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Quarta-feira, 7 de Fevereiro de 1990 Série - Número 40 1375
DIÁRIO Da Assembleia da República
V LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1989-1990)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 6 DE FEVEREIRO DE 1990
Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Ex.mos Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Apolónia Maria Pereira Teixeira
Daniel Abílio Ferreira Bastos
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a alguns outros entrados na Mesa.
Em declaração política, o Sr. Deputado Montalvão Machado (PSD) abordou a questão da eleição do Provedor de Justiça. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados António Guterres (PS), Marques Júnior (PRD) e João Amaral (PCP).
O Sr. Deputado João Salgado (PSD) condenou algumas medidas tomadas petas juntas de freguesia de Campolide e de Santa Maria rios Olivais, tendo, no final, respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados João Amaral (PCP), Silva Marques e Correia Afonso (PSD) e ainda ao direito de defesa da honra exercido pelos Srs. Deputados Armando Vara (PS) e João Amaral (PCP), que, por sua vez, deu explicações ao Sr. Deputado Silva Marques (PSD), que havia exercido o direito de defesa da honra.
O Sr. Deputado António Braga (PS), a propósito do corte de subsídio à companhia de teatro Cena, de Draga, apelou para que tal situação seja revista pelo Governo, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Barbosa da Costa (PRD) e Lino de Carvalho (PCP).
O Sr. Deputado Álvaro Viegas (PSD) deu conta à Câmara de alguns actos de violência que se tem registado no Algarve por parte dos chamados "cabeças rapadas".
O Sr. Deputado Manuel Filipe (PCP) insurgiu-se contra a situação criada ao Presidente da União Coordenadora Nacional dos Organismos de Deficientes.
O Sr. Deputado Caio Roque (PS) protestou contra as exigências contidas no Despacho n.º 60/SERE/89, de II de Setembro, relativo aos professores portugueses no estrangeiro. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Carlos Luis (PS) e Luis Geraldes (PSD).
O Sr. Deputado Barbosa da Costa (PRD) referiu-se aos problemas criados a um conjunto de professores do 1.º ciclo do ensino básico pela aplicação do Decreto-Lei n. º 409/89 e respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado António Braga (PS).
A Sr.ª Deputada Odete Santos (PCP) manifestou preocupação por problemas graves que afectam as crianças e os jovens do nosso país, tendo depois respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Narana Coissoró (CDS) e José Lello (PS).
Entretanto, fora aprovado um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos relativo à substituição de deputados do PCP e do PRD.
Ordem do dia. - Foram aprovados os n.º 27 a 29 do Diário.
Após apreciação conjunta, na generalidade, baixaram à respectiva comissão, sem votação, o projecto de lei n.º 361/V (PS) - Redução da duração semanal do trabalho e a proposta de lei n. º 93/V - Reduz o período normal de trabalho, lendo sido rejeitado o projecto de lei n. º 291/V (PCP) - Reduz a duração semanal do trabalho normal. Intervieram no debate, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Emprego e da Segurança Social (Almeida Seabra), os Srs. Deputados Narana Coissoró (CDS), Filipe Abreu (PSD), Odete Santos (PCP), Osório Gomes (PS), Júlio Antunes (PCP), Elisa Damião (PS) e Rui Silva (PRD).
A Sr. ª Vice-Presidente Manuela Aguiar encerrou a sessão eram 19 horas e 30 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 25 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro Cordeiro Damásio.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Ramos
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Jorge Santos Pereira.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Maria Pereira.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Casimiro Gomes Pereira.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Nascimento Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Carlos Marta Soares.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maças.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Licinio Moreira da Silva.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Augusto Pinto Barros.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Manuel Henriques de Oliveira.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
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Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Henrique do Carmo Carmino.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Amónio dos Santos.
Maria do Céu Oliveira Esteves.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl d'Assunção Pimenta Rogo.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui Pedro Lopes Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gatão Rodrigues.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Luís Maria Bartolomeu Afonso Palma.
Manuel Anastácio Filipe.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Luísa Amorim.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Octávio Rodrigues Pato.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Rui José Santos Silva.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):
Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Deputados independentes:
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Pegado Lis.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, requerimentos e respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: ratificação n.º 109/V, apresentada pelo Sr. Deputado António Guterres e outros, do PS, relativa ao Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro- Aprova o regime jurídico das infracções fiscais não aduaneiras, que foi admitida; projecto de lei n.º 472/V, apresentado pelo Sr. Deputado António Costa, do PSD, propondo a criação da freguesia de Variz, no concelho de Mogadouro, que baixou à 6.5 Comissão; projecto de lei n.º 473/V, apresentado pelo Sr. Deputado Almeida Santos e outros, do PS, sobre a lei orgânica do regime do referendo, que baixou à 3.ª Comissão; projecto de lei n.º 474/V, apresentado pelo Sr. Deputado Duarte Lima e outros, do PSD, propondo a elevação da povoação de Sendim à categoria de vila, que baixou à 6.5 Comissão; projecto de lei n.º 475/V, apresentado pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes e outro, do PCP, que revê o Código do Direito de Autor e Direitos Conexos, que baixou à 3.ª Comissão; projecto de lei n.º 476/V, apresentado pelo Sr. Deputado Alexandre Manuel, do PRD, propondo a elevação da vila de Felgueiras à categoria de cidade, que baixou à 6.9 Comissão; proposta de lei n.º 129/V, da Assembleia Regional da Madeira, sobre o valor mínimo das pensões regulamentares de invalidez de velhice do regime geral da segurança social, que baixou à 10.ª Comissão.
Entretanto, foram apresentados na Mesa, nas últimas reuniões plenárias, os seguintes requerimentos: ao Ministério da Educação, formulado pelos Srs. Deputados Cerqueira de Oliveira, Gomes Pereira e Luís Bartolomeu; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelos Srs. Deputados Carlos Luís e Hermínio Martinho; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulado pelos Srs. Deputados João Salgado e Helena Torres Marques; ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Luís Roque; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado José Lello; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Raúl Rêgo; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Daniel Bastos; à Secretaria de Estado dos Transportes, formulado pelo Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
Por sua vez, o Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Elisa Damião, na sessão de 12 de Julho de 1989; Herculano Pombo, na sessão de 13 de Setembro de 1989; Ilda Figueiredo, na reunião da Comissão Permanente do dia 20 de Setembro de 1989; Rogério Brito e Luís Roque, na sessão de 17 de Outubro de 1989; José Apolinário, na sessão de 4 de Janeiro; Odete Santos, na sessão de 7 de Novembro de 1989; Miranda Calha, na sessão de 28 de Novembro de 1989; Lino de Carvalho, na sessão de 30 de Novembro de 1989; Elisa Damião, na sessão de 5 de Dezembro de 1989, e Eduarda Fernandes, na sessão de 5 de Janeiro.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.
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O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vimos assistindo, com alguma passividade censurável, ao arrastamento infindo da eleição de um novo Provedor de Justiça.
O problema é demasiado sério para que se deixe sem uma explicação ao País da origem deste impasse, melhor dizendo, se quisermos, do não cumprimento desta obrigação por parte da Assembleia da República, órgão a quem compele, em termos constitucionais, a sua eleição ou designação.
O actual Provedor de Justiça terminou o seu mandato, há já largos meses. Enquanto não for designado ou eleito outro, será constitucionalmente evidente que ele continua em exercício de funções.
Mas é mais que certo que esta situação não deve nem pode manter-se. A Constituição não o quer; as regras democráticas o podem querer menos ainda.
É sabido de nós todos que a designação ou eleição do Provedor de Justiça só pode fazer-se por maioria de dois terços dos Srs. Deputados desta Casa,...
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): -- Felizmente!
O Orador: -... o mesmo é dizer, com um entendimento entre as duas maiores forças políticas, o Partido Social-Democrata e o Partido Socialista.
Se esse entendimento foi possível em relação à eleição de órgãos democráticos de relevante importância - aponta-se o Tribunal Constitucional como exemplo - perguntar-se-á, legitimamente, por que é que ainda não foi possível chegar-se a um acordo para a eleição de um novo Provedor de Justiça.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E esta pergunta tem de ter uma resposta, até para que o povo português fique a saber a quem cabe a culpa do não cumprimento da regra constitucional,...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: -... ciência que esse mesmo povo tem o direito de saber, não só pelas elevadíssimas funções do Provedor de Justiça, como também para que faça o seu juízo sobre quem não faz o mínimo esforço para que se cumpram as regras democráticas a que todos devemos obediência.
O Provedor de Justiça, receptor e apreciador de acções ou omissões dos poderes públicos que originem queixas dos cidadãos, que ele apreciará sem poder decisório, mas com a obrigação de dirigir aos órgãos competentes as recomendações necessárias para prevenir e reparar injustiças, não pode eternizar-se no lugar através de uma manobra, sempre censurável, de um qualquer partido político, cujo voto seja necessário para a sua substituição.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em democracia ,não há órgãos infindáveis e muito menos os há por imposição manifesta de um partido minoritário.
Aceitar esta posição seria acolher, no seio da vida democrática, a prevalência de uma vontade minoritária contra a maioritária.
Aplausos do PSD.
Seria, no caso, perpetuar num lugar uma individualidade que a Constituição quer que seja eleita em prazo certo, através, repito, de uma manobra, para lhe não chamar uma teimosia tendenciosa.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Compreende-se o prazo do exercício de funções. Tem que compreender-se, por isso, a reeleição ou substituição no fim desse prazo certo.
O Partido Socialista, no que respeita ao actual Provedor de Justiça, vem actuando, de forma censurável, com o objectivo de o manter no exercício de funções.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - No campo judiciário existe uma regra deontológica que proíbe alegar, em fase de julgamento, as diligências que se mostraram improdutivas, em período de tentativa de acordo.
O julgamento, hoje, cabe a esta Assembleia da República e, necessariamente, ao povo português.
Embora aquela regra não seja de aplicar, pelo menos na sua globalidade, ao campo político, vou fazer quanto me seja possível para a observar.
No termo do período funcional do actual Provedor de Justiça, o Partido Social-Democrata fez saber ao Partido Socialista que não estava na disposição de reeleger o Dr. Almeida Ribeiro.
Protestos do PS.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - É evidente! É independente!
O Orador: - Não estavam, como não estão, em causa, as qualidades pessoais do Dr. Almeida Ribeiro, de quem, aliás, sou amigo, há largas dezenas de anos. O Dr. Almeida Ribeiro é um jurista ilustre e, pessoalmente, é um homem sério e digno. O problema é meramente político. As regras a observar...
O Sr. Raúl Rêgo (PS): -Pois é!...
O Orador: - O Sr. Deputado Raúl Rêgo sabe, desde há muitos anos, que é assim...
O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Há tantos como o senhor!
O Orador: - Há muitos mais do que eu, porque sou muito mais novo.
Aplausos do PSD.
Risos.
O problema é, meramente, político. As regras a observar na sua eventual reeleição ou não são meramente políticas. Não há, aqui, nada de pessoal contra o Dr. Almeida Ribeiro,...
O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Há princípios políticos!
O Orador: -... há, isso sim, contra a manutenção para além do prazo do Sr. Provedor de Justiça, o que é diferente.
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Dito que foi ao Partido Socialista que não aceitaríamos a figura do Dr. Almeida Ribeiro para continuar como Provedor de Justiça, e não importa sequer saber das razões dessa nossa não aceitação,...
Aplausos do PSD. Protestos do PS e do PCP.
... pelo menos por agora, competia-nos a nós e aos socialistas o encontro de uma personalidade que fosse capaz de congraçar as nossas vontades conjuntas, para que fossem atingidos aqueles dois terços de votos, que a lei impõe.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Meteram o diálogo na gaveta.
O Orador: - Sem quebra daquele dever deontológico a que há pouco me referi, apontarei que, desde logo, o Partido Social-Democrata indicou ao Partido Socialista cinco nomes para que, de entre eles, escolhessem um para futuro Provedor de Justiça. Indicámos um social-democrata, um socialista, um democrata-cristão e dois independentes - um magistrado judicial e um magistrado do Ministério Público.
O Partido Socialista não aceitou nenhum deles.
Protestos do PS.
Insistiu no desejo de recandidatar o Dr. Almeida Ribeiro, não obstante saber, de antemão, que ele não seria reeleito e não o seria tantas vezes quantas fosse proposto. E o Dr. Almeida Ribeiro sujeitou-se à sua não reeleição, por culpa dele e do Partido Socialista.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Pedimos ao Partido Socialista, que, tal como nós tínhamos feito, nos indicasse uma lista de nomes para sobre ela nos debruçarmos.
Ainda hoje continuamos à espera, à espera de algo que nem sequer prometido foi.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Se como minoritários são ditadores, o que faria se fossem maioritários!...
O Orador: - Entretanto, o Dr. Almeida Ribeiro, não reeleito, recusado pelos apontados dois terços, continuou e continua em exercício de funções.
Vozes do PS: - E muito bem!
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Vocês querem é que ele se demita, está claro!
O Orador: - Evidente que por ser essa a sua vontade própria e a do Partido Socialista: vontade própria porque, se não quisesse essa situação, não se mostraria disponível para a candidatura nem à eleição se submeteria com a antecipada certeza da derrota, vontade do Partido Socialista porque sabe que, ao propô-lo, não obteria nunca nem obterá, jamais, a sua reeleição.
Não obstante isso, o Partido Socialista insiste nessa reeleição. Sofre segundo revés, como era sua certeza antecipada. É que, dessa forma, o actual Provedor de Justiça continua em exercício de funções, como é da vontade de ambos.
Mais que isso: o Partido Socialista continua a não querer indicar qualquer outro nome para Provedor de Justiça para além do Dr. Almeida Ribeiro.
O Sr. Silva Marques (PSD): - É inaceitável e reprovável!
O Orador: - Ora, é aqui que reside a censura que consciente e fundadamente se faz ao Partido Socialista. O seu comportamento é menos democrático, infringe as regras básicas da sempre necessária convivência democrática.
É a institucionalização de um poder minoritário sobre uma maioria. É o aproveitamento, indesculpável, da necessidade de uma maioria de dois terços a sobrelevar a regra democrática de que nenhum de nós se pode esquecer, qual seja a de encontrar um consenso de um nome que encontre a vontade política dos dois terços.
É o Partido Socialista a não deixar funcionar normalmente um processo democrático. É o Partido Socialista, por teimosia vantajosa para ele, a infringir essa mesma regra, conseguindo dividendos aos quais sabe não ter legítimo direito.
Queremos acreditar que, eventualmente, não caiba toda a culpa ao Grupo Parlamentar Socialista. Queremos acreditar nalguma boa-fé que, no decurso destes longos meses, nos tem transmitido no sentido de encontrar outro titular para o lugar.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - A culpa não é do Guterres. Ele está inocente!
O Orador: - Mas temos a sensação que outras vozes mais alias se terão levantado, empurrando-o para esta situação e não lhe permitindo que dela saia com dignidade democrática.
O Sr. José Lello (PS): - Quais?
O Orador: - Essas vozes serão, porventura, ilegítimas nesta Casa.
Aplausos do PSD.
É uma mera sensação da nossa parte, embora tenhamos fortíssimas razões para quase a transformarmos numa certeza.
Por hoje, ficar-nos-emos por aqui, nesta matéria.
Denunciar publicamente o Partido Socialista, se quisermos, o seu Grupo Parlamentar, pela situação degradada a que chegamos neste assunto. Imputamos-lhe responsabilidade exclusiva. Declaramos, publicamente, que estamos na disposição, como sempre estivemos, de discutir outros nomes até encontrarmos um que mereça o consenso de ambos.
Vozes do PSD: -Muito bem!
O Orador: - Esperamos que o Partido Socialista repense seriamente esta sua posição. Teoricamente, as esperanças são algumas. Na prática, a possibilidade de calar as alias vozes que nos parecem virem cerceando a actuação do Grupo Parlamentar Socialista, acreditamos ser mais difícil de conseguir.
Ficaremos aguardando que os socialistas se lembrem de que há regras a observar e esta é uma delas.
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Só que, e os socialistas compreenderão, a paciência tem limites.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados António Guterres, Marques Júnior e João Amaral.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Montalvão Machado: Temos, evidentemente, entre nós, uma divergência política. O PS e o seu grupo parlamentar entendem que o Dr. Ângelo de Almeida Ribeiro, que foi eleito para o lugar de Provedor de Justiça, contando, aliás, com os votos do Grupo Parlamentar do PSD, tem desempenhado, de forma exemplar, as funções de Provedor de Justiça,...
Aplausos do PS, do PCP, do PRD e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raúl Castro.
franjeando, em todo o País, um prestígio indiscutível, evidente que o papel do Provedor de Justiça é, essencialmente, o de defender os interesses e os direitos dos cidadãos, nomeadamente contra os arbítrios do poder, e compreendemos que o PSD, e em particular o Sr. Primeiro-Ministro, possa ter a ideia de que o Provedor de Justiça deve, em vez disso, procurar defender os interesses do Governo em relação aos cidadãos.
Vozes do PS: - Muito bem!
Protestos do PSD.
O Orador: - É uma divergência política real, mas o Sr. Deputado Montalvão Machado compreenderá que o Grupo Parlamentar do PS, por si próprio...
O Sr. Duarte Lima (PSD): - E o consenso?!
O Orador: - Quanto ao tema do consenso, já o trato com todo o gosto.
Dizia eu que o Grupo Parlamentar do PS, por sua própria decisão, uma vez que o Dr. Ângelo de Almeida Ribeiro se manifesta disponível para continuar a exercer as suas funções, não poderia retirar-lhe a confiança que lhe merece.
Aplausos do PS.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Também eu estou disponível!
O Orador: - É evidente que a prática política e parlamentar tem de passar sempre pelo diálogo entre as forças políticas aqui representadas e pelo diálogo entre o Governo e a oposição. Só que nessa matéria, manifestamente, o Grupo Parlamentar do PSD não está em condições de dar lições a qualquer outro grupo parlamentar nesta Câmara.
Vejamos um exemplo concreto e recente: foram aprovadas, na generalidade, uma proposta e um projecto de lei sobre privatizações, sendo a proposta da autoria do Governo e o projecto da autoria do Grupo Parlamentar do PS. Todos concordam que é bom para o País que, em matéria de tal relevância, haja uma aproximação de posições que garanta a estabilidade das políticas e do quadro institucional que é enfrentado pelos empresários.
O que é que faz o PSD ? De acordo com as instruções do Sr. Primeiro-Ministro, segundo as quais esse grupo parlamentar devia distanciar-se do nosso, o PSD recusou-se a aceitar qualquer das propostas relevantes que o PS fez nessa matéria, revelando uma total indisponibilidade para o diálogo.
Vozes do PS: - Muito bem!
Vozes do PSD: - Isso é diversão ! Fale do Provedor!
O Orador: - O diálogo não deve dizer apenas respeito ao Provedor de Justiça, mas a toda a vida política e institucional existente no País.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Mais: soubemos até, agora, através de um comunicado da Presidência da República, que o Sr. Primeiro-Ministro, que tem com o Sr. Presidente da República reuniões regulares, também tinha falado ao País sobre essa matéria, sem ter a delicadeza mínima de, em primeiro lugar, ter informado o Sr. Presidente da República, uma vez que também aí o diálogo se entende que não deve funcionar.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Aliás, aproveito para dizer que, nessa intervenção do Sr. Primeiro-Ministro, foi evidente e manifesta, pela forma como a ele se referiu, a intenção de desvalorizar o papel político e institucional do Presidente da República.
Aplausos do PS.
No entanto, a questão para nós central é muito simples: continuamos a pensar que o Dr. Ângelo Almeida Ribeiro é um Provedor de Justiça que não merece que esta Câmara lhe retire a confiança, não renovando o seu mandato.
Aplausos do PS, do PRD e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Continuamos a pensar que isso não invalida a necessidade de um diálogo e de um permanente esforço para o consenso entre todos os grupos parlamentares aqui representados. Contudo, essa prática deverá manter-se em todas as matérias e não apenas naquelas que convêm ao PSD.
Aplausos do PS e do PRD.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Muito fraco!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaríamos de aproveitar esta oportunidade- e aproveitaremos igualmente todas as que se nos depararem - para manifestar de uma forma muito veemente o nosso apreço pela actividade desenvolvida pelo Sr. Provedor de Justiça, pela manifestação intrínseca da sua independência e pelo cumprimento integral do seu dever.
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Vozes do PS e do PRD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado Montalvão Machado, devo dizer-lhe que fiquei muito surpreendido com a sua intervenção. É que era para mim imaginável que questões desta relevância tivessem, à semelhança de outras, sido tratadas através de um consenso e do diálogo com o PS para, de facto, se encontrarem determinado tipo de soluções. Por conseguinte, era para mim inimaginável pensar que, neste momento, e a propósito de um assunto destes, o Sr. Deputado Montalvão Machado viria dizer à Câmara da sua incapacidade ou da sua impossibilidade de estabelecer com o PS um consenso nesta matéria.
Devo dizer que o Sr. Deputado Montalvão Machado citou a propósito outras questões igualmente melindrosas e que, objectivamente, não tem tido solução. No entanto, creio que, neste caso, não é possível imputá-las ao PS, como V. Ex.ª fez. Por exemplo, o facto de o Sr. Deputado ter referido o que foi possível conseguir através de um diálogo com o PS para a nomeação do Tribunal Constitucional, não ignorando V. Ex.ª que esse equilíbrio se consegue normalmente quando se trata da nomeação da totalidade dos juízes e que depois dificilmente se consegue - aliás, é evidente o que aconteceu relativamente à nomeação anterior dos juízes do Tribunal Constitucional - manter esse equilíbrio para se nomearem as pessoas que substituem aquelas que por qualquer razão vão deixando os seus lugares.
Gostaria assim de lhe colocar a seguinte questão: perante esta atitude do PSD, que só se entende pelo facto de o Sr. Deputado ter considerado esgotada tal possibilidade, admite o Sr. Deputado Montalvão Machado que agora é mais fácil reatar o diálogo com o PS relativamente à indicação do novo Provedor de Justiça
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Silva Marques (PSD): - Pergunte aos socialistas! Eles é que poderão responder !
O Sr. Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Montalvão Machado, devo dizer, com sinceridade, que esperava, quando comecei a ouvir falar sobre a questão do Provedor de Justiça, que de alguma forma pudesse expressar aqui alguma penitencia por parte do seu grupo parlamentar quando fez uma coisa que considerei profundamente incorrecta: ter viabilizado um acto eleitoral para depois chumbar a possibilidade de o candidato ser eleito.
Entendendo que esse comportamento, profundamente incorrecto - permita-me, Sr. Deputado, que o qualifique como tal -, teve lugar, também considero que não se responde a um comportamento incorrecto com outros comportamentos também incorrectos. E seria incorrecto considerar que o Dr. Almeida Ribeiro não possuía condições para prosseguir no lugar, quando ele efectivamente as possui.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Silva Marques (PSD): - Tanta incorrecção!... Incorrecto é o Comité Central!
O Orador: - Sr. Deputado Montalvão Machado, o que é significativo na sua intervenção é que, ao fim e ao cabo, tenha agravado a situação, ao vir dizer-nos a todos nós que considera o Dr. Almeida Ribeiro um jurista ilustre, um homem sério e digno e que não há nenhumas razões que possa invocar para alterar a sua posição, a não ser - disse-o explicitamente - razões políticas.
Então V. Ex.ª vai admitir aqui, publicamente, que é por querer partidarizar a figura do Provedor de Justiça que quer retirar o apoio ao Dr. Almeida Ribeiro?! Não acha que isto é uma situação escandalosa?!
Vozes do PCP: - Muito bem!
Vozes do PSD: - É ao contrário!
