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Quinta-feira, 18 de Maio de 1989 I Série - Número 82

Diário da
da Assembleia da Republica

V LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1988/1989)

II REVISÃO CONSTITUCIONAL

REUNIAO PLENÁRIA DE 17 DE MAIO DE 1989

Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo

Secretários: Ex.mºs. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes

José Carlos Pinto Basto da Mota Torres.

Cláudio José dos Santos Percheiro

Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr . Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.

Deu-se conta da entrada na Mesa das ratificações n"' 75/V e 76/V, do projecto de deliberação n. º 44/V e do projecto de lei n.º399/V
A Câmara não autorizou a suspensão do mandato de dois deputados para prestarem declarações na Polícia Judiciária de Lisboa.

Foi aprovado um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de deputados do PSD.
Foi aprovado, na generalidade, o projecto de resolução, apresentado pelo PSD e pelo PS, sobre alterações ao processo especial de apreciação e votação da revisão constitucional, tendo intervindo, a diverso título, os Srs. Deputados Carlos Brito

(PCP), António Guterres (PS), Marques Júnior (PRD), Silva Marques (PSD), Narana Coissoró (CDS) e Herculano Pombo (Os Verdes).
Prosseguiu-se a discussão da revisão constitucional (artigos
80.º, 81.º, 81.º-A, 83.º e 83.º-A).

Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados José Magalhães (PCP), Almeida Santos (PS), Carlos Lilaia (PRD), Herculano Pombo (Os Verdes), António Vitorino (PS), Costa Andrade (PSD), Lino de Carvalho (PCP), Marques Júnior (PRD), Francisco Silva (PSD), Helena Roseta (Indep.), Rui Machete (PSD), João Cravinho (PS), Octávio Teixeira (PCP), Nogueira de Brito (CDS), João Corregedor da Fonseca (Indep.), Assunção Esteves, José Luís Ramos e Silva Marques (PSD).
0 Sr. Presidente encerrou a sessão eram 2 horas e 5 minutos do dia seguinte.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António de Carvalho Martins.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinho.
António Jorge Santos Pereira.
António José de Carvalho.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Maria Pereira.
António Mário Santos Coimbra.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristídes Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando Carvalho Guerreiro Cunha.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carla Tato Diogo.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Batista.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José R. Roque Correia Afonso
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel Silva Abreu
Francisco Antunes da Silva.
Flausino José Pereira da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Germano Silva Domingos.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.

Hilário Torres Azevedo Marques.
Humberto Pires Lopes.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José A1berto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Mendes Bota.
José de Vargas Bulcão.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade. Manuel João Vaz Freixo. Manuel Joaquim Batista Cardoso. Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Antónia Pinho e Melo.
Maria Assunção Andrade Esteves.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mary Patrícia Pinheiro Correia e Lança.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas. Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

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Partido Socialista (PS):

Afonso Sequeira Abrantes. Alberto Arons Braga de Carvalho. Alberto Manuel Avelino. Alberto Marques de Oliveira e Silva. Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos. António Carlos Ribeiro Campos. António Domingues de Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Manuel Oliveira Guterres.
António Miguel Morais Barreto.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Martins do Vale César.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Helder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Barroso Soares.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Apolinário Nunes Portada.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Florêncio B. Castel Branco.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
Leonor Coutinho Pereira Santos.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria do Céu F. Oliveira Esteves.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Ruí António Ferreira da Cunha.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro. Ana Paula da Silva Coelho. António Filipe Gaião Rodrigues. António José Monteiro Vidigal Amaro. António da Silva Mota. Apolónia Maria Pereira Teixeira. Carlos Alfredo Brito.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu Lemos. José Manuel Antunes Mendes. José Manuel Maia Nunes de Almeida.

José Manuel Santos Magalhães. Lino António Marques de Carvalho. Luís Manuel Loureiro Roque. Manuel Anastácio Filipe. Manuel Rogério de Sousa Brito. Maria Ilda Costa Figueiredo. Maria Luísa Amorim.
Maria de Lurdes Dias Hespanhol. Maria Odete Santos. Octávio Augusto Teixeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior. Francisco Barbosa da Costa. Hermínio Paiva Fernandes Martinho. 15abel Maria Ferreira Espada. José Carlos Pereira Lilaia. Natália de Oliveira Correia. Rui dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira. Basílio Adolfo de M. Horta de Franca.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira. Maria Amélia do Carmo Mota Santos.

Deputados Independentes:

Carlos Mattos Chaves de Macedo. João Cerveira Corregedor da Fonseca. Maria Helena do R. da C. Salema Roseta.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai informar a Câmara dos diplomas que deram entrada na Mesa.

0 Sr. Secretário (Daniel Bastos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: ratificação n.º 75/V, solicitada pelo Sr. Deputado Fernando Gomes e outros, do PCP, relativa ao Decreto-Lei n.º l5l/89, de 8 de Maio, que permite a consignação imediata de empreendimentos em unidades de saúde após o despacho de adjudicação, que foi admitida; ratificação n.º 76/V, solicitada pelo Sr. Deputado Adriano Moreira e outros, do CDS e do PS, relativa ao Decreto-Lei n.º 155/89, de ll de Maio, sobre criação, suspensão e extinção dos cursos, que foi admitida; projecto de deliberação n.º 44/V, apresentado pelo PS, sobre fiscalização dos actos do Governo em matéria de cumprimento das Grandes Opções do Plano, que foi admitido; projecto de lei n. 399/V, apresentado pelo Sr. Deputado António Coelho e outros, do PSD, relativo à elevação da povoação de Alhadas à categoria de vila, que, tendo sido admitido, baixou à 6.ª Comissão.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se na Mesa dois relatórios e pareceres da Comissão de Regimentos e Mandatos, que vão ser lidos.

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O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - Srs. Deputados, o primeiro relatório é do seguinte teor:

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos

O Sr. Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Marco de Canaveses solicitou nos termos do n.° 2 do artigo 11.° da Lei n.° 13/85, de 13 de Março, à Assembleia da República a deliberação de suspensão do mandato do Sr. Deputado Alberto Monteiro de Araújo, para efeito de seguimento de Autos de Processo Correccional pendentes na 1.ª Secção do Tribunal Judicial daquela Comarca com o n.° 15/88.
A autorização pedida nos termos do n.° 2 do artigo 11.° da Lei n.° 13/85, de 13 de Março, pressupõe a suspensão do mandato do Sr. Deputado.
Ora o pedido de suspensão do Sr. Deputado Alberto Monteiro de Araújo coincide com o momento legislativo mais importante da actividade parlamentar, o processo de Revisão Constitucional. Acresce, ainda, que a Revisão Constitucional exige maioria qualificada de deputados.
A inviolabilidade dos deputados visa impedir que o normal funcionamento da Assembleia da República seja prejudicada pela suspensão dos seus deputados, que só se deverá aceitar por motivos de grande gravidade, o que não se verifica no processo n.° 15/88 do Tribunal de Marco de Canaveses.
Tendo em conta, estes factos, e ouvido o Sr. Deputado em causa, somos de parecer que não é de suspender das suas funções o Sr. Deputado Alberto Monteiro de Araújo.

Palácio de São Bento, 2 de Maio de 1989.

O deputado relator, José Manuel da Silva Torres.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar. Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário - O segundo documento é do seguinte teor:

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos

Por ofício n.° 23 312 de 22 de Junho de 1988 - Proc. OP 1690/88 da 4.ª Secção da Directoria da Polícia Judiciária de Lisboa, solicita aquela Directoria a audição do Sr. Deputado Casimiro Pereira, paia prestai declarações nos autos de inquérito preliminar n.° 326/87 da Comarca de Torres Novas, em virtude de um protesto de outros vereadores da Câmara Municipal de Torres Novas enviado a Comissão Nacional de Eleições.
A autorização pedida pressupõe a suspensão das funções de deputado nos termos do n.° 2 do artigo 11.° do Estatuto de Deputados.
A imunidade dos deputados visa impedir que o funcionamento normal da Assembleia da República seja prejudicado por questões que, sem prejuízo da sua posterior apreciação, possam aguardar o termo da actividade parlamentar do deputado.
O ofício vindo da Polícia Judiciária de Lisboa - 25 854 - informa que as declarações a tomar ao Sr. Deputado incidem sobre o conteúdo da acta da reunião ordinária pública da Câmara Municipal de Torres Novas, celebrada em 2 e 3 de Junho de 1987, não indicando o Digno Magistrado do Ministério Público junto da mencionada comarca o tipo ou tipos de infracções em causa e respectivos preceitos legais eventualmente infringidos.
Ora, em tais circunstâncias, e pese embora a disponibilidade manifestada pelo Sr. Deputado para prestar declarações, não se nos afigura que haja justificação para a suspensão do mandato.
Assim, sou do parecer que a Assembleia da República não deve autorizar a suspensão do mandato do Sr. Deputado Casimiro Pereira, o que deve ser comunicado à 4.a Directoria da Polícia Judiciária de Lisboa.

Palácio de São Bento, 28 de Abril de 1989.

O deputado relator, José Guilherme Coelho dos Reis.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar. Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como é do vosso conhecimento, ficou decidido, na conferência de líderes que esta manhã teve lugar, que iniciamos os trabalhos de hoje com a discussão e votação de um projecto de resolução sobre o processo de Revisão Constitucional. Os tempos disponíveis serão, para cada partido, de três minutos para as intervenções e de três minutos para os pedidos de esclarecimento. Terminada esta parte dos trabalhos, prosseguiremos com o debate relativo às alterações à Constituição.

O Sr. António Guterres (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, é apenas para informar que os proponentes aceitam retirar o ponto 2 do artigo 6.° e aceitar a redacção proposta pelo CDS para o artigo 14.°

O Sr. Presidente: - Agradecia aos proponentes que fizessem chegar à Mesa o respectivo texto. Tem a palavra, Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, o texto correspondente à proposta do CDS foi entregue na conferência de líderes que ontem teve lugar.

O Sr. Presidente: - Como todas as bancadas têm conhecimento do texto e dada a explicação do Sr. Deputado António Guterres, julgo que poderíamos

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iniciar os nossos trabalhos. O texto em falta seria distribuído logo que tivéssemos a possibilidade de o fazer.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, não nos opomos a que o debate se possa iniciar, uma vez que conhecemos o sentido das alterações. Era no entanto fundamental que o texto fosse distribuído o mais rapidamente possível.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa está a tomar providências nesse sentido e logo que o texto lhe chegue às mãos fá-lo-á distribuir de imediato.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD) - Sr. Presidente, quero apenas informar que o Grupo Parlamentar do PSD aceita o texto que provém da conferência de líderes e que prescinde da sua distribuição.

O Sr. Presidente: - De qualquer modo, Sr. Deputado, para efeitos de registo e de organização do processo, a Mesa precisa de ter acesso rápido ao texto. 15so não impede que, conforme se combinou, possamos começar, desde já, a apreciá-lo. Agradecia, portanto, inscrições nesse sentido.

0 Sr. Carlos Brito (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

0 Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, não nos opomos ao início da discussão. Do que não prescindimos é da distribuição do texto, o qual deve estar em nosso poder quando se concluir a discussão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa tem toda a razão para acreditar que, antes de concluída a discussão, todos os grupos parlamentares terão o texto à sua disposição.
Srs. Deputados, a Mesa agradecia inscrições para esta primeira parte dos nossos trabalhos.
`

O Sr. António Guterres (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente,
penso que não haverá inscrições relativamente a esta
matéria, dado que o texto, na sua versão actual, nada
mais é do que um ajustamento técnico às novas condições
do debate.
Nesse sentido, a minha proposta é que, caso elas se não verifiquem, o Sr. Presidente dê por encerrada a discussão.

0 Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

0 Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, naturalmente que,
como é da praxe, esperar-se-ia que os
promotores da iniciativa, neste caso do projecto de
resolução, fizessem uma apresentação, ainda que muito
sucinta, dos objectivos que ele tem em vista. Seguir-se-ia
depois o debate, com a posição das diferentes bancadas.
É isso que aguardamos da parte dos promotores.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estamos, neste
momento, a mandar distribuir o texto do projecto de
resolução tal como ele foi discutido na conferência de
líderes de ontem, com as alterações introduzidas na
conferência de líderes desta manhã.
A Mesa continua sem receber inscrições e, enquanto
o texto definitivo é distribuído pelas bancadas, o
Sr. Secretário vai proceder à leitura de um relatório e
parecer da Comissão de Regimentos e Mandatos.

O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - Srs. Deputados, trata-se de um relatório e parecer emitido pela Comissão de Regimento e Mandatos, do seguinte teor:

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos

Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos realizada no dia 17 de Maio de 1989, pelas 15 horas, foram observadas as seguintes substituições de deputados:

1 - Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata (PSD):
António Roleira Marinho (Círculo Eleitoral de Viana do Castelo), por António Carvalho Martins. Esta substituição é determinada nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), a partir do dia 18 de Maio corrente, inclusive.

2 - Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS):
José Barbosa Mota (Círculo Eleitoral de Aveiro), por Rosa Maria da Silva da Horta Albernaz. Esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), para o período de 17 a 31 de Maio corrente, inclusive.

3 - Analisados os documentos pertinentes de que a comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.

4 - Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.

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5 - Finalmente, a comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Presidente: João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD); O Secretário: José Manuel de Melo A. Mendes (PCP); O Secretário: Valdemar Cardoso Alves (PSD) - António Roleira Marinho (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - José Guilherme Pereira C. dos Reis (PSD) - José Augusto Santos da S. Marques (PSD) - José Guilherme Pereira C. dos Reis (PSD) - José Manuel da Silva Torres (PSD) - Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD) - Reinaldo Alberto Ramos Gomes (PSD) - António Manuel C. Ferreira Vitorino (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - Francisco Barbosa da Costa (PRD) - Herculano da Silva Pombo M. Sequeira (PV).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar. Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Brito pede a palavra para que efeito?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, uma vez que não há nenhuma inscrição da parte dos promotores do projecto de resolução que está em apreciação, inscrevia-me para intervir sobre a matéria.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vamos, obviamente, votar contra o projecto de resolução apresentado na Mesa pelo PSD e pelo PS, lamentando que o mesmo não tenha sido formalmente apresentado aos deputados da Assembleia da República.
Votamos contra não apenas por considerarmos globalmente negativa, quanto ao seu conteúdo, a Revisão Constitucional em curso, mas também por considerarmos verdadeiramente indigna e absurda a forma como ela está a ser feita.
O projecto de resolução que é hoje submetido à votação da Assembleia da República tem em vista viabilizar que a Revisão Constitucional venha a ser concluída até ao dia 31 de Maio, ainda que o seja à viva força, violentando regras básicas do debate parlamentar.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Não é verdade!

O Orador: - Com esta resolução a Revisão Constitucional passa do regime das marchas forçadas para o regime do trabalho forçado. Estabelecem-se várias noitadas de debate...

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Não gostam de trabalhar à noite!

O Orador: - ..., penosas sessões de votações, completamente separadas das discussões que, entretanto, foram feitas a correr.
Com efeito, se o processo era, até agora, atabalhoado e obscuro, vai tornar-se verdadeiramente ininteligível e com tempos curtíssimos atribuídos a cada partido. Um só exemplo: para discutir o bloco de artigos que vai do 111.° ao 149.° e que inclui matérias tão complexas e importantes como o referendo, as leis orgânicas, o estatuto do Presidente da República e o estatuto do Conselho de Estado, o PCP dispõe apenas de dezanove minutos.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Mas isso é imenso!...

O Orador: - Tudo isto em nome de quê e para quê?
Voltamos a dizer, Srs. Deputados, que a má revisão não é inevitável, como voltamos a dizer que não há nenhuma razão institucional para que a revisão constitucional em curso seja feita nestas condições absolutamente absurdas, indignas para o processo e indignas para a Assembleia da República.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Das reuniões da conferência de líderes, feitas nos dois últimos dias, apenas uma coisa positiva resultou: o agendamento de iniciativas dos grupos parlamentares da Oposição no desempenho da competência fiscalizadora da Assembleia da República.
Dou especial relevo à interpelação do PCP sobre a preparação do nosso país para os desafios de 1992, que ficou agendada para o dia 29 de Maio. Este agendamento vem a contento das nossas reclamações, invocando o Regimento. Isto nada mais é, pensamos nós, do que a consequência da insistência do PCP relativamente a esta matéria.
No entanto, isso em nada modifica o fracasso do plano do PS no sentido de fazer primeiro a Revisão Constitucional e só depois passar a fazer oposição. O que nós vamos ter, em absoluto, é revisão, revisão e mais revisão.
O único beneficiário deste processo é o PSD. Ele é o único partido que tira proveito eleitoral da forma como a revisão está a ser discutida.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - O Primeiro-Ministro Cavaco Silva não deixa, por isso, ao mesmo tempo que enfatiza a importância da Revisão Constitucional, considerando-a como uma conquista sua, de prometer tréguas ao PS.
Por tudo isto - e neste quadro - o Grupo Parlamentar do PCP não podia deixar de estar na mais firme oposição ao projecto de resolução que vai ser votado.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de resolução, em si, não merecia qualquer intervenção explicativa uma vez que apenas se limita a fazer ajustamentos técnicos que permitem à conferência dos representantes dos grupos parlamentares marcar sessões e, naturalmente, proceder ao agendamento correspondente a essas mesmas sessões.

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A intervenção do Sr. Deputado Carlos Brito merece-me alguns comentários. Em primeiro lugar, o que está em causa não é um debate apressado. O que está realmente em causa é o prolongamento de um debate que já decorreu e em que, obviamente - e compreensivelmente -, o PCP usou das faculdades regimentais à sua disposição para garantir que o debate se concluísse com um número limitado de artigos discutidos. Era necessário, portanto, transigir, prolongando o tempo de debates para que fosse possível discutir os artigos ainda não discutidos, como era também necessário encontrar uma metodologia que permitisse que essa discussão se fizesse dentro de calendários razoáveis. Foi disso que tratou a conferência de líderes.

Queria aqui sublinhar, com grande satisfação, que foi possível - é certo que à custa do esforço e do trabalho dos deputados, que só enobrece e prestigia esta Assembleia - garantir dois objectivos centrais um dos quais, penso eu, é também caro à bancada parlamentar do PCP.

0 primeiro objectivo é concluir os trabalhos de Revisão Constitucional em curso num prazo razoável e com uma discussão global semelhante, em número de horas, à do último processo de Revisão Constitucional. Questão de Estado, questão institucional!

O segundo objectivo é garantir que a Assembleia da República, durante esse período, possa exercer plenamente as suas funções de fiscalização da actividade do Governo agendando inclusivamente, para este curto período, todos os pontos contidos no projecto de resolução do PCP de há uma semana, com excepção das ratificações que, naturalmente, poderão decorrer a seguir à interrupção dos trabalhos parlamentares para a realização da campanha eleitoral.

Quero sublinhar, aliás, que foi com toda a satisfação que o PS deu a sua contribuição a um consenso apenas maioritário, nomeadamente, facilitando ao PCP o agendamento da sua interpelação para o dia l9, com prejuízo dos direitos que o próprio Partido Socialista poderia ter exercido.

Pensámos dever fazê-lo porque nos parece importante que as forças políticas tenham, todas elas, ocasião de, neste período, fazer ressaltar os seus pontos fortes no debate político com o Governo, e consideramos que os direitos do PCP são tão importantes como os nossos.

0 Sr. Duarte Lima (PSD): - Com ou sem moção de censura!

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado António Guterres, é ou não verdade que a Revisão Constitucional só é feita com a execução e a votação por maioria de dois terços de deputados no Plenário da Assembleia da República?

É ou não verdade que na discussão no Plenário da Assembleia da República - e isso já se havia verificado na comissão - houve um número considerável de deputados que, apesar de votarem alguns artigos com a maioria de dois terços, levantaram aquando da consideração destas matérias diversas dúvidas e interrogações?

É ou não verdade que o debate no Plenário da Assembleia da República tem um valor próprio, uma vez que todos os deputados intervêm e em que cada um pode, em consciência, aderir às soluções que vêm propostas, ou pode suscitar dúvidas em relação a essas soluções e até pronunciar-se contra elas?
Estas são as três perguntas que gostaria de ver esclarecidas.
Por outro lado, Sr. Presidente e Srs. Deputados, creio que o agendamento da nossa interpelação não é favor algum. 0 contrário é que seria um atentado contra os nossos direitos regimentais. A nossa interpelação foi apresentada há muito tempo, decorreu o prazo regimental para a sua discussão e, portanto, a Assembleia está em dívida para connosco. 15to é, estamos devedores da Assembleia da República em relação ao nosso agendamento.

Por conseguinte, não se trata de nenhum favor -
aliás, pensamos que este aspecto da discussão de maté
rias em que a Assembleia exerce a sua competência fis
calizadora se deve à nossa acção, à nossa intervenção.
0 Partido Socialista estava completamente dominado
pela ideia de que só podíamos discutir a Revisão Cons
titucional e, apesar disso, nós ainda conseguimos estes
pequenos oásis de discussão e de fiscalização da acção
governativa numa altura em que o Governo anda à
solta pelo país a fazer propaganda eleitoral.
Assim, vamos ter três «bocadinhos» para discutir matérias de tanta importância, isto é, vamos ter três interpelações e uma iniciativa agendada pelo CDS no que se refere à fiscalização do Governo num «mar» dominado até às madrugadas pela revisão da Constituição.
Portanto, Sr. Deputado António Guterres, não há dúvida de que isto é manifestamente insuficiente! Ou será esta a ideia que V. Ex.ª tem da acção fiscalizadora da Assembleia da República sobre o Governo, da acção fiscalizadora dos partidos da Oposição, daquilo que deve ser a intervenção dos partidos da Oposição?! ...

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

0 Sr. António Guterres (PS): - Sr. Deputado Carlos Brito, em relação às três perguntas que colocou respondo que é verdade. Aliás, devo dizer que aquilo que propusemos na conferência de líderes parlamentares e aqui é inteiramente compatível com a satisfação dessas três preocupações.
Não está em causa fazer algum favor ao PCP; esteve em causa, sim, por parte do PS, o facto de este ter abdicado - para facilitar um consenso - de um direito de agendamento da sua interpelação antes da interpelação do PCP, uma vez que ela foi entregue na Mesa em primeiro lugar, direito esse de que abdicámos para facilitar um consenso entre todas as bancadas. Não se trata de nenhum favor, pois fizemo-lo com todo o gosto!

É necessário dizer que se os pontos que estão incluídos para as próximas sessões se concretizarem - e lembro que em quinze dias esta Assembleia vai fazer três interpelações, uma do PRD, uma do PCP e outra do PS...

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O Sr. Duarte Lima (PSD): - Vai andar à solta!

O Orador: - ..., um agendamento do CDS e a votação de uma matéria particularmente incomodativa para a bancada governamental, que é a regionalização -. creio que nunca houve quinze dias de trabalho parlamentar em que o Governo estivesse tão em cheque como vai estar.
Mas quero recordar que todos estes agendamentos nasceram em conferência de líderes através de propostas de bancada do PS e não de propostas da bancada do PCP. E, ao contrário do que se possa pensar, não fracassou nenhum plano do PS, na medida em que em simultâneo com a Revisão Constitucional e depois desta se vão travar debates políticos fundamentais nesta Câmara. Com efeito, o que fracassou foi um plano do PCP, que foi o de impedir a Revisão Constitucional.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos a analisar o projecto de resolução que há pouco foi distribuído a todos os grupos parlamentares e é relativamente a ele que me vou pronunciar.
O projecto de resolução em apreço mais não visa do que fazer ajustamentos de ordem técnica, como aqui foi referenciado pêlos seus proponentes. Desse ponto de vista, não temos nenhuma objecção de princípio a fazer relativamente a este diploma, até porque pensamos que em alguns aspectos - por exemplo quanto ao artigo 6.°, em relação ao qual votámos contra aquando da discussão do projecto de regimento -, esta alteração, se não resolve, pelo menos ilude a questão que, objectivamente, nos levou a votar contra aquando da apresentação desse projecto de resolução.
Portanto, a nossa votação relativamente a este projecto de resolução não é, necessariamente, contra. Porém, também não ignoramos que subjacente a este diploma estão as dificuldades que também tivemos oportunidade de referenciar aquando da apresentação do projecto especial de regimento para a Revisão Constitucional, em relação ao qual tivemos oportunidade de votar contra.
Na verdade, entendemos que o projecto que na altura foi aprovado não cumpria dois objectivos que, do nosso ponto de vista, eram fundamentais: o primeiro prende-se com a dignificação que é necessário ter relativamente ao debate de Revisão Constitucional em Plenário, para o qual chamámos a atenção de alguns aspectos que, na prática, se têm vindo a verificar; o segundo prende-se com os tempos disponíveis e a forma como a gestão desses tempos era imposta aos vários grupos parlamentares relativamente aos tempos semanais. Ora, isso permitiu que chegássemos à situação em que nos encontramos hoje, em que praticamente esgotámos os tempos, e a verdade é que nos encontramos a debater o artigo 80.° da Constituição e, eventualmente, os artigos mais polémicos ainda estão por discutir.
Considerando todos estes elementos, conciliando-os com os aspectos formais do projecto de resolução que nos é proposto e atendendo aos pressupostos que estão
subjacentes, parece que, em boa verdade, não podemos ter outro voto que não seja o de abstenção relativamente ao diploma que estamos a analisar.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos de acordo com as declarações prestadas pelo Sr. Deputado António Guterres na fundamentação do projecto de resolução. Contudo, em relação a esta matéria, gostaria de acrescentar que, desde o início, se deveria ter adoptado a metodologia da discussão por grandes temas.
Devemos ser realistas! Quando invocamos a dignidade dos debates e das instituições não devemos ir contra a natureza das coisas. É um excesso, uma abstracção, pretender que um debate seja seguido atentamente, feita a sua discussão na especialidade, artigo a artigo, por vezes, número a número! Isso é algo de contra natura. Se não somos capazes de orientar a nossa acção segundo a natureza das coisas, a culpa não é da natureza, mas sim nossa. Na realidade, é nossa obrigação sermos realistas e ir ao encontro da natureza das coisas.
Assim, penso que ao fazer isto, neste momento, estamos a ser realistas, equilibrados e a prestar um serviço útil às instituições e à sua dignificação.
Gostaria ainda de referir um outro aspecto de natureza política que aqui foi abordado. O PCP está contra tudo isto, está sempre contra a natureza das coisas porque não deseja a Revisão Constitucional. Se nem sequer, em tempos, desejou a democracia, muito menos a revisão a sério de uma Constituição democrática, sobretudo na medida em que ela se aproxima precisamente da natureza das coisas, do País real a que se destina, daquele país que deseja uma Constituição democrática em que se reconheça.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É, pois, aqui que está o centro da divergência e o que faz tanto esbracejar, embora em vão, o PCP. E disse «embora em vão» porquê? Porque, felizmente, os dois grandes partidos democráticos que têm sido o eixo da luta e do lançamento dos alicerces de Estado democrático no nosso país estão de acordo. Felizmente que esses dois grandes partidos democráticos, o meu, o PSD e o PS - sem excluir os demais partidos democráticos - têm conseguido sobrepor-se à pequena política, à tentação de, por razões de política imediata, abandonar as grandes questões do Estado; felizmente que esses dois grandes partidos da democracia portuguesa se têm mantido fiéis e acima da pequena política imediata. E digo «felizmente» como democrata que sempre desejei um país vivendo livremente e em democracia. Feliz como democrata, mas feliz como português! Quantas atribulações não temos vivido quando nestes últimos anos, movidos por circunstâncias imediatas, não temos conseguido - nós, democratas - mantermo-nos de acordo sobre as questões que dizem respeito ao futuro da democracia portuguesa!
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, sinto-me feliz, sobretudo quando os democratas são capazes de

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se manter fiéis aos seus desígnios de construir um Portugal livre e de serem capazes, sem vacilações, de fazer frente a mais uma das manobras obstrucionistas do PCP.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer um protesto em nome da bancada do PCP.

0 Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

0 Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero afirmar o completo repúdio por parte da bancada do PCP pelas declarações e pelo processo de intenções que nos foi feito na intervenção do Sr. Deputado Silva Marques.
No entanto, parece-me importante salientar a maneira como o Sr. Deputado concebe esta aliança feita entre o PS e o PSD para a Revisão Constitucional. Creio que aquilo que decorre das palavras do Sr. Deputado Silva Marques é verdadeiramente o abraço do povo, o abraço da maioria que necessita de uma presa para atingir os seu s objectivos, e, neste caso concreto, a presa é o PS.

Vozes do PSD: - Não tenha inveja! Não seja ciumento!

O Orador: - Aquele hino de amor ao PS e ao amor dos dois partidos que o Sr. Deputado Silva Marques aqui fez traduz perfeitamente isso! Provavelmente isso não terá escapado à bancada do PS!
Porém, apesar dessa «santa aliança» que o Sr. Deputado Silva Marques aqui proclama, pensamos que a nossa insistência e o nosso combate contra essa «santa aliança» no que toca à revisão da Constituição teve o seu mérito. Ao contrário do que disse o Sr. Deputado António Guterres, se a Assembleia da República vai discutir algumas iniciativas dos grupos parlamentares da Oposição nesta ocasião, isso deve-se - tal como reconheceu o Sr. Deputado António Guterres - à iniciativa do PCP, pois uma parte das iniciativas que vão ser discutidas são as que constavam do projecto de resolução do PCP para a suspensão dos trabalhos da Revisão Constitucional, infelizmente só parcialmente contemplada. Nesse aspecto regozijamo-nos!
Contudo, pensamos que todo o projecto de resolução do PCP se traduzia naquilo que, ao contrário do que diz o Sr. Deputado Silva Marques, iria ao encontro dos interesses da democracia portuguesa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para dar explicações.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Carlos Brito, não desejo ofender pessoalmente ninguém e tenho a consciência de que não ofendi V. Ex.ª Fiz-lhe, pura e simplesmente, uma crítica política com argumentos claros. E, Sr. Deputado, mesmo a título de defesa da honra, não vou alongar-me porque não quero colaborar no impasse da revisão da Constituição.

De qualquer modo, e por uma questão de consideração, quer pelo Sr. Deputado, quer pela sua bancada, gostaria de dizer que nós, PSD, respeitamos os adversários, até porque é necessário melhor combate-los e não se combate bem sem respeitar o adversário!
Sr. Deputado Carlos Brito, o que V. Ex.ª acabou de declarar é a confissão contra si. Estão previstas no calendário da Assembleia da República iniciativas vossas. O Sr. Deputado acabou de se vangloriar por alguns desses debates importantes serem da iniciativa do PCP.
Ora, isso é a melhor confissão contra a crítica que acabou de nos fazer, o que significa que a maioria deste Plenário aceitou as vossas iniciativas e argumentações no sentido de, embora privilegiando a revisão da Constituição, não levar as coisas ao extremo de impedir iniciativas de natureza política que têm o objectivo de crítica à maioria! Que melhor confissão mesmo contra o Sr. Deputado não poderia ser feita?! ...
Por isso, Sr. Deputado, deixemo-nos de esgrimir discursos gratuitos que não têm correspondência com os factos e com a realidade e vamos - isso sim - àquilo que o País quer e espera e os Srs. Deputados não desejam: a revisão da Constituição!

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - 0 Sr. Deputado Carlos Brito tinha feito um protesto e o Sr. Deputado Silva Marques utilizou a palavra como contraprotesto.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra ao abrigo do direito de defesa da honra.

0 Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

0 Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, defendo a honra da minha bancada dizendo apenas que interpretamos a declaração ciumenta do Sr. Deputado Carlos Brito como uma prova de amor.

Risos.

0 Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

0 Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado António Guterres, não posso deixar de pôr em destaque este esforço de V. Ex.ª, em nome da bancada do Partido Socialista, no sentido de adoptar uma atitude de sedução para se colocar no centro das atenções.

Risos.

Na verdade, não posso deixar de sublinhar que, em relação a esta matéria, o PS está no centro das atenções e não creio que, de lado a lado, estejam a fazer isto por provas de amor, mas sim por provas de cedências que, neste caso, são graves para a democracia portuguesa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 debate que hoje se está a realizar

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a propósito do projecto de resolução nada tem a ver com ele. E sabemos isso porque o projecto de resolução, depois de lhe ser estirpado o n.° 2 do artigo 6.°, que lhe dava um substrato vital, é um cadáver que aqui está.
Na verdade, o que este projecto de resolução diz no n.° 1 do artigo 6.° e no artigo 14.° já constava do n.° 1 do artigo 13.°, que diz o seguinte: «Para todos os efeitos previstos no presente regimento especial, os grupos parlamentares dispõem do tempo fixado na conferência dos representantes dos grupos parlamentares, a qual fixa as demais regras de organização do poder.»
Ora, o que estes dois artigos que acima referi dizem é exactamente o que consta do n.° 1 do artigo 13.° Entenderam os tais grandes partidos democráticos, que, segundo o Sr. Deputado Silva Marques, fazem o País, travar aqui um mini debate para se dizer, como o PCP, que esta revisão é má e é mal feita e para o Partido Socialista e o Partido Social-Democrata dizerem que esta revisão é boa e bem feita.
Nós, que não temos nada a ver com isso, mas apenas com uma Revisão Constitucional boa e bem feita, dizemos o seguinte: esta resolução nada acrescenta ao n.° 1 do artigo 13.° Para não entrar em contradição com o n.° 1 do artigo 13.°, propusemos que o artigo 14.° voltasse à competência dos grupos parlamentares e deixasse de fora o Sr. Presidente para que cada partido tomasse sobre si, tal como está no n.° 1 do artigo 13.°, as responsabilidades da organização do debate e da fixação dos tempos.
Isto é um debate político, cada partido político tem que assumir as responsabilidades daquilo que diz e daquilo que vota e não se pode esconder atrás da autoridade do Presidente da Assembleia da República. É por isso que sugerimos a modificação do artigo 14.° Fazemo-lo exactamente para não entrar em conflito com o n.° 1 do artigo 13.° e para que os grupos parlamentares não se escondam atrás da autoridade do Presidente da Assembleia da República. O debate é partidário e cada um tem que assumir a responsabilidade daquilo que diz e faz. Foi essa a proposta por nós subscrita e aceite aqui por todos.
Estamos de acordo que o debate seja feito por grupos de artigos. Não estamos de acordo que os grupos pequenos sejam discriminados com pouco tempo. Este ponto foi tomado em consideração, tendo sido o tempo aumentado em medida que entendemos não satisfatória e nem sequer razoável, mas que não é punitiva. Por isso mesmo iremos dar o mesmo voto que demos ao n.° 1 do artigo 13.°, a abstenção.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, muito rapidamente gostaria de reforçar a ideia aqui trazida pelo Sr. Deputado Narana Coissoró de que, de facto, estamos em presença de uma futilidade, de uma inutilidade total. O que aqui se diz já estava dito no Regimento que a seu tempo foi aqui discutido e votado. Não adiantamos nada nem atrasamos. Pretende ser isto um remendo triste ao enorme buraco que abrimos com a aplicação do Regimento. Já tínhamos aqui dito que, a ser aplicado, aquele Regimento não traria bons resultados para a qualidade da discussão e para o bom andamento dos trabalhos. Esta perda de tempo que aqui tivemos hoje só atrasa e não dignifica o debate da Revisão Constitucional.
Quanto à questão de saber se é punitiva ou não a atribuição de tempos aos pequenos partidos, a estes «filhos de um Deus menor» da democracia, gostaria de dizer o seguinte: esta outorga, esta esmola que os grandes partidos democráticos, como dizia o Sr. Deputado Silva Marques, nos querem dar não será punitiva no quantitativo de tempo mas, sim, punitiva em relação às horas a que nos permitem fazer intervenções. Irão produzir-se certamente intervenções a horas mortas, alta madrugada quando, enfim, já poucos de nós terão capacidade de resistir a esta longa maratona que nos impuseram - e ainda estamos para saber quem - e quando deveríamos ser nós próprios a estipular as regras deste jogo e não outrem que se esconda atrás de uma outra coisa qualquer.
Esta Assembleia da República nunca deveria receber recados de fora. Esta Assembleia deveria sempre estabelecer os seus próprios ritmos, os seus próprios timings. Não deveria responder a estímulos do exterior com a facilidade com o que o faz. Gostaria de sublinhar, uma vez mais, esta ideia porque penso que é indignificante para a Assembleia da República que tenhamos que concluir uma Revisão Constitucional por empreitada, como se isto fosse uma repartição pública, cheia de funcionários aborrecidos e adormecidos que aqui têm que passar as melhores horas do dia e as horas da noite necessárias ao repouso para que os debates tenham qualidade. Não vai ser isso que vai acontecer. Num prazo muito pequeno vamos rever grande parte da Constituição, vamos fazer três interpelações ao Governo, ou seja, vamos tentar fazer um pacote de política a martelo, acelerada e da qual não resultará a necessária dignificação nem deste órgão de soberania nem da fiscalização do Governo. Vamos passar aqui quinze dias de inferno e os proveitos, os resultados serão muito poucos.
Fiz esta intervenção não tanto à laia de indicação do sentido de voto. O meu voto é muito claro. Já votei contra o Regimento. Não vou abster-me nem votar a favor duma inutilidade deste tamanho. O Regimento que está em vigor não serve para o andamento dos nossos trabalhos. Não vamos poder votar, nem com este remedeio que aqui vem, porquanto não vai ser possível à maioria dos deputados acompanhar a especificidade de cada votação. Poderíamos fazê-lo no final de cada discussão, mas os Srs. Deputados insistem em não o querer fazer. Há-de haver alturas em que vai ser suscitada clemência à Mesa para que nos poupe à tragédia de termos que fazer votações durante duas, três ou quatro horas seguidas. Não vai haver quem aguente, mas cá estaremos para ver.
Portanto, isto é uma perfeita inutilidade e até nem mereceria ser votado. No entanto, votaremos contra.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Como não há mais inscrições, está encerrado o debate.
Como estava previsto, vamos proceder à votação do projecto...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Se faz favor, Sr. Deputado.

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0 Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, suponho que não há quorum para votar. Convinha votar com quorum uma questão desta natureza.

O Sr. Presidente: - Algumas comissões estão, neste momento, reunidas. Pedia aos serviços o favor de solicitarem a presença dos Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

0 Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, salvo erro o que tinha ficado combinado em conferência de líderes é que a discussão se faria hoje e a votação amanhã, mas não sei se houve alguma alteração. Nós não vemos inconveniente em que se faça a votação hoje, mas suponho que não foi isso que ficou combinado.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, por impedimento eu não estive presente nem na conferência de líderes de ontem nem na de hoje.
A informação que me foi transmitida é a de que a votação seria feita agora. Porém, pode ter havido algum erro nesta transmissão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

0 Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, ficou
perfeitamente admitido por todos, incluindo por nós,
que a votação na generalidade se faria agora, desde que
se verificasse a existência de quorum. Nós, entretanto,
tínhamos prevenido os grupos parlamentares represen-
tados na conferência de líderes de que iríamos pedir
o adiamento da votação na especialidade - e é só isso
que podemos fazer - para amanhã. Portanto, é esta
a nossa posição: votamos hoje na generalidade, desde
que haja quorum, mas requeremos a votação na especialidade
para amanhã.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, de
facto o que ficou assente foi que a votação se faria
amanhã às l7 horas e 30 minutos, mas, verificando-se
que há consenso para a votação imediata, penso que
ela deveria ter imediatamente lugar, independentemente
do direito de adiamento da votação apresentado pelo
Partido Comunista Português e sem necessidade das dez
assinaturas.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Esteja descansado, Sr. Deputado. Nós já temos as dez assinaturas!

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos então, proceder à votação, na generalidade, deste projecto de resolução, apresentado pelo PSD e PS, sobre alterações da Revisão Constitucional.

Submetido a votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do PS, votos contra do PCP, de Os Verdes e dos Deputados Independentes Helena Roseta e João Corregedor da Fonseca e abstenções do PRD e do CDS.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deu já entrada na Mesa o requerimento que tinha sido anunciado pelo Sr. Deputado Carlos Brito, que vai ser distribuído e que solicita o adiamento para amanhã da votação na especialidade do projecto de resolução que acabámos de

votar na generalidade. Vamos continuar a discussão do processo de Revisão Constitucional.

Pausa.

De acordo com as nossas informações estávamos a debater o artigo 80.º para o qual a Mesa já não dispõe de inscrições.

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado
José Magalhães.

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, não
é exacto que não haja nenhuma inscrição para o artigo 80.º,
uma vez que havia uma questão que tinha
ficado por dilucidar.

0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado, nós não tínhamos toda a informação pelo que eu, de uma forma indirecta, suscitei o problema. Presumo que o Sr. Deputado José Magalhães estaria inscrito para uma intervenção.

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto, Sr. Presidente.

0 Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra, para esse efeito, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente,
Srs. Deputados: Na passada reunião plenária tivemos
ocasião de encetar a reflexão sobre as alterações aos
princípios fundamentais em matéria de organização económica
e social. Nessa altura sublinhámos qual a margem de alteração
que se visa introduzir através deste texto, que vem com
votação indiciariamente positiva do PS e do PSD,
e sublinhámos os aspectos, que em nossa opinião,
eram negativos. Ao mesmo tempo sublinhámos quais
aqueles aspectos, quais aqueles princípios
que, fazendo parte do texto constitucional e marcando
profundamente a organização económica e social portuguesa,
continuarão a marcá-la, apesar das alterações
negativas que se encontram indiciadas. Nessa altura o
Sr. Deputado Almeida Santos exclamou: esse discurso
é de tipo «português suave».

A nossa análise, no entender da bancada do PS, não corresponderia a um parâmetro tremendista, que, ao que parece, é aquele que a bancada do PS gostaria de ver em nós. Não é esse, porém o nosso pressuposto. Na altura o afirmei e nessa altura, em nome da bancada do PCP, desafiei também o Partido Socialista a clarificar melhor em que sentido é que entende a substituição do princípio actual do desenvolvimento da propriedade social por um novo princípio, o princípio da chamada protecção do sector cooperativo e social.

Como o Sr. Deputado Almeida Santos sabe, a definição do que seja o sector cooperativo e social vem inspirando interrogações, preocupações e mesmo críticas de alguns sectores, designadamente do sector cooperativo, cuja dilucidação é extremamente importante para que na altura em que votemos, apesar do sistema atrabiliário agora escolhido, saibamos exactamente qual a

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medida de alteração introduzida. Nesse sentido a intervenção que agora produzo, em nome da bancada comunista, é no fundo, um pedido de esclarecimento e um pedido de aclaração dirigido àqueles que são os principais responsáveis por esta alteração concreta de um princípio basilar da nossa organização económica e social.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao contrário daquilo que afirmou o Sr. Deputado José Magalhães, entendemos que não se encetou a discussão. Nós levámos bastante longe e bastante fundo a discussão. Pensei até que ela já tinha terminado. Não estamos dispostos a este retorno de discutir eternamente aquilo que já foi discutido. Hoje aqui mesmo já se fizeram afirmações que tentam nulificar ou, no mínimo, desvalorizar o trabalho da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.
A comissão teve centenas de horas de trabalho, fez duas leituras das propostas, uma das quais terminou numa votação incidiária. Se queremos ser realistas, se não queremos enganar ninguém deste país, temos que reconhecer que este trabalho aqui é importante, mas que não é o trabalho essencial da Revisão Constitucional. É o mais nobre, o mais solene, aquele que não pode ser dispensado, aquele que põe o selo branco em cima de tudo o que se fizer em matéria de Revisão Constitucional.
Se queremos ser realistas e honestos perante a opinião pública, temos que reconhecer que até este momento, e assim porventura vai acontecer daqui para o futuro, a margem de alteração da proposta que vem da CERC é, efectivamente, bastante diminuta que não justifica a diminuição, a desvalorização, ou a notificação do trabalho da comissão e a sobrevalorização do trabalho do Plenário. Os deputados que estão aqui a intervir na discussão são, em regra, os mesmos e só os mesmos que intervieram na comissão.
A maioria dos deputados neste Parlamento não teria, porventura, mesmo que quisesse, possibilidade de acompanhar os melindres da discussão. Não vale a pena enganarmo-nos uns aos outros. O melhor é sermos realistas e honestos para nós mesmos, o que, aliás, é a melhor forma de o sermos para com os outros.
A verdade é que o Sr. Deputado José Magalhães poderá desafiar-nos a clarificar aquilo que eu entendo que já foi por demais clarificado em matéria de propriedade social, que eu não sei o que é nem o Sr. Deputado me disse jamais o que é. Ninguém sabe o que é a propriedade social.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É um conceito novo, Sr. Deputado.

O Orador: - Não é um conceito novo, Sr. Deputado. É um conceito muito velho, que está porventura a ser revisto onde foi experimentado. Teremos um artigo próprio sobre isso para discutir. Não é, com certeza, no artigo 83.° que vamos discutir essa questão. Já foi considerada a reacção do sector cooperativo. Será dada uma satisfação aos camaradas e às pessoas que colocaram objecções à proposta da CERC neste domínio. Tudo tem o seu momento, não aceitamos o retorno de discutir eterna e renovadamente as mesmas coisas, como se se não tivesse passado nada antes. Isso nós não aceitamos!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostaria de os informar que se encontram entre nós alunos da Escola Secundária de Vale de Cambra, do Externato «O Amigo», de Lisboa, e da Escola Primária de Pracinha da Póvoa do Lanhoso.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Lamento que não tenha sido compreendida pela bancada do Partido Socialista a finalidade da intervenção do PCP. O PCP recusa-se a desvalorizar o debate em Plenário das questões da Revisão Constitucional. Consideramos que a função do Plenário não é a de pôr um selo branco, de olhos fechados, àquilo que vem da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional. É aqui que devemos discutir as questões e clarificar aquelas que continuam em aberto e que suscitam interrogações aos portugueses.
Recuso-me também a admitir que a maioria dos deputados da Câmara só deva ter nesta Sala a função de escutar e sair enquanto alguns de nós falam. Recusamos isso em absoluto! É a nossa posição de princípio, e da qual não decairemos!
A matéria do desenvolvimento do sector social é muito importante. A Constituição nos princípios fundamentais da organização económica e social dá, em primeiro lugar, uma importância fulcral à questão da subordinação do poder económico ao poder político democrático; preocupa-se também com todas aquelas formas de exploração que são susceptíveis de se inserir uma lógica diferente numa lógica puramente capitalista.
Essa ideia constitucional, que será prolongada através da própria noção de sector cooperativo e social, precisaria de desenvolvimentos. O Sr. Deputado Almeida Santos não pode ignorar que substituir a expressão «desenvolvimento da propriedade social» por uma cláusula de protecção do sector cooperativo e social, pode ser importante, conta até com um certo grau de apoio do PCP, mas beneficiaria de mais clareza e não da vossa atitude de crispada indisponibilidade para o debate que o torna em alguma coisa de fruste - para não dizer mesmo de frustrante.
É nesse sentido, Sr. Deputado Almeida Santos, que lamentamos que a bancada do Partido Socialista esteja indisponível para o debate em relação a esta questão. As cooperativas mereceriam mais, as organizações de trabalhadores mereceriam mais e aqueles que nos dirigiram petições e outras formas de expressão mereceriam mais atenção, mais cuidado no tratamento de questões que vão ser tão importantes no futuro.
É com isso que nós, PCP, não nos conformamos em absoluto, e não desistiremos!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

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O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, se o PC P estava tão mal esclarecido, por que é que votou a favor na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate, realizado na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, foi anterior a um conjunto de observações, sugestões e críticas transmitidas pelo movimento cooperativo, que entretanto suscitaram uma evolução de reflexão, evolução de reflexão essa que, no Grupo Parlamentar Comunista, teve lugar c está em consideração.
Para que possamos hoje definir, com rigor o nosso voto definitivo - está a ver V. Ex.ª, Sr. Deputado Almeida Santos, a importância do debate em Plenário! -, é preciso que nós, partidos que vamos votar estas alterações, nos entendamos sobre o alcance preciso destas cláusulas, face a essas observações precisas, de que V. Ex.ª também terá conhecimento.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Eu disse ao Sr. Deputado - e, se me permite, repito - que, a propósito do artigo que se refere aos sectores de propriedade, teremos oportunidade de esclarecer esses pontos. Não é agora! E lá! Na altura, teremos oportunidade de o fazer. É claro que a menção aqui será apenas uma referência, que reproduzirá o que se conquistar nesse local.
É por isso que entendo que, neste momento, esta discussão e totalmente inoportuna. Fá-la-emos, na altura própria.

O Orador: - Sr. Deputado, congratulo-me com o facto de V. Ex.ª o ter dito agora. Se tivesse começado por dizer isso, provavelmente teríamos economizado tempo.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Disse-o há pouco.
Desculpe!

O Orador: - Então, reservamos a discussão para a altura própria, Sr. Deputado, mas reconheça que é pertinente, é necessária, é correcta, a pergunta formulada pelo PCP.

O St. Almeida Santos (PS): - Mas não aqui!

O Orador: - E mais: VV. Ex.ªs incorrem num outro pecado. O Sr. Deputado não pode virar contra nós a metodologia que o PS agora considera idolatricamente.
O PS, na conferência dos presidentes, realizada esta manhã, e no «Regimento rolha» que agora vai aprovar, aprova um regime e uma metodologia de discussão por blocos. Discutir tudo, discutir a granel, discutir a Constituição económica de cabo a rabo.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Desculpe, mas não é verdade!

O Orador: - E agora V. Ex.ª vira contra mim uma lógica de compartimentação, que só é sustentada por toda a gente menos por V. Ex.ª.
Sr. Deputado Almeida Santos, há limites...

O Sr. Almeida Santos (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Devolvo a V. Ex.ª a palavra para a altura própria, mas não tem razão nenhuma.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Se vamos continuar nisto - que é o que o Sr. Deputado quer - nunca mais acabamos. Ainda não começou o novo regime, estamos ainda no velho.
Por outro lado, expliquei-lhe que, quando chegarmos ao artigo, cada um discute quando quiser, mesmo na política de blocos. O Sr. Deputado pode começar pelo último artigo do bloco, pelo primeiro, pelo do meio... Isso é consigo.
Entendemos que devemos discutir esta questão a propósito do artigo...

Vozes do PCP: - É uma salgalhada!

O Orador: - «Salgalhada» é o seu ponto de vista, porque, do meu ponto de vista, é lógico. Cada um pensa o que quer.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Almeida Santos interrompeu o Sr. Deputado José Magalhães no termo da sua intervenção. Presumo que foi assim que, tecnicamente, as coisas se passaram.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Peço a palavra Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - É também para pedir esclarecimentos...

O Sr. Presidente: - Não pode, Sr. Deputado.
Foram feitos uma intervenção e um pedido de esclarecimento e foi dada uma resposta que teve duas interrupções, pelo que agora o pedido esclarecimento está totalmente fora do Regimento.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, obviamente que não está a dizer que não conheço o Regimento. Só que eu tinha ficado com a ideia de que a Mesa tinha registado o meu pedido de palavra para formular esclarecimentos. Se não for esse o entendimento, fá-lo-ei noutra altura.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pode inscrever-se para uma intervenção, uma vez que a discussão do artigo ainda não foi dada por encerrada.
Mas sejamos totalmente claros: quando V. Ex.ª fez sinal à Mesa, o orador interpelado estava a responder ao pedido de esclarecimento e até o Sr. Deputado Almeida Santos já tinha interrompido o orador.

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A Mesa dar-lhe-á a palavra, se se inscrever para uma intervenção, se se inscrever para esse efeito, uma vez que a discussão deste artigo não foi encerrada.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, então
inscrevo-me para uma intervenção.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. deputado.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, naturalmente
que terei de usar a figura regimental de intervenção,
mas, na verdade, o que quero é pedir um esclarecimento,
na sequência da intervenção que foi feita e também da
votação, que há pouco teve lugar, sobre o projecto de
resolução e em relação ao qual o meu grupo parlamentar
votou num determinado sentido - e segui, naturalmente,
essa votação. Neste momento, tenho grandes dúvidas
acerca do sentido da votação que aqui teve lugar,
porque ocorreu nesta Câmara uma intervenção que, tendo
vindo de onde veio, reputo-a de gravíssima.
O Sr. Deputado Almeida Santos acabou por dizer
que a Revisão Constitucional está feita, que foi matéria
discutida na Comissão Eventual para a Revisão
Constitucional, que está aqui uma «cambada» - e
digo-o entre aspas - que nada tem a ver com isto, que
esta questão está decidida e que podemos ir para
casa... Se o Sr. Presidente quiser, pode antecipar as
férias da Assembleia da República, porque está tudo
decidido.
A questão que gostava de colocar muito directamente
é esta: estamos a converter o processo de Revisão Cons-
titucional num processo em mero Tribunal de Polícia.
15to é, de facto, um processo sumário em Tribunal de
Polícia.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sumaríssimo!

