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Sexta-feira, 3 de Junho de 1988 I Série - Número 96

DIÁRIO da assembleia da República

V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 1 DE JUNHO DE 1988

Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Exmo. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
Cláudio José dos Santos Percheiro
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente, dos requerimentos apresentados e da resposta a alguns outros e da entrada na Mesa de diversos diplomas.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Maria Santos (Os Verdes), a propósito da comemoração do Dia Mundial do Ambiente, falou da necessidade de preservarmos e melhorarmos o nosso património ambiental. Respondeu, depois, a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Ferraz de Abreu (PS).
O Sr. Deputado Jerónimo de Sousa (PCP) condenou a intervenção televisiva do Primeiro-Ministro acerca da declaração de inconstitucionalidade, pelo Tribunal Constitucional, do pacote laborai, tendo respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Mendes Bota e Vieira Mesquita (PSD).
O Sr. Deputado Herculano Pombo (Os Verdes) referiu-se ao 15.º aniversário da Escola do Magistério Primário de Chaves e manifestou preocupação pelo seu próximo encerramento.
A Sr.ª Deputada Isabel Espada (PRD), ainda a propósito da declaração de inconstitucionalidade do pacote laborai, criticou a posição assumida pelo Primeiro-Ministro na intervenção televisiva, após o que respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Vieira Mesquita (PSD).
O Sr. Deputado Mendes Bota (PSD) deu conta à Câmara das dificuldades dos agricultores algarvios, designadamente os produtores de morangos.
O Sr. Deputado António Vitorino (PS) verberou a actuação da GNR contra as populações de três lugares do distrito da Guarda que protestavam pelo encerramento de apeadeiros da CP.
O Sr. Deputado Raul Castro (ID) deu conta à Assembleia da situação da empresa Metalúrgica FACAR, ao que se associou o Sr. Deputado António Mota (PCP).
Ordem do dia. - Foi discutido o pedido de inquérito parlamentar n.º 8/V - Aos actos do Governo e da Administração relacionados com as OPV de sete empresas do grupo SONAE -, apresentado pelo PS. Intervieram no debate, a diverso título, além dos Srs. Ministros das Finanças (Miguel Cadilhe) e dos Assuntos Parlamentares (António Capucho), os Srs. Deputados João Cravinho (PS), Ilda Figueiredo (PCP), Nogueira de Brito (CDS), Carlos Carvalhas (PCP), Vieira de Castro e Flausino da Silva (PSD).
Procedeu-se à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 244/V(Os Verdes) protecção do lobo ibérico -, tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Herculano Pombo (Os Verdes), Mário Maciel e António Maria Pereira (PSD), Carlos Lage (PS), Narana Coissoró (CDS), Adão Silva (PSD), Eduardo Pereira (PS), Rogério Brito (PCP) e Maria Santos (Os Verdes).
Foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos relativo à substituição de um deputado do PS.
A Câmara aprovou ainda um voto sobre o Dia Mundial da Criança.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 17 horas e 35 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Monteiro de Araújo.
António Abílio Costa.
António de Carvalho Martins.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
Amónio José de Carvalho.
António Maria Oliveira de Matos.
António Mário Santos Coimbra.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Amónio da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando Carvalho Guerreiro Cunha.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimiro Gomes Pereira.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos da Silva e Sousa.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Fernando Barata Rocha.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Lello Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Joaquim Batista Cardoso.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Amónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Natalina Pessoa Milhano Pintão.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Deleure Alvim de Matos.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rosa Maria Ferreira Tomé e Costa.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Magalhães da Silva.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Manuel Oliveira Guterres.
António Miguel Morais Barreto.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Lage.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Guilherme Manuel Lopes Pinto.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
João Barroso Soares.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mola.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Florêncio B. Castel Branco.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alfredo Tilo de Morais.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues Barros.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
Álvaro Manuel Salseiro Amaro.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Carlos Alfredo do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo Brito.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Cláudio José dos Santas Percheiro.
Fernando Manuel Conceição Gomes.

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Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Camilo Vieira Gonçalves.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria lida Costa Figueiredo.
Rogério Paulo S. de Sousa Moreira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Isabel Maria Costa Ferreira Espada.
Rui José dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Maria Amélia do Carmo Mota Santos.

Agrupamento Intervenção Democrática (ID):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DIA

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à leitura do expediente.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Oficio

Da Comissão Nacional de Trabalhadores do Crédito Predial Português, com sede em Lisboa, transcrevendo o parecer daquela Comissão sobre os vários diplomas que constituem o denominado «pacote laboral».
Petição
N.º 14/V, apresentada pela Sr.ª Dr.ª Susana Alice de Almeida Veiga e outros, com residência em Lisboa, requerendo que não se promova a demolição do Hospital de Júlio de Matos.

Telexes

Da Organização de Trabalhadores da RABOR e da Comissão Sindical da Phillips, de Ovar, reclamando contra decisões tomadas pela administração da empresa CABE-LESA, com sede na Tapada Nova, no concelho de Sintra.
Da Cooperativa Agrícola 1.º de Maio, no concelho de A vis, repudiando a proposta de lei n.º 31/V - Lei de Bases da Reforma Agrária.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Foram apresentados na Mesa, nas últimas reuniões plenárias, os requerimentos seguintes: ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Rui Vieira, António Bacelar e Álvaro Amaro; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Marques Júnior e José Manuel Mendes; ao Governo (dois), formulados pelo Sr. Deputado Adão Silva; ao Ministério da Educação (seis), formulados pelo Sr. Deputado Jorge Lemos; a diversos ministérios (cinco), formulados pelo Sr. Deputado Luís Roque; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado José Apolinário.
O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Luís Roque, nas sessões de 29 de Dezembro, 3 de Março e 8 de Abril; João Cravinho, na sessão de 12 de Janeiro; Osório Gomes, na sessão de 21 de Janeiro; Apolónia Teixeira, na sessão de 5 de Fevereiro; Mendes Bota, na sessão de 26 de Fevereiro; Álvaro Amaro, na sessão de 1 de Março; Lurdes Hespanhol, nas sessões de 1 e 25 de Março; Reinaldo Gomes, na sessão de 8 de Março; Herculano Pombo, nas sessões de 10, 15 e 23 de Março; Vaz Freixo e Lemos Damião, na sessão de 23 de Março; José Magalhães e José Manuel Mendes, nas sessões de 23 de Março e 24 de Abril; Maria Santos, na sessão de 25 de Março; José Apolinário e outros, na sessão de 7 de Abril; António Tavares, na sessão de 15 de Abril; Adão Silva e José Lapa, na sessão de 3 de Maio; Roque da Cunha, na sessão de 6 de Abril.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai enunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: projecto de resolução n.º 16/V, apresentado pelo Grupo Parlamentar do PS, sobre a superior condução e consequente controle das operações de liquidação da Caixa Económica Faialense, muito em especial no que toca à defesa das poupanças dos emigrantes que nessa instituição fizeram depósitos; projecto de lei n.9 257/V, apresentado pelos Srs. Deputados Lopes Cardoso e outros, do PS, que assegura a defesa dos interesses dos depositantes em instituições de credito mediante a criação do Fundo de Protecção de Depósitos, que foi admitido e baixou à 5.ª Comissão; projecto de lei n.º 258/V, apresentado pelos Srs. Deputados Lopes Cardoso e outros, do PS, que atribui o patrocínio oficioso do Ministério Público aos emigrantes que hajam depositado valores em instituições financeiras em liquidação, que foi admitido e baixou à 5.ª Comissão; proposta de lei n.º 62/V sobre a autonomia universitária, que foi admitida e baixou à 4.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Santos.

A Sr.ª Maria Santos (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: No próximo dia 5 iremos comemorar o Dia Mundial do Ambiente.
Os discursos, oficiais ou não, ir-se-ão repelir, o mesmo acontecendo aos actos simbólicos que, nessa data e um pouco por todo o País, se realizam
No entanto, já não se fala do ambiente só uma vez por ano. A sua defesa entrou definitivamente no repertório político e eleitoral. Até aqueles que diariamente degradam os recursos naturais se aproveitam dele para lançar diversas operações especulativas, quer através da valorização de terrenos, quer na venda de novos produtos industriais, que

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se considera não terem eleitos nocivos sobre o meio ambiente, ou até denunciando o perigo nuclear para vender abrigos atómicos.
A moda ecológica está-se a tornar um bom exemplo de como uma certa ebulição publicitária em torno de um assunto o pode, por vezes, impedir de se fazer ouvir.
Fala-se de ecologia mas questiona-se pouco o porque da actual situação de degradação de recursos naturais. Discute-se pouco o que é necessário fazer para inverter a actual situação.
No entanto, toda a vida na superfície da Terra, desde a mais pequena bactéria ao homem, assenta no funcionamento, presente ou passado, do ecossistema.
Sem as reservas de energia acumuladas pela vida não seria possível manter as estruturas complexas da sociedade em que vivemos, com as grandes cidades, a grande concentração industrial e as vastas redes de comunicação.
O desenvolvimento da técnica foi usado para aumentar o poder económico de alguns e criar a ilusão de que esse crescimento era possível; que a economia seria um processo cíclico isolado, escapando às leis energéticas do mundo da entropia.
O aumento demográfico, o transporte rápido de pessoas e bens, a industrialização massificadora provocaram a introdução nos sistemas naturais de um conjunto de alterações e rupturas, pondo em causa o equilíbrio dinâmico na Natureza e conduzindo à destruição e simplificação dos ecossistemas.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Muito bem!

A Oradora - O benefício da produção industrial crescente e do crescimento económico contínuo não é senão um benefício a curto prazo e poderá ser um drama a médio e a longo prazo.
E a factura desse crescimento já nos está a ser apresentado e é elevada. Os recursos naturais esgotam-se. O ambiente está poluído, inclusive com detritos de difícil reciclagem. Alguns equilíbrios existentes na Natureza começam a ser destruídos, perturbando, inclusive, a transformação da energia solar em energia química que o homem utiliza para se alimentar.
Hoje o homem é obrigado a reconhecer que está mais ligado à Natureza do que pensava e que as desigualdades, longe de terem sido eliminadas, são ainda mais evidentes. Ao contrário do que nos queriam fazer crer, é evidente que crescimento e desenvolvimento tem significados precisos e distintos.
O crescimento não tem preocupação quanto à redistribuição dos rendimentos gerados, nem quanto à quantidade e qualidade do nível de vida das populações.
O desenvolvimento abarca uma concepção mais ampla: é-lhe inerente o aumento do bem-estar das populações, quer em termos qualitativos quer quantitativos.
Uma política baseada no crescimento económico a curto prazo, com graves prejuízos para os ecossistemas, não se pode considerar de desenvolvimento, pois a médio e longo prazo traduz-se numa acumulação de perdas muito mais significativas do que foi a passageira acumulação de ganhos, normalmente mal distribuídos.
Portugal não se tem afastado muito deste panorama geral. O território nacional tem sido apenas considerado como o suporte das actividades económicas, não se olhando à realidade biológica que lhe dá a verdadeira expressão.
A construção de hotéis, fábricas ou estruturas habitacionais em solos de aptidão agrícola, a instalação de indústrias poluidoras em ecossistemas sensíveis e sem as devidas medidas preventivas, a destruição dos recursos piscícolas, de
biocenoses necessárias a populações cinegéticas para arborizar com lucro imediato, mas com graves riscos de erosão e desertificação, não conduzem ao desenvolvimento.
Os custos desses processos são mais elevados do que os ganhos imediatas.
Os sinais de alerta lançados pelos ecologistas não são no sentido de fazer marcha atrás, mas sim no de escolher um caminho para ir ainda mais longe. E esse caminho passa por uma adequada gestão da Natureza, impeditiva da destruição, minimizadora de eventuais degradações e optimizadora de novas vias na evolução dos ecossistemas.
Não há desenvolvimento se faltar a projecção no tempo. E isso só será possível com a conservação da Natureza e a gestão constantemente melhorada dos ecossistemas.
A conservação tem como objectivo essencial o homem procurando defender o nosso ambiente físico e biológico.
Uma política de conservação da Natureza, para ser efectiva, terá de actuar de forma global e integrada, através da compreensão das leis da Natureza e do funcionamento dos processos ecológicos, de forma a permitir que o homem utilize os ecossistemas para satisfação legítima das suas necessidades, sem, contudo, lhes destruir as potencialidades.
Essa gestão deve considerar todos os recursos que os ecossistemas fornecem ao homem, desde a água, o ar, os animais e vegetais, cultivados ou silvestres, até à energia fóssil ou renovável e à própria paisagem.
As tecnologias a descobrir tom importante papel a desempenhar, mas serão sempre, pelo menos no que respeita à matéria viva, supletivas, nunca substituintes completos.
Não nos podemos esquecer que nenhum dos nossos actos fica sem efeito e todo o efeito é também uma causa.
É, científica, técnica e economicamente, possível um desenvolvimento do nosso país, que promova a qualidade de vida no equilíbrio com a Natureza e a tradição cultural do povo português. O planeamento do ambiente deverá envolver o ordenamento, mas também a análise de todos os passos determinantes dessas transformações em termos sociais e culturais.
Elaborar excelentes planos sobre a conservação dos bens naturais, sem proceder à sua justa distribuição, não é com certeza a forma mais convincente de preservar a Natureza.
Da mesma forma que progresso e desenvolvimento implicam continuidade e melhoria, não podendo confundir-se com benefícios transitórios, também a conservação não pode, de maneira nenhuma, confundir-se com o proteccionismo que apenas em casos pontuais se justifica.
Não é de forma alguma o caminho certo a delimitação de algumas áreas em que, através de estatuto próprio, se regulamentam, condicionam ou proíbem certas actividades e onde um organismo tenta levar a cabo a missão de gerir esses espaços. Se essa acção relativamente a essas áreas do território não for integrada numa acção mais vasta de ordenamento do território, poderemos ficar com alguns bonitos jardins num país desertificado, pois é sempre mais cómodo proteger do que conservar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os problemas do ambiente ultrapassam as fronteiras dos Estados, tomando necessária a cooperação com outros países ou organizações internacionais.
Mas a cooperação internacional não nos pode tornar, por vezes confrangedoramente, dependentes do exterior no modo de pensar e de agir, diminuindo-nos a capacidade afirmativa e realizadora.
Portugal encontra-se numa situação particular em relação aos restantes países europeus. Já sofro os efeitos de uma concentração urbana e industrial degradadora dos recursos.

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Mas, por outro lado, não ultrapassou ainda estados de poluição específicos da precariedade das condições de saneamento básico.
É verdade que são preocupantes os exemplos de degradação da qualidade da água, do ar e do solo existentes no nosso território.
É certo que são várias as zonas sensíveis do nosso país que estão a sofrer uma fone pressão, pondo em causa o seu equilíbrio; que são cada vez mais as espécies animais e vegetais em risco de extinção.
Que não possuímos uma estratégia nacional de conservação da Natureza. Que o ordenamento do território, principalmente a nível regional, é só uma esperança. Que a regulamentação dos aspectos essenciais da Lei de Bases do Ambiente continua por fazer.
É certo que os meios institucionais necessários à execução da política de ambiente ainda não estão bem definidos; que continua a faltar a articulação entre os responsáveis pelos diferentes níveis de planeamento; que os meios financeiros escasseiam.
Por tudo isto convirá perguntar, saberemos nós encontrar a melhor resposta a dar a estes problemas?
Aqui, na Assembleia da República, já demos indícios de que seríamos capazes, ao produzir, consensualmente, uma lei tão importante, como o é a Lei de Bases do Ambiente, considerada a mais avançada da Europa.
Nessa lei, que define o objectivo da política de ambiente e a quem incumbe a sua execução, encontramos os princípios que teremos de observar para que possamos continuar a ter um património cultural e natural que conserve o conteúdo e as referências vivas do nosso passado.
É que um ambiente humano e ecologicamente equilibrado só se consegue com a integração na política de ambiente e ordenamento do território das várias políticas quer ao nível global, quer ao nível sectorial, de modo a viabilizar uma acção preventiva.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Muito bem!

A Oradora: - Só assim será possível um correcto e eficaz funcionamento dos instrumentos da política de ambiente e de ordenamento do território, designadamente a estratégia nacional da conservação da Natureza, a reserva agrícola nacional e a reserva ecológica nacional, o ordenamento do território a nível regional e local, o estabelecimento de critérios, objectivos e normas de qualidade para os efluentes e resíduos e para os meios receptores, a avaliação prévia do impacte provocado por algumas actividades humanas.
No entanto, é necessário criar os meios institucionais e legais, nomeadamente a nível fiscal actor e financeiro, que tornem efectivo o funcionamento dos instrumentos acima referidos, permitindo a articulação entre os vários níveis de planeamento e gestão.
Não basta, pois, que a legislação consagre princípios gerais e defina mecanismos de actuação, e antes de mais necessário que todos nós possamos participar na elaboração de uma política de ambiente, responsabilizando-nos pela execução daquilo que vier a ser aprovado, aprendendo a conhecer melhor «a nossa casa», participando na tarefa da sua «reconstrução».
Já são hoje muitos os que aferem o grau de democracia pelo grau de participação pública na política de ambiente. Em Portugal existem os mecanismos necessários para uma elevada participação dos cidadãos (cm nenhum país europeu existe um organismo com as competências do INAMB), sendo necessário, contudo, criar condições para que eles funcionem correctamente, para que a nossa democracia se afirme na plenitude da sua essência.
A melhor forma de comemorarmos o Dia Mundial do Ambiente é criarmos, diariamente, as condições para que possamos legar às gerações futuras um património ambiental rico na sua diversidade e complexidade e, certamente, mais estável do que este em que vivemos.

Aplausos de Os Verdes, do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Informo a Sr.ª Deputada Maria Santos de que o excesso de tempo que utilizou para a declaração política será descontado no período normal de antes da ordem do dia.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr.ª Deputada Maria Santos, na realidade, lenho pena de que a sua intervenção não tenha tido um auditório mais numeroso, porque o nosso país tem imensa necessidade de ouvir intervenções deste tipo.
Embora seja quase em conversa de família, gostaria de fazer algumas considerações que não são propriamente pedidos de esclarecimento mas, apenas, o reforço daquilo que disse.
Creio que temos andado muito lentamente nesta matéria, temos andado mesmo mais devagar do que o crescimento da poluição no País e refiro-me, em especial, ao que aconteceu depois do 25 de Abril.
Na realidade, houve um desejo natural das populações de criarem as suas redes de esgoto, e isso e louvável. Simplesmente, o que aconteceu é que se criaram redes de esgoto mas não se criaram as estações de tratamento. Portanto, os esgotos foram conduzidos para a primeira ribeira que vai ter ao rio, que vai lar à ria, que vai ler ao mar. Daí a espantosa poluição e a liquidação da pureza das nossas águas. Mas, depois, há o problemas industrial, ou seja, o das indústrias já existentes e o das que estuo ainda para nascer.
A Secretaria de Estado do Ambiente, muito louvavelmente, tem tomado algumas medidas, que têm mesmo tido uma certa espectaculosidade, mas, infelizmente, tem-se limitado a deitar casas abaixo sem ir ainda ao fundo do problema. E este é, em primeiro lugar, conseguir verbas a utilizar pelas câmaras (e os técnicos) para que as estações de tratamento sejam um facto em todas as nossas terras.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, intervir junto das indústrias existentes, obrigando-as, de facto, a introduzir a tecnologia necessária a fim de evitar que os efluentes venham poluídos - poluição que liquida não só as águas da superfície como as águas freáticas e, sobretudo, impedir os licenciamentos de novas indústrias que nos transformem a curto prazo no «caixote do lixo» da Europa, que é o risco que estamos a correr.
Penso que estas considerações tem algum nexo com a sua intervenção e espero que todos os apelos que daqui lancemos façam com que a Secretaria de Estado do Ambiente vá, de facto, mais longe do que tem ido e não se limite ao espectáculo da «casa abaixo», pois seria desejável ver reforçada esta opinião.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Santos.

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A Sr.ª Maria Santos (Os Verdes): - Não vou dar qualquer resposta, mas, apenas, considerar que a sua intervenção veio, em certa medida, reforçar que os aspectos essenciais e as medidas estruturantes para se aferir se existe ou não uma política de ambiente não foram ainda tomados no nosso país.
As percentagens quanto ao saneamento básico, às estações de tratamento de esgotos e mesmo de água o elemento essencial da vida de todas as populações -, neste momento, são extremamente baixas no nosso país. Desejo manifestar a minha satisfação pela sua intervenção porque, de facto, com tão pouca participação de deputados e deputadas neste Plenário, 6 um pouco triste falar do Dia Mundial do Ambiente de uma maneira tão diluída, nesta Casa que deu um contributo muito importante com a aprovação da primeira lei sobre o ambiente no nosso país. Portanto, agradeço-lhe, Sr. Deputado Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminou o período das declarações políticas.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Resultante do funcionamento das instituições democráticas, o decreto de autorização legislativa do pacote laborai foi declarado inconstitucional.
Esta decisão do Tribunal Constitucional vem assim repor no são todo um processo legislativo que, desde a sua origem procedimental e pela sua substância, era incompatível com a Constituição. Logo após o conhecimento público das conclusões do acórdão, o primeiro sinal da crispação exagerada partiu do Primeiro-Ministro. Mas as suas palavras e o tom com que as proferiu poderiam ainda assim ser entendidos como uma reacção epidémica ou grito de alma de um mau perdedor.
Mas não! Ontem, perante milhões de portugueses, num tom dramático, pensado e ensaiado, o Primeiro-Ministro tentou virar a opinião pública, e particularmente os jovens, contra o Tribunal Constitucional. Isto e um sinal preocupante! Num passado recente foi a Assembleia da República a estar em causa. Agora é o Tribunal Constitucional que é transformado em inimigo e a Constituição da República num empecilho. Estas manifestações do Primeiro-Ministro, esta guerra às instituições democráticas, para alem de preocupantes, são perigosas.
Como e possível vir evocar melhorias, algumas delas inexistentes e outras que o são de facto, mas na sua maioria não por causa do Governo, mas apesar do Governo, traçar um quadro idílico de que vai quase a caminho do paraíso para depois inventar um terrível obstáculo chamado Tribunal Constitucional para esconder afinal e tão-só os seus próprios fracassos políticos.

Vozes do PCP: - Exacto!

O Orador: - A que nível se pode considerar a afirmação de que o apoio social aos desempregados e aos sectores mais desfavorecidos está comprometido porque não passou o decreto de autorização legislativa?
Que se pretende quando se quer virar os jovens e desempregados, já não só contra a legislação laborai, contra os trabalhadores com trabalho efectivo, mas agora já contra as instituições democráticas quando lambem eles, jovens, eram atingidos naquele projecto na exacta medida em que seriam sempre admitidos com contraio a prazo?
Para onde quer ir o Primeiro-Ministro do Governo da República quando acusa a Constituição de não ser plenamente democrática? O povo português ficou a saber que para o Governo do PSD constituição plenamente democrática seria só aquela que consagrasse a plena liberdade de despedir.
Ò Governo só sabe governar através da recriação de um inimigo permanente. Por este andar e na linha de pensamento do discurso de ontem, qualquer dia culpar-se-iam as liberdades como obstáculo a um governo que se considera com a legitimidade para fazer o que quer!
E, no entanto, nesta questão do pacote laborai, há que lembrar o que foi esquecido e omitido ontem pelo Primeiro-Ministro!
Lembrar o poderoso movimento dos trabalhadores e da sua luta que culminou na greve geral de 28 de Março, recordar que no plano partidário, aqui mesmo, o PSD esteve sozinho e isolado a defender, mal, a proposta de autorização legislativa, que importantes sectores da sociedade portuguesa, desde organizações católicas, personalidades de vários quadrantes ideológicos e ate sectores do PSD, se manifestaram contra o conteúdo do pacote laboral.
São estes antecedentes indesmentíveis que nos levam a poder afirmar, bem ao contrário do que insinuou o Primeiro-Ministro ontem, que milhões de portugueses se reconhecem não no que disse ontem, mas neste acórdão do Tribunal Constitucional e na Constituição da República Portuguesa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os factos confirmaram a justeza das nossas propostas quando aqui impugnámos por inconstitucionalidade a admissão da proposta de autorização legislativa, que alguns classificaram, sem nenhuma razão, como se vê, de «manobra dilatória», quando colocámos como questão central saber se se dá prevalência à segurança no emprego, como quer a Constituição, ou se privilegiam os interesses económicos do patronato, como quer o Governo, quando apresentámos propostas e secundámos outras da oposição para tentar, in extremis, corrigir os aleijões inconstitucionais do diploma.
Os factos confirmam também a razão que assistia aos trabalhadores e às suas organizações representativas que, lutando com determinação e recusando liminarmente o projecto, propunham simultaneamente uma análise global à legislação do trabalho na procura de soluções que garantissem direitos e as suas aspirações, indissociáveis do progresso e do desenvolvimento da nossa economia.
O regozijo dos trabalhadores face à decisão do Tribunal Constitucional é uma demonstração dos seus sentimentos de que vale a pena lutar.
Eles mantêm a sua disponibilidade, a sua vontade de intervir e participar na legislação laborai, já que não a entendem como algo de intocável. Mas a manifestação de arrogância e vontade de confronto do Primeiro-Ministro alerta-os no sentido de que o Governo quer começar a joga forte e feio no tabuleiro da revisão constitucional, também aí contra os seus direitos e liberdades!
Os trabalhadores portugueses saberão encontrar e reforça a unidade bastantes para defender o projecto de vida e sociedade que a Constituição acolhe e onde constam os seu. direitos, liberdades e garantias fundamentais.

Aplausos do PCP e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

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O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, tornava-se óbvio e evidente que no período de antes da ordem do dia de hoje o Partido Comunista tivesse que vir à liça para reflectir e expor a sua posição acerca dos acórdãos do Tribunal Constitucional.
V. Ex.ª disse que a intervenção de ontem do Sr. Primeiro-Ministro foi o primeiro sinal de crispação...

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Não foi o primeiro, foi mais um!
O Orador: - ...contra uma decisão legítima de um órgão legítimo acerca de uma matéria deliberada, decidida e discutida na Assembleia da República.
Diria que, talvez, mais estranho do que a reacção do Primeiro-Ministro foi o facto de, assim que se conheceu a deliberação do Tribunal Constitucional, logo as oposições, o Partido Comunista e outras organizações, nomeadamente a CGTP e a UGT, terem vindo à liça congratular-se com aquilo que ainda desconheciam em absoluto, com aquilo que, efectivamente, ainda desconheciam em pormenor.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não sabiam ainda o que e que estava efectivamente na base das deliberações do Tribunal Constitucional e apressaram-se a deitar foguetes, o que também deve ser denunciado, pois mostra que estão mais preocupados em tentar obstruir a actuação do Governo do Partido Social-Democrata, em tentar criar-lhe obstáculos, e para isso tudo lhes serve, mesmo as deliberações do Tribunal Constitucional.
V. Ex.ª vem aqui fazer transparecer a ideia de que o Tribunal Constitucional não é passível de críticas. Sr. Deputado, o Tribunal Constitucional não está acima de toda e qualquer suspeita, inclusivamente a suspeita política.

