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Quinta-feira, 2 de Novembro de 1989 I Série - Número 227
DIÁRIO
Da Assembleia da República
V LEGISLATURA
3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1989-1990)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 31 DE OUTUBRO DE 1989
Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Calo Roque
Apolónia Maria Pereira Teixeira
Daniel Abílio Ferreira Bastos
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberto a sessão às 15 horas e
20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação dos projectos de lei n.º 436/V a 439/V, de requerimentos e de respostas a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Antónia Filipe (PCP) condenou o desvio de verbas do Fundo Social Europeu destinadas a acções de formação profissional.
Em declaração política, o Sr. Deputado Manuel Alegre (PS) expressou indignação pelo assassinato de um militante do PSR, congratulou-se com as mudanças em curso no Leste europeu e teceu críticas ao Governo, tendo respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Pacheco Pereira e Silva Marques (PSD) e Narana Coissoró (CDS).
Em declaração política, o Sr. Deputado Luís Filipe Meneses (PSD) enalteceu a política do Governo, verberando o procedimento da oposição. Após ter dado explicações e ter usado da palavra em contraprotesto, quanto à defesa da consideração da bancada, e a um protesto do Sr. Deputado Basílio Horta (CDS), respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Lello e António Guterres (PS) e Hermínio Martinho (PRD).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Basílio Horta (CDS) verberou os lermos de uma nota da Embaixada de Angola acerca de uma pergunta por si formulada ao Governo na sessão anterior, no que foi secundado pelos Srs. Deputados Duarte Lima (PSD) e Manuel Alegre (PS).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Rui Silva (PRD) referiu-se ao terrível flagelo dos incêndios do Verão passado, às dificuldades materiais dos bombeiros e ò necessidade de a Assembleia reflectir aprofundadamente sobre esta problemática.
A Sr. ª Deputada Odete Santos (PCP) alertou para as graves razões que tem impedido a não abertura da Escola Secundária do Viso, em Setúbal.
O Sr. Deputado Ferreira de Campos (PSD) homenageou a memória do Dr. Lino Gomes de Almeida, recentemente falecido, no que foi acompanhado pelos Srs. Deputados José Lello (PS), Barbosa da Costa (PRD), Manuel Alegre (PS), Narana Coissoró (CDS) -que evocou também a figura do Prof. Baptista Machado- e José Magalhães (PCP) - que Igualmente se referiu à personalidade do Prof. Baptista Machado.
Na sequência destas intervenções, a Câmara homenageou os falecidos, guardando um minuto de silêncio.
Foi aprovado o voto n. º 85/V, de pesar pelo assassinato de José Carvalho, dirigente do PSR.
Ordem do dia - Foi discutido, na generalidade, o projecto de lei n. º 420/V (PS) - Cria o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida -, tendo Intervindo, a diverso título, os Srs. Deputados Narana Coissoró (CDS), Alberto Martins (PS), Natália Correia (PRD), José Magalhães (PCP), Adriano Moreira (CDS), Barbosa da Costa (PRD), Mário Raposo (PSD) e Ferraz de Abreu e Teresa Santa Clara Gomes (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 45 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 20 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da silva André Moreira.
Armando de carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Lopes Correia Costa.
Arnaldo Ângelo Brito Lamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Conçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Carlos Miguel M. De Almeida Coelho.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimiro Gomes Pereira.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. Da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da silva.
Fernando Dias de carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Flausino José Ferreira da Silva.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Germano Silva Domingos.
Gilberto Parca Madail.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João Baptista da Cruz Castanho.
João Costa da Silva.
João Domingos F. De Abreu Salgado.
João José Pereira da Matos.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Luís Vieira de Castro.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Licinio Moreira da Silva.
Luis António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel José Dias Soares da Costa.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria da Conceição U. De Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Bento M. Da C. De Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Gomes da Silva.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Rui Manuel Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.
Partido Socialista (PS):
Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
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António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel de Morais Barreto.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
Jorge Paulo Almeida Coelho.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl de Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo Brito.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
oão Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Júlio José Antunes.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Luís Maria Bartolomeu Afonso Palma.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Sérgio José Ferreira Ribeiro.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Rui dos Santos Silva.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):
André Valente Martins.
Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Deputados independentes:
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Maria Helena Salema Roseta.
Carlos Matos Chaves de Macedo.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Guterres pediu a palavra para que efeito?
O Sr. António Guterres (PS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, entregámos, creio que no Gabinete do Sr. Presidente, um voto que tem alguma ligação com o voto que o PSD apresentou.
Como esse voto ainda não foi distribuído pelas bancadas, solicitava ao Sr. Presidente que diligenciasse nesse sentido.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não ponho minimamente em dúvida o que acaba de dizer. Acontece, porém, que esse voto ainda não chegou às minhas mãos. Vou saber, de imediato, o que é que se passa.
O Sr. Deputado Joaquim Marques pede a palavra para que efeito?
O Sr. Joaquim Marques (PSD):- Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente:- Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado José Magalhães afirmava, há pouco, que esse documento tinha dado entrada.
Em termos morais, este problema terá de ter uma solução e uma reparação para com o meu colega Guilherme Silva, dado que se confirma que o documento não deu entrada na Comissão até ao termo da elaboração do parecer sobre a admissibilidade do projecto de lei do PCP. Se assim é - e creio que é assim - há necessidade do esclarecimento desta questão por parte da Mesa.
Está em causa, de certa forma, a afirmação do direito moral do meu colega Guilherme Silva, que foi injustamente atacado pelo Partido Comunista Português.
O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado sabe, os requerimentos, propostas de alteração e propostas de
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emenda têm, na tramitação desta Casa, vários caminhos: primeiro, o documento dá entrada directamente na Mesa, sendo essa entrada registada pelo Sr. Secretário sem ó meu despacho; segundo, envio do documento para o Gabinete do Presidente da Assembleia da República; terceiro, envio do documento para a competente comissão; quarto, entrega do documento na própria comissão;
Creio que o assunto fica esclarecido.
O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas entrados na Mesa.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 436/V, apresentado pelo Sr. Deputado Independente Pegado Liz, sobre a responsabilidade do produtor por produtos defeituosos, que, tendo sido admitido, baixou às 3.ª, 12.ª e 13.ª Comissões; projecto de lei n.º 437/V, apresentado pelos Srs. Deputados Carlos Brito e outros, do PCP, Hermínio Martinho e Marques Júnior, do PRD, e André Martins, de Os Verdes, e pelos Srs. Deputados Independentes Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca é Raul de Castro, que impede, com carácter imediato aumento dos titulares de cargos políticos operado por força do aumento dos directores-gerais e define um novo critério para a actualização daqueles vencimentos, adequando-o ao aumento geral da função pública e assegurando regras de transparência em todo o processo; que, tendo sido admitido, baixou as 3.ª e 7.ª Comissões; projecto de lei n.º 438/V, apresentado pelos Srs. Deputados Carlos Brito e outros, do PCP, relativo à aprovação do novo regime da tutela administrativa sobre as autarquias locais, revogando as disposições fundamentais da Lei n.º 87/89, de 9 de Setembro, que, tendo sido admitido, baixou às 3.ª e 6.ª Comissões, e projecto de lei n.º 439/V, da iniciativa do Sr. Deputado Independente Pegado Liz, relativo à representação colectiva dos consumidores, que foi admitido e baixou à 3.º Comissão.
Foram ainda apresentados na Mesa os seguintes requerimentos: à Secretaria de Estado do Ambiente, ao Ministério da Defesa Nacional e à Câmara Municipal de Torres Vedras, formulados pelo Sr. Deputado Barbosa da Costa; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado Luis Roque; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulado pela Sr.ª Deputada Helena Torres Marques ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Álvaro Viegas; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Rogério Brito; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Vítor Costa e Julieta Sampaio, e a diversas câmaras municipais, formulados pelos Srs. Deputados Sérgio Ribeiro, Julieta Sampaio e Daniel Bastos.
Por sua vez, o Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Afonso Abrantes, na sessão de 15 de Dezembro; Francisco Antunes da. Silva, na sessão de 31 de Janeiro; Francisco Barbosa da Costa, na sessão de 2 de Fevereiro; Maia Nunes de Almeida, na sessão de 14 de Fevereiro; José Magalhães, na sessão de 31 de Março; Pereira Coelho, na sessão de 17 de Maio; Álvaro Brasileiro, na sessão de 24 de Maio; Vidigal Amaro, na sessão de 31 de Maio;
Osório Gomes, na sessão de 1 de Junho; Herculano Pombo, nas sessões de 20 e 30 de Junho, e Carlos Carvalhas, na sessão de 12 de Julho.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o voto a que há pouco se referiu o Sr. Deputado António Guterres acabou de dar entrada na Mesa e está neste momento à ser distribuído.
Vamos passar, de seguida, a algumas declarações políticas, após o que apreciaremos os votos apresentados pelo PSD e pelo PS. "O tempo remanescente será destinado a declarações sobre interesse regional ë local.
Estão inscritos, para declarações políticas, os Srs. Deputados António Filipe, Luís Filipe Meneses, Manuel Alegre e Basílio Horta.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos últimos dias reacendeu-se a indignação pública com o escândalo, do desvio de verbas do Fundo Social Europeu destinadas a acções de formação profissional. Novos dados vindos a público indiciam a existência de fraudes envolvendo montantes financeiros elevados. Tais notícias exigem um rigoroso apuramento dos factos e das responsabilidades.
Como que a contrastar com esta situação, o pseudo-relatório elaborado pelo PSD para pôr termo apressadamente ao inquérito que, se iniciou nesta Assembleia parece ter ficado definitivamente na gaveta.
Esse relatório, submetido à, apreciação da Comissão de Inquérito, de 26 de Julho, para ser aprovado, a 27 pelos votos do PSD, depois de todos os deputados da oposição terem abandonado os trabalhos como forma de protesto, encontra-se publicado desde 29 de Julho no Diário da Assembleia da República.
Manda o Regimento da Assembleia da República que, no prazo de 30 dias apossa publicação, sejam os relatórios incluídos na ordem do dia, para debate e eventual, deliberação sobre a publicação total ou parcial das actas do inquérito.
Passaram mais de 90 dias, não se vislumbra o agendamento desse debate ê o PSD não parece muito interessado em que ele se concretize, q que, está de acordo, afinal, com o comportamento que tanto o PSD como o seu governo tem mantido em relação aos diversos casos de fraude e de corrupção que têm caracterizado à sua governação.
O governo de Cavaco Silva é, perante o povo português, o Governo dos escândalos. O Fundo Social Europeu está longe de ser um caso isolado. A permissibilidade e a criação do caldo de cultura ideal para a corrupção e a fraude que caracterizaram a acção do Governo em relação a este caso correspondem à postura geral do PSD e do Governo em relação a estas situações.
Os escândalos ligados à acção governativa rebentam a um ritmo impressionante. Foi ,o escândalo da actuação do Sr. Ministro das Finanças, que motivou um inquérito parlamentar cujas actas o PCP considera ser fundamental conhecer e dar a conhecer publicamente. Foi o escândalo do Ministério da Saúde e do Hospital de São Francisco Xavier, cujo inquérito prossegue nesta Assembleia. São os escândalos que começam a ser conhecidos, no âmbito do Ministério da Educação, envolvendo a gestão do Estádio Universitário de Lisboa e o concurso para a construção da nave desportiva do Jamor. É agora, o escândalo do aumento de 56 % que o Governo decidiu conceder a si próprio.
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O comportamento do Governo e do PSD face a estas situações não é menos escandaloso. Nuns casos, remete-se ao mais comprometedor silêncio. No caso dos inquéritos parlamentares, opta pelo entrave, pela criação de obstáculos à descoberta dos factos, pela sonegação de elementos e, como remate, transforma a maioria numérica em maioria de razão e impõe as suas próprias conclusões, omitindo factos, escondendo elementos e negando evidências, pondo seriamente em causa a idoneidade dos inquéritos parlamentares e, com ela, á própria dignidade da Assembleia da República.
O Governo, por seu turno, mente descaradamente ao País, ocultando e minimizando quanto possível a dimensão dos escândalos e da corrupção que proliferam na sua governação e entre a sua clientela. Tenta enganar a opinião pública, transferindo para a Assembleia da República a responsabilidade por decisões que toma sem querer assumir. Ofende a inteligência dos Portugueses, quando afirma, pela boca do Ministro do Emprego, que os 269 inquéritos judiciários por irregularidades com verbas do Fundo Social Europeu são problemas pontuais, ou quando o próprio Primeiro-Ministro, mentindo sobre o seu vencimento, afirma dispensar bem o aumento que a si mesmo atribuiu.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tomámos a iniciativa de trazer de novo a esta Câmara o chamado "escândalo do Fundo Social Europeu". Não sendo um caso isolado a nível de fraude e corrupção, assume uma importância particular.
Não apenas pela dimensão das verbas que movimenta, que ascendem a cerca de 250 milhões de contos, se considerarmos a comparticipação nacional. Não apenas pelas consequências negativas que um escândalo destas dimensões pode acarretar para a credibilidade do nosso país na esfera internacional. Não apenas pelo número e volume impressionantes das fraudes detectadas. Mas também porque o que está em causa, no caso das verbas do Fundo Social Europeu, é um sistema de formação profissional que se revela, em grande parte, fraudulento. São as possibilidades de financiamento de um sistema de formação que se escoam ingloriamente. São os milhares de jovens que se vêem defraudados nas suas expectativas e na concretização dos seus direitos. É o futuro e o desenvolvimento do nosso país que são postos em causa.
O escândalo do Fundo Social Europeu não é só um escândalo financeiro. É um escândalo pedagógico, é um escândalo do ponto de vista dos direitos da juventude.
O Sr. Ministro do Emprego poderá vir dizer -como veio na última sexta-feira - que este discurso está gasto e que os problemas detectados são meramente pontuais.
O Sr. Silva Marques (PSD):- Está, sim senhor! De facto, está gasto!
O Orador: - Mas haverá alguém que se atreva a negar que os serviços do Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu, criado em 1983, primaram pela desorganização, pela ausência de meios, pela inexistência de controlo técnico-pedagógico das acções desenvolvidas, pela debilidade do sistema de apreciação de candidaturas e de dossiers de saldo, pela ausência de acção fiscalizadora sobre as entidades beneficiárias dos fundos?
A verdade é que, dos 140 milhões de contos que o Fundo Social Europeu disponibilizou para Portugal entre 1986 e 1988, apenas 57 % foram, de facto, aproveitados.
Para além do Ministro do Emprego, mais ninguém se atreve a considerar pontuais os 194 inquéritos que em Maio deste ano se encontravam pendentes na Polícia Judiciária, envolvendo 12 milhões e meio de contos, quando já estavam concluídos 75 inquéritos, dos quais 54 com proposta de acusação.
Ninguém se atreve a negar que grande parte das verbas transferidas para Portugal não foram utilizadas em verdadeiras acções de formação profissional, que se constituíram entidades ligadas a grupos económicos, tendo como único objectivo a emissão de documentos para justificação de despesas fictícias.
Ninguém se atreve a negar que nunca existiu qualquer sistema eficaz de controlo técnico-pedagógico das acções desenvolvidas quer por parte do DAFSE, Departamento do Fundo Social Europeu, quer por parte do IEFP, Instituto do Emprego e Formação Profissional.
Por outro lado, vem o Sr. Ministro do Emprego afirmar que foi o Governo quem em primeiro lugar despoletou o processo de irregularidades do Fundo Social Europeu, quando, em 8 de Outubro de 1987, após a cessação de funções nesta área do Ministro Mira Amaral, pediu a intervenção da Polícia Judiciária e iniciou um processo de sindicância ao DAFSE.
Sete meses antes, em 27 de Fevereiro de 1987, quem tenha lido a imprensa diária terá reparado em declarações do vice-presidente da Associação de Manutenção Industrial que denunciavam o decurso de acções de formação profissional fora das normas e terá reparado na denúncia feita pela União dos Sindicatos de Leiria de utilização abusiva de fundos do Fundo Social Europeu por empresários sem escrúpulos.
Quatro meses antes, quem leu o Diário de Notícias de 22 de Junho de 1987 tomou conhecimento da existência de cursos fantasmas de formação profissional e de denúncias da União dos Sindicatos de Coimbra.
Dois meses antes, dois formandos de Caminha, que frequentavam um curso de carpintaria, enviaram uma exposição ao DAFSE denunciando anomalias e pedindo um rigoroso inquérito.
Porém, dois anos depois da abertura da sindicância ao DAFSE, e mais de sete meses passados sobre a conclusão do respectivo relatório intercalar, as suas conclusões continuam por divulgar e foi, inclusivamente, negado o seu envio à Comissão Parlamentar de Inquérito.
De que terão medo o Governo e o PSD?
A sua primeira reacção na Assembleia da República foi impedir a realização do inquérito ao Fundo Social Europeu. A segunda, foi dificultá-lo. A terceira, impedir a sua conclusão natural, fazendo-o abortar com a emissão precipitada de um pseudo-relatório.
O inquérito, de facto, não se concluiu.
Vasta documentação solicitada ao Governo pela Comissão e considerada essencial nunca foi enviada, nomeadamente listas das entidades que apresentaram projectos, dás que foram contempladas, que verbas abrangeram e quais foram concedidas, listas com dados identificativos dos processos enviados à Polícia Judiciária, relatórios do DAFSE e do IEFP, relatório intercalar da sindicância ao DAFSE, relatórios de auditorias efectuadas pelo IEFP e pela Inspecção-Geral de Finanças e relatórios da Polícia Judiciária.
Tudo o Governo se prontificou a enviar, mas nada chegou à Comissão, apesar de insistentemente solicitado.
Na primeira audição do Sr. Ministro do Emprego, em 31 de Janeiro deste ano, ficou acordada nova audição após
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o envio de mais elementos. Não foram enviados elementos e o PSD prescindiu da audição.
Revelou-se necessário ao longo do inquérito ouvir responsáveis do Instituto do Emprego e Formação Profissional. O PSD concluiu porém não ser necessário. E quando o ex-director geral do DAFSE particularmente visado no inquérito pediu formalmente para ser ouvido, o PSD quis participar dele à Polícia Judiciária.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar de ter decorrido um inquérito sobre o Fundo Social Europeu muitos aspectos relacionados com o seu objecto ficaram por esclarecer sobre organização dos serviços, sobre organização dos processos, sobre o controlo das acções, sobre as contrapartidas de protocolos financeiros celebrados entre o Ministério do Emprego e entidades bancárias, envolvendo depósitos avultados e sobre a sua posterior rescisão.
Surgem agora novos elementos no domínio público de que a Comissão de Inquérito nunca foi informada e que importa esclarecer cabalmente.
A luz dos dados entretanto conhecidos importa retomar o inquérito no ponto em que ficou aprofundar as investigações, debater seriamente as conclusões a extrair colmatar as flagrantes lacunas e omissões existentes no relatório imposto pelo PSD.
Neste sentido o PCP toma a iniciativa de entregar hoje na Mesa da Assembleia da República um projecto de resolução visando prorrogar por mais três meses os trabalhos da Comissão de Inquérito ao Fundo Social Europeu que em nome da transparência deve ser rapidamente aprovado pela Assembleia da República.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr Deputado Manuel Alegre.
O Sr Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais e em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista gostaria de expressar a nossa mais viva indignação pelo assassinato de que foi vítima o militante do PSR José Carvalho. Apresentamos as nossas condolências à família da vítima e manifestamos a nossa solidariedade ao PSR. Confiamos em que os tribunais portugueses saberão fazer justiça.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O Partido Socialista sublinha a urgente necessidade de se por cobro aos desmandos dos grupos neonazis que espalham a violência na noite de Lisboa
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A trágica morte de José Carvalho coloca na ordem do dia a imperiosa e inadiável obrigação de se cumprir o preceito constítucional que proíbe as associações paramilitares e as organizações que perfilham uma ideologia fascista.
Aplausos gerais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As mudanças em curso no Leste europeu constituem sem duvida o facto mais importante do último quartel do século. Não só para os povos que estão a redescobrir e a reinventar os valores que há precisamente dois séculos a Revolução Francesa proclamou pela primeira vez na história mas também para toda a comunidade internacional e muito especialmente para a Europa.
Sabe-se que está a terminar, não se sabe ao certo o que vai nascer. Os equilíbrios estabelecidos a partir do fim da II Grande Guerra Mundial vão com certeza dar lugar a outros. Nada se fará sem crises nem sobressaltos como sublinhou o Presidente Miterrand mas nada será como era. Os países da Europa Ocidental tem o dever de ajudar os países de Leste a consolidar as suas reformas. E por outro lado não podem deixar de repensar em novos moldes e com novas perspectivas o futuro político da Europa. Os muros os dogmas e os tabus estão a cair a um ritmo vertiginoso e até há pouco impensável. Uma nova revolução moral e política está em curso. A aspiração à liberdade subverte todos os modelos consagrados não só a leste mas talvez também a oeste.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Eis o que alguns não são capazes de compreender talvez porque continuem a ser adeptos do quanto pior melhor, ou talvez porque receiem que a renovação do outro lado, tenha também consequências no lado de cá.
Com efeito se não se sabe até onde irá a mudança nem as formas políticas que ela revestirá é no entanto possível destacar desde já para além das diferenças entre os vários países, alguns traços comuns, a busca de soluções que consagrem a separação de poderes e ponham fim ao monopólio do partido ou ao controlo deste sobre o Estado o nascimento de uma nova cidadania baseada na aspiração à liberdade e ao pluralismo contra os espartilhos e as tutelas das burocracias a redescoberta da importância do parlamento e da partilha democrática de responsabilidades contra a concentração de poderes num só homem, num só partido, ou num só órgão.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É um processo complexo que por ventura trará consigo soluções inovadoras mas que tem como meta e aspiração fundamentais a democratização do Estado e da sociedade. E não deixará de ter consequências externas nomeadamente no que respeita aos tradicionais conceitos de segurança e cooperação e seus respectivos blocos militares políticos e económicos.
Como em que direcção? É cedo para dizer. Do que não há dúvida é que estamos perante uma grande mutação histórica que exige também do lado de cá uma nova atitude mental e política com a necessária capacidade de adaptação e renovação.
Não é fácil. Na esquerda e na direita há quem prefira que tudo continue como era.
E não falta quem tire a conclusão de que a crise do estalinismo e o esgotamento do modelo Comunista tradicional significam também a falência da esquerda e do socialismo A verdade é que o modelo estalinista sempre prejudicou a esquerda e a própria imagem do socialismo. Os acontecimentos actuais vêm confirmar a razão histórica daqueles que na esquerda sempre criticaram esse modelo e sempre consideraram que o socialismo é inseparável da liberdade e da democracia.
Aplausos do PS.
Não morreu a esquerda e não morreu a ideologia. É certo que nos últimos anos a revolução tecnológica ga-
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nhou um largo avanço em relação às ideias. Mas as transformações por ela provocadas, bem como as grandes mudanças políticas em curso, irão trazer de novo a ideologia ao primeiro plano dos grandes debates.
Por isso, a perspectiva de reformas democráticas é um motivo de esperança para toda a esquerda europeia e vem dar uma nova força e dimensão aos ideais do socialismo, aliás, como o demonstra a nova e significativa vitória do PSOE nas eleições espanholas.
Aplausos do PS.
Nem todos assim o entendem. E não apenas aqueles cujas certezas de toda uma vida são abaladas pelos acontecimentos actuais. Também b Governo parece apegado a uma concepção das coisas que dia-a-dia está a ser subvertida pelo próprio acontecer histórico. Por vezes, para efeitos de politiquice interna, procura utilizar em proveito próprio os factos que ocorrem no Leste Europeu. Mas na verdade não compreende o sentido profundo do que ali se passa. Caso contrário, não adoptaria aqui, no extremo oeste, algumas das práticas e das taras que estão a ser postas em causa a leste.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É que certos traços do estalinismo são comuns às tentações hegemónicas que se manifestam por vezes no quadro de um regime democrático. A inspiração ideológica pode ser diferente, mas a essência é parecida: é sempre a busca de um poder sem partilha, é sempre uma abdicação cívica e uma perversão da cidadania.
Vozes do PS e do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Por isso, pode morrer a leste e renascer a oeste, pintado, no caso lusitano, de cor laranja. Não porque o PSD seja um partido totalitário, mas porque os tiques estalinistas podem ter várias cores e várias formas e podem atingir qualquer partido, sempre, que nele se manifeste a tentação da hegemonia e da arrogância.
Aplausos do PS e do CDS.
Vimo-lo no debate da moção de censura apresentada pelo PS, lemo-lo nos editoriais do jornal Povo Livre, ouvimo-lo nas declarações do porta-voz da comissão política do PSD. Constatamo-lo aqui, diariamente, na total abdicação da maioria parlamentar perante o Governo. Nem já no parlamento soviético tal acontece. Lá já se ouvem críticas ao Governo e a Gorbatchov. Não consta que alguma vez um senhor deputado da maioria tenha ousado criticar Cavaco Silva ou qualquer dos seus ministros.
Aplausos do PS.
O que nós aqui vemos é algo de muito diferente da dinâmica democrática que um pouco por, toda a parte abala o Mundo. O que nós vemos aqui é o culto e o endeusamento do líder e a tentativa de submeter tudo e todos à sua vontade e às suas decisões; é o narcisismo, o auto-elogio, a transformação da informação em propaganda e a apologia dos actos do Governo.
O que nós vemos aqui é a oposição à oposição como programa e estratégia única e última do Governo, pouco, faltando para considerar a sua existência e o legítimo exercício dos seus direitos como um pecado de lesa-pátria e um crime de lesa-majestade:
Aplausos do PS.
O que nós vemos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é a confusão entre o partido e o Estado, com a subordinação destes aos interesses e apetites daquele. O que nós vemos é a desvalorização da política e a exaltação do número para disfarçar a ausência de uma estratégia, de um pensamento e de uma visão cultural dos problemas do Estado e do País. E é também, não podia deixar de ser, a irresistível tentação de reescrever a história para manipular o passado e o colocar ao serviço das conveniências do presente, como o comprova o infeliz voto apresentado pelo PSD.
O Sr. Duarte Lima (PSD):- Não é verdade!
O Orador: - Finalmente, o que nós vemos é a repetição sistemática da mentira, com a ilusão de que a opinião pública acabará por torná-la como um dado de facto. Foi assim que ultimamente o Governo se vestiu de capuchinho laranja e se pôs a gritar aos quatro ventos que vem aí o lobo mau.
E quem é o lobo mau com grandes olhos para nos ver e grandes dentes para nos comer?
Voz do PSD: - É um cordeiro!
O Orador: - Nada mais nada menos que o PS, que já foi cordeiro e agora anda de lobo, coligado em Lisboa com o papão do PC, com "pacto secreto" entre os dois, para abocanharem o Poder em 1991. Ouvimos algo de parecido em 1958, quando a propaganda salazarista começou a falar do "Pacto de Cacilhas" a propósito da desistência do Dr. Arlindo Vicente em favor do general Humberto Delgado.
