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Sexta-feira, 3 de Março de 1989 I Série - Número 46

DIÁRIO
Da Assembleia da República

V LEGISLATURA 2.ªSESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 2 DE MARÇO DE 1989

Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo

Secretários: Exmos. Srs. Daniel Abílio Ferreira Bastos
Vítor Manuel Caio Roque
Apolónia Maria Pereira Teixeira
João Domingos F. de Abreu Salgado

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação de requerimentos e da resposta a alguns outros, e da entrada na Mesa dos projectos de lei n.ºs 358/V e 359/V e do projecto de resolução n.º 20/V.
O Sr. Deputado José Manuel Mendes (PCP) falou sobre a situação das orquestras sinfónicas da RDP e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Barbosa da Costa (PRD), João Corregedor da Fonseca (Indep.), Carlos Léus (PSD) e Edite Estrela (PS).
O Sr. Deputado Barbosa da Costa (PRD) trouxe à colação alguns problemas da Área Metropolitana do Porto.
A Sr.ª Deputada Julieta Sampaio (PS) referiu-se às discriminações entre homens e mulheres ainda existentes na sociedade portuguesa. Depois respondeu a pedidos de esclarecimento da Sr.ª Deputada Maria Lusa Ferreira (PSD).
O Sr. Deputado Gilberto Madail (PSD) abordou algumas das dificuldades que se deparam à criação de novas empresas.
O Sr. Deputado Rui Silva (PRD) alertou a Câmara para algumas medidas restritivas que têm vindo a ser tomadas no sector dos transportes ferroviários.
O Sr. Deputado João Amaral (PCP) criticou a forma como foi atribuído um subsidio a uma colectividade de Sintra.
O Sr. Deputado Mota Torres (PS) teceu considerações sobre o processo de revisão constitucional. No fim, respondeu a protestos e pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Carlos Lélis e Cecília Catarino (PSD).
O Sr. Deputado Roleira Marinho (PSD) salientou a necessidade de restaurar o Mosteiro de Fiães (Melgaço).
O Sr. Deputado Silva Marques (PSD) saudou a Selecção de Portugal de Júniores que disputará, a final do Campeonato do Mundo de Futebol.
A Sr.ª Deputada Edite Estrela (PS) congratulou-se com a realização do I Congresso de Escritores de Língua Portuguesa, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Manuel Mendes (PCP) e Carlos Lélis (PSD).
A Sr.ª Deputada Odete Santos (PCP) condenou a extinção de dez juizes do Tribunal de Trabalho de Lisboa, tendo contraprotestado depois em relação a um protesto do Sr. Deputado Silva Marques (PSD).
O Sr. Deputado Armando Vara (PS) chamou a atenção da Câmara para os problemas de acessibilidade que afectam o Nordeste Transmontano.
A Câmara aprovou o voto n.º 48/V, de congratulação sobre a realização do I Congresso de Escritores de Língua Portuguesa, e o voto n. º 49/V, de saudação à Selecção de Portugal de Júniores que disputará a final do Campeonato do Mundo de Futebol.

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Ordem do dia. - Foi rejeitada a realização do inquérito parlamentar n.º 10/V (PCP), sobre a actuação dos serviços oficiais, designadamente da administração fiscal, intervenientes do processo de aquisição pelo Ministro das Finanças, cidadão Miguel José Ribeiro Cadilhe, de um andar na torre 4 do Edifício Amoreiras, sito em Lisboa. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Capucho), os Srs. Deputados Octávio Teixeira (PCP), Vieira de Castro e Alberto Araújo (PSD), Alberto Martins (PS), Coelho dos Santos e Silva Marques (PSD), Barbosa da Costa (PRD), Luís Filipe Meneses (PSD), António Guterres (PS), Basílio Horta (CDS) e Carlos Brito (PCP).
Entretanto, a Câmara autorizou um Sr. Deputado a depor como testemunha em tribunal.
Procedeu-se à discussão da Ratificação n.º 46/V (PCP) - Decreto-Lei n.º 373/88, de 17 de Outubro, que define a estrutura orgânica da Universidade do Algarve. Intervieram no debate, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior (Alberto Ralha), os Srs. Deputados Carlos Brito (PCP), Mateus de Brito (PSD), Jorge Lemos e António Filipe (PCP), Narana Coissoró (CDS), António Barreto e José Apolinário (PS), Guerreiro Norte e Lalanda Ribeiro (PSD) e Barbosa da Costa (PRD).
A Assembleia aprovou o voto n. º 50/V, de pesar pelo falecimento do escritor brasileiro Aurélio Buarque de Holanda.
Foram ainda aprovados, na generalidade, o projecto de deliberação n.º 35/V (PS) - Elaboração da História do Parlamento Português desde 1820 até hoje e criação de uma comissão eventual com o objectivo de estudar as respectivas condições -, a proposta de lei n. º 81/V - estabelece o regime jurídico da tutela administrativa sobre o poder local -, o projecto de lei n. º 132/V (PCP) - Regulamentação da tutela administrativa sobre as autarquias locais, garantindo a tipicidade e a legalidade das formas do seu exercício e a jurisdicionalização de eventuais medidas sancionatórias - e, em votação final global, a proposta de lei n. º 80/V - Pedido de autorização legislativa em matéria de infracções fiscais aduaneiras e sua punição.

O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 20 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adriano Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Pereira.
António Mário Santos Coimbra.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando Carvalho Guerreiro Cunha.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carla Tato Diogo.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco João Bernardino da Silva.
Germano Silva Domingos.
Gilberto Parca Madail.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Humberto Pires Lopes.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Mendes Bota.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Batista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mary Patrícia Pinheiro Correia e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Rui Gomes da Silva.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Rui Manuel P. Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.

Partido Socialista (PS):
Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.

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António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Miguel Morais Barreto.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Martins do Vale César.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Edmundo Pedro.
Eduardo Luís Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Helder Oliveira dos Santos Filipe.
Jaime José Matos da Gama.
João Barroso Soares.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Rosado Correia.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Florêncio B. Castel Branco.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Torres Couto.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonor Coutinho Pereira Santos.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
Carlos Alfredo do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo Brito.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Fernando Manuel Conceição Gomes.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Rui dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Basílio Adolfo de M. Horta de Franca.
Narana Sinai Coissoró.

Deputados Independentes:

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - O secretário vai dar conta dos requerimentos e diplomas entrados na Mesa.

O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa nas últimas reuniões plenárias os seguintes requerimentos: ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Vidigal Amaro e Poças Santos; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira; a diversos ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Barbosa da Costa; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado António Guterres; ao Governo, formulados pelo Sr. Deputado Carlos Carvalhas; ao Ministério da Educação e ao Governo, formulados pelo Sr. Deputado Jorge Lemos; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado José Puig; ao Governo, formulados pelo Sr. Deputado António Mota; a diversos ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Rui Silva; à Secretaria de Estado da Alimentação, formulados pelo Sr. Deputado Roleira Marinho; a diversos ministérios e à Câmara Municipal de Lisboa formulado pelo Sr. Deputado João Salgado; ao Ministério do Planeamento e da Alimentação do Território, formulado pela Sr.ª Deputada Helena Torres Marques; à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, formulado pelo Sr. Deputado Caio Roque; ao Governo, formulados pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; a diversos ministérios e à Câmara Municipal da Batalha, formulados pela Sr.ª Deputada Maria Santos; ao Ministério da Educação e à Junta de Freguesia de Campanhã formulados pela Sr.ª Deputada Julieta Sampaio.
O Governo respondeu ainda a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Jorge Lemos, na sessão de 24 de Junho; Mendes Bota, na sessão de 3 de Novembro; Álvaro Brasileiro, nas sessões de 8 de Novembro e 14 Dezembro; Guerreiro Norte, no dia 29 de Setembro; José Manuel Mendes, na sessão de 5 de Janeiro; Rogério Brito, na sessão de 6 de Janeiro; António Vairinhos, na sessão de 12 de Janeiro; Basílio Horta, na sessão de 19 de Janeiro; Ilda Figueiredo, na sessão de 27 de Janeiro; José Magalhães, nas sessões de 27 de Janeiro, 2 e 9 de Fevereiro; Pereira da Silva, na sessão de 31 de Janeiro.
Deram ainda entrada na Mesa os seguintes diplomas: os Projectos de Lei n.ºs 358/V, da iniciativa do Sr. Deputado Carlos Brito e outros, do PCP - Estudo do impacto do Mercado Interno Europeu sobre a economia portuguesa -, que foi admitido e baixou à 13.ª Comissão; 359/V, da iniciativa do Sr. Deputado Carlos Lage e outros, do PS - Elevação da povoação de

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Pedroso do Município de Vila Nova de Gaia à categoria de vila -, que foi admitido e baixou à 6.ª Comissão; e, por último o Projecto de Resolução n.º 20/V, apresentado pelo CDS - Para que o Governo, respeitando o Estatuto da Oposição, informe mensalmente a Conferência de Lideres Parlamentares sobre o andamento do processo de integração na CEE -, que também foi admitido.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos para intervir os Srs. Deputados José Manuel Mendes, Barbosa da Costa, Julieta Sampaio, Rui Silva e João Amaral.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs.. Deputados: O processo de tentativa de extinção das Orquestras Sinfónicas da RDP e da constituição de Regie Cooperativa Sinfonia desencadeou, como é do conhecimento público; um forte, diverso e generalizado protesto. Mesmo os mais distraídos puderam ouvir, recentemente, o belo concerto que, junto à escadaria desta Assembleia, deu uma expressão imaginosa e qualificada à luta que os músicos empreenderam em defesa do seu estatuto profissional e, numa vertente complementar, da realização artística, no seu nobre entendimento. Talvez não hajam sido em vão as convocações, ao espaço aberto da rua, de Ruy Coelho, Belioz, Luiz de Freitas Branco. Nem as palavras serenas que apelavam ao diálogo que, em termos concretos, não existe, ou os testemunhos de solidariedade para com aqueles que, de há muito, suportando várias conjunturas de desconforto, mantiveram funcionais, no Porto e em Lisboa, duas das raras entidades a quem devemos, no baço Portugal das precariedades, a música que se vai fazendo.
Há anos que, por inércia, descaso ou má fé, a situação das orquestras se vinha deteriorando; uma visão estritamente economicistica levara já, no âmbito de certas bolsas de influência e do Governo, a considerar irrendíbil, onerosa, desnecessária porventura, a sua existência. E, nessa lógica, associada a comezinhas razões; obstara-se ao preenchimento de vagas, iludidas cote o expediente sistemático do reforço pontual, em função de exigências momentosas, através de recursos a instrumentistas por tarefa. Encontrada a solução da Regie Sinfonia (que nunca mereceu, aliás, o nosso entusiasmo), pretendeu-se assegurar, no mínimo, a preservação dos vínculos laborais e o respeito pela honorabilidade dos executantes. Esse mínimo, porém, foi posto em causa, quer mediante as alterações ao decreto de 1985 quer, nas últimas semanas, pelos procedimentos das tutelas, no que às sinfónicas da RDP se refere.
Com efeito, a imposição de uma avaliação prévia aos músicos que integram os quadros da estação oficial para ingresso na cooperativa em formação, não atende aos requisitos originários, os do Decreto-Lei n.º 434/85, ofende o brio deontológico e a dignidade pessoal de um corpo de trabalho credor de toda a consideração, manifesta-se iníqua, desproporcionada, amesquinhante até. Como aceitar que se sujeitem profissionais de valimento, quantos deles idosos e, decerto, não refeitos do desalento de ver o mundo às avessas quando dele esperariam um gesto não desabrido, a provas cuja estatura degrada, a exames de índole eliminatória, ainda por acréscimo gravados em fita magnética, à revelia do que é a prática? Os critérios para tal concurso são, ademais, de uma completa vaguidade à partida, permeáveis a discriminações e actuações proteccionistas, a injustiças objectivas e grosseiros erros.
Sobra, entretanto, uma questão nevrálgica a de saber, com toda a precisão de contornos, o que pretende o executivo de Cavaco Silva: extinguir, pura e celeremente, as orquestras da RDP? E quem garante, por exemplo, depois desse acto de desoneração do Estado, a sobrevivência e a vitalização de colectivos qualificados para a produção, entre nós; de música sinfónica? É bom não esquecer que, um tanto por toda a Europa em cujo paradigma o PSD procura rever-se, as rádios oficiais detêm orquestras que são, frequentemente, os agentes privilegiados de uma intervenção cultural relevantíssima. O Governo terá que dizer; preto no branco, se cria a Regie Sinfonia para acolher o legado das sinfónicas da RDP ou para, independentemente destas, fomentar novos entes de interpretação musical, mera orquestras de câmara, lucrativos empreendimentos que alijem a vivificação do nosso património. É imperioso que se fale claro, sem subterfúgios nem dilações; e, na consequência, se assumam responsabilidades. Quer a Secretaria de Estado da Cultura, em coordenação com o titular do pelouro dá comunicação social ou em atrito com ele, delegar na estreita iniciativa privada o que o sector público deverá viabilizar? E se, como é evidente, se gerar o deserto onde o que hoje existe se patenteia escasso? Quem irá levar as mãos como o Pilatos da História, e consciente ou inadvertidamente, estimular a anemia que, em todos os domínios da cultura, nos atinge, excepção feita aos êxitos singulares que, na maioria dos casos, nada devem a ninguém?
Ao trazer a Plenário o assunto, o PCP não esgota os seus meios de sindicação, pelo contrário: anuncia, solidarizando-se com os músicos portugueses, que permanecerá vigilante. E que não permitirá que se consume, no harmonioso remanso dos silêncios coniventes, um plano cujos vectores anti-culturais justificam uma inequívoca condenação.

Aplausos do PCP, do PS e do PRD.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Barbosa da Costa, João Corregedor da Fonseca; Carlos Lélis e Edite Estrela.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Deputado José Manuel Mendes, sob a forma de pedido de esclarecimento, quero juntar a minha voz à do Sr. Deputado, relativamente à questão que expôs. É lamentável que tendo sido Portugal dos primeiros, senão o primeiro país a criar uma orquestra sinfónica na sua rádio oficial, seja também dos primeiros, senão o primeiro, a tentar extingui-la.
É grave que assim se faça e se apresentem argumentos sem razão para tentar justificar tal situação. Houve até um responsável que afirmou, concretamente, que as orquestras sinfónicas não tinham qualidade, porque a alguns dos seus concertos assistem apenas cerca de 400 ou 500 pessoas.
Desertificam-se as orquestras sinfónicas, não são completados os quadros, morrem os músicos ou abandonam as funções e não são colocados novos músicos para completar os naipes das orquestras.
Necessariamente, essa situação vai reflectir-se na qualidade das orquestras, mas estou absolutamente certo.

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de que, apesar de todas essas contingências, não são os músicos estrangeiros que serão capazes de avaliar os músicos portugueses para eventualmente virem a integrar novas orquestras.
Por outro lado, surgem também graves problemas a montante desta situação, problemas que têm a ver com o facto de o ensino da música em Portugal e os apoios dados aos músicos serem cada vez mais escassos, mais selectivos, menos condizentes com a realidade. Com essa situação, necessariamente, a vida das orquestras também vai ressentir-se.
Quero afirmar mais uma vez que estamos plenamente de acordo com a posição expressa pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes e esperamos que o Governo tenha o bom senso de arrepiar caminho nesta matéria.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Deputado José Manuel Mendes, é evidente que a sua intervenção tem todo o meu apoio. Na minha opinião, tudo o que está a passar-se em Portugal é uma questão cultural - de cultura ou de anticultura - e, na minha opinião, o Governo vê também a cultura com um cifrão nos olhos. É tudo uma questão de dinheiro, de economicismo: vê-se a cultura como quem vende sabonetes ou sabões.
Quando temos uma secretária de Estado que declara publicamente não gostar de teatro e, como todos nós sabemos, corta subsídios a grupos independentes de teatro em todo o País, vale tudo, podemos esperar tudo.
Ainda há dias assisti a mais uma manifestação de solidariedade para com a orquestra sinfónica de Lisboa, no Teatro de São Luís e, a propósito da sua intervenção, pergunto-lhe como classifica o Sr. Deputado a actuação da Câmara Municipal de Lisboa, que pretende retirar imediatamente à Orquestra Sinfónica de Lisboa a possibilidade de utilizar as suas instalações, quer para ensaiar quer para efectuar os seus concertos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lélis.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Embora regimentalmente só possa pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado José Manuel Mendes - e não ouvi toda a sua intervenção, pois acabara de entrar -, irei fazer uma pequeníssima intervenção.
De facto, parece-me ter ouvido o suficiente para dizer-lhe, Sr. Deputado José Manuel Mendes, que me prezo de ter ouvido - musical, entenda-se!... - e que me prezo de saber ouvir - de saber ouvir razões, entenda-se!
Ouvimos há dias, em frente a esta Assembleia, uma manifestação que se revestiu de imensa dignidade e creio que, com lucidez, para além do aproveitamento que se possa fazer dos aspectos de protesto que essa manifestação continha, se pôde verificar que naquela posição houve também uma diferença de manifestações, houve imaginação no tipo de protesto que calou bem fundo.
Tive oportunidade de dizer a amigos desta Casa - e espero contá-los nas várias bancadas - que aquela manifestação, com a dignidade de que se revestiu e com a forma não «comiceira» como se apresentou, valeu bem mais do que 10 mil pessoas descendo a rua de São Bento com cartazes e palavras de ordem.
Penso que essa imaginação e o direito de protesto em relação às medidas que não agradam correspondem um pouco ao conceito que temos da liberdade, que é bem precisa, mas é necessário saber o que fazer com ela.
A intervenção do Sr. Deputado José Manuel Mendes insere-se, sobretudo, na circunstância de não estar em funcionamento uma Subcomissão Permanente de Cultura que dê os seus frutos, de tipo talvez discreto, mas que faria sobretudo, subir a este Plenário as posições de uma foram colegial e não de uma forma que à partida e pela foram regimental como é feita, fica subscrita como partidária.
Penso, aliás, Sr. Deputado José Manuel Mendes e outros Srs. Deputados que também intervieram sobre esta matéria, que é demasiado simplista e, portanto, redutor, dividir as pessoas em «bons e maus», em índios e cowboys, nos que gostam e nos que não sabem sequer gostar.
O que penso é que se tem de considerar também que todas as medidas, sejam elas quais forem, feitas no plano legal podem gerar - e os Srs. Deputados, como produtores de projectos de lei e de outras iniciativas, bem sabem que assim é - efeitos perversos que podem ser corrigidos.
Como o tempo que me é concedido não é muito para pedir esclarecimentos, diria que a maior diferença entre a posição da vossa bancada e a minha nesta matéria, é que os senhores «exigem» que a Sr.ª Secretária de Estado da Cultura dê explicações e nós «pedimos-lhe» que dê explicações.
Essa diferença e a consubstanciação dessa diferença está já marcada para o próximo dia 8 (não me ocorre de momento a hora, mas isso parece-me menos relevante).

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Também serve!

O Orador: - Talvez nessa altura possamos ver que, em consonância de interesses, a «música é outra» sem que haja outros orquestradores.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Há razões que às vezes a própria razão, não discutida e apresentada, desconhece.
Por isso peço que nessa matéria e dada a previsão, marcação e certeza desse encontro, haja, por enquanto, o benefício da dúvida acerca da não perversão das intenções de suprimir uma orquestra sinfónica em Portugal.
Avanço, por minha conta e risco, que sou pela acção supletiva do Estado, sobretudo em sectores que a iniciativa normalmente não cobre. Que o «menos Estado para melhor Estado» não represente um Estado que não cubra e não tenha uma função supletiva.
Mas como regimentalmente tenho de fazer, uma pergunta ao Sr. Deputado e o que acabei de fazer foi uma pequeníssima e atrapalhada intervenção de momento, quero pedir-lhe, Sr. Deputado José Manuel Mendes, que nos dê o benefício da dúvida. Pode ser?

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra; a Sr.ª Deputada Edite Estrela.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados: Há dias assistimos, frente a esta Casa, a um belo momento cultural a música veio para a rua! Foi bonito de se ver! Houve melodia, houve poesia, houve solidariedade.
Declaro á partida que não sou xenófoba, mas também não sou xenófila; prefiro tudo o que é português, valorizo o que é nosso e não fico pasmada perante o que é estrangeiro, só porque não é nosso e vem de fora.
Por isso não considero, não posso considerar que os músicos estrangeiros, só porque são estrangeiros, são melhores do que os nossos músicos.
Se as orquestras estatais não têm, neste momento, a qualidade que todos nós desejaríamos, a culpa não lhes pode ser imputada mas, sim, a quem tem o poder para ir solucionando, caso a caso, para ir colmatando as falhas que se vão sentindo e não o faz.
Por isso nós, Partido Socialista, apoiamos e estamos solidários com as reivindicações das orquestras estatais. Pensamos que o problema tem de ser resolvido a curto prazo e que se deve dignificar a música e os músicos portugueses.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder; tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: A gestão dos escassíssimos tempos da minha bancada não me permite responder às questões formuladas, que agradeço.
Sublinho, entretanto, o reforço de uma ideia fundamental, a da preservação das orquestras sinfónicas, qualquer que seja o seu estatuto, na defesa da dignidade profissional dos instrumentistas que a realizam. É esta uma demonstração inequívoca de que o Governo, até ao presente; vai por um caminho incorrecto e de que importa congregar os máximos esforços possíveis no sentido de o deter e fazer mudar de rumo. Exige-o a música portuguesa do passado e do futuro, a música portuguesa de sempre, aliás, aquela- que em boa verdade nos ajuda a gostar de viver!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontra-se entre nós, acompanhado pelos seus professores, um grupo de alunos do «Colégio Rainha Santa 15abel», de Coimbra para quem peço a vossa saudação.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Algo vai mal na política do Governo relativamente à área metropolitana do Porto, pois foi possível juntar nove representantes das câmaras, quatro da presidência do PS, três do PSD e duas do CDS que afirmaram, unanimamente, que o Governo discrimina uma vasta comunidade composta por cerca de um milhão e meio de habitantes e que, justamente se considera como a verdadeira região capital do trabalho e da produção.
Problemas de mais variada índole, constituem o vasto elenco apresentado pelos autarcas e que tiveram eco unanimamente alargado na comunicação social.
Afirma-se concretamente que se assiste ao desvio inaceitável de fundos determinados para obras na área metropolitana quando há já uma clara discriminação à partida em relação a Lisboa, pois não existem infra-estruturas e serviços que desde há muito servem a capital, nomeadamente metropolitano, gás ao domicilio e viadutos.
Questões conexas com a rede ferro-rodoviária preocupam sobremaneira os habitantes da região.
Assim estranha-se o manifesto atraso na construção da ponte ferroviária sobre o Douro, a não electrificação da linha mais rentável da CP (Porto-Póvoa), bem como á não edificação da via dupla.
Surpresa e estupefacção são os termos usados pelos eleitos locais relativamente ao facto da ponte rodoviária do Freixo já não estar incluída nas prioridades do Governo.
Quem vive na região e tem que atravessar o Rio Douro sabe bem do autêntico calvário, que constitui essa travessia não só nas horas de ponta mas já em qualquer momento do dia.
O problema do atraso na construção da variante da EN 103 entre Miramar e Maceda, que tem especial gravidade na zona da Granja (Vila Nova de Gaia) onde já se verificaram várias mortes, foi também abordado, com veemência, na reunião dos autarcas.
As reclamações relativas à rede rodoviária não se ficaram por aqui, pois as inúmeras obras a cargo da junta autónoma foram lembradas face à sua urgente necessidade, nomeadamente a variante à EN 13, o IP 4 entre o nó de Águas Santas e o porto de Leixões.
Problemas do ambiente foram também abordados, tais como, questões graves de poluição, designadamente no Rio Leça e outros cursos de água, para além da orla marítima e que estão nas legítimas preocupações dos autarcas.
Aspectos não menos importantes como a tutela inspectiva e a falta de vontade da EDP em dialogar, bem como os horários da Função Pública, que tanto tem preocupado os autarcas, não deixaram de ser considerados, apresentando-se fortes, justas e azedas criticas ao Poder Central que só agora institucionalizou o Conselho Coordenador da Área Metropolitana do Porto.
Esta medida foi considerada tardia e lacunar, já que o diploma do Governo não estabeleceu critérios legais tendo os autarcas acordado em constitui-lo por técnicos municipais e da Comissão de Coordenação da Região Norte, cabendo naturalmente as decisões políticas ao conselho coordenador.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Alguma esperança nasceu no espirito dos habitantes do grande Porto, quando viu no elenco governamental elementos oriundos da região.
Certamente que tal espirito não residia no desejo de obtenção de situações de favor, mas tão só na expectativa de que um melhor conhecimento da realidade fosse razão, suficiente, para uma sensibilização diferente face aos problemas.
Mas pelos vistos, os ares desta capital onde desembocam, desde sempre, muitas e desvairadas gentes, têm

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o nefasto condão de alterar posturas políticas que se julgavam inalteráveis.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não se julgue levianamente que as comunidades continuam a aceitar placidamente a discriminação permanente.
É tempo de mudar de rumo e considerar o País como um todo onde os seus habitantes sejam considerados com os mesmos direitos já que lhes impõem os mesmos deveres.
Não se pode continuar com investimentos vultuosos na zona de Lisboa, esquecendo tudo o mais, em claro desrespeito por princípios elementares.
A posição dos eleitos locais das Câmaras Municipais do Porto, Gaia, Vila do Conde, Valongo, Gondomar, Maia, Póvoa do Varzim, Espinho não pode ser entendida como manifestação inserida no contexto da proximidade dos actos eleitorais, mas como reflexo crescente do mal-estar das populações que de formas diversas, tem manifestado a marginalização de que têm sido vítimas.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Julieta Sampaio.

A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos os cidadãos qualquer que seja a sua origem familiar, social e étnica têm um direito igual de desenvolver ao máximo a sua personalidade. Não deveriam idealmente encontrar outras limitações que não sejam as suas aptidões.
O ensino deve oferecer a todos iguais possibilidades de desenvolvimento e abrir a todos o acesso à cultura. O princípio da justiça na escola pela não discriminação no acesso, colocará cada um no lugar que lhe possibilite multiplicar as suas aptidões em benefício do bem comum. A diversificação de funções será comandada não pela fortuna ou classe social, mas pela capacidade e pelo mérito. A educação deve promover e não seleccionar.
Tudo está dito em matéria de igualdade de oportunidades, mas muito está por fazer. A filosofia humanista da igualdade que inspirou muitas reformas no ensino tem conhecido alguns avanços e muitos retrocessos. A Constituição Portuguesa reconhece o direito à educação gratuita e obrigatória, acesso aos ensinos superiores aberto, em plena igualdade a todos.
Esta afirmação é feita pela nossa lei fundamental, e reconhecida pelos que desejam a democratização do ensino, e dar às crianças de todas as origens, oportunidades iguais de acesso à cultura, ao conhecimento e às competências.
Em Portugal foram possíveis depois de 1974 algumas mudanças positivas em relação à igualdade de oportunidades na educação.
Acabou-se o «apartheid» do sexo nas escolas, acabando com tabus que quase sempre influenciavam negativamente a formação do educando. Foi-se desenvolvendo, embora com alguma lentidão, a diversificação das escolhas profissionais, deixando a escola de considerar profissões masculinas ou femininas.
Mas será isto suficiente?
O sistema educativo deve ter em atenção prioritária o combate às desigualdades sociais, e entre elas, as que se produzem em razão do sexo por violarem a nossa
lei Constitucional, e não só por razão legal e constitucional, também e sobretudo no imperativo moral e humanista.
A educação, em conjunto, dos rapazes e das raparigas constitui, em si mesmo, um importante elemento corrector das desigualdades em função do sexo, pois que contribui para fomentar um melhor conhecimento e diálogo entre as crianças e os adolescentes de ambos os sexos, e como consequência, favorecer a igualdade. Parte do problema do tratamento desigual dos rapazes e raparigas está no sistema educativo, de que ainda não se extraíram os muitos casos que confirmam os estereótipos da descriminação sexual vigente na sociedade, que em vez de os eliminar, os confirma.
A política educativa para a igualdade entre os sexos deve ter como objectivo central, o desenvolvimento da coeducação, fomentando uma igualdade dentro da prática escolar, que permita preparar os alunos e as alunas para assumirem responsabilidades, tanto na vida pública como na vida privada, e possibilite a ambos uma inserção menos conflituosa na vida laborai e doméstica.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O sistema educativo vigente, parece ainda distinguir profissões masculinas e femininas, e a comprová-lo está o número inferior de raparigas no acesso às carreiras científicas e tecnológicas. Esta diferenciação no interior do sistema educativo confirma certos tradicionalismos, com a consequente descriminação em prejuízo da mulher.
No entanto, nem todas as desigualdades, que existem no sistema educativo, têm a sua origem no próprio sistema. Muitas delas têm origem na sociedade em geral, e de maneira mais concreta na imagem cultural transmitida pela comunicação.
Estes, são para a causa da igualdade na educação, a distorção da imagem da mulher, em vez de arbitrarem medidas de carácter cultural que modifiquem a imagem que da mulher é por vezes dada pela publicidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: São impossíveis nos nossos dias as políticas a favor da igualdade na educação e na cultura, que não se concretizarão se não assentarem em cinco objectivos básicos: combater os estereótipos e sexistas no material didáctico e nos programas; fomentar o diálogo entre os professores e as professoras pela sensibilização na formação inicial e contínua; garantir as igualdades de oportunidades para os rapazes e as raparigas no acesso a todas as formas de ensino, e a todos os tipos de formação, com o fim de possibilitar que todos possam desenvolver as suas aptidões; adaptar a educação permanente às necessidades específicas das jovens e das mulheres; defender nos media uma imagem de mulher não descriminatória, não estereotipada, e não degradante.
Os estereótipos podem ser transmitidos nos textos, no material didáctico, na linguagem verbal ou gráfica, e com frequência são implícitos, mais que explícitos, e passam inadvertidamente. Um exemplo muito simples pode ser um problema de matemática, onde aparece o homem resolvendo questões tecnológicas, e a mulher fazendo compras no mercado. Por outro lado, as áreas curriculares seguem tendo o homem como centro de tudo, impedindo um conhecimento global da realidade passada e presente das mulheres, dificultando às jovens a identidade com modelos femininos não tradicionais.

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Ao Ministério da Educação, Ciência e Cultura cabe a obrigação de elaborar critérios que eliminem no material didáctico aspectos discriminatórios, sendo esses extensivos a áreas disciplinares como ciências sociais, história, ciências físicas e matemática.
A actividade física e desportiva merece uma reflexão especial, reconhecendo-se que em Portugal esta é deficiente no contexto do sistema educativo. Estudos já realizados noutros países da Europa confirmam a necessidade de as classes de educação física serem mistas, interessando uns e outros igualmente na prática do desporto.
Uma educação integral e igualitária que desenvolva todas as potencialidades da pessoa, não se fará se os rapazes e as raparigas não receberem uma formação suficiente, que lhes permita o desenvolvimento da sua personalidade, sem traumas, nem tabus, e lhes possibilite relações afectivas e sexuais sem conflitos.
Estas medidas são de carácter urgente face aos graves problemas enfrentados pelos jovens, que os levam, por vezes, à marginalidade da vida. Aos conselhos directivos caberá assegurar as relações com os educandos, e a participação dos pais, e o ministério deve assegurar a reciclagem dos professores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A educação mista dos jovens é uni marco importante para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, sem a necessidade de medidas positivas pára a igualdade. A criação, por leis, destas para garantirem a não discriminação, não é, só por si, suficiente.
Sem modificações profundas na sociedade, iniciadas a partir da escola, não é possível transformar comportamentos, atitudes, formas de vida è estruturas sociais, que impedem a mulher de livremente desenvolver a sua personalidade na vida activa, cultural e política.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando por toda a Europa se está, cada vez mais, atento aos problemas da igualdade, pergunto, o que é que se tem feito em
Portugal?
Que política do Governo e do PSD sobre a eliminação de toda a forma de discriminação, e qual a sua estratégia a médio e longo prazo.
Que fez o Governo de Cavaco Silva para dar cumprimento as diferentes directivas, aceites por todos os governos membros da Comunidade, para garantir princípios de igualdade, na escola, no trabalho, e em todos os sectores da vida pública, social, cultural e económica?
Uma medida negativa é de todos conhecida. O PSD propõe e vota a extinção da Comissão Parlamentar da Condição Feminina, e mais grave do que extingui-la é a ausência de alternativa.
Somos o único país que extingue uma comissão com esta especificidade, enquanto que por toda a Europa se assiste a um multiplicar de iniciativas.
O Governo português assina, no âmbito dó Parlamento Europeu uma recomendação aos países membros, para rapidamente implementarem um plano para a igualdade, que abranja todas as áreas onde a igualdade de oportunidades é mais sentida, especificamente na educação, saúde,. emprego e situação da mulher nas prisões.
Sr. Presidente, Srs.. Deputados: Se é reconhecido que todos devem ter os mesmos direitos e oportunidades para se educar, trabalhar; formar uma família e participar nas decisões políticas, graças ao desenvolvimento dos princípios democráticos, de justiça, liberdade e igualdade, porque esperamos para a urgente implementação de medidas?
Cada ano que passa são gerações que se perdem.
Este Governo e este PSD mostram, assim, não tem nada a dar aos portugueses para à sociedade justa e fraterna do amanhã.
Não nos limitamos a abrir o debate, pretendemos soluções concretas; pelo que entregamos na Mesa uma «proposta de resolução» que visa a formação de uma comissão, que em colaboração com a Comissão da Condição Feminina; Direcções-Gerais dos ensinos superior, secundário e básico, elabore um «livro branco» sobre as discriminações existentes entre homens e mulheres na sociedade portuguesa, que geram desigualdade de oportunidades, que sirva de fundamento para as acções do Governo, e que permita à Assembleia da República acompanhar as acções previstas e avaliar os seus resultados.

Aplausos, do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Informo a Câmara de que deu entrada na Mesa um voto de congratulação apresentado por todos os grupos parlamentares presentes, é
que, conforme está acordado, votaremos mais tarde sem ter necessidade de discussão.
Para pedir esclarecimentos, tem á palavra a Sr.ª Deputada Maria Luísa Ferreira.

A Sr.ª Maria Luísa Ferreira (PSD): - Sr.ª Deputada Julieta Sampaio, regozijo-me e cumprimento V. Ex.ª por ter trazido mais uma reflexão sobre a situação « de facto» da mulher em Portugal, a esta Câmara, que se honra por já ter introduzido na lei fundamental do País o reconhecimento da igualdade de direitos, liberdades, garantias e oportunidades entre todos os cidadãos portugueses sem quaisquer discriminações, incluindo a do sexo.
O problema que aflige a mulher portuguesa baseia-se, como V. Ex.ª sabe, numa autêntica questão cultural que, exige uma mudança de mentalidades e uma alteração de comportamentos da sociedade portuguesa.
V. Ex.ª fala no ensino e na igualdade de oportunidades. Mas, hoje, em dia, cada vez mais, se verifica a inscrição de raparigas em cursos de cariz tecnológico e científico, facto que irá certamente alterar no futuro a preferência dos homens no campo da profissionalização.
Numa sociedade em vias de desenvolvimento, como é a nossa; com um tecido empresarial, ainda frágil e com os problemas que ainda se reflectem na cultura no nosso país, é natural que recaia sobre a mulher o ónus de se ver preterida no acesso a uma profissão, especialmente nas zonas do País onde há ainda escasso emprego.
Entretanto; com o surto de progresso que acontece em Portugal com uma economia em ritmo acelerado de desenvolvimento não considera V. Ex.ª que essa mudança irá ter reflexos importantes na cada vez maior, ocupação de mão-de-obra feminina com a consequente realização integral da mulher?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Julieta Sampaio.