O Orador: - O Sr. Deputado Montalvão Machado utilizou uma palavra interessante que não deveria ter utilizado: "jamais". Com efeito, disse aqui que jamais sucederia certa coisa.
Em 19 de Julho de 1987 pensaram que o "jamais" poderia ser introduzido na fraseologia política. No entanto, a vida demonstrou que não!
O Sr. Duarte Lima (PSD): - A vida ainda vos vai demonstrar muita coisa!
O Orador: - Aliás, é talvez também tempo de alterar na sua linguagem esse tipo de "jamais", porque se há aqui algum "jamais" a utilizar...
O Sr. Duarte Lima (PSD): -... é o PCP!
O Orador: -... é o de dizer que jamais se poderá permitir que esta Assembleia da República crie, apoie, viabilize, eleja um Provedor que seja atento, venerador e obrigado ao poder político ! Não queremos um Provedor de Justiça como esse, mas um Provedor de Justiça que actue com dignidade; que dignifique o lugar como este o fez e que, por o ler dignificado, tem o respeito e a admiração dos peticionários que se lhe dirigiram! É por isso que este Provedor de Justiça realizou um bom lugar, lhe deu prestígio, que tem o apoio e a admiração de muitos dos que se lhe. dirigiram e é por isso que deve ter o apoio desta Assembleia!
Aplausos do PS, do PCP, do PRD e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.
O Sr. Duarte Lima (PSD):-Pobre argumentação!...
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Deputado António Guterres, começarei por lhe dizer que não vou, de modo nenhum, embarcar na sua táctica de desviar os assuntos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: -O assunto que está em causa é só um, mas o Sr. Deputado, com a habilidade e inteligência que todos, sem favor, lhe reconhecemos, soube dar a valia ao problema, falando em tudo menos daquilo que devia.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Derivou!
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O Orador: - Eu não vou embarcar nisso.
Sr. Deputado, o Sr. Dr. Almeida Ribeiro, relativamente a quem, como pessoa, não tenho o menor pejo em repetir aquilo que sobre ele disse daquela tribuna, foi eleito nesta Assembleia, por nós e por vós, para um mandato.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Assim, se formos adoptar a teoria que V. Ex.ª aqui explanou com brilho, chegaremos a esta conclusão. Na realidade, porque no vosso entender o Sr. Dr. Almeida Ribeiro desempenhou brilhantemente as suas funções, e apesar de VV. Ex.as serem um partido minoritário, teremos de chegar à conclusão de que se encontra criada a figura do Provedor de Justiça ad eternum, nunca mais sendo substituído!... É está a conclusão única a que temos de chegar por via do seu raciocínio.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - É como o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, que passou à reforma e que o Governo mantém!
O Orador: - Sr. Deputado Marques Júnior, V. Ex.ª aproveitou, e muito legitimamente, a ocasião para tecer dentro do seu juízo um elogio à actividade do Sr. Provedor de Justiça - que lhe faça bom proveito. Só que o Sr. Deputado, porque é um democrata, terá de entender que esse bom proveito tem de ser tido e havido conforme as maiorias ou minorias nesta Casa. Assim, se nós representamos, neste momento, a maioria do povo português e não temos, porventura, a mesma opinião que V. Ex.ª tem, é evidente que a sua opinião não pode prevalecer sobre a nossa.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - V. Ex.ª tem uma opinião, que respeitamos, mas nós lemos outra, que V. Ex.º também tem de respeitar.
Aplausos do PSD.
O Sr. Deputado disse também que seria porventura melhor para mim ter manifestado aqui a minha incapacidade ou impossibilidade em resolver este assunto com o PS. Ora, ou há defeito meu ou desatenção de V. Ex.º, pois eu disse daquela tribuna, alto e bom som e por mais de uma vez, que estava à disposição do PS, como tenho estado há larguíssimos meses, em conversas infindáveis e com uma paciência de Jó a procurar resolver este problema.
Esta minha intervenção não se destinou a dizer ao PS que nunca mais haverá diálogo sobre esta matéria. Pelo contrário, eu disse além, bem alto e com muita clareza, que continuávamos abertos a um diálogo para encontrar uma personalidade que obtivesse o consenso de todos nós. Portanto, para mim, isto é que consubstancia, efectivamente, o funcionamento das regras democráticas dentro de um parlamento livre como o nosso, para a eleição de um Provedor de Justiça que exige uma maioria de dois terços.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Por conseguinte, Sr. Deputado, não está, de modo algum, esgotado o diálogo com o PS.
Aliás, este foi o chamado cartão amarelo para o PS ...!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É claro que o segundo cartão amarelo, como V. Ex.ª sabe - tem cultura desportiva bastante para isso-, significa expulsão!
Risos.
Sr. Deputado João Amaral, V. Ex.ª referiu ser censurável da minha parte ter deixado viabilizar um acto eleitoral pelo qual o meu grupo parlamentar iria "chumbar" o candidato que viesse a ser proposto pelo PS.
Em primeiro lugar, não tenho hipóteses nenhumas - e V. Ex.ª sabe isso tão bem como eu- de inviabilizar a marcação de actos eleitorais. Isso é um problema da conferencia de líderes e, nomeadamente, do Sr. Presidente da Assembleia da República.
Em segundo lugar, quando se marca um acto eleitoral, ninguém sabe antecipadamente quem são os candidatos, excepto neste caso do PS, que conseguiu descobrir a maneira de eternizar, como Provedor de Justiça, o Dr. Almeida Ribeiro, até ao fim dos seus dias, que, espero, seja daqui por muitíssimos anos.
Disse V. Ex.ª, ainda, que nós queríamos "partidarizar o lugar e pôr o Provedor de Justiça ao serviço do Governo". É precisamente o contrário, Sr. Deputado! E V. Ex.ª é suficientemente inteligente para perceber que aquilo que nós queremos é o contrário. Nós o que não queremos é ler um provedor de justiça que esteja na oposição.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido o relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.
Foi lido. É o seguinte:
Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos
Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos realizada no dia 6 de Fevereiro de 1990, pelas 15 horas, foram observadas as seguintes substituições de deputados:
Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português (PCP):
Jorge Manuel Abreu de Lemos (círculo eleitoral de Lisboa), por João Camilo Vieira Carvalhal Gonçalves festa substituição é pedida nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), por um período de seis meses, a partir do dia l de Fevereiro corrente, inclusive].
Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Renovador Democrático (PRD):
Alexandre Manuel da Fonseca Leite (círculo eleitoral de Lisboa), por Rui José dos Santos Silva [esta substituição é pedida nos
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termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85. de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), por um período não inferior a 15 dias, a partir do dia 6 de Fevereiro corrente, inclusive].
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD), presidente- Alberto Morgues de O. e Silva (PS), vice-presidente-José Manuel M. Antunes Mendes (PCP), secretário - Carlos Manuel Pereira Baptista (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Domingos da Silva e Sousa (PSD) - Fernando Monteiro do Amaral (PSD) - Flausino José Pereira da Silva (PSD) - Jaime Carlos Marta Soares (PSD)-João Álvaro Poças Santos (PSD) -José Augusto Ferreira de Campos (PSD) - José Augusto Santos da S. Marques (PSD)-José Manuel da Silva Torres (PSD) - Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD) - Manuel António de Sá Fernandes (PSD) -Júlio da Piedade Nunes Henriques (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Francisco Barbosa da Costa (PRD).
Srs. Deputados, está em apreciação.
Pausa.
Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.
Srs. Deputados, acabadas as declarações políticas, vamos continuar os nossos trabalhos com intervenções que dizem respeito ao tratamento pelos Srs. Deputados de assuntos de interesse político relevante.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Salgado.
O Sr. João Salgado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O universo da política 6, principalmente, visível no que se diz e no que se faz. Se não há conformidade, estamos, pelo menos, perante a hipocrisia ou a incoerência políticas.
É o pecado da incoerência e, também, da prepotência, que a coligação PS/PCP está já a praticar em Lisboa, nalgumas juntas de freguesia.
As políticas vêem-se pela mensagem que emitem. Sc esse sinal 6 informar os órgãos de comunicação social e a opinião pública do empenho autárquico em relação à descentralização de poderes e de acção da câmara para as juntas de freguesia, o sinal 6 positivo. Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não basta o discurso, se a acção não corresponder.
Iremos estar atentos para denunciar o que se irá passar na realidade, esperando as notícias feitas no Largo do Rato, para consumidor menos atento à demagogia socialista, agora aliada com a comunista.
Como ia dizendo, o sinal já foi dado e - pasmem, Srs. Deputados! - a poucos dias, apenas, da tomada de posse do novo presidente, que lidera uma vereação de esquerda.
Já é o Partido Comunista, o actual, a pôr e a dispor, a ser aquilo que, efectivamente, nunca deixou de ser: totalitário.
O líder do Partido Socialista, que ambicionava, apenas, ser presidente da Câmara, não viu, não sentiu, e foi já ultrapassado pelo seu querido parceiro de coligação.
Nós, deputados do PSD, o seu presidente Cavaco Silva e os verdadeiros democratas avisaram o povo de Lisboa e, em geral, o povo português, das consequências imediatas que tal coligação de esquerda unida iria dar: a instabilidade e o voltar ao chamado "PREC", contra o qual, nos seus aspectos antidemocráticos, tanto se empenharam Mário Soares, Sá Carneiro e muitos outros.
Este Partido Socialista começa, nas juntas de freguesia, a aceitar os totalitarismos do PCP. E mais: aplaude, vota e não vê que a democracia está a ficar, deveras, em perigo.
O Sr. João Amaral (PCP): - Essa linguagem não é de hoje!
O Orador: -Os Alfacinhas e o País foram alertados, na altura devida, para as consequências desastrosas e desestabilizadoras de tal coligação.
É inacreditável, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a política seja feita por pessoas que não têm o mínimo de pudor, o mínimo de conhecimento das realidades.
Muito me prezo de ter aprendido com um homem honesto, um homem que na política nunca desprezou o ser humano, antes e depois do 25 de Abril, um homem que hoje e sempre 6 lembrado pela sua grande rectidão política e democrática. Esse homem era Francisco Sá Carneiro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD denunciará todas as arbitrariedades que se estão a passar, e irão passar, na Câmara Municipal de Lisboa e nas juntas de freguesia, pela coligação de esquerda PS/PCP.
Tudo isto vem a propósito do que se passou nas Juntas de Freguesia de Campolide e Santa Maria dos Olivais. Na Junta de Campolide foi decidido, com os votos do PCP e do PS; a ocupação de casas que se encontravam devolutas. E o regresso aos tempos de 1975, que pensávamos definitivamente impossíveis, no Estado de direito democrático.
Na Junta de Freguesia de Santa Maria dos Olivais, 6 o despedimento de dois funcionários autárquicos que, há quatro anos, serviam aquela junta.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Parece impossível!
O Orador: - Afinal, o PS e o PCP, que se intitulam como os grandes defensores dos direitos dos trabalhadores, mal ascendem ao poder, mostram a sua verdadeira face
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despedindo dois trabalhadores, indiferentes às dificuldades sociais daí originadas, para os substituírem por militantes dos seus partidos.
Se foi o PCP que influenciou o PS nessa decisão, ou vice-versa, pouco interessa, porque o significado desta atitude que aqui denunciamos significa aquilo para que há tempos vimos chamando a atenção dos Portugueses: que o PS e o PCP são duas faces da mesma moeda.
Acresce que esta denúncia é feita com total à-vontade da nossa parte, porque os trabalhadores em causa não suo sequer militantes do PSD.
É assim a democracia da coligação Por Lisboa? É assim que pensam governar Lisboa, em instabilidade, em ocupações selvagens e em despedimentos todos os dias? O que acontecerá a seguir?
O sinal está dado. Parece estar à vista, em Lisboa, a prepotência, o desprezo pelos direitos das pessoas, inclusive os dos trabalhadores.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Vai ser feito o levantamento da cidade!
O Orador: - O Partido Comunista Português, este PCP, o de hoje, tentou, logo a seguir ao 25 de Abril, a ocupação do poder. Voltou em 25, de Novembro e não conseguiu. Optou agora por ocupar, o Partido Socialista. E o PS, o de hoje, deu-lhe a grande oportunidade de governar Lisboa.
O PS mostra que só quis o poder. Estaremos sempre aqui para os desmascarar.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados João Amaral, Silva Marques e Correia Afonso.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Depois de ouvir a lista de queixas, devo dizer que isto, de facto, 6 infaits divers e vai ser interessantíssimo. Mas, Sr. Deputado João Salgado, só desejava pôr-lhe uma questão.
V. Ex.ª já fez aqui algumas intervenções interessantes sobre Lisboa; porém, desta vez, resolveu tirar do bolso o" "papão anticomunista", que, como sabe, foi um dos grandes derrotados na campanha eleitoral para as eleições de Lisboa. E a pergunta que queria fazer-lhe, dado o conteúdo um bocado esotérico da sua intervenção, é a seguinte: a sua intervenção reflecte saudades, muitas saudades, do presidente Abecasis?
Risos do PCP.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Salgado responde agora ou no terno?
O Sr. João Salgado (PSD):-No termo, Sr. Presidente.
O Sr. João Amaral (PCP):-Oh, Sr. Deputado, responda já! Eu queria saber!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): -Sr. Deputado João Salgado, pedi a, palavra para um pedido de esclarecimento, pela simples razão de que, sendo eu um daqueles deputados que, regularmente, saem e entram em Lisboa, vindos da província, verifico que, depois de várias semanas, as vias principais de acesso e de circulação em Lisboa continuam esburacadas, com verdadeiras crateras.
Risos do PS e do PCP.
As crateras das ruas de Lisboa são a verdadeira cratera da coligação que, neste momento, a governa.
Pelo menos, presto justiça ao presidente Fernando Gomes, do Porto, que, após ter tomado posse, disse: "Há uma acção de emergência a realizar, que e a de tapar os buracos." Presumo que já estejam tapados. Pelo menos, a estrada nacional Lisboa-Porto já os tem tapados. Só os buracos de Lisboa é que ainda estão por tapar. E a coligação que, neste momento, a governa é o seu principal "buraco".
Aplausos do PSD.
Risos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acabei de ouvir os factos relatados pelo Sr. Deputado João Salgado e é com muita serenidade que quero pedir-lhe alguns esclarecimentos.
Ouvi - e foi assim que entendi - que em Lisboa, nas freguesias de Campolide e de Santa Maria dos Olivais, estão a ler lugar ocupações e saneamentos.
Porque faço parte, desde há 13 anos, da Assembleia Municipal de Lisboa, sendo seu presidente durante os últimos 10 anos, peço-lhe estes esclarecimentos.
O Sr. João Amaral (PCP): - E dormiu bastante!
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Isto deve ser para a TV logo à noite!
O Sr. João Amaral (PCP): - Que vergonha!
O Orador:-Faça favor, Sr. Deputado João Amaral. Se quiser falar, dou-lhe a palavra. Pode interromper-me.
Como ia dizer, para quem esteve estes últimos 10 anos na presidência da Assembleia Municipal de Lisboa e que, desde 1976, não assistia a ocupações nem a saneamentos nesta cidade, os factos relatados pelo Sr. Deputado João Salgado impressionam.
O Sr. João Amaral (PCP): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor. Desabafe!
O Sr. João Amaral (PCP): - Desabafo só para dizer o seguinte: então e aquelas ocupaçõezinhas da via pública em que o presidente Abecasis era useiro e vezeiro em autorizar as empresas mais variadas?
O Orador: - Sr. Deputado, aquilo que fez chama-se em política "aviltar a discussão". E quem avilta, normalmente, fica também aviltado.
O Sr. João Amaral (PCP): - E o senhor aviltou a Assembleia!
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O Orador: - O Sr. Deputado sabe perfeitamente que, quando se Tala em ocupações, é de habitação que se fala e não de ocupações a respeito de outros locais. O senhor está aí sentado e não ocupou esse lugar, tem direito a ele.
Protestos do PCP.
Mas, estava eu a dizer... se me permitem que fale...
O Sr. João Amaral (PCP): - Pode falar!
O Orador: -Estou-lhe muito agradecido por esse acto excepcional de democracia!
Como eslava a dizer, aquilo que o Sr. Deputado João Salgado relatou deve impressionar todos os democratas porque, Srs. Deputados, Portugal é uma democracia e é inaceitável que, no nosso País, à margem ou contra as regras do sistema, qualquer grupo político faça regras próprias para aplicar em áreas delimitadas, como sejam as freguesias ou os concelhos. Não pode haver regras próprias numa freguesia porque, numa democracia, elas suo comuns a todos.
Além disso, Srs. Deputados, em democracia todos sabemos que os órgãos colectivos tem competências próprias e só podem praticar os actos que estão dentro dessas competências. Ora, não consta das competências das juntas de freguesia fazer ocupações ou proceder a saneamentos.
Portanto, Srs. Deputados, sejamos claros: a responsabilidade de quem decidiu saneamentos e de quem decidiu ocupações pertence às pessoas que, neste momento, estuo nas juntas de freguesia e que tomaram as decisões como se fossem dessas juntas.
É, pois, necessário que os Portugueses, que já tinham esquecido o que se passara em 1975, recordem o que então, infelizmente, se passou.
A minha pergunta ao Sr. Deputado João Salgado é muito simples. O Sr. Deputado relatou, aqui, factos que, em termos democráticos, tem grande gravidade. Uma intervenção no PAOD foi feita, acabou. A pergunta que lhe quero fazer é se tenciona ou se já pensou em propor a constituição de uma comissão parlamentar eventual de inquérito a esses acontecimentos que ferem a democracia na cidade.
Aplausos do PSD.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não tem a noção do ridículo!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado João Salgado.
O Sr. João Salgado (PSD):-Sr. Presidente, sucintamente vou responder às perguntas que me foram feitas, começando pelo Sr. Deputado João Amaral e respondendo-lhe muito calmamente.
Primeiro, Sr. Deputado João Amaral, o senhor não referiu qualquer dos problemas quo aqui levantei e apenas me perguntou se eu, João Salgado, tenho ou não saudades da gestão do anterior presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Nuno Abecasis. Com certeza que, Sr. Deputado João Amaral, não tenho quaisquer saudades da anterior gestão, mas tenho saudades, isso sim -e já começo a tê-las! -, da democracia, porque o que está a acontecer,...
O Sr. João Amara! (PCP): - Isto não pode ser! Você é maluco!
O Orador: -... em termos de juntas de freguesia, é altamente grave! O Sr. Deputado não referiu nem as ocupações que foram feitas,...
O Sr. João Amaral (PCP): - O senhor "baixe a bolinha" que está a exagerar!...
O Orador: -... nem os despedimentos de funcionários das juntas de freguesia.
Protestos do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que façam silêncio.
O Orador:-Em relação ao Sr. Deputado Silva Marques não tenho de dar qualquer resposta, uma vez que não me colocou questões concretas.
Quanto às questões colocadas pelo Sr. Deputado Correia Afonso quero dizer que aquilo que está a passar--se em algumas juntas de freguesia é grave - e lembro que isto aconteceu já em duas, o que não quer dizer que vá alastrar a outras ...
Penso quo este problema deve ser levantado na Assembleia Municipal de Lisboa, mas, de qualquer forma, já pensei em apresentar um pedido de inquérito ao que se passou na Junta de Freguesia de Santa Maria dos Olivais e na de Campolide. De facto, estou a pensar neste assunto seriamente e talvez, em breve, apresente esse pedido de inquérito.
Mas, em todo o caso, aquilo que estranho, se me permite, Sr. Presidente, é que o Partido Socialista não levante qualquer problema sobre o que está a passar-se. Ora, isto quer dizer que está conivente com todos os aspectos que referi.
Aplausos do PSD.
O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Armando Vara (PS):-Para defesa da honra, Sr. Presidente.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço igualmente a palavra para defesa da honra.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para defesa da honra, o Sr. Deputado Armando Vara.
O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero aproveitar esta ocasião para, brevemente, tecer algumas considerações e defender a honra da minha bancada acerca do último repto lançado pelo Sr. Deputado João Salgado.
Compreendemos perfeitamente o nervosismo que grassa na bancada do PSD, nomeadamente no Sr. Deputado João Salgado, pois, tendo lido responsabilidades na Câmara Municipal de Lisboa durante cerca de 10 anos, é perfeitamente natural que o PSD agora se sinta alarmado por um conjunto de iniciativas...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Iniciativas?... O Orador: -... que já foram tomadas.
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O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Pode dizer quais são?
O Orador: - Estranhamos, apesar de tudo, e não podemos deixar de notar, que não tendo nada de concreto para apontar à gestão municipal, que, julgo, começou a ser posta em marcha, o Sr. Deputado venha aqui levantar fantasmas e atribuir responsabilidades a quem as não tem.
De facto, há uma coisa que, parece, o PSD não percebe e o Sr. Deputado, pelos vistos, ainda menos: é que há diversas formas de gerir e uma delas é descentralizar poderes e competências.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - E ocupar! ...
O Orador: - Penso que isto não quer dizer que todos os actos praticados por uma junta de freguesia sejam necessariamente do conhecimento do presidente da câmara ou da vereação.
O Sr. Deputado tinha obrigação de compreender isto e não vir aqui tentar criar qualquer tipo de fantasmas em relação ao que está a passar-se. Aliás -e não sei se o que vou dizer é verdade mas penso que sim -, se ò senhor é membro da assembleia municipal, se o PSD tem um grupo nessa assembleia municipal, então por que razão, tratando-se de uma questão municipal, ela não é posta no seu devido lugar pára que, aí sim, o presidente da câmara e os vereadores, com conhecimento dos problemas, possam responder-lhes "taco a taco" e repor a verdade?
Vozes do PSD: - Será que vocês não querem que se saiba?
O Sr. Presidente: - Sr. Vice-Presidente Marques Júnior, peço o favor de me substituir.
Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado João Salgado.
O Sr. João Salgado (PSD):-O Sr. Deputado Armando Vara não defendeu a honra da sua bancada, mas fez a pergunta que ainda não tinha sido feita. Devo dizer-lhe que o PSD e eu não estamos nada nervosos com o que está a acontecer. VV. Ex.as é que devem estar nervosos!... Para mim, social-democrata, isto 6 gravíssimo, mas vocês é que estão a liderar a Câmara e estas duas juntas de freguesia que referi.
Naturalmente que aceito que a Câmara Municipal de Lisboa não saiba disto. Mas, por amor de Deus, será que isto quer dizer que os vossos eleitos autárquicos fazem o que querem? O Sr. Deputado defende as ocupações? Será que o Sr. Deputado defende uma carta assinada por um militante do PS, presidente da junta, José Manuel Rosa do Egipto, a sanear duas pessoas? Será que V. Ex.ª defende isto?
Vozes do PSD: - Vá, diga lá!
O Orador: - Sr. Deputado, este assunto não é apenas uma questão pura ser discutida na assembleia municipal, pois trata-se de questão nacional, uma vez que o que se passa em Lisboa é uma questão nacional e tem a ver, com as regras democráticas.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Exacto! Estamos num Estado de direito!
O Sr. Armando Vara (PS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Armando Vara (PS): - O Sr. Deputado João Salgado apresentou aqui um conjunto de questões que nem sequer estão suficientemente esclarecidas para eu saber se não há outra versão do problema...
O Orador: - Sr. Deputado, tenho aqui a notícia do Correio da Manhã e a carta do presidente da junta. Quer mais?...
O Sr. Armando Vara (PS): - Essa é a sua versão! O senhor, talvez, já tenha conseguido o que quis!...
O Orador: - Sr. Deputado, eu não consegui o que quis...
O Sr. Armando Vara (PS): - Aí está o "papão" da coligação!... Mas, Sr. Deputado, nós não estamos preocupados: tivemos 50% dos votos! Vocês é que têm razão para estarem preocupados, não nós!
