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Quarta-feira, 9 de Março de 1988 I Série - Número 60
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA
1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 8 DE MARÇO DE 1988
Presidente: Exmo. Sr. José Manuel Maia Nunes de Almeida
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos P. Basto da Mota Torres
Cláudio José dos Santos Percheiro
João Domingos F. de Abreu Salgado
SUMARIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas, dos requerimentos apresentados e da resposta a alguns outros.
O Sr. Deputado Basílio Horta (CDS) requereu à Mesa que apurasse o exacto teor de declarações proferidas pelo Sr. Primeiro-Ministro, em recente entrevista, consideradas ofensivas pelo seu partido.
O Sr. Deputado Jorge Lacão (PS) anunciou que o seu partido, na sequência do pedido do Sr. Primeiro-Ministro à Procuradoria-Geral da República de procedimento criminal contra a Sr.ª Deputada Helena Roseta (Indep.) e das suas recentes declarações, vai apresentar uma proposta de nota oficiosa clarificadora da interpretação da Assembleia da República sobre o regime constitucional do Estatuto dos Deputados. Usaram ainda da palavra acerca deste assunto os Srs. Deputados Sottomayor Cárdia (PS), Joaquim Marques (PSD) e a referida deputada.
Assinalando o Dia Internacional da Mulher, produziram intervenções as Sr.ªs Deputadas Julieta Sampaio e Elisa Damião (PS), Luisa Amorim (PCP), Isabel Espada (PRD), Lurdes Hespanhol (PCP), Manuela Aguiar e Natalina Pintão (PSD), Maria Santos (Os Verdes) e Natália Correia (PRD) e o Sr. Deputado Raul Castro (ID).
Ordem do dia. - Foram aprovados três pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos relativos a pedidos de comparência de deputados em tribunal.
Após leitura de um relatório da Comissão da Condição Feminina, foi aprovado, na generalidade, o projecto de lei n. º 188/V (PRD, PS, PCP e Os Verdes) - garantia dos direitos das associações de mulheres-, tendo produzido intervenções as Sr.ªs Deputadas Isabel Espada (PRD), Maria Luisa Ferreira (PSD), Julieta Sampaio (PS), Luisa Amorim (PCP), Natália Correia (PRD), Maria Santos (Os Verdes) e o Sr. Deputado Raul Castro (ID).
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão eram 19 horas e 50 minutos.
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O Sr. Presidente: -Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 20 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adriano Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Américo de Sequeira.
António Abílio Costa.
António Augusto Ramos.
António Costa de A. de Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Caciro da Mota Veiga.
António José de Carvalho.
António Maria Oliveira de Matos.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando Manuel Pedroso Militão.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimira Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Mendes Costa.
Gilberto Parca Madail.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José António Coito Pita.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Mendes Bola.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Liberal Correia.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Natalina Pessoa Milhano Pintão.
Mary Patrícia Pinheiro Correia e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Deleure Alvim de Matos.
Paulo Manuel Pacheco Silveira.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Gomes da Silva.
Rui Manuel P. Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Partido Socialista (PS):
Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António Manuel Carvalho Vitorino.
António Manuel Oliveira Guterres.
António Miguel Morais Barreto.
Armando António Martins Vara.
Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Jaime José Matos da Gama.
João Barroso Soares.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Florêncio B. Castel Branco.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Torres Couto.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
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Manuel Alfredo Tilo de Morais.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d´Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Raul Manuel Bordalo Junqueira.
Ricardo Manuel Rodrigues Barros.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
Álvaro Manuel Balseiro Amaro.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo Brito.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Domingos Abrantes Ferreira.
Fernando Manuel Conceição Gomes.
Jerónimo de Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Luísa Amorim.
Maria de Lurdes Dias Hespanhol.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António Alves Marques Júnior.
Hermínio Paiva Fernandes Maninho.
José da Silva Lopes.
Natália de Oliveira Correia.
Rui José dos Santos Silva.
entro Democrático Social (CDS):
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
José Luís Nogueira de Brito.
Agrupamento Intervenção Democrática (ID):
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se à leitura dos diplomas entrados na Mesa, dos requerimentos e das respostas a requerimentos.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, foram entregues na Mesa os seguintes diplomas: inquérito parlamentar n.º 6/V, apresentado pelo PCP -relações entre o Ministério da Saúde e empresas privadas com incidência específica sobre a instalação e funcionamento de um hospital de Lisboa-, que foi admitido; projecto de deliberação n.º 12/V, apresentado pelo PSD - Comissão Eventual para a Cooperação Parlamentar entre Portugal e o Brasil-, que foi admitido; projecto de lei n.º 201/V, apresentado pela Sr.ª Deputada Odete Santos e outros, do PCP - corrige e repara as injustiças decorrentes da aprovação do artigo 106.º da Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro; projecto de lei n.º 202/V, da iniciativa do Sr. Deputado Almeida Santos e outros, do PS - alteração ao artigo 106.º da Lei n.º 38/87; ratificação n.º 12/V, da iniciativa do Sr. Deputado Rogério Moreira e outros, do PCP- Decreto-Lei n.º 70/83, de 3 de Março, que integra os Institutos Superiores de Contabilidade e Administração de Aveiro, de Coimbra, de Lisboa e do Porto na rede de estabelecimentos de ensino superior politécnico; proposta de lei n.º 34/V - autoriza o Governo a legislar sobre alteração à Lei do Serviço Militar-, que foi admitida e baixa à 7.ª Comissão; proposta de lei n.º 35/V - autoriza o Governo a rever o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho-, que foi admitida e baixa à 3.ª Comissão; proposta de lei n.9 36/V - concede ao Governo autorização para proceder à alteração da redacção do n.º l do artigo 68.º da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais) -, que foi admitida e baixa à 1.ª Comissão.
Entretanto, foram apresentados na Mesa, na última reunião plenária, os seguintes requerimentos: ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelos Srs. Deputados Amândio Gomes e António Costa; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Adão Silva; ao Ministério da Educação (três), formulados pelo Sr. Deputado Álvaro Amaro; ao Governo (cinco), formulados pelo Sr. Deputado Luís Roque; ao Governo (dois), formulados pelo Sr. Deputado Rogério Mói eira; a diversos ministérios (três), formulados pelo Sr. Deputado Herculano Pombo; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Moniz ao Ministério da Educação, formulado pela Sr.ª Deputada Julieta Sampaio; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado António Braga; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Miranda Calha; ao Ministério da Indústria e Energia, formulado pela Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira e outros; à Secretaria de Estado das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Brito.
O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelo seguintes Srs. Deputados: Virgílio Carneiro, na sessão de 23 de Outubro; Luís Roque, nas sessões de 29 de Outubro e 13 de Novembro; José Mendes Bota, na sessão de 3 de Novembro; Linhares de Castro, nas sessões de 12 de Novembro e 28 de Janeiro; Rui Silva e Manuel de Almeida, na sessão de 30 de Dezembro; Herculano Pombo, nas sessões de 12 e 26 de Janeiro; António Barreto, na sessão de 14 de Janeiro; Maria Santos, na sessão de 19 de Janeiro; Osório Gomes, na sessão de 21 de Janeiro; Álvaro Brasileiro, na sessão de 22 de Janeiro; Mateus de Brito, na sessão de 5 de Fevereiro; Lopes Cardoso, na sessão de 11 de Fevereiro; Roque da Cunha, na sessão de 18 de Fevereiro.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - É para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, é para anunciar que o Grupo Parlamentar do PCP vai recorrer da admissão da proposta de lei n.º 35/V, sobre o regime
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jurídico da cessação do contraio individual de trabalho, mais conhecida por «lei dos despedimentos». Nesse sentido usaremos os mecanismos regimentais aplicáveis.
Vozes de PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Basílio Horta, pede a palavra para que efeito?
O Sr. Basílio Horta (CDS): - É para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, o meu grupo parlamentar tomou conhecimento de recentes declarações proferidas pelo Sr. Primeiro-Ministro, em entrevista pública, e que o meu grupo parlamentar considera eventualmente ofensivas da honra e da dignidade desta Assembleia.
Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O CDS requer a V. Ex.ª que apure o exacto teor dessas declarações, as faça circular pelos diversos deputados por forma que, da parte do CDS, se apure com serenidade, mas com a maior firmeza, as iniciativas de carácter político ou outras que eventualmente poderão ser tomadas em face dessas declarações.
Aplausos do CDS, do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e da ID.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Basílio Horta, V. Ex.ª não quer concretizar um pouco mais, nomeadamente o dia e o teor das declarações, de forma a que a Mesa possa com mais base ...
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, a entrevista foi dada, penso eu, na sexta-feira à RDP, Antena l, embora só tenha sido radiodifundida no sábado. No entanto, os semanários desse fim-de-semana, nomeadamente o Expresso, já traziam excertos significativos dessa mesma entrevista.
Voz do PSD: - Mas quais?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, e para perguntar se, na sequência da carta ontem enviada pelo Sr. Primeiro-Ministro ao Presidente da Assembleia da República, a Mesa ou o Presidente tem algo a comunicar ao Parlamento.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, a Mesa não tem qualquer conhecimento da referida carta. O Sr. Presidente, como sabe, não se encontra em Portugal e o mais que posso fazer e tentar colher alguma informação junto do gabinete do Sr. Presidente, sobre a questão que acaba de colocar.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Nesse caso, Sr. Presidente, se me consente, desejaria passar ao conteúdo da interpelação que desejo fazer à Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, tendo em vista o conhecimento, por parte de todos nós, da decisão da Procuradoria-Geral da República de mandar arquivar o pedido de abertura de procedimento criminal contra a Sr.ª Deputada Helena Roseta por falta de fundamento legal para o dito procedimento criminal; tendo ainda em conta que no mesmo dia em que a Procuradoria-Geral da República decidiu arquivar o processo o Governo distribuiu uma nota oficiosa nos lermos da qual se estabelece - suponho- deliberada confusão entre o que é o regime de responsabilidade criminal e o que é o regime de responsabilidade política e se insinua uma suposta vontade deliberada de os deputados se acobertarem ao abrigo de um regime de responsabilidade - o que manifestamente é uma acusação gravíssima ao funcionamento normal da Assembleia da República; considerando ainda que, não satisfeito com a decisão da Procuradoria-Geral da República, o Sr. Primeiro-Ministro, através de uma entrevista aos microfones da Antena l, no passado dia 5, se arvorou em porta-voz dos detractores do Parlamento acusando este, designadamente, de estar, virtualmente, em total crise de confiança perante o povo português na medida da pouca consideração pela Assembleia da República...
Voz do PSD: - É verdade!
O Orador: -... e na medida ainda em que aqui, na Assembleia da República, se diriam mentiras e calúnias e tudo ficaria na mesma de acordo com um sistema de total impunidade por parle dos deputados; considerando, finalmente, que as acusações do Governo, quer na nota oficiosa, quer na intervenção do Primeiro-Ministro, não tiveram até ao momento qualquer reacção institucional por parte do Presidente da Assembleia da República ...
Voz do PS: - Muito bem!
O Orador: -... e que perante tão graves acusações o Presidente Assembleia da República e esta mesma não podem ficar indiferentes perante a campanha de detracção que sobre si tem recaído, a interpelação que faço ao Sr. Presidente é para lhe dar conhecimento de que na próxima conferência de líderes o Partido Socialista apresentará uma proposta de nota oficiosa a ser emitida pela Assembleia da República para que fique definitivamente consagrada a interpretação deste órgão de soberania acerca do regime constitucional que recai sobre o Estatuto dos Deputados. É, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o mínimo que poderemos fazer em nome do respeito que deveremos ler por nós próprios.
Aplausos do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e da ID.
O Sr. Presidente: - Solicitava aos próximos Srs. Deputados que vão usar da palavra o favor de serem muito breves.
Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, pede a palavra para que efeito?
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - É para fazer uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, a recente e activa indignação de S. Ex.ª o Primeiro-Ministro contra a alegada lesão da sua honerabilidade moral em resultado...
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O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Isto não está na ordem do dia!
Há Regimento ou não há Regimento?
O Orador: - Se os senhores...
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, solicito-lhe que seja breve.
O Orador: - Serei muito breve, Sr. Presidente, desde que a Assembleia me permita a brevidade necessária. A recente e activa indignação de S. Ex.ª o Primeiro-
Ministro...
Voz do PSD: - Isto é uma declaração política!
O Orador: - Não e uma declaração política. Os Srs. Deputados ainda não ouviram e dizem que e declaração política. Depois verão qual é a natureza da interpelação...
Protestos do PSD.
Sr. Presidente, peço a V. Ex.ª que determine que me seja possível usar da palavra.
A recente e activa indignação de S. Ex.ª o Primeiro-Ministro contra a alegada lesão da sua honerabilidade moral em resultado de discurso aqui proferido pela Sr.ª Deputada Helena Roseta obriga-me a intervir neste hemiciclo sobre uma questão que, embora hoje já quase esquecida, pode contribuir para melhor caracterizar a personalidade moral do Prof. Cavaco Silva...
Protestos do PSD.
Vozes do PSD: - Isto é uma intervenção!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, como V. Ex.ª acabou de dizer, está a fazer uma intervenção e...
Aplausos do PSD.
O Orador: - Sr. Presidente, não e intervenção, e uma interpelação à Mesa mais circunscrita ao objecto do que as que já foram feitas.
Decidi tomar públicas nesta Câmara...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, queira V. Ex.ª desculpar, mas assim não vamos a lado algum. Chamo-lhe a atenção para o n.º 2 do artigo 85.º do Regimento.
O Orador: - Sr. Presidente, a interpelação...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, o n.º 2 do artigo 85.º, que rege as interpelações, diz o seguinte:
Os deputados podem interpelar a Mesa quando tenham dúvidas sobre as decisões desta ou a orientação dos trabalhos.
A interpelação que V. Ex.ª está a colocar à Mesa nada tem a ver com esta figura regimental, pelo que solicitava a V. Ex.ª, e tendo em conta que pela parte do Sr. Deputado Jorge Lacão já foi avançada uma iniciativa no quadro da conferencia dos representantes dos grupos parlamentares a realizar amanhã, que tivesse isso em consideração e fizesse o favor de se sentar para entrarmos na ordem de trabalhos para a qual foi convocada a sessão.
Aplausos do PSD.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, peço de novo a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Queira V. Ex.ª interpelar a Mesa no estrito cumprimento do preceituado no nosso Regimento.
O Orador: - Sr. Presidente, lamento muito não poder fazer a V. Ex.ª o favor que me solicita, mas penso que seria injusto acima de tudo porque o que tenho para dizer é substancialmente diverso daquilo que foi dito pelo Sr. Deputado Jorge Lacão ou pelo Sr. Deputado Basílio Horta, mas tem exactamente a mesma pertinência na situação presente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, por se ter permitido a interpelação do Sr. Deputado Jorge Lacão não quer dizer que se permitam todas as interpelações e nunca mais acabemos.
Solicito, pois, a V. Ex.ª que neste momento abdique dessa intervenção e escolha uma melhor oportunidade para a fazer, nomeadamente no período de antes da ordem do dia da próxima quinta-feira, para o que poderá, desde já, ficar inscrito.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, peço de novo a palavra para uma interpelação.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, compreendo a situação de V. Ex.ª louvo o rigor com que V. Ex.ª preside aos trabalhos desta Assembleia -escuso de invocar os precedentes, aliás, úteis, que tem sido utilizados nesta maioria-, mas, se V. Ex.ª efectivamente emende que está esclarecido e que está nítido no seu espírito que o que estou a fazer se não adequa à figura de uma interpelação à Mesa, solicito a V. Ex.ª que me inscreva para uma intervenção no PAOD desta sessão.
Protestos do PSD.
Vozes do PS: - Hoje não!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, fica inscrito para intervir no período de antes da ordem do dia da próxima sessão, porque a conferencia de líderes decidiu que o de hoje seria inteiramente dedicado às comemorações do Dia Internacional da Mulher.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, compreendo a posição de V. Ex.ª e louvo a sua posição mas desculpar-me-á que diga, se me permite, que, se o Sr. Presidente da Assembleia aí estivesse sentado, não só outra seria a minha reacção como ele, por certo, me permitiria usar da palavra.
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, neste momento não está cá o Sr. Presidente da Assembleia da República. Estou cá eu e assumo a posição que anteriormente assumi.
Aplausos do PSD, do PCP e de alguns deputados do PS.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como há outras intervenções, vou perguntar a cada um dos Srs. Deputados inscritos sobre que querem usar da palavra e apenas darei a palavra se for para o cumprimento estrito do preceito das interpelações.
O Sr. Deputado Fernandes Marques pretende usar da palavra para que efeito?
O Sr. Fernando Marques (PSD): -Sr. Presidente, é para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Fernando Marques (PSD): - Sr. Presidente, esta minha interpelação à Mesa tem exactamente a ver com o cumprimento do Regimento da Assembleia da República, mas não só com isso. Também linha a ver com o cumprimento daquilo que foi acordado na última conferencia de líderes e que era tão-só isto a respeito do PAOD: o PAOD de hoje estava destinado a que os deputados que naturalmente de inscrevessem na Mesa em tempo útil pudessem tratar de questões relacionadas com o dia que hoje todos comemoramos, que é o Dia Internacional da Mulher...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: -.... e foi isso que verifiquei não estar a ser respeitado por parte de alguns Srs. Deputados.
