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I Série - Número 74

Quinta-feira, 4 de Maio de 1989

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 2.º SESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)

II REVISÃO CONSTITUCIONAL

REUNIÃO PLENÁRIA DE 3 DE MAIO DE 1989

Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo

Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Caio Roque
Cláudio José dos Santos Percheiro
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.

Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n.º 394/V, e das ratificações n.ºs 72/V, 73/V e 74/V.
A Câmara aprovou um relatório da Comissão de Regimento e Mandatos, sobre a substituição de deputados do PSD.
Prosseguiu a discussão da revisão constitucional (artigos 46.º, 47.º, 49.º. 50.º, 51.º, 52.º, 53.º, 54.º, 55.º. 56.º, 57.º e 58.º).
Intervieram, a diverso titulo, os Srs. Deputados Almeida Santos (PS), José Magalhães (PCP), Costa Andrade (PSD), Vera Jardim (PS), Adriano Moreira e Nogueira de Brito (CDS), Assunção Esteves (PSD), Raul Castro (Indep.), José Luís Ramos (PSD), António Vitorino (PS), Herculano Pombo (Os Verdes), Pais de Sousa (PSD), Alberto Martins (PS), Jerónimo de Sousa (PCP), Isabel Espada e Marques Júnior (PRD), Rui Gomes da Silva (PSD) e Odete Santos (PCP).

O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 0 horas e 5 minutos do dia seguinte.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Amândio dos Anjos Gomes.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
Américo de Sequeira.
António Jorge Santos Pereira.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Mário Santos Coimbra.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carla Tato Diogo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.

rcília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Mendes Costa.
Germano Silva Domingos.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Humberto Pires Lopes.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Mendes Bota.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Licinio Moreira da Silva.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.

anuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Batista Cardoso.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Antónia Pinho e Melo.
Maria Assunção Andrade Esteves.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mary Patrícia Pinheiro Correia e Lança.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Al vim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Gomes da Silva.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Arons Braga de Carvalho.

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Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Manuel Oliveira Guterres.
António Miguel Morais Barreto.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Martins do Vale César.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Helena de Melo Torres Marques.
João Barroso Soares.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Eduardo Vera Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Florêncio B. Castel Branco.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Torres Couto.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rosa Maria Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo Brito.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Fernando Manuel Conceição Gomes.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Santos Magalhães.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Luísa Amorim.
Maria de Lurdes Dias Hespanhol.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Maninho.
Isabel Maria Ferreira Espada.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Rui dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
José Luís Nogueira de Brito.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Maria Amélia do Carmo Mota Santos.

Deputados Independentes:

Carlos Mattos Chaves de Macedo.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Maria Helena do R. da C. Salema Roseta.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 394/V, apresentado pelo Sr. Deputado Jorge Lacão e outros, do PS, sobre o regime de exercício de direitos dos agentes civis e policiais no âmbito da PSP, que, tendo sido admitido, baixou à 3.ª Comissão; ratificação n.º 72/V, solicitada pelo Sr. Deputado Herculano Pombo e outros, do Partido Os Verdes, do PRD e de Deputados Independentes, relativa ao Decreto-Lei n.º 139/89, de 28 de Abril (altera o Decreto-Lei n.º 357/75, de 8 de Julho), que diz respeito à protecção do relevo natural, solo arável e revestimento vegetal, que foi admitida; ratificação n.º 73/V, solicitada pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho e outros, do PCP, relativa ao já citado Decreto-Lei n.º 139/89 (altera o Decreto-Lei n.º 357/75, de 8 de Julho), referente à protecção do relevo natural, solo arável e revestimento vegetal, que foi admitida; ratificação n.º 74/V, solicitada pelo Sr. Deputado Fernando Gomes e outros, do PCP, relativa ao Decreto-Lei n.º 123/89, de 14 de Abril, que reestrutura a carreira de diagnóstico e terapêutica, que foi admitido.

O Sr. José Sócrates (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates, julgo que para interpelar a Mesa.

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O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, é para pedir, em nome da minha bancada, a suspensão dos trabalhos por 30 minutos.

O Sr. Presidente: - É regimental. Está concedido. Srs. Deputados, estão interrompidos os trabalhos.

Eram 15 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 16 horas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos reiniciar os nossos trabalhos com a leitura, pelo Sr. Secretário, de um relatório e parecer da Comissão de Regimentos e Mandatos.

O Sr. Secretário (Cláudio Percheiro): - Srs. Deputados, o relatório e parecer da Comissão de Regimentos e Mandatos é do seguinte teor:

Comissão de Regimento e Mandatos Relatório e Parecer

Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos, realizada no dia 3 de Maio de 1989, pelas 15 horas, foram observadas as seguintes substituições de deputados:

1 - Solicitadas pelo Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata (PSD):

Álvaro José Rodrigues de Carvalho (Círculo Eleitoral da Guarda), por Alexandre Azevedo Monteiro. Esta substituição é pedida nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto doa Deputados), para o período de 1 a 31 de Maio corrente, inclusive. Américo de Sequeira (Círculo Eleitoral de Viana do Castelo), por António de Carvalho Martins. Esta substituição é determinada nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), a partir do dia 5 de Maio corrente, inclusive.

2 - Analisados os documentos pertinentes de que a comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.

3 - Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.

4 - Finalmente, a comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

António Roleira Marinho (PSD) - Arlindo da Silva André Moreira (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Domingos da Silva e Sousa (PSD) - Fernando Monteiro do Amaral (PSD) - João Granja Rodrigues da Fonseca (PSD) - José Guilherme Pereira dos Reis (PSD) - José Manuel da Silva Torres (PSD) - Manuel António Sá Fernandes (PSD) - Reinaldo Alberto Ramos Gomes (PSD) - Vasco Francisco Aguiar Miguel (PSD) - António Manuel C. Ferreira Vitorino (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - Francisco Barbosa da Costa (PRD).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar. Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos dar início à discussão do artigo 46.º

Pausa.

Enquanto aguardamos que os Srs. Deputados se inscrevam, informo, para efeitos de registo - e como já foi indicado -, que a proposta de substituição do n.º 4 apresentada pelo Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, foi retirada.
Relativamente a este artigo, há ainda uma proposta de substituição do n.º 4, apresentada pelo CDS, e duas propostas de aditamento de dois novos números, os n.ºs 5 e 6, apresentadas pelo PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos, para uma intervenção.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, parece ser necessário alguém assumir a responsabilidade de aquecer os motores e eu assumo-a, embora para usar da palavra por muito pouco tempo.
Relativamente a este artigo, o CDS propõe a proibição da existência de organizações que perfilhem da ideologia fascista em termos que, em meu entender, não merecem o nosso aplauso, uma vez que substitui essa expressão por «(...) organizações cujo objectivo ou acção atente contra a unidade nacional ou o regime democrático».
Este acrescento substitutivo parece-nos inútil, na medida em que já o n.º 1 desse artigo refere os «(...) fins que não sejam contrários à lei penal».
Nestes termos, as acções que atentem contra a unidade nacional ou contra o regime democrático estão já tipificadas como crime na acção penal. Este acrescento é, portanto, substituído, com vantagem, pelo que consta no n.º 1.
Relativamente às propostas do PCP, abstivemo-nos aquando da sua apreciação na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e voltaremos agora a fazê-lo, na medida em que parece-nos que o conteúdo do n.º 5, onde se diz que «Nenhum regime administrativo ou fiscal pode afectar, directa ou indirectamente, a liberdade de associação», já encontra cobertura na regra que baliza e disciplina as restrições aos direitos, liberdades e garantias, ou seja, no artigo 18.º , n.º 2
Pensamos que essa regra é suficiente e que não há necessidade de criar uma regra específica para a liberdade de associação, sob pena de nos inquirirmos por

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que razão procedemos desta maneira relativamente à liberdade de associação e não em relação a diversas outras liberdades.
Quanto ao n.º 6, que «(...) assegura que a atribuição pelo Estado de isenções ou outros benefícios a qualquer associação respeite o princípio da igualdade e não implique deveres desnecessários ou desproporcionados», parece-nos que não devíamos pôr aqui este tampão às discriminações positivas sempre que elas se justifiquem. Parece-nos que este n.º 6 viria proibir, em matéria de liberdade de associação, discriminações positivas que podem, nalguns casos, justificar-se.
Por outro lado, quanto ao conceito de dever desnecessário expresso no inciso «(...) isenções ou outros benefícios (...) e não implique deveres desnecessários ou desproporcionados», pergunto o que é que define quando um dever é necessário ou não é, ou quando é proporcionado ou deixa de ser. Depois a expressão «benefícios que não impliquem deveres» também nos parece demasiado confusa para que lhe dispensemos um voto favorável.
Pelas razões expostas votaremos contra o n.º 4 do CDS e abster-nos-emos relativamente às propostas dos novos n.ºs 5 e 6 apresentadas pelo PCP. E abstemo-nos porque, apesar de tudo, compreendemos que a intenção que está na base destas propostas é uma intenção salutar, embora, em nosso entender, ela se encontre mal traduzida, do ponto de vista da formulação proposta.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Boa tarde, são 16 horas e 5 minutos e o processo de Revisão Constitucional, em vez de se interromper como os acontecimentos da passada semana exigiriam, vai prosseguir de uma forma que eu classificaria de «arranco lento», uma vez que as bancadas do PS e do PSD não foram propriamente prontas na garantia do quorum bastante para que os trabalhos começassem à hora prevista.
É um fenómeno curioso porque coexiste com a «lei da rolha», aplicado pelo «regimento rolha» subscrito pelos dois partidos, ao abrigo do seu triplo pacto de Revisão Constitucional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Pacto de conteúdo, mas também «pacto de rolha» e, pelos vistos, «pacto de começo pastoso» ...

O Sr. José Vitorino (PS): - Ideias originais!...

O Orador: - ..., o que é significativo e original num processo de Revisão Constitucional que, suponho eu, deve contribuir em muito para a dignificação, perceptibilidade, compreensibilidade, normalidade, inteligibilidade e interesse dos trabalhos.
Quanto à matéria que está em debate, ela é relevante. Relevante, felizmente, num caso, pela negativa, isto é, não haverá sufrágio, não haverá apoio à ideia adiantada, aliás pelo CDS, de eliminação da obrigação constitucional de proibição e de incriminação das organizações que perfilhem ideologia fascista. É uma justa opção esta que vai decorrer do consenso indiciariamente estabelecido no sentido da rejeição da proposta.
Sabemos todos que, há dias, naquilo que alguém, na bancada dos jornais, qualificava de sessão de espiritismo num hotel de Lisboa, alguns saudosistas salazaristas se reuniram melancolicamente para carpirem mágoas pelo facto de o regime democrático estar irreversivelmente implantado e tecerem algumas loas ao cadaverizado «criatura» que consideram ter encarnado um conjunto de virtudes e que, para o povo português, encarna uma súmula, dificilmente comparável, de defeitos.
Mas isso, que é uma actividade retrógrada, saudosista, sem expressão social e política no corpo e no sistema político português, apenas sublinha que é necessário manter vigilância e que é necessário usar os mecanismos de alerta democrática de que dispomos para não permitir que fenómenos desse tipo sofram expansão.
A proibição das organizações que perfilhem a ideologia fascista tem no código conceptual de construção republicana e democrática de 1976 um sentido muito preciso: assinala um limite ao pluralismo mas um limite fundado em muitos anos de limitação antidemocrática da própria possibilidade de expressão das diversas correntes políticas. Está bem!... Na Constituição continuará e isso é positivo em nosso entender.
Em relação à proposta do PCP, creio que ela não tem os deméritos que o Sr. Deputado Almeida Santos assinalou.
Tivemos ocasião de discutir este aspecto, longamente, na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e, da nossa parte, a preocupação foi aqui sumarizo, isto é, a de precisar, em dois pontos, garantias adicionais da liberdade de associação.
Na verdade, a associação deve ser dotada dessas garantias. A explicitação constitucional de que, por um lado, não deve a censura da liberdade de associação por abafaretes de carácter administrativo, fiscal, burocrático, é uma missão importante e, em nosso entender, ficaria bem na Constituição.
Em relação à nossa preocupação de que a concessão de subsídios e de isenções não sirva de limitação, de tolhimento, à livre expressão das entidades associativas, também nos parece que essa regra seria uma garantia importante.
Da parte do PSD percebe-se, razoavelmente, que haja uma ausência total de paixão em relação a melhorias da liberdade de associação. A paixão do PSD vai toda para o camartelo, para a supressão de garantias, se possível de garantias dos trabalhadores quando não de garantias gerais da democracia económica. É essa a menina dos olhos, a opção, a paixoneta, a psicose do PSD em matéria de Revisão Constitucional. Neste aspecto o PSD só tem um olho e esse olho é o olho destrutivo. O olho das benfeitorias, esse está tapado ou não existe, como é o caso do Ciclope.
Este é, pois, um saldo que nos parece contraditório: branco e preto. De um lado, uma rejeição muito positiva de eliminação da proibição constitucional das organizações que perfilhem da ideologia fascista, e, do outro lado, a rejeição de benfeitorias que o PCP adianta em matéria de liberdade de associação. Cada um define-se através dos seus votos!... Pela nossa parte seremos coerentes!

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estão em discussão duas propostas de alteração ao artigo 46.º Em relação à proposta do CDS a minha colega Assunção Esteves indicará, de seguida, o sentido do nosso voto, justificando-o.
No que toca às propostas oriundas do PCP o nosso voto será de abstenção, em consonância com o que fizemos na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.
Abster-nos-emos mas não por nenhuma das razões que o Sr. Deputado José Magalhães indicou. Não se trata de nada disso!... Achamos apenas que é preciso ter alguma fé nas normas constitucionais!...
O PCP não pode, a propósito de cada artigo, de cada direito, repetir e reeditar todas as garantias, todas as normas que, com carácter geral e abstracto, valem para todos os direitos.
É óbvio que se nós aprovássemos umas proposta como esta tínhamos de fazer o mesmo em relação a todos os direitos, a começar pelo direito à vida e aceitar uma regra que dissesse: «nenhum regime fiscal pode prejudicar o direito à vida, cuidado com a alimentação, a integridade física e a saúde.» Teríamos de repetir isto em relação a tudo... Valha-nos Deus!.. .Temos de ter alguma teoria da Constituição!...
Já aqui citei uma vez - e não resisto à tentação de voltar a citá-lo - o marxista contemporâneo Ernst Block, o qual disse que «só um ateu pode ser cristão e só um cristão pode ser ateu».
Convidava o PCP, que tanto tem falado na «paixão da Constituição», a que fosse um bocado mais crente na Constituição. Não é necessário, a propósito de cada artigo, repetir toda esta panóplia de política já de execução em relação aos próprios direitos, senão façamo-lo em relação a todos, a começar pelo sacrossanto direito à vida, que é um direito fundamental.
Enquanto não tivermos em conta este aspecto em relação ao direito à vida, à integridade física, à saúde e a outros direitos, não temos legitimidade, nem tem sentido propor isto em relação ao direito à liberdade de associação.
É por estas razões e por alguma fé nas normas e na própria Constituição que nos abstemos, e não pelas razões que o Sr. Deputado José Magalhães, mal amanhadamente, escogitou.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Costa Andrade, como deve calcular, estou de acordo consigo. Aliás, comecei por dizer algo parecido com o que vossa V. Ex.ª acabou de expressar, mas reconheça que os constituintes de 1976 cometeram o mesmo erro relativamente à liberdade de imprensa e de opinião porque consideravam uma expressão rigorosamente igual a esta. Não o deviam ter feito, fizeram, ainda cá está, mas de algum modo legitima a iniciativa do PCP de a querer repetir em relação a outro artigo isoladamente.
No entanto, como já disse, estou de acordo que, efectivamente, não podemos passar a vida a dizer especificamente o que já dissemos genericamente.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, estou inteiramente de acordo com V. Ex.ª, mas permita-me recordar-lhe o peso, de certa maneira, conjuntural que a comunicação social teve aquando da elaboração da Constituição em 1976. Nessa altura, outra coisa não era possível por força de circunstâncias bem conhecidas, vide o caso da Republica, que foi praticamente transcrito em norma de Direito Constitucional.
Assim, houve um certo peso conjuntural que levou a um enfatizar e a uma concretização excessiva. Penso que chegou o tempo de acreditarmos numa teoria geral da Constituição.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não somos maximalistas, nem simplistas, porque a benfeitoria que o PCP apresenta em relação à liberdade de associação está longamente documentada nos nossos debates em sede de Comissão Eventual para a Revisão Constitucional. É uma benfeitoria útil. Obviamente, a liberdade de associação não morrerá amanhã...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - É obvio!

O Orador: - .... se esta norma não for consagrada. Agora, o que não se pode é utilizar argumentos tipo camartelo, que tornam a emenda quase que diria absurda. Não é nada absurda!
A liberdade de associação, em Portugal, anda a ser asfixiada pela «burocratice» e pela carga fiscal. O Sr. Ministro Miguel Cadilhe sabe isso perfeitamente e a bancada do PSD não pode discutir esta matéria de olhos postos para a Teoria da Constituição, porque a bancada do PSD é co-responsável pela política que está a «cadilhar» as associações...

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... e que está a burocratizar dificultar a criação de associações.
Os senhores não podem discutir esta matéria com ar de anjos, porque não são anjos, são responsáveis por essa asfixia!
Outras normas da Constituição podem ser interpretadas no sentido de reconstituir o sentido que o PCP aqui resumiu nesta norma e a sua inclusão na Constituição seria uma benfeitoria, no entanto, diz-se: «mas os senhores são cá uns maníacos de aperfeiçoamentos especiosos... O direito à vida não tem qualquer aperfeiçoamento deste tipo.»
Sr. Deputado Costa Andrade, reconhece ou não V. Ex.ª que não só no domínio que o Sr. Deputado Almeida Santos citou, o da comunicação social, como em outros domínios, o da liberdade de associação sindical, por exemplo, a Constituição, num denso artigo 56.º, regula múltiplos aspectos - e ainda bem - da liberdade sindical? E alguém se queixa que isso é péssimo?!... Bom, só as entidades que todos os dias mergulham, não nas águas do marxismo, mas do mais

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espúrio neo-liberalismo e que acham que a Constituição devia ser «branca» em matéria de direitos das associações sindicais. São só esses! Mas, então, assumam ideologicamente a vontade de terem uma Constituição «branca» que vos permita fazer leis «laranjas». O resto são desculpas de mau pagador!
Quanto às propostas do PCP, reconheçam, pelo menos, que são suas benfeitorias em duas áreas extremamente importantes: uma, a não discriminação, a outra, a suspensão dos elementos de discriminação e de burocratização de associações, que são uma das maiores chagas do nosso panorama associativo. Reconheçam pelo menos, isso. É uma questão de lisura!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, devo dizer-lhe que reconhecemos tudo, mas começámos por assinalar que esses aspectos já estão consagrados na Constituição e, portanto, ou acreditamos na Constituição e nas suas normas, que garantem os direitos fundamentais, ou não acreditamos. Se não acreditamos, não será pelo facto de aditarmos o que W. Ex.as propõem que a Costituição ficará diferente.
Sr. Deputado, não chamei absurda à proposta, mas chamar-lhe-ia, pelo menos, inestética e injusta, porque ela privilegiaria um direito - o de associação -, esquecendo outros direitos fundamentais, a começar pelo direito à vida e, designadamente, não vi qualquer preocupação de carácter fiscal por parte do Sr. Deputado José Magalhães em relação ao direito à vida.
Penso que qualquer política fiscal, com as características que o Sr. Deputado imaginou, deve, naturalmente, começar a ter custos a começar pelo direito à vida. A propósito, permitia-me recordar-lhe esta coisa singela que disse Malraux: «Uma vida não vale nada, mas nada vale uma vida!»
Assim, para quê privilegiar este aspecto a nível do direito de associação? Não encontramos qualquer justificação!
Não chamei de absurda à sua proposta.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ah não?!...

O Orador: - Não chamei. Limitei-me a dizer que, talvez, ao contrário do Sr. Deputado José Magalhães, acredito nas normas de Direito Constitucional e, porque acredito nelas, não preciso, em cada passo da liturgia da Constituição, repetir tudo. Se assim procedesse nunca avançaria, estaria sempre no mesmo sítio, pois, em relação a cada artigo referente ao direito de associação, também deveria dizer quais os poderes da Assembleia da República, quais os poderes do Governo, quais os poderes do Presidente da República e a fiscalização da constitucionalidade,... tudo. Não pode ser sob pena de não termos um texto da Constituição como o mínimo de racionalidade normativa.

O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não contava intervir e nem sabia qual era o ponto da ordem do dia, mas acho que devo dizer alguma coisa acerca desta matéria e, sobretudo, expressar por que é que, segundo as minhas informações, este texto está aqui.
Em primeiro lugar, tenho a impressão que em matéria de exorcismes são precisos muitos, e não só a respeito do fascismo, porque esta nova reacção que está aqui proposta pelo CDS, de acordo com os seus autores, é o exorcismo contra o Partido Comunista. E porquê? Porque consideram - as pessoas que escreveram isto (e estou a falar de exorcismo) - que o Partido Comunista estava fora do arco constitucional e era o único que podia ameaçar o regime democrático instituído na Constituição de 1933. De maneira que, exorcismo por exorcismo, parece que há vários praticantes desse exorcismo.
Por outro lado, talvez tenha havido uma razão menos importante como a que ocorreu uma vez a um governador civil de Beja que, quando foi nomeado, fez uma conferência de imprensa com a basta informação que havia no distrito - dois jornais apenas - e disse-lhes: «Há completa liberdade de informação cá na terra enquanto eu for governador civil, mas há duas palavras que os senhores não vão poder empregar: uma, é conjuntura, porque eu não sei o que é, e, a outra, é anticomunismo ou comunismo, porque sempre lembra..., pelo que essas expressões são proibidas cá no distrito.»

Risos do PS.

Realmente, pode ter sido uma razão tão simples como a que foi apresentada pelo governador civil de Beja que inspira este preceito. E porquê? Há alguma Constituição europeia, há alguma Constituição das Comunidades europeias, há alguma Constituição ocidental que tenha de fazer este exorcismo?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Há! O Orador: - E qual?

O Sr. José Magalhães (PCP): - A de Itália! Por uma razão similar!

O Orador: - Pois muito bem! Indique outra! Vejo que isso é um grande desejo de não deixar a Itália sozinha e esse espírito de companhia é muito louvável, mas suponho que não há o mais pequeno receio de, em Portugal, no ano de 1989, o regime político, por decisão aceite, ser modificado.
Os factos também são normativos. No entanto, de vez em quando acontece que, com as cautelas constitucionais, as garantias e as liberdades lá consagradas, ficam bastante modificadas. O regime altera-se sem que a Constituição seja modificada. Mas penso, que não há qualquer fundamento, em Portugal neste momento real e objectivo, para continuar a cultivar uma linguagem que não aumenta o brilho da Constituição, a sua garantia ou a sua estabilidade e serve apenas para fazer uma alusão ideológica, em que andam para aí uns sábios bastante ocupados a ver se a conseguem identificar.
Devo dizer que considero a redacção que foi proposta pelo CDS bastante mais de acordo do que qualquer outra com as declarações fundamentais de direitos que hoje inspiram a orientação do poder político nas democracias ocidentais e penso que chegámos ao

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momento de irmos um pouco mais longe do que o governador civil de Beja e de não termos preocupações, que são puramente semânticas e não têm nada a ver com a realidade que o País está a viver.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Vera Jardim, Almeida Santos e José Magalhães e para uma intervenção a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.
Entretanto, gostaria de assinalar a presença nas galerias de um grupo de alunos da Escola Secundária de Montemor-o-Velho, a quem cumprimentamos e saudamos.

Aplausos gerais.

Tem a palavra, Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Deputado Adriano Moreira, V. Ex.ª levantou o problema da definição, em que andam embrulhados alguns sábios, sobre o que seja o fascismo e a ideologia fascista. Não fora o caso de estar já na Constituição esta referência e eu estaria bem disposto a dar razão à proposta apresentada pelo CDS.
Neste sentido, gostaria colocar uma primeira questão: não acha V. Ex.ª que as suas razões poderão ficar um pouco afectadas pelo facto de no texto constitucional estar esta referência, mesmo que se retirem de lá alguns termos?
Uma segunda questão: estou disposto a dar-lhe razão quanto à dificuldade da definição do que seja o fascismo, mas, quanto à redacção do CDS, não acha V. Ex.ª muito mais difícil de definir o fascismo do que as organizações que atentem contra a unidade nacional do regime democrático?

Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente, Manuela Aguiar.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Adriano Moreira, metade da minha pergunta está feita, se cá não estivesse a proibição, provavelmente, não cogitávamos agora de a introduzir. Mas que consequências poderiam extrair-se do facto de retirarmos essa expressão. É que há sempre os intérpretes solertes que dizem: ah!... se tiraram a proibição, que é que isto quer dizer?
Sei que o Sr. Deputado Adriano Moreira é um homem de boa consciência, que dorme bem como todos os homens de boa consciência!
Assim, gostaria de lhe colocar uma pergunta muito simples: o Sr. Deputado não me quer acompanhar no desejo de dormirmos ambos melhor pelo facto de esta norma, continuando cá, continuar a proibir em Portugal a experiência, provavelmente, falhada de um partido fascista, mas, apesar de tudo, criadora de alguns problemas?

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Adriano Moreira, creio que, efectivamente, em Portugal, em 1989, tal como em 1988, 87 ou 86 e - suponho - por aí adiante, não haverá qualquer receio consistente em que os próceres da ditadura passada ou imaginária possam conseguir uma maioria que lhes permita tomarem o poder... e por vias ilegítimas ainda parece mais difícil e mais problemático.
Na verdade, são criaturas isoladas, saudosistas, passadistas, que penam os seus sofrimentos, mas que, como provaram as comemorações lúgubres - a que aludi há pouco - em torno da figura centenária do Dr. Salazar, não renunciam a desenterrar o seu machadozinho de guerra.
A questão que se coloca nesta matéria, em relação ao regime democrático, definido na sua matriz originária como visceralmente antifascista, tendo por isso um significado proibitivo de organizações que perfilhem essa ideologia, é que se se entendesse suprimir esse mecanismo isso poderia dar azo a quê? Ao florescimento, à criação legítima constitucional de organizações que perfilhassem a ideologia fascista! Essas organizações, longe de serem clandestinas, longe de serem projectos, sonhos de um grupo de criaturas que se reúnem, isoladamente nuns tantos hotéis, a umas meia dúzia de dezenas de outras, abraçadas umas às outras para parecerem mais, poderiam abrir as suas sedes, usar os meios de imprensa para recrutar, fazer a sua campanha, participar em actos eleitorais, «lepenizarem-se» - se entenderem - e nós, francamente, não vemos qualquer vantagem para isso em termos da vida democrática em Portugal.
O olhar que hoje se lança na Europa das Comunidades sobre certos fenómenos de revivescência fascista, que em recentes eleições na República Federal Alemã tiveram expressões que preocuparam as diversas correntes da vida democrática, incluindo a local CDU, que para V. Ex.ª não será, seguramente, senão uma entidade familiar e amigável, são de molde a que não se fale no pretérito perfeito quando nos referimos à besta imunda.

besta imunda foi derrotada em 1945, ainda ontem se comemorou a tomada de Berlim, e é uma boa data, a não esquecer, mas os descendentes de tais criaturas não dormem todos os dias de forma a que nos deixem descansados e, portanto, a supressão desta norma seria susceptível de, pelo menos, algum equívoco. Abriria caminho à legalização de organizações que perfilhassem a ideologia fascista e poderia constituir impulso para que essas criaturas, que hoje deambulam de forma solerte, a pudessem procurar manifestar de maneiras que todos nós - e este todos é muito significativo - poderíamos vir a lamentar.
Sr. Deputado Adriano Moreira, estou a falar de perigos reais e creio que a vossa cláusula então seria a pior das saídas, porque sendo genérica e indefinida, acarretaria juízos sobre a legitimidade democrática de todos os partidos, incluindo, por exemplo, a de um partido autoritário, que está no Governo, que excede os poderes, que põe em causa o regime democrático. O Sr. Deputado Adriano Moreira acha que esse juízo, que seria um tanto solerte, não poderia ser emitido e que a vossa cláusula não seria muito ambígua? Os senhores querem ilegalizar o PSD?!... Não me digam?! Isso era uma grande novidade!

Risos.

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A Sr.ª Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Deputado...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, peço-lhe desculpa, mas esqueci-me de dizer uma coisa que não queria esquecer.
Há dias o Governo publicou o Despacho Conjunto A-39/89/11, em que se diz o seguinte: «Tendo em consideração os altos e encimados serviços prestados à Pátria, que mereceram o reconhecimento do Supremo Tribunal Militar, usando da competência..., concede-se direito à pensão por serviços excepcionais e relevantes prestados ao país aos seguintes cidadãos: Fernando Ferreira Alves, inspector da ex-DGS».
Que tal como sinal dos tempos?!... Neste quadro o Sr. Deputado Adriano Moreira acha que é prudente a norma que os senhores propõem?

O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães, neste momento, não vou fazer juízos sobre os actos do Governo. Não sou responsável pelos actos do Governo, não gostava de pertencer a este Governo, mas, apesar disso,' não tenho a preocupação de que o julgamento feito com base no texto do CDS viesse a excluir do arco democrático o PSD.
Na verdade, critico muito as práticas do PSD como Governo. Penso que o regime sofreu alguma alteração, mas o resultado da própria mecânica, que estava institucionalizada, dá esse resultado. Preferia que não tivesse acontecido, mas considero absolutamente excessivo - não lhe chamarei demagógico, porque foi um exercício intelectual - imaginar que a fórmula do CDS podia implicar a consequência de julgar que o PSD não é um partido do arco constitucional democrático. Nunca isso esteve no pensamento de qualquer membro do CDS.
Por outro lado, gostaria de salientar que, em meu entender, o exorcismo continua a ser necessário. Estes anos de regime da Constituição de 1933 devem ter passado muito na sua meninice. Não lhe deve ter acontecido nascer sob um regime militar e encontrar-se noutro por força da intervenção militar. São experiências que é bom ter, porque todas elas são boas, todas são enriquecedoras.
No entanto, vejo que ficaram fantasmas a povoar de tal modo a sua imaginação que fica convencido que os arruma todos de um lado.
Por exemplo, não lhe ocorre que num país possa acontecer um «Katin», que pode ter sido desencadeado por algum morto considerado ilustre em algumas zonas geográficas. Ainda não vi, para além de mudar o nome da ponte sobre o Tejo, demolir o muro do Kremlin para levar para outro sítio os fantasmas que lá estão enterrados.
Ora bem, já é tempo de nós, em Portugal, não termos que viver esses exorcismos, porque V. Ex.ª não sabe a vida que se viveu.
Suponho, que, quanto a comemorações, aquilo que principalmente deve tê-lo impressionado, deve ser um artigo de um seu antigo correligionário, o Dr. António José Saraiva, porque, a respeito de comemorações não vi outras que pudessem ferir a imaginação das pessoas. Mas vi este artigo e, provavelmente, foi o que lhe fez mais impressão!
Contudo, tenho de dizer a V. Ex.ª: nós estamos em 1989! Nós temos uma longa experiência vivida, cada um com os seus sofrimentos, com as suas escolhas - como já aqui disse uma vez - dos seus deuses e dos seus diabos, certamente para servir o País, para servir Portugal.
Pensa V. Ex.ª que, em 1989, pessoas com longa experiência de vida - e dolorosa, que V. Ex.ª não teve como teve o Sr. Deputado Almeida Santos ou eu próprio - acham preocupante para o País qualquer manifestação de tipo fascista, neste momento?
Julga que nós pensamos ser possível que isso nasça na vida política portuguesa? Podemos assegurar-lhe que não! A nossa convicção é de que isso não tem a menor viabilidade na maneira de ser portuguesa, na vida portuguesa, em 1989.
É por isso que esta fórmula foi sugerida. Naturalmente, ela pode atingir algumas organizações totalitárias, muitas delas agora em revisão - e desejamos que essa revisão vá longe e que afaste alguns pressupostos totalitários que essas organizações teimam em sustentar nos seus princípios básicos. Disso não tenha dúvida: esta definição abrange isso! Gostaria que me pudesse dizer que se trata também de cultivar fantasmas, mas, para ser franco, a esse respeito, eu ainda não estou tão convencido de que se trate apenas de cultivar fantasmas.
Por outro lado, percebo muito bem o argumento do Sr. Deputado Vera Jardim, também retomado pelo Sr. Deputado Almeida Santos, no sentido de que, se a expressão não estivesse na Constituição, ela já lá não faria falta, o que, de certo modo, comprova a análise que faço da situação portuguesa actual.
Aquilo que os Srs. Deputados temem é que a retirada da expressão possa representar um enfraquecimento da determinação do texto. Aceito que esse é um ponto de vista de intérprete razoável, mas há um outro ponto de vista de intérprete, que também é razoável: é o de que já se podem enterrar os «machados de guerra»! Isso é uma grande prova de força, e é essa prova de força que está na tentativa e proposta de redacção apresentada pelo CDS.
Finalmente, quero dizer ao Sr. Deputado Almeida Santos que, de facto, podemos dormir descansados, mas isso deu-nos muito trabalho - há-de concordar!

