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I Série - Número 22
Sexta-feira, 23 de Dezembro de 1988
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)
REUNIÃO SOLENE COMEMORATIVA DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM
Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Exmo. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Caio Roque.
Cláudio José dos Santos Percheiro
Daniel Abílio Ferreira Bastos
Às 10 horas e 30 minutos deu entrada na Sala das Sessões o cortejo em que se integravam o Sr. Presidente da República, o Sr. Presidente da Assembleia da República, o Sr. Ministro da Presidência e da Justiça (em representação do Sr. Primeiro-Ministro), o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, os secretários da Mesa, o Secretário-Geral da Assembleia da República e o chefe e os secretários do Protocolo do Estado. No hemiciclo encontravam-se já os ministros, o procurador-geral da República, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, os presidentes do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal de Contas, o presidente do Supremo Tribunal Militar, o Provedor de Justiça, o Alto-Comissário contra a Corrupção, os chefes dos estados-maiores dos três ramos das Forças Armadas, o presidente do Conselho Nacional do Plano, os Presidentes da Assembleia e do Governo Regional dos Açores, os conselheiros de Estado, o governador civil de Lisboa, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, o secretário-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, o comandante naval do Continente, o comandante do Comando Operacional da Força Aérea e os comandantes-gerais da Guarda Nacional Republicana e da Polícia de Segurança Pública.
Encontram-se ainda presentes nas tribunas e galerias os restantes membros do Governo, o corpo diplomático e demais convidados.
Constituída a Mesa, na qual o Sr. Presidente da República tomou o lugar à direita do Sr. Presidente da Assembleia da Republica, a Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada junto aos Passos Perdidos, executou o Hino Nacional.
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Eram 15 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados: Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia, Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Mário Santos Coimbra.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira-
Armando Carvalho Guerreiro Cunha.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carla Tato Diogo.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Germano Silva Domingos.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Humberto Pires Lopes.
Jaime Gomes Milhomens.
Jaime Carlos Marta Soares
João Álvaro Poças Santos
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mendes Bota.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Licinio Moreira da Silva.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Batista Cardoso.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel Maria Moreira.
Maria Assunção Andrade Esteves.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mary Patrícia Pinheiro Correia e Lança.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Benrto M. da C. de Macedo e Silva.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Gomes da Silva.
Rui Manuel Chencerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio dê Oliveira Carneiro.
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Partido Socialista (PS):
Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Manuel Oliveira Guterres.
António Miguel Morais Barreto.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Martins do Vale César.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
José Vera Jardim.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul D'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo do Vale Gomes Carvalhas.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Fernando Manuel Conceição Gomes.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Lino António Marques de Carvalho.
Luis Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Luísa Amorim.
Maria de Lurdes Dias Hespanhol.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Rogério Paulo S. de Sousa Moreira.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António Alves Marques Júnior.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
José Silva Lopes.
Natália de Oliveira Correia.
Rui dos Santos Silva.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta de Franca.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):
Maria Amélia do Carmo Mota Santos.
Deputados Independentes (INDEP):
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Maria Helena do R da C. Salema Roseta.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro aberta a sessão.
Em representação do Grupo Parlamentar Os Verdes, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, minhas Sr.ªs e meus Srs.: A História do Homem, tal qual a concebemos e contamos, é a história da luta pelos seus direitos, escrita com sangue, sobre intermináveis páginas de opressão, de intolerância e de angústia, onde a revolta surge como geradora de evolução, abrindo uma nova página no grande livro, e que apesar de tudo, ficará recheada de novas violações, ao tempo que consagra novas esperanças...
O que hoje aqui celebramos é apenas uma página desta nossa História. Talvez a mais brilhante, a que mais nos honra, mas certamente a que poderá ser para nós o pior libelo acusatório no juízo que de nós farão as gerações vindouras.
De facto, não poderemos alegar desconhecimento - «vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar!» - aquilo que há décadas solenemente proclamámos, como extenso rol de irreversíveis conquistas, não passa ainda de um elenco de belos princípios, que a prática quotidiana se encarrega de negar. O direito à vida, o direito à igualdade, o direito à diferença, o direito à identidade, o direito à liberdade, estão longe de ser universais, constituindo-se como privilégios de minorias que, com frequência, deles disfrutam, como a mesma tranquila consciência dos que, queimando bruxas e escravizando negros, apenas cumpriam a ordem natural das coisas. Nenhum direito se pode considerar conquistado enquanto não for absolutamente universal!
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A guerra, o desperdício de energias e recursos, o racismo, a pena de morte, a fome, a índole são a prova cruel e insofismável de que o que hoje aqui celebramos é apenas um momento de lucidez e coragem, que ainda não soubemos honrar em plenitude, mas que é um grito incómodo, que não mais poderá ser sufocado até que se cumpra totalmente.
Lembramos hoje, não só os direitos das mulheres e dos homens individualmente considerados, mas também o sagrado direito dos povos, à paz, à liberdade, à independência e a uma pátria. São infelizmente muitos, ainda, os casos que poderiam ilustrar a negação desses direitos, mas se há que citar exemplos, lembramos o povo Maubere e o povo Palestiniano, ambos cansados da guerra e do genocídio que sobre eles praticaram outros mais poderosos e cruéis, mas igualmente signatários da Declaração Universal dos Direitos do Homem...
Lembremos também aqueles, muitos, a quem são negados tantos direitos, apenas porque são diferentes na cor da pele, no desenvolvimento económico, na religião, na ideologia, na cultura, no sexo ou em razão de qualquer outra natureza.
O direito à igualdade só será efectivo quando for consagrado inequivocamente o direito à diferença!
Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados: A democracia que pudemos conquistar e que diariamente construímos permite-nos celebrar com dignidade a Proclamação Universal dos Direitos do Homem. Somos hoje em Portugal a geração política do reencontro com os equilíbrios perdidos; a geração política da reconciliação com a História; somos já os frutos da liberdade. Temos, pois, a responsabilidade de nos transcendermos em cada acto praticado; pesa sobre nós o desafio de construir o presente garantido o futuro; temos obrigação de intervir para além da mera gestão corrente; o que hoje de nós exigem aqueles que menos direitos têm, é que sejamos mais solidários, mais justos e mais arrojados. Porque o tempo dos que esperam é mais lento; porque a espera gera angústia, desespero e revolta; porque hoje é tempo de celebrar direitos e não de os negar ou diminuir quero lançar daqui um apelo à sociedade portuguesa e aos seus agentes políticos - celebremos a Proclamação Universal dos Direitos do Homem, celebremos este Natal de 1988, com uma medida positiva, solidária e dignificante para todos, assumindo o compromisso de proclamar uma amnistia que possa abranger muitos dos que estão privados da liberdade, em razão da aplicação da legalidade democrática, mas que, certamente, poderão já hoje integrar a sociedade livre a ajudá-la a tornar-se e mais solidária e mais humana. Há demasiados homens e mulheres nas prisões! Há demasiadas angústias e esperas inúteis! Há demasiadas penas injustificáveis! Há demasiados futuros inutilmente adiados! Há demasiadas fugas pela porta do suicídio!
