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Sexta-feira, 23 de Fevereiro de 1990
I Série - Númeo 47
Diário da República
V LEGISLATURA
3ª SESSÃO LEGISLATIVA (1989 -1990)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 22 DE FEVEREIRO DE 1990
Presidente: Ex.ma Sr.ª Maria Manuela Aguiar Moreira
Secretários: Exmos, Srs, Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Calo Roque
Apolónia Maria Pereira Teixeira
Daniel Abílio Ferreira Bastos
S U M Á R I O
A Sr.ª Presidente declarou aberta a sessão às 13 horas o 25 minutos.
Deu-se conta da entrada na mesa do projecto-lei nº 487/V ( PSD ) e das ratificações n.º 112/V e 113/V (PCP).
Foram aprovados dois pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos, o prímeiro autorizando o deputado do PS a depor em Tribunal e o segundo relativo à substituição de um deputado do PCP.
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º127/V e dos projectos de lei n.ºs 481/V (PS), 484/V (PRD), 485/V (PCP) e 486/V (CDS) - Lei de bases da saúde -, sobre o que intervieram, a diverso título, além dos Srs. Ministros da Saúde (Arlindo de Carvalho) e dos Assuntos Parlamentares (Dias Loureiro), e os Srs. Deputados João Camilo
(PCP). Ferraz de Abreu, João Rui de Almeida, Rui Cunha e
Jorge Catarino (PS), Ângelo Correia a Luís Filipe Meneses
(PSD). Júlio Henriques e Manuel Alegre (PS), Raúl Castro (Indep.)
Jorge Paulo (PSD), Carlos Macedo (Indep.), Rui Silva
(PRD), Nogueira de Brito (CDS), António Bacelar (PSD), Luisa
Amorim (PCP), António Guterres (PS), Nuno Delerue (PSD)
e Narana Coissoró (CDS ).
Entretanto, foi aprovado um requerimento do PSD solicitando a baixa à 1ª Comissão, antes da votação na generalidade, cujos projectos de lei nº 465/V ( PS )- Exercício do direito de acção popular e 480/V (PCP) - Acção popular,
A Sr.ª Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 10 minutos.
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A Sr.ª Presidente: -Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 25 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abilio de Mesquita Araújo Guedes. Adérito Manuel Soares Campos. Alberto Cerqueira de Oliveira. Alberto Monteiro de Araújo. Alexandre Azevedo Monteiro. Álvaro Cordeiro Dâmaso. Álvaro José Martins Viegas. Amândio dos Anjos Comes. Amândio Santa Cruz Basto Olíveira. António Abílio Costa. António Augusto Lacerda de Queirós. António Augusto Ramos. António de Carvalho Martins. António Costa de A. Sousa Lara. António Joaquim Correia Vairinhos. António Jorge Santos Pereira. António José de Carvalho. António Manuel Lopes Tavares. António Maria Oliveira de Matos. António Maria Ourique Mendes. António Maria Pereira. António Paulo Martins Pereira Coelho. António Sérgio Barbosa de Azevedo. António da Silva Bacelar. Aristides Alves do Nascimento Tcixeira. Arlindo da Silva André Morcira. Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha. Armando.Lopes; Correia Costa. Arnaldo Angelo Brito Lhamas. Belarmino Henriques Correia. Cartos Manuel Duarte Oliveira. Carlos Manuel Oliveira da Silva. Carios Manuel Pereira Baptista. Carlos Miguei M. de Almeida Coelho. Casimiro Gomes Pereira. Cristóvão Guerreiro Norte. Daniel Abílio Ferreira Bastos. .Domingos Duarte Lima. Domingos da Silva e Sousa. Dulcínco António Campos Rebelo. Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva. Ercília Dorningues M. P. Ribeiro da Silva. Fernando Barata Rocha. Fernando Dias de Carvalho Conceição. Fernando Manuel Alvcs Cardoso Ferreira. Fernando dos Reis Condesso. Francisco AnLunes da Silva. Francisco João Bernardino da Silva. Francisco Mendes Costa. Gilberto Parca Madail. Guido Oriando de Freitas Rodrigues. Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva. Hilário Torres Azevedo Marques. Jaime Carlos Marta Soares. João Domingos F. de Abrcu Salgado. João José Pedreira de Matos. João José da Silva Maçãs. João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro. Joaquim Eduardo Gomes. Joaquim Fernandes Marques. Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha. José Alberto Puig dos Santos Costa. José de Almeida Cesário. José Álvaro Machado Pacheco Pereira. José Ângelo Ferreira Correia. José Assunção Marques. José Augusto Ferreira de Campos. José Augusto, Santos Silva Marques. José Francisco Amaral. José Guilherme Pereira Coelho dos Reis. José Júlio Vieira Mesquita. José Lapa Pessoa Paiva. José Leite Machado. José Luís Bonifácio Ramos. José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro. José Manuel da Silva Torres. José Mário Lemos Damião. José Pereira Lopes. Luís Amadeu Barradas do Amaral. Luís António Martins. Luís Filipe Garrido Pais de Sousa. Luís Filipe Meneses Lopes. Luís Manuel Costa Geraldes. Luís Manuel Neves Rodrigues. Luís da Silva Carvalho. Manuel António Sã Fernandes. Manuel Augusto Pinto Barros. Manuel Coelho dos Santos. Manuel da Costa Andrade. Manuel João Vaz Freixo. Manuel José Dias Soares Costa. Manuel Maria Moreira. Maria da Conceição U. de Castro Pereira. Maria Luísa Lourenço Ferreíra. Maria Manuela Aguiar Moreira. Maria Teresa Pinto Basto Gouveia. Mário Jorge Belo Maciel. Mário Júlio Montalvão Machado. Mário de Oliveira Mendes dos Santos. Mateus Manuel Lopes de Brito. Miguei Fernando C. de Miranda Relvas. Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos. Pedro Augusto Cunha Pinto. Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho. Pcdro Manuel Cruz Roseta. Reinaldo Alberto Ramos Gomes. Rui Carlos Alvarez Carp. Valdemar Cardoso Alves. Vasco Francisco Aguiar Miguel. Virgílio de Oliveira Carneiro. Walter Lopes Teixeira.
Partido Socialista (PS):
Alberto Manuel Avelino. Alberto Marques de Oliveira e Silva. Alberto de Sousa Martins. António Carlos Ribeiro Campos. António Domingues de Azevedo. António Fernandes Silva Braga. António José Sanches Esteves. António Manuel Henriques de Oliveira.
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António Manuel de Oliveira Guterres. António Poppe Lopes Cardoso. Carlos Manuel Luís. Carlos Manuel Natividade Costa Candal. Edite Fátima Marreiros Estrela. Edmundo Pedro. Eduardo Ribeiro Pereira. Elisa Maria Ramos Damião Vieira. Hélder Oliveira dos Santos Filipe. Henrique do Carmo Carminé. Jaime José Matos da Gama. João António Gomes Proença. João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu. João Rosado Correia. João Rui Gaspar de Almeida. Jorge Luís Costa Catarino. José Apolinário Nunes Portada. José Barbosa Moia. José Ernesto Figueira dos Reis. José Luís do Amaral Nunes. José Manuel Lello Ribeiro de Almcida. Júlio Francisco Miranda Calha. Júlio da Piedade Nunes Henriques. Laurentino José Castro Dias. Leonor Coutinho dos Santos. Luís Filipe Nascimento Madeira. Luís Geordano dos Santos Covas. Manuel Alegre de Meio Duarte. Manuel António dos Santos. Maria Teresa Santa Clara Comes. Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia. Mário Manuel Cal Brandão. Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo. Rui António Ferreira Cunha. Ruí do Nascimento Rabaça Vieira. Rui Pedro Lopes Machado Ávila. Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrígues. António da Silva Mota. Apolónia Maria Pereira Teixeira. Carios Alfredo Brito. João Camilo Carvalhal Gonçalves. Joaquim António Rebocho Teixeira. José Manuel Antunes Mendes. José Manuel Maia Nunes de Almeida. José Manuel Santos Magalhães. Júlio José Antunes. Luís Manuel Loureiro Roque. Luís Maria Birtolomeu Afonso Palma. Manuel Anastácio Filipe. Manuel Rogério Sousa Brito. Maria Ilda Costa Figueiredo. Maria de Lourdes Hespanhol. Maria Luísa Amorim. Octávio Augusto Teixeira.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António Alves Marques Júnior. Francisco Barbosa da Costa. Hermínio Paiva Fernandes Martinho. Natália de Oliveira Correia. Rui José Santos Silva.
Centro Democrático Social (CDS):
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca. José Luís Nogueira de Brito. Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PEV):
Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Deputados independentes:
Carlos Matos Chaves de Macedo. Jorge Pegado Lis. Maria Helena Salema Roseta. Raul Femandes de Morais e Castro.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.
0 Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 487/V, apresentado pelo Sr. Deputado António José de Carvalho, do PSD, propondo a criação da freguesia de Fernão Ferro, concelho do Seixal, que baixou à 6ª Comissão; ratificação n.º 112/V, apresentada pelos Srs. Deputados Carlos Bríto e outros, do PCP, relativa ao Decreto-Lei n.º 39/90, de 3 de Fevereiro (altera a Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 333/83, de 14 de Julho), e ratificação n.º 113/V, apresentada pelos Srs. Deputados Octávio Teixeira e outros, do PCP, relativa ao Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro (aprova o Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras).
Há ainda um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos autorizando o Sr. Deputado Armando António Martins Vara a ser ouvido como testemunha em tribunal.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente Vitor Crespo.
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação o parecer que acabou de ser referido.
Pausa,
Visto não haver objecções, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai proceder à leitura de um outro relatório da Comissão de Regimento e Mandatos.
A Sr.ª Secretária (Apolónia Teixeira): -É do seguinte teor:
Relatório e parecer
da Comissão de Regimento e Mandatos
Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos, realizada no dia 21 de Fevereiro de 1990, pelas 15 horas, foi observada a seguinte substituição de deputado:
Solicitada pelo Grupo Parlarnentar do Partido Comunista Português:
Marques Manuel Rolo Antunes (círculo eleitoral de Setúbal) por Ana Paula Silva Coelho festa substituição (prorrogação) é
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solicitada, nos termos da alínea c) do nº 2 do artigo 5º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), por um período de seis meses, a partir do dia 23 de Fevereiro corrente, inclusive].
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
A substituição em causa de admitir, uma vez, que se encontram verificados os requisitos legais.
João Domingos F, de Abreu Salgado (PSD), presidente Alberto Marques de 0. e Silva (PS), vice-presidente Alberto Monteiro de Araújo (PSD) -Arlindo da Silva André Moreira (PSD) Belarmino Henriques Correia (PSD),- Carios Manuel Pereira Baptista (PSD)-Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD)-Domingos da Silva e Sousa (PSD) -Jaime Carios Maria Soares (PSD) -José Augusto Ferreira de Campos (PSD)-José Augusto Santos da S. Marques (PSD) José Manuel da Silva Torres (PSD) -Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD)-]-Iélder Oliveira dos Santos Filipe (PS) Jalio da Piedade Nunes Ilenriques (PS)-Mário Manuel Cal Brandão (PS).
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação o parecer que acabou de ser lido.
Pausa.
Uma vez que não
há objecções, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
A Sr.ª Deputada Manuela Aguiar pediu a palavra para que efeito?
A Sr.ª Manuela Aguiar (PSD): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
Sr. Presidente. -Tem a palavra, Sr.` Deputada.
A Sr.ª Manuela Aguiar (PSD): -Sr. Presidente, há dias um jornal semanário levantou uma questão relativa à utilizaçqo por vários deputados da Assembleia quando de uma deslocação às Nações Unidas, de uma limousine que teria implicado custos altíssimos.
Ora, entre o nome (lesses deputados surge o meu! Tanto eu própria como os outros deputados gostaríamos de ver aqui perante a Câmara esclarecida essa questão, e julgo que V. Ex.ª poderá darnos todas as indicações nesse sentido.
0 meu caso é, eventualmente, mais simples do que o dos meus colegas, uma vez que fui às Nações Unidas em Agosto do ano passado não em representação da
Assembleia mas de uma associação de timorenses, como peticionária junto da Comissão de Descolonização das Nações Unidas. Fui, como disse, sem quaisquer encargos para a Assembleia da República, não partilhei o programa dos Srs. Deputados, não tendo sequer pernoitado em Nova lorque. Por isso, nem vi a limousine, e permita-me que acrescente «graças a Deus!», porque se não tivesse sido este conjunto de circunstâncias - tendo, embora, estado a título particular - poderia ter aceite bboleia dos meus colegas e entrado na dita limousine.
Era este esclarecimento que queria deixar a todos os colegas, pedindo a V. Ex.ª o favor de esclarecer outros aspectos desta questão simples tornada controversa.
0 Sr. Presidente: - 0 Sr. Deputado Pacheco Pereira pediu a palavra para que efeito?
0 Sr. Pacheco Pereira (PSD): -Para interpelar a Mesa sobre a mesma materia, Sr. Presidente.
0 Sr. Presidente; - Tem a palavra, Sr. Deputado.
0 Sr. Pacheco Pereira (PSD): -Sr, Presidente, tanto eu como os Srs, Deputados Adriano Moreira o Vidigal Amaro fizemos parte da delegação às Nações Unidas a que se refere essa visita. No entanto, nao fizemos, em nenhuma circunstância, qualquer pedido ou requisição da limousine referida na notícia, mas admito que possamos ter viajado nela, visto que ao chegarmos ao aeroporto se encontrava à nossa espera um representante diplomático português, com um carro - é evidente que não nos -ocorreu perguntar qual seria a origem do carro - que nos transportou ao hotel e, no dia seguinte, do hotel às Nações Unidas. Qualquer outra deslocação fizemo-la de metro e de táxi.
No entanto, não só não estivemos em Nova Iorque nos dias referidos na factura enviada pela empresa das limousines à Assembleia da República como nenhum de nós fez qualquer encomenda sumptuária do género da que, agora, se vem pedir pagamento à Assembleia e a que nos é assacada responsabilidade.
Como estas matérias se revestem de alguma delicadeza perante a opinião pública e como, neste caso vertente, estainos inteiramente inocentes quanto a tal pedido, pedíamos ao Sr. Presidente que esclarecesse a situação, visto que não queremos passar pela odiosa situação de termos andado numa limousine em Nova lorque a nosso expresso pedido quando, efectivamente, muito humildemente, não o fizemos.
Vozes do PSD: -Muito bem!
0 Sr. Presidente: Srs. Deputados, julgo que sobre esta matéria não é necessário que o Sr. Deputado Narana Coissoró faça uma interpelação, conforme me pareceu que tinha pedido.
0 Sr. Narana Coissor0 (CDS): -Não, não pedi.
0 Sr. Presidente: - Pelo que conheço deste, processo, julgo que as considerações feitas pela Sr." Deputada Manuela Aguiar e pelo Sr. Deputado Pacheco Pereira seriam subscritas quer pelo Sr. Deputado Adriano Moreira quer pelo Sr. Deputado Vidigal Amaro,
Na essência, o que foi dito está totalmente correcto, havendo apenas um pequeno pormenor que procurarei esclarecer.
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Efectivamente, três deputados da Assembleia da República, já referidos -Srs. Deputados Picheco Pereira, Adriano Moreira e Vidigal Amaro-, deslocaram-se, com minha aprovação, às Nações Unidas para tratarem de uma matéria relacionada com Timor Leste, Na mesma altura, a Sr.ª Deputada Manuela Aguiar também ali se deslocou, não fazendo parte da mesma delegação, conquanto também tenha ido tratar de questões de Timor, embora por outro processo, como a própria indicou.
Ora, a Assembleia da República não fez nenhuma solicitação a nenhuma entidade e não tenho conhecimento de que qualquer dos Srs. Deputados referidos o tivesse feito.
Eis quando, em determinada altura, e contrariamente ao que vem referido na comunicação social -não deixa de ser interessante este lapso -, o Consulado de Portugal em Nova lorque nos enviou uma factura relativa h utilização de duas limousines com uma quantia que não é despicienda.
Como é óbvio, os serviços da Assembleia enviaram-me, o processo e, como também é óbvio, procurei saber junto dos Srs. Deputados o que haveria sobre esta matéria.
Quer a Sr.ª Deputada Manuela Aguiar, quer o Sr. Deputado Pacheco Pereira, quer o Sr. Deputado Adriano Moreira, quer, ainda, o Sr. Deputado Vidigal Amaro, este último não directamente, mas através de um membro do seu grupo parlamentar, responderam àquilo que acaba de ser afirmado pelo Sr. Deputado Pacheco Pereira. 15to é, da parte destes, não houve qualquer solicitação de um transporte.