O País devia estar a tremer de medo, mas não. Não está. Ninguém acredita na fábula do lobo mau, porque todos sabem que a coligação "Por Lisboa" é por Lisboa e nada mais. Mas aí é que está: quem tem medo, afinal, é o Governo. Em primeiro lugar, de perder Lisboa e, depois, de uma dinâmica de mudança que leve de novo o PS à vitória no País.
É por isso que o Governo não gosta de mudanças, nem no Leste nem cá. O seu estilo dá-se melhor com a crispação do que com a distensão. O que verdadeiramente preocupa o Governo não é o lobo mau, mas são os sinais de um tempo de mudança, porque esses sinais também põem em causa os seus dogmas, os seus conceitos, os seus tabus e preconceitos e exigem algo a que este governo é profundamente avesso: o diálogo, a abertura, a busca de consensos nacionais em tomo dos objectivos essenciais do País.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As grandes prioridades nacionais e os desafios que Portugal tem de enfrentar exigem uma nova atitude mental e política e uma outra forma de considerar as questões do Estado e do País.
Antes de mais, como tem sublinhado o Sr. Presidente da República, é necessário um novo pensamento estratégico capaz de orientar a modernização do Estado, tendo em vista a transformação e a adaptação exigidas à sociedade portuguesa pelo desenvolvimento do Acto Único Europeu e pela realização do mercado comunitário em 1992.
Uma nova política para a educação e para a cultura, uma estratégia nacional da ciência e da tecnologia que permita um maior rendimento do ensino e dos centros de investigação, por forma a modernizar e diversificar o nosso aparelho produtivo.
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Uma tal e estratégia deverá igualmente transformar a cultura, a ciência e a tecnologia num instrumento da acção de Portugal na cooperação com o mundo de língua portuguesa.
Mas um novo pensamento estratégico para Portugal não é compatível com uma visão meramente economicista e tecnocrática da nossa integração europeia, antes exige uma visão política e cultural e que permita afirmar a nossa singularidade e a nossa identidade nacional.
O Sr José Lello (PS): - Muito bem!
O Orador: - Não podemos continuar a olhar a Europa como a nova árvore das patacas, nem podemos cair no provincianismo mental, desconsiderar que tudo o que é europeu é bom e tudo o que é português é mau. Não estamos na Europa apenas para receber temos de estar na Europa de maneira activa e criativa, levando à Europa o que temos para dar, a nossa cultura, a nossa história, a nossa experiência multissecular de convivência com outros povos e outros continentes.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Só assim podemos fazer na Europa um discurso português e contribuir de forma positiva para pôr fim ao espírito eurocentrista e construir um novo tipo de relacionamento entre a Comunidade Europeia e os países de África e da América Latina.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A política tem de retomar o seu lugar. A política, a pedagogia democrática e cívica, o combate contra o conformismo e a abdicação que são sempre a mais nefasta consequência moral de um poder arrogante e intolerante.
Não somos partidários de qualquer espécie de duopólio do Poder assente no partido cara e no partido coroa, em que o PSD seria o partido dominante e o PS o partido satélite. Somos pela alternância e pela alternativa.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Não são capazes de alternar!
O Orador: - É essa a responsabilidade democrática nacional do Partido Socialista que é autónomo, responsável, livre e sem medo.
Por isso saberemos combater e vencer democraticamente o poder laranja.
Aplausos do PS e da deputada independente Helena Roseta.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Pacheco Pereira, Silva Marques e Narana Coissoró.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar e antes de dar início ao meu pedido de esclarecimento, gostaria de me referir à morte de José Carvalho que tive ocasião de conhecer e que o PSD condena como já condenou todos os actos de violência política, quer venham da esquerda ou da direita. Aliás chamo a atenção da Câmara para o facto de já na anterior sessão legislativa termos condenado a actividade de grupos semelhantes àquele que provocou o incidente de que resultou a morte de José Carvalho.
Quanto à intervenção do Sr. Deputado Manuel Alegre lamento dizer que em minha opinião constituiu um dos mais puros exemplos de degradação da política. Ou seja, a substância da intervenção de V. Ex.ª é exactamente o exemplo daquilo que o Sr. Deputado acabou de condenar, a degradação da política. E posso referir vários exemplos de como na linguagem da sua intervenção, a política no seu melhor sentido é completamente degradada.
Primeiro exemplo, o Sr. Deputado falou do estalinismo e não fez uma única referência ao partido que em Portugal emana directamente dessa tradição, mantém essas referências históricas e mantém todo um posicionamento face à vida, face à moral, face à cultura, face à política e face à história que é semelhante à tradição estalinista. E quanto a ele nem uma palavra!
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Se isto não é degradação da política, não sei o que é a degradação da política!
Aplausos do PSD
Depois o Sr. Deputado falou do estalinismo com a linguagem que muitas vezes a esquerda utiliza para falar do estalinismo, como se ele fosse um mero incidente da história do século XX. Uma das maiores fraudes da história do século XX é a permanente condenação do nazismo sem qualquer referência ao estalinismo como uma barbárie que teve um papel na história do século XX que implicou a morte de várias dezenas de milhões de pessoas e perante o qual a esquerda não utiliza um único dos adjectivos que utiliza para caracterizar o nazismo. Enquanto os adjectivos sobre o nazismo forem substancialmente diferentes àqueles que se usam para caracterizar, não o estalinismo mas a experiência comunista, estamos perante um caso de degradação da linguagem política.
E por último e pior, o Sr. Deputado na sua intervenção fez aquilo para que alguns dos críticos do estalinismo já chamaram a atenção ou seja revelou a duplicidade de linguagem e a incapacidade de ter o sentido da medida. Como é que é possível ser um político sério e usar uma linguagem de qualificação política e comparar o comportamento de um partido como o PSD com o comportamento estalinista? É perder convictamente o sentido da medida. É não abastardar o PSD mas a esquerda e o estalinismo. E no fundo minimizar o seu papel histórico é diminui-lo nas suas responsabilidades é fazer permanentemente comparações sem qualquer sentido de medida. Alguém nesta bancada matou alguém? Alguém nesta bancada prendeu alguém? Alguém nesta bancada manteve um país inteiro mudando populações destruindo etnias acabando com nações? É esta a comparação que o Sr. Deputado entende poder ser feita em termos de qualificação política?
Aplausos do PSD.
Eu posso pensar o pior do Partido Socialista mas a última coisa que eu diria era que o seu comportamento é semelhante ao estalinismo, ao nazismo, ou a qualquer
ismo deste género, porque isso degrada quem diz, quem diz, está a fazer uma comparação que não tem outro efeito que não seja a propaganda política.
Sr. Deputado Manuel Alegre não posso deixar de me manifestar com dureza perante a sua intervenção porque
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V. Ex.ª veio valorizar a qualificação da linguagem política e deu-nos um perfeito exemplo de como é que ela se abastarda todos dias.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Manuel Alegre, em primeiro lugar, aconselho-o a deixar o PSOE tranquilo, porque, como V. Ex.ª sabe, o Partido Socialista Espanhol, graças à liderança de Felipe Gonzalez, um grande líder da moderna política na Europa...
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!
O Orador: - Não se esqueça disto! Aquele congresso em que ele, pura e simplesmente, rompeu com o marxismo foi decisivo para criar o futuro da Espanha e do socialismo moderno na Espanha. V. Ex.ª recorda-se do congresso?
O Sr. Manuel Alegre (PS): -Eu estava lá, Sr. Deputado!
O Orador: - Os Srs. Deputados que já não se lembram do congresso é bom que o recapitulem!
Portanto, Sr. Deputado Manuel Alegre, deixe o Partido Socialista Espanhol tranquilo, porque ele acabou de conseguir, pela terceira vez, a maioria absoluta dos votos em nome da coragem de modernizar o socialismo, de o compatibilizar com a liberdade na prática e não nas palavras - de parole, parole, estamos fartos -, capaz de o compatibilizar com o futuro da Espanha. E isso também está a ser feito em Portugal, graças não só ao Partido Social-Democrata mas à incapacidade de o Partido Socialista se modernizar. Só ontem é que, por exemplo, os senhores apresentaram uma lei-quadro das privatizações, os senhores que há cerca de três ou quatro anos, que digo eu, há três ou quatro meses, ainda, estavam de joelhos atados perante conceitos corripletamente arcaicos e ultrapassados de socialismo. Esta é que é a questão, Sr. Deputado Manuel Alegre, e se V. Ex.ª se quiser dar ao incómodo de discutir esta matéria no plano substancial e não no do ataque e da política sem sentido e gratuita, faça favor, pois cá estaremos para discutir estas questões com o Sr. Deputado.
Agora, passando a outra questão e ultrapassando a situação do Partido Socialista Espanhol, que os senhores até deveriam ter uma certa relutância em citar, visto que o PSD está muito mais próximo dele que o PS ...
Risos do PS.
E quem duvida, Srs. Deputados socialistas? O Partido Socialista Espanhol privatizou em dois dias toda a comunicação social espanhola e o bloco central não o fez...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Fez o que o PSD não fez em três anos!
O Orador: -... porque os senhores estavam ainda apegados a uma concepção de socialismo de Estado. E agora vamos ver: os senhores ainda não disseram se o que vos distingue de nós é o facto de, por exemplo, no caso de serem governo, irem privatizar mais. Nós estamos a privatizar a um ritmo que nos parece razoável e os senhores terão de dizer ao País, até para demarcarem a vossa alternância, se vão privatizar mais, menos, ou, inclusivamente, nacionalizar, porque como ainda não fizeram a prova de fogo de terem abandonado os velhos preconceitos dos vossos actuais dirigentes são suspeitos de, se por acaso tomassem o Governo, voltar a nacionalizar.
Finalmente, Sr. Deputado Manuel Alegre, gostaria de salientar, na sequência da intervenção do meu colega de bancada Sr. Deputado Pacheco Pereira, que V. Ex.ª não fez uma única referência ao Partido Comunista Português, que é - há-de V. Ex.ª aceitá-lo - um exemplar degradante da história das correntes políticas contemporâneas. A direcção do seu partido está aliada com o Partido Comunista, o que o obrigou a não dizer uma palavra sobre esta matéria. O Sr. Deputado tem de reconhecer que o poeta que V. Ex.ª é, um dos maiores poetas da con-temporaneidade portuguesa -e só por ciúme é que nenhum deputado da sua bancada tem a ousadia de lhe dizer isto - ...
Risos do PS.
... um dos maiores poetas da modernidade portuguesa, metendo-se na política, abdicou e pôs-se de joelhos. É isso que lastimo!
Aplausos do PSD.
O Sr. José Lello (PS): - O Sr. Deputado acabou de joelhos!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Manuel Alegre, em primeiro lugar, queria felicitar o Partido Socialista pela vitória do PSOE ...
Risos do PSD.
... nas eleições em Espanha, porque, sendo o Partido Socialista da mesma família que internacionalmente representa a social-democracia, não poderia deixar de dirigir congratulações ao Partido Socialista. Congratulamo-nos também pelo facto de esta vitória ter sido tangencial, o que mostra que o socialismo na Europa está em declínio e, actualmente, em determinadas situações, a vitória pode até estar dependente da esposa do presidente do partido que ganhou as eleições ...
Risos do PSD e do PS.
... uma vez que, tratando-se de um outro qualquer deputado ou deputada, poderia acontecer que em qualquer momento rompesse com o partido. Isto significa que o socialismo está em queda na Europa e também está aqui em Portugal, como se pode verificar pelos últimos acontecimentos.
Em segundo lugar, como V. Ex.ª sabe, nós e os senhores representamos as duas margens do rio democrático português. Assumimo-nos claramente como a direita e VV. Ex.as assumem-se claramente como a esquerda. Não estamos no meio das águas para dizer: "Felipe Gonzalez é nosso!"
Risos do PS.
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Nem transportamos bandeiras para o aeroporto em 1975 aquando da chegada a Portugal dos lideres da Internacional Socialista que não queriam essas bandeiras. Portanto estamos claramente demarcados uns dos outros, frente a frente nas duas margens, a conversar democraticamente sobre o nosso país, sobre as nossas ideologias e sobre as nossas concepções de vida, que queremos boas tanto para nós, como também para VV. Ex.ªs dentro da vossa concepção de socialismo.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Percebemos sempre que não estava no meio da água.
O Orador: - V. Ex.ª está a afundar-se no meio da água!
Sr. Deputado Manuel Alegre, gostei naturalmente do seu discurso de português de esquerda. Não é o discurso de português de direita, nem o discurso que gostaríamos de aplaudir e por isso não o fizémos. Gostaríamos que houvesse na sociedade portuguesa esta demarcação clara para escolha do eleitorado e saber se quer a social-democracia do Partido Socialista.
Risos do PSD.
se quer a democracia cristã que em toda a Europa é a alternativa a à social-democracia.
Perguntamos até onde é que pode ir este lodaçal do PSD, de sem pudor dizer, o Felipe Gonzalez é nosso e ninguém saber em Portugal afinal de quem foi a vitória.
Para terminar já que se rejubilou com o movimento de democratização que vai pela Europa de Leste com a grande onda de liberdade que percorre este grande império, outrora subjugado ao estalinismo, quero perguntar a VV. Ex.ªs o seguinte: o que é que o Partido Socialista tem feito para que esta mesma onda de democratização e de liberdade também percorra Portugal? Com a coligação que mantém com o Partido Comunista em Lisboa contribuirá o PS para trazer a liberdade e a democracia para os comunistas do nosso país?
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontra-se na galeria a assistir aos nossos trabalhos, um grupo de alunos do Instituto Superior de Tradutores e Intérpretes de Bruxelas.
Aplausos gerais de pé.
Para responder tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não me surpreende a reacção do Sr. Deputado Pacheco Pereira, nem a do Sr. Deputado Silva Marques. Aliás esperava que se levantassem e que reagissem porventura porque não resolveram problemas que pela minha parte já há muito tempo resolvi.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso é auto elogio!
O Orador: - Srs. Deputados participei com o Partido Socialista num combate que foi pioneiro e precursor na história da Europa foi o combate em que em 1975 se compatibilizou pela primeira vez a liberdade e, o socialismo. Portanto não tenho lições a receber dos senhores.
E se querem saber o slogan com que ganhámos e mobilizámos o povo português para essa vitória que foi da liberdade e da democracia digo-vos. Socialismo sem ditadura não que foi da minha autoria. Portanto fomos na prática política e não apenas nas palavras os precursores e os pioneiros desse combate.
Em segundo lugar quando aborde as mudanças do Leste fiz uma referência muito clara ao modelo comunista tradicional e até falei daqueles, cujas certezas de toda uma vida, são hoje abaladas pelos acontecimentos actuais. É evidente que se trata de uma referência aos comunistas portugueses, embora estivesse a falar dos países do Leste. O Partido Comunista Português não é um partido comunista do Leste.
Em terceiro lugar devo dizer que fiz uma caracterização rigorosa e política do estalinismo mas se o Sr. Deputado quer que lhe diga, considero que o estalinismo foi realmente uma barbárie. Não tenho dúvida alguma em dizer que os campos de concentração, o goulag e as execuções em massa são uma barbárie. E não é a primeira vez que o digo nem preciso que me venham explicar a caracterização do estalinismo.
Sr. Deputado Silva Marques, também lhe quero dizer que estive presente nesse congresso do PSOE e até ajudei a resolver por um conjunto de circunstâncias
Vozes do PSD: - Estava lá?
O Orador: - Estava lá sim! Isso até vei em alguns jornais espanhóis e portugueses. Fui de facto eu juntamente com o meu camarada Alfonso Guerra uma das pessoas que elaborou aquela solução de uma comissão administrativa gestora para fazer face à crise do Partido Socialista Espanhol.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Desculpe mas não permito. Portanto os Srs. Deputados deformaram ou viram mal e de certa maneira degradaram o sentido da minha declaração política. E não tenham a pretensão de ensinar ao Partido Socialista ou sobretudo a uma pessoa como eu o que é a compatibilização da liberdade com o socialismo porque tenho a honra de ter estado na primeira linha desse combate com muitos dos meus camaradas e a cabeça o meu camarada Mário Soares na altura secretário geral do Partido Socialista para provar que era possível, numa situação revolucionária, a vitória da liberdade a vitória da democracia.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Estivemos todos na Fonte Luminosa!
O Orador: - Era eu quem estava ao microfone. Por tanto não temos lições a receber desse lado.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Quem é que lá não estava?
Vozes do PS: - Não o vi lá!
O Orador: - Quanto ao problema das privatizações o Partido Socialista teve uma posição muita clara na revisão constítucional, apesar de em alguns aspectos eu ter votado contra.
Devo dizer-lhe que o primeiro discurso historicamente aqui feito nesta Assembleia em 1975 contra aquilo que
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na altura era considerado o sectarismo das nacionalizações foi feito pelo meu camarada socialista Sottomayor Cardia na altura em que a moda eram as nacionalizações e em que era moda toda a gente ser de esquerda, estava no programa de todos os partidos... E os senhores ainda não tiraram o marxismo do vosso programa...!
Aplausos do PS, do CDS e da deputada independente Helena Roseta.
Srs. Deputados, estamos, pois, perfeitamente à vontade, e penso que o Sr. Deputado Narana Coissoró disse o essencial, que é a separação das águas ...
O Sr. Silva Marques (PSD): - O poeta abdicou!
O Orador: -Não, o poeta nunca abdicou, e o Sr. Deputado, que conheço há muitos anos, não venha deformar o sentido profundo das coisas. Simplesmente, o poeta não quer que o Partido Socialista cumpra o papel que os senhores lhe tinham predestinado, o Partido Socialista não se deixou colonizar ...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Não, está num casulo!
O Orador: -... em 1975 pela esquerda, não se deixa colonizar por estrangeiros nem intimidar pelo Partido Social-Democrata, porque sabemos que é preciso a transparência democrática, uma clara separação das águas, uma solução clara à direita e à esquerda. E essa é de facto protagonizada hoje pelo Partido Socialista.
E também não temos nenhuns complexos em relação ao problema da coligação "Por Lisboa". Estive na primeira linha desse combate em 1975, e fui um dos primeiros no meu partido, se não o primeiro, a advogar uma coligação com o Partido Comunista em Lisboa para tentar substituir a catastrófica gestão da direita. Trata-se de uma solução que tem a ver já com as dinâmicas de mudança que se operam no Mundo - em 1975 isso não teria sido possível-, e pensamos que pode contribuir também para uma clarificação e para mudanças mais profundas na sociedade portuguesa. Não se trata de nenhum pacto secreto ...
Vozes do PSD: -Ah...!
O Orador: -... com o Partido Comunista. O Partido Socialista, sozinho, saberá ser, nas umas, alternativa ao Partido Social-Democrata, e fazemo-lo sem complexos, porque a situação hoje é outra.
Devo dizer, aliás, que não caracterizei o Partido Social-Democrata como um partido totalitário, mas os tiques estalinistas podem existir nos partidos tanto da esquerda como da direita e manifestam-se quando há poder pessoal, autocracia, centralismo, distorções à prática democrática. Isso são tiques estalinistas, e até o disse com uma certa simpatia, para não dizer que são tiques salazaristas. São tiques que resultam da tentação hegemónica e da tentação autoritária. Nós hoje, como sempre, defendemos a transparência democrática, defendemos uma clara separação das águas, mas defendemos sobretudo um regular e claro funcionamento da democracia. E não queremos distorções à democracia, o seu esvaziamento, ou seja, qualquer forma de poder pessoal, tenha ele a cor que tiver, queremos que a democracia avance e se enraíze na sociedade portuguesa e não queremos novas tentações hegemónicas, venham elas de onde vierem.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Meneses.
O Sr. Luís Filipe Meneses (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os partidos da oposição parlamentar iniciaram a sessão legislativa votando em conjunto uma moção de censura ao Governo apresentada pelo Partido Socialista.
Foi para a oposição o culminar de um conjunto de acções desconexas, incoerentes, sem qualquer objectivo estratégico compreensível.
Foi o zénite da política do "bota abaixo", da crítica pela crítica, da insinuação mal-intencionada, sem suporte argumentativo.
No final, todos ficámos sem saber mais uma vez não só quais as propostas alternativas às políticas do Governo como também quem poderia aspirar a ser poder para as implementar.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Nocturnos doutorais!
O Orador: - O PS, maior partido da oposição parlamentar, teórico polarizador de um projecto de poder alternativo, foi, no debate da moção de censura, coerente com a imagem que tem dado de si próprio desde que Jorge Sampaio assumiu a sua liderança - generalista, vazio de propostas concretas e objectiváveis, literário e cinzentão, comportou-se durante o debate com o ar triste e comprometido de quem desempenha um ritual em que não acredita, pela simples razão de que já não acredita em si próprio. Este calvário socialista -discretamente alegrado pela intervenção final, "estilo bombeiro", do seu líder parlamentar- que, segundo dizem as más línguas e alguma comunicação social bem informada, até pouco tinha a ver com aquela guerra (leia-se extemporânea e despropositada iniciativa política).
Ò engenheiro António Guterres, com o brilho, talento e capacidade imaginativa que todos lhe reconhecemos, conseguiu trazer alguns sorrisos de nostálgica esperança à sofredora bancada socialista, mas não conseguiu o impossível: demonstrar que o governo do PSD tem dirigido o País de forma deficiente ou que o PS é o núcleo duro aglutinador de um projecto alternativo viável no curto ou médio prazo.
A intervenção do líder parlamentar socialista teve, contudo, um certo mérito: obedeceu a uma sistematização lógica que nos facilita contraditar, de forma clara e circunstanciada, todas as críticas que pretensamente dariam corpo à moção de censura socialista.
Comecemos pela acusação de que os governos de Cavaco Silva beneficiaram de uma conjuntura económica e financeira internacional favorável, ...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Milagre!
O Orador: -... única responsável pelos excelentes resultados da governação e pela boa saúde da economia portuguesa - é de salientar que esta acusação já tem pelo menos subjacente o reconhecimento da boa prestação do governo do PSD.
É uma acusação habitual e repetida pelos dirigentes socialistas, que ainda a exacerbam com comparações fantasistas e romanceadas referentes ao passado imediatamente anterior - o PSD teria conduzido o País ao descalabro económico e financeiro com os governos da AD, o PS teria liderado com o bloco central a patriótica
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recuperação das finanças públicas para sucumbir no imediato, perante um eleitorado ingrato e pouco esclarecedor que conduziu o PSD à maioria, numa época particularmente favorável.
Esta visão da história recente do País talvez satisfaça e desculpabilize o ego de alguns dirigentes socialistas, talvez seja para alguns à força de ser repetida, uma verdade indiscutível mas no fundo só tem a virtude de ser uma boa mentira que como dizia o poeta Aleixo só é mesmo boa quando contém uma pontinha de verdade. A verdade é que os governos se sucederam na ordem descrita mas as razões que levaram aos seus sucessos ou fracassos são muito diferentes das evocadas pelos dirigentes socialistas.
Mas para enquadrar de forma lógica a nossa argumentação torna-se necessário estimular um pouco a memória dos Srs. Deputados socialistas.
Reconhecemos que o PS foi um partido determinante no combate contra as forças totalitárias que ameaçavam reconduzir o País à ditadura nos anos de 1974/1975, foi um partido importante na solidificação do regime e na condução de processos vitais para essa solidificação, como o foi no processo de adesão à Comunidade Económica Europeia. Contudo o PS esteve preso até há bem pouco tempo a conceitos ideológicos e doutrinários retrógrados de raiz marxista que durante anos impediram o desatar dos nós górdios dados pelo PC e seus aliados em 11 de Março de 1975.
O PS demonstra uma hipocrisia política notável ao vir por em causa timings e metodologias relacionados com processos como as privatizações, a abertura à iniciativa privada de novos sectores da economia, a alienação do património do Estado na área da comunicação social, a concessão da exploração da actividade televisiva ao sector privado e tantos outros que ainda no passado recente eram assuntos tabu para os socialistas e foram por estes inviabilizados durante anos.
Depois deste pequeno rappel - peço desculpa à Sr.ª Deputada Natália Correia do francesismo - voltemos a 1979-1980 sem complexos e com a consciência de que a recordação de todo este trajecto é extraordinariamente penosa e susceptível de criar alguns remorsos aos socialistas que não ao PSD.
Os governos da AD liderados por Sá Carneiro, com Cavaco Silva como Ministro das Finanças, foram governos de sucesso que em circunstâncias políticas adversas - todos se lembram da Constituição que tínhamos e do Conselho da Revolução - conseguiram incutir no País a crença e o dinamismo só reencontrados em 1985 com o primeiro governo de Cavaco Silva. O governo da AD entre 1980 e 1982 resistiu ao segundo choque petrolífero que disparou os preços das ramas do petróleo para valores exorbitantes, enfrentou uma das maiores secas do século que comprometeu de forma drástica duas colheitas agrícolas, sofreu o aumento das taxas de juro e a alta do dólar. Este enquadramento superdesfavorável é sistematicamente ignorado pelos isentos analistas socialistas que se esquecem também que este difícil período da governação decorreu após a morte do líder carismático e indiscutível que foi Sá Carneiro.
A forma como o PS se conduz à deriva política desde que Mário Soares abandonou a sua liderança devia ser o suficiente para que o desaparecimento de Sá Carneiro fosse valorizado de forma diversa quando se analisa o período decorrido entre 1980 e 1982.
A partir daí não foi a conjuntura internacional favorável que conduziu o PSD à maioria absoluta em 1987 nem é essa mesma conjuntura que mantém o PSD à frente nas sondagens que perspectivam o comportamento ele tarai dos Portugueses e nos dão fundamentadas esperanças na reedição em 1991 do sucesso eleitoral de 1987. O êxito do PSD advêm da forma como tem governado o País, da forma como tem gerido essa conjuntura dita favorável. Desde que o PSD se tornou no partido maioritário liderante da vida política portuguesa abriram-se novos horizontes de esperança e prosperidade para todos os portugueses.
Não foi a conjuntura internacional que avançou com as reformas de fundo indispensáveis e há muito adiadas, não foram a baixa do dólar ou das taxas de juro que modernizaram a legislação laboral, alteraram a Lei da Reforma Agrária, iniciaram o processo de privatizações e fizeram a reforma fiscal, não foi a boa saúde da economia americana ou comunitária que abriu novos sectores da economia à iniciativa privada, conseguiu após os imprevistos e suplementares à mesa do Conselho de Ministros das Comunidades, alargou os horizontes da liberdade de expressão liquidando o monopólio do Estado no sector da comunicação social, não seja certamente má situação económica internacional sustentadamente favorável que induzira a continuidade da via das reformas com novas e mais alargadas privatizações com a chegada da TV privada, com a profunda reforma do sistema de saúde. Tudo o que já foi realizado e o que nos propomos levar a cabo até 1991 é resultado tão somente do cabal cumprimento do Programa do Governo aprovado por esta Assembleia da República em Agosto de 1987.