A democracia precisa de todos, nomeadamente daqueles que tiveram papel de relevo na luta pela liberdade e que hoje dela se vêem privados. Ò mundo espera hoje de nós uma efectiva celebração dos Direitos do Homem, uma acção positiva na sua consagração, um gesto que seja que nos permita ir para além da mera celebração solene.
Não tenhamos receio de aceitar o desafio permanente da construção de uma sociedade livre, onde a madurez democrática seja garantia de segurança nas decisões mais arrojadas. A confiança gera o respeito e a liberdade garante o progresso. Afinal, estamos aqui para garantir mais direitos a mais portugueses e em matéria de direitos humanos é sempre possível ir mais além. Que não nos falte o golpe de asa!
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Em representação do Grupo Parlamentar do CDS, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, da República, Sr. Presidente da Assembleia da República. Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Esta solene celebração da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 tem a mesma função que Proudhon atribui algures à celebração do Domingo. Todos os olhares e pensamentos, dispersos pelas solicitações contraditórias da vida real, devem suspender as circunstâncias menores em que as energias se gastam, para, como se aconselha aos exércitos dispersos, ritornare al segno. A declaração foi realmente escrita com essa função ambiciosa: pela primeira vez procurava reunir num texto único e comum a visão do homem de todos os sistemas culturais, políticos, religiosos e étnicos. Foi pena que, segundo diz a lenda, tenha ligado, à assinatura do texto, este pretendido comentário de Jacques Maritam: «chegamos finalmente a acordo, mas não sei sobre o quê».
Admitindo, porque tem algum fundamento que o comentário foi realmente feito por tão ilustre pensador é certo que não se tratava apenas de conflito semântico inevitável que entreteria os intérpretes sobre os detalhes da redacção e seu significado.
Tratava-se da herança maquiavélica que o texto da Carta da ONU também recebeu, do poder que se reservaram as superpotências, da certeza de que a nova queda internacional no estado de natureza não estava prevenida nem evitada. As terríveis guerras marginais que se sucederam em vários lugares, os genocídios repetidos, o alargamento das áreas delimitadas pelas fronteiras fluidas de geografia da fome, tudo deu razão ao comentário que não era céptico mas angustiado.
Com tanto fundamento, que a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de 14 de Novembro de 1950, veio a estabelecer no artigo 15.º que - «em caso de guerra ou em caso de outro evento público que ameace a vida da Nação, toda a Alta Parte Contratante pode tomar medidas que derroguem as obrigações previstas na Convenção».
Não é verdade que no texto da Carta da ONU, e nos textos dela derivados, como é a Declaração de Direitos, esteja garantido o direito básico de todos os direitos do homem, que é o direito à paz entre os povos e preservação da integridade física, cultural e política da comunidade à qual cada homem pertence sem escolha originária.
Depois da paz de 1945, depois dos Julgamento de Nuremberg e de Tóquio, a história continuou a registar casos como o dos Nagas, dos Ibos, do Sul do Sudão, do Vietnam, do Afeganistão. Casos como o de Timor, onde um povo que não ameaça a paz, nem a segurança, nem o futuro, nem a tranquilidade de nenhuma outra comunidade, vai sendo liquidado física e culturalmente em satisfação dos interesses injustos,
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imorais e condenáveis, de um vizinho expansionista. De uma vizinha a impune Indonésia, que não abusa apenas da superioridade esmagadora em relação à sua vítima, também usa o facto de ser o mais importante aliado político da área, de uma das superpotências, que são os EUA. Não encontramos, fora desta circunstância, outra explicação para a infeliz tomada pública de posição por estas vítimas a respeito da situação de Timor, feita em Washington. Costuma chamar-se realismo, com fundamento, reconhecer que os factos são irreversíveis.
Mas é abusivo chamar-lhe pragmatismo, quando com essa expressão se pretende dizer que a razão está do lado de quem ganha, e de que do lado de quem ganha é que devem estar os que pretendem ter razão.
A tristeza de Maritain tem fundamento acrescido, o maquiavelismo introduzido na Carta das Nações Unidas não perdeu ocasião de se manifestar, mas não podemos nem devemos consentir que o normativismo dos factos, mesmo vencedor, apague o normativismo dos valores. Não podemos negar, apagar e esquecer, a decisão de Antigona, o seu exemplo, a sua fé; porque sem isso não existe Declaração dos Direitos do Homem que seja mais do que b ocasional espelho de um passageiro equilíbrio de forças, a mercê de um maquiavelismo bem sucedido!
Justamente porque a paz entre os povos é o direito básico sem o qual nenhum outro direito das Comunidades e dos Homens está seguro - nem Deus nos altares, como disse o Padre António Vieira - parece-nos que devemos registar os bons auspícios deste fim de 1988, o qual ainda não vai dar ao mundo um Natal que a longa teoria de pacifistas, como Leibnitz e Kant, desejaram, mas que termina com sinais de que a razoabilidade parece tomar um lugar na direcção política das superpotências.
Sabemos, pela história destes amargurados anos que se seguiram à chamada paz de. 1945, que não são os interesses e direitos do homem que primeiramente determinam o processo em curso, do qual apenas conhecemos aquilo que se publica. Temos a noção de que são interesses de logística imperial das superpotências que levam à necessidade de reflectirem sobre a dimensão e estabilidade dos sistemas que dirigem, interesses que em primeiro lugar as encaminham para a mesa das conferências, .em vez de continuarem a caminhar para os campos de batalha. . .
Mas a razoabilidade é um bom patamar para começar a abrir o caminho da razão onde a voz dos pequenos países tenha não apenas uma palavra a dizei, mas a ser ouvida.
Quando no Parlamento de uma pequena potência celebramos a Declaração dos Direitos, não curamos do maquiavelismo que pode inviável, a paz do mundo e os Direitos do Homem, antes prestamos homenagem à autenticidade dos que assinaram a Carta da ONU com alegria nos olhos e angústia no coração, que sabiam que não estava resolvida a questão que vem da Resolução Francesa: ter direitos e liberdades, mas também ter meios de os realizar. Isto igualmente se aplica dentro dos países e não apenas à comunidade internacional sempre ameaçada do regresso ao estado de natureza. Também se aplica a nós. Também se refere à pobreza de bens materiais e do espírito que dentro de casa nos afligem, à liberdade da sociedade civil perante um estado burocrático sujeito às leis sociológicas da centralização, aos direitos efectivos de cada homem dentro dessa condicionadíssima sociedade civil. Por isso, também, é necessário fazer aquilo que fazemos neste dia: ritornare al segno.
