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Sexta-feira, 12 de Janeiro de 1990 I Série - Número 30
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1989-1990)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 11 DE JANEIRO DE 1990
Presidente: Exmo. Sr. João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Júlio José Antunes
João Domingos F. de Abreu Salgado
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 13 horas e 30 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n.º 459/V.
Procedeu-se à discussão, na generalidade, do projecto de lei n. º 4S7/V (PS), sobre o exercício da actividade da radiotelevisão, que baixou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias antes da votação, a requerimento do PSD. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação), os Srs. Deputados Arons de Carvalho (PS), Vítor Costa (PCP), Nuno Delerue (PSD), Marques Júnior (PRD), Correia Afonso (PSD), Natália Correia (PRD), Mário Raposo (PSD), Hermínio Martinho (PRD), José Manuel Mendes (PCP), Guilherme Silva (PSD), Nogueira de Brito (CDS), Antónia Filipe (PCP), António Guterres e Jorge Lacão (PS), Rui Silva (PRD), José Luis Ramos (PSD) e Edite Estrela (PS).
Entretanto, foi aprovado um relatório da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de deputados do PSD.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 50 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados: Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda Queirós.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Ourique Mendes.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Lopes Correia Costa.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel P. Baptista.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Germano Silva Domingos.
Gilberto Parca Madaíl.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Carlos Marta Soares.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Licinio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Augusto Pinto Barros.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Gomes da Silva.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel de Morais Barreto.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
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Francisco Fernando Osório Gomes.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino Castro Dias.
Laurentino Monteiro Dias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Pedro Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Eduarda Maria Castro Fernandes.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Santos Magalhães.
Júlio José Antunes.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Luís Maria Bartolomeu Afonso Palma.
Manuel Anastácio Filipe.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Sérgio José Ferreira Ribeiro.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Natália de Oliveira Correia.
Rui José dos Santos Silva.
Centro Democrático Social (CDS):
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
José Luis Nogueira de Brito.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PEV):
André Valente Martins.
Deputados independentes:
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Maria Helena Salema Roseta.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar o diploma que deu entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Trata-se do projecto de lei n.º 459/V, apresentado pelo Sr. Deputado Jorge Lacão e outros, do PS, que regula as atribuições, competências, organização e funcionamento da Alta Autoridade para a Comunicação Social e que baixou à 3.ª Comissão.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como é do vosso conhecimento, a ordem do dia de hoje respeita à apreciação, na generalidade, do projecto de lei n.º 457/V (PS), sobre o exercício da actividade da radiotelevisão.
Para uma intervenção inicial, tem a palavra o Sr. Deputado Arons de Carvalho.
O Sr. Arons de Carvalho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O debate que hoje aqui iniciamos é seguramente um dos mais importantes da Legislatura.
Os índices de audiência, em Portugal como em qualquer país europeu, mostram que, durante várias horas por dia, a televisão entra em casa da esmagadora maioria dos portugueses.
Ver televisão é hoje um hábito quase tão natural como dormir ou trabalhar, ou como o próprio ritual das três refeições diárias.
Não é necessário citar ou relembrar todos os estudos já feitos sobre a influência da televisão e o quanto ela fez mudar o nosso quotidiano.
A classe política, como talvez nenhuma outra, conhece e está atenta ao seu impacte. Toda a gente sabe como a televisão condiciona tantas vezes escolhas e momentos de intervenção.
A responsabilidade que nos cabe não é pequena.
A meu ver, ao legislar sobre a televisão corremos sobretudo dois riscos: o primeiro é o de legislarmos para a conjuntura, articulando as normas legais com objectivos puramente imediatistas de manutenção ou conquista do poder; o segundo é o de não termos o conhecimento e a visão suficientes sobre a evolução futura do meio televisão e a forma como evoluirá não só do ponto de vista tecnológico como da sua influência sobre os cidadãos. Um e outro impõem-nos um alargado consenso.
A lei que regula o exercício da actividade da radiotelevisão não pode ficar sujeita a mudar cada vez que mudar a maioria ou que evoluam as condições tecnológicas.
O desafio que nos é colocado - à maioria e às oposições - é o de legislar em função dessa responsabilidade, estabelecendo um acordo global sobre a televisão.
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Aponto, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, 10 temas para esse acordo que vos proponho.
O primeiro deles é o do início da televisão privada.
Não há qualquer argumento válido que justifique o atraso no debate e na aprovação da Lei da Televisão.
Entre essa aprovação e a escolha dos novos operadores distarão os meses mais do que suficientes para aprovar a Lei da Alta Autoridade para a Comunicação Social e concretizar a eleição e a posse de todos os seus membros.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O largo atraso com que o Governo apresenta a sua proposta - contrariando as suas próprias promessas - irão tem qualquer justificação válida. É, pois, legítima a suspeita de que o Governo quer proceder ao concurso público...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: -... naturalmente antes das eleições de 1991, mas suficientemente tarde para que os operadores privados só comecem a transmitir depois dessa data.
Aplausos do PS.
Importa desmentir com factos esta suspeição. É perfeitamente possível haver canais privados a operar no início do próximo ano. É um desafio -o primeiro que dirijo - à vontade política do Governo!
O segundo tema é o do financiamento da televisão. É um problema complexo, talvez o maior desafio colocado à televisão privada.
Apesar do vertiginoso aumento do investimento publicitário no nosso país, particularmente nos últimos anos, e da elevada percentagem da televisão no mercado publicitário (cerca de 60%), não é líquido que o «bolo» venha a ser suficientemente elevado para ser repartido pela imprensa, pela rádio, incluindo os próximos operadores regionais, e pelos futuros canais privados de televisão, sem contar evidentemente a RTP, a publicidade exterior e os outros meios.
Todos os meses lemos referências à difícil situação financeira de alguns canais ou projectos de televisão na Europa Comunitária. É um problema que não pode ser escamoteado.
O projecto do PS preconiza sobre esta matéria que o tempo destinado à publicidade seja alargado, enquanto, por outro lado, o projecto socialista sobre a Alta Autoridade prevê que este organismo possa estabelecer tectos máximos de publicidade para o serviço público.
É possível ir mesmo mais longe. O Estado tem a obrigação de subsidiar o serviço público através de indemnizações compensatórias, limitando ao mesmo tempo os horários de publicidade.
Poder-se-ia, inclusive, garantir uma certa independência face ao Governo nesta matéria, fazendo depender o montante dessa indemnização de parecer da Alta Autoridade.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Simultaneamente, importa rever com coragem o problema da taxa de televisão, cada vez mais difícil de explicar à medida que os canais privados tiverem de competir com uma empresa pública, que recebe ainda as verbas provenientes das receitas publicitárias.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O terceiro tema é o do modelo de gestão da empresa pública RTP.
O texto constitucional, a actual Lei da Televisão e certamente também a futura, prevêem como um dos fins. do serviço público assegurar a independência, o pluralismo, o rigor e a objectividade da informação e da programação de modo a salvaguardar a sua independência perante o Governo, a Administração e os demais poderes públicos.
Concordemos num facto: estas expressões são utilizadas desde 1975, mas nunca foram cabalmente cumpridas.
Não se trata apenas de um tema para os estatutos da RTP; é um dos objectivos mais importantes do serviço público de televisão. Como é possível dizer-se que a forma adequada da sua concretização não deve figurar na lei quadro da televisão?
Não me limito a invocar legislação estrangeira. Entendo que a questão da independência ou da «governamentalização» da RTP não pode ser escamoteada com argumentos formais.
Limito-me a perguntar ao Governo e ao PSD: haverá coragem?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Quarto tema: a dimensão do sector público ou, de forma mais simples, o destino do segundo canal da RTP.
Os objectivos exigidos ao serviço público, designadamente a preocupação pelos gostos das minorias mais representativas, e pelas regiões menos desenvolvidas, a sujeição da concorrência com o sector privado a níveis de qualidade e não apenas a índices de audiências ou a critérios de pura rentabilidade, a defesa dos valores culturais contra os riscos da massificação banalizadora e a garantia do pluralismo, todos estes objectivos serão mais cabalmente atingidos com um serviço público com dois canais.
As tradicionais missões atribuídas ao serviço público - informar, educar, distrair seriam postas em causa apenas com um canal.
A generalidade dos países comunitários mantém dois canais de serviço público, um dos quais mais apto à concorrência directa com a iniciativa privada.
Repare-se que me refiro a serviço público e não a empresa pública. Julgo, com efeito, que importante é assegurar esse objectivo independentemente da propriedade ser pública ou privada. Os serviços públicos sueco e suíço, por exemplo, são desempenhados por empresas privadas.
As tradições europeia e portuguesa e a capacidade para garantir eficazmente um conjunto de obrigações adequadas aconselham, no entanto, a assegurar esse serviço no quadro de uma ou mais empresas públicas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O quinto tema é precisamente o do conjunto de obrigações a que os operadores privados devem estar sujeitos.
É uma conciliação complexa: respeitar a autonomia e a liberdade própria da iniciativa privada com os deveres para com a sociedade decorrentes do privilégio que constitui a utilização influente de um bem escasso do domínio público.
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Importa aqui encontrar o ponto de equilíbrio correcto, tendo em conta a especificidade portuguesa e as condições necessariamente menos exigentes dos primeiros anos de emissão.
Refiro, entretanto, dois pontos essenciais neste domínio: a obrigação que impende sobre os canais, desde que não temáticos, de produzirem uma informação isenta e plural e, por outro lado, a de assegurarem a cobertura da generalidade do território e não apenas das zonas mais desenvolvidas e comercialmente rentáveis.
O sexto tema decorre directamente deste: de que forma garantiremos, por exemplo, a defesa do cinema, dos exibidores aos produtores e da produção nacional?
O projecto do PS inclui várias disposições nesse sentido. Em relação à defesa do cinema acolhe disposições da directiva que encontraram já eco em legislação estrangeira. A cronologia da exibição de filmes e o estabelecimento de um limite máximo de longas metragens incluíveis na programação de televisão pareceram-nos medidas adequadas.
É mesmo possível ir mais longe, por exemplo, libertando os exibidores de cinema da concorrência da televisão em alguns dos dias da semana.
O estabelecimento de regras sobre os mínimos de produção própria do respectivo operador de produção nacional ou de produção comunitária traduz igualmente não só o propósito de valorizar estas origens como de adequar a legislação portuguesa às regras europeias.
A este propósito importaria até questionar o Governo sobre se tem em atenção que a directiva comunitária considera 1990, para Portugal, como ano padrão a partir do qual, se tiver atingido os 50 %, a percentagem na programação televisiva com origem na produção comunitária não pode diminuir.
A RTP tem assim nas suas mãos o poder de fixar para o futuro as quotas mínimas de produção comunitária dos operadores privados. Saberá utilizá-lo da melhor forma?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O sétimo tema poderá parecer deslocado do debate de hoje: trata-se de garantir a isenção da escolha dos operadores privados a quem serão atribuídos ai varas de licenciamento.
Esta matéria será certamente debatida na discussão em tomo da Alta Autoridade para a Comunicação Social e dependerá também, embora em menor escala, do regulamento do concurso público e de uma eventual lei de licenciamento.
Importa, no entanto, definir desde já regras claras sobre as condições de preferência, valorizando a produção própria e nacional, uma maior percentagem de tempo de emissão com programas culturais e informativos, maiores níveis de investimento garantindo e estipulando outras regras que destaquem a qualidade, a iniciativa e a diversidade, mas importa, sobretudo neste quadro, assegurar que não se repetirão os atropelos e cumplicidades que a legislação sobre a radiodifusão veio a permitir no momento em que se atribuíram os alvarás para as rádios locais.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O oitavo tema é menos polémico: a regulamentação sobre a publicidade sofrerá inevitáveis alterações decorrentes da directiva do Conselho das Comunidades Europeias.
Há alguns aspectos dessa regulamentação particularmente adequados à realidade portuguesa: a identificação da publicidade e a sua nítida separação da restante programação, a defesa da integridade e valor dos programas, as regras estritas sobre a interrupção das longas metragens ou sobre os programas patrocinados.
Admito que algumas das regras incluídas no projecto do Partido Socialista tenham mais cabimento num código da publicidade do que na Lei da Televisão, mas onde está então esse novo código da publicidade que o Governo anuncia há tantos meses? O PS, pela sua parte, oferece-se desde já para estimular o desembaraço possível do Governo através da apresentação de um projecto de lei sobre a matéria!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - De qualquer forma, importa pôr cobro a situações de claríssima ilegalidade e também de desrespeito pelos direitos de autor, frequentemente visíveis na programação da RTP, e sobretudo moralizar algumas situações, adequando rapidamente a nossa legislação às regras europeias, que, em muitos países, já nada de novo representam.
O penúltimo tema diz respeito ao âmbito do concurso público para as novas estações.
Nada impede que além das frequências para cobertura geral sejam igualmente colocadas a concurso frequências locais.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - A eventual limitação do primeiro concurso público aos canais privados de âmbito nacional não tem em conta que. quer pelo grau de investimento necessário quer pelas infra-estruturas técnicas exigidas, a televisão de cobertura local envolve uma menor complexidade e mais rapidamente poderá iniciar as suas emissões.
Não ignoro as profundas assimetrias existentes no País em matérias de desenvolvimento e de acesso à comunicação social. Foi, aliás, o Governo, ao reprovar, por exemplo, os apoios às rádios locais quem deu o mote. No entanto, se se atrasar injustificadamente a televisão local, como se fez em relação à rádio, não tardarão, em quantidade muito mais substancial do que já existem hoje mesmo, as emissões piratas de televisão.
O décimo tema tem a ver com os direitos dos jornalistas.
É sabido como, no nosso país, a informação é alvo de não poucas pressões, no sector público como no privado.
A legislação portuguesa não é avara nesta matéria, consagrando direitos fundamentais como o de criação e expressão, de acesso às fontes, a garantia ao sigilo profissional e os direitos à independência e à participação na vida do respectivo órgão de informação.
Este conjunto de direitos e garantias não é excessivo e tem contribuído para o direito à informação dos Portugueses sem limitar a iniciativa dos empresários da informação ou tolher indesejavelmente os direitos dos seus responsáveis.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - Não é aceitável limitar os direitos dos jornalistas, nem é necessário! Não conheço qualquer
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conflito sério, qualquer impedimento grave à liberdade motivado pelo reconhecimento legal dos direitos dos jornalistas! Nenhum candidato à televisão privada invocou até hoje dificuldades de qualquer espécie com origem nos direitos reconhecidos aos jornalistas.
Este tema tem alguma pertinência e actualidade. Não me refiro apenas ao conflito nascente entre os jornalistas da RTP e a empresa; invoco, sobretudo, o1 precedente criado por uma disposição transitória da proposta de lei do Governo sobre a Alta Autoridade em que a propósito... ou despropósito deste orgão, subtilmente se revoga um dos direitos dos conselhos de redacção. Uns chamarão a este processo «artifício legislativo», mas eu prefiro classificá-lo simplesmente como pura cobardia. Mas teremos tempo de falar disso!...
Aplausos do PS.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O conjunto de propostas incluídas no projecto de lei do PS, tal como ó conjunto de temas que referi, constituem um contributo que consideramos adequado, sincero e sério para um consenso sobre a televisão em Portugal.
O PS está disponível para esse consenso, sem quaisquer preconceitos. Erram totalmente os que tentarem ver neste debate um desafio entre estatizantes e partidários da iniciativa privada.
A televisão é um meio demasiado importante para ser entendido como instrumento de perpetuação do poder ou pretexto de combate político.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Estão inscritos, pára pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Vítor Costa, o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares e os Srs. Deputados Nuno Delerue, Marques Júnior, Correia Afonso, Natália Correia, Mário Raposo, Hermínio Martinho, José Manuel Mendes e Guilherme Silva.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Costa.
O Sr. Vítor Costa (PCP): - Sr. Presidente, ouvida com a devida atenção a intervenção do Sr: Deputado Arons de Carvalho, consideramos que estão reunidas as condições para este debate. De facto, a revisão constitucional já lá vai... há um quadro constitucional, suficientemente esclarecedor sobre esta matéria, pelo que, colocando-nos nesse quadro constitucional, tal como ontem, julgamos que estão criadas as condições para um debate sereno e construtivo em tomo desta matéria. Mas também julgamos que estão criadas as condições para sermos duplamente exigentes: em primeiro lugar, pela natureza da coisa em discussão e, em segundo lugar, porque temos obrigação de estar avisados sobre esta matéria, dado que as experiências de outrem são suficientemente desenvolvidas e conhecidas para, na nossa casa, não cairmos nalgumas ratoeiras em que outros caíram.
Nesta matéria, ou em bastantes aspectos desta matéria, não se trata bem de «descobrir a pólvora»; trata-se mais de saber que pólvora vamos usar - nesta linguagem figurada -, e em que medida vamos utilizá-la.
Todavia, Sr. Deputado Arons de Carvalho, «nesta altura do campeonato» - como se diz em linguagem desportiva - há coisas que importa esclarecer bem, principalmente em nome do rigor, fundamentalmente os artigos 8.º, 9.º e 11.º Parece-me existir aí uma questão grossa, digamos, suportando-se nas matérias técnicas, não é técnica e muito menos regulamentadora.
Sem grandes rigores técnicos ou de linguagem técnica, colocarei a questão da seguinte maneira: a actividade da radiotelevisão implica dois meios, o emissor e os meios de transporte e a difusão do sinal. Em Portugal parece que também implica o acesso aos arquivos da RTP, mas deixemos isto de lado!... De facto, em Portugal, pela realidade nacional e também pelas normas internacionais que o Sr. Deputado tal como li hoje na imprensa - refere, parece que é possível existirem quatro canais de Televisão. Parece-me também, pela sua intervenção, que dois desses canais ficariam para o serviço público, o que quer dizer que os licenciamentos para operadores privados seriam também dois - eu até admito três.
Quanto aos meios de transporte e esta é a questão grossa -, sabemos que, neste momento, os serviços da RTP possibilitam a existência dos dois canais já existentes e mais outro - parece que até estão a ser feitos investimentos nesse sentido. Portanto, teremos a curto prazo, no domínio público, três meios de transporte e difusão do sinal, o que quer dizer que para o licenciamento de dois ou três operadores privados coloca-se a questão de saber que meios de transporte e difusão se vão suportar estes operadores privados, admitindo que um poderá vir a colar-se, como o cuco, no terceiro meio de transporte que ainda suporta os actuais mecanismos da televisão portuguesa. E o quarto, onde é que se vai suportar? Constrói-se de raiz ou não?
Tudo isto, Sr. Deputado, para dizer que ou o PS já tem uma lógica para tudo isto ou, então, não entendo como é que se pretende uniformizar, para todos, os tempos de licenciamento e também os problemas da renovação desse mesmo licenciamento.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado-Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação): - Sr. Presidente em primeiro lugar, gostaria de dizer que esta iniciativa da oposição merece, de facto, a presença do Governo. E é, se não a primeira vez, pelo menos, uma das únicas vezes em que isto acontece. Ê por uma razão simples...
O Sr. António Guterres (PS): - Foram as eleições!
O Orador: - Nada tem a ver com isso, Sr. Deputado António Guterres. Tem a ver com a substância!
Até que enfim vemos a oposição seguir ideias-base do Programa do Governo!... Até que enfim vemos a oposição seguir à risca o Programa do Governo naquilo que ele tem de essencial!... Não é todos os dias que isto acontece, mas, pelo menos, hoje aconteceu; naquilo que é essência em relação a esta proposta, isso verifica-se, só que (e compreendo que o PCP tenha alguns problemas)...
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Olhe que não!...
