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I Série - Número 58
Sábado, 21 de Março de 1987
DIÁRIO da Assembleia da República
IV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1986-1987)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 20 DE MARÇO DE 1987
Presidente: Exmo. Sr. José Rodrigues Vitoriano
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa
José Manuel Maia Nunes de Almeida
SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão eram 10 horas e 35 minutos.
Deu-se conta dos diplomas entrados na Mesa.
A Câmara apreciou o pedido de urgência para o projecto de lei n. º 326/IV (PCP) - Medidas de emergência sobre o ensino--aprendizagem do Português, que foi rejeitado.
Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados António Osório (PCP), António Capucho e Fernando Conceição (PSD), António Barreto (PS), José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE), Agostinho Domingues (PS), Paiva Campos (PRD), Henrique Morais e Cavaleiro Brandão (CDS).
Concluiu-se a apreciação, na generalidade, do projecto de lei n. º 343/IV (PCP, PRD, PSD e PS) - Extinção da enfiteuse ou aforamento.
Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Andrade Pereira (CDS), Rogério de Brito e Álvaro Brasileiro (PCP), Carlos Matias (PRD), Correia Afonso e Vieira Mesquita (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 12 horas e 55 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 35 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Monteiro Araújo.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
António d'Orey Capucho.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
António Paulo Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
Arlindo da Silva André Moreira.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Cândido Alberto Alencastre Pereira.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Flausino Pereira da Silva.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Hermínio Pires dos Santos.
Francisco Jardim Ramos.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Luís Esteves Bairrão.
Henrique Rodrigues Mata.
João Domingos Abreu Salgado.
João Luís Malato Correia.
João Manuel Nunes do Valle.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim da Silva Martins.
José de Almeida Cesário.
José Angelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Maria Peixoto Coutinho.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
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Luís Jorge Cabral Tavares de Lima.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Maria Moreira.
Maria Antonieta Cardoso Moniz.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Fernando Miranda Relvas.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Parente Chancerelle Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Partido Socialista (PS):
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Aloísio Fernando Macedo Fonseca.
Américo Albino Silva Solteiro.
António de Almeida Santos.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Miguel de Morais Barreto.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães Silva.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luís Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Henriques Lopes.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Helena Torres Marques.
Hermínio da Palma Inácio.
Jaime José Matos da Gama.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Carlos Pinto B. Mota Torres.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Raul da Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Raul Manuel Gouveia B. Junqueiro.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Victor Manuel Caio Roque.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Agostinho Correia de Sousa.
Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
António Eduardo de Sousa Pereira.
António João Percheiro dos Santos.
António Lopes Marques.
António Magalhães de Barros Feu.
António Maria Paulouro.
Arménio Ramos de Carvalho.
Bártolo de Paiva Campos.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
Fernando Dias de Carvalho.
Francisco Armando Fernandes.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho.
Jaime Manuel Coutinho da Silva Ramos.
Joaquim Jorge Magalhães Mota.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
José Caeiro Passinhas.
José Carlos Torres Matos Vasconcelos.
José Carlos Pereira Lilaia.
José Emanuel Corujo Lopes.
José Luís Correia de Azevedo.
José da Silva Lopes.
José Rodrigo C. da Costa Carvalho.
José Torcato Dias Ferreira.
Manuel Gomes Guerreiro.
Maria Cristina Albuquerque.
Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.
Rui José dos Santos Silva.
Rui de Sá e Cunha.
Vitorino da Silva Costa.
Victor Manuel Lopes Vieira.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
António Dias Lourenço da Silva.
António da Silva Mota.
António Manuel da Silva Osório.
António Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira.
Bento Aniceto Calado.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Carlos Manafaia.
Cláudio José Santos Percheiro.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
José António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Estêvão Correia da Cruz.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Santos Magalhães.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Octávio Augusto Teixeira.
Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.
Centro Democrático Social (CDS):
Abel Augusto Gomes de Almeida.
António José Tomás Gomes de Pinho.
Francisco António Oliveira Teixeira.
Henrique José Pereira de Moraes.
João Gomes de Abreu Lima.
Joaquim Augusto Garcia M. Pinto.
José Augusto Gama.
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José Henrique Meirelles de Barros.
José Maria Andrade Pereira.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Manuel Afonso Almeida Pinto.
Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.
Narana Sinai Coissoró.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
João Manuel Caniço Seiça Neves.
José Manuel do Carmo Tengarrinha.
Deputados independentes:
Gonçalo Pereira Ribeiro Teles.
António José Borges de Carvalho.
Rui Manuel Oliveira Costa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas entrados na Mesa.
O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - Deram entrada na Mesa e foram admitidos os seguintes projectos de lei: n.ºs 391/IV, da iniciativa do Sr. Deputado Jorge Lacão e outros, do PS, sobre a alteração à Lei n.º 62/79, de 20 de Setembro - Estatuto do Jornalista -, que baixou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias; 392/IV, da iniciativa da Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, do PS, relativo à elevação da vila de Moura à categoria de cidade, e 393/IV, da iniciativa do Sr. Deputado Guerreiro Norte, do PSD, sobre a criação da freguesia de Benafim, que baixaram à Comissão de Administração Interna e Poder Local; 394/IV, da iniciativa individual dos Srs. Deputados António Osório e José Manuel Mendes, do PCP, Manuel Alegre, do PS, António Feu, do PRD, e João Corregedor da Fonseca, do MDP/CDE, sobre a utilização de jogadores estrangeiros no futebol português, que baixou à Comissão de Trabalho.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar na apreciação do pedido de urgência para o projecto de lei n.º 326/1V (PCP) - Medidas de emergência sobre o ensino-aprendizagem do Português, para o qual foram atribuídos 10 minutos por cada partido.
Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado António Osório.
O Sr. António Osório (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP requereu a adopção do processo de urgência para o projecto de lei n.º 326/IV, sobre medidas de emergência para o ensino-aprendizagem do Português. Fê-lo com consciência da necessidade urgente de pôr cobro à situação desastrosa criada pelo Despacho n.º 32/EBS/86, que veio estabelecer, sem mais, como condição necessária à aprovação ou transição de ano dos alunos do ciclo preparatório e do curso geral unificado, a obtenção de um nível superior a dois na disciplina de Língua Portuguesa.
As medidas consagradas neste despacho provocaram um generalizado repúdio e um clima de grande apreensão pelas gravosas consequências que teria caso viesse a ser aplicado. Tal é o sentimento unanimemente expresso nas largas dezenas de posições que recebemos, oriundas de conselhos pedagógicos, associações de pais,
associações de estudantes e outras entidades, antes e depois do debate público que promovemos em torno do nosso projecto. Ainda ontem representantes de cerca de 60 associações de pais exigiram, em conferência de imprensa, a revogação do despacho em causa.
Entre outros, este conjunto de opiniões é um factor que deve ser tido em conta na definição da posição final que a Assembleia da República vier a tomar em relação ao parecer que hoje nos é apresentado pela Comissão de Educação, Ciência e Cultura.
Passemos, então, à análise desse parecer.
Nele se considera que o Despacho n.º 32/EBS/86 é uma atitude precipitada, antipedagógica e prejudicial para o normal funcionamento do sistema educativo. Acrescenta-se que a própria Comissão já havia deliberado no sentido de recomendar ao Governo a revogação do referido despacho, com base, designadamente, no facto de não estarem criadas condições de ensino-aprendizagem do Português nas nossas escolas compatíveis com tal medida selectiva; considera ainda o parecer que o despacho em causa conduz a repetências injustificáveis.
Reconhece-se que o Governo não teve, até hoje, qualquer reacção ao conteúdo desta deliberação parlamentar. De igual modo se afirma no parecer que, com a aproximação do período de avaliações, é urgente reanalisar o problema.
Face a tais considerandos, qualquer pessoa concluiria razoavelmente pela necessidade da adopção do processo de urgência para o projecto que perspectiva a resolução deste problema, como é o caso do diploma do PCP. Contudo, bem diversa foi a conclusão a que o PSD e o CDS chegaram e que veio a fazer vencimento por força da abstenção do PS. É uma atitude profundamente lamentável: reconhece-se a gravidade da situação, mas, protela-se a discussão que conduza à sua resolução, e é grave que alguns o façam com rematada hipocrisia.
Não venham dizer-nos que se trata de uma intromissão na esfera de competência do Governo. Sendo irrecusável o nosso direito de fazer uma lei-quadro, tal argumento só serve para justificar aqueles que, pela sua acção prática, querem impedir a Assembleia da República de adoptar medidas que inviabilizem a brutal injustiça decorrente da aplicação do Despacho n.º 32/EBS/86.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República tem competência legislativa e fiscalizadora e deve exercê-la. Não é aceitável que se possa vir a argumentar que a Assembleia da República não deve alterar por lei um regime criado por despacho.
É que este governo recorre sistematicamente a despachos como fuga a legislar por decreto-lei, precisamente para se furtar à fiscalização da Assembleia da República.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O que está em causa não é o tipo formal do diploma governamental, mas o que de nós exigem os Portugueses: iniciativas concretas que impeçam o agravamento das taxas de insucesso, independentemente da forma que possam assumir.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - De igual modo não se pode compreender que, tendo a Assembleia da República tomado já
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uma posição contrária à medida governamental, se possa argumentar que é ainda cedo para tomar alguma outra iniciativa. Não é cedo, Srs. Deputados. Pelo contrário, se pretendemos que as soluções a adoptar sejam eficazes, já deveríamos ter aprovado medidas concretas para esta questão.
Não queremos que a Assembleia da República se fique pelos votos pios ou declarações de intenção, que nada resolvem, senão alguns problemas de afirmação eleitoral de umas quantas forças políticas.
Não resolver o assunto quando o podemos fazer, e rapidamente, é, na prática, apoiar a medida governamental até às últimas consequências.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão é tanto mais clara quanto se sabe que hoje não estamos a discutir o conteúdo concreto de uma medida, mas tão-só a pronunciar-nos sobre se consideramos, ou não, urgente uma iniciativa da Assembleia da República que contemple medidas de emergência para o ensino-aprendizagem da língua materna. Mais: não se argumente com o conteúdo do projecto; são conhecidas as posições do PCP de completa disponibilidade para encontrar as melhores soluções e os mais alargados consensos. Mas não contem connosco para o cruzar de braços.
Fizemos o que a situação exigia para cumprir as nossas responsabilidades, actuámos no quadro dos nossos direitos constitucionais e, acima de tudo, quisemos e queremos varrer da ordem jurídica uma aberração pedagógica e social.
O povo português e o País não deixarão de tirar as necessárias conclusões do presente debate e das posições das diversas forças políticas. Pela nossa parte, não desistiremos de lutar pela dignificação do ensino do Português.
Tal como agora cumprimos a responsabilidade que tínhamos assumido ao apresentar o projecto de lei, continuaremos a bater-nos para que a Assembleia da República aprove em tempo útil as medidas necessárias para evitar a situação de flagrante injustiça que se criaria se o despacho governamental fosse aplicado.
Não desistiremos de confiar que a maioria dos partidos com assento nesta Câmara saberá assumir as suas responsabilidades.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Deputado António Osório, não me vou pronunciar sobre o fundo da questão, na medida em que a minha bancada irá fazer uma intervenção sobre esta matéria justificando a posição que assumiu, em sede de comissão, de não concessão de urgência para este projecto de lei apresentado pelo PCP.
Assim, depois de todas as considerações que teceu, queria colocar-lhe uma questão.
V. Ex.ª sabe perfeitamente que o Partido Comunista dispõe de um instrumento regimental para agendar este diploma, se o considera tão urgente como isso. É, portanto, escusado lançar labéus sobre os partidos que, em sede de Comissão, tiveram entendimento contrário ou se abstiveram, como foi o caso do PS. É muito mais simples o PCP utilizar direito potestativo de fixação da ordem do dia e agendar o diploma. Assim, escusávamos de estar aqui a perder tempo com uma discussão estéril, que, no fundo, acaba por recair sobre o cerne do problema, mas não passa da questão da urgência ou não urgência.
Bom, as opiniões estão divididas, prevaleceu a tese de que não é urgente, na relatividade da urgência de 200 diplomas que estão pendentes para apreciação neste Parlamento, e, portanto, era muito mais simples e poupava-nos esta perda de tempo - se me permite a opinião - se VV. Ex.ªs recorressem ao direito que têm de marcação da ordem do dia.
Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Osório.
O Sr. António Osório (PCP): - Sr. Deputado António Capucho, o direito de marcação da ordem do dia é, de facto, um direito potestativo que podemos utilizar. Só que o número de possibilidades que temos de utilização desse direito é extremamente reduzido.
De qualquer modo, penso que da intervenção do Sr. Deputado podemos concluir que a posição do PSD não é contra a questão de fundo - o PSD, pelos vistos, também discorda da matéria em apreço -, o problema está só na forma de se discutir com urgência, pois o Sr. Deputado pensa que a forma de discutir isto com urgência é utilizar o direito potestativo de que o PCP dispõe para fazer a marcação.
Bom, pensámos que esta era uma questão que preocupava toda a Assembleia da República e que ela assumiria como sua a urgência que é necessária para a discussão deste problema. Neste quadro, a Assembleia da República não aceita como urgente a discussão deste processo, mas, como disse na minha intervenção, continuaremos a lutar para que este assunto seja rapidamente discutido.