É essa a única e verdadeira explicação dor nosso sucesso que só por descaramento aliado a uma forte dose de falta de imaginação pode ser explicado pela mera gestão de uma conjuntura internacionalmente favorável.
A segunda acusação relevante seria a de que o governo do PSD não promovia a transparência dos seus próprios actos e de que o PSD não respeitava as regras fundamentais da ética do comportamento que é próprio de um regime democrático.
Esta acusação é paradoxal se passando por cima da turbulência das aparências, formos ao fundo das questões e observarmos com imparcialidade a realidade.
Este governo e esta maioria têm pelo contrário boas razões para se orgulhar dos contributos dados no sentido da dignificação do exercício do poder democrático em todas as suas vertentes. Por um lado pela forma rigorosa como tem cumprido as suas obrigações constitucionais e institucionais, por outro pela forma como aceitaram promover de livre vontade um rigoroso controlo de amplos sectores da Administração Pública começando pela própria administração central
O Sr. Silva Marques: - Muito bem!
O Orador: - Passo a enumerar alguns factos perfeitamente esclarecedores, o governo do PSD é aquele que em termos relativos, mais vezes veio à Assembleia da República, seja ao plenário, seja às comissões, é aquele que respondeu de forma satisfatória a mais pedidos de informação ou requerimentos formulados pelos deputados, o Primeiro Ministro Cavaco Silva é o que mais vezes defendeu as suas políticas em sessões plenárias, os governos Cavaco Silva cumprem escrupulosamente os prazos constitucionais quando se trata da apresentação de diplomas legislativos tão nobres, quanto o são o Plano e o Orçamento do Estado
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Mas podemos também enfrentar sem complexos os temas pretensa e circunstancialmente mais delicados, porque ligados ao objecto de recentes ou actuais inquéritos parlamentares. É com orgulho que podemos afirmar que, na maioria dos casos, a Assembleia da República foi investigar factos e práticas já sob investigação por iniciativa do Governo, e é com satisfação que verificamos que algumas dessas investigações se inseriam num plano global de moralização da Administração Pública, como acontece com a progressiva extinção dos famigerados fundos autónomos. Finalmente, foi com o voto do PSD e com a concordância, da própria que a Sr.ª Ministra da Saúde se tornou no primeiro membro de um governo constitucional a responder perante uma comissão de inquérito aberta ao público, à comunicação social, portanto, ao País. Quem não deve não teme, e com essa atitude o PSD e a Ministra da Saúde deram mais um importante passo no sentido de se tornar a democracia portuguesa mais prestigiada e mais enraizada no comportamento quotidiano dos cidadãos.
A terceira acusação seria a de que assistimos ao profundo e crescente descontentamento das populações, indiciador de uma situação de preocupante instabilidade social.
Mas em que se traduz esse descontentamento?
Na subida do PSD em todas as sondagens de opinião publicadas no último fim-de-semana?
Nas anunciadas greves políticas com que certos sectores de actividade nos brindam sazonalmente e nos fazem cada vez mais adeptos das privatizações?
Nos protestos de alguns sectores das classes médias, que legitimamente têm uma visão optimista do futuro do País e desejam ainda melhores condições de vida que aquelas que o crescimento económico dos últimos quatro anos já lhes proporcionou?
Na impaciência de alguns agentes económicos, que, entusiasmados com os novos desafios,, se batem contra limitações -infelizmente indispensáveis- à sua iniciativa e investimentos?
Acredito que sejam estes os sinais tidos como de descontentamento observados pelo PS e restantes oposições. Mas, Srs. Deputados, abram bem os olhos e verão que isso a que os senhores chamam descontentamento é uma sociedade civil finalmente livre, pujante e enérgica, confiante nas suas potencial idades e no futuro do País. Uma sociedade civil enjaulada pelo 11 de Março durante uma dúzia de anos e que o PSD libertou.
A quarta e última acusação seria a de que o governo do PSD não tinha uma estratégia para o País, uma ideia clara e mobilizadora sobre o futuro de Portugal, governando ao sabor dá conjuntura e dos calendários eleitorais.
Não vou perder tempo evocando acontecimentos distantes ou actuais demonstrativos do desprendimento e não subordinação dos governos Cavaco Silva a medidas eleitoralistas, desinseridas do rumo coerente a que se subordina toda a sua governação. Os Portugueses, que passaram a pagar gasolina mais cara na véspera do 19 de Julho de 1987, reconhecem e admiram essa coerência.
Não vou filosofar sobre a estratégia do Executivo para o País e sobre o seu projecto para Portugal. Quem tem observado o denodo posto no combate da integração europeia, o empenho na aproximação aos países de língua oficial portuguesa, a defesa dos direitos do povo de Timor Leste, a abertura do diálogo com os países da América Hispânica, o lançamento das comemorações dos 500 anos dos Descobrimentos Portugueses, não tem dúvidas sobre a existência desse projecto e sobre a sua adequação à grandeza da nossa história.
Vou, pois, referir-me ao paradoxo de essa acusação partir do PS, um partido que acerta, a todo o momento, a sua estratégia em função das dificuldades de afirmação do seu líder, carente de autoridade moral para acusar os outros de ausência de estratégia.
A candidatura de Jorge Sampaio à Câmara Municipal de Lisboa, por não ter generais e não aceitar o brigadeiro disponível, a coligação com o PCP, porque um secretário-geral do maior partido da oposição não pode ser esmagado eleitoralmente numa eleição local, a moção de censura, porque era preciso fazer qualquer coisa para travar a dinâmica campanha de Marcelo Rebelo de Sousa, são sinais insofismáveis de que o PS é uma barcaça à deriva com poucas possibilidades de fugir ao naufrágio.
Tudo isto seria grave para o PS e agradável para o PSD se não fosse simultaneamente prejudicial à democracia portuguesa. O PS, com a decisão que o levou a coligar-se com o PCP em Lisboa, consubstanciou, na prática, consciente ou inconscientemente, uma perigosa inflexão estratégica. Abdicou da hegemonização através da transferência de voto da esquerda portuguesa, remetendo-se para uma situação de parceiro eleitoral de um PCP desta forma fortalecido. Tudo isto quando o comunismo agoniza pelo mundo fora e o PCP ombreia em obscurantismo retrógado com os Partidos Comunistas da Albânia e da China.
O PS será responsável perante o País pelos nefastos resultados de uma eventual recuperação do peso eleitoral dos comunistas.
Finalmente, não podemos deixar sem reparo as críticas a S. Ex.ª o Presidente da República afloradas nas entrelinhas da intervenção do Dr. Jorge Sampaio e postas completamento a descoberto quando um companheiro da minha bancada, o deputado Nuno Delerue, suscitou ao secretário-geral do PS a total clarificação do seu sentido.
Vivemos numa situação de exemplar relacionamento institucional entre o Presidente da República, o Governo e a Assembleia da República. É, no mínimo, surpreendente que o maior partido da oposição, de onde emanou o candidato Mário Soares, seja a única voz dissonante na interpretação da situação subjacente a essa harmonia institucional.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O futuro se encarregará de mostrar o porquê, contudo não devem ser razões que interessem muito ao PSD ou ao comum dos cidadãos.
O Sr. Silva Marques (PSD): - É a pequena política!
O Orador: - Não posso terminar sem proferir umas palavras sobre os restantes partidos da oposição, que, a contragosto, tiveram de votar favoravelmente a moção de censura socialista.
Mais coerente com o seu comportamento político recente, e quem o terá feito, apesar de tudo, com mais convicção terá sido certamente o CDS. O CDS de Freitas do Amaral vive em frente popular parlamentar desde há largos meses: dá conferências conjuntas com o PCP, com Os Verdes, com os Srs. Deputados Independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro, e não as dá com o PSR e com a UDP porque esses partidos não têm assento parlamentar.
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A Sr.ª Presidente: - Queira terminar Sr. Deputado.
O Orador: - Acerta estratégias com as centrais sindicais e não se coíbe mesmo de ir à sede da CGTP trocar galhardetes anti-sociais democratas
O Sr. José Magalhães (PCP): - Que horror! É um inferno!
O Orador: - Alia-se a tudo e a todos que sejam contra o PSD, que detestem o Primeiro Ministro, que tenham qualquer afinidade com o laranja. O CDS é hoje um pequeno partido dilacerado por divisões e pela proliferação de pequenos baronatos.
O CDS tornou-se num partido divertido e imprevisível que dá colorido à vida política portuguesa. Será com profundo pesar que a continuar com as actuais liderança e estratégia - esperemos que não! - o CDS nos privará do convívio.
A Sr.ª Presidente: - Queira terminar Sr. Deputado.
O Orador: - Será com profundo pesar.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Por isso é que vocês queriam a AD no Porto com o patrocínio gratuito do CDS.
O Orador: - Sr. Presidente gostaria de terminar se me deixassem.
Protestos do CDS e do PCP.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, solicito que se faça o silêncio indispensável para que possamos prosseguir os trabalhos.
O Orador: - Como estava a dizer, será com profundo pesar que a continuar com as actuais liderança e estratégia o CDS nos privará do conjunto dos seus simpáticos e competentes deputados na próxima legislatura.
O PRD merece a atenção que merecem todos os que acreditando num projecto, lutam por ele até à última gota de sangue. Faço votos para que alguns portugueses continuem a acreditar no PRD e se possível sejam todos lisboetas.
Risos
Tem-no com umas breves referências ao PCP. Último bastião do estalinismo, resiste estoicamente aos ventos da Glasnost e da Perestroika. A sua rápida e imediata decadência era contudo inevitável não fora o balão de oxigénio facultado pelo Dr. Jorge Sampaio com a coligação. Por Lisboa.
Mas Srs. Deputados comunistas uma vez esse balão consumido VV. Ex.ªs terão de afrontar mais dia menos dia a oposição dos que no vosso seio já começaram a clamar por democracia e posteriormente clamarão pelo esquecimento da doutrina política que os guia e está a ser progressivamente abandonada em todo o mundo.
Protestos do PCP.
O PCP talvez não desapareça, talvez nem interesse que isso aconteça, pois dessa forma, Portugal poderá passar a possuir um atractivo suplementar para todos os que nos visitam.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que termine.
O Orador: - Sr. Presidente, faltam apenas dois parágrafos.
Vozes do PCP e do PS: - Já ultrapassou largamente os 10 minutos.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Fala, fala, fala.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados peço silêncio para que o Sr. Deputado que está no uso da palavra possa terminar.
O Orador: - Vou terminar se me deixarem, Sr.ª Presidente.
O PCP talvez não desapareça, talvez nem interesse que isso aconteça, pois dessa forma Portugal poderá passar a possuir um atractivo suplementar para todos os que nos visitam, a possibilidade de conhecer um pequeno partido desacreditado, sem influência política, mas albergando uma das espécies humanas em maior risco de extinção - o ultra estalinista.
Protestos do PCP.
Para terminar, Srs. Deputados das oposições, reafirmo em nome do Grupo Parlamentar do PSD o total e completo apoio dos nossos deputados ao governo de Cavaco Silva na convicção
Vozes do PS e do PCP: - Ah!
O Sr Narana Coissoró (CDS): - Nunca mais se cala!
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, o tempo para produzir a sua declaração política era de apenas 10 minutos. Esse tempo já foi largamente excedido queira pois terminar Sr. Deputado.
O Orador: - Sr. Presidente estou a tentar há 10 minutos debaixo da arruaça do PCP e dos ditames do Sr. Deputado Narana Coissoró ler dois parágrafos. Portanto penso que é absolutamente pertinente que me deixe terminar.
A Sr.ª Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Orador: - Para terminar, Srs. Deputados das oposições reafirmo em nome do Grupo Parlamentar do PSD o total e completo apoio dos nossos deputados ao governo de Cavaco Silva.
Protestos do PCP.
O Sr Narana Coissoró (CDS): - Se fosse o Narana Coissoró, já o tinham mandado calar há muito tempo.
O Orador: - na minha convicção
Protestos do PCP e do CDS.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, repito o apelo que fiz no sentido de que se faça silêncio para que o Sr. Deputado possa terminar.
Sr. Deputado, embora o tempo dos apartes desconte no tempo global do PSD uma vez que estão previstos para as declarações políticas 10 minutos, peço-lhe que termine.
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O Orador: - Sr.ª Presidente, os apartes descontam no tempo do PSD, a arruaça não!
Para terminar, Srs. Deputados das oposições, reafirmo, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, o total e completo apoio dos nossos deputados ao governo de Cavaco Silva ...
Vozes do PCP e do CDS: -Ah!...
O Orador: -.... na convicção de que a forma como tem cumprido o seu mandato facultará ao PSD uma nova maioria para governar Portugal em 1991.
Aplausos do PSD.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Foi o que faltou na moção de censura.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados José Lello, António Guterres, Hermínio Martinho e Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr.ª Presidente, não pedi a palavra para pedir esclarecimentos.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, de facto, informam-me neste momento que o Sr. Deputado pediu a palavra para fazer um protesto.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr.ª Presidente, pedi a palavra não para fazer um protesto, mas, sim, para defesa da honra da minha bancada, pois penso que se há casos em que a honra da minha bancada tenha sido posta em causa este foi um deles.
A Sr.ª Presidente: - Tem, então, a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Basílio Horta (CDS): -Sr.ª Presidente, como disse, foi precisamente nesta infeliz intervenção do Sr. Deputado Luís Filipe Meneses que a honra da minha bancada foi posta em causa.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Digo intervenção infeliz a todos os títulos, embora compreensível. Compreendo que para o Sr. Deputado Luís Filipe Meneses o debate leal, a divergência clara e frontal num partido sobre coisas importantes possa ser sinónimo de cruéis e dilacerantes - penso que foi esta a expressão que utilizou - divisões.
Para o Sr. Deputado, que é um yes man, ...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!
O Orador: -... que não sabe o valor do debate, é estranho que isso aconteça e, para si, cruel e dilacerante divisão é a legítima, a normal, a correctíssima divergência de opiniões, quando assumida com inteligência, com frontalidade e com lealdade.
Aplausos do CDS.
De facto, o Sr. Deputado não entende isto, e, por conseguinte, é interessante vê-lo preocupar-se com a sorte da nossa bancada, dizendo que teme que estes quatro deputados -neste momento só três, pelas razões que se conhecem -, que teve a gentileza de qualificar de n ilustres -embora na sua boca não lhe agradeça o epíteto-, possam amanhã não estar na Assembleia da República. Quero dizer-lhe que em relação a si não tenho a mesma dúvida: V. Ex.ª sentar-se-á aí, seja qual for o líder da sua bancada,...
Aplausos, do CDS.
... seja qual for a orientação estratégica da sua bancada, porque V. Ex.ª não entende o que é o debate, não entende, o que é a liberdade - não entendia antes e não entende hoje.
Por isso, a crítica que V. Ex.ª fez é daquelas que caem como chuva numa gabardina: são gotas que se perdem e só merecem reparo para que se não diga que "quem não se sente não é filho de boa gente!".
O Sr. Silva Marques (PSD): - É preciso que a gabardina seja boa!
O Orador: - Se for igual à sua é péssima!
Risos.
O Sr. Deputado Luís Filipe Meneses tentou entrar numa ou noutra matéria relativamente séria, falando sobre o posicionamento dos partidos em relação à moção de censura.
Quanto a este aspecto, devo dizer que o meu partido não passou procuração ao seu -e muito menos ao senhor! - para vir aqui sangrar-se em saúde sobre as razões do CDS!
O CDS entendeu assumir a posição que entendeu assumir, e fê-lo em espírito de inteira disciplina partidária, assumindo com clareza e frontalidade um debate que tinha a ver com outras razões que oportunamente foram expressas.
Admiro-me muito que o senhor venha tomar as nossas dores, porque V. Ex.ª não tem rigorosamente nada a ver connosco! Se tivéssemos de dar mandato a alguém para defender os nossos interesses perante o eleitorado, seguramente que não o daríamos a uma pessoa como V. Ex.ª!
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!
O Orador: - De qualquer maneira, a atenção que o PSD tem em relação ao CDS, esta atenção permanente, não pode deixar de espantar-nos.
Penso que VV. Ex.as e falando agora de coisas sérias - estão preocupadas, e estão-no porque sabem que a maioria há-de ser-vos retirada. VV. Ex.as sabem que o debate que se trava no CDS, o que se trava no centro e na direita portuguesa, vai constatar que aquilo que VV. Ex.as representam não merece uma confiança maioritária, em termos absolutos, do eleitorado português.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Basílio Horta, queira terminar, por favor.
O Orador: - Termino já, Sr.ª Presidente VV. Ex.as querem evitar o inevitável - isso até é compreensível -, mas que o façam da maneira e com o desempenho com que V. Ex.ª fez naquela tribuna, isso
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não. Embora compreensível isso é muito deselegante e não pode passar sem uma palavra de firme protesto.
Aplausos do CDS.
Sr. Silva Marques (PSD): Vem aí o novo partido.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - E grande parte de vocês alinham logo!
A Sr.ª Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Meneses.
O Sr. Luís Filipe Meneses (PSD): - Isso quer então dizer que o Sr. Deputado Basílio Horta fez um protesto?
A Sr.ª Presidente: - Não, Sr. Deputado, foi defesa da honra da bancada.
V. Ex.ª dispõe de três minutos para responder se assim o desejar.
O Sr. Luís Filipe Meneses (PSD): - É curioso que o Sr. Deputado Basílio Horta se tenha sentido ofendido com a minha intervenção.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Claro!
O Orador: - e ainda é mais curioso que sentindo-se ofendido tenha utilizado na maior parte da sua argumentação, expressões ofensivas, especificamente dirigidas a mim, abdicando de discutir politicamente as afirmações que proferi. Mas quanto a essas já lá vamos.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Consigo mingúem discute política?
O Orador: - O Sr. Deputado Basílio Horta referiu-se às divergências recentes no seio do CDS, como sendo divergências normais como debate político aberto democrático. Bom a fazer fé nas afirmações de alguns dirigentes políticos.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - De quem?
O Orador: - e na forma, como elas foram proferidas.
De quem? Por exemplo as afirmações do Sr. Engenheiro Abecasis na primeira página de O Jornal de há uma semana, não é preciso ir mais longe.
Se VV. Ex.ªs consideram que aquela terminologia é a terminologia democrática, é debate aberto, então V. Ex.ª fiquem com o vosso debate que nós preferimos a nossa democracia.
O Sr Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Olhem o que o Santana Lopes disse do Eurico de Melo no Conselho Nacional!
O Orador: - Não se enerve Sr. Deputado.
Quanto ao facto de eu ser ou não ser o yes man do meu partido, devo dizer-lhe que o Sr. Deputado não conhece o meu partido e que a mim conhece-me mal. Há 15 anos que estou neste partido e nunca me coibi de defender as minhas posições de forma frontal. Estive contra vários lideres do partido, mesmo contra Cavaco Silva quando foi eleito.
Vozes do CDS - Oh!
O Orador: - Portanto volto a repetir, V. Ex.ª não conhece a história do PSD e não me conhece.
Quanto à coerência do CDS estamos conversados.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Estamos, estamos!
O Orador: - Um partido de direita, um partido mesmo com franjas radicais de direita.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Como o senhor.
O Orador: - que não se importa de para atingir objectivos de curto prazo, ligar-se à esquerda mais ortodoxa, à esquerda antidemocrática que se identifica com o PCP, não merece crédito
Aplausos do PSD
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, novamente para defesa da honra pois o Sr. Deputado voltou a falar em termos pessoais, que não foram os meus.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, dessa forma entraremos num circulo vicioso. Nos termos do artigo 91.º do Regimento, está previsto o pedido de palavra para defesa da honra e para dar explicações. Elas foram dadas mas se a seguir vamos aceitar novos pedidos de palavra para defesa da honra ...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - A Sr.ª Presidente, se bem se lembra, deu a palavra ao meu colega de bancada para um protesto.
Protesto do PSD.
O Orador: - Repito, para um protesto.
Protestos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, agradecia que fizessem silêncio para que a Mesa possa ouvir o Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Quando o meu colega de bancada pediu a palavra, disse que era para um protesto e para defesa da honra da bancada. Se V. Ex.ª deu a palavra para defesa da honra, fica ainda em aberto a possibilidade de fazer um protesto.
De modo que se V. Ex.ª deu a palavra para defesa da honra agora tem de a dar para um protesto, pois tem prioridade sobre os pedidos de esclarecimento. Se V. Ex.ª tiver dúvidas, suspenda a sessão e mande ouvir a gravação para saber se o meu colega pediu ou não a palavra para estas duas coisas.
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O Sr. Joaquim Marques (PSD): -É falso! Pediu para defesa da honra!
Protestos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Basílio Horta, a Mesa tinha a indicação de que o senhor tinha pedido a palavra para um protesto. No entanto, V. Ex.ª esclareceu que não se tratava de um protesto, mas, sim, da defesa da honra.
Solicito, pois, ao Sr. Deputado Basílio Horta o favor de clarificar esta situação.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - A Mesa entendeu bem. Efectivamente, pedi a palavra para defesa da honra.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Porém, isto não impede que, depois da resposta do Sr. Deputado, continue a sentir-me ofendido, já não em termos de bancada, mas em termos pessoais, pois o Sr. Deputado fez uma intervenção dirigida a mim e não à minha bancada. Ou seja, dois terços a mim e um terço à bancada.
Nestas circunstâncias, gostaria de responder. Porém, se V. Ex.ª entende que não deve conceder-me a palavra, então calo-me e, evidentemente, não vou arranjar subterfúgios parlamentares para poder responder.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa quer sempre dar a palavra a todos os Srs. Deputados.
Contudo, o meu dever é cumprir o Regimento, de forma que a sessão possa decorrer de uma forma correcta e expedita.
Tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (CDS): -Sr.ª Presidente, se V. Ex.ª me permite, quando o Sr. Deputado Luís Filipe Meneses vai ao ponto de trazer para a Assembleia da República o comentário da primeira página de um semanário e entrar na privacidade do meu partido da maneira como o faz,...
Protestos do PSD.
... V. Ex.ª não entende que isso é matéria que necessita de uma resposta?
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa pode dar-lhe a palavra a título de protesto, porque não quer cercear-lhe o seu direito.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Basílio Horta (CDS): -Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Começo por dizer que a minha intervenção teve pelo menos, e desde já, o mérito político evidente e objectivamente mensurável, pelo facto de o Sr. Deputado Luís Filipe Meneses ter vindo aqui dizer que inicialmente estava contra o Prof. Cavaco Silva. Efectivamente, foi a primeira vez que ouvi esse tipo de confissão. Agora já não tenho a mesma esperança de o ver sentado aí na próxima legislatura, se bem entendo e conheço os métodos habitualmente seguidos no PSD.
Fechado esse parêntesis, era apenas, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, para pedir ao Sr. Deputado Luís Filipe Meneses e à sua bancada o favor de não trazer para esta Assembleia, coisa que não fazemos em relação às- lutas internas do vosso partido, e são muitas!
O Sr. Silva Marques (PSD): - Oh, meu Deus!
O Orador: - Nunca o fizemos nesta Assembleia, nunca nos intrometemos nesta Assembleia em problemas, em questões que tem a ver apenas com o foro interno dos partidos.
O Sr. Duarte Lima (PSD):- Fazem, fazem! O Orador: -Nunca o fizemos!
Vozes do PSD: - Está a fazer agora!
O Orador: - Agora sim, mas respondendo, obviamente, ao que foi um ataque claro ao CDS, fora de qualquer regra deontológica, política e ética.
Protestos do PSD. ...
Nunca trouxemos para aqui, nem agora nem nunca, os problemas que se passaram dentro do PSD com o Prof. Cavaco Silva no Congresso de Montechoro.
Protestos do PSD.
Os senhores é que começaram a tratar deste assunto.
Nós nunca o fizemos!
Portanto, para que não haja esse precedente, que consideramos de péssimo gosto e que não tem a ver com o fórum político que é esta Assembleia, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, pedia ao Sr. Deputado e à bancada do PSD que respeitassem os princípios do jogo democrático, ...
O Sr. Silva Marques (PSD): Muito bem!
O Orador: -... que respeitassem os princípios do respeito mútuo que temos de ter uns pelos outros e que se fiquem pelos problemas que interessam ao País, sem se imiscuírem em valores e interesses cuja representação lhes não está confiada e sobre os quais ninguém lhes passou procuração para virem aqui defender.
O Sr. Silva Marques (PSD): -Então peçam desculpa!
O Sr. Basílio Horta (CDS): - A quem? A si?!
A Sr.º Presidente: - Sr. Deputado Luis Filipe Meneses, para responder dispõe de dois minutos.
Tem a palavra.
O Sr. Luís Filipe Meneses (PSD): -Este protesto do Sr. Deputado Basílio Horta praticamente não merece resposta, porque é ridículo. Quem assiste aos debates parlamentares, a comunicação social, que conhece esta Assembleia e conhece a forma como os debates têm decorrido nos últimos meses e nos últimos anos, sabe quantas vezes o CDS se socorreu de notícias de jornais,...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: -... não da primeira página, mas da quarta, da quinta e de outras, para defender posições políticas que levaram, inclusivamente, à aprovação de inquéritos parlamentares.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É falso!
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O Orador: - Quanto à interferência ou não na vida interna dos outros partidos, peço à Sr.ª Presidente que mande fotocopiar o debate que foi suscitado nesta Assembleia, quando o Sr. Deputado Carlos Macedo abandonou o PSD e que o ofereça aos Srs. Deputados do CDS.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Peçam desculpa que vos fica bem!
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Não abrimos a boca!
A Sr.ª Presidente: -Tem a palavra para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado José Lello.
O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É importante que o início deste debate se tenha dado entre o Sr. Deputado Luís Filipe Meneses e os democratas cristãos, porque efectivamente o Sr. Deputado veio aqui demonstrar, que embora tardio era um convertido, era um crente. Isso é uma questão do foro de VV. Ex.ªs e podem discutir isso muito bem.
O que duvido é que o Prof. Cavaco Silva demonstre as virtudes cristãs que permitam manter ali o Sr. Deputado na próxima legislatura, mas isso é outra questão.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - O seu lugar também está em risco.
O Orador: - Sr. Deputado Luís Filipe Meneses, contrariamente a outros Srs. Deputados, quero dizer-lhe que entendo perfeitamente a sua intervenção. No fundo veio falar sobre a moção de censura, quer dizer V. Ex.ª quis aqui dizer tudo aquilo que o não deixaram dizer durante o debate da moção de censura. É verdade que este discurso é dejà vu e perdoe-me Sr. Deputado, sabe que o considero e considero que tem valor para fazer algo de muito melhor mas veio fazer este discurso de um barroquismo provinciano e como deputado europeu devia fazer melhor.
O Sr. Silva Marques (PSD): - E o Sr. Deputado veio ajudar.
O Orador: - Percebo o porquê, porventura essa intervenção tinha a ver com razões de equilíbrio interno e é sabido como vai nessa bancada, designadamente nessa direcção do grupo parlamentar, há outros concorrentes a carros pretos oficiais
Entende-se pois, que VV. Ex.ªs queiram fazer aqui esta saudação ao Governo porque de facto por ali a concorrência é difícil, e eu sei que V. Ex.ª Sr. Presidente do Grupo Parlamentar do PSD tem moderado esses equilíbrios com um grande savoir faire desculpe-me o galicismo.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Exacto!