Portanto, a minha interpelação a Mesa é no sentido de que possamos, como foi acordado na última conferencia de líderes, entrar no PAOD para se dar cumprimento àquilo que, de uma forma livre, foi aceite por todos os partidos representados na conferencia de líderes.
Qualquer outro incidente que se possa criar a pretexto seja do que for não tem razão de ser, e neste momento quero congratular-me com a decisão da Mesa porque de facto deu corpo a tudo o que foi aprovado na conferencia de líderes.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Helena Roseta, queira, por favor, dizer para que deseja usar da palavra.
A Sr.ª Helena Roseta (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra ao abrigo do artigo 89.º do Regimento.
Pausa.
Sr. Presidente, não era minha intenção trazer, hoje, aqui ao hemiciclo qualquer discussão relacionada com a nota oficiosa do Governo ou com as declarações do Primeiro-Ministro à Antena 1.
Protestos do PSD.
A Sr.ª Natália Correia (PS): - Silencio e respeito pelo Dia Internacional da Mulher!
Aplausos do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e da ID.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, queiram permitir que oiçamos o que a Sr.ª Deputada nos quer dizer ao abrigo do direito de defesa.
A Sr.ª Helena Roseta (Indep.): -O meu uso da palavra neste momento insere-se exclusivamente na necessidade de fazer um apelo a esta Câmara para que hoje, Dia Internacional da Mulher, ponha acima de todas as outras querelas a questão dos direitos da mulher e também de informar a Câmara, em nome do direito de defesa que me cabe e que lenho ao abrigo das leis e da Constituição deste país, que irei reagir contra a nota oficiosa através do direito de resposta que está consagrado na Lei n.º 5/86.
Aproveito ainda para informar VV. Ex.as que as notas oficiosas, nos termos da lei, só dever ser feitas em situações que se refiram a perigo para a saúde pública, segurança dos cidadãos, independência nacional e outras situações de emergência.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar na pane da nossa agenda inteiramente dedicada a intervenções sobre o Dia Internacional da Mulher.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Julieta Sampaio.
A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Convidados: Na Comissão da Condição Feminina, e por iniciativa da nossa querida deputada Natália Correia, deliberámos fazer aqui hoje um PAOD especial para comemorar o Dia Internacional da Mulher, em que vamos evocar, por ordem cronológica, mulheres que fizeram história na nossa Pátria.
Vou começar por evocar a primeira.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Convidados: Quem foi a mulher que disse: «Pereceram por haverem querido o bem dos homens»?
Quem foi a mulher que disse: «Nós, os sequazes da justiça e da verdade, os apóstolos da nova fé, nós, os republicanos, queremos imitar os satélites da tirania, os homens das trevas, opondo aos crimes, aos roubos, aos assassínios, delitos semelhantes, levantando forcas e arrancando aos inocentes a honra, os bens e a vida?!»
Quem foi a mulher que disse: «Pereça a República, arrase-se a cidade de Nápoles e fiquemos sepultados em suas ruínas, antes que fazer o menor mal a inocentes ou derramar o sangue de transviados cidadãos, que não deixam por isso de ser irmãos nossos e filhos da mesma mãe comum»?
Quem foi a mulher que disse: «Não precisais de subir as escadas para nos assassinardes. Aqui à luz do Sol e com a cidade de Nápoles por testemunha, executareis o vosso intento. Sabei, porem, que venderemos caro as vidas. Nem todos de entre vós se hão-de gloriar de punir senão o abominar os tiranos que vos enganam e traíram»?
Quem foi a mulher que disse: «A liberdade está ameaçada. Talvez que seus altares venham a ser de novo derruídos pelo fanatismo ignorante e cego. Talvez as nossas cabeças tenham de cair aos golpes do algoz»?
Quem foi a mulher que, antes de morrer no cadafalso, disse: «Talvez um dia vos seja grato recordar estas coisas»?
Esta mulher, ilustre na história moderna da Itália, esta mulher, a quem um dos seus notáveis contemporâneos aplicou a divisa Andei viris concurrere virgo, era filha de pais portugueses e chamava-se Leonor da Fonseca Pimentel.
Leonor da Fonseca Pimentel nasceu em Roma pelos anos de 1752-1754. Era filha de Clemente Henrique da Fonseca Pimentel, cujos ascendentes viviam em Beja na segunda metade do século XVIII. Quando se romperam as relações entre a Cúria Romana e Portugal, Clemente Henrique da Fonseca saiu de Roma e fixou-se em Nápoles. Leonor estudou Ciências e, com apenas 16 anos, começou a fazer versos, que mereceram grandes aplausos. Dos seus vários escritos é manifesto o entusiasmo pela Pátria que não fora o seu berço, mas a que estava ligada pelas origens da família. Leonor falava e escrevia correctamente o português, conhecendo-se uma carta escrita ao arcebispo de Évora, que se conserva na biblioteca daquela cidade.
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Foi dama de honor da rainha Maria Carolina de Nápoles e casou em 1784 com um nobre que ficou a ser conhecido por causa dela como marques da Fonseca.
As suas ideias liberais fizeram com que em 1784 se pronunciasse abertamente pelos princípios da Revolução Francesa, tomando o seu salão o centro das reuniões liberais.
Quando da proclamação da República Napolitana, Leonor Pimentel, à frente do movimento revolucionário, exerceu uma grande influência no seio do Governo, onde defendeu sempre a moderação.
Dela, em particular, ficou uma lição inesquecível: a de que os fins não justificam os meios. Nestas palavras a ideia de que os liberais não podem, nem sequer em nome da liberdade, cometer actos semelhantes aos opressores.
Gozava de grande popularidade. Quando caiu a República, foi acusada de traição à dinastia e condenada à morte.
Caminhou serenamente para o suplício e, ao chegar à praça onde se levantava a forca, recitou com tranquilidade versos de Virgílio.
O seu nome figura no Panteão dos Mártires. Esta portuguesa, que muitos desconhecem, foi figura principal de um filme mudo português, A Portuguesa de Nápoles, produzido e exibido em Portugal. É conhecida pela «Heroína de Nápoles», mas para nós é a portuguesa que antes ele morrer disse: «Talvez um dia vos seja grato recordar estas coisas.»
Não pensava Leonor Pimentel da Fonseca ser recordada na sua Pátria, na Assembleia da República, no Dia Internacional da Mulher.
Recordá-la é a homenagem que a Pátria lhe presta como portuguesa e como mártir da liberdade.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Elisa Damião.
A Sr.ª Elisa Damião (PS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados, ilustres convidadas das galerias: Aderiu o PS prontamente a esta iniciativa político-cultural a propósito do Dia da Mulher, por proposta de uma senhora da cultura portuguesa contemporânea, a distinta deputada desta Assembleia Natália Correia, por nos parecer uma forma original, consensual e digna desta Câmara de comemorar uma data tão significativa para as mulheres de lodo o Mundo, lembrando antes de mais o contributo das mulheres portuguesas deliberadamente esquecido.
A dedicação à causa da emancipação da mulher e a sua dignificação na sociedade portuguesa não é recente, não provém de nenhum estrangeirismo, não é uma mera imitação das experiências dos outros, embora estas se tenham feito sentir através das correntes polílico-filosóficas que as impulsionaram.
A luta pela igualdade em Portugal, património verdadeiramente nacional, resultante da obra e pensamento de mulheres e homens, vultos da nossa história política, científica e cultural que à causa de emancipação e libertação da mulher dedicaram muito da sua capacidade e inteligência, considerando-a o primeiro degrau de uma tarefa mais vasta em prol da justiça social, como parte integrante do humanismo português, dos valores da República, da democracia e do socialismo democrático.
Portugal tem para recordar, perdidos propositadamente na memória do povo, votados no esquecimento da história, vultos exemplares de mulheres que legaram ao seu país contributos notáveis que importa relembrar não apenas por gratidão mas sobretudo porque avivar a sua memória é demonstrar que as mulheres portuguesas têm alicerces, têm passado de luta, têm exemplos, têm doutrina, têm memória, logo, têm identidade.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!
A Oradora: - São parte de um povo, de uma história, de um país, têm tudo o que é necessário para estreitar laços de solidariedade que as conduzam ao lugar a que têm direito na sociedade portuguesa.
Assim é meu privilégio falar-vos de um mulher que foi, no seu tempo, exemplo de luta social a favor dos mais desprotegidos, as mulheres e os trabalhadores.
Angelina Vidal, poetisa, escritora, jornalista de grande talento, foi primeiro grande vulto da história do sindicalismo português de tal forma que poucos homens do seu tempo no plano sindical e político deixaram tão vasta e exemplar obra feita de qualidade, entrega e de testemunho de uma vida de talento literário e organizativo na militância sincera pela República, pelas classes trabalhadoras, pelo cooperativismo, pela emancipação da mulher. Inspiravam--na correntes socialistas que nos parecem hoje radicais mas que compreenderemos melhor se recuarmos no tempo para as condições de vida de então.
Angelina Vidal escreveu para revistas e jornais portugueses e brasileiros, como, por exemplo, o Domingo Ilustrado, O Partido do Povo, O Trabalho, A Marselhesa, Voz do Operário, A Tribuna, A Revolução, O Século, O Comércio de Lisboa, Emancipação e O Sindicato.
Escreveu também obras completas e algumas peças que foram representadas em público; estive mesmo tentada a citar algumas passagens do conselheiro Acácio em verso, que são de uma graça e acutilâncias ímpares mas poderia ser tomado como crítica directa a pessoas ou a algum político da actualidade,
Risos da Sr.ª Deputada Natália Correia (PRD).
havendo tanta semelhança nas situações apesar de esse facto ser pura coincidência, que me inibiu, parecia-me pouco apropriada para a solenidade desta comemoração, pois poderia ser entendida como uma tentativa de evitar nesta Câmara a assumpção da crítica colocando-a na boca de Angelina Vidal como quem receia perder a imunidade parlamentar.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Muito bem!
A Oradora: - A propósito da emancipação da mulher, publicava Angelina Vidal no jornal O Sindicato em Fevereiro de 1889 um extenso e completo trabalho em oito capítulos sobre a evolução da situação da mulher desde as sociedades primitivas, a família, a tribo, civilizações pagã, grega, romana, o cristianismo, a Idade Media, a Revolução Francesa, até à situação da mulher na sua época, concluído este trabalho sob o sugestivo título de «Lugar a todos».
Desse trabalho citamos as seguintes passagens que caem na sociedade contemporânea como um libelo acusatório contra os poderes constituídos, que é lamentavelmente actual, e que as mulheres portuguesas subscreverão hoje, dia 8 de Março de 1988, à beira do próximo milénio.
Meditemos, pois, na mensagem de Angelina Vidal:
A educação perfeita dum indivíduo compreende a educação de todas as suas faculdades. Sc a considerarmos sob o ponto de vista higiénico, não podemos aplicá-la a uma ou a outra parte dum todo, abandonando as restantes às patalógicas consequências do desprezo das suas salulíferas preceituações. Se nos reportamos à ginástica, obrigados somos a reconhecer que um aterrado exercício aplicado a uma parte do corpo acabaria por deformá-la em face de harmonia das linhas plásticas.
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É o mesmo na ordem moral.
Cultivar o cérebro em prejuízo do sentimento, exagerar o sentimento em prejuízo da consciência seria destruir o equlíbrio das forças morais.
É isto precisamente o que os educadores sociais têm olvidado, deixando metade do género humano em pleno abandono, para se desentranharem em solicitudes com a outra metade; o homem, embriagado pelo tóxico da vaidade, desprezou as leis físico-psíquicas do equilíbrio social e moral de uma porção da sociedade; o amor-próprio oxalá permita ao homem reconhecer o erro fatal que daí resulta na família, na sociedade, na nação, na perfectibilidade das gerações.
No entanto, é necessário que todos quantos se devotam à regeneração dos povos, todos quantos sentem no coração as pulsações da justiça, empreendam ousadamente esta cruzada em que há a conquistar não o túmulo de um sábio, mas o berço da sabedoria das nações.
Entendemos, porém, que para perfeito conhecimento da justiça de uma causa, é indispensável conhecê-la a fundo pelo estudo de todos os argumentos que pró e contra ela possam ser desenvolvidos. Portanto, para, com proficiência, se compreender toda a razão do princípio que nos propomos advogar, a emancipação positiva da mulher, teremos de procurar em toda a sua existência o desenvolvimento psico-moral, como pontos de apoio às nossas proposições. Temos como regra iniludível que toda a questão positiva deve ser baseada em positivos alicerces, para que o edifício fique solidamente arquitectado na opinião.
Seja qual for a atitude do homem sob o ponto de vista social, sejam quais forem as conquistas realizadas na esfera luminosa do progresso, o homem, a família, a nação, a sociedade, enfim, estão invariavelmente subordinadas à influência que a mulher directa ou indirectamente sobre tudo exerce. Para nós a emancipação da mulher é a pedra angular da moralidade pública. Reconhecemos quantas dificuldades se levantam em frente desta aspiração justíssima; porém, não devemos também deslembrar que todos os grandes pensamentos do justo, do belo, e do direito, realizados pelo sacrifício e valor de transactas gerações, foram durante largos ciclos considerados como utopias, ou quiméricas, miragens em cuja contemplação se extasiavam os sublimados Prometheos dos progressos do espírito humano.
Explicando o objectivo do seu trabalho pretendia Angelina Vidal levantar o reposteiro dos séculos para apontar não apenas ao homem toda a história de sua injustiça, mas também acusar a mulher que estaciona e se acovarda dizendo que «a inércia feminina hoje já não é uma falta, é um crime, que tem de ser esmagado pelas avalanches que rolam sem descanso pelos declives do pensamento, sendo necessário que não separemos a nossa emancipação da emancipação do homem».
Concluiu dizendo: «que é dificílima a luta, nada menos do que apear o ídolo da vaidade e substituí-lo pela estátua do bom senso, aproximando os dois sexos ante o tabernáculo da filosofia, fazendo compreender que a liberdade não comporta escravos, que só a mulher livre pode produzir sociedades livres, fortes, moralizadas e sadias».
Angelina Vidal morreu pobre em 1917, o seu funeral foi custeado pelo jornal O Século. Perseguida pelo regime monárquico, não chegou a receber a pensão que o Parlamento lhe atribuiu. A tão almejada República deu passos significativos na dignificação da mulher, mas ficou por certo muito aquém dos seus anseios.
Cem anos depois do seu trabalho sobre a emancipação da mulher, muito está ainda por fazer, e a melhor homenagem que lhe podemos prestar é pugnar nesta Câmara, e sobretudo na sociedade portuguesa, pela justiça social e igualdade de oportunidades entre os cidadãos e pela participação da mulher na constituição de um Portugal melhor, logo mais igualitário.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, neste Dia Internacional da Mulher permitam-me que, em nome da Mesa, saúde todas as mulheres portuguesas e, em particular, aquelas que hoje assistem nas galerias e nos acompanham nesta sessão.
Bem hajam e muito obrigado!
Aplausos gerais, de pé.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Amorim.
A Sr.ª Luísa Amorim (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados, Sr.ªs e Srs. Convidados: Dou a palavra no Parlamento a Maria Veleda - mulher de uma luta ainda presente:
Quando em 1905 fixei residência em Lisboa, encontrava-me muito doente e impossibilitada de trabalhar. Dispunha de limitadíssimos recursos que provinham mesmo assim de minha mãe. Éramos três pessoas de família, não contando comigo - minha mãe, bastante idosa, meu filho ainda pequenino e um filho adoptivo ao tempo, de 15 anos, órfão, e do qual me encarregara contando ele 14 meses...
Supunham-me tuberculosa e, nestas condições, todos os meus esforços para conseguir emprego resultaram improfícuos! Leccionava, porém, num asilo, a troco de um caldo.
Começava a apoderar-se de mim o desalento quando ocorreu um sucesso inesperado que deu nova orientação à minha vida...
Ofereceram-me o lugar de professora regente no Centro Escolar do Dr. Afonso Costa.
Dormíamos os quatro -minha mãe, os meus filhos e eu - no mesmo quarto, amplo e arejado.
Familiarizei-me a pouco e pouco com alguns nomes de republicanos que até então mal conhecia...
O problema feminista, que vinha estudando desde há muito, atraía-me irresistivelmente.
Pensei continuar na Vanguarda (revista dirigida por Magalhães Lima) a minha encetada campanha em prol da emancipação da mulher.
Por esse tempo relacionei-me com Ana de Castro Osório e seu marido.
E que esplendorosos serões gozávamos os três! Conversávamos... e muitas vezes esquecíamo-nos do tempo até de madrugada.
... Esse primeiro contacto que eu tomara com a família republicana; o interesse que despertou no meu espírito, ávido de emoções novas; a primeira conferência escutada; o desejo que vinha alimentando desde muito nova de subtrair-me ao meio banal em que sempre vegetara; tudo isto era de molde a impelir-me para a frente.
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... Comecei desde então a frequentar assiduamente todos os lugares onde se realizavam sessões públicas e conferencias de propaganda.