O Sr. António Capucho (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. António Capucho (PSD): - Ó Sr. Deputado António Osório, não tire ilações sobre o nosso entendimento quanto ao vosso projecto de lei! V. Ex.ª sabe perfeitamente o que é que pensamos sobre ele.
O que estamos a discutir neste momento é apenas a questão da urgência, e essa é uma questão relativa face à catadupa de diplomas que estão pendentes de apreciação neste Parlamento.
O que lhe queria dizer é que se, de facto, em sede de comissão, pela análise da matéria, já se considerou, por maioria, que não é de aceitar o pedido de urgência face a todo o quadro de diplomas em apreciação nas comissões, VV. Ex.ªs escusavam de nos fazer perder tempo se recorressem ao direito potestativo de agendamento. E não diga que tem poucas possibilidades para o fazer, porque quem tem poucas é o meu partido, pois só tem metade das do seu.
O Orador: - Com certeza que o Sr. Deputado sabe melhor do que eu que o pedido de adopção do processo de urgência para uma iniciativa legislativa é um direito regimental e, como tal, exercemo-lo.
A única conclusão importante que tiramos daqui e que é política é em relação à posição que os diferentes
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partidos com assento nesta Assembleia têm quanto à questão da necessidade de urgência. Da nossa parte não haverá qualquer hesitação e, como afirmei na minha intervenção, continuaremos a bater-nos para que este assunto seja rapidamente discutido, pois é de importância fundamental para o futuro dos jovens deste país.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Conceição para uma intervenção.
O Sr. Fernando Conceição (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos reconhecemos a importância do correcto manejo da língua portuguesa quer como meio de transmitir um património cultural e ganhar consciência da identidade nacional, quer enquanto factor de aquisição e de utilização das informações, quer ainda como instrumento na aprendizagem de outros saberes. Factor de interdisciplinaridade, de encontro de culturas, de socialização e de participação cívica, a língua portuguesa realiza um processo de comunicação e de expressão pessoal, é veículo de convenções mas também de actos criadores.
Não é, por isso, de admirar que a degradação do conhecimento e prática da língua portuguesa provoque reacções e suscite medidas visando preservá-la e dignificá-la.
O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Não é claramente o caso.
O Orador: - O Governo, atento a essa problemática, publicou despachos que alertaram a opinião pública e provocaram reacções díspares de pais, professores e alunos. Diplomas controversos, mas que geraram um movimento em defesa do nosso património linguístico.
É dentro deste clima que o PCP apresentou ao Parlamento o projecto de lei n.º 326/IV, com o objectivo de estabelecer «medidas de emergência sobre o ensino-aprendizagem do Português».
Não nos iremos pronunciar neste momento sobre as medidas concretas propostas. O que importa é determinar se se justifica ou não o carácter de urgência atribuído pelo PCP ao debate do seu projecto de lei.
A nossa resposta a este respeito é negativa.
Porquê? Em primeiro lugar, porque algumas das disposições contidas no projecto de lei em causa estão já consignadas na Lei de Bases do Sistema Educativo. É o caso do artigo 1.º do projecto de lei, que não é mais do que a transcrição do ponto 7 do artigo 47.º da Lei de Bases. O próprio conteúdo do seu artigo 2.º corresponde às exigências dos artigos 30.º e 35.º da Lei de Bases.
Em segundo lugar, o Ministério da Educação e Cultura, através do Despacho n.º 41/EBS/86, aponta para a necessidade de medidas visando a criação de oportunidades para a correcta aprendizagem do Português e para a realização de acções de formação-apoio destinadas a professores. Deste modo, o artigo 2.º do projecto de lei não é original. O mesmo se pode dizer no respeitante à «Carga horária» (artigo 3.º) e às «Bibliotecas escolares» (artigo 5.º), na medida em que o Ministério, pelos seus Despachos n.ºs 29/EBS/86, 41/EBS/86 e 43/EBS/86, estabeleceu as necessárias
normas orientadoras. Os artigos 6.º e 8.º do projecto de lei têm também o seu paralelo no Despacho n.º 41/EBS/86.
Em terceiro lugar, a própria Lei de Bases do Sistema Educativo deu ao Governo o prazo de um ano para legislar sobre a formação do pessoal docente e os planos curriculares dos ensinos básico e secundário, prazo esse ainda não ultrapassado.
Em quarto lugar, o artigo 10.º do projecto de lei pretende revogar o Despacho n.º 32/EBS/86. Este é o objectivo real do diploma do PCP. Mas ao fazê-lo não estará a invadir a esfera de competência do Governo, contrariando o princípio da separação de poderes, consagrado na Constituição?
Em quinto lugar, querer justificar o pedido de urgência com a proximidade de um período de avaliação é não ter presente que no sistema de avaliação contínua o processo avaliativo ainda vai ter mais um momento. Por outro lado, há que não escamotear um aspecto decisivo. O ponto 2 do Despacho n.º 32/EBS/86 chama a atenção para o facto de a decisão final no processo avaliativo caber ao conselho pedagógico, através do conselho de turma. Convém ter presente que, em regime de classe, os professores de cada disciplina apresentam propostas de classificação, que só se tornam definitivas com a aprovação pelo conselho.
Finalmente, apesar da apregoada urgência da matéria, o PCP não quis utilizar o direito regimental que lhe assiste de fazer agendar o seu projecto de lei. Preferiu usar a figura do pedido de urgência para, com a possível colaboração de outros partidos, ver mais um projecto seu ser agendado, ultrapassando iniciativas de outros partidos. Que o objectivo final era esse, demonstra-o o ponto 5 do projecto de parecer apresentado à Comissão de Educação, Ciência e Cultura pelo Sr. Deputado António Osório. Aí se declarava ser «[...] urgente o seu agendamento para discussão e votação em Plenário». Ora, o PSD sempre foi contrário a métodos não lineares de conseguir o agendamento de projectos de lei. Aliás, talvez o objectivo final do PCP seja apenas o de agitar a opinião pública com mais este episódio.
Em conclusão, o projecto de lei n.º 326/IV não contém medidas inovadoras, e que possam ser consideradas urgentes, pela simples razão de as mesmas estarem já contempladas em diplomas dimanados do Ministério da Educação e Cultura.
Por todas estas razões, o PSD recusa o pedido de urgência requerido pelo PCP.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado
António Osório.
O Sr. António Osório (PCP): - O Sr. Deputado Fernando Conceição afirmou que, segundo o Despacho n.º 32/EBS/86, é ao conselho pedagógico e ao conselho de turma, em última instância, que compete a determinação da classificação final do aluno.
Ora, sendo essa afirmação verdadeira, ela só denota um dos traços característicos da política «cavaquista», ou seja, o atirar a pedra e esconder a mão.
Com efeito, o Ministério da Educação e Cultura, através do Despacho n.º 32/EBS/86, toma a medida, profundamente gravosa e lesiva para o futuro dos nossos jovens, de propor a não aprovação de todos aqueles que não obtenham mais do que o nível 2
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na disciplina de Português e depois, numa atitude mágica, esconde a mão e transfere a responsabilidade para cima dos conselhos pedagógicos. Assim, quando amanhã os pais virem os seus filhos chumbados por não terem obtido mais do que o nível 2 na disciplina de Português, a responsabilidade cairá sobre os conselhos pedagógicos e não sobre o Ministério que elaborou tal aberração legislativa.
Mas a questão que lhe quero pôr é a seguinte: o Sr. Deputado, não entrando na discussão do conteúdo do diploma, referiu que o nosso projecto de lei não seria necessário na medida em que todas as medidas nele contidas já foram preconizadas pelo Governo. Só que das medidas preconizadas pelo Governo nenhuma foi, até agora, implementada, nem as constantes da lei de bases, nem as constantes dos Despachos n.ºs 41/EBS/86, 42/EBS/86 e 43/EBS/86, a não ser a do Despacho n.º 32/EBS/86, que está em vigor. Essa, sim, irá ter significado no futuro dos nossos jovens e, por isso, pergunto: acha o Sr. Deputado que é um processo lícito começar a fazer uma acção pelo telhado? Ou seja, começa-se por se chumbar os alunos - porque essa é a única das medidas que está efectivamente em vigor - e depois acrescenta-se uma série de medidas que, como se vê pela numeração dos despachos que citou, até são posteriores ao Despacho n.º 32/EBS/86, que ainda não foram implementadas e que só depois é que, eventualmente, irão ser levadas à prática. Acha que isto é um processo coerente de legislar?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.
O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Deputado Fernando Conceição, V. Ex.ª sabe o que os socialistas pensam deste «despacho-disparate», que parte do princípio de que a língua portuguesa é um património que está a ser destruído pelos vândalos - e aqui os vândalos são as crianças, são os alunos das escolas -, que é preciso prender, transformando-se os professores em carrascos. É mais ou menos esta a ideia de progresso ...
Uma voz do PSD: - Essa é a sua ideia!
O Orador: - É a vossa, sim! Os senhores sabem!...
Pensamos que este assunto é grave, o que não implica que o consideremos urgente, dado que a urgência é um expediente regimental que deverá ser visto de outra maneira e não pelos fundamentos pedagógicos.
Gostaria de lhe fazer duas perguntas, Sr. Deputado.
Em primeiro lugar, considera ou não que este despacho contraria frontalmente o espírito e a letra da Lei de Bases do Sistema Educativo?
Em segundo lugar, gostaria de fazer a V. Ex.ª - que é estimado pelos seus pares pelas suas qualificações profissionais, pessoais e humanísticas e, aliás, tenho o prazer de informar os nossos colegas que o Sr. Deputado Fernando Conceição foi, há dias, eleito por unanimidade presidente da Comissão de Educação, Ciência e Cultura - uma pergunta pessoal: o Sr. Deputado pensa e aceita o bom fundamento pedagógico deste despacho?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Conceição.
O Sr. Fernando Conceição (PSD): - Responderei em primeiro lugar ao Sr. Deputado António Osório, começando pelo fim em relação às perguntas que me pôs.
Se V. Ex.ª procurar junto dos diversos centros regionais de educação ou de escolas com certeza dará conta que as acções programadas nos despachos n.ºs 41, 42 e 43 já estão efectivamente a ser executadas. Já tem havido reuniões de professores universitários com delegados da disciplina de Português e depois, como sabe, o processo ter-se-á de transmitir pelo género «cascata» e o delegado, por sua vez, fará seguir estas diversas acções.
O Sr. António Osório (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Sr. Fernando Conceição (PSD): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Osório (PCP): - O Sr. Deputado acha que o resultado dessas acções se concretizará no presente ano lectivo?
O Sr. Fernando Conceição (PSD): - Elas têm, em início, essa finalidade, Sr. Deputado.
Risos do PCP.
O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Ver para crer!
O Orador: - Partindo para a sua segunda pergunta, em que referiu a expressão «a pedra ser escondida e depois lançada», parece-me que não é esse o nosso hábito. E devo esclarecê-lo de que isto, aliás, é problema velho e «revelho» em acções escolares. Se chegou a ser - e com certeza foi - professor, sabe que muitas vezes uma das dificuldades que tem surgido é convencer alguns docentes, a determinado nível, de que apenas estão a propor classificações, visto que, estando em regime de classe, a classificação final é dada pelo conjunto dos professores e não apenas pelo proponente da respectiva disciplina.
Em relação ao Sr. Deputado António Barreto, quero, por um lado, agradecer-lhe as referências que fez a meu respeito e, simultaneamente, dar resposta aos quesitos que me pôs.
Em primeiro lugar, considero que o despacho não invalida princípios expostos no sentido de favorecer um desenvolvimento do ensino do Português, pode antes ser um instrumento, em relação a esses mesmos princípios, que chama a atenção para a situação actual. E chama a atenção sobretudo de quem? Dos professores, para que tenham um maior empenhamento no detectar das dificuldades sentidas pelos seus alunos e em compensá-las através de actividades que podem ser marginais em relação à actividade propriamente docente, mas, digamos, em actividades paradocentes.
Para mim, este despacho teve a vantagem e o resultado efectivo de alertar a opinião de muita gente para a necessidade de dar maior atenção à disciplina de Português enquanto não apenas instrumento valorativo da própria pessoa que usa essa mesma língua, mas enquanto instrumento em relação à aprendizagem de outros saberes. Isto é, como já diziam velhos humanistas, muitas vezes as pedras podem desaparecer do caminho de uma civilização, mas há uma pedra que pode ser basilar e essa é a língua, que exprime o pensar, o sentir e o querer de um povo.
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Não se trata de nacionalismos, como alguns apressadamente querem dizer, mas apenas da afirmação de um traço que é da nossa identidade, que é a língua que nós não deveremos querer que seja abastardada.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Naturalmente que um despacho, como todos os despachos, tem de ser visto em conjunto e não isoladamente. Neste sentido devo dizer, fazendo talvez uma correcção a quem me interpelou há pouco, que houve, de facto, o aparecimento de outros despachos que tinham sido concebidos simultaneamente. E nós nessa altura, inclusive, chamámos a atenção do Governo para esse aspecto, mas razões possivelmente de carácter mais burocrático impediram a apresentação em simultâneo do conjunto destas medidas.
Quero com isto dizer que todas as estratégias possíveis para a defesa e o enriquecimento de qualquer saber não podem ser vistas isoladamente e, no meu entendimento pessoal, elas são sempre susceptíveis de melhoramentos, são sempre susceptíveis de recomendações que pretendam melhorar o efeito que se esperava de um determinado tipo de medida.