O Sr. António Vitorino (PS): - Isso e grave!

O Orador: - Com efeito, o vírus partidário e político está logo a enfermar a sua própria composição pela forma como são designados, eleitos, os juízes do Tribunal Constitucional e não podemos alhear-nos disso.

O Sr. António Vitorino (PS): - Não propuseram alterações na revisão constitucional!...

O Orador: - As suas decisões não são meramente técnicas, mas tem muito a ver com política e, neste caso, política tem a ver com a obstrução da actividade governativa. Até mesmo os três membros que são cooptados no Tribunal Constitucional derivam daqueles que já vão «infectados» daqui com o vírus político-partidário. Portanto, não estão acima de qualquer suspeita política as decisões do Tribunal Constitucional.
Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, já que também se colocou a questão de saber se, em termos de autorizações legislativas em matéria laborai, deveria ou não haver uma consulta às organizações dos trabalhadores, gostaria de saber qual é a sua posição. Qual foi a posição do Partido Comunista em relação a anteriores leis de autorização legislativa sobre matéria laboral? A Lei n.º 13/83, sobre a duração dos contratos de trabalho, a Lei n.4 14/83, sobre recursos humanos da função pública, a Lei n.º 28/83, sobre suspensão temporária de trabalho a tão conhecida lay-off-, a Lei n.º 7/85, sobre os estatuto do pessoal dirigente e carreiras na função pública, foram também autorizações legislativas e a verdade é que, nessa altura, nem o Partido Comunista nem outros partidos da oposição tomaram as posições que estão» agora a ter e não se congratularam por o Tribunal Constitucional não ter declarado a inconstitucionalidade dessas matérias legislativas, em virtude de não ter sido auscultada a vontade das comissões de trabalhadores e das associações sindicais.
Sr. Deputado, a vossa posição já era, obviamente, esperada, mas fiquem na certeza de que não entramos em desespero, sabendo dos obstáculos com que contamos. A nossa vontade é férrea e não será mais este obstáculo que nos irá tirar do caminho a que nos comprometemos com o povo português e isso é, efectivamente, respeitar a democracia. E respeitar a democracia é denunciarmos aqueles obstáculos que, mesmo sendo legítimos e constitucionais, não estão passíveis de serem isentos da nossa crítica e da nossa denúncia.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Informo o Sr. Deputado Mendes Bota de que utilizou quatro minutos.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira Mesquita.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - É também para insultar o Tribunal Constitucional?!...

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - O Sr. Deputado Jerónimo de Sousa veio aqui, mais uma vez, falar da guerra às instituições democráticas, como é costume do Partido Comunista, regozijando-se com uma decisão do Tribunal Constitucional, a que empresta também, com o seu regozijo, verdadeira natureza política que, afinal, esta decisão do Tribunal Constitucional tem ao decidir por seis votos contra quatro a matéria que V. Ex.ª aqui veio trazer à Assembleia da República.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Na boca de um jurista, essa é notável!...

O Orador: - Mas V. Ex.ª diz mais: fala do regozijo dos trabalhadores face à decisão do Tribunal Constitucional, só que esquece que toda a legislação laborai que seria publicada ao abrigo da autorização legislativa iraria, no futuro, indiscutivelmente, melhorias para as classes trabalhadoras. Do mesmo modo, também vem trazendo melhorias para as classes trabalhadoras toda a acção política do Governo do Primeiro-Ministro Cavaco Silva, que inverteu o sentido descendente da nossa economia e proporcionou uma melhoria ao aumentar os salários reais dos trabalhadores.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Está tudo invertido!

O Orador: - São estes factos que vos doem. VV. Ex.ªs vêm aqui aproveitar-se de uma decisão política de um tribunal, que é político pela extracção da maioria dos juizes que a ele pertencem, e vangloriar-se por essa decisão política do Tribunal Constitucional. VV. Ex.ªs esquecem o que vai pelo mundo, designadamente pela Europa Ocidental, e mesmo o que vai «pelo sol da terra», para vós, que é a União Soviética, em que - isso lê-se na comunicação social -, de agora em diante, as empresas poderão fazer os chamados despedimentos livres para organizar o trabalho, contratar ou despedir trabalhadores, consoante as suas

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necessidades. VV. Ex.ªs não vão estando a par daquilo que se vai passando, designadamente na União Soviética, e é o insuspeito Diário de Lisboa que o diz.
Portanto, VV. Ex.ªs não tem razão quando criticam aquilo que se pretenderia fazer, ou seja, a chamada «modernização da legislação laborai». VV. Ex.ªs chamam «guerra» à crítica ou à reflexão que um órgão de soberania, que é o Governo, tem todo o legítimo direito de fazer e dar a conhecer ao País, depois de ter proposto à Assembleia da República as medidas que propôs. Quanto a nós, elas estavam certas e vinham resolver muitos dos problemas que a sociedade portuguesa hoje enfrenta. Mas VV. Ex.ªs estão pela política do quanto pior melhor e, por isso, regozijam-se com uma decisão política do Tribunal Constitucional.

Aplausos do PSD.

O Sr. António Vitorino (PS): - Na Alemanha Federal os juízes do Tribunal Constitucional são nomeados pelo Parlamento!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de saber qual o tempo de que o PCP dispõe.

O Sr. Presidente: - O PCP dispõe de um tempo total de dez minutos, mas, como é óbvio, só pode utilizar seis minutos na resposta aos pedidos de esclarecimento.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Deputado Mendes Bota disse que era óbvio e evidente virmos aqui congratular-nos com as decisões do Tribunal Constitucional. E óbvio e evidente que a Assembleia da República e um dos locais importantes, na nossa opinião, onde nos podemos congratular com uma decisão que tem a ver com o respeito e cumprimento da Constituição da República Portuguesa.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Que era previsível!

O Orador: - Sr. Deputado Mendes Bota, tivemos conhecimento das conclusões do acórdão porque estas são públicas, não estamos aqui a inventar nada. Há uma decisão que e pública, logo espero que retire a insinuação que fez relativamente à questão do acórdão.

Uma voz do PSD: - O Governo não e um órgão constitucional?! ...
O Orador: - Quanto à questão de o Tribunal Constitucional ser ou não passível de críticas, devo dizer que o 6. Mas a questão de fundo que lhe coloco e esta: como e que o Sr. Primeiro-Ministro procura transformar o Tribunal Constitucional num empecilho, num inimigo, ao tentar demonstrar que era apenas uma questão de seis contra quatro, quando de facto aquilo que o Tribunal Constitucional fez a pedido do Sr. Presidente da República, foi verificar a constitucionalidade de um diploma que estava ferido, tanto no plano formal como no plano substancial, dessa mesma inconstitucional idade?
Espero, Sr. Deputado Mendes Bota, que amanhã não comecem também a criticar o Presidente da República só porque exigiu, só porque reclamou a fiscalidade da constitucionalidade ou não do diploma.
Quanto à questão dos juizes do Tribunal Constitucional, Sr. Deputado Mendes Bota, independentemente do juízo de valor que possamos fazer de cada um deles, creio que fez afirmações tão graves que ficarão, com certeza, registadas e não cabe à minha bancada defender a honra de todos os juizes do Tribunal Constitucional, os que votaram vencidos ou os vencedores,...

Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

O Orador: -... porque o senhor está também a atingir pessoas que respeitamos e que, com certeza, lhe darão a devida resposta.
Penso que esse não foi um bom comportamento em relação a um órgão de soberania, como é o Tribunal Constitucional, composto por pessoas que, no mínimo, deviam merecer o respeito do Sr. Deputado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Relativamente à questão colocada pelo Sr. Deputado Vieira Mesquita, devo dizer-lhe que é, de facto, uma guerra às instituições democráticas, porque, no fundo, o governo do PSD tenta esconder os seus fracassos políticos, arranjando, de forma permanente, um inimigo. Só assim é que o governo do PSD sabe governar: precisa constantemente de um bode expiatório! Já o foi a Assembleia da República - e certamente que o Sr. Deputado se recordará - e agora passa a ser o Tribunal Constitucional. E não sei se um dia será outro órgão de soberania!
Quando o Sr. Deputado Vieira Mesquita diz que subimos à tribuna para falar da questão do regozijo dos trabalhadores, espero que também não critique o Presidente da República ou o próprio bispo de Setúbal. Certamente que não o irá fazer. Espero ainda que não o faça em relação aos próprios trabalhadores sociais-democratas que, ao lado de comunistas, socialistas e de homens e mulheres sem partido, lutaram contra este pacote laboral.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Certamente que é isso que vos dói, porque aquilo que o Sr. Primeiro-Ministro tentou varrer da memória colectiva do povo português foi que este acórdão do Tribunal Constitucional correspondia ao sentimento, à luta e à solidariedade de milhões de portugueses que se identificam com esse mesmo acórdão.
Portanto, Sr. Deputado, por muito que lhe doa, esta foi uma grande vitória dos trabalhadores, foi uma grande derrota do governo Cavaco Silva, foi uma grande vitória das instituições democráticas e da democracia, apesar do mau desgosto do Primeiro-Ministro Cavaco Silva.

Aplausos do PCP. do PS e da ID.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo, que dispõe de quatro minutos.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há questões que são muito empolgantes e há outras que, embora menos empolgantes, não são menores. A intervenção que vou produzir é muito simples e e no sentido de dar cumprimento a um pedido que há dias me foi feito por antigos alunos, professores e directores da Escola do Magistério Primário de Chaves.
No dia 28 de Maio a Escola do Magistério de Chaves celebrou os seus quinze anos de existência. Na celebração

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estiveram presentes alguns deputados desta Casa, como foi o caso do Sr. Deputado João Teixeira, do ex-deputado do PS e também ex-director daquela Escola Fillol Guimarães e do Sr. Deputado Fernando Pereira e eu próprio, como ex-alunos da mesma.
Esta celebração a que me refiro não teria grande relevância, porquanto todos os dias há celebrações de aniversários de escolas. No entanto, trata-se de uma escola que tem quinze anos de existência, que formou mais de mil professores, que, desde toda a província de Trás-os-Montes, passando pela zona da Grande Lisboa e do Grande Porto, toda a província do Alentejo, as regiões autónomas e os países de expressão oficial portuguesa, para alem da Europa, na sua grande maioria, têm dado provas de muita capacidade de trabalho, investigação, sentido do dever e da modernização do ensino.
Outro factor relevante, mas que, por outro lado, também é o mais triste, é que a Escola do Magistério de Chaves, ao comemorar os quinze anos do seu nascimento, celebre também (se isto é de celebrar!) o seu desaparecimento. Com efeito, depois de quinze anos de serviços prestados à comunidade, esta Escola fecha as suas porias. Esta é, de facto, uma situação de extrema gravidade, uma vez que a zona de Chaves, a zona de todo o Alto Tâmega, fica assim limitada quanto à possibilidade do ensino ate ao limite do 12.º ano. Cabe aqui referir que de toda a província de Trás-os-Montes é a cidade de Chaves a que tem maior número de alunos e é a zona do Alto Tâmega, na região de Trás-os-Montes, que tem maiores carências escolares, mesmo na relação alunos/escolas existentes.
É, pois, com alguma mágoa que aqui trago este problema, ainda que com simplicidade, no sentido de dar conhecimento à Câmara e ao País não só do excelente trabalho realizado durante estes quinze anos, mas principalmente das carências que a partir de agora mais se vão sentir na região do Alto Tâmega em termos de ensino.
Temos hoje a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro sediada em Vila Real; infelizmente aquela Universidade é pouco mais do que a Universidade de Vila Real e até este momento não se configura como uma verdadeira universidade de Trás-os-Montes.
Para muitos milhares de alunos que terminam o 12.º ano na região do Alto Tâmega a única alternativa que têm para a continuidade da sua vida escolar é sair para os grandes centros. Traia-se de um êxodo contínuo, de uma descaracterização cultural e intelectual da região do Alto Tâmega. De facto, a nível cultural esta região está ião carenciada que bastaria afirmar-vos que há mais de sele anos que em Chaves não há uma única sala de cinema. Isto é bastante significativo para vermos o quanto a cultura em Chaves tem andado arredada do convívio social. Na realidade, uma região com enormes potencial idades começa a ficar abandonada e humanamente desertificada, pelo que urge pôr um travão nestas coisas.
Pensamos, pois, que a regionalização poderia contribuir
Inflação humana.
Esta e uma reflexão que aqui quis deixar, em homenagem àqueles que durante alguns anos comigo conviveram naquela Escola, àqueles que a ela estiveram ligados, aos seus directores, que alguns foram, e aos seus mil alunos, que hoje são mil professores ao serviço do ensino.

Aplausos do PS, do PCP e do PRD e da ID.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Espada.

A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Faz-nos lembrar este governo a história daqueles pais que, assistindo na parada ao filho que marchava a descompasso, diziam orgulhosamente a quem os rodeava: vejam, o nosso filho é o único que leva o passo certo!
Assim procede o Governo. Executando contra todas as regras de bom senso e racionalidade democrática, vai afirmando as suas certezas dogmáticas e reafirmando os enganos de todos os outros agentes sociais.
O mais recente sintoma desta esquizofrenia política teve lugar ontem com a reacção do Sr. Primeiro-Ministro à declaração de inconstitucionalidade formal e material da lei de cessação do contrato individual de trabalho.
Parece-nos útil, antes do mais, lembrar que foi a requerimento de S. Ex.ª o Presidente da República que o Tribunal Constitucional apreciou e julgou da constitucionalidade das normas constantes no diploma do Governo, tendo o Presidente da República requerido a apreciação preventiva no uso pleno e legítimo das prerrogativas constitucionais. Fê-lo com fundamento em sérias dúvidas, não só expressas pelas centrais sindicais, por eminentes juristas e pela Igreja, mas também, naturalmente, às colocadas perante o seu próprio espírito e consciência, interpretando correctamente a sua função do último garante da legalidade democrática e dos direitos dos cidadãos.
Da apreciação preventiva decidiu o Tribunal Constitucional pela inconstitucionalidade das normas que constantes do pacote laborai mais críticas levantaram.
A conclusão do Tribunal Constitucional veio, assim, fortalecer a posição do PRD nesta e na anterior legislatura acerca da legislação laborai e de facto a confirmação que o Governo não cumpre a legalidade democrática. Teve oportunidade o PRD de se congratular pelo facto de o Tribunal Constitucional ter provado que há em Portugal limites ao poder político que têm de ser observados por todos.
No entanto, não foi esta a interpretação do Sr. Primeiro-Ministro, conforme ficou patente em declaração através da RTP.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Qual?

A Oradora: - Assim, ao invés de acatar e respeitar a decisão do Tribunal Constitucional, questionou-a pondo directamente em causa a independência dos juizes constitucionais e, mais grave e inadmissível num Estado de direito, questionou o próprio órgão de soberania, cuja composição actual e também apadrinhada pelo PSD.
Começou o Sr. Primeiro-Ministro por acusar o Tribunal Constitucional de acção obstrutiva das reformas estruturais quando esse bloqueio resulta da própria incapacidade de diálogo do Governo. Sc tivesse o Governo ouvido as várias vozes de bom senso que se afirmaram, teríamos hoje uma situação diferente. De resto, já nos começa a habituar o Governo à culpabilização dos órgãos de soberania como álibis para as incompetências de causa própria. Não queria o Sr. Primeiro Ministro a existência incómoda de um órgão de fiscalização política, que é a Assembleia da República. Não se satisfazendo, contesta agora o órgão de fiscalização e garante da legalidade democrática que é o Tribunal Constitucional.
Estamos, pois, perante mais um dos episódios autoritários para controlar toda a vida política nacional, numa tentativa de que os órgãos institucionais sejam pequenas réplicas do Governo propagadoras subservientes das asneiras do Executivo.

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Parece-nos neste ponto legítimo perguntar que resta ao Sr. Primeiro-Ministro senão pôr em causa o próprio Presidente da República. Num certo sentido, pensamos que esse ataque já se efectivou, posto que foi o próprio Presidente da República que requereu a apreciação preventiva de constitucionalidade ao Tribunal Constitucional.
É, pois, um ataque feito implicitamente em duas frentes e perante o qual os Portugueses e as instituições democráticas não podem ficar indiferentes.
Fe/o Prof. Cavaco e Silva de vítima, perguntando pungentemente à população como vai ultrapassar este obstáculo, parecendo desconhecer o Sr. Primeiro-Ministro que terá tão-somente de passar a agir em conformidade com as regras democráticas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PRD sempre afirmou que as leis laborais terão de ser alteradas adaptando-as às novas necessidades, não sendo portanto esse facto que está em causa.
O que não podemos admitir é que essas alterações sejam feitas sem um diálogo efectivo entre todas as forças sociais e sendo forçadas a constitucionalidade e legalidade democráticas.
Da atitude do Governo resultam elevados custos para o País e para a democracia. Atente-se na greve geral, cujas consequências para o desenvolvimento dos trabalhadores e famílias estão ainda por calcular.
Neste sentido, o PRD, dentro do espírito dos princípios em que enquadramos a nossa acção, não pode deixar de condenar vivamente a política do Executivo, apelando para que a consciência democrática se manifeste na acção do Governo pelo acatamento e respeito da autoridade judicial e da Constituição.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP e da ID.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira Mesquita.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Sr.ª Deputada Isabel Espada, não vou repelir algumas das afirmações que já fiz relativamente a uma intervenção da bancada do PCP e que V. Ex.ª aqui veio copiar, mais ou menos com os mesmos contornos, daquela que foi produzida pelo PCP.
Porem, V. Ex.ª trouxe à liça uma afirmação que me deixou perplexo. Na verdade, não compreendo bem qual foi a sua intenção, quando disse que nada mais resta ao Sr. Primeiro-Ministro senão pôr em causa o Presidente da República. V. Ex.ª ignora que, em lermos constitucionais, o Presidente da República tem todo o direito de solicitar ao Tribunal Constitucional a chamada fiscalização preventiva da constitucionalidade dos diplomas legais?
Por que e que V. Ex.ª vem dizer que o Sr. Primeiro-Ministro pretendeu pôr em causa o próprio Presidente da República? Descanse, Sr.ª Deputada, pois V. Ex.ª não retira das palavras ou das atitudes do Sr. Primeiro-Ministro qualquer afirmação ou asserção que venha a indicar que está em causa o diálogo institucional que tem existido e que vai continuar a existir entre o Governo e a Presidência da República. Talvez isso lhe doa, Sr.ª Deputada, mas a verdade e que não é por aí que o Governo caminhará.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Espada.

A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Deputado Vieira Mesquita, parece que a bancada de que faz pane começa a tomar o hábito de considerar que tudo o que está à esquerda do PSD 6 comunista.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - É o seu caso!

A Oradora: - Essa é uma teoria que vem de há muito tempo... não sou desse tempo, mas creio que era isso que se dizia acerca de dez ou vinte anos atrás!
Sr. Deputado, a intervenção que produzi foi em nome da minha bancada e não, tem nada a ver com as intervenções das outras bancadas. É bom que isso fique bem claro!
Em relação à afirmação de que o Sr. Primeiro-Ministro ou o Governo estariam a pôr em causa o Sr. Presidente da República, devo dizer que não foi isso que eu disse. Apenas coloquei essa dúvida, que creio que é legítima, posto que ato agora todos os órgãos institucionais a nível nacional têm vindo a ser postos em causa; só resta o Sr. Presidente da República!
Nesse sentido, Sr. Deputado, gostaria de lhe dizer que realmente há uma diferença substancial entre a posição do Sr. Presidente da República e a do Governo relativamente ao pacote laborai. Enquanto o Governo declarou que não tinha dúvidas absolutamente nenhumas e, inclusive, que não eslava disposto a alterar uma única vírgula, ao contrário, o Sr. Presidente da República manifestou as suas dúvidas, tanto que pediu ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva do diploma. Portanto, penso que em termos qualitativos há uma diferença substancial em relação à posição do Governo e do Sr. Presidente da República.
Vamos ver em que termos é que o Governo vai apreciar as decisões que o Sr. Presidente da República tomará no futuro. É o único órgão que falta...

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para muitos agricultores algarvios o ano está irremediavelmente estragado. Uma maré de azar tem-se abalido em vagas sucessivas sobre o sector, com repercussões negativas que estão longe de se poderem calcular.
Já não bastava a queda de granizo, que em Outubro passado queimou milhares de árvores de fruto na zona compreendida entre Tavira e Olhão.
Logo em Dezembro chuvas torrenciais varreram o Algarve de ponta a ponta, provocando estragos irreparáveis nas culturas.
A seguir à fartura da água seguiram-se meses de seca, contribuindo ainda mais para agravar a situação.
Estava para chegar a catástrofe desinformativa. Aconteceu em 28 de Março passado, e vale a pena ser contada.
Todos sabemos como, por vezes, há títulos na comunicação social cujo sentido não encontra correspondência no corpo da notícia.
E sabemos também que, aos efeitos negativos de um título sensacional ista, não há desmentidos que cheguem para anular as consequências gravosas de uma meia verdade, de uma verdade deturpada, ou mesmo de uma mentira.
O que aconteceu revela igualmente a fragilidade dos cidadãos e ato mesmo de sectores inteiros da vida económica e social, face a uma qualquer divulgação menos correcta de factos e de situações.
Em Novembro de 1986 foram legalmente importados de Espanha morangueiros das variedades Chandler, Douglas e Selva, destinados, como habitualmente, à campanha portuguesa do morango.
Foi pelos serviços do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação então detectada, no desenrolar da campanha,

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a existência de uma bactéria que alceia apenas e tão-só o desenvolvimento da própria planta, não contendo o mínimo risco para a saúde pública.
Esta bactéria, que figurará doravante nos anais da má memória do desenvolvimento da agricultura em Portugal, dá pelo nome sinistro de Xanthomonas fragariae e foi combalida pelos serviços oficiais do Ministério, nomeadamente através do subsídio a fundo perdido de 1200 contos por hectare, para o arranque, queima e isolamento das parcelas culturais afectadas.
É de realçar que, ocupando a produção de morango em todo o País cerca de 800 ha, gerando uma receita superior a 1 milhão de contos, a doença manifestou-se apenas em 2 ha no Algarve (Algoz) e no Ribatejo Oeste.
O caso poderia ter morrido aqui. A campanha desenvolveu-se normalmente e intensificaram-se os cuidados tendo em vista futuras importações de morangueiros.
Só que a burocracia em Portugal e um modelo de rapidez e de eficácia, como e do conhecimento de todos nós.
Sobre uma doença referente a uma campanha incitada em 1986, só em Junho de 1987 o Centro Nacional de Protecção da Produção Agrícola detectou a origem e a dimensão do problema, só em 31 de Janeiro de 1988 o assunto mereceu o despacho conjunto dos Secretários de Estado do Tesouro e da Alimentação e só em 22 de Março de 1988 (1) o Diário da República deu pública estampa ao referido despacho.
Pressuroso, o jornalista de serviço à folha oficial num dos nossos matutinos olhou para o despacho, confundiu doenças que afectam plantas com doenças que afectam pessoas e descobriu a manchete que ocuparia espectacularmente a primeira página num dos dias seguintes: «Governo recomenda cautela - Evite os morangos, podem ser perigosos!...»
Estava lançada a bola de neve. Gerou-se alarme público e o consumo de morangos quebrou na vertical, de um dia para o outro, deixando os produtores a braços com milhares de toneladas de um produto a apodrecer, sem conservação possível.
De pouco adiantaram os esclarecimentos oficiais que quer a Direcção Regional de Agricultura do Algarve, quer a própria Secretaria de Estado da Agricultura se apressaram a divulgar na comunicação social.
Infelizmente, já vai sendo hábito em Portugal: as manchetes do escândalo, do alarme e da difamação ocupam sempre as letras gordas das chamadas de atenção. O esclarecimento, o desmentido e a reparação raramente conseguem ultrapassar o caminho envergonhado das notícias que potencialmente alguém determina não terem clientela.
Eis-nos, pois, chegados à situação dramática de largos sectores da agricultura algarvia. Uma situação de falência económica que já conduziu, num curto espaço de tempo, cinco agricultores ao suicídio.
Esta situação é determinada pela quebra de receitas esperadas, por investimentos não recuperados, por afectação da capacidade produtiva, sem meios de reposição.
Há falta de fundo de maneio. E se aceitamos que o Estado não deve voltar a enveredar pela subsidiarite aguda que durante largo tempo lambem o afectou, pensamos não poder o Estado alhear-se de uma situação provocada por imponderáveis da sorte, que não há nenhum seguro de colheita que salvaguarde.
É, pois, de coração nas mãos que, como deputado pelo Algarve, que sente o drama vivido por essas centenas de agricultores, com quem reunimos e convivemos, não posso deixar de endereçar ao Governo, nomeadamente aos Ministérios da Agricultura, Pescas e Alimentação e das Finanças, um apelo que poderá ser dramático, poderá ser patético, não deverá é ser considerado à partida fadado ao insucesso, no sentido de ser criada uma linha de crédito especial e extraordinária, com juros bonificados, para acudir a todos aqueles que tenham sido comprovadamente vítimas das contingências da mãe-natureza e da madrasta da sorte.
Quatro pragas sobre a agricultura algarvia já cá estão. Não podemos é ficar esfingicamente à espera que cheguem mais três...

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem u palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: No passado domingo, dia 29 de Maio, as populações do Rochoso, no concelho da Guarda, e de Freineda e Miuzela, no concelho de Almeida, foram confrontadas com a decisão unilateral da CP no sentido de determinar que cinco dos comboios diários que servem aquelas povoações deixassem de parar nos respectivos apeadeiros. Ora, tal decisão foi tomada sem aviso prévio e, inclusivamente, contraditando afirmações feitas na semana transacta por responsáveis locais da CP de que não havia qualquer intenção de determinar a diminuição dos comboios que, diariamente, servem as populações das referidas povoações daqueles dois concelhos do distrito da Guarda.
Perante a não paragem dos comboios sem aviso prévio, naturalmente as populações reuniram-se junto à linha do caminho de ferro para manifestarem a sua indignação e o seu protesto. Estranhamente, algumas horas antes de se verificar esse ajuntamento, já a Guarda Nacional Republicana tinha tomado posições no apeadeiro do Rochoso, quando ainda não havia ajuntamento e a decisão da CP, nem sequer era do conhecimento das próprias populações, sem que se perceba bem quem chamou a Guarda Nacional Republicana e com que intenções.
Perante a situação criada pelo ajuntamento popular, foram entabuladas negociações com a CP por dois vereadores da Câmara Municipal da Guarda e pelo presidente da Câmara Municipal de Almeida. Tais negociações, que decorreram fora do local da concentração popular conduziram a um acordo de princípio que permitiria desbloquear a situação.
Qual não foi o espanto dos autarcas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quando, ao regressarem ao local da concentração, verificaram que na sua ausência se linha registado uma intervenção da GNR sem que nada o justificasse, com o objectivo de dispersar aquela concentração pacífica. Mas a intervenção da GNR rodeou-se de um aparato bélico inexplicável: vários cães foram utilizados e os agentes da ordem dispersaram a manifestação à bastonada. Foi uma intervenção com uma violência desmesurada e injustificada, de que resultaram três feridos assistidos no Hospital da Guarda e mais de uma dezena de feridos ligeiros.
No rescaldo desta situação, ontem, em Lisboa, desenrolaram-se negociações entre a administração da CP e representantes da Câmara Municipal da Guarda e da Câmara Municipal de Almeida; negociações essas que conduziram ao desbloqueamento completo da situação e a um acordo de princípio entre ambas as partes em termos que servem os interesses das populações.
A questão de fundo ficou resolvida pelo diálogo; resta e perdura a imagem e as sequelas da violência desnecessária, injustificadamente utilizada pela GNR em lermos tais que não dignificam as forças da ordem.