0 Orador: - Transformar a Revisão Constitucional
num processo desta natureza, na minha opinião,
Sr. Presidente, vale mais antecipar as férias parlamen-
tares.
Quanto à observação que há pouco foi feita sobre
o movimento cooperativo e quanto a saber se deve ou
não haver referência, no texto Constitucional, ao movi-
mento cooperativo, direi que há duas sessões atrás,
fiquei bastante sensibilizado com uma intervenção aqui
feita por um deputado do Partido Social-Democrata,
chamando a atenção para este pormenor, porque, se
bem que seja hoje manifestamente interpretado e aten-
dível que a expressão da economia social abranja tam-
bém o cooperativismo, tem havido, naturalmente todo
o conjunto de críticas da parte do movimento cooperativo
no sentido de explicitar o cooperativismo no próprio
texto Constitucional em relação à economia social.
Pergunto, pois, ao S. Deputado José Magalhães qual é o seu
entendimento sobre esta questão, assim como em relação
à outra questão que lhe coloquei, ou seja, o que é que pensa sobre o
processo de Revisão Constitucional se transformar num mero
Tribunal de Polícia e, naturalmente, num processo sumário.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado
Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente,
Srs. Deputados: Custa-me muito fazer a afirmação que

vou fazer, creio que nunca a fiz nesta Assembleia, mas vou fazê-la, sem qualquer espécie de hesitação: a intervenção que o Sr. Deputado Carlos Lilaia acabou de fazer não é séria! ...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não é séria, porque eu não afirmei que a Revisão Constitucional está feita. 0 Sr. Deputado não pode pôr na minha boca palavras que não proferi, sobretudo com esta gravidade. Não pode pôr na minha boca que os deputados são uma «cambada» que nada têm a ver com isto.

0 Sr. António Vitorino (PS): - Muito bem!

Vozes do PS: - É uma vergonha!

0 Orador: - Não sei de quem está a falar, mas eu
não disse isso - nem podia tê-lo feito! - e não considero
que deputado algum mereça esse qualificativo,
nem sequer o Sr. Deputado Carlos Lilaia, após a intervenção.

Também não disse que isto é um Tribunal de Polícia - não permiti que se tirasse essa conclusão - nem que o processo era sumário ou sumaríssimo. Estou
perfeitamente estupefacto.

É um facto novo nesta discussão chegarmos aqui e sermos insultados, quanto mais não seja através da imputação de afirmações que não estiveram, nem de longe nem de perto, no nosso pensamento.

0 que eu disse foi algo completamente diferente. Eu disse: «Não se desvalorize o trabalho da comissão e, até onde eu puder, não permito que ela seja desvalorizada. Não se seja irrealista ao ponto de pensar que é agora que vamos fazer toda a revisão da Constituição.» Eu disse que o trabalho mais solene, mais importante, é aqui que se faz, mas disse também que o importantíssimo da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional era indispensável e que não havia Revisão Constitucional se não fosse o trabalho da comissão.

Se o Sr. Deputado Carlos Lilaia quiser viver fora deste mundo, se quiser viver fora da realidade das coisas e fantasiar que era possível fazer aqui, no Plenário, desde o início, a revisão da Constituição, está no seu pleníssimo direito, mas não insulte os outros, nem ponha insultos na boca dos outros.
O que eu disse foi apenas isto - sejamos realistas! -: «Não desvalorizemos o trabalho da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, embora tenhamos de dar o devido valor ao trabalho do Plenário.»

É ou não verdade que a maioria dos deputados não pode acompanhar, nem mesmo que queira, os melindres técnicos de um trabalho deste género?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Porquê?

0 Orador: - Porque não! Pela sua natureza técnica, difícil e complicada, e a prova disso é que os deputados que aqui intervêm são os mesmos que
intervieram na comissão.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Jorge Lemos (PCP): - Rolha! ...

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0 Orador: - Qual rolha? Não há rolha nenhuma.

Protestos do PCP.

Por amor de Deus! Não sejam arruaceiros! Ao menos, deixem-me falar, porque eu também vos oiço. Eu também vos oiço quando nos insultam!
Não posso ouvir dizer «está feita a revisão da Constituição!» Eu disse isto? «Cambada de deputados!» Eu disse isto? «Tribunal de Polícia!» Eu disse isto?

0 Sr. António Vitorino (PS): - Tenham respeito!

0 Orador: - Sr. Deputado Carlos Lilaia, aconselho-o a ser mais cuidadoso com as afirmações que faz!

Aplausos do PS, do PSD e do CDS.

0 Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, peço
a palavra para defesa da honra.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

0 Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos: Aquilo que aqui disse reafirmo, na expressão das palavras utilizadas pelo Sr. Deputado Almeida Santos.
0 Sr. Deputado Almeida Santos disse aqui que as intervenções que são feitas em Plenário são produzidas exactamente pelos mesmos deputados que intervieram na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional. 15so não é verdade, Sr. Deputado! Eu não tive possibilidade de intervir nas reuniões da comissão,
porque não fazia parte...

Vozes do PSD: - Quem é que o impediu?

O Orador: - pelo que, como é natural, me reservo para, em Plenário,
fazer as intervenções que julgar necessárias sobre esta matéria.
A meu ver, a forma extremamente apressada e, nalguns casos, atabalhoada como está a procurar-se fazer seguir o processo de Revisão Constitucional impede que
os deputados que desejam intervir nesta matéria possam fazer uma intervenção cuidada.
Relativamente à questão que aqui referi e que diz respeito à possibilidade de antecipação das férias da Assembleia, acho que tenho inteira razão. Há, de facto, um objectivo - e eu não sei exactamente qual é! - que explique o acelerar de todo este processo.

Quanto à palavra «cambada», utilizei-a no fogo de um debate parlamentar e tive o cuidado, como poderá verificar, se quiser fazer justiça, de, ao dizer a palavra, acrescentar a expressão «entre aspas».

0 Sr. Presidente: - Para dar explicações, se o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

0 Sr. Almeida Santos (PS): - Se o. Sr. Deputado Carlos Lilaia reafirma tudo o que disse, não tenho quaisquer explicações a dar-lhe.

Aplausos do PS e do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que a forma como os trabalhos começaram a desenrolar-se não é indiferente ao facto de estar em perspectiva um agravamento do «regime regimental» que torna os debates um inferno.
Discutir, de acordo com um método confuso, assalgalhado, limitativo - que vem proposto (não se sabe porquê!) pelos Srs. Deputados do PS e do PSD e que conta ou com a oposição total ou com a não viabilização e a discordância das outras bancadas, tais como a do PRD, a do próprio CDS, a do Partido Os Verdes,
etc. -, obedece a imperativos que, em si mesmo, descaracterizam o processo de Revisão Constitucional e que nos dão a nós, comunistas, toda a razão ao propormos que ele não se faça assim.
A Revisão Constitucional não é uma questão para sábios, é uma questão que interessa profundamente aos cidadãos - que têm todo o direito de perceber o que é que se passa e de «perceber claramente percebido»...

0 Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

0 Orador: - É necessário que cada um diga o que tem a dizer e justifique as suas opções, que, no caso do Partido Socialista, são gravíssimas. Por exemplo, quanto ao sector social, têm chovido interrogações e preocupações.
Há pouco, fui à bancada do Partido Social-Democrata perguntar se já estavam dilucidadas as dúvidas que, na passada semana, um deputado do PSD suscitou sobre esta questão. Fi-lo para que não se diga que é tudo uma cabala do PCP, que é questão inventada, fabricada, pelo PCP. Não é! É uma questão verdadeira colocada pelas cooperativas, para a qual queremos a resposta.
Diz o Sr. Deputado Almeida Santos: «Vão ter a resposta no artigo 90.º» Eu digo: Se é isso, Sr. Deputado Almeida Santos, vamos conversar, mas noutro tom. Vamos conversar admitindo, humildemente, que nem tudo está esclarecido e que esta matéria é de grande dúvida. Um Sr. Deputado do PSD, há pouco, anunciou que iria aparecer uma proposta que satisfazia as dúvidas suscitadas pelas cooperativas.

O Sr. António Vitorino (PS): - Já o dissemos!

0 Orador: - Diz o Sr. Deputado António Vitorino que «já o disseram»; no entanto, não vimos a proposta. Onde é que está a proposta? Não há!

0 Sr. Costa Andrade (PSD): - Ainda não estamos lá!

0 Sr. António Vitorino (PS): - Não seja ansioso!

0 Orador: - Não se trata de ansiedade nossa; há, isso sim, um espírito secretista de negócio a dois, que VV. Ex.ªs multiplicam e do qual não se desabituam. É isso que traumatiza, é isso que dá aos debates este ar antipático e desagradável de colete de forças. Nós não aceitamos esse estilo de debate, não nos calamos nem aceitaremos esse diktat. Disso podem estar certos! ...

0 Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

0 Sr. António Vitorino (PS): - Nós também não!

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar por encerrada a discussão do artigo 80.°, julgo que tenho alguma autoridade moral para dizer - e já o referi algumas vezes em conferência de líderes - que a Mesa não pode nem deve interferir na argumentação política que se passa dentro da Câmara e nunca o tem feito.
No entanto, julgo que tem obrigação de dizer que certos aspectos de linguagem, que podem ser extraídas do contexto em que ela está inserida, podem causar alguns danos sobre a imagem e até sobre o raciocínio expandido pêlos Srs. Deputados. Gostaria de fazer esta observação neste particular momento.
Passamos à discussão do artigo 81.°

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Chegamos ao artigo, cuja epígrafe é «incumbências prioritárias do Estado».
Tivemos o cuidado de propor um aditamento à alínea n), já consagrada no artigo 81.°, onde se refere que é uma incumbência prioritária do Estado no âmbito económico social: «Adoptar uma política nacional de energia (...).»
Parece uma evidência, no entanto que uma política nacional de energia, tal qual a entendemos, deve ter requisitos que, a não serem cumpridos, certamente, trarão para essa política outro cariz que não um cariz nacional, que não um cariz que defenda o interesse nacional.
Nessa medida, propomos alguns aditamentos ao actual texto, nomeadamente que essa política nacional de energia se caracterize, como, aliás, já se caracteriza no actual texto da Constituição, pela preservação dos recursos naturais e do equilíbrio ecológico e pela diversificação das fontes de produção, a utilização de energias limpas e renováveis, a racionalização do consumo e, obviamente, a proibição de instalação de centrais nucleares, para além de que, neste domínio da energia, seja promovida, como aliás já consta do actual texto, a cooperação internacional.
Contrariamente ao que alguns disseram ao comentar a nossa proposta, não se trata de o Partido Os Verdes pretender que a Constituição venha proibir a instalação de centrais nucleares em Portugal. Em nosso entender, do actual texto Constitucional, já decorre a proibição da utilização, para fins energéticos, da chamada energia nuclear. Outra leitura não pode ser feita da actual alínea n), que diz que o Estado deve «adoptar uma política nacional que preserve os recursos naturais e o equilíbrio ecológico».
Ora, em nosso entender, é mais do que óbvio que a utilização da energia nuclear, nos moldes em que a tecnologia nos permite fazê-lo nos nossos dias, põe, obviamente, em risco o equilíbrio ecológico e não preserva os recursos naturais, pondo mesmo em perigo a própria vida humana.
Por consequência, feito este aclaramento, não se trata de tentar proibir o que, em nosso entender, proibido já está, mas apenas de explicitar aquilo que, também em nosso entender, deve ser uma verdadeira e autêntica política nacional de energia.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, V. Ex.ª deu por discutido o artigo 80.°, só que ocorreu alguma coisa que gostaria de sublinhar aqui para os devidos efeitos e para que, se possível, não ocorra de novo. Todo o debate a que V. Ex.a há pouco assistiu, - e que foi bastante acalorado - com a bancada do PS, assentava no pressuposto de que queríamos saber mais sobre a redacção respeitante ao chamado sector social. Nessa altura, fez-se menção a uma proposta nova sobre esta matéria.
Ora, sucede que tenho, neste momento, essa proposta na mão, que deu entrada depois de encerrado o debate sobre o artigo 80.°, que respondia, precisamente, à interrogação que a bancada do PCP, insistentemente, fazia. Teria, pois, sido possível, com toda a simplicidade, que alguém se tivesse erguido, na bancada do PS, do PSD ou em qualquer bancada, e tivesse lido esta mesma proposta, com o que teria, muito construtivamente, contribuído para tornar perceptível tudo isto que aqui ocorreu.
A proposta reza: «Protecção do sector cooperativo e social de propriedade dos bens de produção...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, um momento por favor.
Sr. Deputado, eu encerrei a discussão do artigo 80.° depois de ter anunciado duas ou três vezes que o ia encerrar e que não havia mais inscrições. No decorrer do debate, V. Ex.ª mesmo disse que mais tarde haveria clarificações.
Ora, não me parece regular, a propósito do aparecimento da clarificação que há pouco se faria, que se venha agora retomar o artigo 80.°, tanto mais que V. Ex.ª tem possibilidade, de, quando chegar ao artigo 83.°, fazer as intervenções que muito bem desejar. Por isso, permito-me pedir-lhe que termine a sua intervenção.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, terminarei a intervenção, mas V. Ex.ª, com mais uns segundos, compreenderá que não tem razão absolutamente nenhuma.
Aquilo para que chamei a atenção da Mesa e, em especial, do Sr. Presidente foi para o facto de o debate ter sido encerrado e de, depois de encerrado, ter dado entrada uma proposta nova relativa ao artigo sobre o qual versava a nossa discussão. Técnico-juridicamente isso nem poderia acontecer, como V. Ex.ª, melhor do que eu, sabe. Mas nós, pelo contrário, damos todo o consenso a que isso aconteça. Só que queremos solicitar à Mesa que, em situações desse tipo, não dê por encerrado o debate antes de se clarificar que deram entrada todas as propostas que qualquer deputado queira fazer sobre essa matéria.
No caso concreto, aliás, os Srs. Deputados do PS e do PSD tinham anunciado a apresentação de uma proposta. Só que julguei eu - e, pelos vistos, V. Ex.ª também - que era sobre um artigo situado adiante. Mas não, V. Ex.ª estava enganado e eu também porque era sobre o artigo 80.°, cujo debate V. Ex.ª, por isso mesmo, - mal - deu por encerrado.
Tem, portanto, da nossa parte todo o consenso para que essa proposta seja admitida. Ela corresponde a uma necessidade, estamos de acordo com essa preocupação, enunciá-mo-la na Comissão Eventual para a Revisão

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Constitucional, lutámos para que uma norma como esta pudesse ser concretizada. Era esta a clarificação que queríamos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, V. Ex.ª diz que eu dei - mal - por encerrada a discussão do artigo 80.º Repito: disse duas vezes que a encerrava e a Mesa tem muitos defeitos e muitas virtudes, mas não tem uma virtude ou um defeito, nem tem poderes divinatórios!

Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

0 Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, quero interpelar a Mesa no sentido de me penitenciar por ter havido um ligeiro lapso de tempo entre o momento em que a proposta era submetida à subscrição dos deputados e a sua entrega na Mesa. A nossa especialidade não é, de facto, a modalidade de estafetas ou de 200 metros barreiras e houve um ligeiro atraso da nossa parte! Nós sabemos que o Sr. Deputado José Magalhães nunca se engana, nunca se atrasa, não comete lapsos, o que faz lembrar um certo personagem da nossa vida pública.

Quero ainda dizer ao Sr. Deputado José Magalhães, até para não crispar este debate com incidentes processuais, que tem arte e engenho para se bater pelas suas posições sob o ponto de vista substantivo e por isso não precisa de, do alto da sua inegável competência e qualidade, recorrer a expedientes processuais para as fazer valer. Como o Sr. Deputado Almeida Santos explicou, a opção determinante sobre a questão que está em causa não é tomada aqui no artigo 80.º da Constituição, mas sim no artigo 8l.º-A, relativo aos sectores de propriedade dos meios de produção. 0 que constar do artigo 80.º será uma mera decorrência do que ficar no artigo 8l.º-A e, nesta óptica, sob o ponto de vista substantivo, vamos muito a tempo.

0 Sr. Presidente: - E para que não restem nenhumas dúvidas, devo dizer que a proposta a que há pouco o Sr. Deputado se referia já foi admitida e está
em distribuição.

Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

0 Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, na forma de interpelação à Mesa e para os devidos efeitos, convém, apesar de tudo e sem prejuízo de alguma razão material que assista ao Sr. Deputado José Magalhães, mas sim por uma questão de rigor, recordar que a proposta entrou na Mesa antes do Sr. Presidente ter dado por encerrada a discussão do artigo 80.º Por consequência, a intervenção do Sr. Deputado José Magalhães, na parte em que se predispõe para, em casos como este, não levantar objecções de carácter processual, não deve ser tomada como um precedente porque precedente não houve.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente, Ferraz de Abreu.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está aberto o debate do artigo 8l.º

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste artigo fulcral que define as circunstâncias prioritárias do Estado, as propostas
do PSD visavam «alaranjar» por completo a Constituição. 0 PSD pretendia suprimir incumbências fundamentais, suprimir os aspectos mais progressistas do texto constitucional e eliminar regras que transformam a nossa democracia económica numa democracia económica extremamente avançada. 0 desejo de reconstituição dos monopólios e dos latifúndios, o vezo a uma democracia avançada em que os trabalhadores têm um papel interveniente e protagonista e a vontade de diluir as metas e as indicações mais progressistas da Constituição, traduziam-se no projecto do PSD numa verdadeira chusma de deturpações e eliminações,
as quais não vão ter acolhimento.

Todavia, em dois pontos extremamente importantes,
o PS dispõe-se a aceitar alterações. Na alínea e), o PS
dispõe-se a suprimir a menção aos meios através dos
quais o Estado deve eliminar e impedir a formação de
monopólios privados e, por outro lado, dispõe-se a
substituir a incumbência prioritária de «realizar a
reforma agrária» pela de «eliminar os latifúndios e
reordenar o minifúndio», matéria sobre a qual o meu
camarada Lino de Carvalho se pronunciará mais
extensamente.

Há ainda uma ligeira alteração em matéria de desenvolvimento de política científica e tecnológica com a qual o PCP vai estar de acordo, o que
prova que o PCP não tem uma visão fixista do texto constitucional e que,
o PCP aceita alterar a letra da Constituição, desde que isso não afecte
o seu sentido progressista.

Em suma: a «Constituição laranja» a que o PSD aspirava aqui, em matéria de incumbências prioritárias do Estado, só um afloramento tem no amanhecer de um retrocesso que nos preocupa em matéria de contra-reforma agrária. Quanto ao mais, o PSD é derrotado.
Lamentamos que o PS tenha cedido e o tenha feito na medida que ficou referida.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

0 Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sucintamente para dizer que, neste caso, o PS só pode ser acusado de ter decaído em fazer aprovar as suas próprias propostas, pois quer na alínea e) quer na alínea h) do artigo 8l.º do texto que vem da CERC com o apoio de dois terços, são exactamente as propostas que o PS tinha feito no seu projecto de Revisão Constitucional, não havendo, aliás, qualquer diferença.
E, no essencial, as alterações preconizadas apontam em dois sentidos: primeiro, de retirar, na alínea e), uma referência aos meios instrumentais através dos quais constituiria incumbência prioritária do Estado eliminar e impedir a formação de monopólios privados, reprimir os abusos do poder económico e as práticas lesivas do interesse geral - porque se entendeu que a tarefa fundamental do Estado é que devia figurar neste artigo 8l.º e não no elenco, ainda por cima meramente exemplificativo, dos instrumentos através dos quais essa

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incumbência e a prioridade do Estado era realizada - e, quanto à alínea h), a sua alteração decorre essencialmente das alterações que teremos ocasião de discutir detalhadamente aquando da apreciação do título sobre a reforma agrária. No essencial, trata-se de substituir a incumbência prioritária do Estado de realizar a reforma agrária por uma incumbência que, em nosso entender, tem um sentido justificativo, imperativo, impostergável e que garante o objectivo que se consagra como incumbência prioritária do Estado, que é o de eliminar os latifúndios e o de reordenar o minifúndio.
Há uma modificação da fórmula de apresentação, em termos de sede constitucional, a incumbência prioritária do Estado, mas salvaguarda-se, como sempre foi intenção do PS, o objectivo de eliminar os latifúndios e de reordenar o minifúndio, tendo em linha de conta as alterações que são introduzidas no respectivo capítulo sobre a reforma agrária.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sem prejuízo da discussão que naturalmente se desenvolverá a partir do artigo 96.°, nós queríamos, desde já, afirmar a nossa discordância em relação à alteração prevista no que se refere à alínea h) do artigo 81.°, da expressão constitucionalmente consagrada até ao momento («realizar a reforma agrária») pela expressão «eliminação dos latifúndios e reordenamento do minifúndio», discordância essa pelo conteúdo, pela substância e pelo momento em que tal se verifica.
Pelo conteúdo, porque, obviamente, substituir a expressão «realizar a reforma agrária» pela expressão «eliminar os latifúndios e reordenar os minifúndios» tem um significado.
Ainda não há muitos anos, o PS afirmou aqui nesta Assembleia ser a sua consagração constitucional «um dos momentos mais importantes na criação de uma sociedade nova em Portugal».

Uma voz do PCP: - Eles são assim!

O Orador: - Por outro lado, seria redutor circunscrever a nova norma à simples, embora necessária, eliminação dos latifúndios. Há o risco de com esta alteração da expressão constitucionalmente consagrada até ao momento se reduzir o processo geral da reforma agrária a uma simples remodelação das estruturas agrárias. Rejeitamos essa redução do processo de eliminação dos latifúndios a simples reordenamento técnico do tecido fundiário, não influenciando a repartição do rendimento social na agricultura nem das relações sociais.
Por outro lado, votaremos contra pelo momento em que este processo se realiza. No terreno, assistimos diariamente às atitudes e aos actos do Governo e do Ministério da Agricultura - actualmente pela mão do Ministro Álvaro Barreto - de liquidar, através dos mais diversos expedientes, as cooperativas da reforma agrária, substituindo-as, de novo, pelas grandes propriedade latifundiárias e pela reconstituição do artigo tecido que imperava no Alentejo e no Ribatejo antes da existência da reforma agrária. O momento em que tudo isto se realiza, estas alterações na Constituição só vão dar mais força a esta orientação a este objectivo, esta prática política do Governo. O próprio Ministro Álvaro Barreto já referiu que, depois da Revisão Constitucional, irá apresentar uma nova lei à Assembleia da República, usufruindo das alterações constitucionais para, mais claramente na altura, poder liquidar o que resta da reforma agrária.
Discordamos, por isso, em profundidade devido ao conteúdo e ao momento, destas alterações que hoje são aqui trazidas em sede de artigo 81.°

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Rapidamente, para, de certo modo, justificar a nossa própria proposta. Como é do conhecimento dos Srs. Deputados, nós, relativamente ao actual texto da Constituição, introduzimos uma alteração à alínea e) que, no essencial, foi acolhida também pela proposta da CERC, mas que, na nossa proposta, tem um inciso que já tive oportunidade de referenciar aquando da nossa intervenção relativamente ao enquadramento geral da nossa proposta para a organização económica e que resolvemos integrar na nossa alínea.
Pensamos que isso se justifica, apesar de tudo, e que estava também subjacente, do nosso ponto de vista, pelo menos de uma forma implícita, em várias intervenções que foram aqui feitas, nomeadamente, salvo o erro, pela bancada do PS, o facto de referenciarmos na alínea e) - e passo a citar - «obstar às grandes concentrações económicas privadas como garantia de subordinação do poder económico ao poder político democrático, bem como reprimir os abusos do poder económico e todas as práticas lesivas do interesse geral».
A expressão «como garantia» não consta da proposta da CERC e, do nosso ponto de vista, é um elemento importante, e a parte final já existe, estando contemplada na CERC e constando, aliás, do actual texto constitucional. Nós, na substituição que fazemos na actual alínea é), introduzimos este elemento que, do nosso ponto de vista, penso estar subjacente, mesmo de uma forma implícita, a todas as outras bancadas, mas que entenderíamos não ser mau ficar explicitado em termos de incumbência prioritária do Estado, qual seja o inciso da subordinação do poder económico ao poder político democrático. Ou seja, no fundo, expressar e constitucionalizar este conceito, que admitimos - repito -, pelo menos de um ponto de vista teórico, será aceite por todas as bancadas.
Introduzimos ainda uma nova alínea que, do nosso ponto de vista, também faz algum sentido, apesar de podermos considerar que, de um outro ponto de vista, possa estar subsumida relativamente a outras propostas, que diz: «Estimular e proteger as formas de economia social, designadamente nas modalidades de mutualismo, de cooperativismo e de associativismo autogestinário, bem com outras formas e instituições que promovam a solidariedade.»
Este aspecto parece também estar subjacente às várias intervenções e, apesar de tudo e como já foi dito pelo meu colega de bancada Carlos Lilaia, estamos sensibilizados para a proposta apresentada pelo PSD relativamente ao artigo 80.° que vimos agora consubstanciada numa proposta conjunta com o PS, qual seja da

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explicitação, neste sentido, do problema do cooperativismo, ficando,
portanto, o sector cooperativo- claramente expresso.

Damos, naturalmente, o nosso acordo à essa proposta, mas pensamos que esta alínea, em termos de incumbência prioritária do Estado, desenvolve e introduz novos elementos que, do nosso ponto de vista, ficariam também bem expressos do ponto de vista constitucional.

Aproveitava também a oportunidade para dizer que temos algumas dúvidas de que a nossa proposta de eliminação da alínea 1) seja correcta, atendendo a que se pode questionar em que medida é que esta proposta de supressão não colide com os limite materiais da revisão da Constituição, ou seja, com o artigo 290.º E, nesse sentido, para que não subsistam dúvidas, indicávamos à Mesa que retiramos esta nossa proposta de supressão da alínea 1), repondo a mesma alínea 1).

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

0 Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

0 Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, peço desculpa
de usar a figura de interpelação à Mesa, mas
penso que há uma notícia que o justifica. Acabo de
saber que o Supremo Tribunal de Justiça pôs fim ao
regime de prisão preventiva de Otelo Saraiva de Carvalho.

Não me compete pronunciar-me sobre uma decisão de um tribunal,
no entanto penso que se trata de uma decisão lógica que
consagra os direitos dos cidadãos. Ora, é como cidadão que não
esquece o papel desempenhado por Otelo Saraiva de Carvalho na
Revolução do 25 de Abril, que quero, na sequência das declarações públicas já feitas pelo meu colega camarada Jorge Lacão, assinalar este facto, com regozijo, satisfação e alegria.

Aplausos do PS, do PCP, do PRD e de Os Verdes.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado
Costa Andrade.

0 Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados:
Na sequência daquilo que oportunamente foi dito pela nossa bancada,
gostaria de recordar, em primeiro lugar, que retirámos a
proposta subscrita pelo PSD relativa ao artigo 81.º e, em segundo
lugar, e, obviamente, que votaremos, tal como fizemos,
na CERC, as propostas elaboradas na comissão, pelo
que não colherão o nosso voto, por razões que têm a
ver com graves incorrecções técnicas de pormenor que
não vale a pena explicitar, as propostas de Os Verdes
e as do PRD.
Aproveito também esta ocasião para assinalar, na
sequência do que já aqui foi feito numa sessão anterior,
que talvez tenhamos atingido no processo de Revisão
Constitucional um certo momento de viragem do
PCP, ou seja, o PCP passou de uma oposição sistemática
à revisão da Constituição para uma posição de
aproximação lenta e de recuperação lenta mais progressiva
a este processo.
Talvez o PCP se prepare para rapidamente tomar a dianteira no pelotão dos defensores da Constituição.

Tudo leva a crer que sim, aliás, há sinais nesse sentido, designadamente uma certa atitude de ambivalência e de ambiguidade, um certo amor e ódio, ao mesmo tempo, pelo processo de Revisão Constitucional, ou seja, o PCP tanto se regozija com o facto de não passarem as propostas do PSD, e tenta lançar isto para a acta como processo de eventual fecundidade hermenêutica no futuro, como vai zurzindo o processo de Revisão Constitucional.

No nosso entender, devemos, pois, ter atingido esta fase que se adivinha extremamente dolorosa para o PCP! De qualquer modo, gostaria de, desmanchar um pouco ou de, pelo menos, aumentar a complexidade espiritual do PCP dizendo-lhe que neste artigo apesar de tudo, as propostas do PSD não ficariam, como o Sr. Deputado terá, talvez apressadamente, concluído sem audição, sendo certo que das poucas alterações que este artigo provavelmente vai suportar, uma delas vem directamente e ipsis verbis do projecto de Revisão Constitucional subscrito
pelo PSD.

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Diga qual!

0 Orador: - A alínea m) do texto da CERC, ou seja, «desenvolver uma política científica e tecnológica favorável ao desenvolvimento do País».

De qualquer modo, damos as boas vindas ao PCP, na medida em que a segunda metade da alma do PCP prevalece sobre a primeira, pois o PCP começa a aproximar-se e a interiorizar este processo de Revisão Constitucional. Vemos, pois, com gosto esta aproximação.

A Sr.ª Helena Roseta (Indep): - Sr. Presidente, peço a palavra para
interpelar a Mesa.

0 Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Helena Roseta (Indep): - Sr. Presidente, acaba de ser-me comunicado por um deputado de outra bancada que, devido à resolução hoje aqui tomada no Parlamento, os autores de projectos que não correspondem a projectos partidários, ou seja, os projectos de grupos de deputados ou de um deputado só ficaram prejudicados no seu tempo de intervenção em Plenário.

Gostava que o Sr. Presidente me esclarecesse em relação
a esta matéria, uma vez que ainda tenho tempo
disponível para intervir hoje sem ter de utilizar tempo
cedido pelo PS, porque foi definido ab initio que os
autores de projectos de Revisão Constitucional teriam
vinte minutos no conjunto da revisão para intervirem.
Nestas circunstâncias, gostaria de saber se esse tempo
está ou não prejudicado.

0 Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

0 Sr. Presidente: - Penso que o Sr. Deputado deseja esclarecer a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

O Sr. António Vitorino (PS) - Exactamente, Sr. Presidente.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

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O Orador: - Sr.ª Deputada Helena Roseta, o tempo de que a senhora ainda dispõe não está prejudicado, caso o utilize no dia de hoje, porque ainda vigora o sistema de tempos atribuído segundo o modelo original.
Quanto à solução adoptada a partir de amanhã foi consenso na conferência de líderes, por indicação do PS e do PSD, que os Deputados Independentes dos respectivos grupos parlamentares subscritores de projectos de Revisão Constitucional não seriam prejudicados no tempo global que lhes estava atribuído, pelo que os respectivos grupos parlamentares ceder-lhes-iam o tempo necessário para perfazer o quantitativo global para as intervenções.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado António Vitorino, peço-lhe a sua atenção, porque, julgo, as coisas não são exactamente como o senhor referiu.
Na conferência de líderes houve, em primeiro lugar, uma proposta de atribuição de novos tempos aos Srs. Deputados que apresentaram projectos de Revisão Constitucional e, em segundo lugar, surgiu uma outra proposta que foi aprovada pêlos mesmos partidos que aprovaram toda a distribuição de tempos, em que os tempos que estão neste momento globalmente atribuídos aos Srs. Deputados que apresentaram projectos se mantêm até ao final do debate, isto é, não foi contemplada a adição de novos tempos para esses Srs. Deputados.
Os Srs. Deputados que ainda, neste momento, dispõem de tempos manterão esses tempos até ao final, e se houver necessidade de terem mais tempo até ao final, e se houver necessidade de terem mais tempo isso será resolvido com os diversos grupos parlamentares.
Gostaria, pois, de lembrar ao Sr. Deputado António Vitorino que foi isto que se passou, até porque não haveria outra possibilidade, por exemplo, para os tempos da ID.

O Sr. Presidente: - Penso que a Sr.a Deputada Helena Roseta ficou esclarecida com as respostas que foram dadas. Agradeço aos Srs. Deputados que intervieram, pois como não estive presente na conferência de líderes não podia informá-la.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, verificámos, pelas interpelações que ouvimos que há uma versão do Sr. Deputado António Vitorino e outra do Sr. Deputado Octávio Teixeira que são divergentes. Gostaria, pois que a Mesa tomasse as devidas providências no sentido de esclarecer integralmente esta questão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como já disse, não assisti à conferência de líderes, pelo que, penso, será melhor aguardarmos pelo Sr. Presidente para ele poder dar a necessária explicação à Câmara.
Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, gostaria apenas de corroborar o que o Sr. Deputado António Vitorino disse. Estive presente na conferência de líderes, efectivamente, o que o Sr. Deputado António Vitorino acabou de referir foi o entendimento dessa conferência.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Sr. Presidente, não fazemos parte da conferência de líderes, mas perante a agenda distribuída verificámos que se mantêm os tempos, apesar de haver mais dias de debate.
Como não dependemos de nenhum grupo parlamentar e como o Sr. Deputado António Vitorino declarou que aos Deputados Independentes seriam cedidos tempos dos respectivos grupos parlamentares, gostaria de ser esclarecido quanto aos tempos que serão atribuídos aos deputados da ID para o resto debate, uma vez que também têm projecto de Revisão Constitucional, embora não pertençam a qualquer grupo parlamentar.
Como temos muitíssimo pouco tempo andamos a fazer uma reserva de tempo para outros artigos importantes, e a verdade é que verificamos que estamos a ser francamente prejudicados.
Gostava, pois, de saber, Sr. Presidente, o que é que se vai passar em relação a nós.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tal como já disse não estive na conferência de líderes, em todo o caso o Sr. Secretário informou-me que estavam atribuídos vinte minutos para os Deputados Independentes até ao final do debate da Revisão Constitucional.
Em todo o caso, quando o Sr. Presidente da Assembleia retomar as funções, ele confirmará as disposições tomadas na reunião de líderes.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Sr. Presidente, além dos vinte minutos que nós temos, ficaremos com mais vinte? É isto? É que de outra forma não lucramos nada com isso, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O tempo que o Sr. Deputado tem pode gastá-lo hoje, e os vinte minutos começam a contar a partir da sessão de amanhã.

O Sr. Jorge Pereira (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Pereira (PSD): - Sr. Presidente, de acordo com a versão que o Sr. Deputado António Vitorino aqui expôs, e que foi corroborada pelo meu colega Silva Marques, é concedido aos deputados subscritores de projectos o tempo necessário para prefazer o quantitativo global das intervenções, no entanto esse tempo não foi definido. Nós tínhamos 43 minutos, andámos a gerir esse tempo e temos um esquema planeado para a sua utilização.
Portanto, gostaria de saber se nesse tempo necessário, a que se referiu o Sr. Deputado António Vitorino, se incluem, de facto, os 43 minutos que já nos tinham

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sido concedidos. É porque era um direito que tínhamos e, de cena maneira, agora entraremos numa posição de favor ao pedir ao partido para nos conceder tempo para podermos usar da palavra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado as suas dúvidas serão comunicadas ao Sr. Presidente, como disse há pouco.

O Sr. Deputado Silva Marques deseja dar algum esclarecimento relativo a esta matéria?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, o que ficou assente é que os tempos de que ainda dispõem determinados deputados ou grupos devem ser esgotados hoje. De facto, isso pode trazer alguns problemas a esses deputados ou grupos relativamente ao que tinham previsto para a utilização desse tempo, mas também é verdade que na conferência de líderes, e face a essa questão, todos os partidos imediatamente se dispuseram a colmatar essa dificuldade dispondo do seu tempo para esses deputados - aliás será o que se passará entre nós, PSD, e os nossos colegas que apresentaram um projecto próprio.
Por isso, não há dificuldade alguma e ninguém ficará prejudicado quanto às suas expectativas de intervenção.

O Sr. Presidente: - Solicito aos Srs. Deputados que se inscreveram para interpelar a Mesa que prescindissem do uso da palavra, visto que a Mesa não está em condições de vos informar, pelo que estamos a prolongar este debate sem qualquer finalidade.
Logo que o Sr. Presidente retome as suas funções, ele estará, certamente, em condições de poder informar a Câmara, como já há pouco referi.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é para interpelar a Mesa?

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Exactamente, Sr. Presidente. Nós temos um X tempo que é...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, acabei de fazer um pedido à Câmara no sentido de não se produzirem mais interpelações neste sentido.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Desculpe, Sr. Presidente, mas vou insistir.
A verdade é que nós tínhamos orientado a nossa actividade sabendo que hoje não terminaria o debate sobre a Revisão Constitucional, pelo que ainda dispomos de 27 minutos e, como há ainda cerca de duzentos artigos para debater, é evidente, tínhamos que reservar algum desse tempo.
Agora, é-nos dito para gastarmos todo esse tempo hoje. E, então, a partir de amanhã terei de pedir tempo a quem? Ao CDS? Ao PSD? Ao PCP? Ao PS? Não Sr. Presidente!
Gostaria, pois, de saber se temos ou não mais tempo, porque se não houver um esclarecimento solicito ao Sr. Presidente a suspensão imediata dos trabalhos para podermos saber exactamente o que é que se passa, uma vez que não foi distribuída a súmula e apenas dispomos da agenda que é fornecida pelo Serviço de Relações Públicas. Portanto, pensamos ser preferível conhecermos as regras do jogo para, depois, podermos orientar os nossos tempos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já lhe tinha dito que o senhor gasta hoje o tempo que quiser e a partir de amanhã tem vinte minutos.
Srs. Deputados, penso que podemos encerrar esta questão.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não vou conceder mais a palavra para interpelações à Mesa, pois, como já várias vezes disse, não estou em condições de informar a Câmara. Quando o Sr. Presidente retomar as funções, ele, que esteve presente na reunião de líderes, informar-vos-á.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas tenho de interpelar novamente a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Orador: - Srs. Deputados, convém que fique claro que, contrariamente àquilo que tinha sido referido - e isto tem a ver com todos os Deputados Independentes que apresentaram projectos -, por exemplo, os vinte minutos que são atribuídos à ID não são retirados a nenhum partido, isto é que é preciso que fique claro! Porque era precisamente a posição inversa que estava a ser defendida, quer pelo Sr. Deputado António Vitorino quer pelo Sr. Deputado do PSD.

O Sr. António Vitorino (PS): - Não, não!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos retomar a discussão do artigo 81.°
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A perplexidade espiritual que aqui foi exibida pelo Sr. Deputado Costa Andrade é, provavelmente, um estado de espírito avulso que hoje lhe ocorreu por ocasião da aplicação da rolha ao debate. A verdade é que o PSD começou este debate dizendo que retirava a sua proposta, isto é, confessa que as suas propostas não têm acolhimento salvo em dois aspectos.
A vossa proposta vai ter eco em relação a quê? Em relação ao desenvolvimento científico e tecnológico, e até vai ter acolhimento com o voto do PCP, essa não é a questão central. Mas o que o PSD deveras queria era derribar as incumbências prioritárias do Estado, tal qual a Constituição as estabelece hoje, e pôr lá a matriz da Constituição «laranja» com que o Professor Aníbal Cavaco Silva sonha todas as noites. Isso não vai conseguir!

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O PSD queria, designadamente, suprimir qualquer alusão aos latifúndios, queria aludir só à «realização de transformações agrárias indispensáveis...». Queria eliminar as alusões ao planeamento democrático. Não o consegue!
Portanto V. Ex.ª não nos peça senão que sublinhemos estas duas coisas: primeiro, não conseguem o que queriam em muitos aspectos absolutamente vitais, e, segundo, conseguem, graças à cedência do PS, duas alterações, a nosso ver, negativas. É isto o que VV. Ex.ªs conseguem! Dizermos isto, é o mesmo que dizer que há preto e branco: não há só uma cor! Qual é a perplexidade, Sr. Deputado Costa Andrade? V. Ex.ª hoje está particularmente infeliz.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que todas as coisas com razão têm sezão e começam a tê-la!
O Sr. Deputado José Magalhães continua na sua, ou seja, da mesma forma que vai falando da infelicidade dos outros - o senhor esteve muito infeliz -, dizendo que o PSD não consegue fazer aprovar as suas propostas, diz que o PCP está numa hora de contentamento. Foi isto que me limitei a assinalar! Ou seja, que o PCP manifesta grande contentamento em relação às propostas em causa.
Na minha interpretação permiti-me tentar desvelar que talvez estivéssemos a atingir um ponto de viragem na conduta do PCP, pois se calhar este partido já se convenceu de que a Revisão Constitucional vai prosseguir. O PCP, de certo, já estará arrependido de todos os estigmas negativos que dirigiu ao processo de Revisão Constitucional.
O PCP - louve-se-lhe a inteligência! - já terá visto os inconvenientes que, do ponto de vista de uma perspectiva hermenêutica, estas críticas podem ter e começou a recuar ordeiramente; isto é visível! O PCP está em processo de defesa da Constituição, contra uma fantasmagórica revisão que o PCP já está a imaginar.
Foi apenas isto que eu quis dizer, mas talvez este contentamento do PCP seja útil - e foi isso que tentei intuir - e foi na expectativa feliz desse acontecimento que me congratulei. Afinal, este processo de Revisão Constitucional também é para o PCP um momento de contentamento ao lado do descontentamento. Parece, pois, que chegou a hora do contentamento, e ainda bem que chegou em matéria de Revisão da Constituição Económica.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, vou tentar, é difícil, mas vou tentar!
O Sr. Deputado Costa Andrade durante um ano e muitos meses na CERC pôde tentar perceber a posição do PCP: o PCP bate-se contra a Constituição «laranja», contra a tentativa de o PSD «alaranjar» a Constituição.
Em relação a este artigo já demonstrei, pacientemente, que VV. Ex.ªs tentaram impor quinze alterações e dessas quinze foram chumbadas treze, fundamentais. Que faz o PCP? Coerentemente, congratula-se com o chumbo das vossas treze pretensões negativas; coerentemente não lança foguetes pelo facto de duas delas terem provimento devido a cedências do PS. Será isto tão difícil de perceber, Sr. Deputado Costa Andrade, a esta hora da tarde, mesmo depois de cerca de um ano de explicações?
É esta a nossa resposta!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado José Magalhães seguiu agora um processo interessante, ou seja, um processo de quantificação do vencimento das propostas de revisão.
Bom, devo dizer, a título de parêntesis, que este tipo de debate é, para nós, um pouco inconveniente na medida em que estamos a tentar dar, enfim, algumas vantagens ao PCP.
O PCP quantifica e diz o seguinte: O PSD tinha quinze propostas, dessas quinze passou uma delas, isto é 1/15. Ora, eu digo o seguinte: o PCP tinha zero propostas. O objectivo do PCP era o infinito do imobilismo, era o infinito da permanência e da imutabilidade; o PCP, à revisão da Constituição e ao processo de revisão, propunha «zero».
O abismo que há entre os ganhos do PCP, na relação comparativa, é este: entre o imobilismo total, o infinito, a eternidade do PCP nesta matéria, a Constituição vai-se mexendo, embora não tanto quanto nós queremos. Mas a Constituição está do nosso lado, está do lado do movimento. Isto avança. E pur si muove! O PCP não! Ele quer o imobilismo, a eternidade, o ficar tudo conforme está. E aqui é que está a derrota, a qual não tem só a ver com este artigo, ou com todas as modificações «envisajadas» em matéria de revisão da Constituição económica, mas tem muito mais a ver com a mudança dos paradigmas culturais que estão aí.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontra-se na galeria central, a assistir à sessão, um grupo de alunos da Escola Secundária de Pombal, para os quais peço a habitual saudação.

Aplausos gerais.

Srs. Deputados, a Mesa não tem, por enquanto mais inscrições para o artigo 81.°

Pausa.

Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, está encerrado o debate do artigo 81.°
Vamos passar à apreciação do artigo 81.°-A.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A primeira observação sobre o artigo 81.°-A diz respeito à sua inserção sistemática, que é uma matéria que a Comissão Eventual para

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a Revisão Constitucional deixou em aberto, na medida em que, na senda do projecto do PS, ele corresponde à transferência do artigo 89.º, sobre os sectores de propriedade dos meios de produção, para o artigo 8l.º-A e a sua integração em sede de princípios gerais de organização económica. Mas trata-se de uma questão sobre a qual ainda cabe tomar decisão.

Sobre o sentido fundamental da proposta, creio que
bastaria remeter para aquilo que afirmámos na Comissão Eventual
para a Revisão Constitucional e que em síntese, consiste em
estabelecer o n.º l, uma garantia da coexistência dos três sectores de propriedade dos meios de produção; no n.º 2, persistir na
caracterização do sector público, como sector constituído pelos
meios de produção, cujas propriedades e gestão pertencem ao
Estado e a outras entidades públicas.

A operação mais relevante da alteração introduzida no artigo 8l.º-A é a que consiste na criação de um novo sector de propriedade que, nos termos da
proposta de alteração que foi, ora, subscrita e entregue há pouco na Mesa pelos deputados do PS e do PSD, se traduz na criação de um sector cooperativo e social dos meios de produção, que compreende especificamente: «Os meios de produção possuídos e geridos por cooperativas, em obediência aos princípios cooperativos» e neste aspecto, recobre integralmente o conteúdo do n.º 4 do artigo 89.º actual (do sector cooperativo de propriedade dos meios de produção), e que compreende também os «bens de produção comunitários, possuídos e geridos por comunidades locais» e o meios de produção objecto (ou integrantes) de formas de exploração colectiva por trabalhadores.

Em relação a estes dois últimos, o subsector comunitário local e o subsector de formas de exploração colectiva por trabalhadores, que hoje, na Constituição actual, integram o sector público de propriedade os meios de produção, nós entendemos dever transferi-los para este novo sector cooperativo e social, reforçando uma leitura desestatizante do seu papel no conjunto dos sectores de propriedade dos meios de produção.

0 sentido desta alteração, que teve um percurso, com
avanços e recuos, que foi objecto de reflexão e de audição
de muitas opiniões, não teve nunca como objectivo
(como ficou, aliás, claro do debate na CERC) subvalorizar
o papel das cooperativas no quadro dos sectores de propriedade
dos meios de produção. Bem pelo contrário, sempre teve o objectivo
de injectar sangue novo neste sector de propriedade, que
consideramos cheio de potencialidades e que, cada vez mais,
merece uma atenção, um apoio e um carinho, não só
dos Estados nacionais mas também no âmbito das
Comunidades Europeias.

É por isso que, neste momento, com a proposta do novo n.º 4, que entregámos na Mesa, pretendemos sublinhar que se trata de reforçar uma perspectiva desestatizante dos sectores de propriedade dos meios de produção, de criar um sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção e de manter nesse sector não só todos os meios de produção possuídos e geridos por cooperativas em obediência aos princípios cooperativos mas aditar-lhes, também, aqueles dois subsectores do actual sector público, que compreendem os bens comunitários locais e os meio de produção possuídos e geridos por formas de exploração colectiva por trabalhadores.

Dentro desta lógica, pensamos que, com a garantia da coexistência dos três sectores e com o rearranjo a que se procede neste artigo, estamos a contribuir para um relançamento do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção.
Creio que esta preocupação é comum a todos os partidos representados na Câmara e que nunca houve dúvidas de que este era o sentido das proposta de todos
os partidos que, na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, votaram favoravelmente esta solução. Tratou-se, agora, de encontrar a fórmula técnica que desse melhor satisfação à preocupação que tinha sido, por todos, afirmada e creio que o resultado é, sobre este aspecto, bastante positivo e por isso, nos
congratulamos.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente,
Srs. Deputados: Gostaria de exprimir, em primeiro
lugar, a congratulação do Grupo Parlamentar Comunista
com o facto de não terem sido acolhidas as propostas
que o PSD adiantou originariamente e de, ao
longo do processo, ter sido possível afinar gradualmente,
com a participação dos interessados, as alterações
que virão a ser aprovadas nesta sede, e que são
extremamente importantes.
A coexistência de diversos sectores de propriedade
dos meios de produção desempenha, na lógica e na
arquitectura da Constituição da República Portuguesa,
um papel crucial, tem subjacente uma preocupação de
neutralização do poder económico, através da diversificação.
Trata-se de uma opção por uma visão não monocêntrica
mas policêntrica, em que cada um dos sectores tem um
papel próprio, em que os diversos sectores
se articulam para produzir resultados que a Constituição
deseja, qualifica e sintetiza como desenvolvimento.
15to ocorre não só no artigo 80.º, e no artigo 81.º,
como neste novo artigo que, agora passará a ser
incluído no texto constitucional, neste ponto, com
consenso da bancada comunista, também!
Permitam-me que encareça um pouco e sublinhe, porque creio que isso é justo, o papel construtivo que procurámos desempenhar na elaboração deste preceito.
Quem fizer a comparação entre o texto originariamente proposto e constante do projecto do PS e o texto que, agora, sobe a Plenário, verá rapidamente as
diversas diferenças.
0 Sr. Deputado António Vitorino teve ocasião de
sintetizar, em termos que me parecem enxutos e correctos,
o alcance da norma que agora é proposta quanto àquilo a
que se chamará o sector cooperativo e social!
Devo dizer que essa expressão foi proposta pelo Grupo Parlamentar Comunista durante os trabalhos da CERC, para dar resposta a uma questão fulcral: o PCP não concordava, nunca concordaria com a diluição do sector cooperativo num sector social, indeterminado, indelimitado, de fronteiras mal definidas.
Batemo-nos para que a voz dos cooperativistas fosse ouvida na Assembleia da República. Felizmente foi-o.
Mais do que isso, porém, batemo-nos para que este artigo viesse a conter uma garantia específica de cada um dos três subsectores em que este sector cooperativo e social se decompõe. A norma tem o cuidado de

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afirmar que «o sector cooperativo e social compreende especificamente (...)». Há, pois, uma garantia institucional própria e específica para cada um dos subsectores: o sector cooperativo, propriamente dito, o sector comunitário e o sector autogerido, constituído por «meios de produção objecto de exploração colectiva por trabalhadores».
A inclusão na Constituição de uma norma deste último tipo é um revigoramento da sua própria modernidade, é sinal de extrema atenção a um debate em curso, (mesmo no âmbito das reflexões sobre o Mercado Único) sobre o papel das empresas e formas de produção, que não se reclamando dos métodos próprios do sector privado, nem tendo cunho público, devem ter, numa economia mista, um papel extremamente importante a desenvolver.
Pela nossa parte subscrevemos de corpo inteiro -, basta ler o programa aprovado no XII Congresso do PCP para o poder comprovar - essa noção e consideramos que o novo sector pode desempenhar um muito importante papel. Recusamo-nos a ver afuniladamente qualquer dos sectores. Sempre o dissemos. Congratulamo-nos, portanto, em suma, com o resultado atingido.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Silva.

O Sr. Francisco Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria realçar quanto de justeza tinha a questão que aqui coloquei aquando da discussão do artigo 80.°
De facto, a proposta presente não nos parecia a mais correcta e, quando apelei para que reflectíssemos sobre a designação do terceiro sector, sentia que a proposta não correspondia à realidade do País e à vontade dos cooperativistas.
Quero aqui realçar que a solução encontrada honra o sector cooperativo, tem o seu apoio e, naturalmente, pelo que aqui foi dito pelas várias bancadas, irá merecer a unanimidade da Câmara.
O sector cooperativo vai ficar como sector constitucionalmente autónomo. Trata-se da consagração constitucional de uma realidade, cuja importância é relevante a nível nacional, cada vez mais o vai sendo, e, reconhecidamente, ao nível da Comunidade Económica Europeia.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, muito contente fico com o facto de ouvir as palavras que V. Ex.ª acaba de produzir. Apenas me surpreende que não tenha feito qualquer alusão aos baldios.
Quer isto dizer que VV. Ex.ªs decaíram da vossa intenção de «assaltar» os baldios e acabar com a propriedade comunitária? Se é assim, então temos uma dupla razão para nos congratularmos todos. Mas não percebi isso muito bem. V. Ex.ª foi, um tanto, obnubilado e misterioso, não disse nada sobre os baldios, porque estava concentrado, excessivamente, numa das componentes. Foi por lapso ou é porque não é do seu pelouro? Qual é o significado?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Silva.