Estou crente, Sr. Deputado António Barreto, que com este conjunto de despachos e com um conjunto de outros que deve estar a ser preparado será possível conseguir-se uma melhoria definitiva do ensino-aprendizagem da língua portuguesa.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha.
O Sr. José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É conhecida a posição que desde o princípio o MDP/CDE tomou sobre esta questão e não se poderá encontrar, ao longo das considerações que temos feito, no debate que em Comissão e em subcomissão se tem desenvolvido, qualquer espécie de desvio ou incoerência em relação aos objectivos fundamentais que víamos no debate deste problema.
Creio que todos os elementos da Comissão e subcomissão que participaram no debate sobre este lamentável despacho não tiveram quaisquer dúvidas de que não se tratava de subestimar ou menosprezar a importância que a língua portuguesa tem e todos concordámos com a necessidade que há de evitar a sua degradação - o que até ficou expressivamente exarado.
Todos nós, inclusive até como pessoas próximas das actividades docentes ou mesmo como docentes, tivemos ocasião de, ao longo do debate, referir alguns exemplos bem expressivos da forma como se assiste a «pontapés» lamentáveis na gramática e na sintaxe portuguesa. Por exemplo, no meu caso, e relativamente ao último ano de um curso de Letras, trata-se de casos entre alunos que irão ser, dentro de pouco tempo, licenciados e professores. Sobre isso não há qualquer dúvida. Tudo isso nós sabemos.
A importância de evitar a degradação da língua portuguesa não está em causa. Foi sempre sentido por todos nós que era importante que se tomassem medidas nesse sentido. Mas o problema é que tivemos a noção de que tal despacho - pelo conhecimento que tínhamos da maneira como ele estava a influir nas
actividades das escolas - estava a provocar uma grande instabilidade, que se reflectia não só nos alunos e nos professores mas também nos próprios pais. E daí que, em todos os debates que houve, quer na Comissão quer na subcomissão, se tivesse tido sempre bem evidente a noção de que era preciso atacar o problema o mais rapidamente possível, para evitar perturbações, que iriam inevitavelmente reflectir-se nos resultados escolares.
Quem, entre os Srs. Deputados presentes, tem filhos atingidos por este despacho sabe bem como eles e os próprios professores, já sem falar nos pais, estão neste momento gravemente perturbados, e naturalmente a sua preparação nas outras disciplinas não deixa, com isso, também de sofrer efeitos negativos. Não é, portanto, justificação, em nosso entender, o dizer-se que ainda vem longe o fim do ano lectivo, que ainda teremos as férias da Páscoa, que ainda teremos ocasião para que o assunto seja revisto até lá ou que serão eventualmente tomadas medidas de boa intenção. Aliás, como de resto o Sr. Deputado Fernando Conceição acabou de dizer, e como facilmente se reconhecerá, mesmo que se adoptem medidas de boa intenção elas na prática não vão ter qualquer efeito ou, pelo menos, não vão ter o efeito positivo e importante que deveriam ter. Neste sentido, o que importa é que o assunto seja rapidamente discutido, que sejam rapidamente por esta Assembleia tomadas medidas que impeçam o prosseguimento de uma perturbação que irá inevitavelmente reflectir-se nos resultados escolares de milhares de alunos neste ano lectivo.
De resto, reparem que de estudos recentemente realizados numa escola preparatória do centro de Lisboa se concluiu que a variação da percentagem de reprovações, na hipótese da aplicação do presente despacho, seria acrescida de mais de 7,5%. Ora, se tivermos em conta que a análise dos dados por turmas permite constatar a existência de relativa diferença de critérios entre os professores de Português, as assimetrias locais e regionais que tal despacho provoca agravarão sobremaneira todo este processo, diria mesmo que já estão a agravar todo este processo. Isto é, mesmo que se tomem medidas desde já, considero que são irremediáveis as consequências para este ano lectivo no que se refere a milhares de alunos do nosso ensino.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Queria também chamar a atenção para o seguinte: foi constituída uma subcomissão para a análise desta questão e aí foi aprovada, com votos favoráveis do PS, do PRD, do PCP e do MDP/CDE, uma proposta recomendando ao Governo a revogação do despacho.
E certo que não estava implícita nem foi assumida qualquer outra medida, mas a verdade é que - e os Srs. Deputados que estiveram nesse debate certamente se recordarão - na discussão então efectuada e na própria matéria do texto é visível, implícita ou explicitamente, que havia, de facto e reconhecidamente, uma urgência, uma necessidade de instantemente atacar o problema.
Foi então visto - e recordo-o - que a aplicação deste despacho provoca um aumento significativo do insucesso escolar e da selecção social. A passagem dos alunos fica dependente do critério de um único professor, a selectividade social influi consideravelmente
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nas camadas evidentemente mais baixas e de mais baixos níveis materiais e culturais, numa disciplina onde mais fortemente se faz sentir o nível de cultura doméstica, isto é, foi visto que os alunos das classes mais baixas se apresentam na escola em piores condições e são os que levam mais tempo a recuperar.
Tudo isso foi visto e, de resto, tanto na intervenção do Sr. Deputado António Osório como na do Sr. Deputado António Barreto, com as quais concordo, na medida em que apresentam a gravidade deste problema, se reconhecem expressamente os inconvenientes desta medida lamentável.
O relatório da subcomissão de 10 de Fevereiro de 1987, ao apreciar o projecto de lei n.º 326/IV, por unanimidade reconheceu que «prevê a implementação de medidas urgentes que permitam, por um lado, pôr termo imediato à gravíssima situação criada com a publicação do despacho [...]». Isto quer dizer que em todo este processo, em meu entender, o que claramente ressaltava era que se, por um lado, o despacho era gravíssimo nas suas consequências, por outro lado, era preciso tomar medidas urgentes para evitar que se agravassem as consequências desde já consideráveis que provocou.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, não há dúvida de que, pela nossa parte, não há qualquer intenção de tirar valores, lucros ou efeitos partidários desta ou daquela natureza e parece-nos até que esses argumentos deveriam ser postos num lugar muito subalterno. O que interessa, fundamentalmente, é a maneira como o assunto deve ser resolvido e o mais urgentemente possível.
Ofendidos seríamos nós, seria a Assembleia, se porventura tivessem sido atropeladas algumas normas regimentais. Isso sim. Mas creio que não há qualquer razão para se dizer que em todo este processo, até ao debate que aqui estamos a fazer, qualquer norma regimental, por mínima que seja, tivesse sido afectada.
Uma voz do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Põe-se a questão: invade porventura a esfera do Governo? Diremos nós: não começou o Governo por invadir a esfera da Assembleia da República! ...
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Isto é, ao fazer um despacho de tal gravidade, sabendo, efectivamente, que ele contrariava fundamentos da Lei de Bases do Sistema Educativo aprovada por esta Assembleia, sabendo que matéria de tal importância deveria ser da responsabilidade deste órgão de soberania, o Governo refugia-se atrás de um despacho para que dessa forma se escape à possibilidade de vir à ratificação da Assembleia da República.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Isto é o que se chama o Governo invadir a esfera da Assembleia da República.
E a resposta da Assembleia da República foi, naturalmente e nos termos regimentais, a mais adequada quer à preocupação legítima dos deputados, quer à preocupação legítima de alunos e professores, quer ainda às perturbações que era necessário evitar neste ano lectivo.
Daí, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o facto de considerar inteiramente subalternas, minimizando-as completamente, considerações que se possam fazer em torno de eventuais efeitos partidários - os quais, pelo menos na minha perspectiva, não considero que tenham existido - que se pretendessem obter, sobretudo para atender ao fundo da matéria, àquilo que é preciso resolver e à responsabilidade que os deputados têm neste sentido.
Em meu entender, não retira lucros quem tomou a iniciativa. Porém, certamente que retirara perdas quem impedir que a iniciativa vá para diante e se tomem as medidas indispensáveis para que seja atalhada a perturbação neste ano lectivo.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Domingues.
O Sr. Agostinho Domingues (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP pede a adopção do processo de urgência para o seu projecto de lei n.º 326/IV, em que propõe «medidas de emergência sobre o ensino--aprendizagem do Português».
Regimentalmente é sobre a urgência que temos de nos pronunciar. Convenhamos que não é fácil dizer se uma matéria é ou não urgente sem avaliar a importância da matéria em si mesma. Mas há que fazer um esforço... regimental!
O projecto do PCP só tem, a nosso ver, um artigo eficaz: o último, ou seja, a norma revogatória do Despacho do Governo n.º 32/EBS/86. No resto, é um amontoado de boas intenções, de mistura com alguma análise subjectiva da realidade do ensino-aprendizagem. Vale a pena lembrar que só os decretos-leis podem ser avocados pelo Parlamento.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Isso já se sabe!
O Orador: - É, pois, do despacho do Governo que devemos partir.
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista já teve oportunidade de denunciar nesta Câmara os malefícios do despacho governamental. Não se ficou pela crítica. Apontou medidas concretas tendentes a melhorar, a prazo, o ensino-aprendizagem do Português.
Por sua vez, a Comissão de Educação aprovou uma recomendação de revogação do despacho. Sindicatos de professores, conselhos pedagógicos, organizações de juventude, associações de pais pronunciam-se veementemente contra o despacho. São unânimes em encarecer a importância do Português e, simultaneamente, recusam transformar os alunos em únicas vítimas de um sistema defeituoso.
Ninguém põe em causa a importância da língua portuguesa. Todos estão de acordo quanto à necessidade de um melhor ensino, de uma melhor aprendizagem da língua materna como trave mestra que é de toda a aprendizagem em geral.
Ao longo de 1985-1986 alguma coisa de muito substancial começou a ser feita nesse sentido. A Lei de Bases do Sistema Educativo consagrou, além do mais, o princípio da interdisciplinaridade do Português. Por seu lado, a Comissão de Reforma do Sistema Educativo, criada pelo Ministério da Educação, iniciou o estudo dos programas e dos conteúdos escolares, incluindo, naturalmente, os de Português.
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Como se explica então, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, ao arrepio de tudo isso, saia um despacho para aplicação imediata que obriga a repetir o ano a qualquer aluno que reprove em Português? Em vez de pôr em prática os princípios da interdisciplinaridade preconizados na Lei de Bases, em vez de aguardar os pareceres técnicos da Comissão de Reforma, o Governo preferiu colocar a espada sobre os alunos indefesos.
Com o Despacho n.º 32/EBS/86 o Ministério da Educação «fez luz» sobre o Português. Disse solenemente: «O Português é importante!» E tira as conclusões desta grande descoberta: «Como é importante, os meninos que reprovem em Português reprovam no ano todo, mesmo que sejam bons alunos nas restantes disciplinas.» É isto que está contido nas consequências do despacho.
Faço justiça à inteligência do Sr. Ministro, que até é um insigne universitário. O Sr. Ministro não acredita que a medida punitiva vai melhorar a qualidade do ensino e o esforço da aprendizagem do Português.
A verdade é bem outra: o Sr. Dr. João de Deus Pinheiro embarcou demasiado depressa nas intenções eleitoralistas deste Governo. À falta de imaginação para promover a sério os valores nacionais, lançou uma cruzada mistificadora à custa dos alunos e dos encarregados de educação.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A princípio até parecia que o truque ia resultar - é grande a boa fé do povo português, mormente na promoção da língua pátria. Depressa, porém, a opinião pública se apercebeu da armadilha. Hoje, pais, alunos e professores protestam em uníssono contra o despacho.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Só falta revogá-lo!
O Orador: - Apesar de todo esse coro de clamores, o Governo permanece insensível. Esquecido do seu peso eleitoral de menos de 30% dos votos, despreza as petições e os argumentos que todos os dias exprimem o apelo à revogação do odioso despacho.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo que nos desgoverna e o Ministério da Educação que deseduca o País lançaram a confusão nos professores, a inquietação nos pais, a angústia nos alunos. É neste contexto que surge o projecto do Partido Comunista.
As normas de avaliação do rendimento escolar - e isto tem de ficar bem claro por parte do Parlamento - são manifestamente da competência governamental. Uma interferência na esfera administrativa tem de ser reservada para situações limite.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Já deu!
O Orador: - Quererá o Governo dar razão ao PCP? Permitirá, por obstinação sua, que os pais e os alunos encontrem a resposta onde ela não deveria estar?
É tempo de o Ministério da Educação se convencer que o seu reino está longe de ser de iluminados. É tempo de reconhecer que tem de aceitar as razões ditadas pela realidade humana concreta. É tempo de preparar a revogação do Despacho n.º 32/EBS/86.
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista apela ao bom senso do Governo. Fá-lo, antes de mais, em nome do bom funcionamento das instituições democráticas.
O Sr. António Barreto (PS): - Muito bem!
O Orador: - Pretendemos evitar que a Assembleia da República se substitua ao Executivo, mas somos sensíveis às angústias dos encarregados de educação e dos alunos.
Como primeiro partido da oposição, desafiamos o Ministério da Educação a assumir, com humildade e dignidade, a inoportunidade do despacho sobre o Português. Tem ainda algum tempo para emendar a mão. Se o Ministério da Educação persistir no erro, Sr. Presidente e Srs. Deputados, desde já responsabilizamos o Governo por todas as consequências.
Não podemos dar o nosso voto favorável ao processo de urgência apresentado pelo PCP; saberemos, porém, assumir as nossas responsabilidades na altura oportuna e com os meios adequados.