Apareceram umas viaturas para os transportar -ainda me interrogo se terão sido limousines ou, simplesmente, alguns carros-, que, naturalmente, e segundo as suas próprias informações, os Srs. Deputados utilizaram um número muito reduzido de vezes, na clara suposição de que se tratava de uma gentileza por parte do Consulado de Portugal em Nova Iorque. Aliás, neste caso, não se tratou de uma gentileza, embora muitas vezes aconteça que os serviços diplomáticos portugueses em diferentes países coloquem viaturas ao serviço de deputados que por lá passem.
Em nome da verdade, devo dizer que, neste caso, foi bastante parca a utilização do Lransportc.
Portanto, a notícia é incorrecta na sua matéria e é particularmente incorrecta na sua especulação.
Conhecendo bem o processo, posso afirmar que não
houve qualquer
parte dos Srs. Deputados, como não houve qualquer impropriedade no comportamento da Assembicia da República. 0 que houve foi um lapso, já reconhecido pelo Consulado de Portugal em Nova Iorque, pelo qual parte da factura que nos foi enviada nem sequer corresponde aos veículos que, em determinada altura, transportaram os Srs. Deputados,
Estas sfio coisas que acontecem e que lamento porque procura fazer-se especulações sobro coisas Lão simples e naturais como o que acabo de esclarecer, e que confirma plenamente o que disseram a Sr.ª Deputada Manuela Aguíar e o Sr. Deputado Pacheco Pereira e que também diriam os Srs. Deputados Adriano Moreira e Vidigal Amaro.
0 Sr. Manuel Alegre (PS): -Sr. Presidente, peço a palavra.
0 Sr. Presidente: -Para que efeito, Sr. Deputado?
0 Sr. Manuel.Alegre (PS):- Sr. Presidente, é para uma interpelação à Mesa.
0 Sr. Presidente: -Tem a palavra, Sr. Deputado.
0 Sr. Manuel Alegre (PS):- Sr. Presidente, um assunto desta natureza correu, certamente, pelos serviços da Assembicia. Partindo do princípio óbvio de que não foi por intermédio de V. Ex.ª nem dos seus serviços que este assunto chegou à imprensa, seria curioso averiguar como é que, com frequência e com recorréncia, questões desta natureza aparecem na comunicação social...
Aplausos do PSD.
... com o objectivo claro de denegrir os deputados e de pôr em causa a Assembleia da República.
Neste sentido, faria a sugestãoo a V. Ex.ª para que, desta vez, averiguasse como é que matéria desta natureza, que corre por dentro dos serviços desta Assembleia, aparece em público, na imprensa, de forma deturpada e incorrecta, com o fim de atacar e denegrir a Assembleia da República e os deputados.
Aplausos gerais.
0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado, por corresponder à verdade, não contesto que, muitas vezes, na comunicação social, aparecem informações.
Sem perigo de poder ser considerada uma queixa, posso dizer que, ainda há bem pouco tempo, apareceu publicado um diálogo, em discurso directo, em que eu próprio intervinha e, tal como o Sr. Deputado cujo discurso directo também em citado, posso afirmar, que nunca teve lugar. No meu próprio caso, nunca tal se passou, sequer em pensamento, e estou convencido de que, em relação ao Sr. Deputado em causa, também «por obras não pecou», e quanto ao pensamento tenho muitas dúvidas, pois merece-me muita estima e amizade, conhecando-o há longos anos.
No caso a que me refiro, tratou-se de um discurso directo a que só faltavam as aspas.
Efectivamente, aparecem na imprensa notícias para denegrir a imagem da Assembleia e dos deputados que não conrrespondem minimamente à verdade e onde há uma óbvia e clara falta de deontologia, e não digo de quem, porque o processo é relativamente complexo.
É evidente que este processo passou pelos serviços da Assembicia, mas também passou por muitos outros serviços e por muitas outras mãos.
0 Sr. António Lacerda (PSD): - Quais? Quais?
0 Sr. Presidente: -A única coisa que quero dizer -e tenho-me preocupado nesse sentido- é que é absolutamente necessário que todos nós, incluindo os serviços, tenhamos o sentido da responsabilidade de evitar apartes, comentários, transmissão parcial de documentos -porque, neste caso, se todo o processo tivesse vindo à luz do dia, nunca nenhuma especulação teria sido feita sobre cio -, que levam a uma imagem negativa da Assembleia da República, e, devo dizê-lo, a imagem negativa da Assembleia da República ou de qualquer parlamento é um acto antidemocrátco, para utilizar apenas um eufemismo,
Porém, tenho tido - e vou continuar a ter - algum cuidado para que estas questões se não repitam.
Aplausos dos deputados do PSD Manuela Aguiar e Pacheco Pereira.
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Vamos dar início à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 127/V e dos projectos de lei n.º 481/V (PS), 484/V (PRD), 485/V (PCP) e 486/V (CDS), sobre a lei de bases da saúde.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.
0 Sr. Ministro da Saúde (Arlindo Carvalho): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma lei de bases da saúde deve conter as grandes linhas de política nacional de saúde, estabelecendo as intercepções e complementaridades entre o sector público e o sector privado o enquadrar as actividades complementares, as correlações com o ensino, com a investigação e com o sistema internacional de saúde.
Deve ainda definir os direitos e os deveres dos cidadãos e os dos profissionais de saúde e ter por objectivo último, não a imposição de uma qualquer ideologia, mas a consagração de um sistema que, despido de ideias feitas ou dognias, constitua o melhor caminho para assegurar a protecção da saúde e a prestação de cuidados de modo eficaz e humano.
A Lei do Serviço Nacional de Saúde, hoje em vigor, é o contrário de tudo isto. É um repositório de ideias ultrapassadas, é um hino ao colectivismo, digno de qualquer manual de pura ortodoxia marxista. Esquece o indivíduo, para, em lugar dele, colocar um Estado todo poderoso, asfixiante da livre iniciativa, cerceador da liberdade e da criatividade. Foi concebida para robôs, não para homens, Pode ideologicamente ser perfeita, mas é humanamente deprimente.
Vozes do PSD: -Muito bem!
0 Orador: -É uma cartilha, não é um texto para servir os homens nas suas necessidades.
Em boa verdade,, nunca foi respeitada, nem pelos seus próprios autores. E produto de um acto de vontade ideológico, não de uma reflexão humanista e personalista.
Aplausos do PSD.
Com efeito, a Lei n.º56/79 - a chamada «Lei Arnaut» -, verdadeiro subproduto de um falso romanLismo iluminado, a que se associaram não apenas os votos do Partido Socialista, mas também os do Par[ido Comunista Português e - pasme-se! - da UDP, foi uma lei condenada ao incumprímento.
As vozes discordantes surgiram, desde logo, dentro do próprio partido que a propôs - o Partido Socialista - e, de imediato, foram concretizadas em propósito de mudança pelo primeiro Governo da Aliança Democrática, que, em 1980, iniciou estudos, com vista a uma profunda alteração do respectivo regime, e que só não se tornou possível devido a falia de condições de estabilidade política. Em 1983, este propósito haveria de ser retomado por um ministro socialista - embora em iniciativa inconsequente -, o mesmo vindo a suceder com o projecto de lei n.º 368/IV, apresentado pelo PRD.
0 XI Governo Constitucional decidiu aguardar pela revisão constítucional, de modo a poder tornar ainda mais radical este corte com o passado, cujos malefícios estão longe de sc ter feito sentir apenas na área económica da vida nacional.
É justamente o resultado deste esforço de renexão e de mudança, ensaiado por alguns e aspirado por muitos, que permite a concretização (ia proposta de lei n.º 127/V, que está hoje em discussão.
Trata-se de uma lei quadro que, como tal, define os princípios orientadores e estabelece os limites dentro dos quais o legislador regulamentar deve estatuir.
Mas houve o cuidado de não pormenori7ar em aspectos que, não sendo essenciais para a definição do estatuto, poderiam vir a estabelecer limitações incompatíveis com o carácter evoluído que tem que ter a política de saúde, para permanentemente se adaptar às condições reais de cada momento. Não só as condições de vida das populações como as conquistas científicas se alteram e a cada vez maior sofisticação das técnicas são susceptíveis de impor modificações, em termos que podem atingir a própria organização e funcionamento dos serviços.
A cada momento da evolução histórica cabe a responsabilidadc de exprimir legislativamente os credos ideológicos, as convicções políticas, os princípios de govemação e os compromisços tomados para com a população.
As novas leis de saúde apenas prevalecerão por largos períodos de vigência se forem malcáveis e prospectivas, curiosas do futuro.
Acreditamos que a saúde é um problema fundamental na qualidade de existência do homem e da sua realização integral. Sendo um fenómeno originariamente de raiz individual, projecta-se na família, na profissão, na Nação, e assume relevância mundial. Daí derivam as correspondentes responsabilidades dos indivíduos, das famílias, do Estado e da comunidade internacional.
A proposta que apresentamos afirma o direito dos indivíduos e da comunidade à protecção da saúde, tendo como conteúdo a garantia do acesso aos cuidados, a promoção e defesa da saúde pública.
Aponta as directrizes a que deve subordinar-se a política de saúde; consagra o direito dos indivíduos a iguais possibilidades no acesso; prevê medidas especiais para os grupos em maior risco; consagra o direito a cuidados de saúde prestados por serviços estruturados de acordo com os seus interesses; consagra o direito dos utentes a serem inforinados; consagra ainda o direito a serem implicados no sisLema, num aspecto de participação.
Aos direitos dos indivíduos contrapõe-se a responsabí]idade do Estado e da sociedade, na defesa e promoção da saúde individual e colectiva.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A efectivação do direito à protecção da súde tem de envolver coordenadamente não apenas os estabelecimentos que integram o Serviço Nacional de Saúde como os dependentes de departamentos que tutelam áreas conexas, nomeadamente os da educação, da segurança e bem-estar social, do emprego, do desporto, do ambiente, da habitação, do urbanismo, da cconornia e do sistema fiscal e ainda as autarquias locais, bem como instituições públicas e privadas que possam contribuir para a sua efectiva concretízação.
Tem que envolver, ainda, todas as entidades e os profissionais que desenvolvem actividades na área dos cuidados de saúde, constituindo um sistema de saúde aberto à utilização de todos os recursos, os quais devem ser geridos de forma a obter deles o maior proveito socialmente útil.
Pretende-se, com isto, um sector privado autónomo, dinárnico, consciente do papel que lhe cabe, e profissionais de saúde que se integrem no sistema e a quem sejam fornecidas as condições para, em liberdade, escolherem e desenvolvercm a sua actividade com independência, i-nas sempre com o espírito de quem sabe estar a exercer unia actividade de verdadeira utilidade pública.
Vozes do PSD:- Muito bem!
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0 Orador: -Visa-se, em suma, obter, na convergência concorrencial entre os sectores público o privado, uma melhor rentabilização de recursos com os menores gastos, sem que se ponha em causa a qualidade dos cuidados de saúde a prestar.
Vozes do PSD:- Muito bem!
0 Orador:- E com esta concepção de sistema de saúde estamos a inverter a filosofia subjacente h Lei do Serviço Nacional de Saúde, actualmente em vigor.
Sabe-se que esta linha de evolução vai defrontar problemas de repetição de equipamentos, de garantias de qualidade, de restrições ao trabalho cumulativo em instituições concorrentes. Mas não se pode fugir às dificuldades quando o objectivo é social e eticamente correcto.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - A resolução destes problemas serã alcançada, através de uma política de saúde adequadamente executada e orientada.
Garantiremos ao cidadão novas oportunidades de acesso aos cuidados de saúde; conseguiremos um melhor aproveitamento dos recursos existentes; promoveremos a eficácia e a desburocratização no funcionamento dos serviços e nas actividades dos profissionais de saúdo, que vêem, assim, alargado o âmbito da liberdade de prestação.
Em nosso entender, a prestação de cuidados de saúde deve ser consequência de uma relação humanízada entre o utente e os serviços.
A lei de bases da saúde, que agora propomos, traduz esta preocupação ao fixar o estatuto dos utentes do sistema; salvaguarda a sua personalidade individual, mas impõe-lhe, correspondentemente, certos deveres, em que relevam o de respeitar os direitos dos outros utentes o o de se sujeitar às normas de organização e funcionamento dos serviços.
0 aproveitamento das potencialidades do sistema depende, em grande parte, da política de recursos humanos que for adoptada.
As normas da proposta do Governo visam, entre outras coisas, garantir uma formação do pessoal de saúde que lhe confira uma elevada qualificação técnico-científica e uma plena realização pessoal, facilitar a mobilidade entre o sector público e o sector privado, incutir nos profissionais um sentido de respeito pelos valores da dignidade e de vida da pessoa humana, obter uma equilibrada distribuição dos recursos humanos, de forma a corrigir as assimeirias regionais, para que cidadãos do interior e do litoral tenham iguffldade de tratamento.
0 Governo, responsável pelo sistema de saúde, não pode deixar de apoiar a investigação que nesta área se revista de interesse, mas tem de exigir, como se faz na proposta de lei, que esta tenha como princípio norteador o de que a vida humana é o valor máximo a proteger e a salvaguardar.
Vozes do PSD: -Muito bem!
0 Orador: -E é ainda o respeito por aqueles valores que leva a que se tenha estabelecido o princípio de que os ensaios clínicos de medicamentos sejam realizados sob a direcção e responsabilidade médica.
Submetem-se à disciplina e inspecção do Ministério da Saúde, sem prejuízo da competência de outros departamentos, as actividades complementares das de saúde.
A criação de um tipo de autoridades de saúde, a nível nacional, regional e concelhio, e a atribuição de competências específicas ao Ministro da Saúde para tomar medidas de excepção em situações de grave emergência permitem a intervenção atempada e responsabilizante em situações de risco para a saúde pública, salvaguardando, no entanto, os direitos dos particulares atingidos, ao facultar-lhes o recurso das decisões que os afectam.
Embora caiba, em princípio, ao Serviço Nacional de Saúde prestar aos bcncficiários os cuidados de saúde, prevê-se a possibilidade de, atenta a consideração do binómio qual idadelcusto, tal prestação poder ser contratada, mediante a celebração de convenções, com médicos, outros profissionais e estabelecimentos privados.
Institucionalizam-se mecanismos de avaliação permanente do Serviço Nacional de Saúde que permitirão uma apreciação com rigor técnico, seriedade e independência, a adequação da oferta ou disponibilidade de recursos de saúde, a oportunidade dos cuidados e a qualidade com que são prestados, o grau de aceitação pela população utente e o nível de satisfação dos seus profissionais.
0 reconhecimento da indivisibil idade de saúde a nível internacional o a consciência de que, nesta área, os problemas melhor se resolvem através de uma cooperação com espírito de solidariedade entre os países são factores a ter em conta na interpretação e aplicação das normas de tratados, convenções e directivas internacionais e devem motivar o nosso apoio e intervenção nas organizações internacionais de saúde.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 Serviço Nacional de Saúde é integrado por serviços oficiais prestadores de cuidados de saúde, tem natureza universal quanto à população abrangida, presta integradamente cuidados globais e é tendencialmente gratuito.
Uma questão muitas vezes adiantada é a de saber qual o tipo de organização que se deve adoptar ao nível (ia administração central, nomeadamente se deve have uma administração central autónoma a quem competiria a direcção, coordenação e gestão a nível nacional.
Os defensores da administração central pretendem encontrar vantagem na separação do Serviço Nacional de Saúde do Ministério da Saúde e entendem sair reforçada a participação, através dos órgãos próprios da administração central.
0 Governo entende que, dada a tradição da administração pública portuguesa e a organização dos serviços públicos que irão integrar o Serviço Nacional de Saúde, a administração central de saúde correrá o risco de vir a transformar-se em mais um organismo criador de burocracia.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: -Os serviços públicos não se criam por razões de pura hierarquia ou rigor formal, mas quando haja efectiva necessidade e razão de ser.
A perda das vantagens da participação ou de um apoio técnico, que eventualmente sc conseguiriam com a criação de uma administração central de saúde, é com vantagem suprida, através de uma adequada regulamentação do Conselho Nacional de Saúde e pelo aproveitamento das potencialidades dos serviços centrais do Ministério, apoiados pelos órgãos das regiões, para o estudo das questões técnicas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
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0 Orador: -A lei de bases prevê a divisão do território para efeitos de saúde em regiões de saúde, dispondo de meios que lhes permitam satisfazer autonomamente as necessidades correntes de saúde dos seus habitantes.
