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I Série - Número 52

Sexta-feira, 17 de Março de 1989

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 DE MARÇO DE 1989

Presidente: Exmo. Sr. António Alves Marques Júnior

Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Cláudio José dos Santos Percheiro
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão as 15 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n.º 364/V e da deliberação n.º 38/V. da apresentação de requerimentos e das respostas a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Guilherme Silva (PSD) enalteceu a sublevação do Regimento de Infantaria das Caldas da Rainha a 16 de Março de 1974, tendo respondido a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado António Vitorino (PS), que também se associou à efeméride.
O Sr. Deputado Silva Marques (PSD) regozijou-se com a decisão do Governo de desafectação de uma área do domínio florestal para implantação do futuro parque industrial da Marinha Grande.
O Sr. Deputado José Lello (PS) deu conta à Assembleia das conclusões das Jornadas Parlamentares do seu partido que decorreram nos Açores.
O Sr. Deputado Jorge Lemos (PCP) criticou o despacho do Governo que atribuiu alvarás a vários candidatos ao exercício da actividade de radiodifusão. Respondeu depois a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Natália Correia (PRD), Vieira Mesquita (PSD) e João Corregedor da Fonseca (Indep.).
O Sr. Deputado Rui Silva (PRD) chamou a atenção para os perigos que ameaçam a lagoa de Óbidos e a necessidade de urgentemente os enfrentar.

Ordem do dia. - A Câmara aprovou um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de um deputado do PS.
Foi debatido, na generalidade, o projecto de lei n.º 291/V (PCP) - Reduz a duração do trabalho normal -, tendo intervindo, a diverso título, os Srs. Deputados Odeie Santos (PCP), Joaquim Marques (PSD), Elisa Damião (PS), Narana Coissoró (CDS). Rui Silva (PRD), Filipe Abreu (PSD) e Jerónimo de Sousa (PCP).
A proposta de lei n.º 84/V, que autoriza o Governo a estabelecer a disciplina jurídica do trabalho temporário, foi aprovada na generalidade.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 45 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Mário Santos Coimbra.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristídes Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando Carvalho Guerreiro Cunha.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carla Tato Diogo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Batista.
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Mendes Costa.
Gilberto Parca Madail.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Humberto Pires Lopes.
Idilberto Raul Rodrigues dos Santos.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Mendes Bota.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Batista Cardoso.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Assunção Andrade Esteves.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mary Patrícia Pinheiro Correia e Lança.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Rui Gomes da Silva.
Rui Manuel P. Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio de Oliveira Carneiro.

Partido Socialista (PS):

Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.

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António Magalhães da Silva.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Manuel Oliveira Guterres.
António Miguel Morais Barreto.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
José Barbosa Mota.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.

osé Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Torres Couto.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonor Coutinho Pereira Santos.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Maria do Céu F. Oliveira Esteves.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo Brito.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Fernando Manuel Conceição Gomes.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Lino António Marques de Carvalho.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Rui dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta de Franca.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Maria Amélia do Carmo Mota Santos.

Deputados Independentes:

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Maria Helena do R. da C. Salema Roseta.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar-nos conta dos diplomas entrados na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: o Projecto de Lei n.º 364/V, apresentado pelo Sr. Deputado António Carlos Ribeiro Campos, do PS - Condicionamento da plantação de eucaliptos -, e o Projecto de Deliberação n.º 38/V, apresentado pela Comissão de Economia, Finanças e Plano - Constituição de uma subcomissão permanente para análise dos assuntos relacionados com a indústria, comércio e turismo -, tendo ambos sido admitidos.
Foram apresentados na Mesa nas últimas reuniões plenárias os requerimentos seguintes: ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulados pelo Sr. Deputado Rogério Brito; a diversos ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Castel Branco; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Jorge Lemos, João Amaral, Lopes Cardoso, Cardoso Ferreira e Mendes Bota; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado Álvaro Brasileiro; a diversos ministérios e à Câmara Municipal de Arronches, formulados pelo Sr. Deputado Caio Roque; ao Governo, formulados pelo Sr. Deputado Cláudio Percheiro.
O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Mota Torres, na sessão de 25 de Outubro; Rogério Moreira, na sessão de 2 de Novembro; Jorge Lemos, na sessão de 10 de Janeiro; Carlos Brito, na sessão de 19 de Janeiro; Caio Roque, na sessão de 9 de Fevereiro; Carlos Lilaia, na sessão de 15 de Fevereiro; Gaspar de Almeida, na sessão de 23 de Fevereiro; Daniel Bastos, na sessão de 18 de Janeiro; Octávio Teixeira, na sessão de 10 de Novembro; Álvaro Brasileiro, na sessão de 19 de Novembro; Oliveira de Matos e Rui Silva, na sessão de 15 de Abril; Jorge Lemos, nas sessões de 24 de Junho e 21 de Fevereiro; Maria Santos, na reunião da comissão permanente do dia 15 de Setembro e na sessão de 28 de Fevereiro; António Vairinhos, na sessão de 27 de Outubro; Mendes Bota, nas sessões de 3 de Novembro, 22 de Dezembro e 26 de Janeiro; Luís Roque, na sessão de 10 de Novembro; Herculano Pombo, nas sessões de 23 de Novembro e 3 de Janeiro; Fernandes Ribeiro, na sessão de 14 de Dezembro; José

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Manuel Mendes, nas sessões de 15 de Dezembro e 5 de Janeiro; Carlos Brito, na sessão de 5 de Janeiro; Raul Castro, na sessão de 6 de Janeiro; Filipe Abreu, na sessão de 19 de Janeiro; José Magalhães, nas sessões de 26 de Janeiro, 2 e 10 de Fevereiro; Ilda Figueiredo, na sessão de 2 de Fevereiro; Barbosa da Costa e António Mota, na sessão de 15 de Fevereiro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para uma declaração política tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois da implementação da República e a par dela, sem dúvida que o 25 de Abril de 1974 constituirá, quase seguramente, e sem querer fazer futurologia, a mais importante data da História de Portugal do nosso século.
Sem esquecer tantos quantos ao longo de décadas de repressão resistiram corajosamente e, apesar das perseguições de toda a ordem, contribuíram, com o seu exemplo, para manter viva, na consciência colectiva, a mais profunda ânsia de liberdade e de justiça, temos de reconhecer que a revolução e o restabelecimento da democracia se ficaram a dever, grandemente, as Forças Armadas.
Como sempre sucede, acontecimentos como o 25 de Abril, mercê da sua dimensão e consequências, secundarizam outros, mais ou menos próximos, que o antecederam, e que porventura, o tornaram possível.
Tal subalternização, quando não mesmo adulteração e esquecimento, são tanto menos perdoáveis, quanto é certo envolverem alguns dos que mais e melhor se bateram pelo restabelecimento das liberdades fundamentais.
Vem tudo isto a propósito de passarem hoje 15 anos sobre a data em que ocorreu a sublevação do Regimento de Infantaria das Caldas da Rainha.
Penso que é de toda a justiça lembrar aqui desta tribuna, em comunhão com todos vós, o punhado de jovens oficiais e soldados que, na madrugada de 16 de Março de 1974, avançaram para Lisboa, na convicção de que, articuladamente com outras unidades militares, derrubariam o regime de Marcelo Caetano.
Não cabe aqui e agora julgar das razões que determinaram que o intento visado não se tivesse, então, concretizado e que só, algum tempo depois, em 25 de Abril, fosse possível pôr termo a quarenta longos anos de ditadura.
Tal julgamento competirá, serenamente, à História, com o distanciamento temporal que ela precisa, para aprofundar, com rigor e frieza, os factos do passado socialmente relevantes.
Importa sim ter presente que os responsáveis pela sublevação de 16 de Março eram oficiais integrados no Movimento das Forcas Armadas, dos mais genuinamente identificados com o espírito do movimento, que arriscaram, além da própria vida, todas as suas situações profissionais e familiares, em prol de todos nós e do nosso futuro colectivo.

Aplausos do PSD.

Tal acto valeu-lhes terem sito conduzidos à casa de Reclusão Militar da Trafaria donde só em 25 de Abril vieram a sair.
Nós que pertencemos a uma geração que conheceu bem a actuação do regime deposto, designadamente em relação aos movimentos estudantis, nós que passamos, então, pelas Forças Armadas temos bem a noção da coragem exigida e dos riscos que correram os homens do 16 de Março.
É pois da maior justiça, e quebrando algum esquecimento, que decorridos 15 anos sobre tal acontecimento, daqui se lhes preste a homenagem devida a todos, oficiais e soldados, que nele intervieram, recordando em particular, os Capitães Virgílio Varela e Silva Carvalho, pelo seu especial envolvimento na sublevação e em todo o movimento.
E o facto de não se ter desde logo e naquela data, derrubado o regime, não retira à sublevação de 16 de Março de 1974, a importância histórica que ela realmente tem.
Na verdade, tal acontecimento reforçou e estimulou o próprio Movimento das Forças Armadas, e despertou a própria população para possibilidades de mudança que ela ansiava mas que sabia só ser viável através de intervenção militar.
E foi possível também confirmar o total desfasamento do poder constituído relativamente à realidade social que o rodeava, bem como a sua ignorância quanto ao verdadeiro estado de espírito das Forças Armadas, como o demonstrou a «Conversa em Família» de Marcelo Caetano, na televisão, dias depois do 16 de Março, em que minimizou tal acontecimento e classificou de aventureiros e irresponsáveis os oficiais nele envolvidos.
Igualmente a cerimónia do «beija-mão» dos Generais ao presidente do conselho revelou que, à pane os chefe e vice-chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, ausentes de tal acto de vassalagem, os superiores responsáveis das Forças Armadas ignoravam a realidade humana que as integrava.
Daí também a importância que o 16 de Março teve no reforço do movimento e preparação cuidada do 25 de Abril, que se lhe seguiria. É hoje sabido que no seio das Forças Armadas existiam divergências decorrentes da discriminação relativamente aos oficiais oriundos de milicianos, quanto à contagem de antiguidade, designadamente para efeitos de promoção, em conformidade com o então estabelecido pela lei do serviço militar, que nunca foi executada.
Deixadas para trás tais divergências, as preocupações comuns relativas à guerra colonial, à necessidade de mudança político social e ao restabelecimento das liberdades, galvanizou o movimento que conduziu ao 25 de Abril de 1974 e de que o 16 de Março, cujo aniversário ora passa, constituiu o externo prenúncio.
Sucede, porém, ser de todo inadmissível a injustiça em que se encontram ainda oficiais oriundos de milicianos, quanto à contagem de tempo de antiguidade e inerentes promoções.
É paradoxal que muitos daqueles que proporcionaram, com a sua acção e coragem, que as mais diversas e graves injustiças fossem reparadas, para não falar já do restabelecimento dos direitos, liberdades e garantias, incluindo o pluralismo político, de que todos beneficiamos, continuem a ver a lei ser violada e a ser injustamente preteridos na sua carreira.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Decorridos 15 anos sobre a sublevação de 16 de Março de 1974 é bom que lembremos que tal acontecimento histórico fez parte e integrou-se no movimento que conduziu e garantiu o

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êxito do 25 de Abril e, como tal, também a ele se deve, em parte, o próprio facto de hoje podermos ser orgulhosos e condignadamente uma Câmara pluralista, uma Assembleia verdadeiramente representativa do povo português.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Esta circunstância obriga-nos também, em cada momento, a sermos intérpretes fiéis de quantos livre e democraticamente nos elegeram.
Lembrar aqui, passados 15 anos, a sublevação de 16 de Março e prestar homenagem aos que nela intervieram, não é, por certo, mais do que interpretar um sentimento colectivo em que todos nos reconhecemos.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado Guilherme Silva, queria formular-lhe um pedido de esclarecimento que tem um intróito.
Também nós, bancada do Partido Socialista, nos queremos associar às palavras evocativas que V. Ex.ª proferiu do alto da Tribuna, ao recordar os acontecimentos de 16 de Março de 1974, que constituíram o primeiro prenúncio visível da insatisfação e do mal-estar existente no seio da Forças Armadas, face à incompreensão, à intolerância e à arrogância de um poder político isolado da vontade dos portugueses e da interpretação do sentido histórico do devir da nossa pátria.
É nesse sentido a minha palavra de agradecimento ao Sr. Deputado Guilherme Silva, por ter permitido que a Câmara recorde hoje esses acontecimentos.
O pedido de esclarecimento, propriamente dito, vai no sentido de - associando-me eu também ao facto de V. Ex.ª ter recordado a situação ainda não resolvida dos oficiais oriundos do quadro de milicianos, 15 anos que foram passados sobre o 16 de Março e sobre o 25 de Abril de 1974 -, perguntar ao Sr. Deputado Guilherme Silva, como membro da maioria parlamentar que apoia o Governo da República, que iniciativas é que entende dever tomar, para resolver essa situação, que se arrasta há 15 anos e que tão oportunamente V. Ex.ª veio hoje denunciar aqui, do alto desta Tribuna, sabendo que a democracia tem que encontrar a resposta que a ditadura não soube encontrar.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Deputado António Vitorino, em primeiro lugar, quero agradecer as suas palavras e registar a associação do seu partido à lembrança desta data que é o 16 de Março.
Em relação à questão que o Sr. Deputado me coloca, posso realmente responder-lhe com outra pergunta, ou seja: há da sua parte e da parte do seu partido qualquer equacionamento de iniciativa nessa matéria?
Penso que a questão e o intuito da minha intervenção nessa matéria foi um alerta, quer à maioria, quer aos demais partidos, e parece-me que com algum eco, como aliás a sua intervenção já revela.
Por outro lado, também penso que é um problema que diz respeito às Forças Armadas e a todos nós e não só ao partido da maioria. Como tal, temos de ponderar pois temos efectivamente, como o Sr. Deputado sabe, meios ao nosso alcance para, eventualmente, em sede de uma iniciativa legislativa, encontrarmos a solução adequada para esta situação.
Conto com a sua colaboração, conto com a colaboração do seu partido, conto com a maioria do meu partido.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Visitei no passado dia 6, juntamente com o meu colega, Sr. Deputado Poças Santos, a Marinha Grande. Até há pouco, a Marinha Grande era aqui tema de exclusividade do PCP. Acabou a exclusividade, aliás, acabaram os deputados comunistas pela Marinha Grande.

Risos do PSD.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - A provocação está-lhe no corpo!...

O Orador: - A Marinha Grande é hoje de novo a terra dinâmica, pela sua pujança fabril, empresarial e tecnológica, que fez a sua celebridade.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Deixe os seus fantasmas, Sr. Deputado!

O Orador: - Sr. Deputado, mantenho os meus fantasmas, mas os senhores é que não mantiveram o vosso deputado!

Risos e aplausos do PSD.

Sr. Deputado, aceite a vida descontraidamente e com um quê de boa disposição. A boa disposição é um elemento fundamental para a recuperação política.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - A vida aceito, provocadores é que não!

O Orador: - Tomo a palavra, Srs. Deputados, porque uma decisão histórica acabou de ser tomada pelo Governo de Cavaco Silva, através da intervenção clarividente e corajosa do Sr. Secretário de Estado da Agricultura, Sr. Álvaro Amaro.
O Governo decidiu desafectar 60 hectares do domínio florestal para a implantação do futuro parque industrial da Marinha Grande.
É uma zona enorme, pela sua extensão, onde uma nova Marinha Grande está a surgir, já com a primeira unidade fabril de pé e com os seus 46 lotes industriais já completamente tomados por outras tantas empresas que ali vão desenvolver novos projectos industriais.
Depois da ruína que se abateu sobre a Marinha Grande, em consequência, sobretudo, do louco sectarismo do PCP e da Intersindical, é agora o retorno, ainda com mais força, à explosão das iniciativas empresariais, da inovação tecnológica e da qualidade e brio profissionais dos seus trabalhadores.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - A desafectação daquela área do domínio florestal para o futuro parque industrial era uma pretensão de há vários anos, reclamada pela câmara municipal e pela população. Nenhum governo lhe deu resolução: nem o gonçalvismo, nem o PS - só, nem o PS-CDS, nem o pintassilguismo, nem a AD, nem o bloco central.

Risos do PS e do PCP.

Só o Governo de Cavaco Silva e do PSD teve a clarividência, mas também a ousadia e a coragem de romper os tabiques da burocracia - porque foi isso o que ao longo dos anos impediu que o problema se resolvesse -, da rotina, do marasmo e dos preconceitos, rasgando para a Marinha Grande a larga estrada do futuro.

Aplausos do PSD e risos do PS e do PCP.