Lançamos um desafio colaborante ao Governo: se ainda durante o ano lectivo e em tempo eficaz de evitar um «banho de sangue pedagógico», isto é, chumbos em série ou então um laxismo (que se traduziria em prejuízo da própria aprendizagem da língua portuguesa) o Governo não revogar este despacho, seremos obrigados, nós parlamentares, a fazê-lo.
Aplausos do PS.
O Sr. António Osório (PCP): - Peço a palavra para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado. Dispõe apenas de um minuto.
O Sr. António Osório (PCP): - Sr. Deputado Agostinho Domingues, contra o amontoado de generalidades do projecto do PCP, as clarividentes especificidades do PS que ninguém conhece!
Portanto, a primeira pergunta que gostaria de lhe fazer era a seguinte: quais são essas especificidades?
Face à situação extremamente grave que descreveu e com que é fácil estarmos de acordo, que medidas concretas preconiza? É a segunda pergunta que lhe queria fazer.
Que mais é preciso para que o PS tome atitudes? É a terceira pergunta.
O processo legislativo é moroso. Assim, qual é, para o Partido Socialista, o limite do tempo útil que referiu? Eis a quarta e última pergunta.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Domingues.
O Sr. Agostinho Domingues (PS): - Sr. Deputado António Osório, compreendemos as posições do Partido Comunista, esperamos também que o Partido Comunista compreenda as nossas.
Mas, sobretudo, o PCP tem de compreender que o PS é o primeiro partido da oposição, que foi o PS que tomou a primeira iniciativa contra este despacho no Parlamento e que assumiu a iniciativa de propor na Comissão de Educação, Ciência e Cultura uma moção no sentido de forçar a revogação do despacho.
Portando, neste momento, a resposta bem concreta que temos para dar - ela está, aliás, contida na inter-
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venção que fiz em nome do meu grupo parlamentar - é a de que consideramos ser ainda tempo de o Ministério revogar o despacho.
Como toda a gente sabe, só as classificações do último período determinam a passagem ou reprovação dos alunos. Porém, não deixarei de dar uma resposta muito concreta ao Sr. Deputado quanto ao problema do tempo útil: consideramos que o tempo útil tem como limite a primeira quinzena de Maio.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Oportunidade perdida!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bártolo Paiva Campos.
O Sr. Bártolo Paiva Campos (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não está agora em discussão a nossa posição sobre o despacho hoje já aqui, por várias vezes, referido.
Não vamos discutir cronologias, mas, de facto, o nosso partido foi o primeiro a levantar o problema nesta Câmara, em 23 de Outubro, pela voz da minha colega Maria da Glória Padrão.
Não temos dúvidas acerca da importância da aprendizagem da língua portuguesa - tal já tinha sido dito nessa altura. Simplesmente, este despacho do Ministério da Educação e Cultura releva de uma concepção culturalmente retrógrada sobre o sucesso escolar. A concepção que está subjacente a este despacho é a de que o sucesso depende do esforço dos alunos e daí a medida tomada pelo Ministério.
Se se considerasse que o sucesso depende do esforço dos professores, da organização das escolas, enfim, de toda uma série de medidas da responsabilidade do Ministério da Educação e Cultura, então as medidas a tomar seriam as de eventuais reprovações dos professores e do Ministério e não de reprovação dos alunos. Até porque é muito estranho que para valorizar a aprendizagem do Português se desqualifique a realizada nas outras disciplinas. No fundo o que estaria em questão seria este processo de passagem de ano, que, como é evidente, poderia ser um outro e não um processo que, no final do ano, determina se o aluno passa ou não globalmente. Na verdade, a aprendizagem pode fazer-se, conforme as disciplinas, com ritmos diferenciados, sendo esta mais uma razão para mostrar a inoportunidade desta medida.
Evidentemente que o Ministério da Educação e Cultura tomou esta medida porque é uma maneira de governar fácil; porque não custa nada puxar da pena, fazer um despacho e, ainda por cima, eventualmente dar a impressão, fazer de conta, que se tomaram grandes medidas para resolver os problemas do País.
É que as outras medidas que referi, que têm a ver com a formação dos professores, com o que os professores fazem, com a organização das escolas, com os programas, etc., exigem, em primeiro lugar, muito mais esforço, um «puxar mais pela cabeça» e uma maior planificação. Em segundo lugar, os resultados não se vêem no mês ou na semana seguintes, mas só daí a quatro ou cinco anos - então, já não se está no Ministério e não se tira proveito nenhum... Portanto, governar fácil e fazer de conta que se governa.
Claro que o Ministério da Educação e Cultura começou a ser sensível às objecções que foram levantadas, e, ultimamente, o Sr. Ministro já dizia que o despacho
tinha uma medida que ajudava a resolver o problema, pois o diploma dizia que «mediante proposta fundamentada do conselho de turma, pode o conselho pedagógico excepcionar casuísticamente a aplicação do despacho».
Contudo, já a minha colega Maria da Glória Padrão, quando falou aqui em Outubro, disse que essa seria a norma corrente. Aliás, ela invocou toda uma série de razões muito fundamentadas que terão de levar os conselhos de turma a propor sempre a excepção.
Então para quê este despacho? Mais uma vez, penso que foi para «fazer de conta».
Mas, enfim, o que está hoje em discussão não é o despacho nem saber qual a medida mais adequada que a Assembleia deve tomar sobre o assunto. Aliás, já em tempos a Comissão de Educação, Ciência e Cultura tomou uma medida e agora temos diante de nós um projecto de lei cujo conteúdo não está hoje em discussão.
O que discutimos é a adopção do processo de urgência e, em nosso entender, este processo de urgência não tem a ver directamente com a maior rapidez do agendamento, mas, isso sim, com a dispensa ou a redução de prazos na elaboração do relatório preliminar - e neste caso já temos o relatório -, com a redução do tempo de debate na generalidade e com maior rapidez aquando da especialidade. Não é portanto o agendamento que está directamente em questão. Mas a verdade é que se a Assembleia decidir tomar uma iniciativa quanto a esta matéria, não terá muito tempo para o fazer, quer o PCP utilize o direito que tem de agendamento quer a conferência de líderes chegue à conclusão de que é importante agendar esta matéria.
É por isso que não nos opomos a que seja adoptado o processo de urgência, de modo que se criem medidas que contribuam para que a iniciativa eventualmente a tomar pela Assembleia seja tomada em tempo útil, embora não tenhamos a certeza de que a adopção deste processo se traduza por consequências práticas importantes.
No entanto, também não compreendemos muito bem que o PS acabe de dizer que se afinal o Ministério da Educação não revogar o despacho tomará a iniciativa de propor a sua revogação. Finalmente, já temos na Mesa essa iniciativa e sabemos, mesmo com um processo de urgência, quão demorado é todo o processo legislativo nesta Assembleia. E não invoco o exemplo de projectos de lei que já foram discutidos na generalidade e que tiveram processo de urgência e há mais de um ano que estão em comissão.
De qualquer maneira, julgamos também que a discussão de hoje foi uma ocasião não só para, mais uma vez, alertar o Governo - e estamos inteiramente de acordo com a chamada de atenção feita ao Governo pelo Sr. Deputado Agostinho Domingues para que este tome a iniciativa de revogar o despacho, na medida em que julgo que era uma atitude ponderada e acertada - como, por outro lado, para grupos parlamentares, que ainda não tiveram ocasião de em plenário exprimir a sua posição sobre este problema, o fazerem.
Aplausos do PRD.
Sr. Deputado António Barreto, quanto ao problema da urgência e de o PCP poder agendar o diploma, estou inteiramente de acordo. Há pouco, procurei esclarecer que a adopção do processo de urgência não tem directamente a ver com o agendamento do diploma.
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Mesmo que o PCP utilize o seu direito de agendamento, o processo de urgência contribuirá para que, uma vez utilizado esse direito, o processo seja mais rápido. Portanto, o processo de urgência não tem a ver com o agendamento mas com outra coisa, como procurei explicar, embora talvez não tivesse sido claro.
Quanto à ratificação dos despachos, estou inteiramente de acordo com o que disse. Também julgamos que devemos ser muito parcimoniosos nas iniciativas legislativas relativas àquelas que o Governo tomou, mas não fui eu quem disse que proporiam a revogação do despacho. Foi o Sr. Deputado Agostinho Domingues quem disse que proporiam a revogação do despacho se o Ministério o não fizesse, e agora o Sr. Deputado António Barreto também disse que, em última instância e contrariados, proporiam isso.
O Sr. Agostinho Domingues (PS): - Dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Só um momento, Sr. Deputado.
O problema que levantei foi o de saber a razão por que o fariam de aqui a pouco e não agora. Eu nem sequer disse que devíamos revogar o despacho, até porque as medidas legislativas da Assembleia não se esgotam propondo a revogação de despachos. A Assembleia poderá, se isso for importante e oportuno, tomar uma iniciativa legislativa pela positiva que tenha a ver, por exemplo, com o método global de avaliação e até podia introduzir medidas inovadoras, «revolucionárias». Assim, este problema ficaria resolvido através da adopção de uma medida global ao nível da avaliação. Por exemplo, a avaliação, em vez de ser do conjunto das disciplinas de um ano, seria uma avaliação em função dos diferentes ritmos de aprendizagem nas diversas disciplinas.
Faça favor, Sr. Deputado Agostinho Domingues.
O Sr. Agostinho Domingues (PS): - Agradeço-lhe ter-me permitido a interrupção.
Sr. Deputado Paiva Campos, V. Ex.ª afirmou que eu, na minha intervenção, disse que o Partido Socialista se dispõe, ele próprio, proporcionar a revogação do despacho.
Sr. Deputado, pergunto-lhe se me faz a justiça de considerar que na minha intervenção está claramente dito que isso será feito em situações limite - de resto, de acordo com a intervenção, bem clara, do Sr. Deputado António Barreto.
O Orador: - Julgo que não acrescentou muito ao que eu disse. Se fôssemos para essa solução - mas nem sequer nos pronunciámos sobre isso, uma vez que não é isso que está em discussão - também pensamos que tal só pode ser feito em situações limite.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique de Moraes.
O Sr. Henrique de Moraes (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por despacho estabeleceu o Governo, «como condição necessária à aprovação ou transição de ano dos alunos do ensino preparatório e do curso geral unificado do ensino secundário, a obtenção na disciplina de Língua Portuguesa de um nível superior a dois».
A medida é discutível e será discutida a seu tempo, mas o que ressalta da data da publicação do despacho, de 2 de Outubro de 1986, é que o Governo pretendia pôr, desde os primeiros tempos do ano lectivo, essa medida em execução, para que todos pudessem contar com ela, por terem prévio conhecimento, tomando as precauções necessárias para não serem prejudicados.
E se se compreende que era desde o início do ano lectivo que a medida devia ser publicada, ter-se-á de aceitar, pelas mesmas razões, que seria Outubro também o mês mais apropriado para anular o despacho. Nesse mês teria justificação a urgência, pois igualmente de princípio se saberia qual o programa, quais as condições de aprovação.
Bem sei que a Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura discutiu o problema e, antes do final do primeiro período escolar, aprovou uma recomendação ao Governo. Esta atitude, embora correcta, peca, a meu ver, por ser um pouco tardia. Para bem, deveria ter sido apresentada logo no início do primeiro período.
Para além disso, outra pequena falha da recomendação. Ao relê-la ontem à noite confesso que não a achei feliz.
Ao reconhecer-se que não estão criadas condições de ensino-aprendizagem do Português nas nossas escolas compatíveis com uma tal medida selectiva isto significa que a selecção é correcta e que o que está errado é o ensino. Isto talvez tenha levado o Governo a manter o que, pelos vistos, todos achavam útil -a referida medida selectiva -, preparando-se depois para melhorar as condições de ensino, elevando-lhes o nível, em vez de por o nível abaixo, manter o status quo. Criou a Comissão a tentação, só o Governo poderá confessar se caiu.
O que seria desejável e equilibrado era preparar a selecção e dar melhores condições de resposta aos alunos.
O Governo contentou-se com «um pássaro na mão» e o outro, o da melhor preparação, todos seremos poucos para ajudar a apanhar.
A selecção e a preparação dos alunos é um casal de difícil sobrevivência quando separado, reconheço, mas não se lhes ouve o benéfico canto se não estiverem em cativeiro.
Por outro lado, o considerando 3 do projecto de lei do PCP considera o despacho como causa do insucesso escolar. Esta afirmação coaduna-se dificilmente com o considerando 1. O insucesso escolar mede-se principalmente pelo efectivo grau de preparação do aluno e não pela passagem ou não de ano.
Aluno mal preparado que não reprova não é de maneira nenhuma um sucesso escolar.
É claro que se as razões expostas foram as que justificaram ou contribuíram fortemente para que o Governo não atendesse à recomendação da Comissão, o menos que posso dizer é que o Governo foi de uma severidade extrema no seu julgamento e ávido de pequenos pretextos, que aproveitou sem dó nem piedade.
Mas a verdade é que, por estas ou quaisquer outras razões, o Governo não seguiu os conselhos da Comissão e por essa razão o PCP deseja alterar o resultado dessa decisão urgentemente.
Será que, ao aprovarmos nos finais de Março o processo de urgência, iremos a tempo de com a «máxima certeza» alterar ainda para este ano lectivo as condições
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de passagem nos exames? Chamo a atenção de ter dito «com a máxima certeza», porque se assim não for iríamos criar falsas ilusões tão prejudiciais para os alunos, e por isso mesmo politicamente criminosas.