Naquele tempo eram interditas às mulheres quaisquer profissões liberais (com excepção da medicina e do magistério primário) assim como o acesso às repartições públicas.
Mulheres que pretendessem libertar-se da escravidão da rotina, por meio do trabalho honesto, eram olhadas de través e com certo desagrado.
Poucas, muito poucas, tinham vencido o preconceito. A minha dedicação pela causa da mulher submetida ao jugo do mais forte, ridicularizada, escarnecida, considerada tão-somente como «anjo do lar» (mísero «anjo» a que cuidadosamente aparavam as asas... ou como carne de prazer), aumentou na proporção em que eu a via cada vez mais infelicitada, mais desprotegida.
... O vento emancipador da República impelia-nos para a frente...
Não podiam as mulheres portuguesas ser estranhas à ideia emancipadora que as solicitava e atraía.
Foi, então, que surgiu o plano de organização de uma colectividade exclusivamente feminina e de carácter retintamente republicano.
Para a comissão organizadora alvitrara Ana Osório o meu nome: mas - segundo ela depois me confidenciou- António José de Almeida opusera-se, alegando que eu era demasiado «vermelha».
Meus Senhores e minhas Senhoras: O feminismo não é uma aspiração ridícula da mulher. A necessidade de viver honestamente pelo trabalho e que nos inspirou o feminismo.
Dignificar a mulher a ponto de fazer dela um ídolo, um fetiche, não me parece o mais seguro meio de impô-la ao respeito universal.
Os ídolos quebram-se, os fetiches desaparecem no «pó dos séculos». A mulher tem de arremessar para bem longe o seu diadema de deusa, despedaçar o ceptro da sua irrisória realeza, para caminhar ao lado do homem serena, corajosa e altiva.
É isto que os adversários do feminismo não querem. Eles preferem a mulher ignorante, bestializada, fácil instrumento do seu capricho. A mulher só lhes serve na sala, no quarto e na cozinha.
Compreende-se a guerra surda que move ao feminismo a negra hoste dos reaccionários.
A esses convém-lhes a mulher estúpida, a mulher ignorante, a mulher seu joguete e sua aliada.
O lugar das feministas não e nas fileiras burguesas nem tão-pouco nas alas reaccionárias: é nos partidos operários, em volta da bandeira vermelha! Recordemos o nome de Gabriele Moin, Rosa Luxemburgo, Clara Zetkim e tantas outras ...
Levemos a mulher para o socialismo.
Meus Senhores e Minhas Senhoras: nunca me cansarei de repetir: e preciso que todas as mulheres tenham uma profissão.
E todas as profissões são honrosas, todas são compatíveis com a dignidade feminina.
Queremos a mulher educada para o trabalho, instruída e capaz de se opor à exploração infame que se faz com a sua ignorância e a sua fraqueza.
Eu tenho vivido ultimamente em convívio estreito com operárias. E tenho-me sentido arrebatar de ódio contra os miseráveis que abusam da ignorância das suas vítimas.
Na fábrica p patrão e o filho do patrão exercem violências sexuais sobre a mulher em que o seu olhar de sátiros descobre graça e beleza.
É assombrosa a falta de protecção que vitima as operárias. No passado havia o chicote para os escravos. No presente há também um chicote: chama-se o capital!
A salvação do operário está na coesão, na reunião das forças, na resistência tenaz, reflectida, bem organizada. Unam-se os proletários, associem-se, comuniquem de associação em associação.
A emancipação feminina...: é a igualdade da mulher junto do homem perante o Código; é a cultura moral e intelectual da mulher; é o fim dessa ignóbil especulação que se faz com o seu trabalho, tantas vezes mais violento e fatigante do que o do homem e que lhe retribuem com um salário irrisório, mesquinho- como se a mulher não tivesse necessidades orgânicas iguais ao homem, como se ela pudesse alimentar-se das brisas e do perfume dos laranjais.
Parafraseando Jules Simon, direi: ninguém pode salvar melhor a mulher da escravidão que a própria mulher. Trabalhemos, associemo-nos.
Baseada nesse ideal de igualdade e fraternidade, é que ou desejava que se fundasse em Portugal uma liga feminina onde coubessem as proletárias manuais e intelectuais, onde se defendesse o proletariado feminino em geral, a mulher operária em especial.
Meus Senhores e Minhas Senhoras: é preciso que a mulher se imponha pelo prestígio da sua vontade, anulando pelo exemplo, pelo facto, o preconceito imbecil que a prende de pés e mãos, impossibilitando-a de agir..., que esteriliza a sua inteligência, impossibilitando-a até de pensar!
Em vez de obrigar a menina a estar muito quieta, muito sossegada ..., não seria melhor que as mães as deixassem em liberdade, correndo, pulando, fraternizando com os rapazes...?
Mas não! Infelizmente não! Aos rapazes dizem: «não brinques com meninas porque te fazes piegas»! E a elas: «não andes com rapazes ... Parece mal!»
E a desconfiança nasce logo. É preciso educá-los juntos.
A escola livre não é mera utopia: a educação dos sexos não é um sonho!
E será o amor o único laço que deve existir entre o dois sexos?
Ah! Eu não condeno a atracção mútua que une dois entes ... Amar é viver! Mas quereria que o amor não fosse o que e - um fim! -, o único fim que a mulher tem em vista, o seu pensamento fixo, a sua mama, o seu martírio, o seu algoz!
A liberdade individual dá ao homem o direito de constituir ou não constituir família. Mas se o homem tem esta liberdade, é justo que a mulher tenha também a liberdade de viver como for seu agrado ...
Meus Senhores e Minhas Senhoras: Não se diga que a mulher na política representa um papel inútil. Se a mulher não elege, no entanto, conspira e tem conspirado em todos os tempos e tem pegado em armas, como essas robustas camponesas do tempo de Maria da Fonte.
Ninguém se atreverá a sustentar que a mulher é cobarde.
Não! As mulheres não são cobardes! As mulheres valem tanto como os homens e mal avisado anda quem despreza o seu esforço e se ri das suas aspirações!
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Há frases que ficam históricas e, entre essas, convém sempre memorar a frase celebre de Olympe de Goujes: «Se as mulheres podem subir ao cadafalso, também têm o direito de subir à tribuna.»
Há pouco tempo, as francesas, a 20 de Maio de 1906, percorreram as ruas de Paris com bandeiras desfraldadas, onde se lia: «As mulheres devem votar, visto que suportam as leis e pagam os impostos.»
Houve, como sempre há, graciosos que se riram das sufragistas francesas, como se riram das inglesas e das americanas. Todos os nobres ideais têm tido os seus mártires.
Meus Senhores e Minhas Senhoras: Quem pretende lutar contra a lógica e contra a justiça fica ordinariamente vencido.
É ainda uma simples questão de tempo...
Nós queremos um novo mundo..., sem distinção de raças, privilégios de castas, sem leis deprimentes, sem escravidões de espécie alguma, sem a ignóbil desconfiança dos dois sexos, sem lobos nem cordeiros-homens e mulheres unidos para o mesmo fim, para a comunhão dos mesmos bens, dos mesmos direitos e dos mesmos ideais.
Deixe o povo de ser paciente, tenha a força imperiosa, tenha a altivez que vem do poder bem orientado; imponha-se; domine; e de escravo tornar-se-á senhor!
E nesse dia ... Ai dos vencedores de hoje que serão por seu turno os vencidos de amanhã.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Acabei de ler um trabalho de pesquisa com extractos das memórias de Maria Veleda e de textos de discursos e conferências publicados até 1909.
Aplausos do PCP, do PS, do PRD, de Os Verdes e da ID.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Espada.
A Sr.ª Isabel Espada (PRD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vou utilizar longamente a palavra neste primeiro ponto da ordem de trabalhos, pois irei fazê-lo quando for discutido o projecto de lei que o meu partido permitiu agenciar para hoje.
De qualquer forma, vou fazer uma pequena intervenção, que me vai gastar apenas um minuto, uma intervenção simbólica para em nome do meu partido e em meu nome provar que os homens também podem receber flores e também podem receber flores das mulheres.
Aplausos gerais.
Neste momento, esta Sr.ª Deputada distribui flores aos líderes de todas as bancadas.
Aplausos gerais
O Sr. Presidente: - Após a intervenção da Sr.ª Deputada Isabel Espada distribuindo flores a todos os grupos parlamentares, dou a palavra à Sr.ª Deputada Lurdes Hespanhol.
A Sr.ª Lurdes Hespanhol (PCP): -Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados, Sr.ªs Convidadas, Srs. Convidados: Neste dia de alegria, solidariedade e luta de mulheres pela igualdade, pelo pão, pelo trabalho, pela democracia, pela paz, o Parlamento Português, evoca a memória de algumas que, não sendo conhecidas através do estudo da história, fizeram história, ajudaram a fazer a história de um povo e a organizar a força para a sua libertação. Permitam-me, assim, que hoje evoque a figura de uma dessas mulheres que esteve na vanguarda do seu tempo. Trata-se de Alice Evelina Pestana Coelho, conhecida sob o pseudónimo de Caiel. Nasceu em Santarém em 7 de Abril de 1860 e morreu em Madrid em 24 de Dezembro de 1929. Foi uma mulher notável no seu tempo, como escritora mas sobretudo como impulsionadora do processo de afirmação e emancipação da mulher portuguesa, particularmente na defesa do seu direito à educação e participação activa na vida social e política.
Não queria falar dela mas que ela nos falasse, dar-lhe a palavra hoje e aqui é não só fazer justiça, é também aprender uma grande lição e tirar grandes conclusões dos grandes temas do seu interesse - a necessidade da promoção da mulher, o feminino entendido como realização da pessoa, a construção da paz como condição do progresso, a tolerância e o respeito pelas convicções pessoais, a luta contra os preconceitos e as formas de opressão social.
Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados, Sr.ªs Convidadas, Srs. Convidados: Em 1890 Caiel falava assim da mulher portuguesa:
Fisicamente a portuguesa é mais atraente do que bonita. Mas ela tem, em contrapartida, dois soberbos traços de beleza - os cabelos e os olhos. Os seus belos olhos, doces e profundos são quase sempre o espelho de uma alma nobre de sentimentos.
Se não se tivesse feito a história e não fossem conhecidos os feitos sublimes e heróicos de mulheres portuguesas, quem lê afirmações do tipo «a boa, a doce, a simples portuguesa»! Diria que esta seria uma mulher feita para amar e ser amada...
É exactamente o maior elogio que eu posso fazer à sua inteligência. Porque, verdadeiramente, para amar muito, no nobre sentido da palavra, e preciso ser intelectual. E ela é-o, naturalmente, a mulher portuguesa. É notavelmente inteligente a minha compatriota. Afirmo-o aqui, não por cortesia, mas por dever de consciência. Com os piores elementos ela faz verdadeiros prodígios. O que é que lhe ensinam? «Bagatelas», quase ou inteiramente inúteis. Não lhe ensinam, quase, a sua própria língua.
Com a sua mesquinha bagagem de conhecimentos é uma verdadeira maravilha como, por vezes, a mulher portuguesa dá provas de bom senso e de perspicácia.
Pode-se facilmente concluir [contínua Alice Pestana] que tudo o que a Nação Portuguesa precisa é de proporcionar às mulheres toda a intelectualidade moderna, interessá-las por todos só factos sociais, para os quais elas têm muito coração mas pouca compreensão, falta de instrução e de desenvolvimento intelectual, apropriado.
Alice Pestana sublinha que, segundo M. Jules Bois nos diz: «Eu coloco acima de tudo, sobre tudo, a liberdade interior adquirida pelo esforço intelectual e moral. Eis a verdadeira razão da emancipação. O resto, como uma planta, vem de ela própria.»
Dizia Caiel:
Para o momento - momento muito sombrio em que todas as forças do meu país, tanto masculinas como femininas, deveriam unir-se num esforço comum e patriótico - ficaria muito contente de ver
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a mulher portuguesa começar a praticar o seu feminismo, desempenhando o seu papel com a mais forte convicção, o mais vivo ardor, nos gloriosos movimentos dos amigos da paz.
Eu, até à última hora da minha vida terei aí o meu modesto lugar.
Alice Pestana foi uma lutadora incansável pela causa da paz, co-fundadora da sociedade altruísta que evoluiu para a Liga Portuguesa da Paz, fundada em 1889, de que foi presidente e no âmbito da qual escreveu numerosos artigos pacifistas. No seu livro La femme et la paix transcreve um apelo da Liga às mulheres de todos os países:
Fazemos apelo às mulheres de todas as nações para a propaganda da ideia do desarmamento internacional, que alguns tratam de utopia, mas que se impõe aos poderes públicos como uma necessidade absoluta. Os interesses materiais de todos os Estados exigem uma solução pronta.
A elite intelectual dos pacifistas e os congressos da paz pedem a colaboração das mulheres nesta guerra contra a guerra.
Pedimos o desarmamento internacional em nome da Humanidade, para suprimir os sofrimentos das vítimas de guerra, as lágrimas das mães e das viúvas.
Pedimos a criação em cada país de comités de mulheres para a defesa da causa da paz, por forma a que no século XX reine a harmonia que forçosamente terá de passar pela paz, pela liberdade e pela justiça.
Os comités formaram-se e lutaram, os movimentos para a paz multiplicam-se, mas não foi o século XX que nos trouxe um mundo de concórdia e harmonia. As mulheres, sempre presentes nestes movimentos, muito tem feito e organizado para chamar a atenção dos povos para a defesa da paz. Nos tempos actuais, a maioria das mulheres, as mais desiguais entre as desiguais, não quer a guerra. Mas se a maioria das mulheres recusa a guerra, não é porque seja passiva a sua posição na vida.
Ela própria, vítima da autoridade, da submissão, da violência, nunca a aceitou ou aceita passivamente, embora a viva desde há milénios.
Revelando-se contra este seu estatuto, ela tem estado presente ao longo da história, ao lado da luta pela justiça, pela democracia e pela paz, mesmo quando por vezes a história escrita o não regista.
Nos exércitos clássicos ela não tem normalmente lugar, mas na guerrilha, na luta de resistência, nos exércitos de libertação, nos levantamentos populares elas estão presentes.
Não é mera contradição.
Só que aqui, na justiça da causa, elas encontram a força da vida capaz de destruir a ameaça da morte.
Por isso, elas estão presentes nos grandes levantamentos populares ligados ao processo de independência e de afirmação da nacionalidade portuguesa.
É assim na Revolução Francesa, na Revolução de 1917, na resistência ao nazi-fascismo e em tantas outras. É assim no 25 de Abril l de 1974, a nossa Revolução de Abril, que pôs fim ao fascismo. Nas barricadas e nos locais de perigo, nas searas do Alentejo, nos campos, nas fábricas, nos escritórios e nos laboratórios, as mulheres aderindo a uma causa sensível mobilizam-se pela justiça e pela paz. Declarando-se cidadã, entende provar a sua igualdade cívica na partilha de riscos, comungando do mesmo élan patriótico dos seus companheiros.
É assim quando, como nos tempos actuais, está em risco a sobrevivência da Humanidade face ao perigo de um holocausto nuclear. Por isso, elas estiveram nos anos de 1985, 86 e 87 nas grandes marchas da paz e atravessaram toda a Europa.
Por isso, as mulheres de Greehman Common ocupam durante um ano uma base militar para onde estava prevista a transferência de mísseis de médio alcance. Após várias tentativas para as fazerem abandonar este acampamento, no dia da chegada dos mísseis, unem-se num círculo de mãos dadas à volta da base. São dispersas à coronhada.
Por isso, em Portugal, por todo o País, e nas assembleias, nas marchas, nos acampamentos, no barco da paz em 1984 e no comboio da paz em 1986 as mulheres portuguesas participaram. E participaram porque elas compreendem que a modernidade, o progresso, a estabilidade, a igualdade e o respeito entre os homens não se constrói com a guerra mas com a paz. E Caiel escreve:
Se as mulheres tivessem tido uma directa e livre influência nos assuntos políticos a nobre e bela questão da paz estaria muito mais avançada do que está na realidade [...]
Será que é por continuar a ser dificultada, e porque não dizer impossibilitada, esta influência de decisão, que hoje, nos finais do século XX, o problema da paz é talvez mais actual do que quando Alice Pestana nos escreve?
Esta mulher deverá constituir para nós um exemplo, pela sua força de lutar e pela força que nos transmite na luta.
Educada num esquema da classe média tradicional, estuda por sua própria conta e risco matérias não destinadas às raparigas: português, geografia, física, química, história natural. Luta por uma igualdade de oportunidades a nível de ensino, para rapazes e raparigas e, estando em discussão um projecto de ensino secundário feminino, apresentado ao Parlamento pelo Partido Progressista, foi-lhe concedida pelo Governo uma bolsa de dois meses para uma visita de estudo, de que faz um relatório que é publicado no Diário do Governo. Em 1893, faz uma visita de estudo a estabelecimentos de ensino profissional do sexo feminino, de que fez relatório. Estas viagens e os contactos que lhe proporcionaram exerceram profunda influência no seu espírito e aumentaram o interesse pelas questões pedagógicas e sociais.
