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I Serie - Numero 67
Sexta-feira, 21 de Abril de 1989
DIARIO da Assembleia da Republica
V LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)
II REVISÃO CONSTITUCIONAL
REUNIÃO PLENÁRIA DE 20 DE ABRIL DE 1989
Presidente: Ex.mo Sr. Vitor Pereira Crespo
Secretaries: Ex.mos Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Cláudio José dos Santos Percheiro
Daniel Abílio Ferreira Bastos
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão as 10 horas e 15 minutos.
A Camara autorizou dois deputados a deporem como testemunhas em tribunal.
Prosseguiu o debate da revisão constitucional (artigos 24.º a 30.°).
Intervieram, a diverso titulo, os Srs. Deputados Almeida Santas (PS), Nogueira de Brito (CDS), José Magalhães e Odete Santos (PCP), Costa Andrade (PSD), Pedro Roseta (PSD), Herculano Pombo (Os Verdes), José Luis Ramos (PSD), José
Manuel Mendes (PCP), Alberta Martins (PS), Narana Coissoró (CDS), Isabel Espada (PRD), Assunção Esteves (PSD), Sottomayor Cardia (PS), Natália Correia (PRD), Adriano Moreira (CDS), Jorge Lacão (PS), Helena Roseta (Indep.), António Vitorino (PS), João Corregedor da Fonseca (Indep.), Rui Machete e Silva Morgues (PSD), Jorge Lemos (PCP) e Pais de Sousa (PSD).
Foram, entretanto, votados os artigos 13.°, 15.º, 16.°, 18.°, 19.°, 20.°,
20.°-A, 23.º, 23.°-A, 24.°, 25.° e 26.°
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 10 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 15 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Amândio dos Anjos Gomes.
Américo Santa Cruz D. Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Ramos.
António Fernandes Ribeiro.
António Maria Oliveira de Matos.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristídes Alves do Nascimento Teixeira.
Adindo da Silva André Moreira.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carla Tato Diogo.
Carlos Manuel Pereira Batista.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimiro Gomes Pereira.
César da Costa Santos.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos da Silva e Sousa.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Germano Silva Domingos.
Gilberto Parca Madail.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Humberto Pires Lopes.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João Maria Ferreira Teixeira.
João. Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Batista Cardoso.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Maria Assunção Andrade Esteves.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Manuel Avelino.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Manuel Oliveira Guterres.
Armando Amónio Martins Vara.
Carlos Manuel Martins do Vale César.
Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo Brito.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Lino António Marques de Carvalho.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
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Maria de Lurdes Dias Hespanhol.
Maria Odete Santos.
Octavio Augusto Teixeira.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Herminio Paiva Fernandes Martinho.
Rui dos Santos Silva.
Centra Democrático Social (CDS):
José Luis Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):
Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Deputados Independentes: João Cerveira Corregedor da Fonseca.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder a leitura dos dois relatórios e pareceres entrados na Mesa.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, deram entrada na mesa dois relatórios e pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos. O primeiro diz respeito a um pedido do 3.° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais, relativamente ao Sr. Deputado Pedro Domingos de Sousa e Holstein Campilho, no qual foi emitido parecer no sentido de autorizar o referido Sr. Deputado a depor como testemunha num processo que ali corre os seus termos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Pausa.
Como não ha objecções, vamos proceder a sua votação.
Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - O segundo diz respeito a um pedido do 3.° Juízo do Tribunal do Trabalho do Porto, relativamente ao Sr. Deputado José de Vargas Bulcão, no qual tambem foi emitido parecer no sentido de autorizar o referido Sr. Deputado a ali depor como testemunha.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esta em apreciação.
Pausa.
Como não há inscrições, vamos proceder á sua votação.
Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como sabem, na sessão de ontem ficou por discutir parte do artigo 24.°; tendo ficado inscritos, para intervirem, os Srs. Deputados Almeida Santos, José Magalhães, Odete Santos e Nogueira de Brito.
Como nem todos os oradores se encontram presentes, suspendo a sessão por cinco minutos.
Eram 10 horas e 20 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esta reaberta a sessão.
Eram 10 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontra-se presente a quase totalidade dos inscritos para esta parte final do artigo 24.° Aos nomes que mencionei anteriormente há que adicionar ainda o do Sr. Deputado Costa Andrade.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, a esta hora da manha será provavelmente deselegante a interpelação que vou fazer á Mesa. Ela é, no entanto, inteiramente necessária, em defesa do prestigio do debate da Revisão Constitucional.
Pela nossa parte, Sr. Presidente, não nos considera-mos disponíveis a admitir que comecemos a discussão dos artigos que vão seguir-se sem o quórum mínimo, que é constituído por 50 deputados presentes e não de assinatura, o que não se verifica neste momento.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado levantou uma questão pertinente.
Como sabe, ontem tive o cuidado de recordar - penso que o Sr. Deputado estava presente - que temos tempos de debate semanais. Se começarmos meia hora mais tarde isso significa que, no fim, vamos ter muita dificuldade para esgotar os tempos semanais. A Mesa estava presente exactamente as 10 horas e 15 minutos, como presentes estavam alguns Srs. Deputados e nada mais pode fazer do que apelar para que os Srs. Deputados se dirijam para o hemiciclo.
Peco, solicito, imploro aos grupos parlamentares que façam as diligencias necessárias junto dos seus deputados para que possamos ter as condições mínimas de funcionamento.
Como alguns Srs. Deputados estão a entrar, o que me faz crer que outros Srs. Deputados se encontram na vizinhança, não reinterrompia a sessão e aguardaria apenas que estivessem, presentes o numero de deputados necessários para completar o quórum.
Recordo aos grupos parlamentares a necessidade de sermos rigorosos relativamente as horas de inicio e de termo das sessões e tambem a necessidade de não injectarmos malarias correlativas ou outras matéras no tempo previsto para o debate da Revisão Constitucional.
Para interpelar a Mesa; tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, nenhum deputado requereu a contagem do quórum. Houve apenas um Sr. Deputado que sobre ele fez uma reflexão. Ora, uma reflexão não é um requerimento da verificação do quórum...!
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Pedia, portanto a V. Ex.ª que não tomasse as reflexões em substituição dos instrumentos regimentais que cada um tem ao seu alcance. Se com a utilização desses instrumentos a situação já é dificil, se levarmos em conta as meras reflexões que cada deputado pretende fazer sobre o quórum, pior ainda ela se torna.
O que eu solicitava, Sr. Presidente, era que cada Sr. Deputado que entenda requerer a verificação do quórum o faça regimentalmente e que V. Ex.ª lhe dê satisfação, mas só nessas circunstâncias.
O Sr. Presidente: - A Mesa reconhece que não estavam restabelecidas as condições para se continuar o debate, e, tem; o direito, de o reconhecer. Nessas circunstâncias, tomou a reflexão que o Sr. Deputado José Manuel Mendes fez como tendo implícito um pedido de contagem de quórum o que iria fazer imediatamente.
Aliás, a Mesa também já tinha verificado que as condições para o prosseguimento dos trabalhos não eram as adequadas e já tinha suspendido os trabalhos por cinco minutos.
Finalmente, a Mesa implorou e continua a implorar que se criem as condições minimas de funcionamento do plenário. Estamos quase em condições de o fazer e julgo mesmo que, neste momento, estamos em condições de o fazer, pois acaba de entrar o deputado que faltava para prefazer o quórum. Por isso, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, e em especial Sr. Deputado Nogueira de Brito: Talvez valha a pena rememorar que ontem a sessão foi interrompida, no momento em que estavamos a assistir a um debate muito vivo, e muito interessante entre os Srs. Deputados Nogueira de Brito e Costa Andrade, sobre o inciso «desde o momento da concepção» proposto pelo CDS para o n.º 1 do artigo 24.º
Mais uma vez pude constatar a vivacidade e o entusiasmo, diria mesmo a alegria, que o Sr. Deputado Nogueira de Brito põe na defesa dos seus pontos de vista.
Não resisto a prestar-lhe a homenagem porque é isso o que significa aquilo que vou dizer - de lhe referir que, cada vez que o vejo defender com essa vivacidade, por vezes sem razão, mas sempre com entusiasmo e com convicção, um ponto de vista, me lembra o saudoso deputado Amaro da Costa. Não vejo melhor maneira de o elogiar, neste momento, não obstante me encontrar, mais uma vez, em discordância consigo, como é natural.
O Sr. Deputado começou por fazer uma afirmação singular e ouvi-o discutir com o Sr. Deputado Costa Andrade qual o significado deste inciso «desde o momento da concepção». O Sr. Deputado Costa Andrade disse que ele não acrescenta nada, que não vem inconstitucional, a Lei do Aborto, e disse também que, do ponto de vista juridico- penal, não tem real significado.
Com surpresa minha o Sr. Deputado Nogueira de Brito veio a dar-lhe razão e discutiram não sei bem porquê. Discretiaram os dois mas estavam ambos de acordo, porque ouvi-o dizer que «já é este o entendimento do n.º 1».
Fiquei, portanto, um pouco mais á vontade para podermos manter o nosso voto contra algo que o próprio Sr. Deputado Nogueira de Brito considera que é inutil, pois o n.º 1 já tem o significado que continuará a Ter depois do acrescento.
Estou de acordo com o Sr. Deputado Costa Andrade em que este acrescento não passa, necessariamente, a ser um crime de homicídio, não obstante, para quem pretenda argumentar em sentido contrário, este acrescento dê algum jeito. Nessa medida, justifica-se o entusiasmo que o Sr. Deputado pôs na defesa do seu ponto de vista.
Devo dizer-lhe que tenho uma escala de adesões aos valores do menos para o mais. O Sr. Deputado está no topo, eu estou perto do topo. Na base eu coloco aquilo a que poderia chamar um cepticismo judicioso, que já tem alguma adesão, depois o agnosticismo, depois a convicção, depois a crença ou acto de fé. Paro na convicção - sou um homem de convicções -, o Sr. Deputado vai além de mim e vai mesmo até á crença, até á fé que põe na defesa de, pelo menos, alguns municípios.
Não estamos disponiveis para reiniciar esta querela jurídica ou filosófica sobre o problema de qual o momento em que começa a vida e que vida, sobre a qual é o valor tutelado. E isto até porque, quando digo que estou de acordo em que este inciso não transforma em homicidio o aborto, quero realçar o aspecto de que é assim, sem duvida, mas quando o n.º 1 refere que a vida humana é inviolavel, põe-se o problema de saber que vida.
Na Lei do Aborto em vigor - pela qual me bati, de que sou o principal autor, não há nenhuma especie de fuga a essa responsabilidade - coloca-se exactamente o problema do conflito de valores e o da escolha, por vezes, entre duas vidas.
Bem sei que é comoda - e há quem prefira essas comodidade - a posição de transformar Deus no próprio médico-parteiro. Deus que decida!!! Nós não nos podemos dar a essa comodidade e daí que, perante um conflito real de valores, tenhamos, no fundo defendido a solução suave - português suave - que está consagrada na lei em vigor.
Mas ainda relativamente á minha afirmação de há pouco, no sentido de que o Sr. Deputado estava de acordo com o Sr. Deputado Costa Andrade, quero referir que o Sr. Deputado fez uma afirmação singular que gostava de comentar. Disse V. Ex.ª «isso é assim até porque o povo já tem esse entendimento» - penso que não estou a atraiçoar a sua afirmação.
É claro que o povo é uma abstracção com muitos donos e aí temos o Sr. Deputado Nogueira de Brito como um deles. Fiquei cheio de curiosidade e gostava de saber qual foi o universo da sondagem que há-de Ter sido efectuada para que pudesse fazer essa afirmação e fico cheio de esperança que este tema venha a constituir o primeiro objecto do primeiro teste sobre o instituto do referendo, que vamos consagrar na Constituição.
Não tenho a menor duvida de que o Sr. Deputado Nogueira de Brito e o seu partido vão transformar o aborto no primeiro teste do instituto do referendo,
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pelo que fico cheio de curiosidade para saber se o povo já tem o entendimento do Sr. Deputado Nogueira de Brito e fico preocupado se esse projecto aborta.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Em primeiro lugar quero agradecer, muito sensibilizado, ao Sr. Deputado Almeida Santos, as referencias que me quis fazer no inicio da sua intervenção, pois, para mim, a comparação com o meu saudoso amigo Amaro da Costa, que foi um gigante deste Parlamento e um gigante do meu partido, constitui, de facto, o maior elogio que me podem fazer.
Ele foi alguém que pôs sempre, tanto na sua vida politica como na sua vida pessoal, esse toque de alegria e de entusiasmo, que tinha por base uma grande adesão, que ele protagonizava, em relação a tudo aquilo em que acreditava efectivamente. Toda a sua actividade era desenvolvida na base de crenças profundas, o que lhe dava esse estilo de actuação, que era um estilo que vinha de dentro.
Sr. Deputado, tomo as observações agradáveis que quis fazer-me como mais uma homenagem que os deputados desta Casa prestam a esse grande deputado que foi Adelino Amaro da Costa.
Sr. Deputado, queria apenas pôr-lhe uma questão: V. Ex.ª disse que eu estava de acordo com o Sr. Deputado Costa Andrade e é verdade, no sentido em que o mencionou. Afirmei, mais do que uma vez, que, para nós, era claro o sentido do n.° 1 do artigo 24.°
simplesmente, também afirmei que, embora entendesse que esse sentido era claro para o povo português - e verdade o que V. Ex.ª disse -, ele não era claro para muitos dos juristas chamados a interpretar a Constituição.
Acontece até que a consideração da sequência fornecida pelos n.ºs 1 e 2 tem levado alguns juristas a dizer que a vida cuja inviolabilidade é afirmada e defendida no n.° 1 do artigo 24.° e apenas a vida extra-uterina. E retiram argumentos nesse sentido do n.° 2.
Dai que tenhamos considerado ser esta a oportunidade para esclarecer essa duvida. Ela não existe para nós, ela não existe - graças a Deus, direi eu - para o PSD e é altura de a esclarecermos, uma vez que procedemos á Revisão Constitucional.
Há um outro assunto que eu queria abordar nesta minha intervenção e que nada mais e do que um esclarecimento que dou as questões que V. Ex.ª pôs. Queria agradecer a forma como o PS interveio no debate do artigo 24.°, a qual contribui para dar a esse debate um tom moderado e, porventura, desapaixonado, embora ele assente, da parte de alguns que nele intervieram, em crenças profundas. Ele deve, no entanto, ser um debate como qualquer outro, um debate desapaixonado e V. Ex.ª deu-lhe esse tom. Acho isso muito positivo vindo da sua bancada.
Depois, ha sempre a questão de estarmos aqui em dois pianos distintos ao estarmos a tratar do que a Constituição entende por inviolabilidade da vida humana, que e disso que estamos a tratar.
As consequências no âmbito do direito criminal serão tiradas noutra oportunidade, como noutra oportunidade serão tiradas as consequências no âmbito do referendo e, Sr. Deputado, devo dizer-lhe que aceito o desafio. No entanto, quero também dizer-lhe que se algum referendo o povo português já fez, fê-lo em relação a lei que despenalizou o aborto.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Isso não tem nada a ver com o aborto!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Só lhe posso dizer, Sr. Deputado Nogueira de Brito, que tenho muita pena de ser um homem de tão pouca fé. Deve ser agradável ter a fé que o Sr. Deputado tem.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jose Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Volta, meia volta, o CDS vai as cavalariças de ideologia e aparelha o rocinante da proibição do aborto! Isto é, volta, meia volta, o CDS pensa: «que hei-de fazer para mostrar que tenho duas diferenças em relação ao PSD?»
O aborto não é uma questão para ser instrumentalizada desta forma...
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Tem toda a razão! Apoiado!
O Orador: - ... e para ser cavalgado como se estivesse em jogo uma questiúncula politica. É uma questão séria.
Se o CDS soubesse escrever tinha proposto: «É proibido o aborto». Mas não sabe, como ontem o provou o Sr. Deputado Costa Andrade.
Estava a ouvi-lo, Sr. Deputado Nogueira de Brito e, infelizmente, lembrei-me daquele deputado de que a deputada Natalia Correia disse: «truca, truca». Essa expressão parece-me que é a que melhor caracteriza a posição do CDS nesta matéria.
Juridicamente o CDS não tem razão nenhuma. A vida intra-uterina tem direito a uma certa medida de protecção, que não pode ser de tal ordem que implique o sacrifício de bens essenciais, desde logo a liberdade de escolha da mulher e a compulsão a uma gravidez insuportável. Nada justifica isso!...
Há colegas seus que sustentam doutamente esta tese, proficuamente, sem fazerem chicana jurídica e menos ainda politica.
As razões que levam o CDS a sustentar esta causa insustentável, uma causa por definição anti-moderna, sacrificial, de uma liberdade fundamental e de uma concepção dos direitos da mulher numa sociedade moderna, e outra. É uma razão politica e essa não nos merece mais do que quinze segundos.
O problema aqui, para o CDS, e, de facto, o PSD. Não é a mulher, não é a gravidez, não são as crianças, não é a vida, o problema é o PSD!
O Professor Aníbal Cavaco Silva, cada vez que o interrogam sobre o aborto, engasga-se e o CDS
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Gosta! O CDS já delira perante a hipótese de confrontar p Professor Aníbal Cavaco Silva com esta questão, aqui na Assembleia da Républica ou em qualquer outro sitio.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - No adro da igreja!...
O Orador: - O Sr. Deputado Almeida Santos dizia: «o CDS há-de provocar um referendo sobre o aborto.» Esse referendo será um aborto, Srs. Deputados!...
Mas façam isso!!
O que seria necessário na sociedade portuguesa era que o Estado garantisse o cumprimento da lei, que hoje é escamoteada e violada por todos os lados. Isso, sim, seria necessário! A bem da estabilidade, a bem dos direitos da mulher, a bem do respeito pela vida, entendido devidamente.
Mas isso não acontece, os senhores não dizem nada. A vossa posição é hipócrita, é perfeitamente farisaica. Não adiantam nenhuma medida para defesa da vida, em termos práticos, na alteração das condições que conduzem a essa necessidade de fazer uma interrupção voluntária da gravidez. Não fazem nada!
A vossa posição é confortável! Volta, meia volta, levantam-se e dizem: «é proibido o aborto», com mais habilidade ou menos habilidade. Depois, sentam-se, tudo permanece com antes e a vossa hipocrisia continua.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Tudo continua como antes?
O Orador: - Meus senhores, esse debate é lamentável, nele não participamos. A vossa proposta talvez pudesse ser retirada mas se o não for votaremos contra.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Essa intervenção foi um aborto!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se entre nós, na galeria, alunos da Escola Primária de Campolide.
Aplausos gerais.
Para uma intervenção tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começaria a minha intervenção com uma frase do meu camarada José Magalhães em relação a esta proposta de alteração do CDS, a qual me parece importante trazer aqui a lume. O meu camarada disse que, o CDS não adianta nada em defesa da vida e isso é realmente verdade.
Da proposta do CDS não resultara a defesa da vida intra-uterina, como, aliás, uma larga e triste prática, com fartos exemplos, tem indicado. Não foi pelo facto de o aborto Ter sido reprimido penalmente que deixaram de se fazer abortos.
Conforme provam os dados estatísticos, em virtude da lei não ser cumprida - e interrogo-me se o CDS estará ou não de acordo, pois pareceu-me notar, da parte do Sr. Deputado Nogueira de Brito, um certo ar de regozijo, pelo facto de a lei não ser cumprida - metade das mortes maternas devem-se a abortos clandestinos. Isto em 1986, 1987 e 1988.
Dizia eu que, de acto, não é através da via da criminalização do aborto, conforme pretende o CDS, que conseguiremos defender a vida. Há muitas outras vias para defesa da vida e eu gostaria de aqui as recordar. Para defesa das crianças, para defesa da vida, há medidas a aplicar e a tomar em prol da maternidade e da paternidade conscientes,...
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Muito bem!
A Oradora: - ...coisa que não está a ser feita.
Em matéria de planeamento familiar - e o CDS, nesta matéria tem também posições retrógradas - há também muito a fazer e é fazendo o que, de facto, se defende a vida.
Recordaria aqui o que está a passar-se, em termos de atendimento dos jovens nos centros de saúde, onde as consultas especificamente para jovens existem apenas em Lisboa e Porto. No resto do País nada existe.
Há inquéritos extremamente interessantes nomeadamente do Centro de Saúde de Tavira, que revelam que os jovens desconhecem o planeamento familiar e que num ano apenas dez adolescentes recorreram a essas consultas.
Há muitos jovens que consideram imoral - e continuo a referenciar o inquérito feito em Tavira, onde a percentagem destes jovens é de 40% - os métodos de contracepção, talvez com regozijo do CDS.
A contrapor a esta situação grave em matéria de planeamento familiar, nomeadamente em relação à juventude, temos uma percentagem elevadíssima de mães adolescentes. Ainda recentemente veio publicado no «Diário Popular» que Portugal se encontra em quarto lugar entre os países da Europa com mais mães adolescentes com todas as graves consequências que daí advêm para os jovens.
Finalmente, Sr. Deputado, bem gostaria que o Sr. Deputado recordasse uma frase que consta de um documento resultante da Conferência Internacional Para Uma Melhor Saúde das Mulheres e Crianças, conferência que se realizou em 1987, em Nairobi, que é a seguinte: «uma gravidez não desejada deve ser considerada um risco específico para a saúde tanto das mulheres como das famílias.»
Vozes do PCP: - Muito bem!
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice- Presidente, Marques Júnior.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Sr. Deputado José Magalhães: Não retiro os cumprimentos que lhe tenho dirigido aqui, na Assembleia. Não é por causa de intervenções como a de hoje que retiro esses cumprimentos.
V. Ex.ª foi, dos elementos do seu partido, um dos que , mais contribui para arrancar das nossas ideias e dos nossos espíritos a estafada ideia da cassete. V. Ex.ª não falava por cassete.
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O Sr. José Magalhães (PCP): Pois não!... Truca, truca!
O Orador: - No entanto, de vez em quando não consegue fugir a esse estilo de discurso, sempre igual e rotineiro. Carrega num pequeno botão - não sei onde, talvez no seu casaco - e sai-lhe uma cassete, Só que lhe sai sempre a mesma!... Bom, o que é que lhe havemos de fazer?...
Espero que, cada vez mais, V. Ex.ª consiga fazer escola para si próprio e deixe de fazer intervenções a papel quimico nesta Assembleia.
Sr. Deputado, pode ter a certeza de uma coisa: não e qualquer desejo de afirmação de diferença relativamente ao PSD ou a qualquer outro partido que nos leva a fazer aqui esta proposta.
Suponho que todos os deputados reconhecem que entendemos esta proposta como uma obrigação moral para o CDS e que a faríamos em qualquer circunstância,...
O Sr. José Magalhães (PCP): Mas não o tem feito!...
O Orador: - ... mesmo que contássemos - o que muito gostaríamos - com a total, franca e aberta adesão do PSD.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença que interrompa?
O Orador: - Agora não, Sr. Deputado, desculpe.
Quanto á Sr.ª Deputada Odete Santos, tenho a dizer-lhe que nem eu nem o meu partido nos regozijamos com coisíssima nenhuma!... Porém, lembramo-nos aqui da nossa saudosa colega Zita Seabra, que fez este debate com grande elevação e que argumentava em favor da Lei da Despenalização do Aborto com as maravilhas que iriam acontecer, principalmente no domínio da diminuição ou da eliminação do aborto clandestino.
Chamamos aqui a atenção do PCP e da ex-deputada Zita Seabra para a eventualidade desse efeito desejado por ela não vir a acontecer porque a lei não tinha condições, no contexto português, para vir a ser aplicada. Realmente nós tínhamos razão, os senhores não a tinham!
Não nos regozijamos, porém, com nada e preocupamo-nos exactamente com todos os aspectos com que a Sr.ª Deputadas Odete Santos se preocupou.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, e difícil repetir o esquema de fazer o mal e a caramunha, mas V. Ex.ª acaba de o fazer e não o posso cumprimentar por isso.
Primeiro aspecto: o CDS usa politicamente esta questão de uma maneira perfeitamente notória. O CDS não apresentou um projecto de lei de penalização do aborto nesta legislatura por claro jogo político com o PSD,... jogo enunciado e que passou por varias partes gagas com o Primeiro-Ministro!...
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Partes gagas com o Primeiro-Ministro?...
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Não queriam escavacar o Cavaco!
O Orador: - Isso é nitido!.:. Suponho que V. Ex.ª esta chocado pela liberdade de expressão!... . Segundo aspecto: V. Ex.ªs disseram: «ou isto passa na Revisão Constitucional ou atacamos na lei ordinária. Não atacamos na lei ordinária para atacarmos na Revisão Constitucional e quando tivermos acabado de atacar na Revisão Constitucional, atacamos na lei ordinária.»
Assim está a fazer V. Ex.ª, provocando grandes embaraços à bancada do PSD, que começou por votar contra esta norma e acabou por se abster.
Sr. Deputado V. Ex.ª focou isso ontem!..; Esta manhã está a ter um ataque de inocência, ou de amnésia!.. . Dever ser do tema!...
Sr. Deputado, argumentemos seriamente!... Em primeiro lugar, a legislação que aqui foi aprovada e limitada, desde logo, em si mesma; em segundo lugar, foi gravíssimamente incumprida; em terceiro lugar, não foi acompanhada de medidas de fomento que evitem os efeitos que a minha camarada Odete Santos acabou de descrever com abundância de dados estatísticos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E há mais!....
O Orador: -E ha muitos mais, indicadores!
Mas apesar disso VV. Ex.ªs dizem: a lei não funciona porque há quem faça com que ela não funcione e, logo, não devia existir!... É um raciocínio, pelo menos sinuoso!...
Sr. Deputado Nogueira de Brito, reconheça pelo menos, que VV Ex.ªs cometem dois pecados, o pecado da utilização politica da questão e o pecado de não proporem nada que contribua para eliminar o flagelo. Isto é cassete, Sr. Deputado Nogueira de Brito? Cassete é o discurso de VV. Ex.ªs!...
O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado José Magalhães, lá esta V. Ex.ª a reincidir outra vez!... Para V. Ex.ª a história está escrita de determinada maneira, há sempre qualquer maquinação por trás do que acontece no plenário, em qualquer sitio, no País, no mundo! V. Ex.ª não admite nunca que possa ser de outra maneira. As testemunhas de que se há alguma chantagem ou se há algum negócio sobre esta matéria estão aqui, são os deputados do PSD...
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Só lhe faltam as asas para ser anjo!...
O Orador: - ... são os deputados que, efectivamente, intervieram na Revisão Constitucional.
Sr. Deputado, quanto as maquinações com o Sr. Primeiro-Ministro, tanto quanto sei e se bem me recordo, o Sr. Primeiro-Ministro terá aderido já às teses referendarias do Sr. Deputado Almeida Santos. Suponho que já o ouvi... mas posso estar enganado! Não quero jurá-lo.
Nunca falamos com o Sr. Primeiro-Ministro sobre este assunto e as nossas iniciativas nesta matéria serão tomadas de acordo com a ordem que nós mesmo concebemos e entendemos que é a melhor para as tomar.
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O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Ficamos à espera!...
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Está praticamente tudo dito de modo a encerrar este debate. Existe, no entanto, uma última clarificação em relação a uma matéria que, do nosso ponto de vista, está já suficientemente clara.
Nas intervenções cruzadas do PCP e do CDS, o PCP terá dito que o PSD se engasga. Penso, contudo, que o PSD foi, pelo volume das intervenções e até pelo tom dessas mesmas intervenções , o partido que menos sinal deu de engasgamento. Ninguém da nossa bancada esteve aqui engasgado!!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Engasgou-se na votação!
O Orador: - A nossa única votação expressa sobre esta matéria foi um voto de abstenção na Comissão de Revisão Constitucional. Esse é, na verdade, o único voto que existe do nosso partido.
Naturalmente que não nos custa reconhecer - contra aquilo que o Sr. Deputado nos vai acusando de vez em quando - que dialogamos e que o diálogo com a Oposição encontra em nós eco, abala algumas certezas e obriga-nos a reflectir.
Repito, no entanto, que o nosso único voto foi, até agora, um voto de abstenção na comissão.
Perguntou-me - e é fundamentalmente a isso que convém responder - porque é que não votámos a favor, dado que o nosso voto nesta matéria só podia ser um voto nesse sentido.
Há, da nossa parte, uma concordância de principio com o teor da norma. Não votámos, contudo, a seu favor pela razão, extremamente simples, de estarmos convencidos, - tentámos demonstrá-lo ontem e penso que criámos um certo espaço hermenêutico consensual em torno disto, segundo os ecos que nos chegam das intervenções de algumas bancadas - que esta norma não resolve nenhum dos problemas que o CDS queria resolver.
De resto, comecei por perguntar ao CDS qual o problema que queria resolver, uma pergunta e um método de comunicação e de diálogo que foi considerado tortuoso, não sei porquê. Comecei, por perguntar aos deputados do CDS qual era o específico problema que pretendiam decidir com esta norma e eles disseram era o da inconstitucionalização da Lei do Aborto.
Demonstrámos que esta norma constitucional não inconstitucionaliza a Lei do Aborto, isto é, que esta norma constitucional é inóqua, inútil, não resolve nenhum problema, pois não tem alcance normativo ou não tem o alcance normativo, que os seus autores pretendiam.
É bom que fique dito, de uma vez por todas, que o problema do aborto não pode ser discutido em sede de Direito Constitucional. Esta problema é exclusivamente um problema de legislação ordinária e as opções de cada partido terão que ser tomadas em sede de legislação ordinária. Por esta via não se vai lá.
Podíamos estar perfeitamente de acordo com uma norma como esta que , não reportada ao princípio, mas sim ao fim da vida, dissesse que a vida humana é inviolável desde o momento da concepção até à morte cerebral - parece que é este o conceito médico que hoje define o termo da vida. De resto, havia legitimidade para propor isto porque o problema, do fim da vida é, nas sociedades modernas, muito mais grave do que o do aborto.
A sociedade futuro não sabe de debaterá tanto com o problema do aborto, no que toca à vida humana, mas com o problema terminal da vida, por força de condições sociológicas e culturais, que são de todos nós conhecidas, por força das mudanças profundas que estão a decorrer na própria célula familiar, por força do abandono a que todos nós estamos condenados na fase terminal da nossa vida, por força da incomodidade que todos nós, como seres humanos, representámos numa sociedade cada vez mais dominada pela dinâmica economicista, do lucro e da funcionalidade, onde a vida humana na fase terminal parece funcionar como um certo incómodo. Esta é uma condenação que leva a crer que se não se mudaram rapidamente os paradigmas culturais, estaremos perante uma situação com a qual todos nos confrontaremos dentro em breve. No caso da nossa vida não teremos espaço e os sinais que chegam do mundo, designadamente da Europa Central são particularmente arrepiantes neste campo.
Como estava a dizer, nada se poderia apontar contra uma norma que referisse que a vida humana começa na concepção e termina com a morte cerebral. Mas que problema jurídico é que uma norma como esta resolve em sede de legislação ordinária? Nenhum, porque os problemas continuam todos aí, com uma densidade que um gesto como o desta norma - em que se diz apenas que a vida humana começa com a concepção - não resolve, apesar de se pensar que os problemas da legislação ordinária estão todos resolvidos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cada coisa deve estar no seu sítio, no seu lugar! Esta norma não resolve problema nenhum, é completamente inóqua!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Apelo à honestidade intelectual do CDS para que não veja nesta afirmação qualquer tomada de posição pró ou a favor do aborto. Não se discute isso, pois não é isso que está em causa.