Risos do PS.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Peço a palavra, Sr.ª Presidente. É para exercer o direito de defesa da honra da bancada do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Estamos aqui a discutir normas de direito constitucional, usando os argumentos que temos e que sabemos. Não gostaríamos que a discussão assumisse determinadas conotações, como acaba de acontecer com uma intervenção do Sr. Deputado José Magalhães.

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Não podemos admitir que, a propósito de uma norma como essa, com carácter mais ou menos jocoso, mais ou menos sério, mais ou menos fundado - por vezes talvez se assuma a ideia de que ridendo castigat mores - se ponha em causa o direito do PSD ao qualificativo de partido democrático.
Não admitiremos nunca - pelo menos nunca - que os representantes do Goulag em Portugal, os representantes confessados do estalinismo, os representantes confessados da invasão de há alguns anos da Checoslováquia, de que não vimos ainda sinal nenhum de arrependimento..., não admitiremos nunca, repito, porque não gostamos desse estilo de debate, mas não o tememos...

Protestos do PCP e da ID.

.. .como dizia, não permitiremos nunca que a agência do Goulag em Portugal faça suspeições do género daquelas que foram feitas.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Este foi um debate importante. Considero apenas que isto que o Sr. Deputado Costa Andrade aqui fez não é o fecho do debate. Diria mesmo que é uma defesa da honra estranha... porque o que nós aqui criticámos e condenámos, foram os saudosistas do fascismo, portanto, aqueles que, no tal lúgubre hotel de Lisboa, se reuniram numa espécie de velório, ou numa manifestação de tipo espírita, para convocarem o fantasma do Botas e o saudarem como herói nacional, quando, se para alguma coisa serve, é para execração de toda uma ideologia e de todo um período de martírio que longe vai e enterrado está e não deve ressuscitar a título nenhum!
O Sr. Deputado Adriano Moreira introduziu uma questão séria, qual seja: há razão para manter esta norma na Constituição? Nós, pela nossa parte, respondemos: há razão, porque retirá-la no plano concreto implicaria uma libertação de impedimentos e de obstáculos que devem manter-se! Aliás, o PSD vai votar para que eles se mantenham.
Quando o PSD interveio para defesa da honra nesta matéria, como não foi a honra do Sr. Blas Pinar (cuja vinda a Portugal se anunciou) que deve ter defendido quando falou, tal como quando falou do Goulag e de tudo o que falou não queria certamente ser porta-voz, aqui, do Sr. Blas Pinar ou dos saudosistas espíritas que estiveram no tal hotel de Lisboa convocando o fantasma de Salazar, o Sr. Deputado devia estar a doer-se de uma outra coisa, que é o facto de o Governo do Professor Aníbal Cavaco Silva ter medalhado ex-pides e de haver concessões de pensões a ex-pides.
E devo dizer-lhe que nessa matéria pode o Sr. Deputado Costa Andrade aqui invocar o que quiser, desde o mais central dos pontos do Kremlin até aos Pirinéus, que não nos calaremos nunca em denunciar desaforos desse tipo. Porque é extremamente grave, do ponto de vista da pedagogia democrática e da justiça em relação às vítimas do fascismo, que actos deste tipo aconteçam. Isso é incómodo para a vossa bancada, mas são verdades e V.V. Ex.ªs têm de ser confrontados com esta verdade. O debate deste artigo e a inclusão dessa expressão neste artigo é um dever! Não nos calaremos nesta matéria.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr.ª Presidente, por razões de realização de uma conferência de imprensa do meu grupo parlamentar, solicitamos a suspensão dos trabalhos por meia hora.

A Sr." Presidente: - É regimental, pelo que está concedido.

Retomamos os trabalhos às 17 horas e 15 minutos.

Eram 16 horas e 45 minutos.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

ram 17 horas e 20 minutos.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Na sequência da intervenção do Sr. Deputado Adriano Moreira em relação à proposta para o artigo 46.º, e tendo em conta o sentido das várias intervenções aqui produzidas e o essencial do objectivo assinalado à nossa proposta, o CDS retira a sua proposta e faz sua a proposta que, em tempos, foi apresentada pelo Sr. Deputado Sotto-mayor Cárdia, que também é uma proposta de alteração do n.º 4 do artigo 46.º e que tinha sido por ele retirada.

A Sr." Presidente: - A Mesa agradece a informação e regista-a.

Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - A minha intervenção fica, quase inteiramente, prejudicada pela retirada da proposta do CDS. Na realidade, a minha intervenção tinha por finalidade explicar o percurso da opção do PSD, na matéria de alterações propostas no âmbito do artigo 46.º
Na CERC o PSD, pela minha voz, tinha-se inclinado para uma aceitação da proposta de alteração do CDS ao n.º 4 do artigo 46.º, pela seguinte razão: entendíamos que o aditamento, que consta do texto actual, no sentido de não consentir organizações que perfilhem a ideologia facista, correspondia a um ressentimento histórico, constitucionalmente vertido, que, de certa maneira, já não se justificaria. Seria uma versão traumatizada, da qual a Constituição poderia expurgar-se.
No entanto, a alternativa proposta pelo CDS, e que nos mereceu, na altura, algum apoio, na medida em que ela se apresentava como uma espécie de fuga a esta versão traumatizada contida no actual texto constitucional, mais tarde mereceu de nós uma ponderação mais demorada. Isto porquanto a formulação vaga que lhe corresponde parece cair nos mesmos erros ou criar ainda novos perigos que pretendemos evitar.

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Entendemos que a proposta de alteração do CDS é vaga e comporta riscos de intolerância que não são compatíveis com a filosofia constitucional que pretendemos verter na revisão a rever.
De facto, o n.º 4 do artigo 46.º proposto pelo CDS continha uma ideia de fidelidade à Constituição, que impunha níveis de identidade excessivamente altos e que poderiam levar àquilo que aconteceu na Alemanha nos anos 50 e 60, em que a argumentação jurídico-constitucional se cifrava, de certa maneira, em opiniões de intolerância, como fosse, por exemplo, o caso da proibição de os radicais virem a exercer funções públicas, como a docência.
Este nível de fidelidade, excessivamente alto, à Constituição, vertido no n.º 4 do artigo 46.º com a fórmula vaga que lhe corresponde, levaria, de certo modo, a uma estrutura de democracia defensiva ou combativa, que não parece compatível com uma ideia de ordem constitucional de valores aberta e, por outro lado, não parece compatível com uma ideia de estrutura de lealdade própria do regime democrático, na acepção plena do seu sentido.
Não faz sentido, portanto, este regime de exigência excessiva de fidelidade à Constituição.
Entendemos também que a proposta do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia correspondia a uma visão mais desdramatizada da democracia e da sua relação com os seus potenciais inimigos. Apesar de não termos proposto a retirada da expressão que se referia ao não consentimento de organizações que perfilhassem a ideologia fascista, entendemos que era uma proposta desdramatizada. E faço já, de caminho, uma consideração àquela que o Sr. Deputado Nogueira de Brito acaba de fazer da parte da bancada do CDS: trata-se de uma proposta com uma crença mais tranquila no regime democrático e na sua capacidade de impedir o êxito das lutas encetadas pelos seus próprios inimigos.
Concluindo, o resumo é este: houve um percurso na posição do PSD em relação à proposta do CDS, cuja explicitação está feita e é desnecessário desenvolver, dada até a retirada da própria proposta. Esse percurso assenta na ideia de que a fórmula do CDS, ainda que sendo uma alternativa ao esquema da fórmula actual da Constituição, é excessivamente ampla e exigente, em termos democráticos, para ser aceite.
Nesse sentido, o PSD, tal como fez no âmbito da CERC, começa por situar-se a favor de uma proposta de eliminação do que já se contém na Constituição, sem, contudo poder reflectir sobre a vantagem de manter o inciso que aí se contém, dado o sentido, de certo modo, contraproducente apontado pela bancada do PS, de que, se a expressão já cá está, poderá ser mal interpretado que saia. O que é claro e inequívoco, desde já, é que, se não fosse retirada, a proposta do CDS - diferentemente da opinião que apontámos na CERC - não seria aceite pela bancada do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (Indep): - Penso que a situação que, neste momento, se está a viver, que é a retirada da proposta do CDS e a assumpção por parte do CDS da proposta do deputado Sottomayor Cárdia, não vem alterar fundamentalmente aquilo que estava em discussão. Isto porque já na CERC foi discutida a proposta do deputado Sottomayor Cárdia, que, no fundo, se baseia nos mesmos pressupostos que aqui foram defendidos pelo deputado Adriano Moreira, relativamente à proposta do CDS. Ou seja, baseia-se naquela ideia bastante esquisita - que alguns teóricos têm vindo a sustentar - de que não teria sequer existido fascismo em Portugal.
Na realidade, só se atreveria a dizer tal coisa àqueles muitos milhares de portugueses que passaram pelas prisões da PIDE, que foram torturados, presos, perseguidos, impedidos, mesmo, de trabalhar, quem não viveu esse período... Só assim é que se pode hoje desvalorizar o que foram 48 anos de regime fascista no nosso país!
O CDS, pelo menos, quer ao defender a sua proposta quer ao perfilhar (permita-se-me que o diga) aquilo que considero uma insólita proposta do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, teve o mérito de nos dizer claramente o que é que pretende. E o que pretende é, efectivamente, apagar os vestígios do fascismo que constam da Constituição.
Consideramos que essa é uma atitude altamente ofensiva, não só para quem viveu esses 48 anos, mas para os constituintes e para todos aqueles que não perderam a memória do fascismo e que foram vitimas dele.
A eliminação desta fórmula da Constituição significaria, tal como foi salientado pela bancada do PS, que se tratava de um fenómeno hoje já sem relevância, portanto passível de ser eliminado. Mas o fenómeno teve, tem e terá sempre relevância, excepto, naturalmente, para aqueles que querem convencer-nos de que em Portugal nunca houve fascismo.
No entanto, para aqueles que sabem o que ele significa, como repressão violenta, como domínio violento, através de meios repressivos, dos círculos mais conservadores do grande capital monopolista, isto tem sentido, pois liga-se com a vertente antimonopolista que também consta da Constituição. Esses nunca poderão, de forma alguma, admitir que se possa retirar da Constituição aquilo que é uma referência fundamental.
Na realidade, sem o movimento glorioso do 25 de Abril, nem sequer nós, hoje, poderíamos estar aqui a discutir a revisão da Constituição nem ser sequer deputados que pudessem exprimir o diverso leque político que está presente nesta Assembleia. Era então o tempo do partido único, não era o tempo da liberdade, como todos nós nos recordamos.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, penso que se trata de um problema grave, que não pode ser desligado das suas raízes históricas nem das próprias raízes do regime em que vivemos. Ora, como a proposta do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia não altera os dados do problema, isso levar-nos-á necessariamente a votar contra tal proposta.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra antes da intervenção do Sr. Deputado Raul Castro, no sentido de obter...

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, peço muita desculpa de o interromper, mas devo dizer-lhe que o Sr. Deputado Raul Castro pediu a palavra enquanto V. Ex.ª interpelava a Mesa.

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Queira fazer o favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - É um pouco a questão que estamos a tratar. Subjectivamente, pensei que tivesse pedido a palavra antes do Sr. Deputado Raul Castro, mas a Mesa, que regista melhor essas questões, entendeu que a pedi depois. De qualquer modo, devo dizer que não estava a reclamar, mas, apenas, a tentar dizer que, por essa razão, vou fazer outro tipo de intervenção.

Com efeito, a minha intenção era a de pedir um esclarecimento à Sr.ª Deputada Assunção Esteves, no sentido de que não tinha ficado para mim muito clara a posição do PSD em relação à nossa actual proposta. Quero ainda salientar que é curioso que a Sr.ª Deputada Assunção Esteves, expondo a posição da sua bancada, considere a nossa anterior proposta, com a substituição da expressão «ideologias fascistas» por «organizações, cujo objectivo ou acção atende contra a unidade nacional ou o regime democrático», como correspondendo a uma defesa radical do regime.
Foi, portanto, esse o sentido da crítica do PSD, que argumentou dizendo que a nossa proposta não comportaria uma certa maleabilização que, no entender do PSD, seria inerente ao próprio regime democrático, quando outras bancadas consideram precisamente o contrário, ou seja, que, ao fazermos a nossa substituição, estaríamos a caminhar para formas de certo laxismo em relação ao regime.
Finalmente, Sr. Deputado Raul Castro, devo dizer-lhe que, com esta proposta, o que acontece aliás com todas as que apresentámos, a nossa intenção não é a de apagar coisa alguma, mas deixar de datar a Constituição.
Efectivamente, a redacção da Constituição, com esta referência à ideologia fascista tem um sentido subjectivo, que V. Ex.ª, como realmente resulta da sua intervenção, associa a uma certa concepção antimonopolista quando outros entendem residir no fascismo, como elemento caracterizador, uma certa conjugação de ultra-nacionalismo com elementos pedidos ao próprio socialismo e outros ainda identificam-na, e recordo-me do Professor Pereira de Moura, como um conjunto de atitudes pessoais, ou seja, uma colecção de atitudes.
Portanto, trata-se, por um lado, de um entendimento subjectivo, e, nessa medida, pouco próprio desta norma constitucional, e, por outro lado, datado, e essa foi a nossa intenção, clara e brilhantemente exposta pelo meu colega de bancada, Adriano Moreira, e que agora, pura e simplesmente, me limito a sublinhar.
Esta era a nossa intenção. O nosso objectivo fundamental era este e, porque cremos que será atingido com a proposta do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, retirámos a nossa e subscrevemos essa.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (Indep): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, pergunto-lhe se considera uma interpretação subjectiva do fascismo aquela que dele dão os que foram torturados, os que passaram dias e noites sem dormir, os que estiveram no Tarrafal, etc.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Gostaria de saber se as considera uma interpretação subjectiva do fascismo?

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Raul Castro, suponho que não são com essas situações que estamos aqui a lidar...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ai não?!

O Orador: - .... porque vítimas desse tipo há-as não apenas do fascismo, mas de outros regimes totalitários.

Vozes do PCP: - Estamos em Portugal!

O Orador: - É evidente que tenho o maior respeito por todas essas vítimas, Sr. Deputado Raul Castro.

A Sr.ª Presidente: - Sr s. Deputados, como não há mais inscrições, declaro encerrado o debate sobre o artigo 46.º
Vamos passar à discussão do artigo 47.º Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A proposta apresentada pelo PCP, relativa à liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública - artigo 47.º da Constituição - visa clarificar um aspecto e assegurar e estabelecer uma cautela. Por um lado, visa-se lançar a luz sobre a importância da questão do exercício da profissão e, por outro, especificar e garantir, explicitamente, o direito de sigilo e independência profissionais.
Este inciso aplica-se, naturalmente, não a uma mas a diversas profissões, em relação às quais o respectivo exercício legitima ou exige particularmente uma definição de regras deontológicas. Obviamente todos teremos bem presente o regime aplicável aos advogados portugueses, mas não é apenas a esta classe sócio--profissional que uma norma deste tipo é aplicável. Este é, sem dúvida, um dos seus méritos, embora seja também uma das suas características: um aspecto largo, que deixa ao legislador ordinário uma responsabilidade de regulamentação, de desenvolvimento e especificação que evidentemente não caberia à Constituição.
Quanto ao alcance da benfeitoria, apelaria, no entanto, à sua consideração, porque nos parece manifestamente útil.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Muito rapidamente, apenas para explicitar as razões de ser do sentido do voto do PSD sobre esta proposta do PCP.
A votação será de abstenção, exactamente pelas razões que aduzimos na comissão, ou seja, por um lado embora este artigo tenha aspectos positivos eles já estão consagrados na legislação ordinária, e, por outro, ao

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consagrá-lo com a redacção que tem - e o próprio Partido Comunista, na própria comissão, reconheceu algumas imprecisões, mas não o reformulou -, existe o perigo, na concatenação com o artigo 18.º, de, eventualmente, estarmos a eliminar algumas restrições em relação ao sigilo profissional...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Eliminar?...

O Orador: - ..., que, de alguma forma, não queremos prever.
Nesses termos, e só nesses, em relação a este artigo, o sentido do nosso voto só pode ser exactamente de abstenção.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado José Luís Ramos, a minha pergunta resulta de uma perplexidade: visando o artigo garantir, como explicitamente ele reza, o direito de sigilo e independência profissional próprio de cada profissão ou género de trabalho, onde e que V. Ex.ª consegue transformar esta cláusula libertadora e garantidora numa cláusula restritiva? Acha que a Constituição, hoje, é mais generosa que a cláusula proposta pelo PCP?
Há boas e más desculpas. Creio que a sua se insere no segundo grupo.

Uma voz do PCP: - E há outras que não são desculpas!

A Sr.ª Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, discutimos isso, longamente, na comissão. Obviamente que o problema desta cláusula não é ser mais ou menos restritiva. A questão de base que aqui se coloca, que levou a uma discussão longa na comissão, é precisamente esta: qual a tutela dos direitos, liberdades e garantias?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ah!...

O Orador: - Qual o regime dos direitos, liberdades e garantias? O Partido Comunista esquece-se, artigo a artigo, do regime geral e da tutela geral do artigo 18.º Esquece-se que existe ou tenta existir, nomeadamente em termos de interpretação hermenêutica - palavra tão cara ao Partido Comunista -, uma tutela geral de direitos, liberdades e garantias e, artigo a artigo, faz um regime especial para cada direito especial.
Portanto, e concretamente neste caso, entendemos que, ponto um, neste artigo existem algumas vantagens, mas, como já estão consumidas pela legislação ordinária, não faz qualquer sentido consagrá-las, e, ponto dois, ao generalizar uma situação e como temos de fazer a ligação com o artigo 18.º existe um perigo, que, de maneira alguma, queremos prever, pois, podemos até inconstitucionalizar muitas normas legais nesta matéria.
Portanto, neste sentido a nossa posição é de abstenção e não pode ser outra, como entenderá.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Terá de ser sob a fornia de uma intervenção, mas, no fundo, necessitamos de um esclarecimento mais completo, por parte do PSD, em relação à justificação do seu voto de abstenção neste artigo.
Efectivamente, o ponto um, vamos que não vamos, está na legislação ordinária, pelo que evidentemente não nos serve, mas estaríamos mais garantidos se estivesse na Constituição, e o PSD concorda com isso, suponho. Quanto ao ponto dois é que não vemos como é que essa ligação com o artigo 18.º possa ter efeitos restritivos nesta matéria. Isto é, não vemos como é que este direito possa resultar diminuído concatenando esta disposição com o artigo 18.º Seria bom que isto fosse esclarecido, porque me parece uma disposição importante, positiva, conexionada, obviamente, com esta matéria de liberdade do exercício de profissão, que é consagrado neste artigo 47.º

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O Regimento não nos permite que debatamos esta matéria com mais extensão, mas gostaria de aduzir um elemento.
A Constituição, Srs. Deputados, já garante o direito de sigilo profissional e a independência de certas categorias profissionais - alerto, por exemplo, para a situação específica dos jornalistas e isso é importante - , mas não há uma cláusula genérica aplicável a outras categorias profissionais e é muito importante assegurá-los, nomeadamente em relação aos advogados, aos médicos, e, em geral, aos trabalhadores da saúde, para os quais, como lembrou o meu camarada Vidigal Amaro, isso seria particularmente importante.
Em geral e em particular - embora não tenhamos feito a proposta com uma leitura meramente conjuntural da nossa circunstância política -, o que há são desculpas de mau pagador e da parte da bancada do Partido Socialista um grande silêncio, que na comissão se traduziu num voto contra. Mas lamentamos profundamente que isso aconteça.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, damos por encerrado o debate do artigo 47.º
Vamos passar à discussão do artigo 47.º-A.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr.ª Presidente. peço a palavra para interpelar a Mesa.

A Sr.ª Presidente: - Faça favor.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr.ª Presidente, sugiro à Mesa que a discussão do artigo 47.º-A se realize aquando da discussão do artigo 62.º, uma vez que se prende com essa matéria.
Portanto, passaríamos agora para o artigo seguinte, deixando este em suspenso, se não virem qualquer inconveniente.

A Sr.ª Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.

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Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado José Luís Ramos, mas sem prejuízo da proposta sistemática que o PSD faz? Ou seja, o PSD mantém a proposta de incluir aqui este direito?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não fique sobressaltado. Claro que mantém!

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, obviamente que o mantemos e na altura própria defendê-lo-emos explicando as nossas razões.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, fica registado que esta proposta se mantém até à discussão do artigo 62.º.
Srs. Deputados, está em discussão o artigo 49.º Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Queria, numa breve intervenção, justificar uma proposta de alteração que o PSD apresenta de acrescentamento ao n.º 2 do artigo 49.º , a propósito do direito de sufrágio.
Contendo a actual redacção do texto constitucional o preceito de que «O exercício do direito de sufrágio é pessoal, (...) e constitui um dever cívico», vem o PSD propor que esse exercício de direito de sufrágio pessoal não prejudique a possibilidade do voto por correspondência nos termos da lei.
A razão porque o PSD propõe este aditamento tem a ver com a necessária consecução, para que apontamos, do princípio da universalidade do sufrágio, isto é, o princípio da universalidade do sufrágio é, nem mais nem menos, do que uma instanciação do princípio democrático. Não é sem razão que o direito de sufrágio consagrado no artigo 49.º, em conjugação com o enunciado no artigo 48.º, sobre a participação da vida pública, inaugura o capítulo referente aos direitos de participação política dos cidadãos.
É na base da ideia de democracia como autogoverno, de democracia como acesso de todos à alternância democrática e à escolha dessa alternância, de democracia, como ideia de universalidade, em que o auditório, não pode ser amputado para que o regime democrático seja um regime claramente legítimo, que fazemos esta proposta de alteração.
É óbvio que já foi dito, no próprio âmbito da CERC, que se pode contra-argumentar no sentido de a proposta do PSD poder induzir a ideia de que o princípio da personalidade do voto pode ser afectado ao consagra-se constitucional e expressamente a ideia do voto por correspondência, no entanto, não entendemos assim.
Não entendemos assim, porque, em primeiro lugar, o voto por correspondência é ainda um voto pessoal. Não é de modo directo e imediato, mas é um voto pessoal, diferentemente do que se passaria, por exemplo, com o voto por procuração. Aqui, o acto de vontade da pessoa que elege e que vota é um acto de vontade que emana directamente dessa pessoa. Não há, no nosso entender, qualquer prejuízo para o princípio da personalidade do voto no sentido que lhe é normalmente atribuído. É claro que isso não significa que os próprios termos literais da proposta que apresentamos não apontem para a ideia da proeminência do voto pessoal.
O PSD continua a entender que, por razões de garantia da genuinidade e de autenticidade do voto, o princípio do voto pessoal, no sentido de voto directo e imediato resultante da intervenção do sujeito que exerce o seu direito de sufrágio deve ser a regra.
Por outro lado, o voto por correspondência deve cingir-se a um universo restrito de cidadãos que, no entanto, se impõe por razões excepcionais.
A lei ordinária já consagra casos em que o voto por correspondência é admissível. É óbvio que se poderá dizer: «Então, a Constituição não tem mais nada a dizer sobre isso?» Entendemos que tem, dado, em primeiro lugar, a importância do direito de sufrágio, a importância que ele tem simbólica e realmente no funcionamento do regime democrático e na ideia de legitimidade própria da democracia. E é importante porque, apesar de não figurar na Constituição, este direito deve radicar na própria Constituição por via da proposta de alteração que o PSD apresenta. E deve radicar, porque o facto de estar já consagrado na legislação ordinária não impede que deixe de estar ou, então, não abre o quadro de possibilidades do voto por correspondência exactamente naqueles casos em que se considera necessário o acesso de pessoas que, em circunstâncias especiais, não podem votar de outra maneira.
Resumindo, a ideia é esta: o PSD, em homenagem ao princípio democrático, propõe o alargamento das possibilidades do direito de voto, mas essa ideia não contraria o princípio da pessoalidade do voto.
Portanto, a ideia de que o voto directo e presencial é a regra mantém-se no teor litoral e na intenção do projecto de alteração que apresentámos mas impõe-se, por virtude do próprio princípio da universalidade do sufrágio, que o alargamento do direito de voto seja maximizado a circunstâncias em que até aqui esse alargamento não era considerado, obviamente remetendo para a lei e fazendo uma declaração de intenção ao legislador ordinário sobre as cautelas necessárias de garantia de genuinidade do voto, mesmo por correspondência.
São estas as razões que levaram o PSD a apresentar esta proposta de alteração.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, suponho que se inscreveu para uma intervenção?

O Sr. Almeida Santos (PS): - Exactamente!

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Muito sucintamente, porque não são precisas muitas palavras para exprimir o que pensamos sobre isto, quero dizer que votámos contra na comissão e voltaremos a votar contra aqui, em Plenário. E votaremos contra pela razão simples de que para que

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se consagre na lei ordinária casos excepcionais de direito de voto por correspondência não é necessário este inciso proposto pelo PSD.
Já hoje se entende, sem lugar a dúvidas, que o voto por correspondência é pessoal, mas o problema é o de saber se a regra deve ser a pessoalidade com a presencialiciade ou a pessoalidade com a ausência do votante. Para nós, o voto por correspondência não dá as mesmas garantias de genuidade que o voto simultaneamente pessoal e presencial, não dá o voto que se pratica nas condições excepcionais em que a lei o prevê e não o daria, sobretudo, o voto, que aqui se quis consagrar, por correspondência, em várias propostas de alteração cia lei processual, porque sempre assistimos aqui a algumas tentativas de normalizar, de generalizar o direito de voto por correspondência quando a nossa tendência será para, gradualmente e cada vez mais, o excepcionalizar.
Quando o voto por correspondência for absolutamente necessário nós compreendemo-lo; quando ele for dispensável gostaríamos que ele fosse dispensado. O voto por correspondência não é o voto mais genuíno, está longe de o ser e basta configurarmos a forma como hoje se exerce o direito de voto para sabermos que é facílima a manipulação e até a instalação de agências de voto que peçam aos eleitores: «põe aí a tua assinatura que eu encarrego-me de meter o teu voto num envelope e o dirigir ao seu destino.»

Portanto, como voto excepcional, muito bem quando justificado por razões de facto! Como voto normal com assento na Constituição, com o nosso voto, não!

O Sr. António Vitorino (PS): - Muito bem!

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, V. Ex.ª pede a palavra para pedir esclarecimentos ou para fazer uma intervenção?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Para pedir esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Almeida Santos, para além das razões que muito bem aduziu, punha-lhe uma questão, que, aliás devia ter posto à Sr.ª Deputada Assunção Esteves mas não tive velocidade de pedido.
A questão é esta: a Sr.ª Deputada Assunção Esteves entende que a consagração do voto por correspondência, expressa no n.º 2 do artigo 49.º, não prejudica a natureza pessoal do voto. Mas eu pergunto: a forma como o PSD o faz e a forma como redige a sua proposta não constitui sinal de que prejudica, efectivamente, a natureza pessoal do voto, de que isso é admitido e de que isso é perigoso? Não é essa uma consequência perigosa dessa alteração?