Assente nesta divisão do território, a responsabilidade da gestão do Serviço Nacional de Saúde é descentralizada, cabendo aos órgãos responsáveis pela saúde as populações da respectiva área geográfica.
Houve a preocupação de não pulverizar centros de decisão, mas, ao mesmo tempo, adoptar um esquema que permita que as decisões não sejam tomadas à margem dos interesses locais, que se manifestam através do órgão consultivo da administração regional, que será criado em cada concelho e que permitirá, em cada momento, auscultar os legítimos anscios da população.
Vozes do PSD: -Muito bem!
0 Orador: - Reafirma-se que a gestão das unidades de saúde sigam regras de gestão empresarial, admitindo-se mesmo, desde que daí resultem vantagens qualitativas para os utentes e para o sistema, a entrega da gestão de centros de saúde e de hospitais do Serviço Nacional de Saúde a outras entidades, ou em regime de convenção a grupos de médicos.
Fixa-se o estatuto dos profissionais do Serviço Nacional de Saúde sujeitos a regras da Administração Pública, com a possibilidade de constituir-se em corpos especiais, e a quem fica assegurada a formação permanente.
Reconhece-se à Ordem dos Médicos a função definidora da deontologia médica, mesmo para actos praticados no quadro do Serviço Nacional de Saúde.
A sujeição destes profissionais às regras da Administração Pública implica a existência de incompatibilidades e a impossibilidade de acumulação, fora dos casos autorizados em termos legais.
Não lhes fica vedado, porém, o exercício da actividade privada fora dos casos em que, por opção, lhes seja aplicável o regime de trabalho da dedicação exclusiva.
Há, contudo, uma limitação de justificação evidente à cfcctivação de convenções ou contratos corri o Serviço Nacional de Saúde. E bem se compreende que assim seja, tratando-se de actividades concorrentes, e é a tradução de uma regra aplicável aos trabalhadores por conta de outrem.
0 Serviço Nacional de Saúde é principalmente financiado pelo Orçamento do Estado.
Porém, e sobretudo na parte específica dos cuidados médicos, pode ser objecto de comparticipação financeira directa ou indirecta dos utentes, sem prejuízo da sua tendência para a gratuitidade em todas as situações de insuficiência económica.
A complementação do financiamento poderá advir de algumas das formas de seguro privado, dia a dia mais imaginosas, na oferta de esquemas complementares dos sistemas institucionais de saúde e de segurança social.
Por isso, se inclui na proposta de lei uma norma estatuindo a possibilidade da fixação de incentivos ao esuibclccii-nento de seguros de saúde.
Há que ter em atenção, no entanto, que as taxas moderadoras não devem ser desviadas da sua função meramente desmotivadora, em termos psicológicos, do abuso injustificado de consumo de cuidados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei está concebida em termos de possibilitar uma regulamentação
adaptada à realidade do País, exequível e que se traduza numa efectiva melhoria das condições que conduzam a uma eficaz protecção da saúde.
Pela primeira vez se está perante um diploma legal que, orientado confessadamente por princípios personalistas, define as grandes linhas da política nacional de saúde, abrangendo o sector público, o sector privado, as actividades complementares, as correlações com o ensino, a investigação, a segurança social e o sistema internacional. Um diploma que enquadra os profissionais que trabalham em regime liberal, que se dá conta do surgimento e da expansão dos seguros de saúde e que estipula claramente os direitos e responsabilidades dos cidadãos na protecção e defesa da saúde individual e colectiva.
Cumpre-se, assim, o Programa do Governo ao propor uma lei que privilegia os utentes dos serviços, garante a efectiva igualdade de oportunidades de todos no acesso aos cuidados de saúde, clarifica a correcta repartição de responsabilidades que deve existir entre os sectores público e privado, define regras de financiamento que vão permitir um nível de cuidados de saúde condigno e moderno, responsabiliza os prestadores de cuidado de saúde pela acção que desenvolvem.
Abordar a temática da saúde é dissecar um dos temas mais caros ao cidadão, mas fazê-lo abstractamente, sem uma clara filosofia política subjacente, é produzir um trabalho politicamente agnóstico, socialmente inconsequente, não suficientemente mobilizador para os agentes do sector, quiçá, contraditório entre si.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - Por isso, importa ser-se claro nos objectivos, na motivação política, nas soluções propostas, nos meios a utilizar, nos resultados a alcançar.
Vozes do PSD: -Muito bem!
0 Orador: -Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma questão prévia se coloca, determinante e decisiva para um trabalho socialmente útil. Qual a concepção do sistema de saúde a edificar? Queremos um sistema de saúde estatizante, burocrático e centralizado ou, ao invés, queremos um sistema personalista, com rosto humano, virado para o cidadão e, ao mesmo tempo, mobílizador dos agentes responsáveis pela sua execução?
Aplausos do PSD.
Somos claramente pela segunda solução, sem ambiguidades, por convicção e não por estado de necessidade.
15to porque queremos um sistema virado para o cidadão e preocupado com o utente, decididamente apostado na melhoria dos cuidados de saúde a prestar à população.
Porque atento às responsabilidades do Estado -que não enjeitamos -, entendemos que a acção do sector privado, em vez de ser tolerada ou protelada, deve ser cstimulada e desenvolvida, porque tem também, neste dornínio e no nosso entender, uma importante tarefa a desempenhar.
Porque pretendemos um sistema de saúde capaz de mobilizar e dignificar social e profissionalmente os seus utentes e directos responsáveis.
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Porque queremos um sistema coerente, eficaz e funcional, capaz de responder qualitativa e quantítaúvamcnte às exigências do presente e, sobretudo, aos desafios do futuro.
Porque desejamos uma lei de bases que, em vez de dividir, possa congregar, em vez de separar, possa mobílízar, em vez de clivagens inconvenientes, seja um instrumento político sério e socialmente útil.
Porque, mais do que um facto gerador de querelas ou um documento ideologicamente enviesado, pretendemos uma lei de bases portadora de uma nova mensagem de confiança e de esperança para todos os portugueses.
Aplausos do PSD.
É que, Sr. Presidente, Srs. Deputados, os Portugueses são a razão de ser do nosso trabalho, do nosso esforço, da nossa finalidade de satisfazer os seus anscios e as suas preocupações.
A conformidade do texto apresentado com as normas constitucionais, o conhecimento da existência de consensos quanto à concepção global do sistema de saúde que está subjacente ao texto deste diploma e da necessidade de substituição da Lei n.º 56/79 -Lei do Serviço Nacional de Saúde-, pelo menos por parte dos partidos que, directa ou indirectamente, intervieram em processos que visavam aquela substituição, fazem que seja razoável supor que esses partidos concedam à proposta de lei a aprovação, na generalidade.
E porque, ao ser apreciado na especialidade, não irão abdicar do direito de sustentarem as Suas particulares posições, aguardam-se com interesse as contribuições de que possa resultar o aperfeiçoamento da forma final do
diploma.
E ao povo português há-de ser grato, por certo, verificar que, em matéria importante e delicada, como é o estatuto da saúde, há na AssembIcía da República convergência de posições, pelo menos em relação às linhas gerais do seu ordenamento.
Aplausos do PSD.
0 Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados João Camilo, Ferraz de Abreu, João Rui de Almeida, Rui Cunha, Jorge Catarino, Júlio Henriques, Manuel Alegre, Raul Castro, Jorge Paulo, Carlos Macedo e Rui Silva.
Peço, entretanto -como, aliás, estava previsto-aos Srs. Presidentes cios grupos parlamentares o favor de se reunirem comigo, no meu gabinete, às 16 horas o 15 minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Camilo.
0 Sr. João Camilo (PCP):- Sr. Ministro da Saúde, vou colocar-lhe duas questões. A primeira visa satisfazer uma certa curiosidade pessoal e a segunda é uma questilo de fundo, que me causou perplexidade,
Em primeiro lugar, gostaria que o Sr. Ministro me explicasse se a proposta de lei que nos é apresentada representa, no seu entender e no do Governo, um aperfeiçoamento ou um cauteloso retrocesso em relação às duas versões anteriores que foram amplamenLe divulgadas. Esta é uma curiosidade, para a qual gostaria de um esclarecimento.
A questão de fundo é esta: Sr. Ministro, que cataclismo aconteceu ao artigo 64
da Constituição? Que transformação, tão radical, é que este artigo sofreu com a revisão
constitucional para mudarem tão claramente, como diz, as condições para se legislar sobre serviços de saúde, para se considerar que serviços públicos e privados têm a mesma importância para o Estado e para se interpenetrarem em tão alegre promiscuidade, como se propõe?
Vozes do PCP: -Muito bem
Entretanto, reassumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Manuela Aguiar.
A Sr.ª Presidente: -Sr. Ministro, havendo mais oradores inscritos para pedidos de esclarecimento, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?
0 Sr. Ministro da Saúde: -No fim, Sr.ª Presidente.
A Sr.ªPresidente: -Então, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.
0 Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Ministro, gostaria de fazer uma simples pergunta, embora a intervenção de V. Ex.ª tenha suscitado muitas.
0 Sr. Ministro deu-se conta de que a proposta que esteve a defender vai transformar a saúde num negócio? Para nós, socialistas, a saúde é um direito dos cidadãos, e não um negócio.
A Sr.ª Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.
0 Sr. João Ruí de Almeida (PS): -Sr. Ministro, um grande equívoco está a acontecer nesta Assembleía: é que V. Ex.ª diz uma coisa, mas a proposta do Governo aponta noutro sentido. Estou a lembrar-me, por exemplo, de quando o Sr. Ministro diz que a proposta do Governo tende a clarificar a repartição entre sector público e privado. Essa é uma das áreas onde esta situação se encontra com maior ambiguidade.
Porém, talvez isto tenha uma etiologia: é que a proposta do Governo é da autoria da Sr.ª Deputada Leonor Beleza, ex-minisLra da Saúde. Subscreve V. Ex.ª na integra uma tão importante proposta para a qual não deu a sua colaboração?
Sr. Ministro, o PS considera que a proposta do Governo, ao ser aprovada, significa que os Portugueses vão gastar mais dinheiro com a saúde, Conhece V. Ex.ª as muitas situações dramáticas em que muitas famílias portuguesas; não têm sequer dinheiro para pagar os medicamentos?
A Sr.ª Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Cunha.
0 Sr. Rui Cunha (PS): - Sr. Ministro, a proposta em apreciação viola, em nosso entender, o nº 2 do artigo 64 da Constituiçâo, que considera o Serviço Nacional de Saúde como um instrumento de realização do direito à protecção da saúde. Para quem tivesse dúvidas, o preâmbulo tira-as! 0 Estado não assume a prioridade de prestação dos cuidados de saúde através do sector público, o SNS; antes anuncia que «equaciona um novo posicionamento do sector privado», tentando convencer-nos de que assim «garante novas e promissoras oportunidades de acesso aos cuidados».
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Sabendo-se que o sector privado na saúde, em todo o mundo, tende a concentrar-se nas prestações e segmentos de mercado mais lucrativos, seleccionando casuisticamente a clientela de forma a maximizar proveitos, que ideia faz o Governo da igualdade de acesso?
A protecção da saúde não pode basear-se numa simples lei de oferta e de procura. A ênfase colocada no conceito sistema de saúde, base xii, pretende desvalorizar o SNS, visando torná-lo numa simples componente de tal sistema. Será nesta mesma linha de pensamento que a proposta do Governo não dota sequer o SNS de personalidade jurídica?
Na proposta governamental não se define a forma de constituição dos órgãos administradores da prestação de cuidados de saúde nem como serão designados os seus membros. Cria-se a figura burocratizante do coordenador sub-regional e, pela primeira vez em 150 anos, retira-se aos médicos da carreira de saúde pública o exclusivo do desempenho das funções de autoridade de saúde.
A proposta do Governo abre caminho à proliferação de mais norricações de conFiança política. Dirigentes das ARS serão, seguramente, escolhidos pelo Ministro, bem como algumas dezenas de novos coordenadores sub-regionais. Desta vez até as autoridades sanitárias não vão escapar a esta onda de escolhas «criteriosas»!
Vamos ter de novo estudantes, coronéis na reserva, professores do ensino primário e até comerciantes de cutelaria a orientarem superiormente os serviços de saúde regionais?
Vozes do PS: - Muito bem!
Protestos do PSD.
0 Orador: - Os contratos previstos na base xxxvi, n.º 2, em que se concederia a gestão de alguns hospitais e centros de saúde a outras entidades ou, em regime de convenção, a grupos de médicos, coloca inúmeras dúvidas que pelos vistos, não parecem constituir preocupação do Governo. Quem reembolsa ou indemniza o Estado do investimento prévio? Qual a forma de selecção do concessionário? Que garamias há de universalidade? Quem financia os utentes do SNS que recorram a essas unidades? Se for o SNS, de onde virão tais recursos, sabendo-se que os custos de internamento numa unidade de gestúo com fins lucrativos são, normalmente, superiores aos dos hospitais do Estado, conhecendo-se a penúria em que se vive devido à suborçamentação da saúde?
Esta forma de gestão, Sr. Ministro, deverá ser considerada sector público ou privado?
A Sr.ª Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Catarino.
0 Sr. Jorge Catarino (PS): - Sr. Ministro, em sede de comissão foi inviabilizada uma proposta, que mereceu o apoio de todos os partidos da oposição, que apontava para a possibilidade de, concomitanieinente com a discus&1o na especialidade da proposta de lei e dos projectos de lei em debate, decorrer durante 30 dias a discussão pública dos mesmos.
0 Sr.Silva Marques (PSD): -E o que é que se está a fazer senão uma discussão pública?
0 Orador: - Não se enervem, Srs. Deputados!
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Considerando que o PSD anunciou que vai aproveitar este período para consultas com a Ordem dos Médicos, perguntamos: a posição do Governo coincide com a dos parlamentares do PSD na Comissão de Saúde ou, pelo contrário, entende-se que matéria desta transcendência não pode e não deve ser sonegada à discussão pública dos Portugueses?
Na base xv, n.º 2, facilita-se a mobilidade de recursos humanos entre os sectores público e privado, sem se acautelar que os quadros dos estabelecimentos públicos não possam ser afectados por tal mobilidade. Será que o Governo quer estender a todo o País as graves dificul(fades de funcionamento em que colocou o serviço de ortopedia do Hospi[al de Santo António aquando da famigerada questão (ia Prelada?
Vozes do PS: -Muito bem!
0 Sr. Ângelo Correia (PSD): -Sr., Presidente, peço a palavra para um protesto.
A Sr., Presidente: - 0 Sr. Deputado pretende protestar contra o quê?
0 Sr. Silva Marques (PSD): - Contra os socialistas!
0 Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr., Presidente, pretendo usar da palavra para defesa da honra e consideração.
A Sr.ª Presidente: -Faça favor, Sr. Deputado.
Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr.` Presidente,
Srs. Deputados: Peço imensa desculpa por intervir num debate sobre saúde, do qual não sou especialista. Porém, aquilo que o Sr. Deputado do PS fez agora é um erro elementar em democracia que não pode deixar esta Casa em silêncio.
0 Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
0 Orador: -0 que é a democracia senão uma entidade, um sistema que vive de representantes do povo eleitos por esse mesmo povo para discutirem as questões que dizem respeito à Nação e ao País? 0 que é a democracia senão um regime e um sistema que permitem, representativamente, que nós, eleitos mandatados pelo povo, sejanios capazes de, com legitimidade e capacidade, em qualquer altura, poder decidir as questões deste povo? Corri que lcgitirnidade, por isso, pode um deputado de um parlido que se inútula e é democrático...
0 Sr. Silva Marques (PSD): -Já foi mais!
0 Orador: -... dizer que nesta circunstância é preciso ouvir o povo, escamoteando a vontade, o desejo e a parLicipação norinal daqueles que no regime têm a vontade e a legitimidade últimas de o poder dizer.
Aplausos do PSD.
Habituámo-nos ao discurso equívoco de alguns deputados do Partido Socialista que nalgumas instâncias relembram a dignificação da vida parlamentar, como há pouco, brilhantemente, foi feito pelo nosso colega Manuel Alegre, para, um quarto de hora depois, outro deputado do mesmo partido o negar, retirando-lhe poder e competência.
Vozes do PSD: -Muito bem!
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0 Orador: -Qual é a posição do Partido Socialista? É afirmar o poder da Assembleia, o poder dos representantes do povo, ou escamoteá-la quando lhe interessa por razões meramente folclórico-políticas?