Aplausos do PCP.
O Orador: - Sr. Deputado, a mim só me compete, como deputado eleito pelo círculo de Lisboa, denunciar o que se passa no meu círculo eleitoral, e não só, mas principalmente neste.
De facto, não vi ninguém defender nem dizer, nomeadamente o Sr. Deputado João Amaral -que está altamente nervoso e acredito que o esteja - e o Sr. Deputado Armando Vara que está...
O Sr. Armando Vara (PS): - Nervosíssimo!...
O Orador: - Sim, nervosíssimo! Mas, como estava a dizer, não vi ninguém desmentir nada daquilo que eu disse nem sequer dizer -e eu aceitava isso em termos democráticos -, por exemplo, "vou saber o que se passa e em breve farei aqui uma intervenção para contrapor o que o Sr. Deputado está a dizer!" Nada disto foi dito!
Aplausos do PSD.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Marques Júnior.
O Sr. Presidente: - Para defesa da honra, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Srs. Deputados, a questão que deve ser colocada em relação ao respeito pela democracia em Lisboa é a de aceitar a vontade do seu povo, que deu uma clara e insofismável maioria à coligação Por Lisboa e elegeu uma câmara liderada pelo presidente Jorge Sampaio.
Vozes do PSD: - E a vontade do povo de Lisboa é despedir trabalhadores?!
O Orador: - Ao fazê-lo, o povo de Lisboa demonstrou uma clara vontade de mudança! Poderão VV. Ex.as ter mau perder, poderão até entender que chegou a altura de virem para a Assembleia da República dizer que há buracos em Lisboa,...
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O Sr. Silva Marques (PSD): - E há-os!
O Orador: -... buracos esses que suportaram durante 10 anos, sem abrir a boca! Chegou a altura de o Sr. Deputado Silva Marques reparar que, volta e meia, mete água nos buracos de Lisboa!...
Em relação às questões concretas levantadas pelo Sr. Deputado João Salgado, quero dizer, com muita clareza, que repudio o estilo e as acusações, pela forma como elas são formuladas.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - O que está em causa 6 a substância, não o estilo!
O Orador: - Não conheço os factos, não conheço aquilo em que está a basear-se, mas repudio o estilo, a postura, a forma, como aqui trouxe estes problemas, sejam eles quais forem.
O Sr. Deputado João Salgado não quer que ninguém lhe dê explicações, pois está a falar para uma plateia e não para os deputados! O Sr. Deputado, no fundo, está a reflectir aqui a sua incapacidade de responder aos problemas da cidade e a sua incapacidade de, na altura oportuna - e leve-a! -, ter resolvido os problemas dos Lisboetas no campo da habitação e em muitos outros.
Há ainda uma última nota que quero salientar relativamente a dois .dos Srs. Deputados que intervieram e que "raparam" de um novo "papão", de um novo instrumento, que é este: as autarquias estão sujeitas a muitos instrumentos de tutela, mas agora há mais um, que é a tutela do PSD, os inquéritos parlamentares do PSD.
Srs. Deputados, este meio é ilegítimo, inconstitucional, abusivo e, lembro, foi claramente repudiado por unanimidade e aclamação de todas as forças políticas reunidas no conselho geral da Associação Nacional de Municípios Portugueses. Este meio demonstra, no fundo, aquilo que os senhores pensam sobre o poder local e que não tem nada a ver com a força real do poder local, como ele se exerce e vai continuar a exercer-se para bem dos Portugueses e da democracia em Portugal.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado João Salgado.
O Sr. João Salgado (PSD): - Lamento que o Sr. Deputado João Amaral utilize um estilo bastante arrogante que, pelos vistos, é uma nova maneira de estar do PCP e também do PS, isto é, a arrogância que já tom por terem tido a maioria absoluta na Câmara Municipal de Lisboa. Nós somos acusados de ter essa arrogância, mas, afinal VV. Ex.as usam dessa arrogância para avançar neste campo.
Mas, o mais grave, Sr. Deputado João Amaral, é que o senhor nem sequer é conhecedor dos factos. Será que isto quer dizer que o Sr. Deputado João Amaral ainda defende as ocupações? Será que ainda defende os saneamentos? Isso já passou, Sr. Deputado...
O Sr. João Amaral (PCP): - Já passou, já!
O Orador: - Isto não é nenhum "papão"!... Eu não venho aqui denunciar qualquer "papão". Isso não é preciso! È que, infelizmente, Sr. Deputado João Amaral - e nós damo-nos muito bem- mas não...
O Sr. João Amaral (PCP): - Sabe qual é a sua sorte? É a imunidade parlamentar!...
O Orador: - Não se trata da imunidade parlamentar, mas, sim, de um facto concreto. Há bons funcionários de uma junta de freguesia que foram saneados, isto é um facto! Há 12 casas em Campolide que foram ocupadas, isto também é um facto. Repito, não há qualquer "papão", são factos!
Por isso, não vale a pena distrairmo-nos com outras coisas. Trata-se de factos e não há qualquer "papão", Sr. Deputado, ou melhor, talvez o "papão" seja vosso e vocês andem atrás dele.
Aplausos do PSD.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado João Amaral invectivou-me de forma assaz violenta e eu considero que tenho o direito de defender-me.
O Sr. João Amaral (PCP): - Eu preciso sair! Não pode ficar para amanhã?
O Sr. João Salgado (PSD): - Olha a arrogância!...
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - O Sr. Deputado João Amaral considerou ilegítimas as minhas reclamações. Porém, julgo que em democracia e nesta Casa nada é ilegítimo desde que seja verdade e, sobretudo, é legítimo o debate e o confronto dos testemunhos, dos factos e das reclamações. Enquanto tivermos liberdade de expressão, esta Casa é precisamente para podermos falar em voz alta e apresentar os nossos pontos de vista e as nossas reclamações.
O País não está fraccionado, nós somos deputados de todo o País! Referi factos concretos para pôr em evidência como tudo seria fácil - e hoje já decerto viveríamos no paraíso! - se as obras fossem feitas com palavras...
Os socialistas e os comunistas ainda hoje estão ligados e sujeitos a um maniqueísmo que consiste nisto: desde que o bem seja feito pelos outros, é mau; desde que o mau seja feito por eles, é bom!
Já em tempos os comunistas mandaram trabalhar gratuitamente ao sábado e a única coisa que esse sábado teve de vermelho foi essa coacção; os socialistas já uma vez aplicaram um imposto com retroactividade e isso estava bem porque ora feito pelos socialistas; ainda há pouco tempo socialistas e comunistas reclamaram veementemente pelo facto de o actual Governo não ter acorrido com suficiente celeridade e eficácia aos danos causados pela recente intempérie e, no entanto, os factos demonstravam que nunca qualquer governo acorreu com tanta celeridade e eficácia aos prejuízos das intempéries.
Tivemos uma intempérie igualmente grave há 10 anos e a diferença entre a resposta de então e de hoje é muito clara: a ineficácia, para não dizer a ausência de acção, de então e a resposta atempada e eficaz de hoje!
Ao referir os buracos de Lisboa apenas quis pôr em evidencia a enorme diferença que há entre uma capacidade de dar resposta concreta aos problemas reais do País - que foi o que o Governo fez em relação às intempéries naquilo que lhe dizia respeito- e a incapacidade de resposta de uma governação autárquica socialista/comu-
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nista relativamente a um dos mais graves problemas que a cidade vive. E mais: querendo despejar o meu comentário de tudo o que ele tivesse eventualmente de sectário, fiz um elogio ao presidente socialista da Câmara Municipal do Porto, que, com realismo absolutamente louvável, mal tomou posse das suas funções, disse: "É preciso tapar os buracos abertos pela intempérie na cidade do Porto." É uma atitude séria, é uma tentativa de abordar as questões reais com acções concretas.
elativamente a Lisboa o que vimos? Nada, nada que respeite às grandes urgências desta cidade, dos que nela habitam e dos da província que, como eu, quase todos os dias nela entram e saem. O que quis pôr em evidência, meus senhores da oposição, foi que infelizmente as palavras não são obra porque senão, realmente, os senhores já teriam feito tudo o que há a fazer. Só que, como a obra depende da acção concreta e os senhores apenas vivem de palavras, mostram-se incapazes de responder aos reais problemas do País e, neste caso concreto, da população de Lisboa.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente:-Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Lamento ter de dar estas explicações, mas dou-as.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado, está atrasado!
O Orador: - Sr. Deputado Silva Marques, em relação à gestão do PSD na Câmara Municipal de Lisboa, ela decorreu durante 120 meses e teve tempo, mais do que sobra, para se queixar das idas e vindas - aliás, podia ter ido e não voltar e já resolvia o problema das idas e vindas e dos buracos de Lisboa. Mas nunca o fez!
Neste meio mês, dos 120, ou seja, um duzentos e quarenta avos do total de dias que tem a gestão de Sampaio, resolveu queixar-se.
Aliás, devo dizer que, em relação a isso, muito está a ser feito, mas não é isso que vou discutir, porque acho que é degradar o discurso político desta Assembleia, para gáudio de alguns que sorriem nas suas segunda e terceira filas, manter o tom e o estilo que o senhor quer imprimir a isto.
Estou de acordo consigo num ponto: acho que, realmente, deve dizer-se a verdade e dizer a verdade sempre. Mas, apesar de estar de acordo consigo neste ponto, vou dizer-lhe uma coisa: não aceito o repto, não vou dizer aqui, à frente de toda a gente, tudo aquilo que penso acerca de si.
Aplausos do PCP.
O Sr. Silva Marques (PSD): - O Campo Grande está cheio de buracos! Fale dos buracos! Tape os buracos!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em termos regimentais, terminámos o período de antes da ordem do dia e que é de uma hora, como os Srs. Deputados sabem.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, dá-me licença que o interrompa?
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Cardoso Ferreira pede a palavra para que efeito?
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, peço para, nos termos regimentais, procedermos à prorrogação do período de antes da ordem do dia.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que houve, de facto, declarações políticas e uma vez que há consenso das bancadas, vamos prolongar o período de antes da ordem do dia por mais 30 minutos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr Deputado António Braga.
O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 1984, a companhia de teatro Cena instala-se em Braga, em resultado da política de incentivos para fixação de companhias de teatro na chamada província. Noutras zonas do País, como em Évora e Setúbal, o Centro Cultural e o Teatro de Animação, respectivamente, beneficiam já há muito dessa política de incentivos.
Por meio de subsídios anuais e através de protocolos estabelecidos com as câmaras municipais, as companhias de teatro desenvolvem projectos de intervenção cultural e com manifesto exilo.
Desde Coimbra Martins a Lucas Pires, titulares que foram da cultura, permanecia como objectivo intocável o apoio à política de fixação das companhias de teatro fora de Lisboa. Era uma forma de fazer chegar às populações mais distantes a expressão cultural do teatro.
A intervenção das companhias não se limitou à sua criação artística, aliás, de assinalável qualidade. Ao colaborar com associações e grupos de teatro amador, contribuem para a proliferação desses grupos, com inegáveis benefícios para a população em geral e para a ocupação saudável de muitos jovens.
A título exemplificativo, basta dizer que, desde que a companhia de teatro Cena se fixou em Braga, houve uma autêntica explosão de crescimento em grupos de teatro amador. A companhia desloca com frequência o seu quadro de actores e encenadores pelas diversas associações e grupos, criando uma dinâmica e entusiasmo ímpares. Os seus ensinamentos e a sua experiência são geradores de criatividade.
A política seguida visava o desenvolvimento teatral para criar condições que permitissem, em conjunto com as autarquias, desenvolver estruturas mais fortes: os centros dramáticos. Aliás, era a própria Secretaria de Estado que sugeria a co-responsabilização das autarquias, exigindo uma participação financeira de 10 % sobre o montante de subsídio atribuído.
No momento em que as companhias iniciavam este processo para transformação em centro dramático, a Secretaria de Estado cria a ruptura financeira, colhe tudo e todos desprevenidos, não ausculta nem avisa ninguém. O que era um plano de desenvolvimento, transformou-se agora na angústia de sobrevivência.
No caso da companhia de teatro Cena, de Braga, a Secretaria de Estado da Cultura pretendeu, decerto, associar-se ao seu décimo aniversário de actividade regular subsidiada, cortando-lhe o subsídio como prenda.
Em Braga, a Câmara Municipal realizou um gigantesco esforço financeiro com a aquisição do Teatro Circo. Instalou aí a companhia de teatro, mas vê-se agora, pelos "novos critérios" da. Secretaria de Estado da Cultura,
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como "primeira responsável" pela manutenção da companhia, sem ler sido lida ou achada para isso! Ou haverá alguma relação entre a data do despacho de 19 de Dezembro e o dia anterior, que instalou maiorias de partidos da oposição nestas três principais câmaras?
Se os "novos critérios" mais não pretendiam do que cortar o subsídio, por que não se disse isso em devido tempo?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No plano artístico as companhias tom feito um esforço notável. Os encontros de dramaturgia que a Cena organizou tom sido referencia e contributo importantes ao nível da reflexão e da produção teórica sobre as práticas teatrais, como testemunham as actas já editadas. São também exemplo claro e flagrante desse trabalho as actuações na capital que as companhias fora de Lisboa realizam, sendo a crítica especializada o melhor testemunho disso.
Com esta medida a Secretaria de Estado da Cultura esquece mais de 10 anos de trabalho e dinheiro investidos. Cria um vazio em estruturas e pessoas que tem dado o melhor do seu esforço para a dinamização e divulgação teatral no País.
Ao receberem a notícia, em 22 de Dezembro, que poderiam as companhias fazer para se "reorganizarem", tendo em conta a sua realidade empresarial com salários, despesas correntes de manutenção, contratos de publicidade, espectáculos marcados, etc.? Mas a Secretaria de Estado da Cultura sabe que uma companhia fora de Lisboa não pode viver com subsídios pontuais! Há dificuldades na circulação de actores do centro para a periferia, com custos muito mais elevados. É impossível uma companhia manter um projecto sério sem uma estrutura fixa.
O que pensamos e propomos é que os apoios tenham uma base sólida, que as companhias saibam com o que podem contar. Fazer teatro não é a mesma coisa que ir visitar o Teatro de D. Maria. É preciso preparar e ensaiar, às vezes com um ano de antecedência, as peças que hão-de surgir em cena. Por isso não podem estar suspensas de apoios pontuais. As companhias precisam de saber, com antecedência, dos seus suportes financeiros, das condições de trabalho.
Pensamos que isso só é possível com a formalização de protocolos com garantia temporal razoável, de modo que permitam o desenvolvimento de um projecto. Sem isso é pôr em risco permanente o trabalho que se realize.
Também pensamos que deverá ser feita uma avaliação desses trabalhos, ao longo do desenvolvimento e duração dos protocolos. Só assim será possível, com antecedência, evidenciar propostas que apontem "novos critérios".
Por isso, discordamos totalmente desta celerada decisão de cortar com os subsídios às companhias de fora de Lisboa.
O novo Secretário de Estado da Cultura pode, se quiser, desmentir tudo quanto se disse a seu respeito, ainda antes de ser nomeado. Tem aqui matéria para isso, revogue a decisão, reponha os subsídios e surpreenderá os Portugueses.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente:-Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.
O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr. Deputado António Braga, queria manifestar-lhe a minha total concordância com aquilo que afirmou.
De facto, quem vive também fora de Lisboa, como eu e o Sr. Deputado, sente que nesta matéria da área cultural o País não é o mesmo, pois há graves discrepâncias, graves assimetrias que colocam a chamada província muito distante desta Lisboa, que, apesar de tudo, ainda tem buracos.
Gostaria de dizer que era importante haver uma política de teatro em Portugal, não só para as companhias profissionalizadas, como aquelas que referiu, designadamente a companhia de ícaro Cena, que, devo dizer, operou já, na zona da minha residência, assim como em escolas, um trabalho pedagógico notável, trabalho esse apoiado pelas autarquias e que importaria ver desenvolvido, no futuro.
Dizia eu que era importante haver uma política diferente para o teatro, como escola para os jovens e manutenção do gosto pela cultura para os mais velhos.
Vivendo num concelho que pode considerar-se como uma catedral do teatro amador, o concelho de Vila Nova de Gaia, sinto o papel importante que os grupos de ícaro, designadamente os amadores e outras companhias, tem no desenvolvimento cultural das comunidades.
Daí que, juntando a minha voz à voz do Sr. Deputado António Braga, sugira ao Sr. Secretário de Estado que reflicta sobre esta matéria, que estude uma forma de apoio consequente ao teatro em Portugal, para que o nosso país não fique mais distante de algumas dezenas de anos, em que, de facto, havia companhias espalhadas pelo País, onde havia - pasme-se! - uma actividade maior do que agora, quando vivemos em democracia.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): -Sr. Deputado António Braga, em primeiro lugar, o nosso acordo à generalidade da sua intervenção, que é particularmente oportuna, numa altura em que - e já estamos em Fevereiro!- as companhias de ícaro que se situam fora de Lisboa continuam sem saber, neste momento, com o que é que contam para o presente ano.
Após lerem recebido a informação do corte de subsídios para este ano, no final de Dezembro, como referiu, após lerem sido abertas, apesar de tudo, algumas pistas alternativas com a anterior Sr.ª Secretária de Estado, em relação a possíveis acordos alternativos para a subsistência de algumas companhias, a verdade é que, neste momento, em meados de Fevereiro, nada se sabe e as preocupações grassam em várias dessas companhias.
Em Évora, está em curso uma importante obra, que resulta de uma associação entre o Teatro da Rainha e o Centro Cultural de Évora, ou seja, a criação do centro dramático de Évora, uma importante iniciativa de descentralização teatral, e lambem aí se vivem as mesmas preocupações que são vividas em Braga.
Eu e o meu camarada José Manuel Mendes tivemos aqui, há dias, a oportunidade de fazer um requerimento ao Sr. Secretário de Estado, na medida em que está em curso, como aliás prevíamos há um ano, a tendência para a macrocefalia em Lisboa e para anular e suprimir ioda a descentralização teatral, que, de alguns anos a esta parte, tem sido uma raiz e fonte da vivacidade e da dinâmica cultural em muitos pontos do País.
É uma política que condenamos e, por isso, é necessário ser alterada. É necessário que, urgentemente, o Sr. Secretário de Estado da Cultura venha a esta Assem-
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bleia explicar quais os critérios e quais os projectos que tem este ano para a política de descentralização teatral.
O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga..
O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de agradecer a solidariedade e o testemunho do acordo que deram à generalidade da intervenção que produzi...
De facto, é uma preocupação que nos traz há muito tempo a estudar o assunto e, a talhe de informação, já agora, informo a Câmara que o Partido Socialista propôs, numa das anteriores sessões de perguntas ao Governo, fazer esta pergunta exactamente ao Sr. Secretário de Estado. No seguimento daquilo que disse o Sr. Deputado Lino de Carvalho, isto 6, que esperaria que o Sr. Secretário de Estado cá viesse, como ele não escolheu a pergunta para responder não estará ou não estaria à vontade para o fazer.
De qualquer modo, o assunto 6, de facto, muito grave. As zonas periféricas de Lisboa e aquelas que não podem chegar ião facilmente à cultura e a alguns dos, seus aspectos, nomeadamente ao teatro, vão ver-se privadas de companhias, que estavam a realizar um trabalho altamente produtivo e muito elogiado pelas populações.
Referi o caso concreto da companhia de teatro Cena, mas, em Évora e em Setúbal, também as companhias - tenho essa informação - estão a fazer um trabalho idêntico e muito intenso. Estavam até, nesta altura, como disse, a preparar-se para se transformar em centros dramáticos, portanto, numa estrutura muito mais ampla de intervenção, e, de repente-o que é mais grave-, a Secretaria de Estado, sem dizer nada a ninguém, cortou os subsídios...
Quando estavam montados os esquemas de funcionamento das companhias para este ano, de repente, vêem-se sem qualquer suporte financeiro de apoio para o fazer.
Essa é, essencialmente, a grande crítica que, neste momento, urge fazer.
De qualquer forma, não estamos fechados a que se estudem critérios de funcionamento e outras formas de subsidiar estas companhias. Agora, não se pode é, de repente, tirar a porta que havia, ficando um vazio e as companhias "penduradas".
Portanto, registo as preocupações do Srs. Deputado Barbosa da Costa e Lino de Carvalho e espero que o Sr. Secretário de Estado revogue, de facto, esta decisão, para que então, sim, num futuro relativamente próximo, possamos discutir outras formas de sustentar as companhias. Naturalmente, as autarquias também terão um papel a desempenhar, pois não vão, inibir-se dessa responsabilidade.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Viegas.
O Sr. Álvaro Viegas (PSD):-Sr. Presidente, Srs. Deputados: A segurança de pessoas e bens é uma tarefa do Estado, nomeadamente das forças policiais.
Vivemos numa sociedade estável, sem grandes convulsões internas, onde o cidadão comum se sente minimamente seguro.
Em consequência desse facto, e natural a reacção do cidadão, quando se apercebe de actos de violência perpetrados por indivíduos ou por grupos que põem em perigo a sua família e os seus bens. Não basta dizer que somos um País pacato sem grandes sinais de forte ou média violência. Temos de estar preparados (como diz o velho ditado popular, é melhor prevenir do que remediar), para conseguirmos fazer frente a qualquer tipo de violência inesperada.
As recentes notícias de grupos organizados (chamados "cabeças rapadas"), que põem em perigo algumas comunidades aqui radicadas, e os respectivos grupos de autodefesa, dão uma perspectiva negra do possível confronto, que se pode transformar numa constante ameaça à vida normal dos cidadãos.
Estes factos são bem o exemplo do aparecimento inesperado de grupos violentos, a que o Estado tem de dar uma resposta rápida e eficiente para os desmantelar e punir.
Os recentes actos de violência ocorridos no Algarve, fruto também de uma deslocação de mão-de-obra de todos os pontos do País, vivendo em condições degradantes, leva-os a um choque com o meio e a terem um comportamento, agressivo.
Nestas preocupações, encontra-se a vila de Quarteira, um meio turístico por excelência, que viveu nos últimos dias horas de angústia, com o assassinato de um jovem estudante. A vila de Quarteira tem um quartel da GNR, completamento ultrapassado no espaço físico e no número de efectivos policiais, o que faz com que dificilmente consiga dar resposta a todas as solicitações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Algarve não vive somente na época balnear. Os algarvios residentes todo o ano na sua terra sentem que há necessidade de reforçar os .efectivos policiais em todo o distrito e dar-lhes condições de aquartelamento. A construção de novos quartéis da GNR em Quarteira e Almancil, no concelho de Loulé, é uma emergência. A construção de novos quartéis nas freguesias mais distantes das sedes do concelho é uma prioridade.
É este o sentimento dos Algarvios, que querem que a sua região seja um espaço seguro para a sã vivência e para o salutar crescimento dos seus filhos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Filipe.
O Sr. Manuel Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ainda antes de iniciar a minha intervenção propriamente dita, gostaria de saber da sensibilidade dos Srs. Deputados do PSD para a questão que vou colocar.
Vozes do PSD: - E a sensibilidade dos outros deputados? Não interessa?!
O Orador: - Vamos ver! Vamos ver!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Durante a discussão do Orçamento do Estado para 1990 questionei vários membros do Governo sobre a existência ou não de verbas próprias para colmatar as inúmeras dificuldades com que se debatem os cidadãos portadores de deficiência, bem como as suas associações.
De concreto nada me foi respondido. Pelo contrário, alguns membros do Governo como o Sr. Ministro das Obras Públicas, por exemplo, entrou em contradição com afirmações posteriormente produzidas pelo então Secre-
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lário de Estado da Segurança Social, actual Ministro da Saúde. Do que estou a dizer, das inverdades que ambos me responderam faço prova com as actas respectivas.