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, muito obrigado pela pergunta, porque me permite dar um esclarecimento complementar, que é este. Compreenderia melhor que se dissesse: o voto por correspondência é possível nos termos da lei, sem prejuízo do exercício da natureza pessoal do direito de voto. Isso já acentuava que o voto por correspondência é excepção e que a regra é a pessoalidade e a presencialidade. Não há dúvida que o voto por correspondência é pessoal, em teoria, mas na prática pode não o ser. E pode não o ser porque, por exemplo, uma pessoa confia noutra e diz: «não te importas, como vais lá para a vila, levas esta carta e trata lá de meter o meu voto no correio», entrega-lhe a carta e lá vai...
As normas que normalmente protegem a genuinidade do voto, isto e, a não presença de forças armadas ou policiais até cinquenta ou cem metros das secções de voto, a impossibilidade de propaganda junto das mesas eleitorais, tudo isso fica prejudicado no voto por correspondência, em que não há o menor controlo sobre as influências a que é sujeito o eleitor quando exerce o seu voto metendo-o dentro duma carta.
É isto que queremos dizer: Sem dúvida que o voto por correspondência é pessoal, mas a lei ordinária tem que ter as maiores cautelas para assegurar que este voto por correspondência tenha as mínimas garantias de genuinidade porque em regra as não terá.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta proposta do PSD insere-se num quadro, que gostaria de lembrar. O PSD em matéria eleitoral não se apresenta como arauto de pequenos aperfeiçoamentos da legislação, da Constituição, com vista a um aperfeiçoamento da lei ordinária, mas, pelo contrário, pois, em sede de Revisão Constitucional, pretende obter carta branca para poder agir no terreno da lei ordinária, aí onde tem obtido consideráveis «estampanços», o último dos quais foi, obviamente, como todos na bancada do PSD dolorosamente se recordam e nós gratificadamente nos recordamos a Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu.
É assim que o PSD propõe a alteração do artigo 116.º; é assim que o PSD propõe a concessão da figura abstrusa do prémio de maioria nos executivos municipais; e assim que o PSD propõe a eliminação do limite material de revisão expressamente dedicado à garantia da representação proporcional.
Dir-me-ão que isso é tudo por acaso, que o PSD é um inocente «laranja» com umas asas imensas..., mas sucede que não é! Tem essa intenção..., e quanto ao voto por correspondência não é menos inocente nem mais inocente do que em relação a toda a operação «Revisão da Constituição» que garante o regime democrático contra a batota eleitoral.
No caso vertente, como ficou evidenciado durante o debate na comissão e agora mais uma vez, a norma nem sequer garante outra coisa que não seja a possibilidade de irrestritamente generalizar formas de voto por correspondência...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Orador: - ..., mesmo nos casos que não se pretenda que ele seja exercido pessoalmente. É isso que

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se pretende! A norma não está apenas mal escrita. Ainda se poderá dizer que o PSD em matéria de lei eleitoral tem uma caneta rombuda e escreveu mal, mas não, porque já teve tempo para reescrever e não o fez. É isto que o PSD quer: quer liberalizar a possibilidade de utilização do voto por correspondência! E a questão que se coloca é se isso é tudo por amor - como dizia a Sr.ª Deputada Assunção Esteves - ao auditório que não pode ser amputado, ou se é por mor de conseguir que gente que não devia estar no auditório apareça no auditório de forma indébita. Isto é, quem é que garante as características de segredo, de sigilo e de pessoalidade de voto? Quem é que garante que a genuinidade do sufrágio se verifica nessas circunstâncias? Na proposta do PSD eu respondo: ninguém! E dá-se carta branca para o PSD garantir... Ora, o PSD nesta matéria tem mãos rotas e não garante coisa nenhuma, sendo a experiência da Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu uma boa aula acerca dos desvarios a que o PSD está disponível.
Em suma, quanto a dar carta branca ao PSD para fazer o que quer que seja nesta matéria, da nossa bancada, a resposta é, também: não, nem pensar! E com esses argumentos péssimos menos ainda!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, damos por encerrado o debate deste artigo, pelo que passamos ao artigo seguinte, que é o artigo 50.º
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS tem uma proposta de aditamento do n.º 3 ao artigo 50.º e há também uma proposta de aditamento do PCP. A proposta de aditamento do Partido Comunista Português já obteve na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional os votos favoráveis de todos os partidos e transformou-se mesmo numa proposta da CERC. A minha primeira intenção nesta intervenção é dar também o nosso voto, que não foi dado na altura, a esta proposta de aditamento do Partido Comunista Português.
A proposta do CDS teve menor sorte na CERC e teve o voto, digamos que envergonhado, de abstenção de todos os outros partidos. Sabemos que nesta matéria o princípio fundamental está consagrado no n.º 1 do artigo 50.º, porém, ele não dispensa o desenvolvimento que já consta do n.º 2 (que é um desenvolvimento do princípio fundamental do n.º 1) e nós consideramos importante o desenvolvimento que consta da nossa proposta de n.º 3. Esta proposta diz fundamentalmente que a filiação num partido político não pode constituir fonte de privilégio público ou motivo de indicação para cargos públicos não electivos.
Consideramos fundamental a consagração deste desenvolvimento do princípio do direito geral de acesso aos cargos públicos inscrito no n.º 1 deste artigo; consideramos que este desenvolvimento é essencial, tendo em consideração a forma como se desenvolveu, a alteração que sofreu, designadamente, o nosso regime político com a vitoria dum partido maioritário, neste momento, no contexto político português. Isso é fundamental para garantia de todos, incluindo aqueles que são membros desse mesmo partido e que suponho se reverão nesta nossa proposta e neste nosso desejo de que esta garantia seja consagrada constitucionalmente em sede de revisão.
Em suma, consideramos que é um desenvolvimento necessário à defesa dos direitos dos cidadãos a sua consagração na Constituição.
Mantemos por isso a nossa proposta e esperamos que os outros partidos revejam agora em Plenário o seu voto de abstenção.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nossa posição foi de abstenção e vamos dizer porquê, mas sempre em poucas palavras porque em poucas se diz.
Entendemos que o princípio de igualdade está, como diz o Sr. Deputado Nogueira de Brito, consagrado no n.º 1, mas pensamos, sobretudo, que a proibição das discriminações está contida, como é óbvio, no artigo 13.º, n.º 2. Perguntamos: porquê esta preocupação de especificar, de novo, a proibição das discriminações em relação aos partidos políticos e não em relação a qualquer outra associação, em relação aos Lyons, aos Rotários, ao Benfica? Porquê só os partidos políticos?
Dá ideia que, de algum modo, houve uma espécie de preocupação de encontrar um contrapeso para o que dispõe o n.º 2 que, embora não fale em partidos políticos, fala no exercício de direitos políticos, agora para o efeito de dizer que ninguém pode ser prejudicado na sua colocação, no seu emprego, na carreira profissional em virtude do exercício de direitos políticos. Mas exactamente porque este acrescento viria como que neutralizar o efeito - em nosso entender positivo e justificado - desta proibição do n.º 2, é que nós nos remetemos para a regra geral do n.º 1, ou seja, a que consagra a igualdade, e para a proibição de discriminações positivas ou negativas com base na ideologia ou nas convicções políticas que já consta do artigo 13.º, n.º 2.
Não somos contra a norma em si, no seu significado, até compreendemos que o CDS a tenha proposto, entendemos é que ela não é necessária e que podia ter interpretações que não fossem inteiramente positivas para o prestígio em que queremos envolver a vida e a actividade dos partidos políticos.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Almeida Santos, não entendo a perplexidade de V. Ex.ª e as dúvidas que manifesta em relação a uma eventual discriminação, que seria feita pelo CDS, no que respeita aos produtos da liberdade de associação que privilegiávamos nesta nossa proposta. Isto é, V. Ex.ª não entende que privilegiemos os partidos políticos nesta nossa proposta e não tivéssemos em conta outros tipo? de associações - falou nos Lyons e noutras. Diria a V. Ex.ª que é natural, e é reconhecido naturalmente por todos, designadamente por todos os que aqui estamos sentados, que tenhamos privilegiado, nesta matéria, os partidos políticos. Estes são as únicas associações que disputam o poder político no contexto da nossa Constituição, não são os Lyons, não são outra: associações. Ora, é da vitória que, porventura, possam

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obter nessa disputa pelo poder político que podem nascer as discriminações positivas que queremos evitar com este dispositivo.
Por outro lado, Sr. Deputado Almeida Santos, não vemos que a proposta do nosso n.º 3 diminua o alcance do n.º 2, porque neste o exercício de direitos políticos tem uma natureza mais extensa, é uma realidade mais larga do que a pertinência a partidos políticos e, portanto, compreende-se perfeitamente que se tenha em linha de conta as duas realidades.
Por gestos o Sr. Deputado Vera Jardim diz que o n. º 3 será inútil, duplamente inútil, porque está previsto no n.º 1 e também já está previsto no n.º 2. Ora, queremos sublinhar que é porventura uma disposição inútil para juristas, mas será útil para os cidadãos o destacarmos esta possível discriminação na Constituição, pois ela terá um efeito positivo de que não queremos desistir e, por isso, mantemos a nossa proposta.

O Sr. Presidente: - Para responder tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, gosto sempre de o ouvir, porque vem sempre da sua bancada algum esclarecimento. Neste caso não pôde ser assim, também às vezes me acontece o mesmo a mim. É que V. Ex.ª fala em privilegiar os partidos políticos...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Eu não disse privilegiar.

O Orador: - .... mas não privilegiaram nada os partidos políticos, privilegiaram sim para lhes retirarem privilégios.
É que o facto de selecionarem os partidos para lhes recusarem privilégios, quando a lei geral já recusa privilégios a toda a espécie de associações, até de cidadãos e até de indivíduos, dalgum modo implica ou a suspeita ou a acusação de que parece que os partidos políticos são fonte desses privilégios. Quando diz que não podem sê-lo, é evidente que não podem sê-lo nos termos gerais, mas não porque se trate de um caso especial de fonte de privilégios. Por isso é que me parece que estaria aqui uma condenação implícita de alguma realidade desse tipo. Essa é uma das razões porque nós nos abstemos.
Portanto, era só para lhe dizer que não houve nenhum privilégio, houve apenas a selecção de uma associação entre mil para lhe recusar privilégios, quando a lei geral já recusa privilégios a todos sem essa selecção. Ora bem, reconheça que, dalgum modo, ia uma acusação implícita aos partidos políticos, no sentido de eles não poderem continuar a fazer aquilo que têm feito até hoje, ou de não poderem continuar a ser aquilo que foram até hoje.
Em meu entender não creio que os partidos políticos mereçam nem essa suspeita, nem essa acusação, por isso nos abstivemos.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos para intervenções os Srs. Deputados Nogeuira de Brito, José Magalhães e Costa Andrade.
Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Almeida Santos, quando falei em privilégio queria falar nesse sentido dê seleccionarmos os partidos para, precisamente, evitar esta causa de discriminação.
Em segundo lugar, queria louvar a habilidade oratória de V. Ex.ª O Sr. Deputado é espantoso na sua capacidade oratória e de comunicação e até fazer este papel de inocente a respeito dessa deturpação que pode vir dos partidos.

Risos do PS.

Sr. Deputado Almeida Santos, todos estamos conscientes de que essa deturpação à vida pública portuguesa vem dos partidos. Não queremos, no entanto, substituir os partidos por qualquer outra realidade no exercício dos direitos políticos, na disputa do poder político. Não quero recordar a expressão de Churchill nesta matéria, mas não temos outra sugestão a fazer à Assembleia.
O que queremos é defender os partidos políticos desta perversão em que porventura podem cair. V. Ex.ª afirmou que não façam o que têm feito até aqui, e eu faço minhas as suas palavras.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Nogueira de Brito já clarificou que esta norma tem puros efeitos pedagógicos. Isto é, o Sr. Deputado Nogueira de Brito acabou por dizer há segundos, e importa não esquecer, que é entendimento do CDS que a Constituição já hoje exclui que a filiação em qualquer partido político possa constituir fonte de privilégio público ou motivo de indicação para cargos públicos não electivos.
A questão que se coloca aqui é esta: o PSD, desde o primeiro momento, tornou inteiramente claro que não está disponível para consagrar esta norma. Nesse quadro, entendo que é uma aberração a insistência do CDS. É óbvio que se o CDS critica e condena o clientelismo laranja é sensacional e excelente! Somos nós os primeiros a congratularmo-nos com isso: aqueles belos lugares de acessor que se extinguem quando vagar; aquelas administrações hospitalares nomeadas com os olhos próximos de quem está ao pé da ministra; aquelas coisas, como aconteceu agora na carreira diplomática de umas tantas nomeações feitas por uma nova lei, uma vez que não havia visto do Tribunal de Contas, toca a aprovar a legislação excepcional; o Conselho da Rádio e por aí adiante. Os exemplos multiplicam-se, o Estado «laranja» é fonte de toda a espécie de discriminações e de favoritismos.
De qualquer forma, aquilo que V. Ex.ª propõe já consta e já flui do texto constitucional. Votaríamos, gostosamente, a norma se ela tivesse viabilidade. Não tendo viabilidade e tendo já nós feito aqui a denúncia do Estado «laranja» e dos seus horrores em matéria de favoritismo, estando V. Ex.ª em comunhão plena connosco, mas não estando o PSD, resta-nos a todos a tarefa benévola de concluir que a Constituição já diz o que diz, apesar do PSD não estar de acordo.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

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O Orador: - O PSD é impotente para mudar a Constituição, mas é potente para impedir a sua melhoria nesta parte.

Acho que V.V. Ex.ª deviam tirar a consequência adequada deste quadro muito complexo, muito desagradável e muito discriminatoriamente «laranja». Pela nossa parte tomamo-la e não somos membros de qualquer associação de partidos políticos com propensão marginal para o clientelismo frustrado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado José Magalhães, várias vezes me tenho referido aos inconvenientes da conjunturalização do debate que é sempre introduzida por V. Ex.ª Não me defendo apenas do Estado «laranja», embora comungue das críticas que V. Ex.ª acabou de fazer e tenha já sublinhado, em diversas oportunidades, essas críticas feitas a casos concretos. Mas eu defendo-me de todos os Estados, Sr. Deputado José Magalhães. Além disso, não tivemos só Estado «laranja». O privilégio na colocação em cargos públicos a membros de partidos políticos não é, nesta matéria, um privilégio do Estado «laranja». Se realmente conseguirmos generalizar o debate e apontar e acusar todos aqueles que devem ser acusados, porventura granjearemos alguma utilidade para esta norma que é aquilo que, se não estou enganado, V. Ex.ª está à espera para poder votar a favor, como pude perceber da sua intervenção.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, por um lado, parece revelar algum problema de má consciência do tempo em que o CDS estava no Governo, primeiro com o PS e depois com a AD. Mas isso é um problema de consciência que V. Ex.ª resolverá. A questão que temos entre nós é uma questão eminentemente prática. Aquilo que V. Ex.ª propõe com intuitos pedagógicos (podia escrever um livro, podia fazer um discurso, uma banda desenhada. ..) já decorre da Constituição. O PSD diz não, em defesa do Estado «laranja». Quer V. Ex.ª rejeitar esta norma que consubstancia aquilo que a Constituição já determina?!
Sugiro-lhe, Sr. Deputado Nogueira de Brito, que escreva a banda desenhada. Nós ajudá-lo-emos, mas não ajude o PSD a fazer uma interpretação perversa daquilo que, na Constituição, é cristalino, límpido e necessário, mas que falta só ser cumprido. E nisso V.V. Ex.ª podiam ajudar um bocadinho. Isto assim desajuda!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não desajuda nada!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não era nossa intenção perdermos muito tempo com este artigo, mas algumas das intervenções que acabaram de ser feitas, designadamente do Sr. Deputado José Magalhães, levam-nos a dizer alguma coisa.
O Sr. Deputado José Magalhães disse duas coisas com as quais estamos de acordo. Primeiro, que este artigo é uma inutilidade. Estamos de acordo! Segundo, que o PSD não está com o PCP, porque irá votar este artigo. É evidente, Sr. Deputado, não estamos com o PCP a votar inutilidades. Temos um certo sentido e uma certa concepção mais elitista da nossa própria actividade do que votar inutilidades. Nunca votaremos inutilidades, Sr. Deputado! Nunca estaremos com o PCP a votar inutilidades!
Pela primeira vez, neste debate, estou plenamente de acordo com o Sr. Deputado José Magalhães. Este preceito é uma inutilidade e não acompanhamos o PCP a votar inutilidades. Façamos coisas mais úteis.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, esta proposta é, evidentemente, uma inutilidade, porque está inteiramente consumida no n.º 1. Por isso, chamo a atenção do CDS no sentido de ter alguma fé no conteúdo do n.º 1. Ou vale o n.º 1 do artigo ou não adianta estarmos aqui com glosas, porque isto é uma espécie de glosa, uma espécie de nota de sebenta que se põe ao lado do n.º 1: «todos têm o direito de acesso aos cargos públicos» - norma constituicional. Agora umas glosazinhas para estudantes ou para qualquer legislador: «atenção, especialmente partidos políticos...», mas podíamos acrescentar ad infinitum.
Portanto, é inútil e, na medida em que selecciona apenas um tópico eventual de discriminações possíveis, é inconveniente. Não convém dar ao futuro leitor da sebenta, a quem vá glosar eventualmente as glosas das glosas, a indicação, que, atenção, é só os partidos políticos.
É tudo! Está no n.º 1!

Vozes do PSD e do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Realmente, Sr. Deputado Costa Andrade, critico o vezo conjunturalista do Sr. Deputado José Magalhães, mas V. Ex.ª é muito provocador nesta matéria. Não há dúvida alguma que é provocador.

Risos.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - É feitio!

O Orador: - É capaz de ser feitio. Mas realmente com essas provocações, digo-lhe que os portugueses não entendem a sua intervenção. Porque os atentados, ao princípio não claramente visível por todos no n.º 1, são diários e eles compreendiam a concretização do n.º 3. Se V. Ex.ª entra numa teoria de glosas, pergunto se este artigo não é já, todo ele, uma glosa, como há pouco foi sugerido em relação ao artigo 13.º Isto é, se a Constituição não será também uma teoria de glosas e se não estaremos a discutir aqui coisa nenhuma ou inutilidades. Suponho que não, Sr. Deputado Costa

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Andrade. A Constituição é para ser lida e entendida pelos portugueses. Já tivemos uma outra discussão quanto a esta matéria, relativamente ao princípio do acusatório processo penal. Estamos, no fundo, a repeti-la.
Sr. Deputado, chamo mais uma vez - ou peço, para não ser indelicado - a sua atenção para esta matéria. A Constituição é para ser lida e entendida como útil por todos os portugueses.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, a minha convicção naquilo que conheço dos portugueses - e posso, pelo menos, reivindicar-me de tanta legitimidade como o Sr. Deputado no sentido de os conhecer -, é de que não há coisa melhor do que o n. º 1. É o mais clarinho, mais universal e melhor para o português entender. Tudo aquilo que se acrescente só pode confundir.
Partir do pressuposto da «burridade» generalizada dos portugueses, não me atrevo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que a proposta do CDS tem virtualidades e intuitos generosos, clarificadores. É, digamos, uma peça num combate contra o Estado «laranja» e, nesse sentido, saudámo-la.
Em todo caso, primo, essa peça é uma peça quebrada. Segundo, nestes pressupostos pedagógicos, o CDS é um partido esquisito. E repare-se: no artigo 13.º, que rege precisamente a igualdade, o CDS suprimia a palavra «beneficiado» - suponho que isso era uma homenagem à não «burridade» do hermenêutico português, do leitor da Constituição. Aqui, dá-lhe subitamente uma preocupação de clarificação; no artigo sobre os direitos dos jornalistas, também lhe deu uma camoeca e, o CDS, toca a cortar; no artigo sobre a comunicação social, também; nos artigos sobre a Constituição económica, idem, idem, aspas, aspas. Isto é, as preocupações pedagógicas do CDS são um pouco esquisitas, fintantes, ziguezagueantes.
Nesse sentido, Sr. Deputado, por favor, não nos puna por lhes fazermos também esta advertência pedagógica e propomos que retirem dela alguma conclusão até amanhã, que é a hora das votações a galope, segundo o Regimento «rolha». É esta a nossa sugestão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições para o artigo 50.º...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença que o interrompa?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de sublinhar que relativamente a este artigo há uma proposta do PCP, que recolheu dois terços indiciários em debate na comissão. É uma proposta extremamente importante, uma vez que vem clarificar um aspecto do nosso regime eleitoral, isto é, o regime de estabelecimento de inelegibilidades.
Sobre isso propunha que as diversas bancadas se pronunciassem, ainda que muito brevemente. Compreendo que o anúncio feito pelo PCP, da sua proposta de interrupção dos trabalhos da Revisão Constitucional tenha consternado a bancada do PS e do PSD, mas não há razão para se calarem. Este debate mereceria, pelo menos, algum contributo e não o silêncio.

O Sr. António Vitorino (PS): - Nunca respondemos a provocações!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, essa proposta não vem referida no guião da CERC, mas, há pouco, ouvi dizer que a proposta da CERC era muito próxima da proposta do PCP.

O Sr. António Vitorino (PS): - Consumiu-a, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Então, estamos esclarecidos. Há apenas a proposta da CERC.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, o texto da CERC consumiu efectivamente o texto apresentado pelo PCP, mas durante o debate, em sede de subcomissão, colocou-se uma questão de redacção, suponho que vinda da bancada do PSD, que, no ínterim, a retirou ou, então, estou a aperceber-me mal do evoluir das coisas.
Se o PSD não tem qualquer objecção quanto à necessidade de uma melhor qualificação adverbial, designadamente de um dos termos da norma que agora está em debate, se, portanto, há consenso quanto a este ponto, isto é, quando o legislador estabelecer as inelegibilidades necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos respectivos cargos, não for necessário qualificar esta exigência com o advérbio «estritamente», pela nossa parte, não insistiremos.

nossa preocupação foi contemplar aquilo que resultava, segundo o nosso parecer, da jurisprudência do Tribunal Constitucional. Se é esse também o vosso entendimento e se assim ficam acauteladas na vossa opinião as questões relevantes a acautelar nesta matéria, excelente! Congratulamo-nos com o facto de o nosso objectivo ter sido atingido.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, ao cabo e ao resto, só para provar que não há grande consternação da nossa parte e para tranquilizar, sob esse aspecto, o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ah!

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O Orador: - O que quero dizer é que a construção do n.º 3 já é, toda ela, segundo uma lógica, restritiva, «só podem estabelecer-se as inelegibilidades necessárias». Ou seja, só podem estabelecer-se as inelegibilidades estritamente necessárias.
Pela nossa parte, não vemos objecção alguma a que se adite o advérbio de modo. Mas, seja como for, a lógica da construção do número já é essa, isto é, é de natureza eminentemente restritiva quanto às inelegibilidades que o legislador ordinário possa estabelecer.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que não há inscrições, vamos passar ao artigo 51.º
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (Indep): - Sr. Presidente, em relação ao artigo 51.º há uma proposta de aditamento de um n.º 4, apresentada pelo PSD, que corresponde à proposta apresentada pela ID no seu projecto de lei n.º 7/V. Ora, este aditamento de um n.º 4 é actualmente o n.º 2 do artigo 299.º
Portanto, o projecto de lei da ID propõe que o n.º 2 do actual artigo 299.º passe a constituir o n. º 4 do artigo 51.º. Digamos que é uma proposta idêntica à do PSD, formulado de uma maneira talvez mais explícita.
Não se trata aqui propriamente de inovar qualquer matéria mas de dar uma outra arrumação a este n.º 2 do artigo 299.º , que nos parece ficar melhor colocado no artigo 51.º

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, não me apercebi de que a Mesa tivesse anunciado o quadro exacto das propostas que estão pendentes, a propósito do artigo 51.º
O Sr. Deputado Raul Castro teve ocasião de relembrar que a proposta apresentada pela ID é, de facto, idêntica à do PSD.
Em todo o caso, não foi relembrado que há um texto apresentado pelos Srs. Deputados subscritores do projecto de lei n.º 10/VP, da Região Autónoma da Madeira, nos termos do qual, em sede do artigo 299.º , havendo a identidade-objecto, embora inversão de finalidade, se propõe, pura e simplesmente, a eliminação da norma constitucional que acarreta a proibição de partidos regionais.
Por outro lado, o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia apresentou, no dia 28 de Abril, em sede de artigo 5l.º , uma proposta que deveria igualmente ser trazida a debate, uma vez que foi apresentada e que eu saiba não foi retirada.
Gostaria de chamar a atenção, Sr. Presidente, designadamente para a proposta dos Srs. Deputados subscritores do projecto de lei n.º l0/V, que, pelas suas finalidades, é antitécnica daquela que tem consenso indiciado, nos termos do debate, na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, seguimos, como foi norma aceite, o guião da CERC. Em todo o caso, gostaria de esclarecer que, de acordo com os nossos apontamentos, houve também uma proposta do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, que foi retirada no dia 27 de Abril e que a proposta que o Sr. Deputado fez referência, subscrita por deputados da Região Autónoma da Madeira, vem inscrita no artigo 299.º

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Sottomayor Cárdia foi, de facto, apresentada no dia 28 de Abril e foi objecto de votação no dia 19 de Janeiro de 1989 na CERC. Essa proposta, aliás, teve votos contra de todos os partidos e forças políticas presentes na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vai proceder-se à leitura de uma carta do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, datada de 27 de Abril, tendo dado entrada na Mesa às 17 horas e 10 minutos e, posteriormente, distribuída.

Foi lida. É a seguinte:

Para os efeitos regimentais, declaro retirar as propostas de alteração relativas aos artigos n.ºs 41.º, 46.º e 51.º, por mim apresentados na CERC.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia foi retirada, como se verifica da declaração expressa pelo mesmo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, estou agradecido pelo esclarecimento, uma vez que ele era imprescindível para os efeitos regimentais e constitucionais.
No entanto, suponho - e era essa a minha pergunta - que não ocorre o mesmo em relacção à proposta dos Srs. Deputados subscritores do projecto n.º 10/V. Está mantida...

O Sr. Presidente: - Está mantida, embora no artigo 299.º

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas deseja-se discuti-la nesta sede, Sr. Presidente? Era isto que era preciso clarificar.
É que se não for discutida nesta sede e se vier a ser votada a proposta que têm indiciados os dois terços, é óbvio que esta proposta fica prejudicada. Portanto, em sede de artigo 299.º, ela não tem de ser discutida pela razão elementar de que foi feita uma votação em sentido contrário. Mas isso depende, naturalmente, dos proponentes.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado acabou de dizer o que eu poderia dizer, isto é, a Mesa solicita inscrições mas não manda ninguém inscrever-se.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Os proponentes estão ausentes!

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - O Sr. Presidente referiu que a carta do Sr. Deputado Sottomayor

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Cárdia era de 27 de Abril, mas para que não existam confusões - dado que no meu espírito acabaram por existir -, julgo que a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Sottomayor Cárdia tem a data de 28 de Abril de 1988. Presumo, pois, que a carta que o Sr. Presidente tem é de 1989. V. Ex.ª não o referiu mas penso que teria talvez interesse, para que não subsistissem quaisquer...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, aquela que lemos é uma carta recente.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - É que chegou a pensar-se que o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, no dia seguinte, teria recuperado a proposta, o que, pelos vistos, não aconteceu.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que seria extremamente negativo que, indo a Assembleia da República aprovar, como tudo indica, esta alteração de inserção sistemática que, todavia, tem um conteúdo próprio, isso fosse feito, pura e simplesmente, em silêncio no Plenário. Esta matéria, como sabem, foi polémica no recente Congresso do PSD/Madeira e em torno dela o PSD/Madeira estabelece uma estratégia de afrontamento e de polémica que, pela nossa parte, repudiamos por completo.
A proposta que vem com dois terços indiciados dos trabalhos da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional é uma proposta positiva, pois transpõe, estabiliza e clarifica, com um carácter definitivo, que não podem constituir-se partidos que pela sua designação ou pelos seus objectivos programáticos tenham índole ou âmbito regional. Obviamente que a opção que os constituintes formularam, em sede de disposições finais, era uma opção assinalável como transitória.
Neste momento, gostaria de sublinhar o significado que essa estabilização, mas também a ausência, absolutamente clamorosa, dos cavaleiros andantes defensores do projecto de lei n.º 10/V que, pelos vistos, o defendem em campanhas deletérias no Funchal, mas são absolutamente incapazes de estar aqui presentes para dar a cara por si.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, estamos a ser ouvidos no Hemiciclo e em 90% do Palácio. A Mesa nada mais pode fazer!
Uma vez que não há inscrições, dou por finda a discussão do artigo 51.º e passaria ao artigo 52.º
Está em discussão o artigo 52.º
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Não há, naturalmente, nesta Revisão Constitucional, que fazer hierarquias de propostas: não há propostas mais importantes e propostas menos importantes. Todas elas têm que ser compreendidas no quadro do trabalho que estamos a fazer e que constitui, digamos, um todo, um equilíbrio global.
No entanto, neste artigo consagram-se, na visão do meu partido, dois aspectos fundamentais: por um lado, aquilo que é a democracia participativa ou a participação activa dos cidadãos junto dos órgãos de soberania; por outro lado, instrumentos importantes da luta pelos direitos.
No que diz respeito ao direito de petição, o meu partido apresentou, em sede própria, uma proposta mais ousada, mais completa, que não veio a ter o acolhimento global. Ela ia um pouco mais além ao pretender estabelecer um certo detalhe para assegurar que as petições dirigidas à Assembleia da República deveriam ser analisadas desde que certos condicionalismos se verificassem.
Em todo o caso, pensamos que a disposição que foi aprovada na CERC já dá alguma satisfação - pensamos - à necessária dignificação da Assembleia da República junto da generalidade dos cidadãos e à consagração constitucional desse direito de petição, que é, a nosso ver, uma das bases fundamentais do Estado democrático.
No que diz respeito à consagração de uma das mais importantes vias do direito aos direitos, visto que não podemos desconhecer que não é a pura afirmação da existência do direito, nem tão pouco a pura consagração do Estado de direito democrático que, por si só, vivifica o tecido social, no sentido do acesso directo, transparente e fácil dos cidadãos aos direitos, a proposta do n.º 3, de que também reivindicamos uma boa parte da sua iniciativa, representa uma consagração, em termos constitucionais, da mais moderna teorização sobre a chamada defesa dos interesses difusos, e não só sobre os direitos dados às associações de consumidores, às associações para defesa do ambiente e às associações para defesa do património cultural, que aí estão na sociedade portuguesa, como por toda a parte, a crescer e a multiplicar-se.
Dá-se, pois, neste n.º 3 uma abertura que pode ter um extraordinário alcance pela consagração constitucional do direito de acção popular, nos exactos termos que aí vêm consagrados.
Pensamos que, em conjunto com a consagração do acesso ao direito, nos termos que também foram aprovados em sessões anteriores, este n.º 3 do artigo 52.º pode ter, assim o esperamos, grande impacto nesse campo do direito aos direitos, nesse alargamento ao todo social da consciência dos direitos e da sua plena afirmação no Estado de direito democrático.
É assim, com muita satisfação, que o meu partido vê consagrado neste artigo o fundamental daquilo por que se bateu no seu projecto e ao longo de todo este processo da Revisão Constitucional.

A Sr.ª Presidente: - Inscreveram-se para pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados Herculano Pombo e Nogueira de Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - O Sr. Deputado Vera Jardim, manifestando o seu optimismo e regozijo pela consagração no texto da comissão de muito do que indiciava a proposta do Partido Socialista, disse que, finalmente, se tinha conferido um direito fundamental do Estado democrático. Disso não desejaria duvidar, mas o que não posso, com efeito, é estar tão optimista quanto o Sr. Deputado Vera Jardim.

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É que me parece que a Constituição passa a conceder a todos nós o direito de nos queixarmos. Não regula o nível do nosso clamor, não diz se nos podemos queixar baixinho ou em altos gritos ou rasgando as vestes, mas diz, sim, que nos podemos queixar sempre e quando quisermos, podendo até exercer o nosso direito de acção popular. Mais ainda: que podemos requerer, pedir, solicitar e implorar que o lesado - que podemos ser nós ou outros - tenha direito à correspondente indemnização.
Mas, Sr. Deputado Vera Jardim, não será isto um direito aberto, - passe o termo - um direito que, depois, não tem consumação prática? Que decorre, afinal, disto? É certo que nos podemos queixar, é certo que podemos requer, é certo que podemos implorar... E depois? Onde está a consagração do dever de quem tem que positivar, na prática, o exercício deste direito.
Na tentativa de procurar dar resposta a estas questões, é que no nosso projecto pretendíamos consagrar o dever de os órgãos de soberania e das autoridades darem resposta em tempo útil às petições que lhes sejam dirigidas. Porque, caso isto não fique consagrado, como parece não vir a acontecer, o que é que decorre deste novo direito que tão alargado foi? Fica, enfim, alargado no sentido de podermos requerer, mas fica, também, com a mesma estreiteza quanto à possibilidade de os cidadãos requerentes poderem vir a obter aquilo que, de facto, eventualmente possam vir a ter direito.
Não lhe parece, Sr. Deputado, que falta aqui qualquer coisa, ou melhor, que falta fechar este circuito? Até porque isto já acontece um pouco, hoje em dia, com o nosso direito, enquanto deputados, de dirigir requerimentos a todas as entidades. Mas se essas entidades não nos responderem e nos «mandarem às favas» - o que sucede com frequência -, o que é que lhes acontece? Pura e simplesmente sucede que esse facto vem publicado de seis em seis meses no Diário da Assembleia. Mas quem é que lê o Diário da Assembleia? Será isso castigo para essas entidades que sistematicamente se recusam a cumprir essa obrigação?
Portanto, não seria melhor consagrarmos numa norma a obrigação de as entidades requeridas darem resposta e em tempo útil, pois, como todos sabemos, nestas coisas o tempo também conta. Não seria melhor terem os partidos votado favoravelmente e não terem-se abstido em comissão, nomeadamente o Partido Socialista, a propósito da nossa proposta de aditamento de um n.º 3, que consagrava, de facto, a obrigação de as entidades darem resposta, em tempo útil, aos peticionários.

A Sr.ª Presidente: - O Sr. Deputado Vera Jardim deseja responder já ou no final?

O Sr. Vera Jardim (PS): - No fim, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Vera Jardim, registo a importância que V. Ex.ª atribuiu às modificações propostas para o artigo 52.º, que versa o direito de petição e acção popular, e aos resultados dessas modificações, que V. Ex.ª sublinhou.
Nesse sentido, pergunto-lhe se no que respeita ao direito de petição e representação dirigido à Assembleia da República, que foi proposto pelo Partido Socialista, em tempos que considero bastante diferentes daqueles que acabaram por ser consagrados na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, V. Ex.ª não entende que os termos da proposta da CERC descaracterizam, fundamentalmente, aquilo que foi proposto pelo Partido Socialista. Isto é, onde o Partido Socialista cometia à lei a fixação dos requisitos mínimos de responsabilidade, a CERC comete à lei em geral a fixação das condições em que a Assembleia da República apreciará as petições e representações populares.
Não acha, portanto, V. Ex.ª que para a importância que acabou de atribuir a este direito instrumental, como muito bem sublinhou, esta diferença não é, efectivamente, uma diferença descaracterizadora?