Casou com um professor espanhol e integrou-se progressivamente no esquema de ensino daquele país. Ensinou em várias instituições, escreveu bastante sobre temas pedagógicos, chamando sempre a atenção para que só a educação e a cultura podem libertar a espécie humana da sede do poder e conduzir os povos para o entendimento internacional, em correlação com os direitos humanos e as liberdades fundamentais sem barreiras étnicas, religiosas, culturais ou sexistas.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Igualmente para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Aguiar.
A Sr.ª Manuela Aguiar (PSD): -Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados: Cabe-me dar, agora, voz nesta Assembleia a Ana de Castro Osório, grande mulher que marcou uma presença ímpar na vida cultural e política no início deste século e cujo pensamento, cuja mensagem atravessaram tempos de extraordinárias mutações com um perene sentido de futuro - ou porque os sonhos e pró-
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jectos que a animaram foram plasmados no espírito e escritos na letra das leis, foram já assumidos na vivência quotidiana dos Portugueses com o sabor de uma vitória que é mais sua do que nossa, ou porque permanecem como metas neste meio do caminho em que reconhecemos estar ainda.
A tantas décadas de distância-distância acentuada pela tremenda aceleração do processo histórico-, o fundamental do que sobre a questão feminista há a relembrar às mulheres e homens do nosso país, aos jovens, sobretudo, pode ser dito, arrancando ao passado e ao esquecimento as palavras desta insigne figura moral do século XIX, do século XX, nossa avó, nossa irmã, porque soube como ninguém, entre nós, defender uma causa de ontem e de sempre - o humanismo no feminino, a defesa dos direitos das mulheres como seres humanos, o direito de voto, o direito ao trabalho, o direito à educação, o direito à participação igualitária na família, na sociedade, na República.
Causa que nasceu a par e passo com a luta contra outras formas de opressão e preconceitos que turbaram a generosidade e transparência dos ideais da democracia moderna na sua fase de difícil gestação - penso, particularmente, na evolução dos movimentos paralelos do abolicionismo e do sufragismo, desde fins do século XVIII.
Ouçamos o que tem para nos dizer, com lodo o poder da evidência de verdades comumente reconhecidas, Ana de Castro Osório:
O ser feminista já hoje não assusta ninguém, porque as conquistas do feminismo são tantas e por tal forma justas e reveladoras dos altos princípios que orientam as mulheres conscientes, que já hoje não há quem se atreva a dizer que é, em absoluto, seu inimigo -embora o sejam de facto- porque essa opinião lhe acarretaria o ridículo.
O que se atravesse a vir hoje a público defender a ideia da sujeição e da inferioridade feminina seria igualado ao que tivesse a triste coragem de se dizer partidário da escravatura.
E noutro texto:
Ser feminista e dever de todos os pais. Porque ser feminista não é querer as mulheres umas insexuais, umas masculinas de caricatura, como alguns cuidam, mas sim desejá-las criaturas de intelegência e de razão, educadas útil e praticamente, de modo a verem-se ao abrigo da dependência, sempre amarfanhante para a dignidade humana.
Em várias passagens, adjectiva este feminismo de «verdadeiro», e porque tem o significado que assim explicitou, o verdadeiro feminismo é um dever partilhado por homens e mulheres. Importante lição para quem, no ano de 1988, tem medo da palavra, cuja reabilitação, eu proponho, em nome da tradição, do rigor e lambem da força e perfeição moral que irradia. A força do apelo à participação das mulheres comuns e não só da «mulher-excepção», que é lambem a «mulher-álibi» para que nada mude em relação a todas as outras...
Cito:
Acabar com os «fenómenos», com os «monstros femininos», julgar todos os indivíduos intelectualmente semelhantes sem distinção de sexo, aptos igualmente a estudar e a progredir pelo trabalho, foi sem dúvida, o passo definitivo para a libertação da mulher ... Haverá, decerto, tal qual entre os homens umas que se superiorizam num trabalho, outras em outro, mas serão todas educáveis, todas melhoráveis, todas úteis, laboriosas e conscientes obreiras, ajudando à melhoria da grande colmeia social... Se os mais ardentes sectários dos velhos preconceitos já chegaram à conclusão egoísta de que é preciso educar o povo para que se não percam tantíssimos talentos que podem beneficiar a Humanidade, não é justo - ainda que não seja senão pelo mesmo motivo- condenar à ignorância, na mulher, metade dessa mesma Humanidade.
Situando a questão, em lucidez e objectividade, como uma questão, de transformação social de um povo que mostra conhecer, não culpabiliza mais os homens do que as próprias mulheres:
O homem português, por bondade, por indiferença, e também por esta sublime inconsciência, que fez de nós um povo de conquistadores sem vantagens práticas nas suas conquistas, não incita a mulher a trabalhar, nem procura no seu labor o auxílio que lhe seria lícito esperar, quando as necessidades crescem, dia a dia, assustadoramente, encarecendo a vida sem proporcional aumento nos ganhos.
Também a não hostiliza francamente, é verdade ... embora pela educação, e talvez por hereditariedade, seja ferozmente arreigado a velhos preconceitos, muito desconfiado e temendo o ridículo das inovações; nunca a mulher do nosso país, que quis estudar e trabalhar, encontrou no homem séria oposição.
Desconhecemos as lutas violentas que lá fora tornaram a questão feminista uma verdadeira guerra, com adeptos apaixonados em ambos os campos, e até com sacrifícios e com mártires ...
Pense cada mulher que é um ser individual com deveres e com direitos individuais, que ninguém lhe pode roubar, mas que é também um membro da grande colectividade feminina e para com ela tem grandes deveres a cumprir nesta hora que é ainda de luta.
Sublinho este «ainda» que subjaz a toda a sua obra, como a toda a sua dinâmica actuação no intuito de avançar gradualmente ale à vitória de um novo equilíbrio, que tão bem é sintetizado neste excerto:
Uma vez será um artigo do código que se modifica - porque as leis devem seguir e não preceder os costumes-, amanhã um preconceito que cai em desuso, depois um hábito que se vence até que as obrigações e direitos se igualem entre as duas metades do género humano, hoje em guerra, sob a aparência de amor e do respeito social.
Na sua moderação, que é inteligência e compreensão do homem, não há nunca a tentação do transigir ou subalternizar a lula contra esta opressão, que a seus olhos sempre surge como a mais dilatada e resistente mas sim conhecimento profundo dos obstáculos e dos tempos de percurso necessários para operar mudanças que são de ordem essencialmente cultural.
«A questão feminista é uma questão económica, é certo! Mas não se pode confundir, consciente e integralmente, com a questão operária.
Tão sagrados são para nós os direitos de uma mulher que se assenta à mesa de uma fábrica a descabeçar sardinha como os interesses de uma princesa que reclame das leis o direito de ser a tutora dos seus filhos ou a administradora da
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própria fortuna, que o marido, à sombra do código, lhe vai esbanjando sem escrúpulos.
A questão feminista é a questão da mulher, que tem sido na sociedade a eterna escrava, a perpétua ludibriada. Por isso, ninguém nos pode dizer que traímos este ou aquele ideal político porque nós só devemos ter política sob o ponto de vista do interesse do nosso sexo. Se uma república nos expulsar das suas leis cívicas, nós não poderemos considerar nossa essa pátria onde não temos direitos, onde não temos voz para protestar.»
O Código Civil merece-lhe as mais violentas diatribes (e como nós podemos compreendê-la, com um saber de experiência feito pois esse Código, já então desfasado da vida, sobreviveu ancorado no anacronismo de um regime ditatorial ale há pouco mais de uma década!)
Cito:
As leis que regulam o casamento perante o Código corresponderam a um estado social, que evolucionou, não é de justiça que elas fiquem imutáveis e rígidas
como túmulos de almas, quando, os espíritos avançaram e ninguém já se importa com elas, a não, ser os moralmente atrasados, aqueles que têm mais lugar numa casa de saúde do que na sociedade de gente normal.
E alerta:
A mulher casada não é senhora da sua vontade, porque o artigo 1185.º lhe manda prestar obediência ao marido; não é senhora dos seus bens, porque o artigo 1189.º categoricamente diz que a administração pertence ao marido, inclusive dos bens dotais, não é senhora do seu trabalho, porque ainda é o marido o administrador do seu produto.
Vê-se pois que a lei, querendo, favorecer a família fundada no casamento, que a procura sob sua égide, deu ao homem todas as vantagens da situação, contando absolutamente com a ignorância, a submissão, e a dependência intelectual, moral e material da mulher.
Duras leis, brandos costumes são caracterizados, subtilmente nesta passagem:
Vemos portanto que, segundo a lei, a mulher, casando, perde todos os direitos, e alforrias - pode considerar-se, legalmente a tutelada do homem.
Mas, se passarmos do domínio abstracto da lei para o campo da realidade, o contraste é completo.
Ao contrário do que se poderia supor, sob a pressão de tais disposições legais, a mulher em Portugal, como em quase todos os países latinos, casa para ser livre! A sua liberdade não é legal, não é responsável, mas é um facto, filho da tolerância masculina.
A sua concepção pessoal da família e do papel dos cônjuges apenas há doze anos foi adoptada, de jure constituto a sua linguagem continua a ser a nossa.
Se é condenável a mulher que proclama a sua supremacia na família, não o é menos o homem que tal faz. Se um é ridículo, o outro não deixa também de o ser.
O casamento é um contrato legal entre pessoas maiores e conscientes em que não pode nem deve haver supremacia de um dos contraentes, seja ele qual for.
As portuguesas ganharam com a revolução democrática de 1974, todos os direitos que as militantes feministas sonharam na revolução republicana de 1910, invertendo-se, porém, a situação, que hoje se caracteriza por ficarem usos e costumes muito aquém do ideal igualitário do legislador. E se o verdadeiro feminismo é, como é, não a defesa dos egoísmos de um sexo contra o outro, mas o altruísmo de querer ser parte activa na vida comunitária, o melhor remédio para os males e imperfeições da sociedade actual é ainda o que apontou Ana de Castro Osório, apelando ao esforço de educação e ao combate aos estereótipos, que formaram e deformaram juventude:
Para, fazer voltar à vida O povo português, para lhe dar a consciência da sua força e energia para a luta é preciso, antes de mais nada, educaria mulher, porque mulher é a companheira do homem, é a educadora da criança e é muitas vezes a cabeça que raciocina, a vontade que impera na família, e, portanto, na
sociedade.
Há famílias em que as raparigas são educadas como inferiores aos rapazes. Elas são as criadas deles, cosem-lhes a roupa, arrumam-lhes os quartos, engraxam-lhes as botas, acorrem a servi-los, respeitam-nos como, pequenos, tiranos, futuros, senhores absolutos das futuras casas.
Noutras famílias dá-se o contrário, a rapariga não é sacrificada ao rapaz, mas são estes que se sacrificam à menina entronizada numa pequenina peanha da baboseira paternal.
Pois se é condenável a primeira educação, a segunda não o é menos. Onde há desigualdade há injustiça onde há injustiça deve haver revolta.
Como estamos vendo, o processo educativo usado com as raparigas é uma simples deformação progressiva do caracter e das individualidades. Se os homens
procurassem cuidadosamente, criar, uma raça de cretinos e de covardes não lhe dariam uma outra educação do que a que é dada à mulher em geral, e à
portuguesa em especial.
Criemos a mulher como se cria o rapaz, eduquemo-la como ele se educa, com uma vida física que lhe dê saúde, alegria e força com uma instrução que a ponha ao abrigo das contingências da vida senhora dos seus nervos, corajosa sem fatuidade, enérgica sem autoritarismo, liberta de pavores, intransigente com o mal, sabendo defender-se de si e dos outros, capaz de se dirigir tranquilamente na vida, superior pela consciência e pela inteligência cultivada.
A modernidade do pensamento desta mulher extraordinária revela-se tanto na forma como equaciona as relações entre homens e mulheres como na forma de conceber as relações entre o Estado e os indivíduos, ou, como diríamos hoje entre o Estado e a sociedade civil, fortalecida pelo acrescento da sua metade passiva.
Cito:
É da iniciativa particular que devem partir as boas ideias exequíveis, que o governo será, obrigado a auxiliar e adoptar, quando a opinião pública as imponha.
Não são os governos que fazem os povos, mas os povos que fazem os governos; e estes, forçosamente, hão-se promulgar e cumprir as leis que a consciência colectiva e forte de uma sociedade, reclama, porque correspondem a uma necessidade ou a uma aspiração superior da alma popular.
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Nos países cultos, sob os governos mais inteligentes e progressivos, o que vemos? A iniciativa particular realizar tudo ou quase tudo, e os governos adoptarem os melhoramentos, auxiliarem-nos, serem como que o vigia dos actos individuais, não o [...], a Providencia, que nós preteademos que seja, por preguiça de pensar e trabalhar.
Depois de uma senhora fundar em Paris a Maternidade, a instituição que mais eleva o espírito altruísta do nosso tempo, é que a municipalidade resolveu imitá-la, criando, por seu turno, outra casa similar.
Foi depois de Miss Nyungale educar e apresentar as suas enfermeiras modelos, livres de todo o espírito de sectarismo e instruídas segundo todas as regras da higiene moderna, que o Governo Inglês as enviou à Crimeia, onde deram as suas primeiras c brilham cirnas provas, e as adoptou nos seus magníficos hospitais, onde são exemplo pára iodo o Mundo.
Sras. Deputadas, Srs. Deputados: O verdadeiro feminismo como movimento de luta é transitório, como conquista, definitivo, na libertação moral e na revelação da metade passiva e escondida da Humanidade que trará consigo os germes da renovação da nação que pela primeira vez numa tão longa existência será capaz de aproveitar em pleno as virtualidades do seu todo.
Portugal é mais a nossa Pátria do que foi no passado, é a Pátria onde temos, enfim, voz e direitos, onde se tornaram possíveis as expectativas em nós depositadas, nós que somos o futuro antevisto pela geração de mulheres do princípio do século, cujo legado de responsabilização, trabalho e esforço queremos aceitar e cumprir.
Por isso nos reconhecemos neste quadro, traçado há tantas décadas:
A mulher portuguesa mais uma vez se encontra no mesmo caminho áspero da luta, trabalhando pelo futuro e pela felicidade da Pátria - trabalhando pela República.
Hoje á mulher, livre já das mais pesadas cadeias, pode e deve trabalhar para uma libertação individual que é ainda trabalhar pelo futuro.
Trabalhar pelo futuro, o futuro que irrompe c se expande, ilimitadamente, cm novas razões de esperança, porque, no dizer de Ana de Castro Osório, «A nação amada pelas mulheres não morre nunca na história».
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente:- Tem a palavra a Sra. Deputada Natalina Pintão.
A Sra. Natalina Pintão (PSD): - Sr. Presidente, Sras. Deputadas e Srs. Deputados, Sras. Convidadas e Srs. Convidados: O desfilar de recordações de mulheres ilustres a quem hoje damos voz na Assembleia da República (sem outros critérios de selecção além do que se prende ao interesse pessoal demonstrado por cada uma de nós - deputadas da Comissão da Condição Feminina - pelo exemplo e lição que deixaram às mulheres de hoje) traz-me ao pensamento uma imagem que li e corroboro: «Estas mulheres de tempos idos foram gigantes sobre os ombros das quais a nossa grandeza é de anões.»
A mulher cuja lembrança e exemplo vos trago para reflexão é Carolina Beatriz Angelo, nascida em 1877 na cidade da Guarda.
Desconhecida de quase todos, ela representa um marco na história das mulheres portuguesas: foi a primeira mulher a exercer o direito de voto cm 28 de Maio de 1911.
Não lhe foi oferecido esse direito; conquistei-o com ousadia, com persistência, com inteira lutava com critérios de justiça.
A lei eleitoral da época considerava eleitores os portugueses maiores de 21 anos, sabendo ler e escrever ou sendo chefes de família.
Logo após a instauração da Republica, a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas pretendeu que o direito de voto fosse extensível a um número, ainda limitado, de mulheres - com qualificações literárias ou científicas, escritora comerciante, industrial, empregada pública e administradora de fortuna própria ou alheia. Embora com todas estas limitações, não foi concedido à mulher esse direito.
Carolina Beatriz Angelo era médica - a primeira mulher que em Portugal exerceu a cirurgia - e, naquela época, era viúva de um também ilustre médico, Januário Barreto, tendo, por esse Jacto, a família a seu cargo.
Sabendo, pois, que satisfazia os requisitos legais, requisitos a sua inscrição nos cadernos eleitorais, mas foi-lhe recusada a pretensão, por insólita.
Tenaz defensora da verdade e da justiça levou o caso a tribunal. Foi-lhe reconhecida razão e tornou-se, assim, a primeira mulher a votar nas eleições para a Assembleia Constituinte cm 28 de Maio de 1911.
Relatos contemporâneos contam que, quando ela lançou o seu voto na urna, «uma estrondosa ovação irrompeu da multidão que testemunhava aquele; acto de viragem nos anais da política portuguesa».
Mas claro que esta interpretação liberal da lei não agradou à mentalidade da época, e a lei foi alterada, de modo a evitar confusões e a tomar bem expressa a discriminação. Foi ainda uma longa luta, progressivamente vencida em 1931, em 1946, em 1968 e, de modo total, só bem perto dos nossos dias.
