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Quinta-feira, 20 de Abril de 1989 I Série - Número 66

DIÁRIO da Assembleia da república

V LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 19 DE ABRIL DE 1989

Presidente: Exmo. Sr. João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu
Secretários: Exmos. Srs. Reinai do Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Apolónia Maria Pereira Teixeira
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n. º 388/V, da proposta de lei n. º 92/Vedas ratificações n.º 67/VII 70/V.
Foram aprovados os n.0154 a 57 do Diário.
Prosseguiu o debate da revisão constitucional (artigos 16.º-A, 19. º, 20. º, 20.º-A, 22. º, 23. º e 24. º).
Intervieram no debate, a diverso título, os Srs. Deputados Assunção Esteves (PSD), Nogueira de Brito (CDS), António Vitorino (PS), Rui Macheie (PSD), Raul Castro (Indep.), Almeida Santos (PS), José Luís Ramos e Costa Andrade (PSD), Marques Júnior (PRD), Pais de Sousa (PSD). José Magalhães (PCP), Narana Coissoró (CDS), Alberto Martins (PS), Helena Roseta (Indep.), Carlos Encarnação (PSD), João Corregedor da Fonseca (Indep.), Herculano Pombo (Os Verdes), José Manuel Mendes (PCP) e Rui Silva (PRD).
Entretanto, a Assembleia aprovou um voto de congratulação pela atribuição do Prémio Luís de Camões a Miguel Torga, tendo intervindo os Srs. Deputados Manuel Alegre (PS), Natália Correia (PRD), Costa Andrade (PSD), Narana Coissoró (CDS) e José Manuel Mendes (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 0 horas e 10 minutos

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Mário Santos Coimbra.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carla Tato Diogo.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Batista.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Germano Silva Domingos.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Humberto Pires Lopes.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João «Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Angelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Batista Cardoso.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Assunção Andrade Esteves.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mary Patrícia Pinheiro Correia e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Gomes da Silva.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Rui Manuel P. Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

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Partido Socialista (PS):

Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Miguel Morais Barreto.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Helena de Melo Torres Marques.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Florêncio B. Castel Branco.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Torres Couto.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Leonor Coutinho Pereira Santos.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria do Céu F. Oliveira Esteves.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rosa Maria Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo Brito.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Fernando Manuel Conceição Gomes.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria lida Costa Figueiredo.
Maria Luísa Amorim. Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Isabel Maria Ferreira Espada.
Natália de Oliveira Correia.
Rui dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta de Franca.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Maria Amélia do Carmo Mota Santos.

Deputados Independentes:

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas entrados na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 388/V, apresentado pelo Sr. Deputado Manuel Coelho dos Santos, do PSD, propondo a amnistia do crime de organização terrorista; proposta de lei n.º 92/V, pedindo autorização para que o Governo possa conceder, em representação do Estado português, um empréstimo à República Democrática de São Tomé e Príncipe até um montante equivalente a dois milhões de dólares; ratificação n.º 67/V, solicitada pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira e outros, do PCP, relativa ao Decreto-Lei n.º 103/89, de 4 de Abril, que transforma a Petrogal EP, em sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos; ratificação n.º 68/V, solicitada também pelo Sr. Octávio Teixeira e outros do PCP, relativa ao Decreto-Lei n.º 108/89, de 13 de Abril, que transforma a Tranquilidade Seguros, EP, em sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos e aprova os respectivos estatutos; ratificação n.º 69/V, solicitada igualmente pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira e outros, do PCP, relativa ao Decreto-Lei n.º 109/89, de 13 de Abril, que transforma a Aliança Seguradora, EP, em sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos e aprova os respectivos estatutos; ratificação n.º 70/V, apresentada pelo mesmo Sr. Deputado Octávio Teixeira e outros, do PCP, relativa ao Decreto-Lei n.º 126/89, de 15 de Abril, que transforma a União de Bancos Portugueses, SÁ, em sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos.
Todos estes diplomas foram admitidos pela Mesa, baixando às respectivas comissões.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.ºs 54 a 57 do Diário.

Pausa.

Como não há oposição, consideram-se aprovados.
Srs. Deputados, antes de continuarmos com o processo de Revisão Constitucional, informo que se encontra na galeria um grupo de alunos da Escola Secundária de Peniche.

Aplausos gerais.

Srs. Deputados, vamos prosseguir a discussão da revisão constitucional com o artigo 16.º-A.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta apresentada pelo Grupo Parlamentar do PCP, de criação de um artigo que expresse, explicitamente, um regime dos deveres fundamentais, propiciou, no quadro da Comissão Eventual de Revisão Constitucional, um debate de assinalável importância sobre as dificuldades que o texto actual da Constituição suscita quanto ao enquadramento da criação de deveres aplicáveis aos cidadãos.
É facto que há dificuldades de enquadramento; todos reconheceram que essas dificuldades existem e que não era fácil obter uma redacção que colmatasse a actual lacuna ou dificuldade de definição constitucional. No entanto, não foi possível obter uma solução que acolhesse o consenso dos dois terços necessários para resolver a questão que está suscitada.
O PCP não considerou fundadas as argumentações tendentes a ver na proposta que apresentou uma forma negativa de criação de restrições aos direitos dos cidadãos ou uma forma perversa de enquadramento da imposição de deveres aos cidadãos.
Há um problema, todos reconheceram que esse problema existe e ninguém adiantou uma solução melhor do que aquela que o PCP apresentou. Isto quer dizer que, a não haver consenso para uma solução positiva, tudo continuará como até agora, ou seja, a imposição de deveres jurídicos públicos aos cidadãos não deixará de ter de obedecer a certas restrições e ninguém admite a imposição livre e arbitrária de deveres aos cidadãos.
Por outro lado, haverá que buscar-se a «estrela-polar» para imposição desse deveres nos elementos que a Constituição continuará a definir originando, todavia, algumas dificuldades hermenêuticas.
Não havendo consenso para uma solução positiva e demitindo-se o PSD e o PS, em concreto, de contribuir activamente para uma solução melhor do que aquela que foi adiantada pelo PCP, não levaremos à votação esta proposta porque de forma alguma queremos que se originem interpretações perversas na base de uma rejeição que seria, no fundo, um sinal de impotência por parte do PSD e do PS.
Assim se ilustra também quem procura contribuir activamente para colmatar lacunas constitucionais e quem está preocupado apenas com restringir direitos ou com assistir, de maneira passiva, ao fluir dos acontecimentos, mesmo em matérias em que se justificava uma acção positiva.
Lamentamos que assim aconteça e, na altura própria, Sr. Presidente, tomaremos as providências necessárias para evitar que, por inacção dos outros, esta nossa iniciativa possa redundar em efeitos preversos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com algum interesse que vemos o PCP desistir desta proposta de acrescentamento do artigo 16.º-A.

Na verdade, apesar da sua boa intenção - da qual não duvidamos - o artigo 16.º-A viria inserir na Constituição uma confusão e provocar, eventualmente, efeitos preversos que se não pretendem, em primeiro lugar, porque a própria Constituição consagra o princípio geral indúbio pró libertate - aliás, já referido em sede de Comissão Eventual de Revisão Constitucional aquando do debate deste número. Assim, dada a esfera de autonomia que é, no fundo, um dos pontos em que assenta a própria legitimidade do sistema, a Constituição consagra, em todo o seu articulado, o princípio de uma presunção geral de liberdade e, por isso, as ablações ou ingerências na esfera dos particulares são sempre excepcionais.
Daí que o problema da inserção de um novo artigo relativo aos deveres públicos fundamentais pudesse causar confusões. E poderia causá-las, em primeiro lugar, porque este problema não é autónomo do que diz respeito à restrição dos direitos fundamentais.
Na verdade, a restrição dos direitos fundamentais tanto pode cifrar-se numa proibição como na imposição de um dever público. Por outras palavras, um dever público, quando legislativamente instituído, implica sempre a constrição dos direitos no espaço em que se conforma.
Uma vez que não há autonomia teórica e prática do problema da imposição dos deveres públicos e da restrição dos direitos fundamentais põe-se, então, a questão de saber se a Constituição consagraria já, correcta e suficientemente, as cautelas necessárias para que o legislador ordinário só pudesse invadir a esfera dos particulares de modo vinculado, excepcional, através de lei geral e abstracta, como consagra o artigo 18.º
Esse artigo faz o regime completo de todas as cautelas necessárias no que se refere à ingerência na liberdade dos cidadãos e fá-lo com toda a suficiência.
Mas, ainda que assim se não considerasse, a própria Declaração Universal dos Direitos do Homem, à qual se refere o artigo 16.º, contém, no seu artigo 29.º, uma disposição que é, de certo modo, decalcada da pretensão do PCP. Fala do problema da imposição de deveres ou da restrição de direitos, desde que se verifiquem os requisitos de necessidade e de proporcionalidade, bem como todos os demais requisitos para que, afinal, aponta também o artigo 18.º
Admitida que é a plena suficiência da salvaguarda de garantias dos direitos dos cidadãos contra ingerências ablatórias do Estado, quer através de um sistema de proibição, isto é, de restrição stricto senso, quer através do sistema de imposição de deveres públicos que, em si, comportam a constrição de direitos, como acabei de dizer, põe-se o problema de saber qual seria a função que desempenharia o aditamento proposto pelo PCP.
Ora essa função só poderia ser negativa, malgrado as boas intenções de que vinha impregnada.

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Era negativa porque - e aqui tomaria a liberdade de utilizar um argumento que o Sr. Deputado Almeida Santos aduziu na Comissão Eventual de Revisão Constitucional - se poderiam inconstitucionalizar os problemas ligados aos pequenos e médios deveres.
Gostaria que o Sr. Deputado José Magalhães me informasse se admite que, por exemplo, relativamente ao exercício da liberdade de reunião e ao dever que existe, por parte dos que pretendem fazer reuniões públicas ou manifestações, de, previamente, informarem as autoridades com poder de polícia, dever que, no fundo, se circunscreve a uma certa ideia de condicionamento para que o direito seja vivido na realidade sem mexer com outros valores constitucionalmente admitidos, uma imposição constitucional deste tipo poderia complicar legislação que, na sua vocação natural de conformação dos direitos, que não a da sua restrição, poderia sentir-se impedida de realizar a conformação dos próprios direitos fundamentais na vida real das pessoas e do País.
Este é um problema que o PCP, efectivamente, tem de admitir como podendo ser um efeito perverso da inserção do novo dispositivo.
Por outro lado, permita-me um argumento mais psicologístico e menos jurídico: Sr. Deputado, um novo chamamento à problemática dos deveres públicos, através da inserção de uma cláusula como esta, que tem, no fundo, um carácter geral de admissibilidade de imposição de restrições, não seria lembrar demasiado a um legislador ordinário, conjuntural e mais perverso, que os deveres são possíveis e que a Constituição o diz a várias vozes?
Sr. Deputado, do ponto de vista do PSD, o problema dos deveres públicos, do seu carácter restritivo e do seu princípio típico em termos de inserção na Constituição e, derivadamente da legislação ordinária, não tem a autonomia quer, resumindo, em razão do princípio de uma presunção geral de liberdade da nossa Constituição quer, também, em razão da sua ligação inextricável ao problema da restrição de direitos, que está já acautelado no artigo 18.º da Constituição e, por via do artigo 16.º, também na Declaração Universal dos Direitos do Homem no seu artigo 29.º?
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr.ª Deputada Assunção Esteves, parece-me que V. Ex.ª citou a argumentação contra a inserção proposta pelo PCP em dois planos: no plano da desnecessidade de carácter geral, porque a previsão de deveres se insere numa perspectiva restritiva de direitos e esse problema está considerado em termos compatíveis com uma Constituição que consagra, fundamentalmente, o princípio da liberdade como primeiro princípio (artigo 18.º), e também no plano das medidas de carácter cautelar, como uma prevenção contra tentações perversas de encontrar na lembrança dos deveres, que seria feita pela disposição correspondente ao artigo 16.º-A, a perspectiva ou a possibilidade de aumentar as restrições.
Tem V. Ex.ª alguma coisa em mente com esta cautela? Há actuações concretas do poder que, efectivamente, lhe inspirem tal cautela, que é, sem dúvida,
um dos planos em que argumenta contra o Sr. Deputado José Magalhães?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, agradeço-lhe o facto de ter interpretado bem aquilo que pretendi.
Relativamente à sua pergunta, quero apenas responder-lhe o seguinte: na medida em que espero que os outros deputados o façam como eu, estou aqui com todas as cautelas que o legislador constituinte ou de Revisão Constitucional tem de ter. Como o Sr. Deputado sabe, é a partir da Constituição que surge uma cadeia de vinculações que efectivamente marcam o problema das relações do poder com os cidadãos. É óbvio que a Constituição é também uma «carta» de cautelas contra quaisquer arbítrios de qualquer poder. É, no fundo, uma espécie de «carta» ou de conjunto de trunfos que temos de criar para, preservar quaisquer decisões arbitrárias ou menos respeitadoras da liberdade dos cidadãos.
É este espírito de capacidade e de legitimidade de «mexer» na Constituição que, efectivamente, tem de nos causar toda a responsabilidade da consciência do que estamos a fazer dado o imenso valor das disposições constitucionais para efeitos de marcação do dia-a-dia, quer do poder, quer dos cidadãos, quer das relações do poder com os cidadãos.
Não sei se o Sr. Deputado pretendia que eu lhe respondesse a algo mais, de qualquer modo eu não estava a pensar num poder concreto mas, sim, com as cautelas necessárias em quaisquer poderes em quaisquer circunstâncias.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É uma curta intervenção apenas para sublinhar a posição do Partido Socialista.
Naturalmente, compreendemos que o Sr. Deputado José Magalhães tenha tentado encontrar, esforçadamente, razão de queixa em matéria de direitos fundamentais, mais precisamente a propósito dos deveres fundamentais, nesta Revisão Constitucional, porque, no fundo, tem consciência de que esta revisão beneficia, e em muito, o texto da Constituição. Se outra demonstração fosse necessária aí temos a decisão de retirar de votação a proposta, o que não demonstra não só a sua desnecessidade como, inclusivamente, a inoportunidade de pretender fazer-nos pagar qualquer preço sobre a revisão em matéria de direitos fundamentais.
Penso que o Sr. Deputado deve, de facto, atacar a Revisão Constitucional naquilo em que discorda, mas nem tudo deve servir de pretexto para se demarcar desta Revisão Constitucional. E este é, manifestamente, um dos pontos onde não lhe assiste qualquer razão e as actas provam - e, à partida, já abdicámos da esperança de convencê-lo - que a panóplia de argumentos que produzimos demonstraram a desnecessidade e a irrelevância desta proposta de alteração subscrita pelo Partido Comunista.
O regime de eficácia jurídica dos direitos fundamentais constante no artigo 18.º é particularmente exigente e salvaguarda todas as preocupações da proposta do

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Partido Comunista em matéria de deveres fundamentais. Por outro lado, é sempre preferível que o juízo de adequação ao artigo 18.º da Constituição seja feito em função dos deveres em concreto do que através de uma norma vaga e indeterminada como a que o Partido Comunista nos propõe, quando apela aos critérios das necessidades públicas de importância fundamental como critério de estabelecimento de deveres fundamentais. Receio que uma norma vaga e indeterminada deste género enfraqueça a grelha de restrições aos direitos fundamentais que decorre do artigo 18.º, que é uma grelha rigorosa, diria mesmo, a mais rigorosa de todas as constituições do nosso espaço político.
Portanto, não acompanhamos a proposta do PCP e fazemo-lo em nome da coerência do texto constitucional, do carácter sancionai e manifestamente restrito de qualquer limitação aos direitos fundamentais.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que a argumentação expedida, quer pela Sr.ª Deputada Assunção Esteves, quer pelo Sr. Deputado António Vitorino, já foi suficientemente clara, mas gostaria de acrescentar duas ou três pequenas observações apenas.
Não é por acaso que na dogmática constitucional contemporânea a matéria dos direitos fundamentais tem sido considerada como de importância menor, e tem--no sido não só pelo argumento, que já há pouco foi aduzido, de que as restrições aos direitos são próximas, e até, muitas vezes, têm significado idêntico à da imposição dos deveres, como ainda porque não é operacionalmente possível introduzir um conceito de dever fundamental que seja homólogo ao de direito fundamental. Isto é, não tem sentido, a propósito dos deveres fundamentais, aplicar um dispositivo parecido com o que, a propósito da força jurídica, vem consignado no artigo 18.º quanto aos direitos fundamentais. Há ainda um outro motivo, que é igualmente importante e que se traduz na especial fisionomia das relações entre o que são os poderes que, afinal de contas, consubstanciam a competência dos órgãos da administração e o que é a especial posição de sujeição em que se encontram os particulares antes que os poderes, ao exercitarem-se e traduzirem-se em acto, se venham a constituir como fonte de verdadeiros direitos e obrigações.
Estas são razões de ordem técnica, por detrás das quais existem as razões de ordem política que há pouco foram referidas e que levam a acautelar preferentemente do lado dos direitos e não a consignar a figura dos deveres públicos fundamentais, em termos gerais.
Por último, eu gostaria de acrescentar que a ideia de permitir que uma norma deste tipo viesse a prever a possibilidade de satisfazer necessidades públicas de importância fundamental, em termos tão genéricos, dando ao legislador ordinário a possibilidade de definir caso a caso essas necessidades fundamentais em termos de imposição de deveres, vinha, afinal de contas, sob a capa de uma protecção de direitos, a enfraquecer de uma maneira extremamente negativa o que são hoje as posições jurídicas fundamentais dos cidadãos face ao poder.
Por isso, muito nos congratulamos com o facto de o Partido Comunista retirar esta fórmula, que, operacionalmente, não é conveniente e que do ponto de vista dogmático, pese embora as boas intenções, acaba por não estar justificada, pelo que poderia ter, em última análise, uma utilização política perversa.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (Indep): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pela nossa parte, em primeiro lugar, gostaríamos de salientar que o artigo 16.º-A não se destina, naturalmente, a pôr em causa o artigo 16.º, que já existe, mas a completá-lo com uma nova disposição que o Partido Comunista aqui apresenta. No entanto, estaríamos na disposição de acompanhar a proposta do artigo 16.º-A porque, ao contrário de algumas intervenções, não vemos nele uma medida de restrição de direitos ou de criação de deveres. Pelo contrário, consideramo-lo uma medida de cautela, de defesa em relação aos deveres que se possam vir a estabelecer. E não nos parece que se possa argumentar contra isto invocando quer o artigo 18.º quer a Declaração Universal dos Direitos do Homem porque, então, teríamos de excluir da Constituição, muitas outras disposições por corresponderem ao espírito ou à letra de disposições já existentes na própria Declaração Universal dos Direitos do Homem. Aliás, até o artigo 29.º citado pela Sr.ª Deputada Assunção Esteves se refere expressamente a deveres. Portanto, não me parece que seja por aí que se pode ir. O que nos parece, isso sim, é que efectivamente a preocupação que se denota com esta proposta é uma preocupação de defesa dos direitos dos cidadãos no que respeita ao estabelecimento de deveres públicos atribuindo certas características a tais deveres que estão nos n.º* l e 2 do artigo 16.º-A e que se destinam precisamente a estabelecer limites de salvaguarda de cidadãos portugueses em face da imposição eventual de deveres que não tenham estas características.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, embora o PCP tenha anunciado que iria retirar a proposta, da nossa parte, acompanhá-lo-iamos na proposta do novo artigo 16.º-A.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Raul Castro, mas que, no fundo, é também para o Sr. Deputado José Magalhães, embora fora do prazo, pois vai ainda intervir e poderia reservar-me para depois da intervenção.
Pergunto: não receiam ou não receavam, uma vez que já retiraram a proposta, que a sua consagração inconstitucionalizasse muitos dos deveres públicos a que estão sujeitos hoje os portugueses? Por exemplo, é um dever fundamental andar pela direita para os carros não chocarem, no entanto, ter espelho retrovisor já não é. Vamos inconstitucionalizar os pequenos e os médios e manter só os grandes e fundamentais deveres?
Na verdade, parece-me que isso não tem senso e efectivamente em boa hora o Partido Comunista resolveu

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retirar a proposta, com o que quer significar que se ela fosse tão boa como pretende vincular-nos-ia, com certeza, a votar contra essa bondade.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (Indep): - Sr. Deputado Almeida Santos, devo dizer-lhe que, naturalmente, tais deveres não seriam inconstitucionalizados porque obedeceriam precisamente às características do n.º l do artigo 16.º O Sr. Deputado compreende certamente que não é o dever regulamentar, estabelecido no Código da Estrada, de circular pela direita, e apenas quanto a esse, que nos faz pensar que esta norma teria interesse.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Estou decepcionado!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eis, como tantas vezes, acontece, que nos aparecem como amantes dos direitos aqueles que, em tantas circunstâncias, contribuem pouco para que sejam efectivados. Isto é de pleno o caso do PSD.
Acho verdadeiramente «tocante» que se tenha procurado sustentar, da bancada do PSD, que da definição clara na Constituição dos casos e das regras em que podem ser impostos deveres poderia vir perigo para as liberdades dos cidadãos. Desde logo, porque o PSD não tem credibilidade alguma nessa matéria.
O PSD é aquele partido que, através do seu Governo, invoca tudo e mais alguma coisa para, por exemplo, impor aos trabalhadores, às empresas que estão numa situação que preocupe o Governo do ponto de vista da sua combatividade, aos médicos ou ao que calha, deveres de tudo e mais alguma coisa através, por exemplo, da requisição civil, em condições que exorbitam completamente o quadro constitucional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Impor deveres é o reino do PSD.

O que é que perturba o PSD? O que o perturba é que para impor o seu dever tenha de respeitar uma regra clara, isso não quer o PSD!
Pergunto à Sr.ª Deputada Assunção Esteves: qual é hoje o regime de imposição dos deveres fundamentais na Constituição da República Portuguesa? É possível impor deveres aos cidadãos de forma discriminatória, arbitrária, desigualitária, desproporcionada? É possível? Qual é o vosso entendimento? Se o vosso entendimento não é esse por que não escrever uma norma em que isso seja dito claramente?!
Preocupação do Sr. Deputado Almeida Santos: mas, então, o dever de não andar de cabeça para o ar, o dever de não fazer piruetas em cima do Hemiciclo seria proibido!... Isso é gravíssimo! Ó Sr. Deputado Almeida Santos, estamos disponíveis para se chegar a uma norma razoável, construamo-la. Mas como nenhum de vós sustentou que é possível a imposição arbitrária de deveres, como nenhum de vós sustentou que não deve haver uma regra, a nossa divergência é só esta: nós, PCP, propomos que seja escrita, clara e expressa, os Srs. Deputados propõem que ela seja constituída através de um esforço hermenêutico, em que a
Sr.ª Deputada Assunção Esteves falará durante horas para procurar reconstituir um manto que todos percebamos em que é que consiste e que, na prática, o Governo procura aproveitar para violar e restringir direitos.
Não nos preocupa absolutamente nada a hipótese que futurou de o Governo ou a Assembleia da República, a partir de uma norma deste tipo, criar deveres para o exercício do direito de manifestação. Absolutamente nada! Façamos uma norma clara; esse é o nosso desafio!
Os Srs. Deputados dizem: «não estamos de acordo; não estamos disponíveis para fazer uma norma clara». Então, nós nunca cometeríamos a asneira de fazer rejeitar esta proposta, porque não queremos contribuir para uma hermenêutica perversa e também não devemos ser punidos por este sentido patriótico e positivo de não fazer rejeitar normas.
Mas apelamos, ainda, à vossa disponibilidade. Estão os Srs. Deputados, tão preocupados com o critério científico, disponíveis para criar norma? Nesse caso, terão o nosso contributo. Baixemos isto à comissão...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Outra vez?!

O Orador: - ... e criemos uma boa norma, utilizando a vossa ciência, a vossa preocupação e o nosso empenhamento. Seria um bom casamento.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa informa que se encontram inscritos para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Almeida Santos e Assunção Esteves.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Prezo demais o Sr. Deputado José Magalhães para não lhe colocar a seguinte questão: o PSD tem o seu reino na imposição dos deveres. Diria que, de algum modo, o reino do PCP também é a fuga aos deveres, além de um certo ponto. Portanto, ainda bem que existe o PS para fazer o equilíbrio entre os dois excessos, e veremos isso quando discutirmos o último dos direitos fundamentais, em que efectivamente o PSD procura restringir em vários artigos, diria mesmo em muitos, os direitos sobretudo em matéria de direitos dos trabalhadores, em que o PS travou o passo a essa tentativa, mas também o fizemos à tentativa descaroável de impedir deveres que consideramos fundamentais, fundamentais mesmo que sejam pequenos e médios. O problema é que entendemos que a norma óptima já existe: é a norma do artigo 18.º, n.º 3, em que as restrições só existem na Constituição relativamente aos direitos fundamentais.
Quanto ao resto - e não podemos pressupor que o legislador seja insensato, até porque existem formas políticas, legais, jurisdicionais de o fiscalizar -, achamos que a norma boa é mesmo a liberdade do legislador em matéria de criação de direitos fundamentais, para além do que já está previsto na Constituição. A norma boa já existe. É claro que é um bom convite este: contribuam connosco para criarmos a boa norma. Reconhecimento implícito de que esta é má, mas o sistema de Revisão Constitucional é feito à base de propostas dos partidos. Se apesar de tudo uma proposta

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tem virtudes para poder ser recuperada em colaboração e em discussão com todos os partidos intervenientes, estamos dispostos a fazê-lo; mas se uma proposta é toda ela desrazoável e apesar disso objecto de uma defesa para lá do que é razoável, não estamos dispostos a salvar essa norma, a menos que apareça outra proposta, essa sim razoável.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, havendo ainda outro pedido de esclarecimento, V. Ex.ª responde já ou no fim?

O Sr. José Magalhães (PCP): - No fim.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - O Sr. Deputado José Magalhães já sabe, da minha intervenção anterior, qual a razão que nos leva a que estejamos contra a inserção desta disposição.
Em primeiro lugar - e o Sr. Deputado sabê-lo-á compreender, porquanto alguma razão haverá para o Partido Comunista retirar esta proposta -, baseamo-nos no facto de esta proposta não conseguir ancorar-se em nenhum fundamento válido. Os problemas que poderiam surgir da inserção deste novo dispositivo, mesmo para a doutrina - e o Sr. Deputado há-de reconhecer -, seriam muito mais complicados do que os que dão trabalho à doutrina, pelo facto de um dispositivo tão concreto como este não figurar no texto actual.
Já disse ao Sr. Deputado qual é o regime para os deveres públicos, já tive o cuidado de explicar que ele se circunscreve ao problema da restrição aos direitos, porquanto a restrição aos direitos admite várias modalidades. Expliquei que poderia admitir a modalidade da proibição, como poderia admitir a modalidade de imposição concreta de deveres que não têm autonomia teoria e prática, que está coberta pelo artigo 18.º da Constituição e, por remissão, pelo artigo 29.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, mas, com certeza, o Sr. Deputado sabe bem qual é a nossa posição, pois ela ficou clara.
O que eu agora queria era deixar-lhe só duas notas claras: a primeira tem a ver com o facto de que rever a Constituição não é, ao contrário daquilo que o Sr. Deputado faz pensar, fazer uma espécie de cartilha para qualquer Governo fazer o que lhe apetece. Rever, assim como fazer uma Constituição, é exactamente salvaguardar o fundamental para que o poder tome as suas decisões concretas sempre com uma barreira, que é a dos direitos dos cidadãos. Por outro lado, Sr. Deputado não é do Partido Comunista que tiramos ou adoptamos lições de preservação da liberdade.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que sairemos todos confortados deste debate pelo consenso extraordinário que há quanto à ideia de que o arbítrio, na imposição de deveres, não é constitucionalmente admissível no texto constitucional em vigor e no texto constitucional que resultará desta revisão.
Ninguém aqui sustentou afoitamente que houvesse um direito ao arbítrio na imposição de deveres ou o direito de impor deveres desnecessários ou desproporcionados em quaisquer circunstâncias sem que lhes fosse aplicado todo um conjunto de regras e de limitações que decorrem da construção em diversos pontos da sua arquitectura e do travejamento dos direitos fundamentais.
A nossa proposta era simultaneamente ambiciosa e modesta. Propúnhamos que se corporizasse numa norma sintética, se possível rigorosa, o regime de imposição de deveres fundamentais. Esse esforço, que era construtivo, frustra-se por indisponibilidade do PSD e também do PS para a colaboração na construção de um preceito constitucional.
Que os Srs. Deputados do PSD adeptos e prosélitos de todos os desvarios do «Estado laranja» culminem dizendo que não querem uma cartilha para permitir ao Governo abusos é apenas uma ironia, que culminem dizendo que não recebem lições de liberdade de ninguém é alguma coisa que lhes fica bem, mas não tem a mínima coerência face à prática do vosso Governo, que, sendo adepto de um neo-liberalismo autoritário, precisa de receber lições de liberdade de todos, desde logo, das centenas de trabalhadores que são privados do direito pelas requisições civis abusivas, dos trabalhadores, por exemplo, da PSP que são privados da própria possibilidade de terem direito à construção de sindicatos, dos trabalhadores de estabelecimentos fabris das Forças Armadas, privados também de direitos fundamentais e de todos aqueles que, fazendo-se um retrato circunspecto do défice de liberdades no exercício, em Portugal, têm o justo direito de reclamar contra a maioria monopartidária e bastante surda do PSD. Esse argumento não nos comove, Srs. Deputados!!...
Do ponto de vista técnico, devo dizer que me penaliza o facto de não ser consagrada uma norma deste tipo. A hermenêutica jurídico-constitucional continuará a procurar extrair da Constituição todas as limitações e o arbítrio não será livremente aplicável em matéria de imposições de deveres fundamentais. E isto conforta-me!
A jurisprudência constitucional continuará a lançar arrimo dos instrumentos que tem para impedir ou para frustrar desígnios da Assembleia da República ou do Governo que, a pretexto de deveres excedam uma margem constitucionalmente admissível, mas esta contribuição que aqui propúnhamos era uma contribuição não só generosa como boa, e o facto de se recusarem a cooperar institucionalmente na busca de uma boa norma significa, pela vossa parte, uma desistência.
Diz o Sr. Deputado Almeida Santos: «mas a base não era excelente». Srs. Deputados, também não vimos a vossa base. A vossa base não é excelente porque é nula!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que não há mais inscrições para a discussão do artigo 16.º-A, vamos passar à discussão do artigo 17.º
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

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O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, muito brevemente, declarar que o CDS retira a proposta de eliminação do artigo 17.º...

O Sr. António Vitorino (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... e também para, muito brevemente, esclarecer esta câmara das razões que nos terão levado a incluir esta proposta de eliminação e a não defender agora a sua manutenção.
As razões que nos levaram a incluí-la foram fundamentalmente razões de carácter técnico e de ordem sistemática, relacionadas com a história do preceito, a diferença de redacção que o preceito tinha na versão da Constituição de 1976 e na de 1982, e na diferente sistematização dada a todo o capítulo respeitante aos direitos fundamentais. As várias posições expressas pelos diversos partidos na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e a votação feita em torno deste artigo levaram-nos, porém, à convicção de que a sua manutenção poderia ter efectivamente consequências redutoras e mesmo que qualquer votação produzida em torno dela poderia ter consequências redutoras para a matéria dos direitos fundamentais. Por isso, entendemos por bem retirá-la.
Aproveitamos estar no uso da palavra para nos pronunciarmos - e pedimos disso desculpa à bancada vizinha do PSD - sobre a proposta que o PSD faz à redacção do artigo 17.º Entendendo por bem retirar a nossa proposta entenderíamos também por bem não votar a proposta do PSD...

O Sr. António Vitorino (PS): - Muito bem!

O Orador: - ..., porque na realidade, entendemos nós dar um conteúdo material aos direitos fundamentais - e isso fizemo-lo através de propostas que discutimos e justificámos na última sessão -, não concordamos que se restrinja o catálogo dos direitos fundamentais aos expressamente previstos na Constituição, uma vez que temos um critério material indentificador. Por isso, entendemos que, se a nossa proposta era redutora, a do PSD também era e, portanto, também não a acompanharíamos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero muito brevemente explicar as razões pelas quais o PSD apresentou esta proposta relativa ao artigo 17.º e também os motivos pelos quais neste momento a retiramos.
As razões são simples e não pensamos que envolva aqui qualquer aspecto redutor. Entendemos que não se trata propriamente de elencar os direitos, liberdades e garantias em geral existentes no ordenamento jurídico mas, apenas e tão somente, de fazer aplicar-lhes o regime especial que se encontra consignado neste título da Constituição e até, de uma maneira mais clara, as dificuldades que resultam inequivocamente da circunstância de o artigo 18.º, que preconiza uma aplicação directa de todos os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias e que vincula o próprio legislador ordinário, afinal de contas ser aplicável ao legislador ordinário quando ele cria, pela via
de normas ordinárias, direitos análogos àqueles que se encontram previstos nestes preceitos sobre os direitos, liberdades e garantias. Isto é, quando o legislador ordinário cria direitos, liberdades e garantias já não pode tocar-lhes por força do artigo 18.º
Parece-nos um sistema incongruente, mas reconhecemos que a discussão havida na Comissão Eventual de Revisão Constitucional aconselha a que se não repita essa discussão aqui por uma questão de economia de tempo e ainda porque, porventura, os inconvenientes resultantes dessa discussão superariam largamente as vantagens puramente técnicas da introdução deste preceito. Nestes termos e porque julgamos que não se trata de uma matéria essencial, prescindimos desta nossa proposta e retiramo-la.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, quero apenas felicitar o PSD por ter retirado esta proposta e estranhar que o tenha feito tão tarde, porque já em 1982 fez uma proposta semelhante...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Coerência!

O Orador: - Dizia, então: «previstos na Constituição ou na lei.» Depois da discussão que travámos em 1982 era de esperar que não reincidisse em 1989. Reincidiu e reincidiu ainda em sede da Comissão Eventual de Revisão Constitucional, mas, enfim, o bom senso chega sempre a tempo quando chega antes de produzir os seus efeitos.
Em todo o caso, não se reparou que - creio que o Sr. Deputado terá tido isso em mente e até talvez o tenha referido - estávamos, de algum modo, a deitar fora a analogia existente nas convenções internacionais.
No entanto, chamo a atenção do CDS - e foi para isso que pedi a palavra -, porque me parece que na proposta que formulou relativamente ao artigo 18.º há também alguma retirada a fazer. Na verdade, começamos a copiar o Xenofonte nas retiradas frequentes - não serão retiradas de 10 mil propostas porque não as há, mas é salutar que estejamos a simplificar a discussão em Plenário, retirando aquilo que entendemos não ter viabilidade de conseguir êxito.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também nós consideramos que é extremamente positiva esta retirada. E, ao contrário de outras retiradas menos virtuosas como, por exemplo, a retirada de certas propostas que visavam defender o sector público e que da parte de alguns partidos desapareceram no fundo do processo de Revisão Constitucional, esta é positiva porque a proposta do PSD visava limitar fortemente a malha de protecção dos direitos, liberdades e garantias nas hipóteses perfeitamente figuradas neste artigo. O artigo é de exegese complexa, em todo o caso, sairia mutilado desta norma que o PSD propôs e em que, ciclicamente, numa espécie de achaque, vai reincidindo nas revisões constitucionais.
Fazemos voto de que, no futuro, o PSD não retome esta ideia e, sobretudo, que nas suas práticas governativas e legislativa não procure ocultar ou diminuir o

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grau de cumprimento desta norma constitucional, através de práticas selectivas e discriminatórias de que infelizmente há abundância na actividade legislativa do Governo e da Assembleia da República. É esse o nosso voto, saudando esta retirada!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (Indep): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente à retirada da proposta do CDS, sejam quais forem as razões anunciadas e seja qual for o mérito dessas razões, não temos senão que declarar a nossa satisfação com esse facto, uma vez que se tratava de uma proposta gravemente restritiva, pois, pura e simplesmente, eliminava o artigo.
Relativamente ao PSD, também só temos de exprimir - numa matéria em que a proposta do PSD era restritiva, embora não tão drástica como a do CDS mas, de qualquer forma, uma proposta restritiva do artigo 17.º - que nos apraz verificar que tenha considerado oportuno, embora já neste Plenário, retirar esta proposta.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que não há mais inscrições e antes de passar ao artigo seguinte, vou recapitular a situação relativamente aos artigos 16.º-A e 17.º Quanto ao primeiro, havia uma proposta de aditamento aos n.ºs 1 e 2, apresentada pelo PCP, que foi retirada; quanto ao artigo 17.º havia uma proposta de eliminação, apresentada pelo CDS e uma proposta de aditamento, apresentada pelo PSD, que também foram retiradas.
Vou passar, agora, à discussão do artigo 18.º Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora conheçamos algumas interpretações que também atribuem propósitos restritivos à nossa proposta de alteração do n.º 2 do artigo 18.º, entendemos por bem não retirá-la e vamos explicar porquê.
Em primeiro lugar, vou abordar, uma vez mais, uma circunstância que já foi esclarecida na Comissão Eventual de Revisão Constitucional. A nossa proposta em relação ao artigo 18.º é apenas de alteração do n.º 2 e não de eliminação do n.º 3 como, por lapso, chegou a ser pensado. Nós propomos apenas a alteração do n.º 2. E propomo-la, fundamentalmente, em dois sentidos: num primeiro sentido, para consagrar expressamente que as leis de restrição dos direitos, liberdades e garantias terão de ser da espécie de leis orgânicas, espécie proposta pelo CDS como uma espécie de leis de valor reforçado. Aliás, essa espécie revestiu-se de interesse que está traduzido na circunstância de ela ter constituído a possibilidade de uma parte do entendimento a que chegaram o PS e o PSD para o Acordo de Revisão Constitucional. Já nos congratulámos com isso na Comissão Eventual de Revisão Constitucional e voltamos a fazê-lo.
Mas essa circunstância, a de entendermos e expressamente reconduzirmos isso ao tipo de leis de valor reforçado que nós prevemos - como, aliás, já acontecia -, leva-nos a manter a nossa proposta.
O outro sentido da nossa proposta era o de admitir que pudessem fazer-se as restrições não apenas nos casos expressamente previstos na Constituição mas também nos de salvaguarda dos princípios e valores consagrados na Constituição.
Qual a razão de ser desta alteração? A razão de ser é esta: a redacção actual do preceito correspondente ao n.º 2 do artigo 18.º não resolve problemas importantes, quais sejam os da compatibilização e os do conflito entre os vários direitos enunciados na Constituição ou recebidos pela Constituição.
Esse problema da compatibilização ou de conflito é resolvido hoje por recurso a normas estranhas à Constituição, normas que a Constituição recebe, é certo, como seja o já citado artigo 29.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Entendemos, pois, que será preferível termos uma formulação interna na Constituição e no local adequado que seja adequada, também ela, à resolução destes problemas. Nessa perspectiva e só com essa perspectiva, a introduzimos. Entendemos que esta formulação não é, de forma alguma, redutora e por isso mantemos, em toda a sua extensão, a nossa proposta de alteração do n.º 2 do artigo 18.º

O Sr. Presidente: - Estão inscritos para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Almeida Santos e José Luís Ramos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, a imitação do Xenofonte parou perto. Eu estava à espera que também agora retirasse e imitasse o Xenofonte, mas, infelizmente, não retirou...!
Respeito as suas razões, só que não as compreendo, porque diz que a vossa proposta não é restritiva, quando ela não é outra coisa senão restritiva. Em primeiro lugar, onde se referem direitos e interesses constitucionalmente protegidos - o que é algo de concreto, temos facilidade em saber o que é -, propõe que, por troca, se refiram princípios e valores que são algo de tão vago que, na verdade, a medida restritiva diluía-se e, porventura, tornava-se ineficaz.
Depois elimina o n.º 3 e é aqui que está a principal tropelia...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Permanece!

