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2054 - I SÉRIE - NÚMERO 59

São estes, exactamente, os princípios fundamentais que orientam o projecto de lei do PCP sobre a reestruturação do Tribunal de Contas, visando a efectiva democratização e transparência da vida financeira do Estado. São estes, afinal, os princípios básicos expressamente defendidos pelos próprios juizes do Tribunal de Contas.
Lamentavelmente, não é esta, porém, a filosofia em que assenta a proposta de lei apresentada pelo Governo. Acresce que a proposta de lei do Governo, em alguns aspectos essenciais, não só não caminha para a modernização do Tribunal e para a modernidade do controlo das Finanças Públicas como, em algumas situações, propõe retrocessos em relação à legislação salazarista ainda em vigor.
Isso mesmo nos referem os próprios juizes do Tribunal de Contas, assim: primeiro, «A proposta não só não inclui na competência do Tribunal de Contas a apreciação da gestão financeira do Estado nas suas componentes de economicidade eficácia e eficiência, como deliberadamente a afasta», em «manifesto retrocesso» face, por exemplo, ao consagrado no Decreto-Lei n.º 22 257, de 25 de Fevereiro de 1933 (artigo n.º 6.º, n.º 4 e 5).
E diga-se que a apreciação da gestão financeira pelo Tribunal de Contas nada tem de política ou de sancionatória; antes se destina quer a viabilizar a acção fiscalizadora da Assembleia da República - essa, sim, de natureza política - quer a possibilitar a auto-correcção dos desvios de gestão financeira dos organismos sujeitos à fiscalização do Tribunal. Importa que nesta apreciação da gestão financeira, levada a cabo pelo Tribunal, se proceda a uma análise qualitativa e quantitativa da execução física e financeira dos programas e dos projectos politicamente aprovados, cotejando o programado com o executado e com os recursos expendidos, identificando assim possíveis desvios ou eventuais desfasamentos. Nada tem de interferência política de um Tribunal na área da fiscalização política do Governo.
Segundo, a proposta de lei não consagra a «competência do Tribunal de Contas para realizar inquéritos e auditorias por sua própria iniciativa», apenas os permitindo aquando da solicitação do Governo. De novo se regista o «retrocesso de tal regime» face à legislação em vigor anteriormente referida. Acresce que esta redução das competências do Tribunal afecta, claramente, a sua independência e autonomia.
Terceiro, a proposta não só não o alarga como reduz o âmbito das operações e dos serviços sujeitos ao controlo e fiscalização do Tribunal» designadamente quando se excluem da fiscalização prévia as operações de tesouraria, quando se mantêm fora da área de fiscalização prévia do Tribunal a concessão de avales, os subsídios, subvenções e outras formas de apoio financeiro público e, para cúmulo quando se «elimina todo o controlo do Tribunal relativamente aos serviços centrais do Estado que não gozarem de autonomia administrativa e financeira quando é através deles que se exerce a acção mais importante do Governo».
Em particular, a proposta do Governo pretende subtrair ao controlo do Tribunal os Gabinetes Ministeriais, o que, sendo de todo em todo inaceitável, não deixa de ser exemplarmente revelador da política de obscurantismo, de secretismo e de manipulação que o Governo vem imprimindo à gestão das finanças públicas. Mais uma vez, nos encontramos perante um claro e insustentável retrocesso em relação à legislação actual. E não vale a pena tentar confundir questões que são inconfundíveis. Uma questão é a que se refere à fiscalização dos serviços simples, outra é a da apreciação da Conta-Geral do Estado.
Importa que se clarifique e que se saiba que a elaboração do parecer sobre a Conta-Geral do Estado assenta em valores apresentados na própria conta, os quais são apenas objecto de conferência por parte dos serviços de apoio do Tribunal, tendo por base os mapas de despesa dos serviços processadores e os registos efectuados pelas respectivas delegações da Direcção-Geral da Contabilidade Pública e em paralelo com os desenvolvimentos das despesas apresentadas na Conta-Geral do Estado.
Não há fiscalização dos documentos e muito menos há o que é essencial e que é a fiscalização sistemática dos documentos de despesa.
Quarto, a proposta do Governo «não só não prevê o relacionamento directo entre a Assembleia da República e o Tribunal de Contas, que é fundamental em qualquer Estado democrático, como. aparece o Governo, órgão em relação ao qual p Tribunal exerce o controlo financeiro, como - e cito mais uma vez os juizes do Tribunal de Contas - «intermediário» entre dois órgãos de soberania. Aliás, os juizes do Tribunal de Contas classificam esta situação de absurdo. Mas, para nós, é mais do que isso: é uma inaceitável tentativa do Governo de restringir a independência e a autonomia não só do Tribunal de Contas como da própria Assembleia da República.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O processo de reforma do Tribunal de Contas apresenta, infelizmente, demasiadas semelhanças com o processo da reforma fiscal.
Quer num caso quer noutro, os regimes a reformar são arcaicos, desajustados das realidades, caracterizados pela ausência de eficácia e funcionalidade, permissivos aos abusos e injustiças.
Em ambos os casos, a necessidade da reforma é unanimemente reconhecida. Mas em ambos os casos, e em aspectos essenciais, as propostas de lei apresentadas pelo Governo fazem temer que as «emendas sejam piores que os sonetos», que mais vale manter o mau que está que mudar para pior.
Mas fazemos votos para que a conclusão do processo de reforma do Tribunal de Contas decorra de forma completamente diferente do que sucedeu com o da reforma fiscal. O resultado final da reforma fiscal foi conseguido pelo Governo e pelo PSD contra tudo e contra todos, contra a própria Comissão da Reforma Fiscal. Esperemos que desta feita o Governo e o PSD não escolham de novo a via do «orgulhosamente sós», de novo contra tudo e contra todos, contra a própria opinião unânime dos juizes do Tribunal de Contas, também aqui todos eles nomeados pelo Governo.
Importa que na apreciação na especialidade das iniciativas hoje em análise e na elaboração pela Comissão de Economia, Finanças e Plano do texto final que há-de reestruturar e modernizar o Tribunal de Contas se procurem de forma aberta «as soluções indispensáveis a um verdadeiro controlo democrático da acção financeira do Estado», a uma efectiva transparência e disciplina das finanças públicas, em cooperação com todas as entidades directamente envolvidas, incluindo o próprio Tribunal de Contas.

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