Na altura, reparei na desorientação, no alheamento, no desconhecimento que o Governo tem de documentos por ele mesmo aprovados.
De facto, Sr. Presidente, Srs. Deputados, a política seguida para com este vasto sector da população é de a "lava mãos" de um comprometimento e a de deixar andar. E tanto assim é que a Lei de Bases da Reabilitação não é regulamentada e o plano orientador de reabilitação não é implementado.
No referido plano, por exemplo, atribui-se ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações competência para a aquisição, por parte deste, de autocarros preparados para transporte de deficientes em determinadas zonas e localidades.
Perguntei ao respectivo titular se tinha verbas no Orçamento para esta aquisição. Respondeu-me que as ditas estavam no orçamento da Segurança Social.
Perguntei ao Sr. Secretário de Estado da Segurança Social se tinha as ditas verbas. Respondeu-me que não, não linha verbas nenhumas!
Alguém enganou, ou pretende enganar!, pensará quem me está a ouvir. Penso que faltaram ambos à verdade. Nem um nem outro sabiam do que se estava a falar. Isso comprovei!
Para desvendar o mistério dos transportes para deficientes, espero ver cá um destes dias o Dr. Vieira de Castro!
Diz o Governo que é sua preocupação, e quantas vezes o diz o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, Silva Peneda, integrar sócio-profissionalmente os deficientes.
Pois bem, Sr. Presidente e Srs. Deputados, ouçam esta cúria história.
O Dr. António Lampreia, presidente da União Coordenadora Nacional dos Organismos de Deficientes, dirigente desde há muitos anos do movimento associativo dos deficientes em Portugal -ao qual tem dado uma boa parle da sua vida- e também, há mais de dois anos, dirigente de um organismo internacional de reconhecido mérito com representação na CEE, pois trata-se de uma pessoa extremamente dependente a nível motor, é desde 1975 funcionário efectivo do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações. Dadas as características da sua deficiência, sempre lhe foi facilitado executar o trabalho em casa, o que sempre cumpriu.
No dia 27 de Outubro de 1989, poucos dias depois de ler sido eleito presidente da UCNOD, foi-lhe comunicado telefonicamente que iria passar ao quadro de excedentes.
Não foi tida em conta a gravidade da sua deficiência. Foi desintegrado profissionalmente.
Em breve prazo, como é evidente, verá cerceada parte substancial do seu vencimento, aliás, seu único meio de subsistência.
Assim, Sr. Presidente, Srs. Deputados, para quem apregoa a evolução de uma política de reabilitação e integração da pessoa deficiente, como o Governo faz, que dizer da situação ora criada ao Dr. António Lampreia?
Que integração é esta, Srs. Deputados?
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: -Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Caio Roque.
O Sr. Caio Roque (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É cada vez mais insistente e veemente o protesto dos professores portugueses no estrangeiro relativamente ao Despacho n.º 60/SERE/89, de 11 de Setembro, e às exigências nele contidas ou, melhor, injustiças nele contidas.
Sabemos que existem lacunas! Os próprios professores o sabem, nunca deixando de alertar o Governo para tal situação.
Sabemos, e sabem-no também os professores, das mudanças que porventura terão de ser aplicadas num futuro próximo.
Sabemos que é necessário criar mais e melhores condições de ensino. Também o sabem os profissionais da educação deslocados no estrangeiro. Aliás, têm sido eles próprios quem, por várias razões e através da experiência adquirida, tem apresentado ao Governo propostas de criação de condições de ensino que salvaguardem os interesses quer dos pais, quer dos alunos e, concretamente, do País, da nossa própria cultura.
Mas sabemos também que tem sido o Governo que, depois de lhes ter prometido tudo durante a última campanha eleitoral -aí estavam em jogo os votos e não a educação e cultura portuguesas que se deseja sejam administradas aos filhos dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro-, tudo lhes tem negado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, já em 30 de Junho de 1986 denunciei neste Plenário a iniciativa do então primeiro Governo liderado por Cavaco Silva, mais concretamente pela Secretária de Estado do Ensino Básico e Secundário, Dr.ª Marília Raimundo, criando situações anómalas, até ao desemprego de muitos professores que leccionavam no estrangeiro, obrigando-os a regressar compulsivamente a Portugal por terem entregue a sua carta de autorização de trabalho e estada, quando então foram contratados pelo Estado. O argumento dos então membros do Governo era o de ser necessário acabar com os vermelhos no ensino do português no estrangeiro.
Na última sessão de perguntas ao Governo, tive a oportunidade de me dirigir ao Sr. Ministro da Educação, Roberto Carneiro, com a intenção de o demover da posição assumida e de lhe demonstrar que as informações eram erradas e que os profissionais do ensino do português no estrangeiro eram componentes e não mereciam - depois dos elogios que o próprio Secretário de Estado lhes fez no preâmbulo do despacho - as injustiças de que estavam a ser alvo e que as provas de avaliação previstas eram aberrantes. Fiquei então, Sr. Presidente e Srs. Deputados, mais uma vez, a saber quais são os objectivos do actual Governo, que não respeita ninguém e que tudo faz para atingir os seus objectivos traçados. Já não basta terem a pretensão de querer controlar ioda a comunicação social em território nacional, querem ainda por cima controlar também a comunicação social portuguesa no estrangeiro. O Sr. Ministro da Educação responde com grande frieza ou, melhor, como Maquiavel faria - pensando, porventura, que eslava a falar com um deputado da maioria -, que os professores dominavam as rádios locais e os restantes órgãos de comunicação social, e que se tinha de acabar com isso.
Aproveito para manifestar daqui a minha solidariedade para com os agentes do ensino do português no estrangeiro e apelar ao Governo para rever os aberrantes despachos, que em nada prestigiam a classe, o Governo, e, acima de tudo, o Estado Português no estrangeiro.
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Sabemos, pois, a partir de agora, o que pretende mais uma vez o Governo: calar a voz das rádios locais. Calar aqueles que, além de servirem com zelo a sua profissão, ainda conseguem arranjar tempo para colaborar na divulgação da língua e da cultura portuguesas.
Cumpram as promessas que fizeram aos cidadãos residentes no estrangeiro, Srs. Governantes!
Acabem com os saneamentos, aproveitem a experiência adquirida pelos actuais professores!
Para terminar, gostaria de citar o Sr. Secretário de Estado da Reforma Educativa no preâmbulo do Despacho n.º 60/SERE/89:
Considerando que os professores do ensino básico e secundário português no estrangeiro adquiriram, mercê de uma prática reflexiva de auto-informação e auto-aprendizagem, competências em áreas consideradas fundamentais;
Considerando que tal formação representou grande investimento por parte do Ministério da Educação e dos docentes nesta modalidade de ensino;
Considerando que tais investimentos poderão ser extremamente úteis ao ensino português no estrangeiro, nos casos em que comprovadamente os docentes possuam uma visão clara do papel que as comunidades portuguesas terão como veículo de divulgação do português como língua de comunicação na CEE e no mundo e mantenham o dinamismo indispensável à realidade específica do ensino/aprendizagem; (
Considerando que a experiência acumulada do trabalho com portugueses radicados no estrangeiro pode ter grande relevância numa melhor difusão da língua e da cultura portuguesas;
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Qual a razão, então, da existência de todo este imbróglio? A quem serve tudo isto? Que interesses estão por detrás de tudo isto?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Carlos Luís e Luís Geraldes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Luís.
O Sr. Carlos Luís (PS): - Sr. Deputado Caio Roque, embora V. Ex.ª seja membro da bancada do PS, a que pertenço, neste momento não resisto a colocar-lhe uma questão.
Compreendo a preocupação do Sr. Deputado no que concerne à situação de muitas dezenas de professores que leccionam no estrangeiro. Eu próprio, nos anos de 1975--1976, assisti ao recrutamento de alguns desses professores, que brilhantemente desempenham as suas funções, nomeadamente em França. Tenho conhecimento da sua acção valorosa na difusão da língua e da cultura portuguesas junto das comunidades portuguesas.
Aliás, o mérito destes professores tem sido reconhecido, por inúmeras vezes, e sempre que os responsáveis governamentais se têm deslocado a França tem tecido os maiores elogios a estes professores, embora, se comparados com os mesmos docentes que desempenham idênticas funções em Portugal, não possuam habilitação própria para o desempenho dessas funções. Mas a esses professores que tem desempenhado essas funções, muito em particular na Europa, sempre tem sido reconhecido um alto mérito e tem sido alvo de uma grande compreensão.
Esses professores, que ao longo de vários anos têm leccionado, vêem-se, neste momento, numa situação extremamente difícil, porque, na verdade, possuem uma carta de residência - tal como já disse o Sr. Deputado na intervenção que produziu - dada pelas autoridades francesas, mas não uma carta AT ao abrigo da Convenção de Viena.
Por conseguinte, logo que cessem essas funções, são obrigados a regressar a Portugal, não podendo permanecer mais tempo no país receptor. São, pois, dezenas de professores que ali constituíram a sua vida e têm o seu agregado familiar - em França, na Alemanha e em outros países - e, neste momento, em vez de estarem protegidos pela Convenção de Viena, encontram-se sujeitos à lei da procura e da oferta de trabalho.
Penso que esta Assembleia e, muito em particular, o Governo deveriam procurar uma solução. Neste caso concreto, é à entidade governamental que compete encontrar essa solução, no sentido de dignificar a classe dos professores no estrangeiro, e não só, mas muito em particular e neste caso concreto, dos professores que foram recrutados localmente, fazendo com que lhes seja atribuída uma carta AT ao abrigo da Convenção de Viena ou, muito em particular, dando-lhes um estatuto que seja compatível com a sua dignidade de professores no estrangeiro, onde muito brilhantemente têm desempenhado as suas funções.
Para terminar, Sr. Deputado Caio Roque, tendo em atenção as inúmeras preocupações dos familiares de muitas dezenas de professores, qual a solução que, neste momento, V. Ex.ª encontra para esta situação, se lhes forem retirados os privilégios e as imunidades ao abrigo da Convenção de Viena, e qual a solução que encontra para aqueles que não estão ao abrigo dessa Convenção e que não têm privilégios nem imunidades? Qual será a solução para o caso desses professores que, durante anos e anos, serviram as comunidades portuguesas, como foi testemunhado pelas entidades governamentais, e que, neste momento, são marginalizados e esquecidos?
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Geraldes.
O Sr. Luís Geraldes (PSD): -Sr. Deputado Caio Roque, de facto, é a problemática que se gerou ultimamente em redor das provas somativas dos professores residentes no estrangeiro que tem levantado e suscitado preocupações, umas de maior, outras de menor gravidade, em redor de toda esta questão.
Gostaria de ser o mais objectivo e transparente possível nesta questão. Penso que, de facto, e tendo em atenção o que foi dito pela boca dos deputados da bancada do Partido Socialista, não me parece que o que está em apreço seja a dignidade e o tipo de ensino que se pratica no estrangeiro, mas tão-somente a situação de residência de algumas dezenas de professores que, actualmente, exercem a sua actividade no estrangeiro.
Penso que esta questão deve ser tratada com a maior dignidade, com o maior cuidado, numa base de respeito e de ponderação, que é coisa que, de facto, o meu caro amigo e colega, Sr. Deputado Caio Roque, parece não fazer, quando tenta insinuar que este Governo pretende dominar a comunicação social no território nacional. É um facto, é do conhecimento geral que não e assim!
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Ainda quando diz que o Governo pretende dominar as rádios locais e a imprensa escrita no estrangeiro, bom, não me vou adiantar nestas questões, porque o Sr. Deputado Caio Roque sabe, tão bem como eu, que não é assim.
Com efeito, tive alguns contactos com associações ou representantes de professores, ainda no passado fim-de-semana, e aquilo que me foi transmitido nada tem a ver com a questão relacionada com as rádios locais nem tão-pouco com a comunicação social. É bom que fique registado que essas associações também não são contra as provas, isto 6, a maioria delas não suo contra a formação profissional que o Governo pretende implantar.
Mas, Sr. Deputado Caio Roque, se tomarmos em consideração que, em França - e foi o país citado pela bancada do Partido Socialista-, residem cerca de l milhão de portugueses e que professores são cerca de 300, se tomarmos em consideração um grupo de aproximadamente 10 milhões de jovens em idade de escolaridade, ou mesmo de 100000, isto dá uma média de 150 alunos por professor. Penso que é uma situação difícil de superar e que não pode continuar.
Tendo em consideração o que o Governo tem feito nesta matéria e sabendo que, quando se mexe numa área tão profunda, que vai tocar com vários segmentos, há professores que são mais afectados e outros menos afectados, penso que se devem desenvolver esforços em conjunto, porque o meu objectivo e do Sr. Deputado Caio Roque - estou convicto - é o da dignificação do ensino e da continuação do ensino da nossa língua no estrangeiro, numa base de seriedade, de maior competência e qualidade.
É esta a preocupação que tenho. Estou convencido que deve também ser a preocupação do Sr. Deputado Caio Roque e do Partido Socialista, pelo que devemos trabalhar em conjunto para que na realidade o ensino no estrangeiro seja cada vez mais eficaz e para que os filhos dos nossos compatriotas residentes no estrangeiro saibam compreender, cada vez melhor, a língua materna, que é coisa que, em muitos casos, neste momento, não sabem por inúmeras deficiências.
Para terminar, gostaria de lhe colocar uma questão.
Ouvi dizer que uma das preocupações da bancada do Partido Socialista é o encontro de plataformas para resolver a situação destas pessoas. Ao abrigo da bandeira do ensino, falou-se, tem-se falado e foi ainda, há poucos momentos, dito que o que importava era obter uma resolução para o problema da residência dessas pessoas. Penso que isso é fundamental, mas não acha o Sr. Deputado que, neste momento e face aos recursos que são gastos - parte deles, não sei se são bem ou mal gastos, mas são cerca de 5 milhões de contos - com o ensino no estrangeiro, não seria bom que o objectivo essencial fosse o de dignificar o ensino no estrangeiro, em vez de resolver as questões de residência de alguns professores que estão lá "fora" e que, eventualmente, podem vir a ser afectados por esta legislação?
O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Caio Roque.
O Sr. Caio Roque (PS): -Sr. Deputado Luís Geraldes, penso que a dignificação do ensino passa precisamente pelo aproveitamento da experiência dos professores que leccionam no estrangeiro e devo ainda salientar - e aqui respondo também ao meu camarada de bancada - que se hoje apenas cerca de l % dos professores não tem habilitação é porque, a pouco e pouco, se tem vindo a alterar e a transformar a qualidade do ensino no estrangeiro. No entanto, não podemos, de maneira nenhuma, deixar de render homenagem aqueles que, mesmo sem experiência e sem habilitações, deram tudo quanto tinham para ensinar os filhos dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro.
Não podemos compreender como, e com que intenções, se faz uma avaliação somativa, através de dois testes, onde as questões neles contidas não incidirão directamente sobre as teorias constantes nos módulos apresentados.
Quando é que o Governo definiu um modelo educativo e elaborou programas específicos para esse trabalho? Nunca! No entanto, graças ao grande profissionalismo, disponibilidade e, mesmo, sentido de improvisação dos professores, a máquina do ensino no estrangeiro funcionou, sobretudo, ao nível do que decorre directamente do empenhamento e responsabilidade de cada professor.
Os professores sempre se esforçaram por manter as melhores relações com as autoridades dos países' de acolhimento e as autoridades nacionais. Mereceram várias vezes grandes elogios em reuniões onde outras nacionalidades também estiveram representadas.
Por tudo isto, não podemos compreender que, depois do trabalho que esses professores fizeram, depois das relações de amizade que souberam criar e depois de o Sr. Secretário de Estado da Reforma Educativa lhes reconhecer tantas qualidades, possa pôr-se em causa a sua competência profissional.
sto é inadmissível. Sr. Deputado, porque os profissionais do ensino merecem mais respeito.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Luís Geraldes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra. Sr. Deputado.
O Sr. Luís Geraldes (PSD): - Peço imensa desculpa por utilizar esta figura regimental, mas gostaria de rectificar e clarificar uma questão.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Geraldes, provavelmente não é essa figura regimental que pretende utilizar.
É que há regras e o Sr. Deputado começa por dizer que vai violar, com todas as letras e com todo o espírito, a figura regimental que invocou.
Ora bem, face a isto, a Mesa não pode dar-lhe a palavra, por razões óbvias.
O Sr. Luís Geraldes (PSD): -Sr. Presidente, eu estava a ser, o mais possível, claro e transparente.
É que há uma questão que não pode ficar em claro.
Foi dito pelo Sr. Deputado Caio Roque que, desde há anos, havia professores que não tinham formação adequada para leccionar.
Tenho o maior respeito e admiração para com todas as pessoas que, com inúmeras dificuldades, no estrangeiro ou em território nacional, desempenham a sua actividade de professor.
O que está em apreço é saber se queremos ou não melhor ensino, se pretendemos ou não qualidade nesse ensino.
É só isso que quero deixar bem claro.
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O Sr. Caio Roque (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para responder, uma vez que o Sr. Deputado Luís Geraldes não fez nenhuma interpelação.
O Sr. Presidente: - De facto, tem razão, Sr. Deputado.
O Sr. Deputado Luís Geraldes, incorrectamente, utilizou a figura regimental da interpelação à Mesa e o Sr. Deputado Caio Roque utilizará a figura regimental que entender.
O Sr. Caio Roque (PS): - Peço, então, a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Caio Roque (PS): - Sr. Presidente, já que tenho de usar esta figura regimental, gostaria de dizer à Mesa que queremos, de facto, dignificar o ensino do português e da cultura portuguesa no estrangeiro.
Ao Sr. Deputado Luís Geraldes e à Mesa direi que ninguém mais do que os próprios professores, ninguém mais do que os próprios pais, ninguém mais do que a própria segunda e já terceira gerações de emigrantes, estuo interessados na dignificação do ensino do português e da cultura portuguesa.
Sr. Deputado Luís Geraldes, por tudo isto, não podemos compreender, de maneira alguma, que se ponha em causa a situação e a dignidade profissionais dos professores.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Gostaria ainda de dizer que encaramos as provas de avaliação aos professores como uma ofensa à sua integridade pessoal e profissional, que é algo que esses mesmos professores também pensam.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.
O Sr. Barbosa da Costa (PRD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como prometemos e sempre que constatarmos a existência de situações injustas e gravosas para os professores, vimos denunciar os problemas criados a um conjunto de professores do 1.º ciclo do ensino básico.
Parece, aliás, ser fatal sina destes agentes de ensino sofrerem, desde sempre, de menor atenção por parte dos legisladores e dos executores das políticas governamentais para o sector.
Seria do mais elementar bom senso aproveitar dos erros ou das omissões passados para prevenir as acções do presente e as perspectivas do futuro. É esta, de resto, uma das grandes virtualidades do conhecimento da história, se dela não se tem apenas uma concepção passadista.
Os professores do 1.º ciclo do ensino básico, no topo da carreira, com mais de 30 anos de serviço e numa situação qualificável de pré-reforma, são vítimas, mais uma vez, de um estudo e planeamento aligeirados, que lhes causam evidentes prejuízos.
Assim, o seu tempo de serviço, realizado durante uma longa vida docente, cheia de dificuldades, escolhos e privações, corre o risco de não ser devidamente considerado, face aos normativos existentes, mais propriamente o Decreto-Lei n.º 404/89, bem como as medidas de transição nele contidas.
Dizíamos que a experiência colhida em situações anteriores e semelhantes deve ser tida em conta, o que, manifestamente, mais uma vez não acontece.
Assim, já em 1986, na sequência do Decreto-Lei n.º 100/86, que contemplava as condições de acesso às S.º e 6.º fases, só a persistência dos interessados e das suas organizações representativas obrigaram à revisão do normativo, possibilitando a consideração integral do tempo de serviço prestado para integração nas fases a que, naturalmente, deveriam ter direito.
As lições da história não foram apreendidas e colocam--se os professores em questão numa posição semelhante à dos seus colegas que, entrando agora na carreira, atingirão o mesmo escalão com apenas 19 anos de serviço.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um mais apurado sentido de justiça obrigará à contagem integral de todo o tempo de serviço prestado, para efeitos de integração e aposentação nos respectivos escalões da carreira única do Decreto-Lei n.º 409/89, bem como a garantia de faseamento dos professores no activo, para além da revisão das condições de acesso ao topo da carreira para os professores com 29 ou mais anos de serviço.
Esperamos que, embora tarde, se remedeie o mal feito.
Desejamos ainda que, de futuro, não se tenha que calcorrear este enfadonho e evitável fadário de lembrar a quem governa o que a história já lhe tinha sugerido e que, para mal das instituições e dos homens, tarda a ser considerado no tempo certo.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.
O Sr. António Draga (PS): - Sr. Deputado Barbosa da Cosia, em primeiro lugar, corroboro a sua intervenção e gostaria de lembrar que quando, ainda há muito pouco tempo, pedimos a ratificação do decreto-lei em causa, tivemos oportunidade de explicitar ao Sr. Secretário de Estado e ao Governo as questões que acabou de colocar.
Em segundo lugar, quanto à situação que referiu, concretamente a do ensino básico, devo dizer que ela é muito mais gravosa do que a de outros sectores de ensino.
Não podia, pois, deixar passar esta oportunidade sem registar a nossa opinião sobre este assunto.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.
O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Deputado António Braga, "água mole em pedra dura tanto bate até que fura".
O que estamos a fazer é a tentar que os ouvidos, um pouco surdos, do Governo estejam atentos a esta realidade, embora a questão já tenha sido colocada num âmbito mais vasto, isto é, através de um pedido de ratificação que aqui teve lugar, em que também interviemos, denunciando várias situações.
Pretendíamos deixar expresso que se deve acabar, de uma vez por todas, de cada vez que se faz uma alteração, com a necessidade de vir lembrar que é preciso ajustar a situação às pessoas que estão em situação de pré-reforma, porque essa matéria nunca está contemplada.
Foi, mais uma vez, com essa intenção que colocámos o problema.
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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: 30 anos após a Declaração dos Direitos da Criança, as Nações Unidas chegaram ao texto final da Convenção sobre os Direitos da Criança, que, a partir do passado dia 23 de Janeiro, aguarda a ratificação de 20 países para que possa entrar em vigor.
A Convenção consagra um núcleo de direitos fundamentais do ser humano menor de 18 anos e representa o produto de uma larga e dolorosa reflexão sobre as condições dramáticas e difíceis em que se encontram crianças em todos os países do mundo.
Como ressaltou o director executivo da UNICEF, "milhões de crianças sofrem desnecessariamente na emergência silenciosa de uma enorme pobreza e subdesenvolvimento".
A Convenção dos Direitos da Criança -que, esperamos, entre rapidamente em vigor- obriga os Estados a garantir um quadro de direitos que contribuam para erradicar do mundo o flagelo de crianças vivendo muito abaixo do limiar de sobrevivência.
Nomeadamente, no que toca aos direitos económicos, sociais e culturais, os Estados ficam obrigados com a Convenção a tomar medidas para a realização desses direitos -e sublinho- no limite máximo dos seus recursos disponíveis e, se necessário, no quadro da cooperação internacional.
Num momento em que alguns países do mundo cortaram, nas suas despesas, com os serviços sociais - o que atingiu, em especial, as crianças, como salienta o relatório da UNICEF sobre a situação mundial da infância, em 1989 -, a Convenção das Nações Unidas aponta para um dado que também a UNICEF tem salientado.
