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Quarta-feira, 17 de Janeiro do 1990 I Série - Número 32
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1989-1990)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 DE JANEIRO DE 1990
Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo.
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres.
Júlio José Antunes.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta dos requerimentos e das respostas a alguns outros entrados na Mesa.
Em declaração política, o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa (PCP} criticou a política do Governo e o Primeiro-Ministro pela remodelação governamental.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Jaime Gama (PS) condenou a política externa do Governo, designadamente em relação aos últimos acontecimentos da Europa Central e de Leste. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Adriano Moreira (CDS), Angelo Correia e Pacheco Pereira (PSD}.
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Hermínio Martinho (PRD) chamou a atenção para o papel da Assembleia da República, nomeadamente da oposição, no desenvolvimento do País.
O Sr. Deputado João Teixeira (PSD) contestou o encerramento pela CP da linha do Corgo, tendo, no fim, respondido o pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Armando Vara (PS), Barbosa da Costa (PRD), Herculano Pombo (Os Verdes), Rui Silva (PRD) e Antónia Mota (PCP).
O Sr. Deputado Rosado Correia referiu-se ao Estado de degradação a que tem sido votado o património arquitectónico e arqueológico. Respondeu depois a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Natália Correia (PRD) e Herculano Pombo (Os Verdes).
O Sr. Deputado Vítor Costa (PCP), a propósito das comemorações do 7.º centenário da Universidade de Coimbra, repudiou a forma como o Governo encara tal evento.
O Sr. Deputado Herculano Pombo (Os Verdes) apelou para que se adoptassem medidas urgentes contra a maré negra que atingiu a Madeira, no que foi secundado pelos Srs. Deputados Jorge Pereira (PSD) e Mota Torres (PS).
Ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 18 a 21 do Diário.
Após a leitura do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o projecto de lei n. º 115/V (PCP) (cria o novo regime de estágio da advocacia e apoio aos advogados estagiários), produziram Intervenções os Srs. Deputados António Filipe (PCP), José Luís Ramos e Correia Afonso (PSD), Narana Coissoró (CDS), Montalvão Machado (PSD), José Apolinário (PS), Rui Silva (PRD) e Carlos Candal (PS). No final, foi aprovado um requerimento, apresentado pelo PCP, de baixa do diploma d Comissão, para reapreciação antes da votação na generalidade.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 5 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 25 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados: Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda Queirós.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Casimiro Gomes Pereira.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Flausino José Ferreira da Silva.
Francisco Antunes da Silva.
Germano Silva Domingos.
Gilberto Parca Madaíl.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues. .
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Carlos Marta Soares.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Licinio Moreira da Silva.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Luís António Martins.
uís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Augusto Pinto Barros.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Sousa.
Alberto de Sousa Martins.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
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António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Luis.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria do Céu Oliveira Esteves.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Pedro Lopes Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Ana Paula da Silva Coelho.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo Brito.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Eduarda Maria Castro Fernandes.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Júlio José Antunes.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Luís Maria Bartolomeu Afonso Palma.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Maria Luísa Amorim.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Rui José dos Santos Silva.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PEV):
Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Deputados independentes:
Carlos Matos Chaves de Macedo.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Pegado Lis.
Maria Helena Salema Roseta.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
Srs. Deputados, esta manhã foi-me distribuído um ofício solicitando uma alteração ao período da ordem do dia. Dado que se trata de um pedido de alteração deste período, presumo que, por parte dos grupos parlamentares, não haverá objecções ao atendimento do solicitado.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Dá-me licença que interpele a Mesa, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, relativamente ao que acabou de referir, o problema que se coloca, do nosso ponto de vista, não é o da objecção ou não a essa alteração. Para concretizarmos a nossa objecção à retirada da ordem de trabalhos de hoje dos projectos de lei que se encontram agendados teríamos de apresentar um recurso. Ora, como o pedido da sua retirada foi feito pelo Grupo Parlamentar do PSD, de nada adiantaria apresentá-lo, pois seria rejeitado.
Acontece, porém, que as propostas de lei em causa, as n.ºs 87/V e 113/V, apresentadas pelas Assembleias Regionais da Madeira e dos Açores, foram agendadas para hoje na sequência de um acordo feito na reunião de líderes, à qual estiveram presentes dois membros da direcção do Grupo Parlamentar do PSD e dois membros do Governo, que não levantaram qualquer objecção ao seu agendamento, acrescendo até que a sugestão da data do agendamento foi mesmo feita pelo PSD. Daí ser para nós incompreensível este pedido de desagendamento.
Na verdade, não compreendemos como é que, tendo o PSD e o Governo dado o seu acordo para este agendamento na semana passada, se possa vir agora pedir a sua retirada.
Gostaríamos, pois, que o PSD nos explicasse as razões que o levam a solicitar que as propostas de lei n.ºs 87/V e 113/V, das Assembleias Regionais da Madeira e dos Açores, sobre a incidência das taxas da sisa naquelas Regiões Autónomas, sejam desagendadas do debate de hoje. Sem essa explicação, o pedido de desagendamento é para nós incompreensível.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, como sabe, as Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores não têm, elas próprias, assento directo na Assembleia da República. Por isso a única coisa que lhe posso dizer é que, quanto sei, há boas razões para desagendarmos as propostas de lei referidas e abordarmos o problema na próxima reunião da conferência de líderes, que terá lugar amanhã.
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Assim, sugeria - e presumo que não haverá objecção por parte de qualquer grupo parlamentar - que reduzíssemos a ordem do dia, retirando estes dois projectos.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Posso interpelar de novo a Mesa, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, longe de mim duvidar daquilo que o Sr. Presidente acabou agora de dizer!... Aceitamos que haja boas razões, o problema é que não as conhecemos!... Tanto mais que se trata de dois projectos que estão, se a memória me não falha, há cerca de 10 meses nesta Casa, que têm um parecer favorável da Comissão de Economia, Finanças e Plano e que foram agendados há uma semana!
As razões podem ser muito boas, não ponho isso em dúvida, o que nós gostaríamos era de as conhecer!
O Sr. Presidente: - Pretende também interpelar a Mesa, Sr. Deputado Narana Coissoró?
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Exactamente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, tenho estado a seguir atentamente o' debate entre V. Ex.ª e o Sr. Deputado Octávio Teixeira e também a mim me parece que, independentemente das razões fortes, substanciais, que possam existir pára o desagendamento da matéria em causa, o Regimento da Assembleia da República é uma razão substancial e formalmente muito mais forte.
Lembro, por isso, que o Regimento diz apenas que os agendamentos são feitos previamente, não prevendo o desagendamento arbitrário a pedido de qualquer partido.
A ordem do dia é fixada com uma antecedência regimental, as modificações a essa ordem do dia são fixadas também regimentalmente e não me consta que haja qualquer preceito que permita que, mediante o envio de ofício, se possa pedir um desagendamento com base em razões que não conhecemos.
Não me parece, pois, natural que a Mesa venha, «à boca do plenário», desagendar uma matéria agendada.
Se, realmente, existem as tais razões muito fundamentadas - que desconheço -, não me oponho ao desagendamento, pois, afinal, não sou eu quem não paga a sisa. De qualquer modo, seria necessário dizer quais são essas razões, como é que as propostas de lei podem ser desagendadas e se esta maneira de proceder constitui um precedente, dado que essas coisas não constam do Regimento e ele não está à disposição dos desejos da maioria, que neste momento nem sequer é maioria.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esclareço-o que, por consenso, já tem sido feitas alterações à ordem do dia. Tais alterações foram feitas, mais de uma vez, em conferência de líderes ou até mesmo no próprio dia, quando as circunstâncias a isso obrigaram ou quando houve razões para o fazer. Recordo, por exemplo, a alteração que ainda há tempos fizemos, em plenário, de um agendamento relativo ao GEODSS.
Neste caso e como não havia tempo material, para convocar uma conferência de líderes, dado que o ofício foi recebido ontem, é evidente que apenas dei conhecimento desta matéria aos presidentes dos grupos parlamentares, através dos seus presidentes. Agora, ao iniciar o processo, solicitei o consenso de todas as bancadas para que as propostas de lei n.ºs 87/V e 113/V não fossem discutidas hoje, tendo dito que havia boas razões para tal, mas, como é óbvio, não as conheço com pormenor, uma vez que se trata de uma matéria sobre sisa, que não domino.
Srs. Deputados, não havendo mais objecções, vamos entrar no período de antes da ordem do dia.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura dos requerimentos que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes requerimentos: ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Odete Santos, Almeida Cesário, Virgílio Carneiro e Barbosa da Costa; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Barbosa da Costa e Leonor Coutinho; ao Governo, formulados pelo Sr. Deputado Jerónimo de Sousa; ao Ministério da Indústria e Energia, formulado pelo Sr. Deputado Nunes Henriques; à Secretaria de Estado das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Júlio Antunes; ao Ministério das Finanças e à Secretaria de Estado do Tesouro, formulados pela Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira, e à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, formulado pelo Sr. Deputado Caio Roque.
Por sua vez, o Governo respondeu a requerimentos que haviam sido apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: José Apolinário, na sessão de 29 de Junho; Granja da Fonseca, na sessão de 6 de Junho; Lourdes Hespanhol, na sessão de 12 de Julho, e Afonso Abrantes, na sessão de 19 de Outubro.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para declarações políticas, os Srs. Deputados Jerónimo de Sousa, Jaime Gama e Hermínio Martinho.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Analisados, até à exaustão, os resultados das eleições de 17 de Dezembro, são ainda o seu significado e as suas consequências que continuam a estar na ordem do dia da situação política nacional, particularmente centrada na remodelação governamental.
A forma atribiliária e desordenada como essa remodelação foi executada desmente, em primeiro lugar, a afirmação categórica do Primeiro-Ministro de que tal coisa estava programada há dois anos.
Recusando-se a reconhecer que a remodelação de campanha, cinzenta e esquisita, foi fruto directo e conjugado das grandes lutas sociais de 1989, do desprestígio que se abateu sobre alguns ministros substituídos e das pesadas derrotas políticas e eleitorais que atingiram o PSD e o Governo, Cavaco Silva realizou, inevitavelmente, uma operação falhada e isolacionista.
Vozes do PCP: - Muito bem!
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O Orador: - É uma evidencia que a remodelação vale pelos ministros que saíram e em que condições saíram, mus também muito pelos que entraram e em que condições aceitaram.
Os «queimanços», os conflitos, os desabafos, as crucificações (como alguns afirmam) e as medidas de recurso a figuras apagadas e obscuras, algumas a transportar consigo o laivo amargo da derrota como candidatos a importantes câmaras do País, longe de representar um alargamento ou uma retoma dos apoios de Cavaco Silva e do seu governo, reflectem e reforçam o seu isolamento social e político, inclusive dentro do próprio PSD.
Mas se a nível de ministros substituídos ou que ficaram por substituir já muito se falou e se disse, assume relevância política o tamanho da remodelação a nível de secretários de Estado. O exemplo do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações constitui um exercício interessante, a exigir uma grande dose de imaginação. O Ministro, esse fica, mas todos os Secretários de Estado, desde o dos Transportes ao da Habitação, passando pelo das Comunicações, são varridos e substituídos inapelavelmente. É mesmo uma chicotada psicológica à Cavaco Silva! Renova-se o contrato ao treinador e demite-se a equipa toda!
E alguém com dimensão cultural credibiliza a solução encontrada para a Secretaria de Estado da Cultural? Não hão-de os visados andar por aí a resmungar pelos cantos e pelos jornais!
A remodelação em termos de pessoas está feita. Colocava-se e coloca-se uma questão central: a de saber que política ia ser seguida.
Em menos de um mês, o Primeiro-Ministro, ao invés de arrepiar caminho, incapaz de compreender a sua fragilidade política, mantém a mesma linha de orientação governativa, repisando a prática política que o conduziu , a pesadas derrotas no passado recente.
A nível social - e parecendo animado de um certo desforrismo - aumentou, de imediato, os preços de alguns bens essenciais. Mitigou o aumento do salário mínimo nacional, deixando, tal como tinha feito com os reformados, centenas de milhar de portugueses mais carenciados cada vez mais longe de um salário digno. Concretizou parte da sua estratégia para os transportes ferroviários ao ordenar o encerramento de nove troços de vias férreas no Minho, Trás-os-Montes, Beiras e Alentejo, acentuando mais as assimetrias regionais. Revelou não só insensibilidade mas também incapacidade para acorrer às populações do Algarve, ribeirinhas do Douro, Tejo e Alentejo, mio disponibilizando os meios humanos, técnicos e financeiros, face às consequências de temporais e cheias, traduzidas em grandes prejuízos para a agricultura, infra-estruturas públicas e os bens pessoais de milhares de famílias.
E que outra coisa se pode chamar senão de insensibilidade e incúria grave às afirmações de desconhecimento da rede de «negreiros» modernos que, em regime de escravatura, deslocavam africanos para trabalhar em empresas portuguesas.
Os cerca de 30 000 jovens que, mais uma vez, viram defraudados os seus sonhos e as suas expectativas de acesso à universidade (e até a indefinição do seu futuro, que atinge mesmo aqueles que hoje iniciam as aulas) e a situação em que se deixou emaranhar quanto aos vencimentos das Forças Armadas silo manifestações significativas de que o Governo se mantém no carril do afrontamento social e na falta do lacto negocial.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não bastará constatar e denunciar uma política errada e sem futuro.
Fustigados pela ofensiva do Governo, recusando e desmentindo as profecias fúnebres de analistas, comentadores e cronistas que após o 19 de Julho de 1987 mais pareciam coveiros da luta dos trabalhadores, que falavam na mexicanização da vida política portuguesa, no pico dos 51 % que haveria de ser transformado em planalto, os trabalhadores, indiferentes aos apelos de desistência feitos por quem já desistiu, souberam resistir, lutar e alargar a unidade em torno das suas reivindicações mais sentidas e da defesa dos seus direitos mais elevados.
Aplausos do PCP.
Fizeram-no e animaram outros importantes sectores da sociedade portuguesa, também eles atingidos nos seus interesses concretos pelo governo do PSD. No momento em que estão em curso negociações de contratos colectivos importantes, que abrangem centenas de milhar de trabalhadores, quando se assiste às tentativas das administrações e de uma faixa do patronato de retirar ou comprar, por meia dúzia de tostões, direitos que constituem um valioso património dos trabalhadores, inseridos no património da nossa própria democracia, de impor salários baixos em conformidade com as orientações do Governo para as empresas públicas, serão mais uma vez os trabalhadores a trazer para o terreno a sua luta contra uma política vincada pela injustiça social.
Estando em curso movimentos reivindicativos que podem conduzir ao recurso à greve, espera-se que não existam, por parte do Governo, manifestações de intolerância e intervencionismo repressivo, como se verificou no passado.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Esta disposição dos trabalhadores e o grau de unidade verificado reclamam das forças democráticas o aprofundamento e a busca da convergência e da unidade dessas mesmas forças, na base do respeito pela identidade, natureza e opções de cada qual, convergência e unidade não como um fim em si mesmas, mas como meio indispensável e seguro para construir, com expressão institucional, a alternativa democrática a um governo que já não é credível aos olhos da maioria do povo português.
Mau seria que, em nome da alternância equívoca, algumas das forças democráticas procurassem soluções requentadas, que a vida já testou e derrotou, em substituição de uma política contrária às aspirações populares e aos interesses nacionais.
Por nós, PCP, não pouparemos esforços sérios para dar expressão às aspirações do povo português no sentido do progresso e da justiça social.
Aplausos do PCP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com este espírito que faço o anúncio da entrega, por parte do PCP, hoje mesmo, na Mesa da Assembleia, de um ofício que desencadeia o processo de uma interpelação ao Governo sobre política geral, centrada nas questões da distribuição e aplicação dos fundos comunitários.
Aplausos do PCP.
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O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Raramente uma década, como a de 1990, terá dado os primeiros passos com um tão elevado grau de expectativa e optimismo. Conflitos regionais, antes insolúveis, encontram hipóteses de negociação. Regimes políticos, até agora fechados sobre si próprios, iniciam o caminho da abertura. Sistemas militares sobredimensionados são objecto de discussões, visando a sua redução. Focos de atrito e tensão são controlados e eliminados. Blocos antagónicos admitem passar - e passam - da confrontação à cooperação. O que parecia uma ordem internacional sólida, porque baseada no constrangimento, dá lugar a uma estrutura de relações fundada nos valores da paz, do direito e da solidariedade e, por isso mesmo, expressão de uma ordem internacional de verdadeira estabilidade e coesão.
1989 foi o ano decisivo, em que culminaram decisões vitais para a modificação construtiva do relacionamento mundial. A Organização das Nações Unidas readquiriu um papel mediador e estruturador de que vinha sendo, progressivamente, privada. A Conferência de Segurança e Cooperação Europeias realizou progressos notáveis e as duas conferências específicas que, no seu âmbito, decorrem em Viena sobre a redução de forças convencionais e sobre a criação de medidas de confiança, estão a lançar as bases de uma nova ordem
pan-europeia de segurança colectiva.
Modificações previsíveis na natureza e no funcionamento do Pacto de Varsóvia e do COMECON procuram, a Leste, responder ao estímulo positivo dado pela pesquisa de novas estratégias a Ocidente por parte da Aliança Atlântica, da União Europeia Ocidental e da Comunidade Económica Europeia.
Uma organização como o Conselho da Europa abre as suas portas a países da Europa Central que realizem progressos importantes nos domínios dos direitos do Homem e do Estado de direito.
Ano da Cimeira de Malta e de um novo entendimento entre as grandes potências, 1989 e a década que com ele . se encerrou legaram-nos um quadro de multipolaridade em que cada vez é mais amplo o número dos factores de decisão à escala planetária. O horizonte que se abre diante de nós é, assim, portador de fundadas esperanças para ultrapassar, até ao fim do século, a divisão da Europa e a partilha do mundo.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - Neste quadro de profunda e acelerada mutação, Portugal não pode ficar estático e sem perspectiva, repetindo com ausência de imaginação receitas para o outro figurino.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - Os anos 90, que se posicionam diante de nós, exigem uma reflexão exigente sobre a nova articulação internacional do País, o seu relacionamento externo e a sua segurança.
Em qualquer dos cenários que se anteveja, o reforço do papel da Comunidade Europeia será uma constante, não apenas no campo económico e social, mas também no plano das instituições e no da articulação dos espaços político-diplomáticos.
Há quem se preocupe muitíssimo com a contabilidade doméstica de subsídios e transferências, independentemente da avaliação da sua real inserção num projecto global de desenvolvimento. Mas poucos ainda se debruçaram com objectividade sobre as várias linhas de evolução das Comunidades Europeias, designadamente a sua vertente institucional e as suas relações com terceiros. O PS reforça a necessidade de se proceder a esse debate sobre a união económica e monetária, o espaço social europeu e o posicionamento português face às reformas institucionais da Comunidade e à sua política externa.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - Pensamos também que é chegada a hora de valorizar o papel de Portugal no Conselho da Europa e de impulsionar - pelo próprio exemplo português na transição para a democracia - o papel da organização, enquanto matriz de uma comunidade de povos e Estados norteada pelo pluralismo, pela participação, pela alternância e pelo direito. Foi e é a adesão ao Conselho da Europa a antecâmara do acesso às Comunidades Europeias e daí a sua importância especial neste momento em relação aos países da Europa Central, que iniciam processos de transformação de regime em alguns aspectos muito semelhantes aos que nós próprios vivemos.
No domínio da segurança europeia, o PS crê chegada a altura de dar conteúdo preciso à participação portuguesa na Conferência de Viena, pois só ela configurará com exactidão o alcance geopolítico da expressão «do Atlântico aos Urais». Num processo de desanuviamento em que as tradicionais organizações de defesa, como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) ou a Organização do Tratado de Varsóvia (OTV), modificam profundamente as suas funções relativas e num período em que as ameaças se reduzem, sem, todavia, terem deixado de existir por completo, importa saber beneficiar daquilo a que já se chama dividendo de segurança ou dividendo de paz para modernizar os conceitos e as estruturas das nossas políticas externas e de defesa nacional e para conter a expansão incontrolada de segmentos da despesa pública que não se afigurem prioritários à luz da modificação e contracção das ameaças.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ainda recentemente o PS reafirmou o seu empenhamento num debate parlamentar sobre a Europa Central e do Leste. O estímulo desses desenvolvimentos leva-nos a insistir nas vantagens de elevar o debate político nacional - requisito indispensável para a alternância - e incluir igualmente, como tópicos de reflexão, o papel de Portugal na reformulação das Comunidades Europeias, na redefinição de objectivos para a União Europeia Ocidental (UEO), na elaboração de uma estratégia global para a Aliança Atlântica, no alargamento do Conselho da Europa, na institucionalização da Conferência de Segurança e Cooperação Europeias (CSCE). Um contexto caracterizado por mudanças tão bruscas implica igualmente a necessidade de uma abordagem da nossa inserção regional mais imediata (Atlântico Oriental, Mediterrâneo Ocidental, Península Ibérica, Magrebe) e do nosso campo de acção no e com o mundo de língua portuguesa.