O Sr. Francisco Silva (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, a minha intervenção incidiu objectivamente sobre a questão cooperativa, não abordei a matéria sobre que me questionou, naturalmente, o que está é o que está e é exactamente isso!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições para o artigo 81.°-A?

Pausa.

Não havendo, declaro encerrado o debate sobre o artigo 81.°-A. O Sr. Secretário vai resumir o que é que passa para votação.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - De harmonia com o guião da CERC mantém-se a proposta de eliminação do n.° 1, apresentada pelo CDS; é retirada a proposta de substituição para os n.ºs 1 e 2 do PSD; e mantêm-se todas as restantes, mais a proposta de substituição que foi apresentada e distribuída sob o n.° 22, que será para substituir o n.° 4 apresentado pela CERC.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar na discussão do artigo 82.°
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.a Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (Indep): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou intervir na matéria da organização económica da Revisão Constitucional, designadamente nos artigos 82.°, 83.° e 90.°
Antes de expender as minhas razões, gostaria de afirmar aqui que penso que a Revisão Constitucional não pode ser obra de um só partido, que se auto considere detentor da verdade. Penso que ela «deve resultar de um largo consenso político que reflita um amplo consenso social, pois essa é uma condição necessária para que a Constituição passe a ser um dado indiscutível e natural na vida colectiva de milhões de cidadãos portugueses». Estas palavras não são minhas, Sr. Presidente. Trago-as aqui à colação, mas constam do prefácio do «projecto de Constituição para os anos 80», apresentado por Francisco Sá Carneiro, nessa altura.
Penso que esta atitude se deve manter e é por isso que exigimos aos deputados constituintes uma maioria de dois terços, para chegar a qualquer acordo de alteração da Constituição existente. Aliás, penso que esse tipo de atitude se deve exigir a todos os deputados constituintes. Todos nós devemos pensar que ninguém tem aqui a verdade absoluta, nenhum deputado, nenhum partido e nenhuma comissão, e que será do esforço de todos que poderá resultar um trabalho válido.
É nesse espírito que tomo aqui a palavra e, designadamente, quanto ao artigo 82.°, queria dizer o seguinte: a proposta de redacção apresentada pela CERC retira a expressão que consta na actual Constituição, onde se referia que «a lei determinará os meios e as formas de intervenção e de nacionalização e socialização dos meios de produção (...)». A proposta da CERC retira estas expressões e substitui as expressões «nacionalização» e «socialização» pela expressão «apropriação colectiva».

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Penso que este conceito não cobre os conceitos de nacionalização e socialização e que esta proposta da CERC é redutora e empobrece o texto actual da Constituição. Queria lembrar aqui que, para os social-democratas, a expressão «socialização dos meios de produção» é uma expressão muito rica, que envolve mais do que a decisão de passar do sector privado para o sector público uma determinada empresa ou meio de produção. Envolve a participação dos trabalhadores na gestão, envolve o controlo pelos utentes, no caso de se tratar de serviços públicos, envolve uma efectiva subordinação do poder económico ao poder po1ítico democrático.
Esta expressão figurava no Programa do PSD de 1974 e também figurava no «projecto de Constituição para os anos 80» de Sá Carneiro. E vale a pena referir aqui o artigo que nesse projecto se apresentava, exactamente, sob a epígrafe «socialização», para recordar aos Srs. Deputados a riqueza deste conceito.
Neste artigo se dizia (não vou lê-lo todo, mas apenas as partes importantes) que «a lei determinará os sectores básicos da economia que deverão ser socializados (...) », acrescentando-se em seguida os critérios -, de modo a salvaguardar a independência nacional, o controlo do poder económico pelo poder político, objectivos prioritários de justiça social, e também,«fixar critérios justo de indemnizações».
Dizia-se também que «a socialização pode consistir em
nacionalização, municipalização, constituição de empresas
de economia mista ou participação do Estado ou de
outras pessoas colectivas públicas no capital e na gestão
das empresas privadas».
Dizia-se que «quanto às empresas nacionalizadas depois do 25 de Abril, se elas estivessem situadas em sectores básicos da economia de dadas empresas privadas, não poderiam ser reintegradas no sector privado».
Dizia-se ainda que «a gestão destas unidades do sector público poderia ser, transitoriamente, entregue a empresas privadas, mas que o interesse geral e a submissão à eficácia imperativa do plano deveriam ser salvaguardados».
E, dizia-se mais que «estas unidades de produção deveriam evoluir, na medida do possível, para formas mais desenvolvidas de participação dos trabalhadores na gestão».
Penso que este conceito de socialização é um conceito rico, é um conceito que envolve formas de participação dos trabalhadores, como já referi, é um conceito que esteve na Constituição de 1976, que esteve na Revisão Constitucional de l980 e tenho pena que, sobretudo devido ao acordo PSD/PS, ele seja eliminado, porque quer o PS quer o PSD nunca se pronunciaram contra este conceito, bem pelo contrário. Pelo menos, do lado do PSD foi sempre um conceito característico e definidor de uma social-democracia de raiz humanista.
Por isso apresento uma proposta de aditamento, por forma a podermos recuperar aquilo que já está e sempre esteve na Constituição democrática do nosso país.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra, Sr. Deputado José Magalhães.

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Helena Roseta: A questão que V. Ex.ª coloca é uma pertinente questão. Tivemos ocasião de debatê-la, em parte, na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.

Sucede que nessa sede, os Srs. Deputados do PSD que são amnésicos - foram confrontados, por diversas vezes, com a leitura do Programa do PSD. Mas a leitura do Programa do PSD não lhes provoca a mínima emoção porque, suponho que de acordo com aquela famosa teoria do Sr. Deputado Rui Machete sobre a caducidade de tudo, incluindo a Constituição, o programa também caducou aos bocados: estará em vigor numas partes, não estará em vigor noutras e nesta parte, não está de certeza, por que o Professor Cavaco Silva em matéria de socializações já sabemos o que é que pensa, desde que foi discursar perante o Sr. Bangeman na RFA! ...
Nesta matéria, o resumo do debate da CERC é o seguinte: o Sr. Deputado António Vitorino, gentilmente, explicou-nos a todos que a expressão que é proposta («a lei determinará os meios e as formas de intervenção e de apropriação colectiva dos meios de produção e solos») recobre a nacionalização e a socialização.
É um eufemismo; é mais doce; o PSD já não gosta da
alusão à palavra socialização, já não gosta da alusão à
palavra nacionalização, extrai-se então, mas não há alteração
de conteúdo. E nós, PCP, dissemos: meus senhores, que rica operação de cirurgia plástica. Para quê, se não há alteração de conteúdo como VV. Ex.ªs dizem,
substituir a expressão que lá está e está bem? Socialização, nacionalização praticada segundo as condições políticas que o permitam ou não. Mas o PS está numa de eufemismos destes, está numa destas cirurgias plásticas.
Ora a proposta que a Sr.ª Deputada coloca obriga a
uma votação sobre este tema. E a disposição do PSD
nessa matéria é óbvia, total, chocante: o PSD não quer
outra coisa que não seja isto, cujo significado, segundo
o PS, é apenas este eufemismo que eu aqui descrevi.
A operação é razoavelmente embrulhada, é um dos embrulhos em que o PS se meteu neste debate da Revisão Constitucional, mas creio que ainda teremos tempo, até à altura da votação, de saber se vale a pena fazer esta operação hermenêutica que V. Ex.ª propõe, ou precipita. Claro que politicamente estou inteiramente de acordo com o facto de ser lamentável que o Partido Socialista se disponha a entrar numa operação destas, que, ou magoa a Constituição, e é má, ou é pura cosmética, e é dispensável.
Eis a reflexão que no fundo a sua intervenção me suscitou.

0 Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Helena Roseta pediu a palavra
para pedir esclarecimentos?

A Sr.ª Helena Roseta (Indep): - Usarei essa figura, Sr. Presidente.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Helena Roseta (Indep): - Sr. Deputado José Magalhães, julgo que há aqui uma ambiguidade na sua intervenção porque a referência que fiz, em termos da expressão socialização, não foi ao PS mas, sim, ao PSD. O PSD é que se bateu desde sempre por essa expressão, não tenho memória sobre qual foi a posição ao PS ao longo destes anos todos, mas a do PSD conheço bem e, portanto, a minha pergunta era nesse sentido.
Quando me refiro à socialização, refiro-me às posições anteriores do PSD e o Sr. Deputado José Magalhães entendeu o contrário. Será que me pode explicar porquê?

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr.a Deputada. De facto, não entendi o contrário.
Por diversas vezes, fustigámos o PSD pelo facto de, embora tendo um programa, onde há essa e muitas outras expressões - o combate aos monopólios, à NATO..., há lá um pouco de tudo no programa (o programa é caduco, mas é florido, está cheio de expressões progressistas e avançadas) -, o programa existir para coisa nenhuma, a não ser para guarnecer as gavetas do PSD!...
Mas, quanto a este artigo, ainda tenho a esperança de que o Sr. Deputado António Vitorino explique por que é que o Partido Socialista aceita, alterando a letra do preceito, manter, segundo o Sr. Deputado António Vitorino diz, todo o seu conteúdo.
Quanto à questão da incoerência interna do PSD, esse é um problema cuja resolução está em curso, lá naquela famosa comissão do programa, que está há meses a tentar «tricotar» qualquer coisa de que ainda não se viu palavra alguma.

Risos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É só para dizer esta coisa muito singela e para tranquilizar o Sr. Deputado José Magalhães, independentemente de outras coisas que serão ditas, mais adiante, pela nossa bancada.
Pode o Sr. Deputado estar descansado, pode o Sr. Deputado ler quantas vezes quiser o Programa do Partido Social-Democrata que nunca, mas nunca - e não desistiremos de lhe fazer acreditar nisto - nos empenharemos em que o Programa do Partido Social-Democrata se converta em letra de Constituição. A Constituição deve ser o texto aberto à pluralidade de uma sociedade tolerante e deve viabilizar todas as possibilidades de governo. Mesmo - e finjamos, como disse o Padre António Vieira, e imaginemos mesmo aquilo que imaginado faz terror -, mesmo que imaginemos este terror de um dia termos o Partido Comunista a governar, gostaríamos de dar ao país ou de contribuir para dar ao país uma Constituição que permitisse que todos os programas fossem exequíveis. O Sr. Deputado não nos fustiga porque nós não iremos nessa!
O Sr. Deputado pode ler, e faz-lhe bem ler o Programa do PSD...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não faz: ele não está em vigor, está caduco!

O Orador: - Essa é uma questão que não é para aqui chamada.
Agora, Sr. Deputado, o seu juízo e as suas relações entre os programas dos partidos e a Constituição fazem-nos recear o pior. Haja Deus que o Partido Comunista não tem dois terços porque se tivesse dois terços, a Constituição seria o Programa do Partido Comunista, porque a lógica do Partido Comunista será a relação programa de partido/Constituição.
Nós pensamos coisa completamente diferente e ainda bem - os deuses nem sempre dormem - que o Partido Comunista não tem - não se adivinha - nem nunca terá a possibilidade de ter dois terços aqui, na Câmara, e Portugal nunca terá convertida em Constituição uma concepção estalinista do mundo e da vida.

Aplausos do PSD.

O Sr. Rogério Brito (PCP): - Eu pensava que ia dizer que a semelhança entre o Programa do PSD e a Constituição eram mera coincidência!

O Orador: - Mas enganou-se!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães pediu a palavra para que efeito?

O Sr. José Magalhães (PCP): - É para defesa da honra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, eu exerço o direito de defesa porque, se não o fizera, porventura, poderia ser interpretada essa atitude como um menosprezo pelas palavras do Sr. Deputado Costa Andrade, como se nós pudéssemos não levar a sério nada do que o Sr. Deputado diz, mesmo quando são coisas graves...!
Ora, sucede que há uma deturpação manifesta da intenção e do conteúdo da intervenção que produzi, em nome da bancada comunista. O que é que eu sublinhei em nome do PCP? Sublinhei que a Sr.a Deputada Helena Roseta verberara, com razão, o facto de o PSD, que no passado elogiou a socialização como um mecanismo importante, e que até a consagrou no seu programa, surgir hoje como adepto da sua não inclusão (expressa, pelo menos) no texto Constitucional. Contraditoriamente no entanto, ainda mantém no seu programa essa expressão.
E, sublinhei eu, esse programa é um documento esquisito, um documento caduco. Continua a aludir à reforma agrária - expressão que o PSD quer expurgar da Constituição; continua aludir ao combate aos monopólios - embora naturalmente o PSD esteja com eles como «Deus com os Anjos»; continua a aludir a um objectivo de dissolução dos blocos - que é uma coisa que, claramente, não preocupa todos os dias o PSD, que chama a Portugal as armas nucleares da NATO - e por aí adiante. Foi para isso que eu chamei a atenção e V. Ex.ª responde-me com o quê? Responde-me com a cassette n.° 7: o PCP é isto, o PCP é aquilo, o PCP é aqueloutro!
Ó Sr. Deputado Costa Andrade, tratem lá de rever o vosso programa, tratem de pôr a casa em ordem; pela nossa parte vemos a Constituição como uma «casa comum democrática». Por isso é que não queremos que ela seja uma casa «alaranjada», da qual os trabalhadores sejam excluídos e na qual os monopólios tenham um bom chapéu, que é a vossa concepção de uma boa Constituição. Nesta revisão não a conseguirão, embora nos arrisquemos a que o PSD consiga armas, que nós bem gostaríamos que o PS não vos desse.
É isto, Sr. Deputado Costa Andrade. Percebeu V. Ex.ª?

O Sr. Rogério Brito (PCP): - Percebeu, mas não realiza!

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Percebi, Sr. Deputado, percebi que eu tinha razão e, portanto, vou voltar. Fazendo juz à figura de explicações; vou explicar-lhe.
Sr. Deputado, não sou eu!... O Sr. Deputado é que acaba de fazer esta lógica, mais uma vez; é no conjunto de propostas, é no conjunto de tomadas de posição, estão no programa do PSD. Por que raio é que o PSD não eleva isso à categoria de norma constitucional? Este é o juízo do Partido Comunista e é este o juízo que tento desmistificar dizendo duas coisas extremamente simples, que o Partido Comunista não compreende!
E admito que o Partido Comunista não compreenda porque ainda na semana passada, numa atitude de um paternalismo transcendente, disse coisas como estas: esta Constituição não permite o liberalismo; o liberalismo não é bom para Portugal; logo, a Constituição não deve permitir liberalismo. Esta é a atitude do Partido Comunista!
Tudo aquilo de que o Partido Comunista não gosta deve estar vedado, deve ser, sem mais, elevado à categoria de norma constitucional e, pronto!, o problema está aí.
Eu também ainda não desisti de fazer alguma lavagem ao cérebro e de tirar a poeira das cassettes ao Partido Comunista e de dizer-lhe estas coisas extremamente simples: primeiro, os programas dos partidos são programas de partidos, «serviço é serviço, conhaque é conhaque e Constituição é Constituição»!...

O Sr. Rogério Brito (PCP): - Isso é pior que cassette pirata!

O Orador: - A expressão é popular e a gente está a fazer uma Constituição para o povo! Ou então, se quiser uma expressão de um intelectual «um gato é um gato»! Também se usa esta, também anda aí nos livros, Sr. Deputado Rogério Brito.

O Sr. Rogério Brito (PCP): - Isso é cassette pirata, é de má qualidade!

O Orador: - Esteja o Sr. Deputado tranquilo com o Programa do PSD que a seu tempo virá... e satisfaremos a sua curiosidade!
A segunda coisa que quero dizer-lhe é esta: não se trata, do nosso ponto de vista, de plasmar o programa de um partido em normas de Direito Constitucional. É uma evidência, é um dogma, é um postulado. O Partido Comunista não compreende? Que culpa tenho eu?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Só me inscrevi porque o Sr. Deputado José Magalhães entendeu dever chamar a minha explicação, dada na Comissão Eventual, sobre o sentido desta alteração à revisão da Constituição.
Acho que, embora já na altura lhe tenha satisfeito a curiosidade legítima que manifestou, é também um pouco «sete anos de pastor Jacob servia»; satisfaço, mais uma vez, o que quero é que o Sr. Deputado José Magalhães saia satisfeito deste debate.
O que entendemos como sentido político fundamental desta alteração é que o princípio da apropriação colectiva de meios de produção e solos conste do artigo 80.° da Constituição, já que é um princípio geral da organização económica.
Esse princípio geral tem diversas traduções e uma das traduções concretas é aquela que consta do artigo 82.°, onde se fala de «meios e formas de intervenção e de apropriação colectiva». O artigo 82.° tem uma natureza manifestamente instrumental em relação ao princípio constante do artigo 80.° É por isso que na epígrafe se lhe chama «requisitos da apropriação colectiva» e se remete para a lei a incumbência para determinar os meios e as formas, isto é, os instrumentos de intervenção e de apropriação colectiva dos meios de produção e solos.
Nesse sentido, há várias modalidades possíveis de apropriação colectiva; duas delas constavam da redacção originária do artigo 82.° da Constituição, ou seja, a nacionalização e a socialização, que são duas modalidades, ou submodalidades, de aplicação do princípio da apropriação colectiva dos meios de produção e solos. E devo dizer, sinceramente, que isto não é um embrulho de mercearia, nem uma operação de cosmética de perfumaria barata. Isto é, em nosso entender, prestar culto ao rigor e à clarificação dos conceitos constitucionais, que, aliás, como o Sr. Deputado José Magalhães sabe muito bem estavam utilizados na Constituição de forma algo indiscriminada e com prejuízo para a própria operacionalidade dos conceitos em causa, designadamente do próprio conceito de socialização. Este é o sentido da nossa proposta e é o sentido da nossa interpretação.
O Sr. Deputado José Magalhães, aparentemente, e de forma involuntária, se quiser abrir portas para outras interpretações, redutoras do sentido da nossa proposta ou miserabilistas quanto ao seu resultado final, pode fazê-lo, mas é da sua inteira responsabilidade e não vai conseguir, com referências menos elegantes a pessoas individualmente consideradas, que percamos a serenidade e a estabilidade de raciocínio sobre uma matéria deste género.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença que interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado António Vitorino, creio que V. Ex.ª é extremamente injusto, embora não o possa apodar de deselegante, porque aquilo que permiti a V. Ex.ª foi que precisamente clarificasse alguma coisa que, a não ocorrer tal clarificação, podia originar interpretações perversas. A Sr.ª Deputada Helena Roseta, segundo um critério que ela própria escolheu, e que é livre de escolher, resolveu chamar a atenção para a incoerência política do PSD.

O Orador: - Com a qual eu posso bem!

O Sr. José Magalhães (PCP): - E com a qual nós ainda podemos melhor, seguramente, Sr. Deputado, até porque não temos qualquer pacto com o PSD.
Ao fazê-lo a Sr.ª Deputada suscitou, no entanto, uma questão melindrosa - a de saber qual é o significado da eliminação das menções que hoje constam do artigo 82.° Eu insisti em que se clarificasse a natureza exacta dessa

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operação. Não peço que V. Ex.ª me agradeça, mas peço-lhe que, por favor, não me apode de coisas das quais sou totalmente inocente.

O Orador: - V. Ex.ª é extremamente hábil porque costuma «fazer o mal e a caramunha» e, quando se lhe leva a mão pelo que fez de mal, invoca sempre a caramunha, foi o caso!
Referia-me aos qualificativos sobre «embrulho e operação de cosmética» como fundamentadores da posição do Partido Socialista. Era a isso que eu me estava a referir; não era à sua missão benfaseja de acorrer aos «desvalidos» na interpretação Constitucional. A essa agradecemos sempre, claro!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ha!?... E o que pensará o PSD?

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta última parte do debate, houve dois aspectos que me levaram a pedir para usar da palavra.
O primeiro foi esta preocupação, sempre presente na mente do Sr. Deputado José Magalhães, de nos recordar a ortodoxia do Programa do PSD, um pouco como um Catão que fiscaliza cuidadosamente se cumprimos ou não cumprimos.
Eu gostava de dar-lhe uma explicação até para que não tenha, daqui a mais algum tempo, de invocar a célebre frase: quosque tandem, Magalhães abutere patientia nostra?

Risos.

..., tantas são as insistências que V. Ex.ª faz nesta matéria quer na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional quer já no debate no Plenário.
Mas, com toda a simpatia e a paciência, vou tentar dar uma explicação, que é nossa, que V. Ex.ª entenderá servir-lhe ou não, pouco interessa para o efeito, visto que, objectivamente, ela aí ficará.
O Programa do PSD foi elaborado antes do «11 de Março», e antes da elaboração da Constituição de 1976. É um programa cujos princípios subscrevo inteiramente, mas que naturalmente, em muitos pontos, tinha também confundidos com o programa aspectos de uma verdadeira acção de governo.
E naturalmente que houve alterações profundas das circunstâncias que levaram obviamente a que. esse programa, nessa parte, se encontre hoje profundamente desactualizado. Esta é a primeira observação que eu gostaria de fazer. Depois, mesmo em matérias de formulação e refracção dos princípios na realidade concreta, os programas naturalmente têm de ser sensíveis àquilo que é a evolução.
A este propósito veja-se, por exemplo, a enormíssima evolução que se tem registado nos programas e na Constituição da União Soviética..., ou seja, nos programas do Partido Comunista, nas suas diversas fórmulas, e na Constituição! E aí com coisas muito mais graves e mais profundas, pois parece que, já deixa o estalinismo, o próprio leninismo está em causa... É um fenómeno natural! O que preocupa o Sr. Deputado José Magalhães é que nós ainda não tenhamos, do ponto de vista formal, «feito a poda». Lá iremos! Mas, quanto aos princípios,
eles mantêm-se. Para que este partido seja um partido social-democrata tem de ser fiel a esses princípios e eles mantêm-se!
Mas não confundamos a questão dos princípios com as regras práticas de actuação porque essas, efectivamente, estão muito desajustadas e não só nos aspectos económicos que o Sr. Deputado José Magalhães referiu! Há muitos outros aspectos onde o mesmo se regista, independentemente de alguma variação filosófica, ao contrário do que acontece, por exemplo - e que estamos agora a registar -, nalguns grandes países do Bloco de Leste. Certamente teremos oportunidade de ver no seu partido daqui a algum tempo o que é necessário para que estas coisas se verifiquem em Portugal.
A Sr.ª Deputada Helena Roseta veio referir que nós vamos abandonar a ideia de socialização, e veio lembrar com oportunidade que essa ideia aparece no Programa do PSD. Com o respeito e a amizade que me merece a Sr.a Deputada, eu gostaria, todavia, de recordar-lhe que a socialização que aparece consagrada no artigo 82.° não tem necessariamente o mesmo significado do ponto de vista cultural daquela que apareceu no programa do partido. E faço-o naturalmente pela circunstância de ambos conhecermos bem o modo e a mens de como foi elaborado esse programa.
Aí havia não apenas a ideia da nacionalização mas também os aspectos da função social, em termos que, aliás, acolhiam também, embora não em exclusivo, o pensamento social da Igreja, e que obviamente estão arredados da ideia do artigo 82.° como linguagem técnico-constitucional. Foi por isso mesmo que no nosso projecto propusemos que a lei determine «(...) os meios e as formas de intervenção, de nacionalização ou de privatização», porque no fundo a socialização foi interpretada essencialmente como uma outra forma de nacionalização, como uma tautologia, que, obscurecia o significado do preceito.
Em resultado da discussão chegámos na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional a um acordo que, no fundo, vale o mesmo, isto é, pretendemos que a matéria relativa à apropriação dos meios de produção e das nacionalizações - o mesmo é dizer, como também das privatizações - seja uma questão que diga respeito à legislação ordinária e que pertença à órbita dos programas de Governo e não dos programas de partido.
Nestas circunstâncias, embora eu compreenda a evocação um pouco saudosa da Sr.ª Deputada Helena Roseta penso que ela não tem razão. Não decaímos de nada de nosso neste artigo 82.°, porque realmente ele não reflectia o nosso programa. E diria, como disse há pouco o Sr. Deputado Costa Andrade, que nem tem que reflectir visto que se trata de uma norma constitucional.
Nestes termos gostaria de dai esta explicação à Sr.a Deputada Helena Roseta, e de formular a esperança de que o «nosso Catão» fique por uma vez contente e nos deixe fazer injunções para que rapidamente adeque-mos, do ponto de vista formal, um programa às realidades. Nós mantemo-nos fiéis aos princípios e fazemos votos para que todos façam o mesmo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.a Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (Indep): - Sr. Deputado Rui Machete, estou um bocado perplexa porque ao que

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parece, ao referir, en passant, o Programa do PSD de 1974, provoquei aqui um debate que não deve ter lugar nesta sede, como é óbvio. Eu fiz parte da Comissão de Revisão do Programa do PSD, que foi constituída nas deliberações do Congresso do PSD em 1984, de que o Sr. Deputado era presidente e de que eu fui membro, e fartei-me de escrever artigos para o «Povo Livre» e não aconteceu nada.
Ora, a sede dessa discussão não é esta Câmara. Eu fiz essa referência apenas en passant, porque a referência que eu fiz que me parecia mais importante para o debate constitucional que estamos a ter foi a referência ao «projecto de uma Constituição para os anos 80», de Francisco Sá Carneiro.
De facto, aí o artigo relativo a esta matéria passava inclusivamente a ter como epígrafe o título «socialização». Quando o Sr. Deputado Rui Machete me diz que em termo técnico-jurídicos a expressão que estava estabelecida na anterior Constituição não representava o Programa do PSD por que é que não retomaram então esta proposta de Sá Carneiro, que me parece muito mais rica do que a actual Constituição? O Sr. Deputado acha que isto já está ultrapassado?
Devo dizer-lhe que não estou a fazer aqui uma referência saudosa. Estou a apresentar uma proposta alternativa que tem a ver com posições anteriores, e penso que nesta matéria dos sectores público e privado da economia a proposta para os anos 80 de Sá Carneiro se mantém plenamente válida. Acha o Sr. Deputado que ela já não é válida, que já caducou?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Rui Machete, quiosque tandem não sei, provavelmente até ao fim da Revisão Constitucional!... VV. Ex.ªs querem que ela seja muito rápida e nós não.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Já falta pouco!

O Orador: - Mas porquê a nossa insistência na vossa incoerência? Suponho que é isso que o incomoda. Em primeiro lugar, porque V. Ex.a acabou por confessar que o vosso programa «precisa de poda». O PSD tem um «programa que precisa de poda» (PPP). Não fui eu quem disse isto, mas V. Ex.ª!
Ora, um partido que tem um «ppp» é um partido com um «p», com um problema, ou melhor, com problemas, como bem se vê! Esses problemas são transportados para a Revisão Constitucional porque VV. Ex.ªs não tendo ideia de qual deva ser o vosso programa querem alaranjar a Constituição, metendo no respectivo bojo concepções neoliberais de todo o tipo, e arrasando-a na parte em que ela é mais moderna e progressista. Não vão consegui-lo!
Há uma outra coisa que perturba o Sr. Deputado Rui Machete, e V. Ex.ª há-de reconhecê-lo! Aquilo que V. Ex.a aqui esteve a fazer em tom meigo e doce tem um nome. Não se trata de «conselhos» dirigidos à bancada do Partido Comunista. São, sim, alguns recados e conselhos que o deputado Rui Machete dirige ao «comité de sábios» que o congresso do PSD mandatou para fazerem um novo programa do PSD. Pêlos vistos um está nas Necessidades a negociar não sei o quê, o outro vai para Bruxelas para ser eurodeputado, o outro nem se sabe o que faz, e dos demais nem reza a História. Quanto ao produto, não se sabe o que será!
No ínterim, o Sr. Deputado Pedro Roseta, que ali atrás sorri, preconiza um programa «fortemente ideológico»; o Dr. Pacheco Pereira preconiza um programa que seja o contrário daquelas «exegeses maoistas» que lhe atormentaram a pós-adolescência. Há de tudo!

Risos.

E, no ínterim, há também o «ministro das Amoreiras», que fazendo o que faz, dá um belo sentido do que é o seu programa. E há ainda outro, o Costa Freire cujos negócios, exemplares também dão uma boa ideia do que é o Programa do PSD...!

Risos.

É no meio deste charivari e desta confusão que a bancada do PSD se apresenta programaticamente. Acha V. Ex.a que isto é saudável? Não seria já tempo de «pentearem» as ideologias? É que o contrário disto é um partido que, agarrado ao poder, só pensa em eternizar-se por todos os meios. Por isso fez o negócio da Revisão Constitucional, que faz sorrir V. Ex.ª e que nos incomoda tanto a nós e a tantos democratas.
Estará V. Ex.ª pelo menos disponível para reconhecer que o vosso programa é um fenómeno de caducidade preocupante e que o vosso Governo é um fenómeno de activismo sem ideologia programaticamente fixada?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, essa é para brilhar!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - O Sr. Deputado José Magalhães, o acordo realizado incomoda tantos democratas e incomoda VV. Ex.ªs?
Não sei, isso é um problema vosso.

O Sr. José Magalhães (PCP): - V. Ex.ª anda desatento!

O Orador: - De qualquer modo, a questão que V. Ex.ª coloca tem pouca atinência com o artigo 82.° O Sr. Deputado está muito preocupado com o Programa do PSD. Devo dizer que concordo com aquilo que disse a Sr.' Deputada Helena Roseta, ou seja, essa não é uma matéria que nos interesse quanto à Revisão Constitucional. Nós fizemos uma proposta muito clara, temos tido discussões muito claras e os nossos objectivos são muito claros.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Permite-me uma interrupção, Sr. Deputado Rui Machete?

O Orador: - Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, peço-lhe desculpa por interrompê-lo, mas segundo as impressões que troquei com o meu camarada Octávio Teixeira, a única pergunta importante que eu lhe deveria ter feito era se V. Ex.ª estava de acordo com a interpretação do Sr. Deputado António Vitorino sobre o conteúdo deste artigo. É que essa é realmente a questão mais importante.

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O Orador: - Não tem dificuldade nenhuma. A única pequena insídia está na sua formulação. Se V. Ex.ª leu as Actas da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional facilmente compreenderá qual foi a interpretação que demos e facilmente verificará que esta interpretação coincide exactamente com aquela que foi dada pelo Partido Socialista.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ah!

O Orador: - «Mas são verdes»!...

Risos.

Quanto à questão que a Sr.ª Deputada Helena Roseta coloca, dir-lhe-ia o seguinte: do meu ponto de vista estou de acordo com a proposta feita no projecto de Constituição para os anos 80 apresentado pelo Dr. Sá Carneiro. Mas a questão não é bem essa, a questão é outra: é que a Constituição não é composta apenas por um artigo isoladamente e que tenha que ser interpretado de uma forma isolada.
Ora, mesmo que pudéssemos pôr...

A Sr.ª Helena Roseta (Indep): - Já cá está!

O Orador: - ... o artigo na sua formulação exacta ela não teria o sentido que tem no texto do Dr. Sá Carneiro. Não teria! Seria diferente e teria sido desvirtuado pela chamada interpretação sistemática da Constituição.
Ao que nós nos restringimos foi a isto: o artigo 82.° no texto actual tem um determinado significado que não tem nada a ver com aquilo que V. Ex.ª referiu (eu compreendo-a e inclusivamente acompanho-a) da socialização nesse sentido que usou, nem no sentido do programa do partido, nem no sentido em que o Dr. Sá Carneiro utilizou a expressão. No fundo era sinónimo reforçador da ideia da nacionalização, isto na minha interpretação. Por isso mesmo na nossa proposta preferimos utilizar, em dicotomia, de um lado, nacionalização e, do outro lado, privatização.

Por razões que constam das Actas da CERC chegou-se a um acordo de redacção que, no essencial, serve exactamente o mesmo desiderato, isto é, tornar esta matéria numa matéria que tem a ver com os programas do Governo, e o eleitorado sufragará a orientação que entende mais conveniente, sendo permitido tanto nacionalizar como privatizar. Basicamente foi isto que pretendemos: excluir a ideia de um «caminho único para o socialismo» cuja alavanca principal é a reforma agrária, a planificação e a socialização dos principais meios de produção, solos e recursos naturais.
Isto para nós foi claro e é isto que pretendemos. Por isso renunciámos a essa expressão, que continua a ser-me cara, mas que não tem a ver com aquilo que estava consignado na Constituição. Portanto, para usar uma expressão que é muito cara a alguns Srs. Deputados, devo dizer que não «decaímos» de alguma coisa que era nossa porque esta palavra socialização que ainda aqui está no texto do artigo 82.° não tem nada a ver connosco nem com Francisco Sá Carneiro.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Porque a sistemática das propostas da CERC sobre o conjunto de artigos seguintes, vão do 81.° até ao 90.°, é sensivelmente diferente da adoptada no projecto do PRD, entendemos explicitar aqui as principais razões pelas quais iremos manter a maior parte das nossas propostas, sem prejuízo de, no caso que sabemos praticamente certo de elas não merecerem o acolhimento do Plenário, tentarmos melhorar, através de propostas novas, a formulação da CERC.
Por comparação com o compromisso conseguido na Comissão Eventual, temos a proposta do PRD como bem mais escorreita, clarificadora e, sobretudo, descircunstancializada relativamente a 25 de Abril de 1974 e às decisões de política económica que se lhe seguiram.
Este último aspecto é da maior importância, atendendo a que estamos investidos de poderes constituintes quinze anos passados sobre essa data, à qual devemos a Constituição democrática que nos ocupa, e que a revisão que estamos a fazer já não tem razões para resultar datada à partida - como, literalmente, ainda o é no texto proposto pela CERC, designadamente para os artigos 83.° e 83.°-A.
Assim e apenas para fazer avultar as linhas mestras do nosso projecto relativamente ao Título II (estruturas da propriedade dos meios de produção e sectores de actividade), vemos que esse projecto:
Mantém a definição bastante clara dos sectores de propriedade, com parte do artigo 89.° do texto actual, que se reconhece carecer apenas de ajustamento no seu n.° 4, para o não manter confinado ao sector cooperativo; comete à lei ordinária a definição do regime jurídico das empresas do sector público, incluindo o da participação eventual de capital privado, levantando assim a antiguidade, que persistia, quanto à inserção empresas chamadas de economia mista nos três sectores definidos pela CERC; declara respeitar e incentivar a actividade económica privada e a excepcionalidade e transitoriedade de intervenções do Estado na gestão de empresas privadas; debruça-se sobre o sector cooperativo e autopartidário em termos de estímulo e apoio, facilmente adaptáveis ao novo conceito, a que aderimos, de propriedade social; comete à lei, em termos de inteira normalidade e neutralidade, a definição do regime jurídico da transferência de empresas entre sectores de actividade e dos critérios e modos de indemnização, quando essa transferência for para o sector público; dá substância à garantia da coexistência dos três sectores de propriedade, ao definir genericamente as empresas que não podem ser retiradas do sector público - sem o que este poderá vir a tornar-se num conjunto vazio ou, pouco menos, privando o Estado de meios essenciais à sua política económica no mesmo tempo em que, paradoxalmente, se propõe o empolamento do conteúdo programático da Constituição, através da definição de objectivos, não só da política agrícola mas também da política industrial e comercial!; mantém obviamente a consagração constitucional do sancionamento das actividades delituosas contra a economia nacional, cuja proposta de supressão, apenas constante dos projectos do CDS e do PS, é das mais surpreendentes que a CERC nos traz.
Seria evidentemente estulto pretendermos que o projecto do PRD sobre o Título II da Organização Económica é, na especialidade, perfeito e incontroverso. O que temos por certo é que, na generalidade, ele corresponde muito melhor ao requisito de flexibilização e ajuste entre sectores de propriedade em função dos entendimentos do interesse nacional que enforme programas de governo democraticamente aprovados do que o compromisso,

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decerto árduo mas imperfeito e ainda, repete-se, datado a que se chegou na CERC.
Por isso manteremos em debate a maior parte das nossas propostas, sem prejuízo do espaço construtivo que faremos para obter a melhoria possível das propostas da CERC, na medida, decerto muito ampla, em que elas irão, também neste domínio, prevalecer.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que considero encerrado o debate do artigo 82.° Vamos passar ao artigo 83.°
Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, com o artigo 83.° entrámos na análise de uma das disposições da Constituição que tem sido objecto de maior debate e de maior discussão.
Gostaria de fazer aqui uma primeira intervenção no sentido de balizar a razão das propostas do Partido Socialista talvez de um modo que não tenha sido ainda visto, pelo menos nos trabalhos da comissão, mas que me parece de considerar extremamente relevante para este Plenário. O Partido Socialista propôs, e este artigo 83.° é fundamentalmente obra sua, que a reprivatização da titularidade ou do direito de exploração dos meios de produção e de outros meios nacionalizados depois do 25 de Abril de 1974 se deveria efectuar nos termos de uma lei--quadro, cujos princípios fundamentais constam também de um artigo 83.°-A, incluindo as normas transitórias, e que se dirigem a assegurar a transferência e moralização dessas privatizações, a aplicação das receitas de modo a salvaguardar o verdadeiro interesse público, os direitos dos trabalhadores (na totalidade da expressão desses direitos, sem qualquer limitação) e, finalmente, a preferência na subscrição resultante de eventuais privatizações concedida aos trabalhadores.
Estas disposições têm de ser compreendidas como necessárias à economia portuguesa para que ela ultrapasse, digamos, um certo tipo de fixismo que resulta nomeadamente de questões ideológicas. Não vou agora tornar extremamente enfático esse ponto porque ele tem sido de tal maneira obtido que, suponho, todos os deputados o têm presente.
Mas, julgo, há também um ângulo, talvez novo no debate nesta Câmara que valeria a pena ser considerado. A realidade é, como disse o Sr. Deputado Rui Machete, o enquadramento doutrinário das nacionalizações em geral - e não estou agora a referir-me, digamos, doutrina a doutrina. Ele foi, de certo modo, produzido e consolidado nos anos 60. A geração que em 1974 teve responsabilidades nesse campo, como também referiu o Sr. Deputado Rui Machete, bebeu no seu tempo, no tempo em que reviveu - e isso era perfeitamente normal -, e foi contemporânea em relação à absorção dessa doutrina. Ora, essa doutrina era conexa de vigência de um certo paradigma sócio-económico que presidiu na Europa, no pós-guerra, a todo o surto de desenvolvimento com as suas vantagens, inconvenientes e contradições, que se seguiu à II Guerra Mundial e que vigorou até quase aos fins do ano 60 como um paradigma que na prática social e política acabou por se impor.
A realidade é que, estando nós em 1974/75, esse paradigma bloqueava-se, ou seja, encontrava as mais notórias dificuldades, mas que, por razões diversas, não eram percebidas do ponto de vista do sistema, do ponto de vista da incompatibilidade da sua vigência com as novas condições tecnológicas e sociais, do processo de internacionalização e de transnacionalização que então ocorria. E levou muitos anos para que se percebesse, efectivamente, que se estava perante uma mutação de sistema. E levou tantos anos que - e cito apenas a crise petrolífera de 1973 para nos situarmos - a OCDE, perante uma perturbação da economia mundial com uma virulência e gravidade tais que logo se sublinha mas que não se percebe no seu fundo, constituiu uma comissão, a Comissão Mc Cracken (nome do Presidente do Council of Economic Advisers do Presidente dos Estados Unidos e professor universitário muito reputado), que na altura reuniu peritos famosos e em 1974 produziu um relatório que em Portugal passou algo despercebido, mas que teve, digamos assim, um enorme impacto nos meios académicos, económicos, de negócios e políticos.
Mac Creken, perante a crise de 1973, dizia que o que se passava era uma conjunção dos mais diversos dissidentes no campo da procura, da oferta e da regulação. Foram uma série, digamos assim, de «azares», de tal maneira que a perturbação gerada pela primeira crise petrolífera com todo o seu impacto não pôde ser entendida senão como um acidente e resolvida como tal. Pelas medidas clássicas, a economia retomará o seu curso.
É espantoso como apenas um dos membros da Comissão Mac Creken, que integrava sumidades, enfim, de grande reputação, como, por exemplo, um turco que na altura era director de serviços do Banco Mundial, tenha tido a perspicácia e a previsão do que efectivamente se estava a dizer ao escrever uma declaração de um voto de vencido que ficou notável numa única página, dizendo: é um erro, estamos a assistir de facto ao fim de um sistema e ao nascimento de um outro. Isto, em 1974 e logo a seguir, em 1979, vem a segunda crise. E só nessa altura se percebeu que efectivamente um novo paradigma sócio-económico entrava, de facto, em força e que anulava o paradigma anterior.
Se digo isto, de uma forma longa, Srs. Deputados - perdoem-me que insista nisto - é para se compreender que de facto um mundo novo estava a nascer no momento em que se faziam as nacionalizações em Portugal.
Passados quinze anos esse mundo novo, se bem que não esteja plenamente instalado, mas as tendências de fundo são suficientemente fortes para que já haja até uma convergência de opinião, corta radicalmente com o mundo antigo. A lógica económica, a sócio-económica, a política, e a de regulação social das actividades económicas são radicalmente distintas da lógica que prevaleceu nos vinte ou vinte e cinco anos a seguir à I Guerra Mundial. Destacarei um certo número de factores, na realidade seis, todos eles fundamentais para o desenvolvimento da economia portuguesa, para a Constituição económica portuguesa e para apreciarmos a razão que nos assiste ao mudar efectivamente o artigo 83.°, perante a mudança radical do mundo que nos rodeia ou, antes perante a mudança radical do mundo que nos investe e de que queremos ser não investidos apenas, mas parte construtiva, positiva e parte que acrescente. Esses seis factores, numa breve análise, dizem respeito a um contraste decisivo entre o paradigma anterior e o actual, que está a nascer, quanto a recursos económicos chave e a tecnologias estruturantes dos sistemas económicos.
No antigo paradigma as tecnologias dirigiam-se por métodos de trabalho intensivo ou por métodos energético intensivo à transformação dos materiais em

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instalações fixas e, nesse conjunto, o que realçava era o aspecto Hardware, se assim me é permitido dizer, porque é um anglicismo que infelizmente não tem tradução fácil em português, ou seja, o aspecto dos meios de produção e investimento em capital fixo.
O que se passa nas novas tecnologias é que os recursos económicos e as tecnologias chave são tecnologias baseadas em métodos intensivos; não em energia, em trabalho ou em capital bruto mas, sim, em conhecimento e em informação. O que é decisivo no novo encadeamento e na nova ordem não é o controlo dos meios de produção mas, sim, a condução, a apropriação e a orientação dos processos de gestação e aplicação de informação e de conhecimento. Esta é a primeira grande diferença.
A segunda grande diferença tem a ver com os tipos de produtos. O sistema nacionalizado em Portugal - e prezo-me de o conhecer razoavelmente bem por razões que me dispenso agora de falar - era um sistema típico da chamada II Revolução Industrial, que vinha tarde relativamente ao que se passava na Europa, mas vinha de acordo com o antigo modelo de industrialização.
Esse era um sistema em que os produtos eram fundamentalmente produtos standardizados, produtos de massa, produtos onde de facto o que contava para a economicidade era a economia de escala, em termos técnicos, nos sistemas de produção. Os novos produtos não são nada disso. Os novos produtos são fundamentalmente bens de uma combinação de componentes produzidos em massa que representam essencialmente sistemas de prestação de serviços pela combinação de bens clássicos e de serviços, alguns clássicos, pela combinação de bens e serviços novos num contexto novo.
Quer dizer, temos um sector nacionalizado orientado sobre o que foi o eixo central da industrialização dos anos 50 e fizemo-lo nos anos 70, em parte até depois da revolução.
O terceiro aspecto, perfeitamente fundamental, é a lógica de comportamento dos actores decisivos, dos actores estratégicos, num e noutro sistema, num e noutro paradigma sócio-económico.
Os actores decisivos do primeiro tipo eram empresas nacionais ou multinacionais que operavam em profunda conexão com o Estado, de tal maneira que se podia dizer, com legitimidade para Portugal ou para outros países, que havia uma simbiose onde de facto sob a aparência da privatização ou da privacidade dos gabinetes, se assim se quiser, a suposta economia privada se alimentava dos bens públicos. Há em Portugal um exemplo muito simples: basta ver o capital social da SETENAVE, da CNP... Quem financiou a SETENAVE, a CNP...! Basta ver como isso foi possível. Embora não vá agora fazer história este é um ponto muito pouco discutido, que tem algum interesse para a revisão da Constituição económica portuguesa.
Quer dizer, o modelo de industrialização portuguesa não era um modelo competitivo, era até um modelo que, temporariamente, retirava a abertura à economia internacional, os tradables como se chama, bens que tradicionalmente eram tradables para os reservar, através do poder do Estado, a uma economia doméstica subtraída à concorrência. E nessas condições os actores eram, de facto, parte do Estado, porque usavam o Estado e os actores políticos como outros seus e seus duplos, e isto é um ponto que não é, digamos, agora de ideologia, é um ponto factual.
Os novos actores não são assim não porque o Estado, os seus poderes e os seus recursos estejam ausentes - isso é um conto de fadas que também não vou analisar, pois não interessa à nossa Constituição económica..., é um magnífico conto de fadas que serve para embalar meninos, mas eu já não tenho idade para ser embalado desse modo - mas porque os novos actores económicos são fundamentalmente empresas que operam em mercados segmentados, monopolisticos no sentido técnico do termo. E operam segundo lógicas que vão desde a transnacionalização, e nunca houve, como nos últimos anos, um surto transaccionai tão importante superando a internacionalização pura ou a multinacionalização tal como nunca houve como há agora um surto também de apoio e de revigoramento de actividades nacionais e até de actividades regionais e locais. É uma nova rede de hierarquias e de contactos que se estabelece. São outros actores e outros métodos.
Assim neste ponto a lógica hoje do negócio é a lógica da sinergética, da combinatória permanente, é a lógica de Rommel, a da «guerra do deserto», não é a lógica dos «elefantes fixos», que se oferecem em alvo e que se agigantam para se tornarem cada vez mais vulneráveis pela força da sua própria inércia. Esta combinatória sinergética e integrativa opera-se pela via do conhecimento e da informação e não pela via da brutalidade «elefantesíaca» dos grandes investimentos fixos. Porém, esta combinatória não dispensa grandes investimentos, nomeadamente no campo das infra-estruturas; esses investimentos correm em paralelo e um bocado à parte, aparentemente, da lógica do negócio.
Hoje, a lógica é diferente e isto põe ainda um outro problema que é o de se saber, perante isto, quais as estratégias de desenvolvimento nacional e como é que se podem regular aos níveis micro e macro económicas. Não se podem regular! Não vou entrar em detalhes para não ser interpelado por um Sr. Deputado que exigiria que eu viesse aqui falar desse assunto fora do âmbito do artigo 83.°, digo já que não entrarei por aí, nem pela antiga lógica de quem defendia nacionalizações nem pela antiga lógica de quem combateu nacionalizações. Ao chegar aqui, com esta nova combinatória e com este novo paradigma sócio-económico, chegamos ao cerne da questão: à volta do artigo 83.° tem havido um enorme equívoco, um equívoco em que o que avulta no debate público, no debate parlamentar e no debate partidário é, no fundo, uma velha questão que vem do século XIX e que, na realidade, não passa de certeza para o século XXL...

Vozes do PSD: - Não diga isso!

O Orador: - Tenho umas coisas a dizer, mas não é agora.
Portanto, dizia eu, o que avulta neste debate é um grande fixismo à volta da lógica da propriedade ou da propriedade do controlo dos meios de produção. É de facto um debate que hoje está perfeitamente, digamos, ultrapassado, porque o que caracteriza o novo paradigma é precisamente a subida do imaterial, a sua relevância, a dificuldade social e privada de usar, de gerar e de controlar o imaterial.
Há novos problemas à volta da civilização do imaterial, da economia do imaterial. São problemas que ignoramos porque estamos muitas vezes a discutir em «tracção à corda», ou seja, à volta dos meios de produção de uma forma ou de outra. Todavia, com o devido respeito pela sinceridade das opiniões das pessoas que mantêm

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esse debate vivíssimo, porque tenho, de facto, respeito por essa sinceridade, devo dizer que às vezes me parece que temos aqui PSD e PCP numa «tracção à corda», fora do mundo real, bloqueados um face ao outro, ambos a mesma moeda em que uma face é a de que é preciso privatizar os meios de produção e a outra em que é preciso colectivizar os meios de produção. Isso não é um debate do nosso tempo e nunca será, espero eu, um debate da civilização do imaterial.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É muito pouco europeu e do nosso tempo?!

O Orador: - Nestas condições, temos de fazer face a modificações profundas no enquadramento da regulação económica, porque o que estamos aqui a tratar no artigo 83.° é de uma matriz, que não é evidentemente a única, de regulação económica fundamental.
E há quatro mutações para as quais queria chamar a vossa atenção: a primeira tem a ver com a profunda internacionalização da economia portuguesa, ainda que não tenhamos dado por isso e às vezes não chamemos as coisas por esse nome. Uma economia tão aberta e tão pequena como a nossa, é uma economia que, de facto, já não tem a menor capacidade de se repensar, de se reflectir, de se ver sequer a não ser num espelho de fantasia, num espelho de formato seja ele A ou de B, como uma economia não profundamente internacionalizada, mesmo que os gestores da maior parte das nossas empresas não sejam ainda espanhóis, franceses ou não sei quê. São-no, muitas vezes, por interposto mecanismo.
A segunda mutação importante é a de que os pontos de controlo e de orientação dos sistemas económicos têm hoje de estar precisamente no domínio do imaterial, na possibilidade de gerar, de absorver, de transferir e de controlar o imaterial - e aqui Portugal tem uma enorme debilidade organizacional, porque, de facto, quanto a esse aspecto temos anos-luz de atraso e todos sabemos porquê!...
A terceira mutação é esta: no novo sistema, em que a lógica combinatória integrativa é de uma extrema mobilidade, sucede que não há fronteiras entre actividades, instituições, empresas, sectores e produtos. Um dos maiores bancos americanos é a General Electric, uma das maiores empresas de telecomunicações entra no campo da IBM e esta, por sua vez, entra no campo das telecomunicações; hoje, por exemplo, as companhias de águas são procuradas pelas companhias de seguros e pelas de vendas de serviços, que antigamente se faziam em balcões nas ruas principais; e os exemplos multiplicam-se.
Num mundo destes, eu, que fui um forte defensor dos sectores básicos e tinha algumas definições pseudo-rigorosas, hoje tenho outras definições e outros conceitos de sectores básicos...

A Sr.» lida Figueiredo (PCP): - Já demos por isso!

O Orador: - ..., que me parecem bastante mais relevantes e mais próximos do que é a realidade não digo portuguesa mas mundial. Não são os mesmos conceitos! Se o paradigma mudou não podem ser os mesmos. E se antigamente se pensava que era possível inserir o sector nacionalizado em certo tipo de regulação, hoje é perfeitamente patente que na situação em que a economia portuguesa se encontra não é possível fazer isso. Nestas condições, temos efectivamente de mudar e de mudar racionalmente, com paixão de futuro e não de passado, com vontade de fazer futuro e não de defender e de «ser o último soldado a cair morto em Goa» - não sou nem quero ser, pois ninguém em Portugal o merece!!
Deste modo, o que aqui se diz é que nos próximos cinco anos a economia portuguesa vai ser sujeita a um tal teste de mudança - e sabendo-se o que se sabe do passado sobre esta querela constitucional, interpretada nalguns casos como uma defesa fixa de um mundo que já não existe e, noutros, como um ataque fixo a um mundo que já não existe - que é preciso encontrar um modo de proteger, de um lado e de outro, os recursos nacionais, que ainda existem (e, esses sim, estão a ser pura e simplesmente delapidados pelo estrangulamento sistemático do Governo PSD face ao sector público e pela defesa cega que outros fazem contra esse estrangulamento sistemático); há que encontrar uma saída nacional para o futuro e não organizar um cortejo de carpideiras para enterrar aquilo que o PSD, pela sua lógica de ataque do século XIX, vem querendo enterrar.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso não é verdade!