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Esta situação é inexplicável, como inexplicável é o silencio da Sr.ª Governadora Civil da Guarda sobre a situação em causa.
Daí que, ao fazer esta intervenção aqui na Câmara, solicite ao Sr. Presidente da Assembleia da República que encaminhe para o Governo um requerimento que vou entregar na Mesa, no sentido de saber quais as razões da actuação da GNR na povoação do Rochoso e que medidas 6 que o Governo vai tomar para apurar as responsabilidades dessa intervenção, a fim de que se saiba quem chamou a GNR nas condições atrás referidas e quem lhe deu ordens para intervir com tamanha, desmesurada e injustificada violência.

Aplausos do PS. do PCP, do PRD e da ID.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A convite da comissão sindical da Metalúrgica FACAR visitei as instalações desta empresa, em Leça da Palmeira, em 16 do corrente.
A FACAR tem 947 trabalhadores e está paralisada desde 21 de Julho de 1987, data em que lhe foi cortado o fornecimento de energia eléctrica.
O indeferimento do pedido de falência requerido por um credor alemão, em 23 de Outubro de 1987, abriu a possibilidade de viabilização da empresa, a qual está, essencialmente, dependente do maior credor, o Banco Português do Atlântico, que adquiriu o credito do Banco Pinto & Solto Mayor para obter essa qualidade de credor maioritário.
Na verdade, pude verificar, durante a visita que efectuei às insolações da FACAR, não só que se trata de uma grande e bem apetrechada unidade industrial, cuja actividade, alem de metalurgia, abrange ainda uma parte de produção de plásticos, mas ainda que diariamente ali se mantém uma parte dos trabalhadores que dão assistência às diversas máquinas para evitar a sua degradação.
E o reinicio da laboração da FACAR, além de pôr fim à grave situação de não recebimento de salários em relação aos seus 947 trabalhadores, poria igualmente termo aos problemas de cerca de 4(XX) pessoas do ramo automóvel, da construção civil e outros que da FACAR dependem directa ou indirectamente.
Acresce que a paralisação da FACAR conduz à importação de tubo de ferro da Espanha, o que contribui lambem paru evidenciar que tal paralisação é um alentado à economia do País.
Não fatiará quem esteja interessado em aproveitar esta situação, quer no sentido de adquirir a empresa, quer de conseguir o seu encerramento definitivo.
Em 28 do corrente, realizar-se-á, no Tribunal de Matosinhos, uma reunião dos credores e o administrador judicial em exercício projecta, antes disso, pôr a funcionar as secções de galvanização e de plásticos.
Parece evidente que tudo depende do credor maioritário, que e o Banco Português do Atlântico; e como se trata de um banco nacionalizado, cujos interesses se devem identificar com os do Estado, não seria entendível que ele deixasse naufragar uma empresa viável e tão importante, como pretendem empresas concorrentes.
Esperemos que tal não aconteça e que a FACAR, empresa de grande dimensão e bem apetrechada, possa retomar a sua laboração.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Mota.

O Sr. António Mota (PCP): - Sr. Deputado Raul Castro, na passada segunda-feira visitei a empresa FACAR e também tive ocasião de me inteirar dos problemas que o Sr. Deputado aqui referiu na sua intervenção.
Ao congratular-me com as suas palavras, direi que, naturalmente, o meu partido também está preocupado com a situação que se vive na FACAR, não só em relação aos trabalhadores, mas também com o que isso significa para a região de Matosinhos, pois trata-se de uma empresa com 947 trabalhadores, que tem uma grande tradição e que é fundamental para o desenvolvimento daquela região.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Deputado António Mota, naturalmente não darei resposta ao seu pedido de esclarecimento, pois o que V. Ex.1 fez foi solidarizar-se com a questão que levantei, o que, aliás, decorre da visita que também efectuou ao local. Não me resta, pois, senão congratular-me com essa tomada de posição.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia e suspendo a sessão por cinco minutos.
Eram 11 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 11 horas e 40 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, do primeiro ponto da nossa ordem do dia consta a apreciação do inquérito parlamentar n.º 8/V - Aos actos do Governo e da Administração relacionados com as OPV de sete empresas do grupo SONAE, apresentado pelo PS.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, se me dá licença, antes de intervir, desejava interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, enviámos para a Mesa um documento, com pedido de leitura, para se dar conhecimento aos Srs. Membros do Governo de uma situação extremamente relevante para os nossos trabalhos. Possivelmente, o Sr. Ministro das Finanças, que aqui está presente, poderá esclarecer-nos imediatamente e, deste modo, contribuir para que os nossos trabalhos tenham um andamento bastante mais informado. Solicito, pois, ao Sr. Presidente que esse documento seja lido.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o documento que refere acabou de dar entrada na Mesa. Dentro do tempo que foi distribuído ao PS para discussão desta matéria, ou seja, vinte minutos, o PS pode administrar o seu tempo como bem entender.

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3 DE JUNHO DE 1988 3899

O Sr. João Cravinho (PS): - Portanto, o Sr. Presidente autoriza-me que proceda à leitura do documento que foi entregue na Mesa, não ó verdade?

O Sr. Presidente: - Dentro do tempo que o PS dispõe, certamente, Sr. Deputado.

O Sr. João Cravinho (PS): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
O documento e do seguinte teor:

Sr. Presidente da Mesa da Assembleia da República:
Nos termos das alíneas c) e d) o artigo 1999 da Consumição e alíneas h) e j) do artigo 8.º do Regimento da Assembleia da República, constituem poderes dos deputados:

c) Fazer perguntas ao Governo sobre quaisquer actos deste ou da Administração Pública;
d) Requerer e obter do Governo ou dos órgãos de qualquer entidade pública os elementos, informações e publicações oficiais que considerem úteis para o exercício do seu mandato.
Trata-se de poderes, o que acentua a natureza funcional dessas importantes prerrogativas.
Isto se afirma para realçar que se trata de poderes de membros de um órgão de soberania - a Assembleia da República - a que, por seu turno, compete, no exercício das suas funções de fiscalização, vigiar pelo cumprimento da Constituição e apreciar os actos do Governo e da Administração (alínea a) do artigo 165.º da Constituição).
No legítimo e justificado exercício dos mencionados poderes, o deputado do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, abaixo assinado, João Cravinho, requereu ao Governo, através do Ministro das Finanças em 21 de Janeiro de 1988 e relativamente às Bolsas de Lisboa e Porto:
a) Lista de ilícitos participados aguardando despacho, identificando objecto e fundamento da participação, bem como a qualidade dos participantes;
b) Relatórios correspondentes às inquirições e averiguações acima referidas ou, na sua inexistência, informação suficiente sobre os factos apurados, seguimento proposto e conclusão dada.
Decorridos mais de quatro meses, o requerente não obteve qualquer dos elementos e informações solicitados, nem qualquer justificação da sua demora ou da sua recusa.
Com data de 23 de Março, igualmente do ano em curso, em representação do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, os deputados Manuel dos Santos e Fernando Moniz -lambem signatários deste requerimento - endereçaram ao Sr. Presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano da Assembleia da República um ofício em que, invocando a notícia, veiculada pela imprensa, de que haviam sido entregues ao Sr. Ministro das Finanças o relatório e os inquéritos referentes às OPVs de sete empresas do Grupo SONAE, solicitaram as seguintes diligências:
a) O envio urgente a esta Comissão do citado relatório, bem como dos relatórios finais produzidos pelas inquirições determinadas pelo Sr. Ministro das Finanças;
b) A realização de uma reunião com o Sr. Ministro das Finanças, ao abrigo das disposições regulamentares referentes às competências de fiscalização cometidas à Assembleia da República.
Em consequência, o presidente daquela Comissão, por ofício do dia seguinte, dirigido ao Presidente da Assembleia da República, solicitou a promoção daquelas diligencias, sublinhe-se, por decisão unânime da Comissão.
Por ofício de 21 de Abril passado, a vice-presidente da mesma Comissão comunicou ao Presidente da Assembleia da República que, até aquela data, apenas havia sido recebido o relatório-síntese, mantendo-se em falta os restantes elementos solicitados.
Ao mesmo tempo solicitou que insistisse junto das entidades competentes para o cumprimento integral do pedido.
Idêntica insistência foi solicitada ao Presidente da Assembleia da República por ofício do presidente daquela Comissão, datado de 19 de Maio. Ate agora, sem qualquer resultado.
Este facto permite concluir, sem sombra de dúvida ou exigência de mais prolongada expectativa, que o Governo -com destaque para o Sr. Ministro das Finanças- não encara a serio os deveres correspondentes aos mencionados poderes dos deputados.
Não pode, sequer, pretender-se que se trate de atitude isolada, susceptível de uma explicação casuística, visto que em muitas outras situações paralelas foi idêntica a atitude de renitente silêncio ou de reiterada resistência a contribuir para o normal exercício, pela Assembleia da República, da sua competência para fiscalizar e apreciar os actos do Governo e da Administração.
Num vulgar processo forense, chamar-se-ia a isto recusa de contribuição para a descoberta da verdade, se não mesmo recusa de provas ou ate sonegação delas.
No plano da interdependência entre órgãos de soberania (n.º 1 do artigo 114.º da Constituição) há que esclarecer, de uma vez por todas, se o poder de os deputados fazerem perguntas ao Governo pode ser frustrado pela ausência de resposta.
A menos que a Constituição se resigne a consagrar direitos a que não correspondem deveres.
Tem de entender-se que ao poder de perguntar, corresponde o dever de responder.
Dúvida que, aliás, se não coloca em relação ao poder previsto na alínea d) do artigo 159.º, visto que surge formulado em termos de «requerer e obter do Governo ou dos órgãos de qualquer entidade pública os elementos, informações, [...]».
Nem se diga que se trata de uma obrigação sem prazo. O Governo teria essa obrigação, mas poderia adiar nine de o seu cumprimento.
É óbvio que lambem a Constituição não consagra direitos para usar na lapela, mas para poderem ser exercidos em tempo útil.
E a recusa do Governo, relativamente aos elementos solicitados dura há tempo bastante para estar comprovado o conteúdo essencial do poder em causa.

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Conceber-se-ia mal que a Constituição e a lei, reconhecendo um poder, não reconhecessem ao respectivo titular os meios adequados à sua efectivação.
Tal não acontece.
Desde logo, e em caso de dúvida, pode esse titular recorrer a uma acção meramente declarativa que tome líquida a sua existência, a existência do correspondente dever, e a imperatividade da efectivação de um e outro [artigo 4.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil.
De igual modo, a Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, que veio definir os crimes da responsabilidade dos titulares dos cargos políticos cometidos no exercício das suas funções, considera como tais: a negação de administrar a justiça ou aplicar o direito que, nos termos da sua competência, caibam ao titular do cargo político ou lhe sejam requeridos (artigo 12.º); a recusa sem motivo legítimo de cooperação, possível em razão do cargo, para qualquer serviço público, que tenha sido solicitada ao titular do cargo político (artigo 25.º).
Como último recurso haveria sempre a efectivação da responsabilidade civil decorrente de omissão cometida no exercício de funções, de que resulte - como 6 o caso - prejuízo para outrem (artigo 22.º da Constituição).
Como se vê, embora de uso não corrente, nem em regra desejável, não faltam instrumentos para a efectivação do poder em causa.
Mister e que o respectivo titular se convença - como é o caso - de que mais grave do que lançar mão deles e assistir, inerme, à frustração da fiscalização do Governo pela Assembleia.
Acontece que está presente neste hemiciclo o destinatário dos requerimentos formulados, ou seja, o sujeito passivo dos deveres correspondentes aos invocados poderes. É pois adequado o momento para requerer a V. Ex.ª que:
a) Dê conhecimento deste requerimento ao Sr. Ministro das Finanças, para que sobre ele possa dar à Assembleia da República os esclarecimentos e as informações que julgue convenientes;
b) De também conhecimento do mesmo requerimento ao Plenário da Assembleia da República, visto que a falta se mostra cometida em relação a esta;
c) De ainda conhecimento ao Sr. Ministro das Finanças e ao Governo de que, a persistirem na recusa, ou no mínimo na atitude de resistência passiva, relativamente ao cumprimento dos mencionados deveres, devem considerar-se lealmente advertidos de que os signatários recorrerão a todos os meios legais ao seu dispor para efectivarem as correspondentes responsabilidades, isto é, os signatários reservam-se o direito de levar a tribunal os Srs. Membros do Governo.

Os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista: João Cravinho - Manuel dos Santos - Fernando Moniz - Arons de Carvalho e mais um subscritor.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças (Miguel Cadilhe): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ó Sr. Deputado João Cravinho tem pedido vários elementos ao Governo e suponho que, na maioria dos casos, as respostas têm vindo em tempo útil e em qualidade suficiente, embora alguns pedidos não tenham sido satisfeitos.
Os pedidos inventariados na exposição que acaba de ser lida, do Sr. Deputado João Cravinho e de outros Srs. Deputados do PS, são precisamente exemplos de pedidos de elementos ao Governo que não podem ser satisfeitos, pelo menos para já. Referindo-me ao mais expressivo desses casos, vou ler a informação que ontem foi prestada, mais uma vez, e que, com muito gosto, trago à consideração ou ao conhecimento de VV. Ex.ªs:

OPV SONAE - Relatórios

Obtido parecer final e conclusivo do Sr. Auditor Jurídico em 31 de Maio: à luz da alínea b) do oficio de 9 de Maio de 1988 do Sr. Procurador-Geral da República, uma vez que os indícios de ilícito criminal constam dos documentos do processo instrutor e uma vez que a Procuradoria-Geral da República mandou instaurar o respectivo procedimento criminal, os documentos reclamados pela Assembleia da República não poderão ser remetidos pelo Governo, já que ficaram submetidos a segredo de justiça.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Ministro, vai desculpar que lhe diga, está muito enganado, factualmente! Nesta sessão legislativa fiz apenas dois requerimentos -não encontra nenhum outro! - e, no entanto, o Sr. Ministro diz que eu tenho feito vários pedidos ao Governo.
Os dois requerimentos que fiz não têm a ver com aquilo que o Sr. Ministro mencionou porque o pedido a que se referiu foi feito pela Comissão de Economia e Finanças e, relembro, por unanimidade. Neles peço elementos que o Sr. Ministro deveria ter o cuidado e o desejo profundo de responder em oito dias, se não fosse no dia seguinte, pois solicitei documentos que estão todos em arquivo e que existem, todos, nos serviços do Estado. Nada peço que não possa ser retirado de um arquivo e entregue no dia seguinte. No entanto, já lá vão quatro meses...
Sr. Ministro, não confunda aquilo que foi o pedido unânime feito pela Comissão de Economia e Finanças com os meus requerimentos, pois são duas coisas distintas!
O meu primeiro requerimento podia ter sido respondido no dia seguinte ou na hora; no entanto ainda não o foi ao fim de quatro meses. O meu segundo requerimento foi respondido em condições tais que me dirigi ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares por duas ou três vezes - como ele se deve lembrar - dizendo-lhe que aquela não era maneira de se responder a ninguém, porque, de facto, tinha sido respondido com os pés, tal como posso provar-lhe entregando-lho, pois tenho aqui esses elementos. Foi, pois, respondido com os pés! Isto é, pura e simplesmente, inadmissível! Entretanto, perguntei ontem aos respectivos serviços da Assembleia se havia alguma resposta adicional, e então veio uma resposta adicional satisfatória. A primeira foi com os pés, Sr. Ministro, e mostra o mais profundo desprezo por si próprio e pelos seus serviços.

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Assim, Sr. Ministro, este assunto está arrumado definitivamente, e, se quiser as provas, bem como os Srs. Deputados, elas estuo todas aqui, pois eu trouxe-as para isso.
O segundo e último ponto que gostaria de referir e o seguinte: não percebi muito bem se o Sr. Ministro disse não poder enviar os inquéritos à Assembleia da República porque o Sr. Procurador-Geral da República ou a Procuradoria-Geral não o deixam ou não o querem ou não o podem permitir.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - É a lei!

O Orador: - Estou a perguntar e a pergunta é seria se é o Sr. Procurador-Geral ou a Procuradoria-Geral que tomam impeditivo o envio dos inquéritos à Assembleia da República para efeitos da competência da Assembleia da República. Veja bem como responde, Sr. Ministro! Isto tem graves responsabilidades para si e para outros!

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Muito bem!

O Sr. Flausino da Silva (PSD): - Isto é uma ameaça?

O Sr. João Cravinho (PS): - Não, não é, mas veremos!

O Sr. Flausino da Silva (PSD): - Mas parece!

O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu o favor de me substituir.
Entretanto, tem a palavra, para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro das Finanças, a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Ministro das Finanças, a questão que lhe coloco e a seguinte: no final da sua curta intervenção (c na altura tive dúvidas se era uma intervenção ou um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado João Cravinho), o senhor referiu-se à impossibilidade de dar a conhecer à Assembleia da República a documentação resultante dos relatórios e inspecções que mandou efectuar.
Embora o Sr. Deputado João Cravinho, no pedido de esclarecimento que lhe fez, já tenha posto a questão de saber se essa impossibilidade resulta da Procuradoria-Geral da República ou do Sr. Ministro, penso que, de facto, se trata de um aspecto fundamental que importa clarificar neste momento.
Um outro aspecto que imporia clarificar é o seguinte: o Sr. Ministro, certamente, conhece o que dizem a Constituição e o Regimento da Assembleia da República sobre os inquéritos, as comissões de inquérito e os seus poderes nesta Assembleia. Como certamente conhece, sabe que o artigo 255.e do Regimento refere que «as comissões parlamentares de inquérito gozam dos prestes de investigação
previstos na lei».
Então, Sr. Ministro, se há uma impossibilidade da sua parte ou da parte da Procuradoria-Geral da República - questão que ainda vamos clarificar, creio eu! -, resta-nos, para termos acesso a esses documentos, a necessidade de constituirmos uma comissão de inquérito para, usando dos poderes previstos na Constituição da República e no Regimento, podermos ler acesso a esses documentos.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Quer violar o segredo de justiça?!...

A Oradora: - Não, Sr. Deputado. O senhor e jurista e sabe o que significa esta afirmação...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Ser jurista não quer dizer nada!

A Oradora: -... constante do artigo 255.º do Regimento - e volto a ler: «As comissões parlamentares de inquérito gozam dos poderes de investigação próprios das autoridades judiciais e demais poderes e direitos previstos na lei.» Logo, para esta comissão de inquérito, o segredo também e de justiça, mas tendo acesso a todos os documentos. Sendo assim, parece que estamos confrontados com a questão de que é obrigatória a constituição da comissão de inquérito para podermos ter acesso a esses documentos. É esta a questão que lhe coloco, Sr. Ministro.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Muito rapidamente, Srs. Deputados, quero dizer que transmiti à Câmara o parecer do auditor jurídico, e não vou, certamente, lê-lo de novo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - É o auditor jurídico do seu Ministério?

O Orador: - Ó minha senhora, se não tem conhecimento da orgânica dos governos, do papel das atribuições e da independência dos auditores jurídicos, vai desculpar-me mas eu não vou explicar-lhe isso, hoje, neste local.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto ao acesso aos relatórios das diversas inspecções, devo dizer que eles são confidenciais,...

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Quem não deve não teme!

O Orador: -... porque tratam de matéria que tem a ver com a vida empresarial, com as instituições e com o mercado de capitais em Portugal. É evidente que lerei muito gosto em enviar os relatórios, na certeza absoluta de que o Parlamento assegurará a defesa e a salvaguarda dessa confidencial idade. E fá-lo-ei se os Srs. Deputados mantiverem o seu pedido, logo que o parecer jurídico seja no sentido de que não coloca quaisquer objecções a esse envio.
Quanto à constituição da comissão de inquérito que a Sr.ª Deputada lida Figueiredo colocou como hipótese... Bom, o problema não é do Governo, mas sim do Parlamento. Se o Parlamento decidir instaurar um inquérito, pode crer, Sr.ª Deputada, que o receberei com toda a tranquilidade e até com alguma satisfação, salvo os efeitos perversos que ele seguramente poderá ler na estabilidade e na confiança do mercado,...

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Afinal! ...

O Orador: -... que é coisa que a não preocupa,...

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Porque eles não querem!

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O Orador: - ... porque sei que a Sr.ª Deputada gostaria era de ver de rastos a confiança do mercado.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Não tire conclusões precipitadas!...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É a cassette!...

O Orador: - Finalmente, Srs. Deputados, este processo dos dossiers das sele OPV da SONAE arrasta-se já há largos meses, e penso que já deveria ter sido encerrado.

O Sr. João Cravinho (PS): - Não é esse o caso! É um inquérito aos actos do Governo! Não é à SONAE!

O Orador: - É evidente que o Sr. Deputado João Cravinho quer encontrar todos os pretextos para pôr em causa o Governo...

O Sr. João Cravinho (PS): - O Governo ó que quer encontrar todos os pretextos para impedir os inquéritos!

O Orador: -... e é lamentável que um assunto desta ordem seja pretexto para os fins a que se propõe o Sr. Deputado João Cravinho. Os fins, mesmo os partidários, não justificam todos os meios!

Aplausos do PSD.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que eleito, Sr. Deputado?

O Sr. João Cravinho (PS): - Para fazer um requerimento oral à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Cravinho (PS): - Requeira à Mesa que, para os devidos efeitos, sejam remetidos ao Sr. Procurador-Geral da República extractos das afirmações do Sr. Ministro.

Vozes do PSD: - Basta mandar o Diário da Assembleia da República.

O Sr. João Cravinho (PS): - É um requerimento e gostaria que a Mesa lhe desse o seguimento normal.

O Sr. Presidente: - A Mesa aceita o requerimento e vai pô-lo à discussão e votação.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra pura interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor. Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): -Sr. Presidente, salvo melhor opinião, o Sr. Deputado João Cravinho acabou de formular uma proposta de resolução que lerá de ser agendada para poder ser discutida e votada.
Os requerimentos dizem respeito à condução dos trabalhos e o conteúdo do requerimento que acabámos de ouvir não tem nada a ver com a condução dos trabalhos. Sc assim fosse, o requerimento seria pertinente e, portanto, votado imediatamente.
O que o Sr. Deputado João Cravinho propôs foi uma resolução, isto é, que a Assembleia resolva dar determinado seguimento a determinados documentos, portanto o requerimento do Sr. Deputado só tem de requerimento o nome. Enfim, na engenharia não se usam requerimentos, pelos vistos...
Sr. Presidente, julgo, pois, que não se pode votar a proposta do Sr. Deputado João Cravinho,...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É assim que ele discute o Regimento!

O Orador: -... pois seria um grande entorse e um precedente que, esse sim, poria de rastos a credibilidade do Parlamento que, convenhamos, precisa de se acautelar para não ser diminuído, embora a oposição faça tudo para isso.
Sr. Presidente, peço-lhe, pois, que não ponha à votação o requerimento do Sr. Deputado João Cravinho, em nome da credibilidade do Parlamento.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, peça a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, gostaria de interpelar a Mesa, substancialmente, no mesmo sentido que o Sr. Deputado Silva Marques.
Entendo que o requerimento não tem que ser votado, mas trata-se, efectivamente, de um requerimento. É um assunte de mero expediente e está relacionado com os poderes dr Mesa, pois esta tem poderes para lhe dar seguimento.
De qualquer maneira, recordo ao Sr. Deputado João Cravinho que se trata apenas de uma questão de tempo porque suponho que o Sr. Procurador-Geral da República lê atentamente as actas da Assembleia da República e portanto, as afirmações que o Sr. Ministro das Finanças profere neste hemiciclo constam dessas actas, pelo que serão lidas atentamente.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Tal como as de Sr. Deputado João Cravinho!

O Orador: - É um sublinhado que V. Ex.ª entendei fazer - não vamos julgar o seu entendimento - e à decisão da Mesa poderá ser no sentido de, antes da açu impressa, mandar o borrão ao Sr. Procurador-Geral da República. Não é a Assembleia que o tem que decidir sobre a atitude a tomar, mas sim a Mesa. Trata-se de um acto de mero expediente e, portanto, penso que não devemos vota o requerimento.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Leonardo Ribeiro de Almeida.

O Sr. Leonardo Ribeiro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, na esteira de quanto foi dito pelos Srs. Deputado Silva Marques e Nogueira de Brito, parece-me, inclusivamente, que o requerimento 6 desnecessário. Todos sabe mós que tudo o que 6 publicado nos jornais oficiais designadamente no Diário da República e no Diário d* Assembleia da República, é do conhecimento oficioso d todos os órgãos do Estado, a todos os níveis das sua hierarquias. Portanto, ninguém pode ignorar ou alegar falta de conhecimento, pelo que podemos estar certos de que Sr. Procurador-Geral da República tem conhecimento oficioso de tudo o que aqui se passa, através do Diário.

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3 DE JUNHO DE 1988 3903

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, a propósito das declarações dos Srs. Deputados Silva Marques, Nogueira de Brito e Leonardo Ribeiro de Almeida, devo dizer que conheço perfeitamente a doutrina expendida. Se, de facto, pedi que os extractos das afirmações do Sr. Ministro das Finanças fossem transmitidos ao Sr. Procurador-Geral da República foi pela simples razão de que o Diário vai levar quinze dias a ser publicado, e durante este tempo poderão desaparecer sujeitos activos e passivos desta história. Portanto, convinha que o assunto fosse rapidamente tomado em consideração pelo Sr. Procurador-Geral.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Capucho): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro pede a palavra para uma interpelação à Mesa?
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Não, Sr. Presidente. Sc o Sr. Deputado João Cravinho usou da palavra para intervir, gostaria de lhe fazer um pedido de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, a Mesa interpretou a intervenção do Sr. Deputado João Cravinho como uma interpelação à Mesa.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço desculpa, mas o Sr. Deputado João Cravinho não invocou a figura de interpelação à Mesa, nem qualquer outra e lamento não ter oportunidade de lhe fazer o pedido de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Mas o Sr. Ministro pode pedir na mesma um esclarecimento ou fazer uma interpelação à Mesa, se assim o entender.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, é mais um desabafo do que outra coisa, na justa medida de que o Sr. Deputado João Cravinho, no início dos trabalhos, em intervenção aqui produzida, referiu, de uma forma que se me afigura completamente incorrecta, que o Governo teria respondido a um requerimento com os pós. Pergunto-lhe se, neste momento, o Sr. Deputado não fez também um requerimento com os pés.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, V. Ex.ª poderá ler julgado, digamos assim, deslocado o meu requerimento,...

