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I Série - Número 70
Sexta-feira, 24 de Abril de 1987
PORTE PAGO
DIÁRIO da Assembleia da República
IV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1986-1987)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 23 DE ABRIL DE 1987
Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral
Secretários: Exmo. Srs.
Daniel Abílio Ferreira Bastos
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Rui de Sá e Cunha
José Manuel Mala Nunes de Almeida
SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente, da apresentação de requerimentos e das respostas a alguns outros e dos diplomas entrados na Mesa.
Em declaração política, o Sr. Deputado Gomes de Pinho (CDS) teceu algumas considerações sobre a actual crise política, respondendo, no fim, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Lopes Cardoso (PS) e Jerónimo de Sousa (PCP).
O Sr. Deputado João Amaral (PCP), a propósito do arrastar da crise política, acusou o PSD de alimentar uma campanha de pressões na comunicação social.
O Sr. Deputado Ferreira Coelho (PRD) referiu-se às carências da região do Vale do Sousa e respondeu, no fim, a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Alberto Araújo (PSD).
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE) criticou o PSD por pretender eleições antecipadas e falou sobre alternativas governativas.
Em declaração política, o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos (PRD) teceu algumas considerações sobre a posição do seu partido face à moção de censura aprovada peto Parlamento e falou sobre alternativas governativas, respondendo no fim, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE), António Capucho (PSD) - que exerceu igualmente o direito de defesa -, Ferraz de Abreu (PS), Mendes Bota e Duarte Lima (PSD) e Carlos Brito (PCP).
O Sr. Deputado José Apolinário (PS) chamou a atenção da Câmara para o facto de ainda existirem estruturas do Estado que não permitem o uso do direito de associação de estudantes na Região Autónoma da Madeira. Respondeu, no fim, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Cecília Cataram e Carlos Coelho (PSD) e Rogério Moreira (PCP).
Ordem do dia. - A Câmara aprovou um voto de louvor ao Prof. Oscar Lopes. Proferiram declarações de voto os Srs. Deputados José Manuel Mendes (PCP), Seiça Neves (MDP/CDE) e Sottomayor Cardia (PS).
Procedeu-se à votação final global do projecto de lei n.º 194/IV (CDS) - Estatuto Social dos Bombeiros -, que foi aprovado. Produziram declarações de voto os Srs. Deputados Rui Silva (PRD), Fernando Lopes (PS), Roleira Marinho (PSD), Andrade Pereira (CDS) e João Abrantes (PCP).
Foram discutidos e aprovados, na generalidade, os projectos de lei n.ºs 377/IV(PS) e 384/IV (PRD) - Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos -, que baixaram à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Almeida Santos (PS), Licínio Moreira (PSD), Magalhães Mota (PRD), José Manuel Mendes (PCP), Vieira Mesquita e Cecília Catarina (PSD) e Lobo Xavier (CDS).
Finalmente, foi lido um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo a uma queixa apresentada pela Associação 25 de Abril, decorrente da recusa por pane do director da Biblioteca Nacional da utilização de instalações deste organismo para a realização de uma série de colóquios alusivos às comemorações do 25 de Abril.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio Gaspar Rodrigues.
Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Monteiro Araújo.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Amadeu Vasconcelos Matias.
António Augusto Ramos.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Manuel Lopes Tavares.
António Paulo Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arlindo da Silva André Moreira.
Belarmino Henriques Correia.
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Carlos Alberto Pinto.
Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos Silva e Sousa.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Hermínio Pires dos Santos.
Francisco Jardim Ramos.
Francisco Mendes Costa.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Rodrigues Mata.
Jaime Carlos Marta Soares.
João Domingos Abreu Salgado.
João Luís Malato Correia.
João José Pedreira de Matos.
João Manuel Nunes do Valle.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim da Silva Martins.
José de Almeida Cesário.
José Assunção Marques.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Maria Peixoto Coutinho.
José Mendes Bota.
José Mendes Melo Alves.
José Olavo Rodrigues da Silva.
Licínio Moreira da Silva.
Luís Jorge Cabral Tavares de Lima.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel Maria Moreira.
Maria Antonieta Cardoso Moniz.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Fernando Miranda Relvas.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Ferreira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Aloísio Fernando Macedo Fonseca.
Américo Albino Silva Solteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António Domingues Azevedo.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Miguel Morais Barreto.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães Silva.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Carlos Manuel G. Pereira Pinto.
Eduardo Roseiro Pereira.
Fernando H enriques Lopes.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Helena Torres Marques.
Hermínio de Palma Inácio.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Carlos Pinto B. Mota Torres.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonel de Sousa Fadigas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Victor Hugo de Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Agostinho Correia de Sousa.
Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
Ana da Graça Gonçalves Antunes.
António Lopes Marques.
António Maria Paulouro.
Arménio R unos de Carvalho.
Carlos Alberto Narciso Martins.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Carlos Artur Trindade Sá Furtado.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
Francisco Armando Fernandes.
Francisco Barbosa da Costa.
Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho.
Jaime Manuel Coutinho da Silva Ramos.
João Barros Madeira.
Joaquim Jorge Magalhães Mota.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
José Caeiro Passinhas.
José Carlos Torres Matos Vasconcelos.
José Emanuel Corujo Lopes.
José Fernando Pinho da Silva.
José Luís Correia de Azevedo.
José da Silva Lopes.
José Rodrigo C. da Costa Carvalho.
José Torcato Dias Ferreira.
Manuel Ferreira Coelho.
Maria da Glória Padrão Carvalho.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.
Rui José dos Santos Silva.
Rui de Sá e Cunha.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Victor Manuel Ávila da Silva.
Victor Manuel Lopes Vieira.
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Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
António Manuel da Silva Osório.
António Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira.
Bento Aniceto Calado.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Carlos Manafaia.
Cláudio José Santos Percheiro.
Custódio Jacinto Gingão.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Octávio Augusto Teixeira.
Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.
Centro Democrático Social (CDS):
Abel Augusto Gomes de Almeida.
António Bernardo Lobo Xavier.
António Filipe Neiva Correia.
António José Tomás Gomes de Pinho.
Francisco António Oliveira Teixeira.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marcai.
João Gomes de Abreu Lima.
João José Borges de Pinho.
João da Silva Mendes Morgado.
José Maria Andrade Pereira.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Manuel Afonso Almeida Pinto.
Manuel Fernando Silva Monteiro.
Narana Sinai Coissoró.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
João Manuel Caniço Seiça Neves.
José Manuel do Carmo Tengarrinha.
Deputados independentes:
Gonçalo Pereira Ribeiro Teles.
Maria Amélia Mota Santos.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à leitura do expediente.
Deu-se conta do seguinte:
Expediente Cartas
Da Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina do Porto, com sede no Porto, dando conta das suas preocupações pela prisão de quatro estudantes portugueses na Indonésia e solicitando a intercessão desta Assembleia com vista à saída dos mesmos de Jacarta;
Da Associação de Agricultores de Vila Nova de Famalicão, remetendo fotocópia de uma moção que enviaram a SS. Ex.ªs o Presidente da República e o Primeiro-Ministro sobre a actual situação no concernente à política agrícola;
Da Associação de Pais para a Educação de Crianças Deficientes Auditivas, com sede em Braga, dando conhecimento da situação existente com a falta de destacamento de professores, anexando fotocópia de carta remetida ao Sr. Secretário de Estado da Administração Escolar e solicitando a intercessão desta Assembleia;
Do MDM - Movimento Democrático de Mulheres Portuguesas, com sede em Lisboa, remetendo o texto de uma declaração aprovada em reunião da direcção nacional do movimento que se realizou no passado dia 11 de Abril;
Da empresa CAIMA - Transportes Turismo, Lda., com sede em Oliveira de Azeméis, enviando uma fotocópia de jornal onde se denuncia uma situação menos correcta para os interesses dos seus passageiros.
Ofício
Da Assembleia de Freguesia de Vila das Aves, em Santo Tirso, dando conhecimento da deliberação que tomaram, em reunião realizada no passado dia 5 do corrente, acerca da instalação da 3.º Repartição de Finanças do Concelho de Santo Tirso.
O Sr. Secretário: (Daniel Bastos): - Na última sessão foram apresentados os seguintes requerimentos: ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados José Gama e Magalhães Mota; ao Governo (S), formulados pelo Sr. Deputado Jorge Lemos; a diversos ministérios (S), formulados pelo Sr. Deputado Luís Roque; ao Ministério da Educação e Cultura, formulados pelos Srs. Deputados Marques Júnior e Alexandre Manuel; ao Ministério do Plano e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados Maria Santos e Carlos Carvalhas; à Secretaria de Estado do Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado Álvaro Brasileiro, e ao Ministério da Indústria e Comércio e à Secretaria de Estado do Ambiente (2), formulados pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Carlos Martins, na sessão de 3 de Junho; Pinho Silva, na sessão de 10 de Julho; Roleira Marinho, na sessão de 24 de Julho; lida Figueiredo, na sessão de 9 de Outubro; Miranda Calha, na sessão de 19 de Novembro; Corujo Lopes, nas sessões de 11 e 19 de Dezembro; Magalhães Mota, na sessão de 16 de Dezembro; Álvaro Brasileiro, na sessão de 19 de Dezembro; Sá Furtado e Ramos de Carvalho, na sessão de 9 de Janeiro; Maria Santos, nas sessões de 27 de Janeiro, 4 de Fevereiro e 10 de Março; José Magalhães e Odete Santos, na sessão de 30 de Janeiro; Rui Rabaça Vieira, na sessão de 4 de Fevereiro; Joaquim Gomes, na sessão de 6 de Fevereiro; Jaime Coutinho, na sessão de 19 de Fevereiro; Armando Fernandes e Rogério Moreira, na sessão de 26 de Fevereiro; António Mota, na sessão de 5 de Março; Sousa Pereira, nas sessões de 6 e 19 de Março; Mendes Morgado, Alexandre Manuel, Rui Silva Paiva.
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Campos, Carlos Matias e António Marques, na sessão de 10 de Março; Seiça Neves, na sessão de 26 de Março, e Paulo Coelho, na sessão de 26 de Março.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai enunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 414/1V, da iniciativa do Sr. Deputado Ferraz de Abreu e outros, do PS, sobre a lei eleitoral para o Parlamento Europeu; projecto de lei n.º 415/IV, da iniciativa da Sr.ª Deputada Zita Seabra e outros, do PCP, o qual cria o Conselho de Defesa e Recuperação da Ria de Aveiro, e projecto de lei n.º 416/IV, da iniciativa dos Srs. Deputados Paulo Campos, Jorge Lacão e Soares Cruz, do PRD, PS e CDS, respectivamente, versando a nacionalização do sistema bancário.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.
O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma das facetas mais significativas da actual crise política tem sido a normalidade democrática em que ela tem evoluído. A ausência de dramatismo! A confiança manifestada nos órgãos de soberania directamente responsáveis pela procura das soluções políticas, e em especial no Sr. Presidente da República, por todos os intervenientes no processo - partidos políticos, representantes institucionais, organizações sociais, etc.
Não sendo um facto menor a queda do Governo, em virtude da aprovação de uma moção de censura, é importante que daí não tenha resultado qualquer perturbação significativa, quer no plano económico-financeiro, quer no plano social, reveladora de insegurança, instabilidade ou confrontação. Não sendo as crises desejáveis, parece poder dizer-se que a plena institucionalização da democracia e o eficaz funcionamento dos órgãos de soberania são um importante factor de minimização dos seus custos.
Vozes do COS: - Muito bem!
O Orador: - E, mais do que isso, que há entre os Portugueses a convicção de que o País dispõe dos instrumentos necessários para a superação destas situações excepcionais sem sobressaltos ou angústias.
É desejável que assim continue a ser, e que a próxima comemoração de duas datas históricas relevantes não constitua um pretexto para introduzir factores de distorção neste processo ou para criar inadmissíveis mecanismos de pressão sobre os responsáveis pela decisão. Há que estar particularmente alerta para os objectivos recentemente enunciados pelo Partido Comunista no que respeita à comemoração dessas datas e, sobretudo, há que evitar a ingenuidade de considerar que manifestações lideradas pelo PCP e servindo a sua táctica possam traduzir «uma ampla convergência de forças democráticas» ou sequer das forças de esquerda.
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Face ao modo como essas iniciativas estão a ser preparadas e aos objectivos que previsivelmente as determinam, a transparência dos comportamentos e a credibilidade dos partidos democráticos representados nesta Assembleia exigem que se clarifique qual é a sua verdadeira posição, para que se saiba quem são os novos compagnons de route, ou os arquitectos do frentismo popular.
O Sr. Mendes Bota (PSD): - Assim é que se fala!
O Orador: - Há que rejeitar com clareza a instrumentalização partidária de datas respeitáveis.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Há que prevenir para os riscos que podem afectar a estabilidade democrática, no momento em que se exige diálogo e não confrontação.
Há que estar atento ao perigo do regresso ao passado, quando o poder se construía na rua, à custa das liberdades de cada cidadão.
Há que distinguir os que acreditam na democracia pluralista, e a respeitam integralmente através da vontade popular expressa pelo voto, dos nostálgicos de outras fontes de legitimidade que apenas a aceitam quando a não podem pôr em causa!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: O CDS congratula-se com a prova de capacidade que as instituições democráticas portuguesas estão a dar na resolução da crise. E tem colaborado activamente, pelos meios próprios, no encontro das soluções que nos parecem mais convenientes para o País.
E porque temos tido permanentemente em vista este valor superior é que rejeitamos com firmeza quer os propósitos óbvios, quer as atitudes dúbias, que poderão transformar uma crise política, superável a curto prazo, numa crise de dimensão mais ampla e mais profunda, cujos únicos beneficiários seriam aqueles que permanentemente têm apostado na confrontação social, na instabilidade política e no impasse económico, como condição da ma própria sobrevivência.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Responder a esta ameaça é hoje mais um desafio à democracia portuguesa. Pela nossa parte estamos certos de que a democracia vencerá!
Aplausos do CDS e do PSD.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Peço a palavra para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, sob a forma de um pedido de esclarecimento - porque os mecanismos regimentais devem ser minimamente respeitados -, gostaria de sossegar o Sr. Deputado Gomes de Pinho, se é que é necessário sossegá-lo, sobre o espírito com que o PS vai comemorar e continuará a comemorar o 25 de Abril: é o espírito de comemorar uma data que corresponde à renúncia a um passado de opressão e de ditadura neste país, às quais não queremos regressar.
No entanto, é um passado que não recusamos hoje. Recusámo-lo quando ele era presente, batendo-nos contra ele. E não o fazemos com a nostalgia de outras fontes de legitimidade porque, frontalmente e de cara aberta, nunca as aceitámos.
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Portanto, diria ao Sr. Deputado Gomes de Pinho que, se não aceitámos a chantagem daqueles que no pós-25 de Abril acusavam o PS de cumplicidades com a direita, porque se batia pela democracia e pela liberdade, não aceitamos também a chantagem da direita, que hoje, quando de novo nos batemos pela democracia e pela liberdade, nos acusa de conluios não democráticos ou de alianças com forças supostamente não democráticas.
Aplausos do PS.
A nossa posição é coerente hoje, como o foi no passado e como tem sido sempre em matéria de defesa dos valores democráticos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Jerónimo de Sonsa (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para pedir esclarecimentos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Deputado Gomes de Pinho, ao ouvir a sua intervenção e atendendo a algumas afirmações da sua parte, notei o seu medo em relação às manifestações populares do 25 de Abril e do 1.º de Maio, datas históricas tanto para os trabalhadores como para as forças democráticas, particularmente o 25 de Abril com a queda do regime fascista.
O Sr. Deputado agitou mais uma vez o «papão» do Partido Comunista, da sua hegemonia, esquecendo que o povo português, e não apenas o PCP, o povo e as forças democráticas gostam de comemorar o 25 de Abril no sentido da liberdade e da democracia; da conquista de valores contra os quais os senhores sempre estiveram e que acabaram por ser reconhecidos na Constituição.
Porém, para além dessas considerações tão velhas, com um passado tão velho, gostaria de lhe perguntar se acha mais legítimas as pressões que se estão a verificar por parte do grande patronato ou a campanha de alguns órgãos da comunicação social cavaquista que pretendem pressionar, influenciar qualquer decisão das instituições.
O Sr. João Salgado (PSD): - Não apoiado!
O Orador: - Portanto, gostaria de saber se considera essas pressões mais legítimas do que aquelas manifestações populares, as quais representam, no fundo, o sentido do verdadeiro 25 de Abril; daquele que pretendemos, daquele que queremos que continue a existir e contra o qual os senhores estão e sempre estiveram. E como diz a canção, «é o povo quem mais ordena».
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.
O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Em primeiro lugar, gostaria de dizer ao Sr. Deputado Lopes Cardoso que não houve na minha intervenção qualquer acusação ao PS, e se alguém ouviu isso foi porque a ouviu mal ou não a quis ouvir. No entanto, julgo que ela foi manifestamente oportuna, porque permitiu ao Sr. Deputado, pelo menos, esclarecer quais as intenções do PS quanto às comemorações que se adivinham.
Devo dizer que não tinha qualquer dúvida quanto a essas intenções. Contudo, acho que é importante que fiquem aqui registados o espírito, os objectivos e a força com que o PS entende que se devem comemorar essas datas.
Aliás, é também importante que fique aqui registado que o PS não aceita qualquer instrumentalização que dessas comemorações outras forças políticas venham a fazer.
Creio que me é legítimo deduzir das palavras do Sr. Deputado Lopes Cardoso estas conclusões, e julgo que isso é não só um motivo de satisfação para nós, mas igualmente para a democracia portuguesa.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Deputado, congratulo-me com o facto de V. Ex.ª dar às minhas palavras a importância de lhe permitir tirar essa conclusão. Porém, creio que o Sr. Deputado podia tê-la já tirado, antes das minhas palavras, pelo próprio comportamento do PS.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - O PS não se deixou instrumentalizar em 1974 e 1975 pelas forcas de direita e não se deixará instrumentalizar hoje por quaisquer outras forças, sejam elas quais forem.
Portanto, é a prática do PS que é disso garante e não as minhas palavras, por muito que me honre que elas possam contribuir para reforçar essa convicção.
Aplausos do PS.
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado, por esse esclarecimento suplementar e por essa reiteração, a qual, aliás, vinda de um deputado ilustre e de um dirigente importante do PS, tem, obviamente, um significado.
Gostaria que não só o PS estivesse tranquilo quanto a essa questão, mas que todos nós pudéssemos estar - parece que estamos e esperamos não vir a ter nenhuma desilusão.
Em relação à questão levantada pelo Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, queria dizer-lhe que não temos nenhum medo das manifestações populares.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Nós também não!
O Orador: - No entanto, receio que o mesmo não se passe com o PCP.
Agora, o que nós não somos é ingénuos, Sr. Deputado, ao ponto de imaginarmos que a estratégia, a táctica e os objectivos do PCP se possam confundir com os objectivos e propósitos das outras forças democráticas aqui representadas! Diria mais: é legítimo pensar, pelo comportamento do PCP, que esses objectivos e essa táctica são contraditórios com os dos outros partidos democráticos!
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Isso é uma calúnia!
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O Orador: - É por isso que nós, Sr. Deputado, que para além de não sermos ingénuos também procuramos estar bem informados e lemos, por exemplo, o jornal oficial do seu partido, nos permitimos pôr em dúvida...
O Sr. José Lello (PS): - Ah lêem?!
O Orador: - Lemos e não há mal nenhum nisso, Sr. Deputado!
O Sr. José Lello (PS): - Acho muito bem!
O Orador: - Portanto, como ia dizendo, é por isso que consideramos ser legítimo pôr em causa manifestações e celebrações que o PCP, através dos seus órgãos superiores de decisão, considera deverem ser utilizadas como factores de conglomeração das forças políticas democráticas, com objectivos claramente partidários.
É a denúncia disso, é o alerta para isso que hoje temos o dever de fazer aqui, não apenas para responder a dúvidas que tenham surgido no interior de outros partidos ou por causa do comportamento de outros partidos, mas para dizer claramente ao PCP que essas formas de instrumentalização, que esse tipo de pressões, não só são legítimos no sistema democrático em que vivemos, como não terão qualquer resultado prático.
Protestos do PCP.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Os senhores é que têm de fazer prova de que são democráticos!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Peço a palavra para defesa da honra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Deputado Gomes de Pinho, nós não admitimos, nem ao CDS nem ao Sr. Deputado, que faça juízos de valor em relação ao nosso posicionamento face ao 25 de Abril.
Os senhores é que possivelmente terão de se justificar, terão de lavar a cara, tendo em conta o vosso comportamento até e depois do 25 de Abril!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Fique sabendo, Sr. Deputado, que no 25 de Abril e no 1.º de Maio estávamos dispostos a fazer grandes manifestações unitárias, onde não estariam só comunistas, mas também socialistas e trabalhadores sem partido! Porém, nelas não estariam o Sr. Deputado Gomes de Pinho e o CDS!
Aplausos do PCP.
Pensamos que estas manifestações, treze anos depois do 25 de Abril, devem ser comemoradas por comunistas, por socialistas e por todos os democratas, porque essa data traduziu a liberdade para esses mesmos democratas.
No entanto, tais manifestações são contrárias à vontade do CDS e, com certeza, à vontade do Sr. Deputado Gomes de Pinho.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.
O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, vou dar explicações à Câmara, pois julgo que o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa não necessita delas.
É óbvio que o que eu fiz, Sr. Deputado, não foi um juízo de valor, mas um juízo de facto, assente em textos do seu partido, em que manifestam claramente quais os objectivos e as intenções do PCP com estas comemorações. E mais: estas comemorações são vistas numa perspectiva conjuntural concreta, como forma de influenciar, de determinar a solução para a crise.
Assim, o que quero aqui dizer claramente é que não aceitamos outra forma de solução para a crise que não aquela que resulte do funcionamento das instituições democráticas, do Parlamento e da Presidência da República no essencial.
É isto, Sr. Deputado, que é importante que se diga aqui. E é evidente que a reacção do Sr. Deputado e do seu grupo parlamentar, o nervosismo que evidenciam, justifica e fundamenta não apenas os meus receios, mas, no essencial, a afirmação que aqui fiz.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Quem é que traz para aqui as preocupações?!
O Orador: - E demonstra que, por muito que lhes custe, essa afirmação é correcta, demonstrando também que o alerta que aqui deixamos é oportuno e indispensável para que os Portugueses não se deixem ludibriar e, sobretudo, instrumentalizar. Isto porque uma coisa são as comemorações de datas respeitáveis e outra coisa é servirmos os desígnios do PCP!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E se estou certo de que a maioria dos portugueses está disposta a comemorar essas datas, não tenho qualquer dúvida de que essa mesma maioria rejeita os objectivos e os desígnios do PCP! É isso que tem de ficar aqui claro, Sr. Deputado!
Aplausos ao CDS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O arrastar da crise tem-nos oferecido expressivas manifestações - aliás, ainda agora vimos uma - de como as forças de direita procuram condicionar o próprio regime democrático.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Por exemplo: O Sr. Ferraz da Costa, da CIP, veio a público, na passada terça-feira, em conferência de imprensa, juntar-se ao PSD e lançar uma das mais despudoradas operações de pressão e chantagem sobre as instituições a que no decurso da presente situação política se assistiu: quer «eleições já» e ameaça as instituições, o próprio regime democrático, com a instabilidade económica, naturalmente provocada pelo grande capital que representa.
Esta intervenção de Ferraz da Costa tem, pelo menos, o mérito de clarificar perante o País as razões que movem o PSD de Cavaco Silva no coro de pres-
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soes e chantagens que exerce para tentar concretizar as suas quatro reclamações: ele não formar governo, considerar uma fraude a formação de outro governo a partir desta Assembleia, que esta seja dissolvida e eleições imediatas e que Cavaco Silva permaneça no Governo como governo de gestão.
Falando em nome dos interesses do grande capital e identificando-os com as reclamações de Cavaco Silva, a CIP descobriu a careca ao PSD, o que é, pelo menos, clarificador.
Entretanto, a intervenção do Sr. Ferraz da Costa levanta um problema de fundo.
Efectivamente, quando o poder económico do grande capital aparece publicamente a querer dar ordens ao poder político decorrente do voto popular, a questão que se põe, na situação que se vive, é a de saber o que pode significar, para o próprio regime democrático, a cedência a um ultimato antidemocrático feito por quem nunca quis o 25 de Abril e põe, como reclamação central, a completa descaracterização e subversão da Constituição da República e das suas regras políticas, económicas e sociais.
As instituições, Srs. Deputados, o regime democrático, não podem estar sujeitos a viver coagidos pela pressão ilegítima, e muito mau seria que factos como este ficassem aqui sem a resposta que merecem.
Aliás, a postura do CDS, já no início da intervenção feita pelo Sr. Deputado Gomes de Pinho acentuando essa componente, é significativa do que a direita quer em relação às instituições democráticas e ao 25 de Abril.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - A campanha de pressões intensifica-se assim, alimentada pela comunicação social cavaquista, «atenta, veneradora e obrigada».
Na quarta-feira, uma rádio pública anunciava logo pela manhã ao País, a abrir o noticiário das 8 horas, o resultado de mais uma sondagem. Natural e obviamente uma sondagem favorável ao Governo. Mas onde tinha sido recolhida tão retumbante notícia? Precisamente num instituto de estudos de que é presidente, segundo essa mesma rádio, nem mais nem menos que o Sr. Pedro Santana Lopes, dirigente do PSD, membro do Governo e um dos colaboradores mais íntimos de Cavaco Silva (não acrescento que seja um cavaquista para «toda a vida», porque, ao que consta, é um sujeito com outras pretensões...).
A manipulação, Srs. Deputados, atinge às vezes as raias do inimaginável. Na terça-feira à noite, a RTP (nos noticiários das 19 horas e 30 minutos e das 21 horas e no 24 Horas) omitiu completamente qualquer referência à declaração política do PCP produzida na reunião plenária desse dia pelo meu camarada José Magalhães.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - É um escândalo!
O Orador: - Isto é, para a RTP, como o PCP falou, e naturalmente porque o que disse não importava ao Governo, o PCP não é sequer referido. Entretanto, já o PSD, que viu a sua bancada carinhosamente filmada, é detalhadamente referido para ser noticiado, imagine-se, para ser noticiado que «não falou sobre a situação política»! É de facto um espanto!
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - É um escândalo!
O Orador: - Srs. Deputados, a manipulação e campanha de pressões a que se assiste utiliza, entre outros, dois meios que importa esclarecer: por um lado, tentam escamotear que o governo Cavaco Silva era minoritário e caiu pela votação maioritária da Assembleia da República, condenando uma errada política governamental; por outro lado, distorcem as regras constitucionais das instituições, tentando insinuar que, como não há neste momento outro governo, não pode ser dado nenhum passo para o formar!
