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Quarta-feira, 29 de Novembro de 1989 I Série - Número 20

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1989-1990)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 28 DE NOVEMBRO DE 1989

Presidente: Exmo. Sr. José Manuel Maia Nunes de Almeida

Secretários: Exmos. Srs.

Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Apolónia Maria Pereira Teixeira
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de deliberação n.ºs 167/V e 68/V e da apresentação de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Arons de Carvalho (PS) anunciou a apresentação, a curto prazo, pelo seu partido de um projecto de lei tendente à abertura da televisão à iniciativa privada. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Narana Coissoró (CDS), Duarte Lima, Carlos Encarnação, Vieira Mesquita e Nuno Delerue (PSD).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Silva Marques (PSD), a propósito do 20. º aniversário da primeira intervenção de Sá Carneiro na Assembleia Nacional, referiu a importância da actuação da Ala Liberal para a democracia.
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado João Amaral (PCP) abordou questões relativas à defesa nacional e forças armadas, tendo, no final, respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Pedro Campilho (PSD), José Lello (PS) e Adriano Moreira (CDS).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Barbosa da Costa (PRD) teceu considerações acerca das dívidas dos municípios à EDP. No fim, respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Silva Marques (PSD).
Foram aprovados os votos n.09 92/V (PCP) - de pesar pela morte de Dolores Ibarruri -, 95/V (PS) - de congratulação relativamente às palavras e atitudes que dignificam o Estado e a democracia, produzidas por S. Ex.ª o Presidente da República na visita realizada à República Popular da Guiné-Bissau - e 97/V (PSD) - de congratulação pela primeira intervenção de Sá Carneiro na Assembleia Nacional. Produziram declarações de voto os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), Manuel Alegre (PS), Barbosa da Costa (PRD), João Amaral (PCP), Carlos Encarnação (PSD), Narana Coissoró (CDS), Sottomayor Cárdia (PS), Silva Marques (PSD), Carlos Brito (PCP) e Basílio Horta (CDS).

Ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 2, 3, 4, 5, 6 e 7 do Diário.
Procedeu-se à discussão, na generalidade, da proposta de lei n. º 114/V - Bases gerais da contabilidade pública. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Ministro das Finanças (Miguel Cadilhe) e do Sr. Secretário de Estado do Orçamento (Rui Carp), os Srs. Deputados Helena Torres Marques (PS), Vítor Ávila (PRD), Octávio Teixeira (PCP), Vieira de Castro (PRD), Antunes da Silva (PSD) e Narana Coissoró (CDS).
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão eram 19 horas e 5 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados: Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Abrantes Pereira.
António Augusto Ramos.
António Fernandes Ribeiro.
António Jorge Santos Pereira.
António José de Carvalho.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Flausino José Ferreira da Silva.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Germano Silva Domingos.
Gilberto Parca Madail.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Assunção Marques.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Leite Machado.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Luís Vieira de Castro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Pereira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.

Partido Socialista (PS):

Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues Azevedo.
António Magalhães da Silva.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel de Morais Barreto.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Luís.
Custódio João Maldonado Freitas.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proênça.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
Jorge Paulo Almeida Coelho.
José Barbosa Mota.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.

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Mário Manuel Cal Brandão.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Vítor e Baptista Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Maria Bartolomeu Afonso Palma.
Manuel Anastácio Filipe.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Octávio Augusto Teixeira.
Rui Manuel Carvalho Godinho.
Sérgio José Ferreira Ribeiro.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta da França.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PEV):

André Valente Martins.

Deputados independentes:

Carlos Matos Chaves de Macedo.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Pegado Lis.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Anuncio a entrada na Mesa dos projectos de deliberação n.ºs 67/V (PCP) - Propõe a realização de uma audição parlamentar sobre o ambiente - e 68/V (PSD, PS, PCP, PRD, CDS e PEV)- Define os princípios gerais de atribuição de despesas de transporte e de ajudas de custo aos deputados.
Entretanto, foram apresentados na Mesa, nas últimas reuniões plenárias, os requerimentos seguintes: ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Osório Gomes, Elisa Damião, Pegado Liz, Edite Estrela, Sérgio Ribeiro, António Filipe, Eduarda Fernandes, Rogério Brito, Lacerda de Queiroz e José Apolinário; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulados pelos Srs. Deputados Joaquim Teixeira, Jerónimo de Sousa e Guerreiro Norte; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pela Sr.ª Deputada Helena Torres Marques; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Jorge Cunha, Odete Santos, Hermínio Martinho, Vítor Costa e Júlio Antunes; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado João Salgado; ao Ministério da Indústria e Energia, formulado pelo Sr. Deputado Barbosa da Costa; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Manuel Filipe e Carneiro dos Santos; ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados Lourdes Hespanhol, António Sérgio e Odete Santos; aos Ministérios das Finanças e do Emprego e da Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados Sérgio Ribeiro, José Rodrigues, João Amaral, Jerónimo de Sousa e Octávio Teixeira; aos Ministérios da Administração Interna e da Defesa Nacional, formulados pelos Srs. Deputados Jaime Gama e João Amaral; a diversos Ministérios e à Câmara Municipal do Porto, formulados pelo Sr. Deputado Herculano Pombo; à Secretaria de Estado do Ambiente e dos Recursos Naturais, formulado pela Sr.ª Deputada Julieta Sampaio; às Secretarias de Estado da Segurança Social e da Cultura, formulados pelos Srs. Deputados Joaquim Teixeira e Júlio Antunes; à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, formulado pelo Sr. Deputado António Coimbra; à Secretaria de Estado do Emprego e Formação Profissional, formulado pelo Sr. Deputado Júlio Antunes; à Secretaria de Estado da Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados Manuel Filipe, Luís Roque, Lourdes Hespanhol, Luís Bartolomeu e Apolónia Teixeira; às Secretarias de Estado da Modernização Administrativa e do Orçamento, formulado pelo Sr. Deputado João Proença; a diversas câmaras municipais, formulados pelos Srs. Deputados Julieta Sampaio, Herculano Pombo e Filipe Abreu; à Imprensa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado Daniel Bastos.
Por seu lado, o Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Rui Silva, nas sessões de 31 de Janeiro e 23 de Fevereiro; José Manuel Mendes, na sessão de 9 de Fevereiro; José Magalhães, nas sessões de 9 de Fevereiro e 30 de Junho; Jorge Lemos e Jerónimo de Sousa, nas sessões de 14 de Fevereiro e 12 de Julho; Cláudio Percheiro, nas sessões de 14 e 21 de Fevereiro e 21 de Agosto; António Mota, na sessão de 15 de Fevereiro e 21 de Agosto; Luís Roque, nas sessões de IS de Fevereiro e 7 e 9 de Março; Vidigal Amaro, na sessão de 23 de Fevereiro; Barbosa da Costa, nas sessões de 2 de Fevereiro e 2 e 16 de Março; Afonso Abrantes, na sessão de 3 de Março; Julieta Sampaio, na sessão de 30 de Março, António Guterres e Lino de Carvalho, na sessão de 4 de Abril; Leonor Coutinho, na sessão de 6 de Abril; Isabel Espada, na sessão de 12 de Abril; Helena Torres Marques, na sessão de 20 de Abril; Carlos Brito, na sessão de 28 de Abril; Américo Sequeira, na sessão de 1 de Junho; Herculano Pombo, nas sessões de 1 e 30 de Junho e 27 de Julho; José Apolinário, na sessão de 20 de Junho; Lourdes Hespanhol, na sessão de 12 de Julho; Octávio Teixeira, nas reuniões da Comissão Permanente dos dias 7 de Setembro e 7 de Outubro; João Camilo, na reunião da Comissão Permanente do dia 21 de Julho; Álvaro Brasileiro e José Manuel Mendes, na sessão de 30 de Maio; Elisa Damião e Paulo Cunha, na sessão de 12 de Julho; e José Manuel Nunes de Almeida, na sessão de 27 de Julho.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, de seguida, entramos no período das declarações políticas, sendo o primeiro inscrito o Sr. Deputado Arons de Carvalho, a quem concedo a palavra.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, antes disso e por razões meramente processuais, será possível V. Ex.ª informar-nos de quais os votos de congratulação, pesar e outros que estão, neste momento, disponíveis para votação? Confesso, é porque dada a avalanche de outros que tem havido, já perdemos um pouco o controlo da situação!...

O Sr. Presidente: - Certamente, Sr. Deputado. O Sr. Deputado Secretário Reinaldo Gomes vai mencionar os que estão pendentes para apreciação nesta sessão.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - O voto n.º 92/V (PCP), de pesar pela morte de Dolores Ibarruri; o voto n.º 93/V (PCP), sobre o Sr. Deputado da Assembleia Regional da Madeira Martins Júnior; o voto n.º 95/V (PS), de congratulação pela visita do Sr. Presidente da República, Mário Soares, à República Popular da Guiné-Bissau; o voto n.º 96/V (PCP), sobre a coesão económica e social no sentido do reforço da dimensão social dos processos em curso na CEE; e, finalmente, resultando do consenso entretanto obtido, o voto n.º 977 V, hoje apresentado na Mesa e já distribuído, que é da autoria do Grupo Parlamentar do PSD e que se refere à celebração da primeira intervenção de Sá Carneiro na, então, Assembleia Nacional.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Guterres pede a palavra para que efeito?

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, desejava saber se é intenção da Mesa pôr todos esses votos hoje à discussão, porque tínhamos a informação de que um deles poderia ser sustado.

O Sr. Presidente: - É essa a intenção da Mesa, salvo se for outra a opinião da Câmara. Tem a palavra, Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, já tínhamos comunicado que desejaríamos ver um dos votos que apresentámos, o voto n.º 93/V, que se refere ao levantamento das imunidades ao Sr. Deputado Martins, da Assembleia Regional da Madeira, sustado por enquanto, não sendo submetido hoje à votação.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, fica sustado o voto n.º 93/V, referido pelo Sr. Deputado Carlos Brito.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Arons de Carvalho.

O Sr. Arons de Carvalho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista vai entregar dentro de alguns dias na Mesa da Assembleia da República um projecto de lei sobre o exercício da actividade de Radiotelevisão que prevê e regulamenta a sua abertura ao sector privado.

Aplausos do PS e do deputado do CDS Basílio Horta.

Esta iniciativa legislativa não visa apenas concretizar o disposto no artigo 38.º da Constituição da República, acolher a vontade largamente maioritária, diria mesmo consensual, dos Portugueses, ou cumprir a plataforma programática do Partido Socialista; trata-se também de forçar o debate sobre um assunto que o Governo teme e adia.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - O Executivo e o PSD gostam de agitar a televisão privada como bandeira de propaganda eleitoral, mas nunca sujeitaram a debate desta Assembleia qualquer projecto que visasse permitir o seu exercício.

Aplausos do PS e do deputado do CDS Basílio Horta.

Nada justifica já que a Assembleia da República não venha a debater e a aprovar logo nos primeiros meses de 1990 uma nova lei quadro da actividade de radiotelevisão.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - Só a evidente vontade de aproveitar, até às eleições legislativas de 1991, o menos independente e mais governamentalizado monopólio público de televisão da Europa Ocidental...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: -... justifica este atraso, que o próprio Presidente da República lamentou há dias numa declaração pública.
Os interesses eleitorais do PSD não podem condicionar mais a concretização de uma medida que decorre directamente das profundas modificações que o audiovisual tem sofrido em toda a Europa, depois de cessarem as razões de natureza histórica, técnica, económico-financeira e política que geraram um consenso sobre as vantagens do monopólio estatal.
De facto, a partir dos anos 30 as várias famílias políticas europeias convergiram na tese segundo a qual só ao Estado deveria caber o papel de organizador e proprietário do sistema de radiotelevisão.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - As limitações do espectro radioeléctrico, as elevadas verbas exigidas para fazer televisão, o impacte e o poder de penetração deste meio de comunicação social conduziram ao monopólio do Estado.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - A 2.ª Guerra Mundial e a conjuntura internacional que se lhe seguiu consolidaram esta situação.
A situação hoje é completamente diversa.
Na última década, a televisão sofreu profundas transformações tecnológicas, que modificaram radicalmente as condições do seu desenvolvimento. O aumento do número de canais e das horas de emissão e o alargamento da oferta motivado pelo desenvolvimento tecnológico substituíram a penúria pela abundância e internacionalizaram a televisão.
As trocas de programas são cada vez mais frequentes entre as empresas de diversos países. Os satélites possibilitaram a difusão transnacional de programas.

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As acessibilidades financeira e tecnológica democratizaram a televisão.
De organizador e proprietário em regime de monopólio o Estado passa, sobretudo, a regulador das indústrias culturais, da produção audiovisual aos direitos de autor.
O debate entre partidários e adversários da televisão privada deixa, entretanto, de revestir-se na Europa do maniqueísmo que antes o caracterizava. Nem a iniciativa privada significa necessariamente o domínio pela publicidade, a ditadura das audiências, a porta aberta para a americanização, o desinteresse pelas regiões menos desenvolvidas ou a banalização da programação, nem a empresa pública é necessariamente considerada como burocratizada, com excesso de funcionários, dirigida pelo Governo e dele dependente ou limitadora do pluralismo e da liberdade.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - A crise do monopólio de Estado não representa, entretanto, a crise da qualidade do seu serviço, mas antes o esgotamento da possibilidade de oferecer maior diversidade. As empresas públicas europeias não tiveram nem a capacidade para proporcionar as hipóteses de escolha que a tecnologia permitia nem a de responder às necessidades de descentralização e de participação regional.
No nosso país, um outro argumento existe e é até o mais difundido: a dependência da RTP perante os Governos é tal que só a existência de outros canais de televisão de propriedade privada poderá gerar o pluralismo e a liberdade deste meio de comunicação.

Aplausos do PS e do deputado do CDS Basílio Horta.

Estou naturalmente de acordo com o diagnóstico, mas não desisto de sugerir outra terapêutica. A existência de canais privados constitui, a exemplo do que apesar de tudo tem acontecido com a radiodifusão sonora, um factor de reforço do pluralismo e por si só corrector dos excessos da empresa pública. Muitos silêncios comprometedores da informação da RTP não existiriam se houvesse canais privados.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Orador: - No entanto, nada justifica que continue sem uma adequada e profunda revisão o actual modelo de gestão da RTP, que permanece nas suas linhas essenciais imutável desde antes do 25 de Abril e está muito mais próximo do Terceiro Mundo do que da Europa da CEE.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ao regulamentar-se a iniciativa privada não se pode perder de vista o papel reservado à empresa pública.
A nova lei da televisão deverá também sintetizar os seus grandes objectivos no quadro de um novo enquadramento de toda a actividade televisiva:
- Difusão por todo o território nacional;
- Defesa dos valores culturais;
- Respeito pelos gostos e interesses do público, particularmente das suas minorias mais representativas;
- Independência face ao poder político e aos grupos de pressão;
- Sujeição da concorrência com o sector privado a níveis de qualidade e não apenas a índices de audiência ou a critérios de pura rentabilidade.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - Estes cinco objectivos implicam, no entanto, a manutenção de dois canais na empresa pública. De facto, a concorrência entre um canal público e três ou mais canais privados significaria para aquele a escolha entre a necessidade de concorrência desigual com o sector privado, eventualmente esvaziando o seu carácter de serviço público, e o cumprimento estrito desse objectivo, fechando-o num frustrante e impopular ghetto cultural.
É neste contexto que deve ser definido o âmbito de actuação do sector privado: respeitando a sua liberdade e criatividade, factores imprescindíveis para a desejável diversidade de escolha dos cidadãos; conciliando os deveres decorrentes da utilização influente de um bem escasso do domínio público com o respeito devido à autonomia própria da iniciativa privada e às suas vantagens; protegendo a liberdade e os direitos dos seus profissionais, designadamente dos seus jornalistas, incluindo o direito à constituição de conselhos de redacção e garantindo alguns aspectos essenciais também exigíveis a um serviço público, designadamente as obrigações de integrar na programação percentagens mínimas de produção própria e de programas portugueses, de proteger crianças e adolescentes, de defender a indústria cinematográfica, de respeitar estritamente as regras comunitárias sobre a difusão da publicidade e de cobrir a generalidade do território nacional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A TV privada está à porta. Ela representa a democratização da televisão. A empresa pública pode e deve constituir um papel moderador, garante de um maior pluralismo, do respeito pelas minorias e da promoção da cultura, mas esgotou a sua capacidade de oferecer por si só a diversidade de escolhas que os Portugueses pretendem e a televisão já hoje permite.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Importa agora regulamentar a televisão privada de forma acertada, evitando tanto os erros cometidos, por exemplo, em Itália como a cópia de modelos desajustados à nossa realidade, como o britânico.
No nosso país, existe já um conjunto de candidatos à televisão privada, alguns dos quais, com outros investimentos na área da comunicação social, podem garantir projectos altamente profissionalizados, adequados às realidades portuguesas e aptos a cumprirem as exigências de qualidade imprescindíveis num meio de comunicação tão influente como a televisão.
A televisão privada não pode, no entanto, ser banalizada através de repetidos anúncios nunca concretizados sobre o início da sua actividade nem condicionada a calendários de natureza político-eleiloral.

Aplausos do PS e do deputado do CDS Basílio Horta.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Narana Coissoró, Duarte Lima, Carlos Encarnação, Vieira Mesquita e Nuno Delerue.

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Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Arons de Carvalho, é com grande alegria que o CDS saúda o Partido Socialista por ter tomado a dianteira ao anunciar a apresentação de um projecto de lei sobre a liberalização, isto é, a privatização dos canais da televisão portuguesa.
O nosso partido está em condição ímpar para se pronunciar sobre esta vossa atitude na medida em que a lei da RTP vigente foi votada pelo PS e pelo PSD sem o concurso do CDS (no ido ano de 1978), que sempre se bateu contra ela. Assim, mais uma vez, a Câmara, hoje, toma consciência de que, apesar do tempo já decorrido, o CDS tinha razão.
É que, ao contrário do que se dizia, não era necessário manter o monopólio da informação televisiva através de um só canal, havendo várias formas de diversificá-lo. Por um lado, era possível ter-se concedido a exploração de um canal à Igreja, enquanto, por outro, se possibilitaria a intervenção das outras forças sociais e políticas nos canais já existentes.
Mas, durante muito tempo, os partidos no poder, antes, durante e depois dos governos do Bloco Central - o PS e o PSD -, entenderam que a informação deveria ser monopólio estatal.
Ora, pelo modo como, durante a presente pré-campanha eleitoral para as eleições autárquicas, têm sido sentidos, pela nossa população, os efeitos daquele monopólio estatal, é para nós motivo de alegria ouvirmos o PS dizer que é chegada a hora de atacar esse mal que sempre existiu na sociedade portuguesa e que o nosso partido sempre denunciou.
Naturalmente que, no momento próprio e obedecendo às regras regimentais, o CDS apresentará a suas próprias ideias sobre a privatização e a liberalização da televisão.
Ao falar sobre esta abertura, que agora nos é prometida no sentido de caminhar para o que, hoje em dia, é banal na Europa e que é a alteração da paisagem audiovisual na Comunidade, temos de dizer que o Governo não se antecipa a ninguém, pois, pelo modo como vem dominando a Radiotelevisão Portuguesa, se o fazer, como promete, será a contragosto.
Já tive ocasião de dizer que, ao contrário do que acontece no telejornal -no do primeiro canal e no de sábado -, em nenhuma televisão da Europa comunitária se assiste já a esta prática de, todos os dias, se ver o Primeiro-Ministro a falar na televisão.
De facto, o monopólio da informação e da comunicação que está a ser levado ao extremo pelo PSD, através de métodos sofisticados de manipulação da opinião pública- o que se verifica em todas as emissões do telejornal -, é uma prática que deve acabar com telejornais não governamentalizados.
Congratulo-me, também, com o facto de o PS se ter demarcado claramente das ideias totalitaristas, estalinistas, partidarizadas e sectariamente estatizantes sobre a televisão, pois, neste momento, procura-se confundir com o estalinismo todos os partidos que não sejam o PSD. É que, até no círculo eleitoral de Viseu, em estilo comicieiro, à falta de outros argumentos, o CDS foi acusado, pelo Sr. Primeiro-Ministro, de ser aliado do PCP!
Assim, é bom que o País e a própria televisão tomem nota de que, nesta Câmara, há uma grande e profunda divisão: há os que manipulam totalitariamente a informação televisiva e os que querem uma televisão livre do controlo governamental.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, já excedeu largamente o tempo a que tinha direito e agradecia-lhe que terminasse.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, deixe-o manipular mais um bocadinho!