Só à luz de um conceito geral se poderão equacionar potencialidades e ameaças e, consequentemente, elaborar
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e decidir opções concretas para a nossa tomada de posição no quotidiano da vida internacional, em problemas que exijam resposta bilateral ou negociação de consensos no campo aliado ou nas organizações multilaterais. A evolução dos dados essenciais em que assentava a relação entre Estados, blocos ou outras solidariedades ideológicas ou regionais, justifica assim uma actualização do conceito estratégico nacional de defesa, diplomático e militar.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - A profundas mudanças na substância dos problemas em apreço há que responder com a adequada revisão de conceitos e de categorias basilares. Contribuir para uma mutação qualitativa das nossas políticas externa e de defesa nacional, face a uma realidade que se reestrutura a ritmo tão acelerado, é hoje prioridade inquestionável para os socialistas portugueses.
Sr. Presidente. Srs. Deputados: O PS, após a remodelação governamental, continua a considerar que se justifica a realização de um debate de política geral para que o País se esclareça melhor sobre o caminho e o sentido que norteiam o actual governo. A importância e a premência de assuntos relacionados com a articulação e inserção internacional do Estado Português no novo quadro da segurança europeia e mundial redobram o peso dessa justificação, bem como os factores de desmotivação lançados nos respectivos sectores profissionais e na opinião pública pela muito deficiente prestação de responsabilidades governativas nos domínios diplomáticos e militar.
Por todas as razões, Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Governo não se deverá furtar a um debate que as circunstâncias, mais do que nunca, aconselham. Ó PS, pelo seu lado, está preparado. O PS e os portugueses que em última instância dão sentido às transformações essenciais e às mudanças absolutamente necessárias.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como sabem, as declarações políticas são de 10 minutos, mas os tempos de pedidos de esclarecimento vão ser descontados nos tempos semanais, assim como as respectivas respostas.
Estão inscritos, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Jaime Gama, os Srs. Deputados Adriano Moreira, Ângelo Correia e Pacheco Pereira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Deputado Jaime Gama, em primeiro lugar, quero felicitá-lo pela oportunidade da sua intervenção, que é uma espécie de introdução ao debate. Espero que venhamos a ter um debate sobre estes problemas, que o PS já pediu, que o CDS linha mostrado a intenção de pedir e só adiou porque o Sr. Ministro da Defesa Nacional pediu, com justificação, que respeitassem o período de «estado de graça», o que é legitimamente demandado pelo Ministro e deve ser-lhe concedido.
Simplesmente, a série de problemas que foram enunciados pelo Sr. Deputado e que hoje são exigências graves ao aparelho político português e à determinação e vontade dos Portugueses, foram-no numa circunstância em que é justificado pedir uma comparticipação desassombrada do Governo, porque a evolução é tão recente, tão rápida, tão inesperada, que o Governo a única coisa que pode temer nesse debate é ser acusado de falta de imaginação para enfrentar o futuro ou qualquer omissão em relação ao passado.
E em relação a esse futuro, concordo realmente que é absolutamente urgente termos uma definição de um conceito estratégico nacional que tome em consideração a evolução que está a decorrer tão aceleradamente diante dos nossos olhos, que nos permita enfrentar com lucidez e sem qualquer omissão o estado absolutamente deficiente e inaceitável do aparelho diplomático. Não se pode imaginar que neste começo de década tão importante para a Europa o problema mais importante do nosso aparelho diplomático seja o conflito com o Tribunal de Contas, quando esse é um problema que se deve resolver, e rapidamente, por via legislativa, por um lado, e no respeito pela autoridade judicial, pelo outro.
Mas se o Sr. Deputado me permite - e para não lhe roubar muito tempo -, quero apenas acrescentar algumas considerações e perguntar-lhe se esse problema não vai entrar no conjunto de preocupações essenciais que esta Câmara deve examinar, uma questão que, suponho, tem sido omitida. Gosto de olhar com optimismo para a evolução da conjuntura e para a evolução da Europa, gosto de imaginar que não acontecerá, nessa Europa que está a aproximar-se de nós, que a tentativa de mudança do regime seja acompanhada pelo desastre do Estado, porque isso seria, provavelmente, o embaraço pior que podia acontecer nesta evolução.
Há, porém, uma acção que não diz respeito aos blocos militares nem aos grandes espaços económicos, mas diz respeito ao rearmamento moral e intelectual da Europa, que não tenho visto enfrentar pela Europa Ocidental. Não tomámos ainda a consciência suficiente de que as bibliotecas das universidades dessa Europa do Leste, os organismos de investigação e os mecanismos de comunicação registam um completo vazio da produção ocidental nos domínios das ciências sociais, da política, da estratégia e da filosofia dos valores. Posso até dizer-lhe, por informação certa, que essas universidades hoje o reclamam. Uma das ajudas mais urgentes que pedem ao Ocidente não é para irem pôr a estaca na árvore, como o general Marshall se apressou a fazer na periclitante árvore europeia no fim da guerra, o que eles pedem é que lhes preencham este vazio.
Julgo, pois, que isso está ao nosso alcance; era uma grande acção que Portugal podia iniciar e em que podia ser acompanhado por outros governos. Devíamos fazer uma «fundação» de fornecimento destes elementos, que são urgentemente requeridos por todas essas instituições. Podíamos fazê-lo! Certamente que isto merece o seu apoio, Sr. Deputado, e espero ouvi-lo sobre esse ponto, pois é uma actividade a que o CDS vai dedicar a maior das atenções.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jaime Gama deseja responder já ou no final de todos os pedidos de esclarecimento?
O Sr. Jaime Gama (PS): - No final, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia.
O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Deputado Jaime Gama, como sempre, creio que o País e a Assembleia da
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República beneficiam em ouvi-lo. No caso vertente, o Sr. Deputado Jaime Gama introduziu uma intenção de um debate de política geral centrada em duas ou três questões, que têm relevância, mas que, aparentemente, na sua óptica e da maneira como as colocou, seriam uma originalidade que só o PS perspectivaria, que só o PS teria interpretado e percebido e que só o PS traria, por essa via, à colação na Assembleia da República.
Contudo, é preciso distinguir os dois planos em que a questão se coloca. Foi o próprio Governo e o partido que o apoia, o PSD, quem, há dois meses, trouxe à Câmara pela primeira vez a necessidade de um debate, que foi realizado, sobre as mudanças políticas que a leste tinham lugar, que a leste tinham sede e que do Leste traziam consequências para todos nós.
Nesse sentido, não posso considerar a intervenção de V. Ex.ª uma originalidade, mas antes uma sequência correcta, possível, adequada, necessária para o PS e, porventura, para o País, já que a dinâmica evolutiva dos acontecimentos a leste assim propicia e justifica. O que não posso é considerar isso como uma atitude de originalidade política exclusiva do PS. Neste caso, o PS seguiu e quer retomar aquilo que, há dois meses, o próprio PSD e o Governo quiseram e trouxeram a esta Câmara.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E daí surge uma segunda questão. A essência daquilo que o Sr. Deputado Jaime Gama diz é completamento correcta, mas por ser completamento correcta introduz um elemento fluidez. Quanto mais análise e perspectiva das questões que se processam na Europa se contempla e manifesta, mais difícil é traçar uma linha de orientação específica, que não global, em relação à política de segurança e à política externa europeias.
A política europeia caminha claramente para uma distensão, mas a formulação das políticas de defesa correspondentes é, por isso, de uma fluidez cada ^vez mais difícil de abordar, de considerar e de matriciar. É por isso, Sr. Deputado Jaime Gama, que em relação ao debate que o PS hoje suscita - que nós aplaudimos, porque aplaudimos o que nós próprios suscitámos e fizémos há dois meses- queremos, apesar de tudo, dizer que, no contexto em que hoje o apresenta, ele tem legitimidade e tem cabimento. Porém, as consequências políticas que daí o País e o Executivo vão retirar, em termos de uma definição mais precisa e mais delimitadora de instrumentos concretos (repito, não globais) de acção diplomática do Estado Português, de instrumentos precisos, rigorosos e de acção operativa, no âmbito, por exemplo, do Ministério da Defesa Nacional, as consequências (e ambos as sabemos) são fluidas.
Daí que a minha advertência seja no sentido de que não iremos seguramente tirar consequências sobre um tipo ou outro de política de defesa nacional.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Deputado Jaime Gama, penso que os dois oradores que me antecederam traduziram um pouco a perplexidade que o meu pedido de esclarecimento também poderá traduzir. De facto, tive muita dificuldade em compreender qual era a substância da intervenção de V. Ex.ª Ofereceu-nos uma espécie de ordem de trabalhos óbvia, que todos aceitamos, que é consensual e que não distingue o Partido Socialista de qualquer outro partido político. Ou seja, para todos nós é óbvio, e isso tem estado presente na acção desta Câmara, que é necessário reavaliar a posição e a estratégia portuguesas, não só em relação às organizações internacionais de que fazemos parte, como em relação à própria política, quer a nível dos negócios estrangeiros, quer a nível de defesa. Sabemos qual é a ordem de trabalhos que deve presidir ao nosso debate, mas não podemos limitar-nos a, sistematicamente, enunciá-la.
Penso que a intervenção do Sr. Deputado Jaime Gama não nos trouxe nada de novo e até tem, surpreendentemente para o Partido Socialista, um muito pequeno conteúdo conflitual. O que o Sr. Deputado Jaime Gama disse não move qualquer diferença. É, dos discursos do Partido Socialista, o que menos diferença produz entre nós e que, em meu entender, se bem que possa traduzir uma evidência que todos partilhamos, do ponto de vista político, é pobre.
Esperávamos uma primeira enunciação de diferenças que nos desse a conhecer o entendimento do Partido Socialista sobre a forma como devemos responder aos acontecimentos que se estão a passar nos países do Leste, inclusive porque, como é óbvio, está-se a atingir uma fase crucial desses acontecimentos, ou seja, depois de um anúncio e de um preâmbulo das transformações, neste momento, nos países de Leste, está-se a atingir a fase conflitual e dura, isto é, a fase na qual o modelo de sociedade que vai emergir, o novo relacionamento internacional, as novas alianças, as novas necessidades, em termos de defesa e em termos de estratégia, se vão definir. Portanto, o debate que temos aqui de fazer tem de ser um debate que parta da avaliação inicial sobre o que é que vai resultar do processo de transformações a Leste.
Enquanto cada um de nós não avançar com essa análise, não adianta estarmos, sistematicamente, a repetir a ordem de trabalhos dessa discussão. Por isso, Sr. Deputado Jaime Gama, gostaria de lhe fazer notar o sentimento de insuficiência que sentimos - e penso que as intervenções anteriores notaram - em relação à sua intervenção. Na verdade, não nos disse nada de novo em relação àquilo que todos sabemos ser necessário discutir. Agora talvez seja bom que se avance para a substância da questão e se responda a perguntas cruciais, tais como: o que é que, na Europa, vai resultar destas transformações que se estão a dar nos países do Leste? De que forma os interesses portugueses vão ser definidos? Estamos dispostos a começar a responder a estas perguntas e queríamos também que o Partido Socialista o fizesse e não apenas que, de quinze em quinze dias, nos dissesse que é necessário responder-lhes.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Em primeiro lugar, queria congratular-me com a intervenção do Sr. Deputado Adriano Moreira, que, na verdade, apontou bem para aquilo que é uma deficiência no património científico, cultural, de arquivo, de biblioteca e de centro de pesquisa em alguns dos países da Europa Central e do Leste.
A situação não deverá ser considerada uniforme em relação a todos eles, pois há países onde, em relação a documentação sobre a realidade portuguesa, se regista a
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existência de núcleos significativos de arquivo e biblioteca. Cito, por exemplo, o caso da Universidade de Budapeste, mas há outros onde as deficiências são verdadeiramente maiores e reforço a ideia de que as autoridades competentes, o Governo, as universidades e os institutos portugueses, se deviam organizar rapidamente para preencher essa lacuna e contribuir para que nesses países haja um acervo documental sobre a realidade portuguesa, as suas várias dimensões e até, na medida em que ela também abarca o mundo de língua portuguesa, para que esses países pudessem dispor de todos os materiais para realizarem o estudo necessário.
Posto isto, passo ao segundo ponto, ou seja, às intervenções dos Srs. Deputados Ângelo Correia e Pacheco Pereira.
Na verdade, os Srs. Deputados foram muito simpáticos, mas, na simpatia, procuraram, por um lado, diluir o significado do nosso posicionamento e, por outro lado, também, de certa forma, branquear ou absolver o Governo pela sua inacção.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Não é exacto que tenha sido o Governo ou o Grupo Parlamentar do PSD quem suscitou, na Assembleia da República, essa questão. Porventura, a determinação desse facto não terá a menor importância substantiva, mas a verdade é que foi o Sr. Deputado António Barreto quem, na Assembleia da República, levantou a questão da necessidade de se debater a posição portuguesa face à evolução na Europa Central e de Leste e só depois é que o PSD e o Governo agendaram a discussão desse problema.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É verdade!
O Sr. Silva Marques (PSD): - Nós já tínhamos a intenção de o fazer!
O Orador: - Não queremos aqui discutir a paternidade autêntica desta ideia, mas há uma sequência de factos que também não pode ser inteiramente aduzida contra nós e a vosso benefício.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, existem diferenças e foi o debate, na Assembleia da República, que, de certa forma, pressionou o Governo a uma tematização desta problemática, porque até ao momento em que ele ocorreu o Governo não tinha tomado a mais pequena medida para enfrentar essa nova situação e tinha limitado a sua actuação a dois posicionamentos circunscritos: em primeiro lugar, a uma infeliz tomada de posição ultraprovinciana sobre as consequências para Portugal, no contexto da CEE, face à política comunitária de estabilização na Europa do Leste, posição de que rapidamente teve de sair, atendendo ao isolamento que ela suscitava na opinião pública portuguesa e internacional e, em segundo lugar, a uma infeliz declaração do Ministro dos Negócios Estrangeiros sobre a reunificação da Alemanha, desenquadrada de qualquer realidade estrutural europeia do sistema de alianças e da evolução pacífica na Europa Central.
O Sr. José Lello (PS): - Muito bem!
O Orador: - Portanto, o Governo não só não teve qualquer política - a contrario, por exemplo, do Governo espanhol, que, ao menos, já convocou uma reunião dos seus embaixadores nos países da Europa Central e de Leste para coordenar uma estratégia espanhola face aos desenvolvimentos nessa zona europeia, enquanto o Governo Português não teve qualquer política quanto a esse sector -, como também as posições que tomou foram posições erradas.
Com efeito, o Governo, enquanto tal, tem estado também totalmente ausente de um relacionamento com a Europa Central e do Leste.
Não sei em termos de que prioridades é que o Sr. Presidente da República esteve em Praga e o Sr. Presidente da Assembleia da República, em representação da Assembleia, na Bulgária, de onde acaba de regressar - e certamente que o Sr. Presidente da Assembleia da República nos informará sobre os contactos que, em Sofia, manteve, não apenas com as autoridades oficiais, mas com o Forum Democrático e com os representantes da minoria turca nesse país -,...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: -... mas a verdade é que quer o Sr. Presidente da República quer a Assembleia da República têm, a seu modo e tanto quanto possível, tido algumas iniciativas em relação a esses países, enquanto o Governo não tomou a menor iniciativa em relação a qualquer país da Europa Central ou do Leste.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Penso que Portugal, até para reforço do seu posicionamento na Comunidade Europeia e para reforço da sua própria posição face a países como Angola e Moçambique, tinha vantagem em encetar e acelerar um processo de diálogo e de intercâmbio de experiências com as forças de renovação e com os sistemas políticos emergentes nesses países, em função da sua própria experiência de país que transitou de um regime de partido único para um regime plural, de um país isolado para um país aberto, de um país de economia fechada para um país de economia descentralizada.
Tudo isso está por fazer! Qual foi a deslocação que fez algum membro do Governo a algum desses países? O que tem sido feito por Portugal na presidência do Conselho da Europa, como proposta e iniciativa portuguesa para fazer transformar o Conselho da Europa na matriz estrutural das novas democracias europeias?
Aplausos do PS.
Que forças políticas emergentes na Europa Central e de Leste e que governos emergentes dessa nova realidade política têm merecido o convite, a palavra, o diálogo do actual Governo Português?
Compreendo que os problemas internos que paralisam o Governo estejam na razão da justificação dessa inércia no campo externo,...
Risos do PSD.
Uma Vez do PSD: - Boa piada!
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O Orador: -... mas o País não pode ficar suspenso dessa realidade, dessa apatia, dessa inércia, dessa ausência de concepção de uma estratégia diplomática para uma outra Europa, onde nos interessa ter um papel na definição do sistema e dos mecanismos de cooptação.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E deixo aqui, naturalmente, também a sugestão para que a Assembleia da República, neste domínio, passe da improvisação ou da gestão dos calendários passados, que nem sempre são aqueles que privilegiam a oportunidade e a sequência certa, para a elaboração de uma política de intercâmbio parlamentar autêntico com os sistemas democráticos e com as forças políticas democráticas emergentes nos países da Europa Central e de Leste, porque esses países estão a viver um processo constituinte e ele vai ter, certamente; .uma expressão fundamental, que, mais do que nos governos ou nos aparelhos e sistemas tradicionais, vai ter uma importância fundamental na instância parlamentar.
E, nesse âmbito, a experiência constitucional portuguesa, o dinamismo, o pluralismo, a participação e a alternância do sistema político português e o facto de sermos uma democracia recente, na experiência das suas novas instituições, podem e devem dar um contributo precioso à consolidação, à afirmação e ao desenvolvimento de Estados de direito participados, alternantes, de democracia, que procuram a sua própria configuração de autonomia, de independência e de liberdade nessa nova Europa da qual fazemos parte e à qual podemos e devemos dar um contributo decisivo.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Martinho.
O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Sr. Presidente.
Srs. Deputados: A presente sessão legislativa será, decerto, extremamente aliciante, não apenas em termos estritamente políticos, mas também em termos sócio-culturais.
Serão muitos e multifacetados os problemas que seremos chamados a debater, sendo certo que os resultados desse debate não serão irrelevantes para a sociedade portuguesa.
A Assembleia da República é o espelho e, sobretudo, o coração da democracia portuguesa e conviria que se pudesse afirmar sólida e irreversivelmente como consciência crítica do colectivo nacional.
É, pois, necessário combater as motivações e comportamentos daqueles que, consciente ou inconscientemente, pretendem converter o hemiciclo num palco de estéreis e inconsequentes confrontos e afrontamentos bipolarizantes.
Os problemas, os perigos e os desafios que se nos colocam exigem de nós, deputados eleitos, determinação, seriedade e competência. E exigem, sobretudo, adequada ponderação dos interesses do País e não de interesses meramente partidários.
Vamos ter que saber incorporar na nossa ordem social interna, preservando os nossos valores histórico-culturais e valorizando o nosso importante capital humano, os resultados mais meritórios dos ventos de mudança que assolam o mundo.
Vamos ter que saber optimizar políticas internas orientadas para superar os bloqueios que ainda cerceiam o nosso desenvolvimento económico e social com orientações - ora restritivas, ora potenciadoras desse mesmo. Desenvolvimento - impostas pelo exterior.
Vamos ter, em suma, que contribuir activa e decisivamente para posicionar o País e os Portugueses no lugar a que têm direito, num mundo que não pode dispensar a nossa participação na recriação dos valores da liberdade, da democracia e do bem-estar.
Tais objectivos só poderão ser adequadamente prosseguidos se, como é nossa obrigação, soubermos chamar a generalidade dos portugueses a participar na vida política.
O substancial incremento da abstenção, sendo preocupante, exige, por isso mesmo, que os partidos reformulem as suas formas de intervenção política, sensibilizando, mobilizando e valorizando as ideias e a criatividade dos cidadãos na construção de um projecto que assegure à população melhor qualidade de vida e maiores índices de bem-estar económico.
É extremamente redutor pensar-se que o fenómeno da abstenção é uma tendência inelutável determinada pelo hiperindividualismo prenunciador da «era do vazio», de que alguém já falou.
Pode ser que tal interpretação seja bastante para certos pensadores e para alguns analistas políticos.
Não pode, porém, em caso algum, constituir, para quem tem responsabilidades políticas, um álibi para negligenciar ou minimizar as suas responsabilidades perante os eleitores.
O hiperindividualismo pode converter-se, a curto trecho, no «míldio» da política. É preciso combatê-lo, mostrando a todos os cidadãos e, muito em especial, aos jovens que os ideais não são abstracções intangíveis, mas finalidades que podem e devem ser prosseguidas, na prática política e social.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para nós, os portugueses não se desinteressaram ou alhearam da resolução dos problemas que os afectam. O que verdadeiramente sucede é que se não encontram suficientemente sensibilizados e informados para acreditarem nas virtualidades do exercício da função política.
