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Sexta-feira, 2 de Junho de 1989 I Série - Número 91

DIÁRIO

da Assembleia da Republica

V LEGISLATURA 2.ªSESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)

II REVISAO CONSTITUCIONAL

REUNIÃO PLENÁRIA DE 1 DE JUNHO DE 1989

Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vitor Caio Roque
Cláudio José dos Santos Percheiro
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão ás 15 horas e 20 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n.º 407/V (PS).
Na conclusão do processo de revisão constitucional, produziram declarações finais os Srs. Deputados Sottomayor Cardia(PS), Helena Roseta e Raul Castro (Indep.), Guilherme Silva (PSD), Herculano Pombo(Os Verdes), Nogueira de Brito(CDS), Hermínio Martinho(PRD), Carlos Brito(PCP), Almeida Santos(PS), Costa Andrade(PSD), e ainda, na qualidade de Presidente da Comissão Eventual para a revisão Constitucional, O Sr. Deputado Rui Machete (PSD).
A Assembleia aprovou, em votação final global e por maioria qualificada de dois terços, o Decreto de Revisão Constitucional.
O Sr. Prssidente declarou encerrada a sessão eram 17 horas e 55 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
Américo de Sequeira.
António Abílio Costa.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Mário Santos Coimbra.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando Carvalho Guerreiro Cunha.
Arménio Pedroso Militão.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carla Tato Diogo.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Batista.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Flausino José Pereira da Silva.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Germano Silva Domingos.
Gilberto Parca Madaíl.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Humberto Pires Lopes.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Mendes Bota.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Batista Cardoso.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Assunção Andrade Esteves.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mary Patrícia Pinheiro Correia e Lança.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.

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Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Miguei Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Gomes da Silva.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Rui- Manuel P. Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida. Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Manuel Oliveira. Guterres.
António Miguel Morais Barreto.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Helder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Barroso Soares.
João Cardona Gomes. Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Florêncio B. Castel Branco.
José. Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Torres Couto.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Manuel da Silva Torres.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.

Maria do Céu F. Oliveira Esteves.
Maria: Julieta Ferreira B: Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel Caio Roque.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo Brito.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Domingos Abrantes Ferreira.
Fernando Manuel Conceição Gomes.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José' Manuel Santos Magalhães.
Júlio José Antunes.
Lírio António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Luisa Amorim.
Maria de Lurdes Dias Hespanhol.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
15abel Maria Ferreira Espada.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Rui dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de. M. Horta de Franca.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Maria Amélia do Carmo Mota Santos.

Deputados Independentes:

Carlos Mattos Chaves de Macedo.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Maria Helena do R. da C. Salema Roseta.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de iniciarmos o período das declarações finais sobre a Revisão Constitucional, o Sr. Secretário vai enunciar o diploma que deu entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, deu entrada na Mesa o projecto de lei n.º 401/V, da iniciativa do Sr. Deputado Rabaça Vieira e outros, do PS, sobre Regulamento do Exercício do Direito de Participação no Sistema de Segurança Social, que foi admitido e baixou à 10.º Comissão.

Sr. Presidente: - Como os Srs. Deputados sabem, vamos dar início às declarações finais sobre a Revisão Constitucional, pela ordem e com os tempos publicitados.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apraz-me começar por dizer que, no texto em apreço, a nova redacção de certos artigos reforça a garantia constitucional de alguns direitos fundamentais dos portugueses e que me congratulo com a atenuação do carácter programático da Constituição.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Infelizmente não posso declarar que o saldo seja positivo. Será «quantitativamente» (se a expressão tem algum sentido) positivo mas é qualitativamente negativo. Dos aspectos negativos destacarei apenas dois. São os mais relevantes no plano institucional. Por isso os seleccionei para intervir nestes breves e alongados dias de debate parlamentar em Plenário.
Substituir o Conselho de Comunicação Social pela Alta Autoridade para a Comunicação Social é coisa muito diferente de uma simples mudança de nomes. Extingue-se um órgão composto por pessoas individualmente eleitas na Assembleia da República por maioria de dois terços. Cria-se em seu lugar, e dotado de competências reforçadas e mais vastas, um outro, hipocritamente apelidado de «alta autoridade», cuja composição predominante fica em inteira dependência da maioria.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E porquê? Porque à nova criatura é dada competência para, com o Governo, decidir do licenciamento, a título perpétuo, dos canais de televisão disponíveis para o sector privado. Significa isto que o pluralismo na televisão privada é deixado à mercê do arbítrio da maioria. Mais rigorosamente da actual maioria. O objecto das normas que tal permitem esgota-se, de facto, na vigência da actual legislatura pela razão simples de ser escasso o número de canais disponíveis. Ou seja, a actual maioria política vai dispor de um poder único e exclusivo na história da televisão privada em Portugal.

Vozes do PCP: - Que vergonha!

O Orador: - Ter consentido em tal privilégio constitui iniquidade cívica. Esta é, não tenho dúvidas, a mais importante inovação introduzida no texto constitucional.
A aparentemente apenas demagógica redução do número de deputados é grave porque diminui o alcance do princípio da representação proporcional nas eleições legislativas. Também a eventual introdução de um círculo eleitoral nacional contrariará o efeito da proporcionalidade se for adoptado o sistema do duplo voto. Fica feita a advertência. Não é bonito que os maiores partidos mudem as regras do jogo eleitoral para desfavorecer os mais pequenos.

Vozes do PCP: - É grave.

O Orador: - Espero que não sejam dados novos passos nesse sentido.
Aplausos do deputado Herculano Pombo (Os Verdes).
Essencialmente pela primeira das razões indicadas mas também pela segunda, votarei contra o projecto de revisão, tal como infelizmente ele aparece para apreciação final global. É um voto inteiramente pessoal que a mim próprio me impus como decisão irreversível quando se consumaram as soluções que referi.
Muito se discutiu o artigo 83.º Teria preferido que as privatizações e as nacionalizações ficassem dependentes de aprovação por maioria parlamentar de dois terços. Seria útil à estabilidade das regras da actividade económica e à protecção de legítimos interesses em jogo, hoje e no futuro.
Impossível deixar no limbo das coisas esquecidas o desnecessário e insólito acto protoconstitucional ocorrido em Outubro de 1988. De forma ostensiva, os dois responsáveis por esse pronunciamento civil produziram uma eloquente aula prática de pedagogia do autoritarismo. Aditaram mais uma dosezinha tóxica à vasta companha de deseducação cívica e invertebração moral do povo português. Forçaram deputados a consentir no esvaziamento do seu mandato constituinte. O êxito de constrangimentos assim notórios, precisamente sobre aqueles que têm por missão protagonizar a liberdade, conduz inexoravelmente à fragilização dos referenciais da liberdade no espírito o ânimo e na têmpera dos cidadãos comuns.
As paixões extremistas desencadeadas em torno da parte económica da Constituição quase monopolizaram as atenções públicas sobre o processo de revisão. Ficou o País distraído do que de mais essencial se contém no novo articulado. Distraído e ainda hoje não informado. Pela parte de quem manda, houve o cuidado de tudo fazer para que tal distracção e ignorância fossem alcançadas. Também esse alheamento facilitou a preparação, consumação e eficaz aplicação do sobredito acto protoconstitucional.
Ninguém mais do que eu lamenta que a revisão não tenha sido feita com o exigível mínimo de equilíbrio e sem vexame de valores essenciais da cultura democrática.
Aplausos do PCP, de Os Verdes e dos Deputados Independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (Indep): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais importante na vida que ter razão é para mim ter critério. E no momento em que nos

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preparamos para dar o nosso voto final sobre o conjunto de alterações efectuadas na Constituição, interrogo-me em consciência sobre qual deverá ser o sentido do meu voto.
Apresentei aqui uma série de propostas, na certeza de que o meu contributo era limitado e pontual. Coloquei-me na perspectiva, que é a minha, de social-democrata, humanista, aberta às mudanças do nosso tempo e à necessidade de transformar mentalidades para fazer face ao futuro. Nenhuma das minhas propostas teve a aceitação do Hemiciclo, embora nalguns casos não houvesse votos contra.
Quanto às alterações realizadas por maioria de dois terços, nem todas mereceram o meu acordo. Registo, é certo, melhorias nalguns aspectos do texto final - sobretudo na área dos direitos e liberdades e nos mecanismos de aproximação entre eleitores e eleitos, reforçados com o referendo e o aperfeiçoamento dos direitos dos administrados. Também considero positiva a exigência de aprovação por maioria de dois terços da matéria referente à delimitação dos círculos eleitorais. É uma prudente limitação contra tentações de abuso de qualquer maioria simples.
Sucede, porém, que o critério do aumento de transparência e exigência de maiorias qualificadas, utilizado em cenas alterações do poder político não subsistiu noutras áreas decisivas do texto constitucional, designadamente na Comunicação Social e na organização do poder económico. Criou-se uma Alta Autoridade para a Comunicação Social, teoricamente independente, mas na prática viciada na sua composição pelo excesso de representantes a designar pelo Governo.
Aceitou-se retirar o princípio da irreversibilidade das nacionalizações efectuadas após o 25 de Abril sem acautelar a exigência duma maioria qualificada, abrindo assim as portas a abusos de poder que, de resto, estão à vista. Ora para mim a liberdade democrática pressupõe uma verdadeira isenção da comunicação social e uma subordinação real do poder económico ao poder político democrático. Infelizmente, o actual Governo não me dá garantias de exercer a sua acção com base em regras de democracia e de bom senso. Bem pelo contrário, constantemente vem dando sinais de autoritarismo e de abuso, o que deveria ter exigido maior vigilância da parte dos deputados aqui presentes.
Dir-me-ão que não se faz a Constituição a pensar no Governo ou num governo. É certo!, mas também não se deve desfazê-la sob a pressão do Governo ou dum governo. Em 1975 fiz parte dos que reclamaram a necessária independência dos deputados face a quaisquer pressões - na altura eram sobretudo as pressões de rua que nos chegavam aqui. Hoje direi que piores do que as pressões de rua são as pressões do poder instituído. Nunca as aceitei e não o farei também agora.
Queria que ficasse aqui também expresso o meu comentário sobre o exercício levado a cabo pelos representantes do PSD e do PS na CERC para retirarem da Constituição a chamada «carga ideológica». Direi, como o genial cientista Stephen Hawkings, que «toda a carga gera a sua anti-carga». Afinal o que vimos aqui foi substituir umas expressões por outras expressões, porventura talvez ideologicamente mais marcantes ou mais redutoras do que as primeiras.
Deixo alguns exemplos.
Porque se retirou da Constituição a expressão reforma agrária, que afinal abrange conceitos que vão do humanismo sergiano ao leninismo mais ortodoxo,
para em seu lugar deixar apenas a reforma fundiária, sob a expressão: «Eliminação de latifundiários e reordenamento dos minifúndios?»
Porque se trabalhou tanto para expurgar do texto constitucional o termo «socialização dos principais meios de produção» - expressão que também abrange conceitos provenientes da Doutrina Social da Igreja, do pensamento humanista e do pensamento marxista -, para se lhe preferir a «apropriação colectiva», que, a meu ver, é uma expressão bem mais redutora? E que significado terá esta «apropriação colectiva», quando afinal é uma maioria simples que vai decidir do interesse que tem ou não, para o País a manutenção de extensas áreas do sector público?
Que garantias nos dão de não estarmos a caminhar para o regresso a condições de desequilíbrio económico crescente entre os que mais têm e os que nada têm?
Porque tiraram da Constituição o facto de ser tarefa do Estado «a abolição da exploração e da opressão do homem»? Não será esse o sentido final de qualquer intervenção que se queira fazer em nome da liberdade, da igualdade e da solidariedade?
Como social-democrata não posso, pois, avalizar estas correcções ditas semânticas, que, ao fim e ao cabo, são para mim alterações programáticas.
Bem sei que uma Constituição não é, nem deve ser, a cópia do programa de nenhum partido, mas apagar dela soluções que abarcavam vários programas partidários para lhe introduzir esquemas meramente liberais, fazer isso é uma emenda que considero pior do que o soneto. E não só podemos dizer em rigor que, afinal neste texto se instaurou o texto do novo programa partidário - neo-liberal e tecnocrático - por que nenhum partido até aqui, em Portugal, foi capaz de assumir esse programa para si próprio no escrito e no texto.
Uma palavra final sobre as condições em que este debate se processou. Tudo se decidiu afinal em petit comité e à porta fechada não na CERC - e ressalvo-
-o aqui porque entendo que desempenhou o seu papel à custa do esforço e dedicação de todos os seus membros e desempenhou-o bem! -, mas entre as direcções do PSD e do PS. À porta fechada se fez um acordo depois apresentado como facto consumado. Estando o acordo feito, toda a participação dos restantes deputados, exteriores a esse acordo, perdeu sentido - nada acrescentaria ao que já estava decidido. Fomos assim forçados a participar numa maratona que intencionalmente se acelerou - já que do debate em Plenário nenhum resultado prático adviria para a Constituição. O acordo estava feito e o que era preciso era ratificá-lo. Nem os deputados, nem a imprensa puderam acompanhar com um mínimo de consistência o processo de votação, despido do seu sentido real, porque já estavam definidos previamente os votos e de nada adiantaria votar aqui, fosse qual fosse o sentido do voto. É por isso que tantos deputados, ainda hoje, não fazem uma ideia real do texto que vão votar nesta mesma sessão, o que considero negativo do ponto de vista da democracia e da responsabilidade que o facto de sermos eleitos nos deveria ter incutido a todos, de modo igual.
Dizia Sá Carneiro que «onde não há co-decisão, não há co-responsabilidade». Não sou responsável pelo acordo PSD/PS. Não será com o meu voto que a nova Constituição será aprovada. Bom seria que cada

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deputado pudesse aqui, sem quaisquer outras imposições que não a da sua consciência, assumir em plena verdade o seu voto.
Em última análise, é pela coerência entre o que pensamos e o que fazemos que iremos todos ser julgados.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e dos Deputados Independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (Indep): - Sr. Presidente, Sr s. Deputados: A comparação das Constituições portuguesas evidencia como a Lei Fundamental do nosso país é inseparável da caminhada do povo português para a sua libertação, com os seus avanços e recuos. Pode, por isso dizer-se, que a actual Constituição, nascida da revolução libertadora do 25 de Abril, e com ela identificada, representa o rasgar da Constituição fascista de 1933 e o retomar da linha de progresso da Constituição de 1911, ampliada e aprofundada pelas lutas, pelos sacrifícios e até pelo sangue de tantos portugueses, durante perto de cinco décadas, em prol duma sociedade mais justa, mais livre e mais fraterna.
Tal é bem visível, nomeadamente, no que respeita a dois aspectos essenciais da parte económica da Constituição, os que referem às nacionalizações e à Reforma Agrária.
Já em 1901, um dos mais prestigiados revolucionários republicanos, Alves da Veiga, defendia numa afirmação algo radicalizada, como era próprio da época, que «para restituir aos produtores a sua liberdade, é necessário que eles entrem na posse de todos os meios de produção (terras, oficinas, navios, bancos, créditos, etc)», acrescentando que «não há regeneração possível enquanto existir a apropriação individualista dos instrumentos de trabalho («Revista Política». 15 de Junho de 1901, p.28).
E, no século XVII, Serverim de Faria, afirmava que «(...) no Alentejo se pode prover que haja mais pão, se se mandar por lei, que nenhum lavrador possa lavrar mais de uma só herdade, porque se um lavrador lavrar muitas juntas sucedem muitas vezes as esterilidades que há nesta região (...)» («Livro de Notícias de Portugal», 1624).
Como Oliveira Martins, no século XIX, acentuava a necessidade do ataque «à omnipotência da oligarquia que em Portugal há muito monopoliza a terra, o capital e o poder» («O Problema Agrícola», p. 105), tal como Basílio Teles denunciava «a anomalia secular do latifúndio».
E já neste século, em 1918, Ezequiel de Campos, afirmava que «só uma revolução agrária pode vitalizar a grei, e manter-nos a independência» («A evolução e a Revolução Agrária», p.7), e, mais recentemente, no II Congresso Republicano de Aveiro, em 1969, a Oposição Democrática, pela voz do engenheiro Flávio Martins, proclamava que «os democratas terão de jurar que, quando um dia tiverem o poder, farão a Reforma Agrária».

O Sr. Luís Roque (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É, naturalmente, esta identificação com os mais profundos anseios do nosso povo, que traduzem os seus legítimos interesses, que marca não só a orientação que a «Intervenção Democrática - ID», então como agrupamento parlamentar não atingido ainda pelo propósito exterminado: do PSD, imprimiu ao seu projecto de Revisão Constitucional, como a posição crítica assumida em relação aos projectos das forças conservadoras do PSD e do CDS.
Entre o progresso e o retrocesso, entre os interesses da esmagadora maioria da nossa população e os interesses de uma minoria, os deputados da ID escolheram o progresso e os interesses do nosso povo.
Daí que tenham não só respeitado os limites materiais da revisão como, propondo embora múltiplas alterações pontuais ao texto constitucional, tivessem sempre o objectivo de salvaguardar todas as disposições que asseguram a constitucionalização da caminhada do povo português pela sua libertação.
Tiveram, porém, de enfrentar e combater um insólito acordo de revisão que o PS se dispôs a celebrar com o PSD, de evidente sinal contrário aos interesses populares, e servindo não apenas interesses opostos, de grandes grupos capitalistas nacionais e estrangeiros, mas os próprios objectivos centrais do Governo Cavaco Silva - PSD, expressão de tais interesses, facilitando a sua acção e a sua continuação no poder.
Tal foi, de resto, salientado pelo director dum conhecido semanário, revelando uma perspicácia que a outros faltou, quando escreveu que «(...) a não serem abolidos da Constituição certos preceitos, como a irreversibilidade das nacionalizações, o actual Executivo perderia todo o sentido e a sua permanência no poder tornar-se-ia insustentável.
Viabilizando a Revisão Constitucional, o PS viabilizou pois, de certa forma, o Governo de Cavaco Silva».
Este acordo de revisão revestiu-se, em relação ao PS Ga que do PSD outra coisa não seria de esperar) de um carácter tão anómalo que contra ele se ergueram vozes muito diversificadas, incluindo os protestos de destacadas personalidades do próprio PS.
E, não obstante obtidos por via de tal acordo os dois terços de votos de que o PSD carecia, ele veio a marcar a presente revisão, de forma profundamente desfiguradora.
Desde a violação dos limites materiais de revisão das alíneas h) g), e y), do artigo 290.º, até à eliminação dos próprios limites da revisão referentes à apropriação colectiva dos principais meios de produção e solos, à planificação democrática da economia e à participação das organizações populares de base no exercício do poder local, o PSD logrou ainda com os votos do PS, a eliminação da gratuitidade do Serviço Nacional de Saúde, a governamentalização do controlo da comunicação social, o bloqueamento da regionalização, o desmantelamento do sector público empresarial do Estado, o favorecimento dos latifundiário, a possibilidade de desvirtuamento do princípio da proporcionalidade, novas restrições na ratificação de decretos-lei e a eliminação do planeamento democrático da economia.
E tudo isto à custa de alibis, que invertem ou falseiam a realidade, como uma pseudo-modernidade, e adesão à CEE, ou a necessidade de retirar à direita a desculpabilização com o texto constitucional, como se, por um lado, a direita não fosse insaciável e se, por outro, tais cedências não fossem, precisamente o que ela carecia para se manter no poder.
Até ao ponto de se apagarem da nossa Lei Fundamental as próprias referências a um alto objectivo de