O Orador: - Sim, sim, elimina o n.º 3! Não consta aqui! E do n.º 3 não refere a exigência do carácter geral e abstracto das leis restritivas nem refere a proibição do efeito retroactivo. Bom, se isto não é restringir, então, peco-lhe o favor de me demonstrar que estou completamente tontinho. Aliás, como é que pode permanecer o n.º 3 se algo que está hoje no n.º 3 foi recuperado para o vosso n.º 2?!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - O Sr. Deputado Nogueira de Brito em justificação ao n.º 2 do artigo 18.º da sua proposta diz que ela se fundamenta, se bem entendi, em duas ordens de razões: a primeira é relativa às leis orgânicas e a segunda às restrições em si.

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Quanto a esta segunda questão, gostava de perguntar se o Sr. Deputado não entende que o n. º 2 do artigo 18.º é, ele próprio, uma restrição e que ao ser uma restrição tem de ser muito fixa e muito precisa, pena de, se a alargarmos, estarmos a fazer com que ela seja cada vez menos restrição, ou seja, estamos a aboli-la.
Sr. Deputado, na sua proposta, que é louvável, não existe, em termos hermenêuticos, esse perigo? Ele existe de facto! VV. Ex.ªs, ao eivarem com princípios aquilo que é muito restrito no n.º 2 do artigo 18.º, estão a acabar com a restrição do n.º 2 do artigo 18.º!
Poderia estar de acordo quando dizem que só pode haver restrições aos direitos, liberdades e garantias em sede de leis orgânicas, mas, de facto, não é qualquer lei que tal, em termos genéricos, que pode estabelecer concretamente restrições aos direitos, liberdades e garantias.
Portanto, a primeira parte da proposta pode ser louvável, mas a segunda não o é com certeza e o PSD não está, de maneira alguma, de acordo com ela. Quanto à primeira parte poderia ter o mínimo de razão de ser, mas também não tem, porque qualquer lei pode fazer estas restrições e não só a Lei Orgânica.
Desta fornia e quanto a nós, este n.º 2 do artigo 18.º está enformado de algumas imprecisões que inviabilizam todo o conteúdo útil que o n. º 2 do artigo 18.º tem hoje em dia, com a consagração correcta que tem na Constituição.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Almeida Santos, afinal sempre fui um pouco mais longe do que Xenofonte... Portanto, vamos todos congratular-nos com isso.
Porventura, V. Ex.ª não esteve atento à minha intervenção, o que é compreensível, e, quanto às suas outras observações, não faço senão juízos elogiosos a respeito de V. Ex.ª
Na verdade, Sr. Deputado, em sede da comissão, já esclarecemos que a nossa proposta era apenas de alteração do n.º 2 deste artigo e não de eliminação do n.º 3, tendo isto ficado bem entendido por todos os membros daquela comissão. Aliás, vejo que o Sr. Deputado José Magalhães está a acenar, confirmando o que digo. De facto, o CDS não compareceu muitas vezes às reuniões da comissão, mas, numa delas, tivemos oportunidade de esclarecer este aspecto.
Sr. Deputado Almeida Santos, entendo que não há qualquer incompatibilidade entre a redacção que propomos para o n.º 2 do artigo 18.º e a manutenção do n.º 3 do mesmo artigo.
Entendo isto porque, quando no n.º 3, se diz que «as leis restritivas não poderão diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais», pela nossa parte, reportamo-nos àqueles preceitos que traduzem os valores e os princípios que consideramos como limitação para a possibilidade de imanação de tais leis restritivas.
Apesar de tudo o que dizem VV. Ex.ªs, Srs. Deputados Almeida Santos e José Luís Ramos, fica de pé a questão de, no texto da Constituição, não haver qualquer regra válida para a compatibilização entre os vários direitos.
Ora, esta formulação proposta pelo CDS introduziria simultaneamente uma norma de compatibilização entre os vários direitos.
Era essa questão prática e importante que resolvíamos - e os senhores não -, socorrendo-nos da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Por outro lado, a vacuidade que VV. Ex.ªs atribuem aos princípios e aos valores fundamentais não é tal qual como pretendem dizer que é, porque pretendemos que não fosse. Na verdade, juntamente com o PSD, apresentámos propostas com o fim de esclarecer o princípio fundamental da dignidade e inviolabilidade da pessoa humana...

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Isso não está em causa.

O Orador: - Está em causa, sim, Sr. Deputado, porque esta nossa norma é de remissão para esses princípios.
Por outro lado, Sr. Deputado Almeida Santos, não sei se esta referência aos direitos e aos interesses constitucionalmente protegidos não deixará «sair pela janela» o que «entrou pela porta» ou vice-versa e se não apontará também no sentido de alguma vacuidade.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por agradecer a invocação do símile histórico feito pelo Sr. Deputado Almeida Santos em relação à nossa atitude de retirar algumas propostas, comparando-nos com Xenofonte. Limito-me a recordar-lhe, Sr. Deputado, que Xenofonte não descreveu a retirada de dez mil interesses mas, sim, a de dez mil homens. Ora, os deputados do PSD ainda não são dez mil, mas agradecemos a projecção que fez quanto ao futuro do nosso partido. Só que, quando assim for, em vez de se reduzir o Parlamento, será necessário alargá-lo...

Risos.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha intervenção tem por fim declinar as razões pelas quais não podemos acompanhar o CDS quanto à respectiva proposta de alteração.
Naturalmente, damos como boa a correcção feita pelo CDS no sentido da manutenção do n.º 3 do artigo 18.º, que, de resto, foi feita em sede da comissão, como podemos testemunhar.
Simplesmente, o CDS propõe uma alteração para o n.º 2 que, do nosso ponto de vista, é extremamente perigosa. É que a substituição da expressão vigente «interesses e direitos» pela expressão «princípios e valores» constitui uma inovação que pode ter consequências tremendamente perigosas.
De facto, este artigo 18.º, introduzido na Revisão Constitucional de 1982, constitui um preceito extremamente importante na economia da nossa Constituição. Entre outras coisas, significa um princípio fundamental de limitação do legislador no que toca à compressão dos direitos por princípios de imanência, de socialidade, de interioridade, em relação à própria orgânica

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social. Isto é, introduz o princípio de que não é legítimo restringir direitos fundamentais em nome de princípios transcendentes de origem religiosa, de étimo ideológico ou de quaisquer outros. Portanto, só para realizar fins imanentes à própria Constituição é que é lícito comprimir os direitos fundamentais.
De facto, por detrás deste preceito está um grande progresso histórico e civilizacional, estão séculos de evolução cultural, está todo o longo e coroado processo de secularização da sociedade e do Estado. Por isso se definiram os interesses e os direitos, coisas apesar de tudo de contornos por vezes difíceis de identificar, mas sempre mais ou menos referenciáveis. Por isso se definiram os interesses e os direitos como referentes possíveis em nome dos quais se podem sacrificar os direitos fundamentais. Portanto, foi só para salvaguarda de interesse e de direitos.
Ora, se alargarmos o referente de legitimação material do sacrifício dos direitos aos princípios e aos valores, então - que Deus nos valha! -, entramos num campo sem limites e, volente nolente, com ou sem consciência, com esta inovação, estaríamos a regredir do ponto de vista cultural.
Repito: talvez não tenha sido esta a intenção do CDS, mas a ser aprovada a sua proposta de alteração, do ponto de vista cultural, poderíamos estar a regredir para séculos que, há muito, consideramos ultrapassados.
Este é um dos preceitos mais sensíveis e mais importantes da Constituição. Assim, qualquer mexida nesta matéria, só se fosse feita com «luvas de amianto», com as quais, do nosso ponto de vista, o CDS não se soube munir.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se a assistir à sessão alunos da Escola Secundária de Peniche e, também, um grande número de alunos da Faculdade de Direito de Lisboa que provavelmente, serão alunos de Direito Constitucional visto que estão acompanhados pelo Sr. Professor Jorge Miranda.

Aplausos gerais.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Costa Andrade, não temos receio de nos «queimarmos» com as propostas de revisão da Constituição que apresentamos. Assim, diria que as luvas a que se referiu deveriam ser de outro material. É que, realmente, se devemos ter cuidado ao revermos a Constituição, porventura o amianto traria uma certa dificuldade de «manuseamento» que não queremos ter.
O que quero dizer com isto é que não temos preconceitos quanto à Revisão Constitucional e a sua alusão às «luvas de amianto» poderia dar uma ideia contrária à que é a nossa posição.
Sr. Deputado Costa Andrade, ao apresentarmos esta proposta de alteração, a nossa intenção não foi a de regredir...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não?

O Orador: - Não foi, não, Sr. Deputado José Magalhães, como, aliás é bom de ver!... Por que é

que haveríamos de querer regredir nesta matéria? Que vantagens teríamos em regredir nesta matéria?

Antes pelo contrário, Sr. Deputado Costa Andrade!... Há poucos anos, depois da Revisão Constitucional de 1982, após ter sido consagrada na Constituição o Estado de direito democrático, vimo-nos confrontados com uma série de leis fiscais retroactivas. Ora, alguns de nós pensaram na possibilidade de argumentar contra elas, invocando essa norma e esse princípio fundamental e não pudemos fazê-lo, não nos foi dada essa possibilidade. É que a restrição não estava expressamente prevista na Constituição.

Assim sendo, Sr. Deputado Costa Andrade, com uma formulação como a que propomos, não seria mais fácil a nossa defesa nessa matéria?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Podia explicitar melhor, Sr. Deputado?

O Orador: - Sr. Deputado Costa Andrade, é só isto: perante o apelo aos princípios e aos valores fundamentais, esta alteração pode dar-nos uma panóplia de defesa contra os ataques que, porventura, pode não nos ser dada pela possibilidade expressa na Constituição.
Foi essa a nossa intenção ao apresentarmos esta proposta de alteração. Se W. Ex.as entendem que essa nossa intenção seria frustre com esta nossa proposta, acabaremos por nos congratular por vê-la derrotada nesta Assembleia.
De facto, não temos qualquer problema quanto a esse aspecto, mas queremos ver esta nossa proposta discutida até ao fim.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, agradeço o seu pedido de esclarecimento porque, ao responder-lhe, dá-me oportunidade de clarificar alguns aspectos da minha intervenção.
Em primeiro lugar, quero deixar bem claro que, da nossa parte, não houve qualquer intenção de agredir propósitos do CDS. Falámos objectivamente da norma e não das intenções do vosso partido.
Sr. Deputado, se bem percebi o seu pensamento, o senhor entende que seria mais fácil lutar contra impostos retroactivos. Ora, nada é mais falso!
A seu tempo, discutiremos uma das matérias que penso, será das que terão maior relevo nesta Revisão Constitucional e que é a questão da irretroactividade dos impostos. No entanto, para já, temos por fundado o propósito de restringir a possibilidade de o legislador lançar impostos retroactivos. Nesse caso, isto tudo piora.
É porque, além dos interesses e dos direitos muito claros, o legislador pode ainda louvar-se dos valores e dos princípios. Até agora, para sacrificar direitos fundamentais, o legislador tem de demonstrar que há ali um direito - coisa relativamente precisa - ou um interesse - coisa também relativamente precisa. Mas se a proposta do CDS fosse aprovada o legislador não só teria estes parâmetros como, além disso, lhe bastaria invocar quaisquer princípios - a solidariedade social, o solidarismo -, quaisquer axiologias para além disto.

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O Sr. Deputado já viu que daria «de mão beijada» um presente brutalíssimo ao legislador ordinário? Se é essa a intenção do Sr. Deputado, nada há de mais contra indicado do que seguir esse caminho. Então, Sr. Deputado, siga o caminho inverso, dizendo que «os direitos fundamentais só podem ser restringidos em nome de direitos constitucionalmente clarificados». Se assim fizer, estará a «levar a água ao seu moinho»; de contrário, estará a «abrir um caudal brutal»!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A bancada do Grupo Parlamentar do PCP quer reconhecer, frontalmente, que esta proposta de alteração do CDS teve dois grandes méritos: o primeiro é o de que levou o CDS a comparecer na CERC por uma de um total de seis vezes que lá compareceu, tendo procurado defender a sua proposta nessa sede; o segundo mérito é o de que essa proposta vai ser rejeitada, tendo acabado de ser defendida pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito em termos que todos pudemos ouvir, originando uma reacção generalizada muito salutar.
Em termos de definição e de precisão do regime aplicável aos direitos, liberdades e garantias e à respectiva força jurídica, creio que é extremamente útil que esta proposta tenha sido apresentada, que seja levada até ao fim, isto é, até à votação, e que seja rejeitada, quanto mais não seja porque é extremamente gratificante ouvir o Sr. Deputado Costa Andrade, qual Napoleão, dizer que do alto desta «pirâmide» dos direitos, liberdades e garantias, «muitos séculos de progresso vos contemplam e esses séculos são respeitáveis; a sua herança é irreversível e deve ser património comum de muitas famílias políticas» - também da nossa, seguramente! ...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Mas, afinal, concorda ou não?

O Orador: - Portanto, neste ponto, a Constituição continuará vigorosa e é necessária uma credencial constitucional com expressão bastante para poder haver lugar a restrição dentro do condicionalismo e do clausulado apertado e desenhado no artigo 18.º da Constituição.
A ideia da criação de uma cláusula geral indeterminada que funcionasse como sustentáculo e credencial bastante para a restrição de direitos é uma péssima ideia, em termos de contribuição para uma armadura jurídica, forte e protectora, dos direitos fundamentais dos cidadãos.
Neste ponto, o CDS é ingrato, não tem «norte» na Revisão Constitucional. De facto, deste ponto de vista, o CDS comporta-se como se estivesse numa posição que, de facto, não tem no xadrez social e político português.
Por exemplo, imagine-se que esta credencial era concedida e que, num dia de abespinhamento e insensatez, como aquele em que rejeitou o inquérito parlamentar ao Dr. Cadilhe, a «maioria laranja» resolvia criar uma «Lei laranja» tendente, por exemplo, a limitar ou a sancionar os dirigentes políticos. Suponhamos, por exemplo, que o Professor Freitas do Amaral ia à televisão dizer certas coisas sobre a acção governativa que «beliscassem» a intimidade dos ministros ou certos valores, como o interesse nacional no sigilo quanto a certos dados vitais da economia portuguesa ou a um outro qualquer princípio geral como uma determinada noção da ordem livre e democrática transposta para a ordem jurídica portuguesa de outros quadrantes e de outros Direitos. E eu pergunto, Srs. Deputados, o que aconteceria a essa «Lei laranja», face a uma cláusula geral indeterminada como a que, neste momento, os senhores queriam propor mas que não terão consagrada.
A vossa proposta é «liberticida», mas não só!: também é insensata e quase impensável, vinda de um partido que, teoricamente, se reclama de alguns dos postulados que deveriam nortear a vossa existência e a vossa coerência política, até na qualidade de partido da Oposição. Mas não! Os senhores são Oposição a este Governo, mas também são Oposição à Constituição e isso é que é mau!
Portanto, se for mantida, votaremos contra esta proposta. No entanto, ainda tenho esperança de que, reconsiderando e até pensando no exemplo hipotético que dei em relação ao Dr. Cadilhe e ao Professor Freitas do Amaral, o Sr. Deputado Nogueira de Brito venha a retirá-la, por uma razão de senso político.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (Indep): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois de tudo o que foi dito pelas diferentes bancadas, parece que se torna perfeitamente claro que, nesta matéria, que é a de restrição relativa às restrições de direitos, liberdades e garantias, a proposta de alteração ao n.º 2 do artigo 18.º, apresentada pelo CDS, representa uma fórmula mais gravemente restritiva do que a fórmula clara que consta da Constituição.
Por essa razão e sem necessidade de mais considerações, anunciamos que não poderemos dar o nosso voto favorável a esta mesma proposta.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, queria anunciar que, no âmbito da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, a princípio, o PSD tinha proposto que o artigo 18.º, com a redacção idêntica à actual, passasse a figurar como artigo 17.º, em virtude de o texto proposto para este artigo ser, em nosso entender, mais adequado e assim passaria a figurar no fim deste conjunto de direitos relativos aos direitos, liberdades e garantias e ao seu regime geral.
Por razões de arrumação, que compreendemos, e em resultado de um consenso a que se chegou no âmbito da Comissão Eventual de Revisão Constitucional, o PSD declara-se disposto a retirar esta proposta de alteração sistemática e a manter este texto no âmbito do artigo 18.º
Mas a minha intervenção não se fica por esta pequena observação. Gostaria ainda de referir-me à proposta apresentada pelo CDS no âmbito do artigo 18.º

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O Sr. Deputado Nogueira de Brito manifestou vontade de que se esgotasse toda a discussão em torno desta proposta de alteração. Em primeiro lugar, devo dizer que, tal como os meus colegas de bancada, lamento que uma proposta destas tenha lugar no âmbito da Revisão Constitucional. Estamos a rever a Constituição, o que significa que há preceitos constitucionais que são alterados, mas o que significa também que há preceitos constitucionais que são mantidos. Isto é, a Constituição não leva uma «reviravolta» de tal modo que os seus princípios fundamentais sejam postos em questão.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

A Oradora: - E esta Constituição, que em certos princípios não queremos mudar, assenta num conjunto de vectores dos quais enunciarei, a título exemplificativo, a secularização do Estado, a não existência de uma ordem de valores objectiva, a alternância democrática e o acesso de todos a essa alternância.
Quanto muito, no texto que temos e nos princípios que mantemos, a única coisa que do ponto de vista de um conjunto de valores materiais ou de religião teríamos seria a consagração de uma «religião civil», que é a descrição e a linguagem dos direitos fundamentais.
A questão que se coloca é a de saber até que ponto uma proposta de alteração que substitui direitos e interesses constitucionalmente protegidos pela expressão «princípios e valores» não virá pôr em causa todo este conjunto de baluartes em que assenta o fundamento da nossa Constituição.
É que, a inserir-se um quadro como o que o CDS apresenta como alternativa ao artigo 18.º, a Constituição deixaria de ser secularizada e passaria a eleger um conjunto de valores materiais em nome dos quais tudo seria possível, nomeadamente a própria inversão da linguagem dos direitos.
Srs. Deputados do CDS, como é que conjugam uma proposta destas com a própria subsistência da razão de ser do princípio maioritário, que na democracia não significa mais do que uma regra processual que atente ao facto de não haver verdades absolutas e de todos poderem ter um quociente de contributo para essas verdades, isto é, que assenta no relativismo axiológico e não numa ordem de valores objectiva? Como é que conseguiriam conciliar esta proposta com a ideia do Estado secular, com a ideia de que os únicos fundamentos materiais pelos quais se há-de orientar a Constituição são apenas aqueles que orientam os direitos fundamentais e a linguagem do discurso formal universalizante da própria democracia?
Não faz sentido criar-se aqui uma margem de incerteza, que é mais do que isso, pois é a subversão do grande fundamento do texto constitucional que temos, que é o perigo que comporta no sentido de uma indefinição e de uma orientação filosófica para valores totalmente opostos ao texto constitucional que temos.
É por isso que rejeitamos completamente a proposta que, por bem intencionada que seja, comporta perigos que não podemos admitir.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta manutenção da nossa proposta em relação ao n.º 2 do artigo 18.º continua a ser, na opinião do Srs. Deputado José Magalhães, uma oferta que fazemos a favor do entendimento e do consenso em torno da Revisão Constitucional.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Estão a ser masoquistas!

O Orador: - Porém, a Sr.ª Deputada Assunção Esteves está a ir um pouco longe demais... Compreendo que não lhe agrade que o meu partido apresente esta proposta, mas suponho que compreenderá que seja o CDS a apresentá-la.

Risos.

Depois da intervenção que a Sr.ª Deputada fez, que mais parece um pequeno bilhete de cortesia dirigido ao seu parceiro de consenso constitucional, o Partido Socialista, para levar para as suas bases e para o Sr. Deputado José Magalhães daqui a uns meses estar a defender a Constituição revista em 1989, como sempre acontece com o PCP - e vai, certamente, brandir a intervenção hoje produzida pela Sr.ª Deputada Assunção Esteves...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Claro!

O Orador: - Claro, diz o Sr. Deputado José Magalhães, e sei que assim vai ser...
Essa sua intervenção, Sr.ª Deputada Assunção Esteves, teve esse efeito calmante e a nós não nos irritou demais, esteja descansada!, até porque vem de si, que é uma pessoa esclarecida e simpática a intervir... Isso é importante! Havia colegas suas de partido que não admitiam estes epítetos porque só entendiam, que se podia chamar simpáticas às senhoras e não aos homens e quando o chamávamos às senhoras ficavam muito irritadas com isso porque estávamos a utilizar aqui um anti-feminismo. Porém, isso não é verdade! Mantenho a minha opinião!
Portanto, como estava a dizer, não ficámos muito irritados! Mas quero perguntar o seguinte: Sr.ª Deputada, onde está a tese do seu colega de bancada, Sr. Deputado Rui Machete, quando defendia a inconstitucionalidade de normas constitucionais na linha de doutrina alemã e com base na violação de certos princípios e valores fundamentais desta Constituição? Onde é que ela está?

O Sr. António Vitorino (PS): - Caducou!

O Orador: - Será que há uma contradição tão grande na sua bancada, Sr.ª Deputada Assunção Esteves? Há ou não princípios e valores que estão presentes nesta Constituição? E isso implica algum movimento no sentido de abandonar a secularização na Constituição, coisa que a nós não preocuparia muito?
Com as propostas que fez para artigos anteriores a Sr.ª Deputada entende ou não que há princípios e valores subjacentes à Constituição? Aliás, V. Ex.ª tentou mesmo que eles fossem expressos em normas constitucionais com a oposição do PS e do PCP. Onde é que estamos, Sr.ª Deputada ? É assim um crime de tal maneira lesa Constituição fazer uma proposta...

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A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Deputado, de facto há princípios e valores que estão consagrados na Constituição. Falei mesmo numa espécie de «religião civil», que são os direitos fundamentais.
Mas esses valores a que me refiro não são valores materiais no sentido que é carreado pela proposta do CDS; são valores que se reconduzem às condições formais do discurso democrático.
Se me permite, Sr. Deputado - e perdoe-me a aproximação de um certo jacobinismo de que há pouco me ia acusando -, creio que no fundo há aqui uma aproximação de um discurso laico dos direitos que não tem nada a ver com o discurso material que é carreado pela vossa proposta.

O Orador: - Sr.ª Deputada, peço desculpa, mas quem fez aqui o discurso material dos direitos fundamentais foram as nossas duas bancadas e a sua por intermédio de V. Ex.ª ainda na sessão da semana passada. Um fim-de-semana opera milagres! - peço desculpa por ter falado em «milagres», não voltarei a usar esta expressão quando me dirigir a V. Ex.ª

Risos.

Na verdade - e volto a repetir -, o discurso material dos direitos fundamentais foi feito pelas nossas bancadas e pela Sr.ª Deputada em nome do PSD.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Deputado, dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Deputado, quando expus a minha posição sobre o artigo 16.º disse ainda que esse problema era recondutível ao da participação universal, da participação de todos no discurso democrático e que, no fundo, isso envolvia uma certa ideia de inviolabilidade da pessoa humana. É que esse é um dos tais princípios a que me referi na primeira resposta que dei, e que são princípios que, ainda podendo ter uma leitura material, se reconduzem a princípios fundamentais de alicerçamento do discurso democrático e, portanto, nunca há aqui problemas de esvaimento ou de distorção para um discurso material em nome do qual tudo seja possível. Isso é que não, Sr. Deputado!

O Orador: - Sr.ª Deputada Assunção Esteves, é tão especiosa a sua distinção...! No outro dia alguém falou aqui em «aguçar o lápis»... Isso é «aguçar de tal forma o lápis» que ele se deve estar a partir com toda a certeza.

Risos.

Outro dia a Sr.ª Deputada falou de um critério material distintivo de direitos, e é disso que estamos a tratar. E quem é que autoriza a Sr.ª Deputada a acusar-nos de não excluir o que é fundamental na própria formação do discurso democrático, o princípio da maioria, entre os valores e os princípios fundamentais que consideramos subjacentes à Constituição?
Sr.ª Deputada, isso é importante! Agora, que isso constitui um conjunto de princípios e de valores e que é para esse conjunto de princípios e de valores, hierarquizados segundo uma lógica emanente a eles próprios, que nós remetemos e que isso é fundamental para resolver problemas importantes no contexto dos próprios direitos fundamentais, isso é verdade e mantemos essa ideia.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto mais ninguém pretender usar da palavra, dou por terminada a discussão do artigo 18.º
Recapitulando, devo dizer que permanece para votação a proposta de alteração do n.º 2, subscrita pelo CDS.
A opção sistemática decorrente do artigo 17.º proposta pelo PSD foi retirada.
Passamos, pois, à discussão do artigo 19.º

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação ao artigo 19.º apresentámos uma proposta de natureza fundamentalmente sistemática e que visava «arrumar« melhor as duas situações, a do estado de sítio e a do estado de calamidade pública. Porém, face ao que se passou na Comissão Eventual de Revisão Constitucional e à votação que lá teve lugar, quero comunicar que a retiramos.

O Sr. Presidente: - Certamente, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de dizer que retiramos a proposta que apresentámos em relação ao artigo 19.º e que consistia numa alteração sistemática no sentido de passar o artigo 19.º para artigo 18.º Portanto, a discussão em relação ao artigo 19.º também fica assim simplificada. De resto, tratava-se de uma proposta que apenas era de carácter sistemático.

O Sr. Presidente: - Então consideram-se retiradas as propostas apresentadas pelo CDS e pelo PSD em relação a este artigo.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, o guião da Comissão Eventual de Revisão Constitucional não integra referência às propostas do CDS, do PSD e do PS porque elas foram retiradas na comissão em benefício da proposta desta que obteve dois terços dos votos, tal como também não faz referência aos pontos da proposta do PCP, que foram consumidas pelo texto da CERC, que obteve os dois terços.

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Portanto, a proposta que se encontra na Mesa é no sentido de dar prioridade à discussão do texto da CERC para o artigo 19.º, ficando de fora apenas as propostas do PCP e do PS sobre alguns números que não tiveram o acolhimento de dois terços dos votos e que se mantém para debate no Plenário. Esta é a explicação sistemática para se entender a lógica do guião da CERC que é aquele, que penso, a Mesa está a seguir neste momento ao pôr as matérias em debate.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, muito obrigado pela interpelação que fez, pois, prestou uma grande ajuda à Mesa, na medida em que não nos estávamos a integrar completamente no guião da CERC.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero felicitar-me pelo facto de a proposta que vem da CERC ter absorvido substancialmente elementos da proposta do meu partido e, tal como já foi referido pelo Sr. Deputado António Vitorino, alguns elementos da proposta do PCP.
Creio que neste caso se deve justificar uma breve explanação do significado das alterações propostas visto que se trata de um artigo que já nasceu longo na primeira formulação, que cresceu na primeira revisão e que agora ainda se alongou algo mais.
As principais alterações têm, em síntese, o seguinte significado: no n.º 3 do artigo 19.º torna-se claro que o estado de emergência é um estado que corresponde a motivações de menor gravidade do que o estado de sítio. Isto não estava muito claro na actual formulação e tornou-se agora mais claro.
Tornou-se também mais claro que a referência de hoje à suspensão parcial dos direitos, liberdades e garantias não queria dizer que se suspendesse em parte cada direito, mas que se suspendessem na totalidade os direitos susceptíveis de o serem. Isto tornou-se muito claro e creio que é uma primeira conquista que, de algum modo, representa um aprimoramento técnico.
No n.º 4 diz-se que a opção pelo estado de sítio ou pelo estado de emergência bem como a respectiva declaração e execução devem respeitar dois princípios norteadores: o da necessidade e o da proporcionalidade. Creio que é uma boa aquisição, uma melhoria sensível, sobretudo atendendo a que o Estado de direito que hoje somos globalmente desvaloriza a figura da suspensão excepcional dos direitos, mas apesar de tudo, não invalida.
No n.º 5 diz-se que a declaração do estado de sítio ou do estado de emergência deve ser adequada e não apenas devidamente fundamentada, e refere-se ainda que o estado declarado não pode ser de duração superior a quinze dias. Ora, aqui há duas melhorias técnicas: em relação ao estado declarado em resultado de uma situação de guerra, evitou-se que houvesse renovações desse estado de quinze em quinze dias. Por outro lado, também se tornou mais claro que pode haver mais do que uma renovação, o que já se entendia mas fica agora a entender-se mais claramente.
No n.º 6, em que se prescreviam quais os direitos que em circunstância nenhuma podiam ser afectados pelo estado de excepção só se referia o estado de sítio. É óbvio que por maioria de razão teria que se referir também ao estado de emergência, e isso ficou claro.
O n.º 7 veio precisar - e também não era preciso que isso fosse dito - que a declaração do estado de sítio e do estado de emergência só pode alterar a normalidade constitucional nos termos previstos na Constituição e que nunca pode, nomeadamente, afectar a aplicação das regras constitucionais relativas à competência e ao funcionamento dos órgãos de soberania e do governo próprio das regiões autónomas.
O Professor Jorge Miranda, sempre atento a esses problemas, já nos fez saber que considera sistematicamente mal colocado esse n.º 7. Já na Comissão Eventual de Revisão Constitucional declarámos que estávamos preparados para o colocar sistematicamente em, lugar em que se pudesse revelar e uma segunda reflexão, aliás, também resultado de uma sugestão do próprio Professor Jorge Miranda, aponta para a sua colocação como um novo membro do artigo 114.º, uma vez que diz respeito aos órgãos de soberania e à organização do poder político e não propriamente a uma restrição de direitos fundamentais.
Aproveito esta oportunidade para saudar o Professor Jorge Miranda - que, infelizmente, teve de sair da galeria -, que já foi chamado como um dos pais da própria Constituição e talvez o espírito mais atento às modificações que nela vão sendo introduzidas, uma referência que nunca podemos deixar de tomar em conta.
Portanto, a saudação fica feita apesar de ele já não estar aqui presente. Na verdade, não é a presença dele que valoriza a saudação, mas eu não poderia ser insensível ao facto de até há pouco tempo ele aqui ter estado com os seus alunos, que ainda estão presentes, a assistir ao decurso dos nossos trabalhos.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Louvamo-nos, em geral, das razões apontadas pelo Sr. Deputado Almeida Santos, na medida em que elas relevam num caminho comum, que, salvo em relação a um número que não obteve a nossa concordância, é praticamente total. Dispensamo-nos, pois, de elencar as razões que, no essencial, foram ditas pelo Sr. Deputado Almeida Santos e com os quais concordamos.
Gostaria ainda de salientar o nosso aplauso para a solução, para a qual contribuímos, de uma demarcação muito clara entre o estado de sítio e o estado de emergência e do estabelecimento de uma relação, também muito clara, de subsidiaridade do estado de sítio em relação ao estado de emergência, uma vez que só se recorrerá ao estado de sítio se as possibilidades oferecidas pelo estado de emergência não forem, em concreto, suficientes para dar resposta à situação criada.
Por outro lado, a enfatização e a explicitação dos princípios da proporcionalidade e da necessidade, em rigor, em teoria pura, talvez não fossem necessários, uma vez que constam do artigo 18.º que tanto tempo nos ocupou. Contudo, talvez seja útil, porque, apesar de tudo, trata-se de estados de excepção.
Para que a dinâmica, a lógica e a associação de excepção não se comuniquem também aqui e não só para cortar cerce qualquer tentativa de invocação de

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um estado de necessidade do Estado no contexto destas situações de emergência, como para manter a plenitude de continuidade de vigência dos princípios da necessidade e da proporcionalidade, talvez se justifique aqui essa explicação. Daí também a nossa concordância. A seu tempo - penso que o debate proporcioná-lo-á - elencaremos as razões da nossa discordância em relação às propostas de novos números subscritas, designadamente, pelo Partido Socialista e pelo Partido Comunista, se estas foram mantidas.
Para já, são estas as razões muito simples que nos levam a votar favoravelmente a proposta da Comissão Eventual de Revisão Constitucional.
Já agora, a talhe de foice e sem desprezar, naturalmente, o diálogo que deve existir entre o poder político e o «poder» científico, direi que chegaram até nós ecos de alguma discordância de algumas cátedras de Direito Constitucional no que toca a alguma incorrecção devido à inserção do n.º 7 na proposta que estamos a discutir, observações que não nos convenceram.
É evidente que a inserção de uma norma em qualquer parte do ordenamento constitucional há-de fazer-se por uma qualquer razão: de carácter objectivo, de carácter normativo, de conexão atinente à matéria ou por qualquer outra razão. Não há dúvida de que a inserção desta norma tem uma conexão, de resto a conexão mais nobre, que é a de o estado de sítio é, em plenitude e em todas as suas implicações, uma compressão particularmente drástica dos direitos fundamentais.
Por isso, nada mais correcto do que inserir essa norma nesta proposta, tendo consciência de que, a propósito, se tem necessariamente de regular algumas coisas, cuja sede, em abstraio, seria mais correctamente noutro ponto da Constituição. Só que entramos no domínio do «relativamente contingente e arbitrário» e, à falta de uma proposta concreta mais convincente, é nossa predisposição manter o n.º 7 nesta proposta da comissão. Não basta invocar defeitos ou algumas limitações de uma certa inserção; seria bom indicar uma inserção alternativa melhor e essa, por mais que tenhamos cogitado, ainda não nos ocorreu.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Almeida Santos teve ocasião de resumir o sentido fundamental das alterações que têm ensejado os dois terços e que foram aprovadas consensualmente na Comissão Eventual de Revisão Constitucional, na sequência de iniciativas do Partido Socialista e do PCP, que apresentou um conjunto de propostas que, de resto, em momento ulterior, o próprio Partido Socialista viria a assumir e que colheram consenso.
Gostaria de clarificar apenas um muito limitado número de aspectos: primeiro, contribui-se para reforçar a clarificação de que no Direito Constitucional português só há dois estados excepcionais - o estado de sítio e o estado de emergência. São inconstitucionais formas de suspensão individual ou colectiva de direitos, de que são exemplo certas requisições civis praticadas arbitrariamente pelo Governo e que não só não têm cobertura constitucional, neste momento, como, reforçadamente, a não terão no texto revisto da Constituição.
Pela nossa parte, gostaríamos que o PSD pudesse clarificar por que é que, tendo contribuído, com o seu voto ou com a sua adesão, para alargar o espaço de definição constitucional de restrições à declaração do estado de sítio e do estado de emergência, não está disponível para introduzir dois aperfeiçoamentos propostos pelo PCP: o primeiro é aquele que aponta para que seja concedida a indemnização, de resto dando dignidade constitucional a uma norma já constante da lei ordinária, às vítimas de actos ilegais ou prepotentes praticados durante os estados de excepção; em segundo lugar, por que é que o PSD resiste à ideia da consagração constitucional do princípio segundo o qual a declaração do estado de sítio ou do estado de emergência só pode ocorrer quando não possam ser eliminados por outra forma os actos que justifiquem a declaração desses estados excepcionais.
Não compreendemos absolutamente por que é que, estando esta restrição consagrada na lei ordinária e correspondendo a um esforço para delimitar, com rigor, a circunstâncias nas quais pode haver lugar à declaração do estado de sítio ou do estado de emergência e sendo este um princípio não só basilar inabalável como um princípio de necessidade, o PSD se recusa a contribuir, com o seu voto e com o seu esforço, para que esta norma tenha consagração constitucional.
O PSD disse tudo, menos a resposta a estas duas questões simples que aqui deixamos. É um desafio!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há pouco, comecei por dizer, na minha curta intervenção, que deixava de remissa, para tempo oportuno, o tratamento das questões que o Sr. Deputado José Magalhães acabou de pôr. Como chegou agora a hora, vamos a elas.
Em primeiro lugar, perguntou o Sr. Deputado por que é que não concordamos com a proposta de indemnização dos danos causados. Verificados os pressupostos da proposta do Partido Comunista, que dou por produzidos, dir-lhe-ei, Sr. Deputado, que concordamos com esta proposta em sede de legislação ordinária, pois esta é um típica matéria de Direito ordinário. Mal de nós se elevássemos à Constituição tudo o que consta de matéria de Direito ordinário e com o qual concordamos. Por princípio e sendo partido maioritário, portanto tendo possibilidade de alterar quaisquer normas da ordem jurídica portuguesa, concordamos com o direito que está aí. Todo o direito que está aí, essas miríadas de normas que estão aí, por princípio - senão revogá-las-íamos -, concordamos com elas. Não se nos peça, em nome desta concordância, Sr. Deputado, que elevemos todas estas normas à categoria de normas de Direito Constitucional, uma vez que não é necessário.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

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O Sr. José Magalhães (PCP): - Compreendo o seu argumento, mas parece-me que ele prova demais. W. Ex.as estiveram de acordo - e ainda bem! -, por exemplo, com a consagração da regra segundo a qual a opção pelo estado de sítio ou pelo estado de emergência e as respectivas declaração e execução devem respeitar o princípio da proporcionalidade e limitar-se, nomeadamente quanto à extensão e duração, aos meios utilizados, ao estritamente necessário, ao pronto restabelecimento da normalidade. Saudável critério! Extremamente positivo!...
Mas pergunto-lhe se é menos importante garantir constitucionalmente que, no caso de haver ilegalidades, deva ser assegurada à vítima eventual dessa ilegalidade e a indemnização e ser este um direito constitucionalmente considerado. Qual é o vosso critério? Não se percebe por que é que aceitam alargar a fronteira da Constituição em relação a estas matérias, que são muito importantes do ponto de vista institucional, e não aceitam alargar a Constituição, do ponto de vista das garantias dos direitos individuais, que, supor-se-ia, seria um aspecto não menos importante (para nós não o é e ficamos extremamente surpreendidos que não o seja para o PSD). É muito estranho!...
O Orador: - Sr. Deputado, começo por responder-lhe citando um conhecido autor marxista contemporâneo, Ernest Brock, que diz, numa certa página de um certo livro particularmente importante da sua bibliografia, uma coisa como esta: «Só um cristão pode ser ateu e só um ateu pode ser cristão.» Transposto símile para aqui, parece que os constitucionalistas que acreditam ou dizem acreditar verdadeiramente na Constituição não acreditam nela e só quem, de certa maneira, contesta a Constituição é que acredita nela. Nós acreditamos, apesar de tudo, na Constituição, apesar de contestada na parte que não contestamos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - V. Ex.ª está hoje muito confuso!