O Orador: -... esta oposição tem um problema complicado, que é o de tentar correr a maratona com o
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ritmo dos 100 m. Mas, pelo menos, podemos dizer uma coisa importante e séria: é que a oposição, pelo menos, corre!...
O Sr. João Amaral (PCP): - A oposição corre, o Governo é corrido!
O Orador: -... Até que enfim também a oposição diz qualquer coisa, designadamente o PS, o que é muito importante e nos é muito grato. Diz que não somos eleitoralistas, porque não apresentámos esta proposta de lei antes das eleições!
Mas em comentário a isto eu diria três coisas, a primeira das quais é esta: Srs. Deputados do PS e Sr. Deputado Arons de Carvalho, quanta precipitação, quanta sofreguidão, quanta irresponsabilidade, e que contraste existe entre a vossa posição e a do Governo. O Governo, em 3 de Julho, anunciou a sua iniciativa legislativa e ordenou as prioridades, e agora eu aqui afirmo solenemente, em nome do Governo, que, até ao fim deste mês, a proposta de lei do Governo sobre esta matéria dará entrada nesta Assembleia.
O Governo não desrespeitou qualquer das suas prioridades, o Governo não desrespeitou tudo aquilo que estava no seu Programa, o Governo não pretendeu «correr a foguetes» antes do tempo, como VV. Ex.ªs fizeram!
Mas, em relação ao vosso projecto, há três questões importantes e oportunas que eu gostaria de colocar ao Sr. Deputado Arons de Carvalho -e isto decorre da afirmação que fiz, há pouco, por contraponto com a posição do Governo -, que são estas: em primeiro lugar, por que é que VV. Ex.ªs apresentam este projecto de lei antes do projecto de lei da Alta Autoridade, se ela é pressuposto essencial para que isto, que decorre do conteúdo desta lei, aconteça? E para fazer esquecer a Alta Autoridade? É porque VV. Ex.ªs tem medo que o PCP lhes bata a propósito da Lei da Alta Autoridade?
Em segundo lugar, Sr. Deputado Arons de Carvalho, entende o Partido Socialista ou não que são necessários - e que continuarão a sê-lo - estudos técnicos, estudos económicos, para que haja uma verdadeira viabilidade na obtenção do desiderato que este projecto de lei visa alcançar?
O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, ultrapassou já os três minutos de que dispunha para pedir esclarecimentos.
O Orador: - Peço desculpa, Sr. Presidente, e peço também a sua tolerância.
VV. Ex.ªs já têm esses estudos económicos, já têm esses estudos de viabilidade? Se existem, querem deles dar-nos conhecimento? Querem enriquecer esta Câmara com eles? Ou VV. Ex.ªs prescindem, pura e simplesmente, da sua referência?
Por exemplo, o Sr. Deputado Almeida Santos, meu querido amigo, disse há algum tempo atrás que, em Portugal, só era possível a existência de um canal privado, VV. Ex.ªs descobrem agora que são possíveis 358!...
Risos do PCP.
Mas VV. Ex.ªs podem também dizer: «É certo, mas procurámos seguir o modelo que tínhamos da Lei da Rádio. Temos já uma Lei da Rádio tão bonita!... Pois bem, vamos mudar-lhe o nome e vamos aplicá-la à radiotelevisão.» Será que foi isto o que VV. Ex.ªs quiseram fazer? Esqueceram-se da dúvida do Dr. Almeida Santos e agora, por excesso, apresentam um modelo que não cabe naquilo que é possível e exequível neste país?
VV. Ex.ªs podiam, pelo menos, voltar a copiar -isso já tem acontecido várias vezes - os socialistas espanhóis, que, pelos vistos, têm governado bem e produzido boas leis!
De facto, se consultarmos a iniciativa legislativa espanhola relativa a esta matéria constataremos que eles exigiram, referiram e fizeram apelo a três questões importantes: o cálculo da viabilidade económica, as limitações técnicas e a verificação do interesse público.
Em terceiro lugar -e peço ao Sr. Presidente licença para abusar da sua benevolência, a fim de terminar este meu pedido de esclarecimentos- pergunto ao Partido Socialista que ideia tem do serviço público e da intervenção do Estado na comunicação social. E pergunto-o porque esta lei é estatizante e governamentalizadora!...
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Ora essa!?...
O Orador: - VV. Ex.ªs cobriram com um pequeno pano as vossas angústias existenciais e fizeram qualquer coisa em relação, por exemplo, à parte estatutária da televisão,...
O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Secretário de Estado.
O Orador: -... o que nem mesmo em qualquer país do Leste seria aprovado!
VV. Ex.ªs tentaram cobrir com um manto diáfano a sua essência e não o conseguiram!...
O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, queira concluir.
O Orador: - VV. Ex.ªs tentaram correr depressa demais, tentaram fazer um esforço grande demais para a vossa possibilidade. Mas poderão, em breve, conhecer a proposta de lei do Governo, que, com toda a responsabilidade, será apresentada por nós a esta Assembleia, proposta essa que dá guarida não só as questões essenciais que VV. Ex.ªs colocam, mas ainda àquilo que, pelos vistos, VV. Ex.ªs também querem, ou seja, criar a possibilidade da existência de televisão privada e enriquecer a informação em Portugal. Mas tudo isso feito com conta, com peso e com medida, com muita sabedoria e com muita segurança!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados compreenderão a tolerância da Mesa para com o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares!... Esta foi a sua primeira intervenção nesta Câmara como titular desse cargo e, por isso mesmo, permitimos que ultrapassasse o tempo a que tinha direito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, queria perguntar à Mesa se o Sr. Secretário de Estado
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Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares fez uma intervenção ou pediu esclarecimentos ao Sr. Deputado Arons de Carvalho.
É que, Sr. Presidente, se ele fez uma intervenção, quero interpelá-lo agora; se não a fez, terei de aguardar por outra oportunidade para fazer tais perguntas.
De qualquer maneira, é boa a oportunidade para me congratular com o facto de o Governo ter passado a defender-se na sua própria bancada!
Risos do PS.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, não poderá pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado, pois ele esteve a pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Arons de Carvalho.
Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.
O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Deputado Arons de Carvalho, V. Ex.ª terminou a sua intervenção dizendo que não gostaria que esta matéria se transformasse num debate entre estatizantes e liberalizadores. Ainda bem que assim é e parece-me que esse seu objectivo não será difícil de atingir depois da intervenção que aqui ouvimos da parte do Sr. Deputado Vítor Costa!...
Quem diria!... Ainda bem!... A «conversão» já chegou à bancada do Partido Comunista. Digo isto porque, como é sabido, à bancada do Partido Socialista já havia chegado há algum tempo.
O Sr. António Guterres (PS): - «Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és!...»
O Orador: - É isso mesmo!...
Só que, Sr. Deputado Arons de Carvalho, o Sr. Secretário de Estado, nas perguntas que lhe fez, colocou uma questão que é importante, ou seja, a da oportunidade da apresentação do vosso projecto de lei.
Direi, pela minha parte e assumo este compromisso em nome do Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata -, que todas as alturas são para nós boas para discutir o tema da televisão privada. A concessão de canais privados de televisão, que foi, que é e que será uma bandeira do Partido Social-Democrata, é hoje, ao quo se presume, também uma bandeira do Partido Socialista!
Mas a memória dos homens é curta, Sr. Deputado e eu queria referir-lhe que, em 6 de Abril de 1984, V. Ex.ª disse ao Diário de Lisboa que, «no fim da década, liberalizar a TV será liberalizar e democratizar a informação. Hoje não.» Teve razão, Sr. Deputado; errou por poucos meses!
V. Ex.ª poderá, assim, ser o responsável por seis, sete ou oito anos de atraso na implantação da televisão privada em Portugal, o que é bastante mais, Sr. Deputado Arons de Carvalho, do que o atraso de um mos, que é, afinal, aquilo que está em causa.
Em todo o caso, Sr. Deputado, o projecto do Partido Socialista, que saúdo no seu essencial - e não perco de vista o essencial! - tem algumas questões em relação às quais, nesta fase de discussão na generalidade, eu gostaria de saber a sua opinião.
Diz V. Ex.ª que pretende a televisão privada, mas não define que televisão privada, em que condições, quantos canais, como é que será feita a transmissão do sinal, etc.
Responderá V. Ex.ª que isto não é importante, mas, então, pergunto-lhe como é que o Partido Socialista pode, por exemplo, definir quotas de publicidade sem saber o número de canais a alienar.
Diz V. Ex.ª que o plano técnico nacional é que vai definir os canais a alienar, mas, porque me parece que isso se pode ler no projecto de lei do Partido Socialista, pergunto-lhe se o vosso slogan é, a partir de agora, «a cada vila, a cada sítio, o seu canal!».
Diz V. Ex.ª que a transmissão do sinal é uma questão a ver, uma questão de somenos!... Sr. Deputado, a questão da transmissão do sinal pode converter um projecto de 3 milhões de contos num projecto de algumas dezenas de milhões de contos!
Outra referência que lhe queria fazer, Sr. Deputado Arons de Carvalho, é a de que o projecto de lei do Partido Socialista, para além de ser fortemente centralizador, na pior acepção da palavra, é uma projecto que, contrariamente ao que era habitual no Partido Socialista, à inovação tecnológica diz zero.
Por outro lado, assuntos como a televisão por cabo, o satélite, enfim, todas as questões essenciais ao projecto não foram sequer abordadas. Dirá V. Ex.ª que esta não é a sede própria e eu dir-lhe-ei que esta sede não é sede para muita coisa que V. Ex.ª entendeu que era sede.
Esta proposta de lei do Partido Socialista poderia bem ter sido apresentada por um qualquer país do Leste que agora, nesta onda de abertura, decidisse também ter o seu canal privado de televisão. Chega, em termos tecnológicos, algumas dezenas de anos atrasada.
Todas estas questões são questões vitais, Sr. Deputado Arons de Carvalho, e digo-lhe, com a maior franqueza e com a maior sinceridade, que não esquecendo o essencial, que é o princípio pelo qual o Partido Socialista também se bate, mas do qual o PSD não abdica de ser a sua bandeira, conto, da parte do Partido Socialista, com uma colaboração muitíssimo maior do que aquela que se pode ler através do estudo atento do projecto de lei n.º 457/V, que o Partido Socialista apresentou.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Deputado Arons de Carvalho, em primeiro lugar, quero dizer-lhe que comungo das primeiras palavras da sua intervenção, ou seja, daquelas que proferiu para dizer que este é de entre os projectos de lei aqui apresentados um dos mais importantes.
Surgindo este projecto de lei na sequência da revisão constitucional e incidindo sobre uma matéria muito controversa, que deu lugar a muita discussão na Assembleia da República, assume, por isso, uma importância acrescida.
Gostaria de dizer também que, na generalidade, lhe damos, o nosso parecer favorável. Achamos que ele vem em boa hora.
Por outro lado, quero manifestar o ponto de vista da oposição, uma vez que já foi aqui já referenciado tanto o ponto de vista do Governo como o do partido que o sustenta, tal como gostaria de solicitar ao Sr. Deputado Arons de Carvalho que me explicasse a oportunidade deste agendamento, balizado nomeadamente nas seguintes duas ordens de razões: em primeiro lugar, porque o Governo tinha-se já comprometido a apresentar na Assembleia da República - e o Sr. Secretário de Estado
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Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares confirmou, ainda há pouco, esse compromisso- uma proposta de lei sobre o exercício da radiotelevisão; em segundo lugar, porque é um facto inegável - que decorre da revisão da Constituição como decorre, aliás, do próprio preceito desta legislação - que o exercício da actividade da radiotelevisão tem de vir na sequência da aprovação da legislação relativa à Alta Autoridade para a Comunicação Social. Sem ela este tipo de projecto não pode ser posto em execução.
Evidentemente que isto é do conhecimento do Partido Socialista. E é-o de tal modo que está consubstanciado no próprio texto do seu projecto de lei. Parece-me até - e creio que com isto não violarei nenhuma regra da relação democrática- que está previsto, segundo me informaram, que até mesmo a votação deste projecto de lei ficará adiada para uma outra oportunidade, para lhe permitir ser conjugado, após discussão, com a proposta de lei do Governo sobre a mesma matéria.
Este facto levanta também dúvidas quanto ao sentido de oportunidade da apresentação do projecto de lei n.º 457/V do Partido Socialista, mas quanto a isso, estou certo, o Sr. Deputado Arons de Carvalho vai dar-nos uma explicação, o que nos parece importante.
Dentro deste quadro, gostaria de observar que, naturalmente, sobre esta matéria -e não sei se poderia enquadrar-se aqui um tipo de explicação do Partido Socialista, uma vez que a revisão da Constituição, nos termos em que foi feita, com as dificuldades e com os compromissos que, naturalmente (e sublinho o «naturalmente»), se têm de assumir -, o Partido Socialista tinha outras ideias, outros projectos e outras intenções que agora põe de lado, porque tem de se enquadrar no novo texto constitucional.
Para o exercício da actividade da radiotelevisão e para o funcionamento da Alta Autoridade para a Comunicação Social basta agora uma lei simples e não uma lei reforçada. Não se trata de uma lei paraconstitucional, não é uma lei orgânica. E, portanto, uma lei que o Partido Socialista inicialmente entendia como muito importante, que deveria ser enquadrada dentro do estatuto da informação, cuja aprovação implicaria uma maioria de dois terços. Agora já não é assim, a aprovação é por maioria simples e, portanto, o diálogo terá de ser mais franco, mais aberto, mais consensual, para que a legislação a sair possa concitar o maior consenso possível de todos os partidos.
Este é mais um elemento que, do nosso ponto de vista, talvez implicasse essa explicação dada pelo Sr. Deputado Arons de Carvalho.
No entanto, eu, sem entrar na discussão na especialidade, gostaria de fazer-lhe duas ou três observações em relações às quais, se tiver oportunidade, peço esclarecimentos.
Em primeiro, do nosso ponto de vista, há no projecto de lei um nítido desequilíbrio entre a parte referente ao exercício de direito de resposta e do direito de antena, largamente desenvolvida, e a que respeita às regras de licenciamento, que é notoriamente reduzida.
Subscrevemos as preocupações quanto ao direito de resposta e ao direito de antena, largamente desenvolvidas no projecto de lei, embora nos pareça que, apesar delas, que são de realçar e de sublinhar, fica ainda algum grau de subjectividade, nomeadamente em relação à oportunidade deste direito de resposta e deste direito de antena e até, mais à frente, à ofensa que pode ser feita às pessoas, que devem ter direito a rectificá-la.
Não se determinam as condições em que os operadores privados poderão utilizar os meios públicos de transporte e difusão de sinal. Este é um aspecto muito importante, que, aliás, foi largamente debatido aquando da revisão da Constituição.
Parece-nos demasiado vaga, assumindo-se, portanto, como mera declaração de intenção a referência à intervenção dos jornalistas na orientação editorial das estações privadas.
Pergunto: por que se excluiu, à partida, qualquer tipo de intervenção dos jornalistas na orientação editorial das estações públicas.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, completou cinco minutos, pelo que lhe peço o favor de concluir.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente. As outras questões que gostaria de formular poderão ser discutidas em sede de especialidade.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado Arons de Carvalho, quero confessar-lhe que, quando há pouco estava a ouvi-lo, estava a dizer para mim mesmo: «Vale mais tarde do que nunca!»
Efectivamente, aprendemos muito com a sabedoria popular dos provérbios. E vieram-me à memória outros: «nunca digas desta água não beberei», «até ao lavar dos cestos é vindima», etc.
Tudo isto porque, para chegar a este projecto de lei e à intervenção que o Sr. Deputado Arons de Carvalho acabou de fazer, o Partido Socialista teve de rejeitar todo um passado em que defendeu o monopólio estatista da actividade de televisão.
Mas, diga-se de passagem, rejeitou-o (e bem!), e só lhe posso dizer que é com muita satisfação que vejo o Partido Socialista e o Sr. Deputado Arons de Carvalho chegarem-se àqueles, como o PSD, que, desde sempre, defenderam a liberalização dos meios de comunicação social, nomeadamente da actividade de televisão.
Vozes do PS: - Não é verdade!
O Orador: - Concretamente, em relação ao projecto de lei que o Sr. Deputado Arons de Carvalho apresentou, gostaria de fazer-lhe muitas perguntas, mas vou resumi-las só a três - algumas delas vou repeti-las, mas creio que não será demais olhar para o mesmo assunto numa outra perspectiva.
Independentemente de alguns exageros que existem no vosso projecto de lei -exageros de burocracia, de regulamentação, que talvez não tenham o nível ou a dignidade de aparecer num projecto de lei -, existem três questões que, parece-me, são as principais.
A primeira é esta: a última revisão constitucional deu à luz a Alta Autoridade para a Comunicação Social e a própria Constituição diz que não pode haver licenciamento de actividade da radiotelevisão sem o prévio parecer da Alta Autoridade. Isto é incontroverso e, concretamente, o número, pode dizer-se, pois não é segredo, é o 3.º do artigo 39.º da Constituição.
Pareceria, pois, lógico que, antes de um projecto de lei que previsse a abertura do exercício de actividade de televisão à iniciativa privada, surgisse um outro que desse
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forma de lei à Alta Autoridade para a Comunicação Social. Na minha perspectiva, isto seria o lógico, mas, como há segredos que, às vezes, não conseguimos desvendar, pergunto qual é a razão para, na sua lógica, o projecto de lei que apresentou dever preceder um outro.
Segunda pergunta: no projecto de lei a televisão - e, quanto a mim, bem, não tenho crítica ou reparo a fazer - prevê a cobertura geral (que se poderia chamar nacional, regional e local), mas não indica, não tem qualquer sinal, acerca da precedência ou da prioridade nas concessões. Parece, à primeira vista, que seria a cobertura geral que corresponderia mais ao interesse colectivo e, portanto, que deveria aparecer primeiro. Mas também pode defender-se que seria a cobertura local, que está mais próxima das populações e que, portanto, seria a que previamente deveria ser estabelecida.
Seja como for, coloco-lhe agora uma pergunta, de estratégia, já que a primeira foi sobre a oportunidade. E a pergunta é esta: porque antes o licenciamento da radiotelevisão e só depois a Alia Autoridade? Esta é, repito, uma pergunta de estratégia. Portanto, no seu pensamento, no seu plano de institucionalização da televisão privada ou de abertura da televisão em Portugal, o que é que deve estar primeiro?
Finalmente, uma única pergunta, que vou reduzir em termos muito simples.
Diz o Sr. Deputado que a radiotelevisão constitui um serviço público - e compreendo que isso possa ter sido defendido até hoje; agora, num projecto como o seu, que olha para o futuro, pergunto como é que articula que a radiotelevisão seja um serviço público quando ela vai passar a ser exercida, em grande parte, por empresas privadas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.
A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Deputado Arons de Carvalho, apreciável, no seu conjunto, este projecto de lei sugere-me, contudo, algumas observações, às quais espero que me responda.
Logo no preâmbulo recomenda-se uma maior atenção ao gosto das maiorias. E logo aí me acodem as sensatas palavras do seu camarada António Reis. Diz ele: «A democratização da cultura não pode ser a ditadura do gosto das massas.» Aqui põe-se a questão dos fatais índices de audiência, usados como máquinas censórias que agem subtilmente nas democracias em nome da soberania do quantitativo.
Mas passo a abordar um problema que muito está a preocupar, como deve saber, os sociólogos do áudio-visual.
Quando se pretendia com a privatização da televisão a oferta da diversidade, verifica-se precisamente o contrário: a lógica do mercado apoderou-se do serviço público de televisão, que passou a estar submetido à tirania dos índices de audiência, do que resultou a uniformização do sistema televisivo. Impelido para a competição, o serviço público abandonou a sua competência cultural.