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justiça social, a eliminação da exploração e da opressão do homem pelo homem, que os dois parceiros do acordo consideraram que seria de bom tom neo-liberal não constar da Constituição, já que o liberalismo autoritário não foi idealizado para a extinguir mas para a perpetuar.
Dir-se-á, e disso fez o PS o seu trofeu de vitória, que os direitos dos trabalhadores não foram afectados por esta revisão.
Mas o que hoje e aqui está em causa não é o que se mantém mas o que se altera e, sobretudo, o que se elimina ou se adultera.
E deve acrescentar-se que os direitos dos trabalhadores são também postos em causa, como parece evidente, através das disposições do acordo PS/PSD.
Disse-o, num assomo de cólera, o Primeiro-Ministro aquando da última greve geral, com a ameaça para os trabalhadores das empresas públicas de privatizá-las.
Do que fica referido, resulta, necessariamente, a razão de ser do voto negativo dos deputados da ID a esta revisão da Constituição. Não porque ela não tenha incluído diversas benfeitorias, como as respeitantes aos poderes das regiões autónomas, à acção popular ou à constitucionalização da proibição do trabalho infantil, mas porque o peso, a gravidade das malfeitorias introduzidas supera, de longe, o que foi melhorado no texto constitucional.
Todavia, a esta ofensiva da direita, que a presente revisão visa possibilitar, que não se iluda o Governo e a sua maioria: o nosso povo saberá dar-lhe a devida resposta, defendendo os valores de Abril, como aliás, já tem vindo claramente a demonstrar.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e do Deputado Independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos por indiscutível que um processo de Revisão Constitucional impõe o respeito por regras e princípios, inerentes à dignidade própria da elaboração da Lei Fundamental.
E por ser neste espírito que se deve elaborar e aprovar qualquer Lei de Revisão Constitucional, esta deverá, antes de mais, respeitar todas as regras impostas pela Constituição, relativamente ao seu processo de revisão.
Ora, ao reconhecer-se, na actual Constituição, que o regime político-administrativo dos Açores e da Madeira se fundamenta nas suas características geográficas, económicas, sociais e culturais e nas «(...) históricas aspirações autonômicas das populações insulares (...)», tem de aceitar-se serem as autonomias um fenómeno político-social em dinâmica permanente, cuja evolução tem, obviamente, de ter eco e repercussão nas alterações a introduzir em sede de Revisão Constitucional.
Certo é também que, para além e acima das oportunidades de Revisão Constitucional, se situa, de forma indiscutível, a democracia que, no 25 de Abril de 1974, instaurámos e que ao longo destes quinze anos consolidámos.
Significa isto que a Lei de Revisão Constitucional deve reflectir, em toda a sua extensão, a vontade e as aspirações dos portugueses - de todos e não apenas de alguns!
Não se podem criar meios institucionais de expressão de vontade popular, para depois ignorá-la.
A democracia que queremos não é uma democracia formal, mas a democracia real, plena e autêntica, livre de quaisquer suspeições.
As regiões autónomas têm uma estrutura político-administrativa própria - democracia parlamentar representativa - assente nas Assembleias Regionais, eleitas por sufrágio universal e directo.
Naturalmente que as assembleias regionais veiculam, melhor do que qualquer outro órgão, as especificidades, a vontade e as aspirações das populações insulares.
Não pode, pois, constituir «pecado» a circunstância de as assembleias regionais terem assumido expressar institucionalmente as alterações que, na parte respeitante às regiões autónomas, pretendiam fossem acolhidas na Revisão Constitucional que ora finda.
É que, nas regiões, a democracia realiza-se, necessariamente, através da autonomia, pelo que, ao impedir-se o aperfeiçoamento desta última, se impede-o aprofundamento daquela.
Cabe perguntar se alguém duvida de que decorre inequivocamente da autonomia constitucionalmente consagrada (e incluída até nos limites materiais da revisão) que só às populações das regiões cabe pronunciar-se, através das suas instituições próprias, sobre os aperfeiçoamentos e melhorias que pretendiam ver acolhidas na presente revisão, para melhor construírem o seu futuro e, dessa forma, o futuro de Portugal no Atlântico.
A circunstância de, constitucionalmente, representarmos todo o País, e não os círculos por que somos eleitos, não impõe, nem legitima que sejamos obrigados a assumir posições que ofendam os sentimentos das populações dos círculos que nos elegeram, quando tais sentimentos são do mais profundo portuguesismo e se identificam com o verdadeiro interesse nacional.
É a incompreensão desta realidade (que nas suas especialidades e diversidades só nos enriquecem a todos como pátria comum) que dolorosamente nos torna «menos» do que efectivamente somos.
E foi por isso que nos foi dado verificar, ao longo do processo de Revisão Constitucional, que foi sempre mais fácil obterem-se dois terços (e muitas vezes a unanimidade) contra as autonomias do que consensualizarem-se os dois terços necessários a favor delas.
Diga-se, também, que as abstenções inviabilizadoras feriram-nos tanto, ou mais, pelo seu sentido de indiferença envergonhada, do que os próprios votos contra.
Cansa-nos o gasto discurso, que vem já da anterior revisão, de em algumas coisas nos reconhecerem razão mas, mesmo nessas, entenderem que ainda não eram oportunas.
Está neste caso, o aberrante artigo 230.º, que envergonha qualquer Constituição do mundo civilizado e cuja eliminação o PS, pela segunda vez, inviabilizou. Igualmente o cargo de Ministro da República, que, para mais, atenta com a própria unidade nacional ao impor-nos uma soberania por interposta pessoa, com contornos de «tutor colonial». Propusemos a eliminação daquele cargo e a transferência de poderes que lhe competem para o Presidente da República, porque é nele (e só nele) que vemos o símbolo da soberania que respeitamos, que queremos plena e directa.
O Partido Socialista confirmou, mais uma vez, a sua postura anti-autonómica ao inviabilizar a possibilidade

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de cada uma das regiões autónomas constituir um círculo eleitoral próprio para o Parlamento Europeu.
Cabe lembrar aqui a pertinente observação do Presidente da República ontem, na ilha de Corvo: «Com as regiões autónomas, a Europa, a ocidente, não acaba no Cabo da Roca. O extremo ocidental da Europa projecta-se mais longe e situa-se nas ilhas portuguesas do Atlântico.»
Razões existem, pois, e de sobra, para termos círculo eleitoral próprio para o Parlamento Europeu.
Não podemos aceitar que se não tenha conferido, de uma vez por todas e relativamente a todos os actos eleitorais, o direito de voto aos emigrantes.
Haverá vínculos mais sagrados, dos nossos emigrantes à Pátria, do que o exercício do seu direito de voto?
Não podemos continuar a tratar os nossos emigrantes como portugueses, apenas para efeitos das remessas que atenuam o desequilíbrio da nossa balança de pagamentos.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Demagogia!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apela-se tanto para a unidade nacional como o único limite às autonomias.
Não temos dúvidas em aceitar, sem restrições, tal limite. Só que a unidade nacional passa pela compreensão das aspirações locais e regionais e por uma recíproca solidariedade, recíproca solidariedade que damos, mas que também exigimos.

Aplausos de alguns deputados do PSD e do Deputado Independente Carlos Macedo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem, a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputadas, Srs. Deputados: O Partido Ecologista Os Verdes, tendo respondido positivamente ao enorme desafio que foi o de tentar rever a Carta Magna dos direitos, liberdades e garantias de todos os portugueses, tendo assumido a ousadia de tentar enriquecer o valioso repositório dos nossos sonhos e utopias que é a Constituição de Abril, fê-lo com a consciência clara da enorme responsabilidade que representa alterar um texto constitucional de elevado rigor técnico-jurídico, possuidor de uma coerência intrínseca e sobretudo imbuído de um profundo valor libertador.
A Constituição de 1976 revelou-se, ao longo deste 13 anos, como uma clara e sólida garantia de democracia e liberdade para todos, tendo sido o referencial obrigatório de todas as mudanças que a sociedade portuguesa empreendeu recentemente, depois que a madrugada do futuro pôde finalmente anunciar-se através das portas e janelas que Abril abriu.
Para nós a questão da revisão pôs-se sempre e unicamente ao nível do enriquecimento do texto actual com a consagração de novos direitos, o esforço das garantias e o apetrechamento com novos mecanismos de participação democrática. Nunca, a pretexto de revisões semânticas ou de neutralizações ideológicas, quisemos acompanhar aqueles que apenas têm visto na Constituição um obstáculo, um impedimento ou uma ameaça e que agora se propunham desvirtuar a sua coerência própria, reduzi-la à situação de mera referência histórico-arqueológica ou fazer dela um simples instrumento de políticas conjunturais.
O processo de revisão, que hoje termina, não pode deixar de merecer reparos quanto à forma como decorreu - vinculado desde o início a um acordo conseguido «extra muros» jamais conseguiu atingir o desejável equilíbrio entre a pressa de uns e a resistência de outros, com prejuízo evidente para os inúmeros consensos que teriam certamente acontecido noutras circunstâncias. Também aqui nos empenhámos em dignificar os debates e em buscar mecanismos que possibilitassem uma maior participação, quer a todos os deputados quer à opinião em geral.
O debate veio provar, apesar das condições excepcionais em que se realizou, que é possível e desejável o encontrar de formulações consensuais que evitem resultados, ditados apenas pela pura lógica aritmética, que podem retirar à Constituição o carácter de reflexo de todas as diferenças, espelho de todos os projectos, para a transformarem num elenco de normas, outorgadas por maiorias conjunturais.
Do nosso empenhamento e participação é hoje possível fazer um balanço francamente positivo, face às expectativas inicialmente pouco animadoras. Assim, foi com alegria que vimos consagrado o princípio da proibição da vergonha exploração do trabalho infantil, inicialmente proposto no nosso projecto e depois consensualmente aceite por todos os deputados.
Permitam-me, Srs. Deputados, que, em nome desta Assembleia, dedique hoje, Dia Mundial da Criança, a todos os meninos do meu país esta relevante melhoria, com votos de que ela produza efeitos práticos a partir de agora e para sempre!
Foi ainda possível proporcionar o reforço dos direitos dos deficientes e de todas as minorias, bem como provocar debates extremamente interessantes sobre os novos direitos, apostando uma nova visão sobre as relações sociais, que se revelará fecunda, certamente, a curto prazo.
Pudemos, também, ajudar ao reforço dos direitos de participação dos cidadãos, nomeadamente, na área dos direitos ecológicos, sendo de realçar as melhorias introduzidas no direito de acção popular.
Do que não frutificou, ficou semente e isso nos basta por agora!
No entanto, a nossa oposição revelou-se insuficiente quando se tratou de evitar que significativas normas, constantes do actual texto, fossem desvirtuadas ou substituídas, com grave prejuízo para os cidadãos e sérios riscos para a democracia.
De entre os muitos exemplos de modificações negativas destacamos, pela sua repercussão futura na genuinidade democrática, a criação da Alta Autoridade para a Comunicação Social e a redução dos poderes da Assembleia da República, nomeadamente, a redução do número dos seus membros.
São normas cujos efeitos perversos se adivinham, mas que o tempo, infelizmente, se encarregará de revelar em toda a sua monstruosa teia de efeitos colaterais, negativos para a saúde da nossa jovem democracia. Fizemos o possível por alertar, em tempo útil, os seus autores e para os dissuadir na consumação de tão graves atentados à diversidade de expressão e de representação políticas. A partir de agora e por causa deles vai ser mais difícil o exercício do direito à diversidade que é a matriz da vida democrática.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O voto que hoje exprimiremos não é mais do que uma forma sintética de afirmação das nossas preocupações pelo

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resultado global do processo de revisão. Mas mais importante do que as leituras que possam dele decorrer é a análise detalhada de todas as nossa opções, face a todas e cada uma- das muitas alterações propostas durante o processo. É nelas que deve procurar-se o verdadeiro sentido do nosso voto, como escolha de uma matriz jurídico-constitucional, enformadora de um projecto de sociedade livre, democrática, diversificada e ecologicamente consciente, como a que sonhamos para nós e para os nossos filhos. Mais do que selar com um só voto: todo um processo repleto de contradições e paradoxos, importa afirmar inequivocamente e pela primeira vez nos é dado fazê-lo em sede parlamentar o nosso respeito e o nosso voto de confiança na Constituição, que, sendo fruto de Abril; tem as cores e os sabores próprios de dez milhões de diferenças, todas elas imprescindíveis à realização do sonho e da utopia colectiva, para um Portugal novo num planeta vivo.
Em nome do Partido Ecologista Os Verdes declaro solenemente o nosso sim à, Constituição da República Portuguesa e o nosso empenhamento no positivar do seu espírito libertador bem como o nosso esforço para recuperar no tempo o que agora desse espirito se perdeu...
Viva a Constituição!.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Ao iniciar esta última intervenção no processo de revisão/89 é; com o maior gosto è com a consciência de que cumprimos simultaneamente um dever, que cumprimentamos todos quantos, deputados e funcionários da Assembleia, foram chamados a prestar a sua colaboração, assim como os representantes dos órgãos da informação que asseguraram a difusão dos nossos trabalhos.

Aplausos do CDS, do PSD, do PS e do PRD.

Todos trabalham exemplarmente, de modo que contribuiu, sem dúvida, para prestigiar esta instituição fundamental do regime democrático que é a Assembleia da República.
Permitam-me que, destaque aqui a Comissão Eventual de Revisão Constitucional, para homenagear o trabalho dedicadíssimo, a todos os títulos qualificado
e isento que, apesar da representação partidária dos seus membros, aí foi produzido. E que, do mesmo passo, preste, também, as minhas homenagens à consciência democrática e à capacidade política dos que, em representação do PS e do PSD, se não furtaram à delicada tarefa da celebração de um acordo viabilizador da revisão, acordo que reconhecemos como necessário na fase actual do processo democrático português e do qual não resultou a diminuição do papel
dos órgãos institucionalmente competentes, ou seja, desta Assembleia da República e da comissão eventual constituída no seu âmbito, bem como das forças
políticas nela representadas.
A prova-lo está, sem dúvida, o facto de o texto final que hoje votamos no seu conjunto ser mais extenso do que o texto acordado, englobando, sem dúvida, contributos provenientes dos projectos apresentados por partidos que não participaram no acordo.
E, falando do acordo e de quem o celebrou, não queremos deixar sem referência o Partido Socialista que manteve connosco, CDS, e supomos que com demais partidos da Oposição, contactos frequentes, de modo a dar-nos a conhecer uma informação tanto quanto possível actualizada e completa sobre a marcha do processo negociai.
Bem hajam, portanto, todos, pelo trabalho sério, e profícuo produzido, o qual tornou possível o passo decisivo de hoje que, libertando-nos do paternalismo dirigente, que, apesar de tudo, subsistia no texto constitucional, constitui; sem dúvida, um acto mais de emancipação do regime democrático ao mesmo tempo que dota o País de uma lei fundamental que começa a ser um verdadeiro traço de união entre os portugueses, em vez de motivo de permanente querela.

Vozes do CDS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É, pois; esta revisão que, com a consciência viva das lacunas que ainda tem, vamos hoje votar favoravelmente, na sequência, de resto, do modo
como votámos a parte substancial das alterações que a integram.
È votar favoravelmente esta revisão é para nós, deputados do CDS, antes de mais e simultaneamente, um testemunho de coerência e um acto de homenagem aos
que nesta bancada nos procederam na Assembleia Constituinte e na Assembleia que; em 1982; reviu pela primeira vez o texto aprovado em 1976. Amigos e companheiros da mesma luta que não posso evocar sem destacar essa figura extraordinária de homem e de político que foi Adelino Amaro da Costa, que, com a sua enorme capacidade para dizer correctamente o que pensava e para com todos dialogar, se mantém para todos nós como, exemplo, vivo e como fonte permanente em
que buscamos. inspiração.

Aplausos do CDS, do PSD, do PS e do PRD.

Testemunho de coerência...

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Muito bem!

O Orador: - ...dizia, que vimos com satisfação sublinhada por todas as bancadas, ao longo deste processo, e que mais, não é do que a expressão da fidelidade aos mesmos princípios personalistas de raiz cristã e à prática centrista de tolerância, moderação e abertura que estiveram na base da fundação do CDS e que mantém hoje a mesma actualidade, tão próximos são da realidade portuguesa.
Coerência, desde logo, com o voto contra o texto aprovado em 1976, no seu conjunto, voto que isoladamente sustentámos, conscientes de que a nossa atitude ficaria como referência democrática, essencial a um processo marcado pelas vicissitudes próprias do período pós-revolucionário que então se vivia.

O Sr. Narana Coissoró (CDS):- Muito bem!

O Orador: - E conscientes ainda de que votar de modo diferente significaria o inaceitável sacrifício dos nossos princípios às vantagens efémeras da conjuntura.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS):- Muito bem!

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O Orador: - Dizia, então o nosso deputado Sá Machado: «O nosso voto exprime o inconformismo e a frustração pela oportunidade que, na Lei Fundamental, se perdeu de mais democracia e mais autêntico pluralismo.» Por outras palavras, continua Sá Machado: «Seria necessário que a Constituição não fosse, sobretudo, um instrumento de forças temporalmente maioritárias, mas que se traduzisse, isso sim, numa base flexível de sólidas e bem delimitadas fronteiras democráticas para o exercício pleno, criador, eficaz e progressivo da vontade popular.
O nosso voto teve, assim, o valor de uma recusa ao conservadorismo do texto constitucional, na consciência de que a amarra socialista que nele predominava, ao pretender fechar as portas à constituição personalista, não estava a contribuir para melhorar a nossa democracia.»
Considerações e palavras a que hoje, chegados ao termo deste processo de revisão 1988/89, volvidos, portanto, treze anos, não é possível recusar o qualificativo de proféticas, tão repetidamente as temos visto confirmadas por um leque vasto das forças políticas aqui representadas.
Leque vasto que, se atentarmos nas diferenças importantes registadas no discurso da própria bancada comunista, em matérias tão importantes como a atitude perante os desenvolvimentos internacionais do País e a própria caracterização do sector público da nossa economia, abrange mesmo e de certo modo a totalidade dos Sr s. Deputados.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Coerência ainda com o papel que assumimos claramente no processo que conduziu à revisão de 1982. Partido desde a primeira hora apresentado perante o País como respeitador dos princípios próprios da democracia...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - ..., soubemos viver no contexto de uma Constituição em relação à qual manifestáramos a nossa discordância, para, só no cumprimento escrupuloso das suas próprias regras, tentar as alterações que considerávamos necessárias.
Foi assim que, no âmbito da Aliança Democrática a que então pertencíamos, nos coube, sem dúvida, uma parte importante das tarefas de impulso e dinamização da primeira Revisão Constitucional.
Disse, então, o nosso deputado Luís Beiroco: «Quase todos os objectivos por que o CDS e a Aliança Democrática se bateram nesta Revisão Constitucional foram felizmente alcançados.»
E será bom recordar agora que objectivos eram esses e o que então se logrou alcançar: «(...) Assim (continuava Luís Beiroco), foi definitivamente eliminada a legitimidade revolucionária e integralmente consagrada a legitimidade democrática. Foram suprimidas todas as referências a noções anti-democráticas ou ultrapassadas, tais como processo revolucionário», poder democrático das classes trabalhadoras', aliança Povo-MFA. Foi afirmado em toda a sua plenitude o conceito de Estado de Direito democrático. Foi posto termo ao chamado período de transição... Foi finalmente extinto o Conselho de Revolução.»
Não deixámos, porém, e desde logo de sublinhar aquilo que em nosso entender, se manteve como carga mais fortemente negativa da Constituição revista:
A referência feita no artigo 2.º ao socialismo como meta da sociedade portuguesa; a permanência sem alteração da maior parte das normas respeitantes à organização económica; a não consagração das modificações que julgaríamos indispensáveis em matéria de reforma agrária.
Dizia então o mesmo deputado «(...) A redacção da parte económica da Constituição não nos satisfaz, na medida em que mantém o dogma marxista da apropriação colectiva dos principais meios de produção, na medida em que conserva uma concepção demasiada rígida do Plano e do Conselho Nacional do Plano e na medida em que não admite excepções ao princípio da irreversibilidade das nacionalizações.»
Coerência, por último, com a atitude assumida ao apresentar no decurso da III Legislatura uma proposta para que a Assembleia assumisse, com o voto de quatro quintos dos seus deputados, poderes antecipados de revisão da Constituição.
Foi, portanto, nesta linha de comportamento que fizemos da Revisão Constitucional o ponto central do nosso programa nas eleições de que saiu a presente Legislatura e que, em conformidade, desencadeámos com a apresentação do nosso projecto todo o processo hoje chegado felizmente ao seu termo.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Em coerência, finalmente, com as posições sucessivamente assumidas, esse nosso projecto apresentava-se, sem dúvida, como o mais radical, embora preocupado com o respeito pelas regras constitucionais de revisão.
O que pretendíamos e que entendemos ter sido boa parte alcançado era pôr definitivamente termo ao divórcio entre uma Constituição teimosamente normativista e a realidade de uma sociedade cada vez mais alheia ao modelo inspirador da Lei Fundamental do seu próprio Estado.
A mudança da Constituição, a eliminação do que negativo nela persistia passou a constituir condição essencial, diríamos, que a primeira condição para evitar o divórcio entre a sociedade e o próprio Estado, através da instalação de um autêntico normativismo dos factos, já hoje tão dramaticamente visível em relação a segmentos e aspectos importantes dos nossos comportamentos colectivos.
Tal divórcio, patente desde a primeira hora, como o assinalava Sá Machado, tornou-se flagrante a partir do momento em que concretizámos a nossa adesão a uma comunidade de países que assenta todo o seu processo de integração na confiança, nas virtudes da livre concorrência e iniciativa privada. De resto, um conhecido constitucionalista da área do PCP, reconhecia, já em 1980, que a adesão ao Mercado Comum se haveria de mostrar incompatível com a ordem jurídica consagrada na Constituição de 1976.
Portanto, acabar com esta tensão entre a Constituição e o País era, sem dúvida, o nosso objectivo primeiro. Alcançar uma Constituição para todos, definitivamente liberta da moda ideológica que prevaleceu durante o período em que foi discutida e aprovada, mas que cedo se revelou desajustada não só em relação à vontade dos portugueses como também às necessidades do País.

