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Quarta-feira, 4 de Maio de 1988 I Série - Número 83

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 3 DE MAIO DE 1988

Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo

Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Caio Roque
Cláudio José dos Santos Percheiro
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Deu-se conta dos diplomas entrados na Mesa.
A Assembleia deu assentimento à viagem de carácter oficial do Sr. Presidente da República ao Grão-Ducado do Luxemburgo e à Suíça.
Foi aprovado um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos autorizando um Sr. Deputado a depor como testemunha.
O Sr. Deputado Ferraz de Abreu (PS) agradeceu ao Sr. Presidente e à Câmara os votos de rápido restabelecimento.
Procedeu-se à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 2247 V (PS) - Requisição civil em situação de greve, que baixou à 3.ª Comissão para ser submetido a discussão pública. Intervieram no debate, a diverso título, os Srs. Deputados Vera Jardim (PS), Vieira Mesquita (PSD) e Jerónimo de Sousa (PCP).
Foi igualmente apreciado o projecto de lei n.º 228/V (PS) - Publicação e difusão de sondagens e inquéritos de opinião, que foi aprovado, na generalidade, e baixou à 1.º Comissão, tendo intervindo no debate, a diverso título, os Srs. Deputados José Sócrates (PS), Carlos Coelho (PSD), Narana Coissoró (CDS), Isabel Espada (PRD) e João Amaral (PCP).
Entretanto, fora aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de deputados do PSD, do PS e do PCP.
Finalmente, foi aprovada, na generalidade, tendo baixado à 5.ª Comissão, a proposta de lei n.º 3/V - Aprova o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e legislação complementar (Lei de Bases da Reforma Fiscal).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
Américo de Sequeira.
António Abílio Costa.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Pereira.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Manuel Pedroso Militão.
Américo dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carla Maria Tato Diogo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimiro Gomes Pereira.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando José Alves de Figueiredo.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Gilberto Parca Madaíl.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Manuel Ascensão Belém.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José António Coito Pita.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
Leonardo Ribeiro de Almeida.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Assunção Andrade Esteves.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Natalina Pessoa Milhano Pintão.
Mary Patrícia Pinheiro Correia e Lança.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Paulo Manuel Pacheco Silveira.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rosa Maria Ferreira Tomé e Costa.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Gomes da Silva.
Rui Manuel P. Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.

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António Carlos Ribeiro Campos.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Manuel Oliveira Guterres.
António Miguel Morais Barreto.
António Poppe Lopes Cardoso.
Luís Covas.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Ribeiro Moniz.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Orlando Moreira C. Cruz.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Florêncio B. Castel Branco.
José Manuel Leio Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
José Vera Jardim.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Manuel Bordalo Junqueiro.
Ricardo Manuel Rodrigues Barros.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.
Vítor Manuel Ribeiro Constando.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
Álvaro Manuel Salseiro Amaro.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo Brito.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Fernando Manuel Conceição Gomes.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria lida Costa Figueiredo.
Maria de Lurdes Dias Hespanhol.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Rogério Paulo S. de Sousa Moreira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Isabel Maria Costa Ferreira Espada.
José da Silva Lopes.
Rui José dos Santos Silva.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Maria Amélia do Carmo Mota Santos.

Agrupamento Intervenção Democrática (ID):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Deram entrada na Mesa e foram admitidos os projectos de lei n.ºs 235/V - Reelevação da povoação de São Martinho do Porto à categoria de vila, apresentado pelo Sr. Deputado Licínio Moreira e outros, do PSD, do CDS, do PS, do PCP e do PRD, e 236/V - Alterações ao Estatuto da RTP, apresentado pelo Sr. Deputado Arons de Carvalho e outro, do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os Diários, n.ºs 70 e 71, respeitantes às reuniões plenárias de, respectivamente, 7 e 9 de Abril de 1988.

Pausa.

Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Vai ser lido um parecer e proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação.
Foi lido. É o seguinte:

Parecer e proposta de resolução da Comissão
de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação

A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação da Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República em que solicita o assentimento para se deslocar, em viagem de carácter oficial, ao Grão-Ducado do Luxemburgo e à Suíça, entre os dias 15 e 22 do próximo mês de Maio, apresenta ao plenário a seguinte proposta de resolução:
Nos termos do n.º 1 do artigo 132.º da Constituição, a Assembleia da República dá o assentimento à viagem de carácter oficial de S. Ex.ª o Presidente da República ao Grão-Ducado do Luxemburgo e à Suíça entre os dias 15 e 22 do próximo mês de Maio.

Palácio de São Bento, 29 de Abril de 1988. - Pelo Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, António Mota.
Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências do CDS, de Os Verdes e da ID.

Srs. Deputados, vai agora ser lido um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

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Foi lido. É o seguinte:
Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:

De acordo com o solicitado no ofício n.º 15 773- processos n.ºs 107 417, 107 425 e 107 433/88 - 4.ª Secção da Directoria da Polícia Judiciária de Lisboa, de 21 de Abril de 1988, enviado ao Sr. Presidente da Assembleia da República, acerca do Sr. Deputado Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho, tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª que esta Comissão Parlamentar decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o referido Sr. Deputado a depor como testemunha nos processos em referência.

Com os melhores cumprimentos.

Palácio de São Bento. - 29 de Abril de 1988. - O Presidente da Comissão de Regimento e Mandatos. Mário Júlio Montalvão Machado.

Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências do CDS, de Os Verdes e da ID.
Srs. Deputados, queria manifestar o grande prazer que toda a Câmara tem por ver hoje connosco, já recuperado, o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu. Desejamos-lhe a continuação de boas melhoras.

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, dá-me licença que use da palavra?

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero agradecer as palavras que o Sr. Presidente acabou de proferir em relação ao meu regresso e os votos que formulou pelas minhas melhoras.
Aproveito para agradecer a todos os colegas, deputados de todas as bancadas, que durante a minha doença se interessaram e também formularam votos pelas minhas melhoras.
Já agora que o Sr. Presidente me cedeu a palavra, gostaria de, daqui, deixar uma palavra de elogio à equipa médica que me tratou, quer na UTIC quer no serviço de cirurgia cardiovascular, pela sua alta competência, dedicação e carinho. Tive ocasião de verificar os cuidados especiais que dedicaram não só a mim, por ser médico, mas a todos os doentes.
É bom que o País saiba que temos hoje uma medicina de ponta tão actualizada, tão evoluída, tão sofisticada como as melhores que há lá fora. Sou um testemunho disso, sou uma prova disso!
Muito obrigado, Sr. Presidente.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar na discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 224/V - Requisição civil em situação de greve, apresentado pelo PS.
Para a intervenção de apresentação, tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta minha intervenção, feita nos termos regimentais, de apresentação do projecto de lei n.º 224/V, desde logo faço uma referência ao consenso encontrado por todas as bancadas para que esta apresentação pudesse ser feita nos precisos termos em que o vai ser.
A minha intervenção vai, sobretudo, procurar posicionar o problema e explicar a opção, por determinadas coordenadas, que o Partido Socialista fez ao apresentar o projecto de lei n.º 224/V, tão-somente limitado à requisição civil em situação de greve.
A Lei da Greve prevê no seu artigo 8.º a necessidade de, durante o período de greve, ser assegurada a prestação dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação de necessidades sociais impreteríveis. Fornece, em seguida, uma enumeração exemplificativa de empresas e sectores que se destinam à satisfação dessas mesmas necessidades.
Acrescenta ainda que «as associações sindicais e os trabalhadores ficam obrigados a prestar durante a greve os serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações».
Finalmente, prevê-se na lei que, em caso de incumprimento das obrigações enunciadas nas outras disposições, o Governo poderá determinar a requisição ou mobilização nos termos da lei aplicável.
Por outro lado, a lei que prevê a requisição e mobilização é manifestamente um lei «datada» do último trimestre de 1974 - o Decreto-Lei n.º 637/74.
Na verdade, este normativo da requisição foi elaborado sob a pressão de um amplo movimento de greves e reivindicações de toda a ordem que abalaram a estrutura produtiva do País.
Usando as figuras da requisição e da mobilização militar, pretendeu-se, nessa altura, dotar o Governo de um instrumento de actuação para fazer face a situações excepcionalmente graves.
Devemos lembrar que, na altura da sua publicação, não existia um texto constitucional, mas apenas o Programa do Movimento das Forças Armadas; não existiam senão governos provisórios; não estava eleita uma Assembleia representativa, em suma, vivia-se ainda um período de pré-democracia.
Face à situação de hoje, é pelo menos muito duvidosa, nalguns dos seus dispositivos, a constitucionalidade da legislação da requisição civil, tendo, como temos hoje, uma regulamentação das situações constitucionais de excepção (estado de sítio e estado de emergência), com a definição específica do seu âmbito e consequências jurídicas, ao nível da suspensão do exercício de direitos (artigo 19.º da Constituição).
Sucessivos governos, confrontados com greves, afectando empresas de serviços públicos, têm procurado fazer face às dificuldades criadas por tais greves, sobretudo nos grandes centros populacionais, aplicando o instrumento da requisição como factor de dissuasão e, em última análise, de resolução do conflito. E, repito, muitos e sucessivos governos, e não apenas o actual governo.
A maior parte das vezes, a ameaça da requisição ou até o começo da sua execução não tem contribuído para uma solução dos conflitos laborais; antes pelo

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contrário, tende a agravá-los. Temos para nós que tal inoperância se fundamenta precisamente na relativa «banalização» de um instrumento jurídico destinado a ser utilizado como «última ratio» e na consciência que têm os trabalhadores e organizações sindicais da ilegitimidade de um tal abuso, por parte dos governos.
As definições legais, por um lado, e, por outro, a afirmação do direito à greve, nos termos em que o faz a nossa Constituição, têm conduzido a uma prática nem sempre clara, raras vezes devidamente fundamentada e em certos casos manifestamente inconstitucional.
Cumpre assim, a nosso ver, lançar alguma transparência nesta matéria ao nível dos textos legais que possibilite estabelecer regras claras para todas as partes envolvidas.
Nota-se que as indiferenças, abusos e incoerências do nosso sistema jurídico-laboral, neste particular, não são «qualidade» que possamos apresentar como particularmente nossa, uma vez que um pouco por toda a Europa a doutrina e os tribunais têm vindo a procurar clarificar o regime jurídico da greve nos serviços e empresas considerados essenciais à comunidade, vida, por exemplo -já ao nível até da consagração constitucional de tal situação-, a Constituição Espanhola, que no seu artigo 28.º, ao afirmar o direito à greve, vem precisamente, desde logo, apontar algumas limitações nesta linha dos serviços essenciais à comunidade.
Perante esta situação, pensa o Partido Socialista que é chegado o momento de procurar melhorar substancialmente o regime jurídico da requisição civil no que respeita à greve, regime esse que poderá, como já deixei explicado, afectar, por vezes, as necessidades sociais básicas e impreteríveis das populações.
Pensamos que os princípios básicos da nossa e nova legislação deverão ser os seguintes.
Em, primeiro lugar, qualificação, tão precisa quanto possível, das situações que podem justificar a limitação do exercício do direito à greve. Pensamos que a formulação legal deve ter em vista a salvaguarda dos valores fundamentais da comunidade, designadamente a vida, a saúde e a segurança das pessoas.
Não chegará, pois, a simples inconveniência, a incomodidade ou mesmo a impossibilidade de satisfação de algumas necessidades do quotidiano; é necessário que se trate de limitações graves que possam afectar a vida, a saúde e a segurança das populações. Como se diz num documento elaborado pela Organização Internacional do Trabalho, «manter os serviços essenciais nas circunstâncias da mais alta gravidade [...] quando, num sector importante da economia, uma paragem total e prolongada possa provocar uma situação tal que a vida, a segurança ou a saúde da população possam estar em perigo».
Em segundo lugar, os trabalhadores e as suas organizações sindicais, ao abrigo do princípio da auto-organização e auto-regulamentação, devem definir o âmbito, os termos e os procedimentos a adoptar para salvaguarda do interesse público com a prestação dos serviços mínimos. Só no caso de incumprimento por parte dos trabalhadores dessas obrigações, no estrito limite do necessário à salvaguarda dos interesses colectivos no quadro já referido, será possível ao Governo decretar medidas substitutivas.
Em terceiro lugar, a requisição civil deve ser clara quanto ao objecto, âmbito e duração da requisição e definir a entidade responsável pela execução da requisição e o regime de prestação de trabalho dos requisitados.
Em quarto lugar, a requisição deve ser adequada aos interesses que se tem em vista defender, devendo ser estritamente limitada às medidas indispensáveis para cumprimento de condições mínimas dos serviços essenciais à comunidade.
Em quinto lugar e finalmente, entendemos que a requisição deve ser declarada por forma solene que garanta deliberação do Conselho de Ministros e não por uma simples medida a tomar por qualquer responsável político sectorial.

Aplausos do PS, da ID e do deputado do PCP Jerónimo de Sousa.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira Mesquita.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Sr. Deputado Vera Jardim, o regime da requisição civil que está previsto no Decreto-Lei n.º 637/74, embora seja fruto de um governo provisório, parece-me uma lei completa, bem estruturada, clara e sem ambiguidades.
O projecto de lei do PS sugere-me algumas dúvidas. Contrariamente ao que está previsto no preâmbulo do projecto de lei e que declara que a anterior legislação é insuficiente, quer nos fundamentos, quer nos termos, quer na forma, o artigo 2.º, alínea cr), diz:
Para ocorrer a satisfação de necessidades sociais impreteríveis para garantia da vida, da saúde ou da segurança das populações.
V. Ex.ª já disse que o recurso à requisição civil é para casos graves nos domínios em que se mostre necessário assegurar os serviços mínimos; é para situações de greve em que, porventura, durante a paralisação, os grevistas não assumam a obrigação de assegurar os serviços mínimos, obrigação essa que é constitucional, como sabe.
Considerando estes conceitos, isto é, vida, saúde e segurança, pergunto se eles não representam uma insegurança, uma falta de certeza para quem, amanhã, tiver de apreciar este tipo de situações. Não seria preferível elencar serviços e empresas sujeitas à requisição civil, como, aliás, está previsto no domínio da actual legislação?
Deixo esta pergunta porque, com franqueza, este projecto de lei deixa-me muitas dúvidas, aliás penso que ele está dirigido a uma recente situação da paralisação em que se verificaram duas requisições civis, quando, como V. Ex.ª sabe, em anteriores governos, o recurso à requisição civil foi usado -e não digo «abusado»- com alguma frequência, até com mais frequência do que no actual governo.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Deputado Vieira Mesquita, começando pela parte final do seu pedido de esclarecimento, suponho que eu disse claramente que havia uma tendência nos governos para o abuso da requisição civil em situação de greve e suponho que até disse que esse abuso não sucede apenas em Portugal.

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Se lermos a doutrina acerca desta matéria em Espanha, na Itália, em França, verificamos que todos os autores são unânimes em considerar que há uma tendência dos governos para sobrelevarem ao direito à greve dos trabalhadores os tais interesses imediatos, mas essenciais, das populações, para ultrapassar aquilo sobre o que, em boa hermenêutica -e isso consta mesmo de várias decisões dos tribunais (basta ver, aqui ao lado, a vizinha Espanha)-, o Tribunal Constitucional já várias vezes teve de se pronunciar, ou seja, sobre esta medida da requisição. Não me referi ao actual governo, em especial, mas disse que, ao longo da nossa história constitucional recente, verificámos uma série de usos desta figura da requisição civil que, por vezes, são manifestamente não adequados à situação em causa. Sobretudo são não adequados, desde logo, quando os governos começam por ameaçar com a requisição civil, em vez de esperarem pela posição tomada pelos trabalhadores e pelas associações sindicais quanto aos serviços mínimos. Este é, desde logo, um primeiro erro a apontar.
Por outro lado, diz o Sr. Deputado que a lei que temos é clara. Bem, V. Ex.ª terá a sua opinião e eu tenho outra. O que me cumpre, neste momento, carrear são elementos a meu favor. V. Ex.ª disse que a lei é clara, mas não mostrou elementos a seu favor; eu trago estes: já, pelo menos três vezes, a Procuradoria-Geral da República teve de pronunciar-se sobre o problema da requisição civil - pareceres que V. Ex.ª certamente conhece ... Os pareceres da Procuradoria-Geral da República andam um pouco a «navegar à bolina», andam a ver se encontram uma situação em que possam pegar para transmitirem uma doutrina clara, mas esses pareceres são quase todos unânimes. Sobretudo o parecer que mais largamente se ocupa desta questão, e até faz um estudo de direito comparado, diz que estas questões nem sempre são claras.
Mas a nossa lei é pouco clara e vou explicar por que é que, em minha opinião, ela é pouco clara. Como V. Ex.ª bem sabe, faz parte da doutrina jurídica, em matéria de direitos fundamentais, que um direito fundamental pode sofrer limitações ou restrições nos casos em que haja outros direitos fundamentais que estejam ou possam estar em causa com a violação desse mesmo direito.
Ora bem, temos como assente, naturalmente, que o direito à greve é um direito que está na nossa Constituição, é reconhecido como um direito fundamental dos trabalhadores que -e faço um parêntesis- não foi posto em causa por nenhum dos projectos de lei de revisão constitucional. Lá continuam exactamente com o mesmo enunciado, salvo no projecto de lei do CDS, em que se vem precisamente chamar a atenção para a salvaguarda das tais necessidades essenciais, um pouco à semelhança do que faz a Constituição Espanhola.
Mas, dizia eu, a nossa lei não é clara porque não nos dá critérios para existir ou não direito à requisição civil. Quais poderão ser esses critérios? Temos duas hipóteses: uma é a de fazer um enunciado taxativo e não é vir dizer quais são as empresas, porque isso está manifestamente ultrapassado pela própria lei da greve, que vem enunciar outras que não correspondem àquelas que vêm na lei da requisição civil, dizendo ainda «nomeadamente», portanto, admite que há outros sectores.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Exacto!