Este foi, pois, um problema que se arrastou e debateu ao longo de vários anos, mas a verdade é que só o Governo de Cavaco Silva e do PSD o resolveram.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É candidato ao Parlamento Europeu?!...

O Orador: - Não, não, Sr. Deputado; sou candidato à Marinha Grande!

Risos do PSD.

Vão ter muitas surpresas Srs. Deputados: já tiveram uma, mas ainda vão ter mais!
Só o Governo de Cavaco Silva e do PSD teve esta clarividência, repito, mas não basta ser clarividente. Tantos políticos da Oposição são clarividentes, mas falta-lhes a ousadia e a coragem. Só o Governo do PSD e de Cavaco Silva tiveram essa clarividência, ousadia e coragem! Peça desculpa, mas convém repetir estas coisas, porque muitas vezes os senhores, que não as reconhecem, as esquecem!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas mais uma pequena surpresa, sobretudo para os Srs. Deputados comunistas: só um Governo como o de Cavaco Silva - hão-de desmentir o que vou dizer a seguir - seria capaz de, tão desinibidamente, e para isso também é preciso clarividência e coragem, confiar numa câmara municipal a gestão de tão vasto e valioso património, mesmo sendo essa câmara de presidência e maioria comunista.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados comunistas, o que vos cria dificuldades não é o anticomunismo, mas sim a ousadia de construir pela positiva e de erguer o futuro de Portugal, inclusivamente com e para os comunistas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Por isso mesmo é que você não nos causa dificuldades!

O Orador: - Srs. Deputados, este problema que se vos coloca é mil vezes mais grave para VV. Ex.ªs do que essa história das dissidências ideológicas, porque quanto a questões de dissidências ideológicas, mais censura menos censura nos vossos jornais, os senhores resolvem-nas! Mas este problema de haver quem esteja a construir, pela positiva, o País do futuro é que vos encurrala sem capacidade de resposta.

Aplausos do PSD.

Para além das palavras ocas e sem fundamento e das acusações ditadas pela mera demagogia, um Portugal novo está a nascer. Um Portugal a caminhar com pés seguros para o futuro.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de mais, gostaria de chamar a atenção das pessoas que estão a assistir aos nossos trabalhos nas galerias para o facto de não se poderem manifestar, de forma alguma, face às intervenções dos Srs. Deputados.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista realizou as suas jornadas parlamentares durante os dois primeiros dias desta semana, em Ponta Delgada, na Região Autónoma dos Açores.
Porquê nos Açores?
Com esta iniciativa o grupo parlamentar socialista pretendeu, em primeiro lugar, manifestar aos socialistas açoreanos o seu apreço e solidariedade perante o estatuto eleitoral e influência política conquistados em Outubro passado pelo PS na Região Autónoma dos Açores.
Com efeito, a espectacular recuperação eleitoral então conseguida, fundou perspectivas sólidas para a edificação de uma alternativa real e credível naquele espaço, o que viria a constituir-se em consistente prenúncio de que idênticas hipóteses se iriam suscitar no todo nacional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Daí o sentido e simbologia desta ida aos Açores. Tal iniciativa visaria ainda a descentralização dos acontecimentos políticos nacionais, em ordem a criar uma mais estreita ligação dos intervenientes políticos com o País real em todos os domínios das suas realidades social, cultural e geográfica.
Por outro lado, as jornadas parlamentares socialistas que contaram com a participação activa de deputados regionais dos Açores e Madeira, constituíram, igualmente, a reafirmação clara de um compromisso político do PS com as autonomias regionais, como factores de desenvolvimento e de progresso e como referenciais de democraticidade e expressão cívica do sentido e da vontade dos cidadãos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O que valerá por dizer que assim, também, ao reconhecer publicamente o valor essencial da descentralização no Estado democrático, o grupo parlamentar socialista pretendeu igualmente sublinhar o seu empenhamento na criação das regiões administrativas

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no continente, bem como no do reforço do Poder Local e na dignificação e independência dos seus órgãos próprios.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - As jornadas parlamentares foram, pois, um bom momento para discutir em conjunto temas com «1992 e a estratégia de desenvolvimento e construção do espaço social europeu», «a Comunidade Europeia na perspectiva das regiões autónomas», a «resposta do PS aos desafios contemporâneos da individualidade, dos direitos sociais e do Estado democrático», a «organização democrática do Estado» e «o alargamento das formas de democracia política e de democracia social.
No encontro dos Açores, os deputados socialistas fizeram o balanço global e sectorial do que, do ponto de vista do PS, tem sido a actuação governativa, não deixando de proceder à avaliação política do denominado «Estado da nação» no concernente à situação económica e ao fracasso governativo que se projecta em todos os domínios da justiça social.
As jornadas parlamentares do Partido Socialista focalizaram-se, assim, na definição das prioridades de intervenção dos seus deputados da Assembleia da República, em ordem a reafirmarem os valores e o projecto socialista democrático, tendo como perspectiva a criação de uma alternativa de poder em 1991.
É este um desafio que o PS assume, na base de um compromisso susceptível de congregar a confiança e a esperança dos portugueses o que, estamos certos, se irá já verificar na aceitação das propostas socialistas nos actos eleitorais para o Parlamento Europeu e autarquias locais.
Os deputados socialistas elencaram como prioridades fundamentais:

1. A educação e a formação profissional, pois por esta área terá, forçosamente, de passar a resposta aos desafios de uma Europa integrada.
2. O emprego e a eliminação das desigualdades sociais, pois é tempo de se travar um combate decidido contra a marginalização social, a precarização do emprego, pela garantia dos direitos dos trabalhadores e dos direitos económicos.
3. A defesa dos direitos dos cidadãos e das liberdades públicas. Na verdade, está em causa a liberdade de informação e de expressão, face à efectiva limitação do pluralismo nos meios de comunicação social do Estado.
4. A justiça e a solidariedade social, pois os socialistas consideram que perante a investida tributária de fiscalidade governamental é necessário promover uma verdadeira contra-reforma fiscal que garanta uma redistribuição mais justa e equitativa dos rendimentos.
5. A defesa de uma melhor qualidade de vida, a protecção do meio ambiente e do nosso património histórico e cultural, bem como o apoio à prática desportiva e ocupação dos tempos livres.
Da reflexão dos deputados socialistas ressaltaram claras as preocupações face à indefinição estratégica do Governo perante a perspectiva de 1992.
Na verdade, as respostas a esse tremendo desafio têm sido desencontradas e desinseridas de uma linha global de desenvolvimento, em ordem a viabilizar a modernização da estrutura produtiva nacional e a assegurar uma estratégia baseada no homem, na criação de uma verdadeira capacidade tecnológica nacional e no reforço da nossa própria identidade cultural.
Assim, à míngua de outras soluções, o quadro que se vai instilando no horizonte dos portugueses é o da resignação aos baixos salários e à facilidade de se constituírem em reserva de mão-de-obra barata na Comunidade.
Por outro lado, numa conjuntura económica e financeira extremamente favorável é manifestamente intolerável que as desigualdades e injustiças sociais se estejam a agravar no nosso país.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Com efeito, nada poderá justificar que os preços subam mais do que a maioria dos salários e os rendimentos de capital cresçam mais depressa do que os rendimentos do trabalho, ao mesmo tempo que se vão agravando as condições de vida da classe média e dos mais carenciados dos portugueses: o custo de vida, o acesso à habitação própria, à saúde e à justiça, bem como a precaridade do emprego.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Estimulando quimeras, a filosofia do sucesso, a intemperança de consumismos e alardeando arrazoados economicistas, o Governo tem, de facto, sido o agente de uma dualidade social que se patenteia na multiplicação dos privilégios aos sectores sociais dirigentes e à estagnação e perda do poder de compra de numerosos estratos sociais que hoje também se confrontam com o autoritarismo de «pressões disciplinadoras», cada vez mais visíveis no discurso oficialista.
Assim, perante a vocação centralista e impositiva demonstrada pelo Executivo, o PS aposta na descentralização, na regionalização e no reforço das atribuições, competências e disponibilidades financeiras das autarquias locais.
Em face do crescendo de clientelismos e de sinais de nepotismos vários e falta de transparência, o PS empenhar-se-á na denúncia dos expedientes e mecanismos que visem a obstrução dos meios de fiscalização parlamentar da acção governativa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Nessa medida, os deputados socialistas irão apresentar iniciativas legislativas concretas em diversas áreas e domínios, com incidência na defesa dos direitos dos contribuintes, no estabelecimento de um regime de protecção jurisdicional dos direitos dos cidadãos, na defesa e protecção dos cidadãos face à informática, nas bases do estatuto de informação e do regime do audiovisual, no regime do direito da petição e acção popular, na protecção dos direitos dos consumidores e nos direitos dos jovens, bem como no regime das condições de alienação da terra a estrangeiros ou na defesa da identidade cultural de que se sublinha a defesa do património e da língua portuguesa.
Nesta linha, o Grupo Parlamentar do PS decidiu agendar para o próximo dia 28 de Março a discussão do seu projecto de lei de alargamento de âmbito da contratação colectiva, peça decisiva no reforço da contratualização da vida económica e social.

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Enfim, estas jornadas revelam como o Partido Socialista se não remete à mera condição de partido da Oposição. Pelo contrário, aqui reafirma a sua vocação de poder, ao dedicar estreita atenção as grandes questões que na próxima década se irão colocar às sociedades europeias.
Por isso, o PS está a preparar-se, atempadamente, com rigor e seriedade, para, na altura própria, pedir de novo aos portugueses um mandato de confiança para governar Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No processo de licenciamento de estações emissoras de radiofusão vão-se sucedendo os escândalos.
No momento em que a problemática do audiovisual deveria concitar um importante debate nacional, com vista à obtenção dos necessários consensos para os desafios com que hoje nos confrontamos (incluindo o necessário reforço de defesa da afirmação dos valores próprios que nos caracterizam como povo), o Governo do Professor Aníbal Cavaco Silva corta a direito na ânsia da criação de factos consumados que possam vir a comprometer, no sentido que o PSD deseja, as necessárias opções de futuro em que não podem deixar de participar todos os portugueses.
Desta feita, o Governo Cavaco Silva nem sequer cumpriu a lei que os seus próprios deputados aqui haviam produzido. Refiro-me, concretamente, ao despacho conjunto da Presidência do Conselho de Ministros e do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, publicado do Diário da República, II Série, n.º 54, do passado dia 6 de Março, através do qual são atribuídos alvarás a vários candidatos ao exercício da actividade de radiofusão.
Só que, Srs. Deputados, os membros do Governo nem sequer curaram de analisar o que legalmente está previsto quanto a esta matéria, designadamente a necessidade de «fundamentação expressa» do acto administrativo da atribuição de alvarás.
Já não bastava que tivessem retirado a esta Assembleia o poder de definir as regras e critérios em matéria de utilização de um espaço reservado do domínio público. Já não bastava que tivessem constituído uma comissão «alaranjada» para servir de capa e muleta às decisões governamentais. Quiseram ir mais longe... O Governo desrespeitou a própria lei que aqui nos impôs!
Bem pode o Primeiro-Ministro falar de independência da Comissão Consultiva. Bem pode, a esse propósito, tecer loas à acção de um magistrado judicial que a ela preside, enquanto garante dessa mesma independência. Só que, factos são factos, Srs. Deputados, e, na primeira altura em que uma tal independência poderia ser testada, os representantes «laranjas» na comissão mandaram «às urtigas» as propostas do respectivo presidente e impuseram as que melhor serviam os seus próprios interesses.

Vozes do PCP: - É um escândalo!

O Orador: - Srs. Deputados, é pelo menos estranho que as frequências mais cobiçadas em Lisboa e no Porto hajam sido atribuídas a entidades, elas próprias, com representação na Comissão Consultiva! Sabendo-se, como se sabe, que a deliberação final da comissão não foi consensual, tendo contado com a oposição de vários dos seus membros, incluindo o respectivo presidente, como se pode compreender uma pura e simples assinatura de cruz governamental sem qualquer fundamentação?
Também aqui o Governo se assume como um mero gestor de interesses, dos interesses que, de uma forma ou de outra, podem dar um bom contributo para a almejada instalação e consolidação do Estado «laranja».
E regressamos ao despacho citado. Convirá recordar que, nos termos do artigo 28.º da Lei n.º 87/88, de 30 de Julho (que regula o exercício da actividade de radiofusão), se determina que «as propostas de atribuição ou de renovação de alvarás para o exercício da actividade de radiofusão e respectivos pareceres devidamente fundamentados são apresentados ao Governo por uma comissão constituída para o efeito, devendo os actos de licenciamento ser acompanhados da fundamentação expressamente referida aos correspondentes pareceres».
Pois bem, Srs. Deputados, do despacho não consta o teor dos pareceres da comissão e, mais grave ainda, não há qualquer fundamentação governamental expressamente referida aos mesmos. Porquê? Será que o Governo é a tal ponto incompetente na matéria para nem sequer ser capaz de fundamentar o acto praticado, designadamente quanto às frequências disponíveis nos concelhos de Lisboa e do Porto?
Ou será, pelo contrário, que o Governo tem das leis da República a visão de que só é para cumprir o que lhe interessa?
Ao contrário do que os porta-vozes governamentais pretendem fazer crer, esta postura governamental tem sido tudo menos pacífica. Contra ela se têm erguido os protestos de todos aqueles que, do audiovisual, não têm apenas a visão do lucro fácil, da troca de influência e do jogo dos grandes interesses.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, esta atitude do Governo PSD é um bom alerta para aqueles que, tendo decaído de princípios proclamados em sede de revisão constitucional, designadamente pela aceitação como conquista irreversível do PSD da governamentalização sem regras do licenciamento de estações de radiofusão, se preparam para avalisar um esquema semelhante em matéria de radiotelevisão, ao mesmo tempo que participam activamente na cerimónia fúnebre do conselho de comunicação social.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Os acontecimentos recentes deveriam, pelo menos, levar o Partido Socialista a interrogar-se quanto às eventuais consequências da criação de um órgão «alaranjado» que disponha, a seu belo prazer, do espaço radioeléctrico disponível.
É que não se afigura minimamente credível protestar ao pequeno almoço contra a hegemonização pelo PSD do espaço audiovisual, para, ao lanche, acordar com o mesmo PSD a melhor forma de criar as condições para tal hegemonização.

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Este jogo do «toca e foge», Srs. Deputados, é muito perigoso para o País e não é compatível com uma mera atitude de aceitação da inevitabilidade das soluções do PSD. Bem pelo contrário, reclama de todos que afirmam contestar a acção do PSD, como há pouco ouvimos na intervenção do Sr. Deputado José Lello, uma intervenção activa de oposição aos nefastos desígnios do Governo e da bancada parlamentar que aqui cauciona a sua actuação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Independentemente do desencadear de outras acções que permitam repor a legalidade afrontada, o Grupo Parlamentar do PCP considera urgente a presença nesta Assembleia dea República do membro do Governo responsável por esta anormalidade jurídica, para que possam ser plenamente esclarecidos os fundamentos e motivos da decisão tomada e adoptadas as medidas que permitam a respectiva correcção.
É uma reclamação da vivência sã das instituições. É uma exigência da transparência democrática de que esta Assembleia não se pode afastar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Natália Correia, Vieira Mesquita e João Corregedor da Fonseca.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Deputado Jorge Lemos, o relatório apresentado pelo presidente da Comissão Consultiva foi recusado e ressalta das notícias que nos chegaram que o que esteve em causa foi o conceito de profissionalismo da comunicação social.
A secção jurídica da comissão fez uma leitura correcta da lei que estabelecia a preferência dada aos profissionais da comunicação social. Porém, o resto da comissão atropelou esta disposição, entendendo que todo o tipo de profissão podia caber no conceito de profissionalismo. Por este princípio, até as mulheres da limpeza podem ser consideradas profissionais em matéria radiofónica!... Estranhamente, o Governo deu cobertura a esta distorção da lei!
Pedia, pois, que se pronunciasse sobre estes pontos obscuros que vêm confirmar suspeitas levantadas pela Oposição neste Parlamento, quanto à isenção que devia presidir à atribuição de frequências, isenção que fica escandalosamente comprometida quando se verifica que as frequências mais potentes, as de Lisboa e Porto, foram atribuídas a entidades com representação na Comissão Consultiva.
Não acha que, numa área tão relevante para a democracia, como é a da comunicação social, esta é uma forma coxa de o Governo fazer Portugal caminhar para o futuro, para citar o esperançoso discurso do Sr. Deputado e meu caro amigo Silva Marques?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito obrigada, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Sempre amiga!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vieira Mesquita.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lemos, não estranhámos que tenha vindo aqui pôr em causa, designadamente, o parecer de uma comissão de extracção plural e representativa de várias entidades, designadamente desta Assembleia da República. O Sr. Deputado vem dizer isso porque politicamente pretende ganhar alguma coisa com o seu discurso...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Todos nós pretendemos!