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Acabar depois com as próprias tensões que, reflectindo, com certeza, a tensão fundamental «Constituição-País» dominam o próprio interior do texto constitucional e se exprimem, desde logo, no confronto «Democracia-Socialismo».
Tensão que, se para uns se resolve através de uma hierarquização de princípios (normas constitucionais--inconstitucionais), para a maior parte encontra solução numa atitude de permanente compromisso gerador de um equilíbrio necessariamente instável.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Era a este divórcio, a esta tensão e a este desequilíbrio que a nossa iniciativa pretendia pôr termo, através das alterações de terminologia, que propusemos em matéria de princípios fundamentais e da reestruturação profunda de toda a parte da Constituição respeitante à organização económica.
Quanto ao mais, as nossas propostas, no seu conjunto, foram inspiradas pela preocupação dominante de adequação do texto constitucional à realidade que visa enquadrar.
Neste momento, face ao decreto de revisão, que vai ser votado, podemos dizer que, embora nem sempre pelos nossos caminhos, os objectivos principais que nos propúnhamos foram efectivamente atingidos.
Não representando, embora, a consagração total do nosso projecto, pudemos, em consciência, dizer, repito, que esta é também a nossa revisão, e votar em conformidade.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Foram, finalmente eliminados os objectivos de raiz marxista impostos à sociedade e ao Estado português logo nos primeiros artigos. Não mais referências à transformação da sociedade portuguesa em sociedade sem classes; não mais referência à transição para o socialismo como objectivo para o Estado português.
Coerentemente, consagrou-se um conceito amplo de liberdade de imprensa, acabando-se com o monopólio público da televisão.
Por sua vez, na mesma linha de superação das contradições intrínsecas da Constituição, foi eliminado o princípio da irreversibilidade das nacionalizações; a reforma agrária deixou de ser considerada como instrumento privilegiado da política agrícola e deixou mesmo de ser referida no texto constitucional; desapareceu por último o Plano, enquanto instrumento de orientação, coordenação e disciplina da organização económica, sendo em conformidade substituído o respectivo Conselho Nacional por um Conselho Económico-Social de estrutura, composição e funções totalmente diversas.
Em suma não mais economia planificada, não mais reforma agrária, não mais irreversibilidade das nacionalizações decretadas com objectivos puramente políticos.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - É melhor rasgar a Constituição!
O Orador: - Ao mesmo tempo, a apropriação colectiva de meios de produção (e não dos principais meios de produção), que em homenagem a alguns fantasmas
se mantém, é sem dúvida descaracterizada enquanto princípio fundamental da organização económica e fica subordinada ao pagamento de indemnização justa.
Pode dizer-se que o realismo acabou por imperar e que as contradições fundamentais foram aqui eliminadas, na linha preconizada pelo CDS.
Mas também no que respeita à organização do poder político se registaram avanços positivos no sentido da aproximação do Estado e da sociedade, salientando-se o que resulta da introdução do referendo, como meio de chamar os cidadãos a deliberar directamente sobre questões de relevante interesse nacional, bem como a consagração dos princípios da igualdade e da proporcionalidade a acrescentar aos da justiça e da imparcialidade, como critério de decisão dos agentes da administração, tudo na linha da nossa proposta.
Importante também, enquanto elemento clarificador das relações institucionais no seio do Estado, foi o acolhimento das leis orgânicas de valor reforçado propostas pelo CDS, ao mesmo tempo que se reforça o papel do Presidente da República numa área de intervenção que lhe é indiscutivelmente própria, clarifica-se a relação hierárquica que não pode deixar de existir entre as várias espécies da legislação ordinária.
Nem tudo foi, porém, igualmente positivo, sinal de que o realismo não foi tão longe como seria de desejar.
Lamenta-se, assim e antes de mais, que se não tenha eliminado ou substituído, ou acrescentado o preâmbulo da Constituição, muito embora se registem as afirmações produzidas no sentido de que, tratando-se de um texto histórico, não servirá como auxiliar interpretativo para os normativos que hoje se lhe seguem.
Lamenta-se ainda que não tenha merecido acolhimento a ideia defendida pelo CDS ao longo de todo o debate de que os interesses dos trabalhadores são mais eficazmente defendidos por uma atitude de são realismo do que pelo radicalismo de certas formulações obreiristas.
É pena que o realismo que dominou na parte económica não tenha prevalecido neste domínio e que se não tenha conferido ao legislador a possibilidade de definir a amplitude do exercício do direito de greve, ao mesmo tempo que se continuam a recusar aos empresários os meios de em casos extremos defender a sobrevivência das suas empresas.
Lamentamos, ainda, que apesar de tudo se tenham mantido alguns sinais de compromisso, como é o caso da coexistência dos sectores de propriedade, pretensamente imposta como princípio fundamental da economia e se tenha recusado a clarificação do alcance do direito à vida, como direito fundamental das pessoas.
Finalmente a ambiguidade com que foram alterados os princípios de direito eleitoral, para além das consequências negativas que poderá a vir a ter no processo de consolidação da democracia, vai nitidamente ao arrepio dos propósitos clarificadores que em geral inspiraram a revisão.
De qualquer modo, repetimo-lo, o balanço é para nós, CDS, positivo. Esperemos que não tenha sido demasiado tarde e que o termo da querela constitucional possa finalmente proporcionar as condições de trabalho sério, profícuo e verdadeiramente solidário de que tanto necessita o País.

Aplausos do CDS e do PSD.

Vozes do CDS: - Muito bem!

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Vozes do PCP: - Muito mal!

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Antes de rasgar a Constituição, rasgue o discurso do deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Martinho.

O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Encerra-se hoje mais um capítulo da obra, sempre inacabada, que o aprofundamento da democracia política, económica e social constitui.
Cremos que, apesar dos vários incidentes de percurso que rodearam o processo de revisão da Constituição da República Portuguesa, há razões para que nos congratulemos pelo trabalho realizado e em especial o realizado pelos nossos colegas da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.
O PRD, dentro das suas possibilidades, procurou colaborar activamente nos trabalhos da Revisão Constitucional. Era essa a nossa obrigação enquanto partido democrático e, sobretudo, enquanto partido renovador.
Congratulamo-nos com o facto de o espírito da Constituição da República de 1976 continuar a marcar, de forma substantiva, a nova Lei Fundamental.
Para nós, a Constituição de 1976 continua a retratar-se, sem grandes desfocagens, no decreto que, dentro de momentos, iremos votar.

O Sr. António Vitorino (PS): - Muito bem!

O Orador: - O espírito e os ideais de Abril permanecem bem vivos e actuantes no novo texto constitucional.
Mesmo que - e não é, notoriamente, o caso - outras razões não houvesse para manifestarmos a nossa concordância global com a revisão ora operada, essa bastar-nos-ia. Eis a razão essencial do nosso sentido de voto.

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Orador: - O PRD é um partido jovem e portador de futuro. Por ser jovem, nunca desfrutou da oportunidade de, institucionalmente, se pronunciar a favor da Constituição que nos tem regido.
Sempre dissemos - o nosso programa assim o demonstra - que a Constituição que tínhamos era potenciadora das transformações estruturais que o Governo quisesse implementar. Se as mesmas não foram concretizadas de forma efectiva não foi porque as disposições constitucionais até ora vigentes o tenham impedido - a vontade política, a coragem, a confiança e a competência são atributos que não se legislam.
Mantemos esta nossa posição.
O nosso voto favorável ao nosso texto constitucional é, antes de tudo, a expressão firme e aberta da nossa adesão ao espírito da Constituição de 1976.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Com essa agora fiquei esmagado.
O Orador: - Por ser um partido portador de futuro, o PRD considera que o texto constitucional revisto
constitui, globalmente, um quadro de referência apropriado para gerir as conflitualidades decorrentes das mutações e adaptações estruturais que o País vai enfrentar no próximo futuro.
Esta é a outra decisiva razão do nosso voto favorável.

Vozes do PRD e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A hora será de congratulação, mas é bom que aprendamos com as experiências que vivemos.
No plano processual, muitos foram os aspectos maltratados no decurso dos trabalhos que hoje culminam. Se é certo que uma das regras de ouro da democracia consiste em sensibilizar e mobilizar os cidadãos para uma participação acrescida nas grandes deliberações do Estado democrático, então teremos de concluir que, neste estrito mas fundamental domínio, a postura dos partidos que subordinaram o processo da Revisão Constitucional deixou muito a desejar. É por isso que a generalidade dos portugueses manifesta desconhecimento, teoricamente inadmissível, do essencial das alterações constitucionais preconizadas. É também por isso que também os agentes económicos e parceiros sociais evidenciam inquietações legítimas quando se pronunciam sobre as alterações constitucionais propostas.
Esta deletéria situação teria sido evitada, em nossa opinião, se os trabalhos de revisão tivessem sido desclandestinizados em muitos aspectos, objecto de ampla divulgação e mobilizadores da participação das forças e movimentos actuantes na sociedade portuguesa.
Convém ainda recordar que, injustificada e injustificavelmente, os partidos não subscritos do acordo, que asseguram a maioria qualificada necessária à aprovação do novo texto constitucional, não puderam dispor, atempada e muitas vezes até utilmente, de elementos potenciadores de maiores níveis de eficácia na sua participação no processo de Revisão Constitucional.
Politicamente poderá compreender-se, embora não se aceite, que tal postura tenha ocorrido, até pelas responsabilidades que o PSD e o PS têm em muitas das agudas e incompreensíveis situações que o País real ainda alberga. Socialmente, porém, tal prática é inexplicável e deve ser vigorosamente condenada.
O PRD é um partido renovador. No nosso projecto de Revisão Constitucional procurámos, enquanto partido que pugna pela revelação e harmonização dos interesses e anseios das categorias económicas e estratos sociais que compõe os tecidos produtivo e social do País, formular propostas de alteração que, sem descaracterizar os princípios norteadores da Constituição de 1976, permitissem optimizar no plano nacional os desafios do futuro, nomeadamente os que são protagonizados pela formação do grande Mercado Único Europeu.
Não nos desconsola a circunstância de algumas das nossas propostas fundamentais não terem beneficiado o acolhimento dos partidos directamente responsáveis pelo acordo de Revisão Constitucional.
Em certa medida, tal circunstância é absolutamente natural visto que seria algo estranho que os partidos com inequívocas responsabilidades governativas, no passado e no presente, aceitassem de bom agrado sugestões que condicionassem no futuro os seus comportamentos tradicionais. Continuamos persuadidos, honestamente persuadidos, de que muitas das nossas

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propostas deveriam ter sido objecto de maior ponderação e subsequente aprovação. Mas o PSD e o PS entenderam que o processo de Revisão Constitucional, em muitos aspectos, como coisa própria, feita a dois num gabinete com cortinas corridas.
Os resultados a que chegaram, sendo satisfatórios, estão longe de corresponder às necessidades dó sistema produtivo e dos sectores sociais. É por isso que, como já referimos, o nosso voto favorável não pode ser interpretado como concordância em muitas das, alterações, que vão agora ser consagradas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em tempo útil tivemos a possibilidade de manifestar na sede própria a nossa profunda discordância com algumas, das, alterações que vão ser votadas. Não abdicaremos de no futuro e sempre que tal se justifique, manter essa nossa posição.
O novo texto constitucional suscita-nos, pois, preocupações em vários domínios. São conhecidos os nossos principais pólos de discordância, mas afigura-se-nos útil relembra-los agora, embora sumariamente.
Em matéria de comunicação social, o acordo PSD/PS põe em causa o necessário pluralismo e independência da comunicação social, institucionalizando a eventualidade, da sua governamentalização. Esta questão é fundamental, sendo que, por ser iminentemente nacional, não deveria Ter instrumentalizada à luz de possíveis alternâncias democráticas tão desejadas pelos dois partidos subscritores do acordo.
Em matéria de saúde,... a tendencial gratuitidade potencial tendencialmente, ausência de acessibilidade à saúde por parte da generalidade dos portugueses: Pena é que, nesta matéria, o acordo tenha sido efectivo em vez de assumir tão somente características meramente tendenciais.
Em matéria de desnacionalizações ou privatizações, o PRD lamenta, nomeadamente, que não tenha havido o cuidado elementar de salvaguardar, através da exigência de maioria qualificada nas leis a aprovar para o efeito, actividades prestadoras de, serviços públicos bem como sectores estratégicos da economia nacional.
Somos a favos da liberalização da actividade económica, mas não podemos admitir que a «febre» das desnacionalizações acabe por poder converter-se porque os extremos se tocam numa, situação análoga, embora de sinal contrário à que vivemos em 1975. A nossa proposta nesta matéria continua a afigurar-se-nos adequada. Continuaremos, portanto, a defender os seus pontos.
Em matéria de regionalização o acordo PSD/PS mantém, a nosso ver, condicionantes, porventura, insuperáveis à concretização do processo de regionalização. O decreto de Revisão Constitucional será, estamos cientes, cobertura institucional propícia para justificar a ausência de vontade política conducente à criação de regiões administrativas.
Em matéria de candidatura de grupos de cidadãos independentes para os órgãos autárquicos camarários, o acordo PSD/PS continuou a apostar na partidarização.
Fomos, pela segunda vez; derrotados mas não abdicaremos de continuar a sensibilizar os cidadãos para as óbvias e, por isso mesmo, inquietantes vantagens da candidatura de cidadãos independentes à gestão autárquica.
No tocante ao Tribunal, Constitucional, e num país em que a «partidarite» é endémica e gera entropias lamentáveis no processo decisório, o PRD pensa que este tribunal deveria ter.. uma composição que traduzisse o equilíbrio de poderes entre os vários órgãos de soberania.
As alterações introduzidas com incidência no estatuto da Assembleia limitarei as funções fiscalizadoras do Parlamento. A alteração do estatuto da ratificação adquire, neste contexto„uma importância crucial constituindo como que o ponto de acumulação do princípio da plena governamentalização da vida política que parece estar subjacente ao acordo. Depois de, em 1982, se terem reduzido, os, poderes do Presidente da República, reduzem-se agora, também os poderes a Assembleia da República. Esta situação é inaceitável em democracia e por isso, contou e contará sempre com o nosso, pleno e incondicional repúdio.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar das discordâncias frontais com os pontos que acabei de referir, o PRD acolherá positivamente, na votação final global, o novo texto, constitucional. Como já referi, entendemos que o mesmo constitui; apesar de tudo, um quadro global de referência satisfatório para superar os desafios decisivos que o País vai ter que enfrentar a curto e a médio prazo.
O PSD, ao subscrever o acordo, reconhece isso mesmo. Quer dizer: doravante, a Constituição deixará de constituir o dilecto «alibi» para justificar á inacção e a incompetência do Governo.
O Executivo tem dois anos pela frente e uma Constituição que é a sua Constituição. Há, agora, possibilidade de converter o discurso da modernidade na praxis da modernização de fazer do crescimento a via do desenvolvimento.
Que o Governo use e abuse desta sua nova conquista; desta sua, nova «reforma estrutural». Que martirize os ouvidos e os olhos dos portugueses com esta
sua realização.
Já contamos com isso, mas não é essa a nossa preocupação. Preocupados estamos, sim, em que o Governo governe mais e melhor, para todos os portugueses e não apenas para alguns e para si próprio.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente': - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr.Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Do ponto de vista do PCP, é impossível abordar nesta Tribuna a questão da votação da Lei de revisão da Constituição sem começar por protestar vivamente contra as condições de absoluta anormalidade parlamentar em, que decorreram os debates e as votações do seu articulado.
Para obterem uma profunda, vasta e, completa além de extremamente negativa) revisão da Constituição em tempo record, o casal partidário PSD/PS.

Risos do CDS.

...progenitor do essencial desta revisão, não hesitou em estabelecer um verdadeiro estado de sítio parlamentar. Os direitos dos deputados, os tempos de intervenção é as condições de debate sofreram limitações e entorses anti-democráticos, sem precedentes.

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O Sr. José Magalhães (PCP): - Sem dúvida!

O Orador: - A separação das votações da sequência normal dos debates tornando ininteligíveis as opções em matérias fundamentais, numa primeira fase; o debate simultâneo, a seguir, de molhadas de 50 e mais artigos impedindo qualquer lógica de discussão e qualquer apuramento de ideias, mais parecendo o leilão numa lota de peixe do que a revisão responsável da Lei Fundamental numa Assembleia política;...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - ... as longas jornadas de votações em surdina, finalmente, ficarão como pesados estigmas da forma como foi feita a revisão da Constituição em 1989, que hoje termina. O absurdo chegou ao ponto de toda a Assembleia dispor apenas da média de um minuto por artigo para discutir questões tão importantes como a defesa nacional e a Administração Pública.

Vozes do PCP: - Que vergonha!

O Orador: - É urgente que seja claramente declarado que tais práticas indignas do funcionamento da instituição parlamentar não constituem qualquer precedente e que jamais possam vir a ser repetidas na Assembleia da República.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Nós, comunistas, rejeitamos firmemente a concepção com que alguém tentou justificar estes processos, ao sustentar que a revisão da Constituição não é matéria para ser debatida e aprofundada no Plenário da Assembleia da República, mas própria de comissão especial, partindo do princípio de que a generalidade dos deputados não é competente para entender as graves questões que estão em causa.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Hipocrisia!

O Orador: - Sem em nada desvalorizar o trabalho técnico e político desenvolvido pela CERC entendemos que tal concepção é ofensiva dos deputados que nela participaram e até minimizadora do texto de revisão votado, pois entendemos que o acto de votar é inseparável do acto de debater e compreender.

Aplausos do PCP.

Consideramos também que o PS, como partido de Oposição, tem especial responsabilidade na imposição do regime de excepção em que foi feita a revisão do Plenário da Assembleia. Noutras ocasiões, o PS tem protestado (e tem protestado ao nosso lado, frequentemente) contra os métodos impositivos, desrespeitadores dos direitos das oposições e violadores do Regimento, usados pela maioria do PSD. Desta vez, aliou-se a ela para impor limitações ainda mais draconianas aos direitos regimentais dos opositores do acordo de revisão PSD/PS, apenas para atingir o que julga ser o seu interesse partidário, considerado de forma limitada, imediatista, conjuntural, sem ter em conta as grandes
regras estruturantes que devem orientar o funcionamento deste órgão de soberania.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A obsessão do PS de consumar de forma fulminante o acordo de revisão PSD/PS tornou--se, aliás, pelas insondáveis motivações, pela projecção e graves implicações de toda a ordem, uma das questões politicamente mais intrigantes da fase final da presente revisão da Constituição.
Multiplicaram-se os apelos provenientes de quadrantes muito diversos do campo democrático no sentido de se suspender o processo de revisão e de serem reconsideradas algumas das alterações mais gravosas para a Constituição da República, decorrentes do acordo PSD/PS. O PS foi completamente surdo a esses apelos (a todos os apelos) mesmo aos que partiram de destacadas personalidades socialistas que não hesitaram em qualificar o acordo de revisão como «um mau negócio» ou até como «uma monstruosidade».

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ao aceitar que o debate e a votação da revisão da Constituição pelo Plenário da Assembleia da República fosse agendado para meados de Abril, cerca de mês e meio antes da campanha eleitoral para o Parlamento Europeu, e ao aceitar a manutenção desse agendamento contra ventos e marés, o PS contribui indisfarçavelmente para bloquear a intervenção da Assembleia da República no processo político nacional, dificultando, designadamente, a sua acção fiscalizadora sobre os aspectos mais desastrosos e escandalosos da política do Governo Cavaco Silva, que, neste período, se avolumaram consideravelmente. Desta forma, o PS contribuiu para que o Governo fosse poupado à acção das oposições no plano institucional, nas vésperas de um importante acto eleitoral, e isto quando o descontentamento e a luta contra a política governamental atinge vastíssimas expressões de massas indicadora da redução de base de apoio do PSD e do Governo Cavaco Silva, que se debatem com crescentes factores de crise interna. O Governo do PSD vai beneficiar não só dos novos instrumentos para a concentração do poder que a presente revisão lhe confere, mas beneficia também de uma efectiva trégua pré-eleitoral que lhe foi conseguida pelo seu aliado na revisão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP caracteriza a presente revisão da Constituição como globalmente negativa e atentatória de algumas das características fundamentais do regime democrático português. Ao adiantar esta preciação final, o Comité Central do PCP, reunido no passado dia 30 de Maio, sublinhou que o sentido essencial da revisão não deve ser avaliado pelas partes da Constituição que não foram alteradas nem pelas pontuais modificações de carácter positivo, mas, sim, pelo conjunto das alterações que, inequivocamente, vão ao encontro dos objectivos reaccionários e das exigências das forças da direita e do grande capital do PSD e do Governo Cavaco Silva, nos planos político, económico e social.
Essas alterações, contra as quais o PCP centrou a sua luta ao longo de todo o processo de revisão, são,

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além da. supressão. de objectivos programáticos, fundamentalmente as seguintes: primeiro, as alterações favorecem a aceleração dos processos de reconstituição dos monopólios e dos latifúndios e a restauração do capitalismo monopolista. de Estado, nomeadamente, a eliminação do principio da irreversibilidade das nacionalizações e a concessão ao Governo de vastos, poderes para reprivatizar sem regras nem princípios o que abre as portas a um maior domínio da economia portuguesa pelo capital estrangeiro -, a eliminação da referência constitucional à reforma agrária e o debilitamento do quadro de garantias de que desfrutava o, que não deixará de ser invocado, embora ilegítima e abusivamente; para retirar valor à manutenção, no texto constitucional, do princípio da eliminação: dos latifúndios, como incumbência prioritária do Estado, è, em vez disso; procurar cobertura para a política governamental que procede à sua reconstituição, através do esbulho das terras aos trabalhadores e agricultores, visando a destruição dá reforma agrária.
Segundo, as alterações que visam favorecer a bipolarização e a governamentalização dó sistema político, nomeadamente a redução do número de deputados, a modificação da legislação eleitoral com a consequente adulteração do sistema de representação proporcional, a redução de poderes de fiscalização da Assembleia da República em relação ao Governo e a manutenção de dispositivos que tem servido de pretexto pára o bloqueamento da regionalização.
Terceiro, as alterações ao estatuto dá Comunicação Social, que facilitam a sua instrumentalização pelo grande capital, e pelas forças da direita, através, nomeadamente, da abertura da televisão ao capital privado, sem, quaisquer regras ou garantias é na exclusiva dependência do Governo e da sua maioria parlamentar, da consolidação da escandalosa atribuição das frequências de rádio da redução dos tempos de antena da admissão da eliminação de todo sector público da Imprensa escrita, do leilão das empresas públicas de comunicação social da substituição do Conselho de Comunicação Social por uma Alta Autoridade para a Comunicação Social, com tal composição que permite o controlo do Governo sobre as suas decisões.
Quarto, as alterações ao estatuto constitucional do direito à saúde que afectam especialmente o princípio da gratuitidade do Serviço Nacional de Saúde, facilitam o campo de manobra à ofensiva que o Governo contra ele desenvolve e se traduzirão em novas dificuldades no acesso dos portugueses à saúde.