O Orador: - É preciso que a televisão portuguesa tome consciência de que, efectivamente, nesta Câmara, existe uma «separação das águas» entre os que querem manter uma televisão ao serviço do partido do Governo e os que a querem ao serviço de todos os Portugueses, sem manipulações, como nos lembra o director do Povo Livre, Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Deputado Arons de Carvalho, quero começar por saudar francamente a iniciativa do Partido Socialista ao apresentar um projecto de lei relativo à privatização e à possibilidade de abertura da radiotelevisão à iniciativa privada.
Sem qualquer problema, digo que esta é uma iniciativa que consideramos positiva e que, oportunamente e na sequência da recente revisão constitucional, o PSD, através do seu grupo parlamentar, irá apresentar também um projecto de lei sobre a matéria. Infelizmente, não podemos apresentar todas as iniciativas legislativas em simultâneo e, portanto, não temos qualquer problema em que VV. Ex.ªs sejam os primeiros a apresentar algumas nesta sede.
Quero também saudar a apresentação desta iniciativa legislativa pelo que traduz, por parte do PS, de conversão a um princípio que o vosso partido viveu de forma um pouco difusa durante os últimos anos.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É porque, efectivamente, em Portugal, não temos televisão privada há mais tempo, em parle, devido ao anterior imperativo constitucional, mas, se não se avançou por outras formas progressivas, nomeadamente na exploração e na concessão dos canais de televisão por entidades privadas, foi porque VV. Ex.ªs não o quiseram. E os senhores não podem fazer esquecer esse aspecto a esta Câmara.
É que, no passado, houve iniciativas legislativas - não interessa se foram boas ou más .... as boas devem aproveitar-se, as más são susceptíveis de alteração e de optimização -, nesta Câmara e da parte do meu partido, no sentido de se avançar para formas progressivas de exploração da televisão. O Sr. Deputado dir-me-á que se tratou de passos tímidos naquele sentido, mas eram os permitidos pelo texto constitucional da altura.
Ora, no tempo do governo minoritário do PSD, em sede de comissão, juntamente com outros partidos com que faziam maioria naquela altura, VV. Ex.ªs é que empataram os trabalhos e impediram que tivessem surgido outras formas mais avançadas de utilização da televisão que não a exclusivamente pública.
Portanto, neste momento, VV. Ex.ªs têm de reconhecer perante esta Câmara que estão a fazer uma conversão, tardia mas positiva.
Não é o Governo quem teme nem é ele que tem adiado este debate, mas, sim, VV. Ex.ªs, que o andaram a adiar durante 10 anos.

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O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É uma convergência!

O Orador: -Também queria dizer a V. Ex.ª que o PSD está pronto para discutir oportunamente essa e outras iniciativas legislativas, e nessa altura é que veremos se, em relação a esta matéria, o vosso espírito é um espírito liberalizador em termos de tese geral, como V. Ex.ª acabou de afirmar, ou se, pelo contrário, mais uma vez, fiarão prova de um espírito dúbio, no sentido de procurarem introduzir transformações para que tudo fique na mesma.
Pela nossa parte, Sr. Deputado, podemos tranquilizá-lo, pois vamos fazer tudo para que, o mais rapidamente possível, possa haver televisão de propriedade privada em Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Parece-me que há algumas pessoas muito preocupadas em saber se a minha intervenção irá ou não ser moderada, mas, a essas, digo que o será, como sempre foi.
Ora, apesar de moderada, como são normalmente as minhas intervenções, gostaria de recordar ao Partido Socialista que a história das lutas políticas se não apaga de uma penada.
Sr. Deputado Arons de Carvalho, se bem que, nesta altura e tanto quanto pude entender pelas suas palavras, VV. Ex.ªs estejam convertidos à fé do novo crente e avancem, mais depressa do que ninguém e antes de outros, com uma proposta revolucionária neste domínio, o facto é que adivinho quanto lhe terá custado a si, Sr. Deputado, ter estado estes anos todos em minoria dentro do Partido Socialista, isto devido à opinião que acabou de defender tão claramente.
Como docente de Comunicação Social e como profissional destacado e competente que todos admiramos, com certeza que V. Ex.ª deveria ter sofrido grandes e graves dissabores não fora o apoio substancial que teve da parte do meu amigo e ex-colega Raul Junqueira para a «conversão» do Partido Socialista à boa doutrina.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Muito bem!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Boa piada!

O Orador:-É que, Sr. Deputado, sou um pouco mais velho nestas andanças e recordo-me de, em 1981 e 1982, ter pertencido a um governo que protagonizou um dos mais importantes, vivos e ricos debates políticos da ocasião, quer perante a opinião pública em geral quer nesta Assembleia, sobre a matéria da televisão privada. Ora, um dos nossos mais vigorosos opositores nesta área foi, justamente, o Partido Socialista, que V. Ex.ª tão galhardamente representa.
Penso que, agora, V. Ex.ª tem a oportunidade de aderir à liberalização dos meios de comunicação social como fórmula que tem uma grande actualidade e retumbância prática e espero que V. Ex.ª continue a defender ideias semelhantes em relação a muitas outras matérias. Mas, para já, não lhe fica nada mal que se mantenha com essas ideias em relação à televisão privada, principalmente no momento em que, para alguns sectores do Partido Socialista, a televisão privada constitui uma boa, embora vaga, esperança.
É que, infelizmente, nem todas as investidas dos grupos ligados ao Partido Socialista no domínio da comunicação social têm tido a atenção merecida da parte do público comprador.
Uma vez que, nos meios de comunicação social escrita, este aspecto tem sido particularmente notado, compreendo agora que V. Ex.ª veja na televisão aquela ambicionada área de investimento que muita gente procura em boa e sadia doutrina.
Para não me alongar mais sobre este tema, sempre emocionante, de assistir à «conversão» de um cidadão a uma doutrina nova - neste caso, à conversão de um partido e à sua reafirmação na crença -, gostaria de dizer-lhe que, infelizmente, nem sempre o primeiro que parte é o primeiro a chegar.
V. Ex.ª introduziu uma peça nova neste nosso debate. Posteriormente, V. Ex.ª vai assistir à apresentação de outras iniciativas legislativas por parte de outros partidos e do Governo sobre esta matéria e, certamente, em sede de comissão, iremos ter muito tempo para discutir este assunto com a profundidade que merece.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Se dizem que há muito tempo é porque já se preparam para adiar a discussão!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vieira Mesquita.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Sr. Deputado Arons de Carvalho, na verdade, pouco vou adiantar ao que disseram os meus colegas de bancada.
Parece-me que se estabeleceu uma verdadeira unanimidade sobre o que, há muito tempo, é defendido pelo Partido Social-Democrata e que é a liberalização dos meios de comunicação social, nomeadamente o sector televisivo.
No entanto, gostaria que o Sr. Deputado Arons de Carvalho precisasse duas críticas que teceu à televisão actual. Também queria perguntar-lhe se ainda é de certo modo envergonhado que nos vem propor a abertura da televisão à iniciativa privada e se, para tanto, tinha necessidade de ler vindo dizer que a nossa é uma televisão comparável à do Terceiro Mundo ou se é dependente do Governo.

O Sr. Vítor Caio Roque (PS): - São as duas!

O Orador: - Repilo que gostaria que precisasse melhor esse aspecto, porque, na verdade, por esse mundo fora, vejo muita televisão e, com toda a franqueza, depois de comparar, não encontro conteúdo para as críticas que, qual labéu, aqui lançou, até porque penso que a nossa televisão também tem prestigiado o País.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.

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O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, em primeiro lugar, queria fazer uma rectificação. O meu apelido não é Delarue, mas sim Delerue, pois Delarue podia ser da rua, e os tempos da rua já acabaram.

Risos gerais.

O Sr. Presidente:-Fica registada a rectificação, Sr. Deputado.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Sr. Deputado Arons de Carvalho, em política, penso, não é grave mudar, desde que se explique porquê. O Partido Socialista mudou e V. Ex.ª, no passado e hoje, explicou aqui, claramente, porquê. Estamos esclarecidos!

Protestos do PS.

A questão que se põe e em relação à qual gostava de lhe fazer uma pergunta, Sr. Deputado Arons de Carvalho, é esta: a interpretação que fiz relativamente à intervenção que V. Ex.ª aqui produziu hoje é a de que o PS soube que o PSD, Grupo Parlamentar ou Governo, tem pronto um diploma que liberaliza o acesso à televisão e, como esse diploma está pronto, o melhor seria jogar em antecipação e procurar aparecer aqui como o partido que tomou a iniciativa. Portanto, pergunto-lhe, muito claramente, se V. Ex.ª tem ou não conhecimento de que o diploma que liberaliza ou que tende a liberalizar o acesso à iniciativa privada dos órgãos de radiotelevisão está, neste momento, concluído pelo Governo.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Arons de Carvalho.

O Sr. Arons de Carvalho (PS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Peço desculpa ao Sr. Deputado Narana Coissoró, mas começarei por perguntas que me pareceram acutilantes, vindas da bancada do PSD, sobretudo as relacionadas com o tema da conversão ou do «convertidos à fé do novo credo», feitas pelos Srs. Deputados Carlos Encarnação e Duarte Lima.
Devo dizer que não estou literalmente de acordo com as vossas opiniões e exemplifico porquê: pergunto se o PSD alguma vez apresentou nesta Assembleia, até hoje, algum projecto global sobre a abertura da televisão à iniciativa privada. Não o fez ...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: -.... ou seja, a única coisa que apresentou foram pequenos remendos relacionados com a abertura ou com a concessão de um canal à igreja católica...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: -... e penso que o projecto que o Governo tem preparado irá certamente muito mais longe do que isso.
Em contrapartida, recordo aos Srs. Deputados do PSD que em 1986, há mais de três anos, o Partido Socialista apresentou, nesta Assembleia, um projecto de lei de bases do audiovisual que previa uma forma de abertura da televisão à iniciativa privada e que o próprio PSD inviabilizou esse projecto.

Vozes do PS e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Segunda questão: gostaria de perguntar ao PSD se no projecto de Constituição de 1975 ou no projecto de revisão constitucional de 1982 o projecto do PSD mantinha ou não a propriedade pública da televisão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É evidente que mantinha!
Terceira questão: queria perguntar, e friso bem que não utilizei este argumento na tribuna e só o utilizo em defesa, se 6 ou não verdade que o programa do PSD, que, segundo creio, não foi revogado por nenhum outro, se opõe ou não aquilo que classifica como a liberdade de fundação de empresas capitalistas no domínio da televisão.
Ora, creio que, quanto a esta questão da conversão, estamos conversados!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, nesta matéria, creio que o único partido que tem razão para assumir uma posição de alguma coerência é precisamente o CDS.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - O CDS bateu-se desde o início pela abertura da televisão à iniciativa privada.
Pergunto se, na altura em que o CDS se bateu por essa abertura da televisão à iniciativa privada, haveria candidatos com projectos suficientemente profissionais e capazes para esse desafio; se a abertura, nessa altura, equivaleria ou não à democratização do meio televisão e se a abertura da televisão à iniciativa privada, nessa altura, seria ou não feita à custa do serviço público. Estas são perguntas pertinentes, em todo o caso o CDS não mudou de posição.
E evidente que, na família social-democrata ou família liberal, tal como na família dos socialistas, houve uma mudança radical desde os anos 30. Em 1930 e 1940, em toda a Europa, todas as forças políticas se batiam pelo monopólio da televisão e até pelo monopólio estatal da rádio. Só a mudança e a evolução tecnológica e o que a isso equivaleria em termos de democratização da televisão alterou radicalmente esta situação.
Há ainda um outro ponto, que os Srs. Deputados também esquecem, em relação à conversão: é que foi o Partido Socialista que iniciou, mais rapidamente e com maior coerência, a batalha da abertura da rádio à iniciativa privada, nomeadamente na questão das rádios locais.
Mas em relação ao que disse o Sr. Deputado Vieira Mesquita, é importante que se faça aqui uma pequena e grande rectificação, porque eu nunca disse que a televisão portuguesa era comparável à do Terceiro Mundo, apenas referi, e isso está escrito na minha intervenção, que o modelo de gestão da televisão portuguesa é equiparável à do Terceiro Mundo. E digo mais: é equiparável também à de alguns países europeus, como, por exemplo, à da Roménia.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Infelizmente, os esforços que o Partido Socialista fez até hoje para modificar esse estado de coisas foram sempre totalmente incompreendidos ou mesmo vetados pelo PSD.

Aplausos do PS.

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O Orador: - Sr. Deputado Nuno Delerue, o Governo, segundo diz, tem concluída uma proposta de lei de abertura da televisão à iniciativa privada, mas já ouço esta promessa de que o Governo tem pronta essa proposta há meses suficientes para que ela pudesse estar na Mesa desta Assembleia e sujeita à discussão de todos nós.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há 20 anos, em 11 de Dezembro de 1969, Sá Carneiro tomou pela primeira vez a palavra neste hemiciclo.
Trata-se de um importantíssimo acontecimento da história política do nosso país, que merece ser devidamente celebrado por esta Assembleia e que, ao mesmo tempo, nos deve impor um momento de profunda e frontal reflexão.
A voz livre e corajosa de Sá Carneiro neste hemiciclo, integrado no grupo da Ala Liberal e sem menosprezo para nenhum dos seus membros, constituiu uma prometedora revelação para todo o País e o renascimento da esperança.
A ditadura fundara-se sobre a recusa da liberdade política como sistema adequado para governar os Portugueses. Essa foi a pedra angular do seu pensamento doutrinário.
Tal doutrina constituía, ela própria, o mais chocante aviltamento da cidadania e das capacidades cívicas dos Portugueses e da própria Nação. E na base desse princípio original aviltante ergueu-se o Estado totalitário, que prendeu e perseguiu e que, mais do que isso, condenou Portugal ao impasse, ao subdesenvolvimento, aos afrontosos contrastes sociais, a grandes fortunas e a altas funções e cargos - na base do proteccionismo, que não as mais das vezes do mérito -, à guerra e, finalmente, à gravíssima crise nacional de 1974-1975, com a ruinosa descolonização e a queda do poder nas mãos das forças comunistas e seus aliados, colocando o País à beira de uma nova ditadura.
É preciso, porém, não esquecer que a ditadura salazarista foi a resposta ao descalabro da república democrática, à sua incapacidade de resolver os problemas nacionais, de produzir um sistema de governação estável, de controlar e bem gerir as finanças do Estado, de proteger as classes mais desfavorecidas da voracidade da ganância lucrativa e da especulação, condenando-as à miséria, e o País, no seu conjunto, à insegurança e ao pânico.
O aparecimento da Ala Liberal e de Sá Carneiro constituiu o renascimento de uma nova esperança para os Portugueses que não queriam a ditadura, nem a da direita, nem a da esquerda.
A hegemonia, no campo oposicionista, dos comunistas, directa ou indirectamente, e das correntes socialistas que, embora não sendo comunistas, igualmente tinham como ideário e programa político a instauração do socialismo como modelo de sociedade condenava os Portugueses e o País ao impasse. Já ninguém acreditava na ditadura salazarista para resolver os problemas da Nação, mas a maioria esmagadora dos Portugueses não tinha confiança nem se identificava com uma oposição predominantemente comunista ou suspeita de com os comunistas pactuar.
Por isso, ainda que já ninguém acreditasse no regime da ditadura, ele parecia ter a solidez suficiente para perdurar.
Foi esta situação de impasse e de paralisia política que o aparecimento da Ala Liberal e de Sá Carneiro veio alterar profundamente, dando expressão política mais consistente ao primeiro abalo profundo sofrido pelo regime com a candidatura à Presidência da República de Humberto Delgado - personalidade insuspeita de pactuar com os comunistas e, ao mesmo tempo, homem de coragem que reclamou frontalmente e sem tibiezas a exclusão do ditador e a mudança do regime.
O combate de Sá Carneiro foi, desde a primeira hora, um combate contra o Estado totalitário, contra qualquer ditadura, e em prol de um Estado de direito, da democracia.
Disso é bem expressão o tema da sua primeira intervenção neste hemiciclo: as garantias de defesa em processo criminal dos arguidos presos, protegendo-os dos abusos das autoridades instrutórias e, portanto, do próprio Estado.
Ao mesmo tempo, o seu pensamento desde cedo se afirmou como adepto de uma política reformista, social-democrática, gradualista, promotora do desenvolvimento e do progresso, subordinados aos valores da justiça e da solidariedade social e assente fundamentalmente na iniciativa privada dos homens e das empresas.
Para isso e por isso, Sá Carneiro sempre se bateu por uma maioria política que pudesse erguer uma nova república, uma nova democracia, que evitasse os erros do passado e se desse os meios de governação capazes de resolver os problemas nacionais, construindo um futuro de liberdade, de progresso e de justiça.
Nenhum destes objectivos seria possível pactuando com os comunistas ou com os seus aliados. Nem no que diz respeito ao Estado democrático, nem, e muito menos, no respeitante ao modelo de sociedade.
A doutrina comunista sempre negou o Estado de direito e a democracia, quer como ideal, quer como simples sistema de governo compatível com os seus objectivos revolucionários - negação do Estado de direito, porque não reconhece outros valores acima dos objectivos supremos do partido comunista, como mítica encarnação da missão histórica da classe operária; negação da democracia, porque sendo a luta política uma mera luta de classes, todas as forças que não sejam aliadas são inimigas e, portanto, obstáculos a eliminar e a abater. Do seu ponto de vista revolucionário, a democracia só tem interesse como liberdade de expressão e de luta, não como sistema aceitável de governo.
Mas o próprio socialismo, entendido como um modelo de sociedade global, total, assente na estatização, na planificação administrativa e na subordinação da iniciativa privada e individual, contém, em si mesmo, um gérmen antidemocrático, que desde sempre levou a insanáveis e desacreditamos contradições as correntes do socialismo democrático, sempre confundidas e paralisadas entre o apelo liberal da democracia e a lógica totalitária do socialismo, sempre confundidas e hesitantes entre o combate ao Partido Comunista e a pactuação com ele mesmo.
Hoje, 20 anos depois da primeira intervenção de Sá Carneiro neste hemiciclo, que foi o arranque simbólico de um combate que desbloqueou o impasse político português e abriu o caminho à democracia, hoje, que felizmente o povo português conseguiu, através do seu voto livre e lúcido, dotar a própria democracia dos meios

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políticos capazes de assegurar a estabilidade da governação e, ao mesmo tempo, prosseguir uma linha governativa de rigor na gestão do Estado e, nomeadamente, das suas finanças, de modernização da sociedade e de progresso, de justiça e solidariedade social, vê-se quão inestimável, para Portugal e para os Portugueses, foi o ideal, o ideário, a coragem e o combate de Sá Carneiro e de todos os que o acompanharam.

Aplausos do PSD.

Combate difícil, Srs. Deputados, até porque ele ia à contracorrente de muitos dos mitos e dos tabus estabelecidos, combate difícil que teve de enfrentar os meios mais vis de luta, como a injúria, a calúnia e toda a espécie de ataque pessoal, basta lembrar - porque o passado, Srs. Deputados, é a memória viva da nossa vivência histórica - a célebre campanha das dívidas de Sá Carneiro, promovida, organizada e tenazmente alimentada pelos comunistas, mas que, Srs. Deputados, teve a colaboração ou pelo menos a cumplicidade de outras correntes políticas.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Chamem isso à liça, chamem!...

O Orador: - Ao mesmo tempo, hoje, o socialismo democrático está em profunda crise. Novamente dilacerado entre o apelo liberal da democracia e a tentação antidemocrática do socialismo. A ansiosa miragem do poder levou o PS a entregar-se a uma direcção que, negando a sua mais sólida tradição, a democrática e liberal, o conduziu não apenas a meras concessões tácticas, mas a uma verdadeira pactuação estratégica: no plano da aliança política, mas, muito mais do que isso, no plano do próprio pensamento e do debate de ideias.
O PS nunca, Srs. Deputados, mesmo em fases de conciliação táctica com o PCP, perdera a sua liberdade de pensamento e de expressão. Ora, o PS está hoje amordaçado pela sua aliança com o PCP e impossibilitado, Srs. Deputados, repito, impossibilitado de intervir livre e criativamente perante os extraordinários acontecimentos que agitam os nossos dias e anunciam uma nova época.
Todos os democratas terão de lastimar o que se passa com o PS, a sua paralisia política e, sobretudo, de pensamento. Um partido que tanto ajudou a construir a democracia está impossibilitado de dar novos contributos à própria democracia e ao debate de ideias...

O Sr. Duarte Lima (PSD): -Muito bem!