A Sr.ª Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Começarei pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito, não por ter sido o último mas porque levantou uma questão, porventura, de âmbito mais vasto.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, frisei na minha intervenção que a proposta final oriunda da CERC não corresponde inteiramente àquilo que era o nosso projecto inicial.
Contudo, também estamos dispostos a aceitar que o nosso projecto, cheio de boa vontade como era, poderia ter, em termos da própria interpretação do texto constitucional, algumas dificuldades. Desde logo, nos tais requisitos mínimos de representatividade que teríamos de deixar para a lei. Esses que V. Ex.ª citou já eram deixados no nosso projecto - e não podemos esquecê-lo - para a lei regulamentadora. Não é, naturalmente, na Constituição que se vai dizer quais são os requisitos mínimos de representatividade.
Por outro lado, tínhamos pensado numa comissão especializada da Assembleia que apreciasse, numa primeira fase, esse direito de petição.
Pensamos que a proposta final da CERC, ao deixar para a lei, não amputou, apesar de tudo, substancialmente, o nosso projecto porque - repito - no que diz respeito à representatividade não encontramos outra forma, nem supomos que seja facilmente encontrável, de incluir no texto constitucional esses requisitos mínimos. No que diz respeito à comissão especializada, na parte respeitante às funções da Assembleia da República, num artigo, lá mais para diante, vem fixada essa comissão especializada para análise das petições.
Sr. Deputado Herculano Pombo, o direito nem sempre se compadece com todas as nossas boas intenções. Poderá V. Ex.ª encher os códigos e também as constituições de frases que podem parecer muito eficazes, dizendo que se terá de dar uma decisão em tempo útil, que as autoridades terão que em tempo útil ou rapidamente, etc, não é por aí, Sr. Deputado, infelizmente, que se resolvem os problemas.
Os nossos códigos estão cheios de frases desse tipo e só quem anda pelos tribunais sabe que as medidas urgentes se transformam rapidamente em medidas de muitos meses ou anos.

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Entendemos que a sua intenção merece, naturalmente, o nosso aplauso e na regulamentação deste preceito tem de haver, ao nível de tal comissão especializada e do próprio funcionamento da Assembleia, alguns instrumentos que permitam dar satisfação aquilo que o seu projecto previa dever ser introduzido na Constituição.
Entendemos, porém, que não são, apenas, as frases desse teor que resolvem os problemas, mas mais, digamos, a vontade política e os instrumentos práticos para a levar a cabo.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pais de Sousa.

O Sr. Pais de Sousa (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O Partido Social-Democrata não apresentou, inicialmente, em sede do artigo 52.º qualquer proposta.
Todavia, no decurso do debate, foi convencido quanto à bondade das propostas apresentadas por outros partidos, tendo, ulteriormente, subscrito, conjuntamente com o PS, uma proposta com a qual se congratula.
Trata-se de, num primeiro plano, constitucionalizar a apreciação pelo Plenário da Assembleia da República das petições apresentadas colectivamente, o que implicará a fixação por lei de critérios de representatividade. No fundo, trata-se de um «mais» em termos de democracia participativa, com o qual nos regozijamos.
O PSD subscreve, também, noutro plano, a ideia de que a acção popular justifica algum alargamento, embora cauteloso. Com efeito, julgamos ser útil substituir, em determinados casos, a acção pública, exercida pelo Ministério Público, pela acção popular.
Por outro lado, existe nos nossos dias um conjunto de interesses difusos nas áreas do ambiente, defesa do património e qualidade de vida a merecer crescente ponderação.
A acção popular exercida pelos cidadãos relativamente a estas questões deve ser negada, embora não seja fácil a sua concretização.
O problema parece ser menos controverso em relação ao exercício do direito de acção popular por pane de associações de defesa dos interesses em causa.
Dito isto, é altura de nos congratularmos com esta benfeitoria constitucional, com a clarificação e alargamento substancial do sentido e conteúdo útil, diríamos mesmo, participativo, da norma constitucional em apreço.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Para uma intervenção, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP congratula-se com as alterações que estão indiciadas em matéria de reforço dos direitos de petição e acção popular, que considera extremamente importantes.
O PCP, em ambos os casos, propôs soluções que se aproximam muito do texto que, em termos de CERC, veio a ser proposto ao Plenário e que estamos a discutir. Apresentámos essas propostas no quadro de uma filosofia de reforço dos direitos dos cidadãos em duas vertentes.
Por um lado, apresentámos em sede do artigo 268.º, com carácter inovador, a ideia de que deve haver procedimentos administrativos, isto é, regras para que os cidadãos possam dirigir-se à Administração e colocar questões, saber questões, saber coisas, ajudar a decidir coisas. Esses procedimentos são uma vertente moderna e fundamental da efectivação dos próprios direitos fundamentais. Há um défice nessa matéria na nossa ordem jurídica e queremos contribuir para a colmatar. Infelizmente, o PS, o PSD e também o CDS, que nisso esteve ausente, não aderiram a esta ideia do PCP.
Mas, do mal o menos, porque aderiram à ideia de que se deve fazer, nesta sede e neste momento, o reforço. Como todos verificarão, não constava do projecto originário do Partido Socialista, nesta sede, uma formulação deste tipo, embora houvesse algumas sugestões nos artigos 62.º, 66.º e 78.º, com os quais, de resto, estamos inteiramente de acordo também.
É positivo, por isso, que se aprove uma norma deste tipo. Isso joga no sistema português - parece-me que aí o Sr. Deputado Pais de Sousa incorre em alguma confusão - muito harmoniosamente com os outros meios de defesa da ordem jurídica: os poderes que cabem ao Ministério Público e ao Provedor de Justiça nas suas esferas próprias, os poderes que cabem às câmaras municipais que podem instituir livremente mecanismos de controlo e defesa dos interesses que aqui estão em causa, em matéria do património cultural, do ambiente, da qualidade de vida, da saúde pública, etc. Todos esses meios, na nossa ordem jurídica, que é plural, combinam e articulam-se.
A nossa ideia foi apenas a de que era importante dar voz aos cidadãos, directamente ou através de associações por estes constituintes numa dupla vertente: junto dos tribunais, que é o que significa acção popular, no seu sentido mais puro, e junto da Administração Pública através daquilo a que os juristas chamam de procedimentos colectivos.
Há uma grande surdez, da vossa parte, Srs. Deputados do PSD e do PS, em relação ao direito procedimental. Acham-no um bicho estranho e, todavia, é uma das criaturas jurídicas com maior futuro numa óptica de modernização do direito. Estranhamos o vosso atraso.
Em relação ao direito de acção popular, só nos podemos congratular. Estamos cientes de que o legislador, até agora, tem sido magro, avarento, reticente. O direito de acção popular tem tido uma expressão ínfima no nosso direito e não tem havido legislação ordinária, salvo no plano do Direito Administrativo local, consumador e efectivador desta matéria. Conseguiram-se, também, em matéria de ambiente e de direitos da mulher alguns avanços, mas esta norma poderá impulsionar - para tal haja vontade política - um avanço muito positivo na defesa dos direitos dos cidadãos.

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Não vemos a revisão a preto e branco, mas vemo-la, naturalmente, distinguindo aquilo que é positivo e aquilo que é negativo.
Isto é, inequivocamente, positivo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, ao falar no direito procedimental a respeito da acção popular, creio que, numa primeira leitura, incorreu numa limitação do mecanismo de acção popular, embora espere que assim não tenha acontecido.
O mecanismo de acção popular, tal como ficou contido na proposta da CERC, não é apenas um mecanismo judicializado, mas é um mecanismo que remete para a lei onde pode ser mais alargado e não, apenas, para utilização em recurso contencioso. O mecanismo da acção popular que aqui se admite não é só o recurso aos tribunais, mas é mais do que isso: é a possibilidade de organização colectiva não só para recorrer aos tribunais mas também para qualquer recurso junto da Administração Pública.
É este o sentido mais largo e mais moderno que está contido neste artigo.

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Gostaria, Sr. Presidente, de desfazer qualquer equívoco que possa estar subjacente às palavras que proferi.
O que sublinhei, Sr. Deputado Alberto Martins, é que o PCP propunha, em sede do artigo 268.º, uma norma que visava garantir aos cidadãos o direito a procedimentos colectivos perante a Administração Pública, para defesa do ambiente, da qualidade de vida e do património cultural.
É evidente que a norma que aqui se contém, sob a designação unitária de acção popular, em bom rigor, alude a duas realidades totalmente diferentes: por um lado, a uma verdadeira e própria acuo, ou seja, meio ou providência junto dos tribunais para obter um efeito jurídico preciso e concreto, e, por outro lado, àquilo que poderia chamar-se - e provavelmente a doutrina virá a chamar - o direito a procedimentos colectivos para a prevenção ou cessação de factores de perturbação da saúde pública, da degradação do ambiente e qualidade de vida ou da degradação do património cultural.
O que quis sublinhar foi que, pela nossa parte, teríamos preferido utilizar aqui a terminologia nova, que corresponde, em bom rigor, ao vinho novo que se introduz no odre antigo da acção popular.
Como sabem, seguramente, na noção clássica de acção popular estão incluídas apenas as providências de carácter jurisdicional dirigidas aos tribunais, ou com eles conexionadas, tendentes a produzir determinados efeitos jurídicos. Assim tem sido entendido.
É evidente que se é entendimento unânime da Câmara, como de facto é, que assim não é neste caso, excelente. Pela nossa parte, apenas gostaríamos que ao conteúdo jurídico se somasse o nomen júris, ou seja, o nome jurídico novo: procedimentos colectivos.
É um bom nome e, aliás, se estivessem disponíveis para isso, pela nossa parte, acharíamos que seria um contributo útil e uma precisão importante. Portanto, fica de pé a nossa proposta nesse sentido.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, não desejava que do meu pedido de esclarecimento de há pouco ao Sr. Deputado Vera Jardim se inferisse que não estamos satisfeitos com a consagração de novos direitos e a explicitação e alargamento dos que já estavam consagrados no artigo 52.º Bem pelo contrário! Já temos dito e afirmado publicamente que entendemos existir hipótese real de, após esta Revisão Constitucional, a Constituição ecológica sair notoriamente reforçada. Embora este artigo não esteja inserido, em termos sistemáticos nesta parte da Constituição, não poderá ser entendido desenquadrado da Constituição ecológica, porquanto, após a votação, virá a consagrar, também, o direito de acção popular, nomeadamente na promoção de acções de prevenção e de cessação de efeitos da degradação ambiental e de qualidade de vida.
Não queria deixar de realçar esta nítida melhoria e desejava ainda referir, para que quem tiver de interpretar possa ter em conta tembém a nossa opinião, que é nosso entendimento que o desenvolvimento normativo em sede de lei ordinária deve contemplar, de facto, a hipótese não só de poder vir a ser requerida, por parte de inúmeros cidadãos e das várias associações de defesa do ambiente, a cessação desses factores de degradação, mas também, e principalmente, a de virem a ser requeridas as correspondentes indemnizações.
As consequências que decorrerão das hipóteses sugeridas serão inimagináveis, a todos os títulos, tanto e tão graves são, neste momento os factores de degradação ambiental e da qualidade de vida.
Deixar isto dito, à laia de declaração, era importante, para que não se inferisse que não estamos satisfeitos. Bem pelo contrário, não estamos é ainda totalmente satisfeitos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, vale talvez a pena gastar mais dois ou três minutos, para juntar o meu entusiasmo ao do meu camarada Vera Jardim, no que respeita às inovações constantes deste artigo.
É bom que tenhamos consciência do que elas significam. Nem se trata agora de estarmos mais ou manos vaidosos por propostas nossas terem estado na base destas melhorias ou benfeitorias, como já se lhe chamou.
Trata-se, com efeito, de tomar consciência de que a nossa Constituição quer uma democracia participativa. Di-lo, desde logo, o artigo 9.º ao falar da «participação organizativa do povo» e, agora, se for aprovada a proposta da CERC, passaremos a dizer «participação democrática dos cidadãos»; di-lo, também, o artigo 11.º e, depois, é toda uma reafirmação pontual, um empenhamento constitucional, na participação dos cidadãos.

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A realidade não tem nada a ver com isto, pois a nossa democracia, para lá do exercício do voto, tem sido tudo menos uma democracia participada.
Se tomarmos consciência disso, talvez que estas inovações possam significar que estamos a provocar os cidadãos a participarem em três domínios fundamentais.
Já hoje a Constituição diz: «é reconhecido o direito de acção popular nos casos e termos previstos na lei». Só que a lei, como em muitos outros casos, não prevê coisa nenhuma e quando o prevê, prevê mal, e os cidadãos continuam eles próprios a limitar-se a exercer o direito de voto e, depois disso, a maldizer a acção de todos os governos - é para isso que também os governos existem: para se dizer mal deles!
O que é que estamos a fazer com este artigo? A promover cada cidadão a promotor de justiça e a titular do direito de acção, que não tem de ser só uma acção judicial (como bem realçou o meu camarada Alberto Martins), mas que fundamentalmente o será. Agora é preciso que nos empenhemos aqui em, logo a seguir à Revisão Constitucional, fazermos uma lei que possibilite aos cidadãos isoladamente ou em grupos ou em associações em que se integram, a poderem exercer este direito, quer, de preferência, a título preventivo, quer, se necessário, a título repressivo, para poderem evitar a degradação do ambiente, os ataques à saúde pública, e a defesa do património cultural. Não nos esqueçamos que este artigo diz que isto é assim, nomeadamente neste domínio, mas não só nestes domínios.
Portanto, penso que a esperança deve ser agora transferida para a lei ordinária e temos de assegurar aos cidadãos que possam exercer esse direito, gratuitamente. Melhor fora que para defenderem o interesse público, tivessem que sacrificar o seu próprio património e, na maior parte das vezes, não pudessem actuar por não terem os meios, sobretudo nestes tempos em que as custas judiciais são tão caras como os anéis de noivado!

Risos do PSD.

Devemos, pois, ter consciência de que - seja na feitura das leis, seja na organização do Plano, seja em todos os aspectos onde a participação isto é uma responsabilização muito grande da classe política, dos partidos políticos aqui envolvidos.
É, ainda uma provocação aos cidadãos para que deixem eles também de estar, digamos, na fase rotineira em que têm estado, porque também temos que de algum modo responsabilizar os cidadãos (embora os mais responsáveis sejamos nós - classe política), na medida em que estão longe de ter aproveitado, no domínio do direito de participação - directa dos cidadãos se prevê -, a possibilidade de exercerem de facto os direitos que a Constituição lhes confere.
Temos que acordar todos, a classe política para uma atitude pedagógica, responsável, de preparação das leis necessárias para que a participação democrática não seja apenas uma bela proclamação constitucional; mas os cidadãos, também, têm de se convencer que a política não cabe só aos partidos, que a participação democrática não se esgota no direito de voto, saltando logo daí para a maledicência. É preciso que todos nos corresponsabilizemos e que façamos da democracia algo que não se esgota, nem deve esgotar, no exercício do direito de voto.
Era este apelo que aqui fazia e noutro momento aqui estaremos de novo reunidos a tomar consciência do que significa este artigo e das possibilidades que ele abre no domínio do salto da Revisão Constitucional da participação para a efectivação, no domínio do real, dos direitos dos cidadãos portugueses.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr, Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais uma vez me felicito por ter oportunidade de intervir depois da intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos. O Sr. Deputado Almeida Santos e, há pouco, o Sr. Deputado Vera Jardim salientaram aquilo que efectivamente tem sido aqui, algumas vezes repetidamente, dito pelo CDS; simplesmente parece que utilizaram dois pesos e duas medidas. O instituto pedagógico desta alteração...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Pedagógico!?

O Orador: - Está certo, não foi proposto pelo CDS, foi proposto pelo PS e foi proposto pelo PCP, e é apoiado por nós todos na versão que resultou da CERC - eu estou a dar-lhe o nosso apoio. Simplesmente, o apoio do CDS é coerente nesta matéria. Há realmente algumas inutilidades mas o Sr. Deputado Costa Andrade teve o cuidado de não intervir nesta matéria, interveio o Sr. Deputado Pais de Sousa...

Protestos do PSD.

Efectivamente, esta norma da acção popular é, como diz o Sr. Deputado Almeida Santos, uma provocação que se faz ao povo português. Mas o que está aqui já estava na Constituição, não se acrescentou nada.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Acrescentou, acrescentou.

O Orador: - Dirigiu-se uma provocação e nós estamos de acordo, com ela - dirigíamos esta provocação como o faríamos com outras que considerámos necessárias.

O Sr. Deputado Almeida Santos sublinhou as razões desta provocação e, reduzindo o universo do povo português à sua representação nesta bancada, como que nos* deu um pequeno «puxão de orelhas» dizendo: «Exercei os vossos direitos democráticos, não vos queixas apenas. Toca a exercer esses direitos.» Muito bem, Sr. Deputado Almeida Santos. Penso que não devemos fazer essas admoestações ao povo titular dos direitos que aqui estão a ser consagrados, mas comungamos na preocupação de V. Ex.ª no intuito pedagógico de algumas normas da Constituição, e comungamos com a satisfação de todos ao ver a inclusão destes novos normativos que completam os que cá estavam, principalmente no que respeita à acção popular. Porque no que respeita ao direito de petição há qualquer coisa de nos que, efectivamente, aqui se introduziu, como sublinhou o Sr. Deputado Vera Jardim.
No que respeita à acção popular, acrescenta-se aqui qualquer coisa que não é nada de novo em relação ao que cá estava, mas que é importante...

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O Sr. José Magalhães (PCP): - Por favor!

O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães, não é novo em relação ao que cá estava. O que cá estava já cobria todas as hipóteses que aqui estão, mas é importante tê-las introduzido - e é para isso que quero chamar a atenção da Câmara.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos para pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados José Magalhães, António Vitorino e Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente o meu pedido não é pedido de esclarecimento, mas sim para defesa da honra.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, o Sr. Deputado Costa Andrade tem precedência no uso da palavra dentro dos estritos limites do Regimento.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, permita-me que não concorde com a deselegância da referência que fez ao teor das intervenções da nossa bancada. Ser ou deixar de ser um elemento a ou b é indiferente nesta bancada. Fala de entre nós quem determinarmos, somos muitos e, portanto, diversificamos as intervenções.
Quero dizer-lhe, Sr. Deputado Nogueira de Brito, que subscrevo inteiramente a intervenção que o meu colega Pais de Sousa fez, com a qual estou 100% de acordo.
Em segundo lugar, quero afirmar-lhe que não tem o mínimo fundamento a acusação de incoerência que fez, enquanto o Sr. Deputado não demonstrar - e não o demonstra, porque é indemonstrável - que esta proposta é inútil, no sentido de que não acrescenta.
Como disse, não o demonstra, é indemostrável todas as intervenções que foram feitas por parte da bancada do PS, por parte da bancada do PCP, são a demonstração do contrário - são a prova de que V. Ex.ª não demonstra que esta proposta e este nosso voto, seja o voto de uma inutilidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Costa Andrade: É com muito gosto que dou explicações neste sentido. Ao referir que não foi V. Ex.ª a intervir, não tive com isso a intenção que V. Ex.ª me atribuiu.
Como foi V. Ex.ª que falou nas inutilidades, demonstre-me, em comparação com a norma anterior, o que é que se acrescenta, que cá não estivesse, com o aditamento que se fez a este n.º 2.
Sr. Deputado Costa Andrade, estou de acordo com o aditamento, vamos votá-lo favoravelmente, tome isso em atenção...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, posso interrompê-lo?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Salvo melhor entendimento, foi V. Ex.ª que fez a acusação de incoerência, é ao Sr. Deputado que cabe o ónus da demonstração da inutilidade. Gostaria que me demonstrasse onde é que esta norma é inútil; que me demonstrasse que tudo o que a Constituição já tem cobre normativamente as matérias que agora vamos votar. É a V. Ex.ª que cabe o ónus.

O Orador: - Sr. Deputado Costa Andrade, onde está dito: «É reconhecido o direito de acção popular, nos casos e nos termos previstos na lei», acrescentar uma exemplificação:» «designadamente nos casos de» «corresponde exactamente às inutilidades de que V. Ex.ª acusou, mais do que uma vez, propostas de outros partidos. Desculpe, mas é esse o entendimento que eu faço.
Repare, Sr. Deputado Costa Andrade, que entendo que é efectivamente um acrescento, e que não é uma inutilidade, é conveniente fazê-lo. É essa tal provocação de que aqui se falou, que considero positiva, e que vamos votar favoravelmente.
Não desvirtue, portanto, a nossa intervenção na Câmara no que respeita a esta proposta concreta. Sr. Deputado Costa Andrade, mantenho aquilo que disse, sendo certo que a nossa intervenção tem um sentido político, e é nesse sentido que, efectivamente, fiz a acusação.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Mas não deve ser deselegante!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Nogueira de Brito, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que o Sr. Deputado Nogueira de Brito haverá de ter que reconhecer quando não tem razão nenhuma, e este é um caso.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Obrigado! Risos gerais.

O Orador: - O Sr. Deputado Nogueira de Brito teve a infelicidade de ter que fazer a defesa oficiosa da proposta lá atrás do CDS. Agora, quando chega uma proposta sobre o reforço do direito de acção popular, por acaso, por uma hora de má inspiração, resolve aplicar um argumento de homologia a uma coisa diferente! Reconheceu que há uma alteração visível, protuberante em relação ao direito de petição, mas depois descaindo os olhos para a questão do direito de acção popular, não encontrou volume que lhe justificasse uma diferença.
Ora, Sr. Deputado, mesmo por uma comparação letra a letra até um menino pequenino reconhecerá o número de palavras que tem o actual n.º 2 do artigo 52.º e o número de palavras que tem a proposta para esse artigo. Mas depois - palavras há muitas, e leva-as o vento - os conceitos? É que se introduzem

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conceitos novos. Aliás, alguém até já estranhou que o PSD aderisse a estes conceitos novos. Porventura adere com má fé. Como se sabe o PSD não regulamenta a Lei de Bases do Ambiente, que já consagra o direito de acção popular e o direito de procedimento em muitos aspectos. A lei é de 1987, o PSD bloqueia-a, abafa-a não a consagra. Não regulamenta as directivas da CEE em matéria de ambiente, e um dia destes temos uma boa queixa na Comissão das Comunidades ou no Tribunal das Comunidades contra o Governo português, e o Estado português lá faz uma triste figura porque o Governo do PSD não cumpre, também, as directivas comunitárias e não as transpõe.
Mas a norma, Sr. Deputado Nogueira de Brito, reconheça V. Ex.ª, reforça substancialmente o direito de acção popular. E o CDS vai votar, é partido comungante, o que lhe fica muito bem, sendo C,D,S, mas não é proponente, o que não quer dizer que não possa aderir a boas soluções. Só que isso significa uma reconciliação com a História, pois, o CDS era tradicionalmente um partido anti-acção popular. Povo?!... Nem Cheirar!...

Risos.

«Apresentar acção popular nos tribunais ?!... Que horror!... Povo?!... não!... Ora, o CDS parece ter recuperado, a não ser que também seja da hora e está a aderir à acção popular e até nem vê a diferença entre esta que aqui está e aquela que cá estava. Sr. Deputado Nogueira de Brito, reconheça V. Ex.ª que deu um mau passo e que, ao comungar, pode comungar de pleno, dando a mão a palmatória também.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, deseja responder já ou responde no fim?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É tão raro apanhar o Sr. Deputado Nogueira de Brito «fora de jogo»...

Risos.

... que não pude resistir à tentação de aproveitar, também eu, a ocasião, sem o querer naturalmente, transformar no pushing bali do debate da acção popular! Diria apenas ao Sr. Deputado Nogueira de Brito, com a amizade e com a admiração que tenho por si, que de certo não leu atentamente a proposta. Só isso é que se pode justificar a intervenção que fez.
Há, de facto, um alargamento da capacidade processual activa neste artigo 52.º O exercício do direito de acção popular não é apenas reconhecido a título individual, mas também às associações representativas de interesses difusos, pelo que é uma inovação convenhamos, bastante significativa.
Em segundo lugar, o direito de indemnização pode ser exercido, não apenas em benefício próprio de quem desencadeia a acção popular, mas também em benefício da colectividade no seu conjunto - é a segunda inovação significativa.
Em terceiro e último lugar, podia-se até não se ter alterado rigorosamente nada. Mas o facto de a referência aos três casos concretos - protecção do património cultural, da saúde pública e da degradação do ambiente e da qualidade de vida - serem transferidas dos respectivos artigos de direitos económicos, sociais e culturais e passarem a constar do artigo 52.º, em sede de direitos, liberdades e garantias, fazendo beneficiar o direito de acção popular em geral (como já estava, de facto), é por si própria uma inovação muito significativa. Além do mais, torna mais ingente a tarefa do legislador ordinário em tornar a tradução legislativa do direito em causa, e fundamenta, com maior legitimidade, o requerimento da inconstitucionalidade por omissão face a legisladores relapsos. Se considera que é pouco, Sr. Deputado Nogueira de Brito!...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não, não, penso que é muito.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Isto é que é pedagogia, Sr. Deputado Nogueira de Brito!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Muito obrigado, Sr. Deputado José Magalhães! Começarei por responder ao Sr. Deputado António Vitorino.
Sr. Deputado António Vitorino, seria injusto transformar-me no pushing bali do debate sobre a acção popular, porque vou votar favoravelmente o que vem proposto pela CERC. Só seria legítimo e esclarecedor para o povo português transformar-me no pushing bali desta votação se eu fosse contra o que vem aqui proposto.
Portanto, Sr. Deputado António Vitorino, penso que fez bem em, efectivamente, fazer essa ressalva. Segundo, V.V. Ex.ªs acabaram a demonstrar à saciedade que efectivamente há inutilidades fundamentais no texto constitucional...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Inutilidades!?

O Orador: - Entre aspas, Sr. Deputado José Magalhães, como V. Ex.ª, com a inteligência acutilante que a caracteriza, já deve ter apercebido.

Protestos das bancadas do PSD, PS e PCP.

O que acontece Sr. Deputado António Vitorino, é que tudo aquilo que V. Ex.ª acaba de dizer, sublinhando a utilidade do que vem inscrito na proposta da CERC, cabia no dispositivo do n.º 2 Mas é conveniente pô-lo cá para sublinhar casos concretos em que deve ser reconhecido o direito à acção popular; que o direito à acção popular deve ser exercido não por pessoas individuais apenas, mas pelas associações representativas e defensoras dos interesses em causa; que dela pode resultar o direito de indemnização, não apenas a favor das pessoas ofendidas, como das próprias associações. De qualquer maneira, cabia no que está cá, Sr. Deputado António Vitorino.

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O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, permite-me que o interrompa?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado, muito sucintamente, não é um problema de sublinhar ou saber se cabia na legislação ordinária: é um problema de dar uma garantia constitucional sobre esses aspectos, tornar inequívoco que têm dignidade constitucional. O que o legislador ordinário pudesse fazer, claro está que a imaginação o guiaria por bons caminhos, designadamente se não tivesse distraído, como foi o caso do CDS que, estando de acordo e que considerando que isto já cabe tudo na Constituição, nunca apresentou uma iniciativa legislativa sobre esta matéria.

O Orador: - Sr. Deputado António Vitorino, esse argumento não é suficiente, tenha paciência. Estamos todos a fazer a Revisão Constitucional e é evidente que esperamos sempre que algumas das nossas lacunas possam ser preenchidas por outros partidos.
A revisão é obra de dois terços dos deputados, é obra dos deputados da Assembleia, não é obra dos proponentes apenas. Tenha paciência, Sr. Deputado António Vitorino, já V.V. Ex.ªs aderiram a muitos aspectos na Revisão Constitucional que não foram propostos por V.V. Ex.ªs Não queira recordar-me, não vale a pena...

O Sr. António Vitorino (PS): - Mas é uma garantia constitucional!

O Orador: - Sr. Deputado António Vitorino, considero que é precisamente essa vantagem que eu via e era diferença que queria sublinhar em outras normas que procurávamos cá introduzir e que V.V. Ex.ªs, digamos, apelidavam de inúteis. Era esse o sentido da minha intervenção, Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sem razão!

O Orador: - Finalmente, Sr. Deputado Costa Andrade, V. Ex.ª fez-me uma observação em relação à qual queria dar uma explicação. De forma nenhuma, na minha intervenção, a respeito da bancada de V. Ex.ª, pretendia distinguir a dignidade das intervenções. Longe disso, Sr. Deputado. Até porque a intervenção do Sr. Deputado Pais de Sousa foi uma intervenção válida. O que eu apenas queria dizer era que V. Ex.ª fugia, dessa forma a uma acusação de incoerência. Agora pôr em causa a dignidade da intervenção de qualquer deputado?! Nunca Sr. Deputado Costa Andrade! V. Ex.ª não o ouviu partindo de mim, nem ouvirá se Deus quiser.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Costa Andrade, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - É para uma intervenção, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Fica inscrito, Sr. Deputado, mas, em primeiro lugar, dou a palavra ao Sr. Deputado Herculano Pombo, também para uma intervenção.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, presumo que o Sr. Deputado Costa Andrade tenha pedido a palavra para uma intervenção a fim de poder responder ao que disse o Sr. Deputado Nogueira de Brito. Assim, se o Sr. Presidente me permite, interviria depois do Sr. Deputado Costa Andrade, caso ele esteja de acordo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa não tem relutância em alterar a ordem das inscrições desde que esse seja o vosso desejo.
Assim, dado que todos estão de acordo, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade, para uma intervenção.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na medida do possível, muito rapidamente, tentarei demonstrar que não há nenhuma incoerência nem nenhuma contradição por pane do PSD.
Ao abster-se em relação a uma proposta apresentada pelo CDS relativamente a um dos artigos anteriormente votados, o PSD fê-lo por considerar que, caso contrário, estaria a votar uma inutilidade jurídico-constitucional. Isto é, aprovada ou não a referida proposta, a garantia constitucional não se apresentaria mais consistente, mais reforçada ou mais adensada. Esta é uma evidência com a qual penso que toda a Câmara está de acordo.
Agora, o CDS veio dizer que, por identidade de razões, votar a norma que se adivinha é também uma inutilidade, o que não é verdade. Nada há de mais inexacto e, para não me repetir, basta louvar-me do sentido introduzido pela intervenção do Sr. Deputado António Vitorino. É que, agora, a garantia constitucional resulta sobremaneira adensada, reforçada e mais consistente, pois, neste caso, estreita-se a redução da complexidade oferecida ao legislador ordinário.
De facto, seja qual for a vontade política do legislador ordinário, a complexidade está reduzida por obra do legislador constituinte. Até aqui, era muito mais ampla a complexidade ao dispor do legislador ordinário, isto é, o espectro de alternativas ao seu dispor era muito mais extenso, a começar pela alternativa de não fazer nada, enquanto que agora já não é assim. Na verdade, a garantia constitucional resulta adensada e reforçada. Portanto, neste sentido, não é uma inutilidade como o era a proposta apresentada pelo CDS em relação ao artigo anterior.
Votando favoravelmente esta proposta em discussão, temos consciência de que acrescentamos a ordem jurídica constitucional, que, portanto, damos um passo diferente na «constelação» de normas e, reflexamente, na de direitos, deveres e interesses constitucionais tutelados.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não gostaria de deixar terminar o debate sobre o artigo 52.º sem realçar dois aspectos.
Em primeiro lugar, queria realçar a última intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos que me pareceu de extrema relevância, não só por ter manifestado o seu regozijo profundo pelo facto de, no futuro, podermos vir a consagrar na Constituição tudo o que está

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previsto no texto da CERC - e é bastante - mas especialmente por, a este propósito, o Sr. Deputado Almeida Santos ter feito uma notável «profissão de fé» na sua bela utopia - como eu gosto de utopias! - dos 10 milhões de promotores ecológicos... Haveremos de os ter certamente... Na impossibilidade de termos só um, usaremos o método dos 10 milhões, se formos capazes...
De facto, suas palavras constituem a indicação de que faz falta que as pessoas participem e ajudem na construção da democracia, directamente, todos os dias, a toda a hora e não de 2 em 2 ou de 4 em 4 anos, conforme for o calendário eleitoral.
Penso que é extremamente importante o facto de o Sr. Deputado ter chamado a atenção para este aspecto e mais importante ainda é o facto de ter afirmado que cabe ao legislador ordinário a responsabilidade de legislar, imediatamente depois da entrada em vigor do novo texto constitucional, no sentido de, em sede de lei ordinária, desenvolver normativamente o que fica consagrado que, como já referi, é muito.
O segundo aspecto que gostaria de realçar é o do pedido de esclarecimento do Sr. Deputado António Vitorino, que, fundamentalmente, disse o que eu próprio também gostaria de ter dito ao Sr. Deputado Nogueira de Brito.
Quanto mais não fosse, o muito que aqui está decorre do facto de ter mudado a sede da consagração deste direito. É que, por si só, o facto de se ter passado este direito para a sede de direitos, liberdades e garantias constitui uma indicação preciosa para o legislador ordinário e para o exercício diário deste direito, que, aliás, já estava consagrado em sede do n.º 2 do artigo 66.º da Constituição. No entanto, ao estar consagrado neste artigo 52. º, ainda por cima associado ao direito de acção popular, este direito sai notoriamente reforçado.
Daí que queira deixar expresso o meu imenso regozijo por, embora nada o tivesse feito prever, termos sido capazes de alargar notoriamente o texto do artigo 52.º, não só em conteúdo semântico mas, principalmente, em direitos e garantias.