O que está em causa é apenas este juízo muito simples: quais as consequências desta norma de Direito Constitucional - que não vale directamente, pois ela tem que passar pela mediação do legislador ordinário - em sede de legislação ordinária? A nossa convicção, e não estamos sós, estamos praticamente com toda a doutrina, com a jurisprudência mais qualificada nesta matéria, sobretudo a nível de Direito Comparado, dizia, a nossa convicção é a de que esta norma não resolve problema algum.
Não estamos contra a norma em si, pois concordamos inteiramente com ela, como, repito concordaríamos com uma norma que dissesse que a vida humana termina com a morte cerebral - pelo menos é esse o critério que presentemente os médicos nos dão já nos disseram que a vida terminava com a paragem cardíaca, mas agora creio que a vida ganhou mais uma nova fronteira graças aos modernos meios técnicos de terapia, e contra isto não podemos dizer nada.
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Porém, questionamo-nos sobre a bondade juridico-constitucional dessa norma. E como não podemos estar contra a norma mas porque estamos convencidos de que ela não resolve nenhum problema, daí o sentido do nosso voto.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ontem o Sr. Deputado Costa Andrade perguntou se, com base na nova redacção, considerávamos inconstitucional a Lei do Aborto e eu respondi que sim.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, lamento, mas a verdade é que não perguntei isso que esta a referir. O que perguntei foi o que é que o CDS pensa que serão os resultados desta norma. As intenções do CDS não me preocupam de sobremaneira. O que me preocupa são as consequências normativas desta norma.
Portanto, o que perguntei foi o que é que o CDS pensava que eram as consequências desta norma. O que o CDS faz ou deixa de fazer, salvo relações de particular amizade e de uma certa contiguidade ideológica, que não podemos recusar, e de um certo caminho em comum que já trilhamos em determinada altura, não nos afecta de sobremaneira. Assim, não perguntei o que e que o CDS pensa fazer, pois ele fará o que quiser e isso não nos preocupa, perguntei o que é que o CDS pretende com esta norma. Pretende ou não provocar normativamente a inconstitucionalidade da Lei do Aborto?
Ao levar esta norma...
O Orador: - Sr. Deputado, peço desculpa mas creio que será preferível V. Ex.ª fazer depois uma intervenção pois esta interrupção, que solicitou já vai longa e
está a descontar no tempo do CDS.
Alias, aquilo que o Sr. Deputado perguntou vai constar do Diário da Assembleia da República.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Então não traduza traindo!
O Orador: - Sr. Deputado, a questão e que considerei esse caminho como tortuoso porque me pareceu estranha a posição do PSD ao perguntar o que é que o CDS pretendia com esta proposta. Não preocupa ao PSD a circunstancia de fazer vencimento em certos meios a interpretação que é dada a esta norma de que ela não abrange a vida intra-uterina? É que essa interpretação existe, é um facto.
Ora, Sr. Deputado, finalmente fica aqui feito o esclarecimento. O que fundamentalmente, o CDS pretende neste momento é «cortar o passo» a essa interpretação, nada mais, nada menos. Essa e, pois, a intenção com que apresentamos esta proposta.
Essa interpretação existe e o Sr. Deputado Costa Andrade não a pode negar. Na verdade, este preceito, com os n.ºs 1 e 2, significa que a inviolabilidade nele defendida é apenas da vida extra-uterina e o CDS pretende «cortar o passo» a essa interpretação. É apenas isso e nada mais.
Sr. Deputado Costa Andrade, tenha como não ditas nem escritas as nossas outras intenções, que não nego. Porém, para este efeito, tenha-as como não escritas; atenha-se apenas a este objective do CDS e a mais nenhum.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto mais ninguém pretender usar da palavra, dou por encerrada a discussão do artigo 24.° A proposta de alteração apresentada pelo CDS em relação a este artigo será votada as 17 horas e 30 minutos.
Está em discussão o artigo 25.°
Pausa.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta apresentada pelo PSD relativa ao artigo 25.° visa tornar claro que a integridade moral e física de todas as pessoas, sem excepção, e inviolável, sejam elas de nacionalidade portuguesa, estrangeira ou apátridas. Toda e qualquer pessoa, pela simples circunstancia de o ser, deve ter a sua integridade reconhecida e garantida. Não há razão alguma para restringir essa garantia aos cidadãos, como sucede na letra do actual preceito da constituição, que queremos alterar.
Para além de uma razão formal, a melhor relação entre o conteúdo do artigo e a sua actual epígrafe - «Direito à integridade pessoal» - e como a Sr.ª Deputada Assunção Esteves, com a competência que lhe é reconhecida referiu na comissão, quero aduzir uma razão essencial. É que quando se trata de integridade moral e física tem, necessariamente, de se ter em vista as pessoas como entes físicos dotados de espiritualidade não como simples participantes na civitas.
Não se trata neste artigo de direitos políticos de participação na sociedade ou na comunidade, mas sim de direitos inerentes a própria pessoa humana.
Também o Sr. Deputado Jorge Lacão manifestou na CERC simpatia pela nossa proposta, na medida em que admite que a dignidade da pessoa humana e previa a sua participação na comunidade politica. Disse ainda o Sr.. Deputado que a integridade moral e física não está dependente de qualquer relação social, mas é um valor absoluto.
Congratulo-me pelo grande acolhimento quase unanime, que a nossa proposta mereceu. Na verdade, enquadramo-nos nas correntes fundamentais do pensamento contemporâneo - e não apenas no pensamento personalista que aqui tenho referido -, nomeadamente no pensamento dos social-democratas.
Não posso aqui traçar a evolução histórica do que foi o fluir do pensamento social-democrata. Queria citar, a título de exemplo e para fundamentar a minha afirmação de que o pensamento social-democrata e hoje fundamentalmente um pensamento humanista, aquilo que consta dos dois últimos programas do partido
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Decano dos social- democratas europeus, o SPD da Alemanha. Já no programa de Bad Godesberg se afirmava que a vida do homem, a sua dignidade e a sua consciência são valores que existem antes do Estado.
Aproveito para dizer ao Sr. Deputado Almeida Santos que na passada Sexta-feira não tinha comigo este texto. Caso contrário, quando defendi a dignidade da pessoa sem qualificações redutoras a propósito do artigo 13.º teria referido este programa.
Mas no programa vigente, aprovado em 1986, diz-se mais e reconhece-se que a social democracia e o socialismo democrático na Europa têm as sua raízes espírituais na filosofia humanista e no cristianismo, além do movimento operário que é referido a seguir.
Aliás, o Chanceler Helmut Schmit já há muitos anos em sucessivas intervenções vinha sustentando idêntica posição.
O Sr. Deputado José Magalhães faz ar de espanto! Devo esclarecê-lo que estou a citar a edição em português do programa do Partido Social-Democrata alemão, publicado pela Fundação Ebert.
Para concluir, direi ainda que o reconhecimento da vida, da dignidade e da integridade pessoal é um pressuposto de toda a actividade política. Mas é também o reconhecimento de que a actividade política tem os seus limites, que não podem ser ultrapassados. Um limite fundamental é, efectivamente, este conjunto relativo à pessoa, à essência da pessoa, à sua dignidade, à sua vida e à sua integridade. É um dos casos que referi na passada Sexta-feira em que a ordem política se deve limitar a reconhecer aquilo que é pré-existente, que era anterior ao estado e que este não pode qualificar ou muito menos restringir porque a pessoa é, de facto um valor absoluto, que tem de ser por todos reconhecido, a começar pelo Estado.
Por tudo isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, congratulo-me pelo acolhimento larguíssimo que a nossa proposta mereceu, que, certamente, terá reflexos na votação que irá Ter lugar logo à tarde.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Pombos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Pedro Roseta referiu-se a um acolhimento quase unânime que recolheu a proposta do PSD. E esta expressão «quase unanime» tem muito que ver com o meu voto contra, em comissão.
Quero dizer-lhe, Sr. Deputado Pedro Roseta, que uso agora da palavra para fazer um profundo acto de contrição. De facto, tive que rever a minha posição, quanto mais não fosse por Ter assistido àquilo a que assisti ontem até às 23 horas e 30 minutos. Na verdade, foram aqueles factos que me levaram a reconsiderar a minha posição.
Comecei por pensar que esta proposta do PSD era um «ataque» de pessoalismo exacerado que, de algum modo, viria pôr em perigo aquilo que são os conceitos de cidadania. Foi, pois, esta a minha primeira impressão quando na comissão votei contra.
Porém, ontem tive a sensação muito nitida de que para além do direito de cidadania está o direito da pessoa enquanto tal...
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Muito bem!
O Orador: - ... e quando esses direitos são violados tão flagrantemente, como ontem aconteceu até às 23 horas e 30 minutos outra posição não me resta a não ser a de acompanhar todas as bancadas desta Casa na votação, que penso que será unânime, a favor desta profunda melhoria do texto constitucional.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Deputado Herculano Pombo, o meu pedido de esclarecimento é no sentido de reforçar a minha congratulação de há pouco. Esta intervenção de V. Ex.ª, mostra que nunca é tarde para se juntar aos humanistas, aos que consideram que todo o homem, quem quer que seja, onde quer que esteja e seja qual for a sua nacionalidade, ou mesmo que a não tenha, mesmo que seja apátrida, é o centro e o destinatário de toda actividade política, é, na sua dignidade e na sua integridade, o fundamento de todas as comunidades.
Portanto, retiro o «quase» e digo que iremos Ter uma votação unanime em relação a esta proposta apresentada pelo PSD e não posso deixar de me congratular vivamente com isso.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Deputado Pedro Roseta, apenas gostaria de dizer que espero que os mais jacobinos desta Casa tenham em consideração o facto de que fui o último a defender este «jacobinismo do cidadão» e, portanto, quando se tratar de discutir o direito à diferença, que tenham em conta esta minha posição - em abono da minha posição de defender o direito à diferença - que em nada irá prejudicar o sagrado direito à igualdade.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero congratular-me, desde logo, com a circunstância de o PSD Ter seguido entusiasmadamente o CDS nesta proposta.
Risos do PSD.
Os Srs. Deputados riem-se, mas os últimos a rir são os se que riem melhor e não sei por que é que VV. Ex.ªs se riem! De facto, fomos nós quem, em primeiro lugar, apresentou a proposta e os Srs. Deputados só o fizeram passados trinta dias. Portanto, por que é que não havemos de dizer que o PSD, ao apresentar esta proposta segui o CDS? Aliás, não nos seguiram apenas nesta proposta mas também em muitas outras!
Porém, a minha congratulação ainda vai mais longe: vai ao ponto de me congratular com o afã o afinco com que o Sr. Deputado Pedro Roseta despe o «casaco» marxista da origem do seu partido. V. Ex.ª quer encontrar raízes personalistas para o seu partido
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e congratulo-me com esse facto. O Sr. Deputado, não imagina como me congratulo! VV. Ex.ªs, despem essa «casaca» que hoje já não serve a ninguém e, de facto, congratulo-me com isso.
Congratulo-me também com a coerência do Sr. Deputado Herculano Pombo, que ontem esteve aqui procurando intervir a favor de duas pessoas desumanamente tratadas e em relação as, quais estava a ser ofendido o direito a integridade moral e física. O Sr. Deputado Herculano. Pombo podia ter deixado no esquecimento estas suas intervenções, mas a verdade é que hoje teve a hombridade de as vir por novamente a claro, aderindo à substituição da expressão «cidadãos» por «pessoas», como consta do n.° 1 do artigo 25.°
É óbvio que a argumentação em abono desta proposta foi abundantemente produzida na Comissao para a Revisão Constitucional por Srs. Deputados do PSD. Trata-se de atributos de integridade moral e física que quadram as pessoas e não a pessoas qualificadas e a prova disto encontrou-a o Sr. Deputado Herculano Pombo nesse caso sinistro que, felizmente, terminou, as 23 horas e 30 minutos de ontem. Na verdade, ao encontrar essa prova, V. Ex.ª deu um contributo importante, que foi o de trazer aos cidadãos a consciência de que este debate não é alheio, aos problemas concretos que são sofridos pelas pessoas de todo o mundo.
Sr. Deputado Herculano Pombo, estamos todos de parabéns, pois vamos ter uma votação unanime em relação a este ponto.
Por outro lado, congratulo-me também , por esse grande movimento de modernização do PSD.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, sempre ouvi dizer que o orgulho é mau conselheiro e neste caso é-o.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É?
O Orador: - O Sr. Deputado Nogueira de Brito veio aqui dizer que esta proposta foi inovadora e que o CDS foi o seu percursor, mas V. Ex.ª está enganado! Esta proposta não é de agora, desta ,Revisão Constitucional, era do projecto apresentado pela AD, em 1982...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ... e foi o PSD que a propôs e não o CDS.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): Não sabe História!
O Orador: - O Sr. Deputado confunde o CDS com o todo, o seu problema já é velho e relho. Hoje em dia, em relação a esta Assembleia, vê-se que, afinal, o CDS não é o todo! E relativamente a isso tem que se ver a actualidade da situação politica, como no passado.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Ainda é muito novo!
O Orador: - Sr. Deputado Narana Coissoró, relativamente aos argumentos de idade, ficamos dispensados deles, pois já são bastante velhos e antigos e também não são originalmente do CDS.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito veio aqui, arrogantemente, dizer que o CDS é percursor nesta matéria e isso é falso e veio também aqui dizer que se congratula com ela, mas a verdade é que quem tem que se congratular é o PSD.
Na verdade, foi o PSD quem, na comissão, defendeu esta matéria por ausência do CDS, foi o PSD quem conseguiu convencer todos os Srs. Deputados para que esta matéria recolhesse aqui o voto unanime. Isso não se deve ao CDS, que teve uma ausência notória na comissão. Portanto, vir aqui dizer que o CDS e ,o percursor em tudo e que o PSD vai a reboque do que ele pensa e defende nesta questão, há que convir que é um pouco abusivo! Assim, convim esclarecer a verdade para que conste da acta das sessões.
Vozes do PSD: Muito bem!
O Sr; Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado José Luís Ramos, nas palavras do Sr. Deputado José Magalhães, atingimos o alvo neste momento. A sua reacção é a prova de que atingimos o alvo!
Ora, eu não pretendia atingir alvo algum. O Sr. Deputado assacou-me uma serie de falsidades, o que é agradável, devo dizer, pois eu nunca assaquei a essa bancada nenhuma falsidade, nem assaco!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito desagradável e desnecessário!
O Orador: - Ao dizer que foram os Srs. Deputados do PSD que defenderam esta matéria, V. Ex.ª não deu nenhuma novidade.
Apenas me congratulei pelo facto de, neste assunto, os Srs. Deputados terem seguido a proposta do CDS, o que é verdade.
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Não é!
O Orador: - Não é verdade? Quem é que apresentou o primeiro projecto de Revisão Constitucional?
Vozes do PSD: - Oh!
O Orador: - VV. Ex.ªs seguiram-nos nesta e em muitas outras matérias! E congratulo-me com isso.
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Não, Sr. Deputado. V. Ex.ª não merece interromper-me!
Sr. Deputado, afirmo isto com um espirito de congratulação autentico, porém V. Ex.ª não o entende! Na verdade, não o podia dizer de outra maneira, designadamente em comentário a uma intervenção do Sr. Deputado Pedro Roseta, que muito prezamos.
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Portanto, não o podia fazer de outra maneira que não fosse em espírito de autêntica e seria congratulação. Os Srs. Deputados é que estão com «pele de galinha»...
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Srs. Deputados, estamos a assistir ao vosso duelo para saber qual é mais personalista. Creio que ambos têm o «pico» do personalismo, pelo que podem continuar amigos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na comissão votámos de acordo com a proposta em questão por razões algo mais comezinhas, desde logo porque nos parece que estamos em sede de direitos da personalidade e, assim sendo, é mais coerente que se fale em direitos das pessoas do que dos cidadãos. Nem todas as pessoas são cidadãos, mas todos os cidadãos são pessoas!
Por outro lado, não deixou de ponderar no nosso voto a circunstância de, logo na epígrafe, se falar já de direito à integridade pessoal. De algum modo estava consagrada a pessoalidade do direito de que trata este artigo.
Aliás, no artigo seguinte também se fala novamente noutros direitos pessoais, pela simples razão de que entendemos que há direitos que são próprios da cidadania, há direitos que são mais inerentes à personalidade e à pessoa e, neste caso, trata-se mais da pessoa do que do cidadão. Portanto, é essa a razão da nossa lógica e coerência em termos votado a favor.
Também gostei de assistir a esta mudança de posição do Sr. Deputado Herculano Pombo, porque não via nenhuma boa razão para o cidadão ser mais «verde» do que a pessoa.
Risos.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Pelo contrário!
O Orador: - Mas já está corrigida essa «coloração» e muito bem.
Também me vou referir à proposta apresentada pelo PCP, porque estamos a discutir a totalidade do artigo e creio que não valerá a pena estarmos a fazer uma intervenção sobre cada proposta.
Na comissão votámos a favor da proposta do PCP, que infelizmente, não pode fazer vencimento por oposição do PSD, que se absteve - porém, espero que este ainda possa rever o seu voto -, porventura com algumas preocupações que acompanhamos. Na verdade, acompanhamo-los na preocupação de que uma excessiva protecção da vitima possa conduzir ao incremento do crime perpetrado ou simulado pela própria vitima. Quantas vezes a História regista o corte do dedo indicador para não se poder ir para a tropa? Quantas vezes a História regista a automutilação para se receberem indemnizações e, de algum modo, justifica-se algum receio de que a protecção excessiva das vitimas possa conduzir a simulação do crime.
Apesar disso, tranquilizámo-nos com a referência aos termos da lei. A lei dirá em que condições existirá o direito à indemnização. Não será um direito indiscriminado em todos os casos e a lei tomará as necessárias cautelas. Nessa base, pareceu-me que este movimento crescente e cada vez mais acentuado de uma mirada preocupada sobre a chamada vitimologia, sobre a preocupação de dar protecção de dar protecção às vitimas dos crimes, sem o que o direito à segurança não terá significado, justificou o nosso voto favorável.
Portanto, está justificada a nossa posição de voto a favor, quer em relação à proposta do PSD e do CDS, quer em relação à proposta do PCP, em ambos os casos por razões mais lógicas do que filosóficas.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Congratulamo-nos com o facto de ser aprovada a alteração atinente ao artigo 25.º, que foi saudada por todas as bancadas, e devo dizer que a nossa também se associa em pleno a essa alteração. Portanto, apenas gostaria de «temperar» a nossa satisfação comum com uma coisa óbvia: é que a Constituição já hoje tem que ser interpretada exactamente nesses termos. Lancemos, pois, o nosso foguete comum, congratulemo-nos, mas com o sentido exacto de que estamos apenas a fazer uma clarificação, isto é, o principio geral em matéria de direitos fundamentais, salvo excepções constitucionais ou constitucionalmente autorizadas, são direitos de todos, são direitos humanos e não apenas dos cidadãos portugueses. É assim e continuará a ser assim, de forma totalmente clara, com uma alusão às pessoas.
Obviamente que a bancada do PCP se dissocia completamente da «ganga» ideológica com que o Sr. Deputado Pedro Roseta envolveu a filosofia subjacente à proposta do PSD. Compreendo que o Sr. Deputado Pedro Roseta tenha tido necessidade de fazer campanha eleitoral interna para zurzir um pouco os pragmáticos, gente sem princípios e sem filosofia, que seguramente, não distingue a pessoa de uma beterraba.
Risos.
Porém, creio que não é necessário ir tão longe. Não temos nada a ver com isso, estamos a aprovar uma alteração à Constituição, a filosofia da Constituição em relação aos direitos fundamentais é a da Constituição, que não se identifica com o programa de nenhum partido, nem com o do PSD e menos ainda, seguramente, com o do SPD alemão, como todos serão capazes de compreender, mesmo o Sr. Deputado Pedro Roseta.
Em relação à proposta do PCP, gostaria de dizer duas coisas: a primeira é que estamos dispostos a transferi-la para outra sede, isto é, para o artigo 29.º, que é atinente ao programa de política criminal, na sequência de uma sugestão do PSD; a segunda é a de que estamos disponíveis para reformular a proposta por forma a que ela seja ainda mais económica. Porém, parece-nos fundamental enriquecer a Constituição com uma menção especifica aos direitos das vitimas de crimes.
A lei ordinária terá que precisar em que termos? A lei ordinária terá que distinguir entre os tipos de vitimas e, obviamente, começará pelas vitimas mais débeis e por aquelas que são vitimas de crimes mais graves, designadamente de certos crimes relacionados, por exemplo com terrorismo, mas pode haver outros crimes de igual gravidade que mereçam, de imediato, providências nessa esfera. Preocupar-se-á com as mulheres em especial, com os jovens, com os idosos, etc.
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O regime tem que ser imaginado em termos mais audaciosos do que aqueles que constam, por exemplo, do Código do Processo Penal, que é modesto nesse ponto de vista.
Porem, faço um apelo para que não se perca esta oportunidade de, no artigo 29.°, se fazer uma menção aos direitos das vítimas, aliás, na sequência da tarefa encetada na primeira Revisão Constitucional. Deixamos este apelo, que é muito construtivo, e esta matéria ficaria muito bem com a clarificação feita no n.° 1 por insistência do CDS, em primeiro lugar, e depois a boleia do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, a Mesa pede a colaboração de V. Ex.ª no sentido de, em termos da organização dos trabalhos, poder retirar esta proposta que o PCP apresentou e voltar a apresenta-la, em termos da sistemática relativamente ao artigo 29.° Será possível fazer-se isso, Sr. Deputado?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, se entende que isso facilita, simplifica, racionaliza ou clarifica o andamento dos trabalhos, a bancada do PCP não tem nada a opor. Apresentaremos então, um texto em sede do artigo 29.° e a nossa proposta dê-se por retirada a partir deste momento.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado. Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou produzir uma intervenção muito breve sobre esta proposta do PCP.
Em primeiro lugar, quero declara que não estamos contra esta proposta, isto é, o seu conteúdo normativo merece o nosso inteiro acolhimento.
Cumpre-se salientar - e digo isto com muito gosto - o empenho que o PCP vem pondo, ao nível de legislação ordinária, no sentido de dotar a ordem jurídica portuguesa com normas necessárias e adequadas a satisfação da necessidade denunciada com a proposta em questão.
Porém, devo dizer que temos muitas duvidas quanto a inserção constitucional desta norma. Portanto, o sentido do nosso voto é de abstenção, na medida em que não nos podemos opor a esta proposta, mas também não nos sentimos habilitados a dar o salto qualitativo no sentido de erigir esta norma em norma de Direito Constitucional.
De resto, importa também não esquecer algumas coisas: a protecção das vítimas pode ser lacunar, fragmentaria, descontinua, insuficiente, é certo, mas a verdade e que toda a legislação ordinária lhes da uma grande protecção. Todo o ordenamento penal e processual penal já e, em si, também uma protecção das vítimas e é-o - importa dizê-lo - em termos sem paralelo a nível do Direito Comparado.
Chocamos sempre os representantes de outras ordens jurídicas quando dizemos esta coisa comezinha: «Em Portugal, a vítima de um crime é um sujeito processual autónomo», que é uma figura própria do Direito português e que não existe na generalidade dos direitos, a chamada figura do assistente.
Não há em mais nenhum Direito europeu a figura do assistente, isto é, o facto de a pessoa concreta que foi lesada por um crime ser um sujeito processual autónomo e ter direitos processuais autónomos. Na generalidade dos direitos, a vítima é uma testemunha como qualquer outra. O drama e o processo criminal é algo que tem a ver com o Estado, detentor do jus puniendi, e o réu; a vítima é uma testemunha como qualquer outra, não tem poderes de conformar o processo, de intervir, de recorrer, etc. A vítima é apenas um mero auxiliar da acusação publica do Ministério Público.
Ora, em Portugal não se passa assim; isto é, a vítima já tem uma protecção substancial e alargada na ordem jurídica portuguesa. Contudo, isso não chega.
Assim, pensamos que ou Portugal, rapidamente, a nível de legislação ordinária, cumpre um mandato como este que o PCP quer propor através do Direito Constitucional, ou estará em desintonia inexplicável com as instituições internacionais de que Portugal faz parte.
Portanto, não nos opomos a proposta do PCP porque concordamos com a sua bondade - aliás, deve dizer-se que ela e extremamente prudente, na medida em que remete para a lei -, porém também devemos dizer, com toda a franqueza, que não vemos necessidade de erigir esta norma em Direito Constitucional. Do nosso ponto de vista, este é um problema de direito ordinário.
De qualquer forma, sob pena de estarmos aqui, no que toca a integridade pessoal, a criar uma excepção que dificilmente se justificava, ela teria que ser inscrita como mais um numero do artigo 29.° e não no artigo em questão. Essa seria sempre uma condição necessaria ao nosso voto favorável, mas não seria nunca, pelo menos para já, uma condição suficiente, porque do nosso ponto de vista, não é matéria de Direito Constitucional.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto mais ninguém pretender usar da palavra, dou por encerrada a discussão do artigo 25.° As 17 horas e 30 minutos votaremos a proposta aprovada pela CERC em relação a este artigo, tendo a proposta apresentada pelo PCP transitado para aquando da discussão do artigo 29.°
Está em discussão o artigo 26.°
Pausa.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Encontram-se na Mesa importantes propostas de aditamento ao texto constitucional: uma refere-
-se ao direito a diferença subscrita por um grupo de deputados da minha bancada liderado pelo Sr. Deputado Pedro Roseta, outra foi apresentada pelo Partido de Os Verdes, e outra ainda 6 relativa ao chamado «direito à palavra». '
Deixando por enquanto de remissa os problemas suscitados em matéria de direito à diferença - em ulterior momento e em nome do PSD, teremos oportunidade de manifestar a nossa posição formal como partido, ressalvando, portanto, a posição pessoal do nosso colega Pedro Roseta -, vou tecer algumas considerações para justificar o «direito à palavra».
É com regozijo que o PSD vê a aprovação que se anuncia e que se indicia de acrescento deste novo direito na cartilha dos direitos fundamentais, que é o direito a palavra. De facto, esse direito era uma necessidade sentida
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Por todos, uma necessidade ao serviço da qual a legislação ordinária tinha já dado passos significativos, designadamente em Portugal - estou a lembrar-me da Lei n.º 2/82, que deu passos significativos no sentido da criminalização das escutas telefónicas indevidas e do Código Penal de 1982, que criou toda uma espécie relativamente alargada de infracções contra este direito à palavra.
Portanto, resta apenas, como contributo da nossa parte e até para efeitos de hermenêutica constitucional, dar alguns sinais que outras instâncias que terão de Ter em conta.
Do nosso ponto de vista, o que está em causa neste direito à palavra, não é tanto um certo direito de confidencialidade no sentido de preservar a confiança na palavra, isto é, no sentido de que a palavra que transmitimos a determinada pessoa ou circulo de pessoas não é tanto uma lógica de segredo, digamos assim, mas aquilo que pode definir-se, em termos extremamente curtos como o chamado direito à palavra falada. O que é isto? Do nosso ponto de vista, é o direito à historicidade e transitoriedade absoluta da palavra, isto é aquilo que foi dito num determinado momento e num determinado contexto em relação a determinadas pessoas, acompanhado de certos gestos, não pode ser desarrancado desse contexto, contexto que é também texto, e depois ser oponível à pessoa, desarrancado ou desentranhado do processo em que foi referido. Trata-se, portanto, de não arrancar esse pedaço objectivado de personalidade, que é a palavra que foi dita em determinado contexto e contrapô-la depois à pessoa.
Estão aqui em causa interesses fundamentais extremamente importantes, tanto do ponto de vista individual como do ponto de vista colectivo.
Do ponto de visto individual, este direito é um direito eminentemente pessoal, que cada um tem no sentido de que aquilo que disse, em determinado circulo de confiança e com determinadas condicionantes históricas e contextuais, não seja desentranhado daí, não seja gravado e ouvido fora do circulo de pessoas com quem o comunicante, o autor da palavra, queria comunicar.
Do ponto de vista colectivo, pensamos também que está aqui um interesse importante e cada vez mais sentido nas sociedades modernas, na que estamos a criar e que se adivinha, sociedade que, na interpretação dos sociólogos de todos os quadrantes, se caracteriza, cada vez mais, por uma certa esquizofrenia, por uma divisão esquizofrénica entre dois domínios: de um lado, o privado e do outro o público, domínios que têm visto as suas fronteiras cruzarem-se, passando coisas que eram do domínio privado para o domínio público e vice-versa; tarefas que antes eram do domínio privado familiar, como, por exemplo, a produção económica, passaram para o domínio público e mesmo outro tipo de funções importantes como...
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - A fabricação de cerveja!
O Orador: - ... a educação, que era uma tarefa familiar, hoje é cada vez mais uma tarefa colectiva e social, pois cada vez mais pais e filhos que se encontram ao fim do dia já todos cansados, em vez de se virarem uns para os outros, estão em frente de uma televisão.
Como eu estava a dizer, a sociedade que está aí caracterizada, segundo os sociólogos, por uma espécie de esquizofrenia, por uma espécie de separação das águas entre o privado e o público, onde o discurso privado, o discurso comunicativo, assume uma importância cada vez maior no tecido social.
É também para preservar a inocência, a pureza, a ausência de coacção que consagramos o direito à palavra. Se soubéssemos, ou pelo menos suspeitássemos ou receássemos que as nossas conversas fossem elas quais fossem estavam a ser gravadas, a nossa comunicação seria drasticamente prejudicada.
Em relação a uma decisão extremamente importante, diz, a este propósito, o Tribunal Constitucional da Alemanha Federal: «A inocência e a autenticidade da comunicação humana seria drasticamente perturbada se tivéssemos de conviver com a consciência de que todas as nossas palavras por vezes a expressão não reflectida nem contida, uma tomada de posição meramente incidental no decurso de uma conversa ou uma formulação apenas compreensível no contexto de uma situação especial, se tudo isto nos pudesse ser oponível noutra ocasião e noutro contexto se pudessem vir a ser valoradas com o seu conteúdo, conotação e intensidade como depoimentos contra nós próprios.»
Em nome destes interesses, que não têm a ver necessariamente nem com a honra nem com a privacidade , uma vez que elas são protegidas autonomamente, não vale dizer que se gravaram conversas que nada tinham a ver com a vida privada e íntima das pessoas.
A palavra, como tal, é protegida em si e de per si. Gravar conversas de pessoas, sem autorização do próprio dialogante, do próprio autor da conversa, é já de per si a violação do direito à palavra. O teor das conversas - reserva ou não da vida privada - é assunto a ser protegido por outro direito próprio que a nossa Constituição já tutela, que é o da privacidade como tal. Verifica-se aqui, mais uma vez o produto de um processo dinâmico de expansão da personalidade, onde à honra, que vem sendo reconhecido no processo histórico - civilizacional, se juntou depois a reserva da vida privada, isto é, a necessidade de preservar um certo número de coisas, de assuntos, de conversas, de «progmata» ligados à nossa própria vida íntima e privada; mas depois disso e por um processo que continua, chegámos ao decantamento desta nova expressão da personalidade que é a palavra.
Foi com este sentido que propusemos este direito no nosso projecto de Revisão Constitucional e foi também, penso eu, com este sentido que obtivemos a concordância unânime de todas as bancadas, concordância com que naturalmente nos congratulamos.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de apresentar a minha proposta de aditamento que mereceu o apoio de numerosos deputados do Partido Social- Democrata, não posso deixar de agradecer vivamente à direcção do meu grupo parlamentar a cedência do tempo necessário para eu poder intervir. Espero não abusar, mas não queria deixar de referir publicamente este facto.