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Não era requerimento nenhum!
O Orador: -... poderá ale ter a opinião de que, de facto, não haveria sequer requerimento. Aquilo que referi relativamente ao Sr. Ministro das Finanças e à resposta que deu ao meu requerimento - e tenho a prova aqui, que vai ser publicada no Diário - foi que, relativamente a três questões que lhe coloquei, me mandou um oficio em que o meu requerimento era respondido da seguinte forma: das três questões que coloquei, a Direcção-Geral só respondia a uma e fazia uma ocultação não dando qualquer resposta.
Ora bem, chamei isto com «os pés» para não ter que classificar mais apropriadamente... Foi uma gentileza!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, interpelo a Mesa com a seguinte legitimidade: o Sr. Deputado João Cravinho criou um incidente, na medida em que fez um requerimento à Mesa que esta não pode aceitar, porque, salvo melhor interpretação, acabámos de assistir a um incidente deliberado que, em termos correntes, tem a designação de «chicana parlamentar».
Por esta via, Sr. Presidente, as instituições e os agentes económicos da sociedade portuguesa ficam perplexos relativamente a certa oposição, mas é a própria instituição parlamentar que sofre na sua credibilidade.
O Sr. Deputado João Cravinho tratou o Governo de forma incorrecta, mas, pior ainda, tratou de forma incorrecta este Parlamento, afectando a sua credibilidade com iniciativas como a que acabou de ter. Tudo isto é muito próprio de uma certa esperteza portuguesa, mas essa esperteza não vai, com certeza, construir o futuro nem vai consolidar as instituições democráticas, mesmo que os agentes dessas iniciativas sejam socialistas. A infelicidade e de um certo socialismo!...
Sr. Presidente, não podemos deixar passar em claro incidentes desta natureza, criados deliberadamente por deputados que deviam assumir com responsabilidade a defesa das instituições democráticas e do Parlamento Português.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa não pode julgar nem avaliar as intenções dos Srs. Deputados. Portanto, não é nessa base que vai tomar qualquer resolução.
Parece-me que o que temos de decidir é se traia de facto de um requerimento ou de uma proposta de resolução.
Neste sentido, peço ao Sr. Deputado João Cravinho que tente ajudar a Mesa, esclarecendo-nos sobre esta matéria.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Não vejo razão para isso! Ele disse que era um requerimento!

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, eu desejo voltar ao debate e presumo que é isso que nos traz aqui.
Os incidentes que foram levantados são úteis porque, pura e simplesmente, se referem a matéria informativa essencial para o debate. Fora disso, são completamente inúteis e o que pretendo é voltar para o debate o mais urgentemente possível. Louvo-me da doutrina do Sr. Deputado Nogueira de Brito e estou por ela.
O Sr. Presidente decidirá, mas é urgente voltarmos ao debate, a que, pelos vistos, nem toda a gente quer dar seguimento.

Protestos do PSD.

Vozes do PS: - Calma! Tenham calma! Estão nervosíssimos!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa decidiu que não é aceitável o requerimento apresentado, sob a forma oral, pelo Sr. Deputado João Cravinho.
Portanto, vamos prosseguir o debate.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para a defesa da honra da bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Ministro tem habituado esta Câmara a que, cada vez que se sente em dificuldades, passa, de imediato, à grosseria, à acusação rasteira e até ao insulto.
Penso que o Sr. Ministro faria bem em ler uma postura mais urbana. Um pouco mais de urbanidade não lhe ficaria mal!

O Sr. Flausino Silva (PSD): - Olha quem fala!

O Orador: - Quanto à questão do mercado de capitais, quero dizer-lhe que não estamos interessados em que esse mercado fique de rastos.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Grande novidade!

O Orador: - Mas, Sr. Ministro, se há alguém que tem responsabilidades na situação do mercado de capitais é o Sr. Ministro e o seu Governo, com as medidas avulsas, contraditórias, irresponsáveis e incompetentes.
Quanto à sua atitude farisaica no sentido de que estava interessado e de que aceitaria de bom grado o inquérito, veremos como e que o PSD vai votar...

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - É que o PSD tem autonomia!

O Orador: -... e, então, talvez possamos saber se o Ministro o teme ou não. Isto porque, de Tacto, quem não deve na teme! Vamos ver qual a conclusão que podemos tirar, se esta e uma atitude mais ou menos farisaica ou não. E, Sr. Ministro, deixe-se de acusações rasteiras e passe a responder aos factos, assumindo a sua responsabilidade.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Acabe com adjectivos impróprios!

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, tem V. Ex.ª a palavra para responder, se o desejar.

O Sr. Ministro das Finanças: - Não desejo responder, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Partido Socialista pediu a realização de um inquérito aos actos do Governo e da Administração. Não se trata de um inquérito à SONAE, nem tão-pouco à banca pública que interveio no caso, é sim, repilo, um inquérito aos actos do Governo e da Administração.
No que diz respeito ao «caso SONAE», o PS entende que só pela conexão que referi poderão e deverão ser inquiridos aspectos respeitantes às entidades que há pouco excluí como não sendo visadas pelo inquérito.
Em primeiro lugar, quero, pois, tornar claro que o que e visado pelo inquérito são os actos do Governo e da Administração.
Em segundo lugar, gostaria de dizer que há lodo um motivo para fazer-se o inquérito. Não se trata de passar já à sentença - não é essa a finalidade do debate -, não se trata de tirar conclusões aqui, hoje. Hoje trata-se apenas de concluir se existe ou não motivo para fazer um inquérito.
O Sr. Ministro das Finanças veio declarar que estava aberto à realização do inquérito. Bem sei que não é o Sr. Ministro das Finanças que decide, mas o conjunto da Assembleia, através do mecanismo regimental e, portanto, apelo a esse conjunto no sentido de que faça honra precisamente aos factos e que permita ao Sr. Ministro das Finanças dar-nos todos os elementos que hoje, por um motivo ou outro, não pode dar - diz ele -, mas que, no âmbito do inquérito, pode e deve dar com certeza.
Primeiramente, com o Decreto-Lei n.º 130/87, como sabem, o Governo fez sair um esquema de incentivos. Ora, em seguida, instalou-se uma enorme complicação e uma enorme dúvida à volta disso, que é precisamente o que está na origem das operações de bolsa.
O que nós dizemos é que, tal como as coisas se passaram, o Governo, através de actos vários, tentou imputar responsabilidades próprias a outros, nomeadamente prejudicou e lesou gravemente empresas privadas que podem, à luz do direito português, ressarcir-se e voltar contra o Estado Português pedidos de indemnização devidamente justificados.
Quero dizer também que tudo está provado no sentido de demonstrar que existem indícios fortes de descoordenação entre o Ministro das Finanças, o Secretário de Estado do Tesouro, o autidor-geral do mercado de títulos, a banca e as bolsas de valores. As atribuições e competências de cada um estão mal distribuídas, há confusões, endossam responsabilidades de uns para os outros. O Sr. Ministro acaba, praticamente, por colocar no pelourinho o Sr. Auditor-Geral do Mercado de Títulos, que não aceita e diz que, se existe responsabilidade, ela e do Sr. Ministro.
O Sr. Secretário de Estado, que é, no caso, um delegado do Sr. Ministro, ate por força da Constituição e da lei do Governo, e que relata ao Sr. Ministro o que se passa em determinada reunião (que, de facto, decide sobre a OPV), pede escusa sob a forma de um incidente de suspeição possível e eventual.
Como é possível haver um incidente de suspeição que toque um membro do Governo que está em delegação do Ministro das Finanças, que vai relatar-lhe o que se passa, sem que esse mesmo incidente de suspeição não toque também o próprio membro do Governo que tem a responsabilidade total?
Segundo a legislação portuguesa, a responsabilidade completa, definitiva e total pela autorização das OPV cabe ao Sr. Ministro das Finanças, sem qualquer margem para dúvidas. O artigo 6.Q do Decreto-Lei n.º 23/87 é perfeitamente claro. O que se passa relativamente às competências do Sr. Auditor-Geral do Mercado de Títulos é também perfeitamente claro - são competências delegadas -, o Sr. Ministro é sempre, com base na legislação, o último responsável.
Agora, ingenuamente, o Sr. Ministro vem dizer que, pelos vistos, não lerá havido bom critério na fase das autorizações. Sc não houve bom critério, é consigo, porque só o Ministro é responsável, à face da legislação portuguesa, como se demonstra e é claríssimo! Isso nem sequer pode ser posto em dúvida!
O Sr. Ministro vem dizer que não houve bom critério na autorização, mas o único responsável pela autorização é cie e só ele! Como é possível isto suceder?!
Sucede ainda que entre o Banco de Portugal e o auditor-geral não há coordenação de tarefas e que há, de facto, na prática, zonas que ficam sem fiscalização porque nem o banco nem o auditor-geral do mercado de títulos vão lá. Isso é sabido e o inquérito pode prová-lo!

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Além disso, o Sr. Ministro deixa inúmeras dúvidas nos seus despachos, os quais conviria esclarecer.
O Sr. Ministro não se dá por bem esclarecido, mas, por outro lado, afirma que não terá havido um bom critério de gestão. Com que base faz esta afirmação? Afinal, o que é que o Sr. Ministro censura?
Um exemplo: no seu despacho, o Sr. Ministro pede esclarecimentos adicionais, mas não os especifica, não os menciona. São adicionais em relação a quê? Recebeu-os e o que é que concluiu?
V. Ex.ª manda para o Ministério Público os processos «para os fins convenientes». É legítimo fazê-lo, não o contesto, mas gostaria de saber se não teria sido mais conveniente o Sr. Ministro dizer quais as competências que queria que o Ministério Público examinasse.
Dirá V. Ex.ª que faz esse pedido com o maior espírito de abertura, que deixou tudo em aberto, mas eu gostaria de saber o que é que o Ministério já decidiu.
Por outro lado, gostaria de saber se o Sr. Ministro tenciona publicar as canas do autidor-geral do mercado de títulos.

O Sr. Ministro das Finanças: - Que canas?!

O Orador: - Que cartas?! Que pergunta curiosa, Sr. Ministro!...

Risos.

Elas vêm noticiadas na imprensa! De facto, o Sr. Ministro não lê os jornais, mas, pelo menos, deve ler a sua correspondência...
Bom, por último, Sr. Ministro, o que dirá V. Ex.ª se a responsabilidade política, civil e criminal do Estado - digamos assim- for envolvida pelo facto de as empresas visadas, com legitimidade, virem a pôr acções em tribunal, como já têm anunciado?
Sr. Ministro, o artigo 11.º da Lei n.º 34/87 não se aplica a este caso?
Afinal de contas, quererá explicar-me que fazem exactamente, em relação a este caso, o seu Ministério, a Direcção-Geral do Tesouro, o auditor-geral do mercado de títulos, o Secretário de Estado ou mesmo V. Ex.ª? Ou V. Ex.ª o que quer é esta confusão? Para mim, esta confusão permite - queira V. Ex.ª ou não até admito que não o queira - que, perante cada caso concreto que dê «borbulha», o Sr. Ministro diga: «A responsabilidade não é minha, vamos fazer um inquérito» e aí concluir que a responsabilidade e do Sr. A ou do Sr. B. Serve esta confusão para isso? A ser verdade, e natural que isto continue assim!
Sr. Ministro, quero ainda perguntar-lhe se e possível haver confiança no mercado de títulos quando o relatório do Prof. Jacinto Nunes prova completamente que houve manipulação de informação sobre as OPV - manipulação grosseiríssima, aliás - e, como sabe, o mercado bolsista baseia-se na qualidade da informação. Ora, havendo aqui prova concreta de que houve manipulação de informação, o que fez o Sr. Ministro? A quem aproveita essa manipulação?
Por último, Sr. Ministro, corre a informação de que o relatório-síntese que lhe foi presente contém erros técnicos. Será verdade? Corre esta informação ... mas se, na verdade, ela contém erros técnicos, que ilações tira daí o Sr. Ministro? As correcções o que é que lhe inculcam?
É tudo isto que precisamos de saber e tudo isto é segredo, mas tudo isto envolve profundamente a responsabilidade política do Sr. Ministro e envolve a responsabilidade e dever político desta Assembleia. Quem fiscaliza os actos do Governo e da Administração, no sentido político, não é o procurador-geral mas, sim, esta Assembleia. Há aqui inúmeras obscuridades que o inquérito poderá esclarecer. O Sr. Ministro quererá que se mantenham estas presunções graves?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Deputado João Cravinho, reparo que desde a data em que o Partido Socialista elaborou esta proposta de inquérito parlamentar até agora, a posição do Partido Socialista mudou radicalmente!
V. Ex.ª disse na sua intervenção que não se tratava de um inquérito à SONAE, mas, se ler o título da proposta de inquérito parlamentar verá com certeza - a menos que a minha edição seja a anterior - o seguinte: «Aos actos do Governo e da Administração relacionados com as OPV de sete empresas do grupo SONAE».
V. Ex.ª disse logo a seguir que não se tratava de um inquérito aos bancos que fizeram as OPV, mas no fim desse documento elaborado pelo Partido Socialista diz-se o seguinte: «A situação configurada não é a do caso SONAE, mas sim a do caso Ministro das Finanças/BPA.» Em que é que ficamos, Sr. Deputado João Cravinho?

O Sr. Presidente: - Estão ainda inscritos, para pedir esclarecimentos, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares e o Sr. Deputado Flausino da Silva. O Sr. Deputado João Cravinho quer responder já ou no final de todos os pedidos de esclarecimento?

O Sr. João Cravinho (PS): - No final, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, não pretendo pedir esclarecimentos, mas fazer um protesto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, de facto, estou esclarecidíssimo, não tenho nenhum pedido de esclarecimento a fazer ao Sr. Deputado João Cravinho sobre as razões subjacentes a este inquérito, já que outras não poderão ser senão o intuito manifestamente persecutório que pretende dirigir ao Governo e ao Sr. Ministro das Finanças.
Assim, farei apenas um protesto, dividido em duas partes. Em primeiro lugar, V. Ex.ª iniciou a sua intervenção congratulando-se pela disponibilidade manifestada pelo Sr. Ministro das Finanças face à abertura do inquérito. Caber-me-ia agora requerer à Mesa, se isso não fosse impossível regimentalmente, que lhe entregasse uma cópia das declarações do Sr. Ministro das Finanças, já que ele acrescentou - coisa que V. Ex.ª escamoteou ou sonegou - o seguinte: «se não fossem os efeitos perversos que esse inquérito teria certamente no mercado de títulos». Portanto, neste momento reponho o espírito da intervenção feita pela bancada do Governo.
Em segundo lugar, V. Ex.ª, habilidosamente - de resto como a bancada a que pertence tem feito durante toda esta

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sessão legislativa, a propósito de inquéritos parlamentares -, assaca à maioria a decisão final sobre a realização ou não de inquéritos. Por outras palavras, ou a maioria vota favoravelmente e há um inquérito, ou a maioria vota desfavoravelmente e não há inquérito. Isso é falso, Sr. Deputado.
Já o disse aqui, e repito, que as oposições tem ao seu alcance os instrumentos regimentais, mediante assinaturas de deputados, para que o inquérito se constitua. Não pretenda transferir para outrem o ónus da abertura do inquérito que se possa considerar inconveniente!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Flausino da Silva.

O Sr. Flausino da Silva (PSD): - Sr. Deputado João Cravinho, vou ser breve, pois não disponho de muito tempo, mas uso da palavra porque registei uma quantidade de incongruências, de contradições e até de insinuações, mas especificamente contradições, entre a sua intervenção aqui feita e a fundamentação do pedido de inquérito.
Fala-se no ponto 1 do pedido de inquérito em «tentativas de ocultação», como que a deixar um ar de mistério, e não se diz de que, nem em relação a que.
Diz-se que os pedidos de inquérito do Ministro das Finanças foram «feridos por públicos e notórios vícios de forma e de fundo» e não se dizer de que, nem em que, nem o senhor veio aqui dizer agora porque.
Fala-se também em que o Governo iludiu os empresários, porventura afectou-os e já hoje V. Ex.ª o disse aqui, pelo que tem de assumir a gravidade do que diz. O Sr. Deputado, logo no início da sua intervenção, começou por querer como que atemorizar as pessoas desta Câmara quanto a eventuais resultados de averiguações criminais, o que eu rejeito liminarmente. Estou aqui em liberdade e actuo em liberdade e nenhuma afirmação sua vai fazer mudar um centímetro daquilo que vou dizer!
Diz-se igualmente, na fundamentação do pedido de inquérito, que o Governo actuou com arbítrio, irregularidade e duplicidade de comportamentos. É preciso prová-lo! Ou o Sr. Deputado e o seu partido pretendem lançar os empresários privados contra o Governo?!
VV. Ex.ªs falam ainda em irregularidades e em três momentos do pedido de inquérito tomam atitudes diferentes: no ponto 3 falam em «irregularidades indiciadas»; no ponto 5 falam em «irregularidades de que enfermam» e no ponto 8 dizem que «a existirem irregularidades». Em que ficamos? Essas irregularidades são indiciadas, existem ou a existirem porventura? ... Em que ficamos, Sr. Deputado?!
O Sr. Ministro das Finanças arvorou-se em juiz quando pediu inquéritos - afirma-se no ponto 6 - e no ponto 12 diz-se que o Ministro das Finanças não quis ser juiz e enviou o processo para a Procuradoria-Geral da República. Em que ficamos, Srs. Deputados do Partido Socialista?
No ponto 7 atribui-se ao auditor-geral do mercado de títulos alguns erros que não se justificam, mas o Partido Socialista justifica o inquérito parlamentar porque esse auditor, eventualmente na sua actuação, cometeu erros. O senhor nunca os cometeu nus suas actividades públicas?
Diz-se que na Bolsa de Valores do Porto há uma contradição, ou melhor há uma atitude contraditória. Então, é pedido um inquérito por causa da atitude contraditória da Bolsa de Valores do Porto em relação ao auditor-geral do mercado de títulos? Não compreendemos, de modo nenhum!
No ponto 10 atacam-se os actos de gestão do BPA. O que é que o Partido Socialista pretende com esta insinuação relativamente aos actos de gestão de um banco que ioda a gente conhece no País? Quer o Partido Socialista ser o juiz dos actos de gestão do BPA?
No ponto 11 diz-se que é preciso averiguar falsas notícias. Sr. Deputado, quem veicula as notícias para o público tem de certificar-se se elas são autênticas ou não. Quererá V. Ex1 dizer que a imprensa não veicula notícias verdadeiras para o público? Talvez estejamos de acordo com isso...
Para terminar, direi que o grande erro na formulação do pedido de inquérito do Partido Socialista é dizer que, afinal, o que está em causa não são os actos do Governo em relação às OPV da SONAE mas, sim, o relacionamento do Sr. Ministro das Finanças com o BPA!
Meus senhores, desde quando é que o Parlamento vai ter de pronunciar-se sobre a relação pessoal do Sr. Ministro das Finanças como Banco Português do Atlântico? É de bradar aos céus!...

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Flausino da Silva que acabou de fazer uma série de incongruências, diz-nos esta lapidar: «É preciso provar, é preciso provar, é preciso provar.» Ora bem, é para isso que queremos o inquérito, é precisamente para provar, Sr. Deputado. É que já esgotámos o processo, aquando do pedido de inquérito ao Fundo Social Europeu, empenhando nisso 50 assinaturas e, segundo o Regimento, não podemos fazer mais nada agora.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - As faltas para inquéritos são tantas que não há assinaturas que cheguem!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - São precisas 102!

O Orador: - É evidente que, ao requerermos o inquérito, temos como objectivo provar. O Sr. Deputado que quer a prova faça favor de votar o pedido de inquérito e só no fim é que diz se se provou ou não. Agora, dizer «prove», mas não deixar que se prove é que não é curial.
Quanto ao que vem no nosso pedido de inquérito, deve dizer que não há alteração alguma. O artigo 6.º do Decreto-Lei n.9 23/87, de 13 de Janeiro, que tem a ver com r emissão de parecer e despacho em relação a estes casos, di> o seguinte: «Instruído o processo, a DGT, no prazo de dez dias úteis, emitirá parecer e submetê-lo-á à apreciação e despacho do Ministro das Finanças.»
Portanto, quando o Sr. Ministro vem dizer que afinal de contas não houve um bom critério na aprovação, remeto-o para o despacho, que é da sua responsabilidade, ainda que delegue.

O Sr. Ministro das Finanças: - Não é assim!

O Orador: - O Sr. Auditor-Geral do Mercado (Títulos diz-se o Sr. Ministro sabe isso que não podia sustar as operações e que só p Sr. Ministro é que tinha poder para o fazer, logo, se havia faltas, isso era com o Sr. Ministro. Suponho que ele diz isso, não diz?
Sr. Deputado Vieira de Castro, tenho por si a maior consideração e, respondendo com todo o cuidado à pergunto que me fez, dir-lhe-ei apenas que no nosso pedido d inquérito o título refere que se trata de um inquérito «Ac

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actos do Governo e da Administração relacionados com [...]» - aliás, explicamos várias vezes que este pedido de inquérito se refere aos actos do Governo e da Administração.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - E o ponto 14 do pedido de inquérito?

O Orador: - O ponto 14 diz: «[...] Ministro das Finanças/BPA», e explico porquê. Não é por haver uma relação pessoal, mas porque nesta matéria que aqui estamos a tratar, muito em especial no que diz respeito à informação - o tal ponto 11 que o Sr. Deputado mencionou -, ou seja, quanto ao facto de ter sido veiculado para a opinião pública informação falsa, o Banco Português do Atlântico tem de explicar porquê. É só isto, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Na sequência dos diversos debates aqui travados, na Assembleia da República, sobre os actos do Governo e da Administração Pública relacionados com as OPV de sete empresas do grupo SONAE, o Sr. Ministro das Finanças solicitou inspecções, averiguações e relatórios ao Banco de Portugal, à Inspecção-Geral de Finanças, ao auditor-geral do mercado de títulos, à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, aos revisores oficiais de contas das instituições financeiras do sector público que participaram nas operações e aos conselhos de gestão das mesmas instituições financeiras.
No entanto, à Assembleia da República apenas foi enviado o parecer-síntese das referidas informações realizado pela comissão especial constituída em S de Março último e presidida pelo Prof. Jacinto Nunes. E como é afirmado no relatório-síntese, a comissão apenas foi mandatada para «elaborar uma síntese, baseada nos elementos facultados, dos factos susceptíveis do procedimento administrativo e ou jurisdicional».
No entanto, mesmo nestes estreitos limites de competências delegadas pelo Ministro das Finanças foi possível concluir que nos relatórios parciais não divulgados diversas entidades levantavam a questão da eventual simulação das doações de acções e mesmo a nulidade das operações.
Depois de aludir a outras irregularidades e à existência de actos que, no contexto das operações em causa, integram ilícitos criminais, nomeadamente quanto aos benefícios fiscais, a comissão concluiu por unanimidade que os relatórios parciais chamam a atenção para factos que, a serem provados nas instâncias jurisdicionais próprias, podem ter manifestas consequências jurídicas.
Como é sabido, quando questionado em 8 de Abril nesta Assembleia da República, o Sr. Ministro das Finanças considerou que «este relatório-síntese era bastante para dar notícia de tudo o que foi apurado, indiciado ou simplesmente não apurado nos relatórios parciais», e hoje o Sr. Ministro já reafirmou esta opinião. Só que não é assim, Sr. Ministro.
Como já então ficou claro, e como os factos posteriores vieram sublinhar, o Governo, muito particularmente o Sr. Ministro das Finanças, continua a escamotear a responsabilidade que efectivamente tem em todo o processo. São conhecidos os factos.
Foi sob a orientação do Ministério das Finanças que se realizou uma reunião com os diversos intervenientes na operação das OPV da SONAE dias antes da sua realização.
Foi o Sr. Ministro das Finanças que afirmou que tudo estava bem, tudo tinha sido correcto e normal, quando decidiu sobre a realização das inspecções e relatórios como forma de impedir a aprovação de uma proposta de inquérito parlamentar a realizar pela Assembleia da República.
Ao longo dos últimos meses, vários intervenientes no caso pediram a demissão dos seus cargos. Foi o caso do ex-auditor-geral do mercado de títulos acusado pelo Ministro das Finanças de não ter preparado o conjunto das operações com a «prudência bastante», quando os relatórios e inspecções demonstravam que afinal o Ministro das Finanças não tinha razão. Que, ao contrário do que tinha afirmado o responsável pelo Ministério, algo de ilegal se tinha passado, o suficiente para pelo menos merecer a sua crítica e implicar a demissão de pessoas.
Os factos recentes acentuam a fuga do Sr. Ministro das Finanças ao assumir das responsabilidades e das consequências políticas dos actos que praticou, das afirmações que produziu e do comportamento do Ministério das Finanças em todo este processo.
O Governo, em especial o Ministério das Finanças, não pode limitar-se a sacudir as mãos e a abanar os ombros com indiferença, considerando que o processo está terminado, que tudo se resume a meras questões processuais de pagamentos de multa e de impostos em dívida. É que, se os impostos não foram pagos, isso deve-se à prática de actos e à realização de operações, com conhecimento prévio do Ministério das Finanças, que visavam induzir em erro a Administração Pública. Ern linguagem corrente, o povo chama-lhe «fuga ao fisco». É ou não verdade, Sr. Ministro, que tudo isto foi realizado?
E a questão não pode continuar a ser escamoteada pelo Governo, nomeadamente pelo Ministério das Finanças. É necessário não adiar por mais tempo a clarificação cabal de todo o processo das responsabilidades que cabem a todas as entidades envolvidas, nomeadamente da responsabilidade do Ministério das Finanças, quer pelo conhecimento prévio que teve de todas as operações, quer pela responsabilidade política das medidas tomadas e ainda do não exercício das competências políticas e administrativas que cabem ao Ministro das Finanças, designadamente no que se refere à Bolsa de Valores do Porto e à banca pública, com destaque para o BPA, que tomou firme as emissões em condições pouco claras. A própria comissão, como o Sr. Ministro sabe, reconheceu, quanto a este aspecto, que, «pelo que toca aos bancos líderes, resulta dos relatórios apresentados estarem fundamentalmente em causa critérios de gestão». Sr. Ministro, o que pensa disto?
Cabe à Assembleia da República, nos termos constitucionais, a competência de fiscalização de actos do Governo e da Administração. A necessidade de transparência e clarificação dos actos dos Governo exige que esta Assembleia exerça cabalmente as suas competências, pelo que se impõe a aprovação da proposta de inquérito em debate. As dúvidas, os pontos obscuros, a fuga às responsabilidades exige desta Assembleia uma resposta positiva ao inquérito proposto. Esperamos que a maioria não impeça, mais uma vez, o exercício pleno das competências da Assembleia da República...

Risos do PSD.

... e que não continuem a ser apresentados os mais diversos pretextos para impedir os deputados e a Assembleia da República de conhecerem todos os documentos e o alcance da responsabilidade governamental de todos os actos praticados.

Aplausos do PCP e da ID.