Isto é, pelo menos, caricato! Mas, mais do que isso, é manipulador e completamente falso!
No nosso regime constitucional, por mais que queiram os «dissolucionistas», encapotados ou não, não há governos de «geração espontânea» que se «sintam no ar», como quando, por exemplo, um sujeito que põe, à noite, a cabeça fora da janela e diz: «Sinto que amanhã vai estar sol ...»
Não há governos formados assim. Os governos não se «sentem», formam-se de acordo com as regras constitucionais vigentes, através do conjunto dos passos necessários, e entre eles, e como primeiro passo, está a indignação de um primeiro-ministro que realize e concretize as diligências subsequentes.
O Sr. Vidigal Amuo (PCP): - Muito bem!
O Orador: - É uma completa manipulação andar a propalar que não se pode formar um novo governo, quando o que se pretende é criar obstáculos aos passos necessários à sua formação, ou seja, em primeiro lugar, à indigitação do primeiro-ministro.
E ria uma coisa que é perfeitamente clara: é a de que a ideia da dissolução é contrária à vontade repetidamente expressa pela maioria da Assembleia da República. Mais: a vontade expressa pela maioria da Assembleia da República que votou contra o governo Cavaco Silva vai no sentido não só da formação de um governo novo no quadro parlamentar da actual legislatura como da disponibilidade para os passos necessários.
É por isso também importante dizer que a ninguém é legítimo interpretar de maneira diferente a vontade dos partidos que aqui constituem a maioria e que, com o seu voto na moção de censura, visaram pôr termo a uma política errada.
E essa é a segunda questão de fundo que a manipulação procura esconder: pôr termo a uma política, do PSD de Cavaco Silva, que agravou os défices, instabilizou as instituições e malbaratou a conjuntura, uma política de permanente «comité eleitoral», que esquece os interesses do País e do povo para distribuir benesses e acumular fundos - e refiro-me a milhões de contos - para viciar eleições possíveis.
Vozes do PSD: - Não apoiado!
O Orador: - É bom dizê-lo, é uma política de escândalos! É bom recordar o que se tem passado com as notícias vindas a público sobre o Instituto do Emprego e Formação Profissional, transformado numa rica alcova de chorudos ordenados (ao que se diz, chegam aos 371 000$ mensais), tudo naturalmente para amigos dilectos!... Uma política que, mesmo quando de mera gestão (como constitucionalmente deveria ser agora, porque, quer queira quer não, o Governo está
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demitido!), já mostrou que é a da utilização dos sacos azuis, a das inaugurações e primeiras pedras, a da admissão massiva de funcionários, a das provocações - como foi o caso da aprovação e publicação do PCEDEP, destinado pelo seu autor, o ministro Cadilhe do demitido governo, a vigorar por aí fora, até 1994! Imaginem!...
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - É um escândalo!
O Orador: - Martelar ad infinitum na comunicação social cavaquista que o povo quer eleições e quer esta política é uma grosseira mistificação, porque, Srs. Deputados, ninguém anda para aí a lutar por eleições, excepto a direcção do PSD, os deputados do PSD, o Sr. Ferraz da Costa e também agora o Sr. Deputado Gomes de Pinho. Andam, sim, e muitos trabalhadores, a lutar, e mesmo esta semana, nas empresas e nos sectores contra as consequências da política cavaquista, designadamente no plano social.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Essas são, Srs. Deputados, as esperanças dos trabalhadores portugueses nas perspectivas de soluções para a crise: que se faça agora uma política nova - repito, nova -, assente numa base alargada de entendimento, uma política feita com e para a maioria dos portugueses, feita pela estabilidade e contra a chantagem e pressões antidemocráticas, feita para o País viver, não na imagem magra de Cavaco Silva, mas como o povo o quis fazer em 25 de Abril.
Aplausos do PCP.
O Sr. António Capacho (PSD): - Estão em pânico!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Coelho.
O Sr. Ferreira Coelho (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente à denominada região do Vale do Sousa, permita-se-me que comece por invocar o espírito de uma conhecida canção de Sérgio Godinho que, se a memória me não atraiçoa, é como cito: «[...] Nós quase mortos no deserto e o Porto aqui tão perto.» Logicamente que, ao referir o termo «deserto», não o faço em vão, mas antes no preciso sentido de falta de estruturas vitais para o adequado desenvolvimento da área em apreço, e a imagem do «Porto» tão-só como paradigma, não o maior nem o único, de como é premente a necessidade de criar condições para que a população do interior se possa fixar, o mais possível, na zona de residência.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cinco concelhos do distrito do Porto - Penafiel, Lousada, Paços de Ferreira, Felgueiras e Paredes - definem, no plano administrativo, os limites dessa unidade espacial em que o rio Sousa, afluente do Douro, é o elemento geográfico que quer a prática das instâncias de planeamento regional quer mesmo uma certa tradição etnográfica têm consagrado como identificador da sub-região do Douro Litoral comummente designada por Vale do Sousa, Bacia do Sousa ou Terras do Sousa.
Gostaria de, em breve resenha, poder transmitir ao Sr. Presidente da Assembleia da República, aos Srs. Deputados, algumas das medidas mais urgentes a tomar e que, sendo proteladas, como algumas vêm sendo, cristalizarão como dormitório uma forte mancha do território nacional que dispõe de recursos capazes, desde que potenciados, para participar activamente no esforço gigantesco que é exigido a todos os portugueses no sentido de recuperar o atraso a que décadas de imobilismo nos conduziram.
Muito concretamente, propomos e pedimos apoio para a construção da via rápida do Porto a Vila Real e respectiva malha de acessos; o lançamento da via dupla na linha do Douro, pelo menos até Penafiel, de forma a se conseguir maior celeridade nas deslocações dos passageiro:; e mercadorias, tendo em conta que alguns dos comboios fazem médias na ordem dos 30 km/hora; a construção de um edifício para o Centro Hospitalar do Vale do Sousa; um aumento da capacidade de atendimento no campo da medicina preventiva; apoio à indústria de mobiliário de forma a se manter competitiva, visto o Vale do Sousa contribuir com cerca de 53% da produção nacional; criar parques para novas actividades; desenvolver a agricultura; fomentar o turismo, aproveitando devidamente as condições naturais; melhorar o ensino e a rede escolar e, para terminar este rosário que venho desfiando, ousaria, ainda, lembrar que a maioria da população do Vale do Sousa não tem sequer água ao domicílio e muito menos rede de esgotos e saneamento, aliás à imagem e semelhança de muitas outras localidades deste país.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, orgulha-se o Vale do Sousa de ter sido berço de alguns dos mais ilustres portugueses nos vários ramos do saber e da solidariedade humana. Seria fastidioso enumerá-los, pois são muitos. Por várias razões se justifica referir um, e para isso peco licença, embora tenha conhecimento de uma intervenção do deputado Barbosa da Costa sobre a mesma figura, o padre Américo, fundador da Obra da Rua ou Io Gaiato, como é mais conhecida, pela decorrência do centenário do seu nascimento. Não estou habilitado nem tenho procuração de ninguém para atestar que a Pátria só gosta dele porque «conservado no molho da morte». Obriga-me a verdade a dizer que se corre o risco de alguém nos acusar de atrelamento político a alguém que da política nunca quis saber, já que a sua política era de «menos sacristia e mais amor!». Temos mortos a enterrar os seus mortos e mais almas vivas a cuidar dos vivos em agonia, em pânico, em miséria, em chagas vermelhas, em carne gelada ou em brasa. A sua obra é sobejamente conhecida, pelo que me acho dispensado de a referir ainda que de forma sumária. Por ela ele está vivo. Os políticos têm não só o direito mas também o dever de o lembrar. Do Vale do Sousa, para enxugar um «vale de lágrimas», ainda hoje uma gota de água num mar nada sereno.
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Araújo.
O Sr. Alberto Anojo (PSD): - Sr. Deputado Ferreira Coelho, devo dizer-lhe que efectivamente o Governo estava a cumprir e a levar por diante quer a via rápida quer a via dupla que o Sr. Deputado pediu até Penafiel e que já está traçada até Marco de Canaveses. Não se compreende que venha hoje fazer essa intervenção, pertence do o Sr. Deputado a um grupo parlamentar que apresentou uma moção de censura que deitou o Governo abaixo, interrompendo portanto toda
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a sua actividade. Efectivamente, o Governo estava a tentar acabar de uma vez por todas com as assimetrias do interior e do litoral do País?
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Coelho.
O Sr. Ferreira Coelho (PRD): - Queria apenas dizer ao Sr. Deputado Alberto Araújo, de Marco de Canaveses, que não é justo tentar lançar uma população contra um deputado da Assembleia da República que, de facto, está aqui só com o objectivo de defender os interesses dessa população e nada mais!
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito se tem falado sobre a situação política que se vive no nosso país, mas de todo o tipo de especulações lançadas por certos manipuladores da opinião pública ressalta uma verdade insufismável: ninguém pode pôr em causa a atitude assumida pela Assembleia da República que votou por esmagadora maioria a censura a um governo que era imperioso ver afastado, o mais urgentemente possível, da cena política nacional.
Ficou claro para todos os portugueses que a Assembleia da República não tomou uma decisão tão grave de ânimo leve. A Assembleia da República demonstrou, uma vez mais, a sua grande responsabilidade como órgão vital para a democracia que efectivamente é e como já foi realçado nestes precisos termos pelo Sr. Presidente da República. A Assembleia da República respondeu, assim, de forma clara e positiva, às constantes provocações do governo Cavaco Silva, que pretendeu, sem nunca o conseguir, virar a opinião pública contra o órgão mais representativo da democracia portuguesa, onde a esmagadora maioria dos deputados foram eleitos com os votos dos milhões de portugueses que não apoiam o PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para além das consultas de sentidos diferentes que o Sr. Presidente da República tem efectuado, e repudiando o valor das pressões ilegítimas que sobre o Sr. Presidente da República têm sido feitas por alguns agentes económicos - não todos -, que levantam temores e fantasmas absurdos, entendemos que a decisão do Presidente da República deve ter com base fundamental a vontade majoritária da Assembleia da República.
Tal decisão do Sr. Presidente da República deve, também assentar na solidariedade institucional que com a Assembleia da República o Sr. Presidente da República deve manter, de acordo, aliás, com o que sempre expressou.
No quadro de uma crise política nunca se pode aceitar a marginalização dos partidos nem é admissível minimizar a sua opinião que reflecte no Parlamento a posição assumida claramente pelo voto maioritário dos eleitores, privilegiando, em seu lugar, as ideias daqueles que exercem tais pressões.
Só o partido do Governo, que foi censurado, e apenas ele, tem defendido a dissolução da Assembleia da República.
A propósito, Srs. Deputados, não deixa de ser pelo menos estranho que algumas forças que tão violentamente têm verberado o exercício de influências exteriores à constituição dos órgãos eleitos tentem agora, através de pressões frenéticas, limitar a liberdade das decisões desses mesmos órgãos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A fundamentar o que dizemos, basta observar o que, nas últimas semanas, se tem verificado na comunicação social, nomeadamente na estatizada, incluindo, como é evidente, a televisão.
Existe uma barragem de propaganda do Governo, que se serve dos seus propagandistas nesses meios, que, sem qualquer pudor, endeusam a figura dos ministros numa manipulação grave e que esquece deliberadamente a realidade dos factos e a perigosa situação para que o Governo está a atirar o País, quer em termos económicos, quer sociais e morais.
Chegamos ao extremo de os Portugueses serem confrontados com actuações lamentáveis como a de se dar guarida a pseudo-observadores e analistas políticos, que mais não são do que meros militantes, dirigentes ou simpatizante confessos e públicos do partido do Governo e que induzem em erro a boa fé dos Portugueses, os quais, por força deste tipo de actuação, se encontram mal informados.
Mais grave ainda Srs. Deputados: mostrando total subserviência ao poder executivo, alguns responsáveis dos órgãos da comunicação social estatizada surpreendem também, com a sua actuação, nomeadamente directores de jornais do Estado, que deviam manter total independência, participarem em colóquios e em debates amplamente noticiados ou em entrevistas na própria televisão, onde, desesperadamente, defendem as posições governamentais.
Para esses mais não restará senão o seu afastamento, já que não têm isenção para - se pretenderem intervir como cidadãos, e têm todo o direito - se demitirem dos cargos que ocupam.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Isto serve para demonstrar, sem qualquer dúvida, a falta de democraticidade e de liberdade de expressão existentes. No caso de o Sr. Presidente da República ceder às pressões a que já fizemos referência, sem levar em conta a vontade da Assembleia da República, o período anterior a eventuais eleições seria conduzido por um governo indesejado, que poderia por em causa a legitimidade e seriedade do acto eleitoral.
No entanto, Srs. Deputados, acreditamos na responsabilidade do Sr. Presidente da República, de acordo com posições de há muito por si defendidas e que visam a estabilidade democrática. O Sr. Presidente da República deverá possibilitar à Assembleia da República a solução que esta pode conter para a saída, o mais rapidamente possível, desta situação.
É esta a solução que melhor se adequa à vontade maioritária do País.
Aplausos do MDP/CDE, do PCP e da deputada independente Maria Santos.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.
O Sr. José Carlos de Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A moção de censura ao Governo aprovada por este Parlamento veio dar natural e definitiva expressão política a uma realidade
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de que o Governo foi o principal fautor; nesta óptica se poderá dizer, como já se disse, que o Dr. Cavaco Silva foi o primeiro subscritor dessa moção. Mas quem de facto a apresentou foi o PRD; e apresentou-a de forma inteiramente responsável, no momento adequado, na lógica de toda a sua acção política, e em coerência com os princípios e os valores que defende.
Passando em revista as nossas palavras e sobretudo, o que é mais importante, os nossos actos, podemos demonstrar de modo inequívoco aquilo que acabo de sublinhar, desmentindo assim categórica e frontalmente aqueles que nos acusaram do contrário, ou seja, algumas forças de direita, e arredores, certos «analistas», e correlativos, incluindo alguns que adjectivamente se reclamam da esquerda, embora cada vez menos perceba porquê ... - eles sim, e quiçá e na melhor das hipóteses, irresponsáveis nos ataques que nos fazem ...
Aprovada, pois, a moção de censura por uma maioria nítida, duas soluções são democraticamente possíveis: ou a formação de um governo no actual quadro parlamentar ou a realização de eleições antecipadas. Só que - e este aspecto não tem sido devidamente salientado - estas duas soluções não têm de ser encaradas em alternativa simultânea, mas em alternativa no tempo, isto é, primeiro, impõe-se tentar uma solução no actual quadro parlamentar, solução que, de acordo com as posições já assumidas por uma maioria parlamentar, é possível; segundo, e em seguida, apenas no caso de tal solução não se concretizar, ou se concretizar em moldes que o Presidente da República entende serem politicamente inaceitáveis e constituírem fundamento bastante para a rejeitar, explicando a sua decisão, marcar eleições.
Vozes do PRD: - Muito bem!
O Orador: - Primeiro, insistimos, impõe-se que o Chefe de Estado torne possível uma solução alternativa de governo no actual quadro parlamentar, tanto mais quanto é certo que - factor novo, determinante, e que não tem sido suficientemente posto em destaque - o Governo caiu por força de uma moção de censura, por iniciativa, pois, da própria Assembleia da República.
Foi a primeira vez que isto aconteceu em Portugal, desde a I República, há mais de 60 anos.
E não conhecemos nenhum caso, nenhum, em que, não cabendo ao próprio Governo derrubado marcar eleições, elas sejam marcadas sem que ao Parlamento censurante, que derrotou e derrubou o Executivo, seja dada a oportunidade de fazer emergir do seu seio um outro que o substitua. E muito menos o conhecemos, obviamente, quando uma maioria do Parlamento já disse que pretendia que tal acontecesse e apenas um partido, um - exactamente o do Governo derrotado e derrubado -, defende ou exige eleições antecipadas, dado que mesmo o CDS, se bem compreendemos a sua posição, só as defenderia a verificarem-se condições que não se verificam.
Deste modo seria, em nosso juízo, incorrecto e injustificável, para não dizer mais, que o Presidente da República marcasse eleições sem permitir tal solução. A não ser assim, verificar-se-ia uma inversão da lógica e da coerência políticas, ou mesmo uma violação do espírito constitucional e da sua prática, tal como o actual Chefe do Estado múltiplas vezes a defendeu.
Mais: se desde já fossem marcadas eleições antecipadas, não obstante a existência da (actualidade referida, além de tudo o que se disse, o Parlamento, quando votou a moção de censura ao Governo, estaria antes, sem o saber, a votar a sua autodissolução e os partidos que votaram a moção de censura, do mesmo passo que a consagrar a tese defendida apenas pelo Governo censurado!...
Não se vê que possa ser assim. Como nem sequer queremos conjecturar outras hipóteses, como por exemplo:
a) Sabido que o Dr. Cavaco Silva já disse que não aceitaria formar um novo governo, devendo, pois, ser indigitado para o tentar fazer o n.º 1 do PS, o Presidente da República não considerar capaz para o efeito esse partido ou seu actual lider;
b) O Presidente da República opor-se a qualquer acordo ou convergência do PS com um partido, o PRD - o segundo mais votado da oposição - que surgiu no espectro partidário português em circunstâncias e com os resultados conhecidos;
c) O Presidente da República opor-se não apoiar politicamente qualquer solução ou saída que resulte - pela positiva ou mesmo tão-só pela negativa e mesmo sem nenhuns acordos ou compromissos - de conjugação dos votos das forças políticas que representam o eleitorado que precisamente o elegeu;
d) O Presidente da República pressupor ou admitir, com base em quaisquer conjecturas, que o Parlamento deixou de exprimir a vontade actual dos eleitores e desejar assim promover um sufrágio antecipado para o «testar». Isto, além de democraticamente ser pouco curial e constituir um princípio que levaria a uma total instabilidade política, poderia vir a permitir, o que seria inadmissível, que no futuro se dissesse o ir esmo em relação ao Chefe do Estado - para mais se, por hipótese, passassem a ter a maioria os partidos que, exactamente, apoiaram o candidato que se lhe opôs.
Vozes do PRD: - Muito bem!
O Orador: - São tudo hipóteses, repetimos, que nem sequer queremos conjecturar.
Mas sendo assim, Sr. Presidente, Srs. Deputados, o que poderia «justificar» que o Chefe de Estado marcasse desde já eleições? Nada. Nada, porque também não se pode admitir a possibilidade de tal resultar apenas de diferentes leituras do texto constitucional quanto à «iniciativa» da formação de um governo: o Presidente da República entendendo que os partidos é que terão de lhe levar previamente uma solução, os partidos entendendo que cabe ao Presidente da República indigitar quem a tente concretizar.
Pois bem, o PRD tem como seguro que o texto constitucional consagra a segunda orientação.
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E é pelo menos surpreendente aparecer agora, inclusive, um «constitucionalista», subitamente fértil - mas quem tem acompanhado a comunicação sabe por que é que tem sido tão ouvido -, que defende posição contrária. Ou seja, que o Parlamento tenha desde logo, e só por si, uma iniciativa que não lhe é exigida sequer nos regimes tipicamente parlamentaristas, como é o caso do italiano, mas não é, como se sabe, o nosso, semipresidencial.
De qualquer modo, o PRD sustenta que, a ser aquele o entendimento do Chefe de Estado, não devem ser razões de ordem formal, de diversa interpretação jurídico-constitucional, a impedir a solução que se afigura mais adequada e melhor para o País.
Assim, o PRD está, por seu lado, disposto a tomar as iniciativas, todas as iniciativas, e a colaborar em iniciativas de outrem tendentes a alcançar aquele objectivo e espera do PS, sem nenhuma ambiguidade, posição semelhante.
Vozes do PRD: - Muito bem!
O Orador: - O PRD julga também que, em tal caso, o Presidente da República deveria dirigir a esta Câmara uma mensagem, nos termos do artigo 136.º, alínea d), da Constituição da República, em que explicitasse claramente o seu entendimento, dando então ao Parlamento, ou a alguns dos partidos nele representados, a possibilidade de agir em conformidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por último, e para que não existam quaisquer dúvidas na opinião pública, deficientemente informada sobre a posição do PRD, deixamos bem claro que:
1 - Face à queda do Governo, decorrente da aprovação da moção de censura, defendemos que a solução que se impõe, em termos nacionais, democráticos e lógicos, é a de um acordo entre os dois maiores partidos da oposição, ambos de centro-esquerda/esquerda democrática ...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Centro esquerda somos nós!
Aplausos do PSD.
O Orador: - Tomo nota da adjectivação utilizada e que é semelhante à de outros analistas a que me referi. É a chamada «esquerda objectiva»!
Retomando o que estava a dizer, no sentido de viabilizar um novo governo, chefiado pelo PS, com um maior apoio político e parlamentar do que o anterior agora derrubado.
2 - Este acordo não tem de revestir a forma de um governo de coligação, podendo assumir a de um governo liderado pelo PS, mas na base de um acordo e com apoio comuns.
3 - O importante para o PRD, fiel no que foi e continua a ser um dos valores essenciais por que apareceu, não é a distribuição de cargos ou lugares (ministros ou quaisquer outros), que não «reivindica»; o fundamental, para o PRD, de que não abdica, é que para tais cargos e lugares sejam escolhidos os mais capazes e competentes, independentemente do partido a que pertencem ou de não pertencerem a nenhum partido.
4 - O PRD está aberto, entretanto e como sempre, a estudar outras soluções, outras formas de colaboração ou cooperação tendentes à formação do novo governo, que deve, de qualquer modo, passar por um diálogo, o mais alargado possível e sem quaisquer preconceitos, com os outros partidos com representação parlamentar.
5 - O PRD, enfim, ainda que com prejuízo dos seus interesses partidários, e uma vez mais em coerência com a sua posição anterior, não rejeita, sequer, a hipótese de um governo só do PS, que não inviabilizaria, tendo perante ele uma postura no mínimo semelhante à que teve perante o Executivo agora censurado e derrubado.
Julgo que fomos bem explícitos e definimos a nossa posição sem ambiguidade, sem concessões à facilidade, ao clientelismo e à demagogia, fiéis aos nossos projectos e aos nossos princípios.
Assumimos cabalmente - como acto político digno, responsável, oportuno e necessário - a iniciativa de uma moção de censura, que, depois de votada, passou a ser deste Parlamento, mas recusamos qualquer responsabilidade na decisão, nas acções ou nas omissões que porventura conduzam, desde já, a eleições. Caso tal se verifique, será inequívoco que a responsabilidade desse acto e das suas consequências caberão a outrem, que não ao PRD.
Pela nossa parte, continuaremos a combater pelo que entendemos serem os interesses nacionais. E julgamos que o 25 de Abril, de que agora se comemora o 13.º Aniversário, nos impõe especiais responsabilidades a todos aqueles que acreditamos e lutamos, desde sempre, pelos seus generosos ideais de liberdade, justiça e progresso.
Aplausos do PRD, do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento inscreveram-se os Srs. Deputados José Manuel Tengarrinha, António Capucho, Ferraz de Abreu, Mendes Bota, Duarte Lima e Carlos Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha.
O Sr. José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE): - Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, gostaria que me desse a sua opinião sobre duas questões.
Em primeiro lugar, qual a sua opinião sobre a seguinte questão: se se cumprir a vontade do Governo censurado, isso não constituiria uma censura ao próprio Parlamento?
Porque a partir da altura em que foi aprovada pelo Parlamento a moção de censura, não é uma pane deste que é responsável por essa aprovação, mas o órgão de soberania na sua totalidade que assumiu essa posição.
O Sr. Deputado levantou um aspecto interessante, em meu entender, na intervenção que fez anteontem como pedido de esclarecimento à minha própria intervenção e que é a seguinte: não se deve colocar em alternativa a questão da indigitacão do primeiro-ministro pelo Presidente da República ou a da dissolução da Assembleia da República, porque isso seria colocar em termos absolutos a decisão presidencial, quando, na verdade, a Constituição consagra, o bom senso aconselha e as próprias afirmações do Presidente da República têm confirmado a necessidade de uma solidariedade institucional para encontrar uma solução política para a actual situação.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, como certamente terá reparado, o PSD - ostensiva ou deliberadamente, como
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queira - entendeu não produzir nenhuma declaração política ou intervenção no período de antes da ordem do dia a propósito da crise enquanto S. Ex.ª o Presidente da República não decidir.
Vozes do PSD: - Muito bem! Muito bem!
O Orador: - É curioso que, perante esta nossa postura - e designadamente a do Primeiro-Ministro, que quando está no estrangeiro e quando de lá regressa, quando vai a Belém, quando vai ao Conselho de Estado, não faz declarações sobre a crise -, somos nós que pressionamos o Sr. Presidente da República.
É curiosíssimo!
Aplausos do PSD.
Vozes do PSD: - Boa! Boa!
O Orador: - Nós que até hoje não falamos sobre o assunto nesta sede...
O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Tenho muito gosto em que o faça, Sr. Deputado.
O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - É só para lhe perguntar se essa é para mim. É que não referi, na minha intervenção, nenhuma pressão do PSD. Essa não é, pois, para mim!
O Orador: - Quem se sentir atingido que se sinta. O que quero dizer é que, de facto, assisti aqui, paulatinamente, a sucessivas declarações políticas com esse objectivo: por parte do Partido Comunista foram duas, para aquecer uma produzida na passada terça-feira e outra hoje, assim como por parte do Partido Socialista.
Risos do PCP.
Aliás, têm toda a legitimidade para o fazer, mas o que acho espantoso é que, estando nós calados, assim como o Primeiro-Ministro, somos nós que pressionamos o Presidente da República. E não fizemos nenhuma declaração, evidentemente não com medo de nos acusarem de fazer pressões sobre o Sr. Presidente da República, mas porque não temos nada a acrescentar aos argumentos que aduzimos da tribuna aquando da nossa declaração final, a propósito da moção de censura que VV. Ex.ªs apresentaram.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Não temos nada a acrescentar. Os argumentos que atirámos para a mesa mantêm-se de pé e são esses que damos aqui por reproduzidos.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, desde terça-feira passada até hoje não vimos ninguém acrescentar qualquer outro argumento, quer no discurso que V. Ex.ª acabou de produzir quer nos dos seus colegas de bancada e outras que estão à nossa espera. São só argumentos formais e mais argumentos formais... Estão todos disponíveis!
Vozes do PSD: - Têm medo de eleições!
O Orador: - Argumentos formais vemos nós muito e todos eles como dizia um cronista, para escamotearem o argumento real, que é o essencial: têm medo de eleições!
Vozes do PSD: - Muito bem!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, registamos a clareza com que acabou de expor a posição do seu partido. Cheguei a admitir não ser necessário da minha bancada levantarmos a voz mais uma vez sobre este problema e isto porque creio que a nossa posição tem sido repetidamente afirmada e portanto não deve deixar dúvidas a ninguém.