O Orador: - .... tentando perturbar um processo de legalização de rádios que se vem fazendo sem sobressaltos e de uma forma perfeitamente equilibrada.
V. Ex.ª referiu o despacho do Governo quanto à atribuição das frequências e disse que o mesmo devia ser fundamentado. Sr. Deputado, o Governo limita-se, neste caso, porque não quis desconfirmar o parecer da comissão, a homologar esse parecer despachando a atribuição das frequências.
Como ao Sr. Deputado Jorge Lemos, com certeza, não lhe agrada essa decisão - que aliás, não foi feita para agradar ao Partido Comunista! - vem, perante a Assembleia, pôr em causa aquilo que considero isento e objectivo. Isto porque o Governo não interviu, designadamente modificando - como, aliás, o podia fazer, uma vez que tinha poder para tal -, o parecer dado pela comissão.
Sr. Deputado Jorge Lemos, creio que V. Ex.ª não deixava de dizer o que disse fosse qual fosse a decisão do Governo, porque nunca concordou com a lei e, como tal, pô-la-á sempre em causa. Foi isso que aqui veio fazer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Sr. Deputado Jorge Lemos, é grave o que se passa com a atribuição de alvarás de rádio, o que só vem confirmar as dúvidas e as preocupações manifestadas não só por mim como por outros Srs. Deputados aquando do debate, nesta Câmara, sobre as rádios locais.
Relativamente ao conselho de comunicação social, as preocupações por si manifestadas são iguais às nossas. No passado sábado, num fórum extremamente importante, realizado na Reitoria da Universidade do Porto e organizado pelo movimento para a defesa da constituição, foi analisado amplamente o futuro reservado ao conselho de comunicação social e a criação de um órgão apoiado, surpreendentemente, pelo Partido Socialista, que não vai poder exercer amplamente e com isenção os poderes que o conselho de comunicação social detém neste momento.
Concretamente, em relação à sua intervenção, pergunto-lhe como interpreta a tentativa de o PSD e do próprio Governo pretenderem atemorizar a comunicação social, como pode verificar-se pelos recentes ataques formulados, aqui mesmo, contra a comunicação social por dois deputados do PSD, sendo um da direcção do grupo parlamentar, pelo Ministro Cadilhe e pelo próprio Primeiro-Ministro. Poderá isso ser interpretado como uma afirmação de instabilidade política do Governo e da sua maioria, Sr. Deputado? Poderá

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ser interpretado como uma afirmação da sua falta de coesão, ao contrário do que fazem crer, impedindo que a comunicação social efectue um noticiário isento, nomeadamente neste ano de eleições que, à partida, se apresentam desconfortáveis, quer para o PSD, quer para o próprio Governo?

O Sr. Filipe Abreu (PSD): - É o «Roque e a amiga»!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Natália Correia: Permita-me que, antes de lhe responder, constate que ninguém, nesta Casa, contestou o fundo da minha intervenção, ou seja, que é um espanto verificar que, sem cumprir uma lei desta Casa, o Governo não fundamente as suas decisões em matéria de atribuição de alvarás. Aliás, é interessante verificar que um deputado do PSD tenha entrado a meio da minha intervenção e, sem a ter ouvido toda, tenha tirado algumas conclusões e feito uma pergunta. Mas vou responder-lhe na altura própria, porque creio que a chamada telefónica que lhe fizeram não resolveu o problema ao PSD, e já se vai ver porquê.
Sr.ª Deputada Natália Correia, estará recordada que, antes de o Governo ter tomado a posição que tomou tivemos o cuidado de fazer uma pergunta ao Governo, questionando o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros precisamente sobre a problemática que me colocou, ou seja, qual era o conceito que o Governo tinha de profissional da comunicação social, sobretudo porque sabíamos que essa era uma das questões que estava a levantar alguns problemas.
Creio que V. Ex.ª já terá tido oportunidade de analisar a resposta que o Governo nos deu, isto é, o Governo não tem qualquer critério, tem o que melhor servir na ocasião. Ou seja, se interessar, numa determinada altura, que profissional da comunicação social sejam também as mulheres de limpeza, com todo o respeito que tenho para com elas. também elas o serão; se não interessar, não o são. É o critério que melhor convenha! Aliás, esta postura a que o PSD chama de pragmática vai marcando a sua intervenção, ou seja, os princípios são os que ao PSD melhor servirem em cada momento.
Do nosso ponto de vista, há jurisprudência feita quanto ao que é um conceito de profissional da comunicação social. Debateu-se longamente essa matéria na comissão, quando se produziu aqui esta lei, e, obviamente, esse conceito, não abrange nem tem a extensão que, ao que sabemos, lhe terá sido dada nos pareceres da Comissão Consultiva. Aliás, leitura semelhante foi feita pelo próprio presidente da comissão, como V. Ex.ª aqui referiu em termos da Comissão Jurídica.
Quanto aos pontos obscuros, é óbvio que há muitos e eu esperava que o PSD utilizasse a palavra para dizer: «Não há pontos obscuros. Está tudo claro! A fundamentação é esta». Mas não foi isso que ouvimos: mais uma vez, reinou o silêncio e foram imputadas à Oposição intenções que ela não tem.
Nós trazemos aqui um escândalo e o que é que nos diz o PSD?

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Um escândalo?!

O Orador: - O PSD diz-nos: «Bem, independentemente desta solução, vocês diriam sempre o mesmo!» E, em relação ao caso concreto, os senhores nada dizem? Então - e passo a responder ao Sr. Deputado Vieira Mesquita -, quando, em comissão, votaram a favor da necessidade de uma fundamentação expressa do acto administrativo de atribuição, não tinham em conta o despacho que teria de ser publicado? O Sr. Deputado Vieira Mesquita conhece o despacho a que aludi? Se calhar, não o leu...

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Li-o, Sr. Deputado!

O Orador: - ... e vem aqui fazer um discurso encomendado!

Protestos do PSD.

É que se o tivesse lido, não dizia o que disse, pois manifestou uma enorme ignorância, Sr. Deputado Vieira Mesquita.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Não diga isso!

O Orador: - Quer ver porquê? Vou ler-lhe o que o Governo diz sobre a matéria. Diz o Governo o seguinte: «Concorda-se com as propostas e com os respectivos pareceres.» Ora bem, onde é que está a fundamentação?

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - É essa!

O Orador: - Onde é que estão os pareceres da Comissão Consultiva a servir de fundamento?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Onde é que está a fundamentação do Governo a dizer por que é que concorda com os pareceres da comissão? A questão é esta, Sr. Deputado Vieira Mesquita.

Aplausos do PCP.

Se os senhores acham que está tudo bem, digam-no!
Diz o Sr. Deputado Vieira Mesquita: «Ao PCP não agrada esta decisão». Obviamente que não agrada...

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Nunca agradou!

O Orador: - .... porque ao PCP agradam as soluções transparentes...

Uma voz do PSD: - Algumas!

O Orador: - ..., as soluções em que todos saibam as regras em que se estão a mover. Obviamente que esta solução agrada ao PSD. Duvidam disso? Então, foi por acaso que os vossos representantes votaram contra o relatório que o juiz presidente, o tal garante da independência, tinha apresentado e que determinava uma arrumação diferente das candidaturas?

Protestos do PSD.

É que vocês, Srs. Deputados do PSD, não podem cair, como caem, em contradições. Não podem ter o vosso Primeiro-Ministro a dizer que o juiz é o garante

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da independência para, no primeiro momento, «saparem» essa mesma independência...

Protestos do PSD.

... e confrontarem o juiz presidente com uma decisão que é só vossa, uma decisão que serve muito bem os vossos desígnios, mas só os vossos e não os dos portugueses, os dos candidatos, os do audiovisual mais competente, mais defensor dos interesses dos portugueses, mais defensor do livre debate. Os vossos desígnios são apenas os dos interesses económicos, Sr. Deputado Vieira Mesquita!
Ainda bem que trouxe a esta Casa o modo como chegámos a essa Comissão Consultiva. O Sr. Deputado conhece bem as contas que os senhores fizeram para chegarem à conclusão de que, tudo somado, nessa Comissão Consultiva estaria uma confortável maioria alaranjada e, por isso, decidiram formá-la com tal constituição. Ou seja, era uma «capazinha» para servir os interesses do PSD e do respectivo Governo.
Ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca direi que estranhei o silêncio por parte de outras bancadas quanto a esta matéria. Creio que, para quem tem de decidir não apenas em relação às estações de radiodifusão mas fundamentalmente, em relação a todo o audiovisual, este é o bom momento para dizer alguma coisa, nomeadamente, em relação ao que está a ser preparado na revisão constitucional.
É muito mau silenciarem isto, é muito mau e preocupante que a resposta seja apenas o silêncio. De duas uma: ou o silêncio é de concordância com as afirmações - o que era de aplaudir! - ou, então, o silêncio é de não vontade de demarcação das afirmações - o que é ainda mais preocupante!
Trataremos disso na altura própria e, desde já, registamos tal silêncio.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo-vos de que se encontram nas galerias, a assistir aos nossos trabalhos, um grupo de alunos das Escolas Secundárias Emídio Navarro de Viseu, n.º 2 de São João da Madeira, de Valença, e do Colégio Luso-Francês do Porto, a quem agradecemos a presença.

Aplausos gerais. Pausa.

Srs. Deputados, por lapso, a Mesa não informou a presença de alunos da Escola Secundária de Avelar Brotero de Coimbra, a quem também peço a vossa saudação.

Aplausos gerais.

O Sr. António Vairinhos (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para informar de que também se encontram entre nós alunos da Escola Secundária de Vila Real de Santo António.

O Sr. Presidente: - Também para os alunos que aqui se encontram da Escola Secundária de Vila Real de Santo António as nossas saudações.

Aplausos gerais.

Se houve alguma gaffe por parte da Mesa relativamente a alguma escola que esteja presente e não tenha sido anunciada, considere-se saudada pela Câmara.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tive já a oportunidade de trazer a esta Câmara alguns dos problemas com que se confronta a denominada zona oeste do distrito de Lisboa e, mais concretamente, toda a zona abrangente da responsabilidade da região de turismo do oeste.
Salientei nessa data a precaridade das vias de comunicação, um grave problema com que a região se debate e cuja solução tarda a aparecer.
A sistematização das intervenções operacionais do Plano de Desenvolvimento Regional, com base nos eixos prioritários de actuação, prevê a conclusão até 1993 do IP6 (Peniche - Castelo Branco), obra integrada na construção da variante de Caldas da Rainha que muito virá beneficiar a zona norte desta região, decisão que saudamos e que só peca por tardia.
No entanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não bastará criar infra-estruturas em termos rodoviários ou ferroviários se a oferta local não for suficientemente forte, de modo a cativar o turista na procura de melhores e maiores aliciantes locais.
Uma das situações mais gritantes que se verifica nesta zona é a da Lagoa de Óbidos, vulgarmente denominada por Lagoa de Foz do Arelho, cujo assoreamento e poluição apresenta já graves e perigosos índices que poderão, a curto prazo, vir a pôr em risco a sobrevivência da própria lagoa.
A Lagoa de Óbidos, com os seus 670 hectares, é a maior do nosso país e umas das maiores da Europa. É um local de eleição para pescarias e recreio, como o fizeram muitos dos nossos reis, nomeadamente D. Sebastião, D. José e D. Carlos, no conhecido «Sítio da Cabana», que se encontra passando pela extremidade do conhecido «Braço do Bom Sucesso»!
São características, na Lagoa de Óbidos, as tradicionais bateiras, pequenas embarcações à vara que permitem um passeio em águas calmas, a prática de alguns desportos náuticos e a calmaria de uma tarde passada em longas extensões de dunas de areia fina e branca.
A Lagoa de Óbidos possui a maior pista de remo da Europa para a prática da modalidade em qualquer época do ano. Mas até quando, Sr. Presidente e Srs. Deputados, este prazer será permitido? A não serem tomadas medidas urgentes, receamos que, a muito curto prazo, a Lagoa de Óbidos esteja condenada a uma lagoa interior, onde a fauna e a flora, ainda hoje numa abundância razoável, venham inevitavelmente a desaparecer com graves consequências para a economia local e o turismo nacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como é sabido, a elevação da temperatura das águas e a quietude da lagoa facilita o desenvolvimento da vegetação. As águas não sendo renovadas pelo fluxo da maré, provocam necessariamente o aumento da flora marítima. Como simultaneamente se movem as areias dos bancos, ou neles se acumulam areias das dunas, as matérias vegetais vão-se sepultando e pela elevação da temperatura decompõem-se facilmente, formando assim, já hoje, um verdadeiro campo de morte para os já raros seres vivos que ali existem enterrados na areia.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é uma situação que se arrasta há décadas e que já mereceu por parte das entidades responsáveis medidas de protecção, tais como um documento datado, sublinhe-se, de 1915 e emitido pela Comissão do Serviço Geológico de Portugal onde se propunha à então vigente Comissão Central de Pescarias que insistisse, junto do Ministério das Obras Públicas, para que se obstasse ao movimento das dunas que estavam assoreando a Lagoa de Óbidos e, simultaneamente, que na capitania do porto se afixasse um edital, lembrando às populações circunvizinhas da lagoa a necessidade e conveniência da manutenção da abertura da ligação com o mar.
Paralelamente, eram impostas restrições à apanha indiscriminada de algas, limos e mariscos durante certas épocas do ano.
Interessa aqui recordar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a Lagoa de Óbidos foi, em tempos históricos, palco de um dos maiores viveiros de ostras da Europa. Hoje, não existe nem uma e as restantes espécies, tais como amêijoa e berbigão, estão numa fase paulatina de desaparecimento.
Não vai, por este caminho, haver salvação para a Lagoa de Óbidos. A acumulação regular de areias com o alto índice de poluição existente na parte norte da lagoa condená-la-á a um desaparecimento precoce e a um total inaproveitamento para a prática balnear, piscatória e de utilização para desportos náuticos.
Uma questão obrigatória se coloca: há ou não solução para a Lagoa de Óbidos? É claro que há! O que talvez não tenha havido é a vontade ou a preocupação de este problema ser abordado com a responsabilidade que ele merece.
Recordo que, há cerca de três anos, foi formada uma comissão no âmbito da Secretaria de Estado do Ambiente que incluía elementos da hidráulica do Mondego e da Direcção-Geral dos Portos, encarregada de estudar o assunto. Que se saiba e que eu saiba, não foi publicado nenhum relatório desta comissão.
O Instituto Hidrográfico, tendo-se já, por várias vezes, debruçado sobre esta matéria e sobre o complexo fenómeno de ligação do mar com a lagoa, aleitou para uma melhor utilização dos recursos naturais que a Lagoa de Óbidos poderá protagonizar no desenvolvimento da região, que deverá já hoje ser encarada como uma perspectiva de futuro. Lamentavelmente a exiguidade dos meios e a concepção do barato para a obra de salvação da Lagoa de Óbidos, por parte do Estado português, têm sido motivos impeditivos do início de uma obra que, amanhã, poderá já ser irremediavelmente tarde.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito se poderia falar da Lagoa de Óbidos, das suas possibilidades e das suas necessidades; no entanto, mais do que palavras, são precisos actos, acções que visem projectos concretos de recuperação e salvamento de um património único da nossa costa.
Os quatro municípios que abrangem as margens da lagoa (Caldas da Rainha, Óbidos, Bombarral e Peniche) já manifestaram a sua preocupação e, infelizmente, nem sempre esta preocupação se traduziu numa prática eficiente na defesa da sobrevivência da Lagoa de Óbidos. No entanto, o reconhecimento inequívoco das potencialidades desta lagoa é incontestável e esperemos que o bom senso se impunha e que o Governo não projecte para aquela região apenas boas estradas - que saudamos -, sob pena de, no caso concreto da Lagoa de Óbidos, quem por elas circular, apenas possa assistir à morte lenta de uma das mais belas lagoas da Europa.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, dou por encerrado o período de antes da ordem do dia.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido um relatório e parecer da Comissão de Regimentos e Mandatos.

Foi lido. É o seguinte:

Comissão de Regimento e Mandatos
Relatório e parecer

Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos realizada no dia 16 de Março de 1989, pelas 15 horas, foi observada a seguinte substituição de deputado:

1 - Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS):

Raul Manuel Gouveia Bordalo Junqueira (Círculo Eleitoral de Viseu), por Maria do Céu Fernandes Oliveira Esteves. Esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n.º 2 do art. 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), para o período de 12 de Março corrente a 14 de Outubro próximo, inclusive.