Eis o que há que evitar, reservando ao sector público a obrigação de procurar não a mais-valia financeira, mas a mais-valia cultural, observando rigorosamente o princípio do primado da qualidade sobre os ;índices de audiência.
Ora, nada neste projecto de lei salvaguarda a necessária vinculação do serviço público da TV a uma competência cultural. Fala-se, sim, no capítulo 6.º, na promoção da defesa e difusão da língua e da cultura portuguesas. Uma vaguidade que se esfumará, se não for legislativamente assegurada em termos inequivocamente vinculadores da função da TV pública.
Mas passando à TV privada, no capítulo do licenciamento, nas condições de preferência, figura (e bem!) a exigência de uma maior percentagem de tempo de emissão com programas culturais. Cuidado! Aqui é de exigir uma rigorosa salvaguarda legislativa, porque nestes nossos tempos da cultura inculta, como diz apropriadamente Allan Bloom, tudo é cultura. A cultura do rock, a cultura da droga, a cultura dos bandos da rua, a cultura da moda, a cultura da futilidade e até a cultura dá publicidade. E sob estas múltiplas capas vai-se abafando a cultura, que, segundo este projecto de lei, deve exprimir a identidade nacional.
Finalmente, no capítulo das proibições especiais no âmbito da publicidade, impõe-se-me um reparo: em concerto com o antitabagismo dominante, que quer defender as saúde física das pessoas (desnecessário, e não resisto a dizer isto), enquanto se «marimbam» para milhões de pessoas que morrem de fome neste planeta, proíbe-se a publicidade aos cigarros. Mas, em desconcerto com o que no mesmo artigo 29.º se determina, quanto a não causar prejuízo moral aos menores, esqueceram-se os autores do projecto de lei de incluir nas proibições especiais a exigível interdição da publicidade dos brinquedos bélicos, nefastos para a formação moral das crianças, que, ludicamente, são atraídas para a violência. Porquê esta omissão?
Não acha, Sr. Deputado, quo há que pôr a salvo do diktat publicitário a saúde moral, a par da saúde física?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Raposo.
O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Deputado Arons de Carvalho, o meu pedido de esclarecimento tinha em vista fundamentalmente, dar conta da minha concordância global com a iniciativa - e não com a metodologia usada quanto à iniciativa -, mas a Sr.ª Deputada Natália Correia acabou de introduzir uma vertente que me parece extremamente oportuna.
Na realidade, a televisão pode ser, por vezes, pervertida num consumismo de cultura, de uma massificação da cultura.
Eu próprio me dou conta de que, por vezes, quando chego a casa sinto necessidade de ver uma telenovela mal feita, até para me libertar de preocupações mais graves e mais fundas. Não é esse, evidentemente, o critério que deve presidir a uma radiotelevisão, cuja função fundamental e essencial assumida seja a de um serviço público. Portanto, esta vertente cultural, assinalada pela Sr.ª Deputada Natália Correia, tem plena pertinência.
Gostaria de perguntar, liminarmente e em virtude da intervenção da Sr.ª Deputada Natália Correia, qual é a forma de textualizar essa preocupação cultural que tem de estar subjacente quer ao serviço público que fale, como empresa pública de televisão, quer aos operadores privados de televisão.
O segundo ponto tem a ver com uma preocupação que, devo dizê-lo, faz-me assomar um certo sorriso, porque relativamente a cada posição somos tentados a ter uma perspectiva diferente do problema.
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Diz-se e muito bem! - no artigo 38.º da Constituição que a comunicação social tem de ser independente dos poderes político e económico. Perfeitamente certo, dentro dos rituais formulários e tradicionais.
Entretanto, o poder económico, ele próprio, tem de estar subordinado ao poder político. E o que é que o Sr. Deputado Arons de Carvalho, ao cabo e ao resto, neste momento e nesta circunstância, entende por «poder político»? Por que 6 que o poder político há-de ser, necessariamente, o Governo, e não os outros poderes do Estado? Aliás, isto é, devo dizê-lo, uma remanescência da velha defesa das entidades que se queriam independentes, como, por exemplo, os tribunais, face ao Executivo, uma vez que estavam sujeitos ao Executivo. Mas numa democracia aberta não há sujeições institucionais necessárias.
Consequentemente, não deve acautelar-se a independência perante o Governo, mas, sim, perante todos os desvios, todos os maus usos dos poderes do Estado. Será, portanto, um «mal-govemo», como será qualquer utilização indevida de qualquer tipo de poder - sobretudo de qualquer poder económico. Isto porque estou em crer que hoje, para além deste espantalho, deste fantasma da governamentalização da radiotelevisão, há que ter em conta a sua independência e a sua sobrevivência como instituição e como serviço de interesse público. Entendo, realmente, que de um serviço de interesse público se trata aliás, na boa companhia do preâmbulo da lei espanhola, salvo erro, da Lei n.º 10/88...
Penso, pois, que deve ser salvaguardada a sua independência, face a toda a tendencial e tentacular dominação dos grandes grupos económicos.
É evidente que não pode haver uma televisão que esteja ao serviço da promoção de uma sociedade de consumo, de uma sociedade que deturpe a dignidade da pessoa humana, que no caso é o consumidor, quer através do próprio serviço de televisão, quer dos produtos que a televisão divulga. E não me preocupo apenas com o tabaco -aliás, não teria de preocupar-me, porque, contrariamente àquilo que certamente o Sr. Deputado Jorge Lacão quereria (e ele não está a ouvir-me), eu ficaria imune a qualquer supressão da publicidade do tabaco...-, pois entendo que deve evitar-se o consumismo e a publicidade que tenha a ver com a dignidade fundamental e com o bem-estar da pessoa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Martinho.
O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Sr. Deputado Arons de Carvalho, hesitei em usar neste momento da palavra até porque, em abono da verdade, as questões que gostaria de referir já foram colocadas pelos meus companheiros de bancada Marques Júnior e Natália Correia. De qualquer forma, decidi manter a inscrição para formular pedidos de esclarecimento por duas razões essenciais.
A primeira prende-se com o comportamento de seriedade e de bom senso que sempre verifiquei nas intervenções do Sr. Deputado Arons de Carvalho, que gostaria de sublinhar, e que, uma vez mais, hoje ficaram patentes na intervenção que fez.
A segunda, por entender, assim como o meu partido sempre entendeu, a importância que a televisão privada pode ter. Assim, gostaria de sublinhar uma coisa que vem reforçar esta nossa opinião e que se prende com o último debate que aqui teve lugar sobre as cheias, as inundações e as suas causas. Em relação a isso, a televisão conseguiu minimizar corripletamente a posição de todos os partidos aqui representados para sobrevalorizar a conferência de imprensa da CAP sobre o mesmo tema, que teve lugar nesse mesmo dia.
Ora isto prova, uma vez mais, que muita coisa tem de mudar na comunicação social e em especial num órgão como a televisão, que tem um papel importantíssimo no sentido de fazer chegar à opinião pública as posições de todos e, em especial, a daqueles que estão aqui em representação dos Portugueses e das diferentes linhas de conduta e de orientação dos mesmos. Aquilo que anteontem se passou no canal l da Televisão, em que se desvalorizou por completo o debate importantíssimo que se travou entre todos nós para sobrevalorizar a posição da CAP sobre o mesmo tema, não podia passar em claro perante a minha análise.
Sr. Deputado Arons de Carvalho, vou, portanto, recolocar as questões hoje levantadas - e muito bem - pela minha companheira de bancada Natália Correia sobre este debate antes da discussão da Alta Autoridade para a Comunicação Social, da qual depende, em grande parte, tudo o que vier a acontecer na televisão privada e também por força do acordo entre o PS e o PSD na revisão constitucional e sobre a vertente cultural que a comunicação social, e em especial a televisão, tem de ter.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado Arons de Carvalho, como já tivemos oportunidade de dizer, o projecto de lei apresentado pelo PS afigura-se--nos tempestivo, útil, globalmente positivo, mesmo que, a nosso ver, se revele também lacunoso e polémico.
Tornámos claro que importa, neste momento dianteiro do debate, afirmar que se não pode proceder à abertura da actividade de televisão a operadores privados em Portugal sem acautelar toda a transparência no processo de atribuição de alvarás e sem, concomitantemente, garantir que não sejam postergadas as exigências fundamentais que sempre haverão que colocar-se a um serviço público.
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Do nosso ponto de vista, não se trata de aproveitar a oportunidade para atribuir, sem critério, espaços de emissão e difusão radio televisiva a uns quantos que ululam, muitas vezes sem sequer definirem programaticamente e com clareza o que querem, o anseio da televisão privada, mas de encontrar, no enquadramento constitucional e político certo, os meios responsáveis através dos quais o Estado há-de prosseguir aquilo que é o interesse de toda a comunidade nacional.
Importará analisar, desde logo, o que nos parece não resolvido e é fundamental numa abordagem de partida. O projecto de lei do Partido Socialista não adianta soluções em áreas que consideramos nevrálgicas, como aquela que já aqui foi colocada pelo meu camarada Vítor
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Costa e que tem a ver com os meios de transporte e de difusão do sinal, mas também quanto à necessidade de prever a operatividade futura nos casos da televisão por cabo, por satélite e por alta definição, tomando inequívoco que, no actual contexto, deverão perfilar-se cedo as soluções justas. Problema relevante é o dos licenciamentos atribuídos, por 15, 12 e 10 anos, os quais se consideram de renovação automática. Porquê de renovação automática?
Por outro lado, como é que pode aceitar-se que o licenciamento seja por 15 anos se, paralelamente, se entender que os meios de transporte e difusão de sinal devem ser públicos? Qual a lógica que, num caso destes, não faz com que o licenciamento o seja por um tempo bastante mais curto?
Nova área de interrogações: como combater, numa lei de enquadramento, a tentativa de homogeneização do gosto pelo paradigma conservantístico que as experiências europeias têm vindo a demonstrar? Como deixar de colocar no centro do terreno a necessidade do reforço dos meios do sector público, segundo a ideia de que a RTP que existe - e que é má - não tem de ser o que é, pode e deve ser uma televisão voltada para reflectir o País real, para com ele se sintonizar e para não servir, em caso algum, de agente de manipulação por qualquer poder conjuntural.
E fundamental, a nosso ver, a consistente reestruturação do sector público de televisão, que, mal gerido, tem malbaratado energias e capacidades essenciais dos seus profissionais e que tem dado de si mesmo uma imagem que, a todos os níveis, se nos patenteia como a menos correcta. Entendo que não é possível discutirmos toda esta problemática considerando, como faz o preâmbulo do projecto de lei do PS, que, finalmente, com a televisão privada estaremos a escalar o Evereste da democracia cultural e informativa, que estaremos a atingir, a curto prazo, o paraíso da qualidade.
O que é que se pensa fazer, instrumental e adicionalmente, para que os objectivos da isenção, do pluralismo, da qualidade, sejam assumidos, indubitavelmente, por aqueles que vierem a ser os operadores privados?
Uma última observação, porque o tempo é escasso: através do Sr. Secretário de Estado pudemos ouvir, há pouco, que o PSD tem legislação parturejada. Afirmou-nos que o porvir é grande e provavelmente o partido do Governo o seu profeta. Contudo, o que :não conhecemos é o conteúdo exacto das propostas que o PSD, neste debate concreto que hoje estamos a tratar, tem para contrapor às que constam dó projecto de lei em agenda. Ora, numa lei relevante das instituições, em que se convoca a discussão e o exame técnico e político e a busca de consensos, uma postura de pura denegação sem apresentação de contrapropostas imediatas não me parece ser a mais séria nem a mais coadunada com a importância e a responsabilidade do que apreciamos aqui.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não se podem formular esclarecimentos a pedidos de esclarecimento...
O Sr.- Vieira Mesquita (PSD): - Pareceu-me que o Sr. Deputado José Manuel Mendes tinha produzido uma intervenção...
O Sr. Presidente: - Não foi nenhuma intervenção, Sr. Deputado. De facto, tratou-se de um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Arons de Carvalho.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Deputado Arons de Carvalho, tal como Já aqui foi referido pelo Sr. Secretário de Estado e por companheiros da minha bancada, a história do Partido Socialista e do Partido Social-Democrata relativamente a esta matéria da televisão privada é completamente distinta. Ora, registamos com agrado que o nosso papel e a luta que travámos resultou, com algum eco, no vosso partido. Registámos a alteração que ò Partido Socialista conseguiu introduzir em relação a esta matéria.
De qualquer forma, gostaria que o Sr. Deputado esclarecesse se, efectivamente, não será essa a razão por que o PS agora, à correr, tentou antecipar-se ao Governo na apresentação de um projecto de lei sobre esta matéria na Assembleia da República, anunciada que estava a apresentação de uma proposta de lei sobre este tema. Aliás, como já aqui foi dito, mas V. Ex.ª parece não querer voltar à ouvir, o PS fê-lo atropelando o percurso constitucional que claramente refere que o licenciamento de canais privados de televisão passa pelo parecer prévio da Alta Autoridade. Isso não faz sentido algum e só esse oportunismo político de querer apagar estas manchas do passado é que pode ter ditado semelhante actuação, de tal forma, aliás, que VV. Ex.ª - e aí sim -, em observância ao preceito constitucional, prevêem no artigo 10.º do vosso projecto de lei que o licenciamento dos canais privados de televisão terá de ser previamente submetido, ao parecer da Alta Autoridade para a Comunicação Social.. Isso não será o querer «apagar» de posições como aquela que veio veiculada no jornal Expresso em 7 de Abril de 1984, sobre esta matéria, e que dizia o seguinte: «Abrir mão do monopólio do Estado seria possibilitar a constituição de outro monopólio de facto, q de qualquer, grupo económico ou de pressão [...]» Ora, o PS deixou de ter esses receios. Bem hajam por isso, Srs. Deputados! Com isso podem contar com o apoio do Partido Social Democrata. Estamos com a televisão privada e estamos felizes por ver a vossa evolução ao terem seguido o nosso exemplo.
Sr. Deputado Arons de Carvalho, gostaria de saber qual a posição do PS sobre a eventual concessão de um canal privado à Igreja Católica.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Arons de Carvalho, a gestão das amabilidades neste debate fica para uma intervenção que dentro de momentos tencionamos fazer. Portanto, agora vão as perguntas, que é o que interessa.
Sr. Deputado, na ausência de referência e de regulamentação para processos técnicos, de emissão e transporte diferentes, como sejam a televisão por cabos, satélite e por alta frequência, como é que V. Ex.ª compagina a disponibilidade previsível de apenas mais dois canais
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- de certeza mais um e provavelmente mais outro - com a possibilidade de existência de televisões locais, regionais e nacionais?
O Sr. Deputado António Guterres poderá abanar a cabeça, mas a verdade é que mantenho a pergunta...
Ou será que o Sr. Deputado Arons de Carvalho, ao pensar e ao falar em televisões locais, está a falar de televisões de Lisboa e porventura do Porto, ou fundamentalmente de televisões de Lisboa, acentuando ao ainda mais a diferença e a desigualdade de acesso a este bem inestimável de informação e de cultura que é a televisão entre os lisboetas e todos os habitantes da província?
Por outro lado. Sr. Deputado, como é que compagina a pormenorizada regulamentação da matéria respeitante à publicidade com a existência de um código da publicidade que abrange muitas das proibições e das regras que V. Ex.ª consagra aqui de uma forma que pode vir a dar origem a interpretações erradas ou erróneas apenas para a televisão? Como é que isto se compagina?
Finalmente, como é que se compaginam as gratas palavras de reconhecimento da importância da iniciativa privada em matéria de televisão, que VV. Ex.ªs deixam exaradas, sem margem para dúvidas, no preâmbulo do vosso projecto de lei, com a monstruosidade deste Instituto Português do Áudio-Visual, que vai poder mesmo apropriar-se dos programas emitidos e criados pelas instituições privadas? Esta possibilidade de exploração aponta no sentido da apropriação e tem muitas mais funções que realmente parecem revelar posição de vergonha em adoptar, no fundo, soluções que são mais justas e mais correctas e com as quais nos congratulamos. Mas falarei disso mais tarde.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Arons de Carvalho.
O Sr. Arons de Carvalho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, começo por dar três breves notas.
Quero, em primeiro lugar, notar que o facto de tão profuso e tão ilustre conjunto de deputados do PSD ter feito perguntas significa, evidentemente, uma enorme inveja pelo facto de não ser hoje o PSD a apresentar o projecto de lei sobre a televisão.
Aplausos do PS.
É evidente para todos nós que o PSD bem gostaria que o Governo se tivesse antecipado ao Partido Socialista e, sobretudo, tivesse cumprido promessas que apontavam para o facto de a proposta de lei sobre a televisão privada ter sido entregue ainda no decorrer do ano passado.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Aliás, o Sr. Secretário de Estado Carlos Encarnação referiu há pouco a circunstância de o Partido Socialista seguir as ideias base do Programa do Governo. Só é pena que seja o próprio Governo incapaz de cumprir as suas próprias promessas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Talvez explique toda essa hesitação - e escusava de voltar a repetir isto nesta Assembleia - a circunstância de ainda hoje o programa em vigor do Partido Social-Democrata se pronunciar, em matéria de televisão, contra a liberdade de fundação de empresas capitalistas.
Risos do PS e do PCP.
Ora, esse atraso evidente do programa do PSD - que espero seja profundamente revisto no próximo congresso, em tempo oportuno - explicará algumas coisas, mas não explica tudo.
A minha segunda referência dirige-se directamente ao Sr. Secretário de Estado Carlos Encarnação e aos dois membros do Governo que o acompanham e consiste no seguinte: é de registar com agrado -e isso já foi feito aqui- a presença de membros do Governo neste hemiciclo, que penso dever-se não só ao sinal dos tempos, como também à importância manifesta do debate. Oxalá tenhamos hoje muito mais do que críticas ao projecto do Partido Socialista, oxalá tenhamos já hoje algumas linhas mestras da tão ansiada, tão esperada e tão tardia proposta do Governo sobre a televisão privada.
O Sr. António Guterres (PS): - Não têm alternativas!
O Orador: - Foram vários os Srs. Deputados do PSD a referirem-se a este facto. Houve, aliás, sete ou oito intervenções de deputados do PSD, mas, para além de algumas perguntas acertadas colocadas pelo Sr. Deputado Mário Raposo, ideias em concreto houve só duas.
A primeira foi a questão da conversão. Aqui d'el-rei que o Partido Socialista mudou ontem de opinião e vem a correr, qual corredor de 100 m, antecipar-se ao PSD. Quero voltar a frisar nesta Assembleia o facto de o PSD ainda não ter apresentado, até hoje, nenhum projecto de lei de abertura da televisão à iniciativa privada. Mais do que isso: aquando da elaboração, em 1975-1976, da Constituição, não fez nenhuma proposta nesse sentido nem apresentou durante todo este período nenhum projecto de lei nesse sentido, ao contrário, por exemplo, do CDS, que por várias vezes se referiu a essa necessidade. O PSD não tem a mais pequena legitimidade para o efeito, não só por causa do seu próprio programa, que já referi, mas também porque o PSD, ele sim, tarde se converteu à questão da televisão privada.
A outra questão profusamente referida pelos deputados do PSD e também pelo Sr. Secretário de Estado Carlos Encarnação tem a ver com a Alta Autoridade. Penso ter explicado devidamente essa questão na minha intervenção. É evidente para todos nós - e penso que isso não passa de uma boa desculpa, mas não passa de uma desculpa, apesar de boa - que a fase de elaboração, debate, aprovação, eleição dos membros e entrada em funcionamento da Alta Autoridade pode ser feita, seguramente, em poucos meses, ao passo que o debate sobre a Lei da Televisão, a aprovação da lei do licenciamento, se a ela houver lugar, o regulamento e o prazo para o concurso público, tudo isso não decorrerá, obviamente, em menos de um ano. É evidente que poderemos discutir paralelamente a questão da Alta Autoridade com a da televisão privada. Mas gostaria de saber, embora seja impossível confirmá-lo, se o Governo viria tão pressurosamente dizer «daqui a um mês teremos aqui a proposta de lei sobre a televisão privada» se o PS não tivesse tido a iniciativa de apresentar aqui o projecto relativo à televisão privada. Creio que houve muito tempo para o PSD e Governo cumprirem as suas próprias promessas.