Com a renovada esperança de que o legado maquiavélico, que não pôde deixar de ser acolhido na Carta da ONU, finalmente seja apagado pelo legado humanista de que a Declaração de Direito é a melhor expressão.
Aplausos do CDS, do PSD, do PS e do PRD.
O Sr. Presidente: - Em representação do Grupo Parlamentar do PRD, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.
A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Exmo. Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Sr.ªs e Srs. convidados, Srs. Deputados: Razão é de regozijadamente comemorarmos o quadragésimo aniversário da proclamação Universal dos Direitos do Homem que, bem haja, crescentemente vem apagando as manchas sombrias dos países que não a observam. São, contudo, ainda espinhos cravados nessa conquista da humanidade, o racismo, a fome, a tortura e os regimes despóticos que tiram a sua força da chacina dos Direitos Humanos de cuja violação temos, uma manifestação que a nós, portugueses, é particularmente dolorosa no genocídio infligido ao povo de Timor-Leste.
São, porém, chegados os tempos de alargarmos o conceito de Direitos do Homem à salvaguarda de valores que estão a ser agredidos pêlos mecanismos alienantes das sociedades dominadas pela dinâmica dos ilimites do crescimento em que a ideologia, a informação e a cultura tendem cada vez mais a perder o seu conteúdo para se tornarem quantitativo puro. E eis-nos perante uma unidimensionalidade do sentir e agir humanos perante a qual a liberdade que tem como verdadeira substância o direito à diferença se converte numa abstracão. Porque se a consagração da igualdade de oportunidade representa um marco importantíssimo na evolução da humanidade, o unívoco da quantidade que, nas sociedades em que os comportamentos humanos são condicionados por imperativos económicos, ocupa o lugar do qualitativo, suscita a necessidade emergente de se contrapor à hegemonia da uniformidade o direito à diferença como condição de rehumanização dessas sociedades.
Vários são os alçapões que cercam os Direitos do Homem.
Atente-se na censura. Bem lhe sentimos as garras num regime que as não enluvava pois que em mostrá-las se assumia como totalitário. Hoje, as teorias mais avançadas sobre a comunicação social observam acertadamente que a censura não é uma coacção da liberdade exclusiva dos regimes totalitários. Há outras modalidades de censura que se exercem nas sociedades democráticas. E dessas modalidades, a mais manhosa é não a que corta a palavra, não a do silêncio, mas a censura do dizer, feita de chavões pré-fabricados através dos quais e impõe uma ideologia massificadora a construção de uma leitura majoritária, a redução de tudo e de todos às médias estatísticas das sondagens eliminando tudo o que não se configura nos espaço da maioria. Uma estratégia censurante legitimada pel
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rosto anónimo das maiorias. E é na fortaleza das maiorias que se encarceram os direitos das minorias de onde sempre irromperam aldeias inovadoras.
Sim, chegados são os tempos de reescrevermos uma carta das liberdades que subtraiam o ser humano às manipulações que, à sombra dos Direitos do Homem ser multiplicam nas sociedades democráticas.
A ideologia pluralista cria, no consumo a falácia da liberdade de escolha através da publicidade que engendra a ilusão da variedade, apresentando como novidades, produtos cada vez menos distinguíveis. Na política como, na indústria as sondagens servem para manipulara opinião. Define-se uma norma estatística que torna suspeito qualquer desvio, permitindo excluir do debate político opiniões impopulares, tal como as mercadorias não populares são retiradas dos supermercados.
As técnicas opressivas legitimadas, pela ditadura do quantitativo, atingem-a cultura que passa a ser concebida em termos de industrialização. Pinta-se, escreve-se, cria-se, em função do objectivo de vender mais, sacrificando a criação livre, a espontaneidade criadora ao gosto cinzento da maioria que alimenta o mercado. E assim e a própria democracia a coonestar o que culturalmente a desvirtua já que uma cultura de massas é o contrário da democracia visto que recusa um lugar à diferença. E é nesta e no jorro da espontaneidade criadora que a democracia, pode reencontrar as pistas da sua integridade abalada pelo quantitativo e pelo arsenal manipulatório das civilizações industriais.
Um exemplo dessa democracia eivada de sistemas opressivos têmo-la na proliferação de grupos de protesto movidos pelo sentimento de que outros controlam a sua vida. Gente que se sente colonizada, vítima de políticas sobre as quais não exercem controlo. Entre esses grupos avultam os de cidadãos revoltados que vivem junto de depósitos químicos e de centrais nucleares. De que lhes vale Declaração Universal dos Direitos do Homem?
E considerando que os Direitos do Homem não podem deixar de revestir-se de uma incidência social temos no nosso país bastos exemplos de que tal princípio não tem sido acatado pelos nossos governantes. Vem a propósito assinalar que não se observam os Direitos do Homem que se inscrevem na área da saúde pública, abrangendo a primeira infância e a terceira idade quando se corta a comparticipação do Estado em medicamentos vitais para determinados escalões da população. Eis um exemplo gritante de uma política que sobreponto o aspecto financeiro aos direitos da saúde despoja os Direitos do Homem de conteúdo social.
Resumindo e terminando direi. Sendo os direitos consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem hoje insuficientes para salvaguardarem a liberdade no seu sentido pleno e os valores espirituais das novas alienações geradas técnicas coactivas das civilizações industriais, e oportuno que na comemoração do aniversário dessa bandeira das democracias, seja definitivamente assumido que. há mais direitos a conquistar
O Sr. Presidente: - Em representação do Grupo Parlamentar do PCP tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente da República Sr. Presidente da Assembleia da Republica, Srs. Representantes do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados, Sr.ªs e Srs. convidados: À maneira de glosa poética sobre a Declaração Universal dos Direitos do Homem, Tiago de Melo nos seus estatutos do Homem decretava como imperativo para a plena realização de um Mundo sem terças-feiras cinzentas:
O Homem confiará no Homem
Como o menino confia noutro menino
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, num Mundo em que a invenção do Amor se fundava no horror ao holocausto, é, ao fim e ao cabo, isso mesmo: a proclamação da confiança no homem.
A proclamação da certeza de que a justiça social e a paz eram possíveis, apesar dos actos de barbárie.
Decorridos 40 anos, se é verdade que não reconhecemos ainda no nosso Mundo o Mundo, dos Estatutos de Tiago de Melo; se é verdade que a alegria ainda não é sempre «uma bandeira desfraldada na alma do povo» a, verdade é que os passos quê ultimamente se acentuaram-na senda do progresso e da paz, fazem jus à proclamação dá solidariedade, da tolerância e da dignidade humana, que são o próprio âmago da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Alargam-se e reforçam-se as ideias acerca da necessidade da defesa da paz e da cooperação.