O elevado nível de abstenção registado nas últimas eleições autárquicas é um sinal, claro e inequívoco, do descontentamento e da desilusão dos portugueses, sobretudo daqueles que se deixaram embalar no «canto da sereia» da estabilidade propiciada pela formação de maiorias absolutas monopartidárias.
Que é feito das promessas de diálogo e concertação social?
Por que razão terão as confederações patronais deliberado entender-se directamente com as centrais sindicais, dispensando a participação do Governo?
Em nosso entender, a referida deliberação, sendo, sem dúvida, o reconhecimento do papel desastroso que o Governo tem tido no processo de concertação social, poderá, no entanto, induzir problemas acrescidos na política de rendimentos e preços.
Srs. Deputados, onde estão as consequências práticas das propaladas reformas estruturais e estruturantes? Que se fez para amenizar os problemas da habitação e da pobreza? Que melhorias se registaram no sistema de educação e formação profissional? Que medidas concretas foram tomadas para se avançar, de uma vez por todas,' com o processo de regionalização, com o reforço e a dignificação do poder local? Que melhorias se registaram no importantíssimo campo da investigação científica e tecnológica? O que poderão os jovens esperar dos seus
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governantes se, sistematicamente, vêem cerceadas as formas de expressão da sua criatividade e violadas as normas mais elementares da igualdade de oportunidades?
A estas e a muitas outras questões o Governo respondeu, não com novas ideias e com instituições renovadas, mas com novos actores para desempenharem uma mesma política, uma política que continua a negligenciar os aspectos mais negativos e intoleráveis de um sistema de segurança social que empurra para uma vivência triste e desesperada milhares de cidadãos que deram o melhor de si próprios numa vida activa longa e, as mais das vezes, tormentosa.
Será aceitável que centenas de milhar de aposentados vivam com menos de metade do salário mínimo nacional e, simultaneamente, continuem a realizar-se despesas sumptuárias sem que ninguém se preocupe em avaliar os custos de oportunidade social das mesmas?
Uma política, Srs. Deputados, que não consegue controlar um processo de redistribuição do rendimento e da riqueza favorece, cada vez mais, certas categorias económicas e reduzidos estratos sociais contra a generalidade dos cidadãos.
A recente remodelação governamental quis, deliberadamente, deixar tudo na mesma. O Governo persiste em não definir e hierarquizar prioridades e em não aplicar programas integrados susceptíveis de, progressiva mas irreversivelmente, desmantelarem os obstáculos e bloqueios que se colocam ao desenvolvimento.
O Governo e o partido que o apoia estão absorvidos, não, como seria sua obrigação, com a procura das soluções mais correctas e adequadas para os problemas do País, mas com as próximas eleições legislativas. Enquanto não irradicarmos de vez a partidocracia não poderemos ter lucidez para precaver erros, destruir equívocos e, sobretudo, valorizar capacidades.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República é a sede própria e de eleição para se debaterem e solucionarem os grandes problemas nacionais.
Bom seria que a chamada oposição concertasse a sua actuação, não para, em proveito próprio, retirar benefícios das vulnerabilidades e fraquezas da acção governativa, mas para colaborar activamente na construção de um futuro gratificante para a generalidade da população.
Apesar do desaire eleitoral que sofreu nas autárquicas, o PRD não deixará de prosseguir a sua luta pela melhoria das condições de vida dos portugueses em geral e dos mais desfavorecidos em particular.
Continuaremos a ter, na Assembleia da República e fora dela, uma filosofia e uma prática políticas não determinadas por interesses partidários.
Continuamos a ser oposição firme ao Governo, mas não seremos cúmplices de clientelismos, jogos políticos ou grupos de pressão.
O ano de 1990 deverá marcar o início de uma década de real desenvolvimento do País, de aprofundamento do regime democrático e de plena satisfação dos direitos constitucionais dos cidadãos. O sucesso na prossecução destes objectivos passa, em larguíssima medida, pelo empenho e determinação que soubermos e quisermos pôr na nossa acção política e na nossa intervenção social.
Por nós, tudo faremos para que a esperança não persista adiada.
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira.
O Sr. João Teixeira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Colhendo de surpresa populações e autarcas da região, a CP eliminou as circulações de passageiros na linha do Corgo, concretamente entre Vila Real e Chaves, numa atitude inesperada e de inaceitável desprezo pela função social que lhe cabe numa perspectiva em que a solidariedade nacional não pode ser espezinhada ou esquecida em nome da rentabilidade económica.
A imediata indignação das populações e os protestos dos responsáveis autárquicos da zona afectada, se já encontrava justificação suficiente na medida tomada, mais se justifica e colhe o nosso apoio pela forma pouco curial como a CP assumiu e concretizou tal medida, tendo em conta os antecedentes próximos, a data escolhida para a pôr em prática, a surpresa e rapidez da sua entrada em vigor e o total silêncio posterior no que respeita a explicações.
Colocando tudo e todos perante o facto consumado, a CP deu, mais uma vez, provas de não querer dar ao problema a solução mais defensável e adequada ao interesse das populações utentes, e que as autarquias reivindicavam.
Efectivamente, é importante e necessário que se diga, aqui e agora, que em vários encontros havidos ao longo destes últimos dois anos entre autarcas locais e responsáveis da CP foram criadas expectativas que não apontavam, de forma alguma, para este desfecho tão inesperado quanto inaceitável sem justificação sólida.
A atitude da CP, que não assumiu sequer alternativas ou contrapartidas aventadas em diálogos anteriores, só pode entender-se como mais uma barreira ao desenvolvimento de uma região tradicionalmente prejudicada em favor de outras zonas do País.
De facto, medidas deste tipo consubstanciam na prática o aprofundamento das assimetrias regionais, o agravamento da interioridade e a negação de suportar ou minorar os custos desta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Alegando falta de rentabilidade e desadequação aos tempos actuais, bem como a concorrência dos modernos e rápidos transportes rodoviários, que, logicamente, retiram passageiros, a CP escolheu a via mais fácil e mais cómoda para ultrapassar o problema: em vez de modernizar o material circulante, dando-lhe um mínimo de conforto, comodidade e segurança, e adequar os horários e tempos possíveis de percurso às novas realidades e necessidades, chamando a si novamente a preferência natural dos passageiros para o caminho de ferro, acabou, pura e simplesmente, com as circulações.
Neste quadro e perante tal realidade, interrogamo-nos já legitimamente se a CP não fará tábua rasa da decisão governamental de há poucos anos atrás, que considerou aquele ramal como elemento vivo do museu ferroviário nacional, fechando definitivamente a linha do Corgo.
Primeiro foi a propositada e intencional degradação acelerada das infra-estruturas e material circulante. Depois, a eliminação progressiva de algumas circulações e o fecho de estações ditas secundárias. Agora o golpe final nas esperanças e nos esforços daqueles que ainda acreditavam que a reconversão e modernização da linha do Corgo era viável, possível e justificável pela região especial que serve.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Às populações afectadas estão revoltadas e indignadas e não se conformam com a decisão da CP. E tem inegável razão.
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Por isso mesmo nós, sociais-democratas do círculo de Vila Real, estamos inteiramente com elas nesta justa reivindicação.
Aplausos do PSD, do PS, do PRD e de Os Verdes.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Marques Júnior.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados Armando Vara, Barbosa da Costa, Herculano Pombo, Rui Silva e António Mota.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.
O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Deputado João Teixeira, estou inteiramente de acordo com o quê referiu. No entanto, não deixa de ser para mim algo surpreendente que depois de, tanto eu como outros deputados desta, bancada, na semana passada, termos aqui levantado este problema, V. Ex.ª se fique simplesmente por unia manifestação de apoio.
Creio, pois, que o Sr. Deputado, enquanto membro integrante da bancada da maioria e como apoiante do Governo, deverá levar mais longe o seu repúdio e essa reivindicação. Não peço que desencadeie uma acção com vista ao derrube do Governo, mas é normal que pergunte o que é que se irá passar a seguir.
A verdade é que a CP, seguindo um plano também aprovado pelo Governo, continua a pô-lo em prática: desta vez encerrou esta linha do Corgo e da próxima vez encerrará outras!
Assim, gostaria de perguntar ao Sr. Deputado o que é que vai ser feito, o que é que vai acontecer e que medidas tem em mente no sentido de não só resolver o problema das vias que foram encerradas no distrito de Vila Real, mas também em relação ao futuro.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Teixeira, havendo mais oradores inscritos para pedidos de, esclarecimento, deseja responder já ou no fim?
O Sr. João Teixeira (PSD): - Prefiro responder no fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.
O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Deputado João Teixeira, antes de mais gostaria de me congratular com a intervenção que produziu e só lamento que outros seus colegas, de outras regiões do País, de outros círculos, não tenham feito o mesmo, o que daria para preencher o largo e lato tempo que o PSD dispõe no período de antes da ordem do dia.
Parece que o Sr. Deputado Silva Marques não estará muito de acordo com o que foi referido, porque é ele quem irá assumir em pleno a contestação que vai pelo País relativamente ao encerramento das linhas da CP. De facto, estávamos a contar com a intervenção do Sr. Deputado Silva Marques no sentido de perguntar ao Governo por que é que ainda não demitiu o conselho de gerência da CP, o que creio que é uma das suas atribuições, para repor os interesses das populações que têm sido tão mal tratadas pela CP.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Só me ocupo de Leiria!
O Orador: - Pensava que o Sr. Deputado Silva Marques tivesse mais altos voos, mas esperaremos pela possibilidade que tem em intervir noutras matérias.
Gostaria de reafirmar aquilo que disse numa outra sessão, ou seja, que espero que o Governo reveja esta posição, que não faça tábua rasa dos interesses da população, que haja mais deputados corajosos do PSD a levantar esta questão e espero que não tenham quaisquer recriminações por esse facto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Deputado João Teixeira, mais uma vez - é sempre mais uma vez - e quinze anos depois de Abril, cá estão os valorosos deputados transmontanos a lembrar que Trás-os-Montes existe, mas infelizmente sempre a propósito de desabafos, de protestos, de coisas que não chegam ou de coisas que tínhamos e já não temos e que nos vão afastando deste país que ainda somos e que nos irão positivamente aproximando de qualquer coisa que não sei bem se é a Europa, a Galiza... Um dia destes teremos que escolher, teremos que optar, nós próprios, porque cada vez temos menos ligações a este país de baixo, e esta que tínhamos, que era má, que era antiga, mas que ainda nos ajudava a vir cá abaixo de vez em quando, desfrutando longas horas de prazer, já que a paisagem a isso ajudava, deixámos de ter.
Estou com o lamento que o Sr. Deputado produziu, apoio integralmente a sua intervenção e até a aplaudi. No entanto, não posso deixar de. lembrar aqui que esta questão tem vindo a ser debatida ao longo dos anos, com sucessivos governos, nomeadamente com o actual governo. Tem-se invocado o valor paisagístico da região, o valor - histórico da linha do Corgo, o valor económico daquela linha, que, se mais não é, é porque tem vindo a ser degradada, como o Sr. Deputado muito bem referiu, não se tendo feito nela quaisquer investimentos desde há muitos anos.
Tem-se dito que toda aquela região tem magníficas potencialidades turísticas. Fala-se na revitalização de Vidago, de Pedras Salgadas, das próprias zonas termais que incluem Chaves. O comboio serve ou não essa revitalização? Tudo isso tem vindo a ser discutido. Porém, acções, apenas estas que aqui o Sr. Deputado e nós temos vindo a lamentar.
No entanto, apesar da razão que lhe assiste, Sr. Deputado, muito temo que a CP não faça mais do que cumprir as normas que derivam da Lei de Bases dos Transportes apresentada pelo actual governo e que aqui foi aprovada, embora com o meu voto contra, entre outros, e que a sua bancada teve oportunidade de votar favoravelmente.
É que a Lei de Bases dos Transportes Terrestres aponta exactamente para o desmantelamento, apenas com critérios economicistas e imediatistas, das linhas e ramais de, caminhos de ferro que se consideram como prejudicando o erário público, apontando para a sua eliminação pura e simples. É pena que assim seja!
Tivemos ocasião de denunciar isso aquando da discussão do diploma e não queremos, mais uma vez, deixar de fazê-lo, porque - e esta é que é a verdade - não se mantêm linhas de comboio se elas não fizerem parte do plano de transportes do País. Ora, estas, infelizmente, já não fazem, desde há muito!... Esta foi uma acção natural da CP. Digamos que este processo de eliminação é faseado e algum dia teria de ser o encerramento final.
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Já há alguns meses a CP tinha determinado que havia apenas um ou dois comboios de Chaves para Vila Real, cujo horário, obviamente, já não servia ninguém, porque não era a uma hora decente. Como já não servia ninguém, esperou-se uns tempos e, como não havia passageiros, acabou-se com a linha.
Tudo isto tem uma lógica: a lógica materialista, no pior sentido. É a lógica que não serve, de facto, as populações.
O que é verdade é que, a partir de agora, Chaves fica mais longe, não só de Vila Real, como da Régua, de Vila Pouca de Aguiar, de Santa Marta, de vários concelhos de Trás-os-Montes.
Passando o comboio por diversas freguesias que não têm acesso rodoviário, estas freguesias ficam agora mais longe, ficam cada vez mais distantes das sedes dos concelhos, das sedes do poder, afastando-se, deste modo, as populações dos centros de decisão - e isso é grave.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Deputado João Teixeira, não sou transmontano mas, em Novembro do ano passado, tive o cuidado de, nesta Câmara, alertar para os perigos da aprovação da Lei de Bases dos Transportes Terrestres, concretamente para a situação que hoje o Sr. Deputado João Teixeira trouxe à Câmara.
Na altura, tive oportunidade de referir as várias contestações que se tinham verificado pelo encerramento de vários apeadeiros. Referi, inclusivamente, o caso de Óbidos, uma terra tipicamente turística, onde o caminho de ferro era a única forma que a população com menos capacidades financeiras linha de aí poder deslocar-se. Alertei para esse facto, assim como disse que os perigos poderiam ser ainda maiores - e hoje confirmamos isso.
Aquando da discussão da Lei de Bases dos Transportes Terrestres, eu próprio, juntamente com o Sr. Deputado, que também fazia parte da comissão, tive o cuidado de recordar aos Srs. Deputados do Grupo Parlamentar do PSD que poderiam vir a dar-se situações tal como aquela que hoje aqui muito bem denunciou. Infelizmente, não fomos ouvidos e o PSD votou favoravelmente a lei.
Pergunto: face ao repúdio que V. Ex.ª hoje aqui demonstrou pela iniciativa do conselho de gerência da CP em encerrar o ramal que referiu, estará com os outros partidos da oposição que não votaram favoravelmente a Lei de Bases dos Transportes Terrestres? Estará V. Ex.ª disponível para subscrever um projecto de lei que altere o articulado da Lei de Bases dos Transportes Terrestres nessa matéria?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Mota.
O Sr. António Mota (PCP): - Sr. Deputado João Teixeira, ouvi com atenção a sua intervenção e devo dizer que partilho inteiramente das suas preocupações. Aliás, o meu grupo parlamentar, numa intervenção feita pelo meu camarada Lino de Carvalho, na semana passada, levantou este problema e denunciou esta situação.
Fica muito bem ao Sr. Deputado trazer a este hemiciclo a defesa dessas populações, mas não pode esquecer-se que esta política de encerramento das vias não é exclusiva da CP, pois ela está a fazer-se sob orientação do Governo. Portanto, esta é a política do Governo para os transportes.
Pergunto: será que o Sr. Deputado e o PSD, junto do Governo, irão protestar e fazer pressão para que este recue nesta medida? Isto é, o Governo vai ter em conta a intervenção que o Sr. Deputado aqui trouxe para defender os interesses das populações?
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira.
O Sr. João Teixeira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, agradeço o facto de se terem solidarizado com a minha intervenção ou, pelo menos, com o tema da mesma.
Em segundo lugar, começando por responder ao Sr. Deputado Armando Vara quanto ao facto de só agora eu ter feito esta intervenção e não antes, gostaria de dar uma justificação, que irá um pouco ao encontro da pergunta do Sr. Deputado António Mota.
A resposta é simples: foi intencional da minha parte fazer só agora a intervenção, porque aguardava que a CP desse uma explicação das razões da medida. Isto porque, em nossa opinião, muito mais gravoso para as populações é a forma como a medida foi tomada, isto é, de um dia para o outro, sem avisar ninguém, do que propriamente a medida em si, que também lamentamos.
Repare, Sr. Deputado - e agora aproveito também para responder ao Sr. Deputado Herculano Pombo -, que há pelo menos dois anos que tenho conhecimento de que, concretamente quanto à linha do Corgo, se vem mantendo um diálogo entre os autarcas e os responsáveis da CP, tendo estes criado a expectativa de que a linha não encerraria, pois haveria de proceder-se a modificações (talvez a eliminação de algumas circulações, não a totalidade) e recuperar algum material. Foi, talvez, nessa perspectiva que foram introduzidas nessa linha automotoras vindas da linha do Tua. De repente, fomos todos surpreendidos com uma medida destas.
Gostaria também de referir que é evidente que é o Governo que define as linhas gerais da política de transportes e, ao contrário do que muitas vezes somos acusados, ou seja, de sermos aqui uma caixa de ressonância do Governo, não é essa a postura que, neste momento e sempre, aqui temos assumido.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Quando temos de levantar um problema que vai na defesa dos interesses das populações que nos elegeram, não é pelo facto de isso preocupar ou, de qualquer forma, beliscar o ministro que tomou uma medida menos certa ou menos correcta que deixamos de fazê-lo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Compreendemos que é necessário e importante uma política geral de transportes e, no aspecto ferroviário, essa política implica grandes alterações.
O que não compreendemos - e, quanto a nós, é aqui que reside o núcleo da questão da linha do Corgo - é que se encerre ou elimine, de repente, essa linha de comboio de passageiros entre Vila Real e Chaves, antes
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de estarem previstas alternativas ou contrapartidas que a própria CP admitia propor para minorar as dificuldades dos transportes, esquecendo-se de que há localidades que não têm outro meio de transporte.
A forma como a medida foi tomada é que nos pareceu (e parece-nos!) que não é justificável. Não é aceitável que, nos tempos de hoje, se esteja a negociar com as autarquias e, de repente, aproveitando o fim do ano e o vazio do poder entre as eleições autárquicas, se apresente o facto como consumado. É essa a essência da nossa reivindicação.
Respondendo ainda ao Sr. Deputado António Mota, muito concretamente, direi que pelo menos os deputados eleitos pelo círculo de Trás-os-Montes irão fazer todos os esforços para que o Governo exerça a sua influência junto da CP a fim de que, se não for possível recuar totalmente, pelo menos, se minorem os efeitos desta medida, pois não existem, neste momento, repito, contrapartidas ou alternativas, o que é muito lesivo dos interesses das populações daquela zona.
Aplausos do PSD e do PRD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rosado Correia.
O Sr. Rosado Correia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: «Toda a cultura tem uma dignidade e um valor que devem ser respeitados e salvaguardados.
Todo o povo tem o direito e o dever de desenvolver a sua cultura.
Na variedade fecunda e na diversidade de influência recíproca que exercem entre si, todas as culturas fazem parte do património comum da Humanidade.»
Acabo de citar o artigo l.º da Declaração dos Princípios da Cooperação Cultural Internacional, aprovado em 1966 na Conferência Geral da UNESCO.
Já antes, a 5 de Maio de 1949, dia em que ocorreu a assinatura do tratado do Conselho da Europa, ficou bem vincado que «o fim primeiro do Conselho da Europa 6 realizar uma união mais estreita entre os seus membros, a fim de salvaguardar e promover os ideais e os princípios que são o seu património comum».
Afirma ainda o mesmo texto que é necessário prosseguir «o exame de questões de interesse comum com o fim de se estabelecerem acordos e adoptarem acções» dentro de vários domínios, designadamente o social e o cultural, a fim de salvaguardar o direito do Homem e as suas liberdades.
Recordo que, não obstante o Conselho da Europa haver sido instituído em 1949, Portugal aderiu ao mesmo unicamente em 1976.
Desde esta adesão suo decorridos 14 anos, durante os quais o contributo de Portugal para a prossecução, em conjunto com os demais países, da salvaguarda e defesa do património cultural se pode considerar nulo.
Tome-se o exemplo da Convenção Europeia para a Protecção do Património Arqueológico, a qual ainda não foi ratificada, baseada: na constatação de que o património arqueológico é um elemento essencial para o conhecimento do passado das civilizações; a responsabilidade moral da protecção do património arqueológico europeu remonta aos primórdios da história europeia, várias vezes gravemente ameaçada de destruição; no reconhecimento de que o ponto de partida para a protecção deve obedecer à aplicação dos mais rigorosos métodos científicos referentes a descobertas e pesquisas, evitando a destruição irremediável de dados científicos; na consideração de que devem ser proibidas as escavações clandestinas e deve ser instituído um controlo de carácter científico, assim como deve ser impulsionada a formação e a educação da população em geral.