Uma voz do PSD: - Onde é que eu já ouvi isso?! 15so já é velho!

O Orador: - Estas alterações constituem graves mutilações, amputações e desfigurações de traços característicos essenciais e distintivos do regime democrático português instaurado e instituído com a revolução de Abril.

Vozes do PCP:- Muito bem!

O Orador: - Nas condições concretas da actual situação nacional, tais alterações não abrem caminho a uma política de liberdade, de bem-estar, de progresso, de desenvolvimento e independência nacional, antes, propiciam o prosseguimento e a intensificação da política de direita contra interesses vitais do povo português e de Portugal.
Não, é demais salientar que estás alterações só se tornaram possíveis porque o PSD obteve o concurso do PS no, quadro: de um acordo global de revisão.
Por isso, mesmo não pode deixar, de se pôr também em evidência que no acordo global de revisão PSD/PS foram sacrificados; valores, e, conquistas históricos do 25 de Abril e referências particularmente caras aos socialistas e a toda a família da esquerda, como a própria referência ao socialismo.

Vozes do PCP:- Muito bem!

O Orador: - Particularmente graves pelas consequências imediatas e futuras, são os novos poderes e os novos instrumentos de poder que, na base desse acordo global de revisão PSD/PS, são adquiridos pelo Governo e a maioria parlamentar, ao mesmo tempo que se assiste à desistência por parte do PS de incluir no mesmo acordo propostas, positivas do seu próprio projecto em áreas importantes. Apontam-se como particularmente expressivas as. desistências do PS: na área da comunicação social, onde acabou por aprovar praticamente ó contrário do que propusera.

O Sr. José Magalhães (PCP):- Exacto!

O Orador:- ... na área do estatuto do Presidente da República não fazendo vingar nem a autonomia financeira dos serviços presidencial nem o aclaramento das competências do Presidente da República nas relações internacionais; ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - É lamentável!

O Orador:- ... na área dos poderes de fiscalização da Assembleia da República onde, além da colaboração no, esvaziamento do instituto da ratificação, bate literalmente em retirada em relação ao que sustentou, nos últimos anos, especialmente por intermédio do actual secretário-geral Jorge Sampaio e o mesmo em relação aos direitos dos grupos parlamentares de oposição; na área da regionalização, onde o PS foi ao encontro das exigências da Cavaco Silva, de manutenção dos dispositivos que tem servido de pretexto ao bloqueio da criação das regiões administrativas, mas o PSD não foi ao encontro do PS nas normas transitórias chumbando, pura e simplesmente, qualquer prazo para a concretização da regionalização.
Se o PS acreditou alguma vez que, com estas cedências e sacrifícios; que se traduzem em graves mutilações do texto constitucional, apaziguaria a direita, acabaria com os chamados álibis e poria termo às actuações governamentais violadoras da Constituição, eufemisticamente designadas de querela constitucional, aí tem algumas respostas de destacadas figuras da direita - e já hoje as ouvimos aqui -, onde a par do regozijo pelas presentes aquisições em termos constitucionais, já proclamam a, necessidade de se proceder ulteriormente a uma nova revisão. Sublinha-se que a eliminação de limites materiais na presente revisão só favorece semelhantes apetites da direita por novas revisões que lhe sejam favoráveis.

Aplausos do PCP.

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Entretanto, a exploração pelo PSD e a direita, dos resultados da revisão da Constituição desenvolvem-se - tudo indica - em três direcções principais que importa desmascarar e combater: primeiro, exigir o cumprimento implacável das disposições que lhe sejam favoráveis, recorrendo para isso, se for necessário, a interpretações ilegítimas e abusivas; segundo, tresler os comandos constitucionais que suscitem dúvidas interpretativas; terceiro, fazer o mais possível letra morta das disposições que continuam a favorecer os trabalhadores e a dar expressão às conquistas democráticas de Abril.
Na verdade, a direita consegue com esta revisão que conquistas democráticas consagradas na Constituição de 1976 (designadamente as nacionalizações e a reforma agrária) deixem de fazer parte irreversível do regime instalado com a revolução de Abril; consegue ferir gravemente essas conquistas e reduzir as suas garantias. Mas o texto da Constituição revista não as excluiu do quadro constitucional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. António Vitorino (PS): - É a cambalhota!

O Orador: - Não temos nenhuma dúvida em declarar que a preservação do texto da Constituição em relação a alterações ainda mais profundas e gravosas ficou a dever-se à persistente, firme e corajosa luta dos trabalhadores e dos democratas contra as ofensivas da direita, à defesa no concreto das conquistas democráticas do povo português, ao movimento da opinião pública em defesa da Constituição.

Aplausos do PCP.

Reveste especial importância, neste processo, a defesa activa da Constituição assumida pelo PCP que, através da sua acção política geral e da acção desenvolvida pelos deputados comunistas na Assembleia da República, denunciou e desmascarou a cada momento os propósitos subversivos do PSD e as posições de colaboração do PS com a direita, combateu norma a norma a concretização do acordo PSD/PS e lutou, através de propostas construtivas, pelo melhoramento de algumas disposições.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Poucos deixarão de reconhecer como foi importante o esforço, o trabalho e a insistência do PCP para que o texto constitucional visse incorporados pontuais aperfeiçoamentos e soluções positivas em áreas diversas, como o esforço dos direitos dos cidadãos perante o arbítrio e as ilegalidades da Administração Pública, incluindo a consagração da administração aberta; o reforço do direito de acção popular; a criação de novos procedimentos de combate às infracções contra a saúde pública, o ambiente e a degradação do património cultural; a proibição do trabalho infantil; a inclusão da defesa da língua portuguesa, como tarefa fundamental do Estado; a garantia do sector cooperativo e dos baldios; a consagração inovadora da noção de domínio público para protecção de riquezas nacionais; importantes aperfeiçoamentos do título dos tribunais. Refira-se, também, que o PCP deu o seu contributo, coerente e empenhado, para o aperfeiçoamento do estatuto das regiões autónomas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É ao PCP que fica a dever-se a inclusão no texto da Constituição de uma norma consagradora da definição da bandeira nacional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Lamentamos que, em contrapartida, tenham sido rejeitadas importantes propostas do PCP visando, designadamente: garantir a protecção de vítimas de crimes; estabelecer mais limites às actividades dos serviços de segurança interna; estabelecer novos meios de protecção contra a utilização abusiva da informática; estabelecer novos direitos para os jornalistas; melhorar a protecção do sigilo profissional e do segredo religioso. Proibir essa aberração que são as leis fiscais retroactivas.
O PSD, com a sua sanha aos trabalhadores, inviabilizou todas as nossas propostas tendentes a proteger melhor a segurança no emprego; a alargar direitos e protecções aos trabalhadores em situação precária; a reforçar as incumbências do Estado de prevenção e repressão das ilegalidades do patronato; a instituir um princípio constitucional de redução do período de trabalho; a garantir os créditos salariais e o pagamento pontual dos salários.
Foram igualmente frustradas de forma chocante todas as nossas tentativas de, sem alterar o equilíbrio da organização do poder político, introduzir alguns significativos aperfeiçoamentos, nomeadamente a definição de competências do Presidente da República nas relações externas e a instituição constitucional da autonomia administrativa e financeira dos serviços da presidência, a constitucionalização da Comissão Nacional de Eleições, o controlo público do rendimento dos políticos, a concessão aos cidadãos do direito de iniciativa legislativa popular, o reforço dos poderes de fiscalização da Assembleia sobre o Governo, a ampliação da área de exclusiva da competência parlamentar, o reforço dos poderes da Assembleia em matéria orçamental. Com os votos contrários do PS e do PSD foi igualmente recusada a nossa tentativa de flexibilizar o regime de criação das regiões administrativas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Comité Central do PCP salientou, na sua resolução de 30 de Maio, que a revisão aprovada pela direita e pelo PS mutila a Constituição, desfigura traços essenciais do regime criado pela revolução de Abril e abre novas possibilidades às ofensivas do Governo. Mas sublinhou ao mesmo tempo que «a Constituição revista, apesar de mutilada, não impede, nem no plano político, nem no plano jurídico (e por isso deverá ser invocada) tanto a continuação da luta em defesa das conquistas de Abril, como a luta por uma alternativa democrática e um Governo democrático que as inclua no seu programa; uma democracia avançada no limiar do século XXI continua a ser a proposta e a perspectiva de luta que o PCP apresenta ao povo português».

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Orador: - O PCP vai votar contra a Lei de Revisão da Constituição.

Vozes do PSD e do CDS: - Ali!...

O Orador: - ... , agora submetida a votação final global, em conformidade com' o severo juízo que formulamos sobre a revisão e na sequência das votações, na especialidade, que produzimos ao longo do processo. Ao tomar esta posição de voto, o PCP chama viva e preocupadamente a atenção para as importantes batalhas legislativas que vão seguir-se à aprovação da Lei de Revisão. Trata-se, entre outros grandes objectivos, de impedir a deturpação do quadro eleitoral, a governamentalização total do sistema da Alta Autoridade para a Comunicação Social e o 'controlo «laranja» sobre o Tribunal Constitucional. Trata-se de continuar a luta em defesa do sector público, dos interesses dos milhares de trabalhadores que nele exercem a sua actividade e dos interesses da economia nacional que com ele estão ameaçados.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e dos Deputados Independentes Raul Castro e João Corregedor da Fonseca.

Ao tomar esta posição de voto o PCP apela, como fez o seu comité central em.30 de Maio, aos trabalhadores e às forças democráticas para que convirjam e se unam na sua acção, cerrem fileiras e intensifiquem a luta contra o Governo e a política de direita, por uma alternativa democrática de governo que inscreva no seu programa as. conquistas democráticas de Abril.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e dos Deputados Independentes Raul Castro e João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eis acabada a obra: Não propriamente ao sétimo dia, porque arduamente tivemos de subir até era pela escada de serviço.
Nem infelizmente perfeita, que o não é a criação tocada pela mão do homem.
Apesar de tudo aperfeiçoada.
Uns a quiseram mais idêntica, outros a desejaram mais diversa. E não raro a Comissão de Revisão foi a «Babel» inconsequente dos que não falam a mesma língua.
Depois, havia o espartilho constitucional da exigência da maioria de dois terços, à partida dependente de um acordo entre o PSD e o PS, com os restantes partidos a emitirem opiniões sempre úteis, traduzidos em votos para o efeito nem sempre eficazes.
Desistir era proibido. A própria Constituição admite e sua desactualização e revisão de tempos a tempos: E era de fácil captação um desejo generalizado de que a Constituição acompanhasse a vida.
Acresce que; se esta «é sempre feita de mudança», nos últimos anos acelerou no mudar.
Assistimos à subversão de valores, costumes, meritalidades num ápice envelhecendo perspectivas históricas que se presumiam seguras e concepções de vida que se julgavam duráveis. O Leste revê dogmas, o Ocidente ilusões. Os direitos fundamentais - a nova religião dos desprotegidos - paralisam a agressividade. O canhão pede a reforma. O míssil pede o desmonte. O diálogo
fotografa-se de pé postado sobre o corpo inerte, ou quase inerte, do fanatismo e da inimizade. O Estado, ontem divino, é hoje mais frágil do que uma praça com
gente dentro.
E Portugal identifica-se com um projecto europeu centrado no cidadão; que desde já não deixa intactos os Estados, nem com o tempo deixará inatingidas as pátrias.
Desfeiteados os sismógrafos políticos; está aí, em trabalho de parto, um mundo novo, e cada vez mais o mundo só que já profetizava Wender Wilkie nos verdes anos da minha juventude.
Podia a Constituição da República assistir indiferente, da janela, ao desfile dos acontecimentos, à revogação das vontades, às novas correlações de forças, a todo um exercício quotidiano do poder constituinte, sem se misturar com a vida e evoluir com ela?
Independentemente do juízo que sobre esta revisão se faça, rever era preciso: Rever em «docilidade ao real», mas rever também em fidelidade ao espirito que anima o núcleo estruturante da Constituição de Abril.
Por isso o PS se recusou quer a deixar-se travar pelo fetichismo de formulação datadas, quer a deixar-se instrumentalizar por pressões de conjuntura.
Daí também a sua recusa em impedir ou sequer adiar a revisão que ao País convinha. Adia-la, só porque este Governo pretensamente se compraz no facto de revê-la, equivaleria provavelmente a impedi-la.
Amanhã seria o partido do Governo que está a recusar vantagens ao Governo que estivesse, e assim por diante até à. ruptura constitucional e à revolução como única saída.
O resultado conseguido fica a dever-se em muito ao contributo intelectual de todos os partidos e respectivos delegados na Comissão de Revisão, onde foi possível reunir um conjunto de deputados inteligentes, sabedores e imaginativos - ou não fossem os mais deles escandalosamente jovens - com a só excepção de mim próprio, infelizmente não só no que diz respeito ao calendário.
E também devida uma palavra de apreço ao pessoal de apoio que foi inexcedível em eficiência e dedicação.

O Sr. António Vitorino (PS): - Muito bem!

O Orador: - E se não refiro em especial a comunicação social é porque o seu trabalho é neste domínio uma muito positiva constante.
Subjacente a uma certa incomodidade latente esteve no entanto o facto de o resultado conseguido ter tido como ponto de partida um acordo entre o PS e o PSD, negociado e tornado público pélas respectivas direcções e centrado sobre o punhado de questões que mais separavam às águas. Tratou-se, no caso, de uma exigência circunstancial, que, aliás, foi compreendida pelos órgãos do meu partido porque quer o grupo parlamentar, quer a comissão política, quer a sua comissão nacional o votaram praticamente por unanimidade.
E tão fácil é hoje pretender que esse acordo podia ter sido outro, e melhor para cada um dos intervenientes nele, como difícil é demonstrar o contrário.
Diga-se o que se disser, sem um acordo deste género, com o mesmo ou diverso conteúdo, a revisão, na actual correlação de forças e de votos, não teria sido possível qualquer revisão.

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Até aqui fiz questão de identificar o mérito desta revisão com um trabalho de grupo. Mas não se me levará a mal se deixar aqui unia partícula de realce sobre o papel especialmente criador e especialmente mediador desempenhado pelo Partido Socialista.
Coube-lhe uma síntese de equilíbrio e sensatez. Por isso não surpreenderá que lhe tenha pertencido a iniciativa ou a formulação da esmagadora maioria das propostas que fizeram vencimento, e não menos que tenha podido desagradar indiscriminadamente à sua esquerda e à sua direita, qual bombo de festa martelado dos dois lados da pele. Mas se esta revisão é de todos, seja-me permitido dizer que ela é fundamentalmente nossa.

Aplausos do PS.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Como se viu, como se está a ver!

O Orador: - Tudo estoicamente suportámos por amor à República.
Maior rigidez de posições seria bloqueadora. Menor, um livre-trânsito. No primeiro caso cantariam vitória os imobilistas, no segundo os camartelistas. E vitorioso tinha de ser o País.
Algumas das apreciações mais negativas do resultado conseguido baseiam-se em bem ministrado equívocos. Um deles é o lançamento a débito de uma pretensa redução dos poderes do Presidente da República.
Nada menos exacto. Nem um só dos actuais poderes do Presidente da República lhe é retirado ou restringido. E embora as propostas do seu reforço não tenham em regra feito vencimento, porque a isso opôs o partido maioritário, ainda assim foram reforçados em alguns aspectos significativos.
Passa a competir-lhe a última decisão sobre o referendo.
É maior o número e o peso dos decretos para cuja confirmação, em caso de veto presidencial, se exige votação por maioria qualificada de dois terços. Foi ampliado o prazo de que o Presidente dispõe para a sujeição de um decreto a apreciação preventiva da constitucionalidade.
É constitucionalizada a competência do Presidente para marcar a data das eleições para deputados ao Parlamento Europeu.
E o debate clarificou que a soberania que lhe inerme, e a separação dos poderes de que dispõe, tem implícita a prorrogação da autonomia administrativa e financeira, a regular, como espero vamos regular, em lei ordinária.
Outra falsa ideia reside no facto de se ter reduzido o peso semântico da Constituição, a benefício da clarificação do seu sentido material.
Proclamações de denso conteúdo ideológico, quais «actos de fé» jurados nas exaltações de Abril, têm alimentado uma querela constitucional duplamente inconsequente. Nem os governos de esquerda as interpretaram à letra como regras de direito positivo ou como directivas de acção política, nem os executivos de direita se sentiram por elas embaraçados para a consumação dos seus propósitos reposicionistas.
Não obstante, vêm constituindo um permanente factor de animosidade dialética que não desposa o real.
É o caso da definição de Portugal como República «empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes», ou da República como Estado que tem por objectivo assegurar a transição para o socialismo».
Debalde se negará que esta visão classista e transitória teve justificação histórica, ao ponto de ter sido sufragada pela maioria dos que hoje a renegam. Mas deixou entretanto de ser consensual.
Daí a sua eliminação, que não deve ser entendida como acto de banimento do seu sentido fundamental, mas apenas do seu significado semântico. Para o PS, «assegurar a transição para o socialismo mediante a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa» é enunciar um fim mediante um meio que na Constituição agora permanece como objectivo directo.
Este não é senão aquela mesma democracia, ou seja o socialismo democrático centrado na justiça distributiva que o PS tem por ideário, por objectivo e por programa.
Outro tanto quanto à reforma agrária. Desaparece a imagem de marca, porquanto se deixa de falar nela.
Mas permanecem, no essencial, os instrumentos em que se desdobra. Se é a simbologia que está mitificada para o aplauso ou para a execração, no mais continuando a ter utilidade a sua caracterização instrumental, conserve-se o que faz jeito e elimine-se o que faz barulho.
Assim é que, em termos de política agrícola, e agora para todo o espaço nacional, se mantêm:
A eliminação dos latifúndios, agora como incumbência prioritária do Estado.
A especial protecção de tudo quanto é pequeno e médio.
O especial empenhamento na aproximação efectiva e afectiva entre a terra e quem a trabalha, aqui ganhando relevo a previsão da entrega das terras expropriadas em propriedade e não apenas em posse.
A previsão de que a lei fixará os limites máximos e mínimos das unidades de exploração agrícola.
A garantia do apoio do Estado aos agricultores e trabalhadores agrícolas.
A garantia da participação de uns e outros definição política agrícola.
As pretensas «malfeitorias» introduzidas na Constituição económica animaram também os torneios críticos e desafiaram não menos o fervor dos prosélitos.
No centro do «tornado» estiveram «o princípio da apropriação colectiva dos principais meios de produção e a irreversibilidade das nacionalizações».
Quanto àquele princípio, houve que reconhecer uma de duas coisas: ou bem que se traduz no imperativo de nacionalizar tudo quanto seja principal meio de produção, e nesse caso há que reconhecer que esse dever político se manteve até hoje em sucessivo pecado de inconstitucionalidade por omissão; ou bem que deve ser entendido, não como um poder-dever, mas como uma faculdade de exercício conjugável com o interesse nacional, e veio a ser precisamente esse o sentido consagrado na nova formulação.
Uma operação de pequena cirurgia tornou possível essa recondução da Constituição à realidade.
Consistiu ela numa pequena incisão e esta na eliminação do qualificativo de «principais». Agora, o princípio não é, se alguma vez o foi, o da apropriação impositiva dos principais meios de produção, mas facultativa de todos eles.
Seria tentado a dizer que, com esta modificação, pusemos a Constituição de acordo consigo própria.

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O sector empresarial do Estado vem sendo um outro pomo de discórdia. A direita neo-liberal nunca se resignou à sua actual dimensão.
Daí que tenha somado aos azares da conjuntura recessiva a que foi sujeito, o desfavor da sua própria má vontade. As empresas públicas serviram para ocultar inflação, défice e desemprego. Para tudo menos para, em situação normal, poderem mostrar o que valiam.
E o «plebiscito» da opinião pública dirigida reiteradamente envolveu em desprestígio o papel de gestão pública empresarial.
Mas é chegada a hora de reconhecer que não teria lógica confirmar como facultativa a apropriação colectivação e manter sem recuo a dimensão colectivizada.
A Constituição não toma agora partido sobre essa dimensão, que relega para juízos políticos de oportunidade e interesse público. Deixa de ser, como é, a única Constituição conhecida a colocar um «sinal vermelho» na via da privatização de bens colectivizado.
Mas nem por isso a reprivatização passa a ser incondicionada. A Constituição sujeita-a a regras de forma e de afectação das consequentes receitas, que não poderão ser afectadas a despesas correntes.
Assegurou-se ainda a avaliação prévia dos valores a reprivatizar por mais de uma entidade independente, bem como a garantia dos direitos dos trabalhadores.
Trata-se de princípios constitucionais, não de meras recomendações postergáveis. Os Governos, este ou qualquer outro, por mais que nisso se empenhem, não podem fazer o que quiserem. Para além das prescrições constitucionais e legais, terão sempre que ver-se confrontados com os resultados do quotidiano plebiscito jornalístico, televisivo, radiofónico e em geral opinativo, que é muito mais constituinte de que habitualmente se julga.
Sectores de opinião fizeram-se eco de dois particulares receios: o de que o actual Governo venha a fazer mau uso dos poderes que assim lhe são outorgados; e o de que, por esta via, renasçam os grupos económicos do passados
São receios legítimos. Mas que encontram antídoto e resposta nestas constatações elementares:
Continua a ser princípio fundamental da nossa organização económica a subordinação do poder económico ao poder político democrático;
Continua a ser incumbência prioritária do Estado eliminar e impedir a formação de monopólios privados, bem como reprimir os abusos do poder económico e todas as práticas lesivas do interesse geral;
É promovida a igual incumbência do Estado, a eliminação dos latifúndios;
Assiste-se hoje a uma crescente internacionalização das economias, o que reequaciona aqueles receios;
E a melhor garantia contra o retorno aos grupos económicos do passado - os que escolhiam quem se sentava nas cadeiras do poder - é a garantia da legitimidade democrática do novo poder.