O Orador: -... que, como um vendaval, está a reduzir a pó velhos mitos, arcaicas concepções e ferozes ditaduras. É um empobrecimento para a nossa vida política, para o nosso pensamento político colectivo, para a nossa própria criatividade como Nação, num momento de tão grandes desafios à inteligência, à coragem, à humildade e à solidariedade dos homens.
Srs. Deputados, Sá Carneiro falou aqui, pela primeira vez, há 20 anos e os Portugueses compreenderam-no, acreditaram nele e seguiram-no.
A aviltante ditadura antiga está hoje cada vez mais distante e a tentativa totalitária comunista irremediavelmente vencida e enterrada, porque o País foi capaz, graças a todos os que souberam empenhar-se nos combates necessários e inadiáveis, de dar à democracia instituições sólidas, porque integradas num sistema de governação ao mesmo tempo eficaz e garante do pluralismo e da alternância governativa e respeitador dos princípios e valores do Estado de direito, e também porque os Portugueses foram capazes de consolidar um governo estável, que está a construir um Portugal novo, moderno, justo e solidário, vencendo a estreiteza dos corporativismos, a inércia e a acomodação dos arcaísmos, as ambições pessoais que não se subordinam à legitimidade do poder, a intolerância mal disfarçada e frequentemente injuriosa dos que, no fundo, nunca aceitaram, e ainda hoje não aceitam, que os Portugueses sejam livres, inclusive, de rejeitar as suas teorias e modelos doutrinários.
Vinte anos depois da primeira intervenção aqui de Sá Carneiro, Portugal é livre. Essa é a grande glória do seu combate.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há já tempo suficiente que estão detectados e identificados fortes elementos de crise no sector da defesa nacional e das forças armadas. Mesmo o Governo, sem poupar nas palavras, fez ecoar em declarações públicas, quando não mesmo alimentou, tensões agravadoras de crise.
A consolidação do processo democrático português não é compatível com assumidas ou encapotadas formas de marginalização das forças armadas.
As opções de regime estão feitas na Constituição: Portugal garante a sua própria defesa, que incumbe ao Estado assegurar, e garante essa defesa também no plano militar, incumbindo dela forças armadas portuguesas de base organizatória assente no serviço militar obrigatório.
A credibilidade externa de Portugal, na situação complexa que a Europa vive e que acumula factores de distensão, teria de resultar de um corpo renovado de doutrina de defesa nacional, da actualização dos conceitos estratégicos, da valorização cívica e profissional da componente humana das forças armadas, da modernização orientada e racionalizada dos equipamentos.
Várias foram as vozes que apelaram à reflexão ponderada, mas sem êxito. Por isso, no termo da década de 80, a crise alimentada pelo Executivo está a fazer abeirar as forcas armadas de situações de ruptura.
Importa que a Assembleia da República, no desenvolvimento do processo de reflexão e participação que vem sendo conduzido na Comissão Parlamentar de Defesa Nacional, aprofunde o conhecimento desta temática. Não há adiamento possível para a intervenção necessária, para este alerta. Não se trata agora de fazer o balanço que lambem é necessário; para o Partido Comunista trata-se agora de debelar, com urgência, três feridas que estão abertas.
A primeira é a que resulta da intenção governamental de imposição de um modelo de Estatuto do Militar das Forças Armadas que aparece aos militares como controverso e inadequado.
A segunda traduz-se no estado caótico da programação militar.
A terceira consubstancia-se no decréscimo em termos reais e nos baixos valores orçamentados para financia-

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mento das funções de treino operacional, manutenção e sustenção, que fazem do orçamento de defesa nacional o orçamento de subsistência, tal como é referido no relatório da Comissão Parlamentar de Defesa Nacional.
Vale a pena fazer uma ponderada reflexão sobre as causas e consequências destas situações. Há um ponto comum nelas: a política de defesa nacional e as forças armadas são deixadas à deriva. E pergunta-se: Propositadamente? Há como que uma deliberada intenção de prolongar estados de apodrecimento, de indefinição.
Alimentar a frustração para mais facilmente impor soluções estatuárias indesejadas ou manter a falta de perspectivas e até a inactividade, para mais facilmente impor modelos organizativos inadequados - é isto que da banda do Governo se pretende?
Mas esse estado de indefinição, que eventualmente pode corresponder tão somente a um modelo táctico de quebrar resistências, acaba por se repercutir, profundamente, em todo o tecido do sector.
Sem perspectivas de actuação, manietados pelo controlo do Ministério das Finanças, os responsáveis governamentais do sector deixaram chegar a situação a níveis inimagináveis de degradação. Já não agem, reagem.
Foi o que se passou, aliás, com o Estatuto da Condição Militar, que resultou mais da pressão e movimentação dos interessados - e, em particular, dos sargentos - do que da iniciativa governamental.
Mas agora, na execução do Estatuto da Condição Militar e das mudanças que ele deveria ocasionar, o Governo foi totalmente incapaz de vencer o fosso que, por sua responsabilidade, o distancia dos militares das forças armadas. Sem diálogo suficiente e significativo, sem o envolvimento e a participação dos interessados, o Estatuto do Militar das Forças Armadas, na versão anunciada, frustra expectativas e suscita, naturalmente, contestação e oposição. Em vez de se tomar factor de coesão, é base de insatisfação e injustiça. Recua em relação ao Estatuto da Condição Militar aprovado nesta Assembleia, põe em causa direitos adquiridos. É particularmente contestado quanto ao regime de alargamento do tempo mínimo de passagem à reserva e na antecipação da idade de reforma, como muito contestada é também a proposta de vencimentos que, sob a capa de alargamento do leque, congela a situação remuneratória dos escalões menos elevados.
O debate com os interessados não existiu e, sejamos claros, hoje, o diálogo, o debate, a participação, são imprescindíveis para encontrar solução para os problemas e têm de concretizar-se, designadamente - sejamos, aqui, também claros - através de adequadas formas de representação e associação que fomentem o empenhamento e a coesão, mas que permitam dar adequada expressão as opiniões, aspirações e interesses.
Ainda estamos a tempo! Mas, para isso, alguma coisa tem de mudar, de imediato, na atitude do Governo e do partido que o apoia para com as questões da defesa nacional e das forças armadas. O PSD porta-se, por vezes, como um partido radical que, para efeitos de propaganda, contrapusesse manteiga e canhões. Esse tempo passou! As questões da defesa nacional e das forças armadas exigem outra postura, que reflita, solidamente, os interesses nacionais.
O PSD não pode assumir, como faz há mais de 6 anos consecutivos, as responsabilidades governativas na área da defesa nacional e, simultaneamente, ser agente de operações que as têm por alvo, como sucedeu com a oferta de
lugares nas suas listas partidárias candidatas as autarquias a oficiais da Força Aérea que pretendem antecipar a idade de passagem à reserva, com as consequências conhecidas para a operacionalidade da Força Aérea.
O que se passa com a Lei da Programação Militar é outro sintoma do desnorteamento que o Governo criou ao sector da defesa nacional. A programação prevista na lei de 1987 está, em aspectos determinantes, completamente furada, de tal forma que é já o próprio Ministério da Defesa Nacional que, embora o quinquénio de aplicação da lei seja o de 1987 a 1991, embora faltem, assim, dois anos para se completar esse quinquénio, quer já deitar a lei fora e fazer uma inteiramente nova.
O vício principal dessa Lei de Programação Militar é o da dependência excessiva de financiamentos externos, financiamentos prometidos mas muitas vexes não cumpridos (calcula-se que o défice de incumprimento, por parte dos Estados Unidos, é de um quarto de bilião de dólares), financiamentos que as mais das vezes se traduzem não em dinheiro mas em equipamento imposto, algum de sucata, é sabido, outro que serve objectivos estranhos a interesses nacionais, financiamentos que, por vezes, envolvem manobras pouco claras de lobbies capazes até de indecorosos espectáculos públicos, como aquele a que hoje se assiste por causa dos helicópteros para as fragatas.
Haja a coragem de reconhecer que o nível de insatisfação e de desmotivação dos militares das forças armadas tem de subir, na medida em que as forças armadas sejam forçadas a operar com material obsoleto ou que pouco tenha a ver com as reais necessidades do País. Haja a coragem de enfrentar uma situação como, por exemplo, a da Força Aérea, uma Força Aérea que caminha para ter todas as suas esquadras afectas a missões NATO, algumas com níveis bem elevados de dependência.
Este findar de década apresenta-se, assim, com cores muito pouco favoráveis para o sector da defesa nacional. Mas urge mudar, abrir o debate nacional e o debate no seio da instituição que a grandeza dos problemas reclama.
É preciso que as instituições definam, com clareza, o papel das forças armadas no novo quadro, é preciso que saibam dialogar.
Impor uma macroestrutura, como parece que se pretende que venha a ser o Ministério da Defesa Nacional (com um quadro de pessoal de mais de SOO pessoas, tal como resulta de um decreto regulamentar que acabou de ser publicado no mês passado), impor essa macroestrutura de controlo e direcção sem delimitar o espaço próprio das forças armadas, não é contribuir para esse diálogo necessário, pelo contrário.
O mesmo se diga das questões relativas ao serviço militar obrigatório, onde a garantida participação dos interessados, o reconhecimento do papel dos jovens em comissões ou outras formas de intervenção, é determinante para a dignificação e para a criação de condições que contribuam para a defesa do Serviço Militar Obrigatório e para a melhoria das condições da sua prestação.
O mesmo se diga da legislação estatutária em curso de apreciação, esta que referi, o Estatuto do Militar das Forças Armadas, e da muita legislação em relação à qual falta até mesmo iniciar o processo, como sucede com a revisão do Código de Justiça Militar e com o Regulamento de Disciplina Militar, legislação que, com muita outra, devia estar feita há seis anos, tal como determinava a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.

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No último número disponível da revista Baluarte, o n.º 3 de 1989, a revista das Forças Armadas Portuguesas, um alto responsável escreve, a propósito do processo de transformação de determinado ramo: «Entre as medidas cautelares a tomar num processo de mudança nas organizações, sobressai o processo de informação. Informar o objectivo e programa da alteração, explicar a tempo os passos fundamentais do processo de 'mudança'. E diz mais à frente: «Cada elemento abrangido pela mudança deve sentir que participa no processo» como sucede nos «grandes projectos», em que se deve «obter a adesão da população» e a «sua participação voluntária e empenhada». Para além deste aspecto, e continuo a citar, importa «não prejudicar direitos adquiridos» e «não ferir interesses individuais» para além daquilo que tem de ser feito.
Está escrito, Srs. Deputados, e percebe-se bem o que é que esse alto responsável das forças armadas pretende dizer.
Ao chamar a atenção do Plenário e de todos os Srs. Deputados para estas questões, procuramos, da nossa parte, PCP, chamar a atenção para a sua gravidade e para a necessidade, que não pode ser torneada, de concretizar o diálogo com as forças armadas, por forma a respeitar legítimos direitos e interesses e por forma a aprofundar condições de defesa e garantia dos interesses nacionais, num novo quadro e num novo mundo que se abre para a cooperação, o desanuviamento e a paz.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Pedro Campilho, José Lello e Adriano Moreira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Campilho.

O Sr. Pedro Campilho (PSD): - Sr. Deputado João Amaral, quando ouvi o princípio da sua intervenção estava a vê-lo aos gritos de: «Gorby! Gorby!. Vamos acabar com as forças armadas em Portugal».
Surpreendi-me, pois acabei por ouvi-lo dizer que era necessário aumentar o orçamento da defesa nacional no nosso país. São surpresas que vamos tendo nos tempos que ainda vão correndo!
Percebo, no entanto, que, no fundo, não tenha sido capaz de sair dessa pretensão, pois tudo o resto que disse acaba por não ter fundamento, e V. Ex.ª sabe tão bem como nós que assim é.
V. Ex.ª sabe que nunca foi possível ter um diálogo tão grande como o que agora existe entre o Ministério da Defesa e esta Casa, através da Comissão de Defesa (veja-se o Estatuto da Condição Militar); V. Ex.ª sabe que o Estatuto das Carreiras Militares vai também ser discutido nesta Casa, por iniciativa do Sr. Ministro da Defesa Nacional; V. Ex.ª sabe que a reestruturação dos ramos das Forças Armadas está em início, nomeadamente com os primeiros passos que estão a ser dados no Exército; V. Ex.ª sabe que a negociação dos novos meios postos à disposição das forças armadas estão também a caminhar de forma positiva; V. Ex.ª sabe que as necessidades que os diversos ramos das forças armadas tinham em relação a armamentos e meios de funcionamento foram acolhidas no orçamento. Tudo isto V. Ex.ª sabe e só por isso é que não saiu de uma teoria vaga que não foi além do seguinte pedido: aumente-se o orçamento de defesa nacional.
Sr. Deputado, como V. Ex.ª não saiu desta quadratura do círculo, gostaria que me respondesse a esta pergunta: aumente-se o orçamento da defesa nacional em detrimento de qual outro orçamento, Sr. Deputado?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. João Amaral (PCP): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Deputado João Amaral, ouvi-o com atenção e a sua intervenção, bem elaborada e estruturada, faz uma análise - em alguns pontos coincidente com a minha, noutros não - em relação ao actual estado da defesa nacional.
V. Ex.ª referiu a questão do Estatuto do Militar das Forças Armadas, questão que não contestarei e sobre a qual não farei qualquer consideração, dado que, na verdade, não conheço esse estatuto. Naturalmente que, não o conhecendo, não poderei abordá-lo.
Todavia, gostaria de ressaltar alguns aspectos da sua intervenção que tom a ver com a dificuldade de resolver- e é aí que o estatuto poderá ser polémico - os problemas existentes no âmbito das forças armadas, decorrentes da guerra em África.
Efectivamente, os problemas da pirâmide hierárquica invertida e os desequilíbrios que se verificam em alguns escalões das forças armadas são muito difíceis de resolver.
Dir-lhe-ei - e longe de mim a ideia de assumir a defesa do Governo relativamente ao assunto - que essa é uma matéria muito sensível, muito difícil. Penso que o que V. Ex.ª poderá ter pretendido dizer é que há necessidade de se aprofundar mais o diálogo para evitar que nos deparemos com factos consumados.
A matéria é, na verdade, muito sensível, muito difícil, e penso que os passos que foram dados para a resolver através desse estatuto e, designadamente, através do Estatuto da Reserva, podem ainda não ser suficientes.
V. Ex.ª falou também na Lei de Programação Militar. Em relação a esse assunto dir-lhe-ei que a actual Lei de Programação Militar surgiu através de um acto voluntarioso que foi desenvolvido no anterior governo, quando se apresentou uma Lei de Reequipamento Nacional que visava apenas a necessidade de resolver o problema da compra das fragatas e de organizar e compartimentar as verbas da ajuda externa, tendo em conta programas de reequipamento das forças armadas.
Na altura dissemos que necessário era não só proceder a esse reequipamento e a essa modernização mas também estudar o redimensionamento e o reequacionamento das nossas forças armadas, o que é, neste momento, uma matéria extremamente actual face ao quadro europeu e face à prevalência que hoje se verifica na necessidade de relevar o quadro regional.
No entanto, a Lei da Programação Militar não foi cumprida - como sabe, devia ser actualizada por esta Assembleia até 31 de Dezembro de 1988 e não o foi - e o Sr. Deputado disse por que o não foi: falharam as verbas da ajuda externa. Em termos de actualização teremos, porventura, de pensar mais no Orçamento do Estado e menos na ajuda externa.
As verbas da ajuda externa criam-nos, efectivamente, grandes dependências e, portanto, penso que é a altura de

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começarmos a pensar enveredar antes por esse caminho, deixando as verbas da ajuda externa para serem aplicadas noutras áreas, como seja o fomento social e o fomento económico das diversas regiões deste país.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Deputado João Amaral, este tema das forças armadas é de tão primacial importância na vida do País que levantá-lo na Assembleia da República é, com certeza, fazer uma demonstração da tensão, em exigências evidentes, da nossa organização do Estado.
Justamente por isso, gostaria que a intervenção que acabámos de ouvir fosse completamente clara, pois não o foi para mim. Espero que isso esteja no espírito do Sr. Deputado, no sentido de não haver dúvidas a respeito da posição institucional das forças armadas neste momento.
É preciso que fique bem claro, para a nossa informação e para a nossa posição, se há alguma preocupação a respeito da posição institucional das forças armadas ou se elas se referem apenas ao relacionamento do aparelho político com a definição de estrutura, objectivos, fixação do conceito de intervenção militar, etc., que é da responsabilidade dos órgãos políticos.
Devo dizer que comungo da verificação e observação directa de que há uma inquietação nas forças armadas! Mas é uma inquietação sadia, que diz respeito à definição de objectivos, à capacidade de o Estado fornecer meios adequados aos objectivos que lhe venham a ser fixados e à redefinição dos nossos conceitos estratégicos e de intervenção militar. De qualquer modo, considero que, do ponto de vista institucional, até este momento, não há motivo de censura, inquietação ou alarme a respeito da posição institucional das forças armadas. Aliás, considerei extremamente sadia a intervenção do Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, porque quando o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas fala com uma voz institucional devemos dar-nos por satisfeitos com a integração das forças armadas na estrutura do Estado.
Já não digo a mesma coisa a respeito da falta de soluções, que temos de apresentar, a respeito da nova equação do problema da defesa em relação à Europa, que está em curso. Somos nós que temos de formular isso!
Não digo o mesmo a respeito da nossa capacidade de sustentar uma programação militar que corresponda aos objectivos que considerássemos desejáveis e também já não digo a mesma coisa a respeito da desocupação ou não abdicação da capacidade técnica sobrante dos nossos quadros das forças armadas, que se encontram com as dificuldades que decorrem de não terem instrumentos de acção, de intervenção, de preparação, que sejam equivalentes ao que eles sabem ser a melhor doutrina militar no nosso tempo.
Tenho a convicção de que o Sr. Deputado João Amaral não terá dúvidas em esclarecer este ponto, em dar a sua opinião sobre esta integração institucional das forças armadas, reservando à responsabilidade política - que não é só do Governo, é também da Assembleia da República, é de todos os partidos - a indefinição política em que nos encontramos em muitos aspectos.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, agradeço aos Srs. Deputados Adriano Moreira, José Lello e Pedro Campilho as perguntas que me fizeram, porque foi importante registar que um debate em torno de questões internas das forças armadas pode decorrer aqui de forma sossegada, atenta, adequada e no claro respeito da posição institucional que as Forças Armadas - e muito bem! - assumem, sem qualquer margem para dúvida. Ao Sr. Deputado Adriano Moreira registo e agradeço a pergunta que me colocou, porque me permite tomar isso completamente claro. Nós próprios, nesta Assembleia, podemos e devemos abordar estas questões sem quaisquer cargas dramáticas (que, neste momento, já não existem; aliás, não devem existir), antes pelo contrário, podemos e devemos procurar uma busca de soluções.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado José Lello, suponho que interpretou perfeitamente aquilo que pretendi dizer. Na questão das medidas transitórias de aplicação do estatuto - que, como sabe, será entregue pelo Sr. Ministro na Comissão de Defesa Nacional, no quadro do diálogo institucional que o Sr. Deputado Pedro Campilho referiu - está muito do problema em torno do estatuto, assim como da resposta adequada ou não aos problemas sensíveis e difíceis que a situação da guerra de África trouxe como herança negativa para a actual situação das forças armadas.
Ora, pelo facto de os problemas serem sensíveis e difíceis, é minha opinião que essa solução exige diálogo com as forças armadas, diálogo esse que hoje, mais do que nunca, serenada toda a situação, estamos em condições de concretizar. Desse diálogo nasce o reforço da coesão, do empenhamento e das soluções adequadas. O alerta que trouxe para aqui tem este sentido.
Uma nota sobre a pergunta feita pelo Sr. Deputado Pedro Campilho. Ao princípio, julguei que ele tinha saído da Sala, porque não linha ouvido a minha intervenção. Disse o Sr. Deputado que eu pedi Gorby ou que pedi o aumento. Pois bem, eu nem pedi uma coisa nem outra. Mas tenho uma explicação para isso, uma explicação que nós dois sabemos (às vezes, há coisas assim na vida!...): é que o Sr. Deputado Pedro Campilho está ainda mais constipado do que eu - e eu sei que as constipações atacam bastante o aparelho auditivo -, pelo que não conseguiu perceber o que eu disse. Estou convencido de que para a próxima vez vai ouvir com atenção.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Pedro Campilho (PSD): - Essa é boa!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Agudizam-se, progressivamente, as relações entre a EDP e alguns municípios, face à situação criada pela regularização de dívidas a esta empresa pública.
Tem havido significativas discrepâncias entre os valores reclamados pela EDP e os aceites pelas autarquias, a que não é alheia a reavaliação do património dos municípios afectos à exploração da EDP, a rediscussão das