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A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Sr.ª Deputada Maria Luísa Ferreira, agradeço-lhe muito as palavras que me dirigiu e queria dizer-lhe que concordo, em muito, com aquilo que a Sr.ª Deputada disse.
E aquilo que a Sr.ª Deputada disse é que me levanta muitas preocupações. É verdade que, nesta sociedade de ritmo acelerado que temos, tenho algumas preocupações (para não dizer muitas) sobre o que vai ser o futuro da mulher na Europa de 1992. Sr.ª Deputada, já pensou nos gravíssimos problemas que vão pôr-se no nosso país em relação às questões familiares quando começar na Europa o livre trânsito de pessoas e bens?
Com a mentalidade portuguesa de ainda ser unicamente a mãe a responsável pela família, ou seja, pela criação e educação dos seus filhos, a Sr.ª Deputada já pensou que será o homem que vai ter a liberdade de procurar a Europa e a mulher terá de ficar em Portugal para cuidar da educação e da criação dos filhos ainda que tenha iguais competências para o fazer?
Sr.ª Deputada, já pensou que poderão ficar famílias abandonadas? Que medidas é que se vão tomar no nosso país para poder resolver esses problemas? Será que o homem português já estará preparado para, também ele próprio, deixar ir a sua mulher à procura da Europa e ficar ele a cuidar e a criar os seus filhos? É esta reflexão que deixo a esta Câmara.

Aplausos do PS e protestos de alguns deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Gilberto Madail.

O Sr. Gilberto Madail (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem o Governo vindo - e coerentemente - a estimular a modernização da economia portuguesa em todas as suas vertentes tendo em vista o difícil horizonte de 1992. Tal espaço passa também e sem dúvida pela capacidade de iniciativa e de empreendimento do sector privado, verdadeiro motor impulsionador de toda a vida económica dentro do quadro de actuação balizado pelos limites de intervenção desse mesmo sector.
E se o princípio adoptado de construção de «um melhor Estado e de menos Estado» significa uma clara vontade não intervencionista em sectores económicos específicos, não tem por outro lado havido alheamento do Governo em aspectos fundamentais e complementares da modernização da economia portuguesa tais como seja o de procurar uma racionalização e desburocratização da nossa administração pública.
Assume, pois, neste quadro especial relevância a simplificação de processos administrativos tendentes à constituição de novas sociedades comerciais, cujo ritmo de crescimento tem traduzido a notável recuperação económica do País nos últimos anos.
Daí que o Governo, consciente deste aspecto se tenha proposto «suprimir as dificuldades que entravam inexplicavelmente a vida económica designadamente na constituição de novas sociedades, e que constituem encargos injustificados para os cidadãos».
Reconhece assim a existência neste domínio de dificuldades de diversa ordem que urge resolver - o que foi já aliás iniciado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A constituição de novas sociedades comerciais é para além de mais um sintoma de vitalidade económica (cerca de um milhão de registos em 1987) que importa apoiar, pela desburocratização e simplificação de processos tendentes a evitar gastos e perdas de tempo inúteis; importará então, ainda que sucintamente analizar o «trajecto crítico» que qualquer empresário tem que percorrer quando pretende constituir uma nova empresa.
Após a elaboração do imprescindível estudo de viabilidade económica, ter-se-á que proceder às seguintes formalidades: solicitar (através da conservatória local) um certificado de admissibilidade e de denominação ao Registo Nacional de Pessoa Colectiva, a fim de ser verificado o chamado princípio da novidade ou exclusividade - segundo o qual não podem existir na mesma área geográfica e de actividade duas firmas iguais ou susceptíveis de confusão, e o princípio da verdade da firma - que estabelece a necessidade de coincidência da firma com o seu objectivo social.
De salientar que, por não existirem ao nível distrital quaisquer elementos informativos disponíveis, esta acção, na província, demora pelo menos duas a três semanas, isto apesar da boa organização e eficiência do Registo Nacional de Pessoa Colectiva.
Mas, se o pedido inicial não vier a ser aceite, então todo o processo terá que ser repetido com o correspondente alargamento temporal.
Seguidamente, na posse do referido certificado, poderá então ser obtido o cartão provisório de identificação de pessoa colectiva a fim de ser dado seguimento ao processo, e onde é atribuída a classificação de actividade económica da nova empresa.
Cerca de duas semanas é o tempo necessário também para este efeito.
Seguidamente, e através da repartição de finanças local, é requerido o certificado de início de actividade e o registo para efeitos de IVA, que nesta área é concedido de imediato.
Paralelamente deve também ser efectuado na Caixa Geral de Depósitos e só nesta o depósito correspondente ao capital social da empresa.
No prazo de validade do certificado de admissibilidade deverá ser celebrada a escritura pública do contrato de sociedade, o que tendo em conta a carga permanente dos serviços notariais, necessitará de pelo menos duas semanas, na melhor das hipóteses.
A publicação do pacto social no Diário da República e num jornal da área da sede o registo definitivo na conservatória do registo comercial, a obtenção do cartão definitivo de pessoa colectiva e ainda a inscrição no cadastro comercial são ainda outras tantas diligências a efectuar e que completam finalmente o difícil processo de formação de uma empresa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se a toda esta tramitação juntarmos ainda o conjunto de certificados, cópias de actas autenticadas e outros documentos necessários ao contrato de arrendamento (se for caso disso), a ligação de telefones, de telex, de água e luz, facilmente se poderá concluir que, para além das diversas entidades envolvidas, serão necessários pelo menos dois meses entre o início e o final do processo de constituição de uma sociedade e do seu real início de actividade.
Mas o que dizer ainda do difícil e complicado processo de levantamento na Caixa Geral de Depósitos do capital inicialmente depositado?

É que após a celebração da escritura e se tal não constar no pacto social, é necessária uma assembleia

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geral de sócios só para este efeito, bem como a apresentação de documentos diversos e ainda o preenchimento de formulários, para «justificar» as razões pelas quais pretende a sociedade levantar o seu dinheiro...
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mau grado a adopção de alguns e importantes diplomas como sejam o próprio código das sociedades, o Decreto-Lei n.º 38/85 e recentemente o Decreto-Lei n.º 42/89 que permitem não só garantir a existência de um interlocutor único como também promover a simplificação de formalidades, constata-se contudo a necessidade de novas medidas complementares que assegureis aos nossos empresários uma maior desburocratização do processo e basicamente permitam aproximar no tempo o momento dá decisão de criar uma nova sociedade e o da sua entrada em funcionamento.
Talvez que a criação de um novo organismo (ou aproveitamento de qualquer estrutura existente) devidamente descentralizado ao nível distrital, e que coordenasse e aglutinasse todo este processo, fosse, em nossa opinião uma forma de se evitar os tais gastos e perdas de tempo inúteis em diversas repartições públicas e que tanto custam ao pais é aos cidadãos...
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na sequência da brilhante e lúcida intervenção aqui produzida por S.ª Ex.ª o Sr. Primeiro-Ministro no debate sobre o Mercado único Europeu, está de facto, a economia nacional a sofrer profundas e claras transformações requeridas pela Europa de 1992. E é dentro deste contexto que também a modernização da administração pública e o apoio que nesta área carecem os empresários, industriais e comerciantes portugueses se impõe e não deixará, estamos certos, de ser tomada em consideração pelo Governo na sequência, aliás, das iniciativas a que acima nos referimos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há necessidades e condições mínimas que não podem compadecer-se com a visão estreita que conduz à prevalência do cifrão. É incontestável que toda e qualquer programação deverá basear-se em elementos quantitativos sob pena de se cair em situações irresponsáveis de que, mais tarde ou mais cedo, poderemos vir a ser vitimas.
Todavia, não sé pode potenciar de forma fria e calculista, a componente financeira sem esquecimento e desprezo total pela realidade envolvente.
Se a rentabilização correcta dos recursos disponíveis é um fim a perseguir não é menos certo que se devem ponderar seriamente os custos sociais que uma tal política poderá criar. Infelizmente a política dó Governo, em vários domínios que vão da saúde à educação, passando por outros de importância não menos considerável tem-se pautado por uma valorização excessiva da rentabilidade económica. Está também neste caso a política relativa aos transportes ferroviários.
Desde a supressão de encurtamento de percursos à eliminação pura e simples de serviços de várias linhas, passando pela suspensão de despachos de mercadorias em várias zonas tudo tem sido feito para tornar mais dura a deslocação e transporte de pessoas e bens, sobretudo nas zonas mais desfavorecidas do País e com graves consequências para a economia local.
Recordaria aqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que está em vista o encerramento pela CP de um apeadeiro na vila de Óbidos, uma vila típica portuguesa com características turísticas muito importantes. O encerramento desta via poderá torna-la completamente obsoleta em relação ao desenvolvimento que tem vindo a verificar-se nos últimos anos mediante um esforço da autarquia local.
Também recentemente foi anunciado pela CP o encerramento de mais cinco estações na zona de Odemira, no Alentejo. Também aqui as populações irão ser prejudicadas e o acesso aos centros urbanos poderá ser altamente prejudicado.
Dessa situação têm chegado ecos de várias regiões, numa manifestação revoltada, a que se têm associado eleitos e forças vivas locais.
Não se pode falar, a bem da verdade, na tentativa de instrumentalização de forças públicas e sociais adversas ao Governo mas não só no desabafo e protesto mais ou menos pacífico das populações que se vêem com evidente desconforto, desapossadas de serviços já de si insuficientes e precários. É que, as alternativas oferecidas não correspondem, de forma alguma, às promessas propaladas, antes fazem agravar as assimetrias já existentes.
Nada do que existe, estará ultrapassado se for conveniente e atempadamente substituído o que, de facto não está a acontecer.
Temos consciência de que há que reformular com urgência e eficácia, a nossa rede ferroviária de forma a se proceder a uma ligação e integração correcta na Europa.
Contudo não se pode; subestimando interesses legítimos nas comunidades avançar friamente com soluções que não têm, em conta realidades humanas concretas e que positivamente colidiram direitos inalienáveis que nenhum planeamento por mais programado e elaborado que se afirme.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Urge rever os critérios que têm presidido às acções que têm sido empreendidas que, talvez com intenções respeitáveis não têm em conta o Homero na situação concreta em que nasceu e vive.
Esperamos, que o Governo, através do Ministério da Tutela reformule rapidamente a sua política no sector para que, no respeito pelas pessoas se evite o desencadear de acções que a ninguém e ao país aproveitam.

Entretanto, assumiu a, presidência a Sr.ª Vice-Presidente Manuela Aguiar.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputado: Vou ser breve e sucinto. Á questão que vou abordar e, aliás, muito oportuna hoje, dia da apreciação de um inquérito parlamentar.
Tomei conhecimento de um ofício que é dirigido a uma colectividade e que diz o seguinte, a certa altura: «Vimos informar desta forma VV. Ex.ªs de que se encontra a pagamento o subsídio atribuído a essa colectividade aquando da visita do Sr. Governador Civil

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(...), pelo que deverão dirigir-se à Câmara Municipal, a fim de levantar o cheque, munidos do correspondente recibo».
O busilis é este: quem é que pensam os Srs. Deputados que é esta «entidade» que tão diligentemente se encarrega de comunicar a esta colectividade a concessão deste subsídio que é pago à custa do Orçamento de Estado? Se pensam que é o Governo Civil ou a Câmara estão enganados!
Quem fez esta comunicação é, de facto, um Sr. Presidente, mas é o Sr. Presidente da Comissão Política da Secção de Sintra do Partido Social-Democrata, do PSD!!
Temos assim, mais uma vez demonstrada a utilização partidária, pelo PSD, da actividade e dos meios financeiros do Estado.
Partidária e eleitoralista já que este subsídio foi concedido por ocasião de eleições intercalares e em pleno período eleitoral.
O Sr. Presidente da Secção de Sintra do PSD acaba o ofício com um apelo ao progresso de Sintra..., e ao progresso do PSD de Sintra. O Sr. Presidente da Secção, não se esqueça!
Isto é ou não a expressão quotidiana e assumida do «Estado laranja».

Aplausos do PCP, do PS e do PRD.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Torres.

O Sr. Mota Torres (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Quem há cerca de dois anos ouvisse os comentários, as ideias, as propostas e todo o tipo de declarações respeitantes à revisão constitucional que se aproximava, por força dos poderes constituintes que esta Assembleia teria, por parte de dirigentes e militantes do PSD na Região Autónoma da Madeira, ficaria com a convicção de que o PSD iria tomar a peito este empreendimento e contribuir para encontrar as soluções mais consensuais para muitas das pertinentes reivindicações que se mantêm em termos de autonomia regional, na lógica da sua consagração constitucional. Habituados a pôr a dispor, a aprovar e a rejeitar, a confundir partido com Governo, Governo com Assembleia e esta de novo com o partido, irremediavelmente alérgicos às propostas da Oposição, tudo isto em claro abuso de um poder democrático - apenas porque democraticamente conferido - terá determinado a ideia de que também poderiam proceder sós, à revisão da Constituição da República Portuguesa, pelo menos no normativo correspondente às regiões autónomas.
Entretanto, sempre que tinha oportunidade, o Partido Socialista, pela boca dos seus dirigentes ou dos candidatos às eleições legislativas que então se aproximavam, reafirmava a sua disponibilidade para com outras forças políticas, nomeadamente com o PSD, tentar encontrar uma proposta de consenso, defensável no quadro da revisão global da Constituição e que significasse, com toda a dignidade, a afirmação inequívoca das autonomias perante elas próprias e perante o País no seu conjunto.
Para que se não esquecessem os senhores do PSD, sempre íamos dizendo da necessidade dos dois terços dos deputados para concretizar tão aliciante aspiração.
O PSD na Madeira, alheio a todas estas observações, autista no seu comportamento, preparava-se para
apresentar as suas próprias propostas. Não ouviu, não dialogou, não negociou, não conversou. Acima de tudo, havia que cumprir os desígnios do interesse partidário, e esses impunham que ficasse a ideia de que as suas propostas, as do PSD, eram as mais autonomistas e o PSD, ele próprio e por consequência, o mais autonomista.
O PSD, conclui-se, não preparou seriamente um conjunto de propostas a serem analisadas em sede de revisão constitucional. Cumprir o cerimonial de, com elas, desenterrar o «machado de guerra» e desenvolver assim, meticulosamente, uma estratégia de confronto com a Assembleia da República que, ao que parece, lhes é política e eleitoralmente rentável.
Ainda assim, o PS propôs na Assembleia Regional da Madeira a criação de uma comissão eventual para acompanhamento do processo de revisão constitucional, o que o PSD liminarmente rejeitou. Apresentou o seu próprio projecto de resolução sobre a matéria, convencido ainda que o interesse da Madeira e da autonomia era rever a Constituição... As decisões estavam tomadas, nada havia a fazer. Eram eles e só eles o processo, era deles e só deles o oculto objectivo, era sua propriedade o projecto de revisão constitucional que os deputados do PSD eleitos na Madeira depositaram na Mesa da Assembleia da República.
Num instante, e sem que nada o fizesse prever, começam a aparecer na comunicação social críticas à forma como estava a ser conduzido todo o processo. O presidente da Comissão Política Regional do PSD afirma que o seu partido não tem coragem de acabar com o «Estado socialista»; as forças políticas que não perfilham os pontos de vista do PSD são declarados inimigos da autonomia e da Madeira; os órgãos de soberania, nomeadamente a Assembleia da República, são acusados de prejudicar os interesses da região; quem discorda representa o colonialismo do continente. Enfim, ainda que fosse necessário não conseguiria reproduzir este inesgotável rol de acusações quase diárias, que refiro apenas para ilustrar o clima criado em torno de uma questão que, se tem culpados, eles são iniludivelmente os responsáveis políticos do PSD na Madeira.
Tentando puxar a discussão para o seu lugar certo, o PS na Assembleia Regional, teimosamente, propõe que uma delegação desta tenha um encontro de trabalho com a Comissão de Revisão Constitucional nesta Assembleia. O PSD, finalmente, aprova a ideia, mas introduz logo uma alteração na composição da delegação: deve ser da Assembleia e do Governo Regional. O PS absteve-se na votação final da formulação da proposta por entender que, independentemente dessa circunstância, o encontro podia ser da maior utilidade para o acerto das posições em confronto.
Manteve o PS esta postura sempre; mantém-na ainda.
A Comissão de Revisão Constitucional, que já havia recebido, com o mesmo objectivo, uma delegação da Assembleia Regional dos Açores, responde que receberá separadamente a Assembleia e o Governo Regional e fixa as datas em que tais encontros ocorrerão. Posição correcta e inquestionável, quer no plano dos princípios, quer no do respeito pelas competências específicas dos diferentes órgãos de governo próprio da Região Autónoma da Madeira, foi necessariamente, repito, necessariamente entendida como de desrespeito para com a Assembleia Regional e como forma de

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diminuir o peso político do Sr. Presidente do Governo Regional nas discussões que teriam lugar.
Logo a maioria, habituada a confundir os órgãos de governo próprio com o partido e este com aqueles, reagiu vigorosamente não aceitando o encontro agendado.
O PS mantinha-se interessado na reunião. Cumpriria, fosse qual fosse a composição da delegação.
Depois de tudo isto, que os Srs. Deputados no essencial já conhecem, renovam-se as criticas e desencadeou-se uma violenta campanha contra a Comissão da Revisão Constitucional e a Assembleia da República, que só se justifica pela impaciência com que o PSD na Madeira aguardava esta oportunidade para desenvolver a sua estratégia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD na Madeira, por mais que afirme o contrário, não quer a revisão constitucional, como nunca quis a aprovação de um Estado político-administrativo definitivo e vive, desde 1976, »com o provisório. Ao PSD interessa a indefinição, a omissão e o conflito, única forma de manter um relacionamento institucional defeituoso com os órgãos de soberania, que lhe permite, combatendo um hipotético inimigo externo = «o continente» ou « Lisboa» - protagonizar a defesa da autonomia, numa atitude quixotesca, que pouco ou nada tem a ver com as regras inspiradoras do nosso regime democrático.
O pretexto comesinho invocado para não encetar uni diálogo que o bom senso recomendaria, de bem a ideia das prioridades definidas e dos critérios que as determinam.
A Assembleia da República no seu conjunto fará também a avaliação que se impõe da situação descrita e de outras que periodicamente acontecem e saberá, no uso das suas competências constitucionais e regimentais, em cada momento, reconduzir o debate para o seu espaço próprio: o espaço da democracia, da tolerância e da participação, único capaz de, evitando sectarismos tão desnecessários quanto improdutivos, suscitar os empenhamentos necessários à edificação da democracia e do País.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Carlos Lélis e Cecília Catarino.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lélis.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Sr.ª Presidente, pedi a palavra não para pedir esclarecimentos, não quero gastar tempo à minha bancada, mas para fazer um protesto.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, use a fórmula que desejar mas o tempo conta-lhe da mesma forma.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Sr. Deputado Mota Torres este meu protesto não se trata de uma defesa do Dr. Alberto João Jardim porque esta Casa não se fez para «figura de pessoas». Nós assumimos o estatuto de deputados de todo o País, embora vindos de um circulo eleitoral onde temos as nossas raízes. Aliás, o Sr. Deputado Mota Torres não mencionou o nome do Dr. Alberto João Jardim, embora a leitura se faça nas linhas, nas entrelinhas... De resto, eu até teria preferido a frontalidade que conheço do Sr.. Deputado % e que os nomes e os visados tivessem tido, além do perfil desenhado, o próprio nome lançado neste Hemiciclo.
Mas julgo que o Dr. Alberto João Jardim não é verdadeiramente aqui acusado; ele é sobretudo visado no seu discurso e muito menos acusado - até porque na dizer acusado eu estaria por extensão a perfilhar alguma das suas acusações.
Não dou qualquer novidade - Mons. de la Palice também não dava - ao dizer que o Dr. Alberto João Jardim tem um estilo pessoal e tem, sobretudo um estilo pessoal que colhe e esse é o seu grande «pecado», é o pecado de colher onde outros não recolhem por mais que semeiem.
Quem não faça inimigos terá dificuldade em medir a sua própria estatura - e já não faço a referência de «Deus me livre dos meus amigos» por que essa ironia podia ter más interpretações na minha bancada onde os deputados da Madeira podem não ser «acomodados» mas não são «incómodos».
Na intervenção do Sr. Deputado há referências a declarações de um parlamentar regional que ambos - o Sr. Deputado e eu somos eleitos pelo mesmo circulo eleitoral conhecemos, com o seu temperamento emocional e que se sente a entidade responsável por um partido, o PSD - tanto o da Madeira como o dos Açores -, que tem um estatuto e um congresso próprios.
Além disso, as declarações parcelares que têm sido utilizadas, na realidade, deviam contemplar esse aspecto de declarações parceladas. Alguém disse, não fui eu que inventei, que há a opinião pública e há a opinião publicada. Creio que estamos a servir-nos demasiadamente da opinião publicada mais do que da opinião pública, embora muitas vezes ninguém saiba o que é a opinião pública...! Alguém já disse que a opinião pública de quem toda a gente tem medo - é um pouco como os fantasmas dos castelos escoceses: todos falam neles, todos têm medo deles, mas ninguém os vê!
Sr. Deputado, eu falei da opinião publicada. Como colegas que temos sido ainda há pouco no bar conversámos sobre o assunto e o Sr. Deputado nem ligeiramente aflorou o tipo de intervenção que iria fazer. Julgo que, para além do mesmo círculo eleitoral que nos aproxima, e das diferenças do partido que nos separam, uma informação teria sido útil para que a minha intervenção tivesse sido mais curta.
A este propósito lembro-lhe que António Vieira escreveu um dia ao príncipe dizendo: «Desculpai Senhor o tamanho desta carta mas não houve tempo para fazê-la mais curta».
De qualquer modo, eu diria, Sr. Deputado, que não faço referências a outras classificações de «repúblicas» que são desagradáveis e deprimentes para essas mesmas repúblicas, mas não transformemos a nossa numa «república dos jornais».

A Sr.ª Presidente: - Para contra protestar, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Torres.

O Sr. Mota Torres (PS): - Sr. Deputado Carlos Lélis, tive de fazer algum esforço para conseguir captar no essencial o, conteúdo substancial do protesto de V. Ex.ª
No entanto, até para não roubar demasiado tempo à minha bancada dado que ainda vai haver outra intervenção, gostaria de dizer-lhe o seguinte: compreendo

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o embaraço do Sr. Deputado em tentar defender aqui o Dr. Alberto João Jardim, mas fiz a minha intervenção de modo a não lhe causar esse embaraço até nem sequer falei no Dr. Alberto João Jardim; falei, sim, na pessoa que titula dois lugares (o de presidente da Comissão Política Regional do PSD e o do presidente do Governo Regional) que por acaso é o Dr. Alberto João Jardim.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Há pecados por omissão!

O Orador: - Eu falei foi na pessoa que, institucionalmente, tem responsabilidades em termos partidários e governativos, daí que o Sr. Deputado tenha vindo à liça tentar defender o Dr. Alberto João Jardim, que eu não ataquei tal como não ataquei qualquer deputado da Assembleia Regional.
Quem tiver a preocupação - e é natural que os Srs. Deputados nesta Câmara não tenham nem têm de ter - de ler a imprensa regional da Madeira vê diariamente críticas das mais descabeladas, das mais absurdas aos órgãos de soberania, muitas vezes sem qualquer razão aparente e objectiva para que tal aconteça.
Portanto, isto tem de ser motivo de desagrado, sobretudo para quem, como eu, de há uns anos a esta parte - e já são muitos - tento defender um relacionamento institucional saudável para bem das próprias regiões autónomas - seja da Madeira seja dos Açores - entre os órgãos de governo próprio e a Assembleia da República, o Governo ou o Presidente da República ou mesmo os tribunais.
Em relação à sua questão final, dir-lhe-ei que, quanto a inimigos, julgo que não existem em política; existem, isso sim adversários e quando nós temos o entendimento de que as pessoas que pensam de forma contrária à nossa são inimigos, então, tem-se a mesma lógica de raciocínio quando se diz que quem não está com o PSD, é contra a autonomia. A lógica é exactamente a mesma!

Aplausos do PS e protestos do deputado do PSD Carlos Lélis.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Catarino.

A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Sr. Deputado Mota Torres, não sei se o seu objectivo, penso que não seria o de reeditar ou manter aqui latente a «guerra das audiências» assim denominada na imprensa e nalguns meios políticos. Sr. Deputado, eu não vou por aí porque acho que alimentar esse tipo de noticiário é nefasto para a democracia, sobretudo no momento em que se pretende encontrar as melhores soluções para a tarefa que a Assembleia da República tem entre mãos e que é a revisão constitucional.
V. Ex.ª acusa o PSD/Madeira de falta de diálogo com o PS/Madeira acerca das melhores propostas a serem veiculadas junto da Assembleia da República para a revisão constitucional.
Admira-me que diga isso porque, como V. Ex.ª frisou, teve conhecimento de que foi entregue na Mesa da Assembleia da República um projecto de revisão constitucional apresentado pelos quatro deputados eleitos pelo PSD/Madeira. V. Ex.ª teria tido oportunidade, se assim bem o entendesse, de apresentar o seu
próprio projecto no âmbito do seu partido ou até de fazer veicular no projecto do seu partido as posições que o PS/Madeira entenderia por melhores e mais adequados para a revisão dos artigos respeitantes às regiões autónomas. Mas V. Ex.ª não o fez!
Devo dizer ainda que, na óptica dos deputados eleitos pela Região Autónoma da Madeira, o Sr. Deputado ainda está muito longe de manter um diálogo frutífero para a revisão constitucional. Ontem tivemos oportunidade de trabalhar na Comissão de Revisão Constitucional e nos próximos dias continuaremos a trabalhar nessa comissão... A verdade é que, pelo menos pela nossa parte, manifestamos toda a disponibilidade para dialogar.
Esteja certo, Sr. Deputado, de que o interesse dos deputados do PSD eleitos pela Região Autónoma da Madeira é o de encontrar melhores soluções para a revisão dos artigos respeitantes às regiões autónomas. Aliás, digo-lhe mais, Sr. Deputado: nós, deputados do PSD eleitos pela Região Autónoma da Madeira, estamos empenhados em fazer vingar, tanto quanto possível, as verdadeiras aspirações das populações da Madeira e não propriamente as posições que o nosso partido possa querer fazer vingar.
É nosso entender, que sempre aqui foi demonstrado por cada um de nós, que primeiro estão os interesses da Região Autónoma da Madeira num combate que se pretende dialogante, democrático e frutífero com os órgãos de soberania.
Se há que optar, os deputados do PSD eleitos pela Região Autónoma da Madeira optarão, indubitavelmente, pelas posições que foram sufragadas pelas populações da Região Autónoma da Madeira.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Torres.

O Sr. Mota Torres (PS): - Sr.ª Deputada Cecília Catarino, no essencial, e muito sucintamente - como já referi, há mais um orador da minha bancada que pretende fazer uma intervenção no período de antes da ordem do dia de hoje -, vou responder aos pedidos de esclarecimento que formulou e fá-lo-ei da seguinte forma: em primeiro lugar, quem provocou a «guerra das audiências» não foi a Assembleia da República nem o Grupo Parlamentar do Partido Socialista. Quem provocou a «guerra das audiências» com a sua atitude e com o modo como depois a transmitiu para a comunicação social foi a Assembleia Regional, foram o Governo Regional e os órgãos do governo próprio da Região Autónoma da Madeira.
Com a minha intervenção apenas pretendi que ficasse claro perante esta Câmara e o País, a posição do PS sobre esta matéria. E repito: desde o início o PS sempre se mostrou disponível para integrar a delegação, tivesse ela a composição que tivesse, privilegiando aqui o espírito que deveria estar presente na reunião e que era o de tentar encontrar plataformas de consenso em relação à revisão constitucional e às regiões autónomas.
Em relação à questão da falta de diálogo, ela foi patente na preparação do projecto de revisão constitucional que os Srs. Deputados entregaram: o PSD recusou todas as propostas que o PS apresentou e depois apresentou o seu projecto de revisão constitucional,

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com autorização ou não da sua bancada - isso é uma coisa que não me diz respeito mas, sim, ao Grupo Parlamentar do PSD.
Contudo, não procedi da mesma forma, tendo sempre em consideração, a minha vontade e determinação de, em sede de revisão constitucional, contribuir para clarificar os aspectos da autonomia que devem ser clarificados. Como esse é o último apelo que a Sr.ª Deputada faz no pedido de esclarecimento que colocou, quero testemunhar aqui a minha vontade e determinação em continuar essa tarefa.

A Sr.ª Presidente:- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Roleira Marinho.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Fiães, povoação e sede de freguesia do mesmo nome, situada no extremo norte do Pais, no concelho de Melgaço; separada de Espanha pelo Rio Trancoso ou de São Gregório, remontando a sua fundação a povoamento pré-nacional, - é merecedora de uma visita, visita que, necessariamente, não pode circunscrever-se à contemplação do panorama deslumbrante que aos nossos olhos se desdobra, entre os vales profundos. e os picos agrestes da serra da Peneda, em cujas faldas se localiza.
Se nos ativermos às referências que se fazem a Fiães, concebo de Melgaço, quer no dicionário orográfico de Portugal continental e insular, de Américo Costa, edição de 1983, ou na grande enciclopédia portuguesa e brasileira ou ainda na enciclopédia luso-brasileira de cultura, facilmente nos apercebemos da importância que Fiães teve na vida cultural, artística e religiosa do norte de Portugal e também da Galiza.
São muitas as lendas que se contam por aquelas bandas, todas pondo em relevo um profundo sentimento religioso e comunitário daquelas gentes.
Será de realçar ainda que foi exactamente em Fiães que, depois do 25 de Abril de 1974, se fez a primeira grande jornada nacional de homenagem e exaltação ao emigrante português, com a inauguração de um monumento que ficou a perpetuar na pedra essa grande dívida de gratidão de todos nós para com os nossos compatriotas que, no estrangeiro, nunca deixaram de se manter ligados ao torrão natal.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Também nós, deputados do Partido Social-Democrata pelo circulo de Viana do Castelo, tivemos o privilégio de há dias subir a Fiães, por sinal em dia de chuva e de neve, mas, nem isso obstou a que encontrássemos aquela gente de rija têmpora, com a esperança bem viva em seus rostos e alegria mesmo por sentirem que os seus problemas são estudados e, passo a passo, se vão resolvendo.
Visitámos o velho mosteiro de Fiães, bem conservado e acolhedor mercê da acção dinâmica e interessada do reverendo pároco aí em serviço. Na verdade, com muita persistência, com muita teimosia, sem desistir e furando a indiferença de muitos, o padre Manuel Lourenço tem conseguido mobilizar meios que permitiram salvar o mosteiro da destruição, mosteiro que é monumento nacional desde Junho de 1910! ... E que, segundo a tradição, já existia em 851, no tempo de D. Ramiro II, Rei de Leão, e que pertencia a um importante convento de frades beneditinos.
Estão previstas agora algumas obras de restauro dos pavimentos, dos muros envolventes, e da cobertura, porém, mal seria que tais trabalhos não fossem completados com estudos e escavações que nos permitam uma completa identificação de todo o acervo histórico que, por certo, existe à volta do mosteiro. E porque não a recuperação da fonte de águas minerais, a que se atribuem virtudes medicinais? Valeria a pena aprofundar as investigações.
Acrescentarei que o altar-mor do velho mosteiro, da época renascentista, será a peça mais degradada de todo o conjunto, a exigir uma atenção dos responsáveis.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Melgaço comemora este fim de semana, com a presença de membros do Governo e outras entidades, o VI centenário da tomada do seu castelo, por D. João I, aos castelhanos. Haverá actos solenes nó Mosteiro de Fiães, pelo que ouso reclamar uma intervenção programada e coordenada no sentido de se conseguir uma recuperação fiel e completa de todo o conjunto envolvente do Mosteiro de Fiães, reconduzindo-o à sua dimensão histórica, como marco inconfundível dos séculos, que devemos preservar e projectar para o futuro.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Amanhã vai ter lugar um grande prélio com repercussão mundial que o mundo seguirá. Uma das partes desse prélio é Portugal, e um Portugal duas vezes português porque são os jovens de Portugal. Trata-se da final do Campeonato do Mundo de Futebol de Júniores.

Aplausos do PSD.

Aconteça o que acontecer, os jovens de Portugal já ganharam: as suas vitórias e sobretudo o seu comportamento desportivo são, desde já, regozijo de todos nós, orgulho de todos nós, orgulho de Portugal!
Ainda bem que os jovens de Portugal estão à frente, a construir o exemplo para o País, que também está a descobrir os caminhos do futuro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Estou certo de que todos aceitarão a simples, a minha modesta iniciativa na véspera deste grande jogo, decerto motivo para preocupação de todos os jogadores e, por isso, razão de sobra para um gesto da nossa parte.
A minha proposta é no sentido de que hoje mesmo seja enviado um telegrama, uma saudação, em nome da Assembleia e de cada um de nós, cujo texto tive a ousadia de redigir, mas que aceito que seja melhorado por cada um dos Srs. Deputados, sobretudo pela nossa colega, Sr.ª Deputada Edite Estrela, que tão desvanecidamente sigo todos os dias na televisão.
Sr.ª Presidente e Srs. Deputados: O meu modesto texto é o seguinte voto de saudação (seguirá como que telegrama):
«A Assembleia da República e todos os seus deputados, na certeza de exprimirem os sentimentos unânimes do povo português, saúdam a equipa de júniores de Portugal que amanhã disputa a final do Campeonato do Mundo de Futebol.

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Independentemente do resultado, as vossas vitórias e o vosso comportamento são já o orgulho de todos nós, o orgulho de Portugal.
Recebam as nossas saudações e a nossa solidariedade. Estamos convosco. Portugal pensa em vós e admira-vos!»
Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, creio que haverá consenso por parte da Câmara em relação a esta iniciativa e ao teor do telegrama.

O Sr. Deputado João Amaral pediu a palavra?

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr.ª Presidente, apenas quero dizer que há um outro voto...

A Sr.ª Presidente: - Certamente, Sr. Deputado. Serão todos votados no final do período de antes da ordem do dia.

Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr.ª Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: Está a decorrer, desde ontem, nesta cidade, o 1.º Congresso de Escritores de Língua Portuguesa. De inegável importância enquanto fórum internacional de debate e reflexão de questões cruciais como «o escritor e o processo cultural das nações», «a literatura e a língua portuguesa no mundo», «o escritor e a profissionalização», este encontro adquire, no plano do simbólico, uma dimensão que ultrapassa as terrenas fronteiras espácio-temporais para ser a concretização de um sonho adiado por dez longos anos.
Eles aí estão. Escritores de três continentes e sete países, diferentes obreiros de língua comum, esse rio de vasto caudal que tantos deles, com talento e arte, ousaram desviar do curso secular por direcções inusitadas, provando que as línguas não se imobilizam, que o seu processo estático/dinâmico nunca fica concluído.
Na multiplicidade de vias narrativas, de normas linguísticas e de derivas efabulatórias, todos eles confirmam, através da natural diversidade, a superior unidade e enorme riqueza da língua que é tanto de Camões e de Eça como de Jorge Amado e Guimarães Rosa, de Luandino Vieira e Craveirinha, de Amílcar Cabral e Agostinho Neto.
Língua veicular de sete literaturas, património comum de sete países, a última flor do Lácio, como a chamou Olavo Bilac, herdeira do latim plebeu de soldados, colonos e comerciantes, foi sendo modelada pelo escorpo e pelo cinzel de múltiplos artífices, diariamente recriada pelos povos que a elegeram e vivificada pelos escritores que eternizam essas modalizações e criações linguísticas.
Essa língua, que foi divulgada, noutra época, por navegadores, descobridores, comerciantes, aventureiros, viajantes universais como o Fernão Mendes Pinto da «Peregrinação», os bandeirantes do grande continente brasileiro, os exploradores da selva africana, continuará a ser o grande elo de ligação com o Brasil e os novos países africanos que, livremente, escolheram a língua portuguesa para língua oficial.
Em resultado dessa diáspora do nosso idioma, vieram das cinco partidas do mundo escritores, ensaístas, tradutores, críticos literários, especialistas da língua. De Goa ao Brasil, de Moçambique a Angola, de Macau a São Tomé e Príncipe, de Cabo Verde à Guiné-Bissau, dos Estados Unidos ao Norte, Centro e Sul da Europa, muitos são os que convergiram ao espaço matriz da língua com que todos pensam, verbalizam e discutem o mundo. Só não vieram de Timor, o que muito lamentamos.
Mais importante do que as fronteiras administrativas e políticas, caducas com os tempos históricos; mais duradoura do que as diferenças ideológicas e religiosas, mutáveis pela vontade dos homens, a língua - essa «caso do ser», na definição heideggeriana, «verbo» original da escritura joanina - a língua, dizia, é, sem dúvida, o verdadeiro fermento da coesão entre os povos.
Sr.ª Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: Por tudo isto, acredito e desejo que este 1.º Congresso de escritores de língua portuguesa represente a primeira pedra do edifício da lusofonia que os sete países hão-de erguer, num clima de diálogo, solidariedade e respeito mútuo.
Como escreveu o poeta, Pessoa ele mesmo, «A base da (...) relação permanente entre os indivíduos é a língua, e é a língua com tudo quanto traz em si e consigo que define (...) a nação».

Aplausos gerais.

A Sr.ª Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr.ª Deputada Edite Estrela, saúdo a intervenção que acaba de produzir e, através dela, a iniciativa relevantíssima que, neste momento, decorre em Lisboa reunindo sete países de expressão portuguesa entrosando liames afectivo-culturais de grande impacto e de extrema fundura, vivificando a língua, que, sendo uma e de todos nós, comporta variantes sem qualquer espécie de polo hegemónico, como ontem se disse na sessão de abertura e como nós aqui reiteramos enfaticamente.
Impor-se-à que os escritores presentes na Fundação Calouste Gulbenkian debatam os seus problemas, os que se relacionam com o seu estatuto, com a promoção das obras que vão produzindo no vasto espaço em que a língua portuguesa é quotidianamente falada e também os que se repercutem mais directamente no plano dos intercâmbios de experiências, sempre tão fecundos a quem cria e a quem cria em liberdade.
A realidade do 25 de Abril e o acesso à independência dos povos que foram outrora colónias de Portugal geravam uma situação particularmente descondicionada e propícia à solidificação de tudo o que pela história, mas também pelo presente e pelo futuro, nos liga.
Penso que caberá aos governos - e, no que concretamente nos reporta, ao Governo do País - estabelecer os procedimentos materiais adequados a que, no plano dos acordos multilaterais, se possa dar expressão perduradora e valiosa àquele que for o conjunto das conclusões do congresso.
Sr.ª Deputada Edite Estrela, depois do que disse, apenas gostaria de saber o que é que, no plano das nossas instituições democráticas, para além do que vier a ser definido pelos escritores, julga possível e necessário fazer para que o 1.º Congresso seja seguido de

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outros e nesses outros congressos se consiga, de uma forma mais vitalizadora, melhorar o panorama das relações culturais entre os sete países.

A Sr.ª Presidente:- Sr.ª. Deputada Edite Estrela, há mais um orador inscrito para lhe formular pedidos de esclarecimento. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Prefiro responder no fim, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lélis.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Sr.ª Deputada Edite Estrela, o que pretendo fazer não é bem um pedido de esclarecimento mas, sim, um aditamento.
Em primeiro lugar, gostaria de dizer que tanto a Sr.ª Deputada, como o Sr. Deputado José Manuel Mendes, como eu próprio nos encontrámos na sessão inaugural desse congresso onde, creio, estaríamos irmanados pelo mesmo interesse.
Estes assuntos da língua não são de hoje nem de ontem e têm bastantes precedentes neste Plenário. Ainda nesta sessão legislativa, pela intervenção do Sr. Deputado Adriano Moreira, gerou-se aqui em todas ás bancadas um largo consenso sobre esse problema e sobre a importância da língua portuguesa.
Não vale a pena agora, academicamente, desdobrá-la nesse sentido de análise, mas num sentido comum de que ninguém é dono e patrão da língua!
Ora, o Sr. Deputado Adriano Moreira, numa síntese e quase num aparte parlamentar, em que é mestre, teria mesmo dito: «Afinal, nesta Casa pode não haver consenso sobre este Governo, mas há consenso sobre outros temas».
Dentro desse renovar da mesma bandeira, bandeira da língua neste caso, a minha bancada, pela minha voz; na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, fez há dias uma intervenção e uma apresentação deste assunto quando ainda não tinha sido inaugurado o 1.º Congresso dos Escritores, o tal congresso que levou sete anos a organizar - e esperamos que outros sete anos não sejam precisos..., para que o número sete não seja cíclico.
O Sr. Deputado António Barreto teria mesmo dito que a proposta por mim apresentada, nessa altura muito esquematicamente, representava um tema de muita e muita importância. Contudo, o assunto será certamente agendado pelo presidente da Comissão de Educação, Ciência e Cultura para os próximos dias.
Assim, gostaria de perguntar, não à Sr. Deputada Edite Estrela, que faz parte integrante, presente e contínua dessa comissão, mas, sim, ao Sr. Deputado José Manuel Mendes, que interveio a este propósito e que em assuntos de cultura tem sempre dado a sua posição e contributo, se poderia estar presente na Comissão de Educação, Ciência e Cultura no dia em que este assunto for novamente apreciado.
Eu queria reivindicar esta pequena posição e iniciativa para a minha bancada.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Certamente, Sr. Deputado!

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: De facto, ainda há bem pouco tempo este tema das questões da língua obteve consenso nesta Câmara; gerou-se então a unanimidade tão rara nesta Casa. 15so representa mais responsabilidades para todos nós e a necessidade de produzirmos mais iniciativas
legislativas neste domínio.
Quero agradecer as palavras dos Srs. Deputados José Manuel Mendes e Carlos Lélis.
De facto as questões da língua dizem respeito a todos. Todos nós sentimos que não é indiferente a língua em que articulamos o nosso pensamento e que esta inter-relação entre língua e pensamento é muito profunda.
Este 1.º Congresso de Escritores da Língua Portuguesa representa um acto que não pode ser ignorado e que tem de ser realçado nas devidas proporções. É evidente que ele contribuirá para o estreitamento das relações culturais entre os sete países.
Ao Sr. Deputado José Manuel Mendes devo dizer que penso estarem retinidas as condições (e que, certamente sairá como proposta deste congresso) para a criação do Instituto Internacional da Lusofonia. Aliás, houve um orador, o escritor brasileiro Cláudio Willer que fez esta proposta já no primeiro dia dos trabalhos, tendo referido também a importância da aprovação de um acordo ortográfico que vise a unificação da ortografia.
Neste momento, temos duas ortografias oficiais: a ortografia europeia (de Portugal) e a ortografia brasileira. Ora, isso é um entrave à promoção da língua portuguesa, a sua difusão no mundo. Espero que deste congresso saia, finalmente, a criação desse Instituto Internacional da Lusofonia, que contribuirá também para a divulgação das literaturas de língua portuguesa.
Por outro lado, por que não sair também deste congresso uma comissão de defesa dos direitos dos utentes da língua, à semelhança das comissões de defesa dos contribuintes, dos consumidores, etc?
Apesar de o Sr. Deputado Carlos Lélis; não me ter interpelado directamente gostaria de dizer que penso que haverá consenso para todos nós trabalharmos nesta área onde tanto há a fazer.
Para terminar, quero formular um voto de pesar pela morte de um grande escritor que tem um valor emblemático nó domínio da língua portuguesa: o dicionarista Aurélio Buarque da Holanda.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, o descalabro da justiça chegou a isto: na passada segunda-feira, dia 27, como se avizinhava o dia 1 de Março, dia da extinção de dez dos quinze juízos do Tribunal de Trabalho de Lisboa, procedeu-se ao desalojamento desses dez juízos conhecido apenas de magistrados e funcionários na sexta-feira anterior, dia 24.
Nos seis pisos da Avenida Casal Ribeiro, os funcionários atarefavam-se, amarrando processos transportando-os aos molhos, empilhando documentos e, no meio de inexistentes condições de segurança cuidavam para, que nada desaparecesse.

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Numa das salas decorria uma audiência no meio de documentos amarrados e amontoados. Nessa sala administrava-se justiça em nome do povo; fazia-se um julgamento; um outro estava prestes a iniciar-se no cumprimento de um agendamento feito há muito tempo sem que pudesse ter sido previsto que, naquele preciso dia, se iria proceder a uma mudança. A verdade é que ninguém nos juízos dos desalojados, nem magistrados, nem funcionários foi, atempadamente, avisado para que pudesse planear o seu trabalho.
A portaria que declarou a extinção dos juízos do Tribunal de Trabalho de Lisboa é de 29 de Setembro. Decorreram cinco meses! Durante esses cinco meses o Ministério da Justiça não adoptou quaisquer providências para que a extinção dos juízos e a instalação dos novos se processasse sem sobressaltos.
As obras no edifício situado nos Anjos, para onde foram transferidos processos, documentos, dossiers, magistrados e funcionários, iniciaram-se apenas no passado sábado. Os juizes ainda não têm os gabinetes prontos para que possam continuar a trabalhar.
Isto quer dizer que durante cinco meses o Ministério da Justiça nem sequer resolveu o problema das instalações: limitou-se a decretar que tudo fosse transferido para um único edifício, onde os juízos extintos se acotovelam com os que já lá funcionavam; um edifício que apenas dispõe de duas salas de audiência para cada três juizes, onde se avizinha a disputa pela sala de audiências onde se verifica a não marcação de um julgamento de um determinado dia por não haver sala para tal, o adiamento de audiências por também não haver sala para tal e a maior morosidade na marcação de julgamentos.
Estas são cenas bastante tristes da justiça portuguesa e da justiça do trabalho! Na «era» do pacote laborai, da degradação do direito substantivo do trabalho - e confessamos que receamos quando ouvimos dizer que também está em revisão o Código do Processo de Trabalho, pois tememos que se esteja a avizinhar a degradação do direito adjectivo do trabalho -, o Ministério da Justiça tinha que responder com a degradação das condições em que se administra a justiça.
Menos funcionários, menos instalações, perspectivas de uma regressão na recuperação dos atrasos dos processos. Assim marcha a aplicação da lei orgânica dos tribunais!
Ao mesmo tempo continuam a chegar notícias da falta de condições de segurança do parque judiciário para o qual o ministério foi alertado há muito.
Ontem, dia l de Março, o Tribunal Judicial de Setúbal foi encerrado. Um fogo posto por alguém que com a maior das facilidades pôde entrar no Tribunal Judicial de Setúbal, que não tem o mínimo de condições de segurança, conduziu a um incêndio felizmente detectado no seu início, o que obrigou a tal encerramento.
Ontem mesmo, dia l de Março, uma parte do tecto do Tribunal Judicial do Barreiro ruiu. Estes são casos que desmentem as afirmações que ontem o Sr. Secretário de Estado da Justiça produziu no último Telejornal frente às câmaras de televisão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Os tais caminhos do futuro para a justiça portuguesa são bastante negros! Mas para isto está o ministério alertado há muito por todos os que
trabalham nos tribunais, nomeadamente pelas conclusões do Congresso dos Trabalhadores Judiciais, que já ocorreu há um ano.
Perante toda esta situação cabe perguntar quando é que se restitui a justiça à sua dignidade.
Aplausos do PCP.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para um protesto.

A Sr.ª Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr.ª Deputada Odete Santos, o discurso que V. Ex.ª fez é um discurso característico da vossa bancada. A Sr.ª Deputada veio dizer o que não estava feito, veio indicar as dificuldades, etc. Ora, nós sabemos que há muita coisa que não está feita e que existem muitas dificuldades.
Porém, a Sr.ª Deputada apenas apresentou a lista de uma parte da realidade. Outra lista poderia ser feita indicando o que já foi realizado o que está em curso de realização, etc.
Srs. Deputados, pedi a palavra para vos dizer que a vossa lista é apenas a lista do outro lado da realidade e que a realidade «real» tem os dois lados e as duas listas. Este Governo já demonstrou, inclusivamente, que é capaz de fazer andar a burocracia, que é capaz de encurtar os prazos de execução das decisões superiores que, como os Srs. Deputados sabem, são muito difíceis de execução rápida. Temos uma administração que sempre tem funcionado lentamente e que se está a funcionar um pouco mais depressa é graças aos impulsos do actual Governo.
Não me posso esquecer, Srs. Deputados - e dou este exemplo para vos retirar razão, para relativizar todos esses vossos protestos que têm realidade, mas que é a realidade relativa das coisas - de que quando fui Governador Civil estive seis meses sem receber a minha remuneração de Governador Civil, em consequência de imensos problemas burocráticos, de vistos de confirmações, etc. Seis meses à espera por uma coisa tão simples, Srs. Deputados!
Era para este aspecto, ou seja, para o outro lado da realidade, a outra lista que queria chamar a vossa atenção, Srs. Deputados, embora saiba que o faço ingloriamente. Porém, é uma questão de brio da minha bancada não deixar passar em silêncio a manipulação dos dados, da realidade. Por muito que os Srs. Deputados insistam, a realidade não se deixa manipular; a realidade é aquilo que é e tem um outro lado, o lado que os Srs. Deputados omitem. Aliás, devo dizer-vos que o lado positivo dessa realidade é cada vez maior graças à energia, à persistência e à firmeza do actual Governo.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Para contraprotestar tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado Silva Marques, o meu contraprotesto é muito breve. V. Ex.ª falou de um assunto que não sabe, que não conhece. E tanto é assim que no protesto que formulou enveredou por questões que, efectivamente não cabiam nesta intervenção.

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A realidade está à vista e o Sr. Deputado não a pode desmentir. O «brio da sua bancada» deveria exercer-se no sentido de, efectivamente exigir que as populações fossem bem servidas pelo aparelho judiciário; que os magistrados judiciais, os funcionários judiciais, os advogados fossem bem servidos.

O Sr. Silva Marques (PSD): - O que é que os Srs. Deputados fizeram para isso?

A Oradora: - Esse é que deveria ser o vosso brio justo e não o vir aqui defender uma política na área da justiça que não tem absolutamente defesa alguma e que congrega protestos de todos os lados, Sr. Deputado Silva Marques, mesmo do seu.
A verdade é que os casos que relatei não são casos isolados. » O caso dos Tribunais Judiciais do Barreiro e de Setúbal não são isolados e os tribunais não se deixam manipular pelas suas palavras porque os tectos caem esmesuradamente...
É porque eles caem inexoravelmente! A falta de segurança que existe nos tribunais provoca, efectivamente; casos como o do Tribunal Judicial de Setúbal e isto não pode ser escondido, Sr. Deputado Silva Marques!

Vozes' do PCP: - Muito bem!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr.ª Deputada, tal como há na minha bancada deputados que discordam da acção do ministro, devo dizer-lhe que também há deputados comunistas que apoiam a reforma da justiça.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Deve estar no gozo! Só pode ser!

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, solicito que não entrem em diálogo e que façam silêncio, porque senão serei obrigada a interromper a sessão.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.

O Sr. Armando Vara (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Queria usar o pouco tempo que ainda resta ao Grupo Parlamentar do PS para, na minha qualidade de deputado pelo círculo eleitoral de Bragança, trazer ao conhecimento da Assembleia da República um protesto no sentido - e uma vez que a bancada do PSD está tão atenta em não deixar passar em branco um conjunto de questões aqui trazidas - de que o PSD faça chegar ao Governo que apoia este sentimento que tem, do meu ponto de vista, um interesse especial para a população, de Bragança.
Como é do conhecimento dos Srs. Deputados, a região do nordeste transmontano debate-se com problemas enormes de acessibilidade, embora tenhamos visto, nas últimas semanas, uma reportagem na televisão dando conta daquilo que agora se chama «vencer o Marão». Porém, isso não impede que continue a haver enormes problemas na acessibilidade a todo o nordeste transmontano e que os cidadãos que. pretendam deslocar-se a Lisboa ou ao Porto não tenham ao seu dispor um serviço público de transportes em boas condições, como acontece com um número significativo de cidadãos de outras regiões do País.
Pensávamos que o facto de não haver um serviço público, de transportes ferroviários ou rodoviários, poderia ser compensado com a criação de um serviço
de transporte aéreo que garantisse a todos os cidadãos do distrito de Bragança o mínimo de condições e a possibilidade de ter acesso ao Porto e a Lisboa, assim como aos cidadãos do Porto e de Lisboa que pretendam deslocar-se a Bragança. No entanto, a realidade tem demonstrado que assim não é, na medida em que a LAR (Linhas Aéreas Regionais) tem vindo a prestar um mau serviço à região, porque não tem horários suficientemente trabalhados e capazes de servir os interesses das pessoas que vivem em Bragança ou que, vivendo em outras partes do País, pretendam aí deslocar-se. Era neste sentido que queria fazer este protesto.
As obras que eram necessárias fazer-se no aeroporto a fim de melhorar as suas condições não estão a ser feitas com o mínimo de celeridade e nunca mais se sabe de quem é a responsabilidade, se é da Câmara Municipal de Bragança ou se é do Governo. Lembram-se, com certeza, que quando o Sr. Primeiro-Ministro se deslocou a Bragança, há já algum tempo, houve alguns protestos e alguma troca de «galhardetes» - se me permitem a expressão - entre a Câmara Municipal de Bragança e o Governo, no sentido de saber de quem eram as responsabilidades. Porém, a verdade é que as obras continuam por fazer e os aviões a não poderem aterrar em certas circunstâncias.
Há um outro aspecto importante e que tem a ver com os preços que a LAR pratica em relação às passagens para Bragança.
É inaceitável que uma viagem para Bragança custe mais do que uma viagem para a Madeira. Enquanto um cidadão madeirense pode vir a Lisboa tratar dos seus assuntos e regressar à Madeira no mesmo dia por uma quantia relativamente acessível, um cidadão de Bragança paga quase o dobro e mesmo de avião tem de vir a Lisboa num dia e só consegue regressar à sua cidade no dia seguinte:
É este o protesto que trago à Assembleia da República na esperança de que os Srs. Deputados do PSD, sempre tão ciosos em acompanhar estas coisas, possam,
em nome da população de Bragança, levá-lo ao Governo.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, embora haja ainda inscrições, que não podem ser feitas por os partidos não terem tempo disponível, vamos passar à leitura do voto de congratulação.

Foi lido. É o seguinte:

Voto de congratulação n.º 48/V

Estando a decorrer, desde ontem, em Lisboa, o I Congresso de Escritores de Língua Portuguesa, a Assembleia da República, interpretando os sentimentos de afectividade e aproximação cultural, bem como o relevante significado de que se reveste a reunião dos sete países de expressão lusófona, expressa o seu contentamento pela iniciativa, saudando-a vivamente a augurando-lhe os melhores resultados.

A Sr.ª Presidente: - Vamos proceder à sua votação.

Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do CDS, de Os Verdes e da Deputada Independente Helena Roseta.

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A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à leitura do voto de saudação.

Foi lido. É o seguinte:

Voto n.º 49/V
A Assembleia da República e todos os seus deputados, na certeza de exprimirem os sentimentos unânimes do povo português, saúdam a equipa de juniores de Portugal que amanhã disputa a final do Campeonato do Mundo de Futebol.
Independentemente do resultado, as vossas vitórias e o vosso comportamento são já o orgulho de todos nós, o orgulho de Portugal.
Recebam as nossas saudações e a nossa solidariedade. Estamos convosco. Portugal pensa em vós e admira-vos!

A Sr.ª Presidente: - Vamos proceder à sua votação.

Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do CDS, de Os Verdes e dos Deputados Independentes João Corregedor da Fonseca e Helena Roseta.

Aplausos gerais.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, vamos suspender os nossos trabalhos, que retomaremos às 15 horas. Está interrompida a sessão.
Eram 12 horas e 20 minutos.

ORDEM DO DIA

No recomeço, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 20 minutos.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, a minha interpelação é no sentido de saber se o Sr. Presidente tem alguma declaração expressa de que o Governo não deseja participar neste debate, uma vez que se trata da apresentação de um inquérito parlamentar que envolve um membro do Governo. Ora, o Regimento da Assembleia da República prevê expressamente a sua intervenção e, como o Sr. Presidente bem sabe, até admite a possibilidade de ser o Primeiro-Ministro a intervir. Logo, é estranho que o Governo esteja ausente e que nem sequer se dê ao trabalho de enviar qualquer explicação à Assembleia da República.
Foram estas graves preocupações que motivaram esta interpelação à Mesa e gostaria que o Sr. Presidente nos informasse se tem ou não para o facto alguma explicação da parte do Governo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não tenho qualquer informação expressa, nem isso é hábito, mas, segundo me apercebo, o Governo acaba de entrar.
Risos.

Srs. Deputados, vamos dar início à discussão do Inquérito Parlamentar n.º IO/V (PCP), sobre a actuação dos serviços oficiais, designadamente da administração fiscal, intervenientes no processo de aquisição pelo Ministro das Finanças, cidadão Miguel José Ribeiro Cadilhe, de um andar na Torre 4 do Edifício Amoreiras, sito em Lisboa.
Entretanto, peço aos grupos parlamentares que façam chegar à Mesa a deliberação que hoje tem de ser votada, e relembro que as votações agendadas se efectuarão por volta das 19 horas e 30 minutos, tal como está previsto.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: A transparência é um valor democrático que todas as instituições, incluindo esta Assembleia da República, devem defender e promover. É uma questão de transparência que constitui o objecto do requerimento de inquérito parlamentar que o PCP apresentou e que hoje apreciamos.
Quando há falta de transparência, quando existem perplexidades e interrogações que legitimamente preocupam a opinião pública, são as instituições democráticas - e o prestígio que lhes é devido - que sofrem as consequências.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A Assembleia da República, perante este caso concreto, em que são declarações do próprio Ministro das Finanças que originam as dúvidas e interrogações, não se pode alhear, não pode enterrar a «cabeça na areia». Porque o que está em causa, no chamado «caso das Amoreiras», tem natureza pública, política e ética.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A utilização pelo Ministro das Finanças dos serviços da guarda fiscal em proveito pessoal, não é assunto privado, mas assunto público.
Os negócios imobiliários, com isenções fiscais em cascata, de um Ministro das Finanças que tutela a administração fiscal, perdem a natureza privada e tornam-se assuntos do Estado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quando o Ministro das Finanças afirma que «se não soubesse gerir bem a sua casa, mal estaria a gerir o património do Estado», que «ninguém gere bem as finanças do País se não souber gerir a própria casa», as suas afirmações tornam-se, inevitavelmente, numa questão política, pois não se pode aceitar que a lógica da gestão do património do Estado e das finanças públicas seja a lógica da especulação imobiliária.

Aplausos do PCP.

A própria nota oficiosa da presidência do Conselho de Ministros, ao pretender dar cobertura político-jurídica ao Ministro das Finanças, envolvendo nesta questão, de forma directa, o Primeiro-Ministro, vem

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mostrar não estarmos perante um. mero assunto da vida privada de, um cidadão, qualquer que ele seja. Mais do que isso, e como se escreveu em editorial no «Diário de Notícias» estarmos perante «uma situação cujos efeitos se reflectem não apenas no ministro como também no próprio Governo». « É que se atingiu o ponto em que o caso do actual Ministro das Finanças já não é de carácter político; é sobretudo de ordem ética». E numa tal situação, os portugueses, como já o mostraram de formas variadas, não aceitam que as respostas às dúvidas e interrogações que legitimamente se lhes colocam, sejam substituídas por injustificadas acusações de «calúnias» e de «insinuações caluniosas», ou por ameaças de processos judiciais.
Aliás, Srs. Deputados, poderá ser considerada calúnia, a tão vasta quanto cuidada recolha, levada a cabo por múltiplos jornalistas, sobre as operações imobiliárias em que o Ministro das Finanças se envolveu?
Visará atingir a dignidade, do ministro, a afirmação do Dr. José Miguel Júdice e que «o Ministro Cadilhe não pode deixar de compreender que faz política num regime democrático, com as vantagens e inconvenientes da existência dessa realidade difícil de definir, mas inafastável, que é a opinião pública»?
Terá o jornalista Bettencourt Resendes um objectivo de ofensa pessoal ao cidadão Miguel Cadilhe, quando constata que « os homens políticos e as personalidades que tão frequentemente procuram utilizar a comunicação social para efeitos de promoção social ou como agente detonador de acontecimentos que lhes são convenientes, nunca se conformam com o facto de a liberdade de imprensa ser uma rua com dois sentidos»?
Não terá razão o jornalista Mário Crespo quando questiona «como é que se pode pedir contenção no consumo das despesas familiares (e é isso que se pede) quando no poder há quem exiba essa capacidade de compra com arrogância provocadora»?

Vozes do PSD: - Essa é boa!

O Orador: - A Assembleia da República não pode, de facto, deixar de assumir as suas responsabilidades, e promover o completo esclarecimento do País sobre o que se passou em todo este processo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na nota oficiosa de 13 de Janeiro, através da qual o Sr. Primeiro-Ministro, e por ele todo o Governo, se envolve directamente no caso ao dar cobertura política à actuação do Ministro das Finanças, afirma-se que este apenas beneficiou daquilo que está ao alcance de qualquer cidadão.
Não é verdade. Designadamente: Não é verdade, porque nem todos os cidadãos podem usufruir das condições de preço de que usufruiu o Ministro das Finanças, para adquirir um apartamento no edifício do Lumiar.

Vozes do PSD: - Podem sim!

O Orador: - Como podem comprovar os restantes 38 condóminos. Aos outros foi-lhes exigido um pagamento adicional de 4 a 5 mil contos para além do preço constante do contrato-promessa.

Vozes do PSD: - 15so é mentira!

O Orador: - O Ministro das Finanças não pagou nem mais um tostão, e conseguiu obter o respectivo distrate da Caixa Geral de Depósitos.

Vozes do PCP: - É um escândalo!

O Orador: - Em segundo lugar, não é verdade, porque nenhum outro condómino do mesmo prédio conseguiu pagar apenas 400 contos...

Vozes do PSD: - Que falta de argumentação!

O Orador: -... (isto é, 5,4% do contrato-promessa) até à celebração da escritura do apartamento: A todos os outros à empresa proprietária, exigiu 25% na altura do contrato-promessa e outros 25% passados três ou quatro meses. 15to é, o Ministro das Finanças conseguiu pagar apenas 10% do que foi exigido aos outros:

Em terceiro lugar, não é verdade, porque nenhum outro cidadão consegue comprar um apartamento que não se destine a residência permanente do próprio;
ocupá-lo bastante tempo antes da escritura, e ficar isento da sisa, porque isso não o permite o Código da Sisa, nos termos do seu artigo 2. º, parágrafo 1. º, n.º 2, doutrina esta expressamente consagrada pela Direcção-Geral de Contribuições e Impostos (DGCI). No entanto, o Ministro das Finanças conseguiu beneficiar, ilegítima é ilegalmente dessa isenção. E por duas vezes
consecutivas: no apartamento do Lumiar e no apartamento das Amoreiras. Em qualquer dos casos se verificou, comprovadamente, uma situação de promessa de
compra e venda com tradição do apartamento antes da escritura. Em qualquer desses casos o Ministro das Finanças estava, e ainda está, obrigado ao pagamento
da sisa. Agora, com multa, nos termos do Código da Sisa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em quarto lugar, não é verdade, porque dificilmente qualquer outro cidadão consegue avaliar um apartamento por 11 500 contos para efeitos de permuta e, um mês depois, para efeito de escritura, avaliá-lo por apenas 7475 contos, almejando, em cada uma dessas avaliações, beneficiar de isenção da sisa. Qualquer outro cidadão; seria, provavelmente, acusado de simulação de preços pela administração fiscal.
Em quinto lugar; não é verdade, porque poucos cidadãos serão tão afoitos quanto o Ministro das Finanças o foi, que se atrevam a declarar a detenção simultânea de duas residências permanentes: uma no Porto e outra em Lisboa. O cidadão comum conhece as dificuldades da ubiquidade e tem, ao menos, a intuição dessa impossibilidade para efeitos fiscais.
Em sexto lugar, não é verdade, ainda, porque nenhum outro cidadão, que não pertença aos quadros da Guarda Fiscal, pode beneficiar dos serviços desta, em proveito pessoal. 0 Ministro das Finanças beneficiou.
Como se pode ver, Srs. Deputados, o Sr. Primeiro-Ministro não tem razão no que afirmou na sua nota oficiosa. O Sr. Primeiro-Ministro foi temerário!
Não tem ainda razão o Ministro das Finanças, e de novo o Primeiro-Ministro, quando declara que, para

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a isenção das Amoreiras, formulou uma consulta prévia que descrevia «com fidelidade, a situação objectiva». De facto, essa consulta omite, nomeadamente, três aspectos essenciais para a análise correcta da situação concreta: por um lado, não refere o regime da sisa relativo ao apartamento do Lumiar.
Por outro lado, omite que a escritura do apartamento do Lumiar ainda não havia sido celebrada e que só o viria a ser posteriormente à assinatura do contrato-promessa do das Amoreiras.
Finalmente, a consulta prévia omite a situação de contrato-promessa com tradição de apartamentos antes da escritura, quer no Lumiar quer nas Amoreiras.
Ou seja: o pedido de parecer prévio pode enquadrar alguns dos contornos gerais da transacção, mas não descreve, e muito menos com fidelidade, o caso concreto em apreço.
Nestas condições, afirmar que a resposta da DGCI é inequívoca no que respeita ao direito do Ministro das Finanças à isenção da sisa, foi mais uma imprudência do Sr. Primeiro-Ministro. Mais do que isso, Srs. Deputados.
Como podem o Ministro das Finanças - responsável pela administração fiscal - e o Primeiro-Ministro - ainda por cima Professor de Finanças Públicas - sequer admitir a tese que defendem de, no caso concreto, a figura da permuta permitir a isenção da sisa? É politicamente grave que o façam! Porque a lógica do Decreto-Lei n.º 114-A/88, tal como a dos que o antecederam, não pode deixar de ser a da limitação do valor de cada prédio que se transmite para efeitos de isenção da sisa. Como muito bem o entendeu o director da 4.ª Direcção de Serviços da DGCI. Lógica que resulta do próprio preâmbulo do decreto-lei, já que o objectivo da «dinamização do mercado imobiliário através de incentivos à aquisição de fogos destinados à habitação» e a «melhoria consistente e progressiva do bem-estar das famílias portuguesas» não visa, manifestamente, isentar de sisa a aquisição de habitações de luxo ou permitir que um qualquer cidadão na expressão de um jornalista, suba «sucessivos degraus de bem-estar residencial», sem quaisquer contribuições fiscais para o Estado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Defender a lógica inversa, como o faz o Governo, conduziria a uma situação tão caricata quanto inadmissível: estaria aberta a possibilidade legalizada de beneficiar de isenção da sisa todo e qualquer prédio urbano sem limite de preço «declarado ou real», através da compra sucessiva de prédios cada vez mais caros e da utilização em cadeia da figura da permuta.
Seria, afinal, o decretar da extinção da sisa!

Vozes do PCP: - Exacto!

O Orador: - Quem, responsavelmente, pode sufragar uma tal tese?

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo fez-nos chegar, ontem à tarde, algumas respostas ao requerimento do PCP apresentado em 19 de Janeiro passado. Os documentos enviados não só confirmam a análise que fizemos, como carreiam para o processo novos elementos que reforçam a legitimidade de múltiplas perplexidades e interrogações. Designadamente: o chefe da Repartição de Finanças do 8.º Bairro Fiscal, declara que em Julho de 1985, dois anos antes, os apartamentos T3 das Amoreiras estavam a ser vendidos por 18 mil contos.

Vozes do PSD: - Não é isso que se diz lá! Leiam o que se lá diz! Leiam.

O Orador: - Acalmem-se! Tenham calma!

Mostram que a segunda avaliação fiscal dos apartamentos das Amoreiras foi feita em 1986, facto omitido na consulta prévia do Ministro das Finanças (quarta omissão na consulta prévia). Dão conta que, para a obtenção do distrate do apartamento do Lumiar, a empresa construtora teve de pagar à CGD 8342 contos, cerca de mais 900 contos do que o Ministro das Finanças pagou à empresa.
Reconfirmam o que se pode chamar de escândalo das avaliações fiscais do complexo das Amoreiras, parecendo inconcebível que, delas tendo conhecimento, o primeiro responsável da administração fiscal se coloque, aparentemente, numa situação de completa passividade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante tantas e tais situações, a Assembleia da República não pode deixar de prestar, com total conhecimento de causa, o público esclarecimento que os portugueses aguardam. Para bem e em defesa da transparência democrática e das instituições democráticas.
Através da viabilização do inquérito parlamentar em apreciação, importa para isso que a Assembleia da República apure, em toda a extenção, a conduta dos serviços oficiais e de outras entidades intervenientes no processo, por forma a determinar, designadamente, as exactas condições em que foram celebrados os negócios jurídicos em questão, os actos e omissões dos serviços na aplicação das normas legais proibitivas de simulação de preços e evasão fiscal, bem como os critérios e normas seguidas nos processos de avaliação fiscal e as condições em que foi feito o uso, para fins alheios àqueles que se destinam, dos serviços da Guarda Fiscal.
Para já, aguardamos o sentido de voto dos Srs. Deputados do PSD.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.
O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, pensava eu que para discutirmos um inquérito parlamentar não seria necessário dizer, à partida, que era indispensável estarmos todos de boa fé.
O Partido Comunista Português solicitou, através de um requerimento feito ao Sr. Presidente da Assembleia da República, volumosa documentação sobre a matéria que estamos a debater. Essa documentação foi distribuída ao Partido Comunista Português e bem assim aos demais grupos parlamentares.
No entanto, o Sr. Deputado Octávio Teixeira teve a coragem de vir aqui distorcer e manipular os dados que constam desses documentos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Capucho): - Muito bem!