O Sr. António Vitorino (PS): - Muito bem!

O Orador: - É claro que aqueles receios não são formulados em abstracto, mas em concreto.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Claro!

O Orador: - Seria este Governo, e não abstractamente qualquer outro, a sua concreta justificação.
Reconheço sem esforço que o actual Governo é mais legal do que legítimo. E não menos que a sua legitimidade - conceito indefinível que num Estado democrático se mede pelo grau de identificação com a própria ideia de democracia - progressivamente se reduz.
Mas, por um lado, as Constituições fazem-se para os países, não para os Governos. E, em democracia, há que em última instância aguardar que funcionem as sanções políticas, traduzidas na migração dos votos.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - De resto, o nosso modelo económico continua definido como de economia mista e centrado na coexistência de três sectores de propriedade, um dos quais é o sector público precisamente, sendo que aquela configuração passa a constituir, e não o era, limite material de revisão.
Árvore da floresta dos enganos foi também o debate fomentado e mantido em torno destes limites materiais de revisão.
Também aí teve o PS de arbitrar exageros de sinal contrário. Entre os que entendiam que os limites materiais são imutáveis para a eternidade; e os que defendiam que valem tanto como nada, podendo o legislador tê-los por írritos e não escritos, houve que impor o equilíbrio da tese da dupla revisão: os limites têm agora que ser respeitados por uma revisão no decurso da qual vigorem, mas podem eles mesmo ser alterados, como qualquer outra norma constitucional, para o efeito de futuras revisões.
E foi assim que na presente revisão, com o PS a fazer de anjo custódio, foram respeitados os actuais limites, de passo que foram alterados nas perspectivas de revisões futuras. Quid Novuml Um novo que respeita o velho no seu significado estruturante. Aquele «núcleo duro» com o qual se identifica o sentido essencial da Constituição material vertida na forma da actual Constituição, e que se presume mais resistente à erosão do tempo, sem atingir a rigidez do dogma nem a presunção da eternidade.
Expressos ou implícitos, sempre numa Constituição há limites. Por isso não foram os constantes do artigo 290.º os únicos que o PS entendeu dever respeitar e fazer respeitar. Um outro, a que todos afinal se reconduzem, esteve presente na mesa dos trabalhos: o espírito da Revolução de Abril.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Disse o que valem e não valem as principais objecções de fundo à revisão consumada.
Importaria agora passar em revista, ainda que sumariamente, os seus mais irrecusáveis méritos, mas terei de focar apenas alguns.
Desde logo o reforço conseguido na consagração de direitos fundamentais.
Eis que temos na Constituição da República a mais afirmativa lei das doze tábuas dessa nova «religião».
As Constituições são cada vez menos eticamente indiferentes.
Cabe nelas a definição de um filosofia social e a formulação de claras directivas ético-sociais aos governantes.

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Um responsável político sem alma, de voto do cifrão, lidará sempre com ela em constante pecado de heresia.
Realce merece também a facultação de novos instrumentos à participação directa dos cidadãos no funcionamento das instituições democráticas.
Está entendido que a riqueza da experiência democrática se não esgota na sua dimensão representativa.
Daí o papel que pode vir a assumir o referendo agora constitucionalmente consagrado. Forma de democracia directa por excelência, aí o temos, circunscrito ao âmbito da criação legislativa não constitucional, e mesmo assim rodeado de cautelas.
Não menos o relevantíssimo papel que pode passar a ter o exercício do direito de petição, agora que foi assegurada às petições a que a lei atribua um grau mínimo de representatividade, a coroação da sua discussão obrigatória pelo Plenário da Assembleia da República.
Mas onde a esperança põe o ramo é no efectivo exercício do direito de acção popular, com vista à prevenção ou à repressão da violação dos valores tão relevantes como o património cultural, os valores ecológicos, a saúde e em geral os direitos dos consumidores.
Eis aí, constitucionalmente plasmada, a utopia de dez milhões de provedores de justiça.
Destacarei também a consagração das leis orgânicas, como leis de valor reforçado, sujeitas por isso a especiais exigências de aprovação e confirmação em caso de veto. Destinam-se a moderar os riscos do abuso de poderes maioritários, tão rudemente ilustrados pela actual maioria. E sobretudo a agora exigência de maioria qualificada de dois terços, para a futura aprovação de alterações à Lei Eleitoral.
Neste domínio eram justificados alguns receios. Deixam agora de sê-lo. A Lei Eleitoral passa a ser um condomínio de vontades.
Que, para conseguir este desfecho, tenha sido necessário admitir a possibilidade da criação no futuro de um círculo eleitoral nacional - sujeita à mesma regra de dois terços - bem como aceitar uma redução em 6% do número de deputados, eis o que se afigura um preço razoável para tão tranquilizante resultado.
Nos direitos dos trabalhadores, o PS não consentiu que se tocasse.
Não foram poucas, nem frutes, as tentativas. Mas sem resultado. Tornou-se aí patente a fronteira que separa quem os defende e quem os desama.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Tão selectiva!

O Orador: - Também por isso só pudemos lograr a consagração de dois significativos reforços.
Mas nem por isso a nossa Constituição deixa de ser, agora mais do que nunca, a mais generosa das Constituições ocidentais no reconhecimento e na garantia dos direitos dos trabalhadores.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O mesmo se diga da Constituição social toda ela. Na génese das Constituições materiais, o social precede o político. E a nossa continua - agora com alguns aperfeiçoamentos e algum reforço - a indicar aos governantes claros objectivos de justiça social, ambiciosos às vezes até à utopia. Não sou dos que se impressionam com o irrealismo, em termos de presente,
de algumas das metas definidas. Nestes domínios, a separação que sempre existe entre a realidade e os objectivos enunciados, só incomoda os que se resignam à estéril confirmação de situações de facto, quando o que se faz mister é precisamente mudá-las.
Longa teria de ser - para ser exaustiva - a menção das benfeitorias introduzidas noutros passos da Constituição.
Junto numa molhada o reforço das autonomias regionais e locais, com destaque para as primeiras; a clarificação e em certa medida a simplificação da criação em abstracto e da instituição em concreto das regiões administrativas; a promoção dos direitos dos consumidores a direitos fundamentais; a consagração da administração aberta e a sua subordinação aos princípios da igualdade e da proporcionalidade; a flexibilização dos mecanismos de realização da justiça, através da previsão de instrumentos não jurisdicional de composição de conflitos; enfim, a abertura do exercício da actividade televisiva à iniciativa privada em sistema de licenciamento vinculado, infelizmente não tanto como teria sido desejável.
Um último ponto antes de concluir: diz-se que a Constituição revista vai traduzir-se em benesses para o actual Governo.
Digo eu que, quem assim pensa, está de antemão vencido! Não são só os alibis que acabam! São novas plataformas de luta que começam!...

Aplausos do PS.

Um Governo propenso ao autoritarismo vai digerir muito mal as possibilidades de defesa da democracia, das liberdades e da justiça social que abrem aos portugueses a nova configuração dos direitos de petição e acção popular:
O princípio da administração aberta;
A inclusão da protecção dos consumidores entre os direitos fundamentais;
O reforço do acesso ao direito e aos tribunais;
A abertura da televisão à actividade privada;
A constitucionalização da concertação social e do direito dos trabalhadores a participarem nela;
A distribuição das terras expropriadas, em propriedade, aos que a trabalham;
Os princípios constitucionais a que passam a estar sujeitos os processos de reprivatização dos bens nacionalizados após 25 de Abril de 1974;
A constitucionalização da participação efectiva dos trabalhadores na gestão da respectiva empresa do sector público.
Efectiva, é algo melhor do que a tendência que hoje se consagra na Constituição:
Um novo conselho económico e social;
O exercício do direito de referendo;
Os novos poderes de fiscalização do Tribunal de Contas.
Como se vê, o que não falta são novas plataformas de luta contra a prepotência e a injustiça.
Convido os mais azedos críticos da Constituição revista a gastarem as suas energias redentoras instalados nelas.
Nós, é por aí que, a partir de hoje, tencionamos ir!
Não percebi do discurso do Sr. Deputado Carlos Brito se é também por aí que vão, porque tudo depende de saber se vão pela primeira parte do discurso ou se vão pela segunda.

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O Sr. António Vitorino (PS): - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito mal!

O Orador: - Eis, num resumo necessariamente incompleto, quanto basta para que se conclua:

Que a República não mudou de Constituição;
Que Abril não mudou de evangelho;
Que a Constituição da República continua a não em ser ideologicamente neutra;
Que - conclusão das conclusões - continuamos a ter uma boa Constituição, uma progressiva Constituição, a mais progressiva Constituição da Europa Ocidental agora também em termos de presente e não termos de passado.
Que ela passe a ser a nossa «Praça da Concórdia»! ...

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Extravasaria abusivamente dos limites, e sobretudo do sentido desta intervenção, qualquer propósito de referenciar e valorar individualmente as singulares e múltiplas alterações ao texto constitucional que acabamos de votar e nos aprestamos para sancionar em votação final global. E que no conjunto - importa acentuá-lo desde já - merecem o nosso franco e irrestrito aplauso. Não tanto, nem principalmente, na medida em que terão logrado vencimento as propostas ou reivindicações por nós protagonizadas ou mediatizadas. Na perspectiva de legisladores constituintes em que sempre nos colocámos, pondo entre parêntesis as condicionantes da conjuntura, o que decide é o acerto das soluções e não é o triunfo duma dada impostação político-partidária, mesmo que nossa, mas antes e apenas a sua consonância ou aproximação com o paradigma duma constituição democrática, própria de um Estado de Direito e duma sociedade aberta e plural. Um paradigma de que podem univocamente louvar-se as inovações que acabaram por concitar a necessária maioria de dois terços.
Para demonstrar, de forma necessariamente sincopada e sintética, proponho-me enfatizar duas ideias centrais, correspondentes a outras tantas linhas de força e de fundo de todo o movimento de Revisão Constitucional e às quais não será difícil referenciar, de forma mais ou menos linear, praticamente todas as inovações aprovadas. Refiro-me, em primeiro lugar, ao reforço irrecusável dos direitos e posições dos cidadãos face ao poder e ao Estado. Em segundo lugar, ao abandono de todas as cristalizações ideológicas que hipotecavam o texto constitucional, e com ele o nosso destino colectivo, as mundivisões fixistas de mais do que duvidosa legitimidade tanto teórico-doutrinal e filosófico-cultural como e sobretudo jurídico-constitucional. Trata-se, aparentemente de duas dimensões ou correntes de sentido divergente, mesmo antinómico ou irreconciliável. A primeira resulta, com efeito, na ostensiva densificação da malha normativa-constitucional: introduzindo novos direitos, emprestando maior consistência às posições, reforçando as áreas de tutela dos interesses legítimos, criando-se novas vias de transparência e comunicabilidade entre, por um lado, as organizações de ideias
e interesses e, por outro lado os detentores legítimos do poder. Enquanto isto e inversamente, traduz-se a segunda na rarefacção da ordenação constitucional e na correspondente relativização e perda de consistência das pertinentes injunções constitucionais. E, todavia, quando ultrapassarmos o jogo das primeiras aparências e nos fixarmos no apelo exercido pelo paradigma que deixámos referenciado, cedo aquelas dimensões se revelerão impressivamente congruentes e consonantes. De ambos os lados se trata, na verdade, de reconduzir o texto constitucional ao seu irrecusável topos institucional.
Numa perspectiva axiológico-normativa eu não arriscaria qualquer juízo de prioridade ou primado hierárquico de qualquer das duas vertentes. Mesmo no plano estritamente pragmático seria precipitado antecipar qual em definitivo virá a condicionar mais decididamente o quotidiano dos cidadãos. E todavia, e no que toca à dramatização do discurso, dos gestos e das máscaras, foi notoriamente a segunda dimensão que verdadeiramente polarizou a paixão. Tanto no interior do processo de revisão como no seu ambiente, nomeadamente no seu espelho mediatizado pela comunicação social. Será, por isso, como mera concessão ao clima da conjuntura que nos propomos privilegiar, aqui e agora, esta segunda dimensão. Não o faremos sem antes, e a título meramente paradigmático, recordar o relevo dos novos direitos fundamentais que ficam consagrados. Como sucede com o direito à palavra que passará a valer, num mundo cada vez mais armado de meios de agressão e de devassa como barreira intransponível à gravação, objectivação e manipulação ilegítimas da palavra, bem como à sua utilização indevida fora do contexto e do círculo comunicativo em que foi proferida.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Significativos igualmente o novo regime das petições e o triunfo de referendo que alargarão seguramente os canais de participação e controlo democrático de exercício do poder. Também não passaram depercebidas pela sua amplitude e profundidade as inovações introduzidas no ordenamento constitucional da Administração Pública: a acentuação dos princípios de igualdade e proporcionalidade, as exigências de transparência e as novas vias de garantia e tutela dos direitos dos administrados e dos seus interesses legítimos. Todo um programa constitucional que a ser devidamente explicitado e pragmaticamente plasmado pelo legislador pode induzir a transformação radical dos modelos de acção e integração entre o cidadão e a Administração Pública. O que permite esperar a superação definitiva do resíduos de arcana praxis, esconjurando-se o fantasma de um Estado Moloch, cego na sua demiurgia, que, mesmo quando eudemónica, não deixa de suscitar medo, alienação e revolta.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No que à segunda dimensão concerne, há-de, desde logo, sublinhar-se o significado - tanto simbólico como axiológico-normativo e prático-jurídico - da renúncia ao socialismo e à transformação numa sociedade sem classes como meta e horizonte escatológico proposto e imposto à marcha histórica do povo português. Uma inovação que vale seguramente como

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uma autêntica libertação, prenhe de consequências e implicações que não devem desatender-se. Desde logo, e em primeiro lugar, no plano filosófico-cultural, ela denuncia a superação irreversível de todos os historicismos e de todas as pretensões de antecipar por uma vez o curso da História. Ela implica noutros termos a abertura aos coeficientes irredutíveis de indeterminação e de surpresa duma história que capricha sistematicamente em ironizar sobre o narcisismo de todos os que alguma vez se acreditaram na posse da chave do rumo e do destino da mesma história. E desincentiva, por isso mesmo, todos os propósitos de lançar pedras irreversíveis na construção do futuro. Uma ilusão a que só poderão acolher-se aqueles que - cegos à lição de Kant - partam de menoridade das gerações futuras e da sua disponibilidade para aceitar sem reservas as heranças que no nosso alto critério decidamos legar-lhes.

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Ela aponta, em segundo lugar, para uma compreensão do direito, sobretudo do direito constitucional, inteiramente sintonizada com as mais recentes representações sobre a legitimação do direito no contexto de uma sociedade secularizada, que cortou os laços com a transcendência de mundos referenciados pela graça da revelação ou pela especulação da metafísica e, por isso, a si mesma se define, não como uma sociedade em trânsito, à espera do advento da consumação dos tempos. Antes se representa como vivência colectiva, definitivamente estabilizada em torno da celebração de valores imanentes a um mundo homiziado e desencantado. O direito não se ouve no vento que passa no deserto, não se lê no bailado das sombras intuídas a partir da caverna de Platão, nem nas chagas de uma sociedade dos meados do século passado, em princípios de industrialização. Mais do que objecto de contemplação o direito surge hoje como produto da acção criadora e profética do homem historicamente situado. Parafraseando Hobres, não é tanto a verdade quanto sobretudo a autoridade democrática que produz o direito. Daí que o direito, como produto histórico, do homem traga consigo o estigma indelével da contingência e da alternativa.
A renúncia ao socialismo como programa constitucional tem, em terceiro lugar, implicações profundas no plano da acção política, nomeadamente no que toca à legitimidade de acesso ao poder e seu exercício livre e responsável. Uma inovação que deve ser lida com cuidado e com rigor. Na verdade, ela vale mais pela sua dimensão positiva do que negativa. Bem vistas as coisas, não se trata de proscrever qualquer ideologia, nomeadamente a socialista; trata-se, pelo contrário, de estender a todas o mesmo princípio de legitimação constitucional de raiz.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Numa compreensão arqueológica da construção social da realidade do mundo em que vivemos, sabemos que ela é tributária de todas as ideias e de todos os sonhos por que lutaram, sofreram e morreram tantos homens. Se devemos ao individualismo iluminista uma lição de liberdade e autonomia, não devemos menos à irrenunciável dimensão de solidariedade que nos legaram os pensadores do socialismo.
Ponto é que se assuma a ascese e a renúncia a todo o paternalismo não legitimado pelo voto popular. E que lutemos pelo nosso ideário - conservador de alguns, liberal de outros, social-democrata nosso ou socialista de outros - sem o amparo de privilégios constitucionais indevidos. É a este desafio - com o fascínio dos seus riscos e da sua responsabilidade - que o renovado texto constitucional nos convoca.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É a esta luz que hão-de encarar-se e valorar-se - e a nosso ver saudar-se as profundas reformas introduzidas na Constituição económica, onde avultam, em primeiro lugar o fim do tabu da irreversibilidade das nacionalizações e do imperativo constitucional de apropriação dos principais meios de produção;
Em segundo lugar, o novo estatuto e a nova função júridico-constitucional reservada ao Plano que perde a sua conotação ontologificante, a sua dignidade de pressuposto absoluto de disciplina e organização da actividade económica, social e cultural, bem como a desmedida ambição de antecipar à distância e programar Q futuro, através do plano a longo prazo;

Em terceiro lugar, a nova impostação jurídico-constitucional em matéria de política agrícola. Mais do que o abandono de um conceito como de reforma agrária - e da carga simbólica e do imaginário quase mitológico que ele trazia consigo - sobreleva aqui a clara renúncia à imposição constitucionalmente vinculativa de meios ou instrumentos de prossecução dos objectivos da política agrícola, a saber: o desenvolvimento económico, social e cultural dos que trabalham a terra e a racionalização das estruturas fundiárias. O modo-necessariamente relativo, contingente, plástico e variável - de promover estes objectivos passa a ter dois mediadores e referentes: «A lei e a política agrícola», ambas subjectivas e modeladas por maiorias sujeitas à regra da alternância democrática. Isto, de resto, à semelhança do que sucede com as privatizações ou as nacionalizações ambas inteiramente e a igual título cometidas à disponibilidade e responsabilidade política do poder em cada momento legitimado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As considerações expendidas dão conta da transformação quase copernicana operada a nível das relações entre a ordem do constitucional e o plano da acção política e da legislação ordinária. Acedendo ao poder e vindos de qualquer lado do horizonte ideológico, os diferentes portadores da legitimidade política deixam de se ver confrontados com um meta-programa sediado na Constituição. Um programa definido uma vez por todas, persistindo fixo e imutável na sua inseminasse como o princípio de Parménides, e impondo-se de forma contínua e igual a todas as formações políticas. Um programa que valia além do mais, como uma espécie de pé-de-meia de poder, amealhado nos bons velhos tempos da perturbação revolucionária por aqueles que há muito desesperaram de exercer o poder por legitimação democrática.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Nunca, por isso, será de mais sublinhar o alcance deste decisivo e clarificador apartar de água: entre o que sendo constitucional ou quase constitucional revela ou consenso e pela para o consenso e o que inversamente pertence à acção política ordinária e releva da pluralidade e reclama a conflitualidade.

Aplausos do PSD.

Em termos tais que o roubo do conflito pela via da suposição-imposição do consenso configura, como o assinalam sociólogos e politólogos uma das mais nocivas perversões da ideia democrática. A este propósito, cremos ter logrado um equilíbrio feliz com a figura das leis orgânicas, outra das inovações que a revisão trouxe consigo. Sempre, com efeito, a convicção da existência de áreas não formalmente mas materialmente constitucionais encontrou eco não disfarçado entre nós. O que não poderíamos era coonestar a ideia, que chegou a ter curso no debate político dos últimos anos, de se estender o regime da para-constitucionalidade ao campo da conformação estrutural da vida económica (por exemplo às nacionalizações/privatizações), precisamente a área privilegiada do conflito.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Era o que faltava!

O Orador: - E onde o regime da para-constitucionalidade induziria ou a paralização da acção política, ou a diluição das fronteiras entre a Oposição e o Governo, com perda da responsabilidade, dimensão imprescindível da vivência democrática.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Perigos que foram sabiamente prevenidos com o regime definitivamente plasmado sob a rubrica das leis orgânicas, circunscrita a áreas de unívoca valência estruturante para o regime democrático e por isso a reclamar o consenso que o seu regime induz e garante. Daí que as leis orgânicas se revistam, além do mais, de um relevo simbólico, de decisiva fecundidade hermenêutica, enquanto mostrações concretizadas da nova importação da ordem jurídica portuguesa que venho sublinhando.
Muita tinta e muita palavra se perdeu, neste contexto, a denunciar e a estigmatizar o que se considera ser o alargamento das margens de acção dos governos e das maiorias que o apoiam. Tal alargamento, importa dizê-lo, é irrecusável, dado o ostensivo recuo e a crescente fragmentariedade da intervenção directa da Constituição nas áreas da conformação económica e social. Mas não é menos inquestionável que o alargamento valerá em abstracto para todos os governos de Portugal. Daí que, em rigor, só possam mostrar-se frustrados aqueles que, aposentados da esperança e do futuro, se tenham remetido ao buncker da nostalgia e do passado.