O Sr. António Vitorino (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que está encerrado o debate do artigo 52.º
Peço aos grupos parlamentares que ainda não tenham dado indicação de quais os seus membros que integrarão as comissões de inquérito que o façam com brevidade.
Srs. Deputados, passamos agora ao debate do artigo 53.º
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha intervenção é no sentido de justificar a proposta de um n.º 2 ao artigo 53.º, apresentada pelo CDS.
Tal como, oportunamente, foi dito por um meu colega de partido ao falar sobre a nossa proposta de Revisão Constitucional e tal como eu próprio repeti em sede da CERC, com este aditamento pretendemos...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Despedir!

O Orador: - Despedir V. Ex.ª, Sr. Deputado José Magalhães? Despedirmo-nos? Não! Ainda são só 19 horas e 30 minutos!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Despedir os trabalhadores!

O Sr. António Vitorino (PS): - É uma inutilidade!

O Orador: - Sr. Deputado António Vitorino, esta nossa proposta não é uma inutilidade...

O Sr. António Vitorino (PS): - É só um malefício, não é uma inutilidade!

O Orador: - Sr. Deputado António Vitorino, não posso perder «o fio» ao discurso...

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Efectivamente, com a proposta de aditamento deste n.º 2 pretendemos tornar claros e acautelar os direitos dos trabalhadores a receberem uma indemnização nas hipóteses de despedimento por facto que se não enquadre no conceito de justa causa por motivo culposo.
Para nós já era claro e hoje também é claro para todos os portugueses, que a garantia de segurança no emprego que consta da redacção actual do artigo 53.º abrange, não apenas as hipóteses de justa causa correspondentes a uma falta disciplinar do trabalhador como também outras hipóteses de despedimento em que este é devido a circunstâncias objectivas atinentes ao funcionamento e à estrutura da própria empresa.
Nessa perspectiva e para quem tenha esse entendimento, é fundamental que se esclareça que, também nessas hipóteses, a Constituição defende o direito dos trabalhadores a serem devidamente indemnizados.
Hoje, é claro e todos sabemos que o que a Constituição defende é realmente uma garantia de que o trabalhador não seja vítima de um despedimento sem fundamentação por parte da entidade patronal. É evidente que assim é. Mas o que é fundamental é que, também para essas hipóteses, na sequência do direito à segurança ao emprego, a Constituição consagre o direito a receber uma indemnização.
Fizemos esta proposta antes de conhecermos qualquer destino de qualquer proposta de legislação ordinária que estivesse apresentada à Assembleia da República a título de pedido de autorização legislativa. Não somos dos que, de repente, se sobressaltam, surpreendendo lacunas na nossa própria proposta de revisão do texto constitucional, a propósito da sorte experimentada por tais pedidos de autorização legislativa. Na verdade, sempre tivemos o entendimento de qual o alcance do artigo 53. º, único alcance compatível com uma regulamentação racional e justa das relações de trabalho. Assim, entendemos que era necessário completá-la com esta garantia explicitada para os trabalhadores, que é a nossa proposta de aditamento de um n.º 2.
Esta nossa proposta não é variável com a sorte experimentada por quaisquer projectos de legislação ordinária nesta matéria. E uma proposta que corresponde a um entendimento do nosso partido e ao que entendemos que é a verdadeira defesa dos interesses dos trabalhadores. Por isso a apresentámos, por isso a mantemos.
A legislação ordinária que, entretanto, foi publicada dá razão ao nosso entendimento sobre o princípio da segurança constante do artigo 53.º, também conferindo

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aos trabalhadores o direito a uma indemnização. Porém, supomos que aqueles interesses resultarão mais perfeitamente defendidos se essa garantia constar do próprio texto constitucional. Repito que foi por estas razões que apresentámos a nossa proposta, que a mantemos e que a submetemos à votação da Assembleia.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, aproveitaria para fazer uns parêntesis para me referir à intervenção do Sr. Deputado Nogueira de Brito.
É que evidente que o Sr. Deputado não tem razão porque quando a Constituição garante o direito ao trabalho e à estabilidade do emprego não pretende apenas garantir o direito à retribuição mas também o direito ao exercício efectivo de uma actividade remunerada. Portanto, o Sr. Deputado não tem razão em relação a essa questão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao iniciar-se a apreciação das propostas que envolvem o artigo 53.º (pedra angular da entrada da Constituição laborai), importará correlacionar as propostas e o posicionamento do PSD com a prática política do seu Governo e com as suas iniciativas legislativas, algumas delas já materializadas em lei.
Nesta área, na área laborai e social, a realidade e a prática governativa - a tal questão da conjuntura de que o PSD não gosta de ouvir falar - têm de estar em cima da mesa.
Entendemos que, face às posições indiciadas na CERC, se torna importante realçar e valorizar o facto de a matriz da Constituição laborai manter comandos no sentido do progresso, da justiça social, de salvaguarda e reconhecimento da existência do exercício de direitos liberdades e garantias, considerados fundamentais pelos trabalhadores. Do artigo 53.º, ao artigo 59.º o CDS (reconheça-se, ao menos, a sua frontalidade) foi igual a si próprio nos seus princípios classistas, ao propor alterações sempre no sentido vazante ou restritivo.
Já o PSD, em posições aparentemente híbridas, e salvo numa ou noutra proposta claramente restritiva dos direitos dos trabalhadores e das suas organizações, consciente de que aqui a maioria de dois terços seria mais ou menos inalcançável, fez operações de riso calculado, confiando mais na prática inconstitucional do Governo em matéria de legislação de trabalho e na sua prática social.
Mas talvez com algum prejuízo momentâneo da sapiência constitucional e dos conhecimentos enciclopédicos, com algum incómodo para os que aprenderam mais nos livros do que com a vida, importará trazer à ordem do dia desta discussão a realidade, a tal conjuntura de que os Srs. Deputados do PSD não gostam de ouvir falar.
O artigo 53.º, a que os constituintes quiseram dar uma profunda dimensão social e prevalência no ordenamento da Constituição laborai, permite falar dessa realidade.
Falar dos mais de SOO mil trabalhadores com contrato a prazo, falar da insegurança e da precaridade no emprego que atinge já mais de um milhão de trabalhadores sujeitos aos métodos mais condenáveis e inaceitáveis de exploração que o Governo PSD promove e fomenta em nome da «flexibilização». Mas porque não lhe basta a prática anti-social, quis legalizar o arbítrio e a insegurança, através do pacote laborai, ao arrepio e com a violação da letra e do espírito constitucional.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - Quer o Governo, tal como a proposta mal amanhada do CDS, que se possa despedir individualmente por razões exclusivamente imputáveis ao patronato, por razões económicas, tecnológicas, estruturais ou de mercado, quer o Governo impor aos jovens à procura do primeiro emprego ou desempregados de longa duração, sempre, um contrato a prazo.
É esta a concepção constitucional do PSD sobre a segurança no emprego?
O Governo sabe, a direita sabe, que a segurança no emprego é «a estrela polar», a condição decisiva para a existência dos outros direitos e liberdades. Um trabalhador com vínculo precário tem dificuldade em fazer greve, em se sindicalizar, em constituir uma comissão de trabalhadores, em participar e intervir democraticamente - e aqui põe-se a questão da democracia participada - na vida da empresa. Por isso, enquanto fomenta a precarização, o Governo promove o assalto, prático e legislativo, aos direitos e liberdades também dos que têm trabalho efectivo.
Por isso ataca o direito à greve através das requisições civis e dos famigerados serviços mínimos no Metro, na Carris, na CP, na Transtejo. Aplica o garrote à liberdade da negociação da contratação colectiva, na Administração Pública e nas empresas do sector empresarial do Estado, não reconhece aos trabalhadores dos estabelecimentos fabris das Forças Armadas e aos profissionais da PSP o direito a constituírem associações sindicais, revoga através da lei dos despedimentos, a protecção especial aos representantes eleitos pelos trabalhadores. Até já ouvimos dizer que vem aí a alteração à lei das comissões de trabalhadores e das associações sindicais.
Quem não tem cão caça com gato! Quem não tem dois terços, tem um Governo que, por via da legislação ordinária, pela prática anti-social, tenta ganhar o que não conseguiu ganhar no acordo que fez com o PS. É pena que o Partido Socialista que, nesta matéria, se colocou ao lado dos trabalhadores, não tenha feito o mesmo no que diz respeito à revisão da parte económica da Constituição, que também envolvia direitos fundamentais dos trabalhadores.
Nesta matéria, o PSD esteve sempre contra a Lei Fundamental. Continuará, depois da revisão, a sua ofensiva contra a Constituição laboral, porque, na história do movimento operário, está provado que a direita e o patronato nunca se conformam com a perda de domínios e de privilégios perdidos. Compete àqueles que criam, realizam e defendem os direitos laborais, que são os trabalhadores, defender a Constituição laborai pela melhor forma que sabem e que a vida lhes ensinou: defendendo e exercendo os seus direitos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

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O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, ouvi-o com atenção. Este não é um troppo parlamentar, porque o faço sempre e aprecio as intervenções de V. Ex.ª, mas já lhes conheço o «norte» e o vocabulário: lá tinha que vir a «pancada» da «intervenção classista do CDS» ao longo das propostas do artigo 53.º e seguintes...

Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, porque é que V. Ex.ª não preferiu falar em «intervenção realista do CDS» nesta matéria?
V. Ex.ª também falou no artigo 59.º e no princípio do direito ao trabalho. Resta-me saber quem defende melhor o princípio do direito ao trabalho: se são as intervenções e as propostas realistas do CDS, se são as propostas classistas do PCP. Certamente que V. Ex.ª não reivindicará que o seu partido não faz propostas classistas... não é verdade? V. Ex.ª sabe que as faz! Ora, acontece é que também me quer imputar a autoria de propostas classistas quando é o contrário que se passa!
Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, já que falamos em irrealismos, gostaria de lhe fazer uma pergunta. A intervenção de V. Ex.ª não será irrealista?
Na verdade, depois de já ter sido reconhecida a constitucionalidade da cessação do contrato de trabalho por invocação de extinção do posto trabalho,...

A Sr.ª. Odete Santos (PCP): - Quem é que reconheceu? Isso não é verdade!

O Orador: - ... não considera que é realista e que representa a verdadeira defesa dos trabalhadores a proposta do CDS no sentido da constitucionalização do direito a uma indemnização, para hipóteses que já estão consideradas conformes com a Constituição?
Responda-me, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa!

A Sr.ª Odete Sousa (PCP): - Não é verdade, não estão consideradas essas hipóteses!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, ainda bem que tanto gosta de ouvir as minhas intervenções. Cada qual tem o estilo que tem: este é o meu.
Quanto às suas afirmações, respondo-lhe que, de facto, o CDS vem é tentar «emendar a mão» do mal que o PSD fez através da Lei dos Despedimentos e do pacote laborai. É que este ainda não foi apreciado pelo Tribunal Constitucional e, portanto, o Sr. Deputado não falou verdade quando disse que já está viabilizado. Aliás, o Partido Comunista Português vai apresentar um requerimento no sentido da declaração de inconstitucionalidade do diploma.
Portanto, esta vossa proposta visava, fundamentalmente, constitucionalizar o artigo 26.º da Lei dos Despedimentos, segundo o qual, por razões económicas, tecnológicas, estruturais ou de mercado, imputáveis ao patronato, um trabalhador pode ser despedido ao arrepio do actual artigo 53.º, que, tudo indica, ficará com a redacção que já tinha.
Então, propõe que seja dada uma indemnização aos trabalhadores? É essa a concepção do CDS da «caridadezinha»?
É que um trabalhador não quer receber apenas uma indemnização. O trabalhador tem o direito ao trabalho efectivo e a um salário que lhe dê para viver e não a uma «esmola» que o patrão lhe dê porque resolve despedi-lo arbitrariamente.
De certa forma, a vossa proposta é coerente, já que propõe o que o PSD não foi capaz de fazer. Reflecte também uma preocupação do CDS, que receia um parecer do Tribunal Constitucional no sentido da inconstitucionalidade do diploma e porque sabe que vai ao arrepio do actual artigo 53.º da Constituição das República.
Pensamos, pois, que o CDS não vai conseguir vencimento com a proposta que apresenta. Ainda bem para os trabalhadores, ainda bem para a Constituição da Republica, ainda bem para o artigo 53. º
Quanto a dizer que os interesses que o PCP defende são os dos trabalhadores, devo esclarecer que não são só esses que defendemos, mas ainda bem que os fazemos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Espada.
A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação ao artigo 53.º o PRD apresentou uma proposta de aditamento para o n.º 2 que diz respeito aos contratos a prazo. Na comissão esta proposta mereceu uma votação indiciaria que, não obstante não ter obtido a maioria de dois terços, obteve, no entanto votação favorável por parte do PS e do PCP.
Pensamos que a matéria que diz respeito aos contratos a prazo se insere adequadamente no artigo 53.º, posto que são, como definição, uma forma de não garantir a segurança no emprego, ou seja, são uma forma da não segurança no emprego e, portanto, uma forma excepcional a este princípio. Foi, pois, por esse motivo que esta norma foi introduzida neste artigo.
Sabemos que os contratos a prazo são excepcionados na lei ordinária e pretendemos que essa excepção venha a ser constitucionalizada, consagrando-se as condições em que expressamente o princípio da segurança no trabalho, no que diz respeito aos contratos a prazo, pode ser violado, alterado ou enviesado. Isto é, pretendemos que na Constituição se consagrem, para esta excepção em relação à segurança no trabalho, as condições em que esta excepção pode ser feita, pois pensamos que, de uma forma geral, esta proposta vem reforçar o princípio da segurança no trabalho.
Gostaria ainda de fazer algumas referências à forma como a discussão desta matéria se fez na comissão, apesar de não termos participado nela. Assim, devo dizer que em relação ao artigo 53.º houve também outra proposta por parte do PCP, que aquando da votação receberá o nosso apoio e a nossa aprovação porque vem, de algum modo, garantir e tornar mais forte o princípio da segurança no emprego.
Na verdade, creio que é significativo que, em relação a este artigo, o PSD não tenha apresentado qualquer proposta de alteração no sentido de assegurar mais garantias para os trabalhadores nesta matéria e que a única proposta de alteração que propôs seja no sentido de retirar da Constituição direitos, não incluindo

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outros, que viriam garantir aos trabalhadores mais segurança no emprego.
Esta é a nossa análise global em relação ao artigo 53.º
Devo dizer ainda que vamos manter a proposta que apresentámos, pois parece-nos que é fundamental que ela se encontre no ordenamento que propusemos e que se constitucionalizem as regras em que os contratos a prazo devem ser assegurados. É evidente que esta proposta vem também na sequência de, independentemente daquilo que está estipulado em lei ordinária, na prática se ter vindo a desvirtualizar a forma e as condições em que são celebrados os contratos a prazo. É para dar garantia constitucional às regras com que estes contratos devem ser celebrados que apresentamos esta proposta de alteração.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados Rui Gomes da Silva e Nogueira de Brito.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Sr." Deputada Isabel Espada, gostaria que V. Ex.ª explicitasse melhor qual o espírito do PRD ao apresentar esta proposta de aditamento de um n.º 2 ao artigo 53. º
A determinado passo da sua intervenção, a Sr.ª Deputada disse que o PSD não tinha apresentado nenhuma proposta de alteração. Ora, isso é falso, pois em devido tempo apresentarei a justificação da proposta de aditamento de um novo n.º 2 que apresentamos e direi quais os motivos por que esta Assembleia a deveria aprovar.
Quando ouvi a intervenção que a Sr.ª Deputada produziu, a verdade é que mais me pareceu estar a ouvir uma intervenção da bancada do PCP do que da do PRD. A Sr." Deputada vem defender a constitucionalização dos contratos a prazo. Mas é isso que V. Ex.ª quer de certeza?
A verdade é que nós nem queremos a constitucionalização dos contratos a prazo nem queremos os contratos a prazo. O que pretendemos é a garantia do emprego, que para nós é mais importante do que a estabilidade no emprego. Isto é, mais importante do que aquilo que aqui se propõe, do que a estabilidade no emprego, é o emprego propriamente dito. A mim não me preocupa nada que não haja estabilidade no emprego se cada português tiver o seu local de trabalho, se cada português tiver o seu posto de trabalho. E o que é que me adianta dizer que todos temos a garantia e a estabilidade no emprego se metade, um terço ou dois quintos de nós não tem emprego?
Isso é que importa saber, Sr.ª Deputada! Não importa constitucionalizar os contratos a prazo. Não queremos contratos a prazo...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não querem?

O Orador: - ... mas sim emprego para todos e só depois a estabilidade no emprego.
Aquilo que os Srs. Deputados do PCP fizeram em determinado momento foi inverter o sentido das questões, isto é, pretenderam primeiro a estabilidade no emprego e depois o emprego, o que deu naquilo que todos vimos em 1975, 1976 e 1977, que foi, no fundo, não haver emprego, haver despedimentos, salários em atraso, etc.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Isso não foi nesses anos. Está enganado!

O Orador: - É, pois, contra isso que combatemos. Nesse sentido, creio que a proposta de aditamento que o PRD apresenta não é muito feliz.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Isabel Espada, pretende responder já ou no fim de todos os pedidos de esclarecimento?

A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Prefiro responder no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr.ª Deputada Isabel Espada, é fundamental aferirmos o grau de realismo de que ainda somos capazes de tratar estas matérias, ou senão vamos atrás das utopias que nos são assopradas pelo PCP e que este procura materializar através de um esquema de organização económica que bem conhecemos, porque, de contrário, não tem sentido o que eles nos estão a propor...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O quê?

O Orador: - ... assim como também não tem sentido com o esquema que eles nos propõem, e o que se pode verificar em consequência é a destruição completa da economia de um país.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Que coisa mais tremenda!

O Orador: - Sr.ª Deputada Isabel Espada, apenas gostaria de fazer uma pergunta muito concreta para apreciar o grau de realismo da proposta que apresentam.
Em relação à legislação actual e recentemente publicada em matéria de contrato de trabalho a termo, o que é que significa esta proposta de nosma constitucional do PRD? A Sr.ª Deputada tem ideia disso? Esta norma é restritiva em relação à legislação publicada que por esse facto preocuparia a Sr.ª Deputada ou é compatível com a legislação recentemente publicada?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - A Constituição é que tem que ser compatível com a lei?

O Orador: - Sr.ª Deputada Odete Santos, V. Ex.ª sabe que não é isso que eu pretendo. O que pretendo é conhecer o alcance da proposta do PRD, o que é fundamental para que a possamos votar.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem palavra a Sr.ª Deputada Isabel Espada.

A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Deputado Rui Gomes da Silva, se lhe pareceu que a minha intervenção mais parecia vir da bancada do PCP, também devo

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dizer que o pedido de esclarecimento que V. Ex.ª formulou mais me pareceu vir da bancada do PCP do que da sua. Na verdade, o Sr. Deputado fez o discurso do PCP e dos partidos que se preocupam com a questões sociais. Porém, esse não é o caso do partido a que o Sr. Deputado pertence.
O Sr. Deputado veio, pois, afirmar uma coisa que dizemos há muito tempo. É evidente que não queremos os contratos a prazo, mas é um facto que eles existem e que, como o Sr. Deputado Nogueira de Brito afirmou, há legislação ordinária sobre essa matéria. E é para garantir que dentro da legislação existente se respeitem certas regras e princípios, para que esta excepcionalidade ao princípio da segurança no emprego não seja sistematicamente violada, que pensamos que elas devem estar definidas em termos constitucionais. Estas são as regras excepcionais - e só estas - em que admitimos que a contratação a prazo se faça. Para além delas, consideramos que quando se fizer contratação a prazo essa celebração do contrato é inconstitucional.
É para podermos dizer isso e para evitar que a celebração dos contratos a prazo se faça de uma forma indiscriminada que queremos que este princípio se venha a consagrar.
Creio que, de algum modo, isto corresponde à questão colocada pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito. Tal como o Sr. Deputado, quando fez o seu projecto de Revisão Constitucional, não tinha em conta a legislação que estava a ser produzida, nós queremos dizer exactamente a mesma coisa. Mas, independentemente da legislação que estava a ser produzida ou que já foi produzida, devo dizer que para nós estes são os princípios que devem ser constitucionalmente consagrados.
São estas as regras a que deve assistir o princípio da celebração dos contratos a prazo. Depois veremos se as leis ordinárias são ou não inconstitucionais em relação a este princípio, permitindo-se, através disto, que não se façam leis ordinárias que não consagrem este princípio que pretendemos ver constitucionalizado. É uma forma de evitar que a celebração dos contratos a prazo através da lei ordinária atinja âmbitos que não são os característicos deste tipo de contratos.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Dá-me licença que a interrompa, Sr.ª Deputada?

A Oradora: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr.ª Deputada, o problema é que V. Ex.ª está preocupada com a consagração desta questão nestes termos e quero dizer-lhe o seguinte: a legislação sempre foi óptima desse ponto de vista. A prática é que contornou a legislação, Sr.ª Deputada. Há pouco pensei surpreender no sentido da sua intervenção inicial alguma coisa nessa direcção. Simplesmente, agora está a parecer-me que não e a Sr.ª Deputada está a querer contornar ou partilhar as realidades da vida económica de uma forma que levará, consecutivamente, ao curto-circuito das normas.

A Oradora: - Sr. Deputado, na intervenção que produzi tive oportunidade de dizer isso e V. Ex.ª teve a oportunidade de ouvir que a realidade que vigora e que nos preocupa é a que não queremos consagrar. Portanto, é por esse facto e tendo em conta a realidade existente, que apresentamos esta proposta.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão inscritos, para produzir intervenções sobre o artigo 53.º, os Srs. Deputados Rui Gomes da Silva, Vera Jardim, Odete Santos e Marques Júnior.
Visto estarmos a atingir a hora regimental de interrompermos os nossos trabalhos para jantar, creio que será preferível que estes Srs. Deputados usem da palavra após o intervalo.

Está suspensa a sessão até às 21 horas e 30 minutos.

Eram 19 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 21 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos continuar com a discussão do artigo 53.º

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de justificar as alterações que o PSD apresenta em relação ao artigo 53.º, aditando-lhe, nomeadamente um n.º 2, gostaria de anunciar à Câmara que o meu partido retira as propostas que apresentou em relação aos artigos 55.º, 56.º e 57.º Fazemos isso não porque essas mesmas propostas não tenham inteiro cabimento e não se justifique a sua introdução em termos constitucionais, mas tão-só por mero pragmatismo e por ter já conhecimento de que no debate em comissão as propostas apresentadas pelo PSD em relação a este artigo...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, importa-se de repetir quais os artigos a que se está a referir?

O Orador: - Sr. Presidente, estou a referir-me aos artigos 55.º, 56.º e 57.º Explicitando melhor, retiramos todas as alterações que apresentámos em relação às alíneas a), b), c), d) e e) do artigo 55.º; a alteração que propusemos para os n.ºs 1 e 4 do artigo 56.º e as alterações constantes da alínea a) do n.º 2 e a eliminação da alínea c) do artigo 57.º No fundo, retiramos todas as propostas apresentadas pelo PSD em relação a estes artigos.
Srs. Deputados, como estava a dizer, retiramos estas propostas não por entendermos que elas não tenham inteiro cabimento, mas tão-só porque da discussão em comissão resultou que elas não teriam vencimento, ou seja, não obteriam os dois terços necessários para a sua aprovação como alterações a introduzir na própria Constituição.
Assim, por mero pragmatismo, porque entendemos que o processo de Revisão Constitucional tem que ser célere, porque entendemos que esse é o nosso dever, retiramos essas propostas.
Vou agora passar à justificação da proposta de aditamento que o PSD apresenta em relação ao artigo 53.º
Em relação a este artigo, o PSD mantém o corpo do artigo, mantém, por isso, a proibição dos despedimentos por motivos ideológicos, com excepção da última parte do n.º 2 da proposta que o PSD apresenta em relação a este artigo.
A proposta de aditamento do n.º 2 é do seguinte teor: «É também proibido o despedimento por motivos ideológico, salvo havendo violação do dever da

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fidelidade confessional, doutrinal ou ideológica em relação a entidades empregadoras de carácter confessional, sindical ou partidário, quando tal carácter esteja expresso nos respectivos estatutos ou seja público e notório». Aí se refere a violação de um dever de fidelidade, dever esse que tem a ver com o carácter confessional, doutrinal ou ideológico e que se repercutirá nas esferas confessional, sindical ou partidária, como também se refere que este mesmo carácter deverá constar dos estatutos ou ser público ou notório.
É intenção do PSD relativizar tal princípio. Isto é, fá-lo e apresenta esta mesma proposta na defesa dos próprios interesses dos trabalhadores, limitando e restringindo o conceito de dever de fidelidade e tentando que a ausência do dever de fidelidade para com a entidade empregadora não seja invocado como justa causa, atribuindo ao trabalhador, noutras situações, um comportamento culposo que, pelas suas consequências, torna impossível a subsistência da relação laboral.
Portanto, é no sentido da defesa do trabalhador que apresentamos esta alteração. Conforme alguns colegas meus, nomeadamente o Sr. Deputado Rui Machete, Presidente da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, afirmou na própria comissão, o PSD apresentou esta alteração tendo em vista dar um carácter restritivo à própria norma constitucional, já que entendemos que devemos distinguir estes casos de violação do dever de fidelidade de todos os outros casos de comportamento desleal e para evitar ao legislador ordinário que, face ao preceituado na Constituição, encontre nessa mesma Constituição dificuldades de interpretação.
É neste sentido que o PSD apresenta esta alteração. É um aditamento que pensamos ser uma benfeitoria, pois vem esclarecer o alcance da norma, o alcance até da norma ordinária, é uma benfeitoria que o PSD introduz na Constituição, tendo em vista defender os próprios trabalhadores.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Rui Gomes da Silva, já votámos contra esta proposta do PSD. Porém, o voto não é definido e V.V. Ex.ªs podem carrear ao processo elementos de esclarecimento que nos levem a mudar o sentido do nosso voto.
Quando o Sr. Deputado fala de fidelidade confessional pretende referir-se ao dever de lealdade dos trabalhadores? Ao dever de lealdade cuja infracção constitui uma infracção disciplinar tipificada na Lei do Trabalho?
V. Ex.ª entende que é impossível haver lealdade do trabalhador com para a empresa ou o fundo de trabalho, que é da daquilo que estamos a tratar? Suponho que o Sr. Deputado deve estar a falar dos partidos, de organizações confessionais ou religiosas. E impossível haver lealdade do trabalhador como tal se não se identificar ideológica, confessional e religiosamente com o fundo do trabalho em que está inserido?
Sr. Deputado Rui Gomes da Silva, se quiser ter a amabilidade de o fazer, peco-lhe que pondere essa questão perante a Câmara, porque pode estar a introduzir um sentido ao dever de lealdade que seja perigoso no que respeita à sua própria delimitação.
Era este fundamentalmente, o esclarecimento que queria obter de V. Ex.ª

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, penso que são esclarecedoras as suas dúvidas, até porque me permitem, de alguma maneira, carrear alguma argumentação que justifique a proposta apresentada pelo PSD.
É evidente que, nos termos do artigo 20.º, n.º 1, alínea d), da LCT (se não me falha a memória), há aquilo a que chamamos dever de lealdade do trabalhador para com a entidade empregadora. E esse dever de lealdade coloca-se num campo, se quisermos, inferior àquele que entendemos dever ser um dever de fidelidade em relação a organizações e que, como aqui referimos na nossa proposta, tem a ver com a fidelidade confessional, doutrinal ou ideológica. O que pensamos - e é nesse sentido que introduzimos aqui esta alteração - é que essa mesma fidelidade não se deve confundir com a lealdade. E a benfeitora que aqui pretendemos introduzir é no sentido de não se poder vir a argumentar com o dever de lealdade invocando não a própria lealdade que deve haver do trabalhador para com a entidade empregadora mas um dever de fidelidade.
Não passará pela cabeça de ninguém - e penso, o Sr. Deputado far-me-á essa justiça -, não passará pela cabeça de nenhuma organização confessional, sindical ou partidária, conforme referimos na nossa proposta, por razões óbvias, ter um trabalhador que, a partir de determinado momento, mudou a sua posição.
Sr. Deputado Vera Jardim falava - e era o único argumento que ele referia, pois teve o cuidado de reler as notas e a discussão na comissão sobre esta matéria - de um único exemplo, o do Jornal Novo, que ele trouxe à colação nesta discussão. Só que o Jornal Novo, conforme dizia na altura o Sr. Deputado Rui Machete, não era nenhuma organização de carácter confessional, doutrinal ou ideológico e penso que na altura terá ficado bem patente que a confusão que aí se estabeleceu não tem nada a ver com o intuito e com o objectivo da nossa proposta. Aquilo que pensamos é que a nossa proposta é bem clara, tem a ver com um dever de fidelidade, tem a ver com as opções ideológicas, confessionais ou doutrinárias de cada um dos trabalhadores e é nesse sentido que propomos nesta alteração.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao entrarmos no conjunto de disposições respeitantes aos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores ser-me-á certamente permitido relembrar aqui a perspectiva inicial do meu partido nesta matéria, que se tem mantido inalterável desde o momento em que apresentámos o nosso projecto de Revisão Constitucional.
Entendemos e continuamos a entender, que este conjunto de artigos, normalmente tido como a Constitucional laborai, constitui, no quadro constitucional e da

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sociedade portuguesa, um conjunto que se apresenta - como também, de uma maneira geral, toda a regulamentação dos direitos, liberdades e garantias - como um dos mais afinados e progressivos das Constituições europeias, cobrindo, no que diz respeito aos direitos dos trabalhadores, quer os aspectos fundamentais da relação laboral, quer os aspectos organizados dos trabalhadores nas comissões de trabalhadores e nos sindicatos, quer finalmente, os direitos de luta dos trabalhadores pelos seus direitos. E assim sempre afirmámos, desde o início, que não estaríamos dispostos a introduzir alterações de fundo nesta matéria.
Pensámos e continuamos a pensar, que é de manter a sua integralidade, salvo algum benefício que viesse a resultar da discussão no quadro da CERC ou aqui no Plenário, este edifício harmonioso e que se tem mostrado com potencialidades suficientes para dar aos trabalhadores as garantias de emprego, às suas organizações as garantias suficientes de actuação e se tem mostrado um quadro de equilíbrio na sociedade portuguesa.
Foi essa a nossa perspectiva e nela continuamos, apesar dos ataques vindos de algumas partes, que procuraram desestabilizar os trabalhadores, apontando-lhes o PS como que sendo capaz de vender, digamos, alguma parte desta Constituição laboral a troco de algum preço vindo de onde viesse, apesar de também se ter tentado pôr na mesa em negociação, porventura, algumas das disposições da Constituição laboral.
Hoje continuamos a defender, neste quadro, que este conjunto de artigos continua a ser válido, pois tem-se mostrado válido nos últimos tempos para defender o que julgamos essencial dos direitos dos trabalhadores.
No que respeita em especial ao artigo 53.º é evidente que ele assume, dentro da Constituição laborai, uma importância que julgo desnecessário estar aqui a sublinhar. E, por isso mesmo, aquela perspectiva que tínhamos, em genérico, em relação às disposições da Constituição laborai, defendemo-la naturalmente e por maioria da razão, em relação ao artigo 53.º Defendemo-la e dissemo-lo logo na apresentação do nosso projecto de Constituição; defendemo-la no quadro das discussões da CERC; defendemo-la no diálogo com todas as forças sociais e políticas. Sempre dissemos que não era preço para nada rever o artigo 53. º e que não estaríamos dispostos a revê-lo.
Assim, continuamos hoje a afirmar o mesmo, continuamos a afirmar o mesmo contra a proposta do CDS que, introduzindo uma alteração à última da hora - numa pirueta pela qual já tive a ocasião de cumprimentar o meu querido amigo deputado Nogueira de Brito -, poderia e a isso estava destinada, retirar grande parte do sentido à afirmação expressa do artigo 53.º da proibição dos despedimentos sem justa causa, continuamos naturalmente a afirmá-lo ao rejeitar in limime na CERC, como continuamos agora a rejeitar, a tentativa do PSD de, introduzindo um dispositivo que permita os despedimentos por falta de fidelidade confessional, doutrinal ou ideológica, vir a abrir a porta a uma possível deturpação completa do artigo 53.º
Efectivamente, é caso para perguntar: o que é isto da fidelidade confessional? Será que quando se entra para uma empresa de tipo confessional, para um jornal de tipo partidário ou para uma organização sindical se pretende que se assine um documento de fidelidade? É isto que o PSD pretende? Se assim não é, como é que então se vai averiguar dessa fidelidade ou infidelidade? Qual é - como muito bem perguntava há pouco o deputado Nogueira de Brito - o critério da fidelidade? Isto é abalar os alicerces da relação de trabalho, que se baseia no dever de lealdade do trabalhador mas não em qualquer dever de fidelidade, que ultrapassa, naturalmente, o âmbito estrito da relação de trabalho. Torno a perguntar: como é possível que o PSD continue a insistir na sua proposta de aditamento ao n.º 2 do artigo 53.º?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Constituição não é para nós uma fortaleza inexpugnável e temo-lo demonstrado pela nossa disponibilidade em melhorar o quadro constitucional, em melhorar vários dispositivos constitucionais. Mas reafirmamos aqui a nossa posição de sempre: não estamos dispostos a entrar em negociações sobre o conjunto das disposições que constituem a Constituição laboral.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados encontram-se entre nós alunos do ensino nocturno da Escola Secundária D. Pedro V, que nos quiseram acompanhar esta noite.