Mas, deixe-se este texto esquecido e passemos à Convenção Europeia para a Salvaguarda do Património Arquitectónico, a qual falta igualmente ratificar, celebrada aos três dias de Outubro de 1985 pelos Estados membros do Conselho da Europa, em reunião em que Portugal se fez representar pelo ilustre e então presidente do IPPC, Dr. João Palma-Ferreira.
Nessa reunião foi reconhecido que, na sequência da Convenção Cultural Europeia, assinada em Paris a 19 de Dezembro de 1954, da Carta Europeia do Património Arquitectónico, adoptada pelo Comité dos Ministros da Europa a 26 de Setembro de 1975, da Recomendação n.º 880 (1979), da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, sobre a conservação do património arquitectónico, das Recomendações n.ºs R (80) 16 e R (81) 13, do Comité de Ministros dos Estados membros, é necessário transmitir um sistema de referências culturais às gerações futuras; melhorar os quadros de vida urbano e rural e de favorecer, de igual modo, o desenvolvimento económico, social e cultural dos Estados e das regiões; é imperioso acordarem-se orientações essenciais para uma política que garanta a salvaguarda e a valorização do nosso património arquitectónico; o património é considerado como compreendendo os monumentos, os conjuntos arquitectónicos e os sítios.
Portugal é reconhecido como um dos países comunitários que ainda possui dos melhores conjuntos rurais e urbanos a defender, sem esquecer a riqueza da sua paisagem natural, já hoje aqui focada.
Portugal é também hoje reconhecido como o país da Europa onde mais facilmente se produzem atentados a esse mesmo património.
Possuímos ainda centenas de aldeamentos vernáculos de Norte a Sul e de centros históricos, bem como de imóveis com características históricas e patrimoniais, que se impõe serem classificados e defendidos.
Assistimos à falta de regulamentação da lei de defesa do património, bem como da lei de bases do ambiente, não existindo incentivos fiscais, financeiros e técnicos suficientes que contribuam para a salvaguarda da nossa memória patrimonial.
A descaracterização dos centros históricos, dos aglomerados vernáculos, dos conjuntos e sítios que hoje são pertença de um património não só nacional como europeu, é um acto permanente a que se impõe pôr imediato cobro.
Evitemos que continue a morte e a destruição de alguns aglomerados, como a aldeia dos Serros, completamente abandonada; o Castelo Velho da Degebe, monumento nacional esventrado pelas máquinas como preparação para a eucaliptação.
Evitemos o caso da Rocha Branca, em Silves - feitoria fenício-púnica, com cerâmicas gregas. Proposta a sua classificação em 1987, morreu o processo nos meandros do IPPC, o que permitiu a sua destruição pelo proprietário.
Evitemos que se elaborem projectos, como o do Centro Cultural de Belém, repito, como o do Centro Cultural de Belém, sem que sejam primeiramente realizadas as sondagens e as escavações arqueológicas, as quais, sem dúvida, se feitas a tempo, teriam posto a descoberto o cais
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de onde partiram para as descobertas, durante séculos, as naus portuguesas. A sua classificação teria condicionado o projecto e o local sairia patrimonialmente mais enriquecido.
Vai ser reactivada a exploração mineira no concelho de Montemor, em zonas de elevada presença arqueológica.
Evite-se a destruição destes conjuntos, elabore-se a classificação dos mesmos e proceda-se à sua salvaguarda.
Proceda-se à criação de parques culturais, onde os valores arqueológicos, arquitectónicos, etnográficos, históricos e todos os demais que testemunhem a presença do Homem, sejam a memória dos povos e a escola cívica e cultural de que tão carecido se encontra o nosso país.
Num ano em que a Comissão da Comunidade Europeia vai já no sétimo ano consecutivo de apoio a projectos pilotos nos domínios da conservação e da promoção arquitectónica comunitária, em Portugal ainda nem sequer se ratificou a Convenção do Conselho da Europa para a Salvaguarda do Património Arquitectónico.
Passemos, por último, à Convenção Europeia sobre Infracções Que Lesam os Bens Culturais, a qual falta igualmente ratificar, concluída em 23 de Junho de 1985 no âmbito do Conselho da Europa, em reunião em que Portugal se fez representar. O objectivo deste diploma visa pôr cobro urgente aos atentados que frequentemente atingem o património, adoptando as adequadas medidas legais. Foi reafirmado que existe uma responsabilidade comum e solidária para a protecção do património cultural europeu.
Já passaram quase cinco anos sobre a conclusão desta Convenção e, ao largo desse tempo, temos vindo a assistir a uma verdadeira espoliação do património cultural, que permanece impune.
Assim, no campo arqueológico, registam-se reiteradas violações de dólmens, de povoados, de campos arqueológicos, donde podemos citar aqui um exemplo, bem próximo do conhecimento de todos, ou seja, em Odrinhas, cujos menhires, em mais de 90 %, se encontram hoje a servir de base ao pontão do porto de abrigo da Ericeira, onde muitos dos nossos colegas passam as suas férias, enquanto outros, como elementos fálicos, adornam jardins ao longo da estrada que liga Lisboa à Ericeira.
Que dizer ainda do conjunto dolménico do concelho de Reguengos de Monsaraz, inventariado nos anos 50 em número superior a 200, de que hoje não restam mais de 50 %, sendo de acrescentar que todos já foram violados.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Que dizer de bibliotecas conventuais e particulares que saem deste país em contentores, correspondendo a livros velhos vendidos a peso?
Que dizer ainda do mobiliário, das alfaias religiosas, do tesouro da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, oferta de D. João I, que eu tão bem conheci, mas que saiu da nossa visão? Que dizer do recheio dos órgãos barrocos dispersos pelas igrejas do País ou do hoje tão procurado conteúdo dos relógios do século XIX, que encimam as torres das igrejas do território nacional?
Que dizer do espólio arqueológico de centenas de estações, levado para tratamento, que não mais regressou as suas origens? Que dizer dos muitos palácios, solares, edifícios patrimoniais e centros históricos que se encontram ainda por classificar e defender?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As preocupações da Sr.ª Secretária de Estado, hoje nossa ilustre colega - seja bem vinda ao nosso hemiciclo - eram demasiadas e não lhe deixaram tempo para propor que Portugal ratificasse as convenções a que me referi. Hoje, mais disponível e comungando, sem dúvida, das preocupações conjuntas dos seus colegas desta Assembleia, temos a certeza de que o seu apoio será total e a sua sensibilidade de interesse será comum com a nossa, dando, como tal, todo o contributo que se impõe com vista à ratificação das três convenções que hoje aqui vos apresentei, das quais faço entrega na Mesa.
Desde já um muito obrigado a todos aqueles que connosco queiram subscrever os pedidos de ratificação, contribuindo, assim, para um passo decisivo e histórico na defesa patrimonial que se impõe.
Aplausos do PS, do PCP, do PRD, do CDS e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Natália Correia e Herculano Pombo.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.
A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Deputado Rosado Correia, neste pedido de esclarecimento vai mais o agradecimento pela questão que trouxe a esta Assembleia, que é a da defesa do nosso património histórico-cultural, porque assume grande relevância numa altura em que a memória do passado deve ser vivificada, tomado o presente num período de crise cultural e mesmo ontológica, em que já se proclama o fim da história. Dizem: «Não há futuro.» E não há efectivamente futuro quando se enterra o passado.
Ora, Portugal está a enterrar o seu passado com os exemplos assustadores de crimes de lesa-património que o Sr. Deputado citou. Este relaxamento tem sido agravado pela incúria cultural do actual governo, cuja contribuição, como disse, é nula para o património cultural europeu. Portugal demite-se, assim, de ter uma voz viva na Europa e também de ter um futuro, quando relaxa o seu património.
É sobre isto que quero colocar-lhe a seguinte questão, Sr. Deputado: qual é o futuro de Portugal nesta perspectiva?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Rosado Correia, há ainda outros pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?
O Sr. Rosado Correia (PS): - No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Deputado Rosado Correia, o meu tempo disponível já não é muito e quero ainda produzir uma pequena intervenção, mas não quero deixar passar em claro esta sua, que foi tão importante, a propósito de uma coisa que foi pouco discutida, porque, enfim, são coisas velhas, coisas do passado, coisas da cultura, que, economicamente falando, não são para aqui chamadas com muita frequência.
É precisamente a questão económica que hoje quero levantar, Sr. Deputado.
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O Sr. Deputado sabe, tão bem como eu, como hoje, em Portugal, a nossa memória histórica continua a ser um obstáculo diário ao progresso, àquilo que muitos consideram o progresso - então, vá de remover o obstáculo.
Em vez de se gastar dinheiro na conservação, na recuperação e na publicação, de forma a mostrar-se à opinião pública o valor da história que temos, do nosso património histórico e ambiental, faz-se - exactamente o contrário. O Sr. Deputado teve até ocasião de descrever inúmeras situações, mas mesmo que estivesse todo o dia a fazê-lo não conseguiria descrevê-las todas, lamentavelmente.
O Sr. Deputado sabe, pelo menos tão bem como eu, como hoje é difícil viver numa zona protegida, numa zona classificada, pois é sinónimo de viver quase num jardim zoológico à espera que o turista chegue.
Portanto, é extremamente difícil para as populações viverem em zonas classificadas, porque o que nos falta não é uma política de classificação, pois temos inúmeras zonas protegidas, mas, sim, uma política real de progresso que seja compatível com as qualidades, quer ambientais quer de riqueza histórico-patrimonial, dessas zonas. É por isso que muitas vezes as populações se revoltam; é por isso que vemos as autarquias a implorar que se reduzam as áreas protegidas; é por isso que vemos empresas, como citou, nomeadamente as de celulose, a arrancar, pela calada da noite e impunemente, o nosso património histórico para aí plantarem eucaliptos, porque é mais rentável. São por estas razões que assistimos a tudo isso.
Qual foi a resposta deste Governo, Sr. Deputado? As respostas foram duas: reduzir o orçamento para o Ministério do Planeamento e da Administração do Território, Secretaria de Estado do Ambiente e dos Recursos Naturais, e remodelar na área da cultura. São duas respostas que falam por si só.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Rosado Correia.
O Sr. Rosado Correia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho de me congratular; realmente; com as intervenções feitas, porque as interrogações colocadas são também aquelas com as quais comungo.
O que será de Portugal se continua a destruição do seu património? Portugal ficará, sem dúvida, e desde já todos nós o sentimos, cada vez mais empobrecido.
O que é que sucederá às populações que habitam esses espaços classificados? A resposta é também a mesma: p empobrecimento das populações e a falta de enriquecimento dessas zonas, que necessitam de uma reabilitação condigna e propícia aos dias de hoje.
Um muito obrigado às vossas intervenções e, sobretudo, peço a todos uma sensibilização especial, porque este é um tema do hoje e do amanhã: salvar o património é qualidade de vida, é a memória dos povos. Neste caso, é o povo português que está realmente em causa, pois assistir à destruição deste património é também assistir à nossa própria destruição.
Aplausos do PS e do deputado independente Raul Castro.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Costa.
O Sr. Vítor Costa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A propósito de um requerimento que vou fazer chegar à Mesa, o Grupo Parlamentar do PCP entendeu dever explicitar, perante o plenário da Assembleia, o tema desse requerimento, dada a sua actualidade. O tema do requerimento diz respeito às comemorações dos 700 anos da fundação ou ratificação da universidade portuguesa, mas não propriamente sobre o conteúdo dessa efeméride.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como é sabido, passam, este ano, 700 anos sobre a criação da universidade portuguesa. Nesse sentido, a Universidade de Coimbra prepara-se para comemorar condignamente esta efeméride, para o que, por iniciativa da sua reitoria, constituiu uma comissão integrando representantes de todas as suas unidades orgânicas.
Como certamente estão os Srs. Deputados recordados, por iniciativa da oposição, deliberou esta Assembleia, por unanimidade, atribuir à Universidade de Coimbra a verba de 100000 contos como contributo para as avultadas despesas que tais comemorações, efectivamente, acarretarão.
O Governo não conseguiu, no quadro do Orçamento do Estado, encontrar um centavo para apoiar as comemorações da Universidade de Coimbra. Mas o partido do governo, em plena campanha eleitoral, não conseguiu fugir ao despudor de instrumentalizar estas comemorações, e portanto a Universidade de Coimbra, ao serviço dos seus objectivos eleitoralistas imediatos, numa demonstração extrema da sua política de campanário.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Num comício em Coimbra, na presença do Primeiro-Ministro, pela voz do Ministro Fernando Nogueira, o PSD anunciou que o Governo iria nomear uma comissão para promover os festejos do 7.º centenário da Universidade de Coimbra.
Esta grosseira manobra eleiçoeira deixou, como é natural, perplexa e indignada toda a comunidade universitária.
A luta pela autonomia universitária foi uma luta que mobilizou sucessivas gerações de estudantes e professores universitários. Bastantes dos que aqui estamos participaram nessas lutas e naturalmente todos nos regozijámos pelo facto de esta Assembleia ter aprovado, por unanimidade, a Lei da Autonomia Universitária.
Pelos vistos, dessa luta não participou o Primeiro-Ministro nem os que o acompanham no Governo. E, por isso, não guardam memória dela. É por essa razão que o Governo revela tão profunda insensibilidade ao significado da autonomia universitária e, consequentemente, tanto desrespeito pela instituição universitária e até por esta Assembleia, que, repito, aprovou a Lei da Autonomia Universitária por unanimidade.
Para o Governo - temos de concluí-lo - a autonomia universitária nem sequer permitiria à Universidade de Coimbra organizar como entendesse a comemoração condigna dos 700 anos da sua existência. Parece incrível, mas é verdade!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta situação é ainda mais preocupante porque, nos termos da Lei da Autonomia Universitária, a Universidade de Coimbra
prepara-se para no final deste mês eleger o seu reitor. Mais uma vez a esquerda universitária conseguiu gerar um consenso alargado em tomo da candidatura do Prof. Rui Alarcão, tudo apontando para a sua reeleição. Isto para desespero dos sectores do cavaquismo em desagregação, que não conseguiram até agora, nem parece que o venham a conseguir, engendrar um candidato credível.
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Neste contexto, creio que os Srs. Deputados concordarão comigo - é imperioso e urgente que o Governo explique à Universidade de Coimbra, a esta Assembleia e a todo o País se a intenção anunciada pelo Sr. Ministro Fernando Nogueira foi mais uma gaffe, das muitas cometidas no mar do desespero em que se vem afundando o Governo e o PSD, ou se corresponde ao real propósito do Governo de levar por diante tão obtuso como inaceitável projecto.
Talvez o Governo ainda esteja a tempo de emendar a mão e lavar a face. Proclame publicamente o seu compromisso no sentido de fornecer à Universidade de Coimbra todos os meios para que esta possa promover as comemorações que já anunciou e renuncie a quaisquer propósitos de nomear comissões perfeitamente descabidas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - A Universidade de Coimbra saberá honrar a sua história, projectando o seu prestígio e o da universidade portuguesa dentro e fora do País.
Aplausos do PCP e do deputado independente Raul Castro.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito rapidamente, uma vez que, segundo penso, ultrapassámos largamente o tempo do período de antes da ordem do dia, quero colocar uma questão de natureza urgente, pois, a não ser assim, já não a colocaria.
Todos temos vindo a referir questões prementes; no entanto, há uma que não pode deixar de ser colocada hoje, aqui e agora.
A esta mesma hora a população escassa da ilha de Porto Santo luta desesperadamente, com os meios que tem, que são pás e baldes, contra uma maré negra que ameaça destruir a praia de Porto Santo e se encaminha já, a grande velocidade, para a Reserva Natural das ilhas Desertas.
O que está em jogo é demasiado e não posso deixar de vir aqui, sobre o acontecimento, lamentar e protestar.
Lamentar, porque desde 1984 que existe um plano que não tem sido implementado e ninguém sabe bem porquê.
Protestar, porque depois do acidente do petroleiro Marão, que poluiu e destruiu a costa alentejana, há seis meses, depois da comissão parlamentar da Assembleia ter feito um trabalho intenso de pesquisa e de ter elaborado propostas para o Governo, no sentido de remediar essa situação e de prevenir catástrofes futuras, depois de aqui se ter discutido o Orçamento e de o meu próprio grupo parlamentar ter tentado dotar a Direcção-Geral de Marinha com as verbas entendidas necessárias para prossecução destas medidas propostas pela comissão, nada disto foi feito, e passados 15 dias da aprovação do Orçamento aí temos mais um grande desastre, um desastre ecológico de grandes dimensões. Desastre que, ainda por cima, está a fustigar uma população já de si isolada, já de si diminuída nas suas capacidades económicas, e que não tem, obviamente, quaisquer meios para lutar contra esta catástrofe. A própria população nunca tinha visto, segundo palavras do presidente da Câmara de Porto Santo, que me acaba de telefonar, uma coisa deste género e, portanto, lutam com a sua intuição, com a sua boa vontade e com o seu medo contra uma coisa que desconhecem e cujos efeitos não sabem quais são, mas que temem que venham a ser graves.
Contactámos o Governo e este disse-nos que vai enviar os meios disponíveis, mas que são escassos.
Ora bem, Portugal, que tem mais água do que terra, em cujas águas passam por dia centenas de navios, cuja carga desconhecemos em absoluto, tem uma marinha a que não são dados os meios nem para a fiscalização e muito menos para a prevenção e combate a este tipo de tragédias. Portugal viola, neste caso por omissão, uma convenção que assinou há largos anos, a Convenção de Oslo, sobre a protecção das suas águas. Mas estas são também as águas da Europa, são também as águas da tão falada Comunidade, que tanto nos ajuda e tantos subsídios nos dá.
Como vai o Estado Português ajudar Porto Santo e cumprir as suas obrigações internacionais com os 2000 contos - ouçam-se bem, Srs. Deputados - que os Srs. Deputados aprovaram, na altura da discussão do Orçamento, para a Direcção-Geral de Marinha, a fim de esta fazer face aos problemas de poluição no mar português durante o ano de 1990? 2000 contos é tudo quanto a Assembleia da República, sob proposta do Governo, entregou à Direcção-Geral da Marinha, para fazer esta tarefa imensa que é o combate à poluição produzida por hidrocarbonetos e outros materiais tóxicos perigosos.
Tivemos, como referi, ocasião de propor cerca de 700 000 contos, o que não seria demais, dado que fazem falta barcos, bóias, a formação de técnicos. Ora, se no continente nada disto existe, muito menos existe na Região Autónoma da Madeira, onde, vergonhosamente, nem sequer um helicóptero existe.
Não é possível, pois, sem meios ou com os poucos que não vão daqui, chegando certamente atrasados, evitar aquilo que será a destruição da praia de Porto Santo, riqueza que aquela população conserva, e - ainda mais grave do ponto de vista ecológico - a eventual destruição da Reserva Natural das ilhas Desertas.
Quem se responsabilizará por tudo isto?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Pereira.
O Sr. Jorge Pereira (PSD): - Sr. Deputado Herculano Pombo, não é sem alguma emoção que uso da palavra neste momento. Quero também associar-me as palavras do Sr. Deputado relativamente à catástrofe que está a acontecer, neste preciso momento, em Porto Santo. É um lamento bem sentido o que os deputados da Madeira têm relativamente ao que se está a passar.
Governo Regional - cumpre-me informar esta Câmara - está a envidar todos os esforços para remediar ou minorar a situação. Apelo daqui - e faço minhas as palavras do Sr. Deputado Herculano Pombo- a que o Governo faça com que a administração regional venha a obter, com a máxima urgência, meios e condições para combater esta situação.
Tanto quanto sei, a mancha negra - e faço fé nas palavras do Sr. Deputado Herculano Pombo - encaminha-se para a Reserva Natural das Ilhas Desertas, que é uma reserva com um valor natural inestimável e um património de lobos marinhos único no mundo. Por esta
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e outras razões, peço ao Governo que tome as medidas que se impõem. Solicito mesmo, caso seja necessário, ajuda internacional.
Aplausos da deputada do PSD Cecília Catarino.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Torres. !
O Sr. Mota Torres (PS): - Sr. Deputado Herculano Pombo, quero, antes dê mais, dar o meu apoio ë sublinhar a importância da intervenção que acaba de produzir nesta Câmara, tendo em vista este grande desastre ecológico que está a afectar a Região Autónoma da Madeira, sobretudo,- neste momento, a ilha de Porto Santo.