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O Orador:- Apesar de tudo, quero ainda pensar que o Sr. Deputado Octávio Teixeira o não fez por má fé, mas apenas pela ligeireza com que terá feito a análise desses documentos. É que se assim não foi, não estamos aqui a discutir a compra de um andar, mas sim a constatar que a Oposição, ou melhor, o Partido Comunista Português, à falta de outros meios e de outros argumentos para fazer oposição ao Governo, se serve apenas da calúnia.

Aplausos do PSD.

Vozes do PCP: - Rebata os factos! Ainda não disse nada sobre eles!

O Orador: - Srs. Deputados do Partido Comunista Português, podem VV. Ex.ªs estar certos de que o Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata se solidariza, por inteiro, com o Sr. Ministro das Finanças. Digo isto porque tenho a certeza de que em nenhum dos actos praticados pelo Sr. Ministro das Finanças há a menor das ilegalidades.

Protestos do PCP.

Percebemos, contudo, que ao Partido Comunista Português não seja favorável o êxito assinalável que a recuperação económica do País tem tido e que se deve, em boa parte, à execução que o Sr. Ministro das Finanças e a sua equipa têm sabido dar à política do Governo.

Aplausos do PSD e risos do PCP.

Srs. Deputados do Partido Comunista Português, estaremos sempre abertos a discutir com VV. Ex.ªs todas as questões quando demonstrarem que estão de boa fé.

Aplausos do PSD.

Vozes do PCP: - Muito fraquinho! Não nos disse nada!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Vieira de Castro, quem está com má fé?

Vozes do PSD: - VV. Ex.ªs!

O Orador: - Nós que apenas apontamos factos comprovados, repito, comprovados, ou os senhores - e concretamente neste momento o Sr. Deputado Vieira de Castro - quando nos acusam de nos estribarmos em calúnias, não nos apontando um único facto concreto daquilo que afirmam!

Vozes do PCP: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Calma!

O Orador: - Quem está, afinal, com má fé?
De facto, como referi na minha intervenção, as respostas ao requerimento do PCP feito para instruir o processo de inquérito parlamentar...

Protestos do PSD.

... foram entregues ontem às 15 horas. Há muito papel, há informações que não dizem tudo, designadamente...

Risos e protestos do PSD.

Não se riam, porque isso é o riso da ignorância.

Aplausos do PCP.

Nem sequer olharam para os papéis e muito menos os leram. Por isso não se riam.

Vozes do PSD: - Leia os papéis e veja o que dizem!

O Orador: - Os documentos foram lidos de ponta a ponta, pela nossa bancada. O facto de serem entregues apenas.24 horas antes para, eventualmente, impedir a leitura completa, não resultou com a nossa bancada. Repito o que há pouco referi: confirmam e trazem novos elementos...

Vozes do PCP: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Então, leia os papéis!

O Orador: - ... aos que referi.
O Sr. Deputado Vieira de Castro tentou desviar a questão para a situação económica do País, a recuperação, etc.
No entanto, o Sr. Deputado concordará comigo que o mercado. habitacional recuperou imenso entre 1985 e 1987. Como é que nessa perspectiva o valor venal concretizado na venda dos andares T3 das Amoreiras passou de 18 mil contos para 17 490 contos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ... e no ano seguinte passou para 40 mil contos? Explique isto, Sr. Deputado.

Vozes do PSD: - Leia os papéis!

O Orador: - Como é que explica o facto de uma empresa que está comprovadamente em má situação económica e financeira - confirmou-a o Sr. Ministro das Finanças e a Caixa Geral de Depósitos -, resolver pagar à Caixa Geral de Depósitos 8300 e tal contos e só exigir ao comprador 7400 e tal. Uma empresa que está em má situação económica e financeira perde assim 400 contos? Porquê?
Os Srs. Deputados, e em especial o Sr. Deputado Vieira de Castro, leram por acaso o parecer da Consultadoria Jurídica da DGCI?

Vozes do PCP: - Não leram!

O Orador: - Não leram, com certeza, porque senão o Sr. Deputado coraria de pudor ao ler um parecer daqueles!

O Sr. Luís Filipe de Menezes (PSD): - O senhor é que só leu um bocadinho, mas precisa de o ler todo!

O Orador: - É inadmissível! É um aspecto que deve ser objecto de profunda e exaustiva apreciação por

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pane da Assembleia da República, em termos de inquérito parlamentar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado disse que o Grupo Parlamentar do PSD se solidariza por completo com o Sr. Ministro das Finanças. Faz muito mal, tal como mal o fez o Sr. Primeiro-Ministro e que provavelmente, nesta altura, já é capaz de estar arrependido.

Vozes do PCP: - Muito bem! Risos do PSD.

O Orador: - Mas se assim é, Sr. Deputado Vieira de Castro, por que é que o PSD teme, e é esta a palavra, que vá para a frente o inquérito parlamentar? Por que é que quer impedir o esclarecimento público em sede da Assembleia da República?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - A Mesa anotou os pedidos de palavra dos Srs. Deputados Vieira de Castro e Alberto Araújo.

O Sr. Deputado Vieira de Castro pede a palavra para que efeito?

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Para exercer o direito de defesa da consideração, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Alberto Araújo pede a palavra para que efeito?

O Sr. Alberto Araújo (PSD): - Para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Regimentalmente não pode, Sr. Deputado!

Nos termos regimentais, para defesa da consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Octávio Teixeira: Fiz bem ter-lhe pedido esclarecimentos, porque afinal V. Ex.ª veio confessar que a documentação só lhe havia sido entregue ontem à tarde, pelo que se pode concluir que não teve tempo de a estudar minuciosamente.

Vozes do PCP: - Isso é falso! Está fraquinho!

O Orador: - Permitir-me-á que lhe diga que a matéria que estamos a discutir é extremamente importante e é indesculpável que V. Ex.ª suba àquela tribuna sem ter previamente analisado, com muita ponderação e profundidade, a documentação que lhe foi distribuída.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Está a tornar-se ridículo!

O Orador: - Temos muito pouco tempo e temos de administrá-lo bem.

Poder-lhe-ia refutar, uma por uma, as alegações que V. Ex.ª acabou de fazer na resposta ao meu pedido de esclarecimento. Remeto quem eventualmente possa

estar interessado em ficar bem esclarecido para o dossier que foi distribuído ao Partido Comunista Português.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do PCP: - Continua sem dizer nada!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vieira de Castro: Depois de o ouvir pela segunda vez chego à conclusão de que afinal o dossier não foi entregue na perspectiva de servir de base ao debate, foi antes para tentar fugir ao debate. Só que não o conseguiram, nem o Governo nem o PSD.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, - e repito aquilo que há pouco lhe disse em aparte, para que fique bem registado -, V. Ex.ª, agora, falseou totalmente as minhas palavras, mas elas estão gravadas e constarão do Diário.
Se só enviaram ontem os documentos com o objectivo de não os podermos ler no prazo de 24 horas, enganaram-se. Nós lemo-los de ponta a ponta, com cuidado. E fiz, por mais que uma vez, a confirmação de que esses documentos comprovam e agravam algumas das questões que têm sido levantadas na opinião pública, designadamente na comunicação social.
Digo-lhe mais, Sr. Deputado: como aqueles documentos não foram enviados para uma comissão de inquérito, pois ainda não existe, e foram enviados em resposta a um requerimento do PCP, são públicos e serão distribuídos a toda a comunicação social...

Vozes do PSD: - Exacto! Ainda bem!

O Orador: - ... e a qualquer Sr. Deputado, mesmo o PSD, que não queira pedir à direcção da sua bancada, para que possam comprovar aquilo que acabei de afirmar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Os documentos foram enviados, sabendo precisamente que vocês lhes iam dar publicidade!

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - O senhor tem é inveja de não ter um andar nas Amoreiras!...

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Alberto Araújo pediu novamente a palavra para que efeito?

O Sr. Alberto Araújo (PSD): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Araújo (PSD): - Sr. Presidente, a minha interpelação à Mesa é no sentido de saber se não foi entregue à Mesa e se, através da Mesa, não foi entregue ao PCP um documento em que é pedida, pelo

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chefe da Repartição de Finanças do 8.º Bairro Fiscal, uma segunda avaliação e em que no ponto 4 se diz que o chefe da Repartição de Finanças propõe...

Protestos do PCP.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - 15so é para o debate, não é para interpelar a Mesa!

O Orador: - Ouça, se faz favor!

Vozes do PSD: - Não quer ouvir?!

O Orador: - O chefe da Repartição de Finanças faz apenas uma proposta que não é, digamos; o valor locativo final. O Sr. Deputado Octávio Teixeira, com certeza, não leu bem o documento e diz que o valor locativo foi de 900 contos. Mas não é! Porque o documento diz o seguinte: «... quanto às habitações, tendo em conta os valores por que são vendidos, proponho...»

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradecia que se fizesse silêncio na Sala, a fim de que o Sr. Deputado possa fazer a interpelação à Mesa, devendo fazê-la dentro do espirito regimental.
Sr. Deputado Alberto Araújo, queira formular a sua interpelação.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, não é uma interpelação à Mesa!

O Orador: - Sr. Presidente, o documento diz o seguinte: «quanto às habitações, tendo em conta os valores por que são vendidos, proponho... » - é uma proposta - «... para as que têm a área de 176 m2, o valor locativo de 900 contos e para as que tem a área de 159 m2, o valor de 850 contos».
Mais: pergunto se também não foi entregue o documento em que a notificação feita ao contribuinte refere já o valor locativo - e ai, sim, já fixado e definitivo, porque assim concordou o contribuinte - e em que vem o rol...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado queira, simplesmente, identificar o documento!

Protestos do PCP.

O Orador: - Penso que os Srs. Deputados do PCP não gostam de ouvir, porque efectivamente o Sr. Deputado Octávio Teixeira veio aqui deturpar o documento,
falando em valor locativo de uma proposta e não em valor definitivo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Alberto Araújo, a Mesa já percebeu a que documentos se quer referir.
Quero, pois, informar V. Ex.ª e a Câmara do seguinte: é óbvio que a Mesa não tem, de cor, todos os documentos que lhe passam pela mão e que são imensos, mas esses documentos a que se refere, ou seja, aqueles que foram entregues pelo Governo, foram distribuídos no inicio da conferência de lideres realizada ontem e foram igualmente enviados aos serviços da Assembleia da República. Devo dizer que até à data não me chegaram à mão e não os despachei, mas isso nada significa, porque os documentos foram entregues ontem no início da conferência e presumo que - obviamente não tive tempo para os estudar -, nesse conjunto de documentos, entregue pelo Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, estava aquele a que se refere e que foi também distribuído.

O Orador: - Creio, Sr. Presidente, que os documentos distribuídos ao Grupo Parlamentar do PSD foram os mesmos que foram distribuídos ao Grupo Parlamentar do PCP.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - 15so é que não se sabe!...

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Brito pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, manifestamente, a interpelação feita à Mesa pelo Sr. Deputado Alberto Araújo não se conforma com o Regimento, nem sequer com a orientação que o Sr. Presidente da Assembleia da República, e muito bem, tem dado à figura regimental da interpelação.

Risos.

O Sr. Luís Filipe Meneses (PSD): - Que descaramento!

O Orador: - Portanto, pergunto ao Sr. Presidente se a interpelação do Sr. Deputado do PSD constitui um precedente que os demais deputados possam também usar de futuro.
Quero ainda lamentar que o Sr. Deputado do PSD tenha usado essa figura e não tenha feito um pedido de esclarecimento à nossa bancada. Queremos debater até ao fundo esta questão com todos os Srs. Deputados da Assembleia da República e, privilegiadamente, com os deputados do PSD que queremos convencer da vantagem de se fazer o inquérito parlamentar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, lamentamos que não nós dirijam essas perguntas para que nós digamos, sim ou não, recebemos quaisquer desses documentos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Receberam ou não?!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradecia que se fizesse silêncio na Câmara!
O Sr. Deputado Octávio Teixeira pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, pedi a palavra para, interpelando a Mesa e em quinze segundos, responder à questão que foi colocada pelo Sr. Deputado Alberto Araújo.

Vozes do PSD: - Não pode!

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O Orador: - São apenas quinze segundos, Sr. Presidente. Na medida...
Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, acaba de se chegar a uma situação curiosa em que o presidente da sua bancada chama a atenção para o uso e o abuso...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Para o precedente!

O Sr. Presidente: - ..., entre aspas mas até sem aspas, das figuras de interpelação e da defesa da honra.
Dizia, há tempos, numa situação análoga, que não há qualquer bancada que esteja imune de ter distorcido o verdadeiro espírito, quer de uma, quer de outra figura. Todas as bancadas têm, em certa medida, utilizado, e muitas vezes confessadamente, a figura da interpelação e da defesa da honra para outros efeitos. De resto, o próprio Sr. Deputado Octávio Teixeira acabou por o confessar imediatamente a seguir ao pedido de interpelação do Sr. Deputado Carlos Brito.
Não foi feita a verdadeira interpelação à Mesa pelo Sr. Deputado Alberto Araújo, como tem acontecido repetidamente. Devo acrescentar que a Mesa solicitou, por duas vezes, ao Sr. Deputado que identificasse mais abreviadamente a natureza dos documentos e se se tivesse ficado por aí, tinha feito uma verdadeira interpelação. O que significa que, na praxe e nos hábitos da Casa, não há qualquer precedente, há apenas a continuação de uma prática que devia ser melhorada com o tempo e, nesse sentido, trabalharei com os grupos parlamentares.
Por isso, - e já respondi, assim como se depreende da própria intervenção do Sr. Deputado Carlos Brito - o Sr. Deputado Octávio Teixeira não pode responder sob a forma de interpelação à Mesa.
Fica, no entanto, inscrito para uma intervenção como está a pedir.
Pausa.

Aliás, nem pode inscrever-se para uma segunda intervenção, porque o Regimento não o permite.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Tomamos boa nota dos critérios de V. Ex.a!...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

Foi lido. É o seguinte:

Comissão de Regimento e Mandatos Relatório e Parecer

Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos realizada no dia 2 de Março de 1989, pelas 15 horas, foram observadas as seguintes substituições de deputados:

l - Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata (PSD):

José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro (Círculo Eleitoral de Leiria), por Idilberto Raul Rodrigues dos Santos. Esta substituição é pedido nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), por um período não inferior a 15 (quinze) dias, a partir do dia 3 de Março corrente, inclusive.
2 - Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS):
Manuel Alfredo Tito de Morais (Círculo Eleitoral de Lisboa), por Edmundo Pedro. Esta substituição é motivada pelo pedido de renúncia ao mandato do Sr. Deputado Manuel Alfredo Tito de Morais, nos termos do n.º l do artigo 7.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), a partir do dia 23 de Fevereiro passado, inclusive. Nestes termos, e a partir do dia 23 de Fevereiro passado, inclusive, passou a exercer as funções de deputado com carácter definitivo (efectivo), o Sr. Deputado Alberto Manuel Avelino.
3 - Analisados os documentos pertinentes de que a comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
4 - Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
5 - Finalmente a comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Presidente: João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD); O Vice-Presidente: Alberto Marques de O. e Silva (PS); O Secretário: Valdemar Cardoso Alves (PSD) - António Roleira Marinho (PSD) - Arlindo da Silva André Moreira (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Domingos da Silva e Sousa (PSD) - João Granja Rodrigues da Fonseca (PSD) - José Alberto Puig dos Santos Costa (PSD) - José Augusto Santos da S. Marques (PSD) - José Guilherme Pereira C. dos Reis (PSD) - Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD) - Manuel António Sá Fernandes (PSD) - Reinaldo Alberto Ramos Gomes (PSD) - Vasco Francisco Aguiar Miguel (PSD) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Francisco Barbosa da Costa (PRD).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão.

Pausa.

Visto ninguém pretender usar da palavra vai proceder-se à votação do relatório que acaba de ser lido.

Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade.

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O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares pediu a palavra para que efeito?

O, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Capucho): - Para interpelar a Mesa; Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares : - O Sr. Presidente anunciou que tinha aceite a inscrição de um Sr. Deputado do PCP para uma intervenção. Gostaria, pois, de perguntar a V. Ex.ª quantas intervenções pode fazer cada bancada à luz do Regimento.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, de facto, fui informado que o Sr. Deputado Octávio Teixeira estava inscrito e dei essa informação à Câmara. Mas, imediatamente, acrescentei que não era possível, porque o Regimento não o previa.
Portanto, eu próprio corrigi uma informação que, inadvertidamente e na sequência normal do procedimento, fiz. Mas ficou imediatamente esclarecida.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
Entretanto, assumiu, a presidência o Sr. Vice-Presidente Marques Júnior.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.ªs e Srs. Deputados: O inquérito parlamentar é um instrumento regimental ao dispor da Assembleia da República para o exercício das suas funções de fiscalização.
E essas funções incidem fundamentalmente na vigilância do cumprimento da Constituição e das leis e na apreciação dos actos do Governo e da administração, dos seus titulares e agentes.
O Inquérito n.º 10/V, de 10 de Janeiro de 1989, proposto pelo PCP, com vista a apreciar a actuação dos Serviços da Administração Fiscal na aquisição de um andar, nas Amoreiras, por parte do Ministro das Finanças, Miguel Cadilhe, constitui uma solução legal adequada à dilucidação de um caso que tem assumido foros publicitários e até de escândalo público.
Neste, como noutros casos, as instituições democráticas e os seus titulares só têm a ganhar, em legitimação, se forem capazes de conferir a maior transparência aos seus actos e garantirem uma isenta verificação ou não da regularidade destes.
O «caso das Amoreiras, ou Cadilhe», não é apenas, ou sobretudo, um casso pessoal, mas sim um repto ao exercício democrático, à visibilidade dos actos dos seus titulares, ao mérito moral das decisões dos governantes.
E bem andarão estes se, no caso, adoptarem a posição que é a nossa e que se centra no principio indelével de que por maior que seja o acervo de acusações,
dúvidas ou reservas, só a consistência de dados indiscutíveis avaliados por um julgador idóneo legitima a opinião definitiva.
O questionar da honra própria de um ministro como questão pessoal afecta, e isso não é pouco, um simples cidadão, mas como questão institucional afecta o titular de um órgão político, a instituição democrática e na sua sequência a própria legitimidade da democracia.
Ora, hoje em dia, um pouco por toda a Europa Ocidental as democracias representativas têm vindo a consolidar a sua matriz institucional numa abertura do espaço público que apela a um mais exigente exercício das funções públicas.
A comunicação social tem funcionado, nesse âmbito, como instrumento de realização da liberdade pública de informação necessária e vital à existência e funcionamento de um sistema político assente nos princípios democráticos do Estado de direito.
Não é assim, por acaso que o debate em torno do público e privado constitui um dos debates sociológicos modernos e a que corresponde uma mais crescente exigência sobre a imparcialidade ou independência dos poderes públicos na salvaguarda do interesse público.
O Estado é uma pessoa de bem e os seus titulares é suposto serem-no, até prova em contrário.
O Ministro Miguel Cadilhe é uma personalidade pública, que agiu, até, de modo a que actos da sua vida privada tivessem notoriedade pública; não se pode, por isso, espantar de ser questionado até aos limites do núcleo inedutível de privacidade que protege qualquer pessoa.
E, por isso, ao assumir-se desde logo como o Ministro da Reforma Fiscal, pretendendo-se uma imparcialidade supra-partes e defensor enfático da moral pública e do interesse penal, não pode deixar de se expor ao julgamento sobre a aparência dos seus actos e a sua vera realidade, sobre o dito e o feito, sobre se a isenção proclamada se reflecte ou não num espelho liso e cristalino.
O que está em causa e exige ser apreciado, com serenidade, é a isenção do ministro quando e se o interesse público colidiu com o seu interesse privado na aplicação da lei; quando e se o interesse público colidiu com o interesse privado na manutenção de uma lei injusta, ou obscura, quando e se o interesse público colidiu com o interesse privado ao não se promover uma alteração legal que salvaguardasse o interesse público face ao eventual interesse privado, ainda que próprio.
A democracia não tem dois pesos e duas medidas e não pode proclamar, por um lado, a ética redentora da fiscalidade e de novas exigências, para os cidadãos comuns e, por outro, abrir a porta ao interesse privado, contra o interesse público, dos que têm especiais deveres na defesa deste.
Quando os mesmos homens possuem o poder especial de «fazer» a lei e de a aplicar, de impulsionar a economia e de lhe definir as regras, mal vai a democracia se não exercita ou desenvolve as regras da liberdade e da separação e independência de funções.
É neste sentido que consideramos como um todo a necessidade de regras de transparência da vida pública e da salvaguarda precisa de incompatibilidade de funções no exercício de cargos políticos, de modo a que se não verifique a colisão, ou sequer a suspeita personalizada entre a salvaguarda dos interesses públicos e dos interesses privados.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Face à publicidade que o «caso das Amoreiras, e o do Ministro Cadilhe» gerou, face ao impacto público e à corrosão larvar que no prestigio das instituições tal acarreta, face ao especial dever de serviço público que compete a um governante; é de interesse público a clarificação do comportamento da administração pública e do ministro, neste caso.

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Julgamos, aliás, que a apreciação da ética política do comportamento do ministro na qual o próprio ministro deverá estar interessado deverá ser empreendida com rigor e imparcialidade e se o for, poderá constituir uma expressão singular de maioridade cívica envolvendo três instâncias que também elas se questionarão: o Governo, a Assembleia da República e a imprensa.
Pela nossa parte, e por tudo o que se disse, votaremos este inquérito - reconhecendo, embora, a constante inadequação de meios ao dispor das comissões parlamentares de inquérito - na convicção de que a democracia, também como sistema de valores, não se pode arrastar para um clima de suspeição, ou permitir que nela enquistem focos permanentes de suspeição. E mesmo do ponto do ministro há labéus que não se aceitam, provada que seja a sua injustiça.
A democracia apela à realização de uma ética política onde, sem farisaísmos moralistas, não devem existir no exercício das funções interferências de interesses pessoais, esperança de obter ou conservar privilégios, temores de perda de poder, antes deve existir «honestidade de intenções, sem egoísmos, condicionalismos, ameaças, pressões ou enganos».
É isso que devemos apreciar, pois, do ponto de vista da ética política, o exercício político é apenas um meio e desse ponto de vista «as instituições são serviços, os governos são serviços, vistos como um conjunto de tecnologias sociais e de procedimentos que têm como única finalidade a resposta, a tutela, a protecção dos interesses e dos direitos do cidadão qualquer que ele seja».
Aplausos do PS, do PRD e dos Deputados Independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Coelho dos Santos, Octávio Teixeira e Silva Marques.
Quero ainda comunicar à Câmara que se encontram, entre nós, um grupo de alunos da Escola Secundária de Loulé e da Escola Secundária da Amora.
Peço, para eles, a saudação habitual.
Aplausos gerais.
Tem a palavra o Sr. Deputado Coelho dos Santos.

O Sr. Coelho dos Santos (PSD): - Sr. Deputado Alberto Martins, vou ser muito rápido.

O Sr. Deputado falou em «dados indiscutíveis e julgador idóneo» ao referir-se ao Parlamento. Mas, V. Ex.ª acha que o Parlamento está em condições de fazer inquéritos parlamentares a sério?... que foram feitos no passado...!!
O Sr. Deputado falou no exemplo europeu e eu pergunto-lhe: Considera V. Ex.ª que, na Europa, os escândalos políticos são desta dimensão?
Crê V. Ex.ª que na França e na Alemanha, há escândalos mesquinhos como este, se é que este é um escândalo?

Vozes do PCP: - Ah, é escândalo!

O Orador: - Sr. Deputado, eu sei, sabemos todos, o que se pretende com este inquérito: o PS e o PCP não sabem fazer oposição e este inquérito e outros que se seguissem serviriam para mascarar essa falta de ideias e de posições políticas.

Vozes do PSD: - Muito bem! Vozes do PS: - Muito mal!

O Orador: - É claro que temos perfeita consciência de que, ao recusarmos participar no inquérito e com a comunicação social que temos, amanhã, nos jornais, há-de aparecer este título: «PSD tenta ocultar actuação de ministro». Sabemos que, amanhã, irá aparecer isto, na imprensa mas uma maioria responsável não se deixa pressionar por jornais que não se vendem e que querem ter clientes; uma maioria responsável não se deixa arrastar por isso. É por esta a razão que nos opomos ao inquérito parlamentar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo a Câmara que o PRD cedeu tempo ao PSD e ao PCP.
Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Deputado Coelho dos Santos, pôs em causa a idoneidade da Assembleia da República no que toca à realização de inquéritos. Assim, remeterei a resposta à sua questão para o Sr. Presidente da Assembleia da República.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Albano Martins, serei muito breve e colocar-lhe-ei duas questões.
Há pouco, na minha intervenção, referi que os tais apartamentos em questão estavam a ser vendidos por 18 000 contos em 1985 e ouviu-se uma enorme contestação por parte da bancada do PSD sobre essa verdade, tendo inclusivamente, chamado à colação vários documentos.
Assim, gostaria de saber se o Sr. Deputado já teve oportunidade de ler o ponto 7 do auto de autuação assinado pelo Sr. Chefe da Repartição de Finanças do 8.º Bairro Fiscal que diz o seguinte: «... é evidente que, no que concerne às habitações (das Amoreiras), estas serão adquiridas para residência permanente. No entanto, não pode cair no esquecimento que os valores venais - cujos elementos devem servir para termo de comparação - praticados no local são de 18 milhões de escudos para as habitações de quatro assoalhadas e de 22 milhões de escudos para as de cinco assoalhadas ...»

O Sr. Alberto Araújo (PSD): - Então e para as de três assoalhadas?

O Orador: - Isso é ignorância, Sr. Deputado! Então confunde um apartamento T3 com um de três assoalhadas? É que um T3 são quatro assoalhadas! A ignorância é total!

Aplausos do PCP.

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Como o Sr. Deputado Alberto Martins referiu, e é um facto indesmentível, existe actualmente no País um clima de suspeição sobre este processo.
Assim, deixar-lhe-ei uma pergunta a que gostaria que me respondesse.
Quem poderá ter interesse na manutenção do actua clima de suspeição?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Alberto Martins, possivelmente, a grande questão é mesmo aquela que o Sr. Deputado acabou de referir a da reforma fiscal. Vai para a frente ou não?

Risos do PS.

Os senhores julgavam que não iria para a frente ora, ela aí está a andar!
A falta de argumentos, políticos alternativos, não estarão os senhores a querer travar o movimento de mudança do País pela via dos incidentes políticos e parlamentares?
Não o afirmo, interrogo.

Sr. António Vitorino (PS): - A resposta é não.

O Orador: - ... Sr. Deputado Alberto Martins, considera que é politicamente legítimo invocar esse principio numa Assembleia?
É que, a ser assim, as nossas instituições seriam de tal forma absurdas que se sujeitariam a um voto político por iniciativa de um inquérito. Assim não haveria voto porque quem não deve não teme...
Ora, Sr. Deputado, isso não é possível. Estamos no domínio das instituições políticas e no da abordagem política das questões que nos são presentes e não devemos nem tememos escamoteá-las.
Mas já que nos deu uma lição de princípios políticos e de explanação comparativa relativamente ao que se passa, gostaria de lhe fazer mais uma pergunta, Sr. Deputado.
Não é verdade o que estou a dizer? Temos medo da democracia? Não a defendemos?
É que os senhores ainda não sabem qual é o nosso voto.

Vozes do PS: - Já foi dito!

O Orador: - Em declarações .... Mas, como sabem, o debate parlamentar é um processo que se destina ao apuramento da posição final dos partidos. Ou não é?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E, neste caso, o ónus da prova pertence-vos.

Risos do PS.

E porque vos pertence o ónus da prova?
Por isto, Sr. Deputado: se; de facto e na base dos seus próprios argumentos, o que vos impressionou foi um escândalo que surgiu nos jornais, pergunto-vos,
porque não tomastes a iniciativa?

O Sr. José Lello (PS): - Irmãos!

Risos.

O Orador: - Irmãos, sim! Irmãos na democracia!
Mas não na social-democracia! Porque os senhores são socialistas!
Porque não tomaram a iniciativa? Porque foi o Partido Comunista a fazê-lo?
Hão-de responder-me que este está no seu direito.
Mas, então, os senhores estavam distraídos ou, então, estão de facto, acorrentados a um mero jogo de chicana política!

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Tem que me responder a isto, Sr. Deputado Alberto Martins. Sem desvios!
Ou estavam distraídos ou entraram no jogo demolidor e destrutivo do Partido Comunista, que, há poucos dias, eu apelei de obsessão fixa da anti-maioria e
do anti-governo, de tal forma que tudo serve, desde que seja contra!
Sr. Deputado Alberto Martins, agradeço a lição de princípios que explanou para todos nós e que nós subscrevemos.
Mas, então, questiono-o, porque quem não deve não teme e esse é um principio moral que ninguém nega...

O Sr. Luís Roque (PCP): - Que vocês deviam assumir!

O Orador: - Sr. Deputado Alberto Martins, se tivéssemos medo da democracia, se tivéssemos medo da verdade, se tivéssemos medo dos princípios do Estado de direito pelo facto de eventualmente, irmos votar contra, uma determinada iniciativa de inquérito parlamentar, então, gostaria de lhe fazer mais uma pergunta.
O que pensa o Sr. Deputado de um cidadão, universal pelo seu exemplo, pela sua vida de combate, que se chama Mitterrand, ou de um outro cidadão se prestígio universal, com uma vida de combate pela democracia, que se chama Rocard, cujos nomes estão, há meses, nas primeiras páginas dos jornais franceses, em consequência do escândalo financeiro ocorrido à volta de oferta pública de venda de acções da empresa Pechiney. Ora até este momento, ninguém no Parlamento francês, nem sequer os próprios adversários políticos, tomou a iniciativa de um inquérito parlamentar! Talvez seja por uma razão muito simples, Sr. Deputado: é que, se calhar aquela oposição não esteja subordinada e de joelhos perante aquilo que designei de obsessão e de ideia fixa, anti-maioria e anti-governo, em que tudo vale desde que seja contra.

Aplausos do PSD.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Quem quer ser respeitado deve dar-se ao respeito!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, a intervenção do Grupo Parlamentar Socialista foi muito precisa quanto à defesa da legitimidade e da oportunidade do inquérito parlamentar. Assim, sem prejuízo de trazer ao debate factos que cada grupo parlamentar considerar úteis, é nesta sede

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que se deve ser feita a apreciação minuciosa da matéria de facto. O princípio está reconhecido, a minúcia terá uma fase seguinte de dilucidação.
Quanto ao Sr. Deputado Silva Marques basicamente, levantou três questões.
A primeira foi a de saber se o que estava em causa era ou não a vontade de travarmos a reforma fiscal. Ora, eu diria que se tivéssemos força para travar a actual reforma fiscal, a fim de elaborarmos outra que fosse boa, então, fá-la-íamos e, dessa forma, prestaríamos um inestimável serviço ao povo português.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à sua pergunta sobre o facto de o Partido Socialista não ter tomado a iniciativa deste inquérito, dir-lhe-ei que, sobretudo, lamentamos que, em nome da coragem política e da transparência democrática, essa iniciativa não tenha sido do Partido Social-Democrata...
Aplausos do PS.

.... não só para defender as instituições democráticas mas para superar o labéu que, hoje, na opinião pública, incorre sobre o Ministro Miguel Cadilhe.
Quanto às questões sobre o que se passa em França com o presidente Mitterrand e com Michel Rocard, creio que o Sr. Deputado Silva Marques «voou» até França devido à incapacidade e falta de coragem para «aterrar» num dos «aeroportos» mais restritos do Portugal de hoje.
Aplausos do PS.

O Sr. António Vitorino(PS): - É que o Sr. Deputado Silva Marques é como o Luís António Verney, é um estrangeirado!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra e da consideração.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, no espírito e na letra do Regimento, tem a palavra.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Alberto Martins, acusou-me de falta de coragem para discutir os problemas do meu país, mas eu discuti-os.

Só que na explanação dos princípios de que se apresentou como defensor, para os fundamentar e lhes dar força, o Sr. Deputado foi o próprio a invocar os exemplos das democracias europeias. Ora, foi na base dessa legitimidade que o questionei.
Sr. Deputado, por favor não me faça acusações porque isso não lhe resolve problema nenhum. Pelo contrário, responda às questões concretas que lhe coloquei no domínio da discussão dos princípios que, eventualmente, aqui somos chamados a aplicar.
Eu discuti o princípio de que quem não deve não teme e o Sr. Deputado não me respondeu.
Desenvolvi um conjunto de argumentos, no sentido de que, pura e simplesmente, esse princípio não poderia nem deveria ser aplicado numa assembleia política e o Si. Deputado não me respondeu.
Discuti a questão de saber se deveriam ou não aceitar-se - ou, sequer, ter - determinadas iniciativas de inquérito, pelo facto de, em certo momento, serem publicados escândalos nas primeiras páginas dos jornais. O Sr. Deputado não me respondeu a isto e invoquei-lhe...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado pedir-lhe-ia que fosse breve na explanação do objecto da sua defesa da consideração e que se cingisse ao fundamental.

O Orador: - Sr. Presidente, creio que estava a usar da palavra dentro do tempo regulamentar... a luz estava verde...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado., o problema não é o tempo.

O Orador: - Sr. Presidente, presumo que o tempo gasto com o uso da palavra para a defesa da consideração não é considerado para efeitos de contagem de tempos dos grupos parlamentares...

O Sr. Presidente: - É óbvio que a Mesa não está a contar esse tempo. Tal como já foi focado anteriormente, o problema prende-se com o estrito cumprimento da letra e do espírito do Regimento.

Assim pediria a todos os Srs. Deputados que fossem breves nas considerações acessórias à questão fundamental que os levou a solicitar a palavra.

O Orador: - Sr. Presidente, estou disposto a acatar as decisões da Mesa, só que não compreendi...

O Sr. Presidente: - Faça favor de continuar Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Deputado, como dizia, questionei-o sobre aqueles pontos concretos e penso que o fiz claramente. Aliás, foi o próprio Sr. Deputado que trouxe essas questões à colação.

Invoquei o exemplo de França - poderia ter invocado outros - por ser actual e porque ainda está nas primeiras páginas dos jornais. A verdade é que, até este momento, não houve qualquer iniciativa de inquérito parlamentai, não só da parte dos socialistas franceses - ao contrário do procedimento que o Sr. Deputado acabou de preconizar para o nosso partido - como nem sequer por parte da Oposição àqueles. Daí que eu tenha dito que «presumo»... Talvez seja o facto de os franceses viverem em democracia há mais tempo do que nós... É um hipótese plausível... Talvez que não estejam a travar a respectiva luta política, sobrepondo-a a outros princípios... Repito que não me parece que este seja o caso em Portugal onde, aparentemente, tudo é bom desde que seja contra.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Deputado Silva Marques, a parte final da sua intervenção incidiu de novo sobre uma invocada suspeição em França e sobre a sua impenitente tentativa de regular os assuntos franceses.