O Orador: - Todavia o Sr. Deputado foi melhor que outros porque...
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Era só para dizer a V. Ex.ª que não é um grande savoir faire, é un grand savoir faire.
isos do PSD.
O Orador: - Sim, Sr. Deputado. Eu também não diria que V. Ex.ª é um grande leader mas é um grande líder.
Risos do PS e do PCP.
V. Ex.ª veio aqui defender o Governo mas não aprofundou as múltiplas incompetências que efectivamente foram aqui salientadas durante o debate da moção de censura.
Falou da falta de transparência, mas o Sr. Deputado conhece perfeitamente por exemplo o caso do Ministério da Saúde, disse também que quem não deve não teme, mas por ventura a Sr.ª Ministra da Saúde deve explicações ao País, pois este não entende como é que no Ministério da Saúde se perdem papéis e não se dão
explicações ao País, sobre questões extremamente gravosas.
O Sr. Deputado também não falou de como é que o Sr. Ministro das Finanças perdeu 913 milhões de contos que nos sacou a mais a todos nós em impostos para distribuir apenas por alguns. Enfim o Sr. Deputado reescreveu a história.
De qualquer forma uma coisa tem de se lhe reconhecer, é que embora esquecendo o seu empenhamento na candidatura do Prof. Freitas do Amaral veio aqui defender o Dr. Mário Soares. Mas uma coisa não fez, não veio assacar para o PSD a vitória do PSOE porque essas questões do foro humorístico VV. Ex.ªs sabem-nas gerir muito bem, atribuindo-as ao Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso é comigo não se meta no assunto.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Luís Filipe Meneses deseja responder já ou no fim dos pedidos de esclarecimento?
O Sr. Luís Filipe Meneses (PSD): - Respondo no fim Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Tem a palavra para pedir esclarecimentos o Sr. Deputado António Guterres.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Deputado Luís Filipe Meneses, devo dizer-lhe que tive hesitações.
O Sr. Silva Marques (PSD): - A hesitação é o princípio do pensamento.
O Orador: - sobre se deveria tomar a sua intervenção a sério ou a brincar. Se a tomasse a brincar responder-lhe-ia à semelhança da Rádio Tirana que começava e terminava as suas mensagens dizendo bom dia e boa noite camarada Enver Hoxa.
Risos do PS.
A sua intervenção deveria ter começado por bom dia companheiro Cavaco Silva e terminado da mesma maneira.
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O Sr. Silva Marques (PSD): -E por que não?
O Orador: -No entanto, penso que vale a pena tomá-la a sério. Aliás, o Sr. Deputado teve a gentileza de dizer que a minha intervenção sobre a moção de censura unha, pelo menos, a vantagem de uma boa sistematização.
O Sr. Silva Marques (PSD): - É verdade!
O Orador: - Vou recordar-lha. Se ler a minha intervenção, encontrará logo na primeira página a referência aos quatro aspectos fundamentais em que criticamos o Governo: a ausência de uma estratégia de desenvolvimento, o agravamento das injustiças e das desigualdades, o centralismo e vocação autoritária, a falta de transparência da Administração e do próprio Governo.
O Sr. Deputado não respondeu a duas delas -as injustiças e as desigualdades e o centralismo e a vocação autoritária-, pelo que presumo que as aceita, que está de acordo comigo e que considera que este governo agravou as injustiças e as desigualdades, é um governo centralista e tem uma vocação autoritária.
À falta de transparência convenhamos que não respondeu de forma muito convincente. Mas em relação a isso conta pouco o que eu diga ou a sua resposta, pois aí está o dia-a-dia da vida da Administração e do Governo, aí estão os sucessivos escândalos sobre os quais, infelizmente, temos tido de nos debruçar na Assembleia, para provar que quem tem razão sou eu.
Quanto à estratégia de desenvolvimento, fico a saber pela sua intervenção que aquilo de que o País precisa para resolver o círculo vicioso de um país que tem nos baixos salários a sua única vantagem comparativa não é de uma estratégia que articule política educativa com política de formação profissional, com política de apoio ao investimento, de investigação científica ou tecnológica, que aposte numa transformação a prazo dos nossos recursos humanos, na criação de uma capacidade tecnológica, mas de uma estratégia que, afinal de contas, passa apenas, como o Sr. Deputado diz a página 14 da sua intervenção, justificando o Governo, pelo combate da integração europeia, pelo empenho na aproximação dos países de língua oficial portuguesa, pela defesa dos direitos do povo de Timor Leste, pela abertura do diálogo com os países da América Hispânica e pelo lançamento das comemorações dos SOO anos dos Descobrimentos Portugueses (aspecto que tem sido mais caricato que real).
Ora, das quatro acusações que dirigimos à bancada do Governo, duas são dadas como provadas por falta de resposta, uma é irrelevante por aquilo que aqui possa ser dito, pois os factos aí estão para o comprovar, e a resposta que me dá à quarta mais não faz que confirmar as nossas preocupações.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Hermínio Martinho.
O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Sr. Deputado Luís Filipe Meneses, ouvi a sua intervenção atentamente, aliás na linha de outras intervenções de colegas seus de bancada, e gostaria de colocar-lhe uma questão.
Sr. Deputado, se tiver dúvidas, talvez me atreva a convidá-lo para um dia destes estar dois ou três dias comigo, como estive agora, em zonas do interior, para
verificar que o descontentamento e a desilusão em relação ao Governo não é só nas áreas dos votantes do CDS, do PRD, do PS, do PCP ou dos independentes, pois verifica-se também em áreas do PSD. Com a sua intervenção, tentando mostrar aqui o que é evidentemente contrário perante os olhos do País, o Sr. Deputado, desculpe a graça, mas acho que o humor também nos faz bem, fez-me lembrar a história do pai que foi ver o juramento de bandeira em que o filho ia com o passo trocado, mas que voltou à aldeia muito orgulhoso, porque em todo aquele desfile a que tinha assistido só o filho é que levava o passo certo.
Bem, é altura de reflectirmos também sobre outras coisas, porque o País espera que o PSD utilize as condições que tem havido em benefício do País e, se o PSD não for capaz de reflectir e de passar a olhar as coisas de outra forma, talvez não seja possível aproveitar convenientemente em benefício dos Portugueses estas condições.
Gostaria de, apesar de tudo, referir-lhe que registei com satisfação que o Sr. Deputado, que já me vai conhecendo, tenha afirmado daquela tribuna -e isso é uma certeza que eu lhe posso dar- que eu e as pessoas que estão no PRD acreditamos no PRD, no seu projecto, e em circunstância alguma voltaremos a cara ou deixaremos de abdicar das forças necessárias para tentar concretizar o projecto do PRD. Mas não pense, no caso concreto da minha candidatura em Lisboa, que ela é feita para servir o PSD ou para servir a direita ...
O Sr. Duarte Lima (PSD): -Não, não...
O Orador:- Não pense nisso. Pode concluir-se ...
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Não pensamos nisso!
O Orador: - Iremos ver os resultados!
Vozes do PSD: - Não, é para servir a esquerda!
O Orador: - Não, Srs. Deputados. A minha candidatura tem dois objectivos ...
O Sr. Duarte Lima (PSD): - É para servir o PRD! No fim não vai servir ninguém, mas de qualquer maneira ...
O Orador: - Podem dizer o que quiserem!
O Sr. Duarte Lima (PSD):- Está a contar o seu tempo!
O Orador: - Não se preocupe com o tempo, Sr. Deputado Duarte Lima. "O tempo não perdoa aquilo que se faz sem ele." É uma máxima sobre a qual todos devíamos reflectir.
De qualquer forma, gostaria de dizer que a minha candidatura em Lisboa tem dois objectivos exclusivos: servir o projecto do meu partido e servir Lisboa, tanto quanto formos capazes. Já agora aproveitava para lhe dizer que, relativamente a essa questão, porque já há quem utilize isso com outras intenções, não há, obviamente, qualquer acordo com alguém, muito menos com o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa.
Não estou à espera que o PSD me envie dinheiro nem nunca me disseram que o fariam ...
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O Sr. Duarte Lima (PSD): - Nem estamos à espera de o enviar.
O Orador: - Mas já agora se andam a pôr isso nos jornais, talvez não ficasse mal ser coerente e mandar um chequezinho. De maneira que vamos ficar à espera dessa coerência, porque uma das minhas grandes dificuldades tem a ver exactamente com as finanças.
Risos do PSD.
O Sr. José Lello (PS): - E os cartazes?
O Sr. Silva Marques (PSD): - O PS vai enviar qualquer coisa.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, lembro aos lideres dos grupos parlamentares que a reunião de lideres está marcada para as 17 horas e será realizada no Gabinete do Sr. Presidente.
O Sr António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
A Sr.ª Presidente: - Faça favor.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, quero solicitar um ligeiro adiamento dessa reunião, uma vez que o Sr. Deputado Luís Filipe Meneses vai naturalmente referir-se ao meu pedido de esclarecimento pelo que não queria abandonar agora os trabalhos.
A Sr.ª Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
A Sr.ª Presidente: - Faça favor.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas compreender por que é que o tempo do PRD não foi descontado enquanto o do meu partido PSD foi.
Risos
A Sr.ª Presidente: - A Mesa vai procurar saber o que se passa.
O Orador: - É uma questão de prática de democracia.
A Sr.ª Presidente: - mas deve ser um problema com o quadro electrónico. Iremos averiguar.
Para responder se assim o desejar, tem a palavra, o Sr. Deputado Luís Filipe Meneses.
O Sr. Luís Filipe Meneses (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por agradecer as perguntas que me colocaram e que me satisfizeram particularmente pela forma como me foram postas, o que demonstra que a serenidade democrática ainda é prevalecente no PS e no PRD o que não acontece noutras áreas políticas por razões de desespero que nós muito bem compreendemos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado Hermínio Martinho afirma que tem passeado pelo País e constatado algum descontentamento em relação à maioria do PSD que não se reduz ao eleitorado socialista, Comunista, ou das oposições, mas que abrange mesmo o eleitorado do PSD. Sabemos isso, Sr. Deputado Hermínio Martinho se não teríamos tido nas eleições europeias 51 %de votos e neste momento as sondagens continuar-nos-iam a dar essa mesma percentagem de votos. Sabemos isso e achamos perfeitamente aceitável a partir do momento em que compreendemos que o governo do PSD tem feito transformações profundas na sociedade portuguesa cuja compreensão no curto prazo por alguns sectores atingidos não é imediata. Porém temos esperança de que esse descontentamento seja transitório a partir do momento em que as reformas que temos vindo a desenvolver comecem a ser compreendidas melhor e a dar frutos no dia a dia.
Vozes do PSD: - Exacto!
O Orador: - E temos algumas razões para acreditar que assim seja, porque se assim não for como explicar que por exemplo a grande sondagem nacional que foram as eleições para o Parlamento Europeu - e admito que tenha sido uma sondagem nacional - venha a ser sucessivamente acrescida com novas intenções de voto como aconteceu nas sondagens publicadas no último fim de semana em diversos meios de comunicação social. E a constatação na prática de que esse descontentamento pode ser visto como transtorno e de que temos todas as razões para confiar na possibilidade de podermos recuperar essas franjas do eleitorado e perspectivar uma nova maioria em 1991.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado José Lello, V. Ex.ª afirmou que a minha intervenção tinha sido uma oportunidade dada pela minha bancada a fim de manter determinados equilíbrios internos já que não a poderia ter feito aquando da moção de censura de há 15 dias. Remeto-lhe o cumprimento e digo lhe também que desta feita V. Ex.ª teve oportunidade de pedir esclarecimentos certamente não para preservar equilíbrios internos, coisa que não teve oportunidade de fazer aquando da moção de censura de há 15 dias.
O Sr. José Lello (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. José Lello (PS): - Só com uma diferença, não aspiro a um carro preto oficial.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Aspira a dois.
O Orador: - Sr. Deputado José Lello, isso é muito mau pois penso que devia aspirar o que demonstra que VV. Ex.ªs ainda pensam estar longe do Poder durante
muitos anos.
Aplausos do PSD.
Muito brevemente e quanto ao deja vu se por razões que V. Ex.ª considera pertinentes, parte do meu discurso foi repetitivo em relação a alguns da minha bancada de passado recente, isso advém de termos de responder
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"dente por dente, olho por olho" às iniciativas do Partido Socialista, que são sempre as mesmas desde há largos meses.
O Sr. Deputado António Guterres afirmou que eu teria percorrido o seu discurso, teria contraditado algumas das acusações que nele proferiu e teria deixado passar em claro outras. Concretamente, referiu-se a duas: a primeira, ao facto de, segundo a acusação proferida na sua intervenção, a maioria do PSD ter vindo com a sua governação a acentuar as injustiças e as desigualdades na sociedade portuguesa.
Não me referi a essa questão por uma única razão, Sr. Deputado António Guterres: porque é caricato. É caricato que se queira comparar o País herdado pelo PSD em 1985 -o País dos salários em atraso, o País da crise económica profunda, o País dos impostos retroactivos, o País das pensões de reforma com um crescimento negativo - com a situação que se vive hoje em Portugal. Nessa altura as desigualdades eram muito mais profundas e não mostravam tendência para se atenuar.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Quanto ao problema do centralismo e do excesso de autoritarismo do governo do PSD, referindo que é um governo autoritário, centralista e que não tem uma estratégia de desenvolvimento concertada e integrada para Portugal, devo dizer que compreendo esse raciocínio, porque transpareceu em algumas partes da sua intervenção, como em outras de passado recente de dirigentes socialistas, e particularmente na resposta a alguns pedidos de esclarecimento da minha bancada aquando da moção de censura, que VV. Ex.as ainda têm um modelo de sociedade que pressupõe uma intervenção do Estado muito forte, uma planificação ainda importante, designadamente no que respeita ao desenvolvimento económico. Nós não temos esse modelo na cabeça e, portanto, é daí que advém as diferenças entre nós.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Na última sessão de perguntas ao Governo tive ocasião, em nome da minha bancada, de formular ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros uma questão muito concreta relacionada com a acção da polícia secreta angolana em Portugal.
Frisei então que, segundo notícias vindas a lume e não desmentidas, havia conhecimento de dois casos concretos da intervenção dessa polícia, sobre os quais tinha caído um manto de silêncio e que nunca tinham sido esclarecidos. Questionei então o Sr. Ministro no sentido de saber qual a posição do Governo Português em relação a esses incidentes e que medidas entendia tomar com o objectivo de as evitar.
O Sr. Ministro, evidenciando um sentido de Estado que por vezes não é partilhado por todos os membros da bancada do partido que o apoia, respondeu com muita clareza, serenidade e correcção o seguinte: "A orientação do Governo nesta matéria é de uma inequívoca firmeza. Pensamos que seja quem for o cidadão estrangeiro que esteja em território nacional tem de cumprir estritamente a lei portuguesa." E, mais à frente, afirmava: "Posso dizer a esta Assembleia "que todos esses casos são dirigidos pelos departamentos competentes da Administração que os devem investigar e a instrução é, sempre que se revelem de algum modo verdadeiros, de prosseguir inexoravelmente, doa a quem doer."
Resposta absolutamente clara e que, em nosso entender, satisfazia cabalmente a questão colocada e não devia merecer mais comentários.
Eis senão quando somos surpreendidos por um comunicado da Embaixada da República Popular de Angola que, em nosso entender, assume particular gravidade, porque se permite intervir, sem qualquer legitimidade, na minha opinião a despropósito e de uma forma que se nos afigura pouco consistente, em matérias que são do exclusivo foro da soberania portuguesa e até da actividade política de Portugal.
Com efeito, a nota da embaixada começa por dizer o seguinte: "A representação diplomática angolana lamenta, mais uma vez, que uma deplorável intervenção feita na rubrica de perguntas ao Governo tenha tido foros de quase exclusividade, com grande empolamento na RTP."
Em primeiro lugar, o facto de uma embaixada e de um embaixador qualificar a intervenção de um deputado desta Assembleia, que foi moderada, correcta, questionadora e nada afirmativa, como deplorável já é por si deplorável. A Embaixada e o Sr. Embaixador não têm qualquer direito nem qualquer legitimidade para qualificar a intervenção de um membro de um órgão de soberania português.
E, obviamente, uma intervenção despropositada e insuscitada, à qual não estamos habituados e que, pela nossa parte, não admitiremos.
Mais ainda quando o Sr. Embaixador se permite fazer coro até, neste caso, com alguns lamentos dos partidos de oposição, apontando os critérios de programação da televisão. O Sr. Embaixador e a Embaixada devem estar confundidos com o país, com a sociedade, com o regime. Em Portugal vive-se uma democracia, vivemos em plena liberdade e os órgãos de comunicação, quando têm de ser criticados, são-no por portugueses, na sede própria, e, por muitos erros que eles cometam, não admitimos que estrangeiros o façam na nossa vez.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Mais à frente, o comunicado diz o seguinte: "A Embaixada considera igualmente que o acto político parlamentar se insere na orientação de algumas forças políticas que teimam em aderir a poderosos interesses internacionais com o único objectivo de pressionar Luanda a tomar posições definitivas da conveniência das mesmas num contexto político extremamente efervescente." Que o contexto político seja extremamente efervescente já o sabíamos; que o Sr. Embaixador se permita qualificar a nossa simples e modesta pergunta ao Governo, respondida também espartanamente pelo Governo, com esta intenção é, no mínimo, excessivo.
O Sr. Embaixador e a Embaixada - penso - quando fazem afirmações desta natureza prestam um mau serviço à República que representam em Lisboa.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Não nos move, por parte da nossa bancada -não era necessário dizê-lo, mas talvez seja melhor fazê-lo-, qualquer representação de interesses
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que não sejam os nacionais. Não nos move qualquer representação de interesses que não seja no caso vertente questionar o Governo sobre uma matéria que em nosso entender tinha interesse nacional ou seja a intervenção em Portugal de agentes de uma polícia secreta estrangeira, quer seja angolana ou de qualquer outra nacionalidade. Só por si era matéria suficiente para questionar o Governo e assim o fizemos no cumprimento do mandato nacional que nos assiste.
A seguir, o Sr. Embaixador faz outra afirmação em que diz que a nossa intervenção tinha por objectivo criar as condições propícias para a realização de manifestações antiangolanas frisando que tais iniciativas não deixarão por certo de se reflectir negativamente nas relações entre os dois Estados. Manifestação antiangolana mais evidente do que esta da Embaixada parece que não poderia existir.
Um embaixador e uma embaixada que não entendem o seu papel que exorbitam as suas funções, que atacam partidos nacionais e que querem limitar a intervenção parlamentar de um deputado português são-o sem dúvida os protagonistas da manifestação antiangolana mais evidente que se poderia dar interna e externamente.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Finalmente o Sr. Embaixador da República Popular de Angola, diz o seguinte: Angola entende ( ) - o Sr Embaixador não diz que é a Embaixada que entende, mas sim Angola entende - ( ) que a situação angolana seja vivida com intensidade pelos Portugueses ( ) - e agora friso - mas não pode aceitar que a guerra possa ser pretexto para lutas, partidárias ou sequer de individualidades com claros objectivos políticos internos.
Divido esta afirmação em duas partes.
A primeira concordante com o Sr. Embaixador. Com efeito a guerra em Angola é um motivo suficientemente sério e penoso para que todos nós sem excepção de ideologias não façamos tudo o que estiver ao nosso alcance para que a paz volte a esse território. Temos pela nossa parte a clara consciência disso assim como de que temos feito tudo da melhor maneira que sabemos e que podemos com as opções próprias da nossa ideologia e do nosso posicionamento partidário. Estamos perfeitamente de acordo em que a paz em Angola é algo que deve preocupar não apenas Portugal mas toda a comunidade internacional. Estamos de acordo e obviamente não nos passaria pela cabeça fazer a mais pequena coisa que contrariasse esse desígnio de paz em território angolano.
Quanto à segunda parte da nota que tem a ver com o pretexto de lutas partidárias ou sequer de individualidades com claros objectivos de política interna, não fosse a seriedade que uma embaixada sempre põe naquilo que faz e que um embaixador sempre põe naquilo que diz estaríamos tentados a pensar que o embaixador, de Angola foi excessivamente português nesta afirmação. Com efeito lembrou-se excessivamente dos seus tempos de atleta do Belenenses da pessoa que via intensamente a vida portuguesa e não resistiu a tentar meter-se na querela interna da nossa vida política.
Seria bem vindo se não fosse embaixador de uma potencía estrangeira. Seria bem vindo se não tivesse a responsabilidade de representar um Estado estrangeiro com quem ternos ligações fraternais mas que nem por isso deixa de ser estrangeiro.
O Sr. Embaixador exorbita aqui claramente. Porém aqui não lhe levamos a mal. Aqui levamo-lo a título de uma certa compreensão por quem tendo sido português não se esquecer nunca mais de que o foi.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta a questão que tenho de trazer perante VV. Ex.ªs quando o Sr Embaixador de Angola diz na nota, que fez um protesto junto do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, atrevia-me a solicitar a V. Ex.ª e à Câmara que fosse o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros a chamar o Sr. Embaixador de Angola e a fazer-lhe notar duas coisas; que não confundimos o Estado de Angola e Angola com este tipo de atitudes, pois o nosso relacionamento com o Estado angolano e com a nação amiga e irmã de Angola passa por cima deste tipo de excessos de linguagem e de posições, mas que também não podemos admitir nem compreender que uma embaixada de um país estrangeiro cometa este tipo de deslizes.
Quem não se sente, não é filho de boa gente. E se isso é assim, para o Sr. Deputado Luis Filipe Meneses que acabou há pouco de falar, muito mais é em termos nacionais para o Sr. Embaixador de Angola.
Aqui temos pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o nosso mais vivo protesto e o pedido de que incidentes desta natureza se não repitam para bem, isso sim do relacionamento entre Portugal e Angola que se pretende cada vez mais profundo mais intimo e mais fraternal e que incidentes desta natureza só servem para ensombrar. Igualmente pedimos que o Governo Português e esta Assembleia possam exprimir junto do Sr. Embaixador, o nosso protesto a nossa estranheza e os votos de que se não repitam este tipo de incidentes.
Aplausos do PSD e do CDS.
A Sr.ª Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - O Sr. Deputado Basílio Horta tal como o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, na passada sexta feira produziu também daquela tribuna uma intervenção de Estado.
Não quero atrever-me a dizer que foi uma intervenção ao arrepio daquilo que o CDS também costuma fazer, tal como V. Ex.ª disse da minha bancada, embora talvez tivesse razão, para dizer em algumas circunstâncias. No entanto penso que todos nós temos de relevar isso já que alguns excessos fazem por vezes parte do calor parlamentar.
Queremos dizer ao Sr. Deputado Basílio Horta que nos revemos perfeitamente na explicação que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros aqui deu à Câmara. Porém não confundimos uma coisa muito importante para nós e para o País que é a necessidade que o País sente de ter relações diplomáticas privilegiadas com os países africanos de expressão portuguesa, nomeadamente com Angola com qualquer atitude venha ela de quem quer que venha. O que possa configurar uma intromissão nas questões internas portuguesas, uma afectação daquilo que é a soberania portuguesa.
Neste sentido estamos solidários com as observações que V. Ex.ª acabou de proferir naquela tribuna e queremos reiterar muito claramente que não admitimos que haja limitações externas às intervenções dos parlamentares que estes não conhecem internamente.
Aplausos do PSD e do CDS.
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A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Gostaria apenas de demonstrar a nossa congratulação com a posição que o PSD, pela boca do Sr. Deputado Duarte Lima, acaba de tomar.
O Sr. Manuel Alegre (PS):- Peço a palavra, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente:- Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Era também para pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado Basílio Horta, embora me tenha atrasado na minha inscrição...
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra. Sr. Deputado.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Deputado Basílio Horta, como V. Ex.ª sabe, sou desde há muitos anos amigo do actual embaixador de Angola, Rui Mingas, que, aliás, foi atleta do Benfica e não do Belenenses.
Sou, também há muitos anos, um adepto fervoroso das relações entre Portugal e Angola, porque penso que é isso que corresponde aos interesses fundamentais e à permanência dos valores de Portugal.
Por isso, quero dizer que lamentamos incidentes desta natureza, que só prejudicam essas relações. Colocamo-nos numa posição nacional e institucional e desejaríamos, como é evidente, que incidentes desta natureza se não voltassem a repelir.
Pensamos que há que encontrar as vias diplomáticas não excessivas, não politicamente exacerbadas, de modo que seja chamada a atenção deste ou de qualquer outro embaixador que infrinja a posição normal de não interferência nas questões internas de cada país. No entanto, gostaríamos que a situação fosse desdramatizada com inteligência política, colocando o interesse nacional acima de tudo, que se traduz no prosseguimento de boas relações de amizade e cooperação com a República Popular de Angola.
Vozes do PSD, do PS e do CDS: -Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Gostaria, antes de mais, de agradecer ao Sr. Deputado Manuel Alegre a sua intervenção -há aqui um arco constítucional que naturalmente se fez, e não deixo de o frisar- e dizer-lhe que tem a concordância plena da minha bancada.
Pena é que estes acidentes de percurso surjam, mas, pela nossa parte, queríamos tanto desdramatizar que preferíamos que este comunicado não tivesse surgido.
Por conseguinte, o problema está, pelo nosso lado, encerrado e sanado, frisando, porém, aquilo que entendemos dever frisar.
A Sr.ª Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr.ª Presidente. Srs. Deputados: Lamentavelmente, Portugal assistiu, uma vez mais, a uma terrível época de incêndios, que durante aproximadamente quatro meses flagelou florestas, matas e searas, numa corrida implacável que o esforço de todos não conseguiu deter.
O prolongado Inverno de 1988 já fazia prever esta situação e, apesar das medidas cautelares postas em execução, as condições climatéricas sobrepuseram-se à força humana e o resultado foi a mais penosa época estival dos últimos cinco anos, com uma área total ardida cinco vezes superior à de 1988.
Para que todos nós possamos reflectir sobre esta dramática realidade, trago hoje a esta Câmara a frieza dós números, balanço da época de fogos do corrente ano.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: De 1 de Junho, a 25 de Setembro os bombeiros portugueses. combateram 35 962 fogos rurais, incluindo searas e florestas, num total de 103 985 ha de área ardida, a uma média de 294 fogos por dia.