Aplausos do PSD.

E tenham erigido a conjuntura num intransponível muro das lamentações que lhes corta todo o horizonte de futuro. Mas a que não regatearão o seu aplauso, estamos disso convencidos, os que acreditam na alternância democrática e na álea do acesso ao poder, essencial como Luhmann refere, à legitimação de todo o procedimento democrático.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No longo caminha da revisão, ficaram sem vencimentos algumas das propostas por nós adiantadas, de cujo bem fundado continuamos convencidos e por cujo triunfo continuaremos a mobilizar-nos.
Deixa-nos, por exemplo, um certo desencanto não termos obtido ganho de causa na questão do voto dos emigrantes para Presidente da República.

Aplausos do PSD.

Se mais do que um território, Portugal é um povo e uma cultura em Diáspura...
O Sr. José Magalhães (PCP): - É uma Revisão Constitucional às prestações!

O Orador: - ..., não podemos conviver facilmente com a certeza de existirem portugueses com o estigma duma inexplicável capitis diminutio.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mais, porém do que o saldo negativo, com a sua conotação de passado, é o saldo positivo com a sua intencionalidade de futuro que cabe assinalar, mesmo festejar. Levámos a bom termo uma Revisão Constitucional a que a densidade das discussões e a extensão da participação asseguram a legitimidade processual e a que o resultado final empresta uma mão menos inequívoca legitimação material. Abatemos muitas barreiras e divisórias que persistiam como resíduos atávicos do período revolucionário e que só dividiam. E vimos, por isso, emergir uma Constituição que pode generalizar a todos os portugueses o sentimento da identificação e da pertença. Demos, com efeito, um passo decisivo rumo àquela lei arquetípica de que falava Heraclito e pela qual, segundo o mesmo filósofo, nos devemos bater como pelas muralhas da nossa cidade!
A revisão alcançada é naturalmente obra de todos, na diferenciação dos nossos papéis e do nosso poder de decisão. E não só dos deputados, mas também de todos quantos, aqui e lá fora, alimentando os debates e o intercâmbio de ideias e de pontos de vista, tornaram possível o resultado final. Nada, porém, mais natural do que enfatizar, aqui e agora, o sentido de responsabilidade e a postura de Estado dos dois maiores partidos portugueses...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... que, por sobre os ruídos e os debates de conjuntura, souberam encontrar o silêncio e o tempo interiores para celebrar e honrar até somente o acordo decisivo que viabilizou a revisão.

Aplausos do PSD.

Por nós, social-democratas - permita-se-nos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o declinemos a terminar -, chegamos aqui com o sentido do dever cumprido, de concretizarmos uma das mais determinantes reformas estruturais, colocada à cabeça das promessas eleitorais do Professor Cavaco Silva e sob a sua liderança e exemplo...

Protestos do CDS, do PRD e do PCP.

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... erigida, em premissa do nosso discurso e da nossa acção ao longo destes meses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Queríamos, outrossim, que o nosso esforço valesse como homenagem sentida a Francisco Sá Carneiro...

Aplausos do PSD.

... que desapareceu no decurso duma campanha eleitoral que tinha por motivação nuclear uma Revisão Constitucional muito próxima da que acabamos de alcançar.
Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de passarmos à votação, dava por uns momentos a palavra ao Sr. Presidente da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O mandato da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional está chegado ao seu termo. Permitam-me por isso, Sr. Presidente, e Srs. Deputados, que, como presidente da comissão, diga algumas brevíssimas palavras de agradecimento a todos aqueles que, pelo seu esforço e dedicação, tornaram possível o trabalho deste processo de Revisão Constitucional.
De uma maneira muito particular, gostaria de salientar todos os funcionários que acompanharam de perto os trabalhos da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional...

Aplausos gerais.

O Orador: - ... - sabemos bem o esforço que isso significou - e os funcionários que tornaram possível a publicação do boletim que tornou exequível os trabalhos do Plenário.

Aplausos gerais.

Quero deixar também aqui uma palavra de agradecimento para a comunicação social, que permitiu que a opinião pública seguisse mais de perto o que se ia passando na comissão e aqui no Plenário.

Aplausos do PSD, do PS, do PRD, do CDS e de Os Verdes.

Gostaria também de referir que foi para mim um prazer e uma honra trabalhar com os deputados que fizeram parte da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e que deram um claro exemplo de democracia. Muito embora provenientes de composições assaz divergentes, souberam sempre ter o aprumo e a correcção que permitem que a democracia seja, efectivamente, o melhor dos processos de convivência.
Por último, Sr. Presidente, gostaria de exprimir, em nome da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, o nosso agradecimento à presidência da Assembleia da República e à Mesa da Assembleia por todas as facilidades que lhe concedeu, por toda a compreensão que teve para com o seu trabalho assaz difícil
e para com as dificuldades que, não raras vezes, essa comissão foi obrigada a ocasionar-lhe.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos de seguida proceder à votação final global do decreto de Revisão Constitucional.

Submetido a votação, foi aprovado, com os votos a favor do PSD, do PS, do PRD, do CDS e do Deputado Independente Carlos Macedo, votos contra do PCP, de Os Verdes, dos deputados do PSD Jorge Pereira, Carlos Lélis, Cecília Catarino e Guilherme Silva, dos deputados do PS Manuel Alegre e Sottomayor Cárdia, da deputada do PRD Natália Correia e dos Deputados Independentes Raul Castro e João Corregedor da Fonseca e as abstenções do deputado do PRD Marques Júnior e da Deputada Independente Helena Roseta.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o decreto de Revisão Constitucional foi aprovado com maioria qualificada.

Aplausos do PSD, do PS, do PRD e do CDS.

Srs. Deputados, um conjunto de Srs. Deputados vai entregar na Mesa declarações de voto por escrito.
Srs. Deputados, reunimo-nos amanhã, às 10 horas. Da ordem do dia consta a interpelação ao Governo, do PS, sobre política geral visando o balanço da apreciação política da actividade global do Governo.

Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 55 minutos.
Declarações de voto sobre a votação final global do decreto de Revisão
Constitucional

I. APRECIAÇÃO NA GENERALIDADE

I. Introdução

Tendo assumido o mandato de deputado quase a meios dos trabalhos da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional quero prestar homenagem aos Srs. Deputados que, desde início, dela fizeram parte pelo notável trabalho que levaram a cabo. Destacarei os deputados do PSD que, com grande competência e muita paciência, não só defenderam, muitas vezes com êxito, as propostas iniciais constantes do projecto de revisão do PSD, como debateram sem limite de tempo as numerosas propostas que foram sendo apresentadas, rebatendo intermináveis argumentações muitas vezes repetidas ad nauseam, garantido sempre o quorum para o prosseguimento dos trabalhos. Sem deles não teria pura e simplesmente havido qualquer revisão.
Também deputados do PS deram provas de grande empenhamento nos trabalhos, contribuindo para a superação de muitos pequenos impasses, procurando todos os acordos possíveis e respeitando integralmente o acordo de Outubro de 1988, sem o qual a maioria qualificada não teria sido atingida e, por consequência, o regime democrático teria sido atirado para um verdadeiro beco sem saída.
Não poderia esquecer ainda o apoio eficaz e dedicado dos funcionários da Assembleia que acompanharam os trabalhos da CERC e a edição das actas das reuniões, aos quais estou pessoalmente muito reconhecido.

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Começarei por recordar que, quando em 1976 apoiei, com outros deputados constituintes a posição de Francisco Sá Carneiro no sentido de o PPD/PSD se abster na votação final da Constituição, queria que ficasse bem claro que as razões de conjuntura que poderiam levar ao voto favorável não se deviam sobrepor ao escamoteamento do que era evidente: a Constituição não era plenamente democrática e nela alguns direitos fundamentais da pessoa humana eram fortemente restringidos. O Estado ia adoptar uma ideologia transpersonalista e sectária e arrogava-se o «direito» de proclamar o que era bom e mau. Outras vontades e outras «legitimidades» sobrepunham-se à soberania popular. Em resumo, não havendo meias democracias, com Sá Carneiro sempre entendi que a democracia era mais uma vez uma ficção em Portugal.
Em 1982 foi conseguido o objectivo essencial da revisão da Lei Fundamental: a instauração da democracia política. A legitimidade democrática sobrepôs-se à «legitimidade» revolucionária, desapareceu um órgão de soberania não eleito, não responsável e com um mandato de duração indeterminada, que podia contrariar a vontade popular. Alguns direitos fundamentais foram consolidados e outros, como a liberdade de aprender e ensinar, obtiveram consagração.
No resto, quase tudo ficou por fazer e o texto constitucional foi envelhecendo sendo velozmente ultrapassado pela evolução da sociedade dos nossos dias, pelos avanços não só da ciência e da tecnologia mas sobretudo do pensamento, pela emergência de uma nova geração que nada tinha nem queria ter a ver com mitos rigídificados que nele se continham.
Por isso me congratulo vivamente com desdogmatização e o aggiornamento que nesta segunda revisão foram alcançados, bem como com o desaparecimento da maior parte das formulações datadas que consubstanciavam a imposição de uma ideologia dominante.
2 - O fim da ideologia crepuscular na Constituição.
A esmagadora maioria dos portugueses não queria que a Constituição continuasse a consagrar por mais tempo uma ideologia crepuscular e decadente que fazia dela um texto virado para o passado e cada vez mais estranho a Portugal. As formulações datadas envelhecidas, num caso ou outro até caricatas recolhidas da vulgata marxista que a vontade dos homens do nosso tempo já rejeitou em praticamente todo o mundo, eram uma excrecência sem sentido.
Além disso, sendo cristã a matriz cultural e ética que desde o inicio inspirou a comunidade portuguesa, tarde ou cedo haveria que erradicar o fracasso exerto daquela ideologia estrangeira.
Ora já há anos que a vontade do povo se vinha exprimindo num sentido contrário ao apontado pela Constituição. Repetida e firmemente, em sucessivos actos eleitorais, os portugueses escolheram outro caminho, repudiando o que estava consagrado e que era rejeitado por ser estranho, passadista e conduzir ao crepúsculo, como bem prova a experiência dos povos que por eles foram forçados a trilhar e do qual in extremis se tentam a todo o custo libertar.
Para mim é, por consequência, evidente que esta revisão é o triunfo da vontade soberana dos portugueses, que se impôs aos seus representantes - e que queria a rejeição dos mitos da «sociedade sem classes da apropriação colectiva dos meios de produção», em suma, do socialismo colectivista e transpersonalista,
inventado no século XIX. Ele foi sempre gerador de miséria, conduzindo necessariamente à brutal restrição ou mesmo supressão da liberdade e de toda a iniciativa criadora dos cidadãos.
3 - A queda do mito da irreversibilidade
Se, como se viu, a própria geração que o viu nascer repudiava já o modelo constitucional, que dizer da nova geração chegada à idade adulta e das que se lhe seguirão? Qual seria a sua entidade ao assumirem o cornando dos destinos pátrios perante um texto que os pretendia amarrar a uma ideologia, a um modelo, a uma utopia, talvez até a alguns fantasmas, com que nada tinham a ver? Penso que esta revisão salvou a geração que engendrou o texto constitucional inicial, em particular os membros da chamada classe política, de um total e profundo ridículo perante o futuro. Quem queria passar por um entre vários pequenos faraós, pretendendo impor aos vindouros aquela «pirâmide», produtos de um pensamento datado, que os novos inevitavelmente teriam de destruir? Estaria o povo «eternamente» condenado a submeter-se e a servir a Constituição ou esta é que devia ser instrumento político fundamental para servir o povo, logo capaz de evoluir de acordo com a evolução da vontade deste?
O fim da irreversibilidade das nacionalizações e a admissão da reversibilidade do próprio artigo 290.º, que foi alterado, puseram termo ao mito, dando ao futuro a prova do respeito que as pessoas que o irão construir e a sua total liberdade nos passaram a merecer a partir de agora.

4 - A democracia é indeterminação

Como já Tocqueville há século e meio notou a indeterminação é característica essencial da democracia. Claude Lefort acentua mesmo o que é o carácter aberto e indeterminado, marca essencial das sociedades democráticas ocidentais, que permite falar da invenção democrática.
Esta revisão foi o triunfo das concepções democráticas integralmente respeitadoras da vontade popular, incompatíveis com ideologias deterministas que pretendem conduzir a sociedades fixistas. Ora as sociedades viradas para um objectivo final são sociedades sem história, em oposição à democracia, «sociedade histórica por excelência» no dizer de Lefort, exactamente por ser uma sociedade que acolhe e preserva a indeterminação, em contraste com o totalitarismo que pretende deter a lei da sua própria organização e desenvolvimento, ou seja atingir um conhecimento «divino» sobre o futuro.
Mas não é possível idolatrar a sociedade como um deus. Como afirmou João Paulo II em Outubro passado no Parlamento Europeu «a sociedade, o Estado, o poder político pertencem ao quadro mutável e sempre aperfeiçoável deste mundo. Nenhum projecto de sociedade poderá jamais estabelecer o reino de Deus, a perfeição escatológica, sobre a terra. Os messianismos políticos desembocam quase sempre nas piores tiranias. As estruturas que as sociedades para si constróem não valem nunca definitivamente e não podem alcançar por si sós todos os bens que o homem aspira. Em particular, não podem substituir-se à consciência do Homem e à procura da verdade do absoluto».

5 - A dessacralização da política

A revisão de 1989 introduz na acção política, pela primeira vez, a consciência de que ela tem limites.

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O abandono do objectivo megalómano que visava a construção de uma sociedade «perfeita» - e definitiva
- na qual certamente apareceria o «homem novo» - significa também que se põe termo ao ciclo da resacralização do político que nos últimos séculos afectou boa parte da humanidade.
Importa recordar que nas sociedades primitivas e mesmo na antiguidade pré-cristã a política estava na esfera do sagrado. «Dar a César o que é de César e dar a Deus o que é de Deus» foi a proposta revolucionária que Cristo deixou aos homens. Ó dualismo cristão substituiu o monismo, rejeitando o culto do poder político e quebrando a unidade dos poderes político e religioso.
E sabido que posteriormente se verificou uma resacralização do poder político, quase sempre sem Deus. Primeiro foram os reis absolutos, depois o Estado, o partido, a vanguarda, que sucessivamente se julgaram detentores de toda a verdade. Sacralizou-se a História, atribuindo-lhe um destino: desembocar na sociedade perfeita, que permitiria ao homem salvar-se a si próprio e criar o homem novo. Foi a secularização da esperança milenarianista de Joaquim de Flora.
A História seria pois a «providência» que conduziria os homens na boa direcção até à «sociedade final», justa e racional. Karl Marx parece encarar a «Providência» não na razão mas na situação material dos homens, a partir da qual resultaria uma evolução com base «científica». A missão redentora caberia ao proletariado, que suprimiria as condições de existência do mal, as quais seriam puramente sociais. O socialismo atingiria uma sociedade final sem classes, igualitária, sem antagonismos, onde o desenvolvimento das forças produtivas aboliria a raridade e a necessidade, bem como o Estado e a política, tornados desnecessários. O divino morreria, mas o político tornar-se-ia, entretanto, sagrado.
Lenine atribuiu mais tarde o papel redentor ao partido de vanguarda do proletariado. Outros sacralizaram a raça, o Estado, a Nação. Mas todos pretenderam sacralizar o que é efémero criando verdadeiras religiões de substituição, com os seus ritos e dogmas. Por isso Domenach considerou o marxismo «combinação de racionalidade técnica com religiosidade arcaica».
Ora sempre que a política absorve a mística torna-se na pior das tiranias. Quem não partilha da verdade oficial não só está no erro como impede a construção do mito da sociedade perfeita e divinizada. Logo, deve ser perseguido. É que quando uma ideologia política se julga científica e sagrada, julga possuir ao mesmo tempo a verdade lógica da matemática e a verdade ontológica do real, todo e qualquer obstáculo ou contradição deve ser eliminado. Daqui resulta a diferença maniqueia entre os «bons progressistas» e os «maus reaccionários».
A realidade encarregou-se de desmentir a evolução prevista e as promessas que continha. Os sonhos messiânicos e a sacralização da História perderam crédito, pois conduziram os homens não ao paraíso na terra mas ao inferno da tirania e da pobreza, ao domínio da corrupção e da mentira.
Pelo contrário em democracia em não existe uma só verdade política - logo não podem as várias opções políticas ser sagradas. Quanto muito, se nela há alguma coisa de sagrado é, como diz Edgard Morin, o jogo, as regras que permitem a alternância das sucessivas vontades maioritárias de acordo com a evolução da
vontade popular. Para além disso, a democracia só pode ter como sagrada a pessoa humana, a sua dignidade e os seus direitos, que são anteriores ao Estado e que, logo, são intocáveis e devem ser reconhecidos e protegidos.
Ao eliminar os dogmas e objectivos constantes da Constituição, nomeadamente dos artigos 1.º e 2.º («sociedade sem classes», «transição para o socialismo»), a Lei de Revisão submeteu o Estado e a política ao primado da pessoa humana e da sua vontade, dessacralizando-os. Esta é a razão, mais funda dos protestos dos que, como o PCP, sentem esta revisão como sendo um «sacrilégio» por estarem ainda mergulhados na fase ultrapassada da evolução humana em que as ideologias tinham uma força «sagrada» e conduziam aos «amanhãs que cantam», às sociedades terminais.
Pelo contrário, há já um século Eduard Bernstein afirmava que «o objectivo é nada, o movimento é tudo». Reconhecia assim os limites da acção política, que no nosso século de novo se dessacralizou, deixando de visar pretensos, inexistentes e impossíveis «objectivos finais», para ter em vista simplesmente a promoção da pessoa humana, a realização do bem comum, material e espiritual, e das condições da «bona vita», isto é, da vida conforme à natureza humana.
A nossa Constituição, passando a ter pretensões mais modestas, passa a poder dar resposta às reais aspirações e desejos, à vontade dos portugueses - e essa é uma viragem que tem de ser devidamente assinalada e considerada extraordinariamente positiva.
6 - A questão axiológica, a derrota do positivismo e o possível renascimento da filosofia política
Para realizar as exigências da natureza humana a política tem de ser balizada por valores e princípios éticos. A consagração no artigo 1.º (como já sucedia nas Constituições de vários países democráticos) dos valores que orientam o caminho da comunidade política - a liberdade, a justiça, a solidariedade - além do reconhecimento da dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado, apontam para a importância crucial das questões axiológica e ética e rejeitam a redução política a uma questão meramente técnica (técnico-jurídica ou técnico-económica): a boa construção e funcionamento das instituições e da economia.
Penso, por consequência, que também o positivismo e o pragmatismo tecnocrático vêem postas em causa as posições dominantes que tiveram em Portugal. É certo que a Constituição contém ainda inúmeros preceitos recheados de mitos tecnocráticos e positivistas que consubstanciam esta ideologias. No entanto, os princípios fundamentais aprovados obrigam a interpretá-los à luz do primado da pessoa e dos valores consagrados no artigo 1.º
Entendo que, deste modo, não será possível continuar a considerar em Portugal a política apenas como ciência, conjunto de princípios estabelecidos e verificados «cientificamente» por homens competentes. Os juízos de valor que, quer o positivismo, quer a ideologia tecnocrática desprezam, são essenciais para fundamentar a acção política e exigem o renascimento do pensamento político.
Foi o positivismo que conduziu a política a um impasse: a sua pretensa neutralidade axiológica, a sua análise redutora não lhe permitem compreender toda a realidade. Como bem notou Francisco Sarafield Cabral,

