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Quarta-feira, 14 de Fevereiro de 1990 I Série - Número 43

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1989-1990)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 13 DE FEVEREIRO DE 1990

Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Apolónia Maria Pereira Teixeira
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão as 15 horas e 20 minutos.
Antes de ordem do dia. - Deu-se como ria apresentação do projecto de lei n.º 479/V, de requerimentos e de respostas a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Rui Silva (PRD) falou de problemas relacionados com o regime de segurança social dos professores do ensino particular e cooperativo.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Almeida Santos (PS) criticou as declarações do Sr. Primeiro-Ministro relativas às próximas eleições presidenciais, na sequência do que usaram também da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Pacheco Pereira (PSD), Adriano Moreira (CDS), Carlos Brito (PCP), Duarte Lima, Carlos Coelho e Montalvão Machado (PSD) e Narana Coissoró (CDS).
Ainda em declaração política, a Sr.ª Deputada Luísa Amorim (PCP) condenou a não aplicação de leis da Assembleia relativas aos direitos das mulheres, ao que se associou a Sr.ª Deputada Natália Correia (PRD).
Foram aprovados os votos n.ºs 126/V (PS), 129/V (PSD), 130/V (PRD) e 132/V (PCP), de congratulação pela libertação de Nelson Mandela. e 127/V (PSD), 128/V (PCP e deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro) e 131/V (PRD), de saudação e homenagem pela passagem do 25.º aniversário do assassinato do general Humberto Delgado. Produziram declaração de voto os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca (Indep.), José Manuel Mendes (PCP), Raúl Rêgo (PS), Narana Coissoró (CDS) e Silva Marques (PSD).
Ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 30 a 35 do Diário.

Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.º 131/V (PCP) - Lei-quadro das empresas públicas municipais, intermunicipais e regionais e 478/V (PS) - Bases das empresas públicas municipais. Intermunicipais e regionais, que, sem votação, baixaram à comissão competente. Intervieram no debate, a diverso título, os Srs. Deputados Ilda Figueiredo (PCP), Jorge Lacão (PS), Carlos Lilaia (PRD), Narana Coissoró (CDS), Manuel Moreira (PSD), Gameiro dos Santos (PS), Nogueira de Brito (CDS) e Silva Marques (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 30 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio dos Anjos Gomes.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda de Queirós.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Jorge Santos Pereira.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Ourique Mendes.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Casimiro Gomes Pereira.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Carlos Marta Soares.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Pereira Lopes.
Licinio Moreira da Silva.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Augusto Pinto Barros.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Gomes da Silva
Rui Manuel Almeida Mendes.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Parado Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.
António Manuel Henriques de Oliveira.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel de Morais Barreto.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Edite Fátima Matreiros Estrela.
Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.

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José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luis Filipe Nascimento Madeira.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Maria do Céu Oliveira Esteves.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl d'Assunção Pimenta Rogo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Pedro Lopes Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo Brito.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Júlio José Antunes.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Luís Maria Bartolomeu Afonso Palma.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Maria Luísa Amorim.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Sérgio José Ferreira Ribeiro.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Rui José Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Narana Sinai Coissoró.

Parado Ecologista Os Verdes (MEP/PEV):

André Valente Martins.
Herculano da Silva P. Marques Sequeira.

Deputados independentes:

Carlos Matos Chaves de Macedo.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Pegado Lis.
Maria Helena Salema Roseta.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa o projecto de lei n.º 479/V, da iniciativa do Sr. Deputado Adriano Moreira e outros, do CDS e do PS, sobre o acesso ao ensino superior, que, tendo sido admitido, baixou à 8.ª Comissão.
Foram ainda apresentados na Mesa, nas últimas reuniões plenárias, os requerimentos seguintes: ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Rui Ávila, Manuel Filipe, Henrique Carmine, Guerreiro Norte e Gaspar de Almeida; ao Ministério da Saúde, formulado pelos Srs. Deputados Rui Cunha, Barbosa da Costa e Ferraz de Abreu; ao Ministério da Educação, formulado pelos Srs. Deputados Miranda Calha e António Barreto; ao Governo, formulado pelos Srs. Deputados José Magalhães, António Braga e António Filipe; às Secretarias de Estado dos Transportes Interiores e do Ensino Superior, formulados pelo Sr. Deputado Barbosa da Costa; à RTP e à Secretaria de Estado da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes; ao Ministério da Indústria e Energia, formulado pelo Sr. Deputado Gaspar de Almeida; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Lilaia; à Secretaria de Estado do Ambiente e da Defesa do Consumidor, formulado pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira; ao Ministério do Comércio e Turismo, formulado pelo Sr. Deputado António Campos.
Por sua vez o Governo respondeu a requerimentos que haviam sido apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Barbosa da Costa, na sessão de 2 de Junho; Herculano Pombo, na sessão de 7 de Novembro; Lino de Carvalho, na sessão de 30 de Novembro; Joaquim Teixeira, na sessão de 6 de Dezembro; António Vairinhos, na sessão de 18 de Janeiro e André Martins na sessão de 25 de Janeiro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quanto julgo saber, há consenso entre todos os grupos parlamentares para que se não se proceda hoje à discussão da proposta de lei n.º 97/V e dos projectos de lei n.ºs 475/V e 477/V, respectivamente do PCP e do PS, relativos ao Código dos Direitos de Autor.

O Sr. António Guterres (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, quero apenas dizer que não levantaremos obstáculo ao consenso, mas também não veríamos inconveniente que se fizesse hoje uma abordagem, em discussão, deste tema, desde que os projectos baixassem à Comissão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradecia que os diversos grupos parlamentares trocassem impressões sobre esta matéria.
Para declarações políticas estuo inscritos o Sr. Deputado Rui Silva, o Sr. Deputado Almeida Santos e a Sr.ª Deputada Luísa Amorim.

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O Sr. Deputado Silva Marques pretende interpelar a Mesa?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, queria lembrar que estou inscrito para intervir no PAOD de hoje, salvo erro há uma semana.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, referi-me a declarações políticas, e a informação que tenho é a de que o Sr. Deputado está inscrito para uma intervenção no outro capítulo.

O Orador: - Exactamente, Sr. Presidente. Como considerava que o PAOD de hoje era regional, eu tinha preparado uma declaração política regional, o que não é incompatível...

O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - PAOD regional?! O que é isso?

O Orador: - O PAOD regional aceita perfeitamente declarações políticas!... Mas o Sr. Presidente dirá como fazer. Eu estava inscrito na convicção de que hoje poderia usar da palavra.

O Sr. Presidente: - E certamente que usará, Sr. Deputado. Tudo dependerá do tempo de que dispusermos.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O assunto que hoje queremos aqui apresentar diz respeito aos diversos problemas que têm vindo a ser levantados com o regime de segurança social dos professores do ensino particular e cooperativo.
Notícias expendidas através dos meios de comunicação social, ainda mesmo hoje, esclarecem que a questão se prende com a falta de adequada regulamentação do Decreto-Lei n.º 321/88, de 22 de Setembro e, porventura, com o facto de a administração de segurança social não querer perder a receita proveniente das contribuições que vinha auferindo daquele sector.
Aliás, segundo julgamos saber, o Governo terá mesmo aprovado já um novo diploma sobre a matéria, o que vem contrariar a medida legislativa, de sua autoria, consubstanciada na publicação do referido Decreto-Lei n.º 321/88, de 22 de Setembro, o que vem suscitar a maior apreensão por parte dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, que se sentem ludibriados e temem pela sua sobrevivência económica face ao agravamento de encargos que vêm suportando, precisamente em consequência de um conjunto de medidas da responsabilidade do Governo.
Através da publicação do Decreto-Lei n.º 321/88, de 22 de Setembro, veio o Governo dar satisfação a uma aspiração antiga dos professores do ensino particular e cooperativo e deu, finalmente, cumprimento ao preceituado pela Lei de Bases do Ensino Particular - Lei n.º 9/79, de 19 de Março-, designadamente no seu artigo 12.º, quando estabelece que «a legislação relativa aos profissionais de ensino, nomeadamente nos domínios salarial, segurança social e assistência, deverá ter em conta a função de interesse público que lhes é reconhecida e a conveniência de harmonizar as suas carreiras com as do ensino público».
Desde há muitos anos que, quer as associações sindicais dos professores, quer mesmo a Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo, vinham reclamando a concretização de semelhante medida legislativa do Governo, no sentido de que o estatuto dos professores do ensino particular, também no que respeita a condições de aposentação e assistência na doença, correspondesse às dos seus colegas do ensino público.
Mas quando se julgava que o problema estava finalmente resolvido e que o Decreto-Lei n.º 321/88, de 22 de Setembro, definia com clareza a integração do pessoal docente do ensino particular e cooperativo no regime de segurança social dos funcionários e agentes da Administração Pública, através da sua inscrição na Caixa Geral de Aposentações, no Montepio dos Servidores do Estado e na ADSE, eis que, devido fundamentalmente à falta de adequada regulamentação daquele diploma, se pretendeu pôr em causa a respectiva medida legislativa, alimentando-se uma total confusão acerca do regime de segurança social em que se integram aqueles professores.
A situação a que se chegou parece, Sr. Presidente e Srs. Deputados, ser agora insustentável, pelo que urge pôr-lhe cobro sem ser através da contradição da medida anteriormente adoptada, voltando a onerar os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo com encargos que iriam pôr em causa a sobrevivência económica da maioria deles, ou esta seria obtida à custa de ainda maiores sacrifícios daqueles que, para além de contribuírem com o pagamento dos seus impostos para suportar os custos do sistema educativo em geral, têm de suportar directamente o encargo da educação dos seus filhos, ou seja, as famílias que têm filhos a frequentar o ensino particular.
Do disposto no Decreto-Lei n.º 321/88 resulta claramente a integração do pessoal docente do ensino não superior particular e cooperativo no regime de segurança social dos seus colegas do ensino público, com a sua inscrição, como referimos, na Caixa Geral de Aposentações, no Montepio dos Servidores do Estado e na ADSE. É o que se retira, designadamente, do disposto nos artigos 1.º, 8.º, 9.º e 10.º do referido diploma legal. De resto, esse diploma veio tornar extensivo ao pessoal docente do ensino particular e cooperativo de nível não superior um regime que já se encontrava consagrado para o pessoal docente dos estabelecimentos de ensino superior, com a publicação do Decreto-Lei n.º 327/85, de 8 de Agosto, conforme, aliás, se refere no respectivo preâmbulo.
Estabelece-se no artigo l.º do diploma em questão que «o pessoal docente dos estabelecimentos de ensino não superior particular e cooperativo devidamente legalizados será inscrito na Caixa Geral de Aposentações e no Montepio dos Servidores do Estado, ficando abrangido pelas disposições dos respectivos estatutos em tudo o que não for contrariado pelo presente diploma»; pelo disposto no artigo 8.º faculta-se aos estabelecimentos de ensino com pessoal docente abrangido pelo disposto no presente diploma a celebração de acordos com a ADSE, destinados a fixar as condições em que o referido pessoal pode adquirir a qualidade de beneficiário da ADSE e gozar dos benefícios por esta assegurados, nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 118/83.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: É, pois, inequívoca a mens legis do Decreto-Lei n.º 321/88, de 22 de Setembro: pretendeu-se integrar o pessoal docente a prestar serviço nos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior, abrangidos pelo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, no regime de segurança social aplicável aos funcionários e agentes da Administração Pública e, consequentemente, desinseri-lo do regime geral de segurança social em que se encontrava até à publicação daquele diploma legal. Uma simples leitura do preceituado daquele diploma chega para concluir, sem margem para dúvidas, que se operou a transferência de um regime para outro, estando fora de hipótese a consagração de uma situação em que o referido pessoal ficasse integrado em dois sistemas de segurança social.
Assim sendo, o problema que se coloca é o da execução das disposições do Decreto-Lei n.º 321/88, reconhecendo-se a necessidade de encontrar, em sede de regulamento - portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Educação, nos termos do artigo 10.º do referido decreto-lei -, resposta para o carácter especial da situação do pessoal docente dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, designadamente os de menor dimensão, enquanto entidades responsáveis pela obrigação de suportar os encargos com os benefícios concedidos no âmbito da ADSE, atendendo ao modo como o sistema funciona em relação aos diferentes serviços e organismos integrados na Administração.
É para essa necessidade de adequada regulamentação, relativa à criação de condições de exequibilidade das disposições do Decreto-Lei n.º 321/88, que aponta o seu artigo 10.º e julga-se que a referência aí contida não têm que respeitar apenas, como fez a Portaria n.º 1/89, de 2 de Janeiro, as contribuições para a Caixa Geral de Aposentações e para o Montepio dos Servidores do Estado, mas deve abranger as contribuições para o financiamento dos encargos com a assistência módica e medicamentosa, bem como para outras prestações sociais, a abranger no âmbito da ADSE.
É também sabido que o acordo salarial a que chegaram os sindicatos dos professores e a AEEP - Associação de Representantes de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo, em 1988, que incluiu um acréscimo extraordinário na tabela salarial e que produziu os seus efeitos em Janeiro de 1989, que se destinou a compensar a perda de isenção de imposto profissional de que gozavam os docentes do ensino particular e cooperativo, só foi possível porque as entidades envolvidas nas negociações obtiveram um compromisso tácito do Governo de que iria ser modificado o regime de segurança social do pessoal docente, do que resultaria uma redução acentuada dos encargos sociais dos estabelecimentos de ensino, redução essa que possibilitaria o aumento extraordinário da tabela salarial dos professores, de modo a permitir-lhes fazer face ao agravamento dos seus encargos fiscais a partir de Janeiro de 1989.
Igualmente, em 1989, na revisão da tabela salarial docente do ensino particular e cooperativo, em que se procedeu a um esforço significativo de aproximação aos vencimentos dos professores do ensino público, foi tida em conta, pelas partes negociadoras, a redução de encargos com a segurança social de que tinham beneficiado os estabelecimentos de ensino particular.
Não se compreende assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a anunciada medida do Governo de legislar no sentido de voltar a integrar o pessoal docente do ensino
particular no regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem.
A situação ainda se toma mais incompreensível quando se sabe que, anteriormente, já outro diploma, que apontava para a criação de uma mútua, foi aprovado em Conselho de Ministros, sem nunca ter sido publicado.
Por outro lado, é também sabido que a grande maioria dos estabelecimentos de ensino celebraram já contratos com a ADSE e que os respectivos professores não aceitam serem agora desvinculados desse regime.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esperamos, sinceramente, que o Governo se reveja nesta decisão que tão graves e grandes problemas poderá vir trazer a uma classe de que se tem de esperar a melhor contribuição para a tal desejada reforma do sistema educativo.

Aplausos do PRD e de alguns deputados do PS e do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Manuela Aguiar.

A Sr.ª Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Em verdade vos digo que o Sr. Primeiro-Ministro não acerta o passo com as elementaridades da praxe política.
São conhecidos os seus trabalhos pela subalternização do Parlamento. São frequentes as queixas, é chocante o desprezo. O Governo legisla, o Parlamento chancela. As oposições pregam aos peixes. A TV é um laudemus. Continuamos, não obstante, a apresentar algumas semelhanças com uma democracia parlamentar.
O que até agora não era tão conhecido era o desprezo do Primeiro-Ministro pela instituição presidencial. E verdade que tem sabido cultivar a aparência de um relacionamento institucional à prova de intriga com o Presidente da República.
Mas vem de fazer-nos saber que isso se deve ao seu próprio savoir faire, não à cordialidade e ao sentido institucional do próprio Presidente. Nem tudo são rosas, mas ele empresta-lhes o perfume.
Para o seu partido, eleições dignas desse nome são as legislativas, essas «onde irá estar realmente em causa o modelo de sociedade que Portugal quer construir para a década de 90» - além dele próprio, naturalmente!
O Presidente da República, esse, não faz parte do modelo. É, sei lá, um «aplique» na lapela do modelo.
Seja como for, vem de anunciar, com a antecedência de cerca de um ano, que o PSD se desinteressa das eleições presidenciais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O anúncio foi escrito e meditado com a antecedência e a meticulosidade com que o Primeiro-Ministro prepara as remodelações do seu Governo.

Risos do PS.

Ainda assim, escrito e meditado com a desgraciosa insegurança de, salvo seja, um pato fora da água.
Um pouco mais de familiaridade do Primeiro-Ministro com a Constituição da República tê-lo-ia poupado à imprecisão de admitir que, nas eleições presidenciais, os partidos podem ter candidatos próprios. Uma gaffe que a Sr.ª D. Carmelinda Pereira não cometeria.

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Por outro lado; assegurava-lhe defesa contra o ridículo de pretender condicionar a inércia do seu partido ao estabelecimento «de um compromisso directo com o povo português quanto aos pressupostos em que assenta a decisão [já decisão, como se vê] de não apresentar um candidato presidencial próprio».
É verdade que os deuses - segundo Fernando Pessoa - vendem o que dão. Mas não será forçar demais a analogia?
Confesso a irreprimível curiosidade de descobrir que compromisso directo com o povo possa o Primeiro-Ministro ter em mente. Mas, seguramente por defeito meu, sou forçado a desistir.
E melhor resultado não alcanço se, desistindo de indagar o fundo desse fantasmagórico pacto compromissório, me concentro em lhe surpreender a forma. Terá o Sr. Primeiro-Ministro a bondade de ser mais claro, se não precisar de ser mais lúcido.
Junte-se, a tudo isto a desajeitada omissão de uma prévia troca de impressões com o presuntivo candidato - ao menos para averiguar da verosimilhança da candidatura - e tem-se, acabada, a imagem de um barco à deriva.
Simples raciocínios de jardim-escola teriam poupado o PSD - um grande partido, que não merecia isso - à originalidade de ter de sufragar uma condição, um «se», um candidato futuro e incerto. E não menos ao desprazer de receber de volta uma nota de culpa, ou melhor dizendo, de surpresa e de prematuridade, a que o notificado, para tudo agravar, mandou responder com outra estranhando uma «estranheza» que, de facto, nunca existiu.

Risos do PS.

Apesar de tudo, não ia mal ao mundo se a melhor explicação de tudo isto fosse a mais aparente: Cavaco Silva teria resolvido disfarçar - a ver se pega e antecipar - a ver se esquece - a derrota do seu parado nas próximas eleições presidenciais. A sua terceira derrota num curto espaço de tempo.
Ele sabe que não é verdade que as eleições presidenciais sejam eleições menores. E também não desconhece que a mais humilhante das derrotas consiste em desistir de lutar. Sobretudo se a fuga à luta é protagonizada por quem difundiu de si mesmo uma imagem de valentaço e de «vai a todas».
Em linguagem futebolística, tão ao gosto da nossa geme, optou pela falta de comparência para evitar uma goleada.

Risos do PS.

A ser desfeiteado no estádio, preferiu uma derrota na secretaria. Com a agravante de que o fujão figura neste caso - cor da camisola aparte - o campeão da época finda, o «Benfica» das competições políticas. Não é deslustrante?
Sá Carneiro, o voluntarioso criador da estratégia totalista de «um Governo, uma maioria, um Presidente», revolve-se no túmulo, enquanto Cavaco Silva faz morrer o que dele permanece vivo.
Danton aconselhava «audácia, audácia, sempre audácia». Até há pouco, Cavaco Silva parecia ser seu emulo. Mas não. Aparentou sê-lo enquanto geriu o sucesso. A partir dos primeiros fracassos, contenta-se em gerir os salvados. E acomoda-se, bem certo de que ao reduzir o PSD à soma de três vetores - Cavaco Silva, mais Cavaco Silva, mais Cavaco Silva - o tornou pequeno e vulnerável. Olha agora à sua volta e não encontra um candidato. Ainda que se veja ao espelho!
Sem, matéria-prima que lhe assegure ao menos uma derrota honrosa, esquece que expulsou militantes do PSD por terem apoiado Mário Soares, passa por sobre o fosso intelectual e anímico que o separa do actual inquilino de Belém, sobrevaloriza um bom relacionamento institucional que não dependeu do seu apoio nas últimas eleições, nem dele dependerá nas próximas, e, mesmo sem auscultar previamente Mário Soares, ou o seu próprio partido, anuncia que não vai à luta.
Assim coloca o PSD, uma vez mais, na situação desairosa de ler de ratificar a sua vontade.
"É claro que não faltará quem recorde que Mário Soares se situa hoje acima dos partidos, tendo inclusive devolvido ao PS o seu cartão de militante. É verdade. Mas não devolveu a alma...

Aplausos do PS.

... que, além do mais, é penhor de recusa de pactos compromissórios - directos ou indirectos - com não importa que partido, sem excluir aquele que foi seu e continua a tê-lo por referência e por memória.
Mário Soares não é presa fácil do ludíbrio. E já decerto desembrulhou o presente envenenado com que Cavaco Silva aparentemente o obsequiou. Despojado do invólucro dos elogios, terá concluído que Cavaco Silva lhe endereçou a maçã letal que a bruxa do conto infantil deu a comer' à Branca de Neve.

Risos do PS.

Os que levam a sério a recusa, ou no mínimo a hesitação, de Mário Soares em recandidatar-se temem agora, mais do que nunca, ver confirmados os seus receios.
E os menos ingénuos perguntam-se sobre se não terá sido Maquiavel quem inspirou Cavaco Silva no propósito de provocar isso mesmo.
Uma coisa tenho por certa: Mário Soares nunca será o Presidente de uma nova União Nacional.

Aplausos do PS.

Onde reside então o maior motivo para preocupações? No facto de Cavaco Silva não ter hesitado em sacrificar o prestígio da instituição presidencial para escapar ao desastre de ter de reecontar os votos nas próximas eleições presidenciais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Curiosamente, os argumentos com que tenta minimizar a sua antecipada derrota não lhe ocorreram a propósito das últimas eleições autárquicas, onde um largo número de excelentes autarcas de outros partidos, também antecipadamente vencedores, teriam justificado da parte do PSD igual preocupação com o interesse nacional e igual desistência em apresentar candidatos próprios, uma vez mais em nome do interesse nacional.
Dessa vez, teve decerto em conta que uma salutar competição eleitoral é da essência da democracia e que uma eleição sem escolha pode ser um plebiscito, nunca uma eleição democrática.

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Só quo o plebiscito é, com razão, receado como forma de legitimação de pessoas para o exercício de cargos com prerrogativas de autoridade. Serviu para, falsamente, legitimar ditadores. Não serve para legitimar o Presidente da República Portuguesa.
Serve-me, porém, de pretexto para legitimar a minha estranheza perante a afirmação do Sr. Deputado Pacheco Pereira - fiel intérprete do pensamento oficial do seu partido e cujas opiniões não raro colhem concordantes as minhas opiniões acerca delas - de que «ao obter este apoio, a recandidatura de Mário Soares ganhará um carácter plebiscitado, e [que] o único significado possível desse plebiscito será o fortalecimento do regime democrático».
Enganado andava eu, supondo que o plebiscito é, como disse Burdeau, «uma paródia do exercício da soberania do povo». Enganado, de facto, supondo-o instrumento privilegiado de ditaduras e de ditadores. Iludido, imaginando que no plebiscito o povo não escolhe e que, não escolhendo, não legitima. Mas até morrer se aprende!...
Afirmou ainda o Sr. Deputado Pacheco Pereira num pico de franqueza: «Neste sentido, haverá uma dcspartidarização efectiva das eleições presidenciais, o que só valorizará as próximas legislativas.»
Como é que eu me não tinha apercebido de que a Constituição e a democracia não querem os partidos nas presidenciais? É certo que me apercebi de que a Constituição os não quer na formalização das candidaturas, coisa de que não parece ter-se apercebido o Sr. Primeiro-Ministro, na maneira como reduziu o seu papel. Mas não é que julgava que a partir daí os quer e deseja tanto quanto os quer e deseja nas legislativas?
Disse, enfim, o ilustre deputado: «Para as legislativas de 1991, do que se precisa é de uma espécie de condottiere.»
Leia-se «caudilho», leia-se Cavaco Silva. E aí têm os Srs. Deputados como, sem intenção, pode um devoto ofender a «Deus»!
Não é a primeira vez que, do lado do PSD, nomeadamente através do seu Presidente, soam propósitos de desvalorização dos partidos, das ideologias, da política. Só que não há democracia sem estes ingredientes, sem as representações motoras de que são portadores e agentes, sem a acção colectiva de que são garantes, sem o combate de que são soldados.
É por isso tranquilizador saber que outros políticos, igualmente cotados, como é o caso do Sr. Deputado Lucas Pires, não hesitam em formular esta perturbante pergunta: «Ainda haverá eleições presidenciais»?
Por seu turno, o articulista Paulo Portas exprime deste modo a mesma inquietação: «O País saberá, na devida altura, que a eleição presidencial não teve a mínima autenticidade.»
Eis, pois, que o Primeiro-Ministro anunciou ao País um terramoto anímico que legitima as mais fundas preocupações. Entre elas a de saber que Primeiro-Ministro é este, que intérprete é ele do espírito das instituições democráticas, qual o grau da sua democraticidade, até que ponto deve desvalorizá-lo esta subordinação de tudo ao voto, esta tentativa de secundarizar a escolha do Presidente da República, logo este.
O Primeiro-Ministro disse há dias: «Não saio sem lula!» Dito isto, recusa-se a lutar!
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Não quero esquecer que subi a esta tribuna no dia do 25.º aniversário do assassinato do general Humberto Delgado, morto pela
PIDE por defender os valores democráticos cuja preservação aqui me trouxe. A sua memória é outra das referências que não deixaremos morrer.
Vai para ano e meio que esta Assembleia aprovou uma resolução para que se proceda à trasladação dos seus restos mortais para o Panteão Nacional.
Cabe ao Governo dar execução a esse mandato histórico.