O Orador: - É que, apesar de tudo, acreditamos nela.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, V. Ex.ª, na sua elucubração sobre a relação do PSD com a Constituição, sobre se a contesta, sobre se contesta a parte que agora não está a contestar, sobre se, ao não contestar, contesta afinal uma outra parte, está hoje particularmente «claro» na expressão do seu pensamento. Era só isso que eu estava a assinalar. Era um aparte.

O Orador: - Ó Sr. Deputado, se V. Ex.ª gostava de ouvir isto, então aí vai para seu gáudio: é óbvio que contestamos a Constituição vigente, na exacta medida da volumosa proposta que fizemos, senão estaríamos quietos. Por que é que apresentámos propostas? Porque, como é óbvio, essas propostas traduzem o nosso descontentamento em relação à Constituição. É óbvio! Queria ouvir isto, aí tem! Se estivéssemos a fazer propostas que não traduzissem o nosso descontentamento,
seríamos apanhados aí por algum «cobrador de almas» que nos levava para o manicómio. É óbvio!

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Professor Aníbal expulsava-os. É óbvio!

O Orador: - E volto à resposta. O Sr. Deputado José Magalhães colocou uma questão argumentando com uma certa analogia material que não é inteiramente procedente. É que é completamente diferente elevar à categoria de norma constitucional os princípios da necessidade e da proporcionalidade, por razões que tive ocasião de explicitar, designadamente, para cortar cerce qualquer tentativa de, na lógica de excepcionalidade que estava criada, pensar também que a excepcionalidade valeria e arrastaria também, na avalanche de excepcionalidade, princípios tão fundamentais, como os da proporcionalidade e da necessidade, já consagrados no artigo 18.º
Isto é, do nosso ponto de vista, tecer a malha jurídico-constitucional do estado de sítio e do estado de emergência; coisa completamente diferente (mais própria do direito ordinário) é regular as consequências das infracções e das violações ao estado de sítio e ao estado de emergência, que já é matéria que releva do direito ordinário.
Todo aquele que é lesado nos seus direitos e nos seus interesses, toda a pessoa lesada ilegalmente, diz o velhíssimo Código de Seabra, diz o velho Código dos franceses de Napoleão, diz todo o direito romano, deve ser indemnizada. É tão simples como isto, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Então, consagrem a norma!

O Orador: - É tão simples como isto. Lamento que o Sr. Deputado se recuse a compreendê-lo, ou, melhor, que, compreendendo, se recuse a admiti-lo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Há uma terceira hipótese: não compreende nem admite!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Almeida Santos já sublinhou que todo o conteúdo útil da proposta do Partido Socialista foi acolhida pelo texto da CERC, que ora está em discussão.
Intervenho, neste momento, para, muito sucintamente, clarificar a posição do Partido Socialista sobre dois pontos: um, referente à proposta de aditamento do PCP; outro, referente à proposta de um novo n.º 9 que nós, Partido Socialista, mantivemos para votação em Plenário.
Quanto à proposta de aditamento do PCP, pensamos que ela não é necessária, na medida em que o princípio da necessidade é um princípio que decorre não só da própria natureza deste artigo, da natureza excepcional das limitações aos direitos, como, com clareza, da redacção do novo n.º 4, onde se explicita que a

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opção ou pelo estado de sítio ou pelo estado de emergência tem de obedecer aos princípios da proporcionalidade e da necessidade. Se a opção obedece ao princípio da necessidade, a própria decisão de optar tem de ter subjacente um critério de estrita necessidade.
Quanto à questão de a manutenção da proposta do Partido Socialista - em larga medida, aliás, coincidente com a proposta do PCP e até, em certo momento histórico, subscrita conjuntamente com este partido (essa ficará para a pequena história dos encontros e dos desencontros da Constituição, o que daria para invocar o Vinícios de Morais: «Se a vida é a arte do encontro, então porquê tanto desencontro por aí?) -, diria que compreendo a argumentação do Sr. Deputado Costa Andrade. Seja como for, sublinho que estamos numa matéria onde se pretende realçar a excepcionalidade da limitação aos direitos fundamentais e onde nos parecia fazer algum sentido, pois parecia-nos que reforçava o sublinhar dessa excepcionalidade, se, expressamente, se consignasse um princípio específico de indemnização para os cidadãos, cujos direitos, liberdades e garantias fossem violados, em virtude da aplicação de medidas referentes ao estado de sítio e ao estado de emergência.
Claro que não pretendemos afastar-nos da velha ideia do Código de Seabra - pacificamente aceite no direito português - de que a violação dos direitos fundamentais quanto ao disposto na Constituição e na lei deve dar origem a indemnização. Simplesmente, esta tónica adicional em matéria de violação de direitos, liberdades e garantias, em virtude de declaração do estado de sítio e do estado de emergência, constitui um alerta adicional para que as autoridades públicas, que vão ser chamadas a aplicar medidas restritivas de direitos em estado de sítio ou em estado de emergência, tenham em linha de conta o risco da necessidade de fazerem face à indemnização dos direitos ofendidos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não é uma questão transcendente. Sabemos que a não votação desta proposta não preclude a necessidade de aplicar o regime geral. Sabemos isso! Não vamos dramatizar esta matéria, mas entendíamos, contudo, que uma tónica distintiva se justificaria.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, ficou em aberto a questão da proposta do PCP relativa ao n.º 7 deste artigo. Não me apercebi que a questão tivesse sido objecto de discussão e, designadamente, o Sr. Deputado Costa Andrade deixou a questão inteiramente no ar. Não sei se foi por lapso ou se foi por vontade de não encarar a questão.
Já agora, antes de se encerrar o debate deste artigo, creio que seria bom apurar este ponto.

O Sr. Presidente: - Informo os Srs. Deputados que não há mais inscrições sobre este artigo e que não há qualquer sugestão de alteração no sentido de não se seguir o guião da CERC, quando tratarmos das votações do artigo 19.º

O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para interpelar a Mesa quanto ao aspecto que V. Ex.ª suscitou, isto é, para contribuir pa/a clarificar o que terá e o que não terá de estar em votação, por força do exercício dos direitos regimentais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, estará em votação a proposta que reza assim:

Os cidadãos, cujos direitos, liberdades e garantias tiverem sido violadas por declaração do estado de sítio ou do estado de emergência, ou por providência adoptada na sua vigência, viciadas por inconstitucionalidade ou por ilegalidade, têm direito à correspondente indemnização.
Essa proposta terá de ser submetida à votação.
Terá igualmente, de ser submetida à votação uma proposta de um n.º 7, assinada pelo PCP, que reza assim:

A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência só correrá quando não possam ser eliminadas por outra forma os actos que a justificam, não devendo, nomeadamente (...).
A proposta que consta do Projecto de Lei n.º 2/V, do Partido Comunista Português, no seu n.º 9, e que reza:

A declaração do estado de sítio não pode afectar o acesso aos tribunais para defesa de direitos, nos termos previstos na Constituição e na lei...
proposta que foi objecto de votação na CERC, é retirada, neste momento, pelo PCP pelo facto de se revelar desnecessária, face ao conspecto de direitos e de prerrogativas inalienáveis dos tribunais.

O Sr. Presidente: - Dito isto, é exactamente o guião da CERC que se mantém, menos a proposta de n.º 9, do PCP, do projecto de lei n.º 2/V.
Com isto, damos por terminada a discussão do artigo 19.º, pelo que passamos à discussão do artigo 20.º
Para uma intervenção, tem a palavra, o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Afinal de contas vou usar da palavra para ser o motor do início da discussão, como temos sido nesta matéria, ou seja, o motor da carruagem a caminho da consagração, cada vez mais, do acesso ao direito e aos tribunais.
Já em 1982 propusemos a referência ao acesso ao direito, não apenas aos tribunais, e ainda hoje estou para saber por que razão é que conquistámos essa referência na epígrafe e não no texto. De qualquer modo, desta vez, o acesso ao direito passa para o texto também com base numa proposta do PS, e só temos de felicitar-nos por isso.
Sempre entendemos - e eu se calhar numa posição muito isolada - que, embora o Estado possa ter uma presença excessiva nalgumas áreas, tem também uma presença exígua noutras, e esta é uma delas. Trata-se

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de um direito fundamental que colocamos em terceiros lugar, logo a seguir ao direito à vida e ao direito à educação, a par, talvez do direito à habitação, do direito à justiça, do direito à defesa nos tribunais dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos. Pensamos que o Estado, longe de se retirar dessa área, deve, cada vez mais, co-envolver-se e responsabilizar-se por ela, no sentido de que o acesso ao direito seja exercido igualitariamente, isto é, que as pessoas possam defender-se em igualdade de sacrifício financeiro e não apenas em igualdade de direitos definidos na lei.
Não tem significado equiparar, em termos de custos da justiça, um pobre e um rico: aquele que não pode pagar a defesa não se defenderá; aquele que a pode pagar não fará nenhum sacrifício em se defender e fa-lo-á nas melhores condições possíveis. Para nós, isto é muito importante, e não desistiremos de, cada vez mais, tentar envolver o Estado nesta responsabilidade.
Neste sentido propusemos na nossa proposta originária que, onde hoje se diz, no n.º 2 do artigo 20.º, «acesso aos tribunais», passe a constar também «acesso ao direito» e no n.º 1 onde se refere o «direito à informação e protecção jurídica», passe a constar «direito à informação, à consulta jurídica e ao patrocínio judiciário». Propusemos também que o Estado devesse passar a suportar o custo do exercício desse direito, em caso de insuficiência de meios.
Pretendemos igualmente a consagração de um outro direito - o que seria uma «flor constitucional», que só honraria este Parlamento e eu ainda espero poder sensibilizar-vos para a consagração deste valor - que é o «direito a um julgamento imparcial e a uma decisão dentro de prazo razoável», até porque este direito está consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Mal parece que uma Constituição, que pode vangloriar-se de ultrapassar as declarações de direitos na afirmação e na consagração da defesa dos direitos fundamentais, neste fundamentalíssimo direito recue antes da sua consagração, apesar de ter havido uma proposta nesse sentido.
Não encontrámos boas razões para isso e, sinceramente, quando aqui discutimos o problema das custas judiciais fizemos sentir que não aceitávamos que a justiça seja um bem como outro qualquer, susceptível de ser sujeito às leis de mercado. Não pode ser, não deve ser.
Para quem tem um pouco de familiaridade com os tribunais sabe que uma decisão fora de tempo pode, na verdade, equivaler a uma recusa de justiça ou a uma denegação de justiça.
Quantas vezes a atribuição de uma indemnização pito ou dez anos depois de um acidente de viação, por hipótese, dá praticamente para comprar uma caixa de fósforos, quando no momento do acidente dava para comprar um automóvel, ou quase.
Portanto, se queremos ser realistas e jogar com realidades e não apenas com valores teóricos e abstractos, vale a pena fazermos mais um pequeno esforço e, para além de consagrarmos, como parece que já está adquirido - e espero que isto não recue -, a referência «ao direito e aos tribunais», à «defesa de interesses legítimos» e não apenas direitos, á «consulta jurídica e ao patrocínio judiciário» e o «direito à informação», pudéssemos consagrar também o dever de o Estado «suportar o respectivo custo, em caso de insuficiência de meios económicos dos titulares do direito», como propomos no n.º 2 do artigo 20.º e, também, o reconhecimento de que «todos têm direito a que uma causa em que tenham interesse directo e legítimo seja objecto de julgamento imparcial e decisão dentro de prazo razoável».
Por estas razões não retiraremos estas duas últimas propostas - na parte em que na comissão decaímos - e esperamos, sobretudo do PSD, que se mostrou fechado à consagração destes benefícios e destas verdadeiras «flores» em matéria tão importante no domínio dos direitos fundamentais, que possa ainda aderir a estas nossas propostas e transformar a Constituição já única, que neste momento é, na afirmação e defesa dos direitos fundamentais na consagração de mais estes fundamentais deveres.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente, Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Almeida Santos, todos temos de defender-nos um pouco da argumentação conjuntural em favor das soluções que é muito utilizada pelo Sr. Deputado José Magalhães; a seu favor, contra os outros, de todas as maneiras e feitios ele utiliza essa argumentação.
O que gostaria de dizer é que o CDS considera que esta proposta do PS, em parte já acolhida pela CERC, é, além do mais, justificada pela conjuntura recente, isto é, pelos acontecimentos que temos vivido ultimamente em matéria de acesso à justiça e aos tribunais.
A circunstância de a comissão ter alcançado uma redacção para o n.º l do artigo 20.º e para parte do n.º 2, não significa que o PS tenha retirado a segunda parte do n.º 2 e o n.º 3. É portanto, neste sentido que V. Ex.ª fez agora um apelo à Câmara para que o acompanhássemos na sua proposta.
Quero, desde já, deixar expresso que consideramos louvável a proposta do PS, inteiramente justificada pelas circunstâncias recentes, que, no fundo, só servem para sublinhar de forma negativa o que pode ser a diminuição de um valor fundamental e de uma tentativa de conferir à Constituição e às suas normas, designadamente no domínio dos direitos fundamentais, alguma consistência material.

O Sr. António Vitorino (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, não esperava de V. Ex.ª outra atitude que não essa, até porque, aliás, já conhecia a sua posição.
No entanto, queria aditar que temos de nos defender, também, de duas outras atitudes: a de ver a Constituição na perspectiva do partido que está no governo ou ver a Constituição na perspectiva dos partidos que estão na Oposição. Nem uns devem tentar servir-se da Constituição para criar dificuldades ao Governo nem o Governo deve evitar a boa Constituição para conseguir facilidades conjunturais, pela circunstância de, no momento em que decide, ser governo.

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Não compreendo a posição do PSD, mas ainda acredito que alguns dos nossos colegas da bancada do PSD consigam, na verdade, uma mudança de atitude relativamente a estes dois aspectos fundamentais. Ainda compreenderia que esta consideração preliminar estivesse a influir na sua decisão, nesta medida: «Bem, somos Governo, que quem não é Governo peça sem limite e sem razoabilidade é com eles, mas nós temos de ser razoáveis.»
Neste caso concreto nem se compreende essa objecção em relação aos dois pontos, porque se consagrarmos o dever do Estado suportar o respectivo custo - e a Constituição é cumprida, ainda que mal, em meu entender, com a lei que está em vigor, pois o Estado está a suportar algum custo, embora a meu ver não o bastante, uma vez que há uma deturpação na interpretação deste dever fundamental - eu diria que, de algum modo, a Constituição consagrava aquilo que já está a acontecer.
Um outro ponto que gostaria de referir diz respeito ao facto de o tribunal dos Direitos do Homem já nos ter condenado três ou quatro vezes por demorarmos, incompreensivelmente, decisões nos tribunais.
Portanto, estamos já a sofrer as consequências do não acatamento deste princípio. Então, o que é que se perde em colocá-lo na Constituição? Bom, na verdade, só uma teimosia que não aceito nem compreendo, nem estou a ver os nossos colegas do PSD a aderirem a essa teimosia. É que, na verdade, essa teimosia pode impedir que esta Constituição, que é tão generosa na afirmação de direitos, não consagre direitos que já existem, estando nós já a sofrer as consequências disso.
Chamo, pois, a vossa atenção para este aspecto, com uma grande esperança de que os meus amigos irão ser, a partir de agora, os grandes e melhores advogados desta causa que não é só nossa, é também vossa e que é, particularmente, sensível para os juristas que estão na primeira bancada do PSD. Um jurista não pode deixar de considerar o acesso ao direito e aos tribunais e a defesa perante os tribunais como algo de tão fundamental como o direito à saúde, à educação, à habitação, e até, de algum modo, não sei se vale a pena o direito à vida desde que eu possa ser condenado porque não tive dinheiro para me defender.

Vozes do PS, do PCP e do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (Indep): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A ID em relação ao artigo 20.º apresentou uma proposta meramente formal que veio a constar da nova redacção acordada pela maioria PSD/PS, ou seja, a palavra «jurídica», constante do n.º 2 do artigo 20.º, passa a estar no plural.
Esta é uma questão meramente formal, mas o mais importante são alguns aperfeiçoamentos já introduzidos no artigo 20.º e ainda, daquilo que já foi apresentado pelo PS, duas normas que não estão acolhidas naquilo que obteve indiciariamente a maioria, ou seja, o que consta do n.º 2 e do n.º 3 do projecto do PS. Cremos que, por enquanto, são estas as matérias que estão em discussão e relativamente a elas, pela sua importância, não queria deixar de marcar uma posição.
Afigura-se-nos que aquilo que foi explicado, para do que resulta claramente do texto quanto a estas invasões que o PS pretendia introduzir, justifica q demos o nosso apoio, porquanto são beneficiação importantes para o texto constitucional quer o de do Estado suportar o custo do patrocínio judiciar da informação e consulta jurídica, quer o julgamento imparcial e dentro de prazo razoável.
Escuso-me, pois, de repetir as razões já aduzidas ao Sr. Deputado Almeida Santos, até porque o nos tempo é muito escasso mas queria apenas significar q damos o nosso acordo e manifestamos o nosso aplausos esperando que as outras bancadas, nomeadamente a PSD, possam vir a reconsiderar estas duas proposta.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero pedir autorização ao Sr. Deputado Almeida Santos para me ré* na intervenção que o senhor acaba de fazer relativamente a esta questão.
Também nós, PRD, temos o nosso projecto de Revisão Constitucional em que introduzimos, embora forma mais mitigada, um elemento, igualmente apresentado pelo PS, que entendemos ser fundamental pelas razões que o Sr. Deputado Almeida Santos acabou de referir - e que tem a ver com o problema a justiça ser aplicada em prazo considerado razoável.
Portanto, quanto ao problema de a ninguém por ser negado o acesso ao direito, consideramos que e nuance, introduzida e referenciada pelo Sr. Deputa Almeida Santos, é muito importante e, por isso, não deve ser negada por insuficiência de meios, uma vez que entendemos que o Estado deve suportar es custos. Nestes termos, embora o nosso projecto n referencie este aspecto, não temos dúvidas algumas = subscrever esta proposta.

Um outro aspecto que também consideramos fundamental é o problema de a justiça ser feita em por que consideramos razoável. Pensamos que, e r vamos dizer nada de novo, se a justiça não for fé em prazo razoável, tal como referiu o Sr. Deputa Almeida Santos, não há justiça alguma! Todos n que contactamos com as várias pessoas que têm a infelicidade de estar a contas com os tribunais, saber que quando a justiça vem mas vem tarde, de facto, não se fez justiça, ou, na maior parte dos cãs aumentou-se a injustiça de que o cidadão se considerava alvo.
Embora provavelmente sem nenhum eco, também gostaria de dizer que a Revisão Constitucional não de ser só para restringir, eliminar ou diminuir aspectos e determinadas forças políticas consideram mais desajeitados, mas deve ser também para corrigir no senti de introduzir aquilo que consideramos serem benfeitorias e aspectos positivos.
Se o PSD - e secundário o apelo feito o Sr. Deputado Almeida Santos -, neste caso concreto conseguisse ter disponibilidade para subscrever inteiro as propostas do PS, que, em alguns aspecto são coincidentes com as propostas apresentadas p PRD, penso que se daria um passo muito positivo isso seria, de facto, uma conquista do 25 de Abril

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Sra. Deputada Assunção Esteves, poderíamos considerou que a introdução deste elemento seria muito importante, uma vez que se traduziria numa benfeitoria e uma verdadeira conquista do 25 de Abril, em contraponto àquelas que historicamente são identificadas como tal e que o processo da revisão indicia que vão ser retiradas.
Neste sentido, gostaria, pois, de juntar o meu apelo ao do Sr. Deputado Almeida Santos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Marques Júnior fez-nos não apenas a injunção no sentido de colocarmos Revisão Constitucional ao nível de um acto de poda aquilo que está mal, isto é, inutilia truncat, mas também o convite para irmos um pouco mais longe dizendo se é preciso introduzir benfeitorias.
Sr. Deputado Marques Júnior, penso que não encontraria preceito mais adequado para lhe testemunhar a essa identidade e consonância. Nós estamos no mesmo
horizonte, senão veja: em relação a este artigo vão ser aprovadas melhorias que têm a nossa consonância, ou a, em relação ao artigo 20.º vai ser aprovado o [...] de «o acesso ao direito», «a defesa de interesses legítimos» e «a consulta jurídica e ao [...] judiciário».
Tudo isto com o nosso consentimento até porque tem a nossa concordância não era possível qualquer [...]. Portanto, as benfeitorias de que o Sr. Deputado se louvou, louvando a intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos, também nos pertencem.
Agora não estamos é de acordo com outras propostas que, dentro de uma certa postura do que deve ser texto constitucional, não nos parecem necessárias correctas.
Por exemplo: porque razão havemos estabelecer na instituição que os cidadãos têm direito a um julgamento imparcial? Do nosso ponto de vista, parece-nos que isto se torna desnecessário pela simples razão de o julgamento ou é imparcial ou não é julgamento por isso, quanto muito, deveria constar a expressão um direito a julgamento».
Ao contexto de uma Constituição como esta, que substitui a grande referência e o grande horizonte da [...] ordinária que é preciso criar e que é a legislação que os tribunais vão aplicar, sendo certo que, por [...] de normas relativas aos tribunais, eles estão obrigados a aplicar a lei, é óbvio que o julgamento ou é parcial ou não é.
«Acrescentarmos aqui, no artigo 20.º, a expressão julgamento imparcial» é, do nosso ponto de vista, [...] e pode até ser um certo sinal de algum [...] para o qual não há razão nem corresponde, de [...], penso eu, ao sentir dos legisladores constituintes nesta fase, qualquer discordância ou qualquer [...] ou mal-estar em relação à adjudicatura portuguesa.
Portanto, incluir no texto a expressão «julgamento parcial» parece-nos uma desnecessidade, é [...], é, do nosso ponto de vista, algo que um verdadeiro jurista não deve incluir e, se o fizer, então consagra que o cidadão tem direito a julgamento tout court. A expressão «julgamento imparcial» não se justifica: o julgamento ou é imparcial ou não é porque não há julgamento parcial.
Por outro lado, no que toca à assistência judiciária, pensamos que a proposta que está aí dá os passos necessários e suficientes do ponto de vista jurídico ou constitucional. Fica assegurado, a partir de agora, a todos, o acesso ao direito e aos tribunais, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos e é isto que tem dignidade constitucional.
Como na prática se dá expressão efectiva e pragmática a este desejo é coisa que depende da natural pluralidade e diversidade de caminhos que partidos diferentes, com responsabilidades de governação, podem plasmar em concreto. Penso que reduzir, a nível da Constituição, a complexidade própria da legislação ordinária à variabilidade e à alternância de jogo democrático, é do nosso ponto de vista, não tomar a sério a correcção metodológica para que chamava a atenção o Sr. Deputado Almeida Santos: olhar a feitura da Constituição com os olhos de Governo ou de Oposição.
Não púnhamos essas questões. Asseguremos os direitos na expressão material susbstantiva e isso está suficientemente assegurado com o nosso contributo, reconhecendo, porque não fazê-lo, que coube ao Partido Socialista a iniciativa nesta matéria, mas nós coonestámo-los até onde vimos que era necessário e oportuno. Ir para além disso é que é estar a rasgar vestes que devem, ser rasgadas noutros cenários mas não de revisão da Constituição.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclararecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Costa Andrade, ouvi-o com o prazer de sempre e o respeito que não pode ser maior. Mas suponha que há alguém, no Parlamento Europeu, um dos nossos deputados, ou dos vossos, que pedia a palavra e dizia assim: para quê, na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a consagração do direito a um julgamento imparcial e em prazo razoável? Qual era a reacção do Parlamento Europeu? Será que vamos deitar fora direitos que estão nas convenções, só porque podiam lá não estar, só porque podem não ter uma utilidade tão grande como... ? Quer dizer, vamos discutir a utilidade das convenções universais?...
Bem, o Sr. Deputado acaba de discutir essa utilidade, na medida em que, pondo em causa a utilidade deste direito na Constituição portuguesa, está a pôr em causa a consagração deste direito na convenção europeia. E depois fá-lo com um argumento que não é dos mais inspirados que já ouvi da sua boca: um julgamento ou é imparcial ou não é Isso verdade! Até pode haver ainda uma terceira categoria: nem é nem deixa de ser, é assim meio termo.
Na verdade, o que acontece é que um julgamento pode não ser imparcial e o que nós queremos é assegurar que o seja sempre.
Eu ainda admito que o Sr. Deputado me diga: não aceitamos o qualificativo «imparcial» porque achamos que isso está implícito na ideia de julgamento, mas, se é assim, estão, aceitem o julgamento em tempo célere, que é, para nós, afinal, o conteúdo essencial da nossa proposta.

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Portanto, até admito, sobretudo se esse é o vosso estado de espírito, que na ideia de um julgamento já esteja incluído o conceito de imparcialidade, mas o que não está é o de celeridade, e não está na ideia de julgamento nem está na prática de julgar. Sabemos por experiência que o julgamento é a negação da celeridade! E esse é um valor fundamental para qualquer jurista e, sobretudo, para quem no tribunal dilucida interesses, porque já se sabe que os interesses envelhecem, as indemnizações também e quando se faz justiça fora de prazo é como se não se tivesse feito.
Por outro lado, ou eu estive distraído ou o Sr. Deputado não teve uma palavra sobre o n.º 2 da nossa proposta, quanto ao dever de o Estado suportar o respectivo custo e também quanto ao argumento de que, estando já consagrado na lei ordinária e sendo na verdade um direito tão importante, como me parece que pude destacar, devíamos, e tem dignidade para isso, colocá-lo na Constituição.
Eu não gostaria, na verdade, é que, quando chegássemos ao direito à vida, o Sr. Deputado pudesse, alguma vez - isto é pura fantasia - argumentar dizendo: vamos tirar daqui o conceito de direito à vida porque ou há o direito à vida ou não há. Se há sempre direito à vida para que é que está aqui consagrado esse direito?
Estes são argumentos que não posso aceitar, sobretudo vindos de si, que sempre me habituou a uma excepcional qualidade.
Portanto, o argumento de que o julgamento ou é parcial ou não é não colhe! Ó julgamento pode ser imparcial e, por isso é preciso que o Estado dê garantias de que deixe de poder ou, pelo menos, deixe de poder com a liberdade com que hoje o pode ser.
Mas, enfim, admito que, nesse aspecto, podemos compreender que o PSD nos diga: o qualificativo «imparcial», não, mas, sim senhor, vamos lutar, como pediu, pela consagração do resto da nossa proposta que é a parte mais importante dela.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, penso que terá feito mal a anologia quando transpôs o direito a um julgamento para o direito à vida. Se o Sr. Deputado quisesse argumentar contra mim não deveria dizer que se deve consagrar a expressão «julgamento imparcial» pela mesma razão que não se deve incluir o direito à vida. O Sr. Deputado só teria razão se fizesse a proposta de que na Constituição deveria ficar assim: todos os cidadãos têm direito à vida «vividinha», isto é, se todos os cidadãos tivessem direito a comer batata abatatada. Só assim é que o Sr. Deputado...

O Sr. Almeida Santos (PS): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Está implícito no direito à vida. Penso que o Sr. Deputado não considera cumprido esse direito quando se vive ligado à máquina. Penso que não!

O Orador: - Não vamos para aí!

O Sr. Almeida Santos (PS): - Não, o problema é este, é assim, vamos, vamos! O direito à vida é como ela merece ser vivida e deve ser vivida, ou seja, com dignidade mínima, porque se eu tenho direito à vida para estar na rua a pedir esmola, para estar cheio de crostas e de doenças e de alergias e não sei de quê, «bolas» para esse direito à vida, portanto o qualificativo não ficava lá nada mal.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Almeida Santos, não diga isso!

O Orador: - Repito, o Sr. Deputado é que levou para as analogias e, portanto, do meu ponto de vista e numa perspectiva lógica e de argumentação, porque, enfim, é numa retórica de argumentação, eu só posso predispor-me a discutir o argumento «julgamento parcial» se o Sr. Deputado formular também a proposta «todos os cidadãos têm direito à vida bem vivinha» porque a vida ou é vivida ou não é, não há vida para além da vida.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O CDS questiona isso!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Lá chegaremos!

O Orador: - Já estamos preparados!

Risos.

Do nosso ponto de vista, disse eu que não se justificava.
Por outro lado, o Sr. Deputado pôs-me outro argumento com alguma pertinência, que é o seguinte: como vão os deputados do PSD, em areópagos ou em fóruns internacionais, argumentar quando se discutirem normas como estas em convenções europeias ou quaisquer outras?
Tenho o grave defeito de ter sido formado numa certa escola de filosofia e de ter uma maneira de encarar os problemas e a vida que me ensinou que a grande norma ainda era o distingue. Distingamos! Nós temos feito um esforço no sentido de distinguir legislação constitucional e legislação ordinária e agora o Sr. Deputado introduziu uma outra categoria, que são as convenções internacionais.
É completamente diferente defender determinados princípios em convenções internacionais, que devem ser documentos importantes de reivindicação com carácter tendencialmente universal. Há certos direitos que em relação a certos povos são regalias que é preciso conquistar. Coisa completamente diferente acontece no espaço do ordenamento jurídico português: aqui o julgamento ou é imparcial ou não é porque a vida ou é bem vivinha ou não é.
O Sr. Deputado diz que eu não respondi à questão dos custos serem suportados pelo Estado e de serem céleres. Quanto a isso devo dizer que quase me apetecia parafrasear aquilo que um ilustre colega do Sr. Deputado disse vai para 20 anos em relação a uma situação particularmente difícil e imprevisível... é também em relação a esse argumento e aquilo que nos pode colocar um pouco mais nessa situação e aquele que mais dificuldades aparentemente pode causar.

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O Sr. José Magalhães (PCP): - Não se está a perceber nada!

O Orador: - Aliás, do nosso ponto de vista entendemos também que todas as normas que estão aí e todo o ordenamento jurídico que está aí já se encaminha nesse sentido. Este é o nosso entendimento das coisas. Porém, até à votação há ainda um espaço de reflexão.
Mas a nossa convicção profunda é de que não se torna necessário aqui e agora, na Constituição portuguesa, fazer intervir esse inciso pela razão simples de que, de certo ponto de vista, também a celeridade é uma dimensão co-natural à própria ideia de justiça. Não há justiça que não seja célere e por isso é que tanto Portugal como outros estados têm vindo a ser condenados em instâncias internacionais, porque, em certos casos pontuais, os tribunais não estão a actualizar os processos com rapidez, isto devido à existência de défices da nossa máquina da administração e da justiça que se foram acumulando ao longo de muitas décadas.
De qualquer modo, na Constituição portuguesa está já reconhecida implicitamente essa dimensão da justiça
- a dimensão da celeridade - e esse argumento que o Sr. Deputado invocou é de certa maneira um argumento no sentido da desnecessidade. É que a celeridade é uma dimensão co-natural da justiça com certo grau de diferença, concordo, mas também já na ideia de justiça e de julgamento justo, daquele julgamento a que o tribunal está obrigado, está implícita a ideia de celeridade.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pais de Sousa.

O Sr. Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um pouco na esteira do Sr. Deputado Costa Andrade, quero produzir algumas reflexões adicionais em sede de artigo 20.º
Com efeito, na ordem jurídica portuguesa, esta garantia constitucional do acesso aos tribunais para defesa dos direitos constitui um meio fundamentalíssimo de protecção da pessoa humana e das situações jurídicas de que esta é titular.
Todavia, do que se tem tratado até aqui é da introdução ou reintrodução da problemática do acesso ao direito com o objectivo de alargar o sentido desta norma no seu âmbito e levando em conta o adquirido nesta matéria quer em sede de lei ordinária, recentemente aprovada nesta Assembleia, quer no âmbito de debates e de resoluções conseguidas em sede do Conselho da Europa. O Partido Social-Democrata congratula-se com a alteração do n.º 2 passar ao n.º 1 e o n.º 1 a n.º 2 e entende que, com esta inversão sistemática, o princípio do acesso ao direito e a sua consagração expressa representam mais em relação ao mero acesso aos tribunais e com isto nos congratulamos.
E, para além da consagração do direito à informação que já constava do normativo, nós congratulamo-nos com a introdução expressa no texto constitucional do direito à consulta jurídica e do direito ao patrocínio judiciário relevando aqui o papel que incumbe ao Estado.
No plano da assistência judiciária, e com relação ao que já consta do n.º 2, o princípio de que não pode ser denegada a justiça a ninguém por insuficiência de meios económicos, nós entendemos introduzir aqui a clarificação de que não se trata de uma mera garantia formal mas a manutenção deste princípio é fundamental no que toca à garantia do acesso de facto de todos os cidadãos, em igualdade de circunstâncias, aos tribunais.
Já em relação à questão suscitada pelo Sr. Deputado Almeida Santos relativamente à proposta n.º 3, do PS, na sequência do que já foi dito, e bem pelo meu companheiro deputado Costa Andrade, eu queria ainda acrescentar que, a nosso ver, a introdução expressa no normativo constitucional do princípio da imparcialidade num plano e, no fundo, da celeridade ou da decisão dentro de prazo razoável noutro plano, a nosso ver, ele já resulta flagrantemente de princípios gerais. Não se pode esquecer o alcance ou a noção dos princípios gerais de direito ou dos princípios gerais em tempos processuais.
Nesse sentido, o Partido Social-Democrata entende que nem tudo tem de estar constitucionalizado e nós, de facto, já o temos dito bastas vezes, até o dissemos em sede de Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, não perfilhamos o entendimento da Constituição-regulamento.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tudo indica que os apelos feitos ao PSD, e generosos e bem feitos eram, no sentido de reconsiderar e de contribuir para adicionar e enriquecer o conteúdo constitucional têm uma resposta rotunda e gorda: não! (a duas vozes, mas o conteúdo é o mesmo).
Isso é lamentável! Pela nossa parte não podemos deixar de saudar os aditamentos cuja aprovação se encontra ensejada nesta matéria e gostaria de sublinhar, a esse propósito, que a consagração de um direito à consulta específica e expressa a consagração do direito do acesso ao direito se revestem de grande importância do ponto de vista constitucional.
Por outro lado, o patrocínio judiciário é um direito com muitas dimensões que não envolve estritamente a questão do encaminhamento e do exercício do direito de acção nos tribunais, mas também a ponderação das outras vias a utilizar para um determinado litígio ou resolver um determinado problema de carácter jurídico e abrange também os próprios processos contra-ordenacionais, apesar de haver uma alusão ao judiciário na adjectivação deste mecanismo.
Tudo isto é positivo, dizia, mas não pode fazer esquecer o pano de fundo em que estas medidas virão a ser aplicadas entre nós.
E esse pano de fundo explica, talvez, a razão da obstinação do PSD: o medo! O medo do PSD não está aqui, não está nesta proposta; o medo do PSD está fechado num gabinete do Terreiro do Paço de onde se gere a anquilosada máquina judicial portuguesa e o sistema de justiça. O medo, se tem nome, não tem nome de outra coisa que não seja «de árvore», se é medo de alguma coisa será, talvez, medo de «nogueira», não é medo de outra geria.
E neste caso concreto, isso tem consequências muito graves, porque, Srs. Deputados aprovámos por unanimidade, na Assembleia da República, no meio de um ambiente de unção, uma lei sobre o acesso ao direito.