O Orador: - E este artigo é concebido com essa largueza, salvaguardando integralmente aspectos de moralidade, de transparência e de direitos dos trabalhadores. Eu, acima das fábricas, defendo os homens que lá estão, acima das fábricas que os querem para delas se apoderarem como se isso si por si lhes desse poder, e os outros que as querem defender, como se isso só por si fosse a marca do seu compromisso para com o futuro, quando elas já são do passado. Acima disso, há que salvar e dar futuro e perspectivas não só àqueles trabalhadores que ali estão mas, também, aos outros que com eles são solidários e que deles dependem, ou seja, no fundo, dos recursos nacionais. Esta é a grande lógica desta transformação que abre perspectivas com algum risco, sejamos claros!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Isto é o risco que importa viver em democracia, o risco que importa viver sem ser em comando central, o risco que importa viver em liberdade e apelando para a liberdade e solidariedade de todos.
É evidente que um governo que queira subverter e combater o sector público empresarial, que continua a ter razão de existir sob uma forma diferente, pode fazê-lo. Aliás, já hoje o pode fazer como vai fazendo, todos reconhecemos, não há aqui nada de novo. E essa possibilidade é inerente ao jogo democrático da maioria e resulta de se querer ou não a democracia.
Então, esse é um outro problema que não é o que estamos aqui a discutir, ou seja, é o risco da democracia, que alguns não querem correr, porque ao fazê-lo correm outros riscos que rejeito, pelo que gostaria que acabassem os alibis.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Exacto!

Vozes do PCP: - Já não havia!

O Orador: - É por isso que se fazem estas alterações constitucionais. Daqui por diante não há mais alibis...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Só há mais um!

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O Orador: - ..., já não havia, mas agora nem sequer haverá a possibilidade de levantar a voz para alçar a Constituição como desculpa para tudo, sobretudo, no campo económico. É esta a lógica da nossa posição, que é uma lógica nacional, uma lógica de futuro e uma lógica de destruição do fixismo, do passado, de um lado e de outro.

Aplausos do PS e do CDS.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Octávio Teixeira, José Magalhães, Nogueira de Brito e Rui Machete.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado João Cravinho, julgo que valeria a pena discutirmos e analisarmos aqui as propostas que existem para o artigo 83.° e as suas consequências possíveis. Não quero dizer com isso que não valesse a pena discutir outros aspectos, mas não é este o momento oportuno, embora eventualmente sobre alguns estejamos em desacordo. Não é isso que está agora em causa -, designadamente sobre a questão do imaterial nesta perspectiva, ou seja, do imaterial em termos económicos.
Se bem percebi, o que o Sr. Deputado João Cravinho pretendeu dizer, é sempre necessária uma base material. Refiro-me ao tal grande problema que não está ultrapassado - nem nada que se pareça - que é o problema da propriedade. Por isso o PSD se bate tanto pela alteração da propriedade. Mas, como dizia, este é um problema que não temos agora tempo para discutir em profundidade.
De qualquer modo, gostaria de começar por dizer que, relativamente à figura que o Sr. Deputado utilizou de «tracção à corda» entre o PCP e o PSD, o grande problema, do nosso ponto de vista, é que nesta luta de tracção o PS está a dar uma grande ajuda do lado do PSD. Era isso que nós queríamos evitar, era isso que queríamos que não sucedesse, porque, inversamente àquilo que o Sr. Deputado disse, o PS não está no meio termo, não está a assistir; o PS está a puxar por uma ponta da corda e, a nosso ver, pela ponta negativa.
Tomava agora a palavra «paradigma» para, desde já, colocar-lhe algumas questões concretas. Ó Sr. Deputado, relativamente ao paradigma sócio-económico, quais são as alterações fundamentais que se processaram entre 1982 e o momento actual? O problema do desenvolvimento tecnológico ou científico estava em marchar (não é uma coisa que tivesse surgido em 1986, 1987 ou 1988, estava claramente em marcha). Algumas dessas alterações que o Sr. Deputado indicou estavam claramente visíveis então como o estão actualmente.
Porquê, então, a posição absolutamente oposta do PS em 1982 e em 1989? O que no novo paradigma sócio-económico exclui, em termos dos interesses portugueses, que as empresas públicas se mantenham como empresas públicas? Há alguma impossibilidade prática ou teórica de que as empresas públicas possam actuar com um novo paradigma sócio-económico - para utilizar novamente a expressão? Não será mesmo nas empresas públicas que se poderão encontrar, neste momento, ainda em Portugal, alguns dos principais centros - diria, potencialmente, porque, de facto, em alguns aspectos estão bastante desactivados ou desmobilizados -, do possível desenvolvimento tecnológico português, não só ao nível da ciência (da «matéria cinzenta» - melhor dizendo) como ao nível do equipamento base material que permite a criação dos bens imateriais?
Sr. Deputado, o problema da internacionalização crescente das economias, que é um facto evidente e claro, poderá isso confundir-se com o problema da transnacionalização da propriedade das empresas ou a transnacionalização das empresas? Não é possível Portugal caminhar no sentido dessa internacionalização da economia portuguesa, tendo uma posição activa e mantendo as suas empresas públicas, aquelas que neste momento existem?
O problema das economias de escala, que o Sr. Deputado referiu, também não está de modo algum ultrapassado. Não está e a situação é tão clara e evidente que, julgo, ninguém porá em questão que a base primeira, a base principal da criação do mercado interno comunitário está no problema das economias de escala. As grandes empresas comunitárias incentivaram a criação do mercado interno para que, através das economias de escala, possam combater os seus grandes adversários em termos concorrenciais no mercado mundial, japoneses e norte-americanos. E é um problema que se coloca também em Portugal.
Nessa perspectiva, a nossa posição é a da necessidade de defender o tal forte sector empresarial do Estado, sector público forte, para que o País possa corresponder e confrontar-se, com o mínimo de riscos possíveis, com esta problemática, estes riscos que vêm com a criação do mercado interno.
Uma última pergunta, Sr. Deputado, porque o tempo escasseia e teremos ainda oportunidade de intervir sobre o assunto. V. Ex.a considera, em consciência, que o artigo 83.°-A garante - como o Sr. Deputado referiu - a transparência e a moralização? Garante a aplicação de receitas de uma forma correcta e garante os direitos dos trabalhadores?
Sr. Deputado, como é que pode garantir a transparência e a moralização se é possibilitado o que no texto se lê a um Governo, ao Governo que temos...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Termino de imediato, Sr. Presidente.
Onde é que está garantida a transparência/moralização, se permite a aplicação de receitas das privatizações para cobrir despesas correntes do Estado?
Sr. Deputado, são garantidos os direitos dos trabalhadores? Ora, por exemplo, os trabalhadores das empresas públicas têm, neste momento, o direitos de participação na gestão das empresas e de participação na fiscalização dos conselhos fiscais das empresas?

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Cravinho deseja responder já ou no final dos pedidos de esclarecimento?

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, quero dizer simplesmente que, dada a multiplicidade de perguntas, suponho que algumas deverão ser respondidas na generalidade porque serão feitas porventura por outros Srs. Deputados e abordarão assuntos semelhantes, mas há dois ou três aspectos que não virão talvez à colação e gostaria de responder já.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra, Sr. Deputado.

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O Sr. João Cravinho (PCP): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, há aqui uma questão fundamental quando se diz que, por exemplo, o novo artigo 83.°, com a proposta do artigo 83.°-A, nos leva a falar de um sector público empresarial forte. Eu sou partidário da existência de um sector empresarial forte e digo forte porque o País precisa de empresas que, sendo públicas, funcionem bem e sejam fortes para o bem do País; precisa de empresas no sector privado que sejam fortes no seu domínio próprio e precisa de empresas que sejam competitivas e que funcionem.
Além disso, acho que há lugar no sector empresarial do Estado...

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - É uma maneira de justificar!

O Orador: - ... para empresas em domínios muito relevantes, como há lugar para saída, do sector empresarial do Estado, de certas empresas que hoje estão lá e que não têm, no contexto dos próximos anos, possibilidade de lá continuarem no sentido competitivo.
Dito isto, o artigo 83.° não é, de maneira nenhuma, um artigo contra o sector empresarial forte. Presume-se que, de facto, este país, de duas uma: ou se proíbe o cidadão, via constituinte, ou o Governo, seja o que for, de fazer isto, aquilo e aqueloutro, porque se lhes dá a faculdade de fazer o bem também se lhes dá a faculdade de fazer o mal e, portanto, ao abrir as coisas como estão resulta automaticamente que isto é a liquidação imediata e total do sector empresarial do Estado.
Quero dizer ao Sr. Deputado Octávio Teixeira que fique completamente sossegado quanto a este ponto, porque a ausência de programa de privatizações, neste Governo, contra aquilo que ele próprio desejaria fazer a princípio, demonstra, pura e simplesmente, que este Governo se enganou mais uma vez, agora não sobre o número ou sobre isto, mas sobre política. Julgava que ia fazer privatizações fáceis, abundantes e bem confeccionadas, mas a realidade que lhe saiu pela frente é esta: uma vez que não pode gastar o dinheiro da forma que mais lhe interessaria (eleitoralmente), porventura de formas extremamente rebuscadas e diminutas - e é preciso que tenha muito engenho e mesmo assim fica sujeita a sanção uma vez que não pode fazer isso, as privatizações não lhe servirão para grandes eleitoralismos.
E mais importante do que isso, se o Governo quiser fazer as privatizações de certas maneiras fáceis, voltam--se contra ele, porque serão alguns dos seus apoiantes que reclamarão contra essas privatizações. Não vou entrar em detalhes, mas é mais do que óbvio que, hoje em dia, é no mundo dos negócios, que tem visão, experiência e traquejo do mundo, que se compreende o valor do sector empresarial que não pode ser privatizado assim como o Sr. Deputado Octávio Teixeira - pressuponho - está a imaginar.
Não tenha receio disso! O PS é a favor de se manter no sector empresarial, e de se fazer, inclusivamente, intervir no sector empresarial novos investimentos e cá está a disposição para isso. Eu é que não sou por meter o sector empresarial do Estado num museu, para mostrar às pessoas como fomos revolucionários noutros tempos. Nisso não! No museu da revolução...

Vozes do PCP: - Renega?!

O Orador: - Não renego e tenho falado na minha responsabilidade directa nas nacionalizações e sabe o que isso me tem custado em termos políticos e pessoais. Mas não sou cego, antes pelo contrário, procuro ver o que mudou e como é que as ideias socialistas, as ideias de solidariedade, no desenvolvimento e crescimento se afirmam no novo mundo.
Porém, gostaria que ficasse claro, de uma vez por todas, que não vai haver, de certeza, a liquidação de um momento para o outro do sector empresarial do Estado para além daquela liquidação sistemática, aberrante, que o Governo actual vem fazendo, estrafegando o sector empresarial do Estado, usando-o como fonte para o seu clientelismo variado, metendo nele gestores, que de gestores só têm o cartão de gestão de carreira PSD e por aí fora. É contra isso que me levanto e é para acabar com esses alibis e com isso que aqui está o artigo. No entanto, o Sr. Deputado diz que a melhor maneira de acabar com isso é justificar, dando ao PSD o alibi de dizer que não se pode fazer nada e que, portanto, a gente está à espera. Não! Temos de abrir o mundo!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado João Cravinho, toda a sua intervenção é verdadeiramente estranhíssima. Devo dizer que nos deixa profundamente perplexos. Não sei mesmo se não será de pedirmos alguma pausa para meditarmos mais profundamente sobre as suas consequências.
O PS tinha-nos dado, de tudo, em matéria de debate do artigo 83.° Antes desde debate até tínhamos distribuído à imprensa um pequeno folheto em que descrevíamos em seis actos, as peripécias inacreditáveis que já tinham acontecido em comissão, desde o deputado Almeida Santos julgar que afinal as privatizações eram por dois terços e não serem nada até o deputado Lacão se orgulhar, como uma coisa sensacional e bestial, da solução que vem consagrada e, por aí adiante. Toda uma série de coisas inacreditáveis aconteceram em comissão. Mas agora aconteceu o inimaginável!!...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É o 7.° acto!

O Orador: - É que o Sr. Deputado João Cravinho vem dizer duas coisas totalmente opostas. É o «cabeça de lista» do PS para as eleições do Parlamento Europeu se não nos esquecermos e se todos repararmos, ainda está em exercício de funções ou está em exercício de funções pleno; conhece o Relatório Cechini para a frente e para trás, na versão integral e nas outras versões; conhece o problema dos custos da não Europa; sabe os riscos da concentração, da transnacionalização, sabe das movimentações dos monopólios a nível da Europa, sabe tudo. Pelo menos admito que tenha de saber muito, vem até dizer--nos que o PSD «estrafega» o sector empresarial do Estado, o PSD marreta o sector empresarial do Estado com gestores, com clientes de toda a espécie. Donde, - conclui - dêm-se-lhe mais poderes para desnacionalizar como entender!
O Sr. Deputado, que estranho curto-circuito é que lhe acontece a meio do pensamento. Como numa espécie de montanha russa V. Ex.ª vai para baixo e subitamente vai para cima. O que é que lhe aconteceu?! Mais: V. Ex.a parece aquele sábio que fazia arengas ao leão sobre as virtudes do vegetarianismo. V. Ex.ª dirige-se à bancada

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do PSD que está esfaimada, ansiosa por desnacionalizar e diz-lhe: «Leão convence-te que a macrobiótica é que é boa. Olha as sinergias, olha a lógica da Guerra do deserto, do Rommel» E acrescenta: «Põe-te lá na cabeça que o velho paradigma acabou, pensa na nova rede de actores e métodos, tu põe-te na cabeça que agora o que está a dar é os mercados segmentados, a transnacionalização, ma non troppo; abaixo os fixismo com a propriedade». .. E o leão vai-se coçando pacificamente, à espera do bife. Porque o leão está-se borrifando para o discurso de V. Ex.ª sobre as virtudes das sinergias, não acredita minimamente no vegetarianismo. E o leão - o leão Cadilhe, por exemplo, que é uma espécie um bocado mesquinha de leão, mas lá vai agatanhando...

Risos.

... -, acabou de dizer hoje que o Governo vai privatizar as participações de todas as companhias de seguros à excepção da «Fidelidade» e da «Cosec», de molde a restitui-las à iniciativa privada.
Sr. Deputado, isto é o que diz o leão! O discurso de V. Ex.ª é para uma academia de sábios distantes, vivendo em Sírius. Tem V. Ex.ª a certeza de que está em Portugal, aqui, às 19 horas e 10 minutos, no Hemiciclo de São Bento ou estará num areópago em Marte a discutir com os marcianos, nenhum dos quais é carnívoro, por acaso?!

Risos.

Outra coisa que os terráquios sabem é que o Ministro Mira Amaral, o tal que diz que quem não ama o eucalipto não ama Portugal, também se prepara para atacar o sector químico e fazê-lo em bifes. Com base em quê? Na alteração do artigo 83.°, a alteração do artigo 83.° consentida pelo PS.
Sr. Deputado, V. Ex.ª já reparou no artigo 83.°, proposto pelo PS e acordado com o PSD? É que V. Ex.ª parece-me distraído de tanto mergulhar nas indústrias, nas sinergias, nos novos paradigmas, no século XXI, no século XXII, quiçá, no século XXIV! V. Ex.ª descurou esta coisa mesquinha, chata, jurídica que é o novo artigo 83.° e que, Sr. Deputado João Cravinho, do ponto de vista técnico-jurídico - permita-me que lhe diga -, é uma bronca. Ele irá permitir ao Governo privatizar em qualquer sector, não vedado, qualquer espécie de empresa, estratégica ou não, mesmo das de ponta, (dessas que nos encherão o futuro de felicidade ou de amargura), permitindo, ainda e de qualquer forma, ao Governo fazê-lo por negócio particular. V. Ex.ª já se tinha apercebido desse facto? Está de acordo com ele?
Há um terceiro aspecto. Pergunto a V. Ex.a se já se apercebeu da diferença abissal que há entre isso e o projecto inicial do Partido Socialista. É que talvez o projecto inicial do PS tivesse alguma coisa a ver com 5% das considerações, um pouco esotéricas, que V. Ex.ª fez, mas não tem nada a ver com o texto final.
Portanto, pergunto: V. Ex.ª estará bem ciente de que está aqui a fazer a Revisão Constitucional ou pensará que está noutro país, noutra campanha eleitoral, noutro PS, noutro mundo. Afinal de contas, o problema da «imaterialidade» é de V. Ex.a, que, pêlos vistos, já paira, imaterial, acima da realidade. Olhe que quem paga somos nós, quem paga é o País! Acorde, Sr. Deputado João Cravinho, acorde!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Cravinho quer responder já ou no fim?

O Sr. João Cravinho (PS): - Se me permite, Sr. Presidente, respondia já com uma pequena observação, que poderá ser longa, mas começará por ser pequena. Aliás, seguindo o exemplo do Sr. Deputado José Magalhães que vê um leão - coitado do leão! - onde na realidade não há mais do que outra espécie zoológica decadente à procura, no fundo, de um poiso para cair morto e nem sequer para arremeter seja em que sentido for. Cada um tem os leões que quer ou cada um tem os leões que merece!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Certo, mas V. Ex.ª confunde-os demasiado!

O Orador: - Bem sei que se forem eles leão, VV. Ex.ªs terão qualquer coisa de proporcionalmente configurado. Mas, nem são, nem são!...
Portanto, Sr. Deputado José Magalhães, enquanto V. Ex.ª falava com esse arroubo e com esse entusiasmo e perguntava em que mundo estou eu, estava-me a recordar de ter recebido da Embaixada da Hungria, há pouco tempo, uma informação sobre a lei de abertura das actividades económicas húngaras ao capital e à iniciativa privados. Li tudo aquilo com interesse e tive o cuidado de discutir com uma pessoa que, aliás, muito prezo, e que é hoje o director do Instituto de Planeamento da Hungria, Bela Kadar, o qual conheço há muitos anos e que às vezes se situa mais à direita do que eu - deixe-me, também, que lhe diga. Bela Kadar, em reuniões internacionais tem ficado à minha direita, física e intelectualmente. De tal maneira que, às vezes, até pergunto onde é que o Dr. Bela Kadar andará! Tal como V. Ex.a pergunta. Mas ele, por vezes, anda, exactamente, pêlos mesmos sítios em que eu, mas, simplesmente, tem o zelo dos recém convertidos e, portanto, aí vai! Mas, face ao que se passa na Hungria e na União Soviética, estará V. Ex.ª a decair? V. Ex.ª nunca decai, mas quem decai é a Hungria, é a União Soviética!
Portanto, estamos a chegar àquela situação, que é frequente e bem portuguesa, em que «a mãe desvelada, vendo o seu filho desfilar numa grande parada, diz: só o meu Aníbal é que leva o passo certo!»
Neste mundo, toda a gente decai, só V. Ex.ª é que não decai!
Dito isto, vamos ao segundo ponto que é, de facto, muito mais importante.
Fala-me V. Ex.a de economias de escala, de relatórios de Cechini, etc. Há-de perdoar-me, mas é matéria em que, de facto, tenho passado algum tempo, bastante mais que V. Ex.a Não lhe falo de autores constitucionais nem de teoria constitucional. Cada um de nós, apesar de tudo, tem ideias gerais, mas, depois, quando se entra numa especialidade, cada um tem a sua.
Mas não vou falar nisso agora, senão para responder ao Sr. Deputado Octávio Teixeira, quando diz: «bem, as economias de escala existem...»
Efectivamente, elas existem, continuam a existir e a ser importantes. Mas há uma coisa - e aí é que está a grande diferença que o Sr. Deputado também conhece - bem mais importante que as economias de escala, que são as chamadas economias de scope. Entre economias de escala e economias de scope há uma diferença radical de eficiência e de conceito. Tanto assim que não há tradução em português. Traduza-me o Sr. Deputado «economias de scope»! O conceito é novo e tão radicalmente novo que o senhor não tem uma palavra para o traduzir. Em

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todo o caso, hoje, toda a gente diz que as economias de scope são muito mais importantes, são as decisivas.
As economias de scope só começaram a ser conhecidas na literatura técnica há cerca de cinco, seis, ou sete anos. V. Ex.ª vai para trás de cinco anos e não encontra senão referências muito leves e muito marginais a este aspecto absolutamente decisivo da consideração dos sistemas económicos modernos.
Por outro lado, nos últimos dois a três anos, encontra uma pletora enorme de artigos. É isto que dá a mudança do paradigma em tempo de profunda aceleração.
O Sr. Deputado José Magalhães vai na jangada de pedra; vai na jangada de pedra feliz e contente e diz: porque é que a gente há-de mudar? Mas, Sr. Deputado, muda a Hungria...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Permite-me que o interrompa, Sr. Deputado João Cravinho?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito lhe agradeço que me tenha permitido a interrupção porque ficaria, francamente, contristado se V. Ex.ª continuasse a vogar nessa nave - a que não vou chamar, nem nave de pedra, nem bote, nem coisa nenhuma - prescindindo de responder à questão fundamental que, lhe formulei e, porventura, é a mais apaixonante para todos, juristas, economistas, etc.
V. Ex.a acha que a solução constante do vosso acordo não acarreta o risco enorme de conceder a uma maioria monopartidária o poder de, em oposição absoluta aos conceitos que V. Ex.ª anunciou, utilizar as concepções neo-liberais mais decantadas para estrafegar o sector empresarial do Estado e impedir as economias de scope e outras que V. Ex.ª estime, contrariando um projecto que, porventura, seja meritório? É esse o problema!

O Orador: - Aí, eu respondo-lhe: não terão tempo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não terão tempo?! Dá-lhes o fanico?!...

O Orador: - Peço ao Sr. Deputado que não me interrompa. Autorizei que me interrompesse e estou a responder à sua interrupção. Autoriza-me, agora, que use o meu tempo?

O Sr. Presidente: - Mas o Sr. Deputado tem de acelerar um bocadinho.

O Orador: - Eu resumo, Sr. Presidente.
Este Governo que existe terá, digamos assim, tanto mais vida, terá tanto mais possibilidades de fazer as malfeitorias que VV. Ex.ªs indicam, quanto mais for projectado na opinião pública que essas malfeitorias são as grandes malfeitorias aos olhos do PCP que se obstina a defender, precisamente, o inverso do que o Governo quer. Nestas condições, o que o País vê é, de facto, um fixismo do PCP, que não tem nada a ver com a realidade actual, respondido por um outro fixismo mais poderoso e que, por isso mesmo, poderá parecer que tem mais razão.
Assim, quando o País se aperceber da realidade desse fixismo, da sua esterilidade e necessidade mútua - os senhores são necessários ao PSD e ao domínio do PSD, como o PSD vos é necessário -...

O Sr. José Magalhães (PCP): - E vocês são necessários para o acordo!

O Orador: - ... dirá: é preciso mudar Portugal, mudando a maioria! E é aqui que nós estamos.

Risos do PSD.

Já estivemos a 29 pontos de VV. Ex.ªs Agora, estamos a bastante menos. Já percorremos três quartos da diferença, em metade do tempo!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não é para pedir esclarecimentos, é para lançar foguetes! Isto é uma festa para a direita!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr. Deputado João Cravinho, V. Ex.ª não adianta com a argumentação da União Soviética e da Hungria, porque isso é uma questão interna do PCP. Isso justifica as dissidências, não é para nós! Isso não é connosco!
Mas, quando o ouvi, Sr. Deputado, aparentemente, pareceu-me ter justificado de mais e, por isso, aplaudi.
Como propusemos «o mais» nesta matéria, fiquei satisfeito por, afinal de contas, V. Ex.ª ter encontrado uma lógica no seu campo para a nossa proposta.

A Sr.ª Helena Roseta (Indep): - É verdade!

O Orador: - Mas, depois, Sr. Deputado João Cravinho e Sr.a Deputada Helena Roseta, verifiquei que me enganei completamente, pois foi, apenas, aparentemente que justificou de mais. A justificação era demais, porque o Sr. Deputado João Cravinho encontrou uma lógica para as nacionalizações de 1975, escaqueirou essa lógica completamente e o Partido Socialista faz uma proposta de revisão do seguinte teor: no artigo 80.°, praticamente, não diz nada; no artigo 81.°, coisa nenhuma; no artigo 82.°, a mesma coisa; e, depois, no artigo 83.°, como verifica que não é possível continuar a manter aquela rolha apertada, desaperta a rolha, efectivamente, mas com um ar saudosista!
O artigo 83.°, tal como resulta da CERC, tem um estilo de fado de Lisboa: é alguém que se despede do sector nacionalizado, cheio de saudades. Não elimina o artigo, mantém-no. É uma lei-quadro cheia de condições.
Bom, mas depois acabei por perceber por que é que V. Ex.ª acabou por dar a grande justificação para tudo isto. É que V. Ex.a não quer acabar com o sector público! V. Ex.ª quer é mudar o sector público! Isso é o que V. Ex.ª quer! Isto é, V. Ex.ª acaba com este sector público dos mastodontes, dos elefantes brancos, de Sines e de companhia limitada - a companhia limitada é que é o diabo, porque não há lógica nenhuma para ela! - e, depois, quer engendrar uma forma de se apropriar do tal sector imaterial, da tal imaterialidade que hoje domina a economia. Confessemos, no entanto, que V. Ex.ª não sabe bem como vai fazer isso. Graças a Deus, porque se soubesse... era o diacho!
Essa questão do «não têm tempo» é que me deixou um bocado preocupado! Porque, Sr. Deputado João Cravinho, - esta é a questão que lhe coloco - estamos

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ou não - e o argumento húngaro é magnífico nessa perspectiva - perante uma questão de eficácia? Isto é: está ou não definitivamente reconhecido que o Estado e o sector público da economia, se poderia servir para os elefantes, e já servia muito mal, não serve, de forma nenhuma, para as novas formas de produção. Esta é que é a questão. O Estado não serve e, por isso, é que estamos a assistir ao que estamos a assistir por todo o mundo socialista real, desde a China, com estudantes todos os dias a protestar, à União Soviética, à Hungria, à Polónia, etc.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ora aqui está um sinófilo!...

O Orador: - O Estado não consegue produzir com as novas formas de produção, com as novas técnicas de produção. Esta é que é a questão.
Ora, a nossa preocupação nesta matéria deve ser apenas uma preocupação de eficácia na economia, isto é, conseguirmos que a economia produza alguma coisa para depois podermos dar largas aos nossos anseios de distribuição. Essa é que é a questão fundamental, Sr. Deputado João Cravinho, e, portanto, ela constitui a primeira pergunta que lhe queria deixar.
Por outro lado, gostaria que o Sr. Deputado contribuísse para desfazer um bocado este mito da negociação particular, do arranjismo, da pouca vergonha de que o PCP quer rodear o método da negociação particular. V. Ex.ª, Sr. Deputado, diga-me se a negociação particular não poderá, em muitos casos, representar uma defesa contra uma exagerada internacionalização da economia portuguesa?

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Já se esqueceu do inquérito às OPV da SONAE?!...

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Ao Sr. Deputado Nogueira de Brito, cuja inteligência e brilho são de todos reconhecidos, irei apenas dizer duas coisas.
A primeira é que, apesar de tudo, a questão húngara e soviética não é uma questão interna. Lembro-lhe, por exemplo, que o falecido Strauss...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Esse é que era um leão!

Risos.

O Orador: - Era um leão, sim senhor! Esse é que era um autêntico leão! Nisso tem V. Ex.a toda a razão! Esse não precisava de controlar televisões e outras coisas no género. Era um leão indirecto!
Mas Strauss, que foi, digamos um anticomunista acirrado, dedicou os últimos anos da sua vida política a uma grande causa, que foi a causa do entendimento e alargamento das relações entre a Alemanha Federal e a RDA e também com a União Soviética. Porque, de facto, a questão que se está a passar a Leste não é, de maneira nenhuma, uma questão doméstica. O Sr. Deputado sabe isso porque, de facto, entre os seus leões conta quem tenha andado, por aí, nessas florestas.
Quanto ao segundo ponto, de graças a Deus... Oh, Sr. Deputado, há uma coisa que a gente tem de compreender: Deus não se mete nestas questões! A César o que é de César! Não suponho que isso seja motivo para «Graças a Deus», mas é uma expressão.
Porém, quero dizer-lhe que, ao contrário do que o Sr. Deputado às vezes julga, o mundo não é preto e branco, mas muito mais complicado. Nós assistimos, às vezes, a coisas tão bizarras como esta: Margaret Thatcher, grande defensora das privatizações, com dez anos de governo, a ferro e fogo, tem o seu recorda nacionalização da Rolls Royce. Veja lá como estas coisas são: uma empresa nacionalizada por um governo conservador! O Reagan, que é quem é, nacionalizou a American Continental e, até certo ponto, seminacionalizou a Chrysler, Logo, as coisas são o que são!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ui! O Professor Aníbal ainda pode nacionalizar o J. Pimenta!...

O Orador: - Veja como isto tudo embaraça o Sr. Deputado José Magalhães, eu percebo! Mas o Sr. Deputado, com certeza, que se não embaraça tanto, porque tem outra visão destas coisas.
Já agora, para terminar, ainda quanto a Margaret Thatcher, veja que neste momento, em que ela comemora o décimo aniversário do seu poder e quer fazer o último assalto ao sector público, há uma onda de conservadores que se levanta e diz «isso não!» A nacionalização das companhias das águas e da electricidade, em Inglaterra, está a levantar a maior oposição dentro do Partido Conservador. Quer dizer, isto perturba o Sr. Deputado José Magalhães e vai contra aquilo que o Sr. Deputado disse.
Mas a vida é assim e não é, apenas, feita para uso e gozo, apesar das metáforas do Sr. Deputado José Magalhães ou da simplicidade que o Sr. Deputado Nogueira de Brito aqui pôs.
Por isso, queria dizer-lhe que a economia portuguesa não pode passar sem o sector público empresarial forte e os empresários portugueses progressistas, abertos, inovadores, que arriscam, precisam de um sector empresarial forte.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Convença disso o Professor Aníbal!...

O Orador: - A iniciativa privada pedirá ao governo socialista porque já desesperou fazer entender, seja lá o que for, a este Governo, que, de facto é preciso haver em Portugal investimento público voltado para o futuro. Por isso, é que o Partido Socialista, ao contrário do Sr. Deputado José Magalhães, chegará a 1991 com a maioria.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado João Cravinho: Tenho a vantagem de falar no fim, pelo que posso ser extremamente sucinto e, sobretudo, dispersar-me daquelas referências de «jardim zoológico», «dos leões», dos «saguins» e tutti quanti.
Mas a sua intervenção foi extremamente interessante a pautou-se, fundamentalmente, por uma ideia base, qual seja a de dizer que o paradigma que dominava ainda em

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Portugal, com algum atraso, em 1974/1975 e que influenciou, profundamente, o Partido Socialista, não é nem o paradigma nem a interpretação adequada para a realidade de hoje.
Portanto, temos de actuar em consonância com esse paradigma. Penso que há que lhe prestar homenagem, porque só não muda quem não tem cabeça. V. Ex.ª que teve, como reconheceu, particulares responsabilidades em matéria de nacionalizações, teve a hombridade de aqui dizer que a sua reflexão, a percepção das coisas e porventura a própria evolução do mundo o leva, agora, a pensar de uma maneira diferente.
As condições mudaram e a sua percepção também. As duas coisas estão intimamente relacionadas, suponho eu, isso só lhe fica bem.
Todavia, disse V. Ex.ª algo que, porventura, seria desnecessário e que não me deixou de provocar algum sorriso. É que teve necessidade de nos fossilizar a nós e ao Partido Comunista. Que fossilize o PCP, isso é um problema com que o PCP terá de arcar, mas para a minha percepção é relativamente adequado. Porém, que nos fossilize a nós, isso a mim incomoda-me um pouco. Usou a corda, não sei se com alguma similitude tauromáquica, mas a verdade é que não apreciei extremamente o símile.
A verdade, Sr. Deputado João Cravinho, é que nós, apesar de todas as considerações de ordem económica, de teoria económica e de filosofia económica, que são interessantes e que são importantes para explicar a realidade, temos um artigo 83.° que é uma barreira. Ora, quando queremos destruir essa barreira não é porque não reconheçamos que a liberdade de actuação seja extremamente importante, que isso pertence à esfera dos programas dos partidos e não pretendemos impor um neo-liberalismo um pouco estreito. Queremos que as questões fiquem imprejudicadas.
Simplesmente, com o artigo 83.° na sua versão actual, as questões não ficam imprejudicadas e a fossilização do Partido Comunista manter-se-á. É por isso, Sr. Deputado João Cravinho, que nos inscrevemos contra a actual redacção do artigo 83.°, que foi pensado como uma alavanca para a construção de uma sociedade socialista ou de uma sociedade a caminho do socialismo, segundo a vulgata marxista...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Aprovada pelo PSD!...

O Orador: - ..., pelo que entendemos que o povo deve escolher livremente o seu caminho e, por isso, pretendemos destruir essa alavanca. Fomos até onde pudemos ir porque o Partido Socialista não nos permitiu ir mais além.
Alguma tradição de certo fetichismo estatista por parte do Partido Socialista se mantém, pois ainda não absorveu todo o paradigma que V. Ex.ª propugnou e tenho pena que isso tenha acontecido.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Lá chegará!...

O Orador: - Porém, V. Ex.ª fez uma outra consideração, que reputo importante. Disse que eram partidários de um sector empresarial forte, precisando, depois, que nesse sector empresarial forte, certamente, aparecerão empresas públicas.
Também somos partidários de um sector empresarial forte. Pensamos que esse sector empresarial forte não será, basicamente, consubstanciado por empresas públicas, mas, naturalmente, admitimos que dependerá da estratégia concreta e adequada à situação que se tenha que fazer frente, o conhecimento da percentagem e das empresas públicas que terão de existir.
Mas preferimos, claramente, que haja empresas públicas dinâmicas e fortes, e não empresas públicas que sejam um sorvedouro dos dinheiros do Orçamento. Isto é óbvio.
No entanto, Sr. Deputado João Cravinho, o problema que lhe queria pôr é bastante similar àquele que lhe pôs o Sr. Deputado Nogueira de Brito e, porventura, por razões parecidas.
Sabemos que as privatizações podem ser, simultaneamente, um reforço da economia privada, mas também uma forma de intervenção do Estado na vida económica. Ora, ele tem de preocupar-se justamente com o assegurar que elas sejam empresas fortes, de forma a permitir que se mantenha a autonomia fundamental do Estado, perante uma situação de internacionalização da economia, que é desejável, que é necessária e, diria mesmo, que é inevitável, mas que requer algumas precauções, não por xenofobia, mas por simples realismo.
É por isso que me deixa um pouco preocupado a ideia que transparece de várias intervenções de deputados socialistas, de que a melhor forma de o conseguir, salvo em condições anómalas e excepcionais, é, necessariamente e sempre, a venda na Bolsa.
Pode não ser assim. A transparência, Sr. Deputado João Cravinho, essa com certeza que deve existir, pelo que estamos inteiramente à disposição de todos aqueles que queiram cooperar connosco na elaboração de normas que assegurem a transparência de processos.
Mas a lógica do reforço das empresas portuguesas pode passar, e a meu ver passa, pela existência de grupos empresariais privados com grupos empresariais públicos que dêem à economia racionalidade e que permitam uma estratégia verdadeiramente portuguesa. Ora, isso passa, em muitos casos, no que respeita às privatizações, por negociações particulares. Não será assim?
Era esse o problema que lhe queria pôr.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Cravinho, parece-me que o Sr. Deputado Nogueira de Brito havia feito um sinal para interpelar a Mesa. É verdade?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Justamente antes do Sr. Deputado João Cravinho acabar, pedi-lhe para interromper e conhecendo a sua generosidade e sentido de justiça, sei que ele não me recusaria esse privilégio.
Sr. Deputado João Cravinho, na parte final da sua resposta, fiquei um pouco mais preocupado, e vou-lhe já dizer porquê, associando esses dois elementos de táctica ou até, talvez, de estratégia do Partido Socialista.
É que V. Ex.ª, por um lado, prepara-se para arranjar uma forma de controlar as novas formas de produção e, por outro lado, terão concebido o novo artigo 83.° e o artigo 83.°-A como uma táctica de retardamento.
É que V. Ex.ª falou tantas vezes no «não terem tempo», no «não chegam lá», no «estejam descansados», e deu esse paliativo ao Partido Comunista, que lhe queria pôr, frontalmente, esta questão: isto então será tudo uma questão de táctica de retardamento, à qual se veio agora a associar o Sr. Deputado Rui Machete, porque também ele quer um sector público forte na economia e entende que isso é eficaz para os portugueses?

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Será isto, Sr. Deputado João Cravinho? Era bom que V. Ex.ª o pudesse esclarecer.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Cravinho, para responder, tem a palavra.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Deputado Rui Machete, Sr. Deputado Nogueira de Brito e, depois também, porque vem a talhe de foice, Sr. Deputado Octávio Teixeira, que me pôs perguntas que são extremamente pertinentes, e que justificam perfeitamente dentro da sinceridade das suas convicções e que devem ser discutidas com toda a seriedade.
Srs. Deputados Rui Machete e Nogueira de Brito, quanto à negociação particular, não tenho mais que chamar a atenção para, por exemplo, a Lei de Delimitação dos Sectores, se não me engano a Lei n.° 46/77...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Está revogada.

O Orador: - ... que numa das suas normas - eu estou a falar na primeira legislação - se dizia que poderiam constituir-se sociedades joint ventures (sociedades de economia mista) por negociação particular, sempre que estivessem em causa problemas de ausência de mercado, que era uma das condições, ou de domínio e controlo da tecnologia.
Portanto, não preciso de dizer uma coisa que era tão evidente nessa altura e que continua a ser até mais evidente, como o Sr. Deputado Octávio Teixeira, aliás, já salientou hoje.
É que, apesar desta questão do imaterial, ele não nasce de forma expontânea, não é de estaca e também não é como o cogumelo que brota depois da chuva.
O imaterial exige um enorme investimento, em organização, em homens e em dinheiro, sobretudo, em homens, mas, independentemente disso, hoje, a economia mundial é regida por uma enorme competição à base da aquisição do conhecimento, do controlo do conhecimento e do monopólio do conhecimento.
Ora, nessas condições, quando há uma, duas ou três empresas, que detêm, digamos, por direito de propriedade, por experiência ou por evidência prática, o conhecimento necessário para fazer não sei o quê e se, por outro lado, detêm o controlo de uma rede qualquer que, efectivamente, domina certo tipo de mercado, é evidente que tem de haver uma negociação - ou uma renúncia à entrada - com os dois, os três ou os quatro.
Não tem sentido fazer um concurso público para um...

Vozes do PCP: - Há quem faça!

O Orador: - ..., mas há quem faça, apresentando, com se sabe três propostas feitas por um só, parece quase o problema da trindade, que já se conhece, mas não é disso que se está aqui a falar...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Pois não!...

O Orador: - ..., nem sequer isso é possível. Portanto, como se exclui a trindade do caso, é evidente que tem de haver negociação particular nestes casos, a menos que haja uma castração, uma renúncia da soberania económica nacional. Como não é o caso, acho que quando a evidência se impuser, impõe-se.
Por outro lado, o Sr. Deputado Nogueira de Brito põe o problema de saber se isto é uma técnica de retardamento. Não é! Isto é uma realidade que me leva a dizer o seguinte: vamos acabar com os mitos, vamos acabar com as fantasias, vamos colar-nos à realidade que não é nossa - é, digamos assim, uma realidade do mundo que nos rodeia e no qual nós nos inserirmos - e então se verá quem é que de facto tem armas e quem tem unhas para tocar a guitarra do desenvolvimento do País. Então é que se verá se somos socialistas, para impedirmos os outros de serem capitalistas, liberais ou neo-liberais ou se somos socialistas porque temos convicção e capacidade para propor soluções concretas que o povo português reconheça. Não somos socialistas por exclusão de todos os outros! Somos socialistas como todos os outros que queiram, de facto, respeitar as leis fundamentais da República e da decência.
Disto isto, gostaria só de referir, muito brevemente, alguns pontos que o Sr. Deputado Octávio Teixeira levantou, que me parecem sérios e que merecem de facto um amplo debate - tenho é pena que não se possa fazê-lo aqui tão amplo como a questão merece.
Disse o Sr. Deputado: mas então essa questão do paradigma, em 1982 não havia? Então em 1982, diziam uma coisa, isto não servia, opunham-se e agora mudaram?
Há pouco dei o exemplo. É a tal história das economias de scope e se, em 1982, eu seja cão, permitam-me a expressão, alguém tinha escrito um artigo teórico ou prático sobre esta questão.
O conhecimento vem, digamos assim, ao lado da vida e com a vida. Hoje existe uma consciência destas questões que eu próprio, em 1982, que não fui parte na Revisão Constitucional, pois sobre esta questão dei a minha contribuição como deputado dentro do meu grupo parlamentar, mas não estive aqui a pugnar pela questão, não tinha, talvez porque o mundo não era tão evidente e tão observável como é hoje. Agora os problemas são totalmente diferentes e isto que estou aqui a dizer representa uma convergência muito grande, para além da ideologia, pois encontro economistas comunistas que estão, digamos assim, perfeitamente em consonância com este aspecto, com a ideia de que emergiu um novo paradigma.
Para não ir mais longe, aquele que primeiro chamou a atenção para um dos aspectos do novo paradigma baseou-se afinal de contas, na obra de Kondratiev que, como toda a gente sabem, era tudo menos ocidental, era russo, e os seus escritos foram redescobertos muitos anos depois.
Isto é da natureza do conhecimento e não tenho nada que estar a justificar só porque em 1982 se disse não sei quê e não se percebeu qualquer coisa. Se assim fosse haveria que congelar a realidade mundial, para se estar de acordo com aquilo que o Partido Socialista disse e isso não tem sentido.
Agora a questão fundamental: Então não há lugar para as empresas públicas? Já respondi a esse problema.

O Sr. José Magalhães (PCP): - E as consequências?

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O Orador: - As consequências, a internacionalização, a transnacionalização, pois é evidente que existem.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu pedia-lhe para abreviar a sua intervenção.

O Orador: - Sr. Presidente, vou ser breve.
E as garantias dos direitos dos trabalhadores, perguntava o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
Então não sucede, por exemplo, que os trabalhadores, apesar de terem garantias em lei de acesso aos órgãos de gestão e fiscalização, isso lhes é negado? É.
Mas, Sr. Deputado, nós estamos, porventura, perante inconstitucionalidades e ilegalidades as mais variadas. No entanto, não é isso que nos impede de pôr uma norma na Constituição que é justa em si e de chamar à responsabilidade os violadores.
Agora só porque há a possibilidade da violação, não pode existir a norma? A norma é ilegítima? Isto não é norma de um Estado de Direito. Pode é ser norma de direita, mas não é norma de Estado de Direito.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.a Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (Indep): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente ao artigo 83.° eu tenho estado a ouvir com bastante interesse este debate e queria dizer o seguinte: também faço parte daqueles que entendem que a redacção do actual artigo 83.° deve ser alterada, e deve ser alterada porque a própria ideia de «conquistas irreversíveis» é contrária à vida, pois nada é irreversível, tudo muda, tudo se transforma.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Evidentemente, o 25 de Abril trouxe-nos conquistas fundamentais e em primeiro lugar a liberdade, mas, infelizmente, elas não são irreversíveis; se nós não estivermos vigilantes elas podem ser postas em causa e têm sido e é importante que nós tenhamos consciência disso.
Penso, portanto, que era necessário alterar este artigo e estive a ouvir a argumentação do Sr. Deputado João Cravinho, com a qual eu me identifico muito, mas estou aqui tão perplexa como o Sr. Deputado Nogueira de Brito. É que com esta argumentação eu chego a outras conclusões.
Aderindo à ideia das mutações económicas, aderindo à ideia da complexificação que se está a processar nos nossos tempos, aderindo à ideia das novidades que os anos 80 trouxeram em relação aos anos anteriores, aderindo à ideia de toda esta quantidade de novos problemas, novos actores, mutações, etc, eu chego a conclusões diferentes.
E chego a conclusões diferentes porque, realmente, eu penso que aquilo que está em causa aqui, não é tanto cada qual defender o seu perfil ideológico e a sua cartilha porque, naturalmente, o CDS será contra as nacionalizações, o PSD tem posições contraditórias ...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Olhe que não!

A Oradora: - ..., o PS, em princípio, não poderá ser contra e o PCP é sempre a favor, como é normal.
Mas o que está em causa aqui é saber se numa Constituição para Portugal para os próximos cinco anos, não devemos encontrar outra fórmula que seja melhor para o nosso país.
Penso que o devemos fazer, mas não creio que a fórmula a que se chegou por acordo entre o PS e PSD seja a melhor fórmula e vou passar a dizer porquê.
Ao vermos todas estas mutações, todos estes riscos e cito aqui, designadamente, o que o Sr. Deputado João Cravinho disse em termos de internacionalização da economia, dos choques que nós vamos tendo à medida que nos vamos integrando no espaço europeu, ao ver tudo isso, eu penso que o bom senso deveria determinar que se mantivesse o espírito da proposta inicial do Partido Socialista e que também propus na altura, isto é, que as privatizações devessem exigir um consenso de dois terços no Parlamento.
Porque isto permitiria, efectivamente, ajustar caso a caso a decisão maioritária e consensual, em termos de opinião pública e em termos de movimento social do nosso país.
A não se seguir por este caminho de dois terços, que era o caminho inicialmente proposto pelo PS e o caminho que eu também propus, a outra solução seria dizer: para que a nossa economia não fique totalmente sujeita aos riscos da entrada de actores externos, de investimentos externos de tendência crescente, etc, nós devemos acautelar uma área da nossa economia, portanto, nós vamos definir, constitucionalmente, os sectores chave ou sectores básicos ou chamem-lhe o que quiserem, que não poderão ser efectivamente entregues à iniciativa privada. Esse era um caminho possível. É o caminho que aparece na proposta do PRD, que me parece aceitável. Era o caminho que aparecia também na proposta de Sá Carneiro para os anos 80, mas, enfim, eu preferia, por razões de bom senso e de abertura ao futuro, o caminho dos dois terços.
Aquilo que me deixa perplexa é isto: se o PS em 1988 entendeu que este caminho era um caminho possível e insistiu bastante na ideia das leis quadro e desta matéria ser fixada em lei-quadro e, efectivamente, exigiu uma maioria qualificada de dois terços, que mutação é que houve na economia portuguesa ou na economia internacional, nos paradigmas e nos modelos, que levou o PS de 88 para 89 a deixar cair esta ideia e aceitar que isto se deverá fazer por maioria simples? Eu penso que há empobrecimento da proposta inicial.
E esta minha posição não tem a ver com o actual Governo ser este ou aquele, pois qualquer Governo com maioria simples pode nacionalizar ou desnacionalizar, se isto for aprovado na Constituição.
Isto significa, e é isso que eu penso que é negativo para o nosso país, que nós vamos entrar num ciclo em que se houver um governo à direita ele desnacionaliza e, se vem um governo à esquerda ela nacionaliza, e o sector público da economia anda para trás e para diante, sem saber a quantas anda.
Penso que isso é negativo, por muito que eu aceite a liberdade de movimentos, o evoluir das coisas, e a força da vida na alteração da própria legislação e da Constituição.
Seria mais sensato, até porque nós desconhecemos algumas das mutações que estão em curso e que poderão vir a dar-se ainda, que aqui se mantivesse uma exigência básica da regra dos dois terços.

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Estou a usar da palavra neste momento e neste debate, com a consciência muito tranquila, admitindo que a minha intervenção é, provavelmente, inútil e ineficaz, porque as coisas já estão decididas, mas não deixo, por dever de consciência, de dizer aqui que não me parece que a solução encontrada pela CERC, seja a melhor, em termos nacionais.
A proposta inicial do Partido Socialista era mais sensata, e era mais sensata até do ponto de vista da direita, porque, amanhã, o problema põe-se ao invés, poderá haver um governo de esquerda que vai à pressa nacionalizar o que a direita desnacionalizou.
Penso que isto é errado e que nós temos que desligar a evolução dum certo sector económico nacional de conjunturas maioritárias no Parlamento.
A segunda questão que eu queria levantar aqui e tenho pena de que o Sr. Deputado João Cravinho a tenha referido de raspão, mas não a tenha aprofundado, é uma questão que eu penso que mereceria um tratamento constitucional. Essa sim é uma mutação da economia portuguesa do pós - 11 de Março.
O 11 de Março trouxe com as nacionalizações uma «nova classe» - eu não posso chamar-lhe classe, porque não é propriamente uma classe dirigente, mas um novo grupo, podemos chamar-lhe assim - o grupo dos gestores públicos, que é um novo grupo social. Esse é um grupo que tem tido um poder muito superior àquele que, em termos constitucionais, podia ter.
Nós dizemos na nossa Constituição o tempo todo que «o poder económico deve estar subordinado ao poder político democrático». Ora, acontece que o poder económico dos gestores públicos, desde o 11 de Março até à data, não tem sido sempre subordinado ao poder político democrático.
Por razões várias, que numa primeira fase tiveram a ver com a instabilidade do próprio poder político democrático, e com a característica espantosa de o poder do gestor público ser um poder extremamente estável, porque os mesmos são sempre os mesmos. Eram os mesmos, que já eram antes do 25 de Abril gestores das empresas privadas mais importantes, passaram a gestor públicos depois do 25 de Abril pela mão dos vários governos e voltarão a gestores públicos ou então voltarão a gestores das empresas privadas, quando se fizerem as privatizações.
«Os mesmos são sempre os mesmos». Vão adquirindo, assim, uma capacidade de informação acerca de determinados sectores da nossa economia que é muito importante, mas da qual não prestam contas a ninguém.
Aqui é que eu penso que uma reflexão sobre as mutações que ocorreram na economia portuguesa e na forma como foi gerido o sector empresarial do Estado, desde o 25 de Abril, deveria ter trazido com mais riqueza à nossa Constituição alguns preceitos, mas lá iremos quando chegarmos ao artigo 90.°, porque é aí que se trata de formas eventuais do controlo ou de participação na gestão pública.
Mas eu tenho pena de que o Sr. Deputado João Cravinho, ao falar em mutações, não tenha trazido para aqui uma que me parece essencial nesta matéria: é que cada vez mais, Sr. Deputado João Cravinho, é que para mim é uma convicção, cada vez mais me interessa saber, não, o que é que o Estado detém, mas sim, quem detém o Estado.
Essa é que é a questão de fundo que nós devíamos discutir aqui. Quem detém o Estado? Quem manda? Quem tem o poder? Como é que nós vamos impedir esse poder de abusar? Como é que nós vamos impedir esse poder de passar as fronteiras do que é legítimo e do que é razoável? Essa é que é a questão de fundo e essa não foi trazida para aqui. Não transparece no artigo 83.°, passa de raspão do artigo 90.° e penso que há uma certa demissão dos deputados com poderes constituintes neste momento em relação a essa questão.
Os gestores públicos são, de facto, uma «espécie» com muito poder no nosso país, e assim deveriam merecer algum tratamento e alguma reflexão, afim de impedirmos os abusos que têm sido cometidos.
Eu termino, Srs. Deputado, dizendo que vou manter a minha proposta, relativamente ao artigo 83.° , no que diz respeito à exigência dos dois terços, e tenho pena que nesta matéria o esforço que foi feito para retirar uma barreira, que eu também acho uma barreira inútil actualmente existente nesta Constituição, não tenha sido utilizado para se encontrar soluções que dessem mais garantias para o futuro.
Não podemos pensar que o actual Governo tem tudo na mão; nós temos é que garantir o futuro dos próximos governos, que poderão ser muitos na vigência desta Constituição.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedidos de esclarecimentos os Srs. Deputados Nogueira de Brito, Assunção Esteves, José Magalhães e António Vitorino.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.a Deputada Helena Roseta: Não há dúvida de que as soluções de compromisso são as mães de todos os vícios e esta está a engendrar aqui uma teia de contradições verdadeiramente horrível.
Primeiro, foi o Sr. Deputado João Cravinho que justificou demais, revelando depois o que queria. Agora é V. Ex.ª a cair em contradições espantosas.
Desculpe, Sr.a Deputada Helena Roseta, tenho muito respeito pela sua inteligência e pela coragem com que intervém na Assembleia, mas não posso deixar de o salientar.
V. Ex.ª concordou com a argumentação do Sr. Deputado João Cravinho, aplaudiu-a mesmo - expressamente falou nisso. Porém, como é que V. Ex.ª retira essa conclusão? A Sr.ª Deputada reconhece que este sector público é o resultado de uma opção não racional, tomada em determinado momento e que hoje se não justifica - todos o reconhecem -, mas quer mante-lo preso a essa necessidade da maioria de dois terços para desnacionalizar cada empresa.

O Sr. António Vitorino (PS): - Esse «não racional» é excessivo! Falta de conhecimento ontológico...!

O Orador: - Dois terços para cada barbearia, cada tabacaria que está nacionalizada?!