Assim, sugerir-lhe-ia que a sua vocação fosse mais limitada e que desse o seu contributo institucional para a regulação dos assuntos portugueses, pois tem ao seu

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alcance meios institucionais para o fazer e é para isso que aqui estamos.
Quanto à coragem política a que aludi, é a de se defender a transparência da democracia e a visibilidade dos actos dos respectivos agentes e titulares, no caso em apreço, a do Ministro Cadilhe e tão só.
Portanto, essa coragem deve evidenciar-nos com clareza se as invocadas virtudes públicas não encobrem reais vícios privados.

Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Os detentores de cargos políticos são alvo fácil e apetecível de criticas nem sempre fundadas, suposições irreflectidas, acusações com fundamentos aligeirados. Diria mesmo que é de bom tom dizer mal dos políticos. Constitui quase um lavar de consciências um descarregar de frustrações, a catarse necessária para espíritos inquietos que projectam na penumbra irresponsável os seus problemas nem sempre bem resolvidos.
Este órgão de soberania de que fazemos parte é aliás a vítima primeira desta reserva mental de critica pela crítica sem curar de saber de razões alicerçadas em factos concretos e no pleno conhecimento da realidade envolvente.
Creio mesmo que há interesses ocultos em que tal aconteça e se desenvolva numa convivência perigosa com agentes confessos de denegrimento da imagem do Parlamento.
Mas não é desta matéria que estamos hoje a tratar. Um pedido de inquérito sobre actos que um membro dó Governo, que alguns consideram desenquadrado dos limites legais. A origem deste processo reside em elementos veiculados por alguns órgãos de comunicação social que se alargaram progressivamente a outros e que constituirá já motivo de discussão alargada no seio da população.
Importa referir que o desenvolvimento do processo quase já condenou sem audição qualificada, o presumível infractor. Não nos parece ser este o caminho mais avisado.
Entendemos, e isto que fique bem claro, que não queremos secretismos irresponsáveis que ilibam potenciais culpados. A actividade política deve desenvolver-se na maior transparência, onde todos os actos dos seus agentes sejam perfeitamente perceptíveis e passíveis de julgamento responsável pelos órgãos competentes e pela chamada opinião pública.
Ponderávamos aliás, num passado recente, a ligeireza com que se condenavam sem julgamento pelos órgãos próprios, autarcas que ficavam com a sua idoneidade manchada pela mera invectiva, fruto de alguns interesses subjectivos a, que a luta político-partidária não é de todo alheia.
Não somos, também, apologistas da impunidade só porque as pessoas em causa exercem cargos políticos. Todos os cidadãos, qualquer que seja a sua origem, condição ou função, devem responder, de igual modo perante a lei pelos seus actos.
Por razões que se conhecem o processo já vai longo e tortuoso. Por todas as razões e mais esta urge clarificar a situação e repor a verdade se os caminhos encetados dela se desviaram. Daí que sejamos favoráveis à constituição de uma comissão de inquérito nos termos constitucionais e regimentais previstos. Obstruir esse caminho é colaborar objectivamente com aqueles para quem a calúnia é o pão nosso de cada dia se é que de calúnia e difamação se trata. Dois momentos se colocam neste processo.
Um de carácter institucional a que esta Assembleia não pode ser alheia pois a personalidade em causa faz parte de um órgão que responde politicamente perante esta Assembleia.
Há outra questão de carácter pessoal que pode e deve ser desencadeada pelo visado. A avaliar pelas notícias vindas a público tal processo já se iniciou, o que consideramos natural e correcto pois todo e qualquer cidadão tem direito ao seu bom nome em todas as circunstâncias. Um outro vector deve ainda ser introduzido neste debate.
A dialéctica entre a dimensão moral e legal do problema deve ser necessariamente considerada.
Diz um conhecido principio latino que nem tudo o que é lícito é honesto.
De facto, inúmeras vezes a lei briga com a moral. Não basta assim para quem quer ter paz de consciência, pretende pautar-se por princípios éticos inquestionáveis deve evitar comportamentos dúbios em que não possa haver dúvidas de espécie alguma.
Assim, sendo fácil pôr-nos a coberto da lei, que pode ser até da nossa responsabilidade, mais difícil se torna configurar tal posição em parâmetros em que a moral não se sinta mal.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Pretendemos com esta nossa intervenção dar uma contribuição lúcida e desapaixonada sobre um problema com cambiantes nem sempre ponderados e reflectidos.
A busca da verdade, a defesa do bom nome das pessoas e instituições aconselham a constituição de uma comissão de inquérito.
É nesse sentido que votaremos.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura de um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, o parecer da Comissão de Regimento e Mandatos, a pedido do Tribunal do Circulo de Alcobaça, é no sentido de autorizar o Sr. Deputado José Augusto Silva Marques a depor como testemunha no processo que se encontra pendente no referido tribunal.
Tendo deliberado ainda a comissão pronunciar-se oportunamente quanto à solicitação que foi feita para o mesmo fim relativamente aos Srs. Deputados Casimiro Gomes Pereira e Reinaldo Alberto Ramos Gomes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade registando-se a ausência de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sempre que o PSD tem sido chamado

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a emitir o seu juízo sobre a razoabilidade da realização de um inquérito parlamentar, interroga-se sobre a conjugação de três pressupostos fundamentais: Primeiro, tem a matéria pretensamente passível de inquérito a gravidade e importância compatíveis com a dignidade exigível à figura do inquérito parlamentar? Segundo, são os motivos e os argumentos esgrimidos como justificativos do inquérito minimamente verdadeiros e credíveis? Terceiro, poderá a realização intempestiva de um inquérito parlamentar, interferir com o julgamento de instâncias reconhecidamente dignas e independentes, onde já decorram, sobre os mesmos temas outras, investigações?
Nesse caso, como em outros do passado recente, seguimos a mesma metodologia e sobre a resposta a estas três questões que condicionam uma posição final sobre este pedido de inquérito, emitirei mais adiante a posição do meu grupo parlamentar.
Contudo, o facto de com este pedido de inquérito se reincidir num tipo de prática política que repudiamos, se procurar atingir a honorabilidade de um cidadão que é ministro das Finanças de um governo de sucesso apoiado pelo PSD e existir uma coincidência temporal com o zénite das reformas positivas e inadiáveis protagonizadas pelo mesmo ministro, obriga-nos a uma análise mais pormenorizada da sua génese e motivações.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para isso recuamos um pouco no tempo e recordamos que a jovem democracia portuguesa não tem tido uma vida fácil no seu já longo processo de crescimento, maturação e fortalecimento.
Num primeiro tempo, os partidos democráticos lutaram pela conquista das liberdades fundamentais, sustendo as repetidas acometidas antidemocráticas do Partido Comunista e seus aliados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A constitucionalização da democracia parlamentar, tal como é concebida nos países desenvolvidos do ocidente, foi a almejada meta atingida nessa primeira fase.
De seguida, com o processo reformador ainda em curso, procura-se mobilizar as energias da Nação para a prossecução de um grande projecto nacional, ou seja, colocar o Portugal pós-descolonização numa posição de parceiro activo, desejado, co-responsável na construção da Europa do futuro.
No primeiro período, o PSD e o PS foram os dois principais protagonistas. No segundo, o PSD tem sido o grande catalizador da vontade nacional e, na nossa opinião, o único partido capaz de levar a bom porto o País nesta fase decisiva da sua história.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Esta batalha pela modernidade e pelo desenvolvimento tem sido difícil e recheada de escolhos. Não é sem dificuldades que se afronta e destroi a paradoxal mas eficaz aliança entre o Estado corporativo do 28 de Maio e o Estado marxista colectivista saído do 11 de Março.

Aplausos do PSD.

Aos interesses de decénios, aliaram-se novos privilégios, quiçá mais antinacionais, sorvedores insaciáveis dos recursos colocados ao dispor da comunidade pelo trabalho de todos os portugueses.
Foi em 1979/80, com o 1.º Governo de Francisco Sá Carneiro, que o PSD iniciou o assalto reformista a esta fortaleza de interesses cruzados. Seria bom que hoje os Srs. Deputados do Partido Comunista se lembrassem da figura do Dr. Sá Carneiro.

Aplausos do PSD.

Talvez com essa lembrança se lembrassem de outras coisas!

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - O PSD é que deveria lembrar-se do Dr. Sá Carneiro!

O Orador: - Nove anos decorridos, a competência e firmeza aliadas à estabilidade política têm vindo a permitir as grandes transformações há muito prometidas.
Durante todos estes anos, assistimos a situações com génese e contornos semelhantes à que hoje suscita este debate parlamentar.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Os nossos adversários, quando confrontados com a eficácia das nossas políticas, reagem de uma forma que já nos é excessivamente familiar, porque persistentemente repetida. Perante a impossibilidade de impedirem a nossa obra, combaterem credivelmente as nossas propostas, contraditarem as nossas políticas com outras alternativas, albergam-se no último reduto do deserto da ideias, onde só sobrevivem a mesquinhez e outros defeitos primários da pessoa humana - e desculpem a minha sinceridade - e dos comunistas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os ataques pessoais, difamatórios e infundamentados, foram repetidos ao longo dos anos contra diversos dirigentes do PSD.

Esses ataques têm características comuns.

Em primeiro lugar, coincidem com momentos em que o PSD e as personalidades atingidas são importantes interventores em profundas reformas da sociedade portuguesa.

Em segundo lugar, tomam a forma de campanha orquestrada e de cruzada nacional, com a conivência de sectores da comunicação social menos rigorosos ou mais necessitados de usar o escândalo fácil com fins comerciais.

Em terceiro lugar, em todos esses processos, aqueles que foram perseguidos e caluniados, foram, posteriormente, absolvidos perante a lei e perante a opinião pública. Repito, Srs. Deputados, em todos esses processos aqueles que foram caluniados foram, posteriormente, absolvidos perante a lei e perante a opinião pública.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por tudo o que acabamos de expor, não estranhamos que o nosso companheiro, Miguel

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Cadilhe; seja um alvo escolhido, e este o momento julgado oportuno para o lançamento desta torpe campanha.
Uma política económica teimosa e sustentadamente bem sucedida tem sido um dos pilares fundamentais do êxito do Governo maioritário do PSD.
É desesperante para algumas oposições verem o investimento e a produtividade aumentarem, o desemprego descer a níveis que fazem inveja aos nossos parceiros comunitários e os salários reais a aumentarem a um ritmo satisfatório.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É desmoralizante para alguns dos nossos adversários verem o País pagar as dívidas do passado contraídas, muitas vezes, por culpa deles e :ao mesmo tempo a investir em áreas sociais vitais, como a educação e a saúde.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É demolidor para os nossos detratores que a sua derradeira esperança de pôr em causa a política económica do Governo, com a atoarda do «brutal agravamento fiscal», esteja a ser ridicularizada pelo juízo prático da esmagadora maioria dos contribuintes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Assim sendo, e não havendo a grandeza democrática para assumir a postura de criticar o que parece mal e de louvar o que vai bem, só restava a solução fácil mas gasta, isto é, tentar desacreditar ás políticas do Governo, desacreditando os principais protagonistas das mesmas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se para evitar a demolição de construções clandestinas, que destruíam o nosso litoral, e se para proteger alguns interesses obseuros, se caiu no ridículo de caluniar esse campeão da luta anti-corrupção que é o meu companheiro Carlos Pimenta...

Aplausos do PSD.

... porque não combater á internacionalmente elogiada política económica do Governo, difamando o cidadão Miguel Cadilhe?!
Os objectivos últimos e os métodos utilizados são nestes casos como em outros do passado coincidentes.
Na génese da iniciativa do PCP está, segundo o texto que suporta o pedido de inquérito, um conjunto de artigos publicados por vários órgãos de comunicação social.
É, pois, importante analisar a evolução das opiniões veiculadas por alguma comunicação social, conforme as informações sobre este caso se tornavam mais claras e conclusivas.
Títulos como « ... Miguel Cadilhe não pagou sisa... » ou mesmo « ... Miguel Cadilhe não pagou duas sisas... » foram substituídos ao longo do tempo por « ... Miguel Cadilhe teve um comportamento eticamente condenável... »!
As certezas de há dois meses que permitiam afirmar ser Miguel Cadilhe passível das penas aplicáveis aos transgressores fiscais, sucederam-se as meias tintas de quem não tem coragem de vir retratar-se por ter vindo a injuriar em vão.
A tese, agora generalizada nesses meios, de que, afinal, Miguel Cadilhe cumpriu escrupulosamente a lei mas utilizou algumas subtilezas para legais merecedoras de sanção moral, não é mais do que a hipócrita sublimação de quem tem a consciência pesada, mas também pouca coragem para reconhecer publicamente que se enganou.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mas ao comportamento de alguma comunicação social alguns reparos não podem deixar de ser acrescentados.
A má vontade, a incompetência a falta de rigor confundiram-se repetidamente em muitos dos textos publicados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A opinião de um funcionário subalterno, de uma qualquer repartição de finanças teve direito a 1.ª página enquanto a opinião de um professor, universitário especialista, em direito fiscal, era remetida' para-a ignorada página de cartas ao director.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Que grande jornalista que o Sr. Deputado me saiu!

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Vai já para chefe de redacção!

O Orador: - A subjativíssima opinião de um colunista político de última hora ocupava um espaço nobre da paginação, o parecer de um experiente juiz do supremo tribunal administrativo, que espontaneamente veio em defesa de um cidadão injustamente vilipendiado; era discretamente colocado numa página de fait-divers.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Estes desabafos não são um ataque a ninguém em particular e muito menos à maioria dos honestos e competentes jornalistas portugueses, mas são tão somente, a constatação de que ainda temos algum caminho a percorrer até à co-habitação com uma imprensa completamente livre, independente e rigorosa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Temos esperança de que á acção liberalizadora da maioria em matéria de comunicação social também contribuirá para uma mais rápida afirmação desses desejados atributos.
As respostas às questões pré-enunciadas no inicio desta intervenção têm sido indicadas por tudo o que tenho vindo a afirmar. Essas respostas condicionarão a nossa absoluta recusa em somar os nossos votos com os que pretendem viabilizar este pedido de inquérito parlamentar.

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O PCP fez assentar toda a sua explanação de motivos e argumentos justificativos do inquérito - e fê-lo ainda hoje aqui - nos textos de imprensa cujo conteúdo substancial evoluiu da forma que acabámos de provar. Por isso, até seria de esperar que o PCP na ausência de novos dados que obviamente não possui já tivesse retirado o seu pedido de inquérito.
Sabemos que não podemos esperar esse comportamento ético-político da parte do Partido Comunista, mas confrontamos as outras oposições com as suas responsabilidades quando da votação final.
Para nós o argumento atrás referido é mais do que suficiente para a inviabilização deste pedido de inquérito. No entanto, contrariamente ao que fez o PCP, não podemos também ignorar os pareceres de diversas entidades oficiais independentes consultadas, de reformados especialistas de direito fiscal e de magistrados que estudam e julgam diariamente, há muitos anos, processos em tudo semelhantes.
Esses pareceres têm sido repetida e inequivocamente favoráveis ao cidadão Miguel Cadilhe.
Poderá o Partido Comunista interrogar-se, ainda, sobre qual a posição do PSD em relação à ridícula acusação de uso, também enunciada no pedido de inquérito de peculato n.º 10/V.
Também neste particular somos coerentes, o Partido Comunista requereu ao Procurador-Geral da República uma acção penal contra o Dr. Miguel Cadilhe. Ó PSD, coerente com o respeito que lhe merece o poder judicial, não comparticipa na instauração de inquéritos que se processem em paralelo com investigações em curso em entidades respeitáveis e independentes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tal posicionamento não significa que não tenhamos argumentos sólidos para combater tão mesquinha acusação, mas desta forma procedemos de modo a honrar os princípios que há muito defendemos.
Para terminar, gostaria ainda de deixar duas notas finais: o PSD não consente que se afirme - e já foi hoje aqui reafirmado várias vezes - que um voto desfavorável da maioria impossibilita que a Assembleia da República venha a realizar este inquérito.
Os 102 deputados da Oposição têm nas suas mãos os mecanismos constitucionais e regimentais para o viabilizarem, se tal estiver de acordo com as suas consciências.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): -- Também sabemos isso!

O Orador: - Não têm contudo o direito de querer corresponsabilizar o PSD com uma decisão que é ética e politicamente pouco abonatóría daquele que, na nossa opinião, deve ser o comportamento deste órgão de soberania.
Queremos também afirmar, com muito orgulho, que o PSD nunca utilizou nem utilizará estratagemas semelhantes para atingir os seus objectivos políticos. Diversas vezes no passado e até no presente poderíamos ter desencadeado inquéritos parlamentares se fossemos sensíveis a simples indícios ou denúncias duvidosas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O respeito pelos direitos e liberdades de todos e de qualquer dos cidadãos e um sentido de Estado profundamente enraizado levam-nos a reflectir profundamente antes de avançar com atitudes levianas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Termino atrevendo-me a citar um grande homem de Estado deste século, que certamente não é do agrado do PCP e que um dia afirmou: «se fracassares, pelo menos fracassa ousando grande coisas, de tal forma que o teu lugar não esteja jamais entre essas almas frias e tímidas (ou entre os comunistas - acrescentaria eu -) que não conhecem nem a vitória, nem a derrota».
Os principais dirigentes do PSD têm felizmente sabido ousar, correndo o risco da calúnia e da perfídia, para o bem de Portugal e dos portugueses.
Assim continuará a ser no futuro.
Aplausos do PSD.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Deputado, preferiríamos que tivesse falado sobre saúde!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Guterres pede a palavra para que efeito?

O Sr. António Guterres (PS): - É para pedir esclarecimento, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Octávio Teixeira pede a palavra também para pedir esclarecimentos?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É sim, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa informa que os tempos remanescentes dos vários grupos parlamentares são os seguintes: PSD zero minutos; PS, sete minutos; o PCP e o PRD, quatro minutos cada; o CDS e o Governo ainda não usaram da palavra.

Entretanto, a Mesa está neste momento a anotar algumas transferências de tempo entre os grupos parlamentares.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, reafirmando da nossa parte o princípio de que esta Câmara, mesmo com uma maioria do PSD, é idónea para fazer um qualquer inquérito parlamentar, gostaria de dizer a V. Ex.a, Sr. Deputado, que o apuramento da verdade não é apenas um risco para os culpados, é também um direito dos inocentes, e o Grupo Parlamentar do PSD deveria ponderá-lo.

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, deseja responder já ou no final?

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - No final Sr. Presidente!

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, nota-se que a táctica escolhida pelo PSD para este debate foi a de despejar uma panóplia
enorme de frioleiras, para tentar fugir a questão de fundo, ou seja à questão que está a ser debatida neste momento.

Uma voz do PSD: - O Sr. Deputado está a ver-se ao espelho?!

O Orador: - Recusamos terminantemente qualquer afirmação do PSD de que os objectivos do PCP, com a abertura do inquérito, não sejam aqueles que afirmámos.
De facto, perante a situação que se vive em todo o País, em termos de discussão pública sobre «b caso do Ministro Miguel Cadilhe, é uma irresponsabilidade que
não se faça um esclarecimento público com todo o conhecimento de causa sobra a matéria.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Pretender manter o clima de suspeição, que existe neste momento, é total irresponsabilidade por quem o pretende evitar.
Sr. Deputado, V. Ex.ª fez algumas referências ainda que muito breves - à questão dos pareceres técnicos que, neste momento, existem, o que me leva a colocar-lhe, muito clara e sinteticamente, duas questões que o Sr. Deputado, com a sua inteligência, conseguirá apreender e dar resposta.
Em primeiro lugar, a tese que tem vindo a ser defendida por alguns é a de que pode haver isenção do imposto de sisa, no caso concreto em termos da questão da permuta, com base - e é preciso ter cuidado com isto num artigo de um decreto que não está consagrado no Código.
Assim, a ser aceite esta tese, gostaria de saber se todo e qualquer cidadão português pode ou não adquirir uma habitação, qualquer que seja o seu valor, sem nunca pagar sisa.
Acha o Sr. Deputado que esta tese tem alguma hipótese de ser sufragada por esta Assembleia da República, que tem competência exclusiva em matéria fiscal? A Assembleia dá República pode sufragar essa tese jurídica?
Uma outra questão, que talvez não tenha sido apreendida pelos Srs. Deputados, diz respeito ao problema da situação do contrato-promessa de compra e venda com tradição do apartamento. Ou seja, celebra-se um contrato-promessa de compra e venda e antes da outorga da escritura o promitente comprador toma posse do apartamento.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Mas isso é normal, é corriqueiro!

O Orador:- Sr. Deputado, a doutrina firmada pela Direcção-Geral de Contribuições e Impostos, publicada cerca de dois meses antes de o Sr. Ministro das Finanças ter adquirido o edifício sito no Lumiar diz o seguinte: «A isenção consignada no Decreto-Lei n.º 5/86 diz respeito às transmissões formalizadas em contrato de compra é venda, não aproveitando, assim às promessas de compra e venda com tradição».
Sr. Deputado, posso fornecer-lhe uma cópia desta disposição e gostaria de saber por. que razão não, se cumpre o que está estabelecido pela Direcção-Geral de Contribuições e Impostos e, que, aliás vem disposto no Código do Imposto de Sisa.

Vozes do PSD: - Leia o parecer Sr. Deputado!

Uma voz do PSD: - Não têm um jurista na vossa bancada?!

O Orador: - Por último, gostaria de saber apor que é que o PSD, que, de facto, não pode impedir o inquérito, dificulta e teme o trabalho da Comissão de Inquérito Parlamentar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, que dispõe de três minutos.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Deputado António Guterres, compreendi perfeitamente o sentido da sua intervenção, mas V. Ex.ª não colocou qualquer questão e, por isso, não vou dar-lhe qualquer resposta, porque ela não poderia resolver as dúvidas existenciais do Partido Socialista em relação a esta matéria.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, não pretendo fugir à crítica que V. Ex.ª, nesta intervenção e em intervenções interiores, remeteu para o tipo de estratégia e de argumentos invocados pelo PSD neste debate. Afronto essa crítica, com toda a seriedade, uma vez que, em face do tempo de que dispomos para o debate, não poderíamos discutir questões de pormenor, de detalhe, mas deveríamos colocar este debate no plano estritamente político e aí ficou claro que este debate, suscitado pelos senhores, visa única e exclusivamente, denegrindo a imagem de um homem honesto, atingir o que VV. Ex.ªs não conseguem atingir no debate político normal que se trava no dia-a-dia desta Câmara.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - A ver vamos!

O Orador: - Mas não fugimos às questões. Na verdade, os senhores têm os mecanismos regimentais e constitucionais à vossa disposição se convencerem esta Câmara a fazer o inquérito.
Se o conseguirem, temos em nosso poder muitos documentos, alguns que VV. Ex.ªs também possuem e ainda outros, pois talvez os saibamos procurar melhor.

Vozes do PCP: - Ah!

Risos do PCP.

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O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Isso é o que se chama transparência!

O Orador: - De facto, Srs. Deputados, não precisamos usar os vossos subterfúgios para conseguir documentos.
Protestos do PCP.

Srs. Deputados, gostaria que me ouvissem!

O PSD possui alguns documentos que utilizaria para combater, ponto por ponto, as afirmações dos Srs. Deputados do PCP e alguns deles têm por base pareceres e teorias formuladas ao longo dos anos por ilustres comunistas.
Protestos do PCP.

O Sr. João Amaral (PCP): - Mostre lá um único que seja!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - A isso, chama-se bluff!

O Orador: - Espere um pouco, Sr. Deputado, não se exalte!
No fim deste debate, os documentos que consideramos essenciais e que se referem aos aspectos - aliás poucos - que W. Ex.as aqui referiram...
Protestos do PCP.

Sr. Presidente, solicito à Mesa que intervenha no sentido de sugerir à bancada do Partido Comunista que faça o silêncio necessário para que possa continuar a minha intervenção.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, já diversas vezes chamei a vossa atenção, através de pequenos batimentos no microfone, para a necessidade de se fazer silêncio na Sala, pelo que neste momento solicito à Câmara que crie as condições para que o debate possa continuar.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Orador: - Os documentos, a que já me referi, irão ser facultados à comunicação social, para que ela possa desmontar essas vossas dúvidas, pois acredito na comunicação social e, particularmente, na comunicação social parlamentar.
No entanto, é curioso que o Sr. Deputado Octávio Teixeira, desde o início deste debate ata ao momento, tenha evoluído de uma atitude de «peito-feito», em que se referiu a irregularidades e ilegalidades, para nesta última intervenção se agarrar a duas questões de forma meramente processuais e altamente discutíveis.
Protestos do PCP.
Acalmem-se, Srs. Deputados!
Poderia ler muitos documentos que os senhores não leram.
Por que é que os Srs. Deputados não leram, por exemplo, - dado que o vosso inquérito é feito com base numa notícia de jornais - uma carta, publicada por um jornal semanário, da autoria de um Juiz do Supremo Tribunal Administrativo que há anos julgou o Sr. Ministro das Finanças Miguel Cadilhe?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Que foi agora nomeado para o Tribunal de Contas pelo Dr. Cadilhe?!!... Questões de família!!
Protestos do PSD.

O Orador: - Por que razão não leram essa carta? Para terminar, lembro...
Protestos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, mais uma vez, solicito à Câmara que mantenha o silêncio necessário para podermos continuar os trabalhos.
Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, já esgotou o tempo disponível, queira terminar.

O Orador: - Para terminar, gostaria de salientar que o julgamento dos comportamentos e das atitudes de um partido político não se fazem num dado momento de uma forma estática. Fazem-se de uma forma dinâmica.
A propósito, lembro um pequeno texto: «É imperioso que o cidadão Sá Carneiro renuncie à condição de primeiro-ministro. Mesmo que ele ainda venha a pagar as suas dívidas à banca nacionalizada, as suas fraudes, trapalhices e tentativas de encobrimento já estão feitas».
Alguma vez o Partido Comunista, depois do cidadão Sá Carneiro ter sido ilibado veio apresentar desculpas públicas? Nunca!
Também não espero e nunca esperarei que o Partido Comunista, daqui a alguns meses, venha apresentar desculpas públicas ao cidadão Miguel Cadilhe.

Aplausos do PSD.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muita parra e pouca uva!

O Sr. João Amaral (PCP): - Essa de meter Sá Carneiro e Cadilhe no mesmo saco é de vossa responsabilidade!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Respeitem os mortos! Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, solicito à Câmara que mantenha o silêncio adequado ao normal funcionamento dos nossos trabalhos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Srs. Deputados: O CDS, ao intervir neste debate, começa por declarar que o faz, talvez pela primeira vez nesta Assembleia, despindo-se do seu papel de partido de Oposição.
Está em causa a honorabilidade de um homem, de uma pessoa e o CDS não faz política contra as pessoas, mas contra as ideias.
O que está em causa neste momento é, obviamente, apreciar, com total isenção, com verdadeiro sentido de Estado, no sentido de dignificar as instituições e o relacionamento entre os órgãos de soberania, um conjunto de atitudes que foram imputáveis a um elemento pertencente a um órgão de soberania, no caso concreto o Sr. Ministro das Finanças.

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É com esse sentido e nessa perspectiva que o CDS intervém neste debate.
Assim, começo por lamentar - e faço-o sinceramente - que o Sr. Ministro das Finanças esteja ausente desta Assembleia. Gostaríamos de ver aqui o Sr. Ministro, porque, em primeiro lugar, gostamos de falar olhando para as pessoas, quando se trata de assuntos onde as mesmas são directamente envolvidas, é, em segundo lugar, porque a presença do Sr. Ministro das Finanças neste Hemiciclo seria certamente uma prova de respeito e de consideração pela Assembleia da República, que o CDS gostaria de registara
Todavia, não creio que a sua ausência signifique menos à-vontade em encarar as questões aqui suscitadas ou qualquer receio de responder - pois estou certo que se aqui estivesse o faria - às questões que aqui já foram levantadas.
Este é, sem dúvida, o primeiro lamento de que retiramos uma ilação política.
Um outro aspecto tem a ver com o papel dos órgãos de comunicação social. O CDS não alinha e discorda da visão que foi aqui já dada de que os órgãos de comunicação social foram os culpados pelo facto de o nome de um homem ter sido denegrido.
Entendemos que não foi assim. Em democracia, e em democracia avançada, devemo-nos ir habituando a considerar como factos normais da vida este, tipo de procedimento. Ou seja, em democracia...

Uma voz do PSD: - Avançada?!

O Orador: - Sim, digo avançada, o nome não me repugna, ou seja, quando a rotina dos mecanismos democráticos dá aos órgãos de comunicação social e digo-o com total isenção por, de facto, o terem ...

Uma voz do PSD: - Exclusividade!

O Orador: - Permitem-me que continue?

Vozes do PSD: - Com certeza, Sr. Deputado!

O Orador: - Como dizia, dá aos. órgãos de comunicação social o papel que desempenham.
Um órgão de comunicação social e, posteriormente, vários outros órgãos, publicaram artigos sobre problemas relacionados com opções e com atitudes de um
ministro.
Teriam procedido contrariamente à ética jornalística se não os tivessem publicado. Teriam actuado contra a ética jornalística se calassem aquilo que sabiam.
Seria, obviamente, uma prova de dependência e mal iriam as instituições que; por isso, estes fossem vituperados, quando no fundo estão a cumprir escrupulosamente o seu dever.
Creio que comparar este caso, como já foi aqui aforado, com o do Sá Carneiro é qualquer coisa de espantoso, Srs. Deputados.
Os factos são radicalmente distintos e os processos radicalmente diferentes.

O Sr. Silva Marques (PSD):- Então, explique-nos a distinção.

O Orador: - Vou tentar explicar, Sr. Deputado.
Enquanto no caso do Sr. Primeiro-Ministro Sá Carneiro se tratou, obviamente, em nosso entender, de uma campanha montada, aí sim; pelo Partido Comunista, tentando denegrir a figura do Primeiro-Ministro da Aliança Democrática...

O Sr. Silva Marques (PSD) : - Mas eles invocavam factos ... ... .

O Orador: - ..., no caso vertente trata-se muito simplesmente, de um semanário, que não tem ligação com o Partido Comunista, que levantou um conjuntos de factos de um maneira clara e independente. A seguir, outros semanários, que têm apoiado sistematicamente o Governo - é isso que tem acontecido...

O Sr. Silva Marques; (PSD): - Qual?

O Orador: - O «Expresso», por exemplo não vos tem apoiado permanentemente?

Aplausos do PS e do Deputado Independente João Corregedor da Fonseca.

Como eu estava a dizer, outros semanários levantaram os mesmos problemas...

Protestos do PSD.

Vozes do PSD: - Não, não!

O Orador: - Eu sei que não! A memória é tão curta que já se compara uma figura, como a do Dr. Sá Carneiro, com a do secretário de Estado do Plano do I Governo da Aliança Democrática!

Protestos do PSD.

Os Srs. Deputados podem falar todos ao mesmo tempo que eu calo-me, ficando vocês a falar sozinhos.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Ficámos a saber que o «Expresso» apoia o Governo.

O Orador: - Na minha óptica, apoia-o. Basta ler os editoriais do director para verificar que isso é mais do que evidente. A não ser que já não os leiam! ...
Dizia eu que outros semanários, que não têm qualquer conotação com o Partido Comunista, levantaram os mesmos problemas. Por todo o lado esse problema - que não tem rigorosamente a ver com o do Sr. Primeiro-Ministro, Dr. Francisco Sá Carneiro, são matérias completamente diferentes - é levantado. Neste caso, trata-se de uma actividade do Sr. Ministro das Finanças, de uma opção - ele até disse: «Quem não sabe gerir a sua casa, não sabe gerir o Estado», foi ele quem o disse -, questão essa levantada por órgãos da comunicação social.
Com toda a sinceridade, digo que o Sr. Dr. Miguel Cadilhe - e os senhores têm o pleno direito de ficarem zangados, mas é essa a minha opinião e penso que ainda a posso exprimir com a liberdade...

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Nós nunca nos zangamos!

O Orador: - ... - deve estar muito incomodado com o Governo a que pertence, com o primeiro-ministro que tem e, se me permitem, com a vossa intervenção parlamentar neste debate. Passo a explicar também porquê.

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Em primeiro lugar, porque era muito simples pôr-se um ponto final, logo de início - se fosse caso disso -, à onda que vinha subindo de tom e que se ia abatendo sob a cabeça do cidadão Miguel Cadilhe e, embora membro de um partido da Oposição, quero dizer-vos que a figura pessoal do Dr. Miguel Cadilhe é uma coisa que me importa, enquanto democrata-cristão.
Fui membro de um governo e sei como é terrível, em termos pessoais, as sequelas que originam atitudes dessa natureza, não só para a própria pessoa como também para os seus familiares. E algo que transcende em muito o aspecto político e o aspecto partidário e quem está na política e com responsabilidades tem o dever de garantir essa honorabilidade. Tenho para mim que o património mais precioso é o nome das pessoas.
Este problema teria sido rapidamente resolvido se, em tempo, o Governo tivesse dado uma resposta oportuna, o que, em meu entender, não aconteceu.
O Sr. Primeiro-Ministro, com o mesmo ar que disse: «Quando tomei conta do PSD».
Risos do PS.
Com o mesmo ar de quem «toma conta do Governo», vem dizer: «Eu solidarizo-me com as atitudes do Sr. Ministro das Finanças».
Ora, não tem de dizê-lo, porque a opinião pública não tem a ver com isso, não tem a ver com aquilo que o Sr. Primeiro-Ministro pensa do Sr. Ministro das Finanças. Mal seria se este não se solidarizasse...
Logo a seguir, o Sr. Primeiro-Ministro numa entrevista ao «Diário de Notícias», veio dizer uma coisa espantosa - aliás, até me admiro por que é que o Sr. Ministro das Finanças não pediu imediatamente a demissão, pois se fosse comigo tinha-o feito no mesmo dia -, que é a seguinte: «mandei aos serviços investigar se o Sr. Ministro das Finanças tinha cometido alguma coisa irregular». - vide, «Diário de Notícias».
Risos.
Foi o pior ataque que o Sr. Ministro das Finanças podia ter tido. É porque neste caso, afinal de contas, havia a dúvida prévia.

Vozes do PSD: - É uma dúvida metódica!

O Orador: - Não é uma dúvida metólica, mas uma dúvida de relacionamento, uma vez que o Primeiro-Ministro tem dúvidas, pergunta aos serviços e di-lo publicamente que o faz...

Uma voz do PSD: - É uma dúvida retórica!

O Orador: - É interessante esta de «dúvida retórica».

Risos do PS e do PCP.

O Sr. Silva Marques (PSD): - É muito interessante a sua intervenção!

O Orador: - Sei que o Sr. Deputado Silva Marques é um fã das minhas intervenções e fico desvanecido com isso.