O Orador: - Dirá V. Ex.ª que é difícil e eu também acho, mas não é novo. Sabe que, por exemplo, na Bélgica há um enunciado taxativo, que poderei mostrar-lhe, se tiver curiosidade em conhecê-lo.
Outra maneira de resolver o problema é elencar os valores que, podendo ser afrontados pelo exercício do direito à grave, se sobrepõe a este. Foi esta a preocupação dos autores do projecto de lei, seguindo, aliás, doutrina, jurisprudência, decisões da Organização Internacional do Trabalho. Os três valores que elencámos -a vida, a segurança, a saúde- são unanimemente aceites como valores fundamentais, como direitos fundamentais que podem justificar restrições ou limitações ao direito à greve.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa não dispõe de inscrições.

Pausa.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, peço desculpa por este pequeno intervalo, que decorreu do facto de estarmos a considerar a nossa intervenção; agora já estamos em condições de intervir. Sr. Presidente, Srs. Deputados: A apresentação desta iniciativa legislativa permite, sem prejuízo de consulta pública às organizações dos trabalhadores de um debate mais aprofundado em termos de generalidade e especialidade, recolocar na ordem do dia a questão do exercício do direito à greve tal como está inscrito na Constituição e na lei.
Na ordem do dia ainda porque na recente intervenção do Governo nalguns conflitos laborais a nível de empresa, sector e particularmente na greve geral de 28 de Março, este demonstrou falta de imparcialidade e de objectividade e, pior que isso, praticou actos violadores desse direito fundamental, tanto na requisição civil como na definição dos serviços mínimos a prestar durante a greve.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Todos!

O Orador: - Na ordem do dia ainda porque na origem de todo este processo esteve o pacote laborai que, depois da aprovação da autorização legislativa no passado dia 14 de Abril e que se encontra ainda em apreciação na Presidência da República, conhece uma nova fase rocambolesca, com o Governo a publicar em separata para discussão pública o projecto que constituía o anexo dessa mesma autorização legislativa.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Notável!

O Orador: - Bem se pode dizer que é pior a emenda que o soneto.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Bem lembrado!

O Orador: - Primeiro, reconhece assim o Governo que a proposta de autorização legislativa é formalmente inconstitucional porque não teve a prévia discussão pública no seio das organizações de trabalhadores.

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Segundo, comete uma nova ilegalidade, já que não dispõe da autorização legislativa, a qual se encontra ainda em apreciação na Presidência da República.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É incrível!

O Orador: - Terceiro, visa exercer uma inadmissível pressão junto do Presidente da República, visando afinal transformar em letra morta essa mesma autorização legislativa.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não percebo!

O Orador: - Mas voltemos à questão da pertinência da matéria em apreço!
Numa breve retrospectiva, recorde-se que o primeiro sinal preocupante vindo do Governo foi a requisição civil dos trabalhadores da CARRIS por um prazo de 30 dias, quando estava em curso uma greve que visava desbloquear o processo negociai do AE. O fundamento da requisição dos trabalhadores participantes nas paralisações laborais seria, segundo o Governo, «para acautelar a segurança e manutenção do equipamento e instalações e para prestar os serviços mínimos indispensáveis à satisfação das necessidades sociais impreteríveis que a empresa visa prosseguir».
Posteriormente na acção de luta de 17 de Março decidida pela CGTP - Intersindical Nacional, os conselhos de gerência da TRANSTEJO e Metro definiram, por ordens de serviço onde constava a expressão «conforme as orientações emanadas do Governo», aquilo que seriam os serviços mínimos: barcos a navegar, composições a circular quase com normalidade. Exemplo concreto da má fé governamental e das administrações foi o comportamento diferenciado que se verificou nas duas empresas. Enquanto na TRANSTEJO se forçou, pressionou e ameaçou trabalhadores, se usou a polícia marítima, a PSP e, imagine-se, até o conselho de gerência abandonou os luxuosos carros da empresa ao seu serviço para fazer travessias, ameaçando e vigiando as tripulações reduzidas, no Metro fez-se a ordem de serviço, afixou-se e aguardou-se.
O resultado é conhecido.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - É uma vergonha!

O Orador: - No dia seguinte considerava o Governo que na TRANSTEJO tinham sido respeitados os serviços mínimos mas que no Metro não! Como tal, requisição civil.
Experiência piloto para a greve geral. Pensamos nós e pensa o Governo. A questão mais grave é que o Governo, motivado e embalado pela arrogância, agiu como um embriagado age perante o vinho.
A exigência de serviços mínimos em todas as empresas do sector público atingiu as raias do surrealismo. Exigência prévia de frotas de autocarros da CARRIS e RN a circular a 40% e nalgumas horas quase com normalidade, barcos de quinze em quinze minutos, treze composições de Metro em movimento, comboios em pleno na hora de ponta (aí já nem sequer os empregados de escritório escapavam à requisição encapotada), aviso aos trabalhadores da RTP, da EDP, da EPAL, dos Cimentos, etc., etc.
Numa resposta magistral e uníssona, os trabalhadores e os piquetes definiram os serviços mínimos, salvaguardando bens e equipamentos, mas no dia 28 de Março, para além de lutarem contra o pacote laborai, defendiam também o direito à greve pela melhor forma que os sabem fazer: exercendo o direito! Só um certo sentido de ajuste de contas pode levar agora o Governo e as administrações a tentarem medidas repressivas como acontece na RTP, EDP e STCP, etc. Este comportamento do Governo, os pressupostos em que se sustenta para usar e abusar da requisição civil e daquilo que considera serviços mínimos, coloca uma questão central: É sabido que o direito à greve é constitucionalmente configurado e tutelado como um direito fundamental. Ele tem um profundo significado e expressão de interesses colectivos, como instrumento do próprio progresso material e social dos trabalhadores, contra o qual não podem invocar difusos interesses gerais, vagos prejuízos ou incómodas perturbações.
Este direito fundamental só pode ser questionado e apenas na medida estritamente necessária quando o seu exercício sacrifique outros direitos de idêntico ou superior valor constitucional, segundo o critério da proporcionalidade. Não pode porém ser sacrificado a pretexto, por exemplo, das incomodidades, das perturbações e óbvios prejuízos que o seu exercício provoca.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Não é este o entendimento do Governo. Mas se o PSD tem plena legitimidade para no processo de revisão constitucional propor a alteração radical do princípio em que compete aos trabalhadores definirem o âmbito dos interesses a defender através da greve, admitindo que é legítimo não gostar da lei que salvaguarda este direito fundamental, um Governo da República, goste ou não goste, tem de a acatar e está proibido de a violar.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Infelizmente é isso que o Governo tem feito.
O recurso à requisição civil é uma intervenção coerciva pública no exercício de um direito fundamental. Como acto grave deve ser rigorosamente avaliado e concretizado nos seus pressupostos materiais e formais. Para haver legitimidade não basta que haja uma situação de greve em empresas ou estabelecimentos destinados à satisfação de necessidades sociais básicas. É necessário também que a prestação de serviços mínimos se mostre indispensável à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, ou seja, que a interrupção total da actividade dos trabalhadores em greve comprometa irremediável ou seriamente certos bens e valores como o da vida, o da segurança e o da saúde.
O caso da CARRIS é exemplar. Não estavam em causa a vida, a integridade física, a segurança ou a saúde das populações. Nenhuma destas necessidades foi invocada, e também não se invocou qualquer risco de ruptura no tecido económico ou social a reclamar um eventual estado de excepção.
O Governo quis apenas ser parte de uma das partes em conflito motivado pela negociação da contratação colectiva, atentando, assim, contra a liberdade sindical. Aliás, é o próprio Governo, através de um porta-

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-voz, que mais tarde assume publicamente o seu acto ilegal quando após o termo da requisição afirmou textualmente: «Agora que já há acordo ou está prestes a chegar-se a acordo, levanta-se a requisição.»
Não disse: agora que as tais necessidades estão satisfeitas a requisição terminou.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei em apreço, ao procurar regulamentar com algum rigor o regime de requisição civil, terá decerto o objectivo de impedir os abusos a que temos ultimamente assistido por parte do Governo. Não será fácil contudo nem porventura é pacífica a tarefa de concretização do sentido exacto a dar às expressões necessidades sociais impreteríveis e serviços mínimos.
Mas nós pensamos que, mais do que uma questão jurídica, esta é uma questão de vontade política, coisa que o Governo não tem.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Tal como fez no pacote laborai, tal como pretende em relação à própria constituição laborai, o Governo tenta subverter estes princípios, dando prevalência aos direitos económicos do patronato em desfavor precisamente desta constituição laborai através da sua matriz constitucionalmente justa. Obviamente, mais do que este projecto de lei, a questão é de vontade política de um governo que a não tem e que tenta subvertê-la.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estaremos disponíveis para o debate na generalidade e na especialidade com ideia de recusar liminarmente qualquer aproveitamento que leve à perversão dos princípios sãos aqui expostos ou que visem espartilhar ou julgar o direito à greve - direito fundamental conquistado pelos trabalhadores portugueses depois do 25 de Abril e depois da aprovação da Constituição da República Portuguesa.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se entre nós, nas galerias, alunos da Escola Secundária do Dr. Serafim Leite, de São João da Madeira, e da Escola Secundária do Lumiar.

Aplausos gerais, de pé.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, queria apenas colocar-lhe uma questão que se relaciona com a parte final da sua intervenção, embora ela também tenha sido aflorada ao longo de toda a intervenção.
V. Ex.ª disse que, em sua opinião, o problema da requisição civil em caso de greve é mais uma questão política. Por outro lado, pareceu-me não ter dado totalmente como sem valor uma nova regulamentação desta matéria.
Penso que esta última questão pode ter ficado um pouco nebulosa e por isso queria perguntar a V. Ex.ª se encontra no nosso projecto de lei alguma novidade no sentido de clarificação da situação do direito à greve, quando contraposto a necessidades vitais das populações, designadamente se aferidas pela possibilidade de estarem em causa o direito à vida, o direito à saúde
e o direito à segurança - que são as três linhas de força com que a generalidade dos autores, das legislações e até dos tribunais se têm preocupado.
Finalmente, não em jeito de pergunta, mas em jeito de comentário àquilo que V. Ex.ª disse, eu queria dizer que este debate, se não serviu para mais, serviu pelo menos para demonstrar que esta problemática é urgente, dado o mau uso que dela vêm fazendo os últimos governos, designadamente este. Trata-se de uma problemática que, naturalmente, tem de ser alargada a um debate entre nós, deputados, mas sobretudo e primacialmente a um debate em que sejam envolvidas, por direito próprio, as organizações representativas dos trabalhadores.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Deputado Vera Jardim, agradeço a sua pergunta e o seu comentário, o que me permite explicitar melhor a parte final da minha intervenção.
E aí afirmei que é opinião da nossa bancada que a iniciativa do Partido Socialista tem um objectivo são, que de certa forma visa dar algum rigor à questão da requisição civil dos serviços mínimos.
Por toda a minha intervenção, como deve ter notado, perpassa alguma preocupação, e, com exemplo disso, recordo-lhe, Sr. Deputado Vera Jardim, aquilo que se passou aqui em relação ao pacote laborai, onde a oposição apresentou cerca de 60 propostas. Independentemente da visão que cada um tem da graduação das suas implicações no plano social, no plano político e no plano constitucional, pensamos que, no mínimo, talvez houvesse uma frase que, por parte da bancada da maioria, merecesse disponibilidade para o diálogo e até servisse para corrigir situações eventualmente incorrectas. Com certeza o Sr. Deputado verificou que isso não aconteceu.
A nossa preocupação em relação ao projecto de lei do PS, que é uma iniciativa com espírito são e construtivo e que visa delimitar com rigor esta questão de fundo, tem a ver com um direito fundamental que é o direito à greve. Com esta maioria e com a disposição que este governo tem, é justo, Sr. Deputado, nós termos estas preocupações e por isso demos conta delas.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira Mesquita.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje temos em discussão um projecto de lei, apresentado pelo Partido Socialista, relativo à requisição civil.
Após a intervenção do Partido Comunista ficou clara a sua posição, declarando que se tratava de «falta de vontade política» por parte do Governo aquilo que cognominou como o abuso por parte deste governo relativamente ao instrumento jurídico da requisição civil.
Pedi para intervir neste debate exactamente para refutar, não o projecto de lei do Partido Socialista, mas a intervenção do Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

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O projecto de lei do PS, sobre requisição civil em situação de greve, está perfeitamente enquadrado em valores que também nós podemos acolher. Mas há interesses superiores que ao Estado incumbe defender: há interesses das populações que têm de ser defendidos e há serviços mínimos que não podem ser negados às populações. Por isso mesmo, nós entendemos que a requisição civil, quer no regime vigente quer nos tempos que vêm propostos por parte do Partido Socialista, é um projecto que deverá merecer de todos nós um estudo atento, uma análise atenta, para que o próprio Estado seja dotado de um instrumento jurídico que em situações excepcionais possa e deva ser usado para salvaguarda desses interesses superiores das populações.
Por isso - e agora dirijo-me concretamente à bancada do Partido Comunista - o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa aproveita o facto de nós termos em discussão um projecto do Partido Socialista para brindar aqui, mais uma vez, com figuras de retórica política, acusações ao Governo que não lhe são devidas porque são infundamentadas.
V. Ex.ª sabe que o actual governo apenas fez duas requisições e fê-las num sector vital como são os transportes públicos de Lisboa. Fê-lo numa greve que já durava há vários dias e em que se avolumavam nas bichas muitos trabalhadores que se pretendiam fazer transportar para os seus empregos.
Por isso mesmo não me parece correcto que V. Ex.ª, a propósito de um projecto que seriamente nos é apresentado pelo Partido Socialista, venha aproveitar-se dele para fazer um ataque político descabelado ao Governo, uma vez que não são fundadas as razões que V. Ex.ª alegou para o fazer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado não nos convenceu e pensamos que não é por esse caminho que poderemos prestigiar esta Câmara. Não é desvirtuando as iniciativas legislativas que aqui são trazidas para efeitos de discussão serena, correcta e séria que o conseguimos. Isso foi uma coisa que o Partido Comunista não soube fazer.
Penso que, relativamente ao projecto do Partido Socialista, como já tive ocasião de perguntar ao Sr. Deputado Vera Jardim, teremos com certeza de explicitá-lo melhor, dado os riscos que se correm e as dificuldades que amanhã se poderão enfrentar quer na Procuradoria-Geral da República, em termos de emissão de parecer, quer nos tribunais e, portanto, virmos a adquirir uma jurisprudência nesta matéria.
Acho que ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis para a garantia da vida, da saúde e da segurança das populações são conceitos que terão de ser preenchidos na prática, pois, na verdade, podem deixar uma grande margem de dúvida a quem tem de aplicar a lei quando vier a ser necessário. Por isso, á semelhança do que referiu no caso da Bélgica, entendo que deveria ser-se mais preciso no elencar das situações que venham a constituir o fundamento para a emissão de uma requisição civil.
Por outro lado, Sr. Deputado Vera Jardim, estou de acordo com o previsto no artigo 5.º do vosso projecto de lei quanto aos casos de incumprimento da requisição civil. Esta é uma obrigação que os próprios trabalhadores, em situação de greve, têm de garantir por si próprios, daí já a razão de ser excepcionalidade da requisição civil, que ocorre para definir, em concreto, as responsabilidades de quem não soube acatar a própria lei. Como muito bem disse, o direito à greve é um direito fundamental, respeitável, dos trabalhadores, uma arma que eles têm para defesa dos seus legítimos interesses. Mas têm também de ponderar devidamente e reconhecer, de per si, que, nos casos de impreteríveis necessidades públicas devem satisfazer essas necessidades mínimas por forca da própria lei da greve e saber acatadas. Daí já a excepcionalidade da requisição civil, que concretiza o incumprimento de uma obrigação também essencial, que, digamos, é outro reverso ao conteúdo do próprio direito à greve. Quando esse conteúdo não é acatado, excepcionalmente, faz-se despoletar o instrumento da requisição civil para concretizar essa responsabilidade.
V. Ex.ª diz que, em caso de incumprimento, os infractores ficam sujeitos às penas previstas no Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local. Penso que é o actual regime. Acrescenta, porém: «[...] sendo-lhes em tudo o mais aplicável o regime jurídico decorrente da lei geral do trabalho e dos instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho.»
Isto pode vir a suscitar algumas dúvidas.
Penso que toda esta matéria deverá ser devidamente abordada em sede de especialidade, a fim de se poder dotar o País de um instrumento de requisição civil que sirva, indiscutivelmente, não só os interesses dos trabalhadores, mas também os interesses das populações. Não podemos deixar de ter presente que, numa sociedade moderna, numa sociedade como a portuguesa, que está integrada na Comunidade Económica Europeia, num país europeu, deve ter-se sempre em conta o próprio bem-estar das populações. Esse valor não pode ser descurado.
Por essa razão, penso, este é um instrumento a ser devidamente sopesado por todas as bancadas que tomam assento nesta Assembleia da República e não só, porque também os cidadãos, designadamente os trabalhadores, deverão ser ouvidos sobre um instrumento desta natureza.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o PS recebeu, por transferência de tempos, nove minutos, quatro que lhe foram cedidos pela ID e cinco pelo PRD. Ao PSD sobejam cinco minutos.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Sr. Deputado Vieira Mesquita, V. Ex.ª começou por dizer que não refuta o projecto do PS, uma vez que ele enquadra valores que o PSD acolhe.
Contudo, face a toda a sua intervenção, fiquei sem saber quais são os valores que o PSD acolhe deste projecto do PS, tanto mais que, minutos mais tarde, referiu que os tribunais vão ter sérias dificuldades em admitir jurisprudência sobre esta matéria, e concluiu dizendo que os tribunais terão dificuldade em aplicar esta lei.
Uma vez que, tanto quanto me apercebi, terminou a sua intervenção salientando também que se impõe uma lei mais clarificadora sobre a requisição civil,