Mais vale que os alunos saibam o que em definitivo os espera e atempadamente se preparem para este difícil e quiçá injusto obstáculo.
Será bom, Sr. Presidente e Srs. Deputados, fazermos algumas interrogações. Aprovada a urgência, quando seria agendada a discussão e aprovação do projecto? Quando terminaria o prazo para votação na Comissão, sede da especialidade? Quando seria em definitivo publicado? E o Governo teria vontade de implementar uma lei em que necessariamente não acredita na sua utilidade?
É um risco que julgo aconselhável não correr. O Verão, para alterar problemas, está muito perto.
Então perguntar-me-ão qual a solução. Na prática, só vejo uma: tentar dialogar com o Governo, apresentar-lhe argumentos que o convençam a, por despacho, alterar a situação.
Em primeiro lugar, não é saudável a interferência da Assembleia em despachos. A vocação legislativa de um Parlamento, julgo eu, é para leis mais gerais, definidoras de princípios de grande dignidade legislativa, cujo exemplo máximo é a própria Constituição.
Por esta razão, e em segundo lugar, poderemos dar origem a mais um conflito institucional que não prestigia estes órgãos, até por ser causado por um simples despacho. A estabilidade governativa é um benefício para os Portugueses e só a deveremos destruir por um conjunto de razões profundas e bem ponderadas, que a existirem, seja-nos permitido afirmar, tornam indesculpável o adormecer em tal paz.
Desestabilizar-se um governo para o substituir está correcto, mas não se deve complicar as suas funções com uma urgência de utilidade duvidosa. Penso que a Assembleia da República está mais vocacionada para despachar um governo que para eliminar um despacho.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O despacho produzido pelo Governo, e agora em causa, é selectivo e exigente quanto à preparação da disciplina de Português.
Gostaria, contudo, que o Governo ponderasse, para a manutenção ou não do referido documento, no seguinte: variadíssimas associações de pais estão desejosas de ver alterada a situação e os seus membros angustiados e desanimados.
Por outro lado, o acordo ortográfico entre o Brasil, países africanos de expressão portuguesa e Portugal ainda não constitui diploma legal e normativo, não se sabendo mesmo se virá a ser aprovado e em que condições.
Esta situação aconselha alguma prudência e bom senso, pois não é justo que aos alunos seja, de momento, exigido muito e em breve caminharmos para uma ortografia que o menos que se pode dizer é que é permissiva e que, portanto, não justifica tanto esforço dos jovens.
Se aprovarmos um acordo de facilidade, de facilidades devem ser os exames, mas se exigirmos aos alunos uma boa preparação na nossa língua justifica-se um acordo que defenda esse nível.
Meditemos, pois, que ao exigirmos aos alunos criamos obrigações políticas.
Não será mais justo observar qual o comportamento dos políticos e só depois criar as condições correspondentes aos alunos?
Outro acontecimento que deverá ser levado em conta na organização dos programas e exames escolares é a nossa entrada na CEE.
Entrámos para um espaço comum de nações ou para um Estado unificador de muitos Estados?
Qual o papel de cada língua dos povos e das pátrias que constituem a CEE?
É fácil criar uma moeda comum, o ECU, é fácil derrubar alfândegas, mas a língua?
Não sou especialista nesta matéria, mas não estou a ver facilidades para uma língua sem pátria e a Europa sem uma língua comum será uma pátria sem língua.
Teremos em cada nação duas línguas obrigatórias, uma a própria, outra uma língua comum, esperanto ou latim? Ou outra qualquer?
Qual será a primeira, a nacional ou a língua comum?
Julgo que isto não é fantasia, as gerações para quem agora estão a ser criadas regras terão de certeza estes problemas.
Que o Governo pense em tudo isto e só depois oriente e legisle com toda a segurança. Expus os meus motivos e as minhas razões. Na urgência não acredito, pois iria criar ilusões que levariam a uma catástrofe, se não contemplada no futuro.
O diálogo com o Governo? Há que tentar...
Noutros tempos dobrámos o cabo Bojador.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Osório. Informo-o de que dispõe de um minuto.
O Sr. António Osório (PCP): - Sr. Deputado Henrique de Moraes, quanto à questão do conflito institucional que poderia ser causado por esta Assembleia ao tomar a iniciativa de revogar um despacho, pergunto-lhe: quem o provoca? A Assembleia da República ou um governo que altera e adultera todas as normas de relacionamento institucional, que pega numas GOP's que foram chumbadas nesta Assembleia e as transforma em resolução no Conselho de Ministros, que pega numa matéria tão importante como esta para o futuro de muitos jovens deste país e decide legislar sobre ela por despacho? Quem adultera? Quem cria o conflito institucional?
Em segundo lugar, o Sr. Deputado diz que esta iniciativa é tardia. Sr. Deputado, é-nos difícil perceber a lógica desse argumento, pois, relativamente a um argumento que aponta para uma iniciativa tardia, responde com um voto contrário à adopção de um processo de urgência para que esta medida seja rapidamente implementada. Esta é uma coerência que nos custa a perceber!
O que está em jogo é o futuro de muitos milhares de jovens deste país, e nesse sentido acreditamos que a Assembleia da República, caso o processo de urgência fosse adoptado, se empenharia profundamente - e nisso contamos com todos os partidos - no sentido de legislar atempadamente para que, no final do ano lectivo, não tivéssemos de nos deparar com a situação catastrófica que este despacho pode vir a criar.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Barreto não dispõe de tempo. Porém, a Mesa cede-lhe um minuto, que talvez nem utilize por inteiro.
O Sr. António Barreto (PS): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
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Em primeiro lugar, Sr. Deputado Henrique de Moraes, está o Grupo Parlamentar do CDS disposto a exercer a sua influência junto do Governo no sentido de revogar o «despacho-disparate»? E com que meios?
Em segundo lugar, no caso de o Governo continuar, teimosamente, a não querer nem alterar nem revogar o «despacho-disparate», está o Grupo Parlamentar do CDS disposto a colaborar com os restantes partidos no sentido de tomar alguma medida a fim de o mudar?
O Sr. Presidente: - Também para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Cavaleiro Brandão.
O Sr. Cavaleiro Brandão (CDS): - Sr. Deputado Henrique de Moraes, pretendia apenas colocar-lhe uma questão. V. Ex.ª referiu a necessidade de entendimento entre esta Assembleia e o Governo e, depois, a dobragem do cabo Bojador, do cabo das Tormentas, mais precisamente. Do seu ponto de vista, a necessidade, a possibilidade, a hipótese de entendimento entre esta Assembleia e o Governo é equiparável à dobragem do cabo das Tormentas?
O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento formulados, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique de Moraes, durante três minutos, tempo de que o partido de V. Ex.ª dispõe.
O Sr. Henrique de Moraes (CDS): - Respondendo ao Sr. Deputado António Osório, devo dizer que, relativamente a quem iniciou o conflito, o Governo dirá que foi a Assembleia e nós diremos que foi o Governo. É a história do ovo e da galinha. Porém, voltando àquilo que já referi, o que julgo que é de facto importante é que se foi o Governo - admitindo que é o Governo que tem permanentemente hostilizado a Assembleia - não é só através de uma luta por um despacho que a questão se resolve, mas sim através de uma alternativa a este governo a encontrar por esta Assembleia. É esta a solução que tem de ser dada e não outra.
Em relação ao facto de ter sido tardia, a lógica é esta: julgo que apesar de tudo, apesar da boa intenção que a Assembleia e os partidos possam eventualmente ter em desfazer este despacho, não é com a aprovação da urgência agora que provavelmente tal se torna possível. E fica a dúvida, Sr. Deputado ... Julgo que, dado o processo regimental existente nesta Assembleia, é muito difícil termos esta questão resolvida atempadamente; vamos, sim, criar uma situação que talvez em meados de Junho esteja solucionada, com alguns alunos já examinados, reprovados uns e passados outros. Suponho que vamos criar uma situação que não é útil para os alunos.
O Sr. António Osório (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Osório (PCP): - Queria apenas referir-lhe que o PS considera que 15 de Maio é tempo útil; deste modo, agora ainda seria mais útil! ...
O Orador: - Tenho algumas dúvidas quanto a esse tempo ...
O Sr. António Osório (PCP): - Também eu! Também eu!
O Orador: - Quanto às questões colocadas pelo Sr. Deputado António Barreto, certamente que gostaríamos de utilizar a nossa influência junto do Governo, se influência tivermos ... Julgo que não teremos muita ... Depende principalmente do partido do Governo, em conversas que poderá ter, levar novos argumentos. Pela nossa parte, estamos dispostos a tentar demonstrar ao Governo que este não é o processo mais adequado para melhorar o nível da nossa língua.
Quanto à questão que o meu colega de bancada, Sr. Deputado Cavaleiro Brandão, colocou, tentando comparar o diálogo com o Governo com o cabo das Tormentas e perguntando-me se considero que assim é, tenho de responder que de facto o diálogo é difícil, na medida em que este governo nem sempre está muito aberto às nossas razões. E as razões do CDS são sempre as melhores!
Risos e aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dou por encerrado este debate e proponho que a votação tenha lugar ao meio-dia, se não houver objecções.
Pausa.
Como não há qualquer objecção, assim se fará.
Vamos, pois, prosseguir os nossos trabalhos, com a continuação da discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 343/IV, sobre a extinção da enfiteuse ou aforamento, apresentado pelo PSD, pelo PS, pelo PRD e pelo CDS.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Andrade Pereira.
O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A iniciativa legislativa cuja discussão iniciámos numa reunião anterior e que hoje se prolonga, o projecto de lei n.º 343/IV, merece-me uma primeira consideração antes de uma análise porventura mais detalhada.
A primeira consideração que me merece é que este projecto nasceu na Comissão de Agricultura e Mar, com a adesão de todos os partidos, tendo em vista um objectivo muito específico e que era o de permitir a resolução da situação em que se encontravam os foreiros de Salvaterra de Magos. As informações trazidas a essa Comissão e as posições aí assumidas pelos representantes dos diferentes partidos levaram a que se ensaiasse uma medida legislativa que tivesse em vista resolver a situação dos referidos foreiros.
E quanto a esta questão, ou seja, quanto à questão de solucionar a situação concreta em que se encontram os foreiros de Salvaterra de Magos, todos os partidos estiveram e estão de acordo em que se resolva essa situação.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Mas uma coisa é ver correr pressurosamente para a tribuna, ver quem diz mais alto e mais depressa que quer resolver os problemas dos foreiros de Salvaterra de Magos, e outra coisa é, com serenidade, com ponderação, procurar encontrar a melhor
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forma, a formulação mais adequada para uma medida de carácter legislativo, se tanto for necessário, a fim de resolver esses mesmos problemas.
E aí não posso concordar, de forma alguma, com quem, pronunciando-se sobre esta iniciativa legislativa, já só faltou dizer que este projecto de lei era a pedra de fecho da abóbada do regime criado com o 25 de Abril. Não é! E parece-nos que, tal como está redigido, pode ter inconvenientes bastante graves.
É sobretudo verdade que, a ser aprovado o texto tal como consta da iniciativa legislativa que apreciamos, se correriam graves riscos, para os quais entendo ter o dever de alertar esta Câmara. É que, no fundo, o que se diz neste projecto de lei é tão-só isto: por força do artigo 2.º, se este texto fosse transformado em lei, o que nós estaríamos a dizer aos juizes e aos destinatários da norma seria que, sempre que se reunissem os três elementos fácticos que constam das alíneas a), b) e c) do n.º 3 do artigo 2.º, teríamos enfiteuse. Dito de outra forma mais claramente, estaríamos a dizer que haveria enfiteuse sempre que alguém tivesse cultivado um prédio rústico desde 1946 como agricultor autónomo, tendo pago até 16 de Março de 1976 uma prestação anual ao senhorio e realizado no prédio benfeitorias atingindo o montante correspondente a metade do valor da terra, considerada no estado de inculta.
Por outras palavras ainda, Srs. Deputados, estaríamos a dizer que havia enfiteuse, que o cultivador da terra poderia adquirir a sua propriedade em milhentos casos de arrendamento rural no minifúndio do Norte. É que, Srs. Deputados, na zona do minifúndio, cultivar uma terra por si ou pelos seus antepassados há mais de 40 anos, pagando uma renda anual - que é a forma normal de a pagar -, e tendo realizado benfeitorias correspondentes a metade do valor da terra, caso se tivesse mantido inculta, é uma situação frequentíssima! E se este texto se transformasse em lei, estaríamos perante imensas situações destas, ficando aberta a possibilidade de o cultivador poder adquirir a propriedade da terra.
Em suma, creio que será necessário fazer alterações ao Decreto-Lei n.º 195-A/76. Este decreto-lei nasceu da preocupação de dar cumprimento ao preceito da Lei Constitucional n.º 6/75 - que, no fundo, avançava a ideia hoje consagrada no artigo 101.º da Constituição - no sentido de abolir o contrato de aforamento ou de enfiteuse, mas partiu de uma ideia que enfermava de alguma incorrecção. Realmente, lendo-se o n. º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76 fica-se com a ideia de que o legislador, então, admitia que todos os contratos de aforamento estivessem reduzidos a escrito e registados.