Sr.ª Deputada Helena Roseta, isso é inadmissível! É uma contradição! Essa era a pior das soluções! Era continuarmos agarrados a uma discussão política, de forma a justificar-se, em cada momento, a formação de uma maioria de dois terços para manter o absurdo! É que já todos reconhecemos que é absurdo, que é irracional, que não é eficaz!

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Por outro lado, Sr.a Deputada Helena Roseta, V. Ex.ª avança outro argumento contra o sector público, que é o dos gestores públicos.
Não tenho nada contra os gestores públicos - aliás, fui gestor público até há muito pouco tempo. Mas quanto aos gestores públicos e ao critério da sua designação, os critérios políticos - que o Sr. Primeiro-Ministro conhece tão bem, pois até já fez, em tempos, um artiguinho sobre o assunto na «Revista de Economia» da Universidade Católica -, tudo isso é consequência da existência do sector público.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Não é nada!

O Orador: - Só há uma maneira de pôr termo a essa ineficácia, a esse baralhar de critérios, a esse baralhamento político inevitável que existirá sempre na designação de cargos de tão grande poder, como são os gestores públicos, muitas vezes mais poderosos que os ministros: acabar com a raça das empresas públicas! Não digo dos gestores públicos, coitados, mas acabar com essa raça...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Shelltox!

O Orador: - ..., porque esse acabar significa pôr termo a esse problema!

Portanto, esse foi mais um argumento que a Sr.a Deputada reconheceu existir, pois falou nele, exprimiu-o.
Como é que no fim disto tudo - desculpe-me, mas isto não tem nada de pessoal - V. Ex.ª vai manter a absurda proposta dos dois terços?! Não pode fazê-lo, Sr.ª Deputada Helena Roseta...!
O que era razoável era eliminar este artigo, que é um preceito conjuntural e que não tem a mais pequena razão de ser, Sr.ª Deputada.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso é verdade!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Helena Roseta: Não me vou perder em considerações muito extensas. Queria apenas fazer-lhe duas perguntas.
Em primeiro lugar, gostaria de saber porque é que, sendo a irreversibilidade das nacionalizações consagrada por via de uma maioria simples, a Sr.ª Deputada entende que as reprivatizações hão-de ter de ser objecto de uma alteração por via de uma maioria de dois terços?
A segunda questão que lhe queria colocar é a seguinte: não seria isso uma homenagem à ideia de irreversibilidade que a Sr.a Deputada, exemplarmente e de modo tão feliz, acaba de rebater?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.a Deputada Helena Roseta: Verdadeiramente, é esta a noite das surpresas. Por exemplo,
o CDS, que considera agora tudo absurdo, propôs formalmente, em 1982, que houvesse desnacionalizações como V. Ex.ª hoje propõe, isto é, por dois terços.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Eram outros tempos!

O Orador: - Estão enterrados nos arquivos da CERC os paradigmas de então do CDS. Era o que se podia ir fazendo...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - É evidente!

O Orador: - «Hoje dão-nos um bocadinho, dão-nos a mão, a gente toma a mão; depois dão-nos o pé, tomamos o pé; depois...» Ora, Sr. Deputado Nogueira de Brito, é com isso que estamos preocupados: com essa vossa progressão pelos meandros das empresas públicas e não com boas razões.

Protestos do CDS.

Não desenvolvo mais a imagem, Sr. Deputado Nogueira de Brito, porque V. Ex.ª começa a ficar muito excitado...

Risos.

Sr.ª Deputada Helena Roseta, creio que o problema fulcral foi colocado por V. Ex.ª quando perguntou: como impedir os abusos do poder? O que me pareceu mais impressionante na evolução da posição do PS foi o seu carácter deslizante e a feira de equívocos que a mesma consubstancia.
Em primeiro lugar, os deputados do PS, em particular o Sr. Deputado Almeida Santos em 1987 na Televisão, começaram por inculcar a ideia de que o PS, em matéria de desnacionalizações, só caso a caso as aceitaria, mediante uma maioria de dois terços.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Eu nunca disse isso!

O Orador: - Após isso, foram afirmando que seria através de uma lei-quadro aprovada por dois terços, evoluindo depois para uma lei em que haveriam de constar mais desenvolvidamente as condições, etc. Até que chegaram às condições do acordo, as quais são aquelas que V. Ex.ª aqui cauterizou e que permitem isto e muito mais!
Chamava a atenção de V. Ex.ª - é esta a minha pergunta - para o seguinte: já reparou nas declarações do secretário de Estado do Tesouro, feitas há dias num colóquio sobre privatizações?
Nesse colóquio, Sua Excelência, face à norma que diz que as privatizações se devem, em regra e preferencialmente, fazer por concurso público, disse apenas isto: na segunda fase das privatizações o Governo está a pensar fazê-las por negociação particular. Isto dá uma ideia da boa fé com que o Governo e os Srs. Deputados do PSD encaram esta questão.
O que quer dizer que V. Ex.ª tem duplamente razão ao interrogar-se, preocupada, sobre a questão dos abusos de poder que, em espiral, podem nascer de uma solução deste tipo.
Quanto ao sector empresarial do Estado, gostava de dizer que não somos fixistas.

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O sector empresarial do Estado deve também adaptar-se às circunstâncias, às mudanças, ser reestruturado, para responder melhor às novas situações e para ter em conta muitas das situações que o Sr. Deputado João Cravinho enunciou, em defesa do interesse nacional.
É essa visão dinâmica e moderna que temos e não uma visão estática, fossilizada. Esse é um mito da propaganda do PSD, que procura retratar-nos perfeitamente paraplégicos, com uma incapacidade total de repensar empresas, como forma de tornar mais justificável o verdadeiro saque a que aspira. Mas isso não tem nada que ver connosco; é um mito da propaganda cavaquista!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.a Deputada Helena Roseta: V. Ex.ª fez uma intervenção que, se me permite a sinceridade, tinha destinatário errado. A Sr.ª Deputada Helena Roseta, que acabou por reafirmar a sua adesão à posição inicial do projecto do PS, não devia ter feito a pergunta ao PS, mas ao PSD, no sentido de saber porque foi que o PSD não aceitou a proposta do PS de as privatizações serem feitas de acordo com o regime-quadro aprovado por uma maioria qualificada de dois terços. Ou então devia ter dado ao PS o conselho de não aceitar qualquer Revisão Constitucional, se esse ponto específico não fosse afinal aceite pelo próprio PSD.
Portanto, a resposta que lhe dou é a de lhe devolver a pergunta, endossando-a para o PSD.
Na verdade, foi isso o que o PS disse, através da minha própria intervenção na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e em sede de primeira leitura.
É que anda para aí a circular um papelucho, sobre cuja dignidade moral já a seguir voltaremos a falar, que faz apenas citações...

O Sr. José Magalhães (PCP): - É este o papelucho!

O Orador: - De facto tem autoria! Não esperava tanta espontaneidade na auto-acusação!
Porém, como ia dizendo, esse papelucho não cita nenhuma das intervenções que, em nome do PS, tive ocasião de fazer na primeira leitura na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.

Vozes do PCP: - Isso é ciúme!

O Orador: - O que eu afirmei foi que a proposta do PS visava, claramente, subordinar as privatizações a uma lei-quadro aprovada por uma maioria qualificada de dois terços na Assembleia da República. Isto porque, com esse mecanismo, entendíamos garantir a natureza consensual dos elementos fundamentais do regime-quadro das privatizações.
Aliás, não era só a nossa voz que se erguia nesse sentido. Também a Confederação da Indústria Portuguesa apoiava a ideia de que o regime-quadro das privatizações fosse objecto de uma lei aprovada por maioria de dois terços. E que, sendo uma lei estruturante do sistema económico, ela deveria contar com um apoio alargado e consolidado na Câmara.
Por conseguinte, a proposta não apontava para que cada privatização tivesse que ser aprovada por dois terços, não descia à regulamentação exaustiva do regime das privatizações, mas era um regime-quadro sobre os princípios fundamentais.
O PSD defende uma coisa diferente, já que advoga uma lógica adversatorial do processo das privatizações. Por isso e como é natural, o PSD terá de se responsabilizar pelo facto de colocar ao arbítrio da alternância democrática a mudança do próprio regime-quadro das privatizações.
Assim e como já referi, essa pergunta não deve ser dirigida ao PS, mas ao PSD.
Finalmente, Sr.ª Deputada Helena Roseta, gostaria de tecer um último apontamento.
Creio que a norma transitória do acordo PS/PSD é clara quando estipula que a regra é o concurso público, constituindo a negociação por acordo particular a excepção.
No entanto, se é verdade que, em certas circunstâncias, o acordo particular pode ser uma forma de garantir a protecção dos interesses nacionais num processo de privatizações - ainda veremos talvez o PCP a reivindicar o acordo particular em alguns casos de privatizações -, é bom não esquecer que o acordo particular, porque permite estipular condições especiais do uso das acções a privatizar, pode inclusivamente ser uma forma de garantir a contratualização entre os adquirentes privados e o Estado quanto ao controlo ou ao destino de sectores vitais de uma empresa privatizar.
Portanto, não é susceptível de ser criada uma mistificação sobre os malefícios do ajuste directo, porque o ajuste directo até pode, em certos casos, ser uma forma de defender não só os interesses nacionais, mas também o interesse do Estado nas próprias empresas a privatizar.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Helena Roseta, como sabe esgotou o seu tempo. Porém, como a partir de amanhã, conforme ficou decidido em reunião de líderes, a Sr.a Deputada passa a dispor de tempo...

O Sr. António Vitorino (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, cedemos à Sr.* Deputada Helena Roseta três minutos para responder, uma vez que seria de uma deselegância total ter-lhe feito perguntas e não lhe ceder tempo para que possa responder.

O Sr. Presidente: - A Mesa agradece a ajuda, mas na realidade, a Mesa também ia decidir dar algum tempo à Sr.ª Deputada.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, é igualmente para informar a Mesa que daremos à Sr.ª Deputada o tempo necessário para responder ao pedido de esclarecimento que lhe foi formulado pela nossa bancada.

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O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, é para anunciar que, em matéria de tempo, estamos igualmente disponíveis para a cedência do tempo necessário e adequado para a resposta à pergunta que formulei.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, também estamos disponíveis, mas não igualmente. É que temos muito pouco tempo e, portanto, esperamos que a Sr.ª Deputada Helena Roseta saiba distribuir com justiça social a utilização dos tempos dos outros.

Risos.

O Sr. Presidente: - Sr.a Deputada, como vê, pode contar com a generosidade de todas as bancadas, incluindo da Mesa, para poder responder.
Tem então a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Helena Roseta (Indep): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Realmente há momentos em que ser deputada independente é particularmente agradável.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, enquanto o ouvia estava a lembrar-me que no dia 12 de Março de 1975 cheguei a casa muito tarde - quatro ou cinco horas da madrugada - e tinha à escuta da rádio uma empregada doméstica que tomava conta das minhas filhas - uma pessoa de idade, alentejana - e que estava muito a alarmada com o que se estava a passar.
Então perguntei-lhe: - Sr.ª Catarina, então ouviu a rádio?
Ela respondeu-me: - Ouvi, sim, senhora.
Voltei a perguntar: - Então ouviu aquilo das nacionalizações?
Ela tornou a responder: - Ouvi, sim, senhora.
- Então o que é que acha? - perguntei.

Resposta dela: Oh menina, eu não sei o que isso é, mas feito às três da manhã não deve ser coisa boa...!

Risos.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Deputado, evidentemente que em períodos revolucionários as coisas acontecem sob pressão dos acontecimentos - ainda bem que assim é, porque senão também não havia revoluções. Porém, o que acontece é que depois o mais difícil é fazer o enquadramento legal, de uma forma correcta, daquilo que foi conseguido durante uma revolução. De qualquer forma, é um facto que sem revoluções não se deitam abaixo poderes abusivos como os que existiam no nosso país antes de 1974, sendo que, depois da revolução, somos nós os responsáveis por conseguir estabelecer os novos poderes.

Quando o Sr. Deputado Nogueira de Brito diz que não compreende como é que da argumentação que produzi retiro a minha conclusão, o que se passa é que

o Sr. Deputado está noutro ponto de vista e por isso não compreende. Porém, é muito fácil.

Então se eu acho que não há coisas irreversíveis e fixas, é razoável que eu diga: vamos mudar. Contudo, como também acho que ao mudar corremos riscos de permitir que haja abusos, parece-me, do meu ponto de vista, razoável dizer: vamos mudar com condições.
Ora, a condição é exigir uma maioria qualificada. Isto porque uma maioria qualificada ultrapassa os limites de um só partido e, portanto, para haver acordo entre dois terá de haver necessariamente algo mais do que aquilo que é a posição ideológica de um partido só. Esta a razão principal.
Também lhe queria dizer que o Sr. Deputado tem evidentemente razão quando diz que poderia ser uma sobrecarga para o trabalho parlamentar estarmos aqui a decidir, caso a caso, por dois terços. No entanto, não vejo que isso fosse muito grave, por que nós discutimos, por vezes, coisas tão pouco relevantes que não parecia muito grave que discutíssemos aqui, caso a caso, as desnacionalizações.
De qualquer modo, se isso incomoda alguém, não tenho dúvida nenhuma - e fá-lo-ei com gosto - em retirar a proposta, tal como estava redigida, e apresentar uma proposta nova, que passarei a expor.
Assim, ficará exactamente o texto que se encontra na proposta da CERC, com a diferença de, em vez de maioria absoluta, se estabelecer uma maioria qualificada de dois terços, manter-se-á assim o espírito da minha proposta com esta alteração, pois desta forma é mais simples para não estarmos a comparar textos diferentes.
Finalmente, quanto à questão dos gestores públicos, estava a lembrar-me de uma peça de teatro representada pela «Cornucópia» e que tinha um título muito engraçado: «E não se pode exterminá-los?»
Realmente não quero exterminá-los. Bem pelo contrário, quero que os gestores públicos sejam responsáveis e, por isso mesmo, não defendo o fim do sector público.
O que defendo é, repito, o controlo dos abusos de poder. Esta Assembleia da República tem tido algum papel nisso, ao exigir, de há alguns anos a esta parte, que por exemplo, no Orçamento do Estado seja acrescentada informação sobre o sector empresarial do Estado, com apresentação das contas das empresas públicas. A Assembleia da República tem desempenhado um papel nisto, mas é insuficiente.
Portanto, acho que deveriam estar cá mais exigências constitucionais, mas isso ficará para o artigo 90.°
Quanto à pergunta da Sr.a Deputada Assunção Esteves, não tenho dúvida nenhuma em dizer que estou absolutamente de acordo em que os dois terços tanto deveriam vigorar para a nacionalização como para a desnacionalização. Só que para a desnacionalização não há qualquer exigência em termos constitucionais - a lei dirá como é. Nessa altura ponham os senhores na lei que é por dois terços, que eu estou inteiramente de acordo - não tenho qualquer dúvida sobre isso, pois acho que o critério deve ser o mesmo -, aliás, pela mesma razão, ou seja, uma razão de bom senso ou de senso comum, de que já Churchill dizia que «o senso comum é o mais raro dos sensos». Em todo o caso, dois terços dão-me mais garantias de senso comum do que apenas uma maioria simples.

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Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado José Magalhães, não ouvi as declarações do Sr. Secretário de Estado, mas a questão do abuso do poder preocupa-me sobremaneira. Aliás - perdoar-me-á que lhe diga -, preocupou-me sempre. Daí que eu tenha um percurso político por vezes bastante polémico.
Na verdade, cada vez que adiro a uma determinada posição ou força política e ela começa a ter algum poder e a abusar, sinto-me em conflito com essa mesma força - já me aconteceu muitas vezes.
Portanto, aqui estou novamente a perguntar ao grupo parlamentar com o qual tenho tido excelentes relações, por que razão é que mudaram de posição.
Não acho que tenha sido uma abuso de poder. Porém, acho que foi talvez uma cedência desnecessária.
Termino, respondendo ao Sr. Deputado António Vitorino, que afirmou que o destino da minha mensagem é errado. Ora, eu já tinha dito, em tempos, em reunião do PS preparatória da Revisão Constitucional, que pessoalmente não votaria a Revisão Constitucional se a questão dos dois terços fosse perdida no decurso do debate. Tinha-o dito e estou à-vontade para o repetir aqui, até porque o meu estatuto de independente me permite votar em sentido diverso do grupo - isto foi garantido à partida.
Seja como for, termino a minha resposta insistindo num facto com que iniciei as minhas intervenções de hoje: ninguém tem a verdade absoluta - nenhum deputado, nenhum partido, nenhuma comissão. Eu preferia dois terços a uma maioria simples, pois isso dava-me mais garantias.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos encerrar a sessão...

O Sr. Almeida Santos (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado, pretende interpelar a Mesa?

O Sr. Almeida Santos (PS): - O Sr. Presidente disse que ia encerrar a sessão, não disse que ela estava encerrada.
Assim, pretendia defender a honra de todos aqueles que estimam a verdade. Como sou um deles, também é a minha honra que defendo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando cheguei aqui, foi-me entregue pelo Sr. Deputado José Magalhães - pelo próprio, pois não sei se é o seu autor - um papelucho qualquer em que havia alguma transcrição de passos de milhares de páginas das actas da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.
Achei de mau gosto, achei desonesto, achei que tinha até um aspecto quase próximo da denúncia, mas não liguei importância.
Porém, quando o Sr. Deputado José Magalhães aqui acabou de afirmar que eu disse na comissão que defendíamos como necessária uma lei para cada desnacionalização ou reprivatização, o caso tornou-se mais grave isto pela simples razão de que o papelucho distribuído pelo Sr. Deputado José Magalhães diz exactamente o contrário.
Quanto ao que eu disse na comissão, que transcreve o papelucho, a redacção que aqui está, embora admita que possa conter alguma ambiguidade, não continha uma ambiguidade que pudesse razoavelmente resolver o sentido do caso a caso, já que uma lei é uma lei e as leis não são casuístas.
Depois, dizia o Sr. Deputado José Magalhães: Mas podem sê-lo!

Eu respondi: - A lei tem sempre a característica da generalidade. A interpretação normal do que está aqui não é o caso a caso, mas para todos os casos. É uma lei-quadro, ainda para mais.
Portanto, tenho de admitir que o deputado José Magalhães, embora tenha sido ele a distribuir o papel, não o leu! Não o leu agora e a memória nem sempre funciona, uma vez que referiu agora aquilo que vem da memória do que se passou na comissão e não de uma leitura recente do que eu terei lá dito.
Nestes termos de se assim é, é evidente que é apenas aquele cheirinho a denúncia que referi no primeiro momento da minha intervenção. Contudo, se leu e sabia que estava a dizer o que não estava no papelucho, então é diferente, pois tem já ingredientes de intriga e eu não espero isso do Sr. Deputado José Magalhães.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Almeida Santos: Fico um pouco surpreendido com a reacção do Sr. Deputado Almeida Santos, porque isto quer dizer que o Sr. Deputado, para além do mais, não ouviu bem, certas coisas que foram ditas e que constam da acta.
Assim, aquilo que consta da acta foi aqui dito por mim há poucos minutos. De resto, não tem que ver com o dito «papelucho», que V. Ex.ª tanto detesta. Aliás, também já é embirração de V. Ex.ª pois o «papelucho» até me parece simpático.

O Sr. António Vitorino (PS): - É só falta de dignidade!

O Orador: - É simpático do ponto de vista do conteúdo e do ponto de vista daquilo que ele antologia, pois o que ele revela andava lá perdido pelas actas da CERC, que são monstruosamente grandes.
O que eu disse foi que, em torno do conteúdo da proposta do PS se estabeleceu, no início do processo de Revisão Constitucional, uma grande confusão.
Essa confusão foi muito grande porque, como V. Ex.ª se lembrará, o que o texto do vosso projecto diz é o seguinte: «A reprivatização da titularidade ou do direito de exploração de meios de produção e outros bens nacionalizados depois de 25 de Abril de 1974, só poderá efectuar-se nos termos de lei aprovada por maioria qualificada de dois terços dos deputados em efectividade de funções.»
V. Ex.ª participou num debate televisivo com o meu camarada Carlos Brito, nesse mês de Outubro de 1987, durante o qual a questão se colocou. Porém, nessa altura, V. Ex.ª não foi nada peremptório quanto à descodificação do que isto quisesse dizer.

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Há gravação desse debate, a qual não consta desse «papelucho», mas consta dos arquivos da RTP. De resto, consta da memória de todos nós e também da memória de V. Ex.ª
O Sr. Deputado Almeida Santos não terá dificuldade em reconhecer, séria e calmamente, que dizia isso no início do processo de Revisão Constitucional...

O Sr. Almeida Santos (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Almeida Santos (PS): - O Sr. Deputado pode responder pela sua memória, mas não responda pela dos outros.
Com efeito, mostro-lhe um papel de agora, que o Sr. Deputado tinha obrigação de ter lido hoje, e V. Ex.ª apela para a minha memória acerca de um facto que se passou há um ano...
Eu não lhe posso dizer o que é que disse há um ano - não tenho essa retenção de memória!

O Orador: - Mas tenho eu, Sr. Deputado!

O Sr. Almeida Santos (PS): - Bem, tem, mas como vê, não tinha! Porque então dizia que eu tinha dito há um ano - se é que disse, o que eu não aceito...

O Orador: - Mas foi isso que eu disse Sr. Deputado! V. Ex.ª é que confundiu as minhas palavras com o papel que o está a obcecar!

O Sr. Almeida Santos (PS): - Então tinha obrigação de dizer que, na comissão e segundo o papel que distribuiu há pouco, o que constava desse papel era o contrário do que eu tinha dito na televisão! Ao menos que dissesse isso!
No entanto, o Sr. Deputado não disse isso! O Sr. Deputado afirma que eu disse determinada coisa, tendo até distribuído um papel, inclusive a mim, onde por acaso digo o contrário!
Desculpe, mas isto é falta de lisura na fundamentação das próprias afirmações!
Ao menos que tivesse dito que na televisão eu tinha dito uma coisa e na comissão outra! Pronto, era a sua memória contra a minha!
De todo em todo, não me lembro do que disse na televisão, embora não costume dizer uma coisa num lado e dizer outra noutro lado. De qualquer modo, se o Sr. Deputado afirma que isso está no registo, pois assim é fácil ter razão - não posso desmenti-lo. Porém, não lhe admito que desminta aquilo que se encontra no papel que o senhor mesmo distribuiu!
Cite as duas coisas e está perfeitamente justificado! Agora, não cite só uma, pois foi o senhor que distribuiu o papel e tinha obrigação de o ter lido - leu-o com certeza e sabe que nesse papel eu digo isto que li agora!
Portanto, não me venha invocar o que terei dito na televisão há um ano! Não me lembro e estranho muito que tenha dito o contrário do que penso e o contrário do que disse na comissão! Mas se calhar até disse - sei lá...

O Orador: - É de facto confusa a posição do PS nesta matéria, Sr. Deputado.
De qualquer modo, com toda a simplicidade e com toda a lhaneza lhe afirmo que as coisas ocorreram como eu disse. V. Ex.ª é que fez uma confusão, a qual acabou de reproduzir e que a leitura da acta permitirá dilucidar para bem-estar de todos nós.
Na verdade, quando referi o debate de Outubro de 1987 na RTP, V. Ex.ª julgou que eu estava a fazer referência a este documento e ao debate da comissão. Mas vamos, então ao debate da comissão!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Vamos é acabar com isto!

O Orador: - O que este documento revela...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já passaram três minutos, mesmo descontando o tempo que o Sr. Deputado Almeida Santos o interrompeu.

O Orador: - Sr. Presidente, eu concluo imediatamente já que não gostaria que, numa matéria desta natureza, persistisse qualquer equívoco com o Sr. Deputado Almeida Santos, sobretudo em questões factuais.
Quanto ao documento que V. Ex.ª criticou Sr. Deputado Almeida Santos, ele encontra-se distribuído, e reproduz o Diário da Assembleia da República n.° 82 (Revisão Constitucional) e é uma montagem da nossa responsabilidade, fiel e rigorosa quanto ao debate. E não admito senão prova em contrário da parte do Sr. Deputado António Vitorino ou qualquer outro Sr. Deputado!
O que esse debate prova é que o Sr. Deputado Almeida Santos julgava que o acordo, em matéria de reprivatizações, garantia que a legislação tivesse, em caso de veto do Presidente da República, de ser confirmada por dois terços, e isso não acontecia!
Foi isso que demonstrei na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e é isso que consta deste documento!

O Sr. Almeida Santos (PS): - Não é nada disso! Não é isso que está em causa!

O Orador: - VV. Ex.ªs tiveram muitas e muito confusas posições sobre esta matéria! A única maneira de se deslindar isso é caso a caso, passo a passo! Se querem fazê-lo, vamos fazê-lo! Há documentos e vamos aos documentos! É isso que é preciso fazer e com os documentos em cima da mesa!
Aceito todos os desafios! Vamos a todos os documentos, a todas as gravações e faço-vos a prova de tudo! Se querem entrar nisso, vamos a isso!

O Sr. Almeida Santos (PS): - Não é isso que está em causa, Sr. Deputado! Não desconverse!

O Sr. António Vitorino (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Vitorino (PS): - Para defender a honra da bancada do PS, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lacão tinha há pouco pedido a palavra para que efeito?

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O Sr. Jorge Lacão (PS): - Para exercer o direito de defesa, nos mesmos termos em que o fez o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O papelucho a que se referiu o Sr. Deputado Almeida Santos e que serviu hoje de instrumento de manipulação pela bancada do PCP, tem, entre outras referências, uma que me diz respeito e que entendo que não devo deixar passar sem o devido protesto da minha parte.
Parece-me legítimo que o PCP utilize toda a veemência de que é capaz e toda a energia que lhe sobra para defender as suas posições. O que já não é legítimo é que o PCP recorra a todos os protestos, inclusive à manipulação de posições alheias, para tentar levar água a um moinho que já é de todo ilegítimo.
O papelucho distribuído acompanhado de algumas fotografias do texto da CERC, elas próprias também manipuladas, citam-se afirmações que aí fiz e que vou voltar a referir.
Disse na CERC, em abono da tese do Sr. Deputado José Magalhães, dirigindo-me directamente a ele, que ele deveria poder provar duas coisas: que as nacionalizações que temos garantem melhor os direitos dos trabalhadores em geral, e ainda que a sua contribuição para a riqueza nacional e para a incorporação de emprego é de facto motor essencial para a garantia dos direitos sociais dos trabalhadores. A seguir, perguntava «O outro lado da questão é o seguinte: garantem as empresas nacionalizadas, pelo simples facto de o serem, um melhor conjunto de direitos de liberdade aos trabalhadores». «Ó problema é outro: - considerava eu ainda - é o de termos de criar condições institucionais e de prática política e social para garantir, com homogeneidade, que os direitos dos trabalhadores, independentemente de titular quem seja o titular das empresas, sejam consagrados». Considera, pois, esta é a questão fundamental - a consagração dos direitos dos trabalhadores em condições de igualdade, independentemente da titularidade das empresas que a eles estejam vinculadas.
Baseado nestas afirmações o Sr. Deputado José Magalhães pôs a circular um texto encimado pela seguinte afirmação: - «Onde o deputado Jorge Lacão descobre historicamente que as desnacionalizações garantem melhor os direitos dos trabalhadores.» Srs. Deputados, por aquilo que acabei de ler, e como se vê, jamais fiz esta afirmação que o Sr. Deputado José Magalhães põe na minha boca.

Risos do PCP.

A manipulação vai a estes limites!
Sr. Deputado, uma coisa é defender a necessidade de se provar que as empresas nacionalizadas só pelo facto de o serem garantem melhor os direitos dos trabalhadores e foi essa a pergunta que lhe fiz -, outra coisa é o senhor colocar na minha boca a afirmação que as desnacionalizações, por si só, garantem melhor os direitos dos trabalhadores. A manipulação vai a este ponto.
Eu tenho direito às minhas próprias ideias e, inclusive julgo ter direito ao erro que eu próprio possa assumir na defesa das posições que entendo. O Sr. Deputado José Magalhães não tem é o direito de me acusar de afirmações que não fiz e colocá-las na minha boca para, assim, provar gestos e atitudes que são apenas dele e da sua bancada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino, para o exercício do direito de defesa.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, reflectindo melhor, este tipo de papelucho do Sr. Deputado José Magalhães merece outro tipo de resposta que não apenas o protesto da minha bancada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, para dar explicações.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, depois das últimas declarações do Sr. Deputado António Vitorino não sei bem o que pensar sobre as intenções da bancada do PS quanto ao dito papel. Creio que não estão a pensar romper o acordo só para nos fazer a desfeita. Também creio que não estão a pensar noutra coisa qualquer que rompa as regras parlamentares.
O que penso é que W. Ex.as não podem imitar os hábitos do Ayatollah e confundir este papelucho com os «Versículos satânicos». Tenham mais calma! Particularmente, o Sr. Deputado Jorge Lacão não tem razão nenhuma, pois disse na CERC, em matéria de privatizações, coisas absolutamente monstruosas. Eu transcrevi, com grande parcimónia, parte dessas declarações, mas elas constam todas do Diário n.° 82 da Assembleia da República nas páginas aqui reproduzidas. Sobretudo, não lhe coloquei na boca coisa nenhuma. Na sua boca coloca V. Ex.ª o que entender e eu não me meto nisso.
Sr. Deputado, limitei-me a fazer uma coisa que se faz, desde há muitos séculos, em toda a parte e que é: caligrafar uma coisa chamada título. Sabe V. Ex.a o que é um título? É, no caso, aquilo em que se resume o conteúdo de um acto infeliz. Um acto infeliz foi aquilo que V. Ex.a fez na CERC naquele dia. Por isso o título dizia «onde o deputado Jorge Lacão descobre historicamente que as desnacionalizações garantem melhor os direitos dos trabalhadores». É uma fornia irónica, como V. Ex.ª bem percebe, porque a resposta séria foi-lhe dada por mim e pelo meu camarada Octávio Teixeira na CERC como se documenta a pp. 2445 e 2442 do Diário citado.
V. Ex.ª acha ilegítimo o uso da liberdade de expressão feita através de documentos que chama de «papeluchos». Queria V. Ex.ª pôr, também, uma rolha no nosso espírito? Pois garanto-lhe que V. Ex.ª não nos põe uma rolha em coisa nenhuma! Os papéis deste tipo, em que se comparam as vossas declarações de antes, de ontem e de amanhã, podem ser livremente feitos. Quanto à reprodução das vossas declarações todas, publiquem-nas VV. Ex.ªs nas obras completas e paguem-nas. Nós não as pagamos!

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está interrompida a sessão, recomeçaremos às 21 horas e 30 minutos.

Eram 20 horas e 30 minutos.

Após o intervalo, reassumiu a presidência o Sr. Presidente» Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 22 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados ficámos, antes do intervalo, no artigo 83.° com inscrições dos Srs. Deputados Costa Andrade e Marques Júnior.
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começou a discussão do artigo 83.° por análise do paradigma económico. Classificou-se o paradigma económico antigo, referenciou-se vagamente um paradigma económico emergente e em nome deste defenderam-se determinadas soluções. A isto foram contrapostos outros paradigmas económicos.
O PS disse, por exemplo, que queria um sector público forte, o CDS defendeu o contrário. A propósito deste artigo foram aqui defendidas diversas concepções de organização económica.
Assim, face ao debate cada vez mais nos reconfortamos na justeza das nossas posições. Na verdade o que aqui e agora precisamos não é tanto de um paradigma económico, pois em vez de um há vários. Do que precisamos é de um paradigma constitucional que viabilize e permita a todos os paradigmas económicos, à medida da sua legitimidade democrática, que tenham a possibilidade de se exprimir.
Isto é, quem afinal de contas, bem vistas as coisas, tem razão era o projecto original do PSD que propunha - há que afirmá-lo com toda a frontalidade e clareza - a eliminação do artigo 83.° Do que se tratava era de abrir a porta ao pluralismo, em dois sentidos.
No sentido activo, de permitir que forças políticas que com as actuais normas constitucionais não podem fazer a livre aplicação do seu programa.
Por outro lado, seria um chamamento à responsabilidade de todas as forças políticas que se louvam de concepções mais intervencionistas, mais planificadoras, mais centralizadoras e que deixariam de ter à sua porta o guarda nocturno em que consiste o artigo da irreversibilidade das nacionalizações. Decorridos quinze anos sobre as nacionalizações, tendo havido governos mais à esquerda e mais à direita, não se operou mais uma única nacionalização. Todas as forças mais propensas ao liberalismo estavam insatisfeitas, enquanto as mais propensas estavam tranquilas, Não era preciso, afinal, fazer socialismo ou intervencionismo, pois eles estavam aí. Com a nossa proposta dava-se esta alteração qualitativa, se ela obtivesse vencimento: todos eram chamados à responsabilidade de assumir consequentemente os seus programas.
Obviamente, não se trata de fazer privatizações ou nacionalizações em sede constitucional. O que se propunha era que, em matéria de privatizações, ficasse um regime paralelo, equivalente ao das nacionalizações. Ainda ninguém disse que, pelo facto de ficar consignada na Constituição - e vai ficar - a possibilidade de fazer nacionalizações, que esta Assembleia já deliberou fazê-las. Com nossa proposta conseguia-se isto e esta coisa modesta: Portugal passaria a estar nesta matéria, em pé de igualdade com os Estados pertencentes ao nosso espaço cultural e jurídico, aos países com que temos afinidades jurídico-constitucionais mais próximas.
É evidente que não podíamos, de forma alguma aceitar uma proposta idêntica à que foi apresentada pela Sr.* Deputada Helena Roseta, no sentido de as eventuais privatizações serem feitas por uma maioria qualificada de dois terços. Isto representaria, segundo o nosso ponto de vista, a total subversão das coisas. Uma Revisão Constitucional, que acontece em circunstâncias históricas espaçadas, exige condições de consenso, um clima e um ambiente próprios, que, normalmente, na realização quotidiana da vida política, não são alcançáveis o quotidiano do político é o do conflito, da oposição e não o do consenso.
De resto, propor a possibilidade de desnacionalizações ou privatizações serem feitas por maioria de dois terços seria a subversão e confusão total da ordem do político e da ordem do jurídico-constitucional, pois para isso qualquer partido precisaria de ser coadjuvado por outros. Então, um ponto fulcral como é o da condução da actividade económica, de que uma força política deve ter a responsabilidade e do seu exercício, ficaria dependente de um clima permanente de Revisão Constitucional e as transformações e mudanças de carácter económico que viessem a operar-se, para além de não serem correctos em termos da legitimidade democrática, não eram adequadas jurídico-constitucionalmente, em termos da responsabilidade.
Entendemos que deve ser à álea do jogo democrático que se deve deixar a possibilidade de conduzir a política económica. Uma álea que só terá contra ela os que já desesperaram de um dia ter acesso ao poder, mas que terá como defensores todos aqueles que sabem que em democracia o poder é transitório, contingente e a regra é a da alternância democrática.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PCP.

O Orador: - O Professor Cavaco Silva é Primeiro-Ministro de um regime democrático que está em alternância. Talvez com o Dr. Álvaro Cunhal, se um dia fosse poder, não tivéssemos alternância.
Srs. Deputados, não se advinha que seja a nossa proposta que obtenha os dois terços, pelo que decorre dos trabalhos da CERC. Por isso, com realismo e pragmatismo retirámo-la. O que fica é uma proposta que, não correspondendo inteiramente ao nosso projecto inicial, é, apesar de tudo, uma proposta que tem a nossa concordância, porque contra tudo o que se disse, a única

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coisa que vai mudar com esta alteração, é o estatuto das privatizações em função do tempo.
Com a aprovação da proposta que se advinha as nacionalizações deixaram de ter esta conotação de irreversibilidade. Esta inovação é profunda e é necessário saudá-la.
Ela significa, em primeiro lugar, que a Constituição da República Portuguesa se vai pôr em consonância com os movimentos culturais actuais, pois ninguém em matéria de representações da História acredita em concepções mais ou menos mais escatológicas a que é co-natural a ideia de irreversibilidade. As grandes filosofias da História demonstraram-se extremamente pequenas no seu narcisismo e a História está cheia de ironia, do riso, do escárnio e da surpresa que vem reduzir ao ridículo todo o narcisismo de períodos históricos que acreditavam, de uma vez por todas, ter captado o sentido da História. Essas preocupações não têm hoje qualquer fundamento cultural. A História é fundamentalmente surpresa e a ideia de irreversibilidade é uma ideia caduca, sem qualquer correspondência à postura actual do homem perante a História e o evoluir dos acontecimentos. Com esta inovação, também o próprio Direito Constitucional português se coloca em consonância com o actual pensamento em matéria de Direito. Hoje entende-se que não é possível fazer do Direito uma questão de verdade. Não há a verdade do Direito. O Direito não é uma questão de verdade ou de contemplação. O Direito não está escrito na natureza das coisas, na ordem natural, nem em qualquer leitura mais ou menos mecanicista, mais ou menos dialéctica. Não é a verdade que legitima; o que legitima é o consenso. Ora, o que vai acontecer é que com esta proposta vamos obter soluções consensuais.
Por todos estes motivos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, daremos o nosso apoio à proposta que vem da CERC e renovamos a retirada da proposta que apresentámos.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Conseguiram o que queriam!

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Mas às vezes não conseguimos!

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Deputado Costa Andrade, por aquilo que V. Ex.a referiu e pela indiciação da votação na comissão da proposta conjunta é de crer que a partir da aprovação do novo texto constitucional tudo seja reversível em matéria de privatizações, reprivatizações, novas nacionalizações e desnacionalizações. Tudo será, pois, reversível. É isso que parece que irá acontecer!
Disse o Sr. Deputado que entende que deve ser a força política dominante em cada momento a responsabilizar-se pela condução económica do País. Até aí parece que estamos de acordo! Porém, também gostaria de saber se o Sr. Deputado não estará de acordo comigo em que, por uma questão de mera lógica neste aspecto da reversibilidade e da irreversibilidade, pode acontecer que, de quatro em quatro anos, ou até menos, mudando a condução dos destinos do País, mudando a força política maioritária, uma mesma empresa possa ser privatizada e reprivatizada, entrando no jogo de «casa, descasa».
Ora, isto que pode ser bom para artista de Hollywood certamente que não será bom para a saúde de qualquer empresa.
Não lhe parece, Sr. Deputado, que, dentro deste raciocínio, a proposta da Sr.a Deputada Helena Roseta - a qual não ouvi apresentar, mas tenho presente - tem uma lógica intrínseca. Ou seja, que se destina a evitar que uma força política possa, não conduzir ou responsabilizar-se pêlos destinos da economia do País, porque isso faz parte da responsabilidade do Governo em cada momento, fazer o que há pouco referi. Não lhe parece que seria mais lógico que existisse uma garantia de maioria qualificada de dois terços quanto à lei-quadro das privatizações, para evitar este permanente «casa, descasa» que acabará com a saúde de qualquer empresa?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Costa Andrade, há mais um orador inscrito para formular pedidos de esclarecimento. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Costa Andrade (PSD): Prefiro responder no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Deputado Costa Andrade, V. Ex.ª tem um grande atributo que é o de normalmente falar claro e dizer exactamente aquilo que quer. É um atributo que faço inteira justiça em reconhecer!
De qualquer forma, ainda na linha da pergunta que o Sr. Deputado Herculano Pombo formulou, gostaria de colocar uma questão muito parecida e que, no fundo, não seria mais do que reafirmar aquilo que o Sr. Deputado Herculano Pombo disse.
O Sr. Deputado Costa Andrade justificou grande parte da sua intervenção com base num pressuposto de alternância, o que me parece ser contraditório porque, com base na regra que defendeu, poderíamos muito bem entrar numa situação em que «ora agora reprivatizo eu, ora agora reprivatizas ou, ora agora nacionalizo eu, ora agora nacionalizas tu».
Como é que o Sr. Deputado entende que é possível conduzir uma política económica, de médio e de longo prazo, num quadro de estabilidade que o PSD defende para este país? Como é que é possível conduzir essa política económica num quadro de uma instabilidade potencial como esta que acabei de definir? Ou será que

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o Sr. Deputado, admitindo essa hipótese da alternância, está perfeitamente convencido de que nunca mais perderá a maioria que hoje tem? Nesse pressuposto, então ainda é muito mais enigmático para mim o acordo celebrado entre o PSD e o PS!
Relativamente ao PSD compreendo o que se passa: VV. Ex.ªs têm o poder, desejam conservá-lo tão longe quanto possível. Porém, em relação ao PS devo dizer que, sinceramente, não o entendo!
Portanto, dentro do quadro destes pressupostos que acabei de expor, gostaria de ser elucidado porque, como referi, o Sr. Deputado fala claro e diz aquilo que pretende.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Carlos Lilaia, em primeiro lugar, gostaria de dizer que me surpreendeu o que V. Ex.ª referiu, pois não tinha de mim essa ideia. Normalmente não consigo obter grande vencimento nas coisas que digo e nunca tinha reparado que fosse muito claro naquilo que defendo. Portanto, compraz-me ouvir a opinião do Sr. Deputado a esse respeito!
Quanto à questão fundamental que colocou - que coincide com a do Sr. Deputado Herculano Pombo - e quando diz acreditar que nós, PSD, iremos perder o poder, apetece-me responder da mesma forma que o fez um ilustre antecessor nosso, que irei citar para não ser abusivo, se é lícito comparar as coisas pequenas às grandes. Assim, disse um dia Almeida Garrett quando lhe perguntaram no Parlamento: «Mas o senhor acredita nisso?» Então, Almeida Garrett respondeu: «Se não acreditasse, fugia daqui não sei para onde!»
Ora, se eu não acreditasse que todo o poder é contingente, fugia daqui não sei para onde porque então já não viveríamos em democracia.
Portanto, creio que todo o poder é contingente, mesmo o poder mais cimentado e mais consistentemente apoiado na consciência do povo português, como actualmente e por feliz coincidência, aconteceu para seu bem.
O Sr. Deputado perguntou se essa irreversibilidade não acabará por ser o «casa, descasa», «privatiza agora, reprivatiza logo». É óbvio que não, Sr. Deputado! Creio que nenhum governo minimamente responsável vai privatizar ou nacionalizar sem juízos correctos de adequação económica, pelo menos os juízos que essa força política no Governo faz, responsabilizando-se, naturalmente, perante o eleitorado. Não creio que o perigo seja esse! De resto, reparem os Srs. Deputados que a possibilidade de nacionalizar existe há quinze anos e nunca ninguém nacionalizou seja o que for.

O Sr. José Magalhães (PCP): - No governo de Sá Carneiro! Esqueceu-se! ?

O Orador: - Não Sr. Deputado, não me esqueci. Estava-me a lembrar neste momento. Aliás, tenho a ajuda sempre preciosa e prestimosa do Sr. Deputado José Magalhães, que é advogado dos pobres e, de vez em quando também é meu advogado. Nessa medida lhe agradeço! Enfim, às vezes vamos comendo umas «sobrazinhas» que sobram da mesa dos ricos.

Risos.

É evidente que não passa pela cabeça de ninguém que o regime que vai ser aprovado seja o do «privatiza, nacionaliza». Não é assim em nenhum país da Europa onde existe um regime jurídico-constitucional como o nosso.
O que queremos, e em boa parte conseguiu-se, com os limites a que fomos obrigados a transigir por exigência do PS, é colocar nas mãos do poder democrático a possibilidade e a responsabilidade, porque a partir de agora há responsabilidade. Ninguém mais vai ser socialista só porque diz que o é, pois vai ter que o demonstrar! Até agora temos vivido num certo estado de graça para os partidos socialistas! É que os partidos que não se reivindicam do socialismo falam em privatizações e querem-nas fazer, e os socialistas estão descansados porque o socialismo está adquirido.
Porém, a partir de agora, como diz a bonita canção brasileira, «vão ter que caminhar de encontro ao vento», porque mais importante do que sentar e conversar à sombra da Constituição vai ser caminhar de encontro ao vento!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, agora é que se compreendem as razões de júbilo do PSD porque sabe que agora o PS tem que caminhar contra o vento, isto é, contra o Professor Cavaco Silva. Isso significa mais trabalho, mais dificuldades para a Oposição e, logo, mais facilidades para o Professor Cavaco Silva. Compreende-se que o Sr. Deputado esteja imensamente sorridente, mas não se percebe por que é que os Srs. Deputados da bancada do PS também sorriem. Serão sadomasoquistas?!

O Orador: - Vê como o Sr. Deputado diz coisas extremamente interessantes!
Apetecia-me dizer o seguinte: não tenho, naturalmente, legitimidade para defender o Partido Socialista, mas não arriscarei muito nem serei abusivo se acreditar que o Partido Socialista também gosta dos desafios.
Penso que o Partido Socialista também se reverá naquele velho aforismo que remonta aos gregos: Kaló esti o Kundunós, «o que é arriscado é que é bonito».

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

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O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta minha intervenção visa tentar justificar a proposta do PRD quanto ao artigo 83.°
Não ignoramos, como aliás tem sido claramente demonstrado ao longo do debate que se tem processado, que o artigo 83.° é, de facto, o nó górdio de muitas destas questões, provavelmente o pólo fundamental da Revisão Constitucional e, por certo, o elemento fundamental no que diz respeito à organização económica da nossa Constituição.
Do nosso ponto de vista, as várias intervenções aqui feitas, quer pelo PS, quer pelo PSD, não só não clarificaram, de uma forma suficiente, este preceito constitucional, como foi introduzida alguma confusão, como aconteceu noutros artigos, igualmente polémicos e importantes, como os da comunicação social e o da saúde. Ou seja, está indiciado no texto da revisão da Constituição relativamente a este artigo, subscrito pêlos dois maiores partidos portugueses, e a verdade é que, sobre o mesmo texto, parecem haver diferentes interpretações, quer da bancada do PS, quer da bancada do PSD. Penso que esta questão não é de somenos importância.
É evidente que não tenho legitimidade - não quero fazer esta descortesia política - para, permanentemente, questionar o Partido Socialista no sentido de confrontá-lo com as suas próprias declarações e posições em relação a esta matéria, a fim de saber se fez ou não um bom «negócio» no que se refere a esta questão, mas a verdade é que as interpretações dadas pêlos dois partidos são muito diferentes. Poderíamos dizer, com alguma lógica, que nos aproximamos da interpretação dada pelo Partido Socialista e nos afastamos da interpretação dada pelo PSD, se tivéssemos - e sublinho este aspecto - que apoiar uma das interpretações.
No caso concreto, não é disso que se trata, mas de o PRD justificar a proposta que apresentou e que altera o artigo 83.°, que diz respeito à irreversibilidade das nacionalizações. O PRD não comunga das opiniões, nomeadamente do PCP, que entende que este artigo deve manter-se exactamente como está, mas é a favor da alteração do artigo.
O PRD interroga-se em saber que tipo de alteração e, do nosso ponto de vista, a proposta da CERC não responde cabalmente a este ponto.
Se me permitem, passo a ler a proposta do PRD. O seu n.° 1 diz assim: «A reprivatização da titularidade ou do direito de exploração de meios de produção e outros bens nacionalizados depois de 25 de Abril de 1974...» Perdão!, estava a ler a proposta do Partido Socialista. Confundi-a, Sr, Presidente, porque o n.° 1 da proposta do Partido Socialista, de facto, aproxima-se muito da proposta do PRD. Corrijo-a, pois. De facto, a proposta que estava a ler não é a do PRD, mas a do PS.
A do PRD reza assim: «A lei define o regime jurídico das empresas do sector público, incluindo o de participação de capital privado e o de alienação de bens.» - pensamos que a proposta do artigo 87.°, a que, em termos de uma certa sistemática, atribuímos esse número, deve ser incluída neste ponto.
Essa proposta do artigo 87.°, cuja epígrafe é «Garantias de propriedade pública», diz o seguinte: «Não podem ser retiradas do sector público as empresas, seja qual for a estrutura que juridicamente revistam, de que o Estado ou pessoas colectivas públicas sejam titulares, na totalidade ou maioritariamente, e que: a) Prestem serviços públicos; b) Se encontrem, de direito ou de facto, em situação de monopólio ou exclusivo ou de domínio do mercado; c) Exerçam actividade em sector estratégico de economia, de qualquer natureza.»
Do nosso ponto de vista, são estes os aspectos relevantes neste artigo, porque todos os outros são remetidos para a lei geral. Entendemos que a maioria de um partido deve ter legitimidade para fazer variar a dimensão do sector público, mas já não entendemos que deva ser uma maioria simples a dispor, a seu bel-prazer, do espírito e da filosofia subjacente ao artigo 83.°
Chamo a atenção da Câmara para a alínea c) da nossa proposta do artigo 87.° (Garantia da Propriedade Pública) que, conjuntamente com o artigo 83.°, substituem o actual artigo 83.° da Constituição e que diz que as empresas que «Exerçam actividade em sector estratégico de economia, de qualquer natureza», não podem ser privatizadas e, mais adiante, dizemos que a definição dos sectores estratégicos da economia requer uma maioria qualificada de dois terços (artigo 171.° n.° 5 relativamente à alínea h) do artigo 167.°).
Aliás, como é do conhecimento dos Srs. Deputados, a proposta «autónoma» do Partido Socialista visa a maioria qualificada de dois terços dos deputados em efectividade de funções para a reprivatização da titularidade ou do direito de exploração de meios de produção e outros bens nacionalizados depois do 25 de Abril de 1974 e, em várias entrevistas, aquando da apresentação dos projectos, foram feitas, por elementos responsáveis do PS, afirmações no sentido de que consideravam que este era um aspecto fulcral e fundamental da revisão da Constituição, no que diz respeito à organização económica.
Nós, PRD, não conseguimos entender que, nomeadamente em sectores estratégicos da economia, não haja uma maioria qualificada de dois terços que os defina e em relação a eles devia ser vedada a iniciativa privada. Aliás - e isso tem sido muitas vezes repetido e eu não vou fazer muita questão, a não ser em termos de recordação -, esta era a ideia do PSD, em determinada altura, e consta do projecto do Dr. Sá Carneiro, quando elaborou o livro «A revisão da Constituição para os anos 80». Isto era praticamente um dado adquirido.
Admitimos, contudo, uma outra proposta, que era a de a maioria de dois terços dos deputados em efectividade de funções poderam constitucionalizar os sectores fundamentais básicos e estratégicos da economia em relação aos quais devia ser vedada a iniciativa privada e que não podiam ser reprivatizados na revisão do artigo 83.°
Admitimos, pois, dois processos: ou estes sectores seriam definidos por uma lei aprovada por maioria qualificada de dois terços ou, então, seriam constitucionalizados.