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eu gostaria, Sr. Deputado, que, se quiser, se tiver tempo, me expressasse quais as dificuldades que os tribunais terão em admitir a tal jurisprudência sobre esta matéria.
Quando o Sr. Deputado referiu a requisição civil, falou, muito por alto, em «carácter excepcional». A verdade é que esta lei, tal qual hoje existe, diz que «a requisição civil compreende um conjunto de medidas determinadas pelo Governo necessárias para, em circunstâncias particularmente graves [...]». Mais abaixo, noutro artigo, diz que «a requisição civil tem um carácter excepcional».
Todos nós verificámos como o Governo -nomeadamente este governo- abusou claramente desta matéria.
Abusou porque, ao decretar as requisições civis sem que tivesse sido definido o seu objecto, o seu âmbito, a sua duração, a entidade civil responsável pela execução da requisição ou o regime de prestação dos trabalhos requisitados, tal como o projecto do PS prevê, o Governo estava a transformar o País, praticamente todos os trabalhadores, todas as pessoas, em requisitados civilmente.
Quando diz que há interesses superiores do Estado que ao Estado incumbe defender -é evidente que é assim, Sr. Deputado -, pergunto-lhe se uma requisição civil tem de ser feita a 100%, como aconteceu em sectores tão importantes como a RTP ou a CP e se não houve um certo abuso nessas requisições.
O Sr. Deputado deve saber que, nomeadamente na RTP, correm processos, ao que parece, visando o despedimento de trabalhadores que aderiram à greve de 28 de Março. O Sr. Deputado acha que temos que aceitar como boa, como óptima, a solução de requisição civil em órgãos de comunicação social, como foi o caso da RTP, ou uma requisição civil a 100% no sector dos transportes?
Sr. Deputado, tal como o Governo sempre se tem comportado em relação às greves e à requisição civil, ele está ou não, em última análise, a violar claramente a Lei da Greve com as requisições abusivas que tem adoptado?
Pergunto-lhe finalmente, Sr. Deputado, face à necessidade que manifestou da existência de uma lei mais clarificadora e à disposição que disse ter o PSD para estudar uma solução nesse sentido, o que é que pensa sobre o artigo 4.º do projecto de lei do PS. V. Ex.ª referiu um determinado articulado do projecto do PS, mas não referiu o artigo 4.º Entende ou não que o Governo só deve fazer qualquer tipo de requisição civil desde que, em Conselho de Ministros, seja determinado o objecto, o âmbito e duração, a entidade civil responsável pela execução da requisição e o regime de prestação de trabalhos requisitados?
Na verdade, o Governo nunca justificou coisa nenhuma, pura e simplesmente decretou: «- Agora é requisição civil para toda a gente e acabou, não há mais conversa!»
Estas as questões, Sr. Deputado Vieira Mesquita, que a sua intervenção -que eu ouvi atentamente- me suscitaram. Se quiser prestar-me alguns esclarecimentos, agradeço-lhe.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca utilizou quatro minutos.
Peço ao Sr. Vice-Presidente Marques Júnior para me substituir por uns momentos.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - O Sr. Deputado Vieira Mesquita fez algumas considerações em relação a um possível conteúdo de figuras retóricas da minha intervenção. Facto curioso é que não tenha rebatido nenhum dos dados objectivos concretos que mencionei e eu falei-lhe da Transtejo, falei-lhe do Metro. Estava no direito de fazê-lo, pois talvez fosse conhecedor - embora pense que não- das situações e dos factos que ocorreram na altura.
Foi curioso que, na sua intervenção, falasse nas duas requisições civis e tivesse omitido uma questão de fundo como é a definição dos serviços mínimos por parte do Governo.
Gostava de perguntar-lhe, em primeiro lugar, se está de acordo ou se aceita ou não que compete aos trabalhadores definir o âmbito dos interesses a defender através da greve.
Em segundo lugar, gostaria de saber qual é a sua concepção do direito à greve. Acha que deve existir uma entidade que diga que os trabalhadores podem fazer greve desde que «ponham os comboios a circular», que podem fazer greve desde que «ponham os barcos a circular», que podem fazer greve desde que «existam autocarros para toda a gente» em nome dos interesses -como dizia o Sr. Deputado- das populações?
Afinal o Sr. Deputado acabou por dizer uma coisa muito importante: que viva o direito à greve, desde que ela não prejudique ninguém!...
Historicamente sabe -no mínimo reconheço-lhe esse conhecimento- que uma greve prejudica sempre alguma coisa. Causa incómodos, causa preocupações...

O Sr. Deputado está a rir-se porquê? O Sr. Deputado, com certeza, nunca fez uma greve.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - O que é que tem a ver com isso?

O Orador: - Vem para aqui com teorias abstractas e eu faço-lhe uma pergunta concreta: então, serviços mínimos é requisitar os trabalhadores dos escritórios da CP, por exemplo, como este governo fez? É aplicar medidas repressivas sobre os trabalhadores da RTP? É que V. Ex.ª, que é um homem da comunicação social, silenciou este facto!
Os serviços da RTP são tão importantes para os interesses superiores das populações que levem a que aos trabalhadores que aderiram à greve geral se apliquem processos disciplinares, assim como na EDP e em outras empresas? É porque isso está a acontecer!
Responda a isto! Não se ponha com «conversa mole», Sr. Deputado, porque o direito à greve é um princípio previsto na Constituição, com o qual os senhores não estão de acordo, é certo - aliás, só o percebo por isso mesmo, porque os senhores querem revogar o princípio constitucional que diz competir aos trabalhadores a definição do âmbito dos interesses a defender através da greve. Isso está-vos «atravessado», e quer o PSD queira quer não, quer o Sr. Deputado Vieira Mesquita queira quer não o princípio existe. Não é um princípio do PSD, não é um princípio do governo do PSD, é um princípio da Constituição da República Portuguesa.

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Por isso mesmo este governo, os senhores, tem de respeitá-lo e não vir para aqui com frases vazias, com princípios de direito abstracto, com vontade de dizer «viva a greve, desde que ela não se faça».

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Viva a não greve, viva o Vieira Mesquita!

Risos do PCP.

Entretanto assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Marques Júnior.

O Sr. Presidente: - Para responder às questões colocadas, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira Mesquita.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Eu nem sei se deva responder às questões colocadas, como V. Ex.ª disse...

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Não sabe fazer greve nem sabe responder!

O Orador: - Eu só respondo se quiser, e se o Sr. Deputado enveredar pela malcriadez, eu nem respondo!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Não seja parvo, que eu não fui malcriado!

O Orador: - Não me incomoda nada aquilo que o Sr. Deputado diz. Só lhe respondo se quiser. Estou no meu direito.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Juro que não o quero violar!

O Orador: - Quando intervim não me dirigi ao Sr. Deputado da maneira como V. Ex.ª se dirigiu à minha bancada e àquilo que eu disse. Penso que usei de correcção para com o Sr. Deputado e, portanto, exijo a mesma correcção para comigo. Se a não tiver, ignoro-o!

O Sr. José Magalhães (PCP): - O senhor assusta-nos!

Risos do PCP.

O Orador: - Não assusto nada! O Sr. Deputado José Magalhães já se não deixa assustar!
Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, V. Ex.ª, mais do que perguntas, fez uma intervenção sobre o projecto de lei de requisição civil.
Concordo com o carácter excepcional da requisição civil, só não posso concordar com V. Ex.ª quando diz que o Governo dele abusou. Não posso!
Não posso concordar e isso tem a ver com este instituto, desde que ele nasceu. Este instituto, como sabe, nasceu em 1974, durante um governo presidido por Vasco Gonçalves. Era um instituto que, já na altura, foi reconhecido ser necessário fazer-se para salvaguarda de interesses mínimos da população e para protecção, como aqui se diz, da economia. Chegou até ao ponto de se dizer que a sua elaboração visava «casos de protecção da vida social, económica e política». Veja lá!
Isto veio a propósito de dizer ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca que desde que existe o instituto da requisição civil nós já tivemos, salvo erro, umas onze ou doze requisições, algumas das quais -e a maioria delas- em governos que nada têm a ver com os governos do Prof. Cavaco Silva - o anterior e o actual governos. Por isso não compreendo que se venha dizer, a propósito da discussão deste projecto de lei, que o Governo abusou do instituto da requisição civil.
Cairíamos então na situação de pensar -o que não me atreverei a fazer- que o PS teria apresentado este projecto de lei exactamente por entender que o Governo abusou da requisição civil e não foi isso que o PS declarou. O que o PS pode ter é o entendimento de que variadíssimos governos têm feito, por vezes, mau uso
-eu não falo em abuso- do instituto da requisição civil.
Não se venha aqui pôr no pelourinho o actual governo, que apenas fez duas requisições civis. E fê-las em áreas vitais da economia, não tanto pelas próprias empresas ou pela economia interna dessas empresas, mas por aquilo que tinha a ver, designadamente, com toda a economia englobante e, principalmente, com o transporte dos trabalhadores, muitos dos quais usam quotidianamente, apenas e exclusivamente, esse meio de locomoção.
O Governo recorreu à requisição civil depois de ponderados todos esses interesses e ao fim de variadíssimos dias de greve.
Quanto à RTP, onde, segundo aqui foi declarado, teria havido requisição civil, asseguro-lhe que não houve requisição civil.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Processos disciplinares...

O Orador: - Quanto à problemática dos processos disciplinares, Sr. Deputado, penso que essas empresas, públicas ou privadas, têm gestões, têm uma direcção que é responsável e é titular do chamado poder disciplinar. De acordo com a lei geral do trabalho, são obrigadas, no cumprimento dessa lei, a mover processos disciplinares quando haja indícios ou manifesta infracção nas relações de trabalho por parte de trabalhadores. Por isso não compreendo que V. Ex.ª invective, designadamente, a minha pessoa...

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Não pode lavar as mãos!

O Orador: - ..., como membro de um partido político, embora esse partido político seja apoiante do actual governo, para querer imputar ao Governo essa responsabilidade.
Ela não existe, uma vez que essas empresas têm os seus conselhos de gestão, que actuam e que têm lei para actuar. Por isso mesmo é inadequado, é impreciso, é
-perdoe-me que lhe diga- um uso perfeitamente «arbitrário» vir declarar que o Governo, ou seja, quem for do poder político, tem essa responsabilidade. Isso não é verdade! O Governo não tem nada a ver com isso; quem tem a ver com os processos disciplinares são os conselhos de gestão, que, quando o entendem e em conformidade com a lei, levam a cabo esses procedimentos.

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O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Dá-me licença?

O Orador: - Não dou, não senhor! Agora vou terminar, Sr. Deputado.
Na nossa opinião, o Governo não está a abusar da figura da requisição civil. Sr. Deputado, leia o que no nosso direito foi a tradição do instituto da requisição civil e verificará, com segurança -como, aliás, uma vez já tive ocasião de aqui dizer durante uma interpelação ao Governo sobre matéria de trabalho suscitada pelo PS-, que, efectivamente, essas requisições existiram em governos que me dispenso de referir, mas que se quiser saber quais foram basta-lhe ler o que está declarado no Diário. Verá ai que, efectivamente, não houve abuso por parte deste governo relativamente ao instituto da requisição civil.
Que é de acautelar as situações que, porventura, possam cair em abuso por parte seja de que governo for, nisso estamos de acordo! Pensamos que deve ser feita uma lei que limite, de forma o mais precisa possível, o uso do poder e do instituto da requisição civil.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, devo dizer que fico um pouco perplexo com as intervenções aqui produzidas pela bancada da maioria e pela bancada do Partido Comunista e que li - é muito melhor ler do que ouvir, porque leio com serenidade e não me perturbam os gritos... E fico perplexo pela simples razão de que tudo leva a crer que o projecto de lei do Partido Socialista tem por fundamento e causa próxima uma determinada interpretação que o actual governo faz da lei da greve, principalmente do seu artigo 8.º, e do instituto da requisição civil.
O primeiro problema que se coloca é este: será que é a Assembleia da República o órgão institucionalmente vocacionado para todas as vezes que houver abuso e mau uso da interpretação de uma lei por parte do Governo se vir pressurosamente com uma nova lei para garantir a boa aplicação?
Em segundo lugar, será que compete à Assembleia da República interpretar as leis por ela feitas - ao contrário do que sucedia com a Constituição de 1933, que dizia claramente que cabia à Assembleia Nacional fazer, interpretar e revogar as leis -, depois de a actual Constituição não conter dispositivos semelhantes?
Em terceiro lugar põe-se ainda o problema de saber se compete à Assembleia da República, mesmo não tendo havido mau uso ou abuso do instituto da requisição civil, fazer leis regulamentares das leis feitas pela mesma sem tal obrigação estar nela própria prevista.
Na verdade, no problema que aqui hoje debatemos estão intrincados estes três aspectos fundamentais da política legislativa. Compreendo perfeitamente que se queira defender das más interpretações que o Governo vem fazendo das leis laborais e outras, principalmente um Governo vocacionado para durar uma legislatura, porque a repetição é grave e a sociedade tem de estar institucionalmente armada para se opor a esses actos.
Compreendemos perfeitamente que os erros de interpretação por parte do Governo têm de ser atacados através de reposição ou de reintegração de direito para a defesa da sociedade civil.
Por outro lado, também se põe a questão de saber se uma determinada interpretação feita por este ou qualquer outro governo não valerá como «interpretação autêntica» dessa lei aos olhos da opinião pública, em face dos próprios cidadãos a quem ela se dirige, mesmo quando os direitos fundamentais dos trabalhadores, ou amplia os direitos daqueles que têm de viver os efeitos da greve para fins demagógicos evidentes.
É, pois, sob este ângulo que o projecto de lei do Partido Socialista tem que ser encarado. A minha opinião é a de que, não estando o instituto da requisição civil e das excepções ao direito de greve - que não são excepções propriamente ditas, mas «reduções do âmbito do direito de greve», como os juristas franceses costumam designar a espécie de disposições como o artigo 8.º - suficientemente explícito na nossa lei, bem como se compreenderia então a própria revisão da lei da greve.
Aliás, no nosso projecto de revisão constitucional temos um preceito que, se vier a ser consagrado, facilitará a modificação da lei da greve, em que poderão ser tomadas em conta não apenas este mas também outros aspectos.
Por isso mesmo entendemos que, não obstante os efeitos perversos da má interpretação que o Governo faz de muitas leis relativamente aos trabalhadores e às associações sindicais, não se justifica que a Assembleia da República, através das iniciativas da oposição socialista, deva aqui vir constantemente dizer que a interpretação do Governo está mal, que vamos fazer por isso uma nova lei para impedir tal interpretação ou para evitar tal abuso.
Não nos parece ser este o bom caminho, não é este o caminho a que naturalmente o CDS poderá dar o seu aval. Entendemos que, se a lei está mal na sua essência, na sua génese, e permite interpretações contrárias ao seu sentido subjectivo e objectivo, deve a própria lei ser mudada e não se devem dar interpretações diferentes através de novas leis, mantendo o próprio preceito interpretado inalterado. Entendemos que o próprio artigo 8.º da lei da greve deve ser revisto, assim como também devem ser revistos vários outros dispositivos.
Dir-se-á que isto é ir longe de mais, tendo em conta que a própria lei da greve também se encontra entre aquelas a que o Partido Comunista chama de conquistas irreversíveis de 11 de Março. Não há nenhuma conquista irreversível das leis ordinárias. As leis ordinárias são feitas para se adaptarem ao transcurso da sociedade e entendemos que há várias leis que têm de ser modificadas e a revisão constitucional permitirá, naturalmente, a revisão de muitos institutos dessas leis.
O problema que hoje aqui se nos coloca é o de sabermos se é bom mudar a actual Lei da Greve para não permitir aos governos as interpretações nocivas, ou se, pelo contrário, o melhor é irmos remendando as leis de forma a oporem-se a essas interpretações, isto é, passar a Assembleia da República a fazer normas interpretativas e impeditivas da interpretação do Governo.
Não será melhor sermos nós a divulgar, a denunciar e combater as más interpretações como cidadãos e como deputados uma vez que os tribunais aí estão para saber qual é a verdadeira interpretação da lei? A Assembleia da República não se deve substituir aos tri-