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O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sabe bem que isso é falso. O nosso projecto sobre a Alta Autoridade entrou antes do PS.
O Orador: - Em todo o caso, Sr. Deputado Nuno Delerue, nós tivemos tempo de apresentar, também em tempo, um projecto sobre a Alta Autoridade. O Governo, apesar de já termos apresentado o nosso projecto de televisão privada há mais de um mês, continua com a proposta de lei na gaveta. E vamos ver quando é que essa proposta sai da gaveta, talvez a tempo de, no faseamento previsível de todos estes debates, como digo e repito, só haver canais privados depois das eleições de 1991!... Essa suspeita é legítima e o facto é que o PSD e o Governo nada fazem para a contrariar e desmentir.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Nuno Delerue (PS): - O Sr. Deputado sabe perfeitamente, tão bem como eu, que essa é uma falsa questão. Se o Partido Socialista teve tempo para fazer entrar na Mesa da Assembleia um projecto de lei sobre a Alta Autoridade, também então, nessa altura, facilmente poderia ter dado o consenso a que estivéssemos hoje aqui a discutir a Alta Autoridade, para no dia 23 discutirmos os dois projectos sobre a televisão privada.
O Orador: - Sr. Deputado, não sei qual a origem do adiamento da votação de terça-feira por mais uma semana, para a discussão relativa à Alta Autoridade. Em todo o caso - digo e repito -, não vejo qualquer necessidade de se discutir a Alta Autoridade antes de se debater a televisão privada.
O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Era isso que eu queria ouvir.
O Orador: - Em relação a uma pergunta também . colocada pelo Sr. Secretário de Estado Carlos Encarnação, sobre o modelo de gestão, é evidente, como .aliás o Sr. Secretário de Estado disse, que o modelo de gestão que aqui está preconizado não seria possível em qualquer país do Leste. Digo-lhe mesmo: b modelo de gestão aqui preconizado não seria possível noutros países como a Líbia ou países terceiro-mundistas ou autoritários, onde o que vigora é precisamente o modelo de gestão que, lamentavelmente, temos em vigor em Portugal desde 1975.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O Governo e o PSD - é esse o convite directo que lhes faço - ainda não disseram se estão ou não de acordo em que é necessário alterar profundamente o modelo de gestão da RTP e se estão ou não de acordo em acompanhar a evolução que foi feita noutros países europeus em relação aos modelos de gestão do serviço público. O nosso projecto, longe de ser um projecto estatizante ou burocratizante, é um projecto muito semelhante ao praticado nalguns países europeus, onde a experiência de televisão pública tem dado os seus resultados.
Desafio, pois, o Governo e o PSD a opinarem sobre essa matéria e a não se refugiarem constantemente em slogans do tipo «é muito centralizador» ou «não cabe numa discussão da Lei da Televisão, mas sim na alteração dos estatutos da RTP» e outras desculpas do género.
Quero, finalmente, responder à Sr.ª Deputada Natália Correia. Devo referir que poderá ver escritas na segunda página do preâmbulo do projecto de lei algumas das ideias que muito bem aqui expôs e dizer-lhe que estamos totalmente de acordo em relação à questão dos brinquedos bélicos. Mais do que isso: contamos, como sempre, com a colaboração da Sr.ª Deputada Natália Correia para defender os interesses da cultura e alterar no bom sentido este projecto.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate que hoje iniciamos sobre o exercício da actividade de radiotelevisão em Portugal tem como pano de fundo as alterações introduzidas no texto constitucional por ocasião da sua segunda revisão. Esta circunstância confere a este debate uma natureza completamente diversa de outros que, em momentos anteriores, se realizaram nesta Assembleia sobre esta mesma matéria.
A Constituição permite hoje inequivocamente que, mediante licença a conferir por concurso público, possam funcionar canais privados de televisão, mantendo, porém, a incumbência do Estado de assegurar um serviço público de radiotelevisão. Em termos gerais, compete ao Estado assegurar a liberdade e a independência dos órgãos de comunicação social perante o poder político e o poder económico, tratando de forma não discriminatória as empresas suas titulares e impedindo a sua concentração. E, no que se refere ao sector público, incumbe-lhe salvaguardar a sua independência perante o Governo, a Administração e demais poderes públicos, bem como assegurar a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião. É este, em síntese, o quadro constitucional em que nos movemos.
Trata-se agora de procurar encontrar para a actividade de radiotelevisão em Portugal o enquadramento legal que, da forma mais adequada, assuma as responsabilidades constitucionais do Estado nesta matéria e tenha em devida conta a real aspiração actualmente existente de uma maior diversidade de opções em matéria de programação e de pluralismo político, estético e de géneros, aferido por critérios que não se limitem apenas aos ditados pela pressão das audiências.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Consideramos oportuna a iniciativa do Partido Socialista. Compartilhamos a opinião de que, aberto um novo quadro por força da revisão constitucional, importa clarificá-lo rapidamente em sede legislativa, por forma a impedir que o timing dessa necessária clarificação seja interesseiramente escolhido de acordo com objectivos eleitoralistas e que com o decurso do tempo se avolumem ameaças para o serviço público de televisão, que importa defender e modernizar.
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Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Compartilhamos ainda a visão, decorrente do projecto de lei do PS, de que a lei a aprovar sobre o exercício da actividade de radiotelevisão não se deve limitar a regular a abertura à iniciativa privada, mas deve equacionar de forma globalizante os problemas da televisão e do áudio-visual em geral, que, longe de se limitarem a aspectos meramente mercantilistas, dizem, cada vez mais, respeito à própria identidade cultural de cada povo.
Há aspectos no projecto de lei do Partido Socialista que consideramos positivos. Salientamos, designadamente: a manutenção de dois canais de televisão afectos à Radiotelevisão Portuguesa; o estabelecimento de um caderno de encargos razoável para efeitos de concurso público de licenciamento; o estabelecimento de condições objectivas de preferência; a regulamentação dos direitos de resposta, de réplica política e de tempo de antena; a adopção de um modelo de gestão participado para o serviço público; a limitação de participação de capital estrangeiro e a previsão de algumas medidas anti-concentracionistas.
Consideramos, porém, que o projecto do PS contém algumas ambiguidades em aspectos que, pela sua importância, não podem, no momento em que nos encontramos, deixar de ser cabalmente clarificados. Importa que sejam melhor explicados aspectos importantes, como, nomeadamente, a definição clara de quotas de produção própria e original, com garantia de emissão e de medidas de apoio à criação nacional, o destino a dar aos arquivos da RTP ou o processo de renovação das licenças atribuídas.
E é absolutamente indispensável esclarecer aspectos fulcrais para o enquadramento da actividade televisiva em Portugal, sobre os quais o projecto do PS assume posições pouco explícitas.
O esclarecimento de quem suportará os investimentos vultosos a nível das infra-estruturas indispensáveis ao futuro exercício da actividade de radiotelevisão por operadores privados e o esclarecimento sobre o papel que está reservado para o serviço público de televisão, no quadro da abertura à iniciativa privada, são aspectos fundamentais em relação aos quais não pode haver ambiguidades ou equívocos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É hoje uma evidência que o País não se identifica com a televisão portuguesa que temos. As razões são perfeitamente compreensíveis. Também a RTP, submetida a uma gestão defeituosa e a uma situação persistente de manipulação informativa, não se identifica com o País que somos.
Compreendemos, de igual modo, a aspiração hoje existente na sociedade portuguesa de uma maior diversidade de opções em matéria de programação televisiva, que, independentemente das circunstâncias que condicionaram o seu aparecimento, corresponde, em aspectos essenciais, a um fenómeno social de crescente e contínua diversificação de interesses, gostos e necessidades.
Temos, porém, a consciência de que uma RTP sujeita a uma governamentalização informativa que representa um verdadeiro massacre dos telespectadores, com insuficiência e inadequação de planos e meios próprios de produção, com meios técnicos e redes de emissão em constante degradação, contribuiu, em larga medida, não obstante o esforço e abnegação dos seus trabalhadores, que deve ser salientado, para o descontentamento que se verifica em relação ao serviço público de televisão. E contribuiu também para uma mistificação corrente, que consiste em apresentar a situação actual da RTP como decorrendo inevitavelmente da sua natureza de serviço público.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Ora aí está!
O Orador: - Esta mistificação não é inocente. Procura criar ilusões em relação ao carácter milagroso do aparecimento da televisão privada. Milagre que a prática de vários anos em vários países já desmentiu. A prática de vários anos em vários países já demonstrou que a televisão privada não opera milagre nenhum: conduz ao aumento da transmissão de programas enlatados de importação em detrimento da emissão de produção própria; reduz, em vez de alargar, a diversidade da programação; sacrifica a qualidade à rentabilidade.
No momento em que a Assembleia da República se propõe legislar sobre o exercício da actividade de radiotelevisão, é fundamental reflectir sobre experiências recentes, por forma a tentar evitar erros que noutros países são já unanimemente reconhecidos.
Não é hoje novidade para ninguém que a concorrência a nível da televisão não conduz necessariamente à diversidade de programação, mas tende, antes, para a padronização dos gostos pela mediocridade e das ideias pelo conservadorismo, e que a concorrência decorrente do aparecimento da televisão privada não conduz, regra geral, ao aumento da qualidade do serviço prestado, mas, bem pelo contrário, tende a sacrificar a qualidade em função da guerra de audiências e a preferir a rentabilidade dos programas enlatados aos custos da produção própria.
São de registar algumas preocupações patentes no projecto de lei do PS em relação a estes problemas. Importa, porém, ir mais longe em alguns aspectos. Importa garantir que no exercício da actividade de operadores privados de televisão não estejam ausentes critérios de qualidade na emissão e na própria produção. Importa definir com mais clareza as quotas de produção e a garantia da sua emissão e importa prever medidas de apoio à criação de originais, não substituindo a produção própria por simples traduções ou participações simbólicas em co-produções.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O exercício da actividade de radiotelevisão comporta encargos financeiros vultosíssimos. Importa que este facto não seja escamoteado como forma de falsear os dados do problema que estamos a discutir. Quando, como agora, debatemos a atribuição de canais de televisão a operadores privados, não estamos a falar em democratização dessa actividade. Não estamos a falar verdadeiramente em liberalização, traduzida na possibilidade de os indivíduos em abstracto acederem à actividade televisiva. Pelos encargos financeiros que essa actividade comporta, aquilo de que estamos a falar é das condições concretas em que dois ou três grupos económicos poderão usufruir de um canal de televisão.
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Vozes do PCP: - Ora aí está!
O Orador: - Tenhamos consciência de que estamos a regulamentar as condições de entrega a sectores do grande capital dos meios mais poderosos de imposição de gostos e valores. Tenhamos consciência da. necessidade de garantir em meios de comunicação social tão poderosos e ao serviço de grandes interesses económicos o respeito pela expressão das diversas correntes de opinião e tenhamos consciência de que a forma de vencer o sectarismo da RTP não é a institucionalização de outros centros de sectarismo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A responsabilidade do Estado de assegurar um serviço público de radiotelevisão assume, no actual quadro, mais do que nunca, um valor estratégico.
Em situação de concorrência, torna-se indispensável um investimento acrescido no serviço público, que seja o contraponto do primado do lucro sobre a qualidade e seja a primeira garantia de pluralismo e de diversificação real, não estando sujeito a critérios estritos de rentabilidade. Em situação de concorrência, a RTP tem de concorrer, aumentando o grau de exigência na produção, na programação e na emissão.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Não compartilhamos a ideia, aflorada no preâmbulo do projecto de lei do PS, de que o serviço público de televisão se deve limitar a um papel moderador, em contraposição com empresas privadas supostamente mais aptas à inovação e à modernidade e mais atentas aos gostos das maiorias.
Pensamos que, para promoção e difusão da cultura, particularmente da nossa cultura, é imperioso investir grandes meios na inovação e na modernidade e que, pela sua própria natureza, é o serviço público de televisão quem está mais apto para tal empreendimento.
Aplausos do PCP.
Para o PCP, é indispensável a defesa e modernização de um serviço público de televisão que assegure a diversidade de programação, com pluralismo político, estético e de géneros, rompendo com a pressão das audiências enquanto colete-de-forças e não como meio natural de sondagem; que assegure a cobertura integral do território nacional, incluindo o acesso ao satélite para as regiões autónomas; que incremente acordos mutuamente vantajosos com televisões estrangeiras, diversificando a programação de origem externa; que mantenha em funcionamento a telescola e assegure o funcionamento da Universidade Aberta e de outros serviços de interesse comunitário; que veja garantida a desgovernamentalização da sua gestão; que beneficie do investimento tecnológico necessário ao seu desenvolvimento e modernização, nomeadamente com a concretização de um tão reivindicado centro de produção; que participe, numa indústria audiovisual nacional apta a assegurar a difusão de programas portugueses no estrangeiro; que veja protegido o seu arquivo próprio; que possa cumprir quotas de produção nacional original, com garantia de emissão; que mantenha as fontes de receita, designadamente publicidade e taxas, de que actualmente dispõe; que urgentemente garanta a multipolaridade estética e o pluralismo informativo, superando a escandalosa situação actual.
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Iniciamos um debate com esta importância sem que possamos ter acesso prévio a elementos fundamentais para a configuração do que irá ser, afinal, o exercício de radiotelevisão em Portugal e que o projecto de lei do PS remete para um plano técnico, a aprovar pelo Governo.
Questões como a delimitação das zonas territoriais possíveis e respectivo âmbito de cobertura, bem como a definição dos sistemas de transporte e difusão de sinal passíveis de utilização, só posteriormente serão conhecidos.
Há uma questão, porém, que não pode passar sem ser respondida. Quem custeará os investimentos indispensáveis para possibilitar o exercício da actividade de radiotelevisão por operadores privados? Esta questão já hoje foi suscitada e o Partido Socialista não lhe deu resposta, nem no texto do seu projecto de lei nem, hoje, aqui nesta sede.
É imperioso que se esclareça inequivocamente se os operadores privados que receberem alvarás de licenciamento terão de construir, de raiz e à sua custa, as infra-estruturas indispensáveis ou se, pelo contrário, o que se planeia é que o Estado proceda a investimentos de alargamento da actual infra-estrutura da RTP para depois concessionar a sua utilização aos operadores privados.
Neste aspecto, o projecto de lei do PS mantém a ambiguidade. Se, por um lado, abre a porta para a concessão de meios públicos de transporte e difusão de sinal, por outro lado, parece apontar para a exigência de construção de raiz ao preconizar períodos tão alargados de licenciamento.
A optar-se pela titularidade pública dos meios de transporte e difusão de sinal, ficaríamos a saber que, afinal, a tão falada inevitabilidade da televisão privada continua dependente de uma última inevitabilidade: os investimentos públicos que a permitam.
Seja qual for a posição que defendam, os partidos que, na revisão constitucional, mais se bateram pela anulação do chamado monopólio do Estado não podem continuar, como em larga medida acontece no projecto de lei do PS, a escamotear em que condições e à custa de quê ou de quem se construirá o exercício por privados da actividade de televisão.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Da parte do PCP, tudo faremos para que, no respeito pelo actual quadro constítucional, se obtenha um enquadramento legal da actividade .de radiotelevisão que, beneficiando do progresso tecnológico, permita satisfazer reais aspirações de diversidade, de qualidade de programação e de pluralismo informativo. Tudo faremos para que não se repita, no caso da televisão, o escândalo que foi a manipulação governamental da atribuição de frequências de rádio. Tudo faremos para a adopção de soluções dignas e transparentes, sem privilégios de qualquer espécie de entidades na atribuição de canais de televisão a entidades privadas. Tudo faremos para a defesa de um serviço público de radiotelevisão moderno, competitivo e desgovernamenta-
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lizado, exclusivamente ao serviço dos telespectadores, da difusão da cultura e dos princípios que norteiam o regime democrático.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Marques Júnior.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.
O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Deputado António Filipe, muito rapidamente, colocar-lhe-ei uma única questão. Faço-o para que não aconteça o mesmo que, há pouco, aconteceu em relação ao Sr. Deputado Arons de Carvalho, que não respondeu a nenhuma das questões que lhe foram postas em tom sério por representantes de variadíssimas bancadas.
De resto, Sr. Deputado Arons de Carvalho, permita-me que lhe diga que me parece que a quantidade não a qualidade - de deputados do Partido Socialista presentes neste hemiciclo demonstra que, de facto, este partido estará pouco interessado num debate deste tipo.
Em todo o caso, Sr. Deputado António Filipe, queria confrontá-lo com o que, em minha opinião, é uma contradição, que V. Ex.ª me explicará, se assim o entender é que, na sua intervenção, V. Ex.ª disse que é preciso que este seja um processo célere «por forma que o Governo não fique com a faca e o queijo todo na mão...». Ora, o que é o «queijo todo»? São as frequências e a possibilidade de a respectiva atribuição ser feita antes ou depois do acto eleitoral de 1991, mas com efeitos práticos só depois.
A seguir, V. Ex.ª disse que o Grupo Parlamentar do Partido Comunista estará muito atento ao que sabe que vai acontecer, que será a manipulação, por parte do Governo, quanto à atribuição das referidas frequências.
Sr. Deputado António Filipe, em que ficamos? Ou o Governo manipula, ou não.
Se o Governo manipula a atribuição das frequências é óbvio que tem todo o interesse em que esta se faça o mais depressa possível, e até antes das eleições de 1991!
Ora, parece-me é que V. Ex.ª não pode fazer as duas acusações ao Governo em simultâneo: dizer que. por um lado, manipula e que, por outro, quer que a atribuição seja feita o mais tarde possível para não sair prejudicado em 1991.
V. Ex.ª há-de concordar que a contradição é profunda e é grave.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Deputado Nuno Delerue, dado o tempo de que disponho, dar-lhe-ei uma resposta quase telegráfica.
Creio que há um equívoco da sua pane: o que dissemos que deveria ser célere é a clarificação do enquadramento legal decorrente da revisão constitucional. Portanto, foi neste plano que colocámos a questão da celeridade.
Quanto ao processo de atribuição de frequências, pensamos que deve ser feito com a celeridade possível no quadro de uma necessária transparência.
Na verdade, quando falamos em manipulação por parte do Governo não o fazemos em abstracto, mas sim tendo em atenção o exemplo que conhecemos, que é o da atribuição de frequências de rádio. Assim, o que nos parece importante é salvaguardar a hipótese de que um escândalo semelhante não se repita aquando da atribuição das frequências de radiotelevisão.
De facto, estamos preocupados com uma possível manipulação por parte do Governo - sabemos que já se registou em ocasiões anteriores - e pensamos que deve ser adoptado um mecanismo legal que a impossibilite e que permita a adopção de formas transparentes, rigorosas e dignas na atribuição de frequências de radiotelevisão ao sector privado.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Raposo.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, queria pedir desculpa ao Sr. Deputado Mário Raposo por me antecipar à sua intervenção, mas não gostaria de deixar passar em claro que, já antes, tinha manifestado a intenção à Mesa no sentido de pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, só posso dizer-lhe que nenhum dos membros da Mesa se apercebeu disso, mas vejo que vários Srs. Deputados me acenam a confirmar as suas palavras.