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rendas a pagar pela empresa pública em questão às autarquias, bem como o valor das comparticipações a pagar pelos municípios para a extensão das redes.
Sobre a matéria, para além da acção isolada das autarquias em litígio com a EDP, também já se pronunciou o Conselho Geral da Associação Nacional de Municípios, que considera, como condição fundamental, a justa e adequada negociação desta matéria, que as contas devem ser feitas na base dos factores referidos.
De facto, constitui grave distorção da realidade apresentar, irresponsavelmente, resultados que não consideram o valor da dívida de uma das partes, escamoteando-se o avultado débito que a outra parte envolvida tem perante os municípios.
Aconselharia o mais elementar bom senso e o respeito pelas instituições aguardar o resultado final das negociações em que todos os aspectos fossem considerados para se proceder à liquidação da dívida. De facto, não é isto que está a acontecer. Refiro, a título de exemplo, o que está a passar-se com o Município de Vila Nova de Gaia, situação igual a tantas outras, em que a Direcção-Geral de Administração Autárquica tem retido verbas significativas relativas à comparticipação da Câmara no FEF, ao abrigo do disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 103-B/89.
Neste diploma o Governo regulamentou as condições tendentes à regularização das dívidas dos municípios à EDP, estabelecendo um mecanismo que, em caso do insucesso do processo negocial, sempre que houvesse desacordo quanto ao montante do débito, remetia-se para deliberação de uma comissão de avaliação do débito, cuja constituição poderia ser requerida por qualquer das partes.
A metodologia do referido decreto-lei tem permitido à EDP avaliar unilateralmente o património das câmaras, através de critérios discutíveis, atribuir valores aos equipamentos a transferir, permitindo-se pela utilização dos critérios fixados na lei fiscal para as reintegrações e amortizações, propor transferências de património totalmente gratuitas, reduzindo a avaliação do património a uma pura tributação, como se tais equipamentos não tivessem valor, ainda que se mostrem capazes de funcionar por mais 10 ou 20 anos, por força de constantes intervenções na conservação e reparação feitas e pagas pelas câmaras.
Trata-se, de facto, de um autêntico confisco, de uma aquisição de propriedade pela EDP, forçada e gratuita, sem qualquer indemnização. Tal tipo de acção é, naturalmente, proibido pelo nosso sistema jurídico.
Julgamos, ainda, que há inúmeras violações à lei em todo este processo, para além de o Governo assumir o partido de uma das partes em conflito.
Por outro lado, não se tem feito prova da aceitação da dívida e do recurso ou omissão quanto à sua regularização.
Entretanto, as câmaras têm direito a saber quais são os métodos de avaliação patrimonial seguidos pela EDP para avaliação do seu património a transferir para aquela empresa pública. Sem liquidação, não é possível aferir se a câmara é devedora ou credora.
Aliás, nos termos do Decreto-Lei n.º 344-B/82, de 1 de Setembro, o património a transferir das câmaras para a EDP terá de ser avaliado por uma comissão composta por ires árbitros. Tais avaliações, embora requeridas pelas câmaras, não têm sido respeitadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A equidade e a justiça aconselham uma séria e rápida resolução desta situação, que está a penalizar gravemente um número significativo de autarquias, as quais vêem serem-lhes retiradas verbas importantes com base em critérios perfeitamente aleatórios. Não pretendem as autarquias fugir das suas responsabilidades, mas tão-só verem respeitados os mais elementares princípios de relacionamento institucional, não desejando criar um conflito artificial entre o poder central e o poder local, que é de todo de evitar.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Barbosa da Costa, fiquei na dúvida se V. Ex.ª protestou relativamente a um caso isolado ou se protestou relativamente ao quadro geral da resolução do problema e dos princípios que lhe estão subjacentes. Tenho dificuldade em imaginar que o Sr. Deputado recuse o quadro geral; presumi mesmo que, na referência que fez, manifestou uma opinião concordante, porque o quadro geral estabelecido, os princípios que têm sido seguidos nesta matéria, o que está mesmo proposto na presente proposta de lei de Orçamento do Estado, é difícil de recusar. Há uma situação de dívida que é preciso sanear, com esforço e boa fé de parte a parte. E irrecusável!
Não podemos defender o princípio de que os municípios, pelo facto de o serem, não paguem. Isso seria a criação de uma injustiça relativa e um prémio à má gestão, na medida em que haveria municípios que se autofinanciavam ou obtinham financiamentos suplementares relativamente aos municípios que desenvolvem uma gestão correcta. É, pois, difícil - presumo - não concordar, quer com os princípios que estão a ser seguidos, quer com o quadro definido para a resolução dos problemas.
Pergunto: o Sr. Deputado concorda ou não com estes princípios? Ou - porque pode ser essa a situação - detectou um caso que foi tratado fora destes princípios? É que, se assim foi, o Sr. Deputado protestou (e fez muito bem!) e eu acompanhá-lo-ei nesse protesto, visto que a Administração, mesmo que tenha no seu topo um governo que me merece confiança, não está isenta de erros e de abusos.
Ainda há pouco fiz uma intervenção onde estava evidente a nossa defesa dos princípios do Estado de direito em que consideramos que os agentes da Administração Pública são de carne e osso e podem praticar abusos.
Pergunto, pois: estamos perante um caso de abuso - e nesse caso acompanho-o no seu protesto - ou o Sr. Deputado recusa os próprios princípios que estão adoptados para a resolução da questão? Se recusa, estamos em divergência; se se trata de protestar em consequência de uma actuação abusiva por parte dos agentes da Administração, acompanho-o no seu protesto.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Deputado Silva Marques, gostaria de dizer-lhe que a questão do relacionamento entre a EDP e o poder local não se cinge a um único quadro, na medida em que há situações diversas.

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Há o caso especial do Porto, há o caso especial dos municípios do Grande Porto e há o caso especial de outras situações onde há (e aceito isso) uma clara infracção por parte de alguns municípios que. recebendo verbas provenientes do consumo de energia eléctrica, não pagavam à EDP e, inclusivamente, essas verbas eram aplicadas noutros destinos. Nalguns casos, isso aconteceu e, a bem da verdade, também é necessário constatar isso.
De qualquer forma, a questão que coloquei não foi a título ilustrativo; há muitos casos semelhantes àqueles que eu aqui apresentei, onde a EDP, que fez contactos com várias câmaras para a regularização das dívidas, inclusive foram estabelecidos protocolos para a sua regularização, simplesmente resolveu apresentar uma verba para pagar, esquecendo as contas que também tem pelo aluguer de instalações, pela recepção de equipamentos já existentes, como cabinas, redes. etc.. procurando desvalorizar, nalguns casos até ao zero, esses equipamentos.
O Sr. Deputado Silva Marques sabe muito bem - porque também tem relações com o poder local - que, ao longo dos anos, as câmaras, para além de terem pago os equipamentos na altura própria, tiveram de os manter funcionais, para que a população viesse a ser minimamente contemplada com energia eléctrica.
Nesta matéria, enquanto decorreram negociações, o poder central, pondo-se ao lado da EDP, mandou uma carta às câmaras a dizer «Comunico a VV. Ex.ªs que, a partir desta altura, receberão do FEF menos, no caso de Vila Nova de Gaia, 24 mil contos, a deduzir das dívidas que tem para com a EDP.» Isto é incorrecto! Isto é a negação do diálogo! Esta é a forma mais canhestra de dialogar seja com quem for.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado, segundo informações de que disponho, a generalidade dos municípios devedores já celebraram acordos com a EDP ou, pelo menos, entabularam negociações.
Por isso, insisto em saber se o caso que abordou é isolado.....

O Orador: - Há mais casos. Sr. Deputado!

O Sr. Silva Marques (PSD):-Então, indique-mos, porque as informações de que disponho - dadas, aliás, na Comissão de Administração Interna - são no sentido de que a generalidade dos municípios devedores já celebrou acordos ou, então, entabulou negociações.

O Orador: - O Conselho Geral da Associação Nacional de Municípios já se pronunciou sobre esta questão e, como pode crer, apesar da importância do concelho de Vila Nova de Gaia, creio que o Conselho Geral da Associação Nacional de Municípios não ia emitir uma opinião relativamente a um único concelho, pois há mais concelhos. Posso fornecer-lhe a lista, embora os casos estejam em vias de resolução.
Lamento que isto seja feito de forma canhestra, sem se aceitar as contas totalmente, pois entendo que deve haver mecanismos para a reposição das dívidas que possam existir.

O Sr. Presidente: - Conforme foi estabelecido pela conferência dos representantes dos grupos parlamentares, passamos à discussão dos vários votos que se encontram na Mesa.

O Sr. António Guterres (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, suponho que todos os partidos tom intervenções atrasadas para serem produzidas no período de antes da ordem do dia, visto que, por vissicitudes diversas, não temos tido oportunidade de as produzir.
Acontece que o tema que vai ser discutido hoje no período da ordem do dia não nos parece vir a registar grande polémica e, por isso mesmo, sugiro que o período de antes da ordem do dia seja prolongado por mais algum tempo, por forma que cada partido possa produzir, pelo menos, uma intervenção.
É uma sugestão que faço e para a qual peço o consenso da Câmara. Suponho que isso não prejudicaria os trabalhos de hoje e permitiria avançarmos com algumas intervenções - e, recordo, várias delas estão agendadas há mais de 15 dias, sem até agora termos tido oportunidade de as produzir.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:-Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para dizer que esta solicitação do Sr. Deputado António Guterres seria por nós aceite se não acontecesse a circunstância de hoje se realizar o jantar de confraternização de Natal entre os Deputados do nosso Grupo Parlamentar e os seus funcionários. Como compreenderá, isso cria-nos dificuldades a nível de horas; no entanto, pensamos que seria possível dar resposta à preocupação que o Sr. Deputado António Guterres manifestou, eventualmente no próximo dia em que houver lugar o período de antes da ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que não há consenso, amanhã, em conferência dos representantes dos grupos parlamentares, debruçar-nos-emos sobre esta questão e marcaremos um dia em que possa haver um período de antes da ordem do dia mais alargado.
Srs. Deputados, vai ser lido o voto n.º 92/V, de pesar sobre a morte de Dolores Ibarruri, apresentado por Deputados do Partido Comunista.

Foi lido. É o seguinte:

Voto n.º 92/V, de pesar

Com o falecimento de Dolores Ibarruri desapareceu um dos mais expressivos símbolos da luta antifascista e uma militante revolucionária referenciada por muitas gerações na luta pela liberdade e pela amizade entre os povos.
Dolores Ibarruri foi, durante toda a sua vida, uma combatente pelo direitos dos trabalhadores, pela liberdade e pela democracia, contra o fascismo e a ditadura franquista.

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A Assembleia da República presta sentida homenagem e manifesta o seu pesar pelo desaparecimento desta destacada figura do movimento operário espanhol e internacional, insigne combatente pelas transformações democráticas e progressistas no mundo.
Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, do PRD e dos deputados independentes Helena Roseta e João Corregedor da Fonseca e abstenções do PSD e do CDS.

Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A morte de Dolores Ibarruri, La Passionaria, ao fim da tarde de 12 de Novembro num hospital de Madrid, fez desaparecer uma grande figura de Espanha e do mundo, alguém que dedicou toda a sua vida à luta pela liberdade e pela democracia, contra a ditadura franquista e o nazi-fascismo, na defesa dos direitos dos trabalhadores na luta pelo socialismo.
Nascida numa pequena aldeia mineira das Astúrias, desde cedo deu o melhor de si à luta pela liberdade e pela justiça social nas fileiras do Partido Comunista de Espanha.
Testemunha e protagonista da história e das mudanças operadas no nosso século, apesar de já debilitada fisicamente, Dolores Ibarruri acompanhou os processos de renovação em curso nos países socialistas, visando o reforço do socialismo e, nesse quadro, encontrou respostas adequadas as novas situações que se vivem no mundo.
Dolores Ibarruri merece, pois, a homenagem que a Assembleia da República portuguesa lhe acabou de prestar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos favoravelmente este voto de pesar porque Dolores Ibarruri, La Passionaria, é uma figura que entrou na lenda e que pertence ao imaginário colectivo não só do povo de Espanha como, de uma maneira geral, dos povos da Europa, pela sua participação na Guerra Civil e na resistência ao franquismo.
Independentemente das nossas divergências ideológicas e políticas - ela identificou-se com o modelo comunista tradicional, do qual foi um símbolo -, entendemos ser de inteira justiça prestar homenagem a uma figura que ultrapassa o horizonte partidário e o próprio horizonte ideológico com que se identificou, para pertencer a um momento muito importante da história contemporânea, em especial do povo irmão de Espanha.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Finalmente, para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos favoravelmente o voto de pesar apresentado pelo PCP porque entendemos que todos aqueles que defendem coerentemente um ideal até ao fim da sua vida, que defendem as ideias que procuram concretizar na sociedade em que vivem, merecem todo o nosso respeito. Daí o sentido do nosso voto.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido um voto de congratulação relativamente às palavras e atitudes que dignificam o Estado e a democracia produzidas por S. Ex.ª o Sr. Presidente da República na visita realizada à República Popular da Guiné-Bissau, apresentado pelo Partido Socialista.

Foi lido. É o seguinte:

Voto n.º 95/V, de congratulação

O Presidente da República Portuguesa, Mário Soares, realiza, neste momento, uma visita de Estado à República Popular da Guiné-Bissau, estreitando desse modo os laços de fraternidade, cooperação e diálogo entre Portugal e a Guiné-Bissau.
Identificados por uma história de séculos, só com a queda do colonialismo Portugueses e Guineenses puderam reencontrar-se na sua essencial dignidade de povos livres, amantes da paz e solidários.
O combate dos povos de Portugal e da Guiné pela liberdade, pela democracia e contra o colonialismo, é património comum dos nossos povos que jamais enjeitaremos. Mas a história não é divisível e por isso respeitamos os filhos de Portugal, tal como respeitamos os filhos da Guiné, que foram vítimas de guerras injustas e se perderam.
Hoje, que Portugal é um país livre e democrático, estamos de pleno conscientes que, ao honrarmos os mortos da guerra colonial perdidos dramaticamente em guerras injustas, honramos o sangue português e a sua história e, sobretudo, exaltamos o direito à vida, na liberdade, na justiça e na paz.
Ao homenagear Amílcar Cabral e ao depor uma coroa de flores no talhão dos soldados portugueses mortos na Guiné, o Sr. Presidente da República honrou a pátria, a memória e a sensibilidade dos Portugueses, o respeito pelos combatentes da Uberdade e a memória das vítimas injustas de guerras cruéis.
O Sr. Presidente da República, como combatente pela liberdade, soube ter a coragem de quem afirma que Portugal assume toda a sua história e enfrenta, sem complexos, o futuro do seu relacionamento com os povos africanos de expressão oficial portuguesa.
A Assembleia da República associa-se, plenamente, ao gesto desassombrado do Presidente da República, louvando-se nas suas palavras e atitudes que dignificam o Estado e a democracia portuguesa.
Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos deputados independentes Carlos Macedo e Raul Castro.

Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista reconhece, por in-

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teiro e com orgulho, este acto do Sr. Presidente da República, que tem um grande significado político e moral, quer em relação ao povo português, quer no que respeita ao futuro das relações entre Portugal e os países africanos de expressão oficial portuguesa.
Com a autoridade moral de quem foi um anticolonialista da primeira hora. mas também com a sabedoria, o alto sentido de Estado e o nobilíssimo espírito patriótico de quem é o primeiro de todos os portugueses, o Sr. Presidente da República homenageou, por um lado. o fundador do Estado da República da Guiné-Bissau e, por outro lado, honrou, sem complexos, os mortos portugueses.
Um país que não sabe, com espírito crítico, assumir a sua história no que ela tem de bom e de mau é um país que compromete o seu futuro. Um país que renega os seus mortos é um país que não está em condições de assumir a perspectiva futura da sua história e do seu passado.
Ao fazê-lo, o Sr. Presidente da República reconciliou Portugal com os seus mortos que foram vítimas da guerra colonial e criou novas bases claras e transparentes, sem complexos, para relações novas, fecundas e fraternas com os países africanos de expressão oficial portuguesa. Nesse sentido, prestou um nobilíssimo serviço à Pátria e também aos novos países africanos de expressão oficial portuguesa.

Aplausos do PS e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos favoravelmente este voto de congratulação porque «honramos os mortos da guerra colonial perdidos dramaticamente em guerras injustas» e porque, como partido nacional, «assumimos toda a história de Portugal», mesmo quando na ocasião dos acontecimentos nos opusemos ao que foi feito.
Votamos favoravelmente porque «homenageamos Amílcar Cabral», bem como a justa e patriótica luta do povo da Guiné-Bissau e do PAIGC pela conquista da liberdade, da independência, da paz.
Votando favoravelmente temos, no entanto, de sublinhar alguma coisa sobre a situação concreta. Temos que sublinhar, com muita ênfase, o seguinte: como povo, como órgão de soberania, como país, nem Portugal, nem os Portugueses, nem a Assembleia da República ou qualquer outro órgão de soberania se podem arvorar o direito de julgar ou condenar os sentimentos profundos de outro povo.
A verdade tem de ser dita: nos campos da Guiné-Bissau correu muito sangue, de combatentes portugueses e guineenses. mas correu também muito e muito sangue de não combatentes cidadãos da Guiné, trucidados nas balas cruzadas da guerra injusta imposta pelo colonialismo. O colonialismo foi também a fome, o atraso e, mais do que tudo isso, a indignidade da vassalagem ao estrangeiro.
O colonialismo nas terras de África era a outra face da ditadura fascista que oprimia o povo português.
Derrubada a ditadura, feita a descolonização. é tempo (sempre o proclamámos) de os dois povos oprimidos (o português e o guineense) concretizarem a fraternidade que sempre os uniu.
Mas, a cada povo, a cada sensibilidade, a cada situação, é devido o seu ritmo próprio, expresso conforme seja sua vontade livremente assumida.
Não subscrevendo certas apreciações sobre actuações do Presidente da República, votamos favoravelmente este voto pelas razões que já referi no início desta declaração e rejeitamos qualquer outro entendimento, qualquer sentido que alguém lhe quisesse dar de recriminação ou crítica seja a quem for, muito especialmente ao povo ou às autoridades da Guiné-Bissau.
A cooperação faz-se com vontade política, mas também com respeito, com muito respeito por esses povos com quem entroncamos a nossa história.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sempre aqui afirmámos a nossa adesão a tudo o que se faz pela cooperação com os PALOP. Entendemos que tal cooperação deve ser feita de forma perfeitamente assumida, sem intuitos de submissão seja de quem for e sem intuitos de subjugação seja a quem for. É de um Estado soberano para com outro Estado soberano que, em quaisquer circunstâncias, em nossa opinião, se devem assumir as suas grandezas e as suas misérias.
Ora, aquilo que o Sr. Presidente da República fez não foi assumir qualquer miséria, mas sim a grandeza de tantos portugueses que, sem saber porquê, foram capazes de, julgando lutar pela Pátria, morrer por ela. Essa foi uma situação difícil para todos nós e que o Sr. Presidente da República soube assumir com dignidade, respeitando tantos portugueses que pereceram no campo de batalha.
O Sr. Presidente da República também homenageou os fautores do Estado da Guiné actual. Fê-lo, portanto, de uma forma correcta, homenageando o seu fundador natural, Amílcar Cabral. Entendemos, pois, que esse é o caminho certo, é a assunção de toda a nossa história, história essa que não pode ser renegada nas suas grandezas e nas suas misérias, tal como referi no início.

O Sr. Presidente: - Ainda para uma declaração de voto. tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sobre este voto, ao qual demos a nossa concordância, gostaria de salientar algumas coisas. Entre elas a de que a história não pode ignorar-se; tem que assumir-se na sua totalidade, com os erros, com aquilo que se fez de certo, com as grandezas, com as misérias, sem subserviência e com o respeito e a frontalidade que nos merecem a prática de actos normais, de respeito para com cada um dos povos.
Ficam os Guineenses mais diminuídos pela homenagem do Presidente da República Portuguesa aos mortos portugueses? Ficam os Portugueses mais diminuídos pela homenagem dos Guineenses aos seus mortos? Certamente que não! Tratou-se de uma guerra injusta, de uma guerra que não devia ter tido lugar, mas pela qual morreram e se debateram muitos portugueses e muitos guineenses. Creio, pois, que devemos igual respeito a cada um deles.
Honrar os mortos é uma obrigação moral tão grande como lutar pela liberdade. Nós, Partido Social-Democrata, temos sabido criar as condições, de Estado a Estado, que

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permitam que actos difíceis sejam considerados como naturais e que a interpretação ou a valorização dos actos políticos sejam sempre tidos na devida conta em relação aos Estados africanos de expressão portuguesa e em relação a Portugal.
Encontramo-nos num momento em que o Sr. Presidente da República mais não fez do que continuar a naturalidade destas relações e da razão de ser destes actos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Finalmente, para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Dr. Mário Soares, Presidente da República Portuguesa, ao praticar o acto de visita aos mortos combatentes, soldados e todos aqueles que lutaram nas terras da Guiné, uma vez mais demonstrou que 6 o Presidente de todos os Portugueses.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido um voto de congratulação sobre a primeira intervenção de Sá Carneiro na Assembleia da República, apresentado pelo Partido Social-Democrata.

Foi lido. É o seguinte:

Voto n.º 97/V, de congratulação

Faz agora 20 anos, em 11 de Dezembro de 1969, Sá Carneiro tomou, pela primeira vez, a palavra neste Hemiciclo, então Assembleia Nacional.
O grupo de novos deputados em que se entregava a chamada «Ala Liberal», representou a intervenção no panorama político português de novos homens, de uma nova visão política e de uma nova esperança, reclamando a renovação do Estado, a democratização e modernização do País.
O tema da primeira intervenção de Sá Carneiro revestiu-se de um profundo significado: as garantias de defesa em processo criminal aos arguidos presos.
Tratava-se de exigir a assistência de advogado ou de defensor oficioso na instrução de crimes, antes e depois da formação da culpa, de modo a garantir efectivamente o direito à defesa e a assegurar a protecção dos cidadãos contra os abusos das autoridades instrutórias, sem qualquer excepção, avultando nomeadamente a PIDE.
Tal exigência era ao mesmo tempo uma veemente reclamação contra o facto de as autoridades não respeitarem a própria lei vigente.
A intervenção de Sá Carneiro foi, assim, o protesto corajoso contra o anterior regime, que se fundou numa aviltante violação dos direitos dos cidadãos e numa chocante hipocrisia política, aceitando ele próprio na letra da lei o que, do modo mais grosseiro, espezinhava na sua actuação prática.
A intervenção de Sá Carneiro foi ainda e simultaneamente a afirmação absoluta e sem reticências dos princípios do Estado de direito e da democracia, que não aceitam nem limites nem excepções ao primado da igualdade dos homens face à lei e ao Estado e das garantias de defesa individuais, independentemente das convicções dos governos ou dos cidadãos.
Era, pois, a rejeição da ditadura vigente e ao mesmo tempo a de qualquer outra.
A primeira intervenção de Sá Carneiro neste Hemiciclo foi ainda a chegada aqui de uma voz incómoda e livre, tal como a dos seus companheiros da «Ala Liberal», que veio retomar a grandeza cívica desta Assembleia, amordaçada pela ditadura e aviltada pelo despotismo.
Assim, a Assembleia da República, expressão livre do povo português, congratula-se com a celebração da data histórica da primeira intervenção de Sá Carneiro na Assembleia Nacional, anúncio simbólico de um combate até à sua morte, sem desfalecimentos, pelo Estado de direito e pela democracia, pelo progresso, pela solidariedade, por Portugal.
Srs. Deputados, vamos votar o voto n.º 97/V.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e dos Srs. Deputados Independentes Carlos Macedo e Raul Castro.

Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma vez mais, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, presta homenagem à memória de Francisco Sá Carneiro.
Sá Carneiro foi um exemplo de tolerância política. Lutou pela tolerância e foi tolerante, combateu os poderes públicos quando estava na oposição, combateu-os frontalmente e foi tolerante quando exerceu o Governo.
Na linha de Pinto Leite, prematuramente desaparecido, foi com Miller Guerra um dos expoentes da Ala Liberal. Devemos-lhes uma contribuição importante para a luta democrática no tempo do marcelismo.
Posso, embora indirectamente, testemunhar que, ainda em tempos de Salazar, Sá Carneiro eslava disponível para enfileirar na oposição, que é um facto que pode ser comprovado.
Antes do 25 de Abril de 1974, nunca combateu socialistas nem comunistas. Conheci Sá Carneiro em princípio de 1971, aqui, nos Passos Perdidos, onde publicamente me quis receber, quando lhe pedi para falarmos sobre a prisão do Dr. Alberto Costa, meu amigo e redactor da revista Seara Nova. Soube então que a minha detenção pela PIDE, em 1970, tinha estado na origem da decisão de Sá Carneiro cortar relações pessoais com o Ministro Gonçalves Rapazote. Obviamente, ninguém lhe podia ter pedido tal nem lhe teria pedido que por mim diligenciasse, escrevendo ao Ministro Rapazote. Mas ele escreveu, pôs-lhe condições, uma das quais era que lhe respondesse senão cortava relações com ele. Cortou relações com o ministro, no que não tive qualquer intervenção, como é evidente, mas Sá Carneiro era assim.
Não sei quantos dos actuais dirigentes, deputados e ministros do PSD, com menos de 60 anos, o terão conhecido na política antimarcelista e com ele terão cooperado nessa causa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

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O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A figura de Sá Carneiro, que nesta Assembleia, chamada de Assembleia Nacional, lutou pela liberdade, com Magalhães Mota, Miller Guerra e Pinto Leite, contribuiu decisivamente para que estivéssemos aqui, numa outra Assembleia, com outro nome e com outra forma de actuar, nesta Assembleia livre, expressão livre do povo português, como é afirmado no voto apresentado.
Necessariamente que nos congratulamos com este acto emblemático de Sá Carneiro, que é o momento primeiro da actividade desenvolvida aqui, entre, portanto, os próceres do regime que cie ajudou a destruir, ao mesmo tempo que ajudava a construir um regime novo, no qual vivemos neste momento. Gostaria de salientar o trabalho notável desenvolvido por esta figura pública portuguesa, que, prematuramente, a morte roubou, e que o seu exemplo de luta pela liberdade e respeito pelos outros permaneça entre nós.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, tem a palavra.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, era apenas para aditar uma pequena nota, um pequeno pormenor, mas significativo das ideias de Sá Carneiro, do seu combate e da sua postura.
De facto, Sá Carneiro, nunca combateu pessoas, nunca combateu comunistas, nunca combateu socialistas, nunca combateu fascistas, ao contrário, Sá Carneiro, combateu pelo seu ideal, pela sua liberdade e discordou e criticou os projectos e as ideias com que não concordava.
Tanto assim foi que me permito a referência a um facto histórico que nem nos fundamentos do voto nem na minha intervenção de há bocado quis referir, por uma questão de pudor. Mas ser-me-á permitido que o revele e o refira.
Sá Carneiro, quando intervém em defesa da assistência de advogado ou de defensor oficioso em processo criminal, tem subjacente, sobretudo, um caso que naquele momento era da voz pública, dentro das possibilidades de publicidade que a censura e as polícias permitiam, um caso, que apesar de tudo, era notório e o sensibilizou. Tratava-se de Pedro Soares e tratava-se, exactamente, de um comunista.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito tem a palavra.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos a favor do voto apresentado pelo PSD, em primeiro lugar, em atenção à matéria da primeira intervenção do Dr. Sá Carneiro na Assembleia Nacional fascista.
Em segundo lugar, votamos a favor em atenção ao papel positivo que a Ala Liberal, surgida nos últimos anos da ditadura, acabou por desempenhar dentro de um órgão da própria ditadura e, naturalmente, como contributo ao vastíssimo caudal da luta antifascista de muitas décadas.
Votámos em atenção, ainda, à memória do Dr. Sá Carneiro. O voto apresentado pelo PSD comporta muitas ideias, muitas palavras, muitos exageros que naturalmente nós não subscrevemos nem apoiamos. Foram suficientes, aquelas três razões essenciais para votarmos a favor.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: -O Sr. Deputado Basílio Horta, tem a palavra.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS votou favoravelmente o voto apresentado pelo PSD, numa dupla perspectiva: homenageando, primeiro, o homem e, depois, o político. Sendo eu o porta-voz do meu partido nesta declaração de voto, queria dizer que é profundamente justa a homenagem ao homem e àquele que foi um grande primeiro-ministro de Portugal. Um homem que conseguiu manter um governo que foi o primeiro governo de verdadeira mudança em relação a todo um conjunto de opções que ele começou por operar profundamente.
O tempo veio dar-lhe razão, ou seja, hoje, uma linguagem praticamente universal em termos de partido, foi a linguagem diferente que ele no seu tempo teve a coragem de assumir.
Em relação ao político, fundamentalmente, o político capaz de pôr um projecto nacional acima do estrito interesse partidário, teve a capacidade de ver mais longe, teve a capacidade de prever que há momentos na história dos povos em que é necessário grandes consensos em tomo de objectivos bem definidos.
Defendeu nessa altura uma bipolarização, que era o instrumento adequado para ressaltar a diferença entre dois projectos, entre duas maneiras de ver a sociedade e a economia, entre duas formas de ver o futuro do País.
Como há pouco disse, a história veio dar-lhe razão.
O CDS honrou-se de participar no governo presidido pelo Dr. Sá Carneiro, Governo a quem o País muito deve, que foi, efectivamente, um exemplo de como, com projectos que sejam suficientemente mobilizadores de uma ala importante da sociedade portuguesa, se pode fazer muito.
Pena é que essa posição, esses princípios, não tenham tido sequência. Hoje. eventualmente, teríamos outras perspectivas de futuro.
No entanto, a figura de Francisco Sá Carneiro, pela elevação a que as suas atitudes e as suas opções o elevaram, não é hoje património de qualquer partido - seja-me permitido pelo PSD de o dizer -, mas é património da história de Portugal e, fundamentalmente, da história política portuguesa.

Aplausos do CDS e do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Brito pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Carlos de Brito (PCP) - Sr. Presidente, havia a sugestão de se poder incluir ainda o voto por nós apresentado, porque há consenso para que seja votado hoje.

O Sr Presidente: - Sr. Deputado, por parte da Mesa não há inconveniente nenhum, desde que não haja declarações de voto.

O Sr. Carlos de Brito (PCP) - Sr. Presidente, então pedia que o voto fosse lido e votado, não se fazendo depois declarações de voto.

O Sr Presidente: - Srs. Deputados vai ser lido o voto n.º 95/V, apresentado pelo PCP.

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O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - O voto n.º 98/V, sobre os direitos da criança é do seguinte teor:
A Organização das Nações Unidas adoptou no dia 20 de Novembro a primeira Convenção dos Direitos da Criança, tendo em vista a protecção dos seus direitos morais, sociais, jurídicos e culturais.
Fica a partir de agora definido que a criança é um ser humano, com menos de 18 anos, salvo se a maioridade for atingida mais cedo em virtude de legislação que lhe seja aplicável, a quem é devida protecção contras todas as formas de exploração - tanto económicas, como sexuais - e igualmente contra os maus tratos, contra a separação arbitrária da família e os abusos da justiça penal.
Em Portugal, onde existem milhares de crianças vítimas de maus tratos, onde pulula em vastas zonas do País o trabalho infantil, onde se verificam acentuados fenómenos de abandono e insucesso escolar, a plena concretização dos princípios e garantias consagrados na Convenção da ONU deve ter a participação empenhada dos órgãos de soberania, designadamente da Assembleia da República.
Nestes termos, a Assembleia da República congratula-se com a aprovação pela Organização das Nações Unidas da Convenção dos Direitos da Criança e pronuncia-se pela adopção de medidas urgentes, com vista à plena erradicação dos fenómenos que, em Portugal, constituem ainda atentados aos direitos da criança, designadamente a exploração do trabalho infantil.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e dos Srs. Deputados Independentes Carlos de Macedo e Raul Castro.

ORDEM DO DIA

Srs. Deputados, vamos dar início ao período da ordem do dia.

Estão em apreciação os n.ºs 2, 3, 4, 5, 6 e 7 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 18, 19, 20, 24, 26 e 27 de Outubro. Estão em apreciação.
Visto não existirem objecções, consideram-se aprovados.

Srs. Deputados, vamos iniciar a apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º 114/V - Bases gerais da contabilidade pública.
Tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças (Miguel Cadilhe): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo tem vindo a desenvolver uma estratégia de profundas reformas nos mais variados domínios da vida nacional, cumprindo assim o Programa.
Muito recentemente, foi-me dado o ensejo de falar a VV. Ex.ªs sobre as reformas na área da governação do Ministério das Finanças. Fi-lo por ocasião da apresentação das propostas de lei das privatizações e do Orçamento do Estado de 1990. Tive, então, oportunidade de, perante esta Câmara, enumerar as reformas empreendidas, pelo que julgo que VV. Ex.ªs terão presente a diversidade e a amplitude da acção do Governo nesta matéria.
Cabe-nos hoje, colocar à apreciação da Assembleia da República a proposta de lei que consagra mais uma reforma fundamental: a reforma da contabilidade pública. Trata-se, antes de mais, de uma reforma cuja necessidade é, de há muito, imposta pela força do tempo. No essencial, o quadro jurídico da nossa contabilidade pública remonta a 1930. Escuso-me de sublinhar as profundas transformações da realidade ao longo das décadas entretanto decorridas.
Basta referir que ao longo delas, os Estados, sobretudo nos países desenvolvidos, terão passado por uma das mais vincadas transformações da sua longa história, particularmente no triénio imediato ao após-guerra. Foi, com efeito, nesse período que se assistiu a um extraordinário alargamento das atribuições do Estado, tema assaz conhecido, por amplamente tratado em inúmeros trabalhos da especialidade.
Uma boa expressão deste alargamento da actividade do Estado é o peso das despesas públicas no PIB, variável que, um pouco por todo o mundo, registou impressionantes acréscimos no período em causa.
Exemplificando com o caso português, as despesas públicas em percentagem do PIB, passaram de cerca de 14 % do PIB no início da década de 30 para mais de 40 % em 1990.
Ou seja, por outras palavras, as despesas públicas têm hoje uma dimensão, quer absoluta quer relativa, muito superior à que ocorria à data em que o legislador - por ocasião da «Grande Depressão» do início dos anos 30 - concebeu e instituiu o quadro legal que basicamente ainda nos rege.
Perante este salto estatístico e, com certeza, de extensas e fundas implicações qualitativas, é fácil depreender o grau de desajustamento do quadro jurídico em que se insere a nossa contabilidade pública, concebido para uma administração tradicional e de reduzida dimensão.
Em vez de constituir o quadro indispensável à fácil veiculação e controlo dos recursos públicos, ameaça tornar-se num espartilho burocrático pouco consentâneo com as necessidades de uma administração pública moderna.
O carácter disperso e avulso de algumas medidas de reajustamento viria a originar uma grande multiplicidade de regimes especiais, à revelia de um modelo global de organização e funcionamento dos serviços.
Na verdade, estes regimes especiais raramente beneficiaram de uma visão global do sistema, antes porém resultaram, em muitos casos, do simples desejo de os serviços se subtraírem à plenitude da disciplina orçamental. Muitos serviços, ao longo dos anos, adquiriram autonomia financeira, sem que para tal reunissem um mínimo de condições objectivas.
Para termos uma ideia do alcance desta proliferação de «fundos e serviços autónomos» em Portugal, valerá a pena citar um texto oportunamente publicado pelo Fundo Monetário Internacional que classifica os sistemas de contabilidade pública, quanto ao número de organismos autónomos que consentem, nos seguintes termos: sistemas limitados, menos de 20 organismos autónomos; sistemas intermédios, entre 20 e 50 organismos autónomos; e sistemas extensivos, ou relativamente permissivos, mais de 50 organismos autónomos.
Pois em Portugal, o número de organismos autónomos ultrapassa os 600, sem os hospitais do Serviço Nacional de Saúde serão 400, em números redondos. Repito: 600 «fundos e serviços autónomos», quando com mais de 50 um sistema já é considerado extensivo.
Mesmo retirando os hospitais, os estabelecimentos universitários e militares, admito que o qualificativo

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«extensivo» seja hipermoderado ao contemplar a situação do nosso país. Aceitaria, como mais apropriada, a designação de anti-sistema dentro do sistema de contabilidade pública portuguesa.
Como consequência desta situação francamente anómala, o regime geral da contabilidade pública limita-se, hoje em dia, a enquadrar uma parte relativamente pequena do universo das despesas orçamentais da Administração Pública. Isto é, o actual sistema geral da contabilidade pública, para além de enfermar de anacronismo e de falta de coerência interna, apresenta uma reduzida base de incidência.
Razões, só por si, bastantes para justificar o seu baixo grau de eficiência, não obstante a elevada competência e o inabalável empenhamento da Sr.ª Directora-Geral da Contabilidade Pública e de todos quantos aí trabalham - o que muito me apraz registar perante VV. Ex.ªs. Razões, só por si, mais do que suficientes para reformar, de alto a baixo, o nosso velho e gasto sistema da contabilidade pública!
Sr.ªs e Srs. Deputados, subsiste, contudo, uma poderosa razão adicional para levarmos por diante a reforma da contabilidade pública: é que ela é uma condição decisiva para podermos prosseguir a indispensável redução estrutural do défice do sector público.
Na verdade, uma vez esgotadas as potencialidades do processo, há muito empreendido, de eliminação ou contenção de despesas não essenciais, resta ao Governo promover ganhos na eficiência no uso dos dinheiros públicos. Para tal, torna-se indispensável garantir um máximo de economicidade nas despesas públicas, o que só será possível com uma nova estrutura orçamental.
De facto, tal como está concebido, o Orçamento do Estado permite um controlo perfeito quanto à legalidade das despesas públicas, o que, sendo importante, não é, todavia, suficiente.
Pelo menos tão importante como controlar a legalidade das despesas públicas será assegurar a sua economicidade, isto é, a sua eficiência, a sua eficácia, a sua pertinência.
A reforma da contabilidade pública pressupõe uma alteração substancial da estrutura orçamental; assim todo o Orçamento do Estado passará, ainda que gradualmente, a ser organizado por programas. Desenha-se, assim, um salto qualitativo, de extrema importância, através da nova organização do Orçamento.
E, aspecto importante desta alteração, com ela, reforça-se, como é óbvio, o poder de fiscalização da Assembleia da República, que passará a ter elementos mais substantivos para realizar uma análise mais criteriosa do Orçamento do Estado. Isto é, além de passar a ser mais moderno, mais racional, mais eficaz, o nosso Orçamento passará também, se VV. Ex.ªs me permitem a expressão, a ser mais democrático e mais parlamentar.
Posto isto, importa referenciar os quatro principais traços da proposta de reforma da contabilidade pública. Destacamos os seguintes.
Primeiro, a reforma refere-se ao regime financeiro da administração central e envolve um vasto processo de desconcentração administrativa, já que generaliza a todos os serviços o actual regime de «autonomia administrativa», conferindo os respectivos dirigentes «autonomia de gestão corrente, acompanhada da indispensável e correlativa responsabilização».
O regime de «autonomia financeira» será reservado a casos excepcionais que preencham condições muito restritas, designadamente a existência de receitas que cubram, pelo menos, dois terços das despesas do organismo ou serviço. Ressalvam-se, contudo, os casos previstos constitucionalmente, ou outros a aprovar por lei, e também a aproximação gradualista àquela regra dos dois terços de autofinanciamento.
Com esta reorganização, dá-se, pois, um importante passo no sentido do integral respeito pelos três mandamentos orçamentais: a unidade, universalidade e não consignação.
O segundo traço fundamental refere-se ao processo de pagamento e de tesouraria. Com esta reforma, eliminam--se as tesourarias privativas dos serviços. Todos os pagamentos serão efectuados pelos cofres do Tesouro.
O terceiro traço refere-se à escrituração das receitas e despesas. Para além de manterem uma contabilidade unigráfica, que é clássica, os serviços passam a dever organizar uma contabilidade analítica, para que possam ser avaliados os resultados da sua gestão e do seu desempenho económico.
Finalmente, o quarto traço refere-se às novas contas públicas. É certo que já estamos longe da situação de que se queixava o avisado legislador que, em 1936, referia, em pleno Diário do Governo, que «os dois volumes em que a nossa sábia legislação manda compendiar a Conta Geral do Estado, referente a cada gerência de um ano, custam um conto, pesam oito quilogramas, têm 2000 páginas e ninguém os lê».
Estamos longe dessa situação! Mas não deixa de ser verdade que a nossa Conta Geral do Estado tem uma estrutura demasiado complexa que dificulta a avaliação dos resultados da execução orçamental e que, por outro lado, não permite uma correcta análise económica da acção do Governo.
Com a reforma agora proposta, a Conta Geral do Estado será simplificada e reordenada em termos que permitem que passe a cumprir as funções indispensáveis que se exigem de um tão importante documento. Damos assim expressão prática ao desejo, sempre reafirmado, de promovermos a máxima transparência nas finanças públicas.
Sr.ª e Srs. Deputados, alterar a estrutura do Orçamento do Estado e os métodos da gestão orçamental constitui um trabalho de vulto que, como VV. Ex.ªs bem compreendem, envolve inúmeras dificuldades, pois não é de ânimo leve que se mexe no cerne do funcionamento do próprio Estado. Porque, Srs. Deputados, é isto que está verdadeiramente em causa!
Seria, obviamente, mais cómodo para o Governo remediar esta ou aquela situação de maior gravidade, em vez de criar um novo quadro, à luz de uma filosofia bem diferente. Só que à comodidade política não corresponderia, decerto, o interesse do País nem a modernização do Estado. O progresso do País não pode ser entravado por uma Administração Pública anquilosada.
Se considerarmos a reforma da contabilidade pública em articulação com a reforma fiscal, com a reforma do Tribunal de Contas, com a reforma do Tesouro, se juntarmos o NSR - novo sistema remuneratório da função pública - e se conjugamos tudo com a estratégia de redução do peso do défice público e a demonstrada nova disciplina financeira do Estado, teremos alguns (talvez os principais!) pilares em que assenta a vasta obra de modernização da Administração Pública portuguesa que tem vindo a ser empreendida.
Concluído este processo, necessariamente moroso e difícil, o País disporá, enfim, de uma Administração