0 que interessa, Sr.ª Presidente, é sabermos qual é o discurso real da democracia do Partido Socialista, neste e noutros casos.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Catarino.
0 Sr. Jorge Catarino (PS): - Sr. Deputado Ângelo Correia, lamento a sua intervenção no sentido em que a Constituição e o Regimento estabelecem, clara e inequivocamente, que questões de tão magna importância, de tão grande repercussão, devem ser precedidas de debate público.
Aplausos do PS.
De facto, creio que uma discussão neste âmbito só poderá valorizar a aplicação e a performance da lei que vier a ser aprovada.
A intervenção do Sr. Deputado justifica algum nervosismo por parte da sua bancada em tentar justificar o injustifícável!
Vozes do PS: -Muito bem!
0 Sr. Ângelo Correia (PSD): -Sr. Presidente, peço a palavra para dar explicações.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, não pode dar explicações! Não há nenhuma figura regimental que permita a V. Ex.ª usar da palavra neste momento.
0 Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, compreendo perfeitamente as razões regimentais de V. Ex.ª e aceito-as.
No entanto, gostaria de lembrar ao Sr. Deputado Jorge Catarino que há 10 anos que o País anda a discutir...
A Sr.ª Presidente: -Sr. Deputado, V. Ex.ª poderá intervir no debate, mas neste momento não posso conceder-lhe a palavra porque não existe figura regimental que o permita.
0 Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, pcrmite-me que invoque a Figura de interpelação à Mesa?
A Sr.ª Presidente: -Sr. Deputado, é evidente que utilizando a figura regimental da interpelação à Mesa V. Ex.ª poderá fazer as considerações que pretender. Peço, porém, que não o faça porque temos um longo debate à nossa frente o não gostaria de abrir precedentes em prejuízo do mesmo. Assim, Sr. Deputado, conto com a sua colaboração.
0 Sr. Silva Marques (PSD): - Mas os socialistas; criaram um incidente institucional.
0 Sr. Luís Filipe Meneses (PSD): - Sr.ª Presidente, gostaria de saber se, por intermédio de V. Ex.a, poderei pedir um esclarecimento ao Sr. Presidente da Comissão de Saúde sobre esta questão do debate público.
A Sr.ª Presidente: -Sr. Deputado, V. Ex.ª vai ter muitas oportunidades para levantar esta questão. De facto, o próximo orador inscrito para intervir é o Sr. Deputado Ferraz de Abreu, seguindo-se o Sr. Ministro da Saúde. V. Ex." poderá inscrever-se para lhos formular pedidos de esclarecimento.
0 Sr. Luís Filipe Meneses (PSD): -Certamente, Sr.ª Presidente.
A Sr.º Presidente: -Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Júlio Henriques.
0 Sr. Duarte Lima (PSD): -A pergunta também vem escrita?
0 Sr. Júlio Henriques (PS):- Vem sim, Sr. Deputado!
Sr. Ministro, na base xxxni, n.º2, alínea b), da proposta do Governo aqui defendida por V. Ex.ª consagra-se como receita do Serviço Nacional de Saúde o pagamento de cuidados por parte de subsistemas.
Em primeiro lugar, gostaria que o Sr. Minístro da Saúde definisse o que é um subsistema e procedesse à respectiva enumeração. Se os SAMS estão englobados neste conceito, como é que o Serviço Nacional de Saúde poderá vir a excluir ou a limitar o acesso dos cidadãos bancários a esse serviço, pelo simples facto de, através da coriLratação colectiva, as suas organizações sindicais obterem das entidades patronais determinados montantes destinados à protecção da saúde?
Será legítimo consagrar, nesta sede, um contrato entre duas partes que juridicamente poderá ser denunciado? Que legitimidade tem o Governo para excluir os cidadãos bancários que prestam a sua contribuição fiscal como todos os outros do direito universal de acesso ao Serviço Nacional de Saúde?
Vozes do PS: -Muito bem!
A Sr." Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.
0 Sr. Manuel Alegre (PS): -Sr. Ministro, na sua intervenção, V. Ex.ª referiu-se ao meu camarada António Arnaut em termos que me pareceram extremamente injustos. Como ele não está presente nesta Câmara, sinto-me ria obrigação moral de intervir.
Na verdade, o projecto do Serviço Nacional de Saúde foi, num dado momento, uma bandeira do Partido Socialista e, concorde-se ou não com ele, não me parece que csteja correcto ciassificá-lo de cartilha ou de texto marxisia, porque ele não foi nada disso!
Aplausos do PS.
0 Orador: - Foi um projecto generoso, inspirado num preceito constitucional, o direito à saúde. Foi um projecto inspirado em princípios humanistas, que, em minha opinião, e considerando até a sua diferente interpretação polItica, são -ou pelos menos deveriam ser - comuns às dificrentes famílias políticas aqui representadas, sobreLudo ao socialismo democrático e à social-democracia.
No critanto, pelas suas palavras, Sr. Ministro, parece-me que, nesta matéria, V. Ex.ª não sc coloca numa posição de diagnóstico, pelo contrário coloca-se numa posição ideológica, profundamente ideológica. E essa
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posição é a do liberalismo ou a do ultraliberalismo, que é contrária à tradição e à inspiração do seu partido, a social-democracia, pelo menos a social-democracia europeia.
Aplausos do PS.
A Sr., Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro, em tempo cedido pelo Partido Os Verdes.
0 Sr. Raul Castro (Indep.): -Sr. Presidente, como V. Ex.ª anunciou, vou usar da palavra para colocar algumas questões ao Sr. Ministro da Saúdo em tempo cedido pelo Partido Os Verdes visto que pelo Regimento não me é permitido ter tempo de intervenção.
Sr. Ministro, o Governo tem vindo a afirmar que uma das razões que contribuiu para os maus resultados eleitorais ultimamente verificados deve-se ao facto de os resultados da sua obra governativa não serem suficientemente conhecidos.
Então, se V. Ex.ª considera que esta proposta de lei de bases da saúde é muito meritória e defende os interesses da população, por que razão é que não a,submete à apreciação pública para tornar conhecida a obra do Governo?
Estão ainda a tempo de o fazer. 15so nada tem a ver com os poderes desta Câmara, mas antes com as diversas disposições da Constituição, nomeadamente o artigo 60º, que estabelece o direito de intervenção em matérias como esta da saúde pública dos consumidores.
V. Ex.ª disse também que o sistema em vigor é burocrático e estatizante, na medida em que estabelece um sistema de saúde universal e gratuito, o que com esta proposta de lei deixa de acontecer. Considera, então, V. Ex.ª que é por deixar de ser universal e gratuito e passar a ser tendencialmente gratuito que deixa de ser estatizante e burocrático?
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se na galeria alunos, acompanhados dos respectivos professores, da Escola Secundária do Seixal, da Escola Secundária de Alves Martins, de Viseu, da Escola Secundária de Macedo de Cavaleiros e da Escola Secundária de Tomás Cabreira, de Faro.
Peço, para eles, uma saudação especial.
Aplausos gerais, de pé.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Paulo.
0 Sr. Jorge Paulo (PSD): -Sr. Ministro da Saúde, gostaria de colocar a V. Ex.ª três questões concretas, e desde já saliento que não as estruturei previamente.
Mas, antes de entrar propriamente nas questões, queria recordar que esta proposta de lei não apareceu hoje pela primeira vez. Só aqueles que estiveram desatentos é que não sabem que as estruturas sindicais dos médicos e dos enfermeiros e a Associação de Clínica Geral já deram a sua opinião em relação a esta proposta de lei. Portanto, ela não aparece por acaso.
Sr. Ministro, em primeiro lugar, tendo em atenção o recurso do utente aos serviços privados de saúde, gostaria de saber que possibilidade é que esta proposta de lei abre para que a avaliação da qualidade do serviço de saúde possa ser feita por entidades exteriores ao Ministério da Saúde, isto é, que mecanismos poderão ser utilizados por alguém que se sinta maltratado e que tenha sido vítima de algum erro médico no sentido de defender os seus direitos junto da Ordem dos Médicos e dos tribunais.
Em segundo lugar, e relativamente à política de recursos humanos, entende ou não o Sr. Ministro que as leis, para serem implementadas, têm de ter o concurso de profissionais empenhados? Não haverá que saber se, especialmente nas camadas etárias mais jovens, a precariedade do emprego não poderá ser um sério travão à implementação desta lei, nomeadamente no que diz respeito aos primeiros anos de acção dos enfermeiros e dos médicos?
Finalmente, em relação às relações internacionais, gostaria de saber que papel está reservado a Portugal ao nível da cooperação com os países africanos de expressão portuguesa, já que, em minha opinião, esse é um dos sectores estratégicos do sistema de saúde português.
A Sr.ª Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Macedo, em tempo cedido pelo CDS.
0 Sr. Carlos Macedo (Indep.): -Sr. Ministro da Saúde, concordo em grande parte com a sua intervenção, embora ache estranho que seja possível encaixá-la no espírito da proposta de lei que o Governo apresenta hoje para discussão.
A súmula da sua intervenção foi também por mim feita, em Junho de 1981, quando era ministro dos Assuntos Sociais.
Gostaria, no entanto, de colocar a V. Ex.ª algumas questões concretas no tocante a essa proposta de lei,
Quando o Governo pretende marcar uma acentuada diferença entre a sua proposta de lei e o projecto de lei do Partido Socialista, como é que o Sr. Ministro explica a flagrante semelhança que existe entre as duas iniciativas, quer em termos da sua filosofia, quer da sua estrutura?
Diria que a Lei n.º 56179, de 15 de Setembro, encontra nesta proposta de lei uma nova edição corrigida e anunciada.
Solicitaria também ao Sr. Ministro que me explicasse como é que encontra nesta proposta de lei inovação, flexibilidade e liberalização, sobretudo tendo em conta dois aspectos essenciais que devem enquadrar qualquer lei de bases da saúde, ou seja, o financiamento do nosso sistema, uma vez que é condicionante de todos os restantes, tendo em conta a relação receitas/custos, onde o primeiro factor é sempre descompensado à custa do segundo. Por outro lado, como é que explica o acesso dos utentes aos diferentes cuidados de saúde e a prestação a eles inerente, garantindo a liberdade de escolha dos mesmos dentro do conceito da razoabilidade?
A intervenção de V. Ex.ª, Sr. Ministro, e a proposta de lei aqui apresentada levam-me a ter certa dificuldade em compreender a preocupação tantas vezes repetida pelo Governo na frase «menos Estado e melhor Estado».
Por último, Sr. Ministro, sendo a proposta do seu Governo extraordinariamente pormenorizada, a ponto de mais parecer um decreto regulamentar com uma omnipresença estatal do que uma lei de bases, como é que o Sr. Ministro explica que ela se limita à simples enunciação de um aspecto extraordinariamente importante como o do seguro de saúde? Neste particular o Partido Socialista foi muito mais explícito.
A Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
0 Sr. Rui Silva (PRD):- Sr. Ministro, gostaria de colocar-lhe algumas questões concretas, umas abordadas na sua intervenção e outras que conseguimos retirar da proposta de lei em apreciação.
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Quando nos principios gerais o Sr. Ministro afirma que se pretende o estabelecimento de um sistema de saúde que visa, antes de mais, privilegiar os utentes, gostaria de saber se o Governo se propõe, por exemplo, alterar o esquema de comparticipação dos medicamentos, que tanto tem lesado os utentes, alguns dos quais incapazes de poderem suportar os seus preços.
Vozes do PRD: -Muito bem!
Orador: - Disse também que vai dotar os centros de saúde de maior autonomia financeira, dado que em alguns deles a asfixia é tal que, actualmente, nem sequer verbas têm para comprar material de higiene e de limpeza, e que vai criar mecanismos de fixação de profissionais de saúde no interior do País, onde hoje as carências de médicos soo flagrantes o onde a maior parto da população tem de percorrer dezenas do quilómetros para conseguir o privilégio de poder ter um médico que a assista.
A certa altura, a proposta de lei diz também que o Conselho Nacional do Saúde, e, ou, melhor, virá a ser, um ôrgão consultivo de saúde, pelo que gostaria do saber se esse orgão consultivo seja de carácter fácultativo ou obrigatório, pois, como o Sr. Ministro sabe, o PRD propõe que esse órgão seja de consulta obrigatória.
A proposta do lei consagra também a transferência do competências para as outarquias locais. Ora, Sr. Ministro, nós sabemos por experiência anterior, nomeadamente em matéria de ensino e de rede viária municipal, que essa transferencia de competências acabou, a partir do uma certa altura, por representar, pura o simplesmente, encargos para as autarquias. 15to porque a transferência de verbas por porte do Governo não se, verificou e as autarquias tiveram do fazer face a essas novas competências.
Assim, gostaria que me informasse se o Governo prevê incluir no Orçamento do Estado novas verbas, caso venham a ser transferidas competências para as autarquias locais.
Temos sobre isto algumas dúvidas, uma vez que a redacção da proposta de lei é um pouco ambígua na matéria. 15to é, o utente tem ou não, como está actualmente previsto, a liberdade de escolha do médico o da instituição? Preconizamos que se devo manter essa possibilidade. Gostaria do saber a opinião do Sr. Ministro.
Uma outra questão, que já hoje foi aqui sumariamente colocada, tem a ver com o facto do a proposta de lei pretender facilitar a mobilidade entre o sector público o o sector privado.
Sr. Ministro, as medidas que o Governo pretende implementar por posterior regulamentação cuidaram, de algum modo, de evitar que os bons quadros de que o sector público dispôe passem para a sector privado? Pensa o Governo tomar medidas concretas nesse sentido?
Finalmente, Sr. Ministro, relativamente ao seguro do saúde, pergunto-lhe: que seguro? Como? Em que modalidadcs? É um seguro social? Quem vai pagar?
V. Ex.a, Sr. Ministro, sabe perfeitamente que hoje, em Portugal, o montante que algumas entidados seguradoras cobram pelo seguro de saúde é incomportável para 80 % ou 90% da população portuguesa.
Todos sabemos que esse montante tem a ver com a idade, tal como ocorro com qualquer seguro de vida. Até o próprio seguro poupança-reforma tem a ver com a idade do segurado! Como é que V. Ex.ª, Sr. Ministro, pensa vir a substituir a saúde dos cidadãos por um seguro de saúde que é incomportável para a maioria das bolsas portuguesas?
A Sr.ª Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
0 Sr. Nogueira de Brito (CDS):- Sr. Ministro da Saúde, confesso a V. Ex.ª e à Câmara que não ouvi inteiramente o seu discurso. Tenho pena, pois acabo de ouvir um elogio, numa perspectiva que francamente me agradou.
No entanto, é certo que V. Ex.ª está aqui a defender esta proposta e, portanto, tem cabimento que lhe faça, desde já, algumas perguntas ou, melhor, que lhe faça uma pergunta, fundamentalmente.
Como disse, não ouvi o discurso, mas conheço a proposta. V. Ex., Identificou-se com ela e francamente., Sr. Ministro, embora não o tenha ouvido, tenho lido nos jornais algum reflexo das suas opiniôes, pelo que sempre julguei que V. Ex.ª iria repudiar esta proposta. 15to é, sempre julguei que V. Ex.ª aproveitaria plenamente as possibilidades que demos ao Governo quando revimos a Constituição e fundamentalmente o Partido Socialista o o Partido Social-Democrata, que foram fundamentais para a constituição dos dois terços necessários a essa revisão-, através do artigo 64ª, ou seja, as possibilidades do actuação em matéria de definição do política da saúde e, desígnadamente, da construção da sua nova lei de bases, o que verifico que tanto V. Ex.ª como o Govemo não estão a utilizar.
Esta proposta parece como que um equivoco, parece ter sido feito numa altura em que o PSD tinha a ideia do Sistema Nacional de Saúde para substituir o Serviço Nacional de Saúde, a qual acabou por esbarrar numa fidelidade formal do Partido Socialista ao Serviço Nacional de Saúde; deste modo, o PSD teve de ficar com o Serviço Nacional de Saúde o agora «espeta-nos» aqui o Sistema Nacional de Saúde mais o Serviço Nacional de Saúde,
É um exagero, Sr. Ministro, o eu não compreendo como é que os intuitos e propósitos liberalizadores de V. Ex.ª se podem coadunar com esta ideia dos círculos concêntricos, lendo como um primeiro reduto, como um primeiro núcleo duro da actuação do Estado, o Serviço Nacional de Saúde, e, depois, como uma segunda linha de defesa, uma rede reinvincada e complicada, constituída por uma organização, por uma regulamentação, por uma disciplina, por uma orientação, por uma vigilância, por estatutos dos utentes, por estatutos dos profissionais, isto é, por uma disciplina totalitária de todos aqueles que se dedicam à prestação de cuidados na área da saúde e que fica também dominada pelo poder avassalador do Estado, É este o propósito liberalizador de V. Ex.", Sr. Ministro?