Assim, a Mesa pede desculpas e concede-lhe a palavra para pedir esclarecimentos, e o Sr. Deputado António Filipe responder-lhe-á utilizando o pouco tempo de que ainda dispõe e poderá contar, ainda, com alguma benevolência da Mesa.
Tem a palavra, Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado António Filipe, em relação à intervenção de V. Ex.ª, registo uma mudança de linguagem, que é natural.
É que, até agora, VV. Ex.ªs bateram-se desveladamente por garantir a independência do poder político em relação ao poder económico, tendo mesmo chegado a erigir essa ideia como um fim supremo do Estado Português ou como uma incumbência fundamental desse mesmo Estado.
Agora, V. Ex.ª quer defender o próprio Estado das manipulações do poder político - foi o que ouvi!
Assim, quero dizer-lhe que não estranho as suas alegações e que me tenho apercebido dessa mesma manipulação, mas tenho uma dúvida a colocar-lhe.
Ora, visto que, apesar do louvor que dirigiu ao Partido Socialista por esta iniciativa legislativa, a sua intervenção foi destinada, fundamentalmente, a encarecer o papel do serviço público de televisão, gostaria de perguntar-lhe como é que V. Ex.ª vai conseguir garantir que esse mesmo serviço público vai estar imune às manipulações do poder político.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
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O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, parece-me que não é, de forma nenhuma; inevitável a situação de manipulação de um - serviço público a que hoje se assiste e que, num regime democrático, através do enquadramento legal e da prática governativa, poderão e deverão ser encontrados mecanismos para que essa situação seja ultrapassada e pára que possamos ter um serviço público de televisão pluralista e aberto às mais diversas correntes de opinião, sobretudo a nível informativo, que, de facto; é o aspecto que, hoje em dia, se apresenta mais escandaloso?
Assim, queria dizer-lhe que não me parece que tal seja incompatível com a garantia de um bom serviço público que beneficie de um maior investimento e de mais modernização.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Raposo, a quem reiteramos novamente os nossos pedidos de desculpa.
O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do. Governo, Srs. Deputados: Escrevendo na Revue Parisienne, em Agosto de 1840, lamentou-se Balzac, com pena agreste: «a imprensa é, em França, um 4.s poder do Estado; ela ataca tudo e todos e ninguém a ataca; ela pretende que os políticos e os intelectuais lhe pertencem e não tolera a reciprocidade; os seus homens devem ser sagrados [...]»
Estaria Balzac, nesse dia, de mau humor e ter-se-á, por certo, excedido na caracterização feita. Mas, como comenta Jean Daniel, de onde recolho a citação: «tal desabafo tem o mérito de, pela primeira vez, ao que parece, prefigurar a existência do 4.º poder, constelado de virtualidades e de capacidades de influir e de formar uma opinião pública e, através desta, de determinar o sentido e os ritmos da sociedade e do Estado [...]»
Recorro ainda à experiência e à autoridade e, até, à imparcialidade parcial de Jean Daniel, transcrevendo-o: «Noutros textos penetrantes, demonstrou Balzac que, não obstante todos os textos legislados e todos os direitos a resposta, é ao jornalista que cabe a última palavra.»
Claro está que Balzac se reportava à imprensa ida sua época, em que o 4.º poder que configurava era um poder avulso, atomizado, não articulado em grandes grupos e liberto, quase por completo, de qualquer peia estabelecida pelo Estado. Desde então, e sobretudo nesta ponta final do século XX, os grandes grupos de comunicação social são, eles próprios, em casos que os dedos de uma mão não chegam para contar, um instrumento autonomizado de pressão, que tanto pode estar ao serviço desse decisivo, valor fundamental que é a liberdade de expressão e de informação como de interesses económicos ou políticos que, virtualmente, poderão nada ter a ver com o da criação de uma sociedade aberta, pluralista e justa.
A frase contundente de Balzac, mantendo um grão de: verdade e de pertinência, tem hoje quase que p significado de uma bondade. Os problemas de hoje, o curso da história, terão de mudar o discurso, e as preocupações envolvidas.
Mais razoável será evocar a frase de Chateaubriand quando encarava a liberdade de imprensa como «a electricidade social». É ela, realmente, com todos os seus possíveis desvios negativos e personalizáveis, o sistema que pode tornar transparente o que de outro modo seria opaco, conhecido o que se ela não existisse, não passaria de um sussurro.
Disso teve Camus uma bem nítida noção ao dizer, em jeito paradigmático: «Quando a imprensa é livre, isso pode ser bom ou mau, mas, seguramente, sem a liberdade, a imprensa terá necessariamente que ser má. Para a imprensa, como para o Homem, a liberdade não oferece mais do que uma oportunidade de ser melhor; a servidão será sempre a certeza de cada um ser melhor do que é e, portanto, de ultrapassar a própria servidão.»
Ao garantir, assim, a liberdade de imprensa, com todos os seus corolários e mecanismos de protecção; o n.º 1 do artigo 38.º da Constituição inscreve e outorga força essencial um dos esteios da democracia.
Não resta dúvida que essa liberdade tem de ser uma liberdade independente; não há liberdades, condicionadas; o que poderá visualizar-se será o abuso das liberdades ou a proliferação das arbitrariedades. E, evidentemente, terá de ser uma liberdade que não se sujeite ao poder político e. ao poder económico. É dos livros e da prática que assim deverá acontecer. A opinião pública em caso algum poderá ser manipulada; o poder da comunicação social será, nesta acepção, um verdadeiro 4.º poder. Isto embora - no dizer e sempre na boa esteira de Jean Daniel - não deixe de pensar que, caso a caso, a mais producente maneira de proteger os jornalistas contra a tentação de usarem esse poder abusivamente será a de manter um permanente debate sobre as suas responsabilidades, sobre a sua ética, sobre os fundamentais princípios e regras da sua própria actuação.
A independência face ao poder político terá de ser uma independência institucional, tanto quanto possível funcional, uma independência de articulação. Não esqueço o sublinhado esse, sim, actual de Michel Rocard: «os, constrangimentos dos mass media limitam o campo de reflexão dos homens públicos [...]».. Recordava Rocard, em Agosto de 1987, que, quando era ministro, se via compelido a consagrar 70 % do seu tempo às exigências da comunicação social. Isto está dito no Le Nouvel Observateur de 28 daquele mês e ano.
Mas se tudo isto se passa em geral com a imprensa, numa acepção que cubra todos os meios de comunicação social, é patente que se passará, por razões que nem carecem de ser fundamentadas, com a televisão. Tudo nela surge amplificado, desde a imagem aos destinatários das mensagens.
Nenhum meio, como ela, tem o condão de, mais célere e eficazmente, poder promover ou desestabilizar e de ser usada para o bem ou usada para o menos bem.
Entretanto, e em reverso, como expressão máxima do 4.8 poder, é nela que, em mais agudo e sensível grau, terá de ser salvaguardada a independência, a autonomia, e a inexistência, mesmo insidiosa, de qualquer autocensura.
Por assim ser, a solução encontrada na segunda revisão constitucional, de abrir a titularidade de empresas de televisão à iniciativa e actividade privadas, será, sem dúvida, a mais certa. Só o apego arcaizante a uma estatização que perdeu, de vez, o comboio da modernidade poderá fazer relutar na aceitação dessa opção.
Só que não se poderá conceber e regular um sistema aberto sem, no calendário das actuações legislativas, regular, previamente, a estrutura funcional e orgânica da Alta Autoridade para a Comunicação Social, que, ao invés do que antes se passava com o Conselho de Comunicação
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Social, passa a ter jurisdição sobre todos os órgãos de comunicação social, e não apenas sobre os do sector público.
Devo dizer que, desde que preparei este texto até agora, já vários Srs. Deputados puseram este problema e também devo dizer que, ao que creio, numa reunião havida no meu grupo parlamentar terei, talvez, sido um dos primeiros a evidenciar a precedência necessária.
Portanto, é um problema que a mim se me afigura evidente, não sendo movido pela vã inveja, como, aliás, de uma forma simpática, referiu o Sr. Deputado Arons de Carvalho, que ponho o problema.
Continuo um deputado laranja. Não me tomei verde de inveja pela sua imputação, pois reconheço, realmente, que, num timing adequado, o debate sobre a Alta Autoridade para a Comunicação Social deve preceder, sempre o entendi, o debate sobre a Lei da Radiotelevisão.
É que o direito de informar e a ser informado, como pedras angulares do dogma democrático da liberdade de imprensa, não pressupõem apenas a autonomia dos meios de comunicação social perante o poder político e o poder económico, mas a exacta observância do postulado de que informar é informar bem, com pluralismo e disponibilidade intelectual, mas com o indispensável rigor.
A objectividade não se compadece com paradigmas e consente quase que impõe a subjectivação das perspectivas, só que esta terá de se fundar na ética dos princípios e não na moral do êxito próprio ou dos que o comandam.
O dever de informar correctamente, mesmo que não seja através de um suporte, que me está a alvitrar, agora, o Sr. Deputado José Magalhães...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Provavelmente, vota o projecto. Ainda não falou nele!
O Orador: - Voto? Estou, exactamente e preambularmente... Aliás, o meu preambulo é muito extenso, porque o projecto, em si mesmo, tem de ser encarado numa visão favorável na generalidade e não pode ser agora analisado na especialidade, porque ele sofre de um vício genético de calendário, que é aquele que acabo de apontar. Não podemos estar a discutir a Lei da Televisão sem discutir, previamente, a Lei da Alta Autoridade para a Comunicação Social.
Por outro lado, não podemos estar a definir quais são os princípios da intervenção consultiva, correctiva e fiscalizadora deste órgão do Estado, sem, previamente, se definir qual a sua orgânica e funcionamento.
Estou, portanto, a tentar definir princípios que, certamente, não serão totalmente desperdiçados, mas não estou, propriamente, a fazer uma análise na especialidade. Certamente, teremos depois oportunidade, em conjunto com a proposta de lei do Governo e depois de feito o debate sobre a proposta de lei e o projecto de lei da Alta Autoridade para a Comunicação Social, de fazer um debate mais alargado e mais minucioso. Estou a estabelecer princípios, o que nunca é de mais. Sr. Deputado José Magalhães, porque, aliás, o Sr. Deputado é um homem de princípios e, por isso, deve compreender que, evidenciá-los, nunca resultará em desperdício total.
Considero que é muito bom e é muito necessário que se precise... Por exemplo, aquilo que a Sr.ª Deputada Natália Correia ainda agora fixou, quando teve ocasião de ter uma intervenção, em jeito de pedido de esclarecimento, muito útil para a vertente da cultura - privilegiando a componente cultural da televisão para a resguardar da massificação da cultura. Ou também a compaginação possível do direito ao rigor e do direito à subjectividade de quem informa. Não há paradigmas, não há robots, porque, então, havia um computador que informava e que fazia os textos.
Estou a tentar definir princípios que não serão, exactamente, muito pragmáticos, muito úteis e muito práticos, mas são princípios que, exactamente, não arrancam da moral do êxito fácil, mas da ética da responsabilidade e da principiologia, que é a base de toda a actividade pública e, sobretudo, de toda a actividade legislativa.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Vai falar ou não do projecto?!
O Orador: - Entretanto, Sr. Deputado José Magalhães, não o vou incomodar mais com os meus princípios, nem com os meus fins, porque estão, exactamente, quase a chegar ao fim. Nessa altura, terá oportunidade de ouvir uma ou outra referência, mais concreta, ao projecto de lei.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Uma!?
O Orador: - Duas ou três, está bem!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Face ao que sumariamente esbocei, não tão sumariamente como pensava, porque fui advertido de que não era tão sumário como julgava estar a ser, afinal, é fácil de concluir que uma iniciativa legislativa sobre o exercício da actividade de radiotelevisão teria que ser precedida, e volto a repetir, do debate parlamentar sobre a Alta Autoridade para a Comunicação Social.
É o natural calendário de precedências. Não há aqui nada de escamoteado ou nenhuma tentativa de escamotear.
Quando, há pouco, o Sr. Deputado Marques Júnior referiu que este projecto é um projecto histórico, tinha razão. Mas não é só este projecto de lei n.º 457/V, é esta iniciativa legislativa, ou melhor, todo este conjunto de iniciativas que tem de ser globalmente encaradas.
Tem de ser acautelada, como dizia, a coerência global do sistema e a articulação das leis em que ele se textualiza. Nos seus traços essenciais despontará daqui um forte reparo, o principal talvez, à metodologia usada pelo PS.
Outros aspectos virão, por certo, a ser encarados por outros deputados do meu grupo parlamentar, que, mais especializadamente e mais vocacionadamente, virão a falar na especialidade.
Entretanto, e até para fazer um pouco a vontade ao Sr. Deputado José Magalhães, detenho-me na análise de alguns aspectos em especialidade, embora, necessariamente, em linhas gerais, por enquanto.
Desde logo, não me põe com «pele de galinha» a referência que o artigo 2.º, salvo erro, do projecto de lei faz sob a epígrafe «Titularidade ou serviço de interesse público da radiotelevisão». Curiosamente, é assim que a lei espanhola também o refere e o caracteriza no seu preâmbulo.
Entendo que é um serviço de interesse público, embora a titularidade possa ser privada ou possa caber à empresa pública a que se refere o n.º 5, salvo erro, do artigo 38.º da Constituição.
A concessão, evidentemente, tem de ser objecto de uma grande atenção, em relação à capacidade económica e à
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capacidade de resposta, não apenas na perspectiva cultural, sociológica ou nacional das entidades concorrentes candidatas, mas também da sua capacidade económica.
Portanto, chamo a atenção dos Srs. Deputados que a lei espanhola, neste ponto, também tem algo que me parece de utilidade frisar: é que á forma jurídica das entidades concorrentes terá de ser à da' sociedade anónima.
Todos sabemos que o modelo societário é uma forma ou um envoltório jurídico da empresa económica, portanto, uma pequena empresa económica pode ter a forma societária da sociedade anónima ou pode ter outro tipo qualquer de forma societária. No entanto, todos sabemos também, e a prática assim o diz, que, à forma societária da sociedade anónima corresponde, normalmente, a grande empresa ou a empresa dotada de maior capacidade.
Por outro lado, não é de esquecer que, nos termos da lei das sociedades comerciais, as sociedades anónimas estão sujeitas a um leque maior de fiscalização, de transparência, e o seu funcionamento é, normalmente, assegurado de uma forma mais eficaz do que o de qualquer outro tipo societário. Portanto, iria para uma solução próxima da lei espanhola.
Em síntese, o projecto de lei do PS é, evidentemente, um não desperdiçável contributo para a análise alargada da melhor solução normativa, como também, por certo, será a proposta de lei que o Governo apresentará nesta Assembleia ainda este mês,/como acaba de informar o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares e como será, certamente, a discussão prévia, seguindo um timing certo, na minha perspectiva, pelo menos, do dia 23, salvo erro, da proposta de lei e do projecto de lei, ao, que suponho do PS, sobre a Alta Autoridade para a Comunicação Social.
De tudo isto, certamente, resultará uma televisão mais producente, liberta de alguns graves .«senões» que actualmente tem, em Portugal como em toda a parte, pois não há nenhuma televisão perfeita. Sobretudo resultará uma televisão filtrada e estimulada por uma grande regra que, quer se queira quer não, torna as actividades mais producentes e mais exigentes perante elas mesmas - a competência e a concorrência. Não é por acaso que competência significa concorrência e vice-versa, porque, normalmente, esta é, necessariamente, condicionada, avalizada e sujeita a um controlo prévio, do que resultará, certamente, uma televisão mais certa e mais útil ao nosso país.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados António Guterres e Jorge Lacão. No entanto, o Sr. Deputado Mário Raposo dispõe apenas de, salvo erro, 40 segundos para responder.
Vozes do PS: - O Governo dá tempo!
O Sr. Presidente: António Guterres.
Tem a palavra o Sr. Deputado
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, antes de iniciar o meu pedido de esclarecimento gostaria de saber se o Governo cede tempo ao Sr. Deputado Mário Raposo para que ele possa responder; visto que não queria, de maneira nenhuma, pregar-lhe uma rasteira.
Pausa. ....
O Sr. Presidente: - Informam-me que sim, Sr. Deputado.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Mário Raposo, quando o PS não tem projectos, o PSD afirma que o PS não tem alternativas; quando o PS tem projectos, diz que o PS é oportunista e está sôfrego por os apresentar, rompendo todos os calendários.
Porque é uma questão política essencial, vale a pena recordar aqui os calendários desta matéria. Assim, em 1986 apresentámos um projecto sobre o áudio-visual que previa a possibilidade, no quadro da Constituição de então, da abertura, embora sob certas condições, da televisão à iniciativa privada. No entanto, o PSD preferiu esperar pela revisão constitucional.
A revisão decorreu em Junho, e seria natural que o Governo tivesse pronta a sua proposta de lei para entregar na Assembleia, uma vez promulgada a lei de revisão constitucional. Porém, não o fez.
Pela nossa parte, esperámos seis meses, pois era natural que o Governo cumprisse a sua missão de acordo com as suas promessas. Assim, só a 29 de Novembro o meu colega deputado Alberto Arons de Carvalho fez aqui uma declaração política, dizendo que já era tempo, que bastava de espera e que o PS apresentaria, dentro de alguns dias, o seu projecto. Avisámos, com lealdade, com 15 dias de antecedência. Do Governo e de Conrado o prudente silêncio.
Fizemos uma reserva preliminar para esta sessão e, a 18 de Dezembro, entregámos na Mesa o projecto de lei sobre o exercício de radiotelevisão.
Ora bem, tendo tal ..reserva sido feita em 18 de Dezembro, estamos hoje em meados de Janeiro e o Governo continua a não ter pronta a sua proposta, parece que agora só no final do mês...
Em contraste, entendeu o Governo, o que é discutível, que devia dar a prioridade à Alta Autoridade para a Comunicação Social. Anunciou e apresentou essa proposta só a 22 de Dezembro. Ora, o PS já apresentou, na semana passada, o seu projecto para que ambos possam ser discutidos em conjunto. Naturalmente que temos as nossas alternativas preparadas e estamos dispostos a discutir tudo o que quiserem, quando quiserem.
Na verdade, das duas uma: ou o Governo e o PSD ainda não sabem o que querem em matéria de televisão privada, continuam indecisos sobre esta questão e, por isso, ainda não conseguiram apresentar a sua proposta de lei; ou, então, o Governo já a tem pronta há muito tempo e está apenas a atrasar, tanto quanto pode, o processo para ter a garantia de que antes das eleições legislativas de 1991 não haja canais de televisão privada em Portugal.
Por isso, Sr. Deputado Mário Raposo, lhe dirijo esta pergunta muito simples: está o Sr. Deputado disposto a assumir, em nome do PSD, o compromisso de que. tudo será feito, de que os calendários serão acelerados, de que os processos serão realizados com a máxima rapidez possível, para que alguns meses antes das eleições existam canais privados de televisão a emitir em Portugal?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
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O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Mário Raposo, para mim é sempre de um extremo prazer ter ocasião de debater com V. Ex.ª, aqui no Plenário da Assembleia da República, aliás na linha -apraz-me sempre sublinhá-lo- da saudável convivência democrática que temos sempre ocasião de entabular no domínio da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias a que ambos pertencemos.
Todavia, quero, com a mesma franqueza, dizer-lhe que alguns dos argumentos que ouvi expender ao Sr. Deputado me parecem não se encontrar, manifestamente, à altura do prestígio intelectual que todos lhe reconhecemos, parecendo-me argumentos de mera oportunidade fabricados para disfarçar o essencial.