Aplausos do PS, do PCP e do PRD.

Por que o não executa?
Eis uma boa causa para o Sr. Presidente. Aqui lha deixamos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, estão inscritos os Srs. Deputados Pacheco Pereira, Carlos Brito, Silva Marques, Duarte Lima e Carlos Coelho.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, lembro-me muito bem dos tempos que partilhámos no MASP e das sessões conjuntas que fizemos sobre as eleições presidenciais e confesso que tive alguma surpresa em ver o Sr. Deputado, que, tanto quanto eu saiba, é agnóstico, a discursar sobre a alma e a interpretar o conteúdo da alma alheia.

Risos do PSD.

Confesso que as interpretações sobre a alma podem ser um bom discurso sobre a própria alma, mas dificilmente têm a qualidade de ser uma interpretação correcta da alma alheia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nos meus tempos de estudante de Filosofia, aprendia-se, com Kant, que o nómeno, por definição, é território de Deus. Muito dificilmente, portanto, podemos saber o que está dentro da alma alheia.
Compreendo, porém, a preocupação do Sr. Deputado Almeida Santos, porque compreendo a incomodidade do Partido Socialista com as próximas eleições presidenciais. Dou de barato que a incomodidade dos partidos com as próximas eleições presidenciais seja um dado comum a todos. Isto é: não me custa nada admitir que nós tenhamos incomodidade com as próximas eleições presidenciais, que o Partido Socialista tenha incomodidade com as próximas eleições presidenciais, que também o Partido Comunista tenha incomodidade com as próximas eleições presidenciais. E distingo o CDS porque, por razões que têm a ver com a sua própria pequenez, tem provavelmente condições para não ter esta incomodidade.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não apoiado!

O Orador: - E já nem falo do PRD!... Risos.

Mas admito que tenhamos em comum incomodidade com as próximas eleições presidenciais.
Essa incomodidade, aliás, não é de agora. Lembro-me muito bem da incomodidade do Partido Socialista, em 1985, com a candidatura do Dr. Mário Soares. O Partido

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Socialista tem pouca memória, mas recordo-me muito bem de como ele estava incomodado com a forma, os meios, o estilo, o programa, o conteúdo e as pessoas que constituíram a candidatura do Dr. Mário Soares.

Aplausos do PSD.

Como, aliás, me lembro muito bem da incomodidade do Partido Comunista, que era conhecida. A nossa - na altura não a minha, mas a do PSD - foi tanta que perdeu.
Da incomodidade, portanto, partilhamos todos. E partilhamos mais agora porque o Dr. Mário Soares entendeu fazer uma presidência essencialmente na base de uma reflexão autocrítica sobre a presidência anterior, que efectivamente colocou a função presidencial num terreno que não é facilmente assumível na conflitualidade interpartidária. O Partido Socialista ressente isso, porque a sua incomodidade actual vem de que os termos em que o Presidente da República interpreta o seu próprio mandato não são facilmente reduzíveis à interpretação de que o Partido Socialista precisava para as próximas eleições presidenciais.

Aplausos do PSD.

Ou seja, o Partido Socialista precisava que a função presidencial assumisse outro teor, fosse intervencionista, como era a do general Eanes, fosse hostil ao Governo, criasse conflitos institucionais, ajudasse claramente o Partido Socialista para as eleições de 1991 e contrariasse a acção do PSD.
Ora, o Presidente da República nunca mostrou, até aos dias de hoje, vontade em exercer essa função. Ó que o presidente do PSD disse foi, pura e simplesmente, isso, ou seja, que, se até agora a função presidencial foi exercida nos termos em que o foi e o apoio popular a essa função não é dissociável dos termos em que ela foi exercida, estamos em condições de considerar que tal é positivo. Não houve conflitos institucionais, mas, antes, um bom entendimento entre o Governo e o Presidente da República, e o Sr. Presidente da República, por muita discordância pontual que haja, não actuou em função do interesse partidário. Ideal! Daí que não haja razão nenhuma para perturbar o consenso institucional de que o Sr. Presidente da República tanto fala e a estabilidade governativa de que tanto necessitamos. As duas coisas conjugam-se. É uma afirmação clara e inequívoca.
O Partido Socialista não pode querer isso e, quando fala aqui, fala quanto ao entendimento que o Sr. Presidente da República faz da própria função presidencial. Compreendo a mensagem, mas ela não é para nós: é para o Sr. Presidente da República. O que o Sr. Deputado está a dizer é: «Sr. Presidente da República, nós precisamos que as próximas eleições presidenciais sejam a antecâmara das eleições legislativas e precisamos que o conflito que haja nas presidenciais seja entendido como um passo em relação às legislativas!»
O máximo que lhe posso dizer, Sr. Deputado Almeida Santos, é que o entendimento que o Sr. Presidente da República faz da sua magistratura de influência, do exercício do seu mandato acima da conflitualidade partidária e do consenso necessário ao desenvolvimento e ao progresso do País é contraditório com essa interpretação. Se o Sr. Presidente da República vier a mudar, nós teremos com certeza outra palavra e os senhores razão para estar satisfeitos. Mas nada indica que mude e as recentes declarações do Sr. Presidente da República só vão nesse sentido. É verdade que nos criticam a nós, mas também criticam o Partido Socialista, a UGT e as outras instituições que tem utilizado a Presidência da República para a conflitualidade partidária. No nosso entendimento, isso é prejudicial.
Compreendo, pois, a incomodidade do Partido Socialista sobre essa matéria. Nós, francamente, não temos nenhuma.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Para defesa da consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, peço desculpa à Câmara por interromper um diálogo, que vai tão bem lançado, sobre a essência do discurso do Sr. Deputado Almeida Santos, mas não posso deixar de colocar uma pequena nota ao fundo da página, provocada pelas palavras que acabam de ser proferidas em nome do PSD.
A intervenção do PSD neste diálogo, que continuo a reservar essencialmente aos dois partidos, começou por uma consideração, alongada, profunda e justa, sobre os problemas da alma. Quero dizer ao Sr. Deputado Pacheco Pereira que este partido é pequeno, mas a sua alma não.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - E não consigo ter nenhuma opinião sobre a dimensão da vossa.

Risos do CDS, do PS, do PCP, do PRD e de Os Verdes.

É um assunto sobre o qual não me posso pronunciar, pelas razões que o Sr. Deputado aprendeu no liceu, que acabou de explicar à Câmara e com as quais concordo.
Quero também lembrar ao Sr. Deputado que este pequeno partido foi o único que lhes forneceu um candidato à Presidência da República.

Aplausos do CDS e do PS.

E, Sr. Deputado, que a riqueza actual da vossa bancada não o leve já a deitar fora a necessidade de porventura lhe bater à porta outra vez, devendo eu desde já preveni-lo de que provavelmente a recepção não será igual à da outra vez.

Risos do PS.

Por outro lado, sinto que, não apenas em defesa da dignidade da bancada, não necessitava desse pequeno desvio da fluidez do seu discurso, mas também em abono daquilo que penso dever ser a solidez da organização política do País, não posso deixar de, com a licença da Câmara, fazer um comentário. A nossa Constituição prevê um Presidente, que exerce uma magistratura suprema, sobretudo de influência. Essa magistratura suprema, que penso ter mais alguma coisa do que isso, porque tem algum poder moderador, deve ser completamente despartidarizada, como tem conseguido fazer o Dr. Mário Soares.

Uma voz do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Tenho dito várias vezes que não apoiei o Dr. Mário Soares, mas tenho de reconhecer que ele tem exercido uma magistratura na Presidência da República que está de acordo com o conceito que tenho do exercício da Presidência da República no actual regime constitucional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E, justamente, aquilo que posso estranhar é que se queira fazer implantar o conceito de que não há presidente que não saia da escolha partidária. Isso não é exacto! Isso não é o que vem na Constituição! Isso não é o que convém ao País!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - O Presidente pode não sair da escolha partidária, é até aconselhável que não saia, em virtude da função tal como ela vai sendo definida pela prática constitucional.
Por isso mesmo, devo dizer-lhe que também fui dos que não apreciei a intervenção do Sr. Primeiro-Ministro! E fui dos que não a apreciei, porque tenho uma opinião, esta, se me permite, um pouco resultante do estudo de que a solução dos regimes obedece muito a uma lei a que chamo «lei da homologia». Os regimes são muito tentados a repetir práticas que lhes pareceram que asseguravam um pouco a força dos regimes anteriores e, conscientemente, vai-se movimentando muitas vezes o processo político para isso. O Sr. Deputado sabe isto tão bem como eu!

A Sr.ª Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Orador: - Vou terminar já, Sr.ª Presidente!
Devo dizer-lhe que não me pareceu o mais indicado para o Portugal de 1990 que o Primeiro-Ministro indicasse quem era o candidato à Presidência da República.

Aplausos do CDS.

A Sr.ª Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Deputado Adriano Moreira, tive o cuidado de distinguir o CDS por uma preocupação de rigor, e quando fiz referência à pequenez fi-la sem qualquer sentido pejorativo! É uma realidade objectiva a de que os partidos pequenos têm uma capacidade às vezes até acrescida de intervenção, porque podem fazê-la no plano simbólico.
Porém, penso que os problemas que se põem aos partidos, que podem esperar a aceder ao poder ou a exercê-lo no que diz respeito às suas escolhas presidenciais, são radicalmente distintos dos problemas que se colocam aos partidos que apenas podem aceder ao poder numa lógica de coligação ou que não têm esperanças de, por si próprios, aceder a ele. Foi nesse sentido que fiz essa distinção quanto ao CDS.
Confesso, no entanto, que há uma crítica que o Sr. Deputado fez que não me parece razoável, pelo menos do ponto de vista político não me parece aceitável: foi sobre as declarações que o Sr. Prof. Cavaco Silva fez relativamente às presidenciais - eu bem sei que isto é uma distinção escolástica. Evidentemente que, na sua qualidade, quando um homem fala sobre matéria que diz respeito à conflitualidade partidária tem de falar na qualidade de presidente de partido. Reconheço que estas distinções são muitas vezes escolásticas, mas a realidade diz que, como presidente do partido, tem toda a autoridade de emitir uma opinião sobre uma matéria em relação à qual, até então, várias outras pessoas se tinham pronunciado sem que isso produzisse qualquer escândalo.
Portanto, desse ponto de vista, temos autoridade para também emitir uma opinião sobre as presidenciais. Nesse sentido, não me parece que isso possa provocar um especial escândalo - e isto não é dirigido ao Sr. Deputado Adriano Moreira; aí é que me parece que o escândalo formal não é um verdadeiro escândalo formal, é um escândalo substancial!
Quer queiramos quer não, a declaração do Presidente do PSD coloca o problema das eleições presidenciais noutro terreno. E isso é que toma difícil que intervenções como esta que fez o Partido Socialista não apareçam como excessivas face à opinião pública, ou seja, como elemento de pressão para que o Presidente da República actue de forma diferente.
Não temos qualquer pressão a fazer ao Sr. Presidente da República, apenas nos limitámos a dizer que, se continuar a actuar como actuou, achamos bem; se se candidatar na base do que fez até agora, achamos bem. Não vemos qualquer razão para nos contrapormos.
Evidentemente, isso significa uma despartidarização das eleições presidenciais, que, numa altura em que a luta política é acesa entre os diferentes partidos, as coloca em terreno diferente daquelas que, provavelmente, o Partido Socialista quereria.

A Sr.ª Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Orador: - Termino já, Sr.ª Presidente.
Mas foi o próprio Presidente da República que colocou a sua acção presidencial nestes termos. Nós não temos de acrescentar nem mais nem menos em relação ao que ele fez!

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, havendo mais oradores inscritos para pedidos de esclarecimento, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Almeida Santos (PS): - No fim, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, apreciei muito a brilhante leitura que fez da estratégia nada brilhante do Primeiro-Ministro para as eleições à Presidência da República. E apreciei tanto que me parece que não devemos perder a oportunidade de prolongar um pouco mais este importante diálogo institucional.
Na verdade, o Sr. Primeiro-Ministro desvalorizou as presidenciais tentando valorizar muito as legislativas. Ele disse que é nas eleições legislativas que vão ser confrontados os projectos para a última década do século.
Mas creio que é também muito importante referir que, em relação às legislativas, o Sr. Primeiro-Ministro fala

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delas com uma concepção que creio ser muito pouco constitucional. O Sr. Primeiro-Ministro fala sempre, na entrevista que deu ao Expresso, como se tivesse sido eleito Primeiro-Ministro por sufrágio directo. Não lhe parece que o Primeiro-Ministro governamentaliza excessivamente as eleições legislativas? E desta forma, com um passo de mágica, a Assembleia da República praticamente desaparece; num outro passo de mágica, a Presidência da República também desaparece e fica apenas uma instituição - o Primeiro-Ministro!
Não lhe parece que isto já não tem a ver com a realidade, que é já um sonho mexicano de alguém que anda à bulha, e à bulha dura, com a realidade eleitoral?!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Duarte Lima (PSD): - E o vosso candidato?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - A seu tempo aparecerá!

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, a sua intervenção traduz declaradamente o sintoma da incomodidade que o Partido Socialista sentiu com a posição que o líder do PSD - e saliento bem «o líder do PSD» - tomou quanto à posição que pensa propor ao congresso quanto às eleições presidenciais.
O Sr. Deputado Almeida Santos achou mal, desde logo, daquela tribuna, que o líder do meu partido tivesse exercido o direito, que é um direito legítimo, de tomar uma posição pública sobre as eleições presidenciais, sem previamente ter consultado o Sr. Presidente da República, coisa que não linha de fazer, porque, desde logo, o líder do PSD não disse que declarava o seu apoio fosse a quem quer que fosse! Fez uma leitura do actual mandato presidencial e manifestou, verificados determinados pressupostos, se o actual Presidente da República se recandidatasse, a disponibilidade de o PSD não apresentar um candidato.
Portanto, o líder do meu partido não tem, desde logo, de pedir autorização nem ao Sr. Deputado Almeida Santos, nem ao líder do seu partido, nem ao Sr. Presidente da República,...

Vozes do PCP e do deputado independente João Corregedor da Fonseca: - Nem ao PSD!

O Orador: -... naturalmente, ele não gostaria disso, para formular a sua posição sobre esta matéria.
Mas, e V. Ex.ª O Sr. Deputado apareceu aqui hoje como porta-voz do Sr. Presidente da República!

Vozes do PS: - Ah! ...

O Orador: - Foi V. Ex.ª pedir previamente autorização ao Sr. Presidente da República para proferir, em seu nome, putativamente, as declarações que ali proferiu?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tem procuração para esse efeito?

O Sr. António Guterres (PS): - Se calhar, tem!

O Orador: - Penso que não, Sr. Deputado Almeida Santos, e é um terreno perigoso!
Tenho suficiente consideração por si e pelo Sr. Presidente da República para saber que o Sr. Presidente da República não lhe daria procuração para isso e que V. Ex." também não a aceitaria. Não iria cair no erro e na injustiça que um semanário, há dias, cometia em relação a V. Ex.ª de o colocar como portador particular do Sr. Presidente da República e de missões para outros efeitos. Eu não cometo essa injustiça, e era bom que também isso ficasse aqui clarificado.
Embora aparentemente V. Ex.ª tenha falado em nome do Sr. Presidente da República, de facto, não o fez. E quero reiterar uma coisa, a si e ao seu partido: é que a posição do líder do meu partido foi tomada depois de ouvir órgãos do meu partido, nomeadamente o Conselho Nacional, onde se falou profundamente sobre a questão presidencial - não foi uma posição isolada-, é uma posição ainda susceptível de aperfeiçoamento no Congresso, é uma posição correcta.
De facto, VV. Ex.ªs têm passado o tempo a dizer, quando falam do Presidente da República, que ele tem procurado exercer o seu mandato de uma forma que agrade a todos os portugueses e na qual os portugueses se revejam, entre os quais os militantes do PSD e os seus eleitores. E nós queremos dizer, em abono da verdade, que o Sr. Presidente da República tem conseguido isso e tem exercido com isenção e imparcialidade as suas funções! Não é, pois, de estranhar que o eleitorado e os militantes do PSD se revejam nessa atitude. Não estranhará também V. Ex.ª que o líder e os órgãos nacionais do meu partido corroborem igual posição.
O meu partido tem manifestado diversas vezes um apreço positivo pela forma como o Sr. Presidente da República tem exercido as suas funções. Estivemos à frente de um governo minoritário durante o qual não houve conflitos com o Sr. Presidente da República; VV. Ex.ªs, aparentemente, tiveram, porque pediam-lhe coisas que ele não fez.

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - O Sr. Presidente da República, na sequência de uma desastrada moção de censura aprovada nesta Câmara contra esse governo, dissolveu o Parlamento e, lembro, contra a vontade do PS, do PRD e do PCP. Se alguém, por estas razões, tinha motivos bastantes para apresentar um candidato contra esse Presidente da República seria o Partido Socialista e não o PSD!

Aplausos do PSD.

De facto, nas questões essenciais foi contra os senhores que ele decidiu e não contra aquilo que era a nossa atitude.
Portanto, o que eu queria era reconduzir a discussão a estes parâmetros em particular.
Finalmente, Sr. Deputado Almeida Santos, com esta discussão, VV. Ex." querem levar a discussão das legislativas para o campo presidencial, procurando, como disse aqui o meu colega Pacheco Pereira...

A Sr.ª Presidente: -Sr. Deputado, queira terminar!

O Orador: - Vou terminar, Sr.ª Presidente. Como estava a dizer, VV. Ex.ªs procuram, como disse aqui o meu colega Pacheco Pereira, fazer das eleições

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presidenciais uma antecâmara das legislativas, buscando aí, inopinadamente, o apoio do Sr. Presidente da República.
Eu sou um seu sincero admirador do Sr. Presidente da República, e os seus atributos justificam, naturalmente, que o seja! E custa-me, como cidadão e como deputado, que tão grandes talentos políticos do Sr. Deputado, que tem sido revelados ao longo do tempo, estejam desperdiçados. Se o problema é a luta para desalojar o Primeiro-Ministro da chefia do Governo, por que vai buscar a ajuda do Sr. Presidente da República, Sr. Deputado Almeida Santos? Por que não se basta com os seus próprios talentos e recursos e não se candidata, mais uma vez, como já o fez no passado? Vá lá uma segunda vez, Sr. Deputado Almeida Santos, contra ele! Por que 6 que não se candidata a Primeiro-Ministro, em nome do seu partido, contra o Prof. Cavaco Silva e não deixa o Sr. Presidente da República continuar a exercer o seu magistério?

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, ouvi com atenção a intervenção de V. Ex.ª, não só com a atenção que me merecem todas as intervenções feitas nesta Câmara, mas com a atenção acrescida que decorre de uma intervenção feita por si.
Queria fazer-lhe três perguntas muito claras. A primeira diz respeito à coerência do seu discurso, que 6 uma coisa que prezo e tenho prezado ao longo dos tempos, mas que julgo um pouco abalada por aquilo que aqui ouvi hoje de V. Ex.ª Talvez o Sr. Deputado me possa esclarecer melhor.
O Sr. Deputado começou por fazer uma referência à dignidade da instituição parlamentar e, mais à frente, a propósito de uma alegoria sobre «maças envenenadas», dizia que o Sr. Dr. Mário Soares se recusava a ser presidente de uma «união nacional». Portanto, perguntava-lhe, muito concretamente, como é que o Sr. Deputado compatibiliza uma afirmação com a outra e como é que o Sr. Deputado esclarece esta Câmara de que uma maior legitimidade do Presidente da República, porque eleito por mais portugueses, se traduziria numa diminuição do exercício de poderes e de capacidades por parte deste Parlamento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A segunda questão tem a ver com o tipo de presidência. Interessa, para todos nós estarmos esclarecidos sobre o fundo desta questão, saber qual é o tipo de presidência que o Sr. Deputado Almeida Santos e o Partido Socialista entendem que deve ser protagonizado. Sc aquele que este Presidente da República - o Dr. Mário Soares - protagonizou durante este mandato ou se qualquer outro.
Estamos à vontade para colocar estas questões porque, a propósito de algumas referências que, em pé de página, foram tomadas neste debate, como é sabido, nem eu, como presidente da Juventude Social-Democrata, nem nenhum dos seus dirigentes nacionais, estivemos directamente envolvidos na candidatura daquele candidato, que, como dizia o Prof. Adriano Moreira, o CDS deu, por empréstimo, ao PSD. Não o fizemos por uma questão de estilo pessoal, mas sim porque a JSD, em documentos próprios que são públicos, definiu o perfil de presidência para Portugal. Perfil esse que mantemos para as próximas eleições presidenciais.
Entendemos que foi um perfil que deu boas razões para o País confiar nas suas instituições.
A minha opinião sobre o mandato do Dr. Mário Soares é pública e, portanto, não vale a pena repeti-la aqui.
A questão de fundo, Dr. Almeida Santos, é a seguinte: nós, com a nossa parte da verdade e com a nossa consciência, entendemos que os jovens portugueses, que querem permanentemente um futuro melhor para si, que querem mais estabilidade política e que repudiam todos aqueles que querem fazer do jogo político um jogo de guerra permanente entre as instituições, esses jovens que acreditam nisto têm, naturalmente, uma opinião que pode não ser idêntica àquela que o Sr. Deputado Almeida Santos quis exprimir do alto daquela tribuna.
Portanto, Sr. Deputado Almeida Santos, qual é o seu tipo de presidência? Qual deverá ser o perfil do próximo Presidente da República, na sua opinião? É aquela magistratura de intolerância despartidarizada que já aqui foi falada ou entende, de facto, que o Presidente da República deve ter um protagonismo partidário mais relevante, como me pareceu defender na sua intervenção?
Sr. Deputado Almeida Santos, a terceira e última pergunta tem a ver com o seguinte: o Sr. Deputado dizia que o Dr. Mário Soares não vendeu a alma, e quis dizer com isto que ele ainda é socialista. Julgo que é bom que o Dr. Mário Soares não tenha vendido a alma e é bom para qualquer de nós que o não tenha feito.
O problema não está em saber se somos socialistas, sociais-democratas ou outra coisa qualquer, mas sim em saber como é que interpretamos as funções que conjunturalmente desempenhamos e, neste caso, como é que o Dr. Mário Soares interpretou a sua presidência da república.
O problema, Sr. Dr. Almeida Santos, é que qualquer observador, depois de o ter ouvido naquela tribuna, ficou com a ideia de que o Sr. Deputado quer avocar para o PS uma legitimidade partidarizada do exercício das funções dcspartidarizadas do Dr. Mário Soares.
Sr. Dr. Almeida Santos, por mais que o senhor queira dizer o contrário, isso denota, da sua parte, quiçá da pane do Partido Socialista, uma grande insegurança face às próprias eleições legislativas. Portanto, a terceira e última pergunta que lhe faço é esta: o Sr. Deputado nao acha que, do alto daquela tribuna, fez uma confissão de fraqueza do PS em relação às próximas eleições legislativas?

Aplausos do PSD.

A Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Vamos ver se sou capaz de responder aos Srs. Deputados que me colocaram questões com o mesmo savoir faire com que o Primeiro-Ministro, em seu dizer, suporta as incomodidades que lhe cria o Presidente da República.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Não foi isso! ...

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O Orador: - Sr. Deputado Pacheco Pereira, estava à espera que o Sr. Deputado, depois do que eu disse acerca de um artigo que escreveu num jornal, de cujo nome não me lembro, viesse aqui fazer a defesa do plebiscito e dos condottieri, porque foi aí que coloquei a sua intervenção e disse que o senhor confessou que as eleições presidenciais devem ser despartidarizadas e que confessou que as legislativas são mais importantes, devendo, portanto, uma subalternizar-se à outra.
Depois disse-me que sou agnóstico e que não tenho nada que falar na alma.

Risos do PS.

Bem, não esperava ver em si o renascimento dos velhos censores, pois todos nós temos liberdade de falar sobre o que quisermos. É verdade que sou agnóstico e que não acredito na alma, mas é, sobretudo, na alma do Primeiro-Ministro que não acredito.

Risos do PS e do CDS.

Essa é que eu coloquei em causa. Sabe porque? Porque eu, apesar de ser agnóstico, tenho, às vezes, mais leituras dos problemas da religião do que aqueles que são crentes. Lembro-me que Pascal disse: «Faz os gestos da fé e terás a fé.» Só que o Primeiro-Ministro não faz os gestos da democracia. O que é que eu hei-de fazer?!

Risos do PS e do CDS.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - Diz-me que não posso nem tenho nada que saber o que está dentro da alma alheia, e pergunta como é que me atrevo a pronunciar-me sobre o que o senhor disse e sobre o que o Primeiro-Ministro disse. Bem, mas as palavras têm um significado objectivo e limitei-me a interpretar objectivamente ...

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Mal! ...

O Orador: -... o que disse o Primeiro-Ministro, que foi muito claro. Não há nenhuma espécie de dúvidas acerca do que ele disse; o que ele disse quis efectivamente dizer, meditou, já sabemos que ele trabalha ao milímetro as suas remodelações ministeriais e também, com certeza, um problema deste género - o apoio a um candidato a Presidente da República.