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O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - A maioria não pode impedir nada! Antes pudesse!...
Entretanto, reassumiu a Presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente (Vítor Crespo): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Visando confirmar ou infirmar presunções veiculadas pela comunicação social relativamente as ofertas públicas de venda de acções de sete empresas do grupo SONAE, o Sr. Ministro das Finanças, por despacho de 14 de Janeiro do ano corrente, solicitou, com carácter de urgência, a execução de inspecções e a elaboração de relatórios ao Banco de Portugal, à Inspecção-Geral de Finanças, ao auditor-geral do mercado de títulos, à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, aos revisores oficiais de contas e aos conselhos de gestão das instituições Financeiras que participaram naquelas OPVs.
Em S de Março passado, lambem por decisão do Sr. Ministro das Finanças, foi constituída uma comissão que, integrada pelos Profs. Doutores Manuel Jacinto Nunes e Mário Júlio de Almeida Costa e pelo licenciado José António da Costa, teve a incumbência de emitir um parecer-síntese fundamentado nos relatórios parcelares, elaborados pelas aludidas entidades.
Na sequência daquele parecer-síntese, em 24 de Março último, o Sr. Ministro das Finanças, acolhendo integralmente as respectivas conclusões, ordenou no sentido de que:
O processo fosse levado à consideração da Procuradoria-Geral da República;
A Direcção-Geral das Contribuições e Impostos apreciasse os factos atinentes ao acesso a incentivos fiscais;
O auditor-geral do mercado de títulos e as instituições financeiras que lideraram as operações prestassem informações complementares relativamente às respectivas condutas.
Pese embora serem do domínio público os factos relatados, entendemos dever recordá-los para que, de uma vez por todas, Fique inequivocamente demonstrado que o Sr. Ministro das Finanças, por sua exclusiva iniciativa, exerceu, em tempo, as suas competências por forma a que, nas sedes próprias, tudo fique esclarecido e, se for caso disso, sejam sancionados os desvios que possam ter ocorrido.
São, assim, incompreensíveis as razões subjacentes à proposta de inquérito parlamentar n.9 8/V formulada pelo Partido Socialista.
Trata-se, afinal e tão-só, de uma remate de idêntica iniciativa do Partido do Centro Democrático Social que a Assembleia da República rejeitou.
Fê-lo, então, por considerar que o Sr. Ministro das Finanças havia tomado, mês e meio antes, as medidas adequadas à clarificação de todo o processo, cometendo essa tarefa a entidades cuja idoneidade e competência são insusceptíveis de serem questionadas.
Hoje, quando toda a tramitação se encontra em fase conclusiva, mais carece de fundamento esta segunda proposta de inquérito parlamentar a cuja apreciação se procede.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata reitera o seu apoio ao Sr. Ministro das Finanças pela determinação que sempre tem posto nos seus actos e atribui-lhe o mérito de uma contribuição decisiva para o êxito indiscutível da política económica e financeira dos X e XI Governos Constitucionais. Lamenta realmente, porém, a oposição não querer ver.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Impotente para desmentir os indicadores da evolução da nossa economia, tenta, em vão, criar minúsculos factos políticos.
E, assim, à falta de melhor, insiste em inquirir o que está em fase final de inquirição, tenta perturbar o normal funcionamento do mercado de capitais, pretende imiscuir-se na vida das empresas e atreve-se, com leviandade, a pôr em causa a isenção de entidades reconhecidamente qualificadas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Procedimentos que tendem a transformar-se em campanha não contarão jamais com a nossa conivência.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Nos termos do n.º 2 do artigo 252.º do Regimento da Assembleia da República, as comissões de inquérito serão obrigatoriamente constituídas quando requeridas por um quinto das deputados em efectividade de funções.
E, pois, estulta a repetição de que a maioria coarcta a possibilidade de constituição de tais comissões, quando não vota favoravelmente propostas de inquéritos parlamentares.

Aplausos do PSD.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - As faltas são muitas e os deputados são poucos!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Em primeiro lugar, gostaria de sublinhar uma afirmação aqui hoje feita pelo Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, afirmação essa que vem sendo repetida de há uns tempos a esta parte sempre que se trate de inquéritos.
O Sr. Ministro afirmou uma determinada atitude do Governo e da maioria que o apoia face a uma realidade, ou seja, ao direito potestativo de os deputados requererem inquéritos aos actos do Governo, e disse que o Governo (e aí fala em nome da maioria que o apoia) não está para coonestar pedidos de inquérito quando deles não concorde e quando esses pedidos de inquérito possam ser sustentados por deputados, independentemente de serem ou não votados no Plenário.
Pergunto se houve alguma mudança e se isso significa que o Governo e a maioria têm uma atitude diferente em relação a pedidos de inquérito que sejam feitos por grupos parlamentares que, pela exiguidade do número e dos membros que os compõem, não têm esse direito potestativo cm

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termos políticos. É que, se houve mudança, Sr. Ministro, gostaríamos de ser esclarecidos, porque temos vários pedidos de inquérito que, nessa altura, seguiriam com a aprovação, pelos vistos, do Governo e da bancada da maioria.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Ministros: O que supomos que está em causa neste caso 6 o apuramento de factos com vista à determinação da responsabilidade política do Governo em relação a uma determinada actuação em concreto. Já pedimos um inquérito em relação a essa actuação em concreto numa fase muito anterior do processo, entendemos que há factos a esclarecer e que, na sequência do esclarecimento desses factos, pode chegar-se a uma determinação de responsabilidade política, nos termos em que ela pode ser determinada e principalmente efectivada, com a figura do inquérito parlamentar.
Em primeiro lugar, entendemos que está em causa a interpretação administrativa dada pelo Governo aos benefícios Fiscais concedidos pelo Decreto-Lei n.8 130/87, de 17 de Março, em relação a emissões de acções e operações públicas de venda de acções.
Em nosso entender, todo este caso nasce desta interpretação,...

O Sr. João Cravinho (PS): - Muito bem! É isso mesmo!

O Orador: -... que é restritiva, distorcida, e que não tem qualquer base no texto do diploma. Representa uma mudança de atitude política, uma mudança de política, como de resto amplamente o comprova a redacção que acabou por ser dada ao n.9 3 do artigo 85.º da Lei n.9 2/88, de 26 de Janeiro -Lei do Orçamento do Estado para 1988 -, na qual se mantinham os benefícios dados pelo anterior diploma, que já referimos, para as operações públicas de venda que, embora requeridas em 1987, tivessem lugar no l.9 semestre de 1988. Este é o primeiro conjunto de factos indicadores de responsabilidade política.
Em segundo lugar, atentos os poderes conferidos ao auditor-geral do mercado de títulos pelo artigo 1.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 335/87, de 15 de Outubro, designadamente os poderes de fiscalização e de repressão constantes das alíneas b), c), c/z), pergunta-se: por que razão foi mandado fazer um inquérito administrativo a esta questão, especialmente depois de ter tido lugar mais do que uma reunião, no Ministério das Finanças, com a participação de todos os intervenientes no caso e de todos os interessados? Depois da reunião, não chegou a saber-se qual a razão do inquérito, isto é, o que é que, efectivamente, nela não linha ficado esclarecido. O inquérito foi gravoso, especialmente porque foi conhecido do público o despacho que o determinou.
Mas o País ficou perplexo com o modo como, depois de determinar o inquérito, o Ministro lhe antecipou os resultados. Nessa altura, interviemos nós pedindo o inquérito. E mais perplexo ficou o País com a sequência dada ao debate do nosso pedido de inquérito, tudo a culminar com o pedido de demissão do auditor-geral do mercado de títulos, a invocação da suspeição pelo Secretário de Estado do Tesouro e a constituição de uma comissão. É curioso que os Srs. Deputados do PSD continuem a falar nas entidades que tinham sido encarregadas de fazer o inquérito, quando é certo que foi na sequência do nosso pedido de inquérito parlamentar que foi constituída uma comissão formada por personalidades independentes -inclusivamente, foi convidado um membro da oposição para fazer parte dela - que apreciou os resultados dos relatórios apresentados pelas várias entidades envolvidas.
Em resumo, Srs. Deputados, entendemos que tudo o que acabámos de dizer envolve, ou pode envolver, responsabilidade política e, como o processo apresenta lacunas de conhecimento, haveria vantagem em esclarecê-las com a realização de um inquérito parlamentar, e já hoje nos foram aqui recordados os poderes que teria a comissão encarregada de proceder a esse inquérito.
Por isso, estamos de acordo com este pedido de inquérito.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, se porventura não estivesse ainda demonstrado que este inquérito era desnecessário, a demonstração exemplar agora feita pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito é prova disso. O Sr. Deputado começou por dizer que o que estava em causa eram apenas questões relacionadas com os incentivos fiscais, porque quanto às OPVs, já não tínhamos problemas e, quanto ao relacionamento do Sr. Ministro com as instituições financeiras, particularmente com o Banco Português do Atlântico (segundo o Partido Socialista), já não havia questão que não estivesse esclarecida. Portanto, o que estava em causa era só o problema relacionado com os incentivos fiscais.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Tem de repetir, Sr. Deputado Nogueira de Brito, porque o Sr. Deputado Vieira de Castro não percebeu!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Diálogo de surdos!

O Orador: - Depois, o Sr. Deputado Nogueira de Brito perguntou por que razão eram feitas inspecções. Sc V. Ex.ª leu o despacho do Sr. Ministro, tem lá a razão. A comunicação social veiculou determinadas notícias e o Sr. Ministro das Finanças entendeu - e bem -, para salvaguardar o funcionamento do mercado de capitais e a confiança dos empresários, que essas notícias deviam ser esclarecidas e tomou a iniciativa de mandar proceder a inspecções e elaborar relatórios.
Perplexo ficou o País com a iniciativa do CDS, quando aqui veio propor um pedido de inquérito.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O país/PSD!

O Orador: - O País não ficou perplexo com a sequência que se deu ao pedido de inquérito, mas, sim, com a iniciativa de VV. Ex.ªs O País não ficaria perplexo com um pedido idêntico ao dos Srs. Deputados do CDS formulado pelo Partido Comunista Português, aí não haveria perplexidade.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Esse é que é o vosso mal!

O Orador: - Depois, V. Ex.ª cometeu um erro de memória gravíssimo, quando disse que tinha sido por via do pedido de inquérito do CDS que o Sr. Ministro das Finanças tomou a iniciativa de constituir a comissão.

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O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Como aqui ele disse!

O Orador: - Não é verdade! No dia em que foi discutido o pedido de inquérito parlamentar do CDS já tinha sido nomeada uma individualidade - disse-o aqui o Sr. Ministro. Este teve, entretanto, notícia de que uma segunda individualidade, que havia sido contactada, já tinha aceite o convite, pelo que apenas podia dirigir um outro ao Sr. Deputado Silva Lopes. Isto é que é a verdade! A iniciativa da constituição da comissão não foi do CDS, mas do Sr. Ministro das Finanças.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Vieira de Castro, devolvo-lhe os agradecimentos porque V. Ex.ª foi esclarecedor.
V. Ex.ª disse uma coisa curiosa, que foi a seguinte: «Ah, mas são só os benefícios fiscais que estão em causa? Isso foi esclarecido na reunião.» Bom, o Sr. Ministro das Finanças disse, uma vez, que na tal reunião que houve com todos os interessados nem sequer se linha tratado de benefícios fiscais e V. Ex.ª vem agora prestar-nos mais este esclarecimento precioso.
Por outro lado, Sr. Deputado Vieira de Castro, quando digo que a origem de tudo está nos benefícios fiscais, mantenho-o; tudo o resto, Sr. Deputado, está na reunião, no inquérito, no pedido de inquérito. Então o Sr. Deputado entende que o inquérito administrativo foi necessário para esclarecer a opinião pública e que este não constituía problema, quando entrava precisamente na esfera de competência s de uma autoridade que tão poucos meses antes fora criada e nomeada, tendo-se anunciado que ela constituiria uma das peças chave de resolução dos problemas que se punham no mercado de capitais? Passados ião poucos meses, Sr. Deputado?! Pensa que uma notícia, uma aqui e outra acolá, veiculada nos jornais, era suficiente para ter de nomear uma comissão de inquérito? E não acha curioso que o despacho, embora confidencial, de nomeação dessa comissão de inquérito lenha sido completamente publicado num jornal? Ora bem, nesta referencia que faço, Sr. Deputado, está tudo em causa. A origem está, pois, no problema dos benefícios fiscais, na interpretação; o resto está aqui, Sr. Deputado.
Mais, há coincidências que falam por si. É evidente que não foi o CDS que teve a iniciativa de constituir a comissão; o CDS leve outra iniciativa, de que não se arrepende, e tomá-la-ia novamente. Perante os mesmos factos, presenciando os mesmos factos, o CDS tomaria novamente a mesma iniciativa.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Gravíssimo!

O Orador: - Quando alguém toma iniciativas que visam esclarecer e contribuir para a transparência dos actos da Administração, V. Ex.ª diz: «Essas iniciativas eram próprias da bancada do PCP e não de outras bancadas.» Sr. Deputado, está enganado! Essas iniciativas são próprias de quem quer ver a vida administrativa devidamente esclarecida, ...

Aplausos do CDS, do PS, do PCP e da ID.

... de quem quer ver prestigiadas as autoridades, de quem quem quer ver prestigiado o Parlamento, de quem quer ver prestigiados os ministros, de quem quer ver prestigiados os inquéritos, mesmo os administrativos. Essas pessoas que têm essa preocupação é que tomam essas iniciativas. Se não estivéssemos aqui cheios de suspeições uns dos outros, se não estivéssemos a empurrar só para uma bancada tudo aquilo que pode beliscar a actividade de um qualquer governo, todos nós teríamos uma atitude diferente perante todas estas coisas e até perante os pedidos de inquérito.
Não é do PCP, Sr. Deputado, que tem o monopólio da necessidade do esclarecimento e da transparência dos actos da Administração, de maneira nenhuma. Diria mais: não é o PCP nem é principalmente o PCP. Fique o Sr. Deputado com esta!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, não foi o CDS que tomou a iniciativa de constituir a comissão. Como lhe plisse, o CDS tomou a iniciativa que tomou, e repetia-a.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Não acredito!

O Orador: - Voltava a torná-la, Sr. Deputado! Talvez não voltasse a toma-la, porque o Sr. Ministro das Finanças já leve ocasião de referir que aquilo que disse em matéria de antecipação dos resultados foi um equívoco muito grande..., porque tropeçou, no Porto, numa pedra ou numa esquina ou porque encontrou, inesperadamente, um jornalista que não pensava encontrar! ... Portanto, se o Sr. Ministro não voltasse a dizer o que disse, nós não voltávamos a pedir o inquérito.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Compreende, Sr. Deputado?! É assim mesmo!...
Mas há mais coincidências. Estou a recordar-me o que o Sr. Ministro Eurico de Melo disse a propósito de alguém que antecipou os resultados de um outro inquérito.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O que não responderia o Sr. Ministro das Finanças nestas circunstâncias?!... Com o feitio que tem, o que não diria aqui?!... Mas andemos à frente!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, peço-lhe o favor de terminar, uma vez que já atingiu os cinco minutos.

O Sr. João Amaral (PCP): - Atingiu os cinco minutos e o Ministro!

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Vieira de Castro, há coincidências que V. Ex.ª não pode esconder. Rigorosamente, foi no dia da discussão do pedido de inquérito do CDS que o Sr. Ministro das Finanças disse, na sua última intervenção, à laia de resposta: «Eu mesmo vou mandar constituir uma comissão independente para apreciar os relatórios. Falei com uma pessoa, mas não posso aqui dizer quem é, porque ainda não conheço rigorosamente a sua resposta; mas, desde já, convido o Sr. Deputado Silva Lopes.»
Portanto, Sr. Deputado Vieira de Castro, nós não tivemos a iniciativa de constituir uma comissão, mas continuo

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certo de que foi por causa da nossa iniciativa que essa comissão se constituiu.

O Sr. Presidente: - Informo que o CDS utilizou todo o tempo que tinha disponível.
Srs. Deputados, como estava previsto, embora já sejam 13 horas, vamos ainda esta manhã terminar o debate do inquérito parlamentar, pelo que dou a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é a primeira vez que temos oportunidade de abordar, perante VV. Ex.ªs, matéria de tão grande impacte para o País.
Penso que todos devemos evitar falar três vezes sobre o mesmo assunto. Há quem diga que uma vez é bastante, duas vezes é de mais e três vezes é moléstia...
Mas a natureza do assunto e as circunstâncias justificam que peça a atenção desta Câmara, porque certamente apreciarão VV. Ex.ª ter conhecimento das palavras que, sobre maioria ião relevante para o País foram ditas há poucos dias, na reunião anual dos ministros da OCDE, em Paris.
Asseguro a VV. Ex.ªs que a matéria despertou a maior atenção da parte dos ministros dos restantes 23 países da OCDE. E afigura-se-me que houve unanimidade de juízos. Foi-me dito que, em nenhum outro país da OCDE, em igualdade de circunstâncias, as coisas haviam sido conduzidas tão positivamente como o foram em Portugal.
Tenho a maior honra e muito gosto em transmitir ao Parlamento Português o que então foi dito.
Em Portugal, a inflação está agora nos 8 %. Há três anos, por esta altura, era 22,3 %.
Hoje, o desemprego está nos 6,5 % da população activa, o nível mais baixo de toda a CEE depois do Luxemburgo. Há três anos, por esta altura, estava 2 dificílimos pontos acima.
Hoje o investimento cresce a excelente ritmo. Atingiu em 1987 a taxa anual mais alta dos últimos vinte anos: 19 % reais. Há três anos o investimento não crescia. Diminuía: - 3 % em 1985. Aumentando de 1983 a 1985: - 26 % reais.
Hoje, a dívida externa aponta para 40 % do PI B. Há três anos, por esta altura, era o dobro, ou sejam 80 %.
Hoje os salários reais crescem na casa dos 4 % ao ano. Há três anos o crescimento era insignificante, após sucessivos anos de quebras reais dos salários. De 1982 a 1984, a quebra real dos salários atingiu 17 % em Portugal.
Hoje a laxa de juro do crédito mais longo é, no máximo, 17 %. Há três anos, por esta altura, era 32,5 % - mais «juros à cabeça», que acabaram com o Decreto-Lei n.º 204/87, há um ano precisamente.
Hoje o défice global do sector público ronda apenas os 10 % do PIB. Há três anos era 19 %.
Srs. Deputados, posso testemunhar a VV. Ex.ªs que a economia portuguesa foi considerada na OCDE como apresentando em 1986, 1987 e 1988 uma das melhores ou mesmo a melhor performance macroeconómica dos 24 países.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perguntaria a W. Ex.": não é esta a matéria que, verdadeiramente, interessa ao País?
Passemos, então, à matéria do dia.
É curioso notar a flagrante perda de oportunidade que ela evidencia. Precisamente na mesma data em que entrava na Mesa da Assembleia o respectivo requerimento, em 8 de Abril passado, escrevia um qualificado jornalista, notoriamente conhecido e respeitado, em editorial de um semanário que não está na área do Governo:
Independentemente das críticas que possam ser feitas ao Ministro Miguel Cadilhe e nós lemos feito algumas, há que reconhecer que, quando se levantaram dúvidas a propósito das OPVs do grupo SONAE, agiu de forma a conferir transparência ao processo e a transmitir uma imagem de independência relativamente aos grupos económicos.

Aplausos do PSD.

E, precisamente nesse mesmo dia, em 8 de Abril, estivemos nesta Câmara a debater o mesmo assunto.
Sobre os factos subsequentes a esse dia, faria a súmula seguinte a respeito das duas partes em que foi dividido o meu despacho de 25 de Março, o qual já é do conhecimento de VV. Ex.ªs
Quanto à primeira parte, concluiu o Sr. Procurador-Geral da República, em 9 de Maio, não existirem razões para pôr em causa as sete OPVs, mas mandou instaurar procedimentos para investigar eventuais infracções ao Código das Sociedades Comerciais em momentos anteriores às OPVs.
Por outro lado, a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos apreciará, a seu tempo, a questão dos incentivos fiscais, quando chegar a altura das declarações de contribuição industrial.
Quanto à segunda parte, e já em domínio que não é técnico-legal, dei despachos adicionais em 15 de Abril, mantendo, na essência, a globalidade da apreciação sobre «prudência bastante» no conjunto da preparação e aprovação das sete OPVs.
Deixem VV. Ex.ªs que, a propósito e em suma, procure sublinhar seis aspectos elementares mas esquecidos, sobretudo pela bancada do Partido Socialista e também pela do CDS.
Primeiro, a competência para autorizar OPVs em Portugal não é do Governo.
Segundo, o Governo não aprovou, porque não podia aprovar, quaisquer condições das sete OPVs.
Terceiro, não são postas em causa as sete OPVs, segundo a conclusão da Procuradoria-Geral da República de 9 de Maio passado.
Quarto, só em situações excepcionais pode o Ministro das Finanças mandar suspender a realização de OPVs já autorizadas, por quem tem competência para isso.
Quinto, não havia, contrariamente àquilo que o Sr. Deputado João Cravinho disse, qualquer fundamento legal para suspender a realização das sete OPVs.
Sexto, obviamente o juízo sobre «prudência bastante» não serve de fundamento para suspender operações.
Srs. Deputados, terminaria, apesar de tudo, com uma palavra de apreço e simpatia, tal como já fizemos noutras ocasiões.
Faça-se justiça às canseiras das oposições, muito em particular aos Srs. Deputados João Cravinho e Nogueira de Brito. É óbvio que o seu papel é, por regra dizer mal, não é dizer bem. Ou, mais precisamente, é dizer o que está mal, não é dizer o que está bem. Desculpar-me-ão VV. Ex.ªs que insista nesta distinção, «dizer mal» não é propriamente o mesmo que «dizer o que está mal».
Imaginamos as dificuldades em que se move a oposição para dizer o que está mal no estádio da economia, quando, na generalidade, as coisas correm bem ou muito bem! A inflação desce e, ao mesmo tempo, desce o desemprego e sobem os salários reais; o investimento cresce como

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nunca e, todavia, a balança de transacções correntes 6 superlativaria; as finanças públicas entraram nos eixos; não há défices ocultos; o défice, inicialmente orçamentado, é cumprido; não há orçamentos suplementares propostos pelo Governo; a dívida externa líquida de reservas atingiu quase o nível zero.
VV. Ex.ªs, Srs. Deputados oposicionistas, têm toda a nossa compreensão e, diria mesmo, admiração. VV. Ex.ªs fazem o vosso papel e mantém-se olimpicamente dizendo mal da realidade que vai bem e vai, a cada passo, desmentindo W. Ex.«« Que grande é a vossa contrariedade, Srs. Deputados da oposição.
Muito obrigado por esta oportunidade que me deram de falar da realidade que interessa ao País.
Sr. Presidente, muito obrigado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Ministro, desta vez vou dizer bem.
Recebemos agora uns esclarecimentos, nomeadamente sobre o que sucedeu quanto às decisões da Procuradoria-Geral da República, o que muito lhe agradecemos. No entanto, como essas decisões, são de Maio já poderiam ter sido comunicadas, inclusivamente, a esta Assembleia, que muito se interessou pelo assunto.
A primeira parte do discurso do Sr. Ministro deve pertencer a outro número. Certamente, o seu secretário enganou-se, pois não tem nada que ver com o assunto em debate. O seu secretário meteu o discurso na sua pasta e o Sr. Ministro leu, pois ficava bem.
No entanto, quero dizer que é a sétima ou oitava vez que o ouvimos.

Uma voz do PSD: - Mas ainda não aprendeu!

O Orador: - E se e de moléstia à terceira vez, digo que à sétima e à oitava é um prazer.
Quero agradecer-lhe, pois, de facto, ouvir oito vezes a mesma coisa a propósito de tudo prova ausência total de argumentos.
O Sr. Ministro é um dos melhores chefes da oposição que conhecemos em Portugal junto da opinião pública.
Quanto à matéria dos factos, o Sr. Ministro vai-nos esclarecer se o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 23/87 consta ou não da legislação portuguesa, se o Sr. Ministro o revogou pelo seu próprio punho ou se foi o seu secretário que o mandou para o caixote do lixo.
O artigo 6.º diz o seguinte: «Instruído o processo, a DGT, no prazo de dez dias úteis, emitirá parecer e submetê-lo-á à apreciação e despacho do Ministro das Finanças» (que é V. Ex.ª). Com efeito, é V. Ex.ª que o autoriza.
Estará este artigo 6.º revogado? Dirá que sim e, então, pergunto-lhe em que Diário da República é que ele é revogado.
Revogou-o o Sr. Ministro na sua mente? Isso chega?
Diz o Sr. Ministro que não autoriza. Mas, então, por que ra/ão é que faz tantas reuniões em vésperas de as coisas estarem para ser autorizadas?
Pôr que é que o Sr. Secretário de Estado pede escusa?
Já agora, gostaria que o Sr. Ministro informasse a Câmara sobre o seguinte: o Sr. Secretário de Estado fez-lhe um relato da reunião em causa? Essa reunião foi promovida
por si, ou, pelo menos, o Sr. Ministro mandou o Sr. Secretário de Estado a essa reunião como seu representante - isso está escrito por si!
Que despacho é que o Sr. Ministro deu sobre isso?
Como é que o Sr. Ministro consegue dizer, contra a lei, que não tem responsabilidades? O Sr. Ministro é Ministro das Finanças ou é o Dr. Miguel Cadilhe?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, desejo usar da palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, o CDS não dispõe de tempo, mas acho que a minha consideração e a da minha bancada foram ofendidas pelo Sr. Ministro no debate relativo a um inquérito que não foi pedido por nós.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, no espírito e na letra do Regimento, concedo-lhe a palavra para a defesa da honra e da consideração.
Antes de lhe conceder a palavra, o Sr. Ministro das Finanças tem direito a responder ao único pedido de esclarecimento que lhe foi formulado, se assim o entender.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas também me inscrevi para um pedido de esclarecimento ao Sr. Ministro. Fiz sinal à Mesa, por três vezes, para que me inscrevessem para esse efeito, o que a Mesa não deve ter reparado.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, apesar de tudo, somos três elementos da Mesa a anotar as inscrições e nenhum de nós se apercebeu da intenção da Sr.ª Deputada em se inscrever.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, mesmo assim, solicito que a Mesa tenha em conta este facto, que referi.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada lida Figueiredo.

A Sr/lida Figueiredo (PCP): - Sr. Ministro, na intervenção que produziu, claramente de olhos postos no congresso do PSD, demonstrou viver alguns equívocos, certamente decorrentes do paraíso que descobriu no Gabinete em que trabalha.
Há muito tempo que conheço a sua tendência para a leitura optimista das estatísticas. Mas, Sr. Ministro, a prudência e o bom senso aconselham a não fechar os olhos à realidade.
E realidade é a de que a inflação mantém-se superior àquela que o Sr. Ministro definiu como meta para este ano. É ou não verdade? Sr. Ministro?
O elevado desemprego de mulheres e jovens mantém-se. A situação não é aquela que o Sr. Ministro vê no seu Gabinete.

Uma voz do PSD: - Pois não! É muito melhor.

A Oradora: - É bom que o Sr. Ministro veja melhor o que se passa lá fora, no país real em que vivem os Portugueses.
Mas voltemos ao inquérito parlamentar, ao tema deste debate, voltemos à questão que tem estado a ser debatida.