Talvez até nem seja muito grave essa deficiência do legislador de então, porque é verdade que os contratos de aforamento celebrados após a entrada em vigor do Código Civil de Seabra tiveram de passar a ter forma escrita. Mas também é verdade que com o actual Código se exigiu, para os arrendamentos constituídos por contrato, forma escrita, embora admitindo a sua constituição por outras formas, designadamente por testamento e por usucapião.
Mas o que é verdade é que tanto o artigo 1655.º do Código Civil de Seabra como o artigo 1690.º do actual Código Civil ressalvaram os contratos de aforamento ou de enfiteuse que se tinham constituído anteriormente à vigência do Código Civil de Seabra, mesmo que sem forma escrita. Ora, nós sabemos que antes do Código
Civil de Seabra normalmente só tinham forma escrita os foros constituídos por entidades eclesiásticas e todos os outros foros eram consensuais, eram apenas de forma verbal.
De acordo com a legislação que neste momento está em vigor cremos que nada impede que se prove a existência de contratos de aforamento, independentemente de eles terem forma escrita e de estarem registados. Ora, essa hipótese não está contemplada no Decreto-Lei n.º 195-A/76.
É por isso que, estando de acordo com o objectivo que visa esta iniciativa legislativa, o CDS entende que é preferível ir pelo caminho de uma medida legislativa especial, embora com todos os problemas que a constitucionalidade dessa lei pudesse ter. E isto para evitar o risco de, ao tomarmos uma medida legislativa para determinada situação concreta, podermos passar a ter uma lei que se aplicaria a muitas outras situações, o que, acredito, ninguém quer nesta Câmara.
Assim sendo, propomos uma lei medida que se aplique concreta e claramente aos foreiros de Salvaterra de Magos ou, então - e essa é a sugestão que desde já avançamos -, que se altere o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76 no sentido de se prever a possibilidade do registo do domínio directo a favor do enfiteuta, na sequência de uma acção declarativa que confirmasse essa existência ou até de uma escritura de justificação notarial, que, porventura, seria uma medida ainda mais simples para resolver a situação dos foreiros que realmente o sejam.
Alterando esse artigo 1.º e porventura o artigo 5.º, se se entender que vale a pena ainda acautelar os interesses do titular do domínio útil do senhorio, resolveríamos o problema de uma forma eficaz, tendo em vista aquilo que se pretende resolver, e não ficariam aberturas para a aplicação de um novo regime a outras situações que não aquelas que estão em causa.
É exactamente por isso que o CDS considera que a forma não demagógica mas séria, eficaz e rápida de resolver este problema é fazer com que esta iniciativa legislativa baixe à Comissão para se encontrar a solução que todos queremos para os foreiros de Salvaterra de Magos.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - O Sr. Deputado Andrade Pereira disse que após o Código Civil de Seabra os contratos de aforamento passaram obrigatoriamente a ser escritos. A verdade é que há já uma série de anos que os contratos de arrendamento deveriam ser obrigatoriamente reduzidos a escrito, e não são, e, por outro lado, todos nós sabemos que não foi o Código Civil de Seabra que obrigou a que os contratos passassem a ser escritos.
Por outro lado, embora não subsista um excessivo número de casos de enfiteuse após a sua extinção, não estão apenas em causa os foreiros de Salvaterra de Magos. Daí que se possa também colocar a questão de saber se, efectivamente, é justificável o receio de que a definição dos preceitos cumulativos para que se constitua a enfiteuse por usucapião pudessem ser utilizados e reivindicados em casos que não constituíam a enfiteuse.
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Chamaria a atenção do Sr. Deputado para o seguinte: em primeiro lugar, as três condições exigidas são cumultivas. Em segundo lugar, e sobretudo quanto ao exposto na alínea c), tenho a certeza que, até 1977, o Sr. Deputado não consegue indicar um único caso neste país em que o detentor da posse útil da terra, não proprietário - portanto, que possui a terra sob a forma de arrendamento -, tivesse realizado benfeitorias por conta própria sem ter autorização expressa do senhorio. E diria mais: nem sequer se realizavam benfeitorias nessa situação, ou seja, sem a autorização do proprietário, porque, quando muito, eram realizados melhoramentos fundiários, o que não se pode confundir. Não havia caso algum em que fosse o rendeiro a construir uma casa de habitação num prédio arrendado, e isso não era um hábito que estivesse ligado ao regime de arrendamento. Se o Sr. Deputado me vier dizer o contrário, então pedir-lhe-ei exemplos que demonstrem essa situação. Aliás, devo dizer que nem a legislação permitia isso, porque só passou a permitir a realização de benfeitorias por vontade exclusiva do rendeiro a partir da Lei n.º 77/77. Na realidade, foi só a partir da Lei n.º 77/77 que os rendeiros passaram a poder realizar benfeitorias por sua conta e risco, com direito a indemnização em caso de denúncia do contrato.
Chamo a atenção para o facto de a proposta de lei que neste momento se encontra na Assembleia visa retirar novamente este direito adquirido pelos rendeiros com a Lei n. º 77/77, ao pretender que só poderão ser realizadas benfeitorias com a autorização expressa do proprietário.
Ora, não me parece que, ainda por cima em termos cumulativos, possa ser invocado o direito de enfiteuse em algum caso em que realmente ela não tivesse existido.
Por outro lado, a questão é esta: se enfiteuse não é a mesma coisa que usucapião - e não é -, para que efectivamente se possa definir em que casos é que a enfiteuse se constituiu, é necessário que estejam definidas as condições em que a enfiteuse se constitui por usucapião.
O Sr. Deputado é capaz de definir em que condições é que enfiteuse se constitui por usucapião?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Andrade Pereira.
O Sr. Andrade Pereira (CDS): - As questões que o Sr. Deputado Rogério de Brito levantou e que, no fundo, vêm na sequência de uma intervenção sobre esta matéria que já teve lugar na 1.ª Comissão, só vêm dar razão à proposta com que encerrei a minha intervenção de há pouco. É que, pela sua delicadeza, importa que, em sede de comissão, haja uma reflexão sobre esta matéria que não nos leve a cometer um erro grave no aspecto jurídico.
Parece-me ainda que na sua intervenção há outro aspecto que porventura resulta claro e que é o seguinte: realmente, o Partido Comunista Português não queria que este diploma, a ser aprovado tal como está, se aplicasse aos arrendamentos rurais. Para mim já é importante o facto de saber que, pelo menos em sede de intenções, não é esse o objectivo do PCP.
Porém, ao contrário do que o que o Sr. Deputado pensa, quero dizer que não é difícil que os três requisitos que cumulativamente se exigem no n.º 3 do
artigo 2.º da proposta de lei se verifiquem quanto aos arrendamentos rurais. Aliás, sempre, e ao contrário do que o que o Sr. Deputado afirmou, foi possível ao rendeiro fazer benfeitorias; e a questão de terem ou não sido autorizadas pelo senhorio tinha exclusivamente a ver com a possibilidade de o rendeiro ser indemnizado por essas benfeitorias e não com o facto de ele as poder fazer.
A verdade é que no Norte há inúmeras pequenas propriedades onde os rendeiros, com tanques, com muros, com melhoramentos fundiários - porque os melhoramentos fundiários podem ser benfeitorias -, fizeram benfeitorias cujo valor ultrapassa a metade do valor da terra inculta, que é o que se diz na lei.
Por conseguinte, existe o perigo de o texto tal como está vir a abranger situações que não são aquelas que se pretende e, portanto, não vejo por que é que nos havemos de bater - por palavras, é claro - por este texto quando todos estamos de acordo em que o objectivo é o de acabar com contratos de enfiteuse que porventura existam sem estar registados - e não só os de Salvaterra de Magos...
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Deputado, aquilo que mais me causa admiração é que estas questões só tivessem sido suscitadas agora, quando este projecto de lei - que, aliás, não é da autoria do PCP mas sim de todos os partidos, incluindo o do Sr. Deputado - esteve disponível para apreciação durante vastos meses.
O Orador: - O Sr. Deputado sabe o que aconteceu. Estas questões foram suscitadas exactamente quando esta iniciativa legislativa baixou à 1.ª Comissão para apreciação. Aliás, creio que todos os Srs. Deputados que fazem parte dessa Comissão mostraram sensibilidade para o tipo de problemas que levantei.
Se realmente, do ponto de vista do PCP, se pretende encontrar uma lei que resolva definitivamente todos os casos de contrato de aforamento que ainda subsistam, então não há dificuldade nenhuma, pois estamos todos de acordo. Portanto, não vejo por que é que se há-de levantar esta questão.
Mas outra coisa é entender que isso se deve fazer através de uma lei que tem os perigos que creio ter evidenciado com muita clareza. Por isso é que a proposta que há pouco apresentei, que me parece séria e correcta, vai no sentido de estarmos dispostos a resolver os problemas dos contratos de aforamento que existam, vamos resolvê-los, mas sem um texto que tenha os perigos e os inconvenientes que referi, vamos resolvê-los com um estudo sereno e sério, feito na 1.ª Comissão. Aliás, também creio que aí se gerou algum consenso em torno da solução que propus, que não se traduziu em documento nenhum, mas que resultou daquilo que tive ocasião de auscultar.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação do pedido de urgência relativo ao projecto de lei n.º 326/IV, apresentado pelo PCP.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, é para sugerir à Mesa que fosse lido o parecer relativo ao pedido de urgência apresentado pelo PCP.
O Sr. Presidente: - Apesar de o parecer ter sido distribuído a todas as bancadas, o Sr. Deputado pretende que a Mesa proceda à sua leitura?
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai proceder à leitura do parecer.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - O parecer da Comissão de Educação e Cultura é do seguinte teor:
1 - Ninguém poderá contestar que o ensino-aprendizagem do Português constitui aspecto essencial para a formação integral do jovem. Neste quadro, a Lei de Bases do Sistema Educativo veio estabelecer o enquadramento e a estruturação do ensino-aprendizagem da língua materna. No n.º 7 do artigo 47.º diz-se:
O ensino-aprendizagem da língua materna deve ser estruturado de forma que todas as outras componentes curriculares dos ensinos básico e secundário contribuam de forma sistemática para o desenvolvimento das capacidades do aluno ao nível da compreensão e produção de enunciados orais e escritos em português.
2 - Entretanto, o Governo publicou no Diário da República, 2.ª série, de 2 de Outubro de 1986, o Despacho n.º 32/EBS/86, que veio estabelecer, sem mais, como condição necessária à aprovação ou transição de ano dos alunos de ensino preparatório e do curso geral unificado do ensino secundário a obtenção na disciplina de Língua Portuguesa de um nível superior a dois. Trata-se, sem dúvida, de uma atitude precipitada, antipedagógica e prejudicial para o normal funcionamento do sistema educativo. Este diploma governamental tem sido objecto de diversas tomadas de posição críticas por parte de várias entidades, designadamente professores e pais. A própria Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura, quando discutiu o problema, antes do final do 1.º período escolar, aprovou uma recomendação do seguinte teor:
A Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura, tendo analisado o Despacho n.º 32/EBS/86, que torna eliminatória a disciplina de Português do 5.º ao 9.º ano de escolaridade, deliberou recomendar ao Governo a revogação do referido despacho, com os fundamentos seguintes:
1) Reconhecendo-se a maior importância da língua materna, sabe-se que não estão criadas condições de ensino-aprendizagem do Português nas nossas escolas compatíveis com uma tal medida selectiva;
2) A prioridade a conceder ao aproveitamento em português deve traduzir-se em medidas de discriminação positiva, tais como a interdisciplinaridade, o reforço de tempos lectivos, a reformulação e adequação dos conteúdos programáticos e a reciclagem de professores, como aliás o Ministério já veio posteriormente a reconhecer, fazendo publicar nova legislação nesse sentido;
3) A Lei de Bases do Sistema Educativo define como um dos objectivos dominantes do sistema o combate ao insucesso escolar. O despacho em causa, pelo contrário, conduz a repetências injustificáveis.
3 - O Governo não teve, até hoje, qualquer reacção ao conteúdo desta deliberação parlamentar. Neste momento em que o período de avaliações está à porta, urge reanalisar o problema. É importante que os alunos, professores e pais saibam em que enquadramento legal será feita a avaliação na disciplina de Língua Portuguesa.
4 - O projecto de lei n.º 326/IV, do PCP, já foi analisado na Comissão de Educação, Ciência e Cultura e foi considerado em condições de ser apreciado pelo Plenário.
5 - A Comissão, independentemente do conteúdo em concreto do projecto que será objecto de apreciação na especialidade, pronuncia-se desfavoravelmente à adopção do processo de urgência para o projecto de lei n.º 326/IV, para os efeitos dos artigos 282.º e seguintes do Regimento.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, feita a leitura do parecer da Comissão, vamos, então, proceder à votação do pedido de urgência.
O Sr. António Capucho (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, deduzo que vamos votar o ponto 5 do parecer. É isso?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o Regimento diz que se vota o pedido de urgência, não diz que se vota o parecer.
O Sr. António Capucho (PSD): - Estamos de acordo, Sr. Presidente. Se vamos apenas votar a urgência, muito bem; agora, se V. Ex.ª vai pôr à votação o parecer, tal como ele está redigido pela Comissão, então o meu partido requererá a votação ponto por ponto.
O Sr. Presidente: - É a urgência que se vota, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lemos, tem V. Ex.ª a palavra.