Vozes do PS: - Apoiado!

O Orador: - Portanto, não foi por acaso que ele disse o que disse, e acredite que disse coisas que chocam um democrata. O problema é só esse.
Diz o senhor que o problema dele nos criou incomodidade. Se o senhor fala em incomodidade do PS, dá-me vontade de rir, se quer que lhe diga, porque o que está em causa é a vossa! Os senhores nunca tiveram um candidato próprio. Nunca! Nunca produziram um candidato!
Da primeira vez arranjaram um militar, da segunda pediram um emprestado ao CDS,...

Risos do PS.

... o que deu os dois fracassos que se sabe, e agora receiam um terceiro fracasso com acrescida razão; porque, admitindo que o Dr. Mário Soares se recandidate - e os senhores, porventura, admitem isso - então a derrota será muito mais rotunda e será muito mais humilhante, e os senhores querem fugir a essa derrota. E falam na nossa incomodidade?! Bem, não viremos isto do avesso, sob pena de o nosso diálogo não se colocar dentro de modelos minimamente racionais e sérios.
Mas se o Sr. Deputado e o Sr. Deputado Carlos Coelho falam na minha incomodidade como democrata, essa, sim, é verdadeira. Acredite que as declarações do Sr. Primeiro-Ministro e, de algum modo, as do Sr. Deputado Pacheco Pereira provocaram em mim - e eu quero crer que em todos os democratas - a maior incomodidade. Ai, isso sem dúvida nenhuma!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Porque ele faz uma interpretação das instituições democráticas que nada tem a ver com a democracia que está escrita na nossa Constituição.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Fala-me na dcspartidarização do mandato. Claro que sim! O mandato de qualquer Presidente da República deve ser o mais despartidarizado possível, mas a eleição dele não deve sê-lo. Não confundam! Uma coisa é eleger partidariamente, o mais possível, com o empenhamento dos partidos, para que se canalize a opinião dos eleitores, apresentando-se vários modelos e vários perfis de presidente de forma que o povo escolha um de entre eles. Essa é a solução democrática.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Fugir a essa solução é o plebiscito que o Sr. Deputado e o Sr. Primeiro-Ministro defendem, mas eu não quero o plebiscito nas eleições do Presidente da República, nem nenhum democrata deve querer.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Perguntou-me ainda se não acho que o segundo mandato deve ser igual ao primeiro. Sr. Deputado, não há dois mandatos iguais porque não há duas séries de quatro anos iguais em política. Ó segundo mandato deve ser o mais adequado ao período que decorrer depois das próximas eleições.
Suponhamos, por exemplo, que, na verdade, não há no próximo mandato - penso que isso é mais do que esperável - uma maioria absoluta de qualquer partido. Poderá o Sr. Presidente da República fazer um mandato rigorosamente igual ao que fez agora? Se quisermos ser honestos, temos de reconhecer que não.

O Sr. Silva Lopes (PSD): - Não é isso...

O Orador: - Ele deve ser o mais possível apartidário, o mais possível centrado na defesa do interesse nacional, no equilíbrio das instituições democráticas, mas não pode, de maneira nenhuma, fazer um mandato como fez agora, quando havia uma maioria absoluta. É óbvio, e parece-me claro.

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A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa está confrontada com esta situação: V. Ex.ª teria ainda muito tempo para responder a todos quantos lhe fizeram perguntas, mas o tempo global do PS está esgotado.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Nós cedemos-lhe o nosso tempo.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Nós também.

O Sr. Presidente: - Como V. Ex.ª dispõe do tempo do CDS e do PSD, pode terminar.

O Orador: - Agradeço a generosidade do CDS e do PSD.
É claro que acho bastante engraçado que se invoque o interesse nacional. O Sr. Primeiro-Ministro também invocou o interesse nacional e a adesão à Europa para justificar este apoio ao Presidente Mário Soares. Fiquei a pensar em que casos o PSD não respeita o interesse nacional, porque se tem que, de vez em quando, invocar motivos destes para o respeitar, quando é que o não respeita? Acho que o devia respeitar sempre, para ser franco.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Respeita sempre!

O Orador: - Entretanto, há aqui outro equívoco: parece que o PSD está convencido de que o povo apoia Mário Soares porque ele não criou dificuldades a este Governo.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É isso.

O Orador: - Se bem entendi, parece-me que é isto que resulta. Mas, se assim fosse, Srs. Deputados do PSD, então o Governo devia ter, no mínimo, uma popularidade igual à do próprio Presidente da República. Não tem. O que é que se há-de fazer?

Risos do PS e do CDS.

Portanto, há-de haver um quid plus no comportamento do Presidente da República que justifica esse apoio e não, necessariamente, o facto de não ter criado problemas institucionais.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado.

O Orador: - Faça o obséquio.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Muito obrigado.

Sr. Deputado Almeida Santos, se esse raciocínio e se essa lógica fossem correctos, então o seu partido, que também apoia o Presidente da República, devia ter a mesma popularidade que ele tem.

Risos do PSD.

O Orador: - Peço desculpa, mas o que digo é que o Presidente da República tem uma popularidade acrescida, própria e justificada por si mesmo, e não pelo vosso nem pelo nosso partido. Desculpe, mas o seu argumento não tem razão de ser.

Aplausos do PS e do CDS.

Por outro lado, o Presidente da República está a cumprir o programa que anunciou ao eleitorado e que Cavaco Silva contrariou, contestou e impugnou o melhor que pôde. Então agora vêm dizer que o Presidente da República só tem o mérito de não ter criado dificuldades institucionais? Não, ele está a cumprir o seu programa, como o cumprirá no próximo mandato, se concorrer, como é óbvio.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Claro!

O Orador: - Disse que não queremos que seja uma antecâmara. Não queremos não, porque as antecâmaras são, normalmente, mais pequenas do que as câmaras. Nós queremos que sejam duas câmaras iguais e igualmente prestigiadas - as legislativas e as presidenciais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É claro que me custa dizer isto, mas quando oiço o Primeiro-Ministro, penso que na sua alma - mais uma vez lá entro dentro da alma dele, mas é o resultado objectivo das afirmações que faço - há o sonho, embora não o explicite, de, no fundo, reconduzir o Presidente da República, seja ele qual for - e provavelmente este ainda criará algumas dificuldades nesse sentido-, à mesma posição relativa em que estava o Carmona para o Salazar, quer dizer, não levantar nenhum problema, não fazer nenhumas ondas, estar de acordo com tudo, ratificar tudo o que se lhe propõe e promulgar todos os diplomas. Seria o Presidente da República ideal!

Esse não é o meu Presidente da República.

Aplausos do PS e do CDS.

Ao Sr. Deputado Carlos Brito - não está aqui, mas justificou a sua ausência - só tenho de agradecer as palavras amáveis que teve para com a minha intervenção e dizer-lhe que, de facto, assiste-se a isto: já várias vezes aqui temos chamado à atenção para o facto de este Primeiro-Ministro centrar o regime no Governo. O Sr. Deputado Adriano Moreira chamou a este regime um presidencialismo do Primeiro-Ministro. A isso chama-se, de facto, centrar o sistema no Governo, o que está errado, como é óbvio. O sistema tem de se centrar duplamente na Assembleia da República e no Presidente, sendo o Governo uma decorrência das maiorias parlamentares.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Primeiro-Ministro não foi, de facto, directamente eleito, como foi o Presidente da República.

Sr. Deputado Duarte Lima, é claro que conheço a sua combatividade, também a aprecio e gosto de o ouvir, mas longe de mim esperar que o senhor me mandasse rosas, como o Sr. Primeiro-Ministro disse que mandou ao Sr. Presidente da República cada vez que ele lhe arranjou uns espinhos.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Mas eu sou capaz de lhas mandar.

O Orador: - Obrigado. Também sou capaz de lhe mandar de volta algumas prendas.
A primeira observação que lhe faço é a de que o PSD não disse que declarava o seu apoio ao Presidente Mário

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Soares, "mas eu estranho é que não diga, pois se tudo é como o Sr. Primeiro-Ministro diz e se tudo é como os Srs. Deputados dizem, estou de acordo com o Sr. Deputado Carlos Coelho que o apoia e não com o vosso partido, que não sabe se apoia ou não.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Mas ele ainda não se candidatou!

O Orador: - Mas devo dizer que se o PSD deixar de ter um candidato próprio, porque declara, desde já, que apoia o Presidente Mário Soares, tem algum sentido. Dizer de antemão, sem saber se ele é candidato ou não, que vai deixar de apresentar um candidato próprio, colocando essa vossa atitude com um ano de antecedência, dependente de vários sés, um dos quais é ele candidatar-se, outro é aceitar o vosso apoio, devo dizer que não entendo isso. Tinha lógica se dissessem que estavam dispostos a apoiar o candidato Mário Soares e que, por isso, não apresentavam candidato. Não dizendo este mínimo, não tem sentido o que o senhores dizem, porque os senhores estuo só a desistir de lutar, estão com medo.

Aplausos do PS e do CDS.

Estão corri medo de contar os votos, desistindo assim de lutar, que é a pior das derrotas! Ora, foi isto quo eu vim dizer aqui: os senhores anteciparam a derrota, os senhores têm medo de concorrer, os senhores não merecem senão a qualificação de antecipadamente .derrotados, de véspera, que é a pior das derrotas - aquela em que se foge à lula!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Mas os senhores têm candidato?

O Orador: - Disse-me também o Sr. Deputado que não tem de me pedir autorização ou ao Presidente da República.
Pois não... Sobretudo a mim, os senhores não necessitam de a pedir. Então ao Presidente da República também não, porque ele também vo-la dará!

Risos do PS.

Agora o que acho é que o Primeiro-Ministro tinha que pedir autorização ao próprio PSD.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - E pediu!

O Orador: - Aí eu sou PSD; estou do vosso lado!

Risos.

Apesar de ele ter ouvido não sei que órgão, desde que ele disse que o vai propor - portanto, vai pedir ao órgão competente para decidir (ainda não houve nenhum que decidisse, embora ele já fale em decisão...) está a ultrajar um partido, sujeitando-o à ratificação de uma coisa que deveria ser ele a decidir. No entanto não é, pois já está decidido!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto a eu ser porta-voz do Presidente da República, devo dizer que não tenho procuração do Presidente da República ... Pois não! Uma vez mais me limitei a exercer o meu direito de ter opiniões políticas, a minha liberdade de opinião e de exprimir aquilo que penso, seja a respeito, do Papa, do Presidente da República, do Primeiro-Ministro ou de quem quer que seja! A minha liberdade de opinião é ilimitada!

O Sr. Silva Marques (PSD): - O Dr. Almeida Santos é capaz de ter, o Dr. Jorge Sampaio é que não! ...

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?.

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Peço uma vez mais desculpa e agradeço a gentileza de V. Ex.ª em me deixar interrompê-lo. É claro que o tempo é meu, mas não interessa ...
Sr. Deputado Almeida Santos, se diz que não fala em procuração do Presidente da República, então diga-me quem é que é o candidato do seu partido. Com efeito, na medida em que o Presidente da República não lhe deu ainda procuração para dizer que é o candidato do seu partido, diga-me lá, então, quem é esse candidato!

O Orador: - Ora aí está uma terrível dúvida! Veja o Sr. Deputado como nós estamos embaraçados em encontrar o candidato em quem vamos votar...

Aplausos do PS.

Esteja descansado, Sr. Deputado, que vamos resolver esse problema.

Risos.

Depois de muito meditar, de profundas reflexões e de grandes divisões internas, provavelmente vamos apoiar o candidato Mário Soares, se ele se candidatar ...

Risos.

Por outro lado, há uma coisa que queria dizer a todos os Srs. Deputados. É que já está provado que, apesar de o Presidente da República ter feito uma magistratura com qual muitas vezes não estivemos de acordo - dizemos isto claramente, pois não somos como o Primeiro-Ministro que diz que o mérito está no savoir faire dele, quando não está! -, nós entendemos que nunca teríamos a mínima legitimidade para lhe dizer que o tínhamos apoiado e que ele não nos estava a dar apoio. Nunca dissemos isso!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Aceitámos com perfeita democraticidade a maneira como ele entendeu fazer a sua magistratura, por vezes agravando-nos, por vezes desagravando-nos ...

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sabe Deus...

O Orador: - Talvez até o amigo tenha razão: por vezes sabe. Deus... Só que esse é um mérito que demonstrou que somos capazes de não apresentar factura. Este mérito ainda não está provado do vosso lado!

Aplausos do PS.

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Por fim, o Sr. Deputado perguntou-me porque é que eu não sou candidato.
Não é por medo. Na verdade, se eu pudesse ser candidato era-o outra vez; não tenho é oportunidade disso. Porém, não fujo! Se eu não estivesse tão velho, politicamente tão gasto, e se os acontecimentos me viessem a proporcionar outra oportunidade de lutar politicamente pelo lugar de primeiro-ministro, eu concorria, não fugia!

Aplausos do PS e do CDS.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Não é verdade!

O Orador: - No entanto, estranho muito que o Sr. Deputado não viesse desta vez lembrar o que disse na televisão, isto é, que quando o PS disse que apoiava o Presidente da República ninguém bramou e agora que o PSD faz o mesmo toda a gente se escandaliza.
Sc o Sr. Deputado viesse lembrar isso, eu dir-lhe-ia - e digo-lho porque o senhor o disse - que se o PSD não consegue ver a diferença que há entre o apoio do meu partido e o seu próprio apoio a uma recandidatura do Presidente da República Mário Soares, então não há nada a fazer porque não sou oftalmologista!

Risos do PS e do CDS.

O Sr. Deputado Carlos Coelho afirmou que eu teria sido incoerente. No entanto, proeuro, em regra, não o ser, o que não quer dizer que, uma vez por outra, consiga um inteiro êxito ...
Pergunta-me se o PS recusa ou não uma presidência nacional? Mas então não seria bom que o Presidente fosse apoiado pelo maior número possível de portugueses? Sem luta não, Sr. Deputado! Um candidato único seria péssimo para a democracia! Provavelmente o que viria a acontecer é que ele teria 90 % dos apoios, embora com mais abstenções do que votos! Isso seria um desastre para a democracia e é provavelmente o que o Primeiro-Ministro quer quando vê os seus votos a cair, quer que o Presidente da República tenha menos votos do que ele!

Aplausos do PS e do CDS.

Questiona-me depois o Sr. Deputado no sentido de saber que presidência deve ser protagonizada, se esta ou outra diferente, e qual o perfil do próximo presidente.
Devo dizer-lhe que, como é óbvio, não vejo melhor perfil do que o do candidato Mário Soares. Agora o que espero é que o candidato Mário Soares saiba fazer o próximo mandato com a igual defesa do interesse nacional, com igual preocupação de equilibrar as instituições, mas à luz da nova situação criada depois das eleições legislativas. Portanto, que não copie o actual mandato, pois pode acontecer que a situação criada pelos próprios resultados legislativos não aconselhe, em nome do interesse nacional, uma cópia do mandato. Sinceramente, estou convencido de que o segundo mandato não vai ser tirado a papel químico do primeiro.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Duarte Lima (PSD): - É uma demonstração de fraqueza!

O Orador: - Perguntou-me igualmente o Sr. Deputado se não acho que isto é, do nosso lado, uma confissão de fraqueza.
Bem, se é fraqueza defender a democracia tal como a entendo, então fiz um discurso fraquíssimo. Se defender a democracia é, apesar de tudo, uma posição de força anímica, de coerência ideológica, nessa altura eu fiz um dos mais fortes discursos que me foi dado fazer nesta Assembleia.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Isso é fugir à pergunta, Sr. Deputado!

O Orador: - Então faça o favor de a reformular, que eu respondo-lhe já!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, eu não pus em causa nem as suas convicções democráticas nem a firmeza com que as soube defender ao longo destes anos. A questão que coloquei ia, tão simplesmente, no sentido de saber se a maneira como entendeu - a propósito daquela imagem de que o Dr. Mário Soares não vendia a alma - chamar exclusivamente ao PS os méritos de uma eventual reeleição, não era, à partida, uma confissão de fraqueza na incapacidade de o PS gerir, sob um ponto de vista liderante, as próximas eleições legislativas.
Na verdade, é esta a questão política que ressalta deste debate. É que, na minha opinião, a sua incomodidade resulta precisamente dessa confissão de fraqueza.

O Orador: - Sr. Deputado, se nem chamámos a nós o exclusivo mérito das eleições anteriores, apesar de estarmos sem voz, como é que íamos chamar agora o exclusivo mérito se o tivermos ao nosso lado? Não e isso!
A fraqueza que eu aqui vim denunciar foi a do Primeiro-Ministro: medo, pânico de contar votos! Portanto, não fale da minha fraqueza quando venho denunciar a fraqueza do Sr. Primeiro-Ministro!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado tem o direito de o continuar a considerar um valentaço, um «vai a todas». Porém, acredite: ele renunciou à luta pela primeira vez e isto vai sair-lhe caro; o povo não lho perdoará!

Aplausos do PS.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para exercer o direito regimental de defesa da honra.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Jovem Deputado Almeida Santos: O Sr. Deputado Almeida Santos é sempre jovem e o seu grupo parlamentar costuma utilizá-lo frequentes vezes como bombeiro. Não bombeiro para apagar fogos e muito menos para os atear, mas para ajudar a arrumar o entulho das derrocadas. Efectivamente, estamos aqui perante a derrocada de uma estratégia, tendo o Sr. Deputado Almeida Santos sido chamado para arrumar a casa depois da queda dos andares superiores.

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O Sr. Deputado Almeida Santos, não obstante a sua extraordinária habilidade para conduzir estas questões e tornear as dificuldades, produziu aqui afirmações que também a mim, como democrata, me incomodaram profundamente. Admito que o Sr. Deputado Almeida Santos, repensando melhor no que aqui disse, me venha a dar razão - tenho isso até como certo.

Os senhores não estão, neste momento, embaraçados para a escolha de um candidato à Presidência da República. Admito que não estejam, pois tem vários candidatos possíveis para além do Sr. Dr. Mário Soares. Com efeito, tem o Dr. Jorge Sampaio, o Dr. Almeida Santos, o engenheiro António Guterres e tantos outros ...

O Sr. António Guterres (PS): - Estava a ver que se esquecia!

Risos.

O Orador: - Mas não é esse o problema que está em causa e que quero colocar-lhe. O problema e este: e em 1985, aquando da candidatura do Dr. Mário Soares, VV. Ex.ªs não estiveram fortemente embaraçados? ... Esqueceram-se disso? Têm a memória curta? Será que os senhores ainda não conseguiram esconder a mágoa política que sentem por verificar que o tiro vos saiu pela culatra quando repararam que houve um partido, que é o maioritário, que conseguiu, para preservar a estabilidade política neste país, não se meter em guerrilhas...

O Sr. José Sócrates (PS): - Tem medo!

O Orador: - Não é um problema de medo, porque nesta bancada e neste partido há duas coisas de que não morremos: nem de medo nem de parto!

Aplausos do PSD.

É evidente que com a excepção das minhas colegas ...

Vozes do PS: - Ah!

O Orador: - Há pouco, o Sr. Deputado Almeida Santos proferiu palavras muito duras, muito desagradáveis e altamente ofensivas. Na verdade, V. Ex.ª referiu, na sua intervenção, penetrando na alma do Sr. Primeiro-Ministro, que o que ele queria era que o Dr. Mário Soares fosse como uma espécie de Carmona perante o Salazar. Será que V. Ex.ª faz do Presidente Mário Soares o conceito de ser um Carmona?! É evidente que não!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Mas talvez o conceito que faz do outro seja o de um Salazar...

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Fanático! ...

O Orador: - Aliás, suponho também que V. Ex.ª, democrata e observador das regras democráticas como é, não pode, de maneira nenhuma, como este senhor fanático aqui do lado está a dizer, comparar um primeiro-ministro constitucionalmente eleito, derivado da maioria desta Casa, a Salazar.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado, de jovem para jovem, queria dizer-lhe que a última coisa de que seria capaz era, conscientemente, incomodá-lo ou ofendê-lo. Tenho por si muita estima, como sabe.
Agora, ter-me chamado bombeiro é o maior elogio que me podia fazer, pois tenho uma admiração pelos bombeiros que não faz ideia. São mesmo uma imagem que eu cultivo da solidariedade. Portanto, se eu sou um bombeiro do PS, é a melhor coisa que poderia ser para o meu partido.
Diz V. Ex.ª que as minhas declarações incomodaram, que nós temos vários candidatos... Jorge Sampaio, Almeida Santos, Guterres. Mas se há partido onde é verdadeira a afirmação «de que só tem um e de que só pode ter um, se ele se candidatar», é o nosso partido. Os senhores é que não sei quem têm, porque como não apoiam o Mário, Soares, suponho que não terão nenhum e resignam-se mesmo a não ter nenhum.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Mas o Dr. Mário Soares não pertence ao PS!

O Orador: - Pois não, mas é o nosso candidato, sem a menor dúvida. E desafio-vos a dizerem isto, que é tão simples que nem sei porque é que não dizem. Porque é que não dizem: «Nós vamos apoiar o Dr. Mário Soares!» Digam-no!
Mas os senhores quiseram só uma coisa: foi fugir, desde já, à derrota nas próximas eleições e salvaguardar uma capacidade de fuga se, entretanto - sei lá! -, se passar alguma coisa que justifique que não apoiem o Dr. Mário Soares.
Imaginem que são colocados perante a situação de nem apoiarem o Dr. Mário Soares nem terem candidato próprio. O maior partido português tem o direito de fazer isso em eleições democráticas? Não tem! Este é o meu ponto de vista e se os senhores me não acompanham, lamento muito.
Diz V. Ex.ª que estivemos embaraçados nas últimas eleições para apoiar Mário Soares. Ora, acontece que ele foi apoiado pelo meu partido numa convenção nacional, e, portanto, muito mais do que num órgão único, e foi-o por unanimidade. E tivemos a coragem de o apoiar, atentos às suas qualidades humanas e políticas, no momento em que ele linha, segundo as sondagens, 8 %.

Aplausos do PS.

Os senhores «colam-se» a cie no momento em que ele se abeira de 10 vezes mais!
Acreditem que tenho mais admiração por quem se «cola» nos momentos de dificuldade do que por quem o faz nos monumentos de fartura de votos! Isso, para mim, não tem nenhuma espécie de valor.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Também dizem que o tiro nos saiu pela culatra. Bem, não sei se o tiro saiu pela culatra, mas a verdade é que os senhores estuo altamente embaraçados para justificar por que não têm um candidato!

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Olhe que não!

O Orador: - Para já, nunca tiveram e é natural a vossa tendência para, desta vez, ao menos, terem um. Se

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acham que o Dr. Mário Soares é tão bom, tenham ao menos esse, como nós, que sempre dissemos que será o nosso candidato.
Mas os senhores estão na posição ambígua de nem apoiar o Dr. Mário Soares, pelo menos neste momento, nem terem nenhum candidato. Para já, não concorrem às eleições. Foi nesse sentido que o vosso Primeiro-Ministro disse que «proporei ao meu partido que não apresente candidato próprio, se o Dr. Mário Soares [...]»

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Não, não foi isso!

O Orador:- E depois dizem: «Mas nós não nos comprometemos a apoiar o Dr. Mário Soares.» Porque é preciso, no entendimento do vosso Primeiro-Ministro, que o Dr. Mário Soares fique preso pelo tal compromisso de que ou ele se porta bem até às eleições ou os senhores não deixam que os vossos militantes votem nele. É esse o conteúdo do vosso compromisso! Ou, então, pretendem dizer, perante o povo, o seguinte: «Dêem-me vós, outra vez, a maioria absoluta, que eu vos darei o presidente que vocês gostam!»
Só que isto é ridículo porque o povo terá o Presidente de que gosta, com ou sem o vosso o apoio, e sem ter que suportar um Governo que detesta.

Aplausos dos PS.

Sr. Deputado Montalvão Machado, quando disse que, lá no fundo da alma - é o tal problema dos agnósticos que tom a mania de entrar na alma dos outros, através das palavras-, o que o Primeiro-Ministro desejava era um Presidente da República que fosse uma espécie de Carmona, não quis dizer, necessariamente, que Mário Soares fosse capaz de ser um Carmona ou mesmo o que o Primeiro-Ministro fosse um Salazar.

O Sr. Montalvão Machado (PS): - Então retire o que disse, Sr. Deputado!

O Orador: - Não retiro. Desculpará que não o faça.
O que queria dizer era isto: na sua maneira de dizer as coisas, no seu comportamento sucessivamente observado por mim, o ideal de Presidente da República, para o Primeiro-Ministro é o que não faz ondas. E acredite que o que fez menos ondas até hoje foi o Carmona. Quer dizer, é o terminal de uma tendência, não se trata de identificar nem um com um, nem o outro com outro; de qualquer modo, o sonho dele é um Presidente que não faça ondas e o Presidente Mário Soares sempre fará algumas, como é óbvio.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, V. Ex.ª pede a palavra para que fim?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Para defesa da honra, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr.ª Presidente, o Sr. Deputado Montalvão Machado, não sei a que despropósito, disse que eu era fanático. Talvez por ser fanático do perfil constitucional do Presidente da República e dos poderes que a Constituição lhe confere e não há ninguém que me tire este fanatismo que vai no sentido de restabelecer a dignidade da figura do Presidente da República, e não desvalorizá-la e empobrecê-la, como querem VV. Ex.ªs
Depois, disse, também, o Sr. Deputado, continuando no despropósito, que «o Dr. Mário Soares não era como o Sr. Presidente Carmona e que o Prof. Cavaco Silva não era como o Prof. Salazar». Fez esta afirmação perante a Assembleia mas pergunto-lhe: também o Prof. Cavaco Silva entende assim?