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Já aqui foram apontadas, nomeadamente pela minha bancada, a falta de transparência e de informação, por parte do Governo relativamente a esta Assembleia no que respeita a todo este processo, quanto aos actos do Governo e da Administração Pública, porque 6 isso o que está em causa.
O Sr. Ministro já apresentou os mais diversos pretextos para não enviar à Assembleia da República toda a informação de que dispõe, pelo que pergunto: por que é que o Sr. Ministro teima em não assumir as responsabilidades que lhe cabem em todo este processo?
Por que 6 que não aconselha a bancada do PSD a votar favoravelmente este pedido de inquérito para que, finalmente, a Assembleia da República, exercendo cabalmente os poderes e as competências que tem nos termos constitucionais, possa fiscalizar, de facto, a actividade do Governo?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, o PRD cedeu dois minutos aos CDS, pelo que desejo formular um pedido de esclarecimento ao Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se, porventura, veio atrasada a inscrição da Sr.ª Deputada lida Figueiredo, ainda mais atrasado vem o pedido de esclarecimento que o Sr. Deputado pretende formular agora.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, queira V. Ex.ª desculpar, mas creio que o meu pedido de esclarecimento não vem atrasado na medida em que o Sr. Ministro das Finanças ainda não deu qualquer resposta.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

Vozes do CDS: - Então, como é que ó? Agora até já nos calam?

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado João Cravinho colocou-me algumas questões relativamente à interpretação do quadro legal.
Suponho que a bancada do Sr. Deputado tem assessores e bons técnicos de leis, de direito, bons juristas, que poderão esclarecê-lo.
Apenas lhe digo que o actual quadro legal impõe que não são os membros do Governo a autorizar quaisquer operações transaccionistas do mercado de capitais. Qualquer emissão de acções ou qualquer oferta pública de venda não vem às mãos do Ministro das Finanças ou do Secretário de Estado do Tesouro para a respectiva autorização.
Já era assim antes de ser criada a figura do auditor-geral do mercado de títulos.

O Sr. João Cravinho (PS): - Mas a responsabilidade é sua.

O Orador: - No que respeita às ofertas públicas de venda, cias eram autorizadas pelas comissões directivas das Bolsas do Porto ou de Lisboa. Agora, quando querem ter acesso a incentivos fiscais, as OPVs precisam de ser autorizadas pelo auditor-geral do mercado de títulos.
Penso que isso deve ficar esclarecido de uma vez por todas. Já numa outra ocasião eu disse que o Ministro das Finanças não autoriza nenhum processo sobre as OPVs.
Qualquer instituição, qualquer director-geral, tem a sua responsabilidade e a sua autonomia. Era só o que faltava que o Ministro estivesse a interferir no quotidiano das decisões das instituições.
O Sr. Deputado João Cravinho foi Ministro por volta de 1974 e se, nessa altura, não era assim que se procedia, então esse não era o melhor caminho.
Reconhecemos autonomia e responsabilidade às instituições que, no dia-a-dia, tem de gerir as suas responsabilidades, as suas atribuições, e nós vamos apreciando-as. Se alguma coisa estiver mal aparecemos a posteriori, procurando corrigir o que está mal e a tirar daí as consequências.
Foi isso o que fizemos, e estou já a responder à Sr.ª Ilda Figueiredo.
Assumimos, efectivamente, as nossas responsabilidades e a prova disso está nas próprias consequências que resultam dos inquéritos efectuados.
Não tenho mais nada a dizer. Está tudo dito e redito sobre este assunto das sete OPVs. Os Srs. Deputados que voltam a esta matéria têm, seguramente, fome de conversa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Deputado Nogueira de Brito prescindiu da defesa da honra.

No entanto, vai proceder a uma intervenção, utilizando os três minutos cedidos pelo PRD.
Tem então a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, queria esclarecer V. Ex.ª, a Assembleia e os Srs. Membros do Governo que o que pretendia era pedir um esclarecimento ao Sr. Ministro. É que estamos em condições de tempo de tal modo escassas e as cedências de tempo que os partidos fazem acontecem em momento tal que, realmente, não foi assim que acabámos por exprimir o nosso pedido. Assim, é, porventura, inadequado que faça agora uma intervenção depois do Sr. Ministro já ter dado explicações acerca das intervenções produzidas.
Sr. Ministro das Finanças, o CDS congratula-se com as conclusões tiradas pela Procuradoria-Geral da República, ou seja, que nada há em relação as sete OPVs. Ainda bem que não há, e congratulamo-nos com isso.
No entanto, supomos que quem não se deve congratular com isso - ou antes, congratula-se também, porventura, embora com a consciência de que lhe causou um problema - é o Sr. Ministro das Finanças. Porquê?! É que não tendo havido nada com as sete OPVs, então porquê o inquérito administrativo?
Porventura, isto servirá, Sr. Ministro das Finanças, para concluir que o Sr. Ministro tinha razão quando disse que tudo ia acabar bem, mas não linha razão nenhuma quando levantou...

O Sr. Flausino Silva (PSD): - Volta outra vez ao mesmo?!

O Orador: - Sr. Deputado, V. Ex.ª tenha paciência, mas estamos aqui para, com liberdade, debater as questões e não é o critério do «outra vez ao mesmo» que nos pode fazer calar...

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Já falta pouco!...

O Orador: - Sr. Ministro, V. Ex.ª tinha, porventura, razão quando disse que tudo ia acabar bem, mas não tinha razão e criou um grave problema quando mandou fazer o inquérito.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

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O Sr. João Cravinho (PS): -Sr. Ministro das Finanças, com a cordialidade possível a esta hora, gostaria de pedir a atenção de V. Ex.ª para o que vou passar a expor.
Diz o Sr. Ministro que, no quadro legislativo actual, o Governo não autoriza nenhuma OPV.
Ora bem, o que o Sr. Ministro quer dizer é que apesar de ter, segundo o quadro legislativo actual, a responsabilidade pelas autorizações das OPVs - responsabilidade política e responsabilidade legal última, isso é óbvio, toda a gente o sabe - ao criar a figura do auditor-geral do mercado de títulos - o respectivo diploma diz, no seu primeiro artigo: «É criado, na dependência do Ministério das Finanças, o lugar de auditor-geral do mercado de títulos [...]»-, que tem um certo número de responsabilidades e que está na sua dependência, mas a quem deu autonomia, não tem qualquer responsabilidade em relação ao que faz o auditor-geral, como, por exemplo, no caso das autorizações.
Isto e péssimo direito, é péssima política e não é boa moral. Isto porque V. Ex.- se comporia, neste caso concreto, um pouco como o comandante-em-chefe ou como o general de divisão, como major ou como o capitão, que vai pela escada abaixo sempre à procura de quem há-se ser fuzilado por um qualquer erro.
O Sr. Ministro é politicamente responsável por aqueles que, por lei, estão na sua dependência usando os poderes que a lei lhe confere por delegação sua. V. Ex.ª não pode sair disto, e, aliás, é muito feio sair.
Suponho que alguém já lhe terá comunicado isto por escrito... ou não...? Talvez não...
O Sr. Ministro das Finanças: - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Ministro, com todo o gosto, embora realçando que raramente me é permitida a hipótese contrária.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Deputado, o auditor-geral do mercado de títulos tem as suas competências, as suas responsabilidades e, naturalmente, a sua autonomia. Na realidade, não há ninguém que possa funcionar na Administração Pública se o membro do Governo situado no topo da respectiva linha hierárquica estiver a interferir na autonomia de decisão.
Portanto, as competências estão definidas por lei. O auditor-geral do mercado de títulos autorizou as sete OPVs em finais de Novembro de 1987, ao abrigo e dentro da lei.
Relativamente ao auditor-geral do mercado de títulos, a única acção que empreendi com o meu despacho de 24 de Março do corrente ano foi a de fazer um juízo, embora discutível, do qual assumo a inteira responsabilidade.
Aqui sim, admito que o Sr. Deputado me peça responsabilidades. Porém, assumi-as e assumi também o risco de dizer que o auditor-geral do mercado de títulos não havia procedido com suficiente prudência na autorização das sele OPV fazes do.

PSD: - Muito bem!

O Sr. Ministro das Finanças: - No entanto, temo-lo dentro da lei. Porém, o Sr. Deputado está, intencionalmente, a confundir tudo.
Depois, disto, Sr. Deputado, não volto mais a este assunto! Ó Sr. Deputado, que não tem outras razões nem outros objectos, está com fome de conversa e anda sempre à volta do mesmo! Saia disso, Sr. Deputado! Ganhe inteligência e salte daí para fora!

Aplausos do PSD.

O Orador: - Sr. Ministro, o que V. Ex.ª diz é que, quando delega competências, delega responsabilidades.

O Sr. Ministro das Finanças: - Não deleguei absolutamente nada!

O Orador: - Quando diz que, nos termos da lei, as competências que são suas são exercidas, na sua dependência, por outrem, V. Ex.! diz que não tem quaisquer responsabilidades.

O Sr. Ministro das Finanças: - O Sr. Deputado vai ter de estudar o assunto com um jurista que o esclareça!

O Orador: - O Sr. Ministro diz também que apurará os factos e levará tudo isto às últimas consequências, doa a quem doer, desde que seja aos outros - é, de facto, assim.
Se, de facto, o Sr. Ministro tem a convicção de que alguém nomeado por si usou mal os seus poderes, V. Ex.ª tem de assumir essas responsabilidades, tem de tirar consequências disso - que não se limitam a uma mera censura pública - e tem de dizer que o próprio Sr. Ministro, doa a quem doer (e dói-lhe a si), está aqui no banco dos réus, porque a competência e a responsabilidade são, no fundo, suas.
O Sr. Ministro diz que são dos outros, que o assunto está resolvido e que faço muito mal em voltar a esta matéria.
Peço-lhe desculpa se lhe dói, mas V. Ex.ª é que me deu autorização-não precisava dela (doa a quem doer).
V. Ex.ª faz-me lembrar um famoso general chamado «Blood and Guts», do qual os soldados diziam, com alguma razão, «our blood is guts». Compreende?
O Sr. Ministro das Finanças:

Traduza lá, Sr. Deputado!
O Orador: - Não traduzo, pois o Sr. Ministro fala um inglês excelente, melhor do que o meu, aliás, pela sua inteligência superior.

Risos do PS.

Por outro lado, gostaria de dizer duas coisas à bancada do PSD.
A primeira é que de facto a razão última e verdadeira, pela qual estamos todos envolvidos neste caso e que levou a SONAE a ser objecto «não sei de quê», está na questão dos incentivos fiscais, como disse e muito bem o Sr. Deputado Nogueira de Brito. E é importante que se diga que tudo isto só (cm razão de ser se considerarmos essa questão dos incentivos, porque é exactamente por isso e só por isso que e auditor-geral do mercado de títulos intervém neste processo. como se pode confirmar pelo que resulta e está escrito na lei.
Portanto, quando o Governo começa a baralhar as coisas a dar o dito por não dito, a confundir as empresas e a lançá-las na tarefa de fazer operações à pressa para ganhar incentivos, que elas julgavam já ter ganho, estamos perante um atabalhoamento completo.
O objecto do inquérito é exactamente o de provar que este governo, ao intervir arbitrariamente e irresponsavelmente no plano do ordenamento jurídico e regulamentar cria as maiores confusões dentro do mercado de títulos i cria «sarilhos» a todos os que estão aqui.
Sr. Deputado Flausino da Silva, gostaria de dizer-lhe que vou ver o Sr. Deputado votar a favor do inquérito porque quer que nós façamos prova do que afirmámos e só

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podemos fazer se o inquérito se realizar. Como o Sr. Deputado quer que o PS prove, vai votar connosco. Vai fazer-me esse favor, Sr. Deputado!

O Sr. Flausino da Silva (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Flausino da Silva (PSD): - O Sr. Deputado começa por falar nos incentivos fiscais e fundamenta o pedido do inquérito em aspectos completamente diversos, o que me leva a dizer-lhe que não percebi a sua intervenção.
Além de que o Sr. Deputado termina com uma conclusão que não pode deixar muitas dúvidas, aliás, ela fica registada no Diário da Assembleia da República, e servirá para que todos possamos retirar dela as ilações políticas.
O problema para o PS não se resume a uma questão de actos do Governo, mas à relação Ministro das Finanças-BPA, e isso está dito, Sr. Deputado.
O que é que a relação Ministro das Finanças-BPA tem a ver com os incentivos fiscais?

O Orador: - Se o Sr. Deputado ainda tem essas dúvidas, é porque não compreendeu a minha primeira intervenção. É que nós só estamos a discutir esta matéria por força do seu enquadramento legal e nos termos do Regimento da Assembleia da República. Está aqui escrito, Sr. Deputado, e para não ter dúvidas leia, se faz favor, o Decreto-Lei n.º 23/87 e o artigo 6.9 do Decreto-Lei n.9 35/87, sobre a dispensa de autorização. Está tudo escrito no Diário da República. Portanto, não vou voltar a falar no assunto.
Gostaria ainda de dizer que, quando noutra altura aqui se discutiu também este problema, a bancada do PSD respondeu ao CDS que o pedido de inquérito deste não se deveria realizar, pois era extemporâneo. E porque? Bem, porque depois dos inquéritos realizados, então sim, o inquérito parlamentar era de lodo o cabimento, se houvesse caso para isso. Antes, nunca!
No entanto, a mesma bancada do PSD diz-nos neste momento que, como as coisas estão encaminhadas, agora não!
A terminar, gostaria de afirmar que estou convencido que não vai haver inquérito porque o PSD não quer e tem boas razões para o não querer. Todos sabemos isso, não vale a pena disfarçar.
O Sr. Ministro afirmou a esta Assembleia - e está registado no Diário - que tornaria públicos os resultados dos inquéritos. Lembra-se disso? Bom, nem este da Assembleia, nem os outros, nem porque antes, nem porque depois, e, sobretudo, porque o que os senhores têm é muito medo!

O Sr. Flausino da Silva (PSD): - E o senhor também. Há muitas coisas que se sabem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado João Cravinho: Gostaria de lhe dizer, frontalmente, que o Governo, o Ministro das Finanças, e eu próprio não temos nada a temer sobre este assunto, que foi conduzido de forma exemplar.
O Sr. Deputado, com a sua forma de ser e de estar na vida e também perante a vida empresarial, quereria pôr na praça pública este dossier que, em si próprio, pelo objecto, é delicado.
Já disse que mandarei à Assembleia da República, sob estrita confidencialidade, todo o dossier, se os Srs. Deputados mantiverem o vosso pedido nesse sentido, e fá-lo-ei logo que o procurador-geral da República dê o processo por encerrado.
Sr. Deputado, peço-lhe para que não volte a dizer que nós tememos seja o que for sobre esta matéria.

O Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Então, por que razão não votam o inquérito?

O Orador: - Essa é uma difamação que não lhe fica bem. O Sr. Deputado tem demonstrado uma obsessão doentia nesta matéria e por isso lhe peço, pois tenho consideração por si, já o conheço há muitos anos, sei que é um homem inteligente e que tem feito muito pelo País e pela democracia, que salte para fora dessa obsessão, Sr. Deputado João Cravinho!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Como não há mais inscrições, damos por encerrado o debate sobre o inquérito parlamentar n.º 8/V, apresentado pelo PS.
Voltamos a reunir às 15 horas, para debater o segundo ponto da ordem do dia.
Quero ainda lembrar aos Srs. Deputados que há uma conferencia de líderes às 14 horas e 30 minutos.
Está suspensa a sessão.
Eram 13 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente (Marques Júnior): - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para interpelar a Mesa, o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, requeira à Mesa que proceda à verificação do quorum de funcionamento.
O agendamento desta sessão é um direito potestativo do Partido Ecologista Os Verdes, e embora tenhamos acordado, por consenso, não exigir que a votação do projecto de lei n.º 244/V, relativo à protecção do lobo ibérico, por nós apresentado, seja feita hoje, uma vez que o seu adiamento nos foi pedido por um grande número de deputados, parece-nos que não deveríamos iniciar a sessão sem o quorum exigível, mormente quando, pela primeira vez em Portugal, a Assembleia da República se vai debruçar, exclusivamente, sobre a protecção de uma espécie ameaçada.
Julgamos que a apreciação deste projecto de lei é o início de uma prática saudável - prática que, noutros países, já tem algumas tradições -, e, por isso, inaugurá-la desta forma não nos parece prestigiante para a Assembleia da República.
Agradecia, pois, que a Mesa nos informasse se há ou não quorum de funcionamento.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa vai proceder à contagem do quorum.

Pausa.

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Sr. Deputado Herculano Pombo, encontram-se presentes no hemiciclo 49 deputados, faltando apenas l deputado para perfazer o quorum de funcionamento. No entanto, lembro que estuo neste momento a decorrer trabalhos de comissões, pelo que, certamente, o quorum será completado dentro de momentos.
Pausa.
Sr. Deputado Herculano Pombo, a Mesa informa V. Ex.ª que existe já quorum de funcionamento.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Assim sendo, peço a palavra para proceder à apresentação do projecto de lei n.º 244/V - Protecção do lobo ibérico.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados: Não quero, obviamente, começar a minha intervenção com um juízo de valor. No entanto, penso ser elementar dizer alguma coisa sobre a situação que acabámos de ultrapassar, felizmente.
Não quero acreditar que tenha sido o pouco interesse pela conservação da Natureza que tenha afastado os Srs. Deputados do hemiciclo. Terá talvez a ver com o fim de semana prolongado que se aproxima ou com o facto de algumas comissões estarem, neste momento, reunidas.
Inauguramos hoje, em Portugal, na Assembleia da República, uma prática já com algumas tradições noutros países da Europa -o que muito nos orgulha-, que é reveladora de um elevado índice civilizacional porquanto só homens civilizados se empenham e gastam o seu tempo na protecção de espécies que esses mesmos homens, noutros tempos de menor civilização, puseram em causa.
Passo, pois, a proceder à apresentação do projecto de lei e começaria, talvez, por dar conta de uma história passada com uma criança, ate porque hoje é o Dia Mundial da Criança, ao qual, até agora, não foi feita qualquer referencia nesta Assembleia, nós próprios trouxemos aqui, um pouco adiantamento, a celebração do Dia Mundial do Ambiente, que, como sabem, terá lugar no dia S de Junho, um domingo. Julgamos que cabe hoje também, nesta Câmara, uma referencia ao Dia Mundial da Criança.
Como dizia, começava por contar uma pequena história, aliás verídica, que se passou comigo próprio, faz hoje, Dia Mundial da Criança, exactamente sete anos.
Todos os dias, quando me dirigia para a escola onde então leccionava, costumava encontrar-me com a Laurinda, uma aluna minha a quem os pais tinham dado uma ovelha. Nesse dia não passei por ela no caminho de alguns quilómetros que eu fazia a pç e quando cheguei à escola para dar início às actividades que tínhamos programadas para o Dia Mundial da Criança já a Laurinda lá estava, e a chorar. Achei estranho a Laurinda chorar, ainda por cima no Dia Mundial da Criança, e Perguntei-lhe o que se passava. Soube, então, que a ovelha que os pais lhe tinham dado tinha sido comida, nessa manhã, por um lobo.
Há estranhas coincidências... Mal podia eu imaginar, depois de consolar a Laurinda nesse dia, que passados sete anos, e no mesmo dia, no Dia Mundial da Criança, a mim próprio caberia o grande orgulho de poder apresentar nesta Assembleia um projecto de lei que visa defender não só o lobo ibérico, espécie ameaçada, mas que visa defender também a economia humana contra os ataques dos lobos.

O Sr. Guilherme Pinto (PS): - Ó Sr. Deputado, assim eu vou votar contra!

O Orador: - Aliás, na altura, tendo escrito uma pequena crónica para o jornal local sobre o Dia Mundial da Criança, relatei estes factos. Recordo-me ter escrito então que à Laurinda um lobo lhe roubou a Fosca, que era a ovelha, outro lhe roubou o futuro.
Desses que lhe roubaram o futuro não cuidaremos hoje. Vamos cuidar, sim, daquele que lhe roubou a Fosca para que os lobos possam continuar a coexistir entre nós sem que isso envolva prejuízos para as economias dos pastores.
Depois desta história, passo à apresentação do projecto de lei, referindo-me à situação do lobo ibérico. Alguns perguntarão: porquê lobo ibérico?
Canis lúpus signatus Cabrera, canis lúpus, da sua designação latina, signatus, porque, de facto, é fácil a identificação do lobo por um sinal que tem na cauda, de pelagem mais clara, Cabrera, por ter sido esse naturalista espanhol que o identificou como espécie própria no conjunto dos lobos existentes em toda a Europa, espécie endémica na Península Ibérica.
O problema do lobo tem de ser visto, quer na sua análise, quer nas medidas que ora propomos para a sua conservação, em termos de espaço ibérico, porquanto sabemos que a espécie tem hábitos que lhe impõem territórios de grande extensão e que, obviamente, não conhecem fronteiras.
Por outro lado, é nas zonas de fronteira entre Portugal e algumas autonomias do Estado Espanhol que hoje se concentram as poucas comunidades de lobos ainda existentes no nosso território.
Quantos lobos temos? Esta é a pergunta que todos nós temos feito. Eu próprio dirigi um requerimento ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, em tempo oportuno, solicitando a informação de quantos lobos tínhamos, qual a estimativa de lobos, neste momento, em Portugal.
Recentemente chegou-me às mãos a resposta daquele Ministério, que, no seu ponto l, diz que não há estimativas referentes ao número de lobos em Portugal.
Embora não existam estimativas, temos neste momento a consciência de que a situação do lobo ibérico é dramática. Sabemos, por outro lado, que o lobo é uma espécie mítica, um animal fantástico, um animal que está, tal como nós, no topo de um cadeia alimentar que, durante milénios, foi competidor directo do homem e que, a partir de certa altura, como todos sabemos, ficou na dependência dos actos irresponsáveis do homem.
A situação do lobo ibérico, a nível de legislação, vem descrita no dossier que tivemos ocasião de elaborar e de entregar a todos os grupos parlamentares para que esta discussão se fizesse na base dos mesmos ciados e do mesmo conhecimento entre todos repartido. Tivemos esse cuidado.
No preâmbulo do projecto de lei vem convenientemente descrita a situação do lobo ibérico neste momento, em termos legislativos.
Neste momento, o lobo é considerado uma espécie cinegética e está protegido ao abrigo da Convenção de Berna, de que Portugal é signatário.
Mais recentemente, uma portaria conjunta de dois ministérios autorizou a balida aos lobos.
É, portanto, uma situação mal conhecida, que tem sido objecto de medidas pontuais, de medidas desgarradas, que, no seu conjunto, não têm contribuído para a preservação e para o conhecimento da espécie. Bem pelo contrário, têm, de

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algum modo, acelerado o seu desaparecimento. Teremos neste momento em Portugal, na zona fronteiriça, pouco mais de 100 exemplares desta espécie.
Sabemos como os países da Europa Central hoje lamentam profundamente o facto de não terem sido capazes, em tempo oportuno, de salvar os lobos que tinham. Não existe hoje, na Europa Central, um único lobo.
Em Portugal e na Península Ibérica temos poucos, mas temos os suficientes, os necessários, para que a espécie possa iniciar a sua recuperação.
Nesse sentido, e depois de um trabalho bastante elaborado, de um trabalho de pesquisa, de um trabalho que contou com a colaboração dos mais prestigiados técnicos da Faculdade de Ciências de Lisboa e do Fundo Asturiano para a Protecção dos Animais Selvagens - o FAPPAS, organismo asturiano que tem ganho prémios internacionais, nomeadamente pela sua dedicação à preservação do urso e do lobo em Espanha, sobretudo nas Astúrias -, concluímos a feitura deste projecto de lei.
Também alguns ecologista do partido espanhol Los Verdes colaboraram connosco estreitamente para que este projecto fosse fruto de um trabalho colectivo, de um trabalho que reputamos de óptimo, e que possa, depois de transformado em lei, ser decisivo no sentido da implementação das medidas necessárias à protecção da espécie.
Sabemos, a priori, que estamos a apresentar um projecto que, antes mesmo de ser discutido, é já objecto de um largo interesse - por vezes um interesse irónico, é certo-, um projecto que reúne o consenso da maioria dos deputados desta Câmara. É, pois, com bastante à vontade que fazemos a sua apresentação.
Este projecto de lei pretende configurar uma lei de bases, digamos assim, de protecção ao lobo ibérico. Nela não se proíbe o abate do lobo, com isso querendo resolver a situação. Retira, no entanto, o lobo da lista das espécies cinegéticas e inclui-o na lista das espécies protegidas. Obviamente, esta situação lira o lobo da tutela dos Serviços de Caça do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação e remete-o para a tutela absoluta dos Serviços de Conservação da Natureza em Portugal, nomeadamente da respectiva Secretaria de Estado.
As medidas nele propostas são medidas de largo alcance, pois, como comecei por dizer, virão possibilitar ao lobo ibérico uma recuperação acelerada e devidamente vigiada da sua população e ao mesmo tempo - isto sim, é um dado novo- poderão vir a criar nas populações, cujas economias tem sido negativamente afectadas pela presença de lobos ou pela presença de cães assilvesirados, que muitas vezes provocam danos que depois são imputados ao lobo, uma menor animosidade contra o lobo.
Essas populações, depois da aprovação desta lei e da implementação dos mecanismos nela previstos, virão certamente a mudar completamente a sua atitude para com os lobos e acabarão, seguramente, por acarinhá-los. A presença dos lobos deixará de representar para elas uma contrariedade, pois não mais porá em causa as suas muito debilitadas economias e passará, pelo contrário, a constituir um motivo de orgulho. Poderão, então, partilhar o espectáculo fascinante que é a observação dos lobos em plena natureza.
A preservação do lobo ibérico tem também implicações 1c natureza turística e de outra natureza, que não são menos ^levantes.
A presente lei define, pois, regras quanto à protecção, à detenção, ao transporte, à comercialização e à exposição de exemplares vivos ou dos seus restos e à prevenção quanto à utilização de meios de extermínio, ao controle dos cães reais, as regras de responsabilidade contra-ordenacional e
criminal, e giza as linhas gerais da política que o Estado deve implementar no sentido da protecção não só desta espécie como também de outras espécies ameaçadas.
Aqui se diz que «ao Estado incumbe, nomeadamente, adoptar uma política de ordenamento que não desfigure os habitais. Não vale a pena termos lobos se o território não estiver devidamente ordenado, tanto para as pessoas como para as outras espécies.
É preciso promover estudos que conduzam ao melhor conhecimento dessa espécie; acções de sensibilização junto da opinião pública são, também elas, fundamentais, como fundamental é que as entidades que têm a ingrata missão da fiscalização e do patrulhamento das áreas protegidas sejam dotadas dos meios técnicos e logísticos necessários ao desempenho cabal da sua missão.
O artigo 2.º do projecto de lei diz respeito à protecção integral do lobo ibérico, ou seja, a partir de agora o lobo ibérico passará a ser considerado como espécie protegida, ficando absolutamente proibido o seu abate por qualquer meio.
Abre-se, obviamente, uma excepção: a excepção que a Convenção de Berna também abre no n.º do seu artigo 9.º, onde diz, muito sucintamente, que quando se verifiquem necessidades comprovadas de que o homem intervenha no sentido da captura ou do abate de algum exemplar, se comprovadamente isso for justificado, pode haver uma derrogação, digamos assim, do contrato estabelecido aquando da assinatura da Convenção de Berna. Disso, porém, tem de ser apresentado relatório.
Um dos aspectos mais negativos que tem contribuído para o desaparecimento não só desta espécie como de outras tem sido a desenfreada caça ao trofeu, a ganância em possuir alguma coisa rara, seja ela uma pele, seja um trofeu, seja um animal embalsamado.
Também aqui se cuida da detenção, do transporte e da comercialização e exposição desses exemplares.
Proibe-se, absolutamente, a sua posse, a não ser para organismos com fins científicos e de divulgação.
A utilização dos meios de extermínio tem contribuído muito para o envenenamento das espécies, e às vezes das pessoas, nomeadamente com o uso indiscriminado da estricnina e de outros tóxicos de consequências imprevisíveis. Também neste diploma se proíbe não só o fabrico, a detenção e a comercialização da estricnina pensamos que ela devia estar desde há muito irradiada e radicada do uso -, como também de outros tóxicos vulgarmente utilizados para fazer desaparecer os lobos.
Outro grave problema que se prende com esta questão é o dos cães assilvestrados. Há pessoas que não têm o mínimo de cuidado com os animais e os abandonam. Esses animais procuram depois o seu alimento fora das povoações, quer em lixeiras, quer atacando as comunidades de outros animais mais facilmente perdáveis e que, muitas vezes, são espécies cinegéticas, trazendo com isso enormes prejuízos não só para a economia das populações como também, muitas vezes, contribuindo para a divulgação de doenças, tal como a raiva, de graves consequências para a saúde humana.
São muitas vezes esses animais que, tendo cruzamentos com o lobo, produzem híbridos com alterações comportamentais que provocam agressividade fora do vulgar, atacando rebanhos. Esses estragos vêm a ser atribuídos ao lobo, que é penalizado, quando são os cães abandonados que provocam problemas. Propõe-se, pois, neste projecto de lei, que se faça o devido controle e a devida sensibilização para que as pessoas não abandonem os animais, para que utilizem ou mantenham os cães, salvaguardando assim os direitos que eles hoje também já têm.