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Pública à altura dos anos 90 e da Europa em que nos integramos, capaz de constituir-se num pólo de progresso, com vantagens para todos - sejam os contribuintes, sejam os utentes dos serviços, sejam os trabalhadores da função pública. Razão suficiente para esperarmos que VV. Ex.ªs venham a dar o vosso apoio à proposta de lei que aqui nos reúne.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Umas palavras finais para falar sobre dois objectivos de longo prazo que temos vindo a cumprir desde 1986, mas que ainda requererão muito tempo. Trata-se de reduzir o peso do défice público e o peso da dívida pública.
São temas intimamente associados à reforma da contabilidade pública, que têm merecido da parte de VV. Ex.ªs a melhor atenção, têm suscitado da nossa parte várias intervenções perante esta Câmara e têm constado, aliás desenvolvidamente, dos «(relatórios gerais» das propostas de Orçamento do Estado dos últimos anos - e, de novo, na proposta de Orçamento do Estado para 1990
Além disso, o PCEDED dedica-lhe alguns dos capítulos mais relevantes no programa. Citaria apenas cinco indicadores que atestam o contraste entre a situação presente e a situação de há cinco anos.
Primeiro, o peso da dívida pública directa mais garantida passa de cerca de 93 % do PIB em 1984 para, aproximadamente, 80 % em 1989.
Segundo, a dívida externa passa de cerca de 80 % do PIB em 1984, para menos de metade em 1989. Aliás, liquida de reservas externas praticamente não há divida externa em 1989!
Terceiro, a dívida pública interna existente no Banco de Portugal passa de três quartos do total, em 1984, para cerca de um quarto em 1989, e esta é só dívida antiga, pois não colocámos divida nova no Banco de Portugal.
Quarto, o défice global do sector público administrativo e empresarial passa de 21,7 % do PIB, em 1984, para 8,5 % em 1989, segundo a nossa última estimativa.
Quinto, o saldo primário do Orçamento do Estado passa de um défice de 2,6 % do PIB, em 1984, para um excedente de 1,2 % em 1989 (segundo estimativa).
Hoje mesmo tive a honra de oferecer a todos os Srs. Deputados um opúsculo muito simples, acabado de publicar e expressivamente intitulado, Dívida Pública ou Peso do Passado! Aí se dá evidência aos progressos conseguidos em quatro domínios, nomeadamente: regularização de dívidas parapúblicas; racionalização do preço e do modo de financiamento do Estado; redução do peso da dívida pública total; reequilíbrio da dívida externa.
São os «quatro erres» da nossa estratégia da dívida pública: regularizar, racionalizar, reduzir, reequilibrar. Por isso lhe vimos chamando a «Estratégia dos 4R».
Ontem tive o gosto de receber do Sr. Vice-Presidente da Comissão das Comunidades Europeias o plano geral detalhado do estudo, que pedimos há cerca de um ano à Comissão, sobre a estratégia de ajustamento orçamental no nosso País. O que pretendemos é conciliar, por um lado, o esforço de modernização do país e o acolhimento dos fundos estruturais, suscitando mais despesa pública, e, por outro, o gradual cumprimento dos objectivos de redução do peso do défice e da dívida do Estado.
Sr.ª e Srs. Deputados: Na verdade, a reforma da contabilidade pública insere-se num quadro, bem vasto, de alterações estruturais irreversíveis, cujos efeitos importa estudar em todas as suas vertentes.
É à luz desta perspectiva mais larga que devemos aquilatar da sua real importância, pois só assim poderemos encontrar, também aqui, o caminho mais recomendável para o País, um caminho que não é fácil, mas que vale a pena!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados Helena Torres Marques, Vítor Ávila e Octávio Teixeira.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Ministro, creio que estamos todos de acordo com a necessidade desta reforma que hoje o Governo nos apresenta. Realmente, quando apenas 23 % das verbas do Orçamento passam pela contabilidade pública e, portanto, o controlo, ou melhor, o descontrolo das verbas públicas é enorme e quando a racionalidade na forma de tomar decisões é também muito grande, impunha-se que se fizesse a reforma da contabilidade pública.
Relativamente à proposta que agora o Governo apresenta, gostaria de formular algumas perguntas ao Sr. Ministro. Esta proposta de lei foi elaborada antes da revisão constitucional, mas foi entregue na Assembleia da República já depois de aprovada a Constituição. Não entende o Sr. Ministro que alguns dos preceitos nela contidos são, neste momento, inconstitucionais e que em sede de especialidade terão de ser revistos, tendo em vista obstar a esta situação?
A segunda pergunta que gostaria de colocar é a seguinte: o Sr. Ministro falou bastante na reforma do Orçamento do Estado, num sentido que me parece o correcto; simplesmente isso é matéria da competência reservada da Assembleia da República. Ora, o último artigo da proposta de lei enuncia um conjunto de decretos-leis que o Governo pretende elaborar, mas, tendo em conta que não se trata de autorizações legislativas, penso que esse enunciado é inconsequente em termos da lei.
Assim sendo, gostaria de saber se o Governo tenciona ou não apresentar propostas de lei sobre as essas matérias, em especial sobre a lei do enquadramento orçamental - aliás, no relatório que acompanha a proposta de lei até se diz quais são os artigos da lei que necessitam de ser alterados - e sobre as contas públicas, uma vez que se trata de matéria da competência reservada da Assembleia da República.
Outro aspecto que gostaria de referir tem a ver com a reforma da contabilidade pública, que, segundo creio, aplicar-se-á também às regiões autónomas e terá, até, repercussões em termos de administração local. O que é que o Governo pensa sobre esta matéria? Como é que se fará esta extensão?
Sr. Ministro, esta lei prevê que muitos organismos deixarão de ter autonomia financeira desde que não tenham dois terços de despesas cobertas por receitas próprias, e não vindas do Orçamento do Estado, ou que nos próximos anos não tenham, respectivamente, 50% ou 60 % de despesas cobertas por receitas próprias. Será que o Sr. Ministro tem ideia de quantos fundos e serviços autónomos perderão a autonomia financeira? Tem ou não uma ideia dos principais serviços que irão perder essa autonomia financeira?

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, havendo mais oradores inscritos para pedidos de esclarecimento, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

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O Sr. Ministro das Finanças: - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Ávila.

O Sr. Vítor Ávila (PRD): - Sr. Ministro das Finanças, o PRD também se congratula com o facto de o Governo ter apresentado uma proposta de lei sobre a reforma da contabilidade pública, uma vez que, em muitos dos casos, a legislação em vigor data dos anos 20 e 30, e isso não corresponde às necessidades actuais da gestão da Administração Pública.
Em intervenção que mais tarde produzirei vou abordar algumas das críticas pontuais que fazemos à proposta de lei em apreço; contudo, quero, neste momento, formular alguns pedidos de esclarecimento.
O Sr. Ministro das Finanças referiu valores para a dívida pública que - se calhar entendi-os mal - não estão de acordo com o relatório que acompanha o Orçamento do Estado para 1990.
Portanto, gostaria que me esclarecesse sobre os números que apresentou.
Faço-lhe esta pergunta, porque no relatório vem referido que a dívida directa e garantida, ou seja, a dívida efectiva, representava 76,5 % do PIB, em 1984, portanto saldo de fim de período, e que em 1988 estaríamos com 81,8 %.
Salvo erro, o Sr. Ministro das Finanças na sua intervenção referiu que a dívida efectiva seria de cerca de 93 % do PIB em 1984 e que, em 1988, estaríamos nos 80 %, o que daria um sentido inverso àquilo que vem referido no relatório anexo ao Orçamento do Estado para 1990.
Gostaria, portanto, de saber se os dados anunciados pelo Sr. Ministro suo dados mais recentes ou, no caso de não serem, o que é que se passa, efectivamente, com a dívida pública.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Ministro, vou olvidar a parte da sua intervenção que não tem directamente a ver com a matéria que aqui estamos a discutir e debruçar-me-ei apenas sobre a matéria que está hoje em causa, colocando-lhe algumas questões.
Como se reconhece no próprio relatório que acompanha a proposta de lei - e julgo que quanto a este aspecto estamos todos de acordo - a reforma da contabilidade pública deveria assentar na reforma orçamental.
De facto, a reforma orçamental deveria ser a matriz de toda a reforma da administração financeira do Estado. Porém, sucede que, em termos práticos e concretos, o Governo, embora o reconheça em termos de relatório, ainda não o fez em termos de proposta de lei, isto é, do meu ponto de vista alterou as prioridades, pois começou pela reforma da contabilidade pública, que é importante (ninguém põe isso em causa!), antes da reforma orçamental, que, no nosso entender, devia ser a sua base.
A questão concreta que gostaria de colocar é, pois, a seguinte: que razões tento levado o Governo a esta opção em termos de prioridades?
O Sr. Ministro referiu a dado passo da sua intervenção «um orçamento mais democrático». A questão que seguidamente lhe coloco tem a ver, por um lado, com o Orçamento que temos em mãos e, por outro, com a proposta de lei em si. Como é que o Sr. Ministro concilia a forma como apresenta este ano os orçamentos dos serviços e fundos autónomos, ou seja, apenas com verbas gerais, quando a revisão da Constituição impõe que essas verbas sejam inscritas no Orçamento, tal como estão inscritas as outras receitas e despesas dos serviços que não são fundos e serviços autónomos, com o facto de, simultaneamente, propor aqui no capítulo IV, na parte das contas públicas, uma situação idêntica?
Julgo que o problema de apresentar em anexo ao Orçamento as verbas globais dos fundos e serviços autónomos, que aparece no Orçamento deste ano e que é retomada nesta proposta de lei na parte das contas públicas, está contra a revisão da Constituição, uma vez que esta impõe que sejam inscritas no Orçamento do Estado as receitas e despesas dos serviços que neste momento não tem autonomia financeira e as dos que a tem, pelo que a inscrição das receitas e das despesas tem de ser idêntica.
No relatório que acompanha esta proposta de lei e mesmo em parte do seu articulado o Governo considera, do meu ponto de vista bem, que os organismos encarregues do controlo da execução e da gestão orçamental deverão avaliar a eficácia e eficiência das despesas. Quanto a esta questão, estamos de acordo. Porém, gostaria de saber por que razão existem dois pesos e duas medidas? Porque é que o Governo está de acordo com a avaliação da eficácia e eficiência das despesas, quando essa avaliação é feita por organismos do Governo, concretamente por organismos tutelados pelo Ministério das Finanças, e os recusa quando são feitos por uma entidade independente, como, por exemplo, o Tribunal de Contas?
Sr. Ministro, no relatório propõe-se que a atribuição do regime de autonomia financeira, em casos excepcionais, ou seja, quando essa autonomia financeira é concedida por razões políticas, possa ser feita através de lei da Assembleia da República, enquanto na proposta de lei se apresenta a hipótese de a autonomia financeira ser atribuída por decreto-lei. Ora, a minha última questão é a seguinte: apesar de não ter sido alterada a Constituição neste sentido, nada impede que, numa lei de bases ou numa lei de enquadramento, se possa pôr a questão de, nas situações que referi, a autonomia financeira ser concedida pela Assembleia da República. Neste sentido, gostaria de saber qual o posicionamento do Governo neste momento. Será que o Governo ainda está aberto à hipótese que considera no relatório ou já não está disponibilizado para que, nesses casos, a autonomia financeira seja concedida por lei?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por registar que foi testemunhado perante a Câmara, pela Sr.ª Deputada do PS e pelo Sr. Deputado do PRD, a importância desta proposta de lei.
A matéria de facto da reforma da contabilidade pública é das mais relevantes, não só para a disciplina financeira do Estado mas também, como disse na minha intervenção inicial, para a modernização da Administração Pública. Não temos dúvidas quanto a isso!
Às vezes ficamos surpreendidos por terem passado tantos e tantos anos sem que esta reforma tivesse aparecido para apreciação desta Câmara. Mas, enfim, é preciso

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estabilidade política para se dar tempo ao tempo, e este é um resultado disso mesmo.
A Sr.ª Deputada Helena Torres Marques fez-me quatro perguntas.
A primeira diz respeito a preceitos dessa proposta de lei alegadamente inconstitucionais. A proposta der lei é anterior à revisão da Constituição. Eventualmente, poderá haver um ou outro preceito ferido de alguma inconstitucionalidade - não me admiro que seja assim -, mas esse 6 um assunto para os Srs. Parlamentares apreciarem, sobretudo os de formação jurídica - e temos aqui como parlamentares dos melhores juristas do nosso país.
Estamos, pois, seguros de que a lei sairá do Parlamento sem qualquer ferida de inconstitucionalidade.
Por exemplo, no artigo 7.º, fala-se no visto do Ministro das Finanças. Ora, poderá haver quem entenda quo isso é pouco curial à luz da Constituição.
A segunda pergunta refere-se à lei de enquadramento orçamental. Sim, de facto, é vontade do Governo apresentar uma proposta de lei de revisão do enquadramento orçamental. Mas, já agora, responderia também ao Sr. Deputado Octávio Teixeira, dizendo-lhe que nós não invertemos prioridades. Em termos de leis de enquadramento orçamental vamos já na segunda depois do 25 de Abril de 1974; em termos de leis de reforma da contabilidade pública, vamos na primeira depois de 1930. Ou seja, a necessidade técnica, e mesmo política, a necessidade operacional de rigor das finanças públicas era muito mais forte quanto à reforma da contabilidade pública do que quanto à revisão do enquadramento orçamental. Ambas suo peças importantes da reforma orçamental e da contabilidade pública, ambas são peças fundamentais para a disciplina das finanças públicas. Mas mio temos dúvidas nenhumas, se nos perguntarem qual é a prioridade e qual é o sentido sequencial a dar aos dois projectos, em afirmar que primeiro está esta proposta de reforma da contabilidade pública que hoje está em apreciação, e, depois, a nova lei de enquadramento orçamental.
Quanto à legislação complementar desta reforma da contabilidade pública, ela está inventariada no artigo 21.º - é reconhecida competência ao Governo para legislar nessa matéria. De facto, suo diplomas fundamentais cujos projectos ou anteprojectos estão já muito avançados por parte do Governo. Claro que poderíamos considerar que, numa parte ou noutra, a matéria poderia ser objecto de proposta de lei à Assembleia da República. Mas, segundo a lei-quadro da reforma da contabilidade pública, temos as baias e as balizas fundamentais para legislar depois por decreto-lei. Por exemplo, em relação às operações de tesouraria, o seu novo quadro legal - finalmente! - está também a ser ultimado no Ministério das Finanças, sendo um dos pontos fundamentais da nova disciplina financeira.
A terceira pergunta refere-se às regiões autónomas e às autarquias locais.
Quanto às regiões autónomas, elas tem um processo legislativo próprio e certamente adaptarão esta nova legislação sobre a contabilidade pública. Compete à assembleia regional e ao governo regional fazê-lo, como já tem acontecido em relação a outras matérias.
Quanto às autarquias locais, isso prende-se com a Lei das Finanças Locais, não sendo nesta sede que se deve proceder à revisão da contabilidade das autarquias locais.
A quarta pergunta colocada pela Sr.ª Deputada refere-se à autonomia financeira. Pergunta-me (e muito bem) quantos serviços perderão autonomia financeira pela regra dos dois terços ou pela aproximação gradual aos dois terços de autofinanciamento com receitas próprias. Sabemos que suo algumas dezenas de serviços, mas vai desculpar-me Sr.ª Deputada que não adiante o número certo, porque não temos condições precisas para o fazer. Mas suo umas boas dezenas de serviços que vão perder autonomia financeira, excluindo desses os hospitais e os estabelecimentos universitários.

Vozes do PS: - Só?

O Orador: - Quanto à Assembleia da República e à Presidência da República, isso está já excepcionado na própria proposta de lei, quando se diz que poderá haver autonomia financeira reconhecida a serviços, mesmo sem o requisito dos dois terços de receitas próprias, desde que essa autonomia financeira esteja atribuída por lei.
O Sr. Deputado Vítor Ávila perguntou-me o porquê da divergência de números acerca do stock da dívida pública em percentagem do produto interno. Mencionei 93 % em 1984, porque me referia ao stock corrigido da dívida pública, incluindo aí também a dívida parapública ou dívida pública disfarçada, que, em 1984, não era incluída no stock convencional da dívida pública, mas que, entretanto, regularizámos e que aparece agora incluído em 1989. Então, para pôr números comparáveis entre 1984 e 1989, corrigimos o stock e o ratio da dívida pública total de 1984. O nosso número é correcto para fins comparativos - 93 % em 1984 e 80 % em 1989.
Sr. Deputado Octávio Teixeira, já falei das prioridades e expliquei o porquê da reforma da contabilidade pública antes da própria revisto da lei de enquadramento. Como disse, esta matéria é muito complexa e altamente técnica. Por alguma razão se manteve durante seis décadas o regime que vem desde 1930 e agora tomámos esta iniciativa, que, de facto, requer coragem, tempo e ponderação.
A sua segunda pergunta relaciona-se com a revisão da Constituição de 1989. Esta implica leis para ser regulamentada, mesmo no que dispõe sobre o Orçamento do Estado e os fundos e serviços autónomos. Daí que a nossa proposta de lei de Orçamento do Estado para 1990 seja já uma aproximação, mas não é ainda aquilo que rigorosamente poderia depreender-se em resultado da revisão da Constituição.
Como os Srs. Deputados bem sabem, da Constituição não resulta uma obrigação imediatista de cumprimento de alguns preceitos novos que foram introduzidos. Obriga é a uma aproximação gradual e obriga, sobretudo, a que haja leis de regulamentação que, neste momento, ainda não existem.
Quanto à sua terceira pergunta, acerca da apreciação pelo Tribunal de Contas sobre a eficácia e a eficiência das despesas públicas, sempre atendemos - e já dissemos isso quando apresentámos a proposta de lei de reforma do Tribunal de' Contas, hoje publicada - que tal apreciação é eminentemente política e cabe ao Governo e à Assembleia da República. Parece-nos que não cabe ao Tribunal de Contas e, por isso, a reforma foi feita nesse sentido.
Como dissemos na altura, separámos as águas: por um lado, a apreciação política; por outro lado, a apreciação que cabe ao Tribunal de Contas.
Finalmente, a quarta pergunta sobre o autofinanciamento dos fundos e serviços autónomos e a regra de dois terços que estabelecemos agora na nossa proposta de lei.

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Ora, essa regra pode ser contornada, quer por iniciativa da Assembleia da República, se assim dispuser por lei, quer por iniciativa do Governo, se assim se dispuser por decreto-lei. A iniciativa é concorrencial e caberá a um órgão de soberania ou a outro dispensar da regra dos dois terços do autofinanciamento para fins de classificar um serviço com autonomia administrativa e financeira.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A reforma da contabilidade pública é dos diplomas que eventualmente menos impacte público terá na opinião pública e, no entanto, é um dos que mais importância e mais consequências tem para a boa gestão e o controlo adequado das contas públicas.
Com efeito, é através desta lei que é possível assegurar um controlo eficaz sobre a forma como são gastas as receitas que o Estado obtém e que resultam, é bom não esquecer, dos impostos que nós todos pagamos, bem como dos empréstimos que o Estado contrai, verbas que por exemplo para 1990 se prevêem que ultrapassem os 3 300 milhões de contos.
Esta reforma que hoje estamos a discutir, permite. Sr. Presidente e Srs. Deputados, compreender melhor, por que a discussão do Orçamento do Estado parece um assunto desinteressante e tão afastado do quotidiano dos cidadãos.
Uma das razões importantes é que este é um orçamento em que 77 % das despesas inscritas são transferencias e onde, consequentemente, apenas 23 % são objecto de especificação orçamental.
Por isso, como nos diz o Governo «o Orçamento do Estado é, cada vez mais, um orçamento de transferências».
Esta situação, até à recente revisão constitucional, era ainda agravada pela completa desorçamentação das receitas e despesas dos vários serviços autónomos que não vinham ao Orçamento do Estado. Em 1990 o Orçamento já incluirá estes valores, mas apenas de forma global.
Como consequência, o controlo orçamental existente é muito deficiente, quando não é mesmo falta de controlo.
É muito deficiente quanto às despesas dos chamados serviços simples, pois trata-se de um controlo burocratizado e formalista, analisando-se apenas a sua legalidade e regularidade financeira, o que não permite fornecer aos responsáveis pelas decisões político-financeiras meios de apreciação da racionalidade económica, eficiência e eficácia.
Também o controlo das despesas dos serviços com autonomia é muito deficiente, já porque só existe um controlo final da legalidade e regularidade financeira das despesas incluídas nas contas de gerência que são julgadas pelo Tribunal de Contas, já porque este julgamento não é sistemático nem completo.
Finalmente, é mesmo falta de controlo, não apenas quanto às contas de gerência que não são julgadas, mas também quanto às vultosas transferências do Orçamento do Estado para os outros sectores. E neste caso de completa falta de controlo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, estamos a falar insisto em 77 % das verbas do Orçamento do Estado. Pode dizer-se que o Governo e a Assembleia da República controlam tostões, mas lhe escapam milhões.
Por todas estas razões, que têm por base a evolução verificada ao longo dos anos na Administração Pública, com uma legislação da contabilidade pública que data de 1928 e 1930, esta reforma que hoje estamos a analisar não poderá deixar de ser bem-vinda.
Congratulo-me, pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, por estarmos hoje aqui a discutir esta proposta do Governo sobre as bases gerais da reforma da contabilidade pública.
No entanto, esta parece-me bastante incompleta, em face quer quanto aos novos princípios constitucionais e ao papel que à Assembleia da República cabe nesta matéria quer quanto aos próprios princípios definidos pelo Governo no relatório que a acompanha e que, pelas suas implicações, sintetizarei em seguida.
O Governo, após a aprovação desta proposta de lei, propõe-se apresentar a sua reforma, cuja estrutura seria dividida em quatro partes: a primeira parte trataria da definição e âmbito da contabilidade pública; a segunda parte trataria do Orçamento, incluindo as principais regras orçamentais, a nova estrutura do Orçamento, a elaboração e a execução orçamental, as alterações ao orçamento, etc., tudo competências da Assembleia da República; a terceira parte diria respeito às contas públicas, também matéria da competência da Assembleia; a quarta pane trataria das relações orçamentais com as comunidades europeias.
Para além deste diploma, o Governo entende ainda necessário rever a Lei do Enquadramento do Orçamento do Estado (Lei nº 40/83), referindo mesmo os artigos que pretende ver alterados, bem como o estatuto dos dirigentes da Administração Pública, o que atribuirá responsabilidade aos titulares dos órgãos e agentes administrativos por infracções de natureza financeira, incluindo a alteração do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes do Estado.
Ora, a maioria destes diplomas é, na minha perspectiva, matéria reservada da competência da Assembleia da República e os princípios genéricos constantes desta proposta de lei não se coadunam com os princípios constitucionais a que deverão obedecer as autorizações legislativas.
Com efeito, a alínea p) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição determina que o regime geral de elaboração e organização do Orçamento do Estado e, consequentemente, das contas públicas é matéria reservada da Assembleia da República.
Também as alíneas u) e v) do mesmo artigo, que dizem respeito à responsabilidade civil da Administração e às bases do regime no âmbito da função pública, são matéria reservada da Assembleia da República, o que pressupõe que o Governo terá de apresentar sobre esta matéria ou propostas de lei ou pedidos de autorização legislativa. Ou seja, o governo não poderá regulamentar esta matéria por meros decretos-leis.
Convém ainda referir que algumas das matérias incluídas na proposta de lei não se coadunam com os novos princípios constitucionais, o que significa que deverão em sede de especialidade ser revistos.
Refira-se ainda que nada se diz sobre o regime de contabilidade pública a aplicar nas regiões autónomas, bem como a adaptação dos princípios definidos à administração local.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Entre as matérias agora apresentadas na proposta de lei em apreciação merecem relevo especial a decisão de que a regra geral passará a ser a da autonomia administrativa. Só quem nunca foi director-geral ou membro