Aquele memorável dia 28 de Maio de 1911, em que a inteligência de uma mulher - cidadã portuguesa, que o era de corpo inteiro - venceu uma discriminação, inaceitável como todas, foi apenas há 76 anos.
A nós, mulheres portuguesas, eleitas pelos Portugueses e pelas Portuguesas, parece que àquele significativo acto de direito político - o voto de uma mulher- está à distância de séculos ...
Muito foi feito, portanto, mas não podemos adormecer, sob pena de não merecermos as nossas antecessoras e não servirmos as nossas sucessoras.
Vamos devagar ... porque queremos chegar depressa! No nosso país verifica-se, neste momento, uma grande viragem histórica: novos valores culturais e sociais promoverão a mudança de mentalidades, que vão garantir o desenvolvimento pleno e harmonioso do homem e da mulher, como cidadãos livres e responsáveis, autónomos mas solidários, assegurando o direito à diferença, mas que, em complementaridade de sensibilidades, de perspectivas e de interesses na resolução dos problemas do País, farão nascer um Portugal novo, construído a cem por cento pêlos seus homens e pelas suas mulheres.
A missão das mulheres portuguesas é, agora e neste quadro, desenvolver uma atitude de reflexão e compreensão, por parte de cada uma de nós, do papel fundamental que a mulher desempenha na família, na sociedade, na política, na civilização em geral, ao lado do homem na construção de um mundo melhor, em que não se percam valores só unicamente para substituir por outros valores.
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Alguém dizia:
Não te lamentes por ser mulher
O Mundo não é de quem o domina
Mas de quem o ama!
Outro alguém dizia: «Viver é lutar!»
Lutemos pois, mulheres portuguesas, não pelo domínio das mulheres no Mundo, mas pelo domínio da fraternidade, da solidariedade, da igualdade!
Acredito nos direitos do homem e da mulher!
Acredito, conscientemente, como social-democraia, que é um dever patriótico não nos conformarmos com situações de injustiça!
Acredito, firmemente, que neste Portugal, neste ano de 1988, o sonho está ao alcance de todos os portugueses e de todas as portuguesas!
Sei que, quando o homem e a mulher sonham - e trabalham -, a obra nasce.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Ainda para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Santos.
A Sr.ª Maria Santos (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, Sras. e Srs. Convidados: Hoje, Dia da Mulher, estamos aqui para festejar as mulheres.
Festejamo-nos, porque temos consciência de que a nossa luta já alterou significativamente a dinâmica social do nosso tempo.
Reivindicámos mudança mas ajudámos a construir esse caminho. Exigimos o direito à igualdade e as leis contemplaram esse voto, ainda não confirmado plenamente na vida real.
Hoje, afirmamos que é necessário o direito à diferença e à especificidade, mas não reivindicamos só para nós o direito a felicidade.
Com a nossa lula abrimos mais perspectivas para criar uma sociedade diferente, onde se afirme a vontade feminina e masculina, uma sociedade partilhada, uma sociedade por todos assumida.
Reaprendemos a ser, reinventámos o nosso quotidiano, libertámos a nossa vontade, exigimos os nossos direitos cívicos, cm igualdade com os outros cidadãos.
A mulher ganhou a sua própria identidade.
Elas aí estão, nas suas organizações, nas autarquias, nas universidades, na pintura, na escrita, na música, no teatro, nas escolas, no país que todos somos, movendo a nova sociedade.
Fazendo saltar as velhas convenções ou os desusados costumes.
Dizendo «não!» às normas estabelecidas que esquecem que «a verdadeira vida está noutro lado».
Fazendo germinar uma nova cultura, uma cultura vital, em que a natureza feminina surge na sua peculiaridade, engrandecendo o património material e imaterial do seu tempo.
Tomámos a palavra para dizer que os princípios da dignidade humana são iguais para o homem e para a mulher. Tomámos a palavra para dizer que a igualdade de direitos, no respeito pelas diferenças, tem de passar da teoria e da lei para a nossa vida quotidiana. Tomámos a palavra, mas não para falarmos só de nós.
E sabemos fazer-nos ouvir!
«Ouve uma mulher falar na Assembleia (se ela não perdeu dolorosamente o fôlego): não 'fala', [...] voa, passa inteira na voz, sustém vitalmente a lógica do seu discurso com o corpo [...] Ela expõe-se. De facto, materializa o que pensa [...]
De certa maneira, ela inscreve o que diz, porque não recusa à pulsão seu lado indisciplinada e apaixonado pela palavra. O seu discurso, mesmo 'teórico' ou político, nunca é simples ou linear ou 'objectivado', generalizado: ela traz para a história a sua história» É assim que fala a nova mulher, como nos diz Annie Leclerc, numa intervenção dedicada a Simone de Beauvoir.
E essa a mulher que anima também o movimento da transformação em Portugal, Aqui, na Assembleia. Hoje nas galerias. Todos os dias lá fora, reinventando novas formas de construir sociedade. Exigindo, pela prática, a assunção plena do seu direito de cidadã.
Elas trazem para a vida a sua poesia.
Modelam nas coisas mais simples esse novo despertar...
Caminham juntas...
Sabem construir sonhos... e não só os sonhos delas!
Elas hoje estão aqui...
Ela está aqui!
A enciclopédia diz dela: «Escritora açoriana... Encetou a carreira pela literatura infantil. Certa facilidade de escrita e versatilidade nos géneros, que junta a um fundo temperamentalmente intervencionista, são características de uma produtividade vivaz, ainda em ascensão.»
Chegarão estas linhas para significar essa mulher?
Para nós, bastam-nos as suas próprias palavras:
Há noites que são feitos dos meus braços
E um silêncio comum às violetas
E há sete luas que são sete traços
De sete noites que nunca foram feitas.
Há noites que levamos à cintura
Como um cinto de grandes borboletas.
E um risco a sangue na nossa carne escura
Duma espada à bainha dum cometa.
Há noites que nos deixam para irás
Enrolados no nosso desencanto
E cisnes brancos que só são iguais
Á mais longínqua onda do seu canto.
Há noites que nos levam para onde
O fantasma de nós fica mais perlo;
E é sempre a nossa voz, que nos responde
E só o nosso nome estava certo.
Há noites que são lírios e são feras
E a nossa exactidão de rosa vil
Reconcilia no frio das esferas
Os astros que se olham de perfil.
Ela está aqui, é deputada e, através dela, Os Verdes festejam este Dia da Mulher. Natália Correia, pela cultura nos despertou, pela poesia nos fez crescer, pela diferença nos motivou a agir... nós entendemos a sua mensagem. E entendemos a sua mensagem na queixa das almas dos jovens censurados.
Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
E um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola.
Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma duma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade.
Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda nossa ausência.
Dão-nos o prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência.
Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato.
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro.
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Penteiam-nos os crânios ermos
Com as cabeleiras dos vós
Para jamais nos parecemos
Connosco quando estamos sós.
Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa história sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra para o medo.
Dão-nos a viste recomendada
Duma janela sem comboio
Para não sabermos que madrugada
Bebeu a seiva dum arreio.
Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Sonos vazios, despovoados
De personagens do assombro.
Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de ubaco.
Dão-nos um pente e um espelho
Para pentearmos um macaco.
Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura.
Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante.
Dão-nos um nome e um jornal,
Um avião e um violino.
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino.
Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte.
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida. Nem a morte.
Consigo, Natália, com as suas palavras, aprendemos a resistir através da cultura.
Obrigada, Natália!
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sra. Deputada Natália Correia.
A Sra. Natália Correia (PRD): - Srs. Deputados, não posso deixar de lamentar a manifestação de misoginia de grande parte dos deputados desta Assembleia que abandonaram o hemiciclo, desinteressando-se da índole cultural do período de antes da ordem do dia de hoje que assinala o «Dia Internacional da Mulher».
Será que nem cm ocasiões especiais, como a que aqui decorre, esses Srs. Deputados se dispõem a ouvir a voz das mulheres?
A Sra. Elisa Damião (PS): - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Convidadas: Houve um tempo de paz, docemente tecida no agasalho de uma sociedade materna, a sociedade das mães que no culto da Deusa Mater tinha a sua legitimação sagrada. Mas chegado que foi o tempo das espadas brandidas pêlos homens que iradamente tomaram o lugar do amor, foram as mães exiladas nos montes e aí vagueiam na dor impotente de saberem seus filhos enredados nas malhas sangrentas de guerras absurdas. Fiz assim uma prece, ou antes um exorcismo em forma poética para que acabe o exílio das mães e das desçam dos montes com braçadas de flores da paz para com elas aspergirem os homens. Nada mais ajustado ao espirito deste Dia Internacional da Mulher do que fazer ouvir nesta Assembleia essa ode à paz ou exorcismo para as mães voltarem dos montes.
Cesse o ímpio desterro, ó mães e redivivo.
Restaure o rito as torres das primitivas crenças!
Vossa especial ausência foi-nos tempo perdido
Em factícias ciências.
Fomos nós que fugimos ou vós as foragidas
De um descamado credo? E em vagos horizontes
Do nosso sangue, errais, a prantear-nos longínquas
Ó mães descei dos montes!
Estorcem-se em batalhas os campos dolorosos
E numa correria por sonhos maus, em trânsito
De guerra em guerra somos um vaguear de autómatos
Numa névoa de sangue.
Perdulários perdemos os nossos nomes próprios
E nas cinzas do verbo os números ensinam
A lógica mais triste de sermos uns para os outros
Motivos de chacina.
Antes que as flores expirem numa lenta agonia
Passe um bando de mísseis e nos leve nas garras
De iluminar o nada a luz fique vazia
E apodreçam as águas.
Antes que o tempo venha morrer nos nossos olhos
Voltai do monte ó nácar das madrugadas rústicas
Ó mães! Se os próprios deuses são vossos filhos pródigos Perdoai nossas culpas!
Das moradas do ser éreis o muro e a telha
Lençol tecido por mistérios femininos
Numa inocência agrária, a lenha, o linho e a ideia
Segura dos caminhos
Éreis de madrepérola os pilares dos céus claros
A pureza do pão e a limpeza dos ventos
Foi isto há tanto tempo. Para que estrelas mudastes
AS colunas do templo?
Onde cantam as aves que emudeceis nos ecos?
Nascem e morrem os deuses. Só vós que os procriais
E lhes fiais os fados sois, por cima dos séculos
Puramente imortais.
Vinde sábias de novo inspirar os oráculos
Expulsar dos vaticínios os rostos funerários.
Apressai-vos ó Mães que as pestes já estão prontas
Nos nossos calendários.
No tráfego da ira semáforos nucleares
Já impedem o trânsito para as últimas esperanças
Vinde meigas e mágicas, ó fadas minerais
De perdidas lembranças.
Com a frescura da origem voltai e novamente
Brilhe o ovo de prata de que somos nascidos
A páz, entre nos sonhos e à casta nascente
Retrocedam os rios.
Vinde fartas e férteis, claras vogais do verbo
Formosíssimas ânforas de bondade uterina
Esconjurai, ó frutíferas, os senhores dos ponteiros
Que maruim a chacina.
Aplausos de pé.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): -- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como consequência da revolução libertadora do 25 de
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Abril, a Constituição da República consagrou a igualdade dos direitos da mulheres e dos homens. Foram introduzidas nas leis, nomeadamente no Código Civil, as necessárias alterações.
Contudo, temos de reconhecer que esta igualdade de direitos está ainda longe de ter expressão prática na sociedade portuguesa.
Assim, a remuneração média das mulheres constitui cerca de 78% da remuneração dos homens. A taxa de desemprego em relação às mulheres, atingindo a percentagem de 62,2%, é muito mais elevada do que em relação aos homens. Até no que diz respeito à taxa do analfabetismo no nosso país, aquela que atinge as mulheres é quase o dobro da que atinge os homens.
Podemos, por isso, dizer - como ainda há pouco salientaram várias organizações de mulheres - que elas são, na vida social portuguesa, as primeiras a ser despedidas e as últimas a ser admitidas. Mas o certo é que, quer num passado próximo, lutando ao lado dos homens na resistência antifascista, e até constituindo exemplos como aquele que nos foi dado por Catarina Eufémia, que sacrificou, com a sua vida, a luta das mulheres do Alentejo, e que tarda a ser consagrada como um dos símbolos nacionais da resistência antifascista, também hoje na vida diária as mulheres ocupam um lugar ao lado dos homens em defesa dos seus direitos e liberdades. Disto constitui exemplo bem flagrante o que se passa com o chamado «pacote laboral», que afecta ainda mais duramente as mulheres que os homens.
O agrupamento parlamentar da associação Intervenção Democrátrica saúda o dia 8 de Março, Dia Internacional da Mulher. E sem esquecer a especificidade da sua luta, mas tendo cm conta que muitas vezes essa é uma luta comum de homens e mulheres, aqui recorda nas palavras de um grande poeta do nosso tempo, Álvaro Feijó, o que a esse respeito ele nos diz no seu «poema da Renúncia»:
Não fomos feitos para andar ao sol continuamente, nem para ter saudades do passado ou para chorar um sonho que desfolha.
Nascemos só para viver e amar e construir, na sombra e no silêncio; nascemos só para cantar e encher do nosso canto heróico a calma da alvorada que se espera;
nascemos só para nos confundirmos na imensa teoria humana que se forma e caminha consciente!
Aplausos da ID, do PCP, do PS, do PRD e de Os Verdes.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, damos por concluído o período de antes da ordem do dia.
Entrando agora no período da ordem do dia, concedo a palavra ao Sr. Secretário para proceder à leitura de três pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, são do seguinte teor os pareceres da Comissão de Regimentos e Mandatos:
Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:
De acordo com o solicitado no ofício n.º 3846, processo n.° 25 756/87, 4.ª Secção, da Directoria da Polícia Judiciária de Lisboa, de 2 de Fevereiro de 1988, enviado ao Sr. Presidente da Assembleia da República, acerca do Sr. Deputado Manuel Coelho dos Santos, tenho a honra de comunicar a V. Exa. que esta Comissão Parlamentar decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o referido Sr. Deputado a depor como testemunha no processo em referência.
Com os melhores cumprimentos.
Palácio de São Bento, 7 de Março de 1988. - O Presidente da Comissão de Regimento e Mandatos, Mário Júlio Montalvão Machado.
Exmo. Sr. Presidenta da Assembleia da República:
De acordo com o solicitado no ofício n.º 160, processo n.º 2659/85, 5.ª Delegação da Procuradoria da República, dos Juízos Correccionais da Comarca de Lisboa, de 1 de Fevereiro de 1988, enviado ao Sr. Presidente da Assembleia da República, acerca do Sr. Deputado Jaime José Matos da Gama, tenho a honra de comunicar a V. Exa. que esta Comissão Parlamentar decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o referido Sr. Deputado a prestar declarações no processo em referencia.
Com os melhores cumprimentos.
Palácio de São Bento, 7 de Março de 1988. - O Presidente da Comissão de Regimento e Mandatos, Mário Júlio Montalvão Machado.
Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:
De acordo com o solicitado no oficio n.º 2487-J, processo n.° OP 121/87, 1.ª Secção, do 2.° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras, de 8 de Fevereiro, enviado ao Sr. Presidente da Assembleia da República, acerca do Sr. Deputado António de Almeida Santos, tenho a honra de comunicar a V. Exa. que esta Comissão Parlamentar decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar o referido Sr. Deputado a depor como testemunha no processo em referência, tanto mais que, ouvido sobre o pedido, disse muito claramente desconhecer em absoluto a matéria em que se pretende seja ouvido.
Com os melhores cumprimentos.
Palácio de São Bento, 7 de Março de 1988. - O Presidente da Comissão de Regimento e Mandatos, Mário Júlio Montalvão Machado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação o 1.° parecer.
Como não há inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, está em apreciação o 2.° parecer.
Pausa.
Vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, está em apreciação o 3.° parecer.
Pausa.
Vamos votar.
Submetidos à votação, foi aprovado por unanimidade.
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Srs. Deputados, encontra-se nas galerias a assistir aos nossos trabalhos um grupo do alunos, acompanhado pelos respectivos professores, da Escola Secundária do Tomás Cabreira, de Faro, a quem cumprimentamos e saudamos.
Aplausos gerais, de pé.
Srs. Deputados, vamos fazer um intervalo regimental, pelo que suspendemos os trabalhos até às 17 horas e 45 minutos.
Está suspensa a sessão.
Eram 17 horas e 15 minutos.
Está reaberta a sessão.
Eram 18 horas.
O Sr. Fernando Marques (PSD): - Peço a palavra, Sr Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Fernando Marques (PSD): - Sr. Presidente, nos termos regimentais, solicito a V. Exa. a suspensão dos trabalhos por 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Está autorizado, Sr. Deputado. Os trabalhos estão interrompidos por 30 minutos.
Eram 18 horas e 1 minuto.
Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 50 minutos.
Srs. Deputados, vamos dar início à apreciação, na generalidade, do projecto de lei n.º 188/V (PRD, PS, PCP e Os Verdes) - garantia dos direitos das associações de mulheres.
Informo, Srs. Deputados, que há dois relatórios na Mesa: um da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e outro da Comissão da Condição Feminina.