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Mas, essa lei, meses depois, era letra morta, estava por regulamentar, depois estava por financiar e agora está por aplicar. Entretanto, é o pandemónio, é o vendaval das oficiosas que assolam os escritórios dos advogados, é a de protecção das vítimas de crimes, é a desprotecção daqueles que têm menos passes para irem a um advogado que possam pagar a fim de obterem acesso ao direito nas suas diversas dimensões.
Essa é a realidade e por essa realidade é responsável o PSD, isso lhe pesa na consciência, é má desculpa para a atitude de obstinada recusa que aqui nos mantém.
É o caos judicial provocado pela Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais e pela mirabolante criação dos Tribunais de Círculo, é o caos criado pela distância entre a justiça e as populações e pela atrabiliária aplicação de reformas da justiça sem nexo, sem sentido geral e sem planificação, é a ausência de medidas de reforma (fundamentais na zona do processo civil), apesar de anunciadas e renunciadas, é a falta de medidas de reestruturação do aparelho judiciário, os tribunais a caírem aos bocados, o orçamento do ministério gerido de maneira atrabiliária e com sacos azuis, casos de corrupção também iniciados nessa área, uns atrás dos outros e um ministro substancialmente impotente para dar respostas à crise da justiça assoberbado, que está nas funções conselheirísticas do Primeiro-Ministro.
Não há ministro da Justiça em Portugal, há um conselheiro do Primeiro-Ministro e um aparelho judicial que cai aos bocados e patina originando condenações em série de Portugal no Tribunal de Estrasburgo, e os casos que há são apenas o princípio daquilo que haverá.
A introdução de normas como a que agora era proposta pelo Partido Socialista era, sem dúvida, meritória. A posição do PSD apenas sublinha isso. O PSD tem medo desta norma, tem medo de qualquer das normas cuja proposta foi adiantada e tem medo de uma proposta do PCP e é sobre ela que eu gostaria de falar por último.
O PCP propôs que se consagre na ordem constitucional portuguesa um princípio que se encontra consagrado, por exemplo, na constituição espanhola e que tem actuação no direito brasileiro - a ideia de que não deve haver direito fundamental sem que tenha como corolário e como elemento associado uma garantia processual adequada.
Por isso, propusemos a norma que consta do projecto n.º 2/V no artigo 20.º e depois, atentas as observações feitas na CERC, propusemos a consagração duma norma que estabelecesse que «a lei assegura providências judiciais caracterizadas pela prioridade e especial celeridade processual para defesa da liberdade de reunião, manifestação, associação e expressão».
Aquilo que propomos é um SOS de direitos fundamentais, isto é, que, em relação a certos direitos que são extremamente vulneráveis e que merecem particular tutela jurídica, se institua um processo preferente e sumário, à semelhança do habeas corpus para que, em caso de agressão ou de ameaça, possam ter uma resposta pronta da máquina judicial.
E também apelamos, Srs. Deputados, a que as diversas bancadas possam em torno desta ideia de Revisão Constitucional que nos parece meritória e útil e que foi modelada em função das críticas feitas no própria debate da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, estabelecer um consenso, uma vez que, entre
nós, seria fundamental termos uma garantia como a que agora se visa instituir.
A criação de uma acção especial de garantia perante os tribunais ordinários, comuns ou administrativos caracterizada pela prioridade e celeridade do processo seria, sem dúvida, um sinal de modernidade, um sinal que, na ordem jurídica portuguesa, na Constituição, estabelecida uma directriz para que o legislador ordinário tivesse que tomar não uma, mas muitas medidas. É uma medida ousada esta que aqui se propõe, mas correspondente à gravidade da situação caótica que se vive no nosso universo judicial e no mundo ou nesse submundo cada vez mais da justiça.
Também apelamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, no sentido de que esta proposta possa ser considerada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito, para uma intervenção.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ainda sobre esta matéria do artigo 20.º e das propostas do Partido Socialista gostaria que a posição do PSD fosse clarificada um pouco melhor, e parece que se conjugam as coisas para que assim seja. Faço esta intervenção sob esse título, mas suponho que o Sr. Deputado Rui Machete ainda vai usar da palavra e, portanto, haverá oportunidade para esse esclarecimento. É que tenho surpreendido na argumentação do PSD fundamentalmente uma preocupação de distinção, de reserva da competência formal constitucional, isto é, a preocupação de evitar o carácter regulamentar da Constituição, como disse o Sr. Deputado Pais de Sousa, e essa tem sido uma preocupação que, por exemplo, o CDS tem veiculado frequentes vezes, designadamente, na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional. Mas, eu pergunto: é apenas essa preocupação que leva o PSD a não aceitar o apelo, que lhe foi dirigido pelo Partido Socialista nesta matéria, no sentido de ir mais longe no normativo acordado? Ou, no que respeita à necessidade ou à imposição do dever de suportar as despesas da justiça em relação aos cidadãos mais carenciados, é, também, concretamente, uma preocupação de defesa quanto ao avançar do Estado providência?
É que eu diria que se o PSD tem essa preocupação, então, está com o CDS nessa matéria e o CDS tem-no mostrado frequentemente.
No entanto, entendemos que este é um caso especial: estamos perante um direito fundamental, do catálogo mais restrito dos direitos fundamentais, em que a garantia, essa garantia de concessão da justiça, do acesso à justiça é uma velha garantia, porventura desfigurada ao longo do tempo.
E eu não faço argumentação conjuntural, defendo-me da argumentação conjuntural que é muito utilizada por outras bancadas, designadamente pelo Partido Comunista, mas pergunto-me se, no fundo, não há aqui um argumento conjuntural e se esta intervenção do Sr. Deputado José Magalhães não tem a sua razão de ser. Isto é, o PSD não está ainda escaldado com a questão das custas judiciais e está a traçar uma muralha em torno desta questão?
Faria, pois, um apelo para que o PSD, à semelhança do que tem sido feito em relação a alguns dos dispositivos e normativos constitucionais - e como foi expressamente afirmado pelo Sr. Deputado Costa Andrade

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mais do que uma vez e pela Sr.ª Deputada Assunção Esteves também mais do que uma vez -, se libertasse de vez do peso da conjuntura e tomasse a consciência, que em termos gerais tem aqui demonstrado, de que está a rever a Constituição.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Manchete.

O Sr. Rui Manchete (PSD): - Srs. Deputados, quero intervir a propósito do artigo 20.º, até porque a matéria foi chamada à colação, relativamente a alguns aspectos que já estão colacionados com a proposta para o artigo 20.º-A, apresentada pelo Partido Comunista.
Em primeiro lugar, só porque isso vem mencionado por esta ordem no texto da CERC, que é um texto comum, quero referir que este artigo 20.º, proposto pela CERC, introduz melhorias assinaláveis. As melhorias foram já mencionadas pelo Sr. Deputado Almeida Santos, mas uma delas que - suponho - foi omitida foi a referência aos interesses legítimos.
É importante referir que neste texto que agora se propõe, se sublinha não só o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos direitos subjectivos - sejam públicos, sejam privados -, mas também para defesa dos interesses legítimos, que têm de ser interpretados nos mesmos termos em que se atribui o conteúdo e a extensão do conceito quando se usa a expressão «direitos legalmente protegidos» no artigo 268.º da Constituição no seu texto actual e também no texto que resultará da revisão. Trata-se de alguma coisa de extremamente importante porque representa, não apenas um alargamento da fornia como os cidadãos podem aceder aos tribunais, como ainda um aumento substancial das situações subjectivas que são tuteladas por este artigo.
É um ponto que, repito, não foi referido e me parece ser um progresso extremamente significativo na revisão da Constituição.
A segunda questão que gostaria de abordar enquadra-se, de algum modo, nos problemas que foram suscitados pelo Sr. Deputado Almeida Santos, pelo Sr. Deputado José Magalhães, pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito e já mereceu algumas considerações, que subscrevo, dos Srs. Deputados Costa Andrade e Pais de Sousa. Desde logo a mim impressiona-me, e isso foi particularmente patente na exposição do Sr. Deputado José Magalhães, a circunstância de estarem sempre presentes, pelo menos na argumentação do Partido Comunista, os problemas - como lhes chamou o Sr. Deputado Nogueira de Brito - conjunturais.
Quer dizer, há uma ânsia de resolver problemas conjunturais existentes - e o Sr. Deputado José Magalhães falou na situação do Ministério da Justiça, referindo concretamente a situação do ministro, individualizando-a, e no problema das custas -, mas, no fundo, a ideia que se tem é esta: aquilo que não se pôde resolver ao nível da legislação ordinária e no debate ordinário elevamo-lo ao nível da legislação constitucional, e, porque há problemas de compromisso, porque há necessidade de uma maioria qualificada de dois terços, talvez aqui a situação se possa ganhar de uma maneira que não foi possível a outro nível.
Penso que é um erro metodológico monumental! Julgo que esta referência e esta tendência de resolver, ou de tentar resolver, na Constituição, aquilo que não é, na perspectiva da oposição comunista, susceptível de solução na legislação ordinária porque lhe minguam os votos, não pode ser a correcta perspectiva de entender uma Revisão Constitucional. Por consequência diria que rejeitamos totalmente essa preocupação, visto a Constituição não ter uma função nem regulamentar nem de lei ordinária.
Daí que não compreenda inteiramente as observações que, apesar de tudo, foram formuladas pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito quando nos chama a atenção para os problemas das custas e da sua correlação com o patrocínio judiciário.
Penso que a proposta que subscrevemos em conjunto para o artigo 20.º, na CERC, é, nesse aspecto, muito clara, porque ela indicia o caminho, aponta claramente os objectivos a atingir e não tem que se preocupar com aspectos que já são de detalhe e que são regulamentares. Mas, é evidente, a meu ver, que a insuficiência de meios não pode impedir a ninguém o acesso ao direito. Alguém há-de pagar e esse alguém terá de ser o Estado, a não ser que haja um mecenato em matéria de patrocínio judiciário, o que não é muito normal, em termos de Direito Comparado. Não penso, e aí estou de acordo com V. Ex.a, que se possa, nesta matéria, entender que se trata de uma extensão indevida do Estado social; trata-se, sim, de assegurar um direito fundamental característico, inclusivamente, do Estado liberal.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Portanto, estamos inteiramente de acordo com essa necessidade, mas parece-nos que ela está suficientemente indiciada no texto que aqui apresentamos.
Uma terceira questão - e essa bastante mais delicada - foi colocada, aliás, brilhantemente, como de costume, pelo Sr. Deputado Almeida Santos, e, embora já tenha sido dada resposta, que me parece satisfatória, gostaria de acrescentar uma outra perspectiva. Refiro-me ao problema do direito ao julgamento imparcial e, sobretudo, à questão da celeridade no julgamento. Foi dito pelos meus colegas de bancada - e subscrevo inteiramente essa perspectiva - que decorre do funcionamento correcto de um serviço de justiça, como serviço público, que os julgamentos sejam céleres. Uma justiça que não é pronta, não é justiça, costuma dizer o povo, e é exacto. Não se compreenderia que nuns serviços estruturados de forma correcta a justiça demorasse muito tempo.
Sabemos que temos tido algumas dificuldades, e dificuldades grandes, mas não seria um julgamento justo e imparcial vir atribuir a este Governo, ou mesmo aos governos que o antecederam ou aos juizes, a responsabilidade do mau funcionamento da máquina judicial. Reconhecemos que houve razões muito profundas na mutação que a sociedade portuguesa sofreu, inclusivamente com o 25 de Abril e com o aumento inevitável da conflitualidade que então se registou, para explicar que a procura da justiça - até pela própria consciência mais clara dos direitos e interesses legítimos que os cidadãos têm - tenha aumentado enormemente e daí a dificuldade da sua resposta ser pronta.

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Aliás, foram citados os casos de vários acórdãos do Tribunal de Estrasburgo, onde tem sido claramente utilizada uma grande complacência para com os nossos tribunais, para com o nosso serviço de justiça, porque se reconhece, justamente, as dificuldades que o Estado português tem enfrentado nesta matéria.
Mas, levados pela ânsia compreensível de fechar o quadro, diz-se: não chegam os princípios gerais, não chega a ideia de que uma organização judiciária correcta deve tender cada vez mais para garantir que haja um julgamento atempado!
Digamos que se quer, de algum modo, mas numa matéria diferente do ponto de vista da sua estrutura, fazer algo típico como o que acontece no âmbito dos direitos sociais, em matéria do direito à habitação: queremos que se garanta, em qualquer circunstância, aos particulares um direito a uma justiça célere!
Simplesmente, a técnica utilizada do direito suscita dois tipos de dificuldades, que há pouco foram tocados pelos Srs. Deputados que me antecederam, sobre que vale a pena meditarmos bem.
Uma primeira dificuldade é que se esse direito, que, afinal de contas já sabemos resulta dos princípios gerais mas porque se quis dar um passo adiante se consignou, for violado, pergunta-se: quem é responsável por ele? Vamos admitir a responsabilidade dos juizes? É um caminho possível, mas, segundo a nossa perspectiva, não nos encontramos ainda num estado de reflexão e de maturação do problema que nos permita avançar claramente neste ponto.
Segunda dificuldade: sabendo qual é a situação em que, neste ponto, nos encontramos, do ponto de vista da organização judiciária, e sabendo que vai inevitavelmente levar algum tempo a introduzir as reformas necessárias para a agilização da justiça, o que é que queremos com esta consignação? É dificultar o trabalho de justificação que, neste momento, fazemos em Estrasburgo para explicar as dificuldades que sentimos?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Pelo contrário!

O Orador: - Parece-nos que estas dificuldades, que existem, que são reais, devem ser objecto de uma ponderação e levar-nos, não a considerar que não deve haver uma justiça célere e que essa não deve ser uma preocupação fundamental da organização judiciária - e de algum modo nos casos extremos isso deve conduzir, naturalmente, a reconhecer, de acordo com os princípios gerais, um direito dos cidadãos à indemnização -, mas deve levar-nos a ponderar da oportunidade de, neste momento, por um aperfeiçoamento do ordenamento jurídico, criar, porventura, mais dificuldades do que aquelas que conseguiríamos resolver.
Nessas circunstâncias, a nossa é ainda uma posição de espera e de algum cepticismo. Não é por uma questão de falha de generosidade ou de embirração que não correspondemos ao anseio do Partido Socialista e dos outros Srs. Deputados que aqui produziram declarações nesse sentido.
Uma última consideração diz respeito à proposta do Partido Comunista relativa ao artigo 20.º-A. Não sei se vamos discuti-la e se insiste na sua apresentação.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Claro!

O Orador: - Se assim for, penso que será preferível enquadrar esta discussão da vossa proposta relativa ao n.º 3 que acrescentaram ao artigo 20.º no quadro da acção constitucional de defesa como uma versão modificada dessa acção constitucional de defesa, porque é esse o seu enquadramento mais adequado.

Vozes do PCP: - Não temos nada a opor, Sr. Deputado.

O Orador: - Como a resposta é afirmativa, guardar-me-ia para nessa altura produzir as considerações que pretendo fazer.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Manuel Alegre pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Manuel Alegre, há vários Srs. Deputados inscritos para pedirem esclarecimentos. Se a interpelação for urgente e sobre esta matéria, dou-lhe já a palavra.

O Orador: - Sr. Presidente, penso que é uma matéria urgente e, embora não seja sobre o presente debate, tomaremos pouco tempo à Câmara.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra Sr. Deputado.

O Orador: - Peço desculpa de interpelar a Mesa e de quebrar, por breves instantes, este debate, mas creio que o acontecimento o justifica. É que tomámos conhecimento de que foi atribuído a Miguel Torga o prémio Luís de Camões. Trata-se do mais importante prémio literário do mundo cultural português, que vem consagrar a obra de uma das mais significativas figuras das letras portuguesas. É um prémio que honra e enobrece toda a literatura portuguesa, pelo que sugeria à Mesa que, em nome da Assembleia da República, saudasse Miguel Torga por este prémio, não esquecendo que se ele é um grande poeta lusíada é também um grande poeta da liberdade.

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente: - A Mesa associou-se com todo o prazer ao voto expresso pelo Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Deputado José Manuel Mendes inscreveu-se para pedir esclarecimentos?

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Não, Sr. Presidente. É para, em nome da bancada do PCP...

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Orador: - Como dizia, pretendo associar-se à expressão, acabada de afirmar pelo Sr. Deputado Manuel Alegre, do contentamento desta Câmara, que julgo ser particularmente pertinente quando se tem em conta o percurso cívico e o percurso estético de Miguel Torga e a grandeza, a todos os níveis ímpar, do prémio que acaba de lhe ser atribuído.

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Sugeriria que a Mesa, através dos meios institucionais ao seu dispor, fizesse chegar a esse grande escritor, grande português, o testemunho imediato da acção que aqui foi empreendida independentemente de mais tarde nós próprios podermos utilizar outros mecanismos regimentais para celebração deste evento que a todos nos honra.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa sugeria que os vários deputados das várias bancadas, se assim o desejassem elaborassem um voto por escrito, que, depois de aprovado, a Mesa enviaria ao poeta Miguel Torga.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Peço a palavra, para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, é tão breve o que quero dizer.

Apenas quero associar-me, também em nome do PRD, a essa homenagem e realçar um facto insólito e muito significativo na literatura portuguesa: é que esse homem teve sempre a dignidade de ser um poeta insubornável mesmo no seu isolamento, e foi exemplar nisso.

Aplausos gerais.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, é para exprimir o nosso acordo à proposta sugerida por V. Ex.ª no sentido de ser redigido um voto que gostosamente assinaremos. A nossa intervenção tem apenas, aqui e agora, o sentido da nossa adesão antecipada desse voto, bem como o sentido de exprimirmos a nossa alegria pela justeza desse galardão ao poeta, ao homem, ao inconformado, ao rebelde, e perdoe-se-me, ao transmontano também.

Aplausos gerais.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, é apenas para dizer que nos associamos com imensa honra e satisfação ao voto de aplauso ao poeta Miguel Torga, e que aguardamos o voto institucional para então dizermos de nossa justiça.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, se me permite, tornaria clara a sugestão que há pouco enunciei, independentemente da proposta que acaba de ser reiterada pelos Srs. Deputados Costa Andrade e Narana Coissoró, propondo que a Mesa enviasse, através dos meios institucionais ao seu alcance, através de um telegrama para o qual tem claramente mãos livres da parte de todos nós, a tradução do sentimento de congratulação da Assembleia da República, sem prejuízo de virmos, noutra oportunidade e com mais tempo, a aprovar, na Câmara, um voto de qualidade por esta circunstância. O voto poderia ser aprovado amanhã, ou em qualquer ocasião propícia; para já, a meu ver, torna-se indispensável a emissão do ponto de vista de todos nós, através da Presidência desta Casa e dos meios que julgar pertinentes.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa aceita a sugestão quanto à própria Assembleia da República enviar um telegrama de felicitações, de congratulação, pelo prémio concedido tão justamente a Miguel Torga, mas, se os Srs. Deputados ainda hoje fizerem chegar à Mesa um voto por escrito, ele poderá ser votado ainda hoje ou amanhã, dependendo de a sua chegada à Mesa ser ainda a tempo de votação.
Para pedirem esclarecimentos, estão inscritos os Srs. Deputado Marques Júnior e Alberto Martins.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, quero colocar uma pergunta muito simples ao Sr. Deputado Rui Machete, porque da sua intervenção fiquei com uma dúvida, que passo a expor tentando ser suficientemente claro, já que não sou um especialista nestas questões judiciárias, embora tenha alguma sensibilidade - penso que a sensibilidade do cidadão vulgar.
O Sr. Deputado Rui Machete criticou a inserção, neste artigo, de questões como a de o Estado suportar as custas ou da justiça célere, porque a Constituição, dentro da perspectiva que defende, não deve conter aquilo que deve ser objecto da lei ordinária ou de uma lei regulamentar. Partindo do princípio de que este é um elemento adquirido, a minha dúvida subsiste relativamente, por exemplo, ao facto de o Estado suportar as custas da consulta judiciária e do patrocínio judiciário. Pareceu-me deduzir das palavras do Sr. Deputado Rui Machete que considerava isto uma acção perfeitamente natural, mas que não era necessário introduzir o respectivo inciso no texto constitucional.
Por outro lado, antes disto, numa resposta directa à intervenção do Sr. Deputado José Magalhães relativamente a esta questão, o Sr. Deputado referiu que considerava incorrecto que se vinculassem para o texto constitucional algumas regras que não tinham tido acolhimento em sede de legislação ordinária. Percebi que estaria também a desenvolver a tese relativamente à tão contestada Lei das Custas Judiciárias, e isso apresenta-se-me como uma contradição.
Quer dizer, V. Ex.ª está de acordo com o facto de o Estado suportar todas as custas da consulta judiciária e do patrocínio judiciário que agora, no novo texto constitucional, vão ficar consagrados? Ou o Sr. Deputado Rui Machete, uma vez que isto não consta da Lei Ordinária (pelo menos isso não é claro), entende que, de facto, não é assim?
E gostaria ainda de referir, aliás como já aqui foi dito, que este é um elemento fundamental e importante, na medida em que podemos considerar que é um direito quase ao nível do direito à saúde, à habitação e à vida.

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Nestes termos, não me pareceria desajustado, dentro do contexto de não introduzir no texto constitucional normas das leis ordinárias ou das leis regulamentares, a introdução, apesar de tudo, deste direito - e reforço um pouco, também nesta linha, a intervenção do Sr. Deputado Nogueira de Brito relativamente a esta questão.
Do meu ponto de vista, no mesmo sentido, deveria ter sido introduzido - e também não fiquei suficientemente esclarecido com a sua intervenção - o direito de a justiça ser célere. Não me parece correcto entender esse conceito como sendo inerente ao próprio conceito de justiça em si. Porque, sem introduzir outros aspectos, enquanto ligar o conceito de justiça imparcial ao conceito de justiça em si me parece tautológico, como já aqui foi referenciado, já é relativamente diferente o facto de se considerar, nesta sede, que a justiça deve ser célere, isto é, deve ser produzida em prazo razoável. E isto, apesar de eu também entender que uma coisa é aquilo que está no texto constitucional, outra coisa é depois a realidade, e todos nós sabemos que a realidade muitas vezes, infelizmente, está desfazada dos preceitos constitucionais.
Com efeito, não deixaria de ser muito positiva a introdução deste elemento, porque permitiria ao Governo desenvolver uma actividade no sentido de verter na lei ordinária este aspecto e porque poderia, também, ser um elemento motor, dinamizador da própria organização judiciária - e quando falo na organização judiciária não estou aqui a introduzir nenhuma crítica especial, só porque não tenho conhecimentos específicos relativamente àquilo que são as críticas que se fazem hoje à organização judiciária.
Em suma, gostaria de facto que este elemento pudesse ser considerado porque me parece, apesar de tudo, que é um elemento que deve ser desligado desta ideia geral de organização judiciária e porque me parece que está ligado precisamente a um direito fundamental.
Se há direitos fundamentais, este será um deles e deve ser consagrado, tal como se estipula na Constituição que todos temos direito à saúde e à habitação, sabendo nós como é a realidade - e não vou agora desenvolver essa tese.
Parece-me, pois, que a esse nível a inclusão da justiça célere em prazo razoável é um direito fundamental que, de facto, devia ficar salvaguardado.

O Sr. Presidente: - Esgotou o seu tempo. Queira concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - E agora esta questão final, que era também uma pergunta ao Sr. Deputado Rui Machete.
Não sou muito habilidoso a traduzir esta ideia, o Sr. Deputado José Magalhães é que é «especialmente» especialista nisto, mas parece-me que a resposta do PSD a estas questões foi feita a três vozes. Ou seja, houve uma voz do Sr. Deputado Costa Andrade que disse: «vamos pensar nisto»;interpretei o que o Sr. Deputado Pais de Sousa disse do seguinte modo: «vamos pensar, mas muito devagarinho», isto é, que as hipóteses são mínimas; e o Sr. Deputado Rui Machete, como «regente de orquestra», na parte final disse: «não há lugar a pensamento nenhum».
É mesmo assim Sr. Deputado Rui Machete, ou fui eu que interpretei mal!?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marques Júnior, peco-lhe que conclua, pois já ultrapassou em três minutos o tempo de que dispunha.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Mas qual tempo?

O Orador: - Já terminei, Sr. Presidente. Presumo que terá descontado no tempo do meu grupo parlamentar.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Deputado Rui Machete, ao fazer referência ao pedido de celeridade da justiça, aludiu a algumas dificuldades e fiquei na dúvida se essas dificuldade tinham a ver com os custos e a responsabilidade dessa justiça célere. Não sei se admitiu a hipótese dessa dificuldade radicar na responsabilidade dos serviços (os serviços seria irresponsáveis), se estava a admitir a hipótese de uma solução de responsabilidade civil dos juizes, ou apenas a responsabilidade do Estado. Gostaria que V. Ex.ª precisasse este ponto.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por uma questão de facilidade começava por responder ao Sr. Deputado Alberto Martins e só depois às questões que o Sr. Deputado Marques Júnior me colocou.
Efectivamente uma das dificuldades que temos de ponderar numa proposta como a apresentada pelo PS é a de que, ao concretizar numa posição subjectiva (tipo direito) a celeridade - e é uma solução que é generosa e que compreendo -, ela tem como contrapartida do lado dos deveres não apenas a necessidade e o dever que o Estado tem de organizar um serviço célere, mas também de responsabilizar aqueles que são titulares desse serviço pelas faltas que eventualmente cometerem. Isto é, o problema da responsabilidade dos juizes não poderá ser iludido nessa perspectiva. E esse é um ponto sobre o qual tenho dúvidas, pessoalmente confesso que não estou suficientemente amadurecido para vos dar uma resposta positiva.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Rui Machete, permite-me que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Rui Machete é apenas para lhe dizer que essa responsabilidade pelo julgamento dentro de um prazo razoável já existe como responsabilidade disciplinar. A irresponsabilidade dos juizes é só em matéria de julgamento. Ninguém os pode responsabilizar pela maneira como julgaram, mas «quando» julgaram já é matéria de responsabilidade disciplinar e as inspecções já classificam mal...

O Orador: - Disciplinar sim, mas cível!

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O Sr. Almeida Santos (PS): - Sim, sim, já classificam mal o juiz que deixa atrasar o seu serviço e que deixa eternizar os processos. Portanto, o juiz nessa medida não é irresponsável.

O Orador: - Sr. Deputado Almeida Santos, não estou a falar na responsabilidade disciplinar...

O Sr. José Magalhães (PCP): - E o artigo 22.º?

O Orador: - ..., estou a falar na responsabilidade cível. E o artigo 22.º não tem sido aplicado, como VV. Ex.ªs sabem, nessa matéria de acordo com uma certe interpretação que, aliás, está fundada na legislação ordinária.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto, susceptível de ser ordenado.

O Orador: - Portanto, a minha dificuldade, que é uma dificuldade séria, na minha perspectiva, não tem a ver com o problema da responsabilidade disciplinar, tem a ver com o problema da responsabilidade cível, e é a resposta directa à questão colocada pelo Sr. Deputado Alberto Martins.
Nem é disciplinar stricto senso, é evidente, mas enfim, no sentido que o Sr. Deputado Almeida Santos colocou o problema e bem.
Agora, quanto ao Sr. Deputado Marques Júnior, devo dizer que V. Ex.ª praticamente acabou por pôr um pouco em causa tudo aquilo que eu disse, e portanto, para lhe responder, teria de repetir aquilo que há pouco referi.
Muito sucintamente, e compreendendo as dificuldades que o problema tem, e em particular para quem é mais leigo do que outros nestas matérias, a minha ideia quanto às custas é de que o texto constitucional indicia suficientemente a solução que há-de er necessariamente a de garantir, para aqueles que não têm meios financeiros adequados que o Estado forneça esses serviços de patrocínio judiciário e, portanto, os custeie. Isto é, não iria para uma regulamentação nem para uma indicação minuciosa, que não tem sentido. Quem é que havia de custear! Se nós garantimos que não vai haver impedimento de acesso à justiça por razões de ordem económica e se garantimos o patrocínio, alguém, tem de pagar esses custos e esses custos não poderão ser pagos doutra maneira. Penso que o texto já é suficientemente claro.
V. Ex.ª, aliás, acrescentou algo metendo no mesmo saco duas coisas que distingui. Uma, é o problema das custas; outra é o problema da celeridade. E não referi que o problema da celeridade fosse uma questão que por motivos de regulamentação, para não descermos a pormenores, não devesse ser incluída no texto constitucional.
Não foi essa a argumentação que expendi porque não me pareceria correcta. Trata-se de uma matéria que, nessa perspectiva, tem plena dignidade para ser colocada no texto constitucional. As razões foram outras. E as razões foram estas, dizendo as coisas, de resto, com grande franqueza e não escamoteando a dificuldade real do problema, aliás, correspondendo, digamos, à simpatia com que o Sr. Deputado Almeida Santos iniciou o debate nesta matéria e depois todos os Srs. Deputados da Oposição acompanharam.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Oposição?!

O Orador: - Na Oposição, visto que nós somos a «posição», não é verdade!? É essa a razão. Mas digo de outra maneira, os Srs. Deputados do PS, os Srs. Deputados do PCP, os Srs. Deputados do PRD e os Srs. Deputados do CDS.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Também há essa distinção!?

O Orador: - Foi uma maneira de designar, Sr. Deputado Nogueira de Brito, não seja tão meticuloso na terminologia.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Convém, libertar-se desses fantasmas!

Risos.

O Orador: - Convinha-me libertar dos fantasmas da Oposição, mas, enfim, eles existem embora fantasmas!

Risos.

Deixe-me V. Ex.ª concluir esta resposta ao Sr. Deputado Marques Júnior.
O que disse foi que havia um primeiro argumento importante, que foi expendido pelos meus colegas de bancada e que é relativo ao normal funcionamento dos serviços: uma organização judiciária tem de cumprir essa ideia da celeridade!
Depois, todos nós sabemos que existe uma situação fáctica e que não está apenas na mão de um ministro da Justiça inspirado de repente passarmos a termos uma justiça que funcione bem. Houve uma acumulação de factos, de alguns erros sem dúvida, mas também de circunstâncias que não envolveram a culpa de ninguém, que levaram a que o excesso de procura sobre a oferta da justiça conduza a demoras, que, podemos dizer, francamente, são inaceitáveis num Estado moderno e têm de ser remediadas.
E referi o paralelo: «falta a habitação em Portugal, façamos com que o direito à habitação seja exigível.» Só que isso é inexequível do ponto de vista prático. Lembro-me de, na Avenida do Brasil, haver um prédio, que foi demolido e um cidadão que, coitado, ficou na rua dizia: «na Constituição há o direito à habitação, dêem-me uma casa.» Ninguém lha deu! Bem, ninguém lha deu, porque isso envolveria, no caso do direito à habitação, um Estado social que é insusceptível de ser criado e de fornecer imediata e atempadamente, habitações a todos aqueles que dela carecem, embora isso seja, obviamente, desejável.
Ora, nesta matéria, dada a estrutura do direito, isso levaria à atribuição de indemnizações de uma maneira generalizada, sem obtemperar as circunstâncias que referi e que têm levado, por exemplo, em Estrasburgo, a uma complacência perante as nossas dificuldades.
Penso que não estamos numa situação em que a melhor maneira de resolver um problema grave, que é o problema da organização judiciária em Portugal, seja pela via da atribuição de posições subjectivas que têm pretensões imediatamente exigíveis, mas que, na prática, sabemos ser possível dar-lhe outra resposta que não fosse uma característica indemnizatória.
V. Ex.ª dir-me-á: É mau que assim seja! É! Mas é preferível pôr o problema com toda a frontalidade e perante as dificuldades, acrescentando ainda um ponto

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que é importante. Reconhecemos que a situação é insatisfatória, que temos vindo a dizer em Estrasburgo - e é o Estado português que é condenado em Estrasburgo, com grande pena de todos nós - que estamos a tentar remover os problemas. Se agora consignarmos na Constituição, de uma maneira clara, este direito, parece-nos um pouco difícil vir argumentar com as nossas dificuldades de organização judiciária para nos defendermos perante a não celeridade da justiça.
Reconhecemos que esse é um direito imediatamente actualizável dos cidadãos, embora saibamos que na prática isso não é possível garantir, e, portanto, há aqui uma resistência a uma ideia que compreendo que é nobre, mas que, em todo o caso, é um bocadinho desgarrada da realidade e vai no sentido de tentar abstractamente resolver pela via da consignação de um direito algo que tem de ser a organização judiciária, com algum tempo, a oferecer efectivamente as necessárias garantias.
E é apenas nesse aspecto que a conjuntura, não a conjuntura deste Governo, não a conjuntura de uma legislatura, mas a conjuntura de há 20 ou 25 anos, que é aquilo em que se tem traduzido o atraso da nossa justiça, impende sobre a nossa posição nesta matéria de Revisão Constitucional, aqui e agora.
Gostaríamos muito de poder corresponder à solicitação do Sr. Deputado Almeida Santos, mas achamos que, por estes motivos, ainda não nos encontramos em situação - e dizemo-lo com toda a sinceridade - de dar essa resposta.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não sei se este é o momento oportuno e não quero ajuizar da oportunidade desta minha interpelação à Mesa, mas quero informar a Câmara que, enquanto estamos aqui a discutir a celeridade da justiça, o acesso de todos ao Direito e enquanto se referem aqui as sucessivas condenações nos tribunais de Estrasburgo, acabo de saber que, em Portugal, na capital do País, estão dois homens há quatro dias fechados num contentor. Sei que estes homens não são portugueses e a eles não se aplicarão directamente, as garantias que a Constituição nos dá, mas, que diabo de país é este, que gente é esta que mantém presos, num contentor sem respiradores, onde se morre gelado de noite e onde se morre assado de dia, dois homens, que são passageiros clandestinos, e ninguém faz nada?
Não posso, de facto, calar esta revolta e, sob a figura de interpelação, perguntava à Mesa e aos Srs. Deputados que mecanismos nos assistem, a nós deputados, no sentido de evitar que se prolongue uma situação de extrema desumanidade, que se está a verificar aqui, bem perto de nós, enquanto todos, aqui, estamos preocupados com conceitos teóricos que virão ou não a produzir os seus efeitos no futuro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se todos estivessem de acordo, a Mesa leria o voto de congratulação pela atribuição do prémio «Luís de Camões» a Miguel Torga, submetendo-o de imediato à votação para ver se conseguimos enviar ainda hoje o texto deste voto e o telegrama de congratulações da Assembleia da República. Ò voto n.º 57/V é do seguinte teor:

A Assembleia da República, ao tomar conhecimento da atribuição do prémio «Luís de Camões» a Miguel Torga, saúda calorosamente o grande poeta e grande português, cuja obra sempre enalteceu os valores da liberdade e projectou o nome do nosso país no mundo.

Lisboa, 19 de Abril de 1989.

O voto foi assinado por deputados do PSD, do PS, do PRD, do PCP, do CDS, e pelo Deputado Independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - O Sr. Herculano Pombo pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, apenas para pedir à Mesa que incluísse a minha assinatura, porque eu não me encontrava presente na altura.

O Sr. Presidente: - O seu pedido será satisfeito, Sr. Deputado.

Vamos, então, proceder à votação do voto que acabei de ler.

Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa dará conhecimento do voto que acaba de ser aprovado ao poeta Miguel Torga.

Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (Indep): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não era minha intenção intervir neste debate. Contudo, os argumentos aduzidos até à data relativamente à proposta de introdução, no texto da Constituição, neste artigo 20.º, da questão da rapidez e da celeridade, levam-me a usar da palavra.
Também sou autora de uma proposta de alteração ao artigo 20.º, em que pretendia ir mais longe - aliás, o Sr. Deputado Rui Machete acaba de dizer que a consequência lógica de aceitar o princípio da celeridade como princípio constitucional consagrado no artigo 20.º seria o direito a justa indemnização em caso contrário -, e cujo conteúdo versava, precisamente, a defesa do direito a uma justa indemnização em caso de mau funcionamento dos tribunais.
Pedi a palavra para dizer que a vou retirar porque vejo que não há condições aritméticas para a sua aprovação. Naturalmente, não me vou pronunciar aqui sobre a falta de condições reais para ela poder vir a ser posta em prática, porque discordo do Sr. Deputado Rui Manchete relativamente a esse tipo de argumentação. Com efeito, os direitos constitucionais têm um lado pedagógico e cívico, que está para além da própria questão técnica e formal.
Quando um cidadão sabe que tem no texto constitucional algo que o defende, utiliza esse princípio em sua própria defesa e em defesa dos seus compatriotas.

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E é esse lado pedagógico e cívico que gostaria que ressaltássemos aqui.
Portanto, o facto de retirar a minha proposta de alteração não significa que não deixe bem claro o meu lamento por não ser introduzido no artigo 20.º o princípio da celeridade das decisões relativamente ao acesso ao Direito e que não deixe, igualmente, bem explícito que uma coisa é a teoria do funcionamento dos tribunais e outra coisa é a prática. Há muitos cidadãos que são lesados pelo deficiente funcionamento dos tribunais, que são prejudicados e efectivamente ninguém os compensa dos prejuízos que têm. Dizia-se no Minho, nos tempos da Maria da Fonte, como praga «Ainda te hei-de ver nas malhas da justiça». É pena que em pleno século XX, num Estado de direito, que é Portugal, ainda se possa dizer o mesmo, como praga!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa tomou nota que foi retirada a proposta de alteração do projecto n.º 6/sobre o artigo 20.º
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr. Deputado Rui Machete, prezo demais as suas opiniões para não o tentar convencer de que não tem razão, quando acontece que não tem também me acontecesse às vezes isso a mim.
Pareceu-me que ficou muito preocupado com o problema da indemnização. Como é isso? Então, não podendo nós responsabilizar os juizes, vamos responsabilizar o Estado, sem ele ter o direito de regresso sobre os juizes, na medida em que convém que o juiz continue irresponsável, embora não no aspecto da celeridade, porque aí tem responsabilidade disciplinar, como disse há pouco.
Penso que temos que aceitar essa consequência, que não é virgem por esta razão: já hoje a Constituição, no artigo 27.º, n.º 5, diz: «A privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer.»
Muito bem, mas não excepciona o caso da responsabilidade de o acto ilegal ser cometido por um juiz e também não consagra o direito de regresso.
Um indivíduo instaura uma acção e o efeito útil da petição tem um tempo limitado. E vou configurar alguns exemplos: é o caso da defesa da honra de uma mulher que às tantas não teve satisfação no tribunal da tempo, o marido instaurou uma acção de divórcio, deu-se o divórcio, outro juiz tirou-lhe os filhos com base em imputação injuriosa e a senhora acabou por enlouquecer; ou, então, o caso clássico do indivíduo que tinha uma vaca contaminada que, por sua vez, contaminou o rebanho do vizinho, este com o rebanho contaminado não pôde vendê-lo e, não podendo vendê-lo, não pagou a hipoteca e porque não pagou a hipoteca deu um tiro na cabeça.
Veja-se o efeito nocivo do tempo relativamente ao julgamento de uma causa. São exemplos caricaturais, mas servem para documentar o porquê da necessidade de um julgamento em tempo razoável: porque a justiça fora do tempo razoável não é justiça!
Não podemos confortar-nos com o argumento de que se a Constituição diz que o Estado assegura a justiça, já assegura a justiça em tempo razoável. Acontece que a realidade não é essa! Há condenações nos Tribunais Internacionais de julgamentos retardados, requentados, que já não significam coisa nenhuma.
Nestes termos, pergunto porque é que não há-de haver direito de indemnização, quanto mais não seja com base no jus elegendi, que serve de base para o dever de indemnizar da parte dos privados, isto é, se um indivíduo escolheu um trabalhador ou um serviçal que causa um prejuízo ao vizinho, aquele que escolheu o serviçal paga, e não tem direito de regresso sobre o serviçal.
Porque é que o Estado, sobretudo porque exigiu um preparo - e já sabemos que o vosso partido se encarregou de que esse preparo seja substancial -, porque fica à espera de uma decisão final e paga as custas correspondentes ao valor da causa quando a decisão já não tem nenhuma utilidade para ele, não se há-de responsabilizar? Quanto mais não seja pelo jus elegendi, pelo direito de escolher os seus próprios juizes, de ser ele que os contrata, ser ele que os forma, ser ele que os arranja, ser ele que os julga, ser ele que disciplinarmente os controla, porque é que não há-de haver direito de indemnização sem direito de regresso, neste caso?
Entendemos que deve haver direito de indemnização, sem direito de regresso!! O juiz deve permanecer responsável do ponto de vista da responsabilidade civil, não da responsabilidade disciplinar, embora a responsabilidade disciplinar, como se sabe, hoje, compete aos próprios juizes e não ao Estado.
Em suma, o Estado deve ser responsabilizado, independentemente do direito de regresso e a indemnização é o sal da terra neste direito fundamental!
Portanto, não invoque a necessidade da obrigação de o Estado indemnizar sem direito de regresso para que isso nos embarace; pelo contrário, uma das consequências implica a outra.
Era esta consideração que lhe faria com o reforço do meu pedido de que não resista - eu sei que não é o meu amigo que resiste -, ou melhor, que vença as resistências do seu partido a consagrar este direito fundamentalíssimo e tão bonito como dificilmente encontraremos outro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós assistimos e solidarizamo-nos com os esforços feitos pelo Partido Socialista para persuadir o PSD a aceitar o enriquecimento da Constituição nestes pontos.
É óbvio que, com pacto, estas propostas e solicitações não têm impacto e, portanto, o PSD mostra-se inteiramente insensível. O PSD está preocupado e obsecado com a Constituição económica; em relação a tudo o mais é substancialmente surdo, com algumas poucas excepções que se contam pelos dedos das duas mãos.
Nesta matéria há um argumento que nos parece particularmente deficiente e que, na boca do Sr. Deputado Rui Machete, com franqueza, nos parece especialmente lamentável.
A reclamação à consagração de uma norma constitucional sobre a celeridade é razoavelmente justa e adquire, nesta conjuntura, um relevo que torna muito perceptível para todas as pessoas, para os cidadãos

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comuns, para os observadores que conhecem melhor a nossa circunstância judicial, e teria consequências precisas. É isso que o PSD teme, aparentemente!
A primeira consequência seria a exigência de providências organizativas tendentes a assegurar a celeridade; a segunda, a exigência de providências de carácter financeiro, tendentes ao mesmo fim; a terceira, a exigência de reformas processuais tendentes a assegurar o mesmo objectivo. E tudo isto seria extremamente importante e constituiria um elemento de enquadramento da acção governativa provavelmente útil para chamar a atenção de ministros, mas não resolveria um problema fundamental para o qual o Sr. Deputado Rui Machete chamava, há dias, a atenção, numa entrevista ao «Diário de Notícias». É que realmente nem a melhor Constituição resolveria o problema decorrente de um péssimo ministro da Justiça. Não sei se V. Ex.ª o metia naquela remodelação que considerava aconselhável nas colunas daquele jornal ou aqui na Assembleia da República. Mas, em todo o caso, esse problema não podíamos nós resolver e a proposta feita é, sem dúvida, modesta nesse ponto.
A proposta era boa, o ministro é péssimo, o resultado havia de ser, pelo menos, médio. Por nós confortávamo-nos com esse resultado. VV. Ex.ªs, por causa de uma coisa, rejeitam a outra e, evidentemente, acabam num match nulo: aturam este ministro para já, e não têm alteração constitucional para já, o que é pena, quanto a nós.
Agora, não venham é dizer hipocritamente que é porque não querem responsabilizar os juizes. Por favor, Srs. Deputados, antes de se chegar ao mecanismo da responsabilização dos juizes ainda haveria muito: a maioria com a necessidade de legislar, o que não faz; o Governo com a necessidade de afectar meios na proporção adequada, o que não faz; o Governo com a obrigação de tomar medidas junto dos funcionários, o que também não faz, limitando-se o Sr. Ministro a papaguear mecanicamente que criou brigadas móveis, que há 565 fotocopiadoras e que não sei mais quê e que, portanto, os juizes, quando fizeram a sua primeira greve geral, foram injustos porque não perceberam que nos tribunais portugueses havia trezentas e tal máquinas de fotocópias!
Coitados dos juizes! É uma lógica baratinadora que parece que escamoteia a importância e gravidade dos assuntos e disfarça muito mal a vossa indisponibilidade para colaborarem numa benfeitoria e a vossa obsessão do 83.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, pedi a palavra para lhe pedir um esclarecimento em duas subalíneas.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Pergunte-lhe se já tem as assinaturas!