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bunais na tarefa da interpretação dos dispositivos que ofendem - e o Partido Socialista aqui tem razão - comandos claros da lei da requisição civil e do próprio artigo 8.º da Lei da Greve.
É assim a nossa posição e por isso mesmo entendemos que não é com a «recauchutagem» de uma lei que está ultrapassada que nos devemos aproximar dos problemas importantes que a requisição civil e o artigo 8.º da Lei da Greve levantam.
É por esse motivo que nos batemos pela revisão da própria Lei da Greve, assim como nos batemos para que os principais institutos de várias leis laborais sejam revistos e modificados depois da revisão constitucional. De resto aguardamos a revisão constitucional para a nova legislação ordinária que dela afluirá em consequência das transformações a que, naturalmente, a Assembleia da República assistirá.
É esta a nossa posição: não estamos contra o desejo do Partido Socialista de ver esclarecido um abuso de interpretação, mas também não podemos concordar que o abuso de interpretação seja remediado pelo abuso da actividade legislativa da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Sr. Deputado Narana Coissoró, de há uns tempos a esta parte sigo, cada vez com mais atenção, todas as intervenções do CDS aqui produzidas e o Sr. Deputado e o seu grupo parlamentar têm demonstrado uma completa coerência com os vossos princípios; sabem dizer o que querem como querem e sem utilizarem os métodos a que, infelizmente, o partido da maioria nos tem habituado, numa posição muito mais gravosa do que aquela que o CDS tem assumido.
Apesar de ter ouvido atentamente qual é a posição do Sr. Deputado Narana Coissoró, subsistem ainda no meu espírito uma ou outra dúvidas.
O Sr. Deputado disse que temos que alterar o artigo 8.º da Lei da Greve, que, ao fim e ao cabo, apenas declara obrigações durante a greve, visto que é esse artigo que define quais são os principais sectores que devem ser garantidos «[...] nos serviços mínimos -com certeza!- [...] correios e telecomunicações, os serviços médicos, hospitalares e medicamentosos, funerários, energia e minas, águas, bombeiros, transportes, cargas e descargas de animais e géneros alimentares deterioráveis».
Sr. Deputado, gostaria de saber o porquê de alterar este artigo 8.º e bem sei que V. Ex.ª declarou entender que esta proposta do Partido Socialista é o «recauchutar» - e foi assim que o disse - de uma lei que está ultrapassada.
Mas o Sr. Deputado refere a seguir que, depois da revisão constitucional -disse-o concretamente e respeito-o bastante por isso mesmo, porque é coerente e di-lo sem receio e sem fosquinhas, diz claramente aquilo que pensa-, o artigo 8.º e outros artigos da Lei da Greve precisam de ser revistos. Já agora, Sr. Deputado, para ficarmos mais esclarecidos -e bem sei que V. Ex.ª me pode encaminhar já para a revisão constitucional-, gostaria de saber quais são os outros artigos da Lei da Greve que o CDS pretende alterar.
Sr. Deputado, é que ouvimos o PSD insurgir-se um pouco contra este projecto do Partido Socialista e não responder às questões graves que eles apontaram, nomeadamente a de que os tribunais vão ter sérias dificuldades em admitir jurisprudência, e quando pedi ao Sr. Deputado Vieira Mesquita para o interromper e ele não autorizou era exactamente para saber se entendem que se vão levantar graves questões nos tribunais com a aplicação desta lei.
Por outro lado, se V. Ex.ª entende que a lei existente já está ultrapassada, não entende também que, apesar de tudo, este projecto de lei do Partido Socialista poderá vir a concorrer para a clarificação bastante daquilo que existe actualmente?
Era esta a questão que gostava de colocar-lhe, e já agora, se não se importa e se estiver disposto a isso, também gostava que me dissesse quais sãos os outros artigos da Lei da Greve que querem alterar, pois penso que, com certeza, não pretendem acabar com o princípio da greve ...! Creio que isso não está no vosso pensamento, mas para ficarmos mais esclarecidos e sossegados, agradecia-lhe que nos desse essa resposta.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró, que, para o efeito, dispõe de dois minutos.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca fez o favor de dizer que o CDS não quer acabar com o direito de greve. Agradeço-lhe muito que o tenha feito, porque seria realmente uma gracinha de muito mau gosto insinuar o contrário e que me levaria a não responder ao resto das suas perguntas. Há realmente aqueles apartes que não se justificam hoje nesta Assembleia da República, por muito que se queira mostrar esquerdista ou progressista e que se queira colocar o CDS numa posição de dizer que, pelo facto de querer rever a Lei da Greve, não quer acabar com a lei da greve. Não, não lhe admito isso, nem sequer por brincadeira, que seria de extremo mau gosto!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Interpretou mal, Sr. Deputado! Não foi isso que eu disse! Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Não interrompe, porque foi uma brincadeira de extremo mau gosto - e fico-me apenas pela palavra «brincadeira»!...
Quanto às outras perguntas, devo dizer-lhe que estamos hoje a discutir o artigo 8.º e a requisição civil e não estamos a discutir a Lei da Greve, que, a seu tempo, depois da revisão constitucional, virá a esta Assembleia da República, e V. Ex.ª terá, então, muito gosto e muito tempo para rebater tudo aquilo que o CDS tem a dizer, porque lhe dou o mesmíssimo direito de ter ideias diferentes das do CDS e porque sei que V. Ex.ª também não quer acabar com o direito de greve, como sucede nos países que lhe são afectuosamente muito próximos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - A nossa posição é simplesmente a seguinte: a Assembleia da República não pode correr atrás das más interpretações que o Governo do dia faça de qualquer disposição legal e fazer novas leis para impedir essas interpretações.
Ou a lei está mal em si própria e temos de modificá-la, ou então estão aí os tribunais para ver se realmente essa interpretação está ou não bem feita. A Assembleia da República não pode usar de poderes que a Constituição não lhe dá para interpretar as leis através de novas leis.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca pede a palavra para que efeito?

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Sr. Presidente, é para uma muito rápida intervenção.

O Sr. Presidente: - Mas, Sr. Deputado, não tem tempo, portanto não pode usar da palavra.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Sr. Presidente, peço então a palavra para um interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Sr. Presidente, calculo que não tenho tempo porque anteriormente já o tinha cedido ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista, cedência essa que mantenho. A minha interpelação é para através da Mesa dizer que não quis ofender o Grupo Parlamentar do CDS. Ó Sr. Deputado Narana Coissoró entendeu mal as minhas palavras, por isso peço ao Sr. Deputado que leia, por favor, o Diário desta sessão.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que a minha bancada pode, à vontade, congratular-se com o facto de ter trazido a esta Assembleia o presente projecto de lei sobre requisição civil em caso de greve. Isto porque, por um lado, o debate teve, a nosso ver, a elevação correspondente à exigência da matéria e, por outro lado, porque representámos, afinal, o consenso de todas as bancadas quanto à necessidade de, por uma via ou outra, endireitarmos caminho nesta matéria. Nesta perspectiva, creio, a nossa bancada poderá congratular-se!
Entendemos que não se trata simplesmente de um conjunto de normas interpretativas aquilo que aqui trouxemos. Deixámos bem claro que dificuldades de interpretação e de aplicação desta matéria existem na generalidade dos países europeus, não sendo, portanto, próprias e específicas de Portugal. Mas também deixámos bem claro que beneficiações estruturais a fazer na lei nesta matéria, tornando mais claro o seu dispositivo, poderiam evitar cair-se novamente em erros do tipo daqueles em que sucessivos governos têm caído.
O que me parece faltar na nossa lei são critérios de valoração em vista dos quais se possa proceder ou não à requisição. Pensamos ter deixado claramente indicados esses critérios com a enunciação do direito à vida, à saúde e à segurança. Penso que também aqui poderemos encontrar algum consenso na generalidade da doutrina e até da jurisprudência em muitos dos países europeus e também naquilo que é pugnado nesta matéria pela Organização Internacional do Trabalho.
São estes três valores que devem ser salvaguardados face àquele outro que é, naturalmente, o inalienável direito à greve dos trabalhadores.
É pena não estar aqui presente o Sr. Deputado Vieira Mesquita, porque tinha duas observações a fazer-lhe e que dizem directamente respeito às suas intervenções. Ã primeira delas é a de que, afinal -e também me congratulo com isso-, o Sr. Deputado Vieira Mesquita, que tinha dito que a lei era clara e que nada era preciso fazer para ela se tornar mais clara, acabou por concordar que a lei sofria de muito pouca clareza, o que, aliás, é provado pelos vários pareceres da Procuradoria-Geral da República que se ocuparam desta matéria.
Na realidade, o Sr. Deputado Vieira Mesquita acabou por dizer claramente que tinha até medo que a nossa jurisprudência não fosse suficientemente clara e, por isso, em princípio, apoiava uma proposta de alteração da lei.
Já agora gostaria também de fazer uma observação lateral ao Sr. Deputado Narana Coissoró: os países são o que são e os tribunais de cada país são o que são, não podemos alterá-los. A verdade é que enquanto há países que se dão muito bem com cláusulas gerais, nós não nos damos. O Sr. Deputado Narana Coissoró sabe muito bem que, por exemplo, a Alemanha tem elaborada, com base num artigo que diz que as partes devem actuar de boa fé nos contratos, uma extensíssima e profunda jurisprudência, enquanto entre nós, com uma disposição idêntica no Código Civil, contam-se pelos dedos das duas mãos as decisões jurisprudências que já se ocuparam dessa matéria.
Há países e países, há tribunais e tribunais, há hábitos e hábitos. Por isso mesmo é que pensamos que, neste tipo de cláusulas gerais, as nossas leis têm de ter critérios mais concretizadores. Não se trata de uma interpretação, mas, sim, de concretizar a lei mais do que ela já está. Não se trata, portanto, de uma mera «recauchutagem», mas, sim, de uma revisão da lei.
Por outro lado, o Sr. Deputado Vieira Mesquita - bem como o Sr. Deputado Narana Coissoró, embora a título diverso- citou alguns casos de requisição que têm incidido principalmente sobre o sector dos transportes. Embora não seja o único, o sector dos transportes colectivos tem sido, efectivamente, aquele que mais tinta tem feito correr e mais conflito tem criado à volta das interpretações governamentais.
Sem me querer adiantar ao debate que iremos travar em sede de comissão e que, a avaliar pela amostra, irá ser muito rico e para o qual esperamos contribuições de todas as organizações de trabalhadores, gostaria apenas de acrescentar dois aspectos muito simples. A Espanha e a Bélgica - para dar só dois exemplos - já se defrontaram com este problema, a Espanha a nível de decisões do Tribunal Constitucional e a Bélgica a nível da própria legislação.
Vejamos a que conclusões é que chegaram: em Espanha, o Tribunal Constitucional chegou à conclusão de que, em matéria de transportes, não se podem ter como serviços mínimos, por exemplo, todos os trans-

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portes ferroviários, mas apenas aqueles que tenham a ver, nomeadamente, com o transporte de bens essenciais, tais como alimentos, fontes energéticas, etc.
Por seu turno, a legislação belga diz o seguinte: «Transportes terrestres - o transporte de matérias-primas necessárias a assegurar outras necessidades vitais do país (matérias alimentares, combustíveis e carburantes) e o transporte da mão-de-obra necessária às empresas que devem assegurar outros interesses vitais do país.»
A pergunta que gostaria de fazer e que repetirei à saciedade na Comissão é esta: será que os Belgas e os Espanhóis não têm o mesmo problema que nós temos quando as populações se vêem privadas de transportes? Então e foram para soluções tão distintas? Não têm todos os transportes como serviços mínimos, têm apenas alguns transportes, e por razões muito especiais.
Mas isto era apenas uma tentativa de resposta directa ao Sr. Deputado Vieira Mesquita, que, infelizmente, não está presente. De qualquer forma, teremos ocasiões de abordar esta questão no seio da Comissão e depois outra vez em plenário.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Gostaria de terminar como comecei: dizendo que nos congratulamos com o nível elevado que, apesar de tudo, foi possível introduzir neste debate e com as posições que os diversos partidos aqui deixaram expressas. Auguramos para esta nossa iniciativa um futuro algo prometedor, na medida em que todas as bancadas, de uma maneira ou de outra, acabaram por confessar e admitir que o que temos não serve. Aqui fica o nosso contributo para se melhorar substancialmente o que temos nesta matéria.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dado que não há mais inscrições, dou por encerrado este debate.
Encontra-se na Mesa um requerimento de baixa deste projecto de lei à Comissão, requerimento apresentado pelo PS, que vamos votar de imediato.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

É o seguinte:

Requerimento

Considerando que o projecto de lei n.º 224/V, sobre o regime da requisição civil em período de greve, tem por objecto matéria que recai no âmbito da legislação laboral;

Considerando ser direito fundamental dos trabalhadores, máximo das comissões de trabalhadores e das associações sindicais, participar na elaboração da legislação do trabalho;
Considerando que, nos termos dos artigos 140.º e 141.º do Regimento da Assembleia da República, a esta compete promover, através da comissão competente, a apreciação pública de projecto ou proposta de lei sobre matéria laboral;
Considerando ainda que o resultado das consultas entretanto promovidas deve ser instruído através do parecer elaborado pela Comissão e constituir elementos de ponderação, tanto na fase de apreciação na generalidade como na especialidade:
Os deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, requerem que, na sequência da apresentação em plenário do projecto
de lei n.º 224/V, ocorrido ao abrigo do artigo 135.º do Regimento da Assembleia da República, e na sequência do direito de agenciamento conferido aos grupos parlamentares, o referido projecto baixe, sem votação, à Comissão de Trabalho, para efectivação da consulta pública, nos termos e condições estabelecidos nos artigos 140.º e 141.º do Regimento da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

Foi lido. É o seguinte:

Comissão de Regimento e Mandatos Relatório e parecer

Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos realizada no dia 3 de Maio de 1988, pelas 16 horas e 30 minutos, foram observadas as seguintes substituições de deputados:

Solicitada pelo Partido Social-Democrata:

Álvaro José Rodrigues de Carvalho (círculo eleitoral da Guarda) por Alexandre Azevedo Monteiro. Esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), para os dias 1 a 31 de Maio corrente, inclusive.

Solicitadas pelo Partido Socialista:

Hélder Oliveira dos Santos Filipe (círculo eleitoral de Aveiro) por Orlando Moreira de Campos Cruz. Esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), para os dias l a 31 de Maio corrente, inclusive.
Edmundo Pedro (círculo eleitoral de Lisboa) por Luís Geordano dos Santos Covas. Esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), para os dias 1 de Maio corrente a 31 de Julho próximo, inclusive.

Solicitada pelo Partido Comunista Português:

José Eduardo Linhares de Castro (círculo eleitoral de Coimbra) por Fernando Manuel da Conceição Gomes. Esta substituição é pedida nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85 (Estatuto dos Deputados), por um período de cinco meses, a partir do dia 1 de Maio corrente, inclusive.

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.