Assistimos hoje, aqui, a perguntas cruzadas que constítuíram uma verdadeira mistificação deste debate. Mais uma vez 0 Partido Socialista e o Partido Social-Democrata estão quase completamente de acordo. Quase completamente de acordo!...
0 Sr. Ministro da Saúde: - Ohl... Não!
0 Orador: - Não diga isso, Sr. Ministro!... Estão quase completamente de acordo!...
Aliás, as leis, como já teve ocasifio de salientar e de sublinhar o Sr. Deputado Carlos Macedo, soo substancial e formalmente idênticas. Em grande extensão!... 15to é praticamente a mesma coisa e, no entanto, quer dar-se ao País o ideia falsa, a ideia errada, de que há grandes divergências, de que «eu sou liberal e que tu não és, és socialista, de que tu colectivizas e eu não colectivizo»! Sr. Ministro, isso é uma autêntica mistificação!...
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0 Sr. Silva Marques (PSD): -Não é, não!... Eles são socialistas!
0 Orador: -Está V. Ex.a, Sr. Ministro, disposto a aceitar, por um lado, continuar nessa mistificação e, por outro, que as vossas diferenças são, afinal, apenas diferenças de estilo? V. Ex.ª é apenas uma pessoa mais simpática, mais agradável, de melhor convívio, ou as suas diferenças são diferenças de fundo?
É bom que esclareçamos isso de uma vez por todas, pois V. Ex.ª pode estar certo de que quando alguns jornais disseram que V. Ex.ª era a vedeta da remodelação ministerial não era por as suas diferenças serem meramente formais, mas, sim, porque todos pensávamos que elas eram realmente de fundo, e diferenças de fundo são incompatíveis com a manutenção do apoio a esta lei.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem! Esta não é marginal!
0 Sr. Silva Marques (PSD): -0 Sr. Deputado está muito bastonário!
A Sr.ª Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr., Deputada Luísa Amorim.
A Srª Luísa Amorim (PCP): -Sr. Ministro, ouvi inteiramente o seu discurso, no qual falou de humanismo, de cuidados personalizados, tendo manifestado a sua recusa quanto à existência de robôs e dizendo pretender combater a burocracia.
Por acaso, Sr. Ministro, até sou médica de família. Sou uma médica de família que tem 1500 potenciais utentes à espera de consulta, para os quais disponho apenas de quatro horas, tempo que corresponde à vaga no consultório onde funciono. Gostava de saber, concretamente do partido maioritário nesta Assembleia e do Governo, qual é a sua responsabilidade no pôr em prática este. Serviço Nacional de Saúde que, afinal, os senhores acusam de tudo quanto vai mal.
Sr. Ministro, o que está mal é o Serviço Nacional de Saúde ou é a forma e a vontade política com que ele foi implementado, que levou a que se chegasse à situação de desumanização e de transformação dos médicos em robôs, sem qualquer capacidade para, em quatro horas, dar resposta a 1500 doentes, à transformação dos utcnLes em robôs...
Vozes do PSD: - Ah!...
A Oradora: - São 1500 potenciais utentes!... Srs. Deputados, nós queremos a promoção da saúde, queremos a prevenção da doença, queremos que os 1500 potenciais utentes vão, o mais possível, à consulta do médico de familia!... A média de consultas dos médicos de família é de 15 doentes por dia em quatro horas de consulta!... Qualquer profissional de saúde com sentido de responsabilidade sabe perfeitamente que não é possível responder com qualidade trabalhando nestas condições! Deixem-se de dernagogiã! Esta é a realidade!... 0 que se tenta fazer com os médicos de família é transformá-los no bode expiatório de uma política de saúde que pretende arranjar bodes expiatórios para não ter de arranjar um orçamento que preveja a criação de instalações e o alargamento das vagas, a fim de melhor se poder responder às necessidades das populações e, assim, promover a saúde e prevenir a doença. Esta é que é a realidade!...
De resto, Sr. Ministro, é agradável ouvir falar em humanização. Mas não se culpe quem não é culpado!... Há quantos anos são os senhores quem governa o Ministério da Saúde?
0 Sr. Carios Brito (PCP): -Muito bem!
A Oradora: - Por outro lado, gostaria que explicasse, Sr. Ministro, a mim e aos meus colegas que trabalham em medicina junto de utentes que nos pedem apoio e que, muitas vezes, nos põem problemas humanos dramáticos, problemas que requerem respostas urgentes que não temos capacidade de dar (e, se a damos, fazemo-lo, na maioria das vezes, à custa do nosso descanso), qual é a varinha mágica da medicina privada para dar resposta aos problemas, preocupantíssimos, de humanização da medicina, de combate à burocracia, de acabar com os médicos robôs, de acabar com os utentcs robôs, para promover a saúde e prevenir a doença? Explique-me qual é a varinha mágica dessa medicina privada que vai permitir responder a tudo isso, que não vai ter nenhuma preocupação de criar mais-valia (sei que não gostam deste termo, que é capaz de ser muito marxista), de criar o tal lucro, que toda a gente entende? Explique-me qual é essa varinha mágica, pois eu ficarei felicíssima por poder dizer aos meus doentes, alguns dos quais há meses que esperam consulta, que, a partir de agora, graças a este Serviço Nacional de Saúde, vou poder responder às suas necessidades.
Aplausos do PCP.
0 Sr. Silva Marques (PSD): -A Sr.ª Deputada só deve poder vê-los aos sábados e aos domingos visto que nos outros dias está aqui!
Protestos do PCP.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.
0 Sr. Ministro da Saúde: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Foram-me aqui colocadas inúmeras questões, às quais tentarei responder na medida do possível.
Embora esteja convencido de que irei dar os esclarecimentos suficientes para o claro entendimento da proposta sobre a Lei de Bases da Saúde, que hoje apresentamos nesta Assembleia, coloco-me, desde já, à disposição dos Srs. Deputados se alguma pergunta ficar para trás.
Começaria por agradecer ao Sr. Deputado Nogueira de Brito as amáveis palavras que me dirigiu. Tenho pena que não tenha ouvido o meu discurso, pois ele foi esclarecedor relativamente a alguns dos pontos que focou e era clarificador na maior parte das questões que acentuou.
Devo dizer-lhe mesmo que me pareceu, para o brilhante deputado e jurista que é, que leu um pouco a correr a nossa proposta ou que, então, não leu o projecto do Partido Socialista. Efectivamente, das duas uma: ou leu muito bem a nossa proposta e não leu o projecto do Partido Socialista ou então leu muito a correr as duas. Digo isto em virtude de ter afirmado que não há diferença nenhuma!...
0 Sr. João Rui de Almeida (PS): -Que grande confusão!
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0 Orador: -Mas como é que não há diferença nenhuma? Aonde é que o Partido Socialista desenvolve a medicina concorrencial entre o privado e o público? Aonde é que o Partido Socialista accita a construção do Sistema de Saúde e não do Serviço Nacional? No nosso texto nunca mencionamos Sistema Nacional de Saúde!... 0 sistema engloba todos os diversos aspectos que conLribuem para a prática dos actos de saúde e, simultaneamente, o próprio Serviço Nacional de Saúde. Além do mais, não foi o Governo que fez a Constituição! A Constituição diz claramente que existe um Serviço Nacional de Saúde, que ele deve existir, e deve ser universal, global e tendencialmente gratuito.
Então, não podíamos -nem o Sr. Deputado quereria que nós o fizéssemos- fazer um texto para apresentar nesta Câmara que fosse contrariar aquilo que está no texto constitucional.
Do que não há dúvida nenhuma, Sr. Deputado, é que existem profundas diferenças entre o nosso texto e o texto do Partido Socialista.
0 Sr. João Rui de Almeida (PS):- Quc grande confusão!
0 Orador:- Nao tenha dúvidas nenhumas, Sr. Deputado, que a diferença que existe é substancial.
Para o demonstrar gostaria de ler o seguinte do diploma do Partido Socialista:...
Pausa.
Bem, não o encontro, mas afirmo-lhe que a diferença é substancial.
0 Sr. Nogueira de Brito (CDS): -Não a encontra! é
0 Orador:- Já encontro!... Tenha calma que já encontro as diferenças.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS): - Só com uma lupa!
0 Orador: -Mas as diferenças são mais que muitas, Elas situam-se no seguro de saúde, na liberdade de escolha do utente, na forma de gerir o próprio Serviço Nacional de Saúde, no esquema de participação do Serviço Nacional de Saúde, etc . ... Enfim, Sr. Deputado, penso que são bem claras as diferenças que existem entre a projecto do Partido Socialista o a nossa proposta.
Não tenho quaisquer dúvidas que a proposta do Governo é uma proposta moderna, que inspira confiança, é uma proposta que põe um acento tónico claro e inequfvoco na liberdade e na escolha do utente em relação ao estabelecimento ou ao operador de saúde que, em cada momento, presta esses cuidados. Ou seja, o utente poderá, a qualquer momento, optar entre o operador de saúde privado e o operador de saúde público, sem ter de pagar mais um tostão por isso, dado que o Estado garantirá sempre o primeiro patamar dos custos do sistema.
0 Sr. Deputado João Camilo, do PCP, perguntou qual o «cataclismo» que afectou o artigo 64º da Constituição e que fez com que tenha sido tão mudado nesta proposta de lei. Ora, não vejo aqui nada de inconstilucional nem o Sr. Deputado apontou nada de concreto.
Na verdade, a proposta de lei diz claramente que o sistema é universal, é global, é tcndencialmcnLC gratuito e, também, que é descentralizado; aliás, o Governo até aponta a forma de proceder a esta descentralização.
0 Sr. João Camilo (PCP): - Sr. Ministro, não falei em sistema mas em serviço nacional de saúde.
0 Orador: - Sr. Deputado, eu estava a caracterizar o Serviço Nacional de Saúde...
Portanto, repito que esta proposta de lei refere claramente que o Serviço Nacional de Saúde será universal, global e, ao mesmo tempo, tendencialmente gratuito. Assim, não tenho quaisquer dúvidas de que não viola qualquer preceito constitucional, pelo que o artigo 64.1 é respeitado, incluindo no que respeita à descentralização.
0 Sr. Deputado Ferraz de Abreu colocou uma questão que já é velha: perguntou se o Governo considera que a saúde é um negócio.
Ora, evidentemente que não a entendemos como tal, mas, sim, que os cuidados de saúde podem ser prestados por entidades públicas e por privadas, podendo estas últimas ter ou não fins lucrativos. Aliás, o próprio projecto de lei do PS não recusa as actividades privadas.
Eu próprio gostaria de perguntar ao Sr. Deputado se considera que, em Espanha ou em França, a saúde é um negócio, dado que, nestes dois países, as actividades privadas subsistem ao lado das públicas.
É evidente que, no conceito do vosso partido e no vosso projecto de lei, nem sequer consideram a actividade privada no aspecto da complementaridade do Serviço Nacional de Saúdo, quanto mais no que diz respeito ao aspecto concorrencial...
0 Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Ministro, não diga isso!
0 Orador: -Portanto, é óbvio que a vossa posição
completamente diferente da do Governo.
Aplausos do PSD.
Protestos do PS.
0 Sr. Deputado João Rui de Almeida colocou uma questão com que eu já contava, embora deva confessar que não a esperava tão cedo.
De facto, o Sr. Deputado perguntou-me se esta proposta de lei é da minha autoria ou se é da ex-ministra Leonor Beleza. Ora, Srs. Deputados, não vale a pena Lentarcm colocar a questão neste ponto. Já disse e repito: em todos os aspectos relacionados com o Ministério da Saúde, faço parte do XII Governo Constitucional e esta proposta é da autoria deste Governo.
Aplausos do PSD.
Por sua vez, o Sr. Deputado Rui Cunha disse que o texto ( proposta não tem personalidade jurídica, que não apresenta autonomia financeira e administrativa, que inclui um coordenador, etc ....
Ora, com certeza que o Sr. Deputado não leu bem este texto, porque, embora não o diga clara e inequivocamente - nem tal é necessário -, a proposta de lei tem personalidade jurídica.
Protestos do deputado do PCP Rui Cunha.
Sr. Deputado, a proposta de lei di-lo claramente. Quem é que pode representar em juízo? É ou não a administração regional de saúde? Então, se pode representar em juizo, é porque tem personalidade jurídica.
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Tem ou não autonomia financeira? Tem e está dito inequivocamente.
0 Sr. Rui Cunha (PS):- Não tem, não está lá!
0 Orador: -Sr. Deputado, desculpe que lhe diga, mas os juristas que estão entre os deputados desta Assembleia sabem, perfeita e inequivocamente, que, para se saber se há ou não personalidade jurídica ou autonomia financeira, não é necessário que tal fique expresso da maneira que o Sr. Deputado quereria que estivesse.
É evidente que as administrações regionais de saúde têm personalidade jurídica e são dotadas de autonomia financeira e administrativa.
A seguir, disse o Sr. Deputado que, nesta proposta de lei, o Governo propõe a criação de uma entidade intermédia, sub-regional. Ora,pergunto: então e no vosso próprio projecto de lei? Até aponta para a distritalização enquanto não forem definidas as regiões! 15to é, o projecto de lei do Partido Socialista propõe que não se mexa em nada.
Ora, o Governo diz claramente que, ao contrário do que é proposto pelo vosso partido, não vai colocar mais uma autoridade, mais um órgão burocrático e esfuziante, junto do Ministério da Saúde para dominar completamente toda a rede descentralizada.
A situação é muito simples. Serão criadas as regiões de saúde, que serão dotadas de administração. Serão criadas as sub-regiões de saúde, que serão dotadas de um coordenador, e simultaneamente serão criadas as áreas de saúdo, que serão dotadas dos órgãos próprios, conforme está estipulado na nossa proposta de lei.
A seguir, o Sr. Deputado perguntou quem financiará os concursos e como serão feitos. É óbvio que hão-de ser as administrações regionais de saúde a estabelecer o caderno de encargos, mas não pode pôr-se permanentemente em causa a honestidade do Estado o dos respectivos órgãos.
Parece que o Sr. Deputado quis veicular esta última mensagem mas o entendo. É que existem todos os órgãos fiscalizadores possíveis e imagináveis e o Ministério estará sempre à disposição para mostrar tudo o que está a fazer-se para que essa mensagem não passe para o público. Até porque tal não pode nem deve acontecer, sob pena de desprestigiar os órgãos de soberania dos quais V.Ex.- Srs. Deputados, fazem parte e nós próprios também. Respeitamos muito os órgãos de soberania e temos de manter uma grande dignidade em relação a este aspecto porque a viciação não faz parte dos nossos métodos.
Aplausos do PSD.
Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado. Jorge Catarino, já foi respondida pelo Sr. Deputado Angelo Correia.
Aliás, a mesma pergunta sobre pôr ou não h discussão pública a questão do Serviço Nacional de Saúde também foi colocada por um outro Sr. Deputado e repito que faço minhas as palavras do Sr. Deputado Angelo Correia.
Ouvi com muito interesse as palavras do Sr. Deputado Manuel Alegre. Respeito-o e tenho pena de não ter gostado que eu tivesse salientado o nome do ex-ministro António Arnaut, ilustre militante do Partido Socialista, mas foi esse o nome por que ficou conhecida a lei a que me referi. Não tenho culpa que aquela tenha ficado conhecida pelo nome de «lei Arnaut» e tenho comigo
inúmeros recortes de jornais que lhe dão esse nome. Por consequência, não inventei nada e, se cometi um grande pecado, peço desculpa.
0 Sr. Ferraz de Abreu (PS): -- 0 problema é o do modo como se lhe referiu!
0 Orador: -Quanto ao Sr. Deputado Jorge Paulo, gostaria de lhe dizer que, obviamente, estamos preocupados com o problema da cooperação com os países africanos de língua oficial portuguesa e pensamos mesmo que iremos implementar e desenvolver a cooperação entre o Ministério da Saúde e esses mesmos países.