Queria começar por afirmar claramente que entendo que os deputados podem e devem justificar as suas propostas, não só em sede de Revisão Constitucional como
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noutras sedes, com base na filosofia politica, no seu pensamento político.
É evidente que o pragmatismo, sem mais, e uma aberração em politica. Não se trata, Sr. Deputado Jose Magalhães - disse-o já na Comissao para a Revisão Constitucional -, de se ser mais ou menos «ideológico» ou mais ou menos «pragmático», trata-se sim, de fundamentar filosoficamente as propostas políticas. É que devemos agir como políticos que somos e não como meros juristas ou técnicos. Parece-me, pois, fundamental deixar muito claro que, enquanto políticos, temos de ser, simultaneamente, homens de pensamento e de acção. A acção politica que não é fundamentada num pensamento é apenas uma gestão do dia-a-dia que, evidentemente, de modo algum pode resolver os grandes problemas da comunidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dito isto, gostaria de justificar a minha proposta.
A rápida e profunda evolução das sociedades do nosso tempo impõe adaptações e inovações em todos os campos da vida humana e, por isso, também os Direitos do Homem devem dar resposta as novas solicitações que a referida evolução lhes faz. Muitos têm defendido nos últimos anos, a necessidade de serem consagrados os chamados «novos direitos»: os direitos da terceira e quarta gerações. Já todos ouviram certamente referir os direitos urbanos, que pretendem garantir a pessoa contra a desumanidade das megalópoles.
Por iniciativa do PSD, a nossa Constituição tem sido enriquecida com varios direitos tais como o direito a imagem, agora o direito a palavra e; numa perspectiva futura, premonitória, os direitos urbanos (cuja consagração será inevitável daqui a 5 ou 10 anos como já afirmei na comissão): o direito ao espaço, o direito a paisagem, o direito ao silencio, o direito ao acompanhamento, quer na solidão (drama dos homens do nosso tempo), quer na morte. O direito ao acompanhamento na morte é um direito que terá de ser consagrado quando ha cada vez mais pessoas que morrem sozinhas por vezes de noite, em casa ou sobretudo nos hospitais. Trata-se de matérias que terão de ser contempladas na próxima revisão da Constituição.
Contudo, ha um direito cuja consagração poderia ser feita desde já: o direito a diferença. Tem razão Agostinho da Silva, quando afirma: «A politica de hoje tem de estar impregnada, tem de estar gravida, da politica futura.» Se tivermos da politica uma perspectiva que veja na sua globalidade, de pensamento e de acção, o direito á diferença já não é um direito novo. Não tenho, de modo algum, a pretensão - e vou demonstra-lo - de arvorar-me em percursor nesta matéria. Ha algumas dezenas de anos que e referido por quase todas as correntes do pensamento filosófico contemporâneo. Trata-se de um caso em que se verifica uma rara confluência quer do pensamento cristão, quer de todas as correntes do pensamento afastadas do Cristianismo, quer das modernas tendências do pensamento feminino. Para todas elas o direito a diferença e hoje um direito essencial, sublinho essencial. As Sr.as Deputadas, se assim o quiserem, não deixaram de referir e sustentar as suas posições neste campo.
Não ignoro que duas objecções têm sido colocadas a este direito: por um lado, que carece de autonomia relativamente ao direito a identidade pessoal; por outro, que põe em perigo a velha, conquista do direito a igualdade. É evidente que para mim são objecções sem fundamento. No direito a identidade pessoal, em teoria, caberiam todos os outros direitos: por exemplo, o direito á imagem - e apesar disso foi consagrado expressamente neste artigo - e tantos outros direitos que tem obtido consagração constitucional. Portanto, esse argumento não é válido. Além disso, enquanto o direito a identidade pessoal é estático, o direito á diferença é mais dinâmico, mais relacional, tem de ser visto numa perspectiva de movimento e de relação entre as pessoas e os grupos que constituem a grande família humana.
É claro que o individualismo liberal com a sua visão estática e conservadora, ignora que a pessoa e, em parte, movimento e que, em parte a pessoa é constituída pela sua dimensão social e até mesmo pelas pessoas que a rodeiam. É bem sabido que, se em tempos já recuados a reivindicação da igualdade entre homem/mulher, da igualdade entre os homens, foi essencial, agora já ninguém contesta o principio da igualdade social. E entende-se hoje que tem de ser completado por direitos que lhe são complementares, não opostos. Tentarei demonstrar isso socorrendo-me da autoridade de quem se tem debruçado sobre esta relevante problemática.
Rawls, por exemplo, que teve enorme influencia no pensamento político dos últimos anos e que dedica toda a Secção 13 do Capítulo da sua conhecida «Teoria da Justiça» a conjugação da igualdade democrática com o principio da diferença, referindo-se sobretudo ás vertentes económicas e sociais, diz o seguinte: «A interpretação democrática atinge-se combinando o principio da justa igualdade de oportunidades com esse principio da diferença. Tomando como base as instituições necessárias a liberdade igual para todos e a justa igualdade de oportunidades, as expectativas mais elevadas de um serão justas se, e somente, funcionarem como elemento de um piano que melhore as expectativas diferentes de outros, inclusive dos menos favorecidos da sociedade. A ordem social não serve para garantir as perspectivas favoráveis para os mais favorecidos, excepto quando elas derem vantagens aos menos favorecidos. Há pois, um sentido quando todos e cada um tiram beneficio do principio da diferença.» E conclui: «Todas as diferenças devem ser organizadas, por forma a que tragam, a todos, ao menos aos menos favorecidos, as melhores perspectivas.»
Srs. Deputados, a luta pela igualdade, característica do pensamento e da praxis social-democrata, respeitou sempre o «direito à diferença».
Citarei, por todos, o programa de 1960 do PSD da Suécia: «A igualdade de oportunidades, em primeiro lugar, deve significar o direito e a possibilidade de todos se desenvolverem, de acordo com as suas inclinações e capacidades. A luta pela igualdade e dirigida contra todas as distinções de classe, quando resultam de posições económicas, estatuto social ou oportunidades culturais.»
«O PSD (...) rejeita diferenças económicas e de poder, mas aceita a diferença baseada no trabalho, na criatividade, na responsabilidade e na iniciativa.»
Do pensamento cristão - e já aqui referi varias vezes o pensamento personalista - lembrarei Mounier: «A pessoa é um ser capaz de unificar toda a sua actividade na liberdade e de desenvolver, por actos criadores sucessivos, a singularidade da sua vocação.»
Também os realistas cristãos se debruçaram sobre o direito a diferença. Entre todos, citarei Maritain: «É necessário afirmar ao mesmo tempo a igualdade essencial que une os homens na natureza racional e as diferenças naturais particulares que brotam desta mesma unidade e igualdade (...) A unidade do género humano
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É o nome mais verdadeiro da igualdade natural entra os homens. Esta tende a expandir-se em diferenças indicações ou de grupo. Afirmar a igualdade é para o idealismo igualitário querer que toda a diferença desapareça. Para o realismo cristão é querer que das fecundas diferenças todos possam beneficiar. O idealismo igualitário vê a igualdade à superfície, enquanto o pensamento cristão a decifra em profundidade. A diferença é qualquer coisa de fundamental que é indissociável da liberdade e favorece o desenvolvimento de todas. Foi para reconhecer e proteger, por um lado, o livre desenvolvimento da personalidade de cada homem na sua complexidade e nas suas relações e, por outro lado, o direito das minorias étnicas, religiosas, regionais, culturais, a não serem discriminadas por serem diferentes, que a Igreja Católica há muito vem defendendo o direito à diferença. Evidentemente sempre no respeito pela lei e pelos valores éticos vigentes em cada comunidade nacional.
Ainda há poucos meses João Paulo II, na sua mensagem para o Dia Mundial da Paz, 1 de Janeiro, reafirmou estes principio: « O primeiro principio é a inalienável dignidade de cada pessoa humana, sem distinções relativas à sua origem racial, étnica, cultural e nacional ou à sua crença religiosa. Não há pessoa alguma que exista só por si mesma, mas encontrará a sua mais completa identidade na relação com as outras. O mesmo se pode afirmar dos grupos humanos. Estes têm efectivamente um direito à identidade colectiva que deve ser tutelado(...)». E refere-se adiante que a obrigação de reconhecer e tutelar a diferença, a diversidade cabe não só ao Estado mas a todos os grupos.
Gostaria também de referir alguns pensadores portugueses, entre o inesquecível Padre Manuel Antunes e o Professor Manuel Baptista Pereira, da Universidade de Coimbra, que publicaram textos notáveis sobre esta matéria (In «Repensar Portugal» e «Tradição e Crise» - Vol. I respectivamente). Mas há uma autoridade que deve ser cara a esta Câmara, que já homenageou precisamente na qualidade de lutador pelos Direitos do Homem. Refiro-me ao Sr. Presidente, Mário Soares que tem uma pedagogia activa em favor do direito à diferença. Assim, em discurso proferido em 28 de Maio de 1986, depois de afirmar o principio da igualdade de todos no direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade, acrescenta: «A ideia de unidade no género humano contém em si a possibilidade lógica dessa outra ideia fundamental, que é a da legitimidade do múltiplo e não do uno, da legitimidade da diferença e não da uniformidade, porque se todos os homens são igualmente livres e soberanos, soberanas são também as suas escolhas diferentes e o seu direito a escolher em liberdades.»
Há poucos dias, no dia 10 do corrente mês - o PS estava presente através do Sr. Deputado Jorge Lacão -, na universidade de Bolonha, o Sr. Presidente da República disse o seguinte: «É bom que tenhamos consciência de que a melhor forma de preparar o futuro reside na reafirmação dos valores que constituem o fundamento(...)» - sublinho, «o fundamento» - (...) da nossa identidade: a liberdade, a tolerância, o respeito pela diversidade, a curiosidade pelo que é novo ou desconhecido, o direito à diferença. (Fim de citação do Presidente Soares).
Como não quero abusar do tempo do meu partido, não vou buscar argumentos ao Direito Comparado. Vou terminar esta intervenção prestando homenagem a VV. Ex.ªs, ou pelo menos aos vossos antecessores - e muitos de vós já aqui estavam nessa data -, pelo facto de, em 1986, na minha ausência, se terem antecipado. Deve ser este, aliás, o único argumento que pode impressionar os rígidos positivistas, que não se impressionam com o pensamento do Presidente Soares e muito menos com o do Papa, mas talvez se impressionem com o direito positivo.
O Sr. António Vitorino (PS): - Ou com V. Ex.ª!
O Orador: - Não, não! Comigo, de certeza que não! Os meus argumentos não ofuscam tais personalidades.
O Sr. António Vitorino (PS): - Está a impressionar-me!
O Orador: - Sr. Deputado António Vitorino, já que estou a impressiona-lo, devo dizer-lhe que, ao longo dos debates da CERC em que participei, vi VV. Ex.ªs, constantemente, pretenderem constitucionalizar os mais pequenos avanços legislativos, por vezes pormenores de técnica legislativa. Uma vezes dávamos o nosso acordo, outras vezes não. Com surpresa, vejo reticências quando se trata de consagrar o direito à diferença. É que VV. Ex.ªs - e daí a homenagem que vos presto -, em 1986, por larga maioria e aclamação, com palmas com votos a favor de todos os partidos excepto do CDS...
O Sr. António Vitorino (PS): - É o direito à diferença!
O Orador: - ...votaram a importante Lei de Bases do Sistema Educativo - um texto legislativo fundamental -, onde de lê, na alínea d) do artigo 3.º, relativo aos « Princípios organizativos», o seguinte:
d) O sistema educativo organiza-se de forma a assegurar o direito à diferença, mercê do respeito pelas personalidades e pelos projectos individuais da existência (...).
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Bem lembrado!
O Orador: - Srs. Deputados, aqui está a prova de que este direito já está consagrado na ordem jurídica. As minhas homenagens. Espero que sejam coerentes com os vossos aplausos de há três anos!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dois momentos distintos, um primeiro, para considerar a proposta no sentido da consagração do direito à palavra; um segundo, para Ter em conta uma outra, tendente à consagração do direito à diferença.
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No primeiro caso, gostaria de dizer, antes de mais, que entendemos que a fundamental apresentada pelo Sr. Deputado Costa Andrade é positiva, concreta e valida, conduzindo o direito fundamental tal qual fica, as elementares razões que o ditaram. Creio que é, de facto, sob o paradigma da genuidade, da não adulterabilidade da palavra na sua dimensão histórica, sem outras componentes, designadamente de natureza semiósica e semiótica - importa dizê-lo -, que a Constituição acolhe esta benfeitoria. Não podemos conceber este direito como algo que não seja o homólogo do direito à imagem, uma espécie de direito da espontânea, da desprevenida, da não manipulável produção do discurso.
Nesta estrita dimensão que, repito, foi fundamentada pelo Sr: Deputado Costa Andrade em termos sólidos, manifestamos a nossa disponibilidade e o nosso aplauso.
Relativamente à questão do direito à diferença, que daria ensejo para uma longa intervenção - mas o meu grupo parlamentar está, de facto, constrito em matéria de tempos -, diríamos que, mais do que a natural e livre explicitação de diferenças, está em causa um verdadeiro modus essendi: o direito a ser diferente. Entendemos o direito a ser diferente como uma outra vertente complementar do direito à igualdade e à liberdade, e, clarifiquemos, também como uma forma de expressão do próprio direito da identidade pessoal. Não vemos aqui franjas de contraditoriedade que, de alguma forma ponham em causa as conquistas civilizacionais do século XVIII, tão alardeadas enquanto tal, nem as evoluções do pensamento filosófico mais recente de que vamos tendo noticia.
O direito ao espaço, à harmonia, à paisagem, ao acompanhamento na solidão, tal como alguns dos direitos da chamada «terceira geração», a que a nossa Constituição não abre, como deveria, as suas páginas, tem, da nossa parte, uma atitude de acolhimento franco, resguardados como são - naturalmente do nosso ponto de vista - os padrões de natureza ideológica, porque aí teriamos, seguramente, de fazer alguns acertos que, de todo em todo, não importante ao momento da discussão.
O Sr. Deputado Pedro Roseta pôde, alem do mais, fazer aquilo que se me afigurou um apelo à ideologia social democrata, à recondução da própria bancada social-democrata a uma fundamentação de que tem andado alheada, um castigo à sua revelia desastrosa face ao paradigma ideológico, e com isso, embora espectadores apenas, também nos congratulamos. As razoes pelas quais iremos votar a favor, como já manifestamos, da nossa proposta de aditamento sobre o direito à diferença são outras, deixamo-las intuídas e, se for necessário, esclarecê-las-emos mais tarde novamente.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: Começo por fazer um brevíssimo comentário ao que o Sr. Deputado Pedro Roseta disse. O Sr. Deputado Pedro Roseta começou por agradecer a amabilidade da direcção do seu grupo parlamentar em ter-lhe cedido tempo. Penso que a forma como esse Sr. Deputado utilizou o tempo recomenda que, de futuro outras cedências de tempo lhes sejam feitas...
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Queria!
O Orador: - ... para que todos possamos assistir enlevados ao facto de na bancada do PSD não haver só pragmáticos fanáticos do cifrão e do numero - embora às vezes o numero não corresponda à realidade -, mas também gente que sabe pensar e expor o seu pensamento com o brilhantismo com que o Sr. Deputado Pedro Roseta o fez.
Depois deste comentário, um outro, porque, apesar de tudo - e eu não quero reanodar a discussão sobre a paternidade da proposta, mas penso que justiça tem de ser feita -, a proposta para a consagração do direito à diferença foi apresentada, em primeiro lugar, em sede de Revisão Constitucional, pelo Partido Os Verdes e, a meio do processo, «aterrou» na bancada do PSD, porque o Sr. Deputado Pedro Roseta se integrou um pouco mais tarde neste processo de revisão da Constituição. Gostava que, apesar de tudo, isto ficasse claro.
Concretamente, quanto as nossas propostas para o artigo 26.°, elas são varias e, um pouco no seguimento do que foi dito pelo Sr. Deputado Pedro Roseta, eu próprio gostaria que a epígrafe deste artigo, que e «outros direitos pessoais», fosse modificada para «Novos e importantes direitos pessoais», porque todos os direitos pessoais que aqui estão consagrados tem algo de novidade e de muita importância. Não se trata propriamente de «outros direitos pessoais», os mais comezinhos, mas de «novos e importantes direitos pessoais», porque eles são tão importantes quanto os outros que para trás ficam ditos.
Obviamente que estamos de acordo com a consagração do direito à palavra pois já estamos fartos de ver o nosso direito à palavra violado flagrantemente e em publico. Já não suportamos mais! É bom que a Constituição o consagre, para que não restem duvidas e para que não permaneçam essas veleidades.
Quanto à pequena nuance (que não será tão pequena quanto isso) de alterar a expressão «reserva da intimidade da vida privada e familiar» para «reserva das intimidades da vida privada e familiar» - e não vou debruçar-me muito sobre este plural, porque não é apenas de um plural que se trata -, consideramos que, apesar de tudo, a intimidade da Vida privada é uma coisa e a intimidade da vida familiar e outra e, ao serem duas coisas diferentes, merecem, necessariamente, ser tratadas no plural. É apenas esta nuance que, penso, tem todo o cabimento e que gostaríamos de também ver aceite.
Depois, sim, a grande modificação que propomos é a do direito à livre expressão de todas as diferenças. Estamos felizes por saber que, finalmente, o direito à diferença começa a recolher um grande aplauso da Camara, mas não basta que a sociedade diga aqueles que são diferentes: «Vocês que têm o azar de ter nascido diferentes ou vocês que têm a infelicidade de ter de carregar às costas a vossa diferença, passam a ter o direito de a carregar as costas.» Não chega! Não basta, nem é isso que queremos!. .
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A nossa proposta no sentido de que fosse consagrado o direito à livre expressão de todas as diferenças foi como que um grito de rebeldia daqueles que estão fartos, absolutamente fartos, das tentativas das sociedades para «standardizarem», para «normalizarem» o comportamento humano, a opinião, as reacções humanas. Não queremos «normalização» das pessoas, não queremos «normalização» das sociedades, nem em democracia, nem em ditadura, em sociedade alguma do mundo. As pessoas nascem diferentes, morrem diferentes e têm o sagrado direito de viver diferentes, assumindo a sua diferença, sempre que o desejarem fazer. Esta assunção da sua diferença não viola, obviamente, o que quer que esteja estabelecido na lei e é óbvio que, quando a assunção de qualquer diferença viola um princípio do Direito Civil ou do Direito Penal, aí estão os códigos, aí está o ordenamento jurídico civil ou penal para agir. Não é, pois, no texto constitucional que não deve figurar este direito à diferença; bem pelo contrário, ele deve figurar, deve estar exaltado e, quanto a nós, deve estar assegurada constitucionalmente a possibilidade do exercício efectivo deste direito, não só que ele seja concedido, mas que sejam concebidas condições sociais para que o direito à diferença seja exercido, em plenitude, durante toda a vida do cidadão ou da pessoa. Existem, obviamente, diferenças de natureza diversa e não vamos aqui tentar saber quais são as mais legítimas das diferenças. Todas as diferenças são legítimas, todas as diferenças existem e são elas que asseguram a diversidade da vida, são elas que asseguram a perenidade da vida, são elas que, no fundo, asseguram a existência da democracia. A democracia vive à base das diferenças potenciais ao máximo e não na base das maiorias «normalizadoras», das maiorias «standardizadoras» do comportamento humano, da opinião, da reacção ou da intervenção das pessoas e dos cidadãos. Isso recusamos!
Se não pudermos levar tão longe quanto gostaríamos esta nossa consagração do direito à livre expressão de todas as diferenças, estamos na disposição de apoiar o mínimo e o mínimo dos mínimos será, certamente, a consagração do direito à diferença, tal qual é proposto pelo Sr. Deputado Pedro Roseta.
Ainda uma breve referência à nossa proposta de um novo número - o n.°4 - para o artigo 26.°...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira terminar, uma vez que esgotou o tempo da semana que lhe foi atribuído.
O Orador: - Sr. Presidente, presumo que posso recuperar algum tempo da próxima semana, não é assim?
O Sr. Presidente: - Neste momento, a mesa não é capaz de responder-lhe. Queira terminar a intervenção, Sr. Deputado.
O Orador: - Terminarei em breve, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, uma brevíssima referência à nossa proposta de um novo número - o n.° 4 - para o artigo 26.° que gostaríamos de ver consagrada e que, quanto a nós, é um comando constitucional para o legislador ordinário pela positiva, ou seja, no sentido de que o legislador ordinário legisle para que a lei salvaguarde e proteja as minorias, todas as minorias, nomeadamente, vedando qualquer forma de perseguição, fomentando a aproximação e a tolerância e eliminando quaisquer formas de discriminação. São princípios dos quais não abdicamos. Entendemos que o legislador não deve preocupar-se apenas com a repressão ou com a prevenção dos desvios em relação a estes direitos, em relação à aplicação ao exercício destes direitos, mas a lei deve ser também concebida e aplicada pela positiva. Deve, em nosso entender, criar mecanismos que fomentem a aproximação e a tolerância, pois a tolerância é a base da sobrevivência da nossa democracia. É neste sentido que nós, povo português, povo multiracial, povo de muitas e boas diferenças, queremos continuar a viver neste espaço territorial, que é nosso, assumindo todas as nossas diferenças, para que a nossa democracia se torne madura e perdure para sempre.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Inscreveu-se, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado José Luís Ramos. Entretanto, informo o Sr. Deputado Herculano Pombo que estamos a utilizar o tempo da próxima semana a que tem direito e faço-lhe um apelo no sentido de que seja moderado em termos de utilização desse tempo.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Deputado Herculano Pombo, o meu pedido de esclarecimento detém--se, sobretudo, na alteração que propõe da expressão «intimidade» para «intimidades». Compreendo a razão da proposta, mas não vejo nela qualquer vantagem, uma vez que a palavra «intimidade» da vida privada e familiar contém os dois âmbitos. O que é que se contém aqui? É o direito à intimidade, que tem dois âmbitos: o da pessoa individualmente considerada e o da pessoa considerada no âmbito da sua própria família. Portanto, «intimidade» será a intimidade da vida privada nesses dois aspectos. Não se pode, pois, aqui falar em «intimidades». A intimidade é só uma; o que tem é vários âmbitos, vários níveis e todos eles estão protegidos e consagrados no artigo 26.° da Constituição.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Entendo também a razão de ser da vossa proposta de aditamento da expressão «à livre expressão de todas as diferenças». Mas, como o Sr. Deputado Pedro Roseta aqui expôs brilhantemente, dado que o artigo 26.° já se contêm vários direitos da chamada «terceira geração» dos direitos fundamentais e sendo também deste tipo o direito à intimidade - e já consagrámos o direito à imagem na outra Revisão Constitucional e hoje estamos a consagrar o direito à palavra -, se consagrarmos o direito à diferença, o artigo 26.° não pode nem deve ser
interpretado isoladamente. Temos todos os outros artigos da Constituição, nomeadamente o artigo que consagra a liberdade de expressão, para consagrar todas as virtualidades deste e doutros artigos consagrados na Constituição.
Sendo assim Sr. Deputado, pergunto - e não digo para retirar a sua proposta, uma vez que a percebo e dou-lhe, sem dúvida alguma, o prenúncio em toda esta matéria, não tenho problema em dizê-lo - por que razão é que, em vez de estar aqui a falar, em termos técnicos, na «livre expressão de todas as diferenças»,
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não adere aqui também a consagração do direito à diferença e depois outros artigos da constituição se preocuparão com a liberdade de expressão, com a liberdade de associação, com a liberdade de manifestação, com todas as outras liberdades consagradas na Constituição.
O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Deputado José Luís Ramos, muito rapidamente, porque, conforme se verifica, o direito a palavra ainda não está consagrado e portanto ainda não pode ser reclamado, mas também conforme se verifica, alguém, nesta Casa, terá engolido um cronómetro que nos obriga a andar neste passo super cronometrado, perdendo com isso o debate, obviamente, como alias já tínhamos advertido.
Mas, respondendo concretamente ao Sr. Deputado sobre a proposta de alteração da palavra «intimidade» para «intimidades», devo dizer que a palavra «intimidades» não pode nem deve ter leituras perversas, como alguns espíritos perversos quiseram fazer dela e esse não é, certamente, o nosso caso. Aquilo que quisemos fazer lembrar é que uma coisa é a intimidade da vida privada do cidadão, da pessoa, e outra - bem diferente, muitas vezes - é a intimidade, da sua família, do seu espaço familiar, daquilo que é o seu convívio com um outro núcleo social. Ponho-lhe a questão nestes termos: há cidadãos que não têm família, portanto não têm de ver confundido este seu direito a intimidade privada com um outro direito, que é a intimidade que resulta da convivência num determinado espaço familiar. Em meu entender, são duas realidades diferentes e, quando gramaticalmente tratadas, devem ser tratadas no plural, é tão simplesmente isto. Penso que daqui não correríamos o risco de a Constituição passar a ser um pouco mais, diria, «pornográfica» por causa de uma interpretação perversa que daqui adviria. Digo isto, porque essa interpretação já foi feita por algumas pesssoas.
Quanto a expressão «livre expressão de todas as diferenças», é óbvio, Sr. Deputado, que não retirarei a minha proposta e leva-la-ei até ao fim, com a consciência de que é até ao fim que se devem levar as boas propostas. Como há pouco referi, votarei o mínimo e esse mínimo é a consagração do direito á diferença. Gostaria de ser acompanhado na votação do máximo pela maioria de dois terços, mas isso não for possível, ao menos que a maioria de dois terços vote comigo, com o Sr. Deputado Pedro Roseta e com outros o mínimo e o mínimo dos mínimos é a consagração final no texto constitucional do direito á diferença...
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, muito brevemente, para sublinhar, desde já, a nossa concordância quanto ao reconhecimento do direito de personalidade, do direito a palavra, basicamente no pressuposto de que a personalidade humana é o alicerce da personalidade jurídica e por isso, nesse sentido, o direito á palavra é um meio caminho entre o direito a identidade pessoal e a intimidade. ... A ideia de salvaguarda da transitoriedade da palavra e da proibição de aprisionar a palavra historicamente proferida, é um valor extremamente relevante que, nalguma medida, consideramos que já estava implícito e inserto no texto constitucional, neste mesmo artigo, mas que, não perde em ser consagrada, sobretudo pelas consequências jurisdicionais que esta consagração implica, basicamente na proibição da possibilidade, com tradução imediata no processo penal, de usar meios de prova não autorizados judicialmente. como instrumento de acusação publica. Consideramos, portanto, que esta é uma melhoria significativa.
Quanto ao direito á diferença, que o meu camarada Almeida Santos irá tratar seguidamente, apenas deixaria a nota e a duvida sobre se o direito á diferença não está já, nalguma medida, também inserto, neste artigo, no que diz respeito ao direito ,á identidade, entendendo-a, tal como a entendem algumas constituições que expressamente o referem, como um direito ao livre desenvolvimento da personalidade.
O Sr.. Presidente:.- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apoiamos a proposta do PSD de consagração do direito a palavra. Entendemos que o direito à palavra tem repercussões no mundo jurídico e no mundo político, muito mais do que uma mera manifestação de imagem e de identidade pessoal. Naturalmente que ele vai ter uma carga importantíssima no direito de informar e ser informado, vai ter o primeiro efeito na jurisdicionalização da prova, não só no processo penal como no processo civil, e representa uma espécie de pequena revolução dentro dos direitos da personalidade.
Quanto ao direito á diferença, não poderíamos estar longe do pensamento manifestado pelo nosso colega, Sr. Deputado Pedro Roseta.
Como personalistas, para nós a igualdade só se reforta com o direito a diferença. A identidade pessoal requer esse mesmo direito à diferença. Para não prejudicar o direito a diferença, não vou invocar o testemunho do Jacques Maritan, porque nem o Partido Comunista nem muitas pessoas da pancada do Partido Socialista gostam dele, simplesmente poderíamos arranjar muitas teorias, muitos autores, para a consagração do direito à diferença, porque, seja da esquerda, da direita, de cima e de baixo, o direito à diferença é hoje reconhecido por todos. Só uma teimosia, como disse ontem o Sr. Deputado Almeida Santos, é que pode levar a sua não consagração.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Espada.
A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: - Gostaria de explicitar a posição do PRD relativamente à proposta apresentada pelo Sr. Deputado Pedro Roseta dizendo, desde já, que o PRD aprova-a.
Pensamos que em termos sociais e culturais existem inúmeros processes, de discriminação em função de opções que não correspondem às da maioria.
Este direito é um sinal dos tempos, um sinal da evolução que a sociedade sofreu nos últimos tempos e que continuará a sofrer no século que se adivinha. É um direito que tem uma dimensão que não é tanto uma dimensão jurídica mas mais uma dimensão cultural.
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É o direito que, no fundo, tal como o Sr. Deputado José Manuel Mendes disse, é uma componente do direito à igualdade mas que consagra que na diferença, apesar de diferentes, são todos iguais, ou seja, que não pode haver discriminação pelo facto de se ser diferente.
Durante esta discussão - e se passarmos do plano do individual, da pessoa, para o plano do social, dos povos e das sociedades - lembrei-me de quando os povos europeus entraram em contacto com povos que não conheciam e que tinham culturas muito diferentes. Esses povos europeus começaram por considerar que as culturas dos outros povos, que eram diferentes, eram piores, porque tinham um nível de desenvolvimento inferior ao dos povos europeus e, porque as suas formas de viver e estruturas económicas não correspondiam aos modelos europeus, foram considerados piores do que os modelos que vigoravam na Europa da altura.
A verdade é que o pensamento social evoluiu num sentido completamente diferente, tendo-se chegado hoje a um pensamento generalizado segundo o qual é exactamente na diferença entre os povos que reside a sua fórmula especial para atingir os seus objectivos que são, dentro das várias opções, das limitações geográficas, ambientais e de recursos, enfim, dentro de cada opção e de cada diferença específica, os de conseguirem atingir as melhores soluções.
É, pois, este reconhecimento em termos de pensamento social e antropológico que se pode, de algum modo, comparar com a evolução do pensamento em relação ao indivíduo, uma vez que o indivíduo dentro das suas diferenças, no fundo, tem exactamente os mesmos objectivos e os mesmos direitos.
Penso que o direito à diferença não pode ser, de modo algum, um impedimento a que um indivíduo possa exercer os direitos que todos os outros cidadãos exercem quando correspondem à «normalidade». Devo dizer que esta é uma expressão utilizada, sistematicamente, e, pelo menos uma vez na vida, cada deputado desta Casa deve ter sentido a necessidade dessa consagração e deve ter utilizado nos seus discursos ou nas suas conversas esta forma específica de encarar o direito à igualdade.
Efectivamente, já é tempo de este direito ficar consagrado constitucionalmente. É uma vertente que, de certo modo, se confunde com o direito à igualdade mas é mais do que isso: é, se nós quisermos, uma especificação ou um aprofundamento do próprio direito à igualdade.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Receio ir pôr alguma água na fervura, mas gostaria de fazer um apelo a alguma prudência.
Representei o meu partido na comissão no momento em que votámos contra esta proposta, aliás, conjuntamente com o PSD. Não o fiz na sequência de uma discussão no meu grupo parlamentar e penso que o meu grupo parlamentar tem o direito de ser diferente de mim. Suponho mesmo que entre nós haverá divergências de opinião.
