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Sexta-feira, 17 de Novembro de 1989

I Série - Número 15

DIÁRIO

Da Assembleia da República

V LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1989-1990)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 DE NOVEMBRO DE 1989

Presidente: Exmo. Sr. José Manuel Mala Nunes de Almeida

ecretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Calo Roque
Júlio José Antunes Daniel
Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.
Deu-se conta da apresentação do projecto de lei n. º 446/V (PCP) e da ratificação n. º 99/V (PCP).
Foi aprovado um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos relativo à substituição de deputados do PSD e do PS.
Após intervenções dos Srs. Deputados José Magalhães(PCP), Carlos Encarnação e Pais de Sousa/PSD/Almeida Santos (PS) e Narana Coissoró (CDS), a Câmara aprovou um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,- Liberdades e Garantias sobre o recurso Interposto pelo PCP quanto a admissão da proposta de lei n. º 121/V (Lei quadro das privatizações).
Em consequência, procedeu-se d discussão conjunta, na generalidade, da referida proposta de lei e do projecto de lei n. º 141/V (PS), sobre a mesma matéria. Intervieram no debate, a diverso título, além dos Srs. Ministros das Finanças (Miguel Cadilhe) e Secretário de Estado Adjunto e das Finanças (Faria de Oliveira), os Srs. Deputados Octávio Teixeira e Jerónimo de Sousa (PCP), Jorge Sampaio (PS), Nogueira de Brito (CDS), Rui Machete (PSD), Vítor Ávila (PRD), José Magalhães (PCP), Vieira de Castro, Carlos Encarnação e Silva Marques (PSD), António Guterres (PS), Carlos Lilaia (PRD), Oliveira de Maios (PSD) e João Proença (PS).
Entretanto, a Câmara saudou o regresso do Sr. Deputado Nogueira de Brito (CDS), vítima do acidente na Jamba, que aproveitou o ensejo para agradecer as manifestações de solidariedade que lhe foram presentes.
Foi aprovada, em votação final global, a proposta de lei n.º 72/V - Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres -, após rejeição de requerimentos de avocação pelo Plenário, apresentados pelo PS e pelo PCP, de vários artigos do diploma. No final, produziram declarações de voto os Srs. Deputados Jorge Coelho (PS) e Luís Roque (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 23 horas e 20 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Amândio Santa Cruz" Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Abrantes Pereira.
António Augusto Lacerda Queirós.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Coelho Araújo.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arlindo da Silva André Moreira.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
(Casimiro Gomes Pereira.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Flaustino José Ferreira da Silva.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva:
João .Domingos F. de Abreu Salgado.
João José da Silva Maçãs.
João Soares Pinto. Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Luís Vieira de Castro.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Luís António Damásio Capoulas. Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Pereira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Rui Gomes da Silva
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.

Partido Socialista (PS):

Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel de Morais Barreto.
Carlos Cardoso Laje.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Martins Vale César.
Custódio João Maldonado Freitas.
Edite Fátima Matreiros, Estrela.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Edmundo Pedro.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.

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Francisco Fernando Osório Gomes.
Henrique do Carmo Carmine.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luis Costa Catarino.
Jorge Paulo Almeida Coelho.
José Apolinário Nunes. Portada.
José Barbosa Mota.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Sequeira Rodrigues.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António da Silva Mota.
Carlos Alfredo Brito.
Domingos Abrantes Ferreira.
Eduarda Maria Castro Fernandes.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Luís Maria Bartolomeu Afonso Palma.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Octávio Augusto Teixeira.
Sérgio José Ferreira Ribeiro.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
José Carlos Pereira Lilaia.
Vítor Manuel Ávila da Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Basílio Adolfo de M. Horta da França.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista os Verdes (MEP/PEV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.

Deputados independentes:

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Pegado Lis.
Maria Helena Salema Roseta.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr: Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 446/V, apresentado pelos Srs. Deputados Rogério Brito e outros, do PCP, que institui um novo regime para o seguro agrícola, eficaz e acessível aos agricultores, ampliando e diversificando a sua incidência, com vista a melhorar a segurança da actividade produtiva, que baixou à 11.ª Comissão; ratificação n.º 99/V, apresentada pelos Srs. Deputados Vítor Costa e outros, do PCP, relativa ao Decreto-Lei n.º 350/89, de 13 de Outubro, que uniformiza a contratação de pessoal docente não pertencente aos quadros nos vários graus de ensino - primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 35/88, de 4 de Fevereiro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deu também entrada na Mesa um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos, que vai ser lido pelo Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (Júlio Antunes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos, é do seguinte teor:

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos

Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos, realizada no dia 16 de Novembro de 1989, pelas 15 horas, foram observadas as seguintes substituições de deputados:

Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata:

Pedro Miguel Santana Lopes (círculo eleitoral de Lisboa) por José Luís Campos Vieira de Castro [esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85,. de 13 de Março (Estatuto dos Deputados) para o período de 16 a 30 Novembro corrente, inclusive].

Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista:

Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes (círculo eleitoral de Lisboa) por Edmundo Pedro [esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados) para o período de 16 a 30 de Novembro corrente, inclusive].

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.

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Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD), presidente - Álvaro José Rodrigues de Carvalho (PSD) - Arlindo da Silva André Moreira (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - José Guilherme Pereira C. dos Reis (PSD) - José Manuel da Silva Torres (PSD) - Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD)- Manuel António Sá Fernandes (PSD) - Reinaldo Alberto Ramos Gomes (PSD) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Herculano da Silva Pombo M. Sequeira (PEV).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Como não há objecções, vamos proceder à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do CDS e dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

O Sr. António Guterres (PS): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, é apenas para informar que no «Boletim Informativo» que hoje nos foi distribuído menciona-se, por lapso, que no próximo dia 30 será debatido o projecto de lei n.º 364/V - Condicionamento da plantação de eucaliptos. No entanto, o projecto de lei que está agendado para esse dia é o n.º 423/V - Fomento florestal das espécies de crescimento lento.
Do facto demos já conhecimento ao Sr. Presidente da Assembleia da República, mas não queria deixar de assinalar, também aqui, este lapso.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado. A Mesa já tinha notado esse lapso e já tinha mandado rectificar o documento em causa.
Srs. Deputados, entramos na apreciação do relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativamente ao recurso interposto por deputados do Grupo Parlamentar do PCP quanto à admissão da proposta de lei n.º 121/V - Lei quadro das privatizações.
Este relatório e parecer foi já distribuído aos Srs. Deputados, aos quais peço que informem a Mesa se prescindem ou não da sua leitura.

Pausa.

O Sr. Secretário vai, pois, proceder à leitura do relatório e parecer indicado.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - O relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é do seguinte teor:

Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o recurso Interposto por deputados do Grupo Parlamentar do PCP quanto a admissão da proposta de lei n.º 121/V - Lei quadro das privatizações.

1.1 - Com a presente iniciativa legislativa pretende o Governo, «concluída que está a revisão da Constituição, dar um novo passo e ir bastante mais além na privatização do sector empresarial do Estado». Do que se trata para o Executivo, conforme assinala na nota justificativa da sua proposta de lei, é de, «ultrapassado que está o postulado constitucional da irreversibilidade das nacionalizações», elaborar «uma nova lei quadro que contemple a filosofia, os princípios e os objectivos que norteiam a estratégia de reprivatizações em Portugal», de harmonia com o n.º 1 do artigo 85.º da lei fundamental, o que implica a revogação da Lei n.º 84/88, de 20 de Julho, além de que, em conformidade com o novo texto constitucional, que consagra uma «maior flexibilização de procedimentos», o Governo pretende que a nova lei quadro não abdique de regras essenciais ou prescinda «da objectividade de critérios e da transparência de processos» que as reprivatizações sempre reclamam.

1.2 - Foi a proposta de lei admitida, facto com que não se conformaram alguns Srs. Deputados do PCP.
Daí o recurso presente, onde aqueles parlamentares aduzem que a proposta viola o disposto nos artigos 85.º, n.º 1, e 296.º da Constituição, face às suas seguintes «características»:

a) A remissão para o diploma regulador da reprivatização de cada empresa da fixação do limite máximo adquirível por entidades não públicas nacionais ou estrangeiras;
b) Uma completa indefinição de critérios de escolha e garantias de independência das entidades avaliadoras dos bens a reprivatizar;
c) A devolução para o Governo do poder de optar, arbitrariamente, pela quebra da regra do concurso público constitucionalmente preferencial e só exceptuável em condições precisas a definir pela Assembleia da República;
d) A omissão de quaisquer indicações, limites ou critérios para a fixação do montante de capital a reprivatizar reservado a trabalhadores, pequenos subscritores e emigrantes;
e) Mera reprodução de princípios gerais já constantes na Constituição (que à lei caberia desenvolver), tanto quanto ao destino de receitas obtidas como quanto aos direitos dos trabalhadores;
f) A omissão de quaisquer traços realmente definidores do processo de reprivatização de direitos de exploração de bens nacionalizados;

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g) A revogação, sem definição específica do quadro aplicável, do regime aprovado pela Lei n.º 84/88, de' 20' de Julho, cuja alteração é cometida ao Governo, sendo certo que só pela Assembleia da República pode ser operada.
2.1 - É patente que no n.º 1 do artigo 85.º o legislador constítucional definiu os termos em que a «reprivatização da titularidade ou do direito de exploração e outros bens nacionalizados depois de 25 de Abril de 1974» deverá efectuar-se, ao remeter para o legislador ordinário a elaboração de lei quadro (a aprovar por maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções), com necessária observância dos princípios limites constantes do novo artigo 296.º da Constituição.
2.2 - À revisão constitucional de 1989 não terá sido indiferente o ingresso do País na Comunidade Europeia, sendo que o modelo de economia de mercado, ainda que em forma mista, é hoje inequívoco no texto da Constituição, tudo impondo ao legislador uma nova intervenção normativa.
A chamada «Constituição económica» foi, assim, substancialmente alterada, com o fim do princípio da irreversibilidade das nacionalizações e toda a desdogmatização operada nesta parte do texto.
Pode hoje afirmar-se que as concepções da democracia e do pluralismo se sobrepuseram definitivamente às leituras colectivistas e marxizantes.
3.1 - Mas será que com a sua proposta de lei o Executivo viola, ou sequer agride, os artigos 85.º, n.º 1, e 296.º da Constituição?

A referência expressa no n.º 1 do artigo 85.? à «lei quadro» reclama uma reflexão adicional sobre esta categoria legal.
Não temos dúvidas em afirmar, num primeiro momento, que as leis-quadro evidenciam um «propósito impulsionador», estabelecendo tão-só as grandes linhas ou princípios da actividade do Governo num determinado domínio.

3.2 - Do ponto de vista da doutrina, inexiste qualquer rigidez de consideração teórica do problema.
Como escreve o Prof. Gomes Canotilho (in Direito Constitucional. 4.1 ed., p. 623):

Nem sempre as leis de bases se conseguiram manter com os seus contornos ortodoxos, isto é, disposições votadas pelo Parlamento, limitadas ao estabelecimento das bases ou princípios a que o Governo deverá dar operatividade prática através dos decretos de desenvolvimento. Umas vezes, começam a entrar em detalhes, fornecendo não apenas a moldura, mas ocupando o espaço do próprio quadro; outras vezes, nem sequer se estabelecem os princípios ou bases gerais. Sugerem-se apenas os fins, deixando inteira liberdade ao Governo para escolher os meios. No primeiro caso, as leis quadro em nada se distinguem das leis ordinárias; no segundo, aproximam-se de um outro tipo de leis - leis de autorização legislativa (leis de delegação, leis de habilitação).
4.1 - Ao porem em causa a observância pela proposta de lei dos princípios fundamentais da norma transitória contida no artigo 296.º da Constituição, os deputados do PCP, ora recorrentes, trilham uma concepção doutrinal a respeito das lois-cadre, com o que não deixam de trazer à colação a problemática das relações entre o Parlamento e o Governo.
4.2 - Todavia, afigura-se-nos que nenhum dos cinco princípios limites que as reprivatizações terão de, necessariamente, observar (cf. artigo 296.º) é posto em crise. Com efeito, nenhum daqueles princípios fundamentais é omitido pela proposta de lei ou sequer transgredido de forma patente.
Com o que, ao menos formalmente, não vislumbramos qualquer desconformidade com a lei fundamental.
4.3 - E do ponto de vista da Constituição material?
Sempre se dirá que não é este o momento, nem a sede própria para tomar posição definitiva sobre tal questão.
No que não faz sentido antecipar-se a Assembleia da República- a uma eventual intervenção, se necessária e como tal requerida a seu tempo, do Tribunal Constitucional.
A Assembleia da República, no pleno respeito dos comandos do n.º l do artigo 85.º e do artigo 286.º da Constituição, traçará soberanamente a moldura que regerá o exercício da actividade governamental; do seu lado, o Governo prosseguirá a eficácia, ao editar os decretos-leis de desenvolvimento da lei quadro aprovada pelo orgão representativo.
Em foco sempre estará, seguramente, o problema da margem de discricionariedade do Governo. Só que não se podem olvidar os mecanismos de fiscalização política e legislativa da própria Assembleia da República e, desde já, o facto de se estar rigorosamente no início de um processo legislativo.
4.5 - Certo é, há-de reconhecer-se, que a proposta de lei não viola, de forma patente, qualquer norma constitucional.
Cumpre, ao menos formalmente, todos os princípios vertidos pelo legislador constituinte no artigo 296.º, não se vendo em que é que o n.º 1 do artigo 85.º possa ter sido transgredido.
5 - Com os fundamentos supraexpostos se emite o parecer de que a proposta de lei n.º 121/V não está em desconformidade com a Constituição, pelo que foi correctamente admitida, devendo ser objecto de debate em Plenário.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 121/V é inconstitucional.
Na redacção com que nos foi apresentada, subscrita pelo Governo, não é, verdadeiramente, ao contrário do que afirma, uma lei quadro. É, antes, a terceira revisão da Constituição, feita quatro meses depois da entrada em vigor da segunda revisão constitucional. É a revisão da revisão, a lei quadro que rebenta o quadro que foi confeccionado recentemente e que entrou em vigor no dia 8 de Agosto de 1989.

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A questão é, pois, grave, dado que o Governo não pode ter deixado de se aperceber que houve uma revisão constitucional e que a revisão constitucional não consagrou o projecto do PSD. Se a revisão tivesse consagrado o projecto do PSD, esta lei quadro seria inteiramente constitucional! Mas não consagrou!
Quanto ao alcance da revisão constitucional, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não há querela possível. Não há querela sobre a possibilidade de privatizações!... Eis uma questão que ficou arrumada na revisão constitucional!
Mas o debate constitucional e político é, agora, sobre as regras, os princípios, as cautelas, os objectivos, as competências, os poderes dos diversos órgãos de poder, as garantias de transparência, as garantias da boa afectação das receitas e de lisura de procedimento.
Há regras fixadas constitucionalmente, há cautelas fixadas constitucionalmente, fracas e insuficientes, embora.
Pela nossa parte, aleitámos para esse facto na altura própria. Alertámos para isso em termos críticos, sublinhámos os perigos, sublinhámos a previsível má-fé do PSD nesta matéria e confirma-se plenamente essa má-fé negociai, que presidiu à celebração do acordo de revisão constitucional e à aprovação do texto constitucional na redacção que agora entrou em vigor.
Dizia o Sr. Deputado Almeida Santos, na altura da votação final global da lei da revisão constitucional: «A Constituição deixa de ser, como é, a única Constituição conhecida a colocar o sinal vermelho na via da privatização de bens colectivizados, mas nem por isso a reprivatização passa a ser incontrolada. A Constituição sujeita-a a regras de forma e de afectação das consequentes receitas que não poderão ser afectadas a despesas correntes. Assegurou-se, ainda, a avaliação prévia dos valores a reprivatizar por mais de uma entidade independente, bem como a garantia dos direitos dos trabalhadores.» E concluía: «Trata-se de princípios constitucionais, não de meras recomendações postergáveis. Os governos, este ou qualquer outro, por mais que nisso se empenhem, não podem fazer o que quiserem.»
Eis o que ficou dito, eis o que é infirmado pela proposta governamental.
A proposta governamental não é, de facto, uma lei quadro, mas é a demonstração metódica de que este concreto Governo se arroga o poder de fazer o que entende dever fazer à luz de qualquer baia, regra, limite ou bitola fixada pelo Parlamento.
Quis a Constituição que esta lei quadro fosse desde logo verdadeira e própria e não uma autorização legislativa em branco; quis que fosse aprovada por maioria absoluta; quis que os princípios constitucionais fixados no artigo 296.º fossem desenvolvidos, regulamentados e explicitados por esta lei quadro, que, repilo, não pode ser aprovada por uma maioria ordinária.
Quer o Governo o quê? Basta ler a proposta de lei para o saber, Srs. Deputados. Onde a lei devia afirmar «o Governo deve...», a proposta de lei afirma, sistematicamente, «o Governo pode...». Não se define o regime dos limites máximos adquiríveis por entidades públicas, nacionais ou estrangeiras. O Governo «pode» fixá-lo livremente! ...O Governo «pode» fixar os critérios de escolha e as garantias das entidades avaliadoras dos bens a reprivatizar. Como entender?
A proposta de lei devolve ao Governo o poder de optar, arbitrariamente, pela quebra da regra básica do concurso público preferencial, que é constitucionalmente obrigatória e só executável em condições muito precisas, que só esta Assembleia pode definir.
A proposta governamental não define qualquer indicação, qualquer limite, qualquer critério para a fixação do montante do capital a reprivatizar reservado a trabalhadores, pequenos subscritores e emigrantes.
A proposta limita-se a reproduzir, nuns pontos, os princípios constitucionais. Mas para isso já há a Constituição, não era precisa a proposta!...
Noutros pontos, por omissão e por silêncio, a proposta de lei dá ao Governo, por exemplo, o poder de definir como entender os direitos de reprivatização, as formas de exploração de bens nacionalizados, absolutamente segundo o seu critério arbitrário.
Por outro lado, revoga o quadro aprovado por esta Assembleia da República sobre a privatização de 49 % e permite ao Governo imaginar e reconstruir, como quiser, o regime jurídico aplicável a esse tipo de operações.
A proposta, em suma, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, não é uma lei quadro, é um poema às privatizações «à Cadilhe». É um poema, ainda por cima, etéreo, indefinido, indefinidor de qualquer quadro que seja digno desse nome. É um hino, mas é um quadro em branco.
Isso, como é óbvio, viola a Constituição na redacção decorrente da segunda revisão.
É chocante! E é chocante sobretudo porque este foi um aspecto crucial do processo de revisão, foi um aspecto intensamente discutido, em que as propostas apresentadas pelo Partido Socialista, tendentes a acautelar certos aspectos mas decaindo já de um conjunto de garantias que bem necessárias seriam...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, agradecia que terminasse, pois já ultrapassou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente. Termino já. Até se atingir este núcleo mínimo. O Governo agarra neste núcleo mínimo, lança-o fora, e pretende sair da Assembleia da República com uma autorização em branco.
Concluo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, dizendo que se esta proposta sair da Assembleia da República como aqui entrou, ela é inconstitucional e como tal deverá ser declarada, com alto grau de probabilidade.
Isto conduz-me à última interrogação: poderá acontecer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o Governo ignore este facto? Será que o Governo não leu a Constituição? Será que o Sr. Ministro Cadilhe leu a Constituição com o mesmo espírito com que lê, desplicentemente, o Código da Sisa? Será que o Sr. Primeiro-Ministro quer que a lei chumbe no Tribunal Constitucional para criar um compasso de espera que permita ultrapassar engulhos evidentes na sua política privatizadora?
É, em qualquer caso, inaceitável que, se isso é assim, as coisas sejam feitas desta maneira. Há formas mais lisas, mais transparentes, mais honestas e mais democráticas de, numa matéria desta sensibilidade e desta gravidade, avançar.
Pela nossa parte, impugnámos a proposta e iremos até ao fim na luta contra este texto e esta operação, que é, rematadamente, inconstitucional e chocante.
Aplausos do PCP e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.

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O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Encarnação pede a palavra para uma intervenção?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - É 'apenas para fazer uma pergunta. Sr. Presidente, mas se V. Ex.ª entende que não há perguntas...

O Sr. Presidente: - Havendo tempos globais, há perguntas, só que não poderá obter resposta. A não ser que resolva transferir algum tempo.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Então abdico da pergunta, Sr. Presidente, e peço a palavra para defesa da honra e consideração da nossa bancada.

O Sr. José Magalhães (PCP): - «Quem não se sente não é filho de boa gente!»

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Como diz o Sr. Deputado José Magalhães - e muito apropriadamente, como, aliás, quase sempre ele o faz - «quem não se sente não é filho de boa gente». Por isso o PSD «sente-se» com as afirmações do Sr. Deputado José Magalhães.
O que acontece com o Sr. Deputado José Magalhães é o seguinte: em primeiro lugar, - e antes de mais, quer vir aqui discutir a essência da questão a propósito da forma. É esta sempre a maneira - ou é quase sempre a maneira -que o Sr. Deputado José Magalhães utiliza para tentar inserir as questões essenciais neste Parlamento. Sempre pensei que o Partido Comunista Português aprendesse algumas lições do exterior, dos acontecimentos' próximos que se passam a Leste, que o levassem a reflectir sobre a sua posição em relação às privatizações; sempre pensei que o Partido. Comunista Português pensasse duas vezes sobre o que está a acontecer lá fora e fosse capaz de absorver os acontecimentos que a experiência alheia vive para tentar modificar a sua posição.
Ao fim e ao cabo...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Encarnação, não vou retirar-lhe a palavra, mas gostaria que concordasse que a questão da defesa da honra tem a ver com o conteúdo e não com a forma. Por isso lhe solicito que, conforme o que ficou acordado na conferência de líderes e o Regimento dita, utilize realmente o seu tempo na defesa da honra.

O Orador: - Compreendo a sua preocupação. Sr. Presidente: Sei que V. Ex.ª não era capaz de me tirar a palavra, pois sabe que aquilo que estou a dizer corresponde ao sentimento ferido do PSD em relação a esta questão e sabe, com certeza, que as considerações que estou a fazer são essenciais para o entendimento do ponto de vista do PSD em relação à posição aqui assumida pelo Sr. Deputado José Magalhães.
A este respeito, Sr. Presidente, sempre julguei que o PCP viria, de um ponto de vista lógico, defender aqui rio Plenário as nacionalizações e que, porventura, do ponto de vista teleológico, criticaria o problema das nacionalizações.
É isto que, ao fim e ao cabo, o PCP, embora de forma velada, veio aqui fazer. De resto, o que é que o PCP disse? Que nós, no PSD, mantemos o quadro, essencial da Constituição. Ora, é evidente que mantemos. Aliás, o Sr. Deputado José Magalhães nem sequer disse o contrário, pois referiu e pôs em causa fundamentalmente o facto de a proposta de lei apresentada pelo Governo limitar-se a repetir pontos essenciais da Constituição. Portanto, tal como V. Ex.ª disse, não há alguma alteração ou ,ofensa dos, princípios constitucionais em relação a esta matéria. Que há, de facto, uma margem de liberdade que o Governo tem de ter em relação ao problema das nacionalizações, isso é verdade, e é neste ponto que V. Ex.ª nos ofende quando diz que o Governo estava a sair dos limites da Constituição. Aqui, sim, V. Ex.ª ofende-nos, e ofende-nos gravemente, porque o Governo não era capaz de fazer uma coisa dessas.
Vejo que o Sr. Presidente se preparava para intervir, pois julgou que eu estava a sair dos limites daquilo que me é concedido em termos de defesa da honra ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, era apenas para dizer que tem dois décimos de segundo para terminar o seu raciocínio.

O Orador: - Certamente, Sr. Presidente.
Em resumo, e como estava a dizer, o Sr. Deputado José Magalhães tentou ofender-nos dizendo que o Governo não respeitava a Constituição, porém não conseguiu fazê-lo, porque o Governo defende os quadros constitucionais, defende o acordo que foi celebrado em tempo de revisão constítucional. Mais: o Sr. Deputado José Magalhães disse que o Governo desrespeita aquilo que foi conseguido, porém o. Governo apenas quer concretizar o que foi conseguido, que é uma profunda revolução no quadro económico português, e isto, com certeza, o, Sr. Deputado José Magalhães dificilmente aceitará.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio que o Sr. Deputado Carlos Encarnação não só pede como precisa, e justificadamente precisa, de algumas explicações nesta matéria e que são de dois tipos. Em primeiro lugar, porque V. Ex.ª não está nada ofendido, como demonstrou por tudo o que disse, e, em segundo lugar, porque aquilo que utiliza como defesa, da sua bancada é, pelo menos, surpreendente.
V- Ex.ª disse que o Governo é incapaz de sair dos limites constitucionais. Ora esta é uma afirmação que faz o País rir às gargalhadas!... O Governo que ali está sentado é responsável por, verdadeiros recordes de violação à Constituição declarados pelo Tribunal Constitucional.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem!

O Orador: -... em alguns casos inesquecíveis. Será que V. Ex.ª tem uma memória tão fraca e tão débil que já se tenha esquecido das múltiplas declarações de inconstitucionalidade que desabaram sobre legislação fundamental deste Governo que aqui está com ar sisudo e funéreo?...

Risos do PCP e do PS.

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Não são vestais, pecaram, pecaram muito, pecaram grossamente, ali, onde estão, estão carregados de pecados constitucionais ...

Risos do PCP e do PS.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): -Sr. Deputado, peço-lhe muita desculpa, mas a questão das declarações de inconstitucionalidade é inversamente proporcional ao pedido de declarações de inconstitucionalidade.
VV. Ex.ªs enchem a boca com as declarações de inconstitucionalidade e, felizmente, o Tribunal Constitucional não vos faz a vontade.

O Orador: - O Sr. Deputado, essa afirmação é estranha! V. Ex.ª quer mais? Estou a ver que V. Ex.ª ainda quer mais declarações de inconstitucionalidade!...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): que quer mais!...
Não, V. Ex.ª é

O Orador: - De facto, eu auguro que V. Ex.ª vai tê-las, e até neste caso concreto, se continua por este caminho.
O que nos leva à questão das privatizações. Diz V. Ex.ª: «Vocês são uns tolos, não aprendem nada de privatizações, olhem à vossa volta, há umas aulas por todo o mundo... e vocês nunca mais vos entra nada na cabeça.» E nós dizemos esta coisa cautelar: «Nós não lemos, repito - aliás, eu sou incapaz de fazê-lo -, a Constituição da República como o Ministro Cadilhe lê o Código da Sisa.» Não sou capaz de fazê-lo, e por uma razão simples: é que a Constituição é para ser levada a sério (e o Código também!) e não há jurista algum, com o mínimo de lisura - lanço-lhe este desafio -, que chegue à conclusão de que esta lei quadro respeita ponto por ponto as normas do artigo 296.º da Constituição. E isto por uma razão simples: é que a Constituição permite privatizações, mas não qualquer espécie de privatizações, pois exige regras aprovadas por esta Assembleia e essas regras tem de ser materiais, espessas, com conteúdo e não pode ser o Sr. Ministro das Finanças - que dali nos olha com aquele ar zangado - a decidir como é que vai ser a comissão de privatizações, porque o País não pode correr o risco de que os nossos amigos participem num negócio desta natureza. Podem ser os nossos inimigos, isso até seria bom! Tem de ser uma comissão isenta, que dê garantias de real independência. Nenhum governo pode, só por si, decidir sobre esta questão.
Esta lei, que se chama quadro, não traça nenhum quadro que garanta este objectivo; esta lei, que se chama quadro, falando embora dos direitos dos trabalhadores, não concede nenhuma garantia substancial e material aos trabalhadores das empresas a privatizar ou a reprivatizar; esta lei, que se chama quadro, deixa ao Governo um quadro branco para que o Sr. Ministro da Justiça, ou o Sr. Ministro das Finanças, ou o Sr. Secretário de Estado do Tesouro, ou o Sr. Primeiro-Ministro - que é aquele em cuja cabeça, enfim, está o segredo das privatizações - decidam, como entenderem, aquilo que é da competência exclusiva desta Assembleia.
E os senhores não compreendem esta regra... Independentemente do que aconteça no sítio A, B, C, D, lá pelo alfabeto abaixo, sobre esta matéria o quadro constitucional português é este. Os senhores aprovaram-no, não podem rasgá-lo imediatamente para fazerem um outro quadro, que seria - como disse-o vosso projecto de revisão constitucional, porque esse projecto não foi aprovado, meus senhores!...
Já tiveram quatro meses para perceber isso, mas se não o percebem, então levanta-se a hipótese que suscitei: o Sr. Primeiro-Ministro e o Sr. Ministro das Finanças precisam de um compasso de espera e, tal como usaram o «Acordo de Almodôvar» para criar um compasso de espera e a sua declaração de inconstitucionalidade, querem uma declaração de inconstitucionalidade para se justificarem perante o País. Mas se é isso que querem, meus senhores, deixem-se de malabarismos, abram as mãos, abram a gabardina e mostrem ... porque o vosso produto é feio!...

Vozes do PCP: -Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pais de Sousa.

O Sr. Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Com a presente iniciativa legislativa pretende o Governo, «concluída que está a revisão da Constituição, dar um novo passo e ir bastante mais além na privatização do sector empresarial do Estado». Do que se trata para o Executivo, conforme se assinala na nota justificativa da sua proposta de lei, ê de, «ultrapassado que está o postulado constitucional da irreversibilidade das nacionalizações», elaborar «uma nova lei quadro que contemple a filosofia, os princípios e os objectivos que norteiam a estratégia de reprivatizações em Portugal», e isto de harmonia com o n.º l do artigo 85.º da lei fundamental.
Foi a proposta de lei admitida, facto com que não se conformaram alguns Srs. Deputados do PCP. Daí o recurso presente, onde aqueles parlamentares dizem que a proposta viola o disposto nos artigos 85.º, n.º 1, e 296.º da Constituição.
É patente que no n.º 1 do artigo 85.º o legislador constitucional definiu os termos em que a «reprivatização da titularidade ou do direito de exploração de outros bens nacionalizados depois de 25 de Abril de 1974» deverá efectuar-se, ao remeter para o legislador ordinário a elaboração de lei quadro (a aprovar por maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções), com necessária observância dos princípios limites constantes do novo artigo 296.º da Constituição.
À revisão constitucional de 1989 não foi indiferente o ingresso do País na Comunidade Europeia, sendo que o modelo de economia de mercado, ainda que em forma mista, é hoje inequívoco no texto da Constituição, tudo impondo ao legislador uma nova intervenção normativa.
A chamada «Constituição económica» foi, assim, substancialmente alterada, com o fim do princípio da irreversibilidade das nacionalizações e toda a desdogmatização operada nesta parte do texto.
Pode hoje afirmar-se que as concepções da democracia e do pluralismo se sobrepuseram, definitivamente, às leituras colectivistas e marxizantes.
Mas será que com a sua proposta de lei o Executivo viola, ou sequer agride, os artigos 85.º, n.º 1, e 296.º da Constituição?

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O Sr. José Magalhães (PCP): - Viola!

O Orador: - A referência expressa no n.º 1 do artigo 85.º à «lei quadro» reclama, a nosso ver, uma reflexão adicional sobre esta categoria legal.
Não temos dúvidas em afirmar, num primeiro momento, que as leis quadro evidenciam um «propósito impulsionador», estabelecendo tão-só as grandes linhas ou princípios da actividade- do Governo num determinado domínio.
Do ponto de vista da doutrina, inexiste qualquer rigidez de consideração teórica do problema.
Como escreve o Prof. Gomes Canotilho - e era bom que em particular os Srs. Deputados do PCP bebessem algo, ao menos, nesta fonte - umas vezes as leis quadro começam «a entrar em detalhes, fornecendo não apenas a moldura, mas ocupando o espaço do próprio quadro; outras vezes, nem sequer se estabelecem os princípios ou bases gerais. Sugerem-se apenas os fins, deixando inteira liberdade ao governo para escolher os meios. No' primeiro caso, as leis quadro em nada se distinguem das leis ordinárias; no segundo, aproximam-se de um outro tipo de leis - leis de autorização legislativa».
Ao porem em causa a observância pela proposta dê lei dos princípios fundamentais da norma transitória contida no artigo 296.º da Constituição, os deputados do PCP ora recorrentes trilharam uma concepção doutrinal a respeito das chamadas lois-cadre, com o que não deixam de trazer à colação a problemática das relações entre Parlamento e Governo.
Todavia, afigura-se-nos que nenhum dos cinco princípios limites que as reprivatizações terão de necessariamente observar é posto em crise. Com efeito, nenhum daqueles princípios fundamentais é omitido pela proposta de lei ou, sequer, transgredido de forma patente, com o que, a nosso ver, ao menos formalmente, não vislumbramos qualquer desconformidade com a lei fundamental.
E do ponto de vista da Constituição material? Sempre se dirá que não é este o momento, nem a sede própria, para tomar posição definitiva sobre tal questão.
No que não faz sentido antecipar-se a Assembleia da República a uma eventual intervenção, se necessária, ev como tal requerida, a seu tempo, do Tribunal Constitucional.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Relativamente ao que, seguramente, será a lei quadro das privatizações, a Assembleia da República, em pleno respeito dos comandos do n.º 1 do artigo 85.º e do artigo 296.º da Constituição, traçará soberanamente a moldura que regerá o exercício da actividade governamental. Do seu lado, o Governo prosseguirá a eficácia, ao editar os decretos-leis de desenvolvimento da lei quadro aprovada pelo órgão representativo.
Em foco sempre estará, seguramente, o problema da margem de discriminalidade do Governo. Só que não se podem omitir os mecanismos de fiscalização política e legislativa da própria Assembleia da República e, desde já, o facto de se estar rigorosamente no início de um processo legislativo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ah! ...