São números assustadores, que nos obrigam, sem dúvida, a uma tomada de consciência para esta situação, que naturalmente é agravada pelo funcionamento normal de uma Associação de Bombeiros que em Portugal está também vocacionada para o transporte de doentes e sinistrados e no apoio quotidiano às populações, de reboque e desencravamento de viaturas acidentadas e transporte de água para as populações que não possuem fornecimento domiciliário, o que infelizmente ainda se verifica amiúde.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Como amplamente tenho vindo a divulgar nesta Câmara, o organismo superiormente responsável pela parte operacional dos nossos bombeiros (ó Serviço Nacional de Bombeiros), apesar de ser uma instituição ainda jovem -recorde-se que foi criado em 1980-, tem vindo a desempenhar um papel de indiscutível utilidade no apoio às associações. No entanto, e como diz o povo, "não se fazem omeletas sem ovos", e, com os meios financeiros e humanos postos à disposição deste organismo, é humanamente impossível manter a operacionalidade das associações de bombeiros, que anualmente voem milhares de contos de material perder-se ou deteriorar-se no sistemático combate aos incêndios com que durante a época de Verão se vêem confrontados.
Um orçamento de cerca de 1 milhão e meio de contos, dos quais 700 000 são forçosamente canalizados para os meios aéreos e ainda uma grande fatia para os encargos com pessoal, é manifestamente insuficiente para cobrir as .necessidades das cerca de 430 corporações existentes no nosso país. Esta situação é tanto mais grave se tivermos em conta que o voluntariado em Portugal, que é uma situação ímpar em todo o mundo, poupa anualmente aos cofres do Estado qualquer coisa como 16 milhões de contos (números de 1988).
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A urgência de reformular o exercício das nossas associações de bombeiros é um projecto que, posto hoje em prática, já surge atrasado alguns anos. A lei, embora proteja o assalariado bombeiro, não pode prever as situações do seu não cumprimento, e hoje muitos bombeiros têm graves problemas com as suas entidades patronais, mais acentuados nas empresas privadas, que se não compadecem das situações de urgência e impedem ou reprimem mesmo os trabalhadores que, por força das circunstâncias, se têm de ausentar do seu posto de trabalho 24, 48 ou mais horas para acorrerem à chamada de socorro.
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É necessário - diria mesmo que é urgente - que pelo menos na denominada época de fogos cada corporação de bombeiros situada em zonas críticas, tenha grupos de intervenção num número suficiente que lhe permita saídas regulares para as florestas numa missão de vigilância e prevenção com ataque imediato ao mínimo sinal de incêndio.
Destaque-se e veja-se o exemplo do Parque Nacional da Peneda Geres recentemente flagela por uma autêntica catástrofe ecológica cuja reciclagem de algumas espécies irá demorar 10 ou 20 anos e que só tomou aquelas proporções por manifesta falta de meios humanos e materiais.
As proporções dos nossos incêndios florestais de há cinco anos a esta parte, obrigam a que o amadorismo com que os responsáveis governamentais têm olhado esta problemática, tenha de ter um fim breve. Como já várias vezes insisti, é urgente e necessário que exista pelo menos um profissional a tempo inteiro em cada corporação que se responsabilize pela formação dos bombeiros e esteja em condições de no momento oportuno poder decidir e tornar mais célere o ataque a um incêndio.
A Escola Nacional de Bombeiros, embora em fase embrionária continua sem dar uma respostas necessária à formação de novos quadros dos nossos bombeiros.
O caos verificado nas comunicações via rádio, no momento de emergência não tem mais razão de existir. Há necessidade urgente de se atribuir uma frequência única ao Serviço Nacional de Bombeiros, ao Serviço Nacional de Protecção Civil, à Direcção Geral das Florestas e ao Serviço Nacional de Meteorologia e Geofísica.
Esta situação é insustentável e intolerável, porque Sr. Presidente e Srs. Deputados, não há esforço, altruísmo e espírito de sacrifício diariamente manifestados pelos nossos bombeiros, que se sobreleve à caminhada mortífera das chamas, se estes não tiveram os meios eficazes de as combater.
Finalmente, Sr. Presidente, Srs. Deputados, a lei aprovada por esta Câmara que penaliza os infractores de fogo posto, parece não ter qualquer exequibilidade. Que saiba - e admito que não sei tudo - nenhum criminoso foi condenado, e de acordo com as informações e estatísticas mais de 50 e dos nossos incêndios são de origem criminosa. Se são poucos os meios para a vigilância, intensifiquem-se porque o nosso património florestal bem o merece.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tive oportunidade de em sede de comissão propor a formação de uma comissão eventual no âmbito da Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente, para se debruçar exclusivamente sobre os problemas dos incêndios.
Hoje felizmente, daremos corpo a esta iniciativa e toda a Câmara está solidária com os objectivos pretendidos. Seguidamente irei apresentar na Mesa da Assembleia da República um projecto de resolução a que aderiram todos os partidos que irá constituir uma comissão eventual para a análise e reflexão da problemática dos incêndios em Portugal. Esta matéria face às proporão que tomou, obriga-nos a nós parlamentares, a uma justificada preocupação e urgente intervenção. Estou certo de que todos juntos encontraremos a resposta que desejamos que responderá finalmente aos anseios daqueles que lutam pelo bem estar e segurança das populações - os nossos soldados da paz - e se encontrarão as soluções que visem urgentemente terminar com este já considerado flagelo nacional.
Aplausos do PSD do PRD e à deputada independente Natália Correia.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, o período de antes da ordem do dia devia já ter terminado. Há no entanto consenso dos partidos para que sejam feitas duas curtas intervenções, uma da Sr.ª Deputada Odete Santos e outra do Sr. Deputado Ferreira de Campos.
Para esse efeito tem então a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Ministério da Educação prometeu a abertura da Escola Secundária do Viso em Setúbal, para o final do primeiro período do ano escolar passado. Prometeu e faltou, pois todo o ano lectivo passado se escoou em instalações provisórias sem o mínimo de condições. A abertura da escola foi sendo sucessivamente protelada até que com algumas esperanças - pelos vistos infundadas - a comissão instaladora julgou que a escola lhe seria entregue em 30 de Setembro passado.
Foram esperanças goradas. O 30 de Setembro também já se vai afastando no horizonte e a escola nada de abrir. Estamos já em meados do primeiro período escolar e cerca de 1300 jovens desesperam porque não vêem o dia da abertura do seu ano escolar.
Acerca da escola secundária muita tinta tem corrido nos jornais locais, muito se tem falado nas rádios locais, mas os pais, os professores e os jovens, continuam sem respostas. Assim torna-se necessário voltar a perguntar como já o fiz em requerimento apresentado em 10 de Outubro para quando a abertura da escola?
O processo deste estabelecimento de ensino demonstra a pouca atenção que neste país se da às questões da educação. Lembraria a alguém, Srs. Deputados escolher para uma escola secundária, um terreno junto a uma pedreira em funcionamento, sem garantir o seu encerramento antes da conclusão da obra?
Foi isto o que de facto aconteceu. Com o Ministério a escudar-se na Câmara e esta por sua vez a escudar-se no Ministério, a construção da escola foi avançando até que inevitavelmente se chegou a uma situação de conflito que continua por resolver. O que se sabe é que de facto a escola não pode abrir, porque a pedreira em funcionamento atira projécteis de pedra a cerca de 200 m de distância.
O proprietário do terreno conseguiu da Câmara, autorização para aumentar substancialmente o número de lotes de um loteamento -d e 35 para 185 - em troca da cedência do terreno. Porém ao contrário do que prometeu não cedeu - diz agora - nem resolveu o problema do concessionário da exploração da pedreira. Pretende agora devido a desleixo na condução do processo ser indemnizado e ver-se livre sem quaisquer encargos do concessionário da pedreira mantendo como é óbvio favorecimento relativo ao seu loteamento. Ele é objectivamente o grande beneficiário de tudo isto.
Entretanto a escola continua encerrada e os ministérios competentes continuam sem dar resposta às solicitações dos pais dos professores e dos alunos. E por isso que se impõe dar aqui voz à indignação que grassa em Setúbal. Quando é que vai abrir a Escola Secundária do Viso? De que forma irá tal reabertura ser feita? Em condições de segurança? Com um número suficiente de funcionários? Começará a funcionar com todo o equipamento necessário?
Sabemos que as respostas a estas últimas perguntas são para já negativas, pois disso nos informou a comissão instaladora da escola. Assim o número de funcionários previsto é insuficiente, não garante as mínimas condições
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de segurança e o refeitório não vai abrir de imediato, pondo em causa o apoio a 200 alunos subsidiados.
Tal não nos admira, pois, de facto, já há muito que estamos habituados a estes casos, que afectam a população escolar, os pais e os professores e que são lamentáveis na vida quotidiana dos nossos jovens.
Aplausos do PCP.
A Sr.º Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira de Campos.
O Sr. Ferreira de Campos (PSD): - Sr." Presidente, Srs. Deputados: Faleceu o Dr. Lito Gomes de Almeida!
Esta foi a notícia que rapidamente se espalhou pela cidade de Espinho a partir da madrugada do passado dia 26, transmitida de uns para outros, com a mágoa estampada nos rostos.
Era verdade! Pelo que se julgava saber, o acontecimento tinha já a marca de uma inevitabilidade a curto prazo, mas, apesar disso, chocou profundamente todos os que o conheciam.
O Dr. José Manuel Afonso Gomes de Almeida já trabalhou nesta Casa. Foi deputado à Assembleia Constituinte e cumpriu por inteiro, com mérito e rigor, o seu mandato. Também aqui era comummente chamado "Dr. Lito", pois era este o nome popular e carinhoso pelo qual todos o conheciam.
Tinha uma capacidade rara nos homens: amava sincera e lealmente todos com quem convivia. E todos o adoravam. Tinha amigos e admiradores em todos os estratos sociais, desde os mais humildes até aos mais bem situados na vida, e em todos os quadrantes políticos.
Amava a vida e soube vivê-la.
Tinha uma bondade profunda e natural, que não escapava mesmo aos menos atentos.
Era um lutador e um ganhador, como ele mesmo gostava de galhardamente se assumir.
Foi um ganhador quando o povo do distrito de Aveiro o elegeu para deputado à Assembleia Constituinte. E foi-o igualmente quando, à frente do Sporting Clube de Braga e do Sporting Clube de Espinho, guindou e manteve estes prestigiados clubes na primeira divisão.
Era um desportista fervoroso. Praticou hóquei em patins na Académica de Espinho. Era um profundo conhecedor das coisas do desporto, nomeadamente do futebol, e foi presidente de clubes profissionais desta modalidade.
Ao Sporting Clube de Espinho deu muitas das melhores horas da sua vida: foi seu dirigente, contribuiu decisivamente para a resolução de várias das suas crises de percurso. Era, ao tempo em que faleceu, e muito naturalmente, presidente da sua assembleia geral.
Foi ainda um ganhador quando, em eleições democráticas e extremamente vivas e participadas, foi eleito presidente da Câmara Municipal de Espinho, no escrutínio de 1985.
Só por virtude da doença que o havia de vitimar não exercia o cargo na hora do seu falecimento.
Como presidente da Câmara Municipal de Espinho, exerceu o seu mandato com uma visão extremamente dinâmica e moderna das necessidades do concelho. À sua gestão e à sua dinâmica serviria como uma luva o slogan que o seu e meu partido escolheu para ideia genérica da próxima campanha para as eleições autárquicas: "Viver melhor em Espinho!"
Como residente da Câmara, a sua menor virtude não foi certamente a indesmentível honestidade material e moral de que deu provas, mas a tolerância, a bondade e o respeito que sempre manifestou para com os seus adversários políticos, tudo sem quebra de uma arreigada vontade e de um inquebrantável ânimo de trilhar os caminhos e lutar pelas soluções que, do seu ponto de vista, melhor interessavam ao concelho de Espinho.
Era filho de um cirurgião ilustre, pioneiro da cirurgia cardíaca em Portugal, e que foi também, com uma coragem inigualável, um democrata convicto e opositor declarado e acérrimo do regime que antecedeu o 25 de Abril.
Da vida de seu pai colheu certamente os exemplos que o determinaram a ser um homem bom, sério e honesto, tolerante, vivo e aberto, que amava o seu semelhante e merecia ser, como era de facto, amado por todos.
Por isso o seu funeral foi, tanto quanto me lembro - e perdoem-me os mais velhos se há aqui qualquer ponta de exagero- a maior manifestação pública de pesar e dor que alguma vez se realizou em Espinho.
Sr.ª Presidente, a figura que aqui hoje evoco com muita saudade foi nosso colega neste hemiciclo. Penso, pois, que, para além do seu perfil de homem, de desportista, ,de cidadão e de autarca, o protocolo desta Assembleia consentirá que todos nós nos recolhamos, em breves instantes de silêncio, em memória do Sr. Dr. Lito Gomes de Almeida. É o que solicito a V. Ex.ª, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Ferreira de Campos, há vários Srs. Deputados que, presumo, pediram a palavra porque querem associar-se à intervenção de V. Ex.ª Poderíamos, por isso, guardar o minuto de silêncio, no final, se estiver de acordo. Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado José Lello.
O Sr. José Lello (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Também eu, em nome da bancada do Partido Socialista, gostaria de relembrar a memória do Dr. Lito Gomes de Almeida.
Tratava-se de um velho amigo, de um velho e incomparável companheiro de tantos e bons momentos, que, juntos, passámos em comum, designadamente nas lides que ambos tínhamos ao nível do desporto, especialmente do futebol.
O Lito partiu. E o Lito, que foi deputado constituinte, que foi autarca, que foi todas essas coisas que o Sr. Deputado Ferreira de Campos aqui ressaltou, deixou de estar entre nós. Ficou a sua memória. E a memória que temos dele é a do homem bom, que sempre gerou amizades em tomo de si. E os Portugueses, os democratas e os desportistas não se esquecerão jamais dele.
Aplausos gerais.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Ferreira de Campos, como. a figura regimental ao abrigo da qual os Srs. Deputados inscritos estão a usar da palavra é a de pedido de esclarecimento, eu gostaria de saber se V. Ex.ª deseja responder já ou no final.
O Sr. Ferreira de Campos (PSD): - No final, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Barbosa- da Costa.
O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Ferreira de Campos: Tam-
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bém eu tive oportunidade de conviver em vários momentos com o Dr. Lito Gomes de Almeida em actividades político-partidárias como autarca de um concelho vizinho do seu e de saber também da sua actividade multifacetada em vários domínios da vida social.
Posso referir que de facto era um homem superior, um homem a quem não só o concelho de Espinho, o distrito de Aveiro e a região, mas também o País muito devem. Era um homem dedicado à comunidade, um homem dedicado à coisa pública, um homem que efectivamente deixou um vazio na região e no País.
Daí que em meu nome pessoal e no do meu partido queira apresentar ao PSD e ao concelho de Espinho que o Sr. Deputado Ferreira Campos aqui representa pelo seu local de residência as condolências pelo falecimento do Dr. Lito Gomes de Almeida.
Aplausos gerais.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É para me associar a esta evocação, o que faço com comoção e saudade, porque fui amigo de infância do Dr. Lito Gomes de Almeida. Conheci também seu pai, que foi um firme opositor à ditadura e um democrata de sempre.
Quero ainda realçar que também Lito Gomes de Almeida teve sempre convicções democráticas - foi sempre um antisalazarista - e que a memória que deixa para além do desportista e do dirigente desportista que foi, é a de um homem que soube conviver com os outros, é a de um homem que seguindo a lição de seu pai foi sempre de liberdade, de tolerância e de democracia.
Aplausos gerais.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, é também para nos associarmos ao voto de pesar pela morte do Dr. Lito Gomes de Almeida.
Naturalmente a morte de um homem como este é sempre uma grande perda para a terra onde nasceu e que serviu e o CDS não podia deixar de juntar a sua dor à de todos quantos sentem neste momento a falta do Dr. Lito Gomes de Almeida.
Queria também pedir a V. Ex.ª e ao PSD licença para anunciar e também chorar a morte de um grande jurista que foi o Prof. Baptista Machado.
Li hoje num jornal o comunicado da Universidade do Porto informando que o Prof. Baptista Machado tinha sucumbido à morte por ataque cardíaco. Não esperávamos dele essa partida que fez aos juristas.
O Prof. Baptista Machado era um jurista de grande nomeada, um jurista que prezou acima de tudo a sua independência, e a sua falta vai ser sentida por todos quantos obtinham nos seus trabalhos e na sua docência um grande alimento para as lutas jurídicas.
Naturalmente não é este o momento asado para fazer a grande homenagem ao Prof. Baptista Machado, mas depois de saber da sua morte não podíamos deixar de aproveitar esta primeira oportunidade para mostrar quanto sentimos a sua falta e quanto custa a acreditar que ele nos tenha deixado.
Aplausos gerais.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A bancada Comunista associa-se de pleno à evocação aqui feita, da memória do Dr. Lito Gomes de Almeida como homem público, como cidadão multifacetado. Fazemo-lo com genuinidade com sinceridade e também com coerência. Nunca em circunstância alguma a diferença política ou a divergência política nos cegou ou cegará perante a homenagem que seja devida, a quem parte deixando obra feita. E é esse o caso daquele a quem hoje homenageamos.
Associamo-nos pois inteiramente à homenagem que aqui foi prestada por todas as bancadas sem excepção.
Sr. Presidente, o Sr. Deputado Narana Coissoró colocou inevitavelmente como é seu direito, aquilo que lhe pareceu ser a expressão legítima de um sentimento de perda pelo falecimento do Prof. Baptista Machado. Seja-me permitido que colocada a questão exprima também em nome desta bancada o pesar pelo falecimento do Prof. Baptista Machado.
Dificilmente se poderia imaginar uma coincidência de concepções do mundo do direito da vida cientifica, da luta escolar do universo, da própria academia entre esta bancada e o Prof. Baptista Machado. E todavia difícil seria não reconhecer também o altíssimo gabarito e a inestimável qualidade do seu pensamento jurídico e das batalhas jurídicas em que se empenhou tendo como adversários aqueles que não pensavam o mesmo que o Prof. Baptista Machado pensa a e que lhe exprimiam de viva voz ou por escrito a sua exacta oposição.
É isso a diversidade, é isso a pluralidade no meio académico, é isso a pluralidade na vida política, é isso a pluralidade na vida social e é isso que nos dá um elemento comum na morte ou na vida e até a pena ser celebrado quando alguém morre ou quando estamos vivos.
Aplausos gerais.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Ferreira de Campos tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Ferreira de Campos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Primeiro que tudo também eu queria associar-me à homenagem prestada ao Prof. Baptista Machado que não tive a honra de conhecer mas que muito admirava pelo valor científico das suas obras.
Quanto ao voto e ao teor da minha intervenção desejava agradecer a todas as bancadas, em primeiro lugar a oportunidade que me deram de prestar esta homenagem que só foi possível pela vossa disponibilidade e depois para agradecer a vossa solidariedade. O Dr. Lito era de facto um homem que tinha uma característica impar, dava-se aos outros e suscitava à sua volta uma onda de simpatia e como disse amava e era amado por todos aqueles que o conheciam. Foi-me também muito grato ouvir as palavras do nosso colega Manuel Alegre. De facto uma das qualidades do Dr. Lito era a de ser um social democrata convicto, tendo demonstrado pela sua postura e pelas posições políticas que tomou, uma independência muito grande em relação ao poder instituído. Foi sempre fiel ao seu partido mas como outros como é regra e timbre do PSD nunca se coibiu de no lugar próprio, manifestar a sua discordância sempre que assim entendeu dever fazê-lo
Muito obrigado a todos.
Aplausos gerais
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A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, em nome da Mesa, quero também exprimir o nosso sentimento de pesar pelo desaparecimento do Dr. Lito Gomes de Almeida e evocar a sua memória em três palavras: simpatia, admiração e saudade.
Também em relação ao Prof. Baptista Machado nós o queremos fazer. E, pessoalmente, permitam-me que o recorde como um grande professor, um inesquecível professor de Coimbra.
Srs. Deputados, vamos associar a memória do Dr. Lito Gomes de Almeida e do Prof. Baptista Machado num minuto de silêncio.
A Câmara guardou de pé um minuto de silêncio.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação dos votos n.ºs 83/V e 84/V, de congratulação, e do voto n.º 85/V, de pesar.
O Sr. Silva Marques (PSD):-Peço a palavra, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr.ª Presidente, o voto apresentado pelo Partido Socialista só poderá ser agendado se houver consenso, e desde já digo que nós, devido à hora tardia em que o mesmo foi apresentado, não damos consenso para o respectivo agendamento, pelo que deverá ser votado na próxima sessão.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr.ª Presidente, não me surpreende - mas lamento-a - a posição do Sr. Deputado Silva Marques, dado que o voto apresentado pelo Partido Socialista trata precisamente do mesmo assunto do voto do Partido Social-Democrata. Seria mais lógico, mais coerente e mais curial que ambos fossem apreciados e votados na sessão de hoje, independentemente da hora a que o nosso foi apresentado.
Peço, pois, à bancada do PSD que, se for possível, reconsidere a sua posição.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Peço a palavra, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr.ª Presidente, uma das soluções é a de não votarmos hoje os dois votos, passando ambos para a próxima semana.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Uma vez que nenhum Sr. Deputado pede a palavra, julgo que há consenso no sentido de os votos de congratulação serem votados na próxima semana. Não sei se o mesmo se passa em relação ao voto de pesar...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, não ouvimos deduzir da bancada do PSD qualquer objecção à votação imediata do voto de pesar que hoje foi apresentado, pelo que, creio, esse voto poderia e deveria ser votado hoje.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Não temos objecções!
A Sr.ª Presidente: - Embora o voto n.º 85/V, de pesar (apresentado pelos Srs. Deputados António Filipe, do PCP, José Sócrates, do PS, Marques Júnior, do PRD, André Martins, de Os Verdes, e João Corregedor da Fonseca, deputado independente), tenha dado entrada na Mesa à mesma hora que o voto de congratulação do PS, como ninguém levantou quaisquer objecções, depois de lido, será votado.
Foi lido. É o seguinte:
Voto n.º 85/V
Na madrugada de 28 de Outubro de 1989, José Carvalho, dirigente do Partido Socialista Revolucionário, foi assassinado em Lisboa por um grupo de indivíduos pertencentes a um bando que perfilha a ideologia fascista e utiliza a violência organizada como prática política.
A Assembleia da República manifesta o seu pesar pela morte de José Carvalho e envia as suas condolências à família e ao Partido Socialista Revolucionário, exprime a sua indignação perante o acto de barbárie que pôs termo à sua vida e a sua grande preocupação face às actividades desenvolvidas por grupos neofascistas e pronuncia-se pela adopção das medidas previstas no artigo 46.º, n.º 4, da Constituição da República.
Assembleia da República, 31 de Outubro de 1989.
Vamos votar.
Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Pegado Liz e Raul Castro.
A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr.ª Presidente, dada a minha permanente e voluntária ignorância regimental, gostaria de fazer uma pergunta à Mesa.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr.» Deputada.
A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr.ª Presidente, pergunto a V. Ex.ª se este voto de pesar passa sem qualquer manifestação, sem algumas palavras sobre um facto tão horroroso, que ensanguenta a democracia portuguesa. É um voto tout court, como qualquer outro?...
É porque se trata de um crime político, Sr.ª Presidente!
A Sr.ª Presidente: - Sob a forma de interpelação à Mesa, julgo que a Sr.ª Deputada Natália Correia acabou de dizer palavras adequadas, mas temos de cumprir o Regimento e não é à Mesa que compete alterá-lo.
De resto, como sabe, a Mesa, por consenso de todas as bancadas, deixou que o período de antes da ordem do
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dia fosse prolongado largamente - excedemos largamente o tempo regimental - e temos de dar inicio ao período da ordem do dia.
De qualquer maneira, agradeço as suas palavras, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr.ª Presidente, eu não queria dizer só isto!... Eu tinha muito mais a dizer! Penso que coisas importantes têm de ser ditas nesta Assembleia.
Desculpe se percebo pouco dessa Mesa, mas de mesa prefiro a gastronomia.
A Sr.ª Presidente: - Compreendo-a, Sr.ª Deputada. Nem sempre é agradável estar nesta Mesa, depende das circunstâncias.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa, na sequência da interpelação da Sr.ª Deputada Natália Correia.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, estamos conscientes de que só por circunstâncias de carácter regimental relacionadas com o facto de ter havido um longo período dedicado a declarações políticas é que não foi possível, hoje e neste momento, exprimir mais que o acto significativo que foi a aprovação do voto n.º 85/V, com o preciso e rigoroso teor que ele tem e com o significado que decorre do facto de ter sido aprovado por unanimidade.
Isso não obsta, como é óbvio, a que qualquer bancada ou os deputados, no exercício dos seus direitos, tragam esta matéria ao plenário da Assembleia da República as vezes que entenderem e pelas formas regimentais adequadas.
Gostaria de significar a V. Ex.ª que foi com este espírito que o Grupo Parlamentar do PCP aderiu à realização da votação.
ORDEM DO DIA
A Sr.ª Presidente: - Vamos dar início à ordem do dia, com a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 420/V (PS), que cria o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Narana Coissoró para uma intervenção, informo que houve concordância por parte do Sr. Deputado Alberto Martins no sentido de permitir ao Sr. Deputado Narana Coissoró ser o primeiro orador.
Tem, pois, a palavra, Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, agradeço ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista o facto de me ter dado a oportunidade de falar em primeiro lugar sobre este assunto. Faço-o apenas por uma razão excepcional: é que, apesar de o Partido Socialista ter direito a usar da palavra em primeiro lugar para apresentar o seu projecto de lei (e era normal que assim sucedesse), tenho de participar na conferência de representantes dos grupos parlamentares, que agora se realiza e onde não posso ser substituído, razão pela qual pedi ao Partido Socialista que me cedesse a sua vez, o que desde já agradeço.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Para demonstrar a importância do tema que hoje vai ocupar o Plenário, recordo que na última semana, entre os dias 25 e 28, se realizou em Paris um colóquio internacional dedicado ao tema «Património genético e os direitos da humanidade», organizado pela Comissão das Comunidades Europeias e pela Universidade Europeia de Investigação Científica, com a participação da UNESCO e do INSERO.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Numa época em que as descobertas sobre a genética e a sua contribuição para novos exercícios em várias ciências são permanentes e incessantes, é natural que os parlamentos nacionais, o Parlamento Europeu e o Conselho da Europa lhe dediquem uma atenção particular e prioritária. Em França, por exemplo, onde já funciona o Comité Nacional de Ética, o Relatório Braibant sobre a bioética vai servir para o quadro legislativo sobre o problema de embriões congelados, visto que as soluções adoptadas há três anos se mostram, em muitos pontos sensíveis, caducas e ultra-
Como o demonstra também o projecto japonês «Fronteiras humanas», toma-se actualmente imprescindível que em cada país os legisladores definam posições concretas e precisas sobre as novas aplicações de avanços da genética, da medicina ou da biologia-os dois «actores científicos» que, no dizer do Prof. François Gros, desmultiplicam as conquistas da vida, a tal ponto que a filosofia ou a moral, para não falar do direito, nem sequer dispõem de tempo necessário para digerir as aquisições incessantes.