O que gostaria de dizer em relação a esta proposta é que vejo que está estabelecida alguma confusão entre o direito à diferença, à divergência, a uma identidade diferente, a uma personalidade diferente. . . Bom, afirmações que não me perturbam.
O Sr. Peara Roseta (PSD): - Ainda bem!
O Orador: - O que me perturba e preocupa é a afirmação genérica de um direito à diferença a latere dessa conquista história pela qual morreu, foi queimada e sofreu muita gente, e que foi a conquista gradual e progressiva do direito à igualdade. Isso é que me perturba, porque vejo os Srs. Deputados muito entusiasmados discretearem em abstracto sobre o direito à diferença mas não os vejo concretizar o que é que pensam sobre isso. Em que é que estão a pensar, em concreto, quando advogam a consagração genérica do direito à diferença? É aquilo que Os Verdes, que aqui defenderam com tanto entusiasmo o direito à diferença, expressam por «a livre expressão de todas as diferenças»?
Bom, umas das duas propostas apresentadas refere-se genericamente ao direito à diferença. Isso perturba-me, mas não é alarmante! Mas, logo a seguir, vem a tradução deste conceito numa outra proposta como sendo «o direito à livre expressão de todas as diferenças». Mas o que é isto? Todas mesmo?
Há pouco o Sr. Deputado Herculano Pombo fez uma referência que me era dirigida, porque na comissão, quando ele falou, salvo erro, das diferenciações pornográficas. . . Bem, fui eu que disse isso! Eu assumo sempre as minhas tolices e asneiras!
Como eu estava a dizer, aquando da discussão desta proposta em sede de comissão, eu disse: « - Esperem aí! Na avenida há um rapaz e uma rapariga que se beijam, e as pessoas enternecem-se a vê-los namorar e a dar um beijo. Mas ao lado, há duas pessoas do mesmo sexo, dois homens, duas mulheres, que se beijam e o polícia, conhecendo a reacção a este não-costume, toca no ombro deles e diz-lhes: ( - Esperem aí! O que é que estão a fazer?). Eles viram-se para trás e respondem-lhe: (- Segundo o artigo 25.° da Constituição, nós temos o direito a ser diferentes!).»
Qual será o alcance de uma consagração genérica do direito à diferença? É a inconstitucionalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo? É a proibição da punição dos tóxico-dependentes? É o direito à esquizofrenia? Não sei! De facto, isto perturba-me, sinceramente.
Compreendo que isto tem algum alcance e estou disposto a considerar todas as discriminações positivas que quiserem, todas! Querem consagrar as diferenças como forma de discriminação positiva, vamos a isso! As principais na Constituição e as menos principais na lei ordinária. Mas a definição genérica de um direito à diferença contra a conquista histórica de um direito genérico à igualdade?
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Contra?
O Orador: - Desculpe, então gostaria que o Sr. Deputado concretizasse o que é que pensa.
Vamos legalizar a esquizofrenia, vamos não punir o casamento entre pessoas do mesmo sexo?... Essa também é uma característica da personalidade: a minha personalidade pode ser a de um indivíduo que quer ser homossexual. Eu não fujo às críticas que me fazem,
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mas isto perturba-me e coloco-vos este problema só para reflectirem, porque a melhor expressão que eu veria do direito a diferença...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Almeida Santos, em São Francisco da Califórnia, na Noruega e na Finlândia o direito a diferença dos homossexuais - ja que falou neste assunto - tem sido proclamado não em nome do direito a diferença mas em nome do direito a igualdade, isto e, dizendo que a igualdade é que impôs que cada um faça a vida sexual que quiser em nome do princípio da igualdade.
O Orador: - Sr. Deputado, ja que leva tão longe o princípio da igualdade rasgue a Constituição, porque as Constituições são para limitarem alguns dos direitos a sermos iguais e alguns dos direitos a sermos diferentes. Todos temos de ser canalizados em determinado sentido. Bom, então rasguemos a Constituição e cada um é o que quer.
Provavelmente, tenho aqui a posição de um fóssil - admito-o as vezes sou-o!... - mas respeitem também as minhas reservas e preocupações, porque eu não vos vejo raciocinar em concreto e a dizer que estão a pensão nesta ou naquela diferença, afirmando quererem que ela exista.
Vejo-vos a aceitar todas as diferenças e isso eu não aceito por contraponto a definição do princípio da igualdade. Reclamarei o direito a votar diferentemente, e peço que comecemos por aqui: vamos para os nossos grupos parlamentares e defendamos, para começar, um exemplo típico do direito a diferença, ou seja, o de cada, um votar como quiser...
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Entre homem e mulher!
O Orador: - Entre homem e mulher? Muito bem: porque eu compreendo a discriminação positiva a favor da mulher e, então, reclame a discriminação positiva a favor do homem. Ficamos na mesma: ou há discriminações positivas a favor da mulher, todas as que foram justificadas, ou então - e desculpar-me-á - terá de dar igual direito aos homens de invocarem também as suas diferenças e aí anula as discriminações positivas que ou são pontuais ou não existem.
E dou-vos ja um exemplo: vamos para os nossos grupos parlamentares, defendamos cada um de não o direito a sermos diferentes na votação e cada um vota como quiser e se isto for, efectivamente, consagrado eu só quero ter o direito de votar contra, mais nada! E não ficarei no corredor sem votar, virei aqui votar.
Nessas circunstâncias, os que pensam que é boa a consagração do princípio genérico do direito a diferença...
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Como o Sr. Presidente Mário Soares!
O Orador: - ..., sem estarem a pensar nos «coelhos» que se vão tirar dessa manga, assumem a responsabilidade. Eu não aceito, por exemplo, o argumento da autoridade neste domínio, nem do meu particular amigo e Presidente da Republica Mário Soares, e invoco o direito a ser diferente dele no sentido...
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Ah! ...
O Orador: - Não é ah! Não é ah!, Sr. Deputado! ..., e - dizia - , - invoco o direito a ser diferente dele no sentido em que eu interpreto o direito a diferença, como sendo o direito á liberdade - eu não preciso do direito a diferença desde que tenha o direito a liberdade - , a livre expressão do meu pensamento, a divergência. Aqui esta o que invoco em relação ao meu querido amigo Mário Soares.
O direito à divergência, o direito a ter uma personalidade própria e o direito a uma identidade pessoal chegam-me, esta cá tudo! O que é que não cabe nestes três valores: o direito a liberdade, o direito a divergência, ou seja, a liberdade de opinião, e o direito a uma identidade pessoal própria?
Os espanhóis, com toda a prudência, foram para uma solução desse tipo e consagraram o «direito ao livre desenvolvimento da personalidade». Óptimo! Querem consagrar o direito a uma personalidade diferente, embora isto me pareça que já está no direito a identidade pessoal? Pois ponham...
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - É do que melhor nada!
O Orador: - ..., mas não ponham o direito a esquizofrenia. Isso não! Pessoalmente serei contra! Compreendo os modernismos, sou um «fóssil» perante estas vagas modernas da consagração do direito a diferença e sei que, porventura, se não for agora será amanhã que este direito será consagrado. Contudo, com a minha Oposição, não quero vincular o meu partido onde sei que há camaradas meus que são favoráveis a votação.
Tenho esta posição muito clara, não recuo um milímetro, assumo com convicção o meu ponto de vista e desafio-vos a concretizar as consequências da consagração deste princípio. Nada de belezas abstractas, porque isso é muito fácil!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na intervenção que ha pouco fiz a apresentar as propostas em causa, comecei por dizer que daríamos o nosso voto favorável em relação a proposta de acrescento de um novo direito, «o direito à palavra». De resto, tratando-se de uma proposta nossa não poderia ser de outra forma!
No que a diferença concerne ha duas propostas, uma vinda de Os Verdes e outra subscrita, a titulo pessoal, por deputados de varias bancadas, designadamente pelo Sr. Deputado Pedro Roseta.
Em primeiro lugar, peco a Mesa que considere as intervenções feitas pelo Sr. Deputado Pedro Roseta
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como intervenções de carácter pessoal como um dialogo com toda a camara, inclusivamente com o deputado do PSD que, na altura da votação tem de dar uma resposta.
Neste momento, o que nos cumpre dizer, em nome do PSD é o seguinte: é evidente que o tópico da diferença é extremamente importante, é uma ideia força em nome da qual se tem conseguido coisas relativamente importantes.
O direito à diferença resulta, já na sua parte útil, de muitas das propostas e dos preceitos constantes da Constituição. Todo o direito à integridade pessoal é um direito à diferença e, assim sendo, a pessoa é por definição o contrário do funcionamento, a pessoa é um projecto radical de ser de si e para si próprio. Portanto, o que define a pessoa é ser um projecto para si próprio, ou seja, a pessoa vale por aquilo que é como finalidade autónoma, como sistema auto-referente ou auto-poético.
Portanto, quando falamos da pessoa como integridade pessoal estamos, de certa maneira, a apontar para um caminho autónomo. A pessoa é o contrário do funcionário e vale por aquilo que é radicalmente diferente e individual, e não por aquilo que é fungível e que é uma função dentro do sistema social.
De facto, no sistema social somos cada vez menos nós próprios, cada vez menos pessoas e cada vez mais um conjunto de papéis, de máscara ou de funções sociais. Portanto, quando consagramos o direito à integridade pessoal, estamos de certa maneira, a consagrar algo de útil em matéria de diferença.
Por outro lado, quando nos opomos a uma coisa que parece tão cativante e tão atraente como é o princípio de ressocialização de deliquentes como finalidade constitucionalmente proposta ou mesmo imposta, nós, PSD, fazêmo-lo porque entendemos que o sistema social não tem o dever de ressocializar no sentido de reproduzir todos os dias, o processo da «Laranja Mecânica», ou seja, no sentido de receber determinadas pessoas que exprimiram, até em termos particularmente censuráveis, a sua divergência e o seu desvio, mas, sim, no sentido de fazer dessas pessoas absolutamente iguais. O sistema penal, por exemplo, não pode ser a repetição da «Laranja Mecânica» nem de «Voando sobre um Ninho de Cucos».
E uma das razões de fundo é o direito à diferença que permite dizer que, do ponto de vista do sistema social, da sociedade, do Estado, cada um deve ter o inalianável direito de ir para o inferno à sua própria maneira, contando que não lese os outros.
Estas são, pois, algumas das concretizações do direito à diferença. Este direito surge como referente de conquista e de reivindicação. Isto é uma coisa! Porém, coisa diferente é introduzir o direito à diferença no texto constitucional como um direito autónomo.
Há já consciência clara, como questionava o sr. Deputado Almeida Santos, de todas as implicações? Já há uma consciência clara do horizonte hermenêutico que vamos abrir quando consagrarmos esse direito à diferença. Há um horizonte claro nesse sentido?
Em nome do direito à diferença - e falo agora a titulo pessoal - permito-me duvidar que já tenhamos consciência de todas as implicações que vamos desencadear com a criação deste direito à diferença como um direito de carácter constitucional.
E se amanhã um juiz do Tribunal Constitucional ou um intérprete da Constituição nos perguntar o que é que os constituintes queriam dizer com este direito à diferença, da minha parte, desde já lhes digo que ainda não sei bem, pois ainda não domino o horizonte hermenêutico que vamos criar.
Amanhã a minha mensagem a um juiz do Tribunal Constitucional ou a um universitário que na sua cátedra tente perscrutar a vontade histórica do legislador é muito modesta: não sei bem! Não sei bem quais são todas as implicações do direito à diferença.
O sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Mas isso acontece com todos os direitos!
O orador: - São considerações deste estilo que nos levam a esta atitude de grande «ambiguidade» e assumo, com plena consciência, o sentido da palavra.
Tenho uma grande simpatia pela ideia do direito à diferença mas como um referente transconstitucional que nos pode ajudar ainda a fazer caminho como legisladores constituintes. Do nosso ponto de vista, coisa completamente diferente é inscrever já esse direito na Constituição.
É, pois, nesta posição de «ambiguidade», nesta simpatia activa pela ideia de diferença que nos encontramos, na certeza de que muitos dos seus contributos úteis estão já plasmados e cristalizados na Constituição, na esperança de que o tempo pode permitir a decantação de novos aspectos que amanhã podem ser erigidos em autónomos direitos constitucionais.
Até a votação assumir-nos-emos em conformidade, ressalvando as posições pessoais de alguns Srs. Deputados. Do meu ponto de vista, entendo que, nesta altura, deveríamos continuar a manter o direito à diferença como referente importante de pensamento, de reflexão e de interpretação mas não introduzir, desde já, esse direito no campo constitucional, porque, pelo menos, eu não domino as implicações da introdução deste direito na Constituição.
E, repito: se um intérprete da Constituição, um juiz ou um cientista de Direito, me questionasse directa ou indirectamente, com meios cientificamente idóneos, sobre qual a nossa posição se tal preceito fosse consagrado, eu diria: « - ainda não sei bem!»
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Espada.
A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Deputado Costa Andrade, gostaria de saber, se, na sua opinião, caso a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Pedro Roseta fosse aprovada, isso permitiria, em termos constitucionais a formação ou o aparecimento de outras formas de família, entre sexos, com as mesmas formas jurídicas e os mesmos condicionamentos que o casamento entre homem e mulher.
A Segunda questão é a seguinte: o sr. Deputado pensa assim ou tem receio e se é por esse facto que o PSD não aprova a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Pedro Roseta?
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O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra, o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr.ª Deputada Isabel Espada, não ouvi a sua segunda pergunta, pelo que lhe peço o favor de repeti-la.
A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Com certeza, Sr. Deputado.
Gostaria de saber se, efectivamente, esta norma, em sua opinião, permitiria o aparecimento de outro tipo de famílias em termos jurídicos e se e por esse facto, ou por causa deste receio, que o Sr. Deputado nao quer, desde ja, aprovar uma norma deste tipo.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr.ª Deputada Isabel Espada, começo por responder-lhe a segunda pergunta dizendo que não é só por isso que o PSD se encontra numa fase de reflexão até a hora da votação. A razão da nossa oposição, e se essa vier a ser a nossa posição de voto, é mais ampla, mais profunda e tem a ver com um certa responsabilidade constitucional.
Para nós, a Constituição é uma coisa muito séria e em relação a uma norma ou a um direito que introduzimos devemos Ter referências muito claras sobre os contornos daquilo que criamos, ou seja, sobre quais as suas principais projecções, quais as suas implicações, quais os seus limites, etc.
Foi este o sentido da minha intervenção. Nós ainda não estamos nessas condições. Alias, penso que ninguém até agora ouviu exaltar o direito a diferença. No entanto, ninguém mais do que eu - e para escândalo de alguns membros da comissão - se opôs a ressocialização constitucionalmente vinculada.
Sou adepto do direito à diferença, mas no sentido, como aqui esta explícito, digamos, de um programa de diferença, que, alias, ainda não apareceu concretizado em todas as suas implicações. Portanto, é exactamente pelo facto de eu não saber bem o que e que criamos com este direito a diferença que, até convencimento em contrario e porque o diálogo é exactamente isto, a minha postura é de oposição. Repito: não sei bem o que é que faria se consagrassemos este direito, porque o que tem estado em causa é a exaltação da ideia de diferença, com a qual estamos de acordo.
Quanto a outra pergunta que a Sr.ª Deputada me colocou, penso que se esta norma viesse a ser consagrada constitucionalmente - e falo agora como jurista - ela não vincularia em matéria de contratos familiares, uma vez que as relações de família estão estabelecidas. Esta matéria esta dependente do legislador ordinário, de uma certa natureza e estado cultural das coisas e, portanto, penso que não resultaria daí a legitimidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Com a norma ou sem ela penso que o estado das coisas não se alteraria, pois a Constituição não vincularia o legislador a qualquer opção, uma vez que este continuaria a ser livre para dar apenas eficácia jurídica ao casamento heterossexual.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.
A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Venho prestar uma certa homenagem ao entusiasmo com que o meu colega de bancada deputado Pedro Roseta fez a apologia da introdução do novo direito nesta elencagem do artigo 26.° da Constituição. No entanto, porque discordo da sua posição vou tentar explicar quais as razões da minha postura e referir-me a algumas intervenções que foram aqui produzidas.
Entendo que para consagrar um direito deste tipo e preciso, por um lado, ver se a legislação que temos já é suficiente e, por outro, ter o sentido da responsabilidade daquilo que consagramos e ver se o lugar privilegiado da propulsão para a admissão do direito a diferença e exactamente um texto legislativo ou se isso, pondo cada coisa no seu lugar, deve ser deixado a cultura e as iniciativas que nesse sentido criem a tal propulsão para a admissão clara do direito a diferença.
No meu entender, o direito a diferença está já implícito na ordem jurídica que temos e, mais do que isso, ele nem é sequer um corrolado do direito à igualdade mas, sim, um corrolado do direito a liberdade. O direito a diferença tem a ver com a consagração de grandes espaços de autonomia e com a idiossincrasia de um sistema que os garante.
Lembro aqui uma formulação, que me parece feliz embora antiga, da ideia de Direito: «O Direito é a regulação dos diferentes arbítrios dentro de uma lei geral de liberdade.» Ora, se o Direito tem exactamente esta estrutura se é um direito «garantista» que acautela grandes espaços de autonomia, então, assegurado o direito a liberdade esta assegurado a liberdade a diferença.
Na verdade, indo ao encontro de algumas das preocupações que aqui foram levantadas, diria que ha exemplos claros no nosso sistema jurídico de que o direito a diferença está acautelado na lógica implícita da admissão expressa do direito a liberdade. Estou a pensar, por exemplo, nos casos de objecção de consciência que em democracia são naturais e na despenalização de comportamentos sexuais dissidentes.
Não entrando já na preocupação mais concreta referida pela Sr.ª Deputada Isabel Espada, devo dizer que, apesar de não vislumbrar ainda o problema que colocou, o nosso Direito ja deixa «folga» para que os comportamentos sexuais dissidentes sejam livres e não penalizados, isto é, é um Direito garantia de espaços de autonomia intangíveis, quer do ponto de vista da intervenção do Estado nesses espaços de autonomia quer do ponto de vista da intervenção de outros particulares.
Portanto, entendo que nem sequer se pode considerar que o sistema jurídico que temos, e que impregna a estrutura democrática da sociedade política que construímos, e um sistema que «tolera»; ele é mais do que isso. O direito à diferença faz parte da sua idiossincrasia; é nele que assenta a fundamentação da sua própria legitimidade; é-lhe congénito, se quiser utilizar um termo biológico.
Ora, assim sendo, e pensando nas preocupações manifestadas pelo Sr. Deputado Costa Andrade, numa clara consciência da responsabilidade que ha ao trabalhar em matéria constitucional, não sei qual será a vantagem que possa advir da introdução de um direito deste tipo. Vivemos numa sociedade caracterizada por estruturas de legalidade que renuncia a formas de lealdade totalitárias, que exige liberdade de particular para particular e de Estado para particular: Portanto, não sei, a não ser no plano cultural, qual possa ser a função inovatória que o Direito venha desenvolver nesta matéria.
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Estas são pois as minhas preocupações. Não é que me repugne a consagração expressa de um direito à diferença só que, no meu entender, ela não é necessária.
Por outro lado, há um problema em relação ao qual nos sentimos limitados e que tem a ver com o facto de não conseguirmos prever quais são as consequências concretas da introdução deste preceito, quer a nível legislativo quer a nível de facto e de actuação concreta das próprias entidades publicas.
Portanto, é a suficiência do Direito, sobretudo a filosofia que lhe subjaz e as claras manifestações que já temos dessa filosofia, que me levam a expender estas considerações no sentido de que não será assim tão necessário uma inovação como a que é proposta. Isso não significa, repito, que não deixe de fazer uma grande homenagem ao brilhantismo e ao entusiasmo com que o meu colega de bancada, Dr. Pedro Roseta, fez a sua defesa.
O sr. Costa Andrade (PSD): - Muito bem!
O Sr. Almeida Santos (PS): Sr. - Presidente, peço a palavra para interpelar a mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, apenas para anunciar que vamos apresentar uma proposta do seguinte teor: no fim do n.º 1 do artigo 26.º deve constar o seguinte aditamento «e ao livre desenvolvimento da personalidade».
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Já é alguma coisa!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.
O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Agrada-me extraordinariamente ouvir a defesa do direito á diferença. Efectivamente, onde não há direito à diferença, entenda-se à divergência, não há liberdade. A garantia do direito à diferença está contida na garantia do direito à liberdade, tão somente, e o direito à diferença encontra-se garantido na Constituição Portuguesa e esta garante a liberdade.
Em relação a aspectos semanticamente mais recentes, poder-se-á dizer que o direito á liberdade decorre também do direito à intimidade. Por consequência perguntar-se-ia: «Onde é que está o problema? Por que razão é que se trouxe, em termos confusos, uma questão sobre a qual existe norma clara?» Bem, dir-se-á que a questão não é tão clara como isso e, portanto, justifica-se que o assunto seja discutido como está a ser.
Estou de acordo com o Sr Doutor Costa Andrade quando ele disse que não sabia qual era o significado da consagração constitucional do direito à diferença. Ora, todos nós sabemos, qual é o referencial cultural do direito à diferença, mas não sabemos o que é que isso significa em termos de linguagem jurídica, muito menos em termos de expressão constitucional.
Mas, já agora, permitir-se-ia dar uma pequena ajuda ao Sr. Deputado Pedro Roseta, dizendo-lhe o seguinte: V. Ex.ª pretende certamente, garantir o direito à homossexualidade. Bem, mas se é assim, então proponha e nós discutiremos essa proposta, porque de outro modo corremos o risco de estar a apreciar não a proposta de direito à homossexualidade mas, apenas, a proposta de direito à toxicomania. E, se assim for, desde já lhe digo que sou contra o reconhecimento do direito à toxicomania grave, pelo que é importante saber se estamos a dizer «sim» a direitos de toxicomanos graves - e outros exemplos poderiam dar-se.
Seria de aceitar que alguma norma constitucional possa ser utilizada no sentido de impedir um médico de tratar uma esquizofrenia? Efectivamente, não sabemos o que é o direito à diferença em termos de norma constitucional e a prova disso é que mesmo V. Ex.ª fez uma translação estraordinária, embora tenha feito uma explanação filosófica com um alcance que transcende a minha capacidade de apreensão e que, portanto, não vou comentar.
V. Ex.ª citou o segundo princípio da diferença de Rawls, ou seja, «o princípio da justiça segundo o qual os bens materiais podem ser distribuídos diferentemente». Gostaria de lembrar que o primeiro princípio da justiça refere «casos em que se admite o direito à desigualdade na distribuição de bens materiais.» Ora, a partir do segundo princípio da diferença de Rawls - e este é também, utilizado na jurisprudência dos tribunais americanos -, o que é que V. Ex.ª tira? Tira o direito à diferença como se entre o segundo princípio da d8iferença de Rawls e o direito à diferença, tal como culturalmente corresponde às preocupações que aqui estão a ser suscitadas, houvesse algo de comum.
Enorme ambiguidade, mesmo no plano das referências culturais mais claras e inequívocas, pois quem é que não conhece Rawls? Quem é que não sabe o que é o segundo princípio da diferença? Não o sabe, por exemplo, o Sr. Deputado Pedro Roseta, que nos vem aqui argumentar com ele.
Pois bem, devemos evitar também que os nossos magistrados tenham de fazer investigações profundíssimas no domínio da filosofia para saber o que é que nós tinhamos escrito, se porventura viermos a introduzir este direito na Constituição.
Quanto a mim - e é por esta razão que uso da palavra -, ao introduzirmos esta norma, o que poderá estar em causa é o direito a certas desigualdades que não são aquelas que Rawls defende mas, sim, as outras, designadamente o direito a privilégios que sectores da sociedade invocariam como fundamento de que têm um valor diferente. Por exemplo, confissões religiosas, que pela importância quantitativa dos seus crentes possam reivindicar, por decurso do direito à diferença, o direito de serem tratadas diferentemente em razão da diferença que resulta da importância qualitativa acrescida da sua influência na sociedade.
O que eu receio, pois, é que este direito à diferença, que tanto agrada ao Sr. Deputado Herculano Pombo, seja afinal, interpretado no sentido e esse muito mais consentâneo porventura com um personalismo que inspira o Sr. Deputado Pedro Roseta, de fundamentar e abrir inviamente o caminho a uma fundamentação do direito ao privilégio.
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O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, neste momento, sinto-me obrigado a fazer um certo protesto, embora lamente utilizar esta figura porque penso que não devemos abusar dela. É que foram postas na minha boca, por vários deputados, a começar pelo Sr. Deputado Almeida Santos, afirmações que não fiz, e que de forma alguma estavam no meu pensamento.
É evidente que - fazendo uma amálgama que muito estranho porque esse processo não é estranho dos individualistas liberais, ainda que ultra-conservadores, como é o caso - essa atitude surpreendeu-me, porque embora eu respeite o Sr. Deputado Herculano Pombo, a proposta dele é a dele e a minha é a minha. Portanto, não vamos amalgamar coisas diferentes!
Merece um protesto o facto de se dar como objectivo à minha proposta a violação dos princípios éticos, como o «casamento» dos homossexuais e outras coisas que ouvi..., o «direito» à toxicomania! Isso são fantasmas que não tem obviamente nada a ver com o direito à diferença, tal como é entendido pelas correntes do pensamento de hoje. E o Sr. Deputado Sottomayor Cardia veio também atribuir-me intenções que eu não tinha.
Eu gostaria de pergunta aos Srs. Deputados socialistas se estão a fazer uma autocrítica.
O Sr. Deputado Almeida Santos esqueceu-se - e eu tinha aqui os Diários dessa altura - que em 1986 também estava presente na sessão em que esta Câmara aprovou que é missão do sistema educativo português «assegurar o direito à diferença». Tenho aqui Diários do dia em que essa lei foi aprovada na generalidade e onde constam, como deputados presentes, entre outros, António de Almeida Santos - era V. Exa. com certeza!
O Sr. Almeida santos (PS): - Sr. Deputado posso interrompê-lo?
O Orador: - Não, Sr. Deputado. O tempo foi-me cedido pelo meu partido e eu não posso dispor dele. Alias, V. Exa. ha pouco também não me permitiu a interrupção quando a solicitei.
Nessa altura alguma vez passaram pela cabeça de VV. Exas. todas estas enormidades que agora disseram? É evidente que não! É evidente que o direito à diferença é aquele direito que é consagrado no Magistério Pontifício, que é tratado em inúmeros textos filosóficos e não apenas nos de Rawls. E por que é que só citei Rawls? Evidentemente, que tinha aqui textos notáveis de um pensador português - Miguel Baptista Pereira, da Universidade de Coimbra a quem quero prestar homenagem e que recomendo ao Sr. Deputado Sottomayor Cardia -, em que ele define o que é ontologicamente a pessoa; em que afirma que «o universo da a pessoa é o da diferença e o da relação num advento pluralista do ser, em que toda a unidade é plural e toda a diferença é relacional». Isto transcende muito a análise económica e social de Rawls. Comecei em Rawls como podia ter começado noutro pensador qualquer... É evidente que a perspectiva papal é muito
diferente da de Rawls; também a perspectiva do Presidente Mário Soares é diferente da de Rawls. Mas, Srs. Deputados, deixem-me dizer o seguinte: Vejo que VV. Exas. querem pensar apenas como juristas, mais ou menos conservadores. No entanto, podem ter a certeza de que, como diz o Professor Miguel Baptista Pereira, «a crise actual de sentido é a obnubilação da relação e a repressão da diferença (...), sem a qual o Homem continua excedentário e supérfluo».
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Pedro Roseta esgotou...
O Orador: - Termino ja, Sr. Presidente. Peço apenas que não me atribuam intenções que não tenho.
Que se lembrem que este direito foi já consagrado por VV. Exas., que tenham consciência que ele decorre fundamentalmente do princípio da liberdade. Portanto se decorre do princípio da liberdade, tem de, obviamente, como todas as liberdades, ser balizado pelos princípios gerais da Moral e do Direito. Toda a liberdade tem limites. Os casos que aqui trouxeram que ja referi não estavam no meu pensamento. Lamento que tragam para aqui falsos argumentos para inquinar a minha proposta. Se não fosse amigo de VV. Exas., apesar de vos ver tão conservadores, quase me atrevia a sugerir-vos que ousassem defender a vossa posição junto, por exemplo, das correntes do pensamento feminino contemporâneo. Tenho pena que não estejam aqui, por exemplo a Sras. Deputadas Natália Correia, Teresa Santa Clara Gomes. Eu gostava de ouvi-las falar sobre; isto!...
Mas, por favor, não mistifiquem, não misturem «alhos com bugalhos», porque a questão não se coloca no terreno para onde a querem levar. A questão é outra e é muito séria. É uma questão filosófica que merece o respeito de todo o pensamento contemporâneo, cristão e não cristão. Não vamos aqui, com exemplos descabidos, tentar inquinar aquela que é uma questão fundamental do sentido da pessoa contemporânea.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - A Mesa permite-se chamar a atenção para o seguinte: apesar do tempo disponível estar a contar, a figura regimental invocada, porque tem precedência relativa a outras intervenções, deve resumir-se ao tempo previsto - neste caso, o do protesto, são três minutos.
Dentro do tempo também previsto, e de acordo com as normas regimentais, o Sr. Deputado Sottomayor Cardia tem agora direito a um contraprotesto pelo tempo de três minutos.
O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Pedro Roseta fez um protesto na sequência da minha intervenção...
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - De todas!
O Orador: - E da minha, o que muito me honra. V. Exa., por consequência, retira a conclusão dos direitos dos homossexuais da questão do direito a diferença... Singular não consideração! Pensei que essa conclusão decorreria, naturalmente, das considerações de V. Exa. ... Não retira essa conclusão?...
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A certa altura V. Ex.ª falou da moral. Quer dizer, do ponto de vista da Constituição Portuguesa e para uma correcta hermenêutica constitucional, a moral está acima da liberdade. Foi isso que V. Ex.ª disse? V. Ex.ª é que disse que os homossexuais não seriam abrangidos porque havia moral. E aí, é esse o direito à diferença, é o direito a Ter posições intelectuais diferentes na interpretação do que é a Democracia.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Que confusão!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, já ultrapassámos a hora regimental para o intervalo de almoço, mas como relativamente a este artigo há muitas inscrições, temos de continuar a sua apreciação depois do almoço. Informo que estão inscritos os Srs. Deputados Adriano Moreira, Almeida Santos, Alberto Martins, Costa Andrade, José Magalhães e Helena Roseta.
Está suspensa a sessão.
Eram 13 horas e 5 minutos.
Após o intervalo para o almoço, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente, Manuela Aguiar.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 25 minutos.
A Sr.ª Presidente: - Ao que julgo para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Adérito Campos.
O Sr. Adérito Campos (PSD): - Exactamente, Sr.ª Presidente.
Ao abrigo das normas regimentais, o Grupo Parlamentar do PSD pede uma interrupção dos trabalhos por quinze minutos.
A Sr.ª Presidente: - É regimental pelo que suspendo a sessão até às 15 horas e 40 minutos.
Eram 15 horas e 25 minutos.
A Sr.ª Presidente: Está reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 45 minutos.
A Sr.ª Presidente: - Está inscrito para uma intervenção o Sr. Deputado Adriano Moreira, O Sr. Deputado Narana Coissoró pede a palavra para que efeito?