Digo-lhe mais: quanto às novas oportunidades para os jovens, esta proposta de lei é a única que as,consagra, inequivocamente, ao propor a criação, par a par, de um sistema privado e de um público. Os jovens terão, portanto, maiores e melhores oportunidades de emprego,
E não só diga que os melhores passam do sector público para o privado, Esta sempre foi a velha discussão da chamada «esquerda» ao dizer que os melhores profissionais saíam das empresas públicas pua ingressarem no sector privado. Ora, por que é que não hão-de ir do sector privado para o público, dos hospitais privados para os públicos? Claro que pode ir! A mobilidade opera nos dois sentidos, portanto, não nos ponhamos com complicações dessa ordem, porque, pela minha parte, não entendo essa forma dirigista de encarar os problemas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: -Ouvi com toda a admiração o Sr. Deputado Carlos Machado, no entanto, devo dizer-lhe que penso que o texto da minha intervenção encaixa no da proposta de lei,
Quanto às diferenças entre esta e o projecto de lei do PS, já apontei algumas e é óbvio que, ao longo deste debate, irão ser apontadas muitas mais.
Tenho pena que o tempo escasseie e que não possa avançar um pouco mais neste domínio, mas, há pouco, dirigindo-me ao Sr. Deputado Nogueira de Brito; já apontei algumas dessas diferenças, que são substanciais.
Sr. Deputado, também lhe digo que não tenho culpa que o Partido Socialista tenha copiado a proposta de lei na parte que não diz nada e que nem tenha tocado na parte importante. Onde é que está a concorrência? Onde está a complementaridade? Quais são os incentivos à iniciativa privada e aos seguros de saúde? Nada disto está previsto no projecto de lei do Partido Socialista, mas está tudo na nossa proposta.
Na verdade, 40 a 60 % do texto do projecto de lei do PS é feito na base das palavras do texto da proposta do Governo, Mas disso não temos culpa, Nós apresentámos a nossa primeiro e copiaram-nos depois, Paciência...
Aplausos do PSD.
Protestos do PS.
Laincnio, mais por questões de tempo, tenho de terminar agora e terei oportunidade de, mais tarde, responder a outras questões que venham a ser postas.
Aplausos do PSD.
A Sr. Presidente: -0 Sr. Deputado Carlos Macedo tinha pedido a palavra. Para que efeito, Sr. Deputado?
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0 Sr. Carios Macedo (Indep.): - Sr.ª Presidente, era para uma intervençao, pois creio que ainda tenho tempo disponível.
Gonçalves Ferreira, antigo secretário de Estado do Professor Marcelo Caetano; Professor Caião da Mota; Dr. Leal Lopes; Dr. Gonzaga Ribeiro, actual presidente da Cruz Vermelha, e Dr.ª Maria dos Prazeres Beleza.
A Sr.ª Presidente: - V. Ex., já está inscrito para uma
Risos do PS.
intervenção, Sr. Deputado.
0 Sr. Deputado Narana Coissoró também tinha feito
sinal à Mesa no sentido de pedir a palavra. Para que
efeito, Sr. Deputado?
0 Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr.ª Presidente, nos
termos regimentais, 6 para solicitar uma interrupção dos
trabalhos por 15 minutos, porque o nosso partido vai dar
uma conferência de imprensa. Aliás, aproveitaria desde já
para convidar toda a imprensa parlamentar a comparecer
na Sala D. Maria.
A Sr.ª Presidente: regimental, portanto, está
concedido.
Srs. Deputados, vamos interromper os nossos trabalhos
por 15 minutos e recomeçaremos hs 17 horas e 20 mi
nutos.
Está interrompida a sessão.
Eram 17 horas e 5 minutos.
Srs. Deputados, temos quórum de funcionamento, pelo
que declaro reaberta a sessão.
Eram 17 horas e 30 minutos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado
Ferraz de Abreu.
0 Sr. Ferraz de Abreu (PS): -Sr.ª Presidente, com
o devido respeito, gostaria de dizer que o nosso partido
dá bastante importância a este debate e. o Plenário ainda
se encontra quase vazio; além disso, o próprio Ministro
da Saúde nfio está na Sala.
A Sr." Presidente: - Sr. Deputado Ferraz de Abrou,
tentei reabrir a sessilo desta forma para evitar maiores
=isos, incentivando a vinda imediata dos nossos colegas.
Esperaremos um pouco mais para dar tempo h compa
rôncia dos Srs. Deputados que ainda nfio so encontram na
Sala.
Pausa.
Creio que estão agora criadas as condições para po
dermos prosseguir a sessão.
Para uma intervenção, tom a palavra o Sr. Deputado
Ferraz de Abreu.
0 Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr., PresidenLO,
Srs. Membros do Governo, Sr.", o Srs. Deputados: Ante.%
de começar a minha iritcrvenção propriamente dita,
permito-me oferecer um pequeno «apcritivo» h Câmara.
A propósito da lei de saúde do Dr. Arnaut, assim
classificada pelo Sr. Ministro da Saúde, disse este que se
tratava de um hino ao colectivismo marxista, concebido
para robôs, não para homens, humanamente dcprimenLe,
uma cartilha, um produto da vontade ideológica, um
subproduto de um romantismo iluminado.
Ora, gostaria de informar o Sr. Ministro que, esta lei
foi essencialmente produzida por um grupo de trabalho
de que faziam parte as seguintes pessoas: Professor
0 Sr. João Rui de Almelda (PS):- Sfio todos marxistas, não é?
0 Orador: -Creio que o meu «aperitivo» não foi muito apreciado. Parece que terá tido mau sabor para alguns Srs. Deputados, mas para outros talvez não.
Aplausos do PS.
Sr." Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os comportamentos dos sucessivos governos do PSD em matéria de saúde e os tratos de poló a que submeteram o Serviço Nacional de Saúde, criado pela Lei ri.<_ que='que' naquela='naquela' de='de' completo='completo' governo='governo' uma='uma' faziam='faziam' consagrados='consagrados' pelo='pelo' prover='prover' bases='bases' lei='lei' por='por' para='para' apresentação='apresentação' nova='nova' a='a' os='os' lei.br='lei.br' generosos='generosos' saúde='saúde' lho='lho' _56179='_56179' subverter='subverter' permitisse='permitisse' princípios='princípios'>
Mas talvez possa parecer insólito que o PS, o principal obreiro do Serviço Nacional de Saúde, tenha também apresentado um projecto de uma nova lei de bases para a saúde.
Significa isto que estamos a pôr em causa a política que sempre defendemos e os princípios fundamentais que a devem nortear? A sua leitura não deixará quaisquer dúvidas sobre os nossos objectivos, que são bem diferentes e mesmo, em aspectos fundamentais, antagónicos com os do Governo. Dela ressaltará o nosso desejo de rclançamenLo do Serviço Nacional de Saúde, mas com um melhor enquadramcnto no contexto nacional, clarificando sem complexos o seu relacionamento com outras áreas indispensáveis e tendo em conta a experiência vivida e a evoluçúo das nossas realidades sócio-económicas e culturais. E temos boas o sólidas rayôcs para o fazer,
Rcconhece-se hoje que a saúde e o estado sanitário da população é o melhor espelho e a melhor síntese das suas condições de vida.
Qualquer política de saúde que considere a evoluçflo do conceito de saúde, os múltiplos factores que nela intervôin, as novas tecnologias utilizadas na sua promoção ou no sua recuperação e os seus elevados custos necessita, para a sua execuçúo, de uma complexa organização, que não pode dispensar a intervenção do Estado, uma colaboraçflo inLersoctorial o o emponhamento da própria poptilaçao,
As diferenças entre as várias políticas possíveis colocam-se í)pcní)s no escolha do tipo de organização, no grau de responsabilidades a assumir pelo Estado e pelos cidadãos e no grau de participação nela reservada à iniciaÚVO Pl`iVada, COM OU Sem fins JUCraLiVOS.
A escolha será ditada não só pelas realidades sócio-económicas, mas também e sobretudo por ra7õcs ideológicas e pelo conceito em que se tenham os valores e a dignidade do homem. E é esta escolha que vai ditar as nossas divcrgóncias com o PSD e o seu Governo.
Para nós, socialistas, hoje como ontem, uma política de saúde tem de ser guiada pelos princípios da solíd,irícdade, da justiça, da igualdade de oportunidades para todos, garantida pela lei e não dependente da doação ocasional de qualquer associação de beneficência, o que mpreçcnta Lima significativa diferença, que tem a ver com a dignidade de cada um.
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Defendemos, ontem, um Serviço Nacional de Saúde universal, geral e gratuito; continuamos, hoje, a defender um Serviço Nacional de Saúde que garanta igualdade de oportunidades a todos os cidadãos no acesso a todos os cuidados de saúde, e, para tal, basicamente suportado pelo Estado.
E porque a Lei a.º 56/79 está hoje desajustada e, por outro lado, descaracterizada e mesmo desacreditada pela acção dos vários governos de partidos que votaram contra ela e que a tem gerido quase ininterruptamente, entendemos que se impunha uma salutar renovação.
0 Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
0 Orador: - Será útil fazermos -aqui uma curta reflexão sobre as causas verdadeiras da crise a que se chegou no sector, para podermos fundamentar a renovação pretendida e que consta do nosso projecto de lei.
Será que esta crise resulta da existência ou da essência do Serviço Nacional de Saúde, como pretende fazer crer o Governo, para quem o «sistema estatal em vigor», os desperdícios dos meios financeiros, a exalei da gestão democrática e participada dos hospitais e as malfeitorias da classe médica foram os verdadeiros responsáveis da degradação observada um pouco por toda a parte?
Mas quem transformou o Serviço Nacional de Saúde num «sistema estatal», destruindo a sua autonomia, cultivando, até às últimas consequências, o centralismo burocrático, atribuindo a si próprio o poder de designar os seus gestores a todos os níveis, impedindo a participação das comunidades e dos cidadãos, recusando autonomia às administrações regionais de saúde e aos hospitais, procedendo autocraticamente o em desacordo com os princípios contidos na lei?
A resposta só pode ser uma: é que o Serviço Nacional de Saúde foi, na realidade, transformado num «sistema estatal» por obra e graça dos governos do PSD.
Desperdícios de meios financeiros? Mas quem os cometeu?
E que dizer das acções de desmantelamento do que ainda resta do Serviço Nacional de Saúde, tendo em vista reduzir o papel do Estado como prestador de cuidados e de garantia da protecção da saúde de todos os cidadãos?
E quem reduziu os meios financeiros atribuídos ao Serviço Nacional de Saúde, apesar da publicitação em contrario? Quem não aprofundou as potencialidades (tos centros de saúde e não -actualizou os quadros dos hospitais? Quem os tornou insolventes e (lucra destabilizou os seus trabalhadores?
0 Sr. António Guterres (PS): - Muito bem! '
0 Orador: - Quem estimulou o aparecimento de empresas privadas nas áreas dos meios de diagnóstico e internamento e expressou o desejo da venda de alguns hospitais e da entrega da sua gestão a grupos económicos, que estão descobrindo na saúde um grande mercado para explorar?
Tudo tem servido para desmantelar e desacreditar o Serviço Nacional de Saúde, mas nada nem nínguem conseguirá que ele deixe de ser considerado um marco histórico notáve1 na protecção da saúde dos Portugueses.
0 Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
0 Orador: - Face a esta actuação e as repetidas afirmações de responsáveis do Ministério, lamentando não poderem ir mais longe por culpa da Constituição, aguar-
dando a sua revisão para procederem então às alterações desejadas, não nos causou surpresa a proposta de lei agora apresentada pelo Governo, onde se confessa o desejo de «inverter» a filosofia do Serviço Nacional de Saúde, ou seja, reduzir as responsabi 1 idades do Estado e agravar os encargos dos doentes.
E como corolário lógico destes desígnios, também não nos surpreende que ela seja dominada por critérios meramente economicistas e pelo mais selvagem liberalismo. E digo selvagem porque a saúde não é uma mercadoria para lançar na lei da oferta e da procura e um hospital não pode ser considerado como uma empresa com fins lucrativos, a despertar a cobiça nos meios empresariais privados.
Não vou aprofundar aqui a análise do diploma do Governo, pois ela será feita por outro deputado da minha bancada, mas não deixarei de mencionar que os bons propósitos preambulares não passam de um enunciado de boas intenções, pois que não encontram qualquer eco no texto. Não há nele a mínima referência à estrutura centrai do Ministério e do Serviço Nacional de Saúde, aos órgãos onde se efectuará a participação dos cidadãos, ao tipo de autonomia a conceder às ARS ou ao modo como serão designados os gestores dos seus órgãos e, portanto, à gestão descentralizada e participada.
Mas, a avaliar pelas referências sobre estas matérias contidas no projecto que antecedeu a actual proposta do Governo, a que tivemos acesso, e que foram cautelosamente suprimidas nesta, não será difícil adivinhar o que vai ser a descentralização comandada pelos actuais comissários do Governo, acrescidos de mais umas dezenas, com a criação dos coordenadores das sub-regiões... Como se vê, o PSD vai continuar a estatizar...
0 Sr. António Guterres (PS): -Muito bem!
0 Orador: - Mas, a contrastar com estas omissões, são evidentes os propósitos de minimizar a importância do Serviço Nacional de Saúde -contrariando a constituição- e de enfatizar e privilegiar a iniciativa privada, com medidas que destacamos a concessão da gestão de hospitais e de centros de saúde a empresas privadas com fins lucrativos, o que, em linguagem bíblica, significa abrir as portas do templo aos vendilhões.
Quanto à opção do doente entre o sector público e o privado, face à ambiguidade do texto, é com grande preocupação que somos levados a concluir que a curto prazo teremos uma medicina para ricos e outra para os pobres.
Compreendemos agora a frase utilizada pelo Sr. Ministro da Saúdo, há pouco, no sentido de que a sua política no Ministério seria nova, mas com o mesmo Programa do Governo.
Os nossos propósitos são bem diferentes e estão claramente expressos no nosso projecto de lei. Nele procuramos estabelecer as regras de uma política de saúde que mobilize o Estado, as comunidades, os cidadãos e a iniciativa privada.
Propormos a modernização e o racionamento do Serviço Nacional de Saúde com medidas inovadoras que permitam ajustá-lo as realidades actuais, desenvolvendo todas as suas potencial idades e o seu melhor enquadramento no contexto nacional, transformando-o no instrumento priviligiado, aliás não único, de uma política global, universal e basicamente financiada pelo Estado, como determina o artigo 64 da Constituição,
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Promove-se a dinamização da participação e responsabilização das comunidades e dos cidadãos na sua gestão, na defesa e promoção da sua própria saúde, definindo-se os respectivos órgãos e a sua composição.
Definem-se os órgãos da sua estrutura a nível central, regional e concelhio, a sua composição e forma de designação dos seus responsáveis e o grau de autonomia de cada um destes níveis e as respectivas competências, criando-se uma verdadeira descentralização.
Clarifica-se mesmo a função do Governo face ao Serviço Nacional de Saúde, dotando-se este de personalidade jurídica.
Estabelecem-se regras para o funcionamento e avaliação dos resultados e acentua-se a primazia dos cuidados de promoção da saúde e da prevenção da doença e estabelece-se para cada região a articulação correcta de todos os níveis de cuidados, através de uma administração unificada.
Reconhece-se que o Serviço Nacional de Saúde não deve engolir a totalidade das intervenções públicas e que outros serviços do Estado e um volumoso sector privado têm um papel importante a desempenhar.
Consagra-se, assim, a existência de um vasto sistema que visa a efectivação da protecção e promoção da saúde, sob a tutela do Ministério da Saúde, e que tem como instrumento fundamental o Serviço Nacional de Saúde, mas que integra as demais instituições e organizações públicas e privadas que actuam no campo da saúde.
Mas, quanto à articulação entre o sector público e o sector privado, estabelecem-se claramente, sem ambiguidades, as regras de jogo. Definem-se os apoios a conceder ao sector privado em função das suas vantagens sociais.
Em relação às instituições particulares de solidariedade social, reconhece-se e deseja-se a sua valiosa colaboração na prestação de cuidados de saúde, devendo ser apoiadas técnica e financeiramente através de acordos e convénios com o Serviço Nacional de Saúde, desde que respeitem as regras esta belec idas.
Quanto às instituições privadas com fins lucrativos, devem manter a sua autonomia e não lhes ser permitido parasitar o Serviço Nacional de Saúde. Articulam-se, sim, com ele, de forma complementar, com regras bem definidas, de modo que os doentes que os utilizem tenham um tratamento igual ao que teriam no sector público, em matéria de custos e somente nestas circunstancias.
Não queremos ser fastidiosos enumerando aqui o conteúdo de todos as bases que constituem o nosso projecto. Naturalmente que não foram esquecidos o estatuto e as carreiras dos profissionais, tendo sido postos sem relevo o seu papel fundamental, a formação e a investigação, o regime das convenções, a actividade farmacêutica, os seguros de saúde, etc.