Os reais indicadores do desenvolvimento são, de facto, os indicadores sociais, e não os da riqueza económica e do poderio militar, que convivem, quantas vezes, com altas taxas de mortalidade infantil, analfabetismo e subnutrição de crianças.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No início da década de 90 -uma década fundamental na luta pelo desenvolvimento-, a Convenção surge assim como a assunção pelos Estados da responsabilidade de garantir às crianças o bem-estar necessário ao progresso, de erradicar a pobreza do mundo, de lutar contra todas as formas de discriminação e opressão que se abatem sobre Los Olvidados deste mundo, um belíssimo filme, de Bufluel, que vimos no domingo passado.
Esquecidas tom sido, de facto, as crianças, que só por vezes quebram os écrans dos nossos televisores, em jeito da nossa penitência, cumprida a qual se mantêm a discriminação e a opressão até ao próximo momento de expiação.
O nosso texto constitucional não coloca quaisquer dificuldades à ratificação da Convenção.
O seu artigo 69.º consagra o direito das crianças à protecção da sociedade e do Estado. Na Constituição, consagra-se, ainda, o direito a essa protecção contra todas as formas de discriminação e de opressão e a garantia do desenvolvimento da personalidade dos jovens.
Tudo bem, portanto, em termos da lei fundamental.
Mas como a Convenção não se fica pelos princípios teóricos, mas institui um processo de verificação do cumprimento das obrigações assumidas pelos Estados, nos seus artigos 43.º e 44.º, impõem-se que se tomem medidas, a nível interno, para garantir os direito das crianças, entendendo-se "crianças", como é óbvio, os seres humanos com menos de 18 anos.
Os meios de comunicação social tem sido eco de notícias preocupantes.
Abrimos os jornais e verificamos que, em menos de um mês, duas crianças sofreram acidentes de trabalho mortais. Um deles completaria 15 anos no próximo dia 12 de Fevereiro.
Tratava-se de jovens em idade escolar, jovens que a Convenção considera crianças, jovens a quem a Constituição garantia o acesso ao ensino, proibindo a sua utilização como força de trabalho. Mas morreram a trabalhar.
E quantos outros estarão, neste momento, a ser vítimas da exploração do trabalho infantil?
Abrimos um semanário e as suas parangonas não podem deixar de constituir um choque: "Prostituição infantil alastra em Aveiro."
O artigo fala-nos de várias centenas de raparigas entre os 12 e os 16 anos que, no distrito de Aveiro, se dedicam à prostituição; fala-nos de raparigas grávidas aos 13 anos, de menores semiabandonados, de carências afectivas, de espancamentos, de abusos sexuais sobre crianças.
Como pano de fundo, a situação de pobreza das famílias, o desenraizamento das mesmas numa região a que ocorrem em busca do sonho dourado -que, afinal, falharam! -, a quase completa ausência de instituições dirigidas à protecção e encaminhamento da infância e da adolescência.
A comunidade, inquieta com estes e outros fenómenos, como a toxicodependência, tem tentado chamar a atenção para tão graves problemas, organizando-se, na medida do possível, para que se comecem a tomar medidas, urgentes e necessárias.
Em Portugal, segundo inquéritos de 1986 e 1988, promovidos pelo Centro de Estudos Judiciários, existem cerca de 20 000 crianças maltratadas, crianças vítimas de negligência, de maus tratos físicos e psíquicos, de abusos sexuais, sobretudo no sexo feminino, entre os 9 e os 14 anos, crianças vítimas das patologias mais raras, crianças amarradas, queimadas com cigarros, seres humanos votados ao insucesso escolar, à agressividade, a um estatuto de marginalidade, que não raro os atira para a vadiagem e a criminalidade.
Criam-se grupos multidisciplinares para tentar responder h gravidade da situação, como o Grupo Permanente de Análise da Problemática Relacionada com as Jurisdições de Menores e de Família, coordenado pelo Centro de Estudos Judiciários.
Mas a verdade é que os serviços tutelares de menores não têm capacidade de resposta a todos os problemas e, com certeza, já encontrámos nos tribunais pais que até sentem que a solução seria a reeducação dos filhos e que recebem a recusa do Ministério Público, porque, na verdade, não há serviços em condições para responder às necessidades.
Em todo o País, como em Aveiro, são praticamente inexistentes instituições que recebam mães solteiras e existem carências ao nível de recolha e encaminhamento de menores abandonados e ainda de tribunais de menores e de família.
Também aqui o Governo parece entender que o Estado não deve intervir e mantém-se alheado da gravidade da situação. Alheado não será, de resto, o termo adequado. Sempre que pode, o Governo demite o Estado das suas obrigações relativamente às crianças, cortando despesas
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nos serviços sociais, como aconteceu com o corte do subsídio à alimentação das crianças nas escolas.
Não será por estas vias - omissão de medidas e actuação lesiva dos direitos das crianças e dos adolescentes - que cumpriremos os princípios consagrados na Convenção dos Direitos da Criança.
Vamos, seguramente, ratificar a Convenção. , Mas nós, como deputados, não podemos deixar de responder ao apelo da UNICER Deveremos lutar pela aplicação da Convenção, exigindo do Governo as medidas necessárias para que, num país que restituiu, em 1974, a dignidade à criança, a criança seja, parafraseando Aragon, "o futuro do homem".
Aplausos do PCP, do PS, do PRD e do deputado independente Raul Castro.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr.ª Deputada Odete Santos, em primeiro lugar, gostaria de homenagear a sua intervenção. Seria escandaloso que aquilo que a Sr.ª Deputada disse caísse no vazio do silêncio desta Câmara.
Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!
O Orador: - Realmente, seria incompreensível que um problema tão torturante, que pode resumir-se numa frase já célebre "E as crianças, Senhor?!", trazido aqui por uma deputada, pudesse passar corripletamente despercebido da totalidade dos deputados que aqui se encontram. Julgo que só por desatenção todas as bancadas não subscreverão aquilo que a Sr.ª Deputada disse.
Não penso que haja por parte do Governo qualquer sentido em maltratar as crianças ou em não seguir uma política a favor das mesmas.
Realmente, tem havido uma espécie de inércia, talvez porque se julgue que as crianças devem ser mais entregues à caridade, à protecção da sociedade civil, das instituições privadas de solidariedade social, das misericórdias ou de instituições particulares, etc.
O que é certo é que a Sr.ª Deputada Odete Santos tem toda a razão quando diz que nós, portugueses (e não apenas o Governo e o Estado), temos descurado este problema fundamental, que nos devia afligir e não apenas sentir incomodados, depois de ouvir uma intervenção como a que a Sr.ª Deputada Odete Santos fez.
Temos de fazer alguma coisa. Temos de, talvez aqui, na Assembleia da República, organizar um debate público sobre os direitos da criança.
Naturalmente que as crianças portuguesas merecem um debate muito mais amplo e premente sobre o que está a passar-se - e cabe-nos a nós, deputados, defender os seus direitos.
Congratulo-me, pois, que tenha sido a Sr.ª Deputada que aqui tenha trazido esse problema e direi que a minha bancada se solidariza com tudo quanto a Sr.ª Deputada disse e subscreve a necessidade de esta Assembleia da República dedicar uma atenção urgente para com os problemas da criança em Portugal.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.
O Sr. José Lello (PS): - Sr.ª Deputada Odete Santos, no seguimento das palavras do Sr. Deputado Narana Coissoró, o meu pedido de esclarecimento é no sentido de louvar a intervenção que produziu sobre a problemática da criança.
De facto, também ficámos extremamente sensibilizados pela patética descrição que a Sr.ª Deputada veio trazer a este Plenário, onde demonstrou um conhecimento profundo da realidade social em que vivem todas essas crianças. Assim, é importante alertar todos os poderes instituídos e também a sociedade civil para a dificuldade e realidade envolvente em relação às crianças que muito sofrem no nosso País.
Creio que o problema da criança tem de ser encarado de frente e não com a hipocrisia do costume, ou seja, da "caridadezinha", que é costumeira no nosso País. De facto, tem de ser visto de forma frontal, acutilante, de modo que todos os poderes e a sociedade civil possam encarar a resolução de muitos dos problemas que a Sr.º Deputada trouxe.
Assim, gostaria de a felicitar pela intervenção que produziu.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero congratular-me pelas palavras dos Srs. Deputados que formularam pedidos de esclarecimento.
Anotei a atenção com que os Srs. Deputados seguiram a intervenção que produzi! Aliás, creio que talvez isso seja devido ao demasiado cansaço da Câmara que, por exemplo, ouviu o Sr. Deputado Silva Marques dizer que os buracos de Lisboa se podiam tapar em cerca de uma hora. De facto, no decurso da minha intervenção, cheguei a ouvir risos na bancada do PSD e não sei se tal foi ou não devido ao facto de pensarem que eslava a usar o termo "criança" em relação a adolescentes, o que era incorrecto, mas então é porque não sabem o que e que a convenção refere. Assim, espero que a gargalhada não tenha sido em relação às minhas palavras!
Porém, o silêncio por parte do PSD quanto a esta matéria não e de bom agouro, tanto mais que é a própria sociedade civil e o voluntariado a trazer-nos um manancial rico de dados. Neste aspecto, gostaria de destacar a actividade do Centro de Estudos Judiciários e do Dr. Armando Leandro, que é uma pessoa extraordinariamente empenhada nesta questão das crianças maltratadas. De facto, daí vem-nos um manancial muito rico -e apoio a ideia do Sr. Deputado Narana Coissoró- para podermos fazer, na Assembleia da República, um debate profundo sobre a situação das crianças no nosso País e sobre as eventuais medidas que se devam tomar no campo legislativo para resolver alguns dos seus problemas.
Gostaria ainda de dizer que entre este empenhamento por parte de certas áreas da comunidade e algumas atitudes do Governo vai um abismo. Assim, na intervenção que produzi não quis deixar de realçar que há uma omissão e uma inércia da parte do Governo, que atira tudo para cima da comunidade. Porém, o que é lacto é que esta sozinha não pode resolver muitos destes problemas.
Andar à procura de famílias de transição para colocar crianças e não as encontrar, continuando com estas num estado de perfeito abandono, não é solução. Assim, é
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necessário que sejam encontradas soluções para as famílias de transição, mas também muitos outros meios para resolver estes problemas.
No ano passado tive a felicidade de, com a Sr.ª Deputada Conceição Monteiro, assistir, no Centro de Estudos Judiciários, a um debate riquíssimo em que participavam os países africanos de língua oficial portuguesa, e creio que ambas saímos de lá muito mais ricas de conhecimentos e despertas para lutar e resolver estes problemas.
A Assembleia da República deve, pois, dar um impulso para que possamos vir a ser aplicada a Convenção e os preceitos constitucionais.
Aplausos do PCP. do PRD e do CDS.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em apreciação os n.os 27 a 29 do Diário.
Pausa.
Visto não haver objecções, consideram-se aprovados.
Srs. Deputados, vamos passar à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 93/V - Reduz o período normal de trabalho e dos projectos de lei n.os 291/V (PCP) - Reduz a duração semanal do trabalho normal e 361/V (PS) - Redução da duração semanal de trabalho.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Emprego e da Segurança Social.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Emprego e da Segurança Social (Almeida Seabra): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A redução dos períodos normais de trabalho tem sido há muito expressão de bem-estar económico e social, pelo menos em lermos da nossa cultura ocidental.
Mas, mesmo em países com culturas diferentes da ocidental, a redução do tempo de trabalho está também na ordem do dia.
Veja-se, a título de exemplo, o caso japonês, em que o limite máximo legal da duração de trabalho semanal foi, a partir de Abril de 1988, reduzido de 48 horas para 46 horas, prevendo-se a sua redução progressiva até às 40 horas, evolução que vai ler, sem dúvida, grande impacte nas economias asiáticas. A redução dos períodos normais de trabalho é uma aspiração em cujo enraizamento todos participamos, não obstante as divergências que assumimos quanto às formas e aos momentos para a sua concretização.
Individualmente, movem-nos razões de ordem física e psíquica, estimuladas pelo prazer da fruição de bens materiais e espirituais, cujo desfrute em muitos casos só é possível em tempos de não trabalho...
Colectivamente, a complexidade da nossa organização em sociedade diminui os tempos de convívio entre a família e amigos e envolve-nos em maior participação na vida cívica e política.
A informação, a música, a arte, o desporto suo hoje valores da nossa cultura tão marcantes, em termos de realização pessoal, como o trabalho. Todos estes valores - e outros cujo sentido desta intervenção não imporia aqui enunciar - marcam a nossa caminhada civilizacional em busca de um melhor "ser" homem, em substituição de um maior "ter" para o homem.
Como falta tempo para tudo, predispomo-nos para o choque mental com os tempos de trabalho...
Ora, esta tendência - direi humana - para a redução do tempo de trabalho ganha particular força quando enquadrada, estrategicamente, em políticas de emprego, visando a partilha de postos de trabalho.
Com este ou outros argumentos políticos, certo é que os trabalhadores associam à redução do tempo de trabalho uma melhor qualidade de vida.
Mas terá a redução da duração de trabalho sempre esta magia de melhorar a qualidade de vida?
Obviamente que não!
De facto, provocará até diminuição de qualidade de vida sempre que afecte o desenvolvimento económico, nomeadamente por perda de competitividade das empresas.
Vejamos: se considerarmos o facto de a produção de certo trabalhador revelar uma tendência para a estabilidade, a redução do seu tempo de trabalho das 45 horas para as 40 horas implica, no quadro de idênticas condições de produção, uma redução linear da produção equivalente a uma variação de 100 para 88,8, o que significa passar o custo salarial de cada unidade produzida de 100 para 112,5.
Num caso destes -não considerando, por isso, o comportamento dos custos de outros factores de produção-, o empresário, no quadro das variáveis que influenciam a estratégia da empresa, tende a reagir da seguinte maneira: ou reduz a produção; ou recorre ao trabalho suplementar; ou admite pessoal; ou aumenta a produtividade.
Evidentemente que, atentos os cenários descritos, só o aumento da produtividade dá resposta segura à recuperação do agravamento do custo salarial por unidade produzida resultante da redução da duração do trabalho.
E no caso português não deve ser considerada outra via, face ao distanciamento entre Portugal e os países da Comunidade, em matéria de produtividade.
Em estudo a que se procede no Ministério do Emprego e da Segurança Social sobre a avaliação do impacte da integração na Comunidade, dados provisórios obtidos permitem verificar que, tomando o índice 100 reportado à produtividade média dos 12 países europeus, em 1986, Portugal detinha o índice 53,6 - o mais baixo de todos os países da Comunidade - encontrando-se logo a seguir à Grécia, com 61,1, e na melhor posição a Holanda, com 115.
Embora depois de 1986 se continuem a verificar, em Portugal, aumentos de produtividade acima da média europeia, continuamos muito distantes, em termos de produtividade, relativamente aos restantes países da Comunidade.
Por isso, perante uma redução do tempo de trabalho, há que garantir aumentos contínuos de produção ganhos através do aumento de produtividade e nunca através do trabalho suplementar ou mesmo de novas admissões.
Não cabe, portanto, no caso português, invocar-se políticas de emprego como fundamento para a redução, tanto mais que o nosso mercado de trabalho apresenta pouca elasticidade, seja pela baixa taxa de desemprego, seja pela insuficiente qualificação dos trabalhadores portugueses.
Por tudo isto, o Governo apresentou a proposta, ora em discussão, da redução da duração de trabalho para as 44 horas, a partir de Janeiro de 1991, depois de o assunto ter sido debatido no Conselho Permanente de Concertação
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Social e, nesta parte, ter merecido consenso dos parceiros sociais, como consta da acta da reunião de 23 de Janeiro de 1989, aprovada em 7 de Abril do mesmo ano.
Mais entende o Governo que quaisquer progressos em termos de redução devem ser desenvolvidos na sequência de consensos obtidos em negociações entre os parceiros sociais, dinamizadoras de novas formas de gestão do tempo de trabalho, com novas modalidades de prestação do trabalho, sob pena de se hipotecarem, irremediavelmente, os indispensáveis aumentos de produtividade.
Aliás, 6 este o enquadramento que tem vindo a prevalecer tanto em Portugal como nos restantes países.
Na realidade, a par dos limites máximos de duração do trabalho fixados pela lei, as convenções colectivas têm vindo a introduzir, progressivamente, reduções ao tempo de trabalho.
De facto, a duração máxima semanal de 48 horas está ainda fixada por lei em Portugal, na República Federal da Alemanha, na Irlanda, na Itália e na Holanda. Contudo, a contratação colectiva já baixou tal redução para menos de 40 horas semanais e, no caso português, podemos considerar um valor médio próximo das 42 horas semanais.
A média de 42 horas indicada para Portugal inclui - como, aliás, quanto aos restantes países - a indústria, o comércio e serviços e a agricultura.
No que respeita às indústrias transformadoras, a média de duração de trabalho praticada situa-se à volta das 43 horas, mas em bastantes sectores algumas convenções ainda mantêm durações de 44 e 45 horas semanais.
Para uma amostra de 720 452 trabalhadores das indústrias transformadoras, em 1987, 58,9 % tinham horários semanais inferiores a 45 horas e 39,7 % horários de 45 horas.
Já em 1988, nas mesmas indústrias, e para amostra aproximada, era de 85,3 % a percentagem dos que praticavam horários inferiores a 45 horas, sendo apenas de 11,3% a percentagem dos que praticavam horários de 45 horas.
E esta evolução manteve-se em 1989.
O que significa que a dinâmica convencional tem assegurado a redução gradual da duração de trabalho, mesmo permanecendo intocado o limite máximo legal das 48 horas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: o projecto de lei apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português para a fixação imediata da duração do trabalho nas 40 horas não constitui um salto, mas um "sobressalto"...
Com efeito, as empresas portuguesas não conseguirão, de forma tão precipitada, recuperar a produtividade perdida e, afectada ainda mais a sua falta de competitividade em relação às empresas dos restantes países europeus, correremos grande risco de cair, a curto prazo, em novo ciclo de recessão económica.
O projecto de lei apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista marca uma evolução mais controlada nos seus efeitos, mas, ainda assim, com riscos para a maior parte dos sectores com peso nas exportações e consequente quebra no crescimento económico. Relevo o caso dos têxteis, calçado e mobiliário...
Em expressão desta preocupação quanto ao sector têxtil, regista-se que, no ano de 1989, os próprios parceiros sociais, a ANIVEC (Associação Nacional dos Industriais de Vestuário e Calçado) e o SINDETEX (Sindicato Democrático dos Têxteis) outorgaram uma convenção colectiva com redução progressiva de meia hora por ano a partir de 1991, em ordem a fixar a duração semanal do trabalho, em 1993, nas 42 horas e meia e não nas 40 horas, como propõe o Partido Socialista.
Será avisado, neste quadro de negociações, o legislador ultrapassar a dinâmica negocial e fixar a duração de trabalho em 40 horas a partir de 1993? Julgamos que não, sobretudo num período como o que vivemos de particular envolvência dos parceiros sociais em diálogo!
O Governo sustenta que esta é uma das matérias em que os parceiros sociais devem marcar a cadência da evolução, assumindo o legislador, quando necessário, a normativização de certos consensos.
A dinâmica social nesta matéria é, aliás, surpreendente...
Com efeito, 12 meses decorridos sobre a negociação que apontou para as 44 horas semanais, os parceiros sociais estuo em fase actual de negociações cuja probabilidade de resultados pode, inclusivamente, ultrapassar os passos acordados há um ano e materializados nesta proposta de lei do Governo.
O Governo apoia tais negociações e espera que uns e outros obtenham os consensos conducentes a uma progressiva redução da duração do trabalho - quiçá melhor que a contida nesta proposta de lei- porque só assim podemos 'confiar que tal redução seja percursora de qualidade de vida.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Narana Coissoró, Odete Santos e Osório Gomes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Emprego e da Segurança Social, tomou-se quase uma doença do Governo e do PSD a de fazer duplos debates: a oposição apresenta uma iniciativa que julga importante, o PSD, depois do debate, mete a iniciativa no frigorífico e depois, passados 10, 11 ou 12 meses, vem aqui o Governo renovar o debate já feito como se pela primeira vez apresentasse ao País uma iniciativa nova, que diz respeito a todos, sem sequer tomar em consideração os principais argumentos apresentados pelos partidos durante este debate.
a verdade, foi aqui travado um debate, no dia 16 de Março de 1989, sobre esta matéria, sobre os diplomas que aqui foram apresentados...
O Sr. Filipe Abreu (PSD): -Foi só um!
O Orador: - Foram dois diplomas, um do PS e outro do PCP. E o Sr. Deputado Filipe Abreu, que agora está muito inquieto, anunciou aqui, nesse mesmo dia, que eslava a decorrer, a poucos metros desta Casa, uma reunião do Conselho de Ministros onde estava a ser tratada a mesma matéria - isso consta das actas - e solicitou que tudo parasse nesta Câmara à espera do resultado. Mas passaram quase 11 meses sobre essa reunião do Conselho de Ministros que o Sr. Deputado Filipe Abreu aqui anunciou, tão pressurosamente, naquele dia 16 de Março, solicitando que se suspendesse o debate, e nós verificamos, afinal, que nada de novo o Sr. Secretário de Estado nos traz hoje em relação a tudo o que se disse em 16 de Março de 1989 sobre o problema da redução da duração semanal do trabalho.
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É mais uma prova de que o PSD não tem sabido entender como deve ser a cooperaçâo institucional entre o Governo e a Assembleia da República, entre o Governo e as oposições. A cortesia, pelo menos, obrigava a que o Sr. Secretário de Estado -que com certeza leu este debate, pois certamente não viria aqui ignorando-o - fizesse referência aos principais argumentos então avançados por diferentes partidos e os rebatesse, para fazer valer os seus.
Por outro lado, passados 11 meses sobre esse debate, e tendo em consideração a forma como este assunto da duração do trabalho foi debatido em vários países, não posso deixar de lastimar que o Governo venha aqui apenas com um índice, que 6 o da produtividade, e sobre as experiências de alguns sectores negocialmente feitas. É que, como V. Ex.ª sabe, o problema da duração do trabalho nos países da CEE tem sido sempre acompanhado de um estudo teórico dos chamados modelos de redução da duração do trabalho. Foram o modelo do "Tesouro" (Treasury), no Reino Unido, os modelos VINTAF e FREIA, na Holanda, o modelo MARIBEL, na Bélgica, os modelos DMS e METRIC, em França, e o chamado modelo Henize, na República Federal da Alemanha. Estes modelos tinham em consideraçâo a verificação do impacte da redução da duração do trabalho na produtividade, que V. Ex.ª aqui referiu, na capacidade de produção, nos salários e no mercado do emprego, no investimento, no crescimento económico, na inflação, na balança de pagamentos e no défice orçamental, como principais variáveis macroeconómicas influenciadas pela diminuição desse trabalho.
Há também uma grande experiência pela Europa fora, principalmente da CEE, para saber como é que as grandes, médias e pequenas empresas reagem à diminuição do trabalho. V. Ex.ª apenas trouxe os malefícios da diminuição da duração do trabalho, como sejam as horas suplementares e a baixa de produção e o aumento dos ritmos. Suo de facto efeitos conhecidos, mas não os principais. As empresas grandes reagem de uma maneira, as médias de outra maneira e as pequenas de outra ainda. V. Ex.ª não nos trouxe qualquer estudo sobre Portugal. E seria bom que, pelo menos no debate na especialidade deste problema, o Ministério do Emprego e da Segurança Social fornecesse à Assembleia um estudo exaustivo sobre todas as variáveis macroeconómicas e, principalmente, sobre os modos como previsivelmente as empresas em Portugal poderão reagir perante esta redução da duração do trabalho, se ela for abrupta e se for transitória, como espero que seja.