Os investigadores, por outro lado, não se mostram suficientemente preocupados com problemas de natureza transcendental. «Somos trabalhadores como quaisquer outros» - dizem -, e entendem, como diz o mesmo cientista François Gros, que os moralistas rapidamente se transformam em moralizadores e daqui para os censores é um salto muito curto para emitir normas que podem, no seu entender, bloquear o progresso da humanidade.
Como compatibilizar o avanço da ciência com os ditames da moral e da ética? Será a deontologia médica tradicional, com o juramento de Hipócrates, suficiente para cobrir novas realidades, por exemplo, de métodos que modificam o património de células sexuais humanas? Será a objecção de consciência suficiente para lidar com a eutanásia ou a conservação do corpo depois da morte clínica do cérebro para novas experimentações? E como lidar com problemas de consciência derivados da manipulação de fetos depois da interrupção voluntária da gravidez ou de aborto natural?
A bioética está também, como é óbvio, na fronteira dos direitos do homem. «Nenhum ser humano pode ser objecto, sem o seu livre consentimento, de uma experiência médica ou científica.» É uma regra já constante da Declaração Internacional de 1966. A monstruosa questão de hospitais psiquiátricos para prossecução de fins políticos foi objecto da Declaração de 1980; a Declaração de Manila fixou as directivas para a investigação bio-médica que implique utilização de seres humanos e a criação recente, na Argentina, de um tribunal ético para denunciar os médicos que colaboram ou participam na prática da tortura - considerada esta como qualquer acto que provoca dor ou sofrimento físico, moral ou mental, ou mesmo a ameaça ou a intimidação de os provocar - representam vários passos que a comunidade internacional está a adoptar no campo da bioética.
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A prática normal, desde 1975, é a da criação de comissões bioéticas em cada hospital ou laboratório de biologia molecular para resolver, em cada caso, as preocupações sociais e éticas de determinadas experiências. Mas estas soluções não resolvem o problema geral e premente de subordinar, no plano nacional e internacional, a investigação genética, ou seja, em que o ser humano é objecto de experimentação, sem respeito pelos direitos à vida e à existência e, como foi dito na última semana no já referido seminário realizado em Paris, do novo, direito chamado "direito à humanidade". Novos conceitos, novas designações e novas expressões surgem a cada passo, tais como a "mediatização da morte", a "biologização da vida", o "material humano"; estes termos são empregados nos ditos processos chamados terminais de cessação de funções vitais. A sociedade está actualmente desarmada perante tais eventos.
A consideração da vida, e da morte e a defesa do corpo orgânico, como tudo o que nela está expresso, implicam, nestas circunstâncias, o que desde sempre separou o homem do resto da criação.
Trata-se de estabelecer os próprios limites da dignidade da pessoa humana, a sua fronteira com a ciência, com a ética, com os direitos do homem e da humanidade. Aquilo que interessa é o trabalho interdisciplinar dos juristas, sociólogos, teólogos, médicos, biólogos, moralistas, políticos, em suma, de todos os homens de bem. E uma exigência dos tempos em que vivemos para a protecção, do que nos é mais valioso: o ser humano.
Diz o Prof. Adriano Moreira: "A pessoa humana é um fenómeno irrepetível." Há que respeitá-la, pois, com a dignidade que tal conceito envolve. Esta a razão do nosso voto favorável ao projecto que cria em Portugal o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
Aplausos do CDS, do PSD e do PS.
A Sr.ª Presidente: - Pará uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Os limites do conhecimento são dia-a-dia transpostos a um ritmo que nos coloca no limiar de um tempo em que a espécie humana se confronta com o seu próprio destino, em que há não só a possibilidade da sua própria destruição pelas armas nucleares como, agora, a capacidade de mudar o seu próprio tipo biológico, isto é, manipular a sua identidade genética e influir decisivamente nela.
A conjugação das descobertas ao nível da genética, da enzimologia e da embriologia, assim como as novas práticas médicas, novas técnicas e meios de investigação alteraram os quadros tradicionais nos quais vinha a processar-se o destino biológico do homem nas sociedades-avançadas, ao nível das condições naturais da sua reprodução, nascimento, vida e morte.
Face a esta explosão do conhecimento científico, muitos se interrogam como continuar a experiência e o progresso científico, compatibilizando-os com os direitos humanos, com a dignidade das pessoas e da sociedade.
Ora só uma colaboração aberta e dialogante entre a ciência e a sociedade pode conduzir-nos a caminhos adequados, de modo que, em nome do ser humano e da sua essencial dignidade, individual e social, não se caia na "monstruosidade" de "fazer tudo o que pode ser feito".
Uma reflexão sobre os direitos da pessoa não poderá nunca ignorar os desafios éticos do progresso tecnológico, que vão modificar considerável mente o acesso à vida e as condições da morte.
A revalorização do direito realiza-se, neste quadro, com o regresso da pessoa e da ética como dimensão essencial das relações sociais, em que o regresso aos valores e aos princípios é a expressão de uma nova individualidade humanista, necessariamente solidária.
Na legislação portuguesa têm vindo a ser acolhidas, no que toca às tecnologias da reprodução, soluções que regulem, nomeadamente, a inseminação artificial, o tratamento da esterilidade, a recolha e congelação de esperma e a procriação artificial. Neste domínio, é justo salientar a constituição, em 12 de Maio de 1986, no âmbito do Ministério da Justiça, cujo titular era o Dr. Mário Raposo, de uma comissão interdisciplinar, integrada por juristas, médicos, biólogos, psicólogos e sociólogos, designada Comissão para o Enquadramento Legislativo das Novas Tecnologias, que se propunha apresentar propostas e soluções neste importante domínio.
Infelizmente a sequência dos trabalhos desta Comissão parece ter sofrido um incompreensível colapso com as eleições de 19 de Julho de 1987.
O Sr. José Magalhães (PCP): -Bem dito!
O Orador: - Também no âmbito do Parlamento Europeu têm sido adoptadas soluções, nomeadamente nos domínios da medicina preditiva, de fecundação artificial in vivo e in vitro e de manipulação genética.
Quando se pronunciou sobre os problemas éticos e jurídicos da manipulação genética, em 16 de Março de 1989, o Parlamento Europeu adoptou uma resolução em que, no quadro jurídico, paradigmaticamente, "salienta a liberdade fundamental da ciência e da investigação; entende que a expressão jurídica da responsabilidade social das acções dos investigadores e da investigação se encontra nos limites da liberdade da ciência e da investigação, que decorrem particularmente dos direitos de terceiros e da sociedade por eles constituída; entende como direito que define estes limites sobretudo a dignidade do indivíduo e do conjunto de indivíduos; considera tarefa inalienável do legislador a definição destes limites; entende que a função das comissões éticas e das associações de defesa de direitos é exclusivamente a de formular concretamente, as regras estabelecidas pelo legislador.
A incidência dos progressos das ciências biológicas e médicas sobre os direitos das pessoas também é salientada, por sua vez, no documento final da reunião de Viena de 1989, no âmbito da Conferência de Cooperação e Segurança na Europa, na qual se declara que os Estados participantes (de que Portugal faz parte), "tomando conhecimento dos progressos obtidos no trabalho de investigação e desenvolvimento biotecnológico e das novas oportunidades que se oferecem (...), consideram desejável intensificar a troca de informações sobre leis e regulamentos referentes aos aspectos da segurança da engenharia genética. Para tanto, facilitarão a consulta e troca de informações sobre directrizes de segurança. Neste contexto salientam também a importância que têm os princípios éticos quando se actua no campo da engenharia genética e sua aplicação."
As exigências éticas, aplicando-se a uma nova esfera prática, a biologia e a medicina contemporâneas, colocam-nos, assim, numa nova fronteira, cada vez mais admiravelmente dramática, entre o direito e a ciência, entre a ética, e a política.
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Para uns em nome do progresso e da evolução da ciência e até em nome da liberdade individual de cada qual, é necessário deixar o livre recurso à livre experimentação dos sábios e cientistas, outros em nome da ética consideram que não se pode fazer tudo e que o processo cego não é necessariamente virtuoso, sobretudo se pode chegar à negação do ser humano e da sua essencial dignidade.
Em qualquer caso a história está ali a mostrar-nos ao que podem conduzir soluções redutoras quer de confiança inexorável na investigação cientifica e na superioridade moral dos investigadores ou sequer nos poderes tutelares estaduais que se impõem ao universalismo humanista. Hiroxima e Auschwitz são nesta encruzilhada de caminhos duas lapides negras da história humana.
Ora neste vértice da história da civilização, também a liberdade individual tem de ser entendida como contendo o seu próprio limite, que é o da impossibilidade de qualquer homem prosseguir os seus caprichos até à negação do ser humano.
O Sr. José Sócrates (PS): - Muito bem!
O Orador: - É em nome destes direitos humanos que o homem não pode tudo pensar e fazer sem limites, pois é em nome desses direitos do homem que se põe um limite ao que é possível fazer.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao apresentarmos um projecto de lei para a constituição de um conselho nacional de ética para as ciências da vida, vamos ao encontro da necessidade de fazer participar institucionalmente no debate ético a propósito da investigação biológica e biomédica, representantes do Estado democrático. Ao fazê-lo favorece-se por um lado uma reflexão sobre os propósitos e orientações da investigação científica e sua harmonização com os direitos humanos e por outro garante-se em matéria de tal melindre as condições de uma actividade legislativa feita com suficientes informações, preparação e prudência.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - O conselho de ética que agora propomos na sequência de experiências similares nos Estados Unidos da América, Canadá e França, vai a este último país buscar as referências comparatisticas que melhor nos podem interessar.
Assim concebemo-lo como entidade independente a funcionar junto da Assembleia da República com a competência de emitir parecer sobre os problemas éticos suscitados pela investigação no domínio das ciências da vida e respectivas aplicações, quer esses problemas digam respeito às pessoas individuais aos grupos sociais ou à sociedade no seu conjunto.
A existência deste conselho retira a sua autoridade o poder político de que emana e por isso a sua legitimidade é à parte da sedimentada pela mediação interactiva de três órgãos de soberania - o Presidente da República, a Assembleia da República e o Governo - e ainda pela legitimidade funcional oriunda da comunidade científica.
A presidência do conselho de ética cabe a uma personalidade designada pelo Presidente da República o qual designa mais cinco elementos, tal como a Assembleia da República (por maioria de dois terços dos deputados) sendo três elementos ainda designados pelo Governo e um pela comunidade cientifica universitária no âmbito das ciências biomédicas.
O papel especial deste conselho pela sua peculiar natureza consultiva e de autoridade cientifica e moral, só será realizado se na sua composição se assegurar simultaneamente a qualidade cientifica e técnica e o pluralismo ético e espiritual existentes na sociedade portuguesa e se garantir um funcionamento em que se afastem quaisquer tentações hegemónicas sejam quais forem as soluções práticas a que se chegue.
Num parecer modelar pela sua qualidade e isenção o Sr. Deputado Mário Raposo ao salientar a inteira pertinência e actualidade da iniciativa do PS, admite outra composição sobretudo no que respeita à participação da comunidade cientifica e de entidades de representação profissional.
Sem discutirmos pôr ora a justeza das alternativas propostas, cremos que as soluções neste domínio tem de procurar o maior consenso possível sem soluções fechadas e onde a lógica do debate contraditório e pluripartidário é como sempre para nós o foi, susceptível de conduzir a melhores soluções.
Gostaria de ir concluindo ainda neste domínio com as reflexões balanço que o Comité de Ética francês produziu em Janeiro de 1989 as quais podem espelhar entre nós um trajecto desejável e possível a prazo. O nosso Comité preocupa-se activamente em dar corpo às suas obrigações. Pelos seus contactos frequentes com os investigadores eles acham-se cuidadosamente informados quanto à natureza das suas recomendações no trabalho científico ( ) Os nossos grupos de trabalho cooperam com instancias responsáveis para elaborar as disposições jurídicas e administrativas adequadas para assegurar mais rigorosamente a retirada do comércio do corpo humano ( ) Por todas as suas iniciativas o nosso Comité procura aprofundar os conceitos e princípios susceptíveis de inspirar o direito e de esclarecer o legislador no necessário esforço para recompor um espaço social das pessoas, uma ordem jurídica da vida, hoje desestabilizada de modo preocupante pelo progresso biomédico.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A instituição que queremos criar não pretende construir uma ordem moral acabada, o que sempre foi caro aos totalitarismos, mas tão só encontrar um equilíbrio entre a sociedade e a ciência, de modo que a dignidade humana seja a fonte incindível de um novo direito democrático.
Aplausos do PS, do PSD e do PCP.
A Sr.ª Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.
A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero louvar o notável enquadramento cultural da intervenção jurídica do Sr. Deputado Alberto Martins o que não é vulgar na linguagem jurídica. Ora esse traço cultural anima-me a sublinhar que hoje é do novo espírito científico que brota uma atitude que procura restaurar a velha unidade dos saberes que processando se por diferentes vias do conhecimento, o filosófico, o poético, o cientifico e o religioso, é uma herança assumida pelas sociedades, cuja essência uniu a oposta ao fragmentário da civilização ocidental se exprime nas místicas orientais, É nestas que a nova física procura hoje flagrantes paralelos como os novos 5 físicos no Tao.
Muito embora o conselho proposto neste projecto de lei tenha apenas como alcance introduzir no universo científico a dimensão ética que ele tem ignorado com o preço de genocídios como aconteceu em Hiroxima de
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perspectivas que ensombram o campo da engenharia genética e o futuro do planeta, etc., é de assinalar que nessa etecização da ciência, que a põe ao serviço da dignidade do homem, se dá um passo muito importante para a espiritualização da ciência, espiritualização que, englobando a justiça social - o socialismo espiritual de Antero foi nisto profético -, terá de avançar no deserto da erosão dos valores em que ancoravam as nossas instituições laicas e religiosas, sob pena de a nossa civilização se afundar no abismo da indiferença. Só a espiritualização desta indiferente civilização ocidental nos pode devolver o destino, o sentido da existência que nos estão a roubar.
O projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista é um passo nesse sentido.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr.ª Deputada Natália Correia, gostaria de agradecer as considerações simpáticas que teceu em relação à minha intervenção e de manifestar a minha identidade essencial com o que V. Ex.ª disse, isto é, a defesa de um neo-espiritualismo que tenha os direitos humanos como a sua âncora decisiva.
O Sr. José Lello (PS): - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Ao aprovar a instituição de um conselho nacional de ética para as ciências da vida, a Assembleia da República dará hoje, provavelmente, o primeiro passo na discussão de algumas das mais melindrosas e apaixonantes questões que definirão o rosto do próximo século.
É um debate para o qual ninguém sensato deixará de partir ciente dos limites do direito face à infinita complexidade da criatividade humana nos domínios da biomedicina e da biotecnologia. É-nos certamente mais fácil, a nós, juristas, encerrar em códigos e leis-quadro o que ocorre entre a vida e a morte do que aquilo está antes e depois de ambas. Neste "8.º dia da criação", em que por vezes se diria que "Deus veste bata e surge de proveta", o legislador surge, as mais das vezes, atrasado. Questão é que surja certeiro e com o adequado enquadramento cultural e político.
Facto é que neste nosso novo mundo, tão admirável quanto temível, pode nascer-se in vitro e morrer-se de suspiro último determinado pelo desligar de uma máquina; é possível procriar sem sexualidade, conceber sem gerar, gerar sem ter concebido, ter não uma mas duas mães - a mãe que deu o óvulo e a mãe que abrigou no útero -, ser filho de pai dador inscrito em banco próprio. E ninguém conhece as fronteiras últimas de tudo isto, outrora impensável ...
A revolução genética, Srs. Deputados, tornou possível que vítimas de esterilidade possam ter esperança de fecundidade.
A mais humilde candidata a mãe pode hoje ter a aspiração de vir a conceber um filho do Prémio Nobel da Paz, ou do perseguido autor dos Versículos Satânicos ou, mais domesticamente, do Primeiro-Ministro Cavaco Silva (por que não?!).
Risos do PCP e do PS.
Mas basta dizer isto mesmo para que se torne evidente a complexidade dos problemas suscitados.
As perguntas que todos os dias desafiam a consciência ético-jurídica multiplicam-se e não deixam ninguém indiferente!
O direito de fundar família e ter filhos por inseminação artificial ou fertilização intratubária deve ser consagrado ou estigmatizado em nome de concepções morais ou religiosas que proscrevem todas as formas de fecundação por métodos "não naturais"?
Deve proibir-se a mulher de ter um filho desejado quando não seja casada ou o dador não possa ou não deva ser o marido? Como propenderiam a acreditar as famílias políticas democratas-cristãs?
Deve admitir-se ou proibir-se a constituição de bancos de esperma? O seu uso deve ser gratuito ou oneroso? Quem lhes deve ter acesso e em que quadro?
Deve penalizar-se a mulher que deixe implantar no seu útero o filho de outra mulher ou que aceite ser inseminada por marido que não o seu, contribuindo com o próprio óvulo para a gestação? Ou seja: deve considerar-se que praticam crime as mães hospedeiras? Precisamos de ter respostas para estas perguntas!
E há perguntas ainda mais melindrosas: por exemplo, é aceitável a fertilização in vitro quando um dos dadores já morreu? É legítimo que um banco de embriões congelados dê a um casal óvulos pré-fecundados de um outro casal?
Deve legalizar-se a criação de embriões para fins de investigação ou permitir-se a investigação sobre embriões implantados no útero ou reimplantados?
Que atitude devemos tomar face às experiências eugénicas tendentes à procriação de seres humanos iguais por clonagem ou à criação de seres mistos por manipulação de espécies distintas, as chamadas "quimeras", filhas aberrativas do conúbio entre a imaginação sem ética e o frio tubo de ensaio?
Que limites impor ao diagnóstico pré-natal, que já permite hoje, nos nossos hospitais, excluir embriões que não tenham as qualidades desejadas por parte de certos pais superexigentes? Isto deve ser permitido ou deve ser proibido?
A verdade, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, é que, face ao silêncio, ao atraso ou à ambiguidade dos poderes públicos, florescem incontroladas as mais lamentáveis perversões da biomedicina e da biotecnologia. Na Europa comunitária e no Mundo - em Portugal também- há um sórdido e muito lucrativo comércio de embriões e fetos, vivos ou mortos, de tecidos e órgãos.
Há utilizações bem rentáveis de tecidos humanos para fins não terapêuticos.
Há centros de criação de embriões para experiências incontroladas, cujo segredo se quebra por vezes (raras vezes) em escândalo.
Há quem funda células humanas com as de outras espécies, sem controlo.
Há quem crie embriões com esperma mesclado oriundo de diferentes dadores.
Algures em laboratórios anódinos, indistinguíves por demais, trabalha-se na produção de seres humanos fora do útero materno, desvendando os segredos da ectogenese.
Escolhe-se o sexo por manipulação genética sem fins terapêuticos, porque, por exemplo, "o país precisa de meninos e as meninas são indesejáveis".
Fazem-se experiências sobre embriões vivos, viáveis ou não.
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Cruzam-se códigos genéticos em busca de fantásticas combinações.
O poder económico descobriu nas biotecnologias a chave de indústrias e mercados essenciais do século XXI.
A competição, essa não espera porém pelo dia de amanhã. Somos testemunhas por vezes desatentas de uma luta titânica à escala internacional entre as industrias que exploram aplicações das ciências biomédicas e da biotecnologia em domínios como a saúde, a petroquímica, a área agro-alimentar, ou energética. E são muitas e muitas as descobertas que todos os dias se fazem nestes domínios.
Impossível ignorar que os imperativos do comércio acabam por determinar as mais das vezes os campos das pesquisas. Um pequeno número de países desenvolvidos e industrializados concentra hoje os meios de investigação e as unidades industriais. E isso a manter-se agravará as disparidades entre países pobres e ricos e será um factor de perversão dos rumos das pesquisas. Entretanto estas progridem engendrando modificações do ambiente animal e vegetal, alterações somáticas no homem, manipulações em embriões humanos. Entre a luz e as trevas vai nascendo rodeada de mistério a pessoa humana do III milénio.
E em Portugal, Srs. Deputados?
Entre lacunas de uma rota malha legal, a prática singra consumando os seus factos brutos e pesados.
Como refere o bem elaborado relatório da 3.ª Comissão apresentado pelo Sr. Deputado Mário Raposo, comissões de juristas, médicos biólogos, psicólogos e sociólogos nomeados há anos, reuniram dias e meses a fio e produziram volumosos documentos ciosamente arquivados nas gavetas do Sr. Ministro Fernando Nogueira. Depois disso nada.
O Ministro da Justiça nesta matéria transformou-se em ministro do segredo, segredo sobre os projectos preparados em matéria de procriação artificial assistida, segredo em matéria de colheitas, enxertos e transplantações, segredo em matéria de prolongamento artificial da vida, segredo em matéria de limites à experimentação clínica e farmacológica sobre seres humanos, segredo em relação à regulamentação até dos bancos de esperma.
Votes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - As mães de aluguer são proibidas, Sr. Presidente e Srs. Deputados? Silêncio legal! A inseminação tem regras? Mistério profundo! Os bancos de esperma criados na base do Decreto-Lei n.º 319/86 de 25 de Setembro podem funcionar sem ser clandestinamente? Pergunta sem resposta!
A hipocrisia a incoerência e a falta de coragem política, tem impedido sob o segundo Governo do PSD a conversão dos projectos em leis e das leis em realidades. Como consequência - é este o facto - faz-se em Portugal o que se quer, como se quer, quem quer. Sem garantias de cumprimento das recomendações do Conselho da Europa e das regras das Comunidades. Surdamente e sem qualquer transparência.
Os 17 bebés proveta portugueses nasceram e ainda bem que nasceram no berço da mais total obscuridade legal. Aos seus companheiros talvez mais de uma dúzia que este ano ao nascer - e faço votos para que nasçam - espera os quadro similar. As nossas mães hospedeiras são secretas. O Sillicon Valey dos embriões lusitanos pode estar neste momento a ser constituido ali em Paço de Arcos ou no Estoril, que é onde mora o Sr. Ministro da Justiça que S. Ex.ª nem suspeitará.
O projecto do PS vem ajudar a discutir todas estas matérias e só por isso Sr. Presidente e Srs. Deputados mereceria todo mas todo o nosso apreço.
O Grupo Parlamentar Comunista associa-se de pleno aos esforços tendentes à urgente aprovação de uma lei que finalmente institua um conselho nacional de ética para as ciências da vida. Essa lei não obstará a falta de outros instrumentos legais sobre o direito genético, sobre o regime jurídico das transplantações, sobre o conceito legal da morte, sobre o conceito das experimentações em seres humanos, mas será um contributo positivo, colmatará um quadro legal que é uma pouco decente manta de retalhos
A iniciativa é pois oportuna, o debate imprescindível, meritória acima de tudo, a vontade de quebrar o silêncio doentio que em rodeando o tratamento de questões que o projecto do PS suscita e que são sem dúvida decisivas para que desenhemos com segurança os mapas do futuro de todos nós.
Aplausos do PCP
A Sr.ª Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento tem a palavra, o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Deputado José Magalhães, usando a figura de pedido de esclarecimento, gostaria de acrescentar um comentário e uma pergunta ao discurso - aliás excelente - que acabámos de ouvir sobre estes problemas que procura dar enquadramento legal à feliz e oportuna iniciativa do PS.
Suponho que a nossa geração, a que está a pelo menos uma parte dela no que toca aos tais valores ocidentais que aqui já foram recordados, foi bastante vítima de um enquadramento simultaneamente positivista, relativista e psicanalista. Isso estabeleceu naturalmente uma atmosfera propícia a este desencontro que se verifica dramaticamente entre a ética que se atrasou e a ciência e a técnica que se adiantaram sem limites valorativos.
É justamente a circunstância de provavelmente estarmos num patamar de grande crise da própria humanidade que me leva a fazer um pequeno reparo, um problema desta transcendência e gravidade, não pode ser partidarizado. E não pode ser partidarizado porque - e estou a recordar-me da reunião de Assis que foi convocada pelo Papa João Paulo II onde se reuniram as maiores autoridades espirituais do Mundo - continuamos sem resposta para a maior parte dos problemas aflitivos que os levaram a essa reunião.
Devemos naturalmente queixar-nos de a máquina governativa não andar tão depressa quanto possa, mas sobretudo o que devemos é por em evidência aquilo que a iniciativa do PS em fazer, que é dar voz a problemas que não tem tido uma voz tribunícia porque o nosso saber é muito pouco.
Por isso eu não gostaria que o patrono desta comissão que espero ver instituída - com pormenores em que pode haver divergência de composição - fosse um Jeremias ou um São Paulo. Mas penso que com a unanimidade da Câmara isso não irá acontecer. Vamos constituir essa comissão perfeitamente conscientes da nossa profunda ignorância no que respeita às consequências em que lançámos esta separação da ciência e da técnica em relação à ética e vamos procurar humildemente admitir todos nós que não sabemos e portanto vamos juntar-nos para encontrar alguma resposta para as nossas inquietações.
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Para terminar, e só para cumprir o Regimento, pergunto se não concorda que este é, fundamentalmente, o espírito com o qual devemos encarar este problema, evitando todo e qualquer carácter partidarizante em relação a tão momentoso assunto.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães:
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Adriano Moreira: Creio que as considerações que fez são sobremaneira sensatas e não procurei, na intervenção que apresentei em - nome da bancada comunista, senão traçar os limites da pesquisa que havemos de fazer em torno de temas que são compatíveis com uma pluralidade de visões, desde logo, e que têm uma larga margem de incertezas.
Quis sublinhar isso e também um outro aspecto, que não tem a ver com a relatividade, que é o de sabermos definir, em cada momento, o direito possível face às conquistas da revolução genética. Isto porque o preço a pagar pela inexistência desse direito é a anomia e a possibilidade de livre prática de alguns actos, incluindo o de comércio, que distorcem profundamente aquilo que são valores fundamentais da dignidade da pessoa humana e que, beneficiando alguns, prejudicam seriamente eminentes valores em que constitucionalmente nos reconheceremos todos, mas que exigem protecção legal adequada.
O que nos preocupa neste momento, acima de tudo, é a falta de uma malha legal que dê respostas muito precisas a questões que se colocam no nosso quotidiano. Nesta sociedade concreta em que vivemos há casais estéreis que buscam a fertilização in vitro. Qual é a resposta do legislador, proscrita ou permitida? Isto tem de ter uma resposta absolutamente inequívoca, por todas as razões, quanto mais não seja por uma razão de respeito pela justa expectativa, pela igualdade e por essa possibilidade que alguns têm de ir a Espanha, a Inglaterra ou a outro país qualquer praticar a fertilização in vitro e esses outros que aqui, em Portugal, junto de clínicos competentes, o podem fazer, enquanto a grande massa de cidadãos, desejando o mesmo que os outros, não pode ver realizado esse direito.
O primeiro aspecto que queria realçar é a necessidade de clareza. A incerteza não significa silêncio do legislador!
O segundo aspecto diz respeito à diferença que, obviamente, existe e que nos separa na apreciação das questões.