O Orador: - Por acaso não era para perguntar isso. Reservar-me-ei todas as terças-feiras para perguntar isso ao PCP.
Nesta altura estamos a tratar da Revisão Constitucional e as perguntas que gostaria de fazer são as seguintes: em primeiro lugar, e de acordo com a intervenção que fez - já nos habituou a isto noutras circunstâncias e noutros momentos da Revisão Constitucional -, o Sr. Deputado José Magalhães entende, ao contrário daquilo que o Sr. Deputado Almeida Santos há pouco defendia como construção das alterações à Constituição, que deve ser feita uma alteração contra o ministro da Justiça? É uma alteração contra este ministro da Justiça que V. Ex.ª pretende?
Penso que não! Mas, de qualquer maneira, das suas palavras parecia depreender-se isso, ou seja, tentou mudar o rumo daquilo que se estava a discutir para tentar dar duas ou três pancadas no ministro da Justiça.
Com certeza que isso não tem nada a ver com a revisão da Constituição. V. Ex.ª aproveitou o momento e não pode, nem costuma, desperdiçar tais momentos para dizer coisas desse jaez.
Em segundo lugar, a questão fundamental que há na maior parte dos atrasos é, como sabe, não só o problema dos poucos juizes mas também a questão dos expedientes processuais, recursos e meios de defesa que o processo implica.
Está V. Ex.ª seguro e certo de que este princípio constitucional não implicaria, ao menos em termos gerais, uma perigosa interpretação de ofensa dos princípios gerais de defesa que os vários processos implicam?

É esta a pergunta que lhe deixaria.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, V. Ex.ª é um deputado suficientemente inteligente e suficientemente hábil, com conhecimentos jurídicos...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Vai dizer coisas horríveis a seguir!

O Orador: - ... que tem vindo a evidenciar com grande abundância, para poder evitar algumas intervenções a dominam, que suponho não enriquecem o seu palmares.

Risos.

Tenho estado a discutir esta matéria com todos os meus conhecimentos e todo o meu empenhamento mais sério, porque se trata de matéria que reconheço de grande importância. Ainda há pouco, por exemplo, a Sr.ª Deputada Helena Roseta, na sua intervenção, passou por cima de uma coisa que eu disse e que me parece extremamente importante, como seja a distinção entre aquilo que são os direitos sociais do tipo habitação e aquilo que é um direito imediatamente exigível, como será o direito à celeridade. São coisas completamente diferentes. Compreendo que a Sr. Deputada não tenha apreendido a diferença, mas ao Sr. Deputado José Magalhães certas coisas não lhe podem passar - e sei que não passam - despercebidas. Por isso, fazia um veemente apelo para que, efectivamente, os argumentos puramente polemiqueiros e em relação a personagens que não foram nem havidas nem achadas na discussão pudessem ser evitados.

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Em segundo lugar, a ideia que tenho é que o problema da responsabilização civil dos juizes é um problema importante e não um problema menor, embora, evidentemente, existam outros aspectos como os que V. Ex.ª referiu acerca da organização judiciária, do papel da Assembleia, do papel do Governo, etc.
Queria, contudo, chamar a atenção de V. Ex.ª para um ponto que é importante e também aproveitar para dizer algo em relação àquilo que o Sr. Deputado Almeida Santos há pouco referiu. Não nego que existam casos em que a indemnização se justifique imediatamente, mas penso que os princípios gerais os resolvem. Isto é, neste momento é perfeitamente possível que, nos casos em que isso assim acontece pela sua evidência, pelo seu clamor, os princípios gerais dêem suficiente satisfação.
Porém, é completamente diferente a consignação de um direito que - digamos - é relativamente indiferente perante a gravidade, porque é um direito que formalmente tutela uma determinada situação que é definida, em termos gerais e abstractos como situação subjectiva, e, aí, penso que o que estaríamos a fazer é algo que, julgo, neste momento, não nos encontramos em condições de realizar, a não ser que se tenha a ilusão de pensar que de um traço, através de um preceito, seja ele constitucional ou legislativo, se consegue alterar a realidade. As reformas não se fazem, infelizmente, como V. Ex.ª muito bem sabe, através de golpes de preceitos no Diário da República.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, só posso responder a esta última intervenção numa parte muito pequena, porque o Sr. Deputado Rui Machete prolongou no Hemiciclo um diálogo que é, porventura, mais um diálogo interno em relação a personagens inomináveis, isto é, cujo nome não é susceptível, sequer, de ser pronunciado, do que outra coisa qualquer.
Gostaria de dizer que não fizemos qualquer ataque ad hominen, apenas nos recusamos a fazer este debate prescindindo de mergulhar os olhos na realidade envolvente, na qual, no topo da pirâmide da justiça, está S. Ex.ª o Sr. Ministro Fernando Nogueira. Não podemos fazer essa abstracção, mas VV. Ex.ªs podem, porque se não a fizessem sentir-se-iam seguramente incomodados.
Mas, por outro lado, Sr. Deputado Rui Machete, também não somos vários, não somos caçadores de cabeças, pelo que V. Ex.ª está perfeitamente à vontade connosco. Temos os poderes que resultam da Constituição, nada mais, e fazemos este debate sem qualquer ilusão quanto à vossa disponibilidade. Foi isto o que quis codificar.
Não atribuo alguma virtude taumatúrgica às alterações constitucionais neste ponto, isto é, a melhor disposição constitucional que aprovássemos teria sempre como dificuldade para execução a péssima gestão da pasta de Justiça a que neste momento assistimos - e a responsabilidade é vossa, colegial, de todos e de cada um de vós, sereis solidários caoticamente nessa matéria.
Em todo o caso, a consagração de um direito novo poderia ter virtualidades, porque, repare-se, a proposta não está escrita em termos analfabetos, a proposta é lábil, reza dentro de prazo razoável e isto, como sabem da hermenêutica da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, tem um significado previsível. O Sr. Deputado Rui Machete não irá, certamente, na hermenêutica da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, alegar o que aqui argumentou, porque se o fizesse fá-lo-ia mal, o que tecnicamente seria absolutamente censurável.
Quanto ao segundo aspecto, suscitado pela intervenção um pouco a latere, suponho que por paixão, do Sr. Deputado Carlos Encarnação, que se sentiu obrigado a tanger uma zona sensível que sentiu tocada, devo dizer que, verdadeiramente, não a toquei, V. Ex.ª é que a sentiu tangida indevidamente.
Risos do PCP, do PS e do Deputado Independente João Corregedor da Fonseca.
Esta proposta do PS, que apoiamos, é contra o Sr. Ministro Fernando Nogueira? É aqui que o PS se desforra? É aqui que o Sr. Deputado António Vitorino se vinga daquelas negociações duríssimas? Esta é a vingança de Vitorino contra Nogueira?!
Srs. Deputados, púnhamos as mãos na cabeça e tenhamos calma! Não é nada disso! Esta proposta é modestíssima, é sensata, é razoável e eu é que pergunto ao Sr. Deputado Carlos Encarnação: a sua diatribe é contra esta proposta ou a favor do ministro? Essa é que é a pergunta!

Em segundo lugar, esta norma implicava a violação de direitos de defesa? Sr. Deputado, sejamos razoáveis, pois é evidente que não! É evidente que a celeridade tem de ser a compatível com os próprios direitos da defesa, aliás como a Constituição assegura, por exemplo, no artigo que respeita às garantias de direito criminal assim como em outros domínios, por uma interpretação adequada, por uma hermenêutica feita com a cabeça, que V. Ex.ª também tem e será capaz de usar nessa matéria.
Portanto, V. Ex.ª não tem razão e fez uma intervenção apaixonada, não mais do que isso. Há seguramente um lugar para a paixão, mas ela é má quando aplicada à Constituição. O amor a Nogueira não exige tanto, Sr. Deputado!

Risos do PCP e do Deputado Independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que consideramos encerrado o debate sobre o artigo 20.º Ficam, pois, para votação todas as propostas apresentadas sobre este artigo, com excepção da referente ao projecto de lei n.º 6/V, que foi retirada.

Vamos, assim, entrar na discussão do artigo 20.º-A.

O Sr. António Vitorino (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, pretendo inscrever-me para uma intervenção mas, apesar de termos uma proposta de substituição sobre este artigo, a proposta é do PCP e se ele quiser apresentada primeiro, muito bem; caso contrário intervirei a seguir.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta do PCP foi abundantemente discutida no âmbito da CERC e originou uma adesão de diversos partidos à ideia de Revisão Constitucional que aqui adiantámos.
Da parte do PCP, visa-se introduzir no Direito português uma figura que existe em outros Direitos e em outras Constituições, um novo instrumento de defesa dos direitos fundamentais em termos que, por um lado, facultem aos cidadãos, em certas situações, o acesso ao Tribunal Constitucional (para ultrapassarem situações em que, sem esse meio, verão indefendidos os seus direitos fundamentais) e, por outro, assegurem a criação de um procedimento preferente, célere e sumário, para a garantia de direitos fundamentais tanto nos tribunais comuns como administrativos, a fim de se conseguir um acréscimo de garantias dos direitos dos cidadãos em certos casos que delimitámos.
Isto obedece a uma filosofia de aperfeiçoamento da Constituição no que diz respeito ao aspecto instrumental da defesa dos direitos fundamentais, numa óptica de que hoje, mais do que nunca, não basta a proclamação jurídico-formal dos direitos, importa criar, no aspecto processual e procedimental, meios aptos a, em caso de crise, potenciá-los e permitir a sua efectivação contra aqueles que se lhes oponham e isto, obviamente, significa alertar para a questão da crise dos direitos fundamentais e para a emergência em matéria de direitos fundamentais.
Na verdade, trata-se aqui, em pleno, de um «SOS» de direitos fundamentais e esta inovação, apresentada pelo PCP, é apenas susceptível de ser encarada como modesta na medida exacta em que se esteja disponível para a subscrever. Quem se coloque fora do enriquecimento da Constituição neste ponto seguramente perde qualquer legitimidade para criticar a proposta, e este é lamentavelmente o caso do PSD!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado José Magalhães, V. Ex.ª não esclareceu mas suponho que resulta da consulta dos textos que VV. Ex.ªs retiram a vossa proposta autónoma a benefício da subscrição conjunta com o PS de uma proposta de substituição. É isto verdade ou não?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Deputado Nogueira de Brito, mas esclareço-o de imediato.
Como resulta dos trabalhos registados em acta da CERC, o PCP aceitou reformular a sua proposta nos precisos termos que decorrem do diálogo estabelecido nessa comissão, depois de, num primeiro momento, se ter admitido a possibilidade de um texto conjunto, hipótese de que, todavia, nos dissociámos a partir do momento em que verificámos que o PS tinha um pacto leonino com o PSD de que excluía os aspectos mais relevantes. Foi isto e apenas isto que explicou a nossa dissociação em relação ao texto conjunto.
No entanto, a nossa proposta tem em conta todas as observações formulados pelo PS e assumimos esse texto ponderando essas reservas, críticas e contributos positivos. Aliás, esse texto veio a ser votado pelos dois partidos, no âmbito da CERC, e o que é lamentável é que o PSD se dissocie de maneira total da criação deste novo mecanismo. Esse é que é o problema! Quanto ao CDS, a sua posição é um mistério.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Vai deixar de ser!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate na CERC sobre esta matéria foi, sem dúvida alguma, interessante e frutuoso, abrigo alguns novos caminhos que começamos agora a explicar.
No essencial ninguém duvida que a proposta que apresentámos na CERC - e sempre manifestámos disponibilidade para ela ser subscrita conjuntamente pelo PCP, mau grado as invectivas sobre os pactos leoninos ou tigresses, e continuamos abertos a subscrevê-la conjuntamente porque não temos entendimento unilateral das coisas da vida - contempla um aspecto parcial da apresentada pelo PCP.
A Constituição da República Portuguesa, no artigo 18.º, é particularmente clara quando estabelece expressamente que os direitos fundamentais têm uma eficácia vinculatória face às entidades públicas e às entidades particulares, conclusão a que têm vindo a chegar progressivamente os Direitos de outros países do mesmo espaço político, como por exemplo o Direito Alemão ou o Direito Espanhol, mais por via jurisprudencial e doutrinária do que propriamente por consagração expressa na Constituição.
Portanto, trata-se apenas de saber se interessa ou não, se é ou não importante consagrar mecanismos processuais que contemplem os que a Constituição já hoje consagra, designadamente em sede de fiscalização da constitucionalidade. E este é o campo restrito da proposta do PCP e também o da proposta do PS.
Não se trata, portanto, de aderir ou não a uma lógica de ampliação de direitos, mas somente de abordar em concreto a questão dos mecanismos processuais que devem garantir um princípio inatacável, que é o princípio do artigo 18.º da Constituição e o da eficácia da vinculação dos direitos fundamentais, face às entidades públicas e às entidades privadas.
Não se questiona se a eficácia directa dos direitos fundamentais tem a ver não apenas com as relações do indivíduo com o Estado, mas também com as relações dos indivíduos particulares entre si; a Dntfwirkung der grundrechte não é questionável sob o ponto de vista teórico, à luz do Direito português.
Ora, o PS entende que o sistema de fiscalização da constitucionalidade se torna inatacável e insusceptível de ser questionado quando se trata de fazer valer os direitos fundamentais face às entidades públicas. Mas há um segmento das entidades públicas que podemos considerar, em certa medida, excluído dessa eficácia directa dos direitos fundamentais e nesse aspecto existe, como refere o Professor Gomes Canotilho, um défice procedimental no sistema jurídico português. Trata-se das decisões de natureza processual proferidas pelos juizes no âmbito dos respectivos processos judiciais que

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não tenham a ver, naturalmente, com o conteúdo fundamental da decisão da sentença mas com a marcha do próprio processo judicial.
É inequívoco que as decisões judiciais são actos de poderes públicos e que, em relação a elas, deve fazer-se valer, naturalmente, os direitos fundamentais dos cidadãos. Isto é, perante decisões processuais dos juizes que violem direitos fundamentais, deve haver um mecanismo adequado que faça valer o direito fundamental face a uma acção ou a uma omissão violadora desses mesmos direitos fundamentais.
Por isso propomos, na nossa proposta de substituição, que se reconheça a todos um direito de recurso para o Tribunal Constitucional dos actos ou omissões dos tribunais de natureza processual e que, de forma autónoma, violam direitos, liberdades e garantias, desde que tenham sido esgotados os recursos ordinários competentes. Pensamos que é neste aspecto que se pode e se deve avançar em sede constitucional.
Não quero, contudo, iludir aquilo que o Professor Canotilho designa como um défice procedimental quanto à eficácia dos direitos fundamentais frente a terceiros, designadamente no que diz respeito à eficácia desses direitos perante actos dos particulares. Entre outros exemplos, ele refere o da mulher que é candidata a um posto de trabalho, que em princípio lhe é atribuído, e em que a entidade patronal exige que ela faça um exame médico para provar que não está grávida, porque se o estiver, recusar-lhe-á o posto de trabalho. Naturalmente que se a mulher se recusar a fazer esse exame de gravidez, com base no artigo 26.º, num direito pessoal, que é o direito à privacidade da vida íntima, a entidade patronal pode recusar-lhe, de facto, o posto de trabalho e dessa recusa não cabe qualquer recurso autónomo, na medida em que ainda não estava constituído um direito ao posto de trabalho, havendo apenas uma expectativa jurídica, que foi desfeita pela violação de um direito fundamental, violação essa que não provém de nenhuma entidade pública mas, sim, de uma entidade privada. Aqui há, de facto, uma situação de certa incompletude do sistema jurídico.
Entendemos a questão e temos sensibilidade para o problema que é levantado, simplesmente encontramos alguma dificuldade em resolvê-lo em sede de Revisão Constitucional, na medida em que o mecanismo que teria de ser estabelecido para a sua solução é preferentemente obtido pela via da lei ordinária. Isto porque não é claro para nós, em primeiro lugar, que o recurso devesse ser apenas para o Tribunal Constitucional - não sei se nestes casos não deveríamos antes encarar a solução do recurso para outros tribunais - e, em segundo lugar, que a solução apontada pelo PCP não seja a que obtenha mais do que aquilo que é razoável pretender.
Assim e como a via da lei ordinária não está afastada para solucionar questões deste género, propomos, como solução de equilíbrio, que a Constituição consagre a questão no que diz respeito aos actos e omissões dos juizes, na medida em que se trata de entes públicos e como tal devem estar naturalmente vinculados, em igualdade de circunstâncias com as demais entidades públicas, à eficácia, e à vinculação directa dos direitos fundamentais e que a parte sobrante de défice meramente procedimental, designadamente no que diz respeito às entidades privadas, fosse deixada para melhor ponderação em sede de Lei Ordinária, onde
a solução pode ser trabalhada com maior profundidade e obter-se o desiderato por nós pretendido.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Quem fala assim não é gago!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ponderámos, com a devida atenção, quer a proposta do PCP quer a proposta apresentada pelo PS e pensamos que se trata de uma matéria suficientemente importante para agir com cuidado e com prudência na sua análise, para tentar ver até onde é que eventualmente poderemos chegar.
A primeira observação que gostava de fazer diz respeito à circunstância de ser claro que o legislador ordinário ainda não retirou todas as consequências do artigo 18.º e daquilo que é referido quanto ao regime dos direitos, liberdades e garantias. Isto, é no artigo 18.º diz-se que esses direitos são directamente aplicáveis, que vinculam as entidades públicas e privadas, de onde resulta, como consequência lógica, que os actos dos poderes públicos, designadamente do Executivo, que violem o conteúdo essencial de um direito fundamental têm como sanção a sua nulidade - não são actos anuláveis mas são nulos e, portanto não produzem quaisquer efeitos jurídicos - e, por consequência, todas aquelas ideias que nos foram ensinadas acerca do privilégio da execução prévia, mesmo na hipótese de terem características essenciais dos actos administrativos, não podem, no caso concreto, ser aplicadas.
Ora bem, todas estas decorrências do artigo 18.º da Constituição têm tido uma tímida, eu diria mesmo uma extremamente tímida repercussão na legislação ordinária e apenas na medida em que, de algum modo, foi necessário dar uma sequência àquilo que a Constituição consigna, após a Revisão de 1982, no seu artigo 268.º, n.º 3, a propósito do recurso ou da acção, consoante se queira, para defesa de um direito ou de um interesse legalmente protegido.
Portanto, a primeira observação que me parece importante fazer é a de que é necessário que o legislador ordinário tire as consequências que são decorrentes daquilo que já está hoje consignado na Constituição.
Á segunda observação diz directamente respeito à ideia, que o PCP propõe de consignar uma acção constitucional de defesa, claramente inspirada naquilo que os alemães chama a Verfarssungsbeschwerde ou naquilo que os espanhóis designam por recurso de amparo ou acção de amparo. Se olharmos para aquilo que a Grundgesetz consagra, um pouco na sequência de algumas experiências históricas alemãs, que a Constituição austríaca de 1921 e a própria Constituição suíça vieram a consignar, verificamos, em primeiro lugar, que essa Verfarssungsbeschwerde tem uma característica extremamente importante, que é a de ser subsidiária e complementar das acções e dos recursos que possam já estabelecer-se nos tribunais ordinários. Isto é, ela só é aplicável quando se esgotam esses recursos; ela não é suplectiva, porque quando se esgotam os recursos, portanto só subsidiariamente, na hipótese de não se terem atingido os objectivos, é que é possível o recurso para o Tribunal Constitucional.

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Outra observação importante que a experiência alemã nos ensina, se analisarmos a jurisprudência do Tribunal Constitucional germânico, é a de que, como diz um autor alemão, Stern, que escreve no seu livro «Stade-drechte», no II volume, suponho que relativo a 1975 a 1976, 94% dos Acórdãos do Tribunal Constitucional alemão dizem respeito a casos de Verfarssungs-beschwerde. Quer dizer, há um risco seríssimo do Tribunal Constitucional português, a consignarmos uma acção deste tipo, ficar «afogado» em recursos deste género, o que seria extremamente complicado.
Isto leva-nos a ponderar que a consignação de uma acção constitucional de defesa com a amplitude com que está consignada no projecto do PCP, no seu artigo 20.º-A, muito embora restrita apenas aos actos do poder público, acaba por não se afigurar, por um lado, como indispensável à tutela dos direitos e, por outro, por representar sérios riscos no que diz respeito ao funcionamento do Tribunal Constitucional.
O PCP veio agora apresentar uma reformulação do seu artigo 20.º que tem alguns aspectos interessantes em termos de legislação ordinária mas que nos parece uma discriminação inaceitável quando vem privilegiar, dar prioridades e especial celeridade processual à defesa de certas liberdades - a de reunião, manifestação, associação e expressão -, deixando negligenciadas outras. Não nos parece que haja vantagens em produzir esta discriminação e sobretudo temos grandes dúvidas em que a ideia de imprimir a aceleração a certos processos, sobretudo quando alargamos a gama desses processos, não venha, afinal de contas, a traduzir-se numa maior morosidade na actividade dos tribunais.
O problema posto pelo PS é diferente na medida em que o PS, em primeiro lugar, deixa de fora, como há pouco foi sublinhado pelo Sr. Deputado António Vitorino, a questão dos Drittmrkungen. Portanto, não coloca delicadíssimos problemas de tutela processual de situações subjectivas de particulares, deixa fluir normalmente aquilo que já hoje existe e que precisa de ser melhorado no que respeita à tutela dos direitos fundamentais face ao Executivo - a tal questão dos actos administrativos que violam o conteúdo essencial de um direito e que já hoje se encontra no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição. Inclusivamente, a nova proposta de Revisão Constitucional proveniente da CERC veio introduzir melhorias apreciáveis, que a seu tempo veremos e veio restringir apenas a uma questão, que efectivamente está desprovida de uma tutela célere e eficaz, a tal deficiência procedimental de que fala o Professor Canotilho, quanto aos actos dos juizes em matéria processual, aos actos de processo que, de forma autónoma, violem direitos, liberdades e garantias, desde que (e aqui segue-se uma linha idêntica à da Verfas-sungsbeschwerde) estejam esgotados os recursos ordinários competentes.
Gostaríamos de ter uma ideia mais clara sobre dois aspectos: em primeiro lugar, acerca destes direitos, liberdades e garantias, que suponho tratar-se de todos os direitos, liberdades e garantias, mesmo os de natureza análoga aos referidos na Constituição. Portanto, presumo que o universo coincide com os direitos que são abrangidos no regime dos direitos, liberdades e garantias; penso que é assim que se deve interpretar a proposta, mesmo quando o que está em jogo inicialmente são situações em que o poder público não está em causa, só aparece por via da actividade judicial.
Digamos que o aspecto público resulta apenas da circunstância de o processo ser de direito processual e público, de haver a intervenção de um tribunal.
O segundo ponto refere-se a alguma preocupação que também aqui existe de saber porquê escolher o Tribunal Constitucional nesta matéria se não houver claramente um problema de inconstitucionalidade. Isto é, a solução parece conduzir a esta ideia: sempre que estejam em causa direitos, liberdades e garantias nós, em última análise, temos um problema de constitucionalidade em jogo e, portanto, é isso que legitima a intervenção do Tribunal Constitucional. Mas é evidente que esta ideia pode levar-nos muito longe e conviria precisar um pouco melhor a razão do porquê da intervenção do Tribunal Constitucional. Quando, por hipótese, se trata de um direito de natureza análoga que foi regulado na legislação ordinária, não há de maneira directa um problema de constitucionalidade, há um problema de inexacta interpretação da lei, por ventura, por parte do juiz.
Por outro lado, se esta violação for de forma autónoma, o que é que, em rigor, isto significa? Significa que não se considera uma violação de forma autónoma quando o juiz, correspondendo ao pedido, portanto dentro daquilo que é o objecto do processo, interpreta de uma maneira errada a lei e isso conduz a denegar a pretensão, ou até faz uma apreciação incorrecta dos factos que o leva à violação, podendo estar envolvida aqui uma questão de facto? Significa que são apenas questões de direito? E se são questões de direito, elas têm uma atinência maior com o problema da constitucionalidade ou são-no pela simples circunstância de se tratar de um regime relativo a direitos, liberdades e garantias?
A última dúvida diz respeito ao impacto, ao afluxo que se estima que possa ter, em matéria de trabalho, o Tribunal Constitucional, se viermos a consignar um recurso constitucional de defesa com este teor.
Tratam-se, pois, de questões preliminares que permitirão, ao analisar as respostas, uma ponderação mais cuidada. Nesse sentido, reservamos a posição final a tomar.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, estão inscritos os Srs. Deputados António Vitorino, José Magalhães e Nogueira de Brito.
Antes, porém, de dar a palavra ao Sr. Deputado António Vitorino, gostaria de dar a seguinte informação à Câmara. Foi hoje dado cumprimento a uma resolução tomada há uns meses pela Câmara no sentido de convidar o menino Cláudio a vir a esta Assembleia.
Certamente que se lembram dele, uma vez que foi uma criança que, pelo facto de ter contraído SIDA através de tratamento feito à sua hemofilia, foi marginalizado pela população da sua terra, mercê da falta de informação e compreensão dos pais das outras crianças e da própria professora da escola.
Estão certamente lembrados de que este assunto foi objecto de uma intervenção por parte do Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, que formulou uma proposta no sentido de convidar a criança e os pais a deslocarem-se aqui, proposta que foi aceite por todas as bancadas. A criança esteve cá hoje, com os pais, acompanhada ainda pelos dirigentes da Associação dos Hemofílicos Portugueses, foi recebida pela Comissão de Saúde, onde tomámos conhecimento da situação, que está resolvida em parte mas não na sua totalidade,

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pois ainda existe grande incompreensão à volta deste problema.
A nossa posição nesta matéria foi, sobretudo, no sentido de ver se podíamos contribuir para o esclarecimento da população e para a informação sobre o problema. A criança esteve entre nós, tendo sido depois convidada, juntamente com o restante grupo, para almoçar com o Presidente da Assembleia da República e com deputados de todos os partidos.
É esta a informação que quero dar para saberem que foi cumprida a resolução tomada pela Câmara, há alguns meses.

Aplausos gerais.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, de facto, na pureza das coisas, deveria ser para dar esclarecimentos, porque a intervenção do Sr. Deputado Rui Machete foi, toda ela, um pedido de esclarecimento um pouco alongado.
Compreendo as observações do Sr. Deputado Rui Machete e chamava apenas a sua atenção para o facto de a nossa proposta envolver as cautelas necessárias para responder a dois dos problemas que levantou.
Na verdade, prevemos que o recurso para o Tribunal Constitucional só possa ser interposto depois de esgotados os recursos ordinários competentes, o que significa que, se desses actos processuais couber recurso ordinário, nos termos da lei de processo, esse recurso tem precedência sobre o recurso para o Tribunal Constitucional. Haverá que interpô-lo previamente, obter a sua resolução e só depois fica aberta a via do recurso para o Tribunal Constitucional. O recurso para o Tribunal Constitucional não seria um recurso per saltum neste caso, mas teria de obedecer à cadeia dos recursos processuais normais que coubessem dessa decisão processual autónoma, reclamação ou recurso.
A segunda questão diz respeito aos actos ou omissões dos tribunais, poderíamos estabelecer o paralelismo com o artigo 44.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional espanhol, que delimita exactamente, com rigor, quais são esses actos ou omissões processuais que, de forma autónoma, violam direitos fundamentais, como por exemplo, o de não mandar proceder às notificações necessárias nos termos da lei. Trata-se de uma violação de um direito fundamental, que é o direito de acesso à Justiça e aos tribunais, sobre o qual, digamos, cabe recurso, nos termos da lei de processo, mas que perfigura uma situação específica de violação de um direito fundamental de que pode, posteriormente caber, recurso para Tribunal Constitucional.
A terceira questão diz respeito ao problema da interpretação da sentença em matéria de direito e em matéria de facto. Decididamente não é dessas situações que nós curamos, porque o problema da interpretação de direito que está consubstanciado numa sentença traduz--se sempre na aplicação ou na desaplicação da lei, com fundamento na inconstitucionalidade e daí cabe recurso para o Tribunal Constitucional - interposto pelo particular nos termos da Constituição e da Lei do Tribunal Constitucional - da decisão do próprio juiz, não com fundamento na violação de um direito fundamental mas em sede de fiscalização concreta. Portanto, não se trata de um modelo substitutivo da fiscalização concreta.
Quanto à questão do «entopimento» do Tribunal Constitucional - passe o plebeísmo - com a eventualidade de citações deste género, estou crente que não se verificaria, dadas as cautelas com que construímos a figura. Não é um recurso per saltum, é um recurso de acções e omissões que, de forma autónoma, violem direitos fundamentais; portanto, só cabe recurso daquelas decisões que não possam ser recorridas para o Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização concreta em virtude da aplicação da lei com fundamento inconstitucional, de lei inconstitucional ou da não aplicação da lei com fundamento em inconstitucionalidade.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Rui Machete deseja responder já ou no final dos pedidos de esclarecimento?

O Sr. Rui Machete (PSD): - No final, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Rui Machete, o avanço do processo de debate sobre esta matéria permitiu ir separando águas, ir clarificando aquilo que se visa com estas propostas e aquilo que, de facto, não se visa.
Tivemos ocasião de invocar na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional abundantes aspectos de Direito Comparado relacionado com o estatuto e com o regime do recurso de amparo noutros sistemas jurídicos, designadamente o regime da própria Verfassungs-beschwerde da RFA, para procurar situar as diferenças entre aquilo que aqui se pretende introduzir e esses outros regimes jurídicos.
Estou de acordo com a ideia que exprimiu de que o legislador ordinário não tirou ainda todas as consequência do regime decorrente do artigo 18.º da Constituição.
Outro aspecto com o qual estaremos seguramente de acordo é o de que há, no nosso regime jurídico, meios de defesa, de carácter processual dos direitos fundamentais, que contemplam parte da problemática que é resolvida noutros sistemas jurídicos pelo regime do recurso de amparo. Mas há, de facto, um défice procedimental.
Há pouco o Sr. Deputado António Vitorino aludia a um artigo do Professor Gomes Canotilho na revista «Estado e Direito», do segundo semestre de 1988, precisamente alusivo a este tema do défice procedimental, em que se procura, entre outras coisas, situar a aspiração a uma acção constitucional de defesa para os casos de Drittmrkungder, portanto, do exercício de direito perante terceiros, coisa que nós, PCP, não propusemos nesta fase da Revisão Constitucional e é uma limitação do nosso projecto, que, desse ponto de vista, é tímido.
O nosso projecto não tem a ver com as acções e omissões de poderes privados, fica aquém dessa problemática, e fizemo-lo porque partimos do princípio de que a vossa receptividade a uma tal audácia seria escassa.
Quanto à zona que contemplámos, a acção dos poderes públicos, a hipótese que procurámos figurar é a hipótese extrema, que, aliás, o Sr. Deputado António

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Vitorino acabou por subscrever e em torno da qual aduziu argumentos com os quais estou inteiramente de acordo e que tinham sido objecto de uma primeira leitura na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.
Primeiro, o legislador ordinário deve estabelecer os pressupostos em termos tais que elimine quaisquer dúvidas do tipo daquelas que o Sr. Deputado Rui Machete suscitou - designadamente o exemplo do Direito Comparado espanhol é inteiramente ilucidativo. A legislação que regulamenta o recurso de amparo estabelece um conjunto enorme de requisitos positivos e negativos que permite a decantação que o Sr. Deputado considera necessária para distinguir situações.
Em segundo lugar, não substitui qualquer mecanismo existente e o exemplo que o Professor Gomes Canotilho dá, no artigo que acabei de citar, para situar bem os casos de violação autónoma pelos tribunais de direitos fundamentais merece ser citado.
O assento do Supremo Tribunal de Justiça de 23/4/1987, que recusou a aplicação do artigo 1110.º do Código Civil em uniões de facto cessantes, mesmo que destas houvesse filhos menores, é precisamente uma decisão jurisdicional violadora do princípio constitucional de igualdade dos filhos e caracteriza-se: primeiro, por ser uma violação imediata, actual e autónoma de um direito, liberdade e garantia; segundo, esgotaram--se todas as vias judiciais possíveis e imaginárias do nosso direito; terceiro, está em causa um direito constitucional específico e muito importante, o princípio constitucional da igualdade dos filhos, quer tenham nascido dentro ou fora do casamento; quarto, são entidades públicas, neste caso os tribunais, as autoras deste acto de violação qualificada.
Que fazer face a isto? Esta é uma pergunta a que o Sr. Deputado Rui Machete deveria também responder.
O argumento de que isso poderia conduzir ao afogamento do Tribunal Constitucional é respondível como, aliás, o Sr. Deputado António Vitorino acabou de fazer, remetendo para a lei processual que deve ter os cuidados adequados, mas é sobretudo conducente a esta interrogação de carácter jurídico, político, dogmático. .. o que V. Ex.ª entender.
Se o Sr. Deputado Rui Machete admitisse - tudo ponderado - que a consagração constitucional da acção constitucional de defesa ia, inevitavelmente, conduzir ao afogamento do Tribunal Constitucional, isso seria reconhecer que há, em Portugal, situações de carência tais e uma tal indefesa, uma tal omissão de mecanismos procedimentais aptos que há, neste momento ou haveria anteriormente, injustiças galopantes. A não criação de acção constitucional de defesa apenas significaria que elas ficavam sem resposta constitucional e legal. Isso significa reconhecer que a injustiça galopa e que o défice instrumental não é, infelizmente, reconhecimento da inexistência de injustiça, é, pelo contrário, o reconhecimento que há vítimas sem direitos procedimentais para defenderem aquilo que deveriam ter e exercer plenamente. Suponho que não é esse o raciocínio de V. Ex.ª
Pela nossa parte, estamos inteiramente disponíveis para modelar esta norma em termos que conduzam a uma disposição constitucional escorreita, enxuta, porventura, mais limitada do que o âmbito proposto, mas que diga exactamente isto para enquadrar este tipo de
hipóteses. Mantemos, pois, por inteiro essa disponibilidade e consideramos que seria extremamente importante e útil se acompanhada de medidas ao nível da legislação ordinária que permitissem enquadrar adequadamente e ultrapassar as dificuldades que V. Ex.ª enunciou e que são ultrapassáveis.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Rui Machete, o meu pedido de esclarecimento tem a ver com dois aspectos muito concretos da sua intervenção. V. Ex.ª fez observações conexionadas com a natureza dos próprios direitos fundamentais e, a esse propósito, pôs em questão a admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional quando estejam em causa, porventura, direitos fundamentais não previstos directamente na Constituição. Pergunto: qual é o alcance que atribui à norma de extensão do regime dos direitos fundamentais nessa matéria, constantes da própria Constituição e se a objecção que colocou nessa linha de admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional se põe também em relação à solução proposta pelo PS e, de certo modo, à revisão operada pelo PCP.
Por outro lado, pergunto também se, em relação à solução proposta pelo PS, mantém a preocupação respeitante ao «empastelamento» do Tribunal Constitucional e se, em última análise, esta preocupação deverá ser uma preocupação decisiva para dirimir esta questão e para dirimir a opinião de VV. Ex.as

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Penso que o Sr. Deputado António Vitorino teve a amabilidade de fazer mais do que pedir esclarecimentos, ou seja, deu esclarecimentos, o que muito lhe agradeço, porque ajuda, naturalmente, a esta reflexão.
E, de algum modo, o Sr. Deputado José Magalhães foi na mesma esteira. Porém, usou um argumento que não me convence, embora seja um argumento marginal, mas já agora posso dizer-lhe que a circunstância de ver muitos pedidos ao Tribunal Constitucional, como é o caso, aliás, no Tribunal Constitucional alemão no que diz respeito à Verfassungsbeschwerde, não quer dizer que as pessoas tenham razão. No caso do Tribunal Constitucional alemão, só 1% das solicitações das Verfassungsbeschwerde é que são procedentes. Portanto, o tribunal não deixa de ter muito trabalho sem que tal signifique uma situação caótica e gravíssima para o ordenamento jurídico germânico. Enfim, esse é um problema de pormenor que não interessa muito neste caso.
Neste momento, por razões de economia, penso que não é necessário estar a fazer considerações sobre a proposta inicial do Partido Comunista. Assim, vou reportar-me, concretamente, à proposta de substituição do artigo 20.º-A, subscrita pelos Srs. Deputados do Partido Socialista - não sei se, eventualmente, com

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a adesão do Partido Comunista -, a qual se circunscreve aos aspectos da violação. Pessoalmente, devo dizer que a dúvida fundamental que mantenho é no sentido de saber se, mesmo esgotados os recursos em todos estes casos, é justificado que seja o Tribunal Constitucional a decidir. Francamente, tenho dúvidas sobre isso.
No entanto, admito que sim porque, em muitos casos, como o do problema das notificações, acontece que se houvesse meios processuais que permitissem a intervenção de um tribunal superior, isso resolveria o problema. Claro que isto significaria que teríamos que ter um alargamento dos recursos que, neste momento, não existe.
De contrário, na prática, trata-se de uma espécie de recurso per saltam sem o ser. Isto é, não há possibilidade de pedir a notificação porque, do ponto de vista processual, não é possível recorrer para a relação da omissão da notificação e, portanto, recorre-se para o Tribunal Constitucional.
Só que, na prática, devido a essa deficiência do ordenamento processual, isso equivale a uma espécie de recurso per saltam. E este aspecto que me causa alguns engulhos, porque me dá a sensação de que, porventura, «vamos demasiado alto» e criamos um engorgitamento do Tribunal Constitucional que poderia ser resolvido de uma outra maneira. Talvez isso conduza à necessidade de se reflectir um pouco mais sobre esta matéria.
Como W. Ex.as compreenderão, este problema não poderá ser decidido apenas por mim, toda a bancada do nosso partido terá que reflectir sobre ele. Todavia, com estas limitações, justifica-se uma segunda reflexão sobre a matéria e, naturalmente, tomaremos em consideração o que foi referido pelos Srs. Deputados António Vitorino, José Magalhães e Nogueira de Brito.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de interromper a sessão para jantar, cujo intervalo, recordo, é de 90 minutos, queria dar-vos duas informações.
Em primeiro lugar, logo após o reinicio dos trabalhos, a Mesa informará a Câmara sobre os tempos ainda disponíveis até ao fim desta semana, para que os diversos grupos parlamentares possam controlar os respectivos tempos já gastos.
Em segundo lugar, como só há uma inscrição para uma intervenção sobre este artigo, perguntaria à Sr.ª Deputada Assunção Este vês qual a duração previsível da sua intervenção por me parecer que seria melhor terminarmos já a discussão deste artigo, interrompendo, posteriormente, para o jantar.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, a minha intervenção não será muito longa.