2 - Analisados os documentos partinentes de que a comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentadas a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.

3 - Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.

4 - Finalmente a comissão entende proferir o seguinte parecer:

A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Vice-Presidente: Alberto Marques de O. e Silva (PS); O Sr. Secretário: Valdemar Cardoso Alves (PSD) - António Roleira Marinho (PSD) - Arlindo da Silva André Moreira (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Domingos da Silva e Sousa (PSD) - José Alberto Puig dos Santos Costa (PSD) - José Augusto Santos da S. Marques (PSD) - José Guilherme Pereira C. dos Reis (PSD) - Manuel António Sá Fernandes (PSD) - Reinaldo Alberto Ramos Gomes (PSD) - António Manuel C. Ferreira Vitorino (PS) - Mário

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Manuel Cal Brandão (PS) - Francisco Barbosa da Costa (PRD) - Herculano da Silva Pombo M. Sequeira (PV).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, do nosso período da ordem do dia consta a apreciação dos Projectos de Lei n.ºs 291/V (PCP) - Reduz a duração semanal do trabalho normal - e 361/V (PS) - Redução da duração semanal de trabalho.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Sr. Presidente, foi com surpresa que verifiquei que, para além do agenciamento do Projecto de Lei n.º 291/V, apresentado pelo PCP, está também agendado o Projecto de Lei n.º 361/V da iniciativa do PS que, no meu entender, não está em condições de ser discutido em Plenário.
Trata-se de um projecto de lei que versa matéria relativa ao trabalho. Ora, de acordo com a Constituição, com a Lei n.º 16/79 e com o Regimento da Assembleia da República, este projecto de lei não foi objecto de relatório da comissão, uma vez que só ontem é que lá chegou - e isso poderia ser suprido em virtude dos mecanismos que o Regimento consagra -, mas, mais grave do que isso, não foi minimamente objecto de discussão pública. Ontem, na reunião da comissão, pedimos ao Sr. Presidente da Assembleia da República que, nos termos legais e regimentais aplicáveis, se promovesse a discussão pública deste projecto.
Portanto, pergunto à Mesa qual é o objectivo do agendamento deste projecto de lei, porque, em nosso entender, não está em condições de vir a Plenário para efeitos de discussão.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, não há gravidade nenhuma na situação nem pretendemos subverter as normas e as regras da Assembleia.
Entendemos que deve haver discussão pública e que o nosso projecto deve seguir os trâmites normais. Todavia, pensámos que era oportuno dar este contributo para o debate, pelo que é nesse sentido que vamos intervir.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa foi interpelada sobre uma situação em que, salvo erro ou omissão, o que julgo que aconteceu - e tenho quase a certeza que assim aconteceu, aliás, como é normal, mas teria de consultar as súmulas - foi que, quando na conferência de líderes se agendou o Projecto de Lei n.º 291/V, o representante do Partido Socialista afirmou que havia um projecto de lei análogo proveniente do PS ao qual foi atribuído um número. É assim que, com certa frequência, têm sido «atrelados» - permitam-me utilizar esta expressão - diplomas que provêm de outros partidos.
Devo dizer que, por exemplo, para o próximo dia 21 foi inicialmente agendado um projecto de lei de Os Verdes, tendo mais tarde o PCP requerido que a este fosse «atrelado» o Projecto de Lei n.º 99/V, que até já era um diploma antigo.
Ontem, na conferência dos presidentes dos grupos parlamentares, o PS indicou que também tinha um projecto de lei sobre a matéria que está hoje em discussão, razão por que foi incluído nesta ordem do dia. São, portanto, os partidos que tomam a iniciativa e, por exemplo, no caso de ontem, já se sabia o número do projecto de lei, apesar de ele ter entrado nesse próprio dia.
Considera-se - e são as regras admitidas - que o projecto de lei é incluído na discussão desde que dê entrada com oito dias de antecedência. No entanto, salvo erro ou omissão, ontem, na conferência de líderes, o Projecto de Lei n.º 361/V foi adicionado sem qualquer objecção por parte dos grupos parlamentares.
Consultando agora a súmula da conferência de líderes do dia 8, verifico que nela está inscrito para discussão o Projecto de Lei n.º 291/V, do PCP - Reduz a duração semanal do trabalho normal -, à qual foi adicionado o projecto de lei, do PS - Redução da duração semanal de trabalho -, que ainda não tinha número, porque tinha dado entrada nesse mesmo dia. Isto não levantou qualquer objecção, aliás, como é norma quando o partido que apresenta o projecto declara que se trata de matéria completamente homóloga.
Quero ainda acrescentar um pormenor, aliás, suscitado pela intervenção do Sr. Deputado Joaquim Marques. Estive a ver a teoria geral sobre a matéria, mas neste caso estamos perante uma situação particular: é que o Projecto de Lei n.º 291/V, do PCP, foi sujeito a discussão pública, o que não aconteceu ao Projecto de Lei n.º 361/V, do PS, questão que não foi abordada na conferência de líderes por lapso, esquecimento ou qualquer outra razão.
Portanto, esta é, efectivamente, uma situação diversa e o Sr. Deputado Joaquim Marques tem razão.
Em face do que se disse, o que está em discussão é o Projecto de Lei n.º 291/V, do PCP, e o Projecto de Lei n.º 361/V é apenas um apport para conhecimento da posição do PS, mas não está em discussão.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, independentemente do que se fará a seguir, ressalto a situação de se vir aqui, em Plenário, debater questões que não foram objecto de qualquer polémica na conferência de líderes.

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Portanto, pergunto ao Sr. Presidente se isto vai abrir um precedente, isto é, se vamos transferir para aqui o debate das questões que foram assumidas unanimemente, ou pelo menos sem qualquer objecção, na conferência de líderes.
Apresentámos o nosso projecto e, embora não haja lugar a qualquer votação, faremos uma intervenção em que o apresentaremos pura e simplesmente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa, a conferência de líderes e o Plenário não são infalíveis. O problema não foi debatido na conferência de líderes, porque o projecto de lei do PS surgiu tão rapidamente e com tal naturalidade que a questão da discussão pública não foi suscitada, tanto quanto me recordo.
Portanto, estamos perante o reconhecimento de um facto de que não nos apercebemos na conferência. Damos a mão à palmatória - todos nós e eu próprio que lá estava - por não termos analisado o problema e, por isso, é que eu disse que, em face desta situação, o Projecto de Lei n.º 361/V é a forma como o PS deu a conhecer a sua posição, é uma forma de apport, mas não pode ser considerado nem tratado em pé de igualdade com o Projecto de Lei n.º 291/V.
Se houver necessidade de ratificar esta solução por uma conferência de líderes rápida poderemos fazê-la de imediato, mas julgo que não há necessidade disso porque a situação está bem esclarecida e é formalmente muito correcta.
Em bom rigor o PS não teria direito a trinta minutos, mas como houve um lapso e se as suas intervenções estavam preparadas para esse tempo nós manteremos os trinta minutos.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Finalmente, e por iniciativa do Grupo Parlamentar do PCP, discute a Assembleia da República a redução do tempo de trabalho - e não será também por acaso que hoje o Governo anunciou que ia reduzir a duração do tempo de trabalho, mas apenas para as 44 horas -, exigência que de há muitos anos tem estado presente na luta dos trabalhadores.
Esta exigência, ao longo dos tempos, tem determinado várias convenções e recomendações internacionais, das quais nós, em termos de lei geral, nos encontramos abissalmente afastados, pois continuamos a manter o Decreto-Lei n.º 409/71, que estabelece as 48 horas como semana de trabalho.
Apesar dos avanços conseguidos nesta matéria a nível de contratação colectiva, a verdade é que a missão da OIT que em 1985 se deslocou a Portugal salientava ser muito elevada a duração do trabalho, situada entre as 43 e 45 horas por semana na generalidade dos sectores.
Apesar de tudo isto, que muito sumariamente se registou, até agora nada se fez para reduzir, por via legal, a duração do trabalho.
Os trabalhadores portugueses vêm reivindicando a redução do horário de trabalho para 40 horas, conseguida há muito na maioria dos países industrializados da Europa ocidental.
Nos países da CEE, como na Alemanha Federal, Bélgica, França, Espanha, Grã-Bretanha, Grécia e Itália, está generalizada a semana de 40 horas, no máximo, aliás, em obediência à recomendação de 1975 do Conselho das Comunidades Europeias.
Com a redução que propomos atingir-se-á o objectivo de melhorar as condições de vida e de trabalho.
Este objectivo, que se insere na Constituição como um direito fundamental do trabalhador tem sido, no entanto, esquecido e já chegámos mesmo a assistir a tentativas de aumentar a disponibilidade do trabalhador ao arrepio da realidade, ao arrepio dos mais elementares princípios éticos. Falo, como é óbvio, daqueles anteprojectos de alargar a duração semanal de trabalho para 52 horas.
Ora, o trabalhador tem direito à sua própria vida e família, tem direito à sua realização cultural e a uma maior participação na vida cívica e política.
Se olharmos à nossa volta verificamos que acrescido o tempo dos transportes ao tempo de trabalho, quase nada resta a quem trabalha para dedicar atenção ao que se passa em redor. Mingua o espaço para as crianças e jovens na vida de quem «sai de casa de madrugada» e a ela regressa «já noite fechada». Mingua o tempo para acompanhar o desenvolvimento do mundo e procurar resposta a cem mil porquês.
Só não falta tempo para sentir com dor que ao ritmo cadenciado da máquina, ao «puxa que puxa, larga que larga» da cadeia fabril se sucede a angústia dos escassos momentos disponíveis.
E é sobretudo em relação às mulheres que mais se sente o excesso de tempo de trabalho, já inadequado face às novas tecnologias. As mulheres, que, acabado o seu trabalho na fábrica ou no escritório, têm ainda o chamado segundo turno, aquele que é dedicado às tarefas domésticas.
Por isto mesmo, assinala-se o êxito que o projecto de lei do PCP obteve junto das mulheres têxteis que, na semana passada, entregaram nesta Assembleia um abaixo-assinado de apoio ao nosso projecto contendo cerca de 13 mil assinaturas.
Consideramos assim indiscutível que do nosso projecto resultará para os trabalhadores uma acentuada melhoria de qualidade de vida. Contra esta constatação não há teoria economicista do trabalho que resista.
Não faltará, no entanto, quem afirme, que a redução do horário normal não terá aquele efeito, porque acaba por não se reduzir a duração efectiva de trabalho, já que, dizem os mesmos, os trabalhadores auto-limitam o seu tempo de indisponibilidade com a apetência pelo trabalho extraordinário.
Mas entendamo-nos! Quem assim argumenta, parte de dados que julga imutáveis. Parte de um contexto de retardamento salarial, de penúria de oferta de mão-de-obra qualificada e do diktat da entidade patronal.
Só nesse contexto se vêem os trabalhadores coagidos a prolongar com o trabalho extraordinário a seu jornada de trabalho, depauperando as suas forças que não reconstituem com o escasso tempo de descanso e diminuindo assim a sua produtividade.
Mas como o mundo é composto de mudança, a luta dos trabalhadores e a evolução técnico-científica terão de determinar o aumento dos níveis salariais e da mão-de-obra qualificada. Nesse contexto, nenhum trabalhador aceitará, em plena liberdade, inutilizar a sua vida! Mas o outro objectivo poderá ser atingido com a redução do tempo de trabalho. Tal como se assinala no preâmbulo do projecto de lei, poderá conseguir-se a partilha do emprego, isto é, podem criar-se novos postos de trabalho.

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Este objectivo tem vindo a ser assinalado, e não só pelos trabalhadores, em época de crise económica e de assustador aumento do desemprego.
É verdade que conhecemos os argumentos dos que através de variados estudos pretendem demonstrar que este objectivo não é atingido.
De facto, nunca falta imaginação e engenho àqueles que a cada reivindicação dos trabalhadores respondem com o ar ponderado de quem pretende travar uma criança impetuosa.
Mas o que lhes interessa, a esses, é a manutenção da situação de sobre-exploração do trabalhador.
A este respeito salientamos uma recente proposta de resolução apresentada no Parlamento Europeu em 1986. Aí, se assinala a importância da redução geral do tempo de trabalho no quadro da luta contra o desemprego.
E mais: na proposta em questão afirma-se que a redução do tempo de trabalho não pode ser apenas analisada sob o ponto de vista dos custos a cargo das empresas, porque isso equivale a negligenciar os custos do desemprego e o objectivo de harmonizar as condições de vida e de trabalho dos cidadãos no nível desejável. E é isso que de facto acontece!
Sempre que se fala em redução do tempo de trabalho não falta quem venha falar, só e apenas, na capacidade de produção das empresas, na competitividade das mesmas, tentando demonstrar que a reivindicação dos trabalhadores se vira contra eles.
Mas não podem esquecer-se as novas tecnologias, o desenvolvimento, através das mesmas, da capacidade de produção e o aumento da sua competitividade. Aliás, da redução do tempo de trabalho resulta o crescimento da produtividade. A reorganização na empresa, a motivação do trabalhador para a tarefa prestada em melhores condições são alguns dos motivos apontados, entre outros, para o crescimento da produtividade.
E assim cai pela base o argumento dos que se esquecem dos reflexos negativos do desemprego sobre a capacidade de produção e a competitividade das empresas.
Desperdiçar mão-de-obra, e desperdiçar mão-de-obra que pode ser qualificada, contraria o progresso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cremos que está justificada a necessidade de reduzir o tempo de trabalho. Mas para que nível deve ser feita essa redução?
O projecto do PCP propõe a redução para 40 horas. Redução que se justifica. Analisando a contratação colectiva, verificamos que muitos dos trabalhadores beneficiam já de semanas de 44, 42 e alguns até mesmo de 40 horas.
O Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Químicas do Centro e Ilhas - e isto para citar um só exemplo - assinala que das 20 convenções colectivas de trabalho negociadas pela federação para mais de 60 mil trabalhadores se constata que a média semanal estipulada contratualmente é de cerca de 43 horas. Mas, na prática, a média praticada é de cerca de 41. Assim, o anunciado anteprojecto do Governo da redução para 44 horas sabe, de facto, a muito pouco!

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - O melhor é não trabalhar!

A Oradora: - Assim, o projecto de lei do PCP não é o salto brusco, mas a consequência lógica da evolução da limitação da indisponibilidade do trabalhador.
Para o trabalho nocturno, insalubre, penoso e perigoso propomos, por motivos bem evidente, a redução para as 35 horas.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Só!

A Oradora: - Sr. Deputado, se alguma vez exercesse algum trabalho insalubre e perigoso, com certeza não estaria agora a fazer esse comentário.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Propusemos a redução progressiva em certos sectores de actividade. Em relação ao ramo do comércio parecia-nos que o pequeno comércio retalhista poderia sentir algum abalo com a redução para 40 horas na data da entrada em vigor do diploma.
Mas do debate público resultou que não é deste pequeno patronato que vem a oposição à semana das 40 horas.
O contrato colectivo do comércio retalhista está a ser negociado, neste momento, e a Associação dos Pequenos e Médios Comerciantes esteve de acordo com a semana das 40 horas.
É sim, do grande patronato, nomeadamente dos hipermercados para os quais não há domingos, nem os dias de descanso semanal previstos na lei, e dos quais vem a oposição. Foi por causa dos hipermercados que a redução para 40 horas não foi negociada em Lisboa.
Assim sendo, entendemos que no comércio não deve haver redução progressiva da redução de trabalho. Deve ser reduzido para 40 horas na data da entrada em vigor do diploma.
Mais uma vez se demonstra - e este é um dos exemplos - a importância da intervenção das organizações de trabalhadores na preparação das leis de trabalho.
É também em resultado da consulta pública que entendemos que a redução para as 35 horas se deve alargar ao trabalho por turnos, pois que reveste características de penosidade. Aliás, em relação ao terceiro turno há já empresas que aplicam o horário das 40 horas.
Entendemos, embora isso não conste do nosso diploma (mas é uma das nossas sugestões) que o decreto-lei de 1974, que sujeita a autorização administrativa a redução do horário de trabalho, deve ser expressamente revogado embora, na nossa opinião, ele seja inconstitucional por restringir a liberdade de contratação colectiva.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Por último, salientamos que prevemos um período dilatado para a entrada em vigor do diploma. Período que consideramos suficiente para a reorganização do tempo de trabalho nas empresas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei do PCP constitui uma base de trabalho para que a Assembleia da República cumpra um dos direitos fundamentais dos trabalhadores que é o direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes.
A extraordinária adesão ao projecto por parte dos trabalhadores constitui, ao mesmo tempo, um desafio ao PSD e ao Governo, pois os trabalhadores que, em massa, se manifestaram a favor da redução para 40 horas não estão de acordo com a redução para 44 horas.