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr.ª Presidente, é para interpelar a Mesa neste sentido: o Sr. Deputado Adriano Moreira encontra-se neste momento em serviço da Assembleia no exterior, mas esperamos que regresse dentro de meia hora. A nossa sugestão era a de adiantarmos os trabalhos intervindo outros Srs. Deputados até à chegada do Sr. Deputado Adriano Moreira, que usaria então da palavra.
A Sr.ª Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. A Mesa aceita a sugestão.
Está inscrito para uma intervenção o Sr. Deputado Alberto Martins, a quem concedo a palavra.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A questão que há pouco tinhamos deixado em aberto é a do direito à diferença.
O PS apresentou uma proposta, distinta da consagração do direito à diferença, tentando preservar um valor que nos parece similar a esse e que é o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, valor este inscrito no mesmo plano dos direitos pessoais.
A ideia da consagração do livre desenvolvimento da personalidade radica no que a seguir passo a expor.
Já foi dito aqui que o artigo 13.º consagra o princípio da igualdade positiva, e, desde logo, o princípio da discriminação positiva, e, por isso, a salvaguarda de diferenças em função do princípio da igualdade. Digamos que o princípio da igualdade ou direito à diferença é aqui simétrico do direito à igualdade e essa simetria baliza-se por uma ideia simples, que é a seguinte: o direito à diferença e um facto cultural, para nós iniludível e que é obviamente aceite enquanto valor cultural de referência no sentido de que as pessoas têm o direito a afirmar a sua individualidade. Mas este valor cultural de referência tem dificuldades obvias na sua consagração como tal, em termos de Direito positivo, porque o direito à diferença, sem os limites e sem as balizas, por exemplo, que são admitidas para o direito à igualdade, admite a consagração de todas as diferenças, inclusive daquelas cuja natureza, cuja naturalidade, cuja dignidade, em termos das soluções naturais, já se viu não ser aceitável.
Por isso o que nós dizemos é o seguinte: o direito à diferença tem de ser visto de forma similar àquela por que foi vista, por exemplo, um direito que foi consagrado pela primeira vez numa Constituição dos Estados Unidos e que era o direito à felicidade. A questão é do mesmo tipo. O que é o direito à felicidade? Este é, de facto, uma valor fundamental, mas o problema aqui é o de saber qual a baliza deste valor.
A consagração do direito à diferença, tour court, sem mais, é a consagração dum valor sem limites jurídicos precisos. Por isso, neste sentido, consideramos que o direito à diferença não é fundamentalmente a defesa de um direito de igualdade, por discriminação positiva, não é mesmo a consagração de um direito de liberdade, a consagração de direito de personalidade e, sobretudo, a consagração de um direito à individualmente dentro dos limites dos direitos pessoais, isto é, o direito ao livre desenvolvimento da personalidade.
Desta forma, com a nossa proposta consagrávamos um direito e não aquilo que seria, com a referência ao direito à diferença, um valor inconcluso, indefinido, sem limites, sem barreiras e de dificil «, senão obscura, positividade.
Vozes do PS: Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Inscreveu-se para fazer um pedido de esclarecimento o Sr. Deputado José Luís Ramos, a quem concede a palavra.
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Deputado Alberto Martins, ouvi com atenção a explicação das razões de ser da vossa proposta e, se bem entendi, elas residem na distinção que julga existir entre, por um lado, a infixidez da proposta subscrita, em primeiro lugar, pelo Sr. Deputado Pedro Roseta e a vossa própria. Mas depois fiquei perplexo porque, ao fim e ao resto, o livre desenvolvimento da personalidade é, de facto, aquilo que é o mesmo proposto pelo Sr. Deputado Pedro Roseta.
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V. Exa., na vossa proposta, fala em fixidez de critérios, mas não sei bem como porque, em sede de artigo 26.°, o que aqui se consagra são outros direitos pessoais e a outros direitos pessoais respeita a proposta do PS. Portanto, ficamos exactamente na mesma se bem que com outra palavra.
Livre desenvolvimento da personalidade o que é? Acaba por ser algo de que a doutrina sabe ainda menos do que sabe em termos de direito à diferença. Não é que eu não adira a ela, ficamos e todos um pouco será saber muito o que é. Mas isso a mim não me repele minimamente, muito pelo contrário! Todos estes direitos pessoais de que se fala - e é bom que isto se diga - não é o direito à diferença, não é o direito do livre desenvolvimento da personalidade, não é o direito à imagem, não é mesmo o direito a intimidade da vida privada e familiar, que são, todos eles, direitos precisos e concretos. Não é desses que se trata mas, sim, dos direitos fluídos, dos direitos fundamentais, e direitos fundamentais que têm páginas e páginas - diria mesmo bibliotecas inteiras - dedicadas à sua definição. Aliás, quero dizer-lhe que neste momento se discute muito, em termos de direito à intimidade da vida privada, qual é o seu conceito preciso. Uma tese fundamental, neste momento, em termos de tese de doutoramento, acaba por dizer que o mais difícil, em termos de direito à intimidade, é exactamente definir o que é o direito à intimidade. Aliás, há uma desenvolvida tese que chama ao direito à intimidade o «camaleão da intimidade», ou seja, o «camaleão da privacidade» exactamente porque muda de contornos; em termos de análise concreta, em termos de análise precisa e rigorosa quando se quer passar dos direitos fundamentais à aplicação desse mesmo direito em termos concretos.
Portanto, dizerem os Srs. Deputados do PS que estão contra o direito à diferença porque o fluído é pouco preciso e por contraposição proporem aquilo que julgam ser preciso ... Confesso, Sr. Deputado, que não fiquei a perceber quais são as razões concretas dessa vossa proposta, nem o que é que, a final, os afasta da proposta do Sr. Deputado Pedro Roseta nem, sobretudo, aquilo que baliza a vossa proposta em termos de ideário.
A Sr.ª Presidente: - Sr.ª Deputada Natália Correia, V. Exa. pediu a palavra para que efeito?
A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr.ª Presidente, não sei se venho a tempo, mas queria fazer um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Alberto Martins. Se calhar não venho a tempo..., sou uma desastrada, Sr.ª Presidente, sobretudo consigo, o que me custa imenso!
Risos.
A Sr.ª Presidente: - A Sr.ª Deputada Natália Correia pediu a palavra fora de tempo, mas eu a título absolutamente excepcional, vou dar-lhe a palavra porque...
A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Os meus colegas dizem-me que posso pedir a palavra para uma intervenção, mas se é uma pergunta que, quero fazer...!
A Sr.ª Presidente: - Sr.ª Deputada, a titulo excepcional vou dar-lhe a palavra para fazer um pedido de esclarecimento e, mais uma vez, lhe quero dizer quanta
pena tive, de nos termos em que interpreto o Regimento, lhe ter retirado a palavra na outra sessão. Tem V. Exa., a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr.ª Presidente, Srs: Deputados:- Inquieta-me o meu querido amigo Alberto Martins, homem que, como não todos neste país, devia defender o direito à diferença, visto que foi um corifeu dessa luta pela diferença que no «Movimento de 1969» foi reflexo brilhante do «Maio de
68», no qual o direito à diferença foi um dos princípios hasteados por essa juventude fascinante.
Ora eu gostaria que ele me explicasse como é que consegue propor a ideia do livre desenvolvimento da personalidade como substituto do direito à diferença.
É porque acho que não substitui. A personalidade tem com fundamento a persona, que, para usar a expressão iunguiana, é a «imagem social do indivíduo» e essa
imagem social pode ser condicionante da diferença.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra, o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Começo por responder ao Sr. Deputado José Luís Ramos referindo-lhe que estamos de acordo com a ideia do direito à diferença enquanto valor cultural, que é distinto - e bem distinto! - do valor do direito à diferença como consagração jurídica da universalidade do singular. A universalização do singular enquanto direito à diferença isso e que tem riscos óbvios; é inverter a lógica, que, essa sim, deve ser defendida, do livre desenvolvimento da personalidade.
O direito à diferença enquanto direito global é um princípio estruturante simétrico ao principio da igualdade e está subsumido nele. O direito a diferença enquanto direito individual significaria universalizar a singularidade e há singularidades que, pelo menos em nosso entender, seguramente não podem ser universalizadas. São o casamento entre indivíduos do mesmo do mesmo sexo, a consagração livre da homossexualidade, a possibilidade de filiação resultantes de casamentos entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo, com o surgimento de filhos in vitro. Há esse tipo de singularidades que não podem ser universalizados, por isso temos de dizer: direito à diferença enquanto valor, mas neste ponto o livre desenvolvimento de personalidade signifca livre desenvolvimento da liberdade individual. Nesse sentido está subsumido no direito à igualdade.
É ainda nessa sequência que respondo à Sr.ª Deputada Natália Correia - minha querida amiga e pessoa que muito estimo -, cujas referências ao direito à diferença tal como o enquadrou, são inadequadas, uma vez que essas referências são e estão efectivamente, no plano social, enquadradas no direito à igualdade e na ideia da discriminação positiva do direito à igualdade, e no plano pessoal e individual, estão subsumidas nos direitos da personalidade de acordo com a proposta que nos apresentamos.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
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O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados. Vai longa esta discussão provocada pelo direito à diferença, já que a questão do direito à palavra se revelou particularmente consensual.
A discussão entretanto travada parece ter dado razão - pelo menos reconfortou-o - às posições que começamos por avançar na primeira intervenção que a este propósito fizémos.
Afinal, tudo parece fazer acreditar que os colegas deputados - e estou particularmente à vontade quanto é certo que o mais empenhado na defesa desta proposta é um deputado da minha bancada - tiveram este mérito singular de falar antes do tempo, o que é, em termos histórico-culturais, um mérito verdadeiramente invejável.
Penso que as referências que foram feitas, o debate que foi travado, a consciencialização que todos assumimos da importância desde e de outros direitos que se adivinha, num mundo em permanente mutação, penso - dizia - que isto foi um mérito extraordinário e talvez ainda hoje (foi a Segunda parte da minha intervenção) não tenhamos a consciência clara do horizonte hermenêutico que íamos desencadear com a introdução deste perceito. É porque uma coisa é discutir o direito à diferença como valor e como referência filosófica e cultural, tema em que todos estamos de acordo, coisa completamente diferente é talhar dessa realidade algo que possamos definir como um elemento na construção do edifício jurídico-constitucional e adequá-lo, encaixá-lo na constituição.
Penso que este segundo desiderato não terá ainda sido logrado. Para além da vaga referência filosófica e cultural ao direito à diferença, que está aí como uma exigência de reivindicação, como um sinal, como uma força expansiva da própria personalidade, não conseguimos, sobretudo os defensores mais empenhados da proposta não conseguiram definir, referenciar os contornos dum direito constitucional com a consistência necessária que se exige a um direito da personalidade.
Estamos tanto mais tranquilos na nossa posição de voto nesta proposta - voto de abstenção - quanto é certo que no plano das ideias não podemos estar com ela, e que, como também já chamei a atenção, já demos passos significativos na consagração das dimensões, hoje já palpáveis, hoje já realizáveis do direito à diferença.
Quando amanhã ou ainda hoje nos opusermos aos propósitos de ressocialização como tarefa constitucional, isto é, quando recusarmos ao processo penal o papel que há pouco defini citando o imaginário de dois filmes («Laranja Mecânica» e «voando Sobre um Ninho de Cucos»), quando votarmos contra, quando nos opusermos a isso estamos já a preservar uma dimensão importante do direito à diferença: o direito de cada um escolher o seu próprio projecto de vida desde que não contenda com os direitos e interesses dos outros. A sociedade tem direito a preservar bens jurídicos, tem direito a preservar interesses legítimos constitucionalmente protegidos, mas não tem o direito de exigir metanoia interior das pessoas, no sentido de fazer de cada pessoa um adepto ferveroso do credo sociologicamente dominante em determinado momento da História.
Também quando enfatisamos a pessoa, o valor da pessoa, a integridade da pessoa e quanto menos consciência do que é ser pessoa, que filosófica e juridicamente é um ser para si, e um fim para si próprio, é ser um fim estranho aos valores sociologicamente impostos, quando consagramos estes direitos de carácter pessoal estamos também a preservar o direito a outra dimensão do direito à diferença.
Quando consagramos, com a amplitude com que o fazemos, o direito à reserva da vida privada estamos também a consagrar o direito à diferença, porque o direito à reserva da vida privada é o estabelecimento duma cortina intransponível em torno de espaços de privaticidade e de segredo, e nestes espaços cada um plasma a vida como bem entender.
Quando dizemos que nas paredes do quarto, no circulo de conversas, na intimidade da própria casa o cidadão deve ser protegido da indiscrição das escutas não legítimas, da fotografia não autorizada estamos a criar as condições para a plena expressão da liberdade e da diferença.
Com todas estas expressões já relativamente consistentes em termos de Direito, com todas estas expressões já garantidas, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, sentimo-nos reconfortados para o voto que começámos por anunciar, que é um voto que não pode traduzir hostilidade em relação à proposta - por isso não podemos votar contra - mas, sim, um voto que não nos legítima, como legisladores constituintes que somos e não como membros duma academia de filosofia, por enquanto a erigir esse direito à constelação de direitos fundamentais consagrados na Constituição. Não o podendo fazer, o nosso voto só pode ser de abstenção. O mesmo voto daremos à proposta do Partido Socialista, que apareceu, neste debate, como uma espécie de sucedâneo - e quanto a ela valem as mesmas condições. Isto é, ninguém é contra o livre desenvolvimento da personalidade, que é um valor fundamental e muito menos o posso ser eu, que tenho erigido esse referente em tópico privilegiado dos pequenos e modestos estudos que tenho dedicado a estas coisas. Só que, na constelação de direitos fundamentais, não é, por enquanto e nesta altura, claro o conteúdo de novidade e de utilidade que este inciso traria.
De resto, ele apareceu de certa maneira como um sucedâneo, como uma resposta, como um minus em relação ao direito à diferença.
Nós propenderíamos, pelo contrário, a interpretar o sentido do livre desenvolvimento da personalidade com um certo sentido autónomo, que de certa maneira está consumido por outros direitos fundamentais já consagrados.
Por esta razão, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, o nosso voto será de abstenção em relação às duas propostas que estão na Mesa.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, tenho o gosto de lhes comunicar que estão presentes entre nós alunos da Escola Secundária de Santa Maria Maior, de Viana do Castelo; da Escola Secundária D. Dinis, de Lisboa; do Externato Fernão Mendes Pinto, de Lisboa; da Escola Secundária de Carcavelos e da Escola Secundária da Amadora.
Aplausos gerais.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Queria dizer umas palavras, muito breves, a respeito deste problema do direito à diferença
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porque segui, naturalmente como era não apenas minha obrigação mas porque resultava da riqueza das intervenções, o debate desta manhã e vi que, quando se afirma a importância do direito à diferença, há uma certa dificuldade, da parte dos proponentes em dar-lhe conteúdo, o que parece transformar eventualmente um texto constitucional numa profecia, porque vai ser necessário que apareçam vários interpretes desta expressão.
Gostaria de dizer que o problema me parece historicamente bastante afastado de tanta especulação abstracta.
O problema do direito à diferença, que é o enunciado duma teoria geral pluralista, que tem que ver com os direitos da humanidade, tem que ver, por exemplo, com aquele conceito da UNESCO de que o mundo tem muitas vozes e não tem exclusivamente que ver com um dos discursos democráticos possíveis que existem neste mundo, esse direito à diferença teve, historicamente, uma raiz e uma razão muito concretas, que assentou menos nos filósofos do que nos sociólogos e nos líderes políticas.
A reclamação concreta do longo dos tempos foi: «ter direito a ser diferente e tratado como igual.» E isso foi uma reclamação fundamental de minorias discriminadas através dos tempos; foi, por exemplo, a reclamação dos três milhões de escravos dos Estados Unidos da América do Norte que, na linguagem da época, foram designados como «the peculiar institution) do Sul e que não se tornaram independentes com a Declaração de Filadélfia, pois continuaram a exigir ser reconhecidos como diferentes, mas tratados como iguais...
O Sr. António Vitorino (PS): - Muito bem!
O Orador: - Isso tinha que ver com a participação no poder político; isso teve que ver com as minorias religiosas, teve que ver com a dolorosíssima história dos judeus e cristão novos, independentemente dos discursos políticos. O serem diferentes e tratados como iguais é uma reivindicação que enche a Europa, «toda», em relação ao estatuto das minorias que foram mais ou menos respeitadas entre as duas guerras e que hoje começam a exigir outra vez algum respeito, do ponto de vista cultural, ético religioso, pois elas querem ser diferentes mas tratadas como iguais do ponto de vista político.
Não se tratou do ponto de vista histórico duma coisa tão metafísica como o destine individual. Não se tratou daquele problema tão bem enunciado por Max Weber - que esta tão esquecido ... talvez porque foi a única voz alternativa ao Karl Marx -, quando ele diz: «Cada um escolhe o seu Deus e o seu diabo...»
O Sr. José Magalhães (PCP): - Apoiado!
O Orador: - Isso é responsabilidade individual de cada um, mas esse não é o direito a ser diferente e tratado como igual que historicamente se afirma no alargamento do eleitorado, pelo acesso das minorias discriminadas, minorias políticas, porque até podem ser maiorias numéricas, a participação na gestão do Estado.
Isto é que em de ser claro para um eleitorado; isto é que tem de ser claro numa Constituição; isto não tem nada que ver com profecias mas, sim, com a vida real de cada dia, de cada comunidade, dos seus valores e das suas convicções.
Citaria menos os filosófos e mais os homens que viveram com a mão nessas minorias sacrificadas e no nosso tempo citaria, por exemplo, Balandier, citaria um esquecido Strauss - o homem dos trists Tropiques -, que tão bem definiu essa situação da necessidade de reconhecer o serem diferentes e tratados como iguais, e como sei que há que não goste de ouvir citar Maritain, eu poderia citar o Alceu de Amoroso Lima, que é um homem que enche toda a América Latina, onde estes problemas de ser diferente e tratado como igual estão vivos em todas as comunidades.
É por isso que penso que a nossa Constituição coloca este problema mais em sede de igualdade, quando proíbe as discriminações, o que não impede que a constituição para ser, personalista possa e deva acolher qualquer forma que diga respeito ao desenvolvimento do projecto individual que cada homem representa.
Sei que há fórmulas muito complicadas para exprimir isto, mas a mim chega-me uma fórmula simples, a que estou habituado, e que é a de que cada homem um fenómeno que não se repete na história da humanidade e é nisto que reside o seu valor excepcional e é pela circunstância de ser cada homem um fenómeno que não se repete na história da humanidade que o CDS dará o seu voto favorável a proposta feita pelo Partido Socialista, garantindo o livre desenvolvimento da personalidade.
A Sr.ª Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Jorge Lacão e Assunção Esteves.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Adriano Moreira, há momentos em que as figuras regimentais não chegam ou não servem para configurar o verdadeiro propósito ou motivação das intervenções que pretendemos fazer. Não me anima o propósito de dirigir qualquer pergunta a intervenção que V. Exa. acaba de formular. Todavia, porque não tenho outra figura regimental, quero utilizá-la para, marcando porventura também aqui o direito à diferença, ou seja, significando que diferentes podem ser os pressupostos de natureza filosófica, que diferentes podem ser as crenças de natureza doutrinaria, que diferente pode ser a raiz política do nosso compromisso com a vida, justamente em nome dessa diferença, manifesto a minha adesão as suas palavras.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.
A Sr. Assunção Esteves (PSD): - Sr. Deputado Adriano Moreira, quero, em primeiro lugar, felicitá-lo pela forma feliz como defendeu uma tese que não é nossa nesta matéria e em princípio referir-me a questões, que são, no fundo, o prolongamento ou uma quase repetição do que referi hoje de manhã, ao defender a nossa proposta de manutenção do texto constitucional no que ao direito à diferença se refere.
É um tanto ou quanto estranho que o Sr. Deputado tenha referido, na sua intervenção em homenagem a personalidade e a um certo individualismo de que revestiu o contexto em que a descreveu, um autor, que, sendo de facto um grande analista da modernidade, o fez com um profundo desencanto. Sem esse desencanto,
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quero apenas formular algumas questões ao Sr. Deputado partindo dum ponto de discordância, assente naquilo que referi hoje de manhã. Entendo que o direito à diferença não é o correlato do direito à igualdade mas é o correlato do direito à liberdade, é o assentar numa filosofia identitária, numa ideia que é a negação de estruturas sociais de lealdade, que é a afirmação dos espaços de autonomia e do respeito quer pelos particulares quer pelo Estado desses espaços de autonomia.
Faço-lhe uma pergunta muito breve: quer V. Ex.ª, Sr. Deputado, desenhar o direito à diferença fora dos quadros da incidência do direito à liberdade?
A Sr.ª Presidente: - Para responder tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Em primeiro lugar, quero agradecer a intervenção do Sr. Deputado Jorge Lacão e, justamente, sublinhar a propósito da sua intervenção, que é essa a riqueza do pluralismo: é que pode haver convergência na aplicação dos valores que vêm de matrizes diferentes. E é o que acontece frequentemente com o personalismo, que tem uma raiz religiosa, um personalismo e europeu também, que tem uma raiz laica e que, penso, são os dois que alternam na nossa Cultura no espaço a que nós pertencemos.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Muito bem! É preciso perceber isso.
O Orador: - Isso tem de ser entendido, porque é isso que faz com que nós, ocidentais, sejamos a mesma família. Quem não entende isto não pertence à Família Ocidental.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Em segundo lugar, quero dizer à Sr.ª Deputada Assunção Esteves que a primeira coisa que me preocupou foi ver se descobria qual era o autor «desencantado» que tinha citado, porque todos aqueles que referi, morreram com esperança e quem morre com esperança não morre desencantado! E da minha notícia nenhum dos que citei morreu sem esperança. Penso que ficará mais alegre sabendo isto.
Risos.
..., porque tenho a certeza que magoava o seu coração imaginar que algum deles tinha morrido desesperado.
Por outro lado, tenho que dizer-lhe o seguinte: não aprendi na mesma escola em que V. Ex.ª aprendeu, por razões óbvias! e a semântica varia mais do que variam as circunstâncias reais de vida! Julgo, em todo o caso e porque tenho algum cuidado em me manter informado, que entendo perfeitamente a sua semântica, só que noutros tempos falava-se em liberdade de autonomia e liberdade de participação e era nesta que punha-mos estes problemas.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Muito bem!
O Orador: - E é por essa razão que, quando a Sr.ª Deputada pergunta se é no domínio da liberdade, tenho de dizer-lhe: é!, para quem quer saber se há uma diferença entre a liberdade de autonomia e a liberdade de participação. Para quem não quer usar esta linguagem porque está um pouco convencido de que já nem todos a entendem fala nos termos em que procurei referir o problema. Aliás, devo dizer-lhe que procurei referi-lo não apenas baseado em preocupações intelectuais, fi-lo por longa experiência vivida com minorias que reclamavam o direito a serem diferentes e a serem tratadas como iguais. É isso que dá conteúdo à minha intervenção e agradeço que me tenha dado oportunidade de o referir.
Aplausos do CDS.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Não vejo na sala o Sr. Deputado Carlos Encarnação, cujo «direito à diferença» respeito profundamente. Ele costuma perguntar: «- Quando é que os senhores - leia-se o PCP - entregam o inquérito ao ministro Cadilhe?» Ora eu quero dizer-lhe que vamos entregá-lo daqui a poucos segundos!
Risos e aplausos do PCP, do PS e do PRD.
Sr.ª Presidente e Srs. Deputados: Tudo indica que na Constituição não serão inscritas as seguintes três palavras: « direito à diferença». No entanto, o debate que aqui fizemos confirma claramente que aquilo que foi nitidamente uma conquista da Revolução Francesa (cujo bicentenário agora se celebra de forma renovada, revivescedora) está na Constituição da República e que o nome « direito à diferença» é um bom nome e continuará a ser um excelente nome para designar a família dos direitos, liberdades e garantias tal qual está complexiva e iricamente consagrada na Constituição da República e continuará consagrada na Constituição da República. A proposta não tinha senão a ideia de sublinhar a vertente positiva desse direito. Passaram por este Hemiciclo fantasmas sem fim.
Não se queria consagrar a reivindicação arrogante e prepotente da marginalidade;
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Muito bem!
O Orador: - ... não se queria fazer a exaltação da desobediência civil; não se queria fazer a exaltação da anomalia partidária; não se queria proclamar a dissolução da sociedade perante o indivíduo desenfreado, apaixonado na expressão, irrestrito nas suas pulsões; nada disso se queria! Queria-se um vector positivo que traria algumas dificuldades de interpretação e articulação com o artigo 18.º, que originaria necessidades de hermenêutica, mas que tinha este sentido... Não se quer isso, mas o que se quer está na Constituição de pleno. Isto é, a Constituição consagra não uma mas muitas formas de encarar as várias liberdades, e isto aplica-se a todas - a liberdade de expressão, a liberdade de organização, a liberdade de criação de partidos políticos -; mas não há uma forma, há mil formas há as formas que houver, há as formas de que formos capazes todos, isolada ou colectivamente, e este é o espírito da Constituição.
Vozes do PCP: - Muito bem!
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O Orador: - O que flui da Constituição em matéria de liberdades, em matéria de direito à diferença é, desde logo, a decorrente da consagração da autonomia privada da consagração da dignidade da pessoa humana em todas as suas vertentes...
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - ..., que exige inequivocamente esse respeito pelas diferenças, da consagração da ideia do Estado de direito democrático. O Estado de direito democrático não invade a esfera da liberdade pessoal; deixa uma esfera infragível de liberdade pessoal aos cidadãos, da qual estão arredados todos os poderes públicos e na qual não se podem meter os poderes privados, incluindo o grande capital, o poder dos grupos económicos. E isso aplica-se a diversas componentes - aos trabalhadores, aos jornalistas directamente. É um direito! A sua diferença também deve ser apresentada por isto.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, Srs. Deputados, em Portugal não haverá nunca a «lei da decência» aprovada no Irão. Aqui ninguém dirá que pintar os lábios com batôn, os olhos com rimei, ou, de uma forma provocatória, qualquer parte do corpo é «punível com 74 chicotadas»! Disso estamos completamente livres! Com a inclusão do direito à diferença expressamente ou sem ele.' É isto que flui da Constituição da República.
As pessoas que na Lousa vivem a sua vida, típica e especial, continuarão a vivê-la com cobertura constitucional; os nómadas, os ciganos com os seus hábitos peculiares, continuarão a ter todos os direitos, mas não haverá nenhum direito para que sejam discriminados por força das suas opiniões, da sua natureza e da sua etnia.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Aqueles que têm crenças esotéricas continuarão a tê-las desde que não procurem fazer lavagem de cérebros e violação de consciências, o que se aplica a certas seitas parasitárias, a que um jornalista doutamente chamou «parasitas de Deus». Isso continuará fora da Constituição (como está fora da Constituição) e nenhum direito à diferença se traduz nisso. Não é o direito à esquizofrenia, Srs. Deputados! Nem é o direito à exibição estrita e arrogante de práticas íntimas assumidas pelos cidadãos, intimamente e como próprias. Não é disso que se trata aqui, nem nunca se tratou!
Temos razões, no entanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, - e com isto terminarei -, para nos congratularmos. A liberdade de se ser o que é, que é um eminente valor constitucional, continuará a ser, e este debate foi útil porque parece haver um consenso. Assim o PSD, na prática, não violasse certos direitos e respeitasse o direito de todos a sermos diferentes!
Aplausos do PCP e protestos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Estão inscritos para pedir esclarecimentos o Srs. Deputados Costa Andrade e Natália Correia.
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, segui com atenção e com relativa concordância a sua intervenção. Também eu, à semelhança do Sr. Deputado - de resto já tentei demonstrá-lo por mais de uma vez -, penso que a Constituição vigente já consagra aquelas dimensões do direito à diferença com a consistência susceptível de serem erigidas em Direito Constitucional. Aliás, pela minha parte, também tentei, em algumas intervenções, demonstrar as dificuldades de carácter hermenêutico a que o Sr. Deputado se referiu, e eu não faria esta pequena intervenção a título de pedido de esclarecimento se uma tão inoportuna, quanto infundada, referência ao Partido Social-Democrata no final da sua intervenção não viesse, de certa maneira, apartar desnecessariamente as águas e obrigar de certo modo a criar um clima de conflitualidade num caminho que temos vindo a percorrer com relativa consensualidade até aqui. Tudo visto, Sr. Deputado, quem o ouviu fazer este elogio à diferença, quem o ouviu tecer estes louvores às formas de dispersão e de diversificação sub e contracultural que existem na sociedade portuguesa fica extremamente espantado quando a seguir lê uma proposta como a apresentada pelo PCP, dois artigos a seguir.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Qual é a proposta?
O Orador: - Sr. Deputado, quando hoje em Direito se fala em direito à diferença tem-se fundamentalmente em vista o direito de a pessoa recusar os modelos sociologicamente impostos, mesmo os modelos que têm atrás de si a legitimidade de um certo Estado. Ora, quando o PCP no espaço de três artigos, apresenta uma proposta...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Qual é essa proposta «horrível» do PCP!?
O Orador: - Vou lê-la já, Sr. Deputado!
.... quando a seguir o Sr. Deputado brinda esta Assembleia com uma proposta que, ao pé da letra, não é outra coisa do que a versão actualizada daquilo que, sob forma imaginária, procurei denunciar como a «Laranja Mecânica» permanentemente actualizada; quando o Sr. Deputado relativamente a três artigos a seguir faz esta proposta de que «as penas e as medidas de segurança privativas ou restritivas de liberdade têm como fim primordial a reinserção social dos deliquentes»; quando o PCP faz isso, Sr. Deputado - e este é um dos tópicos onde com maior propriedade e com maior urgência o problema da diferença se põe -, o Sr. Deputado quereria criar um subsistema dentro do sistema social, que é o sistema penitenciário e o sistema da execução das penas, em termos tais que quem quer que ali tivesse entrado teria de sair segundo o modelo uniformizado daquilo a que o Sr. Deputado, chama a reinserção social. Não há proposta que seja hoje mais contestada em nome do direito à diferença, Sr. Deputado! Se o direito à diferença tem hoje actualidade e relevo nos verdadeiros fóruns internacionais, um dos tópicos é precisamente este, para o qual o PCP se revelou tão cego e tão indiferente.
Aplausos do PSD.
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A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, há ainda um outro pedido de esclarecimento. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?
O Sr. José Magalhães (PCP): - No final, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Tem, então, a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.
A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado José Magalhães falou na Revolução Francesa, cujos princípios na nossa Constituição coonestam todas as liberdades, mas, claro, o Sr. Deputado referiu-se apenas às liberdades políticas...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Referia-me a todas.
A Oradora: - Não. V. Ex.ª disse «liberdade de partidos».
O Sr. José Magalhães (PCP): - Tudo!
A Oradora: - Então, óptimo! Então, todas as críticas que se possam fazer ao direito à diferença já não colhem. Então, está de acordo com o direito à diferença!? Óptimo!!
Risos.
É porque, então, V. Ex.ª não foi muito claro. Fico muito contente - aliás não esperava de si outra coisa!
Risos.
Não esperava do seu espírito rebelde outra coisa!!
Risos.
É que há hoje uma situação nova nas sociedades democráticas decorrentes da Revolução Francesa. A vitória da burguesia fundadora da sociedade, do princípio de rendimento originou a massificação. Ora, o direito à diferença é a defesa contra as alienações a que, essa massificação sujeita os seres humanos. Era sobre isto que eu queria interpelá-lo, Sr. Deputado. Concorda ou não com isto?