As soluções políticas para os vários conflitos colocam os sofisticados projectos, de militarização e a política de confronto na reserva da barbárie inadmissível neste final do século, quase no limiar do século XXI.
E como a paz é indissociável do progresso e da justiça social, deve destacar-se que esta nova consciência universal só foi possível com a luta dos trabalhadores ë dos povos pela liberdade, pela democracia, pelo progresso social, ou seja, corria luta pelo cumprimento, da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Luta que assume traços de gesta heróica sempre que os mais elementares direitos humanos são ainda hoje negados.
Cabem aqui neste 40.º aniversário apesar de se tratar de um aniversário, palavras agrestes.
Porque hoje «não é apenas dia de ser bom e dê falar e ouvir em mavioso tom», como diria António Gedeão.
Cabem aqui palavras de condenação relativamente a verdadeiros actos de barbárie que se abatem sobre o povo maubere, a quem é negado o mais elementar dos direitos - o direito à vida - e também o direito à autodeterminação e independência, e para quem não chega decretar a proibição da tortura e dás penas cruéis e degradantes.
E cabe ainda recordar o ferrete do apartheid, vergonha para a humanidade, sustentado contra a vontade de um povo, contra à consciência dos povos amantes da paz e do progresso.
E ainda no meio de palavras, de condenação, cabe no entanto, saudar o levantamento popular palestiniano, agigantando-se às atrocidades de que é vítima, tornando possível a criação do Estado palestiniano.
Mas casos há em que negação dos Direitos do Homem toma inovas e sofisticadas formas, escondendo-se atrás da proclamação das liberdades, civis e políticas e do direito à igualdade.
A Declaração Universal não se bastou, de facto com os direitos civis e políticos. Exige ao mesmo tempo o reconhecimento de direitos económicos, sociais e culturais; sem os quais não estarão realizados Os Direitos Humanos.
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Aí, onde se negligencia ou não se assegura a protecção social e o bem-estar, as categorias mais pobres e vulneráveis da população não gozam plenamente dos seus direitos civis e políticos.
Também por isso, o dia de hoje não pode ser «um dia de ser bom, um dia de falar e ouvir em mavioso tom».
E há que perguntar, frontalmente, se entre nós temos assegurados os direitos económicos, sociais e culturais que a Declaração Universal e a nossa Constituição da República reconhecem.
Pode dizer-se que está garantida em Portugal a protecção social e o bem-estar quando sabemos que o número de famílias vivendo abaixo da linha de pobreza é dezasseis vezes superior à média da CEE? Quando é certo que aumenta o número de famílias a braços com o desemprego absoluto? Quando os nossos reformados, pensionistas e idosos vivem na míngua de uma minguada pensão?
Perante a vergonha do trabalho infantil, que contas daremos a nós mesmos e ao mundo do cumprimento do direito da infância a ajuda e assistência especiais?
Que peso na consciência carregamos quando nós apresentamos a assinar a Declaração Universal dos Direitos da Criança!
Igual ao que connosco levamos quando em instâncias internacionais se faz o balanço do Estatuto dá Mulher em todo o Mundo.
Contra o artigo 2.º da Declaração Universal, contra a nossa Constituição e a nossa lei, a mulher portuguesa continua hoje a ser discriminada no trabalho, na sociedade e na família, precisamente por falta de realização dos seus direitos económicos, sociais e culturais. Também aqui, ao invés de se extinguirem mecanismos que asseguram a vigilância sobre o cumprimento do princípio da não discriminação, se justificaria o reforço dos mesmos e a criação de outros.,
O que se está a passar em relação à Comissão Parlamentar da Condição Feminina ameaçada de extinção é um grave recuo no cumprimento do princípio da não discriminação inserto na Declaração Universal.
A condição da mulher é, aliás, reflexo da situação que se vive no que toca ao cumprimento dos direitos económicos, sociais e culturais dos trabalhadores.
Como será possível afirmar que atingimos a plenitude das liberdades civis e políticas, quando é certo que na prática não se garante o direito a uma remuneração justa, quando nem sequer se garante o direito a qualquer remuneração, ou para melhor explicitar, quando se permitem salários em atraso?
Estando o direito ao trabalho, nos termos da própria Declaração Universal, no centro dos direitos económicos, sociais e culturais, como será possível afirmar que todos os portugueses gozam na sua plenitude dos direitos civis e políticos, quando através de um projecto de decreto-lei - o pacote laboral - se pretende aumentar a reserva dos desempregados, a pretexto da revolução técnico-científica aqui pretensamente usada contra o próprio Homem, para satisfação dos desejos, da cupidez de um punhado?
Neste preciso momento, não podemos deixar de salientar que em Portugal a Comemoração do 40.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem se salda negativamente na ameaça, muitas vezes tentada mas sempre repelida, ao direito ao trabalho.
O Grupo Parlamentar do PCP não pode deixar de apresentar o seu mais veemente protesto por mais esta violação da Declaração Universal.
O que prova que, afinal, o Dia de Natal já nem sequer é um dia para ser bom.
Não cremos que seja possível ler o texto fundamental dos Direitos do Homem, sem sentir um frémito incómodo quando perante a proclamação do direito à livre escolha do trabalho e a condições equitativas e satisfatórias do trabalho nos defrontamos com os que se vêem obrigados a aceitar a contratação a prazo, ou qualquer forma de trabalho precário, novo quadro da servidão neste final do século XX.
Tudo isto com as decorrentes consequências negativas sobre os direitos sindicais, limitados, e mesmo muitas vezes negados, como acontece com a PSP e restantes forças de segurança,- com estabelecimentos fabris das Forças Armadas, com os Sapadores Bombeiros.
Não é desta forma que se reforçam a liberdade e a dignidade humanas.
E se uma única prova quiséssemos para justificar as palavras agrestes, poderíamos bastar-nos com as graves restrições colocadas aos cidadãos no acesso ao Direito e aos Tribunais, precisamente no mundo em que se efectivam os Direitos, Liberdades e Garantias dos cidadãos, poderíamos bastar-nos com a crise que atravessa o mundo da justiça.
Nesta área, é de igual modo inadmissível e há que salientar, a situação degradante vivida pelo reclusos em muitos dos estabelecimentos prisionais.
Também a situação nos serviços de informações e a ameaça que constituem para os cidadãos são um expoente que permite complementar o balanço que até aqui fizemos e que aditaremos com alguns breves traços das perspectivas futuras.
Não podemos esquecer hoje que o Processo de Revisão Constitucional, tal qual se encontra ensejado na base do conhecido acordo bipartidário, ameaça pôr em causa garantias constitucionais e condições de realização dos direitos fundamentais dos portugueses.
Direitos que mereceram uma aprofundada análise no programa do PCP, aprovado no XII Congresso.
Para nós, comunistas, a democracia política, base fundamental dos direitos humanos, possui um valor intrínseco, um valor conhecido do povo português porque foi privado da liberdade durante 48 anos de ditadura fascista, porque a conquistou e passou a vivê-la com o 25 de Abril.