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Que argumentos iremos ouvir para justificar tão tardio cumprimento de uma promessa que está no programa eleitoral do PSD e que é a redução progressiva da duração do trabalho, e um tão minguado cumprimento!
Quanto a nós, com a apresentação do nosso projecto de lei, cumprimos as nossas promessas e, sobretudo, cumprimos a Constituição da República.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Marques.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Sr.ª Deputada Odete Santos, devo dizer, em primeiro lugar, que tanto eu como o meu grupo parlamentar consideramos positiva esta iniciativa legislativa do PCP, na medida em que trata de uma questão que tem a ver, naturalmente, com as condições de vida de uma grande parte dos portugueses e, de uma forma especial, dos trabalhadores por conta de outrem. Nesse sentido são positivas todas as medidas, nomeadamente, as legislativas que possam, digamos, agitar o problema.
Neste momento, o que está em discussão é apenas a questão do horário de trabalho semanal e, por isso, pensamos que esta é uma discussão incompleta.
Na realidade, quando comparamos a duração do horário de trabalho que se pratica em Portugal com os horários que se praticam em outros países da Comunidade Económica Europeia, naturalmente que não temos dúvidas em concluir que, neste momento, no nosso país, os horários de trabalho são os mais longos. Temos, no entanto, em relação a esses países, outras vantagens que não são referidas, como a de que os trabalhadores portugueses se encontram beneficiados em termos do número de feriados que anualmente gozam e também, por vezes, em termos do período de férias a que têm direito.
No entanto, não é essa questão que está em causa, neste momento. O que queria sobretudo referir é que, ao longo dos últimos anos, a partir do momento em que houve liberdade de contratação colectiva em Portugal, essa liberdade de contratação colectiva e a assunção responsável pelas organizações de trabalhadores e pelas organizações de empregadores tem, a este respeito, produzido - aliás, como a Sr.ª Deputada Odete Santos referiu - resultados muito positivos. Hoje, em Portugal, em termos de horário médio efectivamente praticado, não estaremos para além das 42 horas semanais.
Creio, portanto, que se a lei estipula como horário máximo as 48 horas semanais, na prática esse horário não tem aplicação, excepção feita para um reduzido número de trabalhadores agrícolas do norte do País. De resto, na prática - e mercê da contratação colectiva de trabalho -, esses limites máximos de horário de trabalho têm vindo, felizmente, a ser diminuídos.
Prova disso, aliás, é a leitura semanal do boletim de trabalho e emprego. Todas as semanas aí podemos aperceber-nos de que, através da contratação colectiva, através de autorizações especiais para trabalho por turnos, para laboração contínua ou ainda para outras formas de trabalho em turnos não fixos, efectivamente, esse objectivo tem vindo a ser prosseguido, de uma forma coerente e de uma forma que não põe em causa os interesses legítimos, tanto dos trabalhadores como das empresas. É que se, eventualmente, pusermos em causa, ainda que com boas intenções, a estabilidade económica das empresas, objectivamente estamos a penalizar, no futuro, os trabalhadores dessas próprias empresas.
Não queremos contribuir - e não contribuiremos - para tomar medidas que, embora sendo simpáticas, possa conduzir a situações como aquelas que vivemos em 1983, quando dezenas e dezenas de milhar de trabalhadores portugueses, apesar de prestarem à entidade patronal o seu trabalho, não recebiam atempadamente os seus salários.
Não pensa a Sr.ª Deputada Odete Santos - esta a pergunta que quer colocar-lhe - que, fundamentalmente em termos de se alterar qualitativamente esta condição de trabalho que é o horário de trabalho semanal, deveremos apostar sobretudo na contratação colectiva? Não pensa também que será através da dinamização, e dos esforços de concertação social - como, aliás, o Governo tem vindo a promover - que poderemos, com a responsabilidade dos parceiros sociais e não com a responsabilidade de um qualquer órgão de soberania, seja ele a Assembleia da República ou o Governo, com os pés bem assentes na terra, conseguir esses objectivos?
Aliás, creio ser já o domínio público que, hoje mesmo, em Conselho de Ministros - e na sequência do acordo que foi feito no mês de Janeiro com os parceiros sociais e, nomeadamente, com pelo menos uma das centrais sindicais - foi aprovada uma proposta de lei sobre esta matéria que, naturalmente, iremos ter oportunidade de discutir aqui, na Assembleia da República. Essa proposta de lei resulta já do contributo efectivo e responsável dos parceiros sociais.
Perguntava, portanto, à Sr.ª Deputada Odete Santos se não considera que a melhoria do horário de trabalho semanal, que é importante, não deve ser também, fundamentalmente, assumida pelos próprios parceiros sociais, até porque, desta questão, dependem outras que não estão referenciadas no projecto do PCP, nomeadamente a forma de utilização, flexível ou não, do tempo de trabalho, independentemente da sua duração. Isso não está aqui.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado Joaquim Marques, é evidente que discordo de algumas das afirmações que fez no início da sua intervenção, nomeadamente com a referência que fez ao período de férias dos trabalhadores portugueses que, segundo me pareceu ouvir, comparativamente com o dos restantes países da CEE seria excessivamente longo. Recordo-lhe, Sr. Deputado, que, já em 1975, uma recomendação do Conselho das Comunidades Europeias falava nas quatro semanas de férias.
Devo dizer-lhe também que penso que este projecto não esgota o problema, nem pretendemos com ele esgotar o problema da redução do horário de trabalho.
Sabemos também que esta questão se prende igualmente com a idade da reforma. Apresentámos, há pouco tempo, um projecto nesta Assembleia para a redução da idade de reforma e VV. Ex.ªs votaram contra ele.

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Sabemos também, perfeitamente, que este problema se prende com a questão da limitação do trabalho extraordinário, mas com este projecto quisemos apenas estabelecer o princípio da redução do horário de trabalho semanal para 40 horas.
Julgamos, ao contrário do que o Sr. Deputado pretendeu lançar no ar, que esta redução do horário de trabalho para as 40 horas não é essa loucura que quis insinuar.
Tenho na minha frente o nome de algumas das empresas - e há mais do que estas - que já praticam esse horário e de instrumentos de regulamentação colectiva que o estabelecem. Cito, a título de exemplo, o ACT, do sector do açúcar onde, desde 1 de Agosto de 1988, já foi estabelecido o horário de 40 horas de trabalho; a CITNOR, onde também desde 1988 se praticam as 40 horas de trabalho; a Portucel que, desde 1 de Agosto de 1988, cumpre 40 horas de trabalho semanal. Há pois uma série de empresas, cuja lista lhe posso fornecer, que pratica já hoje o horário de 40 horas de trabalho semanal.
É evidente que não concordo com V. Ex.ª quando diz que esta questão da redução do tempo de trabalho deve ser deixada para a contratação colectiva. Não concordo porque acho que a Assembleia da República não deve demitir-se de uma obrigação que resulta da Constituição.
Além disso, há também exemplos de belos princípios programáticos, até mesmo em sede de contratos colectivos, que não são cumpridos. Posso citar-lhe o contrato colectivo da metalurgia que desde 1977 tem um princípio aceite pelas entidades patronais de redução do horário de trabalho, mas chegámos a 1989 com apenas algumas empresas metalúrgicas a procederem a essa redução.
Entendemos que a análise do problema deveria levar a Assembleia a reduzir o tempo de trabalho, o que - isso sim - teria depois reflexos positivos na contratação colectiva.
Sr. Deputado Joaquim Marques, tal como referi na minha intervenção temos, efectivamente, conhecimento - tivemo-lo hoje - da proposta do Governo quanto à redução do horário de trabalho para 44 horas, proposta que só hoje foi anunciada, precisamente no dia em que se ia debater na Assembleia o projecto de lei do PCP. Os dados conhecidos - e que aqui tenho ao seu dispor - demonstram que essa redução para 44 horas semanais é, na verdade, face à realidade, já muito pouco e não satisfará os desejos, e as aspirações dos trabalhadores portugueses e não melhorará significativamente a vida e as condições de trabalho dos nossos trabalhadores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Herculano Pombo pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, ao abrigo das disposições regimentais aplicáveis solicito a interrupção dos trabalhos por quinze minutos, para que o meu grupo parlamentar possa levar a efeito uma conferência de imprensa na sala D. Maria.

O Sr. Presidente: - É regimental, está concedido. Reiniciaremos a sessão às 17 horas e 20 minutos. Estão suspensos os trabalhos.

Eram 17 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 17 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.
Queria, entretanto, informar os Srs. Deputados de que a reunião da Comissão de Regimento e Mandatos está prevista para as 17 horas e 30 minutos, pelo que solicito aos membros dessa comissão que se dirijam à sala respectiva.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O horário de trabalho reflecte a organização e o dinamismo da actividade económica de um país, é mesmo o espelho do seu desenvolvimento e civilização.
Nas sociedades primitivas o homem vivia em harmonia com a natureza. O sol e a temperatura determinaram o horário de trabalho. As necessidades e as expectativas estavam directamente relacionadas com o ambiente.
A revolução social e tecnológica colocam em permanente questão a organização do trabalho, as relações industriais, a organização da produção e distribuição, quer ao nível da empresa quer da administração.
O horário de trabalho tem sido bandeira dos movimentos sociais - dura foi a luta dos trabalhadores pela conquista da jornada de 8 horas!
O estudo dos comportamentos humanos revelam que os períodos de actividade intelectual e física são limitados, embora variáveis de indivíduo para indivíduo, bem como limitada é a capacidade de concentração.
A criatividade e a inovação não são possíveis espartilhadas por um horário rígido que corresponde a uma estrutura organizativa burocrática.
A burocracia submete o homem moderno à ditadura dos papéis, dos horários, dos transportes, que o afasta da sua própria natureza; o ultimato da burocracia é o computador: não pensa, não tem sexo, não tem coração, não tem iniciativa, não tem egoísmo ou altruísmo, não tem alma mas tem tempo.
O homem, segundo Paul Tillich, transforma tudo o que encontra numa ferramenta, com o objectivo de ser mais livre, de ter mais tempo para si. As grandes corporações industriais do tipo taylorista transformaram o próprio Homem numa ferramenta. E o Homem criou e criou novas ferramentas, novos produtos, até atingir a crise actual. O Homem criou a autodestruição e as doenças sociais, e começa a interrogar-se: ferramentas sim, mas para quê? Novos produtos, sim, mas com que objectivos? Para preencher que necessidades?
O Homem concluiu que o tempo é dinheiro mas que não há dinheiro que pague o seu tempo de ser livre, de ser feliz, de ser criativo, de ser cidadão participativo.

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Fala-se muito na mudança e o Governo de Cavaco Silva propôs mesmo ao eleitorado mudanças miraculosas, mudanças para os padrões europeus, construídos com a comparticipação e a compreensão do social, com o respeito pelo Homem, pelo direito ao lazer, ao ambiente, à habitação e à família.
Porém, em Portugal, nada mudou por sua iniciativa. Somos o último país da Europa com a duração semanal de trabalho de 48 horas.
Pode o Governo argumentar que a capacidade de mudança das organizações é limitada, que a mudança dos comportamentos culturais não se determina por decreto, que a intervenção do Estado até pode ser factor de bloqueio. Tudo isto é verdade, se: o Governo não formar e informar os empresários portugueses para as vantagens de corresponderem às mudanças de progresso; o Governo não favorecer a contratualização entre os parceiros sociais, sector a sector, empresa a empresa, de horários e organização ajustados a cada caso.
A reivindicação da redução do tempo de trabalho foi, durante muitos anos - e ainda é hoje -, prioridade das organizações sindicais. Enquadra-se na luta sempre por melhores condições de vida.
A redução do tempo de trabalho hoje não é advogada apenas pelo movimento sindical, é igualmente defendida por governos e agentes económicos.
Também outros sectores sociais defendem que a redução do tempo de trabalho contribuirá para favorecer a igualdade entre homens e mulheres, dando-lhes tempo para se ocuparem dos seus filhos.
A crise económica, o aumento do desemprego, levou um crescente número de organismos a reclamar uma redução do tempo e duração do período de trabalho, favorecendo a reforma progressiva e antecipada como um meio de redistribuir o emprego existente. Todas as organizações sindicais da Europa, nomeadamente a Confederação Europeia de Sindicatos (CÊS) têm intensificado essa luta.
Em 1977, o comité executivo da CÊS adoptou um programa que tem vindo a ser aplicado, progressivamente, pelos Estados membros.
Em 1982, a CÊS renovou esse programa e aprovou as seguintes reivindicações: redução da duração semanal do trabalho para 35 horas; diminuição da idade da reforma e o direito de se retirar da vida activa aos 60 anos, sem prejuízos pecuniários; prolongamento do período de férias para seis semanas; prolongamento da escolaridade obrigatória; generalização dos períodos de formação; introdução duma quinta equipa no trabalho contínuo; redução, até à abolição, de horas suplementares; compensação das horas suplementares, em situações verdadeiramente excepcionais, em tempo livre.
Todos os Estados membros das Comunidades, por acção conjugada da lei e das convenções colectivas, conseguiram que a duração do trabalho não ultrapasse as 40 horas semanais sendo frequentes os casos em que é inferior este limite, que é recomendado pela CEE desde 1975.
Em Portugal, a contratação colectiva conseguiu já média próxima das 42 horas semanais e é um dos poucos casos no nosso país em que a contratação laborai fica aquém da realidade.
Em sectores, como a Função Pública, totalmente dependentes das decisões do Governo, este, depois de acordar com os sindicatos o limite máximo de 40 horas, regulamentou em sentido contrário lamentando-se das dificuldades colocadas pelos autarcas. Dizia João XXIII: «Acontece-me acordar de noite e pensar num problema sério. Decido falar sem falta, no dia seguinte, sobre esse problema sério ao Papa. Depois, ao acordar completamente, lembro-me de que eu sou o Papa.»
Ora, com o Governo passa-se isto mesmo.
O Governo ainda não percebeu que é Governo para resolver problemas e não para os adiar, ignorar, ou transferir para os outros.
O limite máximo semanal deve ser fixado, pelo menos, na média dos valores adoptados na contratação colectiva. As1 reduções de tempo de trabalho que, em consequência, se verificam, irão estimular acréscimos de produtividade sendo possível melhorar mesmo a produção se a redução do horário for acompanhada de reorganização do trabalho na empresa.
Interrogar-se-ão então por que propõe o PS 44 horas semanais e não 40 horas como faz o PCP.
Temos presente que a redução da duração do trabalho não pode ser obtida, eficazmente, senão no quadro das micropolíticas, ao nível da empresa e acompanhadas de reorganização e inovação das relações industriais e de produção.
O Estado, mais do que impor uma redução abrupta e uniforme, deve criar condições para uma gestão «inteligente» do trabalho, deve incentivar e sensibilizar métodos modernos de reorganização enquadrados numa concertação internacional que impeça o «dumping social», que será combatido, tanto numa perspectiva económica como social, na Europa de 1992.
O Governo deve libertar os parceiros sociais, de imediato, de uma norma já referida, que foi estabelecida com carácter conjuntural e que se mantém, nunca foi alterada, continuando a exigir-se que os acordos para a diminuição da duração do trabalho sejam aprovados pela administração.
A adesão à CEE é, pois, um bom pretexto para incentivar a modernidade da gestão empresarial portuguesa nesta matéria. O Governo perdeu já muito tempo e continua manietado pelas suas inconsequências: diz--se liberal, mas revela-se intervencionista.
Por outro lado, o modelo tradicional que a lei consagra, de pré-determinação das horas de início e termo dos períodos de trabalho já não corresponde às necessidades das empresas e dos trabalhadores. Algumas práticas inovadoras têm vindo a ser aplicadas e é necessário que a lei as legitime e promova.
O Governo fala de flexibilidade, mas tem dela uma visão estreita e só num sentido. É necessária a flexibilização dos horários, de modo a corresponder aos interesses das partes, permitindo aliviar a pressão das horas de ponta, libertando o indivíduo do stress, das correrias desenfreadas para «picar o ponto» dentro dos cinco minutos de tolerância.
O Governo não conhece a violência, a tensão que geram os toques de entrada, de saída e de almoço, das sirenes das fabricas, que abrem ou fecham os seus portões e as vedações de arame farpado a unia comunidade humana de trabalho que sufoca o indivíduo numa organização militar onde, qual cobaia, o trabalhador reage aos estímulos, incentivadores ou punitivos.
A adopção imediata das 44 horas que propomos, bem como as restantes propostas são medidas limitadas, temos disso consciência. A revisão da duração semanal do trabalho é uma medida parcial, mas é um contributo para o debate nacional sobre essa matéria. Não pretende resolver um problema, cuja resolução

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exige contributos de todos os parceiros sociais e da inteligência nacional e internacional.
Fundamenta-se a nossa proposta no facto de o Governo ter um compromisso com um parceiro social para a aplicação das 44 horas, que, ao que parece, acabou de consagrar hoje, apressada e hipocritamente, em lei.
O Governo move-se, ao final, a reboque da Oposição. Oxalá continue a seguir este exemplo, pois perdeu já oportunidades de aproveitar outras iniciativas da Oposição igualmente inteligentes e inovadoras, Srs. Deputados!