Foi dito aqui, nesta Câmara, que não se concebem governos de eleições espontâneas.
Estamos de acordo com isso e afirmamo-lo repetidas vezes. Ainda esta noite o nosso secretário-geral teve a oportunidade de fazer uma reunião de quadros e, mais uma vez, a televisão manipulou, dando apenas imagens da intervenção do secretário-geral e não dando imagens da são cheia de quadros. Nós registamos sempre isso.
Risos do PSD.
O Orador: - Isto em resposta a uma afirmação aqui feita pelo Sr. Deputado António Capucho de que eles não fazem pressões. Na realidade não o fazem, porque têm quem o faça por si.
Aplausos do PS.
O Orador: - O Partido PSD e o Governo não têm necessidade de fazer pressões porque o medo instilado dentro dos meios da comunicação social já é tanto, lembrando o passado, que já não é necessário fazerem pressões, um vez que elas são espontâneas dentro desses órgãos.
Mas desejava repetir que o Partido Socialista, desde sempre, declarou que está pronto a assumir as suas responsabilidades nesta crise e que, se o Sr. Presidente da República indigitar o Partido Socialista para formar governo, imediatamente o nosso Partido procederá aos esforços e às diligências necessárias, ouvindo os restantes partidos desta Assembleia e tentando negociar, acordar com eles a plataforma necessária para que um governo tenha expressão majoritária nesta Câmara. Não foi, até hoje, outra a nossa posição e penso que não seria necessária repeti-la, mas é bom que ela fique clara para que não haja a possibilidade de ouvir que estamos a ter posição ambígua nesta matéria. Ela é mais do que clara.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.
O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, tomamos devida nota e registo da sua intervenção, em que lançou uma vez mais o repto ao Partido Socialista para assumir as suas responsabi-
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lidades, em termos de primeiro partido de oposição, no sentido de dar corpo e dar vida àquilo que aqui tem sido repetido por todas as bancadas da oposição, ou seja, que há de facto a possibilidade de uma alternativa governativa no actual quadro parlamentar.
Mas isso releva-nos de que o mesmo tipo de discurso e o mesmo tipo de argumento já foram aqui aduzidos durante a discussão da moção de censura. Os senhores deixaram passar a discussão e votação da moção de censura e cair o Governo na sequência da sua aprovação; deixaram que passasse o tempo todo até que se reunisse o Conselho de Estado e talvez por via daquilo que já foi dito ou decidido se verifica, hoje, o nervosismo que se apossou de alguns Srs. Deputados que usaram da palavra neste hemiciclo.
Será que deixaram passar todo este tempo e ainda continuam a fazer declarações de que continuam disponíveis para formar um governo maioritário nesta Câmara? Até quando o povo português e o Sr. Presidente da República terão de esperar para que os senhores declarem ter chegado a um acordo, se deixem apenas de palavras, passando aos actos e a acordos, a fim de viabilizar na prática a formação de um governo maioritário, no quadro da actual maioria parlamentar.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Há alguns Srs. Deputados do Partido Socialista que, de vez em quando, têm uma espécie de reflexo pavloviano; começam logo a abrir a boca quando daqui se pede a palavra.
Não podemos intervir?
Risos do PSD e do PS.
A intervenção proferida hoje pelo Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, na sequência dos discursos que aqui fez na terça-feira e dos discursos que hoje o Partido Comunista e o MDP/CDE produziram são realmente o «canto do cisne» por parte daqueles partidos que foram os mais entusiásticos na apresentação da moção de censura ao Governo. Certamente acabaram por ver que os desígnios a que se propunham, em termos finais, não vão ser cumpridos.
Quero salientar que, no seu discurso, V. Ex.ª lançou quase um repto, não só à Câmara, mas também ao Sr. presidente da República, no sentido de que era ilegítimo, da parte do Sr. Presidente da República, dissolver a Assembleia da República sem previamente tentar formar um governo, ou melhor, indigitar um primeiro-ministro que fizesse uma tentativa para formar um governo no presente quadro parlamentar. Esta forma dicotómica de pôr as coisas é ilegítima por parte do PRD, porque o PRD é um partido de que se estruturou na base do general Ramalho Eanes enquanto Presidente da República e na base da conduta política seguida durante o seu mandato. E não pode fazer isto porque o general Ramalho Eanes nunca o fez enquanto Presidente da República.
Em suma, os senhores não podem exigir ao actual Presidente da República que o faça, porque não foi essa, repito, a conduta do general Ramalho Eanes; nas situações idênticas em que outros governos caíram, não interessa se por moções de censura ou por outras razões, a verdade é que o general Eanes nunca perguntou aos partidos que compunham esta Câmara se podiam encontrar aqui soluções alternativas e obviamente que a composição ecléctica da Câmara permitia que esse desiderato fosse alcançado. Ora, se o general Eanes nunca o praticou, com que legitimidade, com que coerência política é que vem hoje o PRD aqui fazer uma tentativa destas?
Vozes do PRD: - Não é verdade!
O Orador: - É porque o PRD introduziu elementos novos no seu discurso? É porque o general Ramalho Eanes vem agora defender a criação de um órgão à parte,...
Vozes do PRD: - Está mal!
O Orador: - ... de um desviómetro, como já lhe chamou um deputado da minha bancada, de um órgão que é uma excrescência da democracia, que controla os desvios entre o prometer e o executar que, no fundo, é a função deste Parlamento? Ou é porque os senhores querem introduzir um novo elemento na teoria política em Portugal: o de que é perigosa a construção de maiorias? É que há dias numa entrevista o Sr. Deputado Hermínio Martinho à pergunta de um jornalista do O Jornal respondia que era perigosíssima para a estabilidade política e para o progresso social que houvesse maiorias em Portugal!
O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Eu?!...
O Orador: - Sim senhor, está aqui escrito!
O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Eu?!...
O Orador: - Não acha que existe o risco de se formar uma maioria absoluta no caso de eventuais eleições antecipadas? Resposta singela de V. Ex.ª de facto, considero que existe essa probabilidade, pois penso que a concretizar-se essa maioria absoluta, que é a grande aspiração dos sectores mais conservadores da sociedade portuguesa, isso seria fortemente negativo para o adequado desenvolvimento económico e social de Portugal, a avaliar pela experiência idêntica já vivida.
O Sr. Deputado Hermínio Martinho, de uma penada e com esta simplicidade, destruiu 250 anos de teoria política. De uma penada!... Até aqui a regra de ouro da democracia, que eu saiba, era a construção de maiorias; V. Ex.ª agora destruiu isso!
O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Há maiorias e maiorias!
O Orador: - Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, compreendemos perfeitamente que o Sr. Presidente da República venha a dissolver a Assembleia da República porque é óbvio que neste quadro parlamentar não há possibilidade de se formarem governos credíveis, coerentes e minimamente estáveis, do ponto de vista político. VV. Ex.ªs têm medo do julgamento popular...
O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - É a favor dos julgamentos populares, Sr. Deputado?
O Orador: - Sou a favor dos julgamentos populares nas eleições para os partidos políticos. V. Ex.ª não é, Sr. Deputado?
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Há dias, o Sr. Deputado Hermínio Martinho dizia da tribuna da Assembleia da República que realmente era tempo de dizer que o tempo acabou. Disse-o com pompa e circunstância. Talvez um destes dias, sem uma coisa nem outra, nós possamos ver e dizer que realmente o tempo acabou. Mas vamos ver para quem..., talvez para os senhores!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, ao ouvir a intervenção que produziu, devo sublinhar a clareza da posição aqui trazida pelo PRD - e, ao contrário do que disseram os Srs. Deputados do PSD, entendo que ela constitui por si só um facto político de relevo - e também assinalo a forma como o Partido Socialista reagiu a esta declaração política.
Assim, pergunto, Sr. Deputado, se não entende que esta simples circunstância justifica só por si a indigitação de um primeiro-ministro. Quero ainda acrescentar que, por parte do PCP, estamos disponíveis para viabilizar a solução de governo que for proposta pelo PRD.
Vozes do PSD: - Ah!
O Sr. Silva Marques (PSD): - São muito solícitos!
O Orador: - Isto tem, naturalmente, consequências institucionais.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.
O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foram muitas as perguntas colocadas e felicito-me porque, pelos vistos, a minha intervenção até teve o dom de terminar com o silêncio do PSD.
Vozes do PRD: - Muito bem!
O Sr. António Capucho (PSD): - Foi a última. É para acabar!
O Orador: - Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha, a primeira pergunta que colocou foi mais a repetição de uma ideia que, tanto hoje como na terça-feira passada, referi: a de se entender que se o Sr. Presidente da República dissolvesse, sem mais, esta Assembleia, tratar-se-ia de uma espécie de nova figura que era a de censura ao Parlamento de censura.
Em relação ao Sr. Deputado Ferraz de Abreu, devo dizer que é também com satisfação que tomo a devida nota da sua intervenção.
Sr. Deputado Mendes Bota, ou V. Ex.ª está muito mal informado ou as posições do PRD já são tão censuradas na comunicação social que verifico que não tinha conhecimento do essencial das posições que aqui tentei sistematizar, embora introduzindo factores novos a que, por acaso, nenhum dos meus ilustres colegas que fizeram perguntas se referiu. Assim, devo dizer que introduzi alguns factores novos, um dos quais da maior importância e que diz respeito à correcção do procedimento do Sr. Presidente da República no sentido de dirigir uma mensagem a esta Câmara em que explicitasse claramente o seu entendimento sobre quem é que toma a iniciativa de exprimir uma posição para que essa Assembleia, então, dar a devida resposta, inclusive, tomando iniciativas nesse sentido. Aliás, o PRD já disse que as tomaria, apesar de entender que o processo correcto seria outro, ou seja, que a iniciativa deveria partir do Sr. Presidente da República procedendo a uma indigitação.
Este facto político é, de facto, novo: deste modo, e caso haja entendimento do Sr. Presidente da República, consideramos que este procedimento da mensagem ao Parlamento seria adequada para lhe dar possibilidade de, formalmente, se pronunciar e propor alternativas. Se o Sr. Presidente da República entender, em seu juízo, que essas alternativas não são credíveis, então não as aceita e está no seu direito. Porém, não dar essa possibilidade, depois das posições aqui claramente tomadas pela maioria dos partidos e depois de só um partido - o PSD - defender eleições, seria grave, para já não acrescentarmos mais.
O pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Duarte Lima, para além de uns devaneios literários - não sei se falou no Lago dos Cisnes, se no canto dos cisnes,... isso para nós é ópera...
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Falei no canto dos cisnes!
O Orador: - O Sr. Deputado está enganado. Como sempre dissemos, o PRD não apareceu na base de pessoas, mas sim na base de um projecto. Não quero entrar nessa discussão, mas creio que o Sr. Deputado ou está com má memória ou está mal informado nesse domínio, porque durante os dez anos de mandato do Sr. General Ramalho Eanes apenas um governo caiu neste Parlamento e tal não aconteceu devido a uma moção de censura que tenha sido apresentada, mas sim uma moção de confiança. A esse governo, que era do PS, seguiu-se outro no mesmo quadro parlamentar, que foi o Governo PS/CDS.
O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Exacto!
O Orador: - Portanto, até nisso está enganado, Sr. Deputado. Vá rever a sua história, que não é tão longa.
Sr. Deputado Carlos Brito, julgo já ter respondido à pergunta que formulou quando me referi à mensagem.
Sr. Deputado António Capucho, dizer que o PSD tem estado calado nesta Assembleia suscita-me duas ordens de comentários: o primeiro é que o PSD pode estar aqui inteiramente calado e nós falarmos durante horas porque o PSE tem toda a presença nos órgãos de comunicação que fazem chegar ao País a sua posição e nós, por mais que filemos, não conseguimos, as mais das vezes, que ela chegue a esses mesmos portugueses.
Aplausos do PRD, do PS, do PCP e do MDP/CDE.
O segundo comentário é que se nesta matéria o PSD tem estado calado - e devo dizer que gosto sempre muito de ouvir o PSD -, isso é prudente e sensato da sua parte. É porque não tem nada a dizer.
Vozes do PRD: - Muito bem!
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O Orador: - Desculpar-me-ão que diga, mas é porque são absolutamente irresponsáveis os argumentos que existem no sentido da solução que preconizamos. De facto, para quem não tem nada a dizer e a responder, o melhor é estar calado.
Sr. Deputado António Capucho, permita-me que diga que é demagógica a questão do medo das eleições. Isso não é um argumento nem político nem democrático, porque então responderemos que o que o PSD tem medo é que se forme um outro governo que demonstre que nas actuais circunstâncias é possível fazer pelo País e pelo nosso povo muito mais e muito melhor do que o actual governo.
Aplausos do PRD, do PS, do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, em primeiro lugar, fui claro quando disse que se não falámos depois da declaração final que produzi daquela bancada imediatamente antes da votação da moção de censura é porque não temos nenhum argumento novo a acrescentar àqueles que já foram aduzidos. Isso não quer dizer que os nossos argumentos não sejam ponderosos, e vamos ver se não são mais ponderosos do que os vossos. Logo veremos!
O Sr. Hernâni Martinho (PRD): - Tem garantias!
O Orador: - Não tenho garantias nem certezas nenhumas, Sr. Deputado. Vamos ver ...
O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Quem fala assim tem garantias!
O Orador: - A segunda questão - e com toda a franqueza devo dizer que o Sr. Deputado já me começa a irritar apesar da grande consideração que tenho por si tanto no plano pessoal como no político - é a do acesso indiscriminado à comunicação social. Isso daria muito que falar, Sr. Deputado. Se eu quisesse ou pudesse influenciar a comunicação social - o que está fora de causa - em relação ao partido de que faz parte para que este pudesse produzir junto da opinião pública todos os esclarecimentos que quisesse, por mim estaria disponível a que o vosso líder fosse todos os dias à televisão para ser entrevistado pela Sr.ª Margarida Marante.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.
O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Deputado António Capucho, não temos nenhuma culpa que o PSD ande com o «síndroma do líder».
Risos do PSD.
Somos um partido democrático no qual há cidadãos de parte inteira e não há um líder carismático que, como dizia um amigo meu do partido do Sr. Deputado, faz breves reuniões em que tudo se decide muito depressa. Portanto, não vou entrar nessa questão.
Porém, gostava que o PSD conseguisse que, para além de monólogos sucessivos, voltasse a acontecer na televisão aquilo que aconteceu mesmo nos momentos em que ela foi mais acusada de instrumentalizar a opinião pública, que são debates e diálogos vivos e abertos entre as várias forças políticas para que, em confronto umas com as outras se pudesse conhecer as suas opiniões, as suas posições e as suas opções, para que as pessoas, em juízo e em consciência, pudessem optar. E isso é que não tem sido feito.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Todos os dias!
O Orador: - Estou pronto para falar com o Sr. Deputado António Capucho e V. Ex.ª sabe que eu disse muitas vezes que isto não foi invenção do PSD - faço-lhe essa justiça. Em relação à televisão, disse aqui uma vez que a situação ao tempo ainda não era pior do que a que se verificava antes e, como jornalista, prezo-me saber distinguir as duas coisas. Mas se o Sr. Deputado fizer uma análise serena da evolução em vários órgãos de comunicação social, nomeadamente nos últimos tempos, e se vir, por exemplo, quem é também essa célebre classe dos analistas, verificará que uns não vão porque têm partido, outros têm um dirigente partidário, que é uma presença constante, etc. ...
O Sr. Duarte Lima (PSD): - V. Ex.ª era analista e ia à televisão!
O Orador: - Está enganado, Sr. Deputado, pois eu nunca fui analista. Aliás, devo dizer que sempre me pronunciei contra essa classificação, que é a de querer dar um aspecto falsamente científico a opiniões políticas. O que eu sempre disse foi que dava opiniões políticas, o que é diferente.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Mas ia lá!
O Orador: - É óbvio que o Sr. Deputado António Capucho exerceu a figura regimental de defesa da honra por outras razões. Ora, devo dizer que eu nunca desonraria ninguém, muito menos o ilustre deputado e meu amigo, Sr. Dr. António Capucho.
O Sr. Roberto Amaral (PRD): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Roberto Amaral (PRD): - Sr. Presidente, gostava de saber se existe mais alguma declaração política neste período de antes da ordem e se V. Ex.ª tenciona ou não convocar para hoje uma reunião da conferência de líderes parlamentares.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, segundo a última reunião, ficou combinada uma conferência de líderes parlamentares para as 17 horas e 30 minutos.
Devo ainda informá-lo de que a Mesa não tem conhecimento de mais alguma inscrição para declarações políticas, mas sim para intervenções.
O Sr. Roberto Amaral (PRD): - Sr. Presidente, fiz esta pergunta porquanto, através de V. Ex.ª, desejaria convocar a Comissão de Negócios Estrangeiros e Emigração para uma reunião no sentido de apreciar
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algumas declarações ontem proferidas pelo Sr. Primeiro-Ministro relativamente à ratificação, por esta Assembleia, do Tratado de Cooperação na Execução de Sentenças Penais entre Portugal e a Tailândia e que foram certamente baseadas numa má informação. Para além de terem induzido em erro o povo português, receio bem que também tenham induzido em erro um governo de um país estrangeiros.
Vozes do PRD: - Muito bem!
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Vamos esclarecer isso!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário.
O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou fazer uma intervenção muito breve apenas para comprovar uma questão que ficou pendente da última sessão plenária.
Na passada terça-feira, a Assembleia aprovou diferentes projectos de lei instituindo o Dia do Estudante no dia 24 de Março. Na altura, a Assembleia consagrou a batalha pela democracia, pelo direito de associação das associações de estudantes portugueses.
Tive, pois, ocasião de chamar a atenção do Plenário para o facto de em 1987, ainda no nosso país haver estruturas do Estado Português que não permitam o uso do direito de associação dos estudantes, violando assim o consagrado na Constituição. Ora, os Srs. Deputados Carlos Coelho e Cecília Catarino contrariam essa perspectiva afirmando que na Região Autónoma da Madeira é possível constituir associações de estudantes e que eu estaria mal informado.
Gostaria pois de informar a Câmara que no 1.º trimestre do presente ano lectivo foram apresentados dois requerimentos para a constituição de associações de estudantes: um deles foi na Escola Secundária de Jaime Moniz, subscrito por cerca de 750 alunos, tendo o presidente do conselho directivo recusado a respectiva aceitação e a Secretaria Regional de Educação não permitido a constituição da respectiva associação de estudantes. Na Escola Secundária de Francisco Franco foi entregue um abaixo-assinado de 419 assinaturas, que não foi aceite, pelo que também aqui não foi constituída a associação de estudantes.
Quero ainda entregar na Mesa da Assembleia da República três documentos: um, da Secretaria Regional de Educação, em resposta a um abaixo-assinado dos estudantes do ensino secundário da Escola de Francisco Franco, em que se diz que, face ao actual quadro legal, estas associações não têm assistência e, portanto, não são permitidas; uma resposta pública, publicada como anúncio no Diário de Notícias da Madeira, em que se diz que, face ao actual quadro legal, estas associações não se podem constituir e ainda um despacho do conselho directivo da Escola Secundária de Francisco Franco, que recusa a cedência de instalações para uma actividade de associativismo juvenil a um grupo de alunos, alegando que tal só será possível com a autorização da Secretaria Regional de Educação.
Como tal, fica constatado que quem estava mal informado eram os Srs. Deputados Carlos Coelho e Cecília Catarino.
Finalmente, recordo aqui aquilo que o Sr. Deputado Carlos Coei no afirmou, isto é, que se estas situações fossem verdadeiras cie seria o primeiro a denunciá-las e a criticá-las.
Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Tem boa memória, Sr. Deputado. Memória de 24 horas, convenhamos!...
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Catarino.
A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Sr. Deputado José Apolinário, aquilo que no outro dia lhe pedi foi que documentasse as suas afirmações.
Eu própria procurei saber o que é que se passava em concreto sobre o assunto e informaram-me do seguinte: a Secretaria Regional de Educação e o Secretário Regional não promovem nem apoiam a criação de associações de estudantes enquanto a nível nacional não houver legislação que estipule o regime jurídico a que ficam sujeitas essas associações, designadamente em termos de responsabilidade dos elementos que as compõem. Ora, isso não impede que hajam as pró-associações e que os estudantes, por todos os meios ao seu alcance, tentem associar-se e formar as associações, desde que sejam incentivados e desde que haja legislação adequada para tal, e a Assembleia da República pode desempenhar um papel importante nesse sentido.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Apolinário, há mais um orador inscrito para formular pedidos de esclarecimento. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?
O Sr. José Apolinário (PS): - Prefiro responder no fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Deputado José Apolinário, gostaria de explicar à Câmara - em primeiro lugar ao Sr. Presidente e em segundo lugar aos Srs. Deputados - que estou numa situação excelente, porque creio que há duas situações que merecem ser aclaradas: a primeira é uma situação de contradição entre aquilo que V. Ex.ª afirmou no período de antes da ordem do dia de terça-feira e aquilo que afirmou hoje.
O Sr. Deputado vociferou com alguma acutilância contra uma decisão do Governo Regional da Madeira, disse que traria aqui provas substanciais - que ainda não vi, mas em que quero crer por que confio na sua palavra, quer aqui dentro, quer lá fora, aliás, sempre confiei e quero continuar a confiar - de documentos que preveni actos de conselhos directivos de escolas que indeferem pretensões de estudantes se organizarem em associações. Esta é a primeira contradição.
A segunda contradição é mais grave, é mais substancial O Sr. Deputado José Apolinário quererá ouvir com a benção?
Protestos do Sr. Deputado Rogério Moreira, do PCP.
Sr. Deputado Rogério Moreira, vamos com calma. Estas questões têm sempre tempo para serem esclarecidas, até porque são questões sérias!
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O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Sr. Deputado Carlos Coelho, V. Ex.ª está a aludir a documentos dos conselhos directivos de escolas. Não é o caso! O que está em causa são documentos, são declarações e medidas tomadas pela Secretaria de Estado do Governo Regional da Madeira. Portanto, é de um órgão do Governo e o Sr. Deputado escusa de iludir a situação. Aliás, a Srª. Deputada Cecília Catarino agora mesmo comprovou isso.
O Orador: - Sr. Deputado Rogério Moreira, agradeço o complemento que fez da intervenção do Sr. Deputado José Apolinário. Portanto, deixo de fazer referência à intervenção da JS e passo a fazer referência a intervenção da JS/PCP.
Como estava a referir, a segunda contradição da intervenção do Sr. Deputado José Apolinário tem a ver com a seguinte circunstância: é que o Sr. Deputado, quer na intervenção que produziu na passada terça-feira, quer na primeira parte da intervenção que hoje aqui produziu, dizia - aliás, em condições que me permitiram concordar com essa parte da intervenção - que não havia nenhum dispositivo na lei que permitisse a qualquer órgão, quer seja conselho directivo de escola quer seja o Governo, impedir a formação de uma associação.
E qual é o elemento fundamental que ele nos traz aqui? É o de que uma associação não se pode formar ou foi impedida de o fazer por um acto ilegal, inconstitucional, do conselho directivo que diz aos estudantes que se querem associar que não o podem fazer.
Isso contraria fundamentalmente o que o Sr. Deputado disse na sessão da última terça-feira e com o que concordei.
Recapitulando, clarificando um pouco mais as coisas e sob a figura do pedido de esclarecimento, gostaria de dizer ao Sr. Deputado José Apolinário que não reconhecemos em nenhum órgão (seja conselho directivo ou seja qualquer outro órgão administrativo) a capacidade de impedir que se formem associações de estudantes. Se isso aconteceu no caso desse conselho directivo, tal é susceptível de recurso contencioso para o órgão de tutela respectivo, neste caso, o Secretário Regional da Educação, ou para o Supremo Tribunal Administrativo, como, aliás, V. Ex.ª sabe melhor do que eu.
A pergunta que lhe quero colocar é a de se a JS está disposta a unir esforços connosco, através dos estudantes que milham em ambas as organizações na Madeira, para, junto dos órgãos próprios, encetar estes actos que visam tornar inválida uma decisão que é flagrantemente ilegal e inconstitucional.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Este é o repto que lanço hoje, Sr. Deputado José Apolinário, em retribuição ao repto que me lançou na sessão de terça-feira passada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Moreira.
O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Sr. Deputado José Apolinário, de uma forma muito breve, quero colocar-lhe duas questões.
A primeira questão é relativa ao facto de ser ou não verdade que de entre os documentos que o Sr. Deputado vai apresentar na Mesa, tal como referiu na sua intervenção, constam documentos que comprovam que não se trata de uma atitude de conselhos directivos de escolas (o que já por si era reprovável e condenável), mas, sim, da própria Secretaria de Estado de Educação e do Governo da Região Autónoma da Madeira.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Mais uma ajudazita da JCP!
A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Não se trata da Secretaria de Estado da Educação mas da Secretaria Regional de Educação!
O Orador: - Muito bem. É bom reafirmar que é a Secretaria Regional de Educação a responsável por esta atitude.
Não está a Secretaria Regional de Educação a tomar uma atitude que contraria frontalmente disposições da própria Constituição da República?
Mais ainda, a intervenção produzida há pouco pela Sr.ª Deputada Cecília Catarino não corrobora exactamente essa atitude da Secretaria Regional e, mais, não vem reforçar a ilegitimidade de um acto dessa natureza?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário.
O Sr. José Apolinário (PS): - Gostaria de informar a Sr.ª Deputada Cecília Catarino que a única coisa que ainda não consegui arranjar, porque ainda não foi possível chegar cá, foi uma cópia em vídeo da tal declaração pública na televisão. De qualquer forma, também seria difícil passar aqui o vídeo, a não ser que fizéssemos uma montagem.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Só em sistema VHS e nós queremos vê-lo!
O Orador: - Quero esclarecer o Sr. Deputado Carlos Coelho, aqui em representação da JSD/Jardim, que o documento de que disponho é da Secretaria Regional de Educação. Aliás, o esclarecimento publicado no jornal Diário de Notícias da Madeira é, também, da autoria da Secretaria de Estado da Educação e o único documento que tenho, que é de autoria de um conselho directivo, refere a recusa de ceder uma sala aos estudantes, alegando que só é possível fazê-lo dentro da escola desde que com autorização da Secretaria Regional de Educação.
Por outro lado, quero recordar o que referi na última sessão plenária e que parece que o Sr. Deputado Carlos Coelho não ouviu bem.
Reconheço que a situação é difícil, que é complicado para a JSD/Jardim não criticar e não contestar esta situação e, como tal, reconheço as dificuldades em que, neste momento, se encontra o Sr. Deputado Carlos Coelho, dificuldades essas que terei em atenção.
O que referi foi que, com base na Constituição da República, é possível os estudantes associarem-se.
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O que se passa é que essas associações não são reconhecidas juridicamente, o que é uma questão completamente diferente.
O que referi foi que por parte da Secretaria Regional de Educação havia indicações para a não autorização da constituição de associações de estudantes. É esta a verdade.