A liberdade é um elemento básico essencial dá democracia avançada que o PCP no seu programa propõe ao povo português para o limiar do século XXI, tendo no horizonte o socialismo.
Mas a democracia tem de ser simultaneamente política, económica, social e cultural para a realização plena da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Só nessa altura será possível decretar como nos Estatutos do Homem de Tiago de Melo,
Agora vale á verdade
Agora vale a vida.
Aplausos do PCP, de os Verdes e do Deputado Independente João Corregedor da. Fonseca.
O Sr. Presidente: - Em representação do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Sampaio.
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O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr Presidente da República, Srs. Membros do Governo, Ilustres Representantes das Magistraturas, Sr.ªs e Srs convidados: Na comemoração dos 40 anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem venho dar fraternalmente as mãos no desfile encimado pela Declaração.
Orgulhamo-nos de ter estado sempre na primeira linha da luta pelos djreitos do homem em Portugal ter, assim, ajudado, a conquistar para o nosso país o novo traço da verdadeira Avenida da Liberdade que o progressivo reconhecimento dos direito do homem vem abrindo na história contemporânea.
Também nesta Assembleia da República o Partido Socialista deu uma contribuição decisiva para que a Constituição da República remeta expressamente para a Declaração Universal como elemento da interpretação e integração dos direitos fundamentais e, factor da extensão desses, direitos.
Não esquecemos, as divergências de então e de hoje, mas saliento que o n.º 2 do artigo 16.º da Constituição, onde se remete para a Declaração Universal, foi aprovado por unanimidade, na Constituinte.
Estamos por isso, na primeira linha a dar as mãos aos outros, na celebração do que é um bem de todos os portugueses.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem inscreveu-se como um apelo de revolta contra o inadmissível, em nome do valor próprio da condição humana. Proclamada pela Assembleia Geral da ONU a Declaração Universal é um dos mais expressivos documentos da contemporaneidade, simultaneamente verso e reverso da grandeza e miséria da humanidade.
Surgida dos terrores da guerra, a Declaração representa um marco de paz, de vitória contra a barbárie nazi e fascista; é o surgimento de uma comunidade internacional organizada que associa a soberania, a liberdade, a segurança dos Estados, à dos homens e mulheres que os compõem.
Proclamado como ideal comum atingir por todos os povos e todas as nações, a Declaração tem como pórtico a essencial afirmação de que «todos os homens nascem livres e iguais, em dignidade e direitos. Dotados de razão e da consciência devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade». Os seus normativos projectam-se na conclusão emblemática a que o artigo 28.º da Declaração alude quando diz que, «toda a pessoa tem direito a que reine, no plano social e no plano internacional, uma ordem capaz de tornar plenamente efectivos os direitos e liberdades enunciados na presente Declaracão.
E o desenvolvimento normativo na busca de eficácia e operatividade, para que reine esta ordem internacional, nunca deixou de continuamente precisar a conteúdo dos Direitos do Homem e sublinhar a importância e a responsabilidade das pessoas na sua defesa.
E assim chego ao primeiro ponto que guero acentuar na minha intervenção. A Declaração Universal é ponto de encontro de homens com ideais diversos, de partidos com ideologias opostas, de estados com sistemas políticos antagónicos. Constitui a mais importante parte daquela base de consenso em que assenta a construção de uma sociedade democrática. Não impede, antes pressupõe, que para lá dela, se defendam sistemas morais, religiosos políticos em que os valores da Declaração se articulam com outros valores.
Os direitos do homem fundamentam a tolerância em que se podem desenvolver estas concepções diferentes. Mas não são neutrais quanto aos valores os direitos do homem são eles mesmos valores que marcam os limites da tolerância. A sociedade que os reconhece tem que os defender contra todos os totalitarismos.
Sendo bem comum, os direitos do homem não se deixam apropriar, sobretudo por aqueles que em seu nome apregoam a intolerância. Os direitos do homem não são compagináveis com os moralistas de ocasião isto é, os que recusam actar as definições e concretização por via democrática desses direitos, que para eles não são matéria de consenso mas, apenas, parte de uma pretensa verdade absoluta que seria a sua. A hora não é deles, felizmente.
Os direitos do homem, embora suportados pelo consenso democrático, não são indiferentes ao ambiente que os rodeia. Não cremos que as ideologias e as políticas que protegem ou agravam as desigualdades sociais sejam terreno em que dos direitos do homem possam desenvolver-se. Onde, por exemplo, a política de rendimentos aumente cada vez mais, a distância entre os ricos e a grande maioria, onde a educação deixe de ser gratuita e a universidade um privilégio, onde o acesso ao direito se torna cada vez mais difícil para os pobres e mais tardio para os trabalhadores, os direitos do homem tornam-se uma carcaça vazia.
Também entre nós, antes de Abril de 74, os direitos do homem constituíram um referente indelevel de esperança na luta contra a ditadura e á guerra colonial.
Só com o 25 de Abril de 1974, acto refundador da democracia, Portugal se reencontrou na sua essencial identidade, em diálogo com o velho humanismo universalista que também foi da sua história, confirmando na sua carta magna de direitos - a Constituição da República - o respeito pelos direitos e liberdades fundamentais.
Mas não basta a simples consagração destas regras, pois que um regime democrático deve estar, por natureza, em continua transformação e -aperfeiçoamento: a democracia é dinâmica - só o despostismo é estático
Poder-se-á por isso dizer que nessa perspectivarem Portugal continuada ser um objectivo actual e futurante, o aprofundamento dos direitos fundamentais, dos direitos de cidadania activa, da realização constante das regras da liberdade no exercício do poder político.
Há entre nós uma consagração satisfatória e desenvolvida dos direitos, liberdades e garantias a nível constitucional e legal, o que será, aliás, confirmado e ampliado no processo de revisão constitucional em curso, mas a concretização efectiva dalguns direitos é comprometida por vários obstáculos que importa remover.
Dou alguns exemplos a dificuldade: do acesso dos cidadãos à informação, sobre as leis e os direitos fundamentais; o acesso à justiça está por provar como meio idóneo de garantia efectiva do direito de defesa, óbvio que está o agravamento das custas judiciais que constituem obstáculo a esse acesso; a celeridade processual como realização de justiça num prazo razoável continua, como objectivo por cumpriria defesa dos direitos à liberdade e integridade física dos cidadãos, sendo inegável que há ainda um caminho e a percorrer pélas entidades que pelos seus poderes e funções são mais susceptíveis de afectar àqueles direitos.
Ao nível prisional é não obstante os esforços positivos é obstáculo a vencer a relativa impreparação do
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pessoal prisional, a carência de meios humanos, ou até, o incumprimento das normas prisionais em vigor quanto à separação dos presos preventivos e condenados, menores e maiores e a adequada colocação dos afectados por distúrbios mentais.