Tenho ouvido falar, ao longo deste tempo, ria Assembleia da República, da insularidade e dos custos da insularidade. A ilha de Porto Santo é o exemplo típico - hoje, com este exemplo, dramaticamente típico - do que é a dupla insularidade: uma ilha que vive quase exclusivamente da praia que pode oferecer aos seus visitantes e da pesca, a que se dedica uma grande parte da sua população,' vê-se hoje ameaçada por uma maré negra, despejada no oceano, como já aconteceu noutras ocasiões, que, infelizmente, há poucos meios de combater com alguma eficácia.
Lembraria que as conclusões que uma comissão da Assembleia da República tirou, a propósito do desastre do navio Marão em Sines, apontavam no sentido de, por um lado, ser necessária a compra de um navio especializado para o combate a desastres desta natureza e, pôr outro, ser preciso dotar os principais portos do País de 'equipamentos que permitissem um combate eficaz e atempado a este tipo de acidentes.
Neste sentido - e permito-me rectificar a informação dada pelo Sr. Deputado Herculano Pombo-, toda a oposição subscreveu, em sede de debate do Orçamento do Estado, uma proposta no sentido de reforçar a dotação orçamental para a compra destes equipamentos. O PSD rejeitou esta proposta, que era uma proposta insignificante no conjunto do Orçamento. Vemos hoje a falta que esses meios fazem ao combate a uma tragédia desta natureza.
Fui informado, há momentos atrás, de que, inclusivamente, na costa norte da ilha de Porto Santo, e independentemente da tragédia que pode vir a causar nas ilhas Desertas, como já referiu, e muito bem, o Sr., Deputado Jorge Pereira, é cada vez maior o número de tartarugas e aves mortas, cobertas de crude, que vão dando à costa norte da ilha de Porto Santo, o que é bem revelador da dramática situação que neste momento vivem todos os porto-santenses e o seu presidente, que não sai do, local, onde e visível a extensa mancha de crude, a qual, segundo informações relativamente recentes, tem uma espessura de cerca de 30 em - isto foi confirmado por um Aviocar que fez o reconhecimento do local, contrariando informações da véspera, que diziam ser uma mancha relativamente fina e com alguns espaços em claro.
Sabe-se que há umas centenas de homens, de balde na mão, a recolherem o crude que vai dando à costa, mas desconhece-se em absoluto quais os mecanismos que estão a ser postos em execução para combater este drama.
Sem querer alongar-me muito mais, pergunto apenas ao Sr. Deputado Herculano Pombo se, de acordo com as conclusões que citei da tal comissão parlamentar, não seria neste momento altura de o Governo da República, em articulação com o Governo Regional da Madeira, começar a preparar mecanismos de apoio às autoridades de Porto Santo para atenuar os efeitos perniciosos desta catástrofe, nomeadamente através do pagamento de indemnizações às - autarquias, aos pescadores e a outros agentes económicos que eventualmente venham - a ser prejudicados por, esta tragédia.
Quero, por outro lado, perguntar ao Sr. Deputado Herculano Pombo se tem conhecimento de: alguns mecanismos já postos em execução pela Comunidade Económica Europeia, já que a Comunidade prevê- meios de combate a tragédias deste tipo. Pergunto se o Sr. Deputado tem conhecimento de alguns mecanismos já postos em andamento no sentido de atenuar o mais possível esta verdadeira tragédia ecológica, que a todos neste momento deve manter preocupados e em relação à qual não foi adoptado nenhum procedimento, por se ignorarem em absoluto, entre outras razões, as conclusões do inquérito a que os nossos colegas chegaram há seis meses atrás.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Presto o meu agradecimento aos Srs. Deputados que me colocaram questões.
Parte das intervenções aqui produzidas foi no sentido de reforçar a denúncia e o apelo que aqui fiz, o que me apraz registar.
Convém, no entanto, dizer que tudo o que disse, relativamente ao trabalho da Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente sobre o recente, acidente do navio Marão consta de um relatório que foi apresentado ao Plenário e certamente aprovado. Só que caiu, pelos vistos, em saco roto.
Permito-me, não ler as conclusões todas, mas .referir pelo menos duas conclusões básicas a retirar daqui.
Uma é a elaboração do plano nacional de prevenção e acção, que, aliás, o Governo teria a obrigação de já 'ter elaborado, no seguimento da ratificação da Convenção de Oslo, que referi anteriormente.
Outra é a questão da dissuasão das lavagens dos tanques dos petroleiros e das normas de utilização das estacões de lavagem a disponibilizar aos mesmos petroleiros ao longo da costa.
Aqui entrará certamente em causa a questão financeira, a questão dos gastos. Quanto é que cabe a Portugal - gastar por ter a felicidade, ou a infelicidade, de estar - à beira-mar plantado? O que sé passa, Srs. Deputados, é o seguinte: nas nossas águas territoriais, ou - muito perto delas, passa mais de 50% de todo ò petróleo que é consumido pelos países da Europa do Norte e são esses petroleiros que normalmente provocam os acidentes.. Quanto é que nos é devido por esses países fazerem uso de algumas prerrogativas, que incluem á concessão de facilidades por parte do nosso território e da nossa soberania, sendo certo que depois somos nós, Portugueses, a arcar, com os poucos meios que temos, com todas as consequências, sem qualquer ajuda visível? Com isto respondo um pouco à última pergunta colocada pelo . Sr. Deputado Mota Torres.
De facto, não consta que a Comunidade, que aproveita esta riqueza em águas de Portugal e considera esta zona de águas como a sua fronteira-limite entre a Europa comunitária, a África e a América, faça disto um interesse seu, prioritário, no que tem a ver com as facilidades de transportes marítimos de que usufrui. Daqui, que se
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saiba, nada nos veio de benefício. Bem pelo contrário, damos as facilidades e arcamos com os prejuízos, tudo é permitido!
Como se faz a vigilância, Srs. Deputados? Sabemos que a Marinha se debate, desde há anos, quer com a falta de meios logísticos, quer com a simples falta de combustível. Hoje, os poucos meios de que a Marinha dispõe não podem afastar-se muito da costa, porque se lhes acaba o combustível. Este problema tem vindo a ser levantado, infelizmente sem solução aparente. Como é que se faz a vigilância? Enfim, com um acordo que se mantém com a transportadora aérea nacional. A própria TAP, ao que se sabe, colabora, mas, Srs. Deputados, não podemos estar à espera de que os 400 navios que passam diariamente nas nossas costas sejam controlados pelo avião da TAP que vai para Boston ou Filadélfia, porque certamente o piloto tem mais que fazer durante a viagem do que estar a espreitar para ver se está o «barquinho» cá em baixo a lavor os tanques.
Assumamos, pois, esta responsabilidade colectiva que é a de sermos ricos em águas, mas protejamos essas águas, como é nosso dever, e gastemos algum dinheirinho com isto. É que estas coisas não se tratam em sessões de lamentos, porque sessões de lamentos temos muitas e cada um sabe fazê-las à sua maneira e com o choradinho que melhor caia nas populações. Mas há umas sessões que não são de lamentos, mas sim de dinheiros, de contas, que são as sessões de discussão do Orçamento. É nestas que todos deveríamos estar com atenção, aprovando as propostas razoáveis que são feitas, no sentido de dotar as entidades que têm a supervisão e superintendência destas matérias com as necessárias verbas.
Termino lembrando apenas a verba que o Estado Português atribuiu à Direcção-Geral de Marinha para a protecção das águas no ano de 1990: 2000 contos!
O Sr. José Magalhães (PCP): - É notável!
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar no período da ordem do dia.
Estão em apreciação os n.º 18 a 21 do Diário da Assembleia da República, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 21, 22, 28 e 30 de Novembro do ano findo.
Pausa
Visto não haver qualquer objecção, consideram-se aprovados.
De seguida, vamos passar à discussão do projecto de lei n.º USA, do PCP, que cria o novo regime de estágio da advocacia e apoio aos advogados estagiários.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, dado que este projecto já foi apresentado há bastante tempo à Assembleia, embora na actual legislatura, parece-nos que havia todo o interesse em que fosse lido o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o referido projecto, pelo que solicitávamos a sua leitura.
O Sr. Presidente: - Uma vez que a leitura do parecer foi solicitada pelo Sr. Deputado António Filipe, pedia ao Sr. Secretário Daniel Bastos o favor de proceder à sua leitura.
O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - O parecer é do seguinte teor:
1 - Recai o presente projecto de lei no regime do estágio da advocacia, modificando em pane o regulado pelo estatuto aprovado pelo Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de Março. Significa isso ser imperativa a audição da Ordem dos Advogados, nos termos da alínea h) do n.º l do artigo 3.º daquele Estatuto. A participação da Ordem na fase regulamentar, prevista no n.º l do artigo 19.º, não seria suficiente; o contributo dela recebido só será producente se utilizável no momento por - assim dizer genético do processo legislativo (que agora já se percorre), enquanto as soluções essenciais não estiverem modeladas.
2 - Dá-se ainda a circunstância de implicar encargos financeiros para o Estado; daí a referência feita no artigo 20.º do projecto de lei ao n.º 2 do artigo 170.º da Constituição.
2.1 - São os problemas postos de inegável interesse; não é de hoje a ideia de que, sendo a advocacia uma profissão firmada na competência, esta terá de ser preparada desde que nela se ingresse. Dizia-se em França, em 1318: «Une hâte imprudente à s'ériger em conseiller et en défenseur risquerait d'être préjuciable aux parties et 1'honneur même dês avocats est engagé à ce qu'un tel préjudice soit épargné à leurs clients.» O instituto é reconhecível nas Ordenações Afonsinas (livro I, título 48); após o curso universitário de oito anos, abria-se um período de «prática» de dois. Justificava-o Correia Teles, já no l.º quartel do século XIX: «Nenhum aluno, apenas acabe seus estudos na Universidade, se deve ter logo por hábil para julgar e advogar, sem primeiro ler e advogar muito.» (Doutrina das Acções, «Introdução».)
O século passado foi, porém, um ano de «desregulação» da advocacia, e o estágio caiu em desuso. Recobraria presença com a institucionalização da Ordem dos Advogados, em 1926, e com a publicação, no ano imediato, do primeiro Estatuto Judiciário.
O certo é que os objectivos propostos não foram alcançados. Não como uma «citação», mas como um «retrato da época», recordar-se-á o que, por exemplo, se escreveu no Diário Popular, de 27 de Outubro de 1973 («Reflexão sobre o problema do estágio da advocacia»). Era a designação infeliz que identificava os estagiários, criando-lhes uma evidente capitis deminutio: se o advogado é o que se chama em auxílio (ad vocatus in auxilium), quem naturalmente recorreria a um... candidato à advocacia? Era o fatalismo do vazio dos tabelados 18 meses; era o lançar mão de outras profissões subsidiárias («subsidiadoras»...), tendencialmente depois convoladas para principais. Era a consequente proliferação dos advogados de horas vagas, dos que advogam de noite, como ironizara Ramada Curto. Era o não se compreender que a sociedade (já a de 1973) era uma sociedade de emancipação, em que as
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pessoas ficavam adultas mais rapidamente. Era o carácter censitário do estágio.
Curiosamente, tinha-se já então como mais certo que a responsabilidade da orientação do estágio transitasse do patrono para a própria Ordem, embora sem pôr de lado a presença personalizadora do patrono. E o estágio deveria ser feito com seriedade, culminando numa avaliação, de cunho «eminentemente profissional», dos "conhecimentos adquiridos. Mas para tal haveria que disponibilizar meios materiais adequados. a que os estagiários pudessem «sobreviver» com dignidade, e independência: empréstimos reembolsáveis? viabilização das sociedades civis de advogados?
Depois de 1974 manteve-se o problema, irresolvido, não obstante o que se tentou, fazer para a reconversão de um regime «profissionalmente inoperante e socialmente negativo» (assim, por exemplo, Revista da Ordem dos Advogados, ano 37.º, 1977, maxime p. 394). Era a assunção pela Ordem da orientação do estágio, sem desperdiçar a intervenção do patrono; era a criação de estímulos materiais, desde logo no quadro de uma política geral de «acesso ao Direito»; era o funcionamento necessário de centros de formação, tendo em conta a tendencial «regionalização» da Ordem, «sempre, claro está, na moldura de uma. orgânica nacional unitária».
2.2 - O sistema textualmente configurado no Estatuto de 1984 não se está a revelar, como se pretenderia, eficaz. Entretanto, é de pôr uma favorável expectativa rios mecanismos do acesso ao direito e à justiça; a cooperaçâo entre à Ordem e os gabinetes de consulta jurídica pode desde já ser testada pela experiência recolhida do que entrou em funcionamento pleno em fins de 1986.
3 - Não é o momento de, em sede de comissão, se fazer uma análise de pormenor das soluções preconizadas no projecto de lei.
Adiantar-se-ão, de qualquer modo, algumas interrogativas.
Assim:
a) A intervenção dos advogados «docentes» nos centros de estágio deverá ser remunerada, como, aliás, já se prevê nos ,n.ºs 3 e 4 do artigo 160.º do Estatuto de 1984? Não se estará, com isso, a destruir uma. das razões de «glória» da advocacia,, que 6 a de acolher as novas gerações, transmitindo-lhes, em acto de pura solidariedade, a própria experiência? Será essa solidariedade «comerciável»?
b) Deverá caminhar-se para a completa supressão do «patrono» (assim, exposição de motivos)? Não se resvalaria, com essa supressão, numa excessiva «mecanização» ou «escolarização» do estágio, subtraído a qualquer relação identificável entre pessoas e entre gerações?
c) Não deverá continuar a dizer-se; como se diz no n.º 2 do artigo 159.8 do Estatuto de 1984, que a orientação geral do estágio pertence à Ordem dos Advogados, no sentido de só a esta pertencer? A cooperação entre a Ordem e o Centro de Estudos Judiciários é agora uma cooperação, suscitada pela Ordem dos Advogados, que será livre de a solicitar ou não. Na origem do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 374-A/79, de 10 de Setembro (que criou o CEJ), esteve o acolhimento de uma perspectiva imaginada pela Ordem em 1977 e publicamente reiterada no III Governo Constitucional. Nunca se pensou em tomar essa cooperação obrigatória. Será caso de o fazer?
4 - A duração do estágio é de 18 meses. Mas divide-se em dois períodos distintos, o primeiro dos quais, realizado na Ordem, com a duração de três meses.
Só que no terreno das realidades este primeiro período pode durar alguns meses mais.
E já hoje é assim - e mal.
Dispõe, com efeito, o n.º 3 do artigo 162.º do Estatuto de 1984 que os requerimentos para inscrição como estagiário serão apresentados 60 dias antes da data do início de cada curso do estágio.
Ora figure-se que estes começam em 15 de Novembro e em 15 de Maio: quem se inscrever em 20 de Setembro terá de aguardar pelo curso de Maio - que durará três meses. Só que a estes três meses se adicionarão os meses que mediarem entre 20 de Setembro e 15 de Maio.
Qual o estatuto de vida do candidato a estagiário (a situação é ainda mais desmotivadora que a de «candidato à advocacia»...) durante esses longos e por completo inaproveitados meses?
5 - Entretanto, o ponto fulcral do projecto de lei estará na atribuição de um subsídio de estágio - precisamente quando o estágio se processe no escritório de um advogado orientador (n.º 2 do artigo 13.º do projecto de lei).
É de atentar, reflectidamente, no sistema antes de por ele se enveredar.
A advocacia é uma profissão de risco e de eficácia. Não serão de incentivar, razoavelmente, essas duas vertentes desde a fase do estágio?
ão resultaria mais producente e mais conforme à realidade portuguesa que, por exemplo, o Estado permitisse a viabilização de sociedades civis de advogados, como os do n.ºs 5 do artigo 6.º (a «automaticidade» deverá funcionar, precisamente, em sentido inverso, ou seja, no sentido de que o mandato conferido a um dos sócios só se estenderá aos restantes se expressamente tal for declarado) e do n.º l do artigo 19.º (responsabilidade ilimitada e solidária de todos os sócios)?
E não seria de encarar de forma diversa a tributação das sociedades civis de advogados e dos seus membros ut singulu?
6 - A advocacia é, na circunstância portuguesa, uma profissão liberal; talvez a mais dificilmente redutível a qualquer publicitação. Descaracterizar, mesmo que reflexamente, essa ímpar dimensão coarctaria o proveito social que dela advém.
Esta socialidade está tão implícita que nem deve ser justificada. O advogado só em conjunto com as demais pessoas o poderá ser. Nunca se manterá isolado. É um outro que tem necessidade de nós. É um outro aquele que se nos opõe. É um outro o juiz que decide. (Hernandez Gil, El abogado y el razonamiento jurídico, 1975, p. 5.)
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7 - Tudo isto visto, está o projecto de lei em condições de ser submetido ao Plenário.
Tem-se, entretanto, como indispensável a audição da Ordem dos Advogados, nos termos da aludida alínea h) do n.º l do artigo 3.º do Estatuto, aprovado pelo Decreto-Lei n.8 84/84.
Palácio de São Bento, 13 de Janeiro de 1988. - O Relator e Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, Mário Raposo.
O Sr. Presidente: - Depois da leitura do parecer pelo Sr. Secretário Daniel Bastos, a quem renovo os meus agradecimentos pela leitura, dava a palavra ao Sr. Deputado António Filipe, para uma intervenção.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP submete à apreciação do Plenário da Assembleia da República um novo regime de apoio à formação de jovens advogados, após audição da respectiva ordem profissional.
O estágio de advocacia, matéria a que se reporta a presente iniciativa legislativa, surge, nos dias de hoje, como um dos principais e mais discutidos problemas, nos domínios da formação dos jovens advogados e das condições futuras do exercício desta profissão, e com enormes implicações na aplicação do direito e na realização da justiça no nosso país.
Apesar de uma redução acentuada do número de vagas nos cursos de Direito nas duas Universidades públicas onde eles existem - Lisboa e Coimbra -, o número de estudantes e licenciados em Direito tem vindo a aumentar, impulsionado por uma proliferação de cursos de Direito nas várias universidades privadas de criação mais ou menos recente. Dos 3225 advogados inscritos em 1973, passámos para mais de 8000 nos dias que correm e estima-se que dentro de cerca de seis anos possam atingir os 15 000.
Aos aumentos crescentes de licenciados em Direito tom correspondido uma agudização dos estrangulamentos das suas saídas profissionais. Esta situação tem naturalmente consequências directas no exercício da advocacia e cria dificuldades acrescidas no acesso a essa profissão, que se tornou para muitos jovens juristas uma saída residual. Converteu-se na única possibilidade de aceder a uma profissão consentânea com a licenciatura adquirida.
É conhecido, porém, que, se a licenciatura em Direito é suposto conferir a habilitação teórica necessária, não atribui a formação prática suficiente para o exercício imediato da advocacia, sendo por isso indispensável a realização de um período de estágio.
O preâmbulo do Estatuto da Ordem dos Advogados, actualmente em vigor, considera o estágio «um problema essencial na formação dos advogados de hoje».
Não obstante estas justas preocupações, um facto é hoje inquestionável: o actual modelo de estágio não provou. Tem representado uma ficção de formação. É hoje convicção, assente e generalizada, de que se impõe, com urgência, a sua alteração.
O primeiro período de estágio, com a duração de três meses, criado com vista a permitir um aprofundamento, de natureza essencialmente prático, dos estudos ministrados nas universidades e ao relacionamento com as matérias directamente ligadas à prática da advocacia, não tem, de facto, correspondido a estes objectivos.
Tem-se traduzido, fundamentalmente, numa revisão apressada de conceitos teóricos, salpicada, aqui e ali, com testemunhos pessoais de alguns prelectores, referentes à sua prática forense. Na falta de um corpo docente motivado, estável e condignamente remunerado, sem condições pedagógicas mínimas, nem estruturação eficaz, esta fase do estágio, que deveria revestir inegável importância, tem-se traduzido num desinteressante pró-forma.
A segunda fase, com a duração de 15 meses, que corresponde ao período essencial do estágio, justifica preocupações, sem dúvida, ainda maiores.
As atribulações da vida de um jovem advogado durante o segundo período de estágio impõem uma séria reflexão.
É nomeado oficiosamente, no âmbito do sistema de assistência judiciária, para assumir responsabilidades em processos que transcendem as suas competências próprias.
Confronta-se com processos de grande melindre e complexidade sem possuir a experiência necessária para um desempenho eficaz.
Frequenta - ou pior que isso, não frequenta - o escritório de um patrono, que, sendo, em princípio, o seu único ponto de apoio à informação, não tem, em muitos casos, nem espaço, nem tempo, nem disponibilidade para assegurar aquele mínimo de apoio indispensável a um jovem, cuja formação inicial assenta, quase exclusivamente, nas suas mãos.
Frequenta os tribunais ao sabor do acaso, assistindo ao que aparece, como mero espectador que por vezes se adianta para «pedir justiça» e oferecer o merecimento dos autos.