A questão que coloco, Srs. Deputados, é a de saber se dispensam a leitura destes dois relatórios.
Pausa.
Tem a palavra a Sra. Deputada Luísa Amorim.
A Sra. Luísa Amorim (PCP): - Sr. Presidente, parece-nos importante que, nomeadamente, o relatório da Comissão da Condição Feminina da Assembleia da República seja lido, porque traduz, de facto, um parecer de confiança.
O Sr. Presidente: - Tendo sido solicitada a leitura do relatório da Comissão, vamos proceder em conformidade.
Foi lido. É o seguinte:
Relatório da Comissão da Condição Feminina sobre o projecto de lei n.º 188/V - garantia dos direitos das associações de mulheres.
A Subcomissão constituída para analisar o supracitado projecto de lei foi composta pelas deputadas presentes na Comissão e Lourdes Hespanhol (PCP), que coordenou.
Depois de se ter debruçado sobre o projecto em questão, entende a Comissão da Condição Feminina emitir o seguinte parecer:
1 - Propõe-se o projecto-lei em análise estabelecer os direitos de participação e itervenção das associações de mulheres junto das entidades públicas.
2 - O presente diploma define o âmbito das associações de mulheres; o direito de participação e intervenção, o direito de consulta e informação, o direito de prevenção e controle, o direito de antena também se encontram consignados no diploma.
3 - Consigna, ainda, o diploma o dever de colaboração e apoio às associações de mulheres.
Assim, o projecto cm análise é enunciador de um articulado susceptível de ser aperfeiçoado no debate, na generalidade, em Plenário e, na especialidade, em Comissão. O documento reúne o consenso da Comissão.
Palácio de São Bento, 2 de Março de 1988. - A Coordenadora da Subcomissão, Maria de Lourdes Dias Hespanhol.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sra. Deputada Isabel Espada.
A Sra. Isabel Espada (PRD): - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados: Todos os partidos concordam com este ponto da lei constitucional: condenação da discriminação em função do sexo. Assim o princípio da igualdade entre homens e mulheres 6 algo universalmente aceite e da consagração desse princípio todos nos devemos orgulhar.
Muitos pensarão que basta a consagração na lei para que a aplicação do princípio se faça de uma forma automática. No entanto, os elementos estatísticos disponíveis vem revelar-nos que, ao contrário do que a lei prevê, a mulher portuguesa está ainda muito longe de ocupar na sociedade o lugar a que tem pleno direito cm igualdade de circunstâncias com os homens.
Assim, na área do trabalho as mulheres ocupam uma posição nitidamente menos favorável, constituindo uma população que, para além de auferir salários em média inferiores à população masculina, ocupa os lugares pior remunerados e hierarquicamente inferiores e sofrendo também a maior taxa de desemprego a nível nacional.
Por outro lado, na área de formação as mulheres continuam a dar o maior contributo para a taxa de analfabetismo em Portugal e as jovens mulheres continuam a escolher, em função da mentalidade vigente, uma formação que dá acesso às profissões tipicamente femininas, as quais para além de serem, de uma forma geral, socialmente desvalorizadas, suo também as que oferecem menores proventos. Este modelo de opção profissional, ainda característica no seio da populacho mais jovem, é tanto mais grave porquanto nos revela que estas formas de discriminação terão tendência para se reproduzirem novamente nas gerações mais novas.
Ao nível da participação nas decisões políticas e nas várias organizações que de alguma forma intervém na vida pública verificamos que as mulheres ocupam também posições minoritárias. Assim, em Portugal, não obstante as mulheres constituírem 52% dos eleitores inscritos, apenas uma mulher ocupa o lugar de chefia máxima num
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partido político dentro desta Assembleia. Ainda em relação à participação na vida política, os dados continuam a ser reveladores quando pensamos que nas últimas eleições autárquicas apenas quatro mulheres foram eleitas para a presidência de câmara municipais contra a eleição de 301 homens. Na Assembleia da República a posição é idêntica, sendo as deputadas uma percentagem mínima do universo total deste hemiciclo.
Outras situações poderiam ainda ser referidas como indicativos de que a discriminação, apesar de proibida, é ainda uma injustiça com a qual pactuamos diariamente. Recordo a propósito a história de um clube de futebol que dicidiu recentemente dar o direito de voto às suas associadas. Decidiu assim há alguns meses aplicar nos seus estatutos uni princípio consagrado na Constituição há mais de doze anos. Casos como este são bons exemplos de como as palavras se podem distanciar da acção.
As causas que deteminam todas as situações acima referidas não podem ser encaradas numa perspectiva simplista e temos consciência de que o problema é tanto de mais difícil resolução porquanto entronca no próprio sistema familiar. Na verdade, e relativamente à participação na vida política, as mulheres têm dificuldades que enraízam na própria divisão das tarefas domésticas, as quais, sendo subvalorizadas em termos sociais, ocupam, no entanto, uma enorme percentagem das preocupações, disponibilidade e empenhamento da população feminina. Em termos práticos, podemos dizer que, ao acumular as tarefas dentro da casa com o trabalho no exterior, as mulheres enfrentam uma escassez de tempo e disponibilidade mental que não é de forma alguma favorável à participação noutras áreas, nomeadamente a vida partidária ou a vida sindical. E assim será enquanto a divisão do trabalho dentro do lar se não fizer de uma forma mais justa.
Por outro lado, dentro da área do trabalho, as mulheres sofrem devido a uma formação que em geral, é menos completa ou porque a sobreocupação dos papéis de mãe e dona de casa determina que a competição profissional com os homens seja um jogo viciado pela nítida desvantagem inicial das mulheres. Depois vem a tradição e a mentalidade que, através da prática social, ainda vedam algumas profissões ao sector feminino. E a dependência económica, social c psicológica que, sendo ainda tão recente, determina nas mulheres a insegurança de quem dá os primeiros passos num terreno até agora desconhecido.
Em face desta exposição, é necessário concluir que muito resta fazer para promover os direitos das mulheres. Se a classe política se desliga desta sua responsabilidade, alegando que os mecanismos legais já estão criados, dizemos que a classe política é hipócrita e só não vê a discriminação porque não quer: as situações mais gritantes passam aqui mesmo ao nosso lado.
Há, portanto, que criar mecanismos de enquadramento legal que abram as parias c que funcionem como um incentivo ao desaparecimento da discriminação efectiva. Mecanismos que apostem no dinamismo das mulheres e que lhes dêem condições suficientemente aliciantes para que, de modo próprio, as mulheres se motivem a abandonar as suas próprias limitações. É nesse sentido que se enquadra o projecto lei agora apresentado. Trata-se essencialmente do um instrumento cuja utilização depende do dinamismo das próprias mulheres. Ao estabelecer um número mínimo de associadas para que as organizações possam participar como parceiros sociais e ao garantir os direitos ao nível da intervenção, da consulta, da informação, da prevenção e do controle, trata-se sem dúvida de um desafio às associações de mulheres.
No entanto, algumas cíticas têm sido levantadas a este projecto. Ultrapassando as questões que se (...) com a análise na especialidade, gostaria de me referir às críticas apontadas à generalidade do projecto.
Refere-se, por exemplo, que se trota de uma ideia que tem subjacente a discriminação de sinal contrário, ou seja, a criação de privilégiose especificamente para as mulheres. Pensamos que o argumento não tem fundamento, posto que esta iniciativa legislativa deve ser vista como mais um projecto de lei elaborado por uma comissão parlamentar, com os mesmos poderes e funções que as restantes e que vem salvaguardar os direitos e garantias de um determinado sector da população como, de resto, faz a Comissão de Juventude em relação aos jovens ou a Comissão de Trabalho. Segurança Social e Família em relação aos trabalhadores.
Não é, portanto, uma lei de excepção, até porque outras iniciativas do mesmo tipo já foram tornadas neste hemiciclo. Lembramos apenas a legislação referente às associações de defesa do ambiente c às associações de defesa do consumidor. Mas ainda que a crítica referida anteriormente tivesse fundamento, convém referir que, às vezes, é necessário para estabelecer o equilíbrio social fazer leis que privilegiem aqueles que se encontram mais desfavorecidos.
O que deve ser fundamental na análise deste projecto é a necessidade de, de facto, eliminar as formas de discriminação que ainda vigoram na nossa sociedade e, consequentemente, todos os mecanismos legais que forem utilizados para concretizar este objectivo são naturalmente bons.
Este projecto c um dos métodos, mas não se pretende com ele eliminar outros que venham a ser adoptados. Sabemos que não será através desta iniciativa que se resolve este problema e que se trata de uma gota de água em todo o trabalho que resta fazer e cuja aposta prioritária deve ser feita na mudança cultural e de mentalidade que não se produz por decreto mas para a qual o legislador dá por certo um contributo importante.
Pensamos que a questão da condição feminina é um problema nacional e nesse sentido queremos que o debate que hoje se trava na Câmara não seja mais um terçar de armas entre a oposição e o partido do Governo. Aperfeiçoar todos os mecanismos legais que efectivem os direitos já consagrados na Constituição e um objectivo que paira no horizonte de todos os partidos. É, portanto, uma questão política e não uma questão partidária.
Sendo este projecto unânime e recebendo o assentimento de várias bancadas, ele será, no entanto, o resultado daquilo que for acordado em conjunto. E nesse sentido gostaríamos de referir que nós próprios temos sugestões para, sem alterar a sua filosofia principal, propor alterações que o aperfeiçoem à realidade.
Queremos terminar lembrando o papel importante que as organizações de mulheres têm tido na denúncia de situações de discriminação e na salvaguarda do princípio da igualdade de direitos e oportunidades. Ao garantir às organizações um enquadramento legal de participação e intervenção nos centros de decisão e fiscalização, contribuímos, de forma decisiva, para o cumprimento da legislação e, em última análise, para o cumprimento da democracia.
Aplausos do PRD, do PS, do PCP, de Os Verdes, da ID e de alguns deputados do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma palavra a Sra. Deputada Maria Luísa Ferreira.
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A Sra. Maria Luísa Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Reafirmando o tema pela mulher, está hoje o mundo civilizado e consciente a reflectir sobre os problemas que, em razão do sexo, e em maior ou menor grau, afectam mais de metade da humanidade.
Também, nesta Câmara, evocámos já algumas mulheres que projectaram a sua obra e o seu exemplo em posteriores gerações, conseguindo imprimir um ritmo mais acelerado, ao avanço dos ponteiros do relógio que vem marcando o tempo das conquistas da mulher na Europa e no Mundo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Hoje, em Portugal - consagrados que são já, na Constituição da República, os princípios da igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres -, a problemática da mulher tem a complexidade de uma verdadeira questão cultural, que implica uma profunda mudança de mentalidades e atitudes e tem de envolver todos os cidadãos.
E, porque a tarefa é imensa, há que congregar os esforços de todos os democratas conscientes para a erradicação total dos falsos conceitos, consubstanciados na dupla tábua de valores homem/mulher - que está na origem das dificuldades que a ela se deparam no acesso à profissionalização, à direcção de postos de chefia ou à actividade política, entre outros.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Melhor amostra do que afirmámos, Sr. Presidente, Srs. Deputados, não haverá, com certeza, do que a composição desta Assembleia, onde escasso número de mulheres, eleitas entre uma massa de milhões de cidadãs, são o vivo exemplo da falta de representatividade da mulher cm lugares de destaque, onde só chega a pulso e a título excepcional.
Vozes do PSD, do PS e do PRD: - Muito bem!
A Oradora: - No ideal social-democraia avulta o valor da igualdade de direitos entre os seres humanos, com repúdio por todas as formas de discriminação, nomeadamente as baseadas no sexo, que, contrariando a lei fundamental, persistem teimosamente na sociedade portuguesa, em desfavor da mulher.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - É, pois, neste espírito que, em matéria desta transcendência, nos debruçamos, para análise, sobre o projecto de lei n.º 188/V, que trata da «garantia dos direitos das associações de mulheres».
Os fins que o diploma visa perseguir - expressamente declarados no artigo 1.º (cito): «A eliminação das discriminações, bem como a promoção da igualdade de direitos das mulheres» - são objectivos caros aos sociais-democratas. No entanto, o articulado do mesmo leva-nos a concluir que o voto mais adequado será a abstenção.
Temos várias c importantes reservas e discordâncias no plano da especialidade, o que nos levou a aceitar a liberdade de voto.
Na nossa luta política é frequente a convergência nos princípios, mas a divergência nos meios de concretização.
Esta iniciativa legislativa é mais um exemplo concreto desta nossa diversidade.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Assim, não inviabilizaremos este diploma na generalidade, reservando para a especialidade as propostas de alteração, que faremos, com sentido crítico e sem complexos, para uma real adequação do texto aos fins que se pretendem e na certeza de estarmos a prestar um serviço válido à causa da mulher portuguesa.
Aplausos do PSD, do PS e do PRD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sra. Deputada Julieta Sampaio.
A Sra. Julieta Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 188/V, que apreciámos na generalidade e a que o Partido Socialista deu parecer favorável na Comissão Parlamentar da Condição Feminina para a sua discussão na generalidade, mereceu a nossa concordância, porque consideramos importante a existência de organizações de mulheres como combate às discriminações em função do sexo e para a efectiva igualdade de participação da mulher, princípio esse consagrado na Constituição Portuguesa, e que se institucionalizou com o decreto-lei que criou a Comissão da Condição Feminina.
O princípio da igualdade entre mulheres e homens não se torna efectivo só pela promulgação de leis, mas é necessária a sua execução por parte do Estado e a colaboração activa das organizações de mulheres na sua implementação.
O Sr. Presidente: - Sra. Deputada Julieta Sampaio, queira desculpar a interrupção, mas acontece que está a chegar à Mesa a voz de algumas Sras. Deputadas no sentido de se fazer um apelo aos Srs. Deputados a fim de fazerem silêncio suficiente para que se possa acompanhar o debate.
Queira fazer o favor de continuar.
A Oradora: - Portugal é dos países mais avançados em leis para a igualdade de participação entre o homem e a mulher, mas a prática fica muito aquém do que está legislado.
Na Conferência Internacional do Final da Década das Mulheres das Nações Unidas, as participantes de vários países, incluindo Portugal, defenderam a importância do fortalecimento das organizações de mulheres cm contínuo diálogo com os poderes públicos.
No Conselho Consultivo da Comissão da Condição Feminina têm assento organizações representativas de mulheres que contribuem para uma melhor definição das políticas com incidência particular sobre a mulher, pronunciando-se sobre os projectos que são apresentados.
O número destas organizações tem aumentado, o que mostra uma maior consciencialização das mulheres para a defesa dos seus direitos para a igualdade.
As organizações de mulheres têm sabido, em união com a Comissão da Condição Feminina, no Conselho Consultivo chegar a importantes consensos.
Considerando a importância das organizações de mulheres, há que reconhecer que as associações das mesmas necessitam de um suporte legal que lhes garanta a intervenção junto dos organismos públicos.
O Partido Socialista, que sempre tem defendido a luta para a igualdade e participação da mulher votará favoravelmente, na generalidade, este projecto de lei, reservando-se para, na discussão na especialidade, na Comissão Parlamentar da Condição Feminina, lhe introduzir as alterações
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que entender necessárias. Termino citando uma conhecida (...) americana: «Aos homens os seus direitos e nada mais, às mulheres os seus direitos e nada menos.»
Aplausos do PS, do PSD, do PCP, do PRD e da ID.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sra. Deputada Luísa Amorim.
A Sr.ª Luísa Amorim (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados, Sras. Convidadas e Srs. Convidados: Hoje é um dia particular na história da luta das mulheres.
Não só porque é o Dia Internacional da Mulher e este dia simboliza uma luta de mais de um século de operárias têxteis de Nova Iorque, pela redução do seu horário de trabalho e melhores condições de vida, mas também porque neste dia a Assembleia da República, em democracia, está em sintonia com a luta das mulheres portuguesas em torno das suas organizações específicas.
É, na verdade, um acontecimento histórico, já que pela primeira vez uma proposta de projecto de lei de um conjunto de organizações de mulheres, integradas na Coordenadora Nacional de Mulheres, constituída pela Associação de Mulheres Socialistas, Grupo de Mulheres da Lourosa, IDM, Liga dos Direitos da Mulher, Movimento Democrático das Mulheres-MDM e UMAR, é assumida na Assembleia da República pelas deputadas do PRD, do PS, do PCP e Verdes, bem como pelas deputadas independentes, e é agendada no próprio Dia Internacional da Mulher.
Não é este projecto de lei um projecto partidário, mas um projecto nacional, que, se parte de um grupo de organizações de mulheres, não se dirige especificamente a elas, mas a todas as organizações de mulheres, quer as já existentes, quer as que se venham a constituir.
A abertura do PRD de dar um dos seus tempos de agendamento a este projecto, mantendo embora o seu carácter de projecto de várias deputadas, é exemplo que saudamos.
Dá-se, assim, na Assembleia da República conteúdo a um dia que é um marco na história das mulheres.
E a história, Sras. e Srs. Deputados, nem sempre tem feito justiça a essa luta de muitos séculos das mulheres.