Por que é que uma comissão, composta por médicos, sociólogos, juristas, homens pertencentes a famílias políticas ou tributários de credos muito diferentes, pôde concluir o seu trabalho, mas não ver transformado em lei o fruto desse mesmo trabalho? Porque o poder político e os poderes públicos, concretamente o Governo, recearam tomar decisões e assumir as que eram propostas. Aliás, devo dizer que, provavelmente, a minha família política discordaria de muitas das decisões propostas por essa comissão que estudou a questão das novas tecnologias. Nós discordaríamos, por exemplo, de soluções que proibissem à mulher não casada a inseminação só pelo facto de não ser casada; discordaríamos de outras soluções como, por exemplo, a proibição da inseminação intratubária e ainda de muitos aspectos, mas concordaríamos com outros. Seria, pois, necessário que em torno do quadro legal se fizesse transparência, que é o que tem faltado.
Como é evidente, associo-me, de pleno, ao maior mérito, que o Sr. Deputado reconheceu, do projecto de lei do PS, que é o de dar voz ao silêncio. E que nesta matéria o silêncio é corripletamente inexplicável; há à nossa volta os bebés-proveta, e a maior interrogação que todos nos podemos fazer é a de saber o que será o homem do século XXI, esse tal homem que pode nascer in vitro e morrer desligando numa máquina e que pode ser concebido fora do útero, talvez com ectogenese. Esse, cujo ideário è cuja psique será totalmente diferente da nossa mas que será homem como nós, será, talvez, para nós - e uso uma palavra que é cara a alguns -, irmão. Ora isto terá consequências e características que não somos ainda capazes de divisar.
Deste modo, o apelo que V. Ex.ª faz será, por parte dá nossa bancada, certamente correspondido.
Não quereríamos, de forma alguma, partidarizar, no mau sentido, esta comissão, mas também não quereríamos que ela fosse expressão da visão de um só partido, da mundividência de uma só família política.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.
O Sr. Barbosa da Costa (PRD): -Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O homem, ao longo da história, tem desenvolvido enormes esforços no sentido de desvendar os mistérios da Natureza, de resolver questões que se lhe afiguravam absolutamente intangíveis.
Todos nos congratulamos com os progressos das ciências e das técnicas, que penosa e dolorosamente vão contribuindo para um melhor bem-estar da humanidade, para uma melhor, qualidade de vida, para um prolongamento da esperança de vida do homem, enfim, um enorme salto qualitativo que todos, saudamos.
São, naturalmente, bem-vindos os benefícios das revoluções terapêuticas e biológicas. São evidentes e significativas as descobertas que reduziram ao mínimo doenças que fizeram o terror dos nossos antepassados, designadamente a tuberculose e a sífilis, entre outras.
Sobretudo a mortalidade infantil tem sofrido, na Europa Ocidental e na América
do Norte, uma diminuição radical, a que não é alheia a melhor qualidade dos cuidados primários, a generalização das vacinas e as acções preventivas ajustadas.
Infelizmente, razões de ordem vária não têm levado esses efeitos a, outras áreas, onde persistem ainda condições que não prenunciam a mudança de situação para os tempos mais próximos.
Por outro lado, a definição de códigos genéticos, isto é, as leis que presidem à formação da vida, constitui uma dimensão ímpar da revolução biológica, que passa a possibilitar ao homem poderes no domínio da procriação, da hereditariedade e da esterilização.
Não são, contudo, pacíficas as implicações das autênticas revoluções que o processo científico provoca. Resultam consequências de vária ordem, nomeadamente de carácter económico, que não são as mais importantes para a questão que estamos a tratar.
Mais significativos e relevantes são os efeitos sociais e morais daí advenientes. Questões delicadas, como a gestão do óvulo humano em laboratório, fora do corpo materno, contribuem para a transformação do destino das sociedades humanas.
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Verifica-se aqui uma dissociação entrego amor e a sexualidade por um lado e a função de reprodução por outro lado.
Tais condições com avisadamente adverte Jean Bernard num notável artigo da revista Futuribles, podem tornar-se num perigoso instrumento nas mãos de um dita dor, permitindo interdir a maternidade, a várias categorias de mulheres entre outros perigos.
Felizmente que os progressos da investigação biológica orientaram o génio genético por caminhos menos perigosos. Convém ter em conta que o homem é um ser único diferente dos outros, devendo a medicina ajustar a sua acção em função do seu carácter único bem como a orientação das sociedades humanas ter também tal facto em consideração. De facto não podemos falar em desigualdades mas em diferenças entre os homens.
Consideramos fundamental que a lei não se possa sobrepor à ética e à moral. Daí que a lei deva submeter-se aos códigos deontológicos isto é, à ética das profissões e à defesa dos direitos humanos.
Portanto se é fundamental a lei numa sociedade organizada e moderna é evidente, que é imprescíndivel que os diplomas normativos devam subordinar-se aos valores morais básicos.
Assim a sociedade não pode menosprezar nem subestimar o indivíduo que permanece em si mesmo como valor supremo.
Decorre destes princípios que a lei que vier a ser feita, deve estar acima das correntes político-partidárias ou de qualquer efémera conjuntura devendo antes ter em conta os postulados imutáveis da moral natural que são garantia de equilíbrio sem estrangulamento do desenvolvimento.
Saudemos pois a presente iniciativa legislativa que pretende criar um conselho nacional de ética para as ciências da vida, que prevê que nele tenham lugar personalidades com diferente formação filosófica ideológica e religiosa que como refere o preâmbulo do projecto permitam encontrar pontos de convergência sobre os problemas suscitados pelo desenvolvimento das ciências da vida através de um diálogo sério e de reflexão aprofundada.
Só assim julgamos nós é possível prevenir ajustadamente a ocorrência de eventuais desvios manifestações e perversões que teriam as mais trágicas consequências.
É imperioso que também nestes domínios a prevenção seja o caminho escolhido.
Certamente que os autores do projecto consideram que não apresentam obra acabada e que a iniciativa legislativa em análise poderá beneficiar da contribuição preciosa de todas as forças políticas representadas nesta Câmara, que em sede de especialidade poderá ser dada.
Daremos naturalmente o nosso voto favorável ao presente projecto de lei que a ser aprovado como esperamos, nos colocará a par de outros países onde a acção de órgãos semelhantes, face à qualidade dos membros que os integram lhes têm granjeado enorme prestigio, com evidentes benefícios para a comunidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Confiamos que esteja um domínio que poderá congregar um alargado consenso que importará tenha reflexos semelhantes nos cidadãos em geral e certamente muito beneficiarão dos efeitos deste projecto que desejamos se faça lei em tempo breve.
Aplausos do PSD, do PS, do PCP e do PRD.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra, o Sr. Deputado Mário Raposo.
O Sr. Mário Raposo(PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O biólogo Jacques Testart que com o médico René Frydman havia sido o criador de Amandine - o primeiro bebé proveta francês - disse alguns anos depois após haver prosseguido nos seus trabalhos de investigação sobre reprodução humana assistida: Não irei mais longe. É que lhe surgiu o sentimento fundamentadamente, cognitivo de que se avizinhava o risco de transformar radicalmente a pessoa humana nas suas raízes e no seu destino.
Foi esta decisão tomada por um ateu protagonista activo de Maio de 1968. Não foi pois ideologicamente determinada por apego rígido a qualquer moral confessional. Foi tomada segundo ele em nome do homem e da sua identidade possível face ao desenvolvimento espectacular da bioética, da engenharia genética, do tecnocosmos.
É sabido que as manipulações genéticas feitas em nome da ciência e em alguns casos em proveito da vida, podem modificar o próprio óvulo corrigindo a sua identidade. E as perspectivas não se ficam nesta área, a fertilização in vitro surgida do admissível propósito de ajudar casais a ter um filho que de outro modo não estaria ao seu alcance, ganhou uma tal dinâmica que a sua intencionalidade inicial se desvaneceu por completo nos caminhos do deslumbramento tecnológico. Não há que estabelecer barreiras ao que seja eticamente conforme com regras que se compatibilizem com a natureza natural da pessoa.
Mas as derrapagens e as perversões estão à vista, a hipótese da fecundação do óvulo pelo óvulo que permitiria a duas homossexuais ter um filho, que aliás seria necessariamente uma filha, enfim a gestação humana num animal.
Por ocasião do bicentenário da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o presidente do Movimento Universal da Responsabilidade Científica Prof. Jean Dausset, Prémio Nobel de Medicina de 1980 demarcou com figurável exactidão as fronteiras entre a boa e a má utilização da ciência. Não é de questionar e antes será de incrementar a aquisição de novos conhecimentos científicos, tudo dependerá de que eles sejam postos ao serviço da pessoa incólume na sua dignidade intocável, na sua verdade permanente.
Aliás aquele Movimento com a sua autoridade plural propôs que se aditasse à Declaração Universal de 1948 um novo artigo: Os conhecimentos científicos devem ser utilizados apenas para servir a dignidade/a integridade e o futuro do homem mas ninguém poderá obstar à sua aquisição.
Bem claro é o sentido e o alcance deste princípio. Cercear o desenvolvimento do património cientifico poderá resvalar num novo obscurantismo. Mas em contra ponto em nome e com o apoio da ciência nunca poderá ser desfigurado ou pervertido o património moral da pessoa a sua natureza e a sua essência.
Tratar-se-á, de um balancear de valores ou de padrões não necessariamente conflituais do desenvolvimento, da ciência e o da sua justa e natural utilização para o desenvolvimento da pessoa humana, no respeito da sua intrínseca dignidade
Creio que terá sido na I Conferência Ministerial Europeia sobre os Direitos do Homem realizada no âmbito do Conselho da Europa em Viena (Março de 1985) na qual representei o Governo Português então presidido pelo Primeiro Ministro Mário Soares que se
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iniciou, a nível dos órgãos de decisão nacionais, o debate directo sobre o caso específico da protecção da pessoa humana e da sua integridade física e intelectual no contexto dos progressos da biologia, da medicina e da bioquímica.
Para além dos problemas propostos pela inseminação artificial, pela fertilização in vitro, outros foram equacionados: assim, os dos ensaios em pessoas, sem finalidades terapêuticas imediatas, de novos medicamentos, os da correcção de deficiências genéticas no feto, os das transplantações de órgãos, os do tratamento compulsivo de certas doenças e os do prolongamento artificial da vida após a morte celebrai.
Recordo-me de uma frase que então escrevi e que, de alguma forma, fez carreira, no sentido de preservar, tanto quanto possível, a natureza natural da pessoa: esta não deveria estar condenada a nascer in vitro e a morrer in machina. Como todas as frases, ela não seria um compêndio, mas evidenciava um bem sentido propósito, sobre o qual, aliás, se estabeleceu, com uma ou outra particularidade de pormenor, um alargado consenso.
Compreender-se-á, assim, a constituição, no âmbito do Ministério da Justiça, em Abril de 1986, de uma comissão designada "Comissão para o Enquadramento Legislativo das Novas Tecnologias". Dela fizeram parte personalidades como os Profs. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, da Faculdade de Direito de Coimbra, o Prof. Luís Archer, os professores de medicina Amândio Tavares, Pratas Ferreira e Adelino Marques e outros qualificados técnicos.
Não se lhes "encomendou", ex professo, uma panóplia de leis, embora elas pudessem surgir ou vir a ser reformuladas. Pensou-se, determinantemente, no levantamento e na ordenação das questões que as novas tecnologias submetem à consciência do homem, na sua problematização e no desvendar de um mundo quase desconhecido, mesmo para os cientistas, ressalvadas, claro está, algumas excepções.
Desenvolveu-se o trabalho da Comissão ao longo de 14 árduos meses, e entre os anteprojectos legislativos que apresentou, já na ponta final do X Governo, destacarei, por ser o que agora maior pertinência assume, o que dizia respeito à criação de um centro nacional de bioética. Como então assinalei, não é frequente encontrar-se um grupo de especialistas, assoberbados por prementes ocupações profissionais, que possam ter afectado a uma tarefa disponivelmente aceite um tão grande empenho e uma tão evidente eficácia. E, ponto é recordar, exercendo-a com uma retribuição espaçada e quase simbólica, aliás sempre reticentemente aceite, quando não, pura e simplesmente, recusada.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A pessoa, por princípio, deve ser gerada e não produzida. A biologia referenciar-se-á pelo signo da verdade.
Para além de tudo o que se possa controverter em tema tão susceptível de diversificados pontos de vista, afigura-se que tais postulados serão de dar como assentes. Tem o Conselho da Europa repetidas vezes reafirmado o que releva da própria natureza humana. Assim, por exemplo, a Recomendação n.º 934 (1982), respeitante à engenharia genética e ao direito a um património genético que não possa ser artificialmente manipulado, a não ser, e em casos caracterizados, para fins terapêuticos.
Pondo de lado práticas inteiramente condenáveis - tal como ,o Conselho da Europa também as considera -, como as das mães de substituição ou úteros de aluguer,
que transformam a própria mãe numa coisa, desfigurando a sua natureza de pessoa, penso, num contributo que se situa já na perspectiva jurídica da questão, que a procriação artificial será apenas configurável em três situações: quando tenha uma finalidade terapêutica e não eugénica; quando tenha em conta (embora não exclusivamente, já que os atendíveis interesses dos pais também relevarão) o interesse da criança que irá nascer; quando seja voluntária, ou seja, quando feita com o consentimento da mulher e do homem que a protagonizam - e aqui vem à colação exactamente a utilização do sémen após a morte do dador, como foi referido pelo Sr. Deputado José Magalhães.
A partir destes pressupostos, que serão por certo conformes à generalidade das pessoas, seja qual for o seu pendor confessional ou a sua conexão ideológica, outros serão motivo de reflexão, não sendo, por certo, de desperdiçar o mais recente contributo da Igreja Católica, através da Congregação para a Doutrina da Fé, assumido em 1987, acerca da dignidade da procriação. Não será, por certo, o momento de reflectir sobre as posições .tomadas, algumas delas, na realidade, de ordem prevalentemente confessional.
Seja, porém, como for, o certo é que as actuações, todas as actuações, terão de ser referenciadas a critérios éticos, de significância tanto quanto possível plural, embora com fundamentos comuns, decorrentes da própria natureza humana.
Foi essa a ideia que, à semelhança do Comité Consultatif National d'Éthique pour lês sciences de la vie et de la santé, criado em França em 1983, fez prever, já em 1987, a criação do já referido conselho nacional de bioética, que agora, no projecto de lei do PS, é, talvez mais sugestivamente e usando uma terminologia propagada da francesa, designado por Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
Será, de resto, de salientar que a experiência das comissões de ética data de meados dos anos 60. Mas, como recorda o Prof. Jean Bernard, presidente do Comité National francês, as primeiras a ser criadas tiveram em vista a resolução de problemas pontuais; uma questão concreta posta a uma equipa técnica era submetida, para o efeito, a uma comissão ad hoc. Aconteceu isso mesmo designadamente em Inglaterra, em França e nos Estados Unidos. Como refere Jean Bernard, neste último país as comissões de ética, em regra constituídas junto dos governadores dos Estados, passaram a dispor de um poder quase legislativo, elaborando normas regulamentares.
O Comité de Ética francês foi o primeiro que, com carácter nacional, não integrou apenas médicos e biólogos. A preocupação inicial era a de que a componente "não científica", na peculiar acepção do termo, equivalesse a metade dos membros; só que tal não aconteceu na prática, pois certos organismos escolheram médicos para os representar. Fortemente criticada foi a escassa participação de mulheres: apenas 9, num conjunto de 36 membros.
Trata-se, sobretudo, de um órgão de prestígio, dotado de incontroversa autoridade moral; não dispondo de qualquer poder impositivo, essa sua autoridade é geralmente acatada pelos poderes do Estado.
Tem sido posta a interrogativa sobre se o enquadramento ético não poderá conduzir a situações de rigidez e imobilismo científico. E recordam-se os casos de Galileu e de Harvey. Mas é evidente que tal não acontecerá. O padrão de referência não será uma ideologia, mesmo uma ideologia dominante. Em causa estará, sim, o valor
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do homem enquanto pessoa centro de dignidade e de valores intemporais. Para além disso ninguém questionará que o homem terá de se adequar a um mundo em continua e imparável mutação. Só que essa mutação não poderá enquanto o conseguirmos evitar conduzir a que se cumpram as profecias do biólogo inglês o Brian Stableford e do físico seu compatriota David Langeford num livro que foi best seller - O Terceiro Milénio - no sentido de que em 2655 a gravidez natural será considerada como uma perversão.
Insisto porém que a razão de ser de uma comissão de ética estará no seu carácter plural e na confluência das diversificadas cosmovisões que nela confluírem. O grupo de Millazo na Sicília que compõe o Instituto Internacional de Estudos Ético Jurídicos é bem um exemplo disso. Congregando cientistas, juristas e moralistas de todo o mundo, é um centro de activa reflexão. Ao retomar a sua actividade em Julho deste ano, nele se ouviram as vozes mais dispares e multidisciplinares sobre o enquadramento ético das novas tecnologias com especial incidência no estatuto, por assim dizer, do embrião e na responsabilidade da pessoa sobre a génese da vida.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Obviamente que o conselho constituendo não terá por exclusiva tarefa o encarar das manipulações genéticas designadamente no campo da reprodução humana. Mas será talvez aí que as interrogações e a necessidade de respostas tanto quanto possível consensuais serão mais prementes e difíceis.
Não lhe caberá por certo preparar leis, até porque como comentam entre outros Serge Regoud e Jacques Robert, aliás na esteira do próprio Jean Bernard, neste domínio as leis podem correr o risco de ser rapidamente ultrapassadas. A natural contingência da lei escrita e estrita alcançará aqui uma marcante expressão. Só que não há vida, não haverá qualquer actividade humana sem regras, a vida postula a norma. E esta em certos casos não poderá ser subtraída a uma textualização a mera indagação dos perenes valores que distinguem o justo do injusto, poderá esvair-se em contradição com a sua perenidade na fluidez e na anfibologia.
O que é sem dúvida necessário, é que se parta de uma certa ideia do homem, da carga cultural que a define desde a antiguidade greco latina, da acumulação de heranças justapostas que lhe dão sentido e dimensão. O valor da pessoa humana não é contraditório do valor da ciência.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho notícia de que o Governo dando sequência numa metodizada calendarização de acções legislativas aos trabalhos preparativos de 1986/1987 acaba de aprovar um diploma legal sobre esta matéria. Se se tratar de uma proposta de lei natural e desejável, será que os seus contributos depois da votação na generalidade sejam tomados em linha de conta, na análise, na especialidade em congregação com os do presente projecto de lei.
Creio assim que o agendamento dessa eventual proposta de lei deverá ser feito com a mais compreensível urgência. Ninguém nestas coisas é detentor da verdade absoluta e os bons propósitos devem convergir e harmonizar-se não por um mero afã compromissório num circunstancial ímpeto de comércio de palavras, mas na saudável procura das melhores e mais pensadas soluções.
Eu mesmo no parecer de que fui relator sugerira já alguns aperfeiçoamentos ao projecto até por um acto de natural coerência com o anteprojecto de 1986/1987.
Tenho designadamente como mais ajustado que ao Governo ao qual cabe a responsabilidade institucional de definir políticas de actuação em concreto, deva corresponder a designação de uma quota mais significativa de membros do conselho. Creio ainda que a participação da comunidade cientifica lato sensu será de acrescer. Não vejo para além disso como encontrar a personalidade referida na alínea e) do n.º 1 do artigo 4.º do projecto de lei.
Noutro plano por que não incluir no elenco do conselho, entidades com o relevo da Academia das Ciências de Lisboa, do Instituto Nacional de Investigação Cientifica e da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica.
Como salientei no aludido parecer tem o Comité francês na sua composição uma marca científica muito mais vincada que a do projecto de lei. Lembrei ainda que na circunstância portuguesa pareceria ajustado que a Ordem dos Médicos, a Ordem dos Advogados e o Conselho Superior da Magistratura pudessem indicar cada um deles um membro atenta a validade das suas e pertencias especificas
Finalmente devo dizer que ninguém contestará que a designação do presidente do conselho nacional ora constituendo de a pertencer ao Presidente da República. Foi sempre essa a minha opinião pessoal. Mas será necessário usar a fórmula tabelar e rotineira de que a escolha deverá recair entre cidadãos de reconhecido mérito? Será hipotisável que o Presidente da República escolha alguém sem esse natural atributo? Ou por outras palavras não resultará mais certo e conforme à dignidade institucional do Presidente da República estatuir apenas que a ele cabe designar o presidente do conselho nacional bioético.
Por outro lado é de por em dúvida que ao invés do que sucede em França onde o Comité funciona junto dos ministros encarregados da investigação e da saúde (dês ministres chargés de la recherche et de la santé ) que aliás hoje são dois ministérios diferentes, se crie mais um ónus administrativo para esta Assembleia, colocando o funcionamento do conselho nacional no seu âmbito.
A parlamentarização funcional se nalguns casos é interpretável garante da efectiva operatividade das grandes comissões quando elas tenham a ver com problemas vocacionadamente tributários da política e quando haja necessidade de assegurar um controlo parlamentar mais imediato e eficaz advém noutros casos apenas de se considerar qualquer governo como um tabu que inquina a liberdade e a disponibilidade das pessoas.
Ora por um lado isto não é assim e por outro vai-se sobrecarregando a Assembleia que tantas e tão fundamentais tarefas tem já à sua responsabilidade com uma rede de serviços acessórios e adicionais que prejudicam a sua tão desejável disponibilidade de espaço e de apoios logísticos.
Deixo este ponto a consideração dos Srs. Deputados, isento de qualquer preconceito governamental mas apostado apenas em a que agora e sempre esta Assembleia possa desenvolver com eficácia as tarefas que lhe são verdadeiramente próprias e que dela não são transferíveis.
Enquanto deputado estou com o Governo que apoio mas nunca alieno a minha condição de deputado que é aquela que por natural destinação me cabe prioritariamente cumprir. É precisamente essa condição a que devo fidelidade e coerência que me determina a suscitar este reparo ao projecto de lei com o qual estou nos
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caminhos a percorrer, mas do qual dirijo em alguns dos passos desses caminhos.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Mário Raposo: Gostaria de exprimir-lhe a confiança da bancada do PCP, uma vez que será possível que venhamos a encontrar com grande facilidade, aquando da apreciação na especialidade, uma solução que obedeça aos parâmetros que V. Ex.ª proeurou traçar na parte final da sua intervenção.
Sem fobias nem filias, governamentais, criando um conselho devidamente inserido, com adequada representação da comunidade científica dos diversos órgãos de soberania, equilibrado, o que mais importará é que ele tenha adequadas atribuições e competências, meios para existir, gente capaz para o servir e obra produzida que seja visível por todos os portugueses e que atinja; designadamente, aqueles que estão a fazer a revolução genética e que estão a fazer, em Portugal, a procriação assistida. São esses os nossos destinatários, além, naturalmente, de todos os portugueses, que podem beneficiar desse progresso científico.
Sr. Deputado Mário Raposo, creio que a dificuldade maior não estará aí, a dificuldade estará alhures, é que no discurso de tomada de posse da Comissão que referiu, sendo V. Ex.ª na altura Ministro da Justiça, teve ocasião de traçar o quadro da tarefa legislativa a levar a cabo, tanto no que diz respeito às bases da construção de um adequado direito genético como em relação a outras questões: a questão do prolongamento artificial da vida, de que falou agora de novo e pertinentemente, e a questão dos transplantes tanto de tecidos como de órgãos.
Chegou mesmo a dizer alguma coisa que é muito sugestiva, que deve evitar-se a nacionalização do cadáver - situação que se vive presentemente e que não inspira à bancada do PSD a mesma repugnância que a irreversibilidade das nacionalizações vem inspirando - e que se deveriam ter em atenção outros domínios, designadamente o da experimentação científica sobre seres vivos, em que há lacunas legais sensíveis a que importaria pôr cobro.
A verdade é que houve trabalho, e não foi por acaso que V. Ex.ª terá tido o cuidado de referir que. essa Comissão teve 14 meses de labor. Todavia, o que não vemos, muitos anos depois, é uma gota sequer dos frutos desse labor. Vemos, simultaneamente, já proliferação de situações nos mais diversos domínios, e devo dizer que algumas não me incomodam nada. É o caso, por exemplo, de ilustres professores que praticam, em Portugal, fertilizações in vitro. Isso não é coisa que seja de molde a inspirar-nos preocupação séria, porque; segundo consta e segundo a Ordem dos Médicos parece coonestar tudo se processa segundo cânones deontológicos e segundo regras estabelecidas pelos próprios clínicos que evitam certas aberrações que seriam/sem dúvida, condenáveis, tanto do ponto de vista ético como do ponto de vista científico.
Só que "não há bela sem senão" e há uma indefinição de regras, o que quer dizer que muitos outros não tem acesso a isso, ou seja, há um princípio de desigualdade e um princípio de incerteza. Qual é â posição dos órgãos de soberania face a isso?
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, já ultrapassou os três minutos de que dispunha.
O Orador: - Concluo imediatamente, Sr.ª Presidente.
Sr. Deputado Mário Raposo, não considera urgente que colmatemos lacunas grossas como aquelas que existem em todos os domínios que enunciei e em todos aqueles que V. Ex.ª enunciou, inclusivamente o dos tratamentos compulsivos em relação a certos tipos de doenças? É que V. Ex.ª equacionou em abstracto a questão.
Pergunto-lhe, pois, por quanto tempo mais é que Portugal pode pagar o atraso na regulamentação dessa matéria? Creio mesmo que corremos o risco de nos transformarmos num paraíso genético, uma espécie de Mónaco genético, uma espécie de Sillicon Valley, aqui ao pé, no extremo da Europa, onde tudo se pode praticar, isto é, o lixo de um lado e o tráfego mais sórdido de embriões de outro lado, as experimentações sem regras, que não são "consentidas na RFA, na França, na Itália e em Espanha, mas são toleradas em Portugal, porque o Governo não sabe, não há um conselho, ou porque ninguém se interessa. Não considera V. Ex.ª que isto são riscos reais e não apenas potenciais?
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado e querido amigo Mário Raposo, como era de esperar, V. Ex.ª fez um exaustivo estudo parlamentar sobre o problema da bioética, em primeiro lugar, porque o Parlamento necessitava de um estudo destes para poder decidir relativamente a esta matéria, muito embora o diploma que hoje aqui debatemos se apresente como um diploma adjectivo, pois trata meramente de instituir um, órgão, sem dizer o que quer que seja de substantivo sobre o que é que esse orgão deve fazer.