O direito à segurança das pessoas e bens é, por sua vez, um objectivo de ordem pública e garantia da própria estabilidade social e económica.
A segurança da propriedade é um requisito da vida económica tal como é uma necessidade o reforço das condições gerais de segurança das pessoas e, em particular, a protecção dos que pior se podem defender, como as crianças em geral; no mesmo sentido é necessário estabelecer mecanismos de protecção às vítimas de crimes e de ressarcimento às vítimas de crimes violentos e justifica-se, ainda, todo um trabalho de reapreciação jurídica, e também cultural, do mecanismo da prisão preventiva.
Mas o mais significativo da nova concepção dos direitos humanos nos últimos decénios é a sua expansão das áreas civis e políticas para as áreas sociais e económicas!
Como socialistas, e no que respeita a realização de direitos fundamentais consideramos essencial o reconhecimento de desprotecção relativa em que se encontram os grupos sociais e economicamente mais débeis e desfavorecidos.
Os problemas da precaridade e da pobreza exigem soluções integradas, adequadas para combater não só os seus sinais evidentes: a fome, a miséria, o trabalho infantil, a mendicidade, a habitação degradada, os bairros de lata, a prostituição, a criminalidade, mas sobretudo as suas casas. E para isso imediatamente se identificam como principais factores geradores de pobreza, o desemprego, incluindo o desemprego «crónico» de longa duração, a precarização de muito do existente, as famílias monoparentais que afectam sobretudo mulheres e filhos, assim como as regiões urbanas e rurais deprimidas.
Este contingente de novos e velhos pobres excluídos da democracia e do exercício dos direitos fundamentais exige não só soluções estruturais globais, mas até porventura soluções de discriminação positiva tendentes a recuperá-los para a dignidade da vida individual e colectiva.
A democracia assenta na convicção da dignidade inalienável e no valor igual de todos os seres humanos, e no respeito pelas regras de exercício da pluralidade de convições.
É ao mesmo tempo uma ética e uma técnica: um sistema de valores e uma forma do Governo na sociedade.
Como forma de Governo no povo nela vem assumindo o carácter de direito fundamental - extensão própria regra da liberdade - o direito do povo o saber como são tratados os assuntos que interessam à comunidade, tendo desde logo acesso aos arquivos da administração - salvaguarda óbvias regras de interesse público e de defesa da privacidade - como o intuito de liberalizar a informação, de favorecer a participação dos cidadãos e de submeter a actuação do Governo a um eficaz escrutínio público.
Este contigente de novos e velhos pobres excluídos de democracia e do exercício dos direitos fundamentais exige não só soluções estruturais globais, mas até porventura soluções de discriminação positiva tendentes a recuperá-los para a dignidade da vida individual e colectiva.
A democracia assenta na convicção da dignidade inalienável e no valor igual de todos os seres humanos, e no respeito pelas regras de exercício da pluralidade de convicções.
É ao mesmo tempo uma ética e uma técnica: um sistema de valores e uma forma de Governo na Sociedade.
Como forma de Governo no povo nela vem assumindo o carácter de direito fundamental - extensão própria regra da liberdade- o direito do povo o saber como .são tratados os assuntos que interessam à comunidade, tendo desde logo acesso aos arquivos da administração - salvaguardas óbvias regras de interesse público e, de defesa da privacidade - com o intuito de liberalizar a informação, de favorecer a participação dos cidadãos e de submeter a actuação do Governo a um eficaz escrutínio público.
Uma compreensão moderna dos direitos fundamentais mostra-nos ainda que estes não correspondem apenas a simples limites às decisões democráticas, mas que podem e devem inspirar objectivos para a melhoria de todos os aspectos da vida da comunidade.
Impõe-se como necessidade do presente, a resposta dos poderes públicos a questões recentes da evolução tecnológica-científica e social que possam colidir com os direitos fundamentais.
É no âmbito dos direitos particulares que vem emergindo uma filosofia da individualmente que, como legítima aspiração humana, busca a universalidade.
Neste trajecto revelam-se os direitos particulares dos trabalhadores das minorias, dos grupos, das comunidades, das regiões e das localidades.
Mas é sobretudo no diálogo com a natureza que se exprimiu o mais impressivo direito fundamental moderno: O direito a um meio ambiente de qualidade, o qual corresponde já um problema planetário.
A compreensão de que os problemas que a humanidade e qualquer pais enfrentam são, a um tempo, universais e interdependentes e apesar do diálogo mundial e do desanuviamento que abre novos caminhos à paz, e neste particular saudamos o acordo que visa a paz no Sudoeste da África, clamamos, com toda a força da .nossa vontade colectiva, contra a situação intolerável do povo de Timor-Leste, jugulado no seu direito inalienável de autodeterminação e independência e vítima da violação grave dos direitos 'humanos por tortura, prisões arbitrais e execução de presos políticos.
E assim chego ao último ponto que quero acentuar hoje. Os direitos do homem nunca estão definitivamente conquistados. É preciso continuar a desenvolvê-los. Impõe-se aumentar a sua eficácia jurídica, na senda trilhada pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem. É preciso defendê-los internacionalmente, por convenções internacionais complementares, decerto, mas, mais ainda, por uma política de paz e de desenvolvimento.
Importa, sobretudo, lutar, á todos os níveis da sociedade, pela posse efectiva e generalizada dos bens que os direitos visam garantir. Importa promover a igualdade, a liberdade e á solidariedade efectivas para todos. Nesse terreno, e só nesse, se ganhará a batalha pára que a Declaração Universal dos Direitos do Homem continue a ser a bandeira da esperança sempre renovada.
Aplausos gerais.
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O Sr. Presidente: Em representação do Grupo Parlamentar do PSD tem a palavra o Sr. Deputado António Maria e Pereira.
O Sr. António Maria Pereira (PSD): - Exmo. Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Ministros e Secretários de Estado, Sr. Provedor de justiça, Srs. Deputados: As minhas primeiras palavras, neste dia em que se comemora o quadragésimo aniversário da declaração Universal dos Direi tos do Homem são para saudar o Sr. Presidente da República pela sua presença aqui neste momento.
Acho que o Sr. Presidente da República está aqui a dois títulos. Está aqui, antes de mais, por ser o mais alto Magistrado da Nação, atribuindo a esta Sessão uma particular dignidade - que ela deve ter -, e estar em segundo lugar, porque o Sr. Presidente da República é considerado a nível nacional e internacional, um dos grandes paladinos da luta pelos direitos humanos da actualidade.
Aplausos do PSD, do PS, do PRD e do CDS.