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Passaria agora a uma norma que reputo da maior importância, que é o ressarcimento dos prejuízos comprovadamente causados pelo lobo, prática que hoje já se segue com algum à vontade nas ancas protegidas, nomeadamente nos parques da serra de Montesinho e da serra do Geres. No entanto, como não se segue fora dessas áreas, o que acontece é que se nos parques as pessoas não matam o lobo, porque sabem que, ainda que lhes dê prejuízo, esse prejuízo lhes e pago em tempo útil, matam-no à saída dos parques - o lobo, obviamente, não está preso nos parques -, porque fora dos parques as pessoas não tem sido indemnizadas.
Neste momento há já um maço enorme de processos organizados pelos serviços florestais para indemnizar as pessoas, mas há quase dois anos, e alo mais, que as pessoas não foram ressarcidas dos seus prejuízos. Este projecto de lei cuida principalmente dessa situação.
Depois fala-se, obviamente, na responsabilidade criminal e contra-ordenacional no sentido de punir severamente os infractores desta lei.
Tivemos o cuidado de fazer um projecto de lei que fosse uma lei de bases, deixando ao Governo - a quem reconhecemos competência e idoneidade - a regulamentação deste projecto. O Governo regulamentará, no prazo de 90 dias, as matérias que são de regulamentar e que nele se fixam.
Com isto termino a apresentação do projecto de lei n.º 244/V. Obviamente, estamos ao dispor de VV. Ex.ªs para qualquer esclarecimento.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Traiu-se esta tarde de falar do lobo, não propriamente para contar a história de «O Capuchinho Vermelho», mas para proteger o Canis lúpus signatus, cujo nome vulgar e o de lobo ibérico.
Esta iniciativa veio pela mão do Partido, exclusivamente ecológico, Os Verdes, e merece da parte do Partido (não exclusivamente ecológico) Social-Democrata uma nota de apreço e aceitação pela simpatia desta intenção. No entanto, entendemos estas questões numa maior abrangência, numa maior articulação, num outro enquadramento que não somente a atitude isolada de defender uma espécie animal ou vegetal, no entendimento de que só por via legislativa poderá significar pouco em termos práticos. Será que por nós, deputados da Nação Portuguesa, consagrarmos em lei que é proibido chacinar os lobos que isso não irá jamais acontecer? Deixo esta pergunta ao Partido Os Verdes na certeza de que concordará comigo que é preciso prestar atenção a outras envolventes, como, por exemplo, a educação ambiental. Penso que é fundamental mentalizar as populações - aplico este termo no bom sentido, não é cacicar, é mentalizar - para que se enfatizem as virtualidades de algumas espécies animais. É o caso do lobo, que povoa o nosso imaginário, é certo, mas que é injustamente atacado se pensar que ele é totalmente prejudicial ao homem, quando ele tem virtualidades biológicas e ecológicas, portanto ao nível do comportamento, que são perfeitamente razoáveis de conviverem lado a lado com a espécie humana, que não pode ser dona e senhora dos ecossistemas.
Penso, portanto, que o lobo, através da sua combatividade, através da acção que exerce em eliminar espécies prejudiciais, deve ser explicado convenientemente às populações para que elas não o vejam como um inimigo a abater sistematicamente, mas como uma espécie a com prender biologicamente. Não estou a defender a sacralização do lobo - isso seria também um extremo - peço para que não caiamos nesse extremo. Não se prestem elevar o lobo ao altar e dizer que as populações, inclusivamente, devem ser prejudicadas e ficar passivas perante essa acção. Estamos simplesmente a propor uma mentalidade ambiental em Portugal que, digamos, valor aquelas espécies que no domínio público comum são tia como prejudiciais e a abater.
Sou sensível às razões que justificam esse processo, existem duas razões fundamentais na teoria biológica para explicar: a questão da diminuição populacional, que verídica, pois os estudos apontam para uma diminuição populacional do lobo (há que fazer fé nesses estude elaborados por entidades idóneas), e a da degradação do património genético através da adulteração, por cruzamento co outras espécies, nomeadamente com os cães, daquilo que é riqueza genética do lobo. Pelo seu comportamento já : nota que está adulterado através da perda de combatividade da perda de selectividade na atitude de predação e da perda outras qualidades.
Ora bem, esta questão deve ser enquadrada e pergunto ao Partido Os Verdes se não concorda comigo - numa atitude de recuperação dos habitais do lobo, que, na mini opinião, estão a ser destruídos. Ou seja, não se pá defender isoladamente a protecção do lobo se, por outras vias, nomeadamente pelo avanço do progresso tecnológico desenfreado, se destruírem os locais onde o lobo vai buscas suas razões de viver.
Por outro lado, é preciso também, na minha opinião uma política de ordenamento do território que tenha e conta os nichos ecológicos das espécies ameaçadas extinção.
Finalmente, penso que deve existir a tal educação ambiental que explique que a convivência com o lobo possível sem a chacina completa da espécie.
Pergunto, pois, se esta proposta, embora simpática, n poderá pecar também por redundância por haver já legislação europeia...

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: -... aplicável a Portugal e por esta iniciativa não necessitar, urgentemente, de articulação tra nacional - o lobo ibérico não é só português, partilha espaço enorme da Península Ibérica, pelo que pensamos de haver articulação entre governos- e se, não s necessário enquadrar toda esta preocupação, não só do mas de outras espécies, através de uma política de ordenamento territorial para o nosso país que tenha em contra ecossistemas em si.
Terminaria, Sr. Presidente, se me dá licença, citar uma passagem do livro Ecologia e Território, da autoria arquitecto paisagista Fernando Pessoa, que me pareceu significativa:
Na verdade não interessa apenas salvar da está uma ou outra espécie animal ou vegetal que encontre em perigo. O que está hoje em perigo, pouco por todo o mundo, são os ambientes natureza humanizados, são os ecossistemas essenciais à vida própria sobrevivência humana.
Deixo isto à vossa reflexão.

Aplausos gerais.

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O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Deputado Mário Maciel, tenho de começar por saudar o empenhamento e a opinião esclarecida de V. Ex.ª nas questões que levantou, independentemente de existirem algumas questões de pormenor que poderíamos discutir e das quais, eventualmente, discordar. Mas tenho de saudara globalidade da sua intervenção, porquanto me pareceu correcta e por, obviamente, estar de acordo com tudo o que no preâmbulo do projecto de lei 6 dito.
V. Ex.ª acaba de levantar a questão fundamental. De facto, não vale a pena proteger uma espécie isoladamente se depois lhe destruímos o habitat. Todos lemos absoluta consciência disso. Para ilustrar essa ideia temos o dramático caso do lince da serra da Malcata, onde não lemos lince. E porque? Porque já não temos serra da Malcata. E só voltaremos a ler lá o lince provavelmente se formos capazes de recuperar o ecossistema serra da Malcata.
Quanto à questão do lobo ibérico, o preâmbulo começa exactamente por d i/cr que o lobo é uma daquelas espécies que, fazendo parte de fabulosas espécies que são autênticos tesouros vivos, é uma das que está ameaçada e, nomeadamente, aqui se faz referência, ainda que muito sucinta, à águia real, ao falcão peregrino e ao lince, em conjunto com o lobo ibérico.
Esta espécie e ao mesmo tempo uma espécie emblemática, que desde a noite dos tempos nos acompanhou a nós, espécie humana, no topo de uma cadeia que muitas vezes foi a mesma cadeia alimentar da nossa espécie humana, foi o nosso competidor directo, foi aquele competidor que a nós próprios - espécie humana nos infundiu respeito e admiração, que nos ensinou muitos dos processos de predação de que os nossos antepassados se serviram e que, em última análise, nos asseguraram a sobrevivência. Muito aprendemos com eles. Não temos, pois, o direito de os eliminar, de os chacinar. É nosso dever, de homens civilizados que somos e que nos prezamos de ser, garantir as condições, não digo as mínimas, mas as necessárias, não só à sobrevivência do lobo como à nossa própria sobrevivência.
Sabemos hoje que quando desaparece uma espécie do topo de uma cadeia alimentar e toda a cadeia alimentar que fica perfeitamente baralhada-c nunca nos esqueçamos que nós somos espécie de topo de cadeia alimentar. Qualquer alteração que venhamos a produzir numa destas cadeias tróficas em nós mesmos se reflectirá.
Quanto à questão da legislação da oportunidade, também tivemos essas dúvidas. Seria melhor fazer uma legislação de ordem geral de protecção às espécies ou proteger esta espécie? Sinceramente, em termos de eficácia real, prática, parece que dedicar-nos para já à protecção do lobo, com afinco, criando mecanismos expeditos que levam, de lacto, à protecção do lobo, seria a melhor solução.
Daqui - e esta é uma experiência que bebemos também já (porque não dize-lo?) nas comunidades do Estado espanhol, que já têm esta experiência, que estão com resultados altamente positivos - beber esta experiência e partirmos para a protecção de outras espécies.
No projecto de lei diz-se que não vale a pena proteger a espécie, como já disse e repito, se não protegermos os seus habitais naturais. No artigo 1.º diz-se que ao Estado incumbe adoptar uma política de ordenamento que não desfigure os habitais da espécie e que possibilite a recuperação onde ela for possível. Este é o primeiro pressuposto, sem isto nada feito, tudo o resto seria ingenuidade pura.
Quanto à questão da sensibilização das populações, do nosso ponto de vista não vale a pena sensibilizar as populações para as questões ambientais se elas tiverem a consciência muito profunda de que o ambiente, tal qual nós o entendemos, lhes traz prejuízo e de que o entendimento do ambiente é prejudicial para as suas economias. O que queremos é que as pessoas cheguem à conclusão, aliás muito facilmente, de que só com um ambiente equilibrado é possível uma economia humana equilibrada e que as economias, mesmo as de sobrevivência, nunca se devem fazer à custa dos ecossistemas.
Para isto é necessário que os mecanismos de ressarcimento de prejuízos sejam eficazes e expeditos. Aqui se criam e se deixam as bases para que eles venham, de facto, a funcionar.
Também se diz, logo no artigo 1.º, que é incumbência do Estado promover acções de sensibilização da opinião pública com vista à erradicação de infundados temores e à modificação de atitudes e comportamentos face à existência do lobo.
Não funciona uma coisa sem outra. Não vale a pena mentalizar as pessoas se elas vierem a ter prejuízos económicos. Mas, se não tiverem prejuízo económico e se as medidas forem acompanhadas de mentalização e educação ambientais, teremos, certamente, atingido os nossos objectivos.
Estou sinceramente esperançado que o Governo leve a sério esta lei que viremos a aprovar, que a regulamente com eficácia e com a idoneidade que - temos de reconhecer - deve existir nas questões de ambiente, o que, com vontade política, este governo poderá fazer. Não basta que um Sr. Deputado da maioria venha aqui dizer que é necessário ordenar o território, é preciso que o Governo tenha consciência disso e nas suas acções de ordenamento o faça consciente de que a política ambiental e envolvente e não sectorial.
Não vamos nós, de vez em quando, cuidar aqui de um «bichinho» para descarregar as nossas consciências ecológicas!
Estamos confiantes e penso ter respondido às dúvidas do Sr. Deputado, agradecendo a sua intervenção.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Maria Pereira.

O Sr. António Maria Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Falamos hoje do lobo e espero que, dentro em breve, possamos falar da protecção dos animais em geral.

Vozes do PSD e de Os Verdes: - Muito bem!

O Orador: - Foi apresentado aos Srs. Deputados, não ainda oficialmente, um projecto de lei de protecção aos animais, da minha autoria, mas que o PSD entendeu que deveria ser um projecto de todos os partidos da Assembleia por ser um assunto que diz respeito à consciência de todos nós.
Portugal está incrivelmente atrasado nesse aspecto em relação à Europa civilizada, as nossa leis de protecção aos animais datam de 1917 e punem a tortura de animais com penas de 15S e 2S50. Isto tem de ser alterado e é essa a razão por que esse projecto está neste momento a ser submetido à apreciação dos Srs. Deputados e eu agradecia que, logo que tenham recolhido o número suficiente de assinaturas, mo devolvessem para agendamento urgente.

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Passando agora ao «lobo», desejaria dizer o seguinte: o desaparecimento da superfície terrestre de uma espécie 6 sempre uma irreparável perda biológica - e também cultural - para a humanidade. E quando essa perda é consequência de acção humana, bem pode falar-se de crime contra a Natureza ou, com mais precisão, de crime ecológico.
Há, na Natureza, um equilíbrio baseado em complexas relações de interdependência entre, por um lado, a matriz físico-química e, por outro, as formas e níveis de organização da vida, como as plantas, os animais e o homem. A simples modificação de um destes factores pode ter consequências prejudiciais para todo o conjunto. Daí que nas sociedades modernas mais progressivas as preocupações ecológicas tendentes, além do mais, a preservar esse equilíbrio essencial da Natureza assumam um lugar prioritário.
Partido virado para o futuro, logo no seu manifesto eleitoral, o PSD anunciou que no seu governo a ecologia desempenharia um papel destacado; e logo aí se definiram os grandes princípios de protecção do ambiente, entre os quais se incluiu «uma estratégia nacional de conservação da Natureza em ligação com a estratégia europeia, visando não só a protecção das espécies mais importantes da nossa Hora e fauna, como dos seus habitais».
Princípios esses que foram acolhidos no Programa do XI Governo, do PSD, aprovado nesta Assembleia.
O PSD é, por isso, particularmente receptivo ao problema que hoje nos ocupa: o risco do desaparecimento de uma espécie -o lobo ibérico-, que e um elemento particularmente valioso da fauna peninsular.
Herói mítico legendário, o lobo, embora se lhe tenha reconhecido o feito histórico transcendente de ter contribuído decisivamente para o nascimento da civilização ocidental - porquanto foi uma loba que amamentou Rómulo, irmão de Remo e fundador da Roma antiga -, o certo e que o imaginário dos povos lhe tem sobretudo assacado defeitos e crimes. O lobo e considerado símbolo de crueldade, de sofreguidão insaciável - fala-se de «fome de lobo», de «comer como um lobo», de «goelas de lobo», e quando os filósofos quiseram significar a crueldade no homem recorreram, uma vez mais, metaforicamente, ao vilipendiado lobo: homo homini lúpus, o homem lobo do homem. Por isso ate nesse expoente máximo da cultura de massas que é a telenovela brasileira a personagem mais temerosa e misteriosa do Roque Santeiro é o lobisomem, mistura de lobo e homem, que ataca as beldades desprevenidas em noites de lua cheia.
Talvez por essa má fama, o lobo tem sido tão perseguido e está hoje, na Península Ibérica, em vias de extinção, como aqui foi dito.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há uma grande injustiça nessas acusações. O lobo está, como qualquer outro animal carnívoro, sujeito à lei de ferro da sobrevivência. Tem de matar para sobreviver. E quanto mais reduzirem o seu habitat natural, em que se alimenta de outras espécies menores, mais será forçado a incursões em terrenos adversos, onde existem rebanhos, em busca de alimento.
Ò lobo não é uma criatura cruel, que mata pelo prazer de matar, ao contrário, os naturalistas o descrevem como um animal, embora fero/, gregário, inteligente e tímido. Malar pelo prazer de matar só uma criatura o faz: o homem. No reino animal - incluindo os lobos - esse sadismo consciente ou inconsciente é desconhecido. O lobo, ao contrário do homem, caça unicamente para não morrer de fome.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Portugal, ao subscrever a Convenção de Berna de 1979 para a Protecção da Fauna Selvagem, obrigou-se a proteger o lobo no seu território.
No entanto, a formulação de uma reserva ao artigo 9.º da Convenção, que permite abrir excepções à proibição absoluta do abate das espécies protegidas «quando não exista outra solução satisfatória e se tal derrogação não prejudicar a sobrevivência da população em causa», abriu uma excepção àquela proibição absoluta. E a nova lei da caça estabeleceu, no artigo 41.º, que «a caça aos lobos é unicamente permitida durante certos períodos e sob condições definidas por acordo entre os Ministérios da Agricultura e do Planeamento». É certo que as autoridades têm procedido com extremo comedimento neste aspecto. Nenhuma caçada ao lobo foi permitida em 1987 e em 1988 apenas foi autorizada caça durante um dia, o último domingo de Março.
A verdade, porém, é que a lei não tem sido cumprida e a perseguição ao lobo, designadamente através de armadilhas e outros meios de extermínio ilegais, tem, na prática, continuado por falta de vigilância adequada e também em consequência da persistente ideia de que caçar o lobo, em qualquer altura, não é um acto censurável, porque o lobo é mau.
Existe em Portugal uma organização privada civil dedicada à protecção do lobo, denominada «Grupo Lobo», que, infatigavelmente, tem lutado pela preservação desta espécie rara.
No seu último relatório, o Grupo Lobo sumariza nestes termos as medidas a empreender para que o lobo ibérico sobreviva: o lançamento de uma campanha educacional e a disseminação de informação adequada de modo a conseguir-se a modificação das atitudes da população, especialmente nas áreas rurais; uma melhor protecção dos exemplares que ainda existem; o pronto pagamento de compensações aos pastores prejudicados por ataques dos lobos; uma efectiva execução prática das leis existentes e proceder a medidas efectivas de repressão relativamente aos caçadores que usam métodos ilegais; a proibição do fabrico, transporte e venda de armadilhas e venenos; o censo dos lobos existentes; o fomento cuidadoso das presas naturais dos lobos, particularmente o cabrito-montes; a protecção e ou a restauração do seu habitat; medidas para limitar o controle da população dos cães selvagens; a cooperação com a Espanha e o suporte activo, material e moral da Comunidade Europeia.
O projecto de lei em exame segue, nas suas linhas gerais, essas recomendações, e o PSD concorda globalmente com os seus termos, pelo que o vai votar favoravelmente, requerendo a sua remessa à Comissão, para a afinação de alguns aspectos de pormenor e, inclusivamente, de alguns aditamentos na linha das recomendações acima referidas pelo Grupo Lobo.
Como se verifica, o PSD vai aprovar um projecto da autoria de um partido da oposição - partido esse que se senta em lugar muito distante da bancada Social-Democrata e junto do Partido Comunista.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Perto do coração!

O Orador: - O que comprova, ao contrário do que as oposições constantemente clamam, não ser exacto que o PSD, valendo-se da sua maioria absoluta, «chumbe» sistematicamente as iniciativas legislativas dos outros partidos.
Ao invés, quando as iniciativas legislativas de outros partidos têm - como é o caso - mérito em si mesmo, o PSD não hesita em as aprovar, independentemente da sua origem ou da sua cor - sejam elas verdes, vermelhas ou de qualquer outra cor. Esta a razão por que o PSD vai dar o seu voto a esta louvável iniciativa do Partido Os Verdes.
Aplausos gerais.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O lobo, esse animal solitário e temido do qual o homem linha de se proteger, precisa de protecção. Já não se pode ser lobo, zoologicamente Talando!
«Quem não quer ser lobo não lhe veste a pele», diz o ri filo popular. Mas o lobo não tem alternativa, não pode prescindir da sua pele, nem que seja para sobreviver.
O lobo está estreitamente ligado à cultura e ao folclore europeu. Fonte de mitos, lendas, superstições e narrações literárias infindáveis, seria deplorável que se extinguisse fisicamente.
Não alimentou um loba Rómulo e Remo, fundadores de Roma, que nos legou depois tantos elementos da nossa civilização, em particular o direito, que tem nesta Câmara brilhantes cultores?
Lembremos igualmente o lobo dos filósofos da política: homo homini lúpus, o homem e lobo do homem, garantia Thomas Hobbcs, contando com o Estado absoluto para transformar o homem em razoável herbívoro, ou ainda Maquiavel, que dizia que o príncipe dever ser forte como o lobo e ardiloso como a raposa.
Invoquemos as metáforas contidas em provérbios tão expressivos como «fome de lobo», para significar uma fome insaciável, como, por exemplo, a fome do PSD face ao Estado e ao Poder. Ou ainda «cair na boca do lobo», isto e, cair no perigo que se queria evitar, que costuma acontecer aos imprudentes, em especial em política, como aconteceu recentemente com a ministra Leonor Beleza e a Ordem dos Médicos (passe a comparação).

Risos.

E não disse Aquilino Ribeiro que, quando os lobos julgam, a justiça uiva?
A gama de sentimentos humanos face ao lobo vai desde a benevolência de São Francisco de Assis, com o «irmão lobo», ate ao repúdio do conto de Charles Perrault, em que o lobo come a Capuchinho depois de ler devorado a respectiva avó, na interpretação literal - diga-se de passagem - deste conto deveras picante.
O lobo, propriamente falando, dizem os compêndios, é um mamífero carnívoro, da família dos canídeos. Tem sensivelmente as dimensões de um cão grande, assemelhando-se ao pastor-alemão. Mas há entre o lobo e o cão diferenças sensíveis. O lobo tem um corpo magro, pelagem muito variável na espessura e na cor, consoante o clima, ventre claro, cauda desenvolvida, patas finas, cabeça larga, focinho pontiagudo, orelhas rectas.
O lobo adulto chega a medir de comprimento 1,70m, desde o focinho à extremidade da cauda, esta com cerca de 50 cm, e raramente ultrapassa os 80 em de altura. O seu peso anda pelos 40 kg, mas há quem afirme que alguns chegam aos 80 kg. Digo isto para os Srs. Deputados não confundirem o lobo da realidade com o lobo do mito. A fêmea é mais pequena e tem o focinho mais fino. O período de reprodução estende-se de Janeiro a Março, nascendo entre cinco a nove filhos, após uma gestação de cerca de 60 dias.
Outrora espécie vulgar em toda a Europa, está hoje confinada aos países mediterrânicos e a algumas zonas do Norte da Europa. A sua área de dispersão é, pois, reduzida, concentrando-se a espécie em algumas zonas bem delimitadas.
O lobo gosta de viver nos lugares solitários e tranquilos, de preferência em covais rochosos, nas florestas sombrias e espessas. Repousa de dia, ocultando-se o melhor que pode,
saindo ao princípio da noite em busca de alimento. Sendo um animal muito activo, que faz grandes percursos, precisa de alimentação abundante, sobretudo no Inverno, o que se reflecte em muitas narrativas literárias, como em Jack London.
Ataca todos os animais vertebrados, inclusive o cão, cuja carne aprecia, travando uma luta ancestral com os criadores de gado.
Esse animal bravio está hoje ameaçado de extinção? As opiniões dividem-se.
Se os lobos falassem com a eloquência com que o lobo da fábula falou com a Capuchinho, fácil seria inquirir perante o próprio quantos são. Mas, infelizmente, os métodos de avaliação a que se recorre são por de mais aleatórios. Porém, não deixa de ser um facto a ter em conta o relatório do engenheiro Álvaro Barreira sobre a situação do lobo em Trás-os-Montes, onde se conclui que está em recuperação. De facto, segundo este especialista, em 1987, para 79 processos organizados, foram registados 130 lobos e 172 animais domésticos monos. Em Janeiro e Fevereiro do corrente ano, foram já organizados 29 processos, foram vistos 61 lobos e 67 animais domésticos devorados.
Mas um estudo para outra zona de concentração do lobo no nosso território, o Parque Nacional da Peneda-Gerês, é mais reservado nas suas conclusões, embora 61,8% das pessoas inquiridas digam que o lobo está presente no Parque e as restantes o considerem ausente, raro ou pouco frequente.
«Mas a existência de reprodução efectiva e constante é o indicador por excelência do vigor de qualquer população animal», diz este estudo. E ainda segundo o referido estudo, no Parque apenas 12,2 % dos inquiridos referem a existência de ninhadas.
O projecto de lei de Os Verdes e uma iniciativa a todos os títulos louvável e felicito os seus autores pela sua apresentação.
Votaremos favoravelmente o projecto porque pensamos que, além de ser uma contribuição inestimável para a defesa e conservação desta espécie, despertará a sensibilidade das pessoas para o destino deste animal selvagem tão característico do País e da Península.
É certo que não bastam as medidas legislativas de protecção e salvaguarda e as medidas de carácter prático de detecção, alimentação e controle da espécie. Mais importante ainda e uma mudança de atitude face ao lobo. Ele tem de deixar de ser um inimigo, fonte de medos irracionais e «lobo mau» das criancinhas, para passar a ser um precioso componente da Natureza, à qual o homem igualmente pertence, partilhando orgulhosamente tal condição com todos os organismos vivos.
A chispa de inteligência divina que a Natureza nos concedeu não deve ser utilizada para a destruição. Sim para a solidariedade com tudo o que nos rodeia e constitui o nosso ambiente, o nosso berço, o nosso destino.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar de algumas afirmações contraditórias, facilmente se verifica hoje que várias são as espécies de animais que outrora povoavam a Península Ibérica e que por força de vários factores têm vindo a manifestar um progressivo desaparecimento com o consequente empobrecimento da nossa fauna característica. Entre esses factores apontam-se a caça indiscriminada e incontrolada, muitas vezes com uma