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Relativamente às «Incumbências prioritárias do Estado», acrescentámos uma alínea em que, mais uma vez, se permitia constitucionalizar, em termos do princípio - e que os deputados de todas as bancadas aceitam - a garantia da não subordinação do poder político ao poder económico. Pensamos que este era um elemento fundamental para garantir esse princípio, que aliás, como disse, todos os Srs. Deputados aceitam, por questão de princípio.
É evidente que os sectores estratégicos da economia podiam ser muitos ou podiam ser poucos, mas a verdade é que para nós não faz sentido que, na revisão do artigo 83.°, nada seja dito quanto a esta questão e que se permita, isso sim, à maioria «laranja», como se ousa dizer - hoje, é praticamente uma expressão corrente e não pejorativa! - fazer o que muito bem entender. Não se diga que o artigo 83.°-A, da CERC, ao constitucionalizar alguns princípios, é uma garantia suficiente. É, de facto, alguma garantia, mas poderia dizer que, se calhar, nem sequer era preciso estar constitucionalizada, porque, se aceitarmos como boas as manifestações teóricas, provavelmente todas elas ou uma grande pane delas seriam consideradas e não haveria necessidade de estarem constitucionalizadas.
Se me permitem, chamo a atenção para um ponto que penso ser caro a todos os Srs. Deputados, mesmo aos Srs. Deputados da maioria ou, principalmente aos deputados da maioria que querem - faço essa justiça! -, pelo menos no campo dos princípios, que a transparência não seja um conceito de retórica mas uma afirmação real, concreta e objectiva. Ou seja, que o concurso público não seja uma regra preferencial, mas uma regra inequívoca; quer dizer, que todas as privatizações fiquem sujeitas ao concurso público.
Recordo aos Srs. Deputados que nem sequer esta garantia está suficientemente constitucionalizada, porque, apesar de se dar preferência à ideia do concurso público, este não está garantido a cem por cento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É evidente que esta nossa intervenção, como disse no início, é feita agora com muito mais preocupações do que seria se não tivesse ouvido as intervenções dos Srs. Deputados do PS e do PSD, porque é manifesto que são diferentes as interpretações dos Srs. Deputados sobre este artigo.
Recordo que o Sr. Deputado João Cravinho - ele não está agora presente e não tive oportunidade de lhe pedir esclarecimentos, quando fez uma intervenção mas, provavelmente, terei oportunidade de pedi-los noutra altura -, nomeadamente neste aspecto em concreto, referiu que é a favor da existência de um sector público forte. No entanto, depois, as conclusões que se tiram de toda a sua análise são conclusões que, do meu ponto de vista - e aqui chamo à colação os meus fracos conhecimentos em matéria de economia, embora esteja a falar mais em termos políticos -, parecem vir um pouco ao arrepio daquilo que são as considerações políticas e teóricas que ele fez relativamente ao enquadramento que justifica, do ponto de vista do PS, a revisão do artigo 83.°
E direi, sublinhando este aspecto para terminar, que as minhas preocupações são agora maiores porque, de facto, dá-me ideia que, depois da entrada em vigor do
sistema e depois das leis-quadro definidas, vamos ter provavelmente o PS a reivindicar nesta Câmara, como têm feito noutros sectores, uma oposição muito grande também neste aspecto ou mesmo, provavelmente, a pedir ratificações do próprio decreto-lei, se é que, relativamente à revisão da Constituição, a Assembleia também tem possibilidades de pedir ratificações - e essa é uma questão que ainda vamos ver em termos da revisão da Constituição, ou seja, como é que esse instituto das ratificações vai ser consignado em termos de Constituição -, mas o que vamos é, provavelmente, ver o PS a dizer «Aqui d'el rei?» ou «não foi nada disso que eu entendi quando subscrevi o acordo com o PSD relativamente a essa questão».
Por consequência, espero que isto não venha a acontecer, o que será um bom sinal, pois quer dizer que o acordo está a ser interpretado pelo PSD na perspectiva do próprio PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Sr. Deputado Marques Júnior, com o devido respeito - que muito lhe tenho - e grande amizade, devo dizer que não percebi muito bem a sua argumentação relativa às alterações do artigo 83.° propostas pelo PRD, ou seja, a argumentação a defender a alteração do artigo 83.°, bem como a argumentação a propósito da alteração do artigo 87.°, também proposta pelo PRD.
Começou V. Ex.ª por dizer que entende que a Constituição não deve ficar como está neste artigo, tendo dito, logo a seguir, que o PRD é a favor da alteração e pôs a si próprio uma dúvida: «Que tipo de alteração?» Estou a reproduzir textualmente as suas palavras e, realmente, gostaria que o Sr. Deputado começasse por explicar porque razão é que está contra o n.° 1 do artigo 83.° da Constituição. É que o PRD diz que entende que a Constituição não deve ficar como está, mas não justifica porquê. Ou seja, por que é que está contra que todas as nacionalizações efectuadas depois do 25 de Abril de 1974 são conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras. E não ouvi, pelo menos neste momento, qualquer explicação sobre a matéria, bem como também não ouvi nenhuma explicação para o facto de anular, pura e simplesmente, o n. ° 2 do artigo 83.°
Mas, mais adiante, o Sr. Deputado refere que, na proposta de alteração do PRD, se diz «a lei define o regime jurídico das empresas do sector público...» e a seguir, no artigo 87.°, por uma questão sistemática no entender do PRD, diz «não podem ser retiradas do sector público as empresas, seja qual for a estrutura jurídica revista».
Afinal, Sr. Deputado, em que ficamos?! O que é que se vai passar em relação ao artigo 83.° e à sistemática do artigo 87.°? Há aqui qualquer coisa que não entendo!
Mas há mais: os Srs. Deputados dizem que não se justifica a alteração do n.° 1 do artigo 83.°, mas,

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depois, na proposta do artigo 87.°, dizem que «não podem ser retiradas do sector público as empresas seja qual for a estrutura que juridicamente revistam, de que o Estado ou pessoas colectivas públicas sejam titulares, na totalidade ou maioritariamente, e que: a prestem serviços públicos».
Sr. Deputado, então as empresas que foram nacionalizadas depois do 25 de Abril de 1974 não prestam serviços públicos?! Nomeadamente, a banca, os seguros, os transportes, os cimentos, etc?! Em que é que ficamos então?! O PRD está contra o n.° 1 do artigo 83.° da Constituição e, mais adiante, no artigo 87.°, vai-nos dizer que essas empresas não podem ser, de maneira nenhuma, passadas para o sector privado?!
Apesar de toda a explicação do Sr. Deputado Marques Júnior, no que diz respeito ao sector estratégico referido na alínea c) do artigo 87.°, que diz «exerçam actividade em sector estratégico da economia de qualquer natureza», gostaria de saber como é que vai ser definido o sector estratégico? O PRD terá de definir claramente quais são as suas posições, uma vez que está frontalmente contra o n.° 1 do artigo 83.°, ou seja, que é contra as nacionalizações depois do 25 de Abril de 1974.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Deputado Marques Júnior, gostaria de colocar-lhe duas breves questões, sendo a primeira a seguinte: no projecto do PRD é definido, quanto ao sector público de propriedade, que «a lei definirá o regime jurídico das empresas do sector público, incluindo o da participação de capital privado e o da alteração de bens», havendo, digamos, uma medida consagrada em termos legais que não implica uma regra de dois terços e que se apresenta como uma medida de grande abertura. No entanto, essa abertura parece, ao menos a uma primeira leitura, ser denegada no disposto no artigo imediato, quando, desde logo, este define quais são as actividades nas empresas que não podem ser retiradas do sector público.
E a minha questão era a seguinte: será que aquilo que se abre de uma forma é imediatamente fechado a seguir? Isto é, as privatizações que são admitidas são imediatamente recusadas? Esta é uma questão que me ocorre pelo seguinte: é que quando se diz que não podem ser retiradas do sector público empresas que prestem serviços públicos, admitir-se-ia, desde logo, a impossibilidade de serem retiradas do sector público, pelo menos a uma leitura imediata - não sei se cuidada, mas o Sr. Deputado di-lo-á -, não podendo ser incluídos para privatização, os CTT, a Rodoviária Nacional, os Caminhos de Ferro, a Marconi, a TAP, etc. Com esta restrição estas empresas não poderiam ser privatizadas. E a seguir, quando se admite a impossibilidade de serem abertas ao mercado as empresas que se encontram em situação de monopólio ou exclusivo domínio do mercado, isso significaria, por exemplo, que a TV, a Siderurgia, os cimentos e a cerveja não poderiam ser privatizados, e na alínea c), quando se define o sector estratégico da economia - critério que, aliás, é de duvidosa clareza dada a sua amplitude - estariam seguramente afastadas da possibilidade de privatização, a Petroquímica, a Siderurgia, a EDP, etc.
Assim, a pergunta que coloco é a seguinte: são permitidas quais privatizações? Depois disto, o que resta?
Uma segunda questão, ainda relacionada com esta matéria, tem a ver com a articulação do artigo 167.° e do artigo 171.° É uma dúvida que tenho, mas o Sr. Deputado esclarecer-nos-á por certo com precisão, pois não há aqui nenhuma exigência de dois terços no que respeita à alínea t) do artigo 167.° do projecto do PRD. Este diz que o «regime jurídico relativo à transferência de empresas de sector de propriedade e aos critérios e modos de indemnização por nacionalização», mas não consigo identificar nenhuma exigência do artigo 171.° da regra dos dois terços. E se assim for - e isso a ser rigoroso -, o discurso da exigência de dois terços com que o PRD acena ao PS teria uma grande falta de credibilidade e de consistência para ser invocado.
No entanto, esta é uma dúvida que tenho e o Sr. Deputado Marques Júnior certamente que a vai esclarecer.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, quase que poderia dizer que, relativamente a muitas das questões que o Sr. Deputado colocou, a resposta estava dada em parte pela intervenção do Sr. Deputado Alberto Martins, o que é verdade relativamente a algumas questões.
Mas, Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, não quero fugir à questão polémica que me colocou e que foi a seguinte: o senhor perguntou-me por que razão é que eu penso que a Constituição não deve ficar como está.
O actual artigo 83.° da Constituição diz o seguinte: « - Todas as nacionalizações efectuadas depois do 25 de Abril de 1974 são conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras.» Não ignoramos que muitas das nacionalizações que foram feitas na sequência do 25 de Abril se justificaram do ponto de vista político e também tiveram, na altura, uma justificação económica, mas admitimos que, hoje, passados estes anos todos, do ponto de vista de uma certa gestão adequada das coisas, isso pode implicar - e não vemos qualquer objecção relativamente a isso, do ponto de vista político - que parte das empresas públicas ou a totalidade das empresas públicas possam ser privatizadas.
Aceitamos com bom critério, em termos conjunturais e em casos específicos estudados caso a caso, o de que uma melhor eficiência na gestão de algumas empresas - não como um princípio universal mas como um princípio estudado caso a caso - pode, em

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termos da economia nacional, em termos de produção e até do desenvolvimento, passar pela própria iniciativa privada e isso pode implicar algumas privatizações.
Deste ponto de vista, estamos com aqueles que entendem que a Constituição não deve ser entendida e perspectivada de uma maneira estática que condiciona aquilo que a cada momento os constituintes podem aceitar e admitir e defendemos que, efectivamente, uma alteração do estatuto do regime jurídico pode encontrar melhores soluções. Ora, deste ponto de vista não ficamos presos a esta situação e pensamos que ela pode e deve ser revista.
Quando o Sr. Deputado me pergunta que tipo de alteração é que propomos, devo dizer que é exactamente essa! As alterações devem ser feitas em termos conjunturais,...

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - O Sr. Deputado Marques Júnior disse que algumas das nacionalizações feitas depois do 25 de Abril se justificavam dos pontos de vista político e económico e, mais adiante, disse que, do ponto de vista da gestão pública, para uma melhor eficiência na gestão das empresas, era preferível privatizar.
Pergunto-lhe, Sr. Deputado: então a má gestão das empresas públicas só pode ser resolvida privatizando--as? Não acha que seria preferível uma melhor gestão mesmo com elas nacionalizadas?

O Orador: - Bom, de facto, podíamos continuar a estabelecer um diálogo profícuo em relação a essa matéria mas, de qualquer forma, a sua pergunta permite-me explicitar de uma forma mais correcta a minha ideia.
Quando disse que as nacionalizações se justificaram de um ponto de vista económico, queria referir-me, fundamentalmente, à ideia da subordinação do poder económico ao poder político e, nessa altura, as nacionalizações tinham, do nosso ponto de vista, essa justificação económica.
Entendo que o critério da gestão não é um critério absoluto, ou seja, Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, que muitas empresas públicas têm sido mal geridas, que têm sido geridas apenas numa perspectiva partidária e que, por vezes, muitas das culpas se imputam à gestão das empresas públicas quando nós sabemos que grande pane dos gestores - e ficam aqui salvaguardados aqueles que têm dado muito de si e que têm sido excelentes gestores, e sê-lo-ão nas empresas públicas ou em qualquer outra empresa - não têm qualificação, não têm capacidade técnica nem conhecem o sector. Aliás, devo acrescentar que, por vezes, é condição básica para ser administrador de uma empresa o facto de ter desempenhado qualquer cargo político relevante no partido A ou B.
Entendemos que este não é o critério correcto de gestão e, mais, até admito, embora tenha mais dificuldades em o provar, que as argumentações políticas que se têm construído relativamente a que tudo o que é público é mal gerido e que toda a gestão pública é má, leva muitas vezes a admitir, sabendo nós como sabemos quem são muitos desses gestores, que muitas vezes as empresas do sector público são mal geridas - e não direi com o propósito de gerir mal, mas apenas por gerir mal - e não dão os rendimentos que deviam dar.
Admito, Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, que, mesmo do ponto de vista da tutela, isto pode ser um argumento que vai favorecer as pessoas que defendem, a todo o custo, as privatizações. No entanto, sabemos que muitas vezes, e de uma forma desajustada do ponto de vista do interesse público e apenas de acordo com interesses particulares e partidários, se impunham regras de gestão e condicionamento às próprias empresas tuteladas que lhes permitia ter uma gestão deficiente, pela qual os próprios gestores não eram os únicos e os principais responsáveis.
Sr. Deputado, refere-se, no artigo 87.° - e o PRD entende que esse artigo tem de ser conjugado com a discussão do artigo 83.° que estamos a fazer -, «(...) seja qual for a estrutura que juridicamente revistam (...)», e lembro-lhe que depois, nas alíneas seguintes, referem-se as empresas que têm essas estruturas, ou seja: «a) Prestem serviços públicos; b) Se encontrem, de direito ou de facto, em situação de monopólio ou exclusivo ou de domínio do mercado; c) Exerça actividade em sector estratégico de economia, de qualquer natureza.»
Ora, poder-se-á perguntar: que sectores estratégicos? Sr. Deputado, os sectores estratégicos a que fazemos referência são os que seriam definidos por maioria de dois terços ou que, em alternativa, deviam de ser, como disse há pouco, constitucionalizados.
Respondendo agora à pergunta do Sr. Deputado Alberto Martins, sem prejuízo de admitir que provavelmente, o nosso projecto possa não estar suficientemente claro ou, eventualmente, ter algum erro, devo dizer-lhe que os dois terços estão consignados não na alínea t) mas na u) do artigo 167.° que diz: «u) Definição dos sectores estratégicos da economia, nos quais é vedado ou limitado o exercício de actividade por empresas privadas ou entidades da mesma natureza.» Depois, no n.° 5 do artigo 171.°, refere-se que esta alínea u), entre outras, «(...) carecem de aprovação por maioria de dois terços dos deputados presentes (...)»
Portanto, não tem a ver com a alínea b) do artigo 167.° «regime jurídico relativo à transferência das empresas do sector de propriedade e aos critérios e modos de indemnização por nacionalização», mas, sim, com a alínea u) deste artigo que se refere aos sectores estratégicos da economia.
Do nosso ponto de vista, isto quer dizer que «o regime jurídico relativamente à transferência das empresas do sector de propriedade e aos critérios e modos de indemnização por nacionalização» deve obedecer à

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lei geral e que fica exclusivamente nos sectores estratégicos da economia, que estão claramente expressos na alínea u) do artigo 167.° e que nós, no artigo 171.°, apresentamos como maioria qualificada de dois terços. Não sei se fui suficientemente claro, mas esta é a minha ideia: se ela não está suficientemente clara, em termos do nosso projecto, é porque houve alguma falha, contudo, creio que não.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Deputado, a alínea 5) do artigo 167.°, a que o senhor se referiu, não está incluída no artigo 171.°, e o artigo 83.° é que faz referência à alínea s), que é o regime de transferência.

O Orador: - Sr. Deputado, neste aspecto faço-lhe essa justiça, pois pode, eventualmente, haver, do ponto de vista da metodologia do nosso projecto, algum erro, contudo creio que não, Sr. Deputado Alberto Martins.
No artigo 167.° dissemos claramente na epígrafe «Reserva absoluta de competência legislativa», o que significa que esta lei tem de ser elaborada pela Assembleia da República, não podendo ser concedida autorização legislativa para a elaboração desse decreto-lei. É, pois, nessa definição dos sectores estratégicos que atribuímos a maioria qualificativa de dois terços.

Vozes do PS: - Mas não é os dois terços!

O Orador: - É os dois terços, sim, Sr. Deputado! Não se deve esquecer que substituímos o artigo 83.° por dois artigos, que são o artigo 83.° (Sector Público de Propriedade) e 87.° (Garantia de Propriedade Pública) onde incluímos os sectores estratégicos de economia.
Assim propomos dois terços para a definição dos sectores estratégicos da economia e não para o regime de transferência.
Parece estar aqui a confusão do Sr. Deputado.
Terei, certamente, de dirimir este aspecto com o Sr. Deputado Alberto Martins em termos pessoais mas, do nosso ponto de vista, ele está claro. Quando chegarmos ao artigo 167.°, o PRD tomará as medidas adequadas para compatibilizar estes dois conceitos, caso eles não estejam claros, pensamos que não é necessário, porque está claramente expresso, em todo o caso veremos esse assunto.

O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Vice-Presidente Maia Nunes de Almeida o favor de me substituir.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.a Deputada Assunção Esteves.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A alteração ao artigo 83.° é um dos momentos mais importantes desta Revisão Constitucional. Em primeiro lugar, porque constitui, dentro do contexto em que se insere e das alterações que vêm sendo introduzidas, uma inteira democratização da Constituição. Esta alteração vem somar a uma Constituição politicamente democrática uma Constituição economicamente democrática e vem, também do ponto de vista político, significar que acabaram os medos e os fantasmas.
O artigo 83.° perpetuava, como preceito constitucional, uma herança da revolução. Tratava-se, afinal de um desígnio consagrado no primeiro Pacto MFA/Partidos, onde se podia ler «a Constituição deve consagrar as conquistas legítimas obtidas ao longo do processo, bem como os desenvolvimentos do programa impostas pela dinâmica revolucionária que, aberta e irreversivelmente, empenhou o País na via original para o socialismo português.»
Era assim que dizia o primeiro Pacto MFA/Partidos e o artigo 83.° da Constituição é o reflexo do conteúdo desse pacto. É, aliás, uma imposição desse pacto e é uma consequência dos condicionalismos e dos medos que efectivamente, também se fizeram sentir na altura em que o pacto se afirmou.
Sequela que é o processo revolucionário pouco justificável que é, à luz dos princípios das economias abertas, o artigo 83.° constituía um verdadeiro espartilho à liberdade económica. Não tinha paralelo nenhum em qualquer Constituição da Europa Ocidental.
O problema que se levanta é o da perplexidade que vem causando, a algumas áreas políticas e alguns partidos, em concreto, a alteração do artigo 83.°, perplexidade que causa sobretudo ao PSD, pelo pudor ou pudor falso, que vem criando um mecanismo que pretendemos introduzir, para efeitos de reprivatizações. Não entende o PSD este pudor! Não entende, em primeiro lugar, porque muitas vozes brandam aqui que seria necessário (ou deveria ser) uma maioria de dois terços para efeitos de reprivatizações.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não há maioria nenhuma.

A Oradora: - Não entende o PSD esta pretenção que é levada aqui, por muitas vozes, ao alto, porquanto a irreversibilidade das nacionalizações foi criada jurídico-constitucionalmente por uma maioria simples.
Não entende o PSD, porque é que um artigo que consagra a irreversibilidade das nacionalizações, por via de uma maioria simples que a aprovou, deverá ser agora alterado, para efeito de reprivatizações, por uma maioria qualificante de dois terços. Antes de mais, criava-se aqui um desequilíbrio formal, do modo de aprovação de dois processos ou de dois fenómenos que se equivalem. E se não se equivalem, é porque alguém entende que privatizar pode ser mais grave do que nacionalizar. Não é o que entende o PSD. E não o entende atendendo, sobretudo, ao facto de que as nacionalizações obedeceram, em primeiro lugar, a um critério político quando foram feitas e não a um critério de racionalidade económica. O exemplo, que uma vez, já dei neste Plenário, é o da própria nacionalização das cervejas.
O PSD não tem medo de dizer que se congratula com o artigo 83.°, na versão que virá a ser introduzida na nova Constituição, saída desta revisão. Congratula-se por várias razões e, em primeiro lugar, porque o artigo 83.°, na redacção que lhe foi dada na CERC, constitui um esquema que se insere no modelo

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adequado à integração europeia, constitui um esquema que condiz com o modelo económico apto à modernização da sociedade portuguesa, coincide com o modelo que se coaduna com a liberdade política constitucionalmente consagrada.
Na verdade, o artigo 83.° permite agora, em conjunto com outras alterações introduzidas, a libertação da sociedade civil e das iniciativas.
A questão que se põe é, portanto, a da leitura das nacionalizações. O que é que significam as nacionalizações, não só no âmbito da economia, mas no âmbito jurídico-constitucional em geral? Significam, para o PSD e têm que, significar, uma concepção do Estado, da sociedade e das relações que se estabelecem entre o Estado e a sociedade. E uma concepção de liberdade, de libertação das iniciativas, de consideração do mercado como podendo ser instrumento de regulação da economia, é uma concepção antiplanificadora e anti-totalizante, que tem a ver com uma leitura quer da economia quer da liberdade política.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: A ideia de irreversibilidade tem, no nosso entender, uma conotação que é dada, um pouco, por uma ideia teórica de fatalidade dialéctica, que nós rejeitamos. O PSD é contra a irreversibilidade, em primeiro lugar, pelas razões que apontou e tendo em conta que o mundo caminha para a frente.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - O Cravinho inspirou muita gente, hoje, nesta Assembleia! Isto é um discurso lógico!

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.' Deputada Assunção Esteves, compreendo inteiramente que V. Ex.ª tenha dito que este é um ponto crucial da Revisão Constitucional. La Polisse o diria, mas todos nós o faríamos também, é facto.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Os foguetes deitam-se amanhã.

O Orador: - Em segundo lugar, compreendo o júbilo de V. Ex.ª, por que sorri amplamente. Infelizmente, tem alguma razão para isso, porque o PS foi decaindo de todas as exigências que tinha nesta matéria e curiosamente entende isso é matéria para riso.

O Sr. António Vitorino (PS): - Rimo-nos de si.

O Orador: - O PS decaiu das garantias que pretendia no início da Revisão Constitucional. Ah! Ah! Ah! Que «imensa piada»!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Com inteligência!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - E o PCP naufragou!

O Orador: - V. Ex.ª nesta matéria apenas introduziu uma questão nova, que foi a alusão que fez a um alegado pudor falso daqueles que exigem dois terços para as desnacionalizações. A partir daí, V. Ex.ª tentou crucificar-me metodicamente. Creio que a meio do discurso perdeu um pouco o sentido da realidade, pois o PSD conseguiu muito mas também, não conseguiu tanto. Falou, a certa altura, da «inspiração antiplanificadora», supostamente alcançada no acordo. Bem VV. Ex.ªs conseguiram dar umas cutiladas no princípio do planemento democrático, mas não conseguiram eliminá-lo. Portanto, V. Ex.ª acelerou demais; conseguiram muito, mas não chegaram a esse ponto. Têm que conter-se um pouco.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Mantém-se uma ideia de planeamento, o que não se mantém é uma ideia de planificação, no sentido que isso tem, o que é diferente, como o Sr. Deputado sabe.

O Orador: - Mas, Sr.ª Deputada, creio que V. Ex.ª já teve ocasião de se aperceber desde 1976, mais ou menos (que é a altura em que pode ter começado a ler a Constituição), de que, na Constituição da República Portuguesa, não está consagrado um mecanismo de planeamento de tipo central, como, por exemplo, o existente na União Soviética. Em determinada fase, o nosso mecanismo de planeamento foi decalcado de certas experiências europeias, sobretudo a francesa...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Ah! Terminou a frase!

O Orador: - Toda a gente sabe isto! Só os propagandistas do mais baixo coturno é que erigem esse fantasma enorme do plano tipo Gosplan para, a seguir, assustadíssimos com o fantasma que criaram, dizerem: «É preciso destruí-lo e derrubá-lo».
Mas voltemos à questão dos dois terços: V. Ex.ª foi longe demais. Agora já se corrigiu, já se conteve, já está na altura adequada.
Vamos então discutir a questão dos dois terços.
Dois terços porquê, Sr.ª Deputada Assunção Esteves? Muita gente respondeu a esta pergunta e vou-lhe responder também, humildemente.
Qual é a lógica?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - A lógica é a da batata!

O Orador: - A lógica é a de que se «trata de decisões de maior transcendência para a vida política portuguesa e as privatizações devem ocorrer num quadro definido por um amplo consenso. A questão fundamental, que está subjacente às privatizações, é a da independência do poder político face ao poder económico e a forma como as privatizações forem feitas é extremamente importante para se saber se elas foram conduzidas pelo poder político de maneira totalmente independente em relação aos lobbies económicos ou se, pelo contrário, houve cedências inadmissíveis num Estado de Direito Democrático, como é o nosso».

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O Sr. António Vitorino (PS): - Muito bem!

O Orador: - Aqui está uma boa resposta! E sabe de quem é esta resposta? É do deputado que, agora mesmo, disse «muito bem» e que se chama António Vitorino. Noutro tempo...

O Sr. António Vitorino (PS): - Continuo a defender isso!

O Orador: - ... em entrevista ao «Tempo», do dia 28 de Janeiro de 1988. Entretanto, o que é que aconteceu? O PS decaiu!!!
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente, Maia Nunes de Almeida.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Como me alteraram completamente o esquema, tenho agora 27 minutos para os «chatear» a todos! Todos, não escapa nada! E como o PCP tem 72 minutos e o PSD 180, amanhã, às sete da manhã, ainda estamos todos aqui!

O Sr. António Vitorino (PS): - Não se preocupe!

O Orador: - Eu não, Sr. Deputado António Vitorino. V. Ex.ª não é capaz de me «chatear». Só me «chateou» quando, em 1988, no dia 31 de Julho, dizia que «o projecto do PSD era moderado, sério e empenhado». Aí é que fiquei francamente preocupado com o Sr. Deputado António Vitorino! Por agora, vamos aceitando as suas chalaças pós-jantar.
Sr.ª Deputada Assunção Esteves, gostei de a ouvir, mas fiquei um bocado assustado.
Creio que seria conveniente que não ficasse tão assustada como ficarei amanhã, quando for rever o borrão desta sessão, porque V. Ex.ª falou em fantasmas, em medo, em espartilho, em pudor falso e, mais, o que é mais grave, em herança da revolução.
Sr.ª Deputada, não pensa que o facto de estarmos aqui, em democracia, a discutir estes e outros assuntos, é realmente uma bela herança da revolução?
V. Ex.ª diz que um dos momentos mais importantes da revisão é a discussão do artigo 83.° É evidente que o propósito de destruir pilares em que assenta a organização económica democrática, implantada depois do 25 de Abril, está perfeitamente patente, quer no projecto do PSD, quer nas declarações da Sr.a Deputada Assunção Esteves.
V. Ex.ª consegue dizer que é uma herança da revolução, um reflexo condicionado do MFA, fala nos condicionalismos, em pactos do MFA-Partidos e coisas deste género. E depois diz, mais adiante: agora é que vai haver uma inteira democratização e, como diz o Sr. Deputado José Magalhães, até falou na acção planificadora desta Constituição, embora tenha vindo, a seguir, com uma explicação que amanhã terei em atenção, tentando compreender o que quis dizer com essa sua justificação.
Sr.ª Deputada, é evidente que, em nosso entender, toda e qualquer nacionalização, assim como o processo de nacionalizações, é irreversível; o que é que nos tem a dizer e o que é que pensa, Sr.a Deputada, sobre os sectores estratégicos da economia portuguesa? Devemos ou não devemos defendê-los?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Nada! Já disseram!

O Orador: - Como é que eles devem ser definidos? Há momentos o Sr. Deputado Marques Júnior tentou defini-los, mas eu gostaria, Sr.a Deputada, de lhe perguntar: será que o PSD não tem nada a dizer sobre o sector estratégico da economia nacional? Será que é tudo privatizado de qualquer maneira, Sr.a Deputada?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Há maneiras e maneiras!

O Sr. José Magalhães (PCP): - É como calhar!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.a Deputada Assunção Esteves.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto à pergunta posta pelo Sr. Deputado José Magalhães, que não foi propriamente uma pergunta mas mais uma observação feita na sequência da minha intervenção, eu queria também fazer um comentário.
O Sr. Deputado parece evoluir no contexto da discussão em Plenário porque, no âmbito da comissão e no âmbito das propostas de alteração ao artigo 83.°, o PCP não apresentou nenhuma proposta de alteração e, sem querer, não sei por que processo mágico, o Sr. Deputado José Magalhães quase aparece a defender já a maioria de dois terços.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

A Oradora: - Não é exactamente isso que estava na proposta originária do PCP, que nada propunha.
Quanto às perguntas do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, eu gostaria de dissecar a sua intervenção e responder clara e concretamente a cada uma das perguntas. Assim, em primeiro lugar, relativamente ao problema da herança revolucionária, o Sr. Deputado pergunta-me se estou contra a herança revolucionária e eu digo-lhe que, relativamente ao autor da herança, acho que veio por bons ventos, visto que o 25 de Abril foi uma condição essencial, necessária e determinante de liberdade, mas eu tenho o direito, digamos, de repudiar uma parte da herança que o autor me deixou.
Relativamente ao artigo 83.°, quando o Sr. Deputado pergunta se o PSD não irá considerar o sector chave da economia, digo-lhe Sr. Deputado, e o Sr. Deputado compreenderá bem a leitura do artigo 83.°, que ele não exclui, obviamente, a possibilidade de manter ou introduzir, no sector público nacionalizado, aspectos centrais da economia, isto em termos de sector chave. A letra da norma não exclui nem impõe uma reprivatização cega e obviamente que o método que haveremos de seguir, à luz do artigo 83.° que resultará desta Revisão Constitucional, não será o método cego que levou às nacionalizações. Isto é, será um método de reprivatização orientado por critérios racionais da economia, por critérios de racionalidade económica, será um método ponderado, não será um método cego, absoluto, excessivo como o que levou ao processo das

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nacionalizações. Não usaremos o mesmo método que foi usado para o resultado que o Sr. Deputado aqui defende e, por isso, posso dizer-lhe que deve ficar descansado.

Aplausos do PSD.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Vocês fazem-me lembrar os marretas!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Mas marretadas vão levar vocês!

Risos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate que se tem processado sobre o artigo 83.° tem sido bastante rico e, como diz o Sr. Deputado Narana Coissoró, suculento, principalmente em duas vertentes: na vertente do Partido Socialista, que conseguiu aumentar ainda mais as nossas perplexidades, e na vertente do PSD, que tentou lançar a maior das confusões nesta Casa, sobre a alteração indiciada para o artigo 83.°
Quem hoje estivesse menos atento aos debates que se travaram, teria chegado a esta conclusão: nesta Assembleia da Republica, hoje, apenas o CDS não pugna por um sector público da economia bastante forte.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Musculado!

O Orador: - Disse-o designadamente o Partido Socialista e disse-o, estranhamente, o Partido Social--Democrata, pela voz do Sr. Deputado Rui Machete. Aliás, com mais matiz, menos matiz, isso foi, ao fim e ao cabo, também repetido pêlos Srs. Deputados Costa Andrade e Assunção Esteves.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Isso é outra coisa!

O Orador: - O PSD quer, de facto, um sector empresarial do Estado forte... simplesmente não quer assegurar que haja empresas públicas para garantir esse sector empresarial do Estado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ora aí está!

O Orador: - Aliás, qualquer dos Srs. Deputados, face a esta tentativa de lançar a confusão, logicamente, no meio do discurso, teve de meter as mãos pêlos pés, como sói dizer-se, teve de cair em contradições.
Dizia o Sr. Deputado Rui Machete: «É preciso destruir a barreira do artigo 83.° para que a enxurrada nos inunde.» Mas ele «quer» manter o sector empresarial do Estado «forte»! Mais claro ainda foi o Sr. Deputado Costa Andrade: «É preciso eliminar os guardas nocturnos da Constituição, é preciso, designadamente, eliminar o guarda nocturno das empresas nacionalizadas; eliminem-se os guardas nocturnos para que o assalto às residências possa ser mais fácil, mais rápido e não possa ser punido.»

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Quem é que reside lá, quem é?

O Orador: - Acabar com a irreversibilidade das nacionalizações? É uma coisa simples, natural, não tem nada de complicado, nem tem nada de perigoso, porque não se trata de fazer privatizações. As privatizações virão depois de se acabar com a irreversibilidade das nacionalizações, virão depois da aprovação da proposta assinada conjuntamente pelo Partido Social--Democrata e pelo Partido Socialista.
A questão da afirmação, repetida por parte da bancada do PSD, de que não se está aqui a propor que se façam privatizações, merecer-me-ía uma resposta para a qual eu recorro a textos de outras pessoas...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É o oitavo acto!

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Não, é o quinto!

O Orador: - ... uma resposta que poderia ser deste género: «Não levam a possibilidade da irreversibilidade das nacionalizações porque os partidos da maioria, nomeadamente o PSD, já nos convenceu, bem ou mal, que são mesmo contra a existência de um forte sector público. Parece-me que se queriam, na verdade, convencer-nos de que esta proposta não se dirige à destruição ou sequer ao amolecimento ou redução de um sector público forte, teriam então de, anteriormente, não ter tomado algumas atitudes que tomaram, dirigidas exactamente ao enfraquecimento desse sector» - palavras actuais, estas...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Quem o terá dito?

O Orador: - «Os objectivos do Governo e do PSD são claros e manifestos; a prática política do PSD em relação às nacionalizações é clara, manifesta e indesmentível.» Estas palavras foram ditas por um deputado do Partido Socialista e registadas precisamente em 1982, quando se discutia a revisão da Constituição. Já se sabe, porque já tive oportunidade de fazer outra referência deste teor, que foi do Sr. Deputado Almeida Santos o autor destas palavras...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É o Antigo Testamento!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Desta vez é em 1982!

O Orador: - Dizia mais um deputado da bancada do PSD, o Sr. Deputado Rui Machete, que hoje esteve manifestamente feliz nas afirmações que fez sobre esta matéria:...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Diga isso sem gestos!

O Orador: - ... «Nós queremos grupos empresariais privados e públicos.» Perfeito! Esqueceu-se apenas de completar a frase: «Queremos grupos empresariais privados e públicos, mas que os grupos privados sejam constituídos à custa dos grupos públicos, que deixarão de existir.»

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O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - E os públicos foram construídos à custa de quem, meu caro amigo?

O Orador: - É, de facto, isso que está em causa!

A tentativa de lançar a confusão não ficou por aqui. A Sr.a Deputada Assunção Esteves referiu que esta alteração ao artigo 83.° constituiria «a inteira democratização da Constituição...»

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Essa é que vos dói!

O Orador: - ... quando afinal é claro e manifesto que a alteração indiciada para o artigo 83.°, a eliminação da irreversibilidade das nacionalizações, que visa as privatizações - muitas e em força -, visa, ela própria, reduzir o conteúdo substancial da democracia constitucional, entendida nas suas vertentes política, económica, social e cultural. Mais uma vez a Sr." Deputada cai no erro, desculpe que lhe diga, de confundir ou reduzir o conceito de democracia apenas à democracia política.

Vozes do PSD: - Isso não é verdade!

O Orador: - As perplexidades com que nos brindou o Partido Socialista também são bastantes. Hoje, o argumento foi outro: porquê a eliminação da irreversibilidade das nacionalizações? Porque, segundo a expressão utilizada «um novo paradigma sócio--económico lavra pelo mundo». Há mutações que se estão a dar, e estão, na economia mundial. Só que depois não foram capazes de demonstrar, um único facto, por uma única vez, que, para acompanhar as mutações que se estão a verificar a nível da economia mundial, fosse, de qualquer modo, por mínimo que seja, necessário e imprescindível proceder a desnacionalizações, a privatizações, única razão que pode estar na base da eliminação do princípio constitucional da irreversibilidade das nacionalizações.
De facto, uma coisa nada tem a ver com a outra. Talvez antes pelo contrário! Nada tem a ver uma coisa com a outra porque não é por acaso que Portugal ou outros países, até mesmo nas próprias Comunidades Europeias, têm sectores empresariais do Estado tão fortes como o português, tão fortes quando se analisam em termos de contribuição para o produto, para a formação bruta de capital fixo, para o emprego e para o que quiserem.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - O que não quer dizer grande!

O Orador: - Não é preciso ir muito longe: temos a própria República Federal Alemã, a própria Itália, a própria França e o próprio Reino Unido.
Mais do que isso: para acompanhar as mutações que se desenvolvem e se verificam na economia mundial, para que se possa ter uma inserção mais positiva na divisão internacional do trabalho, para que passe a ser menos dependente nessa participação e menos periférico, Portugal precisa de manter o sector empresarial do Estado forte. Pôr termo à irreversibilidade das nacionalizações aponta no sentido de reduzir substancialmente o peso desse sector, a tal força do sector
público na economia. Aliás, para acompanhar eficazmente a própria evolução científica e tecnológica que se está a verificar no mundo, é necessário aproveitar todas as potencialidades e capacidades que existem nas empresas públicas. As empresas públicas em Portugal continuam a ter ainda os principais centros de investigação e de desenvolvimento tecnológico.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Por isso é que é preciso privatizar!

O Orador: - Não é destruindo-as, eliminando-as ou dispersando-as que se consegue fazer isso.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Ninguém elimina, transformam-se em privadas!

O Orador: - Essa de transformar em privadas, Sr. Deputado Narana Coissoró, faz-me lembrar, outra das perplexidades que o discurso do Partido Socialista hoje nos trouxe. Refiro-me àquela afirmação que há pouco, antes do jantar, foi feita pelo Sr. Deputado João Cravinho, sobre a questão das mutações. Dizia ele que as empresas do sector empresarial do Estado estão a ser ultrapassadas pelo novo paradigma sócio-económico, pelas mutações que neste momento se estão a verificar a nível da economia mundial.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Mas ele não falou em empresas!

O Orador: - Então, a conclusão era lógica: como estão ultrapassadas, permite-se que se passem para o sector privado!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Algumas!

O Orador: - Como se o sector privado estivesse interessado em adquirir coisas ultrapassadas, como se o sector privado estivesse interessado em constituir um museu de empresas ultrapassadas, de paradigmas ultrapassados!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Foi por isso que as privatizações começaram pela UNICER.

O Orador: - De facto, têm sucedido muitas coisas más nas empresas públicas; contudo, o problema que se coloca não é o de eliminar as empresas públicas ou de as transferir para o sector privado, é impedir que os governos utilizem e instrumentalizem o sector empresarial do Estado, instrumentalizem indevida e ilegitimamente as empresas públicas. O sector empresarial do Estado não é, não pode nem deve ser um instrumento de política económica, deve ser um instrumento de desenvolvimento da economia portuguesa.
Logo, o que é necessário alterar, o que é necessário impedir, é que as empresas públicas sejam novamente utilizadas para combater artificialmente a inflação, para cobrir as necessidades financeiras dos défices externos, com pesados encargos, que atingiram centenas de milhões de contos e de que não foram ressarcidas de

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modo algum. O que é preciso impedir é que as empresas públicas tornem a ser utilizadas, como foram e têm sido durante muito tempo, para financiar os défices do sector público administrativo. É preciso impedir que o sector público administrativo acumule, como o fez, dívidas às empresas públicas da ordem dos 400 milhões de contos sem as ressarcir absolutamente em nada. O que é preciso impedir é que as empresas públicas sejam utilizadas, como foram, para manter à tona de água, à superfície, muitos sectores de actividade económica que estavam em profunda crise e não foram ressarcidas em nada por isso. O que é preciso impedir é que os gestores das empresas públicas sejam nomeados apenas por clientelismo partidário.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O que é preciso impedir...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Olha quem fala!...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Olha quem fala?!...

O Orador: - Ó Sr. Deputado Narana Coissoró, nem sequer a brincar se meta nisso. Nem sequer a brincar!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Meta-se mas com cuidado!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não destape essa panela que se queima!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Quem é dizia: «nacionalizado, nosso»?

O Orador: - O que é preciso impedir é que haja gestores públicos nomeados por mero compadrio partidário, que tenham o despudor de fazer afirmações públicas deste teor: «Agora é que a empresa vai começar a dar lucros, porque tem sócios privados.»

O Sr. José Magalhães (PCP): - Foi dito!

O Orador: - Mas, então, porque não antes?! O quê?! Fazer lucros para quê?! Para entregar ao Estado?!...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Em impostos!

O Orador: - Isto foi dito pelo presidente do Conselho de Gestão da UNICER-EP, de que 49% do respectivo capital foi privatizado há muito tempo.

Vozes do CDS: - É mau, devia ser 100%!

O Orador: - Srs. Deputados Narana Coissoró e Nogueira de Brito, permito-me fazer aqui um parêntesis para dizer o seguinte: reconheço a coerência que, nesta matéria, o CDS tem mantido desde o início e da qual se não tem afastado.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Por conseguinte, em relação ao CDS, estamos completamente esclarecidos, assim como os Srs. Deputados o estão em relação ao PCP.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Depois de ter ouvido hoje o Sr. Deputado José Magalhães não tenho dúvidas!

O Orador: - Temo-nos mantido sempre coerentes relativamente a esta matéria. O problema é que a coerência não existe noutros lados e é a incoerência que desses lados tem existido, designadamente da bancada do Partido Socialista, que está a pôr em perigo aquilo que defendemos e por que nos batemos. E evidente que o CDS terá de estar satisfeito...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - E estou!

O Orador: -..., por coerência, com a incoerência do Partido Socialista...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Claro!

O Orador: - ..., porque essa incoerência vai permitir que seja concretizada a coerência do CDS.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto! Não é que vá ganhar votos, mas enfim!...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - E não só!

O Sr. José Magalhães (PCP): - É o que se chama pôr os ovos no ninho do outro!

O Orador: - Aliás, foi também aqui dito por vários Srs. Deputados, entre os quais vários do PSD e o Sr. Deputado João Cravinho, do PS: «Não tenham receio. Isto não é para privatizar.» O Sr. Deputado João Cravinho dizia: «Não é para privatizar, porque o Governo não vai conseguir fazê-lo.» Não vai conseguir privatizar porquê? O vosso raciocínio é bastante simples ou simplista.

Voz inaudível do Sr. Deputado António Vitorino do PS.

Eu sei, Sr. Deputado, por isso referi as duas. Se o Sr. Deputado João Cravinho estivesse presente poderia pôr-lhe a questão concreta para saber se foi simples ou simplista.
O Governo não vai conseguir fazer as privatizações todas que quereria porque a Bolsa de Valores não aguenta, o mercado de capitais não aguenta! Só que esqueceu daquela componentesinha do artigo 83.°-A que permite o negócio particular.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ora aí está! O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não é assim!...

O Orador: - O negócio particular para a privatização...

Voz inaudível do Sr. Deputado Narana Coissoró, do CDS.

É que os Srs. Deputados do CDS e do PSD disseram: «Não!...Mas o negócio particular até é óptimo,

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impede a transnacionalização das empresas públicas. Impede que as empresas públicas sejam absorvidas por grupos estrangeiros.» De facto, não há nada que o demonstre, bem pelo contrário. É que os poucos exemplos que até agora existem de negociação particular são de atribuição a estrangeiros: foi a CNP com a Ness Oil, foi a SETENAVE com aquela empresa norueguesa de que agora não me recordo o nome.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Mas isso não podia deixar de ser!

O Orador: - De facto, a privatização de uma série de empresas pode ultrapassar as dificuldades que são colocadas pela Bolsa de Valores, que está de tanga, de rastos, desgraçada e que nunca mais se levanta...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Isso é verdade!

O Orador: - Desde Outubro para cá e por muito tempo mais, há-de continuar nesta triste vida.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Animou com uma privatização!

O Orador: - Então, a forma possível de acelerar as privatizações, tal como o Governo pretende, é precisamente o negócio particular com grupos estrangeiros. Quem quer ficar com a PORTUCEL? PORTUCEL, aliás, relativamente à qual o senhor tal, presidente da UNICER, agora em Espanha, se encarregou de acalmar ânimos, perante alguns empresários espanhóis que estavam mais impacientes, dizendo: «Não se assustem porque o Governo vai fazer muitas coisas, depois da Revisão Constitucional. Vai privatizar mais de 40 empresas; vai facilitar a participação dos estrangeiros e privatizar a PORTUCEL.»
Algum grupo económico português tem disponibilidades financeiras para adquirir a PORTUCEL? Não! Mas como o Governo está apostado em privatizar a PORTUCEL, então negócio particular com empresas estrangeiras!...

O Sr. José Magalhães (PCP): - E esta?!

O Orador: - E lá se vai, para além do mais, um dos segmentos importantes da chamada fileira florestal de Portugal parar às mãos dos estrangeiros! É a transnacionalização não só de uma empresa, mas da parte essencial de um segmento, de uma fileira, que é importante em termos de desenvolvimento económico para o País e para o futuro.
Diziam ainda - e com isto termino a minha intervenção - os Srs. Deputados do PSD, designadamente a Sr.a Deputada Assunção Esteves e o Sr. Deputado Costa Andrade, que «é impensável», do ponto de vista técnico-jurídico, que era «uma aberração», manter esta rigidez da irreversibilidade das nacionalizações. «É impensável», «isto não sucede em nenhum país civilizado», diziam eles.
Como em matéria técnico-jurídico-constitucional não sou um especialista claramente reconhecido, mais uma vez terei de recorrer aos mestres e, então, recorro a um mestre que dizia o seguinte: «Entendemos que este problema deve ter a rigidez que tem a própria Constituição. Todos reconhecemos que uma certa rigidez constitucional é vantajosa porque há princípios que não devem ficar dependentes da flutuação do simples voto ordinário.» E continuava: «Entendemos que a semi-rigidez da Constituição que queremos alargar à existência do sector público empresarial nacionalizado deve impor-se a nós próprios, deve existir contra as nossas próprias tentações e as nossas próprias fraquezas; entendemos que a semi-rigidez do tal sector público é necessária, tal como disse há pouco, à garantia básica da subordinação do poder económico ao poder político e que não é excessiva.» Belas palavras!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Quem era o mestre?

O Orador: - Não era o Padre António Vieira. Era o deputado António Almeida Santos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - In illo tempore!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, irei colocar-lhe algumas questões e gostaria que contribuísse um pouco para o esclarecimento das mesmas.
Em primeiro lugar, quero dizer-lhe que eu estive aqui quase, diria, embevecido a ouvi-lo, porque o Sr. Deputado em momento nenhum acaba por defender a irreversibilidade das nacionalizações. Mais, no princípio da sua intervenção começa por dizer que os Srs. Deputados do PS e do PSD estão numa confusão acerca da proposta que vem da CERC. Quer dizer, então, que o Sr. Deputado já é agora o intérprete da nova proposta? Afinal, quem decai? Não sei quem é, mas talvez também seja o PCP.
O PCP, agora, já faz uma evolução, porque, pela voz do Sr. Deputado, é já o intérprete da nova proposta da Comissão Eventual de Revisão Constitucional e diz mesmo aos seus proponentes que estão todos numa confusão, pois o Sr. Deputado é que sabe qual é a interpretação autêntica. É isso que nos quer vir aqui dizer? Então, se é assim Sr. Deputado, diga-o claramente. Para mim, devo dizer-lhe, pairou-me no espírito esta dúvida e gostava que me esclarecesse.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado vem aqui falar, mais uma vez, em dicotomia entre democracia política e democracia económica e vem dizer-nos que democracia económica é a subordinação do poder económico ao poder político, que ficamos por aí e que a irreversibilidade das nacionalizações faz parte da democracia económica. Quero dizer-lhe que esse é, para mim, um estranho conceito de democracia. O que é afinal a democracia? O Sr. Deputado tem um conceito bem diferente do nosso. Então, o povo português pediu eleições livres e não pode dizer qual é o modelo económico que quer e que possui, em termos nacionais, porque está pegado e agarrado à irreversibilidade das nacionalizações? E com isso ficamos todos claramente confundidos, porque o PCP continua a dizer que isto é que é a democracia económica e o contrário disto não é democracia. Então, Sr. Deputado, fique com o seu modelo de democracia, nós ficamos com o nosso, mas, neste ponto, divergimos claramente!
Em terceiro lugar, o Sr. Deputado fala aqui em várias coisas e diz, por exemplo, que o sector empresarial do Estado não pode ser instrumento, não pode financiar o Estado, que os gestores públicos não podem ter laivos de clientelismo, etc. O Sr. Deputado defende

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a situação tal como está, mas diz que várias coisas não podem existir... Sr. Deputado, eu até lhe dou de barato que a situação seja assim, mas divergimos neste ponto, pois o sistema - e o Sr. Deputado tem de reconhecê-lo - está mal, sempre esteve mal e deu más provas! O Sr. Deputado confirma-o, diz que as coisas não podem ser assim e sucessivamente vai anunciando vários tópicos. Diz que as coisas correram mal, mas, no entanto, continua a defendê-las. Mas porquê, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (PCP): - É uma gestão do PSD, ainda não deu por isso?

O Orador: - Não há-de convir que, afinal, é o próprio sistema que até agora funcionou que deu más provas, que é o próprio sistema que tem de ser substituído e urgentemente? É por isso que todos nós estamos aqui neste debate a rever a Constituição, nomeadamente este ponto, a revê-la e a apresentar propostas que, elas próprias, têm melhores soluções do que o que até agora vigorava.
O Sr. Deputado está de acordo que os resultados palpáveis foram maus e diz que há que corrigi-los. Todos estamos de acordo com isso, há efectivamente que os corrigir, Sr. Deputado, revendo o artigo 83.° em sintonia com aquilo que vem da CERC.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ainda há mais?!

O Orador: - Para terminar, Sr. Deputado, quero dizer-lhe que fiquei confrangido com um ponto. A páginas tantas, o Sr. Deputado diz que a proposta que vem da CERC relativamente ao artigo 83.°-A, ela própria, não privilegia o concurso público e diz mesmo que, ao não ser obrigatório o concurso público, isso é - veja-se a calamidade das calamidades - para deixar entrar os grupos estrangeiros. O Sr. Deputado está agora com grandes problemas em relação aos grupos estrangeiros...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Agora e sempre!

O Orador: - ... e em relação ao poder económico estrangeiro. Gostaria de dizer-lhe também que isso é - desculpe-me que lhe diga, mas é exactamente o que penso, tenho de ser frontal - uma hipocrisia da vossa parte, porque queria lembrar-vos que as nacionalizações, em 1975, deixaram incólumes os grupos estrangeiros,...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Maravilha! Vocês queriam nacionalizar os grupos estrangeiros em 1975?

O Orador: - ... porque as nacionalizações viraram-se exclusivamente contra as empresas privadas portuguesas e não contra as estrangeiras. Os Srs. Deputados, nesse aspecto, estão a ser rigorosamente hipócritas, ninguém quer abrir a porta ao estrangeiro. Além disso, VV. Ex.ªs, no passado, deram muito más provas em termos de coerência, relativamente a este aspecto.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Aconselho-o a ler a proposta da Lei de Bases das Telecomunicações!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ensinem-lhe o bê-á-bá da economia!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Octávio Teixeira pretende responder já ou no final dos pedidos de esclarecimento?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, V. Ex.ª é um homem sério, é um homem que produz afirmações ponderadas e é um homem fiel ao seu paradigma, paradigma que não evolui desde há muitos anos.

Risos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Está a chamar-lhe fóssil? Há maneiras mais elegantes!

O Orador: - Não é uma crítica, é uma constatação. Risos.

Ouvi com a atenção que V. Ex.ª merece a catilinária que produziu em relação à proposta - é uma proposta conjunta - proveniente da CERC, relativa ao artigo 83.° e como, no fundo, V. Ex.ª, embora com outras palavras, veio repetir ideias que já aqui foram abundantemente expostas, quereria apenas limitar-me a dois aspectos, sendo o primeiro para explicitar, visto que teve a amabilidade de fazer uma menção às minhas intervenções, exactamente o que quis referir quando falei na necessidade de termos empresas fortes e também - se essas empresas forem do sector público - um sector público forte.
A minha ideia é simples: estamos perante um desafio enorme que nos é colocado neste final do século XX pela circunstância de vivermos numa economia cada vez mais internacional - foi o Sr. Deputado João Cravinho que há pouco teve a oportunidade de o dizer -, escolhemos o caminho das Comunidades Económicas Europeias contra o voto do PCP, porque era e é a melhor alternativa para o País. O PCP, fiel ao seu paradigma, esteve contra.
Mas o que é facto é que para isso precisamos de empresas que tenham a capacidade de responder a esse desafio, que sejam flexíveis, que sejam sensíveis perante o mercado e que tenham possibilidades, em primeiro lugar, de substituir e, depois, de evoluir e de progredir. E isso que considero empresas fortes, empresas que não são apenas máquinas de produção de bens e serviços mas que são um elemento estrutural fundamental do tecido social, que permite o progresso e a justiça social.
Essa é uma matéria em que temos de ser extremamente pragmáticos, não devemos ser dogmáticos. Portanto, devemos libertar a nossa Constituição de ideologias fiéis a paradigmas passados que não têm qualquer correspondência nem com a realidade nem com as nossas necessidades reais, que não correspondem àquilo de que o País precisa e, por isso, é extremamente importante, na minha perspectiva, que se possa privatizar

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como, eventualmente, se outras forem as circunstâncias, se possa vir a nacionalizar.
Esta é, claramente, a minha ideia e já tive oportunidade de dizer que privatizar é também intervir na actividade económica. Temos de ter uma estratégia, temos de nos preocupar com aquilo que é a garantia da nossa autonomia e por isso há que preservar naquilo que se deve ser preservado em matéria de sector público para que essas empresas sejam fortes. E do ponto de vista constitucional as coisas são assim muito claras.
A verdade, porém, é que nós nacionalizámos muito mas nacionalizámos mal e as empresas sofreram muitos dos vícios que V. Ex.ª apontou e outros de que se esqueceu e são efectivamente um exemplo clássico do que não devem ser, na esmagadora maioria dos casos, empresas públicas.
Foram instrumentalizadas pelo poder político, foram burocratizadas, foram objecto de actos da mais variada espécie que levaram a enxameá-las dum número de trabalhadores exagerado em relação às suas necessidades, tendo enormes dificuldades de se adaptar, de inovar, de serem flexíveis. Perante esta situação, no ponto de vista já daquilo que deve ser a confirmação da realidade fáctica, da realidade não normativa, para mim já não existem dúvidas de que, neste momento, importa desnacionalizar, e sei bem que essa desnacionalização não se poderá fazer àquele ritmo que, eventualmente, seria conveniente para que a flexibilização fosse realmente rápida.
Mas, Sr. Deputado José Magalhães, isso é claro e entendamo-nos sobre...