Aplausos gerais.

Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Vera Jardim, agradeço a sua confissão pública de amizade. Suponho que ainda não tinha saudado V. Ex.ª como amigo, como profissional, como deputado e como político e apraz-me muito fazê-lo neste momento. E a minha pergunta - que vou fazer já e depois explico porquê - vai ser só esta: o que é que retirava sentido ao artigo 53.º? A pirueta que V. Ex.ª diz que o CDS fez ou a alteração que o CDS propôs? É bom que nós o saibamos.
Efectivamente, nesta matéria da Constituição, estamos sujeitos a uma condição fundamental, que é a dose de realismo que vai tendo o PS. Esse realismo é um realismo a conta-gotas, algum realismo em 1882, mais realismo em 1889 - para desespero ali dos nossos amigos do PCP -, pois a Constituição fica agora mais adequada à realidade portuguesa, mas ainda não todo o realismo, Sr. Deputado Vera Jardim. E por isso é que V.V. Ex.ªs, com acesso de irrealismo, recusam qualquer alteração neste domínio.
O que o CDS propunha era, primeiro, a consagração de uma interpretação realista do artigo 53.º, e, depois, em consonância com essa interpelação realista do artigo 53.º, que está traduzida na legislação ordinária, a defesa dos direitos dos trabalhadores, volto a repeti-lo, Sr. Deputado Vera Jardim, na perspectiva dessa interpretação realista do artigo 53.º
V.V. Ex.ªs recusam-se ao realismo na Constituição! Mas ainda bem que algum realismo perpassa pelo vosso partido - quando não é na Constituição, é na legislação ordinária. Algum realismo perpassou quando o vosso partido propôs e publicou o actual regime jurídico dos contratos a prazo. É evidente, Sr. Deputado Vera Jardim, que todos nós nos revoltamos contra as utilizações abusivas desse regime jurídico, mas se não fosse esse regime jurídico onde é que estaria o investimento, onde é que estariam os postos de trabalho em Portugal?

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E é assim, defendendo a criação de postos de trabalho, que nós defendemos o direito ao trabalho, que deve estar antes da segurança no trabalho, porque se não houver postos de trabalho, não há segurança no trabalho ou ela não tem qualquer aplicação. Este é o sentido da intervenção do CDS, que o mantém, desde o princípio até à última hora, não retirando propostas, não retirando projectos, mantendo-os até ao fim para que a dose do nosso realismo possa contagiar outros partidos.

O Sr. António Vitorino (PS): - Com tanto realismo, acaba em monárquico.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, ao ouvi-lo falar em realismo, lembrei-me de um discurso muito usual nos últimos tempos, que não fala em realismo mas fala em pragmatismo.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não, isso não!

O Orador: - São palavras de sentido em quase tudo idêntico, mais o realismo tem os seus limites, Sr. Deputado Nogueira de Brito.
É evidente que o exemplo que deu dos contratos a prazo é um exemplo bom para esta questão. Uma coisa é a legislação, outra é a prática que se faz dessa legislação, a prática enviesada dessa legislação. Muitas vezes os princípios legislativos são positivos, a ideia do legislador pode ser positiva, mas a prática vem depois a mostrar os «buracos» ou as manobras que são permitidas por esse tipo de legislação.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, sinceramente não penso que os principais problemas que se possam colocar ao investimento estejam hoje nas relações de trabalho e na legislação laboral. Sinceramente não o penso e basta falar com a maior parte dos empresários modernos deste país para verificar que este não é, quanto a eles, um problema essencial, há outros problemas, porventura, mais graves.
E o que lhe queria dizer é que este n.º 2 do CDS, ao completar o princípio do artigo 53.º e ao ter várias leituras possíveis, é para nós inaceitável, na medida em que não podemos, de forma nenhuma, admitir que o princípio da estabilidade do emprego seja posto em causa. Assim sendo, faço-lhe a justiça de pensar que a vossa interpretação do n.º 2 é uma interpretação real, coerente e possível, mas há outras interpretações. Há-de aceitar que há outras interpretações que, a serem-lhe dadas, viriam retirar toda a força ao princípio afirmado no artigo 53.º e, por isso mesmo, não podemos aceitar a proposta do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de fazer uma intervenção porque já foram feitas aqui algumas afirmações que não correspondem minimamente à verdade, nomeadamente as afirmações feitas pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito, que compressivelmente está muito entusiasmado na discussão desta matéria, com grande denodo a defender as suas ideias, de tal maneira que a sua última intervenção até me fez lembrar a saudosa Palmira Bastos numa peça que deu na televisão, quando terminava com a frase «as árvores morrem de pé». Mas morrem...

O Sr. Nogueira da Brito (CDS): - Vocês também hão-de morrer, deixe estar...

A Oradora: - Em relação a esta questão gostaria de dizer que foi aqui várias vezes lançada a culpa pelo desemprego, pelos salários em atraso, etc, para lançar a legislação que proíbe os despedimentos sem justa causa.
Não preciso de ir muito longe e levaria comigo os Srs. Deputados que fizeram esta afirmação comigo até à empresa Setenave, em Setúbal, para verificarem, dos trabalhadores despedidos pela última vez, que são cerca de dois mil, os que continuam a trabalhar na Setenave mas agora para empreiteiros e subempreiteiros. Assim sendo, a questão não é essa, Sr. Deputado Nogueira de Brito, a questão é que os despedimentos são usados como uma arma política para, neste caso da Setenave, encaminhar a empresa para um processo de privatização e essa é que é a verdade.
Das propostas que estão em debate começaria por analisar a do PRD porque, em relação a ela, também foram aqui feitas afirmações bastantes interessantes, nomeadamente pelo Sr. Deputado do PSD.
A proposta do PRD, em nossa opinião apresenta-se como um reforço da garantia do princípio da segurança no emprego, do direito à segurança no emprego. Esse direito à segurança no emprego, que foi elevado, na última Revisão Constitucional, à categoria dos direitos, liberdades e garantias, o que é importante, já inconstitucionaliza - e não era preciso nenhuma proposta para o tornar inconstitucional - aquilo que consta do pacote laborai em relação aos contratos a prazo. Entendemos, no entanto, que a proposta do PRD vem reforçar essa garantia de que os contratos a prazo só poderão ser feitos em casos verdadeiramente excepcionais.
A este respeito - e julgava estar a ouvir mal mas, não, ouvi bem - o Sr. Deputado do PSD disse aqui que o PSD estava contra os contratos a prazo. Gostaria de recordar ao Sr. Deputado que o pacote laborai prevê que sejam contratados a prazo os jovens - e isto sem qualquer justificação e apenas porque o são, mesmo que seja para um trabalho efectivo - e os desempregados de longa duração, apenas porque são desempregados de longa duração, podendo ficar contratados a prazo os reformados, apenas porque são reformados. Então isto é que é estar contra os contratos a prazo, Sr. Deputado?
Creio que as afirmações demagógicas que foram feiras ficaram verdadeiramente desmitificadas...

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - As suas!

A Oradora: - As suas, Sr. Deputado, com o texto do decreto-lei, que não pode esconder do País, dos jovens, dos desempregados e dos velhos.
Passo agora as afirmações feitas pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito, que as ditou para que constassem na acta. Disse o Sr. Deputado que o Acórdão do Tribunal Constitucional teria dado razão à sua proposta, uma vez que considera que o que lá diz já é interpretação que se retira do texto constitucional. Efectivamente, o Acórdão do Tribunal Constitucional não diz

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o que quer que seja em relação a isso e também eu terei de ditar para a acta que não é isso que o Acórdão diz.
O Acórdão do Tribunal Constitucional - e o Sr. Deputado Nogueira de Brito sabe isso muito bem -, depois de fazer uma análise sobre o conceito de justa causa, socorrendo-se para isso do conceito pré-constitucional de justa causa, dá a entender que, efectivamente, não são permitidos os despedimentos por motivos económicos, estruturais ou de mercado, a não ser que sejam despedimentos colectivos, não individuais, e, no último argumento que aduz, relembra que foram rejeitados do texto constitucional os despedimentos por motivos atendíveis e que foi exactamente um diploma de 1976 que, em consequência, suprimiu esses despedimentos. Portanto, o Acórdão do Tribunal Constitucional não dá razão ao Sr. Deputado Nogueira de Brito e, em nossa opinião, na verdade, os únicos despedimentos que a Constituição admite são os despedimentos colectivos e os despedimentos com justa causa, sendo a justa causa de despedimento fundada em comportamento culposo do trabalhador de tal maneira grave que a impossibilite a continuação das relações de trabalho. É isto, aliás, que se conclui do texto do Acórdão do Tribunal Constitucional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Em nossa opinião, o despedimento colectivo que consta da nossa proposta já decorre do texto constitucional, portanto o Estado não pode «lavar daí as mãos». Uma teoria ultimamente muito do agrado do PSD e do CDS é a de que os trabalhadores estão em posição de ampla liberdade contratual e em pé de igualdade com a entidade patronal, portanto os trabalhadores que se amanhem com os patrões, porque o Estado nada tem a ver com isso, e o Direito de Trabalho deve intervir o menos possível em defesa dos trabalhadores.
Efectivamente, não é assim. Essas são concepções que não nos admiraríamos de ouvir se estivéssemos no século XIX, mas não hoje, não nesta altura, depois dos passos amplos e largos dados pelo Direito de Trabalho, que se assume como um direito que tem de compensar a parte mais fraca, que é o trabalhador, que não pode deixar o trabalhador desarmado na relação laboral perante a entidade patronal.
E o «pacote laboral» - e mais uma vez vem o «pacote laboral», não podemos deixar de recordar perante as propostas apresentadas e até as posições do PSD -, mais uma vez, deixa completamente desprotegido o trabalhador, na medida em que para os despedimentos colectivos não há qualquer intervenção por parte do Estado. O trabalhador é mesmo despedido e depois, se quiser, que se vá queixar ao Tribunal, que arrasta o processo durante dois ou três anos. Pois bem, a nossa proposta vai precisamente no sentido de clarificar estas questões.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Rui Gomes da Silva e Nogueira de Brito.

Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Sr.ª Deputada Odete Santos, parece que não falamos a mesma linguagem. Invocou a Sr.ª Deputada uma, intervenção que fiz em relação a uma outra da Sr.ª Deputada Isabel Espada, em que me referi à proposta de aditamento, apresentada pelo PRD, de um n.º 2 para o artigo 53.º
Sr.ª Deputada, o que está em jogo e aquilo que combatemos é que, ao ser constitucionalizada a questão dos contratos a prazo, embora possa haver a melhor das intenções, se esteja a constitucionalizar uma disciplina e um regime que pretendemos ver abolido. É que o problema não está nos contratos a prazo em si ou nos contratos a prazo em termos de resolução mas, sim, no facto de, ao serem constitucionalizados, poder haver sempre a invocação de que eles são constitucionalizados. Enquanto nós queremos, em primeiro lugar, garantir o emprego de todos - isso é que é fundamental -, a Sr.º Deputada e o seu partido quiseram, durante anos e anos, garantir o emprego de alguns e é aí que divergimos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - À Sr.ª Deputada interessa-lhe o emprego de alguns, a nós interessa-nos o emprego de todos.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Que pouca vergonha!

O Orador: - A Sr.ª Deputada não pode ver quem quer que seja em determinada situação. A mim não me interessa a estabilidade do emprego para nada. Nunca tive medo e qualquer pessoa competente, qualquer pessoa que se ache com capacidade, seja em que país for, não tem medo do que quer que seja. Só algumas razões é que podem levar as pessoas a terem medo da instabilidade do emprego.
O que a Sr.ª Deputada quer é que, em cada momento, as pessoas sintam a estabilidade do emprego para terem a certeza de que podem fazer aquilo que querem?
Há pouco, foi buscar o caso bem concreto da Setenave. Então e o problema das estatísticas da Setenave? E agora vem-me dizer que estão lá todos! O problema tem a ver com o regime de trabalho e a prestação de cada indivíduo em relação àquele posto de trabalho. Foi nesse sentido que intervim em relação à Sr.ª Deputada Isabel Espada.
Sr.ª Deputada, não estamos a falar, de certeza, a mesma linguagem; a linguagem que estou a falar não é, de certeza, a sua. A Sr.ª Deputada terá as suas razões e eu terei as minhas. A Sr.ª Deputada fica com as suas razões, fica com os seus desempregados e com os seus empregados e eu ficarei com as pessoas que querem trabalhar em Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Leia a alínea H) do n.º 1 do artigo 41.º da Lei dos Despedimentos! Leia-a!...

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

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O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - O Sr. Deputado Jerónimo de Sousa ainda hoje vai fazer, com certeza, uma ou mais intervenções, pelo que vamos ter o gosto de o ouvir no estilo Soeiro Pereira Gomes que aliás, aprecio, já o disse.

Risos do PSD.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Talvez seja o que me faz estar nesta bancada!

O Orador: - Sr. Deputado, isto não é nenhuma observação crítica, é o contrário. V. Ex.ª tem de se habituar à nossa sinceridade.

Risos do PSD.

Nós somos sinceros por natureza e normalmente, Srs. Deputados.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Essa do «normalmente» é que me perturba!

O Orador: - É que não admitimos excepções.
Sr.ª Deputada Odete Santos, V. Ex.ª comparou-me à Palmira Bastos e eu comparo-a ao saudoso Alves da Cunha, devo dizê-lo.

Risos do PSD.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não o conheci, mas ouvi falar muito bem dele!

O Orador: - Também já estou habituado às suas brilhantes intervenções e aprecio a sua grande convicção. Não tenha dúvida alguma, isto é verdade.
Sr.ª Deputada, então V. Ex.ª entende que o Tribunal Constitucional não se pronunciou sobre esta questão? Então, o que havemos de dizer às entidades políticas que tiveram intervenção no processo e que, apesar da pronúncia do Tribunal Constitucional, promulgaram os diplomas? Já viu que atestados é que está a passar a todos aqueles que tiveram uma intervenção no processo? Se realmente isso fosse verdade, não teria havido já uma intervenção do Tribunal Constitucional e não teria sido dada uma opinião nesta matéria?
É verdade, Sr.ª Deputada Odete Santos, que o Tribunal Constitucional apreciou, entre nós, a tradição do conceito de justa causa, mas isto milita contra V. Ex.ª Isto porque há realmente um conceito tradicional de justa causa, elaborado pela doutrina e traduzido na legislação, mas esse conceito não se alargava à chamada «justa causa objectiva» e não se alargou durante muito tempo, mesmo depois do 25 de Abril, tal como há pouco salientou. A tradição do conceito de justa causa no sentido apontado por V. Ex.ª é relativamente recente e foi essa ponderação que o Tribunal Constitucional fez, Sr.ª Deputada Odete Santos. É preciso repor a verdade dos factos, efectivamente.
V. Ex.ª faz uma leitura do Acórdão...

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado leu o Acórdão?

O Orador: - ... Pois li, Sr. Deputado José Magalhães. Vamo-nos pôr aqui a lê-lo? Eu li o Acórdão, como muito mais gente o fez. V.V. Ex.ªs já hoje disseram que tinham pedido - e fizeram bem, em coerência - a inconstitucionalidade dos decretos relativos ao «pacote laboral» e vamos ver o que aí vem. Vamos ver!

O Sr. Presidente: - Para responder tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que as questões que foram colocadas já estão velhas, vêm de anteriores intervenções, pelo que não trouxeram nada de novo.
Ao Sr. Deputado Rui Gomes da Silva devo dizer que, efectivamente, não falamos a mesma linguagem e ainda bem. Se calhar - V. Ex.ª é capaz de não ter tão boa vista e até usa óculos, desculpe - não soube ler o que consta na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do pacote laboral.
V. Ex.ª fez várias profissões de fé contra os contratos a prazo...

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Vem falar outra vez do mesmo?

A Oradora: - ... e, como parece que não leu o diploma, vou ler-lhe - e poderia buscar outros artigos, por exemplo em relação aos reformados - o artigo sobre a admissibilidade do contrato a termo. É o seguinte: «sem prejuízo do disposto no artigo 5.º, a celebração do contrato de trabalho a termo só é admitida nos casos seguintes:...».

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - «Só é admitida». Está a ver a diferença!

A Oradora: - Tem um «só», mas está a mais . E depois seguem-se as alíneas a), b), c), d), e), f), g) e, na alínea h), tem-se, pura e simplesmente, isto: «Contratação de trabalhadores à procura do primeiro emprego ou desempregados de longa duração ou noutras situações previstas em legislação especial de política de emprego». Refere «noutras», com certeza que na altura própria veremos quais são.
Portanto, Sr. Deputado, para que conste, creio que a sua questão está definitiva e abundantemente esclarecida.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Não está, não!

A Oradora: - Escusa de estar a esbracejar porque não tem qualquer razão.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado Rui Gomes da Silva, que a minha intervenção não foi no sentido de dizer que estamos a defender a constitucionalizacão dos contratos a prazo. Lembro-lhe que o que eu disse foi que, em nosso entender, o direito à segurança no emprego toma já inconstitucional o pacote laboral nalgumas destas questões de contratos a prazo, sem ter em conta a proposta do PRD. Isto porque os contratos a prazo devem ser admitidos só em situações excepcionais e uma vez tipificámo-las num projecto de lei que entregámos na Mesa da Assembleia. Entendemos, no entanto - e eu já o disse -, que a proposta do PRD

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vinha reforçar essa garantia que a Constituição já contém de que os contratos a prazo só em situações excepcionais é que devem ser feitos.
Quanto à questão da Setenave, o Sr. Deputado remeteu-se para as estatísticas. Conheço melhor do que o Sr. Deputado a questão da Setenave e convido-o a ler, nomeadamente, um documento elaborado pelos trabalhadores sobre a reorganização da empresa e a estudar os verdadeiros motivos para essas estatísticas, porque eles não são os que estão na sua mente, mas bem outros.
Ao Sr. Deputado Nogueira de Brito direi que a questão do pacote laboral não está arrumada. Vamos entregar no Tribunal Constitucional - e já anunciámos isso um pedido de apreciação da inconstitucionalidade do diploma porque, em nossa opinião há muitas normas do «pacote laboral» que são, efectivamente, inconstitucionais.
O Acórdão do Tribunal Constitucional não decidiu de acordo com o que V. Ex.ª pensa. Com certeza que teria muita vontade em que isso fosse assim mas, realmente, isto não é por voluntarismos... O Acórdão do Tribunal Constitucional, conforme eu disse, fez uma escalpelização de todo o processo de definição de justa causa. É evidente que a questão da justa causa é uma construção recente, porque, como sabe, antes do 25 de Abril, os trabalhadores podiam ser despedidos sem justa causa, mas, efectivamente, o Acórdão do Tribunal Constitucional é elucidativo quando termina as considerações sobre justa causa dizendo que o «motivo atendível» foi afastado do texto da Constituição. Não está na Constituição, não foi admitido na primeira revisão, por isso nenhuma outra conclusão se pode tirar senão a de que o Acórdão do Tribunal Constitucional não vai no sentido que V. Ex.ª pretende.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, os trabalhadores deste país vêm lutando pela manutenção do princípio da estabilidade do emprego. Admiro muito as pessoas como o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva que não têm medo do desemprego - e lá terá razões para isso!..., mas conheço muita boa gente que tem medo do desemprego, tem o terror do desemprego...

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Por vossa causa!

A Oradora: - ..., o terror de ficar de braços caídos, o terror de ficar sem pão para dar aos filhos. Essa realidade não está, efectivamente, na sua área nem na das pessoas que estão por detrás de si, mas é uma realidade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, já que invocou Soeiro Pereira Gomes, gostaria que pensasse com respeito em Soeiro Pereira Gomes, que dedicou um livro «aos filhos dos homens que nunca foram meninos».

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, a minha curtíssima intervenção destina-se a dizer à Sr.ª Deputada Odete Santos que penso com respeito em Soeiro Pereira Gomes. Fica esclarecido na acta.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Espada.

A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na minha curta intervenção pretendo tecer alguns comentários em relação a algumas intervenções que aqui foram produzidas relativamente a este artigo.
Por um lado, começo por referir que, efectivamente, consideramos que o artigo 53. º, na medida em que garante a segurança no emprego, pode já permitir que o pacote laboral, na matéria que diz respeito aos contratos a prazo ou à contratação a termo, seja declarado inconstitucional. Na sequência do que a Sr.º Deputada Odete Santos referiu, é evidente que não é pelo facto de a proposta de aditamento do PRD não ser aprovada que o pacote laboral, na matéria que diz respeito aos contratos a termo, não é considerada inconstitucional, porque a Constituição permite essa declaração de inconstitucionalidade. Penso que isso deveria ficara claro, porque a pergunta do Sr. Deputado Nogueira de Brito tinha um pouco a ver com isso e parece-me que, na altura, não ficou claro na resposta que dei a esse Sr. Deputado que era essa a nossa interpretação.
Quanto à posição do PSD em relação a esta matéria, parece-nos extremamente ilógica, na medida em que há na bancada do PSD dois pesos e duas medidas. Ou seja, por um lado, na lei ordinária e no conhecido pacote laboral os contratos a prazo são consagrados, são reconhecidos; por outro lado, quando se trata de discutir a Revisão Constitucional, o PSD refere que os contratos a prazo não devem existir. Talvez o PSD ainda tenha oportunidade de clarificar qual é, efectivamente, a sua perspectiva em relação a esta matéria. Se não reconhece os contratos a prazo, porque razão legislou nesse sentido em relação ao pacote laboral?
No que diz respeito à segurança no trabalho gostaria que ficasse bem claro que este é um princípio fundamental para milhares de trabalhadores em Portugal. Se, efectivamente, não há por parte de duas ou três pessoas que se sentam nessa bancada qualquer tipo de problema ou de receios em relação à segurança no trabalho e no emprego, isso não acontece com a esmagadora maioria dos trabalhadores portugueses, e por motivos óbvios, ou seja, porque a instabilidade no trabalho é também a instabilidade em relação à vida familiar e às perspectivas económicas que a família e o indivíduo têm. E, pois, nesse sentido que pensamos que a segurança no trabalho é um princípio fundamental.
Durante este debate chegámos à conclusão de que, ao contrário da nossa perspectiva, para o PSD a segurança no trabalho não é um princípio fundamental e, assim sendo, gostaríamos de saber por que razão é que o PSD não propôs, então, que se eliminasse, pura e simplesmente, da Constituição o artigo 53. º que garante este princípio que, para nós, é fundamental mas que, pelos vistos, não o é para o PSD.
Ouvimos da bancada do PSD que o princípio da segurança no trabalho não era fundamental, que o PSD nada tinha contra a estabilidade no trabalho e que, no fundo, o que as pessoas tinham era medo de perder o emprego por motivos que tinham a ver com a sua incompetência e com a falta de confiança nelas próprias. Ora, perante estas afirmações a única conclusão que é possível tirar é a de que o PSD, por sua vontade, nem sequer aceitaria que este artigo vigorasse na Constituição.

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Penso que é por este motivo que o PSD não aceita a proposta que o PRD apresentou no sentido de aprofundar e de reforçar o princípio da segurança no trabalho que, para nós, é fundamental. Não conseguimos encontrar outra explicação para esta atitude do PSD senão esta: o PSD não considera a segurança no trabalho um princípio fundamental e, naturalmente, por isso, também não está interessado em que esse princípio venha a ser reforçado constitucionalmente.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - A Sr.ª Deputada Isabel Espada, embora indirectamente, referiu-se na sua intervenção, que foi mais um pedido de esclarecimento, à posição do PSD.

A Sr.ª Deputada antes do jantar teve a amabilidade de dizer-me que eu parecia, na intervenção que produzi, uma voz vinda da bancada do PCP. Direi que até o PCP defende os contratos a prazo...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O PCP defende os contratos a prazo?!

O Orador: - A Sr.ª Deputada disse-o ainda há pouco!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É preciso ter descaramento!

O Orador: - A Sr.ª Deputada admite-o...! Vozes do PCP: - É preciso ser mentiroso!

O Orador: - Ó Sr.ª Deputada, então, peça a gravação!
Aquilo que quero dizer-lhe, Sr.ª Deputada Isabel Espada, é que em termos residuais somos o País da Europa com uma taxa de desemprego das mais baixas, senão mesmo a mais baixa, e isso é prova de que o PSD tem vindo a diminuir os contratos a prazo.
Creio que isto responde à sua pergunta. No entanto, uma coisa não tem nada a ver com a outra, pois nós, no PSD, nem sequer defendemos a eliminação do artigo 53.º, nem isso tem nada a ver com a estabilidade e com a segurança no emprego. A seu tempo veremos com o que é que isto tem a ver!

Vozes do PCP: - Nós não defendemos os contratos a prazo! Peçam a gravação!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O Sr. Deputado Rui Gomes da Silva, além de não ver bem também ouve mal!

Risos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ou é do jantar!

A Oradora: - Sim, ou é do jantar ou qualquer outra coisa.
Sr. Deputado Rui Gomes da Silva, o que eu disse em relação à questão dos contratos a prazo foi que o PCP defende que só em situações verdadeiramente excepcionais é que devem ser admitidos os contratos a prazo.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Então defende ou não?

A Oradora: - Por exemplo, se uma trabalhadora vai para casa em licença de parto por três meses...

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Mas eu não disse o contrário!

A Oradora: - ..., é evidente que ela tem de ser substituída por esse período, mas isto não é a mesma coisa que V. Ex.ª dizer, com todo o descaramento, e eu admiro-me do seu descaramento...

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Admira!?

A Oradora: - Exactamente! E toda a gente que assistiu a este debate pode admirar-se do seu descaramento! Mas, como estava a dizer, isso não é a mesma coisa que dizer que se defende os contratos a prazo, Sr. Deputado Rui Gomes da Silva! Isso é alterar e deturpar completamente o sentido daquilo que eu disse e das posições do PCP.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Estava a citá-la, Sr.ª Deputada.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Prescindo, Sr. Presidente.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Pois, não tem explicação!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Espada para responder ao pedido de esclarecimento que lhe foi formulado.

A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Deputado Rui Gomes da Silva, efectivamente, antes de jantar, disse-lhe que o seu discurso parecia vindo da bancada do PCP, tal como o Sr. Deputado disse que o meu parecia igualmente vindo da bancada do PCP.
Quase tenho vontade de citar-lhe um ditado que diz: «Não faças aos outros o que não gostas que te façam...». Aliás, devo dizer-lhe que não fiquei tão ofendida como o Sr. Deputado...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Bem me parecia!

A Oradora: - .... mas as acções ficam com quem as pratica, e foi o Sr. Deputado que começou esse tipo de discurso tal como consta das actas e pode verificar-se. Por hábito, não fazemos esse tipo de acusações, porque todos sabemos qual é o lugar que nos cabe nas respectivas bancadas, ou seja, sei perfeitamente que o

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Sr. Deputado está na bancada do PSD tal como o Sr. Deputado sabe que eu estou na bancada do PRD. Efectivamente, este tipo de acusações não devia ter lugar, contudo, por vezes, surgem essas situações, no meu entender, a nível de brincadeira e, portanto, não devem ser levadas a sério e com a importância que o Sr. Deputado lhe atribuiu.
Em relação às questões que o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva colocou, que não foram questões mas, sim, protestos, devo dizer-lhe que limitei-me a tirar conclusões ou ilações das afirmações que o Sr. Deputado fez e que ficaram gravadas para que toda a gente as possa ler.
Relativamente à taxa de desemprego tenho a sensação de que, se, efectivamente, a nossa taxa de desemprego é a que é neste momento, ela vai crescer fortemente, por um lado com a aplicação do pacote laboral e, por outro, com a aplicação de outras medidas governamentais e com a política que o actual executivo vem seguindo. E, falo neste assunto porque foi o Sr. Deputado que se referiu aos aspectos conjunturais, embora estejamos a discutir a Constituição, portanto tenho de responder-lhe na mesma moeda e dizer-lhe que a política do actual Executivo, nomeadamente a política de integração no Mercado Interno, vai provocar um aumento da taxa de desemprego, e daqui a dois anos veremos isso!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É manifestamente evidente, creio, para todos os colegas de todas as bancadas que estão de boa vontade que o que se pretende com a proposta do PRD relativamente aos contratos a prazo não é a defesa dos contratos a prazo, pois a nossa proposta refere claramente que «só poderá ser permitida a celebração de contratos com prazo para satisfazer necessidades de prestação de trabalho comprovadamente transitórios ou sazonais ou para prover à substituição temporária de trabalhadores permanentes».
Poder-se-á perguntar o que levou o PRD a constitucionalizar esta norma. Admitimos que, do ponto de vista teórico, se pode discutir se é ou não adequado constitucionalizar uma norma deste tipo, mas do nosso ponto de vista, é adequado fazê-lo, porque cada vez mais, a constitucionalização da República deve procurar reflectir aquilo que é o dia-a-dia dos portugueses no sentido de procurar consubstanciar em si os elementos enquadradores de uma actividade correcta.
Como todos sabemos, os contratos a prazo apareceram numa altura e numa conjuntura da Revolução portuguesa em que se justificavam só por si, pelo que, creio, não é necessário teorizar muito sobre a conjuntura política que os justificou. Todos nós sabemos o que é que aconteceu relativamente aos contratos a prazo: as empresas, utilizando a legislação que permitia os contratos a prazo, conseguiram e deram-se ao luxo de, para satisfação das suas necessidades permanentes, terem permanentemente ao seu serviço trabalhadores com contratos a prazo.
Ora, o que sucedia era que em vésperas de terminar o contrato a prazo a empresa rescindia o contrato com o trabalhador - portanto, não assumia o vínculo que a lei lhe impunha - e dois dias ou uma semana depois voltava a readmitir o trabalhador com um novo contrato a prazo permitindo-se, deste modo, satisfazer as necessidades permanentes da própria empresa recorrendo a uma situação de expediente e violando a teoria do próprio decreto, que visava resolver problemas emergentes e necessidades urgentes, temporárias e transitórias.
Admitimos, conforme a discussão que teve lugar na comissão, que o termo «transitório» utilizado na nossa proposta, possa não ser o mais adequado, e houve mesmo alguns deputados que levantaram a questão de saber se a transitoriedade que aplicamos aqui, no masculino, no feminino, no singular ou no plural, é o termo mais adequado para cumprir o objectivo a que nos propomos que, no fundo, é repor o verdadeiro espírito que havia subjacente à ideia dos contratos a prazo e procurar eliminar os contratos a prazo tal como têm vindo a ser utilizados, pois desrespeitam o espírito da legislação e procuram, através de um expediente de situações favoráveis em prejuízo dos trabalhadores, resolver os problemas das empresas através da sua aplicação.
Uma vez que já foi aqui referido o problema da segurança no emprego, devo dizer que este é, na nossa opinião, um dos direitos mais importantes dos trabalhadores. Provavelmente, nem os Srs. Deputados nem eu próprio conhecemos verdadeiramente o drama que representa para muitas famílias a situação da precaridade do emprego e a verdadeira perturbação psicológica que existe para um chefe de família que está desempregado.
A segurança, no emprego é, pois, um princípio fundamental que, do ponto de vista teórico, todas as bancadas defendem, mas que o PRD pretende, com a nossa proposta que apresentou, levar à prática, ou seja, constitucionalizar princípios que introduzam limites ao exagero que a prática tem vindo a demonstrar.
Para nós, a segurança no emprego não é uma palavra vã e de retórica mas, sim, uma palavra fundamental e, do nosso ponto de vista, é um dos direitos fundamentais, pelo que a nossa proposta visa a salvaguarda da segurança do emprego.