O terceiro aspecto tem a ver com o próprio Sr. Ministro das Finanças que, em meu entender, cometeu um erro em não só não estar hoje aqui presente - o Sr. Ministro das Finanças chegava aqui, ouvia, assistia e falava -, como também em não ser ele próprio, a pedir um inquérito parlamentar.

Aplausos do PS, do PCP e do Sr. Deputado Independente João Corregedor da
Fonseca.

Era uma defesa claríssima se ele dissesse: «Aqui estou eu. Inquérito parlamentar, já! Exijo um inquérito parlamentar!», porque, como ele diz e compreendo perfeitamente, «quem não deve não teme». Era uma defesa claríssima se ele dissesse: «Tenho o meu nome a ser ilibado e quero que assim seja. Não quero que o meu nome seja bandeira para lutas e combates políticos». É que, neste caso, que o está a atacar mais não é a Oposição.

Penso que o Sr. Ministro das Finanças devia tê-lo feito, pois não só eliminava rapidamente qualquer dúvida que existisse como, em meu entender - volto a dizê-lo -, seria altamente nobilitante para a figura do Ministro das Finanças e, politicamente, um ponto marcado a seu favor.
Quanto ao Grupo Parlamentar do Governo, também penso que, salvo melhor opinião e sempre com devido respeito, como é óbvio...

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Grupo Parlamentar do PSD!

O Orador: - Sim, Grupo Parlamentar do PSD que, julgo, apoia o Governo. A não ser que, neste caso, haja algumas divergências!...
Dizia eu que, tanto quanto ao Grupo Parlamentar que apoia o Governo, também penso que não se compreende por que é que este considera o inquérito parlamentar como ofensa ao ministro. É que uma ofensa ao ministro é não fazê-lo...

Vozes do PSD: - Façam-no!

O Orador: - Uma ofensa ao ministro é mante-lo, para sempre, salpicado nesta questão.
Dizia há dias um Sr. Deputado do PSD que os tribunais são morosos a resolverem as questões. Neste caso, o problema não é esse, mas obviamente, também político, e o Sr. Ministro das Finanças, o cidadão Miguel Cadilhe, tinha e tem todo o direito de ser claramente ilibado por um órgão político e defender, de uma maneira claríssima, a sua imagem, não só agora como também no futuro. Isto porque, de hoje para amanhã, o Sr. Ministro sai do Governo e, embora já não seja mais ministro é sempre o Dr. Miguel Cadilhe. Não só os senhores, como todos nós devemos ter o dever de salvaguardar a imagem do homem que, em meu entender, ficaria salvaguardada desta forma.
Pois bem, os senhores não o fizeram nem querem fazer o inquérito, o que não entendo. Não se trata de qualquer ataque ao cidadão; pelo contrário, em meu entender, trata-se da defesa não só do cidadão Miguel Cadilhe como da defesa política do Ministro Miguel Cadilhe.
Além disso, também há aqui - o que não se entende - dois pesos e duas medidas. Quando aqui foi levantado, pela Sr.ª Deputada Helena Roseta, o «caso Estoril Sol» - lembro-me claramente disso -, caso esse que foi amplamente discutido de uma maneira

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viva, logo o próprio PSD tomou a iniciativa de um inquérito parlamentar.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Não percebeu!

O Orador: - Disse logo: «Inquérito parlamentar. Faça-se um inquérito parlamentar!» Quer isto dizer que nesse caso havia dúvidas em relação ao ministro? Foi por isso que pediram o inquérito? Ou porque tinham a certeza de que não havia dúvidas quanto à honorabilidade do vosso Governo?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por que é que naquela altura pediram espontaneamente um inquérito parlamentar e agora negam-no? Porquê?

Aplausos do PS.

O que é que isto significa politicamente?

Uma voz do PSD: - A campanha da intoxicação foi outra!

O Orador: - A campanha de intoxicação foi outra, Sr. Deputado? Desculpe que lho diga, mas foi feita pelo semanário «Expresso» e eu sei que não gostam de ouvir o nome, mas eu posso citá-lo - uma sondagem que diz o seguinte: «Se o cidadão e Ministro Miguel Cadilhe, é ...

O Sr. João Salgado (PSD): - Tribunal popular!

O Orador: - Não é um tribunal popular. Trata-se de uma sondagem que foi feita e que nada tem a ver com um tribunal popular. Os senhores estão de um reaccionarismo terrível! ...

Risos e aplausos do PS, do PCP e do Deputado Independente João Corregedor da Fonseca.

É uma coisa espantosa! ... Então, uma sondagem é um tribunal popular? Ó Srs. Deputados, tenham tento!...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Basílio Horta, informo-o que esgotou o tempo de que dispõe, pelo que lhe peço o favor de terminar.

O Orador: - Eu termino, Sr. Presidente.
Penso até que a resposta a este aparte de uma sondagem ser tribunal popular, devia até ser descontada no tempo do meu partido.

Risos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, fomos informados de que o PS cede tempo ao CDS.

O Orador: - Agradeço, então.
Dizia eu que nessa sondagem o Sr. Ministro das Finanças devia ter tido o desgosto profundo de ver que era considerado culpado por uma maioria substancial de portugueses.

0 Sr. Montalvão Machado (PSD): - Porquê?!

O Orador: - Porquê? É muito simples: o inquérito parlamentar explicava precisamente o porquê.

Protestos do PSD.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - E os tribunais?!

O Orador: - O Sr. Ministro Miguel Cadilhe tem todo o direito de recorrer aos tribunais mas isso tem a ver com a relação pessoal que há entre o Sr. Ministro, enquanto cidadão, e terceiros; não tem a ver com o problema político. O problema político não é resolvido nos tribunais, nem em tempo nem na sede própria. Não são os tribunais que resolvem os problemas políticos.

Uma voz do PSD: - 15so está nas vossas mãos, Sr. Deputado!

O Orador: - Não metam os tribunais na política é o que falta! ... Só falta porem os tribunais a darem sentenças políticas. 15so ainda não! ...

Aplausos do PS.

Ouvi há pouco o Sr. Deputado Coelho dos Santos dizer - e devo ter ouvido mal - que os inquéritos parlamentares nunca chegavam a qualquer conclusão, que eram qualquer coisa que de nada valia, tanto mais que, depois, a imprensa calava tudo.
Ora bem, um inquérito parlamentar é, constitucional e regimentalmente, a via política de intervenção de fiscalização desta Assembleia, de onde todos nós fazemos parte - e obviamente os senhores mais, porque pertencem ao partido maioritário -, sobre os actos do Governo. É nessa sede que se dirimem esses problemas, é aí que se esclarecem politicamente os problemas.
Ora, é evidente que, face a essa sondagem, face àquilo que a opinião pública diz sobre a figura do Sr. Dr. Cadilhe, o que digo claramente é que era mais um dever para o Partido Social-Democrata promover, ele próprio, o inquérito.
Há pouco o Sr. Deputado Silva Marques disse que não sabiam ainda o sentido de voto e que estariam dispostos a mudar. Sr. Deputado, em consciência, não acha que lhes dei argumentos para mudarem o sentido do vosso voto?!...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em boa consciência, Sr. Deputado, não acha, neste momento, que uni voto a favor do Partido Social-Democrata a um pedido de inquérito, feito pela Oposição ou mesmo por vocês, para o caso de não quererem misturar-se com o PCP na votação, era a melhor maneira de primeiro, salvaguardar o prestigio das instituições; segundo, salvaguardar o nome de um cidadão; terceiro, resolver, de uma forma perfeitamente harmónica, aquilo que não é propriamente um conflito mas, obviamente, um choque entre competências do Parlamento e atitudes do Governo? É um precedente que está em causa, precedente que tem a ver com o papel da imprensa, com o papel fiscalizador desta Assembleia e com a transparência que sempre terão de ter os actos políticos do Governo.

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Nesta conformidade, o CDS votará a favor do inquérito parlamentar que foi solicitado.
Aplausos do PS e do PCP, do PRD e do Deputado Independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Pergunto aos Srs. Deputados Luís Filipe Menezes e Silva Marques para que efeito pedem a palavra.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Para defesa da consideração, Sr. Presidente.

O Sr. Silva Marques (PSD): - E eu para o mesmo efeito, Sr. Presidente.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Só se foi por eu ter dito que o Sr. Deputado Silva Marques era fã das minhas intervenções.

O Sr. Presidente: - Para exercer direito regimental da defesa da consideração, nos termos e no espírito do Regimento, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, desta vez é, de facto, para usar de uma forma correcta a figura regimental que solicitei.

O Sr. Deputado Basílio Horta pôs na minha boca, concretamente, duas afirmações que não proferi.
A primeira foi a de que eu tinha criticado o livre acesso da comunicação social, em geral, à vida pública de um cidadão com responsabilidades políticas. Não foi isso que eu disse. Referi, isso sim, criticando - e continuo e continuarei a fazê-lo de futuro, em defesa de uma imprensa livre, na qual acredito -, que há muitas formas de abordar a vida pública dos cidadãos e a forma como a vida pública do cidadão Miguel Cadilhe foi abordada não está, na minha opinião, de acordo com uma imprensa livre e rigorosa.
A segunda afirmação que fez foi a de que eu tinha comparado este caso com o de Sá Carneiro. Não houve qualquer comparação, nem do caso nem das pessoas. Tão-somente, lembrei uma situação do passado - e que nos é muito cara - em que o Partido Comunista, como é hábito, vilipendiou a figura de um militante do PSD sem, posteriormente, se retratar publicamente, quando este militante foi ilibado perante os tribunais e a opinião pública.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que não estranho que isso aconteça, porque o CDS tem tentado nos últimos tempos, apropriar-se de algo que não lhe pertence e do qual nunca consentiremos que o faça, ou seja, a figura do Dr. Sá Carneiro. Ela é um património histórico do PSD e não do CDS, que, nesta Câmara vota sistematicamente com o Partido Comunista.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, disse o Sr. Deputado que não criticou o livre acesso à imprensa. É óbvio que não! Também era melhor!... Com certeza que ainda não defende a censura!...

Protestos do PSD.

O problema não é esse, mas em saber se a imprensa tem ou não o direito e o dever de colocar, debater e levantar factos de figuras públicas, nomeadamente, de órgãos de soberania.

Protestos do PSD.

Eu acho que sim, obviamente! Protestos do PSD.

O senhor entende que só condicionado, só de uma forma que eu não sei bem qual seja, ou seja, que não levante os factos. No fundo, é isso.

Em segundo lugar, não disse que o Sr. Deputado tinha comparado, mas que, subliminarmente - porque falou no Sr. Primeiro-Ministro de então, Dr. Sá Carneiro -, tinha comparado, tinha dado a entender, tinha deixado pairar essa comparação. Ora bem, entendi que devia ser esclarecido que o caso não é igual, que é diferente.

Uma voz do PSD: - Todos os casos são diferentes!

O Orador: - O terceiro aspecto é grave, muito grave, Sr. Deputado. Agora, até das figuras da História de Portugal os senhores se querem apropriar. Já nem se pode falar no Sr. Dr. Sá Carneiro, que foi primeiro-ministro de um Governo de que faziam parte o PSD e o CDS...

O Sr. João Salgado (PSD): - E V. Ex.ª era ministro!

O Orador: - Com muita honra. E o senhor funcionário de gabinete, salvo erro.

Risos do PS.

Os senhores ficam perturbados, quando se fala na memória do Dr. Sá Carneiro e vêm à liça dizer à património histórico do PSD.
Ainda há pouco, o Sr. Deputado disse que nos momentos inquietos de 1974 e 1975, os senhores foram os principais protagonistas da revolução democrática. Só se foi quando estiveram no governo com o PCP e nós sequestrados no Palácio de Cristal, no Porto!!... Devia ter sido nessa altura!

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para a defesa da consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Basílio Horta, V. Ex.a, tal como qualquer outro deputado da Oposição, tem o direito de esgrimir com a argumentação que entender. O que não pode é sentir-se surpreendido por ter de se confrontar com as nossas questões! ...
Esta Casa não é um tribunal mas sim um órgão político, onde não há verdades absolutas nem privilégios. O Sr. Deputado fez aqui um discurso fácil demais. A facilidade conduz ao fracasso!... É o princípio do excesso de argumentação!... Cometeu esse pecado!... Entusiasmou-se!... E vou explicar-lhe porquê!...
Primeiro, neste aspecto, podemos fazer comparações com o caso Sá Carneiro. Quem levanta atoarda esgrime

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sempre com documentos. e factos! ... Foi o que aconteceu daquela vez!...
O que o meu companheiro Luís Filipe Menezes e muito bem - quis demonstrar foi que o PCP, naquela altura, faz uma campanha sem regra, sem limites, no domínio da agressão moral, ao Dr. Sá Carneiro, da qual nunca se retratou. Neste caso comporta-se da mesma maneira e também nunca se retratará. Ou não fosse comunista! ...

Risos do PSD.

Como é que o Sr. Deputado pode querer, tão facilmente, passar por cima deste problema e dizer «Não! ... Não! ... Uma coisa era esse caso e este é outra! ...
Não julgue, Sr. Deputado, que os saltos das suas palavras o ajudam a vencer os obstáculos reais da frontalidade política. Não abane a cabeça, Sr. Deputado, responda-me antes a seguir.
Por outro lado, Sr. Deputado, Se o princípio válido é o de que «quem não deve não teme», «se há acusação, façam-me um inquérito», etc, que sentido tem haver neste Parlamento o instituto do voto sobre um requerimento de inquérito? Sobretudo, Sr. Deputado, quando existe um outro instituto ao alcance de quantos aqui se encontram e que é a iniciativa protestativa de inquérito parlamentar, para a qual basta apenas as vossas assinaturas! ... O Sr. Deputado vai assinar, juntamente com os comunistas, essa iniciativa de inquérito?

Uma voz do PSD: - Assuma! ...

O Orador: - É isso o que o Sr. Deputado tem de dizer aqui e, sobretudo, lá fora, ao país! ... Vai assinar?
Porque é que nós havemos de começar a nossa luta política, o nosso confronto político, normal, legítimo e são, pela ofensa aos outros?
O Sr. Deputado começou a sua intervenção dizendo «dispo-me das minhas vestes de partido da oposição... », que o mesmo foi dizer «eu sou uma alma elevada e vocês são uns terrenos, baixos, sem capacidade...»

Aplausos do PSD.

O que o Sr. Deputado tentou foi distrair-nos, para não dizer enganar-nos!...

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Deputado Silva Marques, V. Ex.ª insiste numa confusão que lhe é útil, nessa tentativa que faz de nos enganar. Porque nós já estamos, enganados! ...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Então, não vale a pena argumentar!...

O Orador: - O Sr. Deputado continua a tentar confundir duas coisas perfeitamente distintas!... O Sr. Deputado continua a tentar confundir o semanário «Independente» com o PCP, continua a confundir os órgãos de comunicação social com o PCP! ...
O Sr. Deputado. falou em «agressão moral», «no domínio da agressão moral»! ... Foi isso o que o senhor disse, eu escrevi! O Sr. Deputado considera agressão moral as notícias que vieram a lume sobre opções e atitudes tomadas por um membro do seu Governo?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Exacto!

O Orador: - O Sr. Deputado entende, portanto, que qualquer crítica, qualquer problema ou qualquer suspeição que se levante é uma agressão moral! ... E diz que é uma agressão moral sem sequer admitir recorrer aos mecanismos que estão ao seu dispor para afastar essa suspeição moral! ... O senhor diz: «esses mecanismos não, não os queremos». No entanto, achaque as pessoas que o dizem atacam moralmente!... É esse o seu raciocínio! ... Não há nada a fazer! ... São duas diferenças da óptica, são duas maneiras completamente diferentes de ver o funcionamento das instituições! ...

O Sr. Silva Marques (PS): - Fazem o inquérito ou não?

O Orador: - O Sr. Deputado disse o que quis e eu estive aqui caladinho e ouvi-lo. No entanto, cada vez que eu falo V. Ex.ª interrompe-me! ...
Volto a dizer que são coisas diferentes e toda a gente sabe o que são. Não compare o que foi a atitude tomada em relação ao Sr. Primeiro-Ministro, Dr. Sá Carneiro, com o que está a acontecer agora, não compare uma montanha com um monte de areia de brinquedo!...
Por outro lado, o Sr. Deputado disse que eu vim aqui despir-me como se fosse um homem do céu e os senhores homens da terra.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Eu vim para aqui vestido! ...

O Orador: - Sr. Deputado, no seu grupo parlamentar não houve vozes a dizer coisas muito semelhantes àquilo que eu disse aqui? Não ouviu isso? Diga lá! ...

O Sr. Silva Marques (PSD): - E no seu, apesar de serem quatro?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, façam o favor de não incitarem a troca de diálogo.

O Orador: - Assim é impossível! ...

O Sr. Silva Marques (PSD): - E o Sr. Morais Leitão, o que pensa sobre isso?

Aplausos do PSD.

O Orador: - Sr. Deputado, o que o Sr. Dr. Morais Leitão pensa sobre isso...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Quer ler a carta? Leia a carta!...

O Orador: -... disse-o em carta ao Sr. Ministro das Finanças...

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O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Depois de ter aceitado!...

O Orador: - ... quando recusou...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não posso permitir, de acordo com o Regimento e com as práticas desta Casa, o diálogo entre bancadas. O aparte é legítimo mas mais do que isso não posso permitir.

O Orador: - Sr. Presidente, chamo a atenção de V. Ex.ª e da Câmara para esta dualidade de processos. Reparem nisto: comecei por dizer que o Sr. Dr. Morais Leitão recusou o patrocínio, em carta enviada ao Sr. Ministro das Finanças. A resposta do PSD foi apenas: «mostre a carta», «traga a carta», «leia a carta», «como é inocente connosco», «como é fácil...»
Neste momento, o deputado Silva Marques levantou--se da sua bancada e foi depositar na bancada de onde falava o Deputado Basílio Horta a carta do Dr. Morais Leitão.
Risos de todos as bancadas e aplausos do PSD. O Sr. Silva Marques (PSD): - Leia!.. .Leia!...

O Orador: - O Sr. Deputado Silva Marques deve saber ler!... Se quer ler a carta porque é que não a lê o senhor? Leia-a o senhor!...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se não restabelecermos o equilíbrio normal da sala terei que interromper a sessão.

O Orador: - Se o Sr. Deputado quer desviar o que está em discussão para o Dr. Morais Leitão, que não tem nada a ver com isto, aí eu começo a ver que a vossa consciência não está mesmo nada tranquila!... O problema já começa a não ser formal!... O Sr. Deputado está, desde o início, a tentar desviar o assunto em debate para a figura do Dr. Morais Leitão, que não tem rigorosamente nada a ver com o caso!... Está permanentemente a tentar interromper uma explicação que lhe estou a dar - foi o senhor que a pediu ao solicitar a palavra para defender a sua consideração, que, aliás, não foi sequer atingida - e agora vem com o Dr. Morais Leitão!... Isso é manifestamente procurar desviar o assunto!...

Risos do PSD.

Primeiro diz que os órgãos de comunicação social agridem moralmente e, agora, vem com o Dr. Morais Leitão!... O que os senhores querem é «fugir com o rabo à seringa» e tudo lhes está a servir para esse efeito. Mas não consentiremos esse tipo de intervenção!
Para terminar, Sr. Deputado, reafirmo que a intervenção que fiz aqui fi-la despida das vestes do partido da Oposição. Se eu estivesse no seu grupo parlamentar - o que não é muito lógico - diria exactamente isto. Lamento que o Dr. Cadime não seja mais apoiado pelo partido do Governo. Esse apoio poderia ser-lhe dado mediante a votação favorável do inquérito parlamentar, o que é a única forma de o ilibar. Ele não vos perdoará isso, com certeza!

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Assine!... Aplausos do PS, do PRD e do CDS.

Neste momento o deputado Silva Marques levantou--se da sua bancada e foi buscar a carta do Dr. Morais Leitão que tinha deixado na bancada do CDS.

O Sr. José Lello (PS): - Foi buscar a carta satânica! ...

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Capucho): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me que, antes de mais nada, possa, de algum modo, esclarecer as razões da ausência do Sr. Ministro das Finanças neste debate, dada a extraordinária preocupação manifestada pelo Sr. Deputado Basílio Horta quanto à necessidade de defesa do meu companheiro de Governo, Miguel Cadilhe, o que não deixa de ser revelador da postura do CDS nesta matéria, de acordo com aquilo que conhecemos face a deliberações dos seus órgãos nacionais.
Aplausos do PSD.
Vou, para o efeito, ser forçado a cometer, porventura, uma inconfidência, lendo a VV. Ex.as, se me é permitido, uma carta que o Sr. Dr. Miguel Cadilhe me dirigi ontem, nos seguintes termos:
Vai amanhã ser apreciado, na Assembleia da República, o requerimento de inquérito parlamentar promovido pelo PCP.
Nada receio os resultados desta iniciativa, não concordo minimamente com ela mas, não querendo formular qualquer objecção, venho transmitir a V. Ex.ª que não estarei presente no debate em causa, presença a que, de qualquer modo, não estarei obrigado.
É certo que a figura do inquérito parlamentar é uma expressão da liberdade e da democracia. Mas, se a liberdade não tem preço, a dignidade também não, sobretudo quando é atingida por afirmações e insinuações falsas.
Porque considero que as circunstâncias subjacentes ao presente inquérito são gravemente atentatórias da minha honra e dignidade e sem prescindir do direito de defender o crédito e o bom nome pelos meios e nos lugares próprios, venho solicitar a V. Ex.ª providências no que, eventualmente, lhe couber, no sentido do sobredito inquérito, uma vez decidido, não sofrer qualquer preterição e de tudo ser feito de modo a que fique concluído o mais cedo possível, em prol da verdade e da justiça.
Miguel Cadilhe

Permitir-me-ia acrescentar que o Dr. Miguel Cadilhe não está presente porque a nossa postura aqui, hoje, parece-nos que deve ter um carácter acentuadamente político e nunca reduzir-se àquilo que pretenderia, porventura, o PCP, ou seja, a discussão menor dos pormenores à volta deste caso, como manobra de diversão da questão essencial, que é eminentemente política.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Boa piada!...

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O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 10 de Janeiro passado, o PCP requereu um inquérito e sublinho-o à actuação dos serviços oficiais intervenientes no processo de aquisição de um andar, sito em Lisboa, pelo cidadão Miguel Cadilhe.
Não nos surpreendeu, vindo de quem vem, esta iniciativa parlamentar assumida na sequência e aproveitando insinuações caluniosas veiculadas pela comunicação social.
Estamos perante um processo que nada tem de inédito: À falta de melhores e de legítimos argumentos, procura atingir-se a resistência e o bom nome do Governo, sem respeito pela vida privada das pessoas.
De facto, os objectivos e contornos deste processo seriam facilmente comparáveis, por analogia, com diversas outras situações, entretanto esclarecidas, que todos recordam e que me abstenho agora de referir novamente pela simples razão de que nos seria repugnante entrar, uma vez mais, nesse domínio da calúnia envolvendo pessoas que nos são excessivamente caras para que possam ser misturadas neste debate.

Vozes do PSD: - Muito bem!
Poderia esgotar o nosso tempo reproduzindo e citando inúmeros argumentos, factos e pareceres conducentes à prova da legitimidade evidente do processo aqui questionado.
Seria fácil - elementos não faltam e não faltam a VV. Ex.ªs mas seria fazer o jogo dos caluniadores.
E mais: seria porventura inútil ou supérfluo, até porque os destinatários bem conhecem tais elementos.
De resto, para tanto nem seria eu a. pessoa indicada, nem este o local apropriado: o visado já anunciou, publicamente, que procederá pela via judicial e justiça será certamente feita, mais uma vez.
De qualquer modo, mesmo que se varra a suspeição levantada, nada e ninguém poderá remover os terríveis danos morais provocados ao Dr. Miguel Cadilhe e àqueles que, privadamente, lhe estão mais próximos.
Resta-me o ensejo, que não quero desperdiçar neste momento - e relevem-se a nota pessoal - de aqui lhe testemunhar, publicamente, a minha activa solidariedade humana, que a política não está em causa.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: É certo que muitos elementos e testemunhos insuspeitos entretanto divulgados (embora quase sempre com destaques infinitamente menos relevantes do que mereceram os correspondentes libelos) proporcionaram uma progressiva atenuação, ou até a remoção, da generalidade das suspeições e acusações suscitadas anteriormente.
Sintomático deste refluxo é a seguinte passagem dum artigo recentemente publicado pelo director de um semanário, inquestionavelmente independente do Governo e insuspeito no caso em apreço, passagem que me permito citar de seguida: «não deixa de ser condenável e preocupante o modo fácil e levando como o País confunde uma conduta passível de dúvidas com uma infracção à lei e passa da anedota à condenação sumária».
Só não concordo, desta afirmação, que tal conduta fácil e leviana seja imputável ao país.
Parece-me antes imputável aos que insinuaram infracção à lei onde objectivamente poderiam; quanto muito, encontrar dúvidas numa matéria complexa e muito especializada.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Imputável também aos que não quiseram ou não cuidaram de aclarar primeiro essas dúvidas; imputável aos que não hesitam, em última análise, em ferir a credibilidade da classe política e das próprias instituições democráticas; imputável, finalmente, aos que, não olham aos meios utilizados para atingirem os fins prosseguidos.

O Sr. Silva Marques (PSD):- Muito bem!

O Orador: - Entretanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, na sequência do requerimento do PCP, fiz entrega a este e aos restantes grupos parlamentares de profusa e esclarecedora documentação relacionada com o caso e que, sinceramente, esperava ser bastante e concludente para cabal esclarecimento do assunto.
Se ainda se alega subsistirem interrogações, desculpem-me que não creia na sinceridade de quem persiste nessa pretensa dúvida.
Finalmente, devo considerar que, em boa verdade e em homenagem aos valores que deveriam ser caros àqueles que se reclamam dos valores democráticos e dos princípios éticos, só restaria agora, no final deste debate, uma atitude digna: retirar o pedido de inquérito!
E escusam de apresentar desculpas. Dessa origem não são precisas nem pretendidas por quem continua de cabeça bem levantada e de consciência limpa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados António Guterres, Octávio Teixeira, Carlos Brito e Basílio Horta, o último dos quais disporá de dois minutos cedidos pelo PRD.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, teria sido fácil ao PS procurar tirar efeitos políticos imediatos deste caso. Não o fizemos até agora e não o fazemos neste debate porque entendemos que a honorabilidade das pessoas e a credibilidade das instituições democráticas é um valor fundamental.
Já aqui foi levantado o problema do património histórico de várias forças políticas. Queria aproveitar esta ocasião para lembrar-lhe um pouco, do património histórico que é também do PS, mas que é sobretudo da democracia portuguesa e desta Assembleia.
Também ouve, e há, militantes socialistas que, a cada momento, têm sido e podem continuar a ser vítimas de calúnias com as mais diversas origens.
Quero lembrar aqui um homem que foi figura, durante décadas, na clandestinidade e depois, na vida parlamentar política legal, presidente do Partido Socialista: António Macedo. Também ele foi vitima de calúnias gravíssimas sobre a sua honorabilidade. Mas qual foi a reacção de António Macedo? Foi chegar aqui ao Parlamento e pedir aos seus colegas um inquérito parlamentar. O inquérito foi feito e António Macedo foi ilibado; a democracia portuguesa saiu reforçada!

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Penso que este exemplo deve ser ponderado, porque a questão do Ministro Cadilhe é para nós uma questão que respeitamos profundamente na honorabilidade do homem.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Que cinismo!

O Orador: - Isto não é cinismo, Sr. Deputado. Se o fosse já teríamos tido muito tempo para, politicamente, tirar partido deste caso e não o fizemos, o que prova que isto não é cinismo.
Este é o momento importante para sublinhar a defesa da honorabilidade e da credibilidade das instituições. Por isso, entendemos que esta questão devia ser ponderada pelo Governo e pelo PSD e que este inquérito devia realizar-se e, realizando-se, deveria confirmar esta preocupação fundamental: defender sempre a honorabilidade dos homens e a credibilidade das instituições.
Aplausos do PS e do CDS.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Comecem a recolher as assinaturas!

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, deseja responder já ou no fim?

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, gostaria de começar por devolver o qualificativo de caluniador.
Risos.

É absolutamente inaceitável que, quando nós apresentamos factos acerca dos quais já reflectimos, o Governo e o PSD se mostrem incapazes de pensar neles e que, depois, apenas se ponham por detrás da cortina da calúnia ou da insinuação caluniosa.
Muitos factos foram apresentados! Agora, o que é necessário é que a Câmara se debruce sobre eles e, para o fazer com cuidado e em pormenor, com toda a documentação necessária e suficiente, só o inquérito parlamentar.
Gostaria de clarificar uma afirmação errada que o Sr. Ministro fez e que, aliás, também foi feita pela bancada do PSD: o PCP não apresentou o pedido de inquérito aproveitando, como disse o Sr. Ministro, insinuações caluniosas da comunicação social. Fê-lo, e já o disse expressamente, logo à partida, depois e só depois, de o Sr. Ministro das Finanças ter confirmado alguns dos factos que levantaram as perplexidades, as interrogações e as dúvidas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Recordando um director de um jornal, gostaria de dizer que «no entanto, a opinião pública, nestes casos, é mais exigente e não se convence quando eles são ladeados com acusações aos meios de comunicação social ou com a declaração sumária de que se está perante uma campanha de calúnias. Não é isso que resolve o problema, não é isso que pode defender a dignidade do Sr. Ministro das Finanças. Só a clarificação, pura e simples, de todos os aspectos é que poderá defender essa dignidade e o bom nome».

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por último, Sr. Ministro, perante os factos que foram apresentados, alguns dos quais foram confirmados ontem pelo Governo nos documentos que nos enviou, só restaria ao Governo e ao PSD a viabilização imediata do inquérito parlamentar que não tomaram a iniciativa antes.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Recolham as assinaturas, não percam tempo!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta, que dispõe de dois minutos.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, muito rapidamente gostaria de colocar-lhe duas questões que foram suscitadas pela sua intervenção.
O Sr. Ministro começou por falar nos órgãos nacionais do CDS. Não sei bem em que contexto o fez e, portanto, gostaria que me esclarecesse, pois não vejo em que aspecto é que a minha intervenção foi incompatível com qualquer deliberação dos órgãos nacionais do meu partido. A não ser que V. Ex.ª - como o seu colega de bancada - já saiba mais do meu partido do que eu!...

O Sr. Silva Marques (PSD): - É natural, o senhor não tem ido às reuniões!

O Orador: - Digo isto, porque até cartas de patrocínio são exibidas nesta Assembleia! Chega-se a este ponto! Cartas de patrocínio judiciário são exibidas nesta Assembleia.
O Dr. Morais Leitão quando souber disso, vai gostar muito...!
Sr. Ministro, gostaria que me dissesse, com toda a franqueza e em sua opinião, quem é que lançou as atuardas para a figura pessoal do Sr. Ministro Cadilhe? Quem foi? Gostava que o Sr. Ministro dissesse, concretamente, quem foi, porque isso é importante.
Gostaria também que o Sr. Ministro definisse em que casos é que entende que a honorabilidade pessoal fica salvaguardada com a instauração do inquérito parlamentar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito, que dispõe de um minuto.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, como já foi dito pelo meu camarada Octávio Teixeira, nós repelimos totalmente as acusações de calúnias que tentou lançar sobre nós.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas, Sr. Ministro, quero dizer-lhe que a posição do Governo - e já conhecíamos a do PSD - em relação a este pedido de inquérito parlamentar

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3 DE MARÇO DE 1989

é um péssimo serviço à democracia e, à Assembleia da República. Com o que é que conta o Governo?

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Faça favor, Sr: Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares:- V. Ex.ª falou na posição do Governo em relação a este inquérito parlamentar. Como não sei qual é, se, me pudesse, esclarecer, agradecia.

Risos do PSD.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Ah, não sabe? Então, está tudo esclarecido!

O Orador: - Sr. Ministro António Capucho, não brinquemos com as palavras!

Vozes do PCP: - Muito bem!

Risos do PSD.

O Orador: - O Sr. Ministro acaba de transmitir à Câmara a posição do Governo e antes, seguramente, já tinha transmitido à bancada do PSD, que a cumpre obedientemente!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Luís Filipe Menezes - (PSD): - Aqui vota-se! Temos o voto secreto!

O Orador: - Mas, dizia eu, a posição do Governo e a do PSD é tão fraca que nos lança esta interrogação: com que conta, o Governo e o PSD? O que é que esperam? Esperam que o País se convença de que realmente isto é uma questão política? Não foram colocadas aqui questões de fundo, concretas, pelo PCP, as quais, melhor ou pior, acabarão por chegar ao país? Com o que é que os senhores contam? Que são invulneráveis? Enganam-se! O País sabe pensar e ajuizar e nós, pela nossa parte, temos confiança!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não percam tempo! Comecem a recolher as assinaturas!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares:- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero agradecer aos Srs. Deputados as perguntas que me fizeram. Vou responder genericamente, pois, por uma questão de princípio, não entrarei no pormenor neste debate, nem nunca o farei.
Gostaria de pegar numa questão suscitada pelo Sr. Deputado Carlos Brito e que é a seguinte: o que é que espera o Governo? Ao mesmo tempo, gostaria também de referir uma questão que se relaciona.com a nossa potencial preocupação a propósito do que a opinião pública pode julgar sobre, abreviando, a « ques-
tão Cadilhe».
Srs. Deputados, era muito simples o Sr. Dr. Miguel Cadilhe, face à postura que inequivocamente manifesta - e que me manifestou em termos pessoais -, vir aqui ao Parlamento, usar da palavra imediatamente a seguir ao PCP, dirigir-se à bancada social-democrata, largamente maioritária e dizer: «Meus senhores, quem não deve não teme, como várias vezes foi aqui referido. Façam favor, votem favoravelmente o inquérito, apenas para apressar, e não demorem muito tempo, se possível, para, eu não estar, pendente de julgamento final mais tempo do que tenho, estado».
Bom; estou convencido de que no dia seguinte, não querendo armar em especialista de marketing, o Dr. Miguel Cadilhe, o PSD e o Governo tinham virado do avesso a opinião pública, ou seja - se é verdade o inquérito à opinião pública recentemente publicado que manifestava perplexidade largamente maioritária do povo português face a esta questão - uma semana a seguir a uma atitude destas a opinião pública estaria virada a nosso favor. Era a solução fácil, mas não é a solução política adequada e por isso a rejeitamos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Porquê?

O Orador: - O Sr. Deputado Basílio Horta, pergunta porquê e eu acrescentarei um argumento: é que o PSD, eu próprio e o Dr. Miguel Cadilhe, sabemos que, independentemente da nossa vontade e da forma como se levantarem daqui a um bocado aqueles 148 senhores e senhoras da maioria, o inquérito faz-se. Nós vamos ter inquérito, se os Srs. Deputados da Oposição, desde o deputado Basílio Horta até ao PCP «espetarem» 50 assinaturas num papel. Nós vários ter um inquérito, não temos dúvidas,...

Aplausos do PSD.

O Orador: - ... o que depreendo da postura da maioria. A maioria e nós próprios, sabendo da inevitabilidade do inquérito - a não ser que os deputados, nesta Casa, tenham problemas de consciência em apor a assinatura nesse papel, mas suponho, honestamente, que não -,...