Uma voz do PCP: - Octávio Teixeira!

O Orador: - Efectivamente, é ao Sr. Deputado Octávio Teixeira que estou a dirigir-me, peço desculpa. Todavia, nesta matéria, é a mesma coisa, porque W. Ex.ª afinam exactamente pelo mesmo diapasão.
Portanto, sejamos claros, não tenho dúvidas nenhumas de que o caminho, neste momento, deve ser, no plano fáctico, o de privatizar. Teremos é de o fazer em termos de estruturar grupos portugueses fortes que sejam capazes de manter, digamos, o essencial da autonomia nacional em matéria económica.
O segundo ponto que, muito rapidamente, desejava mencionar diz respeito a uma outra questão que V. Ex.ª referiu, a propósito dos exemplos estrangeiros. É que justamente em França, em Itália, na Alemanha, há sectores públicos fortes mas que são extremamente pragmáticos. Há sectores públicos e há sectores privados - ao contrário do que disse a Sr.ª Deputada Helena Roseta, esta tarde -, e não há drama nenhum.
Mas o que está mal, o que é grave e que nós queremos, neste momento, eliminar definitivamente, é o carácter ideológico...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Claro! Ideologia só alaranjada!

O Orador: - ... dos preceitos constitucionais e é o colete de forças com que VV. Ex.ª querem fazer perdurar a circunstância, que foi transitória, de, num determinado momento, o Partido Comunista ter sido preponderante em termos da elaboração da Constituição. Foi em 1974, em 1975 e em 1976.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, desejava fazer-lhe uma pergunta, extremamente rápida. O Sr. Deputado fez, com a sinceridade e honestidade que se lhe reconhece, uma defesa do sector público. Defendeu o sector público e enunciou as suas vantagens. Mas, faço-lhe esta pergunta: não acha, Sr. Deputado, que essa é uma questão, para V. Ex.ª, para o Partido Comunista ou quem assim entende, a resolver no plano do poder político normal, no plano da legitimação? Não acha o Sr. Deputado que pode haver forças políticas que pensem de outra maneira, que têm o direito de levar o seu programa ao eleitorado, de o ver sancionado e de o aplicarem?
Ia quase dizer que sei tão pouco de Economia como o senhor talvez saiba de Direito, mas apenas a primeira parte é verdade, porque eu não sei nada de Economia. De qualquer modo, sei esta coisa simples: essa sua ideia deverá ser sufragada, primeiramente, pelo eleitorado. Logo, pergunto: por que é que o senhor quer impor isto por via constitucional?
V. Ex.ª dirá: Bom, mas o Partido Comunista não terá tanta possibilidade de aceder ao poder. Quer tenha ou não, o Sr. Deputado não acha que há aqui uma espécie de «parasitarismo político-ideológico»? Os senhores têm uma certa ideia do sector público, mas quem tem a legitimação política para governar são outros, que têm outra ideia completamente diferente do sector público? Não acha, também, que muito ganhávamos em pôr a «letra de acordo com a careta». Isto é: a cada um o seu sector público. Não acha isto muito correcto?
O Partido Comunista acredita verdadeiramente nas nacionalizações e sabe que as nacionalizações estão bem, como as privatizações estão mal e, para o Partido Comunista, quem as fizer, obviamente, está condenado; portanto, os votos cairão em torrentes nas mãos do Partido Comunista. Não acha que era de esperar pela legitimidade do Partido Comunista para defender esse sector público e dar a possibilidade aos representantes do povo português e, através deles, ao próprio povo português de ter outras possibilidades? Não acha que esta é a forma correcta de colocar o problema? Ou, pelo contrário, o Partido Comunista insiste no parasitismo?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Era mais para prestar um esclarecimento ao Sr. Deputado Octávio Teixeira sobre uma alusão que fez à minha intervenção do que, propriamente, para lhe formular uma pergunta.
O Sr. Deputado disse que, a dado passo da minha intervenção, me referi à irreversibilidade das nacionalizações como sendo impensáveis técnico-juridicamente. Ora, não afirmei nada disso. A irreversibilidade das nacionalizações é um princípio que tem sido «aguentado» no nosso sistema jurídico há muitos anos e nunca

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foi posto em questão em termos técnico-jurídicos. A questão que se põe é uma questão económica e a ideia de impossibilidade e impensabilidade é-o em termos económicos.
Na realidade, as nacionalizações que o Sr. Deputado louva criaram problemas a nível dos vários intervenientes na vida económica, quer a nível do Estado, quer a nível da iniciativa económica que ficou amputada, quer a nível dos próprios direitos dos trabalhadores, que viram na sua situação salarial o reflexo do nível de improdutividade a que se chegou, quer mesmo ao nível das políticas mais distorcidas que se criaram, usando as nacionalizações para fins que, ainda que bem intencionados, criaram distorções na gestão da vida económica. E estou a lembrar-me, por exemplo, de algumas nacionalizações ou de que o uso de certas empresas nacionalizadas serviu para absorção de desemprego, de modo um tanto ou quanto irracional - estou a pensar no caso da LISNAVE, que chegou a ter mais do dobro dos trabalhadores de que necessitava.
Portanto, Sr. Deputado, a nossa visão das nacionalizações é menos optimista do que a sua. Mas quero referir mais uma vez que o problema que pus não foi um problema de impensabilidade jurídica, mas, sim, um problema claro de impensabilidade económica.

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado José Luís Ramos, em primeiro lugar, devo dizer-lhe que V. Ex.ª consegue ser mais confuso do que a própria confusão. Não conseguiu perceber nada do que aqui foi dito, mas como a noite vai adiantada, o Sr. Deputado pode pedir ao seu colega do lado para lhe explicar.
Em segundo lugar, quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que a hipocrisia fica consigo. Neste momento, nem sequer preciso de argumentar porque, logo de seguida, por mero acaso, vieram dois colegas seus de bancada falar em seriedade.
O Sr. Deputado Rui Machete começou por referir que eu estou amarrado a um paradigma e que não evoluo. É possível que sim, mas quero também dizer-lhe que evoluo tanto ou tão pouco, em relação ao meu paradigma, como o Sr. Deputado Rui Machete evolui em relação ao seu.
Porém, V. Ex.ª, às tantas, levantou uma outra questão, que eu também referi, porque ela foi abordada na intervenção do Sr. Deputado João Cravinho - e, pessoalmente, lamento que ele não tenha podido estar presente durante a noite. Valeria a pena continuar a discutir algumas das questões que levantou.

O Sr. António Vitorino (PS): - Já estão inscritos!

O Orador: - Ah, já estão inscritos! Óptimo, óptimo! Nesse caso, tenho de aguardar alguns minutos.
Sr. Deputado, quanto ao problema da flexibilidade das empresas públicas, não tenho a mínima dúvida sobre isso. Mas, mais uma vez, repito: o problema da flexibilidade das empresas públicas, em termos das mutações que se verificam na economia mundial, em termos da sua movimentação, em termos empresariais, etc, nada tem a ver com a irreversibilidade ou não irreversibilidade. Tem, pura e simplesmente, a ver com o problema da organização das empresas públicas, que
é necessário alterar e é nesse sentido que nós poderíamos e deveríamos estar a debater a forma e o modelo dessa organização, de modo a que as empresas públicas não sejam permeáveis, de modo a que fosse impedido que elas fossem instrumentalizadas, ilegítima, irracionalmente, para fins alheios àqueles que devem prosseguir, por tutelas governamentais. Designadamente, Sr. Deputado Rui Machete, pelas tutelas dos governos PSD, que foram aquelas que mais mal lhe causaram.
Disse também o Sr. Deputado Rui Machete que «as nacionalizações foram muitas e más». Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que as nossas nacionalizações, em termos de quantidade, não foram mais do que em muitos outros países comunitários. Quanto a terem sido más, estamos completamente em desacordo porque, mais uma vez, os senhores pretendem esquecer que as nacionalizações, incluindo, Sr.a Deputada Assunção Esteves, a nacionalização das cervejas, foram ditadas por razões emergentes da necessidade da subordinação do poder económico ao poder político. Foi para salvaguardar o poder político, foi para salvaguardar a democracia política no nosso país que as nacionalizações tiveram de ser feitas. Só por isso - e mais razões houve - já foram muito boas.
Finalmente, Sr. Deputado Rui Machete, sincera e honestamente, como costuma ser, é capaz de nos dizer se conhece qual é a estratégia de privatizações do Governo?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Isso não há!

O Orador: - Sr. Deputado Costa Andrade, em relação às questões que me pôs, poderia responder-lhe apenas com duas palavras: não acho! É que, de facto, não acho. O Sr. Deputado, do meu ponto de vista, está completamente enganado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Permite-me que o interrompa, Sr. Deputado Octávio Teixeira?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Muito obrigado, Sr. Deputado, pela interrupção, que é só para constatar isto: nós dispomo-nos a viabilizar um texto constitucional que permita que o Partido Comunista governe segundo o seu programa. O PCP não se dispõe a viabilizar um texto constitucional que permita que forças diferentes do Partido Comunista governem. Há alguma diferença! Felizmente, para nós, vai ser como nós queremos.

O Orador: - Sr. Deputado Costa Andrade, o Partido Comunista propõe-se viabilizar o texto constitucional que permite que Portugal seja governado por qualquer partido que esteja interessado num sector público forte.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Como os Srs. Deputados da bancada do Partido Social-Democrata referiram, mais do que uma vez, que são defensores de um sector empresarial do Estado forte, então, está viabilizada essa governação.

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Agora, o Partido Comunista Português não está disponível para viabilizar uma alteração constitucional que traz prejuízos sérios e graves para a economia portuguesa, prejuízos tanto mais sérios e mais graves quanto se aproxima o momento da criação do Mercado Interno! Os senhores ainda não conseguiram entender quais as consequências do Mercado Interno para Portugal e ainda não conseguiram entender quais são os malefícios que provocarão à economia portuguesa, à sociedade portuguesa e ao país com a privatização que pretendem fazer, completamente «à balda»...

Protestos do PSD.

.... com a maior rapidez possível, avançando o máximo possível e o mais rapidamente possível, com total irracionalidade económica e apenas com a racionalidade política que os senhores defendem, que é a de que a democracia económica deve ser confundida, deve ser substituída pela liberdade de dominação dos principais centros de decisão económica em Portugal pêlos grandes grupos privados, sejam eles nacionais, sejam eles estrangeiros.
Para isso não contem com o nosso apoio para qualquer alteração da Constituição!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Como se ele fosse preciso!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Costa Andrade pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Para defesa da honra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado. O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Foi ofendido?!

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Escusa de mostrar esse ar e vestal num bordel!. .

Risos.

Não se escandalize tanto com a invocação do direito de defesa de honra!...
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É apenas para dizer esta coisa extremamente simples, pois o Sr. Deputado Octávio Teixeira disse, na sua intervenção, que estavam dispostos a viabilizar um texto constitucional que permitisse governar os partidos que entendessem que deveria haver um sector público forte.
Nós gostaríamos de dizer que pretendemos viabilizar um texto constitucional que permita que governem também partidos que entendem que deve haver um sector público fraco e mesmo partidos que entendem que não deve haver sector público nenhum.
Ao povo a vontade, ao povo o direito de escolher!

Vozes do PSD: - Muito bem! Vozes do CDS: - Ainda bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, tem a palavra para dar explicações.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Costa Andrade, se o Sr. Deputado não quer, isto é, se o seu partido não quer - e refiro-me à tal questão da confusão que tentaram lançar e que eu referi no início do debate - um sector empresarial forte, então, digam-no abertamente. Digam: «Não queremos. Nós queremos governar sem sector empresarial do Estado.»
Sobre a questão de permitir que qualquer partido possa governar, não sei se vale a pena responder-lhe ou não, Sr. Deputado Costa Andrade.
Por que é que o Sr. Deputado não aplica a sua teoria sempre? Por que é que o seu partido, por exemplo, pretende, através de manipulações da lei eleitoral, impedir, ou melhor, dificultar que outros partidos substituam o seu no poder?

Vozes do PCP: - Aí está! Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PCP): - É um pluralismo selectivo e musculado!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, eu gostaria de colocar à consideração da Assembleia com é que vai ser a continuação do debate hoje.
Isto porque, pelo Regimento que está em vigor, o debate terminaria às zero horas; no entanto, penso, que, em conferência de líderes, foi equacionado outro sistema para o debate amanhã e, como tal, gostaria de saber que implicações é que esse novo sistema tem nos nossos trabalhos de hoje.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, tanto quanto eu me recordo, hoje foi dito que, para consumir os tempos de hoje e antes de entrarmos no novo sistema, todos os partidos estariam dispostos a prolongar esta sessão de modo a haver um consenso para lhe pôr termo.
Por outro lado, ainda hoje vamos fazer uma intervenção, que só pode ser feita agora porque amanhã de manhã o Sr. Dr. Nogueira de Brito não poderá estar presente e, assim, pedíamos também a atenção da Câmara para que os trabalhos continuassem até estarem esgotadas todas as intervenções referentes ao artigo 83.°, pelo menos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, parece não haver qualquer objecção a que assim se proceda.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho pena que não esteja aqui o Sr. Deputado Octávio Teixeira, porque gostaria de abrir com um comentário ao que...

Vozes do PCP: - Está ali. Vem já.

O Orador: - ... ele disse.

O Sr. Deputado Octávio Teixeira fez um longo requisitório de inconvenientes da actual gestão das empresas públicas e disse que o que faltava era que as

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empresas públicas tivessem bons gestores, não nomeados com critérios políticos; o que faltava era que elas não fossem utilizadas como instrumentos da política económica do Governo, que elas não fossem utilizadas, designadamente, para colmatar brechas na balança de pagamentos, que não fossem utilizadas para combater a inflação.
Em suma, o Sr. Deputado Octávio Teixeira, disse uma coisa importantíssima - embora não tenha concluído, o que, se permite, vou agora fazer -, ou seja, que o que faltava era gerir as empresas públicas com critério de empresas privadas, rigorosamente, e até invocou aquele malfadado lucro, Sr. Deputado Octávio Teixeira, lamentando que um gestor de uma empresa pública tenha dito que a empresa agora vai procurar o lucro, o lucro económico, porque, finalmente, vai ter sócios privados! E o Sr. Octávio Teixeira considerou isto um crime grave.
Sr. Deputado Octávio Teixeira! Mas se VV. Ex.ªs já estão nessa perspectiva, então, o melhor é privatizar as empresas públicas, porque o Sr. Deputado Octávio Teixeira pode ter a certeza de uma coisa: enquanto as empresas forem públicas, vão estar sujeitas a todos esses vícios que o Sr. Deputado Octávio Teixeira elencou com grande eficiência, não há dúvida nenhuma.
A própria condição e natureza das empresas públicas é a sua subordinação à lógica política, ao critério político, que não ao critério da eficácia económica.
É por isso que nós, CDS, nos queremos ver livres das empresas públicas, na maior extensão possível, reconhecendo, porventura, que não será possível, vermo-nos completamente livres delas.
Mas o que nós queremos é que a economia portuguesa seja gerida com eficácia, pois é disso que ela precisa e o Sr. Deputado Octávio Teixeira chegou lá e disse isso, o que já foi uma conquista importante. Tão importante como o reconhecimento que, no outro dia, o Partido Comunista fez do Direito Comunitário, invocando directivas e regulamentos, pela voz do seu deputado José Magalhães, para apoio da sua argumentação.
Estes são momentos importantes! Este debate está a produzir momentos importantes e contrariamente ao que muitos deputados pretendem, o PCP está a deslocar-se a uma velocidade razoável. Não tão depressa quanto nós gostaríamos, mas está a deslocar-se.

O Sr. António Vitorino (PS): - Muito bem!

O Orador: - Eu diria mesmo que isto representa, no fundo, entorses fundamentais a um debate entre duas lógicas, que seriam representadas por partidos - e eu não vou dizer quais, pois não vale a pena estar a invocar monopólios desta questão -, sendo que uma é, rigorosamente, a vossa lógica, a lógica do PCP, a lógica pela qual o poder político é uma superestrutura da infra-estrutura que é a economia e para quem a única esperança de conquista do poder político é a de domínio da própria economia.
Não é verdade, Sr. Deputado José Magalhães?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não! O Orador: - Mas, V. Ex.ª corrigirá! Vozes do PCP.
Não ando só a ler o Clemente Zamora, Sr. Deputado Octávio Teixeira! No entanto, como resumo para os debates parlamentares, pelo menos da constituinte de 1976, chegava!
Bem e há aqueles para quem as coisas não são assim ou não são rigorosamente assim e acreditam que a política pode ser independente da economia e pode ser obra de homens livres e, portanto, preconizam um sistema como o nosso.
Agora, o que é realmente rigoroso é que o sistema lógico está na vossa proposta e na nossa proposta, isto é, nós procuramos uma eliminação do artigo 83.°, em consonância com as alterações que propomos para o artigo 81.°, obviamente. A nossa lógica é a da eficácia da economia e propomos que, realmente, uma tarefa prioritária do Estado seja assegurar a eficácia da economia, privatizando.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Como?!

O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães, privatizando, obviamente, como hoje se vai assistindo e vendo um pouco por toda a parte. É por isso que eu digo e compreendo que VV. Ex.ªs estejam, nesta matéria, a movimentar-se, porque o que seria completamente impensável é que pessoas inteligentes como VV. Ex.ªs o não fizessem, uma vez que a lógica da eficácia está a dominar a lógica do poder em toda a parte.
É que está provada a ineficácia das economias centralizadas, com a longa lista de exemplos que elas fornecem, como por exemplo, a incapacidade de movimentar a produção agrícola, o falhanço da planificação central ou o falhanço dos critérios quantitativos de apreciação da produção.
Tal faz-me até lembrar aquela anedota das fábricas de banheiras da União Soviética que tinham a sua produção avaliada em quilos e que produziam banheiras tão pesadas que, colocadas num quinto andar, arrombavam os pavimentos todos até ao rés-do-chão.

Risos.

Toda essa incapacidade de produzir bens de consumo e tudo o resto se impôs com tal força que todos os partidos comunistas que estão no poder se estão a movimentar.
É claro que VV. Ex.ªs não estão no poder e, como querem conquistar o poder, ainda conservam alguma coisa da velha lógica. Porém, nem VV. Ex.ªs resistem a este ambiente e, portanto, também se estão a movimentar.
Assim, vimos aqui hoje com agrado o Sr. Deputado Octávio Teixeira dizer isso mesmo: mas como?! Gerir as empresas públicas ao serviço de critérios puramente políticos?!
Mas era essa a vossa ideia!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não! Essa é a ideia dos gestores laranjas!

O Orador: - Essa é a ideia da planificação! VV. Ex.ªs descobriram tardiamente e com ineficácia alguns sucedâneos para o critério do lucro e tentaram mesmo aplicá-los, embora lhes tenham saído mal! Essa era a vossa ideia e VV. Ex.ªs já cederam nessa ideia!

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Sr. Deputado Octávio Teixeira, só cede quem é inteligente e sabe ver as coisas.
O Sr. Deputado João Cravinho produziu hoje aqui um importante momento, embora, é claro, ainda cheio de saudades e vendo-se que estava a cogitar em meios novos para controlar a economia.
O que ele viu foi que controlar esses monstros que são as nossas empresas públicas, de uma lógica de produção ultrapassada, não serve para controlar a economia.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Nem tão pouco em mãos privadas!

O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães, em mãos privadas e com uma organização e uma inserção diferente, com critérios diferentes!

O Sr. José Magalhães (PCP): - É um milagre!

O Orador: - Com gestores nomeados por critérios diferentes! Com interacções diferentes! Por isso é que o Sr. Deputado Octávio Teixeira considerava hoje altamente escandalosa a negociação particular no sector da petroquímica!
Mas haveria, porventura, outra possibilidade para viabilizar a petroquímica, Sr. Deputado Octávio Teixeira, que não fosse a de interessar alguma empresa estrangeira?!
Nesse domínio não temos medo das interacções e da transnacionalização da economia! Haveria outra possibilidade?! V. Ex.ª aponta-me outra possibilidade ou ela será ainda a possibilidade ligada à vossa lógica, por exemplo, da substituição das importações?
Essa pode ser uma lógica aplicada com eficácia a uma economia integrada, por exemplo, num espaço comunitário? Pode ser essa lógica a iluminar a direcção central dessa economia, como durante muitos anos foi confessadamente a vossa, em paralelo, aliás, com a que era a lógica da Companhia União Fabril, do grupo CUF?
Não pode ser, Sr. Deputado José Magalhães, não pode ser...!
Isso é o que VV. Ex.ªs vão reconhecendo! Esse foi um importante contributo que V. Ex.ª deu aqui esta noite! É que VV. Ex.ªs já querem que as empresas públicas sejam geridas de acordo com critérios privados e isso é muito importante!
Ora, Srs. Deputados, daí até ao passo que deram outros deputados vai um pequeno passo!
Critérios privados para gerir as empresas públicas? É preferível privatizar as empresas públicas!
E preferível fazê-lo e nem sequer com as limitações que o PS, cheio de saudades, impôs neste artigo 83.°-A - nem sequer é preciso isso. E que, Srs. Deputados, reparem que o desequilíbrio é de tal maneira grande que foi possível nacionalizar numa noite, às três da manhã - como dizia a Sr.a Deputada Helena Roseta hoje de tarde - e, para desnacionalizar, para privatizar, o caminho é tão mais longo...
Sr. Deputado Octávio Teixeira, ao contrário do que preocupa VV. Ex.ªs o que nos preocupa nesta matéria é a pequena velocidade com que o Governo privatiza.
Na realidade, o Governo está a falar em privatizações mas fez apenas duas meias privatizações significativas. No entanto, Sr. Deputado Octávio Teixeira, de
tal maneira com êxito fez uma delas que até a Bolsa arrombada de que V. Ex.ª falou há pouco - e com razão -, a Bolsa que foi arrombada com intervenções dos nossos políticos, até essa se animou para fazer dessa privatização um êxito!
O critério da Bolsa que o Sr. Deputado Octávio Teixeira invocou não vai ser decisivo. É que, porventura, as privatizações vão ser o elemento, o quid que faltava para animar o nosso mercado bolsista.
Veja-se precisamente o que aconteceu com a UNICER e diga-me lá o Sr. Deputado Octávio Teixeira se o Estado que V. Ex.a tanto preza não ganhou muito mais com este negócio da privatização da UNICER do que estava a ganhar com os lucros que, apesar de tudo, a companhia lhe forneceu no último ano...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Com gestores destes...!

O Orador: - Ah! Com gestores destes...! E quais seriam os outros gestores, Sr. Deputado Octávio Teixeira? Seriam os nomeados pelo PCP? Seriam esses gestores amplamente capacitados para gerir as empresas públicas?
E o que foi a Reforma Agrária, Sr. Deputado Octávio Teixeira? Como é que VV. Ex.ªs geriram as unidades colectivas de produção?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Não se meta nisso!

O Orador: - Meto sim, Sr. Deputado, porque nós temos que, com sinceridade e frontalidade, apreciar toda esta questão!
Srs. Deputados, penso que não eram necessárias tantas cautelas, pelo desequilíbrio que, há pouco, referi. E dentre essas cautelas uma tenho de lamentar - o termos deixado uma lacuna, a dos espoliados pelas nacionalizações, porque esta questão vai realmente inquinar o processo das privatizações, agravado pelo facto de a termos consagrado constitucionalmente nos termos injustos em que o fizemos.
É lamentável que no momento em que o Estado se prepara para arrecadar proventos fartos com as privatizações, relegue a indemnização aos antigos titulares para o último lugar. Essa a observação que queremos fazer.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao mais queremos dizer que nos congratulamos com o passo que vai ser dado, mas lamentamos que ele não seja dado dentro duma lógica global, entendendo, não obstante, que ele é decisivo para a organização da economia. Assim, vamos votar a proposta da CERC, bem como a nossa proposta para marcar a diferença, pois temos de ligar o nosso nome a este passo importante que vai permitir à economia portuguesa ser gerida com o mínimo de eficácia.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, não pode tentar inculcar-nos ideias redutoras. Quando falamos em gerir bem, gerir com

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eficácia as empresas públicas não quer dizer que tenha de ser segundo critérios privados. As empresas públicas, como empresas que são, devem ser geridas com critérios empresariais.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Não confunda o conceito de empresarial com o privado. O Sr. Deputado não pode privatizar o conceito de empresarial. Uma empresa pública pode e deve ser gerida eficazmente segundo critérios empresariais. Sempre defendemos este ponto de vista. Para nós é errado que se tenha utilizado o sector empresarial do Estado como instrumento de política económica, pois ele deve ser um instrumento de desenvolvimento económico. Se houver necessidade de algumas empresas públicas suportarem encargos que não têm que ver com a racionalização empresarial, o Estado deve suportar esses encargos e ressarcir os custos respectivos.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, a lógica do CDS não é a da eficácia da economia, mas sim a lógica do lucro privado e da sua apropriação privada. As empresas públicas devem continuar a existir, por razões que se prendem com necessidades do desenvolvimento económico do nosso país e da manutenção da soberania nacional em núcleos centrais da economia portuguesa.
De facto, as nossas divergências são totais e cremos que a nossa posição é a correcta em termos de defesa dos interesses nacionais. A vossa lógica é inversa à nossa, é a lógica de alguns, muito poucos, cuja experiência o País já viveu durante muitos e longos anos. Essa experiência impunha que se pensasse que só o sector empresarial do Estado, tal como o temos, pode ser um factor de acumulação necessária da economia nacional, coisa que a burguesia não conseguiu. Esta, durante as dezenas de anos que comandou este país, apenas mostrou ser capaz de concentra, não permitindo o desenvolvimento do País e o crescimento económico, nem o aumento de nível de vida das classes trabalhadoras. Ora, sendo esta uma necessidade objectiva que se coloca neste momento à nossa economia e ao nosso país, defendemos que as empresas públicas não devem ser privatizadas, deve-se manter a irreversibilidade das nacionalizações e gerir bem as empresas públicas, sem comissários político-partidários mas com gestores interessados na sua defesa.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, gostei de o ouvir e estou em crer que o problema se coloca não no critério político da nacionalização mas sim na gestão. V. Ex.ª referiu amiudadas vezes que as empresas públicas são mal geridas, referiu claramente a falta de eficácia e de operacionalidade económica. Disse que seria necessário privatizar para haver uma inserção diferente, com uma nomeação de gestores com critérios diferentes. Sr. Deputado, quais critérios?
Já aqui levantei esta questão a um anterior primeiro-ministro, tendo pedido para se fazer um inquérito à gestão das empresas públicas para se saber se certos resultados negativos de má gestão foram ou não, inclusivamente, premeditados. Será que a nacionalização de empresas, nomeadamente de sectores chave, justifica
uma má gestão? Que tipo de critérios e inserção diferentes justifica o CDS para essa gestão?
V. Ex.ª diz que devemos gerir as empresas públicas de acordo com critérios privados, mas que critérios são esses? Visa-se ou não o desenvolvimento dessas empresas e concomitantemente o desenvolvimento do País? Mas o facto da empresa ser nacionalizada poderá levar a que os gestores não devam igualmente visar esse desenvolvimento?
Há pouco o Sr. Deputado Octávio Teixeira leu um texto de um jornal citando um presidente de uma empresa que defende que não se deve ter lucros para distribuir ao Estado, indo ainda mais longe noutras afirmações. Sr. Deputado, a questão que coloco é a de saber quais são as empresas públicas que são mal geridas.
Noutro dia, um jovem secretário de Estado, ex-aluno de um iluminado que actualmente anda neste país, disse que a Petrogal teve centenas de milhões de contos de facturação e largos milhões de contos de lucro, mas se a abríssemos às empresas estrangeiras e a capital estrangeiro, a Petrogal até se pode expandir no estrangeiro. Aliás, também o Sr. Mário Abreu, presidente da UNICER, disse claramente que «os estrangeiros verão levantadas algumas das suas limitações no novo projecto que vier à luz depois da reforma constitucional».
Sr. Deputado, só lhe perguntava mais uma coisa. O CDS anula, pura e simplesmente, o artigo 83.°, nos seus n.°s 1 e 2, e não entende que pelo menos haverá algum sector chave ou estratégico da economia que deva manter-se no Estado? É tudo privatizado a todo o custo? Não há sector nacionalizado? É assim que o CDS entende o desenvolvimento da nossa economia?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente,...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, antes de começar a sua intervenção, dá-me licença que o interrompa?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Faça favor.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Esqueci-me há pouco de referir um aspecto. O Sr. Deputado Nogueira de Brito terminou a sua intervenção referindo o problema da substituição das importações. Se continuarmos como até agora a não ter atenção ao problema da substituição das importações, continuamos a ter aqueles problemas já conhecidos, nomeadamente o grande buraco da balança comercial.
Não tenham em conta isso, continuem pelo mesmo caminho, designadamente o Governo, e verão para onde o País vai de novo ser encaminhado - para um grande buraco!

O Orador: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, V. Ex.ª sublinhou o que há pouco referiu na intervenção que produziu e nós temos que nos congratular com isso!
Na verdade, o Sr. Deputado defende, rigorosamente, um critério de lucro económico para as empresas públicas. Quer dizer, defende, rigorosamente, que o resultado das empresas públicas deve ser tratado e medido nos mesmos termos do que o das empresas privadas.

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V. Ex.ª já deitou para o caixote do lixo, já mandou às malvas toda aquela legislação pós - Março de 1975 do resultado social, do lucro social, etc. V. Ex.ª já mandou tudo isso às malvas!
Realmente, neste momento, há uma única razão para os Srs. Deputados defenderem o sector público: é a independência do poder político. É a única! Para VV. Ex.ªs já não há nada, no critério da gestão do resultado, que justifique um sector público!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Acabámos de dizer o contrário! Está na acta das sessões!

O Orador: - Mas, Sr. Deputado José Magalhães, temos razões de queixa nessa matéria? O poder político em Portugal, nos últimos anos - e vou longe nessa matéria -, foi realmente subordinado pelo poder económico? Ou foi sempre o contrário? Mesmo o catalismo de Estado de que VV. Ex.ªs falavam e falam, foi ou não sempre o contrário? Foi sempre o contrário! Aliás, nessa matéria temos muitas razões de queixa, por exemplo, do Governo actual, de governos socialistas, de governos do bloco central!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Do governo do CDS!

O Orador: - Mas não acuso nenhum primeiro-ministro de ter estado subordinado ao poder económico! Penso neles todos e não os acuso disso! Portanto, isto é um fantasma que os Srs. Deputados têm! Para VV. Ex.ªs é este ainda o sistema de, efectivamente, alcançarem o poder político, é o contrário! Mas isso nem é verdade, porque o vosso domínio nas empresas públicas também hoje é reduzido! Porém, essa é, efectivamente, uma velha ideia a que VV. Ex.ªs estão agarrados! De resto, o Sr. Deputado Octávio Teixeira aceita tudo!
Com esse critério que o Sr. Deputado acabou de traçar para a gestão das empresas públicas já não há nada que justifique, mesmo no vosso discurso, a existência de um sector público que não seja esse problema da subordinação ao poder político. W. Ex.as não confiam na democracia política! Mantém essa desconfiança! É preciso manter fixamente, com a fixidez constitucional, a garantia de um sector público porque senão o poder político será subordinado pelo poder económico. Essa é, pois, a vossa única razão!
De resto, Sr. Deputado Octávio Teixeira, gostaria de ver V. Ex.ª no governo, a braços com um problema de balança de pagamentos, a braços com a impossibilidade de pôr o Estado a resolver esse problema da balança de pagamentos, e gostaria de saber se o Sr. Deputado não se iria socorrer das suas empresas públicas para também o ajudarem a resolver esse problema. De facto, gostaria de conhecer as receitas de V. Ex.a nessa matéria e saber a que critérios não iria sujeitar os preços praticados pelas empresas públicas e como é que os iria resolver, porventura à custa dos mesmos utentes, dos contribuintes.
Conheço alguns preços praticados por certas empresas em países socialistas e sei que o critério da eficácia nunca é aplicado à gestão das empresas públicas.
O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca perguntou quais eram os critérios diferentes. Ora, os critérios diferentes são os critérios próprios da subordinação total aos objectivos políticos, são os critérios da escolha política. A escolha política passa a substituir a escolha económica.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Sr. Deputado, a propósito do critério, recordei-me que há alguns meses um ilustre gestor de uma importantíssima empresa de transportes deste país - que até creio que é vosso militante, pelo menos foi deputado do CDS - deu uma entrevista ao «Financial Times», em que dizia: «Esta empresa agora está a ser dotada de bom equipamento. Estamos a redimensioná-la, estamos realmente a dotá-la de bom equipamento, que o Estado vai claramente pagando. Dentro de muito pouco tempo está em condições de passar a dar grandes lucros e, então, estará em condições para passar ao sector privado.» É este critério que podemos aceitar, Sr. Deputado?
Quer dizer, por enquanto vamos pagando todo o equipamento, redimensionamo-la, pomo-la a dar lucros e depois passamo-la para o sector privado. É este o critério que o Sr. Deputado Nogueira de Brito aceita?

O Orador: - Sr. Deputado, não conheço essa situação e gostaria de a conhecer!

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Isso está publicado!

O Orador: - Isso significa que o critério das privatizações tenha em conta o resultado que se vai obter com as privatizações. V. Ex.ª pensa que isso não será compensado com o próprio resultado da privatização?
A questão é esta, Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca: se a lógica de gestão se mantiver uma lógica pública, não será uma lógica de racionalidade e de eficácia. Só a privatização começa logo a influenciar a própria gestão pública nessa perspectiva. Esse é que é o problema, é que não há outro critério! O critério de racionalidade e de eficácia é esse, Sr. Deputado. De resto, o critério será político e o critério político é mau para gerir as coisas da economia, as coisas da produção. O critério político é bom para gerar uma política económica e para aplicar uma política económica, mas não é bom para gerir a produção.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou fazer uma intervenção tão sucinta quanto possível para evitar que sessão atinja as três horas da manhã, porque essa parece ser a altura em que as coisas que se fazem saem mal feitas e, pelo menos, para evitar que o debate sobre o artigo 83.° seja acusado de ter um desfeche a uma hora tão tardia como teve o próprio processo das nacionalizações ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Vitorino, peço desculpa por o interromper, mas apenas gostaria

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de dizer que, em termos de tempo disponível, podemos ir até às 8 horas da manhã.

Risos.

O Orador: - Talvez a hora crítica seja só as três horas da manhã, Sr. Presidente. Talvez depois as coisas se recomponham!

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A primeira parte da minha intervenção é destinada a esclarecer e a pôr - definitivamente, espero eu - termo à controvérsia sobre o que é que de facto dizia o projecto do PS.
Desde o início que o projecto do PS, tal como foi sublinhado pêlos seus responsáveis, visava sublinhar que o processo de privatização das empresas públicas e nacionalizadas depois do 25 de Abril de 1974 deveria ter critérios fundamentais constantes de uma lei-quadro a aprovar por uma maioria qualificada de dois terços na Assembleia da República.
O Sr. Deputado Octávio Teixeira, generosamente, trouxe à colação uma citação de uma entrevista minha.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Eu?

O Orador: - Bem, se não foi o Sr. Deputado Octávio Teixeira foi o Sr. Deputado José Magalhães. Isto é do adiantado da hora, é um pouco como o Dupont & Dupont... eu não diria melhor!
É por isso que não colijo as minhas intervenções: é que tenho tanta confiança em que os Srs. Deputados do PCP têm sempre tudo isso reunido que se num dia, numa hora de desvario, me der para editar as minhas obras completas, escuso de andar à procura delas; peço ao PCP que, de certo, mas fornecerá e então publicá-las-ei.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - As suas não, as do Sr. Deputado Almeida Santos!

O Orador: - Sr. Deputado, sei que não posso aspirar a ser tratado com tanto carinho como é tratado o meu camarada, Sr. Deputado Almeida Santos, por parte do PCP. Mas lá chegarei! Tenho essa vaga esperança!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Não tenha ilusões!

O Orador: - Srs. Deputados, não sejam tão colectivistas. A vaidade é um sentimento humano a que raras pessoas conseguem escapar! Os Srs. Deputados devem ser a excepção!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O Sr. Deputado é novo e há-de chegar lá!

O Orador: - Sou novo! Há dez anos que estou nesta Assembleia e quando entrei para cá também me diziam que eu era novo. Ainda cá estou mas, de facto, já aqui não encontro alguns de maior idade!
Os Srs. Deputados também são jovens e certamente que ainda terão uma vida muito longa para viver e para aprender, tal como eu!
Quanto à citação que os Srs. Deputados fizeram da minha entrevista ao «Tempo», é certo que citaram uma frase que proferi. Simplesmente, em abono do rigor e da verdade, também deviam ter citado a frase imediatamente anterior em que eu dizia: «Em suma, o que o Partido Socialista pretende é que o regime jurídico das privatizações seja objecto de uma lei-quadro, a aprovar na Assembleia da República por uma maioria qualificada de dois terços.» A data é a de 28 de Janeiro de 1988.
No decurso da primeira leitura na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, para que não subsistisse qualquer dúvida a este respeito, tive ocasião de dizer - e consta do Diário da Assembleia da República, n.° 29 (e cito-me, de novo) - o seguinte: «Continuamos a considerar que se justifica a existência de uma lei-quadro, aprovada por uma maioria de dois terços, e que essa lei-quadro aprovada por dois terços não pretendia subtrair ao Governo e à maioria parlamentar as responsabilidades no processo concreto das privatizações, e entendemos que esta margem de flexibilidade é uma base de aproximação para uma solução que vise a alteração do artigo 83.°, mas não é ela própria, nem de um lado nem do outro, neste momento (...)» - então, em Junho de 1988 -, «(.. .)> uma solução acabada ou uma alternativa para todas as vertentes das propostas que estão em cima da mesa.»
Em Junho de 1988, era claro e inequívoco que o que propunha o Partido Socialista era uma lei-quadro, aprovada por maioria de dois terços.
Nesse sentido, nunca por nunca pode ter subsistido até tão tarde, até à segunda leitura, qualquer equívoco da parte do Partido Comunista sobre qual era o teor da proposta do Partido Socialista.
Direi aqui - com ciúme, de facto! - que parece que só lêem o que o Sr. Deputado Almeida Santos diz, não lêem o que outros deputados (mais modestamente, é certo, e com menos brilho) dizem nos debates da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional. O que lhes aconselho é um caminho, também nesse aspecto, no sentido da pluralização, no sentido do pluralismo. Comecem a transcrever as declarações do Partido Socialista na íntegra e não apenas declarações parcelares, aquelas que, conjunturalmente, lhes possam convir.
Quanto à acusação fundamental de que, com a alteração do artigo 83.° e a abolição do princípio da irreversibilidade das nacionalizações, se está a ampliar os poderes do Governo de momento, é óbvio que qualquer desregulamentação em sede constitucional amplia os poderes do Governo e, nesse sentido, amplia os poderes não só do actual Governo como de qualquer outro governo subsequente. Mas nós não temos essa visão miserabilista, catastrofistas de que é apenas o actual Governo o beneficiário líquido do processo das privatizações, na medida em que por cada nova área de acção do Governo que a Revisão Constitucional abre, também uma nova área de combate à Oposição, uma nova área onde os partidos da Oposição se têm de definir, com propostas alternativas e com instrumentos de acção política próprios, para darem combate ao Governo e conquistarem o necessário apoio popular.
É verdade que quem tenha uma posição exterior ao sistema partidário, quem tenha poucas expectativas de chegar ao Governo ou de exercer pressão, ainda que indirecta sobre um futuro governo de esquerda no País, sempre terá menor esperança nestas novas áreas de acção política, nestas novas áreas de combate político que se abrem através da desregulamentação da Constituição.

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Simplesmente, não é possível criticar e acusar o Partido Socialista por ter dito, desde 1985, clara e inequivocamente, que contribuiria para a abolição do princípio da irreversibilidade das nacionalizações e para a abertura de um processo de privatizações em Portugal, partindo dos pressupostos do posicionamento político e partidário do Partido Comunista, que são pressupostos de exterioridade ao exercício do poder político e de puro conservantismo, apenas numa perspectiva meramente defensiva.
Por outro lado, é impensável e completamente irrigoroso dizer que até 1991 esta alteração constitucional vai abrir portas imensas ao Governo do PSD.
Temos de ter em linha de conta que o ritmo das privatizações, que o Sr. Deputado Nogueira de Brito gostaria de estimular através de choques eléctricos e que os Sr s. Deputados do PCP gostariam de retardar o mais possível através de sedativos sucessivos, tem de ser pensado em função, por um lado, do interesse nacional e, por outro, do significado da participação de Portugal nas Comunidades Europeias.
Basta recordar o caso da Inglaterra em que a Sr.ª Tatcher, que é uma defensora ideológica de um neoliberalismo desenfreado, do privatizar tudo depressa e imediatamente, digamos mesmo, do privatizar por privatizar - e fê-lo durante dez anos, num período de progressiva expansão económica internacional -, a própria Sr.ª Tatcher, que é talvez o paradigma do neoliberalismo na Europa, em dez anos, privatizou apenas 40% do sector empresarial do Estado inglês.
Será que este facto não vos dá uma ideia do que vai ser o ritmo das privatizações em Portugal, da margem de manobra que é aberta a este Governo até 1991 e, sobretudo, da importância do combate político que vai ser travado nas eleições de 1991 sobre a temática das privatizações e o combate político que nós, socialistas, daremos a este Governo, apresentando uma proposta alternativa sobre a própria lógica do processo das privatizações?
Nós não temos medo da vida e não somos aqueles que defendem a dialéctica de um marxismo-leninismo. Não temos medo do combate político, não temos medo de defender as nossas posições e de contrapô-las à do governo da direita.

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PCP.

O Orador: - Srs. Deputados, podem fazer os apartes que quiserem, porque, quando estou a falar, não consigo ouvi-los... e, decerto, estou a perder contributos muito importantes para o meu raciocínio. Tenho pena!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Continue que estamos a gostar!

O Orador: - Não duvido que os Srs. Deputados gostem sempre das minhas intervenções. É uma maneira de me estragarem com carinhos!...
Ouvi atentamente a intervenção do Sr. Deputado Octávio Teixeira e devo dizer que há duas questões que me marcaram particularmente e sobre as quais não gostaria de fugir a abordá-las.
A primeira é sobre as regras constitucionais que constam do artigo 83.°-A da proposta da CERC, que são regras materiais sobre as privatizações. Naturalmente que poderíamos discutir se são todas as regras materiais ou se são apenas algumas das que deveriam presidir ao processo de privatizações. É um debate difícil de fazer com o Partido Comunista Português, porque este rejeita, à partida, que haja privatizações. Na CERC sempre foi contrário a todas as propostas, feitas pelo PS, de decisões tomadas por dois terços, portanto rejeita mesmo o modelo, o arquétipo, da decisão parlamentar por dois terços. No fundo, o que o Sr. Deputado Octávio Teixeira nos vem dizer é que as boas regras materiais sobre privatizações seriam aquelas que não deixassem fazer privatizações!
O Sr. Deputado José Magalhães, na CERC, foi mesmo ao ponto - o que acho, aliás, uma atitude de grande transparência e de grande objectividade - de condenar antecipadamente a solução que acabou por constar do acordo entre o PS e o PSD, sem mesmo conhecer o conteúdo dessas normas materiais sobre as privatizações.
Dizia eu, no mesmo Diário da Assembleia da República, n.° 29, o seguinte: «Pelo que o Sr. Deputado José Magalhães se empenhou com especial cuidado em sintetizar a intervenção do Sr. Deputado Rui Machete dizendo três coisas: que o Sr. Deputado Rui Machete fizera uma intervenção onde admitia que na Constituição ficassem algumas normas referentes ao processo das privatizações de baixa densidade,... balofas até!...»
O Sr. Deputado José Magalhães partia para o debate com a sentença dada. Digamos que, antecipadamente, já tinha condenado a solução. As normas, por mais extensas e detalhadas que fossem, seriam sempre de fraca densidade e sempre balofas.
Ora, o que dizemos é que estas regras têm relevância material no sentido de um juízo de conformidade à Constituição da lei-quadro das privatizações e dos actos legislativos que, na sequência dessa lei-quadro, vierem a ser adoptados para privatizar empresas públicas e nacionalizadas.
Também não ouvi da parte do Sr. Deputado Octávio Teixeira tornar explícito se esta Revisão Constitucional e se esta alteração, neste núcleo central da Revisão Constitucional, representam uma descaracterização da natureza da Constituição económica da República Portuguesa.
Inclusivamente, chamo-lhe a atenção para o facto de esta alteração do artigo 83.° ser acompanhada do acrescentamento, como limites materiais ao poder de Revisão Constitucional, ao artigo 290.° do princípio da coexistência dos sectores da propriedade dos meios de produção público, privado, cooperativo e social e com o princípio, também considerado como limite material, da planificação democrática no âmbito de uma economia mista. E nem me atrevo a referir ao Sr. Deputado Octávio Teixeira o significado da expressão «economia mista», pois é uma expressão que não tem verdadeiro paralelo em qualquer outra Constituição dos países da Comunidade Europeia e que é a garantia de que existirá sempre, em Portugal, um sector público, não só como garantia institucional mas também como garantia dinâmica e integrada, no quadro de desenvolvimento de uma economia mista.

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É que o legislador constituinte, ao contrário do que um eminente dirigente político afirmou recentemente, não considerou o princípio da irreversibilidade das nacionalizações como um limite material ao poder de Revisão Constitucional. Os constituintes de 1976 não consideraram que deviam proteger, através do artigo 290.°, o princípio do artigo 83.° da Constituição, ou seja, a irreversibilidade das nacionalizações. Isso pode doer ao Partido Comunista, pode ter sido uma distracção do Partido Comunista na altura, mas a verdade é que o cerne desta Revisão Constitucional, que é a alteração do artigo 83.° da Constituição, não é violador, nem directa nem indirectamente, de nenhum limite material ao poder de Revisão Constitucional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Acusa-nos o Sr. Deputado Octávio Teixeira de sermos incoerentes. O Sr. Deputado Octávio Teixeira tem uma subtil concepção da coerência, que se reduz, no fundo, a isto: quem não se repete, contradiz-se! Portanto, para não entrar em contradição, é bom que cada um se vá repetindo! A vida muda, os tempos mudam, as realidades mudam, mas o Sr. Deputado diz: Que importa! A coerência acima de tudo! Não se contradigam! Ora, creio sinceramente que nem o PCP defende, na sua posição face à Constituição da República, este tipo de interpretação tão radical como a que o Sr. Deputado Octávio Teixeira nos veio aqui trazer, acusando-nos de incoerência.
O Sr. Deputado João Cravinho falou no novo paradigma sócio-económico. Falou, naturalmente, nas novas dimensões com que a economia portuguesa está confrontada e chamou a atenção para que a lógica privatizadora hoje em dia tem muito de moda, de bandeira ideológica e de mistificação, porque se apresenta como a panaceia universal ou Deus ex machina das soluções para os problemas nacionais e que nós, pela nossa parte, não embarcamos nessa bravata neoliberal ideologista. O que dizemos, pelo contrário, é que as privatizações se integram e devem fazer parte no repensar profundo do papel do Estado na economia e do papel do Estado nacional à face da progressiva internacionalização da economia.
Hoje, Sr. Deputado Octávio Teixeira, o que nós assistimos é à constatação, em todos os quadrantes político-ideológicos, da exiguidade do espaço nacional como instrumento eficaz de acção de uma política económica. O que nós hoje sabemos é que é a integração em espaços económicos mais vastos e que é dando a esses espaços um conteúdo social, que se travam as grandes batalhas pela construção do futuro da humanidade! O que nós hoje sabemos, inevitavelmente, é que não há combate eficaz às multinacionais ao nível de um capitalismo periférico e dependente como o nosso! O que nós hoje sabemos é que a defesa dos interesses dos trabalhadores - e este ponto devia-lhe ser caro porque, no fundo, é o reconhecimento de uma certa lógica internacionalista - não é mais uma defesa confinada aos estreitos limites do Estado nacional, mas sim, é, também ela, uma tarefa transnacional, uma tarefa de dimensão europeia!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O verdadeiro princípio de subordinação do poder económico ao poder político não é mais um princípio restrito à dimensão do Estado nacional, nem o princípio de garantia de que não se reconstituam as tais doze famílias que ocupavam as alavancas do poder económico antes do 25 de Abril e que o Sr. Deputado Nogueira de Brito veio aqui lamentar que não fossem indemnizadas regiamente, como entendia ser dever de justiça. Não é isso que hoje significa o princípio da subordinação do poder económico ao poder político! A subordinação do poder económico ao poder político faz-se a nível transeuropeu, faz-se no âmbito das Comunidades Europeias e criando-se fórmulas de cooperação entre os vários sindicatos europeus, porque uma multinacional alemã tanto explora trabalhadores em Portugal como na Alemanha e pode, inclusivamente, beneficiar das contradições entre as condições objectivas de prestação de trabalho nesses dois países para garantir formas de chantagem sobre os trabalhadores do elo mais fraco da cadeia, que será sempre o dos países do capitalismo periférico!
É em nome da defesa dos interesses dos trabalhadores que os deputados do PCP deviam reconhecer que o combate que nós temos de travar é o combate pela coesão económica no âmbito comunitário e o do acrescentamento da dimensão social ao Mercado Único Europeu. Nós gostávamos de ouvir a voz do PCP enfileirar mais com a do Partido Comunista Italiano do que com a voz do Partido Comunista Francês!

O Sr. Filipe Menezes (PSD): - Que ilusão!

O Orador: - Reconheço que a evolução do mundo deve ser angustiante para quem sempre teve uma posição recalcirante em relação à integração na CEE ou para quem sempre considerou que Portugal acabaria por nunca entrar na CEE porque, quando chegasse o momento, a CEE já não existia. Reconheço que para o PCP seja angustiante, como há pouco o Sr. Deputado Octávio Teixeira deixava entrever, que não haja uma burguesia nacional anti-europeia e nacionalista!
Reconheço que, dentro dessa lógica, falta ao PCP o que o PCP tem em França, ou seja, uma burguesia nacional que diga que a CEE é má e é prejudicial para os nossos interesses, que a CEE nos sateliza e faz de nós, empresários portugueses, meros capatazes de interesses económicos estrangeiros! Mas não! O PSD não tem coragem de não ser europeista, embora tenha contradições no seu seio sobre essa matéria, e o CDS, porque recebe mais benefícios eleitorais nas eleições europeias do que nas eleições nacionais, é o mais europeista dos europeistas!
Falta, de facto, a este espectro uma direita nacionalista e não-europeia - reconheço isso -, simplesmente, é preciso compreender que, no quadro da integração europeia, o que está em causa é a mudança da natureza da função de Estado na economia: não mais o Estado-produtor idolatrado pelo do Sr. Deputado Octávio Teixeira!
Tenho muita pena de lhe dizer isto, Sr. Deputado, pois nós, socialistas, somos os primeiros a reconhecer que a ideia de que o Estado-produtor, o Estado apropriador colectivo dos meios de produção era a condição imprescindível do progresso social da sociedade socialista almejada por tantos homens e tantas mulheres ao longo da história, que era o Estado produtor que constituiria, pelo desapossamento da propriedade privada, a garantia do progresso e da igualdade social do combate às desigualdades sociais.