Vozes do PRD, do PS e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Como não há mais inscrições, dou por encerrado o debate relativo ao artigo 53.º De seguida, vamos iniciar a discussão do artigo 54.º, relativo às comissões de trabalhadores.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de, numa breve intervenção, justificar as alterações que apresentámos em relação ao artigo 54. º e que visam reconduzir o artigo 54.º, na sua expressão, à regulamentação adequada à verdadeira função e papel que, no nosso entender, deve ser desempenhado pelas comissões de trabalhadores.
Do nosso ponto de vista, o direito dos trabalhadores para criarem comissões de trabalhadores nas empresas deve ter como objectivo a defesa dos seus interesses, sem dúvida nenhuma, e deve constituir ou ser, simultaneamente, instrumento de defesa dos trabalhadores e de participação responsável dos trabalhadores na vida da empresa. A formulação da nossa proposta é a que consta de uma alteração que propusemos já

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no decurso dos trabalhos da comissão em que aceitámos manter o qualificativo «participação democrática dos trabalhadores da vida da empresa».

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ah, valente!...

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado José Magalhães!

Não aceitamos que as comissões de trabalhadores sejam um instrumento enxertado na estrutura e na vida das empresas ao serviço de propósitos de luta «classista», que é o que resulta do papel atribuído às comissões de trabalhadores como instrumentos de controlo da vida da empresa. Partilhamos e perfilhamos de uma concepção desviada desta concepção classista, e é essa que quisemos transmitir para a Constituição ao apresentarmos a nossa proposta.
Também nesta linha, defendemos que a Constituição e as eleições no âmbito das comissões de trabalhadores devem fazer-se por voto directo e secreto, e é nessa perspectiva que entendemos que é às comissões de trabalhadores, como órgãos básicos dos trabalhadores na estrutura empresarial, que devem ser garantidas as condições de segurança que devem rodear a actividade dos trabalhadores em defesa dos seus interesses. É, pois, esta a nossa perspectiva e a razão de ser para as alterações que apresentámos e que mantemos em relação ao artigo 54.º da Constituição.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uso da palavra para, muito rapidamente, justificar as propostas de alteração que o PSD apresentou em relação ao artigo 54. º
O PSD ao apresentar esta alteração tem, tão-só, dois objectivos em relação ao n.º 2 do artigo 54.º: o primeiro é o de que o regime estatutário das comissões de trabalhadores seja também aprovado por voto directo e secreto e o segundo é o de que não seja o plenário de trabalhadores a deliberar, quer sobre a aprovação dos estatutos, quer sobre a eleição por voto directo e secreto dos membros das comissões de trabalhadores, mas, sim, por voto directo e secreto de todos os trabalhadores da empresa, isto é, os trabalhadores da empresa são, do nosso ponto de vista, um colectivo diferente do do plenário de trabalhadores. É, pois, no sentido da maximilizacão e da extensão deste conceito que propomos esta alteração.
O PSD propôs, igualmente, a eliminação do n.º 3 deste artigo, porque entende que em 1989 não devem constar da Constituição formas de intervenção na reestruturação económica bem localizadas no tempo, fruto de ideias que tiveram a sua época e que hoje em dia não têm nada a ver com a realidade portuguesa. O n.º 3 do artigo 54.º, ao admitir a hipótese de serem criadas comissões coordenadoras para melhor intervirem na reestruturação económica, tinha a ver com outras realidades e com outra ideia do texto constitucional português. Uma vez que não foi essa a realidade que se seguiu e porque pretendemos adequar a Constituição à realidade portuguesa é que propusemos a eliminação do n.º 3 do artigo 54.º

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É significativo que o PSD tenha encetado o debate no que respeita às alterações à Constituição laboral retirando uma mão cheia de propostas e, entre elas, «por acaso», as propostas atinentes, por exemplo, à abolição do controlo de gestão. E fê-lo com uma má desculpa, porque a proposta que foi apresentada, tendente à abolição do controlo de gestão, é de uma enorme gravidade política. Não é pelo facto de ser retirada cerca das 10 ou 11 horas da noite...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Muito mais cedo!

O Orador: - ... que deixa de ter existido. Ela existiu!
Ora, o que sucede é que a postura que agora mesmo foi reeditada e revelada em nome da bancada do PSD, pelo Sr. Deputado Rui Gomes da Silva, é tradutora de uma imagem, pelo menos retrógrada, do modelo das relações laborais a adoptar num país no quadro de uma caminhada para o Mercado Único. A questão da dimensão social do Mercado Único é, para nós, relevante, absolutamente central e fulcral sem cuja resolução positiva, no sentido do progresso, a caminhada para o Mercado Único se traduzir, pura e simplesmente, na liberalização dos movimentos de capitais, de serviços, de mercadorias e, eventualmente, de pessoas.
Isso significaria uma marcha a velocidades desiguais, fortemente penalizadora dos trabalhadores em termos de emprego, de reestruturações, de participação, em suma, de democracia económica, a qual é inseparável do contributo activo, positivo, informado e participativo dos trabalhadores.
Mas o que é espectacular da parte do PSD e do CDS é que o carácter retrógrado, na óptica europeia, do PSD e do CDS, enfim, já foi até à «participação democrática», e vai a passos de tartaruga até em coisas cujo conteúdo depois se verifica que é chilro e vazio, mas lá vai indo, devido talvez à distância do poder. Na verdade, os dois partidos que assumem esse papel apresentam-se como próximos de uma visão perfeitamente anquilosada. Dir-se-ia que os senhores que, de vez em quando, lêem alguns papéis relacionados com as actividades das Comunidades Europeias, desconhecem, por exemplo, a recente resolução do Parlamento Europeu sobre a dimensão social do Mercado Único onde se sublinha, entre outras coisas, estas para vós, certamente, detestáveis: «O Parlamento Europeu considera necessário proceder-se à introdução de uma regulamentação básica, aplicável (...) nomeadamente, nos seguintes âmbitos: direitos de participação, informação e consulta dos trabalhadores; direitos e protecção dos representantes dos trabalhadores, limites máximos do tempo de trabalho diário e semanal e outras medidas.
A questão da participação é em termos europeus, uma questão fulcral e, note-se, não é uma participação qualquer, porque aqui entra o Sr. Deputado Gomes da Silva com a sua famosa trombeta: «não deve haver intervenção dos trabalhos nas reestruturações.» Mas, ó Sr. Deputado, para isso alerta precisamente o Parlamento Europeu! É que é nas reestruturações que é absolutamente fundamental que haja intervenção dos trabalhadores, e, mais, que essa intervenção seja alargada, e, mais, que essa intervenção possa ter em conta a actuação e o contributo das comissões coordenadoras de comissões de trabalhadores, que terão de ter uma visão mais alargada, mais vasta da problemática da

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empresa e dos sectores. Se alguma coisa se exige neste momento são mais condições de exercício, mais facilidades e não obstrução, mais cumprimento da Constituição e não menos cumprimento da Constituição e seguramente nunca redução ou amputação da Constituição!
Neste ponto, os Srs. Deputados do PSD e do CDS sabem que não obterão provimento e, portanto, em grande medida, a vossa postura é apenas a revelação um tanto imprudente de uma atitude de retrocesso. Essa atitude contraria tudo: necessidades objectivas da nossa economia, direitos conquistados pelos trabalhadores mas também metas para as quais se vem apontando no âmbito das Comunidades Europeias, o que quer dizer que nessa matéria V.V. Ex.ªs fazem a figura de «euro dinossauros excelentíssimos».

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Em 1917 ou 1918...

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Ó Sr. Deputado José Magalhães, perguntaria como os brasileiros: Houve alguma sinceridade na sua intervenção?

Risos.

V. Ex.ª sabe muito bem que o que o PCP defende não é a participação responsável dos trabalhadores na vida da empresa, é, sim, o controlo de gestão da empresa pelos trabalhadores, o que é uma coisa diferente.
V. Ex.ª não defende qualquer responsabilização dos trabalhadores na estrutura da empresa, nas decisões tomadas na empresa. E quando a Comunidade Europeia aponta no sentido da participação é precisamente no sentido inverso daquele que é defendido por V. Ex.ª

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Quem disse?

O Orador: - Digo eu Sr. Deputado! Há bocado, V. Ex.ª dizia que eu lia o Acórdão de «pernas para o ar». Foi o que V. Ex.ª leu! Com um enorme descaramento, que aliás constitui uma das suas características importantes, V. Ex.ª leu o Acórdão pretendendo imputar-lhe o sentido contrário daquele que ele tem. E leu perante a Câmara! É uma coisa espantosa, porque o que se defende na Comunidade e ò que está presente nas alterações às directivas sobre o funcionamento e estrutura das sociedades comerciais é precisamente o aumento dos poderes de participação dos trabalhadores na vida da empresa. E quando se defende a participação em termos de reorganização económica não é reorganização económica da economia nacional de que fala o n.º 3 do artigo 54.º actual, é da estruturação económica na base da intervenção na própria empresa. E isso, Sr. Deputado José Magalhães, como sabe, é o que o CDS defende na sua proposta de alteração à Constituição.
Sr. Deputado, nós não retiramos a nossa proposta de abolição do controlo de gestão porque é evidente que elas estão ligadas entre si. Quem quiser as comissões de trabalhadores como órgãos de controlo de gestão não quer as comissões de trabalhadores como órgãos de participação na vida da empresa. O Sr. Deputado José Magalhães há-de concordar comigo que isso é assim mesmo. São incompatíveis essas duas funções das comissões de trabalhadores - o controlo de gestão como entidade estranha, como entidade de instrumento de luta de classes e a participação responsabilizada das comissões de trabalhadores na vida das empresas. São duas actividades incompatíveis!
A Comunidade aponta, designadamente no que respeita à preparação da 5.º directiva, sobre direitos das sociedades, para a participação responsável dos trabalhadores na vida da empresa, o que é uma coisa diferente, Sr. Deputado.
Neste momento reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, V. Ex.ª exalta-se e irrita-se com questões de facto. As questões de facto resolvem-se sempre chamando os documentos à colação. É tão simples!
O que nós queremos é que as comissões de trabalhadores recebam todas as informações necessárias no exercício da sua actividade, queremos que exerçam o controlo de gestão das empresas, queremos que intervenham na organização das unidades produtivas, e não vou continuar a ler-lhe o artigo 55.º... É isso que queremos. Tem V. Ex.ª alguma dúvida?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Eu sei!

O Orador: - O que é que se quer a nível das Comunidades Europeias? Ó Sr. Deputado Nogueira de Brito, nas Comunidades Europeias quer-se muitas coisas de sentido diverso, e quer-se num sentido plural. Os pró-Sr.ª Thatcher querem umas coisas, os adeptos do Sr. Kohl querem outras coisas, aqueles que se reconhecem no Dr. Lucas Pires quererão talvez o que V. Ex.ª queria se se reconhecesse no Dr. Lucas Pires - não sei se é esse o caso, nem interessa!
E as Comunidades o que é que querem enquanto estruturas? Os governos das estruturas que deliberam no conselho querem o que querem, e não querem só a directiva que citou sobre as sociedades.
Como V. Ex.ª sabe há muitos anos que a tentativa de directiva Vredling sobre direitos de participação qualificados marca passo. É extremamente interessante! Há outras directivas: há uma directiva-quadro em preparação sobre a informação, consultaçâo e negociação sobre a conduta das empresas no Mercado Comum; há um interesse crescente pela problemática dos direitos de participação das empresas transnacionais, pelas formas de articulação entre as comissões de trabalhadores e estruturas representativas de trabalhadores dos diversos países no quadro das empresas de cunho europeu ou das diversas empresas que actuam à escala europeia. Não há, pois, nestes domínios um instrumento jurídico nas Comunidades, há muitos em gestação e

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só a execução do Livro Branco na parte da dimensão social ainda exige da parte do conselho muitas e muitas directivas e ainda vai exigir da parte de outros órgãos muitos e muitos actos comunitários. A directiva que V. Ex.ª citou, Sr. Deputado Nogueira de Brito é uma gota de água no oceano do direito comunitário.
Ainda não respondi à outra questão: e as «terríveis» comissões de trabalhadores que fazem com que o Sr. Deputado dê voltas à cama durante certas noites tempestuosas? Essas «terríveis» comissões de trabalhadores que querem a luta de classes, esse «horror nefando», o que é que lhes acontece? São anátema no Mercado Único!? Eu respondo-lhe: Sr. Deputado Nogueira de Brito, nem pense nisso! Não são nada anátema, porque, como sabe, os direitos dos trabalhadores devem ter reconhecimento nas legislações dos diversos países membros, com o grau, a dignidade e a forca que os instrumentos jurídicos próprios dos Estados membros livremente lhes confiram.
Neste Estado membro chamado Portugal a Constituição da República consagra uma avançadíssima Constituição laboral e nessa Constituição, o que está consagrado, consagrado ficará! Portanto, a vossa ideia de que a Constituição estaria maculada por esse pecado original que é proteger os trabalhadores é só vossa não é a concepção constitucional, aquela que está e estará na Constituição, está e estará nas Comunidades! É em nome dessa concepção que nos apresentaremos perante o exterior. Suponho que isto dói muito ao Sr. Deputado Nogueira de Brito! É também isso que explica o ar mal disposto e aborrecido com que virou contra mim o furor que a esta hora bastante avançada o assaltou pelo facto de neste ponto a Constituição ficar incólume.

O Sr. António Vitorino (PS): - Grande apego à CEE!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, a minha intervenção era para ser inicialmente um pedido de esclarecimento à intervenção do Sr. Deputado José Magalhães. Como entretanto o Sr. Deputado usou da palavra em resposta ao Sr. Deputado Nogueira de Brito, eu utilizarei a forma de intervenção.

O Sr. Deputado José Magalhães veio aqui confundir ao falar das propostas retiradas relativas aos artigos 55.º, 56.º e 57.º
Não sei se ouviu, através dos novos sistemas que permitem que não estando no Plenário oiça as intervenções - talvez tenha tido acesso a isso - intervenção e justificação...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Vi-o pela TV interna.

O Orador: - Não é mau!
Mas aquilo que eu disse - e permitir-me-ia repetir-lho muito rapidamente - foi o seguinte: há pouco o Sr. Deputado José Magalhães discutia sobre as diferentes formas de realismo e de pragmatismo. Nós entendemos que o processo de Revisão Constitucional tem que avançar e não vale a pena estar aqui a protelá-lo embora haja situações em que nos congratulamos muito com a aprovação - de normas que visam a adequação do texto constitucional à realidade que vivemos e não àquela que os senhores sonham viver - foi nesse sentido que propusemos as alterações. A maioria da comissão não reuniu nesta Assembleia os dois terços para a sua aprovação e nesse sentido as retiramos conforme anunciei.
Outro problema é aquilo que o Sr. Deputado aqui vem dizer invocando os documentos da CEE para pretensamente nos fazer ver que a razão está do lado do PCP. Ó Sr. Deputado nós perdoamo-lo, porque talvez tenha tido acesso a esses documentos há pouco tempo. Nós já acreditamos na Comunidade Económica Europeia há muito tempo...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas não praticam!

O Orador: - Os senhores devem estar a começar a receber agora as primeiras coisas e, portanto, estamos à espera que se actualizem, que leiam e, como dizia o Sr. Deputado Nogueira de Brito, que não leiam as coisas ao contrário nem à pressa.
Sr. Deputado, hão-de ter tempo, hão-de perceber o que é a Europa e hão-de vir discutir connosco essas mesmas questões em relação a essas situações.
Relativamente ao direito de informação, o Sr. Deputado é conhecido por ter uma boa informação, pelo menos é dessa fama que goza e de algum proveito, reconheçamos! A verdade é que esse mesmo direito à participação dos trabalhadores está não só consagrado em termos constitucionais, como em termos da legislação ordinária. Toda a legislação ordinária laboral prevê tudo aquilo que o Sr. Deputado aqui dizia e portanto não sabemos onde é que o Sr. Deputado quererá chegar ao referir que a nossa proposta retirada significa menor ou maior consideração em relação àquilo que o senhor sonha, à realidade em que o Sr. Deputado imagina que ainda vive.
É nesse sentido que nós retiramos as nossas propostas e que continuamos a acreditar na Comunidade Económica Europeia, talvez com muito mais força do que o senhor. Cada um tem as suas convicções e certamente que as suas - como diria o Sr. Deputado Nogueira de Brito - esperemos que venham a ser fortes daqui a algum tempo e que para lá caminhemos. Quem sabe se daqui a alguns anos será grande defensor da Comunidade Económica Europeia, porque geralmente os senhores chegam sempre tarde e depois transformam--se em grandes defensores.
Sabe-se que a proposta de Revisão Constitucional em 1982 teve a vossa forte oposição mas hoje em dia são os grandes intrépidos defensores desse mesmo texto constitucional. O tempo nos dará razão e haveremos de ver o Sr. Deputado defender aquilo que hoje em dia, meigamente e com pezinhos de lã, vai agitando e vai tentando provar-nos que a verdade está do seu lado. Não está, Sr. Deputado! A verdade está do nosso lado há muito tempo. Se vier ter connosco, haveremos de ter ambos razão. Agora, não venha dizer que tem razão, quando nós já há muito tempo temos razão e defendemos essas mesmas situações e questões.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.

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O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os momentos históricos acontecem independentemente das horas, mesmo a horas tardias eles acontecem. E a minha bancada não podia deixar passar em claro, sem que ficasse na acta, reconhecido por todos, o momento histórico que acabamos de viver quando há poucos minutos ouvimos a intervenção do Sr. Deputado José Magalhães.
O elogio do Direito Comunitário que aí vem, a defesa do papel dos trabalhadores na integração da empresa numa democracia da empresa tal como é vista nas directivas em estudo na Comunidade Económica Europeia significa, Sr. Presidente, Srs. Deputados, uma viragem histórica da pane do PCP que não queríamos deixar de saudar efusivamente, aplaudir e deixar bem marcada na acta.

Aplausos do PSD, do PS, do PRD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Vai exercer o direito de defesa?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não exerço o direito de defesa porque não houve ofensa nenhuma. Quando muito houve uma graça e todos nos rimos dela. Penso, aliás, que foi uma graça dupla, vinda curiosamente dos dois parceiros do acordo de revisão.
O Sr. Deputado Gomes da Silva chegou atrasado à Revisão Constitucional, portanto repetiu os velhos argumentos «o PCP não votou anteontem isto, agora vota aquilo, o PCP sustentou aquilo, agora sustenta aqueloutro...», quando o PSD é obviamente o mestre, é o Houdini dos «sustentados» ontem e «dessustentados» amanhã...

Risos do PS.

O PSD votou a favor da Constituição, depois votou contra vota agora a favor destas alterações e prepara-se, com reserva mental, para dizer depois de amanhã que «não chega! A Constituição é uma droga! Não presta, era preciso mais! Tivemos que retirar a nossa proposta de abolição do controlo de gestão, há demasiados direitos para os trabalhadores, um horror! Na próxima revisão tem que se lhe dar mais uma talhada...!» É Desta a vossa posição, é esta a vossa verdade!
Aliás, o Sr. Deputado Pacheco Pereira já foi adiantando trabalho e dizendo «Cuidado com os elogios em relação a esta Revisão Constitucional, que esta Constituição continua vermelhíssima! Não pode ser! É preciso tirar-lhe mais cor! Torne-se mais laranja!» É esta a vossa ideia verdadeira!
O Sr. Deputado Vera Jardim chegou também atrasado ao debate sobre a problemática da CEE e sobre a importância da coesão social. De contrário o Sr. Deputado teria reparado que o seu partido aprovou um relatório da Comissão de Assuntos Europeus desta Casa, de que é relator um camarada meu. Para ele contribuímos bastante, na base da nossa proposta de 25 importantes pontos para que Portugal enfrente o embate de 1992. Terá V. Ex.ª reparado que essa aprovação foi por unanimidade. Logo, V. Ex.ª, ou alguém por si, votou a favor de uma tomada de posição sobre a CEE que nós próprios tínhamos preparado!
O que é que nós fizemos hoje? Foi uma coisa muito simples que, creio, todos devemos fazer: reler a Constituição à luz das questões e dos desafios europeus que enfrentamos. Um desafio gravíssimo que nos põe à prova é o desafio de saber se o Mercado Único é o paraíso ou a grande coutada em que os trabalhadores são caça, se os trabalhadores têm ou não, no Mercado Único, direitos assegurados à escala nacional, à escala das Comunidades através de instrumentos próprios, vigorosos (desde logo as Constituições dos países membros).
Sucede que nós temos esta Constituição que é moderna, que foi antecipadora, que dá aos trabalhadores um papel de protagonistas e não de escravos, que nos proíbe de sermos uma qualquer Singapura europeia e que aos órgãos de poder a tarefa e o dever de lutar para que os direitos sejam efectivados, para que sejam prática, porque estamos muito além do que alguns europeístas ambicionam. Muito além! É preciso conseguir que isto que já está além das metas europeias na Constituição, esteja além na vida e na realidade, ai onde o PSD faz tudo para que a realidade constitucional não seja realidade real. Se isto é defender a CEE, nós defendemos a CEE, defendemos em especial a coesão social e recusamos que os trabalhadores da CEE sejam escravos. Disto nos honramos e honraremos!

Vozes do PCP: - Muito bem! Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, tinha pedido há pouco a palavra para agradecer ao Sr. Deputado José Magalhães e renovo agora os agradecimentos. É que o Sr. Deputado José Magalhães deu-me razão.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Diga-me onde me enganei!

O Orador: - Sr. Deputado, cuidado com essas referências à Sr.ª Thatcher, porque ainda vou ver o PCP apoiar as posições da Sr.ª Thatcher no Mercado Comum, e não tarda muito!

Vozes: - Muito bem!

Sr. Deputado, mea culpa, não tardará! Começámos por ouvir o Sr. Deputado José Magalhães a ler a Constituição Portuguesa à luz das directivas comunitárias e isso é que nós achámos espantoso! Depois, daí a um bocado o Sr. Deputado José Magalhães caiu em si e começou a ler as directivas comunitárias à luz da Constituição Portuguesa.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Pelo contrário!

O Orador: - Está muito bem, Sr. Deputado, porque foi aí que me deu razão!

Risos do PSD.

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O Sr. José Magalhães (PCP): - Quando se colocam estas questões de inversão de sentido, é uso pôr as coisas no seu sítio. Se V. Ex.ª, Sr. Presidente, me permitisse, defendia a bancada nesta matéria muito sucintamente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ó Sr. Deputado Nogueira de Brito o que eu disse, disse, está na acta! Exemplifiquei, em primeiro lugar, que os senhores têm uma leitura selectiva das produções da CEE.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito só tem olhos para o mercado financeiro e para a união monetária quiçá, e nisso se distinguirá talvez da Sr.ª Thatcher, será talvez mais tributário das concepções do Sr. Kohl e idolatrado marco alemão.
Em segundo lugar, nós prestamos uma atenção de tísico a tudo o que diz respeito aos direitos dos trabalhadores das Comunidades, não tenha dúvidas nenhumas disso! E a coesão social é a menina dos olhos para quem, como nós, se reclama de objectivos de defesa dos direitos dos trabalhadores. De resto, não somos capazes de conceber o Mercado Único como esse «paraíso» em que os trabalhadores não tivessem direitos. A Constituição não o permite, sei que isso dói ao CDS mas é a nossa realidade e é a nossa identidade!
Em suma, Sr. Deputado Nogueira de Brito, não inverti coisa nenhuma. Apenas sublinhei, bem pelo contrário, que a Constituição da República Portuguesa é actualíssima neste momento em que nas Comunidades se sublinha, em diversa documentação, que deve haver uma «harmonização, gradual e orientada para o progresso, das legislações laborais e sociais» e mais ainda, quando se determina que os Estados membros dos parceiros sociais deverão assegurar a adopção de normas protectoras de nível mais elevado do que aquele que está consignado comunitariamente. O caso português é, pois, o de consagração ao nível mais elevado de garantias para os trabalhadores. O nosso modelo de democracia económica e de democracia laboral foi actual em 76, foi actual em 82, é actual hoje e será actual amanhã. Isto dói ao CDS! A nós não só não nos dói nada como é para nós motivo de orgulho.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães: V. Ex.ª referiu bem a sua atenção de tísico, porque não tarda nada que o PCP seja um partido tísico.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Essa não foi nada feliz vinda de um taxi-partido fagocitado!

Risos do PCP.

O Orador: - Quanto ao mais, o Sr. Deputado José Magalhães está muito enganado do que seja realmente a nossa visão de coesão social e dos nossos objectivos em relação à Comunidade.
Mas V. Ex.ª fica como fica! Olhe, Sr. Deputado José Magalhães, a sua euforia está a acabar, estamos aqui estamos no artigo 80.º Depois é que o quero ouvir!

O Sr. José Magalhães (PCP): - É o CDS vingador!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, o PRD queria associar-se a esta détente, que, apesar de tudo, há entre as bancadas. Não sei se o momento é histórico ou não. Lamento provavelmente, desiludir alguns Srs. Deputados. Não vamos seguir opiniões de outros colegas de outras bancadas já aqui expendidas, mas tão-só para indicar à Mesa que, conforme em tempo oportuno apresentámos à comissão, a nossa proposta relativamente ao artigo 55.º está retirada.

O Sr. Presidente: - Como não há mais inscrições para este artigo, vamos passar ao artigo 55.º
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Está mais uma vez provado que o Sr. Deputado José Magalhães não tinha a mínima razão. O Sr. Deputado José Magalhães encheu a boca com o direito à informação dos trabalhadores; está consagrado esse direito na proposta do CDS relativa à alínea a) do artigo 55.º

O Sr. José Magalhães (PCP): - Que está dependente da lei!

O Orador: - Ó Sr. Deputado, se vamos agora apreciar os direitos dependentes da lei voltamos atrás alguns artigos e dir-lhe-ei, então, que o Sr. Deputado, caiu nessa esparrela várias vezes.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Onde?

O Orador: - Digo-lhe já, Sr. Deputado.
Estão aí devidamente consagrados! E mais: o nosso objectivo, em matéria do artigo 55.º, é claro e é coerente com a nossa proposta para o artigo 54.º É realmente um retirar aos direitos das comissões de trabalhadores o controlo de gestão porque achamos que ele é incompatível com o objectivo que nós propomos de participação dos trabalhadores na vida da empresa. E nessa matéria esse objectivo não era só nosso; era um objectivo do PSD também, e era um objectivo do PRD. Não ficamos esclarecidos das razões por que o PRD retirou neste momento, sem explicações a sua proposta respeitante ao artigo 54.º Gostaríamos de as ouvir.
É realmente um mistério, porque as propostas fazem-se e devem manter-se, a não ser quando se reconheça que elas possam ter consequências perniciosas na interpretação da Constituição. Bom, gostaríamos de obter uma explicação da parte do PRD, dizendo: o nossas objectivo é este, e nós propomos e mantemos a nossas proposta, ela representa uma questão de coerência com a redacção dada para o artigo 54.º

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Isto já tem atrás de si ano e meio de discussão!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

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O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostaria apenas de dizer que o Sr. Deputado Nogueira de Brito acabou de fazer, uma performance em soft, a defesa de uma proposta que é duríssima. O CDS, verdadeiramente, gostaria de remeter para as mãos do legislador ordinário, toda a definição das questões estatuárias das comissões de trabalhadores, e emasculava--as à partida, rebentava com o controlo de gestão. Depois, remetia para o legislador «laranja», no caso vertente, o escavacamento do resto. É um propósito que define um partido, está à altura do CDS. Só que aqui parte dente, e nesta matéria não o conseguirão.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Vou dizer à comissão de trabalhadores da FIMA!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O nosso silêncio tem a aplicação que pode ser aplicada a todos os artigos relativos a direitos dos trabalhadores. Já vamos no terceiro artigo, há evidentemente quem se coloque numa lógica de redução, há quem se coloque numa lógica de reforço, nós aprovamos e votamos favoravelmente os reforços que entendemos razoáveis, não aceitamos uma só redução dos actuais direitos constitucionais dos trabalhadores.
Portanto, o nosso silêncio está mais do que justificado, é isso que significa e mais nada.

O Sr. António Vitorino (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, entrámos num artigo, primeiro de uma série de três em relação aos quais o PSD, como oportunamente anunciou à Mesa, retirou as respectivas propostas. Fê-lo, naturalmente - já aqui foi objecto de crítica -, designadamente por nós termos dito, apelando um pouco para um certo heroicismo, que as árvores morrem de pé ou que as propostas morrem de pé.
É que já levamos deste processo de Revisão Constitucional praticamente dois anos de discussão e temos a inteligência e a capacidade suficientes para ver quais os consensos que, ao cabo destes dois anos, lográmos, ou não lográmos, nesta matéria. Não lográmos consensos ao longo de dois anos de laboriosa troca de impressões e de argumentação e, em conformidade, retirámos as propostas nesta matéria. Talvez outros não tenham ainda travado as suas batalhas e queiram travadas agora. Estão no seu pleno direito.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Isso é um remoque ao silêncio!