Em muitos casos, sem o apoio de que carece, sem uma especialização profissional que não esteja ao sabor do acaso, sujeito às dificuldades inerentes às disparidades regionais, o jovem advogado está hoje sujeito à formação que lhe cabe em sorte e que corre do tribunal para o escritório e vice-versa, tendo ainda, na falta de qualquer remuneração, de encontrar algures a forma de subsistir economicamente.
estágio de advocacia é, hoje em dia, para muitos jovens, não o período de formação indispensável, mas antes o período de desmotivação bastante para a procura de uma outra profissão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei apresentado pelo PCP propõe-se, antes de mais, pôr o dedo nesta enorme ferida, que constituiu, aliás, um dos temas fortes do debate nas recentes eleições para bastonário da Ordem dos Advogados.
Sejam quais forem as soluções que se preconizem para alteração da actual situação do estágio, a necessidade urgente dessa alteração é um ponto de inquestionável consenso.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - O presente projecto de lei pretende ser o ponto de partida para um debate que urge iniciar. Propõe uma solução de transição para o estágio de advocacia, onde se combine a importância de um tirocínio, efectivamente apoiado num patrono, com a necessidade de a Ordem dos Advogados assumir responsabilidades directas, a nível da formação dos jovens advogados, contando, para isso, com o indispensável financiamento público.
Como ponto de partida que pretende ser, o presente projecto parte, ele próprio, da consideração de quatro preocupações fundamentais, para as quais procura encontrar respostas:
l.º A de que os jovens advogados possam beneficiar de um complemento de formação teórica e de uma for-
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mação prática contínua, de qualidade e devidamente estruturada; que tenha em consideração a legítima pretensão e a necessidade objectiva de especialização profissional; que elimine o carácter aleatório da actual formação, e que conjugue os esforços das várias entidades intervenientes na realização da justiça.
2.º A de que o Estado não imponha, sobre os jovens advogados, o peso das disfunções do sistema de acesso ao Direito, mas que as suas responsabilidades nesse domínio sejam as compatíveis com as suas competências próprias.
3.º A de que a explosão recente do número de advogados e os problemas por ela suscitados ao exercício da profissão não sejam resolvidos com o recurso a medidas administrativas de contenção do acesso à advocacia, mas que sejam atenuados com o melhoramento significativo do apoio à formação dos jovens advogados.
4.º A de que o sistema de formação se articule com as saídas profissionais. A correcta perspectivação das saídas conduz à diferenciação dos regimes de estudos teórico-práticos. Seria absurdo dar preparação uniforme ao advogado que deseja dedicar-se à problemática do Direito económico e ao especialista em questões criminais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao abrir um debate na Assembleia da República sobre o regime de apoio aos jovens advogados, o PCP procura corresponder, não apenas às legítimas aspirações dos próprios, mas também à necessidade de, com o melhoramento da sua formação, contribuir para um melhor funcionamento da justiça no nosso país.
Disponibilidade para o debate e vontade de encontrar as melhores soluções para uma situação, reconhecidamente insatisfatória, são as intenções que nos animam na apresentação deste projecto de lei, que esperamos culmine em breve numa lei da República aprovada por largo consenso.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados José Luís Ramos, Correia Afonso, Narana Coissoró, Montalvão Machado, José Apolinário e Rui Silva.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Deputado António Filipe, ouvi-o com a máxima atenção, suscitando-se-me algumas questões relativamente à sua intervenção, nomeadamente a que de imediato passarei a expor.
O Sr. Deputado referiu que o actual modelo de estágio não provou, pelo que gostaria de lhe fazer uma primeira pergunta: qual é então, verdadeiramente, o modelo de estágio vertido na proposta do PCP?
Na verdade, vejo aqui duas possibilidades de evolução, sendo uma delas a supressão completa do papel do patrono na intervenção e na possibilidade de adequação "do estágio. Assim sendo, é essa ou não a vossa linha de força em termos de evolução? Consubstanciará isso uma melhor realização do estágio face ao que temos hoje em dia?
Estou de acordo quando se diz que o actual sistema de estágio comporta, ele próprio, muitas deficiências - sou o primeiro a estar de acordo, aliás como não poderia deixar de ser. No entanto, a questão que coloco é a seguinte: mudar para quê, e, sobretudo, mudar com que razões? Substituindo o modelo do patrono por um modelo funcionalizado? Será funcionalizando os estagiários que se obterá um melhor sistema de estágio?
Por outro lado, as faculdades de Direito, sejam elas quais forem, sejam ou não mais competentes, mais ou menos teóricas, conferem, de facto - pelo menos é assim que são reconhecidas -, um suficiente conhecimento em termos de Direito, e daí que nelas seja atribuída a licenciatura. O estágio não pode ser mais um ou dois anos do curso de Direito, não pode ser mais um curso de Direito, embora em modalidade .mais restringida. O estágio tem de ser algo substancialmente diferente, através do qual é dado ao estagiário aquilo que ele não teve na faculdade.
Não se trata aqui de uma visão prática, pois posso dizer-lhe. Sr. Deputado, que, trabalhando numa faculdade de Direito, passo todos os dias a dar aos meus alunos hipóteses práticas. No curso de Direito são resolvidas n hipóteses práticas, não se podendo assim dizer que um licenciado em Direito não conhece questões práticas; um licenciado em Direito sabe, ou deve saber, questões práticas. Aliás, as hipóteses dos testes de Direito integram sobretudo questões práticas. Por conseguinte, é um insulto a qualquer faculdade de Direito dizer-se que um licenciado não obtém nela conhecimentos práticos. Bem pelo contrário, é sobretudo disso que se orgulham as faculdades de Direito dos tempos modernos, isto é, de conferirem, para além de conhecimentos teóricos, conhecimentos práticos aos seus alunos.
Sr. Deputado, julgo que aquele conhecimento obtido pela praxis da actividade do advogado só pode ser conseguido através de um conhecimento fáctico e pessoal, mediante a relação que se estabelece entre o estagiário e o patrono, a qual não pode, no meu entendimento, ser substituída por qualquer entidade, seja ela mais ou menos competente, mais ou menos reconhecidamente capaz.
Portanto, é esta a questão; que quero colocar: o Sr. Deputado quer substituir o actual sistema por que sistema? Quer anular completamente o papel do patrono? Não reconhece que o patrono possui um papel fundamental no estágio? É óbvio que posso reconhecer que há muitos patronos maus e que, de facto, não dão qualquer assistência aos seus estagiários. Porém, também é verdade que, nos termos da lei, o estagiário pode substituir o patrono.
Assim, é evidente que há muitas coisas que estão mal no actual sistema. No entanto, deveremos substituir tais aspectos por outros piores?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que este projecto contém em si mesmo verdades que são irrecusáveis. No entanto, atinge, na minha opinião, conclusões paradoxais, por não estarem em conjunção com as premissas.
Gostaria de esclarecer muito claramente o que quero dizer, até porque a minha experiência - não exagerarei se disser durante dezenas de anos - pelos sítios onde os estagiários se formam e depois por onde eles também andam connosco, advogados, permite-me ter uma certa percepção do que se passa e da necessidade que há de corrigir. Em 1977, eu próprio fiz um extenso relatório acerca da reforma do estágio dos advogados, o qual, como de costume, jaz perdido numa qualquer gaveta da Ordem dos Advogados.
No entanto, gostaria de, concretamente,- referir aquilo com que estou de acordo relativamente ao vosso projecto.
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Assim, nele se diz que «apesar da redução das vagas nos cursos universitários, continua a aumentar o número de licenciados em Direito sem acesso a postos de trabalho». Isto diz-se, concretamente, no preâmbulo, e acrescenta-se: «Daí vem considerar-se que a advocacia tem um papel de saída residual em relação aos licenciados em Direito.»
Srs. Deputados, como devem reparar, nestes dois períodos está o grande conteúdo de uma questão social: as vagas nas faculdades de Direito situam-se abaixo do número das procuras, embora, por outro lado, e mesmo assim, a saída dos licenciados esteja muito acima das necessidades. Não será agora o momento próprio para sobre ela nos pronunciarmos, mas esta 6 uma questão que nos faz meditar: a entrada é reduzida e, mesmo assim, a saída das faculdades de Direito é demasiada.
Concretamente, o preâmbulo do projecto diz que em 1973 eram 3225 os advogados -já nessa altura muita gente havia que afirmava serem demais para as necessidades -, sendo, em 1989, 8000.
Claro que o que estou a afirmar não tem o sentido de diminuir a concorrência, pois entendo que a concorrência é salutar - os mais fortes sobrevivem e os mais fracos desistem. Possui-o, sim, como questão social e julgo ser este o aspecto que aqui devemos encarar.
O estágio actual não serve! Os Srs. Deputados do PCP disseram-no e têm toda a razão. A questão está em saber como é que ele se deve alterar. O problema pode, aliás, colocar-se da seguinte maneira: formação do estagiário.
Ao princípio, o estagiário estava apenas entregue a um patrono, sendo que, hoje, a Ordem intervém no processo. Os Srs. Deputados signatários do projecto dizem, contudo, que devem intervir três entidades: a Ordem dos Advogados, o Centro de Estudos Judiciários e um patrono, que é o advogado individual.
Aceito! O que não aceito é uma questão que julgo para já prematura. É que mais importante do que quem patrocina é saber como há-de ser o processo de estágio.
Outra questão que se põe durante o estágio é a de saber se o estagiário vai buscar rendimento a algum sítio ou se, pelo contrário, vive a expensas suas. Se viver a expensas suas, podemos defender - acho pouco provável que assim seja - que o estágio tem um sentido elitista, pois apenas conseguem ser advogados aqueles que possuem maiores rendimentos, visto que não conseguem sobreviver ao estágio.
Acho perfeitamente defensável - eu próprio o defendi no relatório que fiz sobre o estágio - que deva ser facultado um rendimento ao estagiário. Mas como é que os senhores conciliam estas duas verdades? Com efeito, há estagiários a mais porque a faculdade debita cá para fora mais do que a necessidade social. Vai o Estado subsidiar todos esses estagiários? É um paradoxo! Na verdade, se o próprio Estado reconhece que o número dos estagiários se situa acima das necessidades sociais, é o próprio Estado, com os fundos comuns, que vai subsidiar tal número?
Julgo que não. Julgo que o caminho deve ser outro, e não é o que está aqui.
Assim, o estágio deve ser dividido concretamente em três partes, embora possam ser mais.
Uma parte poderá ser feita junto dos tribunais - quanto a mim a última -, através das defesas oficiosas, pois o estagiário encontra uma receita no instituto do apoio judiciário.
Outra parte deverá ser feita junto das repartições de' registo notarial, predial e comercial, onde, se o estagiário tiver lugar, num período curto, que poderá ser de três, quatro ou seis meses, e através dos actos que pratica, obterá uma fonte de rendimento que o Estado paga, mas por um serviço prestado. E não se trata de um subsídio por nada que se faz, mas um pagamento que se recebe por um serviço.
Finalmente, uma outra parte do estágio seria feita noutras repartições, como, por exemplo, no notariado, em que os serviços que o estagiário fizesse como ajudante leriam um efectivo pagamento, a título de serviços prestados.
Srs. Deputados do Partido Comunista, no fundo, a minha oposição a este projecto resulta disto e só disto: entendo que aos estagiários não se deve dar um subsídio por qualquer coisa que nada fazem. Não se esqueçam que é um princípio de vida e para quem começa uma vida profissional é um mau hábito receber alguma coisa por nada. Pelo contrário, devem criar-se, para o estagiário, serviços, que prestará e, então, muito bem, devem pagar-se esses serviços.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado António Filipe, o primeiro problema que se põe em relação ao projecto apresentado pelo PCP, embora não se lhe possa negar o mérito de trazer para a Assembleia um dos problemas candentes da estruturação da carreira de advogado ou do exercício desta profissão no nosso país, é o de saber se esta matéria deve ser tratada através de uma iniciativa da Assembleia da República ou deve ser deixada, exclusivamente, para a iniciativa das organizações próprias dos advogados, como sejam a Ordem dos Advogados ou sindicatos ou quaisquer outras formas de associação dos profissionais da advocacia.
E isto porque, se vamos regular o exercício desta actividade através de uma iniciativa partidária, como sucede com as leis da Assembleia da República, não se compreende porque é que não vamos regular, também, todas as outras profissões ou formas de actividade a que actualmente as universidades se dedicam. Ou seja, por que é que não vamos regular a carreira de gestor ou de estágio de gestores? Por que é que não vamos regular a actividade dos economistas? Por que é que não vamos regular a actividade dos arquitectos? Por que é que não vamos regular a actividade de secretariado internacional? Por que é que não vamos actuar na actividade dos tradutores ou dos guias turísticos?
Poder-se-ia, portanto, perguntar: por que é que uma profissão há-de ser objecto da iniciativa da Assembleia da República, não o sendo igualmente outras? Será que esta Assembleia, porque tem advogados entre os seus deputados ou porque os advogados têm na sociedade portuguesa um peso que outras profissões, por enquanto, ainda não conquistaram, deve a profissão de advogado ser privilegiada, pelo menos para já, face a outras profissões?
O segundo problema é saber se a profissão de advogado, como profissão liberal, e uma profissão de risco, é ou não uma profissão que deve ser amparada ou protegida pelo Estado.
Não se compreende bem por que é que a profissão de advogado, sendo uma profissão liberal como qualquer outra no que toca a rendimentos que proporcionem um modo lucrativo de vida -quando uma pessoa intenta
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uma acção de honorários diz, logo no princípio do articulado e como base da acção, «eu, fulano de tal, exerço a advocacia como profissão lucrativa» - e, consequentemente, uma profissão lucrativa, uma espécie de empresa, individual ou em regime de sociedade de advogados, não se compreende bem, dizia, porque deve ela ter, a intervenção estatal para preparar os seus agentes ou sujeitos. Ora isto sugere-nos a pergunta: então, por que é; que não se prepara, também, o empresário?
m terceiro lugar, pergunta-se se, ao subsidiar determinadas profissões, não iremos criar problemas como aqueles que surgiram com os profissionais da medicina, em que os médicos reivindicam salários, especializações e honorários pagos pelo Estado desde a saída da Faculdade até se estabelecerem com os seus consultórios, o que passou a constituir o grande problema de hoje no campo da saúde.
Ora, semelhante problema pode ser criado, artificialmente, através da atribuição de subsídios à formação de advogados.
De resto, perguntar-se-ia, ainda: até quando se deve subsidiar? Basta financiar só o estágio? Por que não se subsidia, depois, o início da profissão, que é muito mais «perigoso» para a profissão do que o próprio, estágio? Então, forma-se o estagiário, dá-se-lhe a cédula para advogar, dá-se-lhe uma base para ele abrir um escritório e, depois, ele cai na miséria porque não tem clientes... E por que é que o Estado deve abandonar este jovem, que abriu a sua banca e não tem clientes, apesar de brilhantes provas dadas no estágio? Quer dizer, o Estado deve limitar-se a amparar a profissão de advogado durante o estágio, largando, depois, os profissionais à sua sorte? Ou, então - voltando atrás -, prepara-se um jovem para o exercício da profissão liberal, dando-lhe uma formação prática, com o subsídio, ou seja, com custos para o erário público. Não é isto próprio daqueles que consideram que tudo deve ser suportado pelo Estado?
A nossa concepção é corripletamente diferente. É a de que deve haver uma boa formação profissional, deve a Ordem dos Advogados, ou as associações profissionais dos advogados, tratar deste assunto para que os- futuros profissionais da advocacia tenham uma sólida formação. deontológica, porque, como já aqui foi dito pelo nosso colega do PSD, a formação teórica dada pelas faculdades de Direito não deve ser repetida nem minimizada.
Com efeito, a formação profissional não versa sobre a aquisição de conhecimentos que a faculdade dá, mas sim sobre a formação deontológica, sobre a maneira; de estar no tribunal, sobre o modo como deve ser atendido o cliente, sobre como deve ser conduzido o pleito, em suma, sobre o exercício da profissão. Tudo deverá, por isso, ser ordenado de maneira a evitar uma sobreposição de conhecimentos, como dizia - e muito bem - o Sr. Deputado José Luís Ramos.
Portanto, a questão é, fundamentalmente, de concepção, isto é, de saber se a profissão de advocacia é uma função pública, uma função que deve ser amparada pelo Estado, gozando desse privilégio em relação a todas as, outras profissões exercidas na sociedade civil e tão nobres como a da advocacia e de saber, também, até que ponto o Partido Comunista quer, em 1990, regular todas as profissões, em Portugal, através de leis da Assembleia da República.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Deputado António Filipe, ouvi a sua intervenção e nalguns pontos dou-lhe inteira razão.
Não há dúvida de que o estágio para advogado, tal como vem sendo feito através dos tempos, é tremendamente negativo, direi mesmo tremendamente improdutivo.
Não desejaria repetir aquilo que, porventura, já aqui foi dito, de que não se encara, apenas, o problema dos jovens advogados, pois com a mesma argumentação tem de se encarar o problema dos jovens engenheiros, o problema dos jovens arquitectos, o problema de tantos e tantos outros jovens - diria mesmo, o problema da juventude em Portugal -, que, porventura, portadores de uma licenciatura para qualquer profissão liberal, se vêem, praticamente todos, desajudados pela máquina do Estado.
Para mim, o estágio é - digamos - um sector da vida que abrange dois aspectos totalmente distintos: um, o do patrono, e outro, o do estagiário.
Não há dúvida, como já aqui foi dito, que há bons e maus patronos. Eu direi, até com culpa própria, de que são muito mais os maus patronos do que os bons patronos, porque o advogado que pode ser um bom patrono tem, nomeadamente, muito que fazer e, por conseguinte, não tem tempo para dedicar ao seu estagiário. E aquele advogado que tem pouco que fazer, ou que não tem apadões para o bom exercício da profissão, também não pode transmitir ensinamentos que, efectivamente, não possui.
Contudo, também depende muito do próprio estagiário. É que se há estagiários que tom interesse pela profissão e permanecem no escritório enquanto lá está o seu patrono, como sucedia comigo quando advogava a sério, que ia para o escritório às 8 horas da manhã e só de lá saía às 9 da noite e muitos estagiários estavam lá comigo estas horas todas, há outros que, tendo sido meus estagiários, passavam, de vez em quando, pelo escritório. Há alguns a quem eu dizia que tinha determinado julgamento e compareciam; porém, outros a quem eu dizia a mesma coisa, não compareciam.
Quero, portanto, dizer que o problema do estágio tem de abranger os dois aspectos: o do bom e do mau patrono e, também, o do bom e do mau estagiário.
Nesta conformidade, colocaria a seguinte questão: há quem sustente - e o Sr. Deputado sabe-o tão bem como eu, pois até se trata de alguém que já foi bastonário da nossa Ordem - que o licenciado em Direito não é um advogado, pois há coisas que só se aprendem depois, com a prática, e, consequentemente, é aí que reside o fundamento da protecção não só deste estágio e dos jovens advogados, mas também, como referi no princípio destas minhas perguntas, de todos os jovens arquitectos e jovens engenheiros, enfim, de todos os jovens que são portadores de um curso superior. Ora, sabendo tudo isto que acabei de expor, será que o Sr. Deputado, ou melhor, o seu partido, aceitaria que, efectivamente, se criasse, por hipótese, como que uma espécie de um supercurso para além da licenciatura em Direito, tal qual como se faz, por exemplo, em relação ao magistrados? Aceitaria, também, a existência de um numerus clausus, como sucede, por exemplo, em relação aos solicitadores?
O Sr. Deputado vê; com perfeito sossego de consciência, todas as cidades do nosso país, nomeadamente as dos grandes centros, serem invadidas por ondas e ondas de novos advogados, a maioria dos quais de advogado só tem a tabuleta da porta, porque, fundamentalmente, são
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funcionários de bancos, de companhias de seguros, de grandes empresas e de advocacia não fazem absolutamente nada?
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - São os advogados de noite!
O Orador: - São estas as questões que queria pôr.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr, Deputado José Apolinário.
O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Deputado António Filipe, como nota prévia, direi que, depois dos patronos, e com todo o respeito pelos colegas deputados que já falaram, terei de colocar algumas questões como aprendiz.
Penso que a apresentação deste projecto de lei tem dois aspectos que penso serem positivos: em primeiro lugar, a constatação de que o actual sistema de estágios não serve e, em segundo lugar, que, com divergências ou não, alguns contributos podem ser ponderados numa fase ulterior, e nós não recusamos fazê-lo.
Concretamente, Sr. Deputado, gostava de colocar-lhe duas questões, sendo a primeira relativa à audição da Ordem dos Advogados.
O Sr. Deputado Narana Coissoró já abordou esta matéria, embora de um ponto de vista que me parece incorrecto na sua plenitude, pois baseia-se um pouco na ideia de que a Assembleia da República não deve «meter--se» em matéria de organização das profissões. Porém, nós, de alguma forma, também regulamos matéria relativa à legislação do trabalho, e lembro que foi aqui votada uma autorização legislativa relativa à lei dos contratos individuais de trabalho, por exemplo...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Mas não fazemos a «lei dos electricistas»!...