O Orador: - Por todas as razões que vimos de expor atendemos que a proposta de lei em causa não é desconforme à Constituição, pelo que foi correctamente admitida.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo,. Srs. Deputados: Quando a Constituição diz que a reprivatização se realizará em regra e preferencialmente através de concurso público, por oferta na Bolsa de Valores ou por subscrição pública, a lei quadro tem de caracterizar objectiva e claramente o âmbito das excepções a essa regra.
Que faz a proposta do Governo? Por um lado, refugia-se em exigências de interesse nacional, sendo certo que não há critério mais indefinido e mais vago, por outro, faz apelo a exigências de estratégia definida pelo sector. Definida por quem? Não se sabe! Sabe-se que as não caracteriza a lei quadro.
Acolhe-se ainda as recomendações da situação económico-financeira sem que se diga como e quem pergunta a esta o que recomenda. Por último, escancara as portas à venda directa em todos os casos -sem excepção - de cisão, autonomização de partes do activo, fusão, absorção e participação de empresas.
Como nada impede que uma sociedade se cinda em duas ou mais, se «fusione» com outra, absorva outra ou seja absorvida por ela, participe no capital de outra ou deixe que outra participe no seu capital, ou ainda que faça essa coisa ainda mais simples que é autonomizar partes do seu activo, basta recorrer a um destes expedientes para que' a excepção anule a regra.
Se fosse assim tão fácil fugir ao princípio constitucional da regra e da preferência em que se traduz a fraude era uma porta escancarada, era uma recomendação do legislador constituinte.
Ainda a este respeito, a proposta do Governo acolhe o conceito de candidatos especialmente qualificados, sem esclarecer em que deva traduzir-se objectivamente a qualificação. Idem quanto ao conceito do lote de acções indivisível, sem esclarecer em que consiste a indivisibilidade, nem como se garante, nomeadamente por referência a um determinado período de tempo, já que é impensável a eternidade.
Se a este desembaraço juntarmos o expediente da emissão de obrigações reprivatização (sic) convertíveis em acções, ou sobrecarregadas com o ónus de subscrição de acções, o direito de fintar ad libitum a regra e a preferência que a Constituição impõe atinge foros de linearidade extrema.
Quando a Constituição exige que uma percentagem do capital social da empresa a reprivatizar constitua direito preferencial dos respectivos trabalhadores e quando prescreve que este princípio fundamental deve ser observado pela lei quadro de que agora se trata, o mínimo que não dispensa é a fixação nesta lei dessa percentagem, ou quando menos das Balizas dentro das quais pode ser fixada. Limitar-se a lei quadro a reproduzir a Constituição é, por um lado, inútil, e, por outro, insuficiente.
A aparente duplicação parcial do disposto nos artigos 7.º e 8.º da proposta, e a perplexidade que gera a sua incoincidência, na parte em que deviam coincidir, bem como o facto de se não caracterizar a preferência constítucional nem se regular a forma do seu exercício, traduzem-se apenas em deficiente técnica legislativa, que, aliás, é uma constante de todo o articulado.
Prever condições especiais sem dizer em que consistem, bem como um determinado período, sem o determinar, e subsumir tudo isso numa simples e inconcreta

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faculdade, é converter um privilégio constitucional num favor de ocasião ou, ao menos, na possibilidade disso.
O casuísmo das estatuições é a regra desta tão esquipática proposta.
Na cassação ao trabalhador preferente do direito de voto em assembleia geral durante o período em que não pode alienar as acções que subscrever casam-se o erro e o mistério! De facto, porquê?
Realce-se que a proposta estende esta proibição aos emigrantes e aos pequenos subscritores. Pergunta-se: que mal fizeram ao Governo para sofrerem esta capitis diminutio?
Que o decreto-lei que há-de aprovar, caso a caso, a privatização de empresas do sector público aprove o processo e as modalidades de cada operação vá que não vá, mas que aprove os fundamentos da adopção das modalidades de negociação, as condições especiais de aquisição de acções e o período de indisponibilidade das acções adquiridas por subscritores com privilégio é o que, sem a definição na lei quadro desses fundamentos, dessas condições e dos limites desse período, equivale a substituir a lei quadro pela lei enquadrada.
Acresce que a Constituição não se resigna a semelhante confusão entre lei quadro e lei de autorização legislativa!
Dizer-se na proposta que, nos casos de concurso público, oferta na bolsa ou subscrição pública ninguém poderá adquirir ou subscrever mais do que uma determinada percentagem do capital a reprivatizar, sem a determinar - o que já seria mau! - e remeter a definição para a lei enquadrada é abdicar de enquadrar a matéria e sacudir o embaraço constitucional de faze-lo!
O mesmo quanto à proposta de que o decreto lei a aprovar pelo Governo, caso a caso, limite o capital a adquirir por entidades estrangeiras ou fixe o valor máximo da respectiva participação no capital da empresa de que se trate, sem que a lei quadro fixe balizas a esses limites é, de novo, conceder ao Governo uma autorização legislativa onde ela manifestamente não cabe, pois é a esta Assembleia que cabe aprovar a lei quadro. Esta tarefa é indelegável!...
Quanto ao destino das receitas obtidas com as privatizações, a proposta limita-se a reproduzir por alíneas o que a Constituição diz em texto corrido. Sem, ao menos, um esforço de hierarquização. Ora, a Constituição quis, também sobre isso, uma lei quadro. Se bastasse o texto constitucional, não a exigia. Como exige, e não basta, há que estabelecer a distinção que há entre copiar e legislar.
O mesmo acontece quanto à manutenção pelos trabalhadores, no processo de reprivatização da respectiva empresa, de todos os direitos e obrigações de que sejam titulares. A reprodução é perfeita! O quadro de referencia em que essa retenção de direitos há-se operar-se é que fica por definir. E outro caso nítido de omissão de cumprimento de uma exigência constitucional.
Último exemplo, sem a preocupação de ser exaustivo: quando a Constituição exige a avaliação prévia dos bens a reprivatizar por intermédio de mais de uma entidade independente, é óbvio que se não contenta com a definição de que, mais de uma, são pelo menos duas!
Aqui, a resistência do Governo a enquadrar a matéria, decerto para se reservar a arbitrariedade de ser ele a definir quem é e não é independente, é singularmente inescrupulosa.
É óbvio que o legislador constituinte não pensou em que independente fosse quem o Governo entendesse como tal. Se não, não formularia esta exigência, nem a arvoraria em princípio fundamental a regular numa lei quadro!
A incumbência constitucional era aqui identificar o tipo de entidades para o efeito consideradas objectivamente independentes, se não mesmo definir a sua composição.
Nada disso tendo feito, antes se tendo uma vez mais remetido à sua veste de copista, o Governo incorreu, também aqui, no pecado da omissão.
Eis quanto basta para que se conclua que: não estamos em face da lei quadro exigida pelo n.º 1 do artigo 85.º da Constituição; a proposta em apreço peca por omissão, indefinição, subjectivismo e delegação do indelegável; não se mostram observados - quase sem excepção - os princípios fundamentais constantes do artigo 296.º da Constituição; a lei que a Constituição exige não se limita a ser uma lei de bases, é uma lei de enquadramento de certa matéria, com sujeição a certos princípios fundamentais.
Assim sendo, por acção e por omissão, a proposta em apreço não respeita a Constituição. Isso parece-me óbvio! Apesar disso, a maioria parlamentar vai entender o contrário, tenho isso por certo. Ainda assim, confio em que seja sensível, em sede de discussão e votação, à necessidade de acautelar a proposta para que não chumbe no Tribunal Constitucional.
Posto isto, o recurso apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista, na sua secura, põe o dedo em feridas que não inventou. Em boa hora o Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresentou um projecto que, fugindo em regra aos reparos aqui deixados, constituirá, no mínimo, um válido contributo para um produto final que nem viole a Constituição nem envergonhe o Parlamento.
Tudo visto, a nossa pragmática abstenção tem o sentido de que seria inútil o nosso voto a favor do recurso - que sem favor o mereceria - e não menos o sentido da esperança que pomos em que, com o contributo de todos e sem susceptibilidades de ninguém, possamos corrigir os defeitos da proposta do Governo, aproveitando as virtudes do projecto do meu partido, sem sujeições condicionantes nem dependências entorpecentes. Se assim não vier a ser, muito me hei-de arrepender de não termos votado a favor do recurso do PCP.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): -Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O recurso que ora se debate é um recurso direi litúrgico. Isto é, o Partido Comunista, de todas as vezes que se sente derrotado materialmente em alguma lei, nas suas sequelas, honradamente leva até ao fim o seu combate.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - É uma postura conhecida, que se respeita, mas também o Partido Comunista sabe que é apenas uma postura e que depois é derrotado sistematicamente nestas suas investidas contra a legislação substancial, material, como já saiu vencido na revisão constitucional.
Ao contrário de dizer que isto é uma revisão da revisão, eu diria que esta é uma retoma do debate constitucional, onde o Partido Comunista decaiu.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Orador: - O Partido Comunista perdeu, decaiu, e hoje, nesta Assembleia, tenta reabrir os debates que lhe foram desfavoráveis. O partido do Centro Democrático Social não lhe fará o favor de retomar um debate que já foi encerrado em sede de revisão constitucional.
O problema fundamental que se coloca aqui é o de saber qual é o conceito que o Sr. Deputado José Magalhães e a maioria da Câmara têm de lei quadro.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É o do Dr. Almeida Santos!

O Orador: - Eu ouvi o Dr. Almeida Santos, mas nunca conheci o Dr. Almeida Santos como advogado a fazer uma defesa e depois pedir a condenação do cliente que defendia. O Sr. Deputado Almeida Santos subiu à tribuna para fazer a defesa do réu - a inconstitucionalidade trazida pelo PCP - e pediu: «Condene-o», dizendo como sentença que a proposta é constitucional! Ou seja, dizer, nesta circunstância e neste Plenário, que o Partido Socialista, depois de todos os argumentos que deu, se vai abster significa, em primeiro lugar, que não confia nos seus próprios argumentos e, em segundo, que diz: «Fazem muito bem em condenar o PCP e José Magalhães que subiu à tribuna para apresentar a tese.»
Por isso mesmo, eu não tomaria a defesa que o Sr. Deputado Almeida Santos fez como uma defesa, aliás brilhante e juridicamente burilada, mas substancialmente fraca pela conclusão que dela retirou.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Assenta num sofisma.

O Orador: - O que está em causa é, pura e simplesmente, isto: deveria ou não o Governo ampliar os princípios segundo o seu entendimento? Isto é: deveriam ou não os princípios que estão aqui consignados na Constituição ser interpretados de determinada maneira? Aqui, a escolha é de quem exerce o poder. Quem faz a proposta de lei não é o Partido Comunista Português, mas sim o Governo. E o Governo tem, atrás dos princípios consignados na Constituição, determinada ideia desta privatização, que certamente não é a privatização à Partido Socialista, nem a privatização à Partido Comunista. É uma privatização à Partido Social-Democrata. Talvez esteja muito próxima, mas certamente que não é uma privatização que nós, CDS, faríamos, se estivéssemos sentados ali e tivéssemos que desenvolver estes princípios. Seriámos, naturalmente, muito mais amplos do que este governo é quanto, por exemplo, à lei das indemnizações aos antigos titulares e à forma de transparência. Mas não se exija deste governo a transparência que se exige a um governo democrático e liberal.

Protestos do PSD.

De qualquer maneira, nós não deveríamos exigir de um governo que apresente o desenvolvimento dos princípios como querem as oposições. Naturalmente, o debate aqui é o de saber quais os princípios que estão conformes à sua própria ideologia e, por isso mesmo, não há aqui nada de inconstitucional. A única coisa que pode haver é o debate sobre a legislação ordinária, ou seja, o de saber se o Governo desenvolve os princípios de maneira a satisfazer o interesse nacional. Se o Partido Socialista entende que o desenvolvimento dos princípios não corresponde ao interesse nacional, está no seu direito de o fazer, como também nós estamos no direito de o fazer. Negar ao Governo e ao Partido Social-Democrata o direito de, à sua maneira, desenvolver os princípios constitucionais, isso ninguém lhe pode negar, nem a Constituição o nega.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Nega, nega!

O Orador: - É que a diferença entre uma lei quadro e uma lei ordinária é exactamente a de que aquela lança as bases para cada um desenvolver essa lei quadro segundo os seus próprios princípios, contanto que esses princípios não firam materialmente a Constituição. O debate sobre a violação material da Constituição não cabe sumariamente a esta Câmara; cabe ao Tribunal Constitucional. E o exame perfunctório, que cabe a esta Assembleia, de saber se o Governo cumpriu ou não o texto constitucional parece-nos absolutamente certo. O Governo não incorre no pecado de ter violado a Constituição ao apresentar esta proposta de lei. Por isso, votaremos contra o recurso do Partido Comunista Português.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Almeida Santos solicitou a palavra para que efeito?

O Sr. Almeida Santos (PS): - É para uso do direito da defesa da honra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nos estritos termos do Regimento e com o conhecimento que certamente já tem do que tem sido a consideração desta figura regimental no quadro da conferência de líderes, dou-lhe a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Eu sei que o Sr. Deputado Narana Coissoró não terá querido ofender a minha honra, mas, apesar disso, acusou-me de incoerência intelectual. Eu teria feito um ataque terrível à proposta do Governo, mas depois, no fundo, acabava por não votar em consonância com essa crítica.
Quero dizer ao Sr. Deputado Narana Coissoró o seguinte: por um lado, exijo deste Governo toda a transparência - é a homenagem que lhe presto. Por outro lado, reconheço à maioria que apoia esse Governo o direito de, à sua maneira, desenvolver os princípios constitucionais, mas também me atribuo a mim o direito de, à minha maneira, entender o que é que é um desenvolvimento constitucional e correcto desses princípios - e é só disso que se trata. O que eu disse ali foi que pensava que esta lei quadro não é uma verdadeira lei quadro, não respeita, como deveria, os princípios constitucionalmente fixados e ficou aquém, por ser vaga, inconcreta e subjectiva, por consagrar faculdades e remeter para um decreto-lei aquilo que devia constar dela própria. Disse isto tudo. E até fiz mais: dei exemplos, não me limitei a dar qualificativos.
O que pretendi, no fim, foi dizer - e disse-o claramente - que deveríamos, em coerência, votar o recurso. Eu disse isso, mas com que vantagem? Em primeiro lugar, a maioria vai obviamente - já o disse - votar a favor do recurso. Portanto, leremos mesmo que, em segunda sede, tentar valorizar este projecto cruzando-o o mais possível com o projecto do meu próprio partido.
Neste estado de espírito, pareceu-me que era mais construtiva uma abstenção, porque evita ressentimentos,

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más disposições, maus humores. Foi, na verdade, por uma razão pragmática que entendemos não votar a favor do recurso do PCP.
Devo dizer-lhe, também, que nunca entendi muito bem esta figura do recurso da admissibilidade, pela simples razão de que das duas uma: ou a proposta vem a ser modificada e passa a ser constitucional, desaparecendo o defeito, ou, se não desapareceu, não é pelo facto de o ter tido no princípio (até os pode adquirir a meio do próprio processo legislativo) que deixará de ser declarada inconstitucional no tribunal competente.
Como vê, não há incoerência. Espero que o meu amigo corrija no interior do seu espírito aquilo que certamente não quis significar da maneira como o disse. Pareceu, de facto, que estava muito zangado por não termos votado a favor do recurso apresentado pelo PCP. Acho que não houve incoerência. Eu expliquei o porquê da nossa abstenção e disse até que, se não vier a ser como espero - espero que venha a ser-, muito me hei-de arrepender. Fui, pois, muito claro.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Almeida Santos, a incoerência política não tem nada a ver com a incoerência intelectual, porque muitas vezes no debate político somos obrigados a ser incoerentes. Mas deixemos isso de lado.
Retenho da sua intervenção este princípio: à maioria cabe definir os princípios como ela quer e ao Partido Socialista cabe defini-los como ele quer. Isto já me satisfaz, para dizer que não há qualquer inconstitucionalidade no desenvolvimento destes princípios. Cabe-lhe a ele Governo desenvolver os princípios como quer, contanto que não sejam chocantemente inconstitucionais - e V. Ex.ª não demonstrou isso, até pelo seu voto de abstenção. Se o chocasse tanto, a sua consciência de legislador não o levaria a abster-se, porque, a haver as tais omissões, as inconstitucionalidades que invocou não o levariam a uma abstenção. Isso basta para que, in dúbio, nós optemos pela aprovação do projecto quanto ao recurso.
Quanto ao argumento de que, sabendo-se que o juiz é a maioria, não vale a pena criar ressentimentos, tenho uma concepção diferente. Amanhã, se estiver perante um juiz não independente, comprado, não deixo de fazer a defesa e pedir a condenação, mesmo sabendo que o juiz é parcial.
Era isto o que queria dizer, sem ferir a sua honestidade intelectual e o seu rigor e vigor de argumentos. Mas, em boa linha, julguei, depois da sua intervenção, que politicamente V. Ex.ª gostaria que a proposta de lei do Governo fosse «chumbada» e apenas sobrevivesse o projecto de lei do Partido Socialista. O projecto de lei do PS não é uma espécie de recurso subordinado que viva ligado umbilical mente à proposta de lei; podia esta cair e o projecto de lei socialista iria à frente no debate. Por isso mesmo, eu disse que me parecia vagamente haver uma incoerência. O Sr. Deputado sabe, naturalmente, o respeito que tenho pelas suas posições, mas em política a coerência nem sempre paga.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais pedidos de palavra, declaro encerrado o debate.
Vamos, pois, proceder à votação do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo ao recurso interposto pelo PCP da admissibilidade da proposta de lei n.º 121/V.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, pergunto apenas a V. Ex.ª se estão reunidas as condições do ponto de vista do quorum deliberativo.

O Sr. Presidente: - Teremos, então, que proceder à contagem dos deputados presentes. Enquanto não é feita essa solicitação, tem-se apenas uma ideia. Só depois de efectuada a contagem poderemos aferir se existe ou não quorum.

Pausa.

Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, peço a V. Ex.ª a costumada paciência e benevolência. Como há comissões de inquérito que estão reunidas, solicitaria a V. Ex.ª que tomasse as providências necessárias para que sejam chamados os Srs. Deputados que aí se encontram.
Sugiro ainda que se aproveitem tais diligências para chamar também os Srs. Deputados do Partido Comunista, que apressadamente saíram da Sala quando se anunciou a votação.

Aplausos ao PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Montalvão Machado, é claro que estamos a tentar chamar para a Sala todos os deputados, mas, como saberá, a Mesa, quando chama, chama todos, independentemente do partido a que pertencem.

Pausa.

Srs. Deputados, como já temos quorum, vamos votar o parecer da 3.ª Comissão, que tem estado em apreciação.

Submetido â votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS, abstenções do PS e do PRD e votos contra do PCP.

Srs. Deputados, vamos, de imediato, entrar na apreciação conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 121/V e do projecto de lei n.º 441/V (PS), ambos relativos à lei quadro das privatizações.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças (Miguel Cadilhe): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados: Tem sido profunda a reforma do sector empresarial estatizado (SEE). O Governo vem fazendo esta reforma sem hesitações, mas com a ponderação e a prudência que são exigidas pela importância económica, Financeira e política do sector.
Interrompemos a situação de obstinada irracionalidade em que, globalmente, se encontrava o SEE. Os indica-

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dores financeiros são, aliás, bem expressivos de uma situação sem saída e sem futuro. Para citar apenas dois deles, direi, em primeiro lugar, que, se agregarmos todas as empresas públicas não financeiras, o somatório (não consolidado) dos resultados líquidos acumulados de 1976 a 1988, a preços constantes de 1988, atinge 1085 milhões de contos de prejuízo e, em segundo lugar, que o esforço financeiro do Orçamento do Estado,- também acumulado dos mesmos anos e a preços constantes de 1988, monta a 1900 milhões de contos de subsídios, indemnizações compensatórias, dotações de capital, operações activas do Tesouro e assunção de dívidas de EPs pelo Estado.
É aí, no domínio financeiro, que nascem e desaguam a maior parte dos problemas que afligem importantes segmentos do SEE e se prendem com inúmeras causas que se foram entrecruzando ao longo de uma dúzia de anos.
Houve erros de administração e de estratégia, potenciados pela instabilidade de governação, pela confusão entre poder hierárquico e simples poder de tutela, pela desresponsabilização de gestores públicos, pela quebra de regras primárias de autonomia, pela supremacia de critérios políticos e preconceitos ideológicos.
Houve adversidade dos mercados, sem, todavia, ter sido possível proceder a ajustamentos das escalas de produção ou a desinvestimentos e à contenção de custos.
Houve perdas de competividade, associadas a aumentos salariais exorbitantes e a quebras de produtividade.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Não apoiado!

O Orador: - Houve asfixias de endividamento, por falta de capitais próprios, sem que o Estado tivesse tido quaisquer possibilidades de injectar fundos accionistas em montantes, adequados.
Houve, de facto, muitos e graves problemas no SEE, mas entendemos que o essencial residia em quatro bloqueamentos que traziam diminuído o accionista Estado: os constrangimentos legais e constitucionais; a escassez de dinheiros públicos; a reduzida sensibilidade empresarial e os preconceitos ideológicos e políticos.
E foi preciso distinguir entre EPs que podem e devem mover-se exclusivamente pela racionalidade microeconómica, numa lógica tipicamente empresarial de mercado e de lucro, e EPs que tem de guiar-se por um misto devidamente calibrado entre essa racionalidade e o interesse social ou nacional, por se tratar de entidades que reúnem as naturezas, parcialmente inconciliáveis, de serviço público e de empresa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo propôs à Assembleia da República, ainda no anterior quadro constitucional, aquela que viria a ser a Lei n.º 84/88. Esta ei veio quebrar um dos feitiços mais nefastos e persistentes do SEE. É que, precisando as EPs de capital de risco e de sentido de risco, não tinha, porém, o accionista Estado nem meios nem vocação, nem podia convidar para sócios outras pessoas que os tivessem e estivessem dispostos a arriscar.
A transformação de EPs em sociedades anónimas de economia mista permitiu que o Estado, com a venda ao sector privado de parte do capital social de algumas empresas transformadas, até ao limite de 49 %, iniciasse difícil experiência das privatizações -com inteiro cesso, aliás - e realizasse meios financeiros que foram afectados quer para reequilibrar outras EPs quer para aceder a amortizações antecipadas de dívida pública.
O saneamento e a reestruturação de EPs com pesados desequilíbrios tem sido objecto de programas especiais, já levados a cabo ou em fase de execução.
O Governo lançou, de facto, e tem .em curso grandes operações de «cirurgia financeira» de diversas EPs desequilibradas, de três tipos fundamentais: ou diminuição do passivo da empresa, chamando-o, à dívida pública convencial - e assim permitindo o reequilíbrio de ratios fundamentais do balanço e aliviando os encargos financeiros na conta de exploração; ou substituição de activos duvidosos por activos seguros e de bom rendimento, como é o caso de «crédito mal parado» de bancos do sector público, assim permitindo, também, o reequilíbrio do balanço e a melhoria da conta de exploração; ou aumento dos capitais próprios da empresa, quer por injecções de dinheiro-fresco, graças às receitas das privatizações, quer por mobilização de activos mobiliários e imobiliários detidos pelo' Tesouro e entregues, em espécie, para realização de aumentos de capital estatuário ou social.
A Lei n.º 84/88, a. Lei n.º 100/88, vários artigos da Lei do Orçamento do Estado de 1989 e outros da proposta de lei do Orçamento do Estado para 1990 dão o beneplácito desta câmara e algumas destas operações fundamentais.
Além disso, vêm adquirindo a maior relevância os efeitos do bom andamento da economia portuguesa, que naturalmente tem propiciado às empresas, em geral, e às EPs, em particular, condições para recuperar das situações económicas e financeiras difíceis que tanto se generalizaram durante a grave depressão de meados dos anos 80 em Portugal.
Efectivamente, os indicadores financeiros demonstram uma franca melhoria no universo das EPs quando percorremos,' mesmo que muito brevemente, os anos da década de 80.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio ser do maior interesse trazer à consideração de VV. Ex.ªs estas breves anotações sobre as reformas do SEE que o Governo vem encetando.
Há muito se impunham, certo; mas quem havia arrancado, até agora, com tais reformas?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não que faltasse o largo e abstracto consenso sobre a sua necessidade. Faltava, porém, uma estratégia para comandar as mudanças do SEE; faltava a estabilidade política para as executar, faltava um contexto de crescimento económico e de confiança que as propiciasse; faltava, sobretudo, o sentido social-democrata de governação para avançar contra os ventos e as marés dos inimigos e fantasmas das privatizações ...

Aplausos do PSD.

... e dos pesados saneamentos financeiros.

Mais uma vez, poderão VV. Ex.ªs constatar que a filosofia e a prática reformistas não são de quem prega reformas mas, sim, de quem as põem à prova e desta se sai com êxito.

Aplausos do PSD.

Tem sido esta a regra da governação Cavaco Silva.
Temos provas dadas em matéria de privatizações, de saneamentos financeiros, de reestruturações económicas - afinal, as grandes reformas do SEE!

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Não se trata de fazer o «desmantelamento» do SEE, nem de formas de restauração do «capitalismo exacerbado», como certa oposição vinha afirmando, embora, por curiosa ironia do fim do século, os factos estejam a demonstrar o flagrante anacronismo de tais posicionamentos.
A sublime ironia reside no facto de a história acabar por trair quem, precisamente, se assume numa sistemática e imbatível perspectiva histórica e materialista da economia e da sociedade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nem tão-pouco se trata de dar uns sinais de mudança para que tudo fique na mesma - como parece ser recente timbre de uma outra oposição, ocasionalmente situada não muito longe, aliás, daquela que atrás referia. Respeitamos, todavia, os esforços que ela vem fazendo, ao desdobrar-se em inúmeros projectos legislativos de reformas e contra-reformas.
Finalmente, nem se trata de «fazer Roma e Pavia em um só dia», como promete que faria uma terceira oposição - e bem pode prometer, porque não corre riscos de ser chamada à responsabilidade de cumprir!...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não se trata, em suma, de privatizar por privatizar, nem de privatizar uma pouca coisa, para manter estatizado ou colectivizado quase tudo, nem de alimentar os antagonismos da propriedade estatal versus propriedade privada.
Trata-se, isso sim, de uma atitude governativa de raiz profundamente reformista e gradualista, que o mesmo é dizer de quem sabe dar tempo ao tempo, de quem sabe o valor do «nem tudo ao mar, nem tudo à terra», de quem sabe que as doses do «oito ou do oitenta» são timidez ou excesso, são conservadorismo ou revolução, são tudo menos as reformas que cabem a um governo social-democrata fazer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E não tenham dúvidas VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, porque o País já não as tem. É que não reforma quem jura e promete mas, sim, quem faz reformas, efectivamente.
Recebemos, com muito gosto, lições sobre o discurso da reforma. O País sabe que há mestres da eloquência,! bem distintos e eruditos por sinal, na diversificada oposição que nos assiste, mas dispensamos lições sobre a prática das reformas. O País sabe que o Governo empreendeu - como de tal não havia memória - as mais profundas mudanças estruturais, em muitos domínios da economia e da sociedade, e criou sólidas bases de progresso e modernização.

Aplausos do PSD.

Como demonstração expressiva dessa prática de reformas tenho a honra de falar hoje a VV. Ex.ªs sobre as privatizações e o saneamento do SEE.
É apenas um exemplo; há outros, muitos outros casos de reformas experimentadas e conseguidas entre nós, ao longo dos últimos quatro anos.
Terei muito gosto em falar delas noutra ocasião, naturalmente .... questão é que VV. Ex.ªs tenham a amabilidade de me fazer narrar os concretos resultados da acção governativa de um executivo reformista que se diz ser e, mais do que isso, prova sê-lo com os factos.
As privatizações justificam-se por todas as razões que têm sido exaustivamente dissecadas noutras ocasiões, mas, agora, emerge uma nova razão de peso. Refiro-me à nova concorrência que, por certo, surgirá das empresas privadas ou privatizadas de países da Europa de Leste, altamente competitivas, porque potenciadas pelo capital estrangeiro - verdadeiro «sacrilégio» até há pouco - e porque assentes em baixos salários, verificando-se, aí sim, um verdadeiro «dumping social».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Chegou a hora da contrastaria implacável da história. Seria um erro grave, de carácter estratégico, se ignorássemos este enorme choque exógeno, de longa duração. Sinceramente, já não vejo, de facto, ninguém em Portugal a apegar-se ao sector empresarial estatizado por valores de ordem doutrinária, ideológica ou política. Ora, por razões de outra ordem, ou seja, de nacionalidade económica e financeira, de serviço público, de defesa dos interesses nacionais, de progresso, não se justifica, como nunca se justificou, manter grande parte das unidades que constituem o nosso sector empresarial estatizado.
Poderá quase ser descabido, senão mesmo impertinente, mas gostaria de, em nome do Governo, associar esta proposta de lei das reprivatizações em Portugal a uma homenagem aos povos europeus - a todos os povos europeus - que sempre acreditaram na valia social da livre iniciativa individual, da propriedade privada, da economia de mercado, da supremacia dos direitos humanos, da democracia e da liberdade, do papel reformista do Estado. Homenagem, dizia, a todos os povos europeus que sempre acreditaram nestes valores, mesmo quando, durante décadas, tiveram de suportar a dura experiência de outros valores.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Este fim da década de 80, ou melhor, este fim do milénio, vai constituir um dos marcos mais impressionantes da história dos factos e das ideias, desde sempre.
Em escala mundial poderá corresponder, com o devido respeito pelas proporções, ao que foi o 25 de Abril em escala portuguesa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A nossa experiência do 25 de Abril e dos acontecimentos subsequentes tem, aliás, interessantíssimas analogias com o que se vai passando na Europa de Leste: o ocaso dos regimes e das doutrinas, a constatação do não progresso relativo, a liberdade meramente oficial das pessoas, o apodrecimento das estruturas do Estado de partido único ... e, repentinamente, a mudança, com velocidade estonteante e, como sempre, a lei dos factos consumados a comandar as mudanças subsequentes, o imenso deslumbramento dos oprimidos, dos generosos e dos de boa fé, as dificuldades supervenientes, o desencanto, o realismo, o regresso a calhas mais ajustadas às

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verdadeiras possibilidades dos países e, enfim, a emergência do espírito reformador.

Desculpar-me-ão VV. Ex.ªs o simplismo analógico, mas estamos a assistir, a Leste, a um enorme «PREC», 15 anos depois do simétrico «PREC lusitano».

Aplausos do PSD.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O que vem do Leste é o contrário!

O Orador: - Vai, provavelmente, levar anos! Não vai ser fácil para ninguém! Nem para eles, nem para a Europa comunitária, nem para nós, em particular, à nossa dimensão. É, um empreendimento que a todos toca.
Por isso, salvo melhor opinião, Srs., Deputados, julgo ser nosso dever apoiar os bons sinais dos tempos e, avisadamente, retirar deles as decisões e acções que permitam a Portugal, às empresas portuguesas, aos trabalhadores portugueses aproveitar as oportunidades emergentes, que as haverá, compensar as oportunidades cessantes e atenuar as ameaças.
As reprivatizações do nosso sector empresarial estatizado, com cuidado, peso e medida, vêm, afinal, inserir-se nesta nova e essencial linha de preocupações.
Vem, também, a propósito dar uma palavra sobre o projecto legislativo do PS sobre reprivatizações.
Começo por cumprimentar os autores do projecto pelo empenhamento e pelo contributo parlamentar que procuraram trazer à discussão desta matéria de tão grande importância. Permite o projecto de lei apresentado pelo PS fazer a comparação de uma alternativa com a proposta de lei do Governo, o que pode ser muito positivo, enriquecer o debate, dignificar as instituições, fortalecer o processo legislativo.
Infelizmente há no projecto do PS, para além de certos aspectos indiscutivelmente positivos, alguns outros que nos causam a mais franca perplexidade e, mesmo, um sentimento amargo de apreensão.
O projecto do PS é uma proposta tímida de reprivatização e teimosa de estatização. Precisamente, por isso, é um misto de timidez e teimosia!
O PS pretende mostrar uma certa abertura à modernidade, mas não consegue esconder a tentação ou vocação estatizante ...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Exacto!

O Orador: -... e cai em contradições sublimes. O artigo 33.º, procurando dificultar a alienação de participações do Estado, já regulada pela Lei n.º 71/88; o artigo 35.º, pretendendo ressuscitar as teses de delimitação dos sectores vedados à iniciativa privada, e todos os artigos respeitantes à Comissão de Acompanhamento das Privatizações, denunciando motivações de burocracia e desconfiança sem nada acrescentar à isenção, rigor e transparência que manifestamente tem existido e continuará a existir, são exemplos de um projecto legislativo que quer conciliar alguma dose de reprivatização com a conservação das nacionalizações e expropriações e da defesa do Estado-patrão.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Exacto! Muito bem!

O Orador: - É um projecto envergonhado de reprivatizações! É um projecto ideológico! Inevitavelmente, seria sempre na matéria em que estamos, mas é-o em demasia.
Srs. Deputados, o desafio do fim do século é o da competitividade, da eficiência, da capacidade de adaptação à mudança. E, ainda, será sempre o desafio das ideias. Já não é, porém, o desafio das ideologias e há quem confunda as duas coisas e escravize as ideias nas ideologias. O fim do século é, precisamente, mais do que nunca uma época de criatividade, de libertação, de novas ideias.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): -Muito bem!

O Orador: - As ideologias e as doutrinas sempre contribuíram para o enriquecimento das ideias, mas também para a sua cristalização e estiolamento em dogmas, preconceitos, figurinos, quadros, proselitismos.
As ideologias podem ser importantes, até como factor congregador do desenvolvimento e progresso, mas também podem ser perversas e degenerar em factor de imobilismo e retrocesso.
Por isso, a nossa proposta de lei não é uma proposta de base ideológica, mas sim pragmática para o fim do século, em Portugal e na Europa comunitária. Neste fim de século - e ainda bem! - assistimos a menos ideologias e a mais ideias, numa velocidade fulminante que não poupa os contemplativos, os rígidos e os ortodoxos, mas respeita e requer, cada vez mais, a coerência e a clarividência.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Octávio Teixeira e Jerónimo de, Sousa; mas, Srs. Deputados, antes de lhes conceder a palavra, é com grande prazer que levo ao vosso conhecimento que se encontra entre nós um grupo de alunos dê, Macau, do terceiro curso de Introdução à Administração Pública, organizado pelo INA, para os quais peço a nossa habitual saudação.

Aplausos gerais.