Vou entregar na Mesa os documentos referidos, os quais vou solicitar que sejam distribuídos, para confirmar o que acabo de afirmar. Assim sendo, o Sr. Deputado Carlos Coelho não tem razão naquilo que disse.
Relativamente às questões colocadas pelo Sr. Deputado Rogério Moreira, penso já ter respondido.
Assim, fica ainda o Sr. Deputado Carlos Coelho com a responsabilidade de levar à prática o tal repto que lancei na última sessão plenária.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, desejo interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, não vou embaraçá-lo com esta questão da JSD/Jardim. Como V. Ex.ª bem sabe, somos, de boa vontade, um jardim e tentamos construir soluções positivas para os problemas com que nos confrontamos.
A minha interpelação vai no sentido de pedir à Mesa para fazer chegar aos grupos parlamentares, com a celeridade possível por parte dos serviços, os documentos que o Sr. Deputado José Apolinário vai entregar na Mesa.
Aproveito ainda para deixar bem claro na Assembleia que não sou eu que tenho de responder ao repto de terça-feira, mas o Sr. Deputado José Apolinário que tem de me responder ao repto de quinta-feira.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, logo que os documentos cheguem à Mesa mandarei distribuí-los.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, desejo interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, solicito que os documentos que vão ser entregues na Mesa sejam publicados no Diário da Assembleia da República para conhecimento público, para além da respectiva distribuição que se fará pelas diferentes bancadas.
O nome de Oscar Lopes é uma referência obrigatória na cultura portuguesa contemporânea. Perfil multifacetado, desdobrado por sectores variados, que passam pela investigação nos domínios das ciências da linguagem, pela crítica literária e pelo ensaísmo, pela história e pela tradução, pela docência e pela animação cultural de múltiplos esforços, é reconhecido, nacional e internacionalmente, pelo rigor de informação, do estudo e das propostas de campo da ciência, pela auto-exigência e pela exigência de problematização, pela imensidão de um humanista do século XX.
No caminho que escolheu - o de uma concepção dialéctica da história - aí o encontra, a cada momento esta gente que somos, na disponibilidade de uma linguagem dialogante de afecto, de respeito e de gosto «de compreender sempre um adversário nas melhorei razões ou motivos que lhe assistem» (como ele próprio diz no questionário de Proust).
No caminho que escolheu - o de uma consciência trágica e religiosa na semântica mais ampla do conceito - o encontra a cada momento este fluxo de tem e de consciência que somos na sinceridade, na fidelidade e na consequência de querer sentir-se sempre «como uma espécie de estudante vitalício».
No caminho que escolheu - o do dever e direito da cidadania integral, aí o encontra, a cada momento, este povo que somos na defesa da liberdade, da democracia, da paz e do progresso.
Trabalhadores da cultura e da ciência têm prestado homenagem a Oscar Lopes. A Presidência da República homenageá-lo-á brevemente na casa onde trabalha pelo invulgar contributo que tem dado à cultura nacional.
Por todas as razões apresentadas, pelo imenso reconhecimento e pelo imenso desejo de ver Oscar Lopes continuar a ser o interveniente de alta qualidade na história das letras e das ideias em Portugal, propõe-se que seja aprovado pela Assembleia da República um roto de louvor ao Prof. Oscar Lopes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão.
Pausa.
Não há inscrições, pelo que vamos votar.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, desejo interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Assim se fará, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Acho muito bem, pois tais documentos dão razão à minha intervenção.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido um voto de louvor a Oscar Lopes, subscrito por todas as bancadas, e que, conforme combinado, ficou para hoje a respectiva apreciação e votação.
O Sr. Secretário (Daniel Bastos):
Voto de louvor
Oscar Lopes vai dar a última aula, na Faculdade de Letras do Porto, por atingir o limite de idade.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, sugiro que não votemos o voto de louvor com o quorum existente neste momento e que aguardemos até às 18 horas. Creio não existirem condições para que se proceda a uma votação minimamente digna em torno de um voto com as características daquele que agora está em apreço.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há alguma objecção a que a votação do voto de louvor em questão seja feita às 18 horas?
Pausa.
Uma vez que não há objecções, assim será feito.
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ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar no período da ordem do dia.
Estão em apreciação os projectos de lei n.ºs 377/IV, do PS, e 384/IV, do PRD, sobre responsabilidade dos titulares de cargos políticos.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, desejo interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Almeida Santos, que é quem vai intervir sobre esta matéria, está a presidir à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, pelo que solicito à Mesa que se proceda a uma interrupção dos trabalhos por três minutos, por forma a que o possamos chamar à Câmara.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se houver a certeza de que seremos pontuais por forma que às 18 horas possamos proceder à votação do diploma relativo ao Estatuto Social dos Bombeiros, bem como do voto de louvor, poderemos antecipar o intervalo regimental e recomeçarmos os nossos trabalhos a essa hora.
Os debates previstos na ordem do dia de hoje ocuparão cerca de duas horas, pelo que se começarmos às 18 horas, embora tenhamos de alongar os trabalhos um pouco para além das 20 horas, teremos tempo de terminar ainda hoje o debate da matéria que submeti à vossa apreciação.
Não havendo objecções, assim será feito.
Entretanto, peço aos presidentes dos grupos parlamentares o favor de comparecerem de imediato no meu gabinete para realizarmos uma conferência de líderes.
Está suspensa a sessão.
Eram 17 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto de louvor ao Sr. Prof. Oscar Lopes.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A homenagem que acabamos de prestar a Oscar Lopes exprime, de forma eloquente, o apreço por um percurso humano, cívico, ético e político que, na sua singularidade, constitui referente fundamental da cultura e da democracia portuguesas.
Oscar Lopes dará, em breve, a última aula na Faculdade de Letras do Porto. Ele, que se quis sempre um estudioso sem reservas, recusando o conforto de qualquer cátedra do imobilismo, a esclerosa ou a ditadura de opinião. Que, associando a escola e a vida concreta, foi um aluno entre alunos, decerto o mais inconformado, tendo sido professor de estatura invulgar pela extensão e profundidade dos conhecimentos, pela integridade do carácter. Que, aquém e além deste paralelo profissional, buscou, aos níveis de uma exigência admirável, a criatividade permanente.
Recordá-lo-ão discípulos e companheiros, nos estabelecimentos de ensino secundário e universitário em que trabalhou, no quotidiano de um convívio fecundo e iluminante. Continuarão, entretanto, como todos nós, felizmente, a fruir da sua lição preciosa. Assim, o momento solene que se avizinha e mediatizou o voto aprovado pela Câmara, não significa a consumação de uma docência, com as características referidas, nem o fecho de uma obra que, em larga medida, se forjou à revelia das necessidades e contingências das tarefas escolares.
Com efeito, Oscar Lopes de há muito granjeou lugar de prestígio incomum na cidade intelectual e política em que vivemos. O seu infatigável labor escolheu terrenos múltiplos: o ensaísmo, a crítica, a investigação linguística e literária, a reflexão histórico-filosófica, a epistemologia e a gnoseologia nos domínios da sua especialidade e em quanto importa o homem. Os seus escritos em torno da aproximação metodológica entre o português e a matemática, por exemplo, tornaram-se célebres, acolhendo sugestões de Bento Caraça para a produção de teses que incorporam o pensamento hodierno nas suas expressões menos complacentes. E do mesmo modo, títulos como Ler e Depois, Modo de Ler, Os sinais e os Sentidos ou, para abreviar o rol, A Arte da Música, foram recebidos com uma estima e um aplauso sinceros, provindos de diferenciados sector ideológicos e estéticos da nossa sociedade. Não se estranhará que nas presentes circunstâncias, se não aluda detalhadamente às acções de divulgação e animação que prodigaliza junto de agremiações culturais, a ligação determinante à universidade popular, a participação em colóquios, seminários e debates, o incremento à aproximação com os escritores e os utentes do galego, tão parentes do que somos. Oscar Lopes impôs-se à consideração do País pelo que, aqui, em jeito fluido, se lembra, mas, sobretudo, por quanto não cabe na natural limitação das palavras e que cada um evocará de acordo com o peculiarismo da sua sensibilidade.
Queremos, ainda assim, honrar o cidadão que, ao longo de uma existência, não desfaleceu nem claudicou na construção da liberdade. Fê-lo com os instrumentos do rigor, com as pedras afeiçoadas por uma visão marxista do mundo, sem enjeitar os aumentos do sonho que transmuda a face do real e, comburente infungível, activa a luta pela justiça, pela paz, pelo progresso.
O presidente da Associação Portuguesa de Escritores, personalidade de diálogo, edificador de entendimentos, é um desses homens em cuja conduta afloram aspirações que atravessaram o tumulto ou o torpor dos séculos, protagonizadas por camponeses e cantores, operários e poetas, andarilhos e atormentados: a procura da equanimidade sem tutelas nem rebuços. A sua atitude é, pois, substanciada numa sabedoria funda que nobilita o político e enriquece o itinerário libertador das ideias.
Por tudo isto, pelo imenso que se contém na expressão de uma camaradagem plena, o PCP manifesta o seu júbilo pela votação da Assembleia da República, pelo louvor a Oscar Lopes, figura cativante e cimeira das letras e da pátria que amamos.
Aplausos do PCP, do PS, do PRD, do MDP/CDE e de alguns deputados do PSD.
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O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Seiça Neves.
O Sr. Seiça Neves (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acabámos de aprovar um voto pela última lição que Oscar Lopes vai dar na Faculdade de Letras do Porto. Oscar Lopes ficará com a sua vida - que é de exemplo, porque, de facto, é uma lição -, que não se vai esgotar no seu magistério, na sua última lição que proferirá dentro de dias naquela Faculdade.
Oscar Lopes foi um grande militante de cidadania, foi mesmo da geração de 40 um dos grandes intelectuais, um dos poucos que soube associar uma grande militância intelectual a uma indiscutível militância cívica.
Ensaísta, professor, pedagogo, cidadão ímpar, foi também infatigável estudioso, sobretudo do segundo neo-realismo português. Eram as manhãs, as madrugadas, que muitas vezes o descobriam no seu escritório de trabalho, como trabalhador intelectual infatigável que foi, e é.
A sua vida e obra, Sr. Presidente e Srs. Deputados, bem merecem o louvor e o voto que esta Câmara lhe quis prestar por unanimidade.
Oscar Lopes é um homem tolerante que viu sempre o seu interlocutor como tal, e nunca um adversário de conversa. Politicamente, foi também um homem tolerante, mas intransigente com a sua filosofia - que não se redime em juízos finais -, com a sua metafísica, que foi a da dor e da luta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao aprovarmos este voto, creio que não só honramos Oscar Lopes mas também a nós, como cidadãos, como deputados, como membros de um órgão político, ao homenagear um dos grandes portugueses deste século.
Aplausos do MDP/CDE, do PCP e de alguns deputados do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.
O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, era só para anunciar que vamos enviar para a Mesa uma declaração de voto por escrito.
O Sr. Presidente: - Ficou registado; muito obrigado, Sr. Deputado.
O Sr. António Capucho (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.
O Sr. António Capucho (PSD): - Não é para proferir uma declaração de voto, Sr. Presidente, mas para dizer que também apresentaremos uma declaração de voto por escrito.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: E com particular satisfação que me associo a esta homenagem que é prestada ao Prof. Oscar Lopes.
Sou amigo dele desde os meus 10, 12 anos, foi professor do liceu e quando eu era estudante, devo-lhe muito da minha formação. Foi um homem que, no Porto, desenvolveu unia acção cultural relevante, sendo um crítico literário de grande qualidade, historiador de mérito que escreveu, designadamente, uma importantíssima história da literatura portuguesa do período compreendido entre 1890 e 1945, e peço desculpa por esta precisão, mas é uma das obras mais injustamente ignoradas do Prof. Oscar Lopes.
Por todas estas razões, e naturalmente pela cidadania com que se conduziu no tempo difícil da ditadura, o Partido Socialista associa-se à homenagem que é prestada ao Prof. Oscar Lopes.
Aplausos do PS e de alguns deputados do PSD e do PRD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global do projecto de lei n.º 194/IV, da iniciativa do CDS, relativo ao Estatuto Social dos Bombeiros.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, antes de proferir a minha declaração de voto, porque sou membro da comissão especializada que aprovou o Estatuto que acabámos agora de votar e também porque sou membro de uma associação de bombeiros voluntários, gostaria de me congratular e salientar a excepcional presença de bombeiros, hoje, nesta Câmara, o que muito nos apraz e satisfaz, pois é símbolo de toda a sua abnegação e altruísmo para com todos os bombeiros portugueses.
Aplausos gerais.
Sr. Presidente: - Srs. Deputados: data de 23 de Agosto de 1395 o primeiro documento conhecido que se refere à organização em Portugal de um serviço de combate a incêndios. É a carta régia de D. João I.
Em 1646 a Câmara de Lisboa contrata os primeiros bombeiros remunerados, organização esta que está na origem do actual Batalhão de Sapadores Bombeiros.
Em 1683 é publicado o primeiro regulamento do pessoal de incêndios em Lisboa.
Em 18 de Setembro de 1868 foi fundada em Lisboa a primeira associação de bombeiros voluntários e para a qual o próprio príncipe D. Carlos se inscreveu como sócio, para que a companhia ostentasse o título real.
Hoje, 592 anos após a carta régia de D. João I, esta Câmara aprova, por unanimidade, o Estatuto Social dos Bombeiros, documento que vinha sendo reclamado, muito justamente reclamado, pela Liga dos Bombeiros Portugueses e que vem, finalmente, repor a justiça a que os soldados da paz, por mérito próprio, têm direito.
O Estatuto agora votado, e que fará parte integrante da vida dos bombeiros portugueses, preservará o seu altruísmo e abnegação, os direitos e regalias constantes do articulado incidem, essencialmente, no campo familiar e pessoal, salvaguardando os bombeiros e o seu agregado familiar por acidente ou doença contraída no cumprimento da sua missão.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Renovador Democrático, e eu próprio, como cidadão, há já alguns anos ligado a uma associação de bombeiros voluntários, congratula-se por ter participado na elaboração de um projecto de lei que recolheu a unanimidade de todos os grupos parlamentares. O alto significado no consenso obtido espelha bem o respeito e admiração que aos bombeiros portugueses é devido. Os bombeiros são uma organização apartidária e apolítica e a Assembleia da República deu, na conjugação de esforços e no trabalho desenvolvido no âmbito da comissão especializada, uma resposta favorável a este saber estar e servir a sociedade portuguesa. O documento agora aprovado recolheu contributos de todas as áreas ligadas às associações de bombeiros: corporações, Serviço Nacional de Bombeiros, inspecções regionais e Liga dos Bombeiros Portugueses. De sublinhar, aqui, o excelente trabalho elaborado no âmbito da Liga dos Bombeiros Portugueses que em muito veio enriquecer e contribuir para o texto de consenso que hoje votámos e aprovámos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Interessa, no entanto, salientar que a aprovação deste Estatuto não vem resolver o outro lado da face da problemática dos bombeiros.
Se as carências e dificuldades com que os bombeiros são, ainda hoje, confrontados não forem urgentemente ultrapassadas e os meios técnicos e materiais mais modernos e eficazes não forem definitivamente adquiridos vamos continuar a assistir, impunemente, à destruição sistemática de haveres e bens e, lamentavelmente, de vidas humanas.
A Lei Orgânica do Serviço Nacional de Bombeiros - Decreto-Lei n.º 418/80 - carece de revisão urgente. O início da actividade da Escola Nacional de Bombeiros não poderá, nem deverá, por muito mais tempo ser protelado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desde sempre os bombeiros reafirmaram a sua inabalável determinação de continuar ao serviço do bem comum, na defesa de vidas e haveres, sem discriminações nem hesitações. É justo que uma parcela da nossa dívida de gratidão seja selada com a aprovação do seu estatuto social, que, além do mais, lhes confere direitos e regalias e cujo custo, se necessário, será suportado por toda a comunidade. Aos bombeiros portugueses, hoje, fez-se justiça. Bem hajam soldados da paz pela vossa forma ímpar e exemplar de servir Portugal e os Portugueses.
Aplausos gerais.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Carlos Lage.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Lopes.
O Sr. Fernando Lopes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os bombeiros portugueses têm, a partir de agora, o seu Estatuto Social. Foi possível, neste Parlamento, elaborar o Estatuto com consenso total, porque aprendemos com os bombeiros que servem Portugal, sem se servirem de Portugal. Trouxemos deles essa mensagem, para que ninguém neste Parlamento levante a bandeira do Estatuto Social dos Bombeiros.
O Estatuto Social dos Bombeiros a eles pertence - como comecei por dizer - e, infelizmente, da parte deles, nunca tivemos reivindicação alguma quando acodem à desgraça dos outros; o que eles querem, desde há muitos anos, é que, quando a desgraça lhes bate à porta, a sociedade, que servem, lhes acuda. Nada quiseram para si, apenas o reivindicavam para os seus, por si ou através da sua Liga, na hora da desgraça, do acidente...
Gostaríamos que este Estatuto Social - que dá, efectivamente, regalias significativas quando um bombeiro sofre um acidente e deixa os seus desamparados - não tivesse que ser aprovado, porque, a sê-lo, é sinal que mais uma desgraça, mais um caso de Armamar aconteceu em Portugal. Mas isso já não depende da lei nem deste Parlamento, depende do Governo, que pouco faz para prevenir e evitar que a nossa floresta atinja o estado calamitoso em que se encontra. Mais um Verão está à porta e nada foi feito...
Os bombeiros de Portugal cumprem as suas obrigações, os outros portugueses que cumpram as suas!...
Protestos do PSD.
O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Há nove meses que o Governo tem uma proposta na Comissão de Agricultura e Mar sobre incêndios e a oposição não nos deixa trabalhar!
O Orador: - O Estatuto Social dos Bombeiros está aprovado e os bombeiros portugueses nada têm que agradecer. Nós, Portugueses, é que lhes temos que agradecer tudo o que têm feito desinteressadamente, fugindo ao conforto do seu lar, sem quererem nada para si.
Em nome do Partido Socialista, obrigado, bombeiros de Portugal!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Roleira Marinho.
O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com os tempos, o serviço prestado pelos bombeiros à sociedade tem conhecido um alargado desenvolvimento e a sua acção manifesta-se nos mais diversos campos, num apoio permanente aos cidadãos individualmente considerados, mas também a estabelecimentos e equipamentos colectivos, como é, por exemplo, o caso dos hospitais.
Por outro lado, se tivermos em conta que as associações de bombeiros, e nestas as associações de bombeiros voluntários, não estão ligadas, nem dependentes de outras organizações, e prosseguem fins perfeitamente autónomos, mais se justifica que, no Estatuto que hoje acabamos de aprovar, se fixem regras, princípios, que, salvaguardando o «voluntariado», defendam, protejam minimamente os bombeiros, naquilo que é a sua actividade normal, e, por isso, fixarmos no diploma o direito de faltar ao trabalho, sem perda de remuneração e de quaisquer outros direitos ou regalias, para o cumprimento de missões urgentes, atribuídas aos corpos de bombeiros, pois não fazia sentido que os bombeiros chamados a prestar um serviço social, um serviço de relevante interesse colectivo, se vissem, por tal, privados do direito ao salário, aliás, supomos que os empregadores, todos os empregadores, se encontrarão disponíveis para compreender e aceitar norma de tão largo alcance.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cuidada foi a preparação do presente documento, embora à custa de alguma demora. Mas ainda bem que se seguiu tal caminho, que a seriedade e complexidade da matéria impunham.
Subcomissão criada para tratamento desta questão, beneficiou da colaboração prestimosa do ministério da tutela, bem como da Liga dos Bombeiros Portugueses, assim como de muitos outros contributos e bem haja ao Governo pela colaboração prestada.
Pensam os deputados do Partido Social-Democrata que estarão atingidos os objectivos pretendidos, servindo desde modo os bombeiros, como é de elementar justiça, e, ao mesmo tempo, fomentando o espírito de voluntariado e de associação.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Relembramos que, no lema de tudo dar e nada receber, propriamente aos bombeiros pouco se atribuiu, antes se salvaguardaram os direitos das suas famílias, dos filhos dos bombeiros monos por acidente em serviço, ou quando atingidos por incapacidade permanente, remetendo para o Estado a responsabilidade do pagamento integral da assistência médico-medicamentosa, em especialidades médicas e elementos auxiliares de diagnóstico ou médico-cirurgia, na parte, em que tais encargos não sejam suportados por outra entidade e o Estado reivindicou para si esta responsabilidade.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Aos filhos dos bombeiros falecidos em serviço ficam salvaguardadas algumas regalias, que, supomos, a sociedade, em geral, apoiará, pois tal não pode entender-se como uma excepção descabida, como um favor, mas uma pequena contrapartida a quem tudo dá, tudo deixa, para servir todos, sem curar de saber quem são os beneficiários do seu esforço, da sua acção.
Pelo exposto, e porque entendemos que os bombeiros são cada vez mais credores da admiração e estima da nossa sociedade e são também o mais elevado exemplo da prática da solidariedade, na sua abnegada missão de a todos servir, o Partido Social-Democrata votou favoravelmente o projecto de lei sobre o Estatuto Social dos Bombeiros, reconhecendo que é mais que justo este mais favorável enquadramento da actividade dos bombeiros portugueses, embora não devam esgotar-se aqui os seus direitos, como tão-pouco estes são a garantia do mais puro voluntariado.
Para terminar, quer o Partido Social-Democrata, através dos bombeiros aqui presentes, saudar todos os bombeiros portugueses.
Vozes do PSD: - Muito bem!
Aplausos do PSD, do CDS e de alguns deputados do PRD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Soares.
O Sr. Jaime Soares (PSD): - Sr. Presidente, era só para informar a Mesa de que, oportunamente, apresentarei uma declaração de voto por escrito.
O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Andrade Pereira.
O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputado;.: Acaba de ser aprovado, em votação final global, por unanimidade, o projecto de lei n.º 194/IV V, do CDS, o Estatuto Social dos Bombeiros.
Terminou, deste modo, um processo legislativo que reputo ter decorrido de forma modelai.
O Sr. João Amaral (PCP): - Isso é exagero!
O Orador: - Pode não surpreender que assim tenha acontecido, dada a gratidão, o carinho e a consideração que a todos merecem os abnegados destinatários do diploma que agora nasce, os bombeiros que em tão grande numera se acham presentes e que muito me apraz cumprimentar.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mas vale a pena salientá-lo, para que não possa negar-se que, ao menos uma vez, esta Assembleia não foi o empecilho, de que muitas vezes é acusada.
Uma voz do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Apresentado o projecto de lei pelo CDS, foi o mesmo discutido e aprovado na generalidade por todos os grupos parlamentares.
Baixou à 1.ª Comissão, foi designada uma subcomissão, que eu próprio coordenei, para preparar o texto na especialidade. Tal subcomissão reuniu numerosas vezes.
Porque a execução do diploma que viesse a ser aprovado sempre careceria do concurso do Governo, a subcomissão reuniu com o Ministro de Estado e da Administração Interna.
Porque importava não produzir um diploma que frustrasse as expectativas dos destinatários, sobretudo os bombeiros voluntários, ouviu-se o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses.
Porque uma das disposições do projecto de lei podia colidir com os interesses da Forças Armadas, ouviu-se o Ministro da Defesa Nacional.
E foi sempre (designadamente Governo/Assembleia) um diálogo contrutivo, empenhado, sério e com um único e comum objectivo - o de definir o melhor estatuto social para os bombeiros.
Acabou por ser encontrado um texto que mereceu, na 10.ª Comissão, a aprovação unânime na especialidade. O que foi confirmado, agora e aqui, em votação final global.
A instituição funcionou. A iniciativa legislativa do CDS chegou a bom termo.
Os bombeiros portugueses têm a partir de agora definido o seu estatuto social.
Está satisfeita uma sua velha aspiração.
Sei que o estatuto social não é a panaceia para todos os males que afligem os bombeiros.
Não é por causa dele que as matas vão deixar de arder em arei s múltiplas das áreas florestadas de novo e como arderam já este ano e há poucos dias no meu concelho de Seia.
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Não é por causa dele que Portugal deixará de ser o País com maior número de fogos por quilómetro quadrado e maior área ardida por cada fogo.
Não é por causa dele que a detecção de incêndios melhorará e os meios de combate aumentarão.
Não é por causa dele que passarão a morrer menos bombeiros.
Mas é importante que os bombeiros, sobretudo os bombeiros voluntários, saibam aquilo que a sociedade lhes deve. Aquilo que podem receber por direito próprio e não por qualquer aviltante generosidade serôdia.
Uma voz do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Que possam entregar-se à sua humanitária dádiva, à sua heróica luta, à sua ardorosa entrega com a certeza de que, se soçobrar, no altruísmo, os seus terão um amparo que é pequeno preço para o tudo dado.
Por isso nos congratulamos vivamente com a aprovação do Estatuto Social dos Bombeiros.
Por isso, vale a pena sorrir. Ainda que com os olhos, marejados de lágrimas por Armamar e Águeda!
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Abrantes, também para uma declaração de voto.
O Sr. João Abrantes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os bombeiros portugueses têm a partir de hoje um novo estatuto social, que lhe irá proporcionar mais garantias no exercício da sua acção abnegada em prol da comunidade.
A lei que a Assembleia da República aprova hoje consagra um conjunto de direitos e regalias aos bombeiros, nomeadamente: o benefício do regime de Segurança Social; o direito à indemnização, subsídios e pensões legais no caso de doença contraída em serviço; a frequência de cursos, colóquios e seminários que contribuam para o aprefeiçoamento da formação de bombeiros; a utilização de transportes públicos em serviço; o benefício de um seguro de acidentes pessoais, uniforme e actualizado para acidentes ocorridos em serviço e que abranjam os riscos de morte, invalidez permanente, incapacidade temporária e despesas de tratamento; a garantia de pagamento da assistência médica e medicamentos; meios de diagnóstico, internamentos, tratamentos termais, prótese, recuperação em caso de acidente ou doença em serviço; a criação de uma Casa de Repouso do Bombeiro, onde poderá ingressar, no caso de carência material e familiar; a atribuição de pensões de sangue às famílias de bombeiros falecidos no cumprimento da sua actividade humanitária.
Sobretudo realçam-se as regalias que são atribuídas aos filhos de bombeiros falecidos em serviço ou que contraem doença no desempenho das suas funções: a isenção de propinas e matrículas nas frequências de ensino secundário e superior oficial; a prioridade nos acessos a creches, infantários e estabelecimentos de ensino pré-primário; a prioridade na atribuição de subsídios de estudo pelos serviços sociais, a atribuição de subsídios para despesas de recuperação, tratando-se de deficientes.