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Costa Andrade fez alguma coisa que me parece significativa. Decaíu completamente da sua tese em relação à questão do direito à diferença e resolveu dizer: «- Bem, o PCP ataca por aqui. E nós dizemos: PCP não ataques por aqui. Embora tenhas razão - o PSD viola o direito à diferença de maneira bastante gritante e evidente; não vale a pena olhar demasiado para aí, -, o PCP também tem culpas na cartório porque tem lá à frente uma proposta que é muito má.» O que quer dizer que V. Ex.ª decai, confessa, perdeu, mas faz uma defesa por excepção.
Ora sucede que V. Ex.ª não tem razão alguma! O PCP propõe a consagração constitucional da ideia da reinserção social, ideia consensual, moderna, necessária. Não propomos que se lave o cérebro a cada preso, à imagem, por exemplo, de transformar cada preso numa espécie de ministro Nogueira.
Risos.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Protesto!
O Orador: - Nós não queremos isso!... Seria horrível!
Risos.
Seria transformar os presos em quase monstros, sem ofensa para o ministro, como é óbvio!
Risos.
Não é essa a nossa ideia, não é enfiar-lhe uma cartilha, um programa, um software; não é essa a ideia.
Protestos de alguns deputados do PSD.
Apenas admitimos que aquele que é obrigado em certas circunstâncias a roubar por desesperada carência económica não tenha como opção de vida isso; é um constrangimento!
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Provavelmente será melhor dar-lhe uma formação profissional, incentivos de reinserção, tratar-se da família, obter-lhe um emprego, garantir-lhe um posto de trabalho, dar-lhe motivação, formação cultural... Talvez isso lhe permita desenvolver as suas potencialidades..., o tal desenvolvimento integral da personalidade humana. Mas isso exige medidas concretas. V. Ex.ª, como criminologista, tem obrigação de sabê-lo! A nossa proposta é essa!
Sr.ª Deputada Natália Correia, está V. Ex.ª já descansada! O legado da Revolução Francesa não se circunscreve, duzentos anos depois, á reflexão árida sobre as liberdades publicas. É um legado rico, que abrange direitos de primeira, Segunda e terceira gerações, e que hoje é caldeado pela noção fundamental de que não há direitos, pairando no éter ou outorgados, por um deus ou pela razão, aos homens e que a sua existência completa exige condições de muita natureza para que os direitos se efectivem - não um direito, mas muitos direitos; não um direito situado num plano, mas direitos situados em muitos planos.
É essa a realidade rica que deve ser ligada ao homem e à mulher e que deve ser concedida a cada um de nós, mas que é também luta de cada um de nós.
E isso exige esforço, exige transformação social, exige a luta por uma boa Constituição, designadamente, e a não conformação perante uma má Constituição. É isso precisamente que procuramos imprimir e por isso defendemos esta alteração, mas, repito, Sr.ª Deputada: pode V. Ex.ª ficar descansada porque esta proposta não é aprovada, mas o direito à diferença continua generosissimamente consagrado na Constituição Portuguesa.
Admito que seja das que o consagram mais amplamente, mais ricamente e mais precisamente!
Uma voz do PCP: - Muito bem!
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O Orador: - Portanto, esta derrota não é derrota alguma, é a homenagem prestada por um determinado medo de ser audaz por algumas bancadas. Não perderemos, ganharemos!
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente: - O Sr. Deputado Costa Andrade pede a palavra para que efeito?
O Sr. José Magalhães (PCP): - É para defesa do Ministro Nogueira!
Risos.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Para defesa da consideração, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado José Magalhães está consonante com os treinadores de futebol que dizem que a melhor defesa é o ataque. Desenvolvia-se uma jogada na área do PCP...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Olhe que não!
O Orador: - ... e o PCP tenta deslocar a jogada para a área do PSD. É evidente, Sr. Deputado, que não era da posição do PSD que se tratava; o meu pedido de esclarecimento...
Protestos do PCP.
Se quiserem podemos discutir a posição do PSD; podemos discuti-la! Não deixa de ser curioso, de resto, que seja um partido como o PCP que acaba por segregar, é certo que a titulo individual!... Não é por acaso que é de um partido como este que sai a proposta; não é por acaso, que sai do PCP a proposta do direito à diferença.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas também sai de VV. Ex.ªs a perseguição à PSP!
O Orador: - Mas, dizia-lhe, era do PCP que se tratava. Então, vamos falar do PCP. E o PCP diz estas duas coisas com a candura de um anjo: «direito a diferença? O mais amplo!», mas quando se trata das coisas praticas onde o problema da diferença se pode pôr diz o PCP: «Ressocialização. Pois claro! Entra para aqui um delinquente que não acredita nos valores da sociedade? Pumba!..., tens de acreditar; sais daqui «ressocializadinho» e vais para casa!»
Risos e aplausos do PSD.
«Ai tu sofres dessas doenças burguesas que acreditam exageradamente na liberdade e queres eleições, etc.,...? Então clínica psiquiátrica! Pumba! Ressocialização. Embalado e ressocializadinho!»
Risos e aplausos do PSD.
Reparem, Srs. Deputados, que não estou a inventar!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Está, está!
O Orador: - Estou a ler a proposta do PCP.
Protestos do PCP.
Quando...
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, esgotou o seu tempo.
O Orador: - Fui roubado, Sr.ª Presidente!...
Risos.
A Sr.ª Presidente: - Peco-lhe que termine, Sr. Deputado.
O Orador: - Termino já, Sr.ª Presidente, embora não tenha condições para terminar! É que o Sr. Deputado José Magalhães berra, em vez de falar ao microfone... Fale ao microfone, homem!...
Risos.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, solicito que se faça silêncio na Sala a fim de podermos prosseguir os trabalhos.
Sr. Deputado, tem a palavra para tentar terminar a sua intervenção.
O Orador: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Quando se coloca o problema dos fins das penas pode haver varias lógicas possíveis. Pode dizer-se que se trata de defender a sociedade - é uma lógica possivel -, pode dizer-se que se trata de proteger as vitimas - é outra lógica possível. Há muitas lógicas possíveis, o PCP encontrou apenas esta: «As penas e medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade, tem como fim primordial a reinserção social (...).» Qual direito á diferença! «Eu prometo», diz um delinquente sentado no banco dos réus, «prometo que nunca mais roubarei», «prometo que nunca mais matarei», mas acreditar nesta sociedade! E é isto o direito á diferença, aderir a estes valores, interioriza-los...
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Costa Andrade, V. Ex.ª excedeu largamente o seu tempo, pelo que tem de terminar de imediato.
O Orador: - Mas lá isso de querer direito a diferença não. «Aqui vais embaladinho, ressocializadinho e igualzinho, asséptico, vais para a sociedade. É assim que te queremos lá». É o que o PCP manda, não tenho culpa!
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr.ª Presidente, terei que utilizar o direito de defesa da bancada, porque o Sr. Deputado Costa Andrade excedeu a margem razoável e entrou no vitupério.
Protestos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães pede a palavra para que efeito?
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Para defesa da bancada, Sr.ª Presidente, como já explicitei.
Protestos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Maques (PSD): - Não há defesa da bancada!
Protestos do PCP.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Lá está o regimentalista!
O Sr. José Magalhães (PCP): - A contribuição do deputado Silva Marques para o debate da Revisão Constitucional é isto!.
Risos do PCP.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A discussão deve, neste debate como noutro qualquer, manter-se dentro dos limites do razoável isto é, não entrar no delírio.
Risos.
Sr. Deputado Costa Andrade exibe agora urna proposta...
O Sr. Rui Machete (PSD): - Pode exibir várias!
Risos gerais.
O Orador: - Também posso exibir!
Como dizia, o Sr. Deputado Costa Andrade exibe agora uma proposta do PCP que aponta para a consagração constitucional da ideia da reinserção social. Digamos claramente: a reinserção social é um objectivo da política criminal do Estado do Direito português, é um objectivo central do novo Código Penal - em relação ao qual, o PSD tem especiais responsabilidades -, é um objectivo consensual do qual nenhum partido se dissocia, e o PCP propõe a elevação constitucional desse objectivo. É isto e só isto!
Dizer-se que o PCP visaria que a reinserção social transformasse cidadãos presos por delinquência em verdadeiros robots vítimas da «Laranja Mecânica», sujeitos a lavagens ao cérebro do estilo nogueirizante é perfeitamente um dislate...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Protesto!
O Orador: - Não e nada disso, pura e simplesmente. O Sr. Deputado Costa Andrade estava a falar e lembrei-me da Petite Clouzette, Les Miserables, o forçado Jean Valle Jean preso dez anos por ter «gamado» um pão!
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - E ficou preso!
O Orador: - E deve agarrar-se nesse cidadão, nessa pessoa que roubou um pão, enfiá-lo numa enxovia, deixá-lo estar preso, tratá-lo a pão e água, obrigá-lo a rebelar-se naquilo que tem de pior, em vez de lhe apontar o caminho da aprendizagem profissional, da reinserção social numa palavra, que não deve transformar-se numa lavagem de alma ou numa desvitalização do cidadão, mas no enriquecimento das suas qualidades. É essa a finalidade? Não me diga V. Ex.ª que neste momento a reinserção que se pratica nas prisões portuguesas, sob a égide do «Faraó Nogueira», é a transformação dos pobres delinquentes em imagens e semelhanças de V. Ex.ª, do Dr. Nogueira ou do Primeiro-Ministro Cavaco Silva! Se for assim, fazemos um inquérito parlamentar, já!
Risos gerais.
A Sr.ª Presidente: - Pediram a palavra os Srs. Deputados...
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para responder.
A Sr.ª Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. V. Ex.ª pode dar explicações.
Antes, porém, estava a referir quais os deputados que pediram a palavra e que foram os Srs. Deputados Silva Marques e Jorge Lemos.
Tem, pois, a palavra, para dar explicações o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, compreendo que o PCP esteja extremamente incomodado com aquilo que escreve - não fui eu que escrevi, foi o PCP -, incómodo que se traduz, de resto, num recuo progressivo de um conjunto de propostas que foi modificando e manipulando para fugir às dificuldades que lhe foram demonstradas no seio da Comissão Eventual para a Revisão Constituição. Comprendo que o PCP esteja muito incomodado, mas não posso deixar de dizer duas coisas.
Primeiro, foi o PCP que escreveu isto, não o PSD.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Claro!
O Orador: - Segundo, é com uma certa hipocrisia - ou, em alternantiva, com ignorância, que não presumo da parte do Sr. Deputado José Magalhães - que V. Ex.ª invoca aqui aquilo a que pomposamente chamou «pensamento criminológico», quando sabe (deve saber) que quando no pensamento criminológico se fala em direito à diferença é exactamente, nem mais nem menos, só isto: não à ressocialização constitucionalmente imposta!
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - O Sr. Deputado Silva Marques inscreveu-se para que efeito?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Para a defesa da minha consideração, Sr.ª Presidente.
Risos gerais.
Uma voz do PCP: - Não pode!
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD): - O Sr. Deputado José Magalhães fez uma referência pessoal...
Protestos do PCP.
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A. Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe que interrompa a sua intervenção, pois quero obter silêncio para que possamos prosseguir os trabalhos.
Pausa.
Faca favor de continuar, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD): - O Sr. Deputado José Magalhães fez-me uma referenda pessoal, se me permite, indelicada, mas está no uso da sua liberdade de expressão.
Eu disse que a defesa da bancada não existe enquanto figura regimental e não existe! Em resposta a isto, o Sr. Deputado fez o comentário que quis fazer. É esse um dos valores da democracia - a liberdade e, portanto, o direito à diferença!
Contudo, quero dizer-lhe - e é por isso que peço a palavra - que, embora ciadão, embora democrata, não tenha obrigação nenhuma, para continuar fiel a esses valores, de ter uma paciência ilimitada. Já não suporto as suas palavras, Sr. Deputado, já não suporto: as suas referencias ao Sr. Ministro Nogueira (a propósito e a despropósito). Vou dizer-lhe o que é que não suporto, porque sou de carne e osso como todos, mesmos os democratas e os não democratas: não suporto essa montanha de hipocrisia que são os senhores a falar da diferença num partido que não vos deixa «abrir o bico»!
Aplausos do PSD.
Protestos do PCP.
Neste momento registam-se manifestações de protesto nas galeriais.
A Sr.ª Presidente: - Peco aos Srs. Agentes da Autoridade que procurem manter o silêncio nas galeriais. As pessoas que se encontram nas galerias não podem pronunciar-se, têm de assistir silenciosamente aos trabalhos.
Peco tambem aos Srs. Deputados que mantenham um clima de serenidade, a fim de podermos prosseguir os nossos trabalhos.
Para, dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Não há nada mais impressionante do que ver à nossa frente quebrar-se o verniz de quem se arroga determinados principios, mas que, face ao mínimo desafio, passe imediatamente ao vitupério. E o Sr. Deputado Silva Marques encarna isso de uma forma tristemente exemplar, um pouco paradoxalmente ridicula, mas exemplar.
A cólera da prepotência face ao exercicio de direitos é um espectáculo confrangedor. O Sr. Deputado Silva Marques é um dos principais responsaveis pelo «regimento rolha» que nesta Assembleia tratou de asfixiar os partidos da Oposição. Imaginou, um a um, artifícios tendentes a reduzir tempos de intervenção, a liquidar figuras regimentais. Dizia V. Ex.ª com um arrojo de pai frustado: «Não se chama direito de defesa da bancada!»
Sr. Deputado, eu chamo-lhe o que quiser. Absolutamente o que quiser e V. Ex.ª não me obrigava a utilizar qualquer das expressões que «meteu» no Regimento. Uso exactamente as que quiser, contrárias às que V. Ex.ª determinou. V. Ex.ª em matéria de regimento e de «tapa-bocas», nesta bancada, não manda nada! E não me cala o bico, nem a nenhum dos catorze bicos (ou vinte sete) que estão aqui! Neste momento são catorze, não é?...
Risos gerais.
Não cala! A vossa tentaiva de «calar bicos» nesta matéria não surte efeito, Sr. Deputado. E V. Ex.ª pode...
Neste momento regista-se um burburinho na Sala.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, solicito que façam silêncio. Não posso dar a palavra ao Sr. Deputados orador para prosseguir enquanto não houver silêncio. Na Sala.
Pausa.
Estão reunidas as condições para prosseguirmos. Queira continuar, Sr. Deputado José Magalhães.
O Orador: - Muito obrigado, Sr.ª Presidente.
Srs. Deputados, quando um partido da oposição procura exercer os seus direitos o PSD perde a cabeça. O Sr. Deputado Carlos Encarnação pode dizer ao PS: «Vocês são a ultima coisa do mundo, insultam o Primeiro-Ministro, só são bons quando fazem o acordo da Revisão Constitucional», mas o PSD fica perfeitamente transtornado se o PCP exerce os seus direitos. Se o CDS exerce os seus direitos, os ministros imediatamente fazem o que o Sr. Deputado Silva Marques aqui fez: ai, o Freitas do Amaral falou? Processo! Ai o director-geral disse não sei quê? Processo! Ai o jornalista denunciou? Cadeia!»
É a vossa noção ...
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, esgotou o seu tempo.
O Orador: - Concluo de imediato, Sr.ª Presidente:
A Sr.ª Presidente: - Queira concluir.
O Orador: - Portanto, «montanha de hipocrisia»! V. Ex.ª é uma montanha de hipocrisia. É pequenote politicamente!
Nós reconhecemos o direito à diferença!
Risos do PCP.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peco a palavra, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr.ª Presidente, é para solicitar a interrupção dos trabalhos por trinta minutos, pois temos uma reunião do grupo parlamentar.
O Sr. António Guterres. (PS): - Peco a palavra, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lemos; o pedido é regimental, vou conceder a interrupção imediatamente.
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Antes, porém, quero perguntar ao Sr. Deputado António Guterres se pediu a palavra também para interpelar a Mesa?
O Sr. António Guterres (PS): - É precisamente para interpelar a Mesa no mesmo sentido, e gostaria de explicar a razão.
O Grupo Parlamentar do PS tomou conhecimento de uma nota extremamente importante da Procuradoria Geral da República relacionada com os inquéritos ao Ministério da Saúde. Tendo o Grupo Parlamentar do PS necessidade de fazer uma comunicação sobre esta nota aos órgãos de comunicação social, desejaria também pedir uma interrupção dos trabalhos, pelo menos por dez minutos. Uma vez que o PCP pediu trinta minutos, creio que as duas coisas são conciliáveis, e, nesse caso, pediríamos apenas que pudessem ser feitas em simultâneo.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, se bem entendo, os dez minutos de interrupção que pediu caem dentro do tempo pedido pelo PCP.
Srs. Deputados, em regra, quando é pedida a interrupção regimental ela é imediatamente concedida.
Nestes termos, a Sr.ª Deputada Helena Roseta e o Sr. Deputado Narana Coissoró, que pediram a palavra, intervirão logo após a interrupção.
Os nossos trabalhos recomeçam às 17 horas e 20 minutos, e chamo a atenção de todos os Srs. Deputados para o facto de haver votações às 17 horas e 30 minutos.
Está interrompida a sessão.
Eram 16 horas e 50 minutos.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 17 horas e 30 minutos.
A Sr.ª Presidente: - Sr.ª Deputada Helena Roseta, suponho que V. Ex.ª tinha pedido a palavra para interpelar a Mesa?
A Sr.ª Helena Roseta (Indep): - Sr.ª Presidente, tinha-me inscrito de manhã para intervir na discussão deste artigo, entretanto usaram da palavra deputados que se inscreveram depois de mim, pelo que gostava de saber o que se passa.
A Sr.ª Presidente: - Sr.ª Deputada Helena Roseta, as inscrições para o debate durante a tarde, tal como a Mesa as registou, foram feitas segundo esta ordem: Srs. Deputados Adriano Moreira, Alberto Martins, Almeida Santos, Costa Andrade, José Magalhães e Helena Roseta. É portanto agora a altura de V. Ex.ª intervir.
Tem a palavra, para uma intervenção, se assim o desejar.
A Sr.ª Helena Roseta (Indep): - É uma intervenção breve em defesa do direito à diferença. Nem faria sentido que o não fizesse, dado que uma das razões que me leva a estar neste momento nesta Assembleia da República é exactamente o facto de me bater pelo direito à diferença. Esse direito não foi aceite no partido de onde provinha, mas, foi aceite no grupo com quem colaboro. Seja como for, o direito à diferença é um dos pilares do pensamento feminino, e gostaria de deixar aqui bem claro que se trata de urna mutação ideológica para a qual temos de estar atentos. É talvez por isso...
Neste momento regista-se um burburinho na Sala.
A Sr.ª Presidente: - Sr.ª Deputada, desculpe a interrupção, mas quero dizer aos Srs. Deputados, que agradecia que se sentassem e que criassem na Sala as condições propícias à continuação do debate.
Pausa.
Sr.ª Deputada Helena Roseta, tem a palavra.
A Oradora: - Estava a dizer que o direito à diferença é uma daquelas áreas em que se nota uma mutação, e é talvez por isso que o debate desta matéria, nesta Câmara, tem revelado tantas situações inesperadas. Bancadas de onde esperávamos que viesse o apoio não vem, pessoas de onde não admitíamos ou não pensávamos que o apoio vinha afinal veio.
Há qualquer coisa que se está a passar, e que no fundo é isto: as pessoas com maior abertura de espírito e maior disponibilidade intelectual aceitam sem problemas o direito à diferença, as pessoas com alguma dificuldade de aceitar a inovação ou demasiado instaladas nos seus esquemas mentais não aceitam o direito à diferença.
É evidente que aquilo que o Professor Adriano Moreira disse, e disse bem, representa uma etapa histórica: respeitar a diferença, mas exigir a igualdade de tratamento, foi uma etapa histórica. Eu diria ao Professor Adriano Moreira que hoje os movimentos femininos, por exemplo, pedem mais do que isso. Não pedem apenas a igualdade no tratamento, pedem mais do que isso, reconhecem que a igualdade no tratamento é insuficiente, e, para combater as discriminações acumuladas pelo não respeito pela diferença durante décadas ou mesmo séculos, pedem discriminações positivas e desigualdade no tratamento.
Bastantes vezes essa situação tem sido invocada aqui na Assembleia, e há ainda muitos deputados que não compreendem a necessidade de, em certas situações, se defender a desigualdade no tratamento.
Isto levava-nos muito longe, não vou desenvolver o tema, até porque outros deputados já faiaram sobre isso. Quero, apenas, referir, como deputada e como mulher, que não posso deixar de apoiar a inscrição do direito à diferença no texto constitucional. Se não for desta será da próxima Revisão Constitucional. Seguramente a inovação acabará por vencer!
Aplausos da deputada Natália Correia, do PRD.
A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Peço a palavra, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - A Sr.ª Deputada Natália Correia, pede a palavra para que efeito?
V. Ex.ª está incrita?
A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Estou, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Mas às 17 horas 30 minutos estão previstas as votações, accionei já a campainha
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para chamar os Srs. Deputados para as votações. Se fosse uma intervenção muito curta...
A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Será.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Incorrerei na redundância - mas como evitá-lo? - de repetir palavras que já aqui disse quando, a propósito da extinção da Comissão Parlamentar da Condição Feminina, invoquei o direito à diferença como diferenciação cultural que tinha de ser considerada ao integrar-se essa comissão na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, onde se processava a defesa da igualdade de direitos, conquista já juridicamente alcançada, tratando-se agora de alcançar culturalmente o direito à diferença, o que pressupunha uma especificada dessa comissão.
Disse então o que agora repito: a igualdade verifica-se no aspecto jurídico enquanto que a diferença é uma atitude que se insere na esfera cultural. Ora, a carga cultural da diferença não está contida, não é visível, na constitucionalização da igualdade dos sexos, por mais que os juristas me queiram convencer disso.
E eis porque sou solidária com a proposta do deputado Pedro Roseta. Sou, porque essa proposta responde a uma das reivindicações mais veementes e actuais do pensamento feminino que, ultrapassando a tutela do racionalismo, se bate para que seja dada voz a diferenciação da sua mundividência. O absolutismo do pensamento ocidental de base racionalista está a ser abatido pelo fenómeno da mundialização que introduz a dimensão do pluriculturalismo.
É nesta perspectiva que os valores considerados característicos do universo feminino irrompem tal como a recuperação do pensamento mítico e outras formas culturais reanimadoras do anímico (que é do domínio do aníma, ou seja, do feminino).
Neste momento regista-se um burburinho na Sala.
A Sr.ª Presidente: - Sr.ª Deputada, peco desculpa por a interromper, mas queria pedir aos Srs. Deputados que dizessem silêncio a fim de podermos ouvir adequadamente a oradora.
Faca favor de continuar, Sr.ª Deputada.
A Oradora: - Estas novas perspectivas dão toda a lógica a que o direito a diferença entre no património constitucional que assim assume uma dimensão de vanguarda.
Ora, a consagração constitucional do direito à diferença de modo algum colide com a igualdade garantida pela lei, antes a completa e enriquece, pois que, ao alcançar os acessos que esta igualdade lhe faculta, o objective da mulher é introduzir nos saberes e padrões que movem as sociedades a sua forma propria de ver e de sentir o mundo, o que veio estabelecer um equilíbrio na desequilibrada sociedade androcrática.
Mas a consagração do direito à diferença torna-se, numa acepção que ultrapassa o contexto feminino, um requisito reclamado pela urgência de subtrair a pessoa humana a homogeneização imposta pelas...
Neste momento regista-se um burburinho na Sala.
A Oradora: - Apre! ... Aqui as mulheres não podem falar! ....
Mas a consagração do direito à diferença, repito, torna-se, numa acepção que ultrapassa o contexto feminino, um requisito reclamado pela urgência de subtrair a pessoa humana a homogeneização imposta pelas técnicas do controlo produtivista das massas, coisificado, enumerado no reino do quantitativo. Só na expressão da sua diferença um ser humano encontra refúgio para se escudar contra os programadores da desumanização, ou seja, o direito a vida contra a morte em vida, que é a despersonalização.
Pelo que disse, e que minimamente exprime as preocupações da moderna intellegentia empenhada na defesa do direito à diferença, considero pertinente e desejável a proposta do Sr. Deputado Pedro Roseta.
Mas, já agora, não termino sem lembrar ao meu querido amigo, Sr. Deputado Alberto Martins, que quando o jurídico deixar de reflectir a realidade cultural - e o direito á diferença é uma emergência cultural exigida pela defesa contra a massificação - , nessa altura, o jurídico transforma-se numa abstracção que só serve para ser papagueada pelas aves falantes da jurisdicidade.
Aplausos do PRD.
Neste momento, reassumiu a presidencia o Sr. Presidente, Vítor Crespo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há pedidos de esclarecimento, pelo que vamos iniciar o processo de votações.
Como os Srs. Deputados sabem, iniciámos o debate com a discussão do artigo 12.°, relativamente ao qual não existem propostas de alteração, pelo que vamos passar a votação do artigo 13.°
O Sr. Secretário vai anunciar as propostas relativas ao artigo 13.°
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Quanto ao artigo 13.°, mantém-se as propostas do CDS quanto aos n.ºs 1 e 2, de Os Verdes quanto ao n.° 2 e ainda uma proposta de aditamento, também ao n.° 2, apresentada pela Sr.ª Deputada Independente Helena Roseta, que manteve no texto inicialmente apresentado, e após ter sido retirada uma parte substancial, a expressão «estado civil».
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quanto ao artigo 13.°, temos, portanto, duas propostas de substituição e uma de aditamento.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Peço a palavra, para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faca favor, Sr. Deputado.
O Sr.. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, gostaria de esclarecer a atitude do CDS. Com efeito, o CDS manteve a proposta de alteração do n.° 1 e retirou a proposta de alteração do n.° 2. Não ouvi qualquer referência a proposta do CDS em relação ao n.° 1.
O Sr. Presidente: - A Mesa referiu essa proposta e regista que o CDS retira o n.° 2.
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Srs. Deputados, vamos proceder à votação das propostas pela ordem de entrada na Mesa, o que significa que vamos votar, em primeiro lugar, a proposta de substituição do n.° l do artigo 13.°, apresentada pelo CDS.
A proposta foi submetida a votação.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo a Câmara de que esta proposta teve os votos favoráveis do PSD e do CDS e os votos contra dos restantes grupos parlamentares e dos Srs. Deputados Independentes João Corregedor da Fonseca e Helena Roseta, longo não teve vencimento, foi rejeitada. Vamos votar o n.° 2 do artigo 13.° da proposta apresentada por Os Verdes.
A proposta foi submetida a votação.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo que teve os votos favoráveis de Os Verdes, da deputada Natália Correia (PRD), dos Deputados Independentes João Corregedor da Fonseca e Helena Roseta, votos contra do PSD e do CDS e abstenções do PS e do PRD, pelo que foi rejeitada.
Vamos passar à votação da proposta de aditamento ao n.° 2 do artigo 13.° apresentada pela Sr.* Deputada Independente Helena Roseta.
O Sr. António Vitorino (PS): - Está prejudicada, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Exactamente. A proposta está prejudicada, pelo que vamos passar ao artigo 1S.°, uma vez que não há quaisquer propostas para o artigo 14.°
Sr. Secretário vai informar a Câmara sobre as propostas qual vão ser votadas.
O Sr; Secretário (Reinaldo Gomes): - Para o artigo 15.°, há uma proposta da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional relativa aos n.ºs 3 e 4, uma proposta relativa ao n.° apresentada pelo ID, proposta relativa ao n.° 3 apresentada pel ID, expressões de aditamento aos n.05 l e 2, que serão votadas na parte final, e ainda uma proposta relativa ao n.° 3 apresentada pela Sr.ª Deputada Manuela Aguiar e outros.
O Sr. António Vitorino (PS): - Peço a palavra, para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, creio que a ordem das votações é a que consta do guião da CERC, que foi remetido à Mesa.
Se V.Ex.ª me permitesse, daria a ordem das votações em função do regimento especial que foi adoptado.
Em primeiro lugar, em relação ao n.° 3 do artigo 1S.°, deve votar-se o aditamento proposto pela I D, uma vez que a proposta do CDS foi retirada; a seguir, deve votar-se o aditamento proposto pela CERC, que aliás, é uma mera correcção da redacção; depois, a proposta de substituição de que é primeira subscritora a Sr.ª Deputada Manuela Aguiar, após o que se deve votar um novo n.° 4, que consta do texto da CERC e que substitui a proposta inicial do Partido Socialista.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, está correcto. Q Sr. Secretário limitou-se a enunciar as propostas de acordo com a entrada das mesmas na Mesa, mas a ordem das votações é que ficou estabelecida em sede da CERC.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Peço a palavra, para interpelar a Mesa, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Sr. Presidente, gostaria de informar a Mesa que, em função do debate, retiramos a proposta de alteração ao n. 3 do artigo 15.°
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa informa que as propostas de eliminação e de aditamento ao n.° 3 apresentadas, respectivamente, pelo CDS e pela ID foram retiradas.
Vamos, então votar a proposta de aditamento ao n.° 3 do artigo 15.° apresentada pela CERC.
A proposta foi submetida a votação
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo a Câmara que a proposta foi aprovada por unanimidade.
Vamos passar à votação da proposta de substituição do n.° 3 do artigo 15.°, apresentada pela Sr.ª Deputada Manuela Aguiar e outros.
A proposta foi submetida a votação e a Mesa procedeu à contagem dos votos, uma vez que se verificou disparidade na votação no seio de alguns grupos parlamentares.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa registou votos a favor do CDS, de vinte deputados do PSD, de dois deputados do PRD, de oito deputados do PS, de Os Verdes e do Deputado Independente João Corregedor da Fonseca, as abstenções de 35 deputados do PS, de um deputado do PRD e de 96 deputados do PSD e votos contra dos restantes deputados.
A proposta foi rejeitada.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Peço a palavra, para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, gostaria de clarificar que não fazemos questão em que a votação seja registada no Diário nos moldes em que V. Ex.ª a referiu, embora não enjeitássemos também outra solução, em que se referisse apenas o PRD votou a favor, embora houvesse no PRD quem se abstivesse.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa está a utilizar a forma mais descritiva possível, para que não se verifique qualquer confusão posteriormente.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Peço a palavra, para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de salientar que durante a votação permaneci
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sempre sentado, pelo que o meu voto deve ser considerado como um voto contra.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa não fez a contagem dos votos contra, mas regista o voto contra de V. Ex.ª Ainda bem que o Sr. Deputado chamou a atenção da Mesa para isso.
A Sr.ª Helena Roseta (Indep): - Peço a palavra, para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputada.
A Sr.ª Helena Roseta (Indep): - Sr. Presidente, votei a favor e, segundo creio, a Mesa não referiu o meu nome, mas considero que, neste caso, é muito importante ter votado a favor.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, a Mesa regista o voto de V. Ex.ª e, desde já pede a compreensão da Câmara sempre que se verifiquem situações de votação assim complexas, solicitando ainda aos Srs. Deputados que colaborem com a Mesa no sentido de as clarificar para que o seu registo no Diário seja perfeito e completo.
Neste sentido, a Mesa dá por concluída a votação da proposta de substituição do n.° 3 do artigo 15.° apresentada pela Sr.ª Deputada Manuela Aguiar e outros e informa os Srs. Deputados de que o resultado final foi o seguinte: a proposta foi rejeitada, com votos contra do PS e de um deputado do PSD, votos a favor do CDS, de vinte deputados do PSD, de oito deputados do PRD, de Os Verdes e dos Deputados Independentes João Corregedor da Fonseca e Helena Roseta e abstenções de 96 deputados do PSD, de 35 deputados do PS e de um deputado do PRD.