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a política è e será irredutível a critérios científicos: o critério da acção política não é a ciência mas a prudentia, que desafia os homens a viver em liberdade, conciliando a eficácia com a justiça e a solidariedade.
Também o pragmatismo tecno-economista sai diminuído desta revisão. Não será mais possível subordinar no futuro o pensamento e a acção políticas à «solução» tecno-economista dos problemas, virada para o aspecto quantitativo e que nega a diversidade multi-dimensional da realidade humana. Com efeito, a acção tecnocrata é social e politicamente mutilada e mutiladora, pois concebe o que é vivo - homem e sociedade - segundo a lógica simplificadora das máquinas artificiais. Por isso se enganam quase sempre as previsões tecnocráticas, pois não têm em conta muito da realidade, das aspirações, dos desejos, até dos sonhos dos homens.
A importância fundamental da Revisão Constitucional de 1989 é, para mim, a de consubstanciar a ultrapassagem das fases da ideologia «sacral» marxista, do positivismo e da tecnocracia pseudo-científicos, cujos estertores têm seriamente prejudicado a projecção no mundo e o desenvolvimento integral e harmonioso de Portugal.
É importante por isso que a partir de agora os políticos revejam as suas posturas, reconhecendo que não podem fazer e muito menos conseguir em poucos anos tudo o que é necessário, reduzindo em consequência as suas promessas eleitorais; que os juristas deixem de querer regulamentar tudo e que os tecnocratas afirmem que não podem resolver todos os problemas. Numa palavra, o Estado deve deixar de querer impor à sociedade um modelo de «modernização». A sociedade é que deve modernizar o Estado burocrático e tentacular, hoje arcaico. Como nota Michel Crozier, o Estado moderno só pode ser o «Estado modesto», aquele que, nada tendo a ver com o Estado mínimo dos neo-liberais, se deve colocar ao serviço das pessoas, respeitando-as em todas as circunstâncias. Em vez de comandar e de regulamentar tudo, deve estimular e apoiar as pessoas e as comunidades locais, regionais e outras para que encontrem elas próprias as regulações que consideram melhores, mais justas e mais eficazes para a sua vida.
Tudo isto será mais fácil devido à grande brecha que foi possível abrir na muralha de dogmatismos constitucional e nos esterilizadores domínios do normativismo, positivistas e da tecnocracia, estes últimos caracterizados por uma nulidade total ao nível de pensamento político. Mas aquela abertura exige o renascimento da filosofia política, cuja inexistência foi produto das «certezas» dogmáticas que não admitiam dúvidas, de uma visão meramente quantitativa e mecânica dos fenómenos sociais e da persistente tendência para resolver todos os problemas da sociedade através da letra da lei ou do regulamento, sacralizando a norma, para além da qual nada poderia haver. Ignorou-se demasiado tempo a sabedoria dos clássicos (a excessiva abundância de leis e regulamentos é, como a febre, sintoma de comunidades adoentadas) e esqueceram-se as realidades que existem antes e para além da lei.
A verdade é que só o pensamento sobre a política pode fundamentar uma acção política consistente, que tenha em conta toda a realidade, que seja respeitadora dos valores fundamentais, e que assim possa alcançar toda a eficácia possível.
Partindo de dados adquiridos como sejam a identidade histórico-cultural dos portugueses, as ligações tecidas com outros povos e a interdependência que é crescente a nível
mundial, há que repensar os objectivos da acção política, estabelecendo claramente quais os resultados que é possível alcançar, mudando ao mesmo tempo o próprio estilo até agora dominante de fazer política, o qual, a partir de agora e numa perspectiva de integração num grande espaço europeu, não tem razão de ser. E que, a ser continuado, será cada vez mais visto como sucessão de episódios das «guerras do alecrim e mangerona»...
Se há que repensar o Estado, há que, sem pressas, reflectir sobre o que deve ser, no futuro, a própria Constituição. Por não ter sido devidamente pensada ela tem sido tratada, desde 1976, como um albergue espanhol onde cabe tudo. Muitas disposições regulamentares ou até regimentais que nela se contêm são espelho da desconfiança que tem reinado entre as várias forças políticas, que mutuamente se atribuem os mais negros desígnios de perpetuação no poder por todo e qualquer meio. Ainda nesta revisão se constitucionalizaram avanços alcançados nos últimos anos na lei ordinária, por vezes em matérias sem dignidade constitucional, cuja rigidificação é incompreensível. Isto foi incongruente com a criação de leis com valor reforçado...
É verdade que a abertura ao pensamento sobre o fenómeno político que acima referi, resultado de a Constituição ter deixado de ser fechada, dogmática e imutável, apesar de continuar a ser regulamentar, acresce a outros aspectos igualmente muito positivos: o alargamento e consolidação dos direitos fundamentais; o reforço das garantias dos administrados; a abertura à iniciativa criadora das pessoas e instituições, pondo fim aos monopólios que subsistiam do Estado na economia, no ensino, na televisão; o desaparecimento do Plano como instrumento arrogante de coordenação e disciplina da vida económica, social, e cultural, que quase pretendia programar o futuro, na sua versão, agora felizmente desaparecida, de longo prazo (a qual saía do âmbito da política para o da futurologia!); a consagração do referendo, proposta reiterada e veemente de Sá Carneiro, como forma de participação directa dos cidadãos na acção política; o alargamento do direito de petição e a consagração do direito de acção popular com vista à protecção de importantes valores da vida comunitária; etc. Tudo isto aliado ao fim das «irreversabilidades», já referido, não só põe termo ao dogma de uma Constituição imutável para sempre como permite às pessoas irem mudando livremente a sua vida de acordo com a sua vontade em cada tempo. Mas é isso que garante a subsistência de uma Constituição - a possibilidade de se adaptar e deixar campo livre à rápida evolução de todos os aspectos da vida. Sendo mais modesta, mais acolhedora à criatividade e às iniciativas das pessoas singulares e colectivas, a Constituição tem garantida a sua maior duração. Foi isto que as forças defendiam a rigidez não quiseram perceber.
Não se extraia do acima exposto que penso que a Constituição não carecerá no futuro de novos aperfeiçoamentos, para lá do corte dos remos mortos ou inúteis que nela ficaram e que tornam a sua leitura e compreensão difíceis. Pelo contrário, para ser plataforma de entendimento mínimo entre todos, para ser património comum de todos os portugueses tem de estar aberta aos contributos das novas gerações, tem de ser expressão de uma comunidade que evoluirá e que quererá manter só o que é intocável, aquilo sem o que o regime deixaria de ser democrático: os direitos da pessoa humana e os mecanismos da democracia.

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Quero deixar a minha esperança que, a partir de agora, não só cabe a chamada querela constitucional como todos abandonem fantasmas do passado e reconheçam a superioridade deste regime sobre os que anteriormente existiram em Portugal desde a época dos descobrimentos. Não tenho em mente apenas o despotismo e a monarquia liberal, mas também a primeira República, indevidamente mitificada por alguns ao arrepio da mais elementar verdade histórica e que de forma alguma soube ser a casa comum de todos os portugueses, e o Estado novo, expressão do domínio ilegítimo de uma minoria e do imobilismo, incapaz de se adaptar minimamente à evolução real e às aspirações da comunidade nacional.
Que, na sequência do que foi agora conseguido, se mudem alguns maus hábitos instalados na vida portuguesa! Que deixem de ser .privilegiados os episódios da luta pelo poder entre partidos ou o inconsequente brilhantismo - direi mesmo, narcisismo - individual! Que os ataques pessoais e a intriga, que conduzem à crispação total, sejam postos de lado! Que todos compreendam que o «salve-se quem puder» põe em causa o esforço colectivo indispensável no contexto da integração europeia! Que todos adoptem, em consequência, uma profunda mudança de estilo de «fazer política» em Portugal! Estes são os meus votos, neste momento crucial de viragem, que será decisivo para os portugueses de hoje e de amanhã.

II - APRECIAÇÃO NA ESPECIALIDADE

A veemente aprovação que, na generalidade, me merece a Lei de Revisão não me impede de expressar algumas críticas, mais ou menos severas e a título exclusivamente pessoal, quer a algumas opções surpreendentes introduzidas na Constituição, quer à manutenção de algumas proclamações demagógicas e de outros preceitos que já não têm sentido.
Deixando de lado o preâmbulo, texto meramente histórico sem valor interpretativo do novo articulado, e os artigos 1.º e 2.º, que já atrás apreciei positivamente, começo por lamentar que, por incompreensível teimosia, não tenha ainda sido possível consagrar no artigo 6.º aquilo que boa parte da doutrina tem por adquirido: que Portugal é hoje um Estado unitário regional. (Ver, por todos, Professor Jorge Miranda, in «Manual de Direito Constitucionais, vol. III, p. 244).
No artigo 7.º, se é de registar a manutenção dos laços de amizade com os países de língua portuguesa - assim designados pelas razões que enunciei na CERC - e a melhoria resultante da divisão do n.º 3 que antes permitia interpretações históricas perfeitamente descabidas numa Constituição, teria sido aconselhável a substituição da expressão ultrapassada «direito dos povos à insurreição» por «direito dos povos à resistência», terminologia utilizada, por exemplo, na importante Declaração das Nações Unidas sobre as relações entre os povos.
Ainda no mesmo artigo, se é de sublinhar a referência ao empenhamento de Portugal na Europa, é discutível o conceito introduzido de identidade europeia. Trata-se de um conceito mal definido que não pode pôr-se em confronto com conceitos consolidados como o da identidade nacional, histórico-cultural, de Portugal. Fica ainda a dúvida sobre qual a Europa a que o preceito se refere: a da Comunidade? A do Conselho da Europa? A que vai do Atlântico aos Urais? A única solução possível teria sido a de sublinhar o carácter pluri-cultural da identidade europeia, que exige atenção acrescida a todas as culturas do nosso continente e aos valores éticos, culturais e espirituais que o inspiram, como se afirma na Declaração da Comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia a propósito das próximas eleições para o Parlamento Europeu.
Também no artigo 9.º verifico por um lado melhoras significativas introduzidas nas alíneas c) e é), ambas por propostas do PSD e, por outro, a manutenção na alínea d) de uma formulação que não só é demagógica e irrealista como é de execução impossível. O aditamento da alínea f) vem dar o relevo que faltava à língua portuguesa e ao dever primordial do Estado de a valorizar e divulgar. Mas se a este cabe - e muito bem - como tarefa prioritária zelar pela liberdade, pelo património cultural, pelo ambiente, pelo correcto ordenamento do território, não pode auto-atribuir-se a promoção da «igualdade real» entre os portugueses, que ninguém sabe o que é, em vez de garantir a igualdade de oportunidades e de direitos, ou seja, a igualdade social, como lhe competia e era proposto pelo PSD. Como demonstrei na CERC, aquela formulação utópica de idealismo igualitário não tem razão de ser. Em primeiro lugar, por ser absurda perante a evolução social que aponta para a complexificação crescente das sociedades do futuro; em segundo lugar, por esquecer que dentro de pouco tempo as fronteiras na Europa tenderão a esbater-se e a interdependência entre os países a acentuar-se, o que tira significado e efeito a acções isoladas do Estado português; em terceiro lugar, por limitar a liberdade de cada um escolher o seu próprio modelo de vida; em quarto lugar, por estar demonstrado, por exemplo em estudos e relatórios da OCDE, que as intervenções do Estado para promover artificialmente a igualdade dita «real» não só mantêm as discriminações existentes como acrescentam novas desigualdades, além de falsearem os mecanismos do mercado e dificultarem as intervenções a posteriori com vista à justiça redistributiva. Por isso, nalgumas sociedades «igualitárias» que se tentou erguer a liberdade morreu e quem aproveitou foram os «mais iguais» que os outros...
Fora da mitologia marxista nenhuma corrente ideológica hoje sustenta tão disparatada «tarefa» estadual. Os programas fundamentais dos partidos democratas-cristãos, liberais ou social-democratas europeus são claros. Estes últimos interpretam correctamente o direito à igualdade como igualdade social e de oportunidades, ao qual é acoplado o conceito fundamental de justiça, que, essa sim, deve ser promovida pelo Estado, nomeadamente através de adequados mecanismos de redistribuição. Razão tinha, já há decénios, Jacques Maritain quando escrevia: «É necessário afirmar ao mesmo tempo a igualdade essencial que une os homens na natureza racional e as diferenças naturais particulares que brotam desta unidade e igualdade (...). A unidade do género humano é o nome mais verdadeiro da igualdade natural entre os homens. Esta tende a espandir-se em diferenças individuais ou de grupo. Afirmar a igualdade é para o idealismo igualitário querer que toda a diferença desapareça. Para o realismo cristão é querer que das fecundas diferenças todos possam beneficiar. O idealismo igualitário vê a igualdade à superfície, enquanto o pensamento cristão a decifra em profundidade» (in «Princípios para a Política Humanista»),

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No que diz respeito ao artigo 15.º foi pena que não tenha obtido maioria qualificada a proposta que, por iniciativa da Sr.ª Deputada Manuela Aguiar, vários deputados, incluindo eu próprio, apresentaram com vista a abrir, como a Constituição brasileira de 1988, a possibilidade de os cidadãos de países de língua portuguesa com residência permanente em Portugal poderem ter acesso, em condições de reciprocidade, à titularidade de determinados cargos políticos (ver declaração de voto colectiva sobre este artigo).
Reitero as fortíssimas reservas que o novo n.º 7 do artigo 19.º me merece. Enxertar em sede de direitos fundamentais um preceito relativo à competência e funcionamento dos órgãos de soberania e aos direitos funcionais dos seus titulares é, a meu ver, aberrante. Não se diga que, objectivamente, se trata de proteger os direitos da pessoa. Pelo contrário, tal preceito introduz uma dúvida: é sequer concebível que a declaração de estado de sítio possa ir além da suspensão temporário de certos direitos? Que concepção de «anormalidade constitucional» está subjacente ao preceito? Em qualquer caso, a querer-se constitucionalizar tal disposição, deveria ser, por razões para mim evidentes de sobreposição dos princípios fundamentais à mera técnica jurídica, colocado na parte III da Constituição.
Há que aplaudir fortemente, a substituição no artigo 25.º da referência à inviolabilidade da integridade moral e física dos cidadãos pela das pessoas. A vida, dignidade e integridade são inerentes à pessoa humana, nada têm a ver com a cidadania e os direitos políticos e são anteriores ao próprio Estado. Não é este que as atribui a quem quer que seja, deve limitar-se a reconhecê-las e protegê-las, sem sequer as qualificar, como ainda se faz (mal) no artigo 13.º
Se é de louvar a consagração do direito à palavra no artigo 26.º, é preocupante a conservadora resistência à introdução dos chamados novos direitos, que tarde ou cedo terão de figurar no texto constitucional (direito ao acompanhamento na solidão e na morte, ao espaço, à paisagem, a um meio urbano que não seja desumano). A minha tentativa de ver consagrado o direito à diferença fez-me ver, com espanto, que o desiderato foi melhor acolhido pela generalidade da opinião pública e pelos média do que - apesar do magistério pontifício, dos constantes apelos do Sr. Presidente da República e do próprio voto da Assembleia consagrando-o na Lei de Bases do Sistema Educativo - por uma grande parte da chamada classe política (ou jurídico-política), o que não pode deixar de ser considerado preocupante para esta última. Invocando exemplos marginais fora de questão para sustentar posições conservadoras; evitando a inovação com alicerce em razões de pura técnica jurídica, apesar de ser evidente que, como todos os outros também este direito tem limites naturais, ignorando deliberadamente que ele é hoje para o pensamento cristão, as principais correntes de pensamento não cristão, o pensamento feminino, complementar e não contraditório com o direito à igualdade, acabaram certos deputados por fazer ainda prevalecer o positivismo jacobino. Ora foi ele que, durante séculos, em nome da igualdade, atomizou a sociedade, deixou o indivíduo só perante o Estado, recusou-lhe o desenvolvimento de uma personalidade diferente, ignorou a dimensão relaciona da pessoa humana e, em consequência, desconheceu os direitos dos grupos, nomeadamente das minorias, a serem diferentes, o que foi causa de verdadeiros genocídios culturais de que foram vítimas, entre outros, os povos bretão, occitano, corso, galego, basco, catalão, sem esquecer, é claro, os judeus, os ciganos e os índios da América.
Ignorou-se assim que, como afirma o Professor Miguel Baptista Pereira, que «a crise de sentido é, hoje, uma crise de diferença e de relação», que «a diferença é ineliminável, o ser é radicalmente plural, a pluralidade é tão originária como a unidade, a identidade é na diferença, o ser é originariamente dialógico, é a diferença, relação e comunhão de sentido» (in «Tradição e Crise», vol. I).
Concordando com as melhorias introduzidas no artigo 38.º relativo à liberdade de imprensa e meios de comunicação social, importa sublinhar que votei o n.º 7 no pressuposto de que a atribuição de licenças para emissoras de radiodifusão e de televisão não deve ser baseada em critérios de mera ordem económica («quem dá mais»...), mas sim de garantias de qualidade e de representatividade na comunidade nacional.
Não posso aceitar a manutenção das restrições à fundamental liberdade de associação que são a proibição de organizações que perfilhem a ideologia fascista (artigo 46.º) e de constituição de partidos de âmbito regional (artigo 51.º), neste último caso agravada com a transferência do preceito das disposições transitórias para a Parte I. Passados mais de quinze anos sobre o 25 de Abril penso que a democracia é suficientemente forte para poder eliminar estas restrições que não existem na generalidade das democracias ocidentais. Aliás, importaria saber a quem compete «julgar» ideologias, para determinar qual é e qual não é fascista. Ao Estado? Mas a este não cabe, em democracia, exclusivamente apreciar e eventualmente punir actos, e nunca intenções ou ideias?
Saliento a melhoria, nos artigos 60.º e 61.º, do estatuto da iniciativa privada e cooperativa e do direito de propriedade privada. São também significativas as melhorias nos direitos dos consumidores (artigo 62.º), no reconhecimento do direito de constituição de instituições particulares de solidariedade social não lucrativas e na contagem de todo o tempo de trabalho para o cálculo das pensões de velhice e invalidez (artigo 63.º).
Importa que o artigo 73.º, agora enriquecido por proposta do PSD, venha mais tarde a ser dividido em três, pois tem uma incidência demasiado alargada, misturando o direito à educação, o direito à cultura e o apoio do Estado à investigação científica e à inovação tecnológica, realidades muito importantes mas muito diferenciadas. No último caso, o preceito não deveria ficar na parte relativa aos direitos e deveres fundamentais, mas talvez no artigo 9.º relativo às tarefas do Estado.
Se é de louvar vivamente a proibição do escândalo que é o trabalho de menores em idade escolar, julgo que o preceito deveria ser colocado nos direitos da infância e da adolescência e não no artigo 74.º (mas nunca nos direitos dos trabalhadores, como foi proposto por alguns partidos!).
Congratulo-me muito vivamente com o reconhecimento constitucional do ensino particular e cooperativo, considero nos Pactos Internacionais e nas Convenções Europeias de Direitos do Homem pedra de toque da existência da liberdade de aprender e de ensinar. Num texto que promete o apoio do Estado a tudo e todos, falta no artigo 75.º a referência ao apoio

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do Estado a esse ensino, já previsto na Lei de Bases do Sistema Educativo e no estatuto do mesmo ensino. Só através dele é possível assegurar a todos a igualdade no acesso aos diversos estabelecimentos de ensino, com é determinado nos Pactos de Convenções referidos.
Melhorou-se significativamente a parte II relativa à Organização Económica, eliminando princípios colectivistas e a pretensa irreversibilidade das nacionalizações. Só o futuro mostrará as extraordinárias potencialidades da iniciativa dos portugueses, que serão geradoras de mais e melhor emprego e de mais rápida capacidade de adaptação aos estímulos dos mercados, numa palavra de ajustamento estrutural continuado. Era importante reduzir muito o elemento de rigidez constituído por um sector público largamente excessivo (Ver relatórios da OCDE sobre a economia portuguesa e ainda «Ajustement Structurei et Performence de l'Economie», OCDE, 1987). A redução da dívida pública interna que vai resultar das privatizações (hoje superior a 80% do PIB) é fundamental para reduzir a carga fiscal e libertar recursos para o Estado servir melhor os contribuintes. Também a progressiva redução da classe dos gestores públicos, detentora de um poder efectivo excessivo sem base electiva, será um resultado benéfico das alterações alcançadas.
No entanto, devo deixar aqui algumas críticas. Parece-me errada e inútil a introdução de um artigo relativo ao domínio público (artigo 84.º), inspirado na Constituição de 1933, embora as versões inicialmente apresentadas tenham sido melhoradas. Será, apesar de tudo, fonte de dúvidas. Partilho ainda das reservas a propósito do carácter efémero ou já ultrapassado pela vida real de algumas das suas alíneas que constam da declaração de voto do Sr. Deputado Mário Raposo sobre este artigo. Entendo, por outro lado, que os artigos relativos aos objectivos das políticas agrícola (artigo 96.º), comercial (artigo 102.º) e industrial (artigo 103.º) contém, a meu ver, banalidades evidentes e proclamações programáticas que não deveriam figurar na Constituição. Também considero inútil e sem grande sentido a constitucionalidade do Banco de Portugal (artigo 105.º).
Tenho fortes dúvidas sobre a bondade do desaparecimento do conceito de socialização, mais rico que aqueles que subsistiram e que é acolhido na doutrina da Igreja. Isto apesar de a interpretação que lhe era dada ser algo diferente. Esta parte continua semanticamente recheada de conceitos pouco precisos: o que são, hoje, um latifúndio, um minifúndio, uma concorrência «equilibrada», os monopólios privados, etc? O que serão amanhã num grande espaço europeu aberto?
No que respeita à parte III, não posso deixar de exarar a minha discordância absoluta com a indefinição que resultará da criação de novos tipos legais não claramente definido, permitindo a interpretação, geradora de confusões graves, no sentido que além das leis orgânicas, outras poderia haver com valor reforçado. Quais? Sem falar já da designação galacista de «lei-quadro» que consta do artigo 85.º, em vez da expressão portuguesa lei de enquadramento, importaria clarificar com precisão esta questão. Caso contrário, poderíamos ser levados ao absurdo de admitir que todas as leis poderiam ter valor reforçado. Por tudo isto, face à referida indefinição e para evitar grande confusão na doutrina e na jurisprudência, sustendo que deve proceder-se a interpretação restritiva no sentido de que apenas têm valor reforçado as leis orgânicas.
Lamento profundamente a manutenção da restrição ao direito de voto dos emigrantes, grande entorse aos princípios democráticos, que é o impedimento de votarem na eleição do Presidente da República (artigo 124.º).
Também me merece reservas o tratamento do Tribunal Constitucional num título autónomo, separado dos tribunais, pelas razões já publicamente explicitadas pelo Professor Jorge Miranda.
No que se refere às Regiões Autónomas penso que a maior parte das expectativas foram goradas. Avançou-se alguma coisa na consolidação da autonomia, mas mantiveram-se disposições criticáveis, nomeadamente o artigo 230.º, eivado de desconfiança quase ansiosa e que não tem qualquer justificação. Foi pena que não se tivesse ainda acordado mexer na originalidade herdada da Assembleia Constituinte que é o Ministro da República. O seu estatuto continua ambíguo, acumulando funções representativas, políticas e administrativas. Sem mandato delimitado no tempo, dependendo do Presidente da República, mas tendo assento em Conselho de Ministros, é ria verdade uma originalidade em termos de Direito Comparado, cuja subsistência acabará por ser posta em causa.
Foram em geral positivas as alterações no título referente ao Poder Local, excepto o absurdo relevo dado às organizações de moradores, ficam quase em pé de igualdade com as autarquias, incluindo a instituição milenária que é o município!
Se no título referente à Administração Pública houve avanços muito notáveis para lá do já mencionado reforço dos direitos dos administrados, o acesso quase sem limite aos arquivos e registos, nos termos do n.º 2 do artigo 268.º, parece-me excessivo pelas doutas razões expostas pelo Sr. Deputado Mário Raposo em declaração de voto sobre aquele preceito.
No que diz respeito à parte relativa à garantia e revisão da constituição, mantenho a opinião, sustentada por Francisco Sá Carneiro, que é a seguinte: a inconstitucionalidade por omissão não tem razão de ser numa democracia consolidada, bem como a própria fiscalização preventiva da constitucionalidade (in «Uma Constituição para os anos 50», p. 172). Acrescento reservas à nova redacção do artigo 281.º (fiscalização abstracta da constitucionalidade e da legalidade). O sistema previsto, pela sua amplitude, não acautela devidamente o princípio fundamental da segurança do Direito.
Se foi muito positivo que se tenha posto termo ao mito da não reversibilidade do artigo 290.º, hoje 288.º (Limites materiais), é pena que não se tenha ido mais longe, como o PSD propunha, reduzindo mais o preceito. É lamentável que se tenha lançado mão de uma teoria importada em 1978, que, logo, não podia estar no pensamento dos Constituintes de 1976, para manter ao longo do texto constitucional normas caducas. Parece que se pretendeu rigidificar uma Constituição que mudou, proteger algo que em parte já não existe. E, como se não fosse bastante, procedeu-se a forte regidificação do próprio sistema legislativo, nomeadamente de diversas categorias de leis entretanto criadas!
Finalmente, passados mais de quinze anos sobre o 25 de Abril devia ter havido vontade política para eliminar o artigo 294.º, que parece perpetuar uma

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excepção que agora já não tem justificação, afectando uma das regras fundamentais do Estado de Direito. Sá Carneiro propunha já esta eliminação em 1979...