O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito?
O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Para defesa da consideraçâo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Sr. Deputado Narana Coissoró errou o alvo quando se me dirigiu pessoalmente. De facto, a primeira vez em que este assunto aqui foi discutido foi no dia 16 de Março e eu disse efectivamente tudo o que V. Ex.ª acabou de afirmar. Mas disse-o com conhecimento de causa. Naturalmente que o Sr. Deputado se esqueceu de que o próprio dia em que afirmei que o Conselho de Ministros estava a tratar deste assunto foi também o dia em que o diploma foi visto e aprovado naquele Conselho, ou seja, o dia 16 de Março de 1989. Portanto, o que eu disse linha toda a razão de ser e toda a oportunidade para que parássemos e pensássemos.
Mais, Sr. Deputado: se só hoje sobe à Assembleia da República a discussão destes diplomas, a culpa não é do Governo, e V. Ex.ª sabe bem que não é. Se há culpa, é apenas nossa. Assumamo-la! E V. Ex.ª também é deputado desta Casa. Sc estes diplomas só hoje suo discutidos, é porque foram agendados para só hoje serem discutidos. O Governo nada tem a ver com isso, porque o Governo não manda na Assembleia da República.
V. Ex.ª - repito - errou o alvo. Para a próxima vez deverá ter mais cuidado nas suas afirmações.
Vozes do PSD:-Muito bem!
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Filipe Abreu, é lastimável que um deputado desta Casa não conheça o modo interno como é fixada a agenda de trabalhos, quando diz que o Governo nada tem a ver com o agendamento das iniciativas e que é por culpa da Assembleia que este agendamento foi feito para hoje.
Não posso, naturalmente, dar explicações sobre tamanha ignorância. Apenas direi que o Sr. Deputado Filipe Abreu deve conversar com os dirigentes da sua bancada parlamentar que habitualmente assistem à conferência de líderes sobre o modo como são feitos os agendamentos e a intervenção do Governo e dos líderes parlamentares nesses agendamentos, para depois grilar a sua ignorância.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Emprego e da Segurança Social, quero colocar duas ou três brevíssimas questões aos seus argumentos, que encaram esta questão sob um ponto de vista puramente economicista, aliás com falhas (responderemos na altura oportuna).
A primeira questão que coloco é esta: V. Ex.ª leu, de facto, o projecto de lei do PCP? V. Ex." afirmou que a redução para as 40 horas seria para entrar imediatamente em vigor, mas esqueceu-se certamente de que temos um artigo a referir que entrará em vigor no prazo de seis meses após a publicação e dispositivos que prevêem em relação a algumas actividades uma redução progressiva. V. Ex.ª, na sua intervenção, omitiu isto. Por isso lhe pergunto se leu o nosso projecto.
A segunda pergunta que lhe coloco, para ver se estou certa, tem a ver com o seguinte: diz-se no último artigo da proposta de lei que o diploma se aplica às actividades abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 409/71. Faço uma leitura deste decreto-lei em relação à exclusão dos trabalhadores rurais, mas seguramente não é a que V. Ex.ª faz, O que lhe pergunto é se pensa excluir - e a vossa proposta exclui - os trabalhadores rurais da redução da semana de trabalho, porque, pela maneira como, segundo creio, in-
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terpreta o Decreto-Lei n.º 409/71, é esse o sentido da exclusão. Pergunto-lhe também se acha bem que numa zona como o Norte, onde mio tem havido negociação para redução da duração semanal do trabalho, os trabalhadores rurais continuem vinculados à semana das 48 horas.
Coloco-lhe ainda a seguinte questão: o Sr. Secretário de Estado acredita mesmo em que os aumentos dos ritmos de trabalho vem só por causa da redução do horário de trabalho? Não sabe V. Ex.ª que neste momento há empresas com a actual duração semanal de trabalho e multinacionais onde os aumentos de ritmos de trabalho suo brutais? V. Ex.ª não lerá de procurar noutras áreas, nomeadamente no laxismo em relação a essas empresas e na tentativa de desregulamentação do direito do trabalho, a causa da violação dos direitos dos trabalhadores?
Por último, já que tanto falou no trabalho suplementar, e impondo-se com urgência a alteração da lei do trabalho suplementar, que, ainda por cima, espolia os trabalhadores dos ganhos desse trabalho, pergunto-lhe: o Governo vai alterar essa lei, torná-la melhor para os trabalhadores e condicionar mais a prestação de trabalho extraordinário?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Osório Gomes.
O Sr. Osório Gomes (PS): - Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Emprego' e da Segurança Social, ouvi atentamente a intervenção que proferiu sobre o tema em debate neste Plenário e gostaria de lhe colocar duas questões.
A primeira é a de que esta proposta de lei aponta, com uma certa rigidez, para às 44 horas de trabalho semanal e não introduz nenhum mecanismo que vise aproximar-se da Recomendação n.º 116 da OIT. Por outro lado, o projecto de lei que o Partido Socialista apresentou tem um faseamento, de forma que, também gradualmente, se possa fazer essa aproximação às 40 horas a partir de Janeiro de 1993. Não concorda o Sr. Secretário de Estado em que esta iniciativa do Partido Socialista está mais consentânea com o objectivo dessa aproximação às normas que dimanam da OIT?
Outra questão tem a ver com o Decreto-Lei n.º 505/74, que não permite que as convenções colectivas possam vir a alterar a duração do trabalho, dado que o Partido Socialista, no seu projecto de lei relativo à eliminação de algumas restrições ao processo de negociação colectiva, apontava para a revogação desse diploma legal. A verdade - V. Ex.ª sabe-o tão bem como eu - e que esse projecto do Partido Socialista foi rejeitado pela maioria que sustenta e suporta o actual Governo, e, também se verifica que o Decreto-Lei n.º 87/89 não estabelece essa revogação.
V. Ex.ª, no seu discurso, falou do diálogo com os parceiros sociais, que penso ser extremamente importante, mas vejo que há aqui, da parte do Governo, uma certa intenção mais de actuação de carácter administrativo do que propriamente de diálogo e contratação colectiva livremente negociada entre os parceiros sociais.
Parece-me, portanto, que há aqui uma certa contradição entre aquilo que V. Ex.ª proferiu daquela Tribuna e aquilo que poderei ler e analisar através da documentação legal do próprio Governo.
O Sr. José Lello (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Emprego e da Segurança Social.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Emprego e da Segurança Social:-Em relação às questões colocadas pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, quero, antes de mais, registar um profundo equívoco nesta matéria. Independentemente dos faseamentos, que poderão ter sido sustentados relativamente à apresentação formal das propostas, quero significar que, em reunião de 23 de Janeiro de 1989 do Conselho Permanente de Concertação Social, foi discutido este problema da redução do horário de trabalho e, na sequência do acordo aí obtido, o Governo iniciou um processo legislativo que teve a sua preparação (a apresentação à reunião do Sr. Secretário, a apresentação à reunião do Conselho de Ministros, a aprovação em Conselho de Ministros e o envio para a Assembleia da República) e, verificando o registo que em termos dos projectos foram observados nesta Assembleia, não há qualquer dúvida de que a primeira iniciativa nesta matéria ocorreu da negociação que existiu entre o Governo e os parceiros sociais, consubstanciada nessa reunião do Conselho Permanente de Concertação Social.
O Sr. Deputado suscitou também, quanto a esta matéria, nomeadamente nas observações que fez à minha intervenção, críticas relacionadas com a falta de fundamentação que esta proposta do Governo apresentava. Quero, no entanto, significar que o debate que se desenvolve actualmente entre os parceiros sociais beneficia de todos os estudos que já foram feitos noutros países e, não obstante cada país ter a sua realidade concreta, a verdade é que os modelos equacionáveis não são, numa perspectiva teórica ou abstracta, diferentes daqueles que já estão concebidos.
O que resta, e isso é que é importante neste momento, é que os parceiros sociais, empregadores e trabalhadores, inventariados esses modelos pela melhor percepção que tem - porque estuo nas empresas - quer do realismo, quer do pragmatismo, quer da aplicação concreta desses modelos, possam, através de propostas que venham a fazer também neste campo ao Governo, identificar os melhores modelos que sejam ajustados à actividade empresarial. Direi até que, se alguma coisa, relativamente à análise desses modelos, resultou em termos de mérito de discussão é o reconhecimento de que, no fundo, todos eles são válidos, embora, em certo sentido, possam considerar-se uns mais ou menos adaptados à estrutura das empresas e aos objectivos da actividade empresarial.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Posso interrompê-lo, Sr. Secretário de Estado?
O Orador:-Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Secretário de Estado, obviamente não vou pôr em dúvida que o Governo lenha feito esses estudos. Seria absolutamente impensável que o Governo fosse à reunião do Conselho de Concertação Social sem estar munido desses estudos. A única questão que levantei é que, se cada país, exactamente pela realidade concreta e diferente que apresenta em relação aos outros, faz os seus próprios estudos e se, aqui no nosso país, o Ministério do Emprego e da Segurança Social, juntamente com outros ministérios - porque
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é um processo interdisciplinar e interministerial - fez também esse estudo, isto é, divisou um modelo português, tal como há o inglês, o francos, o belga, o holandês e o alemão, etc., naturalmente devido às variáveis macro-económicas específicas de cada um, não poderá trazê-lo à Assembleia para o debate na especialidade?
O Orador: - Sr. Deputado, como já havia referido, nesta matéria todos os modelos que foram concebidos são importantes para apreciação pela realidade portuguesa. E mais do que o Governo, em relação ao caso português, estar a dizer que o modelo indicado é este ou aquele, o que 6 importante neste momento é que as empresas e os trabalhadores negoceiem, com reflexão, em termos de convenções e, no caso concreto se assim se considerar, em termos de propostas que o Governo normativize, soluções que podem apanhar partes desses modelos, mas sendo sempre ajustadas ao caso português.
Em qualquer circunstância - e deixei isso bem patente na minha intervenção-, aquilo que resulta, no caso português, da redução do horário de trabalho é fundamentalmente o seguinte: perante a redução do tempo de trabalho há que garantir aumentos contínuos de produção ganhos através do aumento de produtividade e nunca através do trabalho suplementar ou mesmo de novas admissões. No caso português, face às diferenciações de produtividade entre Portugal e a Comunidade, qualquer modelo, independentemente de ganhos de produtividade que possam ser alcançados por outras vias, exigirá sempre ganhos de produtividade directos em lermos da prestação de trabalho.
Sr.ª Deputada Odete Santos, é verdade que o projecto do PCP equaciona um faseamento que, quanto a mim, na perspectiva em que ele vem considerado, tem um impacte imediato, e, por conseguinte, no entendimento que fiz de aplicação imediata, leia-se ou interprete-se o impacte imediato que terá em termos de economia portuguesa.
Quanto às exclusões referentes ao Decreto-Lei n.º 409/71 e relativamente ao articulado desse diploma, julgo que resulta claro, neste contexto, as exclusões que aí vêm identificadas. Isso não significa, nomeadamente em relação ao trabalho rural, por via da própria negociação colectiva que faz a remissão para as normas que se aplicam em geral a outros trabalhadores por conta de outrem, que não possa vir a ser recebido por essa via indirecta o efeito da redução do horário de trabalho.
Quanto às demais questões que colocou, nomeadamente de trabalho suplementar e outras alterações na legislação de trabalho, em relação à duração e organização do tempo de trabalho, o Governo está relativamente tranquilo, porque, de facto, como foi aqui negociado, vai captar fundamentalmente os consensos negociados entre os parceiros sociais e aqueles quo se impuserem em termos de normativização por parte do Governo e, aí sim, caberá ao Governo consubstanciar, materializar esses consensos em termos de lei, mas a evolução que vier a ocorrer será fundamentalmente determinada por aquilo que empregadores e trabalhadores, através das suas organizações representativas, vierem a acordar.
Quanto às suas questões, Sr. Deputado Osório Gomes, quero significar que, de facto, o projecto do PS equaciona um faseamento que acautela melhor os efeitos negativos sobre a economia nos termos em que é apresentada. No entanto, não deixo de acentuar que me parece demasiado precipitada a marcação imediata para 1993 de uma evolução no sentido da redução de horário de trabalho para as 40 horas, quando os parceiros sociais - e cito o caso da negociação entre a ANIVEC e o SINDETEX, um sector têxtil que é extremamente importante para a nossa economia - equacionam uma redução de horário de trabalho de meia hora por ano, por forma a atingirem, em 1993, 42 horas e 30 minutos.
Julgo que, independentemente de todos nos podermos congratular com este esforço de negociação entre as confederações patronais e sindicais, o legislador deve ser prudente nesse empurrão dos parceiros sociais, porque as consequências poderão ser altamente gravosas, e ficaremos, nessa altura, com situações sociais degradadas em relação às quais dificilmente teremos respostas imediatas, sobretudo porque os desafios que se nos apresentam em termos de mercado único são bastante responsáveis e exigem muita segurança na nossa evolução em termos económicos.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Júlio Antunes.
O Sr. Júlio Antunes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Com a apresentação do projecto de lei n.º 291/V, o Grupo Parlamentar do PCP empenhou-se decisivamente numa importante iniciativa, que, desde há vários anos, é uma funda aspiração de grande parte dos trabalhadores portugueses.
Trata-se de legislar sobre a redução do período de trabalho semanal para um máximo de 40 horas. Para o trabalho nocturno, insalubre, penoso e perigoso propomos a redução para 35 horas semanais. Como é evidente, esta legislação não poderá constituir prejuízo na duração de períodos de trabalho inferiores já consagrados.
Isto significa que, hoje, a Assembleia da República vai discutir e tomar posição sobre esta importante questão, que tem repercussões na vida profissional e pessoal e ainda no bem-estar dos trabalhadores. Mais, o que hoje aqui debatemos é a abolição definitiva da duração das 48 horas semanais em vigor, estabelecidas pelo Decreto-Lei n.º 409/71.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos aqueles que se interessam por esta matéria sabem perfeitamente que, desde há vários anos, os trabalhadores, as comissões de trabalhadores e o movimento sindical, vêm reivindicando, e nalguns casos conseguindo, a redução do horário de trabalho semanal para 40 horas. À luz desta reivindicação devem ser encaradas duas vertentes fundamentais: a das condições de trabalho e a da política de emprego.
A primeira, porque a melhoria das condições de trabalho deve constituir um objectivo fundamental da política social. A segunda, porque o nível de desemprego existente - e tudo indica que num futuro próximo poderá ainda ser maior - exige várias medidas convergentes de política de emprego.
A redução do horário semanal para 40 horas deve ser encarada como um meio de compensar a intensificação dos ritmos de trabalho, melhoria das condições de vida dos trabalhadores e contribuir para a criação de novos postos de trabalho, sem que tal se traduza numa sobrecarga de trabalho, através da intensificação do seu ritmo, nem, como é óbvio, numa diminuição do salário dos trabalhadores. O faseamento que propomos revela a seriedade do nosso projecto de lei, tendo em conta a necessária adaptação das empresas à redução do horário de trabalho.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos sabemos que muitas das empresas do nosso País não têm as melhores condições de trabalho nem de higiene nem de segurança, e isso reflecte-se negativamente na saúde dos trabalhadores e, consequentemente, na respectiva produção.
A longa duração da jornada de trabalho aliada às condições atrás citadas mais agrava as referidas consequências. Daí que não se vislumbre, nem sequer numa perspectiva meramente economicista das empresas, que se justifique uma jornada de trabalho tão longa como a que agora ainda existe. Por outro lado, nas empresas com boas condições de desenvolvimento científico e tecnológico, os benefícios não devem reverter exclusivamente para os detentores do capital, mas também para os trabalhadores, diminuindo concretamente a jornada diária de trabalho.
Não duvidamos, pois, que, com a diminuição agora proposta, se atingirá uma significativa melhoria das condições de vida e de trabalho.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje, todos reconhecemos que se vive de forma muito rápida. Concentrando-nos um pouco, verificamos que, se acrescentarmos ao tempo da jornada de trabalho o tempo de transporte (com as longas esperas), quase nada resta a quem trabalha para dedicar atenção à família, amigos, repouso e tempos de lazer. Por outro lado, o trabalhador tem direito a realizar-se no plano cultural e a uma cada vez maior inserção e participação na vida cívica e política.
Se isto é verdade para os homens, em relação às mulheres é ainda particularmente mais negativo, pois, para além da longa jornada diária, trabalhando no escritório, no comercio, na terra ou na fábrica, quando regressam a casa ainda as esperam, regra geral, as tarefas domésticas e o tratamento dos filhos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este objectivo, que se insere na Constituição como um direito fundamental do trabalhador, tem sido por vezes esquecido e não raras vezes se tem chegado a assistir a tentativas de punir a disponibilidade do trabalhador, ao arrepio da realidade e dos mais elementares princípios éticos.
Daí que a legislação por nós agora proposta assuma um carácter imperioso e possa vir naturalmente a ter reflexos positivos na negociação colectiva.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Não é, pois, possível manter por mais tempo esta situação. Nos países da CEE está já generalizada a semana de 40 horas, no máximo, em consonância com as recomendações quer da OIT quer do Conselho das Comunidades Europeias.
A Conferência Internacional do Trabalho tem vindo a aprovar, nos últimos anos, vários instrumentos que, de forma directa ou indirecta, tratam da duração de trabalho.
Portugal, enquanto membro destas organizações, deve acatar estas recomendações e convenções, porque as ratificou. Acresce ainda que a vida e a realidade já ultrapassaram o Decreto-Lei n.º 409/71, na medida em que a média do horário semanal de trabalho hoje praticado é de 42 horas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estão em discussão conjunta mais dois projectos de diploma, um do PS, outro do Governo. A eles se referirá, em tempo oportuno, a minha camarada de bancada Odete Santos. Vieram depois da iniciativa proposta pelo PCP, mas a sua apresentação, independentemente das soluções mitigadas, tem um significado positivo - a possibilidade de redução do período de trabalho semanal, conforme o projecto de lei n.º 29 1/V, por nós apresentado.
A demonstração clara de que assim é está bem patente no grande número de pareceres enviados à Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família, ao abrigo do artigo 6.º da Lei n.º 16779, que, de forma esmagadora, são favoráveis ao nosso projecto de lei. Não podemos deixar de mencionar, aqui, um abaixo-assinado de apoio ao nosso projecto, entregue pela Federação dos Sindicatos Têxteis, com cerca de 13 000 assinaturas de mulheres.
A extraordinária adesão, por parte dos trabalhadores e de centenas das suas organizações, ao nosso projecto de lei constitui uma inequívoca manifestação que deve encontrar eco na Assembleia da República.
A redução do horário semanal de trabalho é já irreversível. Protelar mais não só é equívoco como insustentável. Para que cada um assuma a sua responsabilidade, levaremos o nosso diploma à votação em Plenário.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desta vez -e infelizmente ele encontra-se ausente neste momento- foi o Sr. Deputado Narana Coissoró que prejudicou a minha intervenção.
Gostaria de relembrar que há cerca de um ano discutimos em Plenário a redução da duração semanal de trabalho.
Existiam nessa data dois projectos, um do PCP e outro do PS, este último ainda em fase de discussão pública, que motivaram aqui um debate rico em que participaram todos os grupos parlamentares.
Nesse debate foram claramente assumidas as divergências e as convergências face à regulamentação pela lei da redução da duração semanal de trabalho, posições mais regulamentaristas ou liberais, mais restritivas ou alargadas a uma visão global da reorganização do tempo de trabalho, que pressupõe interfaces com outros aspectos da organização das empresas, do processo produtivo, para ter como consequência a melhoria das condições de vida dos trabalhadores sem afectar e, pelo contrário, melhorar a produtividade das empresas.
Não serei excessivamente optimista se tiver concluído desse debate que suo todos favoráveis a uma redução substancial da duração do tempo de trabalho, embora sejam evidentes as divergências acerca da sua extensão e métodos a adoptar, pelo que é legítimo interrogarmo-nos sobre o que quer o Governo, que métodos preconiza o Governo.
O Governo pretendeu, em 17 de Março, ganhar o debate estando dele ausente. O PSD não apresentou qualquer proposta alternativa e, mais uma vez, se constatou que o Governo secundarizou o Parlamento. Não esteve disponível para dialogar com a oposição e nem sequer respeita os compromissos assumidos com os parceiros sociais.
Passou, entretanto, bastante tempo, mas mais vale tarde do que nunca...! E é o próprio Governo que entende, segundo declara na exposição de motivos da proposta de lei em apreciação, procurar corresponder aos consensos gerados em sede de concertação social. Porém, o Governo não diz que antes já se tinha comprometido com um parceiro social e mais grave ainda assinou um acordo de redução para 40 horas dos sectores operários da função pública que não cumpriu.
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Do cumprimento tardio ou mesmo do não cumprimento do acordado resultam graves prejuízos para o diálogo social tão necessário para enfrentarmos os desafios da Europa e do futuro.
O PS preocupa-se com a crise de confiança. O Estado tem de ser o garante e o impulsionador do diálogo essencial para modernizar a economia, aumentar a capacidade produtiva das empresas e melhorar as condições de vida e de trabalho dos Portugueses.
Referiu aqui V. Ex.ª um caso concreto de diálogo e fez dele um caso paradigmático. Também nós consideramos que esse é um caso digno de referência porque representa um dos sectores em que somos competitivos, mas à custa dos baixos salários e das péssimas condições de trabalho.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora: - O diálogo não pode ser instrumentalizado pelo Governo para obter apenas imagem. O Governo desperdiça assim oportunidades que lhe suo oferecidas - sem grandes contrapartidas, devemos confessá-lo, para os parceiros sociais- por incapacidade de concretizar as magras exigências a que acede.
Compromete, assim, a sua própria credibilidade, o que não seria dramático se tivesse apenas como consequência a punição do seu eleitorado.
Mas, os malefícios do diálogo social frustrado tom repercussões graves nas condições em que vamos disputar um espaço na economia comum da Europa em 1993.
Não vamos voltar aos argumentos que aqui aduzimos há cerca de um ano sobre a filosofia geral que presidia à nossa proposta, uma vez que esta foi, antes de mais, ditada pelo respeito do que havia sido acordado pelos parceiros sociais com o Governo, mesmo que estas melas nos parecessem claramente insuficientes. Pretendemos desse modo privilegiar a contratualização pela via da negociação colectiva em detrimento da normalização.
O Sr. Osório Gomes (PS): - Muito bem!
A Oradora: - Defendemos nessa ocasião e renovámos a nossa fidelidade ao princípio de encontrar pela via da negociação colectiva uma clara aproximação aos padrões europeus, dos quais lamentavelmente estamos distantes. Cabe, todavia, ao Estado a função de animação na procura dessas metas.
Animação que consiste, como disse o Sr. Deputado Narana Coissoró, em investigar, difundir, informar, encorajar, incentivar o diálogo e a contratualização sector a sector, empresa a empresa, sobre um modelo natural, adequado às nossas diversas realidades empresariais, o que não dispensa uma norma geral mais consentânea com a época em que vivemos e que seja um bom pretexto para repensar e inovar a organização das empresas portuguesas.
Não podemos deixar de encarar problemas urgentes que carecem de vasto consenso nacional para uma solução adequada, não apenas sobre a redução do horário semanal de trabalho mas também sobre a gestão do tempo de trabalho no que respeita à flexibilidade, ao trabalho nocturno suplementar, à idade da reforma, tudo isto num contexto europeu, lendo presente que não existe um modelo geral, como V. Ex.ª pretendia remeter-nos na sua intervenção. Pelo menos o que entendi foi que existiria um ou mais modelos que poderíamos adoptar. Ora, nós entendemos que não há um modelo geral eficaz que seja adaptável a todos os Estados Membros e que a estratégia global tem de ser faseada e descentralizada tendo em conta a realidade sócio-económica de cada país.