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Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

Pela Comissão: Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, José Manuel de Melo A. Mendes (PCP) - Secretário, João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD) - António Roleira Marinho (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Domingos da Silva e Sousa (PSD) - Alberto Monteiro Araújo (PSD) - Manuel Albino Casimiro de Almeida (PSD) - João Maria Ferreira Teixeira (PSD) - Fernando Barata Rocha (PSD) - José Luís Bonifácio Ramos (PSD) - Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD) - Reinaldo Alberto Ramos Gomes (PSD) - Belarmino Henriques Correia (PSD) - Vasco Francisco Aguiar Miguel (PSD) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP).

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

Uma vez que não há inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

Srs. Deputados, passamos agora à apreciação, na generalidade, do projecto de lei n.º 228/V (PS) - Publicação e difusão de sondagens e inquéritos de opinião. Para a intervenção, de apresentação, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O presente projecto de lei, que hoje submetemos à vossa consideração, é o resultado do aprofundamento das reflexões que de há muito fazemos sobre a situação das sondagens em Portugal e que foi sendo desenvolvido nos últimos meses num quadro de contactos e audições que mantivemos com diversas personalidades ligadas e interessadas nesta matéria, como sejam responsáveis de organismos que realizam sondagens, directores de órgãos de comunicação social que as publicam, especialistas de sociologia política, responsáveis políticos, etc.
Não restam hoje dúvidas de que, apesar da variedade de opiniões sobre o valor das sondagens na vida política, as sondagens de opinião foram progressivamente ganhando o seu espaço no universo político português. Hoje ninguém parece dispensá-las. Não as dispensam os responsáveis políticos que há muito se renderam ao seu interesse incontestável. Não as dispensam os cidadãos que dispõem assim de mais uma informação para instruir o seu próprio julgamento.
As sondagens tornaram-se, assim, verdadeiras instituições da vida política, constituindo em si mesmas acontecimentos políticos capazes de influenciar a opinião pública e também a opção de voto dos cidadãos.
No entanto, e apesar da sua importância, a experiência passada -infelizmente confirmada pela evolução da prática recente- lançou sobre as sondagens um anátema de descrédito e desconfiança. O debate político, principalmente em momentos eleitorais, levantou dúvidas e suspeitas muito legítimas sobre as condições de realização de sondagens de opinião. Muita gente criticou e denunciou deficiências técnicas ou mesmo eventuais manipulações na realização de sondagens, ao mesmo tempo que eram visíveis na comunicação social abusos e manipulações na interpretação e apresentação dos resultados que foram feitas de modo parcial, abusivo e partidário.
Este aspecto da situação que hoje se vive em Portugal em matéria de sondagens de opinião conduz-nos a uma questão que é, em última análise, uma questão essencial do exercício da democracia, que poderemos assim equacionar: será legítimo que o sufrágio universal e, por sua via, a constituição dos órgãos do Estado sofram a influência de sondagens sobre as quais há tantas dúvidas, são levantadas tantas suspeitas e nenhuma garantia é dada quanto ao rigor científico que presidiu à sua realização? Ou, dito de outro modo, é, ou não, contrário à democracia que a serenidade do julgamento popular possa depender de influências de sondagens sobre as quais não há garantias de que observaram escrupulosamente as regras científicas da disciplina?
Por outro lado, as sucessivas campanhas que se realizaram nos últimos anos -e todos nós temos experiência disso- vieram demonstrar a total inutilidade da proibição da publicação dos resultados de sondagens durante um período tão longo como é o definido no actual quadro legal. A tendência universalizante da informação e da comunicação esbate e reduz a nada as fronteiras nacionais.
Todos os cidadãos lêem nos jornais e vêem na televisão espanhola as informações que a comunicação social portuguesa está impedida de prestar. Resultado: substituímos aquilo que pode ser uma informação cientificamente apoiada pelo boato, pelo rumor, pelo «diz-se, diz-se» da sondagem espanhola, enfim, aquilo a que as campanhas eleitorais nos foram habituando ao longo da jovem democracia portuguesa.
Mas a proibição, além de inútil, tem também outros aspectos cujas consequências, em nossa opinião, devemos questionar.
Em primeiro lugar: será desejável impedir ao cidadão o acesso a um elemento útil de informação objectiva e científica sobre o estado da opinião pública, exactamente no momento que este está submergido por declarações políticas, por cartazes, por comícios, por debates e por todas as manifestações de propaganda eleitoral? Isto é: será conveniente retirar ao cidadão uma informação objectiva, justamente na altura em que mais precisa dela?
Em segundo lugar: porquê privar os eleitores de informações sobre o resultado das sondagens, quando se sabe que estas se continuam a realizar por conta e por encomenda dos responsáveis políticos? Será legítimo que só a classe política tenha acesso a elas? Não poderá isto chocar o sentido da liberdade de informação?
Em terceiro lugar: será benéfico substituir o que pode ser uma informação com rigor pelos comentários ou afirmações especulativas sobre a opinião dos Portugueses, tal como aconteceu na última campanha eleitoral, sem que corram o risco de desmentido?

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: As reflexões e considerações que expus sobre a actual situação no País no que respeita à realização e publicação de sondagens de opinião levaram-nos a considerar importante e urgente a necessidade de legislar nesta matéria de modo a dar resposta às duas questões chave que sintetizam, a nosso ver, o diagnóstico da situação, e que julgamos merecer, a avaliar pelos contactos que fizemos, um notável consenso na sociedade portuguesa: em primeiro lugar, afigura-se-nos totalmente absurdo, ineficaz e nefasto proibir durante todo o período eleitoral a publicação dos resultados das sondagens. Em segundo lugar, é fundamental credibilizar as sondagens, oferecendo garantais aos cidadãos de rigor científico na realização e objectividade na análise dos seus resultados, protegendo-o desta forma de abusos e manipulações que poderão perturbar a sua livre escolha e opção política.
Convencidos da ineficácia e carácter nefasto das medidas brutais de interdição à publicação, pelas razões que já apontei, torna-se, então, ainda mais premente encontrar meios de proteger o cidadão contra a «deformação» das sondagens.
Estamos certos de que a sociedade reclama a abertura. Mas ela terá, forçosamente, que ser acompanhada por uma vigilância mais apertada em relação á realização das sondagens que se destinam a ser publicadas, garantindo que são irrepreensíveis e que estão acima de qualquer suspeita.
Com estes objectivos vos propomos as soluções legislativas que constam do projecto de lei: a possibilidade da publicação do resultado das sondagens durante o período eleitoral, com excepção dos últimos sete dias, e a constituição de uma autoridade fiscalizadora que verificará o rigor e a objectividade da realização e publicação das sondagens de opinião.
Os últimos sete dias pareceu-nos o período ideal e sensato para a proibição das sondagens. Trata-se de não permitir que os cidadãos sejam encharcados de informações sobre o estado da opinião pública e de garantir que a autoridade fiscalizadora terá tempo de intervir nos casos que isso se justifique.
Quanto à autoridade fiscalizadora, entre a hipótese de criar um novo órgão -com o aspecto antipático e complicado que poderia trazer- e a entrega destas competências a um órgão já existente, optámos pela segunda hipótese. Escolheu-se o Conselho de Imprensa, pelas características de independência, de pluralidade e de prestígio que este órgão tem, características indispensáveis à execução das tarefas fiscalizadoras que neste diploma se propõem. Esta pareceu-nos ser a melhor solução, depois de outras que ponderámos, o que não impede que consideremos outras hipóteses que entretanto surjam e que se nos afigurem melhores e mais eficazes.
O desenvolvimento das reflexões que fomos fazendo das soluções legislativas contidas no projecto conduz-nos no entanto a reconhecer a necessidade de debater em sede de especialidade questões que têm a ver, por exemplo, com as eleições parciais e com as operações que é costume fazer depois do fecho das umas, com o objectivo de dar um conhecimento imediato dos resultados eleitorais. Isto implica, naturalmente, dizer que estamos abertos a receber todas as contribuições positivas e disponíveis para debater as soluções que vos apresentamos no sentido de obter o máximo consenso que matéria de tal importância justifica.
Resta dizer, finalmente, que o espaço de abertura que agora se propõe deve também contar com um acréscimo de responsabilidade por pane dos organismos que realizam as sondagens, assegurando que elas obedecem escrupulosamente às normas técnicas e científicas da disciplina e de que a imprensa escrita e os órgãos de comunicação social devem fazer um esforço muito particular para que a apresentação e a interpretação dos resultados seja feita de modo isento, rigoroso, objectivo.
Desta forma, poderemos credibilizar as sondagens de opinião, dando-lhes o lugar respeitável que podem ter numa sociedade democrática, ao mesmo tempo que defendemos o cidadão, garantindo-lhe um meio útil de informação que pode servir, sem manipulação de consciências, para aclarar o seu próprio julgamento, concorrendo assim para o exercício da democracia pluralista.

Aplausos do PS, do PRD e de alguns deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Deputado José Sócrates, quanto à generalidade da sua intervenção, devo dizer que me reservo para a que vou fazer a seguir.
Em relação a uma questão que deixou para o fim e que merece particular atenção, a de saber qual é a autoridade fiscalizadora prevista no projecto de lei do PS, devo dizer que ouvimos atentamente as explicações que o Sr. Deputado deu sobre as características que rodeiam o Conselho de Imprensa e, portanto, a opção final que o PS acabou por fazer no seu projecto de lei.
Pergunto-lhe, muito concretamente, se o PS, no momento de elaboração do seu projecto de lei, admitiu outras instituições. Será que pode dizer à Câmara quais foram as outras opções que previram, estudaram e analisaram e por que é que não as contemplaram em relação a esta?
Sem que isto represente da minha parte a denúncia de qualquer intenção, gostaria de perguntar, em concreto, se pensaram também na Comissão Nacional de Eleições e, se o fizeram, por que é que preferiram o Conselho de Imprensa. Caso contrário, qual é a posição do PS quanto à possibilidade de identificarem a autoridade fiscalizadora com a Comissão Nacional de Eleições, que tem a ver mais directamente com o fenómeno eleitoral e com a fiscalização dos preceitos legais para que as eleições se processem em condições de liberdade e de garantia dos princípios constitucionais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado José Sócrates, o problema que o projecto de lei do PS coloca quanto às sondagens é algo complicado sob vários aspectos e vamos, naturalmente, abordá-los na nossa intervenção.

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Sabido, como é, que as sondagens são muito caras, em termos de dinheiro, quer para a opinião pública quer para os jornais que as publicam, simultaneamente, é natural que quem paga uma sondagem quer ter para si o exclusivo da confidencialidade até à sua revelação. Isto é, se sou de um jornal e vou pagar entre 1000 a 2000 contos, que é o que hoje custa uma sondagem, a partir do momento em que a submeto a um órgão onde estão sentados representantes de outros jornais, de outros órgãos, outras pessoas, ninguém saberá, das quinze ou vinte pessoas que dele fazem parte, quem é que divulgou os resultados.
Basta saber isso, basta saber o que se passa, por exemplo, numa conferência de líderes que acabe às 16 horas, em que todos tomam o compromisso de não divulgar o que lá se passa, pois é confidencial, e já os jornais, pelas 17 horas, dizem o que lá se passou.
Pergunto se, depois de um jornal ter gasto tanto dinheiro com a iniciativa de encomendar uma sondagem, não tem o privilégio de publicá-la como um grande acontecimento político, tal como se diz no próprio relatório do vosso projecto de lei. Como é que ficará garantido que esse investimento não é aproveitado pela concorrência?
A segunda pergunta tem a ver com o próprio órgão do Conselho de Imprensa. Penso que, de entre os órgãos existentes, o Conselho de Imprensa é o «mal menor», apesar do grande respeito que me merece.
Pergunto: pela composição e pelas qualificações que são exigidas aos vogais do Conselho de Imprensa, estará este vocacionado para fazer uma análise científica, e não uma análise política, sociológica, convencional, mas uma análise técnico-científica capaz de saber se realmente estes ...
Vejo que o Sr. Deputado José Sócrates está distraído, a conversar com o Sr. Deputado Jorge Lacão, mas sempre lhe digo que V. Ex.ª podia solicitar à Mesa um intervalo entre as perguntas e as respostas...

Risos.

É porque desse modo até interrompe o meu raciocínio. Quando me apercebo de que vários colegas seus lhe estão a dizer as respostas - o que acho bem, a solidariedade da bancada é uma coisa boa... De qualquer modo...

Risos.

Bom, mas estava eu a perguntar se realmente pensa que as pessoas que compõem o Conselho de Imprensa estarão vocacionadas para fazer uma análise técnico-científica da veracidade ou da credibilidade das sondagens.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Começo por responder aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Carlos Coelho e Narana Coissoró simultaneamente, porque eles têm a ver com umas das questões mais sensíveis da solução legislativa do presente projecto de lei, ou seja, a constituição da autoridade fiscalizadora.
Primeira questão: por que é que se escolheu o Conselho de Imprensa? Tal como o Sr. Deputado Narana Coissoró acabou por reconhecer, o Conselho de Imprensa é de todos os órgãos o que melhores condições
oferece para o exercício de uma prática fiscalizadora e dissuasora da averiguação da credibilidade e da razoabilidade científicas, que todas as sondagens de opinião devem ter. Naturalmente, a opção era escolher entre um órgão ao qual pudéssemos atribuir essas competências ou criar um órgão novo.
Como disse na minha intervenção, a segunda opção era mais complicada e poderia trazer alguma carga antipática, como têm todas as constituições de novos órgãos.
No entanto, estamos abertos a considerar - tal como disse também na minha intervenção - outro tipo de soluções que tenham como objectivo resolver o problema dramático que se vive hoje em Portugal e que é o de dar credibilidade às sondagens de opinião e, mais do que isso, defender o cidadão dos usos, abusos e manipulações que se têm feito, principalmente em período eleitoral, em matéria de sondagens eleitorais.
Perguntou-me o Sr. Deputado Carlos Coelho por que é que a opção não era a Comissão Nacional de Eleições. Devo dizer-lhe que pensámos nessa hipótese, na análise que fizemos de todos os órgãos que poderiam exercer com eficácia esta missão fiscalizadora, mas concluímos que a Comissão Nacional de Eleições funciona muito virada para um período específico, que é o período eleitoral. Como também é fácil perceber que a acção da autoridade fiscalizadora deve fazer-se não apenas em períodos eleitorais mas durante todos os períodos em que são publicadas as sondagens.
O rigor a que deve obedecer tanto a publicação como a realização das sondagens não escolhe apenas os momentos eleitorais, embora seja naturalmente nessas alturas que é preciso estarmos mais atentos e que o papel da autoridade fiscalizadora se coloca com maior relevância.
Escolhemos o Conselho de Imprensa porque se trata, como disse, de um órgão independente e plural. Se agora a Assembleia da República lhe atribuir estas funções, deverá também dar-lhe condições para o exercício das mesmas, nomeadamente a possibilidade de se rodear de uma assessoria técnica e científica necessárias ao cumprimento cabal da autoridade fiscalizadora em matéria de sondagens de opinião.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Espada.

A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As sondagens de opinião pública, inicialmente um processo utilizado pelos cientistas sociais em estudos exploratórios, divulgaram-se nas últimas décadas, como um dos maiores auxiliares da análise política, instrumento potente para avaliar as motivações de um eleitorado, que é, como se sabe, a razão de ser de qualquer democracia.
A utilização política das sondagens tem dois objectivos fundamentais: por um lado, dar a conhecer aos responsáveis e à opinião pública a intenção geral do voto e, por outro, a possibilidade de corrigir essa intenção. Assim, as sondagens, sua divulgação e publicação servem os papéis fundamentais da comunicação social, quer sejam os da função de informar quer os de formar a opinião pública.
Há, no entanto, que distinguir muito claramente que sondagens de opinião pública e factos jornalísticos não podem ser perspectivados com o mesmo respeito nem valorados segundo os mesmos critérios.