Para pedir esclarecimentos, tem, então, a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Ministro das Finanças, devido ao pouco tempo de que dispomos para pedir esclarecimentos, não vou analisar a sua obsessão em relação à questão da competitividade da economia portuguesa com base nos «baixos salários»... A discussão dessa questão ficará para segunda-feira ou terça-feira.
Há, porém, uma outra questão que gostaria de colocar, de imediato, ao Sr. Ministro das Finanças, que é a seguinte: depois, da intervenção que acaba de fazer, não consigo perceber como é que conseguiu não se referir ao conteúdo da proposta de lei que apresentou à Assembleia- provavelmente, isso será bastante significativo!...
Referiu, por outro lado, que são objectivos de racionalidade económica que levam o, Governo a avançar com o processo de privatizações que tem desenhado, o que está em contradição com a exposição de motivos da sua proposta de lei, que refere, expressa e claramente, que o objectivo é o fortalecimento dos grupos-económicos privados. Ora, conviria que isso ficasse clarificado.

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O Sr. Vieira de Castro (PSD): - O que é uma coisa «horrorosa»!

O Orador: - Por outro lado, ainda, diz o Sr. Ministro que foram conseguidas - não vamos agora discutir como, se bem ou mal, se é ou não assim- condições de recuperação das empresas públicas, as quais se encontram em franca melhoria.
Pergunto ao Sr. Ministro como é que compatibiliza estas suas afirmações - que, aliás, os relatórios da ACEP e da Inspecção-Geral de Finanças têm vindo a mostrar e a dizê-lo claramente - com a pressa, a urgência e a vontade de, ao fim e ao cabo, eliminarem todo o sector empresarial do Estado?
O Sr. Ministro diz que não é eliminação do sector empresarial do Estado, mas, face a declarações de membros do Governo, designadamente do Sr. Secretário de Estado Adjunto e das Finanças, que se encontra ao lado de V. Ex.ª, que ainda muito recentemente deu uma entrevista onde deixa claro que o processo desenhado pelo Governo visa a eliminação de praticamente todas as empresas públicas, que desaparecerão do sector empresarial do Estado.
Finalmente, Sr. Ministro, apenas uma ou duas questões sobre a proposta de lei: quem vai controlar o processo de privatizações de acordo com a proposta de lei do Governo e a transparência do mesmo processo? Isto, fundamentalmente, tendo em conta situações externas, como, por exemplo, o relatório do Parlamento Francês, saído há poucos dias, em que se analisa o processo de privatizações em França entre 1986 e 1988, e onde se chama claramente a atenção para aquilo que sucedeu e que não deveria suceder e que, igualmente, não deve suceder em Portugal.
Esta pergunta é feita ainda dentro daquilo que tem sido até este momento a prática do Governo, que, por exemplo, em relação às privatizações de 49 % já feitas se recusa a responder aos requerimentos feitos pelo meu grupo parlamentar no sentido de solicitar o envio dos elementos fundamentais do processo de avaliação de empresas, do processo de determinação dos preços ...
Se o Governo não quer esclarecer, não quer clarificar, não quer que haja transparência no processo como é que vai ser com a proposta de lei que mantém tudo como está?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, antes que V. Ex.ª conceda a palavra ao próximo orador inscrito, eu gostaria de interpelar a Mesa e de, por esta via, dirigir, em nome da minha bancada e em nome pessoal, uma grande saudação ao nosso colega Nogueira de Brito.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu não lhe cheguei a dar a palavra, mas ainda bem pelo motivo que foi.
Todos nos regozijamos pela presença do Sr. Deputado Nogueira de Brito, com quem tive o prazer de ter uma conversa ontem no meu gabinete. Regozijamo-nos pela sua presença, pelas suas melhoras, e fazemos votos pela continuação das melhoras do Sr. Deputado João Soares, que ainda não se encontra de boa saúde.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): -Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa, a única figura regimental ao abrigo da qual poderei intervir neste momento.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Peço que todos me desculpem... Talvez eu esteja especialmente atreito à comoção, mas o facto é que estou bastante comovido.
Passei maus momentos, sem dúvida, mas eles tiveram o reverso da medalha, que foi a enorme cadeia de solidariedade que se cerrou em torno dos três deputados acidentados na Jamba. Já cá estamos dois, falta um, que, felizmente, já está a caminho.
Não posso esquecer a solidariedade do Parlamento, das instituições, do Governo, do Sr. Presidente da República, dos muitos amigos, do povo português e as muitas manifestações que, efectivamente, suavizaram - repito - os maus momentos passados. E agora comovo-me com esta manifestação de amizade, mais uma vez, de solidariedade de VV. Ex.ªs
Bem hajam todos! Muito obrigado!
Espero agora o momento para, em conjunto com os outros dois deputados que também tiveram o privilégio de receber a vossa solidariedade, vos poder agradecer. Espero que seja em breve.

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem, então, a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Ministro das Finanças, corro o risco de ser confrontado com o seu «ar» mais profissional do que ministerial, mas gostaria de levantar duas questões comezinhas, neste debate, tendo em conta a sua intervenção feita daquela tribuna.
O Sr. Ministro usou uma expressão que, pelo menos para mim, foi chocante. Falou em «aumentos salariais exorbitantes» e, creio, estava a referir-se a trabalhadores do sector empresarial do Estado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Estava a falar dos gestores!

O Orador: - Poderia esclarecer-me onde? Dados a quem? Está a referir-se, por exemplo, aos trabalhadores dos transportes que levaram 8 % e 9 %? E não quero fazer aqui nem a insinuação nem a comparação escandalosa com o aumento dos titulares dos cargos políticos, por exemplo!...

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - O Sr. Deputado também foi aumentado!

O Orador: - Tivessem votado o nosso projecto de lei, Srs. Deputados.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Então devolva o aumento!

O Orador: - O PSD está, com certeza, incomodado com o facto de eu estar a levantar esta questão, mas é uma preocupação que tenho.
O Sr. Ministro falou de «aumentos exorbitantes», mas, por aquilo que sei, o aumento que os trabalhadores tiveram em relação à inflação foi porque, alguns deles, lutaram muito para o conseguir. Logo, gostaria que me dissesse quem é que recebeu esses «aumentos salariais exorbitantes».

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Uma outra questão comezinha: o Sr. Ministro das Finanças referiu que o Estado beneficia as empresas com as indemnizações compensatórias. Na nossa opinião, o Estado beneficia os utentes dessas empresas de transportes, creio que comunga comigo desta opinião. Ora, tendo em conta o objectivo do seu Governo de privatizar, pergunto: o Sr. Ministro pensa acabar com os «passes sociais»?
São duas perguntas comezinhas, que, com certeza, o seu conceito professoral subestimará, mas a que, porque tom a ver com a vida, gostaria que respondesse.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - O Sr. Deputado Octávio Teixeira questionou-me sobre o conteúdo da proposta de lei, mas o meu discurso é da minha responsabilidade e não tenho de dar satisfações ao Sr. Deputado. Faço o discurso que bem entender. Fiz um discurso de conteúdo mais qualitativo do que quantitativo, com referência à emergência dos acontecimentos da Europa de Leste, que são da maior importância para a Europa e para o nosso país, em particular.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao conteúdo da proposta de lei - e o Sr. Deputado já leu, certamente, a exposição de motivos e os 21 artigos que dela constam -, devo dizer que os artigos falam por si.
A Lei n.º 84/88, que está em vigor, também é clara e esta proposta de lei retoma, em grande parte, este diploma. Logo, não havia razões para estar a desenvolver o que já está claro e inequivocamente dito na exposição de motivos da presente proposta de lei.
Quanto à questão da franca melhoria do sector empresarial do Estado e à aparente contradição que resulta do facto de privatizarmos agora, é certo que o sector empresarial do Estado está melhor, mas isso é um juízo relativo, pois tal sector continua no negativo, no «vermelho», Sr. Deputado.
Os resultados líquidos, ante subsídios e a preços constantes, em 1983 somam 319 milhões de contos de prejuízos; em 1988, somam 89 milhões de contos.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Por isso, é que é vendido!

O Orador: - E quanto ao desequilíbrio financeiro do sector empresarial do Estado, os capitais próprios em 1983, que é o pior ano da década, representavam 14 % do activo total do sector -hoje, representam 25 %-, melhorou, mas continua a ser um desequilíbrio, tanto patrimonial como do balanço, com os resultados de custos na conta de proveitos, na conta de exploração, das empresas públicas no seu agregado.
E claro que este agregado tem empresas públicas melhores e piores, mas agora estou a falar de todo o sector empresarial do Estado. Aliás, não me parece que haja contradição. A contradição surgiu. Sr. Deputado Octávio Teixeira, quando o seu partido em 1975, contra a vontade do povo português, contra o andamento da história e corripletamente desmentido a 15 anos de distância, ...

O Sr. Silva Marques (PSD):- Muito bem!

O Orador: - ... resolveu, em nome do País-repito, mal -, expropriar e nacionalizar um número extenso de empresas, aliás, sem qualquer lógica económica e financeira, ditando-se apenas por razões de ordem ideológica, política e doutrinária. É evidente que cometeu um erro grave, histórico, que levou o País ao fundo nos anos seguintes ...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Exacto!

O Orador:- ... e este para se recuperar teve de pagar custos elevadíssimos. A contradição reside, aí, Sr. Deputado.

Vozes do PCP: - Está a falsear a História!

O Orador: - Quanto aos centros de controlo das privatizações, devo dizer que nós, no Governo, não optamos por dispersar as responsabilidades, porque, quanto mais se dispersara, não há quem mande e as coisas* não funcionam. Ú assim, aliás, em alguns países de economia colectivizada: tanto querem centralizar e pôr pessoas a mandar, com as coisas muito hierarquizadas è planificadas, que depois não funcionam.
Ainda há pouco tempo, o Ministro das Finanças de um país africano, que tem estado até agora com uma economia perfeitamente colectivizada, com ausência de progresso, dizia-me: «Vamos acabar com isto, porque reconhecemos agora que todos querem mandar e, afinal de contas, ninguém manda no que quer que seja no nosso país.»
Então, nós não dispersamos os centros de responsabilidade. A Assembleia da República traça o quadro legal das privatizações e nós cumprimo-las religiosamente, com transparência e rigor. Assumimos a responsabilidade; não andamos agora a criar e a multiplicar os centros de responsabilidade para depois dizermos assim: «Ai, a culpa não é minha, é daquela comissão especializada que foi criada para o efeito.» Ou, então: «É de uma subcomissão parlamentar que não esteve devidamente atenta», subcomissão parlamentar que, se for criada, tem da nossa parte todo o apoio, todo o interesse. E decisão da Assembleia da República, totalmente soberana, criar a subcomissão parlamentar para acompanhar e fiscalizar as privatizações. Pois muito bem, não temos nada a recear! Proposta nossa é que não é!
Repito: depois do quadro legal corripletamente definido, fazemos as privatizações da nossa responsabilidade; assumimos por inteiro p ónus que pode derivar de alguma coisa mal feita, mas depois também queremos o mérito dos sucessos. E até agora três casos de privatizações são três sucessos, Sr. Deputado, por muito que isso custe à sua bancada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Risos do PCP.

O Orador: - Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, referi algumas razões para a situação insustentável do sector empresarial do Estado; falei das condições adversas do mercado, da interferência do poder político nos conselhos de administração das empresas públicas, dissociando, portanto, os critérios empresariais. E, quando falei de alguns

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«aumentos salariais exorbitantes», queria referir-me àquela época louca do ano de 1975, em que os salários nominais subiram de forma exorbitante, enquanto a produtividade descia, isso numa conjunção que pôs o País de rastos perante si próprio e perante o estrangeiro. Esses tempos não voltam, Sr. Deputado!

Aplausos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PCP):-Tempos em que o PSD estava no Governo!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Convidaria, novamente, os Srs. Deputados do Partido Comunista a olharem para o que se passa, de facto, a Leste, que é da maior importância para os países europeus de Leste, mas que também é da maior importância para nós.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Claro!

O Orador: - Como disse na minha exposição inicial, vamos ter de enfrentar nos próximos anos uma feroz competitividade dos países de Leste, graças a empresas privadas ou privatizadas nesses países (até com capital estrangeiro) e graças, lá também, a baixos salários e a um verdadeiro dumping social. Preocupem-se com as empresas e com os trabalhadores portugueses no futuro próximo!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Sampaio.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão que hoje aqui debatemos é da maior relevância nacional. As privatizações - no contexto em que serão feitas, quaisquer que sejam o seu programa e calendário - envolvem não apenas as óbvias consequências económicas e sociais imediatas (com milhões de contos de activos a mudarem de titular e centenas de milhar de trabalhadores a mudarem de entidade patronal) como também sequelas psicológicas e culturais que ninguém responsável quererá deixar de ponderar.
A posição do PS é conhecida e é da maior abertura. A nossa postura é construtiva e de disponibilidade para que algo de claro, de bom, de sólido e de eficiente se faça nessa matéria.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Abordámos o problema sem dogmatismos nem preconceitos. Menos Estado e melhor Estado é também projecto nosso, ainda que o concebamos de forma necessariamente diferente da do Governo. O que temos tido, afinal, é mais Estado e pior Estado, porque, como sabemos, tem sido um Estado de muito favoritismo e de algumas clientelas.

Aplausos do PS.

Não se nos poderá, por isso, recusar a legitimidade para abordarmos esta matéria sem quaisquer preconceitos, com toda a legitimidade, até porque a fórmula do «melhor Estado e menos Estado» tem por «pai» Michel Rocard e não, como é óbvio, o Prof. Cavaco Silva!
Aliás, se assim não fosse, não teríamos viabilizado esta abertura na revisão constitucional. E fizemo-lo com boa fé, espírito construtivo e na base de duas convicções: uma que corresponde a um princípio que temos por inerente ao correcto funcionamento de um regime democrático e outra de carácter mais conjuntural.
A primeira é a de que esta matéria é de tal modo condicionante dos programas de acção governativa que não pode ser sonegada à vontade política dos governos emergentes do sufrágio popular. Só assim, aliás, é lícito a uma oposição democrática responsabilizar quem governa pelas opções que faz.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A segunda é a de que, salvaguardadas as condições e os mecanismos correctos, as circunstâncias actuais do País requerem, sem dúvida, em certas áreas algum desinvestimento por parte do Estado.
Estamos, por isso, nas melhores condições para exigir nesta Assembleia que o Governo corresponda à nossa atitude com uma postura dialogante, não dogmática e de compromisso a uma total transparência de processos.

Uma voz do PS: - Essencial!

O Orador: - Privatizar não é nem um golpe de asa de imaginação nem uma panaceia para os males estruturais que afligem a nossa economia; não constitui, por si só, uma estratégia que possa resolver a questão fundamental da nossa especialização produtiva no contexto europeu.
Não é golpe de asa porque foi moda, internacionalmente em voga, ideológica que deu já os seus resultados e também as suas desilusões. Se lhe pegarmos como moda vamos bastante atrasados e nada teremos aprendido com as desilusões alheias.
Não é panaceia porque, mesmo nas necessárias condições de ponderada adesão à realidade, abordagem casuística e decisão pragmática, se trata de um processo necessariamente longo e, ele próprio, gerador da sua quota de problemas novos.
Seria bom que, nesta matéria, o Governo não alimentasse demasiadas ilusões.
É redutora, se não mesmo simplista, a ideia de que privatizar é a fórmula de resolver o problema das finanças públicas. Não foi por acaso, mas com sagueza, que a revisão constitucional impediu que o produto das privatizações pudesse contar como receita normal do Estado. Aí se estabeleceu - e bem! - que ele apenas pudesse ser utilizado como forma de amortizar a dívida ou de investir em novos activos. Ainda assim, a eliminação da dívida economiza juros e reduz o défice orçamental no imediato. Isso é bom para o Governo, até às eleições, mas Portugal tenciona sobreviver a este governo e, numa óptima de longo prazo, isso não resolve os problemas estruturais das finanças públicas.
O Governo não vai, porque não pode, vender empresas deficitárias mas, sim, alienar activos rentáveis, de cujas receitas futuras assim prescinde. Ambas as formas de financiar o défice representam um compromisso de rendimento futuro por parte do Estado. Não pretendo com isto recusar todo e qualquer interesse, do ponto de vista da política orçamental, às privatizações, mas apenas porque me parece necessário desinsuflar tudo o que nelas vai de balão na moda e sublinhar que, sem medidas

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estruturais sobre as receitas ou as despesas efectivas do Estado, não se estará a alterar o cenário de longo prazo da situação das finanças públicas, ...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ....preocupação que, sendo de inegável interesse nacional, eu compreendo que não ocorra a um Governo que, vendo o terreno fugir-lhe, só pensa no curto prazo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Também se não podem justificar as privatizações como regra dogmática, apenas com base na mitologia do capitalismo popular, isto é, a difusão da detenção de activos.
Não vejo bem como é que um acto meramente normativo pode criar, entre a noite e a madrugada, um «Portugal dos pequeninos capitalistas»!... De resto, a experiência alheia mostra -como infelizmente também já a nossa - que os alegados beneficiários tom menos ilusões do que o Governo.
Realizadas as fáceis mais-valias, rapidamente se desfizeram das acções inicialmente adquiridas, deixando os riscos do jogo especulativo para quem verdadeiramente os pode correr.
Uma vez mais, não condeno dogmaticamente uma metodologia que o nosso próprio projecto de lei consagra; só pretendo esclarecer que não pensamos que isto, por si só, revolucione o estatuto sócio-económico do pequeno aforrador. Vemos uma tal medida - que, de resto, reforçamos no nosso projecto, no que respeita à participação dos trabalhadores e às novas fórmulas que a este respeito consagramos- como um pequeno passo no largo caminho a que alguns já chamaram de socialismo popular e não, como o Governo parece acreditar, como a consumação do enigmático capitalismo popular.
Enfim, deixo ao Governo, neste capítulo, uma advertência: se arvorar este objectivo num absoluto, corre o risco de, como o ministro Balladur, em França, degradar o valor de venda para potenciar mais-valias que, prejudicando o Estado, apenas contribuem para encorajar uma rápida alienação por parte do pequeno investidor.
Não deve também, em nosso entender, dar o Governo por adquirido que, por efeito mágico das privatizações, aumenta a eficiência económica global. Isso pode acontecer nos casos das empresas mais expostas à concorrência em mercados competitivos, mas não é necessariamente o caso quanto a grandes empresas - aliás, as mais apetecíveis - próximas da situação de monopólio, o que é sobejamente ilustrado por algumas experiências estrangeiras, como é reconhecido por um recente texto do FMI, que se tem debruçado sobre a matéria.
Reconheço, porém, que o processo das privatizações pode e deve contribuir para a desejável reestruturação empresarial portuguesa. Pela nossa parte, sempre apostámos nela e consagramos no nosso projecto os instrumentos necessários e adequados, incluindo o dispositivo de limitação à participação estrangeira. De há muito preconizamos um funcionamento do sistema onde coexistem grupos privados e públicos. Não excluímos, da política de privatizações, os chamados núcleos duros, mas entendemos que o Estado deve ser exigente na sua formação, quer quanto aos critérios de escolha, quer quanto aos preços, quer quanto à qualidade e estabilidade da gestão, e exigente ainda mais consigo mesmo, assegurando uma inquestionável transparência de processos que impeça o negocismo político!

O Sr. Jorge Lacão(PS): - Muito bem!

O Orador: - Por isso mesmo, o nosso projecto prevê a constituição de uma comissão de privatizações institucionalmente independente da Administração, cujos pareceres, obrigatoriamente tornados públicos, são o penhor de que, também para o Estado, «quem não deve não teme».

Aplausos do PS.

E esta exigência - e temos a experiência do processo de privatizações em várias economias ocidentais-, que é a exigência fundamental da transparência, não pode por efeitos de uma comissão deste tipo ser considerada como um empecilho ao próprio processo; pelo contrário, a forma de este processo se dignificar é ter uma comissão independente, que possa em todos os momentos dar publicidade à avaliação de cada processo em concreto. E uma forma evidente, prática, transparente de se afirmar aquilo que nos interessa: seja o processo de privatizações uma forma de dinamizar transparentemente o processo da economia nacional.
São razões de transparência, também, que justificam que no nosso projecto se afirme o princípio da obrigatoriedade em todos os processos de reprivatização de que parte do capital da empresa a reprivatizar o tenha de ser por transacção em bolsa de valores e que tal deva preceder a aplicação de qualquer outro método no mesmo processo de reprivatização. E é por isso, de igual modo, que a alienação do capital por venda directa só poderá ter lugar se o preço máximo de aquisição for igual ao preço médio ponderado, praticado em leilão competitivo.
Pensamos, igualmente, que deveremos destacar certas formas especiais de pagamento do preço das acções (e cito): «Até ao limite máximo de um terço das acções subscritas, através de títulos da dívida pública; com títulos de indemnização no seu valor nominal, tendo em conta os critérios da valoração da Lei n.º 80/77, de 26 de Novembro, e desde que sejam seus titulares os detentores originais.»
Não se estranhará, finalmente, que sejamos particularmente rigorosos na defesa dos direitos dos trabalhadores, o que constitui nobre vocação e que claramente resulta do projecto que aqui vos trazemos.
A este respeito, quero destacar: a audição, prévia a qualquer processo de reprivatizações, dos órgãos representativos dos trabalhadores da empresa; a garantia de aquisição de parte do capital da empresa em condições especiais, através da reserva da subscrição pública que lhes confere o acesso a um mínimo de capital social de 20 % (ressalvo a possibilidade de pagamento do preço em, pelo menos, dois anos, mediante prestações mensais iguais, e a possibilidade da venda de acções à própria empresa ou a entidade com competência para o efeito).
Destaco ainda: a possibilidade, facultada aos trabalhadores, de por eles serem constituídas sociedades anónimas de gestão de participação do capital ou cooperativas para o mesmo fim; a atribuição de linhas de crédito especiais (como se prevê para os casos de venda directa pela melhor oferta, bem entendido!) para as sociedades constituídas por trabalhadores e atrás referidas; que os

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trabalhadores mantêm os seus direitos de participação nos órgãos sociais das respectivas empresas total ou parcialmente reprivatizadas.
Finalmente, anunciamos o respeito pelo princípio da segurança no emprego, depois de anunciado o processo de reprivatização, quer quanto à impossibilidade do despedimento quer quanto ao respeito das suas regalias contratuais e sociais; e a consagração do princípio de que aos trabalhadores das empresas a reprivatizar é garantida a manutenção de todos os seus direitos gerais e específicos decorrentes da contratação colectiva e dos lucros da empresa, bem como das regalias sociais existentes, nomeadamente as relativas à Segurança Social.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao mais, Sr. Presidente e Srs. Deputados, confiemos nos méritos do próprio debate e do que necessariamente se seguirá - espera-se! - na comissão especializada. Ponto é que todos saibamos estar à altura da serena dignidade de que ele se deve revestir e da importância nacional do processo que agora concretizamos com este projecto de lei quadro das privatizações, na sequência da revisão constitucional.
Por nós, partimos para ele nesse espírito e, desde já vo-lo digo, sem preconceitos e também sem ilusões.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para pedir esclarecimentos, o Sr. Secretário de Estado Adjunto e das Finanças e os Srs. Deputados Nogueira de Brito, Rui Machete e Vítor Ávila.
Tem pois, a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e das Finanças.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e das Finanças (Faria de Oliveira): - Sr. Deputado Jorge Sampaio, acerca da sua intervenção gostaria de colocar-lhe algumas questões.
Diz o Sr. Deputado que as privatizações não são um «golpe de asa», que estamos atrasados em relação às privatizações. Pergunto: em sua opinião, de quem é a culpa?

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - De quem é a culpa!? Ora esta!...

Risos do PS.

O Orador: - A segunda questão tem a ver com as receitas das privatizações. Pensa que a proposta do seu partido relativa à aplicação dos fundos provenientes das privatizações e constantes do artigo 25.º do vosso projecto de lei é substancialmente diferente da do Governo?
Não sabe, Sr. Deputado, que foi o próprio Governo, através da sua proposta de lei, que deu origem à Lei n.º 84/88, que especificamente considerou que as receitas das privatizações nunca devem ser consideradas como receitas correntes, normais, do Orçamento do Estado, mas, sim, para efeitos especiais de amortização antecipada da dívida pública ou de utilização em aumentos de capitais de empresas públicas?
Uma outra questão tem a ver com a Comissão de Acompanhamento das Privatizações. No projecto de lei do PS, a Comissão de Acompanhamento é independente do Governo; implica um conjunto de pareceres em todas as fases do processo; requer que certos pareceres sejam vinculativos; obriga à divulgação pública dos pareceres e dos relatórios de actividade. Retirando à Administração responsabilidades que não podem deixar de lhe competir, alongando inconvenientemente os tempos processuais e burocratizando todo o processo, dificultando a manutenção do sigilo, indispensável à situação de muitas empresas, a operacionalidade e a discrição indispensáveis em operações que só devem ser publicitadas a posteriori... Numa análise crítica e de julgamento sempre possível e salutar, pergunto ao Sr. Deputado se considera que esta estrutura é adequada e corresponde à exequibilidade processual das privatizações.
Pergunto, ainda, se considera que a proposta equivalente do seu partido delimita melhor as modalidades de privatização de carácter excepcional do que o conjunto de condicionantes apresentadas na proposta do Governo. Refiro-me, em particular, às condições que devem ser seguidas para a utilização das figuras do concurso público limitado e da venda directa.
Finalmente, uma última pergunta: o Sr. Deputado pensa que é racional, inteligente e lúcido limitar em abstracto aquilo que só pode ser correctamente fixado em concreto? Isto é, considera positivo que se fixe um valor em abstracto para a limitação dos investidores, quer nacionais quer estrangeiros, e para o conjunto dos investidores estrangeiros, sabendo-se que as necessidades das empresas são substancialmente diferentes?
Muitas vezes, é requerida e desejável uma maior participação do capital estrangeiro, se for portadora de racionalidade e de vantagens para as empresas. Considera positivo que se parta, logo de início, com uma limitação, que pode ser prejudicial? Considera que é possível fixar, à partida também, para os trabalhadores, uma reserva de subscrição pública de 20 %, quando sabemos que há empresas a privatizar que podem valer 150 ou 200 milhões de contos? O Sr. Deputado pensa que os trabalhadores terão capacidade de, por si só, ser responsáveis por 40 milhões de contos da privatização?

Vozes do PSD: - Muito bem!

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Maia Nunes de Almeida.

O Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Sampaio pretende responder de imediato ou no fim a todos os pedidos de esclarecimento?

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Responderei de imediato, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem, então, V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Secretário de Estado, agradeço as suas perguntas - aliás, como é sabido, tenho grande simpatia por si, mas não o elogio mais...-, porque teve a rapidez estonteante de escrevê-las ainda eu não tinha terminado a minha intervenção.

Risos do PS.

Significa que, pela primeira vez, em matéria do Ministério das Finanças, nomeadamente em matéria de administração fiscal, estamos a adquirir ritmos que são. com certeza, europeus. V. Ex.ª está de parabéns!

Aplausos do PS.

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Oxalá que o Sr. Secretário de Estado Oliveira e Costa, que é, digamos, a outra parte da vertente do Ministério das Finanças, possa aprender com V. Ex.ª no que respeita a rapidez necessária à administração fiscal!...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Secretário de Estado, muito obrigado pelas suas perguntas, que, devo dizer-lhe, algumas colocam questões importantes. Uma delas, porém, não tem resposta imediata ou parcelar, porque é a resposta da História, é no fundo a resposta de todos nós.
Onde é que nessa matéria nos distinguimos de VV. Ex.ªs? Questiona-me V. Ex.ª em matéria do problema e do tempo das privatizações? É porque nós temos, porventura, o grave defeito de não esquecermos o passado e as decisões que tomámos com governos de que VV. Ex.ªs também faziam parte!
A história tem a sua evolução! Portanto, em Portugal, o processo democrático, a evolução das coisas, as revisões constitucionais foram coisas de todos nós e chegámos ao momento de fazê-las.
Do que V. Ex.ª podia e devia preocupar-se e digo isto, como imagina, com toda a simpatia- é com o problema de sabermos exactamente qual é, nesta matéria, a estratégia, o timing que o Governo tem. É que ficamos preocupados, porque ou é uma e, então, não se percebe a inscrição orçamental de 150 milhões de contos - quando se fala, por exemplo, na Tranquilidade e no BPA, V. Ex.ª compreenderá que fiquemos preocupados se for isso - ou, então, é outra, e não sabemos qual.
A partir do momento em que desaparecem alguns condicionalismos legais, gostaríamos de saber em que sectores, com que estratégia e de que modo. E não me venha V. Ex.ª dizer que isso tem a ver com alguma empresa em concreto, porque pode e deve ser definido um conjunto de estratégias neste domínio que facilitaria aquilo que mais nos preocupa neste momento -e por isso há algumas limitações na nossa lei - e que tem a ver com a possibilidade de investidores nacionais manterem efectivamente aqueles núcleos sem o que não me parece que possa haver autonomia estratégica.
E, aí sim, a conversa de há pouco do Sr. Ministro das Finanças poder vir a ter interesse, mas a prazo!
Na rapidez da aceleração da movimentação europeia, que nesse momento se processa, é evidente que ao sector produtivo nacional se vão colocar problemas da maior complexidade e, por isso, não podemos divorciar essa estratégia daquilo que faremos também em matéria de calendário de privatizações, tendo em atenção a capacidade de reserva estratégica (no bom sentido!) que aos grupos nacionais deve assistir nessa matéria.
Quanto à aplicação das receitas, Sr. Secretário de Estado, estou de acordo. De resto, o sistema é o mesmo, é o sistema constitucional, é aquilo que consta da disposição constitucional e, sobre isso, tivemos muita discussão, por isso está encerrada, como aqui se dizia há pouco.
Relativamente à Comissão de Acompanhamento, bem..., Sr. Secretário de Estado, temos de ter confiança na existência destas comissões e VV. Ex.ªs criaram uma com a diferença - com todo o elogio às pessoas que, eventualmente, a possam compor - de não nos parecer que tenha o carácter de independência que uma matéria deste tipo necessariamente recomenda, para efeitos da
Comissão, da transparência do, próprio processo, dos investidores potenciais, da forma como, no fundo, nos adaptamos a uma nova curva da história.
Nesse sentido, quero apenas acrescentar que a maneira de se assegurar essa transparência é com a publicidade das posições tomadas, havendo um único caso em que esse parecer é vinculativo - e -V. Ex.ª com certeza que o compreenderá para defesa do próprio Governo, qualquer que seja o governo que esteja no pode -, que é o caso de venda directa. Se eu fosse ministro e tivesse de decidir por uma venda directa gostaria de ter atrás de mim sete ou onze pessoas de competência que me dissessem: «Agora sim, agora não!...»
E porque penso que com isso contribuiríamos bastante, quanto mais não fosse, para a dinamização da economia portuguesa.
Quanto à matéria do sigilo ... Ó Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª lê os mesmos jornais que eu e se há coisa em que não tem havido sigilo algum é nesta matéria ... Em relação a estas operações de privatização que temos estado a testemunhar, V. Ex.ª não pode dizer que tem havido o que quer que seja de sigilo e por antecipação. O Sr. Secretário de Estado conhece, tão bem como eu, que nas vésperas de várias privatizações a anunciar o famigerado circuito dos contratos-promessa está em curso, das procurações, etc.:.. muitas vezes antes de aquilo se saber em termos públicos. Infelizmente, é assim! A espionagem está por toda a parte e, sobre isso, «não durmo mal»! ...
Portanto, Sr. Secretário de Estado, pensamos que a Comissão pode ser uma comissão dinâmica se tiver as pessoas competentes, que trabalhem com rapidez, pois não podemos criar nestas matérias algo que possa impedir a escolha criteriosa das oportunidades. Há, no entanto, uma coisa que, para nós, é um ponto chave: nada pode ser sacrificado à transparência destes processos de reprivatizações. Este é, efectivamente, um princípio chave, que não pode, de maneira nenhuma, ser considerado ou visto como qualquer princípio impeditivo, da nossa parte, relativamente ao processo das reprivatizações.
De facto, relativamente a outras matérias, o limite dos 20 % é, em nosso entender, um limite vinculativo, como, aliás, decorre da lei geral comercial: aquilo que não é subscrito tem de ter uma continuidade, pois isso acontece constantemente quando há subscrições públicas que não são, efectivamente, digamos, preenchidas, em termos de adesão por parte das pessoas.
Sr. Secretário de Estado, penso que teremos, com certeza - pelo menos assim espero - ocasião de fazer duas coisas: primeiro, beneficiar da experiência, não dogmaticamente vista, das privatizações em vários países da Europa comunitária, bastando apenas citar o caso francês e o inglês, que têm hoje elementos suficientes que nos permitem não ser dogmáticos nem pensar que podemos ser extremamente inovadores nesta matéria, mas temos a obrigação de recolher os ensinamentos dessa experiência; segundo, espero que estejamos todos a discutir um processo legislativo de alta complexidade, de que depende, sem dúvida, uma cena dinâmica da economia portuguesa e espero que. na especialidade, possamos encontrar as melhores soluções e que o dogmatismo fique, aqui sim, na gaveta.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

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O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Jorge Sampaio, ouço-o sempre com agrado e voltei hoje a ouvi-lo com agrado. No entanto, não posso deixar de dizer que o seu discurso aqui foi um pouco surpreendente, no contexto da actuação do seu partido nesta matéria de privatizações.
Todos temos presente que o PS, com a sua atitude na revisão constitucional, viabilizou, finalmente, a possibilidade de nos pormos a par de «modas», porventura já praticadas, com alguma antecedência, noutros países.
O PS, com a sua atitude na revisão constitucional, viabilizou a flexibilização do processo de alienação que pode conduzir às privatizações e isto não esquecemos; o PS preparou, cuidadosamente e em tempo oportuno, esta lei, para facilitar que, rapidamente e após a revisão constitucional, possamos iniciar privatizações a 100 %; finalmente, o PS não deixou de incluir - embora com uma fórmula um pouco envergonhada, concordemos - a possibilidade de mobilização dos títulos de indemnização respeitantes às nacionalizações, para efeitos de aquisição de partes sociais nos processos de privatizações, e isso é muito importante.
Simplesmente V. Ex.ª fez aqui, hoje, um discurso que parece um discurso de marcha atrás, porque começou por caracterizar as privatizações como qualquer coisa de que não podemos esperar muito em vários domínios e num domínio fiquei particularmente chocado. Refiro-me ao domínio da eficiência económica que o processo de reprivatização pode, efectivamente, introduzir.
V. Ex.ª pôs dúvidas, distinguiu sectores e aí, na realidade, recordei-me rapidamente de alguns normativos do projecto que VV. Ex.ª apresentaram a esta Assembleia, e refiro-me, designadamente, ao artigo 35.º, n.º 2, que não pode deixar de chocar quem, na verdade, pensa que está, pura e simplesmente, num processo de reprivatizações e verifica que VV. Ex.ªs querem aproveitar o processo para rever o problema da delimitação dos sectores.
Uma outra norma, que VV. Ex.ªs apresentaram e que introduz factores de enorme rigidez no que respeita às relações de trabalho, cria uma categoria de trabalhadores privilegiados, que são os trabalhadores das empresas públicas a privatizar, e isto durante o processo de privatização, pois gozam de benefícios, em matéria de cessação dos seus contratos de trabalho, de que mais nenhum trabalhador goza.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Jorge Sampaio, a minha pergunta é precisamente uma tentativa de esclarecimento desta aparente contradição, pois sei que V. Ex.ª, com o brilho que lhe é característico, nos vai esclarecer no bom sentido. Há ou não alguma contradição? VV. Ex.ªs são ou não reprivatizadores arrependidos?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Sampaio, há mais dois oradores inscritos para pedirem esclarecimentos. V. Ex.ª responde já ou no final?