Risos.

A Sr.ª Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Deputado Narana Coissoró, muito telegraficamente, para dizer que eu, efectivamente, disse que V. Ex.ª era um fanático. Foi um aparte de um companheiro de bancada. Porém, como V. Ex.ª confessa que é fanático, estamos entendidos.
Sobre o segundo ponto, quando falei no Carmona e no Salazar, não me dirigi a V. Ex.ª, porque palavras a esse respeito, sobre democracia e outras coisas no género, troco-as com aquela bancada e não com V. Ex.ª

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr.ª Presidente, trata-se do seguinte: estão a correr, nos últimos dias, rumores - e não são já apenas rumores, mas informações veiculadas através de órgãos da comunicação social - de que foram detectados sistemas clandestinos de escuta telefónica no nosso País, o que, segundo a minha opinião, vem causando preocupações.
Tendo em vista a exigência constitucional de que à Assembleia da República compete garantir a protecção dos direitos fundamentais dos cidadãos e. portanto, o cumprimento da própria Constituição, venho solicitar à Sr.ª Presidente...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Este senhor está a fazer propaganda!

O Orador: -... que sejam efectivadas diligencias junto dos líderes parlamentares no sentido de poder ser convocada, se possível hoje mesmo, uma conferência extraordinária de líderes parlamentares, para que possa ser discutida a forma, a mais célere possível, de a Assembleia da República poder tomar conhecimento da situação existente, designadamente através da convocatória do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações e, se necessário, também do director da Polícia Judiciária.
Estas são as minhas sugestões e este o meu pedido.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, suponho que alguns dos outros Srs. Deputados que estão a pedir a palavra o fazem a fim de contribuir para a questão levantada por V. Ex.ª

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O Sr. Deputado Correia Afonso pede a palavra para interpelar a Mesa?

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sim, Sr.ª Presidente. A Sr.» Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr.ª Presidente, há dois anos, era eu presidente do grupo parlamentar do PSD, a propósito da violação de correspondência dirigida a membros deste Órgão de soberania, fiz, aqui, no Plenário, a seguinte pergunta: «Será que há violação das comunicações telefónicas?» A isto foi respondido, senão com uma gargalhada, pelo menos com muitas dúvidas dos restantes partidos. Mas uma coisa me disseram: «Queira você dizer, aqui, em público, qual ou quais as razões por que faz essa afirmação.»
Sr.ª Presidente, neste momento, o que digo à Mesa é o seguinte: queira pedir ao Sr. Deputado Jorge Lacão para indicar os factos em que fundamenta a afirmação que produziu. Não porque eu os ponha em dúvida, mas porque acho que é altura de, mais uma vez, pôr no concreto aquilo que, há anos, anda no vácuo.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Porque suponho que é também para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr.ª Presidente, evidentemente que é da sua competência convocar os líderes parlamentares para uma reunião.
De qualquer modo, chamava a atenção do Sr. Deputado Jorge Lacão para o facto de a gravidade das suas suspeições ser demasiado grande para não ter acrescentado qualquer indício ou o mínimo fundamento. E, sobretudo, Sr. Deputado, a sua intervenção tem todo o ar de estar precisamente em contradição com a gravidade da matéria que apresentou, transformando-se numa mera intervenção de perturbação ou de propaganda política.
Com efeito. Sr. Deputado Jorge Lacão, já estivemos todos, aqui, perante a aplicação de um imposto retroactivo de um governo dirigido pelos socialistas e os Srs. Deputados não pediram a convocação urgente da conferência dos líderes para proteger os cidadãos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Presumindo que é ainda sobre o mesmo assunto, tem a palavra o Sr. Deputado António Mota.

O Sr. António Mota (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: íamos produzir uma intervenção no sentido da do Sr. Deputado Jorge Lacão. E íamos fazê-la porque considerávamos grave esta situação das escutas telefónicas, no Porto, transcrita, aliás, pela imprensa do fim-de-semana e transmitida, hoje, pelo Jornal da Tarde, da RTP.
Consideramos, portanto, tratar-se de uma violação dos direitos constitucionais e da privacidade dos cidadãos e, por isso, íamos sugerir, na nossa intervenção, que a Comissão dos Direitos, Liberdades e Garantias chamasse aqui o Ministro da Justiça para, naturalmente, dar justificações sobre isto e saber, também, o pensamento do Governo sobre o mesmo assunto.
No entanto, perante esta proposta do Partido Socialista, resta-nos dizer que estamos de acordo com ela.

A Sr.ª Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lacão pede de novo a palavra, suponho que para interpelar a Mesa. Nesse sentido, tem a palavra.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr.ª Presidente, pedi a palavra justamente porque me foi solicitado, por parte de alguns Srs. Deputados da bancada do PSD, que muito prezo, que fundamentasse a razão de ser desta preocupação.
Sr.ª Presidente e Srs. Deputados: Quando a matéria está a ser alvo de boletins informativos, através do serviço público de televisão; quando a matéria está a ser propalada, através de jornais de grande circulação nacional, ela não pode ser escamoteada ou escondida, aqui, no Plenário da Assembleia da República.
Limitei-me, por isso, a pedir que fossem promovidas as diligências indispensáveis para que a Assembleia da República não estivesse colocada na situação de saber apenas o que a comunicação social está a difundir, mas ela própria tomasse as diligencias institucionais e constitucionais que lhe são conferidas, no sentido de apurar a verdade dos factos.

Aplausos dos PS.

A Sr.ª Presidente: - O Sr. Deputado Silva Marques pede a palavra para interpelar a Mesa sobre este assunto?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr.ª Presidente, só para dizer o seguinte: não excluo a existência dos factos alegados pelo Sr. Deputado, mas existe a Comissão dos Direitos, Liberdades e Garantias, que tem como uma das suas atribuições a fiscalização e penso que essa Comissão devia reunir de urgência. Presumo, até, que o Sr. Deputado Jorge Lacão faz parte dela.
Portanto, em vez de estar já uma acção parlamentar no terreno, procurando dar seguimento às suas preocupações, por que razão vem o Sr. Deputado convocar, de urgência, os líderes parlamentares, quando existem instrumentos precisamente para passar de imediato à acção?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Permite-me que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Já não tenho mais nada a dizer.

A Sr.ª Presidente: - O Sr. Deputado Correia Afonso pede a palavra, julgo que ainda sobre esta questão. Tem a palavra, Sr. Deputado, mas peço-lhe que seja breve.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Serei muito breve, Sr.ª Presidente.
Com a compreensão da Câmara, direi que esta questão não tem oposição nem tem maioria. Trata-se de uma situação comum a todos nós, em que, portanto, não levanto nenhuma polémica, oposição ou contraditoriedade com o Sr. Deputado Jorge Lacão. Com efeito, comungo daquilo que disse, mas quero saber o que se passa, porque, na oportunidade, quando eu quis saber, não consegui.
Portanto, se alguma coisa mais se produziu, penso que a Câmara tem o direito de saber, sem nenhuma dialética de maioria e oposição.

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Comungamos, portanto, todos da mesma preocupação de saber ò que se passa a respeito de escutas telefónicas.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Peço a palavra. Sr." Presidente.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, vou dar-lhe a palavra, pedindo-lhe que seja breve, e espero que seja a última intervenção sobre esta questão.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr.ª Presidente, tentei há pouco, e agora tenho oportunidade de o exprimir, dar toda a minha adesão a que a questão seja colocada, com prioridade, no âmbito da Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias.
Sucede, porém, que, como os Srs. Deputados membros das comissões sabem, há um processo formal, relativamente moroso, que implica que as diligencias de audição de órgãos externos à Assembleia tenha uma tramitação que nem sempre facilita as possibilidades imediatas de audição. Foi por isso que solicitei à Mesa a realização, hoje mesmo, se possível, de uma conferência de líderes para desbloquear, desde já, as condições funcionais e burocráticas para a audição desses órgãos externos, que depois podem, justamente, processar-se através da Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias, solução que me parece boa.
Relativamente ao Sr. Deputado Correia Afonso, volto a sublinhar que a matéria foi hoje alvo de notícia no Jornal da Tarde* da TV e foi-o também nos jornais do último fim-de-semana, alguns dos quais tenho aqui comigo, os quais, inclusivamente, publicam números de telefone que seriam incluísseis no sistema de detecção de chamadas telefónicas, através de uma rede clandestina de fiscalização.
Não sei se isto é verdade e, portanto, o que efectivamente quero é que criemos as condições para apurar a veracidade destas notícias.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, estamos todos irmanados na mesma vontade de ir até ao fundo desta questão, que tanto nos preocupa. Porém, creio que não haverá consenso para que a conferência de líderes se realize de imediato. Assim, proponho que este ponto seja agendado na conferencia de líderes parlamentares que terá lugar amanhã.
Visto haver consenso a que assim se proceda, tem a palavra a Sr." Deputada Luísa Amorim, para uma declaração política.

A Sr.ª Luísa Amorim (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, minhas senhoras e meus senhores: O Grupo Parlamentar do PCP ao decidir dar a esta matéria a forma de declaração política, mais uma vez salienta o seu empenhamento na defesa e concretização dos direitos da mulher.
Foi em Fevereiro de 1984 que esta Assembleia aprovou três leis fundamentais para o reconhecimento efectivo dos direitos da mulher: a Lei da Educação Sexual e Planeamento Familiar; da Maternidade/Paternidade; da Exclusão da Ilicitude em Alguns Casos de Interrupção Voluntária da Gravidez.
Acesa foi a polémica nesta Assembleia e no País em tomo destes três projectos de lei.
Em confronto com o quotidiano e a realidade das mulheres esteve a hipocrisia, o medo, o preconceito, o mito, os tabus. Venceu a realidade, mesmo se uma destas leis ainda não corresponde às necessidades das mulheres, nomeadamente as das mulheres trabalhadoras como, aliás, já dizia na altura o PCP.
Dois marcos decisivos determinaram a luta das mulheres no seu processo de libertação: a entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho, abrindo caminho à sua independência económica, e a generalização da contracepção, que permitiu à mulher o controlo da sua própria fecundidade, libertando-a da tragédia biológica de sucessivas gravidezes.
O direito à sexualidade e ao planeamento familiar, a uma maternidade livre e responsável e ao aborto foram lutas que mobilizaram milhares de mulheres em Portugal e no mundo e que continuam hoje na ordem do dia.
Sr." Presidente, Sr." e Srs. Deputados: A Constituição da República Portuguesa bem como estas três leis, definem claramente a função social da maternidade/paternidade e as responsabilidades do Estado na criação de condições para que esta seja assumida em liberdade e responsabilidade e, simultaneamente, pai e mãe possam realizar-se na vida pessoal, cívica e cultural.
A Lei n.º 3/84 é também clara quando define a responsabilidade do Estado em regulamentar a educação sexual e o planeamento familiar.
No entanto, seis anos após a aprovação destas leis, será que tem havido vontade política para as levar à prática?
Como se diz na carta aberta à Assembleia da República do Movimento Democrático das Mulheres Portuguesas, a educação sexual é um direito que continua à espera de concretização.
Nas escolas, os espaços curriculares para a educação sexual não são considerados, as diversas pessoas intervenientes no processo educativo, nomeadamente as mães e os pais, as professoras e os professores, não têm formação dirigida para a educação sexual. Nas escolas superiores de educação, a educação sexual não é tema obrigatório da formação de professores.
As consultas de planeamento familiar, de facto implementadas com a criação dos cuidados primários de saúde, funcionam de forma irregular por falta de meios técnicos e humanos, com horários que não se adaptam à vida dos casais que trabalham.
A lei assegura a gratuitidade de todos os métodos anticoncepcionais, mas os anovulatórios não são comparticipados a 100%. Há consultas de planeamento familiar que não estão a distribuir gratuitamente os contraceptivos, nomeadamente o DIU.
Sr.ª e Srs. Deputados, é explícita neste momento a ausência de deputados na Sala. Saúdo, pois, as deputadas que estão maioritariamente aqui presentes.

Aplausos do PCP, do PS, do PRD e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

Está provado, Srs. Deputados, que fica mais barato ao Estado adjudicar directamente a compra dos contraceptivos e distribui-los gratuitamente do que pagar a comparticipação!...
Sc a grande maioria das mulheres utiliza a contracepção, fá-lo a maioria das vexes por conselho de uma amiga ou vizinha, mais do que por indicação do médico em consulta de planeamento familiar.

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E as jovens, Srs. Deputados, uma população de risco, face a gravidezes cada vez mais precoces?
Portugal é já dos países da Europa aquele que tem um dos maiores índices de mães adolescentes.
O abandono a que muitas destas jovens ainda hoje são votadas quando a família descubra a sua gravidez, a interrupção da sua vida profissional ou estudantil e o facto de muitas destas gravidezes não serem desejadas, torna-as de alto risco, pondo em perigo o futuro das crianças que nascem e das próprias jovens.
Acabam muitas destas jovens por recorrer ao aborto clandestino, pondo em risco a sua saúde e, muitas vezes, a própria vida, ficando assim inevitavelmente afectadas na vivência da sua sexualidade.
Será que se pretende enfrentar a resolução deste problema quando os centros de atendimento para jovens apenas existem em cinco cidades do País, alguns deles funcionando como experiências piloto, dirigindo-se a sectores limitados da população, quando nas escolas e nos grandes meios de comunicação não se promove nem se sensibiliza para a educação sexual e o planeamento familiar?
Sr.ªs e Srs. Deputados: Mas será que quando a mulher decide assumir a gravidez, o Estado lhe garante uma assistência materno-infantil que corresponde às necessidades?
Se os indicadores de saúde nos apontam melhoras na situação materno-infantil, eles não podem servir para esconder a realidade, as graves assimetrias regionais que albergam enormes carências e riscos.
Portugal tem ainda hoje dos piores Índices de saúde perinatal de toda a Europa, conforme as conclusões de um colóquio sobre a prevenção da deficiência no período perinatal.
E não podemos esquecer que entre as causas de mortalidade perinatal continua a dominar a «asfixia perinatal» e «o baixo peso», situações responsáveis por importantes deficiências motoras e ou sensoriais e intelectuais das nossas crianças, no entanto perfeitamente controláveis, com uma assistência e um acompanhamento eficazes à grávida e à parturiente.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Mas, Sr.ª e Srs. Deputados, como se poderá fazer um acompanhamento eficaz à grávida e à criança quando há regiões no País onde existe um obstetra para mais de 60 000 habitantes e um pediatra para mais de 10 000 crianças?
De facto, reduzir o acompanhamento da grávida ao médico de família, nas actuais circunstâncias, é querer ignorar a realidade do clínico geral, que tem quatro horas de consulta diária dirigida para 1500 potenciais utentes e já responde com uma qualidade duvidosa quando tem uma média de 20 consultas por dia, por vezes com um tempo de espera por consulta de várias semanas.
Quanto ao parto em si, vários hospitais centrais e distritais e as maternidades existentes mantém-se com gravíssimos problemas de espaço, más condições de atendimento e redução do tempo de internamento. As mulheres são obrigadas a deixar o hospital quando ainda não estuo em condições de saúde para o fazer, para dar lugar a outras grávidas que chegam.
No Hospital de Braga foi tomada a decisão de dar alta às parturientes ao fim de dois dias para desbloquear o serviço.
E nesta realidade que não se cumpre também a lei que prevê o acompanhamento da parturiente pelo companheiro ou familiar.
A decisão do Ministério da Saúde de encerrar maternidades, mesmo se algumas delas, de facto, não garantiam um mínimo de qualidade em termos de assistência, sem entretanto ter assegurado respostas alternativas eficazes e cuidados intermédios, sem ter colocado especialistas na zona, sem ter criado sistemas eficientes de transporte das grávidas, só acarretou o aumento do número de partos em ambulâncias e táxis e o recurso ao parto ao domicílio, com todos os riscos inerentes para a mãe e para a criança.
E não podemos esquecer que, embora tenha vindo a diminuir o número de partos ao domicílio, ele ainda permanece demasiado elevado quando comparado com os outros países europeus.
E que dizer, Sr.ª e Srs. Deputados, da maternidade como factor de discriminação e penalização da mulher no trabalho?
A penalização começa logo no acesso ao emprego quando muitas entidades empregadoras rejeitam as mulheres grávidas ou as jovens recém-casadas.
Nalgumas empresas chega-se ao extremo de se exigir um teste de gravidez nos concursos para admissão do pessoal.
A penalização continua quando às trabalhadoras, para terem acesso aos prémios de produtividade ou de assiduidade, lhes vem recusando o direito à licença para amamentação/aleitamento, para consultas pré-natais ou para assistência a filhos menores.
A elevada laxa de desemprego feminino e a situação de precariedade da mulher no mercado de trabalho levam a que muitas trabalhadoras prescindam dos direitos que a lei lhes consagra.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A lei que prevê a exclusão da ilicitude em alguns casos de IVG - lei do aborto - é uma das leis que é sistematicamente violada. Como diz a carta aberta do Movimento Democrático das Mulheres:

Sistematicamente violada é pretexto para manter a clandestinidade e a impugnidade do negócio do aborto clandestino.
A hipocrisia do silêncio e da ambiguidade reflecte-se, no entanto, no drama de milhares de mulheres que recorrem, sem alternativa, ao aborto clandestino e, depois, ao banco de urgência do hospital pelas complicações advenientes.
A aplicação desta lei, deixada ao livre arbítrio dos hospitais, dos serviços e dos médicos, tem permitido tudo.
Assim, todos os médicos de um serviço ao declararem-se objectores de consciência, inviabilizam, na prática, a aplicação da lei (casos dos Hospitais de Egas Moniz, São João, Castelo Branco, Braga, etc.).
Apesar de a lei exigir apenas que haja um médico que ateste a existência das condições especiais que permitem a exclusão da ilicitude e outro médico que proceda à interrupção da gravidez com a autorização escrita da mulher, na verdade a prática não é essa.
Invocam-se nos serviços hospitalares razões diversas para justificar a sua não intervenção nos casos de interrupção da gravidez.
São os directores clínicos das maternidades que referem a falta de condições técnicas e humanas, a não regulamentação da lei, a inexistência de comissões para analisar a interrupção da gravidez.

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Responsabilizam-se os conselhos de gerência por não assegurarem a coordenação entre os serviços necessários a esta intervenção.
O Governo demite-se das suas responsabilidades criando uma situação que permite que os médicos acusem os serviços, os serviços acusem o Ministério, este, por sua vez, responsabilize os conselhos de gerência.
O Governo volta as costas à realidade e as vítimas continuam a ser as mulheres, que, de guichet em guichet, violentadas na intimidade das suas opções, vêem o tempo passar, restando-lhes o circuito clandestino.
Por isso, o número irrisório de casos que recorrem aos hospitais a pedir a interrupção da gravidez.
Por isso, a manutenção do aborto clandestino.
Por isso, os serviços de urgência das maternidades continuarem a ser dominantemente procurados pelos casos de complicações pós-aborto.
Por isso a alta percentagem de mortes maternas por complicações de aborto.
Nesta realidade a mulher é a principal vítima, sem qualquer poder de decisão sobre uma matéria que fundamentalmente lhe diz respeito, sendo as mulheres dos estratos sócio-económicos mais desfavorecidos as que arcam com os maiores riscos.
Se a interrupção voluntária da gravidez deve ser o último recurso face a uma gravidez não desejada, só é possível fazer a sua prevenção com a melhoria das condições de vida, uma informação anticoncepcional correcta e um acesso fácil ao planeamento familiar e à educação sexual.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Os direitos das mulheres estão a ser lesados pelo não cumprimento destas leis.
O Grupo Parlamentar do PCP anuncia, desde já, a sua disponibilidade para trocar impressões com todos os demais grupos parlamentares no sentido de dar resolução ao apelo do Movimento Democrático das Mulheres para que se instaure um inquérito parlamentar que apure das violações das leis e das suas incongruências.
A realidade das mulheres impõe e exige que esta Assembleia ouse dar resposta aos anseios das mulheres.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - O Grupo Parlamentar do PCP, que desde a primeira hora se empenhou na elaboração destas leis, assume o compromisso de continuar a lutar pela sua aplicação, pela importância que estas tem para a defesa da vida e dos direitos das mulheres.

Aplausos do PCP, do PS, do PRD e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

A Sr.ª Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

O Sr. Natália Correia (PRD): - Sr.ª Deputada Luísa Amorim, quero manifestar a minha solidariedade para com a declaração política de V. Ex.ª, que denunciou a intolerável violação das leis que consagram os direitos das mulheres, nomeadamente no domínio da sexualidade, do planeamento familiar, da maternidade/paternidade responsável e do aborto.
É concludente que dou o meu apoio ao pedido de inquérito parlamentar exigido pela violação do cumprimento dessas leis. Ao tomar esta atitude sei que ela corresponde aos desejos e interesses da população feminina da Nação Portuguesa, que se fez representar nas galerias. Não menos me move o objectivo de contribuir para pôr termo à farsa em que se está a converter o incumprimento das leis votadas nesta Assembleia. O exemplo é a violação da lei que, no Código dos Direitos de Autor, defende o direito moral do autor de obras de arte, violação essa que se exemplifica no caso escandaloso da destruição dos Murais de Eduardo Neri, atentado à arte que abordarei oportunamente nesta Assembleia.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Amorim.

A Sr.ª Luísa Amorim (PCP): - Sr.ª Deputada Natália Correia, outra coisa não esperava que a sua expressão de solidariedade para com a luta das mulheres portuguesas. V. Ex.ª já nos habituou aqui, na Assembleia, a ter uma posição firme e forte na defesa dos direitos das mulheres.
Eu, as mulheres que estão presentes nas galerias e as minhas companheiras deputadas, nomeadamente as da oposição, muitas delas também ligadas às lutas das mulheres e às suas associações, sempre que é possível, sempre que esta Câmara tem espaço para as mulheres - o que infelizmente muitas vezes não acontece e quando acontece tem tão pouca audiência como hoje -, exprimimos a nossa solidariedade por esta luta.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, encontra-se na Mesa um conjunto de votos que já foram distribuídos e em relação aos quais há consenso para serem votados sem discussão, podendo haver lugar a declarações de voto de três minutos.
Assim sendo, vamos votar o primeiro grupo, composto pelos votos de congratulação pela libertação de Nelson Mandela, a que foram atribuídos os n.ºs 126/V (PS), 129/V (PSD), 130/V (PRD) e 132/V (PCP).

Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do deputado independente Carlos Macedo.

São os seguintes:

Voto n.º 126/V

A libertação de Nelson Mandela representa uma vitória para todos aqueles que sempre se bateram pela liberdade, pela democracia e contra todas as formas de discriminação.
O nosso regozijo e comoção estendem-se naturalmente a tudo aquilo que a sua libertação significa- a transformação e o fim irreversível de um sistema inaceitável à luz da dignidade do ser humano e da legitimidade do sistema político.
A libertação de Mandela representa mais um importante passo no sentido da construção de uma nova ordem política internacional onde se afirmam os valores da liberdade e da igualdade. É bom também que se não esqueça quem sempre condenou e quem sempre silenciou a questão do apartheid.

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Todavia, a libertação de Nelson Mandela deve conduzir a África do Sul a um significativo avanço na consagração do princípio essencial de um sistema democrático: um homem, um voto.
Nestes termos, a Assembleia da República aprova um voto de congratulação pela libertação de Nelson Mandela e reitera a necessidade de que novos e decisivos passos sejam dados para o completo desmantelamento do apartheid e, para a criação de uma democracia autêntica na África do Sul.

Voto n.º 129/V

A Assembleia da República congratula-se com a libertação de Nelson Mandela, crente de que a África do Sul encontrará rapidamente o caminho da convivência racial, da liberdade e da paz.

Voto n.º 130/V

A Assembleia da República manifesta a sua alegria e satisfação pela libertação de Nelson Mandela e exprime o seu desejo de que essa acção possa conduzir ao fim do apartheid na África do Sul e à paz na África Austral.
Depois de mais de 27 anos preso por luta contra o regime do apartheid na África do Sul, Nelson Mandela é libertado. Nelson Mandela é um símbolo da resistência à opressão e à discriminação e o seu nome significa hoje, em todo o mundo, liberdade.
A sua libertação deve também ser entendida no quadro da transformação profunda que, um pouco por todo o mundo, se está a dar no sentido da liberdade e da democracia. Nelson Mandela é um símbolo de coragem e coerência.
«Bati-me contra a supremacia branca e a supremacia negra; defendo um Estado onde todas as pessoas, de todas as raças, vivam em harmonia, com igualdade de oportunidades; por estes princípios dei a minha vida; por estes princípios estou disposto a morrer.» Estas foram as palavras que pronunciou no seu julgamento e que agora, em liberdade, no seu primeiro discurso, voltou a repetir.
O regime do apartheid parece começar a ceder perante a firmeza de todos aqueles que não desistem, não só porque não têm esse direito, como a morte de milhares e milhares de pessoas a isso os obriga.
Nelson Mandela é um desses símbolos que nós temos obrigação de ter presente. A sua libertação corresponde a uma vitória numa longa guerra que ainda não está ganha e que é necessário travar todos os dias. Mas nós acreditamos e fazemos votos para que a sua libertação possa ser o indício claro de liberdade para o povo da África do Sul e um passo importante para a liberdade em todo o mundo.