Vamos agora votar a proposta de aditamento do n.° 4 (novo) ao artigo 15.° apresentada pela CERC.
A proposta foi submetida a votação.
O Sr. Presidente: - Foi aprovada por unanimidade.
O Sr. Rui Machete (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, uma vez que as votações, para terem efeito na Revisão Constitucional, têm de obter a maioria qualificada de dois terços, e porque, porventura, em termos de registo no Diário, essa expressão facilitaria os trabalhos posteriores, sugeria a V. Ex.ª, caso seja possível, que desse a conhecer após as votações se essa maioria qualificada foi ou não obtida.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa informa, um pouco a posteriori, e considerando as votações realizadas até este momento, que em todas as votações favoráveis até ao momento realizadas foi obtida a maioria qualificada necessária constitucionalmente.
Vamos passar ao artigo 16.°, em relação ao qual há duas propostas para o n.° 1, uma de substituição e outra de aditamento, apresentadas, respectivamente,
pelo CDS e pelo PSD. Havia também uma proposta de eliminação do n.° 2 apresentada pelo CDS que foi retirada.
Srs. Deputados, vamos votar a proposta de substituição do n.° 1 do artigo 16.°, apresentada pelo CDS.
A proposta foi submetida a votação.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta não obteve a maioria de dois terços a favor do PSD e do CDS e votos contra dos restantes grupos parlamentares e do Deputado Independente João Corregedor da Fonseca, pelo que foi rejeitada.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra, para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, se me permite, gostaria de sugerir à Mesa que as menções, em termos de registo no Diário fossem precisas, isto é, que não se utilizassem categorias genéricas do tipo: «os restantes grupos parlamentares», mas que, pelo menos, fosse feita a menção do sentido de voto de cada grupo parlamentar, uma vez que isso não é irrevelante, como decerto, V. Ex.ª compreenderá.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa aceita a sugestão de V. Ex.ª, é correcta, embora considere que se poderia inferir que grupos parlamentares se continham na designação: «restantes», uma vez que não se verificou qualquer alteração da composição da Assembleia.
No entanto, a Mesa vai clarificar a votação.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, posso interrompêlo?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, faço esta sugestão apenas por uma questão de rigor, porque pode haver casos em que um determinado grupo parlamentar não participe em alguma votação, e isso deve ficar mencionado.
O Sr. Presidente: - Tem razão, Sr. Deputado.
Nestes termos, informo a Câmara que o resultado da votação foi o seguinte: a proposta obteve votos a favor do PSD e do CDS e votos contra do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e do Deputado Independente João Corregedor da Fonseca.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Peço a palavra, para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, creio que V. Ex.ª deseja interpelar a Mesa no sentido de que haja maior rigor no anúncio dos resultados das votações.
Nesse sentido, a Mesa esclarece que, em bom rigor, todas as propostas que até ao momento foram aprovadas, obtiveram a maioria de dois terços necessária. Aliás, se a memória não me falha, foi aprovada apenas uma proposta.
Pausa.
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O Sr. Rui Macheie (PSD): - Peço a palavra, para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Rui Macheie (PSD): - Sr. Presidente, compreendo que se esteja a proceder a um processo de votação complexo, mas; em meu entender e em estrito rigor, em votações como a última que há pouco se realizou, em que a proposta foi aprovada, visto que o PSD votou a favor, mas não obteve a maioria qualificada de dois terços em termos de permitir a sua consideração para a Revisão Constitucional, se V. Ex.ª quisesse ter a amabilidade de fazer esta distinção, julgo que em termos de clarificação do registo no Diário tornar-se-ia mais fácil e, em rigor, evitava-se que sofrêssemos uma derrota que, na realidade, não merecemos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Ganharam, mas não passaram à fase seguinte. Estão mal habituados!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa não tem qualquer relutância em proferir todas as palavras que se mostrem necessárias, mas atendendo ao número elevado de votações que temos de fazer, tem procurado simplificar...
A Sr.ª Manuela Aguiar (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Manuela Aguiar (PSD): - Sr. Presidente, na sequência da objecção agora colocada pelo Sr. Deputado Rui Machete, gostaria também de fazer notar à Mesa que a proposta de substituição do n.° 3 do artigo 15.°, que subscrevi, foi aprovada, não se tendo, no entanto, verificado a maioria de dois terços necessária para a revisão da Constituição.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa toma em consideração as observações feitas e vai proceder em conformidade nas próximas votações, embora considere que as expressões referidas pêlos Srs. Deputados se podem, claramente, inferir daquilo que foi enunciado.
O Sr. António Guterres (PS): - Peço a palavra, para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, para evitar distintas interpretações sobre o significado das palavras, sugeria que a Mesa se limitasse a dizer: «obteve a maioria de dois terços» ou «não obteve a maioria de dois terços».
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, na sequência da solicitação quer de V. Ex.ª, quer dos deputados do PSD, a Mesa vai procurar ser o mais clara possível nas expressões que utilizar.
Assim, se há objecções a que se empreguem determinadas palavras, a Mesa, desde já, as retira.
Os resultados das votações realizadas foram
Proposta de substituição do n.° 1 do artigo 13.°, apresentado pelo CDS:
Submetida a votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contros do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e dos Deputados Independentes João Corregedor da Fonseca e Helena Roseta e votos a favor do PSD e do CDS.
Era a seguinte:
1 - Todos os cidadãos têm a mesma dignidade e são iguais perante a lei.
Proposta de substituição do n.° apresentada pelo CDS:
Submetida a votação não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PSD e do CDS votos a favor de Os Verdes, da Deputada Natália Correia (PRD), dos Deputados Independentes João Corregedor da Fonseca e Helena Roseta e abstenções do PS e do PRD.
Era a seguinte:
2 - Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da ascendência, sexo, raça, estado civil, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.
Proposta de aditamento ao n.° 3 do artigo 15.°, apresentada pela CERC:
Submetida a votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo sido aprovada por unanimidade, registando-se a ausência do Deputado Independente Raul Castro.
É a seguinte:
3 - Aos cidadãos dos países de língua portuguesa podem ser atribuídos, mediante convenção internacional e em condições de reciprocidade, direitos não conferidos a estrangeiros, salvo o acesso à titularidade dos órgãos de soberania e de governo próprio das regiões autónomas, o serviço nas forças armadas e a carreira diplomática.
Proposta de substituição do n.° 3 do artigo 15.°, apresentada pela Sr.ª Deputada Manuela Aguiar e outros:
Submetida a votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS e do PSD (1), votos a favor do PSD (20), do PS (8), do PRD (2), do CDS, de Os Verdes e dos Deputados Independentes João Corregedor da Fonseca e Helena Roseta e abstenções do PSD (96), do PS (35) e do PRD (1).
Era a seguinte:
3 - Aos cidadãos de países de língua portuguesa com residência permanente em Portugal podem ser atribuídos, mediante convenção internacional e em condições de reciprocidade, direitos não conferidos
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a estrangeiros, exceptuando o acesso ao serviço nas forcas armadas, a carreira diplomatica e aos cargos seguintes:
a) Presidente da República,
b) Presidente da Assembleia da Republica,
c) Primeiro-Ministro,
d) Presidente de outros órgãos de soberania,
e) Presidente de órgãos de Governo próprio das Regiões Autónomas.
Proposta de aditamento de um novo n.° 4 ao artigo 15.°, apresentado pela CERC:
Submetida a votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo sido aprovada por unanimidade.
É a seguinte:
4 - A lei pode atribuir a estrangeiros residentes no território nacional, em condições de reciprocidade, capacidade eleitoral para a eleição dos titulares de órgãos de autarquias locais.
Proposta de substituição do n.° 1 do artigo 16.° apresentada pelo CDS:
Submetida a votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e do Deputado Independente João Corregedor da Fonseca e votos a favor do PSD e do CDS.
Era a seguinte:
1 - Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das convenções internacionais de que Portugal seja pane ou decorrentes da dignidade e inviolabilidade da pessoa humana.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, passar a votação da proposta de aditamento ao n.° 1 do artigo 16.°, apresentada pelo PSD.
Submetida a votação, não obteve a maioria de dois cercos necessária, tendo-se registado votos contra do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e do Deputado Independente João Corregedor da Fonseca e votos a favor do PSD e do CDS.
Era a seguinte:
1 - Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes da lei, das regras aplicáveis de direito internacional ou decorrentes da inviolabilidade da pessoa humana.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, as propostas relativas ao artigo 17.° foram retiradas pelo que este artigo não necessita de ser votado.
Vamos passar ao artigo 18.° e o Sr. Secretario vai enunciar as propostas apresentadas que vão ser votadas.
O Sr. Secretário: - Há apenas uma proposta de substituição do n.° 2 do artigo 18.° apresentada pelo CDS.
O Sr. Presidente: - Vamos votar.
Submetida a votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PSD, do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e do
Deputado Independente João Corregedor da Fonseca e votos a favor do CDS.
Era a seguinte:
2 - A lei, que deverá ter a forma de lei orgânica, só poderá restringir os direitos, liberdades e garantias para salvaguarda de princípios e valores consagrados na Constituição, devendo a restrição limitar-se ao necessario e adequado a essa finalidade.
O Sr. Presidente: - Vamos passar ao artigo 19.° O Sr. Secretario vai anunciar a proposta que vai ser votada.
O Sr. Secretario: - Para o artigo 19.º há uma proposta da CERC relativa aos n.ºs 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e, 10, sendo este ultimo o actual n.° 6. E temos ainda duas propostas de aditamento apresentadas pelo PS e pelo PCP.
Vozes do PS e do PCP: - O n.° 9 não!
O Sr. Rui Machete (PSD): - Peco a palavra, para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faca favor, Sr. Deputado.
O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, suponho que no texto da CERC não consta o n.° 9, como foi anunciado, pois termina no n.° 8. A proposta do Partido Socialista é que contém um n.° 9.
O Sr. Presidente: - V. Ex.ª tem inteira razão. Vamos, então, votar a proposta da CERC para o artigo 19.°
Submetida a votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo sido aprovada por unanimidade, registando-se a ausência dos Deputados Independentes Raul Castro e Helena Roseta.
É a seguinte:
Artigo 19.º
Suspensão do exercicio de direitos
1 - .....................................
2 - .........,...;.......................
3 - O estado de emergência e declarado quando os pressupostos referidos no numero anterior se revistam de menor gravidade e apenas pode determinar a suspensão de alguns dos direitos, liberdades e garantias susceptíveis de ser suspensos.
4 - A opção pelo estado de sitio ou pelo estado de emergência, bem como as respectivas declaração e execução, devem respeitar o princípio da proporcionalidade e limitar-se, nomeadamente quanto as suas extensão e duração e aos meios utilizados, ao estritamente necessário ao pronto restabelecimento da normalidade.
5 - A declaração do estado de sitio ou do estado de emergência é adequadamente fundamentada e contém a especificação dos direitos, liberdades e garantias cujo exercicio fica suspenso, não podendo o estado declarado ter duração superior a quinze dias, ou a duração fixada por lei quando em consequencia de declaração de guerra, sem prejuízo de eventuais renovações com salvaguarda dos mesmos limites.
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A declaração do estado de sítio ou de estado de emergência em nenhum caso pode afectar os direitos á vida á integridade pessoal á identidade pessoal á capacidade civil e á cidadania a não retroactividade da lei criminal o direito de defesa dos arguidos e a liberdade de consciência e de religião.
A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência só pode alterar a normalidade constitucional nos termos previstos na Constituição e na lei não podendo nomeadamente afectar a aplicação das regras constitucionais relativas á competência e ao funcionamento dos órgãos de soberania e de governo próprio das regiões autónomas ou os direitos e imunidades dos respectivos titulares.
O Sr. Presidente - Srs. Deputados vamos votar as propostas de aditamento de um nº 9 ao art. 19 apresentadas pelo PS e pelo PCP.
O Sr. José Magalhães (PCP) - Peço a palavra para interpelar a mesa Sr. Presidente.
O Sr. Presidente - Faça favor Sr. deputado.
O Sr. José Magalhães - Sr. Presidente V. Exa. Referiu a existência de propostas quanto ao n. 9 do art. 19. De facto há duas propostas coincidentes uma do PCP outra do Partido socialista e suponho que serão submetidas a votação simultaneamente. Pela nossa parte não vemos objecção alguma a que assim se proceda.
O Sr. Presidente - Sr. deputado a mesa está na posse de um texto manuscrito que foi subscrito por deputados do PS e do PCP e por isso consideramos tratar-se de uma proposta conjunta.
O Sr. José Magalhães - Peço a palavra para interpelar a mesa Sr. presidente.
O Sr. Presidente - Faça favor Sr. deputado.
O Sr. José Magalhães - Sr. Presidente essa proposta foi entretanto substituida por propostas de cada um dos paridos autonomamente subscritas. Em todo o caso vem dar no mesmo e por isso penso que pode ser submetida a votação.
O Sr. António Vitorino (PS) - Peço a palavra para interpelar a mesa Sr. Presidente.
O Sr. Presidente - Tem a palavra Sr. Deputado.
O Sr. António Vitorino - Sr. Presidente não pretendo dificultar gostaria apenas que V. Exa. Me esclarecesse se votamos a proposta da CERC referente ao nº 3 ou a todos os números.
O Sr. Presidente - A todos os números Sr. deputado.
O Sr. António Vitorino - mas Sr. presidente há uma proposta de aditamento do PCP ao nº7 que presumo não foi retirada e que deveria ser votada antes da proposta referente ao nº 9.
A proposta do PCP foi apresentada na CERC onde assumiu o nº 7 e creio que não foi retirada apenas por uma questão de clareza na ordem das votações pelo que deveria ser votada antes da proposta referente ao nº 9.
O Sr. Presidente - Sr. deputado a mesa tem a informação de que essa proposta foi retirada e nesse sentido gostaria que a situação fosse clarificada. Foi ou não retirada a proposta?
O Sr. José Magalhães - Peço a palavra Sr. Presidente.
O Sr. Presidente - Faça favor Sr. deputado.
O Sr. José Magalhães - Sr. Presidente tratando-se técnico-juridicamente de uma proposta de aditamento isto é pressupondo um texto ao qual este texto deveria ser aditado a proposta não está prejudicada por definição e é este o momento de fazer o aditamento que aliás bem desejaríamos que o PSD viesse a aprovar.
O Sr. Presidente - Srs. Deputados clarificada a situação vamos passar á votação da proposta de aditamento ao nº 7 ao art. 19 apresentada pelo PCP.
Submetida a votação não obteve a maioria de dois terços, necessária tendo-se registado abstenções do PSD e do CDS e votos a favor do PS do PCP do PRD de Os Verdes e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Era o seguinte.
A declaração do estado de sítio ou de emergência só pode alterar a normalidade constitucional nos termos previstos na constituição e na lei não podendo nomeadamente efectuar a aplicação das regras constitucionais relativas á competência e funcionamento dos órgãos de soberania e dos órgãos do governo próprios das regiões autónomas e imunidades dos respectivos titulares.
O Sr. Presidente - Vamos agora votar a proposta de aditamento de um novo nº 9 apresentada pelo PS e pelo PCP.
Submetida a votação não obteve maioria de dois terços necessária tendo-se registado nos votos a favor do PS do PCP do PRD de Os verdes e do deputado independente João Corregedor da Fonseca e as abstenções do PSD e do CDS.
Era o seguinte.
Os cidadãos cujos direitos liberdades e garantias tiverem sido violadas por declaração do estado de sítio ou de emergência ou por providência adoptada na vigência viciados por inconstitucionalidade ou legalidade têm direito á correspondente indemnização.
O sr. Presidente - Sr. Deputados o Sr. Secretário vai enunciar as propostas relativas ao art. 20º.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes) - Em relação ao art. 20º existem propostas da CERC do PCP do PSD e do PRD.
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O Sr. Presidente: - Como ainda não anunciamos as propostas relativas ao artigo 20.°, julgo que o Sr. Deputado António Vitorino irá anunciar o, que falta.
O Sr. António Vitorino (PS): - Não, Sr. Presidente, é para fazer uma sugestão à Mesa.
Penso que a ordem das votações esta no guião, da CERC, pelo ,que se elas fossem lidas de acordo com de creio que não ficaria nada de fora, salvo qualquer lapso que sempre é possível.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, seguir essa ordem tem vantagens e tem inconvenientes e eu vou dar uma explicação para isso: temo as as propostas no guião da CERC e temos as anotações noutro sitio, por isso começamos pelas anotações e depois quando anunciamos as votações seguimos o guião da CERC.
O Sr. António Vitorino (PS): - Como V. Ex.ª entender.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar a votação de uma proposta de substituição da CERC em que o actual n.° 2 passa a ser n.° 1.
Submetida a votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo sido aprovada por unanimidade, registando-se as ausências dos Deputados Independentes Helena Roseta e Raul Castro.
É a seguinte:
1 - A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Sr. Presidente, face a votação que houve, nós retira-mos a nossa proposta relativa ao artigo 20.°, n.° 1, uma vez que esta prejudicada.
O Sr. Presidente: - Esta anotado, Sr. Deputado. Vamos passar a votação da proposta de substituição do actual n.° 2 apresentada pelo PRD.
Submetida a votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PS, do PCP, do PRO, de Os Verdes e do Deputado Independente João Corregedor da Fonseca e as abstenções do PSD e do CDS.
Era a seguinte:
2 - A todos e assegurado o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos, não podendo a justiça ser denegada, designadamente por insuficiência de meios económicos, e o direito a obter decisão em prazo razoável.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Vitorino o aditamento ao n.° 3 proposto pelo PS esta incluído na proposta da CERC?
O Sr. António Vitorino (PS): - Não, Sr. Presidente, tem de ser votado autonomamente.
O Sr. Presidente: - Vamos, então, votar a proposta de aditamento relativa ao n.º 3, do PS.
Submetida a votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e do Deputado Independente João Corregedor da Fonseca e a abstenção do PSD.
Era a seguinte:
3 - Todos têm direito a que uma causa em que tenham interesse, directo e legítimo seja objecto de julgamento imparcial e decisão dentro do prazo razoável.
O Sr. Presidente: - Vamos votar a proposta de aditamento da CERC relativa ao n.° 2.
Submetida a votação, não obteve a maioria de dois terços, tendo sido, aprovada por unanimidade, registando-se a ausência dos Deputados Independentes Helena Roseta e Raul Castro.
É a seguinte:
2 - Todos têm direito, nos termos da lei, a informação e consulta jurísdica e ao patrocínio judiciário.
O Sr. Presidente: - Vamos passar a votação de uma proposta de aditamento de um novo n.º 2-A, do PS.
Submetida a votação, não obteve a maioria de dois terços, necessária, tendo-se registado os votos a favor ,do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e do Deputado Independente João Corregedor da Fonseca e a abstenção do PSD.
Era a seguinte:
2-A - Deve o Estado suportar o custo do exercicio do direito referido no numero anterior, em caso de insuficiência de meios económicos dos respectivas titulares.
O Sr. Presidente: - Vamos passar a votação de uma proposta de aditamento de, um novo numero; do PCP.
Submetida a votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS; de Os Verdes e do Deputado Independente João Corregedor da Fonseca e a abstenção do PSD.
Era a seguinte:
3 - A lei assegura providencias judiciais caracterizadas pela prioridade e especial celeridade processual para defesa da liberdade de reunião, manifesta ao associação e expressão.
O Sr. Presidente: Vamos passar a votação do artigo 20.º-A
O Sr. Deputado António Vitorino pede a palavra para que efeito?
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, não sei se ja é do conhecimento da Mesa que, ao abrigo do Regimento especial, dez Deputados do Partido Socialista e do Partido Renovador Democrática requereram o adiamento da votação do artigo 20.°-A para de hoje a oito dias.
O Sr. Presidente: - A Mesa ainda estava a procurar esclarecer-se, de acordo com os seus canhenhos e as notas da CERC, se havia ou não uma proposta de
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Aditamento relativa ao art. 20º da Sr. Deputada Helena Roseta.
O Sr. António Vitorino - Creio que foi retirada Sr. Presidente.
O Sr. Presidente - O Sr. Deputado José Magalhães pede a palavra para que efeito?
O Sr. José Magalhães - Sr. Presidente é para ter a certeza de que percebemos bem a natureza do acto praticado anunciado pelo Sr. deputado António Vitorino - trata-se portanto do exercicio do direito potestativo de aditamento. Ontem tinha-se estabelecido uma certa simpatia que propiciava uma baixa á comissão para se ponderar se seria ou não possível criar a acção constitucional de defesa. É essa a ideia do Partido Socialista ao criar esse compasso de espera?
O Sr. Presidente - Sr. deputado nós ainda não chegamos lá.
O Sr. José Magalhães - Ai não? Tinha a ideia que sim.
O Sr. Prewsidente - Sr. Deputado nós tínhamos acabado de verificar qua a proposta da Sr. Deputada Helena Roseta relativamente a um nº 3 novo tinha sido retirada.
Sr. Deputado Rui Machete sobre uma proposta do PSD pode esclarecer-nos se ela está consignada com o art. 21º.
O Sr Rui Machete (PSD) - Sr. Presidente é só sistemática.
O Sr. Presidente - O Sr. Deputado António Vitorino pediu a palavra para que efeito?
O Sr. António Vitorino - Sr. Presidente se for oportuno dar o esclarecimento ao Sr. deputado José Magalhães relativo ao pedido de aditamento do art. 20º fá-lo-ia agora.
O Sr. Presidente - O Sr. Secretário vai ler o requerimento relativamente ao art. 20º - A.
O Sr. Secretário - O requerimento é do seguinte teor:
Os deputados abaixo assinados requerem ao abrigo do disposto no art. 6º nº 2 do regimento especial o aditamento da votação das propostas de alteração relativas ao art. 20º A.
O Sr. Presidente - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino - Sr. Presidente é para confirmar que se tratava de uma proposta tendente a potenciar a simpatia.
O Sr. Presidente - Tem a palavra o Sr. deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães - Sr- Presidente agradeço em nome da bancada a explicação do Sr. deputado António Vitorino. Foi feita a menção ao art. 6º n. 2 que alude ao exercicio de um direito potestativo mas devo dizer que nesta matéria seguramente se poderia ter invocado o disposto na norma do art. 7º do regimento que permite a baixa consensual ou maioritária. Pela nossa parte estamos inteiramente de acordo em que esta questão seja reapreciada e suponho que haveria a mesma inclinação de outras bancadas. Não seria portanto necessário usar o direito potestativo creio que o clima necessário para se criar um bom regime de acção constitucional de defesa justifica uma baixa consensual.
O Sr. Presidente - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.
O Sr. Rui Machete - Sr. Presidente nós não temos naturalmente de nos manifestar favoravelmente - trata-se de um direito potestativo - em relação á petição apresentada pelo PS e pelo PRD. Mas queremos dizer que estamos inteiramente de acordo com ela e achamos desnecessária a sua discussão na comissão.
O Sr. Presidente - Vamos passar ao art. 22º
O Sr. Secretário vai ler as propostas existentes.
O Sr. Secretário - Quanto ao art. 22º mantém-se uma proposta apresentada no projecto do PCP quanto ao n. 2 e o n. 3 do texto inicial está substituído por uma proposta avulsa que foi distribuída sob o n. 5.
O Sr. Presidente - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães - Sr. Presidente, gostaria de anunciar que tendo sido estabelecido ontem um consenso em torno da interpretação a dar ao texto do actual artigo 22º o qual torna dispensável a tentativa de explicitação que o PCP tinha adiantado e não desejando pois introduzir um elemento redundante ou perturbador da hermenêutica escorreita deste texto o PCP para os devidos efeitos retira ambas propostas. Suponho que esta decisão será aplaudida e traduz um consenso positivo.
O Sr. Presidente - Em face da declaração do Sr. deputado José Magalhães vamos passar ao art. 23º.
Para anunciar as propostas que vão estar em votação tem a palavra o Sr. Secretário.
O Sr. Secretário - Em relação ao art. 23º há as seguintes propostas da CERC para o n. 3 uma vez que oportunamente retirou a relativa ao n.4 o actual e da ID para os n. 2 e 3 sendo o n. 4 o actual n. 2 e o n. 5 o actual n.3.
O Sr. Presidente - Vamos passar á votação de uma proposta de aditamento relativa ao n.2 da ID.
Submetidos a votação não obteve a maioria de dois terços necessária tendo-se registado os votos contra
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do PSD e do CDS, os votos. a favor do PCP, de Os Verdes e do Deputado Independente João Corregedor da Fonseca e as abstenções do PS, do PRD e da Deputada Independente Helena Roseta.
Era a seguinte:
2 - Os órgãos a quem forem dirigidas recomendações devem informar o Provedor de Justiça das medidas tomadas no seguimento daquelas recomendações.
O Sr. Presidente: - Vamos passar a votação da proposta de substituição relativa ao n.° 3, do PCP.
Submetida a votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD e do CDS, os votos a favor do PCP, de Os Verdes e do Deputado Independente João Corregedor da Fonseca e as abstenções do PS, do PRD e da Deputada Independente Helena Roseta.
Era a seguinte:
3 - O Provedor de Justice 6 eleito pela Assembleia da Republica, pelo período de seis anos, e não pode ser destituído.
O Sr. Presidente: - Vamos passar a votação da proposta da CERC relativa ao n.° 3.
Submetida a votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo sido aprovada por unanimidade, registando-se a ausência do Deputado Independente Raul Castro.
É a seguinte:
3 - O Provedor de Justiça e um órgão independente designado pela Assembleia da República.
O Sr. Presidente: - Vamos passar a votação de uma proposta de aditamento relativa ao n.° 3, da ID.
O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca diz que esta votação não está prejudicada e que, portanto, ha lugar a votação.
Submetida a votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PCP, de Os Verdes e do Deputado Independente João Corregedor da Fonseca e as abstenções do PSD, do PS, do PRD, do CDS e da Deputada Independente Helena Roseta.
Era o seguinte:
3 - Os cidadãos e as entidades para o efeito solicitadas têm o dever de cooperar com o Provedor de Justiça.
O Sr. Presidente: - Vamos passar a votação da proposta de aditamento da CERC relativa ao n.° 4.
Submetida a votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo sido aprovada por unanimidade, registando-se a ausência do Deputado Independente Raul Castro.
E a seguinte:
4 - Os órgãos e agentes de Administração Pública cooperam com o Provedor de Justiça na realização da sua missão.
O Sr. Presidente: - Vamos passar a votação global do artigo 23.°-A proposto por Os Verdes.
Submetido a votação, ndo obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, do PS, do CDS e da Deputada Independente Helena Roseta e os votos a favor do PCP, do PRD, de Os Verdes e do Deputado Independente João Corregedor da Fonseca.
Era o seguinte:
Artigo 23.°-A
1 - Os cidadãos podem apresentar queixas ao promotor ecológico por acções e omissões de qualquer pessoa ou entidade que atente contra o equilíbrio ecológico.
2 - O promotor ecológico é um órgão publico independente, cuja função visa a defesa dos direitos dos cidadãos consagrados no artigo 66.° e na lei.
3 - A actividade do promotor ecológico é exercida sem prejuízo das atribuições do Provedor de Justiça e dos meios graciosos e contenciosos legalmente previstos.
O Sr. Presidente: - Vamos passar ao artigo 24.°, em relação ao qual há uma proposta de aditamento do CDS para o n.° 1.
Vamos votar.
Submetida a votação, ndo obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e dos Deputados Independentes João Corregedor da Fonseca e Helena Roseta, os votos a favor do CDS e a abstenção do PSD.
Era a seguinte:
1 - A vida humana é inviolável desde o momento de concepção.
O Sr. Presidente: - Vamos entrar na votação do artigo 25.° pelo que peço ao Sr. Secretario que leia as propostas existentes.
O Sr. Secretario (Reinaldo Gomes): - Para o artigo 25. ° há uma proposta da CERC relativa ao n.° 1.
O Sr. Presidente: - Vamos votar.
Submetida a votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo sido aprovada por unanimidade, registando-se a ausência do Deputado Independente Raul Castro.
É a seguinte:
1 - A integridade moral e física das pessoas é inviolável.
O Sr. Presidente: - Vamos passar ao artigo 26.°, que ainda não está totalmente discutido.
O Sr. Deputado António Vitorino pode a palavra para que efeito? .
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, é para fazer duas precisões. A primeira é que me parece que estamos em condições de votar o artigo 26.°, cujo
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debate foi concluído e a segunda é que pela nossa parte não vemos inconveniente no caso de o debate se não concluir em que a sessão se prolongue até á 20 horas e 30 minutos como é dos termos regimentais após as votações.
O Sr. Presidente - Srs. Deputados agradecia que se mantivessem no plenário enquanto a mesa vai esclarecer alguns pontos.
Quanto ao art. 26º não foi declarado formalmente o encerramento do debate. Em todo o caso a mesa não tem mais inscrições.
Como segunda questão efectivamente de acordo com o regimento nós podemos continuar até ás 20 horas. E vamos fazê-lo.
Não havendo como disse mais inscrições dou por encerrado o debate do art. 26º e votá-lo-emos se houver consenso da Câmara.
Tem a palavra o Sr. Deputado José de Magalhães.
O Sr. José Magalhães - Sr. Presidente apenas duas observações da nossa parte há consenso e gostaria de perguntar ao PS se mantém a proposta que apresentou esta manhã de aditamento ao n. 1 do art. 26º do seguinte teor ... e ao livre desenvolvimento da personalidade...
Este aspecto não tinha sido discutido. Com efeito não houve inscrição adicional e portanto presume-se ...
O Sr. Presidente - Peço ao Sr. Secretário o favor de ler o que vai ser substituído a votação para que não subsistam quaisquer duvidas.
O Sr. Secretário - Para o art. 26º há uma proposta da CERC de aditamento ao n. 1 uma proposta de aditamento de Os verdes uma proposta de apresentada pelo PS que foi distribuída pela mesa com a designação de n. 7 uma proposta do PSD e ainda uma proposta de aditamento constante do projecto apresentado por Os Verdes de um novo n.4.
O Sr. presidente - Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (os verdes) - Sr. Presidente apenas para informar a mesa que face ao andamento do debate e porque esta proposta em concreto o n. 4 está consumida em nosso entender Os verdes retiram a sua proposta relativa ao n. 26º.
O Sr. Presidente - Está retirada a proposta Sr. Deputado.
Portanto a primeira votação a que vamos proceder é a da proposta de aditamento ao n. 1 da CERC.
Srs. Deputados vamos passar á votação.
Submetida a votação obteve a maioria de dois terços necessária tendo sido aprovada por unanimidade.
É a seguinte.
1- A todos são reconhecidos direitos á identidade pessoal á capacidade civil á cidadania ao bom nome e reputação á imagem á palavra e a reserva de intimidade da vida privada e familiar.
O Sr. Presidente - Em relação ao art.1 do n. 26 há duas propostas de aditamento uma apresentada pelo Sr. Deputado Pedro Roseta do PSD e outra do PS.
Vamos pois proceder á votação da proposta do Sr. Deputado Pedro Roseta.
Submetida a votação não obteve a maioria de dois terços necessária tendo-se registado as abstenções de 47 deputados do PSD e 38 e do PS os votos a favor de 53 deputados do PSD, 22 do PCP, 4 do PRD, 3 do CDS, 1 de Os verdes e dois dos Deputados independentes Helena Roseta e João Corregedor da Fonseca e um votos contra o PSD.