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O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, salvo melhor opinião da Mesa, creio que o que se vota é o parecer, e a comprová-lo temos a alteração que foi introduzida no Regimento da Assembleia da República aquando da última revisão. Antes da revisão do Regimento, a Assembleia pronunciava-se pura e simplesmente sobre a urgência; com a revisão do Regimento ficou claro que o que a Assembleia da República aprecia e vota é o parecer da Comissão, como tal instruído e fundamentado quanto à concessão ou não da urgência. Aliás, tem sido esse o entendimento da Mesa e o entendimento geral da Câmara e não vejo razão para ser alterado, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes das interpelações a Mesa consultou o Regimento e verificou que o que o n.º 3 do artigo 283.º do Regimento diz é o seguinte: «elaborado o parecer, o Plenário pronuncia-se sobre a urgência», não referindo que se pronuncia sobre o parecer.
O Sr. António Capucho (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, eu inclino-me a dar razão ao Sr. Deputado Jorge Lemos. De facto, o que se deve votar é o parecer da Comissão. Só que este parecer é elaborado em termos tais que a parte conclusiva é um dos cinco números e é essa que interessa votar. Se a Câmara não quer votar apenas o que interessa - que é o n.º 5 -, se a Câmara quer continuar a gastar tempo, como já gastou uma hora e três quartos com a discussão deste processo de urgência, não vemos inconveniente em votar considerandos, mas como, evidentemente, não estamos de acordo com alguns considerandos, requeremos a votação ponto por ponto.
É-nos indiferente a solução adoptada, simplesmente o que parece despiciente é estar a votar considerandos. Porém, tal como está redigido o parecer, parece-nos que não temos outro remédio. Mas, então, vamos votar os considerandos ponto por ponto.
O Sr. Presidente: - Então vamos votar o parecer ponto por ponto. Vamos votar o ponto 1.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos Srs. Deputados Independentes Afaria Santos e Oliveira e Costa.
Vamos agora votar o ponto 2.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos favoráveis do PS, do PRD, do PCP, do MDP/CDE e do Sr. Deputado Independente Ribeiro Telles e votos contra do PSD, do CDS e do Sr. Deputado Independente Borges de Carvalho.
Vamos agora votar o ponto 3.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos favoráveis do PRD, do PCP e do MDP/CDE, com votos contra do CDS e do Sr. Deputado Independente Borges de Carvalho e abstenções do PSD, do PS e do Sr. Deputado Independente Ribeiro Telles.
O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer um esclarecimento e uma correcção de voto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Andrade Pereira.
O Sr. Andrade Pereira (CDS): - É que o ponto 3, relativamente ao qual votámos contra, aparece no texto da Comissão com vários números três.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, chamava a atenção do Sr. Deputado Andrade Pereira para o facto de o ponto 3, a que se refere, ser um ponto que está entre aspas. Percebe-se perfeitamente que é uma citação e, como tal, não resulta qualquer confusão quanto à existência de mais do que um número três. É uma questão de ler com cuidado.
O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Andrade Pereira (CDS): - É evidente que tem umas aspas, que começaram na página anterior, mas, de qualquer modo, o que fica claro, Sr. Presidente - e era isso que eu queria dizer -, é que aquilo que levou ao nosso voto contra foi a leitura do n.º 3 entre aspas, como acaba de chamar a atenção o Sr. Deputado Jorge Lemos, porque relativamente ao ponto 3 do parecer o nosso voto é a favor.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos avançar, passando à votação do ponto 4.
O Sr. António Capucho (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Capucho, tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, com toda a franqueza, eu gostaria que V. Ex.ª lesse rapidamente o ponto 4 e ponderasse se isto é de submeter à votação, pois parece-me que isto não tem ponta por onde se pegue.
De resto, até aqui nada disto tem ponta por onde se lhe pegue, pois, a meu ver, só o ponto 5 deveria ter sido votado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Efectivamente, penso que há consenso para que o ponto 4 não seja votado. Assim, vamos votar o ponto 5.
Assim sendo, submeto a votação o ponto 5 do referido parecer.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do CDS, e do deputado indepentende Borges de Carvalho, votos contra do PRD, do PCP e do MDP/CDE e abstenções do PS e do deputado independente Ribeiro Teles.
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Srs. Deputados, na Tribuna do Corpo Diplomático encontra-se uma delegação da Câmara dos Comuns do Canadá, de visita ao nosso país. Para ela, solicito uma saudação da Assembleia.
Aplausos gerais.
Srs. Deputados, retomando o debate sobre o projecto de lei n.º 343/IV, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro.
O Sr. Álvaro Brasileiro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao longo dos tempos a entrega de terra a cultivadores sempre revestiu duas formas básicas: uma com garantia de estabilidade para o cultivador e outra com carácter precário.
O aforamento foi durante centenas de anos a forma de contrato que melhores garantias dava aos cultivadores de permanência na terra.
Tinha o foreiro direito a realizar benfeitorias e de as transmitir.
Com as alterações legislativas sequentes à revolução liberal do princípio do século XIX e, em especial, com o Código Civil de 1867, o aforamento tornou-se perpétuo, com a faculdade de remição pelo foreiro.
Esta situação levou a um movimento de remição de foros, em especial no Centro e Norte do País, que reduziu progressivamente a área aforada. E os proprietários, reagindo à legislação liberal que deu maiores garantias de estabilidade aos foreiros, deixaram de usar o contrato de aforamento na entrega de terras para exploração, preferindo, em geral, o contrato de arrendamento e o de exploração de seara.
O remanescente dos contratos de aforamento que não foram remidos extingui-se em 1976, na sequência do 25 de Abril.
Todavia, ficaram por resolver todos os casos de contratos de aforamento que não haviam sido reduzidos a escrito. E essa era a situação de grande parte dos aforamentos do vale do Tejo e do Alentejo.
Apesar da publicação, em 1976, da legislação que extinguiu os foros, continuam os foreiros sem título a ver-se condenados a que o seu direito à propriedade da terra não seja reconhecido por falta de título.
Esta situação impede o curso normal da vida económica dos foreiros, porque não conseguem registar em seu nome as habitações feitas sobre os prédios aforados, nem as demais construções ou outras benfeitorias. A falta de registo impede-os de recorrer ao crédito de investimento e desvaloriza fortemente o seu direito quando pretendem aliená-lo. É certo que ninguém teria força para expulsar os foreiros, em especial aqueles que, como os de Várzea Fresca de Salvaterra, edificaram sobre os foros uma povoação e toda a sua vida. Mas eles têm direito a mais do que permanecer sobre a terra que há gerações trabalham. Têm o direito à propriedade sobre essa terra.
Esta iniciativa legislativa visa viabilizar o processo de extinção dos aforamentos nos casos em que não existe contrato escrito, mas em que o direito do foreiro, não obstante não resultar de contrato sob forma escrita, foi adquirido por usucapião. Procura-se com ela permitir que os foreiros nesta situação não fiquem impedidos de beneficiar da legislação de 1976, que extinguiu os foros.
Temos o dever de deixar claro, que a iniciativa que levou à apresentação do texto em discussão se deve em primeiro lugar aos foreiros de Salvaterra de Magos, da Herdade da Várzea Fresca e Califórnia.
A sua comissão de foreiros - de que há a destacar o Sr. Henrique Lopes - lutou durante muitos anos por ver reconhecido o seu direito à terra que há gerações desbravaram e melhoraram. De maninhos fizeram vinhas, pomares e campos de horta. Construíram as suas casas, fizeram estradas, escolas e até uma igreja.
Ninguém poderia deixar de reconhecer que estes foreiros têm direito à terra que fizeram sua com o seu trabalho. E esta Assembleia, através da Comissão de Agricultura e Mar, soube ouvi-los e compreender a sua razão. E não deixará agora de aprovar o projecto de lei que está em discussão.
Os foreiros de Salvaterra foram os que tiveram a força e organização suficientes para que os aforamentos não escritos possam ser declarados extintos. Mas não são eles só a beneficiar da lei que for aprovada. Existem no Ribatejo e no Alentejo outros casos de aforamento sem título. Todos esses foreiros passarão, com a aprovação desta lei, a ter possibilidade de ver reconhecido o seu direito à terra pela aplicação da legislação de 1976, que exinguiu os foros.
Por estas razões, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português vota favoravelmente a aprovação deste projecto de lei.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta iniciativa legislativa é um exemplo de boa ligação desta Assembleia aos cidadãos que representamos e nos elegeram. Os foreiros, depois de baterem a todas as portas para que lhes fosse reconhecido o direito, bateram às da Comissão Parlamentar de Agricultura e Mar.
Não nos pareceu fácil encontrar o caminho para que vissem salvaguardados os seus direitos apesar de unanimemente se reconhecer a sua razão. Mas porque, nem os foreiros desistiram, nem a comissão parlamentar deixou de trabalhar para encontrar uma solução, foi elaborado o projecto de lei em discussão, que certamente não deixará de se aprovado por unanimidade dos votos dos senhores deputados.
Tal como no caso presente, há condições para se fazer mais e melhor pelos que, com o seu trabalho, constróem o nosso país.
Para isso estaremos sempre na primeira linha.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputados, nas galerias encontram-se estudantes da Escola Secundária de André Gouveia, de Évora, e da Escola Secundária n.º 1, de Torres Vedras, que têm estado a assistir aos nossos trabalhos. Também para eles, peço uma saudação da Câmara.
Aplausos gerais.
Peço ao Sr. Vice-Presidente Marques Júnior o favor de me vir substituir na presidência, pois tenho de me ausentar para cumprir uma outra tarefa.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Matias.
O Sr. Carlos Matias (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Através da forma jurídica da enfiteuse - desmembramento do direito de propriedade sobre os prédios rústicos ou urbanos em dois domínios denominados directo e útil - impenderam sobre muitas dezenas de milhares de pequenos agricultores encargos e obrigações que correspondiam a «puras sequelas institucionais do modo de produção feudal».
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O Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de Março, publicado no governo de Pinheiro de Azevedo, veio pôr cobro a esta situação, quanto aos prédios rústicos. Efectivamente prescreve o seu artigo 1.º:
É abolida a enfiteuse a que se acham sujeitos os prédios rústicos, transferindo-se o domínio directo deles para o titular do domínio útil.
O princípio aqui expresso teria consagração no n.º 2 do artigo 101.º da Constituição de 1976, ao preceituar:
Serão extintos os regimes de aforamento e colónia e criadas condições aos cultivadores para efectiva abolição do regime de parceria agrícola.
Após a última revisão constitucional, o n.º 2 deste artigo consagraria esta orientação de forma mais categórica ao dizer «são proibidos os regimes de aforamento e colónia, etc. [...]».
O decreto-lei já citado prevê (n.º 3 do artigo 1.º) que as operações de registo do título de propriedade sejam oficiosamente efectuadas. O Decreto-Lei n.º 546/76, de 10 de Julho, viria a acrescentar e aclarar ainda que era intenção legislativa isentar tais operações de registo de quaisquer encargos e tal isenção só não tivera correspondência verbal (sic) no texto do diploma por manifesto lapso.
Por isso, o n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76 passou a ter a seguinte redacção:
Serão oficiosa e gratuitamente efectuadas as correspondentes operações de registo.
O velho Código de Seabra previa a constituição da enfiteuse por transferência do domínio útil, de forma clara e expressa (artigo 1653.º). A constituição da enfiteuse por testamento, embora não prevista na lei de então, foi sempre pacificamente aceite. A prescrição foi também sempre admitida como título de aquisição da enfiteuse não só com base nos princípios gerais sobre aquisição de direitos de propriedade como com base no artigo 1686.º do Código de Seabra.
A concretização das medidas previstas no Decreto-Lei n.º 195-A/76 veio a ter na prática, por vezes, grandes dificuldades quando a enfiteuse não foi constituída por contrato mas sim por prescrição aquisitiva/usucapião.
Foreiros vieram a encontrar, neste caso, dificuldades inultrapassáveis para procederem às operações de registo atrás referidas, mantendo-se, transcorridos que foram mais de dez anos, numa situação estranha.
Sendo de facto possuidores da terra, tendo a seu lado o direito substantivo, não conseguem ver reconhecidos os seus direitos, com todos os inconvenientes daí resultantes, como sejam a impossibilidade de acesso ao serviço de electricidade e ligações à rede pública de abastecimento de água, situação que acarreta graves prejuízos.
Estão neste caso os enfiteutas da Herdade da Califórnia, Salvaterra de Magos.
No plano teórico os direitos dos foreiros não são questionados.
Não existem quaisquer dúvidas de que o regime que o Decreto-Lei n.º 195-A/76 consagrou abrange as situações fundadas no usucapião.
O problema reside nas dificuldades que estes foreiros, gente vocacionada para o trabalho, mas pouco treinada e temente ao papel azul - que deixou de ser selado mas continua azul -, encontram para fazer reconhecer o seu título.
Vozes do PRD: - Muito bem!
O Orador: - É certo que a lei lhes permite obter decisão judicial declarativa da existência da enfiteuse. Mas quem conhece também um pouco o funcionamento do aparelho judicial - sabe as angústias que geram na gente humilde os rituais processuais - para não falarmos já nos seus custos.
Poderão os melhores cultores da ciência do direito achar que o projecto em análise é algo redundante e que a Assembleia da República, face às leis em vigor, não terá grande fundamentação para uma medida desta natureza.
A verdade é que o actual projecto esclarece dúvidas. Desarma oposições de burocratas. Simplifica. Habilita os cidadãos a exerceram com mais eficácia os seus direitos.