O Sr. Presidente: - Assim sendo, tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Subscrevo todas as considerações do Sr. Deputado Rui Machete e apenas quereria tecer algumas considerações sobre a proposta do PS e do PCP relativa ao artigo 20.º-A.
No âmbito da discussão da Revisão Constitucional, não me parece que tenha um carácter definitivo o problema da criação de um recurso constitucional de defesa. Por exemplo, lembro que as Verfassungsbeschwerde a que nos vimos referindo tiveram consagração
legislativa na Alemanha Federal muito depois da aprovação da Lei Fundamental de Bona.
De facto, a Constituição de Bona foi publicada em 1949 e creio que só depois, nos anos 50, é que, através de legislação ordinária, as Verfassungsbeschwerde foram «dadas à luz», sem que, com isso, tenha havido qualquer impedimento constitucional.
Isto significa que, aprovando-se ou não este artigo, é importante notar-se que não há um «fechamento congénito» na Constituição e que há possibilidade de criação das acções constitucionais de defesa.
Ainda quereria expender mais duas considerações, sob a forma de pergunta aos proponentes.
Em primeiro lugar, em matéria de acção constitucional de defesa, chama-se muitas vezes a atenção para a legislação comparada, nomeadamente para o recurso de amparo no Direito espanhol. O artigo 53.º da Constituição espanhola é muito mais realista e cauteloso do que qualquer das propostas apresentadas, quer pelo PS, quer pelo PCP.
De facto, na Constituição espanhola, no artigo 14.º e seguintes do capítulo referente a esta matéria, fala-se claramente na delimitação dos direitos passíveis de serem objecto de recurso de amparo. Aliás, a Lei do Tribunal Constitucional espanhol vem determinar que os artigos 14.º a 29.º é que são objecto de recurso constitucional e nada mais.
Neste caso, a enfatização do problema que se poderia pôr deriva um pouco das circunstâncias concretas, em termos constitucionais, em que aparecem estas propostas.
Dado que o artigo 17.º da Constituição portuguesa vai ficar com a redacção que já tinha, isto é, estendendo o regime de direitos, liberdades e garantias aos direitos de natureza análoga, como é que se vai proceder à delimitação dos direitos que são objecto de recurso constitucional de defesa?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença que a interrompa, Sr.ª Deputada?

A Oradora: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito obrigado.

Sr." Deputada, a sua intervenção, complementada ou em estreita conexão com a do Sr. Deputado Rui Machete, levanta-me uma questão.
Será que as suas palavras significam que, à semelhança do disposto no n.º 2 do artigo 53.º da Constituição espanhola, o PSD estaria disponível para consagrar uma norma que estabelecesse qualquer coisa como o facto de qualquer cidadão poder obter, perante os tribunais ordinários, a tutela das liberdades, direitos e garantias reconhecidos no artigo 14.º, na Secção I do Capítulo II, por um procedimento baseado nos princípios de preferência e sumaridade e, nos casos competentes, através do recurso de amparo perante o Tribunal Constitucional, com uma elencagem completa e específica dos direitos que seriam abrangidos por este mecanismo especial? Isto é, com uma elencagem exacta dos artigos abrangidos?
Pela nossa parte, estaríamos completamente disponíveis para isso.

A Oradora: - Sr. Deputado, não se trata de um problema de afirmação de disponibilidade ou de indisponibilidade mas, sim, de um problema de chamar

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à atenção dos intervenientes para o facto de, nesta discussão, se pôr um grave problema técnico em matéria de limitação dos direitos que são objecto de recurso constitucional de defesa.
A prova está em que várias legislações que o consagraram tiveram o cuidado de limitar concretamente esses direitos.
Embora me pareça menos importante, há ainda uma outra pergunta que queria pôr, pois, para todos os efeitos, refere-se a um problema que deve ser trazido a claro nesta discussão.
O recurso constitucional de defesa conta como uma das vias que devem ser esgotadas para efeito de interposição de recurso junto da Comissão Europeia dos Direitos do Homem, dado que Portugal é um dos subscritores da respectiva convenção? Isto é, esta via tem que ser contabilizada junto das outras para efeito de esgotamento das vias de recurso que, como sabem, é um dos requisitos de interposição de recurso junto daquela comissão europeia?
Esta é uma questão menos importante, no entanto, é bom que se prevejam claramente os problemas que podem surgir com a aprovação desta proposta e que se tente ver que, em termos técnicos, esta não é uma proposta perfeita, pois não acautela, de maneira nenhuma, questões que, de certeza, se levantariam à aceitação do artigo 20.º-A conforme nos é proposto, quer pelo PS quer pelo PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr.ª Deputada Assunção Esteves, considera mesmo que o paralelismo entre a proposta do nosso partido e o que está contido na Constituição espanhola aponta para que esta seja mais restritiva do que a nossa própria proposta? É que, de facto, não creio que isso proceda.
Na verdade, no seu artigo 50.º, a Constituição espanhola remete para o elenco dos artigos 14.º e 19.º, admitindo o recurso de amparo de quaisquer decisões das entidades públicas que violem direitos fundamentais.
Ora, na nossa proposta, só estamos a prever, humildemente, o recurso de amparo das decisões dos tribunais que, de forma autónoma, violem direitos fundamentais e, no limite, direitos de natureza análoga, embora, como sabe, a operação de interpretação seja muito melindrosa. Mas, sobretudo, é preciso ver que nos referimos a decisões dos tribunais de natureza processual que violem de forma autónoma.
Pela sua timidez, a nossa proposta está a quilómetros luz de distância do artigo 50.º da Constituição espanhola, que é bem mais ousado, até porque, em termos genéricos, consagra o recurso de amparo, coisa que nós não pretendemos consagrar.
Enfim, a solução pode ser mais agradável mas a comparação sem dúvida que aponta para a nossa proposta ser muito mais tímida do que o que está consagrado na Constituição espanhola.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Deputado António Vitorino, a Constituição espanhola poderá ser mais ousada mas é mais concreta.
Ora, o problema que ponho é o da delimitação e da concretização de quais os direitos que são objecto de recurso constitucional de defesa.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, é para dar uma explicação à Sr.ª Deputada Assunção Esteves e para tentar perceber o que deseja o PSD, aspecto, que apesar de tudo, não é pouco importante, uma vez que o objectivo é o de consagrar uma nova norma. Sr.ª Deputada Assunção Esteves, o PSD dispôs de um ano e tal para reflectir sobre esta matéria. Se a vossa posição é no sentido de dizerem que estão disponíveis para elencar um conjunto de direitos em relação aos quais se venha a consagrar este mecanismo, como último recurso, para reforçar a garantia processual dos direitos fundamentais, então, a nossa resposta é que também estamos disponíveis. Já o demonstrámos concretamente quando apresentámos uma proposta que, a propósito de um outro tema, previa a adopção de providências judiciais caracterizadas pela prioridade e especialidade de celeridade processual para a defesa, primeiro, da liberdade de reunião, segundo, da liberdade de manifestação, terceiro, do direito de associação e, quarto, da liberdade de expressão.
Enumerámos estes direitos e só estes. Obviamente, a Constituição espanhola está a «anos-luz» disto porque é muito mais vasta. Mas a nossa proposta é a de que, constitucionalmente, se consagre o que acabei de dizer: escolhamos aqui esses direitos, estabeleçamos em relação a eles este regime de protecção.
O legislador ordinário poderá alargar esse regime a outros direitos, porque, como é óbvio, pode alargar a competência do Tribunal Constitucional dentro dos limites estabelecidos pela própria Constituição.
Estamos inteiramente disponíveis para isso e, de resto, creio que poderemos aproveitar esta interrupção para aprofundarmos essa reflexão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições pelo que vamos interromper os trabalhos, durante 90 minutos, para o intervalo regimental para jantar. Recomeçaremos às 21 horas e 30 minutos. Srs. Deputados, está interrompida a sessão.
Eram 19 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que está reaberta a sessão.

Eram 21 horas e 50 minutos.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, é para responder a uma questão que, a título de interpelação à Mesa, também foi colocada pelo Sr. Deputado Herculano Pombo, de Os Verdes.
Trata-se do problema dos dois cidadãos estrangeiros que se encontravam dentro de um contentor no Porto de Lisboa.

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O Grupo Parlamentar do PSD e o Governo preocupam-se com esta situação.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado interrompo-o para lhe dizer que vou permitir que continue no uso da palavra porque hoje já houve um pequeno desvio em relação ao combinado em conferência de líderes e, portanto, não quereria alterar a situação.
No entanto, conforme ficou decidido em conferência de líderes, nos períodos de trabalho reservados ao processo de Revisão Constitucional em discussão no Plenário, não serão, "injectados" nenhuns assuntos que lhe não digam respeito.
É que, ficou reservado um dia de sessão por semana para se poder tratar, de outras questões, o que tem sido feito.
Em todo o caso, dado que antes do intervalo para o jantar, foi aberto um precedente, também dou a palavra ao Sr. Deputado, não sem avisar todas as bancadas que, de futuro, não tornarei a fazê-lo em circunstâncias análogas.
Pode continuar o Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, não abusarei de benevolência de V. Ex.ª e apenas queria repetir que tanto quanto é possível dizer nesta altura, o problema está resolvido.
Também queria dizer que o problema não foi resolvido anteriormente porque as circunstâncias dos três casos presentes às autoridades portuguesas eram completamente diferentes num e noutros.
De facto, se em relação a um daqueles casos foi possível conceder o asilo político, por o cidadãos estrangeiro em questão preencher as condições necessárias para tal - ao fim e ao cabo, porque o desejava - , em relação aos outros dois cidadãos não preenchidas as condições para a concessão de asilo político nem para a entrada no território nacional em condições normais, até porque esses dois cidadãos não queriam solicitar o asilo político às autoridades portuguesas.
Fundamentalmente, o assunto reconduziu-se a uma questão humanitária e foi nessa base que a questão foi resolvida até, decisão ulterior e definitiva.
Neste momento, os dois cidadãos estrangeiros estão sob cuidados médicos, em estabelecimentos se assistência médica portuguesa.

O Sr. Presidente: - Presumo que o Sr. Deputado Herculano Pombo quererá dizer algo sobre este assunto.
Tem a palavra Sr. Deputado.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, quando cheguei à Câmara a sessão já tinha sido reaberta e o Sr. Deputado Carlos Encarnação já tinha produzido algumas afirmações.
No entanto, quero dizer que, a minha interpelação à Mesa, antes do intervalo para jantar era exactamente nesse sentido.
Dirigi-me ao local, acompanhado da Sr.ª Deputada Helena Roseta e do Sr. Deputado António Mota, tendo podido verificar que, no mínimo, a situação era "surrealista". De facto, ficámos chocados com o que vimos e, portanto, não queremos deixar de transmitir à Câmara que são absolutamente infra-humanas as condições em que se mantiveram três seres humanos durante quatro dias, não havendo ninguém que lhes pudesse resistir. Os próprios guardas e o comandante do navio estão moralmente abatidos por terem tido que lidar, durante quatro dias, com pessoas naquelas condições, sentindo-se manifestamente impotentes para resolver a situação.
Quero declarar que não é minha intenção tirar qualquer aproveitamento político deste caso. No entanto, a minha interpelação vai no sentido de pedir ao Sr. Presidente e à Mesa que accionem os mecanismos ao dispor dos deputados para que, através do Ministério da Administração Interna, o Governo responda, o mais brevemente possível, aos deputados desta Casa sobre quais foram as condições que ditaram que, durante quatro dias, não tivesse sido possível a resolução de um problema desta gravidade.
Qual é a imagem, que o Estado português dá de si próprio perante a comunidade internacional, após ter levado quatro dias para resolver um problema humanitário desta grandeza?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lemos, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Presidente Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar gostaria de dizer que estranhei a intervenção do Sr. Deputado Carlos Encarnação porquanto esperava ouvi-lo como representante da Mesa da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portugueses e Cooperação, correspondendo ao mandato que hoje foi conferida a essa mesma Mesa, designadamente ao presidente, para que se pudesse inteirar da situação que estava criada aos dois cidadãos em causa encarcerados num contentor.
Creio, pois, que não poderemos partidarizar esta questão e que os esforços de todos nós contribuirão para que ela se resolva.
Creio que a intervenção do Sr. Deputado Herculano Pombo trouxe para o Plenário aquilo que deve ser trazido. Isto é como é que é possível que em Portugal, com a Constituição que temos, tendo sido o nosso país subscritor da Declaração Universal dos Direitos do Homem, se tenha verificado uma situação de manter em cárcere privado durante cerca de 5 dias, numa primeira fase, e, numa segunda fase, dois cidadãos?
A questão tem que ser devidamente apurada e esclarecida. É evidente que neste momento não vamos tecer grandes considerações sobre ela, mas a verdade é que fico extremamente preocupado por verificar que só o facto de esses cidadãos terem recolhido a instituições de assistência, designadamente instituições hospitalares, levou à quebra do cárcere privado em que se encontravam desde a passada sexta-feira.
Isto tem que ser esclarecido perante a Assembleia da República, pois não podemos passar sobre este caso como algo que fique para a História.
As autoridades portuguesas têm responsabilidades não apenas perante a Assembleia da República mas também em termos internacionais, e seguramente que o Estado democrático português não ficaria bem se todo este assunto ficasse sem ser devidamente esclarecido.

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O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado. No entanto, peço que seja breve para podermos entrar no debate da Revisão Constitucional.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Certamente, Sr. Presidente. Contudo, não posso deixar de tecer algumas considerações em relação ao que acabou de ser dito pelos Srs. Deputados que me antecederam no uso da palavra.
Em primeiro lugar, quero esclarecer que aquilo que eu disse não foi como membro da Mesa da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação. Essa comissão endereçou ao seu presidente a responsabilidade de fazer as diligências necessárias para se inteirar do que estava a acontecer e a verdade é que mesmo durante o próprio funcionamento da comissão o Sr. Presidente explicou o que se tinha passado até essa altura.
Aquilo que eu referi resultou de um contacto do Grupo Parlamentar do PSD - e não da Mesa da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação - com o Sr. Ministro da Administração Interna.
Ora, a informação que dei, que é relativamente recente, foi a informação completa e cabal de tudo quanto ocorreu. Não estive a pormenorizar o que aconteceu, pois certamente que os Srs. Deputados terão oportunidade de o fazer. Porém, o que desde já gostaria de reafirmar é que não há qualquer responsabilidade do Estado português por tudo quanto aconteceu.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Essa agora!

O Orador: - A responsabilidade do que aconteceu no início e do que continua a acontecer deve-se, única e exclusivamente, ao comandante do navio em que vinham transportados aqueles cidadãos.
Porém, a verdade é que esses três cidadãos não estiveram durante cinco dias num contentor. O que aconteceu foi que as autoridades portuguesas fizeram um inquérito e uma investigação junto desses cidadãos, perguntando-lhes, designadamente, se queriam ou não obter asilo político perante o Estado português. Dois deles declararam que não pretendiam a concessão do asilo político, mas o outro disse que a pretendia e esta foi-lhe imediatamente concedida.
Não tinha o Estado português meios para intervir de outra forma que não fosse num estado de necessidade - digamos assim - para tentar resolver esta questão. A verdade é que os cidadãos em causa não podiam entrar em território português. Foi isto que arrastou esta situação e que causou a demora da sua resolução. De maneira alguma houve responsabilidade ou negligência por parte das autoridades portuguesas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quando o Sr. Deputado Carlos Encarnação começou a usar da palavra chamei a atenção para o facto de que não poderíamos «injectar» outros assuntos em matéria de Revisão Constitucional.
Srs. Deputados, se porventura um grupo parlamentar não estiver representado na Sala, mesmo que esteja interessado na discussão dos artigos de Revisão Constitucional, a verdade é que não podemos deixar de continuar o nosso trabalho, pelo simples facto de que prejudicamos o tempo semanal que está atribuído. Por essa razão, e porque hoje é o primeiro dia normal da «semanada constitucional», gostaria de chamar a atenção para o facto de que a mesa não está disponível para deixar «injectar» outras questões que terão dias próprios para serem abordadas, assim como também não está disponível para abrir precedentes em questões processuais, inclusive esperar por qualquer grupo parlamentar que esteja interessado em determinada matéria.
Creio, pois, que neste momento o assunto está devidamente esclarecido. Se há diligências na Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, elas terão lugar e os Srs. Deputados terão oportunidade de levantar aqui este mesmo problema, mas noutro momento.
Assim, vamos passar artigo 21.º

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, apenas gostaria de dizer que retiramos a proposta de alteração que apresentámos relativamente ao artigo 21.º

O Sr. Presidente: - Certamente, Sr. Deputado. Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, inscrevi-me para uma intervenção antes de o Sr. Deputado Narana Coissoró ter anunciado a retirada da proposta de alteração que tinham apresentado. Na verdade, ia criticá-la muito veementemente, mas felizmente que ela já está ultrapassada.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço desculpa, mas a verdade é que a Mesa não se apercebeu da sua inscrição antes da do Sr. Deputado Narana Coissoró. Devo dizer que não é nossa intenção substituir a ordem de prioridades seja de quem for.

Srs. Deputados, visto a proposta apresentada pelo CDS ter sido retirada, assim como o foi a proposta apresentada pelo PSD, que era uma proposta sistemática, vamos passar à discussão do artigo 22.º

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar gostava que o PCP dissesse se mantém ou não as propostas que apresentou para o artigo em questão e, em segundo lugar, se as vai ou não justificar.
Reservamos a nossa posição para depois da justificação do PCP, caso ela exista.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate realizado na Comissão para

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a Revisão Constitucional sobre o regime de responsabilidade das entidades públicas foi profícuo e bastante relevante. Ele adquire, com o famoso caso Cadilhe, com o caso do demitido Secretário de Estado Costa Freire e outros porventura em gestação, uma actualidade que não tinha na data em que foi apresentado. Isto é, a proposta do PCP visa clarificar o conteúdo do actual artigo 22.º da Constituição. O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária, com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa dele, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo por outrem.
A interpretação desta norma constitucional exige grandes precisões. Por um lado, que tipo de actos estão abrangidos: os actos da função legislativa e da função jurisdicional, todos os actos, qualquer que seja a sua gravidade, ou só alguns?
Por outro lado, qual é o regime desta responsabilidade solidária? As propostas do PCP visam introduzir dois tipos de clarificações: por um lado, para restringir os casos em que haja responsabilidade do Estado àqueles que tenham consequências particularmente graves quanto à violação que induzam de direitos, liberdades e garantias - é uma especificação aquilo de que se cura - e, por outro lado, clarificar a responsabilidade solidária em caso de crimes de responsabilidade.
Quanto a nós, esta norma deveria ter propiciado uma caminhada para uma solução mais consensual que, porventura, ultrapassasse a formulação adiantada pelo PCP, mas que convergisse em qualquer coisa de material, de concreto. Porém, não aconteceu assim e consideramos que isso é particular negativo, sobretudo em relação ao n.º 3. Creio, pois, que, colectivamente, deveríamos prestar um pouco mais de atenção à questão do regime da responsabilidade no caso dos chamados «crimes de responsabilidade cometidos por titulares de cargos políticos no exercício das suas funções e por causa delas».
Lamentamos que não se tenha atingido esse resultado. Talvez ainda seja possível que isso ocorra na sequência do debate que agora se estabeleça. Faço esse voto em nome desta bancada.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados Almeida Santos e Costa Andrade.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, aqui está uma norma que se vai repetir noutras propostas de Revisão Constitucional, em que a generalização das formulações pode prejudicar o conteúdo útil dessas mesmas formulações.
Aquilo que se diz é que o Estado é responsável por todas as acções e omissões praticadas no exercício da função de legislar ou de julgar. Ainda há pouco defendemos aqui o ponto de vista de que determinada atitude omissiva por parte dos magistrados conducente ao retardamento injustificado de uma decisão deveria envolver a responsabilidade civil do Estado. Porém, agora estamos a não concordar com a generalização desta medida. Quer dizer, todas as acções, todas as omissões, quer na função legislativa, quer na função jurisdicional, envolveriam responsabilidade do Estado.
Pensamos que o que está em causa é, efectivamente, o defeito da generalização. Poder-se-á dizer que não, que isso só acontece quando houver uma violação particularmente grave.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - Ainda assim trata-se de uma generalização restringida por outra formulação genérica. E não podemos, de forma alguma - e dissemos isso na comissão -, dar o nosso apoio a esta formulação nesses termos vagos e genéricos. Porém, compreendemos a preocupação que está na base desta proposta.
Quanto ao n.º 3 nunca poderíamos dar o nosso acordo a uma formulação que diz que o Estado responde solidariamente com os titulares dos cargos políticos pelos crimes. O Estado não pode responder solidariamente pelos crimes, mas, quanto muito, pelas consequências patrimoniais dos crimes. Essa consequência já está consagrada na lei da efectivação da responsabilidade pelos crimes de responsabilidade política, e aí não veríamos mal se fosse essa a formulação. No fundo, seria transpor para a Constituição o que já está na lei ordinária: é que pelos crimes de responsabilidade política, na parte correspondente aos prejuízos materiais ou morais, mas sempre na responsabilidade civil, o Estado é co-responsável com os titulares dos cargos políticos. Nesses termos e não noutros, não vemos nenhuma desvantagem na consagração desta proposta.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente, Maia Nunes de Almeida.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, deseja responder já ou no fim de todos os pedidos de esclarecimento?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Prefiro responder no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, esta proposta foi muito discutida na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e devo dizer que o PCP nos surpreendeu pela ligeireza que manifestou ao manter estas propostas tal como estão, designadamente, a proposta do n.º 3 que, pelos vistos, é aquela que o PCP mais enfatiza, isto é, é aquela que tem como mais importante. Em todo o caso, devo dizer que se trata de uma proposta que, do ponto de vista jurídico, representa uma aberração inqualificável.
Como o Sr. Deputado Almeida Santos referiu, e isto foi dito na comissão, «não lembrava ao diabo» pôr o Estado a responder solidariamente por crimes. Dir-se-á - e esta foi a sugestão avançada pelo Sr. Deputado Almeida Santos - que o PCP pensava na responsabilidade no que toca à indemnização, aos danos, mas creio que, no mínimo, se deveria exigir que isso tivesse sido clarificado em função dos debates.
Aquilo que o PCP continua a trazer aqui é uma proposta das tecnicamente mais inqualificáveis de todo este processo. «Não lembra ao diabo» pôr o Estado, que é o detentor do jus puniendi, a autopunir-se a si mesmo pelo crime dos titulares dos cargos públicos. Isto é,

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o Estado senta-se num tribunal qualquer, julga um titular de um cargo político e ao mesmo tempo oscilará entre o banco dos réus e o lugar do juiz!
O Sr. Deputado poderá dizer que não é isso o que consta aqui. É sim, Sr. Deputado, é rigorosamente isto que aqui está. A intenção que, eventualmente, o PCP pode agora aqui trazer, em nome da discussão que foi feita na comissão, necessitava, em nome da boa fé no tratamento destas coisas e do mínimo de objectividade, pelo menos, de ser clarificada em termos escritos, pois tal como ela nos é presente é uma aberração inqualificável.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dada esta preocupação do Sr. Deputado Costa Andrade pela aberração inqualificável perpetrada pelo Grupo Parlamentar do PCP, tenho que explicar se praticámos alguma aberração ou qual é o problema que leva o Sr. Deputado Costa Andrade a insurgir-se com esta veemência.
Creio que aqui tocámos todos fundo num problema que está por dilucidar. Qual é a interpretação que o Sr. Deputado Costa Andrade dá à norma actual da Constituição, que prevê a responsabilidade das entidades públicas por acções ou omissões? Dá alguma?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, não sei bem se dou alguma interpretação, mas há uma coisa que sei: não me passava pela cabeça e penso que «não lembrava ao diabo» qualificar as coisas nos termos que aqui foram postos, ou seja, pôr o Estado a brincar num tribunal, a desempenhar, simultaneamente, o papel de réu e de julgador, se calhar do Ministério Público e, se calhar, de defensor oficioso em nome da assistência judiciária!

O Orador: - Sr. Deputado, creio que já compreendi qual o seu problema.

Srs. Deputados, deixemo-nos de jogos de palavras. Aquilo que está em causa no n.º 2 proposto pelo PCP é, obviamente, que o Estado responda pelos danos produzidos na sequência do crime de responsabilidade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Mais isso não está aqui!

O Orador: - Neste momento ainda não está, mas dentro de l minuto e 30 segundos o meu camarada de bancada, Sr. Deputado José Manuel Mendes, depositará na Mesa a clarificação daquilo que dissemos na CERC, explicando o conteúdo deste artigo.
Srs. Deputados, encaremos frontalmente as opções que estão colocadas perante a Assembleia da República. E preciso ou não clarificar o actual regime da responsabilidade por acções e omissões? Respondam, Srs. Deputados! Abrange todas as omissões, as graves e as não graves, ou só algumas?
Há ou não responsabilidade por actos legislativos? Há ou não responsabilidade por actos jurisdicionais? A nossa resposta é a de que há responsabilidade. A interpretação a que a doutrina chega, a partir deste normativo, é: «há responsabilidade por actos legislativos e por actos jurisdicionais.» Em que termos? Essa é a questão em relação à qual é preciso responder e nós procuramos modelar as consequências e limitá-las, isto é, só para os casos - e isto também vale como resposta para o Sr. Deputado Almeida Santos - em que haja uma violação grave de direitos, sob pena de termos de entender que, actualmente, no actual texto, estão abrangidos todos os casos: violações graves e «assim, assim». Com isto respondo ao argumento feito há pouco pelo Sr. Deputado Almeida Santos acerca das pequenas e médias violações: o actual texto contempla todos os casos. É isso que os Srs. Deputados querem? É que se é isso que querem, só nos podemos congratular. Então, vamos a isso, mas aprovemos uma lei que extraia todas as consequências.
Em relação a responsabilidade dos deputados, individualmente tomada, o artigo 160.º, n.º 1, da Constituição proíbe que esse elemento seja instituído como pressão sobre os deputados.
Em relação aos juizes, o artigo 221.º, n.º 2, proíbe que os juizes sejam responsabilizados. Os juizes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvo as excepções consignadas na lei, dentro de determinados limites. Temos de articular as duas normas. Qual é a vossa posição sobre isso?
Quanto às questões técnicas, Srs. Deputados, a nossa proposta será reformulada tantas vezes quantas as necessárias para que seja possível atingir um consenso. Se o vosso problema é de carácter técnico, temos toda a abertura para alterar a proposta; se o vosso problema é de carácter político para escamotear que não querem aperfeiçoar o regime da responsabilidade dos titulares de cargos políticos, por infracções cometidas no exercício de cargos, então a conversa é outra, à colação estará o «fantasma» de Cadilhe e a discussão será outra também.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acrescentando uma consideração àquilo que já referi, direi que esta norma, cuja formulação genérica tem, neste caso, a virtude de o ser, ao contrário das formulações para os n.ºs 1, 2 e 3, tem de ser entendida em conjugação com outras normas constitucionais, entre elas as normas que regem as imunidades dos deputados, quando fazem as leis, e as imunidades dos magistrados, quando ajuizam.
Acontece que os n.ºs 2 e 3 propostos pelo PCP vão exactamente anular a conflitualidade, que hoje existe como virtude, na medida em que os deputados têm a liberdade de fazer as leis que quiserem. Parece que estaríamos agora aqui a criar a figura da lei não virtuosa, da lei criminosa, da lei danosa, da lei que causa prejuízo, ao lado da lei...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

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O Orador: - É claro que sim, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Qual é o alcance que V. Ex.ª atribui ao actual artigo 22.º da Constituição? É algum?

O Orador: - Estava distraído, Sr. Deputado, porque o que eu disse foi que esta norma, na sua redacção actual, tem de ser interpretada em conjugação com outras normas constitucionais...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Certo!

O Orador: - ..., entre as quais aquelas que responsabilizam os juizes, genericamente. Admito que se responsabilizem, pontualmente, nalguns casos, os juizes, mas sem eliminar a irresponsabilidade genérica, e também elimina as imunidades parlamentares. Passaríamos a ser responsáveis pelas nossas opiniões e o Estado a responder, sempre que essas opiniões acarretassem violação de um direito, liberdade e garantia. Bom, esta norma conjugada com as outras, tem esta virtude; com os n.05 2 e 3 da proposta do PCP deixava de tê-la. Os senhores meteram-se exactamente com os dois aspectos mais perigosos, que é a faculdade de legislar e a de julgar.
Compreendem-se responsabilizações pontuais, como, por exemplo, cada vez que o juiz transforme uma decisão num acto inútil com as mesmas custas como se tivesse utilidade; porém, já não se compreendem em relação à função jurísdicional, genericamente, nem à função de legislar.
Então o que é isto? A lei pode ser uma fonte de dano, de prejuízo? Então, qual é a nova concepção de lei que estamos aqui a criar? A concepção de que a lei pode ser algo de danoso? As leis más revogam-se, mas, enquanto não são revogadas, não há, por definição, leis más, são todas boas, não podem prejudicar quem quer que seja. Então, teríamos de pôr o Estado a pagar o prejuízo de uma lei que viesse a ser declarada inconstitucional e que, enquanto vigorava, lesava alguém? Isso era, na verdade, pôr o legislador a legislar com o credo na boca, com a preocupação de não vir a ser responsabilizado, e a perguntar-se: «eu não estarei aqui a prejudicar alguém?» Era uma tragédia, reconheçamos! A faculdade de legislar transformava--se num risco enorme, num alto risco.
Portanto, esta norma tem sentido conjugada com outras normas da Constituição; deixaria de tê-lo quando as vossas propostas neutralizam essas duas normas, exactamente nesses dois casos pontuais.
Se o n.º 3 se refere, como diz (embora não o diga na proposta)..., mas vou fornecer um argumento a seu favor: é que o n. º 3 da vossa proposta vem depois do n.º l e o n.º l só fala em «responsabilidade civil», o que poderá querer dizer que, de algum modo, a responsabilidade de que se trata é a do n.º 1 e não nenhuma outra. Muito bem! De qualquer modo, a formulação não é feliz. Mas, se é esse o caso, vamos consagrar que, nos crimes de responsabilidade política, há responsabilidade civil do Estado. Aceito isso, porque já está na lei geral, porque nós consagrámos isso aqui, mas só nesses casos, só no que se refere a responsabilidade civil. Agora, responsabilizar o legislador cada vez que erra e prejudica, responsabilizar o juiz sempre que erra por acto ou por omissão, é verdadeiramente levar longe demais a vossa preocupação de responsabilizar o Estado!...
Já vi que o PCP, em várias normas - não me levem a mal esta ironia! -, manifesta claramente que não tem a menor esperança de ser governo nos próximos 50 anos. Aqui, o PSD tem o defeito contrário: julga que é eterno no Governo e procura inviabilizar propostas que criam algumas dificuldades ao Governo. Nós, como tanto podemos ser como não ser, estamos na posição do fiel da balança, ou seja, estamos entre os dois.

Risos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta matéria foi particularmente discutida na Comissão Eventual de Revisão Constitucional e já aí nós, com toda a lealdade e abertura, dissemos da nossa indisponibilidade para qualquer alteração no sentido proposto pelo Partido Comunista. Aquilo que foi dito em relação à lei parece-nos mais do que convincente, mas, voltando a enfatizar, com carácter especial, o ponto onde o Partido Comunista coloca mais o seu interesse e as suas esperanças, isto é, o n.º 3 da proposta do PCP, imaginemos que - e não vamos dizer, tal como o Padre António Vieira, que aparecem aí os holandeses a tomar a Baía - o n. º 3 da proposta do PCP era aprovado. O que é que acontecia? Tínhamos uma norma da Constituição da República relativa a «como se reparte entre pessoas a responsabilidade por certos crimes», isto é, tínhamos na Constituição uma norma de execução das penas.
Diz o Partido Comunista que não se trata das penas, mas das consequências jurídico-civis dos danos emergentes dos crimes, que não se trata, sequer, de execução das penas, mas de execução dos efeitos jurídico-civis dos crimes. Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para a Constituição é pouco. Há tanta lei civil, há tanta lei ordinária onde se pode tratar desta questão! Não acha o Sr. Deputado que a Constituição não é a sede para referir as penas dos crimes e, menos do que as penas dos crimes, a execução das penas e, menos do que a execução das penas, as consequências jurídico-civis e dizer como é que se repartem entre o Estado e os titulares dos cargos públicos os ónus jurídico-civis de algum ilícito que tenha sido cometido?
Talvez estejamos errados na concepção que temos de Constituição, mas a nossa concepção de Constituição não é essa. Há códigos civis, códigos penais, códigos de execução das penas... Faça uma proposta neste campo e discuti-la-emos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Da nossa parte, em relação a este artigo, a nossa situação não é de dúvida, mas mesmo de certeza: não estamos dispostos a viabilizar qualquer alteração neste sentido.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, informo que vamos entregar na Mesa um texto reformulado, de acordo com o diálogo agora tido com a bancada do Partido Socialista. O diálogo com a bancada do PSD está um pouco prejudicado, mas congratulo-me com o facto: é que o Sr. Deputado Costa Andrade decaiu da sua tese de que a proposta do PCP era aberrante pela substância. Agora, tem a tese de que é aberrante pela sede.

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O Sr. Costa Andrade (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, quando digo que uma determinada solução é aberrante e o Partido Comunista diz que «não era bem isso o que queríamos, pois o que queríamos era outra coisa», obviamente que a crítica de aberração deixa de ter sentido, porque o Partido Comunista reconheceu que era aberrante.

O Sr. José Magalhães (PCP): - A aberração é a sua interpretação!

O Orador: - Tanto assim foi que modificou a proposta!

Aplausos do PSD e protestos do PCP.