Aplausos do PS.

Resta ainda o compromisso com a Função Pública para resolver. É bom lembrá-lo porque se esqueceram dele. Pretendemos, deste modo, aferir aqui a boa fé do Governo porque, da sua competência, já estamos esclarecidos.
Sabemos que este objectivo beneficia um pequeno número de trabalhadores, mas propicia o objectivo mais geral das 40 horas, preparado, progressivo, consensualizado, sem sobressaltos, até 1992.
O Governo do PSD afirmou aos trabalhadores portugueses a sua eficácia, a sua modernização, a sua capacidade inexcedível para resolver os problemas decorrentes do nosso atraso mas deve ter pensado, como Woody Allen, que o verdadeiro problema são os que dizem resolver todos os problemas, em última análise, porque não se sabe que fazer deles depois do problema estar resolvido, apesar deles.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr.ª Deputada Elisa Damião, foi com grande prazer que ouvi a sua intervenção. Devo dizer-lhe que a maneira como colocou o problema merece o nosso acordo sob o ponto de vista do procedimento a levar em conta para regulamentar uma matéria tão complexa e tão importante como é a da duração do horário de trabalho.
Simplesmente fiquei a pensar - e interroguei-me mesmo - se a Sr.ª Deputada teria assinado o projecto de lei apresentado pelo PS sobre a matéria. Isto porque a justificação de motivos do projecto é tão diferente, mas mesmo tão diferente, do seu discurso, que nos dá a impressão de haver dois projectos do PS: um, que veio em consonância com a justificação de motivos, todo legalista, todo regulamentarista, todo bem pensante sobre os poderes administrativos, etc; outro, a sua homenagem, o seu hino à flexibilizacão, ao diálogo social na empresa, à adaptação às circunstâncias de cada caso, o qual, naturalmente, não pode deixar de ser aplaudido pela nossa bancada.
Face a esta situação gostaria que me informasse sobre se V. Ex.ª leu o projecto do PS ou se preferiu antes escrever uma peça completamente diferente da dos autores do projecto.
Felicito-a pela sua intervenção, muito embora ela tivesse tido como consequência estragar a minha intervenção, que tinha por base o vosso projecto e não aquilo que acabou de dizer da Tribuna.

Risos.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, uma vez que não há mais pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Deputado Narana Coissoró, eu não lhe faria a injustiça, Sr. Deputado, de dizer que não leu o nosso projecto. Agradeço, por isso, a sua intervenção. Mas porque ao falar de flexibilidade revela, por vezes, uma certa tendência para a regulamentação, confundiu - digamos - a orientação, em termos de proposta legal, do nosso projecto. E o nosso projecto aponta, como objectivo principal não a redução por decreto, imediata e imposta mas, sim, a criação de condições para a redução pela via contratual.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Permite-me que a interrompa, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não estou a falar do articulado, Sr.ª Deputada. O articulado tanto dá para a sua intervenção como serve de justificação de motivos. E eu estou a falar de justificação de motivos e não de articulado. Este, como disse, é a disciplina que pode ser da sua intervenção ou da justificação de motivos, que é regulamentarista e legalista.

A Oradora: - Agradeço, Sr. Deputado, mas é uma apreciação... Como sabe, a Bíblia também deu origem a muitas interpretações religiosas!... O Sr. Deputado interpretará como entender, mas, de facto, o objectivo do Partido Socialista é o de permitir uma maior contratualizacão e, por essa via, uma redução mais eficaz da duração do tempo de trabalho.
Aproveito para lembrar alguns termos comparativos, visto ter sido aqui afirmado que Portugal tem outros benefícios que não existem na Comunidade.
Diz-se, por exemplo, que Portugal tem um elevado número de dias feriados. Não é, porém, assim. Portugal até está aquém da maioria dos países da Europa ou, melhor, está na medida dos países da Europa. Em Portugal, há cartoze dias feriados; na Bélgica, também; na França, há treze; na Alemanha, dezasseis; na Grécia, treze; na Islândia dezasseis; e no Canadá há catorze.
Portanto, não só não é verdade quanto aos feriados, como também não é verdade que o período de férias seja comparável com o que se pratica, actualmente, na Europa.
O Partido Socialista acredita na construção de melhores condições através do diálogo social. E, portanto, iremos agendar um outro projecto que preconiza - digamos - a desintervenção do Estado e a contratualização de matérias como esta dos horários de trabalho.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A propósito do agenciamento para a sessão de

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hoje de diplomas relativos à duração semanal do trabalho, vem esta Câmara de algum modo repor, embora com maior amplitude, algumas das questões abordadas durante o pedido de ratificação do Decreto-Lei n.º 187/88, sobre o regime jurídico da duração e horário de trabalho na administração pública.
Queremos desde já salientar a oportunidade e a pertinência destes diplomas.
Tal como é referido, a situação vigente em Portugal, no que diz respeito à duração do trabalho, impõe, desde há muito, a sua revisão. Portugal é, de facto, contrariamente ao que se tem verificado nos restantes países da CEE, que têm evoluído sensivelmente para uma situação mais favorável, o único país que não estabeleceu a regra geral das 40 horas semanais, não obstante as situações diversas em alguns sectores, mercê de acordos estabelecidos em contratações colectivas.
Pensamos que já tarda a regulamentação actualizada que vá ao encontro das recomendações que vigoram desde há décadas em instâncias internacionais e que igualmente vá ao encontro daquilo que é estabelecido no tratado de Roma em relação à necessidade de aproximação progressiva entre a legislação dos vários países comunitários.
Temos consciência das dificuldades que pode representar para Portugal a adaptação de certas recomendações europeias. Pensamos que, neste caso concreto, nenhum argumento justifica o adiamento desta adaptação.
De resto, o próprio PSD consagra no seu programa o objectivo de reduzir a duração do trabalho, uma promessa que este Governo, que já conta com cinco anos de oportunidade, ainda não logrou cumprir.
Nestes pressupostos, é igualmente compreensível a iniciativa por parte da Oposição, com o objecto de promover o bem-estar dos trabalhadores, fazendo-os beneficiar do progresso científico e tecnológico, revertendo para eles os motivos últimos de desenvolvimento económico.
No entanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o argumento de que o presente projecto, preconizando a duração da redução semanal do trabalho, tem a potencial vantagem de diminuir o desemprego, tem falibilidades graves para que devemos chamar a atenção. É sabido que a introdução de novas tecnologias e a optimização da organização do trabalho e até o aumento da satisfação dos trabalhadores permite, por si só, acréscimos de produtividade.
A redução da duração do trabalho só pode conduzir a novos postos de trabalho se, nesta perspectiva, essa redução não for acompanhada por qualquer esforço no sentido de buscar um aumento da produtividade específica do trabalho, nomeadamente através duma aposta séria em novas formas organizativas. Assim sendo, é pertinente afirmar que a redução das durações do trabalho como forma de criar mais postos pode efectivamente ser interessante do ponto de vista social, mas pode, igualmente, conduzir à eliminação da potencialidade dessa redução como motor de modernização das empresas e por consequência como impeditivo da sua competitividade relativa.
Esta reflexão leva-nos a afirmar que, na nossa óptica, as iniciativas relativas à redução da duração do trabalho devem ser encaradas não como representativos de perigos para a produtividade global mas, sim e ao contrário, como instrumento potenciador de maior competitividade para as empresas.
De resto, é também no problema da produtividade que o Governa justifica a sua ausência legislativa nesta matéria. E é também no receio da diminuição da produtividade como resultado da duração do trabalho que entronca a relutância das organizações patronais em aceitar esta medida.
Queremos afirmar que se trata de um falso argumento. Por um lado, porque, como dissemos, atrás, a redução da duração do trabalho pode ser potenciador de aumento de competitividade. Por outro lado, estão para ser objectivamente provados os efeitos desta medida.
Portanto, questiona-se: está o Governo ou estão as entidades patronais na posse de estudos de previsão de impacto para os vários sectores vocacionados para os condicionalismos específicos da economia portuguesa que nos permitam claramente identificar e avaliar das consequências positivas e ou negativas resultantes da aplicação daquilo que se preconiza nos projectos hoje em apreço? Até mais simples e mais fácil de executar, perguntamos também ao Governo, se alguma vez foram avaliadas as experiências vividas em outros países e o resultado das soluções por eles encontradas.
A sensação que nos fica da constatação desta lacuna básica é a de que, de facto, não existem argumentos tecnicamente válidos para provar que a redução da duração de trabalho produz diminuição da produtividade das empresas. Tem que ser claramente dito que, à falta de dados objectivos que reclamamos, a redução da duração do trabalho pode ser tanto negativa como positiva para a produtividade e competitividade das empresas. Depende exclusivamente da capacidade de adaptação e inovação de gestores e trabalhadores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Resta-nos abordar a última argumentação em favor das presentes iniciativas legislativas. Neste caso concreto, apenas uma: a dimensão social desta matéria. O presente projecto tem a virtualidade inegável de consagrar o princípio da justiça social em matéria laborai, colocando a tónica no facto de que o desenvolvimento económico deve reverter prioritariamente para a melhoria do bem-estar dos trabalhadores e da população em geral.
Importa ainda acrescentar que a iniciativa legislativa se caracteriza tendo em conta as necessárias cautelas no que respeita à reorganização do trabalho, por um período de adaptação devidamente ponderado e razoável.
Porque se trata de um projecto que evidencia responsabilidade nas propostas apresentadas em relação aos prazos de transitoriedade e porque preconiza medidas de reprodutividade social que sempre defenderemos, o PRD dará, assim, o seu apoio a esta iniciativa legislativa.

Aplausos do PRD, do PS e do PCP.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A redução do horário de trabalho semanal não pode ser decretada com a leviandade do PCP nem com a linearidade do PS. O problema é complexo e exerta-se numa multiplicidade de coordenadas

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macroeconómicas, jurídico-sociais e no plano de funcionamento do mercado e da organização de trabalho de cada empresa individual, como aqui foi salientado pela Sr.ª Deputada Elisa Damião - principalmente no caso de médias e pequenas empresas que constituem a parte importante do nosso tecido empresarial.
Conhecem-se, e são certamente merecedores de aplauso, os objectivos que se pretendem atingir com a redução do tempo semanal, como aliás também com outras formas de diminuição de trabalho anual, mediante aumento do período de férias, ou total, através da antecipação da idade da reforma conjugada ou não com o adiamento de idade de entrada no mercado de trabalho por virtude da extensão da escolaridade obrigatória prolongada ou a exigência de outras habilitações profissionais.
Esses objectivos são resumidamente aqueles mesmos que foram enunciados pela Sr.1 Deputada Odete Santos: alargamento de oportunidades para lazer e relaxamento, com todos os efeitos benéficos que eles trazem para a saúde física e psíquica do trabalhador, o prazer pessoal de trabalhar o suficiente e gastar o resto nos seus hobbies, cultura, educação e desporto, maior participação na vida e tarefas familiares, e até o desempenho de tarefas sociais ou comunitárias.
Por isso mesmo, na Recomendação 804 (1977) adaptada pela Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa pede-se aos Estados membros para «considerarem, quanto possível, no contexto de uma política de lazer e desenvolvimento cultural, a redução de trabalho pelo aumento do período de férias anuais e diminuição da duração do tempo diário e semanal». Do mesmo modo, a OIT desde há muito reconhece a duração de trabalho como factor de progresso social. Em 1979, por exemplo, na sua Terceira Conferência Regional, enfatiza que «a redução progressiva da duração de trabalho deve continuar a ser considerada como um objectivo importante das políticas nacionais da contratação colectiva». De modo diferente é esta questão tratada numa Resolução do Conselho das Comunidades Europeias, tal como se lê no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, de 4 de Janeiro de 1980, hoje referido aqui. As conclusões reflectem duas preocupações principais: entraves económicos, de um lado, e uma participação no progresso económico e social, de outro. O problema da duração de trabalho é discutido tendo por pano de fundo os variados factores - a evolução demográfica, objectivo de crescimento económico, problemas estruturais do mercado de trabalho, e a introdução progressiva de novas tecnologias. O conselho pôs o acento tónico na circunstância de toda a problemática da duração de trabalho ser confrontada à luz dos seus possíveis efeitos, na capacidade de laboração, alterações na produtividade, diferenças existentes entre os diversos sectores, dimensão das empresas que podem desequilibrar o sistema produtivo e competitividade com indústrias e serviços estrangeiros.
O problema que estamos a debater não é, pois, pacífico nem simples e as experiências de outros países membros da CEE ilustram bem o cuidado, a ponderação e o período de transição que se requer para o implementar, sem repentinamente subverter o equilíbrio das chamadas relações industriais, - de que também nos falou a Sr.ª Deputada Elisa Damião -, na redução de tempo semanal.
Na Alemanha a reivindicação sindical para reduzir de 48 para 40 horas a semana de trabalho na indústria metalúrgica iniciou-se em 1952 mas só em 1955 sob o conhecido slogan «Ao sábado o meu pai é para mim», a campanha ganhou ímpeto, obtendo a primeira redução para 45 horas em 1956 e só em 1967, isto é, onze anos depois de uma luta tenaz é que se chegou às 40 horas. Noutros sectores, houve a «compreensão sindical», tendo as posições sindicais levado na indústria química doze anos, passando por cinco fases; nas indústrias gráficas onze anos e cinco fases; têxteis treze anos e sete fases; construção civil doze anos e seis fases; e, finalmente, na alimentação 23 anos e dez fases, tendo, neste último caso, o processo sido concluído em 1980.
Porquê estes cuidados, esta ponderação e este dilatado período de transição? Alega-se do lado patronal - principalmente nas pequenas e médias empresas - que a diminuição do tempo semanal de trabalho aumenta o custo unitário de trabalho e consequentemente o custo total da produção. Resultado: ou a empresa tem de aumentar o preço do produto, o que reduz o poder de compra do salário e, além disso ameaça a sua competitividade, diminui o volume de lucros, afectando imediatamente a capacidade de investimento e produção. Assim, num período mais ou menos curto o efeito final será o recurso aos despedimentos. Outra variação será o recurso ao trabalho extraordinário ou maior propensão para investir em equipamento que também condena a mão-de-obra supérflua e os despedimentos. Isto tudo só não será assim dizem os peritos empresariais - certamente não filiados no PRD, como se viu da intervenção do Sr. Deputado Rui Silva - se a diminuição do tempo de trabalho por compensada pelo aumento da produtividade de cada trabalhador beneficiado.
Só com a diminuição da duração semanal, os macroeconomistas receiam os efeitos negativos que podem atingir a economia global do País como sejam o aumento rápido da inflação, perda de poder de competitividade nos mercados externos, efeitos prejudiciais na balança de pagamentos e agravamento do desemprego, etc. Esta a razão por que no relatório da OCDE, intitulado «Flexibilidade do mercado de trabalho numa economia de mudança», de 15 de Janeiro de 1987, depois de sublinhar que qualquer política de flexibilização requer necessariamente o consenso entre as duas faces da indústria - empresários e trabalhadores - e considerar, entre outras proposições, que «a menor rigidez na organização do trabalho tem geralmente efeitos benéficos no emprego» e verificar que nesta matéria não existem soluções-padrões, podendo ser bastante diferentes as formas de modificação e rearranjo de duração de trabalho, segundo as necessidades dos diversos sectores económicos dentro de cada Estado e reconhecendo que os governos nos países membros consideram a flexibilidade no mercado de trabalho, em particular com respeito à redução e reorganização da duração de trabalho em todos os sectores da vida activa, dizem que devem os Estado membros seguir os seguintes princípios:
Primeiro, a redução da duração de trabalho deve ser acompanhada pela reorganização e deve conciliar a melhoria de condições de vida e de trabalho de homens e mulheres com as necessidades de competitividade económica;