Quanto ao seu financiamento, ele é basicamente suportado pelo Orçamento do Estado, para dar cumprimento ao preceito constitucional da sua tendência para a gratuitidade e, embora estejam previstas outras receitas, não haverá outras contribuições dos beneficiários para além das taxas moderadoras, estas a aplicar quanto necessárias para racionalizar a utilização do sistema.
0 Sr. Silva Marques (PSD): -Taxas moderadoras?
0 Orador: - E defendemos que o esforço do Estado deve aumentar progressivamente, até atingir taxas razoáveis do PIB, ao contrário do que tem vindo a acontecer
nos últimos anos, com a introdução simultânea de medidas cautelares para evitar os excessos de consumos com cuidados desnecessários.
E não se fale de injustiças sociais praticadas ao abrigo do sistema, pois que, contribuindo todos os cidadãos para o Orçamento do Estado, de acordo com os seus rendimentos, a parte dos seus impostos destinada ao suporte da saúde ultrapassa, para a maioria dos grandes contribuintes, os seus próprios consumos nesta matéria.
Queremos apenas mencionar, para finalizar esta apresentação, a criação do Provedor da Saúde. Trata-se de uma inovação de grande interesse, que auxiliará e esclarecerá os cidadãos quanto aos seus direitos à protecção da saúde. Será um órgão independente, sem poder decisório, que aprecie as queixas dos cidadãos, encaminhando-os para os responsáveis, acompanhados das recomendações necessárias para prevenir ou reparar injustiças cometidas.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estamos convictos que o nosso projecto de lei levará à construção de um sistema autónomo, com uma organização regionalizada e gestão descentralizada e participada, tendencialmente gratuito, com estruturas flexíveis e desburocratizadas, com aproveitamento de todos os recursos existentes no País e que, se for correctamente regulamentado, será a resposta mais adequada da comunidade para proporcionar a todos os cidadãos os benefícios dos cuidados de saúde, cada vez mais eficazes, mas cada vez mais dispendiosos.
Ao contrário do que afirmou o Prof. Cavaco Silva na recente reunião na Figueira da Foz, em que advertiu os seus militantes que o PS andava a esconder as diferenças que o separam do PSD, deixamos bem claro o que distingue o nosso projecto da proposta do Governo.
E porque acreditamos que na bancada do PSD há ainda muitos deputados que não abandonaram os seus ideais sociais-democratas a troco de um liberalismo egoísta, que não pode ter cabimento no sector da saúde, apelamos para casos para que se juntem a nós na construção de um sistema de saúde que seja a expressão dos ideais da justiça, da autêntica solidariedade e de uma desejada fraternidade,
Aplausos do PS.
A Sr., Presidente: - Estão inscritos, para pedir esclarecimentos, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares e os Srs. Deputados António Bacelar, Luís Filipe Meneses, Nogueira de Brito, João Camilo e Nuno Delerue.
Tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Paramentares.
0 Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Dias Loureiro): -Sr. Presidente, Srs, Deputados: Creio que este debate que hoje estamos aqui a levar a cabo é muito importante, porque vai permitir clarificar as opções, em matéria de saúde, que o Governo e os partidos políticos representados nesta, Câmara têm.
Portanto, é bom que, perante esta Câmara e perante o País, haja uma afirmação clara de qual é a opção de cada força política nesta questão.
Da parte do Governo creio que não há grandes dúvidas, porque a proposta de lei que ele aqui traz é uma afirmação política e uma proposta clara e representa, no fundo, aquilo por que nos debatemos desde há muitos anos e que agora a Constituição veio tomar possível.
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A nossa proposta de lei é clara e quem a ler ficará a saber aquilo que o Governo pensa. Pensarão bem ou pensarão mal, dirão que está errado ou dirão que está certo, mas não interessa, pois o que interessa é que, deste ponto de vista, é uma proposta clara.
0 mesmo não se passa com o projecto de lei do Partido Socialista, porque ele adoptou no seu projecto de lei uma posição de meias palavras, meios caminhos e de meias opções.
Ao lermos aquilo que vem escrito no vosso projecto de lei deparamos com um artigo e dizemos «alto, o PS mudou o já não pensa o que pensava»; lemos a base seguinte e dizemos «nâo, continua a pensar o mesmo e ainda não mudou rigorosamente nada».
Portanto, este debate era extremamente importante para sabermos se tinham ou não tinham mudado, já que, em matéria de saúde, os senhores, como, aliás, disse e bem o Sr. Deputado Ferraz de Abreu, têm sido donos e senhores, em matéria de princípios e de lei, nestes últimos 12 anos.
Diria que há um aspecto em que claramente mudaram, foi no aspecto sobre o modo de fazer.
Há pouco, o Sr. Deputado do Partido Socialista dizia que esta proposta de lei do Governo devia ter sido submetida previamente a discussão pública. Aqui mudou muito, porque quando foi aprovada a Lei nº 56179 - a chamada «lei Arnaut»-, não pensavam assim.
Já agora lia-lhes uma frase elucidativa a este respeito, do então ministro António Arnaut, que veio publicada no jornal Comércio do Porto, de 25 de Maio de 1978, e dizia o seguinte:
0 projecto do Serviço Nacional de Saúde não será presente a Assembleia da República porque se insere numa área em que o Governo tem competência legislativa e, por isso, vai fazê-lo através do decreto-lei. Poderíamos, eventualmente, apresentar uma proposta de lei à Assembleia da República, mas parece-nos que isso seria muito moroso.
Como se vê, aqui mudaram bastante de opinião,
Por acaso, depois, acederam a trazer a lei à Assembleia da República, mas fizeram-no sob condição, pois, quando a trouxeram A assembleia da República, o ministro António Arnaut disse muito claramente: «0 PS não cederá uma virgula nos princípios básicos do sua proposta.»
Em relação a esta matéria, o Partido Socialista mudou o mudou muito e o mesmo aconteceu com o CDS, pois, na altura em que a clucs15o do Serviço Nacional de Saúde se colocou, houve uma grande polémica pública -se se recordam -, que foi a de saber se o CDS Linha aprovado em Conselho de Ministros essa lei ou não, pois estava também no Governo.
0 Dr. Rui Oliveira, na altura, disse que não, que o CDS não queria aquela lei nem a aprovou, mas o Dr. António Arnaut veio esclarecer a situação ao jornal Diário de Notícias, de 2 de Maio de 1978. creio eu, onde se dizia:
0 Ministro dos Assuntos Sociais, António Arnaut, a propósito de declarações prestadas pelo Dr. Rui Oliveira, do CDS, sobre o Serviço Nacional de Saúde, disse, ontem, ao Diário de Notícias não confundem a opinião de um militante do CDS com a deste partido»... e que os ministros centristas aprovaram o projecto em Conselho de Ministros.
0 Sr. Nogueira de Brito (CDS): -Eu tenho o Diário
da Assembleia da República...
0 Orador. -Referi-me à aprovação em Conselho de Ministros...
0 Sr. Nogueira de Brito (CDS): -Está aqui no Diário da Assembleia da República...
0 Orador: - Sr. Deputado, foram os ministros do CDS que, na altura, votaram esta lei em Conselho de Ministros! ...
Ficamos agora a saber que os senhores não gostam nem da nossa proposta de lei nem do projecto de lei do PS, mas, na altura, alguns ministros do CDS, pelo menos, gostavam do projecto de lei do Partido Socialista.
Nesta matéria de mudanças há, pelo menos, duas perfeitamente adquiridas, mas importaria saber até que ponto o PS tinha ou não tinha mudado. Devo dizer-lhe, Sr. Deputado Ferraz de Abreu, que esta Câmara e o País têm de lhe agradecer a sua clareza, porque o Partido Socialista veio aqui com um projecto de lei, como disse há pouco, de meias palavras, de meios caminhos o de meias opções e era necessário ser claro aqui, para podermos interpretar essas meias palavras, esses meios caminhos e essas meias opções.
0 Sr. Deputado foi eloquente, o que é importante. Vai ficar registado em acta e, portanto, saberemos que, hoje, o Partido Socialista não mudou de opinião, pois continua a defender a Lei nº 56/79, mas o que ela defende é outra coisa; defende o relançamento do Serviço Nacional de Saúde, defende o regresso à pureza das origens cio Serviço Nacional de Saúde, isto é, defendo o regresso à pureza das ideias do então ministro António Arnaut e da lei a que ele veio a dar o nome.
É por isso, Sr. Deputado Ferraz de Abreu, que me permitiria perguntar-lhe, para sermos ainda mais claros, para quantificarmos e medirmos bem a qualidade deste regresso às origens do Partido Socialista, se subscreve estas declarações feitas na altura pelo ministro António Arnaut e que, portanto, nos dá a ideia do modo e da medida deste regresso que o Partido Socialista defende: «0 Serviço Nacional de Saúde acabará com os exploradores da medicina, «medicina convencionada é impossível o inconstitucional»; do futuro, o doente só Irá acesso ao hospital depois de ser sido visto por um policlínico do Serviço Nacional de Saúde».
Ainda outra frase, igualmente recolhida do Diário de Notícias de 27 de Novembro de 1978:
António Arnaut consideraria inconstitucional a medicina convencionada defendida pela Ordem dos Médicos, unia vez que a nossa Constituição obriga prioritariamente o Estado a garantir a cobertura sanitária do País.
E podíamos ir mais longe, já que tenho um longo dossier sobre esta questão...
Por conseguinte, Sr. Deputado, parece-me importante para este debate, e para que a posição do PS fique mais clara - ficamos-lhe até gratos que aqui tivesse demonstrado que é substancial e radicalmente diferente da do PSD -, que pudesse dizer-nos se também subscreve estas mesmas declarações.
Aplausos do PSD,
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0 Sr. Nogueira de Brito (CDS): -Peço a palavra, Sr. Presidente.
A Sr.ª Presidente: -Pede a palavra para que fim, Sr. Deputado?
0 Sr. Nogueira de Brito (CDS): -Para defesa da consideração devida à bancada do CDS.
A Sr.ª Presidente: -Tem a palavra, Sr. Deputado.
0 Sr. Silva Marques (PSD): -Mas o Professor Freitas disse a mesma coisa ontem! Disse que o CDS estava mais próximo do PS do que do PSDI Para quê então a defesa da honra?!
Risos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, enquanto V. Ex.ª não fizerem o silêncio necessário para que ouçamos o orador, não poderei dar-lho a palavra...
0 Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, é
que eu não vou defender a honra do Sr. Deputado Silva
Marques, mas a consideração devida à bancada do CDS
Risos.
A Sr.ª Presidente: -É para esse efeito que a Mesa
lhe dá a palavra, Sr. Deputado.
0 Sr. Nogueira de Brito (CDS): -Sr. Ministro dos
Assuntos Parlamentares, V. Ex.ª está a incorrer num erro
grave. É que reparei agora que está a gerir pessimamente
o seu tempo e com certeza que o Professor Cavaco Silva
não vai gostar disso
0 Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: -Eu
tenho autorização
0 Orador: - Bem, então está esclarecido.
Risos.
Verifico, já desde debates anteriores, que o Sr. Ministro
tem um serviço de recortes muito bem organizado, No
entanto, recordo ao Sr. Ministro que talvez fosse conve
niente ter também outras leituras e não apenas essa dos
recortes, a qual poderá, por vezes, enganá-lo um pouco.
0 Sr. Ministro leu um recorte do Diário de Notícias
e eu leio um recorte do Diário da Assembleia da Repú-
blica... Assim, quando o Sr. Deputado Oliveira Dias, que
foi um prestigiado presidente desta Câmara, apresentou
aqui a defesa do projecto de lei de bases do Serviço
Nacional de Saúde (como então também se chamava)
n.º 17311, o falando acerca da idêntica iniciativa do PS,
afirmou:
Disse, por exemplo, que foram consultados par-
tidos políticos. Mas o CDS, que, nessa altura, linha
um acordo com incidência governamental com o mostrou-se interessado, reclamou ser ouvido e não o foi. 0 único recurso que teve para mostrar que a proposta do Governo não ora a sua foi publicar um texto alternativo, que, também com ligeiras modificações, é o que foi submetido a esta Assembleia o transformado no projecto de lei nº 173/1.
Sr. Ministro, esta é que é a verdade. Foi dita aqui na Assembleia, não aparece contestada no Diário -nem pelo Sr. Deputado António Arnaut - e é nela que nos vamos fiar e não nos seus recortes do Diário de Noticias.
0 Sr. Silva Marques (PSD): -Havia uma divisão entre vós; entre os ministros e o partido!
A Sr.ª Presidente: -Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
0 Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: Sr. Deputado Nogueira de Brito, temos, de facto, um bom serviço de documentação, É que não queremos apagar a história ou a memória, nem a nossa nem a vossa. Na verdade, queremos a história e a memória viva de todos, sendo só por isso que temos este serviço.
0 Sr. Silva Marques (PSD):- Quem não trabalha com recortes é o PS! Esses guardam-nos na gaveta!
0 Orador:- Sr. Deputado, eu apenas lhe disse, e repito-o se quiser leio-lho mais devagar para percebermos todos-, aquilo que o então Sr. Ministro António Arnaut, naquela altura e sobre esta questão, afirmou ter sido a posição dos ministros centristas no Conselho de Ministros.
Devo, aliás, dizer-lhe que citei isto, mas, no entanto, tenho a maior consideração pelo Dr. António Arnaut, que é meu colega advogado na praça de Coimbra. Portanto, não tenho nem nunca tive nenhuma razão para duvidar daquilo que o Sr. Dr. António Arnaut disse. Apenas me limitei a citar o que ele tinha afirmado e que foi a posição, em Conselho de Ministros, dos ministros centristas sobre esta questão.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS): -Como vê, estava errado
A Sr. Presidente: -Para responder ao pedido de esclarecimento que lhe foi formulado pelo Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.
0 Sr. Ferraz de Abreu (PS): -Sr. Ministro, não é nosso hábito distorcer a verdade. Se quiséssemos repetir aqui frases e posições tomadas pela vossa ex-ministra da Saúde, onde nós chegaríamos...
Vozes do PSD: -Vamos a isso!
0 Orador: -No entanto, não vou entrar por esse caminho,
Quero dizer-lhe, porém, que, na realidade, isto não é só um regresso à pureza. Aliás, mesmo que fosse apenas isso, já não era mau. É que, face às tropelias dos governos do PSD em relação ao Serviço Nacional de Saúde, já seria um grande serviço que prestávamos ao País. No entanto, não é só isso, pois aceitamos as lições da experiência e reconhecemos hoje que o PS tem, de facto, de rever algumas das suas posições dessa altura relativamente a esta matéria.
0 Sr. Montalvão Machado (PSD): - Muitas
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0 Orador: -Por exemplo, o Serviço Nacional de Saúde era considerado nessa lei como único instrumento de que o Estado se servia para executar a sua política. Porém, dizemos agora que não, pois, de acordo com a Constituição, é o mais importante, é o fundamental, mas há outros serviços que não podemos ignorar, os quais vamos aceitar e com os quais vamos colaborar.
0 Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Dá-mo licença que o interrompa, Sr. Deputado?
0 Orador: -Com certeza, Sr. Ministro. Só lhe pedia que fosse breve, pois dispomos de muito pouco tempo...
0 Sr. António Guterres (PS): -Terá de ser no seu tempo, Sr. Ministro!
0 Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: Já não disponho de tempo, Sr. Deputado
0 Sr. António Guterres (PS):- Então, paciência! Já falou de mais!
0 Orador: -Creio que há outra diferença muito grande, a qual se encontra no relacionamento entre o sector público e o sector privado. Nós aceitamos, por exemplo, que haja esse relacionamento. Porém, Lemos regras claras e transparentes e não compreendemos que, pela sua proposta e pelo que V. Ex.ª veio aqui dizer, se consagre a permissibilidade de uma migração dos trabalhadores do sector público da saúde para o sector privado sem salvaguardar os interesses do primeiro. 15to é, para nós, gravíssimo!
Por outro lado, Sr. Ministro, não tenha tanta confiança quando diz que o projecto do seu Governo ou cio seu partido está perfeitamente alicerçado na constituição. Não está, Sr. Ministro! A Constituição é clara quando (fiz que o Estado actuará sobretudo através do Serviço Nacional de Saúde! 0 próprio Primeiro-Ministro disse aqui que o Serviço Nacional de Saúde e a iniciativa privada iriam actuar par a par, e isto vai contra a constituição! Na verdade, a Constituição fala em socialização dos custos dos medicamentos e da medicina, mas o que é facto é que os senhores estão a criar um sistema tributivo para pagar os actos médicos nos hospitais e nos centros de saúde!