O Orador: - É verdade, mas os electricistas estão sujeitos a um contrato de trabalho ao abrigo dessa lei que a maioria aqui autorizou.
De qualquer forma, a questão que se coloca nesta matéria é a de que, devido ao impacte social da profissão de advogado, sendo reconhecida como profissão de natureza pública, faz sentido que haja uma preocupação da Assembleia da República, mas também que haja a intervenção da Ordem dos Advogados na elaboração deste ou de qualquer outro diploma atinente à formação dos advogados.
De facto, não Fiquei esclarecido sobre qual a posição da Ordem dos Advogados e sobre a data em que foi feito o parecer que o Sr. Deputado mencionou, porque, como muito bem disse o Sr. Deputado António Filipe, essa matéria foi palco de vasta discussão nas recentes eleições para bastonário e nas diferentes propostas de candidaturas apresentadas havia preocupações expressas sobre esta matéria. Aliás, o discurso de tomada de posse da bastonária dizia, a dada altura, que «o problema do estágio é a questão fundamental para o próximo triénio».
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É isso, é isso!
O Orador: - Ora, gostaria de saber quando é que foi feita a audição à Ordem dos Advogados e ainda perguntar-lhe se não seria mais previdente e mais aconselhável iniciar uma fase de nova intervenção da Ordem dos Advogados, de forma a defender alguns dos contributos positivos que foram apresentados por este projecto de lei da iniciativa do PCP.
A segunda questão que quero colocar-lhe é corripletamente diferente desta. Trata-se da questão dos licenciados, que tem a ver com uma matéria que também já aqui foi abordada, em relação à qual estou de acordo com o Sr. Deputado Narana Coissoró. Penso que se tem gerado um pouco a ideia de que quem tem um canudo tem de ter um emprego. Ora, penso que, cada vez mais, ter um canudo não significa ter um emprego.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Emprego pago pelo Estado!...
O Orador: - Não temos tido uma estratégia de desenvolvimento sobre as necessidades de quadros em diferentes áreas; de facto, há muitos licenciados em Direito; certamente haverá, também, muitos licenciados em Economia, porque é fácil criar faculdades de lápis e papel, porque o Estado pouco ou raramente intervém na fiscalização da qualidade de ensino em alguns desses estabelecimentos, mas a questão não deve ser colocada neste ponto de vista.
Portugal debate-se com uma deficiência da formação geral nesta matéria, pelo que é necessário mais gente na universidade, é necessário corrigir um certo analfabetismo funcional, que existe ainda hoje no nosso país, mas isso faz-se com mais formação, e, sinceramente, com todas as letras, prefiro ter um diplomado desempregado do que um indivíduo com a 4.º classe desempregado.
Sr. Deputado António Filipe, não compreendi bem qual a sua ideia sobre os licenciados e sobre a diferença entre estes e os candidatos à profissão de advocacia, pelo que gostava que me esclarecesse sobre esta matéria.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Deputado António Filipe, algumas das questões que queria colocar-lhe já foram abordadas pelos oradores que me precederam, pelo que não irei repeti-las, no entanto, também como aprendiz na matéria, tenho alguma expectativa em relação àquilo que se poderá vir a obter deste projecto de lei.
Já aqui foi dito que há bons e maus patronos, bons e maus estagiários, há estagiários e advogados de dia, há advogados de noite..., enfim, há estagiários e entendemos que é preciso fazer mais do que aquilo que tem vindo a ser feito para que o estagiário, no fim do período de estágio, se sinta capaz de poder «abrir a banca», como disse o Sr. Deputado Narana Coissoró, e estar à vontade para encarar um cliente e não provocar-lhe algumas das maçadas -para não lhe chamar outro nome - que, eventualmente, possam vir a prejudicar o cidadão que a ele se dirige.
É claro que não poderá dizer-se que a culpa foi da licenciatura, que a culpa foi do estágio, pois muitas vezes a culpa é do próprio estagiário, porque, por exemplo, por vezes, quando o patrono manda ou solicita a sua comparência em qualquer tipo de audiência ou outra acção qualquer, o estagiário, por vezes, pura e simplesmente, ignora-a e não comparece.
Seja como for, pensamos que qualquer coisa tem de ser feita, por isso apoiaremos, na generalidade, este pró-
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jecto de lei apresentado pelo PCP, embora este diploma nos suscite algumas questões - e abordá-las-ei na intervenção que irei produzir - que gostaríamos de. ver esclarecidas.
Neste projecto de lei fala-se em minorar, ou melhor, ofuscar o papel do patrono, e eu pergunto: por que razão, Sr. Deputado? Será que o senhor entende que é só o patrono o culpado da má formação do estagiário? Será que todos são maus patronos e que só há bons estagiários? Gostaria que me esclarecesse este aspecto.
Uma outra questão que já aqui foi referida e com a qual, em princípio, estamos parcialmente de, acordo, embora durante a discussão na especialidade deste diploma tentemos esclarecê-la melhor e dar o nosso contributo para melhorá-la, tem a ver com o subsídio a atribuir durante o estágio.
Entendemos que a profissão de advogado e a de solicitador é uma profissão de risco, é uma profissão liberal e, nesta perspectiva, pergunto: não entende que subsidiar um estagiário numa fase de início de carreira poderá vir a ser perigoso? Não entende que isso poderá incutir-lhe alguns vícios que, posteriormente, poderão vir a prejudicar a sua carreira profissional?
Bom, admito que isto poderá também cercear um pouco a necessidade de alguns advogados não poderem enveredar pela carreira da advocacia, porque não tem meios financeiros que lhes possibilitem a hipótese de virem a fazer um estágio de 18 meses sem terem qualquer outra alternativa de subsídio, mas as alternativas aqui ventiladas poderiam vir a corrigir essa situação.
Não lhe parece que seria mais moral, mais ético, para o advogado ter essa alternativa em termos de permanência em conservatórias de registo predial, notários, comandos distritais da PSP, cadeias e penitenciárias..., enfim, locais onde poderia vir a adquirir mais ensinamentos e, aí sim, mediante um trabalho que produziria, o estagiário seria remunerado pelo Estado e não, pura e simplesmente, subsidiado para, como já alguém disse e muito bem, muitas vezes não ir fazer nada.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foram colocadas muitas questões, o que demonstra o interesse do tema que hoje aqui trouxemos. Começarei por responder à questão do porquê da apresentação desta iniciativa legislativa, que foi colocada pelos Srs. Deputados Narana Coissoró e José Apolinário.
Actualmente a matéria do estágio está regulada no Estatuto da Ordem dos Advogados, que foi aprovado por decreto-lei no âmbito de uma autorização legislativa. Ora, como se sabe, a Ordem dos Advogados é uma associação pública, sendo da exclusiva competência legislativa da Assembleia da República, e dado que esta rege o actual sistema de estágio, a sua alteração deverá ser feita por diploma apresentado aqui nesta Assembleia, daí a razão da sua apresentação.
Quanto à questão de fundo que foi colocada, parece-me que ressalta de toda a discussão que se travou hoje . um grande consenso em relação à insuficiência do estágio, à convicção de que o actual estágio não provou ë à ideia de que têm de encontrar-se, de facto, alternativas que viabilizem um estágio diferente, de forma a possibilitar uma melhor formação aos jovens advogados. Este facto foi reconhecido por todos os candidatos a bastonário da Ordem dos Advogados, pelo parecer da 3.1 Comissão e tem sido reconhecido ao longo deste debate.
Os Srs. Deputados colocaram a questão de saber qual o modelo de estágio que preconizamos. Bom, posso dizer-lhes que preconizamos, neste projecto de lei, um modelo de transição que colocamos à consideração de um debate que, esperamos, seja o mais amplo possível e em que os partidos não se coloquem na posição de dizer apenas aquilo que não pensam, mas, sim, que possam dizer aquilo que pensam relativamente à forma como melhor se concretizaria este sistema de estágio.
Quanto à necessidade do próprio estágio em si, devo dizer que a existência do estágio não coloca em causa, não desautoriza, os cursos de Direito que são a base teórica indispensável para o exercício de actividade, da advocacia. Mas, como foi reconhecido por vários deputados hoje aqui, como é notório para qualquer pessoa que tenha o mínimo de experiência destas coisas, é óbvio que o curso de Direito não substitui, só por si, a necessidade de um estágio em advocacia que torne o advogado, de facto, apto a desempenhar eficazmente as tarefas que se lhe deparam na sua actividade profissional.
Como disse o Sr. Deputado Montalvão - Machado, relativamente à questão do patrono, também, eu gostaria de dizer que há bons e maus patronos, que há bons e maus estagiários; no entanto, há que reconhecer, na nossa opinião, que nem sempre os maus patronos o são por má vontade, mas porque, por vezes, há condições, nomeadamente de espaço, de tempo, de disponibilidade, que os fazem ser maus patronos. Quanto aos maus estagiários, penso que a sua maioria também não o será porventura por má vontade, mas, sim, porque -e uma vez que o estágio não é remunerado - têm de encontrar outra forma de ir vivendo a sua vida e só nas horas livres é que vão fazendo o estágio.
Ora, nestas circunstâncias, o nosso projecto de lei visa resolver, ou, pelo menos, criar alternativas para este problema. Isto é, para os estagiários que não tem condições para encontrar um patrono que lhes permita uma formação eficaz o nosso projecto de lei visa permitir-lhes uma alternativa sob a responsabilidade da Ordem dos Advogados. E não se trata de um supercurso, como referiu o Sr. Deputado Montalvão Machado, mas, sim, de uma forma de estágio especialmente apoiada pela Ordem, com vista à necessidade especial de esses estagiários serem apoiados.
Em relação ao subsídio de estágio, devo dizer que não se trata de uma remuneração, mas, sim, de permitir que os advogados que frequentem o centro de estágio possam fazê-lo com o mínimo de assiduidade, que não é compatível com o facto de terem de procurar outras formas de subsistência para além do estágio.
Quanto à audição da Ordem dos Advogados, devo dizer-lhe que ela foi feita, ainda durante o ano de 1988, durante o processo legislativo que antecedeu a subida a plenário deste projecto de lei - aliás, tenho presente o relatório que foi elaborado. Em todo o caso, creio que. este debate tem particular actualidade e é natural e indispensável que, sendo este projecto de lei aprovado na generalidade, a Ordem continue a ser ouvida permanentemente ao longo do processo de elaboração desta lei.
Nestes termos, têm particular actualidade declarações feitas à comunicação social, no âmbito do debate que se travou para as eleições para bastonário, pela actual bastonária, que dizia textualmente o seguinte: «Não interessa fazer um estágio em que os estagiários ouvem não sei
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quantas conferências. Uma coisa é a formação teórica, outra é a prática.» E sublinha, para acrescentar: «A com potência afirma-se pelo exercício. A Ordem tem a obrigação de fazer cursos que dêem uma formação profissionalizante.»
Para terminar, dado que esta intervenção já vai longa, gostaria de
congratular-me pela forma como este projecto de lei foi recebido, pelo interesse que despertou nesta Câmara e fazer votos para que desta iniciativa possa desenvolver-se um debate que leve à aprovação de uma lei mais favorável para os estagiários da advocacia.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 115/V, da iniciativa do PCP, pretendendo criar um novo regime de apoio à formação de jovens advogados, dá início à discussão nesta Câmara do debate sobre uma matéria cuja alteração vem sendo reclamada em sucessivos congressos de advogados.
Na verdade, a prática tem demonstrado que há que proceder a alterações no estágio da advocacia.
Temos de ter patente o que em dois congressos sucessivos, o 2.º Congresso e o l.º Extraordinário, os advogados portugueses decidiram sobre tal matéria.
O presente projecto de lei apresenta soluções para diversos problemas, que, indiscutivelmente, estão na ordem do dia e são o ponto de atenção dos advogados portugueses. Mas serão todas as soluções apresentadas as mais adequadas para a resolução dos problemas? Serão estas as soluções defendidas pela Ordem dos Advogados e constantes das conclusões dos referidos congressos?
Pensamos que não, embora muita da matéria prevista a alterar venha ao encontro dos desejos dos advogados portugueses.
É indiscutível que a obrigatoriedade de existência de um período de formação inicial, seguido da vivência da prática da advocacia, é necessária para fazer iniciar o licenciado na profissão de advogado.
Há que aprender a «pisar» o palco, há que aprender a sentir os tribunais, há que viver na prática o relacionamento com os colegas e juízes.
Daí que o estágio se tenha de manter e se tenha de tornar cada vez mais digno e capaz. A manutenção do período de 18 meses, dividido num primeiro período de três meses com aulas teórico-práticas, que culmina com um exame, e um segundo período de 15 meses, em colaboração directa com o patrono, onde a experiência forense junto dos tribunais se intensificará, embora pareça demasiado, não é, e recordamos que em França o estágio é de três anos, com um exame de entrada e um exame final. Este exame final manifesta-se obrigatório, e os advogados reunidos em congresso assim o admitiram e, passo a citar uma parte das suas conclusões: «A seriedade do estágio e a necessidade de proteger a profissão do ingresso de licenciados que a experiência revela não possuírem, para o exercício da advocacia, quaisquer aptidões, méritos ou qualidades, aconselham a exigência do exame profissional de fim de estágio, com o propósito de assegurar aos cidadãos as indispensáveis qualidades deontológicas e técnicas dos advogados.
A advocacia tem sido desde sempre, é e será uma profissão independente e não só do poder político, por isso, liberal.
A advocacia não é, nem pode ser, transformada no exercício de uma mera actividade mercantilista. Como poder autónomo e, reconheça-se, como contrapoder, não pode estar financeira e economicamente dependente do poder. A análise funcional da advocacia tem de partir da análise da sua própria deontologia e só com esta, no seio da Ordem, pode o advogado exercer, de facto, o seu múnus.
Tal como alguém disse no último Congresso, o advogado oferece competência mas também o rigor moral, o segredo, a delicadeza e a lealdade. Só se poderá compreender qualquer mudança do estágio dentro destes princípios e na matriz básica de todos os advogados que é a sua Ordem.
É sabido que há locais onde o indivíduo é anulado perante o colectivo e não se defende o advogado como profissional livre. Felizmente não é o nosso caso! Há que renovar a e na Ordem dos Advogados. A estrutura do estágio, realmente, não satisfaz.
Os advogados estagiários, que são cada vez em maior número, acabam por receber um alvará, sem, na maior parte dos casos, estarem devidamente preparados, mas há que renovar, há que mudar, não funcionalizando. Há que desburocratizar o estágio dos advogados, mantendo, contudo, o papel preponderante da Ordem dos Advogados como garante da formação deontológica.
Os advogados que dão estágio, que ajudam a formar os futuros colegas, não o fazem por mero interesse mercantilista, fazem-no, têm-no feito e fá-lo-ão pela mera vontade e desejo de transmitir a outros as regras de uma vida virada para a defesa das liberdades dos cidadãos na oposição à arbitrariedade.
Mas temos de reconhecer que há que remunerar, e condignamente, os advogados formadores, responsabilizando-os, assim, de forma mais premente, com o estágio a dar aos advogados. Daí que, nesse ponto, o projecto de lei vá no sentido do aprovado nos dois já referidos congressos e, por isso, mereça o nosso aplauso, pelo que a nossa opinião é a de que a redução da incidência fiscal sobre os advogados formadores seria a medida que mais respeitaria os princípios da profissão de advogado, conforme se anuncia nas conclusões dos diversos congressos e o direito da profissão livre que é o exige.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há que unificar p estágio em todo o País, há que ter a coragem de assumir e consignar o exame final de estágio, conforme atrás informamos.
Prevê o projecto de lei que não seja a Ordem dos Advogados, e só esta, a orientar o estágio; no entanto, também não é esta a posição tomada em congresso, que diz, e citamos: «Enquanto os meios disponíveis não garantirem a necessária formação, o estágio poderá aproveitar os meios disponíveis do Centro de Estudos Judiciários, embora esta matéria possa e deva ser aprofundada em sede de especialidade.»
Uma coisa é utilizar, por questões de apoio logístico, as instalações do Centro de Estudos Judiciários ou quaisquer outras; coisa completamente diferente é pôr o CEJ a determinar o que vai ser o estágio dos advogados.
Pensamos também ser incorrecto temporalizar o início do estágio em dois períodos. Tal solução trará, indiscutivelmente, enormes prejuízos aos advogados estagiários, tal como é referido no relatório e parecer que já hoje ouvimos. A advocacia é, como bem se reconhece no parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias desta Assembleia, uma profissão de risco e eficácia.
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Aceitar-se que o estágio seria remunerado tão-só pelo exercício do seu estágio não será fazer diminuir no futuro advogado essa noção de risco e eficácia da profissão? Não será, no fundo, clamar pela funcionalização contra o espírito de iniciativa, contra o instigar o jovem estagiário a pôr na sua vida futura aquilo que de si melhor pode dar, que é, no fundo, a generosidade, o empenho, a criatividade, o querer compreender o outro e o assumir o combate pela justiça. Pensamos seriamente que este ponto deverá ser profundamente ponderado em sede de especialidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pensamos que este diploma deve baixar à comissão especializada, que posteriormente se deverá ouvir de novo a Ordem dos Advogados e a Associação Portuguesa de Jovens Advogados, que se deverá encontrar consensos que visem um melhor aproveitamento e eficácia do resultado do estágio dos
recém-licenciados.
O advogado terá o seu benefício no futuro profissional que pretende, o cidadão recolherá a certeza de uma resposta séria, pronta, eficaz e profissionalizada ao problema que pretende ver resolvido. Pela nossa parte, daremos o nosso voto favorável e em sede de comissão apresentaremos as propostas que visarão exclusivamente contribuir para que o objectivo do jovem advogado tenha no seu estágio a preparação que a profissão exige.
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário.
O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O tema que ora se aborda poderia ter várias denominações: «Aventuras e desventuras de um
recém-licenciado», «A arte do desenrasca em 18 meses: curso intensivo não financiado pelo Fundo Social Europeu», ou ainda «Indigna iniciação a uma profissão digna». Nalguns casos, «Estágio de formação de jovens advogados».
Factos são factos e é a partir deles que temos de analisar esta matéria. A actual estrutura do estágio não responde aos anseios dos interessados. O número de candidatos à advocacia cresceu enormemente nos últimos 10 anos. Só nos últimos cinco anos, inscreveram-se no Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados 2184 novos advogados, o que equivale a metade do seu. total.
Por outro lado, a exiguidade dos meios existentes tem conduzido a estágios diametralmente diferentes, numa formação desigual. Em muitos casos, o sistema do patrono falha redondamente nos seus objectivos: ou porque este não tem disponibilidade temporal e mental para acompanhar o trabalho do estagiário, ou porque as instalações disponíveis não são sequer suficientes.
Em síntese, genericamente a situação é má. É falsa. É uma ficção. E má, porque em verdade os estagiários de advocacia vivem encurralados entre o favor do patrono que lhes presta assistência e o espírito de favor de uma assinatura do juiz a confirmar a presença física na assistência de um julgamento.
É falsa, porque no final da dita formação homens e mulheres, profissionais de advocacia, são muitas vezes lançados no arame. É uma ficção, porque o tempo da duração do estágio acaba, muitas vezes, por ser uma peça na engrenagem do funcionamento de um sistema judicial burocrata e lento.
Em nosso entender, há cinco, aspectos essenciais a defender: a dignificação do estágio, no seu conteúdo; o papel na formação e na remuneração dos serviços de estágio; a uniformização possível dos estágios, por forma a obviar uma situação de desigual formação; a inserção dos advogados estagiários na vida do foro; a necessidade de investir fortemente na formação na área da informática jurídica.
Por outro lado, a perspectiva próxima da livre circulação e o profundo multiplicar das mudanças sociais e relacionais abrem novos caminhos para o futuro dos jovens advogados implicando uma melhor formação, mas também uma exigência recíproca no reconhecimento de diplomas e nas condições de estabelecimento entre nós dos profissionais liberais.
Neste contexto, o projecto de lei n.º 115/V é, em si mesmo, um contributo interessante. Ele deverá ser o acelerar de uma solução participada e não apenas um documento final. Aqui importará, desde logo, apontar para a audição da Ordem dos Advogados na elaboração final deste diploma, medida que se nos afigura da mais elementar prudência e acerto. Se o Estado reconhece à Ordem dos Advogados a legitimidade para aferir da idoneidade de quem exerce a advocacia, deve o poder político, e, neste caso, através da Assembleia da República, agir em conformidade, pelo que se nos afigura acertado que a Ordem dos Advogados seja chamada a opinar antes da aprovação final de um qualquer novo regime de formação dos advogados.
A profissão de advogado é uma daquelas profissões que, diríamos, tem um efeito multiplicador. Uma formação mal feita resulta numa deficiente defesa dos direitos dos cidadãos. Como um jornalista que não actue com deontologia informa mal, ou um médico sem a adequada formação penaliza os seus pacientes, uma má formação será uma porta aberta à penalização dos cidadãos, ao abuso do direito, à denegação da justiça.