O essencial é que, neste momento, o Governo e o PSD não tom alternativa, nem sabem como se hão-de conduzir neste processo em que o PS claramente se apresenta, não apenas liderando uma iniciativa, mas liderando as propostas concretas que materializam esta iniciativa.
Ó argumento central que o PSD até agora invocou, e a que o Sr. Deputado Mário Raposo se referiu, traduz-se na questão da precedência. Ou seja, do ponto de vista do PSD, seria necessário discutir primeiro a Lei da Alta Autoridade para a Comunicação Social, para só depois se discutir a lei do exercício de radiotelevisão.
Sr. Deputado Mário Raposo, aqui se verifica a grande contradição do seu partido. E que quando o Governo apresentou na Assembleia da República a proposta de lei concernente à actividade de radiodifusão, fê-lo com uma total omissão relativamente ao que veio a ser o Conselho da Rádio. E quando o PS perguntava ao PSD e ao Governo porquê discutir a matéria do exercício da actividade da radiodifusão, desconhecendo-se por inteiro qual o ponto de vista do Governo sobre esse instituto que veio a ser o Conselho da Rádio, o PSD dizia que tal matéria viria depois, a seu tempo, quando se discutisse a questão do licenciamento.
Agora repare o Sr. Deputado Mário Raposo nesta situação: o exercício da actividade de radiodifusão dispensava, no seu enquadramento legal, o conhecimento prévio da matéria do Conselho da Rádio; agora, não é possível discutir a matéria do exercício da actividade de radiotelevisão sem conhecer previamente a lei relativa à Alta Autoridade ...
Sr. Deputado Mário Raposo, são duas matérias totalmente simétricas, com dois critérios, por parte do PSD e do Governo, totalmente antagónicos.
Portanto, nisto não vai a essência da questão. Afinal de contas, a essência da questão era saber, como neste momento se sabe, qual o ponto de vista do Governo e do PSD sobre a Alta Autoridade e qual o ponto de vista do PS sobre o mesmo assunto. Ora, sabemos quais são, pois os dois projectos encontram-se já, neste momento, na Assembleia da República. Não há aí qualquer impedimento de natureza de precedente legislativo que impeça a discussão das questões de fundo relacionadas com o exercício da actividade de radiotelevisão.
Assim, Sr. Deputado Mário Raposo, gostaria de lhe lançar este repto: vamos finalmente deixar-nos de álibis e discutir profundamente as soluções de mérito, mais ou menos conseguidas, apresentadas no projecto do PS, para de uma vez por todas ficarmos a saber qual o ponto de vista do PSD sobre tudo isto.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder às questões colocadas, no tempo de dois minutos cedido pelo Governo, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Raposo.
O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em estilo ultra telegráfico, tomei umas breves notas, sendo a primeira um apontamento do Sr. Deputado Jorge Lacão, que afirma que «o Governo e o PSD não têm alternativa».
Realmente parece que não têm, pelo menos noutro domínio...
Risos do PSD.
Nesta matéria temos, evidentemente, a alternativa de discutir estas duas iniciativas legislativas, que são realmente de grande relevo e que devem ser seriamente entendidas, encaradas, debatidas e analisadas.
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Deverá, pois, haver uma auto-responsabilização de todos nós pela melhor feitura destas leis. Até porque, ao que depreendi, entre o PS e o PSD não há, neste domínio e até em grandes outros espaços, uma abissal divergência. Consequentemente, este é mais um problema de formulação. Aliás, estou bastante de acordo com o Sr. Deputado Nogueira de Brito quando se refere ao Instituto do Audio-Visual - realmente, parece-me um instituto que sofrerá de «elefantíase». Porém, não vejo que isto possa constituir álibis. O que temos é de ir até ao fim da questão, por uma forma ou por outra. Sobretudo, temos de encarar articuladamente o sistema.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que não sou aqui porta-voz do Governo - tenho a impressão de que falei cerca de três minutos com o Governo sobre esta matéria. Fundamentalmente, sou porta-voz de mim mesmo e de um Programa do Governo que apoio. Contudo, repito, não sou porta-voz do Governo, nem sequer do PSD, que está muito melhor representado pelo Sr. Deputado Montalvão Machado.
Risos do PS.
Eu sou também Mário - é a única semelhança. De qualquer modo, o Sr. Deputado Montalvão Machado é membro da Comissão Política Nacional e da Comissão Permanente" do PSD, estando em contacto mais próximo com o Governo por via do Sr. Primeiro-Ministro, contacto que não tenho a honra de ter hoje com a profusão que tinha antigamente.
Por conseguinte, não vejo que haja aqui qualquer álibi. Há apenas uma questão de metodologia que, expontaneamente, como digo, levantei e que me parece que veio ao encontro de outras dúvidas que foram postas.
Quanto ao referido pelo Sr. Deputado António Guterres - aliás, estou sempre com o Sr. Deputado António Guterres, menos na ida àquelas ruínas da Guatemala, pois queremos construir o futuro e esquecer as ruínas -, devo dizer que falei numa sociedade anónima para a televisão privada e o Sr. Deputado já está a extrair dividendos dessa sociedade.
Risos do PSD.
É que o Sr. Deputado já arranjou uma forma de me responsabilizar, não por mim próprio, Mário Raposo, que,
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coitado, já tem uma pesada responsabilidade, mas por todos estes 148 deputados que aqui estão, pelo Governo, e - sei lá! -, daqui a pouco, pela NATO, pela COMECON, por tudo aquilo que existe neste mundo!
Risos do PSD.
Ora, eu só posso assumir as minhas próprias responsabilidades.
O Sr. Deputado Jorge Lacão sabe perfeitamente que em comissão nós agimos dentro de uma metodologia que tem sempre em vista uma busca consensual de soluções. E temos pena que o Sr. Deputado Carlos Encarnação, a quem aproveito para saudar na sua nova veste de membro do Governo - por isso me cederá mais um- minuto para o saudar...
Risos do PSD e do PS.
O que queria dizer é que o Sr. Deputado sabe bem que na nossa Comissão, de que fazem parte deputados que já se conhecem há tanto tempo e que tão de perto têm vivido, tudo faremos para que dentro da medida e do espaço em que nos movemos, em sede especializada, as coisas possam andar rapidamente. É apenas a única promessa que lhe posso fazer, pois ai de mim se assumisse outras promessas fáceis, para as quais nunca me deixei aliciar.
Quanto ao problema da calendarização, trata-se de uma questão pertinente, não constituindo, portanto, um pretexto levantado à última da hora, nem sequer se podendo invocar o problema do Conselho da Rádio. E que a televisão é um órgão demasiado importante, em que tudo se amplifica, que entra na casa de toda a gente - assim quiséssemos que todos os meios de comunicação entrassem, mas infelizmente apenas a televisão entra.
Portanto, temos de acautelar que tudo aquilo que neste país diga respeito à televisão seja feito com todo o rigor, com todo o cuidado e com toda a serenidade, mesmo esperando angustiadamente um mês, pois não é por um mês que deixará de haver uma televisão privada no nosso país.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Mário Raposo, mesmo considerando aquele minuto que V. Ex.ª «roubou» ao Governo, gastou, ainda assim, mais dois.
Srs. Deputados, antes de dar a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado Rui Silva, vai proceder-se à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.
Foi lido. É o seguinte:
Relatório e parecer da Comissão da Regimento e Mandatos.
Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos realizada no dia 10 de Janeiro de 1990, pelas 15 horas, foram observadas as. seguintes substituições de deputados:
Solicitadas pelo Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata:
Eurico Silva Teixeira de Melo (círculo eleitoral de Braga) por Manuel António de Sá Fernandes [esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), por um período de 30 dias, a partir do dia 9 de Janeiro corrente, inclusive];
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto (círculo eleitoral de Beja) por Luís Manuel das Neves Rodrigues [esta substituição é determinada nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), para o período de 9 de Janeiro corrente a 7 de Fevereiro próximo, inclusive];
Luís António Damásio Capoulas (círculo eleitoral de Évora) por António Augusto Ramos [esta substituição é determinada nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), a partir do dia 9 de Janeiro corrente, inclusive];
Pedro Miguel Santana Lopes (círculo eleitoral de Lisboa) por Evaristo Almeida Guerra de Oliveira [esta substituição é determinada nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), a partir do dia 9 de Janeiro corrente, inclusive];
Carlos Manuel Sousa Encarnação (círculo eleitoral de Coimbra) por Carlos Manuel Pereira Baptista [esta substituição é determinada nos termos da alínea c) do n.º l do artigo 4.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), a partir do dia 9 de Janeiro corrente, inclusive];
Miguel. Bento Martins C. Macedo e Silva (círculo eleitoral de Braga) por Dulcíneo António Campos Rebelo [esta substituição é determinada nos termos da alínea c) do n.º l do artigo 4.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), a partir do dia 9 de Janeiro corrente, inclusive].
Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS):
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho (círculo eleitoral de Lisboa) por Leonor Coutinho Pereira dos Santos [esta substituição é determinada nos termos da alínea c) do n.º l do artigo 4.º da Lei n.º 3/85, de 13 dê Março (Estatuto dos Deputados), a partir do dia 12 de Dezembro passado, inclusive. Esta redacção rectifica e anula a que foi feita no Relatório n.º 114, de 12 de Dezembro de 1989];
Vítor Manuel Ribeiro Constâncio (círculo eleitoral de Lisboa) por Leonor Coutinho Pereira dos Santos [esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), para o período de 1 de Janeiro corrente a 31 de Julho próximo, inclusive];
Álvaro Jaime Neves da Silva (círculo eleitoral de Lisboa) por Luís Geordano dos San-
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tos Covas [esta substituição é determinada nos termos do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), em virtude de o Sr. Deputado Álvaro Neves da Silva ter requerido a renúncia ao mandato de deputado a partir do dia 12 de Janeiro corrente, inclusive]; António Magalhães da Silva (círculo eleitoral de Braga) por Laurentino José Monteiro Castro Dias [esta substituição é determinada nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), a partir do dia 11 de Janeiro corrente, inclusive].
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
Presidente, João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD) - Vice-Presidente, Alberto Marques de O. e Silva (PS) - Alberto Monteiro de Araújo (PSD) - António Coelho Araújo (PSD) - Arlindo da Silva André Moreira (PSD) - Belarmino Henriques Correia (PSD) - Carla Maria Tato Diogo (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Fernando Monteiro do Amaral (PSD) - Flausino José Pereira da Silva (PSD) -José Augusto Ferreira de Campos (PSD) - José Augusto Santos da S. Marques (PSD) - José Manuel da Silva Torres (PSD) - Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD) -Manuel António de Sá Fernandes (PSD) - Pedro Augusto Cunha Pinto (PSD)- Júlio da Piedade Nunes Henriques (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - Francisco Barbosa da Costa (PRD) - José Luís Nogueira de Brito (CDS).
Srs. Deputados, está em discussão este relatório e parecer.
Pausa.
Em virtude de não haver inscrições, vamos proceder à votação.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca e Pegado Lis.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 457/V, pelo seu significado e objectivo de resolver uma situação que há muito já devia estar ultrapassada, merece o apoio do Partido Renovador Democrático e por isso o saudamos.
Nesta primeira abordagem de discussão na generalidade, não iremos aprofundar o conteúdo do seu articulado, porque, embora estejamos perante um extenso diploma, não o entendemos como um documento acabado e, em sede de especialidade, daremos o nosso contributo para o seu aperfeiçoamento ou fusão com outros diplomas que, entretanto, possam vir a apresentar-se na Mesa do Plenário, conforme hoje já foi anunciado nesta Câmara.
O objectivo político da abertura da televisão à iniciativa privada deixou de ser um tabu para a maioria dos partidos com assento nesta Câmara.
Congratulamo-nos com o reinicio da discussão desta matéria e pensamos mesmo que, a partir de agora, os dados estão lançados e o processo será irreversível.
Pode-se hoje afirmar que em Portugal existe, na verdade, um largo consenso quanto à necessidade de permitir o acesso de iniciativas não públicas ao exercício da actividade televisiva.
A opinião pública nacional exige, cada vê/mais e com maior insistência, respostas, em português, aos desafios colocados pela progressiva penetração de televisões estrangeiras.
Todos conhecemos a realidade dessa penetração proporcionada pela sofisticação dos novos meios tecnológicos de difusão, com destaque para os satélites. Não é segredo para ninguém que, principalmente na zona fronteiriça da nossa vizinha Espanha, os índices de audiência são muito superiores para a televisão espanhola em detrimento da nacional, chegando-se mesmo ao ponto de, no nosso país, se verificar, com regularidade, a permanência de equipas espanholas com a única finalidade de, na sua televisão, darem a cobertura dos principais acontecimentos nacionais.
E tudo isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, pela falta de concorrência e de pluralismo de informação. Não que condenemos a qualidade dos programas da RTP. O esforço que tem sido feito nos últimos anos é louvável e a alta qualidade de programas adquiridos ou de produção nacional já mereceram elogios e até prémios internacionais. Mas do mesmo sentimento não comungamos quanto à independência informativa, que apelidamos de exageradamente estatizada e de duvidosa independência.
É esta a razão da nossa defesa da necessidade de abertura do exercício televisivo à iniciativa privada. Foi há cerca de três anos que iniciámos a nossa intervenção debatendo a eventualidade do início da televisão privada no nosso país. Apresentámos um projecto de lei, que foi discutido, mas que não mereceu, nessa altura e na generalidade, o apoio maioritário da Câmara.
Recordámos, nessa data, os limites impostos pela Constituição, hoje afastados com a recente revisão constitucional e a supressão do então n.º 7 do artigo 38.º Alertámos para os avanços tecnológicos que tornariam inevitável, para não dizermos obrigatória, a curto prazo, tal abertura; denunciámos, e estávamos perfeitamente à vontade, como hoje estamos, os oportunismos eleitoralistas que têm condicionado a apresentação de boa parte de textos legislativos sobre esta matéria a esta Câmara e reconhecemos o facto de, porventura, Portugal ser, a essa data, dos países europeus menos preparados para enfrentar esse embate de inevitáveis consequências em vários domínios, nomeadamente o cultural. Mas prometemos e
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tudo tentámos fazer para que a inevitabilidade* de tal abertura viesse a acontecer em tempo útil, depois de definidas as regras quadro do espaço televisivo, sem esquecer, então, tão importantes questões, como o mercado publicitário ou a dimensão do serviço público, que não constituído vocação da iniciativa privada, jamais, no entanto, poderá estar ausente de um orgão com a força, responsabilidade e importância da televisão.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: Nenhum projecto ou proposta de lei é um documento acabado, como o seu próprio nome o identifica. E, como afirmámos, entendemos o diploma hoje em discussão como base de trabalho, conscientes que estamos de que se está a dar um passo importante na importante questão do áudio-visual, que não mais poderá ser olhado como uma mera curiosidade de ficção científica, mas, pelo contrário, terá de ser enfrentado com a urgência, coragem e responsabilidade nacional que esta matéria obriga e encerra no seu conteúdo.
Cada dia que passa mais difícil será, de facto, a autonomia diante da inevitável planetarização do espaço áudio-visual e mais apertada será a margem de manobra do legislador, para ditar as alternativas que, no caso, terão de ser construídas à colonização cultural.
Algumas dúvidas, ainda, este diploma nos suscita, como é o caso da possibilidade de qualquer pessoa, singular ou colectiva, poder deter, directa ou indirectamente, até 30% da quota ou participação em mais de uma empresa de radiotelevisão.
Pensamos ser exagerada esta percentagem que pode permitir assim a criação de grandes lobbies empresariais. É que 40% de produção nacional mínima obrigatória pode ser pouco, isto se tivermos em atenção o exemplo de Espanha, em que os iguais 40% incluem informação e desporto. Se o não incluírem, os 40% poderão ser demasiados.
Saudamos a manutenção de dois canais na RTP, bem como a criação do Instituto Português do Audio-Visual, tendo como objectivo conservar, tratar e explorar os arquivos áudio-visuais das entidades emissoras, porque todos temos consciência da necessidade de preservação do nosso património áudio-visual, devendo, até, esta responsabilidade ser extensiva à rádio, porque documentação rica existe, que com o passar do tempo, a não ser preservada, irremediavelmente se irá perdendo.
A composição do conselho geral proposto, embora entendamos que, com o número de 25 a 30 elementos, se pretende salvaguardar a independência da sua participação decisória, afigura-se-nos um número demasiado elevado, que correrá eventualmente o risco de não funcionar. No entanto, na generalidade, este diploma merece o apoio incondicional do PRD e a ele daremos o nosso voto favorável.
Entendemos que, apesar de tudo, continua a haver um vazio na nossa produção televisiva, e que há que constituir uma verdadeira alternativa que vá além da simples emissão. O desafio da nossa identidade cultural também passa por aqui. Nenhuma identidade cultural poderá, a curto prazo, pelo menos, prescindir do áudio-visual.
Razão da nossa posição hoje e da participação construtiva que teremos em sede de especialidade.
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo: Aproveito, aqui, para saudar uma vez mais o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares, que pela primeira vez vemos nessa bancada, com grande efeito já, porque, há pouco, como tive ocasião de lhe dizer, vi o que desde há muito tempo não via: o Governo a defender--se da sua própria bancada. Felicito-me por isso, o que, porventura, permitirá ao PSD algum espaço de manobra a mais, que também espero que aproveite...
Em primeiro lugar, perante esta iniciativa, que me cabe, um pouco inesperadamente - confesso -, defender, quero saudar os autores do projecto.
É importante a intenção manifestada pelo Partido Socialista de viabilizar, rapidamente, a importante revisão operada na Constituição, em matéria de comunicação social.
É bom ver, escritas pelo PS, palavras como as que, no preâmbulo do projecto, reconhecem a necessidade de impor ao serviço público de televisão um maior pluralismo, o respeito pelas maiorias e pela promoção da cultura e ainda que as empresas privadas são mais aptas à inovação e à modernidade e mais atentas ao gosto das maiorias.
Ainda bem, Srs. Deputados! Felicito-os pela coragem que os levou a escrever estas palavras no preâmbulo do vosso projecto.
Quão longe estamos da posição adoptada pelo mesmo PS, face ao projecto de lei n.º 387/IV, aqui apresentado pelo CDS na IV Legislatura. E ainda bem que estamos longe!
O Sr. José Lello (PS): - Só os burros é que não mudam!
O Orador: - É verdade, Srs. Deputado, é verdade! Só esses é que não mudam. Tem toda a razão. É pena que o PS, afinal de contas e em tão pouco espaço de tempo, se tenha afastado do modelo que, em plena revisão constitucional, o levou a propor a manutenção, nas mãos do. Estado, apenas de um serviço mínimo de televisão.
Diríamos que, rapidamente, ganhou aquilo que consideramos como uma tendência liberal envergonhada, acabando o projecto por consagrar um grau de intervenção do Estado que mais parece destinado a compensar um qualquer desvio a um ponto fundamental de doutrina.
É pena que assim seja.
Portadores, no entanto, de um optimismo confirmado pela história, designadamente pela história recente, estamos mais interessados em realçar o que de bom tem esta iniciativa e que é, ao fim e ao cabo, a possibilidade de abrir as portas da televisão à iniciativa privada.
Mais do que a consequência da actuação de quaisquer instituições arquitectadas, mais ou menos cuidadosamente, pelo legislador, a independência e a objectividade, a consonância com a opinião maioritária, resultarão, neste domínio da televisão, da concorrência das empresas, da necessidade de manter audiências, da impossibilidade de manter a contragosto do público telespectador atitudes de pura subserviência e pura conveniência política.
