desculpa, Sr. Deputado, mas isto está um bocado difícil. O Sr. Deputado Correia Afonso pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, não está difícil, porque é a primeira vez que falo hoje. Acho infeliz a sua afirmação quando peço a palavra para uma interpelação.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, antes de lhe dar a palavra peço imensa desculpa, pois não foi essa a minha intenção.
Referia-me à metodologia que estávamos a seguir e para a qual estávamos com alguma dificuldade em encontrar o processo de resolvermos este problema. Se o Sr. Deputado interpretou de outra forma as minhas palavras, peço-lhe desculpa, sinceramente, perante esta Câmara.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Muito obrigado, Sr. Presidente. Hoje, de todos os incidentes, este é o menor.
Pretendia interpelar a Mesa apenas no seguinte sentido: dado que este voto entrou às 15 horas e já são quase 22, interpreta a Mesa tudo o que até agora se passou como debate ou como discussão desse voto? Da resposta a esta questão resultará, necessariamente, saber se há ou não declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Também para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, uso da palavra para dar resposta à pergunta que acaba de ser feita, dado que o Sr. Deputado Correia Afonso não estava certamente atento quando intervim em nome da bancada do PSD.
Consideramo-nos esclarecidos e também consideramos que o debate do voto estava implícito no debate que aqui temos vindo a travar desde as 15 horas. Por isso dei a minha concordância a que se procedesse à respectiva votação.

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O Sr. Presidente: - Creio que a Mesa considera dada a resposta ao Sr. Deputado Correia Afonso.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Hermínio Martinho.

0 Sr. Herrnínio Martinho (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A posição e as atitudes do Governo face à visita à URSS de uma delegação da Assembleia da República, chefiada pelo seu Presidente, revestiram-se de uma enorme gravidade e ofenderam flagrantemente princípios essenciais do Estado e do relacionamento institucional, aliás na sequência de outra ocasiões em que o Governo já violou as boas normas de tal relacionamento institucional.

Uma voz do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - Mas desta vez o Governo excedeu-se a si próprio e cometeu um acto absolutamente indigno de um executivo responsável de um país democrático.

Vozes do PRD: - Muito bem!

0 Orador: - Assim, o Grupo Parlamentar do PRD, e todo o País, assistiu, indignado, à afronta com que o Governo, publicamente, ofendeu a Assembleia da República, o seu Presidente e a delegação parlamentar, quando esta já se encontrava no estrangeiro.
Além disto, a atitude do Governo revelou uma incompetência inquietante no domínio da política externa, pois com o seu comunicado afectou o prestígio do Estado Português na sociedade internacional, onde atitudes desse género não são características de países democráticos. Não se esqueça que, além de o presidente do Soviete Supremo da Estónia ter estado em Portugal em 1985 e ter sido recebido por todos os mais altos dignitários do Estado, a visita da delegação da Assembleia da República era do conhecimento do Ministério dos Negócios Estrangeiros desde o princípio de Fevereiro, o dossier que sobre a URSS lhe foi solicitado nada dizia sobre o problema da Estónia e o próprio programa da visita foi acompanhado e comunicado à Assembleia da República pela Embaixada de Portugal em Moscovo.
O PRD pretende que a dignidade do Estado Português seja resguardada dos irresponsáveis e exige do Governo que seja responsável.
Esta atitude do Governo só não teve maiores consequência graças ao comportamento de grande dignidade e responsabilidade da delegação oficial desta Assembleia, presidida pelo Sr. Dr. Fernando Amaral, cujo sentido de Estado e da responsabilidade importa sublinhar.

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Orador: - 0 PRD sempre apoiou o deputado Fernando Amaral nas eleições para Presidente da Assembleia da República, dentro do nosso critério de apoiar as pessoas pela sua honestidade e competência para o exercício dos respectivos cargos, independentemente de filiações partidárias.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Já passou um minuto!

0 Orador: - O que acaba de ocorrer entre o Governo e uma delegação da Assembleia da República, chefiada pelo Dr. Fernando Amaral, veio dar inteira razão a todos aqueles que confiaram e confiam no Presidente da Assembleia da República.

Protestos do deputado do PSD Silva Marques.

O mesmo não se passará, decerto, com quem porventura à dignidade, à honestidade e ao sentido de Estado prefira o seguidismo e a subserviência a qualquer governo, partido ou pessoa.
Pelas razões sucintamente expostas, o PRD propôs e votou o texto que acabamos de aprovar.

Continuam os protestos do deputado do PSD Silva Marques.

Eu jamais vos responderei da mesma forma.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, porque é urgente, vamos ainda ler e votar um relatório da Comissão de Regimento e Mandatos.
O Sr. Deputado Secretário procederá à sua leitura.

O Sr. Secretário (Maia Nunes de Almeida): - O relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos é do seguinte teor:

Em reunião realizada no dia 17 de Março de 1987, pelas 16 horas, foram observadas as seguintes substituições de deputados:

Solicitada pelo Partido Social-Democrata:

Arnaldo Brito Lhamas (círculo eleitoral de Aveiro) por Flausino Pereira da Silva. Esta substituição é pedida nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85 (Estatuto dos Deputados), para os dias 16 a 30 de Março corrente, inclusive.

Solicitada pelo Partido Socialista:

Jorge Fernando Branco de Sampaio (círculo eleitoral de Lisboa) por Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues. Esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85 (Estatuto dos Deputados), por um período não inferior a quinze dias, a partir do dia 18 de Março corrente, inclusive.