Na história oficial, as mulheres ou estão ausentes ou a sua imagem aparece distorcida.
Sras. e Srs. Deputados, se já com a Revolução Francesa as mulheres, ao criarem os clubes femininos, lançaram os primeiros embriões das suas organizações específicas, foi após a revolução industrial que as mulheres lançaram o desafio da sua auto-organização.
É na segunda metade do século XIX que se implementam quer os movimentos de mulheres, feministas e sufragistas, quer os sindicatos femininos ou as secções femininas dos sindicatos mistos.
Conscientes de que à sua revolta individual se impunha a acção organizada c concertada, cias lançam o desafio nesse final do século XIX e início do século XX.
Hoje já não é possível recusar o reconhecimento da importância das organizações específicas de mulheres.
Reconhecidas como movimentos de opinião c de organização das mulheres, no fundo, parceiro social, são força insubstituível, com capacidade dialéctica de consciencialização no sentido de transformação das mentalidades, no combate a estereótipos sexistas que degradam e aviltam a imagem da mulher, e de pressão junto dos órgãos de poder e da sociedade em geral.
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, recusar que a realidade da maioria das mulheres portuguesas é ainda uma realidade de discriminação e de marginalização.
Apesar da Revolução de Abril, apesar da legislação progressista e da própria Constituição, que reconhece a igualdade de direitos e oportunidades, não é esta á prática diária da vida das mulheres, nomeadamente nos últimos anos.
O grau de emancipação das mulheres é um dos indicadores chaves do nível de aprofundamento da democracia. Os ataques à democracia e às conquistas de Abril fazem-se sentir de modo extremamente sensível na realidade das mulheres.
Com a generalização do desemprego, do trabalho precário, dos despedimentos, são as mulheres as mais atingidas, são elas as primeiras a ser despedidas e as últimas a conseguir emprego.
São uma grande maioria dos trabalhadores com contratos a prazo. Só no distrito de Lisboa, no sector do comércio, são 61,3% dos trabalhadores com contrato a prazo. Sendo a maioria dos desempregados, o desemprego da mulher caracteriza-se pela sua longa duração.
E toda esta situação se tenderá a agravar se o Governo levar para a frente o pacote laboral.
É o aumento da repressão nas empresas, é a chantagem e o molestamento sexual a que as trabalhadoras estão sujeitas, são os ritmos violentos de trabalho e os prémios de produção! É a invasão e a violação da vida privada das trabalhadoras, obrigadas a fazer prova de que não estão grávidas se querem ver renovados os seus contratos.
Defendendo a legislação que salvaguarda os direitos das mulheres, as organizações de mulheres têm sido intervenientes activas na denúncia da sua violação, pressionando os governos e sensibilizando as mulheres e a opinião pública em geral.
A ausência das organizações de mulheres nos órgãos de fiscalização do cumprimento da legislação e a sua ainda fraca representação nos principais centros de decisão, além de sintomáticas, são factores de agravamento desta realidade.
É assim com o Decreto-Lei n.º 392/79, que quase há dez anos aguarda a sua extensão à função pública, bem como a publicação pelo Ministério do Emprego e da Segurança Social da quota de formação profissional para as mulheres.
Passados quase fez anos sobre a publicação do diploma, pode dizer-se que nada foi feito por parte do Estado para cumprir estas obrigações.
Numa altura em que se fala na introdução das novas tecnologias é imperioso, para que as mulheres respondam a este desafio, que tenham acções positivas de formação profissional e de reciclagem.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, e que dizer da violação deste mesmo decreto-lei sobre os anúncios de oferta de emprego?
Todos os dias os jornais anunciam ofertas de emprego que publicitam directa ou indirectamente restrições ou preferências baseadas no sexo, quando não incitam directamente à prostituição!
O mesmo se passa com a lei da publicidade, diariamente violada com mensagens que fazem uso do corpo da mulher como objecto sexual ou objecto de consumo.
Apesar de se preverem penalizações para os prevaricadores, a lei é sistematicamente violada.
E noutras áreas será que a realidade das mulheres é melhor?
A nível das escolas, apesar da Lei n.º 3/84 sobre a educação sexual, esta continua a não ser implementada. E que dizer da educação para a igualdade, quando alguns
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manuais escolares continuam a veicular a tradicional divisão de papéis e comportamentos de estereótipos masculino e feminino?
Quanto ao planeamento familiar, de um total de 2000 centros de saúde e extensões, apenas 400 têm consultas de planeamento familiar.
A lei da interrupção voluntária da gravidez, melhor conhecida por lei do «torto, apesar de limitativa, é sistematicamente violada a nível hospitalar, criando-se todo o tipo de pretextos para impedir o acesso das mulheres ao aborto em meio hospitalar e gratuito, como último recurso face a uma gravidez não desejada.
O incumprimento da Lei n.º 3/84, sobre educação sexual e planeamento familiar conduz objectivamente a que o flagelo do aborto clandestino se mantenha.
E, pois, com hipocrisia que se actua contra as mulheres que suo obrigadas a recorrer a ele.
Veja-se o que se passa com o processo recente em relação à prática de aborto clandestino, em que 2500 mulheres registadas no ficheiro estão a ser sujeitas a profundas violências, com exames médicos para averiguação da prática do aborto.
O corpo da mulher é exposto e pesquisado para prova de crime, tal como um objecto em que se procuram impressões digitais. Isto é grave, Srs. Deputados...!
Sras. e Srs. Deputados, não é possível levar à prática uma verdadeira política de desenvolvimento e no sentido da promoção dos direitos da mulher e da criação de igualdade de oportunidades à revelia das organizações das mulheres.
Por isso, as organizações de mulheres reivindicam o seu reconhecimento como parceiros sociais c reivindicam neste projecto a sua integração nos órgãos de fiscalização do cumprimento da legislação, nomeadamente naqueles cujas áreas se fazem incidir particularmente sobre a vida das mulheres.
Por isso se defende no projecto a sua participação no Conselho de Publicidade, na CITE, no Conselho Nacional de Educação, nos conselhos regionais de segurança social, bem como nos órgãos consultivos dos hospitais e centros de saúde.
Reivindicando também o direito de consulta e de informação, as organizações das mulheres devem ser ouvidas na definição da política global e sectorial da condição feminina e em relação a iniciativas legislativas que afectam directa ou indirectamente a condição da mulher.
Reconhecendo a importância da prevenção e do controle da aplicação da legislação que salvaguarda os direitos da mulher, prevê-se no projecto de lei a possibilidade de as associações de mulheres, quer proporem acções de prevenção, quer se constituírem cm assistentes nos processos crimes que envolvam violações dos direitos das mulheres.
Por fim reivindica-se o tempo de antena na rádio e na TV nos mesmos termos das associações profissionais.
O reconhecimento para as organizações de mulheres do estatuto de parceiro social vem, aliás, no seguimento de anteriores leis, nomeadamente a lei das associações de defesa do ambiente e a lei das associações de defesa do consumidor.
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, vivemos uma época cm que as mulheres impuseram à comunidade internacional a justiça da sua luta. Reconhece-se que a questão feminina não é mais uma questão secundária, mas antes uma questão grave e urgente que exige ser enfrentada por toda a Humanidade, numa perspectiva de desenvolvimento e de justiça social.
Que os deputados desta Assembleia reconheçam a importância das questões levantadas e apoiem o reconhecimento do estatuto das associações de mulheres como parceiros sociais, intervenientes activos no processo de transformação dos modelos culturais e dos obstáculos estruturais que impedem o efectivo reconhecimento dos direitos das mulheres. O PCP votará a favor.
Aplausos do PCP, do PS e do PRD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sra. Deputada Natália Correia.
A Sra. Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É na qualidade de deputada independente que me sinto moralmente autorizada a agradecer ao Grupo Parlamentar do PRD a disponibilidade para sacrificar o seu direito de agenciamento, que é escasso, ofertando um espaço a um grupo pluripartidário de deputadas que quiseram assinalar esta data, apresentando uma iniciativa legislativa que visa a concretização da igualdade de direitos da mulher, sua participação e evitar situações discriminatórias em razão do sexo.
Falando apenas em meu nome, quero acentuar que aprecio essa atitude do PRD à luz de uma modernidade em que a intervenção feminina constitui uma característica relevante da nova cultura, que acompanha, quando não suscita, as mutações que agitam as sociedades deste final do século XX. Eis o tempo em que a Humanidade enfrenta o maior conjunto de crises da história. As soluções viáveis para a angustiante problemática do futuro põem a emergência da responsabilidade conjunta dos homens e das mulheres, o que não é possível sem que à mulher seja dada a voz que uma misoginia mal disfarçada e renitente ainda lhe nega.
O mundo que a androcracia nos legou não nos concede desde a Segunda Guerra Mundial um único dia sem guerra, sem miséria e sem a degradação do ambiente e da condição humana. Ora, os valores agredidos nesta tensão intolerável são próprios do vitalismo da essência feminina. Como muito bem observa Simmel no seu precioso livro Cultura Feminina, a alma da mulher é unitária, visto que ela jamais abdica da sua natureza afectiva.
Ora, uma resposta efectiva e correcta às graves questões que ameaçam a Humanidade não dispensa a objectivação histórica dessa cultura unificante, afectiva da mulher adversa aos modelos financeiros e militares e que soube manter vivas as capacidades relacionais que a androcracia amputou nos homens em proveito dos aparelhos. Por outras palavras, as de Alain Touraine: o movimento feminino é «o movimento de libertação, não das mulheres, mas dos homens pelas mulheres». De libertação da Humanidade, direi eu, já que as mulheres, manietadas na expansão das suas faculdades relacionais e unificantes, sofrem, como os homens, os efeitos desse obcecante e desumanizado culto da gestão da máquina do inapropriadamente chamado progresso.
Tudo isto colhe internacionalmente, sem deixar também uma questão nacional. Mas, neste âmbito, levantam-se questões especificamente nacionais. E, destas, a mais lastimavelmente relevante é a disparidade que, na prática, desmente a igualdade de direitos entre homens e mulheres em todos os domínios que entrou em vigor com a Constituição de 1976. Tão desfasada é a lei da realidade que a subestima que diríamos estar esse desfasamento ferido de inconstitucionalidade. Mas, adiante.
Num país em que a maioria da população é feminina, e eis aqui uma maioria antropológica, sociológica e culturalmente marcante do país real, não se concebe que, uma
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vez estabelecida a paridade de direitas pela lei fundamental, as mulheres não tenham audiência junto dos organismos cuja área de actuação incida em questões que lhes dizem respeito. Daí a oportunidade deste projecto de lei, que estabelece os direitos de participação e intervenção das associações de mulheres junte desses organismos.
Ao pretender-se que nessa função consultiva as referidas associações sirvam de instrumentos de garantia do princípio da igualdade estabelecido no artigo 13.° da Constituição, temos a consciência de contribuir para o desenvolvimento cultural e modernização da nossa sociedade. Porque na ordem das prioridades culturais reclamadas pelas estruturas de uma nova sociedade impulsionada pelas mutações em curso tem especial relevância a participação das mulheres, que neste diploma têm unidos os instrumentos para a sua final concretização.
Aplausos gerais.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente gostaria de informar a Mesa e a Câmara de que o PRD, nos termos do n.° 5 do artigo 61.º do Regimento, solicita que o diploma em discussão seja votado hoje no fim da sessão plenária.
Sr. Presidente, após ter falado com todos os grupos e agrupamento parlamentares, e se, eventualmente, houver interesse em produzir-se intervenções, que por limitação de tempo não seriam possíveis, solicito que a sessão seja prolongada alguns minutos para além das 20 horas.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, como ninguém se manifesta, penso que há consenso de todos os grupos e agrupamento parlamentares em que assim se proceda. De qualquer maneira, neste momento só há uma inscrição na Mesa para uma intervenção.
Quanto ao requerimento que foi apresentado polo PRD, nos termos do n.° 5 do artigo 61.° do Regimento, foi admitido e está neste momento a ser fotocopiado para ser distribuído a todas as bancadas.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sra. Deputada Maria Santos.
A Sr.ª Maria Santos (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós pensamos que as questões fundamentais de defesa do projecto de lei n.º 188/V, sobre a garantia dos direitos das associações de mulheres, já foram amplamente expostas pelas colegas que intervieram anteriormente.
De qualquer maneira, parece-nos importante realçar que este projecto de lei vem da própria realidade, das associações de mulheres. Foi a Coordenadora Nacional das Mulheres que o transportou para o aparelho legislativo, o que nos parece extremamente rico, porque ele surge da prática das organizações das mulheres e corresponde à necessidade de projectar a realidade na lei.
Daí que seja importante, mais uma vez, realçar esta dinâmica entre a vida concreta e o órgão legislativo por excelência, que é a Assembleia da República.
Um segundo ponto que gostaria de reler é que nos parece que há neste momento um paralelismo com as «acções positivas a favor da igualdade» que a própria Comissão da Condição Feminina projectou para 1988.
Destacaria um documento que foi distribuído pela Comissão da Condição Feminina no qual são consideradas as necessidades de «medidas especiais pare eliminar as discriminações e apressar esse processo de construção de igualdade», o que exige a existência de «mecanismos de igualdade».
Penso que hoje é extremamente importante falar disto, uma vez que é o Dia Mundial da Mulher, porque há, de facto, uma harmonização de métodos para atingir objectivos comuns.
Este projecto é para Os Verdes um instrumento...
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem toda a razão em interromper a sua intervenção, Sra. Deputada. Realmente não existem as condições propícias para se fazer uma intervenção.
A Oradora: - Já não lhes apetece ouvir, mas acho que (...) que ouçam porque nele têm de participar.
Uma voz do PSD: - É só o PSD?
A Oradora: - Não estou a dizer que é! ...
Como dizia, este projecto é, quanto a nós, um instrumento e é um instrumento vivo que actuará para que o consagrado na lei tenha reflexos na realidade, tomando efectiva a igualdade. É um instrumento necessário no tempo presente para fortalecer o processo de emancipação feminina.
Por outro lado, sabemos que só a tomada de consciência das condições de vida pela grande maioria das mulheres portuguesas permitirá resolver as discriminações e fazer da lei letra viva.
Este projecto, pelo seu conteúdo, de que destaco fundamentalmente o direito de participação e intervnção, o direito de consulta e informação, a formação da juventude, o direito de antena e as acções de divulgação, entre outros, assegura, quanto a nós, uma caminhada. Daí que seja um instrumento pedagógico na assunção da luta pela emancipação da mulher, não exclusivamente tomada pela mulher, mas sim pela sociedade como um todo. Ele assume-se com mais um elemento nesse processo, que deverá envolver toda a sociedade, que propicia certamente uma mais ampla participação da mulher. Daí a necessidade de se criarem mecanismos legais que implementem uma dinâmica social partilhada, por todos construída.
As mulheres têm, cada vez mais, de se responsabilizar também pela gestão da sociedade, e, por isso, pensamos que é importante que estejam informadas, que exijam participar, que exijam criar condições para que possam actuar e participar na sociedade portuguesa.
Sabemos que felizmente, muita coisa mudou; no entanto, quer queiramos quer não, ainda se mantêm estigmas na nossa sociedade que limitam essa afirmação por que todos pugnamos.
Pensamos que hoje, mais do que nunca, os desafios do desenvolvimento exigem que a democracia seja aprofundada e ela só pode ser aprofundada com uma participação mais evidente «do todo feminino» da sociedade portuguesa.
O Sr. Presidente: - Só um momento, Sra. Deputada Maria Santos até que se criem as condições para que seja ouvida.
A Oradora: - De qualquer maneira, estou a falar bem alto!
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É preciso olhar à nossa volta, é preciso ver a vida que está lá fora, é preciso que as leis sejam, de facto, corporizadas. A Constituição apontou o caminho; contudo, na prática, podemos perguntar quantas mulheres têm acesso) à informação, quantas exigem a aplicação dessas leis; quantas participam criativamente para mudar o que está errado. Por isso, dizemos que é á realidade que exige este projecto de lei, que pretende consignar a garantia dos direitos das associações de mulheres, «colectivos» que é preciso engrandecer, porque têm desempenhado um papel extremamente importante e insubstituível ao longo dos anos na nossa sociedade, no esclarecimento das mulheres e dos homens, na formação cívica e cultural, no fomento de uma nova consciência colectiva.
Propiciar o acesso ao, direito, fiscalizar a aplicação das leis, assegurar o facultativo aprofundamento do processo libertador de cada um e da comunidade, é este o sentido deste instrumento legislativo.
Pensamos, pois, que a votação favorável deste projecto ajuda a eliminar a distância entre a realidade e as leis. Pensamos que poderá ser melhorado na especialidade, mas apelamos a todos os Srs. Deputados, independentemente dos partidos que representam, que votem favoravelmente um projecto que vem lá de fora da vida, da Coordenadora Nacional das Mulheres e que foi agarrado pelas mulheres que estão nesta Assembleia.
Aplausos de Os Verdes, do PS, do PCP, do PRD, do CDS e da ID.
O Sr. .Presidente: - Para uma intervenção, tem a, palavra o Sr. Deputado Raul de Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 188/V que visa garantir os direitos das associações de mulheres.