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do Governo não compreenderá o alcance desta medida. De acordo com este princípio os dirigentes dos serviços e organismos da administração central passam, enfim, a ser competentes para autorizarem a realização de despesas e o seu pagamento e a praticar, no mesmo âmbito, actos administrativos definitivos e executórios. O pagamento das despesas passará a ser efectuado pelos cofres do Tesouro, pelo que espero que os serviços da Direcção-Geral do Tesouro estejam também eles preparados para se adaptarem a esta reforma, sob pena de poder assistir-se na fase de pagamentos, ao bloqueamento do sistema.
Por outro lado, a autonomia financeira passa a ser o regime de excepção, o que em princípio nos parece bem.
Passarão ainda, de acordo com a proposta do Governo, a ter autonomia financeira aqueles organismos em que a lei assim o defina, caso, por exemplo, da Assembleia da República ou das universidades e, futuramente, da Presidência da República, e ainda aqueles cujas receitas próprias atinjam um mínimo de dois terços das despesas totais, com exclusão das despesas co-financiadas pelo orçamento das comunidades europeias.
Este princípio parece correcto - embora conviesse que o Governo esclarecesse como fixou o limite de dois terços -, mas as excepções que entretanto se abrem nos números seguintes do mesmo artigo são tão pouco claras que não podemos deixar de ter dúvidas sobre a real intenção de o Governo conseguir efectivamente alterar a presente situação.
No que respeita ao controlo da gestão orçamental, é de salientar que a fiscalização passará a ser feita a posteriori e aplaudir a manutenção da referência que a fiscalização abrangerá, para além da conformidade legal e regularidade financeira, a análise da sua eficiência e eficácia.
Recorde-se que este foi um princípio pelo qual o Partido Socialista se bateu, quer na discussão da lei orgânica do Tribunal de Contas, quer no debate da revisão constitucional sobre esta matéria e sobre a qual o Sr. Presidente da República tomou a iniciativa, até agora inédita, de fazer uma recomendação à Assembleia da República.
Com eleito, o Governo e o PSD pretenderam negar ao Tribunal de Contas esta capacidade para analisar a eficiência e a eficácia das despesas, que, no entanto, consideram fundamental guardar para si.
No que respeita à Conta Geral do Estado, discordo do princípio que considera que a publicação integral da Conta só se deve efectuar após a sua aprovação pela Assembleia da República, como também entendo que, passando as contas a ser publicadas mensalmente, será útil o seu envio à Assembleia da República.
No que respeita às normas transitórias, convirá referir aquelas que levarão à perda da autonomia financeira dos fundos e serviços autónomos cujas receitas próprias não cubram pelo menos 50 % e 60 % das despesas totais, no primeiro e segundo anos económicos, após a entrada em vigor da presente lei.
Que organismos perderão por isso a sua autonomia financeira?
Será uma informação útil que o Governo poderá prestar, para se ter uma ideia do real impacte da medida proposta.
Sobre a legislação complementar indicada, dado não se tratar de um pedido de autorização legislativa, constata-se não ser mais do que uma informação que o Governo nos presta e cuja integração na presente proposta de lei parece inconsequente.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Na análise na generalidade direi que; dada a importância da reforma que esta proposta de lei indicia, o Partido Socialista votará a favor.
No entanto, consideramos que na especialidade esta proposta terá de ser objecto de uma análise muito cuidada, para que as propostas sejam realmente claras, inovadoras e constitucionais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, o Governo governa e, além disso, também faz pedagogia, o que é bom, sobretudo para a oposição.
Gostei muito de ouvir, pela voz de V. Ex.ª, o PS convertido às teses da defesa da disciplina das finanças públicas. Isso só vem provar que às vezes o PS muda para melhor. É pena que mude poucas vezes e lamento imenso que mude tão tarde. Aqui, não poderei dizer, como o povo, que «mais vale tarde do que nunca», pela simples circunstância de que está mudança tardia do PS provocou um facto grave, isto é, permitiu que a dívida pública oculta tivesse atingido os valores que atingiu.
Pena foi que o PS, quando esteve no governo desde 1976, não tivesse tomado a iniciativa legislativa que agora o XI Governo Constitucional vem tomar.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Orçamento.

O Sr. Secretário de Estado do Orçamento (Rui Carp): - Ouvi, como é natural, com muito interesse a intervenção da Sr.ª Deputada Helena Torres Marques. Constitui, para além de aspectos consensuais e laudatórios a esta proposta de lei que o Sr. Ministro das Finanças acaba de apresentar, uma interessante autocrítica - perdoe-se-me a expressão -, porque, na prática, houve muitas tentativas para alterar normas orçamentais, mas para as normas da contabilidade pública não houve, salvo erro, nenhuma alteração desde 1976.
Quero aqui realçar que, apesar de os Srs. Deputados do Partido Socialista gostarem muito de assacar responsabilidades ao PSD por este ter detido, mesmo em governos socialistas, a Secretaria de Estado do Orçamento, houve sempre da parte do Dr. Alípio Dias, quando foi Secretário de Estado do Orçamento, uma grande preocupação em incentivar a Direcção-Geral da Contabilidade Pública para estes trabalhos. E posso testemunhá-lo pessoalmente.
É, portanto, uma norma - mais uma - a mostrar que, se o PSD não fez mais, foi certamente por ter estado em minoria nos governos a que pertenceu com o Partido Socialista.
Relativamente a esta intervenção, interpreto que os comentários da Sr.ª Deputada Helena Torres Marques são extremamente importantes, porque vêm dar força à posição do Governo. Ou seja, a lei de bases da contabilidade pública é fundamental e versa uma matéria que tem a ver com o próprio controlo das despesas públicas do Orçamento do Estado, mas, ao mesmo tempo - e o Sr. Ministro das Finanças já alertou para isso -, não deve ser confundida com a autonomia que as autarquias locais devem ter nesta matéria.

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A Sr.ª Deputada fez, no fundo, uma contraproposta, que era, salvo erro, a de aglutinar a legislação relativa ao enquadramento orçamental com a da contabilidade pública e ainda com outras normas. Interpretei que quereria que a matéria orçamental fosse tratada legalmente numa única lei. Seria uma opção. Mas não considera que, dada a dificuldade que existe em alterar o próprio fundamento da despesa, o momento da autorização e inscrição da despesa, que é o que está em causa na reforma da contabilidade pública, é muito mais complexo e difícil e, portanto, não deve estar a montante do processo legislativo de reforma financeira do Estado?
É essa a questão que coloco e talvez seja essa a razão pela qual se mexeu, desde 1976, duas vezes na lei de enquadramento. A própria Assembleia da República teve projectos de lei de alteração da lei de enquadramento do Orçamento, que, por razões diversas, não foram aprovados, mas nunca tomou responsabilidade relativamente às bases da contabilidade pública. E porquê? Porque era extremamente difícil fazê-lo.
Só este Governo - modéstia à parte, mas também tenho uma parte nesse trabalho - é que tomou essa medida.
Há um outro aspecto que gostaria de realçar e em relação ao qual lhe devolvo a palavra.
A Sr.ª Deputada diz que não tem havido controlo das contas públicas e que não tem sido feito o seu julgamento. V. Ex.ª recorda-se, com certeza, de que o julgamento das contas dos fundos e serviços autónomos cabe ao Tribunal de Contas e a tomada das contas gerais do Estado à Assembleia da República. A VV. Ex.ªs compete, pois, dar a palavra no sentido da fiscalização das contas do Estado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - O Sr. Deputado Vieira de Castro, meu querido amigo, é muito simpático. É pena é não me ouvir, porque vai obrigar-me a dar por duas vezes, no mesmo dia, a mesma explicação.
Volta a falar dos problemas do défice e da responsabilidade pelo défice e pela dívida pública, que teria sido alguma vez da responsabilidade do PS.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Só falei na dívida pública oculta!

A Oradora: - Se não foram os ministros do PSD, terá sido o Dr. João Salgueiro? Terá sido o Prof. Cavaco Silva? O Dr. Hernâni Lopes? Quem foram os grandes responsáveis?
Estamos a tratar de um assunto que penso ser muito sério e a trabalhar com toda a boa vontade para fazermos esta lei, que é muito importante. Penso que não deveremos estar sempre a voltar ao mesmo assunto. O que se verifica é que realmente o PSD não muda: está sempre com o mesmo discurso, por mais que expliquemos e indiquemos as razões que nos parecem ser as razoáveis.

O Sr. António Guterres (PS): - Não tem emenda!

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Aprendi com o PCP!

A Oradora: - Olhe que com o PCP não deu bom resultado.

Vozes do PSD: - Não deu?!

A Oradora: - Veja lá se consigo também não dá!...
Em relação às perguntas colocadas pelo Sr. Secretário de Estado, gostaria de dizer, em primeiro lugar, que penso que uma das razões por que esta reforma surgiu é ser membro do Governo quem foi director-geral da Contabilidade Pública. O Sr. Secretário de Estado conhece realmente o problema por dentro e deve ter uma capacidade acrescida para aqui trazer este problema. Reconheço isso.
O que falha nesta reforma é que há muitos assuntos que são da competência da Assembleia da República e que, portanto, terão de ser objecto de autorização legislativa. Ora, esta lei não prefigura as condições de uma autorização legislativa. O Governo anuncia um conjunto de decretos-leis que pretende concretizar, mas isso não é uma autorização legislativa. Por aquela forma, os senhores não tem capacidade de elaborar leis que sejam da competência da Assembleia da República.
É esse aspecto que, como eu disse, terá de ser visto com muito cuidado na especialidade, para verificarmos o que é que compete ao Governo e o que é que, no fundo, esta lei define. Porque também definirá pouca coisa se não avançar na reforma do Orçamento. Como o Sr. Deputado Octávio Teixeira disse, e ao contrário daquela que penso ter sido a interpretação do Sr. Ministro, não está em causa o problema de saber o que é mais importante ou mais difícil fazer, mas sim o de saber o que é que e lógico fazer primeiro. A reforma da contabilidade pública tem por base uma alteração orçamental. É esse aspecto que é importante.
Creio, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, que na especialidade teremos de retirar e alterar alguns aspectos que estão na lei - e não são questões pequenas, mas de fundo -, para que a lei seja constitucional, inovadora e clara, porque como está formulada não o é.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, Sr. Secretário de Estado do Orçamento, Srs. Deputados: A reforma da administração financeira do Estado e uma necessidade irrecusável que, segundo cremos, ninguém porá em causa.
O facto de actualmente, como se refere na exposição de motivos, apenas cerca de 23 % das despesas orçamentais da Administração Pública estarem sujeitas ao regime geral da contabilidade pública e de, como também se reconhece no relatório, o Orçamento do Estado ser cada vez mais um orçamento de transferencias, o que contraria frontalmente os princípios constitucionais da unidade, da universalidade e da não consignação, seria razão suficientemente demonstrativa da necessidade dessa reforma. Mas há certamente muitas outras razões.
Por isso, seria de esperar, do nosso ponto de vista, que o Governo apresentasse à Assembleia da República uma proposta de lei de reforma da administração financeira do Estado que integrasse a efectiva reforma orçamental - aqui incluindo a reforma das contas públicas e o enquadramento das relações orçamentais
... com as comunida-

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des europeias - e incluísse princípios básicos e fundamentais concernentes aos regimes financeiros dos serviços e organismos da administração central, ao controlo da execução e da gestão orçamental e às receitas e despesas. Seria, aliás, o que, do nosso ponto de vista, decorre do relatório que acompanha a proposta de lei n.º 114/V.
A verdade, porém, é que a proposta de lei não corresponde ao relatório. Ela não define, sequer as bases gerais de um conjunto articulado e coerente da reforma global da administração financeira do Estado, que urge fazer. Limita-se a propor a resposta a uma parcela, que, embora necessária, não será a mais significativa das questões que há que resolver no âmbito da referida reforma global.
A reforma parcelar que nos 6 proposta pelo Governo assemelha-se um pouco à intenção de construir um edifício começando pelas paredes e - esquecendo os alicerces em que elas devem assentar.
De facto, e como a própria exposição de motivos e o relatório anexos à proposta de lei afirmam, um sistema de contabilidade pública coerente, eficaz e eficiente tem de visar o pleno cumprimento da Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado, que defina e estabeleça os princípios e as regras da elaboração, discussão, aprovação e execução do Orçamento do Estado, isto é, tem de assentar numa reforma orçamental. De outra forma: a reforma orçamental, a Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado, tem de ser a matriz da reforma da administração financeira do Estado. Reforma orçamental que o Governo não propôs à Assembleia da República, mas que a recente revisão constitucional impõe, que já deveria ter presidido à elaboração do Orçamento do Estado para 1990 e que necessariamente terá de estar presente na sua discussão e votação.
A verdade, porém, Sr. Presidente, Srs. Deputados, é que o Governo não seguiu a metodologia mais coerente e adequada (como ele próprio reconhece, na sua exposição de motivos e no relatório) e a Assembleia da República está agora confrontada com uma proposta de lei de bases gerais da contabilidade pública, em sentido estrito. Embora estejamos convictamente certos da inversão das prioridades relativas e não descortinemos as razões dessa inversão e da urgência manifestadas pelo Governo (na medida, até, em que o que poderia apresentar carácter mais urgente em lermos de execução orçamental de 1990 - a definição dos regimes financeiros dos serviços, organismos, institutos e fundos públicos - vem contemplado na proposta de lei do Orçamento do Estado), não deixaremos de considerar positivamente a presente proposta de lei. Mas nos exactos termos de que se trata de uma proposta de lei que deverá visar, exclusivamente, a reforma da contabilidade pública e nada mais do que isso. Isto é, uma proposta de lei quo assuma inequivocamente o seu carácter parcelar, que tenha em conta a revisão constitucional (que, por exemplo, restringe a possibilidade de desorçamentação e torna obrigatória a discriminação das receitas e despesas dos fundos e serviços autónomos, inversamente ao que agora nos é proposto); que, não pretenda invadir as competências da Assembleia da República; que seja expurgada de quaisquer opções que, à margem do respectivo processo constitucional, visem ou possam antecipar e ou condicionar o processo de revisão da Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado (cuja importância foi agora subestimada pelo Governo).
Isso significa, para nós, no essencial e sem pretendermos entrar na apreciação na especialidade, que a proposta de lei deverá ser expurgada do seu capítulo IV, relativo às contas públicas, porque directamente dependente da lei de enquadramento, e que a sua regulamentação pelo Governo deverá excluir quer a das contas públicas quer a matéria relativa ao Tesouro público, operações de tesouraria e contas do Tesouro, da competência da Assembleia da República.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, julgamos que a proposta de lei de bases gerais da contabilidade pública não pode olvidar, como o faz, a necessidade de fiscalização sucessiva por parte do Tribunal de Contas e o dever de cooperação que tem para com o Tribunal de Contas os serviços da Administração responsáveis pelo controlo da execução e gestão orçamentais e pelas acções de inspecção.
Importa, aliás, e desde já o propomos, que, em sede de apreciação e discussão na especialidade, a Comissão de Economia, Finanças e Plano proceda à audição do Sr. Presidente do Tribunal de Contas sobre as orientações propostas pelo Governo.
Vem a propósito recordar a posição do Governo e do PSD, aquando da discussão da Lei Orgânica do Tribunal de Contas, de não permitirem que nela fosse consagrado o controlo da economicidade das despesas por parte do Tribunal.
O Governo propõe, na presente proposta de lei, que a Direcção-Geral da Contabilidade Pública, no âmbito das suas competências de controlo da gestão orçamental, possa proceder à avaliação da eficácia e eficiência das despesas realizadas pelos serviços. Do nosso ponto de vista, essa avaliação não deve ser apenas uma possibilidade, mas, antes, uma obrigação.
Mas esta incumbência da Direcção-Geral da Contabilidade Pública não pode substituir o controlo dá economicidade pelo Tribunal de Contas. Do que se trata, com efeito, não é apenas do critério do controlo, mas da natureza da entidade que o exerce. O Parlamento não pode, só por si, apreciar um parecer da Conta Geral do Estado que tenha algum conteúdo útil sem que uma entidade técnica independente do Governo se pronuncie sobre os aspectos técnicos da correcção da gestão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se em torno dos princípios gerais e constitucionais que referi houver consenso, como esperamos, contribuiremos activamente para que em curto prazo possam ser substituídas as regras caducas que hoje regem a contabilidade pública e para que a actual Direcção-Geral da Contabilidade Pública e os seus agentes possam recuperar a dignidade funcional que ao longo dos anos lhes foi retirada.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Com a certeza, porém, de que se impõe, a breve prazo, colmatar a grande lacuna que permanece: a da alteração da lei de enquadramento da administração financeira do Estado e das contas públicas.

Aplausos do PCP.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Maia Nunes de Almeida.

O Sr. Presidente: - Embora o Governo já não disponha de tempo, vou dar a palavra ao Sr. Secretário de Estado para, muito brevemente, formular um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Octávio Teixeira.

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Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Orçamento.

O Sr. Secretário de Estado do Orçamento: - Quero, muito rapidamente, pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado Octávio Teixeira, na sequência, aliás, do espírito de abertura, que registei, da sua intervenção, tal como da intervenção da Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.
É evidente que a opção que o Sr. Deputado Octávio Teixeira coloca - lei de enquadramento/contabilidade pública - é uma opção. O Governo, através do Sr. Ministro das Finanças, apresentou a sua.
Apenas acrescentarei que é uma questão de complexidade. Entendeu o Governo que, por a reforma da contabilidade pública ser muito mais complexa e profunda do que a lei de enquadramento, aquela deve anteceder esta. Por isso avançou já o Governo com esta lei de bases e dentro em breve, muito em breve, avançará com a lei de enquadramento. Mas é muito mais complexa, porque tem a ver com a própria estrutura da Administração.
Relativamente às alterações e aos pedidos de autorizações legislativas, não entende o Sr. Deputado Octávio Teixeira que com esta lei de bases da reforma da contabilidade pública se permite uma discussão alargada Governo/Assembleia da República em matérias - desculpar-me-á que manifeste a minha discordância - que não são claramente da competência da Assembleia da República?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Secretário de Estado, é evidente que é uma questão de opção, expliquei por que considero que deveria ter sido a outra opção, que sinceramente me parece que decorre do relatório que nos foi presente. E isso referi-o, é o que temos neste momento, houve uma opção por parte do Governo e vamos avançar. Agora, o Sr. Secretário de Estado coloca-me uma questão, de pedidos de autorização legislativa, de que não falei, com toda a sinceridade...

O Sr. Secretário de Estado do Orçamento: - De competência!

O Orador: - Não, o que coloquei foi isto: o Governo apresenta uma lei de bases da contabilidade pública e depois propõe no seu último artigo que essa lei de bases gerais será regulamentada. Ora, a inconsonância com aquilo que referi na minha intervenção sobre o problema das contas públicas está muito directamente ligada ao problema da execução e elaboração da Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado. Considero que a parte das contas públicas deve ser retirada desta proposta de lei e deve depois ser enquadrada em termos de lei de enquadramento. Nessa perspectiva e evidente que não haveria lugar a uma regulamentação das contas públicas.
Por outro lado, e isto é um aspecto que pode ser discutível, mas neste momento a posição que tenho (em termos do meu grupo parlamentar) é que a parte relativa às contas do Tesouro também é da competência exclusiva da Assembleia da República. É um problema que deveremos discutir em sede de especialidade e, sendo assim, pensamos que essa matéria também é da responsabilidade exclusiva da Assembleia da República. É evidente que nessa medida proponho que na matéria a regulamentar pelo Governo - o último artigo - também saia essa alínea, apenas pela razão que lhe expliquei. Por conseguinte, não levanto aqui o problema que foi colocado das autorizações legislativas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Antunes da Silva.