Vozes do PSD:- Não!

O Orador: - ... estamos perfeitamente à vontade com ele. Não porque temos uma maioria de 148 deputados que nos apoia mas porque estamos seguros da inocência e da verticalidade que sempre presidiu aos actos que estão questionados neste pedido de inquérito.
Preferimos que a opinião pública, porventura neste caso, mude mais devagar! Preferimos que a opinião pública conheça de uma forma mais profunda o que está subjacente a esta iniciativa.
O Sr. Deputado António Guterres falou em retirar dividendos políticos desta situação, coisa que o PS, na sua opinião, não quis fazer. Admito, sem o esconder, que a vossa intervenção - embora discordo dos seus fundamentos - foi, em substância, radicalmente diferente daquela que proferiu aqui o PCP. Mas, apesar de tudo, permita-me que lhe devolva a recomendação: se quisessem retirar dividendos políticos sérios a forma mais eficaz seria uma demarcação concreta da postura do PCP.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Já anunciámos, Sr. Presidente e Srs. Deputados que o Sr. Ministro Miguel Cadilhe confia na justiça dos tribunais e que já recorreu aos tribunais para que tudo se aclare.
Resta-me dizer que, se tiverem a coragem de avançar com o inquérito - o que parece óbvio das intervenções feitas nesta Câmara -, estaremos disponíveis para nele colaboramos. Resta o pedido do Sr. Ministro Miguel Cadilhe para que se faça o mais rapidamente possível e a opinião pública, a breve trecho, será devidamente esclarecida sobre os contornos reais de todo este processo.
Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrado o debate sobre o Inquérito Parlamentar n.º l0/V, suscitado pelo PCP.

Srs. Deputados, de seguida, vamos passar à discussão da Ratificação n.º 46/V, apresentada pelo PCP.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peco a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, gostaria de saber se a votação do pedido de inquérito se vai fazer de imediato.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a hora regimental para as votações é às 19 horas e 30 minutos.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, nesse caso e nos termos regimentais, peço uma interrupção dos nossos trabalhos por trinta minutos, para poder reunir o meu grupo parlamentar.

O Sr. Presidente: - É regimental, está concedido. Está suspensa a sessão.
Eram 18 horas.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Maia Nunes de Almeida

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 45 minutos

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão da Ratificação n.º 46/V, da iniciativa do PCP - Decreto-Lei n.º 373/88, de 17 de Outubro, que define a estrutura orgânica da Universidade do Algarve.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A Universidade do Algarve é uma criação da Assembleia da República. Nasceu por força da Lei n.º 19/79 de 28 de Março e tornou-se possível pela vontade e o compromisso tácito, dos partidos com maior implantação do Algarve - PSD, PS e PCP (cito pela ordem das duas mais recentes votações).
Talvez pela natureza do seu nascimento, a Universidade do Algarve foi sempre encarada com maus olhos por parte dos sucessivos Ministérios da Educação,
independentemente da designação que foram tendo e da composição político-partidária que os configurou. Nunca nenhum se atreveu a negar-lhe razão para existir, mas quase todos têm dificultado a sua existência. Por isso, a vida efémera da Universidade do Algarve tem sido um permanente sobressalto de sustos e ameaças que os estudantes, docentes, forcas políticas e populações algarvias, até agora, têm arredado, mas sem que tenha sido possível até hoje assegurar-lhe uma via segura de implantação e de desenvolvimento.
A última das ameaças é o Decreto-Lei n.º 373/88, de 17 de Outubro que «define a estrutura orgânica da Universidade do Algarve», agora em processo de apreciação pela Assembleia da República, por iniciativa do Grupo Parlamentar do PCP.
O decreto que é sustentado pelo actual reitor da Universidade do Algarve, Professor Lloyd Braga, tem a oposição unânime dos estudantes (manisfestada em reuniões gerais e através da respectiva associação) de docentes (expressa em reunião geral através das estruturas sindicais e a nível individual) e da Assembleia Municipal de Faro, através de uma moção aprovada por unanimidade.
O Decreto-Lei n.º 373/88, cria uma situação não só ilegal mas estranhíssima, que a Assembleia da República pode reparar, tem meios para reparar e a indeclinável responsabilidade de o fazer.
Com efeito, sendo publicado em 17 de Outubro e tendo sido aprovado em Conselho de Ministros em l de Setembro de 1988, o Decreto-Lei n.º 373/88 ignora, desrespeita e viola a filosofia, o sentido e a letra da lei da autonomia universitária aprovada pela Assembleia da República em 20 de Junho de 1988 e que entrou em vigor em 25 de Setembro de 1988.
Recorde-se que a Lei n.º 108/88 sobre a autonomia universitária tem a força de ter sido elaborada a partir de uma proposta de lei do Governo e de projectos de lei de diferentes partidos e de consagrar um largo e profundo consenso nacional, que se traduz no facto de ter sido aprovada por unanimidade,
Ora, nos termos desta lei (artigo S.º) é consagrada a autonomia estatutária das universidades, prevendo-se que «os estatutos da universidade devem conter as normas fundamentais da sua organização interna, nos planos científicos, pedagógico, financeiro e administrativo, bem como o regime das autonomias das respectivas unidades orgânicas».
Igualmente prevê (artigo 31.º) que «as instituições universitárias em regime de instalação há mais de dois anos à data da entrada em vigor da presente lei são aplicáveis as disposições nela previstas designadamente quanto a prazos para a elaboração e aprovação dos estatutos e eleições dos respectivos órgãos de governo».
Esta disposição é integralmente aplicável à Universidade do Algarve, uma vez que a mesma, à data da entrada em vigor da lei da autonomia, se encontrava em regime de instalação há mais de dois anos, mais precisamente há quatro anos, pois iniciou a actividade lectiva em 19 de Março de 1984.
Ora, o Decreto-Lei n.º 373/88, desrespeitando a lei n.º 108/88, visa perpetuar o regime de instalação, ou seja, visa prolongar o sistema de intervenção directa do Governo na universidade.
Dito de outra maneira: onde a lei de autonomia determina a normalização democrática da gestão e governo das universidades, o decreto governamental mantém o estado de excepção na Universidade do

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Algarve e o Governo de um reitor imposto por nomeação, à margem de qualquer processo democrático.
Tal actuação do executivo nega, na prática, à Universidade do Algarve, o direito de elaborar, nos prazos legalmente previstos, os respectivos estatutos, e de eleger os seus órgãos de Governo, o que coloca a Universidade do Algarve numa posição diminuída e subalterna em relação às demais universidades do País.
Esta situação abre uma crise de identidade à Universidade do Algarve, e aos cursos nelas ministrados, que motiva legítimas e compreensíveis preocupações aos estudantes e lhes pode provocar graves prejuízos.
Acresce que o Decreto-Lei n.º 373/88 contraria também o disposto na lei de bases do sistema educativo; que não prevê a possibilidade de gestão comum a universidades e institutos politécnicos.
Por tudo o que fica dito, entendemos que a atitude mais rigorosa da Assembleia da República em face da chamada definição da «estrutura orgânica da Universidade do Algarve» - deveria ser, pura e simplesmente, a recusa de ratificação.
Tendo em conta, porém, a necessidade de se procurar um consenso que melhor sirva a universidade do Algarve, os interesses dos seus estudantes e docentes; manifestamos à maioria e aos outros partidos da Assembleia a nossa disponibilidade para propormos e votarmos a suspensão do decreto por um determinado período que dê tempo para ser reconduzido à letra e à filosofia da lei da autonomia universitária - está feito o meu pedido ao PSD. Com esse objectivo, apresentamos um conjunto de propostas de alteração.
É tempo de a Universidade do Algarve ter a sua carta de alforrial.
Afirma-mo-lo num acto de completa solidariedade do PCP com os estudantes, docentes e trabalhadores que nela desenvolvem a sua actividade.
Afirma-mo-lo com a convicção com que trabalhámos para a aprovação da lei que criou a universidade, certos que ela constituí um polo fundamental e indispensável do desenvolvimento da região algarvia e do País.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Mateus de Brito.

O Sr. Mateus de Brito (PSD): - Sr. Deputado Carlos Brito fez uma intervenção que ouvi com bastante. atenção.
De uma forma telegráfica, gostaria de fazer-lhe uma pergunta frontal: é objectivo do PCP fazer «cair» o decreto ou suspendê-lo e criar um vazio de governo na universidade, ou seja, criar a confusão na universidade?
É esse o propósito do PCP? É esse o seu contributo efectivo e concreto para a Universidade do Algarve? É, afinal, essa a forma de o PCP e de um seu deputado algarvio contribuir para o beneficio das populações algarvias?

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Sr. Presidente:- Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Mateus de Brito, respondo-lhe, também, telegraficamente, o que nada tem a ver com a muita consideração que por si, até porque é uma pessoa ligada, também, à Universidade do Algarve e, agora, fazendo parte da gestão da própria Universidade do Algarve. Porém, quer dizer-lhe que a sua preocupação não tem, na verdade, razão de ser. Com efeito, o decreto em questão não revoga nenhuma, legislação e, portanto; a sua queda não traz, nenhumas dificuldades nem criam nenhum vazio, podendo todos os problemas ser resolvidos pela própria lei da autonomia universitária, com a posterior elaboração do estatuto da Universidade do Algarve no quadro da mesma lei.

O Sr. Mateus Brito (PSD): - Permite-me que o interrompa, Sr. Deputado Carlos Brito?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Mateus Brito (PSD): - Mas criava, no imediato, um vazio de poder.

O Orador: - Não cria nenhum vazio, Sr. Deputado. Até ao dia 25 de. Março, não há nenhum problema, pois enquadra-se no período de seis meses previsto na lei da autonomia universitária. E, entretanto, a universidade, embora atrasada e em consequência deste próprio decreto, começa a elaborar o seu próprio estatuto. Estamos, portanto, crentes de que não haverá nenhum problema quanto ao vazio legal.
A nossa proposta de suspensão do decreto poderia também permitir que todos os partidos da Assembleia da República, conjuntamente com o Governo - e nós estamos abertos para essa solução - encontrassem as soluções mais adequadas que ponham, digamos, a lei própria da Universidade do Algarve em conformidade com a lei da autonomia universitária.
O propósito da nossa intervenção e do nosso pedido de suspensão é encontrar o melhor caminho, ou seja, o caminho do maior consenso, para chegarmos a uma solução que não prejudique de maneira nenhuma, não crie nenhum vazio nem nenhum problema suplementar e permita que a Universidade do Algarve encontre as melhores soluções para a sua existência e para o seu desenvolvimento.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior.

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior (Alberto Ralha): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvi com muita atenção a exposição do Sr. Deputado Carlos Brito, mas devo dizer que discordo inteiramente dos argumentos que apresentou.
Na verdade, o Decreto-Lei n.º 373/88, de 17 de Outubro, estabelece, no n.º 2 do artigo 1.º, que «a articulação a que se refere o número anterior é feita sem perda de autonomia è das características próprias do ensino universitário e do ensino politécnico ministrado por aquelas instituições». Aliás, o Sr. Deputado referiu-se à lei da autonomia das universidades, que foi aprovada nesta Assembleia da República, e certamente também não desconhece a lei de bases do sistema educativo, que foi, igualmente, aprovada por esta Assembleia da República e que estabelece que «as universidades podem- ser constituídas por escolas, institutos, etc, podendo ainda integrar escolas superiores de ensino politécnico». Aliás, o Decreto-Lei n.º 513-C/79, que

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criou o ensino politécnico, estabelece, no n.º l do seu artigo 3.º, que «os estabelecimentos de ensino superior politécnico e os de ensino superior universitário poderão estabelecer entre si regimes de associação, segundo normas a aprovar pelo Ministro da Educação, com objectivos de cooperação mútua, coordenação no âmbito nacional e regional e racionalização e optimização dos meios humanos e do equipamento, tanto educacional como de investigação».
Por outro lado, o Sr. Deputado sabe, com certeza, que a população do distrito de Faro é cerca de metade da população do distrito de Aveiro, por exemplo, onde só há uma universidade, não há um instituto politécnico, e uma Escola Superior de Contabilidade e Administração. Urge, portanto, fazer uma optimização dos recursos que existem nessa região e a única utilização comum é a do pessoal administrativo auxiliar e nada mais. Há alunos da universidade, há alunos do politécnico; há docentes da universidade e há docentes do politécnico.
Aliás, o Sr. Deputado fez uma afirmação que não é correcta, dizendo que não se iam fazer os estatutos, quando os estatutos da Universidade do Algarve estão em elaboração e serão apresentados dentro do prazo.
O Sr. Deputado fez também uma insinuação no sentido de que o reitor Loyd Braga teria ameaçado o ensino universitário. Ele não está aqui para se defender, mas eu direi que a Universidade do Algarve, depois que o reitor Loyd Braga tomou posse, conheceu um desenvolvimento muito rápido: há investimentos muito importantes, o campo de Gambelas está em grande evolução e, portanto, não tem razão de ser esse comentário que o Sr. Deputado fez.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Jorge Lemos, Carlos Brito, António Filipe, Narana Coissoró, António Barreto e José Apolinário.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Secretário de Estado, quem o ouvisse falar diria que o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior entrou para este Governo em Setembro de 1988 e ignora o que se passou antes. Trouxe-nos alguns factos, mas não é isso que está em causa. O que está em causa é que o Governo, que apresentou aqui, na Assembleia da República, uma proposta de autonomia das universidades, com a qual esteve de acordo, uma vez que o próprio PSD votou favoravelmente, está a fazer, ao mesmo tempo e acabará por publicar posteriormente, um decreto-lei que contraria essa mesma autonomia. E a isso, embora o meu camarada Carlos Brito se tenha referido, V. Ex.ª não respondeu.
Quer ver onde se refere o prolongamento do regime de instalação, Sr. Secretário de Estado? Passo a ler o capítulo 5.º, artigo 25.º: «até ao termo do período de instalação». E o artigo 29.º: «A universidade e o instituto mantém-se em regime de instalação...»
Ora, não há nada em abono desta manutenção? do «regime de instalação». Há uma lei quadro das universidades que diz que «as universidades que estão em regime de instalação há mais de dois anos devem aprovar os seus estatutos e acabar esse regime de instalação no mesmo prazo que as outras universidades». E qual é o prazo? Não será necessário lembrar, porque o Sr. Secretário de Estado também leu a lei da autonomia universitária, ou deveria ter lido. Porém, na intervenção que fez, demonstrou que, pelo menos, não a leu atentamente.
O que está em causa é uma decisão administrativa governamental de juntar duas instituições do ensino superior, uma universitária e outra de ensino politécnico, repito, por decisão administrativa do Governo. Aliás, os estatutos da universidade podem prever formas de articulação com institutos politécnicos, mas o que a lei de bases não consagrou - e o PSD, na altura, esteve a favor disso - foi que houvesse gestão comum de universidades e institutos politécnicos e essa é que é a questão. Não é por acaso que a lei de bases diz que «as universidades podem integrar escolas superiores», mas já não podem integrar institutos, porque estes têm a sua vida própria.
Sr. Secretário de Estado, as questões são claríssimas. O que está em causa é saber porque é que o Governo, que esteve de acordo - ou disse que esteve de acordo - com a lei da autonomia, publicou, um mês depois, um decreto que nega a própria autonomia. E se assim não fosse, Sr. Secretário de Estado, e se até estão a ser elaborados os estatutos, porque é que no seu decreto se define toda a estrutura pedagógica e científica da Universidade do Algarve que, nos termos de lei da autonomia, deve ser definida no estatuto da universidade? O que os senhores pretenderam foi diminuir, menorizar a Universidade do Algarve! Disso não podem fugir! Mas nós, Oposição - e esperemos que também a maioria -, estamos aqui para repor o estatuto de igualdade que foi usurpado por esta medida do Governo.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, deseja responder de imediato ou no fim?

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior: - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos de Brito, que apenas dispõe de dois minutos.

O Sr. Carlos de Brito (PCP): - Sr. Secretário de Estado, muito rapidamente, começava por lhe dizer que o som que chega à bancada do Governo, deve estar muito mau, porque o Sr. Secretário de Estado atribui-me afirmações que não fiz. A única afirmação que fiz em relação ao Professor Loyd Braga foi dizer que ele sustenta este decreto-lei, enquanto que os estudantes, os professores e a população de Faro estão contra ele. Esta foi a única afirmação que fiz. Portanto, essa questão terá o Sr. Secretário de Estado que rectificar, no seu juízo e nas suas notas.
Também queria dizer-lhe que nós temos aqui o decreto e estamos também habituados a ler diplomas legais. Na verdade, o decreto prolonga o período de instalação e depois tira daí as consequências, dizendo, por exemplo que «durante o período de instalação, o reitor é nomeado e exonerado livremente por despacho do Ministro da Educação».
Bom, e que é isto senão aquilo que dissemos dali, da tribuna?
Finalmente, na minha intervenção - naturalmente cá terei os meus juízos - não atribui nada ao Professor Loyd Braga em relação à existência da Universidade

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do Algarve, mas fiquei preocupado com as considerações do Sr. Secretário de Estado quando invocou aqui o exemplo de Aveiro. Quererá isso dizer que o Ministério da Educação continua a pôr em dúvida a razão da existência da Universidade do Algarve? Esta é que é á questão essencial e a observação do Sr. Secretário de Estado agrava e aprofunda as nossas preocupações a este respeito.
Ora, Sr. Secretário de Estado, quando a lei foi discutida aqui, na Assembleia da República, a minha posição, depois de discutir com especialistas do meu partido e doutros partidos, foi esta: seja qual for a solução que viermos a ter para o mapa das universidades portuguesas, é evidente que terá que existir sempre uma Universidade do Algarve; essa é uma reivindicação fundamental dos algarvios. É por isso que vemos com, tanta preocupação as várias tentativas no sentido de diminuir, de secundarizar a universidade algarvia.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente:- Srs. Deputados, com a transferência de tempos que se verificou, o PCP dispõe agora de dois minutos.
Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Secretário de Estado, devo dizer que um dos aspectos que particularmente me chocou neste decreto-lei sobre a Universidade do Algarve refere-se à completa marginalização e desrespeito para com os estudantes da universidade nele patente.
Com efeito, como é sabido tanto a Constituição da República como as leis da autonomia universitária e de bases, do sistema educativo consagram o direito de participação de todos os corpos de escola na vida académica. Esse direito de participação é amplamente reconhecido em todos os diplomas legais fundamentais do sistema educativo, menos, e significativamente, neste decreto sobre á Universidade do Algarve.
Ao Sr. Secretário de Estado coloco a seguinte questão: o que pode justificar que órgãos, previstos na lei de autonomia universitária - como a Assembleia da Universidade, com participação dos estudantes;- o Senado Universitário, igualmente com comparticipação dos estudantes, ou os órgãos previstos para as unidades orgânicas das universidades, tais como as assembleias de representantes, os conselhos directivos e os conselhos pedagógicos - sejam completamente riscados do mapa e substituídos por órgãos sem quaisquer resquício de participação estudantil?
Neste diploma são engendrados permita-me o termo, órgãos para a Universidade do Algarve que permitem, inclusive, a participação de entidades exteriores à universidade e não permitem a mínima participação dos estudantes dessa escola. Não há, portanto, qualquer resquício de gestão democrática, sendo o próprio reitor nomeado por despacho. Os estudantes da Universidade do Algarve são, assim completamente desrespeitados e aviltados por este decreto-lei.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Silva Marques pede a palavra para que efeito?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente, porque presumo que a bancada do PCP já não dispunha de tempo. Não sei por isso, como pode.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, oportunamente anunciei que tinha havido transferência de tempo. Para ser totalmente explícito; o CDS cedeu dois minutos ao PCP.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado: Das perguntas que desejo fazer ao Sr. Secretário de Estado a primeira já foi aqui posta e refere-se à manifesta violação, segundo parece, do artigo 3. º da lei da autonomia, porquanto já, está decorrido o prazo de dois anos sobre o regime de instalação da universidade é, realmente, o Governo já não tem poderes para perpetuar este regime de instalação.
O segundo problema, que me parece estar contido na brevíssima, intervenção de V. Ex.ª, é que incorreu num erro de confusão entre a associação e a gestão
comum.
O que a lei de bases diz é que pode haver uma associação entre uma universidade é institutos politécnicos, não dizendo nem poderia dizer, que possa haver uma gestão comum, isto é, uma fusão da universidade com os institutos politécnicos. Com isto não. quero dizer que a universidade se rebaixa porque integra nela um instituto politécnico, ou este se eleva porque, agora, faz parte e tem uma gestão comum com a universidade, mas sim que o produto que sai desta fusão é diferente do que o que a situação doutras universidades do País, que são exclusivamente e não integram em si institutos politécnicos. E esta fusão leva a que, pelo menos, se diga que a Universidade do Algarve é um tercium génus entre o instituto politécnico e a universidade. Não é propriamente uma universidade, porque tem nela integrado um instituto politécnico, e não é um instituto politécnico porque lhe chamam universidade. V. Ex.ª não poderá negar isso.
Em terceiro lugar, gostaria- de referir a V. Ex.ª que os estudantes se queixam de não terem sido ouvidos. Ora, a lei da autonomia dá aos estudantes um grande poder, que não pode ser desprezado e não percebo como é que o Ministro da Educação - que, ao contrário de outros ministérios é dialogante - e, principalmente V. Ex.ª, e apregoando tanto o consenso, a disponibilidade para o diálogo e a abertura ao mundo juvenil, não ouviu os estudantes. Porque é que VV. Ex.ªs, não, ouviram os estudantes da Universidade do Algarve? Este decreto-lei é contra os estudantes?
Gostaria de saber isso, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.

0 Sr. António Barreto (PS): - Sr. Secretário de Estado, quais as razões cientificas que levaram à medida tomada pelo Governo? Quais foram as razões pedagógicas que fundamentaram e apoiaram a medida tomada pelo Governo?
No preâmbulo de decreto-lei fala-se de seis mil alunos, creio eu. Conheço um projecto de lei do Governo sobre as universidades particulares e cooperativas e os

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pareceres que estão em discussão onde o Governo fala de universidades com o mínimo de 700 alunos.
Devo dizer, Sr. Secretário de Estado, que não tenho nenhum a priori e acho que não há dogma na total separação entre os diversos tipos de ensino nem na total fusão. O que gostava de ter era um esclarecimento sério, fundamentado, científico, pedagógico, institucional. Isso, no entanto, é a falência do Governo!... Estas razões científicas, pedagógicas, fundamentadas não foram, até hoje, dadas.
Por que razão o Governo não respeitou o espírito da autonomia universitária em vigor desde há algum tempo?
Quais são as diferenças que o Sr. Secretário de Estado vê entre a vocação do ensino universitário e a do ensino politécnico? Se vê diferenças, como é que as traduz na realidade institucional? Se vê semelhanças, como é que as traduz igualmente nessa realidade?
Queria também que me dissesse, Sr. Secretário de Estado, por que razões científicas e pedagógicas o Governo, com tanto tempo atrás de si até hoje, não normalizou já a vida em algumas universidades, em muitas escolas superiores e nos politécnicos e mantém arcaicos regimes de instalação?
Finalmente, Sr. Secretário de Estado, gostaria que me dissesse se o Governo é capaz de assumir dois compromissos firmados aqui na Assembleia da República: qual é o compromisso que o Governo toma relativamente à universidade e ao ensino politécnico no Algarve, quanto ao seu futuro, ao seu horizonte, à sua vocação científica, profissional, etc, e qual é o seu compromisso relativamente à normalização institucional da vida no ensino politécnico, nomeadamente na cessação - que já tarda, Sr. Secretário de Estado -, na vida institucional do ensino politécnico, das comissões de instalação?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário.

O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Secretário de Estado, vou apresentar-lhe três perguntas concretas, que penso poderem traduzir-se em três respostas breves por parte de V. Ex.ª
A primeira questão relaciona-se com as dúvidas suscitadas pela intervenção do Sr. Secretário de Estado a propósito da justificação da Universidade do Algarve. O Sr. Secretário de Estado conhece o estudo de viabilização da Universidade do Algarve? Se o conhece, por que razão nunca o contestou?
Por outro lado, conhece o Sr. Secretário de Estado o discurso do então ministro da Educação e Universidades, Sr. Professor Vítor Crespo, hoje ilustre Presidente da Assembleia da República, proferido em Abril de 1982, quando da nomeação da Comissão Instaladora da Universidade do Algarve e a valorização que nele era feita do papel da Universidade do Algarve?
A segunda questão tem a ver com o estatuto da universidade. O Sr. Secretário de Estado diz que se vai implementar a consagração dos estatutos da universidade. Então porque é que a informação de que dispomos, obtida através dos contactos que temos tido com a Associação de Estudantes, não é a mesma? Ou alguém anda a esconder algo ao Sr. Secretário de Estado, ou então, o Sr. Secretário de Estado numa falou com a estrutura representativa dos estudantes.
A terceira e última questão tem a ver com a optimização. Por que é que o Governo não ouviu os deputados à Assembleia da República neste processo, ao contrário do que tinha assumido, em 24 de Julho de 1986, o então titular da pasta, quando então já no horizonte se perspectivava um diploma sobre esta matéria? Segunda alínea desta questão: porque é que os licenciados pela Universidade do Algarve têm no seu diploma de licenciatura a indicação Universidade do Algarve/Instituto Politécnico de Faro?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior.

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior: - Srs. Deputados, vou ser breve e responderei ao mesmo tempo às perguntas que coincidiram.
Em primeiro lugar, devo dizer que o ensino politécnico não tem como unidades principais os institutos politécnicos mas as escolas superiores. O decreto-lei que criou o ensino politécnico diz, no artigo 1.º, n.º 6, que as escolas superiores, em cada localidade, serão agrupadas em institutos politécnicos, com uma função de coordenação entre as escolas. Portanto, há aí uma confusão entre institutos e escolas superiores.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - A confusão é vossa!

O Orador: - Agradeço que não me interrompam por que eu não interrompi quando W. Ex.ª estavam a falar.
O Sr. Deputado Carlos Brito e um outro Sr. Deputado fizeram uma leitura diferente de uma afirmação que fiz quanto ao número da população escolar de Aveiro e a população escolar do Algarve. Com isso não estava a querer dizer que não se justifica a Universidade do Algarve mas apenas que há que optimizar os recursos, visto que aí o número de alunos vai ser menor, pois não podemos contar, na Universidade do Algarve, com um número de alunos tão grande como contamos na Universidade de Aveiro, na Universidade do Minho, etc. Foi isso que eu disse, e que não pode ter outra interpretação.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Quem é que está a elaborar os estatutos?

O Orador: - Vários Srs. Deputados afirmaram que não se vão fazer os Estatutos da Universidade do Algarve. Garanto-lhes que os estatutos serão apresentados durante este mês.
Por outro lado, devo dizer que logo que os estatutos estejam feitos acaba o regime da instalação, com certeza. Aliás, neste momento o regime de instalação dos institutos politécnicos e das universidades tem de ser renovado ano a ano; portanto, se houver os estatutos, o regime de instalação desaparece, não havendo uma violação da lei para perpetuar o regime de instalação.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Quem é que está a elaborar os estatutos, Sr. Secretário de Estado?

O Orador: - Quanto à gestão comum, à sua associação, devo dizer que há exemplos semelhantes nos institutos politécnicos de Lisboa, do Porto e de Coimbra,

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e na Escola Superior de Contabilidade e Administração de Aveiro, que utilizam vários serviços das universidades sem que os alunos universitários se sintam diminuídos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Mas não têm gestão comum!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: Assim não podemos responder às perguntas! Estão sistematicamente a interromper!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Queixinhas!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Não é queixinhas, é que temos de ter condições mínimas para responder.

Risos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - O Sr. Ministro já foi deputado e sabe como é!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado; o comentário era absolutamente desnecessário. Ainda não temos o sistema de cortar a palavra e o mais que posso fazer é chamar a atenção à Câmara para o seu modo de comportamento.
Faça favor de continuar, Sr. Secretário de Estado.

O Orador: - O Sr. Deputado José Apolinário queria saber se eu tinha dúvidas quanto. à justificação da Universidade do Algarve. Não tenho dúvidas nenhumas!
Aliás, desde que eu estou na Secretaria de Estado do Ensino Superior foram aprovados grandes investimentos para a Universidade do Algarve, como o Sr. Deputado que é do Algarve provavelmente conhece.
O Sr. Deputado também apresentou dúvidas quanto ao estatuto mas eu confirmo que. o estatuto será apresentado em devido tempo.
Por outro lado, o Sr. Deputado José Apolinário pretendia que o Governo consultasse a Assembleia dá República sobre estes assuntos. Tanto quanto sei, mas o Sr. Deputado nesta matéria deve saber mais do que eu, a Assembleia da República ainda não é um órgão consultivo do Governo!

Aplausos do PSD.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É o que se chama entrar calado e sair mudo!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, considerando os tempos disponíveis, é possível que nós possamos terminar este debate por volta das 20 horas. Portanto, sugeria que se continuasse o debate e que as votações se fizessem cerca das 20 horas. Se por acaso verificarmos que o debate demora um pouco mais; então interrompê-lo-emos para que as votações se façam; mas presumo que há acordo e consenso para que as votações se façam no termo deste debate.
O Sr. Narana Coissoró pede a palavra para que efeito?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente; é para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, as votações estavam marcadas para as 19 horas e 30 minutos.
Penso que não há mal em que se interrompa o debate para que se façam as votações, que são rápidas, e depois continuamos o debate, porque de contrário, pode haver pressão para que os deputados terminem o debate.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, por àquilo que percebi pareceu-me que estavam de acordo como que eu disse, mas se não estão, nós fazemos as votações à hora regimental. De resto, eu não expus está posição de uma forma definitiva, simplesmente fiz uma sugestão.
Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário.

O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo e o PSD pretendem dar à Universidade do Algarve um estatuto de menoridade que em nada a valoriza, quer no quadro do ensino superior, quer no plano regional.
Mais, no plano dos princípios e ao nos reportarmos ao objectivo da regionalização e da descentralização 0 decreto-Lei ora em apreciação insere-se numa cadeia de acções legislativas do Governo e do PSD que apenas tem um fio condutor: a centralização, o ataque à descentralização, a perspectiva cerceadura da participação da sociedade civil, o adiamento sine die da regionalização.
O Governo não considera prioritária a regionalização do continente. No plano da descentralização retira desmesuradamente poderes às autarquias para os concentrar na CCRA. Na universidade coloca o Algarve com um regime contrário à autonomia da universidade, violando os princípios e o articulado da própria lei aqui votada por unanimidade.
Sr. Presidente, Sr. Deputado:- Para o ensino superior na região, o presente diploma tem má memória: esquece intervenções em prol da universidade durante os anos 1961, 1965, 1972 e outros, de personalidades como os Professores Laginha Serafim e Gomes Guerreiro; esquece que a criação da Universidade do Algarve resultou da vontade unânime desta Assembleia; esquece que para dar corpo ao desiderato da instalação da universidade se realizou um inquérito cujos resultados valoraram a posição desta como pólo de desenvolvimento da região; esquece que dó ponto de vista técnico não só o facto de a mesma pessoa presidir aos destinos da universidade e do politécnico é prejudicial, como também o é o processo confederados das duas instituições que o diploma estabelece - a universidade e o politécnico precisam e devem ter uma dinâmica própria, um espaço próprio, colaborando, cooperando, articulando currícula, mas não nos termos que ora se pretende impor ao Algarve.
Se do ponto de vista educativo o decreto-lei de articulação contraria disposições da lei de autonomia e da lei de bases do sistema educativo, para além de ter violado processualmente o disposto na Lei n.º 33/87, se ainda no ponto de vista educativo é preocupante, e no mínimo lança a dúvida sobre o futuro que o Ministério da Educação faça letra morta da lei de autonomia,

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de um ponto de vista de região o diploma é um desastre completo como desastrosa tem sido nesta matéria a actuação do governador civil de Faro, transformado em gestor de interesses que não são os dos algarvios nem os da Universidade do Algarve.
Importa ainda acrescentar que esta perspectiva de limitação ao desenvolvimento da Universidade do Algarve não é de agora. A Universidade do Algarve nunca foi a menina dos olhos bonitos para muitos técnicos de educação e já em 1986, então com a ideia de academia se pretendeu avançar no sentido deste decreto-lei.
O PS não apresentou pedido de ratificação deste diploma. Em rigor a Assembleia da República não deveria ter de confrontar-se com esta matéria. Se o Governo cumprisse a lei de autonomia, esta situação não se colocaria. A iniciativa do PCP permite contudo que, mais uma vez, se chame o Governo à razão. Os estilos pessoais não podem marcar o estilo de uma região, que já era «dos Algarves» ainda a Madeira e os Açores não tinham sido povoadas...
Coerentes com a universidade, fiéis à regionalização e à Descentralização em todos os níveis da sociedade solidários com os estudantes, cuja significativa presença neste Hemiciclo saudamos docentes e funcionários, não votaremos a ratificação do decreto-lei, ou seja, votamos contra o seu conteúdo.
Esperamos que o Governo arrepie caminho pelo mau caminho por que, entretanto optou.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa informa que após a formulação dos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Mateus de Brito e Guerreiro Norte, que se encontram inscritos, e a consequente resposta do Sr. Deputado José Apolinário, passamos ao período de votações.
Serão votadas, na generalidade a Proposta de Lei n.º 81/V e o Projecto de Lei n.º 132/V, apresentado pelo PCP, sobre a tutela administrativa sobre o Poder Local; o Voto de Pesar n.º 50/V, que deu entrada na Mesa esta tarde e já foi distribuído aos grupos parlamentares sobre a morte do escritor Aurélio Buarque da Holanda; o Projecto de Deliberação n.º 35/V, sobre a encomenda de uma história do parlamento português desde 1820 até hoje; o Inquérito parlamentar n.º l0/V, apresentado pelo PCP, que foi discutido na primeira parte da sessão da tarde e, finalmente faremos a votação final global da Proposta de Lei n.º 80/V - Pedido de autorização legislativa em matéria de infracções fiscais aduaneiras e sua punição.
Chamo a atenção dos Srs. Deputados para o facto de a ordem de votação dos vários diplomas que enunciei poder vir a ser um pouco diferente da que acabei de referir.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mateus de Brito.