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Segundo, a redução e reorganização do tempo de trabalho devem ser negociadas entre os parceiros sociais ao nível de sectores e das próprias empresas;
Terceiro, os poderes públicos devem agir para facilitar a introdução de disposições inovadoras quanto à duração de trabalho e, sendo necessário, adaptar o direito de trabalho e demais legislação social;
Quarto, as novas regras básicas existentes de protecção social devem ser modificadas para melhor;
Quinto, os poderes públicos devem, conceder incentivos às empresas e cooperativas que, através da readaptação, contratem trabalhadores jovens, os deficientes, os desempregados de longa duração em resultado da reorganização e diminuição do tempo de trabalho;
Sexto, devem ser encorajadas as possibilidades de trabalho a tempo parcial, incluindo o sector público sob condição de que é oferecida tal possibilidade em termos voluntários e não afecta os direitos sociais fundamentais dos interessados;
Sétimo, o recurso ao trabalho extraordinário deve ser limitado aos casos excepcionais, e o tempo suplementar deve ser trocado por aumento de férias;
Oitavo, e finalmente, as diferentes formas de redução e organização do tempo de trabalho deve ser parte de um pacote de medidas para flexibilizar as condições gerais de prestação de trabalho.
Uma nota importante deve ser acrescentada a este rol de condições para reduzir a duração do trabalho que nos é recomendada pelo Comité de Ministros da CEE: em muitos países - e o caso português é flagrante -, nos últimos anos floresceu entre nós a chamada economia negra durante a recessão económica. As pessoas fazem elas próprias o que geralmente era feito por outras mediante pagamento; o recuso ao subcontrato em vez do contrato de trabalho ou ao trabalho clandestino isto é, ao trabalho não declarado é, hoje uma praga que é preciso erradicar da sociedade portuguesa.
A redução de horas semanais de trabalho sem outras medidas que ficaram enunciadas não preenche os requisitos de flexibilização e de reorganização das empresas. A experiência alheia demonstra que a redução de uma, duas ou cinco horas de trabalho semanal, longe de obrigar as empresas a adaptarem-se à situação nova, levam a uma maior rigidez de normas internas, de controlo interno para os trabalhadores, aplicando os empresários, de uma forma mais severa, os regulamentos contra as pausas, o absentismo, as faltas justificadas e pagas, aumentando a tensão da vigilância apontada, apurando ainda mais o apressamento do trabalho, etc... as tais «crianças impertinentes» para que figurativa è sugestivamente advertia há pouco a Sr." Deputada Odete Santos, formas que se julgam «imprescindíveis» para a manutenção dos custos de produção per capita.
Aqui está a razão por que os projectos de lei que apenas e exclusivamente dispõem sobre a redução do tempo de trabalho, não obstante a generosidade e a actualidade dos seus objectivos, longe de alcançarem os efeitos pretendidos, podem conduzir a efeitos perversos na vida laborai.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sob o falso nome de reforma estrutural o Governo está em vésperas de dar à estampa um molhe de dispositivos em matéria laborai que em vez de flexibilizar rigidifica os despedimentos, restringe as várias formas de contratação dos trabalhadores, impede o diálogo social nas empresas, através de regras imperativas, e, aspergindo sobre elas algumas gotas de segurança social aos desempregados, obviamente, insuficientes, procura dizer que fez uma reforma estrutural. O País não poderá modernizar-se com tais medidas. O Ministro do Emprego e da Segurança Social mostra-se inábil e incapaz de levar a bom termo uma tarefa fundamental para a sociedade portuguesa, prometida no programa do Governo.
As iniciativas do PCP e do PS claramente insuficientes - como reconheceram, aliás, as Sr.ªs Deputadas Elisa Damião e Odete Santos - e inaceitáveis sem outras medidas que ficaram desenvolvidamente referidas põem, todavia, o dedo na ferida, e têm o mérito de chamar a atenção do País para o facto de este Governo, apesar de ter prometido a modificação das leis laborais, estar atolado no pântano dos lobbies dos gestores públicos e do corporativismo na chamada concertação social e não estar em condições de realizar a modernidade para preparar o País para o «Portugal de 1992».

O Sr. Presidente: - Inscreveu-se para pedir esclarecimentos a Sr.ª Deputada Odete Santos, mas o CDS não dispõe de tempo. A Sr.ª Deputada dispõe de doze minutos. Pode dispensar algum tempo para a resposta?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, dispensamos dois minutos ao Sr. Deputado Narana Coissoró, com muito prazer. Aliás, o nosso pedido de esclarecimento não vai ser longo.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado, ouvi com extrema atenção a sua intervenção, que colocou alguns problemas aos quais, logo na minha intervenção, tentei dar resposta. Eu queria, de facto, dizer que o objectivo do nosso projecto de lei não pode caracterizar-se pela insuficiência dentro do objectivo que tinha. O que disse, há pouco foi que havia outras medidas a tomar noutras áreas para complementar este projecto de lei. Efectivamente, conheço alguns dos estudos que o Sr. Deputado citou e que vêm publicados numa revista de divulgação existente na biblioteca da Assembleia, mas é curioso que esses estudos de vários autores conduzem a respostas diferentes conforme o autor respectivo, em temas, por exemplo, como o aumento do emprego, o aumento da competitividade das empresas, etc. Portanto, penso que nessa área, muitas vezes, se manipulam os dados para levar a determinadas conclusões.
Antes de formular a pergunta que pretende fazer-lhe, queria dizer que a proposta de resolução que citei na minha intervenção não deve ser a mesma que o Sr. Deputado referiu na sua porque não é de 1980 mas, sim, de 1986. E é de facto essa proposta de resolução que chama a atenção para o facto de ser extremamente negativa a comparação, que normalmente se tem vindo a fazer, entre os problemas financeiros das empresas, sem se ter em conta o custo enorme do desemprego, em termos, quer de produtividade quer de competitividade das empresas. O desemprego é de facto um encargo muito grande para o País.
A pergunta que lhe queria fazer, Sr. Deputado, é a seguinte: nós consultámos variadíssimos dados sobre o horário semanal efectivamente praticado em várias

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empresas. E, para além, do caso da agricultura do norte que é, efectivamente, de 48 horas - e aí se vê como a contratação colectiva não se pode substituir de maneira alguma à fixação dum máximo legal porque os agricultores do norte ainda não conseguiram por via da contratação, condições de trabalho mais justas - verificamos que havia - e aí os exemplos são-nos dados pelas próprias organizações sindicais - já muitos trabalhadores abrangidos por semanas de trabalho de 42 horas, 43, e já, também, alguns por 40 horas. No quadro de que disponho, referente a 45 instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho já mais de 20 têm 40 horas semanais. E neste momento, em que estão a decorrer processos de contratação colectiva, pode assinalar-se que já foram obtidas 40 horas nalgumas empresas em que o contrato colectivo ainda estabelece as 45 horas, como, por exemplo, na «Baptista Russo», uma de que me estou a recordar.
Pergunto ao Sr. Deputado Narana Coissoró se, de facto, teve oportunidade de consultar esses dados. É porque, se os tivesse consultado, creio que chegaria à conclusão de que a redução para 40 horas não é, de facto, esse salto, a exigência dessa «criança impetuosa» que é o trabalhador - chamam-lhe assim mas não é de facto verdade e foi esse o entendimento que dei à expressão - se é isso ou é de facto uma reivindicação justa e que está, de facto, ao nosso alcance, ao contrário dos pessimismos que aqui têm vindo a lume e que, penso, existem na intervenção do Sr. Deputado.

á, de facto, um certo pessimismo, mas o que temos que esperar das novas tecnologias é que elas sejam postas ao serviço do trabalhador e não estejam contra o trabalhador. E é nesta época das novas tecnologias que deve avançar-se para uma redução do horário de trabalho.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró, que dispõe de dois minutos cedidos pelo PCP.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr.» Deputada Odete Santos, devo dizer-lhe liminarmente que não gosto de citar livros de mera divulgação. Nem sempre são maus, podem ser bons, mas quando estudo algum problemas não me guio pela divulgação, nem pelas revistas, nem pelos jornais de propaganda.
O livro de que fundamentalmente me servi, relativo à redução do tempo de trabalho, intitula-se «The reduction of working time», é da autoria de Rolande Cuvtilier e foi mandado fazer pela OIT. Aí personalidades escolhidas de vários países citam cerca de 300 livros e trabalhos que tomaram em consideração e publicaram este simpósio sobre vários países, sobre várias resoluções, sobre várias teses. Trata-se de um trabalho que podia passar muito bem como uma tese de mestrado ou mesmo de doutoramento em muitas universidades portuguesas.
Em segundo lugar, devo dizer que este livro foi publicado em 1986. De 1986 a 1988 vi exactamente as mesmas revistas que a Sr.º Deputada Odete Santos viu, Revue de droit social, que, amiudadas vezes, consultamos - até nos atropelamos para ver quem é que chega em primeiro lugar!... Portanto, estas revistas não são trabalhos de divulgação.
Quanto às «crianças impetuosas», eu próprio concordo com a Sr.ª Deputada quando diz que nem tudo é mau na redução da duração de trabalho. O que eu disse na minha intervenção foi que se não forem tomadas outras medidas fundamentais para rodear o problema da redução do horário de trabalho isso pode levar - e leva - a um maior aperto por parte dos empresários sobre os trabalhadores. E eu disse quais devem ser essas medidas. O que pode acontecer é que exactamente para ganhar a produção, quando não há produtividade correspondente à diminuição das horas de trabalho, o empresário irá acabar com as pausas, irá obrigar a fazer trabalho extraordinário...

A Sr.ª Deputada Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Deputada Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado, V. Ex.ª deve ter reparado, com certeza - embora talvez não ache suficiente - que há um artigo do nosso projecto de lei que diz que da redução do tempo de trabalho não pode resultar para o trabalhador qualquer redução, quer a nível salarial quer a nível de condições de trabalho.

O Sr. Presidente: - Para completar a sua resposta, o Sr. Deputado dispõe de tempo cedido pelo PS e pelo PRD.

O Orador: - Sr.ª Deputada, eu estava a dizer que concordo que esta tendência para diminuir o tempo de trabalho é absolutamente necessária, faz parte da chamada modernidade ou flexibilização da legislação do trabalho. Não se pode com leviandade diminuir ou mostrar que se diminui o tempo de trabalho sem outras medidas que necessariamente devem acompanhar, essa. É preciso haver um verdadeiro pacote de reforma estrutural para melhorar as condições de vida dos trabalhadores tanto na empresa, como no sector, como no País em geral.
Quando V. Ex.ª diz que com a contratação colectiva há problemas que são resolvidos - e exemplifica não com os agricultores do norte que continuam a ter um horário de trabalho semanal de 48 horas, mas há exemplos desses no País realmente -, estou inteiramente de acordo consigo.
O que criticamos no projecto inicial do PS, não na intervenção da Sr.ª Deputada Elisa Damião, como disse, é realmente o vezo regulamentarista, o vezo legalista, o vezo governamentalista, o vezo administrativista de regular tudo. É evidente, que alguma coisa é necessário regulamentar porque, sem haver um limite mínimo ou haver um limite máximo, a contratação colectiva de trabalho também não funciona, mas deixar o mais possível para a contratação colectiva, deixar o mais possível para o diálogo social, deixar o mais possível para a concertação social, deixar o mais possível para que os empresários e os trabalhadores resolvam os seus problemas isto é que é modernidade e não é a intervenção desajustada das autoridades, dos ministérios, das administrações, dos poderes públicos relativamente aos problemas que só aos trabalhadores e aos empresários dizem respeito. Nem tudo pelos trabalhadores nem tudo pelos empresários, mas tudo pelo diálogo social.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Abreu.

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O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É já conhecida de todos a grande evolução que, ao longo da História, se tem registado no tema aliciante que, agora, aqui debatemos.
A regulamentação e a prestação de trabalho útil pelo homem é hoje, mais do que nunca, na sociedade moderna, de primordial importância para a realização de múltiplos objectivos a atingir.
Exactamente, por isso, o Estado moderno e social dedica às questões do trabalho uma atenção muito cuidada, no que concerne à sua regulamentação, nos mais variados e complexos aspectos.
Por isso, e porque não podia acontecer de outra forma, o Grupo Parlamentar do Partido Social--Democrata debruça-se sobre a discussão do Projecto de Lei n.º 291/V, que visa a redução da duração semanal do trabalho normal, com a dignidade que o assunto merece e com a responsabilidade que o actual momento exige.
Os nosso princípios humanistas e personalistas impedem-nos, ao contrário das repetidas acusações feitas pela Oposição, de perfilharmos uma visão meramente economicista e dirigista da sociedade portuguesa.
Mas, também, a nossa concepção reformista da coisa pública assenta em bases muito sólidas, no sentido da promoção das mudanças nos sectores sócio-político e económico de uma forma faseada sustentada e gradual. O destinatário final de toda a actividade humana tem de ser o próprio homem. É ele, para nós, o centro do Universo.
Seria fácil, seria extremamente cómodo, sob o ponto de vista político e partidário, e, até, porque estamos em ano eleitoral, a maioria social-democrata dar o seu apoio ao projecto de lei do PCP. Seríamos sempre nós, na Assembleia da República, a viabilizar o diploma ou, alternativamente a apresentar outro, versando a mesma matéria, e... votá-lo.
Que outros o façam, que outros sigam o PCP, que outros queiram apanhar, em andamento, o comboio do eleitoralismo fácil, sem cuidar dos obstáculos, dos desafios europeus, do destino e das consequências, isso já é da responsabilidade - ou da irresponsabilidade - de quem encara a actividade política, legislativa e parlamentar como a presença num palco, onde quem dá mais, é o melhor.
A nossa responsabilidade política, o nosso sentido de Estado e a nossa maneira de ser e de estar, tanto na actividade pública como na vida privada, não se coaduna com tais procedimentos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A lei em vigor estabelece durações máximas de trabalho semanal, sendo o próprio autor do diploma em discussão que, na sua «exposição de motivos», constata importantes avanços na redução da duração semanal de trabalho, obtidos através de mecanismos existentes da regulamentação e contratação colectivas.
O PCP reconhece as reduções conseguidas e negociadas através de contratos colectivos, através de acordos colectivos e, até, por via de acordos de empresa, reduções que, nalguns sectores, vão das 45 horas para as 40 horas semanais. Atende-se no caso dos sectores metalúrgico e no da metalomecânica, em que, através da contratação colectiva, se procedeu à fixação do princípio da redução progressiva da duração da prestação de trabalho e, em que, nalgumas empresas, já é prática corrente.
O Partido Comunista teve o mérito de, na referida «exposição de motivos», tocar no cerne da questão em debate.
Para nós social-democratas, é possível e é desejável a redução dos horários de trabaho, mas é indispensável uma análise cuidada e responsável sector a sector e, nalguns casos, empresa a empresa.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - As assimetrias que se verificam nos diversos sectores a situação de algumas empresas aconselham análises objectivas, através de negociações entre as partes, tendo sempre em conta os interesses em jogo e a salvaguardar.
É nossa firme convicção que deverá ser cada vez mais através do diálogo, da concertação e da negociação entre os parceiros sociais que, de forma ponderada, segura e programada, terão de ser atingidos os objectivos pretendidos, nunca perdendo de vista o estádio de desenvolvimento de cada sector.
É também possível atingir os objectivos que entendemos legítimos através da aplicação de mecanismos existentes que permitem a flexibilização e a optimização da utilização dos equipamentos de forma a proporcionar ao trabalhador uma maior disponibilidade para os seus tempos livres. Tudo isto, numa perspectiva dinâmica em que o social e o económico, como interesses a preservar, sejam sempre devidamente equacionados.
Neste momento decisivo da recuperação do nosso atraso em relação aos parceiros da Comunidade Económica, afigura-se-nos pouco correcto e oportuno impor os novos limites agora em discussão que poderiam afectar, talvez de forma irreversível, a adequação da economia portuguesa às condições que nos são exigidas com a nossa integração plena na Comunidade Económica.
Tomar medidas unilaterais, no quadro da redução obrigatória do horário de trabalho semanal, sem ter em atenção o grau de desenvolvimento social e económico de cada ramo de actividade, seria, fatalmente, comprometer a capacidade de competitividade nos mercados internacionais de alguns sectores do nosso aparelho produtivo, sectores esses, vitais para a economia nacional.
Seria, repito, muito mais cómodo alinharmos numa política de facilidades momentâneas. Seria partidariamente mais aliciante para a maioria parlamentar social-democrata dar o seu aval a este diploma. No entanto, a nossa condição de deputados, titulares deste órgão de soberania do Estado português, impõe-nos a responsabilidade de analisar toda e qualquer iniciativa legislativa com um grau de realismo e de prudência.
O PSD não faz, nem nunca fará, oposição à Oposição. Nós temos o nosso caminho. Nós temos os nossos timings, nós temos o nosso programa, nós temos os nossos objectivos, e lamentamos que, nesta complicada fase de preparação acelerada do nosso ainda débil aparelho produtivo para a integração na CEE - em que é exigida uma assunção colectiva de responsabilidades e esforços - a Oposição não esteja interessada em actuar de uma perspectiva mais racional e menos panfletária, mais nacional e menos partidária.
Entendemos, pois, ser inoportuno impor novos limites máximos, de acordo com a proposta do PCP, na duração semanal do trabalho, tanto mais que os que

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actualmente vigoram já não são determinantes. A média, a nível do País, da duração semanal de trabalho situa-se entre 41 e 42 horas de trabalho, o que, como já explicitámos, nos leva neste momento a preferir a intensificação do diálogo tanto em sede de conselho de concertação social como através das negociações normais no âmbito da contratação colectiva.
Embora o crescimento económico no nosso país seja um facto indesmentível preferimos, ainda, agir com muita prudência e permitir que sejam os parceiros sociais a negociar soluções concretamente mais adequadas ao estádio de desenvolvimento económico e social de cada sector, sem que isso implique como já dissemos, a criação de dificuldades na competitividade da nossa produção nos mercados internacionais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Salvaguardar a economia é, também, e sobretudo para nós, salvaguardar os interesses sociais. É que, toda e qualquer crise económica, no fundo, afecta muito mais as franjas sociais de menores rendimentos e recursos. As nossas preocupações radicam-se essencialmente nesta perspectiva.
De nada valerá uma iniciativa legislativa por mais simpática que possa parecer mas que, depois no campus, venha a revelar-se desajustada das realidades. Virão depois os custos, por vezes, excessivamente gravosos e penosos.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É a inflação!