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, tive o grato prazer de o ouvir e penso que foi a sua primeira intervenção parlamentar depois dos acontecimentos que todos conhecemos; portanto, permita-me que tenha a oportunidade de, fora do colectivo que há pouco se verificou, lhe dirigir uma palavra de grande saudação e amizade, que é conhecida, mas nunca é demais reafirmá-la.
Vejo que, apesar do muito que sofreu, mantém, felizmente para todos nós, o seu brilho característico e a sua rapidez de actuação, não direi de que o CDS precisa, mas de que precisamos todos nós. Por isso a Assembleia está de parabéns, até com esta sua intervenção.

Aplausos de alguns deputados do PS e do CDS.

Sr. Deputado Nogueira de Brito, a última coisa que pensaria poder ouvir - e digo isto com toda a simpatia - era que, depois de o PS ter feito o seu projecto de revisão constitucional à cabeça, digamos assim, logo a seguir ao vosso (o do PSD, aliás, veio a seguir), depois de todas as batalhas em torno da revisão constitucional, depois do que o PS ouviu, nomeadamente nesta matéria, depois de algumas curiosas provocações sobre se mantinha ou não o referido acordo, que foi mantido como era necessário por todas as razões, depois de termos feito o que fizemos, depois de termos apresentado, aliás, como era nosso dever, na sequência da revisão constitucional, o projecto que fizemos, V. Ex.ª tenha qualquer dúvida sobre essa marcha atrás, porque ela é totalmente inexistente.
O que se verifica apenas, Sr. Deputado Nogueira de Brito, é que temos obrigação de, por um lado, ponderarmos experiências estrangeiras, que até ocorrem na democracia presidida pela Sr.ª Margaret Thatcher, como Primeira-Ministra, não podemos esquecer as experiências do Governo Francês, em que o Sr. Ministro das Finanças era o Sr. Balladure, e não podemos esquecer algumas experiências já ocorridas em Portugal. Queremos, por isso mesmo, que este processo pressuponha uma estratégia do Governo, pois é ao Governo que isso compete. Distinguimos aqui o que é do Governo e aquilo que é da comissão de reprivatizações, que introduzimos neste mecanismo como meio necessário para assegurar a transparência desse processo. Esta é a nossa filosofia.
Por outro lado, relativamente aquilo que me parece ser a sua referência, não ao artigo 35.º, n.º 2, mas ao artigo 34.º, n.º 2, porque o nosso projecto, que eu saiba, não deve ter sofrido qualquer correcção dactilográfica entre o momento da minha assinatura e a sua chegada à Mesa, mas admito-o,... no entanto penso que V. Ex.ª se estava a referir ao artigo 34.º

O Sr. Basílio Horta (CDS): - É o artigo 35.º, n.º 2.

O Orador: - Em suma, é o mesmo, pois há apenas um erro meu de numeração. De qualquer maneira, Sr. Deputado Nogueira de Brito, nesse artigo estamos a remeter para aquilo que é a exigência constitucional referida no artigo 87.º
Portanto, concebemos perfeitamente como possível que...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - E o n.º 1?

O Orador: - Sr. Deputado, quanto ao n.º 1 estamos entendidos e, portanto, quando a lei material se modificar, necessariamente, a decorrência vem daí.

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Relativamente a isto e deixando de lado a questão da definição de petróleos, que é extremamente complicada e cuja discussão admitimos, não sei se VV. Ex.ªs estarão a referir-se ao problema dos transportes públicos colectivos urbanos dos principais centros populacionais ou eventualmente à EDP.
No primeiro caso, Sr. Deputado Nogueira de Brito, quando estiver definida a forma como se fazem as indemnizações compensatórias e quando estiver politicamente assente a forma como e quem paga o preço social dós transportes colectivos, poderemos discutir essa matéria. Mas enquanto isto não estiver assim, não haverá rigorosamente ninguém que o queira fazer e entendemos que tal deve ser preservado neste sentido.
Se V. Ex.ª me diz que, fora do contrato de concessão, há, com certeza, promotores privados que queiram fazer carreiras individualizadas, por exemplo, da cidade para a periferia, digo-lhe que isso é perfeitamente compaginável com esta exigência que aqui se encontra.
Relativamente à EDP, já há um ano atrás nos pronunciámos sobre aquilo que entendemos como possível, ou seja, quanto às possibilidades de geração de energia eléctrica de pequenos proprietários. Estamos corripletamente na mesma como estávamos então, no debate que foi realizado aqui, penso que em torno de uma autorização legislativa; não temos nenhuma modificação a fazer relativamente ao que consideramos essencial, que é a produção, transporte e distribuição de energia eléctrica, no quadro em que se processa, da EDP.
Não vamos saltar para a alienação para o privado, no nosso ponto de vista, daquilo que representam momentos estruturantes decisivos da produção da energia eléctrica e dos investimentos tal como eles tem ocorrido até este momento. Penso que isto resolve o problema essencial. Relativamente à questão dos direitos dos trabalhadores, que, em nosso entender, decorre já da disposição constitucional, penso, Sr. Deputado Nogueira de Brito, que temos que assegurar como essencial não ser possível que pessoas que tiveram expectativas - como no caso dos bancos e das companhias de seguros - de determinadas regalias sociais e para as quais todas descontaram e as empresas fizeram provisões ou deviam ter feito, porque decorriam dos contratos colectivos, vejam, no processo de privatização, desaparecerem essas mesmas garantias. Penso que isso seria inadmissível, do ponto de vista da certeza do direito e das expectativas que as pessoas têm. É neste sentido, portanto, que respondo que aquilo são regalias que muitos trabalhadores do sector público ou de empresas públicas têm, pois foram negociadas e tiveram correspondência da parte das administrações e da tutela e o Estado tem de ser o mesmo até quando reprivatiza.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Macheie (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Jorge Sampaio fez aqui uma importante intervenção, como é natural em função do seu estatuto intelectual, dos seus conhecimentos e até do seu estatuto político, e disse que o fazia com a maior abertura, o que, aliás, revelou nas palavras que pronunciou.
Houve, todavia, um aspecto, que, de algum modo, já foi tocado pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito, que me surpreendeu. Compreendo que o Sr. Deputado Jorge Sampaio tenha dito, e até o acompanho, que as privatizações não são a panaceia universal, que as privatizações não permitirão resolver todos os problemas do Estado e que não vão substituir-se, naturalmente, à necessidade da reforma administrativa, da reestruturação da contabilidade pública, da reforma fiscal em curso, etc., quer dizer, não consubstanciam em si todas as medidas necessárias para que o Estado social e de direito, que queremos robustecido, possa realizar-se plenamente. Isso compreendo.
Mas não deixei- de ficar - impressionado por me ter parecido que V. Ex.ª minimizou a importância, se quiser simbólica e filosófico-política, do acto que iremos praticar ao aprovar a lei quadro das privatizações, em complemento, aliás, da revisão constitucional. Trata-se de um acto de uma importância transcendental, na medida em que altera, como terei oportunidade de dizer em breve, substancialmente o quadro das relações entre a pessoa, a sociedade civil e o Estado.
Pareceu-me que V. Ex.ª, ao contrário daquilo que será o seu pendor natural, se refugiou em considerações tecnocratas e economicistas, retirando justamente a este acto a relevância que deve ter.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A segunda questão diz respeito ao problema da comissão de acompanhamento das privatizações. Ouvi com muito agrado e subscrevo inteiramente o que referiu acerca da necessidade de incluir na esfera daquilo que é o programa do Governo, e está sujeito ao sufrágio popular, o saber se, numa determinada eleição, o partido que se apresenta a ela e que na hipótese de maioria formará governo, quer privatizar, quer nacionalizar e o que é que quer fazer nos aspectos do sector público. É natural e é normal.
O que não percebi muito bem foi se essa matéria pertence à esfera governamental, o que me pareceu resultar daquilo que disse, e se, no fundo, a comissão de privatizações, que deve ser um instrumento de preparação, de acompanhamento e de realização delas, deve pertencer, a meu ver, por essas funções, sob pena de entravar o processo, à esfera governamental.
Outra coisa, e nisso acompanho V. Ex.ª, é procurar que a Assembleia da República tenha o papel de fiscalização que lhe cabe. Mas desdobrar o papel da Assembleia da República numa comissão de fiscalização, eleita pelo método de Hondt, parece-me, efectivamente, confundir duas missões distintas.
Se V. Ex.ª afirmasse a necessidade de a Assembleia da República, através de uma das suas subcomissões ou como quer que seja, exercer, sem entraves, sem autorizações governamentais que se interponham de permeio, o papel de dialogar com quem entenda conveniente em matéria de privatizações, penso que devo acompanhar V. Ex.ª.
Mas se V. Ex.ª entende que a melhor maneira de salvaguardar o papel fiscalizador da Assembleia da República é criar um novo ente, pretensamente imparcial - ainda por cima vai ser criado pelo método de Hondt-, que vai, inevitavelmente, com a sua intervenção no processo, acabar por o burocratizar e politizar num certo sentido...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

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O Orador: -... penso que me é difícil de acompanhá-lo.
Era isto que gostaria que V. Ex.ª explicitasse.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Sampaio, dou-lho a palavra para responder, mas, de qualquer modo, permita-me que lhe recorde, e embora a Mesa saiba que é mais difícil responder do que perguntar, que os tempos dos pedidos de esclarecimentos e das respostas são os mesmos, isto é, três minutos, podendo, contudo, ir um pouco mais além.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Peço desculpa, Sr. Presidente, mas vou estando desactualizado em matéria regimental.
Sr. Deputado Rui Macheie, V. Ex.ª tem sempre o inegável talento, que aprecio, de fazer à bancada do PS algumas perguntas que está, ao mesmo tempo, a fazer ao Governo.

Risos.

No entanto, tal é altamente positivo, uma vez que se apresenta como fundamental que, de um e do outro lado, tudo fique esclarecido. Aliás, os deputados servem precisamente para isso, qualquer que seja o partido em que se encontrem.
Sr. Deputado Rui Machete, fizemos o debate das privatizações - e pode V. Ex.ª acreditar que foi um debate interessante e profundo no PS - quando entregámos o nosso projecto de lei de revisão constitucional. Com efeito, tivemos centenas de horas de discussão sobre esta matéria e adquirimos a perfeita noção de que isto significava uma evolução importante, necessária e justa no nosso posicionamento perante uma realidade tão complexa como esta. Trata-se, no fundo, de saber como adaptar o processo democrático àquilo que ele foi numa determinada altura e àquilo que terá de ser numa fase de adesão, de integração plena na Europa comunitária.
Por isso, Sr. Deputado, quando temos a noção de que é tão difícil, como o foi noutras democracias ocidentais, assegurar, por exemplo, a questão da transferência e, ao mesmo tempo, como percebemos que a questão fulcral da economia portuguesa não se consubstancia, necessariamente e apenas, nos benéficos resultados das privatizações, tendo, a prazo, que ver com a capacidade produtiva nacional, fiz ressaltar isso na minha intervenção, embora não colocando de modo algum em causa a importância desta transformação, preocupado apenas que estou em que ela se processe com estratégia, com transparência, com grau e com um mínimo de eficácia.
Relativamente à comissão, Sr. Deputado, quero dizer-lhe que tenho sempre uma grande confiança nas pessoas e, por conseguinte, penso que a Assembleia tem provado, em muitos casos -e certamente que o provará neste -, que é capaz de poder escolher as pessoas que, de uma forma independente e não burocratizada, façam a tarefa histórica de ir acompanhando este processo de reprivatizações, sendo, portanto, de alguma maneira, o reflexo democrático para o Governo daquilo que tem de ser uma ponderação muitíssimo alargada.
Aliás, Sr. Deputado Rui Machete - e com isto termino -, penso que é fundamental na sociedade portuguesa não alimentarmos quaisquer espécies de suspeições. Por isso mesmo, é melhor termos uma comissão como nós a concebemos do que termos, atiradas para o ar, palavras como aquelas que, justas ou injustas, foram produzidas no sentido de levantarem essas mesmas suspeições e que foram, por exemplo, as palavras do Sr. Primeiro-Ministro na sua última intervenção.
Sejamos claros neste processo, tão fundamental para a sociedade portuguesa, sejamos transparentes, façamos algum esforço por isso. Seremos, com certeza, capazes de eleger rapidamente uma comissão de reprivatizações. Tenho esperança de que assim será.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Ávila.

O Sr. Vítor Ávila (PRD): - Sr. Deputado Jorge Sampaio, ouvi com atenção a sua intervenção na defesa do projecto do PS. Porém, pode ser erro meu, mas, relativamente a essa mesma intervenção, penso ter entendido que haveria uma contradição entre o seu discurso e a proposta que o PS apresenta, nomeadamente no âmbito do artigo 35.º do seu projecto de lei, referente à exclusão de sectores quanto a possíveis reprivatizações.
Na verdade, o Sr. Deputado referiu que iria pautar a sua apreciação, quanto aos sectores a reprivatizar, por um lado, por critérios de eficiência económica, referindo igualmente, por outro lado, que determinados sectores não seriam reprivatizáveis, já que isso poderia afectar a competitividade da economia, exemplificando com sectores que detivessem um monopólio ou um quase monopólio de mercado.
Acontece que o n.º 1 do artigo 35.º do projecto do PS remete para a lei a definição dos sectores económicos a privatizar, quando, por exemplo, pensamos - gostaria que me esclarecesse quanto a este ponto - que seria no âmbito da lei quadro das reprivatizações que tais sectores deveriam ser fixados, não só os referidos no artigo 2.º, mas também que se remetesse para a lei a questão dos tais monopólios ou quase monopólios de mercado, o que não acontece no vosso projecto. Por conseguinte, Sr. Deputado, parece-nos haver aqui uma evidente contradição entre o seu discurso e o projecto do PS.
Por outro lado, gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Jorge Sampaio se entende que este projecto de lei é um projecto de lei a prazo, até 1992, pois, se o não for, haverá uma outra contradição.
Na verdade, se esse projecto for para vigorar até 1992, é um facto que se poderão considerar como em abuso de posição dominante empresas em situação de monopólio ou quase monopólio no mercado, podendo a reprivatização desses sectores afectar a competitividade da economia. Porém, se o Sr. Deputado Jorge Sampaio considerar que este projecto de lei -ou esta lei, no caso de vir a ser aprovado - vigorará para alem de 1992, não entendemos como poderemos considerar abusos de posições dominantes relativamente a empresas que detêm uma quota ínfima do mercado, e tendo em conta que mesmo uma situação de monopólio representa, em Portugal, uma quota ínfima do mercado, encarado em termos europeus.
Gostaria, assim, que o Sr. Deputado me esclarecesse estas duas questões.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Sampaio.

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O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Deputado Vítor Ávila, de facto, dado o que referiu, ou não entendeu o que eu disse, o que é perfeitamente natural, ou fê-lo por uma outra razão qualquer.
Na verdade, quando referi grandes empresas em situação de quase monopólio apenas estava a estabelecer uma comparação com experiências estrangeiras, estando, nessa parte, a considerar um qualificativo anterior, isto é, a relacionação de todo este processo com o problema da eficácia e do aumento da eficiência económica global.
Com efeito, processos e experiências estrangeiros demonstram que nos casos de empresas mais expostas à concorrência em mercados competitivos isso aconteceu e que em casos em que isso não era necessariamente assim - por exemplo, no caso das grandes e, como dizia, mais apetecíveis empresas- tratava-se somente de eficácia global.
Não sou eu, aliás, que o digo. Depois mostrarei ao Sr. Deputado Vítor Ávila que fui colher esta referência num texto do Fundo Monetário Internacional. Não vale a pena estar a pôr-me em bicos de pés com isto, mas trata-se de um estudo recente que estabelece comparações entre todas estas matérias, designadamente entre estes dois tipos de empresas.
Em segundo lugar, penso que os casos que considerámos mais evidentes e gritantes são aqueles que excepcionámos, sendo que, por outro lado, a posição do PS tem ido sempre, nomeada e seguramente desde 1987 com a publicação do nosso programa, no sentido de entender que o sector público que fique fora do sistema reprivatizado tem de ter uma lógica de concorrência, de grupo económico em concorrência com outros grupos económicos, aliás como acontece em todos os países da Europa comunitária. Em consequência, com certeza que será, nessa altura, objecto de aplicação das leis gerais que na Europa comunitária se aplicarão.
Essa é, portanto, a nossa filosofia, que de modo algum se encontra posta em causa com o presente projecto.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Macheie.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Na noite de 11 para 12 de Março de 1975, inebriados pela euforia de uma vitória sobre forças resistentes ao rumo da revolução em curso e animados pela crença ingénua num marxismo vulgarizado e incipiente, os homens do Conselho da Revolução iniciaram o processo das nacionalizações. Davam-se, assim, passos decisivos para a definição de um modelo colectivista de sociedade, transportando-se para a esfera pública amplos sectores da actividade económica entregues até aí ao mercado.
Com esse acto revolucionário visava-se vibrar um profundo golpe no capitalismo que se abominava e eliminar o que, em típica e reveladora terminologia emprestada aos comunistas, se designava por grandes monopólios.
Esta transferência maciça e compulsória de bens para a propriedade e controlo do Estado constituía também, ao arrepio do Programa do Movimento das Forças Armadas, uma decisão de fundo, uma enorme limitação aos poderes de livre decisão da futura Assembleia Constituinte, que os dois pactos MFA-Partidos, (eitos sob férula marcial, se apressaram depois a consagrar por forma inequívoca.
O artigo 83.º, n.º 1, da Constituição de 1976, ao consignar que «todas as nacionalizações efectuadas depois de 25 de Abril de 1974 são conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras», evidencia bem a importância que estes actos de expropriação colectiva assumem na construção da sociedade sem classes e na concretização, por avanços sucessivos, do princípio socialista colectivista marxista um dos pilares da estrutura dualista da Constituição de 1976 na sua versão primitiva.
Os factos cedo vieram demonstrar o que facilmente poderia ter sido antecipado por uma análise teórica ponderada, se o espírito da época não estivesse, em 1974-1975, obnubilado pelo voluntarismo ideológico de cunho marxista-leninista. As empresas nacionalizadas e as empresas públicas que lhes sucederam, consideradas em conjunto como subsistema, provaram mal. Cumularam as consequências negativas e danosas das disfuncionalidades burocráticas da máquina estadual, com os desvios às finalidades próprias das entidades empresariais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Com efeito, a breve trecho, a perda de autonomia face ao poder político que a publicidade das empresas necessariamente arrastou consigo, traduziu-se na sua instrumentalização para objectivos alheios à produção eficiente de bens e serviços.
As sociedades nacionalizadas serviram para praticar políticas sociais e regionais de redistribuição através da distorção forçada de preços e tarifas. Foram utilizadas para minorar desequilíbrios da balança de pagamentos através do recurso obrigatório ao crédito externo; viram-se coagidas a fazer financiamentos que cedo avolumaram as dívidas incobráveis. Foram também coactivamente arroladas no combate à inflação pela manutenção administrativa de preços abaixo dos custos de produção e sem margem para autofinanciamentos. Serviram ainda de instrumento de luta contra o desemprego e satisfizeram a colocação de clientelas partidárias pela criação ou manutenção artificial de postos de trabalho.
A inexistência ou artificialidade da concorrência no mercado e a ausência de sanções para a ineficiência - não há falências nas empresas públicas- facilitaram a irresponsabilidade. Por outro lado, a subordinação dos gestores das empresas públicas aos ministros da tutela, mais do que não seja pela natural preocupação em verem renovadas as suas colocações, criou uma indesejável subordinação hierárquica. Ali, onde devia haver Uberdade de aderir ou não às políticas sectoriais propostas em função da apreciação- da sua validade intrínseca, substituiu-se-lhe um deferente cumprimento de ordens. Os processos de decisão alongaram-se, passando a incluir, como instância última, os próprios membros do Governo, assoberbados por muitas outras preocupações, as mais das vezes mais instantes. As decisões empresariais politizaram-se, os seus êxitos e insucessos também.
Poderemos dizer, em suma, que em vez de as empresas públicas terem contribuído para agilizar o torpor dos mecanismos estaduais, foi o sector público empresarial que foi contaminado por uma burocracia fossilizante, a qual se estendeu como larga mancha por toda a organização empresarial, desde a capacidade de decisão dos gestores até ao próprio comportamento dos trabalhadores. As excepções, que as houve, foram poucas, assentes em condições singulares ou nas qualidades de gestores de grande personalidade, e só serviram para confirmar que

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a perspectiva correcta deve ser a de considerar o universo, o sistema, porque é aí que radicam os vícios apontados.
As consequências no campo económico e financeiro das deficiências e erros do sector empresarial do Estado foram a estagnação tecnológica e organizativa, o marasmo na produtividade, a falta de inovação e a diminuição do investimento, a acumulação dos resultados negativos. O Estado, através do enorme incremento da dívida pública, suportou as repercussões dos maus resultados financeiros. A sociedade portuguesa, por sua vez, registou, em geral, na falta de progresso e nas perdas de oportunidades de aumento de riqueza, os custos do mau funcionamento do sistema.
A uma escala, apesar de tudo, mais reduzida, reproduziram-se em Portugal, no sector empresarial do Estado, as mesmas falências que são agora tão veementemente denunciadas nos diversos países do Leste Europeu e na própria União Soviética -por forma, aliás, tão comovente como temos tido oportunidade de testemunhar na televisão -, varridos que estão, pelos ventos da Perestroika, o leninismo e o estalinismo asfixiadores da liberdade.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nossa Constituição, que, num primeiro momento, acolheu, ao lado do princípio democrático e das suas concretizações, o princípio colectivista marxista, tardou em reconhecer o falhanço total dos desideratos revolucionários da construção de uma sociedade socialista segundo o modelo de Leste, com direcção central e planificada da economia e apropriação colectiva dos principais meios de produção, solos e recursos naturais.
A revisão de 1982, importante que foi, quedou-se pela extirpação do Conselho da Revolução e dos elementos espúrios à organização e funcionamento de um sistema político pluralista. Foi só depois de nos tornarmos membros de pleno direito da Comunidade Económica Europeia, com a revisão constitucional de 1988-1989, que ultimámos, em Junho passado, que a Assembleia da República, no exercício de poderes constituintes, praticou o acto verdadeiramente histórico e de superior importância política de declarar a caducidade do princípio socialista colectivista e daí extrair as necessárias conclusões. Uma das mais importantes é, certamente, a da possibilidade da reprivatização da titularidade ou do direito de exploração de meios de produção e outros bens nacionalizados após 25 de Abril de 1974, conforme dispõe o artigo 85.º, n.º 1, da Constituição. Essa reprivatização - diz o mesmo artigo - só poderá efectuar-se nos termos de lei quadro aprovada por maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções. O artigo 296.º da nossa Lei Fundamenta], por seu turno, vem referir os princípios fundamentais que deverão ser observados na citada lei quadro.
É em prosseguimento da direcção apontada pela revisão constitucional de desmontar o caduco edifício erigido pelo processo revolucionário de 1974-1975 e de dar concretização e cumprimento aos artigos 85.º, n.º 1, e 296.º da Constituição, que o Governo apresenta a proposta de lei n.º 121/V e o Partido Socialista o projecto de lei n.º 441/V, agora em apreciação e discussão, na generalidade, neste Plenário.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É desde logo fundamental nessa discussão sublinhar que, com a aprovação da lei quadro sobre as privatizações, em complemento da revisão constitucional, não se consuma apenas uma importantíssima vindicta histórica sobre o 11 de Março. O acto que iremos praticar assume, para além disso, e em termos objectivos, um transcendental significado filosófico, cultural e político para o nosso futuro, como sociedade de homens livres, sociedade pluralista e progressiva que queremos ser. Com a revisão de 1988-1989 e com as leis que a implementam na legislação ordinária - das quais esta lei quadro é uma das mais relevantes - modifica-se a posição da pessoa e da sociedade civil face ao Estado.
Com a possibilidade de privatizar o que os mandatários do poder político do cidadão entendem dever ser privatizado, não se trata, com efeito, apenas de reparar um erro ou uma injustiça cometida, ou de corrigir, em termos tecnocráticos, as deficiências de um modo de produção.
A opção pelo sistema regra de competitividade baseada no mercado representa um acto de confiança na capacidade criadora do homem, na sua liberdade, no seu sentido de responsabilidade. Devolve ao círculo de decisão da pessoa, à sua autonomia, largos sectores de actividade social que estavam subtraídos à sua acção.
Antes da revisão de 1988-1989, a concepção do mundo e da vida dominante na Constituição presumia a superioridade e a natural bondade da acção do Estado em cotejo com a actividade dos particulares. Era assim, por exemplo, nos domínios da comunicação social, da saúde, do ensino, da segurança social e, naturalmente, no campo económico. A iniciativa privada era, em princípio, concebida como intrinsecamente negativa, qualificada como parcial, defensora de interesses prejudiciais ao bem comum, geradora de injustiça ou qualquer outro malefício. Só a muito custo esta verdadeira inversão do ónus da prova podia ser superada pela demonstração da pureza de intenções ou da valia da actividade desenvolvida.
Assistia-se, assim, à paradoxal situação de o cidadão ser exaltado nos seus direitos de liberdade e de participação política, mas ser afectado de uma capitis diminutio na sua actividade criadora de riqueza e na sua acção profissional. Agora, com a revisão constitucional de 1988-1989, é restituída à sociedade civil o que a esta deve caber.
As privatizações constituem, porém - é bom não esquecer -, apenas uma peça, embora decisiva, de uma estratégia de renovação e de progresso que há que encontrar e definir para que a sociedade portuguesa se desenvolva e progrida. Permitem, em síntese, que o Estado social de direito ultrapasse alguns dos obstáculos que o debilitavam e se afirme nos seus valores fundamentais de respeito pela pessoa humana, justiça e bem-estar. Mas um longo caminho há ainda a percorrer.
Existe, por parte de alguns, a ideia de que esta nova forma de situar o homem perante o Estado em Portugal é, sobretudo, senão exclusivamente, favorável aos empresários e que os trabalhadores seriam prejudicados por perder a protecção e as regalias de que até agora gozavam. Esta tese é, evidentemente e por razões óbvias, sufragada, acarinhada e particularmente exagerada pelo Partido Comunista.
É preciso, porém, dizer frontalmente que esta percepção se nos afigura, a nós, sociais-democratas, sem fundamento e profundamente errada.
A experiência vivida por outros países da Comunidade Económica Europeia ou além-Atlântico - nos Estados Unidos e no Canadá, por exemplo - demonstra bem que quem aposta no homem e na sua capacidade de realização projecta uma sociedade mais aberta à inovação e ao progresso. Não consta que os trabalhadores e a população em

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geral vivam pior na França ou na Alemanha Federal do que na Polónia ou na República Democrática Alemã. A dinâmica de progresso assenta na motivação e capacidade individual e só aumentando o que se produz pode distribuir-se e consumir-se mais, viver-se, em suma, melhor.
É certo que uma sociedade que aceite a aventura da competição, de progresso continuado e de mudança, baseada na liberdade de iniciativa das pessoas, é também uma sociedade com maiores desafios e com inevitáveis riscos.
O risco é a contrapartida da responsabilidade. Por isso, os medíocres preferem burocraticamente acomodar-se na monotonia do ritmo que nunca se altera, optando pela segurança do pouco que têm, ao invés da aposta, mesmo com risco calculado. Não acreditamos, porém, que, em Portugal, os nossos trabalhadores e os nossos sindicatos escolham permanecer no imobilismo que leva à decadência.
Mas, entendamo-nos bem: uma sociedade que se sente com coragem e determinação para enfrentar os desafios e construir os caminhos do futuro não tem que esquecer as lições do passado e cair num neo-liberalismo que permita todos os excessos. Rejeitamos o minimal state e pensamos que o poder público não pode demitir-se das suas funções de garante e promotor da justiça social. À filosofia de Nozick, apesar do seu brilhantismo, preferimos, a justiça distributiva de Rawls.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Acreditamos também que o sindicalismo democrático, independente dos partidos, saberá encontrar as soluções e as respostas adequadas ao dinamismo da sociedade que pretendemos construir.
No que respeita especificamente ao processo de privatização, a Constituição e as propostas agora em discussão, de acordo com ela, salvaguardam os direitos e obrigações de que são actualmente titulares os trabalhadores e conferem um direito à subscrição preferencial numa percentagem do capital social das empresas que resultarem da privatização. Prevêem-se, assim, garantias importantes e suficientes para que das privatizações não resultem prejuízos indevidos para os trabalhadores. Os resultados esperados superam largamente, pelo lado positivo, alguns eventuais inconvenientes.
As propostas legislativas do Governo, apoiado pela maioria do PSD, e do PS decorrem dos mesmos preceitos constitucionais e, por isso, tem bastante em comum. Mas, porque baseadas em projectos políticos diferentes, também muito as separa.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Exacto!

O Orador: - Sem entrarmos num exame de detalhe, próprio de discussão na especialidade, poderemos dizer que, enquanto a proposta de lei do Governo acredita plenamente nas virtualidades das privatizações como instrumento poderoso de modernização da sociedade portuguesa, o Partido Socialista fica a meio caminho, como que envergonhado e arrependido da opção tomada na revisão constitucional.

Aplausos do PSD.