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Na verdade, quando se entra no campo das amostragens e previsões probabilísticas, há sempre que ter presente a falibilidade do processo, a qual é tanto maior quanto menor for o rigor metodológico. Uma sondagem não analisa todos os indivíduos de uma população, mas tão-somente uma quantidade muito limitada, sendo a sua determinação e selecção condição fundamental da eficácia e fidedignidade do método.
A amostra tem, portanto, sempre uma margem de erro, que será tanto maior quanto a negligência que se colocou na sua recolha.
Por exemplo, num universo de características diversificadas, a amostra seleccionada terá de reflectir na sua composição todos os elementos representativos das diferenças observadas.
Outras distorções graves surgem inevitavelmente quando características dos elementos a seleccionar -como sejam a idade, sexo, rendimentos, zona habitacional, instrução - são omitidas ou não correspondem rigorosamente ao universo representado.
A título de ilustração, lembramos a margem de erro de que enfermam as sondagens feitas com um painel fixo, estabelecidas através de contacto telefónico
-processo de selecção típico dos grandes semanários-, o qual implica a exclusão da representatividade daquele universo de eleitores que não possuem telefone.
Outra causa de distorção e aumento da margem de erro é, sem dúvida, a forma como frequentíssimas vezes os questionários são elaborados. Um inquérito com determinada forma, sequência e linguagem nas perguntas pode perder neutralidade, induzindo ou conduzindo o inquirido a certo tipo de resposta, eliminando desta forma a objectividade, credibilidade e idoneidade da sondagem de opinião. Inúmeros exemplos nos surgem, agora, que permitiriam ilustrar este tipo de distorções.
Ainda, o tratamento dos dados recolhidos através de uma sondagem deve ter em conta vários factores, obedecendo a critérios objectivos e idóneos, dentro dos limites de interpretação que os tais dados possibilitam.
Por tudo isto, os resultados de uma sondagem de opinião pública não podem ser a priori - sem conhecer profundamente os processos que lhe deram origem - divulgados e publicitados pela comunicação social, dentro do mesmo espírito que o são os factos jornalísticos, porque a confiança cega numa sondagem incompleta ou feita com dados e perguntas falseados pode confundir o receptor da informação e induzi-lo em erro.
Gostaríamos de chamar a atenção, e a propósito, para o facto de que os jornalistas, tantas vezes legitimamente orgulhosos dos aturados trabalhos de investigação que levam a cabo para proporcionar ao consumidor da notícia a isenção e objectividade da informação, aceitam e dispõem-se facilmente a utilizar, sem inquirir da sua validade, as conclusões de qualquer sondagem, relatando-as sem qualquer referência às limitações ou distorções que elas, eventualmente, transportam.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Muito bem! É assim mesmo que acontece.

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não obstante o aperfeiçoamento e sofisticação que conheceram nos últimos tempos -até por via da ajuda dada
pelas novas tecnologias-, as sondagens da opinião pública não podem, de modo algum, ser encaradas como técnicas de investigação, social e politicamente neutras.
Face à inexistência de fiscalização e controle por parte de órgãos independentes, as sondagens têm, na verdade, servido aos políticos como instrumento da sua ambição, através das pressões e condicionalismos de opinião, em detrimento do cumprimento da sua função valiosa e insubstituível, ou seja, a de apurar opiniões públicas firmemente construídas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tendo em conta todas as inquietações e preocupações que rodeiam os processos pouco claros usados na realização e divulgação das sondagens de opinião e o perigo que a sua utilização indevida representa em termos sociais, apresentou o Partido Renovador Democrático, na anterior legislatura, um projecto de lei sobre esta matéria, cujo objectivo geral visava a criação de um sistema jurídico que salvaguarde o respeito pelo público e a dignidade da informação.
Um extracto do preâmbulo do referido projecto de lei ilustra claramente esta intenção e vontade:
[...] Impõe-se a criação em Portugal, à imagem do que acontece em muitos países, de um organismo que fiscalize o modo como os estudos de opinião são executados e a forma como são presentes ao público pelos meios de comunicação social.
Só assim se impedirão os abusos e se poderá pôr ordem num sector que ameaça perder a credibilidade.
Urge deste modo criar legislação que compatibilize o direito a uma informação idónea e rigorosa com a liberdade de se conhecer e publicitar o estado da opinião pública acerca de assuntos de qualquer natureza, incluindo intenções de voto ou a popularidade das formações político-partidárias e dos seus dirigentes.
É neste espírito que saudamos a iniciativa do Partido Socialista.
A situação de quase caos que se vive em Portugal nesta área, onde a indisciplina na utilização rigorosa das sondagens é tão grande que para os mesmos universos e datas é frequente assistirmos a resultados totalmente díspares, exige a aprovação de legislação adequada, que ponha termo às dúvidas e suspeitas, repondo a credibilidade do método, que, independentemente dos limites já referidos, é reputado por nós de valor inestimável e, portanto, a preservar.
No entanto, pelo facto de congratularmos o Partido Socialista pelo reconhecimento da urgência de legislar neste sentido não podemos deixar de referir que o projecto agora apresentado diverge, em parte, de soluções que preconizamos mais adequadas.
É com base nesse facto que desde já indicamos a nossa disposição de colmatar essas divergências com propostas de alteração a apresentar em sede de especialidade, nomeadamente no que diz respeito à entidade fiscalizadora.
E neste aspecto gostaria de referir que estou plenamente de acordo com as objecções que há momentos foram colocadas pelo Sr. Deputado Narana Coissoró.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Encontra-se, hoje, esta Câmara perante a possibilidade de aprovar legislação que coloque alguma ordem neste sector. Fazemos

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votos de que o reconhecimento de que é urgente dignificar este processo de análise política utilizado, o qual é objecto de interesse por parte de todas as organizações partidárias, determine o voto favorável de todas as bancadas.

Aplausos do PRD, do PS e da ID.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não, Sr. Presidente. É para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, eu pergunto se não é intenção da Mesa, com a concordância dos deputados presentes, fazer o intervalo regimental de meia hora, de modo a recomeçar os trabalhos às 18 horas, dando depois tempo até às 19 horas e 30 minutos, hora a que procederemos a votações. É porque da maneira como decorre o debate é natural que até essa hora estejam todas as intervenções feitas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, na prática parlamentar que temos seguido, logo que um grupo parlamentar peça o intervalo regimental, ele tem sido concedido.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Sr. Presidente, eu só ia perguntar quantos oradores estão inscritos sobre esta matéria. Se houver poucos, talvez pudéssemos acabar rapidamente.

O Sr. Presidente: - Neste momento - e sublinho - neste momento, temos apenas indicação da inscrição do Sr. Deputado Carlos Coelho.
O Sr. Deputado Narana Coissoró pretende o intervalo já ou depois da intervenção do Sr. Deputado Carlos Coelho?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, como está na hora regimental, faremos o intervalo e reunir-nos-emos às 18 horas.

Está suspensa a sessão.

Eram 17 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 20 minutos.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao discutir o projecto de lei n.º 228/V, apresentado pelo Partido Socialista, sobre publicação e difusão de sondagens e inquéritos de opinião, podemos ser levados a concluir, erradamente, que subjacente à discussão deste diploma está apenas uma questão de algarismos, de estatísticas. Assim não é! Subjacente a esta matéria está uma concepção do homem, um entendimento da democracia e o princípio da liberdade de informação.
Antes de me deter sobre o objecto do projecto de lei gostaria de, celeremente, referir o entendimento do PSD sobre a questão das sondagens, tal como está vertido no diploma do PS.
Em boa verdade, esta é uma das questões que tem a ver com a concepção que hoje os democratas portugueses devem fazer sobre os desafios que a sociedade moderna coloca à democracia e é bom saber exactamente qual é o papel que queremos reservar para o cidadão nesta sociedade e no nosso entendimento da democracia: se entendemos ou não que o homem é o autor da História, se entendemos ou não que o cidadão deve ser protagonista do fenómeno social e não um mero espectador, se entendemos ou não que o cidadão deve ser capaz de compreender a realidade que o cerca e se queremos que o cidadão português seja capaz de assimilar a informação, de a avaliar e de sobre ela formular um juízo e uma opinião.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é nem por demagogia, nem por oportunidade, mas sim por convicção, que entendemos que o cidadão português tem que ser formado e capaz de decidir. É por isso que acreditamos nos Portugueses. É por isso que apostamos nos Portugueses. É também por isso que apostamos na educação, na liberdade da informação, na criatividade, na inovação e na juventude, na medida em que ela é capaz de ser portadora de todos estes valores.
Isto tem a ver com a circunstância de as sondagens e os inquéritos poderem, por um lado, constituir um instrumento útil para o juízo do cidadão sobre o fenómeno que o rodeia ou, por outro lado, poderem funcionar como um mecanismo de perversão. Em boa verdade, é nesta dialéctica entre informar ou manipular que se situa o projecto de lei apresentado pelo PS.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Também concordamos em que há que garantir que as sondagens sejam correctamente elaboradas, que os seus resultados não possam ser manipulados ou deturpados e que a sua publicação não permita a transmissão de inverdades ou resultados desmentidos pela própria sondagem.
Há que ter também a coragem de enfrentar um dos problemas que mais marcaram algumas discussões sobre a revisão da Lei Eleitoral, que é a proibição de se conhecerem as sondagens desde a marcação da data das eleições.
Ao longo dos tempos, o PSD tem vindo a defender que a proibição que existe na lei portuguesa é inútil, injusta e perigosa.
É inútil porque hoje em dia, com a proximidade com que a informação nos chega, sejam os jornais espanhóis, que o Sr. Deputado José Sócrates já teve ocasião de referir desta tribuna, seja a televisão por satélite, seja a informação por todas as formas mais subtis com que ela nos chega na sociedade moderna, na sociedade de informação em que vivemos, não faz sentido proibir a divulgação de sondagens no território nacional quando esses dados nos chegam beneficiando fontes de informação estrangeiras. E injusta porque a proibição existente marca uma clivagem entre os cidadãos. A lei portuguesa não proíbe a realização de sondagens durante o período das eleições, mas apenas a sua publicação, o que significa que há uma classe de cidadãos privilegiados - os «estados-maiores» parti-

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dários, os jornalistas e as direcções de jornais, aqueles que têm poder económico suficiente para encomendar uma sondagem, aqueles que têm capacidade para beneficiar dessa fonte de informação. Mas a grande maioria dos cidadãos, que não está no «estado-maior» partidário, que não é jornalista ou director de um órgão de informação ou que não tem o poder económico para encomendar uma sondagem, não tem igual acesso às sondagens durante o período eleitoral. Daí que o PSD entende que a actual lei portuguesa marca também uma injustiça muito grande entre dois tipos de cidadãos: aqueles que são beneficiados com o privilégio da informação e a grande maioria que dela é alheada por força do dispositivo da lei.
Finalmente, Sr. Presidente, Srs. Deputados, esta proibição é perigosa porque induz um conceito de tutela política sobre a liberdade individual dos cidadãos; é perigosa porque pressupõe uma desresponsabilidade do cidadão português e um voto na sua incapacidade de avaliar a informação e de sobre ela produzir o seu juízo e a sua opinião.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por todas estas razões, o PSD irá votar favoravelmente o projecto de lei apresentado pelo PS, que aplaude, e pelo qual o congratula. Porém, em sede de especialidade, reservamos o direito de analisar com maior detalhe algumas das soluções que o PS prevê no diploma que submete à nossa apreciação.
Em primeiro lugar, quanto à entidade que funciona como autoridade fiscalizadora, para nós não é líquido - como já tivemos ocasião de evidenciar durante a primeira fase do debate - que deva ser o Conselho de Imprensa a assumir estas competências, mas manifestamos disponibilidade para, em sede de especialidade, encontrarmos uma solução que se nos afigure mais correcta ou ainda concordar com esta que o PSD apresenta.
Em segundo lugar, também traduzindo uma das preocupações que aqui foi colocada pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, entendemos que o ónus da apresentação da sondagem não deve ser para a entidade que a realiza mas para a entidade que a quer publicitar e no momento em que o quiser fazer.
Em terceiro lugar, entendemos que deve ser alargado o objecto do diploma ao preciso objecto das sondagens ou dos inquéritos que o PS subentende no seu projecto de lei. A definição de sondagens que tenham directa ou indirectamente a ver com resultados eleitorais parece-nos ser um pouco redutor. Há sondagens com objectos marcadamente políticos que se reflectem sobre a popularidade de personalidades ou sobre o alcance de políticas sectoriais e que podem ser fundamentais para o .processo político mas que directa ou indirectamente não têm nada a ver com processos eleitorais, que se não avizinham. Também em relação a esta matéria pensamos que em sede de especialidade lhe podemos dar uma redacção melhor, que tenha em atenção, em última instância, a intenção manifestada no projecto do Partido Socialista.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entendemos que com a aprovação deste projecto de lei e com as melhorias que colectivamente podemos aprovar na especialidade
- para as quais evidenciamos desde já a nossa disponibilidade - manifestamos um voto de consciência em dois princípios que para nós são fundamentais: o primeiro é que o cidadão português não é um cidadão tutelado, mas sim um cidadão responsável, capaz de avaliar informação e de sobre ela estabelecer o seu juízo; o segundo é a convicção de que, a continuar a moldura legal que existe hoje em Portugal, teríamos que recuar perante os desafios evidentes que a tecnologia e a ciência nos colocam e estaríamos a privilegiar meios de comunicação estrangeiros em detrimento dos nacionais.

Aplausos do PSD, do PS, do PRD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Deputado Carlos Coelho, ouvi com bastante agrado a sua intervenção, fundamentalmente porque resulta da consonância de pontos de vista e de objectivos que se pretendem atingir com esta iniciativa do PS.
Peco-lhe desculpa, mas aproveito o tempo de que disponho para, além de lhe fazer uma pergunta, referir uma questão que foi colocada pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, à qual me esqueci de responder, e que o Sr. Deputado Carlos Coelho acabou também por abordar na sua intervenção. Trata-se da questão da confidencialidade das sondagens e de saber se se deve entregar à autoridade fiscalizadora, talvez ao Conselho de Imprensa, o resultado de uma sondagem, pois isso poderia prejudicar a confidencialidade que deve existir entre o comprador e o vendedor.
Penso que essa questão não se coloca, porque este projecto de lei regulamenta e cria regras apenas para sondagens que se destinem a publicação. Naturalmente que o organismo que entregar o resultado da sondagem ao Conselho de Imprensa, se for essa a solução considerada pela autoridade fiscalizadora, só o entregará no dia em que o órgão de comunicação a publicar. Portanto, não tem razão de ser a questão que o Sr. Deputado coloca ao dizer que isso poderia significar quebra de confidencialidade, quanto ao resultado da sondagem, por parte do seu comprador.
O comprador de uma sondagem que se destina a ser publicada sabe que ela vai ser entregue ao Conselho de Imprensa e, naturalmente, a questão da confidencialidade não se coloca em sondagens que se destinam a ser publicadas.
Sr. Deputado Carlos Coelho, tendo-se referido a sondagens que não têm directamente a ver com actos eleitorais - como é o caso de sondagens sobre quotas de popularidade de políticos ou de movimentos de opinião -, gostaria de lhe perguntar se não entende que isso cabe no conceito (embora reconheça que não é muito específico) de «indirectamente ligados a actos eleitorais».
Como sabe, a opinião dos Portugueses relativamente a questões políticas é um universo vasto e, embora aceite que se possa dar uma redacção melhor em sede de especialidade, penso que, quando elaborámos o projecto de lei, o termo que usámos de relação directa ou indirecta abrangeria, naturalmente, esse tipo de sondagens, ou seja, as que se referem às quotas de popularidade dos políticos e ou às questões sobre a popularidade política nas suas mais diversas matizes.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

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O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Deputado José Sócrates, muito obrigado pelas referências que fez à minha intervenção e particularmente por ter dito que gostou dela, na medida em que podemos partilhar alguns dos princípios que tentei defender durante a intervenção que produzi e não exclusivamente pela satisfação natural que lhe causaria o facto de ter comunicado o sentido de voto do meu partido, que, aliás, já conhecia, pelo que não constituiu novidade.
Em relação às duas questões que directa ou indirectamente me colocou, gostaria de responder primeiro àquela que também tem a ver com a referência do Sr. Deputado Narana Coissoró.
Os mecanismos cautelares que o PS pretende introduzir neste projecto de lei e com os quais concordamos têm a ver com as sondagens que são publicadas e não com aquelas que são encomendadas, mas relativamente às quais não há interesse na sua publicação. Daí que tivesse referido na minha intervenção que parece mais curial que seja a entidade que compra a sondagem ou que eventualmente venha a assumir a responsabilidade da sua publicação a ser forçada a este depósito, porque no momento em que se vende a sondagem a empresa não sabe, ou pode não saber, se a sondagem que é vendida se destina a publicação ou apenas a informar a entidade que a solicitou; ou ainda, por exemplo, posso encomendar uma sondagem a uma empresa, pagá-la e só mais tarde decidir publicá-la, pois no momento em que faço a encomenda não está explicitamente referida a minha intenção de a publicar e a partir do momento que a pague sou livre de fazer o que quiser com ela.
Os preceitos que surgem na lei em relação às condições de verificação da legalidade que é prevista neste normativo só têm a ver com a questão da publicação. É, pois, nesse sentido que julgo que se verifica a confidencialidade e daí a sugestão que fiz na minha intervenção, sem prejuízo de uma análise mais cuidada em sede de especialidade, para a qual também tive ocasião de manifestar a nossa disponibilidade.
Quanto à segunda questão, Sr. Deputado, devo dizer que podemos dar todas as interpretações que quisermos à expressão «directa ou indirectamente ligadas a actos eleitorais». Contudo, a três anos de eleições, é um bocado forçado dizer que uma sondagem para saber se a personalidade A ou a personalidade B tem mais ou menos popularidade está indirectamente ligada a um acto eleitoral, a menos que estejamos na eminência de uma eleição intercalar, que haja uma queda do Governo ou novas eleições legislativas, e isto pensando particularmente em personalidades com alcance nacional.
De facto, há eleições a todo o momento, não há mês em que não haja uma eleição, mas essas são eleições autárquicas, normalmente de freguesia e com uma especificidade que não tem nada a ver com as sondagens de popularidade a dirigentes nacionais de partidos, de instituições ou de organismos sociais. Desta forma, julgo que poderíamos explicitar melhor o objecto previsto neste projecto de lei, na tentativa de dar uma resposta mais cabal, mais concreta e mais precisa ao interesse do Partido Socialista, que é também o nosso, como ficou evidente.