III - CONCLUSÃO

Apesar das críticas pontuais, entendo claramente que esta revisão foi um passo muito decisivo na consolidação e no aperfeiçoamento da democracia portuguesa. A Constituição passou a ser património comum de todos. Passaram a ser plenamente possíveis as sucessivas alternâncias de todos os programas políticos democráticos. Por tudo isto, entendo que desta revisão ninguém sai derrotado, todos tendo ganho com os resultados alcançados.
Para o futuro fica o meu voto que seja ainda mais determinado o carácter de instrumento político fundamental da Constituição e reforçado a emergência do primado da pessoa humana que agora se verificou. Para tanto, espero que se elimine o que é acessório, as inúmeras disposições regulamentares, por vezes repetitivas, os conceitos pouco definidos e discutíveis e as disposições programáticas que não podem sobreviver ao tempo e lhe dão ainda uma nota de curto prazo.
Séneca deixou-nos esta sábia reflexão: Omnis in modo est virtus (toda a virtude está na medida). Possa ela ser um dia acolhida na nossa Constituição! Que, até lá, a praxis política portuguesa nela se inspire, tendo exclusivamente em vista o bem de todos os Portugueses!
Palácio de São Bento, 1 de Junho de 1989. Pedro Roseta (PSD).

Os deputados social-democratas pelo Círculo Eleitoral da Madeira votaram contra a Lei de Revisão da Constituição, pelas seguintes razões:
1.º Apresentaram um projecto próprio de Revisão Constitucional (n.º 10/V) relativo à parte das Regiões Autónomas, não tendo logrado obter aprovação da maior parte das alterações propostas.
2.º Independentemente da apreciação quantitativa acima mencionada, acresce que algumas das soluções pretendidas são consideradas como inadiavelmente indispensáveis ao aperfeiçoamento das autonomias regionais e ao restabelecimento de um são relacionamento institucional regiões/órgãos de Soberania.
3.º Na situação atrás referida, encontram-se, entre outras, a não eliminação do cargo de Ministro da República artigo 232.º e a não eliminação do odioso artigo 230.º
4.º Igualmente a não consagração do direito de voto dos emigrantes relativamente a todos os actos eleitorais, bem como a não consagração dos círculos eleitorais próprios para o Parlamento Europeu ferem os sentimentos das populações das Regiões Autónomas e contrariam anseios sobejamente manifestados.
5.º A não consagração do referendum - instrumento de consulta popular - com a amplitude necessária à sufragação directa do sistema constitucional constitui limitação ao pleno exercício da democracia, o que não aceitamos.
Por todas estas razões, a circunstância de se ter, finalmente, retirado da Constituição a carga ideológica de raiz totalitária que paradoxalmente continha, aliada ao facto de se ter revisto, de forma positiva e liberalizante a parte da Constituição económica, com o que nos congratulamos, não é bastante para que o nosso sentido de voto não tenha de ser, em termos globais, contra a Lei de Revisão Constitucional.
Os deputados do PSD, Guilherme Silva, Carlos Lélis, Santos Pereira e Cecília Catarino.

1 - O meu voto contra a Lei de Revisão Constitucional radica essencialmente na minha posição ao acordo assinado por Vítor Constâncio e Cavaco Silva em nome do PS e do PSD.
1.1 - Por uma questão de método: a revisão da Lei Fundamental não é algo que possa ser decidido por dois líderes partidários. Tal representa um desvirtuamento do papel da Assembleia da República e um esvaziamento da própria função dos deputados. E sobrepõe um pacto partidário ao contrato essencial da democracia, que é o que se estabelece entre os eleitores e os seus representantes, através do sufrágio universal, directo e secreto.
1.2 - Por uma questão de fundo: o acordo de cavalheiros que conduziu ao pacto de regime celebrado por aqueles dirigentes partidários tem subjacente um conceito de bipolarização redutor da democracia, susceptível de esbater a alternativa e de dificultar a alternância.
2 - A Constituição não pode ser desligada da circunstância histórica em que nasceu - a revolução do 25 de Abril, matriz da democracia portuguesa. A necessária actualização de alguns conceitos não deveria nunca traduzir-se numa alteração substancial do texto constitucional.
3 - O PS pretendeu separar a sua posição no processo de revisão das suas responsabilidades como partido da Oposição.
Em meu entender, não se deveria ter ignorado a situação concreta, a natureza do actual Governo, o seu pendor autoritário, o seu desprezo por regras básicas do funcionamento da democracia.
3.1 - Alguns avisos feitos anteriormente pelo PS no sentido de valorizar a sua posição decisiva para conseguir uma modificação do comportamento do Governo não foram entretanto concretizados. Mesmo que os resultados da revisão fossem excelentes - e não é essa a minha opinião - o comportamento do Governo e a defesa de valores essenciais da democracia aconselhariam por certo outra atitude e outra opção política de fundo.
3.2 - A arrogância do Governo ficou impune. O PSD conseguiu muito do que queria. O futuro dirá se os principais argumentos evocados - «terminar uma querela constitucional, retirar um alibi à direita» - foram ou não alcançados.
É claro que o PSD, o Governo e a direita ganharam. Menos nítido é o que o PS e a esquerda possam ter beneficiado.
4 - O essencial é, no entanto, a democracia.
Não creio que a democracia fique a ganhar com a extinção do Conselho de Comunicação Social e a sua substituição por Alta Autoridade cuja composição permitirá a sua governamentalização, nem com a redução do número de deputados e o risco de virem a ser diminuídas, com nova legislação eleitoral, as garantias da proporcionalidade.
4.1 - Não creio que o País fique a ganhar com a inexistência da garantia de dois terços para assegurar

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a transparência das privatizações e para evitar a transferência para o exterior de centros de decisão importantes para o desenvolvimento da economia nacional.
4.2 -A justiça social e a solidariedade não ficarão por certo a ganhar com a modificação do princípio da gratuitidade do Serviço Nacional de Saúde, da bandeira do PS, nem com a eliminação da referência à Reforma Agrária, cuja ideia sempre esteve associada à própria luta pela democracia.
4.3 - Lutei em 1975 pela instauração da democracia política representativa, pluralista e pluripartidária, quando a moda dominante era a favor do «poder popular» e do «bloco revolucionário estrategicamente gerido pelo MFA».
Defendi agora, ao arrepio da moda neoliberal reinante, a manutenção da referência ao socialismo, por considerar que a sua consagração constitucional não se traduzia na obrigatoriedade de adopção de um qualquer modelo, mas tão-só numa meta moral da democracia e numa aspiração aos ideais de justiça, solidariedade e fraternidade, historicamente inseparáveis da própria ideia de liberdade. A eliminação de tal referência, mais do que a neutralização ideológica da Constituição, corre o risco de vira a ser interpretada como uma abdicação e um triunfo do espírito de desforra contra o espírito do 25 de Abril.
5 - Num tempo marcado pelo egoísmo, pela abdicação, pela ausência de convicções, pelo carreirismo e pelo oportunismo, tenho perfeita consciência da pouca ou nula eficácia do meu voto. Mas sempre acreditei no valor moral dos actos pessoalmente assumidos como imperativos cívicos. Mesmo quando, sobretudo, contra a corrente.
6 - Este é também um tempo de grandes e vertiginosas mudanças democráticas em todo o Mundo. Um tempo em que ressurgem com mais vigor os grandes princípios da Revolução Francesa cujos duzentos anos se celebram: a liberdade de expressão, o primado do homem, a responsabilidade pessoal, a pluralidade de opiniões. Não faria sentido acomodar-me a um conceito de disciplina partidária que é um arcaísmo filho da cultura política estalinista, a necessitar essa sim, de revisão urgente. A política deve voltar a ser uma escola de carácter.
7 - A responsabilidade do meu voto é pessoal. Mas não quero deixar de prestar homenagem à forma como o Grupo Parlamentar Socialista soube preservar a unidade no respeito pela pluralidade de opiniões e pelo direito à diferença. Se mais não fosse, tanto bastaria para eu considerar que vale a pena ser militante socialista. Quase se torna escusado acrescentar que, ao votar como votei, o fiz na convicção de ser essa a melhor forma de servir Portugal, a democracia e o Partido Socialista.
O deputado do PS, Manuel Alegre.

Quase concluído o processo de Revisão Constitucional, com a votação dos artigos respeitantes ao novo título VII cuja epígrafe é «Regiões Autónomas», «impõem-se-me a mim, deputado eleito pelo Círculo Eleitoral da Madeira, proceder à justificação global do meu comportamento nessas votações, o que faço com a presente declaração de voto.
A actual Revisão Constitucional não pode considerar-se porventura nunca poderá - como correspondendo ao anseio de todos os que nela participaram com a
expectativa de fazer a melhor revisão. Tinha consciência disso, e no que respeita às Regiões Autónomas, defendendo desde o início que as propostas que saíssem da Região Autónoma da Madeira deveriam ser o resultado do diálogo entre as diferentes forças políticas com representação na respectiva Assembleia Regional.
Consciente da importância de todo este processo, o PS-Madeira - é justo salientá-lo - propôs na altura adequada a constituição de uma comissão eventual para acompanhamento da Revisão Constitucional que o PSD-Madeira rejeitou. Apresentou o seu próprio projecto sobre a matéria que o PSD-Madeira obstinadamente ignorou. Disponibilizou-se, o PS-Madeira, para dialogar com a Assembleia da República em sede de Comissão Especial de Revisão Constitucional; o PSD-Madeira inviabilizou essa possibilidade a coberto de uma encenação irresponsável e de mau gosto...
O PSD-Madeira sabia que a revisão para ser feita precisava de uma maioria de dois terços dos deputados e que, logicamente, teria de dialogar com outros partidos, designadamente com o PS. Não o fez, não o quis fazer, afastou-se do processo e limitou-se a criticar o que estava a ser feito. Não têm pois qualquer sentido útil, nem as críticas por eles feitas nem as atitudes que em consequência entenderam adoptar.
Independentemente deste comportamento, procurei interpretar aquelas que eras as mais evidentes aspirações dos madeirenses e portosantenses e consubstanciadas no projecto do PS-Madeia para a Revisão Constitucional, podendo hoje sem alarde, mas com convicção, deixar aqui registado que o PS no seu conjunto adoptou uma atitude responsável tanto no plano do interesse nacional como do interesse regional.
Nem tudo o que gostaríamos de ter visto consagrado constitucionalmente o foi.
Ficaram-se pelo caminho alguns dos mais significativos direitos da oposição nas Regiões Autónomas e adoptaram-se apenas outros sem a mesmo importância do seu conjunto:
Apesar do meu voto contrário, mantém-se a figura do Ministro da República que desejavelmente deverá ter fim em próxima Revisão Constitucional;
As Regiões Autónomas não poderão ainda ter a sua organização judicial própria, independentemente de eu próprio ter votado favoravelmente essa proposta por me parecer razoável;
As eleições para o Parlamento Europeu não terão na Madeira e nos Açores dois círculos eleitorais. Mantém-se o Círculo Eleitoral Nacional. Penso, e agi em consequência, que teria sido útil a adopção da primeira solução, sem embargo de ter consciência da distorção do princípio da proporcionalidade que tal acarretaria.
Teria sido saudável, sob o meu ponto de vista, que o artigo 6.º tivesse acolhido a formulação de que «O Estado é Unitário e Regional». Não foi esse o entendimento da maioria qualificada determinante...
Não tenho no entanto qualquer dúvida de que a presente Revisão Constitucional contribui para a clarificação da autonomia e para o alargamento dos poderes dos seus órgãos de governo próprio, criando condições de maior operacionalidade.
É de salientar a aprovação das autorizações legislativas a conceder pela Assembleia da República às Assembleias Legislativas Regionais: a possibilidade de cooperação das Regiões Autónomas com entidades regionais estrangeiras; a adequação do sistema fiscal

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à especificidade regional; a possibilidade de desenvolvimento de lei bases por parte das Regiões Autónomas; o direito que um décimo dos deputados das Assembleias legislativas regionais passam a ter de requerer a fiscalização preventiva da constitucionalidade dos diplomas aprovados nas Regiões Autónomas são, entre outros, aspectos salientes desta revisão que devem ser realçados.
Finalmente uma referência à incompreensível indefinição, que se mantém, quanto à duração do mandato dos Ministros da República para as Regiões Autónomas. Não é aceitável em democracia esta situação e perdeu-se uma oportunidade soberana de a corrigir de acordo com o interesse global.
Em nome dos interesses legítimos das Regiões Autónomas não se conseguiu por certo o óptimo, mas deram-se passos significativos que importa sublinhar com a consciência de que em democracia e com a democracia se vai solidificando a autonomia e, com ambas, se vai construindo o País que estamos a ajudar a desenvolver e a modernizar e em que estamos determinados a, solidariamente, viver.

Lisboa, 1 de Junho de 1989.

O deputado do PS, Mota Torres.

O voto favorável que dei ao processo de Revisão Constitucional que hoje se consumou, manifesta o meu acordo face à generalidade das alterações introduzidas e ao conteúdo global da Constituição.
Cabe-me, no entanto, esclarecer as razões que me levaram a votar contra os artigos 39.º e 83.º, na versão proposta pela CERC.
Em ambos os casos, discordo do facto de não ter ficado consagrada na Constituição a exigência da maioria parlamentar de dois terços. Tanto no que se refere à escolha da Alta Autoridade para a Comunicação Social como ao processo das reprivatizações, considero que só essa maioria garantiria a isenção necessária à matéria em causa.

A deputada do PS, Teresa Santa Clara Gomes.

Recuso o meu voto favorável a esta Revisão Constitucional por que se perdeu uma oportunidade para nos colocarmos na vanguarda da ordem jurídico-constitucional consagrando direitos que uma necessária interpretação ontológica da justiça impunha no sentido de reforçar o poder do ser, o ser realizado em liberdade de escolha, reprimido numa sociedade em que a invasão do primado do económico conduz à renúncia da identidade pessoal.
Optou-se por uma reformulação constitucional que academicamente se conforma com as liberdades preceituadas na Declaração dos Direitos do Homem. O que sendo respeitável não abrange a constitucionalização de liberdades exigidas pelas novas alienações geradas nas sociedades economocratas em que o ser humano se converte num valor de mercado e pelas agressões à natureza e outras dirigidas contra a própria humanidade através de um promoteísmo armamentista que pode conduzir à destruição do planeta.
Cumpre-me, porém declarar que, mesmo à luz dos direitos humanos consagrados considero-os inquinados nesta revisão da Lei Fundamental, na figura da Alta Autoridade para a Comunicação Social cuja composição ameaça violar o princípio de independência que deve presidir a essa dimensão estrutural da democracia, e na restrição de número de deputados, o que vem reduzir a participação dos cidadãos na actividade fiscalizadora dos actos do Governo.
Também a manutenção do cargo de Ministro da República nas regiões autónomas me suscita críticas inspiradas pela ambiguidade institucional das suas funções na qual se introduz uma componente centralizadora que não se coaduna com a visão de uma autonomia lidimamente determinada por uma especificidade histórico-cultural que reclama a sua plenitude.
Pelas razões expostas desvinculo-me da responsabilidades de dar a minha aprovação a uma Revisão Constitucional que desentendendo ter a cultura como motor a realização do ser em liberdade, acanhadamente a restringe a uma diminuta alusão formulada em termos intoleravelmente convencionais.

A deputada do PRD, Natália Correia.

Ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 94. º do Regimento da Assembleia da República apresento uma declaração de voto, por escrito, no sentido de esclarecer o meu sentido de voto.
Em primeiro lugar, considero que a votação que acabamos de fazer possui um escasso alcance jurídico, uma vez que não é ela que determina a aprovação da alteração à Constituição, na medida em que o conteúdo submetido a votação já se encontra votado e nessas alterações será claramente expresso o meu voto na afirmação do que considero os elementos positivos da revisão e os que considero negativos.
Em segundo lugar, o que se votou foi o decreto de revisão e não o texto da Constituição a que se refere o artigo 289.º, n.º 2 (actual artigo 287.º). A Constituição continua a ser a Constituição de 1976. Tem a data de 2 de Abril de 1976 conforme está claramente expresso no artigo 300. º (actual 297. º).
O PRD entendeu que devia votar favoravelmente apesar do juízo que fez relativamente a pontos importantes desta revisão cujas soluções considera negativas.
Entendeu, no entanto, que a revisão não põe em causa conquistas importantes do 25 de Abril consignadas na Constituição de 1976 e que continuam a fazer parte do texto constitucional, e o voto favorável tem como objectivo sublinhar este aspecto.
Do meu ponto de vista adiro a esta posição política do PRD mas não posso deixar de, invocando a liberdade de voto consignada nos estatutos do PRD, tomar posição diferente por entender que apesar de se manter a estrutura fundamental enquadradora de um Estado de direito democrático, conquista primeira do 25 de Abril, a actual revisão para além de introduzir muitas melhorias, que subscrevo, apresento algumas soluções com as quais discordo profundamente como sejam as questões relacionadas com a comunicação social, a saúde, as nacionalizações, o estatuto da Assembleia da República, regionalização, para só citar alguns pontos.
Não pondo em causa a revisão da Constituição com o objectivo de lhe introduzir as necessárias melhorias o meu voto é contra aquelas alterações que em minha opinião não foram tanto no sentido de encontrar as mais adequadas soluções, ou seja, com o objectivo de votar pela Constituição, mas sim com o objectivo de

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votar contra a Constituição, enquanto Lei Fundamental da nossa vida democrática resultante da acção directa do 25 de Abril de 1974.
Desde a 1.ª Revisão de 1982 que na perspectiva da Constituição e da sua revisão, o 25 de Abril é visto mais na valorização das suas dificuldades, imprevistos e erros, que ninguém pode enjeitar, do que nos seus conceitos fundamentais de democracia e liberdade, aceitando embora de forma difusa que nele existam laivos de idealismo e de generosidade.
Nesta perspectiva o meu voto é um sinal de protesto por o 25 de Abril de 1974 ser visto no decurso dos trabalhos de revisão mais como um obstáculo que é necessário ir removendo a pouco e pouco do que como referência insubstituível do nosso quadro constitucional.
O meu voto é ainda de protesto pela maneira como a revisão foi «negociada» e pela forma como o seu
debate se processou, à margem de uma informação que deveria ser premanente e constante com o objectivo de mobilizar os portugueses para a mais importante acção política que marca esta legislatura.
Neste sentido o meu voto, nos pressupostos que encerra deve ser entendido como de defesa da Constituição da República, como defesa da promoção e identidade cultural, da modernização da economia e da sociedade, do desenvolvimento equilibrado de todas as regiões, do desenvolvimento da solidariedade e da construção de um país mais justo, mais livre e mais fraterno.

O deputado do PRD, Marques Júnior.

As REDACTORAS: Maria Leonor Ferreira - Ana Maria Marques da Cruz.

DIÁRIO da Assembleia da República

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