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intenção premeditada de procura de lucros fáceis ou obtenção de lindos trofeus que irão ornamentar mais uma sala senhorial, a inexistência de um ordenamento florestal e o terrível flagelo dos incêndios que, com uma destruição sistemática das nossas malas, tem vindo a matar ou encurralar grande parte da nossa fauna em sectores de pequenas dimensões, onde a caça é mais facilitada, o habitat destruído e o desaparecimento das espécies mais rápido. Duas situações diferentes com soluções diferentes, mas não impossíveis.
Para o primeiro, o projecto de lei que hoje apreciamos e cuja apresentação saudamos poderá, e, estamos certos, produzirá uma mais forte e eficiente fiscalização na protecção do lobo ibérico que todos naturalmente desejamos; para o segundo factor, embora, infelizmente, a solução não esteja tanto nas mãos do legislador, estamos esperançados de que as medidas levadas a efeito pelo Governo venham a produzir os seus efeitos benéficos, embora a minha sensibilidade e experiência anterior me levem a acreditar que as condições climatéricas que se avizinham poderão vir uma vez mais, infelizmente, a produzir destruição de florestas e a consequente morte de mais algumas espécies da nossa fauna.
A preservação das espécies tem sido objecto de várias convenções na Europa comunitária, no reconhecimento de que a flora e a fauna selvagem de cada país constituem um património natural de um valor estético, científico, cultural e económico que interessa preservar e transmitir às gerações futuras.
Reconhece-se hoje cientificamente o papel essencial que a flora e a fauna selvagens possuem na manutenção dos equilíbrios biológicos.
Compete a cada país, e lendo em atenção as espécies mais ameaçadas, tomar as medidas necessárias para que sejam postas em prática medidas políticas nacionais de conservação da fauna selvagem e dos seus habitais naturais, tendo uma atenção particular com as espécies mais vulneráveis e ameaçadas de extinção.
Incluído nestas espécies estará certamente o lobo ibérico, que outrora povoava a Península Ibérica e hoje se encontra restringido a uma zona bem específica de reduzida área e em condições que, a não serem tomadas medidas urgentes, tenderá a desaparecer.
Pelo que acabamos de expor, o PRD, consciente da oportunidade e utilidade da apresentação deste projecto de lei, votá-lo-á naturalmente a favor.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A tomada de medidas para garantir a conservação de espécies da fauna e da Hora selvagens ameaçadas de extinção tornou-se, desde há alguns anos, uma preocupação constante de determinadas organizações
selvagem.
A legislação internacional sobre a protecção da vida selvagem que obriga o Estado Português e que resultou de iniciativas internacionais, das quais merecem particular destaque a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente, a Assembleia Consultiva do Conselho da Europa, a II Conferência Ministerial Europeia sobre o Ambiente, a Convenção de Berna Relativa à Conservação da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais da Europa e o Regulamento da CEE relativo à aplicação na Comunidade da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e de Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção, levou a que a Assembleia da República aprovasse em 1986 a Lei da Caça - Lei n.º 30/86, de 27 de Agosto -, que veio estabelecer «as bases para a protecção, conservação e fomento da fauna cinegética» e a administração da caça.
Assim, o projecto de lei n.º 244/V, apresentado pelo Partido Os Verdes, é, de algum modo, um corolário das medidas tomadas pelos organismos internacionais e pela legislação interna respeitante à conservação das espécies selvagens, e poder-se-á também considerar que este projecto de lei, cujo objectivo é a protecção de uma dessas espécies - o lobo ibérico surge em jeito de cumprimento do preceituado na Convenção de Bona, especialmente no seu artigo 6.º, que estabelece a necessidade de cada parte contratante «tomar medidas legislativas e regulamentares adequadas e necessárias para garantir a conservação particular das espécies da fauna selvagem enumeradas no anexo n», sendo o lobo uma das espécies referidas nesse anexo.
O projecto de lei em apreço preconiza um conjunto de medidas destinadas a garantir a conservação e fomento do lobo ibérico, sua detenção, transporte, comercialização e exposição e prevenção quanto à utilização de meios de extermínio. Estas medidas de protecção ao lobo ibérico não colidem, no essencial, com a legislação existente, uma vez que a caça do lobo já só é permitida em termos muito restritivos, conforme se deduz do artigo 41 .c do Decreto-Lei n.º 311/87, que exige que a sua autorização seja dada através de portaria, e de que é exemplo a recente portaria conjunta dos Ministros do Planeamento e da Administração do Território e da Agricultura, Pescas e Alimentação em que se autoriza a caça ao lobo na presente época venatória como forma de atenuar os prejuízos causados por essa espécie. A caça ao lobo nestas condições não é uma violação à Convenção de Berna, pois o n.º 1 do seu artigo 9.º autoriza-a em circunstâncias especiais, como, aliás, se estabelece também neste projecto de lei, fazendo eco daquela disposição internacional, através do n.9 2 do seu artigo 2.º
Por se tratar de um contributo para a harmonização do ordenamento jurídico português, com as medidas de conservação das espécies selvagens dimanadas dos organismos internacionais, e por se tratar de um conjunto de medidas que visam a protecção do lobo ibérico, espécie ameaçada de extinção em Portugal, o CDS votará favoravelmente o presente projecto de lei.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adão Silva.

O Sr. Adão Silva (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vamos hoje falar dos anti-heróis. Daqueles personagens pícaros para os quais, povoadores de histórias e de mitos, se reserva inclusivamente o lugar dos terríveis, dos bandoleiros, dos marginais.
Vamos falar do lobo, do Canis lúpus signatus Cabiera. Mas não falaremos dos dentes grandes e afiados do flibusteiro da história antiga, nem do «Vice-Rei Brutamontes», que faz palpitar a história do mestre Aquilino, nem do fantasma que pela quietude negra da noite estarrece de pavor viandantes, guardadores de rebanhos e casebres ermos.
Exorcizemos fantasmas atávicos, volatilizemos mitos destemporalizados, caiamos na realidade.
O lobo está em perigo!

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Dizia-me o Prof. Van Haaften, da Universidade de Amsterdão, referindo-se-lhe, que «maus vão os tempos para o lobo em toda a Europa». Com efeito, na Europa Central, há muito que desapareceu. Poucos exemplares se conservam ainda na península Escandinávia e na Europa de Leste, se exceptuarmos a Rússia e a Jugoslávia, o seu número restringe-se a escassas centenas. Em França já não existe e em Espanha a população, que ultrapassará a centena, é impiedosamente perseguida pelos proprietários de reservas de caça privadas.
Em Portugal a situação e de confrangedora diminuição, tornando-se a sua quantificação impossível de estabelecer porque, felizmente para ele, o lobo e extremamente móvel, intercruzando fronteiras, sobretudo nas regiões de Bragança, Zamora e Leão.
Enjaulado no último reduto que lhe propicia o Nordeste transmontano, o lobo há muito que deixou de uivar nos contrafortes do Marão e e legítimo duvidar da sua existência na serra da Estrela. Por que chegámos a tão lastimoso estado de debilidade da espécie? O projecto de lei n.º 244/V enumera de forma praticamente exaustiva as causas que aí conduziram.
Permitam-me, no entanto, sobre elevar duas dessas razões, constantes do preâmbulo do projecto de lei, que se encontram, a meu ver, profundamente imbricadas: «a destruição dos habitais naturais e o mau ordenamento do território, com a construção de infra-estrutura que cortam e seccionam os antigos territórios da espécie».
É um facto que urge estabelecer critérios rigorosos de utilização permanente do solo para que o «espectáculo» da pulverização de aldeias, vilas e cidades não venha, a curto prazo, abocanhar os equilíbrios que a paisagem natural ainda consegue resgatar. Esse «espectáculo» e, em certas regiões, verdadeiramente deprimente, porque, para alem da referida destruição de habitais essenciais das espécies selvagens - e também do lobo -, foram irremediavelmente postergados valores ancestrais de comunitarismo, por troca com um qualquer individualismo hipertrofiado.
Por outro lado, no entanto, não se pode pretender imolar o progresso e o desenvolvimento de espaços tradicionalmente enjeitados em nome de um qualquer dogmatismo «verde». Temos consciência de que o traçado de novas estradas, a implantação de carreiras de aviões, a construção de grandes projectos hidroagrícolas, a modernização da agricultura, sobretudo em regiões que apenas há algumas décadas atrás se pautavam por uma desconsolada média-validade, são perniciosos para a conservação da Natureza e a manutenção das suas espécies. Porém, não se pode exigir às pessoas que persistam, pacientes, nos submundos do desenvolvimento e do bem-estar como resgate da sobrevivência das espécies naturais.
Sc é certo que não se pode pedir aos Transmontanos, por exemplo, que abdiquem da construção do IP-4 e do IP-2, porque tais projectos, pelo seu dimensionamento e funcionalidade, são altamente lesivos e desorganizadores das pautas territoriais dos lobos, imporia, no entanto, fomentar medidas alternativas, reequacionadores de novas fórmulas de protecção e incremento numérico ecológico do lobo, quiçá mais eficazes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma terceira causa de digressão do lobo referida no projecto de lei n.º 244/V reporta-se à ruptura quantitativa e qualitativa das fontes de alimentação do lobo.
Tal é inquestionavelmente um aspecto axial.
O deficientíssimo povoamento dos habitais dos lobos por cervídeos, que decorre do desinteresse pelo seu fomento, há alguns anos atrás traduziu-se na diminuição do lobo e na da sua perseguição por camponeses e pastores, já que, por necessidade, o lobo passou a atacar intensivamente animais domésticos. Esse facto, aliado à pressão dos caçadores sobre espécies cinegéticas de menor porte, corroborou o lento desaparecimento do lobo.
Importa, pois, inflectir a situação, propugnando nós dois grandes vectores de rumo.
Por um lado, prosseguir e intensificar medidas que, oriundas de um passado recente, os últimos governos tem vindo a prosseguir, designadamente a aplicação escrupulosa do preceituado na Convenção de Berna, da Lei n.º 30/86 e dos Decretos-Leis n.« 311/87 e 39/87, donde se destaca: primeiro, o pagamento de indemnizações a agricultores e pastores lesados pelos lobos. Sem esta medida não se pode esperar qualquer colaboração por parte das populações. Impõe-se que lembre aqui que entre Janeiro de 1987 e Março de 1988 o valor das indemnizações por danos causados pelos lobos ascendeu em Trás-os-Montes a 2 500 000$; segundo, a manutenção do lobo como espécie cinegética para que possa beneficiar das prerrogativas da Lei da Caça, embora reconheçamos pertinente uma jurisdição conjunta nesta matéria, com prevalência da Secretaria de Estado do Ambiente sobre a Secretaria de Estado da Alimentação; terceiro, a implantação de campos de alimentação por um período transitório, até que se reconheça a necessária existência de fontes de alimentação natural do lobo. Importa recordar que na região de Bragança existem seis campos de alimentação, onde se oferecem cerca de 401 de carne por ano.
Porém, acima de tudo, impõe-se prosseguir com a criação de cervídeos em cativeiro donde possam vir a irradiar, povoando habitais, para que o lobo se fixe, funcionando, posteriormente, como elemento apurador daquela espécie.
O segundo vector de rumo que aqui propugnamos equaciona-se em função das contribuições que o projecto de lei n.9 244/V potencializa, designadamente: primeiro, o cumprimento do artigo 5.º, aspecto verdadeiramente inovador neste projecto de lei. Na verdade, o controle dos cães ferais revela-se de capital importância, por um lado, porque se evitam os híbridos e a degenerescência da espécie, por outro, porque o são assilvestrado é um competidor do lobo num habitat que lhe não pertence, mas onde lhe disputa as fontes de alimento e os espaços de esconderijo; segundo, o lançamento de uma vasta campanha educativa, através da imprensa e da rádio regionais, difundindo informação e material educativo nas escolas, promovendo exposições e divulgando técnicas de conservação do habitat do Canis lúpus, é tarefa de não despicienda importância.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É imperioso, finalmente, proceder a uma campanha mais abrangente do lobo e do seu suporte ecológico como «produto turístico».
O próprio Prof. Van Haaflen, um dos mais reputados conhecedores desta problemática, alertava-me para o papel do lobo como atractivo turístico, envolvido nos objectivos do turismo rural e colocado a montante do turismo cinegético.
A realização de uma tal promoção de actividades turísticas não seria inédita, pois já os Canadianos fazem o mesmo nos seus parques nacionais e em França passa-se algo de semelhante com o urso. Em segundo lugar, uma situação de promoção turística dos espaços habitados pelo lobo impele à conservação de outras espécies naturais que lhe servem de suporte alimentar donde destaco, mais uma vez, os cervídeos -, de espécies vegetais, de espaços hídricos e florestais e de extensões orográficas que se conjugam com os seus habitais naturais.

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Quem sabe se, depois de temido e mistificado, depois de perseguido e marginalizado, o lobo não será o Zé do Telhado daquelas escassas regiões que, não por mérito próprio, mas por simples casualidade, o conservam nos seus fojos mais escusos.

Aplausos gerais.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, lamentando muito ter de faze-lo, peço a interrupção dos trabalhos por 30 minutos.

O Sr. Presidente: - É regimental, pelo que é concedido.
Peço aos Srs. Deputados que estejam aqui presentes dentro de 30 minutos para não corrermos o risco de lermos de dar por findos os nossos trabalhos de hoje por falta de quorum.
Está suspensa a sessão.
Eram 16 horas e 40 minutos.
Srs. Deputados, declaro reaberta a sessão.
Eram 17 horas e 20 minutos.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já aqui foi dito que, normalmente, o uivo do lobo alimenta as lendas e superstições, mas também é verdade que, quando o homem se assume em toda a plenitude da sua dignidade, da sua coragem e pertinácia na preservação dos seus espaços e de condições para a sua sobrevivência enquanto comunidade - como é o caso dos povos serranos -, a imagem que o prosador encontrou para melhor definir essa dimensão do homem foi exactamente o uivar do lobo.
Talvcx isto também tenha a ver com a extrema intimidade que sempre ligou o homem ao lobo nas zonas serranas: um certo respeito mútuo, mesmo na competição.
Com a evolução das sociedades não apenas a caça ou os fenómenos genéticos, mas também a mudança do habitat, começaram a pôr em causa o lobo, e, curiosamente, puseram tanto em causa o lobo como o próprio homem. E não é por acaso que em imensos espaços serranos deste país, tal como o lobo, também o homem foi escorraçado. As serras deste país foram ocupadas por uma florestação anárquica, selvagem e contrária aos interesses das economias humanas, o que provocou a sua expulsão. Olhemos as imensas serranias da Lousa, as vastas áreas das Beiras interiores e os próprios Trás-os-Montes, donde o homem foi nitidamente expulso, onde em dezenas de aldeias apenas ficaram as pedras para contar que ali existiram comunidades humanas.
Foi também nesses espaços que o lobo sofreu, em muitos casos e pelas mesmas razões, a expulsão do seu habitat.
É curioso pensar que, ao mesmo tempo que hoje se levanta a questão do lobo, tem-se tomado medidas legislativas no sentido de retirar dos baldios a sua função de suporte das comunidades serranas e desenvolvido fenómenos
de florestação que são absolutamente contrários à preservação do ambiente, à defesa dos recursos naturais e, no fim de contas, à própria sobrevivência do homem.
Não haverá lobo com a florestação industrial indiscriminada, não haverá lobo com as manchas de monocultura de resinosas, que ocupam milhares de hectares. Por vezes, as acções do homem na transformação - degradação, diria eu do ambiente e dos habitais são bem piores que os próprios fenómenos de caça ou de degeneração genética.
Damos o nosso total apoio ao projecto de lei apresentado pelo Partido Os Verdes e congratulamo-nos com e facto de, de uma forma geral, toda a Assembleia estar de acordo com este diploma. No entanto, pensamos que em sede de especialidade haverá que reler alguns aspectos que consideramos importantes e que carecerão de ser mais precisos. Designadamente quanto às indemnizações por danos e aos próprios mecanismos de controle dos cães ferais ou assilvestrados e ainda quanto ao controle e ordenamento científico da própria espécie. Trata-se de três aspectos que julgamos, deverão ser devidamente ponderados e cuidados em sede de especialidade.
Não me vou alongar mais sobre esta matéria, mas, par: terminar, gostaria de fazer apenas mais duas referências, à primeira das quais tem a ver com uma parte da intervenção do Sr. Deputado António Maria Pereira, em que ele disse e seguinte: «afinal, é um projecto de lei de um partido tão próximo do PCP e nós vamos votá-lo favoravelmente.»
Diria que o PSD nesta matéria tem evoluído, porque - permitam-me recordar - relativamente a uma inicia uva legislativa, não propriamente sobre o lobo, mas sobre a protecção e defesa da tartaruga, que foi apresentada m Assembleia Regional da Madeira, o PSD considerou: como boa, dizendo, contudo, que não a poderia votar favoravelmente. Razão invocada: «Aqueles que não defendem o? direitos do homem não podem defender os direitos da tartarugas.» Bom, neste caso, esta visão já não está tão pedestre quanto naquele. É uma evolução que regista mós!...
A segunda referência tem a ver com o facto de apoiarmos a protecção do canis lúpus, o que é extremamente importante. Mas não se confunda isto com a protecção d canis lobbies, questão que é ainda mais grave.
Com esta diferenciação, aqui fica o nosso apoio a projecto de lei apresentado pelo Partido Os Verdes.

Aplausos do PCP e da ID.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Santos.

A Sr.ª Maria Santos (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Gostaria de finalizar este da reforçando a outra dimensão que esta espécie animal e assumindo ao longo dos tempos no imaginário colectivo dos povos, nomeadamente nas tradições culturais.
Sem dúvida que não existe outro animal sobre a ter que seja portador de uma carga mítica tão pesada como lobo, que deu ao aparecimento de tantas superstição contos e lendas, onde a realidade e a fantasia se confunde
O lobo é, de facto, uma espécie tradicionalmente rodeado mistério, onde a relação entre o animal e o nome assumiu nas diferentes sociedades papéis reveladores imaginário colectivo de cada comunidade.
Na mitologia grega: Apoio é muitas vexes consignado Licógenes, que significa «nascido de lobo»; em Roma loba alimentou Rómulo e Remo, como aqui quase todas

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forças políticas referiram; na mitologia céltica é considerado um animal sagrado; na ibérica antiga e inegável a existência de um primitivo culto do lobo, que aparece no simbolismo de certos elementos, alguns dos quais persistiram até aos nossos dias.
Leite de Vasconcelos, nas Tradições Populares Portuguesas, fala-nos desse maravilhoso popular. No entanto, é na Idade Média que o lobo assume todo o simbolismo de animal diabólico, nomeadamente na Europa, onde um medo indefinido nasce no sentimento de indefesa do ser humano perante as forças da Natureza, e o lobo constitui uma delas. Segundo especialistas, esta representação de forças malignas corresponde a esquemas mentais da comunidade humana, que o comportamento do lobo afecta, sugerindo a existência de forças obscuras opostas aos valores estabelecidos.
Da imagem maternal da loba romana, que contrasta com a acção predadora deste animal, à de São Francisco de Assis, que o amansou e com isso afirmou um ideal de entendimento entre o homem e os restantes animais, o lobo, através dos tempos, tem contribuído para o estabelecimento de um quadro de relações peculiares.
Mais recentes são ainda as situações de meninos criados por lobos registadas na índia e das irmãs recolhidas por um reverendo em 1920, bem como os estudos do antropólogo Tylor referentes a estas situações, que, poderemos dizer, pouco tem que ver com a ideia de lobo fero/tão explorada na literatura para a infância.
Sem aprofundarmos, por outro lado, a licantropia, diríamos apenas que este fenómeno se circunscreve a determinadas regiões do Ocidente peninsular, sendo na Estremadura e no Norte do nosso país que a figura de homem-lobo aparece em múltiplas lendas.
As crenças que referem a existências de lobisomens têm a sua ra/ão de ser pela própria idiossincrasia dos povos que habitam a área ocidental da Península.
Podemos dizer, pois, que o lobo tem acompanhado não só a evolução sócio-económica do homem ao longo de toda a sua história, recheando de medo, respeito e fascínio o nosso imaginário.
Com o projecto que Os Verdes hoje vos apresentam para a protecção do lobo ibérico pretendemos, acima de tudo, que esta problemática seja entendida nos seus aspectos globais, porque o desaparecimento do lobo constitui, em si mesmo, um fenómeno indicativo do elevado grau de degradação de todo o ecossistema.
Por isso, entendemos que o problema da continuidade desta espécie não é uma mera questão legislativa; com efeito, ao adoptar uma atitude de protecção do lobo, proibindo a sua caça, o que queremos, fundamentalmente, é assegurar as condições apropriadas que permitam ao lobo ibérico desenvolver-se com normalidade.
E também porque, como diz Ramón de Rio, «o lobo poderá, talvez, ser erradicado do seu ambiente natural pelo homem, mas será muito difícil aniquilá-lo do nosso imaginário». É que o desaparecimento do lobo, como o de outras espécies, muitas vezes exterminadas por pura irracionalidade humana e não por efeito do «destino», tornaria o homem agente destruidor da sua própria identidade.
Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições relativamente ao assunto que estamos a discutir - o projecto de lei n.º 244/V (protecção do lobo
ibérico) -, damos por terminado o seu debate e será votado na próxima terça-feira, dia 7, às 19 horas e 30 minutos.
De seguida, vai ser lido um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.
Foi lido. É o seguinte: Relatório a parecer da Comissão de Regimento e Mandatos
Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos realizada no dia 1 de Junho de 1988, pelas 15 horas e 30 minutos, foi observada a seguinte substituição de deputado, solicitada pelo Partido Socialista:
Nuno Manuel Brederode Rodrigues dos Santos (círculo eleitoral de Lisboa), por António Manuel Chambica de Azevedo Gomes [esta substituição é pedida, nos termos da alínea b) do n.8 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), para os dias l de Junho corrente a 31 de Outubro próximo, inclusive].
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
A substituição em causa e de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
A Comissão: Secretário, João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Domingos da Silva e Sousa (PSD) - Fernando Monteiro do Amaral (PSD) - João Granja Rodrigues da Fonseca (PSD) - José Augusto Santos da S. Marques (PSD) - José Luís Bonifácio Ramos (PSD) - Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD) - Reinaldo Alberto Ramos Gomes (PSD) - Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD) - Vasco Francisco Aguiar Miguel (PSD) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - José Manuel Moía Nunes de Almeida (PCP) - Herculano da Silva Pombo M. Sequeira (PV) - João Cerveira Corregedor da Fonseca (ID).
Srs. Deputados, está em discussão. Como não há inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência da ID.
Srs. Deputados, deu entrada na Mesa um voto sobre o Dia Mundial da Criança, subscrito por deputados de todas as bancadas e que vai ser lido.
Foi lido. É o seguinte:
Voto sobre o Dia Mundial da Criança
Todos reconhecem o direito que as crianças têm à protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral.

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No entanto, ainda hoje a realidade da vida de milhares de crianças é bem diversa, sem o mínimo de condições que assegurem o seu crescimento normal e a sua própria vida.
Como sublinha o relatório da UNICEF para 1988, «atacar os problemas fundamentais da mortalidade e da desnutrição infantil é a tarefa maior, prioritária, para o resto do século, não apenas devido à amplitude e à gravidade do problema, mas também porque há novas e eficazes possibilidades de solucioná-lo».
A resolução dos problemas das crianças passa pelo desenvolvimento económico e cultural, pela melhoria das condições de vida da população, por melhores condições de habitação, para assegurar o efectivo direito à saúde e ao ensino, por um eficaz apoio social sobretudo às famílias de menores recursos.
O pleno desenvolvimento das crianças não é compatível com situações de violência e de exploração do trabalho infantil, que atingem em Portugal números impressionantes.
Nestes termos, a Assembleia da República, no Dia Mundial da Criança, saúda as crianças, associa-se às diversas iniciativas de comemoração deste dia que hoje se realizam por todo o País e pronuncia-se pela necessidade de serem tomadas as medidas necessárias à concretização dos direitos das crianças.
Srs. Deputados, vamos proceder à sua votação.
Solicitado à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência da ID.

Aplausos gerais.

Srs. Deputados, vou ler a agenda dos trabalhos para a reunião da próxima terça-feira, às 15 horas.
Estão agendados os projectos de lei n." 230/V (autonomia das universidades), apresentado pelo PS, 243/V (lei quadro das universidades), apresentado pelo PCP, 252/V (autonomia das universidades), apresentado pelo PRD, e 256/V (lei de autonomia das universidades do Estado), apresentado pelo CDS, e a proposta de lei n.º 62/V (autonomia universitária).
Às 19 horas e 30 minutos far-se-ão as votações do inquérito parlamentar n.º X/V (aos actos do Governo e da Administração relacionados com OPVs de sete empresas do Grupo SONAE), apresentado pelo PS, do projecto de lei n.º 244/V (protecção do lobo ibérico), de Os Verdes, e da proposta de lei n.º 40/V (recenseamento eleitoral).
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 35 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social- Democrata (PPD/PSD):

Adriano Silva Pinto.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Pereira.
António Paulo Veloso Bento.
Armando Manuel Pedroso Militão.
Carlos Lelis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Maios Chaves de Macedo.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Dinah Serrão Alhandra.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Flausino José Pereira da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Gilberto Parca Madaíl.
Jaime pomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João Soares Pinto Montenegro.
José de Almeida Cesário.
José Angelo Ferreira Correia.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Mendes Bota.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Maria Assunção Andrade Esteves.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mário Jorge Belo Maciel.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Paulo Manuel Pacheco Silveira.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Rui Gomes da Silva.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
António de Almeida Santos.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Fernando Ribeiro Moniz.
Jaime José Matos da Gama.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Torres Couto.
José Vera Jardim.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Helena do R. da C. Salema Roseta.
Raul Manuel Bordalo Junqueira.
Vítor Manuel Ribeiro Constando.

Partido Comunista Português (PCP):

José Manuel Santos Magalhães. Maria Odete Santos.

Partido Renovador Democrático

Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Natal ia de Oliveira Correia.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
José Luís Nogueira de Brito.

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Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
António Cosia de A. Sousa Lara.
António José Caeiro da Moita Veiga.
Arménio dos Santos.
Carla Talo Diogo.
Carlos Alberto Pinto.
Domingos Duarte Lima.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João Manuel Ascenção Belém.
José António Coito Pita.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
Mary Patrícia Pinheiro Correia e Lança.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel P. Chancerelle de Machete.
Virgílio de Oliveira Carneiro.

Partido Socialista (PS):

António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Manuel Azevedo Gomes.
Edmundo Pedro.
Helena de Melo Torres Marques.
João Cauciona Gomes Cravinho.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.

Partido Comunista Português (PCP):

Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Domingos Abrantes Ferreira.
Maria de Lurdes Dias Hespanhol.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Vasco da Gama Lopes Fernandes.

Os REDACTORES: José Diogo - Ana Maria Marques da Cruz - Carlos Pinto da Cruz.

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