No seu projecto de lei continua a perpassar o pendor estatizante. Custa-lhe a abandonar a ideia, que lhe foi tão cara no passado, de que o Estado não é bom empresário e de que aquilo que faz, por ser ele a fazê-lo, é intrinsecamente bom. A desconfiança inicial na iniciativa privada ainda permanece.
Por isso e a despropósito, no artigo do projecto que rotulou com a epígrafe «Exclusões», o PS veio enunciar um número vasto de sectores que não podem ser privatizados em mais de 49 %. Por uma forma algo ínvia procura uma nova delimitação de sectores do Estado.
Por isso também regulou a comissão de privatizações e o respectivo processo em termos excessivamente burocráticos, multiplicando as cautelas e as formalidades muito para além do exigido pela necessidade de assegurar a obediência aos princípios constitucionais e a transparência das operações.
A flexibilidade, que constitui uma das traves mestras da proposta de lei do Governo e que colhe os ensinamentos da Lei n.º 84/88, parece-nos, de longe, a orientação preferível.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O grau de concretização dos princípios orientadores do artigo 296.º da Constituição afigura-se-nos conforme à natureza de uma lei quadro e não frustra as preocupações de garantia e transparência que aquele visa. Uma concretização excessiva introduzirira uma rigidez inconveniente perante a diversidade de situações a atender. Nalguns casos, correria mesmo o risco de, ao fixar limites gerais, por exemplo em matéria de capital social a subscrever por certas categorias de accionistas (os estrangeiros em relação aos nacionais), de entrar em choque com a legislação comunitária.
Tanto o Governo como o Partido Socialista denotam uma saudável preocupação pela transparência e por dar à Assembleia da República um poder de fiscalização, particularmente penetrante, sobre as operações que devem ser aqui particularmente cristalinas. Esse cuidado é tanto mais justificado por, em ambos os projectos, se autorizar a venda directa, quando razões estratégicas de protecção do interesse nacional no sector o venham a justificar.
Não julgamos, porém, oportuno nem que a comissão de privatização seja 'designada pela Assembleia da República nem que seja a lei a criar uma subcomissão parlamentar, como sugere o Partido Socialista. Mas afigura-se-nos apropriado que, por resolução desta Assembleia, contemporânea da aprovação da lei quadro, seja constituída, no seio da Comissão de Economia, Finanças e Plano, uma subcomissão especializada para seguir de perto as privatizações.
Parece-nos igualmente correcto que a Comissão de Acompanhamento das Privatizações, a qual deve continuar a funcionar na área governamental, faça relatórios trimestrais sobre as suas actividades à Assembleia e seja ouvida pela subcomissão,, sem necessidade de qualquer autorização prévia do Governo, quando venha a entender-se conveniente.
Assim se garantirá, em termos razoáveis e eficientes, o necessário poder de fiscalização da Assembleia da República sobre este momentoso problema.
As considerações expendidas possibilitam que expressemos, desde já e claramente, o nosso apoio à proposta de lei do Governo, que é equilibrada, bem sistematizada e tecnicamente escorreita.
Isso não significa que, descontada a orientação estatizante (que reprovamos), não haja, aqui e além, algumas

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soluções a acolher na proposta socialista, a qual, não merecendo a nossa adesão, na totalidade, também não justifica uma rejeição liminar.
Em suma e a concluir, Sr. Presidente e Srs. Deputados, reiteramos que a aprovação da lei quadro das privatizações é, em complemento da revisão constitucional de 1988-1989, um marco decisivo para que Portugal possa, no concerto das nações democráticas e progressivas, tomar o lugar a que aspira e a que tem, naturalmente, jus.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa vai dar-vos conta de um lapso que cometeu e, por esse facto, pedir desculpas: é que foi dada indevidamente a palavra ao Sr. Deputado Rui Machete, que estava inscrito depois de outros Srs. Deputados. Acontece que o lapso teve por base um consenso existente relativamente as inscrições no período de antes da ordem do dia, que não se aplica ao período da ordem do dia, porque, do ponto de vista regimental, a única coisa que pode ser feita é, no caso de haver dois deputados inscritos do mesmo grupo parlamentar, intercalar-se com um deputado de outro grupo parlamentar ou um membro do Governo.
A Mesa apresenta, pois, em particular aos Srs. Deputados que estavam inscritos antes do Sr. Deputado Rui Machete e, a nível geral, à Câmara, desculpas por este lapso cometido e informa que vai continuar a dar a palavra aos Srs. Deputados segundo a ordem de inscrição.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Rui Machete, V. Ex.ª fez uma intervenção como uma verdadeira sinfonia em quatro movimentos: o primeiro, solene, que é uma profissão de fé de carácter político-ideológico (ocupou com isso uma larga parte da intervenção); depois, um rápido resumo da Constituição revista, nesta parte, e uma descrição da revisão como uma espécie de vindicta sobre o 11 de Março - portanto V. Ex.ª assume a qualidade de «o vingador», que é um papel que, suponho, lhe dará prazer, mas que é uma caricatura histórica em relação aos factos tal qual se verificaram em Portugal, não esquecendo que o PSD votou a Constituição de 1976, onde estava tudo isto!; em terceiro lugar, no terceiro andamento, zurziu allegro o projecto de lei do Partido Socialista como estatizante, mas depois chegou à parte interessante e aí acabou...
A parte interessante seria a de pronunciar-se, concreta e aprofundadamcnte, sobre a proposta governamental. Sobre esta proposta disse aquilo que, suponho, só se não fosse da bancada governamental é que não diria: qualificou-a com adjectivos abstractos, tal como: «é técnica», «é escorreita», etc. Depois, disse qualquer coisa de vago: «A lei quadro não deve ter uma concretização excessiva porque isso seria rigidez», e acabou por afirmar, o que é bastante curioso (e sobre isso gostava de o questionar), que, aqui e além, há soluções no projecto de lei do PS que talvez não mereçam desdém. Rima e é interessante!... Gostava de lhe perguntar quais são esses aspectos.
Mas mais: gostava de lhe perguntar, além desses aspectos que não merecem desdém numa proposta estatista, como é que V. Ex.ª compatibiliza esta proposta governamental de matriz financista com as normas constitucionais do artigo 296.º da Constituição. É isso que gostava de perguntar-lhe.
Repare: discutimos tão intensamente na Comissão de Revisão Constitucional e aqui, no Plenário da Assembleia da República, o que deveria ser esta lei quadro. Esta lei quadro foi o preço de a Constituição não ter um artigo com uma garantia material sobre as nacionalizações. Má solução, na nossa óptica, mas solução! Isso implicava que a lei quadro não fosse uma lei vaga, branca, uma superautorizaçao legislativa.
Pergunto-lhe: uma lei quadro que devolve para o Governo o poder de optar pela quebra da regra do concurso público - que constitucionalmente é a regra geral e preferencial - é uma lei quadro compatível com o disposto no artigo 296.º da Constituição? Uma lei quadro que se limita a repetir princípios constitucionais, em vez de os desenvolver, por exemplo em matéria de direito dos trabalhadores, é uma lei quadro compatível com o conceito constitucional? Isto é, quando a Constituição prevê que seja aprovada por maioria absoluta uma lei quadro que define as regras para a privatização, aquilo que pretendia era devolver ao Governo as opções fundamentais em matéria de privatização? Sr. Deputado Rui Machete, haverá de admitir que não! Aquilo que se pretendia, aquilo que foi até pactuado entre os dois partidos responsáveis pelo texto da Constituição, neste ponto, foi a definição de um catálogo de regras e critérios materiais, com a densidade mínima aceitável, que definisse, na Assembleia da República, e não fora dela, esse quadro.
Aquilo que V. Ex.ª encontra nesta «escorreita» e «soberba» proposta de lei não é nada disso, tanto em relação ao ponto que lhe citei ou a aspectos como o dos direitos dos trabalhadores, que já referi, como em relação à própria reprivatização dos direitos de exploração, que é um zero. Não há regras materiais, pura e simplesmente! Considera V. Ex.ª que isso é compatível com o artigo 296.º da Constituição? Muito maravilhado ficaria que V. Ex.ª, em são, prudente e honesto juízo de constitucionalidade, pudesse emitir um tal parecer.
Por isso é que me parece interpretar a sua cuidadosa cláusula relativa ao exame na especialidade como sendo uma espécie de compromisso de reavaliação do conteúdo da norma, por forma que ela não saia daqui como entrou, porque se tal acontecesse, repito, seria inconstitucional e teria uma altíssima probabilidade de como tal ser declarada pelo Tribunal Constitucional.
Será que o PSD deseja isso? Ou será que é isso mesmo que o PSD deseja?

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Por que é que não apresentam uma proposta de lei quadro das privatizações?!
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): -Sr. Deputado José Magalhães, obrigado pela sua intervenção e pela, suponho que é um melómano, caracterização do meu discurso como uma sinfonia. Tomo isso como um elogio!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Para não chamar cançoneta!

O Orador: - Sim! Cançoneta era pior, realmente! Devo dizer-lhe que me comove um pouco a cir-

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cunstância de V. Ex.ª estar tão preocupado em que se faça uma lei que não seja inconstitucional e que, acentuada e rapidamente, se dê cumprimento a esta disposição dos artigos 85.º, n.º l, e 296.º da Constituição. É uma conversão salutar. Sr. Deputado, que talvez indicie uma perestroika no Partido Comunista!...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para além disso, lamento que não tenha sido possível que o Partido Comunista tenha traduzido essa sua intenção, tão construtiva e tão positiva, de, rapidamente, caminharmos no sentido de termos uma lei quadro para podermos privatizar a 100% apresentando um projecto de lei. Teria sido bastante melhor porque permitiria ver, no concreto, como é que as ideias expendidas pelo Sr. Deputado José Magalhães tinham tradução, como é que eram formuladas. Foi pena que isso não tivesse acontecido, mas, certamente, aquando da discussão na especialidade, teremos oportunidade de discutir isso e, também nessa altura, terei oportunidade de referir-lhe, se o Sr. Deputado estiver interessado em ouvir-me, as tais sugestões, que me parecem muito positivas, feitas pelo Partido Socialista, através do seu projecto!...

Vozes do PSD: - Muito bem!

Q Orador:- Julgo que o Partido Socialista prestou um bom serviço, bondade, a esta discussão; apresentou um projecto cheio de interesse, que será discutido, como disse há pouco o Sr. Deputado Jorge Sampaio, com toda a abertura, mas isso não significa, naturalmente, que perfilhemos muitas das opções que são apresentadas e, sobretudo, alguns aspectos da filosofia subjacente.
Dois pontos ainda gostaria de, rapidamente, referir.
Eu não disse, Sr. Deputado José Magalhães (e, se tiver oportunidade, leia ou releia o que referi), que perfilhava a ideia da vindicta histórica sobre o 11 de Março; disse, sim, que o que agora estamos em vias de praticar como acto de aprovação é muito mais importante do que uma simples, vindicta... vindicta histórica e não de pessoas. É histórica, um pouco em sentido hegeliano, Sr. Deputado José Magalhães, é muito mais transcendente, é muito mais importante!... Daí que valha a pena atrasarmos um pouco e até fazermos algumas composições sinfónicas sobre a matéria.
A segunda observação é esta: certamente que a proposta de lei, como todas as obras humanas, terá alguns aspectos' susceptíveis de aperfeiçoamento e, dentro do espírito de abertura em que este debate deverá ser feito, por que não introduzir esses aperfeiçoamentos?
Agora, Sr. Deputado José Magalhães, não partilho do seu juízo de que a concretização necessária a uma lei quadro venha a espartilhar por completo em termos de impossibilitar a acção do Governo em matéria de privatizações. Teremos oportunidade de, aquando do debate de especialidade, caso a caso, discutirmos o grau de concretização adequado. Todavia, perfilho a ideia de que é extremamente importante que a acção do Governo possa ter a máxima flexibilidade, dentro das orientações traçadas pela Constituição e pela lei quadro e, naturalmente, sob a fiscalização da Assembleia da República. Mas à Assembleia da República cabe-lhe um papel de fiscalização e não o de ser ela a proceder, seja pela via da lei que faz, seja pela via de uma eventual comissão de acompanhamento que ela própria elegesse, às privatizações propriamente ditas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para organização dos trabalhos, informo que estão ainda inscritos seis oradores e os tempos que restam aos diferentes grupos parlamentares estão expostos. Dentro de uma hora, isto é, às 19 horas e 30 minutos, vamos proceder a votações finais globais, e temos na Mesa quatro requerimentos de avocação, o que significa que as votações vão ultrapassar as 20 horas.
É esta a informação que queria dar. para organizarmos os trabalhos, e julgo que as consequências do que acabo de dizer são inevitáveis.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. . Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 121/V, eufemisticamente intitulada de lei quadro das privatizações, com tudo o que consubstancia de autêntica autorização legislativa em branco, patenteia, como recentemente acentuou o Comité Central do PCP, a «gravidade da revisão da Constituição levada a cabo por acordo entre o PS e o PSD», e vem demonstrar à sociedade a justeza das posições do PCP de permanente e firme denúncia das cedências do PS no processo de revisão.
O conteúdo da proposta de lei quadro, que o não é,- a prática política do Governo do PSD, o anúncio pelo Conselho de Ministros das próximas privatizações da Tranquilidade, da Centralcer, da Cimpor e do BPA (o maior banco comercial português) e a esclarecedora entrevista, recentemente concedida pelo Secretário. de Estado Adjunto e das Finanças à revista do IPE comprovam que o Governo pretende proceder à privatização de praticamente todas as parcelas do rico património empresarial do sector público, decidindo, sozinho, como, quando a quem e por que preço alienar. E mostram, de igual modo, que o Governo não encara o processo de privatizações como um «instrumento de política económica», passível de utilização no «respeito por princípios de transparência processual, da estabilidade empresarial, da utilidade pública, da independência nacional», como o encara a exposição de motivos do projecto do PS. Muito menos o Governo encara as privatizações na medida em que, hipoteticamente, pudessem melhorar a coerência do sector empresarial do Estado e contribuir para uma maior eficácia das empresas públicas no quadro de uma economia mista para o nosso país.
A estratégia de privatizações do Governo é suportada, exclusivamente, por uma opção ideológica assente no mais retrógrado liberalismo e proporcionadora de chorudos negócios ao grande capital.
O processo de privatizações que o Governo, com a presente proposta de lei, se apresta para acelerar e aprofundar visa, declaradamente, a criação de grupos capitalistas, grandes à escala interna, não como resultado do processo clássico de concentração capitalista e de um elevado grau de desenvolvimento das forças produtivas, mas, fundamentalmente, através de uma intervenção administrativa do Estado, alheia aos mecanismos de mercado que o Governo diz defender em absoluto. O Governo pretende que a constituição e reconstituição dos grandes grupos económicos e a concentração capitalista se opere, não em resultado da concorrência dos grupos privados com o sector público da economia, mas através de decretos de liquidação do sector empresarial do Estado

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e da transferência forçada do património, recursos e bens nacionais para as mãos do grande, capital.
Porque o essencial dos principais grupos económicos actualmente existentes em Portugal assenta os seus pés de barro em actividades comerciais e de serviços, o Governo afirma a sua intenção de privatizar, todas as empresas públicas industriais, oferecendo-lhes o domínio de alguns dos principais ramos de produção.
A estratégia de privatizações do Governo tem como um dos seus principais objectivos declarados a alienação a 100% de todos os bancos comerciais, públicos; porque a estratégia dos grupos capitalistas comporta, como condição necessária ao seu engrandecimento e ao controlo da actividade das pequenas e médias empresas, a constituição dos seus próprios bancos.
Paralelamente a esta aposta do Governo na promoção de grandes capitalistas nacionais, e congela interpenetrada, a estratégia privatizadora do Governo conduzirá à crescente penetração do capital estrangeiro que, só ou em participação com grupos económicos portugueses, crescente e rapidamente dominará sectores fundamentais da economia portuguesa e comandará centros e mecanismos essenciais da decisão económica segundo o seu exclusivo interesse.
É a estratégia daquilo a que alguém, com toda a propriedade, chamou já de «perda de soberania por alienação».

Vozes do PCP: - Muito bem!'

O Orador: - Aliás, a experiência vivida das privatizações já processadas, ainda antes da lei quadro que não vai existir, confirmam suficientemente o que referi.
Todas as privatizações se traduziram na entrega, a preços subavaliados, de posições chave ao grande capital, ficando completamente desmacaradas as teses da «disseminação do capital», do «capitalismo popular» e dos «trabalhadores accionistas».
Em todos os casos se verificou a tomada de fortes posições por parte de grupos económicos, estrangeiros; e só num deles essas posições não se mostram dominantes face ao capital privatizado. Aí está o grupo Bavária, com uma forte posição na Unicer. Aí estão os grupos Banesto, Societé Générale e Union d'Assurance de Paris a dominarem o capital privatizado do BTA e da Aliança Seguradora. Aí está a Neste a comandar a EPSI e a CNP. Aí estão alguns grupos portugueses a aliarem-se, em posição subalterna, ao grande capital estrangeiro.
E aí está, ainda, a falta de transparência com que o Governo rodeia todas as privatizações, recusando-se a fornecer os processos de avaliação das empresas e de determinação dos preços de alienação que lhe foram requeridos, pelo Grupo Parlamentar do PCP - falta de transparência que o Sr. Ministro das Finanças há pouco reiterou em nome do Governo.
Mas, Srs. Deputados, se a prática recente já deixava a claro todas as linhas essenciais do processo de privatizações desenhado pelo Governo, é igualmente certo que a proposta de lei-quadro, que o não é apresenta aspectos qualitativamente novos.
O primeiro aspecto reporta-se à, possibilidade de o Governo, sem quaisquer constrangimentos legais, poder proceder «à venda directa» de qualquer empresa pública, permitindo-lhe assim proceder, previamente, a uma partilha das empresas públicas, por diversos grupos capitalistas nacionais e estrangeiros, tornando desnecessário, que um qualquer grupo Belmiro de Azevedo se degladie com um qualquer, grupo Roquette/Banesto para tomada de posição dominante num qualquer BTA, e ficando com as mãos livres para a realização de todas as negociatas com compadres e confrades; na mesma linha do que um relatório do Parlamento Francês, agora vindo a público, acusa se ter passado nas privatizações registadas naquele país.
O segundo aspecto tem a ver com uma velha reivindicação do CDS, à qual, aliás, até há pouco tempo o Primeiro-Ministro e ó Ministro das Finanças vinham dando resposta negativa. É o aspecto que permite a aquisição de empresas públicas por troca com títulos de indemnização mobilizadas ao seu valor nominal e que significa, fundamentalmente, a intenção do Governo de incentivar a reconstituição dos grupos monopolistas de antes do 25 de Abril, como o mostra, desde já, a declarada intenção do grupo Espírito Santo de readquirir o, controlo da Tranquilidade, e, do BESCL para o efeito não se coibindo de arregimentar pseudo pequenos accionistas, a troco, de uma gratificação. Esta reconstituição é acompanhada pela duplicação, do valor real dos títulos de indemnização, já que,, estando actualmente; cotados na bolsa abaixo dos 500$; poderão ser mobilizados pelo valor de 1000$. Aliás, sendo certo que o Governo reafirma que a receita das privatizações se destina, fundamentalmente, a amortizar a dívida pública, é politicamente significativo que assim se proponha amortizar a parcela, de dívida menos onerosa para o Estado: a parcela que deveria ser paga ,ao longo dos próximos 18 anos e, que vence uma taxa de juro de 2,5%!
O outro aspecto, moratória da proposta do Governo é o da criação de «obrigações de reprivatização» convertíveis em acções ou com direito a subscrever acções. É o instrumento que o Governo, encontrou para proceder àquilo que se pode chamar de «privatizações a prazo». E bem se entende esta inovação governamental! É, que, tendo o Governo programado a venda de ao das as empresas públicas num prazo de seis anos (pois os recursos financeiros dos grupos capitalistas e as capacidades do mercado financeiro não são ilimitadas) e mostrando a evolução política e social do País que o Governo do PSD tem um horizonte de vida máximo de apenas 18 meses, o Governo pretende, através deste estratagema, tentar criar situações de compromisso legal do Estado de efectiva alienação de todo o património empresarial público.
São três inovações, são três escândalos dentro do escândalo das privatizações.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na sequência da proposta de lei do Governo, o PS apresentou o seu projecto de lei quadro das privatizações.
Em alguns aspectos este projecto de lei se distingue da proposta do Governo. Desde logo, cumpre, formalmente condições para poder ser considerada, constitucionalmente, ,uma lei quadro e não uma autorização legislativa em branco. Por outro lado, o projecto de lei exclui» á privatização a 100% das empresas públicas nos sectores vedados à iniciativa privada, que no actual quadro legal são mínimos, e que, a todo o tempo, pode ser alterado por uma qualquer maioria da Assembleia da República, e ainda em três outros sectores em que essa mesma privatização é limitada a 49%.

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Em terceiro lugar, o projecto de lei do PS coloca algumas condições e exigências de transparência no processo de avaliação e apreciação das formas de privatização, que só o mais completo despudor e o total desrespeito por regras básicas de um regime democrático poderão justificar a sua não aceitação pelo Governo e pelo PSD.
Por último, o projecto de lei do PS apresenta algumas medidas aparentemente defensoras dos interesses e direitos dos trabalhadoras e das suas organizações representativas, mas em grande parte ineficazes, mais parecendo pretender fazer esquecer a responsabilidade do PS no desencadear da nova fase do processo de privatizações. Exemplo dessa ineficácia é a proposta de participação dos trabalhadores em órgãos sociais das empresas privatizadas, em que a definição do modo de participação e das competências específicas é remetida para o Governo do PSD.
Porém, em matéria substancial, o projecto de lei do PS acompanha a proposta do Governo.
Permite a alienação a 100% de praticamente todas as empresas do sector empresarial do Estado, incluindo, designadamente, todo o sector financeiro.
Os limites que estabelece para a participação de qualquer pessoa singular ou colectiva, nacional ou estrangeira, incompreensivelmente, apenas vigora até à primeira assembleia geral da nova empresa privada, sendo t certo, aliás, como a experiência recente o comprova, que o estabelecimento desses limites não tem qualquer eficácia prática.
O projecto do PS possibilita ainda a privatização por venda directa e, ainda que com alguns constrangimentos processuais, sempre permite a prática do favoritismo clientelista e da negociata.
Abre, igualmente, as portas à reconstituição dos ex-grupos monopolistas através da mobilização dos títulos de indemnização ao seu valor nominal, com elevados prejuízos para o erário público, e, ao propor a possibilidade de pagamento com títulos de dívida pública à cotação do dia da transacção, ameaça criar, regularmente, ondas especulativas na bolsa proporcionadoras de chorudos negócios.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como o PCP tem defendido e a vida vem demonstrando, só um sector empresarial no Estado forte, eficaz e estrategicamente implantado no quadro de uma economia mista, e liberto das tutelas asfixiantes e das gestões por clientelismo partidário pode contribuir decisivamente para o desenvolvimento económico do País e a modernização da estrutura e especialização produtivas, para manter a soberania nacional em pontos nevrálgicos da economia portuguesa e para reduzir a intensidade dos abalos que o mercado único não deixará de provocar.
Votaremos, pois, contra a proposta e o projecto de lei hoje em discussão, na defesa dos interesses do País e dos trabalhadores portugueses.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, V. Ex.ª pode estar certo que bem compreendo a sua amargura ao proferir o discurso que acaba de fazer. É que para o PCP é doloroso ver arriar uma das suas últimas grandes bandeiras. Em 1975, o Partido Comunista Português passou para as mãos do Estado a maior parte da economia portuguesa. Fê-lo, apenas e tão-só, com um motivo político, e é muito estranho que o Sr. Deputado Octávio Teixeira venha aqui dizer que o Governo está a proceder dando nota de uni retrógrado liberalismo.
O Sr. Deputado sabe que, em 1975, as empresas que foram nacionalizadas não foram previamente avaliadas e que as empresas que agora vão ser privatizadas sê-lo-ão sempre.

O Sr. José Magalhães (PCP): - De que maneira!?

O^ Orador: - Depois, o Sr. Deputado Octávio Teixeira, , continuando este progressivo isolamento e afundamento em que o PCP se está a meter, veio aqui acenar com uma série de papões que muito utilizou em 1975: o horror das multinacionais,- o horror do investimento estrangeiro!
O Sr. Deputado veio depois zurzir o capitalismo! Mas pensa V. Ex.ª que o marxismo, o leninismo, o colectivismo - e não falo nessa coisa horrorosa que é hoje para os senhores o estalinismo -, é, porventura, o sistema que melhor serve as pessoas?
O Sr. Deputado tem que aceitar que, como estão a ruir alguns muros, a muralha de aço, que foi em tempos outra bandeira dos senhores, também vai acabar por ruir! Têm que se conformar com isso: são as circunstâncias, é a força da história.
Sr. Deputado Octávio Teixeira, V. Ex.ª pode pensar o que quiser acerca das privatizações e do que deve ser o sector público empresarial do Estado. Aceito perfeitamente que não pense o mesmo que pensa hoje a maioria dos países de Leste. Porém, o que V. Ex.ª não pode fazer é levantar suspeitas sobre a transparência do processo das privatizações. Gostaria que, em relação às privatizações até agora levadas a cabo, V. Ex.ª apontasse um único indício de falta de transparência!
Finalmente, gostaria de dizer que receio que o PCP venha a acabar numa interessante fonte de receita para o turismo do País. Pode bem acontecer que, dentro em pouco, para ver o último bastião do comunismo, seja preciso vir a Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E sobre a lei quadro?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, há mais oradores inscritos para formular pedidos de esclarecimento. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, apenas gostaria de lhe solicitar uma informação. Talvez a pessoa mais idónea para dar esta resposta fosse o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, mas acontece que foi V. Ex.ª quem fez a intervenção...

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esta nossa moda, porventura, a vão seguir a breve trecho. Ainda bem que tudo se encaminha para uma maior racionalidade, que, nos domínios da economia, é o mesmo que dizer que tudo se encaminha para que as economias possam estar finalmente ao serviço dos homens que as servem.
Quanto às iniciativas legislativas, que hoje aqui nos reúnem, congratulamo-nos-já o dissemos - com ambas as iniciativas. Ambas respeitam um aspecto que consideramos fundamental. Aliás, como recordou o Sr. Deputado do Partido Comunista Octávio Teixeira, ambas as iniciativas consagram uma abertura em relação a um problema que o CDS considerou sempre que não poderia deixar de ser tido em consideração simultaneamente com o problema das privatizações.
Na verdade, o CDS sempre entendeu que o Estado não podia jamais considerar-se pessoa de bem se iniciasse um processo lucrativo de realização de mais-valias com as privatizações que chegaram ao seu património mercê de um acto político - o tal acto político de 14 de Março de 1975 - se, simultaneamente, não indemnizasse com justiça os titulares primitivos dessas mesmas empresas nacionalizadas.
Embora isso não esteja consagrado na proposta de lei do Governo nem no projecto do Partido Socialista, consideramos um progresso assinalável que ambas as iniciativas tenham admitido a possibilidade de mobilizar títulos de indemnização das nacionalizações ao valor nominal, para efeitos de aquisição das partes sociais nos processos de reprivatização. Consideramos um progresso notável e não queremos deixar de o assinalar.
Há já alguns meses atrás, nesta Assembleia, o CDS teve ocasião de interpelar o Sr. Primeiro-Ministro sobre esta matéria, e a resposta que foi dada constituiu qualquer coisa como um fechar completo das possibilidades de, alguma vez, se fazer justiça nesta matéria.
Dizia, então, o Sr. Primeiro-Ministro que este problema das indemnizações só poderia ser considerado em conjunto, de modo a serem reparadas todas as injustiças, porventura, resultantes do processo revolucionário.
Pela nossa parte, entendemos que haveria que separar as águas e, fundamentalmente, haveria que, neste processo, permitir conservar para o Estado uma imagem de clareza, de transparência e de seriedade, o que só se conseguirá por esta via.
Este é um primeiro passo. Vamos tentar contribuir para esta matéria com a apresentação de uma iniciativa que, dentro de muito pouco tempo, vai dar entrada nesta Assembleia. Trata-se de uma iniciativa que visa a revisão completa da Lei n.º 80/77, designadamente no que respeita aos processos de avaliação e aos processos de pagamento das indemnizações. Estamos certos de que os Srs. Deputados têm já a suficiente abertura de espírito e política para votarem a favor desta nossa iniciativa e evitarem que o processo das reprivatizações, em que todos estamos empenhados, não seja, à partida, inquinado por esta monumental injustiça.
Mas para além de ambas as iniciativas consagrarem este aspecto que, sem dúvida, consideramos positivo, algumas observações se nos oferecem fazer tanto a um como a outro.
Em primeiro lugar, entendemos que a iniciativa do PSD, ou seja, a proposta de lei do Governo, aparece como uma iniciativa equilibrada, mas é um equilíbrio conseguido sobre a base de uma enorme vaguidade. Com efeito, pouco mais temos que uma lei de pura remissão para actos concretos e administrativos do Governo e para os decretos-leis respeitantes a cada uma das privatizações. A lei será assim exageradamente quadro ou não chegará a ser quadro algum. Entendemos que é preciso preencher um pouco este quadro, porventura, com algumas achegas que nos podem vir da outra iniciativa, isto é, do projecto de lei do Partido Socialista.
O Partido Socialista apresenta uma iniciativa mais completa, porventura, em meu entender, menos equilibrada, mas que, sem dúvida, procura realizar o objectivo de lei quadro neste sentido, e no que respeita ao processo das privatizações procura traçar efectivamente uma directriz a seguir.
No entanto, suscita-nos algumas críticas. Já tivemos ocasião de referir algumas, quando pedimos esclarecimentos ao Sr. Deputado Jorge Sampaio, após a apresentação da iniciativa à Assembleia. Agora, voltamos a insistir de facto, entendemos que o Partido Socialista parece aproveitar esta lei quadro para fazer algo mais e rever o que hoje se encontra estabelecido sobre delimitação dos sectores público e privado. Fá-lo, é certo, de uma forma encapotada, fá-lo misturando soluções positivas, como é o caso do n.º 1 do artigo 35.º, com soluções muito negativas, como é a que corresponde ao n.º 2, mas é por essa via que se pretende fazer a revisão.
Por outro lado, pretende também rever, aplicando o sistema consagrado na nova lei, os processos de alienação de participações do Estado em empresas não nacionalizadas, o que também nos parece fora do objectivo central desta lei quadro.
Por outro lado, preocupando-se - e muito bem - com a manutenção dos direitos dos trabalhadores, entendo que, nesta matéria, o projecto vai longe de mais, pois não se limita a conservar direitos - essa é uma obrigação do próprio texto constitucional -, adiciona temporariamente direitos aos trabalhadores destas empresas, o que é estranho, já que isso está dependente da apresentação de um relatório final. Toda esta questão não é clara e vem criar uma situação de desigualdade que é, efectivamente, negativa.
É também positiva a preocupação que, nesta sua iniciativa, domina o Partido Socialista ao assegurar uma transparência, o mais completa possível, aos processos concretos de privatização. Porém, temos dúvidas se para esta preocupação de transparência não contribuem algumas hipóteses que resultem no desequilíbrio das soluções encontradas. É o caso, por exemplo, de se ter de fazer acompanhar, necessariamente, o processo de negociação directa de uma oferta pública em leilão. Interrogamo-nos se esta simultaneidade de processos não irá invalidar alguns dos objectivos que mais claramente se pretendem atingir com a negociação directa, e que respeitam, precisamente, à tentativa de manutenção na titularidade de portugueses do capital das empresas a reprivatizar.
São estas as observações fundamentais que se nos oferecem face às duas iniciativas apresentadas. É óbvio que os Srs. Deputados já concluíram que a nossa atitude face a estas duas iniciativas será a de as viabilizar, na generalidade, para permitir que iluminem a discussão na comissão e que, do seu conjunto, possa sair uma lei quadro que honre a Assembleia da República e que viabilize, o mais depressa possível, um processo de reprivatizações a 100%.

Aplausos do CDS.

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O Sr. Vieira de Castro (PSD): -Sr. Deputado Octávio Teixeira, gostaria apenas de deixar expressas duas notas brevíssimas.
A primeira é esta: não nego que o PPD tenha apoiado as nacionalizações, só que, graças a Deus, a inteligência obrigou-nos a mudar depressa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Prof. Aníbal!

O Orador: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, segunda nota: ficámos a saber, e confesso-lhe que foi a primeira vez que ouvi dizer, que o Partido Comunista não, tem medo do capital estrangeiro.

O Sr. Silva Marques (PCP): - O capital estrangeiro é que tem medo do PCP!

Risos gerais.

O Sr. João Amaral (PCP): - Há cerca de dois- anos que o Sr. Deputado Silva Marques anda a tentar ter graça e desta vez disse uma boa piada!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, solicito que se faça silêncio na Câmara para podermos prosseguir os trabalhos.
Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Vieira de Castro, decerto compreenderá que não tenho culpa alguma de que, pelo facto de eu há pouco ter utilizado a palavra «pobre», V. Ex.ª pensasse logo em termos de dinheiro. É um reflexo condicionado da sua bancada. Paciência!...

Risos do PCP.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Sr. Rogério Brito (PCP): - Passou da pobreza à subnutrição!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, permita-me que o interrompa, mas gostaria de dizer-lhe, uma vez que sobe a essa tribuna, e embora já há pouco me tivesse associado à saudação de que V. Ex.ª foi alvo por parte desta Assembleia, que é com muito prazer que o vejo aí.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente. É também com muito prazer que renovo os agradecimentos a V. Ex.ª e a toda a Assembleia por todas as atenções e cuidados que tiveram para comigo e para com os outros dois deputados desta Casa. Uma vez mais, muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Só estão presentes dois membros do' Governo!

O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães, não, posso dizer: Srs. Dois Membros do Governo... Mas, realmente, ficarei- com os seus membros do Governo ...

O Sr. Rogério Brito (PCP): - Eles vão desaparecendo!

O Orador: - Pelo, menos, estão presentes membros do Governo de duas espécies, o que já é importante. Está um Sr. Ministro e um Sr. Secretário de Estado!

Risos do CDS, do PS e do PCP.

Uma voz do PSD: - Aprendeu muito na África do Sul!

O Orador: - Srs. Deputados, este tempo é para o CDS um tempo de congratulação. Estamos a dar passos históricos na sociedade portuguesa. Primeiro foi a revisão constitucional que concluímos no Verão e que possibilitou o termo da irreversibilidade das nacionalizações. Foi, sem dúvida, um ponto central da revisão ao qual nos associámos vivamente. Porém, não foi o único, outros houve também importantes, mas este foi sem dúvida o núcleo, não, diria duro, mas o núcleo desta revisão constítucional.
Depois da revisão, que concluímos no Verão, outro passo histórico e decisivo é o ritmo com que são apresentadas à Assembleia, pelo Governo - que, «em nosso entender, tem, sem, dúvida, a primeira responsabilidade nesta matéria - e pelo Partido Socialista, que assumiu papel decisivo na viabilização desta revisão e deste núcleo da revisão constitucional, as, iniciativas destinadas a viabilizar, neste domínio, a própria revisão constítucional.
Finalmente, e apesar de tudo o que aqui já foi dito sobre a falta de transparência e sobre as dúvidas lançadas em relação aos próprios processos em si, gostaria ainda de salientar que momentos históricos são também aqueles que vivemos com o clima de adesão pública que, sem dúvida, se registou - e estou a referir-me à adesão pública aos processos - e que rodeou os primeiros processos de alienação de participações sociais de empresas públicas, os processos de reprivatização, embora apenas a 49%.
Para além de nos congratularmos com tudo isto, como portugueses que somos, e que assim vemos chegar ao seu termo uma situação que afectava a eficiência da nossa economia e introduzia constrangimentos inaceitáveis, em termos de finanças públicas e de política orçamental - e os números que hoje, aqui nesta Assembleia, foram citados pelo Governo são elucidativos -, manifestamos também a nossa satisfação com esta situação e com os passos históricos, que vêm sendo dados. E congratulamo-nos, ainda, como membros de um, partido que votou contra a Constituição de 1976 e que nela apontou, como defeito decisivo, esta questão da perpetuação da economia colectivista, consagrada em 14 de Março de 1975.
Finalmente, foi-nos dada razão. Não queremos reivindicar qualquer prioridade nesta matéria, queremos simplesmente invocar o facto e, por ele, com todos nos congratularmos, porque, finalmente, podemos seguir alguns exemplos que tantos resultados deram já em outros países. E vamos talvez fazê-lo: vamo-nos pôr a par com outros sistemas e com outros regimes, numa altura em que alguns outros países, que ainda há alguns meses pensávamos que não seria possível que seguissem também

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António Guterres!... No decurso do processo não há despedimentos! Poderá haver despedimentos depois do processo de reprivatização, porque, porventura, pode haver um errado dimensionamento da empresa!...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Afinal o mito da segurança no emprego desaparece!...

O Orador: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, não tenha dúvidas! Esse mito do pleno emprego até já do «lado de lá» se sabe que não interessa nada! O que interessa é bons empregos! Pergunte aos empregados da Petrogal se o que eles querem não é bons empregos, empregos bem remunerados e com viabilidade! É isso que os trabalhadores portugueses querem e é isso que temos de lhes dar.
Esse processo é só depois, Sr. Deputado. O que VV. Ex.ªs criam aqui é uma categoria especial com direitos especiais! Criam, no despedimento individual, a suspensão, por motivo da impugnação, que só funciona a favor destes trabalhadores! Criam uma categoria especial de superprotegidos, com alguma ingenuidade, como eu disse, porque isto, evidentemente, não vai funcionar.
No que se refere à venda directa, Sr. Deputado António Guterres, estou de acordo com o que aqui disse o Sr. Secretário de Estado.
Eu sei que a ideia de V. Ex.ª é a salutar preocupação da transparência. A venda directa repugna a muita gente, mas pode ser a única maneira de, por exemplo, manter o capital de uma empresa num grupo nacional. É este o problema que temos, frontalmente, de encarar! É ou não é verdade que a venda directa pode ser a única solução do problema?
Sr. Deputado António Guterres, se, em simultâneo, colocarmos um pequeno lote de acções para venda em concurso público, poderemos introduzir distorções em relação à venda directa que tornem impossível a melhor solução, que não há-de ser, necessariamente, apenas uma solução de melhor preço.
VV. Ex.ªs também não o consideram assim, porque é o preço mínimo, mas, Sr. Deputado, tem de concordar que essa medida pode introduzir distorções no processo que o tornem inviável. Ora VV. Ex.ªs viabilizaram-no e não vão agora, na prática, inviabilizá-lo!