Será que o Governo está preparado para definir este modelo? Será mesmo que o Governo sente a necessidade da sua definição? Sabemos que remete para os parceiros sociais essa responsabilidade. Abdica por opção política ou por incapacidade das suas prerrogativas de gestão?
Há claramente aspectos sociais que a Comunidade não deixará de impor pela via normativa com carácter vinculativo, uma vez que a sua desregulamentação altera as condições da concorrência, como sejam: a formação permanente, a higiene e segurança nos locais de trabalho, as formas de contrato, a informação, a participação dos trabalhadores e, sobretudo, os horários de trabalho e a sua gestão, uma vez que os salários e a protecção social não são passíveis de resolução próxima no plano comunitário, pelo que a sua harmonização tem de ser encontrada num esforço nacional que aproveite, de facto, os apoios solidários da Comunidade para corrigir as desigualdades existentes.
Deveriam os sindicatos aproveitar a oportunidade de um crescimento relativo do emprego e da economia para reivindicar reduções substanciais do horário pela via negocial. Porém, a política de contenção salarial, de conflito permanente no sector empresarial do Estado, onde não existe diálogo, onde a Administração não respeita sequer os seus quadros de gestão, não tem permitido um avanço considerável sobre esta matéria, que na Europa motiva, como sabe, grande animação e debate, desde há alguns anos. Na década de 70 os sindicatos, aproveitando o crescimento económico, obtiveram facilmente aumentos salariais que motivou seguidamente um equilíbrio reivindicativo entre salários e tempos livres. Foi a luta pelo direito ao lazer! Os efeitos sobre o emprego não eram ainda um objectivo prioritário.
A crise persistente do crescimento qualitativo e quantitativo do emprego tem posto em causa todo o tipo de receitas das diversas doutrinas económicas e os sindicatos passaram a utilizar a gestão do tempo de trabalho como um dos instrumentos mais úteis à redistribuição dos empregos existentes.
Concordamos que os resultados, não sendo brilhantes, por exemplo no caso belga, motivam posições diferentes das confederações sindicais, e referenciamos aqui o posicionamento actual dos TUG, na Grã-Bretanha, e da DGB alemã.
Os TUG firmemente convertidos à ideia da dimensão social da Europa, cuja harmonização esperam impedir a desregulamentação introduzida pela política da Sr.ª Tatcher, e a DGB, que apoia todas as medidas tendentes a evitar o dumping social, mas não quer uma harmonização que os impeça de alcançar o objectivo das 35 horas, pelo qual fizeram braço de ferro com o governo sob o lema: ao sábado o meu pai é para mim! São exemplos de uma lula por objectivos diversos a que não podemos estar alheios, não devemos adiar medidas que se forem impostas serão mais difíceis e certamente mais caras.
Os sindicatos portugueses que tem usado da reivindicação da redução do período de trabalho como moeda de troca para apoiar outras reivindicações compreendem hoje que a qualidade de vida pressupõe diversos componentes dos quais o tempo livre e a gestão humana dos períodos de trabalho, direito a férias e à reforma não são uma reivindicação menor.
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Os projectos em análise, aparentemente próximos, diferem em aspectos significativos. A proposta de lei do Governo aponta apenas para um regime geral de 44 horas a atingir, definitivamente, em finais do ano corrente. O projecto de lei do PCP aponta para um regime geral de 40 horas, um regime transitório de 42 horas nos serviços, 43 horas na agricultura no primeiro ano e 40 horas no segundo.
Em nosso entender, o projecto de lei do PS é o mais realista, o mais positivo e o de maior alcance. Enquadra correctamente o problema face à negociação colectiva e à intervenção alternativa num plano mais vasto de organização do tempo de trabalho e ainda face à política social comunitária, tendo em vista a carta social dos direitos fundamentais dos trabalhadores.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: São evidentes as vantagens de uma solução consensual negociada entre o Governo e os parceiros sociais que tenha em conta as propostas que apresentamos e sobretudo o seu enquadramento numa política económica e social ajustada à realidade portuguesa.
O Governo adia decisões, revela não ter estratégia nacional nem europeia, nao tem sensibilidade social nem sente mesmo, numa perspectiva meramente liberal, o pulsar da actividade económica por detrás das estatísticas de que faz sempre uma leitura incompleta e inviezada, e neste caso até nem traz as estatísticas do costume.
O Governo obtém melhores resultados se for parte dialogante nas grandes questões sociais, se, numa postura mais humilde e menos tecnocrática, se dispusesse a comunicar com a comunidade de trabalho. O PS está disponível para cooperar na Comissão de Trabalho da Assembleia numa solução legislativa consensual para diminuir a duração semanal do tempo de trabalho. O que será positivo porque é urgente, mas não chega para corrigir as desigualdades e para introduzir nas empresas uma gestão de tempo de trabalho racional, moderna e indispensável para os objectivos da qualidade.
Não se pede ao Governo que actue e. intervenha em defesa dos sindicatos ou dos empresários, exige-se, pelo contrário, que tenha políticas e metas claras,...
O Sr. Osório Gomes (PS): - Muito bem!
A Oradora: -... que em tempo oportuno as sujeite a debate dos parceiros sociais e da oposição, e, já que se refere a esse diálogo, que utiliza sempre, pelo menos em termos de imagem, deverá tê-lo em conta efectivamente porque ademais até tem a vantagem de ser corresponsabilizador. Tire o Governo as devidas ilações conducentes a uma decisão que cumpra. Os socialistas estão disponíveis para se integrar, deste modo, corresponsávelmente, neste debate e encontrar uma legislação que sirva. O PS fará assim na oposição, também fará do mesmo modo no Governo.
Aplausos do PS.
O Sr. Armando Vara (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, confesso que estou um pouco preocupado, algo apreensivo, em relação a esta interpelação, e peço desde já a condescendência do Sr. Presidente e da Assembleia, porque tem a ver com o seguinte: no período de antes da ordem do dia foi aqui proferida uma intervenção pelo Sr. Deputado João Salgado, que, como certamente se lembrarão os Srs. Deputados presentes, teceu...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço desculpa pela minha interrupção, mas, por aquilo que disse, é óbvio que estamos a ultrapassar tudo o que a "musa canta" no que diz respeito a regimentos e a modos de proceder. Não somos muito rígidos mas há um limite.
Portanto, não vou permitir que continue, Sr. Deputado. Desculpe-me, mas cumpro o Regimento e não deixo, nesta fase, enxertar uma questão diferente.
O Orador: - Pretendo só requerer a V. Ex.ª que me deixe repor a verdade dos factos, porque foi dada aqui uma versão que...
O Sr. Presidente: - Regimentalmente o Sr. Deputado tem muitas possibilidades, muitos mecanismos e muito tempo para o fazer, só que há limites para todas as coisas e por isso não posso permitir que use agora da palavra.
O Orador: - Para esse efeito não me pode dar a palavra?
O Sr. Presidente: - Não posso, Sr. Deputado. Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Dos diplomas hoje em discussão, só a proposta de lei n.º 93/V não foi ainda objecto de discussão em Plenário.
Na verdade, e por marcação do PCP, foi agendado e discutido o seu projecto de lei n.º 291/V, ao qual se juntou o projecto de lei n.º 361/V, do Partido Socialista, apesar de não ter sido objecto de discussão pública prévia, nos termos impostos pela Constituição e pelo Regimento da Assembleia da República. Esta discussão teve lugar, como já aqui hoje foi dito, em 16 de Março de 1989.
Nesse sentido, a discussão, que hoje tem lugar, mais não é do que a continuação do debate então feito. Na verdade, até a proposta do Governo, hoje em discussão, esteve presente, através da informação de que o Conselho de Ministros, nesse mesmo dia, tinha aprovado uma proposta que reduzia o período normal de trabalho para 44 horas semanais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem quase 20 anos a legislação que suporia as 48 horas de trabalho normal por semana. Tal legislação está em muitos casos, na prática, ultrapassada em função do poder reivindicativo dos trabalhadores. Todavia, em muitos outros, onde os trabalhadores, mercê de diversos arbítrios, não possuem nem organização nem força mobilizadora, onde as convenções colectivas não conseguem, subjectivamente, substituir o Decreto-Lei n.º 409/71, aí vigoram ainda períodos e, em consequência, ritmos de trabalho que em nada justificam a vida dos nossos dias.
Talvez seja importante recordar que no debate, a propósito da redução do horário semanal de trabalho, o PSD se manifestou contra os diplomas em análise, afirmando, no entanto (e passo a citar): "É possível e desejável a redução do horário de trabalho, mas é indispensável uma
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análise cuidada e responsável sector a sector e, nalguns casos, empresa a empresa." E mais adiante refere: "Afigura-se-nos pouco correcto e inoportuno impor os novos limites, agora em discussão, que poderiam afectar, talvez de forma irreversível, a adequação da economia portuguesa às condições que nos são exigidas, com a nossa integração plena na Comunidade Económica." No entanto, anunciava-se, nesse mesmo dia, uma resolução do Conselho de Ministros, que reduzia o horário semanal de trabalho para as 44 horas!...
É, pois, evidente que para além da sensatez destas palavras, em termos teóricos naturalmente, estavam também subjacentes, mais uma vez, questões que não tinham a ver nem com os interesses específicos dos trabalhadores nem sequer com os interesses da economia portuguesa, mas, tão-só, o facto de, mais uma vez, o Governo se ter sentido ultrapassado em iniciativas, que têm, objectivamente, a ver com a adequação da nossa realidade à realidade europeia, onde estamos integrados. Por outras palavras, em questões de integração, relega-se para segundo lugar, de forma sistemática, a componente social da integração, esquecendo que não haverá integração plena se se mantiverem os trabalhadores portugueses afastados dos outros trabalhadores e colegas da CEE.
Para nós, é manifestamente irrelevante saber quem tem a iniciativa política, desde que ela corresponda, em nossa opinião, como 6 este o caso, aos interesses dos trabalhadores e da economia nacional.
A reivindicação da redução do horário de trabalho semanal a uma reivindicação antiga, que corresponde a objectivos há muito alcançados na generalidade dos países da CEE, sendo que a semana das 40 horas está generalizada, na maior parte desses países, em obediência a recomendações, também já antigas, do Conselho das Comunidades Europeias e da OIT.
Sem comentarmos, aqui e agora, a redistribuição da riquexa nacional, no que diz respeito ao trabalho, a mais baixa da Europa comunitária, em contraste com o capital, o mais alto valor de todos os países que compõem o Mercado Comum, importa sublinhar que não restam dúvidas de que, em Portugal, se praticam períodos normais de trabalho que não se conjugam com o esforço necessário da acção legislativa e sindical, levados a efeito por toda a Europa e em todo o Mundo civilizado, no sentido da harmonização do trabalho.
É necessário e urgente proceder à revisão dos tempos normais de trabalho, tanto mais que tal medida lerá como tradução directa, no que diz respeito aos trabalhadores, a obtenção de resultados de desenvolvimento económico, a diminuição da laxa de desemprego, a revalorização do salário médio e, em consequência, o abrandamento das tensões operadas no mundo laboral.
Deste modo, um esforço no sentido do abrandamento dos horários normais de trabalho terá um reflexo notável no seio das empresas, sugerindo a sua modernização técnica e tecnológica, factor indispensável ao progresso social.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A simples comparação com os países mais desenvolvidos mostra que o horário de trabalho pode ser entendido como a medida de um certo desenvolvimento económico e civilizacional. Desde o tempo em que o Sol era a referência horária, relacionada com a jornada de trabalho, até aos nossos dias, em que a referência está directamente relacionada com a organização, com as novas tecnologias, com a capacidade de produção e com o aumento da competitividade e da produtividade, não devemos esquecer que o homem, como peça fundamental dessa evolução, assume cada vez mais a consciência de que viver e trabalhar estão intimamente ligados ao direito de ser livre e ao seu relacionamento com a sociedade, onde se integra. A capacidade de respeito por si próprio, por um lado, e o de participar, por outro, a par do direito a cada vez melhores condições de vida, são hoje necessidades vitais à sua capacidade de criar e de inovar, elementos fundamentais a ter em conta no desenvolvimento das sociedades modernas.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A vida moderna é, em muitos casos, a responsável pelo stress que afecta um grande número de cidadãos, em especial os que vivem e ou trabalham nos grandes centros urbanos. Na verdade, a este tipo de vida e ao crescimento das grandes metrópoles há a acrescentar o tempo gasto nos transportes de casa para o emprego, e vice--versa, o que faz aumentar, na realidade, se não o tempo útil de trabalho, o tempo por causa do trabalho, ficando cada vez menos tempo não só para a cada vez mais necessária e imprescindível dedicação ao ambiente familiar e actividades lúdicas, como também a uma maior participação cívica e política, imprescindível a quem deseja ser mais do que um simples número de contribuinte ou um também, não menos simples, para não dizer supérfluo, número de eleitor.
O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Muito bem!
O Orador: - Dir-se-á que isto não vem a propósito, mas penso que, para além das questões relacionadas com a produção e a produtividade, elementos fundamentais numa cada vez maior concorrência, e a necessidade de serem equacionados, eventualmente, em primeiro lugar, objectivos como salário/emprego/desemprego, não podemos deixar de, relacionado por estes elementos, interrogar em que estado de espírito não chega a casa (emprego) um trabalhador que esteve três horas na fila, que nunca mais acaba, ou à espera do autocarro, que nunca mais chega, ou, ainda, que saiu de casa às 5 ou 6 da manhã e regressou às 8 ou 9 horas da noite? Em muitos casos, este trabalhador mantém-se fora de casa 15 a 16 horas, que, se não sendo de trabalho, são, por certo, por causa do trabalho, o que representa, de certo modo, voltar aos tempos do trabalho de Sol a Sol.
Quanto custa, em termos sociais, este acréscimo de tempo por causa do trabalho? É por certo superior à mais-valia criada por mais umas horas da jornada de trabalho e não pode deixar de ser equacionado nas sociedades desenvolvidas.
Sabemos que estes problemas não tem solução na simples redução do horário de trabalho; no entanto pensamos que este é um passo necessário na adaptação a esta realidade. De qualquer modo, muitos outros elementos tem de ser considerados numa análise global de toda esta problemática.
Relativamente aos projectos de diploma agora em apreciação, é de realçar o facto de todos eles, de forma explícita ou implícita, revogarem a norma do Decreto-Lei n.º 409/71 que estabelecia a semana de 48 horas, embora se deva dizer que a proposta do Governo é bastante limitada, mantendo, ainda, a semana de trabalho em valores muito distantes dos da média dos países da CEE e, mesmo, muito superiores àquilo que pode ser considerado como a média praticada em virtude da contratação colectiva de trabalho, que anda por volta das 42 horas
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semanais, como já hoje foi aqui referido pelo Sr. Secretário de Estado, salvo, naturalmente, algumas excepções.
Relativamente aos projectos de lei quer do Partido Socialista quer do Partido Comunista, apesar de diferentes, parecem-nos mais conformes com a realidade.
O Partido Socialista prevê as 44 horas como primeiro passo para as 40 horas para 1993, enquanto o Partido Comunista propõe a redução para as 40 horas, partindo do princípio de que hoje, na prática, a média é de 42 horas, havendo trabalhadores que já beneficiam -e também é esse o nosso entendimento- de 40 e menos horas semanais.
A justificação dada pelo Partido Socialista a propósito da interrogação - que achou legítima - sobre o facto de o projecto do PS propor a redução para as 44 horas e não para as 40, como o PCP, parece-nos de salientar da intervenção da Sr.ª Deputada Elisa Damião, em 16 de Março -aliás, em nosso entendimento, uma óptima intervenção-, o seguinte: "As reduções do tempo de trabalho irão estimular acréscimos de produtividade, sendo possível melhorar mesmo a produção, se a redução do horário for acompanhada da reorganização do trabalho na empresa." Afirmava ainda a Sr.ª Deputada que "a redução do trabalho não pode ser obtida, eficazmente, senão no quadro das micropolíticas, ao nível da empresa, e acompanhada da reorganização e inovação das relações industriais de produção.
O Estado, mais do que impor uma redução abrupta e uniforme, deve criar condições para uma gestão 'inteligente' do trabalho, deve incentivar e sensibilizar métodos modernos de reorganização, enquadrados numa concertação internacional que impeça o 'dumping social', que será combatido tanto na perspectiva económica como social, na Europa de 1992."
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Acontece, porem, que 1992 está aí à porta e não podemos continuar a adiar as decisões que afastam os trabalhadores portugueses dos seus colegas europeus, enquanto que, em paralelo, se criam as condições para que os outros países da CEE se aproveitem das ainda deficientes condições de trabalho dos nossos trabalhadores. Para mobilizar os nossos trabalhadores, que são um elemento fundamental de modernização, não basta falar do hipotético futuro, de melhor poder de compra dos trabalhadores portugueses, mantendo, ao mesmo tempo, horários de trabalho perfeitamente ultrapassados!...
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A redução do horário de trabalho é, pois, um passo necessário na manifestação prática da vontade política teórica de quem afirma (cm muitos casos só para afirmar!...) a necessidade de uma dimensão social no quadro do Mercado Único Europeu.
Razão do nosso incondicional apoio à matéria subjacente à redução do horário de trabalho, hoje aqui discutido.
Aplausos do PRD e do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante a desmobilização e evidente desinteresse da grande maioria dos deputados, naturalmente por ser uma reprise, vamos novamente falar do tema da redução do horário de trabalho semanal. E isto porque o PSD congelou, no ano passado, as iniciativas cia oposição até que o Governo apresentasse nesta Assembleia, como sucede hoje, a sua proposta de lei sobre a matéria, dando agora seguimento a essa iniciativa.
O Governo majestaticamente ignora todos os contributos resultantes do debate prévio e pretende iludir a opinião pública de que só ele resolve atempadamente tudo quanto diz respeito ao País. É a prova acabada do mau relacionamento do Governo com as oposições e do seu total desrespeito pela cooperação institucional, que a Constituição recomenda aos órgãos de soberania.
Em 16 de Março de 1989 tivemos o ensejo de afirmar que a redução do horário de trabalho semanal não pode ser decretada com a leviandade do PCP nem com a. linearidade do PS, porque o problema é complexo e tem a ver com uma multiplicidade de coordenadas macro-económicas, jurídico-laborais, sociológicas e no plano de funcionamento do mercado e da organização do trabalho de cada empresa individual - principalmente no caso de pequenas e médias empresas, que constituem a parte principal do nosso tecido empresarial.
A duração do trabalho semanal mostra uma efectiva tendência para a redução em todos os países da CEE, sendo, por exemplo, de 200 horas anuais em França a perto de 400 na Itália e nos Países Baixos. A maioria dos sindicatos europeus militar a favor de uma semana normal de 35 horas, com a diminuição do trabalho suplementar ou extraordinário. Em paralelo com este fenómeno, também se divisa, em países economicamente avançados como a RFA, o abaixamento da idade da reforma e do prolongamento do tempo de escolaridade. Vai-se instalando progressivamente a necessidade da adopção de horários flexíveis ou de trabalho a tempo parcial.
Os especialistas da macroeconomia tem desenvolvido vários modelos -o Tesouro no Reino Unido, VINTAF e FREI A na Holanda, MARIBEL na Bélgica, DMS e METRIC em França, Henize na RFA, para referir os mais importantes-, que, todos eles, permitem estimar não apenas as consequências directas e importantes da redução da jornada semanal sobre as principais variáveis económicas (como o custo da mão-de-obra e a utilização das suas capacidades) mas também as consequências "indirectas" sobre o emprego, e por esta via sobre a inflação, a balança de pagamentos, o investimento, a procura global e o Orçamento do Estado. Alega-se, frequentemente, que uma redução pode muito bem provocar mudanças fundamentais no comportamento do consumo, porque os indivíduos beneficiados dispõem de mais tempo livre, aumentando a tendência para consumir mais.
Todos os modelos referidos parecem notar que a redução da duração de trabalho tem um impacte na elasticidade do emprego, sendo diferentes as conclusões apresentadas. O mesmo sucede quanto aos eleitos sobre a produtividade, capacidade de produção, salários e crescimento económico.
Num estudo recente, feito em França pelo Instituto Nacional de Estatística e Estudos Económicos (INSEE), demonstra-se que as empresas reagem de modo diferente à redução da duração de trabalho; as grandes empresas não respondem de maneira igual às pequenas.
Existem três espécies de reacções: a primeira é a adaptação estrutural, seja através de novos investimentos seja através do recurso ao trabalho por turnos. As empresas médias aumentam o ritmo de produção, reduzem os tempos monos, recorrem aos contratos a prazo e à subcontratação, resistindo à contratação de novos trabalhadores. Nas pequenas empresas reduz-se a produção e a capacidade de produção.
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O Governo não se interessou em trazer à Assembleia da República um estudo sobre o impacte da sua proposta nas nossas variáveis macroeconómicas. Era aqui que o vezo tecnocrático do Executivo teria uma aplicação louvável; ficaríamos a saber qual o perigo que os projectos do PCP e do PS representam realmente para a nossa estrutura económico-financeira e com que espécie de reacções previsíveis poderíamos contar no tecido empresarial perante a bondade da proposta governamental.
Nada disso o Governo quis trazer para o debate de hoje, o que permite que um assunto tão melindroso e complexo descambe em tiradas demagógicas e populistas, sem atacar o cerne da questão do emprego, da produtividade e salários que está intimamente ligada à duração semanal de trabalho.
O problema não é pacífico e a experiência de outros países tem demonstrado que a transição deve ser feita com o maior cuidado.
Porquê estes cuidados, ponderação e necessário período de transição? Alega-se do lado patronal, principalmente nas pequenas e médias empresas, que a diminuição do tempo semanal de trabalho aumenta o custo unitário de trabalho e, consequentemente, o custo total da produção. Resultado: a empresa tem de aumentar o preço do produto, o que reduz o poder de compra do salário e, além disso, ameaça a sua competitividade, diminui o volume de lucros e afecta imediatamente a capacidade de investimento e produção. Assim, num período mais ou menos curto, o efeito final poderá ser o recurso aos despedimentos.
Outra variação pode ser o recurso ao trabalho extraordinário ou maior propensão para investir em equipamento, o que também condena a mão-de-obra supérflua e leva a consequentes despedimentos. Isto tudo só não será assim -dizem os peritos empresariais- se a diminuição do tempo de trabalho for compensada pelo aumento da produtividade de cada trabalhador beneficiado. Só com a diminuição da duração semanal, os macro-economistas receiam os efeitos negativos que podem atingir a economia global do País, como sejam o aumento rápido da inflação, perda do poder de competitividade nos mercados externos, efeitos prejudiciais na balança de pagamentos, agravamento do desemprego, etc.