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No entanto, o papel do Estado é hoje um papel muito diferente. É um papel de regulador económico e de regulador social e não é mais um papel de mero apropriador. E isto, Sr. Deputado Octávio Teixeira, não é incoerência - digo-lho com toda a sinceridade - e não é decaimento porque, se o fosse, teriam decaído todos os partidos socialistas e social-democratas da Europa comunitária e teriam decaído todos os partidos comunistas da Europa comunitária excepto o PCP e talvez o Partido Comunista Francês.
E que dizer dos decaimentos do leste europeu?! Como explicar o decaimento do Partido Comunista Chinês, de 100 milhões de laboriosos comunistas chineses que defenderam a privatização das terras e que transformaram os solvkhozes e os kolhozes locais em pequenas parcelas de exploração privada cujo uso e usufruto foi entregue a famílias de produtores agrícolas por 99 anos, com possibilidade de transmissão aos seus herdeiros?! Como não censurar veemente o decaimento do Karoly Grosz Primeiro-Ministro da Hungria, que disse: Nós, na Hungria, pensamos que deve ser privatizada a economia e que o Estado basta apenas controlar 30% do sector economia global?!
Concluindo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, penso que o PCP não permanecerá surdo a estes novos desafios, porque, sinceramente, se o PCP pretende defender da melhor maneira os interesses dos trabalhadores portugueses tem de compreender que essa defesa se joga hoje num outro plano. Há também um novo paradigma para a defesa dos interesses dos trabalhadores, não é o passadismo que os defende melhor, é a assumpção dos novos desafios e dos novos combates que estão pela nossa frente. Digamos que a posição do PCP acabará, naturalmente também, por mudar sobre esta matéria. E para que esta intervenção, a esta hora tardia, não ficasse com um tom excessivamente crispado da minha parte, permitia-me conclui-la com um poema dedicado ao PCP pelas acusações que nos dirige. Reza assim:

Decai leve, levemente A reclamar contra mim. Será chuva ou vento leste? Vento não é certamente O PC decai assim!

Aplausos do PS, do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado António Vitorino, não espere que lhe cite Florbela Espanca a esta hora da noite. De facto, não vou fazê-lo, mas também não vou «espancá-lo»...!
V. Ex.ª disse um conjunto de enormidades que, nem por serem já conhecidas dos debates da CERC, deixam de ser, a esta hora da noite, estrepitosas: comecemos pela primeira.
É interessantíssimo que o PS tenha necessidade de fazer, quase, arqueologia para responder a esta questão tão simples: o que é que o PS propõe em matéria de privatizações? Esta pergunta, aparentemente a mais simples de todas, exige verdadeiramente uma legião de enciclopedistas, que, folheando tudo o que é papel, andem à procura de recortes, de retábulos, do que quer que seja, de actas, e ainda assim haverá controvérsias.
O Sr. Deputado Jorge Lacão «atira-se» ao Sr. Deputado Almeida Santos, o Sr. Deputado Almeida Santos e o Sr. Deputado António Vitorino não se entendem quanto ao que cada um deles disse. E porquê? Porque o PS começou por ser hiper-ambíguo na definição das suas posições!
Mais: o que o PS propõe no projecto de lei de Revisão Constitucional n.° 3/V é uma coisa, mas logo o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia teve necessidade de, em projecto próprio, vir dizer que «a privatização (...) só poderá efectuar-se nos termos de lei aprovada por maioria qualificada de dois terços dos deputados em efectividade de funções». Assim o disse o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, porque o projecto do seu partido era ambíguo.
Quem lesse a imprensa também sabia que isto estava em discussão. Dizia, por exemplo, um jornalista que, de resto, se senta por aqui: «Entre os socialistas há divergências sobre esta orientação. Na generalidade, admite-se que leis cuja relevância é tão grande como a legislação eleitoral ou a Lei de Defesa Nacional possam obrigar a uma maioria qualificada de dois terços. No entanto, quando se trata de exigir o mesmo estatuto, por exemplo, para uma futura lei-quadro das privatizações as opiniões começam a divergir. Há quem defenda que as privatizações competem, única e exclusivamente, ao Governo e que o PS, ao querer ter uma interferência directa, está a assumir uma responsabilidade que não cabe a um partido da Oposição. Há quem pense, pelo contrário, que a Assembleia da República deverá ter uma palavra a dizer sobre todo o processo e que só poderá ter, face à maioria absoluta do PSD, se a maioria qualificada de dois terços for introduzida, pelo menos, para definir o enquadramento das privatizações.»

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Isso foi um empresário!

O Orador: - Mais: em outra versão, o engenheiro João Cravinho dizia numa sugestiva notícia - aliás, anunciada, com este ante-título: «A irreversibilidade das nacionalizações vai acabar» - estas palavras: «é ideia assente do PS haja ou não haja eleições, qualquer que seja o momento da revisão», mas o mais importante é a questão de saber como se fará a abertura. E aqui o PS teme os açougueiros e pretende proibir os negócios políticos em alienações de empresas. O engenheiro João Cravinho, muito sensatamente, defendia, nessa altura, que «o sector público empresarial deve ser objecto de uma lei-quadro que diga: o sector público empresarial rege-se por lei-quadro, a qual só poderá ser aprovada ou alterada por maioria qualificada de dois terços, por exemplo.» Isto foi dito. Depois as opiniões flutuaram.
Entretanto, o cavaquismo fez uma coisa simples: começou a aplicar no terreno uma política de privatizações a latere da Assembleia da República impondo factos no terreno, criando terreno. E como é que respondeu o PS a isso? Respondeu tardiamente, repito, tardiamente, na CERC com a declaração do Sr. Deputado António Vitorino em Junho de 1988, na altura em que o Dr. Constâncio e o Dr. Cavaco se encontravam por aí para celebrar as primícias de um acordo que, na altura, não foi assinado.

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E essa solução para que apontavam garantia sequer uma lei-quadro aprovada por dois terços? Nós tínhamos grandes inquietações nessa altura, e quando na CERC alertámos para o perigo de, interpretando palavras do Sr. Deputado Rui Machete, se chegar a uma lei-quadro magrinha, de baixa densidade, arriscadamente balofa, apontávamos para um perigo: o de o PS decair.
Sr. Deputado António Vitorino, V. Ex.ª pode dizer isso em verso de pé quebrado, em sonetos, em haiku's (à japonesa), mas o PS decaiu, pretérito perfeito, decaiu! Renunciou à garantia de que as privatizações só pudessem fazer-se por dois terços. Ao fazê-lo debilitou gravissimamente a muralha de defesa de um dos esteios fundamentais da democracia económica. Isto é um facto!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Bom, e o que aconteceu depois? Aconteceu que o PSD disse ao PS: «Não!» A isto o PS não respondeu coisa alguma e hoje só traz aqui um chorrilho de desculpas.
Aquilo que V. Ex.a acaba de fazer, tal como à tarde no confusíssimo discurso do Sr. Deputado João Cravinho, não passa de um chorrilho de desculpas, de desculpas de partido derrotado, de partido que não conseguiu impor uma garantia substantiva da democracia económica, que decaiu em relação a garantias fundamentais e que aplica a Portugal mecanicamente, de forma, de resto, inconsistente politicamente, uma série de leituras que tem frescas na memória, mas que não sabe transpor com o mínimo de consistência para a nossa realidade.
O Sr. Deputado António Vitorino, embora seja l hora e 10 minutos, confunde o camarada Karoly Grosz com Professor Aníbal Cavaco Silva. É uma confusão fatal, porque o PS ao aprovar uma norma deste tipo concede ao cavaquismo dois tipos de coisas: primeiro, vantagens tácticas imediatas, o poder de privatizar quase onde quiser, quase como quiser, utilizando os frutos para efeitos eleitoralistas, se quiser, contra o PS, contra a oposição democrática, contra todos nós. E pergunto-lhe: isso é lúcido da parte de um partido da Oposição?!
Segundo: concede ao cavaquismo vantagens futuras. V. Ex.ª teceu uma legião de hexagramas sobre o paradigma futuro, descreveu um modelo verdadeiramente idílico de uma economia assente num paradigma novo, mas quem tem, neste momento, as alavancas do poder do Estado é o cavaquismo. V. Ex.ª tem entre esse seu paradigma idolatrado, esse retraio de sonho, essa gravura oriental, o perfil sisudo, hierático e faraónico do Professor Aníbal Cavaco Silva que vos insulta de manhã, à tarde, à noite, que neste momento vos concede o favor humilhante de uma trégua e vos diz: «Rapazes façam a Revisão Constitucional, que nós não vos batemos; logo que vocês acabem de dar a prestação da Revisão Constitucional vem aí chuva.»

Risos.

E VV. Ex.ªs acham isto bom? VV. Ex.ªs acham isto «o máximo»? VV. Ex.ªs congratulam-se com o «novo paradigma», que não passa de uma leitura livresca que estando nas vossas excelentíssimas cabeças, na prática, está nas mãos do Ministro Cadilhe, do ministro do «eucalipto», do inepto Secretário de Estado Macário e tutti quanti. E vocês acham isto um bom negócio!... Ó Sr. Deputado António Vitorino, repense lá isto! Mesmo no seu grupo parlamentar há quem pense que não é um negócio tão bom assim...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado António Vitorino, dir-lhe-ei, desde já, que a sua intervenção aumentou as nossas preocupações.

Pausa.

A Sr.a Carla Diogo (PSD): - Já não sabe o que há--de dizer!

O Orador: - Ó minha senhora, se está com sono,... Quando peço a palavra sei o que hei-de dizer, a senhora é que é capaz de não saber o que há-de dizer.

Protestos do PSD.

A defesa que o Sr. Deputado António Vitorino fez daquilo que apresentou como modelo comunitário de intervenção do Estado na economia - não mais o Estado produtor - só pode aumentar as nossas preocupações, muito sinceramente.
Em relação ao conceito que acabou de defender há pouco eu gostaria de fazer-lhe algumas perguntas. Qual é, afinal, o sentido útil, efectivo e substancial que os Srs. Deputados do PS reservam ao facto de nas propostas que apresentaram para a alteração da parte económica da Constituição manterem a apropriação colectiva dos meios de produção?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Boa pergunta!

O Orador: - Qual é o sentido útil que os Srs. Deputados atribuem às afirmações, que têm reiterado durante todo o dia, de que são defensores do sector empresarial do Estado forte?
Efectivamente, aquilo que o Sr. Deputado referiu é demasiado importante e, por isso, faço-lhe, ainda, uma outra pergunta: o Sr. Deputado não considera que há nesta proposta conjunta relativa ao artigo 83.° uma clara, manifesta e evidente debilitação das garantias de existência sector empresarial do Estado, do sector público da economia?

O Sr. José Magalhães (PCP): - É óbvio!

O Orador: - O Sr. Deputado diz que, simultaneamente, se propõe que fique garantida a coexistência de sectores em que se inclui o sector público.
Sr. Deputado António Vitorino, quem é que vai fazer a interpretação da dimensão mínima que deve existir para o sector público da economia, para que seja cumprida esta garantia?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, solicitou a palavra para que efeito?

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O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, foi porque me surpreendeu o facto de V. Ex.ª não ter chamado a atenção do Sr. Deputado comunista, que se dirigiu de forma inconveniente, do ponto de vista parlamentar, a uma colega minha, o que é absolutamente inaceitável para qualquer um de nós.
É inaceitável que um Sr. Deputado, por muito enervado que esteja (todos nós nos enervamos), se dirija de uma forma absolutamente inconveniente, seja a quem for. No caso concreto, tratava-se de uma colega minha.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, há figuras regimentais para os Srs. Deputados utilizarem quando se sentem ofendidos.
A Mesa não se apercebeu de que tivesse havido alguma coisa nesse sentido. Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, não foi para usar da palavra em defesa pessoal que o fiz.
Dirigi-me a V. Ex.ª, manifestando a minha surpresa pelo facto de não ter intervindo, o que não significa que estivesse a acusá-lo de, tendo visto, não ter agido. Manifestei a minha surpresa por V. Ex.ª não ter intervindo, apenas como reacção à intervenção de um deputado, que também é meu colega, relativamente a uma outra deputada, em termos que, parlamentarmente, são inaceitáveis.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não me apercebi de tal.
Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Octávio Teixeira: Presumia eu, mas pelos vistos avaliei mal, que tinha delimitado com o rigor possível, a mutação que, no quadro económico e em nosso entender, existe no papel do Estado.
O Estado produtor, como condição do progresso social, está ligado a uma concepção que, durante muitos anos foi perfilhada, (até aos anos 60), não só por comunistas mas também por socialistas, no sentido de que a aproximação colectiva dos meios de produção deveria ser progressiva, deveria ser cada vez mais alargada. Era sobretudo um processo irreversível, porque era condição do combate às desigualdades sociais.
O que hoje dizemos é que o combate às desigualdades sociais, não se faz através dessa marca fatalista da apropriação colectiva mas, sim através de instrumentos mais complexos, mais sofisticados, de natureza não apenas nacional mas transnacional, de natureza, no caso, comunitária, europeia, e que tem como objectivo, no essencial, conferir à coordenação das políticas económicas a possibilidade de os Estados intervirem na esfera económica com um papel regulador no domínio económico e no domínio social.
E esse papel regulador pressupõe, naturalmente, a existência de um sector público estadual, que tenha como objectivo fundamental garantir a possibilidade da definição de uma política industrial comunitária, que tenha em linha de conta a concorrência com o Japão e com os Estados Unidos da América, designadamente, e uma política de reconversão industrial e de renovação tecnológica que coloque os países da Comunidade Europeia na linha da frente da investigação científica, da investigação tecnológica e da reconversão das indústrias correspondentes.
Isso pode e deve ser feito pelo sector público empresarial do Estado. Esse é um papel muito importante a desempenhar pelo Estado na economia como motor da renovação e da reconversão económica.
Agora, não é a velha ideia de que só há socialismo se o Estado for, cada vez mais, o dono dos meios de produção. Essa visão não é desmentida por nós modestamente; essa é a visão que é desmentida pêlos próprios países socialistas, onde se estão a fazer essas mesmas reconversões económicas.
Ao Sr. Deputado José Magalhães, devo dizer-lhe que esperava uma outra intervenção da sua pane, não uma obsessão cavaquista à uma e meia da manhã.
Mas dela retiro três conclusões: primeira, V. Ex.a tem a obsessão do decaimento; é uma obsessão legítima. Aliás, a Constituição consagra o direito à obsessão, é um «direito implícito» e um «limite imanente». V. Ex.ª de tanto nos acusar de decairmos, provavelmente, acabará esta Revisão Constitucional a levitar, pela razão simples de que todas as distâncias são relativas. V. Ex.ª vai-nos afundando tão progressivamente que, quando acabar a revisão, estará verdadeiramente em órbita e, em vez da «sonda Magalhães», teremos «dois Magalhães» em órbita.

Risos.

Há um ponto também importante: descobri que, afinal, o Primeiro-Ministro húngaro, Karoly Grosz, não é um senhor, é um camarada, como V. Ex.ª corrigiu no decurso da sua intervenção, o que significa que, até 30% da economia estadual, ainda há direito ao tratamento «camarada». Fico tranquilo quanto ao seu critério, dentro do limite da reconversão dos países socialistas - 30% ainda é camarada, 25%, a ver vamos!...

Risos.

Último ponto: sobre as «leituras frescas». Não são frescas, Sr. Deputado José Magalhães! Tenho muita pena! Não é, de facto, o Manual da Academia de Ciências da URSS de 1964, reconheço isso. Não é o Programa de Bad Goldsberg, de facto, não é! São leituras mais recentes, é verdade. Olhe, é a leitura do nosso programa partidário...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Ele só lê «laranja».

O Orador: - ..., que nós renovámos em 1986 e que o Sr. Deputado José Magalhães não se deu ao trabalho de ler, naturalmente.
É a leitura do nosso programa partidário que lhe recomendo, aliás, vivamente, porque me parece ser uma leitura estimulante, não só para socialistas democráticos mas também para todos aqueles homens de esquerda que se preocupam com a necessidade da renovação do pensamento ideológico da esquerda portuguesa - e o Sr. Deputado é, indubitavelmente um deles!
Mas também lhe digo: não somos prisioneiros do socialismo pré-histórico, também não somos deslumbrados do liberalismo pós-moderno, mas, sobretudo,

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o que não nos impressiona é tentarem apodar-nos de modistas. Não temos necessidade de estar na moda, Sr. Deputado José Magalhães! Temos a segurança das nossas próprias reconversões ideológicas, assumimo-las com humildade e honestidade e, naturalmente, compreendemos que não sejamos acompanhados, para já. Mas, daqui a cinco anos, vamos ver o que é que o Sr. Deputado José Magalhães vai dizer sobre a Constituição económica saída desta Revisão Constitucional. E, se Deus quiser, estaremos cá todos!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, solicitou a palavra para que efeito?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, para exercer o direito de defesa em relação a uma das observações do Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. António Vitorino poderia ter entendido responder às questões que lhe foram colocadas, mas não o fez. E, ao não fazê-lo, não se limitou também a não fazê-lo. Poderia ter dito:« - Estou farto, estou cansado; já disse tudo o que sei na CERC. Além disso, já tenho um programa, já o fiz. Quem quiser, que o leia, quem não quiser, que não o leia. Conversamos daqui a sete anos!» Podia ter dito uma coisa desse tipo e íamos todos embora.
Mas não! Resolveu fazer uma pequena graça simpática em relação às nossas posições, quanto às alterações em curso na Hungria e quanto a uma coisa que eu tinha dito e que considero fundamental para todos nós. Aludo à confusão fundamental do Sr. Deputado António Vitorino e do PS.
Devo dizer que acompanho com grande atenção esse processo que, no interior do PS, tem conduzido a reflexões sobre as mutações da sociedade portuguesa. Tive o cuidado de ler o primeiro número da revista dirigida pelo Professor Eduardo Lourenço que contém muitos artigos de reflexão, incluindo o do ex-secretário-geral do PS, uma reflexão sobre o «Estado produtor», precisamente nos termos que o Sr. Deputado agora, aqui, acabou de nos reproduzir.
Procuramos, também, acompanhar as reflexões sobre o que possa ser a Europa das Comunidades. O que me fascina e verdadeiramente me preocupa é que o Sr. Deputado António Vitorino, que está acordado (mesmo a esta hora), seja incapaz de fazer o esforço de distinção entre aquilo que é a reflexão necessária sobre mudanças do mundo e as consequências das posições que o PS adopta na Revisão Constitucional, em relação às oito questões que nós definimos como sendo fulcrais e a que o PS se apega como um afogado a uma tábua.
Concretamente, Sr. Deputado António Vitorino, podemos discutir as mudanças no papel regulador do Estado. Podemos e devemos discutir como se pode organizar melhor um sector empresarial do Estado. Podemos e devemos discutir como é que se acaba com essa situação infernal em que os ministros da tutela asfixiam as empresas públicas, dando-lhes comandos insensatos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães terminou o seu tempo, solicito-lhe que conclua.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Podemos e devemos discutir isso tudo, mas, Sr. Deputado António Vitorino, o que o Partido Socialista faz, ao aprovar uma norma deste tipo, é precisamente o contrário daquilo que proclama: conceder aos mais ferrenhos opositores da sua visão, aos mais descarnados neoliberais, instrumentos para prosseguirem não a política que V. Ex.a enuncia, mas a política precisamente contrária. Não para defender os interesses que V. Ex.ª exalta, mas para defender os interesses mais retrógrados da nossa sociedade e da Europa das Comunidades.
São esses instrumentos que VV. Ex.ªs concedem e, ao fazê-lo, ainda o fazem com acinte em relação a quem como nós combate ao vosso lado fileiras da oposição ao cavaquismo.
Pergunto a V. Ex.ª: o que é que há de exaltante nessa vossa démarche ideológica? Como é que é possível que VV. Ex.ªs não compreendam as consequências do ponto de vista táctico e do ponto de vista estrutural dessas concessões, que são cedências, feitas ao cavaquismo.
É isto que consideramos que é acintoso que seja repetido incessantemente, sem que se progrida um milímetro. Em vez de suspendermos a discussão da revisão para estas questões serem repensadas, designadamente na vossa bancada, continua a desfilada, em termos tais que até V. Ex.a, a esta hora, já canta versos, mas não reconsidera minimamente, em termos de pensamento a vossa opção. É isto que lamentamos!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Como é evidente, não ofendi a honra do Sr. Deputado José Magalhães e se o Sr. Deputado tem características distintivas, uma delas é o sentido de humor, a imaginação e a criatividade. Não me acuse de ter feito uma pequena brincadeira sob um poema, porque o Sr. Deputado José Magalhães tem tomado nesta Revisão Constitucional tantas liberdades poéticas que, de facto, não pode colocar-se na posição de acusador público sobre um pequeno exercício de imitação que eu fiz em relação àquilo que é a sua prática normal.
Isto resume-se, no fundo, ao seguinte: já lhe disse, Sr. Deputado José Magalhães, várias vezes, que é impossível discutirmos na lógica de que a Revisão Constitucional se mede a dois anos de vista, que é para agora ou nunca, ou vai ou racha!

O Sr. José Magalhães (PCP): - E não é?

O Orador: - Isso é uma discussão entre sócios de um clube de futebol sobre o destino da respectiva direcção do clube. Não estamos a fazer uma Constituição para este Governo, nem estamos a fazer uma Constituição que se esgote nestes próximos dois anos. Estamos a pensar em Portugal, de facto, para além da conjuntura política, para além do Professor Cavaco, para além desse Estado «laranja», para além do Governo actual. Nós acreditamos que é possível abrir novas frentes de luta, para ganharmos as eleições em 1991.
É nisso que de facto apostamos. É por isso que pensamos que a lógica do Sr. Deputado José Magalhães, levada às últimas consequências, é uma lógica que faz do Partido Socialista um partido de parvos, porque nos

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diz: não privatizem agora porque não estão no Governo, estão na Oposição, esperem ir para o Governo e então privatizem; mas nessa altura seria a vez de a direita dizer não privatizamos, porque é a esquerda que está no poder, não é a direita. Ora, o resultado deste match seria nunca haver privatizações e o Partido Comunista ficaria, de facto, a rir-se. Conselhos desses não precisamos, muito obrigado!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, neste momento não temos mais inscrições.

Srs. Deputados, consideramos encerrado o debate do artigo 83.°
O Sr. Deputado José Magalhães pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que faltou avaliar um dos outros aspectos que a solução que o Partido Socialista e o PSD acordaram suscita. Seria lamentável que se discutisse praticamente na generalidade o artigo 83.° e não se discutisse o artigo 83.°-A, até porque o Sr. Deputado António Vitorino assentou muitas das suas considerações na exaltação das «virtualidades» do artigo 83.°-A.
Ora, Sr. Presidente, seria uma omissão lamentável, pelo menos, menos compreensível, que esse aspecto não fosse focado.
Nesse sentido pediria a palavra para uma sucinta intervenção.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vai desculpar-me, mas primeiro vamos tratar do artigo 83.° e, depois, passamos à discussão do artigo 83.°-A.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, essa distinção praticamente não foi feita no debate. O Sr. Deputado António Vitorino e eu próprio, referimo-nos indistintamente a um artigo e a outro, discutimos praticamente as diversas cláusulas, mas não em particular todas as cláusulas deste artigo. Foi essa a única omissão que foi feita.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, vamos primeiro fazer o ponto da situação das propostas que irão ser votadas relativamente ao artigo 83.°
Assim, a proposta do PS está prejudicada, considerando a proposta da CERC, assim como a proposta de eliminação do PSD que foi retirada. Ficam para votar relativamente ao artigo 83.° as seguintes propostas: do CDS do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia de substituição à proposta apresentada pela Sr.a Deputada Helena Roseta, que passou a ter o n.° 24, a proposta do PRD e ainda a proposta da CERC.
Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 83.°-A.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este artigo 83.°-A foi adiantado pelo Partido Socialista, como sendo uma importante garantia de que as privatizações se fariam segundo regras salvaguardadoras de um conjunto de valores fundamentais. Valores esses que justificariam, segundo o PS ainda, a justeza da posição adoptada pêlos deputados socialistas ao transaccionarem aquilo que transaccionaram com o PSD no famoso e negregado acordo político de Revisão Constitucional.
Lamentavelmente, não ocorre assim. Desde logo, Sr. Presidente, Srs. Deputados, como o debate, logo em Janeiro de 1989, revelou, o Partido Socialista abandonou a preocupação constante do seu projecto de Revisão Constitucional de estabelecer um regime de especial salvaguarda da situação das empresas indirectamente nacionalizadas fora dos sectores básicos de actividade.
Em relação a estas, o Partido Socialista não acautelou um conjunto de regras e de princípios, senão aqueles que possam, por uma aplicação analógica na parte possível, decorrer deste mesmo artigo 83.°-A.
Quanto ao conteúdo desta norma, o debate feito na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional permitiu aprofundar os seus contornos, mas também as suas claras debilidades.
Sobre este artigo chegou o deputado Jorge Lacão a dizer que ele consumia, no fundo, o sonho ou a aspiração do PS a que as questões das privatizações fossem decididas por uma maioria de dois terços. Chegou mesmo a dizer: «Quando originariamente se falava em aprovação de lei por maioria de dois terços não se tinha dito nada acerca do conteúdo que essa lei deveria ter. Apenas se dizia que o processo de validação da lei implicava maioria favorável de dois terços. Imagine o Sr. Deputado Marques Júnior» - que era o interlocutor de então - «que uma lei através de um processo ordinário, mas submetida a uma regra de dois terços vinha a consignar o conjunto de regras e garantias que agora já se vertem transitoriamente para o texto constitucional. Então, teríamos alcançado por via do processo legislativo ordinário aquilo que, afinal de contas, já estamos a alcançar por via do próprio processo de Revisão Constitucional, o que significa também que está esgotado o objectivo útil da lei de dois terços.» Isto é verdade, Srs. Deputados? Está esgotado o objectivo útil de uma verdadeira e própria lei aprovada por maioria qualificada de dois terços?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Está esgotado!

O Orador: - A leitura dos preceitos revela, infelizmente, o contrário, salvo para o Sr. Deputado Silva Marques a quem é literalmente indiferente o que o preceito diga.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Eu próprio estou esgotado!

O Orador: - Sim, mas isso já aconteceu há muitos anos, Sr. Deputado, e não há nada a fazer!
A primeira regra que se estabelece é a regra do concurso público. Quanto a esta regra o debate na CERC, Sr. Presidente, Srs. Deputados, permitiu clarificar um aspecto e até alterar a redacção. Aí, onde o texto rezava «a reprivatização da titularidade ao direito de exploração de meios de produção e outros bens nacionalizados depois do 25 de Abril de 1974, realizar-se-á, preferencialmente, através de concurso público, oferta da bolsa de valores ou subscrição pública», veio aditar-se mais tarde, na sequência de debates uma outra norma que diz: «Em regra e preferencialmente através de concurso público.»
Todavia, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é óbvio que esta norma, contrariamente a tudo aquilo que decorreria da argumentação do Partido Socialista, não exclui a via da negociação particular. Essa matéria foi

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objecto de uma apreciação santificante e branqueadora por parte do Sr. Deputado António Vitorino há pouco.
O Governo anuncia, porém, já, abertamente, que vai privatizar como entender, uma vez que não é suficientemente fixa, a regra ou a possibilidade da negociação particular. Isso, evidentemente, é inquietante. Importa não deixar esvaziar o próprio conteúdo basilar desta cautela, que assim se quis introduzir.
Portanto, neste ponto todas as desconfianças são legítimas, dada a prática governamental. O Governo recusa-se a revelar qual é o seu programa privatizador; esse programa é um mistério que existe, porventura, naquele compartimento secreto da célula mneumónica do Primeiro-Ministro. Não é objecto de discussão sequer com outros sectores do Partido Social-Democrata, é inteiramente desconhecido da Oposição, não é objecto de debate parlamentar nem de apreciação da Comissão de Economia, Finanças e Plano.
As privatizações são um totoloto a fazer-se, segundo um plano, contido nos cérebros do PSD, o que em si mesmo é um factor de sobeja inquietação, sobretudo quando todos os dias declarações avulsas de ministros vão revelando aspectos soltos e vão indiciando que há, porventura, quem conheça já, no âmbito dos grupos privados, o quê, o como e o quando de certos projectos de privatização.
Quando certas bocas de gestores se abrem, como aquelas que o meu camarada Octávio Teixeira aqui citou, então é caso para admitir que o processo de privatizações que através desta forma se pretende viabilizar, se arrisca a ser um processo inçado de irregularidades ou de aspectos que poderão vir a originar situações de violação da própria legalidade ou, pelo menos, da lisura de procedimentos.
O que é grave é que o Partido Socialista, ao viabilizar uma norma deste tipo, assume uma co-responsabilidade pêlos próprios resultados. Não pode dizer: «Nós aprovámos um quadro geral, a prática governamental é da exclusiva responsabilidade do Governo.» Não! Quem abre as comportas assume a responsabilidade da enxurrada. O Partido Socialista com abre as comportas e é co-responsável pela enxurrada. Obviamente, esta é uma conclusão da máxima gravidade, à qual o Partido Socialista não pode furtar-se.
Mas, aí, o Sr. Deputado António Vitorino introduz usualmente, e mais uma vez o fez agora, um outro argumento que é o do alargamento das frentes da resistência, o qual se resume, assim: é verdade que o Governo adquire uma margem ampliada de poderes, mas também é verdade, argumenta o Sr. Deputado António Vitorino, que a Oposição encontra também aí outras novas frentes de resistência, novas frentes de oposição. É verdadeiramente a mentalidade do «bombeiro pirómano», o bombeiro que já não contente com os fogos que tem, ainda se permite atear com as suas próprias mãos, outros fogos que tornam ainda mais difícil a defesa de valores que seria importante preservar.
A segunda regra que aqui se subscreve, a regra da afectação especial das receitas, também ficou demonstrado no debate da CERC que não corresponde aos parâmetros que o Partido Socialista tinha no início anunciado publicamente. Essas verbas podem ser afectas a despesas correntes e, além disso, podem constituir um confortável fundo de maneio, através do qual o Governo, na altura própria, se liberte de certos encargos orçamentais, para poder anunciar certas benesses, certas vantagens, com as quais, naturalmente, não quererá favorecer os partidos de Oposição, nomeadamente o Partido Socialista, mas seguramente, favorecer a sua estratégia de perpetuação no poder, custe o que custar, qualquer que seja o preço em termos nacionais.
Em relação à terceira cláusula, à terceira cautela, devo dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que ela não nos deixa confortados. A norma prevê: «Os trabalhadores das empresas objecto de reprivatização manterão no processo de privatização (...)» - repare-se, «manterão no processo de privatização» - «(...) da respectiva empresa todos os direitos e obrigações de que forem titulares.» Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados e em particular Srs. Deputados do Partido Socialista, não nos equivoquemos. A privatização de uma empresa implica uma alteração de estatuto e, designadamente, implica uma mudança de estatuto das respectivas comissões de trabalhadores.
Nesta matéria, Srs. Deputados do Partido Socialista, VV. Ex.ªs não acordaram, não pactuaram, qualquer regime especialmente protector. Pelo contrário, aceitaram uma norma destas que, face à experiência de certas privatizações a 4997o, não nos tranquiliza minimamente.
Em relação às regras respeitantes à avaliação prévia dos meios de produção e outros bens a reprivatizar por intermédio de mais de uma entidade independente, aquilo a que se tem assistido, em matéria de avaliações, de contra-avaliações, de coincidência entre avaliadores e interessados na aquisição, é um verdadeiro escândalo que seria, só por si, o bastante para alertar para a gravidade e insuficiência do esquema que se encontra previsto.
Quer isto dizer, pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que infelizmente o PCP tinha razão quando, numa madrugada semelhante a esta, receou que o clausulado a acordar entre o PS e o PSD, em matéria daquilo a que se chama «princípios para a reprivatização prevista no n.° 1 do artigo 83.°», fosse um conjunto de normas de densidade magra, de conteúdo insuficiente e, sobretudo, largamente insuficiente para dar resposta à questão que o próprio Partido Socialista tinha colocado. Essa questão, recordo, mais uma vez, agora citando apenas de memória o recorte em que o Sr. Deputado António Vitorino declarava noutra fase - o Sr. Deputado António Vitorino teve muitas fases - que a garantia dos dois terços era indispensável para que as decisões atinentes a uma matéria tão importante não fossem tomadas por uma maioria monocolar, segundo os seus critérios singulares, cedendo eventualmente às pressões dos lobbies, sujeita a mecanismos de decisão, eventualmente, antidemocráticos ou, pelo menos, não inteiramente fiscalizados nem partilhados.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Essa era a fase rósea!

O Orador: - Exacto! Diz o meu camarada Carlos Brito que essa foi, na vida do Sr. Deputado António Vitorino, a fase rósea, logo substituída pelo fase plúmbea, que foi a fase decorrente do acordo entre o PS e o PSD.

O Sr. António Vitorino (PS): - Não é por me provocarem pessoalmente que respondo!

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O Orador: - Bem, o Sr. Deputado António Vitorino não só não responde como está surdo.

O Sr. António Vitorino (PS): - Estou!...

O Orador: - Desde que em 14 de Outubro foi celebrado o acordo político de Revisão Constitucional entre o PS e o PSD, o Sr. Deputado António Vitorino, além de ter abandonado diversos cargos políticos, entrou em surdez, nenhum argumento lhe penetra o aparelho auricular.
Podemos fazer esforços no sentido de lhe relembrar os seus argumentos passados porém, não penetram. E o PSD sassaricando!
Podemos tentar recordar que estas normas quase não valem nada. O Sr. Deputado António Vitorino fica impenetrável. E o PSD sassaricando!
Aludimos às debilidades de toda esta malha e às péssimas intenções do Professor Aníbal Cavaco Silva. O Sr. Deputado António Vitorino continua inteiramente surdo. E o PSD sassaricando!
Esta regra, em que o PSD sassarica e o Sr. Deputado António Vitorino faz exercícios de surdez e claudica, configura um gravíssimo problema político em Portugal. O problema é simplesmente este: o Partido Socialista, que não queria que houvesse Revisão Constitucional a poucos dias do processo eleitoral, está a tê-la a poucos dias do processo eleitoral e até 31 de Maio, ao mesmo tempo que o PSD, que queria precisamente isso, está a ter o bloqueamento da Assembleia da República...

O Sr. Silva Marques (PSD): - O Sr. Deputado podia repetir os dois últimos parágrafos do discurso!

A Sr.ª lida Figueiredo (PCP): - Para si não vale a pena! Era tempo perdido!

O Orador: - Ó Sr. Deputado ainda tenho nove minutos e quatro segundos, portanto, ainda poderia repetir os dois últimos parágrafos mas não o farei para V. Ex.ª Tenha paciência! Não o farei, porque não o merece! V. Ex.ª depois pode ler a acta. Muda da leitura do «Tio Patinhas» para a leitura da acta e terá paciência de recuperar este debate bem interessante.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Com certeza!

O Orador: - Em relação à postura do Partido Socialista, Sr. Presidente e Srs. Deputados, e em conclusão, o que mais nos preocupa é precisamente essa insensibilidade a todos os argumentos. Vejam-se os argumentos em relação à oportunidade de fazer a revisão assim e nestes termos. É notável a insensibilidade com que o Partido Socialista aceitou, esta manhã, fazer aprovar um regimento, que não tem precedente na história parlamentar portuguesa, para imprimir um galope absolutamente frenético a um processo de revisão que deveria ter a máxima dignidade. Por isso, gastaremos até ao último minuto o tempo que hoje temos antes que a Assembleia da República seja obrigada a discutir por pacotes dezenas e dezenas de artigos, implicando dezenas e dezenas de alterações, que exigiriam que o PS se explicasse. Ainda que o Sr. Deputado António Vitorino persista em ser surdo, o PS teria o dever de explicar!
Pode acontecer que o Sr. Deputado Jorge Sampaio não ponha aqui os pés; pode acontecer que diga uma coisa na televisão e aqui não diga coisa nenhuma; pode acontecer que haja deputados do PS que se queixem de que o Regimento do deputado Silva Marques é um garrote e uma rolha, mas o engulam por inteiro e o aplaudam quando aplicado à revisão que isso não passará sem o protesto mais firme do PCP.
Não aceitaremos que, nesta matéria, estas violações qualificadas das regras de lisura do funcionamento da Assembleia da República passem sem um firme protesto e, ao usarmos os nossos direitos e ao preenchermos o nosso tempo, não é por uma insistência caturra em fazer afirmações que poderiam ser dispensadas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É para sublinhar um ponto de vista e esse ponto de vista é o de que W. Ex.as não nos farão desistir nem renunciar da nossa perspectiva de defesa activa da Constituição. Poderão ficar calados, ou dizer dislates numa insistência provocatória, mas não nos calarão!

Aplausos do PCP.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Pareceu-me uma grave injustiça ter invocado o Sr. Jorge Sampaio e não ter invocado o Dr. Cunhal! Há muito tempo que o não vemos!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, relativamente a este artigo, fica para votação apenas a proposta da CERC, dado que as outras, subscritas pêlos Srs. Deputados do PSD e do PS, estão prejudicadas. Não havendo inscrições sobre o artigo 83.°-A, dou por encerrado o debate.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Sr. Presidente, os deputados da Intervenção Democrática, quando eram agrupamento parlamentar, que acabou como todos sabemos, apresentou um projecto de lei...

Risos do PSD.

A galhofa, Srs. Deputados, é lamentável. Não me impressiona muito certa galhofa de deputados e de deputados que nem o nome sei, porque nunca intervêm aqui nem em comissões, mas de outros Srs. Deputados fico preocupado que haja galhofas.
Como estava dizer, nós apresentámos um projecto de lei de Revisão Constitucional, atribuíram-nos um tempo de discussão que não podemos discutir porque

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fomos afastados da conferência de representantes dos grupos parlamentares e esse tempo, como todos sabemos, diminuiu em 60 minutos.
Tanto eu como o Sr. Deputado Raul Castro calendarizamos as nossas intervenções, como uma grande preocupação, mas verificámos hoje, ao princípio da noite, que, afinal, teríamos que gastar os 27 minutos que tínhamos reservado - gastei esta noite não sei se dez ou o que foi - e verifico agora que, por cedência do PS, a quem não pedi coisa nenhuma, nem eu nem o Sr. Deputado Raul Castro, e por cedência do Grupo Parlamentar do PSD, vamos ter vinte minutos...

Vozes do PSD: - Já não é mau!

O Orador: - ... para tratar agora do resto do debate deste pacote inconcebível que o PSD e o PS apresentaram.
O que pergunto, Sr. Presidente, é o seguinte: como é que vai ser distribuído o tempo, pelo menos aos deputados Raul Castro e João Corregedor da Fonseca, que são autores de um projecto de lei? Achamos que temos direito a tempo próprio e não por cedência do PSD, e porque não do CDS, do PRD e do PCP? Porque razão é que é assim? É evidente que quando se dá cinco minutos ao deputado Sottomayor Cárdia e à deputada Helena Roseta e dez minutos aos deputados eleitos pelo Círculo da Madeira, se eles o aceitarem é com eles. Nós temos um projecto próprio e precisamos de tempo e não um favor de vinte minutos. Afinal, o Sr. Deputado António Vitorino dá-nos 17,5 minutos e o PSD 2,5 minutos, ou é o contrário?
Sr. Presidente, não aceitamos, de bom grado, esta situação e amanhã teremos, com certeza, de levantar o problema se V. Ex.ª não tiver agora uma resposta. Gostávamos realmente de saber o que é que se está aqui a passar, porque verificamos que há tempos distribuídos para todos os grupos parlamentares e, de repente, como aconteceu na primeira fase deste debate, tivemos o nosso tempo diminuto mas tivemos 60 minutos e, na segunda fase deixamos de ter tempos e é-nos cedido, por favor, pelo PSD e pelo PS, a quem não pedimos e estamos na disposição de recusar.
Sr. Presidente, queremos intervir no debate, temos direito a tempo próprio e, por isso, gostava que pudesse expor o que tem a dizer-nos sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tenho muito pouca coisa a dizer-lhe, pois não estive na reunião da conferência de líderes onde foi decidida a distribuição dos tempos. Posso, no entanto, informar que amanhã irá ser votada uma proposta que tem a ver com o funcionamento da Revisão Constitucional. Quanto aos tempos, a única coisa que sei é que houve uma conferência de líderes onde essa situação foi colocada e discutida. Não tenho mais dado nenhum nem disponho, neste momento da súmula dessa conferência.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Sr. Presidente, peço desculpa por ter levantado esta questão, a esta hora, e lamento que o Presidente em exercício na Câmara não esteja munido da súmula. Levantei a questão ao anterior Presidente em exercício mas ele também não tinha a súmula e creio que o Sr. Presidente Vítor Crespo não presidiu à conferência de líderes. A verdade é que ando, há horas, a tentar saber o que é que se vai passar.
Portanto, Sr. Presidente, a votação que amanhã irá ter lugar nada tem a ver com os tempos mas com outras questões também globais desta calendarização. Julgo, pois, que era conveniente prevenir o Sr. Presidente da Assembleia, porque amanhã é possível que o trabalho não comece às 10 horas da manhã enquanto este problema não for realmente solucionado.
O facto de alguns Srs. Deputados representantes dos grupos parlamentares terem reunido e terem decidido desta forma arbitrária, não quer dizer que se faça tábua rasa dos direitos dos outros deputados.
Desta forma, Sr. Presidente, gostaria que, antes do início da sessão de amanhã, houvesse uma decisão e uma reavaliação deste problema, porque, tanto eu como o Sr. Deputado Raul Castro, temos direito a tempos. Não entenderei nem entenderemos - ninguém entende, com certeza - que, numa primeira fase tenham sido distribuído tempos aos deputados da ID e numa segunda fase não o sejam, passando aqui a beneficiar de tempo cedido pelo PSD e pelo PS.
É evidente que nada peço ao PSD em questões desta natureza, tanto mais que proibiram, na primeira fase, a transferência de qualquer tempo. Uma vez pedi a um grupo parlamentar a cedência de tempos e disseram-me que era proibido, porque foi proibido pelo PS e pelo PSD transferências de tempos, mas agora verifico que já há transferências de tempos do PS e do PSD para nós. Parece-me que isto não é - e vou utilizar esta palavra, embora ela irrite alguns Srs. Deputados - dignificante para este debate.

O Sr. Presidente: - Após tomar conhecimento da súmula que já se encontra na Mesa, encontro-me em condições de confirmar aquilo que o Sr. Deputado leu. Aliás, penso que fez a leitura de uma cópia da referida súmula.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, é para dizer - e o Sr. Deputado Narana Coissoró poderá confirmar - que a súmula não corresponde àquilo que foi discutido. É uma questão que amanhã termos de ver com os outros líderes parlamentares, pois a súmula, como disse, não corresponde àquilo que foi discutido e se acordou em conferência e, portanto, o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca tem inteira razão no que acha acaba de dizer. Na verdade, não foi, de facto, isso que se acordou na conferência de líderes.
Amanhã poderemos, então, ver isso juntamente com os outros deputados que participaram na conferência, no sentido de rectificar essa parte da súmula.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, não posso confirmar nada porque até agora não recebi nenhuma súmula e, portanto, não disponho desse elemento para poder confirmar ou infirmar se ela corresponde ou não ao que se passou. O que posso, contudo, informar é que aquilo que o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca acabou de dizer não corresponde rigorosamente ao que se passou na conferência de líderes.

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Isto é: a conferência de líderes fixou um tempo para todos os partidos e para os Deputados Independentes que têm propostas pendentes. Igualmente fixou os tempos para os Srs. Deputados Sottomayor Cárdia, Helena Roseta e para a ID. Agora não me lembro, exactamente, quais são esses tempos. E além desses tempos, ficou combinado que se eles fossem considerados exíguos, outros partidos cederiam alguns minutos para aumentar esses tempos. E o que o PSD disse foi que se fosse necessário, dentro do rateio, para além do tempo dado à ID, o PSD estaria na disposição de dar algum do seu tempo à ID. Depende da ID recebê-lo ou não. Agora o que não ficou combinado é que o tempo da ID seria dado pelo PSD. Isso de forma nenhuma ficou combinado.
Portanto, apesar de não ter visto ainda a súmula, é isto que posso testemunhar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, considerando a intervenção dos Srs. Deputados Carlos Brito, João Corregedor da Fonseca e Narana Coissoró e o gesto de consentimento do Sr. Deputado do PSD, Silva Marques, permitia-me desde já considerar rectificada, apenas nesta parte, a alínea a) da página três da súmula, que diz que estes tempos são cedidos pêlos Grupos Parlamentares do PSD e do CDS. Se este último partido não dispuser de tempo, então, serão cedidos pelo PSD e pelo PRD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, os tempos não são cedidos, mas sim oferecidos. E mantemos a oferta, evidentemente.

O Sr. Presidente: - Não, não Sr. Deputado. Os senhores oferecem para além dos vinte minutos, até porque estes vinte minutos são tempos que a conferência definiu por direito próprio para os Srs. Deputados que apresentaram projectos!
Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Obrigado, Sr. Presidente.
Obrigado, também, ao Sr. Deputado Narana Coissoró pela sua informação. Poderia não corresponder à verdade aquilo que disse, mas, de facto, corresponde porque tenho aqui a súmula.
Sr. Presidente, o Sr. Deputado Carlos Brito já explicou que o que está na súmula não foi bem o que se passou. O Sr. Deputado Narana Coissoró diz o que diz..., o Sr. Deputado Silva Marques diz o que diz... Afinal, tudo uma grande confusão!
Era preferível, Sr. Presidente, que, antes do início da sessão de amanhã, este assunto fosse clarificado para que se evitem estes incidentes desnecessários. Que tudo se clarifique com o Sr. Presidente, reunindo até, se necessário, outra vez a conferência de líderes. As questões têm que ficar bem clarificadas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, está clarificado. O que se diz na súmula - «PSD/Madeira, dez minutos; ID, vinte minutos; deputado Sottomayor Cárdia, cinco minutos; e deputada Helena Roseta, cinco minutos» - não tem nada a ver com o 83.°-A. Isto é retirado. Esta parte está rectificada. Não se trata de tempo dado por qualquer grupo parlamentar mas, sim, de tempos a que têm direito no quadro dos tempos globais que foi dado para o debate nesta parte.

O Sr. Deputado José Magalhães, que tinha pedido já há bastante tempo a palavra, pode usá-la agora.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Tinha pedido, de facto, a palavra, Sr. Presidente, mas para tratar de uma questão inteiramente diferente e relacionada, ainda, com o artigo 83.°-A. Com efeito, há pouco, por lapso, não, anunciei a entrega na Mesa de três propostas que o meu grupo parlamentar, na sequência, de resto, da intervenção que estava produzindo, vai fazer, e que dizem, evidentemente, respeito às regras e princípios para a reprivatização prevista no n.° 1 do artigo 83.°
Se V. Ex.ª me permite, faria essa entrega na Mesa, agora.
Tais propostas visam a eliminação de certas expressões contidas no texto e, portanto, exprimem melhor o nosso ponto de vista sobre essas regras.
Gostaria, também, Sr. Presidente, de fazer a seguinte declaração: O Sr. Deputado António Vitorino, há pouco, entendeu, por razões que não tem de explicitar e que são o exercício de um direito seu, não dar resposta às observações que fiz, em termos hermenêuticos, deste artigo 83.°-A.
Foi pena e, pessoalmente, lamento que isso tenha ocorrido porque o debate sobre essa matéria, que exige, naturalmente, mais do que uma voz, teria utilidade para clarificar todo o alcance destas normas. Pela minha parte disse o que disse e consta da acta, mas é óbvio que entendemos que as normas contidas neste artigo 83.°-A são verdadeiras e próprias normas matérias. Porém, em relação ao seu grau de densidade, em relação à sua extensão, em relação ao seu conteúdo, temos um conjunto de críticas, de reservas, de observações, que pude, no debate da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, expender longamente.
Em todo o caso, não gostaria de deixar de sublinhar aqui para todos os efeitos, incluindo para os efeitos jurídico-hermenêutico-constitucionais, que é esse o entendimento que nós temos destas normas e que a adjectivação, que se socorre de conceitos importados da dietética - como é o caso da minha alusão ao «balofo» -, é uma imagem de estilo que visa exprimir a nossa decepção e a nossa crítica em relação à densidade insuficiente destas normas. Isso evidentemente, em nada pode servir de esteio a interpretações ou leituras redutoras e, seguramente menos ainda, a abusos como aqueles que foram recentemente anunciados pelo Sr. Secretário de Estado do Tesouro.
Gostaria de dizer isto para todos os efeitos constitucionais e regimentais, mas também para efeitos políticos. E permitam-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que lamente, de novo e profundamente, o silêncio da bancada do PS sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, naturalmente que também se deve levar à conta de flor de estilo a referência que o Sr. Deputado José Magalhães acabou de fazer ao nosso silêncio.
Na minha intervenção, referi-me às normas do artigo 83.°-A da Constituição e dei delas a minha interpretação. As actas da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional estão recheadas de interpretações

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sobre o significado das normas do artigo 83.°-A. Eu próprio, a esta hora da noite, mesmo que me tivesse esforçado, não teria decerto dito melhor do que aquilo que o Sr. Deputado José Magalhães acabou de dizer sobre as normas do artigo 83.°-A da Constituição.
Portanto, não houve quebra de diálogo mas, sim, pura e simplesmente, uma análise de custos/benefícios. E tendo em conta o adiantado da hora, entendemos que a nossa posição está clarificada, quer na minha intervenção, quer nas declarações que fizemos na Acta da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.
Quanto ao facto de o Partido Comunista ter entregue, agora na Mesa, depois de encerrado o debate sobre o artigo 83.°-A, as propostas de alteração sobre a matéria, que naturalmente nos impedem de discutir sobre este assunto, tal como se passou hoje de manhã em que a questão paralela foi levantada pelo Grupo Parlamentar do PCP, nós também não levantamos objecções a que essas propostas dêem entrada na Mesa. Porém, se entendermos qu? devem merecer alguma intervenção da nossa parte, teremos ocasião de a fazer, posteriormente, a propósito de outro artigo.

O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr. Deputado António Vitorino, quanto a essa possibilidade de debate.
Srs. Deputados, dou por encerrada a sessão.
Amanhã, a sessão inicia-se às 10 horas. Lembro que às 15 horas e 30 minutos temos a votação do projecto de resolução que foi debatido e a votação dos artigos da revisão que até àquela hora estejam discutidos.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, e a votação que ficou adiada?...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, nós estivemos a ver isso. Só que, na conferência, essa situação não foi colocada e tivemos algumas dúvidas, mas chamava a atenção dos Srs. Deputados...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Silva Marques.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António Costa de A. Sousa Lara.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Licínio Moreira da Silva.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Rui Gomes da Silva.
Rui Manuel P. Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

António Magalhães da Silva.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Rosa Maria Albernaz.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.

Partido Comunista Português (PCP):

Fernando Manuel Conceição Gomes.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Júlio José Antunes.

Centro Democrático Social (CDS):

José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Lopes Tavares.
Fernando José Alves Figueiredo.
João Costa da Silva.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Pereira Lopes.
Manuel José Dias Soares Costa.
Rui Manuel Almeida Mendes.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Foi, Sr. Presidente, e é uma questão muito importante visto que a votação não teve lugar porque nós pedimos o seu adiamento e, por isso, devia ter lugar hoje. E fizemo-lo na conferência porque é o exercício do direito de adiamento da votação que determina que, nesse caso, a votação tem lugar na sessão seguinte, portanto, hoje. E foi na conferência de líderes desta manhã que ficou assente que essa matéria também fosse votada amanhã às 17 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Fica feita a rectificação, Srs. Deputados.

Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 2 horas e 5 minutos.

Partido Socialista (PS):

Carlos Cardoso Lage.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Torres Couto.
Júlio Francisco Miranda Calha.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Domingos Abrantes Ferreira.

Deputados Independentes:

Raul Fernandes de Morais e Castro.

Os REDACTORES: Cacilda Nordeste - Maria Leonor Ferreira - José Diogo - Maria Amélia Martins.

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