O Sr. António Guterres (PS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, esta é daquelas situações em que não é possível deixar interromper, dado que não está a dar do seu tempo, mas sim do tempo de todos.
Portanto, solicito-lhe que reduza a sua intervenção, pois já passam três minutos do tempo limite.

O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente.

Sr. Secretário de Estado, a minha observação sobre a vaguidade do diploma, ou seja, quando há pouco referi o quadro a mais, quis com isso dizer que o quadro quase só tem a moldura. Não tem nada lá dentro e V. Ex.ª fez um prodígio de imaginação, porque de facto é disso que se trata, ao conseguir puxar aquela moldura para o centro do quadro, como V. Ex.ª tentou fazer, dizendo que, por exemplo, poderá, não poderá, será, virá a ser...
Bem, devo dizer que concordo que há, efectivamente, necessidade de contemplar caso a caso, mas, Sr. Secretário de Estado, a minha dor de alma é que julguei que o Governo - por isso pensei que a iniciativa deveria pertencer-lhe - iria aproveitar esta oportunidade para, independentemente de o fazer em outras sedes, nos dar a conhecer a sua política de privatizações, porque isso é fundamental para aqueles que querem concorrer às privatizações, para aqueles que querem ser donos, novamente ou não, dessas empresas.
Julgo que isso era fundamental, por isso pensei que esta lei iria ser a oportunidade para nos revelarem algumas coisa sobre a política de privatizações. De facto, VV. Ex.ªs continuam a anunciar, um pouco a conta-gotas, o que é que vai ser o vosso plano para as privatizações. Ora, é quanto a isto que faço a minha crítica, ao dizer que há quadro de mais ou, melhor, que apenas existe a moldura do quadro. Quanto ao que o Sr. Secretário de Estado disse sobre a venda directa, estou de acordo consigo e foi neste sentido que coloquei uma pergunta ao Sr. Deputado António Guterres.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, suspendemos neste momento a discussão dos dois diplomas, para entrarmos no período de votações, que, como é do vosso conhecimento, estava agendado.
Iremos proceder à votação final global do texto da proposta de lei n.º 72/V(Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres). No entanto, existem alguns requerimentos de avocação que deram entrada na Mesa, sendo o primeiro subscrito por deputados do PS.
Para apresentar este requerimento de avocação, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Coelho, que é o primeiro subscritor do requerimento.

O Sr. Jorge Coelho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista decidiu propor a avocação a Plenário dos artigos 9.º, 20.º, 27.º e 29.º da Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres, porque pensa que estes artigos caracterizam marcadamente tudo o que mais negativo a lei contém.
O artigo 9.º contém disposições que são uma afronta aos direitos e liberdades dos trabalhadores do sector, não se percebendo minimamente qual a razão da sua inclusão num diploma que pretende ser enquadrador do sistema de tranportes, que é extremamente importante para a vida dos Portugueses.
Portanto, este artigo vai contribuir para criar uma maior instabilidade e mais problemas num sector onde a normalização é uma exigência dos Portugueses.
O artigo 20.º coarcta a possibilidade de vários municípios limítrofes se associarem para explorar os transportes, ou de uma região o poder fazer, diminuindo também, de forma gratuita, a liberdade de as autarquias poderem organizar-se da forma que entendam para servirem da melhor forma as suas populações.
Quanto ao artigo 27.º, na redacção proposta para aprovação, não são minimamente definidos os poderes das autarquias, dando-se-lhes um peso mínimo na estrutura da comissão executiva e pondo, inclusivamente, nas mãos do Governo todos os poderes nesta matéria. Também aqui as autarquias são afastadas.
Por último, a razão da avocação do artigo 29.º, que é muito simples: a proposta que vai votar-se retira, pura e simplesmente, a administração regional dos níveis de intervenção das administrações na área dos transportes.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Carlos Encarnação, Silva Marques e António Guterres e o Sr. Secretário de Estado Adjunto e das Finanças. Em todo o caso, quero lembrar que o CDS dispõe apenas de quatro minutos.
Uma vez que já são 19 horas e 20 minutos, vamos proceder aos pedidos de esclarecimento e à respectiva resposta, entrando depois no período de votações relativas à proposta de lei n.º 72/V (Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres), findo o qual faríamos um intervalo para jantar, apenas com a duração de 1 hora e 30 minutos, continuando após isso com os nossos trabalhos.
Para pedir esclarecimentos - e chamo a atenção para a limitação de tempo do CDS -, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito: Gostaria, em primeiro lugar e antes de mais, de o cumprimentar pessoalmente, por o ver nessa bancada e por o ver de boa saúde, tanto quanto é possível, pelo menos, neste momento.
Além do mais, verifico que V, Ex.ª é mesmo imprescindível nesta Assembleia, dado o brilho, a categoria e a profundidade com ,que intervém sempre nos trabalhos desta Casa.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, não nego que o CDS sempre se tenha entusiasmado com a questão das privatizações, pelo menos, de alguns anos a esta parte, o CDS era, um dos mais entusiastas. Tendo sido feito o acordo substancial, em relação a esta matéria, entre o PS e o PSD e tendo decorrido da revisão constitucional, que seria necessário apresentar uma lei quadro em relação às privatizações, estranhamos que o CDS se apresente nesta Assembleia, hoje e apenas, na função de crítico dos dois diplomas, apresentados, isto é; estranhamos que o CDS não tenha assumido o seu papel essencial. Por isso, o CDS só terá desculpa, eventualmente, se foi pela sua ausência, Sr. Deputado, que isso se não verificou. Mas como não acredito que tenha sido por isso, porque há muitos e bons deputados nesta Assembleia que representam o CDS, gostaria de saber a razão última, a razão profunda, a essência da atitude de abstenção do CDS em relação a este lema político fundamental, na abertura desta nossa nova estação política.
Por outro lado, gostaria de saber, dado que V. Ex.ª se referiu com tanto entusiasmo à questão das indemnizações, se em vez dá questão das privatizações, se em vez da modificação do nosso panorama económico, se em vez da aplicação das decorrências da revisão constitucional, em relação à questão, fundamental no nosso país - pelo menos, entendemos que é a questão fundamental para o desenvolvimento do nosso país-, V. Ex.ª tem, como o grande projecto político do CDS, o projecto que anunciou relativo às indemnizações.
Acha, V. Ex.ª que esse é o projecto político fundamental para o desenvolvimento do País ou entende, ao contrário, que este será o outro, o grande, o mais oportuno, o mais denso e o mais eficaz para modificar a situação económica do País?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, a justiça, esse valor que sempre nos animou e nos anima e que, no fundo, leva a tantos sacrifícios voluntariamente aceites, obriga, para que haja justiça, ,a que não haja excepções a ela. Por isso, ponho-lhe esta questão no domínio da justiça.
Justiça, em consequência das nacionalizações - estou inteiramente de acordo que se diga as espoliações por via legal -, de acordo! E as outras? As outras são postas de lado só porque as grandes foram feitas por via legal? Inclusivamente, com este lado de injustiça, porque elas eram grandes em consequência de uma outra injustiça, da protecção de regime, da protecção política, que não empresarial.
Justiça, Sr. Deputado Nogueira de Brito, só porque ela foi feita legalmente? Porque eram as maiores? E as pequenas empresas que foram, de facto, espoliadas por assalto, anonimamente, só porque não eram grandes, cujos empresários nem sequer tinham a possibilidade - por vezes, cívica, porque, pura e simplesmente, eram acorrentados, sequestrados - financeira, em alguns casos, para pagar a um advogado?
Justiça, Sr. Deputado, sim! E então aqueles que foram despedidos, pura e simplesmente - operários, empregados -, só porque não confessaram, no dia seguinte, serem comunistas.
Justiça, Sr. Deputado, sim, justiça! E aqueles que anonimamente perderam o pão, porque tiveram um assomo de dignidade?
Justiça, sim. Sr. Deputado Nogueira de Brito! E então aqueles que, com anos de serviço na função pública ou nas pequenas ou grandes empresas, aqueles que, mantendo e cultivando uma profunda seriedade profissional, se viram, em consequência desse brio profissional espezinhado, de um dia para o outro, profundamente prejudicados nos seus anos de sério trabalho?
Justiça, sim, Sr. Deputado Nogueira de Brito, mas sem excepções!
E quando nós, humanamente, não podemos fazer essa justiça absoluta que o ímpeto da nossa alma exige, a justiça justa é aceitarmos a realidade dos factos e humildemente aceitarmos construir o futuro nessa estrita, pequena, mas enorme condição humana.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, é esta a pergunta que lhe faço: a justiça foi apenas aquela ,que foi produzida por via legal?
Sr. Deputado Nogueira de Brito,- por detrás dessa justiça visível houve um mundo de injustiças, de agressões directas, implacáveis, e nós não as podemos esquecer se quisermos continuar em frente e com o sentimento de estarmos a ser justos! Não será assim, Sr. Deputado Nogueira de Brito?

Vozes do PSD: - Muito bem!

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Maia Nunes de Almeida.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, permita-me que lhe diga, com sinceridade e emoção, que bom que é tê-lo aqui connosco! Como foi evidente para todos nós, a sua intervenção provou-nos que estávamos bem mais pobres com a sua ausência.

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470 I SÉRIE-NÚMERO 15

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, para invocar o Regimento.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, o Regimento diz que, havendo mais de um requerimento sobre a mesma matéria, haverá lugar a mais de uma intervenção se houver mais de um grupo parlamentar a subscrever o requerimento sobre a mesma matéria.
Ora, verifico que o requerimento de avocação pelo Plenário do artigo 27.º, apresentado pelo PCP, incide igualmente no requerimento do PS, por isso esta matéria não deveria ser tratada autonomamente.
Sr. Presidente, peço-lhe desculpa, mas foi apenas uma chamada de atenção.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, não temos problemas em dar-lhe razão, mas só metade dela. A acção da Mesa visa apenas ajudar a que os trabalhos decorram bem e a interpretação que demos foi a de que, considerando que o requerimento apresentado pelo PS era abrangente, pois focava outros artigos, poderiam, eventualmente, estabelecer-se confusões que em nada ajudariam o desenvolvimento dos nossos trabalhos. Nestas circunstâncias, a Mesa entendeu que, e apenas com um gasto de dois minutos, com a leitura e votação do requerimento avançaríamos da melhor maneira os trabalhos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, apreciamos muito essa forma de conduzir os trabalhos, respeitamo-la, mas não podíamos deixar de chamar a atenção para este pequeno entorse.

O Sr. Presidente: - Não foi entorse, de qualquer forma é importante termos o apoio do Sr. Deputado Silva Marques.
Srs. Deputados, vamos votar o requerimento de avocação pelo Plenário do artigo 27.º, apresentado pelo PCP.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e do deputado independente João Corregedor da Fonseca e a abstenção do CDS.

Srs. Deputados, finalmente, vamos proceder à votação final global da proposta de lei n.º 72/V - Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS e votos contra do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.

Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Coelho.

O Sr. Jorge Coelho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista acaba de votar contra a Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres proposta pelo Governo, pois, apesar das dezenas de propostas de alteração que propôs na sua discussão na especialidade, as mesmas não foram aprovadas, salvo algumas honrosas excepções, mantendo-se, pois, a lei com todas as características negativas que levaram o PS a votar contra na generalidade.
Devendo uma lei de bases ser uma lei que tenha características consensuais, de forma a perdurar no tempo, é com preocupação que o PS vê aprovar uma lei tecnicamente pobre, sem soluções inovadoras, com características fortes de anti-regionalismo e diminuição de poderes das autarquias, bem como de afronta aos trabalhadores do sector dos transportes.
O PS queria que tivesse sido aprovada uma lei de bases do sistema de transportes terrestres que respeitasse e promovesse o poder regional e consagrasse em termos nacionais o direito ao transporte de todos os cidadãos.
O PS queria que a lei de bases enquadrasse todo o sistema de transportes interiores (terrestres, aéreos e marítimos), e não como a proposta do Governo, que apresenta uma visão limitada aos transportes terrestres e que, negando a visão integrada do sistema de transportes, poderá prejudicar, obviamente, a eficácia económico-social que se pretende.
O PS gostaria que a lei agora aprovada defendesse uma plena igualdade de tratamento de todos os cidadãos e regiões do País e de todas as empresas públicas ou privadas, e não que gerasse desigualdades, criasse condições iníquas de exploração dos transportes e originasse uma situação de concorrência desleal, atentatória do direito de igualdade de tratamento.
O PS gostaria que a lei agora aprovada defendesse um quadro global em que a função social de transporte coexistisse equilibradamente com os mecanismos da economia de mercado, e não uma lei, como a agora aprovada, que está ferida de grave obsessão economicista, pois reduz o transporte a uma mera perspectiva mercantilista.
O PS gostaria que a lei agora aprovada defendesse o reconhecimento básico do direito ao transporte e a subsequente criação de condições que o materializem, ou seja, uma efectiva liberdade de escolha da rede de transporte a partir da criação hierarquizada de uma rede nacional, redes regionais e redes locais de transportes, e não uma lei, como a agora aprovada, que proclama abstractamente a liberdade de escolha e reduz a noção de serviço público aos transportes locais e à rede ferroviária fundamental.
O PS gostaria que a lei agora aprovada consagrasse o estabelecimento de competências repartidas pelos três níveis de Administração (central, regional e local) e não pervertesse a repartição dessas competências, omitindo declaradamente o nível regional e manifestando a sua obsessão centralista, quer no regime previsto para as áreas metropolitanas, quer no que se estabelece para o transporte regional.
O PS gostaria que a lei agora aprovada defendesse que a Administração Central assumisse a obrigação de garantir o estabelecimento de um serviço nacional público de transportes que interligasse a rede urbana fundamental do País, em coordenação com as redes regionais, e não uma lei que, nesta questão, lava as mãos como Pilatos, mostrando-se apenas preocupada com a privatização a nível nacional dos benefícios do transporte, ao mesmo tempo que a socialização dos custos é descentralizada para os municípios.
São, pois, estas as razões fundamentais do voto contrário do Partido Socialista. O tempo e as forças vivas do País dar-nos-ão razão quanto as preocupações aqui expressas e verão que a lei agora aprovada em nada vem contribuir para a melhoria das suas condições de vida e do seu direito a mais e melhores transportes.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

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Por outro lado, no caso de vendas directas ou de concursos limitados, pode acontecer que o preço não seja o único factor decisivo na atribuição de uma determinada adjudicação. Há, de facto, outros factores a considerar - os quais já mencionei-, muito em especial os de natureza tecnológica, por vezes não de fácil valoração, que têm de ser considerados complementarmente com o preço.
Obviamente deverá haver critérios objectivos, constantes do caderno de encargos, que permitam tomar uma decisão final com a maior objectividade possível.
No fundo, a minha pergunta é esta, Sr. Deputado: como é que é possível ser mais concreto se atendermos à realidade?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, apelando ao seu poder de síntese, tem a palavra para responder.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começarei por juntar as perguntas do Sr. Deputado Silva Marques e as do Sr. Deputado Carlos Encarnação, dado que tem uma parte comum.
Sr. Deputado Silva Marques, como eu me identifico com a sua intervenção!... Com aquele jeito, um pouco poético, que eu já lhe conheço há muito, proeurou trazer, perante nós, o panorama das injustiças revolucionárias a que V. Ex.ª não foi sempre tão sensível; mas, graças a Deus, agora é! Estou, efectivamente, irmanado com V. Ex.ª, Sr. Deputado!...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado, sem dúvida eu mudei, mas V. Ex.ª também mudou.
Deu-me muito prazer termos sido adversários políticos há 30 anos e hoje partilharmos a mesma opinião.

O Orador: - Sr. Deputado, uma coisa não tira a outra!... V. Ex.ª fez um longo rol de injustiças e eu subscrevo-as inteiramente. Simplesmente, Sr. Deputado Silva Marques, não é uma questão de a justiça ser feita por via legal ou não o ser!... A questão não é essa, Sr. Deputado Silva Marques!... Por qualquer via, devemos fazer justiça quando isso nos seja possível!...

O Sr. Silva Marques (PSD): - E a solução?

O Orador: - A solução neste caso, Sr. Deputado Silva Marques, é possível. É possível fazermos justiça!...

O Sr. Silva Marques (PSD):- Não é!

O Orador: - Por que é que não a vamos fazer, Sr. Deputado Silva, Marques? Neste caso é possível. E mais, Sr. Deputado Silva Marques: não são rigorosamente identificáveis, para os resolvermos como devíamos, todos esses casos de que falou. Mas, agora, estamos perante uma possibilidade de identificação! E mais ainda, Sr. Deputado Silva Marques: a injustiça é maior!...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Os grandes sempre a ganhar e a arraia-miúda sempre a perder!...

O Orador: - Sr. Deputado Silva Marques, esse tique dos grandes e da arraia-miúda ficou-lhe de quando estava ali com os nossos amigos da frente!...

Risos gerais.

Ficou-lhe!... Esse ficou-lhe!... Na realidade, parecia-me o Sr. Deputado Octávio Teixeira a falar.

Risos gerais.

Não tenha dúvida nenhuma!...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Ficou-me da minha origem popular. Eu sou do povo!...

O Orador: - V. Ex.ª é um grande popular!... Somos do povo, graças a Deus.
O que acontece é que não há aqui grandes nem pequenos... aqui há grandes e há pequenos, Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Há os grandes e os anónimos!

O Orador: - Não!... Mas é que há aqui, muitos anónimos!... Graças a Deus identificáveis, neste caso!... Anónimos nesse sentido... pequenos!...
Agora a minha resposta vai para o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
Sr. Deputado, não apresentámos antes a iniciativa por razões várias, que não interessam dar a conhecer ao Parlamento! Elas não são do interesse do Parlamento e o que este sabe é que nós não tomámos a iniciativa! O País vai fazer o seu juízo, pois estamos sujeitos aos juízos políticos do País! Frontalmente, não a apresentámos e V. Ex.ª quis sublinhar - amavelmente, amigavelmente! ... - isso. Agradecemos muito que tenha sublinhado que não a apresentámos.
Entendíamos que esta iniciativa era, fundamentalmente, uma iniciativa do Governo e vamos já dizer por que é que pensamos assim quando respondermos ao Sr. Secretário de Estado.
Mas, Sr. Deputado Carlos Encarnação, não é menos importante, em todo este contexto, fazer-se a tal justiça de que falava o Sr. Deputado Silva Marques. Nas injustiças dele também estava incluída esta injustiça monumental!... Ainda por cima só agora é que reconhece que há aqui pequenos, que não há só grandes!
Não há dúvida nenhuma, que é fundamental fazer-se essa justiça, porque ela, em primeiro lugar, cria para o Estado, neste processo, uma imagem de seriedade e cria, depois, para os subscritores de capital, se seriamente encaramos a possibilidade dos pequenos accionistas - os tais pequenos -, a confiança que,- porventura, ainda não foi retomada depois de terem sido espoliados e mal pagos.
Devo dizer a V. Ex.ª que considero importante fazermos esta justiça. É um elemento decisivo na tal construção do progresso de que V. Ex.ª falou há bocado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, solicito-lhe que abrevie a sua resposta.

O Orador: - Sr. Deputado António, Guterres, agradeço-lhe as palavras que me dirigiu sobre o retorno a esta Casa, como agradeço também as que me foram dirigidas pelos Srs. Deputados Silva Marques e Carlos Encarnação.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que na questão dos despedimentos há um exagero e uma ingenuidade muito grande. V. Ex.ª pensa que, no processo de privatização, vai haver despedimentos? Nem pense nisso; Sr. Deputado

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472 I SÉRIE - NÚMERO 15

económico, tecnológico e social existente no País, se 6 um acto de coragem política, exige também, ele próprio, muita transparência e muita responsabilização pelas decisões tomadas, que, salvo melhor opinião, não podem ser obra de um governo ou de um partido. Estamos perante um acto que exige plena responsabilização e participação de todos e que ninguém, qualquer que seja a sua posição no processo, deve impedir ou obstaculizar.
É do interesse do próprio Governo criar todas as condições, evitando o mínimo de suspeições, para que este processo seja o mais transparente e credível possível, tudo devendo fazer para que ele traga os maiores benefícios para o País e para o povo português. À Assembleia da República e à oposição, em particular, deverá caber o ingrato papel de, com os poucos elementos de informação disponíveis, fiscalizar o processo de privatizações, depois de, num diálogo aberto e franco, ter contribuído para enriquecer, clarificar, enquadrar e tornar mais operativas as normas que irão presidir ao processo das privatizações.
No processo de privatizações, que agora se pretende retomar em bases completamente novas, decorrentes do novo enquadramento constitucional, não pode haver vencedores nem vencidos: o que está em jogo é o interesse nacional. À Assembleia da República caberá a grande responsabilidade de procurar o justo equilíbrio quer na elaboração desta lei, quer no quadro fiscalizador que lhe deverá estar subjacente e fazer parte integrante do quadro normativo que agora está a aprovar.
O próprio facto de o PSD e o PS terem dado acolhimento, em sede de revisão constitucional, a um simples preceito de maioria para a aprovação de uma lei verdadeiramente estruturante da economia e da sociedade portuguesa mais evidencia a responsabilidade da Assembleia da República na elaboração desta lei e na sua subsequente fiscalização.
O que e curioso é que, se a proposta de lei e o projecto de lei apresentam alguma semelhança, sobretudo ao nível dos critérios que utilizam para materializar as opções que lhes estão subjacentes, divergem bastante na clarificação desses mesmos critérios. Àquilo que parece ser, em certos aspectos, uma excessiva pormenorização do projecto de lei na explicitação das principais normas do processo de privatizações sobrepõe-se o carácter vago e por vezes impreciso da proposta de lei, diríamos mesmo obcecadamente vago, remetendo para legislação posterior e procurando dar ao observador menos atento a ideia de que cada privatização é um caso particular. Poderia sê-lo, mas os princípios terão de ser os mesmos: a defesa intransigente da economia nacional e do património, que é de todos os Portugueses e que em caso algum ou pretexto não pode ser mal alienado.
Diríamos que ao Governo, pelo facto de o ser, lhe assiste o direito de tudo esconder, utilizando sempre a mesma falácia de que, até por o ser, tudo sabe e sempre age no interesse nacional, e à oposição o de assumir o seu papel de permanente agente de fiscalização da actividade do Governo, face aos erros que este incessantemente comete.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em nosso entender, não existem contradições insanáveis entre a proposta e o projecto de lei, mas existe, sim, uma lacuna de filosofia e de objectivos que se relacionam com o equacionar do processo de privatizações na economia e na sociedade portuguesa.
Não basta dizer que as privatizações se inserem na linha de «libertação da sociedade civil», que vão reduzir o peso do Estado na economia, que vão ajudar a disseminação do capital a alienar, que vão permitir a constituição de grupos empresariais nacionais capazes de concorrer com os congéneres estrangeiros ou que vão transformar, como já se ouviu, trabalhadores em capitalistas.
A grande lacuna que a proposta e o projecto de lei não explicitam é a de como e através de que garantias é que as privatizações vão ser úteis à modernização da economia portuguesa, ao fortalecimento das empresas, à diversificação sectorial e à diminuição da dependência da nossa economia.
Está aqui a grande responsabilidade que pesa sobre aqueles que, de uma forma directa ou indirecta, vão alienar um vasto capital acumulado ao longo de muitos anos e que é, sem dúvida, o maior e mais potente instrumento de política económica global e sectorial que alguma vez esteve na mão de um governo. E esta é uma responsabilidade a que o Governo não se pode furtar, nem mesmo os deputados que de uma forma directa ou indirecta participarem na elaboração desta lei. É isto que importava também e, por que não, sobretudo, discutir, é isto que pode passar ao lado desta discussão.
Diz o Governo que com esta proposta de lei se quer ir mais além, mas, infelizmente, sobre este aspecto, fica-se com a ideia de que ir mais longe é passar de privatizações a 49% para privatizações a 100%.
Provavelmente, e de uma forma inconsciente, estamos a prolongar a discussão que pairou na revisão constitucional: discutimos critérios, maioria absoluta, maioria qualificada, limites de subscrição, subscrição pública, concurso público, mas não discutimos a filosofia, os objectivos e sobretudo o que pode ganhar a economia e a sociedade portuguesa com as privatizações.
Salvaguardadas as questões atrás referidas, haverá que referir que o Partido Renovador Democrático - e nem creio que possam existir dúvidas - é claramente pelo processo de privatizações, porque pensa que ele é benéfico para a economia e sociedade portuguesas.
Não será aqui lugar nem tempo para chamar à discussão algumas das posições que defendemos em sede de revisão constitucional e que, infelizmente, não encontraram eco no PSD e no PS, mas entendemos que existe um conjunto de questões que são fundamentais para a transparência do processo e para o êxito de um processo, que desejamos tão alargado quanto possível, no espaço, no tempo e no cidadão português, independentemente do seu posicionamento no sistema produtivo.
Em primeiro lugar, um processo com as características do processo de privatizações, que vai influenciar de forma decisiva a economia portuguesa e irá movimentar centenas de milhões de contos, não pode ser obra exclusiva de um ministro das finanças, de um governo, por muito infalíveis que o sejam (e, infelizmente, já vimos que o não são), por muito transparentes e sóbrios que sejam os seus métodos de actuação. Este processo só pode ser acompanhado, participado e fiscalizado pela Assembleia da República.
Compreendemos que o Governo seja omisso nesta matéria na sua proposta de lei, mas consideramos que tal postura é politicamente inaceitável e propiciadora das mais severas críticas. A lei que sair desta Assembleia deverá consagrar, nos termos que explicitei, o papel da Assembleia da República no processo de privatizações.

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Como não foi erro dactilográfico ou esquecimento, fica bem claro que o Governo já assume nos diplomas que não há vontade política para haver regionalização alguma.
São, pois, estas as razões que nos levam a propor a avocação a plenário destes artigos, de forma que os Srs. Deputados tenham consciência plena da gravidade do diploma que agora está para votação.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o requerimento de avocação pelo Plenário dos artigos 9.º, 20.º, 27.º e 29.º, apresentado pelo PS.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.

Srs. Deputados, deu igualmente entrada na Mesa um requerimento de avocação pelo Plenário do artigo 9.º, apresentado pelo PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Roque, para fazer a sua apresentação.

O Sr. Luis Roque (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Considerando que o artigo 9.º do texto votado na especialidade da Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres faculta tanto ao Governo da República como aos governos (e até assembleias legislativas) das regiões autónomas vastos e indelimitados poderes pára impor procedimentos de emergência que podem pôr em, causa o funcionamento normal do sistema de transportes, permite, designadamente, requisições, proibições, suspensões e limitações aos serviços, sem definir o quadro e condições em que tais actos podem ter lugar, e pode viabilizar ou servir de pretexto a tentativas de restrição do pleno e normal exercício de direitos fundamentais dos trabalhadores, caso em que acarretaria grave inconstitucionalidade;
Considerando que, tal como está redigido, o preceito parece exceder a aplicação em situações de estado de sítio ou de estado de emergência, antes visando traçar as bases de um quadro legal definido pelo Governo equivalente à verdadeiros estados de excepção que só a Assembleia da República pode tipificar, sendo, em tal leitura, abertamente inconstitucional.
Os deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, propõem a avocação para o Plenário, nos termos do artigo 159.º do Regimento, do artigo 9.º da Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres, bem como a proposta de eliminação apresentada.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar este requerimento de avocação. ,

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e do deputado independente João Corregedor da Fonseca e a abstenção do CDS.

Srs. Deputados, existe um outro requerimento de avocação pelo Plenário dos artigos 10.º, 11.º, 12.º e 13.º, apresentado pelo PCP.
Para fazer a sua apresentação, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Roque.

O Sr. Luís Roque (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Considerando a inexistência de um plano ferroviário nacional, é gravoso que uma lei de bases seja tão regulamentador ao ponto de classificar as diversas linhas ferroviárias em linhas fundamentais complementares e outras linhas sem qualquer argumento técnico e económico;
Considerando que esta definição vai implicar que as linhas e pequenos ramais do interior venham a ser desclassificadas e desactivadas, com a consequente interiorização das zonas mais desfavorecidas;
Considerando que é irrealista que autarquias ou associações de autarquias possam vir a explorar estes ramais desclassificados devido aos vultuosos investimentos que são necessários para os pôr em funcionamento;
Considerando que a construção de novas linhas férreas por empresas privadas se tem vindo a verificar um verdadeiro desastre, obrigando a CP a corrigir anomalias que a falta de capacidade técnica destas empresas ocasionou:
Os deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, propõem a avocação para o Plenário, nos termos do artigo 159.º do Regimento, dos artigos 10.º, 11.º, 12.º e 13.º da Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres, bem como as propostas de alteração apresentadas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar este requerimento.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, do PRD, dê Os Verdes e do deputado independente João Corregedor da Fonseca e a abstenção do CDS.

Srs. Deputados, finalmente existe um requerimento de avocação pelo Plenário do artigo 27.º, apresentado pelo PCP.

Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Roque.

O Sr. Luís Roque (PCP): - Considerando que as comissões metropolitanas de transportes serão instituídas pelo Governo, numa clara intromissão aos poderes das autarquias locais;
Considerando que estas comissões tem poderes como, por exemplo, promover e elaborar o plano de transporte das regiões è fazer a sua fiscalização, promover e executar os investimentos e as medidas previstas no Plano, realizar investimentos previstos no Plano conceder e autorizar a exploração dos transportes da região;
Considerando que as comissões metropolitanas de transportes terão um conselho executivo e um conselho geral;
Considerando que só neste as autarquias da região terão assento e que o conselho executivo será designado pelo Governo;
Considerando que estas são competências próprias das autarquias;
Os deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, propõem a avocação pelo Plenário, nos termos do artigo 159.º do Regimento, do artigo 27.º da Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres, bem como das propostas de alteração.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: -Para que efeito, Sr. Deputado?

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O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, para invocar o Regimento.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, o Regimento diz que, havendo mais de um requerimento sobre a mesma matéria, haverá lugar a mais de uma intervenção se houver mais de um grupo parlamentar a subscrever o requerimento sobre a mesma matéria.
Ora, verifico que o requerimento de avocação pelo Plenário do artigo 27.º, apresentado pelo PCP, incide igualmente no requerimento do PS, por isso esta matéria não deveria ser tratada autonomamente.
Sr. Presidente, peço-lhe desculpa, mas foi apenas uma chamada de atenção.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, não temos problemas em dar-lhe razão, mas só metade dela. A acção da Mesa visa apenas ajudar a que os trabalhos decorram bem e a interpretação que demos foi a de que, considerando que o requerimento apresentado pelo PS era abrangente, pois focava outros artigos, poderiam, eventualmente, estabelecer-se confusões que em nada ajudariam o desenvolvimento dos nossos trabalhos. Nestas circunstâncias, a Mesa entendeu que, e apenas com um gasto de dois minutos, com a leitura e votação do requerimento avançaríamos da melhor maneira os trabalhos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, apreciamos muito essa forma de conduzir os trabalhos, respeitamo-la, mas não podíamos deixar de chamar a atenção para este pequeno entorse.

O Sr. Presidente: - Não foi entorse, de qualquer forma é importante termos o apoio do Sr. Deputado Silva Marques.
Srs. Deputados, vamos votar o requerimento de avocação pelo Plenário do artigo 27.º, apresentado pelo PCP.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e do deputado independente João Corregedor da Fonseca e a abstenção do CDS.

Srs. Deputados, finalmente, vamos proceder à votação final global da proposta de lei n.º 72/V - Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS e votos contra do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.

Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Coelho.

O Sr. Jorge Coelho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista acaba de votar contra a Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres proposta pelo Governo, pois, apesar das dezenas de propostas de alteração que propôs na sua discussão na especialidade, as mesmas não foram aprovadas, salvo algumas honrosas excepções, mantendo-se, pois, a lei com todas as características negativas que levaram o PS a votar contra na generalidade.
Devendo uma lei de bases ser uma lei que tenha características consensuais, de forma a perdurar no tempo, é com preocupação que o PS vê aprovar uma lei tecnicamente pobre, sem soluções inovadoras, com características fortes de anti-regionalismo e diminuição de poderes das autarquias, bem como de afronta aos trabalhadores do sector dos transportes.
O PS queria que tivesse sido aprovada uma lei de bases do sistema de transportes terrestres que respeitasse e promovesse o poder regional e consagrasse em termos nacionais o direito ao transporte de todos os cidadãos.
O PS queria que a lei de bases enquadrasse todo o sistema de transportes interiores (terrestres, aéreos e marítimos), e não como a proposta do Governo, que apresenta uma visão limitada aos transportes terrestres e que, negando a visão integrada do sistema de transportes, poderá prejudicar, obviamente, a eficácia económico-social que se pretende.
O PS gostaria que a lei agora aprovada defendesse uma plena igualdade de tratamento de todos os cidadãos e regiões do País e de todas as empresas públicas ou privadas, e não que gerasse desigualdades, criasse condições iníquas de exploração dos transportes e originasse uma situação de concorrência desleal, atentatória do direito de igualdade de tratamento.
O PS gostaria que a lei agora aprovada defendesse um quadro global em que a função social de transporte coexistisse equilibradamente com os mecanismos da economia de mercado, e não uma lei, como a agora aprovada, que está ferida de grave obsessão economicista, pois reduz o transporte a uma mera perspectiva mercantilista.
O PS gostaria que a lei agora aprovada defendesse o reconhecimento básico do direito ao transporte e a subsequente criação de condições que o materializem, ou seja, uma efectiva liberdade de escolha da rede de transporte a partir da criação hierarquizada de uma rede nacional, redes regionais e redes locais de transportes, e não uma lei, como a agora aprovada, que proclama abstractamente a liberdade de escolha e reduz a noção de serviço público aos transportes locais e à rede ferroviária fundamental.
O PS gostaria que a lei agora aprovada consagrasse o estabelecimento de competências repartidas pelos três níveis de Administração (central, regional e local) e não pervertesse a repartição dessas competências, omitindo declaradamente o nível regional e manifestando a sua obsessão centralista, quer no regime previsto para as áreas metropolitanas, quer no que se estabelece para o transporte regional.
O PS gostaria que a lei agora aprovada defendesse que a Administração Central assumisse a obrigação de garantir o estabelecimento de um serviço nacional público de transportes que interligasse a rede urbana fundamental do País, em coordenação com as redes regionais, e não uma lei que, nesta questão, lava as mãos como Pilatos, mostrando-se apenas preocupada com a privatização a nível nacional dos benefícios do transporte, ao mesmo tempo que a socialização dos custos é descentralizada para os municípios.
São, pois, estas as razões fundamentais do voto contrário do Partido Socialista. O tempo e as forças vivas do País dar-nos-ão razão quanto às preocupações aqui expressas e verão que a lei agora aprovada em nada vem contribuir para a melhoria das suas condições de vida e do seu direito a mais e melhores transportes.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Luis Roque.