A partir do momento em que o Partido Comunista coonesta a minha intervenção de aberração e retira a sua proposta, eu tinha de modificar a minha crítica, porque de coisa diferente se tratava e para coisa diferente, crítica diferente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, é muito difícil que seja perceptível de que «coisa» é que o Sr. Deputado Costa Andrade está a falar. É que a nossa proposta teve sempre o alcance que acabei de fixar e que consta do texto que entregámos na Mesa e relativamente ao qual, na Comissão Eventual de Revisão Constitucional, gastámos uns longos minutos a discutir. Agora, que o Sr. Deputado Costa Andrade esteja amnésico e invente aqui, a esta hora nocturna, a tese da aberração, acabando por dizer que o PSD está receptivo a que o PCP apresente uma proposta para, em sede de lei ordinária, resolver esta questão, Srs. Deputados, congratulamo-nos com esse facto. Mas não nos ponham na nossa boca monstruosidades que resultam do vosso medo de que se clarifique o regime que poderá levar o Ministro Cadilhe ao banco do réu.

vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Isso é de uma ignorância! ...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados relativamente ao artigo 22.º - e chamo a atenção da bancada do PCP -, o PCP mantém a proposta de aditamento de um n.º 2 e retira a proposta do n.º 3, substituindo-a por um novo texto, que será a proposta n.º 5, que será oportunamente distribuída.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, contribuindo para que a Mesa possa seriar as propostas pendentes, a bancada do PCP, evidentemente, reserva o seu juízo final sobre a subsistência dos textos, face a contactos que serão ainda desencadeados para explorar as virtualidades da redacção que agora foi adiantada. Como a votação não vai ter hoje lugar, dada a aplicação do «regimento rolha» neste ponto, teremos ainda algumas horas para podermos diligenciar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminada a discussão do artigo 22.º, as propostas apresentadas pelo PCP ficam para votação em momentos ulterior.
Passamos à discussão do artigo 23.º

Pausa.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nossa proposta, no sentido de acentuar que o Provedor de Justiça é um órgão independente designado pela Assembleia da República e ainda - segundo a regra do n.º 4, também por nós proposta - no sentido de consagrar constitucionalmente o dever de cooperar com o Provedor de Justiça na realização da sua missão por parte dos órgãos e agentes da administração, foram duas conquistas positivas ao nível da Comissão Eventual de Revisão Constitucional.
Porém, já temos dúvidas sobre se valerá a pena consignar, sobretudo na Constituição, que o Provedor de Justiça não pode ser destituído em caso algum. A pergunta é simples: «Mesmo que mate o pai?» Penso que seria talvez demais e que não é isto que está no espírito da proposta; de qualquer modo, isso faz com que não possamos acompanhar esta votação e, por isso, declaramos abster-nos.
Quanto ao n.º 4 proposto pelo PCP, a alínea a) já consta noutro ponto da Constituição, pelo que se trata de arrolar aqui o que já consta da Constituição e quanto à alínea ò), ou seja, a capacidade para «impugnar contenciosamente a validade de qualquer regulamento (...)», penso que ela viria deturpar ou alterar profundamente a natureza das intervenções do Provedor de Justiça, que deixaria de ser um órgão de «bom aviso» para ser, de algum modo, um órgão com alguma competência paralela da competência jurisdicional.
Por isso, penso que a proposta da então ID foi considerada - e bem! - prejudicada, que as duas propostas aprovadas na comissão são positivas e que as que não obtiveram provimento talvez não justificassem tê-lo.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Sr. Deputado Almeida Santos, estamos de acordo com algumas normas que vão constar no artigo 23.º e apenas lhe vou colocar uma questão.
Disse o Sr. Deputado que as propostas apresentadas pela então ID estão, de certo modo, prejudicadas. É bem conhecido o descontentamento dos Provedores de

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Justiça que, depois de analisarem as queixas e de elaborarem as suas recomendações, ficam sem ter qualquer informação sobre o andamento dessas mesmas recomendações. Por esse motivo, na altura, os deputados da ID apresentaram uma proposta que visa obrigar os órgãos competentes para onde seguem essas recomendações a prestarem informações ao Provedor de Justiça sobre as medidas tomadas no seguimento daquelas recomendações, de forma a evitar que eles fiquem na total ignorância. O Sr. Deputado sabe, com certeza, que muitas das recomendações, mas mesmo muitas, da Provedoria de Justiça ficam no segredo dos gabinetes, dentro de gavetas.
Por isso, pergunto-lhe se entende ou não que deveríamos prever na Constituição uma norma que obrigasse os órgãos a prestar informações à Provedoria de Justiça sobre determinado tipo de recomendações que dali saem.
Gostava também de saber se entende ou não que não apenas os órgãos e os agentes da administração, como aqui está consignado, mas também os cidadãos, enquanto tal, devem cooperar com o Provedor de Justiça, desde que, para o efeito, sejam solicitados.

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, o n.º 2 da proposta da então ID foi considerado prejudicado na sua votação pela simples razão de que se entende que o dever de cooperação dos órgãos e agentes da administração não teria sentido se não incluísse o dever de informar aquilo que foi perguntado, como é óbvio. Parece-nos que vai mais longe do que isso. Portanto, foi considerado prejudicado no bom sentido, pois já está consagrado o que propõe.
Quanto ao n. º 3 da proposta da ID, ele não foi considerado prejudicado exactamente porque, além das entidades incluídas na referência aos órgãos e agentes da administração, aparece a menção «cidadãos», mas entendeu-se que, como dever genérico de cooperação, não merecia acolhimento. É um ponto de vista como outro qualquer e não devemos abusar dos deveres gerais.
Os deveres demasiado genéricos acabam por perder sentido e, se esta norma tem significado para os órgãos e agentes da administração, careceria de significado se todos os cidadãos, indistintamente, também tivessem o mesmo dever de cooperação e, por isso, abstivemo-nos. Não fomos contra a regra por vós proposta; não seríamos, em princípio, muito contrários a ela, mas pareceu-nos que a generalização deste dever retirava sentido à sua concentração quando referido aos órgãos e agentes da administração.
Portanto, a proposta do n.º 2 não chegou a ser votada - e, em nosso entender, bem! - e a proposta do n.º 3 foi votada, só que não fez vencimento. Não votámos contra, mas abstivemo-nos pelas razões que acabei de referir.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação ao artigo 23.º, o PSD não apresentou qualquer proposta no sentido de alterar esta
disposição constitucional, mas veio a aderir, no âmbito dos debates, à proposta do Partido Socialista.
Entende o PSD que a necessidade de introdução do n.º 4, apontando para que os órgãos e agentes da Administração Pública cooperem com o Provedor de Justiça na realização da sua missão, poderá dar um maior desenvolvimento à função do Provedor de Justiça e impedir, de certo modo, uma certa frustração, que, muitas vezes, acaba por ser conotada com a actividade do provedor, visto que a sua actividade é de indicação e não vinculatória aos órgãos de soberania para os quais canaliza os interesses e as reclamações, as queixas dos cidadãos. Esta afirmação de uma cooperação dos órgãos de soberania com o Provedor de Justiça é, digamos, o caminhar para uma não frustração da actividade do Provedor de Justiça.
Por isso, o PSD aderiu a esta alteração e subscreve-a desde já.
Relativamente à proposta apresentada pelo PCP, o meu grupo parlamentar tem algumas observações a fazer. Nesta proposta nota-se uma preocupação de alargamento do direito de petição e desenvolvimento das suas consequências, mas entendemos que o PCP não encontrou a fórmula mais feliz para o conseguir.
No nosso entender, na alínea b) do n.º 4 da proposta, quando se diz que cabe ao Provedor de Justiça «impugnar contenciosamente a validade de qualquer regulamento ou de acto administrativo que afecte interesses gerais ou difusos», faz-se uma confusão, que é de evitar. É que o facto de termos o Provedor de Justiça junto dos tribunais administrativos conduziria a uma espécie de mistura da via graciosa com a via contenciosa, isto é, seria, de certo modo, a negação da autonomia da via graciosa, do que, em termos gerais, resultaria uma espécie de diminuição do leque de garantias, porquanto uma se diluía na outra e se subalternizava.
O PSD entende que a função do Provedor de Justiça é autónoma, pois só assim consegue somar-se às outras garantias e exercer uma função no seu espaço próprio. O problema da interposição de recurso pelo Provedor de Justiça junto do contencioso administrativo levaria também a que se criassem problemas em matéria de requisitos de legitimidade, ao nível do mesmo contencioso, e a que o Provedor de Justiça funcionasse como intermediário entre o interessado directo e o Tribunal Administrativo, o que não faria sentido sobretudo no plano das questões de legitimidade.
Outra questão que gostaria de salientar tem a ver a confusão que se criaria, uma vez que, no nosso entender, se desvirtuaria o direito de petição que deixaria de ser informal, na sua acepção e natureza próprias, para passar a oscilar entre a informalidade graciosa e o formalismo judicial.
Ainda sendo, não faz sentido - nem isso está de harmonia com o desenvolvimento e a defesa da função do provedor, enquanto garantia graciosa - que se lhe atribua o papel de intermediário junto do contencioso administrativo.
Aliás, no âmbito da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional usámos uma figura, dizendo que o provedor junto do contencioso administrativo fazia lembrar a figura camoniana na qual o falso deus adoraria o verdadeiro. Ambos os deuses são verdadeiros, embora cada um tenha as suas características, e é importante que as suas características autónomas, enquanto garantias - de um lado o provedor e de outro os tribunais -, se mantenham como tal.

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Na alínea a) do n.º 4 do artigo 23.º o PCP propõe que cabe ainda ao Provedor de Justiça «requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade ou da ilegalidade de qualquer norma, com força obrigatória geral, bem como a verificação da inconstitucionalidade por omissão». E relação a esta proposta o nosso juízo não é da constatação de uma incoerência técnica, mas apenas o da desnecessidade de introdução deste requisito, uma vez que os artigos n.ºs 281.º e 283.º da Constituição acabam, na sua conjugação, por prever o requisito que é aqui apontado ao Provedor de Justiça.
Em resumo, são estas as nossas posições em relação às alterações propostas pelo PCP.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr.ª Deputada Assunção Esteves, apreciei muito o seu discurso e as citações da doutrina alemã que têm sido feitas nesta Assembleia. No entanto, temo que este debate comece a ser hermético para o público português que...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mais que hermético, fechadíssimo!...

O Orador: - Valha-me Deus! Lá vem a intervenção do Partido Comunista Português que se contradiz constantemente, que agora já aprecia as votações à quinta-feira, etc...

Risos.

Mas a questão é esta Sr.ª Deputada: ouvi com atenção a sua intervenção e compreendo-a. No entanto, entendo que a proposta do PS é mais conseguida do que a do PCP, pois este partido, no fundo, não consegue dizer verdadeiramente aquilo que é dito pelo PS de forma mais cautelosa, mas também mais eficaz.
Também nós aderimos à proposta apresentada pelo PS em relação a esta matéria, mas a crítica que V. Ex.ª fez quanto à possibilidade de recurso contencioso em relação a regulamentos e actos administrativos, que o PCP atribui ao Provedor de Justiça, sofre de algumas contradições, e seria bom esclarecê-las.
V. Ex.ª falou de intermediação, mas devo lembrar-lhe que essa competência pode exercer-se sem intermediação da parte de um Provedor de Justiça atento ao exercício da sua função e devidamente auxiliado pelos seus serviços. Por outro lado, não lhe parece que também há intermediação na competência que hoje já lhe é reconhecida, ou seja, será que esse risco não existe também na possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional, competência que hoje lhe é atribuída pela lei, e que o PCP, agora, reproduz na alínea a) que propõe?
Penso que a sua argumentação foi no sentido de tecer críticas, por um lado, à intermediação e, por outro, a uma certa violação das hierarquias, ou a uma certa confusão de poderes, que existiria pelo facto de o Provedor de Justiça recorrer para os tribunais administrativos, o que seria, de certo modo, diminuí-lo. Se, efectivamente, o sentido da sua argumentação foi este, desde já lhe digo que não estou de acordo consigo. Pôr o Provedor de Justiça a recorrer contenciosamente,
como se faz em relação ao Tribunal Constitucional, não é qualquer confusão de poderes mas, sim, tentar dar alguma eficácia ao seu múnus e às suas funções.
Será que V. Ex.ª me poderá esclarecer um pouco melhor quais são as razões que milham contra a adopção da alínea b) proposta pelo PCP?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - O Sr. Deputado Nogueira de Brito não tem, com certeza, conhecimento de algum caso em que o Provedor de Justiça se tenha dirigido a um tribunal comum, no sentido de carrear as queixas e as petições dos cidadãos portugueses - penso que, até agora, isso nunca aconteceu. O que se passou foi em relação a outros órgãos de soberania e não em relação aos tribunais, o que, portanto, acaba por infirmar o que o Sr. Deputado há pouco disse sobre a não novidade da ligação do Provedor da Justiça com os órgãos de soberania.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Mas existe ligação com o Tribunal Constitucional.

A Oradora: - Exacto, existe em relação ao Tribunal Constitucional, mas não existe relação aos tribunais administrativos nem aos tribunais comuns.
Quanto à outra questão que me colocou, são duas perspectivas diferentes, Sr. Deputado.
Entendo que o Provedor de Justiça tem de garantir a sua autonomia e, de certo modo, a sua eficácia, dado que a sua função tem características de garantia dos direitos que lhe são próprias, pelo que ao usar as vestes de recorrente para o tribunal administrativo, no nosso entender, haveria uma certa liquidação dessas características.
Penso que as margens de garantia fornecidas pela Constituição e pela legislação ordinária têm as suas características, o seu âmbito de incidência e esta mistura poderia ser má a vários níveis. Trata-se de um órgão a quem cabe exercer um modo de garantia graciosa dos direitos dos cidadãos que iria interpor recurso, isto é, que iria aderir à via contenciosa num outro plano. E uma mistura que não faz sentido, em nome do respeito pela própria autonomia do provedor, como garantia graciosa que é, e que levantaria problemas de legitimidade ao nível, digamos, mais mesquinho, no que diz respeito aos requisitos de acesso à jurisdição contenciosa em matéria administrativa.
O Sr. Deputado pode entender que se trata de um reforço de competências, no entanto, na minha opinião, parece-me que haveria uma descaracterização do Provedor de Justiça. Esta é a nossa opinião.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pela nossa parte congratulamo-nos com o facto de ter sido possível estabelecer um consenso muito alargado com vista, em primeiro lugar, à reafirmação do papel do Provedor de Justiça no sistema português de garantia dos direitos fundamentais.

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Essa reafirmação é feita nesta sede, por unanimidade, e tem um importante significado político e constitucional.
Em segundo lugar, a reafirmação do papel do Provedor de Justiça exprime-se em concreto por duas benfeitorias, que são significativas. Por um lado, a proclamação da independência, princípio que tem de ter tradução legal na prática dos organismos públicos e do Governo, desde logo, e, por outro lado, na garantia de que haja cooperação efectiva com o Provedor de Justiça na realização da sua missão.
Ora, como desta cooperação efectiva ninguém está excluído, isto quer dizer que sairão redobradamente legitimadas as práticas de departamentos governamentais, de ministros, singularmente tomados, que agarram nas recomendações do Provedor de Justiça e dão-lhe o destino da gaveta, quando não mesmo da provocação.
No entanto, não podemos deixar de considerar que este debate se faz sob o signo da preocupação, porque o PSD não esconde uma atitude de gula em relação à titularidade da Provedoria da Justiça. E aqui cabe uma palavra de homenagem à actividade do actual Provedor de Justiça, Dr. Angelo de Almeida Ribeiro, cuja coragem e frontalidade têm contribuído poderosamente para o prestígio da Provedoria de Justiça, da imagem do provedor e para que todos os portugueses vejam mais claramente que é útil e importante ter um provedor que combata e que lute para que as finalidades da Constituição sejam realidade.
É evidente que o provedor disse, e com razão, que a sua actividade se ressente daquilo a que chamou o tecnicismo, a psicose do cifrão do Governo, onde deveria haver maior formação jurídica e humanista. Isto é uma verdade e retrata aquilo que é a prática da aplicação dos poderes do provedor neste momento histórico, em Portugal.
No entanto, isso não nos deve fazer esquecer que há uma contribuição, não minimizável, que agora é dada pela Assembleia da República.
Apesar de tudo, Sr. Presidente, Srs. Deputados, lamentamos que algumas das nossas propostas não sejam acolhidas, e não o sejam com os argumentos que foram utilizados, pois com elas quisemos introduzir na Constituição importantes melhorias.
Por um lado, alargar o mandato do provedor para lhe dar mais estabilidade. Os Srs. Deputados do PSD dizem «não!», é um critério político que traduz a vossa vontade política e a gula a que fiz referência.
Em segundo lugar, o PCP propôs que se garantisse a não destituição, em termos perfeitamente claros. Ela já é hoje prevista na lei, em todo o caso seria útil dar-lhe nível constitucional. Os Srs. Deputados dizem «não!», mas também não têm coragem de destituir o actual provedor - match nulo, equilíbrio.
Em terceiro lugar, o PCP propôs que se transpusesse para esta sede aquilo que a Sr.ª Deputada Assunção Esteves teve ocasião de dizer que está na sede de fiscalização de constitucionalidade. Isto é, o Provedor de Justiça tem uma importante missão, em termos de defesa da constitucionalidade que, aliás, tem exercido - vai até entregar dentro em breve um pedido de declaração de inconstitucionalidade do regime do IRS, o que é muito positivo, porque o IRS não é positivo e tem inconstitucionalidades.
Mas isto não está em causa, pois está consagrado e continuará! O que propúnhamos era que fosse transposto da sede de fiscalização da Constitucionalidade
para esta sede. Os senhores não querem? Não faz mal! Esse poder é inarredável, não será alterado.
Propúnhamos, no que a Sr.ª Deputada se mostra um pouco talassa e retrógrada, bota de elástico, digamos - não veja nisto nenhuma ofensa pessoal -, que o Provedor da Justiça pudesse ir aos tribunais administrativos pedir a declaração de ilegalidade de regulamentos que tenham a ver com interesses gerais ou difusos. Isto é, em vez de o provedor tratar caso a caso de queixas, por exemplo, por violações de direitos ambientais, por violação de direitos do consumidor singularmente tomados, por força de actos administrativos ou de regulamentos ilegais, poderia ir «matar» os regulamentos, ou seja, o Provedor de Justiça, de uma penada, em vez de atacar um a um os actos, atacaria a mãe dos actos, uma má mãe, no caso concreto, uma mãe digna de ser morta, e iria aos tribunais administrativos pedir a liquidação da mãe para evitar maus filhos...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Cuidado, cuidado!

O Orador: - Esta é que é a questão! Fazer liquidar um mau acto administrativo. Não sei o que faz com que a Sr.ª Deputada Assunção Esteves, que deveria ter alguma ideia avançada...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, vai desculpar-me, mas há Srs. Deputados que querem acompanhar a sua intervenção e não conseguem devido ao barulho que há na Sala.
Vamos, pois, aguardar que se estabeleçam as condições necessárias e suficientes para podermos acompanhar o debate.

Pausa.

Queira continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente, mas já nenhum dos Srs. Deputados me poderá acompanhar porque já tinha acabado. Posso apenas repetir...

Risos.

A Sr.ª Deputada Assunção Esteves exibe nesta matéria, em relação a direitos, um vezo que me parece um tanto retrógrado, pois uma atitude correcta do provedor seria muito económica.
Senão repare. O provedor afirma que as suas recomendações não são acatadas, queixa-se publicamente, e com muita razão, de que recebe cartas e cartas de cidadãos queixando-se, em muitos casos, do mesmo problema: é a taxa da rádio que lhes é ineditamente cobrada; é a lixeira que está ao pé de casa; é o problema que determinada autarquia ou o Governo não resolvem; é o produto estragado que não tem correcção por parte do seu produtor ou do comerciante; é o departamento do Governo que viola directrizes ou leis de forma contumaz. Então, pergunta-se, Sr.ª Deputada: que mal haveria em o Provedor de Justiça atacar em globo aquilo que ataca caso a caso?
Creio que V. Ex.ª se empenhou demasiado apaixonadamente numa causa que merecia alguma complacência e, digamos, alguma doçura e benevolência. Lamentamos isso, mas os Srs. Deputados ainda estão a tempo.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que a Mesa não dispõe de mais inscrições dou por encerrado o debate do artigo 23.º
Srs. Deputados, a Mesa foi informada de que o PS retirou as suas propostas iniciais, ficando para votação as propostas apresentadas pelo PCP, pela ID e as propostas da CERC.
Vamos passar à apreciação do artigo 23.º-A.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É chegado o momento de apresentar, mais uma vez, a nossa proposta que visa consagrar constitucionalmente a figura do Promotor Ecológico. Mas, antes de passar à sua apresentação, tomo a liberdade de referir um comentário que o Sr. Deputado Nogueira de Brito fez há pouco e, quanto a mim, com toda a pertinência.
Também em meu entender, aqueles que são mais expeditos nestas matérias de Revisão Constitucional, enfim, aqueles que são constitucionalistas ou que para lá caminham, não devem fazer-nos, a todos nós deputados vulgaris lineu, correr o risco de nos vermos impossibilitados de participar, como é nosso direito e dever, no debate da Revisão Constitucional. Este é um apelo que faço aos deputados que já tiveram largos meses para dar largas à sua capacidade técnica em sede de comissão. Aqui, no Plenário, vamos debater de outra forma, para que todos possamos participar e para que o debate seja rico por outras razões que não as estritamente técnicas.
A questão do Promotor Ecológico, apesar de rejeitada sucessivas vezes, mantém-se viva e actual. De facto, acabámos de discutir as competências do Provedor de Justiça. Penso que está provado à saciedade que o «pobre» do Provedor de Justiça não tem mãos nem meios que cheguem para prover a todas as queixas dos cidadãos quanto a violações dos seus direitos, no que diz respeito a um ambiente ecologicamente equilibrado.
O que propomos é a criação de uma nova figura independente, com capacidade, meios e mecanismos ao seu alcance, para poder ser o provedor ou o promotor de um universo de cidadãos, que vai muito para além do universo da totalidade dos cidadãos portugueses.
Quero com isto dizer que se todos os cidadãos portugueses podem hoje recorrer ao Provedor de Justiça, são muitos mais aqueles que indirectamente recorreriam a um Promotor Ecológico. São todos aqueles que nos precederam neste espaço territorial, e que nos deixaram uma memória que é hoje o nosso património histórico, cultural e ambiental, e todos aqueles milhões que hão-de vir depois de nós e a quem temos o dever de entregar esta Terra, em condições de ser habitada em equilíbrio e com dignidade.
É todo este universo, que é muito mais vasto do que o universo actual, que reclama a criação de uma figura que possa prover as suas exigências, no cumprimento, nomeadamente, do artigo 66.º da Constituição. Aí se refere que todo o cidadão, individualmente, tem o direito e o dever de actuar, prevenindo as violações do seu direito a um ambiente ecológico saudável, não se dizendo, nem poderia dizer-se, de que forma. Mas nós damos agora a resposta!
Uma das maneiras de o fazer é possibilitar ao cidadão encontrar no Estado a figura exacta a quem se possa dirigir e de quem possa obter provimento para a sua queixa ou para o seu anseio. Neste momento isso não existe! Existe apenas, e tão-só, o reconhecimento da necessidade da criação de alguém que faça isto.
O Governo não quis assumir esta grave lacuna, não quis dar-lhe o remédio que deveria dar e que consiste, em nosso entender, na criação do Promotor Ecológico. O que é que o Governo fez: estendeu, digamos assim, as competências do Instituto Nacional do Ambiente à área da Provedoria, em termos de ecologia e de ambiente. Quanto a nós fê-lo mal, porquanto as competências do Instituto Nacional do Ambiente estavam já estabelecidas na Lei de Bases do Ambiente - que começa a ser conhecida como «a lei sempre virgem», uma vez que não há quem se atreva a regulamentá-la, pois há mais de dois anos que aguarda pacientemente para ser regulamentada.
Esta lei não só define as obrigações e os direitos dos cidadãos, em matéria de correcção e da prevenção de desvios em relação ao equilíbrio ambiental, como também as competências do Instituto Nacional do Ambiente.
Mais tarde, canhestramente, diria, o Governo veio a atribuir competências de Provedoria a um órgão colegial, que durante dois anos não teve orçamento, não teve sede, não teve lei orgânica. Ora, assim sendo, é mais do que óbvio que todas as pequenas e grandes queixas dos cidadãos têm de cair «no saco sem fundo» da Provedoria de Justiça, uma vez que o Sr. Provedor de Justiça não pode tomar em mãos todos os múltiplos casos que lhe chegam diariamente. Aliás, ele tem--se queixado, e temos de compreender que não pode fazer tudo nem é, de facto, a figura indicada para o fazer. Ele deve atacar as grandes questões e, em nosso entender, não pode andar a mandar remover lixeiras, a mandar despoluir regatos ou a mandar investigar plantações de eucaliptos, caso a caso.
Pensamos que este trabalho poderia ser feito pelo Promotor Ecológico, cuja definição é feita na nossa proposta de artigo 23.º-A, que é do seguinte teor:

1 - Os cidadãos podem apresentar queixas ao Promotor por acções e omissões de qualquer pessoa ou entidade que atente contra o equilíbrio ecológico.
2 - O Promotor Ecológico é um órgão público independente, cuja função visa a defesa dos direitos dos cidadãos consagrados no artigo 66.º e na lei.
3 - A actividade do Promotor Ecológico é exercida sem prejuízo das atribuições do Provedor de Justiça e dos meios graciosos e contenciosos legalmente previsto.

Não colhem, pois, nesta matéria os argumentos que foram aduzidos na comissão sobre a tentativa de pulverizar os órgãos a quem cabe analisar e tratar as queixas e os anseios dos cidadãos. Há experiências noutros países, já com largas dezenas de anos, tanto quanto sei positivas, da existência de um Provedor de Justiça e da existência de um promotor para os consumidores e para o ambiente.
É uma experiência que deveríamos encetar, que teremos de encetar mais tarde ou mais cedo, pelo que a melhor altura era agora.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Herculano Pombo acaba de bater-se dignamente pela sua dama que, valha a verdade, é uma bela dama e bem merece que por ela tercemos algumas armas. Conhecemos, é óbvio, a palinódia da argumentação a contrario que foi produzida nos debates da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e que tem sido aduzida neste Plenário com razões, motivações e direcções por vezes inteiramente distintas.
O que se pretende, contra Os Verdes, é que a Provedoria de Justiça, na linha clássica dos Ombudsman, deva deter a completude da intervenção, em terrenos de encaminhamento das queixas, das petições e das reclamações dos cidadãos. Há mesmo quem chegue a pensar que a criação de uma Promotoria Ecológica pode vir a ser mais uma escolha no sentido do reforço dos órgãos estatais, multiplicados ad nauseum, que propriamente a instituição de um ente útil à melhoria da qualidade de vida e do ambiente sadio a que temos direito.
Pensamos que a argumentação, salvo o devido respeito, não é definitiva nem convincente.
Em momento histórico concreto, defenderam alguns dos Srs. Deputados presentes no Hemiciclo e que, a seu tempo, não deixarão de intervir, a criação de uma Alta Autoridade contra a Corrupção, o que significa que entenderam que as especiais circunstâncias que se viviam num domínio nevrálgico justificavam a existência de uma entidade que pudesse intervir, de maneira mais activa e especificada, contra o escalvacho das ilicitudes económica e criminais. Nós aplaudimos, pudemos, inclusivamente, intervir, recentemente, de forma melhoradora, na lei relativa à Alta Autoridade contra a Corrupção e pensamos que, mutatis mutandis, se deveria aplicar, no caso concreto, a mesmíssima filosofia. Sem pôr de parte a competência do Provedor de Justiça em todas as áreas que lhe respeitam, designadamente, na tutela dos interesses públicos latentes, interesses colectivos difusos e daquilo que mais importaria até reforçar, na linha do que observámos no debate do trafego anterior, a opção por um Promotor Ecológico teria, indubitavelmente, a grande vantagem de constituir uma espécie de especial para, no plano das instituições, desenvolver a defesa pertinaz e consequente de uma ecologia estruturada e de um teor de existência sem o qual não é pensável sequer a vida neste final de século, quase início do século XXI.
Creio que a argumentação lavrada neste terreno não tem a ver directamente com um segmento lógico que possamos considerar, a todos os níveis, inatacável, e que não pode opor-se, com êxito, a uma outra argumentação que, longe de defender a profusão de entidades deste género, entende justificar-se, pela sua natureza singular na esfera da ecologia, a criação de uma entidade como a que é proposta.
Pela nossa parte, mantemos o apoio à proposta do Partido Ecológico Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

Votos do PSD em votar contra esta proposta do Partido Os Verdes.

O Partido Os Verdes falou aqui muito em razões técnicas e não técnicas, e disse querer defender o meio ambiente com esta proposta. Julgo que é exactamente o contrário: não se defende o meio ambiente com propostas deste género, dizendo, ainda por cima em termos de justificação, que o Provedor de Justiça está assoberbado com trabalho, pelo que não se pode, de maneira alguma, deixar esta questão para o Provedor de Justiça. Das duas uma, Sr. Deputado Herculano Pombo: ou esta questão não é importante é uma questão menor; ou é uma questão de tal maneira importante que não pode ser, sem dúvida alguma, deixada a qualquer outra entidade.
Este é um dilema que os senhores tinham que justificar com a vossa proposta mas não o fizeram! Se, de facto, as questões do meio ambiente são menores, então, Sr. Deputado Herculano Pombo, entendemos porque é que os senhores vêm aqui com a questão do Promotor Ecológico.
Para nós, as questões do meio ambiente são importantes, mesmo decisórias, numa sociedade contemporânea dos anos noventa e, por isso entendemos que estas competências devem caber, sem dúvida alguma, ao Provedor de Justiça. É uma entidade dignificada pelo seu trabalho do dia-a-dia, reconhecemo-lo, e também nesta matéria, sobretudo, para defender as questões do meio ambiente.
Sr. Deputado Herculano Pombo, dizer aqui que o Provedor de Justiça não se deve preocupar com as questões do eucalipto, por exemplo, é o mesmo que dizer que essas questões, nomeadamente, não são importantes, não têm a dignidade suficiente para o Sr. Provedor de Justiça se preocupar com elas. Não é esse o nosso entendimento. Continuamos a entender que não pode haver vários provedores de justiça, cada um sectorialmente repartido para assim melhor poderem desempenhar competências. Pensamos que as competências devem ser unificadas e vistas em termos globais, para que o Provedor de Justiça possa desempenhar cabalmente as suas competências em todas as áreas em que for chamado a intervir.
O Sr. Deputado Herculano Pombo diz depois, na justificação à sua proposta, que existe aqui uma lacuna grave. Como já disse antes, essa é uma clara contradição em relação ao seu raciocínio.
Por um lado, reconhece que estas competências cabem ao Provedor de Justiça, mas depois afirma que existe uma lacuna grave relativamente a esta matéria. Não existem várias lacunas graves sectoriais, o que existe é apenas uma amplitude de competências e que todas elas cabem ao Provedor de Justiça.
Por todas estas razões, entendemos que a melhor maneira é, de facto, rejeitar esta proposta, já que temos uma noção perfeitamente cabal e, ao mesmo tempo, completa dos vários problemas que se põem à sociedade contemporânea, nomeadamente os problemas relativos ao meio ambiente.
Assim, sem dúvida alguma, não faz sentido fazer propostas sectoriais como esta que o Partido Os Verdes hoje aqui assim nos traz à colação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Presidente, intervenho brevemente, para explicar quais as razões

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

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O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, sobre o entendimento do PSD nesta matéria estou suficientemente esclarecido - já o estou desde há tempo -, sei que para o PSD as questões ambientais são uma preocupação permanente e enquanto forem uma preocupação têm um rendimento político que têm vindo a ter, portanto, há que aguentar isto no campo das preocupações.
Põe o Sr. Deputado Luís Ramos a questão de saber qual é o tamanho da cousa ambiental. Pois dir-lhe-ia que a cousa ambiental tem, pelo menos, o mesmo tamanho que a coisa da corrupção neste país. Pelo menos, esse tamanho tem. E se a coisa da corrupção neste país, sendo grande, tem uma alta autoridade para a combater, a coisa do ambiente, sendo quiçá maior, terá de ter uma alta autoridade, um provedor, um promotor, uma figura de Estado para prevenir, combater e instigar, digamos assim, os cidadãos a que cumpram o seu sagrado dever de exercerem conforme, a lei lhes permite, o seu direito e o seu dever à correcção e, principalmente, à prevenção dos desequilíbrios ambientais.
Sei que nesta matéria, Srs. Deputados, estou a pregar aos peixinhos. Enfim, de certo modo é gratificante pregar a peixinhos, enquanto os há. Vamos pregando aos ditos, enquanto os há, porque daqui a algum tempo não vai haver nem peixinhos para a gente pregar. Agora aquilo que vos garanto é que o PSD, o PS, o PCP podem votar a favor ou contra desta vez, mas vai ter de ser encontrada uma solução para este buraco sem fundo. É um buraco talvez maior do que aquele que apareceu agora nas contas públicas. É um buraco, seguramente, quase do mesmo tamanho que o buraco de ozono.
Este buraco, que o Governo tentou tapar com um pequeno remendo, como há pouco referi, dando estas competências ao Instituto Nacional do Ambiente, que é uma coisa que, para quaisquer efeitos, não existe, a não ser para, enfim, distribuir alguns dinheiros magros por algumas associações ecologistas, tentando fazer dele um provedor ecológico o que é no mínimo, uma medida canhestra.
De qualquer modo, fica o reconhecimento que o Governo tem, da necessidade que alguém faça este trabalho. É um trabalho tão digno como outro qualquer, mas que tem de ser feito ao mais alto nível. E um trabalho que compete neste momento ao Provedor de Justiça e, como tal, os cidadãos a ele se têm dirigido, mas manifestamente, o Sr. Provedor de Justiça - este, que o desenvolve bem, ou outro qualquer que o desenvolveria também bem - não o pode fazer. Isto porque são perpetrados, diária e permanentemente atentados que são esquecidos e que, enfim, só são lembrados quando trazem dividendos políticos ao Governo.
Não há cidadão que resista. Não há política de ambiente em Portugal, não há política de consumidor em Portugal! O cidadão português, o consumidor, enquanto tal, não têm a mínima protecção, para além daquela que decorre da protecção diáfana do manto da lei que nem sequer é regulamentada, que nem sequer existe de facto: existe apenas na cabeça daqueles que a inventaram, não existe no dia-a-dia.
Quem é que vai deitar mão a uma situação destas? Será que têm de ser os tribunais internacionais, aos quais, sucessivamente, os cidadãos portugueses vão apresentando queixas contra o Governo português? Não seria melhor, não seria mais digno para todos nós, a criação de uma figura de Estado, a quem pudéssemos
queixar-nos no dia-a-dia e que pudesse, paulatinamente, melhorar esta situação? Pensamos que sim, havemos de ter razão um dia.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luis Ramos (PSD): - Sr. Deputado Herculano Pombo, entendo perfeitamente que não tenha argumentos, pois parece não ter e se refugie na velha história dos peixinhos. Estava à espera que o Sr. Deputado carreasse para a discussão argumentos válidos, em resposta àquelas interrogações que lhe coloquei, mas o Sr. Deputado vem falar-me no buraco de ozono e nos peixinhos.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não é do ozono! É das contas públicas!...

O Orador: - Sr. Deputado, francamente, há-de convir que está a fazer um mau serviço ao Promotor Ecológico.

O Sr. Deputado Herculano Pombo falou aqui en passante, ao que sei, em corrupção. Se V. Ex.ª entende que também nesta parte do meio ambiente há corrupção, obviamente que a Alta Autoridade contra a Corrupção é o meio idóneo e eficaz para o Sr. Deputado ou alguém carregar todas essas informações e todas essas solicitações.
Por outro lado, em relação ao Provedor de Justiça continuo a não entender a sua posição, pois das duas uma: se é importante o meio ambiente, o Provedor de Justiça é sem dúvida nenhuma a autoridade capaz e eficaz nessa matéria; se não é importante, o Sr. Provedor de Justiça tem tantos problemas que o preocupem. .. O Sr. Provedor de Justiça preocupa-se ou não com os problemas do ambiente? Parece que sim e que faz bem o seu trabalho, segundo disse o Sr. Deputado, mas ao mesmo tempo não responde às vossas solicitações. Então, em que é que ficamos: trabalha bem e não faz nada ou fazendo nada trabalha mal. Continuo a não entender.
Relativamente à questão de saber qual a razão de fundo para esta proposta, Sr. Deputado Herculano Pombo, ela ficou no vazio, talvez mesmo no buraco do ozono que talvez nos cause mais problemas do que propriamente esta pois não existe qualquer lacuna legal, bem pelo contrário.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, a figura do Provedor de Justiça é uma magistratura moral de grande importância que, nesta Revisão Constitucional, procura ainda um recorte institucional definitivo, como vimos pelas soluções que foram delineadas no número anterior.
A ideia de agendar à figura do Provedor de Justiça um Promotor Ecológico abriria espaço à proliferação de provedores de justiça, quando ainda não está provada, com toda a consistência, as possibilidades que essa figura de magistratura moral tem. Nesse sentido,

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já foram aventadas, ao nível do debate público em Portugal, não só a criação de um provedor ecológico ou promotor ecológico, como lhe queiram chamar, como o provedor das crianças, o provedor das mulheres, o provedor militar, uma infinidade de soluções que radicam apenas não na legítima particularidade dos temas que o provedor iria tocar mas, sobretudo, no prestígio da figura do Provedor da Justiça.
Neste sentido, pensamos que a proliferação desta figura do Estado seria, nalguma medida, uma desvalorização do actual Provedor de Justiça na sua configuração presente.
Por isso, pensamos inadequada a proposta do Promotor Ecológico, tanto mais que essa proposta tem resposta cabal, em termos dos seus objectivos, na proposta que o Sr. Deputado Herculano Pombo apresenta para o artigo relativo ao direito de acção popular, artigo 52.º, n.º 2, o qual admite não só o direito de queixa ao provedor, mas, muito mais do que isso, o direito de acção contenciosa quando estiver em causa a defesa dos direitos dos cidadãos e quando esteja em causa o direito ao ambiente.
O artigo 52.º, sobre o direito de acção popular, contém mais do que aquilo que é previsto nos direitos do Promotor Ecológico, que é apenas um direito de queixa. Ora, tratando-se de um direito de acção judicial, não é preciso, portanto, qualquer intermediário e, nesse sentido, tal como o Partido Socialista disse no debate, cada cidadão é neste caso um promotor do ambiente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Deputado Alberto Martins, ultimamente produzi nesta Assembleia duas intervenções focando casos concretos sobre a situação da poluição e dos atentados que estão a ser feitos ao meio ambiente, nomeadamente, na zona de Mafra e, ultimamente, também na zona de Alhandra - que hoje visitei no âmbito da Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente.
Estou de acordo com o Sr. Deputado quando diz que não se deve usar a figura do Provedor de Justiça para uma proliferação de vários provedores, como os que mencionou, das crianças, das mulheres ou de outro qualquer. A este respeito gostaria de colocar-lhe uma pergunta concreta.
Há cerca de três anos fiz vários requerimentos à Secretaria de Estado do Ambiente e através de uma exposição feita ao Sr. Provedor de Justiça denunciei a situação que constava de um relatório feito por várias entidades das Comunidades Económicas Europeias que se deslocaram a Portugal, concretamente à zona de Mafra, onde foram detectadas 47 fontes poluidoras. Até hoje, Sr. Deputado, não recebi qualquer resposta.
O ano passado, em Setembro, denunciei a calamitosa situação que se passa na vila de Alhandra, que como já disse tive hoje oportunidade de visitar, onde cerca de 10 mil pessoas estão ameaçadas por uma forte poluição produzida pela fábrica da CIMPOR. Aí, já foram detectadas várias doenças pulmonares e a população começa a fugir de lá, receando que ao longo dos anos que lhes restam não possam subsistir naquela zona.
Pergunto-lhe, Sr. Deputado, querendo defender a figura do Provedor de Justiça, com a qual estou de acordo, mas sendo nós confrontados com estas situações, para não falar já da bacia do Ave - que, como também deve saber, é calamitosa -, se, face ao alheamento que se verifica relativamente aos problemas ecológicos, ao aumento da poluição em Portugal em certas zonas, tem alguma justificação para a não criação de um Promotor Ecológico, além daquela que mencionou de que não se torna eficaz a criação de uma figura como essa, uma vez que já existe uma, mas que não se utiliza.
Qual é então a solução que o Sr. Deputado aponta? Não sendo a criação de um órgão independente, tal como o Promotor Ecológico, que poderia, de algum modo, vir substituir o Sr. Provedor de Justiça nesta situação, qual é a solução que o Sr. Deputado acha que se deveria adoptar, para resolver definitivamente o problema da poluição e da falta de defesa do meio ambiente que se verificam neste momento em Portugal?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Deputado Rui Silva, o Provedor de Justiça já neste momento tem a possibilidade de agir no âmbito da defesa do ambiente. Aliás, há uma norma constitucional e normas legais que lhe permitem agir nesse domínio.
O problema que o Sr. Deputado coloca é mais, até, uma questão de capacidade de accionamento judicial e menos da capacidade de recomendação de um provedor junto da Administração Pública. Tanto que esse direito de queixa até já foi exercido por uma autoridade que, nesse âmbito, é promotor ecológico. O Provedor de Justiça é, não só mas também, um promotor ecológico, tem essa capacidade e não foi por lhe ser conferida essa especialidade que os problemas ecológicos foram resolvidos.
A solução agora desenhada no texto constitucional, essa sim, atribui mais direitos, quer aos cidadãos individualmente considerados, quer às associações de cidadãos, para poderem não só exercer o direito de se queixarem ou de pedir que sejam feitas recomendações, mas também para exercerem o direito directo de promover e propor acções judiciais, quando estejam em causa a lesão de valores e direitos tão substantivos, como o direito à saúde, o direito ao ambiente, o direito ao património cultural, etc...
Portanto, na solução que iremos votar, e que está indiciariamente votada na comissão, consta já a consagração do direito de acção contenciosa (via judicial) de defesa do ambiente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ensina-nos Darwin que a vida evoluiu e que o homem, antes de o ser, terá passado por ser outra espécie, nomeadamente peixe.
Presumo, porém, que nesta altura do campeonato já os peixes terão entendido o que quero dizer, o que o Sr. Deputado José Luís Ramos ainda não conseguiu. Continuará a esforçar-se mas eu termino por aqui as explicações ao Sr. Deputado José Luís Ramos.