Voto n.º 132/V

A libertação de Nelson Mandela, ocorrida no domingo último, culminou uma longa luta do ANC, do povo sul-africano e da esmagadora maioria da comunidade internacional contra a violação, pelo iníquo regime do apartheid, de direitos humanos e políticos elementares. Mas não só: fazendo justiça, tardia embora, à grandeza e ao heroísmo de um homem, de um dirigente e do que ele representa na interpretação de anseios populares profundos, constitui, sem dúvida, um passo positivo para a inevitável edificação de uma sociedade democrática na África do Sul, multi-racial e aberta ao respeito pela soberania dos Estados vizinhos, bem como ao diálogo construtivo com outros povos e nações do continente e do mundo.
Nelson Mandela em liberdade é, notoriamente, o triunfo da lucidez perseverante, da força das ideias humanistas inacomodatícias do combate de milhões de homens e mulheres por um futuro sem tutelas absurdas, como as de segregação de raças, nem constrangimentos que acentuam desigualdades, insuficiências graves, crispacões perigosas.
A Assembleia da República, reunida em sessão plenária no dia 13 de Fevereiro de 1990, exprime a sua exuberante congratulação pela libertação de Nelson Mandela, após 27 anos de prisão ilídima, e, apreciando as medidas postas em curso na África do Sul pelo Presidente De Klerck, reclama seja levantado o estado de emergência ainda em vigor e se incrementem acções tendentes a uma efectiva instauração da democracia no país.
Srs. Deputados, vamos votar o segundo grupo de votos, composto pelos votos de saudação e homenagem pela passagem do 25.º aniversário do assassinato do general Humberto Delgado, a que foram atribuídos os n.ºs 127/V (PSD), 128/V (deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro e PCP) e 13l/V (PRD).
Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do deputado independente Carlos Macedo.

São os seguintes:

Voto n.º 127/V

A Assembleia da República, na data do 25.º aniversário do hediondo assassinato de Humberto Delgado, presta sentida homenagem ao «General sem Medo» e à sua elevada figura de português.

Voto n.º 128/V

O General Humberto Delgado foi assassinado há 25 anos pelo regime fascista, que nunca lhe perdoou o facto de corajosamente se ter apresentado como opositor aos que submetiam o País a uma férrea ditadura.
O general Humberto Delgado surgiu na cena política em 1958, candidatando-se às eleições presidenciais, eleições essas que seriam, a exemplo de tantas outras, manipuladas pela polícia política, pela censura e pelos mentores de um regime repressor que não linha o apoio do povo português.
São célebres, ficaram na história, as suas palavras proferidas em plena campanha eleitoral, que decorria em condições extremamente difíceis, referindo-se ao ditador Salazar: «Obviamente, demito-o.»

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Ao fazer esta declaração, o general Humberto Delgado assinou a sua sentença de morte. As perseguições de que foi alvo culminaram com o seu assassinato, perpretado pela polícia política do regime - a sinistra PIDE - algures em Espanha, faz hoje um quarto de século.
A Assembleia da República, ao recordar esta data, presta homenagem ao General Humberto Delgado, que, apoiado pela generalidade dos democratas portugueses, se opôs com firmeza aos que oprimiam o País e que foram finalmente afastados na madrugada libertadora do 25 de Abril, quando foi implantada a democracia, pela qual sacrificou a sua vida.

Voto n.º 131/V

Completam-se hoje 25 anos sobre a morte do General Humberto Delgado.
A sua figura de militar e político não é isenta de controvérsia, mas a verdade é que o seu nome ficará na história da luta pela liberdade.
Poderá, passados que são 25 anos sobre a sua morte, haver a tendência ou para esquecer ou para subvalorizar a sua acção de contestação à ditadura, mas a verdade é que o seu exemplo foi fundamental para que se tivesse a consciência de que era necessário fazer algo para acabar com tal regime. Foi, pois, um militar verdadeiramente percursor dos militares de Abril.
O general Humberto Delgado, como candidato da oposição às eleições presidenciais em 1958, lançou a ideia de que era necessário acabar com o medo, numa alusão clara à necessidade de todos os democratas se unirem e lutarem contra o regime que oprimia o povo português, e por isso foi chamado «General sem Medo».
Mas não foi fácil a sua vida a partir desta altura e o regime perseguiu-o sem descanso, acabando por ser assassinado às mãos da PIDE.
Hoje, que passam 25 anos sobre a sua morte e quando, nos nossos dias, todos se afirmam lutadores pela liberdade, seria um crime esquecer esse crime. Não se pode falar de liberdade esquecendo quem lutou e morreu por ela.
É neste sentido que a Assembleia da República recorda a figura do general Humberto Delgado, homenageando todos aqueles que, como ele, lutaram e morreram pela causa da liberdade.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão inscritos, para declarações de voto os Srs. Deputados: João Corregedor da Fonseca, José Manuel Mendes e Raul Rêgo.

Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Recordar e homenagear o general Humberto Delgado é um acto que só dignifica a Assembleia da República. Ao recordar o general Humberto Delgado recorda-se a grande luta do povo português pela democracia, contra a tirania, a repressão e o obscurantismo do regime fascista de Salazar e Marcelo Caetano.
Perseguido pela PIDE, sinistra polícia política do regime fascista, a sua vida, em defesa da democracia, foi sacrificada. Nessa altura, o regime conseguia assassinar um homem que se dispôs a congregar em torno de si próprio, da sua figura, a generalidade dos democratas portugueses.
A democracia por que lutou foi implantada com o movimento das Forças Armadas na madrugada libertadora do 25 de Abril e, desde logo, aqui rendemos homenagem a esse movimento dos capitães.
Ao recordarmos o General Humberto Delgado; ao homenageá-lo, não podemos de deixar de salientar a necessidade de se organizar a homenagem nacional a que a sua memória tem direito, homenagem essa que deverá, finalmente, desenrolar-se no Panteão Nacional, para os onde seus restos mortais devem ser trasladados. Não há razões para mais delongas, o Governo não pode ignorar a sua responsabilidade. Esperemos que dentro de um ano já não subsistam os entraves, para que o Panteão guarde os restos mortais e a memória de um dos maiores do nosso país que defenderam os valores democráticos.
Em relação aos votos sobre Nelson Mandela, que também foram aprovados por unanimidade, temos a dizer o seguinte: Mandela é um símbolo que sempre lutou com dignidade pela libertação do seu povo, pela libertação de um povo sacrificado à prepotência de um regime primitivo opressor e racista. Passou 27 anos em cativeiro. Durante este período, enquanto Mandela sofria nas prisões, acompanhado por muitos outros companheiros de luta, o povo sul africano continuava a sofrer. Inúmeros cidadãos da África do Sul foram assassinados vítimas da prepotência, do racismo, da tortura e da discriminação racial.
A libertação de Mandela é, em síntese, a sequência lógica da luta do povo, de um povo digno, que, contra a força, contra a repressão policial, contra a discriminação social, sempre opôs a força da sua razão, consubstanciada no exemplo ímpar de Nelson Mandela, que hoje aqui homenageamos.

Aplausos do PCP e do deputado independente Raul de Castro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Câmara, através das votações que acabam de ocorrer, esteve à altura do mais profundo entendimento da ideia de democracia e do prestígio de que devem revestir-se as instituições que, em Portugal, surgiram após o derrube da ditadura fascista.
Humberto Delgado, figura que merece o respeito de todos os portugueses pela interpretação corajosa que, em dado momento da história fez das aspirações mais profundas do nosso povo, é ainda hoje um símbolo que importa acarinhar e a cuja sombra grande podemos porfiar pela construção de um devir mais desconstrangido.
Mas evocar Humberto Delgado na mesma hora em que a circunstância política do mundo fez libertar Nelson Mandela assume também as proporções de um verdadeiro aplauso à liberdade, de um inequívoco apoio à necessidade de, dia após dia, fazer fermentar regimes que respeitem o homem todo e cada um dos homens na edificação da justiça e da fraternidade.
A libertação de Nelson Mandela não foi um acto destituído de uma longa luta precedente - a luta do ANC,

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do povo sul africano, de quantos quiseram e querem erradicar não apenas o regime afrontoso do apartheid mas também os constrangimentos de natureza política e económica que fazem com que subsistam num importante recanto do mundo, como um tanto à escala planetária, infelizmente, iniquidades e insuficiências a que importa pôr cobro.
O respeito pela soberania dos Estados vizinhos da África do Sul, o incremento do diálogo entre povos e nações do continente africano e do mundo - que são de esperar e exigir - faraó com que o voto que aqui aprovámos por unanimidade ganhe também a expressão de uma nova carta de aforria a favor da esperança na capacidade humana de transformar o presente em tempos cada vez melhores.
Por isso nos associamos, desta forma sentida e franca, ao momento congratulante e riquíssimo que o hemiciclo acaba de viver.

Aplausos do PCP e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Rêgo.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PS associa-se ao voto de congratulação pela libertação de Mandela atendendo à mentalidade democrática, à democracia reconquistada e a todas as tradições democráticas e anti-racistas do povo português.
O racismo, embora consagrado na carta do império colonial português, é realmente contra todas as tradições, mesmo as do tempo da monarquia. Tivemos governadores-gerais de cor na Guiné e em Timor, portanto, antecipando-nos a todos os povos da Europa. Assim, a consagração do racismo na Constituição de 1931 não é mais do que a discriminação existente na altura entre os portugueses da metrópole.
O racismo é sinónimo de antidemocracia. A mentalidade democrática é essencialmente anti-rascista. Por isso, associamo-nos ao voto pela libertação de Mandela e, ao mesmo tempo, ao voto pelo aniversário da morte de Humberto Delgado, símbolo da democracia portuguesa. Felizmente, ela reviveu e a morte de Humberto Delgado é hoje consagrada pela democracia portuguesa.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero manifestar a minha homenagem a Humberto Delgado e a Mandela, mas sob a forma de protesto.
Quero protestar contra a ausência dos deputados, neste momento de homenagem a dois símbolos da luta pela liberdade. Não deixarei de sublinhar que a libertação de Mandela é um acontecimento que a todos diz respeito, muito particularmente às assembleias dos regimes democráticos. E um acontecimento que veio introduzir um novo capítulo na história do mundo. Mais uma razão para que seja de lastimar o vazio de deputados, que, neste hemiciclo, deviam marcar, com a sua presença, o regozijo por essa perspectiva de esperança que a libertação de Mandela vem abrir.

Aplausos do PRD, do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos a homenagear hoje o que costuma designar-se por «combatentes da liberdade».
Um não teve a felicidade de ver o triunfo da sua luta durante a sua própria vida. Já prestámos aqui homenagem ao Sr. General Humberto Delgado, à sua ousadia e audácia política, e, por unanimidade, tomámos a resolução da trasladação dos seus restos mortais para o Panteão Nacional. Não vale a pena repetir hoje o que tantas vezes dissemos, mas é sempre bom recordar que esta morte não está esquecida e, por isso mesmo, no seu 25.B aniversário, estamos nós também a evocá-la mais uma vez.
Nelson Mandela, ele é talvez um dos últimos líderes do grande movimento da descolonização; é talvez o líder vivo e prestigiado da grande batalha da emancipação de África que começou com o fim da Segunda Guerra Mundial e chega agora à sua fase terminal. A sua luta contra o rascismo, contra a opressão colonial, o seu empenhamento pelo estabelecimento da democracia multi-racial na África do Sul, como disse ontem, no seu primeiro comício à saída da prisão, naturalmente que enche de alegria todos aqueles que querem ver a África livre da tirania, livre do racismo, livre do apartheid, como é contemplado na nossa Constituição, de acordo, aliás, com a cultura básica do povo português, e constitui uma das facetas da nossa personalidade como povo. Por isso mesmo nos regozijamos com a sua libertação.
Mas também queremos dizer, como aliás o meu partido fez ontem, que a libertação de Mandela cria-lhe responsabilidade acrescida num mundo que está a viver grandes momentos de pacificação e de busca da paz, sem conflitos armados e sem violência. Certamente, a contribuição deste homem fundamental para uma zona desde há 30 anos tão martirizada pelas guerras intestinas e coloniais vai constituir uma fonte de inspiração e um exemplo para o grande movimento de democratização que hoje percorre o mundo.
Não podemos também deixar de salientar que esta libertação se deve a um acto corajoso do Presidente da República da África do Sul, Frederick De Klerck, que, remando contra todas as incompreensões radicais existentes no seu país, tomou a feliz iniciativa - que esperamos seja percursora - de início do diálogo com o líder da maioria negra da África do Sul, para que este país possa, finalmente, também conquistar o seu direito à paz que todos os seus habitantes anseiam.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos a favor dos votos apresentados porque também nos congratulamos com a libertação de Nelson Mandela, embora não subscrevamos diversos considerandos contidos nos textos de outros votos apresentados por outros grupos parlamentares.
É evidente que a libertação de Nelson Mandela é um grande contributo para aquilo que todos desejamos, ou seja, uma sociedade multi-racial, a liberdade e a paz, mas também é evidente que os traumatismos, tão profundamente vividos nos anos transactos, não serão facilmente removidos. Isso depende da capacidade dos homens e nós devemos ajudar no sentido positivo.

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A comunidade portuguesa está, sem dúvida, em grande parte preocupada, mas não devemos ceder aos objectivos que se devem sobrepor a todos os receios, eventualmente, circunstanciados.
Relativamente ao general Humberto Delgado, custar-me-ia muito transformar um acto de homenagem, a propósito de um hediondo assassinato, num acto de desmemoriação.
Na passada sexta-feira, Piteira Santos dizia que a democracia tem de ter memória. Mais, dizia que lembrar é um dever cívico. E é sem dúvida! A democracia deve ter memória e nós não podemos, de forma alguma, a propósito de uma homenagem, deitar essa memória fora.
O general Humberto Delgado representa um duplo acto de grande coragem. Foi um homem que, vindo das altas fileiras da ditadura, reconheceu que essa ditadura, em vez de servir os interesses da Nação - como, por certo, acreditou durante algum tempo -, os estava, precisamente, a negar e a sacrificar. E rompeu com ela. Foi um grande acto de ousadia!
O outro acto de ousadia foi quando passou essa ruptura à prática e agiu. Opôs-se, pois, frontalmente, ao ditador e à ditadura. Foi um acto merecedor de grande realce e apreço. E não foi apenas um acto físico e moral de coragem, mas também a capacidade de romper.
Assim, seria grave desvio ou lacuna de memória esquecer este propósito. Se da parte dos homens do regime ninguém se mexeu para ajudar a transição - e, se calhar, o País teria poupado várias décadas de atraso, de tormentos e de sofrimentos-, é também verdade que no campo oposicionista diversas correntes, em consequência de um sectarismo absoluto de incompreensão, remeteram o general a um tal isolamento - não estou a defender a perfeição da sua personalidade, mas o jogo político e as circunstâncias políticas eram essas - que, de facto, o seu acto de desespero final é também a expressão dessa incapacidade por parte do campo oposicionista.
Não podia deixar de abordar este aspecto no dia em que, a justo título, homenageamos o general Humberto Delgado. O grande exemplo que ele nos deixou é o da ousadia, que inclui a capacidade de nos encararmos tal como fomos, tal como somos, porque essa é a melhor garantia de construirmos positivamente o futuro.

Aplausos do PSD.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início ao período da ordem dia.
Começo por informar a Câmara que o Sr. Deputado Rui Manuel Gouveia Bordalo Junqueiro, do Partido Socialista, eleito para a Assembleia da República pelo círculo eleitoral de Viseu, renunciou ao seu mandato a partir do dia 14 de Fevereiro de 1990, inclusive.
Srs. Deputados, estão em aprovação os n.ºs 30, 31, 32, 33, 34 e 35 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 11, 12, 16, 18, 19 e 23 de Janeiro último.

Estão em apreciação.

Pausa.

Visto não haver objecções, dou por aprovados os respectivos números do Diário da Assembleia da República.
Vamos passar à discussão conjunta dos projectos de lei n.º 131/V, apresentado pelo PCP - Lei - quadro das empresas públicas municipais, intermunicipais e regionais e 478/V, apresentado pelo PS - Bases das empresas públicas municipais, intermunicipais e regionais.
Estão inscritos os Srs. Deputados Ilda Figueiredo, Jorge Lacão e Rui Silva.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma das atribuições e competências das autarquias é criar empresas públicas municipais e intermunicipais. Desde 1977 que a legislação prevê essa possibilidade, através da Lei n.º 79/77, retomada e expressa, ainda mais claramente, no Decreto-Lei n.º 100/84, artigo 39.º, quando na alínea g) do n.º 2, define que uma das competências da assembleia municipal é «autorizar a criar empresas públicas municipais e a participar em empresas públicas intermunicipais». E na alínea h) do mesmo número acrescenta a possibilidade de o município «participar em empresas de âmbito municipal ou regional que prossigam fins de reconhecido interesse público local e se contenham dentro das atribuições definidas pelo municípios».
Está, pois, perfeitamente definida na legislação não só a existência de empresas públicas municipais, intermunicipais e regionais, como a competência orgânica para a sua aprovação.
Só que, decorridos largos anos, não foi feita ainda a regulamentação destas empresas, faltando o esclarecimento do quadro legal em que se devem mover, apesar de haver largos consensos sobre a necessidade da sua regulamentação, de comissões de coordenação regional terem apresentado propostas nesse sentido, de várias autarquias terem expressado a sua necessidade, de a Associação Nacional de Municípios, através do seu conselho geral, ter considerado ser urgente a aprovação pela Assembleia da República da regulamentação sobre a criação de empresas municipais e intermunicipais.
É que, nesta fase de consolidação do poder local, impõe-se a criação de instrumentos de gestão que permitam uma maior eficácia e operacionalidade do exercício por parte das autarquias locais das suas atribuições e competências.
Criar empresas públicas municipais e intermunicipais vai permitir aos municípios realizar, autonomamente, a gestão de algumas das suas atribuições, permite uma análise clara dos respectivos proveitos e custos, uma maior transparência perante os utentes e uma melhor fundamentação das opções de gestão que incumbem às autarquias locais.
Em suma, as empresas municipais e intermunicipais são instrumentos de gestão que vão facilitar às autarquias locais o salto qualitativo, numa perspectiva de desenvolvimento regional, impondo-se, pois, a sua regulamentação. E é esse precisamente o objectivo do projecto de lei n.º 131/V, do Grupo Parlamentar do PCP, que foi objecto de vários pareceres, quer da Comissão Parlamentar de Administração do Território, Poder Local e Ambiente, quer de outras entidades, nomeadamente municípios.
Com as várias observações já feitas e outras que eventualmente surjam, é possível melhorar e aperfeiçoar o projecto de lei agora em debate, na generalidade.
Por exemplo, quanto aos órgãos das empresas públicas municipais e intermunicipais e regionais podem cnconttrar-

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-se soluções de estrutura mais leve, nomeadamente quanto ao conselho geral, tornando-o um orgão meramente consultivo.
Também no campo das receitas pode ser explicitado o princípio da compensação de encargos resultantes de decisões da tutela, por exemplo, na fixação do preço das tarifas, eventualmente, abaixo do custo do serviço prestado pela empresa.
Os aspectos fundamentais sobre que importa legislar estão contemplados no projecto de lei, tendo como base o regime jurídico das empresas públicas, sem esquecer que há especificidades municipais a ter em conta, nomeadamente quanto à delimitação de competências dos municípios.
Assim, a criação destas empresas terá de ser decidida pelos órgãos do município ou municípios depois dos necessários estudos técnicos, económicos e financeiros, cabendo às autarquias aprovar o respectivo estatuto e dotá-las de capitais próprios.
Como as empresas públicas municipais, intermunicipais e regionais gozam de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, constituem uma terceira via na, gestão municipal, em princípio bastando-se a si próprias, gerando, em si e por si, os recursos necessários a um normal auto-financiamento, com gestores libertos de funções políticas.
Comparando os serviços municipalizados e as empresas públicas municipais, tal como as definimos, verifica-se que estas representam uma forma qualitativamente superior de exploração de serviços. Há até quem as compare «a serviços municipalizados mas dotados de personalidade jurídica e de autonomia administrativa e patrimonial, cujo funcionamento ficará, em regra, subordinado ao direito privado e cuja gestão será confiada a administradores libertos de funções políticas».
No entanto, nas soluções apresentadas no projecto de lei do PCP não se considera a obrigatoriedade de transformação dos serviços municipalizados em empresas públicas municipais.
A diversidade de situações, quanto ao desenvolvimento destes serviços municipais, aconselha a que se faculte aos municípios a possibilidade de escolherem a forma e o regime que julgarem mais adequados ao seu caso. Ou seja, optarem por manter os serviços municipalizados ou optarem por transformar os serviços municipalizados em empresas públicas municipais.
Por último, gostaria ainda de fazer algumas referências ao projecto de lei n.º 478/V, que o PS apresentou na semana passada sobre o mesmo assunto. Partindo de princípios idênticos, alarga o âmbito estabelecendo a possibilidade de criação de empresas de capitais maioritariamente públicos. No entanto, quer quanto aos órgãos, quer quanto à tutela, ao regime jurídico, ao património, finanças, forma de gestão e pessoal as soluções são próximas e em vários pontos coincidentes.
Há, pois, condições para hoje aprovar, na generalidade, estes dois projectos de lei, que definem o quadro legal das empresas públicas municipais, intermunicipais e regionais, e, rapidamente, no debate, na especialidade, encontrar um texto único que possa dar resposta às aspirações das autarquias locais, dotando-as deste importante instrumento de gestão.
Espero que o PSD, apesar de não ter iniciativa nesta matéria, não a inviabilize nem a protele e dê, antes, o seu contributo, em sede de debate na especialidade, para encontrar, rapidamente, as melhores soluções para as autarquias locais e, neste caso, regulamentando a criação - ou a possibilidade de criação - das empresas públicas municipais, intermunicipais e regionais de que as autarquias esperam há vários anos, como os Srs. Deputados sabem.

Aplausos do PCP.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Marques Júnior.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Afigura-se-nos que este debate, destinado a gerar as condições políticas favoráveis à aprovação do regime jurídico enquadrador das empresas municipais, intermunicipais e regionais, é - ou deve ser - um momento de contributo para o aprofundamento dos princípios da autonomia autárquica e de reforço do governo local.
É, por isso, boa ocasião para salientar que o tão propalado esforço de modernização da sociedade portuguesa continua a ser iludido por concepções e práticas administrativas por demais tributárias do espírito napoleónico e centralizador e por elementos permeáveis às concepções de administração aberta e aos imperativos descentralizadores que acompanham qualquer desenvolvimento regional digno desse nome.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A sugestão de que um Governo PSD geraria menos Estado e melhor Estado tem vindo a ser claramente contrariada pelos factos.
Enquanto, por um lado, vai descendo a taxa de participação das receitas das autarquias no Orçamento do Estado, quando comparadas com o esforço da despesa pública global, vão, por outro, sempre aumentando os mecanismos de devolução de encargos aos municípios, bem como os instrumentos de subordinação da autonomia municipal aos critérios da administração central.
Em cada ano que passa mais nos afastamos da prática descentralizadora dominante nas instituições dos países comunitários.
Em cada ano que passa mais hipotecamos as nossas possibilidades de corrigir as graves - cada vez mais graves - assimetrias regionais, por falta, designadamente, de poderes regionais minimamente preparados para estimular as potencialidades de desenvolvimento em cada zona do País.
A situação é, na verdade, preocupante.
Enquanto as autarquias locais se entregam à deriva dos critérios das CCR para a selecção dos respectivos projectos de investimento candidatáveis ao FEDER; enquanto a situação financeira de muitas câmaras municipais se encaminha, perigosamente, para a asfixia; enquanto os mecanismos de recurso a créditos favoráveis, designadamente ao nível do Banco Europeu de Investimentos, aproveita muito mais à administração central do que à administração local; enquanto tudo isto acontece, a prática governativa continua a fazer do Programa de Desenvolvimento Regional e dos programas específicos, definidos no quadro comunitário de apoio, matéria para iniciados, relativamente à qual a capacidade participativa dos municípios é pouco mais do que simbólica.

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Muito bem!

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O Orador: - A verdade, porém, é que o desafio da modernização não suspende o seu grau de exigência em consideração ao grau de negligência revelado pela ausência de políticas mobilizadoras.
Certamente ainda nos recordamos todos de ouvir, nesta Câmara, não há ainda muito tempo, o Sr. Primeiro-Ministro criticar posições do PS, quando o PS falava na ausência de planos estratégicos de desenvolvimento. Para o Sr. Primeiro-Ministro tratava-se de uma linguagem ultrapassada e, em seu entender, reveladora de ultrapassadas concepções colectivistas.
Em política, como em tantos outros aspectos da vida, é o mal entendido que alimenta muitas polémicas inúteis. E não será verdadeiramente inútil pretender disfarçar que o esforço de modernização que nos é exigido impõe hoje, mais do que nunca, uma verdadeira capacidade de prever e planear?
E não será igualmente inútil e, mais do que inútil, perigoso, para o interesse nacional, continuar a disfarçar o facto, cada vez mais visível, de que às câmaras municipais, às associações de municípios e às futuras - que esperamos para breve - regiões administrativas está cometido um papel de grande relevo no processo de modernização e de desenvolvimento social?