É bom, portanto, que se tenha avançado e é bom que se aproveite o avanço para andar depressa, não nos preocupando muito a nós, CDS, o atraso sorrido pela iniciativa respeitante à Alta Autoridade. Supomos que o atraso é recuperável e não necessitamos de reconhecer, defini-
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tivamente, o que vão ser os contornos da Alta Autoridade a definir pela Assembleia, pois aquilo que sabemos já nos chega para, realmente e com entusiasmo, aderirmos à discussão deste projecto.
Esperamos, no entanto, que a fúria regulamentador, que enforma todo o projecto e que é a parte negativa a sobrepor-se ao que há nele de positivo, acabe por se atenuar nos trabalhos que vamos ter na Comissão.
Com efeito, o que se passa em matérias como a da definição de prioridades na apreciação dos concursos, das finalidades gerais e particulares impostas às actividades de televisão, do Instituto do Áudio-Visual, dos modelos de gestão pormenorizadamente regulamentados, do regime regulamentar da publicidade, aparece como uma verdadeira contradição com o propósito de abertura da televisão.
É porque, Srs. Deputados, não restam nesta matéria equívocos, que não poderão, por isso mesmo, ser utilizados como aparente justificação, à semelhança do que me pareceu ver feito pelo PCP.
A televisão privada há-de viver, fundamentalmente, das suas audiências, da capacidade de as manter e daquilo que elas implicam. Não tenhamos ilusões sobre isso e não tentemos, por via regulamentar, alterar esta verdade fundamental. Ou, então, estaremos a fechar a janela quando começamos por abrir a porta.
É também pena, Srs. Deputados, que, ao mesmo tempo que se diz de mais em relação a todas as matérias que acabei de apontar, se diga de menos em relação a algumas delas.
Estou a pensar na pouca clareza que, apesar de tudo, o projecto mantém na definição dos âmbitos territoriais das várias espécies de televisão que nos aparecem aqui definidas. E se alguma clareza há, ela parece muito negativa ao ir longe de mais, por um lado, na definição do âmbito das televisões locais e, por outro lado, no que se diz também de menos, deixando tudo para o plano Áudio-Visual, que se promete apresentar, no que respeita aos vários processos técnicos a utilizar para transportar a televisão e para emitir sinal.
Ao mesmo tempo diz-se também pouco de mais no que respeita ao que se entende por exploração privada da actividade televisiva, o que mantém alguns equívocos, que convinha não manter, sobre o que é exploração privada, o que fica para o Estado e o que fica para os privados.
Suponho que esta matéria não poderia deixar de figurar claramente numa lei de enquadramento como é esta.
Levantou-se já aqui o equívoco de saber se não estaríamos perante uma solução como aquela que, face aos constrangimentos constitucionais de então, nós tivemos de apresentar na IV Legislatura, mas. que não nos é imposta por quaisquer constrangimentos constitucionais, com que acabámos, felizmente, nesta revisão constitucional.
É nesta perspectiva, de nos felicitarmos pela iniciativa e de fazermos votos para que, na base dela, se ande efectivamente depressa e possamos ter, o mais rápido possível, televisões privadas em Portugal, que vamos votar este projecto do PS.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luis Ramos.
O Sr. José Luis Ramos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Quem ouve o Partido Socialista, hoje e na Assembleia da República,
defender a iniciativa privada, em sede de actividade televisiva, poderia ser levado a concluir que o PS sempre esteve ao lado daqueles que lutaram pelo fim do monopólio do Estado neste sector. Mas será assim?
Ainda em 1984, um alto dirigente do PS dizia: «Abrir mão do monopólio do Estado seria possibilitar que um outro monopólio, de facto, certamente pouco interessado nos objectivos que a lei comina ao serviço público de radiotelevisão e muito mais aberto à pura lógica do lucro [...]»
Noutro passo, citando um autor com o qual concordava inteiramente, escrevia: «É que a concorrência se estabelece entre programas de nível cultural muito baixo, acentuando o efeito narcotizante da comunicação social».
Anos volvidos, alguns dirigentes do Partido Socialista vêm a público defender que a evolução técnica acabará por tomar impossível o monopólio da televisão estatal e «ficar fora deste processo evolutivo era ficar na pré-história da tecnologia da comunicação.»
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, será isto convicção?
Quando o X Governo Constitucional, dadas as limitações existentes na altura, propôs a concessão de um canal de televisão à igreja católica, o PS foi frontalmente contra. Foi contra na discussão em Plenário; foi contra a constituição de uma comissão para analisar o assunto e, quando a comissão foi constituída, juntou os seus votos aos do PRD para aprovar um extensíssimo programa de audições que impossibilitaram, na prática, que, de facto, alguma conclusão houvesse nesta matéria.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Nem se diga que eram contra a concessão de um canal de televisão para a igreja católica, mas favoráveis à concessão a outra entidade privada. A posição do PS, na altura, era a de manter o status quo: dois canais para a RTP por «se tratar de um investimento que foi feito pelo Estado, devendo ser rentabilizado numa lógica de interesse público».
Era esta - e estou a citar - a posição oficial do PS.
Com o actual projecto de lei muitas dúvidas e interrogações podem, legitimamente, subsistir sobre a verdadeira posição do PS.
Senão, vejamos.
O actual projecto de lei consagra uma série de normas, algumas das quais de natureza quase regulamentar que, caso fossem aprovadas, poderiam espartilhar seriamente a iniciativa privada neste sector. Cito como exemplos: o artigo 19.º («Direitos da estação emissora»), que afinal vem estipular sobre requisitos necessários para se ser director da estação; o artigo 20.º, que estipula uma série de condições para que a competência daquele director seja exercida. Ora bem, quaisquer destas normas constituem, sem dúvida alguma, matérias que pertencem à livre iniciativa e à livre organização das empresas, neste caso, privadas, e não devem. Sr. Presidente e Srs. Deputados, ser impostas desta forma.
Podemos, assim, legitimamente questionar sobre se o PS está, realmente, a favor da iniciativa privada em sede de actividade da radiotelevisão.
O artigo 3.º do projecto de lei estipula que nenhum operador privado de radiotelevisão pode ser titular de mais de um alvará de licenciamento, excepto no exercício de actividade em canais de âmbito diferente. Quer dizer, um operador privado não pode deter um alvará de licenciamento na Guarda e outro em Bragança, por exemplo.
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É legítimo questionar: estará o PS a favor da iniciativa privada em sede de radiotelevisão?
Acresce a tudo isto múltiplas imposições consagradas no projecto de lei. Assim, citarei, a título de mero exemplo: nenhuma pessoa singular ou colectiva pode deter uma quota superior a 30 %, a obrigatoriedade de serviços noticiosos regulares, normas de natureza regulamentar sobre a publicidade, e cito, ainda, a mero e particularíssimo exemplo, aquele caso em que uma norma deste projecto de lei impõe que a publicidade não pode ser inserida na sequência dos genéricos iniciais dos programas, etc.
Para além desta questão, que se reveste de toda a importância, uma vez que estamos a apurar das reais condições e, sobretudo, do real modelo que o PS preconiza nesta matéria, resta saber qual a razão de ser de se incluírem no mesmo projecto de lei matérias absolutamente diversificadas.
Resta, pois, saber, repito, qual a razão de ser de juntar diversas matérias no mesmo diploma, e destaco as seguintes: por que razão juntar neste projecto de lei a criação do Instituto Português do Áudio-Visual, alterações ao Código da Publicidade, alterações ao estatuto da empresa RTP, alterações ao direito de antena? Será esta a melhor forma de abordar o problema? Sr. Presidente, Srs. Deputados, temos fundadas dúvidas!
No projecto de lei apresentado pelo PS refere-se que o Instituto Português do Áudio-Visual é uma entidade pública e remete-se todo o seu estatuto para um posterior decreto-lei; porém, contraditoriamente, no mesmo projecto de lei inserem-se várias alterações ao estatuto da RTP. Ficamos, sem dúvida alguma, sem saber se essas alterações são as melhores, nomeadamente quanto à composição e competências do chamado «conselho geral».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se o projecto de. lei, por um lado, mistura realidades diferentes, por outro, existem certas questões importantes sobre as quais p PS é totalmente omisso. Refiro-me, por exemplo, à questão da televisão por cabo, relativamente à qual o PS nada diz: não diz se é a favor ou se é contra, qual a sua, metodologia para apreciação deste problema. De facto, neste diploma, não existe qualquer menção ao problema da televisão por cabo enquanto há tanto desvelo em regulamentar outras matérias, como sejam, por exemplo, o Código da Publicidade... Ficamos, sem dúvida, alguma, com várias interrogações quanto a esta matéria.
Dentro desta realidade, qual é verdadeiramente a posição do PS sobre a televisão por cabo? É a favor de um cabo interactivo ou não interactivo? Resta,, pois, ao PS responder! São estas e outras lacunas de que' o actual projecto de lei se encontra eivado.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Muitas vezes a pressa de legislar é inimiga da qualidade legislativa. No entanto, aqui fica o contributo do PS para a discussão que já no passado e noutra legislatura temos vindo a discutir com a participação activa do PSD, sem esquecermos que, sem dúvida alguma, os condicionalismos legais, sobretudo os constitucionais, eram outros.
Não podemos, de forma alguma, aceitar que o PS venha arvorar-se hoje e aqui em paladino da iniciativa privada em sede da actividade radiotelevisiva pelas razões que referimos, sobretudo pelas interrogações que deixámos e pelas lacunas e possibilidades regulamentares que este partido achou por bem reunir no projecto de lei em questão.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Há pouco o Sr. Deputado Mário Raposo disse, e cito, embora de cor: «Tudo o que à TV respeita deve ser feito com rigor e com cuidado.» Sr. Deputado, subscrevo, inteiramente esta afirmação.
Foi, de facto, porque o PS teve em atenção estes princípios que sublinhou a importância que a televisão deve dar à valorização cultural e à defesa e promoção da língua portuguesa, nomeadamente consagrando como fins da actividade radiotelevisiva nos artigos 5.º, 6.º e 7.º e também privilegiando no artigo 87.º a cooperação com os países de língua portuguesa.
Como afirma Jean Boulliard, «a comunhão cerimonial já não se dá através do pão e do vinho que se tornariam a carne e o sangue, mas através dos mass media». De facto, é através dos mass media, com especial importância para a televisão, que são inculcados os modelos, que se estabelece o diálogo universal, que se comunica com os outros e comunica-se o bom e o mau- e que se inculcam modelos nem sempre de qualidade.
Através da publicidade, como já aqui foi referido, surge, por exemplo, o problema dos brinquedos bélicos. De facto, publicita-se o bom e o mau! Porém, é também através de determinadas imagens que se inculcam determinados usos e costumes e determinados valores, como seja a moda do vestuário, a do penteado, a do modo de dizer e de falar. É também através da publicidade que se inculcam e defendem determinados padrões culturais.
Ora isto quer dizer que na televisão não é só importante o que se diz, o conteúdo, mas também o modo como se diz, isto é, a expressão - aliás, Krosch já dizia que não é só importante o que se diz, mas também o modo como se diz.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora: - Os órgãos de comunicação social, com especial importância e relevo para a televisão, são verdadeiras escolas modelos de bem dizer e importantes referências do bom português para o cidadão comum afastado de outras sedes, de outras escolas, de outros contactos, de outros livros, de outras leituras.
Deste modo, a televisão é responsável pela divulgação de formas de dizer e de escrever, mais do que qualquer outra escola do ensino oficial ou privado, e também pela recriação diária do idioma e pela fixação da norma. Um erro, seja ele de que natureza for, que seja proferido na televisão sofre efeitos multiplicadores, é reproduzido, repetido à saciedade por milhões de falantes.
Como notou Eça de Queirós, «quem fala ou escreve fá-lo em referência a normas»; e prossegue o autor de Ecos de Paris: «neste século, por muitos apelidado de século da comunicação e dos áudio-visuais, são os mass media que tendem a impor certos tipos de linguagem», daí a preocupação que devemos ter na defesa dos valores culturais e da língua portuguesa, quer em relação à televisão estatal quer em relação aos canais privados.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora: - Hoje em dia há mais atenção da parte dos falantes, da dos cidadãos para com a televisão do que em relação a outras formas de divulgação cultural. Inclusi-
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vãmente, em Portugal, onde a taxa de analfabetismo literal já é elevada, à qual acresce a taxa de analfabetismo funcional, aquilo que é divulgado na televisão é considerado como a «verdade absoluta».
Infelizmente, se há bons profissionais, há também os que são menos bons!... E quando faço estas advertências não me refiro apenas aos profissionais da comunicação social, mas a todos os que têm fácil acesso à televisão, como sejam os convidados, os entrevistados, que têm muito pouco cuidado, que não se preocupam com o que dizem e com as consequências que daí podem advir. Portanto, repito, não é uma crítica aos profissionais da radiotelevisão, mas a todos aqueles que, por variadíssimas razões, têm acesso à televisão.
Também gostaria de dizer que não se pode invocar - e esta desculpa tem sido dada várias vezes - o facto de, por exemplo, quer na selecção dos convidados quer na dos próprios profissionais, não haver prestação de provas, como há, nomeadamente, na BBC e em outras televisões estatais. É evidente que quando os profissionais são bons, quando os falantes televisivos, ou seja, os locutores, no sentido linguístico e não no sentido mediatico, têm essas preocupações não necessitam que o crivo venha de fora e que haja essa selecção.
Finalmente, gostaria de dizer que esta preocupação tem razão de ser e é legítima, pelo que gostaria de ter mais tempo para falar não só da televisão, mas também dos jornais e de algumas práticas correntes que deveriam ser relegadas para os caixotes do lixo.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.
O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Televisão privada, sim! É a grande conclusão deste debate que se travou hoje. Diria, contudo, televisão privada, sim, mas não a qualquer preço nem de qualquer maneira! Diria mais: é urgente liberalizar, mas é necessário fazê-lo fortemente. Não às soluções mitigadas, não às soluções a «meio gás»! Liberalizar com regras, com transparência, com seriedade e, também, por que não dizê-lo, pensando «grande».
O País não precisa de uma lei contra o Governo, contra o Grupo Parlamentar do PSD, contra os grupos parlamentares das oposições ou ainda contra a RTP. O País precisa de uma lei que possibilite a existência de experiências inovadores que permitam aumentar a capacidade de escolha dos cidadãos. O País precisa de diversidade e de qualidade!
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Isso é verdade!
O Orador: - O PS pode pensar que ao intervalo está a ganhar o jogo; contudo, a questão não é essa, porque o jogo ainda não começou. O PS, quanto muito, foi o primeiro a entrar em campo, mas, de facto, o resultado final é que conta. Neste caso, o que conta para nós esta é a mensagem que aqui quero deixar - é que seja o País a ganhar, pelo que é preciso que nesta questão importantíssima e vital haja um grande consenso, e, infelizmente, não ouvimos da parte do PS a resposta que gostaríamos de ter ouvido às questões essenciais que levantámos, questões essas a que nos comprometemos responder quando chegar a nossa vez de sermos julgados.
Hoje é o projecto de lei apresentado pelo PS que está em causa, mas, infelizmente, este partido não deu uma resposta cabal às questões que suscitámos, pelo que continuamos sem saber o que é que o PS pensa em relação a questões tão importantes como, por exemplo, a transmissão do sinal, o número de canais, a posição em relação à igreja católica, etc.
O PS diz que da proposta do Governo sabe zero e nós dizemos que da proposta do Partido Socialista, depois de ela ter sido discutida, sabemos, infelizmente, muito pouco. Tal não obsta a que continue a considerar esta nova posição do Partido Socialista como uma posição importante que deve ser valorizada. Da bancada daquele partido ouvimos hoje algumas preocupações importantes, que partilhamos, e que gostaríamos de ver incluídas numa lei sobre esta matéria.
Pela minha parte, estou certo de que, dentro de princípios de que não abdicaremos, será possível a esta Assembleia, em tempo útil, mas de forma cuidada, tratar esta questão e conseguir que esta lei tenha nesta Câmara a mesma unanimidade que já existe no País.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições...
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, dei-me conta, aliás como toda a Câmara, de que o Sr. Presidente anunciava que não havia mais inscrições. Desta forma pedi a palavra para me certificar se o Governo não fez qualquer diligência para produzir uma intervenção neste debate.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se tivesse havido a manifestação desse desejo, naturalmente que não teria anunciado que não' havia mais inscrições, porque prezo muito o Governo.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Ainda para interpelar a Mesa, Sr. Deputado?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não, Sr. Presidente, mas é que nós não estávamos a contar que o debate fosse já encerrado, porque julgávamos que havia outras inscrições. Não sendo assim, quero comunicar à Mesa a minha inscrição para uma intervenção final.
O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É com natural perplexidade que o Partido Socialista assiste a um debate em que o Governo disse nada. Por sua vez, o Grupo Parlamentar do PSD, porta-voz autorizado do Governo igualmente nada adiantou sobre a matéria substantiva, levantou algumas dúvidas, porventura mesmo algumas suspeições, sobre o alcance último de algumas medidas normativas constantes do projecto de lei do PS, mas nada,
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rigorosamente nada, avançou sobre as opções que o Governo e o PSD têm em matéria de lei quadro do exercício da actividade de televisão e, em particular, sobre as condições de abertura à iniciativa privada.
O pensamento do PS está explícito, resulta do projecto apresentado; o pensamento do PSD e do Governo permanece envolvido numa profunda e enigmática espessura, não é conhecido e, a partir de agora, é politicamente legítimo afirmar que a incapacidade política demonstrada pelo Governo e pelo PSD neste debate resulta não já do álibi de escolher para um outro momento o timing acertado para a apresentação de uma proposta, mas, pura e simplesmente, porque até ao momento não têm ideias firmes e consistentes para as poderem aqui apresentar e em nome delas travarem um debate eficaz sobre a matéria.
Estamos, portanto, colocados na situação não já de um partido da oposição que apresenta alternativas ao Governo, mas de um Governo que não apresenta alternativas às propostas da oposição! Questão singular esta a marcar, porventura, a fase de verdadeira perturbação a quê temos assistido por parte do Governo e do PSD.
Pela nossa parte, queremos sublinhar uma afirmação aqui proferida pelo Sr. Deputado Arons de Carvalho, que referiu a total e inteira disponibilidade do PS para se encontrar o mais amplo consenso que se revelar possível em tomo desta matéria. Evidentemente, não temos de pedir desculpas por tomarmos a iniciativa tempestiva que apresentámos, mas, como dissemos, estamos disponíveis para aguardar que, finalmente, o Governo e o PSD tomem a sua iniciativa para concorrer para uma solução tão consensual quanto possível neste domínio.
E, já agora, avançaria dizendo que, efectivamente, em matérias como, por exemplo, a questão da transmissão do sinal, no projecto apresentado" pelo PS, se admite que o licenciamento possa envolver a própria infra-estrutura de difusão do sinal. Isto significa que admitimos como possível que a infra-estrutura de distribuição do sinal seja susceptível de titularidade privada pelos próprios titulares das estações emissoras, mas também admitimos que se o Governo revelar ter um plano consistente para a distribuição do sinal televisivo, em Portugal, o possa colocar à disposição de entidades privadas, através do mecanismo da concessão dessas mesmas infra-estruturas.
Naturalmente, terá de ser o Governo a assumir aqui a sua quota-parte de responsabilidades e a dizer por qual dos caminhos pretende enveredar.
Em matéria do número de canais seria perfeitamente disparatado que, aqui, no Parlamento, se dissesse qual o número de canais que vamos ter, quer de cobertura geral, quer de cobertura regional ou local. Essa é uma questão técnica e, como questão técnica, o que a lei deve formular são as condições de transparência, para que resulte claro que tudo aquilo que for tecnicamente viável em termos de acesso à actividade televisiva deve ser disponibilizado para o concurso público.
É este o princípio geral que afirmamos na nossa solução e é, portanto, relativamente a ele que gostaríamos de conhecer o ponto de vista dos outros grupos parlamentares.