Não ficam contemplados alguns dos direitos que os bombeiros vinham reivindicando, tais como o crédito bonificado para compra ou recuperação de habitação própria, o acesso a cooperativas do funcionalismo, o tempo de serviço contado como bonificação e a redução da taxa de 3,5% nas contribuições à Segurança Social por parte das empresas. Por consenso unânime de todos os participantes neste processo, acabámos por acordar na retirada destes direitos.
No entanto, neste último aspecto, ouvimos em várias sessões em que participámos lamentar a queda desta regalia que é entendida como medida universal que poderia servir de estímulo às entidades empregadoras para admitir bombeiros, sobretudo jovens à procura do primeiro emprego. Veremos - e manifestamos a nossa abertura nesse sentido - se numa futura revisão, se necessária, se justifica a introdução deste preceito.
O PCP entende a aprovação deste estatuto não apenas como uma mera homenagem justa e devida aos valorosos soldados da paz, bombeiros portugueses - sapadores, municipais, voluntários ou privativos -, que por todo o País arriscam a sua vida para garantir a tranquilidade das nossas vidas. Mais do que isso, entende-o como um importante instrumento para que se garanta mais eficazmente o exercício desta função.
Mas a aprovação deste estatuto social não será suficiente para completar o quadro da protecção das vidas e haveres dos cidadãos sem a implementação de outras medidas que visem a salvaguarda do nosso património florestal.
Cabe ao Governo intervir na ordenação da floresta por forma a evitar a sua destruição, criar os meios de vigilância e detecção e dotar todos os que intervêm no combate aos incêndios com meios eficazes.
Os cidadãos não podem ser vítimas da incúria e da inacção dos responsáveis e nesse campo o Governo demitido deu provas bastantes da sua incompetência.
É sempre em cima da hora que se lançam medidas sem planeamento, que acabam por custar caras e não produzem efeitos.
Aproxima-se o tempo quente e já este ano se consumaram duas destruições da floresta por falta de medidas atempadas e planeadas.
Se as medidas que sempre defendemos (vigilância, detecção, protecção e combate) não forem tomadas, então e estatuto pouco virá resolver.
No entanto, ele é necessário e para a sua elaboração o PCP empenhou-se com afinco para que o mesmo pudesse estar já aprovado. Basta lembrar que o seu agendamento esteve marcado há mais de dois meses e que nessa altura o PSD resolveu recomeçar um debate que estava concluído.
Há que dizer isto e assumir as respectivas responsabilidades.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Contudo, o que agora importa é que este Estatuto Social dos Bombeiros seja rapidamente cumprido e que da sua aplicação possa resultar o desencadear de um processo que proteja e desenvolva a nossa floresta e dignifique todos os intervenientes nessa protecção.
São os votos do PCP.
Aplausos do PCP, do MDP/CDE e de alguns deputados do PSD, do PS, do PRD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à discussão, na generalidade, dos projectos de lei n.ºs 377/IV, do PS, que rege os crimes de responsa-
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bilidade dos titulares de cargos políticos, e 384/1 V, do PRD, sobre a responsabilidade criminal dos titulares dos órgãos políticos.
Srs. Deputados, estão em discussão os projectos que acabei de anunciar.
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos, autor do projecto apresentado pelo PS.
Um momento, Sr. Deputado Almeida Santos, mas o Sr. Deputado José Manuel Mendes pediu a palavra para interpelar a Mesa, pelo que lha vou conceder de imediato.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas tinha pedido a palavra antes de V. Ex.ª a ter concedido ao Sr. Deputado Almeida Santos para proferir uma intervenção.
Acontece que me parece de todo em todo curial que, antes da intervenção que agora ia ser iniciada pela bancada do Partido Socialista, se procedesse à leitura do relatório da comissão.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Manuel Mendes, tem toda a razão, pois pode requerer a leitura do relatório.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, pela nossa parte, e com os cumprimentos ao autor, estamos dispostos a dispensar a leitura do relatório.
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, nós também prescindimos da leitura do relatório.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Manuel Mendes, faz questão que o relatório seja lido?
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - De forma alguma, Sr. Presidente. Apenas chamei a atenção para uma praxe, mas também prescindimos da leitura do relatório.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
Uma vez que todas as bancadas prescindem da leitura do relatório, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos, para apresentar o projecto de lei do PS.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, fui tão sincero na minha reacção à dispensa da leitura do relatório elaborado pelo Sr. Deputado Licínio Moreira, que conheço e é brilhante, que vou demonstrar que assim é.
Nós precisamos desta lei urgentemente. É preciso que esta sessão legislativa ou esta legislatura, consoante os casos, não acabe sem que nós a aprovemos e pode acontecer que os fados se encarreguem de, muito proximamente, tornar o tempo exíguo para que a possamos aprovar.
Tenho aqui um discurso muito extenso, muito bonito - desculpem a presunção -, mas renuncio também à leitura do meu discurso e vou depositá-lo na Mesa.
O texto fala por si, quem quiser dar-se à bondade e à maçada de o ler, fará o favor de o fazer. Não morre o mundo se não o vierem a ler, o que é preciso é que tenhamos, a lei e não que oucemos discursos.
Assim, meus senhores, vou fazer o que disse, vou entregar na Mesa o meu discurso escrito.
Vozes do PSD e do PRD: - Muito bem!
Pausa.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Almeida Santos acabou de entregar na Mesa o seu discurso, o qual será publicado no Diário da Assembleia da República.
Srs. Deputados, neste momento não há inscrições e caso não haja mais pedidos de palavra, terei de pedir ao Sr. Deputado Almeida Santos que leia o discurso.
Risos.
Pausa.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães. Entretanto, inscreveu-se para proferir uma intervenção o Sr. Deputado Licínio Moreira.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, nós estaremos absolutamente de acordo com todas as medidas através das quais se estabeleça um regime harmonioso e célere para o debate de iniciativas legislativas com a importância destas que hoje estão em apreço.
Em todo o caso, convenhamos que era útil que chegássemos a acordo quanto a um regime curto, ma non troppo.
Risos.
Creio que o Sr. Deputado Almeida Santos, tendo prescindido de um discurso mais elucubrado e com uma duração mais extensa, poderia porventura fazer uma curta introdução - mais curta, sem dúvida, mas não, certamente, menos douta; pela nossa parte, abreviaríamos também as considerações, mas o debate sobre os crimes da responsabilidade dos titulares de cargos políticos teria assim a dignidade adequada e esperada, pois esta é uma questão gravíssima.
É esta a nossa sugestão, Sr. Presidente e Srs. Deputados.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, tem, V. Ex.ª, a palavra.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, vou então fazer a economia máxima e reduzir ao mínimo dos mínimos o que se diz no meu extenso discurso.
Todos nós sabemos da necessidade de aprovarmos esta lei, até porque estamos em crime de omissão constitucional, portanto, de inconstitucionalidade, há cerca de onze anos.
Temos «feito» lei: que punem toda a gente menos a lei que pune os nossos próprios crimes. Pode acontecer que o povo não ache muita graça a esta coisa de nós o punirmos a ele e não nos punirmos a nós próprios. É uma exigência da nossa própria consciência, além de uma obrigação que temos para a Constituição e a democracia em geral.
Devo dizer que, na generalidade dos países, é escassa a legislação sobre esta matéria, porque se trata de uma
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matéria difícil. Difícil, desde logo, porque é preciso definir o que é crime político, saber se a natureza de crime político agrava ou atenua.
Em meu entender, crime político é aquele que está ligado ao exercício da função, como, aliás, a Constituição refere. Acho que a circunstância de se tratar de um agente, que é particularmente poderoso e competente, só pode agravar a responsabilidade e não diminuí-la. Daí, que no projecto de lei de que fui subscritor apareçam as penas agravadas.
Por outro lado, há uma outra necessidade, que torna ainda mais dramática a falta desta lei: é que, quando demos livre curso ao Código Penal, estabelecemos um artigo - por sinal, o último - que diz que sempre que no código se fala de crime imputável a funcionário, portanto, cometido no exercício de funções públicas, há-de vir uma lei a estabelecer a equiparação entre o funcionário e o titular de cargo político. Essa lei nunca foi feita e o Código Penal já está em vigor há quatro anos.
O Código Penal diz «o funcionário que...», e nós, como não somos funcionários, poderemos dizer que estamos impunes; só não o podemos dizer porque, no último Governo, por minha iniciativa, se fez uma «leizinha», pequena, a submetê-lo aos crimes de corrupção e a outros crimes que tinham significado no exercício das funções.
Uma das dificuldades do projecto é a de se saber se poderemos, por exemplo, fazer decorrer da aplicação de uma pena a demissão ou cessação do mandato do agente. A primeira vista parece que não, porque o artigo 30.º da Constituição diz que nenhuma pena acessória decorrerá necessariamente da aplicação de uma pena que limite o exercício de direitos políticos.
Entendo que não se trata de atacar o agente, mas a função. A própria Constituição remete para a lei as incompatibilidades, em matéria eleitoral, com o exercício de funções políticas. Sobretudo, acho que é aberrante que a própria Constituição diga que se o Presidente da República for condenado por um crime de responsabilidade é exonerado, é destituído, e nós, ou os restantes titulares de cargos políticos, o não sejamos. Quer dizer, um político comete um crime grave e continua sentado na sua cadeira, a despachar os seus assuntos, como se fosse um anjo do céu?! É claro que não pode ser!
No meu discurso escrito levanto alguns problemas de carácter técnico, que seria interessante discutirmos aqui. Há problemas em que eu nunca tinha pensado, mas nos quais reflecti agora, pela primeira vez, e que são muito curiosos - levantam-se até em torno das imunidades de que hoje gozamos. Por exemplo, somos isentos de responsabilidade criminal pelas nossas opiniões e pelos nossos votos. Mas se o voto for resultado de um facto criminoso? E se a opinião for emitida de forma injuriosa para o cidadão A, B ou C? Se eu vier aqui dizer que o José Joaquim é um gatuno, sou imune por isso? Se eu vier dizer aqui que o Sr. Deputado tal exerceu um voto que não é o da sua consciência, mas sim porque fez um contrato, estou imune? Temos de pensar nisso um dia; as imunidades têm a sua justificação na necessidade de salvaguardar a nossa independência, mas não devem ir além da sua própria justificação.
Muitos outros problemas são interessantíssimos e seria também interessante traze-los para aqui.
Verificamos que existem iguais estruturas em todas as outras legislações, como, por exemplo, a própria punição do Presidente da República.
Os regimes monárquicos acham que o rei, por definição, não erra - e ali o nosso amigo sabe que é assim - porque descende directamente do poder divino e se, por definição, Deus não erra, não comete crimes, como é que o rei poderia cometê-los?
O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - Você não percebe nada disso!
O Orador: - Diz-se: mas o rei é homem e como homem pode cometer crimes e, se os comete, o que é que acontece? A resposta é sempre esta: não, porque aí estará em causa a própria instituição monárquica e então entrará no seu ocaso.
Acontece que cada vez que pensamos nos Borgia e no uso do cianeto para ocupar as cadeiras que eram ocupadas pelos reis de então, verificamos que muitos terão sido os ocasos e talvez só o sol consiga ter mais ocasos do que a própria monarquia terá tido, e ela ainda está florescente nalguns regimes.
As repúblicas são diferentes, mas mesmo aí restritivas. Em regra, são muito poucos os crimes que se imputam ao Presidente da República: normalmente, o Presidente da República só é susceptível de cometer dois crimes, o crime de traição à pátria e o de ultraje à Constituição.
A nossa Constituição é mais exigente, pois não limita substancialmente a imputação da responsabilidade criminal ao Presidente da República, dizendo que sempre que ele seja condenado por um crime de responsabilidade é destituído. Não recua perante isso. Aí, vimos nós, subscritores do nosso projecto, uma boa razão para sermos rigorosos, quer na tipificação dos crimes, que na relação deles, quer ainda nas penas, que aparecem normalmente agravadas, exactamente em funções da especial obrigação que todos temos de não cometer erros em geral e crimes em especial.
Meus senhores, poderia aqui dizer muitas outras coisas, mas penso que isto chega para que estejamos muito preocupados com a necessidade de rapidamente aprovarmos esta lei.
Peço a todos os Srs. Deputados um sacrifício: o de ainda hoje fazermos a aprovação, na generalidade, destes projectos de lei. Já tenho da 1.ª Comissão a promessa de que ainda hoje os começaremos a discutir na especialidade. Ambos têm virtudes e, necessariamente, defeitos. Dos dois há-de sair o texto de alternativa que aqui traremos na próxima semana, por fornia que possamos fazer ainda a sua aprovação final global, pois eu não sairia daqui tranquilo - se é que a legislatura vai acabar - sem que esta lei fosse aprovada.
Aplausos do PS, do PSD, do PRD, do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Licínio Moreira.
O Sr. Licínio Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As Constituições portuguesas anteriores à actual enumeraram e definiram quer os sujeitos quer os objectos dos chamados crimes de responsabilidade. E as duas últimas, a de 1933 e a de 1911, quase que decalcaram uma da outra tais tipos legais de crime, conforme se alcança de uma simples leitura dos rés-
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pectivos artigos 115.º e 55.º Mas se em ambas as Constituições os crimes de responsabilidade eram praticamente os mesmos [actos contra a existência política da Nação, contra a Constituição e o regime político estabelecido, contra o livre exercício dos órgãos de soberania, contra o gozo e o exercício dos direitos políticos e individuais, contra a segurança interna do País, contra a probidade da administração, contra a guarda e emprego constitucional dos dinheiros públicos e contra as leis orçamentais votadas no Congresso (Constituição de 1911) ou contra as leis da contabilidade pública (Constituição de 1933)], como os mesmos eram os efeitos da condenação em qualquer desses crimes - perda do cargo e incapacidade para exercer funções públicas -, já os sujeitos abrangidos por tais dispositivos diferiam. Com efeito, na Constituição de 1911, os membros do poder executivo (Presidente da República e Ministros) e seus agentes eram sujeitos dos crimes de responsabilidade, embora o Presidente da República não respondesse pelos dois últimos crimes enumerados. Na Constituição de 1933 o elenco dos sujeitos de crimes de responsabilidade ainda era mais restrito do que aquele, pois só os Ministros, Secretários de Estado e Subsecretários de Estado e agentes do Governo é que ficaram abrangidos.
A actual Constituição enveredou por um dispositivo diametralmente diferente. Na realidade, o artigo 120.º, n.º 3, é uma imposição legiferante, pois se dirige aos órgãos legislativos com vista a prever e punir os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, bem como, também, a definir quem seja titular de cargo político.
Por aqui já se vê que o legislador constituinte quis deixar ao labor do legislador ordinário a definição dos tipos legais de crimes de responsabilidade, que só podem ser praticados por certos tipos de agentes - os titulares de cargos políticos -, estarem em jogo bens ou valores particularmente relevantes da ordem constitucional e cuja promoção e defesa constituem dever funcional dos titulares de cargos políticos, havendo, por isso mesmo, uma conexão entre a responsabilidade criminal e a responsabilidade política, dever a responsabilidade criminal ser qualificada em face da responsabilidade comum, pelo facto de o agente dispor de uma certa liberdade de conformação e gozar de uma relação de confiança pública, e, por fim, haver especificidades quanto ao processo criminal, quanto ao tipo de penas e seus efeitos e, também, quanto à competência judicial para o julgamento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Face à actual Constituição da República, os sujeitos ou agentes destes crimes são muitos mais dos que tinham sido previstos nos diplomas fundamentais anteriores. São todos os titulares de cargos políticos, que, como se disse, a lei constitucional não define, mas que, face ao disposto no artigo 121.º, têm que ser os titulares de um cargo, a nível nacional, regional ou local, aos quais foram confiadas constitucionalmente funções políticas. Para além dos titulares dos órgãos de soberania (Presidente da República, Assembleia da República e Governo), deixando de fora os titulares da função jurisdicional, por se entender que não devam considerar-se titulares de cargos políticos, temos outros agentes, da administração a nível do território de Macau, das regiões autónomas ou do poder local, que, pelas razões atrás apontadas, devem entrar na definição de titular de cargo político. Pelas mesmas razões, e ainda por coerência
legislativa, entendemos que os membros do Conselho de Estado, os Deputados Portugueses ao Parlamento Europeu e os juízes do Tribunal Constitucional devem ser abrangidos pelo decreto desta Assembleia que vier a ser aprovado.
O Sr. Malato Correia (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vejamos agora o elenco dos tipos legais de crime que, no nosso entender deverão constituir os chamados crimes de responsabilidade. Os dois projectos de lei em apreciação, também neste ponto, diferem bastante. Com efeito, a iniciativa do Partido Socialista contém grande parte dos crimes do título u do livro n do Código Penal, encimado pela rubrica «Dos crimes contra o Estado», agravando normalmente a pena ou modificando a sua previsão, deixando, contudo, de fora outros comportamentos censuráveis num titular de cargo político, como, por exemplo, a não promoção ou a não continuação de promoção de procedimento criminal contra um infractor (artigo 414.º do Código Penal) e o abandono de funções (artigo 436.º do Código Penal).
Por seu turno, o projecto de lei do PRD limita-se a criar dois tipos legais de crime - incumprimento de decisões judicial! e abuso de poderes -, que tem como agentes os titulares de órgãos políticos, um outro crime - violação de leis orçamentais -, que só poderá ter como sujeito um membro do Governo, para, num quarto artigo, equiparar a funcionário o titular de órgão político, da prática dos crimes previstos e punidos pelos artigos 420.º a 424.º, 426.º, 427.º e 429.º a 432.º do Código Penal.
Nem pela exposição de motivos que antecede o projecto de diploma, nem pelo próprio contexto do articulado, se alcança a drástica redução do crime de violação de leis orçamentais para os membros do Governo, tendo em conta que quase todos os titulares de cargos políticos, desde o Presidente da República, passando por esta Assembleia da República, e até ao titular do órgão executivo das câmaras municipais, têm, no órgão de que fazem parte, um orçamento a executar.
Quanto às peais que hão-de corresponder a cada um dos tipos legais cie crimes de responsabilidade, há que ter em conta o que logo sublinhei ao iniciar esta intervenção, ou seja, que, havendo uma conexão entre a responsabilidade criminal e a responsabilidade política, deve a responsabilidade criminal ser qualificada em face da responsabilidade comum.
Daí que não se perceba a razão por que no projecto de lei do PRD se aça corresponder ao crime de responsabilidade de aborto de poderes (artigo 2.º) uma sanção - prisão até dois anos e multa de 50 a 150 dias - que é inferior à pena que está cominada no Código Penal (artigo 432.º) - prisão de três anos e multa de 10 a 90 dias - quando ta crime seja praticado por funcionário.
Igual reparo merece o artigo 4.º do mesmo projecto de lei, quando também equipara as penas dos funcionários aos titulares de órgãos políticos, para além de ser absolutamente redundante face ao disposto no artigo 437.º do Código Penal.
O Código Penal em vigor acabou com a distinção entre prisão e prisão maior, estabelecendo como penas principais a prisão e a multa e podendo revestir aquela as modalidades do determinada, indeterminada e por dias livres.
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Ora, no projecto de lei do Partido Socialista e a propósito das regras especiais do processo, fala-se, por diversas vezes, em pena maior, o que nos parece tecnicamente incorrecto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Volvidos onze anos sem que se tenha colmatado esta falha legislativa, a Assembleia da República tem em mãos dois projectos de lei, que, não obstante os erros e as faltas assinalados, constituem instrumento de trabalho absolutamente necessário para completar o estatuto dos titulares dos cargos políticos.
Embora a última, esta será a peça de tal estatuto que melhor irá contribuir para a dignificação dos titulares de cargos políticos, na medida em que, tendo-se já aprovado diplomas que conferem àqueles prerrogativas, imunidades, incompatibilidades, direitos e deveres, o decreto, a aprovar nesta matéria, impõe aos titulares de cargos políticos maiores cuidados e cautelas tendentes a evitar que a sua boa reputação seja atingida. Acresce por fim que com a nova lei concorrer-se-á em definitivo para matar o velho mito de que o exercício de cargos políticos torna irresponsáveis as pessoas que os desempenham, velha reminiscência herdada dos tempos do absolutismo real, em que se considerava que o rei, por definição, não erra, ou, então, que o príncipe não está sujeito à lei (princeps legibus solutus est).
Por tudo isto, o Partido Social Democrata dará o seu voto favorável às duas iniciativas legislativas e empenhar-se-á profundamente em comissão para que o diploma final seja melhorado.
Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Licínio Moreira, os Srs. Deputados Magalhães Mota e Almeida Santos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Deputado Licínio Moreira, como é evidente, os projectos de lei não são perfeitos - e aquele de que sou subscritor não o é, mas não tem alguns dos defeitos que o Sr. Deputado lhe apontou.
Concretamente, quando acusa o projecto de não prever nenhuma penalização por violação das regras orçamentais para os membros dos governos regionais ou das câmaras municipais, esqueceu-se que o n. º 2 do artigo 3.º expressamente prevê que:
Na mesma pena incorrem os membros dos governos regionais ou das câmaras municipais que praticarem alguns dos crimes previstos no número anterior.
Creio que terá sido por mero lapso que formulou essa crítica. Ela não tem, de facto, razão de ser, visto que está expressamente previsto no projecto de lei.
Em relação àquilo que considerou uma repetição, e que é o problema da equiparação a funcionários estabelecida no artigo 4.º do projecto de lei, chamaria a sua atenção para que, precisamente, o último artigo do Código Penal - o 437.º - comete a lei especial esta equiparação. Era necessário uma lei especial - e é o caso - para que a equiparação fosse possível. Também esta crítica, julgo que face à própria disposição do artigo 437.º do Código Penal, não tem razão de ser, visto que o artigo 4.º do projecto segue exactamente aquilo que o Código Penal preconiza, ou seja, fazer em lei especial esta equiparação.
Gostaria de lhe chamar ainda a atenção para o artigo 5.º do projecto de lei que estabelece uma penalidade acessória e, portanto, corresponde sempre a uma agravante das penalizações do Código Penal que - e é uma diferença substancial entre o projecto de lei que apresentámos e o projecto de lei apresentado pelo PS - de facto, não repete, porque considerámos inúteis as repetições, aqueles que já são, as previsões e as punições estabelecidas no Código Penal.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Licínio Moreira, gostei muito de o ouvir, naturalmente, e quero dizer-lhe que talvez valha a pena entendermo-nos um pouco sobre isto.
Está em causa a qualificação como titulares de cargos políticos dos membros do Conselho de Estado, do Tribunal Constitucional e o Provedor de Justiça.
Quanto ao Conselho de Estado não estou em boa posição para me bater por uma tese contrária à sua, pois tenho essa qualificação, não queira eu incorrer na acusação de que estou a conquistar a impunidade. Mas acho que, efectivamente, tratando-se de uma função que tem apenas como competência dar conselhos, que crimes é que pode cometer, sobretudo os que estão previstos na própria lei? Como é que aqueles crimes que estão «ali» - e não há outros - podem ser cometidos a dar conselhos? Talvez seja possível, mas não vejo bem como.
Por outro lado, também não desconheço que numa lei, em cuja génese, aliás, eu próprio estive - a lei da declaração dos rendimentos, ou da propriedade ou da fortuna dos titulares dos cargos políticos -, aparece o Tribunal Constitucional, o Provedor de Justiça e também os conselheiros de Estado. Mas aí com alguma lógica, porque aí podem ser desonestos em geral, não tem nada que ver com a função. Porém, enriquecer e sabemos que enriqueceram tendo cabritos sem ter cabras, poderá levar a que se suspeite da sua honestidade. Agora, aqui, porque é que vamos sujeitar a uma incriminação especial um juiz do Tribunal Constitucional, qualificando a sua função de política, e não um juiz do Supremo Tribunal de Justiça? Acho que ou os consideramos todos para a equiparação, e isso é uma aberração para os juízos comuns, ou então não qualificamos nenhum!
O Provedor de Justiça, esse tem mesmo uma função em que não me parece possível a comissão de crimes, pois limita-se a fazer recomendações. Poderá uma recomendação, em si, conter a materialidade de um crime? Sinceramente, parece-me que não seria de incluir em nenhuma dessas categorias.
O último reparo que fez foi o de que no texto do projecto de lei apresentado pelo PS ainda se fala em pena maior. Quero só lembrar-lhe que, infelizmente, estamos a regulamentar, neste caso, a Constituição e ela fala várias vezes em pena maior, sobretudo nesta matéria. O que é que eu hei-de fazer se ela diz que os deputados não podem ser presos sem autorização da Assembleia da República, salvo em flagrante delito ou em crime que corresponde a pena de maior? O que é que hei-de fazer à minha vida? Estou sujeito à Consti-
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tuição e a funcionar de acordo com ela, de maneira que não sei bem como é que haveria de «fugir» à conciliação entre uma Constituição que fala nisso e um Código Penal que deixou de falar. Talvez por recurso a equivalência? Não sei, sinceramente. Na especialidade havemos de encontrar uma solução, se o Dr. Costa Andrade, do alto da sua competência especializada, nos der uma ajuda qualquer.
O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Licínio Moreira.
O Sr. Licínio Moreira (PSD): - Sr. Deputado Magalhães Mota, agradeço-lhe os pedidos de esclarecimento que me fez e devo dizer que tem razão, pois, na verdade, tinha atentado ligeiramente no n.º 2 do artigo 3.º, simplesmente a crítica que fiz não fica completamente invalidada, na medida em que referi, quando abordei esta questão, que não entendia que fossem só os membros do Governo a ficarem abrangidos por este tipo legal de crime, pois haveria outros titulares de cargos políticos como, por exemplo, o próprio Presidente da República e os deputados à Assembleia da República, para além de outros cargos políticos, em que dentro do órgão de que fazem parte têm também regras orçamentais a observar e, por isso, segundo o projecto de lei do PRD, ficariam fora desse tipo legal de crime. Aqui só se abrangem os membros dos governos regionais e das câmaras municipais e daí que a pertinência da minha crítica, embora não no total, tenha algum acerto.
Quanto ao Sr. Deputado Almeida Santos, esta troca de impressões já existiu dentro da própria 1.ª Comissão. No entanto, entendo, mais por uma razão de coerência legislativa, que titulares de cargos políticos como são os Conselheiros de Estado, o Provedor de Justiça e - embora já não tanto, mas não consigo deixar de os qualificar assim - os juizes do Tribunal Constitucional, não propriamente pelas funções que exercem, mas sim pela forma como são designados para esse cargo, devem estar abrangidos. Aliás, esta foi até uma das razões que fez com que os juizes do Tribunal Constitucional fossem, de cena maneira, abrangidos pelo Estatuto Remuneratório dos Titulares de Cargos Políticos, tendo sido considerados também com este qualificativo.