Pelo seu corajoso combate pela Democracia antes do «25 de Abril», pela continuação desse combate depois do «25 de Abril», o Sr. Presidente da República deu um contributo inestimável para a consolidação e para á conquista da democracia em Portugal. E é por essa razão e também pela parte activa que ele tem desempenhado em numerosas campanhas internacionais em prol dos Direitos Humanos que a Liga Internacional dos Direitos do Homem lhe atribui em 1977, o seu mais alto galardão.
Portanto, Sr. Presidente da República, Sr. Dr. Mário Soares, é efectivamente, a pessoa que devia estar neste momento a presidir esta sessão, que deve ser encarada não como uma mera sessão, como temos todos os dias, em que atiramos acusações mutuas de um lado para outro e depois há sempre a resposta possível. Não é para isso que estamos reunidos nesta sessão. Estamos reunidos para debater os grandes princípios da Declaração Universal dos Direitos do Homem? Temos esta sessão para recordar que na luta pela liberdade, na luta pelos Direitos do Homem a Declaração Universal dos Direitos do Homem representa um marco fundamental porque pela primeira vez os direitos humanos ascenderam do campo do direito interno, do direito constitucional para o direito internacional.
Foi só a partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem que os direitos humanos passaram a ser uma responsabilidade internacional de cada país em relação a todos os outros países em relação à comunidade internacional. Até lá era um mero assunto de direito interno.
Os Direitos Humanos são considerados actualmente um dos fundamentos da paz e da détante. Sem respeito pelos Direitos Humanos nunca poderá haver uma paz definitiva e isto é verdade quer para a Europa, quer para a África Austral, quer para todo o mundo.
Chegado a este ponto, tem interesse perguntar, se, desde que foi promulgada a declaração Universal dos Direitos dos Homens, teria havido progresso ou retrocesso no campo de protecção dos direitos humanos no campo da democracia. Eu diria que é necessário delinear o activo e o passivo daquilo que aconteceu no mundo desde a Declaração Universal dos Direitos do Homem no que respeita ao seu cumprimento.
E começando pelo passivo quero recordar, em resumo, o que diz a amnistia -internacional no seu relatório anual. Esse resumo é realmente sombrio pois, diz que, em cerca de metade dos países do mundo, continua a haver prisioneiros de consciência, continua a haver pessoas, presas apenas em função da maneira como pensam e da maneira como se exprimem, o que é intolerável e contrário a um princípio fundamental da declaração universal.
Diz mais a amnistia internacional: que em cerca de um terço dos países do mundo' a tortura continua a ser utilizada como método normal de as polícias atingirem os seus objectivos e de os governos prosseguirem os seus fins. Numa palavra, a tortura, as execuções tudo o que há de mais contrário aos princípios da declaração universal continua a ser praticado normalmente, quase que regularmente em numerosos países do mundo.
E neste quadro sombrio seria de destacar três situações: a primeira é Timor-Leste, onde foi cometido um dos maiores genocídios deste século e certamente o maior genocídio desde os campos de exterminação nazis e desde os gulag soviéticos. Duzentas mil pessoas foram exterminadas, foram executadas, muitas torturadas pelas tropas indonésias e a situação ainda se mantém, apesar de haver quem afirme o contrário. A prova disso está nos relatórios de oito Organizações Internacionais dos Direitos do Homem que foram apresentadas à Comissão de Fiscalização da ONU em Setembro último, entre elas a amnistia internacional, que vem confirmar que as torturas, os desaparecimentos, as violações mais bárbaras dos direitos humanos continuam actualmente a ser praticados na Indonésia. Felizmente que há uma prova tomada de consciência para o problema: a CEE, o Conselho da Europa e muitas outras organizações já condenaram a Indonésia. Em todo o caso, há que denunciar a hipocrisia daquelas que estão sempre extremamente empenhados em defender a autodeterminação para os povos colonizados e que, com toda a razão, se empenham pela autodeterminação da Namíbia e no entanto calam-se publicamente quando se trata do povo indonésio que foi tão ou mais sacrificado do que muitos povos sujeitos à colonização.
Uma outra situação, que gostaria de denunciar - aliás já o foi também pelo Sr. Deputado Jorge Sampaio e por outros Srs. Deputados que me precederam - é o appartheid sul africano.
É um facto que a África do Sul se tem comportado com maior moderação nas relações internacionais, contribuiu para que houvesse paz em Angola, está a contribuir para que haja, a autodeterminação da Namíbia - tudo isto é exacto - mas é verdade também que o appartheid, com todo o seu horror, com a discriminação apenas em função da cor da pele, faz com que três quartos da população da África do Sul esteja totalmente privado de direitos políticos, apenas porque tem a cor negra. Esse insulto ao sentido ético da humanidade devia terminar de uma vez para sempre; no entanto, continua sem haver, até agora, qualquer sinal de que nesse aspecto tenha progresso considerável.
Disse há pouco que os direitos humanos são considerados fundamento da paz e do desanuviamento. Enquanto esta situação permanecer na África do Sul, não haverá paz em desanuviamento nesse país.
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A terceira situação que gostaria de denunciar é o que se passa com as carências no Terceiro Mundo. 750 milhões de pessoas têm as maiores carências, morrem de fome todos os dias, vemos na Televisão crianças de ventres inchados, cheias das doenças mais horrorosas doenças das doenças de subdesenvolvimento. Esse vai ser o grande problema dos anos que vão seguir-se, quando finalmente o desanuviamento permitir que se desviem verbas para esse fim. E uma obrigação de todos os povos civilizados, é uma obrigação de Portugal, na medida em que este tem um espírito universalista.
Recordo que para activar o diálogo Norte/Sul, de onde terá de vir uma solução para este problema, o Prof. Cavaco Silva, no Conselho da Europa, em Julho passado, propôs a criação, em Lisboa, do Centro do Diálogo Norte/Sul, centro esse que está em andamento e que vai permitir que Portugal possa dar um contributo importante para tentar resolver esse gravíssimo problema da humanidade.
Mas nem tudo é negativo e quando se olha para a actual situação dos direitos humanos, em face da declaração universal, vemos que, apesar de tudo, houve um avanço considerável!
Podemos olhar para as Américas do Sul e Central e recordar que há 10 anos atrás havia apenas ditaduras militares e que, passados esses anos, os dedos das mãos não chegam para contar os países que ainda vivem em regime de ditatura, pois os restantes são hoje democracias. Com efeito, por exemplo, na Ásia, no Paquistão, na Coreia do Sul e nas Filipinas há agora democracia quando antes havia ditadura.
Podemos ainda recordar-nos que na União Soviética há a perestroika que tem representado um movimento muito importante no sentido da liberalização, mas - não nos iludamos! - não estamos a caminho de uma democracia pluralista.. Aliás,, o próprio Gorbatchov disse que o que pretende é o apuramento do marxismo-leninismo, despindo-o das impurezas que o têm contaminado, não permitindo o funcionamento da emperrada economia soviética.