Quanto às entidades que terão ou não acesso- à actividade de televisão, o princípio é claro, ficou patente na própria Constituição: há um princípio geral de igualdade em matéria de candidaturas através do concurso público. É, como não poderia deixar de ser, o princípio claramente afirmado do projecto apresentado pelo PS.
Não têm, portanto, razão de ser as dúvidas que foram suscitadas, porque nelas se admitia o pressuposto de que o PS não tinha solução para este problema.
O PS tem solução, para este conjunto de problemas e isso está patente na proposta que apresentou.
Srs. Deputados, natural seria que relativamente a outras questões pudéssemos ter aqui aberto um espaço de debate. Pelos vistos ficará para outra oportunidade; pela nossa parte, estaremos sempre atentos e disponíveis, como referi.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.
O Sr. Nuno Delerue (PSD): -Sr. Deputado Jorge Lacão, não deixo de salientar que tenha referido ab initio dois aspectos.
Primeiro: VV. Ex.ªs chegam aqui no início da sessão e congratulam-se com a presença do Governo, mas no fim da sessão criticam o Governo por não falar.
Segundo: o que V. Ex.ª queria discutir aqui, e hoje, não era o projecto de lei do PS, mas o projecto do Governo. Só que, Sr. Deputado Jorge Lacão, o Partido Socialista tem todo o direito de apresentar a iniciativa que apresentou, é regimental, utilizou um direito que lhe é concedido e isso ninguém o nega. Agora, o que o Partido Socialista não tem é o direito de exigir que o Governo e o Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata façam aquilo que o PS entende ser o melhor;
Acho que foi cabalmente explicada a razão pela qual, para nós, a propriedade comutativa não se verifica nestas situações e por que é importante que se discuta primeiro a Lei da Alta Autoridade para a Comunicação Social e só depois a lei de abertura da televisão à iniciativa privada. Achamos nós, e suspeito que VV. Ex.ªs também, na medida em que já fizeram dar entrada na Mesa uma proposta alternativa à do. Governo não aceitaram que houvesse alteração deste debate e que primeiro se fizesse o debate da Lei sobre a Alta Autoridade para a Comunicação Social.
Pergunto porquê? Para retirar dividendos políticos? É óbvio, é evidente e é legítimo que em: política isso se faça. Só que a questão não é essa, Sr. Deputado. A questão* da televisão privada é uma questão grave e importante para o País e era preciso que se criasse um clima que propiciasse desde o início a sua discussão séria.
V. Ex.ª acabou por dar-nos razão no fim da sua intervenção. Dizendo o quê? Que o debate fica adiado. Que melhor elogio podia o Grupo Parlamentar do PSD ouvir da sua boca do que o reconhecimento expresso de que afinal VV. Ex.ªs não foram os primeiros a entrar no rectângulo do campo? VV. Ex.ªs o que fizeram foi uma falsa partida!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Jorge Lacão, a propósito do pedido de esclarecimento, quero começar por felicitá-lo por ter salientado e contraposto essa questão das alternativas concretas.
Realmente, chegamo-nos a fartar de ouvir aqui, durante muito tempo - e o Governo e o PSD não podem deixar de ouvir isto -, que, efectivamente, a oposição não prestava porque não tinha soluções alternativas para matérias em que, verdadeiramente, só o Governo é que
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podia apresentar projectos legislativos, como, aliás, é de regra em toda a parte do mundo. De contrário, podiam até exigir que apresentássemos um orçamento, ab initio aqui, uma proposta de orçamento ...
O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Isso é que era bom!
O Orador: - Isso é que era bom, realmente!... Talvez venha a acontecer...
Risos gerais.
Realmente, a propósito do Orçamento, isso foi dito várias vezes e hoje o Sr. Deputado fez bem em salientar essa questão.
Em relação a esta matéria concreta das alternativas, dir-lhe-ia que valeu a grande máxima: mais vale um telejornal na mão do que três televisões privadas a voar. Efectivamente, penso que foi isso que deve ter determinado as prioridades do Governo.
Sr. Deputado Jorge Lacão, não posso também deixar de lhe colocar uma questão, que é a seguinte: em matéria de canais disponíveis, pareceu-me ouvi-lo afirmar que tudo deveria ser feito para assegurar a prioridade do serviço público, quer dizer, primeiro servir o serviço público e só depois servir os serviços privados. É isso que consta da sua intervenção, Sr. Deputado Jorge Lacão? V. Ex.ª pensa que tudo aquilo que de fundamental queremos assegurar ao serviço de televisão há-de resultar da prioridade do serviço público? VV. Ex.ªs são partidários de uma concepção de acordo com a qual o serviço público é o moderador e o morigerador, ou seja, a garantia de um bom serviço de televisão no País?
Sr. Deputado Jorge Lacão, isso já nós temos a certeza que não é verdade!
O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Como se viu, o Sr. Deputado Nuno Delerue está extremamente preocupado em saber quem é que entrou primeiro em campo, quem é que deu primeiro o sinal da partida, quem é que disparou primeiro. Esteja descansado, Sr. Deputado, resulta deste debate que o PS ganha o debate, manifestamente, por falta de comparência do Governo e do PSD, mas estamos disponíveis para a segunda volta e pode ser que nessa altura o PSD marque alguns pontos. Estamos disponíveis para voltar a terçar aqui argumentos políticos sobre as questões de oportunidade e as demais.
Quanto à questão substantiva da precedência, já há pouco, aquando da intervenção do Sr. Deputado Mário Raposo, tive ocasião de sublinhar que quando o Governo apresentou, na Assembleia, a proposta de lei para regular o regime do exercício da actividade de radiotelevisão, nada de substantivo constava nessa proposta que se referisse àquilo que, depois, veio a ser a Comissão da Rádio.
Na altura, o Governo e o PSD, interpelados pelo PS sobre o facto, disseram: só tem sentido que se debata essa questão quando se debater a problemática do licenciamento. Ou seja, a posição que o PSD agora assume é justamente a inversa da que foi assumida no debate aquando da discussão da matéria da radiodifusão. E a minha perplexidade é tão-somente esta: então, se há uma simetria absoluta das matérias, por que é que há uma contradição completa dos argumentos? Como não quero minimizar o discernimento intelectual de VV. Ex.ªs, só tenho de concluir que este argumento é uma simples desculpa de mau pagador para o facto evidente de se terem distraído, esquecendo-se de preparar, a tempo e horas, a vossa iniciativa para que a referida matéria aqui pudesse ser debatida em pé de igualdade.
Diz o Sr. Deputado Nuno Delerue que o PS manifestou grande preocupação em discutir a proposta do Governo. E verdade! Se estamos politicamente disponíveis para estabelecer um amplo consenso em volta desta matéria, é bom que saibamos em torno de que objectivos claros esse consenso pode ser feito. Por parte do PS já dissemos como era. Aguardamos agora que VV. Ex.ª digam o que pensam para que o consenso possa ser substantivo e não meramente retórico.
Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito, subscrevo por inteiro as suas considerações iniciais e, quanto à questão substantiva, o que pretendi dizer foi que, a nosso ver, a questão do serviço público nem deverá merecer uma grande discussão pelo simples facto de que ela está afirmada na Constituição.
Na verdade, a Constituição consagrou o princípio da existência do serviço público de televisão e de rádio. Não se trata agora de imaginar que a iniciativa privada, em matéria de televisão como em matéria de rádio, seja meramente sucedânea do serviço público; o que ela deve ser é concorrente, sem prejuízo do serviço público ter funções específicas justamente para justificar a existência desse mesmo serviço público.
O que há pouco pretendi dizer, na resposta que dei ao Sr. Deputado Nuno Delerue, foi que outra coisa são os meios de difusão do sinal e nesse aspecto o projecto apresentado pelo PS admite as duas soluções: por um lado, que juntamente com o licenciamento dos canais possa ser dada autorização às entidades privadas para estabelecerem, elas próprias, os meios privados para a difusão do sinal da sua estação emissora; por outro lado - e o Governo deverá dizer o que pensa sobre esta matéria-, admitir que o Governo possa lançar a constituição de uma rede pública de difusão do sinal televisivo e, nessa altura, poder permitir a sua concessão às entidades privadas que venham a ser objecto do licenciamento nos termos do concurso público.
As duas soluções são tecnicamente viáveis, a opção por uma delas ou mesmo pelas duas em concorrência depende muito das perspectivas que o Governo tem sobre esta matéria. Era isso que hoje deveríamos conhecer da parte do Governo, isto é, o que é que o Governo pensa. Como vimos até ao momento não pensa nada.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista, mais uma vez, pela voz do Sr. Deputado Jorge Lacão, manifestou a sua evidente precipitação ao tirar conclusões antes de saber se havia ou não mais alguma inscrição por parte do Governo, ou se o Governo tinha intenções de o fazer. Também não o podia fazer, ainda não pode adivinhar o que o Governo vai fazer, nem adivinhará nunca, com certeza. Nem nós queremos que assim aconteça, gostamos de o ter com esse
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ar ansioso que sempre o caracteriza a si e ao Partido Socialista, porque é para nós uma vantagem apreciável, fá-los trabalhar, faz o Partido Socialista ter ideias, fá-los apresentar projectos, e isso é bom para o País.
Mas, antes de mais nada, gostaria de dizer uma coisa ao Sr. Deputado Jorge Lacão que é importante e que diz respeito ao argumento que ele apresenta em relação à Lei da Rádio, mas que não colhe, não tem nada a ver uma coisa com a outra. Com efeito, neste campo, há uma limitação constitucional que tem de ser seguida em relação às prioridades. No outro campo não havia qualquer limitação constitucional e o facto é que, para além de tudo isto, na própria Lei da Rádio foi incluído, por iniciativa do PSD, na Comissão, a composição do Conselho da Rádio, aliás, como V. Ex.ª, tal como eu, muito bem sabe, pois diversas vezes debatemos essa questão, quer na Comissão, quer fora da Comissão, em debates televisivos.
Gostaria agora de me dirigir ao Sr. Deputado Nogueira de Brito e apenas para lhe agradecer as alusões que fez à minha presença nesta bancada. É apenas uma questão de cortesia, para lhe agradecer as referências que fez e para lembrar, porque parece que não tem reparado, que o Governo sempre se defendeu muito bem nesta bancada, e portanto não precisava, nem precisa, de mim para o fazer. A única coisa que fiz foi mudar-me daquela bancada para esta para defender o Governo. Com certeza foi isso que V. Ex.ª quis dizer na sua forma hábil, brilhante e inteligente de colocar as questões, mas, neste momento e neste pequeno particular, teve uma pequena falha de memória, que eu, aliás, compreendo...
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Posso interrompê-lo, Sr. Secretário de Estado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Secretário de Estado, o que eu quis dizer foi isso mesmo, ou seja, no dia-a-dia o Governo primava pela ausência, se não era física e até visual era, para nós, pelo menos, oral, pois não dizia nada. Nos grandes momentos vinha aqui, pela voz do Sr. Primeiro-Ministro e dos Srs. Ministros, e, realmente, dizia qualquer coisa, mas no dia-a-dia não dizia nada. Hoje, V. Ex.ª demonstrou que, afinal de contas, o Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares não é propriamente um pato mudo, é alguém que fala. Estamos muito contentes com isso.
O Orador: - É evidente, Sr. Deputado. Não existia sequer nenhum pato nessa altura, portanto, V. Ex.ª não podia concluir se era ou não mudo. O Secretário de Estado é uma figura recente e, portanto, é natural que V. Ex.ª agora assista a manifestações diferentes das que existiam anteriormente.
No entanto, o que gostaria de dizer é que a intervenção do Sr. Deputado Nogueira de Brito foi excelente, foi importantíssima, porque disse aquilo que o Partido Socialista não gostaria de ouvir. Se apenas o PSD ou o Governo o dissessem, então as pessoas podiam, legitimamente, não acreditar. É uma posição de princípio, é o PSD que diz isto, é o Governo que diz aquilo. Mas, neste caso, não. Vejam bem, Srs. Deputados, que é o CDS, é o Sr. Deputado Nogueira de Brito que diz o seguinte: o Partido Socialista mudou, mas afinal não mudou tanto que não sejam manifestos os vícios antigos. E diz o Sr. Deputado Nogueira de Brito, e muito bem: analisando este projecto do Partido Socialista vemos que o problema do grau de intervenção do Estado, de que o instituto é uma particular evidência, o problema da fúria regulamentadora, o problema da contradição entre propósitos e preceitos é o significado de que, na verdade, não houve mudança essencial na intenção privatizadora de última hora do Partido Socialista.
Por outro lado, o que é que tínhamos hoje em análise? Era uma coisa importantíssima. Hoje, o que tínhamos para analisar não era nenhuma proposta do Governo, é evidente. Era o projecto de lei n.º 457/V, apresentado pelo Partido Socialista, sobre o exercício da actividade da radiotelevisão.
Assim, esperávamos e exigíamos que o Partido Socialista apresentasse, com abundância, vários argumentos sobre o substrato do seu projecto. Mas o que aconteceu foi que o Partido Socialista se preparou mal e à pressa para apresentar este projecto e para ser indagado sobre ele. Deste modo, podemos extrair duas conclusões práticas: em primeiro lugar, não ficou demonstrado que, com este projecto, o Partido Socialista pudesse abrir a televisão à iniciativa privada. Esta lei sem a Lei da Alta Autoridade é inexequível falha no seu objectivo inicial, que é abrir a televisão à iniciativa privada. O Partido Socialista tentou queimar etapas, tentou saltar no tempo, não conseguiu, tropeçou na barreira, e agora à pressa vem reconhecer que assim é e vem, também à pressa, apresentar um projecto sobre a Alta Autoridade para a Comunicação Social.
O Sr. Arons de Carvalho (PS): - Cantiga de embalar meninos!
O Orador: - Além disso, o Partido Socialista não respondeu às questões concretas que o desenvolvimento desta lei implica, nomeadamente não respondeu ao problema da concessão ou não concessão do canal à igreja católica, ao problema da questão da justificação dos dois canais de serviço público, à questão do estudo da viabilidade económica dos canais, à questão técnica do número de canais disponíveis, à questão da existência ou não dos estudos realizados para esta disponibilização, e também não respondeu à questão da prioridade da atribuição dos canais, quando é certo que há opiniões muito desencontradas por parte do Partido Socialista.
Sendo assim, este acto do Partido Socialista, sendo um acto de desespero, de emergência, foi um acto frustrado.
Aplausos do PSD.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Mas não ouvi dizer nada sobre o projecto!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, em tempo cedido por Os Verdes, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Os meus agradecimentos ao Partido Os Verdes por me ter cedido tempo.
Estava a ouvir e vamos ver se não cometo o lapso de lhe chamar deputado... por hábito - o Sr. Secretário de Estado a tergiversar sobre estas matérias e estava, de facto, a pensar que a instituição parlamentar tem às vezes os seus rituais, que não deixam de ser, por vezes, razoavelmente caricatos. E era bom que cada um de nós pudesse contribuir para retirar esse ritualismo aos debates parlamentares a fim de lhe dar pleno significado político.
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E o pleno significado político que isto tem, Sr. Secretário de Estado, é o de que o Governo contínua a usar da palavra para nada dizer sobre questões substantivas que envolvem a actividade da televisão em Portugal, como a abertura da televisão à iniciativa privada.
Pode dizer-se que a sua intervenção acabou por ser, verdadeiramente, o vício da negligência que teve de pagar à virtude do PS por ter, tempestivamente, apresentado uma iniciativa legislativa neste domínio.
O Sr. Secretário de Estado colocou algumas questões, que chamou de concretas, ao PS. Contudo, é agora tempo de o PS colocar algumas questões concretas ao Governo, e, para não fazermos mais tergiversações, refiro apenas duas, rigorosamente duas, ficando cheio de expectativa para saber a sua resposta.
A primeira questão diz respeito ao serviço público. Entende o Governo que aquele serviço deve compaginar-se com um ou com dois canais de televisão?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não pode responder!
O Orador: - Segunda pergunta. Sr. Secretário de Estado: qual a posição do Governo no que toca ao canal para a igreja católica?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não pode responder!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Fá-lo-ei com todo o prazer. Sr. Presidente. Gostaria de dizer que o Partido Socialista, pela voz do Sr. Deputado Jorge Lacão, em lugar de responder ao que, repetidamente, lhe perguntei, e ainda na última intervenção o fiz com redobrado vigor, fez o chamado efeito boomerang. Isto porque em lugar de responder às questões que lhe coloquei, fez-me perguntas.
O Sr. Deputado continua ansiosíssimo e, mais uma vez, vou manter a sua ansiedade...
Risos.
... porque, mais uma vez, devo dizer-lhe ... Risos do PCP.
Ansiedade e pelos vistos contentamento por pane do Partido Comunista.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Hilariedade!...
O Orador: - Hilariedade do Partido Comunista Português. Mas, ...
O Sr. João Amaral (PCP): - Não perca o fio à meada!
O Orador: -... como dizia, mais uma vez, vou deixá-lo em suspenso, tenho esse prazer e essa honra, porque o que está, nesta altura, em discussão -mais uma vez lhe lembro -, não é a proposta de lei do Governo, mas o projecto de lei do Partido Socialista. E é em relação a isto que é urgente, importante e imperioso ouvir as vossas ideias.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Já as manifestámos no nosso projecto de lei.
O Orador: - Pelos vistos, o Partido Socialista sofre do mesmo defeito de que acusa o Governo.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Começa mal, Sr. Secretário de Estado.
O Orador: - O Partido Socialista escreve e nada diz!
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Eu quero ler isto amanhã bem lido!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há inscrições, dou por encerrado o debate.
Informo a Câmara de que deu entrada na Mesa um requerimento, que já foi distribuído, no sentido de, nos termos regimentais aplicáveis, os deputados abaixo assinados requererem a baixa, sem votação, à 3.ª Comissão do projecto de lei n.º 457/V, pelo prazo de 30 dias.
Vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Pegado Lis e Raul Castro.
Srs. Deputados, a nossa próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às 10 horas. Terá período de antes da ordem do dia e como ordem do dia a discussão da proposta de resolução n.º 22/V.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 50 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
António Fernandes Ribeiro.
António Maria Oliveira de Matos.
Arménio dos Santos. Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino. Dinah Serrão Alhandra.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Flausino José Pereira da Silva.
Jaime Gomes Mil-Homens.
Joaquim Eduardo Gomes.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Assunção Marques.
José Augusto Santos Silva Marques.
José de Vargas Bulcão.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Alberto Limpo Salvada.
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Partido Socialista (PS):
Alberto Manuel Avelino.
António José Sanches Esteves.
José Luís do Amaral Nunes.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alfredo Brito.
Lino António Marques de Carvalho.
Deputado independente:
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Faltaram à sessão os seguintes Srs, Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António Maria Pereira.
António Mário Santos Coimbra.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
Carlos Alberto Pinto.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dulcíneo António C. Rebelo.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Francisco Antunes da Silva.
Henrique Nascimento Rodrigues.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Manuel José Dias Soares Costa.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Marques de Oliveira e Sousa.
Alberto de Sousa Martins.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Laje. Fernando Ribeiro Moniz.
João António Gomes Proença.
João Barroso Soares.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Maria do Céu Oliveira Esteves.
Partido Comunista Português (PCP):
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria Luísa Amorim. Octávio Rodrigues Pato.
Partido Renovador Democrático (PRD):
José Carlos Pereira Lilaia.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PEV):
Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Deputado independente:
Jorge Pegado Lis.
Os REDACTORES: Maria Leonor Ferreira - Ana Marques da Cruz - José Diogo - Cacilda Nordeste.
Depósito legal n.º 8818/85
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.
AVISO
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