O Sr. Luís Roque (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta proposta de lei hoje votada é bem o paradigma do que está a acontecer aos diplomas legais que emanam desta Casa, após à eleição da maior maioria.
Assim, a proposta de lei n.º 72/V, após uma longa hibernação na Comissão, de que o PSD é maioria, foi acordada e apressadamente votada na especialidade.
Interesses e vozes mais altos se levantavam, que, coadjuvados com uma campanha nos meios, audiovisuais e na imprensa, tornaram a Comissão, uma vez mais, uma Câmara de despacho do Governo da maioria.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP opõe-se a soluções de conjuntura, que são retratos fáceis da política retrógrada seguida por este Governo no sector dos transportes, prejudicando os interesses da população, agravando as assimetrias litoral/interior, olvidando os trabalhadores do sector e o desenvolvimento do próprio País.
Continuamos a pensar que o País precisa de um plano nacional de transportes que aproveite melhor os recursos existentes, tendo em conta a complementaridade dos diversos meios e a necessidade do desenvolvimento regional e local. A medidas avulsas como esta dizemos não.
Esta lei, que deveria prever meios de articulação entre os diversos meios de transporte interiores e prever os interfaces entre eles, é omissa quanto a transportes marítimos costeiros, transportes aéreos interiores e transportes fluviais, o que significa que o caos e a desarticulação entre os diversos sectores vai perdurar.
Por outro lado, não se procedeu a uma ampla discussão nacional quando se pretendia disciplinar um sector com a importância social e económica como o dos transportes.
Mas se alguns aspectos esta lei muito deixou por regulamentar, noutros o Governo deixa adivinhar algumas intenções para este sector. Destacam-se: o desmantelamento e posterior liquidação da Rodoviária Nacional, em vez de procurar a sua consolidação e desenvolvimento; a privatização de outras empresas do sector; a entrega ao sector privado de um serviço público fundamental; com atribuição de compensações económicas, que hoje regateia ou nega às empresas públicas; a extinção dei serviços não rentáveis mas imprescindíveis à população; a sujeição do serviço público de transportes às regras do mercado, fazendo recair sobre os utentes os encargos que competem à Administração Central; a transferência para o poder local de competências próprias sem contrapartidas financeiras, o que viola a Lei das Finanças Locais.
No fundo, o Governo pretende atirar o odioso para cima das autarquias, que passariam a ser aos olhos da população as responsáveis pelo agravamento no serviço de transporte, consequência inevitável da aplicação desta lei. Acresce que, no sector ferroviário, esta lei classifica as diversas linhas em fundamentais complementares e secundárias, sem existir um plano ferroviário nacional. Estas últimas podem ser desclassificadas ao abrigo desta lei, tendo como consequência o isolamento de inúmeras populações do interior.
Basta atentar em que, no plano de modernização e reconversão dos caminhos de ferro, aprovado em Conselho de Ministros, é proposto o investimento de 225 milhões de contos, dos quais 84 % são destinados à rede principal e não há verbas previstas para a rede secundária.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Domingos Sousa.

O Sr. Domingos Sousa (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas informar que o PSD vai apresentar na Mesa, por escrito, uma declaração de voto acerca da proposta de lei agora aprovada.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado, será depois publicada.
Não havendo mais inscrições, vou suspender a sessão até às 21 horas e 30 minutos, altura em que retomaremos o debate das duas iniciativas legislativas em apreço.

Está suspensa a sessão.

Eram 20 horas e 5 minutos.

Após o intervalo, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 22 horas.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Srs: Membros do Governo, Srs. Deputados: Estão hoje presentes a esta Câmara dois diplomas, uma proposta de lei e um projecto de lei, relativos à lei quadro das privatizações, que o Partido Renovador Democrático considera como um dos mais importantes diplomas que na nossa história democrática recente foram apresentados e discutidos nesta Câmara.
Tal atributo advém-lhe de múltiplas circunstâncias. Por um lado, iremos assistir ao alienar de uma parte considerável do património público, bem colectivo que em grande parte foi construído e consolidado com o empenho colectivo de sucessivos governos, de diferente índole partidária, com a experiência de sucessivos gestores públicos e a participação, não menos importante, de milhares de trabalhadores que, ao longo de muitos anos e com grande sacrifício pessoal e de classe, engrandeceram e tornaram possível aquilo que hoje caracteriza o sector empresarial público da economia portuguesa.
O sector empresarial de propriedade pública que nos propomos alienar é, também ele, uma conquista do Portugal democrático. Outra circunstância advém do facto de se admitir que o alienar do sector público produtivo poderia e deveria criar as condições para um fortalecimento da economia portuguesa, para a sua diversificação e modernização, enfim, para a melhoria geral e do bem-estar de todo o povo português, ao mesmo tempo que a abertura ao capital dessas empresas deveria permitir a constituição de uma nova classe de investidores, democratizando o acto de transformar a poupança em investimento, aumentando e multiplicando em simultâneo os detentores do poder económico.
Seriam objectivos muito nobres que qualquer partido não se recusaria a subscrever. Mas o acto de alienar centenas de milhões de contos do melhor património

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económico, tecnológico e social existente no País, se é um acto de coragem política, exige também, ele próprio, muita transparência e muita responsabilização pelas decisões tomadas, que, salvo melhor opinião, não podem ser obra de um governo ou de um partido. Estamos perante um acto que exige plena responsabilização e participação de todos e que ninguém, qualquer que seja a sua posição no processo, deve impedir ou obstaculizar.
É do interesse do próprio Governo criar todas as condições, evitando o mínimo de suspeições, para que este processo seja o mais transparente e credível possível, tudo devendo fazer para que ele traga os maiores benefícios para o País e para o povo português. À Assembleia da República e à oposição, em particular, deverá caber o ingrato papel de, com os poucos elementos de informação disponíveis, fiscalizar o processo de privatizações, depois de, num diálogo aberto e franco, ter contribuído para enriquecer, clarificar, enquadrar e tomar mais operativas as normas que irão presidir ao processo das privatizações.
No processo de privatizações, que agora se pretende retomar em bases completamente novas, decorrentes do novo enquadramento constitucional, não pode haver vencedores nem vencidos: o que está em jogo é o interesse nacional. À Assembleia da República caberá a grande responsabilidade de procurar o justo equilíbrio quer na elaboração desta lei, quer no quadro fiscalizador que lhe deverá estar subjacente e fazer pane integrante do quadro normativo que agora está a aprovar.
O próprio facto de o PSD e o PS terem dado acolhimento, em sede de revisão constitucional, a um simples preceito de maioria para a aprovação de uma lei verdadeiramente estruturante da economia e da sociedade portuguesa mais evidencia a responsabilidade da Assembleia da República na elaboração desta lei e na sua subsequente fiscalização.
O que é curioso é que, se a proposta de lei e o projecto de lei apresentam alguma semelhança, sobretudo ao nível dos critérios que utilizam para materializar as opções que lhes estão subjacentes, divergem bastante na clarificação desses mesmos critérios. Àquilo que parece ser, em certos aspectos, uma excessiva pormenorização do projecto de lei na explicitação das principais normas do processo de privatizações sobrepõe-se o carácter vago e por vezes impreciso da proposta de lei, diríamos mesmo obcecadamente vago, remetendo para legislação posterior e procurando dar ao observador menos atento a ideia de que cada privatização é um caso particular. Poderia sê-lo, mas os princípios terão de ser os mesmos: a defesa intransigente da economia nacional e do património, que é de todos os Portugueses e que em caso algum ou pretexto não pode ser mal alienado.
Diríamos que ao Governo, pelo facto de o ser, lhe assiste o direito de tudo esconder, utilizando sempre a mesma falácia de que, até por o ser, tudo sabe e sempre age no interesse nacional, e à oposição o de assumir o seu papel de permanente agente de fiscalização da actividade do Governo, face aos erros que este incessantemente comete.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em nosso entender, não existem contradições insanáveis entre a proposta e o projecto de lei, mas existe, sim, uma lacuna de filosofia e de objectivos que se relacionam com o equacionar do processo de privatizações na economia e na sociedade portuguesa.
Não basta dizer que as privatizações se inserem na linha de «libertação da sociedade civil», que vão reduzir o peso do Estado na economia, que vão ajudar a disseminação do capital a alienar, que vão permitir a constituição de grupos empresariais nacionais capazes de concorrer com os congéneres estrangeiros ou que vão transformar, como já se ouviu, trabalhadores em capitalistas.
A grande lacuna que a proposta e o projecto de lei não explicitam é a de como e através de que garantias é que as privatizações vão ser úteis à modernização da economia portuguesa, ao fortalecimento das empresas, à diversificação sectorial e à diminuição da dependência da nossa economia.
Está aqui a grande responsabilidade que pesa sobre aqueles que, de uma forma directa ou indirecta, vão alienar um vasto capital acumulado ao longo de muitos anos e que é, sem dúvida, o maior e mais potente instrumento de política económica global e sectorial que alguma vez esteve na mão de um governo. E esta é uma responsabilidade a que o Governo não se pode furtar, nem mesmo os deputados que de uma forma directa ou indirecta participarem na elaboração desta lei. É isto que importava também e, por que não, sobretudo, discutir, é isto que pode passar ao lado desta discussão.
Diz o Governo que com esta proposta de lei se quer ir mais além, mas, infelizmente, sobre este aspecto, fica-se com a ideia de que ir mais longe é passar de privatizações a 49% para privatizações a 100%.
Provavelmente, e de uma forma inconsciente, estamos a prolongar a discussão que pairou na revisão constitucional: discutimos critérios, maioria absoluta, maioria qualificada, limites de subscrição, subscrição pública, concurso público, mas não discutimos a filosofia, os objectivos e sobretudo o que pode ganhar a economia e a sociedade portuguesa com as privatizações.
Salvaguardadas as questões atrás referidas, haverá que referir que o Partido Renovador Democrático - e nem creio que possam existir dúvidas - é claramente pelo processo de privatizações, porque pensa que ele é benéfico para a economia e sociedade portuguesas.
Não será aqui lugar nem tempo para chamar à discussão algumas das posições que defendemos em sede de revisão constitucional e que, infelizmente, não encontraram eco no PSD e no PS, mas entendemos que existe um conjunto de questões que são fundamentais para a transparência do processo e para o êxito de um processo, que desejamos tão alargado quanto possível, no espaço, no tempo e no cidadão português, independentemente do seu posicionamento no sistema produtivo.
Em primeiro lugar, um processo com as características do processo de privatizações, que vai influenciar de forma decisiva a economia portuguesa e irá movimentar centenas de milhões de contos, não pode ser obra exclusiva de um ministro das finanças, de um governo, por muito infalíveis que o sejam (e, infelizmente, já vimos que o não são), por muito transparentes e sóbrios que sejam os seus métodos de actuação. Este processo só pode ser acompanhado, participado e fiscalizado pela Assembleia da República.
Compreendemos que o Governo seja omisso nesta matéria na sua proposta de lei, mas consideramos que tal postura é politicamente inaceitável e propiciadora das mais severas críticas. A lei que sair desta Assembleia deverá consagrar, nos termos que explicitei, o papel da Assembleia da República no processo de privatizações.

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A este respeito, as propostas do Partido Socialista de consideração de uma comissão de reprivatizações e de criação de uma subcomissão parlamentar, no âmbito da Comissão de Economia, Finanças e Plano, para acompanhamento do processo é uma base de partida para um trabalho que venha a consagrar os princípios que entendemos como fundamentais.
A proposta de lei do Governo privilegia como regra e preferencialmente o concurso público, não obstante as referências que ao mesmo nível são feitas à oferta na bolsa de valores ou à subscrição pública.
É este o critério - o concurso público - que sempre defendemos como o único que pode permitir ao Estado tirar partido da alienação do sector público produtivo, impondo ou orientando com as regras e as condições que tal modernização da economia portuguesa e a reconversão de muitos sectores exigiriam.
O concurso público deveria ser assim a base de um processo, eventualmente aqui ou ao contemplado com outras soluções, mas sempre e inevitavelmente com a sua presença.
A proposta do Governo vem depois excepcionar os princípios atrás mencionados, através da utilização de figuras como o «interesse nacional», «a exigência da estratégia definida para o sector», «a obediência a requisitos considerados relevantes para a própria empresa», deixando a sua verificação a cargo do próprio Governo situação manifestamente inaceitável e princípio de eficácia duvidosa, a menos que as figuras de acompanhamento, participação e fiscalização por parte da Assembleia venham a fazer vencimento, como esperamos.
Não duvidamos de que existem situações específicas de certas empresas a reprivatizar que tornam mais complicada, mas não impossível, a definição de regras precisas nesta matéria. Por isso, entendemos ser de todo o interesse definir preceitos inequívocos, ainda que por vezes dentro de certos limites, no que se refere à subscrição ou aquisição de determinadas percentagens do capital a reprivatizar por parte de entidades singulares ou colectivas, bem como à fixação dos limites máximos adquiríveis por entidades estrangeiras ou, ainda, à fixação de limites mínimos desejáveis para os regimes de aquisição ou subscrição de acções por pequenos subscritores e emigrantes e trabalhadores das referidas empresas.
Outro aspecto que em, nosso entender, deve merecer a atenção da Câmara diz respeito aos limites sectoriais deste processo, limites em que a proposta de lei é omissa e em que o projecto do Partido Socialista se revela de alguma timidez.
A matéria dos limites sectoriais coloca uma outra questão, que é a de saber se é justo o Estado alienar partes do seu capital colectivo, que sé tem mostrado nos últimos anos de uma enorme rentabilidade, ou, ainda, se é possível ao Estado alienar empresas como a Portucel (e vale só como exemplo), que controlam parte significativa dos recursos naturais, no caso mais de 100 mil hectares de terras.
Por tudo isto, é necessário definir os limites para se saber, claramente e sem equívocos, até onde se pretende ir.
Aliás é a este propósito, seria também da maior utilidade que o Governo nos explicasse como vai seguir com a sua política de reprivatizações, nomeadamente se vai continuar, para suporte do seu relativo êxito, a reprivatizar apenas as empresas mais rentáveis e, por conseguinte, mais apetecíveis.
É que o Governo está confrontado com uma outra realidade que ele próprio, de uma forma contraditória, está a demonstrar ao País. O sector público produtivo tem empresas altamente rentáveis. E não são tão poucas como durante tanto tempo a propaganda anti-sector público produtivo proeurou fazer crer!...
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Independentemente do posicionamento de cada força partidária sobre o processo de reprivatizações, penso que deixei indiciado que a natureza deste processo e o interesse nacional, em particular, justificariam, ao menos desta vez, um claro empenhamento e esforço de colaboração da Câmara e do Governo no sentido de se encontrar a melhor solução, que há-de ser aquela que permita. sobretudo tornar possível a modernização da economia portuguesa, o fortalecimento das empresas, a reconversão sectorial e o próprio desenvolvimento do País.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se o Sr. Secretário de Estado Adjunto e das Finanças e o Sr. Deputado Vieira de Castro.
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e das Finanças.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e das Finanças: - O Sr. Deputado Carlos Lilaia referiu o carácter vago e impreciso da proposta de lei apresentada pelo Governo à Assembleia da República, anunciando que existe uma lacuna no que diz respeito a saber como e através de que garantia as privatizações vão ser úteis à modernização, e mencionou também -no seguimento, aliás, de uma outra intervenção já proferida aqui, nesta Câmara - que não lhe parece que tenha havido uma explicitação clara da política do Governo neste sector.
Ora, na nota justificativa que o Governo apresentou à Assembleia da República, ainda que muito sinteticamente, creio que está perfeitamente enunciada a política de privatizações do Governo.
Ressalta dessa nota justificativa que todo o processo se baseou num conjunto de princípios que procurámos que sejam intocáveis e consensuais, como, de facto, são, estando nela igualmente consagrada a transparência, rigor e isenção de procedimentos, a defesa e valorização dos interesses nacionais legítimos, a preservação dos interesses patrimoniais do Estado, o tratamento equitativo dos intervenientes, a adequada disseminação do capital pelos cidadãos portugueses (dando atenção particular aos trabalhadores das próprias empresas e aos pequenos subscritores), a gradualidade, a eficácia e o prestígio do processo.
No mesmo documento enunciavam-se igualmente um conjunto de factores envolventes que, de facto, condicionam o seu ritmo. Mencionou-se, em particular, o potencial interesse dos investidores nas empresas, a situação do mercado de capitais, a disponibilidade e capacidade financeira revelada pelos investidores nacionais, a necessidade de defender e valorizar os interesses portugueses, a situação e nível de preparação das empresas a privatizar.
Depois, enunciaram-se, muito claramente, tanto na nota justificativa, como através do artigo 2.º do próprio diploma, quais eram os principais objectivos que se visavam no processo de privatizações. E, desde logo, fomos muito claros em apresentar, como primeiro objectivo, o fortalecimento das empresas e sectores da

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economia nacional com vista a permitir lhes enfrentar com êxito os desafios de maior competitividade e concorrência apontamos ao constituição de Grupos nacionais suficientemente sólidos capazes de ombrear compôs seus Congéneres do exterior falamos na disseminação do capital a alienar permitindo a mobilização das poupanças individuais e familiares em beneficio do investimento gerando a formação de uma camada de empresários individuais progressivamente mais vasta indicámos a Necessidade de ponderação entre os investidores nacionais e os de origem estrangeira especialmente importantes em áreas técnicas e tecnológicas mais atrasadas entre nós mencionámos a necessidade de em casos concretos se fomentar o surto de accionistas estáveis indicámos a redução do peso do Estado na economia fomentando e desenvolvendo a iniciativa e a capacidade empresariais pardas como uma necessidade absolutamente indispensável e a diminuição da ele adagiada publica que o passado acumulou mediante a afectação a esse fim das receitas geradas com esse processo referimos ainda a defesa e preservação dos interesses patrimoniais do Estado e a garantia de preservação de todos os direitos dos trabalhadores.
Ora parece me existir na sua intervenção uma clara contradição. E que relativamente ao carácter vago e indeciso que mencionou e à existência de uma lacuna na proposta que garantisse que as privatizações fossem úteis rd modernização a verdade é que existe uma impossibilidade prática de actuação Se nós à partida como propôs fixarmos uma limitação clara para a participação dos investidores nacionais ou estrangeiros quo não tenha em atenção as necessidades especificas das empresas estamos a; impedir de forma muito clara que essas empresas possam vir a modernizar se adquirindo todo um conjunto de carências e necessidades que (pela via das privatizações podiam vir a, colmatar.
Era sobre, este ponto que pedia Sr. Deputado que me clarificasse a sua posição.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Lilaia como sabe há mais um pedido de esclarecimento. Deseja responder agora ou no final?

O Sr. Carlos Lilaia (PRD) - No fim Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Deputado Carlos Lilaia antes de mais quero estudar com entusiasmo esta chegada do PRD à ideia das privatizações.

V. Ex.ª disse ali da tribuna que o PRD sempre foi a favor das privatizações Porém creio que não foi isso que ou ainda não ha muito tempo. Pode ser confusão minha.

Vozes do PSD: - Não é não!

O Orador: - Mas se efectivamente é só tenho de o felicitar porque o PRD só demonstra com isso que é um partido dos nossos dias.
O Sr. Deputado Carlos Lilaia acusou a proposta de lei do Governo de ser agora sua afirmação tem porventura a ver com o facto de talvez não ter interpretado bem o espirito desta lei V. Ex.ª concorda com certeza que cada uma das empresas a privatizar é um caso perfeitamente individualizado.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD) - Não se pôs em duvida!

O Orador: - Bom mas V. Ex.ª acusou a proposta do Governo de ser agora.
A questão dos Imites tem a era com isso. E o Sr. Deputado compreende certamente que poderá nalguns casos não haver outra alternativa que não seja a privatização a 100% e só a um determinado grupo de accionistas.
Não se podem pois fixar limites Abas a questão dos limites foi hoje aqui muitas vezes abordada mas quero lembrar que foi exactamente o Governo que na Lei n.º 84/88 fixou limites. E talvez nos competisse perguntar porque é que agora não fixa Se nos interrogássemos sobre isso talvez chegássemos à conclusão de que o Governo pela experiência que já tem dos processos de privatização chegou entretanto à conclusão de que a fixação de limites não é porventura a melhor solução. Porém quem fixou os primeiros limites foi este Governo na Lei n 84/88 Não somos nós nem é o Partido Socialista quem esta agora a fixar limites Se lerem a Lei n.º 84/88 - que repito é uma lei do Governo - encontrarão lá limites para tudo para o numero de acções a adquirir é a subscrever por entidades privadas nacionais e estrangeiras para o numero de acções passíveis de serem subscritas pelos trabalhadores da empresa etc.
O Sr. Deputado Carlos Lilaia falou depois na célebre questão da participação de todos no processo das privatizações Julgo que aí usou uma imagem de retórica porque certamente V. Ex.ª não queria dizer que o processo de privatizações devesse ser feito na praça pública.
O Sr. Deputado compreenderá que não pode ser assim

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Todos aqui!

O Orador: - E digo lhe mais aliás sem nenhuma espécie de complexo é que este tem de ser um processo tratado com algum sigilo e certamente que não irá contrariar isto que acabo de dizer.
V. Ex.ª referiu ainda a fiscalização por parte da Assembleia da República.

O Sr Carlos Lilaia (PRD): - Acompanhamento!

O Orador: - mas isso está assente. Que a Assembleia da República de e fiscalizar este processo não temos a menor duvida e estamos com certeza encontrar o mecanismo eficaz Agora o que não faremos é subscrever uma proposta que contenha um mecanismo que teve a Assembleia da República a interferir no processo porque este processo é da exclusiva competência do Governo. E nós queremos saber que é o Governo o responsa e por este processo.

Aplausos do PSD.

Entretanto assumiu a presidência o Sr. Vice Presidente Marquês Júnior.

O Sr. Presidente: - Para responder às questões formuladas se assim o desejar tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente ou começar por responder em primeiro lugar ao Sr. Secretário de Estado a quem agradeço as questões que

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colocou, mas devo dizer que as dúvidas que levantei não foram levantadas exclusivamente por mim. Já em diversas intervenções, que aqui tiveram lugar, elas foram levantadas por diferentes deputados, desde o CDS ao PS.
O Sr. Secretário de Estado leu-me vários trechos da nota justificativa da proposta de lei do Governo, que conheço e que li, também, com toda a atenção, e, de facto, a minha grande preocupação é de que algumas questões, alguns objectivos e até um pouco da filosofia do processo de privatizações, que se encontram explicitados na tal justificação de motivos, não encontram, na minha opinião, através do articulado da lei, processos que adequadamente os materializem. E, sobre isso, posso dar-lhe dois exemplos, Sr. Secretário de Estado.
Por um lado, esta ideia, que referi, do carácter vago da proposta de lei do Governo está bem patente na distância que vai da explicitação e da quantificação dos critérios entre a proposta de lei do Governo e o projecto de lei do Partido Socialista.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - O projecto do PS é uma floresta de limites!

O Orador: - Se o Sr. Secretário de Estado tiver o cuidado de ler com atenção o projecto de lei do PS, verificará a distância que vai entre um e outro e foi por essa razão que referi, com toda a propriedade, o carácter vago da proposta de lei do Governo.
A outra questão é muito mais complicada, Sr. Secretário de Estado. Conforme referi na minha intervenção, o Governo tem nas mãos, embora por vezes não admita - mas isso não é só um problema deste Governo, é também de alguns governos anteriores -, um sector da economia, o sector, público, ,que poderia ser um importante instrumento de política económica. Este Governo nunca o admitiu, tal como outros. Por isso, não custa ao Governo desfazer-se de um instrumento de política económica como este, porque também nunca o soube utilizar.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Nunca o consultou!

O Orador: - Essa é uma das críticas que fazemos. Preocupamo-nos com este aspecto, Sr. Secretário de Estado!

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Por causa dessa conversa é que os senhores perderam as eleições!

O Orador: - Estamos a discutir, coisas sérias, Srs. Deputados!
Em suma, Sr. Secretário de Estado, penso que respondi às duas questões que me colocou, pelo menos na minha óptica.
O Sr, Deputado Vieira de Castro pôs-me um conjunto de questões que considerei e a que dei igualmente a maior atenção.
Começou por perguntar se só agora é que o PRD chegou às privatizações. Ora, como o meu amigo não é normalmente uma pessoa distraída, só posso concluir que esteve, até há pouco tempo, com algumas deficiências auditivas. É que, de facto, nunca reparei que V. Ex.ª fosse um deputado distraído.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Não trouxe o aparelho!

O Orador: - Porque, se esteve realmente atento, como penso que esteve, às discussões sobre o processo de revisão constitucional, deve lembrar-se ...

O Sr. Duarte Lima(PSD): -Isso foi em Maio!

O Orador: - ... que o PRD definiu aí, de uma forma perfeitamente clara e inequívoca, a sua inserção neste processo, que consideramos da maior relevância em termos do País.
Porém, o que dizemos é que as privatizações têm de ser feitas com regras que não sejam, como eu disse há pouco, as de um ministro das Finanças ou as de um governo. Tom de ser regras aceites por todos, e todos não é a praça pública, como há pouco o Sr. Deputado disse, mas sim a Assembleia da República. Era a isto que me queria referir.
Se, porventura, a tese do PRD tivesse feito vencimento, isto é, se as privatizações tivessem lugar no quadro de uma maioria qualificada de dois terços não estaríamos agora aqui com estas hesitações.

Vozes do PSD: - Nunca mais se faziam!

O Orador: - No entanto, os senhores tiveram, de facto, nessa altura o Partido Socialista convosco e, portanto, conseguiram que a maioria absoluta fosse não qualificada, não suficiente para aprovar o processo de privatizações.
Logo, o Sr. Deputado pode estar sossegado, porque a posição do Partido Renovador Democrático foi sempre a que acabei de explicitar.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Fico muito contente!

O' Orador: - Quanto à questão dos limites, devo dizer-lhe que eu até referi que o facto de haver situações específicas de algumas empresas, isso poderia complicar este processo, mas, como, provavelmente, o Sr. Deputado estudou no liceu e se recordará, a questão dos limites pode ser perfeitamente explicitada em termos de limites máximos e de limites mínimos, de majorantes e minorantes. Não há, pois, que ter uma grande rigidez; o que é necessário é haver regras, é fixar limites. E há de facto, a possibilidade de criar limites máximos e limites mínimos, onde caibam as situações específicas de cada uma das empresas.
Por outro lado, não vejo, muito sinceramente, que o próprio facto de a Assembleia da República poder funcionar como órgão não apenas fiscalizador (como tanto o Sr. Deputado e o seu partido pretendem), mas capaz de acompanhar, participar e fiscalizar este processo, possa criar alguma dificuldade em termos do sigilo que nele deve haver.
Porque, quanto a este aspecto - e neste caso respondo pelo meu grupo parlamentar -, nunca nenhum deputado do meu grupo parlamentar divulgou, até hoje, documentos considerados sigilosos ao nível da Assembleia da República, o que, provavelmente, já não acontecerá em relação a outras bancadas. É pena, de facto!.... Mas recordo situações recentes de divulgação antecipada de relatórios confidenciais, ou, pelos menos, até ao momento, de algumas comissões.
Concluo, dizendo que, tal como explicitei na minha intervenção, não creio que este processo possa ser da exclusiva responsabilidade do Governo. Penso que é uma responsabilidade muito grande para que o Governo a assuma, só por si, pelas razões que já aduzi. Tratando-se de um processo desta natureza, seria, pois, de toda a

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conveniência compartilhá-lo com outros órgãos, não só em termos de fiscalização, mas igualmente no que respeita ao acompanhamento e à participação de todos.
Creio que deve ter, ficado bem esclarecido, Sr. Deputado.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Fiquei esclarecido!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira de Matos.

O Sr. Oliveira de Matos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: No cumprimento das promessas eleitorais e do estipulado no seu programa, tem o Governo vindo de uma forma segura, prudente, faseada e eficaz, a proceder a um vasto conjunto de reformas estruturais de que a sociedade portuguesa há muito carecia.
Para alguns, alheados ou desconhecedores de uma visão global sobre os problemas económicos e sociais, o Governo tem sido acusado de agir com lentidão e timidez. Para outros, quais neoconservadores de situações e privilégios criados com as loucuras do 11 de Março, os processos têm sido amplamente considerados como sendo demasiado céleres, destruidores e atentatórios ao status quo entretanto criado.
Enfrentando uns e outros, na certeza de que mais não representam do que sectores tocados nos seus privilégios, o Governo tem sabido manter-se firme na determinação de levar a cabo as reformas que, por certo, mudarão a face de Portugal no sentido de o tomar um país mais moderno, competitivo e capaz de ganhar os desafios da Europa.
Se o que refiro se me afigura evidente de um modo, geral, é-o, com certeza, por maioria de razão, no que, de forma específica, concerne de uma das mais importantes reformas em vias de concretização: as privatizações hoje objecto de análise e discussão.
Na verdade, durante a discussão da então proposta de lei n.º 18/V (que veio a dar origem à Lei n.º 84/88, de 20 de Julho), foi o Governo acusado, por uni lado, de «escamotear em vez de cumprir promessas eleitorais» e de dever aguardar pela revisão constitucional para implementar tal legislação, e, por outro, de pretender destruir o património do Estado, com o objectivo de reavivar e fortalecer os antigos grupos económicos.
Entretanto, o decurso do tempo e a aplicação prática das medidas projectadas vieram, mais uma vez, provar a justeza das razões do Governo e a constatação de que os processos e o faseamento eram os mais adequados à, obtenção dos objectivos inicialmente propostos.
Assim, o Governo cumpriu aquilo a que, nesta Assembleia, se comprometeu aquando da discussão do Programa do Governo: a redução do sector empresarial, do Estado, de forma gradual, com ponderação, rigor e transparência.
Na verdade, os processos anteriormente levados a cabo tiveram, entre outras, uma virtude, que só por si qualificaria de correcto o calendário definido para início das privatizações (mesmo antes de alterado o quadro constitucional). Essa virtude é, indubitavelmente, o facto de se ter criado um clima de confiança, e credibilidade nos agentes económicos e uma resposta positiva, por parte da sociedade civil, que permitem agora, concluído que está o processo de revisão constitucional, ir bastante mais além, mas com a segurança que qualquer experiência positiva implica.
Assim, é dentro deste calendário que o Governo apresenta à Assembleia da República a proposta de lei n.º 121/V (lei quadro das privatizações).
Trata-se de um documento ao mesmo tempo profundo e flexível como convém, aliás, a um instrumento que se pretende desdogmatizado e capaz de, a cada momento e perante cada caso concreto, e o melhor meio de defesa dos interesses da economia nacional. Profundo na medida em que, por um lado; não deixa de regulamentar cada uma das componentes estruturais, que se pretende que venham a definir o novo modelo, do ordenamento da economia nacional, e, por outro, garante como princípios fundamentais a transparência, o rigor e a, isenção flexível porquê reconhece que, em cada enquadramento conjuntural específico, cada caso é um caso especial, e, como tal, deve, ser estudado, tratado, e definido, e implementado.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Sem pretender efectuar, nesta sede, uma análise exaustiva da proposta de lei, pois trata-se de matéria que, certamente será objecto de discussão na especialidade em sede de comissão, entendo no entanto, que será útil tecer algumas considerações genéricas relativamente a pontos que, pela sua importância; mais vincadamente caracterizam a presente iniciativa legislativa, nomeadamente no domínio dos objectivos, dos princípios orientadores, das modalidades a adoptar, da salvaguarda do interesse nacional, das preocupações de carácter social e da aplicação das receitas.
Assim, no domínio dos objectivos, a lei quadro proposta assume um vasto conjunto de princípios quer consubstanciando e dando corpo às promessas eleitorais do PSD e ao Programa do Governo, irão permitir o1 fortalecimento das empresas e dos sectores da economia nacional, o aumento da competitividade e da capacidade de 'concorrência, tão necessários às empresas para, enfrentar os desafios da plena integração europeia. Pára obtenção deste desiderato, por certo, muito contribuirá o aparecimento de grupos empresariais nacionais suficientemente sólidos e dimensionados que a reprivatização é a diminuição do peso do Estado na, economia permitirão.
Ainda no domínio dos objectivos, não se pode deixar de referir a importância' que terá para o desenvolvimento da economia nacional o facto de as privatizações poderem, através do princípio da disseminação do capital a alienar, vir a permitir a mobilização de poupanças individuais e familiares em benefício do investimento, para além de poderem vir a gerar uma nova camada de accionistas individuais cada vez mais vasta e com reflexos positivos, na dinamização do mercado de capitais.
Igualmente no que concerne à definição das modalidades a adoptar se verifica o princípio fundamental da flexibilidade como forma de maximizar as potencialidades de cada operação e ad mesmo tempo de defender os superiores interesses nacionais. Em qualquer dos casos, uma preocupação se encontra subjacente a transparência, o rigor e a isenção.
Assim, em face dos casos em análise e tendo presente: os objectivos a atingir, o Governo disporá de um leque de opções, referidas no preâmbulo da proposta de lei, que vão desde a transacção em bolsa, concurso público, subscrição pública, concurso aberto até à venda directa.
Um dos princípios já enunciados é o da salvaguarda dos interesses nacionais. A proposta de lei n.º 121/VI

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como antes referi, não podia deixar de contemplar tal princípio e fá-lo da melhor maneira ao prever a possibilidade de o Estado poder nomear administradores seus representantes ou deter acções privilegiadas que confiram direitos especiais, quando se encontre em posição minoritária no capital da empresa privatizada.
Na lei quadro em análise, foi introduzida uma inovação como forma de, em alguns casos, acelerar a preparação da empresa para a privatização. Trata-se da possibilidade da emissão de obrigações de reprivatização convertíveis em acções ou com direito à subscrição de acções.
Não podendo esquecer a componente social de toda esta problemática, a proposta de lei n.º 121/V prevê a possibilidade da reserva para aquisição ou subscrição, em determinada percentagem, para pequenos subscritores ou trabalhadores da empresa a privatizar. Neste último caso deixa-se ainda a hipótese de as acções adquiridas poderem vir a beneficiar de condições especiais desde que não venham a ser transaccionadas durante um determinado período.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, para concluir esta apreciação genérica, uma palavra para a proposta de aplicação das receitas provenientes das operações de privatização.
Seguindo de perto, como aliás acontece com a generalidade do diploma, o disposto no artigo 296.º da Constituição, a proposta de lei prevê que a aplicação das receitas já referidas se destine quer à amortização da dívida pública, quer à amortização da dívida do sector empresarial do Estado, quer ao pagamento do serviço da dívida resultante das nacionalizações, quer, ainda, a novas aplicações de capital no sector produtivo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Encontra-se igualmente em análise o projecto de lei n.º 441/V, do Partido Socialista, sobre a mesma matéria.
Da leitura atenta do articulado dessa iniciativa, duas ordens de comentários nos ocorrem. O primeiro, ligado à filosofia e aos princípios que presidem à apresentação de uma lei quadro de privatizações que, naturalmente registamos com agrado, vêm na sequência da posição adoptada na revisão constitucional.
O segundo, ligado a algumas propostas concretas e à concepção dos processos, que nos preocupam na medida em que deixam no ar a sensação nítida de que o PS ainda não se conseguiu libertar dos dogmas e preconceitos colectivizantes, paternalistas e intervencionistas, que só já julgávamos possíveis nos seus actuais aliados comunistas. Ou, quem sabe, talvez, por via dessa mesma aliança.
Na verdade, a proposta de criação de uma comissão de reprivatizações, com amplos poderes ao nível da selecção de avaliadores, da escolha de métodos (nalguns, casos com parecer vinculativo) e cujos membros são na maioria eleitos na Assembleia da República, pelo método de Hondt, é uma solução que, na prática, se traduziria em quebra de eficácia para todo o processo, para além de retirar ao Governo atribuições e responsabilidades que só a ele devem competir. O mesmo se refira no que concerne à criação de uma subcomissão parlamentar com poderes de prevenção e intervenção antecipada, e não de fiscalização e acompanhamento, como seria lógico e aceitável em casos deste género.
Por outro lado, á pormenorização evidenciada na proposta do Partido Socialista a ser levada por diante determinaria, nalguns aspectos, uma tal rigidez que certamente bloquearia os processos com graves inconvenientes e prejuízos para o êxito das operações.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, que dizer do disposto no artigo 35.º do projecto de lei n.º 441/V, do PS, que concerne à exclusão da possibilidade de reprivatização de alguns sectores da economia nacional, como sejam as produtoras, transformadoras e distribuidoras de energia, os transportes colectivos e urbanos nos principais centros populacionais e a refinação de petróleos?