O Orador: - Ultrapassamos as altíssimas taxas de desemprego, vencemos o flagelo generalizado dos salários em atraso, implementámos o saneamento financeiro da economia.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - A inflação ficou no tinteiro!

O Orador: - Não queremos, Srs. Deputados, recuar a tempos de má memória em que os trabalhadores queriam trabalhar e não tinham mercado de trabalho ou trabalhavam e não recebiam o seu salário.
Não queremos recuar aos tempos do FMI em que outros, vindos de fora, impunham directivas à política económica portuguesa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveu-se para pedir esclarecimentos a Sr.ª Deputada Elisa Damião, mas, antes de dar a palavra à Sr.ª Deputada, eu gostaria de informar os grupos parlamentares de que dentro de relativamente pouco tempo, vamos terminar a nossa sessão de hoje, com a votação, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 84/V, já discutida em sessão anterior e que autoriza o Governo a estabelecer a disciplina jurídica do trabalho temporário.
Tem, pois a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Deputado Filipe Abreu, ouvi com muita atenção e interesse a sua exposição, registei com agrado alguma orientação filosófica que deu ao seu discurso, mas lamento que V. Ex.ª, enquanto deputado - que segue a orientação, veementemente reproduzida aqui, no sentido da defesa do homem e também do dialogo social -, não tenha tomado a iniciativa de relegar para a negociação colectiva a negociação destas matérias, nomeadamente libertando o Decreto-Lei n.º 505/74 da obrigatoriedade de a administração autorizar a redução dos horários de trabalho, tanto mais que a revisão da lei da contratação colectiva, que o Governo nos apresentou, não consagra este princípio.
Portanto, parece-me que existe uma grande incoerência entre a orientação expressa na sua intervenção e as orientações do Governo, que o Sr. Deputado sustenta.
Na verdade, já estamos habituados a essas incoerências, que não nos surpreendem, pois já percebemos que o Governo actua sobre o Grupo Parlamentar do PSD sufocando a inovação e a modernidade e não permitindo que os deputados que têm um pensamento moderno manifestem sob o ponto de vista legislativo os interesses daqueles que votaram neles.
Em jeito de comentário, gostaria ainda de dizer que o projecto de lei do PS, agora apresentado, e que posteriormente será colocado à discussão, se orienta, fundamentalmente, mesmo na sua exposição de motivos - contrariamente ao que aqui já foi referido - para a incentivação da inovação através da negociação colectiva, não apresentando qualquer contradição com a intervenção que aqui proferi.
Aliás, este diploma, se for aprovado - e espero que no momento da votação o Sr. Deputado vote a favor, porque é o projecto que lhe serve, pois condiz com a declaração de intenções que proferiu -, deverá libertar de restrições a negociação colectiva para que por essa via se possam atingir os objectivos que o Sr. Deputado aqui enunciou.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Abreu.

O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Sr.ª Deputada Elisa Damião, agradeço-lhe as questões que me colocou e as referências que fez ao teor da minha intervenção e gostaria de dizer-lhe que, - como V. Ex.ª há-de perceber -, com a resolução tomada hoje na reunião do Conselho de Ministros no sentido de implementar a redução do horário de trabalho para as 44 horas, como limite máximo, o que está estipulado no Decreto-Lei n.º 505/74 fica automaticamente revogado e, portanto, sem efeito.
De qualquer forma, como a Sr.º Deputada sabe, este diploma nunca foi invocado pela administração no sentido de não autorizar qualquer redução do horário de trabalho conseguida através de negociação. Não tenho conhecimento de um exemplo, sequer, em que esta situação se tenha verificado.
Com efeito, desde 1974 que na minha actividade profissional, como activista em termos de sindicalismo e de membro de comissões de trabalhadores, negociei desde acordos de empresa a acordos colectivos e a contratos colectivos, e consegui, em conjunto com a equipa que me acompanhava, boas alterações e nunca houve da parte da administração, em qualquer governo - diga-se de passagem -, qualquer entrave a que essas melhorias no campo dos horários de trabalho fossem entravadas ou dificultadas.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Que bonzinhos!

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O Orador: - Sr.ª Deputada, em meu entender, a posição hoje expressa pelo Partido Socialista, na tentativa de pôr à discussão o projecto de lei da sua autoria e de que salvo erro, V. Ex.ª é a primeira signatária, está, como vê, praticamente ultrapassada perante a resolução anunciada na reunião do Conselho de Ministros.
Gostaria ainda de dizer-lhe - como, aliás, já referi na minha intervenção - que, de facto, temos muita honra em cumprir aquilo que prometemos, mas de uma forma absolutamente prudente e faseada. Como a Sr.ª Deputada decerto compreenderá, temos - como maioria eleita pelo povo português - o nosso timing, o nosso programa e os nossos objectivos. E são, exactamente, esses objectivos que no final do nosso mandato irão estar atingidos. V. Ex.ª sabe que é assim que tudo irá passar-se e, por isso, talvez tenha manifestado algum nervosismo e o Partido Socialista se tenha apressado, de uma forma menos hábil, desajeitada e - na expressão do nosso povo - «como o tolo no meio da ponte», a apresentar a toda a pressa uma solução intermédia de redução do horário de trabalho, que por acaso, com a resolução tomada hoje em Conselho de Ministros ficou completamente ultrapassada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É bruxo, até sabe o que se passou na reunião do Conselho de Ministros!

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Elisa Damião pediu a palavra para que efeito?

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para exercer o direito de defesa da honra e da consideração da minha bancada.

O Sr. Presidente: - Antes de conceder a palavra à Sr.1 Deputada Elisa Damião, quero informar esta Câmara de que, depois das explicações do Sr. Deputado Filipe Abreu, darei a palavra ao Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, que fará uma última intervenção neste debate.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - O Sr. Deputado Filipe Abreu não precisa de preocupar-se porque não tomei a sério a história do «tolo no meio da ponte». Não é por isso!... Acho que se trata de uma atitude menos correcta e deselegante, mas vinda de si que provou aqui «ser eficaz» como sindicalista, embora eu seja mais modesta, tem a minha admiração...!

Risos.

Tenho tido obstáculos na minha vida sindical e tenho visto rejeitadas as minhas propostas no domínio do horário de trabalho em largos sectores da actividade portuguesa e, de facto, confesso humildemente que sou uma medíocre sindicalista face aos êxitos e aos sucessos de V. Ex.ª
Apesar de tudo, não foi isso que me preocupou. O que me preocupou foi o facto de V. Ex.ª ter dito que o Partido Socialista tratou esta matéria - até referiu isso atabalhoadamente...

O Sr. José Lello (PS): - Como é costume!

A Oradora: - ... - de uma forma desorganizada e improvisada, quando o Sr. Deputado queria dizer oportunista.
Isso eu rejeito, porque há um ano, aquando da interpelação ao Governo, o Partido Socialista abordou esta matéria e entregou um documento acabado sobre organização e duração do trabalho, documento que V. Ex.ª podia ter consultado, porque está publicado no Diário da Assembleia República, e neste momento o PS, aproveitando a iniciativa parlamentar do PCP, resolveu retomá-lo apenas como contributo para o debate.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Abreu.

O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Sr.ª Deputada, antes de mais, quero dizer-lhe o seguinte: nem num debate parlamentar nem na luta política, eu seria capaz de ser menos correcto para uma senhora ou sequer para um deputado, mas menos ainda para uma Sr.ª Deputada.

Risos.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sou pela igualdade, quer seja para mim quer seja para os outros, Sr. Deputado!

O Orador: - Quero dizer-lhe ainda que nunca utilizei para com a Oposição epítetos tão gravosos e tão impróprios como, por vezes, a Oposição tem utilizado para com o Governo, que apoiamos, e mesmo para com os deputados da maioria social-democrata. Não entramos por esse caminho.
Além disso, Sr.ª Deputada, quando fiz uma consideração sobre a forma com o Partido Socialista tentou colocar em discussão o seu projecto de lei, não falei em oportunismo. As palavras foram de V. Ex.ª O povo português também costuma dizer que «enfia a carapuça quem tem de enfiar». Essas são ilações tiradas por V. Ex.ª e não por mim, pois o que fiz foram obviamente considerações, sem chegar a esse ponto. V. Ex.ª é que se sentiu atingida, mas não pelas minhas palavras. Tire as ilações que entender, Sr.ª Deputada.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, e Srs. Deputados: No limiar do encerramento deste debate, desencadeado pela marcação feita pelo Grupo Parlamentar do PCP, três conclusões fundamentais se podem extrair:
Primeira, a redução do horário de trabalho corresponde, à mais do que é expressão da vontade do legislador, a uma necessidade social objectiva e a uma reivindicação central dos trabalhadores portugueses;
Segunda, a redução semanal do horário de trabalho está na ordem do dia e é agora irreversível;
Terceira, a redução do horário semanal de trabalho para o nível das 40 horas permitiria que se desse um passo significativo para a materialização de uma nova

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dimensão social, no sentido do progresso, numa perspectiva nacional e no quadro das condicionantes e dos factores económicos impostos pelo Mercado Único Europeu.
A primeira conclusão é sustentada nos factos e na evolução que envolvem a problemática do horário de trabalho e na própria discussão pública do projecto de lei do PCP. Através da negociação das convenções colectivas em sectores e empresas, os trabalhadores foram, ao longo dos anos, conquistando horários de trabalho mais justos, afastando cada vez mais a lei da realidade, como exemplificámos em intervenções anteriores.
Por outro lado, as centenas de pareceres enviados à Comissão Parlamentar do Trabalho, Segurança Social e Família, originários de associações sindicais, comissões e plenários de trabalhadores, bem como a petição subscrita por 13 mil trabalhadores têxteis, revela um sentimento inequívoco e incompatível com posições fechadas do legislador. E isto conduz-nos à segunda conclusão.
A justa iniciativa do PCP, secundado agora pelo PS e pelo próprio Governo, demonstra a irreversibilidade da redução do horário de trabalho.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas seria inaceitável que, por incapacidade de contrariar a corrente e a realidade, se tentasse pervertar e suster este justo objectivo com soluções recuadas e inculcadas numa lei que a vida ultrapassaria irremediavelmente, mas que iria exigir acrescidos esforços e sacrifícios aos trabalhadores.
Valorizamos muito a contratação colectiva, porque faz parte da liberdade sindical, mas não compreendemos as posições de alguns Srs. Deputados quando remetem tudo para essa contratação. Contudo, interrogamo-nos: e os sectores onde a capacidade de negociação é frágil, onde existe um patronato incapaz de enxergar para além do lucro imediato e fácil? Pensamos nós, comunistas, que o legislador não pode remeter-se a um papel de Pilatos.
A terceira conclusão é a de que a decisão da redução do horário de trabalho para as 40 horas definirá a vontade política de quem proclama, com insistência, a necessidade de uma nova dimensão social no sentido do progresso no quadro das condicionantes e do impacto do Mercado Único.
Os trabalhadores portugueses não aceitam continuar no fundo da tabela da CEE, ouvir o discurso sistemático da modernização e da justiça social e continuar com horários de trabalho que fizeram lei há décadas atrás.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Valeu a pena esta iniciativa do PCP! Mas porque estamos disponíveis para corresponder a propostas e sugestões das organizações dos trabalhadores; porque o Partido Socialista e o próprio Governo avançaram agora com iniciativas que vão ter de ser apreciadas em discussão pública e na Comissão do Trabalho, Segurança Social e Família, é perfeitamente justificável e compreensível que não exerçamos, hoje, o requerimento conducente à votação, a fim de permitir a possibilidade do confronto das soluções dos três projectos de diploma a nível de comissão, preenchidos os requisitos constitucionais e regimentais aplicáveis.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como afirmam os 13 mil cidadãos peticionários, trabalhadores têxteis (e a eles se juntaram a voz, a opinião e a reivindicação de representantes de milhares e milhares de trabalhadores metalúrgicos e mineiros, do comércio, da construção civil e de outros sectores), reduzir o horário de trabalho para as 40 horas é possibilitar uma vida melhor e mais digna a quem trabalha, é permitir-lhes que usufruam - e é pena que o Sr. Deputado .Filipe Abreu aqui não esteja para registar esta expressão - da vida e dos resultados do progresso técnico e económico, não só em termos de favorecer o patronato mas também e fundamentalmente aqueles que trabalham, aqueles que criam a riqueza.

O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Não é essa a nossa política!

Risos do PCP.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nestas coisas há sempre opções a fazer. O eco que vem das fábricas não pode ser entendido como um acto de pressão, mas como um estímulo aos deputados da República que se identificam com a justiça social.
O futuro que aí vem dirá e de certo vincará a diferença ou a consonância entre as palavras, as promessas eleitorais e os actos de cada um.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate do Projecto de Lei n.º 391/V.
Vamos, de seguida, passar à votação na generalidade e conforme estava anunciado, a Proposta de Lei n.º 84/V, que autoriza o Governo a estabelecer a disciplina jurídica do trabalho temporário.

Submetida a votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e votos contra do PS, do PCP, do PRD e do CDS.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, é apenas para informar que o Partido Socialista entregará na Mesa, em devido tempo, uma declaração de voto.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Peço também a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, como esta matéria envolve, a nosso ver, uma questão constitucional e institucional, apresentaremos na Mesa uma declaração e voto.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, fizemos a votação, na generalidade. Agora o diploma baixa à comissão para discussão na especialidade, depois haverá uma votação final global e nessa altura há declarações de voto.
A próxima reunião terá lugar amanhã, às 10 horas, e a ordem do dia estipulada será a discussão da Proposta de Resolução n.º 13/V - Aprova a convenção que cria a união internacional para a conservação da natureza e dos seus recursos.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 45 minutos.

Entraram durante a sessão, os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel José Dias Soares Costa.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
José Apolinário Nunes Portada.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Manuel Alegre de Melo Duarte.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Campos Rodrigues Costa.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria de Lourdes Hespanhol.

Centro Democrático Social (CDS):

José Luís Nogueira de Brito.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António Maria Ourique Mendes.
António Maria Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Flausino José Pereira da Silva.
Germano Silva Domingos.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Nascimento Rodrigues.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Eduardo Gomes.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José de Vargas Bulcão.
Manuel Maria Moreira.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Rui Alberto Limpo Salvada.

Partido Socialista (PS):

António de Almeida Santos.
António Domingues Azevedo.

arlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Martins Vale César.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
João Barroso Soares.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Florêncio B. Castel Branco.
Manuel António dos Santos.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
Domingos Abrantes Ferreira.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Maria Luísa Amorim.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Isabel Maria Ferreira Espada.

Os REDACTORES: José Diogo - Afaria Leonor Teixeira.

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