O Sr. Presidente: Sr. Deputado Raul Castro, não consigo ouvir absolutamente nada, pelo que solicito que faça uma pausa para se criarem as condições, mínimas de audição, até porque já há consenso no sentido de a sessão terminar para além das 20 horas.
Solicito igualmente aos Srs. Deputados o favor de fazerem um pouco menos, de ruído.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado Raul Castro.
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, como estava a dizer, o projecto de, lei n.º l88/V, que visa a garantia dos direitos das associações de mulheres, tem como objectivo assegurar o que constitui um princípio constitucional, que é o da igualdade entre, mulheres e homens. Designadamente através das disposições dos artigos 4.º, 5.º e 6.º da Constituição e naquilo que, diz respeito não só aos direitos de participação e intervenção, de consulta e informação, mas também de prevenção e controle, torna-se patente que os, grandes objectivos são a contribuição que no projecto de lei se visa alcançar através? da intervenção das associações de mulheres no sentido de, garantir uma igualdade que, julgo ser por todos reconhecido, não existe na sociedade portuguesa.
Naturalmente que a Intervenção Democrática irá votar favoravelmente o projecto de lei e quero até assinalar que, para alem das comemorações que se realizaram no período de antes da ordem do dia relativas ao dia 8 de Março - Dia Internacional da Mulher - , a discussão, neste dia, deste projecto de lei (que, segundo supomos, irá ser votado favoravelmente) corresponderá a uma forma digna e positiva da comemorar também o Dia Internacional da Mulher.
Aplausos do PS, do PCP e alguns, deputados do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais, inscrições, dou por encerrado o debate na generalidade do projecto de lei n.º 188/V.
Como os Srs. Deputados têm conhecimento, Grupo Parlamentar do PRD apresentou um requerimento - que foi distribuído pelos grupos e agrupamento parlamentares, nos termos do artigo 61.º, n.º 5, do Regimento, no sentido de que o diploma em discussão seja votado na sessão de hoje.
É um direito potestativo e foi admitido.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, creio que há deputados que se encontram presentes em várias comissões, pelo que solicito à Mesa que faça as diligências necessárias para que esses Srs. Deputados possam estar presentes á fim de votarem o projecto de lei n.º 188/V. Isto até porque penso que hoje, dia 8 de Março Dia Internacional da Mulher, vai proceder-se a uma votação importante e cada Sr. Deputado poderá homenagear o dia 8 de Março através da sua presença e do sentido de voto correcto que cada um irá ter.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr.ª Deputada.
Vamos chamar esses Srs. Deputados que estão presentes nas comissões.
Pausa.
Srs. Deputados, vamos- proceder à votação na generalidade do projecto de lei n.º 188/V - garantia dos direitos das associações de mulheres -, apresentado pelo PRD, PS, PCP e Os Verdes.
ubmetido à votação foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e da ID, 22 votos contra do PSD e abstenções do PSD.
A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Sr. Presidente, é para informar a Mesa e a Câmara de que o Partido Socialista, juntamente com alguns outros Srs. Deputados, subscreveu um requerimento no sentido de o projecto de lei n.º 188/V baixar à Comissão da Condição Feminina para aí ser discutido na especialidade por um prazo de 60 dias.
O Sr. Mendes Bota (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra apenas para solicitar uma rectificação anunciada por V. Ex.ª é que eu, ao permanecer sentado, votei favoravelmente o projecto de lei.
Aplausos do PS, do PCP do PRD e da ID.
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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Mendes Bota, queira desculpar, mas a Mesa não se apercebeu.
Com todo o gosto, vai satisfazer o seu pedido e rectificar que o Sr. Deputado Mendes Bota votou favoravelmente o projecto de lei n.º 188/V.
A Sr.ª Manuela Aguiar (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tam a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Manuela Aguiar (PSD): - Sr. Presidente, e para anunciar que o PSD já apresentou na Mesa uma serie de propostas de alteração ao projecto de lei que esteve em discussão e que vou apresentar na Mesa uma declaração de voto por escrito.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, as propostas deram, efectivamente, entrada na Mesa e foram admitidas.
A Sr.ª Dinah Alhandra (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Dinah Alhandra (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra para anunciar que os deputados do PSD que votaram contra o diploma farão chegar à Mesa a sua declaração de voto.
O Sr. Presidente: - Fica registado, Sr.ª Deputada Dinah Alhandra.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que eleito, Sr. Deputado?
O Sr. Nogueira de Brito (CDS) - Sr. Presidente, e para anunciar que o CDS fará chegar à Mesa a sua declaração de voto por escrito.
O Sr. Presidente:-Todos os grupos parlamentares que quiserem fazer chegar à Mesa declarações de voto podem fazê-lo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: -Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, quis-me parecer que a atitude do Sr. Deputado Mendes Bola não foi única na bancada do PSD. Solicitava, portanto, à Mesa que se repelisse a votação.
Protestos do PSD.
Peço desculpa, mas continuo convencido, ate prova em contrário, de que a contagem dos votos não foi correcta. Houve deputados do PSD que se mantiveram sentados sem que tivesse sido referido o seu sentido de voto. Por isso, pedi à Mesa que se voltasse a votar.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Herculano Pombo, a Mesa fez o anúncio da votação e deu a votação como boa. Se algum deputado ficou sentado e o anúncio da Mesa não corresponde à sua intenção de voto, pode fazê-lo. A Mesa rectificará esse voto, tal e qual como fez relativamente ao Sr. Deputado Mendes Bola.
Há um requerimento de baixa à Comissão, que tem como subscritora a Sr.ª Deputada Maria Julieta Sampaio e várias Sr.as Deputadas de outros grupos parlamentares, que diz o seguinte:
Nos termos regimentais as deputadas e deputados abaixo assinados requerem a baixa à Comissão da Condição Feminina do projecto de lei n.º 188/V, para a discussão na especialidade por um período de 60 dias
Srs. Deputados, vamos votar este requerimento sobre o projecto de lei n.º 188/V, que, no caso de ser aprovado, baixará à Comissão juntamente com as propostas que já foram anunciadas, nomeadamente pelo PSD, e outras que ainda podei ao dar entrada na Mesa.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PCP, do PRD, do CDS de Os Verdes e da ID e a abstenção da Sr.ª Deputada Cecília Catarina (PSD)
Srs. Deputados, a nossa próxima sessão será na quinta-feira, dia 10, às 15 horas, com período de antes da ordem do dia. Do período da ordem do dia constará o debate dos projectos de lei n.º 172/V, apresentado pelo PSD - lei sobre a investigação e desenvolvimento tecnológico,..
Protestos de alguns deputados do PSD e do CDS.
Srs. Deputados, a Mesa ainda não anunciou a ordem de trabalhos para a próxima quinta-feira; no entanto, houve alguns Srs. Deputados que decidiram saudar as pessoas presentes nas galenas, tentando talvez reclamar pelo facto de a Mesa não ter tomado posição.
Quero, contudo, dizer que as galerias apenas responderam a manifestações do Plenário e, salvo erro, de todas as bancadas, excepto de uma.
Como dizia, da ordem do dia da próxima sessão consta a discussão dos projectos de lei n.ºs 172/V, apresentado pelo PSD -lei sobre a investigação e desenvolvimento tecnológico-, e 199/V, apresentado pelo Partido Socialista - lei de enquadramento da promoção da investigação científica e tecnológica. Entre as 15 e as 18 horas proceder-se-á à eleição para um cargo exterior à Assembleia da República, no Conselho Nacional de Educação, e apenas este.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 50 minutos
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Pereira.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Fernando José Alves Figueiredo.
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Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco João Bernardino da Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
Joaquim Eduardo Gomes.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Angelo Ferreira Correia.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Mário Lemos Damião.
José de Vargas Bulcão.
Luís Amadeu Barradas Amaral.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Assunção Andrade Esteves.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Partido Socialista (PS):
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Magalhães da Silva.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Helena de Melo Torres Marques.
João Rui Gaspar de Almeida.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
Maria Helena do R. da C. Salema Roseta.
Vítor Manuel Ribeiro Constâncio.
Partido Comunista Português (PCP):
José Manuel Amimes Mendes.
Rogério Paulo S. de Sousa Moreira.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Isabel Maria Costa Ferreira Espada.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):
Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Maria Amélia do Carmo Mola Santos.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Arménio dos Santos.
Carla Talo Diogo.
Domingos Duarte Lima.
Flausino José Pereira da Silva.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Jaime Carlos Marta Soares.
João José da Silva Maçãs.
João Manuel Ascensão Belém.
José de Almeida Cesário.
José Manuel da Silva Torres.
Luís António Martins.
Manuel José Dias Soares Costa.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
António José Sanches Esteves.
Carlos Cardoso Lage.
Fernando Ribeiro Moniz.
Guilherme Manuel Lopes Pinto.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
José Luís do Amaral Nunes.
José Vera Jardim.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Partido Comunista Português (PCP):
António José Monteiro Vidigal Amaro.
Maria Odete Santos.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Declaração de voto enviada à Mesa para publicação sobre o projecto de resolução de recusa de ratificação do Decreto-Lei n. 387-D/87, de 29 de Dezembro (ratificação n.º 6/V).
O Grupo Parlamentar do PCP propôs a suspensão do Decreto-Lei n.º 387-D/87, de 29 de Dezembro, após ter visto inviabilizada pelo PSD a recusa de ratificação do mesmo diploma - medida justamente reivindicada pelos profissionais do foro.
Face ao debate realizado no Plenário da AR, seria legítimo concluir pela necessidade de qualquer das medidas: o Governo admitiu, sem réplica, o carácter certeiro e justo de numerosas críticas formuladas; admitiu o carácter contingente e dúbio do articulado, cuja alteração não promoveu, chegando a alvitrar a possibilidade de próximas revisões ...
Inaugura-se, deste modo, uma nova forma de legislar: por tentativas, sem adequada ponderação, em cada estádio, dos inconvenientes das soluções tacteadas.
O PCP lamenta que à evidente desrazão da via adoptada pejo PSD se tenha somado a produção de declarações ministeriais francamente infelizes sobre as relações entre o departamento governamental responsável pela justiça. Tal aspecto não deixou, porém, de ser clarificado pelo próprio bastonário da Ordem dos Advogados, através de ofício de que deu conhecimento aos grupos parlamentares. Nesse documento se sublinha.
Na sessão da Assembleia da República de 23 do corrente mês, a propósito da discussão do pedido de ratificação, feito por partidos da oposição, do diploma que alterou o Código das Custas Judiciais (Decreto-Lei n.º 387-D/87, de 29 de Dezembro), V. Ex.ª fez afirmações de que enviara o projecto de diploma à Ordem dos Advogados em 4 de Novembro de 1987, daí inferindo que esta tivera, pois, tempo para se pró-
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nunciar na fase de elaboração legislativa e não o fizera senão depois da publicação do diploma, e ainda de que V. Exa. não atendera algumas das sugestões de alteração ao mesmo diploma feitas pela Ordem por ser V. Exa., como legislador, a quem cabe, em última análise, saber o que a lei deve ou não conter.
Reputo as duas afirmações de infelizes, para além de contraditórias, pelo que entendo ser meu dever prestar-lhes publicamente, tal como publicamente foram por V. Exa. proferidas, as seguintes correcções e esclarecimentos, dadas as implícitas críticas que representam para a Ordem dos Advogados, como instituição, e para mim mesmo.
Esclarecendo, pois:
1 - Quando em 23 de Outubro passado próximo, juntamente com outros membros do conselho geral, fomos apresentar os nossos cumprimentos, V. Exa. noticiou-nos de que estava concluído um conjunto de diplomas que se destinavam a entrar em vigor ao mesmo tempo que o Código de Processo Penal, dando a entender que a Ordem já deveria ler conhecimento desses diplomas no tempo do seu antecessor. Como eu respondesse, imediatamente, que nenhum projecto da natureza dos referidos nos tivesse sido remetido, logo V. Exa. obtemperou, com manifesta declaração de, por cortesia, corrigir uma falha do Ministério, que no-los iria remeter para que, ao menos, os conhecêssemos. É, pois, de presumir que, não fora a incidental conversa, a extensa e nova legislação passaria à revelia do conhecimento da Ordem.
2 - Efectivamente, V. Exa. remeteu-me, por intermédio do seu chefe de gabinete, por carta de 4 de Novembro de 1987, recebida nos nossos serviços apenas em 9 de Novembro de 1987, um largo conjunto de projectos de diplomas, solicitando o parecer da Ordem, a saber:
Orgânica dos tribunais judiciais;
Reorganização das secretarias judiciais e alteração do Estatuto do Oficial de Justiça;
Acesso ao direito;
Regime de júri;
Perícias médico-legais;
Transgressões (decreto-lei preambular);
Orgânica da Polícia Judiciária;
Custas judiciais.
Nessa carta não era referido qual o prazo previsto para que a Ordem se pronunciasse.
3 - Logo por minha carta de 13 seguinte respondi a V. Exa. acusando a recepção da dita carta e projectos e afirmando: «Tem efectivamente a Ordem dos Advogados o maior interesse em conhecer projectos de diplomas desta natureza com o tempo necessário para se poder pronunciar.»
4 - Na mesma carta teci imediatos comentários pessoais ao diploma do acesso ao direito e manifestei ter conhecimento por informação do Ministério, de não haver qualquer tempo útil para pronúncia sobre o projecto da Lei Orgânica dos Tribunais.
5 - E terminei por dizer: «Quanto aos demais projectos de diplomas» (aí incluído, pois o das custas judiciais), «remeto-os nesta data à Comissão de Legislação da Ordem, presidida pelo Sr. Dr. Rui Machete, solicitando a V. Exa. uma informação, mesmo telefónica, sobre o tempo disponível para uma pronúncia útil».
6 - Do acordo com os meus minuciosos apontamentos, recebi dois dias depois telefonema do Sr. Chefe de Gabinete de V. Exa. informando-me de que o tempo útil para pronúncia sobre os ditos diplomas não podia ser superior a dez dias. Perante esta informação, e dado o enorme conjunto de normas a estudar, logo respondi que era impossível obter parecer naquele prazo, como era evidentíssimo, e disso informei telefonicamente o presidente da nossa comissão de legislação.
7 - Do assim esclarecido, não posso deixar de reputar muito infeliz a informação incompleta por V. Exa. dada na Assembleia da República, surgida como uma crítica injusta, e permito-me reiterar, como tenho feito repetidas vezes, que ouvir a Ordem dos Advogados, em especial com a prolixidade legislativa actual - no cumprimento da obrigação ciara dos órgãos legislativos, face ao artigo 3.°, n.º 1, alínea h), do Estatuto -, em circunstâncias como a presente, não passa de mero formalismo, mascarado de legal, verdadeiramente inconsequente e equivalendo, na prática, a não audição.
8 - Por outro lado, V. Exa. sabe quanto o conselho geral da Ordem, por meu intermédio e pelo de outros seus elementos, não se poupou a esforços não só no sentido de obter do Governo a suspensão do mau diploma que é o citado Decreto-Lei n.° 387-D/87 e, na impossibilidade por V. Exa. declarada de assim proceder, no sentido de o alterar, para lhe minimizar os erros, a ponto de V. Exa. ter convindo em fazer aprovar em Conselho de Ministros um decreto-lei, de que nos mandou cópia, em que se contemplam vinte e duas alterações ao anterior. Isso representou não apenas abertura dialogante de V. Exa., como desejo da Ordem, única entidade que em tal se empenhou, em contribuir para o aperfeiçoamento da legislação em defesa do direito do cidadão ao acesso à justiça e não de quaisquer privilégios seus ou dos advogados. E significou, outrossim, o reconhecimento dos gravosos e numerosos erros do mau diploma, mesmo assim não suficientemente alterado.
9 - Por isso, mais uma vez tenho de reputar de infeliz a segunda observação de V. Exa., pois que não estando, evidentemente, em causa a competência legal do Governo como órgão legislativo, não deverá este desmerecer, através de críticas directas ou indirectas, aqueles que, como a Ordem dos Advogados, se prestaram desinteressada e lealmente a dar o seu concurso para que não baste legislar, mas que seja preciso fazê-lo bem e, designadamente, com respeito por princípios basilares num Estado de direito, como é o do acesso ao direito e aos tribunais. E por isso também contraditório afirmar-se o poder de legislar ao mesmo tempo que se diminui o contributo de quem para tanto os presta. E V. Exa. bem sabe que pode continuar a contar sempre com cenosso constante concurso no aperfeiçoamento do direito.
Graças aos esforços desenvolvidos (com o pleno empenhamento dos deputados do PCP), foi possível lograr que o Decreto-Lei n.° 387-D/87 baixasse à 1.ª Comissão, com vista à ponderação de alterações. Essa hipótese chegou a ser excluída pelo PSD, forçado ulteriormente a alterar tal posição.
Importa, pois, assegurar que o processo de debate não se traduza na assunção discreta da mesma posição negativa ... por outros meios.
O PCP exercerá os seus direitos regimentais no sentido de impedir que tal aconteça, assegurando, pelo contrário, que o aleijado diploma veja corrigido o maior número possível de vícios.
O Deputado do PCP, José Magalhães.
AS REDACTORAS: Ana Maria Marques da Cruz - Cacilda Nordeste.
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