É a seguinte.
O Sr. Presidente - P Sr. Deputado Silva Marques pede a palavra para que efeito?
O Sr. Silva Marques (PSD) - No momento do meu voto contra fui objecto de risos hilariantes e de ...
Risos
O Sr. José Magalhães - É o direito á diferença.
O Orador - ... e de comentários jocosos e por isso sinto-me no direito Sr. presidente de dizer pura e simplesmente isto: que não basta legislar o direito á diferença quando ele não é aceite...
O Sr. Presidente - Sr. Deputado que figura regimental está a usar?
O Sr. Deputado Silva Marques - O direito de defesa Sr. presidente.
Risos
O Sr. Presidente - Sr. Deputado apesar de tudo concedo-lhe a palavra para exercer o direito de defesa no estrito cumprimento do Regimento e das normas em vigor.
O Sr. Silva Marques - Muito obrigado Sr. Presidente.
Eu desejava apenas dizer que os risos sobretudo os risos inamistosos - porque há os risos salutar que considero até uma manifestação de efectividade - dos que acabaram de votar o direito á diferença são a cobertura formal de uma profunda hipocrisia espiritual. Não há lei que substitua a abertura de espirito como acabou de ser demostrado.
Risos
Aplausos do PSD
O Sr. Presidente Srs. Deputados vamos proceder á votação da proposta do PS.
Submetida a votação não obteve a maioria de dois terços necessária tendo-se registado as abstenções do PSD e dum Deputado do PRD e os votos a favor do PS do PCP do PRD do CDS de Os verdes e
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dos Deputados Independentes Helena Roseta e João Corregedor da Fonseca.
É a seguinte:
l - ... e ao livre desenvolvimento da personalidade.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Herculano Pombo pede a palavra para que efeito?
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Ao abrigo do Regimento, solicito ao Sr. Presidente a interrupção dos trabalhos por quinze minutos.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado tem o direito regimental de pedir o intervalo mas não de quinze minutos.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - É de quinze minutos, Sr. Presidente. Os outros grupos parlamentares têm 30 minutos e o meu tem quinze minutos, ou costuma ter.
O Sr. Presidente: - Ë regimental e, portanto, está concedido.
Sr s. Deputados está interrompida a sessão por quinze minutos.
Eram 19 horas e 5 minutos.
Entretanto reassumiu a presidência a Sr.ª Vice--Presidente, Manuela Aguiar.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 19 horas e 25 minutos.
A Sr.ª Presidente: - O Sr. Deputado Narana Coissoró pediu a palavra para que fim?
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Para dar uma informação à Mesa sob a forma de interpelação, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr.ª Presidente, quanto ao artigo 27.°, o CDS retira a proposta relativa à alínea c) do n.° 3 e ao n.° 4, dado ter sido absorvida pela proposta da CERC.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão o artigo 27.°
O Sr. Deputado Jorge Lemos pede a palavra para que fim?
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr.ª Presidente, agradecia que aguardássemos mais uns momentos. Não iríamos suscitar a questão do quorum mínimo de funcionamento, mas não estão presentes todos os grupos parlamentares, como por exemplo, o de Os Verdes que foi o grupo parlamentar que tomou a iniciativa de pedir a interrupção. Pedia, por isso que aguardássemos mais dois ou três minutos.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, aguardamos mais um ou dois minutos.
Peço aos serviços da Assembleia que façam o favor de chamar os Srs. Deputados, nomeadamente o do Grupo Parlamentar de Os Verdes e o do PRD.
Pausa.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr.3 Presidente, segundo creio, terei esgotado o tempo que me estava atribuído para esta semana. Por esse motivo, pergunto à Mesa se posso ou não utilizar esta semana algum do meu tempo futuro.
A Sr.ª Presidente: - Pode sim, Sr. Deputado. Segundo me informam, já utilizou e pode continuar a utilizar.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Agradecia que a Mesa me informasse sucintamente do tempo de que ainda posso dispor no debate de hoje e de amanhã.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado não há limite. O problema é o da gestão do tempo do seu grupo parlamentar.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, mas posso ir, digamos, arrancando ao futuro uns pedaços de tempo.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Já disseram que sim!
A Sr.ª Presidente: - Pode arrancar ao futuro aquilo que muito bem desejar, Sr. Deputado Herculano Pombo.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A minha intervenção é muito sucinta e tem como objectivo fundamental sintetizar o significado das alterações que mereceram o apoio de uma maioria qualificada na CERC.
Trata-se, no essencial, de fazer a integração do conceito de "pena maior" que consta, hoje, da Constituição mas que, como sabe, foi afastado da legislação ordinária pelo que a proposta quanto ao n.° 3 alínea, a) visa substituir o conceito de "pena maior" pelo conceito de "pena de prisão" cujo limite máximo seja superior a três anos, alteração que, aliás, também é introduzida em vários outros pontos da Constituição onde se faz referência ao mesmo conceito.
Quanto ao n.° 4, acolheu-se uma proposta originária dos Srs. Deputados Independentes da Intervenção Democrática e que tem como objectivo fundamental reforçar as condições de informação das pessoa; detidas acerca das causas da sua detenção e dos direitos que lhes assistem.
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São duas melhorias que reputamos importantes e em relação às quais, por isso mesmo, votaremos a favor.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Ideia do CDS, também!
A Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A Constituição processual penal receberá, neste ponto, dois momentos de alteração, sendo um deles positivo e o outro negativo.
O momento de alteração positivo é o que diz respeito ao reforço do direito à informação das pessoas privadas de liberdade.
O PCP apresentou uma proposta, similar à do CDS, sobre esta matéria, e parcialmente contemplada, congratulando-nos com o facto de estar iniciada a sua aprovação.
O momento negativo é o atinente à tradução constitucional da noção de pena maior.
Exprimimos - e isso consta da Acta n.° 69 da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional - o conjunto de razões que nos leva a não podermos aderir a essa tradução, por nos parecer desproporcionada, alargadora indebitamente do âmbito em que deve ter lugar a própria prisão preventiva, e não corresponder ao sentido mais adequado e mais correcto. Parece-nos, enfim, um degradar do estatuto de protecção decorrente da Constituição na sua versão originária e na versão posterior à Revisão de 1982.
Lamentamos que o Partido Socialista tenha evoluído da sua posição originária para a posição actual.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino para pedir esclarecimentos.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, nós discutimos isto extensamente na comissão. Não creio que seja justo acusar o Partido Socialista de ter decaído da sua posição originária neste aspecto. Penso que já é uma chapa do Sr. Deputado José Magalhães, que tem o piloto automático ligado e tudo em que o PS muda de opinião decai.
A questão é que se algum vício existe na aplicação, por "exemplo, desta norma que acabamos de adoptar, ele decorre da dosimetria das penas do Código Penal e não da solução constitucionalmente adoptada. Portanto, as críticas devem ser dirigidas - e nós também o acompanhamos em muitas delas - em relação à dosimetria das penas do Código Penal, e não quanto ao facto de se acolher aqui o conceito de "pena de prisão" cujo limite máximo seja superior a três anos..
Em segundo lugar, é ou não preferível, Sr. Deputado, que haja esta garantia constitucional do que manter, como mantinha o projecto do PCP, a referência a "pena maior" apenas, sabendo nós que o que fosse a pena maior seria integrado pelo legislador ordinário, por maioria simples? Isto é, poderia o legislador ordinário encontrar ao abrigo da Constituição actual e do projecto do PCP, que a mantinha inalterada, um conceito de pena maior bastante pior ou bastante mais inverosímil do que aquele que nós acabamos, aqui, por acolher?
É, portanto, necessário ter algum critério ou alguma medida nas críticas que são feitas. Havia riscos maiores na solução alternativa, Sr. Deputado José Magalhães!
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito rapidamente, Sr. Deputado António Vitorino, creio que não tem razão, porquanto, sendo as dosimetrias do Código Penal o que são, e sendo o Código do Processo Penal o que é, em sede de Revisão Constitucional, o legislador devia ter o cuidado de não alargar ou de não consagrar um certo estado de coisas, do qual pode decorrer uma perturbação ou, pelo menos, uma degradação das condições em que os cidadãos podem ser sujeitos a prisão preventiva.
Tal cuidado devia ser tido em conta. Aliás, não por outra razão, o PS, na sua proposta originária, não utilizava este critério. Definia, também, o limite mínimo. Não por acaso, o PCP adoptou o critério de não propor uma alteração.
Isso, dirá o Sr. Deputado António Vitorino, era uma posição tola e infundamentada. Não era nada. O legislador podia traduzir mal o conceito de pena maior, mas quando isso aconteceu o legislador viu chumbada no Tribunal Constitucional a lei em que se traduzia mal o conceito de pena maior. E, a seguir, a Assembleia aprovou por unanimidade, como está descrito na Acta n.° 69, uma tradução conforme à Constituição que alguns até julgaram ainda demasiado generosa ou excessiva.
A proposta do Partido Socialista vem consagrar uma interpretação, legitimar o actual Código do Processo Penal nesse ponto e reforçar a flexibilidade do legislador ordinário para, usando a ausência de um limite mínimo, poder alterar ainda mais negativamente um quadro que já não é favorável neste momento.
É isso que nós não podemos corroborar.
Fiz uma longa declaração fundamentadora disto mesmo, que poderei anexar a esta acta, eventualmente, dado não a poder repetir por falta de tempo face a um "regimento rolha". Parte-se-me a alma, mas não tenho tempo.
A Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Penso que o Partido Comunista não pode vangloriar-se pela posição passiva que tomou neste caso, pela razão simples de que, hoje, a única referência a pena maior é a da Constituição e não há outra. Se acha que isto tem alguma glória e que merece a vossa posição, em nosso entender nada justifica essa única e exclusiva referência a pena maior.
Por outro lado, nós explicamos o porquê da retirada do limite mínimo. Inclusivamente, houve sobre isso contributos válidos, como o do Sr. Deputado Costa Andrade, no sentido de que hoje a tendência da criminologia é para reduzir ao mínimo os limites mínimos. E tomámos isso em consideração, como é natural.
Ficou claro que não se trata de definir o conteúdo de pena maior, nem de substituir um conceito de pena maior por outro, mas apenas um limite para efeitos de
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prisão preventiva. Isso ficou claro, claríssimo, e não vale a pena tentar assacar culpas ao Partido Socialista e abstrair das próprias culpas.
Porem, eu pedi a palavra para me pronunciar sobre as razoes por que não podemos deixar de votar contra a proposta do PCP relativa ao n.° 3-A.
Não sei se já foi aqui justificada a vossa posição. A nossa ideia e de que votaremos contra pela razão simples de que a regra está hoje consagrada no n.° 2. Concordamos com as excepções do n.° 3 e não concordamos, por isso, com a inovação constante deste n.° 3-A que tem muito pouco alcance porque a alínea a) do n.° 3 cai no flagrante delito, que a proposta tambem excepciona, as alíneas d) e e) caem ho mandato do juiz, que a vossa proposta exige. E os únicos casos que poderão ficar de fora da vossa proposta são as alíneas b) e c) nas quais, em meu entender, continua a justificar-se a excepção.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.
O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A minha intervenção destina-se, apenas, a referir que o PSD apoia a proposta apresentada pela CERC pelos motives que, alias, foram já expostos pelo Sr. Deputado António Vitorino, e vamos votar em conformidade com aquilo que foi já o seu comportamento na mesma Comissão Eventual para a Revisão Constitucional no que respeita as propostas que ainda agora, se mantêm.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, não, há mais inscrições, pelo que se considera encerrada a discussão do artigo 27.° e passamos ao debate do artigo 28.°
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pais de Sousa.
O Sr. Pais de Sousa (PSD):- Sr.ª Presidente, Srs. Deputados:. Em nome do Partido, Social-Democrata, queria congratular-se com a solução, proposta pela Comissão Eventual para a Revisão Constitucional em sede de n.° 2 do artigo 28.°, ora em discussão, na medida em que traduz uma proposta do nosso partido.
Do n.° 2 do artigo 28.°, era em apreço, na sua redacção actual, resulta que a aplicação de um regime de excepção, como o da prisão preventiva, só deve ser imposto em casos extremos, em casos - diríamos - determinados por razões de politica criminal.
Por outro lado, o novo Código do Processo Penal acentua já o caracter provisório e subsidiário da prisão preventiva. Aliás, a luz de regras preconizadas pelo Conselho da Europa.
Por outro lado, o Código do Processo Penal eliminou a categoria dos crimes incaucionáveis e definiu, tambem, tempos de duração maxima para o instituto da prisão preventiva.
Paralelamente, o novo código do Processo Penal consagrou medidas alternativas de coacção.
Com este normativo, na sua perspectiva filosófico-jurídica - diríamos - a prisão preventiva e, no fundo, uma medida de coacção subsidiaria, aplicável
nas situações de crimes graves, que so deve ser decretada por inadequação ou insuficiência de coacção subsidiária aplicável nas situações de crimes graves. Só deve ser decretada por inadequação ou por insuficiência de medidas alternativas de coacção. Congratulamo-nos com a solução proposta pelo nosso partido, que obteve acolhimento na CERC e que exprime ate pedagogicamente um dever, diríamos, dirigido ao legislador ordinário. Para nós trata-se de estreitar o alcance real da prisão preventiva e de alargar as medidas alternativas neste piano, no sentido de maximizar a liberdade levando em conta regras ou princípios de proporcionalidade.
Em relação à proposta da ID para o n.° 3, entende-mos que esta e virtualmente positiva na medida em que traduz um alargar aparente da protecção que os familiares ou pessoas de confiança do detido lhes podem dar em determinadas situações de privação de liberdade, mas tem alguns elementos negativos que foram já ponderados na discussão entretanto havida na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.
Há situações de detenção e esses casos foram, alias, referidos a titulo exemplificativo pelo Sr. Deputado Costa Andrade, em sede de comissão, só que há situações de detenção, come a precária, que desaconselham a proposta apresentada pela ID.
Por outro lado, foi aventada a possibilidade de, em vez de se estar perante um ónus de informação da entidade competente, se estar perante um direito da disponibilidade do detido. Todavia, foram ponderadas fortes e sérias razões que tem a ver com a chamada investigação criminal. Tal como a posição já assumida na CERC, entendemos que esta problemática não está suficientemente decantada e como tal não podemos viabilizar esta proposta.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Entendemos que esta alteração proposta pelo Partido Social-Democrata 6 positiva no entendimento de que a prisão preventiva e uma medida excepcional, residual, não é seguramente uma pena, e é uma medida cautelar apenas para garantir e preservar a prova, a realização do julgamento e evitar a prática continua de actividades delituosas. Por isso, nesse sentido, ilumina a própria interpretação do disposto sobre esta matéria no Código do Processo Penal que tem alguma obscuridade, não tanto na formulação normativa e na forma como está explicito, mas, sobretudo, na aplicação que tem permitido. Portanto, considera-mos que esta precisão e de notória utilidade se for entendida como uma solução que torna subsidiaria, de um caracter perfeitamente cautelar a medida da prisão preventiva, e que ela será substituída por qualquer outra medida prevista na lei, mas, como ficou vincado e claramente apontado na discussão da CERC, desde que essa qualquer outra medida prevista na lei seja menos grave.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O debate travado na CERC sobre esta
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materia e em geral sobre a construção processual- penal permitiu, um consenso positivo em torno da questão que agora foi suscitada.
Tampem temos as preocupações que o Sr. deputado, Alberto Martins aqui exprimiu e,- por isso, durante debate na comissão, insisti na necessidade de clarificar o ultimo aspecto, a que o Partido Socialista acabe aludir Isto e, insisti na necessidade de clarificar a substituição da prisão preventiva que, e desejável e deve ser substituida por caução, como regra sempre que isso seja possível, ou por qualquer outra medida prevista na lei e evidentemente, essa medida tem de ser menos gravosa. Algumas das medidas que, por vezes, se aventam como substitutivas nem sempre são menos gravosas. Isto tem de ser objecto de um juizo da entidade competente; caso a caso, e deve ser emitido tendo presente ,este critério.
Em todo o caso, vamos, propor, na sequência do que já tínhamos ,anunciado na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e que agora pode concretizar junto da bancada autora da proposta, um aditamento que precisamente rezara ou por qualquer medida menos gravosa prevista na lei"
A Sr.ª Presidente: Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr: Costa Andrade(PSD)Sra. Presidente Srs. Deputados: Quero dizer, em nome do PSD, que o sentido da nossa proposta - original - era - precisamente esse De resto, e obvio que das medidas de coacção anteriores a julgamento, a condenação a prisão preventiva e por definição, a solução mais drástica que representa compressão maior e mais indesejável dos direitos ;dos arguidos. Portanto, este sentido estava implícito na nossa proposta e decorria dela, mas não vemos qualquer inconveniente, embora nos pareça de certo redundante, que se clarifique no sentido de menos onerosa, de menos grave mais favoravel.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mais quê?
O Orador: - Talvez ate devessemos fazer a alteração pela positiva, do que pela negativa; Talvez devessemos pela positiva mais favoravel. Estou aqui raciocinar um bocadinho a pressão - em vez irmos pela negativa menos grave.
Vozes do PS:- Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, vamos dar por encerrado: o debate.
O Sr.- José Magalhães:. (PCP):- Sr.ª Presidente peço a palavra para interpelar a Mesa.
A Sr.ª - Presidente:- Faça favor
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, por razoes meramente regimentais, tendo o PCP apresentado na Mesa uma proposta no sentido de uma delimitação negativa no entanto, não creio que haja razões para se não fazer a delimitação nos termos que o Sr. Deputado .Costa - Andrade propõe. Por isso, Sr.ª Presidente,: propomos - que não seja facultada a possibilidade de, PCP, apresentarmos ou de o Sr. Deputado Costa Andrade, se o assim entender.
O Sr. António Vitorino-(PS): - Conjunta!
O Orador: - uma proposta que exprima essa ideia, antes de se encerrar o debate.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - E melhor ser o PCP a apresenta-la. Só para não sermos nos a irmos contra a nossa.
O orador - Certo, apresentaremos a proposta, pois depreendo, uma inclinação nesse sentido. Sendo assim, apresentaria a proposta de imediato.
A Sr.ª Presidente - Com certeza, Sr. Deputado. A Mesa aguarda que nos faça chegar a proposta e fará de seguida a sua distribuição pelos diversos grupos parlamentares.
Pausa.
Espero que os Srs. Deputados tenham mais facilidade tenham mais facilidade em ler a caligrafia da proposta do que a Mesa.
A Sr.ª Presidente:- Srs. Deputados, como a proposta já deu entrada na Mesa e não ha mais inscrições, damos por encerrado o debate do artigo 28.°
Srs. Deputados, vamos passar a discussão do artigo 29.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães;
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Brevissimamente, para explicar que propusemos a transferencia para esta sede da proposta apresentada pelo PCP para o artigo 25.°, alusivo as vitimas de crime. Seria interessante saber qual a disposição das diversas bancadas em torno desta matéria. Segunda questão, a proposta apresentada pelo PCP de um artigo 29.°, não, foi transferida para o artigo 32.°, n.° 8,-e, portanto, a discussão não deveria ter lugar aqui. A única questão que subsiste, transferida que esta a proposta do PCP do n.° 7; e a de saber que posição e que e possível apurar-se ha ou não consenso em torno da ideia de uma certa margem de tutela constitucional, adicional das vitimas dos crimes.
O texto que propusemos é, obviamente, susceptível de ser reformulado, mas a ;nossa ideia e a de que alguma explicitação, de tutela seria extremamente util e interessante.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Muito sucintamente, quanto ao n.° 3 do artigo 25.°,- que se for aprovado passara a constituir o n.° 7 do artigo 29.°, penso eu, quero dizer que já nos pronunciamos quer quanto ao fundo quer quanto ao sentido da nossa votação, que, e no, sentido favoravel.
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Quanto ao n.° 7 do artigo 29.°, que esta agora em discussão, a nossa...
Vozes do PSD: - Passou para o n.° 8 do artigo 32.°!
O Orador: - Muito bem, mas vamos discuti-lo agora!...
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não!
O Orador: - Acha que não?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Passou para o n.° 8 do artigo 32.°!
O Orador: - Bom, sendo assim não me pronuncio e aguardarei por essa altura.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: S6 por um dever de resposta a intervenção do Sr. Deputado José Magalhães, devo dizer que a resposta já havia sido dada pela nossa bancada, com suficiente desenvolvimento, durante a discussão do artigo 25.°, posição que sintetizo em dois ou três pontos.
Em primeiro lugar, estamos de acordo com o fundo; em segundo lugar, entendemos que não, é na Constituição que um preceito como este deve ser inscrito e, portanto, o nosso sentido de voto, para esta norma, será o da abstenção.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate do artigo 29.°
Está em discussão o artigo 30.°
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Muito sucintamente, para nos congratularmos com o facto de o n.° 5 do artigo 30.°, que decorre de uma proposta feita pelos deputados do Partido Socialista e do Partido Comunista, acolher a ideia de que os condenados a quem seja aplicada pena ou medida de segurança privativa da liberdade mantém a titularidade dos direitos fundamentais, ressalvadas apenas as limitações inerentes ao sentido da condenação e as exigências próprias da respectiva execução.
No fundamental, entendemos que esta norma e um contributo positivo para lançar uma luz redobrada, senão sobre a legislação penitenciaria vigente em Portugal, pelo menos, e fazemos esperanças que assim seja, sobre as condições em que essa legislação e aplicável e sobre a situação que se vive nas cadeias portuguesas. Entendemos que se trata de uma chamada de atenção importante que o legislador constituinte faz sobre as regras fundamentais da aplicação do regime penitenciário e sobre a salvaguarda dos direitos fundamentais daqueles que forem condenados a pena de prisão e, por isso, nos associamos naturalmente ao sentido do texto que veio da CERC e que, alias, foi fruto de uma resolução consensual.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.
A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Quero dizer que o PSD se associa a ideia de criar um n.° 5 no artigo 30.° sobre o problema da preservação dos direitos fundamentais dos condenados, no âmbito da execução da pena.
Na realidade, o momento da execução da pena pode ser um momento, passe a expressão, privilegiado de risco dos direitos fundamentais e esta inserção no texto constitucional não significara uma indicação meramente emblemática ou pragmática, mas uma ordem constitucional fundamental que, no nosso entender, comporta ainda uma outra vantagem adicional. E que, por maioria de razão, salvaguardada a integridade dos direitos fundamentais no âmbito da execução da pena, se depreendera, claramente, numa boa hermeneutica constitucional, que essa salvaguarda se estende ao momento da prisão preventiva, porque as razoes são as mesmas e a intenção do n.° 5 será assim uma intenção abrangente, que pretendemos ao subscrever a proposta indicada.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Lamento não poder continuar na senda das congratulações, mas tenho de realçar, com pena, a circunstancia de o PSD não ter acompanhado o PS e o PCP na aprovação de uma proposta no sentido de que a execução das penas e medidas de segurança será orientada para a reinserção social dos recursos. Parece-me que terá sido necessário algum esforço para não concordar com esta proposta.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, na linha do que já foi dito pela minha colega Assunção Esteves, quero expressar o nosso apoio a proposta do novo n.° 5.
Também em boa hermenêutica jurídico-constitucional, o conteúdo deste preceito resultaria, e, de resto, é em geral ja assim entendido, pela moderna doutrina que se tem debruçado sobre a situação jurídica dos recursos, matéria relativamente descurada ate aqui, mas que ultimamente tem tido um desenvolvimento extraordinário tanto no País como a nível do Direito Comparado. O chamado Direito de Execução das Penas e uma moderna disciplina que revela hoje uma grande pujança e um grande desenvolvimento, não só a nível de Direito Comparado, mas tambem do Direito nacional - e estou a lembrar-me de alguns estudos feitos, na Universidade de Coimbra, fundamentalmente sob a responsabilidade da Dr.a Anabela Rodrigues, que a este tema tem dedicado particular atenção e que chegou a conclusões grandemente sobreponíveis a estas para que aponta a nossa proposta.
De resto, ja tinha de ser assim, para evitar o perigo que era o de o recluso ser condenado sine lege, isto é: o recluso é condenado a uma determinada pena de prisão, ou a uma determinada medida de segurança, de modo que a comparação dos seus direitos fosse para atem do estrito limite a liberdade em que se traduz
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a pena de prisão ou, a medida de segurança. Conquanto se fosse para -alem ,disto estava a punir-se sine lege sine juditio; estava a punir-se para alem daquilo que a lei permite, e para alerta daquilo a que o condenado foi, efectivamente, condenado. Portanto seria assim mas nada se perdera - com esta explicação.
De resto, quanto ao, tema que esta aqui, já hoje foi objecto de algum debate, e, dar uma curta resposta intervenção com que; o Sr. Deputado Almeida Santos. acabado fazer; no sentido de mostrar a nossa discordância que vai importa acentua-lo, a inscrição deste - programa na Constituição.
E isto permitiu recordar uma Coisa penso eu, que se ensina a todos, os estudantes de direito, que saem das faculdades - e há aqui tanto, estudante Direito - que ficam com esta ideia: a problemática dos fins das penas e uma problemática que resta sujeita tem o estigma dos "baldes da nora, isto, e, está permanentemente a oscilar e a períodos de grande fé numa ideia de retribuição absoluta - fiat justitia perei mundus, uma ideia kantiana, uma ideia que foi de Platão uma ideia que foi desenvolvida no século XIX e que hoje esta ai de novo sob o nome anglo saxónico de just deserts, isto e, a justas penas sem quaisquer contemporizações, pelo tratamento ou pela ressocialização.
E uma ideia cíclica na, História. Mas com esta ideia cíclica na História alternam outras ideias a ideia de tratamento e a - ideia de ressocialização.
Por exemplo, nos anos cinquenta, foi, euforia do tratamento. A lógica de toda a gente que se pronunciava sobre a problemática dos fins, das, penas dizia que era o tratamento. Passadas duas décadas, o tratamento era esconjurado como o pior dos males, e todas as pessoas se tornaram unanimemente anti tratamento. Depois evoluiu-se para a ideia, de ressocialização.
Os sectores mais conservadores sectores, mais tradicionais, erigiram a ressocialização como meta única e exclusiva. Posteriormente, os sectores: mais progressistas avançaram tambem já mesmo sentido - e a ideia de ressocialização tornou se durante um certo periodo, verdadeiramente consensual.
Hoje o estado das coisas já não, e bem assim. Hoje a ideia de ressocialização e contestada, por, todos aqueles que reivindicam ,de uma compreensão de esquerda destas coisas. Todas as pessoas, que se reivindicam de uma certa compreensão da esquerda dizem que o que, e precise ressocializar e a sociedade: o delinquente por principio, esse esta bem, o que esta mal e a sociedade portanto, ressocializar-se a sociedade. Bem, não e este o nosso ponto de vista nos e licito fazer. aqui um pequeno parêntesis, no que toca, ao direito - ordinario, nos somos - favoraveis, a ressocialização. De resto, toda a - nossa intervenção em matéria de legislação ordinaria, se, tem reputado por, isso Agora, ha do nosso ponto de vista - e não estamos temos connosco toda a doutrina, que se tem preocupado com o assunto a ideia da consciência dos, perigos que será esta meta erigir numa meta de, carácter constitucional porque as ideias não param - e aquilo, que hoje julgamos suficiente de definitivamente adurido, com algum narcisismo amanhã pode viria, ser. Posto em causa.
Hoje, esse período nas ser avista ainda, portanto podemos, tranquilamente, pensar ,em, ressqcializa5 aqui mas a nível de legislação ordinaria tenhamos menos, ambição, sejamos: mais relativistas, mais, abertos.
O Sr. Almeida Santos (PS):j- Dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor,- Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Com esse raciocínio não havia Constituição!
O Orador: - Havia, sim, Sr. Deputado. Esse argumento é um pouco ad terrorem; e um argumento , prova demais Haveria Constituição - seja nos permitido tambem concordar, de vez em quando, com a Constituição - , que, nesta parte considerados relativamente bem feita. O artigo 30.° actual e tudo o que estar aqui tem dignidade: constitucional; nosso ponto de vista. Mas, sobre aquilo que agora se vai acrescentar, a nossa situação e de tão a vontade quanto e certo que estamos a ter, vir dizendo: - isto - sim, isto não.
Havia Constituição. E havia, Constituição nesta matéria. De resto, isto e os impostos foram, reconhecidamente, dos pontos, históricos por onde começou a haver Constituições.
Portanto, ha aqui pontos perenes de dignidade constitucional, Como, por exemplo, artigo 30.° para o qual nos, apesar de acusados com tão não apresentamos nenhuma proposta por acharmos relativamente bom.
Tambem fomos e convencidos pela, bondade das soluções apresentadas pelo Partido Socialista no que toca aos direitos dos reclusos e, portanto vamos tambem esse caminho.
Logo, a nossa Resposta, não é demolidora no sentido que haja constituição mas nesta matéria mas pelo contrário é enriquecedora. Enriqueçamos portanto com aquilo que tem dignidade constitucional e não com o que do nosso ponto de vista não o tem.
Ressocialização sim mas ao nível dos programas de legislação ordinária. A nível constitucional devemos ser mais relativistas mais confiantes nas possibilidades do futuro que ultrapassam sempre as nossas capacidades de previsão. E uma certa consciência histórica destas coisas que não fica mal dá-nos a imediata consciência da relatividade disto.
Estejamos abertos o futuro vem aí junquemos de flores o chão.
Vozes do PSD - Muito bem.
A Sr.ª Presidente - Srs. Deputados já ultrapassamos um pouco a hora prevista para o encerramento do debate.
A próxima reunida plenária terá lugar amanhã sexta-feira ás 10 horas com a continuação da discussão das alterações á constituição.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 10 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social Democrata (PPD/PSD)
Adriano Silva Pinto
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira
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António Augusto Ramos.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Joaquim Correia Vairinhas.
António Jorge Santos Pereira.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Ourique Mendes.
António Maria Pereira.
António Mário Santos Coimbra.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Arménio dos Santos.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Lelis da Camara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Macas.
Joaquim Eduardo Gomes.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José de Almeida Cesario.
José Angelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Rodrigues de S. e Holstein Campilho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Gomes da Silva.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Rui Manuel P. Chancerelle de Machete.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Partido Socialista (PS):
Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Magalhães da Silva.
António Miguel de Morais Barreto.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Barroso Soares.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Florêncio B. Castel Branco.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Torres Couto.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonor Coutinho Pereira Santos.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria do Céu Fernandes Esteves.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rosa Maria Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
Ana Paula da Silva Coelho.
Fernando Manuel Conceição Gomes.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Luísa Amorim.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Isabel Maria Ferreira Espada.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta de Franca.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):
Maria Amélia do Carmo Mota Santos.
Deputados Independentes:
Carlos Mattos Chaves de Macedo.
Maria Helena Salema Roseta.
Faltaram a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Fernando Monteiro do Amaral.
Flausino José Pereira da Silva.
Joaquim Fernandes Marques.
José Álvaro Machado Pacheco Ferreira.
José Mendes Bota.
Licinio Moreira da Silva.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
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Margarida Borges de Carvalho.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Partido Socialista (PS):
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Manuel Martins Vale César.
João Cardona Gomes Cravinho.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Deputados Independentes: Raul Fernandes de Morais e Castro.
As REDACTORAS: Maria Amélia Martins - Maria Leonor Ferreira - Cacilda Nordeste - Ana Maria Marques da Cruz.
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