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23 DE FEVEREIRO DE 1990

A Sr.ª Presidente: -Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

0 Sr. Nogueira de Bríto (CDS): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Por uma razão ou por outra, todas as forças políticas representadas na Assembleia da República consideram o Serviço Nacional de Saúde criado pela então célebre «lei Arnaut» como carecido de revisão, o que mais não é, convenhamos, do que uma manifestação de são realismo.
Por outro lado, o facto de todas as forças políticas terem apresentado iniciaúvas nesta matéria é por si só significativo de que todas consideram que a revisão da Constituição implica alterações no domínio da legislação ordinária ou, o que é o mesmo, a nova redacção do artigo 64º da Constituição não é mais compatível com o Serviço Nacional de Saúde monopolista como o conccbeu o ministro socialista da Saúde do II Governo Constitucional, o advogado e político beirão Dr. António Arnaut.
E dizemos todos porque o PSD, embora não sendo autor formal de qualquer projecto, deve, para csse efeito, considerar-se mais representado pela sua actual deputada, Dr.ª Leonor Beleza, -que infelizmente hoje não vemos no hemiciclo- do que pelo Governo, autor (formal, repete-se) da proposta e, particularmente, pelo actual ministro, Dr. Arlindo de Carvalho.
Por sua vez, o PCP, pese embora a tímida manifestação de fé na permanência das características essenciais do referido artigo 64º, não deixa, com o pretexto de pôr termo a situações menos claras nas relações do sector público e privado, de considerar uma realidade mais complexa e mais vasta do que a que cobria o Serviço Nacional de Saúde.
Há, portanto, uma zona, bastante reduzida é certo, em que pode afirmar-se que existe acordo entre todos os partidos representados na Assembleia sobre esta matéria: é a que respeita à inadequação da lei actual às novas realidades, bem como à necessidade de considerar, na perspectiva da realização do direito à saúde, a iniciativa privada, nas suas múltiplas manifestações.
Já é alguma coisa, e ainda bem que assim é. Não é, porém, este consenso mínimo, mas abrangendo todas as forças políticas, o único que aqui se formou,
As forças socialistas e as que se reciamam -c com razão demonstrada neste caso- da social -democracia, assim como os parentes renovadores de ambas as famílias, mostram-se indiscutivelmente unidos no apoio de soluções idênticas -escandalosamente idênticas em alguns pontos - não apenas do ponto de vista da substância como até da forma. Dir-se-ia que, para além de um primeiro núcleo de defesa dos salvados do Serviço Nacional de Saúde, identificado com o projecto cio PCP, como que se constitui uma segunda linha, integrando todos os que, confessando claramente as debilidades do Estado, enquanto prestador dos serviços, pretendem manter nas suas mãos um poder forte não apenas de regulamentação, mas também de orientação, coordenação, fiscalização, vigilância e controlo das actividades situadas fora do âmbito da administração directa ou indirecta do Estado.
Esta segunda linha seria formada pelo sistema de saúde delineado em termos quase idênticos nos projectos socíalísta e social-democrata e com algumas diferenças, para melhor, diga-se de passagem, no projecto renovador.

No CDS, entendemos que a coexistência em círculos concêntricos de um serviço nacional de saúde e de um sistema de saúde não é a melhor maneira de traduzir aquilo que, apesar de tudo, incluindo as interpretações redutoras do PCP, acabou por ficar consagrado na nova versão do artigo 64º da lei fundamental.
Convirá, na verdade, recordar o que há de novo e que é fundamentalmente: a definição do Serviço Nacional de Saúde, não como serviço gratuito conforme era até agora, mas como serviço tendencialmente gratuito, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos: a inclusão nas incumbências prioritárias do Estado, nesta matéria, da oricntaçflo da sua acçÃo para a socialização dos custos dos cuidados médicos e medicamentosos e não para a socialização da medicina e dos sectores médico-medicamentosos, como era, também, até agora.
Aparentemente inócuas ou destituídas de grande importância para um observador menos atento ou de má fé, trata-se, com efeito de duas modificações de grande importância, ditadas ambas pela necessidade de flexíbílizar os modos ou processos através dos quais é dada ou deve ser dada satisfação ao direito à saúde conferido constitucionalmente a todos os cidadãos e até a alguns estrangeiros.
A primeira das modificações assenta, com certeza, na constatação, partilhada por quase todos, de que estamos em Portugal e no condicionalismo presente, prestes a atingir o limite máximo da possibilidade de angariação fiscal de receitas para financiar -as várias modalidades da política social, com destaque para a saúde, sector em que a satisfação pelo Estado de necessidades pouco mais do que basicas continuará a implicar um crescimento exponencial da despesa.
A segunda, partindo de certo modo da mesma constatação, assenta também naquela outra que tem a ver já com a ineficácia dos serviços públicos e na impossibilidade em que se encontram de satisfazer as necessidades dos utentes cin condições satisfatórias de humanidade, bem como dos próprios profissionais que nelas exercem a sua actividade profissional.
Não se trata, no fundo, senão de um dos aspectos,talvez o mais expressivo da crise do Estado-providência, de que no limiar dos anos oitenta nos falava o socialista francês Pierre Rossenvallon, recordando que os mecanismos de produção estadual da solidariedade se tomam formais, abstractos e incompreensíveis para os seus beneficiários, que sentem cada vez mais dificuldades para entender a burocracia acrescida e a densidade de regularização que alimentam tal abstracção e que a multiplicam. Bastará, aliás, interrogar qualquer utente dos hospitais ou dos centros de saúde para verificar, em muitos casos de forma dramática, que assim é.
Ora, ao incumbir o Estado de orientar a sua acção para a socialização dos custos dos cuidados médicos e medicamentosos, o legislador constitucional como que colocou o limite ao crescimento do monstro burocrático em que começa a tornar-se o Serviço Nacional de Saúde, incapaz de rentabilizar em termos minimamente aceitáveis os cerca de 400 milhões de contos que está já a absorver todos os anos.
Temos, portanto, que a Constituição, na redacção revista do artigo 64º, passou a conferir maior margem de inanobra ao legislador ordinário no que toca à satisfação do direito à saúde ou, o que é o mesmo, a política da saúde tem agora à sua disposição a faculdade de fazer escolhas de modo a evitar o caos financeiro, a rentabi-

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