Vozes do PS: Muito bem!

O Orador: - Não estão só em causa, o que já de si representa um mundo de problemas, as clássicas atribuições municipais e também a circunstância de à sede do município afluírem, cada vez mais, exigências de posição, relativamente a sempre mais alargados aspectos da vida social, sem excluir, bem pelo contrário, a dimensão económica desses aspectos e desses problemas.
É assim que os municípios se confrontam com problemas sociais graves, que incluem os domínios da habitação, da assistência social, da educação e da saúde, mas que se prolongam, cada vez mais, para as questões estruturais do próprio investimento produtivo.
Aliás, não admira que assim seja. Mesmo que, tal como acontece com o Estado, o município não tenha vocação para empresário, a verdade é que, tal como o Estado, o município não pode fechar os olhos às exigências do desenvolvimento produtivo na sua esfera territorial, ou, em âmbitos mais alargados, no espaço intermunicipal e regional, sobretudo quando os contrastes regionais, em lugar de se atenuarem, tendem para o agravamento.
Os tradicionais desequilíbrios demográficos entre o litoral e o interior, em resultado de diferentes dinâmicas económicas, mas também em consequência de injustificadas macrocefalias políticas e administrativas, aí estão a chamar a atenção aos mais incautos de entre nós. E não será o programa de desenvolvimento das regiões de fronteira, mais uma vez concebido, essencialmente, à margem das autarquias, que logrará inverter a tendência, como o não logrará qualquer medida que não seja inserida num esforço nacional de grande solidariedade, destinada a levar o progresso às zonas deprimidas do interior.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que por esta altura os mais pacientes de entre vós se perguntarão o que terá tudo isto a ver com o objecto da nossa discussão. Mas julgo também que o benefício da vossa paciência me permitirá chamar-vos a atenção para a circunstância de o quadro traçado exigir das autarquias que assumam um papel importante na superação das dificuldades referidas.
Ora, não basta pedir às autarquias que trabalhem mais e melhor. É necessário conferir-lhes instrumentos de maior flexibilidade de acção e garantir-lhes meios mais eficazes de gestão, E refiro-me à gestão directa municipal, que é o clássico problema da descentralização administrativa, mas também à gestão indirecta, que é, porventura, um ângulo novo de abordagem das possibilidades de intervenção das autarquias.
Não tão novo, evidentemente, que o princípio não se encontre já referido no Decreto-Lei n.º 100/84, ao consagrar-se aí a possibilidade de constituição de empresas municipais, de verdadeiras empresas, não só com autonomia administrativa e financeira mas também com verdadeira autonomia jurídica e patrimonial; não tão novo que não conheçamos já instituições desta natureza constituídas por municípios ou por estes integradas, mas, em qualquer caso, com o grau suficiente de novidade em vista das possibilidades que se abrem ao dinamismo autárquico, designadamente aproveitando as potencialidades oferecidas por tantos programas inscritos no quadro comunitário de apoio.
Não se trata, evidentemente, de imaginar que as autarquias possam vir a substituir, com vantagem, a iniciativa privada. Não se trata, portanto, de projectar um quadro jurídico de empresas autárquicas, espartilhadas pelas exigências do capital público. Pelo contrário, trata-se de, com a maior abertura, flexibilidade e realismo, admitir que as autarquias locais possam recorrer às técnicas de administração indirecta, em proveito da qualidade e do nível de vida dos seus munícipes.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Poderão lançar iniciativas empresariais em áreas de serviço público e poderão, igualmente, associar-se ao capital privado e, desta forma, mobilizar os próprios empresários, associando-os no esforço de certos empreendimentos, porventura nem sempre imediatamente atractivos mas indispensáveis ao desenvolvimento.
Como se vê, o projecto apresentado pelo PS de constituição de empresas municipais, intermunicipais ou regionais não só não sofre de qualquer síndroma colectivista como pode propiciar as melhores condições ao investimento privado associado ao capital público. É assim que procuramos responder às exigências do dinamismo, visando instrumentos flexíveis de actuação.
E é caso para perguntar Que faz o Governo? Que pensa o Governo?
O Governo opta pela omissão de iniciativa e de presença neste domínio e neste debate.
Abstém-se de contribuir para a definição de um quadro jurídico de enquadramento das funções autárquicas de administração indirecta.
Será porque as repudia? Será porque as desvaloriza? Ou, será, simplesmente, por inércia?
É o que procuraremos saber no rescaldo deste debate e no testemunho por parte do PSD.
Pela parte do PS estamos, evidentemente, abertos à reflexão de todos os aspectos inerentes às soluções constantes do nosso projecto.
Achamos mesmo adequado que um processo de audição às autarquias possa agora vir a decorrer e que todas as contribuições sejam recolhidas e devidamente ponderadas.
Mas sugerimos que um processo de consulta, a afectivar, não seja entendido como forma de iludir as dificuldades e retardar as decisões.

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Os imperativos do desenvolvimento regional não se compadecem com os marasmos do espírito centralista.
O reforço das atribuições autárquicas não deve continuar a sofrer das limitações inibitórias que sempre emergem quando se trata de promover processos de devolução de poderes a órgãos do poder local. Aliás, nem é verdadeiramente disso que se trata. Do que se trata é de modernizar os mecanismos de resposta às exigências do nosso tempo, com os olhos postos no bem-estar das populações.
Fica o nosso contributo. Aguardamos, especialmente do PSD, que acerte o passo, apanhe o comboio e demonstre a vontade política indispensável à concretização do processo legislativo.
Para o efeito, estamos dispostos a trabalhar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Carlos Lilaia, Narana Coissoró e Ilda Figueiredo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, na intervenção que o PRD irá fazer sobre esta matéria, será abordada na generalidade a questão das empresas públicas municipais e também, com algum 'detalhe, o projecto de lei do PCP.
Quero pedir desculpa, em nome do Partido Renovador Democrático, em não abordarmos, no concreto, a proposta de lei do Partido Socialista. E isto tem a ver com o facto de não nos termos apercebido de que o diploma estaria hoje em discussão, tanto mais que, sistematicamente, tem sido omitido das agendas, desde quinta-feira até hoje. Não obstante, as referências que aqui tive oportunidade de ouvir sobre o projecto de lei do Partido Socialista não nos merecem qualquer reparo.
Se for possível - e é este o pedido que quero fazer - peco-lhe que, muito rapidamente, explicite à Câmara as eventuais diferenças que existem entre o projecto de lei do PCP e o apresentado pelo PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, há ainda outros pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Jorge Lacão, em primeiro lugar, manifesto o meu receio em não poder participar convenientemente neste debate do projecto de lei do PS, porque, como disse o Sr. Deputado Carlos Lilaia, não estava agendado na súmula que nos foi distribuída.
Só hoje de manhã às 8 horas é que soube, pela primeira vez, através do noticiário e graças à repórter da Antena Um aqui na Assembleia da República, que hoje se iria discutir um projecto de lei do PS sobre esta matéria. Por outro lado, quando aqui cheguei, às 9 horas e 30 minutos, pedi que me trouxessem este diploma, pois queria dar, pelo menos, uma vista de olhos antes de entrar neste hemiciclo - e devo dizer que foi muito difícil localizá-lo.
A surpresa não é grande porque os próprios serviços de relações públicas tiveram de fazer uma adenda, exactamente para juntar o vosso projecto de lei, porque não constava na versão inicial do nosso «Boletim Informativo».
De qualquer modo, a sua exposição esclareceu alguns princípios que gostaria de ver mais elucidados, embora toda a sua preocupação, naturalmente levado por este sentido bipolarizador, que vos atormenta, de fazerem uma concorrência ao PSD na área do centro, o tenha levado a pedir ao PSD que o ajudasse, que lhe tirasse as dúvidas, de divulgar qual a opinião desta maioria sobre o vosso projecto. Não obstante, a «obsessão centrista» do PS, de só pensar no PSD, haverá naturalmente lugar para outros partidos, principalmente para o meu, para também falar deste assunto, que nos interessa sobremaneira.
Sr. Deputado Jorge Lacão, somos, como o PS, um partido que defende a regionalização, a descentralização para o País, e não nos temos furtado a afirmar em todos os debates onde esta matéria tem vindo a ser colocada que o nosso empenho é o de promover a regionalização e descentralização quanto antes.
Mas pergunto: se até agora não se tomou uma decisão firme sobre a regionalização, não houve sequer uma indicação governamental - antes pelo contrário - de termos nos próximos dois anos qualquer lei quadro, seja ela em que moldes for, sobre esta matéria, valerá a pena falar agora de empresas públicas regionais ou deveremos aguardar a divisão do País em regiões, ou lei quadro da regionalização, para então avançarmos nesta possibilidade? Isto tem muito a ver com a ligação ou a interligação das empresas públicas municipais com as regionais, porque ela será íntima e poderá haver uma divisão de competências. Sem este dado, do que serão as empresas regionais, falar desde já numa lei quadro das empresas públicas municipais e intermunicipais parece-nos que é «colocar o carro à frente dos bois».
Em segundo lugar, o problema é saber se, numa época em que VV. Ex.ª, deputados do PS e do PSD, se desafiam uns aos outros no sentido de saber quem é mais privatizador, se é o PS, se é o PSD - o CDS nunca teve este problema de dizer «eu sou mais privatizador do que o PSD» e o PSD dizer «vocês mentem quando dizem que são os privalizadores, porque privatizadores somos nós e mais ninguém»-, valerá a pena criar empresas públicas de índole e de alcance menor, quando todos os bens e serviços prestados pelas empresas públicas municipais podem ser obtidos através de empresas privadas, de concessões, de empreitadas, isto é do fomento da iniciativa privada e de uma melhor localização das empresas para até obviar o grande êxodo de mão-de-obra para as grandes cidades, como Lisboa e Porto? A criação destas empresas privadas fixaria, naturalmente em melhores condições, a mão-de-obra, a tecnologia, «a inteligência empresarial» das próprias autarquias, através do fomento da iniciativa privada.
Será que há qualquer razão de princípio que diga que é melhor uma empresa pública municipal do que fomentar as empresas privadas na mesma área e que depois venham a obter as concessões ou as empreitadas das autarquias para levar a cabo muitas das tarefas para que inicialmente estavam vocacionadas estas empresas públicas? Hoje, decorridos 12 anos desde 1977 ou 1978, o quadro da organização económica nacional não é o mesmo, como V. Ex.ª não deixará de confirmar e tal como se passa noutros países, principalmente em Inglaterra, não será

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melhor deixar isto à iniciativa privada, para darmos à sociedade maiores tarefas na satisfação das suas próprias necessidades?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Deputado Jorge Lacão, como sabe, a legislação portuguesa prevê desde 1977 a possibilidade de criação de empresas públicas municipais, intermunicipais e regionais. Mais recentemente, o Decreto-Lei n.º 100/84 veio expressamente dizer que cabe aos municípios decidir da sua participação em empresas municipais, intermunicipais ou regionais.
Ora, na prática, essa possibilidade não existiu até hoje porque a regulamentação deste aspecto do Decreto-Lei n.º 100/84 não se fez. O Partido Comunista apresentou em Dezembro de 1976 um projecto de lei com este objectivo e o diploma hoje em discussão retomou, aliás, essa iniciativa legislativa.
Durante este tempo chegaram quer à Comissão de Poder Local quer, enfim, ao grupo parlamentar várias ideias, sugestões e comentários que mostraram a urgência da necessidade da criação deste tipo de empresas.
O Partido Socialista, ao apresentar na semana passada um projecto de lei, creio que veio também reconhecer a necessidade da urgência da criação das empresas municipais e intermunicipais e de ficar desde já definido o quadro também das empresas regionais, que, ao contrário do que o Sr. Deputado Narana Coissoró referiu, não é nada de novo. O Decreto-Lei n.º 100/84 fala nelas, portanto não há qualquer criação agora nem do PCP nem do PS. Estão expressas no Decreto-Lei n.º 100/84.
Por alguma incompreensão, nomeadamente do Sr. Deputado Narana Coissoró, colocada em relação à necessidade de criar neste momento empresas públicas municipais, pergunto ao Sr. Deputado Jorge Lacão se conhece a posição da Associação Nacional dos Municípios, expressa o mês passado através do seu conselho geral e votada por unanimidade, do reconhecimento da urgência da regulamentação, por parte desta Assembleia da República, da criação de empresas públicas municipais, intermunicipais e regionais.
Por último, pergunto: não considera que hoje, havendo serviços municipalizados que não têm personalidade jurídica nem autonomia administrativa e patrimonial, mas que de alguma forma têm um processo de gestão separado da câmara municipal, embora com todas as dificuldades de gestão que decorrem da não existência de personalidade jurídica e de autonomia administrativa e patrimonial, não seria muito mais fácil para eles poderem, na generalidade dos casos, transformar-se em empresas públicas municipais e assim mais facilmente atingirem os seus objectivos na defesa do poder local?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Começo por agradecer aos Srs. Deputados que intervieram colocando algumas questões a possibilidade que me dão de poder contribuir para alguns esclarecimentos, relativamente à filosofia da nossa iniciativa.
O Sr. Deputado Carlos Lilaia pediu para que fosse explicitada algumas eventuais diferenças entre o projecto de lei do PS e o apresentado pelo PCP. Penso que a diferença de filosofia mais significativa entre os dois diplomas reside no facto de o projecto de lei do PCP - e peço ao PCP que me corrija se cometer nisto alguma imprecisão - assentar fundamentalmente no processo constitutivo de empresas públicas municipais e o do PS ir mais além na medida em que admite um quadro mais flexível, não apenas de empresas públicas municipais, intermunicipais ou regionais mas igualmente o de empresas de capitais públicos, o que permite a associação do capital dos municípios ao capital de outras entidades públicas para a prestação de serviços públicos qualificados, mas além disso ainda também empresas de capitais maioritariamente públicos, o que permite a associação da iniciativa privada à realização de certas funções de serviço público. E não nos quedamos por aqui, vamos para um quadro ainda de maior flexibilidade que permite não só a possibilidade da associação da iniciativa privada no domínio de serviços públicos com o capital das empresas públicas municipais, mas também permitir aos municípios que integrem o seu capital no dinamismo das empresas privadas. O que permite, portanto, também que, em certos aspectos do desenvolvimento regional e local, os municípios tenham uma participação não de se substituírem à iniciativa privada mas cooperando com ela para fomentar aspectos da actividade produtiva que, virtualmente, sejam essenciais ao desenvolvimento regional das respectivas áreas em que as autarquias se situam.
É portanto um quadro de maior flexibilidade aquele que apresentamos e é com esta filosofia que o conjunto do projecto de lei se desenvolve.
Há depois algumas articulações diferentes, no que diz respeito aos órgãos da empresa. Cito apenas uma preocupação do nosso projecto de lei no sentido de valorizar as condições de controlo democrático da assembleia municipal, e nesse sentido também fazemos depender da assembleia municipal o exercício de algumas atribuições, designadamente as de eleição do conselho fiscal, para que as assembleias municipais não fiquem afastadas do processo de controlo e fiscalização democrática sobre as empresas de âmbito municipal e intermunicipal que vierem a ser constituídas.
Portanto, estas são, no essencial, as diferenças de filosofia, relativamente aos dois projectos.
Quanto às questões suscitadas pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, se me permite, gostaria de fazer uma observação prévia.
O que é curioso é que, até este momento, num debate cuja matéria é significativamente relevante para a dinâmica de gestão das autarquias não só de âmbitos municipal e intermunicipal como, futuramente, de âmbito regional, o mesmo esteja a ser travado apenas entre os partidos da oposição, que o PSD não tenha julgado oportuno concorrer, com a sua opinião, para clarificar posições e que o próprio Governo esteja ausente.
Por isso, penso que algumas questões postas pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, designadamente as que se referem ao ritmo da regionalização, poderiam ser melhor respondidas, talvez não por mim mas pelo PSD e pelo Governo.
E óbvio que a regionalização deverá fazer-se, e é óbvio também que quanto mais retardarmos o seu processo mais estamos a alienar as condições participativas das autarquias, no sentido de se transformarem em sujeitos

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activos do processo de desenvolvimento regional, o que as afecta verdadeiramente e, com elas, as populações das respectivas regiões onde estão inseridas.
Quanto à pergunta que me fez sobre se não seria melhor permitir que as empresas privadas viessem a concessionar alguns serviços públicos de âmbito municipal e se por aí não encontraríamos a melhor solução, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que não estou contra isso; de resto, no projecto de lei do PS nada impede que tal possa acontecer.
O que nós queríamos era criar um quadro jurídico de enquadramento em que se propiciasse as várias soluções possíveis, sem nos pronunciarmos, em sede legislativa, sobre qual delas deve ser prioritariamente exercida ao nível dos órgãos autárquicos, pois esse é um problema de orientação política concreta que aos mesmos órgãos competirá decidir.
Gostaríamos de definir o quadro regulamentar no seu conjunto. Isto é, não só a possibilidade de constituição de empresas públicas municipais mas também de empresas de capitais públicos mais alargadas, de associação do capital municipal ao capital privado, quer com maioria de capital público quer do capital público em minoria em empresas privadas.
Aceitamos tudo isto como possível e mesmo como desejável para criar mecanismos de flexibilidade que potenciem as condições de desenvolvimento em cada zona e em cada região.
É, pois, com este propósito que apresentamos o nosso projecto de lei.
A Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo direi que a posição da Associação Nacional de Municípios motivou o Grupo Parlamentar do PS a tomar a sua própria iniciativa legislativa - e pena é que essa - posição não tivesse sido acompanhada por parte do Governo e do PSD!... Por isso, estamos de acordo com a premência de legislação nesta matéria.
É também evidente que, em relação a algumas áreas que referiu - como, por exemplo, as que hoje se referem aos serviços municipalizados, que têm autonomia administrativa mas não têm autonomia patrimonial nem jurídica-, ficará nas mãos dos municípios poderem ou não, de acordo com o seu critério, transformá-las em futuras empresas municipais.
É igualmente necessário que a algumas associações de municípios - que agora se vêem obrigadas a instituir serviços públicos intermunicipais - sejam dados novos instrumentos de flexibilização, para que um conjunto de funções não tenha de ser feito através de uma gestão de acordo com as regras clássicas (e, nalguns casos, partilhantes da Administração Pública), mas de acordo com uma maior flexibilidade da iniciativa empresarial, co-envolvendo a solidariedade entre os municípios em determinadas regiões.
Tudo isto não é só necessário como também urgente, e daí que se apele, mais uma vez, para que o PSD não venha a criar condições para o adiamento deste debate mas, isso sim, a propiciar condições para que o processo de consulta subsequente possa ser rápido, célere e eficaz, a fim de que possamos dotar as autarquias de instrumentos que elas próprias nos estão a pedir.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Renovador Democrático tem sempre considerado que é do interesse do aprofundamento da democracia e do desenvolvimento nacional o reforço e dignidade do poder local e a ampliação das suas competências, no âmbito das atribuições que lhe estão constitucionalmente consagradas.
Por isso, entende que está iniciativa do PCP vem no sentido de colocar nas mãos das autarquias locais mais um instrumento de actuação e, nessa medida, está disposto a votá-lo favoravelmente, como base de trabalho para aperfeiçoamento em sede de comissão.
Também por tudo o que ouvimos em relação ao projecto de lei do Partido Socialista, na mesma base, votá-lo-emos favoravelmente, na generalidade.
Embora duvidemos da extensão que a utilização deste instrumento venha a ter e apontemos diversas insuficiências, na especialidade, ao texto que consubstancia esta iniciativa,. consideramos que poderá existir alguma oportunidade na criação de empresas públicas de âmbito local.
Poder-se-á afirmar que criar agora a instituição «empresa pública municipal» surge ao arrepio das tendências gerais, na sociedade portuguesa, de desmantelamento das empresas públicas e reconhecimento das virtualidades da iniciativa privada, nomeadamente no que respeita à flexibilidade e à capacidade de adaptação a estruturas em rápida mutação.
Entendemos que se trata de uma forma de dar maior agilidade à gestão da prestação de serviços e, eventualmente, à produção de bens à comunidade, através da sua autonomização em unidades com relativa autonomia, face aos órgãos municipais.
Não nos parece, porém, que isso possa conseguir-se com um controlo tão estreito,. como o projecto de lei propõe, dos órgãos municipais sobre estas empresas públicas.
É certo que não existe, de momento, um significativo espaço económico para empresas públicas na área das atribuições dos municípios. Primeiro, porque não existem nesse domínio áreas significativas que possam ser submetidas à lógica de mercado, com fornecimento das respectivas utilidades apenas a quem queira pagar por elas; segundo, porque os órgãos políticos não podem deixar de assumir directamente a responsabilidade pelos serviços que prestam à colectividade.
Contudo, é possível antever algumas áreas (por exemplo, no domínio da produção autónoma de energia), onde a forma empresarial poderá ser mais eficaz do que a de serviço municipal ou municipalizado, com todas as limitações de ordem burocrática e administrativa.
Também no domínio do estímulo ao desenvolvimento económico existem formas de intervenção de mobilização do potencial de iniciativa prevista, as quais não tem entre nós figura jurídica adequada e para as quais a solução poderá estar na figura das empresas públicas municipais.
Poderão também existir, dentro de certos limites - bem entendido! -, condições para que alguns serviços municipalizados se transformem em empresas públicas municipais.
Não cremos, todavia, que devamos ficar por aqui.
Muito mais promissoras do que as empresas públicas têm sido as formas de associação das iniciativas pública e privada para a valorização das potencialidades locais.
A clarificação e sistematização do enquadramento legal destas formas de colaboração em empresas de economia

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mista seria igualmente importante, no quadro da discussão do sector empresarial autárquico. Naturalmente que nos congratulamos por esta figura ser considerada no projecto de lei do Partido Socialista.
De igual modo, seria importante discutir as condições em que os municípios poderiam exercer actividades de cariz comercial, embora com respeito do princípio de supletividade da iniciativa privada.
Em nosso entender, trata-se de um campo que mereceria um tratamento mais globalizante e integrado do que a simples criação de empresas públicas locais, que, tal como estão configuradas na iniciativa do PCP, poderão suscitar legítimas dúvidas quanto à sua oportunidade e extensão.
A iniciativa do PCP deixa em aberto ainda questões cruciais.
No ponto 2 da justificação de motivos faz-se um elenco, bastante exaustivo, das mais relevantes. Diga-se, de passagem, que o PRD reconhece a sua responsabilidade no levantamento dessas questões na respectiva comissão e durante os trabalhos da IV Legislatura e, portanto, damo-las aqui por reproduzidas.
Mas, ao contrário do PCP, não cremos que sejam tão--somente questões de especialidade. Trata-se «apenas» de discutir se as empresas públicas municipais vão ser um instrumento inovador ao dispor das autarquias locais ou se, pelo contrário, serão apenas aproveitadas como formas expeditas de, por um lado, ultrapassar justas restrições legais à acção dos órgãos autárquicos e, por outro, subtrair áreas de actuação do poder local ao controlo democrático, exercido pelos órgãos deliberativos a nível local.
Por isso, uma lei quadro não pode escamotear questões, como a dos domínios de intervenção, a das relações financeiras com as autarquias ou a das formas de tutela exercida por estas.
O que está, de facto, em causa é saber para que se quer este novo instrumento ou em que medida a acção dos municípios tem sido entravada por o mesmo nao estar disponível. Existe algum levantamento e tipificação dessas situações de entrave? Que utilização os municípios se propõem fazer das empresas públicas locais, quando a respectiva regulamentação for aprovada?
Noutros países - e a vizinha Espanha tem vários exemplos -, a empresa pública local e as formas de economia mista tem sido utilizadas como instrumento privilegiado para a prestação de um vasto conjunto de serviços de apoio à iniciativa privada na sua contribuição para o desenvolvimento local.
Não seria, pois, desperdício estudar, com profundidade, o resultado de algumas dessas experiências.
O PRD vai votar favoravelmente os projectos de lei do PCP e do PS, mas tal não significa concordância absoluta com as soluções neles contidas. O nosso voto será apenas no sentido de que vale a pena utilizar esta iniciativa para discutir novas formas de acção das autarquias, que se situam mais na esfera empresarial do que na sua função de entes administrativos.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr." Deputada Ilda Figueiredo.