O Sr. Mateus de Brito (PSD): - Sr. Deputado José Apolinário, em primeiro lugar, gostaria que V. Ex.ª explicitasse convenientemente a razão que o leva a acusar o governador civil de Faro de não ter contribuído em nada quer para o desenvolvimento da Universidade do Algarve quer para a melhoria das condições do seu funcionamento.
Em segundo lugar, tendo em atenção que o Sr. Deputado é algarvio e jovem -- aliás, algarvio de boa cepa -, creio que, tal como nós, deve estar interessado em que tudo corra bem no Algarve e nomeadamente na sua universidade.
Por isso, e também porque é jovem certamente que não olhará para trás mas para a frente, a grande distância e, por certo desejará tudo de melhor para o Algarve.
Deste modo, gostaria de definir-lhes dois quadros completamente distintos: aquele que caracterizava a universidade em princípios de 1986, - e que como deve saber era negro - e o actual.
Em 1986 as aulas espalhavam-se por várias ruas, por vários locais da cidade. Os alunos tinham aulas as 11 horas numa rua e às 12 horas a um quilómetro de distância dessa rua. O reitor estava instalado em outra rua. As aulas eram dadas em edifícios sem condições, e estou a lembrar-me, por exemplo, da Casa dos Rapazes, onde as aulas eram dadas nos dormitórios das crianças.
Nessa altura, não existiam professores suficientes. O reitor estava desmotivado e, apesar de ser uma pessoa com um grande nível, aliás, extremamente competente, um homem de ciência, que se dedica à cultura, à ecologia, e um grande algarvio também, não era um homem de acção, não era a pessoa mais indicada para fazer arrancar uma universidade. A prova do que afirmo está no facto de ele permanecer muito pouco tempo na universidade durante o período de 1986.
Como referi, na altura, não havia professores. A comissão instaladora não funcionava. Os estudantes andavam tristes e sentiam que poderia haver o perigo de a universidade fechar, até porque na altura se falava muito no assunto e verificaram-se algumas tentativas de greve por esse motivo.
Porém, o quadro actual revela que em menos de um ano foram criados cerca de 3000 metros quadrados de edifícios, nas Gambelas, que, embora, provisórios, começaram a funcionar em condições capazes.
O terreno das Gambelas que, em termos de compra, só estava apalavrado, foi adquirido. Foram também adquiridos inicialmente 20 hectares de terreno e agora mais 10, o que perfaz um total de 30 hectares. Foi adjudicada e agora já está construída a residência dos estudantes do liceu.
Recentemente, foi também adjudicada a construção de outra residência, a implantar junto do instituto politécnico.
Na área do corpo docente foram concluídos vários doutoramentos em universidades nacionais e estrangeiras e neste momento cerca de treze pessoas preparam também o seu doutoramento no estrangeiro e estão prestes a ingressar na Universidade do Algarve.
Actualmente, os estudantes estão alegres, tudo corre bem, sentem que os cursos funcionam e que há condições para que, em breve, possam beneficar de melhores instalações.
Neste momento, erguem-se elementos do público presentes nas galerias.

O Sr. Presidente: - Chamo a atenção do público presente nas galerias de que não pode manifestar-se, sob pena de mandar proceder à imediata evacuação das galerias.
Pode continuar no uso da palavra, Sr. Deputado.

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O Orador: - Também existem planos para o arranque, ainda este ano, de obras no valor. de cerca de 800 mil a um milhão de contos; com vista a arrancar com a construção das primeiras instalações definitivas.
Neste sentido, comparando este quadro com o anterior gostaria de saber qual deles V. Ex.ª, na qualidade de deputado eleito pelo círculo algarvio e no de amigo da juventude, dos estudantes e do interesse dos algarvios, prefere?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guerreiro Norte.

O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Sr. Deputado José Apolinário, a Universidade do Algarve era, desde há mais de 50 anos, uma velha aspiração dos algarvios. Eu próprio subscrevi o projecto de lei que deu origem a esta Universidade, a primeira criada por lei da Assembleia da República, razão pela qual fica na história.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Mas este Governo não quer que fique!

O Orador: - Gostaria ainda de referir um pormenor a propósito de uma afirmação do Sr. Deputado. V. Ex.ª disse que o Governo queria passar um atestado de menoridade à Universidade do Algarve, pelo que gostaria de saber se o Sr. Deputado tem ou não conhecimento de que foi o PSD aliás, esta universidade foi materializada através do seu projecto de lei - que lutou pela criação da Universidade do Algarve, enquanto o Partido Socialista se opunha sistematicamente e só mais tarde, condicionado por várias pressões vindas de vários lados, anuiu a votar este projecto de lei?

Aplausos do PSD.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - 15so aconteceu em 1979!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário, que dispõe de quatro minutos.

O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Deputado Guerreiro Norte, começo por responder em primeiro lugar a V. Ex.ª porque há, certamente, aqui um equivoco. Na verdade, quem apresentou um projecto à Assembleia para a criação da Universidade do Algarve foi o Sr. Deputado José Vitorino, em quem agora o PSD tanto abate».

Protestos do PSD.

Aliás, esse projecto resultou de um trabalho em sede de Comissão de Educação, Ciência e Cultura.

Protestos do PSD.

E devo salientar ainda que foi o PSD quem repetidamente fez campanha eleitoral no Algarve pela Universidade do Algarve, quando esta não tinha sequer condições nem instalações para funcionar.
Quanto à questão levantada pelo Sr. Deputado Mateus de Brito; que se referiu às condições concretas existentes na Universidade do Algarve; penso que a resposta dos estudantes presentes na galeria é suficiente para confirmar, na prática e de facto, a falta de condições concretas que o Sr. Deputado não referiu.

Aplausos do PS e protestos do PSD.

Em terceiro lugar, quanto à questão do governador civil de Faro, gostaria de dizer-lhe, Sr. Deputado Mateus de Brito, que não está em causa a pessoa que desempenha as funções de governador civil, mas V. Ex.ª sabe que no Algarve os algarvios sempre primaram por procurar dar uma outra dimensão ao papel do governador civil. A propósito, lembro as declarações do já falecido Dr. Almeida Carrapato; em publicações sobre a referida matéria, quando o Partido Socialista estava no governo e ele era governador civil de Faro em que teorizava e apontava para a necessidade do governador civil de Faro ser mais do que o representante do governo na região, salientando que ele deveria ser também um porta-voz dos algarvios perante o Governo.

Vozes do PSD: - E é!

O Orador: - É esta a crítica que faço em relação à posição do Sr. Cabrita Neto, enquanto governador civil, nesta matéria.
Com efeito, o Sr. Deputado há-de convir quem nesta matéria, o governador civil tem sido o porta-voz do Governo perante os estudantes, os algarvios e a universidade e não o porta-voz dos anseios dos algarvios, dos estudantes e da universidade perante o Governo.
A estas questões os Srs. Deputados responderam zero!

Aplausos do PS.

Finalmente, Sr. Deputado, gostaria de salientar que posso ser jovem mas não sou irresponsável e não pretendi defender posições irresponsáveis.
Deste modo, o que importa saber é quem está pela Universidade do Algarve de facto, ou quem está apenas pela Universidade do Algarve e pelo Algarve em momentos de campanha eleitoral.
É a esta questão que os Srs. Deputados terão de responder nas próximas eleições.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de darmos início às votações, a Mesa anuncia que o processo das Ratificações n.ºs 21/V e 24/V, relativas ao Decreto-Lei n.º 157/88, de 4 de Maio, sobre o custo dos medicamentos prescritos aos utentes no âmbito do Serviço Nacional de Saúde e da ADSE, está terminado, uma vez que não houve alteração de qualquer matéria relativamente ao decreto-lei em causa:
Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto de pesar n.º 50/V.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Talvez o Sr. Presidente já tenha tomado medidas nesse sentido, no entanto

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solicito à Mesa que sejam accionados os dispositivos adequados a fim de se chamar os deputados para as votações.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já foi accionada a campainha, assim como foi avisado em devido tempo que entraríamos no período previsto para as votações, o qual foi aceite consensualmente, entre as 19 horas e 30 minutos e as 19 horas e 45 minutos. Estamos, portanto, no processo de votação.
Vamos passar à votação do voto de pesar n.º 50/V, distribuído esta tarde e subscrito por deputados do PS, do PCP e do PRD, relativo ao falecimento do escritor Aurélio Buarque da Holanda.
Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e da Deputada Independente Helena Roseta.
É do seguinte teor:

Voto de pesar n.º 50/V

A Assembleia da República Portuguesa, na convicção de interpretar os sentimentos do povo português, não pode deixar de expressar o profundo pesar de todos nós, portugueses, pela perda do grande homem das letras brasileiras, o escritor Aurélio Buarque de Holanda.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do Projecto de Deliberação n.º 35/V (PS) - Elaboração da história do parlamento português desde 1820 até hoje e criação de uma comissão eventual com o objectivo de estudar as respectivas condições -, que, como os Srs. Deputados sabem, é uma retoma quase na essência de uma deliberação anterior.
Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e da Deputada Independente Helena Roseta.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 81/V, apresentada pelo Governo - Estabelece o regime jurídico da tutela administrativa sobre o Poder Local.
Submetido a votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e votos contra do PS, do PCP, do PRD, do CDS e dos Deputados Independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar, sobre a mesma matéria, o Projecto de Lei n.º 132/V (PCP).
Submetido a votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS e dos Deputados Independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação final global da Proposta de Lei n.º 80/V, apresentada pelo Governo, sobre o pedido de autorização legislativa em matéria de infracções fiscais aduaneiras e sua punição.
Submetida a votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, abstenções do PS, do PCP, do PRD, do CDS e dos Deputados Independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, por último, faremos a votação do Inquérito Parlamentar n.º l O/V, apresentado pelo PCP, que foi discutido na primeira parte da ordem do dia de hoje.

Submetido a votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS e dos Deputados Independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

O Sr. Presidente: - Terminado o período de votações, Srs. Deputados, vamos continuar o debate anteriormente iniciado, relativo à Ratificação n.º 46/V, apresentada pelo PCP.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lalanda Ribeiro que dispõe de cinco minutos.

O Sr. Lalanda Ribeiro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Requereu o Partido Comunista Português a ratificação do Decreto-Lei n.º 373/88, de 17 de Outubro, que define a estrutura orgânica da Universidade do Algarve. Foi esta universidade criada pela Lei n.º 11/79, de 28 de Março e o Instituto Politécnico de Faro, pelo Decreto--Lei n.º 513-T/79, de 26 de Dezembro.

Recuemos um pouco no tempo, a Abril de 1986.

Em que situação vamos encontrar estas duas instituições?

A universidade funcionava há cerca de dois anos em vários edifícios dispersos pela cidade de Faro, em muitos casos sem a mínima dignidade (inclusive a própria reitoria) que é exigível para o prestígio da própria instituição. A comissão instaladora funcionava bastante mal ou até não funcionava e as verbas de que dispunha eram muito escassas. O corpo docente era nulo e havia aulas ministradas por docentes sem as habilitações académicas necessárias. O risco de não se desenvolver e até, possivelmente, morrer, uma universidade criada pela Assembleia da República, por unanimidade, era motivo de preocupação para muitos dos mais atentos à sua evolução.
Enquanto isto, o Instituto Politécnico de Faro tinha boas instalações, mostrava uma grande dinâmica e havia importantes verbas lá investidas.
A situação degradada em que se encontrava a Universidade do Algarve levou a que os alunos se movimentassem e publicamente dela dessem conhecimento, o que fez com que a opinião pública e os governantes se sensibilizassem.
Para dar um novo fôlego à universidade e a fazer sair do marasmo em que se encontrava, foi em Junho de 1986 nomeado reitor, o Sr. Professor Lloyd Braga (que também desempenhava o cargo de presidente da Comissão Instaladora do Instituto Politécnico de Faro) e empossada uma nova comissão instaladora, sob a sua presidência.
A nova dinâmica desta comissão levou a que passado pouco tempo se avançasse, em termos definitivos, para a construção dos edifícios próprios da universidade, no Campo de Gambelas. Por outro lado, procurou recrutar professores e dar condições de obtenção de títulos académicos a docentes que os não possuíam.
Foi entretanto aprovada a lei de bases do sistema educativo, Lei n.º 46/88, e 14 de Outubro, que abriu perspectivas à possibilidade de articulação do funcionamento das duas instituições: Universidade do Algarve

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e Instituto Politécnico de Faro. Nesta linha, surge o Decreto-Lei n.º 373/88, de 17 de Outubro, que articula o funcionamento, durante o período de instalação e unicamente para efeitos de gestão comum, da universidade e do instituto. Esta articulação é feita, de acordo com o articulado do diploma referido, sem perda de autonomia e das características do ensino ministrado por cada uma daquelas instituições, que gozam de autonomia pedagógica e cientifica. Procura-se, através deste decreto-lei, rentabilizar melhor os recursos, tanto humanos como materiais. A solução adoptada, parece ser a que melhor contribuiria, no período de instalação, para o desenvolvimento da universidade, que já ganhou uma nova vida e dignidade.

Vozes do. PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em 25 de Setembro, entrou em vigor a Lei n.º 108/88, publicada na véspera, que define a autonomia das universidades, lei esta aprovada por unanimidade e em que o PSD se empenhou profundamente.
O interesse do Governo por esta lei é inquestionável, pois além da apresentação de um proposta de lei, do programa do Governo, aprovado pela Assembleia da República, consta «a aposta na autonomia universitária» como um dos vectores fundamentais em que assentará a modernização da educação.
Não têm razão aqueles que apregoam que o Decreto-Lei n.º 373/88, visa impedir a autonomia da Universidade do Algarve; limita-se a regulamentar o seu funcionamento até ser ela. alcançada. É óbvio que há órgãos do Governo da universidade que não podem ainda ser constituídos, simplesmente por não haver professores ou outros docentes em número suficiente para os integrarem. Mas este facto deverá ser, com certeza, contemplado nos estatutos da universidade, em elaboração.
Há aspectos que poderão ser postos em execução, mas outros haverá que o deverão ser, logo que reunidas as condições necessárias.
Como consequência desta situação não pode ser considerada a suspensão do Decreto-Lei n.º 373/88, pois haveria um vazio que só iria prejudicar a universidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Logo que estejam reunidas as condições para que o estatuto vigore plenamente, é evidente que o diploma em causa deixará de ter sentido, especialmente em tudo o que contrariar a legislação vigente na altura.
O passo seguinte será com certeza, a elaboração. de um protocolo entre as duas instituições; onde se definirá o que diz respeito à universidade e o que diz respeito ao instituto e as formas de colaboração entre elas.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Pelo que expusemos entende o PSD que é possível serem dados todos os passos, tendo em vista a autonomia da Universidade do Algarve, não a impedindo a existência do Decreto-Lei n.º 373/88, de 17 de Outubro. Aplausos do PSD.

O Sr. José Apolinário (PS): - Não apoiado!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Maia Nunes de Almeida.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos que dispõe de um minuto.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Deputado Lalanda Ribeiro, já aqui ficou demonstrado por que é que o decreto-lei em causa desrespeita a lei da autonomia das universidades e por isso não vou voltar a bater nessa tecla.
Porém, quero que me diga, uma vez que o Sr. Secretário de Estado o não fez, quem é que está a elaborar o estatuto. Quem? Alguma comissão? Quem é que integra essa comissão? Qual, é a base em que estão a trabalhar?
Falou-me em vazio legal. Qual é a legislação que é revogada com o decreto-lei em apreço? Qual é o vazio legal? Os senhores é que criaram a ideia do vazio legal. Não há vazio legal nenhum, o regime de instalação está devidamente regulado, a Faculdade do Algarve está devidamente regulamentada.
O que os senhores fizeram foi precisamente o contrário e o Sr. Deputado não se referiu a isso, isto é; condicionaram, através deste decreto-lei, o que só deveria estar contido no estatuto da universidade. Ou seja: autonomia sim, mas dentro das regras de jogo definidas pela Secretaria de Estado do Ensino Superior, ou seja, também por quem está neste momento à frente da comissão instaladora!
Pergunto: isto é respeitar a lei da autonomia das universidades?
Falou na lei de bases do sistema educativo. Leu a lei de bases do sistema educativo para dizer que ela foi respeitada? Leu bem?, Não deve ter lido! Venderam-lhe essa,... mas quem lha vendeu sabe muito pouco de matéria educativa!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Presunção e água benta cada qual toma a que quer!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar tem a palavra o Sr. Deputado Lalanda Ribeiro dispõe de dois minutos.

O Sr. Lalanda Ribeiro(PSD): - O Sr. Deputado Jorge Lemos colocou várias. questões, mas sobre a que se refere aos estatutos da universidade devo dizer que própria lei da autonomia regula a forma como eles são elaborados.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Mas quem é que a está a elaborar?

O Orador: - Aliás, o Sr. Secretário de Estado já há pouco informou que teria começado, ontem ou hoje mesmo, a ser elaborados e que seriam com certeza de acordo com a lei da autonomia.

0 Sr. Jorge Lemos (PCP ): - Por quem?

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O Sr. António Vairinhos (PSD): - Não sabe, vá ler a lei de bases!

O Orador: - Quanto ao vazio legal de que V. Ex.ª falou, com certeza que existiria se fosse suspenso este decreto-lei.
Como é que o Sr. Deputado quer que seja posto, neste momento, em vigor o estatuto da universidade se ela não tem o número de docentes suficientes para integrar os vários órgãos que são necessários para a universidade? Talvez daqui a mais algum tempo haja esses professores e, então, com certeza que será implementado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Eu também lhe explico isso. Eu também sei como é que se faz!

O Orador: - Claro que também li a lei de bases do sistema educativo e creio que a li bem. O Sr. Secretário de Estado também já teve oportunidade de referir essa articulação que existe...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Está mal!

O Orador: - O Sr. Deputado entende que está mal, é o seu entendimento!...
No entanto, Srs. Deputados, o PSD está interessado, fundamentalmente, em que a Universidade do Algarve seja funcional que seja dignificada e que sejam defendidos os interesses da região.
Aplausos do PSD.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Não parece! A dama que lhe deram para defender é muito feia. Nem com maquilhagem lá vai!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É com plena propriedade que afirmamos que a Universidade do Algarve nasceu com pecado original e todas as tentativas sucessivas de desculpabilização não têm resultado.
De facto, nascida da iniciativa e aprovação desta Assembleia, nunca foi bem vista e aceite pelo órgão genético normal - o Governo.
Assim, tem sido considerada como enteada do poder, com todas as consequências daí decorrentes.
Apesar de tudo, conseguiu obter qualidade científica e pedagógica assinalável mercê da acção empenhada do seu corpo docente.
Uma outra qualidade, um desenvolvimento mais acentuado teriam sido obtidos se tivesse havido um apoio mais consequente por parte do Poder Central.
O Decreto-Lei n.º 373/88 que define a estrutura orgânica da Universidade do Algarve, ora sujeito a ratificação, pretende manter a individualidade da universidade bem como do Instituto Politécnico de Faro, abrindo, na opinião do legislador, a possibilidade de articulação do funcionamento das suas instituições, ao mesmo tempo que tenta racionalizar os meios disponíveis.
Afirma-se ainda, no seu preâmbulo, que a qualidade do ensino não melhora pelo facto de existirem em separado aquelas instalações na mesma zona com um número não muito significativo de alunos se comparado com instituições similares.
Constitui ainda intenção do normativo em análise dotar o Algarve de estruturas que respondam eficazmente ao desenvolvimento integral das populações.
Importa ter em conta a realidade física existente. Assim, cada uma das instituições tem o seu espaço físico bem definido distanciadas, aliás, cerca de oito kms. O Instituto Politécnico de Faro tem já instalações próprias e em pleno funcionamento, ao contrário da universidade que habita em espaços adaptados não condizentes com as suas necessidades, aspirações e desejável desenvolvimento. Todavia, as novas instalações estão em fase de edificação, e através da observação do PIDDAC, poderá concluir-se que terão financiamento assegurado para a consecução dos fins pretendidos.
O processo da chamada articulação do funcionamento de ambas as instituições, encetado pelo Governo, não tem merecido o apoio de agentes importantes da região bem como da sua associação de estudantes.
Em primeiro lugar, põe-se em questão a manutenção, por tempo indeterminado, do regime da instalação em violação expressa no disposto no artigo 3.º da lei da autonomia universitária.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Consideramos razoáveis as reservas colocadas, pelos problemas que naturalmente provoca.
Entendem também que mesmo que tal situação seja ultrapassada nem a universidade nem o instituto têm previsto órgãos de gestão concordantes com a letra e espírito da lei aplicável.
Afirma-se ainda e com razão que a Universidade do Algarve é colocada em posição subalternizada em relação às outras universidades, pois não lhes é permitido elaborar como deviam os seus próprios estatutos e eleger os seus órgãos dirigentes.
Há, de facto, uma situação anómala, porque discrepante relativamente a casos semelhantes, que cria legítimas reservas de alunos e da população da região pois tal o decreto-lei em discussão pode provocar a desqualificação da universidade, face a uma possível sobre-valorização instituto politécnico mercê da utilização das suas estruturas e equipamentos.
E julgamos, contudo, que é preferível haver um estabelecimento de ensino forte que dois fracos e evitar a existência de escolas de ensino superior de primeira e de segunda.
Aliás, a própria lei de bases prevê a integração em casos justificados e decorrentes da realidade, existente nalguns distritos, que permitirá uma rentabilização de recursos.
Importa contudo criar, desde já, as condições indispensáveis para terminar com o regime de instalação actualmente existente, para que, a partir da institucionalização dos órgãos próprios, se possibilite a efectivação da autonomia prevista na lei.
Não se deve pois, sob qualquer pretexto, eternizar o regime de instalação face aos inconvenientes que tal situação provoca.

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Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Conhecendo embora as legitimas reservas que os alunos e sectores significativos da população têm face ao esquema proposto; a que não são alheias posições menos correctas de pessoas responsáveis, entendemos que o decreto-lei deve ser ratificado com as condições e perspectivas que expressamos.

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A Associação Académica da Universidade do Algarve distribuiu pelos grupos parlamentares um estudo sobre este decreto-lei. Entendo que este estudo é valioso e como tal, deve ir para o Diário.
Mesmo sabendo que ninguém me deu procuração, nem ao CDS, para fazer nosso esse estudo, gostaria de pedir aos estudantes e à associação académica que está aqui presente que me deixassem aproveitar os principais argumentos, porque acho que estes argumentos jurídicos e políticos traduzem o verdadeiro sentir dos universitários e da Universidade do Algarve e devem constar da acta deste debate.
Dizem os estudantes e outras estruturas desta universidade o seguinte: « A leitura integral - da Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, permite constatar que apenas os artigos 13.º, 14.º e 15.º dizem respeito aos «pontos de contacto» entre o ensino politécnico e o universitário, bem como às instituições que os podem ministrar. Assim, como se pode verificar, a lei de bases do sistema educativo apenas prevê uma articulação entre estes ensinos a nível de planos de estudo e de reconhecimento mútuo de valores, e nunca a nível de instituições.
Por outro lado, o que o artigo 14.º desta lei prevê é a integração das escolas do ensino superior politécnico nas universidades e não a integração ou articulação de institutos politécnicos em universidades.
Por último, a lei de bases do sistema educativo, no seu artigo 14.º, refere apenas a possibilidade de colaboração (e não de articulação) entre diversas instituições, mas apenas no que diz respeito- à investigação cientifica.
Nunca ninguém se opôs à existência das duas instituições, não só porque não se situam na mesma cidade mas principalmente porque servem o Algarve e o País em termos de ensino superior distinto (ensino universitário e ensino politécnico) e ministrando cursos originais no País e essenciais para o cumprimento dos objectivos de Portugal na Comunidade Europeia.
A articulação das duas instituições em termos da sua gestão e a fusão dos seus patrimónios e serviços não vem reduzir custos nem racionalizar meios, na medida em que a universidade e o instituto distam cerca de dez quilómetros. Há pois que contabilizar os custos das deslocações dos serviços e mais tarde será mesmo impossível servir a universidade a partir de instalações do instituto (a que já actualmente tem prejudicado o normal funcionamento da universidade).
Da leitura dos artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 373/88 as duas instituições passam a ser uma só em termos de gestão, sendo dotadas de uma única
personalidade jurídica e gozando de autonomia administrativa e financeira, não entre si, mas apenas em relação ao departamento governamental tutelar.
Entendendo o decreto-lei desta forma, estará em contradição com o disposto no artigo 3.º da Lei n.º 108/88, de 24 de Setembro, que garante às universidades autonomia estatutária, cientifica, pedagógica, administrativa, financeira e disciplinar, assim como as torna pessoas colectivas de direito público.
Ao criar desta «instituição articulante», o presente decreto-lei não estará a praticar unia articulação entre as duas instituições de ensino superior no Algarve; mas sim a fundi-las, uma vez que as dota de uma única personalidade jurídica e lhes funde o património e orçamento.
É legitimo um decreto-lei, posterior em 27 dias à lei de autonomia das universidades, não se referir à mesma para definir os objectivos de uma universidade com nove anos de existência? Ou será que a Universidade do Algarve não vai ter os mesmos objectivos das restantes?
Definindo-se o Decreto-Lei n.º 373/88 como um decreto que, define a «estrutura orgânica da Universidade do Algarve», será estranho a não contemplação neste decreto, de duas estruturas tão importantes na democraticidade da instituição, como sejam a assembleia da universidade e o senado universitário, tal como estão definidos na Lei n.º 108/88.
Como está consagrado nos artigos 29.º e 31.º da Lei n.º 108/88, de 24 de Setembro; as universidades têm 180 dias para elaborar os seus estatutos e eleger os seus órgãos de gestão.
Assim a Universidade do Algarve deverá, pelo artigo 19.º da mesma lei, eleger o seu reitor de entre os professores catedráticos de nomeação definitiva (a Universidade do Algarve tem, pelo menos, um professor nessas condições, mas a Lei n.º 108/88 não especifica que o reitor tenha de ser eleito de entre os- professores da universidade podendo pois ser candidato a reitor qualquer universitário que reuna essas características).
Como poderá o reitor «gozar ainda das competências atribuídas por lei aos presidentes dos institutos politécnicos», se pela Lei n.º 108/88 o seu cargo será exercido em regime de dedicação exclusiva?
Como será justificada uma composição diferente do conselho administrativo, bem como a não representação dos estudantes na sua estrutura tal como está definido na lei da autonomia das universidades?
Como se, poderá negligenciar o facto de a fusão destes serviços trazer problemas de ordem prática e económica, uma vez que estão centralizados nas instalações do instituto, distando pois cerca de uma dezena de quilómetros da universidade?
Há assim que contabilizar os encargos na deslocação destes serviços para a universidade e prever que a longo prazo eles terão que ser duplicados nas instalações universitárias.
No que diz respeito à redução de custos e racionalização de meios humanos evocadas na introdução ao Decreto-Lei n.º 373/88, é de estranhar a criação de três comissões instaladoras, e igual número de conselhos científicos e consultivos.
Mais uma vez se assiste a uma incompatibilidade entre o decreto-lei que articula as duas instituições e a lei da autonomia universitária, agora no que diz respeito à estrutura orgânica das unidades.

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Comparando o artigo 17.º do decreto com o 27.º da lei verifica-se que não são criados no decreto todos os órgãos de gestão a que a lei obriga, nomeadamente a assembleia de representantes e o conselho pedagógico ou científico-pedagógico. É ainda de salientar que, tal como a lei prevê, a serem criados outros órgãos eles devem constar dos estatutos da universidade e não por imposição.
Podendo a comissão instaladora de cada unidade ser constituída por personalidades de reconhecido mérito científico ou profissional, segundo o Decreto-Lei n.º 373/88, e estando estes obrigatoriamente representados no conselho científico da mesma unidade, não se cumpre o disposto no Decreto-Lei n.º 781 -A/76 que estabelece a composição do conselho científico, determinando que este órgão é constituído por professores.
O conceito de «personalidades de reconhecido mérito científico e profissional» é, no entender da associação de estudantes, dúbio, não devendo pois ser introduzido para identificar os constituintes das comissões instaladoras, e muito menos dos conselhos científicos.
Tal como o Decreto-Lei n.º 51/77 estabelece, o número de elementos do conselho científico pode ser inferior ao estabelecido (cinco), daí que possa existir na Universidade do Algarve um conselho científico por unidade.
Esta situação de não existir conselho científico enquanto não existir número de elementos com qualificação suficiente, é agravada pelo facto de as suas competências serem exercidas pela comissão instaladora, quando dela podem fazer parte personalidades não docentes, como se referiu anteriormente.
Deve assim ser aplicado à Universidade do Algarve o disposto na lei da autonomia universitária, nomeadamente no seu artigo 29.º, quanto ao prazo para elaboração dos seus estatutos, para que se reponha a legalidade e todos os corpos universitários estejam representados na sua gestão.
Sr. Secretario de Estado, baseei-me nesse documento exactamente para mostrar que as estruturas representativas da Universidade do Algarve não consideram o decreto-lei secundarizante; apenas levantam problemas de princípios, problemas que só aos universitários devem dizer respeito.
Deixando a política partidária de lado, porque não se justifica, creio que o Governo, e principalmente V. Ex.a, faria bem em reflectir nestas contradições que existem entre o decreto-lei, a lei de bases do sistema educativo e a lei de autonomia universitária para que, em comissão, ouvindo todas as estruturas, pudéssemos modificar o decreto-lei enquanto se trate de um diploma meramente transitório, fixando-lhe um prazo de vigência para que a voz da Universidade do Algarve esteja presente no seu próprio estatuto e na própria vida académica.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior.

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Serei muito breve porque disponho de pouco tempo.
Queria confirmar o que disse o Sr. Deputado Lalanda Ribeiro quando disse que vão ser feitos os estatutos da Universidade do Algarve.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Quem os fará?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Quem e quando?

O Orador: - Srs. Deputados, eu ia dizer isso mesmo, se me tivessem dado oportunidade...
A lei da autonomia que os senhores aprovaram determina que os estatutos sejam elaborados pelo senado universitário ou, nos casos em que este não esteja constituído, pelo órgão de governo da universidade que desempenha as respectivas funções, que é o que se está a fazer.
Dizia o Sr. Deputado Lalanda Ribeiro que quando forem elaborados os estatutos desta universidade, como, aliás, de outras, - da Universidade da Beira Interior, da dos Açores, da Madeira -, terão que ser deixadas para trás algumas determinações que só entrarão em execução quando for possível. E que, neste momento, a Universidade do Algarve não tem no seu quadro nenhum professor catedrático.

O Sr. José Apolinário (PS): - E porque é que não há catedráticos?

O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado José Apolinário, começaria por dizer que, há pouco, fui avisado de que o sistema de som da Câmara não funciona muito bem e, portanto, talvez o Sr. Deputado não tenha ouvido o que eu disse ou, então não percebeu...
De facto, eu disse que os estatutos estão em fase de elaboração e, portanto, os estudantes também hão-de ter oportunidade de os apreciar. A partir do fim deste mês, há um prazo de 60 dias para o Governo aprovar esses estatutos. Não será o Governo a apreciar os estatutos mas sim uma comissão de juristas por ele nomeada e o Governo vai louvar-se no parecer dessa comissão independente.

O Sr. José Apolinário (PS): - (inaudível).

O Orador: - Sim é... Desculpe, queria dizer homologar...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Aí está o espírito que preside ao vosso decreto-lei! Fugiu-lhe a boca para a verdade!

O Orador: - Não tenha preocupações, Sr. Deputado: não somos centralistas. Apesar das vossas perestroikas, não somos centralistas.
Gostaria que todos os Srs. Deputados ficassem tranquilos.
Assim, o Sr. Deputado José Apolinário exprimiu dúvidas sobre a posição do Governo acerca da justificação da Universidade do Algarve.
Ora, vários Srs. Deputados do PSD - e até do PRD, como acabei de ouvir, há pouco - já constataram o facto de que, nos últimos tempos, foram adquiridos terrenos, iniciaram-se obras, adjudicaram-se projectos e existem verbas no PIDDAC que mostram claramente que o Governo aposta na Universidade do Algarve.
Creio que o Sr. Deputado José Apolinário ou vai pouco ao Algarve ou, então, quando lá vai nunca se desloca para as imediações de Gambelas. Assim, sugiro-lhe que lá vá e que faça uma visita.

Aplausos do PSD.

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O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Secretário de Estado, o PSD é que não dá a verba necessária para a Universidade do Algarve!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, está encerrado o debate da Ratificação n.º 46/V ao Decreto-Lei n.º 373/88. Informo-vos ainda que deram entrada na Mesa propostas de alteração a este decreto-lei, subscritas por deputados do Grupo Parlamentar do PCP, bem como um projecto de resolução no sentido de suspensão da vigência deste mesmo diploma, ficando a votação daquele adiada para a sessão da próxima terça-feira.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, devido ao que acabou de dizer, queria acrescentar que o meu grupo parlamentar apresentará na Mesa uma proposta de recusa de ratificação deste decreto-lei, tendo em conta o desenrolar do debate que agora terminou e a maneira como o Governo e o PSD se pronunciaram enquanto ele decorreu.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Devido à «abertura» que manifestaram!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Podem apresentar essa proposta de recusa, mas chamo a vossa atenção porque já o deveriam ter feito antes!

Protestos do PCP.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Podem apresentá-lo porque somos liberais e generosos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, na Assembleia somos todos generosos, principalmente os membros da Mesa. Portanto, a Mesa toma conhecimento da apresentação da proposta a que se referiu o Sr. Deputado Carlos Brito.
Srs. Deputados, a próxima sessão terá lugar amanhã, sexta-feira, pelas 10 horas, com a apreciação da Proposta de Lei n.º 79/V - Concede autorização ao Governo para definir o regime fiscal aplicável às concessões das zonas de jogo e para definir os crimes e contra-ordenações decorrentes da prática e exploração ilícitas de jogos de fortuna ou de azar.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 20 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Sr. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António Maria Ourique Mendes.
Arménio dos Santos.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Francisco Mendes Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José de Vargas Bulcão.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Assunção Andrade Esteves.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
António Manuel de Oliveira Guterres.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
Maria do Céu Fernandes Esteves.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.

Partido Comunista Português (PCP):

Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Luísa Amorim.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Natália de Oliveira Correia.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Maria Amélia do Carmo Mota Santos.

Deputados Independentes:

Maria Helena Salema Roseta.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António Jorge Santos Pereira.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Carlos Mattos Chaves de Macedo.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Flausino José Pereira da Silva.
Francisco Antunes da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Nascimento Rodrigues.
João Costa da Silva.
Manuel José Dias Soares Costa.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.

Partido Socialista (PS):

Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Helena de Melo Torres Marques.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.

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Partido Comunista Português (PCP):

Ana Paula da Silva Coelho.
António Silva Mota.
Domingos Abrantes Ferreira.
Maria lida Costa Figueiredo.
Maria de Lourdes Hespanhol.

Partido Renovador Democrático (PRD):

sabel Maria Ferreira Espada.
José Carlos Pereira Lilaia.

Centro Democrático Social (CDS):

José Luís Nogueira de Brito.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.

Os REDACTORES: Maria Leonor Ferreira - José Diogo - Maria Amélia Martins.

DIÁRIO da Assembleia da República

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Por ordem superior e para constar, comunica--se que não serão aceites quaisquer originais destinados ao Diário da República desde que não tragam aposta a competente ordem de publicação, assinada e autenticada com selo branco.

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2 - Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.

3 - Os prazos de reclamação de faltas do Diário da República para o continente e regiões autónomas e estrangeiro são, respectivamente, de 30 e 90 dias à data da sua publicação.

PREÇO DESTE NÚMERO 270$00

Toda a correspondência, quer oficial, quer relativa a anúncios e a assinaturas do «Diário da República» e do «Diário da Assembleia da República», deve ser dirigida á administração da Imprensa Nacional - Casa da Moeda, E. P., Rua de D. Francisco Manuel de Melo, 5 - 1099 Lisboa Codex

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