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Visa-se com esta iniciativa legislativa definir os princípios e normas a que ficam sujeitos os serviços e organismos da administração central e os institutos públicos que revistam a forma de serviços personalizados, no que respeita ao regime financeiro, ao controlo orçamental, à contabilização das receitas e despesas e à organização das contas públicas. Em suma, um conjunto de princípios e normas que constituirão a lei de bases gerais da contabilidade pública.
O actual sistema de contabilidade pública baseia-se em diplomas publicados há cerca de seis décadas e, por essa razão, está naturalmente inadequado às necessidades de uma administração dos nossos tempos, constituindo até, em grande medida, um entrave a uma correcta gestão dos recursos públicos, à redução mais acentuada do deficit do sector público e à modernização da Administração. O regime actual da contabilidade pública é aplicável somente aos serviços ou organismos sem autonomia, o que se entende por ter sido concebido para uma administração de reduzida dimensão, susceptível de ser abrangida por esse regime na sua quase totalidade.
As transformações que o Estado e a Administração Pública registaram ao longo desse tempo, designadamente nas décadas de 60 e 70, levaram a que a aplicação de tal regime esteja actualmente limitada a cerca de 23 % do universo das despesas orçamentais da Administração Pública, excluídas as amortizações da dívida pública. Além disso, a inadequação do regime e a rigidez que caracteriza o sistema levaram à criação, em número excessivo, de serviços autónomos, cuja capacidade para gerar e gerir um adequado volume de receitas próprias não está demonstrada.
Por estas razões, e por outras que nos dispensamos de enumerar, a reforma da contabilidade pública é inadiável, impondo-se como uma medida estrutural prioritária indispensável. Para nós é inquestionável o significado desta reforma mesmo considerada isoladamente. Mas e óbvio que cia assume uma relevância acrescida quando surge, como é o caso, inserida num conjunto mais vasto de acções reformistas realizadas e a realizar. O Governo, é justo salientá-lo, ao apresentar esta proposta deu mais um significativo passo no caminho, por si traçado, da modernização do Estado e da Administração Pública.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Com a aprovação deste diploma adoptar-se-á um regime de contabilidade pública aplicável a todos os serviços e organismos da administração central, com atribuição de autonomia administrativa à generalidade desses serviços, ou seja, autonomia de gestão corrente.
Consagra-se, como regra, a autonomia administrativa, reservando-se a autonomia financeira para casos excepcionais, justificados pela existência de um determinado volume de receitas próprias. Admite-se também que a autonomia financeira seja determinada por razões de natureza política, não quaisquer razões políticas, mas razões políticas ponderosas. Os serviços simples, até agora concebidos como modelo, são extintos, passando os serviços com autonomia administrativa a constituir o modelo-tipo de serviço público.

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A autonomia administrativa dos serviços e organismos de administração, em actos de gestão corrente/traduzir-se-á na competência dos seus dirigentes para autorizar a realização de despesas e o seu pagamento e para praticar actos administrativos definitivos e executórios.
A proposta de lei em análise exclui, compreensivelmente, do âmbito de gestão corrente os actos que envolvem opções fundamentais de enquadramento de actividade dos serviços. Estabelece-se, desta forma, uma saudável repartição de competências entre os membros do Governo e os dirigentes dos serviços compatível com os princípios de autonomia de gestão e de superintendência que a tutela envolve. A atribuição aos dirigentes dos serviços de competência para autorizar a realização de despesas e seu pagamento e para praticar, no mesmo âmbito, actos administrativos definitivos e executórios faz coincidir a autonomia administrativa no sentido que lhe é dada pela contabilidade pública e no sentido que o direito administrativo lhe reserva. Esta coincidência de conceitos propicia uma maior capacidade de gestão e permite estabelecer novas formas de responsabilização dos serviços processadores.
A proposta de lei sugere-nos também inovações no que respeita à autorização de despesas e sistemas de pagamentos. Autorizadas as despesas pelos dirigentes dos serviços, o pagamento será efectuado pelos cofres do Tesouro, mediante cheque sobre ele emitido ou ordem de transferência de fundos ou ainda através do crédito em conta bancária, quando esta forma se revelar a mais, conveniente. Deste modo, a autorização prévia e sistemática, despesa a despesa, e a requisição de fundos a que estavam sujeitos, respectivamente, os serviços simples e os serviços com autonomia administrativa, suo substituídas pela autorização de movimentação de fundos, o que se traduz num novo sistema de pagamentos - a generalização dos cheques do Tesouro, ordem de transferência ou crédito em conta bancária. Da lógica do novo sistema e de pagamentos resultará a inexistência de tesourarias privativas dos serviços.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta em análise evidencia uma preocupação em assegurar uma visão global da Administração, apontando para a necessidade de serem respeitados princípios de uniformidade na organização dos serviços e organismos dotados de autonomia administrativa. Admite-se, e bem, alguma flexibilidade na organização dos serviços, com a adaptação destes às necessidades decorrentes do seu enquadramento sectorial.
Quanto à organização dos serviços dotados de autonomia administrativa e financeira não são definidos idênticos parâmetros, o que corresponde inteiramente à sua própria natureza e especificidade. Naturalmente que os serviços autónomos deverão adoptar modelos organizativos tão próximos quanto possível do modelo empresarial e tendo em conta o seu âmbito de actuação.
Como já foi dito, os serviços e organismos, com autonomia administrativa e financeira constituem regime de excepção. É, pois, compreensível que, para a atribuição desse regime, a lei fixe alguns requisitos ou defina especiais circunstâncias. Assim o faz o diploma em análise ao determinar que os serviços da Administração Pública só poderão beneficiar deste regime quando o mesmo se justifique para uma adequada gestão e, cumulativamente, as suas receitas próprias atinjam um mínimo de dois terços das despesas totais. Atendendo, porém, a que os serviços autónomos se inserem em sectores com potencialidades diversas, visam fins específicos e diferenciados, tem normalmente missões distintas, apresentam diferentes capacidades de angariação de receitas, e, quando criados por «razões ponderosas», dificilmente os seus pressupostos são coincidentes, poderá questionar-se se a fixação de um volume mínimo de receitas, igual em qualquer caso, será a melhor solução.
Eis a nossa posição: uma Administração Pública racional e eficiente exige que a produção de receitas próprias, por parte dos organismos dotados de personalidade jurídica e património próprio, seja estimulada de forma eficaz. Por essa razão, o volume de receitas mínimo proposto, é, quanto a nós, aceitável. De outro modo seria eventualmente pactuar com situações de menor racionalidade económica, insustentáveis numa Administração que se quer e deseja eficiente e eficaz. A proposta de lei dá contudo resposta a algumas preocupações nesta matéria ao fixar, transitoriamente, mínimos de receitas próprias inferiores àquele a que, de futuro, estarão sujeitos os serviços autónomos.
Ocupemo-nos agora de um outro aspecto a que o diploma alude - o controlo orçamental. O controlo orçamental existente é notoriamente deficiente. Deficiente quanto às despesas dos serviços simples, caso em que são apreciadas apenas a legalidade e regularidade das despesas, através da declaração de cabimento e classificação. Estes serviços escapam a uma apreciação da racionalidade económica, eficiência e eficácia das suas despesas. É igualmente deficiente quanto aos serviços autónomos, porque só existe um controlo final da igualdade e da regularidade financeira aquando do julgamento das contas da gerência pelo Tribunal de Contas.
O presente diploma propõe que, para além da verificação de cabimento, passe a ser efectuado um controlo sistemático sucessivo da gestão orçamental dos serviços, e organismos com autonomia administrativa, com base nos mapas justificativos de despesa. Esse controlo, que não se limitará, em princípio, à fiscalização da conformidade legal e da regularidade financeira das despesas efectuadas, abrangerá a análise da sua eficiência e eficácia e os respectivos resultados constarão de relatórios de gestão orçamental, a remeter aos Ministros das pastas e das Finanças e, quando as despesas dizem respeito ao PIDDAC, ao Ministro do Planeamento e da Administração do. Território.
A fiscalização das despesas dos serviços e organismos dotados de autonomia administrativa e, financeira será igualmente assegurada através de controlo sistemático sucessivo da respectiva gestão orçamental, mediante a análise de balancetes trimestrais, entre outros elementos, e contemplará a apreciação da regularidade financeira, da eficiência e da eficácia das despesas efectuadas.
A contabilização das receitas e despesas e a organização das contas públicas são igualmente objecto do presente diploma e relativamente a elas introduzem-se modificações significativas. O actual sistema de escrituração das receitas e despesas dificulta a necessária análise económica e financeira e a correcta avaliação dos resultados de gestão, pelo que é sugerida a organização de uma contabilidade analítica. O sistema de contabilidade dos serviços autónomos deverá ter como moldura o Plano Oficial de Contas. A par de uma contabilidade de caixa deverá existir uma contabilidade de compromissos ou encargos assumidos, quando ocorre o ordenamento das despesas. As contas públicas assumem o papel de instrumento essencial de gestão orçamental e da política

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económica e financeira. A sua reforma constitui, só por si, um elemento relevante da reforma da contabilidade pública.
As contas públicas, especialmente a Conta Geral do Estado, devem ser organizadas por forma a tomar possível a apreciação, a avaliação e o julgamento da execução dos orçamentos. A proposta de lei responde igualmente a estas exigências. Os mapas que integram a Conta Geral do Estado serão acompanhados de um relatório resultante dos relatórios de actividade dos serviços e dos relatórios das auditorias de gestão eventualmente efectuadas, o que permitirá a desejada avaliação global dos resultados da gestão orçamental.
Finalmente, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A criação de um modelo-tipo de serviço público cujas receitas e despesas são discriminadas no Orçamento do Estado, a redução significativa de serviços autónomos, a adopção de esquemas de efectivo controlo, particularmente no domínio das transferências, e as modificações introduzidas a nível das contas públicas, constituem opções fundamentais deste diploma e representam um reforço dos princípios fundamentais a que obedecerá a elaboração do Orçamento.
A reforma da contabilidade pública não pode traduzir-se em meras modificações orgânicas. Ela implica alterações de estrutura do Orçamento e aperfeiçoamento dos princípios e dos métodos de gestão orçamental. O Governo, consciente disso, introduziu já importantes modificações ao nível da estrutura do Orçamento, organizando-o por actividades, ao nível da classificação económica das empresas públicas, possibilitando-se com a sua revisão o apuramento mais rigoroso das variáveis fundamentais da política orçamental e a articulação com o Sistema Educativo de Contas e com o Sistema de Contas Nacional e, finalmente, ao nível das novas técnicas de gestão e informatização do processo de elaboração do Orçamento.
Da conjugação de uma nova estrutura do Orçamento com as novas técnicas de elaboração e gestão orçamentais resultarão melhorias, designadamente uma adequação mais perfeita entre as decisões orçamentais e a sua execução, uma definição mais precisa dos objectivos e uma mais correcta avaliação das receitas e despesas. A elaboração do Orçamento baseada em nova estrutura e mediante a aplicação de novas técnicas irá, sem dúvida, permitir o aperfeiçoamento do processo de aprovação do orçamento e nesse sentido melhorará a articulação entre o Governo e a Assembleia da República, o que é de saudar. A Assembleia da República poderá usufruir de uma mais completa e sistematizada justificação das propostas que integram o Orçamento e com isso ficará em condições para valorar os seus efeitos económicos, sociais e políticos. Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As modificações resultantes da aprovação deste diploma vão exigir um conjunto de outras medidas que o Governo, a seu tempo, implementará. Esta iniciativa legislativa e as medidas que a vão complementar constituirão mais um marco positivo na acção governativa. Como atrás afirmei, o Governo, ao apresentar esta proposta de lei, deu mais um significativo passo na modernização do Estado e da Administração Pública. Queremos acompanhá-lo nessa caminhada e por essas razão vamos votar favoravelmente a proposta de lei em debate.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Vítor Ávila.

O Sr. Vítor Ávila (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A reforma da contabilidade pública é uma medida estruturalmente prioritária para uma mais racional gestão das finanças públicas. É uma verdade insofismável. Uma Administração Pública moderna não se compadece com sistemas que se encontram em vigor em diplomas publicados essencialmente entre 1928 e 1930. Parece-nos correcta a diferenciação, que agora se pretende consagrar, entre serviços com autonomia administrativa e serviços e fundos com autonomia administrativa e financeira, com a diminuição drástica destes últimos. Não tem qualquer lógica democrática que a Assembleia da República aquando da discussão do Orçamento do Estado se limite a aprovar de uma forma discriminada somente cerca de 23 % do universo das despesas da Administração Pública, excluindo a amortização da dívida pública.
A estreiteza de uma visão burocrática e administrativa que se encontrava consubstanciada na legislação dos anos 20 e 30 deste século conduziu à situação anacrónica de cerca de 77 % das despesas do Estado serem efectuadas pelos serviços ditos autónomos, mas que não geram, na maior parte dos casos, receitas próprias significativas. A proliferação dos serviços com autonomia administrativa e financeira teve como objectivo a fuga ao regime geral aplicável aos serviços do Estado sem autonomia, propiciadora, em muitos casos, de descontrolos na assumpção de responsabilidades para com o Estado e para o acréscimo da dívida pública a pagar pelas gerações vindouras.
Não foram também, na generalidade, razões políticas ponderosas que conduziram ao desmesurado número de serviços autónomos -com autonomia administrativa e financeira -, mas tão-só jogos de influência política não conformes com uma sã gestão das finanças públicas. Isto tudo é verdadeiro, e neste sentido é saudável a apresentação da proposta de lei do Governo sobre as bases gerais da contabilidade pública, sobretudo tendo em atenção que tal poderá propiciar a elaboração de orçamentos por programas e actividades, permitindo-se assim uma melhor afectação de recursos às prioridades económicas e sociais do Estado e um maior controlo e maior redução do défice do SPA, com melhorias do crédito ao sector produtivo, potenciados do crescimento económico.
A flexibilidade que esta reforma poderá propiciar na gestão dos vários departamentos não deverá, no entanto, permitir uma inversão do sentido das votações que, no âmbito das despesas, se fazem nos debates parlamentares sobre o Orçamento de Estado, nomeadamente quando a Assembleia aprova a afectação de descriminadas verbas a esta ou àquela função do Estado, sob pena de a discussão orçamental perder todo o seu sentido orientador e priorizador dos gastos públicos. Decorrido que seja o período de transição de dois anos em que se ajuizará até que ponto os actuais serviços e fundos detentores de autonomia administrativa e financeira tiveram ou não a possibilidade de com as suas receitas próprias cobrir dois terços dos respectivos custos, só por razões políticas fundamentais aqueles serviços devem então continuar a deter aquela prerrogativa.
No entanto, a análise de tais razões políticas fundamentadoras da atribuição de autonomia administrativa e financeira deverá ser sempre efectuada pela Assembleia da República, sob proposta do Governo, e não por de-

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creto-lei, e, como tal, este princípio deveria constar, da lei de bases, a aprovar por esta Câmara, uma vez que as regras de gestão para os serviços que tem somente autonomia administrativa são diferentes das que ficarão em vigor para os serviços sem autonomia financeira. A legislação decorrente da proposta de lei de bases em discussão é que irá permitir uma correcta avaliação do sentido concreto a dar à reforma que agora se pretende efectuar, mas que, nos termos do seu actual articulado, é muito vaga e somente anunciadora de grandes princípios. Não se entende, por exemplo, qual o sentido que o Governo atribui à alteração da Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado, nomeadamente quando refere a redução de matérias a discutir e votar no plenário da Assembleia da República.
Em síntese, pensamos que a reforma da contabilidade pública e urgente e necessária, mas tal facto não deve diminuir os poderes de controlo e de autorização das despesas da Administração Pública em sede de legislação complementar, e, sendo assim, o PRD irá votar, na generalidade, a favor da proposta de lei do Governo.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Srs. Deputados, não sendo um especialista na matéria, apenas transmitirei que o CDS se congratula com a apresentação pelo Governo desta proposta de lei de bases gerais da contabilidade pública. Não temos a menor dúvida em louvar o Governo quanto a esta proposta em primeiro lugar pela seriedade da mesma, pela forma explícita como justifica as soluções que propõe e sabemos quão difícil é fazer esta reforma.
Não acompanharei o Sr. Ministro quando diz que ela vem depois de 60 anos, porque o regime que tinha feito a outra reforma tinha naturalmente interesse em a manter, visto ser a reforma de um regime e o ter servido. O que o Sr. Ministro pode dizer, é que depois da queda do regime aquela reforma se manteve inalterada para as condições diferentes que vigoraram após o 25 de Abril. Mas naturalmente também que o Sr. Ministro, e todos nós, sabemos que nenhum Governo teve - pela sua própria duração, pela sua própria natureza, pelos outros problemas em que esteve - de levar a cabo uma reforma não complexa (como o Sr. Primeiro-Ministro disse e com que concordamos), tecnicamente tão difícil de se fazer, como este Governo teve oportunidade de fazer pela própria razão da estabilidade de que goza. E entendemos que este valor de estabilidade não deve ser apenas utilizado politicamente mas igualmente para fazer reformas desse tipo.
Pena é que no sector da Administração Pública, em Portugal, esta seja uma excepção, porque a Administração Pública não se esgota na discussão das grelhas salariais, nem em reformas pontuais de aumentos de vencimentos, que também são necessários - e já aqui tive oportunidade de aplaudir o aumento de vencimentos dos directores-gerais, porque sem estes aumentos, sem estas grelhas salariais, não temos uma Administração Pública à altura das necessidades do País -, mas também não podemos ficar por aqui e pensar que a alteração destes aspectos pontuais é suficiente para fazer a reforma da Administração Pública. Ela tem de ser feita estruturalmente, à semelhança do que agora aconteceu com a reforma financeira do Estado, através desta proposta de lei.
Esperamos que o Governo tome mais iniciativas deste género para completar esta acção. Embora, em nosso entender, nem tudo esteja certo nesta proposta de lei, pois temos algumas dúvidas que, a seu tempo, quando ocorrer o debate na especialidade, irão ser colocadas e que incidem sobre alguns conceitos, tais como a autonomia financeira, as percentagens fixadas, a regra e as excepções, mas são aspectos de natureza política e conceitual que não ficaria bem trazer aqui para o debate na generalidade, uma vez que tem mais cabimento em sede de especialidade.
Por outro lado, na minha qualidade de jurista, devo dizer também que na vida deste Governo raras vezes tem acontecido ser apresentado a esta Assembleia um diploma normativamente bem formulado. Este é um diploma, talvez o primeiro diploma, que, em minha opinião - e não, sei quem foi o jurista que o formulou em termos conceituais formais, mas quem o fez está de parabéns - está bem formulado. Pode haver um ou outro aspecto susceptível de controvérsia, mas pela primeira vez o jurista foi aqui predominante e não apenas os conceitos económicos, como tem sido a regra deste Governo.
Por tudo isto, não tenho qualquer dúvida em votar a favor desta proposta de lei e, mais uma vez, gostaria de felicitar o Governo por ter levado a cabo uma reforma que tão necessária era para o nosso país.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, damos por encerrado o debate.
Vamos passar à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 114/V - Bases Gerais da Reforma da Contabilidade Pública.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD e do CDS e as abstenções do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a nossa próxima reunião plenária terá lugar quinta-feira, dia 30, as 10 horas, com período de antes da ordem do dia, e terá como ordem do dia a discussão do projecto de lei n.º 423/V.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 05 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Caeiro da Moía Veiga.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Pereira.
António Mário Santos Coimbra.
Arlindo da Silva André Moreira.
Carla Talo Diogo.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.

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Dinah Serrão Alhandra.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco João Bernardino da Silva.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Eduardo Gomes.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Francisco Amaral.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Luís Bonifácio Ramos.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Luís António Damásio Capoulas
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Mano Ferreira Bastos Raposo.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Pedro Manuel Cruz Roseta
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Gomes da Silva
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
Carlos Manuel Martins Vale César.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Edmundo Pedro.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
José Apolinário Nunes Portada.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel António dos Santos.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo Brito.
José Manuel Antunes Mendes.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Octávio Rodrigues Pato.

Partido Renovador Democrático (PRD)

Vítor Manuel Ávila da Silva.

Deputados independentes:

Maria Helena Salema Roseta.

Faltaram à sessão os seguintes Srs Deputados

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António Augusto Lacerda Queirós.
António José Coelho Araújo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António da Silva Bacelar.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Casimiro Gomes Pereira.
Eduardo Alfredo de Carvalho P da Silva.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando dos Reis Condesso.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José de Vargas Bulcão.
Licinio Moreira da Silva.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista (PS).

António de Almeida Santos.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Laje
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Henrique do Carmo Carmine.
João Barroso Soares.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Luís cio Amaral Nunes.

Partido Comunista Português (PCP)

Ana Paula da Silva Coelho.
António da Silva Mota.
Eduarda Maria Castro Fernandes.
José Manuel Santos Magalhães.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Maria Odete Santos.

Partido Renovado Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.

Centro Democrático Social (CDS)

José Luís Nogueira de Brito.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PEV).

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.

Deputados independentes.

Raul Fernandes de Morais e Castro.

Declaração de voto enviada à Mesa para publicação sobre o inquérito parlamentar n.º I5/V

Votámos a favor da iniciativa apresentada pelo PSD porque entendemos que quaisquer suspeitas que se criem à volta da actividade política e da vida pública devem merecer a mais profunda investigação.
Tal investigação deverá permitir o encontro pleno da verdade para que os alegados prevaricadores, se esse for o caso, ou os difamadores, se não houver prova da acusação feita, tenham a competente condenação.
Lamentamos, contudo, que os resultados obtidos em acções semelhantes sejam mais fruto da vontade das maiorias reinantes do que o verdadeiro apuramento dos factos.
Continuamos a ter esperança que, nestas matérias, se encontre definitivamente o caminho certo

Os Deputados do PRD - Barbosa da Costa - Vítor Ávila

Os REDACTORES: Leonor Ferreira - Maria Amélia Martins - José Diogo - Cacilda Nordeste

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