O Sr. Presidente: - para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com grande prazer que saudamos o projecto de lei do Partido Socialista sobre a publicação e difusão de sondagens e inquéritos de opinião.
Aparecer em Portugal, em 1988, uma lei a disciplinar aquilo a que se chama sondagens e inquéritos de opinião pública devia ser, naturalmente, um facto a lamentar, porque depois de tantos anos de democracia já devia haver há muito tempo uma lei dessa natureza. Aliás, a maneira como muita imprensa, mesmo responsável, tem feito uso destas expressões para fins que não têm nada a ver com a formação e informação da opinião pública, mereceria que esta matéria tivesse sido tratada já há muito tempo com o devido apuro.
Simplesmente, não tem sido assim e já vários jornalistas foram parar ao banco dos réus por terem publicado previsões, opiniões próprias, por exemplo, por terem dito que no comício a que assistiram sentiram que determinada percentagem dos presentes iria votar neste ou naquele partido. Lembro até que há dois anos, na véspera das eleições, apareceu uma crónica sobre uma fábrica em que se dizia que tantos operários votavam desta forma, tantos contramestres votavam daquela outra e que tantos quadros votavam de outra maneira. E há ainda as célebres sondagens espanholas, que aparecem sempre nas vésperas das eleições...
Há até quem, no próprio dia das eleições, tenha divulgado resultados de «sondagens» e tenha dito que as eleições já estavam decididas porque «segundo os nossos jornalistas apuraram, podemos dizer que tantos por cento dos que já votaram, votaram PSD, tantos por cento votaram PS, tantos por cento votaram CDS ou PCP». Isto aconteceu nas últimas eleições, divulgado no próprio dia, logo após a abertura das umas, por uma emissora bastante conhecida e que terá naturalmente, os seus favores bem pagos muito em breve.
De qualquer modo, esse tipo de procedimento, a que os nosso jornalistas já se viram forcados a recorrer para saltarem o muro da lei, não podia manter-se.
Simplesmente, por mais leis que façamos, não há dúvida de que o fenómeno há-de sempre viver e crescer à margem da pura legalidade.
Em primeiro lugar, ainda hoje não é possível dizer o que é na verdade uma sondagem, porque qualquer decreto-lei, lei, regulamento ou norma jurídica não pode fazer rigorosamente a definição de «sondagem». Naturalmente que, não havendo definição legal de «sondagem», esta mesma expressão será aplicada ou não, conforme a interpretação de cada um sobre o que é uma sondagem ou um inquérito à opinião pública.
Em segundo lugar, nunca poderá haver uma sanção aos violadores desse decreto-lei, na medida em que a ficha técnica tem os seus conceitos e esses são longamente ultrapassáveis, isto é, não se diz quantas pessoas de determinado sexo, população ou zona serão tomadas em consideração para uma sondagem. Poderá haver sempre, não direi a manipulação, mas, sim, a má aplicação desses dados, de acordo com o ponto de vista de cada comprador ou inventor de uma sondagem.
Em terceiro lugar, o próprio objectivo de uma sondagem será sempre o de satisfazer a clientela a que se pretende agradar com a publicação dessa mesma sondagem.

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Vou dar um exemplo e faço-o com conhecimento de causa: se eu, neste momento, tiver 2000 contos e quiser fazer uma sondagem com a qual possa provar que há 12% de eleitores com intenção de voto no CDS, posso fazê-la com esta ficha técnica e com este decreto-lei. Como é que a poderei fazer? Entregando essa sondagem a uma «empresa» que saiba exactamente as zonas e as populações onde é muitíssimo provável o voto no CDS, isto é, fazendo-se a sondagem em determinadas zonas, com determinados extractos da população, em determinadas profissões, onde de acordo com resultados anteriores obtidos, se sabe de antemão que será muito possível obter uma maior percentagem de votos no CDS relativamente aos outros partidos.
Naturalmente ninguém vai pedir uma sondagem sobre os votos no CDS na Marinha Grande ou Beja. Ninguém vai pedir uma sondagem sobre votos no PSD numa fábrica que no dia anterior foi sujeita a uma requisição civil; ninguém vai fazer os inquéritos «quentes» quando há um determinado acontecimento político que emocionou a população! Portanto, tudo isto é manipulável!
Com isto não quero dizer, de forma alguma, que as sondagens não tenham um valor e importância próprios para a formação e informação da opinião pública.
Entendemos que a opinião pública tem de ser orientada. Entendemos que os responsáveis pela política têm de ter um barómetro próprio para saber o que é que certas decisões, certos comportamentos, certas atitudes, representam perante a opinião pública e face às quais a opinião age e reage.
É também preciso que esta sondagem, estes inquéritos, estes resultados, sirvam para os responsáveis, as vítimas e os heróis dos resultados compreenderem e tomarem as devidas medidas.
De nada nos vale dizer que a Assembleia da República é mal cotada junto da opinião pública se os responsáveis por essa opinião pública relativamente à Assembleia da República, que somos todos nós, nada fizerem para mudar esta opinião. Pelo contrário, fizemos tudo para manter esse tipo de opinião contra à Assembleia da República! De nada nos vale dizê-lo se tudo fizermos para que uma decisão que é directamente atacada pela opinião pública não seja, depois, remediada com medidas que satisfaçam a opinião pública.
Se a sondagem for meramente uma das formas de vender o papel, então as sondagens nada valem. Elas só poderão valer se, em primeiro lugar, forem um elemento construtivo da formação e da informação pública e se, por outro lado, houver a seriedade, por parte de todos nós e principalmente da comunicação social, em tirar o melhor proveito que o instituto representa.
Por tudo isto, votaremos a favor do projecto de lei do Partido Socialista.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Narana Coissoró estão inscritos os Srs. Deputados Carlos Coelho (o PSD dispõe de sete minutos) e Isabel Espada (o PRD dispõe de seis minutos).
Contudo, o CDS não dispõe de tempo e o Sr. Deputado Narana Coissoró não poderá responder.

A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Presidente, o PRD concede três minutos ao CDS para que o Sr. Deputado Narana Coissoró possa responder.

O Sr. Presidente: - Muito bem. Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Deputado Narana Coissoró, penso que focou algumas situações para as quais foi conveniente chamar à atenção. Com efeito, uma sondagem pode ser viciada de tal forma que, independentemente de os dados constantes na sua ficha técnica serem de acordo com os critérios que a lei prevê, a própria amostra que serviu de base à sondagem não seja propositadamente representativa.
Em relação a esta matéria, gostaria de chamar à atenção, em especial o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, para uma questão fundamental que é a de que a avaliação de uma ficha técnica não é suficiente para avaliar da fidedignidade de uma sondagem. Ela precisa de ser avaliada por técnicos que, nesta área, tenham uma preparação a nível científico suficientemente boa para poderem saber com exactidão até que ponto é que determinado tipo de amostra e a forma como os dados foram recolhidos é melhor ou pior que outro e quais as consequências que a utilização desse tipo de amostra tem para o resultado da sondagem. Inclusivamente, esses técnicos devem saber por que é que foi utilizado esse tipo de amostra e não outro qualquer, ou seja, quais as intenções que estavam subjacentes à utilização desse tipo de processo.
Neste sentido, gostaria de saber se o Sr. Deputado Narana Coissoró pensa que este tipo de avaliação da fidedignidade de uma sondagem deve ser publicada, que tipo de comentários devem ser feitos e que tipo de precauções devem ser tomadas face aos seus resultados.
Gostaria ainda de saber, Sr. Deputado Narana Coissoró, se realmente tem alguma ideia relativamente à entidade que deverá proceder à fiscalização, isto é, se o seu grupo parlamentar já formou alguma opinião concernente a esta matéria. Aliás, gostaria não só de saber o nome dessa entidade, mas também qual a sua composição.
O nosso grupo parlamentar tem uma opinião sobre essa questão, temos uma composição a propor, mas, de qualquer das formas, gostaria de saber qual a posição do Grupo Parlamentar do CDS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr.ª Deputada Isabel Espada, em primeiro lugar queria agradecer a V. Ex.ª a aceitação que teve relativamente a algumas duvidas por mim colocadas, nomeadamente no que diz respeito ao facto de, à margem da lei, sempre prevalecer a desvirtuação do conceito de sondagens.
Sr.ª Deputada, relativamente à questão que colocou, gostaríamos que em Portugal existisse uma alta autoridade para a imprensa, que não seria o Conselho da Comunicação Social ou o Conselho de Imprensa.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, prescindido do pedido de esclarecimento.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Apoiado!

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O Orador: - Simplesmente penso que não é ainda tempo de o fazer, já que se trataria de mais um órgão a criar, com tudo o que tal criação representa.
Por outro lado, naturalmente que, nos tempos que correm, tal órgão seria decerto «clientelizado» e partidarizado, constituindo-se como mais uma espécie de bodo para os devotos de um determinado partido, não representando, portanto, uma verdadeira solução.
Contudo, no dia em que tivermos condições para o fazer, isto é, quando tivermos uma televisão pluralista ...

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Muito bem!

O Orador: - ... quando tivermos uma rádio pluralista, uma imprensa pluralista ...
O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Muito bem!

O Orador: - .... no sentido substantivo e não formal da palavra, talvez se justifique a criação de uma alta autoridade para a imprensa, a qual teria, naturalmente, a seu cargo as funções de verificar a credibilidade das sondagens e dos inquéritos de opinião.
Enquanto não se verificar a criação de uma tal entidade, entendemos que, de entre os órgãos existentes, o Conselho de Imprensa se encontra melhor situado do que qualquer outro.
Portanto, foi esta a razão por que entendemos que, supletivamente, ele deve tomar para si essa tarefa que o projecto de lei do PS atribui.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma intervenção.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Será muito breve a intervenção que vou fazer, até para não prolongar desnecessariamente os trabalhos.
A questão que se encontra aqui colocada relativamente ao projecto de lei do PS parece ser suficientemente relevante para ter merecido, da parte de todos os grupos parlamentares, uma consideração que importa, neste momento e desde logo, registar: a de que a matéria carecia, na ordem jurídica portuguesa, de regulamentação urgente, que não existia e de cuja falta resultavam desvios e erros que importava corrigir.
Assim sendo, do ponto de vista do meu grupo parlamentar, entendemos positiva a iniciativa do Grupo Parlamentar do PS quando pretende introduzir uma regulamentação que não existe e, com isso, corrigir erros que hoje se verificam precisamente por carência dessa regulamentação.
Entretanto, e apesar disso, não era mau que nos esclarecêssemos sobre quais os erros que detectámos e que tornam necessária uma regulamentação.
Levado até ao fim o princípio da liberdade que o Sr. Deputado Carlos Coelho há pouco invocou, poder-se-ia concluir que seria desnecessária qualquer regulamentação. Isto porque, dentro desse princípio de liberdade, a sondagem seria, como um elemento moderno de informação, sempre útil e necessária.
No entanto, esta é uma extrapolação errada das palavras do Sr. Deputado Carlos Coelho porque, precisamente quando aceita a necessidade de uma regulamentação, quer evitar aquilo que é um desvio da função da sondagem, ou seja, manipular a opinião pública ao invés de a informar.
Existindo esse tipo de manipulação, então o que se torna necessário nesta regulamentação é a criação das regras materiais e dos mecanismos que, mesmo não pondo de parte - e isso é impossível numa sociedade organizada como a que temos - a eventualidade de aparecer, em certo momento, uma sondagem com esse conteúdo, de qualquer forma reduzam isso à mínima probabilidade.
Por outro lado, tais regras deverão criar mecanismos de sanção que dissuadam aqueles que pretendam utilizar esses métodos.
No entanto, ao fim e ao cabo, tudo isto se prende com uma questão que foi aqui muito pouco discutida e que resumiria em duas perguntas, de resposta difícil: O que é uma sondagem «cientificamente elaborada»? O que é uma sondagem «eticamente fundada»?
Há pouco, em conversa com um dos subscritores do projecto de lei, o Sr. Deputado José Sócrates, recordava-lhe - e queria recordá-lo a todos os Srs. Deputados - o exemplo clássico que, por absurdo, demonstra como, nesta matéria das sondagens, estamos sempre, de algum modo, em perigo.
Trata-se de um exemplo clássico que foi introduzido num dos episódios de uma série inglesa que passou na televisão - o Sim, Sr. Ministro - e que passarei a relatar.
Perguntava-se, nesse episódio, a opinião dos Ingleses acerca do serviço militar obrigatório, tendo-se efectuado duas sondagens separadas no tempo.
A primeira tinha como pergunta inicial, por exemplo - vou colocar a hipótese -, se os Ingleses estariam de acordo em que a vida humana deveria ser respeitada. Naturalmente, os Ingleses responderam que sim.
A segunda pergunta ia no sentido de saber se os Ingleses achavam ou não que era necessário educar a sua juventude no sentido de respeitar a vida humana. Naturalmente que a resposta foi positiva.
A terceira pergunta tinha por objectivo saber se os Ingleses achavam ou não que fazia parte dessa educação a criação de mecanismos de repulsa em relação ao uso das armas. Uma vez mais, a resposta foi favorável.
A quarta pergunta inquiria, finalmente, os Ingleses sobre se eram favoráveis ou não ao serviço militar obrigatório, tendo a resposta ido no sentido de que eram desfavoráveis.
Por que é que esta última pergunta obteve uma resposta negativa? Porque a lógica das perguntas efectuadas conduzia a esse efeito.
Só que o ministro não ficou satisfeito com esta sondagem e pediu uma outra, já que precisava que os Ingleses fossem favoráveis ao serviço militar.
Então, foi fácil. A primeira pergunta era: «Entendem ou não os Ingleses que o máximo valor nacional é o da defesa da nossa pátria?» A resposta foi positiva.
A segunda pergunta era: «Entendem ou não que todos os ingleses devem participar nesse esforço?» Naturalmente que a resposta foi também positiva.
A terceira pergunta era: «São ou não favoráveis ao serviço militar obrigatório?» Obviamente que a resposta foi que eram favoráveis.