Solicitada pelo Partido do Centro Democrático Social:

João Gomes de Abreu Lima (círculo eleitoral de Viana do Castelo) por Manuel Alberto Barbosa Sá do Rio. Esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei 3/85 (Estatuto do Deputado), para os dias 24 de Março corrente a 7 de Abril próximo, inclusive.
Joaquim Rocha dos Santos (círculo eleitoral do Porto) por José Henrique Ribeiro Meireles de Barros. Esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5. º da Lei n.º 3/85 (Estatuto dos Depu-

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18 DE MARÇO DE 1987 2229

tados), por um período não inferior a quinze dias, a partir do dia 16 de Março corrente, inclusive.

Solicitada pelo Partido do Movimento Democrático Português/CDE:

Raul Fernandes de Morais e Castro (círculo do Porto) por João Manuel Caniço Seiça Neves. Esta substituição é pedida nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85 (Estatuto dos Deputados), por um período não superior a três meses, a partir do dia 18 de Março corrente, inclusive.

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

A Comissão: Vice-Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, Rui de Sá e Cunha (PRD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - António Marques Mendes (PSD) - Henrique Rodrigues da Mata (PSD) Mário Coutinho Albuquerque (PSD) - Carlos Manuel Luís (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - Carlos Alberto Correia Rodrigues Matias (PRD) - Vasco da Gama Fernandes (PRD) Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - José Manuel Antunes Mendes (PCP) - António José Borges de Carvalho (CDS) - João Cerveira Corregedor da Fonseca (MDP).

O Sr. Presidente: - Está em discussão este relatório.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, a próxima sessão plenária terá lugar na próxima quinta-feira, dia 19, pelas l5 horas, sendo a respectiva ordem de trabalhos a que estava prevista para hoje. 15to é, ao período de antes da ordem do dia seguir-se-á a continuação da discussão do projecto de lei n.º 343/IV, apresentado por vários deputados, sobre a extinção da enfiteuse ou aforamento e o projecto de lei n.º 307/IV (PS), que propõe alterações ao Decreto-Lei n.º 283-A/86.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

0 Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, peço desculpa por estar ainda a interpelar a Mesa a estas horas, mas julgo ter havido um lapso no agendamento da próxima quinta-feira, que efectivamente corresponde ao de hoje - aliás, trata-se de uma marcação feita pelo PS. Assim, apenas será discutido o projecto do PS e não, como a Mesa anunciou, um outro projecto sobre a enfiteuse.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa confirma e agradece a observação que V. Ex.ª fez. Assim, com a emenda proposta pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso, é essa a ordem de trabalhos para a próxima quinta-feira.
Está encerrada a sessão.

Eram 21 horas e 55 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
Arménio dos Santos.
Flausino Pereira da Silva.
João José Pedreira de Matos.
José Assunção Marques.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José de Vargas Bulcão.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel Ferreira Martins.

Partido Socialista (PS):

António Manuel de Oliveira Guterres.
João Cardona Gomes Cravinho.
José Barbosa Mota.
José Luís do Amaral Nunes.
Raul da Assunção Pimenta Rego.
Victor Hugo de Jesus Sequeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Eduardo de Sousa Pereira.
Francisco Barbosa da Costa.
Joaquim Jorge Magalhães Mota.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.

Partido Comunista Português (PCP):

António Vidigal Amaro.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
José Manuel Santos Magalhães.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes de Almeida.
Carlos José Machado L. Pereira.
Eugénio Nunes Anacoreta Correia.
Henrique José Pereira de Moraes.
Hernâni Torres Moutinho.
José Meireles de Barros.
José Miguei Nunes Anacoreta Correia.

Deputados independentes:

Gonçalo Pereira Ribeiro Teles.
Rui Manuel Oliveira Costa.

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2230 I SÉRIE - NÚMERO 56

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Amélia Cavaleiro Andrade Azevedo.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
José Augusto Limão de Andrade.

Partido Socialista (PS):

Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Domingues Azevedo.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Manuel Torres Couto.
Rui Fernando Pereira Mateus.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Jaime Manuel Coutinho da Silva Ramos.
José Fernando Pinho da Silva.
Maria da Glória Padrão Carvalho.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
João da Silva Mendes Morgado.
Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.

Deputado Independente:

Maria Amélia Mota Santos.

Declaração de voto, apresentada nos termos do n.º 1 do artigo 92.º do Regimento da Assembleia da República e enviada para publicação, sobre a votação da resolução n.º 18/IV.

Votei favoravelmente a resolução n.º 18/IV, muito embora sendo fumador. Apenas três razões políticas me parecem dever ser explicitadas numa declaração de voto sobre uma matéria como esta:
1.1 - Vários partidos entenderam que, face a esta resolução, os seus deputados poderiam votar como lhes aprouvesse e melhor parecesse, julgo de sublinhar o facto como ponto de partida para uma reflexão: será que os deputados só emitem - e têm direito a emitir- a sua própria opinião quando estão em causa as condições ambientais do hemiciclo e, portanto, eles próprios, os jornalistas, os funcionários da Assembleia e o público que assiste aos trabalhos parlamentares?
1.2 - Tornar os indivíduos cidadãos faz da liberdade um força colectiva, assumindo o respeito pelos outros como essencial ao pluralismo.
Por isso também votei favoravelmente a resolução.
1.3 - Rejeitei as propostas de substituição e de aditamento por pretenderem conferir aos deputados um estatuto diferente e privilegiado em relação ao de outros cidadãos utilizando o mesmo espaço.

O Deputado do PRD, Magalhães Mota,

OS REDACTORES: José Diogo - Ana Maria Marques da Cruz.

PREÇO DESTE NÚMERO: 240$00

Depósito legal n. º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

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