Poderá haver dúvidas, mas eu responderia ao Sr. Deputado Almeida Santos dizendo que não vejo como é que será impossível que um membro do Conselho de Estado não possa, pelo menos em mera hipótese académica, cometer o crime de violação de segredo de Estado. Naturalmente que os conselheiros de Estado são ouvidos sobre muita coisa e também lhes pode ser dado conhecimento, durante as reuniões do Conselho, de segredos de Estado. Aí está, por exemplo, um crime que, na verdade, um membro do Conselho de Estado pode vir a poder praticar.
Quanto ao resto, é discutível, e eu já lhe referi isso mesmo na 1.ª Comissão.
Quanto ao entendimento que tenho de que se deveria acabar com a designação de pena maior vem do facto de o principal diploma que hoje possuímos no nosso ordenamento legislativo, que é o Código Penal de 1982, ter acabado com essa distinção. A Constituição é anterior, é de 1976, ainda se baseou na antiga distinção entre pena maior e pena. Suponho até que, se não existe, já se tentou que existisse um diploma que fizesse a equiparação de pena maior a pena superior a três anos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Existe! Há quem diga que é inconstitucional, mas está em vigor!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por me insurgir contra a circunstância de o Governo estar ausente.
Uma voz do CDS: - Está demitido!
O Orador: - Considero o facto estranho, tanto mais que Cavaco Silva tem vindo a defender, aliás, de forma atribiliária que está em plenitude de funções e no pleno direito de participar nos trabalhos do Plenário. A matéria não pode ser irrelevada nem minimizada. Não pactuamos com qualquer desvalorização da problemática que nos ocupa e, como já o meu camarada José Magalhães teve oportunidade de referir, nem sequer com uma discussão excessivamente blitz incapaz de atender a alguns fenómenos que determinam a necessidade de uma lei como a que se prepara.
Quando, em 1976, o legislador constituinte prescreveu à Assembleia da República a obrigação de elaborar a tutela normativa dos crimes de responsabilidade e os parlamentares quiseram, através dos artigos 251.º e 252.º, alínea b), do Regimento, que a ela se desse toda a urgência, ninguém certamente admitiria que fossem necessários onze anos para que os primeiros passos começassem a aperceber-se do caminho. Para trás, com uma luz moralizadora, ficava a Lei n.º 266, de 27 de Julho de 1914, da iniciativa de Bernardino Machado, peça jurídica marcada por imperfeições técnicas de diversa natureza, nunca eficaz, mas tradutora de uma relevantíssima preocupação política e obreira de uma ruptura profunda com as situações herdadas do passado monárquico. Nos recessos da ditadura moravam, por seu turno, a imoralidade pública, a impunidade generalizada dos diferentes governantes e membros da administração, a intransparência e o arbítrio. Com o 25 de Abril impunha-se a reabilitação dos propósitos legiferadores, neste domínio, dos homens da 1.ª República, levando-os às adequadas consequências, mediante a integração dos instrumentos ao alcance do tempo histórico que vivemos. Para aí apontou a Constituição, uma vez mais revelando uma sabedoria, premonição e exigência que não tiveram correspondência concretizadora.
Com efeito, a última década acumulou, de forma inquietante, os sinais da corrupção, do desrespeito pela legalidade, da prepotência, da ilicitude dolosa nos múltiplos patamares do aparelho de Estado.
A comunicação social, a opinião esclarecida, os Portugueses, em geral, tomaram contacto com escândalos de monta, sem que se visse a mão certeira do direito a intervir na medida e na hora próprias.
Importa que se lembrem estas circunstâncias, para que se tenha a exacta noção de que não estamos a prover uma legislação em abstracto, antes a atender a realidades concretas. Tais escândalos mancham o prestígio do regime, perfilando uma galeria mórbida em que avultam personagens como o ex-Secretário de Estado
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Rui Amaral, cuja tendência para o desvio de dinheiros públicos ganhou tristes foros de celebridade, transformando-se em verdadeira caricatura, ou o Ministro Álvaro Barreto, em rebelião com o poder judicial, fazendo dos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo letra morta, adregando «reservas» para os grandes latifundiários e outros compinchas com a desfaçatez do delinquente crónico que conta com a permissividade instalada. A Comissão de Inquérito aos actos do MAPA, em cinco relatórios publicados no Diário, 2.ª série, apurou a existência de outros tantos casos de patente ilegalidade, propondo a remessa dos respectivos processos ao Ministério Público para os efeitos que tivesse por justificados, para além da eventual deliberação do Plenário quanto à efectivação da responsabilidade política. Apesar disso, os perigos rondam, a ameaça permanece, um ministro como este Álvaro Barreto, por ausência de normativos que só hoje ensaiam, age impune ante a indignada estupefacção dos democratas.
Entretanto, membros do Executivo houveram que, de maneira ufana, declararam pairar acima do Orçamento, gastando a bei talante, discricionária e irresponsavelmente, verbas saídas dos bolsos de todos - que, por não superabundante, pediam contensão, aplicações escorreitas, obra visível em benefício da comunidade nacional. Não eram esses ainda os dias do Dr. Cadilhe, que, tendo evitado, de maneira tortuosa, uma revisão orçamental em 1986, se arrogou a prerrogativa de proceder a alterações de facto, distribuições de montantes sem a mínima relação com as regras enquadradoras, num acintoso desafio a esta Câmara e à sua vontade soberana.
Outro tanto, com laivos agravantes, tem sido perpetrado pelo incorrigível Dr. Jardim, que, não obstante as condenações sobre a sua gestão financeira e sobre as ilegalidades permanentes da administração que empreende (condenações produzidas, designadamente, pelo Tribunal Constitucional) resiste à fiscalização judicial das contas regionais - a Sr.ª Deputada Cecília Catarino vai continuar a ouvir! -, empocha meios das autarquias, comportando-se como o dono autocrático de uma quinta sem norte nem lei que não os por si impostos.
E haverá que não esquecer autarcas inescrupulosos, - a palavra é de facto pouco vigorosa - os celoricos-da-beira que se multiplicam, as lesões ao património estadual e à dignidade da democracia.
Os titulares de cargos oficiais que esbanjaram, que gastaram para além do limite, com objectivos demagógicos, eleitoralistas ou mais vilmente singulares, cruzaram, oriundos de longe, e prosseguiam além do meridiano Alípio Dias, esse mesmo que desencadeou tempestades de protestos e determinou louváveis procedimentos - como, ocorre-me agora, o do Dr. Salgado Zenha, nos tribunais ou nos órgãos de informação não açaimados pelas conveniências dos governos. Só que, e eis o que era, é, grave, inexistia e não existe ainda a nova legislação prevista pelo artigo 120.º, n.º 3, da Constituição da República. Ora, tendo os tribunais entendido que é inaplicável o diploma de 1914, tudo redundava, na prática, no regabofe a coberto da anomia, no não sancionamento dos prevaricadores, no grassar de um perigoso clima de laxismo institucional.
Na realidade, como sublinhou o Provedor de Justiça recentemente, verificaram-se os pressupostos para o funcionamento da inconstitucionalidade por omissão, com os efeitos daí decorrentes.
Em primeiro lugar, os titulares de cargos políticos - e esta é uma abordagem mais técnica - respondem como qualquer cidadão pelos crimes praticados no exercício das suas funções previstas no título V, capítulos I e II do Código Penal, sendo a qualidade do agente relevante apenas para a determinação da medida da pena [...]; em segundo lugar, e na falta de publicação de lei especial a que se refere o artigo 437.º, n.º 2, do Código Penal - ainda há pouco mencionado pelo Sr. Deputado Magalhães Mota - [...] os titulares de cargos políticos não estão abrangidos por nenhum dos crimes constantes do capítulo IV do título V [...], nos quais se incluem a corrupção, peculato, abuso de autoridade, violação de segredo e abandono de funções; em terceiro e último lugar a falta de incriminação leal de outras condutas lesivas dos interesses do Estado ou de particulares, que são exclusivas do exercício de funções políticas (na Lei n.º 226 previstas, nomeadamente, nos artigos 9.º, 12.º e 13.º) implica também a sua não punibilidade actual. De há muito que se reclama, aliás, um mais vasto e preciso elenco tipificador dos comportamentos condenáveis tendo em consideração o crescimento do Estado e das atribuições e competências dos membros da administração central, regional ou local.
A esta situação, sumariamente enunciada, visam atalhar, por vias várias, os projectos de lei em exame, surgidos na sequência da discussão travada sobre a matéria no âmbito nos trabalhos para a aprovação do Orçamento de 1987.
Enquanto o Partido Socialista nos traz à apreciação um articulado sistemático, que principia pela definição do titular a abranger e se desenvolve por preceitos que tipificam, penalizam, ordenam critérios gerais, o PRD, conformando o feixo de comandos ao Código Penal, ataca aspectos sectoriais, sendo de realçar o incumprimento de decisões judiciais, o abuso de poderes, a violação das leis orçamentais e a cláusula da equiparação a funcionários públicos -, rematando com disposições de índole adjectiva. Não são coincidentes as veredas ensejadas, os dados de partida entre os dois textos, pelo que será inevitável um enorme empenho para harmonizá-los. Cremos, de facto, que é possível no labor da especialidade fundir num só diploma os contributos agora em apreço, acrescidos dos que não deixarão de ser facultados pelas restantes forças partidárias. Haverá que optar por uma matriz restrita ou outra mais englobante, quer nas opções pelo agravamento do já estabelecido pela lei penal e pelo seriar de inovações, quer também pela delimitação do espaço visado e dos escopos a atingir.
Restam por dilucidar, é óbvio, aspectos nada dispiciendos. Um deles consta do relatório da 1.ª Comissão e tem a ver com a desejabilidade de incluir claramente na legislação preconizada crimes definidos no título v do Código Penal, segundo modelos que excedem o proposto princípio da agravação.
Por outro lado a nossa opinião tende a coincidir com a advogada inclusão dos deputados no Parlamento Europeu, suscitando-se-nos, todavia, algumas dúvidas quanto à possibilidade de adoptar idêntica solução no que tange ao Provedor Justiça, dos membros do Tribunal Constitucional e do Conselho de Estado, um pouco pelas razões aduzidas pelo Sr. Deputado Almeida Santos, sem que consideramos de todo em todo descabido o argumento do Sr. Deputado Licínio Moreira no que confere a estes últimos, sobretudo no relativo ao segredo de Estado.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: É corrente a acusação de que os deputados agiram cedo na urdidura do seu estatuto remuneratório e - vox populi - com facúndia indébita. Tarda, no entretanto, o cumprimento do ditame constitucional no que aos crimes de responsabilidade concerne. O quadro das irregularidades, dos atropelos, das actividades ilícitas perpetradas no exercício de funções oficiais pelos investidos em cargos políticos é, sem dúvida, como se não recusará, preocupante. Temos sobre a mesa materiais que permitirão, após um esforço conjugado de rigor e criatividade, uma primeira tentativa de lei que seja suficientemente estruturada, apta, eficiente. O PCP empenhar-se-á na conclusão da tarefa agora sugerida. Ela honrará a Assembleia da República, demasiado denegrida e injustamente aviltada por uns, desconsiderada por outros, apesar dos discursos proclamatórios de amores acrisolados que a prática não confirma. E, sobretudo - aqui vai o fecho solene de discurso, como não poderia deixar de ser, apesar das condições em que estamos a funcionar -, relevar-se-á - a tal lei - à altura dos bons desígnios nascidos com o Abril reprodutivo e estuante que, em breve, novamente celebraremos.
Aplausos do PCP e de alguns deputados do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Vieira Mesquita, Cecília Catarino e Almeida Santos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vieira Mesquita.
O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Sr. Presidente, é para protestar contra a intervenção do Sr. Deputado José Manuel Mendes quando refere, com um ânimus verdadeiramente persecutório, determinadas figuras políticas do meu Partido.
Penso que, hoje e aqui, estamos a discutir uma lei que nada tem a ver com a seriedade e honestidade das pessoas e o Sr. Deputado José Manuel Mendes aproveitou para se dirigir a pessoas do meu partido nos termos em que o fez, que consideramos desajustados e com os quais, de maneira nenhuma, podemos concordar.
O Sr. Presidente: - Na medida em que o Sr. Deputado Vieira Mesquita fez um protesto, pergunto ao Sr. Deputado José Manuel Mendes se pretende responder já ou no final, depois de dar explicações aos Srs. Deputados.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, eu posso responder já, se para a economia dos trabalhos isso for útil, ou depois.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado Vieira Mesquita, desajustados os termos, aliás, altamente elegantes, que utilizei para qualificar a conduta publicamente reprovada do ex-Secretário de Estado Rui Amaral. Desajustadas as palavras que eu aqui dirigi ao Sr. Dr. Alberto João Jardim e às actuações incorrectas do Ministro Cadilhe, exactamente na formulação que adoptei e não na que o senhor reproduz e que é da sua lavra?
Creio que laborou num erro - de apreciação ou de ouvido, o problema é seu. De toda a forma, dir-lhe-ei, repetindo tudo o que há pouco afirmei, que na minha intervenção não há nenhum ânimus perscutório. A acusação, naturalmente, releva de uma concepção pessoal e premeditada do seu discurso, bem como de complexos seus, de determinado tipo, que nada têm a ver comigo. Há - isso sim - o sinalizar de uma realidade concreta para a qual é preciso legislar.
Não estamos a toscanejar normas no domínio do abstracto, dos deuses olímpicos que a nossa dimensão humana não atinge, mas a legislar para o real imediato. Devemos fazê-lo com a eficácia, o rigor e a pertinácia que nos é exigida pelo povo português e pela transparência das instituições e do regime democrático.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Catarino, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado José Manuel Mendes.
A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Sr. Deputado José Manuel Mendes, há uma coisa em que eu estou plenamente de acordo consigo! ...
Vozes do PCP: - Ainda bem!
A Oradora: - ... é que é óptimo que esta lei tenha sido aprovada, eu melhor, venha a ser aprovada. Isto será óptimo para a democracia, para Portugal e para, de uma vez por Iodas, desaparecerem determinados slogans de que a não transparência, a corrupção, etc., etc., estão num determinado sector porque outros são perfeitamente imaculados.
Não vou descer ao pormenor do Si. Deputado, focando-lhe casos ou problemas de maior ou menor transparência, também conhecidos através da Comunicação Social, em todos os partidos.
Vozes do PCP: - Não se sabe!
A Oradora: - Mas há uma coisa que lhe quero dizer, Sr. Deputado: o senhor não pode querer arvorar-se em juiz pleno e total das actividades dos membros do Governo A, B ou C, por si, só porque é imune.
Quanto ao Presidente e aos membros do Governo Regional da Madeira e quanto àquilo que se passa no mesmo Governo Regional, devo dizer-lhe que existe a população para os sancionar, através do seu voto, e os próprios tribunais, exactamente nos casos em que tal transparência não se verificar.
Quanto a transparências das contas, existe o Tribunal de Contas para verificar se elas estão correctas ou não.
Por isso, Sr. Deputado, congratulo-me por que esta lei seja aprovada para evitar que, daqui para o futuro, os males sejam só apontados a A, a B ou a C. E tenho a impressão que guando isto tudo vier a lume, quando puder ser tudo imito transparente, Sr. Deputado, o PSD, garanto-lhe, irá ficar por cima de muita situação que nós, infelizmente, neste momento não sabemos, porque há partidos que são transparentes, mas há outros que o não são. E não é o PSD que está do lado dos não transparentes!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
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O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, não sei se vale a pena perdermos tempo com isto, mas é a segunda vez que se refere que no projecto de lei do PS faltam alguns crimes que figuram no Código Penal e que deveriam ser transferidos em especial para este projecto de lei.
Foram referidos dois casos, o do abandono de funções e o da não promoção de procedimento criminal. Não foi por acaso que não referi estes dois crimes e tenho dúvidas sobre se devem ou não ser incluídos neste diploma. No entanto, se em sede de especialidade se entender que o devem ser, pois que sejam. Mas percebo mal que se considere como um crime o abandono de funções políticas, em similitude com o abandono de funções públicas de um funcionário, o qual tem com o Estado uma ligação completamente diferente da de um político.
Também percebo mal que encontremos algum caso em que um titular de um cargo político tenha competência para promover ou não procedimento criminal. Nesta última hipótese, claro que tem, todos nós temos: é não fazer nada! Mas quanto à competência de promover procedimento criminal, comecei a pensar e só encontro um caso: é quando a própria Assembleia tem a iniciativa de processar o Presidente da República. Será que, só por essa excepção, vale a pena transformarmos esse facto num crime?
Foi por estas razões que entendi que não deveríamos transferir do Código Penal estes dois crimes. Em todo o caso, se entenderem que devem levar mais longe a discussão sobre estes dois pontos, talvez seja útil. Porém, dá-me a impressão que o melhor será discutirmo-lo depois, na especialidade.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr.ª Deputada Cecília Catarino, asseguro-lhe que quando lhe fiz uma referência - aliás, simpática - não era para desencadear o seu protesto, a sua tempestade e a sua reacção.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não!
O Orador: - De qualquer forma, lembrar-lhe-ei que tenho o direito à judicação pessoal e política. Não recuso, de fornia nenhuma, a enunciação crítica, mesmo que ela vergaste de forma implacável aqueles que, por dados suficientemente indiciados analisados por mim e por aqueles em quem confio, merecem o azorrague político e público por condutas que não são transparentes. Nem a Sr.ª Deputada nem ninguém nesta Câmara poderá, em momento algum, retirar-me o direito de me pronunciar nesses termos quando e se o entender.
Agora, Sr.ª Deputada Cecília Catarino, eu quero mais do que isto. Não desejo apenas ser juiz com esta limitada capacidade judicativa, mas também fazer com que outros juizes apreciem nos tribunais o procedimento eventualmente criminal de alguns titulares de cargos políticos. Para isso, necessito de uma lei que dê um mínimo de enquadramento à possibilidade de sancionamento completo, escorreito e total.
É sintomático que, ao contrário do que seria esperável dessa bancada, a Sr.ª Deputada Cecília Catarino não tenha isentado uma única vez, em nenhum aspecto, o Sr. Dr. Alberto João Jardim dos comportamentos que aqui referi e condenei.
Todos conhecemos a obstrução sistemática à criação da secção regional do Tribunal de Contas. Todos sabemos que, na prática, os escândalos das empreitadas, os das contas públicas, cuja fiscalização está bloqueada, são uma realidade a eliminar do nosso universo factual e através da criação de um instrumento jurídico adequado. Portanto, as alusões que fiz nem sequer foram excessivas. Devo dizer-lhe que fui extremamente comedido.
As insinuações, por outro lado, a condutas viciosas de militantes pertencentes a outras áreas políticas têm plausibilidade. É óbvio que as irregularidades existem. No que toca à minha bancada, dir-lhe-ei apenas isto: prove, enuncie, diga, passe além da calúnia e apresente factos concretos.
Sr. Deputado Almeida Santos, creio que sim, que deverá ser remetida para um debate de especialidade a matéria que analisou. Suponho que alguma da sua argumentação colhe. Nós ainda não a tínhamos ouvido. É uma questão realmente complexa e estamos abertos a toda a reflexão e ao aprofundamento. Entendemos que tanto ela como a que respeita aos juizes do Tribunal Constitucional, aos Conselheiros de Estado e ao Provedor de Justiça, quatro entidades que também nos inclinamos para que não sejam incluídas na lei a produzir por esta Assembleia, deverá merecer um atento exame nas horas que vão seguir-se.
Entretanto, agradeço-lhe o esclarecimento prestado adicionalmente aos que tinha produzido aquando da sua intervenção.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Cecília Catarino, pede a palavra para que efeito?
A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Sr. Presidente, é para fazer um protesto.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, não pode ser porque um seu companheiro de bancada já fez um protesto e só é permitido um para cada grupo parlamentar.
A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Sr. Presidente, então, embora não goste de utilizar esta figura regimental, peço a palavra para defesa da honra da minha bancada.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Da bancada?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - «Mini-bancada da Madeira», se quiser, Sr. Deputado.
Sr. Deputado José Manuel Mendes, quero dizer-lhe que não ofende quem quer, ofende quem merece consideração para tal.
Mas, há uma outra coisa que lhe quero dizer, pois o Sr. Deputado fez duas insinuações que não podem passar em claro.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Primeiro, referiu-se à existência de uma obstrução à criação de uma secção regional do Tribunal de Contas, o que é refinadíssima mentira.
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O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Oh, Sr.ª Deputada!
A Oradora: - É sim, Sr. Deputado.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - É público e notório, Sr.ª Deputada!
A Oradora: - Não é notório, não! O que é notório é que depois de ter estado alugada uma sala, durante vários meses, para aí serem instalados os serviços do Tribunal de Contas, estes continuaram a funcionar numa sala de pequenas dimensões, porque não houve capacidade dos serviços centrais para se transferirem os serviços para instalações em condições.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Capacidade de quem? Do vosso Governo!
A Oradora: - Sr. Deputado, não é do nosso Governo, é do Estado português.
Em segundo lugar, quanto às empreitadas, digo-lhe que todas foram adjudicadas por concurso público, Sr. Deputado.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - É isso que se vai ver aquando do julgamento.
A Oradora: - Ah! Então, se se vai ver, Sr. Deputado, não afirme que não o foram!
O Sr. Deputado fez afirmações que não têm correspondência na prática. Isto é, porque suspeita de que foi assim, afirma que o foi!
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Não é sério fazer negócios desse género.
A Oradora: - Não, Sr. Deputado, mas também não é sério é fazer afirmações desse género. Primeiro, veja se foi realmente assim e, então, depois, faça as afirmações que fez.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr.ª Deputada, quase não valeria a pena ... A Sr.ª Deputada diz que não ofende quem quer, ofende quem pode; eu não quero nem posso ofendê-la ... E por aqui me quedaria ...
De qualquer forma, acontece que quanto à questão da secção regional do Tribunal de Contas quase me apetecia remetê-la para a comunicação social, para a opinião de toda a gente - menos a do PSD e, eventualmente, de algum PSD, não de todo o partido. Toda a gente sabe que a responsabilidade pertence, integralmente, ao Governo do PSD, ao Governo da Região Autónoma e ao Governo da República. Destrincem esse problema como quiserem. O que não podem é tentar sacudir a água do capote e escamotear uma responsabilidade que lhes pertence por inteiro.
Quanto ao problema das empreitadas, uma vez mais, chamo a sua atenção para o seguinte: não é legítimo tentar confundir a legitimidade (o meu português já não é brilhante, mas, enfim, a esta hora da noite tudo se tolera) ... não é legítimo tentar confundir o que é um direito de qualquer de nós à judicação política com aquela que será a decisão de um tribunal, produzida no momento próprio, acerca de tal ou tal questão.
Politicamente, já julgámos o Sr. Alberto João Jardim. E não fomos só nós - o PCP -, mas também a esmagadora maioria dos que continuam de olhos abertos para a realidade.
Do ponto de vista do que os tribunais hão-de dizer...
Protestos do deputado Vasco Miguel (PSD).
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado, quando acabar, continuarei.
Como já acabou, continuo, com toda a naturalidade e toda a calma, a dizer à Sr.ª Deputada Cecília Catarino que, no instante apropriado, os tribunais julgarão. E aí, então, ficará provado se o que não é sério é o legítimo discurso político produzido pelo PCP, nesta Câmara, em qualquer lugar, ou se é a conduta quotidiana, reiterada e não condenada pelos senhores, do Sr. Alberto João Jardim e de todos quantos com ele se mancomunam e confundem na prática incontestável da administração do PSD por esse país fora.
Vozes do PCP: - Muito bem!
Vozes do PSD: - Muito mal! Horrível!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais importante do que apresentar um projecto de lei que é suficientemente claro e também suficientemente dependente das contribuições que todos lhe podemos ir, creio que é deixar aqui algumas notas, de natureza exclusivamente política, sobre a importância dessa discussão e da votação a que vamos proceder.
Creio que o facto de, hoje e aqui, podermos dar um primeiro passo - um passo importante - para a concretização de um comando constitucional que, durante mais de uma dezena de anos, foi deixado no esquecimento é, só por si, extremamente relevante.
Direi que o atraso de dez anos tem alguma justificação pela complexidade da matéria e que isso justifica o esforço empenhado que - estou certo - todos poderemos dar para que consigamos cumprir com este comando constitucional. Mas creio que os mais de dez anos já volvido: só vieram demonstrar a importância e a urgência deita legislação.
Ao contrário cio que alguns de nós porventura pudéssemos pensar, creio que não apenas em Portugal, mas no mundo inteiro, a importância destes dispositivos é crescente.
Creio que, de algum modo, todo o poder é portador de um prestigio que se deve à sua missão. Por isso mesmo, todo o poder é reverenciado: porque pode. E daí à sacralização do poder é apenas um passo, na medida em que se vê nele a encarnação de uma função política geradora de ordem. Como é também um passo a crença que se vai robustecendo na infalibilidade dos governos, dos partidos ou dos líderes. E, por isso mesmo, é importante dessacralizar e é importante desmistificar. E responsabilizar corresponde, precisamente, a essa desmistificação.
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Creio que é por essa razão que para muitos não é tolerável a responsabilidade. Responsabilizar-se é, de algum modo, admitir que a pertinência e a própria bondade das suas posições possam ser objecto de dúvida. E daí o refúgio no dogma.
Estes projectos de lei foram apresentados para dizer que «todos somos mortais» e que a democracia é isso mesmo. E creio que não é necessário estarmos particularmente atentos ao que se passa no mundo do direito penal e da criminologia para sabermos como basta o conhecido fenómeno da selecção ou da selectividade para mostrar, precisamente, que é importante criminalizar de forma transparente os titulares dos órgãos políticos, sob pena de esse mesmo mecanismo de selecção os tornar, de facto, acima do comum dos cidadãos e, como tal, insusceptíveis, até, de obediência as leis.
Por exemplo, o que se passou em Portugal com a legislação sobre a obrigatoriedade das declarações sobre rendimentos dos titulares de cargos políticos é só por si elucidativo de como, com alguma facilidade, estes responsáveis podem considerar-se isentos de qualquer suspeita e, mais do que isso, isentos da simples obrigação de cumprirem as leis.
Só que em democracia não são possíveis os muros de silêncio. A democracia acomoda-se mal com a sombra ou, sequer, com a penumbra. E prestar contas, desde que com dignidade, significa assumir uma responsabilidade, significa que não assumimos nem queremos uma ordem à parte e que repudiamos inteiramente as manifestações de proteccionismo intergrupos que, mais do que funcionarem como consciência de classe, neste caso funcionariam como consciência de casta.
De facto, foi assim ou, pelo menos, penso que foi assim que actuou a nobreza do antigo regime face ao terceiro estado. Isso nós recusamos. Recusamos, portanto, que os titulares dos cargos políticos não sejam responsáveis pelos seus actos; queremos que o sejam. Daremos o nosso contributo para que os projectos de lei em discussão sejam melhorados. Naturalmente, votaremos favoravelmente o do nosso partido e fá-lo-emos também em relação ao projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista, e votamo-las com uma consciência profunda que é a de que os que se julgam donos de tudo não são proprietários nem do Estado, nem de Portugal e muito menos do futuro!