Como muitos estagiários repetem por esses tribunais fora para essa matéria, Sr. Presidente e Srs. Deputados, faça-se justiça.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Correia Afonso, Narana Coissoró e António Filipe.
Tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso, que dispõe de um minuto cedido pelo PRD.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Começo por agradecer ao PRD pelo facto de me ter cedido algum tempo, pois assim tenho oportunidade de dizer qualquer coisa que julgo ser muito importante e que ainda não foi dito. Trata-se desta pergunta: por que é que é preciso o estágio?
Julgo que é necessário inserir neste debate esta explicação para alguém perceber, principalmente aqueles que não sabem o que é a advocacia, que não conhecem os condicionalismos em que ela se desenvolve e é praticada, que não percebem o que é isto do estágio.
É preciso ver que a profissão, a escolha de profissão ou a forma de trabalhar, é livre em Portugal, mas existem, por vezes, condicionalismos. Concretamente, o artigo 47.º da Constituição diz: «Todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou ,o género de trabalho, salvo as restrições legais impostas pelo interesse colectivo.»
Quer isto dizer, portanto, que a advocacia é uma actividade ou uma profissão que, a nível legal, é consi-
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derada condicionada pelo interesse colectivo. Esta é a primeira questão a esclarecer.
A segunda questão é esta: como é que aparece a Ordem dos Advogados? A Ordem dos Advogados é uma associação pública e não privada ou sindical. Quer isto dizer que o próprio Estado descentraliza a sua capacidade de seleccionar aqueles que podem exercer a advocacia e centraliza essas funções numa associação pública, que é a Ordem dos Advogados.
Portanto, é necessário compreender que é legítimo que a própria Ordem dos Advogados ou nós aqui, na Assembleia, estejamos preocupados com a preparação dos estagiários, porque o exercício da advocacia é considerado uma actividade de interesse público.
No entanto, isso também leva à seguinte conclusão: nós próprios devemos estar preocupados em que o acesso à advocacia não seja de tal forma excessivo que acabe por transformar a qualidade dessa actividade em qualquer coisa que não quereremos para uma actividade de interesse público.
Quero eu dizer com isto que temos de aceitar, em primeiro lugar, que se criem condições de prática de um bom estágio para a advocacia; em segundo lugar, que se remunerem - e aceito isso - os estagiários pelos serviços prestados e não apenas por serem estagiários; em terceiro lugar, que nos preocupemos - e não vejo isso no projecto - com o problema social terrível de vermos chegar a uma actividade considerada de interesse público um número considerado muito excessivo para as necessidades do País, que considerou essa actividade de interesse público.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado José Apolinário, realmente a forma como o problema do estágio dos advogados vem sendo apresentado, primeiro pelo Partido Comunista e agora pelo Partido Socialista, descamba numa crítica aos patronos e aos juízes do que propriamente à promoção do estágio.
Estamos todos de acordo (até já foi dito pelo Sr. Deputado António Filipe) que as condições em que o estágio hoje é feito não correspondem àquilo que deve ser. A realidade fica muito aquém do desejado. Mas quanto a dizer constantemente que os escritórios dos advogados não tem condições de espaço para que o estágio possa ser feito, que este nem sequer chega para os próprios advogados, Sr. Deputado, naturalmente que o estagiário não tem de se sentar ao colo do advogado, ...
Risos.
... não tem de se sentar no gabinete do advogado nem de fazer full-time no escritório para estagiar. Isto é, há várias maneiras de o patrono exercitar o estagiário. Não há necessidade de três ou quatro estagiários estarem, permanentemente, no seu escritório, à sua frente, a ouvir todas as conversas com os clientes ou por trás do advogado a verem o que é que ele escreve, como se faz uma petição, uma contestação, etc.
Quer dizer, o estágio é uma função pedagógica, docente e decente...
Risos.
... de o advogado realmente industriar o estagiário ou a estagiária no exercício da profissão. Ensinar, por exemplo, como é que se faz uma petição inicial, como é que se atende um cliente, como se fixam os honorários, etc., não tem de ser feito todos os dias e o estagiário não tem de se sentar junto do advogado para ouvi-lo a todas as horas.
Portanto, este jargão que diz que o espaço do advogado é muito pouco é uma coisa que só quem não fez o estágio como deve ser e não conhece a realidade espacial do estágio é que pode vir aqui, à Assembleia da República, fazer disso argumento.
Em segundo lugar, quanto ao juiz que assina de cruz, pergunto: como é que o juiz sabe que o estagiário que esteve a assistir a um julgamento, a uma tentativa de conciliação, a uma alegação de direito ou de facto, esteve a pensar na noite que não dormiu, no cinema que vai ver, na namorada que falhou...
Risos.
... e que não esteve, realmente, a tirar proveito da presença? O juiz não pode dizer «Calem-se todos porque vou fazer perguntas ao Sr. Estagiário para saber se está ou não a seguir o julgamento como deve ser.»
Portanto, naturalmente, quando, no fim do julgamento, o estagiário se aproxima do juiz e diz que assistiu, ele tem de assinar.
O Sr. Deputado José Apolinário é capaz de me dizer como é que o juiz pode controlar se o estagiário que esteve presente ao julgamento tirou ou não proveito dele? Pode dizer-me quais são as condições espaciais, óptimas, que devem existir no escritório do advogado - se será com música, com plantas e com verdes- para que o estagiário se possa realmente sentir bem, desafogado, para cumprir a sua missão, o seu estágio?
Em terceiro lugar, no que respeita à remuneração, devo dizer que sei da existência de muitos advogados que exploram os estagiários. Isto é, há muitos advogados que não tem tempo, pelo que mandam os bons estagiários fazerem trabalhos. E ao fim de seis ou sete meses de estágio um bom estagiário já é, muitas vezes, capaz de fazer uma petição inicial ou uma contestação melhor que o patrono - há casos desses -, o qual se aproveita, muitas vezes, desses trabalhos sem pagar. É isto que tem de ser reprimido.
No entanto, é preciso, primeiro, criar nos patronos uma mentalidade nesse sentido, que se vai criando, pois hoje já há bastantes patronos, quase todos - não digo que não haja os maus -, que pagam aos seus estagiários os trabalhos por estes feitos e quando o não fazem tem, pelo menos, a má consciência de estarem a explorar o trabalho do estagiário.
Este é um aspecto que a Ordem dos Advogados tem de ver e é a Ordem que tem de disciplinar se os patronos que se aproveitam dos trabalhos dos estagiários os remuneram ou não por esses trabalhos.
Portanto, gostaria de saber se, efectivamente, o Sr. Deputado José Apolinário fez a sua intervenção, só porque é da Juventude Socialista e só porque os estagiários são jovens, apenas por uma reivindicação da juventude, ou se tem alguma experiência destes estágios, do que se passa com os patronos, com os juízes, com o próprio estagiário, etc., ou acha que o problema do estágio é do jovem e que é a juventude que deve tratá-lo? E a Juventude comunista, a Juventude socialista, que deve tratar este problema, que, portanto, é um aspecto reivindicativo da juventude, e não de uma profissão?
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
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O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Deputado José Apolinário, creio que referiu, a dada altura da sua intervenção, a uniformidade dos estágios como uma forma de garantir que não haja formações diferenciadas.
Sr. Deputado, afigura-se-nos que é possível e desejável que haja formações diferenciadas no sentido de que estamos a ultrapassar a fase do advogado de; «clínica, geral», digamos assim, e que é necessário que, logo no estágio, se respeite uma certa tendência para a especialização, que será natural em cada advogado.
Daí que nos parece que o problema não está na uniformidade do estágio. Aliás, o apoio à formação em centros, como preconizamos no projecto de lei, constitui uma alternativa, não de uniformização; mas precisamente de menos discriminação.
Gostaria que esclarecesse melhor a ideia que tem em relação a esta matéria, dado que nos parece que a uniformização dos estágios não é um objectivo nem possível nem sequer desejável.
O que nos parece é que será preferível e aconselhável garantir que, logo no estágio - e isso não acontece hoje, em que a formação é a que calha, está um pouco ao sabor da sorte, das nomeações, da especialização em condições do patrono, quando há, ou daquilo que vai saindo em tribunal -, nos centros de estágio, .se possa respeitar uma certa necessidade de especialização de cada jovem advogado.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário.
O Sr. José Apolinário (PS): - Em primeiro lugar,, agradeço as palavras do Sr. Deputado Correia Afonso, que não entendi como pergunta, mas como considerações gerais, mas, por deferência, não poderia deixar de sublinhá-lo.
Começando por responder ao Sr. Deputado Narana Coissoró, direi, que não considero que esta seja apenas uma questão de juventude - e não trouxe aqui a posição dos estudantes de Direito, que há pouco tempo reuniram, que estão contra o numeras, clausus nó que respeita ao acesso à advocacia.
Admito, porém, que talvez tenha colocado, 'de uma forma excessiva, a minha intervenção nos jovens que fazem o estágio de advocacia, porque esse era o sujeito da matéria que estávamos a tratar.
Mas, já agora, essa sua referência faz. lembrar-me uma outra questão: é que afinal, estando aqui jovens envolvidos- e não são assim tão poucos! -, chegamos à conclusão de que, da bancada da maioria, a tal organização que se diz a mais, representativa da juventude portuguesa, a Juventude Social-Democrata, está calada e muda e não tem opinião sobre esta matéria.
Passando às questões seguintes, Sr. Deputado Narana Coissoró, o País não é só Lisboa...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Quando falei da questão dos espaços, das condições - e com isto respondo também ao Sr. Deputado António Filipe -, quando falei na uniformização, tinha em vista a necessidade da formação essencial básica para o exercício da advocacia.
Reconheço a diversidade, mas o que acontece é que a possibilidade de formação de um jovem que faz estágio de advocacia em Lisboa não é a mesma da de um jovem que está em Faro. E esta questão é que tem de ser. tendencialmente aproximada.
Por isso é que eu falava em «uniformização possível», e devo dizer que também tenho a noção do que é o limite nesta matéria. A questão é também a da diferença de pontos de vista onde estamos colocados e do que é que estamos a falar.
Termino com um aparte em relação à questão colocada pelo Sr. Deputado Narana Coissoró. Nos últimos anos, têm saído mais jovens advogados e mais jovens mulheres advogadas - e bem! - e essa forma de ocupar espaço por trás do advogado copiando a petição não é possível em todos os casos.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Candal.
O Sr. Carlos Candal (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Farei uma breve intervenção a título individual e porventura numa perspectiva da advocacia que, para os espíritos mais modernistas e evoluídos, será mais conservadora.
Desde logo, um problema que a Ordem, mais do que esta Assembleia, tem de abordar é o de saber que tipo de advogados há hoje em dia em Portugal, qual é a tendência de crescimento e, sobretudo, tem de discutir o que é ser-se advogado. Porque ser-se advogado é naturalmente diferente -e esta é uma verdade de Monsieur de La Palisse - do que ganhar dinheiro em profissões jurídicas, nem que seja de consultadoria. E, sendo assim, o advogado, com maior ou menor frequência da barra, tem de ser um homem dos tribunais, do quase quotidiano dos tribunais, dependendo do seu nível. Porque há advogados que atingiram a possibilidade de só minutarem recursos, de só darem pareceres, que são poucos, mas tem de ser realmente um profissional do quotidiano, tal e qual como o Ministro da Justiça - passe a referência -, contra o que é actualmente, devia ser um homem com um conhecimento mínimo dos processos, isto é; que tenha visto algum dia pelo menos um processo na vida. Não basta ser inteligente nem culto para conhecer a vida dos tribunais.
É esse o problema: o grosso dos profissionais da advocacia inscritos na Ordem são actualmente profissionais dependentes, assim como há advogados que são professores de Direito e que não são advogados do quotidiano. Pergunta-se: então e não cabem todos na Ordem dos Advogados? Não digo que não, embora a minha tendência pessoal conservadora seja para pensar o advogado como o profissional liberal, estritamente liberal, sem prejuízo de poder ter uma avença, mas que faça predominância de exercício na profissão liberal.
E, sendo assim, talvez venha, a curto prazo, a haver, ou melhor, devesse já haver um sindicato de assessores jurídicos que cuidasse especificamente desse sector da advocacia dos consultores/assessores que exclusiva ou predominantemente trabalham por conta de outrem, legitimamente, com dignidade, com ética, com competência, com sabedoria, pois não é isso que está em causa. Só que começa a haver alguma incompatibilidade de perspectivas, de interesses, de soluções, entre os advogados profissionais liberais e os advogados profissionais por conta de outrem...
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O texto que hoje apreciamos está muito bem feito e é muito interessante. E faço este elogio, embora para mim haja uma reserva absoluta, categórica, frontal, quase instintiva, da minha segunda natureza de advogado, que continuo a ser como actividade principal, devo confessar que ato em detrimento da minha representação política. E que no projecto de lei propõe-se que o estágio seja feito num centro de estágio. Não, Srs. Deputados, o estágio tem sempre de ser feito num escritório de um advogado!
Ora, esta é uma perspectiva - e desculpem que o diga, mas não o faço por graça, mas sim por maneira de pensar - colectivista e proletarizante da advocacia. Srs. Deputado, não há aviários para advogados, não há creche, não há alfobres de advogados! Um advogado tem de estagiar com um advogado para aprender a prática e a ética no que tem de bom e no que tem de mau, muitas vezes para apanhar vícios e manhas de má profissão, mas o estágio não dispensa o convívio e o regime de muita proximidade com o estagiário.
Por outro lado, este texto tem um outro vício, na medida em que, ainda numa mesma leitura proletarizante da advocacia, tem uma perspectiva de que a advocacia possa ser, na sua estrutura, uma profissão essencialmente tecnicista. Não é verdade que se aprenda a ser advogado! E isto comunga da confusão de se chamar advogados a todos os licenciados em Direito.
A advocacia tem uma componente de formação técnica...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Candal, peço-lhe desculpa de o interromper, mas já ultrapassou largamente o seu tempo, pelo que solicito que termine.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente. Os advogados são assim, quando começam a falar é preciso que o Presidente os mande calar.
Como dizia, a advocacia tem uma componente técnica, mas tem igualmente uma componente que eu chamaria de pessoal, será ridículo que diga que é artística, mas é uma componente que tem a ver com coisas que não se aprendem. Quer dizer, ou se nasce ou não, podem-se afinar, podem-se melhorar. É como as Belas-Artes. Vai-se para o curso de Pintura, aprendem-se a misturar cores, como se usam os pincéis, as brochas, os óleos, o carvão, mas não sai daí necessariamente um artista. A advocacia tem o seu quê de artesanato, apesar da recente introdução dos computadores no escritório, coisa contra a qual eu sou evidentemente contra.
Para terminar, e, Sr. Presidente, desculpe o abuso, levanto apenas uma outra questão, que considero ainda mais importante do que todas as outras. Trata-se do problema da legitimidade desta Assembleia para abordar este tema com esta particularização.
É evidente que este Parlamento tem legitimidade legislativa geral para debater todos os temas. Não é isso que está em causa, pois somos os representantes do País. Agora, resta saber se, indirectamente, não estarão uns quantos advogados -e teríamos de averiguar se seriam apenas licenciados em Direito, o que é diferente- a regulamentar uma profissão que é necessariamente corporativa (até haver o tal sindicato de juristas) e que tem os seus quadros, tem a sua hierarquia, tem a sua «chefia».
Desculpar-me-ão a franqueza, mas considero ilegítimo, quase abusivo, estarmos a discutir esta matéria até este pormenor sem que o mesmo tenha sido submetido a um parecer particularizado da Ordem ou sem que esta tenha emitido quaisquer linhas de orientação.
Nós, os advogados, temos uma estrutura organizada. É preciso respeitá-la, sob pena de haver uma subversão e o ultrapassar dos confessionais pelos laicos, ou seja, que aqueles que estão dentro da matéria e que são da classe sejam ultrapassados por quem não percebe nada disto, que são todos os demais representantes do povo que nada sabem de advocacia.
Aplausos do PS e de alguns deputados do PSD.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma curta intervenção no tempo que me resta.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe apenas que seja breve porque o Sr. Deputado Carlos Candal ultrapassou em muito o tempo disponível para o debate.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, quero apenas dizer que, se há dois defeitos que não podem ser assacados ao nosso projecto, um deles é o de visar a funcionalização do advogado, mas não se trata disso o que qualquer leitura atenta do nosso projecto permitirá observar, e, aliás, não fomos aqui acusados disso.
Um segundo aspecto que não pode ser assacado ao nosso projecto é o da eliminação do patrono, pois, pelo contrário, consideramos que o patrono continua a ser uma figura essencial no estágio, mas apenas procuramos criar alternativas para o caso de um advogado estagiário não ter acesso a um patrono que lhe possa conferir a necessária formação.
Não partilhamos, Sr. Presidente, da visão de que cada advogado é um Rembrand, que ou nasce artista ou não é advogado. Pensamos que também se aprende a ser advogado e que, no nosso país, se deve aprender a ser bom advogado.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos a discussão do projecto de lei n.º 115/V, cuja votação será oportunamente agendada.
Constava da nossa ordem de trabalhos, como sabem, as propostas de lei n.ºs 87/V e 113/V, da Região Autónoma da Madeira e da Região Autónoma dos Açores, respectivamente, cujo debate foi adiado para uma próxima oportunidade e que, portanto, serão objecto de um novo agendamento.
O Sr. António Filipe (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Filipe pediu a palavra para que efeito?
O Sr. António Filipe (PCP): - Apenas para informar que vamos entregar na Mesa um requerimento, propondo a baixa à Comissão deste projecto de lei.
O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Apolinário pediu a palavra para que efeito?
O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para interpelar a Mesa, mas era sobre outra matéria ...
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitido, um requerimento, subscrito pelos Srs. Deputados do PCP, e eu permitia-me lê-lo para facilitar a ordem dos trabalhos, sem prejuízo da .sua distribuição posterior. É do seguinte teor:
Considerando a utilidade de realizar nova consulta à Ordem dos Advogados sobre as soluções constantes do projecto de lei n.º 115/V, propõe-se que o mesmo baixe à 3.ª Comissão para reapreciação.
O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Apolinário pede a palavra concretamente para que efeito?
O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Presidente, estava aqui insistentemente a pedir a palavra para interpelar a Mesa, porque, de facto, estamos de acordo com o sentido desse requerimento, mas, além disso, apresentámos na Mesa um voto de protesto sobre as perseguições administrativas do Governo em relação à cadeia nacional de rádios e, como não foi ainda distribuído aos grupos parlamentares, gostava de solicitar à Mesa que diligenciasse nesse sentido.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Apolinário, peco-lhe imensa desculpa, mas, de facto, o Sr. Deputado pediu para interpelar a Mesa e disse que era sobre outra matéria, pelo que não percebi o sentido da sua interpelação neste momento. No entanto, posso informá-lo de que, neste momento, deu entrada na Mesa o voto que referiu e que vai ser distribuído.
Se não houver quaisquer objecções, iríamos passar à votação do requerimento do PCP, que já foi lido. Os Srs. Deputados dispensam a distribuição, uma vez que conhecem o seu conteúdo?
Pausa.
Uma vez que não há objecções, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta e Pegado
Lis.
Srs. Deputados, antes de dar por encerrada a sessão, permitia-me anunciar que para a próxima sessão plenária de quinta-feira, que tem início às 15 horas, estará em discussão o projecto de lei n.º 448/V, do PCP, que institui o novo regime para o seguro agrícola, eficaz e acessível aos agricultores, apoiando e diversificando a sua incidência, com vista a melhorar a segurança da actividade produtiva.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 5 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
António Jorge Santos Pereira.
António José Caeiro da Mota Veiga.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Francisco João Bernardino da Silva.
José de Vargas Bulcão.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Maria Moreira.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Gomes da Silva
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
António Miguel de Morais Barreto.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
João António Gonçalves do Amaral.
Lino António Marques de Carvalho.
Sérgio José Ferreira Ribeiro.
Centro Democrático Social (CDS):
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António Maria Pereira.
António da Silva Bacelar.
Carlos Alberto Pinto.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Mendes Costa.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Henrique Nascimento Rodrigues.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel José Dias Soares Costa.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Partido Socialista (PS):
António de Almeida Santos.
António José Sanches Esteves.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Laje.
Fernando Ribeiro Moniz.
João Barroso Soares.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Luís do Amaral Nunes.
Laurentino José M. Castro Dias.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
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Partido Comunista Português (PCP):
Domingos Abrantes Ferreira.
José Manuel Antunes Mendes.
Octávio Rodrigues Pato.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PEV):
André Valente Martins.
Os REDACTORES: Maria Amélia Marques Martins - José Diogo - Cacilda Nordeste.
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DIÁRIO
da Assembleia da República
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