Em segundo lugar, porque o problema é de tamanha importância para a vida, para cada um de nós, para o País e para a ciência que não pode ser objecto de aprovações rápidas nem de corridas para saber quem chegou primeiro à meta: se foi o Governo, através de decisão do Conselho de Ministros, se foi o Partido Socialista, através do diploma que aqui apresenta, se foi o Parlamento, através do consenso. O problema é extremamente importante e não há qualquer experiência adquirida sobre a matéria. Na minha breve intervenção falei do seminário que se realizou durante á última semana em Paris, sobre o trabalho desenvolvido pelo Conselho Nacional de Ética. Com efeito, estive presente nesse seminário e tive oportunidade de recolher alguma informação, que não me foi possível tomar em consideração para efeitos da minha intervenção hoje aqui, uma vez que tenho andado assoberbado com vários trabalhos parlamentares, que, com muita pena minha e apesar de possuir documentação vária sobre a matéria em causa, não me permitiram fazer um trabalho exaustivo. Tenho pena, mas a vida diária e os outros afazeres não me permitiram fazê-lo.
Em meu entender, o problema fundamental que se coloca, e que V. Ex.ª não referiu sequer, tem a ver com o que se exige mais em 1989. Uma regulamentação internacional que, obrigatoriamente, vincule todos os países sobre os avanços da ciência, a sua demarcação e a sua limitação pela ética no sentido de definir se é necessário existir um conselho a nível nacional ou se ainda é válida a experiência americana ou a inglesa, que não consagram
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estes conselhos e que entregam aos hospitais aos laboratórios, aos Estados e aos organismos - que nós aqui não temos, pois a Ordem dos Médicos nem sequer engloba os biólogos - os chamados problemas éticos?
No seminário que há pouco referi, os americanos defenderam que as comissões éticas que funcionam ao nível dos laboratórios tem apresentado muito bons resultados. E pergunta-se.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, V. Ex.ª já ultrapassou o tempo de que dispunha para intervir.
O Orador: - Sr. Presidente, atendendo à importância da matéria, gostaria de poder dispor de mais algum tempo.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado como é do conhecimento de V. Ex.ª a Mesa previne o orador aos três minutos e dá uma tolerância de tempo até aos cinco minutos.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente!
Como perguntava Sr. Deputado os laboratórios não serão um órgão mais eficaz que o conselho nacional de ética?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sozinho?!
O Orador: - Isto é tratando-se de um problema do foro ético não poderá ser resolvido pelos próprios médicos, pelos próprios experimentadores destas ciências? A vida tem mostrado e a França é disso exemplo, que por mais regulamentações que se façam ninguém as obedece quando não as quer obedecer e nesse caso não há maneira de as fazer obedecer. Assim entendo que em nome de uma regulamentação jurídica não se pode proibir o avanço da técnica e o progresso da ciência. Por isso pergunto, estes conselhos nacionais deveriam ser autónomos do Conselho Nacional de Ética ao nível europeu, ao nível do Conselho da Europa, ao nível do Parlamento Europeu, ou ao nível das Comunidades Europeias? Ou dada a nossa pequenez e falta de recursos para nos abalançarmos para uma comissão dessas não corremos o risco de fazer apenas uma caricatura de um conselho nacional que não nos irá dar a possibilidade de intervir sobre o que o Sr. Deputado José Magalhães chamou - e muitíssimo bem - de selva bioética? Neste sentido a minha pergunta é a seguinte: atendendo a que actualmente em Portugal há uma selva bioética onde ninguém obedece a nada, será que o tempo necessário para a criação de um órgão desse tipo é compatível com essa selva? Não deveríamos desde já fazer alguma coisa de modo a integrar esse orgão nos organismos supranacionais e ao mesmo tempo criar também um organismo infranacional ao nível dos laboratórios científicos, responsabilizando-os pela falta de ética enquanto não criarmos o conselho? São estas as questões que gostaria que V. Ex.ª me respondesse.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, a finalizar a sua intervenção usou de tempo cedido pelo PRD.
Para responder se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Raposo.
O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por uma questão meramente método lógica começarei por responder ao Sr. Deputado Narana Coissoró.
É evidente que não nos podemos remeter para uma regulamentação internacional que não existe. Na verdade, na reunião internacional decisiva que foi a referida I Conferência dos Ministros da Justiça que teve lugar em Viena, salvo erro em Março de 1985 eu disse uma frase muito bonita, toda a gente disse frases muito bonitas, mas chegou-se a uma total impossibilidade de se criar um órgão organicamente constituído e funcionalmente operativo para encarar estes assuntos.
Portanto temos de nos confinar às realidades nacionais embora com referência a padrões que pertencem por assim dizer ao património comum da humanidade sobretudo àquele que se situa mais próximo de nós, isto é, o da Europa feita dos valores que como há pouco referi provêm da civilização greco-romana e que tem a sedimentação de cargas geracionais que tem vindo a acumular-se ao longo de todos estes séculos.
Por outro lado é evidente que não se pode falar da parcimónia dos nossos recursos porque um conselho nacional como o que está agora configurado - que é visionado no projecto do PS que foi perspectivado em 1986 e 1987 e que será agora certamente encarado pelo Governo - pode contar com alguns dos mais reputados especialistas nestas matérias como é por exemplo o caso do Prof. Luís Archer que certamente ninguém questionará na sua competência e até na sua total imparcialidade.
É curioso que entendi que na comissão de trabalho que em 1986 constitui deveria haver pelo menos um moralista no sentido técnico da palavra. No entanto a verdade é que não encontrei no Prof. Luís Archer o moralista que é porque ele é tão imparcial e tão rigoroso em termos científicos que não obstante a sua natureza, a sua compleição intelectual o que nele surge é fundamentalmente o cientista.
Contudo temos também outros que como se viu nos trabalhos desta comissão - que certamente virão um dia a ser publicados - poderão constituir uma boa base de trabalho para aquilo a que o Sr. Deputado José Magalhães chamou a atenção e que já ai as este e latente em todas as intervenções que é necessidade de um dialogo de um debate de uma controvérsia de um conflito no nobre sentido da palavra sobre tudo isto. Por isso é que saúdo o PS na pessoa do Sr. Deputado Alberto Martins uma vez que foi o nono detonador de uma problematização que estava não digo esquecida, mas diferida na calendarização metodizada pelo Governo e que ainda não tinha sido trazida ao plano imediato da actuação legiferante.
De qualquer modo saúdo todos os contributos que aqui foram dados porque esta não é na realidade uma matéria em que alguém seja detentor da verdade. E uma matéria essencialmente plural. Inclusivamente há determinados temas, determinadas vertentes que para alguns são verdades e que para outros não o são. Porém é exactamente do encontro do cotejo de duas verdades que podemos encontrar a verdade possível e do confronto de duas verdades tidas como absolutas que poderemos encontrar a verdade criativa. De facto tenho para mim verdades absolutas. Porém não as posso impor às outras pessoas.
Já António Machado, cujo cinquentenário do falecimento agora se assinala, referia (eu digo em português
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para não deturpar o seu espanhol): "A verdade não é minha nem é tua, vamos ambos buscá-la."
É fundamental que isto exista. A verdade tem de ser encontrada através de uma actividade plural. Ora este conselho nacional é realmente o caldo de cultura de uma problematização que até agora escasseava.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: -Faça favor, Sr. Deputado. Estamos a começar o diálogo! Vê que está a dar resultado ...?
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado, julgo que V. Ex.ª está a fazer um pouco de confusão sobre a ética e a verdade. É que não estamos, neste debate, a discutir qualquer verdade, porque tal é impossível, pois a verdade de amanhã é o erro de hoje. Na ciência a verdade obtém-se através dos erros que deixaram de ser erros para amanhã serem verdades. Não há verdades científicas, pois se as houvesse não haveria progresso.
Como diz o Prof. Adriano Moreira, nestas coisas a ética anda sempre atrás da ciência, isto é, não há um compasso entre ambas. Ora a verdade da ciência é indesmentível; quando a ciência é ciência, é mesmo verdade, pois não há duas verdades!
O que V. Ex.ª quer dizer é que a ética pode ser diferente para um cristão, para um islâmico, para um hindu ou para um ateu. Porém, dizer que há duas verdades e que há que as balançar é que não me parece muito exacto ...
O Orador: - Essa é uma questão de palavras. O Sr. Deputado chama "verdade" àquilo que eu chamo "ética". Trata-se de uma questão meramente terminológica. Penso que não há qualquer confusão. O Sr. Deputado é que a estabeleceu em relação ao meu padrão de terminologia, porque tem outro diferente.
A verdade é um conjunto de conceitos, de valores e de pontos referenciais que adoptámos e que se poderá chamar ética, chamar verdade, chamar fundo comum ou que se poderá chamar outra coisa qualquer. Mas realmente o termo mais dignificado e mais apto a qualificar esta realidade será o de ética, e esta tenderá sempre a aproximar-se tanto quanto possível da verdade.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Mário Raposo, peco-lhe que termine.
O Orador: - Sr.ª Presidente, não tive culpa de que a verdade do Sr. Deputado Narana Coissoró não coincidisse com a minha ética, e vice-versa.
Quero dizer ainda que foi um debate extremamente útil, que revelou as virtualidades de um Parlamento, o que também é uma coisa muito importante, porque um Parlamento não é só um órgão de conflito, um centro de duelos, um centro de contraposições. Nele também poderemos tentar encontrar por vezes a autenticidade das soluções consensuais, porque cada um de nós tem sempre a verdade, nenhum de nós vem para cá tentar inculcar alguma coisa que não seja verdade, mas por vezes as nossas próprias verdades estarão mais distanciadas do que neste caso. A nossa verdade aqui é, no fundo, o homem!'
É por ele que lutamos. Pela sua vida, pelo seu futuro, que, no fundo, é o futuro da humanidade!
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr.ª Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: As ciências da vida, que desde tempos imemoriais atraíram os maiores espíritos de cada época, registaram um desenvolvimento notável a partir de meados do século XIX, desenvolvimento que se tornou espectacular nos últimos decénios.
É que ao estudo da vida através dos órgãos e das funções sucederam-se as incursões dos investigadores no microcosmos celular e molecular, com resultados que suplantam em importância a contemporânea pesquisa espacial, pela luz que têm lançado sobre a natureza e a essência dos fenómenos vitais. Mas a supremacia destas investigações é ainda mais acentuada pelas perspectivas que estão a ser criadas quanto ao nascimento de um novo poder, que pode influenciar para o bem ou para o mal a vivência do homem e a história da humanidade, conforme o uso que dele venha a ser feito. Daí os sentimentos contraditórios que estão despertando e que teólogos, médicos, psicólogos, juristas e sociólogos tentem deliberar sobre a definição dos parâmetros de uma nova ética e da regulamentação jurídica a que deverão subordinar-se tais investigações.
Os conhecimentos já adquiridos são tão inovadores e aumentam a uma cadência tão rápida que obras valiosas de divulgação como O Homem, Esse Desconhecido, de Alexis Carrel, best-seller dos anos 50 e lido com encanto por várias gerações, estão hoje totalmente ultrapassadas e apenas conservam o mérito da sua contribuição para a história da ciência.
Os nossos conhecimentos em áreas como as da hereditariedade e da engenharia genética, da fecundação artificial, da cultura de tecidos m vitro, da imunologia e transplante de órgãos e da biotecnologia estão não só a aumentar o arsenal terapêutico posto à disposição dos médicos, mas estão também a possibilitar a supressão, pela prevenção ou pela cura, de malformações e de doenças ligadas ao património genético do homem que até agora se transmitiam ininterruptamente de geração em geração.
Mas a aplicação destas técnicas não tem sido pacífica e é frequente cruzarem-se as vozes dos seus entusiastas defensores com as dos que as condenam por alterarem as leis naturais e pelos malefícios que delas podem advir.
Embora de modo superficial e com a mirada de um médico, abordemos algumas das mais controversas.
Pode dizer-se que um dos sinais de partida para a escalada dos conhecimentos no campo da genética foi dado por Mendel, ao descobrir as suas famosas leis da hereditariedade e a existência dos caracteres dominantes e recessivos.
Depois, a descoberta dos cromossomas, onde se localizam os genes, que são o sustentáculo dos caracteres hereditariamente transmitidos, e a descoberta das moléculas de ácido desoxiribonucleico -o conhecido ADN - como substracto bioquímico dos genes deram lugar à genética molecular, e com ela ao avanço espectacular a que se está assistindo e que abre perspectivas promissoras nos campos da medicina, da indústria e da agricultura.
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No campo da medicina a genética molecular, está dando lugar a uma renovação sem precedentes pondo ao nosso alcance o conhecimento dos mecanismos de transmissão de muitas doenças hereditárias e portanto a sua prevenção o diagnóstico antenatal destas doenças a correcção ou a eliminação de algumas delas e ainda a produção biológica de no as substancias terapêuticas Isto está a ser possível pela dentificação dos genes anormais cuja presença dá origem a doenças como a mucovisc dose, o mongolismo, a hemofilia, a distrofia muscular e muitas outras já referenciadas e que me dispenso de citar e dos genes que comandam a produção de certos enzimas de hormonas como a insulina de anticorpos como os já utilizados na preparação da vacina contra a hepatite B e substâncias como o interferon e a interleucina tão promissora no tratamento do cancro.
E é de esperar que o levantamento da carta cromossómica prossiga não sendo utópico vaticinar que a estrutura do genoma humano seja conhecida até aos fins do século com as consequências que se adivinham.
Mas isto só tem sido possível pelo desenvolvimento das técnicas, de manipulação dos genes que permitem cortar um fragmento de ADN suturar entre si fragmentos de ADN de espécies diferentes, suprimir um gene e proceder à sua substituição e ainda inserir em células hospedeiras preparadas (bactérias ou células animais em cultura) genes a que lhes são estranhos e que lhes vão ordenar o fabrico de uma determinada proteína.
Ora são estas técnicas de manipulação que levantam forte contestação por haver o temor de poderem ser encaminhadas de modo a não respeitar os direitos era dignidade dos seres humanos, suscitando assim problemas de ordem social, ética e jurídica.
Algo de semelhante se passa com a procriação artificial. Na realidade os progressos da genética e da cultura de tecidos e a sua conservação trouxeram possibilidades ao tratamento da infertilidade que não estavam previstas nos modelos tradicionais da actuação dos médicos e daí alguma perturbação que se observa mesmo no seio da classe médica.
Lembremos só que a fecundação artificial se pode realizar por dois processos dispensando qualquer deles, o acto sexual o da inseminação artificial e o da fecundação.
A fecundação artificial tem os seus detractores que alegam serem os métodos antinaturais poderem trazer perturbações psicafectivas às crianças e serem geradores de conflitos no seio do casal e de questões jurídicas relacionadas com a paternidade e com a maternidade.
Mas a verdade é que os métodos de fecundação artificial leram resolver casos de infertilidade até agora sem solução e abrem perspectivas para por termo ao nascimento de crianças com malformações e outras anomalias congénitas minorando assim o sofrimento humano.
Dos dois métodos o mais contestado é o da fertilização in vitro já que a inseminação artificial é hoje praticamente aceite apenas com a restrição desejada por alguns de ser exclusivamente praticada em famílias estáveis para salvaguardar o direito do menor à família.
Quanto à fertilização in vitro levantam-se críticas sobretudo no que diz respeito ao problema das mães hospedeiras e dos embriões. O método das mães hospedeiras tem encontrado a oposição de muitos sectores da sociedade por afrontar a dignidade da mulher, por desrespeitar a maternidade e por estar a dar lugar a uma inaceitável exploração mercantil para além dos problemas morais e jurídicos que também levanta.
Mas pondo de parte a exploração mercantil e o egoísmo de algumas mulheres que pretendem ter um filho mas sem suportarem o desgaste e o incómodo da gravidez, há casos humanos cujo apelo deve ser ouvido pelos médicos e pela sociedade Referimo-nos aos casais que pretendem um filho mas onde a mulher por doença grave ou por se ter tornado estéril pela ablação do útero mas tendo conservado os o ar os não pode engravidar e lhe resta apenas o recurso a um útero de empréstimo. Cremos que é legitimo procurar para estes casos soluções jurídicas que permitam a utilização do método sem os riscos que se lhe apontam.
Mas a grande contestação à fecundação in vitro está ligada ao problema dos embriões. Para além do processo que lhes deu origem questiona-se sobre o destino a dar aos embriões excedentes que podem hoje ser conservados em meios de cultura ou por congelamento.
Existiriam assim condições para ser criado um mercado para a sua venda a outros casais ou para os embriões poderem vir a ser utilizados em manipulações genéticas tendo em vista a selecção do seio ou obter alterações somáticas e mesmo psíquicas num futuro próximo que possam ser contrárias à dignidade do ser humano.
Por último teme-se que o desenvolvimento do embrião em cultura possa um dia vir a permitir que para além do acto sexual se prescinda também do útero materno para levar ao fim a gestação.
Todas estas possibilidades são contrárias às leis naturais e são motivo suficiente para os que assim pensam, para que o método seja condenado e não deva ser praticado. Mas a verdade é que este método é o único que pode resolver certos casos de infertilidade dando assim satisfação ao desejo de muitos casais de terem um filho desejo respeitável e que por isso não deve ser recusado desde que se respeitem certos condicionamentos.
Naturalmente que em muitas das críticas citadas estão implícitos os receios de que os progressos da genética tentem os cientistas a produzir monstros homens predestinados à execução de certas tarefas servos e super homens dando-se assim realidade ao mundo de ficção dos Frankenstein ou das sociedades descritas por A. Huxley no seu Admira el Mundo Novo.
No entanto pode aceitar-se que algumas destas técnicas colocam ou podem colocar problemas morais de ética e jurídicos ainda por resolver e que exigem para sua solução o parecer de vários sectores da sociedade e um debate alargado como está acontecendo em muitos países embora mande a verdade que se diga que até agora o balanço da aplicação dos progressos das ciências da vida tem sido altamente positivo para o homem e para a sociedade.
Mas não é apenas o problema da manipulação genética da fecundação artificial ou dos ensaios de novas terapêuticas que está em causa.
Sabe-se que há hoje técnicas que permitem considerar a vida vegetativa por tempo indeterminado na ausência de quaisquer sinais de actividade cerebral.
E ainda do conhecimento geral que é nesta situação que se deve proceder a colheita de certos órgãos para ser fiável o transplante.
Também aqui se põem problemas legais e morais graves ainda não satisfatoriamente resolvidos. E indispensável legalizar os critérios que definem a morte e controlar a sua aplicação a estas situações por serviços
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especializados que assumam a responsabilidade quer pela cessação das técnicas de reanimação quer pela colheita dos órgãos.
De tudo o que fica exposto pode concluir-se do nosso acordo quanto à necessidade dos debates e pareceres atrás sugeridos que levem à formulação e legalização de uma nova bioética, pelo que consideramos extremamente importante e urgente a criação da comissão nacional de ética para as ciências da vida, agora proposta pelo Partido Socialista, mas já entrada nesta Assembleia em Junho de 1989. A necessidade é tão grande que os próprios médicos se estão antecipando e espontaneamente criaram já comissões de ética nos hospitais, embora estas tenham um objectivo menos lato.
Mas as conclusões e as medidas cautelares que venham a ser expressas nos conceitos e regras do novo código ético para a investigação científica não deverão, em quaisquer circunstâncias, pôr entraves ao desenvolvimento da ciência.
Uma resolução do Parlamento Europeu relativamente recente salienta e determina a liberdade fundamental da ciência e investigação, como já foi aqui referido pelo meu camarada Alberto Martins. Há que acreditar na ciência e nos cientistas e evitar a repetição de episódios como o de Galileu.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes.
A Sr.ª Teresa Santa Clara Gomes (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Até há bem pouco tempo, os problemas éticos postos pelos avanços científicos colocavam-se quase exclusivamente ao nível das aplicações e consequências das novas descobertas. Era então fácil estabelecer fronteiras entre ciência e tecnologia e atribuir-lhes sistemas de valores autónomos: enquanto as tecnologias eram consideradas boas ou más, segundo os fins para que eram utilizadas, a ciência era apreciada na sua bondade intrínseca e a sua ética guiada pelo princípio de conhecer sempre mais e melhor.
Com o desenvolvimento das ciências da vida, o conhecimento em si mesmo deixa de ser neutro. Cada nova descoberta pode pôr em movimento estímulos biológicos, reacções em cadeia capazes de alterar a vida.
Para o cientista do nosso tempo, "conhecer é já intervir", diz o filósofo francês Michel Serres. E, de facto, a evolução das ciências da vida parece confrontar-nos com uma nova ética do conhecimento: "A moral já não depende apenas das aplicações da ciência, mas acompanha-a em cada novo passo da conduta especulativa." Os próprios processos do conhecimento e da experimentação se instauram como problemas éticos.
Não admira, assim, que à questão fronteira de saber se existem ou não limites ao conhecimento dos mistérios da vida nenhum cientista saiba dar resposta.
A atitude do Prof. Jacques Testard, ao tornar públicas as razões que o levaram a abandonar certos domínios da investigação biogenética, não veio senão confirmar a necessidade urgente de instaurar mecanismos de diálogo permanente entre a comunidade científica e o conjunto do corpo social. Essa será, sem dúvida, uma das missões primordiais do futuro conselho nacional de ética para as ciências da vida.
Srs. Deputados, não podemos iludir-nos: tem sido dito claramente que a revolução biotecnológica poderá vir a ser a revolução mais profunda que o mundo conheceu.
A tal ponto poderão ser afectados os nossos modelos civilizacionais que há mesmo quem tenha afirmado que a própria unidade de poder nas nossas sociedades, até agora identificada com padrões financeiros - sejam eles o ouro ou o dólar-, poderá, num futuro não muito distante, vir a converter-se num outro padrão: "o padrão genes".
O papel do conselho nacional de ética para as ciências da vida não será, no entanto, o de se pronunciar por ou contra as descobertas da ciência. Os benefícios potenciais das novas conquistas do saber biomédico são tais que seria inadmissível deixarmo-nos vencer por cenários catastróficos, demitindo-nos face à urgência de questões decisivas cuja resposta não pode ser adiada.
Importa é, à partida, pôrmo-nos de acordo sobre um certo número de salvaguardas, a que todas as comissões congéneres, já existentes noutros países, se têm mostrado sensíveis.
Em primeiro lugar, a questão do equilíbrio da vida no planeta: está em causa a permanência das espécies; está em causa a salvaguarda da condição humana, na sua dignidade essencial.
É certo que os cientistas dizem que a revolução biotecnológica ainda não começou. Mas os seus prenúncios alertam-nos para a impredictabilidade das suas consequências. As alterações da vida poderão vir a ter resultados que quase põem em causa a capacidade de análise da inteligência humana.
Por isso se pedirá cada vez mais aos cientistas uma atitude de reverência perante o mistério da vida, para que o respeito pelo universo criado triunfe sobre a manipulação das espécies, para que a dignidade da pessoa humana não saia ferida desta nova aventura do espírito, que toca não só o corpo mas também a alma.
Uma segunda precaução refere-se aos efeitos das novas biotecnologias no equilíbrio social à escala do planeta e no interior de cada país.
"Qualquer nova tecnologia introduzida numa sociedade que não assente em sólidos princípios de justiça social tende a exacerbar as disparidades entre ricos e pobres", afirma a Declaração de Bogese, redigida por um grupo de cientistas ao mais alto nível, reunidos em França em 1987.
E, de facto, a experiência mostra que, se o problema é a injustiça, a solução não é, na maior parte dos casos, a tecnologia. Nada nos leva a supor que, deixada a si mesma, a lógica económica da evolução das ciências da vida venha a fugir a esta regra.
Daí a atenção requerida não só dos governos mas de todos os órgãos que doutrinam, aconselham e legislam para que a utilização das novas biotecnologias não venha a agravar injustiças, mas contribuir para as superar. O encontro de soluções para as necessidades dos mais carenciados terá sempre de ter prioridade sobre outras utilizações mais sofisticadas da ciência e da técnica. As biotecnologias pertencem à ordem dos meios; a justiça e o bem-estar social são da ordem dos fins.
Finalmente, a comissão não poderá deixar de preocupar-se com a questão do controlo social sobre os resultados e as aplicações das descobertas realizadas. O perigo de que a manipulação da vida se torne monopólio de algumas (poucas) empresas multinacionais gigantes já não é ficção científica, é realidade.
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Em alguns. países os produtos e processos da biotecnologia são já propriedade privada e secreta de algumas firmas. Ora se de todas as tecnologias há uma que deve permanecer nas mãos de todo o corpo social, essa tecnologia é a que mais directamente diz respeito à vida.
Esperamos, por isso, que no nosso país a criação da comissão nacional de ética para as ciências da vida se faça acompanhar de um esforço sério e consistente de elucidação da opinião pública.
Cada cidadão terá de saber e sentir que as ciências da vida dizem, por definição, respeito à vida de todos e de cada um. Sem isso a comissão será mais um órgão certamente válido e oportuno, do ponto de vista formal, mas vazio da dimensão participativa que o estrutura enquanto instituição democrática.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Há uma ética na criação de um conselho nacional de ética para as ciências da vida. Ora essa ética passa pela procura do maior consenso possível no que se refere à instituição, à composição e aos fins do órgão a criar.
Na matéria em causa só o consenso é caminho para o bom senso. Por isso aqui reforço, uma vez mais, o apelo para que deixemos de lado os interesses menores da competição política para, em conjunto e a partir da iniciativa legislativa do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, fazermos face à enorme complexidade dos problemas que hoje aqui debatemos.
Aplausos gerais.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, dou por encerrado o debate do projecto de lei n.º 420/V.
A próxima reunião plenária terá lugar na quinta-feira, dia 2, pelas 15 horas, com a seguinte ordem- do dia: apreciação do projecto dê lei n.º 406/V (PS), sobre a autonomia administrativa e financeira da Presidência da República, votações de alguns diplomas e o novo! sufrágio dos candidatos não eleitos para a Mesa da Assembleia da República.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 45 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
António Abílio Costa.
António José Caeiro da Mota Veiga.
Arménio dos Santos.
Carla Tato Diogo.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Francisco João Bernardino da Silva.
José de Vargas Bulcão.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Manuel Ferreira Martins.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
João António Gomes Proença.
José Luís do Amaral Nunes.
Partido Comunista Português (PCP):
Maria Luísa Amorim.
Centro Democrático Social (CDS):
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António Augusto Lacerda Queirós.
António José Coelho Araújo.
António Maria Pereira.
António Mário Santos Coimbra.
António da Silva Bacelar.
Carlos Alberto Pinto.
João José da Silva Maçãs.
José Júlio Vieira Mesquita.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Pereira.
Mário Jorge Belo Maciel.
Partido Socialista (PS):
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Domingos Azevedo.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Manuel Martins Val César.
João Barroso Soares.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Partido Comunista Português (PCP):
Ana Paula da Silva Coelho.
António da Silva Mota.
Domingos Abrantes Ferreira.
Eduarda Maria Castro Fernandes.
Jerónimo de Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Antunes Mendes.
Lino António Marques de Carvalho.
Octávio Rodrigues Pato.
Centro Democrático Social (CDS):
José Luís Nogueira de Brito.
Deputados independentes:
Jorge Pegado Liz.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
Os REDACTORES: Ana Marques da Cruz - José Diogo - Maria Leonor Ferreira - Cacilda Nordeste.
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DIÁRIO da Assembleia da República
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