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Houve, certamente, um problema qualquer na evolução da espécie, mas não me cabe a mim resolvê-lo.
Quanto àquilo que foi dito pelo Sr. Deputado Alberto Martins, outras considerações terão necessariamente de ser feitas.
O que com efeito se passa, Sr. Deputado, é que também eu desejaria ser um fervoroso adepto, um ferveroso crente dessa quase religião dos dez ou onze milhões de promotores mais os que estão na emigração. Havíamos todos de promover tanto que havíamos de conseguir. Mas o problema é que os dez milhões, infelizmente, já tentam promover no seu dia-a-dia melhores condições ambientais, melhores condições de saúde, melhores condições sociais, melhores condições económica. E - valha-nos Deus! - não chegam as 24 horas do dia para cada cidadão prover às necessidades que decorrem do facto de ter nascido neste país e de aqui querer continuar a viver.
O problema que se coloca, não é de facto um problema de pulverização ao nível dos dez milhões.
Também não vejo porque é que o PS tem tantos problemas em criar ou apoiar a criação de uma nova figura quando, afinal, apadrinhou a criação da Alta Autoridade contra a Corrupção da Alta Autoridade para o Audio-Visual e, a seu tempo veremos, quando propuser a criação de um Provedor Adjunto porque o Provedor de Justiça, coitadinho, está sobrecarregado.
Quem, afinal, tem vindo a propor tudo isto, tem sido o Partido Socialista. Enfim, mais ou menos uma faria diferença?
É claro que não iríamos cair no exagero do provedor para os militares, do provedor para os porteiros de hotel, do provedor para os eclesiásticos. Não cairíamos nesse exagero.

Mas - que diabo! - o ambiente é tão-só esta coisa: é onde vivemos, e sem ele não vivemos. Além disso, esta proposta seria transitória, pois só seria necessário um provedor para as questões do ambiente enquanto as mesmas não fossem devidamente tratadas.
Vivemos um período de transição, vivemos um período de consciencialização de que estas questões são fundamentais. Se é agora - e não foi há dez ou vinte anos - que estamos conscientes disso e temos apenas dez anos para mudar, é precisamente agora que faz falta em Portugal - em muitos países até já existe e noutros virá a existir - um Provedor ou Promotor Ecológico. É, portanto, agora e não noutra altura qualquer.
Por isso, insistimos e insistiremos até à saciedade, até que voz nos doa, que é necessário aqui e agora um Promotor Ecológico.
Não é uma questão de birra, não é uma questão de fixação freudiana, mas é uma questão de necessidade vital para a sociedade portuguesa.
Se agora entendemos que é assim, também entenderemos que não fará falta nenhuma um Promotor Ecológico quando estas questões estiverem ultrapassadas, deixando, por isso de ter também razão de ser a existência de um partido ecologista ou de associações ecologistas, o que para nós seria a extrema felicidade. Mas, infelizmente, ainda temos razão de existir e já que existimos, façamos aquilo que entendemos que devemos fazer.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - É um pedido de esclarecimento muito breve ao Sr. Deputado Herculano Pombo.
Compreendo a sua descrença na resposta que possam dar os dez milhões de portugueses à acção colectiva - acção popular da defesa do valores ecológicos - que conseguimos fazer passar nesta Revisão Constitucional.
Mas o que não percebo, Sr. Deputado, é a sua descrença em relação aos 55 mil militantes do Partido Os Verdes! 55 mil autores de acções em tribunais! Que razia que vai ser na defesa dos valores ecológicos! E eu confio nesses 55 mil indivíduos; confio até em metade, num terço ou, mesmo, 10% desses 55 mil. Cinco mil e quinhentos autores de acções colectivas para defesa dos valores ecológicos, não há violador que resista!

Risos.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - O Sr. Deputado Herculano Pombo falou na Alta Autoridade contra a Corrupção, na Alta Autoridade para o Audio-Visual e falou no Provedor de Justiça, colocando tudo no mesmo plano.
A questão que ponho ao Sr. Deputado é a de saber se não estabelece uma distinção entre os poderes administrativos e de investigação criminal e os poderes do provedor, que são só apenas os de direito de recomendação.
Creio, portanto, que há aqui uma confusão muito nítida e grave de planos.

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Deputado Almeida Santos, começarei pelos «55 mil». Esse, de facto, era o número de ontem. É claro que hoje serão muitos mais os militantes ecologistas!

Risos do PS.

Estas coisas vão crescendo. Mas as estatísticas caminham lentamente e só alguns meses depois é que o próprio Governo vem a saber coisas que fez antes.
Mas, enfim, isso são problemas da estatística.

Agora, o que lhe queria dizer é que, de facto, reconhecemos, como muito positiva a revisão da parte ecológica da Constituição. Reconhecemo-lo aqui publicamente e continuaremos a reconhecê-lo. Igualmente reconhecemos como muito positivo o reforço do direito de acção popular. Mas também teremos que reconhecer que quando o povo toma nas suas mãos, individual ou colectivamente, o seu direito de acção popular, apanha com a nogueira - não a nogueira do ministro da Justiça mas das coronhas da Guarda Republicana.
Que fazer numa situação dessas? É ou não o povo a exercer o deu direito de acção popular? Penso que sim!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Isso é a Patuleia!

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O Orador: - É a Patuleia, ou será a Maria da Fonte. A verdade é que são factos do dia-a-dia e não os podemos ignorar.
Quanto às perguntas do Sr. Deputado Alberto Martins sobre a confusão de níveis, devo dizer que poderei estar eventualmente a confundir níveis, e até muitas mais coisas. Mas há uma que não confundo: é a necessidade que, de facto, existe da criação de um Promotor Ecológico, com argumentos de outra natureza para adiar esta solução.
Sei distinguir perfeitamente as atribuições do Provedor de Justiça das da Alta Autoridade contra a Corrupção e quais, eventualmente virão a ser as da Alta Autoridade para o Audio-Visual. O que não consigo distinguir é por que razão não havemos de encetar uma experiência nova, da qual colheríamos ensinamentos preciosos que constituiria um património, donde poderíamos tirar ensinamentos, assim como outros países.
Temos uma situação ambiental específica, temos um povo que do ponto de vista ambiental e do consumidor está completamente desprotegido e sobre os tais 55 mil que até agora se queixaram, deixava uma pergunta no ar: quantos destes 55 mil é que já viram respondida a sua pretensão de ver corrigida a situação em que se sentem envolvidos? Eu apostaria em zero. Pergunto: qual é o tribunal, com a celeridade que os nossos têm, que dá prioridade a uma questão que tem que ver com o consumo de uma lata de atum estragada, ou de um areeiro que vai escavando até que a casa caia dentro do lago ou, ainda, que dá prioridade a uma questão que tem a ver com plantação de eucaliptos, que ainda por cima é polémica e envolve interesses obseuros de quem está no Governo? Qual é, afinal, o tribunal que dá prioridade a estas questões?

Penso que nenhum porque, entretanto, existem outras questões como a do neto que matou a avó, a dos dois homens que estão há quatro dias num contentor, do polícias que mata miúdos ou que mata colegas ou até a dos polícia que não quiseram arrancar os cartazes que colaram para a manifestação, etc. Se, afinal, há tanta coisa para resolver neste país porque diabo haviam os tribunais de se preocupar com a lata de atum estragada?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Isto é que é uma lata!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, damos por concluído o debate do artigo 23.º-A, ficando para votação a proposta apresentada pelo Partido Os Verdes.

Relativamente ao artigo 23.º, informo que o PCP comunicou à Mesa que retirava a proposta de aditamento de um n.º 4. Logo, em relação à proposta do PCP, fica apenas para votação a proposta de substituição do n.º 3.

Srs. Deputados, passamos, agora à discussão do artigo 24.º Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Peço a palavra para justificar a única alteração proposta ao artigo 24.º, que é da autoria do meu partido e que se traduz em esclarecer aquilo que é objecto de protecção através do n.ºs l e 2, mas sobretudo do n.º 1 deste artigo 24.º
Para o CDS é claro que a protecção da vida humana, que se alcança com o artigo 24.º da Constituição e que, sem dúvida, constitui uma base fundamental de toda a arquitectura constitucional dos direitos fundamentais, é a vida humana entendida de acordo com os instrumentos da ciência que hoje estão ao nosso dispor. É a vida humana desde o momento da concepção, é a vida humana intra-uterina que está considerada no n.º l do artigo 24.º da Constituição.
Não são sós os ensinamentos da ciência que nos fundamental esta opinião como, também, a própria economia deste preceito, a própria sucessão do n.º l e do n.º 2 que, a nosso ver, justificam esse entendimento.
Portanto, para o CDS é claro que é assim, que sempre foi assim e os constitucionalistas o quiseram assim.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Era o que faltava!

O Sr. António Vitorino (PS): - Os constituintes talvez sim, os constitucionalistas talvez não!

O Orador: - Não faltava não, Sr. Deputado José Magalhães!

Sr. Deputado António Vitorino, agradeço-lhe penhorado a correcção que foi utilíssima. É evidente que me queria referir aos constituintes e não aos constitucionalistas. Sei que, infelizmente, alguns constitucionalistas não comungam do nosso ponto de vista.
Desde logo, Sr. Deputado António Vitorino, a razão da nossa intervenção e da nossa proposta radica, precisamente, na circunstância de terem surgido dúvidas a este propósito. Dúvidas que, deste logo, se traduziram na intervenção do Tribunal Constitucional que, em acórdão proferido em 1984 sobre legislação saída da Assembleia da República, cuja inconstitucionalidade foi pedida pelo meu partido, precisamente porque comungava do entendimento de que essa legislação violava o disposto no artigo 24.º e a protecção da vida tal como a Constituição a queria, entendeu que não era inconstitucional essa disposição legal, de uma forma extremamente dividida por razões fundamentais dos juizes e fundamentadas nos seus próprios votos.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Ah, isso estão, mas não no sentido que o Sr. Deputado diz!

O Orador: - Entendemos que esta dúvida deve ser desfeita.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não é nesse sentido!

O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães, agradeço que me deixe prosseguir na minha intervenção.
Ela não é uma dúvida para o povo português. Estão aí bem vivas as demonstrações de que ela não é uma dúvida para o povo português. O povo português entende que o nosso é o entendimento correcto e, porventura, terá sido ele que iluminou os constituintes e não os constitucionalistas.
O povo português entende assim e está isso expresso na forma como essa lei, cuja inconstitucionalidade pedimos, tem sido levada à prática, isto é, não tem sido levada à prática.
Entendemos, no entanto, que nesta matéria é fundamental desfazer dúvidas. E desfazer essas dúvidas constitui, para nós, uma obrigação fundamental e moral.

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Por isso, é que entendemos que esta matéria está acima de quaisquer jogos de oportunidade que se possam fazer em torno das votações desta Revisão Constitucional. Por muita dignidade que esses jogos possam, por vezes, ter.
Porém, nesta matéria, entendemos que não nos podemos prestar a qualquer contrabando de entendimentos ou desentendimentos e que, efectivamente, devemos apresentar as nossas posições, considerando que os que têm posições iguais às nossas as devem assumir frontalmente.
Não está em causa a forma de proteger a vida humana intra-uterina e extra-uterina; não está em causa a distinção que se possa fazer em relação a essa protecção. Está em causa, sim, a afirmação deste princípio constitucional que - volto a repeti-lo - é uma base fundamental para toda a arquitectura dos direitos fundamentais da nossa Constituição.
Foi essa a nossa intenção. É com esse sentido que fizemos a nossa proposta, que a mantemos integralmente e que a propomos à consciência e ao voto dos Srs. Deputados.

Aplausos do CDS.

O Sr. Jerónimo de Sonsa (PCP): - Foi fraco!...

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - E sobretudo lamentável!...

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, sem prejuízo da minha inscrição para uma intervenção, desejo fazer de imediato um curto pedido de esclarecimento, que, talvez, até possa dispensar a intervenção.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, não ficou bem claro, pelo menos no meu entendimento, embora a sua intervenção tivesse sido relativamente bem estruturada, a resposta a esta questão: o que é que o CDS pensa que esta inovação jurídico-constitucional acrescenta à nossa ordem jurídica portuguesa, no seu conjunto?

O Sr. António Vitorino (PS): - Acrescenta ou diminui!

O Orador: - Concretamente, no que toca à lei cuja constitucionalidade foi afirmada - diz o Sr. Deputado que em termos particularmente divididos - entende o Sr. Deputado que, a ser aprovada esta inovação legislativa, ela seria inconstitucional? A intenção do CDS é tornar essa lei inconstitucional?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Costa Andrade, como V. Ex." disse, a minha exposição foi relativamente clara, embora o seu comentário de relatividade, porventura, não seja um elogio. De qualquer forma agradeço-lho.

Risos do PS.

O que o CDS pretende, nesta matéria, é acabar com as ambiguidades respeitantes ao n.º 1. Isto é, o CDS pretende esclarecer, definitivamente, o que é que os constituintes - o que para nós era já claro, como tive ocasião de afirmar - entendiam por vida humana.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Portanto, a lei vigente será inconstitucional!

O Orador: - A lei vigente será inconstitucional, Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. António Vitorino (PS): - Passaria a ser!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na comissão o sentido do nosso voto para esta proposta foi de abstenção.
O que está aqui em causa é uma certa definição com carácter científico, discutível ou não. É uma evidência que a vida humana é inviolável, desde o momento da concepção, embora se possa questionar se a sua protecção e tutela não deve começar mesmo antes da concepção, sendo certo que é possível, em fases anteriores, pré-condicionar a morte de pessoas. Não serei eu, naturalmente, a pessoa mais indicada para falar sobre isto, pois não tenho grandes conhecimentos de genética, mas a vida humana é inviolável desde a concepção. Isto é uma evidência que ninguém contesta.
A proposta tem, desde logo, inconvenientes, na media em que relativista, ou seja, põe a tónica no princípio mas não acentua a questão do fim. Já que se fala do princípio, talvez se devesse dizer alguma coisa quanto ao fim, ou seja, quando é que a vida humana acaba, o que é extremamente difícil.
Vamos raciocinar, imaginando que esta proposta era aprovada, ou seja, que a Constituição da República passaria a ter a redacção que o CDS acaba de propor. Em que é que este dispositivo iria alterar, isto é extremamente importante e é preciso clarificar as coisas, a legislação do aborto? A resposta é extremamente simples: em nada!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Nada!

O Orador: - Isto não alteraria em nada a matéria de legislação do aborto e vou tentar explicar porquê.
Com a consagração desta proposta, a ordem jurídica portuguesa ganhava, o que de resto já era óbvio, esta certeza: a partir do momento da concepção o bem jurídico vida, que o Estado está obrigado a proteger, está aí. É uma evidência que ninguém contesta. Está aí um bem jurídico fundamental a partir do momento da concepção vida. A partir do momento da concepção está aí o bem jurídico na sua plenitude vida. Isto para nós é uma evidência!
Só que dar um salto a partir daí e dizer que o Estado está obrigado a recorrer a um específico, entre outros, meios de tutela, que é a tutela penal, através do abono, é um salto que ninguém hoje pode dar.
Em termos de doutrina e de Direito Constitucional vigora esta regra extremamente simples e hoje relativamente consensual na doutrina: não há imperativos

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constitucionais de criminalização. O legislador, em concreto e em relação a cada bem jurídico, terá de decidir se a reacção criminal é adequada ou não, é justa ou não, é necessária ou não. O legislador constitucional nunca condiciona - isto é hoje uma evidência que ninguém contesta - na doutrina constitucional/penal, chamemos-lhe assim, não existindo, portanto, nesta questão qualquer imperativo constitucional. O legislador constituinte oferece ao legislador ordinário um bem jurídico fundamental, que é a vida humana, restando ao legislador ordinário escolher, de entre a panóplia de meios, quais os que julga mais adequados para proteger aquele bem jurídico e para isso pode recorrer à criminalização do aborto ou pode entender que este não é o meio mais adequado. Só que isto é um problema de Direito ordinário e quem quiser resolver este problema tem de o fazer nessa sede, porque com esta norma fica tudo exactamente como está, no que toca às relações entre o legislador constituinte, por um lado, e o legislador ordinário, por outro.
O chamado discurso da criminalização é um discurso muito complexo onde o primeiro ponto a responder é o seguinte: há um bem jurídico fundamental digno de tutela?
Se a proposta do CDS fosse aprovada, teríamos respondido afirmativamente a esta questão. Mas, depois, surge toda uma série de questões, como as de adequação da lei penal, de peso relativo entre os custos e os benefícios, em que só a resposta positiva obrigaria a concluir que o legislador ordinário está obrigado a criminalizar.
Portanto, o problema do aborto não se resolve rasgando aqui as vestes, a propósito deste artigo, para depois se desprezar o problema a nível da legislação ordinária, como também não se resolve promulgando apenas uma lei ordinária para depois se esquecer de tudo que tem de ser feito, como, por exemplo, de todas as energias que têm de ser gastas para mobilizar a sociedade, para interiorizar na consciência colectiva a necessidade de lutar contra uma praga, que todos reconhecemos como tal, que é o aborto.
Por isso, não basta de vez em quando, em certas épocas de mais ou menos ritual, escolher determinados momentos e dizer: aqui está a nossa festa, fazemos esta festa e isto passa na Constituição, esquecemos a parte da legislação ordinária ou, eventualmente, passa na legislação ordinária e esquecemos aquilo que é fundamental, que é a luta no terreno contra o aborto, ou seja, é a luta contra o aborto efectivo e real.
Portanto, Sr. Presidente, eram estas, fundamentalmente, as considerações que nesta fase se nos afigurava fazer.
Em suma, se o que o CDS quer é restaurar a criminalização do aborto o caminho não é este, porque só o legislador ordinário o pode fazer, havendo para isso os mecanismos normais, e muito me espanta que o CDS ainda os não tenha activado.
No entanto, só a criminalização do aborto pelo legislador ordinário pode resolver este problema, porque da definição desta norma, tal com ela está - e vou agora usar um palavrão alemão, pois já se usaram aqui tantos...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - É mais um!

O Orador: - ... -, não resulta, nem neste domínio nem em nenhum outro, algum verfassungsponalisierungs-gebole, não há qualquer imperativo constitucional de
criminalização. Não há nem neste domínio nem em qualquer outro. De resto, repito, isto é hoje consensualmente admitido, e, portanto, a minha intervenção, mais do que uma contestação à proposta do CDS, é um conselho: o caminho não é este.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Herculano Pombo e Nogueira de Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - O Sr. Deputado Costa Andrade confessou, humildemente, que nada percebe de genética. Aliás, penso que nenhum de nós é obrigado a perceber uma coisa que apenas agora começa a dar os primeiros passos e que começa já a ameaçar-nos a todos - a questão da engenharia genética, da manipulação genética.
Devo confessar que tenho pena de - e é uma mágoa que me fica deste processo de Revisão Constitucional - não termos sido capazes de abordar ou aflorar sequer estas questões da manipulação genética, de engenharia genética e a sua relação com o quadro jurídico que temos, porque são questões que vão cair-nos em cima, mais tarde ou mais cedo, e para as quais não teremos sequer uma resposta incipiente.
Uma vez que o Sr. Deputado fez uma afirmação que, de algum modo, poderá ser polémica quando afirmou que a vida humana pode ser violável mesmo antes da concepção, gostaria de perguntar-lhe, em primeiro lugar, que respostas tem, hoje, o nosso quadro jurídico para estas questões, ou seja, para a possibilidade de a vida humana ser violável ou manipulável antes mesmo da concepção.
Por outro lado, deve esta questão assumir foros de discussão ao nível do Direito Constitucional ou só ao nível do Direito ordinário?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Costa Andrade, sempre lhe digo que a via utilizada por V. Ex.ª - aliás, com grande coerência, porque já foi exactamente a mesma em sede da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional -é, apesar de tudo, uma via tortuosa e vou explicar porquê.
O Sr. Deputado pergunta-me o que é que pretendemos com esta alteração e se, neste domínio concreto, pretendíamos que fosse declarada inconstitucional a lei que despenalizou o aborto. Honestamente respondo-lhe - não posso fazê-lo de outra maneira - que eu pretendia que fosse declarada inconstitucional. Mas, pelos vistos, V. Ex.ª não pretendia, porque, quer V. Ex.ª, quer o PSD, entendem que não é a via da criminalização a via para combater o aborto. Muito bem, Sr. Deputado. Só que essa questão há-de discutir-se noutro plano, ou seja, no plano da legislação ordinária. Estamos inteiramente de acordo! Mas por que é que V. Ex.ª quer conhecer as minhas intenções para votar este preceito, se está inteiramente de acordo com ele?

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Agora, diz-me V. Ex.ª que o CDS vem aqui porque vem fazer uma festa. Sr. Deputado, desculpe-me, mas não posso admitir-lhe isso! Não vimos aqui fazer qualquer festa. O que entendemos é que estávamos obrigados a tratar este tema, nesta altura, porque esta questão foi levantada precisamente a propósito desta legislação. Foi rigorosamente levantada e a dúvida sobre o preceito de Direito Constitucional fez vencimento num determinado sentido que não era aquele que nós, V. Ex.ª e o PSD partilham.
Portanto, Sr. Deputado, sentimo-nos na obrigação de levantar aqui este problema e não foi para criar problemas a quem quer que fosse. Entendemos, isso sim, que tínhamos a estrita obrigação moral de o fazer. E este o nosso entendimento.
O Sr. Deputado fala ainda na questão da legislação ordinária, dizendo «tenha paciência, mas faça outra coisa. Se quer alcançar esse resultado proponha aqui uma lei...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Proponham os senhores!

O Orador: - Lá iremos, Sr. Deputado, esteja descansado! Simplesmente, não estamos agora a discutir esse plano, estamos a desfazer uma dúvida que foi levantada, que surgiu e foi resolvida num sentido que não é aquele que nós atribuímos a este preceito. Também não é aquele que V. Ex.ª declarou. Isso está claríssimo. Aliás, congratulo-me com certas expressões e afirmações que V. Ex.ª teve, a outro propósito, esta tarde, e que vincaram bem que esse é o seu entendimento. Falou em «vida vi vinha», mas a propósito da «vida vivinha» V. Ex.ª foi claro e entende as coisas como nós entendemos.
Ora, se entende como nós entendemos, por que é que V. Ex.ª se abstém na votação deste preceito. Por que é que está a construir toda uma teoria de criminalização e de combate ao aborto?! Não, Sr. Deputado, agora estamos a tratar a questão noutro plano.
Se V. Ex.ª pergunta qual é a nossa intenção, só posso responder com a maior honestidade: não posso fazer aqui qualquer contrabando das nossas intenções para tentar alcançar o seu voto. Mas é essa a nossa intenção, Sr. Deputado! Se não é essa a sua intenção, o problema há-de pôr-se noutro plano e não neste.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou permitir-me trocar a ordem das perguntas, porque a intervenção do Sr. Deputado Herculano Pombo, sem menosprezo da sua importância, refere-se, digamos, a outra matéria.
Em primeiro lugar, penso que o Sr. Deputado Nogueira de Brito é um deputado inteligente e não pode fazer certo tipo de afirmações que fez, porque relevam de uma má compreensão daquilo que eu disse, imputando-me coisas que não afirmei. Penso que o Sr. Deputado deve ter-se apercebido que não o disse, senão teria feito antes alguns pedidos de esclarecimento nesta matéria.
Louvo-me de ter estudado estas questões há muito tempo, de conhecer o sentido das palavras e das afirmações, para não fazer aqui trocas e baldrocas nem
confusões como o Sr. Deputado fez na sua intervenção e nas imputações que me fez. E já vou explicar-lhe onde é que fez confusões gravíssimas que não devia ter feito.
Primeiro, o Sr. Deputado disse que pretendiam provocar a inconstitucionalidade da Lei do Aborto, enquanto que, pelos vistos, por aquilo que disse, o PSD não queria. Eu não disse rigorosamente nada disso. O que disse - a gravação, a Câmara e as pessoas com alguma honestidade intelectual estão aqui - foi apenas isto: «não se trata de pretender ou não (a questão não é essa) a inconstitucionalidade dessa lei; a questão é que esta norma não declara inconstitucionalidade de coisíssima alguma». Foi o que eu disse! Não se trata de pretender, isso foi posto entre parêntesis. Reconheça-me, Sr. Deputado Nogueira de Brito, o cuidado com estas coisas para não as misturar. Eu não disse coisíssima alguma disso! Eu não disse que eu ou o PSD pretendíamos ou não - foi o verbo que o Sr. Deputado utilizou - declarar a inconstitucionalidade. Esse problema não se me pôs. O problema que se me pôs foi o seguinte: esta solução é inócua e é inútil na perspectiva da inconstitucionalidade. Não se trata de pretender ou não. O que eu disse apenas foi que esta solução não resolve o problema e procurei desenvolver uma teoria de Direito Constitucional/Penal para demonstrar isto.
O Sr. Deputado fez outra acusação que também releva de uma má compreensão daquilo que eu afirmei. O Sr. Deputado disse que não queria a criminalização, porque a criminalização não era convosco. Sr. Deputado, neste ponto, estou situado num grau suficiente de reflexão para não fazer uma afirmação dessas. O que eu disse foi que a questão da criminalização ou não, é uma questão que o legislador ordinário tem de decidir. Apenas isto! E acrescentei algumas das condições que o legislador ordinário devia preencher para chegar ao juízo positivo de criminalização.
Eu não afirmei que era ou deixava de ser a favor da criminalização. Não disse coisíssima alguma disso, mas apenas o seguinte: desta norma constitucional não resulta qualquer imperativo de criminalização e disse mais, se se quer a criminalização, então, sigam-se as vias normais e estas são as da legislação ordinária!
Penso que isto é extremamente claro e é preciso tratarmos as coisas com seriedade, com rigor conceituai e com uma certa lealdade nas imputações que se fazem.
A intervenção do Sr. Deputado - desculpe que lhe diga - se não foi, subjectivamente, faço-lhe essa justiça, grave foi do ponto de vista objectivo. É que pôs na minha boca e na minha intervenção afirmações que não faço. Além disso, tenho dedicado a estas matérias o cuidado suficiente para ter a distinção e a cautela de discurso necessárias que se impõem.
Pergunta-me o Sr. Deputado Herculano Pombo se eu disse que já se podia agredir a vida antes da concepção.
A vida, como tal, não se pode agredir porque ainda não existe, mas podem é condicionar-se os projectos futuros de vida. Amanhã, em relação a uma vida futura, as taras genéticas, induzíveis através de todos os processos de manipulação genética que estão previstos, podem fazer com que essa vida já transporte em si o sinal da morte. Portanto, o que eu disse foi a que a vida humana começa com a concepção.

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Também me perguntou se a legislação dá resposta a estas questões. Respondo-lhe que esse é um problema que não se põe em sede de legislação constitucional mas, sim, em sede de legislação ordinária.
No entanto, se quer a minha opinião, digo-lhe que, neste momento, a legislação ordinária portuguesa ainda não dá resposta a estes problemas e que ainda é extremamente cedo para se tomarem opções legislativas.
É que, em genética, diz-se que cada dia que passa é um oitavo dia da Criação, isto é, em cada dia que passa, os conhecimentos renovam-se. Aliás, nesta Câmara, estão presentes médicos que, com mais propriedade do que eu próprio, podem testemunhar que neste campo é tal a aceleração que, hoje, é extremamente difícil para o Direito captar os fenómenos em termos de grelha normativa adequada.
Portanto, a minha resposta é muito clara: a ordem jurídica portuguesa não tem uma cobertura suficiente nestas matérias mas penso que, para já, é extremamente difícil dotá-la.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao último orador para defesa da consideração, lembro a todos que estamos sujeitos a uma dupla «guilhotina»: a do tempo semanal disponível e a dos tempos diários. Assim, se obedecermos a uma boa disciplina de horários, só ficaremos a ganhar.
Por isso, apesar de estarem inscritos mais quatro Srs. Deputados, a discussão deste artigo continuará amanhã a fim de terminarmos hoje os nossos trabalhos às 24 horas ou pouco depois, dado que entendo que devem ter lugar agora a defesa da consideração e a respectiva resposta.
Para defesa da honra e da consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito que dispõe de três minutos.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é uma questão de defesa da honra mas, sim, de defesa da consideração, principalmente, porque o Sr. Deputado Costa Andrade me merece muito respeito e não quereria que esta Câmara ficasse com a ideia de que eu teria utilizado algum estratagema de raciocínio ou dialéctico para confundir as pessoas acerca das palavras do Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Eu disse subjectivamente porque, objectivamente, não foi assim!

O Orador: - Não tenha dúvida nenhuma de que não foi assim, Sr. Deputado Costa Andrade. De facto, foi rigorosamente o contrário.
Na verdade, o que imputei ao Sr. Deputado Costa Andrade e à sua bancada radica nestas considerações, embora talvez haja algum defeito de expressão da minha parte, o que admito.
Antes de ter intervindo, V. Ex.ª disse que da resposta ao pedido de esclarecimentos dependeria a realização ou não da sua intervenção, tendo-me perguntado: «O que é que V. Ex.ª quer com isso? Quer obter a declaração da inconstitucionalidade do diploma que despenalizou o aborto?»

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Há algum mal nisso?

O Orador: - Além disso, estou influenciado pela discussão que tivemos em sede da CERC em que é bom recordá-lo - V. Ex.ª disse: «... mantenho o mesmo respeito por esse bem jurídico e penso que o aborto é uma agressão a um bem jurídico fundamental ...»
V. Ex.ª afirmou isto e, várias vezes, eu próprio repeti que tinha o entendimento de que VV. Ex.ªs assim pensavam. Mas, depois, V. Ex.ª acrescentou: «... só que, se o direito penal intervier nessa área, irá provocar mais estragos do que vantagens...»

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - Como vê, o Sr. Deputado José Magalhães confirma.
Sr. Deputado Costa Andrade, foi à luz de tudo isto que ouvi que interpretei as suas palavras, como pretendendo V. Ex.ª imputar ao CDS o objectivo de que o nosso partido só intervém na Revisão Constitucional para obter a declaração de inconstitucionalidade deste preceito.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - O problema não é esse.

O Orador: - Ora, não estamos interessados na intervenção em defesa deste bem jurídico, através da via da criminalização...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, já hoje lhe disse por três vezes que não é isso!

O Orador: - Sr. Deputado Costa Andrade, fico satisfeito com isso!

Portanto, fica claro que V. Ex.ª nunca quis dizer isso, que não é essa a sua intenção, o que, aliás, releva da coerência da posição do vosso partido. Porém, espero que, agora, VV. Ex.ªs saibam pautar o vosso voto nesta matéria por esse entendimento que têm.
Na verdade, trata-se de planos completamente distintos, não estamos a tratar desse plano. Portanto, havendo dúvidas, que V. Ex.ª reconheceu - aliás, reconheceu que, nesta matéria, havia uma pronúncia errada e um equívoco por parte dos tribunais -, vamos desfazê-las, Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, eu não disse nada disso!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Hoje, o Sr. Deputado Nogueira de Brito insiste em imputar-me afirmações que não proferi e não sei se o defeito será meu ou seu.
O Sr. Deputado afirmou que eu teria dito que havia dúvidas quanto ao problema que aqui se tratava. Ora, afirmei sempre que não há dúvida absolutamente nenhuma que uma norma como esta não se projecta na legislação ordinária em termos de inconstitucionalidade. Hoje em dia, isto é completamente claro, Sr. Deputado!
De facto, foi isso e só isso que me esforcei por lhe transmitir, tendo-lhe dito que não há imperativos constitucionais de criminalização. Nem sequer falei em tribunais! O que me esforcei por dizer ao Sr. Deputado

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foi que, com esta norma, o senhor não ganharia absolutamente nada em relação aos objectivos.
Assim, lamento que, de certa maneira, o Sr. Deputado me tenha levado a mal, com alguma deslealdade, chamando-me «tortuoso», pelo facto de eu lhe ter perguntado o que é que o Sr. Deputado pretendia com determinada proposta. Ora, naturalmente que eu tinha que lhe perguntar o que é que o senhor queria.
Aliás, perguntei-lhe, muito lealmente: «... os senhores querem declarar a inconstitucionalidade de uma determinada norma?» Responderam-me que sim e, então, limitei-me a dizer-lhes que, por este caminho, não se vai lá.
Foi tudo tão simples como acabo de lhe dizer, Sr. Deputado.
Repito que não foi por acaso que falei daquela forma e que usei aquelas expressões. Modéstia à parte, noutros domínios fá-lo-ei com mais leviandade mas, Sr. Deputado, devo dizer-lhe que pus muito cuidado nas expressões e nos conceitos que utilizei na minha intervenção, resumindo-a ao seguinte: o problema de criminalização do aborto é um problema de legislação ordinária.
É certo que também se poderia resolver este problema através da legislação constituinte se a aprovação desta norma tivesse este efeito, mas não tem, Sr. Deputado.
Na verdade, o senhor não encontrará nenhum constitucionalista, seja de direita ou de esquerda...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - O Tribunal Constitucional tirou consequências daqui!

O Orador: - Sr. Deputado, o Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre uma questão diferente. De facto, pronunciou-se sobre a questão de saber se, à luz do Direito Constitucional que era vigente antes da apresentação desta proposta do CDS, era ou não inconstitucional a Lei do Aborto, tendo determinado que não o era.
Sr. Deputado, eu próprio lhe digo que, hoje em dia, esta é uma evidência de una você, isto é, para todas as pessoas, discrepando, a nível da doutrina constitucional penal. E ainda bem que assim é, Sr. Deputado, porque é mais simples.
É que o legislador ordinário pode resolver este problema...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Costa Andrade, já esgotou o seu tempo disponível.

Srs. Deputados, para intervenções sobre o artigo 24.º, estão inscritos os Srs. Deputados Almeida Santos, José Magalhães, Odete Santos e Nogueira de Brito que usarão da palavra na sessão de amanhã.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se não for sobre matéria de Revisão Constitucional, não lhe posso dar a palavra.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - É, sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Amanhã, certamente abordaremos o artigo 25.º, no que diz respeito à submissão a tratos cruéis, degradantes ou desumanos.
Assim, quero informar a Mesa e a Assembleia que, às 23 horas e 30 minutos de hoje, terminou a situação...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, abusou um pouco da consideração que tive para consigo ao ter-lhe dado a palavra. Perguntei-lhe se queria fazer uma interpelação à Mesa sobre a matéria de Revisão Constitucional e, afinal, o Sr. Deputado está a querer pronunciar-se sobre uma outra questão totalmente diferente.
Srs. Deputados, a próxima sessão terá lugar, amanhã, às 10 e às 15 horas, com a continuação do processo de Revisão Constitucional.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram horas e 10 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António Maria Pereira.
Arménio dos Santos.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Dinah Serrão Alhandra.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
José Augusto Santos Silva Marques.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mateus Manuel Lopes de Brito.

Partido Socialista (PS):

António Magalhães da Silva.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Edmundo Pedro.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.

Partido Comunista Português (PCP):

João António Gonçalves do Amaral.
Manuel Anastácio Filipe.
Maria de Lourdes Hespanhol.

Deputados Independentes:

Maria Helena Salema Roseta.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António José Caeiro da Motta Veiga.
Fernando Monteiro do Amaral.
Flausino José Pereira da Silva.
Francisco Antunes da Silva.

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2320 I SÉRIE - NÚMERO 66

Gilberto Parca Madaíl.
Joaquim Fernandes Marques.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Mendes Bota.
Licínio Moreira da Silva.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.

Partido Socialista (PS):

Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Martins Vale César.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Jaime José Matos da Gama.
João Barroso Soares.
João Cardona Gomes Cravinho.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

José Carlos Pereira Lilaia.

Deputados Independentes:

Carlos Mattos Chaves de Macedo.

Os REDACTORES: Maria Leonor Ferreira - Cacilda Nordeste - Maria Amélia Martins - José Diogo.

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