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está na Mesa um requerimento subscrito por vários deputados do Partido Socialista que diz o seguinte:
Nos termos do n.º 5 do artigo 61.º do Regimento da Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista requer a V. Ex.ª a votação imediata do projecto de lei n.º 377/IV, que rege os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos.
Ora, é um direito do Partido Socialista requerer a votação na sessão de hoje do seu projecto de lei. No entanto, o Sr. Deputado Lobo Xavier está inscrito para intervir, pelo que, se não houver oposição, faremos um prolongamento até que o Sr. Deputado Lobo Xavier termine a sua intervenção e seja lido um pequeno relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais de Direitos, Liberdades e Garantias, para depois então procedermos à votação. Tem a palavra o Sr. Deputado Lobo Xavier.
O Sr. Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cabe-me o papel ligeiramente antipático de fornecer algum contrapeso às exultações das várias bancadas a propósito destes dois projectos.
Julgamos que soluções de compensação e de responsabilização são saudáveis para a democracia e achamos também que o objecto destes projectos constitui uma consideração de crimes importantes para um novo sentido funcional da distribuição dos poderes que a Constituição estabelece, pois de facto existe, em relação àqueles que se pretendem punir em termos gerais e abstractos, uma posição especial que lhes fornece mais confiança e por isso mais responsabilidade. Aliás, esta deveria ser - como sugeriu há pouco o Sr. Deputado José Manuel Mendes - uma questão prévia em relação ao Estatuto Remuneratório dos Titulares de Cargos Políticos.
Mas, atenção, não fique deste debate, pelas exultações que aqui têm existido, a ideia de que os titulares dos cargos políticos tenham até agora estado impunes. Não saia daqui essa ideia para que a opinião pública mais desprevenida não vá acordar amanhã e, ao ler os jornais, pensar que havia uma impunidade absoluta dos titulares dos cargos públicos. E preciso corrigir o seguinte: estes projectos referem-se à responsabilidade civil e criminal dos titulares dos cargos políticos, mas essa responsabilidade já existia e sobre ela não havia dúvidas!
A grande mudança destes projectos é, sobretudo, a questão, pedida pelo final do Código Penal, sobre a equiparação dos titulares dos cargos políticos a funcionários, isso é o importante.
Mas a parte mais importante destes projectos que hoje apareçam à Câmara tem que ver com a questão da responsabilidade financeira. Julgo, com licença dos autores dos projectos, que a forma como nesses projectos está resolvida a questão da sujeição a penas aplicáveis aos agentes da violação de normas financeiras, está exageradamente empolada em relação a um novo sistema financeiro do nosso tempo.
Todas as constituições portuguesas falavam dos crimes de responsabilidade, todas elas davam ênfase à questão da responsabilidade em matéria de violação de normas financeiras. Simplesmente, isso era um entendimento clássico, a Assembleia votava então um Orçamento e depois já não havia mais meios para controlar a forma como o Executivo o cumpria. Hoje as coisas não são assim: há um Tribunal de Contas, há um controle a priori dos actos administrativos que implicam realização de despesas, há o Tribunal Constitucional que controla a posteriori actos que eventualmente violem as leis ou a Constituição; estamos, portanto, num outro ambiente, no qual a responsabilidade pela violação de normas financeiras deve ter outro sentido. Quanto mais não seja, se um Ministro ou um Secretário de Estado viola normas financeiras ou exagera a sua competência em relação ao Orçamento, o resultado negativo que daí advém está acautelado no nosso ordenamento jurídico. Portanto, é necessário desdramatizar a questão da responsabilidade financeira.
Quero dizer com isto que nem tudo o que está nestes projectos me parece necessário ou sequer possível. Não me parece que, por exemplo, os deputados possam
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perder o mandato pelo motivo referido na proposta do Partido Socialista, não me parece que a lei possa criar um motivo de perda de mandato que não seja aquele que está expressamente previsto na Constituição, que é logicamente compreensível e tem outro sentido. Isto levar-nos-ia muito longe e tirar-nos-ia muito tempo, mas é este o nosso entendimento.
Por outro lado, também não parece possível estabelecer a responsabilidade por violação de regras financeiras públicas nos termos em que ela aqui está. Pretendem os autores dos projectos sancionar os membros do Governo que violem regras da Constituição e da lei em matéria orçamental e em questões financeiras e, por isso, pergunto o seguinte: hoje, segundo a Constituição revista de 1982, a Assembleia da República tem competências financeiras de conformação do Orçamento importantíssimas e a Assembleia da República - aliás, estou à vontade para o dizer, pois não concordo com o acórdão do Tribunal Constitucional - tem sido frequentemente acusada de violar normas constitucionais em matéria financeira. Qual é a diferença entre a violação de normas financeiras feita pelo Governo e a violação de normas financeiras feita pela Assembleia da República? Só se for aquela diferença que existe entre a intenção e o gesto de que fala Chico Buarque no seu Fado Tropical!...
Por outro lado, não me parece que seja suficiente o que está colocado nos dois projectos, não vejo que lá esteja prevista expressamente a responsabilidade financeira dos governadores civis, e o problema coloca-se. Não vejo que lá esteja expressamente prevista - e perdoe-me o Sr. Presidente concreto da Assembleia da República, pois falo no presidente geral e abstracto - a possibilidade e a consequente sanção de violações em matéria financeira por parte do Presidente da Assembleia da República, que está encarregado também, em certo sentido, de gerir um orçamento.
Finalmente, falta nos projectos um aspecto importantíssimo que é o do futuro dos titulares dos cargos políticos quando deixam de o ser. O Sr. Deputado Almeida Santos diz que «lá fora não há muita legislação sobre esta matéria»; pois não e penso que daí é preciso tirar o sentido de que é necessário ter cautela na feitura desta legislação. De qualquer modo, pergunto: porque não legislar também - e isso lá fora existe - sobre o futuro dos titulares dos cargos políticos quando deixam de o ser? Vão para as empresas que anteriormente controlavam e dominavam? Não será isso matéria para ponderar nestes projectos, na especialidade? Será aceitável aplicar ou prever penas tão graves para a violação de uma regra orçamental, quando não estão previstos impedimentos ou ilegitimidades para o facto de, por exemplo os titulares dos cargos políticos, deixando de o ser, passarem a exercer funções em empresas que foram por eles controladas e comandadas?
Aí é que me parece que a Assembleia da República poderia realmente ser inovadora, aí é que me parece que, ao olharmos lá para fora, poderíamos copiar alguma coisa de útil.
Por último, parece-me que falta ainda identificar uma competência jurisdicional específica para o julgamento dos titulares dos cargos políticos, questão que julgo não ter sido aflorada devidamente.
O meu partido pediu-me para falar sobre esta questão com uma estratégia um pouco bíblica, que me lembra um pouco a situação do David e do Golias, e não posso terminar sem pedir aos Srs. Deputados Almeida Santos e Magalhães Mota que tenham o máximo de bom senso aquanco da discussão na especialidade em comissão.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Lobo Xavier, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Lobo Xavier, penso que V. Ex.ª trouxe aqui importantes reservas aos dois projectos de lei, pelo que desejaria imenso tê-lo na discussão na especialidade para podermos debater isto com tempo. De qualquer modo, gostava, desde já, de lhe dar algumas respostas: afirmou o Sr. Deputado que «até agora não temos estado impunes». É verdade que não, pois quando o Código Penal diz «todo aquele que», nós também estamos incluídos, também somos «todo aquele que». Mas já quando diz «o funcionário» ou «o agente qualificado» que não se identifica com titular de cargos políticos, ficamos impunes. Bastava dizer que, neste momento, ainda somos impunes pelos crimes de corrupção, pois o crime de corrupção é um cr me de funcionário público e como concorda comigo que nós não somos funcionários, não podemos, portanto, cometer um crime em relação ao qual nos falta a qualidade subjectiva - só isso justificava uma grande margem de originalidade.
Por outro lado, há ainda a circunstância de o projecto do meu partido, e não é o único, ter a preocupação de fazer corresponder à maior competência, maior responsabilidade, sento todo o projecto no sentido da agravação.
Mais ainda, há e umes aqui que na essência parecem iguais aos do Código Penal, mas que, no meu projecto, não o são enquanto o Código Penal exige a forma violenta para a comissão de alguns crimes, no meu projecto dispensa-se a forma violenta pelo facto de o agente político ter capacidades e instrumentos ao seu alcance que dispensam a violência, que a tornam mesmo perfeitamente inútil.
Acha o Sr. Deputado Lobo Xavier que os deputados não podem ou não devem perder o mandato. Bom, não vejo porque é que não devam e, conceberia mal que, por exemplo o Presidente da República quando é punido por um crime de responsabilidade fosse destituído enquanto um deputado na mesma situação continuasse placidamente a exercer o cargo, compreenderia isso muito mais. E quando se fala do deputado, fala-se de qualquer outro titular de cargo político.
Compreendo que haja alguma dificuldade aparente relativamente ao titular de cargo político que é objecto de uma eleição directa, mas repare que não se trata de uma sanção pessoal, mas sim de uma sanção funcional. A própria Constituição comete à lei a definição das incompatibilidades com o exercício do cargo e se já há algumas na lei eleitoral, porque não mais uma? Diz a Lei Eleitoral que «o indivíduo que tem o cadastro sujo não pode ser deputado», mas aquele que o sujar durante o mandato pode continuar a exercê-lo? Não me parece que seja lógica uma solução desse tipo e penso que não seria honesto da nossa parte defendermos uma solução que, apesar de tudo, passaria intuito persona, que seria um benefício a somar a tantos outros que já temos, pois, de facto, já temos muitas regalias e muita; imunidades, algumas das quais, em meu entender, excessivas, sobretudo quando comparadas com as legislações estrangeiras.
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Quanto às infracções financeiras, se bem ajuízo - e não tenho aqui o meu projecto -, elas não são só para os membros do Governo mas para todos os titulares de cargos políticos que têm funções orçamentais. Portanto, incluem o Presidente da Assembleia da República, os presidentes das câmaras municipais, toda a gente que administra dinheiros, que tem um orçamento e está sujeita às mesmas regras.
Diz o Sr. Deputado que não vê lá as responsabilidades financeiras dos governadores civis e do Presidente da Assembleia da República, mas elas estão lá, embora enunciadas numa forma genérica. Não estarão talvez de uma fornia tão clara como no projecto do PRD, mas também lá há um n.º 2 que ainda há pouco foi invocado em face das observações do Sr. Deputado Licínio Moreira.
Tem razão quando diz que deveríamos pensar um pouco no futuro. Mas, meu caro Dr. Lobo Xavier, esta é uma matéria tão árida! Como é que poderíamos criar aqui crimes para aquele que, tendo sido punido, logo a seguir foi para uma empresa fazer livremente aquilo que no Estado não pôde? Se puder dar-nos um contributo nesta matéria, gostaríamos de o examinar em concreto. Acho que sim, mas há uma grande dificuldade...
Quanto à competência jurisdicional específica, há apenas dois casos: o de Presidente da República, que, nos termos da Constituição, é julgado pelo Tribunal Constitucional e outro - enfim, ainda só em projecto -, aquele que apresentamos no nosso projecto de lei, que é o caso do Primeiro-Ministro julgado pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Deveremos nós levar esta regalia mais longe do que isto? Tenho as minhas dúvidas. Hoje, por exemplo, os deputados do parlamento britânico respondem em igualdade com qualquer cidadão e não gozam de qualquer espécie de imunidade ou prerrogativa. E a Inglaterra, em matéria de parlamentarismo, tem bastantes auto-exigências e uma experiência que nos pode talvez servir de paradigma...
Acho que algumas das críticas que fez contêm virtudes, mas não tanta virtude! E não queria que ficasse tão preocupado quanto isso! Na especialidade, no entanto, tentaremos melhorar o texto.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lobo Xavier pretende dar algum esclarecimento ao Sr. Deputado Almeida Santos?
O Sr. Lobo Xavier (CDS): - Se me dá licença, Sr. Presidente, gostaria efectivamente de dizer que, ao tentar poupar tempo, acabei por o não conseguir, pois falei nos dois projectos de lei sem os distinguir e o Sr. Deputado Almeida Santos veio lembrar-me que é preciso fazer uma certa distinção: a crítica que fiz no sentido de não se encontrar prevista a violação de regras orçamentais destina-se mais ao projecto de lei do PRD do que ao do PS.
De facto, parece-me que no projecto do PRD não se enquadra nem a responsabilidade do Presidente da Assembleia da República, nem a dos governadores civis, nem aquela - a que não sei como vão fugir - da Assembleia, que, ao votar, viola regras orçamentais constitucionais. Talvez a co-autoria... talvez se tenha de arranjar uma figura complicada...
Queria também esclarecer que disse que a função mais importante destes dois projectos de lei era a de equiparar os titulares dos cargos políticos a funcionários. Essa é a questão mais importante e, porventura, aquela que leva o meu partido a votar, por princípio, favoravelmente estes dois diplomas, esperando, no entanto, que venham a ser beneficiados.
O meu receio, Sr. Deputado Almeida Santos, é que criar leis que cominam sanções tão graves para questões em que a violação do bem jurídico se encontra muito acautelada - como nas questões orçamentais -, seja criar leis que, por serem tão exageradas, se tornam inaplicáveis. É esse o meu receio.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Queria só lembrar-lhe que na dosimetria das penas do projecto de lei do meu partido se diz, normalmente: «penas até...» Ora, quando se diz «penas até...», elas começam em penas de três dias. Não se esqueça disso!
Portanto, parecem muito graves na sua dimensão máxima, mas não esqueça que a mínima, sendo a genérica, dá grande maleabilidade ao julgador.
O Orador: - Isso lembra-me, Sr. Deputado - e com isto termino - que uma das insuficiências dos projectos de lei é a falta de definição das atenuantes e a falta de ponderação desse tipo de questões. Mas concordo, em linhas gerais, com as suas sugestões.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Silva Marques pede a palavra para que efeito?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Para, se V. Ex.ª me permite, anunciar, com a autorização do presidente e do vice-presidente da 10.ª Comissão, uma reunião dessa Comissão, que terá lugar amanhã pelas 12 horas, com vista à discussão e eventual aprovação do parecer sobre a criação de novas freguesias, vilas e cidades.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tendo chegado ao fim o debate sobre os projectos de lei n.º* 377/IV (PS) e 384/IV (PRD), sobre responsabilidade dos titulares de cargos políticos, vamos passar à sua votação na generalidade.
Vamos votar, em primeiro lugar, o projecto de lei n.º 377/IV (PS).
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do MDP/CDE e dos deputados independentes Oliveira e Costa, Afaria Santos e Borges de Carvalho.
Vamos agora votar o projecto de lei n.º 384/IV (PRD).
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do MDP/CDE e dos deputados independentes Oliveira e Costa, Afaria Santos e Borges de Carvalho.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
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O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, se fosse possível, gostaria de requerer oralmente a baixa dos projectos de lei à 1.ª Comissão, por um prazo de cinco dias.
O Sr. Presidente: - Agradeço, no entanto, Sr. Deputado Almeida Santos, que depois faça dar entrada na Mesa esse requerimento por escrito.
Srs. Deputados, vamos votar o requerimento que acaba de ser formulado, no sentido da baixa à comissão dos projectos de lei para emissão de parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do MDP/CDE e dos deputados independentes Oliveira e Costa, Maria Santos e Borges de Carvalho.
Srs. Deputados, vai ser lido um relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
O Sr. Secretário (Sá e Cunha): - O relatório vem subscrito pelo Presidente e pelo Relator da 1.ª Comissão e é do seguinte teor:
Relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias tomou conhecimento de uma queixa que lhe foi apresentada pela Associação 25 de Abril, decorrente da recusa por parte do director da Biblioteca Nacional da utilização de instalações deste organismo público para a realização de uma série de colóquios alusivos às comemorações do 25 de Abril. A referida recusa fundamentou-se em alegada natureza política da iniciativa, circunstância considerada razão bastante para indeferir o acesso a instalações disponíveis para actos públicos na Biblioteca Nacional.
A Comissão ouviu o director da Biblioteca Nacional, do qual obteve, no essencial, a confirmação da razão referida como determinante da recusa e a justificação do acto como de mera rotina administrativa, fundada em simples praxe.
Ocorre que a Associação 25 de Abril se auto-define como possuindo natureza cívica e não política, sem excluir eventuais incidências políticas das suas iniciativas, que há conhecimento de realizações efectuadas nas instalações da Biblioteca Nacional por associações de natureza similar, como, por exemplo, os Centros Republicanos, que aí promoveram um ciclo dedicado à 1.ª República, e que igualmente se sabe que, pelo menos, um partido político foi recentemente autorizado (ainda que por lapso, segundo afirma o director da Biblioteca Nacional) a realizar no anfiteatro da Biblioteca iniciativa própria de carácter público.
Em face do exposto, a Comissão deliberou dar ao Plenário conhecimento da seguinte posição:
Entende a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, por maioria, que a recusa por parte do director da Biblioteca Nacional de facultar à Associação 25 de Abril o acesso às instalações da Biblioteca representa, em face das razões justificativas do acto, praticado
sem qualquer fundamento de legalidade administrativa, uma dupla discriminação, violadora do princípio constitucional da igualdade de tratamento.
Discriminação, em primeiro lugar, porque se nega à Associação 25 de Abril o que a outras entidades, com idêntica natureza, já se autorizou; discriminação, em segundo lugar, na medida em que os fundamentos da recusa - a natureza supostamente política da Associação - traduzem uma concepção de Administração Pública na tradição do Estado autoritário, refractário à liberdade de iniciativa política que, em qualquer sociedade livre, concorre de modo essencial para a formação da opinião pública é expressão do direito dos cidadãos a participação na vicia pública e, como tal, não deve viver à margem do Estado ou de costas voltadas contra ele.
Para que a política se não volte contra o Estado, o Estado, os seus órgãos ou os seus agentes não devem, não podem, voltar-se contra a iniciativa política.
Admitir que um organismo público com a natureza da Biblioteca Nacional possa facultar as suas instalações a organismos de qualquer natureza, à excepção dos que possuam carácter político, subjectivamente avaliável, é arbítrio intolerável à luz do princípio da igualdade, é uma denegação de civismo e de cultura, um acto incompatível com o próprio espírito de liberdade e convivência democrática e pluralista, advido com o 25 de Abril de 1974.
Por isso, e para que casos semelhantes não voltem a ocorrer, a Comissão entende, por unanimidade, ser de toda a conveniência que todos os órgãos da Administração Pública sejam, com a maior urgência, dotados de orientações genéricas, definindo ura regime não discriminatório negativo de utilização das instalações públicas, nomeadamente com invocação da natureza política ou ideológica do uso solicitado.
Assim o exige o disposto no n.º 2 do artigo 13.º da Constituição, aplicável directamente em termos que vinculam as entidades públicas e privadas, por força do artigo 18.º
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos de hoje. A próxima sessão plenária terá lugar amanhã, às 10 horas, e da respectiva ordem de trabalhos consta, segundo o que foi acordado na Conferência de Líderes Parlamentares que acaba de se realizar, a apreciação dos recursos interpostos pelo PRD, pelo PCP e pelo MDP/CDE relativamente ao projecto de lei n.º 405/IV (PSD) e ainda do recurso inter posto pelo MDP/CDE relativamente ao projecto de lei n.º 409/IV (CDS), sobre eleições de Deputados ao Parlamento Europeu, sendo os tempos disponíveis de dez minutos para os partidos impugnantes e de cinco minutos para os restantes, e a apreciação dos projectos de lei n.ºs 405/IV (PSD), 409/IV (CDS), 411/IV (PCP), 412/IV (PRD), 413/IV (MDP/CDE) e 414/IV (PS), sobre eleições de Deputados ao Parlamento Europeu - caso os diplomas impugnados venham a ser discutidos -, dispondo cada grupo parlamentar de vinte minutos. No final da sessão, votar-se-ão, na generalidade, os projectos de lei referidos e far-se-á a votação final global dos
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projectos de lei n.ºs 3/IV (PCP), 315/IV (CDS) e 323/IV (PS), sobre subsídio de desemprego a jovens à procura do primeiro emprego, havendo declarações de voto por escrito para estas votações finais globais. Srs. Deputados está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 15 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Andrade Azevedo.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Dinah Serrão Alhandra.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
João Álvaro Poças Santos.
José Angelo Ferreira Correia.
José de Vargas Bulcão.
Luís António Martins.
Manuel Ferreira Martins.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Partido Socialista (PS):
Agostinho de Jesus Domingues.
António de Almeida Santos.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Torres Couto.
Mário Manuel Cal Brandão.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António Magalhães de Barros Feu.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
José Carlos Pereira Lilaia.
Partido Comunista Português (PCP):
António Anselmo Aníbal.
José Manuel Santos Magalhães.
Maria Odete dos Santos.
Centro Democrático Social (CDS):
Carlos Eduardo Oliveira e Sousa.
Henrique José Pereira de Moraes.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.
Deputados Independentes:
António José Borges de Carvalho.
Rui Manuel Oliveira Costa.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
António Jorge de Figueiredo Lopes.
Cândido Alberto Alencastre Pereira.
Fernando José Alves Figueiredo.
José Augusto Limão de Andrade.
Rui Manuel Parente Chancerelle Machete.
Partido Socialista (PS):
António Carlos Ribeiro Campos.
António Frederico Vieira de Moura.
Carlos Manuel Luís.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Rosado Correia.
José Barbosa Mota.
Raul da Assunção Pimenta Rego.
Raul Manuel Gouveia Bordalo Junqueira.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António Alves Marques Júnior.
António Eduardo de Sousa Pereira.
António João Percheiro dos Santos.
Fernando Dias de Carvalho.
Maria Cristina Albuquerque.
Paulo Manuel Q. Guedes de Campos.
Tiago Carneiro Rodrigues Bastos.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Vitorino da Silva Costa.
Partido Comunista Português (PCP):
António Dias Lourenço da Silva.
António da Silva Mota.
Domingos Abrantes Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Estêvão Correia da Cruz.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
José Augusto Gama.
Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre os projectos de lei n.ºs 377/IV e 384/IV, da Iniciativa dos deputados Almeida Santos e outros, do Partido Socialista, e dos deputados Magalhães Mota e outros, do Partido Renovador Democrático, respectivamente, enviado è Mesa.
1 - Os projectos em apreciação versam ambos os chamados crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos. O primeiro deu entrada na Mesa da Assembleia da República em 26 de Fevereiro de 1987 e o segundo em 10 de Marco seguinte, tendo em ambos sido ordenada a baixa a esta Comissão, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 137.º do Regimento.
2 - Com os presentes projectos de lei pretendem os seus autores dar cumprimento ao comando constitucional - artigo 120.º, n.º 3, da lei fundamental -, que impõe a este órgão de soberania a determinação dos crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, bem como as sanções aplicadas e os respectivos efeitos.
3 - Não existe na Constituição uma definição de titular de cargo político, mas é seguro, face ao disposto no artigo 121.º deste diploma, que os cargos políticos tanto podem ser cargos estaduais, como cargos das regiões autónomas ou do poder local.
Daí que o universo dos possíveis agentes dos chamados crimes de responsabilidade não se circunscreva aos titulares dos órgãos de soberania previstos no artigo 113.º da Constituição da República (Presidente da República, Assembleia da República, Governo e Tribunais).
Também se tem entendido que os titulares da função jurisdicional não devem considerar-se titulares de cargos políticos, assim se restringindo esta noção a todos os cargos aos quais estão constitucionalmente confiadas funções políticas, sobretudo as de direcção política.
Ambos os projectos de lei, respectivamente, no artigo 3.º e no artigo 6.º, aderem a esta noção de titular de
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cargo político, fazendo uma enumeração muito próxima da existente na Lei n.º 4/83 (controlo da riqueza dos titulares de cargos políticos).
Contudo, os dois projectos de lei excluem do âmbito da respectiva iniciativa os juizes do Tribunal Constitucional, por entenderem que a natureza judicial do cargo que ocupam imporá uma equiparação de tratamento dos demais juizes.
Quanto à exclusão do Provedor de Justiça em ambas as iniciativas, tal fundamenta-se na circunstância de não ter competência deliberativa e, consequentemente, ser dificilmente previsível a perpetração de crimes de responsabilidade pelo respectivo titular. Esta mesma argumentação serviu para os subscritores do projecto de lei do PS excluírem também do âmbito da sua iniciativa os membros do Conselho de Estado.
O projecto de lei do PRD é mais restritivo do que o diploma do PS quanto aos titulares de cargos políticos a serem abrangidos pela sua iniciativa. Assim não prevêem o deputado português ao Parlamento Europeu, o governador de Macau, o secretário-adjunto do governo de Macau, o deputado à Assembleia Legislativa de Macau e, por último, o membro de assembleia municipal.
Na prática de crimes de responsabilidade por titulares de cargos políticos, está em causa a violação de valores particularmente relevantes e da especial relação de confiança subjacente à designação do agente, pelo que é duvidoso que titulares de cargos políticos como aqueles que não constam do projecto do PRD e que acabaram de ser citados e, ainda, os juizes do Tribunal Constitucional, os membros do Conselho de Estado e o Provedor de Justiça, fiquem fora do âmbito de uma tão importante medida legislativa.
4 - Quanto ao elenco dos tipos legais de crimes previstos e definidos no capítulo II do projecto de lei n.º 377/IV (do PS) e no capítulo I do projecto de lei n.º 384/1V (do PRD), não se vislumbram motivos determinantes para deixar de fora crimes definidos no título v do Código Penal, como, por exemplo, a violação de segredos de Estado, mesmo sem pôr em perigo os interesses do Estado Português relativos à sua segurança ou à condução de sua política externa, a não promoção ou não continuação de promoção de procedimento criminal contra um infractor e o abandono de funções.
5 - Ao contrário das constituições portuguesas anteriores, a actual preferiu consagrar uma imposição legiferante (n.º 3 do artigo 120.º) dirigida aos órgãos legislativos no sentido de prever e punir os crimes de responsabilidade dos titulares dos cargos políticos.
Volvidos onze anos após a publicação e entrada em vigor da Constituição da República Portuguesa de 1976, a presente iniciativa legislativa pretende colmatar a manifesta omissão inconstitucional.
6 - Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de parecer que os presentes projectos de lei reúnem as condições regimentais e constitucionais para serem apreciados e votados em plenário.
Palácio de São Bento, 22 de Abril de 1987. - O Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, António de Almeida Santos. - O Relator, Licinio Moreira da Silva.
Documentos referidos na intervenção do Sr. Deputado José Apolinário (PS), cuja publicação foi solicitada e autorizada pela Mesa
Do Conselho Directivo da Escola Secundaria de Francisco Franco, Funchal
Associações de estudantes
Cumpre-me informar V. Ex.ª o despacho do Sr. Secretário Regional de Educação sobre a matéria: «Face ao actual quadro legal estas Associações não têm existência legal.»