O Sr. Presidente: - Não dispomos de mais inscrições para o artigo 55.º, pelo que está terminada a sua discussão.
Vamos passar ao artigo 56.º
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou justificar a nossa proposta de alteração ao artigo 56.º
Começamos por retirar do artigo 56.º - refiro-me à intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos em relação ao n.º 1 - a referência à instrumentalização da liberdade sindical como condição e garantia da construção da sua unidade. Suponho que, ao retirar esta expressão, não diminuímos em nada os direitos dos trabalhadores, mas garantimos-lhes liberdade sindical.
O que constituiria diminuir os direitos dos trabalhadores seria alterar este direito à liberdade sindical de que eles gozam. Mas esta referência, que qualifica, que instrumentaliza a liberdade sindical, é que diminui os direitos dos trabalhadores e, em nosso entender, constitui como que uma reminiscência ao princípio da unidade sindical que, efectivamente, nós queríamos ver banido da Constituição. É, pois, esse o intuito da nossa alteração ao n.º 1.
A nossa proposta de alteração ao n.º 4 é uma questão de aperfeiçoamento terminológico: onde estão «confissões religiosas», empregamos «expressões religiosas», que supomos ser, efectivamente, uma palavra com uma extensão maior e, portanto, mais adequada. Adequámos também a matéria da protecção dos elementos eleitos, e dos representantes dos trabalhadores no âmbito sindical, porque consideramos que a base da protecção deve residir no órgão celular que são as comissões de trabalhadores e, efectivamente, deve ser esse regime de protecção que deve ser alargado aos representantes sindicais. Tem pois, esta nossa proposta, um objectivo puramente técnico.
Finalmente, consagramos uma norma de transparência da gestão sindical que é a respeitante à publicação das suas contas.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, embora tenhamos tomado a atitude face a este articulado que o meu camarada Almeida Santos já enunciou, penso que não poderíamos deixar passar em claro a sua intervenção no que diz respeito ao n.º 1 do artigo 56.º
Ao confundir o inciso «condição e garantia da construção da sua unidade» com qualquer coisa que tenha a ver com a unicidade sindical, o que se pretende aqui dizer, Sr. Deputado Nogueira de Brito, penso eu, mas peço que me esclareça, é que a constituir de sindicatos e a liberdade de os construir é um meio de construção da unidade dos trabalhadores em face, naturalmente, da defesa dos seus próprios interesses. Isto nada tem a ver - mas V. Ex.ª vai esclarecer-me, certamente - com o princípio da unicidade sindical. É uma explicação, é uma fundamentação do direito de liberdade sindical, mais nada do que isso.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Vera Jardim, é óbvio que o que nós entendemos é a afirmação de que a liberdade sindical é uma condição e garantia da construção da unidade das classes trabalhadoras. Isso pode ser interpretado de acordo com

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uma ideia de subordinação da liberdade a esta condição de garantia da unidade, que pode conduzir à interpretação de que a liberdade sindical tem um limite, que é a de constituição de um sindicato para representação de determinada delimitação de trabalhadores, ou categorias, ou qualquer limitação de outra natureza, nomeadamente de carácter geográfico.
Esta, Sr. Deputado Vera Jardim, é realmente, uma interpretação possível e muito viável, deste inciso.

O Sr. António Vitorino (PS): - Desmentida pela história do preceito! V. Ex.ª não estava cá!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Estava lá!

O Sr. António Vitorino (PS): - Não especifiquemos onde!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tudo indica que se manterá intacto o conteúdo do compromisso constitucional de 1976 atinente à liberdade sindical e ao estatuto das associações sindicais. Esse estatuto é rico, (embora não seja aplicado a muitos milhares de trabalhadores, desde logo os dos estabelecimentos fabris das Forças Armadas e os polícias). Este estatuto complexivo extremamente importante para que as componentes da democracia laboral que a Constituição consagra possam ser harmoniosamente articulada». As propostas do PSD agora retiradas - pelos vistos o CDS insiste solitariamente em manter as suas, e de resto com poucos argumentos como se viu - representariam um retrocesso. Um retrocesso prático, efectivo, ou emblemático noutros casos.
A proposta de supressão da cláusula atinente à definição de liberdade sindical, do seu exercício como condição e garantia da unidade dos trabalhadores é um caso típico. Sabe qualquer um que tenha estudado o processo de formação da Constituição da República Portuguesa e do compromisso constitucional de 1976 donde surgiu esta expressão. E, portanto, a interpretação que lhe foi agora dada, a esta hora, também de improviso, pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito, atribuindo-lhe um significado funcionalizador, perigoso para a liberdade sindical, não tem, pura e simplesmente, qualquer suporte.
Mais: esta obrigação do Estado de não promover a divisão sindical sempre já decorreria de outras normas, designadamente das normas que tornam aplicável no Direito interno convenções da OIT que, imperativa e obviamente, proscrevem que o Estado desempenhe esse papel de promotor da divisão sindical. É uma obrigação internacional do Estado português que aqui se exprime e é reafirmada em termos emblemáticos que correspondem historicamente à superação da unicidade sindical. A memória ou a falta de memória histórica do CDS - que já defendeu a sociedade sem classes, isto, aquilo e aqueloutro - não pode ir tão longe que se esqueça de qual é a origem basilar desta norma constitucional. A norma cá está, cá ficará.

O Sr. Presidente: - Não há mais inscrições relativamente ao artigo 56. º pelo que damos por terminada a sua discussão.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de interpelar a Mesa no seguinte sentido: qual é o conspecto final das propostas em debate, ponderado tudo o que foi retirado? Suponho que o CDS não retirou a sua propostas (de acordo com aquela ideia de que as propostas do CDS morrem de pé). Mas será que as outras estão retiradas, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, de acordo com as nossas informações, uma vez que o PSD, num artigo anterior, tinha retirado um conjunto de propostas, e como o PRD também retirou as suas, isto significa que se mantém a proposta do CDS relativamente aos números l, 4, 6 e 7 novo, a menos que o CDS nos informe de outra maneira.
Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 57.º
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos perante uma excepção: é que a única proposta de reforço dos direitos dos trabalhadores que fez vencimento foi exactamente a proposta que o PS fez para o n.º 2, alínea d), no sentido de constituírem direitos das associações sindicais «fazerem-se representar nos organismos de concertação social nos termos da lei». Esta proposta, como digo, única, que fez vencimento - e tenho que me felicitar por isso - tem um duplo significado: reconhecer um direito às associações sindicais e, simultaneamente, constitucionalizar os organismos de concertação social.
Este foi o duplo alcance, suponho, com que todos os partidos que votaram a favor assumiram essa responsabilidade. O PCP na comissão, com alguma surpresa nossa, reservou-se para se pronunciar neste momento. Espero que tenha agora boas razões para nos acompanhar no voto a favor.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate feito na Comissão Eventual de Revisão Constitucional sobre esta matéria revelou a indisponibilidade basilar do PSD para coonestar e para dar o seu voto a significativas normas de reforço dos direitos das associações sindicais.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não é verdade!

O Orador: - O PCP apresentou não uma, mas cinco propostas...
Sr. Deputado Costa Andrade, seguramente, vai ter ocasião de clarificar a sua obsessão a esta verdade que enunciei.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - É fácil, Sr. Deputado. Votámos a favor do reforço proposto pelo Partido Socialista!

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O Orador: - Ó Sr. Deputado Costa Andrade, julgava que V. Ex.ª não estaria com vontade de gracejar a esta hora, mas está provado que está, a acta já o exara!
O PSD, repito, estava, está, e continua indisponível para aceitar medidas de reforço dos direitos e dos poderes das associações sindicais, designadamente as propostas pelo PCP, através de cinco normas que constam do texto que vos está distribuído, e das quais saliento, em especial: o direito de apresentação de candidaturas a juízos sociais; as regras sobre a violação do dever de negociação; a legitimidade processual das associações sindicais em defesa dos interesses colectivos da categoria dos seus filiados; e a clarificação do direito de participação na gestão directa e nos órgãos consultivos das instituições de segurança social por parte das associações sindicais.
Em alguns destes casos há legislação que consagra direitos das associações sindicais, há também uma prática do Governo do PSD de discriminação absolutamente inaceitável dos sindicatos filiados na CGTP-IN e da própria CGTP-IN, como prova recentemente o caso da participação no Conselho Nacional de Aprendizagem. Há muitos e muitos e muitos exemplos de que o PSD viola todas as regras de tripartidismo, pura e simplesmente, em órgãos que deveriam ter uma composição tripartida. Era importante que constitucionalmente houvesse uma clarificação destes pontos. Assim não quer o PSD! Apenas adere à ideia de especificação do direito de representação sindical nos organismos de concertação social.
O PCP tinha uma proposta mais genérica sobre os direitos de participação a este nível. No entanto, não enjeita - tal como não enjeitou a aprovação da criação" do Conselho Económico e Social - a consagração constitucional de um novo direito de participação em estruturas de concertação social, sobre cuja filosofia, atitude, postura e enquadramento cada força política tem leitura própria.
A nossa leitura é também conhecida. É óbvio que é nos termos dessa leitura e nos precisos termos do entendimento que temos da participação em órgãos desse tipo que nos pronunciamos por uma solução da natureza daquela que vai estar consagrada, seguramente, com um significado positivo. Quanto às práticas veremos!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado José Magalhães, não vou sublinhar nenhum momento histórico nem sequer sublinhar que V. Ex.ª repudiou hoje, expressamente, o princípio da unicidade sindical, na Assembleia da República.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Isso é um debate de 1976!

O Orador: - Pois foi, foi um debate perdido em 1975, até lhe devo dizer. Mas não faz mal.
Entretanto desejo afirmar que associamos o nosso voto à proposta feita pelo Partido Socialista e também votaremos favoravelmente o que vem proposto pela Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.

O Sr. António Vitorino (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Como não há mais inscrições para o artigo 57.º, dou por encerrado o seu debate e vamos passar ao artigo 58.º
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desejo pronunciar-me sobre a proposta de alteração apresentada pelo PSD no âmbito do artigo 58.º sobre o direito à greve e pronunciar-me-ei também sobre a alteração proposta pelo CDS na sequência da intervenção do Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O PSD propõe que o n.º 2 do artigo 58.º, no qual se dispõe que «compete aos trabalhadores definir o âmbito dos interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito», venha a ser eliminado.
Esta proposta de alteração não tem nenhuma intenção de restringir a vocação normal das greves numa sociedade democrática de reivindicação dos direitos dos trabalhadores no âmbito da relação laboral.
O PSD entendeu, pelo contrário, que os interesses a definir através da greve devem, numa sociedade democrática, ser interesses situados no âmbito da relação laboral, sem extrapolar para outro tipo de motivações que têm no âmbito da sociedade democrática um lugar próprio de vir a ser desencadeadas. Isto é, a consagração de direitos políticos fundamentais e os mecanismos que a sociedade democrática consagra para efeitos de reivindicação de tipo político remetem para a greve a sua vocação exclusivamente laboral num quadro de reivindicações exclusivamente laborais.
Exactamente porque compete aos trabalhadores definir o âmbito da greve, mas no sentido laboral, sendo que compete à lei definir, no fundo, aquilo que é a vocação normal da greve numa sociedade democrática, o PSD resolveu retirar este inciso constitucional. Não faz, de facto, sentido que a greve seja utilizada como motivação de realizar objectivos políticos que extrapolem a relação laboral e os interesses próprios do trabalho. Só por isso, e não para despromover o direito à greve, como se possa pensar, é que nós propusemos esta eliminação.
Na verdade, tem que ver com a crença nos mecanismos da sociedade democrática e na sua suficiência em matéria quer de exercício dos direitos políticos, por um lado, quer de exercício dos direitos dos trabalhadores no âmbito da relação laboral propriamente dita, por outro.
Trata-se apenas de uma questão de dar um nome às coisas e de as colocar no devido lugar que nos leva a fazer esta proposta de eliminação.
Não vou estender-me mais na explanação dos nossos argumentos, reservando para um segundo momento a análise dá proposta do CDS quanto ao n.º 2 do artigo 58.º

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Foi a intervenção mais fraca que fez até agora!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As alterações que propomos deixam intocado o n.º 1, isto é, a afirmação da garantia do direito à greve, e alteram o n.º 2, no sentido de ele

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não cometer aos trabalhadores a definição do âmbito de interesses a defender com a greve.

A propósito desta alteração, que é simultaneamente uma eliminação do normativo actual, não podemos deixar de dizer que a mesma se destina a preservar a dignidade da greve como um meio de luta laboral dos trabalhadores e a, por outro lado, prestar uma homenagem aos sindicatos e aos trabalhadores portugueses. Com efeito, só o extremo sentido de realismo de que até hoje deram prova permitiu que este dispositivo constitucional não fosse utilizado de uma forma destruidora da própria imagem do direito à greve e da greve como instrumento de defesa de direitos laborais.
Efectivamente, isso não tem acontecido. Porém, não porque não tenha havido uma enorme leviandade, ao cometer apenas aos trabalhadores a delimitação dos interesses a defender por intermédio da greve.
Por outro lado, a mesma preocupação pela dignificação da imagem da greve como defesa dos direitos laborais e pela sua delimitação levam-nos a substituir o n.º 2 no sentido em que o fazemos, isto é, afirmando que o direito à greve não pode prejudicar serviços mínimos indispensáveis à satisfação de necessidades essenciais e impreteríveis.
Finalmente, eliminámos a proibição do lock-out.

Vozes do PCP: - Ah!

O Sr. António Vitorino (PS): - Já se ia esquecendo!

O Orador: - Não queria, de forma nenhuma, interferir nestas manifestações de grande satisfação por parte dos Srs. Deputados e que me levam a concluir que W. Ex.as estão de acordo connosco...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Está-se mesmo a ver!

O Orador: - Na verdade, todos os Srs. Deputados concordam connosco em que não é preciso fazer constar do mesmo texto em que se afirma o direito à greve a proibição do lock-out; que o direito à greve não precisa, para se afirmar, desta contraface que é a proibição do lock-out.
Por conseguinte, a proibição do lock-out pode, perfeitamente e nos termos em que o legislador o entender, constar de lei ordinária, não tendo de ter consagração constitucional. É que a forma como se encontra formulada na lei constitucional pode levar a soluções extremamente gravosas como a que hoje existe, que se traduz na impossibilidade de utilização do lock-out defensivo, o qual pode, por vezes, constituir o único meio de que as empresas lançam mão para preservar o seu próprio funcionamento e permanência.
Em meu entender, esta proibição indiscriminada não adianta nada ao direito à greve afirmado no artigo, revelando-se extremamente perigosa, e por isso propusemos a sua eliminação.
Este é o sentido das propostas que fazemos para o artigo 58.º, todas elas na mesma linha de são realismo com que fizemos as propostas para as restantes normas relativas aos direitos fundamentais aos trabalhadores.

O Sr. António Vitorino (PS): - Ou seja, na linha da defesa dos trabalhadores!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é a noite das surpresas. Com efeito, o Sr. Deputado Nogueira de Brito faz uma homenagem aos trabalhadores pela sua capacidade de exercício sábio da greve, propondo a seguir, como recompensa, a restauração do lock-out. É o chamado prémio perverso!

O Sr. António Vitorino (PS): - É a mesma linha em ziguezague!

O Orador: - Por outro lado, a Sr.ª Deputada Assunção Esteves, angelicamente, fez-nos aqui, às 23 horas e 40 minutos, o canto de sereia - que, suponho, o Sr. Ministro Fernando Nogueira terá feito, na altura e no sítio próprio, ao Sr. Deputado António Vitorino -...

O Sr. António Vitorino (PS): - Não seja indiscreto!

O Orador: - ... e que não culminou com uma cedência do PS neste ponto. Felizmente para a Constituição, o PS não decaiu nesse ponto. Temos todas as razões para nos congratularmos com esse facto. Agora, o que é facto é que a Sr.ª Deputada fez um exercício angelista através do qual proeurou reduzir o significado da proposta do PSD.
Sr.ª Deputada, a proposta do PSD não significa o que V. Ex.ª afirmou, mas uma alteração radical, uma debilitaçâo, uma quase notificação da excepcional garantia da autonomia dos trabalhadores na definição do âmbito do direito à greve que consta hoje deste artigo que estamos a discutir.
Portanto, a homenagem de V. Ex.ª, a esta hora tardia, ao direito de os trabalhadores definirem os objectivos da greve, as suas loas ao direito à greve como tal, etc, são totalmente desprovidas de sentido, sobretudo vindas de uma bancada cujo Governo se tem destacado na notificação do direito à greve, designadamente através de actuações brutalizadoras, aliás inconstitucionalmente restritivas de direitos de trabalhadores e que há pouco o meu camarada Jerónimo de Sousa teve ocasião de citar - no Metro, na CP, na Transtejo...
Mas não só. O Governo do PSD tem da requisição civil a ideia que o proprietário do pau de marmeleiro tem do dito cujo: mal encontra uma dificuldade, agarra no dito e zarguncha.
Ora, foi isso que V. Ex.ª, de forma «nefelibática», deletérea, suave aqui fez a esta hora da noite. Porém, isso não diminui em nada a gravidade da proposta que defendeu.
Nem com falinhas mansas, nem com doçuras ínvias, V. Ex.ª conseguirá diminuir a gravidade da proposta do PSD, porque detrás do seu sorriso estão os dentes aguçados do Sr. Ministro do Trabalho e do pacote laboral!

Risos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.

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A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, não vou alongar-me, pois creio que fui clara, ou pretendi ser, sobre a nossa proposta de alteração. No entanto, é melhor que fique clarificado o que o PSD pretende, já que não foi bem entendido.
Nós não queremos que haja greves políticas.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Nem laborais!

A Oradora: - Queremos que as greves tenham a sua função natural, qual seja a de reivindicar para os trabalhadores os seus direitos no quadro da sua relação de trabalho.
Não queremos, porém, que haja greves políticas porque a Constituição e a sociedade democrática em que vivemos facultam reivindicações políticas. Por conseguinte, não têm de o fazer através da greve, nem têm legitimidade para, através dela, definirem qualquer tipo de reivindicação política.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Não há nada na Constituição que dê aos trabalhadores - a não ser eventualmente a forma fluída que se encontra no artigo 58.º - a possibilidade de ter uma intervenção legítima na definição do direito à greve que não seja exactamente o seu interesse no âmbito da relação laborai e os direitos que pretende ver realizados.
Não pode a greve ter uma vocação política numa sociedade democrática que dá às pessoas, incluindo aos trabalhadores, todos os mecanismos políticos possíveis para reivindicar os seus direitos noutras áreas que não a laborai.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados Vera Jardim, José Magalhães e Isabel Espada.

Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr.ª Deputada Assunção Esteves, verifiquei e compreendi as dificuldades de V. Ex.ª na sua primeira intervenção. Efectivamente, há coisas difíceis de defender.
No entanto, a sua segunda intervenção coloca-me na disponibilidade de lhe pôr duas questões muito concretas.
A Sr.ª Deputada disse, muito claramente, aquilo que tinha já sido visível para todos nós: o PSD é contra as greves políticas. Ainda bem que o diz!
Desconhece V. Ex.ª que, muitos países de todo o mundo e em muitas épocas históricas, se resistiu ao totalitarismo, às ditaduras, às tentativas ilegítimas de tomadas de poder, através de greves de trabalhadores? Desconhece V. Ex.ª que, em muitos países - ainda há poucos anos na Polónia -, greves políticas pretenderam lutar, com algum êxito, contra poderes totalitários?
Sr.ª Deputada, a segunda questão que lhe queria colocar é a seguinte: na sua opinião, quem julga se uma greve é ou não política? Quem tem o direito de julgar isso? A quem entrega essa decisão?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há ainda dois pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Magalhães e Isabel Espada. Porém, antes de lhes dar a palavra, gostaria de clarificar um ponto prévio.
Srs. Deputados, não temos outras inscrições e acontece que o artigo 58.º é o último do Título H, sendo obviamente o artigo 59.º o primeiro do Título III. Assim, propunha que terminássemos a discussão do artigo 58.º e estivéssemos aqui amanhã às 10 horas.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Deputada Assunção Esteves, creio que V. Ex.ª apenas disse em tom mais verdadeiro aquilo que há pouco lhe tinha saído com demasiada cosmética: o PSD é contra greves políticas - pronto, está dito! Porém, a Constituição permite-as, e ainda bem.
Aliás, o PSD vê greves políticas em toda a parte!
Os trabalhadores do Metro estão reunidos, estão em greve, são brutalizados, vêem direitos restringidos, têm um processo de contradição colectiva empancada, estão em luta pela defesa do objectivo a, b, e ou d... «Greve política»!!
Ousam afrontar o Governo?! Indecente, não pode ser, «Greve política»!
Quando o Sr. Primeiro-Ministro deparou com a primeira greve geral do seu mandato, ei-lo estupefacto, dizendo que uma vez que tinha comido um leite-creme, uma regueifa ou lá o que foi...

Risos do PCP.

Não tinha havido greve nenhuma ou se tivesse havido, era uma tentativa de greve política! Então, toma uma privatização por cima, que é o bom castigo para os meninos maus que fazem greve!

É este o conceito do PSD! Portanto, Sr.ª Deputada, V.V. Ex.ªs não devem nunca ter na mão um instrumento como o que pedem. É que se sem ele já abusam e prevaricam, o que seria V. Ex.ª - ou o Ministro Silva Peneda no lugar de V. Ex.ª, (ele tem realmente um aspecto mais penedesco) - com um instrumento desse tipo?!
Não, Sr.ª Deputada, não levará isso daqui, o que é um grande bem para o País! V. Ex.ª sairá tristíssima, mas o País sai contente e os trabalhadores têm razões para se regozijar!

Vozes do PCP: - Muito bem! Vozes do PSD: - Muito mal!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr." Deputada Isabel Espada.

A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr.ª Deputada Assunção Esteves, efectivamente, desta proposta do PSD penso que se poderá tirar a conclusão que ao retirar o n.º 2 do actual texto constitucional - onde se atribui aos trabalhadores a definição do âmbito dos interesses a defender através da greve e se retira à lei a possibilidade de limitar esse âmbito - deixará de competir aos trabalhadores definir o âmbito dos interesses a defender através da greve.
Assim, perguntamos: passará então a competir a quem?
Por outro lado, se se retira que a lei não pode limitar esse âmbito, a lei vai limitá-lo de que forma, em que sentido?

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Estamos a tentar passar em resenha as greves a que temos assistido e, efectivamente, não sabemos em que tipo de greves é que o PSD está a pensar; em que tipo de greves conseguiu dividir aquelas que são políticas e as que o não são. É que nas greves de que tenho conhecimento, os trabalhadores fazem-nas porque têm reivindicações a apresentar, porque pretendem aumentos salariais ou redução de horários; enfim, porque pretendem que sejam tomadas determinadas acções ligadas aos seus interesses laborais.
Por conseguinte, não sei que tipo de greves estaria no universo imaginário do PSD para dizer que determinado tipo de greves, nomeadamente as de cariz político, não podia ser realizado.
Provavelmente que a Sr.ª Deputada verificou já que isso se passa no nosso país. Portanto, se assim foi, gostaria que me desse alguns exemplos.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Retomaria em conjunto as observações que me foram feitas pelos Srs. Deputados José Magalhães e Isabel Espada e acabaria respondendo às perguntas do Sr. Deputado Vera Jardim. Isto porque as duas primeiras têm algo em comum, carecendo a primeira de uma resposta mais alongada.
Quanto às perguntas dos Srs. Deputados José Magalhães e Isabel Espada, creio que V.V. Ex.ªs fizeram um levantamento de questões evidentes.
Aquilo que tem quê ver com as reivindicações no quadro de uma relação laboral resulta da natureza dessa relação. Foram, aliás, enunciados alguns problemas próprios da relação laboral e não é difícil distinguir o que é uma greve que tem em vista defender os direitos dos trabalhadores nesse quadro daquilo que consubstancia efectivamente uma greve política. Na verdade, resulta da relação laboral, da sua natureza, dos seus contornos; daquilo que ela representa como realidade, quer de facto, quer jurídica.
O problema que se põe é aquele que o Sr. Deputado Vera Jardim veio colocar e que me parece vir reforçar o meu argumento.
Eu disse que o problema da greve política é uma questão a pôr de lado no quadro de uma sociedade democrática. Na verdade, o problema da legitimidade da greve e da sua vocação meramente laboral ou extra--laboral tem que ver com o quadro jurídico-político em que se insere. Por conseguinte, aferir da legitimidade de uma greve política implica correlacioná-la ou com o Estado democrático em que a mesma se insira ou com um Estado não democrático.
No Estado não democrático ela é legítima, aliás por contraposição à própria ilegitimidade do poder no qual se desenvolve. E óbvio que, seja qual for a via - a greve ou outras formas esporádicas de resistência noutros quadros -, toda a resistência é legítima contra uma autoridade ilegítima. É legítima, e mais, Sr. Deputado: é devida.
Quanto ao problema de uma sociedade democrática, aí as coisas têm um nome e os direitos estão garantidos, quer no âmbito político, laboral ou dos direitos pessoais propriamente ditos. Portanto, não faz sentido que uma greve possa, no fundo, conduzir à realização de um conjunto de formas de manifestação que extrapolem dos interesses do quadro laboral. Aliás, não faz sentido por uma questão de ordenação democrática e de existência de mecanismos de suficiência em matéria de contestação política que a sociedade oferece como alternativa fora do quadro laboral.
Por conseguinte, Sr. Deputado, na Polónia e nos restantes países que citou, a greve política é legítima e devida.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra unicamente para fazer um comentário. Vou fazê-lo com sério prejuízo de tempo para o meu grupo parlamentar, mas creio que não poderíamos ficar calados, uma vez que a Sr.ª Deputada Assunção Esteves exprimiu aqui uma concepção extremamente grave que o Sr. Deputado Vera jardim tentou interromper sem êxito.
Vamos, pois, gastar este tempo. Contudo, é um tempo bem gasto na definição de um direito fundamental para os trabalhadores, e de uma questão democrática que se trata.
O PS, que deveria dar uma ajuda nessa matéria, de facto não a dá. Nem por isso ficaremos calados.

O Sr. António Vitorino (PS): - Não dá?! Então falou o Sr. Deputado Vera Jardim...! Com certeza que isso foi só para justificar que o tempo não é mal gasto!

O Orador: - Claro que não dá, Sr. Deputado! Ouviu a enormidade e ficou calado! Dispõe-se a ir embora perante isto!

O Sr. António Vitorino (PS): - Então falou o Sr. Deputado Vera Jardim!!

O Orador: - Bem, ainda conservo a esperança de que venha a falar...

A Sr.ª Deputada Assunção Esteves acabou de de exprimir uma concepção extremamente grave e, aliás, mal fundamentada da «ilegitimidade» de uma greve por razões e realidades políticas em regime democrático.

Na verdade, S. Ex.ª proclamou: em regime democrático, os direitos estão garantidos. Logo, se o seu exercício estiver posto em causa ou se os trabalhadores decidirem exercê-los, no sentido de significarem ao poder político que uma determinada medida, um determinado quadro, é indesejável, isso não é aceitável e merece protesto, isso é ilegítimo, é proibido.

Essa concepção, Sr.ª Deputada, é absurda num regime aberto, democrático e pluralista como este! Não tem qualquer fundamento constitucional na nossa Constituição democrática não tem fundamento nenhum! Mais ainda porque não se presume que o poder tenha sempre razão e porque o direito, à greve, tal qual está concebido, é um direito cuja definição cabe aos trabalhadores e que pode servir, articulada e conjugadamente, a nível nacional ou parcelar, nomeou em duas, de 300 ou mil empresas, para significar ao poder político num momento determinado, de forma simultânea se necessário for - o não a uma determinada medida, a uma determinada política, a uma determinada orientação!

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4 DE MAIO DE 1989 3567

Entre nós, constitucionalmente, é assim! Mais, Sr.ª Deputada Assunção Esteves: vai continuar a ser assim, doa a quem doer ao PSD!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é para acabar o dia em bem, claro está, que nos sentimos na obrigação de usar do direito de defesa da honra perante uma acusação feita pelo Sr. Deputado José Magalhães e que se afigura profundamente injusta, mas que, naturalmente, se filia numa campanha que, durante algum tempo, o PCP alimentou, no sentido de denunciar pretensas intenções do PS em ceder à proposta do PSD sobre o direito à greve.
No entanto, nunca tivemos tais tentações, que sempre desmentimos na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, onde demos um combate claro, frontal, fraco e inequívoco a qualquer proposta de alteração sobre o direito à greve. Aliás, eu próprio tive ocasião de participar nesse debate e de tornar claro que jamais o PS aceitaria qualquer alteração ao artigo do direito à greve.
Que isso tenha sido alimentado na comunicação social, nós compreendemos, uma vez que fazia parte de uma estratégia de criação de um clima que visava responsabilizar o PS por esta Revisão da Constituição. Agora, perante os factos concretos, quando se trata aqui de discutir o preceito em concreto e quando o Sr. Deputado Vera Jardim tornou inequívoco que não apoiaríamos qualquer alteração a este artigo, tentar imputar-nos qualquer responsabilidade sobre esta matéria é tributário de uma clara atitude de má-fé.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que é positivo que o PS clarifique os seus pontos de vista.

O Sr. António Vitorino (PS): - Clarifique?! Mas você não é o paizinho! Ou está precocemente envelhecido?!

O Orador: - Sucede que dá, por vezes, muito trabalho conseguir que o PS saia do seu silêncio. Porém, achamos que é bom serviço prestado à clarificação dos debates da Revisão Constitucional que haja esforço do PCP nesse sentido.
Indo à questão concreta colocada pelo Sr. Deputado António Vitorino, gostava de lhe dizer que não tem qualquer razão. Aliás, os leitores das actas da comissão poderão verificar como é que se progrediu no terreno em matéria de debate do direito à greve.
Na primeira leitura o debate termina com o PS declarando, aliás pela boca do Sr. Deputado António Vitorino, que «as propostas de eliminação apresentadas pelo PSD eram irrazoáveis e que outras reformulações, só vendo...» - estou a citar literalmente.
A nossa postura face a essa matéria foi uma postura responsável. Não dissemos outra coisa que não isto que aqui vou dizer: «Estamos preocupados em relação à garantia do direito à greve, o PSD apresentou uma proposta que representaria uma pura inversão do actual texto constitucional e, findo um debate em que o PS disse muitas coisas com as quais estamos de acordo (e outras com as quais não estaremos tanto de acordo...), ficou-se nesta ideia: se o PSD apresentar uma reformulação, logo se verá...»
Como bem se percebe, este «logo se verá» não nos satisfez, sabendo nós que estava em negociação um acordo político de Revisão Constitucional em que o PS e o PSD adiantavam contrapartidas um ao outro.

O Sr. António Vitorino (PS): - É de facto má-fé!

O Orador: - Quanto ao resultado final, só podemos congratular-nos com o facto de a proposta do PSD não ter tido vencimento, como tudo indica que não terá. Não podemos é abdicar de ter os olhos e os ouvidos abertos.
Tudo o que disse é normal nas relações entre os partido e só pode abespinhar o PS por razões outras, das quais falaremos amanhã.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrado o debate do artigo 58.º Continuamos amanhã, às 10 horas, com o artigo 59.º

Está encerrada a sessão.

Eram 00 horas e 05 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António Costa de A. Sousa Lara.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Maria Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
Joaquim Eduardo Gomes.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José de Vargas Bulcão.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.

Partido Socialista (PS):

Elisa Maria Ramos Damião Vieira.

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Partido Comunista Português (PCP):

Ana Paula da Silva Coelho.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.

Centro Democrático Social (CDS):

Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António Fernandes Ribeiro.
António José Caeiro da Motta Veiga.
Carlos Alberto Pinto.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Flausino José Pereira da Silva.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel P. Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

António Domingues Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.
Carlos Cardoso Lage.
Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gimes Cravinho.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Maria do Céu Fernades Esteves.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Campos Rodrigues Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.

Centro Democrático Social (CDS):

Narana Sinai Coissoró.

Rectificações aos n.ºs 62 e 63 de, respectivamente, 13 e 14 de Abril de 1989:

Na p. 2123, 2.ª col., l. 28, onde se lê «da juventude e da necessidade demográfica» deve ler-se «da juventude e da densidade demográfica».
Na p. 2173, 2.º col., l. 13, onde se lê «a directa, em Portugal» deve ler-se «a direita em Portugal».

Os REDACTORES: Cacilda Nordeste - José Diogo - Maria Amélia Martins - Ana Maria Marques da Cruz.

DIÁRIO da Assembleia da República

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