O Sr. Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Deputado Carlos Lilaia, durante a intervenção que tive ocasião de produzir, chamei a atenção para vários pareceres, para várias propostas de alteração, para várias hipóteses de soluções de especialidade que podem ser contemplados numa lei a sair desta Assembleia, com base não só no nosso projecto de lei como no do Partido Socialista.
Naturalmente que é preciso ter em conta que o nosso projecto de lei foi apresentado há algum tempo, isto 6, em 1986. Repito isto só para dizer que, entretanto, se passaram alguns anos e várias questões foram alteradas, pelo quo as pessoas tiveram possibilidade de reflectir sobre algumas das soluções que aqui estão apresentadas. Hoje é possível encontrar, num ou noutro caso, aperfeiçoamentos no debate de especialidade.
No entanto, não foi por acaso que não se alterou o preâmbulo do projecto de lei, dando conta exactamente do parecer elaborado pela Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente, cujo relator foi o Sr. Deputado Barbosa da Costa, e aprovado por todos os membros dessa Comissão.
Se é verdade que alguns desse aspectos têm toda a razão de ser, na nossa opinião, outros são discutíveis e outros, certamente, não serão aceites porque no debate que temos vindo a fazer com os municípios, para nós, isso ficou claro.
Considero que, por exemplo, a tutela e o conselho fiscal estão bem definidos no nosso projecto de lei.
Aproveito para dizer ao Sr. Deputado Jorge Lacão que a proposta que apresentamos do conselho fiscal 6 exactamente como a vossa - aí não há diferença -, uma vez que o conselho também é nomeado pela assembleia municipal, pela assembleia intermunicipal ou pela assembleia regional, conforme os casos e o tipo de empresa pública que vier a ser constituída.
Em relação ao conselho geral, admitimos que possa haver melhores soluções e, eu própria, na intervenção que fiz, tive ocasião de adiantar outras hipóteses, além das que estão contidas no projecto de lei.
A questão que lhe coloco é esta, Sr. Deputado Carlos Lilaia: não considera importante que fique, hoje, claramente expresso, por parte da Assembleia, a urgência da criação deste instrumento legal que permita criar um instrumento de gestão que as autarquias e as associações de municípios possam vir a utilizar com a maior rapidez? Pese embora o facto de o PSD não ter apresentado uma iniciativa nesta matéria, não considera importante que o PSD se comprometa, hoje, a, com a maior urgência, dar a sua colaboração para que esta Assembleia possa, rapidamente, em votação final global, aprovar uma lei que dê resposta aos crescentes votos que nos chegam dos mais diversos municípios e associações de municípios deste País?

Vozes do PCP: - Muito bem!

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, estou inteiramente de acordo com a maior parte das observações que fez e devo dizer-lhe que, sem saber qual é nesta matéria o desejo dos proponentes de cada um dos projectos de lei, dada não só a urgência e a conveniência desta regulamentação para todos os municípios mas também - estou em crer - os conhecimentos

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e a discussão que tem havido sobre esta matéria, diria que mais do que 30 dias para a discussão desta matéria, em sede de comissão, me parece excessivo, atendendo ao nível de conhecimento e também a uma certa unanimidade de posições que existe, quer ao nível das autarquias quer mesmo ao nível da Câmara.
O PSD não apresentou qualquer iniciativa nesta matéria, mas creio que será suficientemente humilde para, neste caso, reconhecer a urgência da matéria e, em sede de comissão, colaborar com todos nós e aprovar esta matéria em cerca de 30 dias (ou, talvez, em menos tempo!), se andarmos ainda mais depressa.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República aprecia hoje, na generalidade, dois projectos de lei, da iniciativa do PCP e do PS, sobre a lei quadro das empresas públicas municipais, intermunicipais e regionais.
Estes projectos de lei não foram, como seria lógico e desejável, alvo de uma apreciação com emissão do respectivo relatório-parccer no âmbito da Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente. Apenas o projecto do PCP, com idêntico objecto e apresentado na anterior legislatura, foi alvo desse relatório-parecer.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:. O PSD, neste debate, opta essencialmente por fazer algumas considerações gerais sobre empresas públicas municipais e intermunicipais, que se aplicarão, por analogia, a empresas públicas regionais, quando estas forem possíveis de ser criadas.
Comecemos por nos referir à noção de empresas públicas municipais e intermunicipais.
As empresas públicas municipais são empresas criadas pelos municípios, com capitais próprios, para, sob a direcção da câmara municipal, explorarem serviços de interesse local e que se contenham dentro das atribuições definidas para os municípios.
As empresas públicas intermunicipais são as empresas criadas por dois ou mais municípios, com capitais por eles fornecidos, para, sob a sua direcção, explorarem serviços de interesse regional ou intermunicipal, no âmbito das atribuições cometidas aos municípios.
Qual deve ser o regime jurídico das empresas públicas municipais e intermunicipais?
No que diz respeito à criação e constituição de empresas públicas municipais e intermunicipais, são os órgãos do município, em actuação conjunta, que decidem da sua criação. «A assembleia municipal delibera, sob proposta da câmara municipal», conforme refere o artigo 39.º, n.º 2, alínea f), do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março.
Compete a esta Assembleia da República consagrar um processo, mais ou menos rigoroso, que previna decisões menos ponderadas dos órgãos do município.
Assim, parece dever impor-se, previamente, à criação de uma empresa pública municipal ou intermunicipal a realização de estudos técnicos e económicos ou financeiros que mostrem a viabilidade dessas empresas. É que não bastará apenas a vontade ou o acordo de vontades para que surja uma empresa pública municipal ou intermunicipal; é necessário saber se essa vontade ou acordo de vontades será concretizável.
Por outro lado, os estudos de viabilidade deverão obrigatoriamente acompanhar o pedido de autorização que as câmaras municipais endereçarão às assembleias municipais respectivas: os órgãos deliberativos dos municípios devem ser suficientemente informados sobre o objecto do pedido, pois, de outro modo, a sua autorização constituiria um autêntico cheque em branco em favor dos executivos.
No interesse do público, justificar-se-á ainda uma adequada publicidade dos actos que envolvam a criação destas empresas. A constituição destas deverá realizar-se mediante escritura pública, sendo posteriormente publicada no Diário da República e num ou mais dos jornais diários mais lidos na área dos municípios em causa e, eventualmente, no boletim municipal, onde este exista.
Quanto às interrogações que se podem levantar acerca do objecto que as empresas públicas municipais e intermunicipais poderão prosseguir são, essencialmente, as seguintes: poderá consistir em qualquer actividade em geral permitida à iniciativa privada? Ou, pelo contrário, terá de conter-se no âmbito das atribuições legalmente cometidas aos municípios?
Os municípios são pessoas colectivas territoriais de fins múltiplos, dos quais a lei, hoje em dia e ao contrário do que sucedia com o Código Administrativo, nos dá uma definição vaga e alguns exemplos (artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março).
Nestes termos, poderia concluir-se que os municípios poderiam formar empresas públicas cujo objecto os próprios órgãos dos municípios livremente definiriam.
No entanto, não deverá ignorar-se os limites estabelecidos às atribuições cometidas aos municípios e que são os constantes do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 100/84.
Por um lado, está excluído que os fins das autarquias locais possam pôr em causa o princípio da unidade do Estado e, por outro, impõe-se que os fins das autarquias locais respeitem o regime legal da delimitação e coordenação das actuações das administrações central e local em matéria de investimentos.
Ora, a criação de empresas públicas municipais e intermunicipais constitui, indubitavelmente, um investimento público, pelo que deve respeitar a respectiva lei de delimitação; o mesmo é dizer que os municípios só poderão criar empresas públicas municipais naquelas áreas que a lei de delimitação dos investimentos públicos lhes reconhecer.
Está excluída, desta maneira, a possibilidade de os municípios criarem empresas públicas municipais e intermunicipais para explorarem actividades tipicamente industriais ou comerciais. Tal não significa, porém, que os municípios não participem em empresas que explorem actividades deste género; de resto, é a própria lei que lhes concede tal faculdade [artigo 39.º, n.º 2, alínea h) do Decreto-Lei n.º 100/84], mas tratar-se-á de empresas de direito privado, onde andarão associados capitais privados e capitais públicos (dos municípios e de outras entidades públicas) e não empresas públicas municipais ou intermunicipais.
Para o PSD, no campo dos princípios da gestão patrimonial e financeira, importa prevenir a criação de empresas públicas municipais e intermunicipais em circunstâncias que as tornem ab initio estruturalmente deficitárias, o que apenas contribuiria para o agravamento da situação financeira dos próprios municípios.

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Estas empresas deverão bastar-se a si próprias, gerando em si e por si os recursos necessários ao seu normal auto-financiamento.
Admite-se, todavia, que estas empresas venham a carecer de receitas extraordinárias (isto é, não resultantes da sua actividade normal), quando os municípios lhes imponham, por razões de ordem económico-social, a obrigação de praticar preços e tarifas abaixo do custo ou a prestação de serviços não rentáveis.
Advirta-se, porém, que a necessidade eventual de receitas extraordinárias não justificará nunca a existência de défices económicos gerados por ineficiências e deseconomias internas e, por isso, a gestão deverá sempre visar o máximo de eficiência e economicidade, razão pela qual a lei deverá autorizar a concessão de subsídios apenas quando as circunstâncias especiais a justifiquem, prescrevendo igualmente as condições em que tal concessão poderá operar-se.
De qualquer forma, as relações financeiras entre os municípios e as empresas deverão processar-se de uma forma transparente.
Defende-se ainda que a lei deverá consagrar expressamente a proibição de estas empresas contraírem empréstimos a favor dos municípios e de intervirem como garantes dos empréstimos ou outras dívidas dos municípios. Além de actos desta natureza serem contrários ao fim prosseguido pelas empresas, é necessário proteger os seus administradores das pressões que os municípios poderiam exercer sobre eles. Eis as razões da consagração expressa de uma tal proibição.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os projectos de lei do PCP e do PS não estabelecem o montante de capital mínimo para a constituição das empresas públicas municipais e intermunicipais, o que se nos afigura muito negativo.
Duas razões justificam que a lei. estabeleça um montante mínimo de capital necessário para a constituição de empresas públicas municipais e intermunicipais: por um lado, a protecção dos terceiros que contratem com essas empresas; por outro, garantir que se constituam empresas com um capital adequado ao estabelecimento de uma estrutura financeira sólida.
Importa que estas empresas se constituam com um capital suficiente que permita à gestão estabelecer uma estrutura financeira sólida. Esta ideia decorre, aliás, do princípio atrás enunciado, isto é, prevenir a constituição de empresas estruturalmente deficitárias.
O capital inicial deve ser, pois, suficiente para a empresa iniciar a sua actividade de forma equilibrada.
Estabelecendo a lei o montante mínimo deverá, consequentemente, impedir que o capital seja reduzido a importâncias inferiores ao mínimo. Note-se que não se trata de proibir que o capital seja reduzido, mas, sim, proibir que a redução ultrapasse o montante do capital mínimo fixado na lei.
O PSD não pode, de modo nenhum, aceitar que as contas das empresas públicas municipais e intermunicipais não estejam sujeitas à sua apresentação e aprovação pelo Tribunal de Contas como defende o projecto de lei do PCP no seu artigo 31.º Por analogia com as contas das autarquias locais a sua apresentação ao Tribunal de Contas deve ser obrigatória.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os projectos de lei n.ºs 13 1/V, do PCP, e 478/V, do PS, levantam ao PSD dúvidas em relação ao âmbito de intervenção e à natureza das empresas públicas municipais e intermunicipais.
Embora reconheçamos existir indeterminação do ponto de vista jurídico em relação a esta matéria, não parecem desajustadas algumas reflexões.
O que é que se pretende com as empresas públicas municipais e intermunicipais? Maior intervenção pública, agora a nível dos municípios?
Com maior intervenção pública, o PSD não está de modo algum de acordo, mas se se quer dar uma estrutura empresarial a serviços de âmbito municipal e intermunicipal, se se querem introduzir melhorias na capacidade de gestão de modo a constituírem, potencialmente, um importante instrumento no quadro do desenvolvimento regional, com isso o PSD concorda!
As empresas públicas municipais e intermunicipais mais não serão do que «serviços municipalizados» mas qualitativamente superiores, dotados que sejam, em contraposição a estes últimos, de personalidade jurídica, de autonomia administrativa e patrimonial, cuja gestão seja confiada a profissionais a tempo inteiro.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Maia Nunes de Almeida.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Manuel Moreira, assisti com atenção à sua intervenção e continuava a interrogar-me. Só no fim obtive resposta para a questão sobre qual seria a razão essencial pela qual o PSD apresentava um período de 60 dias como período necessário de baixa à comissão até que a matéria pudesse vir a ser objecto de votação na generalidade.
Afinal de contas, a resposta surgiu já mesmo no final da sua intervenção, quando disse que vai vir aí o congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses e que, portanto, os 60 dias se justificariam em função da mudança dos corpos directivos da Associação dado o processo de consulta que com eles conviria entabular.
Não sei se aquilo que está patente no espírito do Grupo Parlamentar do PSD é uma verdadeira e autêntica suspeição sobre a legitimidade dos actuais corpos directivos da Associação Nacional de Municípios Portugueses. É estranho que, sendo esses corpos directivos, de acordo com a representação que resultava não do último acto eleitoral mas do acto eleitoral ou do mandato autárquico anterior às ultimas eleições autárquicas, maioritariamente composto por autarcas do PSD, o PSD não se sinta à vontade para entabular, desde já, o processo de consulta aos corpos directivos da Associação Nacional de Municípios Portugueses, tanto mais que, como é sabido, eles já se pronunciaram inequivocamente sobre esta matéria e o fizeram por unanimidade de posição. Ou seja, no interior dos corpos directivos da Associação Nacional de Municípios Portugueses não há dúvidas substantivas sobre a orientação que propõem relativamente a esta matéria.
Portanto, Sr. Deputado Manuel Moreira, sendo assim - desculpar-me-á que lhe diga -, a sua razão é uma razão artificial e esconde uma outra - esta sim politicamente autêntica: é que o PSD e o Governo andaram distraídos; não tem uma solução para apresentar em termos de projecto legislativo; estão agora a pedir tempo «indispensável» para terem tempo de produzir o seu próprio articulado e virem apresentá-lo à Assembleia da República. Esta é, a meu ver, a única e verdadeira justificação para o pedido de - adiamento que o PSD aqui nos faz.

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Sr. Deputado Manuel Moreira, parte da sua, intervenção- bastante didáctica - tem inteira reflexão positiva no próprio articulado dos projectos de lei apresentados, o que significa que várias das suas preocupações estão respondidas no próprio articulado dos projectos que agora aqui estão consignados. E algumas outras dúvidas - aliás, legítimas - que suscitou poderiam, a meu ver, ser objecto de discussão numa fase de consulta no âmbito do debate em sede de especialidade. Mas, como não é esta a metodologia que o PSD vai pretender impor, ao processo legislativo, o, que me ocorre perguntar francamente ao Sr. Deputado Manuel Moreira é se não acharia adequado rever o período dos 60 dias - porque é um prazo excessivamente longo e dilatório - e ficarmos por um período de 30, para as diligências de consulta que também consideramos adequadas.
Não será tempo suficiente para um grupo parlamentar e um Governo, normalmente diligente, apresentar a sua própria iniciativa legislativa e voltarmos a fazer subir a matéria a Plenário com um tempo razoável de apreciação e de reflexão? Mas isso não remetendo sistematicamente as iniciativas para a gaveta que é aquilo que o PSD sempre faz quando não está preparado para 'se confrontar com as alternativas da oposição! ...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Manuel Moreira fez várias reflexões na sua intervenção sobre a problemática da criação de empresas públicas municipais, intermunicipais e regionais.
Quero dizer-lhe que algumas dessas reflexões, se não a totalidade, também foram feitas pelo meu grupo parlamentar aquando da apresentação do projecto de lei que hoje temos aqui em debate. Tivemos também ocasião de ler alguns textos de várias entidades - nomeadamente, da CCR do Norte-, que tive ocasião de apreciar e de ter em conta na nossa intervenção, pelo que, sendo também do nosso conhecimento, estiveram na base do nosso trabalho. De resto, mesmo na intervenção que hoje aqui fiz, acrescentei novas reflexões sobre algumas soluções de pormenor que apresentamos no nosso projecto de lei, por considerarmos pertinente melhorar algumas soluções que nele estão contidas - eu própria apresentei duas propostas, como certamente percebeu aquando da minha intervenção.
Devo dizer que estou inteiramente de acordo com uma ou duas propostas que também fez, nomeadamente a que se refere ao Tribunal de Contas. Aí não há problema algum. Estamos de acordo com a proposta que apresenta sobre esse assunto, mas em relação a todas as propostas que aqui foram apresentadas por parte do PCP, do PS, do PSD, as achegas que já foram trazidas pelo PRD e agora também pelo Sr. Deputado Manuel Moreira só mostram que há condições para, a muito curto prazo, termos uma lei da República que regulamente a criação de empresas públicas municipais, intermunicipais e regionais nas suas diversas formações.
Queria ainda dizer-lhe, Sr. Deputado Manuel Moreira, que no nosso projecto de lei - e uma leitura mais atenta permite ver isso - é definido o âmbito nos termos que o Sr. Deputado Manuel Moreira define. Posso ler-lhe o artigo 1.º, que diz: «As regiões administrativas, os municípios e as associações de municípios podem, nos termos do presente diploma, criar, com capitais próprios, empresas públicas cujo objecto se contenha no âmbito das respectivas atribuições.»
Naturalmente, esse artigo refere-se às atribuições e às competências legalmente estabelecidas, no caso das autarquias locais, para as autarquias locais, respeitando a lei de limitação de competências das autarquias locais, nomeadamente o Decreto-Lei n.º 100/84. É óbvio que isso está presente, desde logo, no artigo 1.º do nosso projecto de lei, que - repito - se refere às empresas intermunicipais, que, como sabe, têm por base as associações de municípios, e às empresas regionais, que hão-de ler por base as regiões - que, espero, venham a ser criadas muito brevemente.
Sr. Deputado Manuel Moreira, gostaria ainda de colocar-lhe uma questão fundamental respeitante à última parte da sua intervenção. Pelas intervenções já produzidas, nomeadamente pela sua, ficou claro que não se levantam objecções de fundo à aprovação destes projectos de lei, que todos estamos aqui empenhados em procurar as melhores soluções, sem qualquer finca-pé numa solução única, e que os municípios portugueses, através da Associação Nacional de Municípios - que ainda muito recentemente, isto é, no mês de Janeiro, reuniu o seu conselho geral -, aprovaram, por unanimidade, uma recomendação no sentido de a Assembleia da República criar, com a maior urgência, legislação sobre este tipo de empresas.
Então, Sr. Deputado Manuel Moreira, por que e que havemos de esperar pela realização do Congresso da Associação Nacional de Municípios, que irá decorrer no próximo mês de Março, para se obter um novo parecer da Associação Nacional de Municípios Portugueses?
Todos sabemos que os autarcas que, neste momento, estão em maioria na Associação Nacional de Municípios Portugueses, não irão formar essa maioria após o Congresso de Março. Todos sabemos que nos actuais corpos -, directivos da Associação Nacional de Municípios Portugueses, que corresponderam - como já disse o Sr. Deputado Jorge Lacão - não às últimas mas às penúltimas eleições autárquicas, o PSD tem uma posição maioritária em relação à posição que acaba de ter nas eleições de 17 de Dezembro.
Então, como explica o Sr. Deputado esta posição? Isto para já não lhe perguntar, como fez o Sr. Deputado Jorge Lacão, porquê esta desconfiança nos autarcas do PSD!...

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado. Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Deputado Manuel Moreira, ouvi com toda a atenção a sua intervenção, que, devo dizer-lhe, me surpreendeu, sobretudo negativamente!
Na verdade, é notório que nesta matéria o PSD anda, manifestamente, atrasado. Então, desde 1986 que existe, na Assembleia da República, um projecto de lei quo visa regulamentar as empresas públicas municipais e só agora é que o PSD se apercebeu de que e preciso consultar, entre outros órgãos, a Associação Nacional de Municípios Portugueses, quando já aqui, nesta Câmara, foi referido, por vários oradores que me antecederam, que os pareceres e as tomadas de posição sobre a conveniência e a urgência da regulamentação - e até a forma de que devem revezar-se já existem?!

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Devo salientar que esta posição me surpreendeu e que, de alguma maneira, pode até apontar para um certo desejo de dilação de prazos que o PSD, com esta intervenção, pode procurar.
Gostaria que este facto não tivesse tradução real, mas fiquei com essa ideia.
Por outro lado, o Sr. Deputado Manuel Moreira teceu várias considerações sobre a matéria em apreciação - por vezes, até leu alguns trechos dos projectos de lei, quer do PCP quer do PS -, mas não esclareceu sobre a verdadeira filosofia que o PSD deseja para as empresas públicas municipais. Ó Sr. Deputado foi ao ponto de dizer que rejeita as empresas públicas municipais do PS e do PCP, mas, quanto à matéria em apreciação, apenas nos disse que as empresas públicas municipais do PSD têm de ser responsáveis e viáveis economicamente.
Sr. Deputado Manuel Moreira, isto, de facto, para um partido maioritário é muito pouco. O PSD tem de dizer--nos se quer as empresas públicas municipais e que empresas quer, porque, se o não fizer, temos de convir que quantidade não é sinónimo de qualidade! ...
Por último, queria referir dois aspectos, de algum pormenor, que convinha esclarecer. Relativamente à questão do capital mínimo, o Sr. Deputado Manuel Moreira não pode querer que numa disposição regulamentar como esta, que diz respeito à criação de uma empresa pública municipal, se vá ao ponto de definir o capital mínimo. Não vamos ser tão intervencionistas como isso! Penso que essa questão só pode dever-se a um lapso da sua parte, pois, estou convicto, não desejará ser tão intervencionista como isso, em matéria de empresas públicas municipais...!
Referiu também o Sr. Deputado que não existe parecer das comissões sobre esta matéria e fê-lo, possivelmente, numa tentativa de dilatar ainda mais os prazos de discussão desta matéria em sede de comissão.
Sabe, porventura, V. Ex.ª que existe o «tal» parecer, já feito durante a IV Legislatura e que é, inclusivamente, agora recuperado pelo Partido Comunista no projecto de lei que apresenta? E quanto aos pareceres das comissões, sabe também V. Ex.ª que, na maior parte dos casos, infelizmente, os deputados - muitas vezes até os deputados do seu partido... - se limitam apenas a dizer: «Está em condições de subir a Plenário»? Já todos verificámos isso, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, em tempo cedido por Os Verdes, tem a palavra o Sr. Deputado Gameiro dos Santos.

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Sr. Deputado Manuel Moreira, em primeiro lugar, gostaria de dizer-lhe que V. Ex.ª tem andado distraído, porque só assim é que se justifica que não lenha reparado na existência de um parecer da Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente, onde o assunto foi discutido com uma certa profundidade.
Lembro-lhe, por exemplo, quo foi criado um grupo de trabalho composto por mim, a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo - se a memória não me atraiçoa - e pelo Sr. Deputado Lalanda Ribeiro, do PSD. E posso dizer-lhe que durante muito tempo a questão que se pôs foi a de aguardar pelo aparecimento de uma proposta de lei. Nessa altura, a ideia que tínhamos do PSD era essa...
Faço também notar que o Partido Socialista apresentou um projecto de lei e que o PSD, tão preocupado com estas coisas - e julgo que V. Ex.ª manifestou isso na
intervenção que produziu -, teve tanto tempo como o Partido Socialista para apresentar também um projecto. Não o fez e vem agora, numa atitude dilatória, dizer que o assunto é muito complexo e exige mais tempo de análise.
É curiosa esta atitude do PSD!
Mas o PSD vem também, agora, dizer que está a preparar várias iniciativas legislativas no âmbito do poder local. Sr. Deputado Manuel Moreira, porque pensamos que essas iniciativas são importantes, dizemo-vos: apresentem-nas, pois estamos aqui para discuti-las! Mas para nós o essencial era que o PSD viabilizasse a discussão das iniciativas dos outros partidos, e os senhores, ao longo de todos estes meses, têm procurado congelá-las numa espécie de «arca frigorífica». São os projectos relativos as regiões administrativas, às zonas metropolitanas, às freguesias e muitos outros!
Sr. Deputado Manuel Moreira, porque estamos abertos ao diálogo, dizemo-vos: apresentem o vosso projecto, mas não exijam 60 dias para o apreciarmos, porque 30 dias é tempo mais do que suficiente para o fazermos!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero agradecer a todos os colegas que me colocaram pedidos de esclarecimento e fizeram algumas considerações.
Naturalmente, não estava nem está no meu propósito qualquer motivo de suspeição ou de desconfiança em relação aos actuais órgãos directivos, ainda em exercício, da Associação Nacional de Municípios Portugueses. Consideramos que, neste momento - e todos concordarão comigo - a Associação Nacional de Municípios, que está em fase de preparação do seu congresso, está mais vocacionada e preocupada com esse congresso. Julgo, pois, que não é o momento mais adequado para auscultá-la, atendendo até ao facto de ter havido uma mudança, resultante das últimas eleições autárquicas. Por esse motivo, consideramos que é muito mais legítimo auscultar os órgãos directivos que vão sair do próximo congresso da ANMP, a realizar-se em fins de Março, do que fazê-lo agora.
Por outro lado, também não nos interessa fazer uma auscultação genérica; interessa-nos, sim, que a Associação Nacional de Municípios Portugueses se pronuncie e analise projectos de lei em, concreto e até a proposta de lei, que vai ser apresentada dentro de algumas semanas nesta Câmara.
É isso que nos interessa! Ou seja, que a auscultação resulte realmente em algo de apreciação concreta, de análise cuidada e ponderada por parte da Associação Nacional de Municípios de iniciativas legislativas. Porque dizer genericamente que estão de acordo com a regulamentação das empresas públicas municipais e intermunicipais, para nós, PSD, não chega!...
De resto, é sabido e agora, de algum modo, já respondo a todas as outras intervenções - que a nossa filosofia política, social-democrata, naturalmente, não está em concordância (porque senão não faria sentido haver partidos diferentes) com a filosofia do PS e com a do PCP. Haverá aqui certamente interpretações diversas sobre o sentido, o alcance, o âmbito das próprias empresas públicas municipais e intermunicipais, que agora queremos regulamentar. E é, naturalmente, através de uma auscul-

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tacão à Associação representativa dos municípios que pretendemos encontrar um contributo sério no sentido do consenso para que a Assembleia da República possa realmente regulamentar de forma correcta esta matéria. É nesse sentido que julgamos ser desejável ouvir a Associação Nacional de Municípios Portugueses depois da eleição dos novos órgãos directivos.
Por outro lado, pensamos também que os 60 dias não são demais, atendendo a que o congresso se realiza no final do mês de. Março. Assim sendo, esse é o tempo exequível para poder fazer-se essa auscultação. Foi nesse sentido que apresentámos o requerimento de 'baixa à comissão, sem votação na generalidade, pelo prazo de 60 dias, prazo que, julgo, mereceu consenso - pelo menos tive o cuidado, antes de apresentar o requerimento na Mesa da Assembleia, de consultar os Grupos Parlamentares do PS e do PCP, que não puseram reservas a esses 60 dias. Por essa razão, apresentei o requerimento à Mesa com esse prazo.
Quanto à questão de esta matéria já estar presente à Assembleia da República há muito tempo, através de uma iniciativa legislativa do PCP, devo dizer, que é verdade, mas não foram só o PSD e o Governo que estiveram em falta até agora. Há poucos dias é que entrou o projecto de lei do PS - e até é duvidoso que tivesse entrado dentro do prazo regimental para poder ser discutido hoje, em simultâneo, com o projecto do PCP...
Por isso, se alguém andou distraído, o PS também andou, porque teve muito tempo, teve alguns anos para poder apresentar essa iniciativa e também só o fez agora porque o PCP agendou o seu projecto de lei... A não ser assim, se calhar, hoje, ainda não tínhamos aqui a iniciativa do PS...!
Como tal, Sr. Deputado Jorge Lacão, julgo que a distracção, quando muito, terá sido dos dois! *

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Manuel Moreira, agradeço-lhe o facto de me ter deixado interrompê-lo, para lhe dizer o seguinte: cada grupo parlamentar tem legitimidade para apresentar ou para deixar de apresentar iniciativas legislativas próprias e não é nisso que merece crítica. A crítica coloca-se quando um grupo parlamentar, por ausência de iniciativa própria, pretende adiar a discussão das iniciativas alheias. Esta é que é a questão!
O Orador: - Não é essa a nossa intenção, Sr. Deputado! Dissemos aqui claramente, perante a Câmara, que ou o PSD ou o Governo vai apresentar algumas iniciativas legislativas, entre as quais esta, que regulamenta a criação de empresas públicas municipais e regionais, com o que nós concordamos. Por isso, também temos de ter mais algum tempo para podermos ponderar e preparar essa iniciativa legislativa.
É nesse sentido que vamos apresentá-la dentro de algumas semanas!