Deverão, portanto, aguardar publicação de legislação adequada por parte da Assembleia da República.
Com os melhores cumprimentos.
O Director de Serviços, Ana Isabel Spranger.
Nota. Resposta a requerimento apresentado por SOO estudantes da Escola Secretária Francisco Franco.
Um grupo de alunos liderado pelo aluno Sérgio Abreu pretende levar a efeito um diálogo com os jornalistas nesta escola, a temática deste será o associativismo juvenil.
O local diz: encontro com os jornalistas será a porta da frente, onde desenrolará o diálogo pelas 16 horas, na próxima quarta-feira, dia 11 de Junho.
Pelo anteriormente citado solicitamos autorização para realizarmos a actividade acima mencionada.
Funchal, 5 de Junho de 1985. - Pêlos alunos Sérgio Abreu, 11.º, 3 - Paulo Reimão Spínola Santos - Carla Maria Fernandes Rodrigues.
Esclarecimento da SRE
Movimento associativo em estabelecimento de ensino não superior
A propósito de um comunicado ontem distribuído por um grupo de alunos da Escola Secundária de Francisco Franco, recebemos da Secretaria Regional de Educação o seguinte esclarecimento:
No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de Novembro, lê-se que o direito à livre associação constitui uma garantia básica de realização pessoal dos indivíduos ria vida em sociedade. No entanto, no seu artigo 1.º - o direito de associação é extensível apenas a todos os cidadãos maiores de 18 anos no gozo dos seus direitos civis em associações com fins não contratos à lei ou à moral pública, sem necessidade de qualquer autorização prévia.
O exercício do direito de associação de cidadãos de idade inferior a 18 anos, como é o caso das associações de estudantes ou de alunos do ensino secundário, poderia ser autorizada por leis especiais, conforme estabelece o n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de Novembro.
Até ao presente momento a Assembleia da República não legislou nesse sentido.
Foi E provada na generalidade este ano uma proposta no sentido de se legalizarem as associações de estudantes do ensino não superior. O documento está a ser discutido na especialidade. Assim, face ao actual quadro legal estas associações não se podem constituir, devendo aguardar a publicação de legislação especial que os regulamente.
12 de Junho - DN./1986
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Declaração de voto enviada à Mesa para publicação relativa ao voto de louvor ao Prof. Óscar Lopes
O PRD votou favoravelmente o voto de louvor a Oscar Lopes por todas as razões que fundamentam a sua proposta.
Oscar Lopes é, para muitas gerações suas contemporâneas, o mestre inesquecível da necessidade do aprender e do saber, o companheiro inesquecível da necessidade de lutar e de viver com os outros, no meio dos outros, pelos caminhos da mais fecunda solidariedade.
Uns elogiarão em Oscar Lopes, neste momento, o valor cultural em sentido restrito, porque é impossível negá-lo, e diluirão o que a atitude de louvor lhes possa custar, em nome de uma espécie de nebulosa de cultura ou de caldo de cultura. Outros acentuarão em Oscar Lopes, neste momento, a consequência da tenacidade, a alegria e o companheirismo da luta pela liberdade, pela democracia e pela emancipação dos povos. O PRD sublinha isso tudo e, repito, as razões expressas na proposta do voto de louvor. Mas o que, sobretudo, é homenagear a integridade do humano, do imensamente humano, do transcendentemente humano que, para alegria nossa, um dia aconteceu no nome de Oscar Lopes, nome da nossa memória, nome do nosso futuro.
A Oscar Lopes, a profunda, solene e afectuosa homenagem ao sentido de ser homem inteiro entre os homens.
A Deputada do PRD, Maria da Glória Padrão.
Declaração de voto enviada à mesa para publicação, relativa à votação final global do projecto de lei n.º 194/IV (CDS) - Estatuto Social dos Bombeiros.
Tendo subscrito integralmente a declaração de voto do Sr. Deputado Roleira Marinho relacionada com o Estatuto Social dos Bombeiros Portugueses, é ainda meu entendimento acrescentar o seguinte:
Não contempla na sua totalidade este estatuto não só aquilo que entendo serem os direitos dos bombeiros voluntários em Portugal, como também não se esgotaram as grandes preocupações que os afligem, tais como:
Revogação do Decreto-Lei n.º 418/80; Estatuto Jurídico das Associações; Regulamento de Disciplina; Regulamento de Fardamentos; Escola Nacional de Bombeiros.
Serão estas algumas das preocupações dos bombeiros portugueses, exigindo-se ainda que, paralelamente, seja reformulado o funcionamento do Serviço Nacional de Bombeiros, de forma que este responda concretamente aos fins para que foi criado.
É que, a continuar esta forma de funcionamento deste Serviço Nacional, poderão ser postos em causa valores históricos da sociedade portuguesa, ou seja, o associativismo e o voluntariado, valores sem paralelo no espaço universal.
É meu entendimento que, para se atingir mais rapidamente os objectivos concretos para uma perfeita articulação da filosofia moderna e democrática de gestão para uma melhor operacionalidade, se deve estudar a forma de financiamento directo às associações humanitárias de bombeiros, sem peias, sem burocracia e com melhor aproveitamento dos dinheiros públicos, já que estas são associações de utilidade pública e direito privado, garantias mais que suficientes para uma resposta responsável de gestão para e perante as populações que servem os poderes devidamente instituídos.
O Deputado do PSD, Jaime Soares.
Intervenção do deputado Almeida Santos (PS) enviada à mesa para publicação, relativa à discussão, na generalidade, dos projectos de lei n.º 377/IV (PS) e 384/IV (PRD) - Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
1 - Relativamente à lei que há-de determinar e punir os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, encontramo-nos em situação de falta grave.
Falta para com a própria Constituição, que no seu artigo 120.º há mais de dez anos a prevê e exige.
Falta para com o País, que entende mal que nestes dez anos tenhamos feito tantas leis a punir tantos, menos esta, a punir-nos a nós.
Falta para com a democracia, que não merece a suspeição de quem se esquiva a responder à conhecida máxima latina «qui custodet custodes»?
Falta - essa a mais grave - para connosco mesmos, por termos tanto tempo convivido com a exigência insatisfeita de uma resposta à própria consciência.
A falta, para além disso, assumiu particular acuidade quando há mais de quatro anos demos livre curso ao novo Código Penal, no qual se inclui todo um capítulo relativo a crimes cometidos por funcionários públicos e se prevê que lei especial regulará «a equiparação a funcionário, para efeitos da lei penal, de quem desempenhe funções políticas, governativas ou legislativas».
Pois bem: até hoje.
E neste até vai toda uma aberração: como os crimes que tipificam a corrupção, o peculato, o abuso de poderes ou de autoridade, entre outros, têm como elemento subjectivo «o funcionário» e os titulares de cargos políticos como tal não são considerados, a falta daquela equiparação é, na aparência, tão desinteressada quanto a impunidade o pode ser ...
Recordemos a máxima de Séneca:
Quem, podendo, não manda que o delito se não faça manda que se faça.
Por uma razão fortuita, que não tem que ver com a ética, mas a pragmática, é urgente que mandemos. Que aprovemos hoje na generalidade os projectos que introduzem a correspondente lei no circuito legislativo e, sem detença, na especialidade. Refiro-me ao risco de esta Assembleia vir em breve a ser dissolvida e de, se até esse hipotético então a não aprontarmos, se poder supor que uma vez doseámos, já não a nossa passividade, mas agora a nossa diligência, em termos de por mais algum tempo vivermos sem ela.
Por mim, estou disposto a tudo quanto estiver ao meu alcance - enquanto deputado e presidente da 1.º Comissão - para arredar esta suspeita.
Respondo pelo meu grupo parlamentar. Estivemos na origem de um dos projectos em discussão e temos o espírito pronto para as celeridades que se impõem.
Como sei que, apesar da aparência criada, o nosso pecado de omissão não teve por base uma resistência reflectida, mas apenas a lassidão típica do ferreiro em bater o ferro do seu próprio espeto, não duvido de que o mesmo seja o espírito dos demais grupos parlamentares.
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Acresce uma atenuante: a de que igual lassidão ocorre na generalidade das legislações. Duas, três regras constitucionais, esmiuçadas por escassa doutrina e, em regra, não pormenorizadas por lei ordinária, são uma constante das mais auto-exigentes democracias.
A matéria é árida e a sua regulamentação difícil. E a sua abordagem é, para além disso, desanimada por duas ordens de consideração: a ocorrência de responsabilidade política perante o soberano que escolhe os titulares dos cargos e a conveniência em não espartilhar demasiado funções que se não concebem nem burocratizadas nem sem uma certa margem de discricionaridade.
Reconheçamos que são dificuldades, não obstáculos. E, no nosso caso, temos o exemplo incómodo dos bons barbichas da Primeira República, que, menos de quatro anos volvidos sobre a proclamação da mesma, se saíram com uma lei «destinada a definir o carácter e a extensão da responsabilidade penal dos membros do Poder Executivo e seus agentes pelos actos praticados no exercício das suas funções», e sobretudo caracterizada por uma grande auto-exigência!
Tinha defeitos? Deixava de fora os titulares de cargos políticos sem funções governativas? Tipificava com excessiva desenvoltura «crimes» com dispensa da intenção criminosa? Punia criminalmente, em alguns casos, o simples erro? Tipificava pouco e as vezes mal?
Tudo isso é verdade! Mas, para quem conhece a avareza com que por esse vasto mundo os políticos se auto-responsabilizam, que exemplo!...
Quem o tem com menos legitimidade invoca o que acontece na generalidade dos casos.
2 - O artigo 120.º da Constituição, estrela polar desta viagem, emite bem frouxa luz.
2.1 - Começa por nos não dizer quais sejam os titulares de cargos políticos. E se não sofre contestação que o são o Presidente da República, os deputados a Assembleias Legislativas e os membros do Governo da República e das regiões autónomas, a partir dai as dúvidas são mais do que muitas.
No projecto de que sou o primeiro subscritor perfilhou-se um critério que não tenho por avaro. Lá aparecem os Ministros da República junto das regiões autónomas, os deputados ao Parlamento Europeu, os membros do Governo de Macau e da respectiva Assembleia Legislativa, os membros do órgão representativo de autarquia local, o governador civil.
Já no projecto subscrito por deputados do Grupo Parlamentar do PRD não figuram os deputados ao Parlamento Europeu, os membros do Governo de Macau, os deputados às assembleias regionais, os membros da assembleia legislativa de Macau e os membros de órgão deliberativo de autarquia local. Em contrapartida, figuram os membros do Conselho de Estado.
Não estou muito à vontade para insistir na exclusão dos membros do Conselho de Estado, pela simples razão de que tenho essa qualidade. E não desconheço que a Lei n.º 4/83, de 2 de Abril, relativa ao controle público da riqueza dos titulares de cargos políticos, a cuja génese estive ligado, inclui os membros do Conselho de Estado - como, aliás, os juizes do Tribunal Constitucional e o Provedor de Justiça - entre os titulares de cargos políticos.
Mas continuo convencido do bem fundado da inclusão de todos os titulares constantes do projecto de que sou subscritor, bem como da exclusão do mencionado elenco, e não apenas dos membros do Conselho de Estado.
Os juizes do Tribunal Constitucional, porque se não justifica, neste caso, a sua não equiparação aos demais juizes; o Provedor de Justiça e os membros do Conselho de Estado, porque se não vê bem como, dada a especificidade das suas competências - em nenhum caso decisórias -, possam incorrer em responsabilidade civil ou criminal por actos ou omissões que cometam no exercício das suas funções.
Mas repito: não será por mim, enquanto membro do Conselho de Estado, que os membros deste Conselho deixai ao de ficar sujeitos a responsabilidade pelas opiniões que emitirem no exercício das suas funções, embora, enquanto deputado que não responde civil e criminalmente pelas opiniões que emite, me sinta muito pouco à vontade para sujeitar a essa responsabilidade quem, com efeitos bem menos significativos e co n igual necessidade de independência, se limita também ao acto de opinar.
Não desconheço também que é desnivelado o grau de responsabilidade política entre um deputado à Assembleia da República, um deputado à assembleia regional ou um membro de Assembleia Legislativa local, por exemplo. Mas, por um lado, nem sempre o grau de responsabilidade criminal ou civil é função do grau de responsabilidade política. Por outro, não foi esquecido, como atenuante especial - quando for caso disso -, o diminuto grau de responsabilidade funcional do agente (artigo 6.º).
2.2 - Vaga é também a expressão «pêlos actos e omissões que pratiquem no exercício das suas funções».
Para além de que o verbo «praticar» desposa mal uma «omissão», instala-se a perplexidade.
Pêlos acto; e não por actos. Logo por todos os actos, desde que criminosos ou desde que deles emergia o dever de indemnizar. Nenhum «bill» de indemnidade, nenhuma «garantia administrativa».
Até aqui, tudo bem. Mas quando é que um acto se considera cometido «no exercício das funções»?
Basta que ocorra uma simples relação temporal com esse exercício?
À simultaneidade com elas acresce a exigência de que o acto ocorra por causa delas?
Ou a dependência delas?
Ou em qualquer outra forma de conexão com elas?
Manda o bom senso que se afaste a tentação do que já foi considerado «um certo exegetismo incluído de liberalidade» em nome da busca prudente do espírito da nome, ou seja, da sua fundamental razão de ser.
Na linha desta devassa estão as conclusões seguintes:
Seria de menos uma simples relação de contemporaneidade;
Seria de mais a exigência de uma relação de causalidade. Esta deixaria de fora os actos de corrupção, por exemplo. E se o legislador a tivesse querido exigir, tê-lo-ia feito expressamente, já que disso se não esqueceu ao conseguir o princípio d i responsabilização civil do Estado. Aí - no artigo 22 º - refere «as acções ou omissões praticadas no exercício das funções e por causa cesse exercício»;
Resta a consideração de uma relação de conexão ou instrumentalidade. Aqui, a especificidade do acto ou a qualidade do agente assumem, conforme 3s casos, «relevância constitutiva ou modificada da sua punibilidade».
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Foi esta, como se sabe, a solução consagrada no projecto de que sou subscritor, em cujo artigo 2.° surgem sujeitos ao seu alcance três ordens de crimes:
Os expressamente nele previstos como crimes praticados por titulares de cargos políticos no exercício das suas funções;
Os previstos na lei penal geral com referência expressa a esse exercício;
Os que mostrem ter com ele uma significativa relação de instrumentalidade ou conexão.
Esta relação existirá quando o crime tiver sido praticado com flagrante desvio ou abuso da função ou com grave violação dos inerentes deveres.
Não excluo que haja soluções melhores. Mas foi esta a melhor que conseguimos encontrar.
2.3 — Ao desembaraçar-se de qualquer orientação específica na definição do que sejam «crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos», cometendo sem rede esse encargo à lei, o legislador constituinte comete também a esta a determinação das sanções aplicáveis e dos «respectivos efeitos».
Surge aqui uma outra dificuldade. Que efeitos?
Quaisquer que sejam, incluindo a destituição do cargo?
Ou todos menos os que envolvam «a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos», já que o n. ° 4 do artigo 30.° da Constituição estipula que «nenhuma pena envolve como efeito necessário» precisamente essa perda?
A este respeito, a Constituição não permite raciocínios singelos. Na verdade, eis que no artigo 133.°, estabelece que a condenação do Presidente da República por crime praticado no exercício das suas funções «implica a destituição do cargo e a impossibilidade de reeleição».
Daqui uma de duas posições:
Ou bem que o legislador, «atirando à cabeça», nos quis dar a entender que, quem não recua perante o mais (a destituição do Presidente) implicitamente admite o menos (a destituição dos demais titulares de cargos políticos);
Ou bem que o legislador, aqui provendo expressamente, e além silenciando, quis que onde não provê funcione a aparente proibição geral do citado artigo 30.°
Que fazer?
Há que, uma vez mais, fazer intervir a essência das coisas. E, na sua essência, as coisas não podem, sufragar o absurdo, que consistiria em o Presidente da República, em caso de condenação por crime de responsabilidade, ser destituído, e os demais titulares de cargos políticos, sejam eles o Primeiro-Ministro, os restantes membros do Governo, os deputados, ou não importa quais, continuarem, placidamente, sentados na sua cadeira, como se se tratasse de verdadeiros anjos do céu.
Tudo, afinal, se resolve sobrepondo à regra geral que proíbe que qualquer pena envolva, como efeito necessário, a perda de direitos políticos, a regra especial que comete à lei a fixação dos efeitos das penas aplicáveis aos crimes de responsabilidde dos titulares de cargos políticos. Nesta linha de entendimento, a destituição automática do Presidente da República representaria, não uma excepção, mas uma orientação.
Aí temos, de resto, o artigo 65.° do Código Penal a reproduzir a regra («nenhuma pena envolve, como efeito necessário, a perda de direitos civis, profissionais ou políticos») e logo a seguir, o artigo 66.º a prescrever que «pode ser demitido da função pública, na sentença condenatória, o funcionário que tiver praticado o crime com flagrante e grave abuso da função que exerce ou com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes».
Dir-se-á: trata-se aqui de uma faculdade, logo não de um efeito necessário. É certo. Mas, se a diferença é apenas entre decorrer o efeito de lei ou de sentença, aí temos a alínea a) do n.° l do artigo 163.° da Constituição a cometer à lei a previsão das incapacidades dos deputados conducentes à perda do mandato.
E agora sim, estamos habilitados pela própria Constituição a evitar que o Presidente da República seja destituído e os demais titulares de cargos políticos não, quando condenados por crime cometido no exercício das suas funções, seja qual for a gravidade deste.
E não menos a aberração ética de um titular de cargo político cometer traição à Pátria, ultraje à Constituição, atropelo ao Estado de Direito — que digo eu? —, ser bacharel em corrupção pelo tribunal da comarca e, apesar disso, continuar, impávido e sereno, no exercício do cargo!
A Constituição não pode ser exigente num caso e passa-culpas no outro.
Daí a solução consagrada no projecto que defendo: a condenação de titular de cargo político, qualquer que seja, por crime cometido no exercício das suas funções, implica sempre a sua demissão ou a perda do mandato.
Isto sem exclusão do próprio Primeiro-Ministro e sem contemplação do facto de a sua demissão acarretar a de todo o Governo. Apesar de tudo só implica isso, e não uma nova eleição directa e universal, como no caso da destituição do Presidente.
3 — Mas já que abordámos o regime penal aplicável ao Presidente da República, convém realçar que a Constituição usa, quanto a ele, de extremo rigor.
Distancia-se, com efeito, do comum das constituições, que em relação ao Chefe de Estado perfilham uma de duas soluções: ou a consagração da impunidade penal, que é de regra nos regimes monárquicos; ou o extremo cometimento da sua responsabilização, em regra restringida aos crimes de «traição à Pátria» e «atentado à Constituição».
Para os regimes monárquicos, herdeiros do direito divino dos reis, o rei por definição não erra. Acaso, erra Deus? À pergunta lógica — e se o rei errar? —, a resposta de que, nesse caso, estaremos em face do desprestígio e do ocaso da própria instituição monárquica! A isto se usa opor — pensando nos Bórgias — que só talvez o sol tenha tido mais ocasos!...
Verdadeiramente republicana, a nossa Constituição não diviniza a figura do Presidente. É homem. E como errare humanum est, sujeita-o a responsabilidade penal sem limite.
Com uma contradição: se o crime é estranho ao exercício de funções — ainda que seja o de parricídio —, responde no fim do mandato. Se o crime é cometido no exercício de funções, ainda que pouco grave, a condenação acarreta a destituição do cargo e a impossibilidade de reeleição.
Na prática, tudo isto será cozinhado com um grão de sal: se o crime comum for grave, os factos se encarregarão de conduzir à renúncia do Presidente; se
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o crime de responsabilidade for banal, a Assembleia se encarregará de não tomar a iniciativa do processo, já que em exclusivo lhe cabe.
Mas tomemos boa nota: o rigor com que a nossa Constituição encara a responsabilidade penal do Chefe do Estado fornece ao legislador ordinário o grau de exigência com que devem ser seleccionados e tipificados em geral os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos.
O projecto a que liguei o meu nome tomou isso na devida conta. É uma lei a sério. Não uma lei para eleitor ver! Daí que, a condição de titular de cargo justifique como regra o agravamento das penas e não o contrário. É a consequência lógica de a responsabilidade dever ser tanto maior quanto maior for o poder exercido; e tanto mais pesada quanto mais feridos tiverem sido o dever de não cometer o acto delitivo e a relação de confiança subjacente a toda a designação política.
Não vejo como pudesse ser de outro modo.
4 — Acresce que, em atenção aos melindres da função e ao risco de imputações de base exclusivamente política, já os titulares de cargos políticos gozam, em regra, de imunidades e prerrogativas de que não goza o comum dos cidadãos.
Ora, porque respondem perante jurisdição mais qualificada e com maiores garantias de isenção política; ora porque a iniciativa do processo compete a órgãos políticos e não judiciários; ora porque a sua detenção ou prisão dependem de autorização de um órgão político, salvo em casos de particular evidência ou gravidade; ora porque o prosseguimento do processo, após a pronúncia, depende de autorização de um órgão político, salvo no caso de crimes mais graves, etc.
Toda uma grelha de cautelas que, à parte gradações de pormenor, são comuns à generalidade das legislações, embora a Inglaterra, que do parlamentarismo tem uma noção muito elaborada e muito própria, tenda a sujeitar os seus parlamentares à jurisdição penal comum. Nada de privilégios!
Inversamente, em Portugal, como em muitos outros países que seguem o modelo francês, o deputado goza de uma imunidade muito própria — a qual consiste em não responder, nem civil, nem criminal, nem disciplinarmente, pêlos votos e opiniões que emitir no exercício das suas funções. Tempo houve — de resto — em que os deputados também não podiam ser demandados civilmente nem executados por dívidas. Acontecia isso na Constituição de 1912. Hoje, e muito bem, os deputados pagam honradamente o que devem e o Parlamento não é coito de caloteiros.
Compreende-se aquela garantia da sua liberdade e independência, sem ofensa do princípio da igualdade. A discriminação é inerente à função, não ao agente, e é positiva. Por isso não pode o deputado dispor da imunidade, renunciando a ela. Mas, se aceita bem sem limites a liberdade de voto, já se questiona o que para este efeito seja ou deixe de ser uma opinião, e quando é que o que isso seja se considera emitido no exercício das funções ou fora delas.
Uma apreciação pessoal ofensiva da honra e consideração de outrem é um acto impune? Nomeadamente: o fundo cobre a forma?
A emissão de uma opinião fora do Plenário e das comissões está necessariamente excluída do âmbito do exercício das funções?
A resposta parece dever ser negativa, no primeiro caso, e afirmativa, no segundo. Na Alemanha, por exemplo, excluem-se expressamente as ofensas caluniosas. Creio dever ser também essa a solução entre nós, sem necessidade da sua consagração expressa. O deputado não responde criminalmente pêlos votos e opiniões que emitir, enquanto opiniões e enquanto votos. Se, porém, cometei um crime de difamação, estaremos fora do alcance da imunidade.
Do mesmo modo o voto. Se for precedido de um pacto criminoso, ou tiver sido condicionado por um acto de corrupção, por exemplo, o deputado não responde pelo voto, responde pêlos actos materiais qualificados como crime.
É este — já que vem a propósito afirmá-lo — o meu pessoal entendimento.
Quanto ao segundo caso: o deputado não o é só no Plenário e nas comissões. É-o também no seu contacto com os eleitores. A imunidade abrange, no seu todo, a sua actividade política, desde que esta seja minimamente inerente ao desempenho do mandato.
Quanto às limitações à detenção ou prisão, a protecção que a nossa Constituição dispensa ao deputado — ou seja a necessidade de autorização da Assembleia — é mais genérica do que a consagrada pelo comum das legislações. Estas em geral só excepcionam a prisão em flagrante delito. A Constituição Portuguesa exige a comulação deste com a exigência de que o crime í que se reporta a prisão seja punido com pena maior! A gravidade da pena não basta; é precisa a flagrância delitiva. Esta também não chega; é preciso que o cr me seja grave.
Reconheça-se que tais obstáculos à excepção quase deixam sem excepção a regra.
Duvido de que a independência da função exigisse tanto.
Penso na seguinte hipótese: um deputado, ao ser eleito, já foi condenado, mas ainda não preso. Na lógica do sistema estaria que, uma vez proclamado eleito, já não poderia ser preso sem autorização da Assembleia.
Reforcemos a hipótese: como os mandatos engrenam uns nos outros, no caso de sucessivos mandatos de duração superior ao prazo de prescrição da pena, a não autorização corresponde à impunidade.
Na prática, tudo se comporá se a Assembleia fizer um uso prudente da faculdade de não autorizar a prisão, fazendo incidir o seu juízo, não tanto sobre os fundamentos da imputação como sobre o eventual carácter político da mesma.
Com alguma razão Duguit advogava uma presunção favorável à concessão da autorização. A necessidade de protecção da independência dos deputados, nomeadamente contra «possíveis injustiças de turva origem política», não deve converter-se em privilégio que não caiba na sua própria justificação.
Tudo isto pesou no equilíbrio do projecto de que sou subscritor.
5 — Os dois projectos em apreço diferem, entre outros pontos que melhor lugar terão em sede de especialidade, na forma de equiparação dos titulares de cargos políticos a funcionários, para efeitos da aplicação àqueles dos crimes «cometidos no exercício de funções públicas» arrolados no capítulo IV do título V do Código Penal.
O projecto subscrito por deputados do PRD faz uma equiparação pura e simples. Aquele de que sou subscritor reprodu-los nalguns casos com importantes
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correcções - nomeadamente nos crimes contra a corrupção - e, sempre, com agravamente das penas, medidas caso a caso.
Creio que é este o melhor sistema. Quer porque a simples equiparação implica a consulta do Código Penal, quer porque se justificam as alterações propostas - algumas delas já aprovadas por lei posterior ao Código Penal - quer porque se justifica a alteração - das penas.
Deixemos sem nota outras diferenças. O nosso ponto de vista é que de ambos há-de sair um texto de alternativa final que recolha o melhor de um e outro. Como Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, tenho a garantia (agora em casa de ferreiro espeto de ferro) de que vamos aprontá-lo até ao início da próxima semana, não venham os deuses a tornar, a partir daí, escasso o tempo!
Esperemos que não!
Feita esta lei, Srs. Deputados, não seremos intrinsecamente mais virtuosos. Mas o povo português julgar-nos-á mais sérios.
Que estímulo!...
O Deputado do PS, António Almeida Santos.
As REDACTORAS: Cacilda Nordeste - Maria Amélia Martins.
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PREÇO DESTE NÚMERO: 176$00
Depósito legal n º 8818/85 I
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E P