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Não pode falar nisso!

O Orador: - O mesmo artigo, no n.º 3, remete ainda para legislação especial a reprivatização de empresas agrícolas.
Na verdade, com a introdução deste preceito, o PS vem declarar que não conseguiu, ainda, entender plenamente a razão da falência dos modelos de sociedades do Leste da Europa, que perfilham aquelas soluções.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em face do exposto, e atendendo que o texto proposto pelo Governo é o instrumento que melhor corpo pode dar a uma das promessas eleitorais mais caras ao PSD, «menos Estado, melhor Estado», o Grupo Parlamentar do PSD votará favoravelmente a proposta de lei n.º 121/V.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: No quadro de apreciação da proposta e do projecto de lei de iniciativa, respectivamente, do Governo e do PS, surge como facto evidente que estamos a tratar da sequela mais funda do processo de revisão constitucional, na parte que alterou a constituição económica.
Mas se isso, só por si, constitui um facto relevante no plano político-legislativo, se em todo o debate perpassa um certo ajuste de contas com Abril e com as suas transformações, a par da justificação e dos alívios de consciência sem rasgo nem fortuna dos que cederam e cedem no fundamental aos apetites da direita, existe uma questão central que aqui está colocada: é o confronto prolongado e permanente entre os que entendem o sector empresarial do Estado como parte importantíssima do regime democrático, enquanto condição objectiva para um desenvolvimento independente, harmonioso e ao serviço do povo português, e aqueles que o querem colocar ao serviço de interesses de grupos e da reconstituição monopolista.
Não faltaram nem faltarão as frases e slogans que enchem o olho e o ouvido, sacralizando as privatizações «contra os prejuízos do SEE, a favor do menos Estado, do europeísmo do investimento estrangeiro, dos pobres monopolistas espoliados, do capitalismo popular, da modernização», etc.
O som diáfano desta cassette ideológica serve, afinal e tão-só, para dar cobertura à operação em curso de

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espólio do património empresarial do Estado privatizar o que dá lucro e colocar em causa já não só as empresas mas também por via deste diploma os direitos individuais e colectivos dos trabalhadores o seu grau de participação e intervenção democrática nas empresas e sectores expressos na Constituição e na lei.
E porque existe uma relação indissociável entre a democracia soe ai a democracia económica e a democracia política os trabalhadores do sector empresarial do Estado sabem que ameaçadas as nacionalizações são ameaçados os seus direitos.
Eles conheceram bem para onde foi conduzido; Portugal quando existia o domínio total da economia pelos grupos monopolistas que o Governo agora quer restaurar Na memória histórica do movimento operário e sindical está registado que o processo de concentração de capital e da terra o domínio do Estado e do seu aparelho o poder de determinar a política económica e social a existência de repressão laboral para negar aos trabalhadores os mais elementares direitos e impor baixíssimos salários por parte do grande capital deixou como herança à democracia portuguesa não um país desenvolvido mas um país atrasado não uma população com um nível ide vida elevado mas antes uma população que sofria de tremendas carências em praticamente todos os domínios essenciais da vida individual e colectiva.
Ao propor se a utilização de títulos de indemnização na aquisição das acções das empresas publicas o Governo prepara em força o regresso dos ex monopolistas que entre si as suas famílias e testas de ferro detém dos títulos de indemnização.
Acreditará o Governo que eles estão reciclados modernos que contribuirão para o progresso eles os grandes responsáveis pelo atraso e retrocesso de muitas décadas?
Mas o Governo age assim não por estar sujeito a pressões ou por irresponsabilidade A sua lei quadro das privatizações as suas soluções a forma como pretende da Assembleia da Republica uma autentica autorização legislativa é o complemento e comando jurídico da sua prática política económica e social nas empresas do SEE.
Com a consciência a de que são os trabalhadores e a sua luta um dos principais obstáculos à sua fúria privatizadora o Governo vê nos direitos sociais laborais e sindicais um mal a arredar ou a abater.
Já ou imos hoje aqui alguns hinos aos direitos sociais e laborais até da bancada da maioria os quais registamos. Mas quem não se lembra aquando da realização da ultima greve geral e face à dimensão da luta dos trabalhadores dos transportes do desabafo irritado do Sr Primeiro Ministro? Fizeram greve? Precisam de umas privatizações.
Esta obsessão este vezo ao exercício dos direitos colectivos dos trabalhadores é veiculado para os gestores públicos na ânsia de desmantelarem a unidade a organização sindical e intervenção das CTs entendida não como um precioso património da democracia mas como a exemplo do que aconteceu na Petroquímica e mais recentemente na Petrogal reprimindo os membros das comissões de trabalhadores mais destacados, no exercício do seu d ré to ao controlo de gestão.
Mas não só os direitos colectivos que estas ameaçados São no igualmente um isto conjunto de direitos de conteúdo eminentemente social mas de elevada expressão económica como os refeitórios e cantinas as creches e infantários centros de enfermagem e cuidados médicos que já aqui foi dito hoje são tratados como privilégios.

Vozes de PSD: - Vai acabar tudo!

O Orador: - Pensando nos futuros proprietários o Governo tenta jugular o direito de contratação colectiva transformando cada mesa de negociação num palco de guerra e confronto social.
Através de reformas compulsivas liquidam se postos de trabalho permanentes substituídos pelos contratos a prazo e por situações de precarização extrema Salvo raras excepções os gestores públicos nomeados pelo Governo assumem se como capatazes da época moderna modernos não nos métodos umas nos vencimentos escandalosos na ostentação do luxo & do privilegio enquanto se assumem publicamente inimigos declarados das nacionalizações.
E à luz desta realidade que a tese do capitalismo popular cai por terra. Que garantia é essa dos trabalhadores accionistas quando simultaneamente se
agride a sua condição e os seus direitos a sua dignidade social e laboral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Que seriedade e credibilidade podem ter as promessas governamentais (e também as do projecto do PS) quando, se exerce ta chantagem sobre direitos e regalias sociais alguns deles duramente conquistados em Abril.

O Sr. João Amaral (PCP) - Muito bem!

O Orador: - e mesmo alguns antes dele? Que conceito de democracia participativa quando na prática se impede o exercício de direitos constitucionais e legais às comissões de trabalhadores e aos sindicatos? O que se pretende afinal é entregar as empresas em limpo ao grande capital nacional e estrangeiro aliviadas de encargos sociais libertas de direitos e regalias livres da capacidade e dos efeitos da organização e da unidade dos trabalhadores onde impere a insegurança o conformismo e onde os homens sejam menos livres onde impere afinal a ordem imposta pelo lucro a qualquer preço!
O Sr. Presidente Srs. Deputados Srs. Membros do Governo: Ao contrário do que pensam os arautos da ofensiva privatizadora a peça jurídica que daqui possa sair não vai significar o fim da resistência e da luta dos trabalhadores em defesa dos seus direitos e do sector empresarial do Estado.
A direita não conseguiu revogar a Constituição laboral nem as leis da República que consagram direitos fundamentais de participação e intervenção dos trabalhadores a diversos níveis.
O Governo e os seus mandatários instalados na gestão das empresas não venceram a determinação dos trabalhadores como foi recentemente demonstrado no sector dos transportes na banca na Cimpor ou na Siderurgia Nacional.
Certos de que a defesa dos seus direitos é inseparável da defesa do SEE conscientes das dificuldades acrescidas com que se ao confrontar se o Governo ficar com este comando jurídico nas mãos eles sabem como obreiros principais dessa transformação de Abril que para além dos perigos reais de destruição ela será projectada como

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valor e realidade no futuro de um Portugal moderno, desenvolvido e progressista a que anseiam.
Já agora, para terminar, e a propósito do apelo do Sr. Deputado Silva Marques, quando há pouco tempo reivindicou uma manifestação, devo dizer que, ao princípio, pensava que se tratava de algum problema de consciência ou de um sentimento revivalista do Sr. Deputado. Na verdade, houve uma manifestação; vieram do Rossio, subiram a Avenida da Liberdade e é natural - o Sr. Deputado Silva Marques sabe bem disso - que alguns tenham ficado pelo caminho, mas tenha a certeza de que são eles, com a sua luta, que conseguirão construir e caminhar por novas avenidas da liberdade, contra a sua vontade, a do seu partido e a do seu Governo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Proença.

O Sr. João Proença (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ao aprovar a revisão da Constituição da República esta Assembleia demonstrou uma enorme maturidade democrática. Alargou-se a defesa dos direitos dos cidadãos, eliminaram-se obstáculos carentes de sentido e abriram-se mais espaços de liberdade aos agentes económicos.
Numa época de rápidas mutações tecnológicas, organizacionais, nos processos, nos produtos, nos mercados, Portugal necessita de instituições empresariais modernas, dinâmicas, capazes de se adaptarem permanentemente e de conquistarem uma mais sólida competitividade, por assentar em novas vantagens comparativas, que não nos baixos salários.
Esta constatação influiu decisivamente na viabilização da revisão da área económica da Constituição, em que se proeurou criar um quadro mais propício à revitalização do tecido empresarial português, superando factores de rigidificação dos estatutos jurídicos de propriedade. Mais importante que isso é como e com que resultados se utiliza um património.
O sector empresarial do Estado tem desempenhado um papel importante na estabilização e regulação da nossa economia, na atenuação dos impactes negativos das crises económicas e até, por via de imposições administrativas e de preços políticos, tem contribuído para o aumento da competitividade das empresas privadas e para a melhoria de prestação de muitos serviços sociais.
A irreversibilidade das nacionalizações, se importante num dado momento da nossa história, não impediu que, por opções políticas, má gestão, clientelismo político, incapacidade na definição atempada de medidas e insuficiências de recursos do Orçamento do Estado, se chegasse a uma situação de ruptura económica e financeira em muitas empresas e de degradação da qualidade dos serviços prestados às populações.
Foram opções políticas, e não o que referiu o S. Ministro das Finanças, que veio aqui ressuscitar os' aumentos salariais de 1975, talvez para fazer esquecer os aumentos de 8 % e 9 %, em 1989, em muitas empresas de transportes, para uma inflação de 13 %, talvez para fazer esquecer a necessidade de uma gestão capaz, eficaz, e não como acontece, por exemplo, com a tutela dos transportes, que faz dos gestores simples telefonistas aquando da negociação colectiva do sector.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A nova Constituição vem assim assegurar mais liberdade, respeitando a diversidade nas formas de interpretação dos projectos empresariais, e, ao reconhecer este direito à diferença, permite aos governos a concretização de políticas económicas que configurem diferentes formas de encarar a intervenção do Estado na economia e em que é possível a sua avaliação política por meio do voto, no quadro de um regime em que a alternância é essencial para a vitalidade da democracia.
Restringir agora, em sede de regulamentação, o universo das escolhas seria cair num vício de uniformização forçado, que cercearia a expressão de tal direito. Não é este o propósito do Partido Socialista.
Ora, eliminados uns preconceitos, não queremos subjugar-nos a outros. Viabilizada a privatização nada deve obstar a que, paralelamente, se desenvolva um processo de reorganização, modernização e saneamento financeiro do sector público empresarial, que Portugal deve manter e aperfeiçoar, até por razões de autonomia nacional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Numa palavra, empresas privadas, públicas e de economia social devem poder coexistir e associar-se, quando conveniente, num quadro de sã concorrência e de liberdade de escolha das suas áreas de desenvolvimento, segundo as suas vocações e sem condicionantes artificiais.
Assim, teremos de nos preocupar em assegurar um enquadramento da actividade empresarial, que contribua para o crescimento quantitativo e a melhoria qualitativa do emprego; para a dignificação dos homens e das mulheres no mundo do trabalho; para um nível superior e mais equitativo de satisfação das necessidades dos cidadãos; para o reforço global da competitividade da nossa economia no quadro internacional.
Não podemos esquecer que Portugal tem uma economia aberta e periférica; não podemos ignorar que no nosso: tecido empresarial predominam as pequenas e médias empresas; de que entre as grandes empresas ocupam lugar de destaque as empresas cujo capital é detido, no todo ou em parte, pelo Estado ou por estrangeiros e, finalmente, que os grupos empresariais portugueses são ainda incipientes.
O PS não tem da economia uma visão estatizante, mas muito menos tem do Estado e das empresas uma mera noção de negócio ou de clientela partidária.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso consideramos que é do interesse nacional que o Estado deve continuar nas empresas vocacionadas para a prestação de serviços públicos, nos sectores chaves agro-alimentares e florestais e nos serviços internacionalizados, como a banca e os seguros, assegurando directamente o controlo de parte significativa, através da detenção da maioria do capital ou de uma fracção suficiente desse capital, para, em associação com grupos nacionais, evitar o domínio estrangeiro sobre o aparelho produtivo de bens e serviços.
O Estado deve continuar em sectores determinantes face ao carácter periférico do País - transportes aéreos, ferroviários, telecomunicações, portos, aeroportos -, no

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apoio a iniciativas empresariais de interesse nacional e maior risco inicial ou na participação em projectos que se localizem em áreas deprimidas ou e tem recursos endógenos que de outro modo não se concretizariam e No horizonte de 1993 do mercado interno e da união económica e monetária temos necessidade de ter grupos empresariais privados e públicos dinâmicos e com suficiente dimensão que nos permitam preservar alguma capacidade de determinação autónoma dos rumos da nossa economia.
Por isso temos de privatizar o que for de privatizar sem precipitação para não permitir desnacionalizações evitáveis e alienadoras do interesse nacional.
Temos de assegurar oportunidades aos investidores nacionais para desenvolverem solidificarem e internacionalizarem as suas empresas e grupos empresariais. Cada privatização deve ser cuidadosamente estudada e concretizada à luz destes objectivos.
Eis o quo se procura assegurar com a proposta do Partido Socialista. E por isso não podemos aceitar a proposta de lei aqui apresentada pelo Governo que na pratica esvazia o principio de uma lei quadro cuja aprovação e da competência exclusiva da Assembleia da República e que tem de ser aprovada por maioria qual ficada.
Tal proposta e um autentico cheque em branco ao Governo não garantindo a transparência rigor e isenção dos procedimentos não definindo uma percentagem mínima de capital para aquisição ou subscrição pelos trabalhadores das empresas negando a estes e aos pequenos investidores que adquirirem acções em condições especiais o direito de voto e de participação na gestão num período a definir não dando um mínimo de conteúdo ião principio constítucional da manutenção dos direitos e obrigações dos trabalhadores das empresas objecto de privatização.
O Sr. Presidente Srs. Deputados: As mudanças institucionais no mundo empresarial que somos chamados a regular deverão ocorrer num clima de estabilidade e confiança.
Em particular importa que o ambiente social em cada uma das empresas e no sector empresarial publico no seu conjunto não se degrade abruptamente.
Aos trabalhadores tem de ser garantido que não serão marginalizados nem serão vitimas deste processo Se dele podem derivar resultados positivos para a economia do Pais não faria sem do que as consequências para os trabalhadores fossem negativas.
O PS não advoga o imobilismo nem o conservadorismo conformista. Aceitamos os desafios da mudança até porque estamos convictos que podemos mudar para melhor.
Porém não aceitamos que a lei da sei a venha a e que às mudanças institucionais nas empresas venha a corresponder uma regressão social inaceitável o dispensa e que se assegure aos trabalhadores que o seu estatuto os seus direitos as suas legitimas expectativas só evoluirão de forma contratualizada em acordos livremente negociados pelos sindicatos num quadro de que esteja ausente qualquer tipo de coacção.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - E necessário garantir a manutenção de todos os direitos gerais e o específicos decorrentes da contratação colectiva e dos usos da empresa bem como
das regalias sociais existentes nomeadamente as relativas à Segurança Social Q 1333. De e assegurar se que desde que anunciado o processo de privatização e até seis meses após o seu final não haverá despedimentos excepto em casos de justa/causa por razões disciplinares.
Os órgãos representativos dos trabalhado es de cada empresa têm de ser ouvidos quer pré lamente a qualquer processo de privatização quer no relativo ao respectivo decreto lei.
Para o PS para além dos direitos já existentes devem procurar se novas formas de participação dos trabalhadores na gestão das empresas.
A problemática da (democratização da empresa no quadro da democratização da economia é uma problemática fundamental na Europa comunitária.
E por isso se considera a possibilidade de actuais ou antigos trabalhadores e reformados poderem constituir sociedades anónimas de gestão de participação do capitai permitindo se que as mesmas tenham as prerrogativas especiais previstas na lei para os seus membros.
O País encontra-se claramente empenhado na construção de um mercado único europeu que tenha uma dimensão económica política cultural e social.
Num momento em que se procura uma gradual aproximação aos padrões europeus consagrada numa Carta dos Direitos Sociais Fundamentais que desejamos ver aprovada em Dezembro com carácter imperativo na próxima cimeira europeia de Estrasburgo não fana qualquer sentido um retrocesso nos direitos dos trabalhadores do actual sector empresarial do Estado.
O Sr. Ministro das Finanças também referiu aqui o período de dumping social vindo do Leste. Temos consciência dos problemas que poderão resultar de uma emigração maciça e da troca de produtos relativamente ao Leste. Mas do que o Sr. Ministro das Finanças se esqueceu é do que existe neste momento de dumping por exemplo do Extremo Oriente em sectores fundamentais para o Pais como é o caso do sector têxtil Deixou subentendido que Portugal que fazer dumping social no quadro comunitário.
Esperemos que não seja assim e que em Dezembro o Governo Português vote favoravelmente um programa de acção imperativo para os direitos sociais fundamentais na Europa comunitária. Para o PS só promovendo internamente uma harmonização no processo nos estai remos a aproximar progressivamente dos padrões europeus e a avançar na concretização também em Portugal -, do espaço soe ai europeu Qualquer regressão surgia assim destituída de sentido e inclusivamente perder força negocial face à Comunidade quando exigirmos a concretização do. principio da coesão económica e social.
O Partido Socialista considera interpretar a vontade do País ao exigir responsabilidade e transparência ao propor a constituição de uma comissão independente para acompanhar o processo capaz de sobre o mesmo se pronunciar de um modo isento capaz e competente ao não se demitir no quadro da Assembleia da República do direito à informação A necessária confidencialidade de alguns processos não pode por em causa a defesa do interesse publico que não se confunde com interesses de grupo ou de partido.
Para o PS coque está em causa na lei quadro das privatizações é suficientemente importante para que ai defesa do interesse nacional se sobreponha a divergências

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de opinião, meramente fundamentadas em razões ideológicas ou partidárias.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr, Deputado João Proença, quero colocar uma questão ...

O Sr. António Guterres (PS): - Moderada!

O Orador: -... moderada, sem dúvida, mas incómoda! Antes, porém, não quero deixar de chamar a atenção - sei que é um aspecto circunstancial, mas as circunstâncias também definem o modo e o conteúdo das situações - para a ausência daqueles que eram supostos resistir ao avanço demolidor do campo político privatizador e supostamente patronal. A resistência não está presente! Porquê?!... Será que estamos, neste momento apenas, na barricada da resistência verbalista, sem conteúdo real, por corripletamente desligada das próprias aspirações daqueles que, ainda não há muito, votaram em vós, mas, decerto, continuam a mudar b sentido do voto em direcção daqueles que mais se aproximam das suas aspirações?
Por que será que a própria elite dessa resistência não está presente. A bancada socialista está vazia, ...

Risos gerais.

... a do Partido Comunista não está muito plena, porque sem dúvida muitos ficaram pelo caminho.

O Sr. José Magalhães (PCP): -A do PSD está cheia!...

O Orador: - A nossa está vazia, mas nós, Srs. Deputados, não temos razão para ter essa presença física; porque a resistência hoje era vossa!

Vozes do PS e do PCP: - Oh!...

O Orador: - Por isso a minha observação é legítima, e devo dizer-lhes que não se trata de mera chicana.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não. É graçola!. E isso também ê chicana!

O Orador: - Segundo aspecto, Sr. Deputado João' Proença: o seu discurso - ou melhor, o vosso discurso, porque nesse aspecto ele foi o desenvolvimento legítimo (e não tem de ser cassette por isso) do discurso do actual PS - pressupõe, em rigor, esta conclusão lógica, e V. Ex.ª depois me dirá se é legítima ou não a questão que lhe coloco.
O desenvolvimento lógico do discurso do actual PS sobre esta questão das nacionalizações conduz a esta resposta: eu, PS, se amanhã for Governo, decerto que farei desnacionalizações, mas sem dúvida que farei outras nacionalizações. Quer dizer, o vosso discurso é um discurso de empata, de andar para trás e de desculpabilização.
É esta a pergunta que faço: se o novo PS for Governo, fará, decerto, novas nacionalizações, com algumas desnacionalizações.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Proença, há mais um pedido de esclarecimento do Sr. Secretário de Estado Adjunto e das Finanças. Deseja responder agora ou no fim?

O Sr. João Proença (PS): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e das Finanças.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e das Finanças: - O Sr. Deputado João Proença afirmou na sua intervenção, que a proposta do Governo não dava conteúdo, à garantia de manutenção, dos direitos dos trabalhadores e que também não assegurava uma percentagem de capital a reprivatizar, reservada a aquisição pelos trabalhadores.
Sr. Deputado, não considera que o artigo 13.º da proposta de lei do Governo, que estipula que os trabalhadores das empresas objecto de reprivatização manterão no processo de reprivatização da respectiva empresa todos os direitos de que sejam titulares, diz tudo? Mais: não considera que, na prática até agora adoptada em todos os processos de reprivatização -onde os trabalhadores têm sido ouvidos no acto de transformação do estatuto de empresa pública em sociedade anónima de capitais públicos e expressamente se referem ao processo de privatização, dando ou não o seu acordo a esse processo-, isso tem sido rigorosamente cumprido em todos os actos e assim continuará a ser enquanto a legislação assim consagrar?
Segundo ponto: a proposta do Governo, no artigo 7.º, estipula também, muito claramente, que uma percentagem do capital a reprivatizar será reservada à aquisição ou subscrição por pequenos subscritores e por trabalhadores da empresa objecto de reprivatização.
Esta proposta segue aquela que o Governo apresentou por ocasião da proposta de lei de que resultou a Lei n.º 84/88. Foi, efectivamente, o Governo que apresentou, pela primeira vez, esta proposta na Assembleia da República. Ela tem sido rigorosamente cumprida e a experiência colhida demonstra, muito claramente, que existe uma capacidade limitada dos trabalhadores das diferentes empresas para a aquisição das respectivas acções. Nunca até hoje foi totalmente esgotada a percentagem de capital reservada aos trabalhadores das empresas. Em todos os casos tem havido(sempre determinado excesso, que é colocado depois nos pequenos subscritores.
Tivemos o cuidado de, em quase todos os casos de privatização realizados até agora, fazer uma espécie de sondagem, no sentido de averiguar qual seria o valor médio que em cada caso deveria ser atribuído aos trabalhadores das empresas, com vista à respectiva aquisição de capital.
É completamento impensável fixar uma percentagem em absoluto a atribuir aos trabalhadores para que eles venham a adquirir tais acções no acto de privatização. Como já referi em intervenção anterior, tomando o caso de uma empresa com um valor da ordem dos 100 ou 150 milhões de contos, seria, de facto, manifestamente irrealista admitir que os trabalhadores teriam capacidade financeira para atingir esse valor ou então poderiam ser facilmente sujeitos a atitudes conducentes a que as mais-valias que legitimamente pertenceriam ao Estado viessem parar a outras mãos.

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Por conseguinte gostaria que o Sr. Deputado João Proença me esclarecesse acerca das críticas que teceu relativamente à proposta de lei do Governo.
Entretanto reassumiu a presidência o Sr Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Para responder tem a palavra o Sr. Deputado João Proença.

O Sr João Proença (PS): - O Sr. Deputado Silva Marques fala da resistência física de alguns e acha que determinados deputados tem mais obrigações do que outros i No entanto para nós os deputados e o Governo tem neste quadro igual responsabilidade pois estamos a discutir uma lei quadro que é fundamental para o Para temos presente que hoje se esta a efectuar a discussão na especialidade e que ainda ha era com certeza muito trabalho para chegar a uma lê quadro final correcta e que se encaminhe nos princípios e objectivos isque foram apontados pelo PS Por conseguinte quanto à resistência física de alguns eu diria que estão aqui todos os que no PS defendem um sector empresar ai do Estado dinâmico capaz de desmentir mas também capaz de investir capaz de criar riqueza e postos de trabalho capaz de em sectores fundamentais para a economia do Pais não os deixar ao abandono quer tratando se de sectores de serviço publico quer por exemplo dos relacionados com o aproveitamento de recursos fundamentais como os mineiros florestais ou outros Portanto respondendo à5 questão das nacionalizações e desnacionalizações claramente dizemos que o que esta para nos em causa é um sector empresarial do Estado permanentemente criador de riqueza.
Sr. Deputado não venha ressuscitar como o fez o Sr. Ministro das Finanças o espectro de 1975 pois não:» se encontra neste momento presente no respeito de nenhum de nós o senhor bem o sabe como o demonstra a revisão constítucional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto às questões colocadas pelo Sr. Secretário de Estado Faria de Oh eira nomeadamente quando refere os direitos e obrigações fixados na proposta, de lei do Governo eu diria que o que lá está é o mesmo que nada Isto porque o Governo se limita a repetir o que está escrito na alínea c) do artigo 296 da Constituição. Assim estar ou não estar seria exactamente a mesma coisa pois a Constituição tem sempre de ser aplicada Efectivamente o que tem de figurar numa lei quadro é a forma como este principio ira ser aplicado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Porque se uma lei quadro fosse apenas repetir a Constituição com certeza que esta não referiria a necessidade de uma lei quadro.

Aplausos do PS.

Quanto ao problema de ser pelo do Governo ou ir os trabalhadores bem seja ou não seja o que é fundamental é que na lei quadro também seja definida a prática institucionalizada da audição da estrutura representai a dos trabalhadores Isso tem de ficar consagrado na lei assim como a audição prévia dos representantes dos trabalhadores relativamente ao decreto lei que fixar o processo de privatização de cada uma das empresas.
Os trabalhadores são uma parte importante e fundamental Assim se se considerar que nas empresas os trabalhadores não tem nada a ver com a sua dinâmica e que todos devem ter o mesmo tratamento quer pertençam ou não às empresas a privatizar então eu direi que não é esse o espirito constítucional o espirito de uma visão empresarial moderna Os trabalhadores tem de ter direitos fundamentais de participação na sua empresa.
Neste momento em que se reforça a unidade europeia e se constrói um mercado interno ficou claramente referido no Acto Único Europeu que uma das bases da construção do mercado interno é o diálogo social. E mesmo apesar da grande dificuldade que os sindicatos tem de dialogar com uma UNICE fracamente representativa das 'confederações patronais nacionais já foi reconhecido no quadro de um acordo o direito a consulta dos trabalhadores em matérias fundamentais que lhes digam respeito estando agora em discussão o direito a consulta dos trabalhadores na área por exemplo da formação profissional e de um quadro anual e plurianual a desenvolver por cada empresa.
Consideramos assim fundamental que se desenvolva este aspecto de os trabalhadores participarem na sua empresa desenvolvendo até eventualmente no as formas de gestão empresar ai. Assim quando o PS aponta a sociedade de gestão de participação tem bem presente que os trabalhadores poderão estar interessados em constituir uma parte fundamental da empresa e até - por que não - constituírem eles próprios em certas empresas o núcleo duro da empresa Eu perguntaria até se nem foi esse o espirito do Governo quando refere como favorável em relação a certas empresas da comunicação social a formação de Cooperativas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não é então verdade que os trabalhadores tem um direito privilegiado que há reconhecer numa lei quadro? Eu diria que é e que é isso mesmo que se encontra claramente consagrado no projecto de lei do PS.
Quanto ao problema da privatização do Banco Português do Atlântico (BPA) que parece ser o grande slogan e a grande preocupação do Governo eu dizia que também para nós constitui uma grande preocupação que ao BPA não lhe aconteça o mesmo que a outras instituições transformando se em mais uma instituição nas mãos de capitais estrangeiros. Na verdade consideramos que o BPA é efectivamente extremamente importante obrigando o elevado volume de recursos financeiros envolvidos a que se reflicta seriamente na forma de privatizar uma instituição deste tipo. Por outro lado quanto ao facto de os trabalhadores poderem ou não atingir a quota máxima que o PS define esse é um problema que tem de ser claramente assim do quer pelos trabalhadores quer pelo próprio Governo. Assim ao falar se em linhas de crédito tem de se ter presente essa possibilidade.
Talvez isto se apresente numa perspectiva contrária à definida pelo Governo uma vez que defende que pelo facto de receberem acções em regime preferencial os trabalhadores não terão depois direito à participação e à gestão. Na proposta do Governo os trabalhadores são a partida afastados das decisões mais importantes tomadas na empresa o que não pode acontecer e o que o projecto do PS claramente não permite.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, declaro encerrado o debate.
A próxima sessão será amanhã, às 10 horas, com vista à discussão da proposta de lei n.º 116/V.

Está encerrada a sessão.

Eram 23 horas e 20 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António Jorge Santos Pereira.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António José de Carvalho.
António Maria Pereira.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio dos Santos.
Carla Tato Diogo.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Dinah Serrão Alhandra.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Francisco João Bernardino da Silva.
Germano Silva Domingos.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
João José Pedreira de Matos.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Ângelo Ferreira Correia.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Macheie.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luis Geordano dos Santos Covas.

Partido Comunista Português (PCP):

Ana Paula da Silva Coelho.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Maria Odete Santos.
Rui Manuel Carvalho Godinho.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.

Centro Democrático Social (CDS):

José Luís Nogueira de Brito.

Deputados independentes:

Carlos Matos Chaves de Macedo.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António Manuel Lopes Tavares.
António Mário Santos Coimbra.
António da Silva Bacelar.
Carlos Alberto Pinto.
Fernando Monteiro do Amaral.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Fernandes Marques.
José de Vargas Bulcão.
Licinio Moreira da Silva.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel José Dias Soares Costa.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Manuel Almeida Mendes.

Partido Socialista (PS):

Afonso Sequeira Abrantes.
António Poppe Lopes Cardoso.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Barroso Soares.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Luís Filipe Nascimento Madeira.

Partido Comunista Português (PCP):

Apolónia Maria Pereira Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Octávio Rodrigues Pato.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Natália de Oliveira Correia.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PEV):

André Valente Martins.

Deputados independentes:

Raul Fernandes de Morais e Castro.

Os REDACTORES: Ana Maria Marques da Cruz - Maria Leonor Ferreira - Maria Amélia Martins - José Diogo - Cacilda Nordeste.

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DIÁRIO da Assembleia da República

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