De qualquer maneira é muito positivo ;o facto de terem sido libertos centenas de dissidentes que estavam em prisões e em hospitais psiquiátricos, o facto de haver um novo diálogo sobre esses assuntos, uma nova liberdade de expressão na União Soviética, o facto, sobretudo, de os soviéticos terem uma nova abordagem da questão dos direitos humanos. Nós tempos de Brejnev (recordam-se?) a desculpa às acusações sistemáticas que o Ocidente lhes fazia era a de que se tratava de um assunto interno da União Soviética, ao passo que agora Gorbatchov compreendeu a grande importância dos Direitos Humanos, pois é ele quem toma a iniciativa, quem aceita, discute e até propõe que, em 1991, haja, na União Soviética uma grande conferência internacional sobre os Direitos Humanos ou Direito Humanitário, como ele prefere chamar; Tudo isto é altamente positivo, repito.
Acresce ainda que se Gorbatchov conseguir transformar a União Soviética no que eles chamam o «Estado socialista de direito», terá sido sem dúvida, um grande passo no sentido da liberalização, muito embora a polícia política, o sistema do partido único e a censura continuem. Em todo o caso, é sem dúvida, um aspecto positivo.
Para além do que se passa na África do Sul, gostaria também de focar o que se passa na África em geral.
Foram dados passos também muito importantes neste sentido, sendo o mais importante, sem dúvida, a promulgação pela Organização de Unidade Africana, em 1975, da Carta Africana dos Direitos dos Homem e dos Povos, que é uma réplica africana da Declaração Universal dos. Direitos do Homem. Esta Carta contém praticamente os mesmos direitos e mais alguns, englobando algumas situações, inclusivamente o artigo 3.º contém o direito à democracia, quando diz que todo o homem e toda a mulher têm o direito de contribuir para os assuntos do Estado, directamente ou através de representantes livremente eleitos. -
Ora bem, Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta Carta Africana dos Direitos do Homem já foi ratificada por 37 países africanos, entre os quais 4 países de expressão oficial portuguesa: Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, tendo Angola já encetado o processo de ratificação. Significa isto que actualmente os direitos humanos são um assunto africano e que já não é possível argumentar, como por vezes antes se fazia, que o estado de atraso social e económico dos países africanos não permita que se abordassem os direitos humanos nos mesmos termos dos países que cumprem O quê a Declaração Universal dos Direitos do Homem dispõe.
Actualmente, o problema põe-se nos mesmos termos. Os direitos humanos são universais sejam eles africanos ou não. Inclusivamente, quando se trata de cooperação o respeito pelos direitos humanos deverá ser um assunto que deverá «vir à baila», porque, ao ratificarem a Carta Africana dos Direitos Humanos, os países africanos reconheceram a importância dos direitos humanos.
Queria, por último, falar do que se passa em Portugal. Acho que temos todos razões para estarmos orgulhosos da situação dos Direitos. Humanos no nosso país.
Bem sei que há carências; aliás, toda a gente o sabe. Ainda há uma semana o próprio Prof. Cavaco Silva disse que havia pessoas sem casas em Portugal. A questão está em saber se estão ou não a ser feitos esforços para que tal acabe. Não devemos confundir o que se passa no domínio dos direitos humanos com o que se passa no domínio dos direitos económicos, sociais e culturais. As liberdades fundamentais são atribuídas ou retiradas por um acto do Governo. Se o Governo soviético quisesse, amanhã mesmo, libertava todos os dissidentes políticos que ainda estão presos em prisões e em hospitais psiquiátricos. Contudo, não há qualquer Governo que, através de um decreto, possa dizer: «Todo o cidadão, a partir deste momento, terá uma casa». Isso prende-se com condições económicas e sociais, com precedentes históricos e por isso é que se chamam direitos de execução progressiva.
O que interessa é que todos os dias se dêem passos nesse sentido.
Quanto aos direitos fundamentais dos cidadãos, que são o objecto da relação que todos os anos a Amnistia Internacional faz, recordo um ponto muito importante que nos deve deixar orgulhosos: Portugal não figura no relatório da Amnistia Internacional, ou seja, na lista das violações mais graves dos direitos humanos e que não poupa mesmo alguns países europeus, ou melhor, numerosos países europeus, alguns deles até da CEE, que são acusados pela Amnistia Internacional de violar os Direitos Humanos. Isto significa que nesse aspecto estamos numa posição de vanguarda no
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campo dos Direitos Humanos, posição essa que corresponde, aliás aliás, nossas características histórias e à idiossincrasia. Fomos o primeiro país da Europa, a abolir a pena de morte e já subscrevemos várias Convenções para tal.
Fizemos três revoluções: uma, em 1910, outra, em 1926 e outra em 1974, sem que houvesse mortes, a não ser por incidente. Isto tem qualquer significado em relação à nossa idiossincrasia.
De qualquer maneira, subscrevemos generalidade das convenções internacionais; j sobre os direitos do Homem, e ainda há pouco tempo propusemos para ratificação, a Convenção Internacional contra a Tortura.
No campo dos Direitos do Homem temos uma posição que é exemplar. A nossa Constituição consagra praticamente todos os Direitos do Homem (vai mesmo além do que as convenções internacionais propõem) e, last but not least, entendo que - e volto ao principio - o facto de termos, na nossa presidência alguém que considerado o paladino dos Direitos do Homem é, mais um contributo para que o nosso país goze de uma excelente imagem internacional neste domínio.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro encerrada a sessão.
A Banda da Guarda Nacional Republicana executou, de novo, o Hino Nacional.
Realizou-se então o cortejo de saída, composto pelas mesmas individualidades da entrada, tendo o Sr. Presidente da República saudado o corpo diplomático com uma vénia ao passar diante da respectiva tribuna.
Eram 11 e 40 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Armando de Carvalho Guerreiro Cunha.
Dinah Serrão Alhandra.
Gilberto Parca Madail.
José Mário Lemos Damião.
Margarida Borges de Carvalho.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
António Magalhães da Silva.
Armando António Martins Vara.
Maria do Céu Fernandes Esteves.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Ana Paula da Silva Coelho.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
Carlos Alfredo Brito.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Isabel Maria Ferreira Espada.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/VP):
Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados.
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António José Caeiro da Motta Veiga.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Flausino José Pereira da Silva.
Henrique Nascimento Rodrigues.
José Angelo Ferreira Correia.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel José Dias Soares Costa.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Parido Socialista (PS):
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Helena de Melo Torres Marques.
João Barroso Soares.
José Florêncio B. Castel Branco.
José Manuel Torres Couto.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Vítor Manuel Ribeiro Constâncio.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Partido Renovador Democrático (PRD):
José Carlos Pereira Lilaia.
Deputados Independentes:
Raul Fernandes de Morais e Castro.
A REDACTORA, Cacilda Nordeste.
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