A Sr." Ilda Figueiredo (PCP): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Quero agradecer-lhe, Sr. Deputado, por me ter permitido a interrupção.
Gostaria de dizer-lhe que se o PSD ou o Governo vão apresentar a iniciativa num curto prazo, por que não votarmos neste momento estas iniciativas, na generalidade, para baixarem à comissão, de modo que, em sede de comissão especializada, logo que o Governo ou o PSD façam a entrega dessas iniciativas, de imediato essas se juntem às restantes e aí rapidamente terminemos este trabalho?
Por outro lado, gostaria de esclarecer o seguinte: há pouco, quando nos colocou a questão da baixa dos diplomas à comissão para melhor ponderação, tendo em conta a hipótese de o PSD apresentar uma iniciativa legislativa, nós, naturalmente, colocados perante essa perspectiva, não tivemos outra solução senão concordar em que os projectos baixassem à comissão. Mas, desde logo, solicitámos ao PSD que estabelecesse o mais curto espaço de tempo e os argumentos que foram dados, até agora, pelo Sr. Deputado, provam que o prazo de 30 dias é suficiente para isso. E faço-lhe este apelo para os 30 dias.

O Orador: - Penso que a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo nada disse de novo, porque já nos tinha explicitado o seu pensamento, apesar de eu ter tido o cuidado de a consultar no sentido de saber se concordaria com o prazo de 60 dias, que consta do requerimento que apresentei na Mesa.
Penso que, como já referi - e não queria repetir-, esse é o tempo indispensável à apresentação da iniciativa e à auscultação dos futuros órgãos da Associação Nacional dos Municípios Portugueses.
Além disso, Sr.ª Deputada, não fará muito sentido votarmos hoje, na generalidade, dois projectos, para mais tarde virmos de novo aqui discutir, na generalidade, uma proposta de lei sobre a mesma matéria. Julgo que é mais lógico e até está mais de acordo com a praxe parlamentar que baixem hoje à comissão sem a votação e que, logo que seja entregue na Mesa a proposta de lei do Governo ou o projecto de lei do PSD - em princípio, será uma proposta de lei-, tenhamos oportunidade de discuti-la conjuntamente com as outras iniciativas do PS e do PCP, para depois tentarmos, em conjunto, e aí sim, na Comissão Parlamentar de Administração do Território, Poder Local e Ambiente, encontrar um texto consensual, que regule, de uma vez por todas, esta matéria da criação das empresas públicas municipais e intermunicipais.
Para concluir, direi ao Sr. Deputado Carlos Lilaia que julgamos fundamental que seja consagrado na lei quadro da criação dessas empresas o capital mínimo.
Consideramos que há necessidade de existir solidez na criação destas empresas, pois elas não podem ser criadas com qualquer capital, tal como consideramos que, realmente, isso não deve ser apenas remetido para o estatuto das empresas, isto é, deve haver uma lei quadro de criação que o estabeleça. Qual é a dúvida? Qual é o receio de que seja realmente considerado na lei quadro um capital mínimo para a criação dessas empresas?
O nosso objectivo é que essas empresas tenham viabilidade e solidez económica e para isso é necessário haver um capital mínimo. É nesse sentido que irá apontar a proposta de lei.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Qual proposta de lei?

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O Orador: - A proposta de lei que o Governo irá apresentar e que o PSD apoia. Parece-me que não é necessário ser tão explícito, Sr. Deputado Jorge Lacão, mas, se tem dúvidas, eu relembro que o Governo continua a ser apoiado, convictamente, pelo PSD!
Diz-me o Sr. Deputado Carlos Lilaia que já existe um parecer da comissão, mas esse parecer, Sr. Deputado, foi emitido sobre um projecto de lei apresentado na anterior legislatura.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Mas, agora, há outro.

O Orador: - Tomei conhecimento agora de que há outro relatório, mas devo dizer que é só sobre o projecto de lei do PCP e não sobre o projecto apresentado pelo Partido Socialista porque, certamente, nem sequer houve tempo, visto ter sido entregue há poucos dias.
Ainda há pouco tivemos aqui a prova cabal - reconhecida, aliás, tanto pelo Sr. Deputado Narana Coissoró como pelo Sr. Deputado Carlos Lilaia, que afirmaram que nem sequer sabiam da existência do projecto de lei do PS, a não ser hoje mesmo, em que tomaram conhecimento dele daí resulta que esta matéria não foi devidamente analisada e ponderada, como é normal e da praxe parlamentar, com a emissão de um relatório parecer, que diga não apenas que estamos de acordo com a sua subida a Plenário mas que contenha uma apreciação e uma análise crítica sobre estes projectos e até mesmo, como desejamos, sobre a proposta de lei que o Governo irá apresentar.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não há dúvida de que, de há uns tempos a esta parte, vimos assistindo com frequência, na Assembleia, a uma autêntica desvalorização do seu próprio trabalho.
De facto, a maior parte das discussões em agenda consomem uma boa parte do tempo que lhes é dedicado com esta autêntica competição legislativa entre o Governo e os partidos da oposição, designadamente o Partido Socialista e o Partido Comunista, com o PSD a apoiar o Governo. Então, discutimos aqui se devemos votar na generalidade, se devemos esperar pela proposta de lei, se, realmente, estamos em tempo de votar ou não!... Apresentam-se projectos e propostas de lei à última hora para aproveitar um agendamento, e isto, reflectido para o público, há-de dar uma triste ideia do que estamos aqui a fazer!

O Sr. Silva Marques (PSD): - E qual é a conclusão?

O Orador: - Não é verdade, Sr, Deputado Silva Marques? Concorda comigo? É isso que está a dizer?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Concordo.

O Orador: - Muito obrigado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Mas qual é a conclusão?

O Orador: - Já vai saber. Não vou em antecipações, porque às vezes são más, como já hoje tivemos ocasião de ver.
Sr. Deputado, essa é a primeira nota que queremos aqui deixar, porque, efectivamente, teremos de pôr termo a este estado de coisas. Aliás, nesta matéria é que se impunha reeditar alguns dos consensos parlamentares que foram possíveis conseguir... É porque, ao contrário, hoje parece estarmos empenhados em desfazer um mínimo de consensos parlamentares que devíamos ter!
Ainda há dias, na semana passada, a propósito da proposta de lei das privatizações, assistimos aqui a um acentuar de diferenças e de oposições de pontos de vista inexistentes. Isso é negativo e não podemos deixar de considerá-lo como tal.
Quanto aos dois textos em apreciação, sendo certo que para um deles tivemos muito pouco tempo para apreciá-lo, pois o Partido Socialista apresentou, nesta corrida, hoje e à última hora,...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Foi há oito dias.

O Orador: -... o seu projecto de lei à Assembleia...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não foi sequer distribuído!...

O Orador: - Aliás, tivemos de ir aí mendigá-lo à bancada para o podermos ler, a voo de pássaro, não foi possível fazer melhor! ...
De qualquer modo, há uma observação que, em tempos, foi colocada pela Comissão Parlamentar de Administração do Território, Poder Local e Ambiente a propósito de anteriores projectos de lei e que não foi considerada nas reedições que agora estamos a discutir mas que nos parece que é fundamental, principalmente num tempo de privatizações... Isto é, não vamos nós estar a contribuir - e parece que estamos todos de acordo... pelo menos as profissões de fé que se fizeram na semana passada foram suficientes!... - para diminuir o espaço do Estado e confiar mais espaço à sociedade, isto é, à iniciativa dos cidadãos, à iniciativa privada, para estarmos a introduzir, por outro lado, maior espaço para as comunidades locais, para os municípios e, também aí, menor espaço para os munícipes e para os cidadãos!
Haveria vantagem, de acordo com o que foi dito pela referida Comissão Parlamentar, em esclarecer, com algum pormenor e com alguma precisão, qual o espaço reservado a essas empresas públicas municipais ou intermunicipais; de contrário, poderíamos estar a utilizar este expediente para curto-circuitar as próprias competências dos órgãos municipais e para introduzir, por esta via, não mais Estado mas mais município, em detrimento dos cidadãos.
Quando por toda a parte se privatizam serviços municipais-já sei que o Sr. Deputado Octávio Teixeira tem uma longa panóplia de exemplos destes, que costuma apontar, mas isto que digo é verdade -, quando por todo o mundo se privatizam os serviços municipais, poderá pensar-se que estamos empenhados em colectivizar serviços ao nível dos municípios.
Por outro lado, é benéfico que, ao menos o projecto do Partido Socialista, preveja, no conjunto de empresas municipais, uma série de possibilidades que não são apenas o seguir o figurino da actual empresa pública. E isso é positivo!
De qualquer maneira, suponho que hoje não estamos em condições de votar, porque um dos projectos de lei nos foi apresentado apenas hoje.

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Estaremos todos de acordo em dilatar no tempo esta votação, mas, porventura, também em não utilizar o expediente e não ficarmos, como é costume, à espera do comboio governamental para, efectivamente, congelarmos esta iniciativa. É bom que nos pronunciemos sobre ela com o espírito que nos tem iluminado ao legislar sobre privatizações.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, apraz-me que tenha, embora sob reserva, dada a necessidade que salientou dê ler mais atentamente o projecto de lei do PS, salientado a circunstância de este se encaminhar para um sistema de flexibilização, do qual pode, inclusivamente, resultar a possibilidade de alguns serviços que actualmente estão, por inteiro, atribuídos às competências dos municípios poderem vir a ser constituídos por associação à iniciativa privada, em termos de capitais mistos - municipais e privados.
Essa é, em si mesma, não uma forma de municipalizar a iniciativa privada mas de dar à iniciativa privada um papel importante nos aspectos do desenvolvimento local e regional, que até aqui não tinha.
Gostaria, por outro lado, de sublinhar que actualmente há várias experiências em. curso de associações intermunicipais que estão a desenvolver serviços públicos intermunicipais, com formas de administração pública clássica e que muito melhor poderiam ocorrer com regimes de flexibilização que o sistema da administração autárquica indirecta poderia propiciar.
Portanto, feito este sublinhado de posição por parte do PS, gostaria de concordar consigo, na parte da sua intervenção em que refere a necessidade de termos um tempo para uma apreciação mais detalhada e ponderada das iniciativas legislativas que agora foram discutidas.
Creio, todavia, que essa sua posição, que me parece certa, não é exactamente aquela que tem sido aqui defendida pelo Grupo Parlamentar do PSD, porque o PSD não pede mais tempo para ponderar estas iniciativas e para permitir o processo de consulta, designadamente à Associação Nacional dos Municípios. O PSD pede mais tempo para permitir ao Governo que tenha um tempo de respiração e apresente a sua própria iniciativa legislativa. Aquilo que nós perguntamos é que Governo é este, para o qual, numa matéria destas, 30 dias não lhe bastam, sendo precisos dois meses para ir ponderar a melhor solução a apresentar à Assembleia da República!?
A minha pergunta ao Sr. Deputado Nogueira de Brito é esta: não lhe parece que este comportamento do Grupo Parlamentar do PSD e do Governo, por omissão, é demasiado negligente?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, havendo mais pedidos de esclarecimento, V. Ex.ª quer responder já ou no fim?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, eu gostava de ter ouvido a conclusão da questão que formulou, porque ela é da maior importância, embora a tenha intercalado nesta questão das empresas municipais.
De facto, julgo que se o Parlamento se desvaloriza, desvalorizamo-lo todos nós e, aliás, por esta razão muito simples: pior do que o nosso texto constitucional o permitir é o facto de todos colaborarmos numa concepção que resulta de termos o sentimento de que a governação do País é um caso de co-gestão e que quanto mais co-gestão mais democrático...
É evidentemente perniciosa a raiz desta corrida de documentos, de papéis, de projectos de lei. Um partido já tem um projecto de lei e eu tenho de ir a correr apresentar o meu, mesmo que no último minuto... Isto é um absurdo! Do ponto de vista da seriedade do processo, é um absurdo um projecto de lei dar entrada quase ou no próprio dia da sua discussão! Logo aí existe o vírus da degradação da instituição! No entanto, o. que está subjacente a tudo isto é essa ideia de que a boa democracia é a co-gestão ou inclusivamente, se possível, a convenção permanente.
Tenho remado contra isso e espero que o Sr. Deputado Nogueira de Brito também o faça, porque, como sabe, o seu partido é umas vezes excessivamente parlamentarista e outras vezes antiparlamentarista, conforme as circunstâncias- não estou a fazer uma crítica mas, sim, uma constatação.
De qualquer modo, o Sr. Deputado Nogueira de Brito formulou bem a questão, só que não lhe deu resposta, acabando, de certa forma, por aceitar entrar na correria dos diplomas legislativos. Mas eu gostaria de ouvir a sua resposta, na certeza de que a dará fora desta correria, desta circunstância de saber quem chegou primeiro.
Pessoalmente devo dizer-lhe que estou de acordo não sei se é essa a interpretação do Governo, mas presumo que sim - em que esta matéria não seja uma matéria prioritária que nos faça andar a correr, até porque em tudo aquilo de positivo que os municípios tem sido capazes de fazer não têm tido necessidade da lei, não tem esperado por qualquer lei; têm feito! E a prova disso está nesse movimento, de norte a sul do País, de afirmação do municipalismo, sobretudo do intermunicipalismo - e veja lá o Sr. Deputado se os municípios estiveram à espera de uma lei para desenvolverem tão impetuosamente essa sua necessidade real! ...
Na verdade, são aqueles que têm da sociedade uni culto jurisdicista - a lei seria criadora, substituindo a acção dos homens - que ficam à espera das leis.
Estou convencido de que os municípios que tem iniciativas para intervir já o estão a fazer, aliás, como disse o Sr. Deputado Jorge Lacão. Na realidade, há hoje uma intervenção dos municípios que está a desenvolver-se mesmo sem a lei.
Por conseguinte, presumo que esta matéria não nos deve obrigar a uma correria imponderada, porque, de facto, o País não está parado, nem os municípios estão parados à espera dessa lei.
Sem dúvida que aqui me aproximo bastante, Sr. Deputado. Porém, o que eu queria era a sua resposta à questão que formulei.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Prescindo, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem, então, a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com muita satisfação que respondo, até porque estou de acordo com ambos os interpelantes. No entanto, começarei por responder ao Sr. Deputado Silva Marques.
É verdade que há a correria - aliás, falei dela! Mas, 6 Sr. Deputado Silva Marques, como é que deixamos de correr? Retirando competência legislativa ao Parlamento? V. Ex.ª acha que há correria quando o Parlamento quer exercer a sua competência legislativa, quando tenta responder àqueles desafios que se tornaram quase banais nas duas últimas sessões legislativas e em que o Governo dizia que a oposição não propunha nada, não tinha alternativas e que só o Governo existia a preencher o enorme vazio das ideias neste País?
Agora que a oposição tem alternativas e o Governo não tem, quando se atrasa o Governo quem é que anda a correr? É o Governo ou a oposição? Não chego a saber, Sr. Deputado Silva Marques!

Vozes do CDS, do PS e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Silva Marques (PSD): - O Sr. Deputado não confunda alternativas políticas, que normalmente se formulam no plano da discussão política geral, com correrias de papéis! Isso não são alternativas! E um certo frenesim e nada mais! ...

O Orador: - Sr. Deputado, o que é que V. Ex.ª queria?! O que é que prestigiará o nosso Parlamento? E uma interpelação todas as semanas? Então por que é que o Governo não modifica o sistema das perguntas e não vem aqui com mais frequência, aceitando perguntas improvisadas?!
Sr. Deputado Silva Marques, estou inteiramente com V. Ex.ª; estou crítico em relação a esta correria e não volto atrás no que disse. Entendo que as culpas são para repartir nesta matéria, mas atribuo grande culpa ao Governo porque várias vezes invectivou a oposição nessa matéria!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas, Sr. Deputado Silva Marques, de fornia alguma estou de acordo consigo quando afirma que a alternativa não deva colocar-se em relação à proposta de soluções concretas e à proposta de soluções legislativas. Com efeito, penso que é principalmente nesse domínio que se devem discutir as alternativas.
Sr. Deputado, estou também de acordo consigo sobre a urgência desta matéria. Aliás, na sequência do que disse o meu colega de bancada Narana Coissoró, também não considero extremamente urgente esta matéria. Simplesmente, devo dizer-lhe que se trata de uma matéria que tinha uma iniciativa na Assembleia muito antiga, a que o Governo se devia ter habituado e para a qual deveria ter encontrado resposta. Portanto, Sr. Deputado Silva Marques, não vejo que não tenhamos o dever de nos debruçar sobre a mesma.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Que remédio!

O Orador: - Ela existia na Assembleia e concordo que foi melhorada com a apressada iniciativa do PS, a qual vai no sentido de uma maior flexibilização, não apenas no que respeita aos modos de criação destas empresas mas também no que respeita ao seu objecto.
O PS, aliás como VV. Ex.ª, está a ser reformista ao contrário, e ainda bem - há neste momento uma modificação do leque político em Portugal e ainda bem que há! É que o PS não se esqueceu de restringir o objecto ao falar de «interesse reconhecidamente público».
Isto vai um pouco no sentido daquilo que referi aqui, isto é, poucas soluções destas que sirvam para colectivizar mais interesses - ao contrário disso!
Sr. Deputado Silva Marques, quanto à questão de ser suficiente o que temos, concordo consigo sobre a urgência- deixemos à imaginação e à improvisação municipal o encontrar de soluções. No entanto, não tenhamos dúvidas de que a intermunicipalidade é, em Portugal, um aspecto em que se verificam importantes lacunas e de que há, porventura e neste momento, importantes irreversibilidades negativas - temos de atender a esse aspecto.
Mas também estou de acordo com V. Ex.ª: não se resolve nada por decreto ou por lei. Na realidade, prefiro a espontaneidade e acredito na livre iniciativa - é nisso que sobretudo confio!
Creio que com isto respondi também ao Sr. Deputado Jorge Lacão, embora lhe diga que quanto à inteligência maquiavélica de que V. Ex.ª falou... Bom, não cheguei a atingir a inteligência da sua pergunta sobre a inteligência!... De qualquer modo, não há dúvida, Sr. Deputado Jorge Lacão, de que realmente, nesta corrida em que todos estamos apostados, atribuo grandes culpas ao Governo e o Sr. Deputado Silva Marques concorda comigo.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não estrague isso, Sr. Deputado! A culpa aí não é mensurável!

O Sr. Presidente: - Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Têm passado, pela minha bancada, vários requerimentos - eu próprio já subscrevi um deles -, em que se definem vários tempos de baixa à Comissão dos projectos de lei que estão em apreciação. Nuns casos, propõe-se 30 dias, noutros, 60 dias e ainda ouvi, há pouco, o Sr. Deputado Silva Marques, numa proposta oral, referir 90 dias.
Deste modo, para meu esclarecimento e para que todos possamos votar em consciência, gostaria de perguntar ao PSD - não estando cá o Governo nem tendo procurador formal nesta Câmara, penso que o PSD poderá responder - se vai apresentar algum projecto de lei sobre esta matéria.
Por outro lado, considerando, também, que o projecto de lei do PCP está cá há cerca de três anos e meio e que este agendamento já se verificou há cerca de um mês, era importante saber, no caso de o PSD desejar apresentar um projecto de lei, qual é o tempo de que o PSD precisa efectivamente para proceder a essa apresentação, a fim de podermos, conscientemente, votar esses requerimentos.

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Carlos Lilaia fez uma pergunta ao PSD que já está respondida através da intervenção que, há pouco, produzi. Com efeito, 60 dias é, para nós, o tempo indispensável para haver uma iniciativa legislativa, da parte do Governo ou do PSD, sobre esta matéria.
Neste caso, porém, disse que, em princípio; será uma proposta de lei.
Penso, portanto, que respondi já à pergunta e que não há necessidade...

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Mas o Governo nada disse!

O Orador: - E o PSD dá-lhe essa informação. Uma vez que, como V. Ex.ª disse, não está cá o Governo, estou a dar-lhe a resposta.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais pedidos de palavra, está encerrado o debate relativo. á estes dois projectos de lei, pelo que vamos passar à votação do primeiro requerimento que entrou na Mesa, subscrito por deputados do Grupo Parlamentar do PSD,, sendo primeiro subscritor o Sr. Deputado Manuel Moreira, em que se requer a baixa à Comissão, antes da votação na generalidade, dos dois projectos de lei por um prazo de 60 dias.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e abstenções do PS, do PCP, do PRD, do CDS e do deputado independente Raúl Castro.

Srs. Deputados, perante o resultado agora obtido, o outro requerimento subscrito por deputados do PS, do. PCP e do PRD, em que é primeiro subscritor o Sr. Deputado Gameiro dos Santos e que propunha um prazo de 30 dias, considera-se prejudicado.
Srs. Deputados, o resto das matérias constantes da ordem do dia de hoje fica para sessão a marcar oportunamente.
A nossa próxima reunião é quinta-feira, dia 15 de Fevereiro, pelas 15 horas, e tem como período da ordem do dia um debate sobre a situação do ambiente em Portugal, proposto pelo PS.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 30 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Augusto Ramos
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António Maria Oliveira de Matos.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Cecília Pita Catarino.
Dinah Serrão Alhandra.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Fernando dos Reis Condesso.
Flausino José Pereira da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva
Henrique Nascimento Rodrigues.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Álvaro Poças Santos.
João José da Silva Maçãs.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo, Gomes.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Mário Lemos Damião.
José de Vargas Bulcão.
Luís António Martins.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.
Walter Lopes Teixeira.

Partido Socialista (PS):

António Domingues de Azevedo.
António José Sanches Esteves.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
João Rui Gaspar de Almeida.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.

Partido Comunista Português (PCP):

Manuel Anastácio Filipe.

Centro Democrático Social (CDS):

Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
José Luís Nogueira de Brito.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António Maria Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Gilberto Parca Madaíl.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Mário Jorge Belo Maciel.
Pedro Augusto Cunha Pinto.

Página 1527

14 DE FEVEREIRO DE 1990 1527

Partido Socialista (PS):

António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Laje.
Francisco Fernando Osório Gomes.
João António Gomes Proença.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Luís do Amaral Nunes.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.

Partido Comunista Português (PCP):

Ana Paula da Silva Coelho.
José Manuel Santos Magalhães.
Lino António Marques de Carvalho.
Octávio Rodrigues Pato.

OS REDACTORES: - Ana Marques da Cruz - Maria Amélia Martins - José Diogo e Maria Leonor Ferreira.

Página 1528

DIÁRIO da Assembleia da República

Depósito legal n.º 8818/85

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