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Este exemplo, que é caricato e que funciona por absurdo, serve para demonstrar como é delicada toda a questão que se prende com a resposta às duas perguntas que fiz, ou seja, o que é uma sondagem cientificamente organizada e quais são os respectivos limites éticos.
Neste quadro, e aceitando todos nós que o mecanismo das sondagens informa mas também influi
- não direi que manipula - e, nomeadamente, falando-se, como se tem feito, em efeitos de multiplicação, é importante registar que se aceita comummente que haja um período, o período eleitoral, dentro do qual não é aceite que seja feita a divulgação de sondagens. Mas a questão que se coloca é a de saber qual deverá ser este período e por que há-de ser maior ou menor? Por que é que se considera correcta a divulgação de sondagens até um certo período e não depois?
Onde e até quando é que a divulgação de sondagens vai ferir valores como a capacidade de resistência a um efeito de multiplicação e vai garantir outros, fundamentais para o acto eleitoral e com igual conteúdo de modernidade, que são os valores da liberdade de opção de voto e os da igualdade de oportunidade para os diferentes partidos?
É neste quadro, muito complexo, que toda esta matéria bem merecia ter sido antecipadamente analisada com profundidade em sede da Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Não o foi, mas está muito a tempo de o ser.
Como vimos, todas as opiniões aqui expressadas foram no sentido da baixa deste diploma à Comissão especializada e esta está muito a tempo não só de discutir politicamente esta matéria como até de obter um substrato de informação científica e técnica de especialistas ouvidos directamente, aspecto que me parece essencial. Isto permitirá que, desapaixonadamente
- sublinho-o -, sem interferência de opção partidária, com base realmente científica e técnica, adequada e justa, a Comissão faça opções que sirvam os interesses dos Portugueses e do regime democrático num sistema eleitoral pautado por garantias de isenção, de imparcialidade, de objectividade e de liberdade de opção de voto, aspectos estes que o devem caracterizar no essencial. Pela nossa parte, em sede de especialidade, empenhar-nos-emos nesse trabalho.
Em sede de generalidade, as reservas que ponho à solução apontada baseiam-se mais no que posso considerar a ausência de um ponderação colectiva em torno das diferentes vertentes da questão.
De entre esta cito a combinação dos elementos informativos a divulgar, a ausência de um código deontológico mínimo, o qual existe, por exemplo, na legislação francesa, e o prazo definido de proibição de publicação nos períodos pré-eleitorais. Portanto, é a ausência de ponderação deste conjunto de elementos que pautará o nosso sentido de voto.
Directamente para o Partido Socialista, autor do projecto de lei, devo dizer que, tal como há pouco o Sr. Deputado José Sócrates e eu próprio tivemos oportunidade de constatar acerca da nossa mútua opinião, a legislação matriz deste diploma é a francesa, a qual possui legislação complementar que define regras materiais em torno do conteúdo da própria sondagem. É a necessidade da ponderação de regras materiais - entre parêntesis - que era assumida no próprio conteúdo do projecto de lei proposto pelo PRD no ano passado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É a ponderação de todos estes elementos que me parece necessário que seja feita da forma que apontei, também com isenção por parte da Comissão, no sentido de apurar um texto justo, que sirva a democracia, que honre, afinal, a Assembleia que o vai produzir.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Isabel Espada e o Sr. Deputado Carlos Coelho inscreveram-se para pedirem esclarecimentos.
A Sr.ª Deputada Isabel Espada só dispunha de um minuto, mas como o PSD lhe cedeu dois minutos do seu próprio tempo, tem, então, a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Deputado João Amaral, se ouviu a minha intervenção, lembrar-se-á que tive o cuidado de referir algumas situações em que realmente pôde verificar-se a viciação do resultado das sondagens.
Um dos aspectos que referi foi precisamente o da maneira como eram colocadas as perguntas, tanto na sua fornia como na sequência, as quais podem realmente induzir o inquirido a dar uma determinada resposta.
Gostaria de lembrar aqui um facto ocorrido no ano passado aquando da apresentação pelo PRD da moção de censura ao Governo. Na altura, num semanário de grande expansão nacional, houve um inquérito feito à opinião pública em que se perguntava o seguinte: «Acha ou não acha que o PRD é responsável pela situação de instabilidade política que se vive em Portugal?» Este é um tipo de pergunta que constitui um bom exemplo de como induzir o inquirido a dar um determinado tipo de resposta. A forma correcta pela qual esta mesma pergunta deveria ter sido feita seria a seguinte: «Quem acha que é responsável pela situação política no País?»
Portanto, este é um exemplo que pode perfeitamente ilustrar a forma pela qual o formulário do questionário pode viciar o resultado das sondagens.
Nesse sentido, gostaria de chamar a atenção do Sr. Deputado e da Câmara para o facto de que o nosso partido defende que a comissão de fiscalização, seja qual for, isto é, a entidade que vier a ter a competência de fiscalizar a forma como as sondagens estão a ser feitas, deve também avaliar o formulário apresentado independentemente de todos os outros dados.
Penso que no projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista não está referido este objectivo e gostaria de chamar a atenção de que o mesmo também faz parte das propostas de alteração ao diploma que o PRD irá apresentar em sede de especialidade.
Portanto, o modo como o formulário foi apresentado ao inquirido é extremamente importante para se poder avaliar se, por parte do questionário, existe ou não indução no sentido de obter uma resposta bem determinada.
Assim, apenas gostaria de lhe perguntar se o Sr. Deputado concorda que esta será uma das formas de evitar um pouco a tal situação em que não se sabe se a sondagem está, ao mesmo tempo, científica e eticamente correcta.

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O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Esse aspecto já está referido no projecto de lei do PS, Sr.ª Deputada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Deputado João Amaral, pôr-lhe-ei duas questões muito concretas.
A primeira é sobre o que foi o objecto central da sua intervenção e que tem a ver com a questão dos prazos.
Em aparte, dizia há pouco o Sr. Deputado Narana Coissoró que também nos podíamos questionar por que é que o período de recepção é de 24 horas e não de 48 horas. Seguramente que em muitos destes prazos há uma certa subjectividade - aquilo que nos parece mais ou menos razoável, aquilo que a nossa sensibilidade diz que dá ou não resposta às preocupações que, essas sim, conseguimos definir com mais precisão.
De qualquer forma, a questão que coloco em relação ao prazo tem a ver com isto: um prazo excessivamente longo pode, implicitamente, acabar por trazer todo um conjunto de consequências que justificam as críticas que fizemos ao actual dispositivo na legislação portuguesa.
E qual é o prazo mínimo que temos que conceber? É aquele em que a eficácia da lei se pode repercutir com critério e segurança. Tem que haver um prazo para que a autoridade fiscalizadora possa intervir, desmentir ou mandar publicar notas correctivas de inverdades publicadas; tem que haver um mínimo de afastamento entre o momento da eleição e o último momento em que é permitida a publicação de sondagens. É por isso que o PSD não entende que, em obediência aos princípios que defendi daquela tribuna, o momento da publicação das sondagens possa ser até ao momento das eleições. Podia haver circunstâncias altamente danosas para a legitimidade e para a credibilidade dos resultados eleitorais - tal como o Sr. Deputado João Amaral teve ocasião de referir e muito bem - se uma sondagem inverdadeira pudesse ser publicada a escassas horas da abertura das umas, sem condições objectivas para ser desmentida ou denunciada.
Portanto, é essa garantia de eficácia da lei que nos faz criar um prazo mínimo que será de sete dias. Quanto à questão da definição rigorosa e do limite final, deixaremos para analisar em sede de especialidade. Gostaria, pois, que o Sr. Deputado João Amaral dissesse se entende exactamente desta maneira ou se as suas preocupações vão mais além do que aquelas que tive ocasião de referir.
Outra questão que gostaria de colocar ao Sr. Deputado tem a ver com um aspecto que não abordou, que tive ocasião de referir ao Sr. Deputado José Sócrates e que tem a ver com o objecto da lei. Ou seja, todos estes mecanismos que estamos a tentar elaborar têm a ver com um tipo de sondagens, temos que tipificá-las e isto está directa ou indirectamente relacionado com actos eleitorais ...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço que mantenham o silêncio necessário para podermos ouvir o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Deputado João Amaral, vamos supor uma sondagem ou inquérito sobre a popularidade ou credibilidade da instituição Assembleia da República. Objectivamente, esta matéria não está directa ou indirectamente relacionada com o acto eleitoral, não é um agente político, não é um partido nem uma força, mas a consideração sobre o prestígio ou desprestígio da Assembleia da República - um exemplo que me parece bastante actual -, que pode ser um elemento fundamental do discurso político de alguns partidos e até do próprio funcionamento da democracia e das suas instituições.
Portanto, esta sondagem ou inquérito pode ter um efeito perverso ou benéfico sobre a própria democracia e o funcionamento das instituições que, em nosso entender, deve ter a ver com os critérios que deverão estar previstos neste projecto de lei, mas que o articulado do PS não previa, mesmo numa leitura muito extensiva do artigo que faz referência a esta matéria.
Gostaria de saber qual a opinião do PCP em relação a este preciso artigo a que o Sr. Deputado não fez referência e que, ao fim e ao cabo, é o objecto deste projecto de lei.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Carlos Coelho, não sei todas as perguntas que foram colocadas obedecem ao código deontológico das perguntas que devem ser formuladas em sondagens, mas seguramente que as minhas respostas não vão obedecer.
Em primeiro lugar, devo dizer que há um outro aspecto do projecto de lei que não foi objecto de considerações pela minha parte na intervenção que fiz e que se refere à entidade fiscalizadora. Já aqui foram feitas bastantes observações, que creio serem suficientes para fundamentar aquilo que me parece ser importante registar neste momento e que é a necessidade de também essa matéria ser ponderada na discussão na especialidade - natureza, competência, poderes, etc.
Quanto à questão colocada pela Sr.ª Deputada Isabel Espada relativamente à questão da ordem das perguntas, devo dizer que creio que a ordem é um aspecto importante e relevante. Aliás, não sei se é no próprio projecto de lei do PRD ou em alguma das leis que é expressamente dito que devem ser objecto de publicação não só o enunciado das perguntas como a sua ordem.
Sr. Deputado Carlos Coelho, quanto à sua primeira pergunta, devo dizer-lhe que estive para pedir a palavra na altura em que proferiu a sua intervenção, porque só falou praticamente na questão do prazo. Não o fiz porque considerei que seria deselegante da minha parte dizer-lhe que só tinha reflectido sobre os prazos depois de uma intervenção que, naturalmente, lhe demorou meses a congeminar. Afinal, parece que fiz mal, porque se o tivesse feito na altura tinha-lhe evitado esta obsessão que é a de ouvir dos outros aquilo que pensa.
Ora, de facto, falei dos prazos até muito pouco e só no sentido de que a questão dos prazos não é aleatória e não se pode separar de toda a problemática que estamos a discutir, pois é uma questão de natureza estrutural ligada às restantes questões envolvidas, que são

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as da garantia, as da cientificidade das sondagens, da sua credibilidade mínima e, digamos, da garantia dos limites éticos ou ético-políticos em que elas se podem movimentar.
Visto que estamos a falar de sondagens de natureza política, não entendi se o Sr. Deputado me pergunta se eu considero que esse deve ser o objecto do projecto de lei do PS ou se diz que não entende se esse é o objecto do projecto apresentado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Deputado João Amaral, a questão precisa que tive ocasião de lhe colocar e a que o Sr. Deputado não fez referência - porque se calhar não considera importante- foi discutida entre mim e o Sr. Deputado José Sócrates e é a de saber se em relação ao objecto do projecto de lei, que ao fim e ao cabo é a tipificação dos inquéritos e sondagens abrangidos, a redacção que o PS dá corresponde às preocupações do PCP.
O Sr. Deputado entende que todas as sondagens e inquéritos que são regulados pelo presente projecto de lei são traduzíveis na referência «directa ou indirectamente relacionados com actos eleitorais»? Ou entende que há alguns outros, como o caso que lhe citei, que não são abrangidos por essa definição e, portanto, urgiria, em sede de especialidade, dar-lhe uma redacção mais precisa para darmos resposta às preocupações que, julgo, conjuntamente subscrevemos?

O Orador: - Sr. Deputado, respondo-lhe muito directamente. Basta o facto de colocar a questão, ou seja, de haver duas leituras, para que o projecto mereça, em sede de especialidade, uma análise cuidada.
Parece que o objecto da regulamentação da lei deve ter um âmbito o mais largo possível no quadro da capacidade de influenciar a opinião pública em torno de actos ou fenómenos de natureza política relacionados «directa ou indirectamente com os actos eleitorais». Obviamente que se isto não serve para cobrir a ideia inicial, então há que encontrar uma formulação mais adequada.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apenas para dizer que o meu grupo parlamentar está satisfeito e que nos congratulamos com o decorrer deste debate.
De facto, foi possível apurar neste debate uma notável concordância de pontos de vista quanto aos grandes objectivos que presidiram à elaboração da presente iniciativa legislativa. Esses objectivos são, fundamentalmente, a necessidade de terminar, de uma vez por todas, com uma proibição que é, nos tempos que correm e pelas razões já aduzidas, totalmente ineficaz, ridícula e absurda e a necessidade que há de credibilizar as sondagens e de dar garantias aos cidadãos de que a informação que lhes é prestada é cientificamente apoiada, rigorosa e objectiva.
Naturalmente que anotámos as diversas sugestões e considerações que foram feitas em relação às soluções legislativas por nós encontradas para atingir esses objectivos, nomeadamente a levantada pelo Sr. Deputado Carlos Coelho e que diz respeito ao âmbito deste projecto de lei. Esta questão tem alguma razão de ser e penso que deve ser discutida em profundidade na Comissão especializada.
A terminologia por nós usada, ou seja, «sondagens que têm a ver de forma directa ou indirecta com actos eleitorais», é, no nosso entender, suficiente para cobrir todo o espectro de sondagens políticas, mas, naturalmente, e numa primeira análise, poderá pensar-se que há sondagens que não têm a ver com actos eleitorais e, sendo assim, penso que esta questão deve ser discutida em sede de especialidade. Desde já manifestamos a nossa total abertura para considerar as contribuições de todas as bancadas, no sentido de criarmos mecanismos legislativos que assegurem o correspondente consenso em questões de soluções legislativas, o qual já existe quanto aos objectivos que o projecto de lei pretende atingir.
Em relação às considerações feitas pelos Srs. Deputados João Amaral e Isabel Espada quanto à possibilidade de manipulação de sondagens de opinião com perguntas orientadas, penso que está assegurada a capacidade de fiscalização por pane da autoridade fiscalizadora, porque, segundo o nosso projecto, o organismo que realiza a sondagem é obrigado a entregar na autoridade fiscalizadora uma ficha técnica extensa, onde conste o texto integral da questão posta e, naturalmente, se a pergunta for orientada a autoridade fiscalizadora encontrará a razão para intervir. No entanto, sou sensível às críticas que foram levantadas e à eventual necessidade de obrigarmos a que o texto integral da questão colocada seja publicado na ficha técnica que acompanha a sondagem.
Quanto à solução que se escolheu para a autoridade fiscalizadora, também estamos abertos, como já dissemos, a todas as sugestões no sentido de ser encontrarem soluções, porventura melhores e eficazes, que garantam os objectivos que estiveram presentes na elaboração deste projecto de lei e que reuniu enorme consenso por parte de todas as bancadas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que está encerrado o debate.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, como o debate está encerrado, o PS requer, nos termos do n.º 5 do artigo 61.º do Regimento, a votação do projecto de lei que acabou de ser discutido. Esta votação poderá ser feita, se o Sr. Presidente assim o entender, às 19 horas e 30 minutos, juntamente com a outra votação que temos agendada.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, como faltam apenas dez minutos para as 19 horas e 30 minutos, hora a que está agendada a votação da proposta de lei n.º 3/V, penso que seria conveniente, até porque há

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diversos Srs. Deputados espalhados pelo Palácio, suspendermos os trabalhos até essa hora. Depois votaremos também o projecto de lei n.º 228/V, apresentado pelo PS, que acabou de ser discutido.
Portanto, assim que estejam aqui todos os colegas, às 19 horas e 30 minutos, poderemos proceder as votações.
Está suspensa a sessão por dez minutos.

Eram 19 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 19 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados, acabou de dar entrada na Mesa um requerimento relativo ao projecto de lei n.º 228/V, apresentado pelo PS, que vai ser distribuído.

Pausa.

Srs. Deputados, para simplificar o trabalho da Mesa e dos grupos parlamentares vamos dar início à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 228/V, do PS, sobre a publicação e difusão de sondagens e inquéritos de opinião, que acabou de ser discutido.
Submetido à votação» foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD, do CDS, de Os Verdes e da ID e a abstenção do PCP.
Srs. Deputados, foi distribuído um requerimento no sentido de que o projecto de lei n.º 228/V baixe à comissão respectiva, por um período de 30 dias, para aí se proceder à discussão na especialidade.
Vamos passar à votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, acabou de dar entrada na Mesa um requerimento no sentido de que a proposta de lei n.º 3/V baixe à comissão respectiva, por um período de 30 dias, para aí se proceder à discussão na especialidade.
Vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 3/V - Aprova o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e legislação complementar.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e votos contra do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e da ID.

Srs. Deputados, vai proceder-se à leitura do requerimento, apresentado pelo PSD, relativo à proposta de lei n.º 3/V.

Foi lido. É o seguinte:

Os deputados abaixo assinados propõem a baixa à 5.ª Comissão da proposta de lei n.º 3/V, por um prazo de 30 dias, para discussão e votação na especialidade.

Srs. Deputados, vamos votar o requerimento que acabou de ser lido.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PCP, do PRD, do CDS e da ID e a abstenção do PS.

Srs. Deputados, o Plenário reúne na próxima quinta-feira, às 15 horas, e terá período de antes da ordem do dia e período da ordem do dia.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Cecília Pita Catarino.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel Joaquim Batista Cardoso.

Partido Socialista (PS):

António Magalhães da Silva.
João Barroso Soares.
João Rui Gaspar de Almeida.
José Barbosa Mota.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Partido Comunista Português (PCP):

António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Luísa Amorim.

Centro Democrático Social (CDS):

Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Carlos Alberto Pinto.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando Monteiro do Amaral.
Flausino José Pereira da Silva.
Francisco Mendes Costa.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
José de Almeida Cesário.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Mendes Bota.
Licínio Moreira da Silva.
Luís Amadeu Barradas Amaral.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel José Dias Soares Costa.
Pedro Domingos de S. e Hosltein Campilho.

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Partido Socialista (PS):

António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Guilherme Manuel Lopes Pinto.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Torres Couto.
Manuel António dos Santos.
Maria Helena do R. da C. Salema Roseta.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alfredo do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Natália de Oliveira Correia.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.

Agrupamento Intervenção Democrática (ID):

Raul Fernandes de Morais e Castro.

As REDACTORAS: Maria Leonor Ferreira - Maria Amélia Martins.

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DIÁRIO da Assembleia da República

Depósito legal n.º 8818/85

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