Esta a razão por que no relatório da OCDE intitulado "Flexibilidade do mercado de trabalho numa economia de mudança", depois de sublinhar que qualquer política de flexibilização requer necessariamente o consenso entre as duas faces da indústria - empresários e trabalhadores - e considerar, entre outras proposições, que "a menor rigidez na organização do trabalho tem geralmente efeitos benéficos no emprego", verifica que nesta matéria "não existem soluções padrão, podendo ser bastante diferentes as fornias de modificação e o arranjo de duração do trabalho segundo as necessidades dos diversos sectores económicos dentro de cada Estado". Para além disso, reconhece que os governos nos Países membros devem considerar a flexibilidade no mercado de trabalho, em particular com respeito à redução e reorganização da duração do trabalho em todos os sectores de vida activa, inspirando-se nos seguintes princípios:
a) A redução da duração do trabalho deve ser acompanhada pela reorganização e conciliar a melhoria das condições de vida e de trabalho de homens e mulheres com as necessidades de competitividade económica;
b) A redução e reorganização do tempo de trabalho deve ser negociado entre os parceiros sociais ao nível de sectores e das próprias empresas;
c) Os poderes públicos devem agir para facilitar a introdução de disposições inovadoras quanto à duração de trabalho e, sendo necessário, adaptar o direito do trabalho e demais legislação social a este desiderato;
d) As novas regras básicas devem enformar a introdução de protecção social;
e) Os poderes públicos devem conceder incentivos às empresas e cooperativas que, através da readaptação, contratarem trabalhadores jovens, deficientes e desempregados de longa duração em resultado da reorganização e diminuição do tempo de trabalho;
f) Devem ser encorajadas as possibilidades de trabalho a tempo parcial, incluindo o sector público, sob condição de que é oferecida tal possibilidade em termos voluntários e não afecta os direitos sociais fundamentais dos interessados;
g) O recurso ao trabalho extraordinário deve ser limitado aos casos excepcionais e o tempo suplementar deve ser trocado por aumento de férias;
h) As diferentes formas de redução e organização do tempo de trabalho devem ser parte de um pacote de medidas para flexibilizar as condições gerais de prestação de trabalho.
A redução de horas semanais de trabalho sem outras medidas que ficaram enunciadas não preenche os requisitos de flexibilização e de reorganização das empresas. A experiência alheia demonstra que a redução de uma, duas ou cinco horas de trabalho semanal, longe de obrigar as empresas a adaptarem-se à situação nova, leva a uma maior rigidez de normas internas de controlo para os trabalhadores, aplicando os empresários, de uma forma mais severa, os regulamentos contra as pausas, o absentismo, as faltas justificadas e pagas, maior tensão devido à vigilância, etc.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Porque se trata de uma repetição do debate já leito nesta Assembleia e porque nada de novo aconteceu na política laboral no nosso País no último ano, vi-me forçado a retomar, nos seus pontos principais, a minha intervenção anterior.
Entendemos que a proposta de lei tal como o projecto do PS devem ser debatidos na especialidade, para o País ser dotado com uma lei inovadora de duração de trabalho.
Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Manuela Aguiar.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Abreu.
O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República discute, hoje, mais uma vez, problemas ligados ao mundo laboral.
Temos para nós, sociais-democratas, que qualquer discussão relacionada com assuntos tão importantes como a redução da duração semanal do trabalho deverão ser, pela repercussão que tem na vida quotidiana de um tão grande universo da cidadãos, momentos altos do debate parlamentar.
Desde há muito que qualquer regulamentação que incida sobre a prestação de trabalho útil pelo homem.
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enquanto agente imprescindível na organização social, económica e política da sociedade moderna, tem de ser apreendida e desenvolvida tendo em conta determinados valores, que hão-de disciplinar múltiplos interesses.
E é na compatibilização desses valores e desses interesses que reside a complexidade do debate sobre matérias tão importantes, que, pela sua amplitude, tem, forçosamente, implicações decisivas na vida económica e social do País.
É um princípio claramente aceite e defendido entre nós que, numa sociedade moderna e livre, é a economia que deve estar ao serviço do homem e não este ao serviço daquela. Da mesma forma, entendemos que o trabalho é para o homem e não este para o trabalho.
Decididamente, também não colhem para nós as teses do economicismo materialista, em que a prestação do trabalho útil pelo homem deve ser utilizada e gerida como uma realidade puramente económica e, apenas e só, concebida como factor de produção ou mercadoria avaliado segundo critérios de mera utilidade. Estamos, pois, claramente de acordo com princípios apontados na encíclica Laborem Exercens.
Enfim, numa perspectiva humanista e personalista, há que compatibilizar economia e trabalho na medida em que o homem é o protagonista, centro e fim da vida política e económica. Sendo assim, a actividade laborai e a ciência económica devem ser situadas no campo dos meios e com carácter instrumental, devendo verificar-se a sua subordinação à finalidade da vida humana.
Mas entendemos, também com realismo, que só é possível atingir duradouramente determinados objectivos de bem-estar e de aumento generalizado da qualidade de vida quando a economia de uma determinada sociedade estiver suficiente e devidamente estruturada para suportar os legítimos avanços que se pretendem.
Somos, desde sempre, convictos apologistas da prática política baseada nos princípios reformistas. O desenvolvimento global, equilibrado e devidamente sustentado da política económica e social em Portugal tem de passar pelo encontro de caminhos sólidos, onde se tracem objectivos realistas e exequíveis, faseados e graduais.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Estão, hoje, em debate três diplomas da autoria do Governo, do Partido Socialista e do Partido Comunista, respectivamente a proposta de lei n.º 93/V e os projectos de lei n.º 361/V e 291/V, todos referentes à redução da duração semanal do trabalho.
Estas iniciativas legislativas, vindas de áreas político-partidárias diferentes, apontam, todas elas, no sentido de dar satisfação a reivindicações que tem vindo a ser feitas pelos trabalhadores portugueses e suas organizações representativas.
O Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata, que aqui sustenta e inequivocamente apoia o Governo, entende muito claramente - e já aqui o dissemos aquando da discussão do projecto de lei do PCP - que é possível e é desejável a redução da duração semanal do trabalho, ainda vigente em Portugal por força do Decreto-Lei n.º 409/71.
Mas, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, a nossa responsabilidade acrescida, o nosso sentido de Estado e os nossos compromissos perante o povo português obrigam-nos, necessariamente, a ler uma visão global dos problemas e, por consequência, a procurar soluções adequadas e equilibradas.
Impõe-se-nos uma postura diferente em relação aos partidos da oposição. Já aqui afirmei, também, que seria fácil para nós ou para o Governo aparecermos neste debate com um diploma que, de uma penada, reduzisse a duração semanal do trabalho para níveis ainda mais favoráveis do que os apresentados.
Seria fácil fazermos isso; seria fácil, mas seguramente não seria responsável.
Preferimos a responsabilidade e os inerentes riscos às facilidades e às soluções, por vezes, demagógicas que a oposição, frequentemente, é tentada a protagonizar.
Todos nós sabemos e temos consciência dos avanços importantes que, nesta matéria, tem sido dados e obtidos através dos mecanismos de regulamentação e contratação colectivas.
E aqui, repito, o próprio PCP na exposição de motivos do seu projecto de lei reconhece a existência de significativas reduções conseguidas, através da via negocial, nos contratos colectivos, nos acordos colectivos e nos acordos de empresa.
Em alguns sectores de actividade já se verificam alterações que vão das 45 para as 40 horas semanais e, noutros, fixaram-se princípios efectivos de redução progressiva do trabalho. Nos sectores das químicas, cerâmica, cimentos e vidro, metalúrgica e metalomecânica, e ainda em vastas áreas dos serviços, a situação tem vindo a evoluir de forma satisfatória.
Mas não ignoramos situações que ainda se verificam e que são passíveis de alteração pela via legal.
Continuamos a entender, no entanto, que apesar de o crescimento económico ser uma realidade indesmentível, continua a ser indispensável, também, uma análise cuidada e responsável de sector a sector e, nalguns casos, se possível, até de empresa a empresa.
É um imperativo nacional a assunção plena das responsabilidades colectivas no processo irreversível da nossa adesão à Comunidade Económica Europeia.
Não podem ser dissociados desse objectivo os princípios expressos na Carta Social Europeia, de que Portugal é signatário. O n.º 1 do artigo 2.º desse importante documento diz textualmente: "As partes contratantes comprometem-se: a fixar uma duração razoável do trabalho diário e semanal! devendo a semana de trabalho ser progressivamente reduzida, tanto quanto o aumento de produtividade e os outros factores em jogo o permitirem."
É, segundo o nosso ponto de vista, aconselhável uma grande prudência na regulamentação por via legal- desta matéria. Sc é um facto que o interesse social tem de ser salvaguardado, também é verdade que a competitividade das nossas empresas, nos difíceis mercados internacionais, tem de ser tida em conta.
Um retrocesso no progresso económico ou a criação de dificuldades no ainda insípido aparelho produtivo que temos viriam, fatalmente, a ter consequências desastrosas em progressos já verificados e, em última análise, iriam afectar os próprios trabalhadores.
De nada valerá um diploma legal que regulamente uma qualquer situação que, depois, venha a revelar-se desajustado da realidade objectiva.
Todos sabemos e reconhecemos á existência, neste momento, de condições extremamente favoráveis para a procura de um acordo entre os parceiros sociais, suficientemente amplo e satisfatório, que incida também sobre esta matéria.
A dinâmica actual demonstrada pelas centrais sindicais e pelas organizações empresariais, em sede própria, ou
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seja, no Conselho de Concertação Social, leva-nos a uma justificada expectativa e a um optimismo moderado. O fortalecimento da sociedade civil, também neste campo, é um facto!
Sem abdicarmos das competências próprias desta Assembleia, como órgão de soberania do Estado Português, e porque não temos uma visão dirigista na condução de comportamentos que possam buscar soluções socialmente justas e economicamente viáveis, pensa o PSD ser aconselhável não dever inviabilizar o debate que sobre esta matéria tem vindo a ser travado, responsavelmente, entre os parceiros sociais.
Neste sentido, pensamos que poderão ser úteis uma reformulação e uma análise mais cuidadas dos diplomas no seu conjunto, tendo em conta o que atrás foi referido.
O diálogo e a concertação são, para nós e desde sempre, uma pedra de toque basilar nestas questões de primordial importância para o País e para os Portugueses.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de lei que hoje debatemos entrou nesta Assembleia já muito depois, em Maio de 1989, da apreciação, na generalidade, pelo Plenário do projecto de lei que o PCP apresentou em 4 de Novembro de 1988, projecto de lei que, aliás, no dizer do Sr. Deputado Joaquim Marques, aquando do debate, "6 um diploma positivo", ml como se pode ler no Diário da Assembleia da República.
Com o nosso projecto de lei demos voz às reivindicações dos trabalhadores portugueses e se outro mérito não tivesse, pelo menos teria o de ter trazido para a Assembleia da República essa questão candente, a que urge dar resposta quando se fala na dimensão social do mercado único, que é a da duração semanal de trabalho.
O Governo veio a reboque da iniciativa do PCP com uma proposta de lei envergonhada. Envergonhada e a tentar vender "gato por lebre"! É claro que quem conhecer o diploma do Governo e o do PCP deve rir-se com a intervenção do Sr. Deputado Filipe Abreu quando falou na visão economicista que o PCP tem do trabalho... De facto, todo o debate hoje aqui travado demonstrou que as razões do Governo, em relação a este assunto, é que são meramente economicistas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Trata-se de uma proposta de lei envergonhada porque reconhece que a contratação colectiva situa hoje a média da duração semanal de trabalho nas 42 horas, sendo de salientar que em alguns ramos da indústria já se atinge a duração semanal de 40 horas.
Perante este quadro e perante o já vigente nos países da CEE, onde se encontra generalizada a semana de 40 horas, é evidente que vir propor uma semana de 44 horas equivale à esmola de uma côdea de pão que nem sequer engana a fome!...
E, para mais, a proposta de lei exclui, como ouvimos confirmar, escandalosamente o trabalho rural. Ora, é precisamente nos ramos da agricultura, silvicultura e pecuária que encontramos a semana de maior duração no Norte do País, ou seja, a semana das 48 horas.
No nosso entender, não há razão para continuar a tratar estes trabalhadores agrícolas como os desventurados da fortuna, quando noutras zonas do País os trabalhadores rurais, por força da contratação colectiva, já beneficiam de uma semana de trabalho inferior. Sr. Secretário de Estado, este é um dos casos em que a negociação colectiva não resolve o problema, mas há mais!
Assim, a proposta do Governo, tardiamente surgida, está desajustada das realidades, pois não responde às reivindicações justas dos trabalhadores portugueses, não respeita orientações comunitárias, já em vigor desde 1975, não respeita a recomendação n.º 116 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), nem tem em conta as conclusões da missão desta Organização que esteve em Portugal em 1985 e que elaborou um relatório sobre as condições verificadas no nosso país, referindo a elevada duração semanal do trabalho normal e propondo uma imediata redução para as 45 horas seguida de uma redução para o nível vigente nos países da CEE. Isto em 1985!
Ora, passados 5 anos, em 1990, o Governo ainda vem propor as 44 horas e nem sequer aponta, no futuro, o momento da redução para 40 horas!... Isto quando noutros países europeus vão-se já conquistando as 35 horas semanais!...
Entre o debate do projecto de lei do PCP, em Março de 1989, e o dia de hoje, houve tempo para amadurecer razões e concluir que é realista a redução para as 40 horas semanais, por mais que disfarcem os argumentos em contrário.
E se é inegável que tal redução acarreta melhoria das condições de vida e de trabalho, também para nós está patente que aquela redução, contribuindo para a partilha do emprego, será um instrumento de luta contra o desemprego.
É claro que não desconhecemos as várias pesquisas, estudos, inquéritos, com que procurou defender-se os pontos de vista das organizações patronais, com que procurou demonstrar-se que a redução semanal do trabalho aumentaria os ritmos de trabalho e iria traduzir-se, ainda mais, na sobreexploração dos trabalhadores.
Sempre que os trabalhadores partem para uma nova conquista, não falta, de facto, quem expenda uma mole de argumentos no sentido de "chamar à razão" l'enfant terrible.
Entendemos, contudo, que o aumento dos ritmos de trabalho não é uma consequência necessária - e não pode ser! - da redução semanal de trabalho normal.
Sejamos claros, Srs. Deputados: será que o aumento dos ritmos de trabalho a níveis incomportáveis não se processa já, mesmo com os actuais horários de trabalho?
Daria, como exemplo o que se passa nas multinacionais do ramo das indústrias eléctricas, onde os ritmos acelerados de trabalho, que tem como objectivo -principal, senão único- o aumento da produção e da produtividade, esquecendo os trabalhadores, são de tal forma desumanos que provocam instabilidade psíquica, social e familiar, conduzindo a doenças graves.
Isto já acontece com a actual duração .de trabalho perante a impassibilidade dos poderes públicos. É claro que o Sr. Deputado Filipe Abreu acha graça a isto - pelo menos, está a sorrir! - porque não é vítima destas doenças graves...
De facto, não é a redução do horário semanal que determina o aumento brutal dos ritmos mas, sim, uma certa perspectiva vesga do papel da empresa com a cum-
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plicidade de quem defende a desregulamentação quase completa do direito do trabalho. Diz-se também que a redução do horário do trabalho, com o aumento dos custos monetários de produção, traz consigo a perda de competitividade das empresas, a diminuição dos lucros e os despedimentos.
Mas, ponderados devidamente os argumentos, analisados os efeitos Sauvej, Gataz, detalhados na revista Droit Social, a conclusão tirada sobre a realidade foi a seguinte: "As reduções da duração de trabalho não trouxeram perturbações de produção nem perdas de competitividade." As perturbações da produção surgem, sim, de certa actuação hoje muito usual no nosso país, porque apadrinhada pelo pacote laboral.
Uma empresa como a Timex - e isto 6 um exemplo- gasta meio milhão de contos na sua modernização ou, melhor, na compra da saída de 290 trabalhadores permanentes, fomentando o trabalho precário com a admissão, para o seu lugar, de trabalhadores a prazo - aliás, tem um bom exemplo, pois o próprio Governo na Administração Pública mantém trabalhadores a prazo durante 40 ou 50.
O fomento do trabalho precário, impossibilitando a formação profissional do trabalhador, é, isso sim, factor de atraso e de retrocesso, assim como o fomento do trabalho clandestino, a que vimos assistindo, é factor de desorganização e de marasmo!
Os argumentos utilizados para limitar as reivindicações dos trabalhadores são, de facto, inconsistentes.
Como se salienta numa proposta de resolução, apresentada em 1986 no Parlamento Europeu, a redução do tempo de trabalho não pode ser apenas analisada sob o ponto de vista dos custos a cargo das empresas, porque isso equivale (a negligenciar os custos do desemprego e o objectivo de harmonizar as condições de vida e do trabalho dos cidadãos no nível desejável.
De facto, pondo na balança todos os argumentos, é de realçar uma das consequências positivas da redução do tempo de trabalho: a limitação, pelo menos, da progressão do desemprego, medida que, como é óbvio, para atingir todos os seus frutos tem de passar, obviamente, por políticas de formação profissional de trabalhadores, de fomento de pleno emprego, de limitação de trabalho extraordinário.
Tal como diz Demis Clere na revista Droit Social, depois de analisar todos os argumentos em contrário: "A lula contra o desemprego passa pela redução da duração de trabalho, mesmo que não se resuma a isso. É mesmo a principal maneira de limitar a progressão do desemprego."
Por todos estes motivos, que muito resumidamente se referiram, consideramos que não é aceitável a proposta de lei apresentada pelo Governo.
Relativamente ao projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista, só temos a lamentar que apenas fixe a redução para as 40 horas, no ano de 1993 e que nada estabeleça quanto ao trabalho penoso, insalubre e perigoso.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Entendemos fundamental a contratação colectiva, parte integrante da liberdade sindical, que tem sido fundamental, nomeadamente na redução da duração semanal de trabalho.
ntendemos que o diploma de 1974, que sujeitava a autorização a limitação da jornada de trabalho, deixou de estar em vigor com a Constituição de 1976, pois viola o direito à contratação colectiva. No entanto, pensamos que será melhor explicitar, como faz o projecto de lei do PS, a revogação da tal diploma.
Contudo, entendemos que não pode ser tudo, ou quase tudo, relegado para a contratação colectiva. Há sectores onde é débil a capacidade de negociação perante o patronato, que só enxerga o lucro imediato. Assistimos mesmo, nos tempos actuais, a tentativas de imposição de horários semanais de 54 horas!...
Perante isto, é óbvio que o direito do trabalho não pode deixar de responder as necessidades da vida, à situação dos trabalhadores e à urgência em melhorar as suas condições de vida e de trabalho.
Por isso apresentámos, já em finais de 1988, o nosso projecto de lei.
Para nós, é um dado adquirido que há quem queira protelar, adiar, para contrariar o sentido da realidade e as aspirações dos trabalhadores.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Esses ficarão com essa responsabilidade! Nós assumimos a responsabilidade do nosso diploma - orgulhamo-nos dele! - e não temos medo dela, porque os trabalhadores reconhecem que, mais uma vez, estivemos, de facto, na frente, ao trazermos a plenário da Assembleia da República um projecto que corresponde aos seus interesses.
Mas, independentemente da sorte conjuntura] do nosso projecto, a marcha para a jornada de trabalho de 40 horas é irreversível e, se esta marcha começou lá fora há anos, com a luta dos trabalhadores, foi possível a sua continuação nesta Assembleia pela mão do Grupo Parlamentar do PCP.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que está encerrado o debate.
Entretanto, informo que foi apresentado na Mesa e distribuído aos Srs. Deputados um requerimento, subscrito por deputados do PSD e do PS, no sentido da baixa, sem votação, à Comissão do Trabalho, Segurança Social e Família do projecto de lei n.º 361/V e da proposta de lei n.º 93/V.
É esse requerimento, Srs. Deputados, que vamos votar de imediato.
Submetido â votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD e do CDS e as abstenções do PCP e do deputado independente Raul Castro.
Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 291/V (PCP), que reduz a duração semanal do trabalho normal.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS, votos a favor do PCP, do PRD e do deputado independente Raul Castro e a abstenção do PS.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr.ª Presidente, se me permite, eu gostaria de anunciar que o meu grupo parlamentar apresentará na Mesa uma declaração de voto escrita.
A Sr.ª Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Srs. Deputados, a próxima reunião plenária terá lugar na quinta-feira, dia 8, e do período da ordem do dia
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constará a discussão da proposta de lei n.º 12 W — Lei quadro das privatizações, que será objecto de votação final global. Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Flausino José Pereira da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Jaime Gomes Mil-Homens.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Lapa Pessoa Paiva.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Luís António Martins.
Luis Filipe Meneses Lopes.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Rui Gomes da Silva.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Walter Lopes Teixeira.
Partido Socialista (PS):
Alberto de Sousa Martins. António Domingues de Azevedo. António Miguel de Morais Barreto. Hélder Oliveira dos Santos Filipe. Jo3o Rosado Correia. José Apolinário Nunes Portada. Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Partido Comunista Português (PCP):
Jerónimo Carvalho de Sousa. João António Gonçalves do Amaral. José Manuel Santos Magalhães. Manuel Rogério Sousa Brito.
Centro Democrático Social (CDS):
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca. José Luis Nogueira de Brito. Narana Sinai Coissoró.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Adérito Manuel Soares Campos.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António Augusto Lacerda de Queirós.
António Joaquim Correia Vairinhos.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
Cecília Pita Catarino.
Gilberto Parca Madaíl.
Rodrigues Casqueiro.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Manuel Parente Chancerclle de Macheie.
Partido Socialista (PS):
Alberto Marques de Oliveira e Sousa.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Helena de Melo Torres Marques.
João António Gomes Proença.
José Barbosa Mota.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
Luis Filipe Nascimento Madeira.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Partido Comunista Portuguôs (PCP):
Carlos Alfredo Brito. Domingos Abrantes Ferreira. José Manuel Antunes Mendes. Sérgio José Ferreira Ribeiro.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Hermínio Paiva Fernandes Martinho. José Carlos Pereira Lilaia. Natália de Oliveira Correia.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV): André Valente Martins.
Deputados independentes:
Carlos Matos Chaves de Macedo. Maria Helena Salema Roseta.
Docluraçilo do voto enviada n Mesa para publlcoçjo
o relullva i votaçfio, no generalidade,
do projecto de lei n.º 291/V
O voto contra do PSD e do CDS impediu a aprovação, na generalidade, do projecto de lei n.º 291/V, do PCP, sobre a redução do horário semanal de trabalho para 40 horas. O PSD e o CDS votaram contra um projecto de lei que corresponde a uma das principais reivindicações dos trabalhadores portugueses e que mereceu, durante a consulta pública, o apoio de largas centenas das mais representativas organizações e plenários de trabalhadores.
Passado um ano desde a sua apresentação, não quis o Grupo Parlamentar do PCP protelar por mais tempo uma decisão que se impunha.
Ao contrário, o PSD e o próprio PS fizeram baixar à Comissão de Trabalho, Família e Segurança Social, sem votação e sem tempo determinado, a proposta governamental e o projecto de lei que envolvem a redução do horário de trabalho. Este adiamento corresponde às pressões patronais e vai contra a corrente da realidade, das aspirações dos trabalhadores e da sua luta.
Temos para nós, PCP, que a redução do horário de trabalho é irreversível, independentemente da vontade do
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Governo. Confiamos que a esmagadora maioria dos trabalhadores portugueses continuará, em cada empresa, em cada sector, na contratação colectiva e junto das instituições democráticas, a reivindicar e" a concretizar o objectivo da redução do horário de trabalho das 40 horas. Certo disso e correspondendo a essa luta e ao sentido da realidade, o Grupo Parlamentar do PCP compromete-se perante os trabalhadores a reapresentar, na próxima sessão legislativa, em Outubro, o seu projecto de lei relativo às 40 horas de trabalho semanal.
Assembleia da República, 6 de Fevereiro de 1990. - Pelo Grupo Parlamentar do PCP, Jerónimo de Sousa.
Rectificação ao n.º 25, de 21 de Dezembro de 1989.
Na p. 969, col. 2.ª, imediatamente a seguir ao texto do artigo único, deve acrescentar-se o seguinte:
Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global da proposta de lei n.º 123/V.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD, do CDS e da deputada independente Helena Roseta e votos contra do PCP.
Os REDACTORES: Maria Amélia Martins - José Diogo - Cacilda Nordeste - Maria Leonor Ferreira.-
Depósito legal n.º 8816/85
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