Por vezes, importará pensar mais nos destinatários das normas e na utilidade prática destas e menos nos aspectos científico-formais, mau-grado sermos um país rico quantitativa e qualitativamente em juristas.
Aplausos do PRD.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Muito bem!
Entretanto assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Marques Júnior.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Carlos Matias estão inscritos os Srs. Deputados Andrade Pereira e Correia Afonso.
Tem a palavra o Sr. Deputado Andrade Pereira.
O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Deputado Carlos Matias, V. Ex.ª salientou, e bem, o horror que a gente modesta e de fracos recursos tem aos tribunais, pois os tribunais são complicados e são caros.
Só que a solução para que a medida legislativa aponta é precisamente para que haja uma acção, quando seria eventualmente possível encontrar soluções mais simples, e com esta iniciativa legislativa estamos, no fundo, a impor aquilo que V. Ex.ª acha que é mau que tenha de acontecer, ou estarei equivocado?!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Matias, deseja responder já ou no final dos pedidos de esclarecimento?
O Sr. Carlos Matias (PRD): - Responderei no final, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem então a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado Carlos Matias, queria começar por felicitá-lo porque a sua intervenção teve o mérito de demonstrar concretamente qual é o problema. Mas, por outro lado, ela teve o demérito de demonstrar que o problema é um caso concreto e localizado, enquanto nós aqui devemos ficar pelo campo normativo. Não existirá uma outra forma concreta para resolver este problema sem ser a de um órgão legislativo ter de legislar com destinatário identificado?
O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra
o Sr. Deputado Carlos Matias.
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O Sr. Carlos Matias (PRD): - Sr. Deputado Andrade Pereira, este projecto tipifica e simplifica. Fazer prova de que se tem usucapião, através das normas gerais de direito em vigor, tem sido, na prática, extraordinariamente difícil para os foreiros. Ora, este diploma diz, discriminando, como se tem de fazer e o que é que tem de ser considerado para, de uma maneira crítica, se entender que o usucapião se verificou. Foi nesse sentido que eu disse que este texto simplifica. Quando o seareiro procura concretizar o seu direito, fazer valer o usucapião, encontra aqui discriminado tudo aquilo a que tem de atender.
Sr. Deputado Correia Afonso, são muitas dezenas, senão centenas, os cidadãos que têm tido dificuldades em obter a concretização deste direito. Não é um cidadão, não é um grupo restrito de cidadãos, são dezenas ou centenas de cidadãos que estão nesta situação. Assim, a norma não tem um destinatário restrito, trata-se de um grupo, e se esse grupo, em princípio é restrito, neste caso o conteúdo desse grupo é grande. São muitas dezenas ou centenas de pessoas que estão nessa situação, pelo que o destinatário da norma não é tão restrito quanto se possa pensar.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira Mesquita.
O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 343/IV, relativo à extinção da enfiteuse ou aforamento, que hoje apreciamos dever-nos-á merecer alguma reflexão, sobretudo no plano do direito.
O instituto da enfiteuse é um direito real caracterizado pela divisão do direito de propriedade em dois domínios - o directo e o útil -, sendo titular do primeiro o senhorio e do segundo o foreiro ou enfiteuta.
O conhecimento desta figura jurídica data do século II a. C., tendo sido um instrumento privilegiadamente ligado ao cultivo da terra.
Tal direito real complexo, com o correr dos tempos, desvalorizou-se ao ponto de ser visível no nosso direito uma linha de orientação que veio a culminar com a sua própria proibição constitucional (cf. artigo 101.º, n.º 2, da CRP).
Com efeito, o Código Civil de Seabra proibia já a subenfiteuse, o actual Código Civil possibilitava a remissão do foro pelo enfiteuta, o Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de Março, «aboliu» a enfiteuse de prédios rústicos, o legislador constitucional extinguiu este direito em 1976, e com a revisão de 1982 tal regime foi definitivamente proibido.
O projecto em discussão, elaborado na Comissão de Agricultura e Mar, procura satisfazer uma pretensão apresentada por um grupo de intitulados foreiros de Salvaterra de Magos, que desejariam ver regularizada a sua situação, através de sentença judicial que os declarasse foreiros a fim de consolidarem, desde 16 de Março de 1976, a sua posição de proprietários.
Mas não se compreende, e chega-se mesmo a estranhar a razão por que se há-de legislar de novo sobre matéria que foi suficientemente tratada no Decreto-Lei n.º 195-A/76.
Este diploma, abolindo a enfiteuse, criou igualmente as adequadas regras que permitiriam ao foreiro tornar-se proprietário pleno ao ponto de se impor o registo oficioso e gratuito das operações de transferência do
domínio directo para o titular do domínio útil e de se estabelecer o pagamento pelo Estado de indemnizações aos senhorios.
Mas então perguntamos, a quem serviu a lei publicada em 16 de Março de 1976?
Não é o usucapião uma das formas de constituição do direito de enfiteuse?
Havendo dúvidas sobre a existência de um direito, como poderá ser o caso, para que serve a acção declarativa?
Mais nos interrogamos por que razão não foi intentada essa acção para efeitos da subsequente aplicação do Decreto-Lei n.º 195-A/76 logo que este foi publicado.
Por que razão não terá sido mesmo intentada essa acção em data anterior, uma vez que os interessados não possuíam título mas, segundo dizem, reuniam todas as condições para aquisição do direito por usucapião?
Mais aumenta ainda a nossa perplexidade se, como tudo indica, a propositura dessa acção declarativa continua dependente de uma medida legislativa tipo pronto a vestir. Ou será que a mesma acção já foi intentada e o tribunal proferiu sentença que não satisfez a pretensão dos interessados?
É por tudo isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que se nos levantam sérias dúvidas quanto aos fundamentos e à razão de ser desta iniciativa legislativa.
Mas, sobretudo, o que nos leva a discordar da sua adopção, nos termos propostos, é o facto de se tratar de matéria já legislada e de não descortinarmos qualquer necessidade para tão específica medida legislativa.
Mandaria a prudência que em sede da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias as questões suscitadas fossem, cabalmente dirimidas, após audição dos eventuais interessados, para se poder deliberar com acerto e justiça.
É que temos por adquirido que aos foreiros de Salvaterra de Magos assiste razão bastante para ver resolvida, bem e com urgência, sublinho, bem e com urgência, ou seja, sem qualquer tipo de ilusão legislativa, a situação jurídica em que se viram metidos por outrem.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deu entrada na Mesa um requerimento subscrito por dez Srs. Deputados, que, segundo creio, são todos do CDS, requerimento que, ao abrigo da disposição do artigo 148.º do Regimento, requer a baixa à Comissão deste projecto de lei.
O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Presidente, em primeiro lugar para referir que nem todos os subscritores são deputados do CDS e, fundamentalmente, para dizer que não vemos interesse em que esse requerimento seja votado hoje. Foi entregue hoje, pois tinha de ser entregue antes do final da discussão, nos termos regimentais, mas como, de qualquer forma, a votação ficará para a próxima terça-feira, poderemos também deixar para essa altura a votação do requerimento.
O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
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O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, queria dizer que ficámos com a ideia de que tinha entrado na Mesa um requerimento de pedido de baixa à Comissão para a discussão na especialidade. Mas parece que o requerimento...
O Sr. António Capucho (PSD): - É só para depois da votação na generalidade, se o projecto de lei for aprovado!...
O Orador: - Portanto, é só depois da votação na generalidade.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, o requerimento que deu entrada na Mesa não é o requerimento de baixa à Comissão para discussão na especialidade, pois esse só é apresentado depois de o projecto ter sido votado na generalidade. Ora, não foi este o caso.
Nos termos regimentais, antes da votação na generalidade dez Sr s. Deputados podem requerer a baixa à Comissão para reapreciação do diploma, e foi este o sentido do requerimento que deu entrada na Mesa.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, ficando transferida para a próxima semana a votação deste diploma, não vemos qualquer inconveniente em que também este requerimento seja considerado na altura, isto independentemente do facto de nos irmos opor a ele. Julgo, pois, que ele poderá ser votado no mesmo dia em que estiver agendada a votação na generalidade.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, nos termos regimentais, o requerimento será votado na próxima semana, sem nenhuma outra consideração, ou seja, o requerimento é, pura e simplesmente, posto à votação, imediatamente antes da votação na generalidade do projecto de lei n.º 343/IV, cuja discussão terminou agora, com a intervenção do Sr. Deputado Vieira Mesquita.
Srs. Deputados, está encerrado o debate do projecto de lei n.º 343/IV, do PCP, do PRD, do PSD e do PS, cuja votação será feita na próxima quinta-feira, pelas 18 horas.
Repito que, entretanto, deu entrada na Mesa, ao abrigo do artigo 148.º do Regimento, um requerimento cujos termos os Srs. Deputados já conhecem e que será votado imediatamente antes da votação na generalidade deste diploma. Estas votações realizar-se-ão apenas na quinta-feira porque nas próximas terça-feira e quarta-feira - e passo a anunciar a agenda para a reunião do dia 24, que terá início às 10 horas - terá lugar uma interpelação ao Governo - que tem o n.º 3/IV -, apresentada pelo PCP, sobre política geral, centrado na situação laboral, designadamente sobre os problemas do desemprego, dos salários em atraso, do trabalho precário e do trabalho infantil.
Portanto, dada a realização desta interpelação, só na quinta-feira se procederá à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 343/IV.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, embora não se verifique um inconveniente especial no adiamento para quinta-feira da votação que V. Ex.ª acabou de anunciar, não vejo por que razão essa votação não se realiza na terça-feira. É que, pelo facto de haver uma interpelação ao Governo, não há motivo para não se realizarem votações, às 18 horas. E com isso ganharíamos tempo, Sr. Presidente...
O Sr. Presidente: - Face a um debate deste tipo, e para não o quebrar, a Mesa anunciou a votação para quinta-feira, mas não vê qualquer inconveniente em que ela se faça na terça-feira. Aliás, creio que, em termos regimentais, isso é que seria correcto, ou seja, a votação passaria para a sessão plenária imediatamente a seguir à discussão, que é, de facto, na próxima terça-feira.
Portanto, a Mesa corrige o anúncio da data da votação, nos seguintes termos: a votação na generalidade do projecto de lei n.º 343/IV e do requerimento que entretanto deu entrada na Mesa relativo a este projecto de lei realizar-se-á na próxima terça-feira, pelas 18 horas.
Srs. Deputados, nada mais havendo a tratar...
O Sr. António Capucho (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, é que há mais assuntos a tratar, há um projecto de resolução do CDS.
O Sr. Presidente: - Também tem razão, Sr. Deputado.
De facto, o que a Mesa quer propor - e penso que será uma proposta razoável - é o seguinte: está agendada para hoje a discussão do projecto de resolução n.º 35/IV, do CDS, mas como estamos a cinco ou seis minutos da hora regimental do encerramento da sessão e cada partido dispõe de dez minutos para a sua discussão, a Mesa propõe que não se inicie hoje o debate deste diploma e que na próxima conferência de líderes se volte a agendar o projecto de resolução n.º 35/IV. É que não vale a pena iniciar-se um debate a cinco ou seis minutos do termo da sessão...
O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Presidente, sendo assim, para quando é que ficaria a discussão?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, uma vez que se trata da discussão de um projecto de resolução, penso que terá de ser novamente agendado em conferência de líderes.
Srs. Deputados, nada mais havendo a tratar hoje, está encerrada a sessão.
Eram 12 horas e 55 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD)
António Manuel Lopes Tavares.
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Carlos Miguel M. Almeida Coelho.
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João Álvaro Poças Santos.
João José Pedreira de Matos.
José Augusto Limão de Andrade.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Mendes Bota.
José de Vargas Bulcão.
Luís António Damásio Capoulas.
Mário Jorge Belo Maciel.
Partido Socialista (PS)
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
João Cardona Gomes Cravinho.
Leonel de Sousa Fadigas.
Victor Hugo de Jesus Sequeira.
Partido Renovador Democrático (PRD)
Ana da Graça Gonçalves Antunes.
António Alves Marques Júnior.
Tiago Carneiro Rodrigues Bastos.
Victor Manuel Ávila da Silva.
Partido Comunista Português (PCP)
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
Maria Odete dos Santos.
Centro Democrático Social (CDS)
Eugénio Nunes Anacoreta Correia.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
Pedro José del Negro Feist.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD)
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Andrade Azevedo.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Silva e Sousa.
Francisco Mendes Costa.
José Mendes Melo Alves.
José Olavo Rodrigues da Silva.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS)
Carlos Manuel N. Costa Caudal.
Carlos Manuel G. Pereira Pinto.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
José Barbosa Mota.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Torres Couto.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Partido Renovador Democrático (PRD)
Carlos Alberto Narciso Martins.
Carlos Artur Trindade Sá Furtado.
José Fernando Pinho da Silva.
Maria da Glória Padrão Carvalho.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Partido Comunista Português (PCP)
António Anselmo Aníbal.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Maria lida da Costa Figueiredo.
Zita Maria de Seabra Roseiro.
Centro Democrático Social (CDS)
Adriano José Alves Moreira.
Carlos José Machado L. Pereira.
Horácio Alves Marçal.
João da Silva Mendes Morgado.
Deputados independentes
Maria Amélia Mota Santos.
As REDACTORAS: Cacilda Nordeste - Maria Amélia Martins.
PREÇO DESTE NÚMERO: 88$00
Depósito legal n. º 8818/85
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.