Finalmente, a Constituição é clara e diz que a gestão
deve ser descentralizada e participada. No entanto, os
senhores continuam a nomear comissários do Governo!
Aplausos do PS.
0 Sr. Silva Marques (PSD): -Nós vamos investigar isso dos comissários! Vamos ver quantos socialistas é que não estão na Administração!
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Bacelar.
0 Sr. António Bacelar (PSD): -Sr, Deputado Ferraz de Abreu, afirmou V. Ex.ª que o Serviço Nacional de Saúde necessita do empenhamento da população. Porém, a experiência que tive como médico, alias ainda muito antes de entrar nesta Casa, é a de que a população não acreditava no Serviço Nacional de Saúde, o qual foi
sempre muito deficiente. Aliás, a classe médica também não acreditava - também trabalhei em hospitais, que agora se chamam centros de saúde- nesse Serviço Nacional de Saúde.
Outra afirmação que V. Ex., fez foi a de que não se tem feito nada. Assim, pergunto-lhe quem é que tem estimulado mais a construção de hospitais...
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: -... por exemplo em Guimarães, no Porto -ainda há pouco tempo foram 4 milhões de contos para o Hospital de Santo António-, em Gaia, em Matosinhos e em muitos outros sítios, assim como a construção de centros de saúde.
Finalmente, afirmou V. Ex., - aliás, já não é a primeira vez que o PS o tem feito - que se estava a criar uma medicina para ricos e uma medicina para pobres.
Pessoalmente, considero essa afirmação um insulto à classe inédita. E que não posso aceitar que, quando trabalha de graça, um médico veja pior um doente do que quando lhe pagam!
Aplausos do PSD.
A Sr., Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Meneses.
0 Sr. Luís Filipe Meneses (PSD): - Sr. Deputado Ferraz de Abreu, penso que a discussão desta lei é, neste momento, importantíssima para a clarificação de alguns -poucos, felizmente-, para quem se apresenta ainda duvidosa a fronteira entre o PS e o PSD. Aliás, conforme já afirmou, V. Ex.ª está de acordo comigo.
No entanto, antes de passar às perguntas que lhe queria formular, gostaria de lhe colocar uma questão prévia que mo parece importantíssima, até porque é emblemática e corresponda aquilo que tem sido o comportamento político cio PS nos últimos meses.
Como o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares acabou de dizer há pouco, há anos atrás o PS não queria sequer fazer esta lei à Assembleia da República, quanto mais promover acerca dela um debate público. No entanto, quer agora um debate público em consequência de quê?! Em consequência de uma proposta feita dois ou três minutos antes da votação em comissão do parecer sobre essa lei e elaborada pelo PCP!
Mais uma vez o PS faz aqui um leit motiv importantíssimo (ia discussão à volta desta problemática da lei de bases utilizando uma iniciativa política do PCP, a quem dou os meus parabéns.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: -A discussão desta lei demonstra duas contradições importantíssimas do discurso e da actuação política cio PS nestes últimos dois anos e meio. Na verdade, cai pela base a tímida bandeira liberalizaste, ficando completamente desmascarado que a colagem do PS a determinados conflitos sociais, protagonizados por classes sociais que são eleitorado do PSD, é uma mera cosmética e não corresponde a uma mudança de posição por parte do PS.
Vozes do PSD: - Muito bem!
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0 Orador: -Na realidade, as principais razões porque a classe médica se movimentou e protestou nos últimos anos estão ligadas a ataques que, de uma forma demolidora, o PS faz no seu projecto de lei. Neste contexto, apresento três exemplos.
Em primeiro lugar, quanto aos licenciamentos para a actividade privada, a classe médica protestou contra o simples facto de o Estado exigir o licenciamento para a instalação de, material pesado, financeiramente significativo. Ora, o projecto do PS obriga, salvo erro no nº 2 da base xxxvii, ao licenciamento de toda a actividade privada. Portanto, e por absurdo, um simples médico recém-licencíado, para ganhar a vida e abrir o seu consultório, vai ter de pedir licença ao Governo.
0 Sr. Ferraz de Abreu (PS): -Esse é o seu projecto
0 Orador: -Não é, não! É o do PS!
Em segundo lugar, quanto à questão das incompatibilidades, o PS assume tudo aquilo que a classe médica vem a recusar há dois anos e meio.
Em terceiro lugar, quanto à títulação (mas aí de uma forma envergonhada), o PS indicia que vai deixar de reconhecer à Ordem dos Médicos o direito de conferir títulos de qualificação profissional. No entanto, não tem a coragem de ir até ao final, deixando isso apenas indiciado...
Vozes do PSD: -Muito bem!
0 Orador: -Em relação à questão de o PS abdicar, de uma forma claríssima, da tímida bandeira liberalizante -que é cara a alguns deputados do PS, a começar pelo seu distinto líder parlamentar-,...
Risos.
... este é um projecto completamente estatizante, Com efeito, os serviços de saúde são, como disse o Sr. Deputado Ferraz de Abreu, completamente hegemonizados pelo Serviço Nacional de Saúde e o financiamento do sistema, como é afirmado na base, i do projecto do PS, é fundamentalmente - para não dizer completamente...
assegurado pelo Estado.
Mas ele cria ainda dois abortos, perfeitamente inacreditáveis, de um neo-socialismo que não percebo onde o Partido Socialista o foi desenterrar, a que chamaria «museu da medicina privada» e «super-co-gestão».
A super-co-gestão é aquele modelo de gestão do Serviço Nacional de Saúde em que existe patrão Estado, em que existe o patrão Administração Pública,...
0 Sr. Ferraz de Abreu (PS): -Cá está a justificação!
0 Orador: -... em que existe aquilo que nada tem a ver com o Serviço Nacional de Saúde e que é o patrão das clínicas privadas lá de fora e, finalmente, em que existem os Trabalhadores do próprio sistema. E esta administração tem o poder todo: de definir como vai gerir o orçamento do Serviço Nacional de Saúde e de definir a própria política de saúde. Meu Deus! Temos de inundar os «camaradas» que ainda sobrevivem na Jugoslávia, na Albânia e por esses países fora fazer um estágio com a equipa da saúde do Partido Socialista!
Finalmente, sobre o «museu da medicina privada», o Partido Socialista não só protagoniza os mesmos princípios que existiam na «lei Arnaut», no que diz respeito a ter a medicina privada como algo supletivo, como algo para as sobras, como algo que não é socialmente útil, como, de certa forma que me parece um pouco oportunista, lança uma basezinha que faz com que alguns médicos, aqueles que já estão mais próximos da reforma, para não levantarem problemas nem ficarem, neste momento, mal impressionados com o Partido Socialista, possam ainda durante alguns anos exercer, eles e só eles, alguma medicina privada lucrativa.
Sr. Deputado Ferraz de Abreu, como as diferenças claras os dois projectos são claras, só lhe faço duas perguntas, que são, no fundo, fait divers em relação ao essencial que aqui foi discutido, sendo a primeira no sentido de saber por que razão é que VV. Ex.ª querem criar a figura do provedor de saúde quando grande parte dos processos que vão para a Provedoria de Justiça se referem a casos de cidadãos que protestam contra a Administração Pública sobre assuntos ligados à saúde. Será que VV. Ex.- também já perderam a confiança no Sr. Provedor de Justiça e vão, finalmente, dar o consenso para que obtenhamos os dois terços para eleição do novo provedor de justiça?
Depois, uma vez que VV. Ex.- atacam o projecto do Governo porque, por nomeação, conforme vossa opinião, vamos criar mais algumas dezenas de comissários políticos, pergunto onde está, afinal, Sr. Deputado Ferraz de Abreu, a coerência do Partido Socialista? 0 Partido Socialista, ainda não há muitos meses, entregou nesta Assembleia um projecto de lei onde está consubstanciada a forma que VV. Ex.- defendem para a gestão dos centros de saúde, que são algumas centenas neste país, e nele propõem a nomeação pelos directores-gerais, com competência delegada pelo Governo, dos directores dos centros de saúde. VV. Ex.-, afinal, não querem algumas dezenas de comissários políticos, mas, sim, algumas centenas, senão mesmo alguns milhares!
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: -Srs. Deputados, a Mesa tem sido bastante tolerante-já ouvi até um aparte acerca de supertolerância. Realmente, tem havido uma espécie de supertolerância porque os pedidos de esclarecimento são de três minutos e a tolerância que, por consenso, a Mesa tem dado é de dois, o que preferi. um total de cinco minutos. Peço, assim, aos Srs. Deputados que tomem realmente isso em conta.
Concordo com a expressivo de «supertolerância», mas a partir de agora a Mesa quer usar apenas de tolerância.
0 Sr. Deputado António Guterres quer usar da palavra para que efeito?
0 Sr. António Guterres (PS): - Sr.ª Presidente, fui expressamente citado pelo Sr. Deputado Luís Filipe Meneses e, naturalmente, desejaria exercer a defesa da consideração.
A Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
0 Sr. António Guterres (PS): -Sr." Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Luís Filipe Meneses: É manifesto que o PSD anda muito enervado com a quezilo da privatização e do liberalismo. E tem razões para isso, porque tem perdido, nesta matéria, todas as boas corri-
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das: a corrida, sã e transparente, da privatização do sector
público da economia, onde ela se justifica; a corrida da
televisao privada; a corrida da organização económica.
Ora, tendo perdido todas as corridas e sentindo uma
necessidade visceral de afirmar um valor que não pros
segue, o PSD escolheu o pior de todos os sectores para
afirmar as suas convicções liberais, ou seja, o sector da
saúde.
É que, na saúde, o que está fundamentalmente em
causa não é a organização económica do sector mas, sim,
o direito dos cidadãos à saúde.
Aplausos do PS.
É por isso, Sr. Deputado Luís Filipe Meneses, que nós,
em matéria de saúde, não somos liberais. Afirmamos o
princípio da socialização dos custos, o que não quer dizer,
necessariamente e em todos os casos, o princípio da socia
lização do sector da saúde, pois são coisas diferentes.
Com toda a clareza, Sr. Deputado Luís Filipe Meneses,
também queria afirmar-lhe que esta discussão que aqui
estamos a travar, de alguma forma, não é a mais rele
vante, porque estamos a falar do Serviço Nacional de
Saúde e todos os que até agora intervieram - no fundo,
há que reconhecê-lo - consideram não precisarmos do
Serviço Nacional de Saúde porque temos, felizmente,
níveis de rendimento que tomam perfeitamente compatível
com o exercício da medicina privada a solução dos nos
sos problemas de saúde.
Porém, isso não nos dá o direito, Sr. Deputado Luís
Filipe Meneses, de falar em nome dos milhões de cida
dãos deste país que precisam de um Serviço Nacional de
Saúde eficiente, desburocratizado, aberto e participado,
para poderem ter o mesmo direito que o Sr. Deputado e
eu temos à saúde.
A Sr.ªPresidente: - Para dar explicações, se assim o
desejar, tem a palavra o Sr. Dcputado Luís Filipe Me
neses.
0 Sr. Luís Filipe Meneses (PSD): -Sr. Deputado
António Guterres, se não conhecesse V. Ex.ª e, de uma
forma que julgo clara, o seu pensamento político, teme-
ria, principalmente pela parte final da sua pequena inter- Risos.
venção de agora, que V. Ex.º começasse a ficar excessi-
vamente influenciado e a mudar de opinião pelo convi
vío com alguns dos seus companheiros, que têm uma
visão mais socializante de todas estas matérias.
Contudo, como compreendo perfeitamente quanto é
difícil defender e argumentar em benefício de uma lei que
resulta da coligação de interesses, de pensamentos e de
ideias de um socialista, ainda retrogradamente marxista,
como o Dr. António Arnaut, ou terceiro-mundista, como
o Dr. Correia de Campos.
Só desta forma posso aceitar que o csiorço de V. Ex.ª
o leve a ter um tipo de argumentação deslocada daquilo
que julgo ser o seu pensamento político.
0 Sr. Ferraz de Abreu (PS): -Sr. Deputado António Bacelar, quero dizer-lhe que não atingiu aquilo que pretendi dizer quando referi «que havia uma medicina para ricos e outra para pobres».
É que eu temo que a opção que se adivinha, mas que está mal definida no vosso texto, de o cidadão ou ter de ir à medicina privada ou ao sector público leve, a curto prazo, o Governo a ter de suportar os encargos. Nessa altura, vai dizer-se ao utente «vais lá, mas eu dou-te tanto e tu pões o resto». 15so quer dizer que os ricos, aqueles que têm recursos, irão à medicina privada e aqueles que não têm recursos irão para o sector público. Foi isto que quis dizer, Sr. Deputado.
Em relação ao Sr. Deputado Luís Filipe Meneses, quero dizer que a ordem que os senhores receberam para se demarcarem do Partido Socialista não justifica a deselegância que o Sr. Deputado acaba de cometer ao chamar terceiro-mundista ao Dr. Correia de Campos ou marxista ao Dr. António Arnaut.
0 Sr. Silva Marques (PSD): - Chamar marxista não é deselegância!
0 Orador: - Os senhores receberam ordem do Dr. Cavaco Silva para se demarcarem de nós, mas não é preciso tanto.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: - Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
0 Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr., Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo:...
0 Sr. Silva Marques (PSD): -0 que é que nos irá chamar?
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
Entretanto, pedia a palavra o Sr. Depuputado Ferraz de Abreu para que fim?
0 Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Para responder já aos dois Srs. Deputados que pediram esclarecimentos, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente. -Tem V. Ex.ª a palavra para responder
0 Orador: - Vou só chamar-lhes sociais-democratas, se é que ainda querem isso!
Com tantas demarcações, diria que parece estarmos a assistir a um autêntico jogo de futebol. Realmente, arriscamo-nos a que venha a fazer-se um juizo parecido dos nossos debates, dada a mistificação que está a ser feita deles.
Sr. Deputado Ferraz de Abreu, V. Ex.ª fez um discurso terrível. Falou em «vendilhões do templo», etc., o que também é mistificador do vosso projecto. V.Ex.ª- aparecem aqui, afirmando-se na exposição de motivos, como defensores do crescimento e do desenvolvimento do Serviço Nacional de Saúde. É por isso que apresentam este
projecto e V. Ex.a, com as suas palavras, dá razão a esse
propósito salvador do Serviço Nacional de Saúde.
Nesta conformidade, perguntava ao Sr. Deputado Ferraz de Abreu qual o sentido que atribui à alteração constitucional, de que já várias vozes da primeira linha da sua bancada fizeram eco, da socialização dos custos, substituindo-se à socialização da medicina e dos cuidados médico-medicamentosos. 0 que significa para V.Ex.ª - esta modificação? É que esta modificação decisiva, Sr. Deputado Ferraz de Abreu, e com ela V. Ex.ª- «arrumaram» o Serviço Nacional de Saúde, quer queiram quer não.
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Ora, não se vai desenvolver mais, porque se trata de um método errado de satisfazer o direito à saúde dos Portugueses. É só por isso que ele não se pode desenvolver mais, até porque não contribui para satisfazer o direito à saúde por parte dos Portugueses. E V.Exa. tiveram a inteligência de o reconhecer. Não venha, agora, o Sr. Deputado Ferraz de Abreu e os Srs. Deputados do Partido Socialista dar uma ideia errada do que foi a vossa intervenção na constituição!
A socialização dos custos, Sr. Deputado, é isso mesmo, ou seja, acabar com o crescimento do Serviço Nacional de Saúde, como meio de satisfação do direito à saúde, e passar para entidades não públicas a satisfação desses cuidados, pagando-lhes os custos dos seus serviços. A socialização dos custos não pode entender-se de outra forma. É ou não assim, Sr. Deputado Ferraz de Abreu?
Esta é a pergunta que desejava deixar-lhe.
A Sr.ª Presidente: - 0 Sr. Deputado Ferraz de Abreu deseja responder já ou no fim?
0 Sr. Ferraz de Abreu (PS): -No final, Sr.ª Presidente.
A Sr. Presidente: -Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Camilo.
0 Sr. João Camilo (PCP): - Sr. Deputado Ferraz de Abreu, ouvi e apreciei a sua intervenção e parece-me -perdoe-me a franqueza que ela vai bastante mais longe do que as posições que o seu partido assume.
Parece-me, nomeadamente, haver uma grande cedência na questão da garantia constitucional do direito à saúde e da sua protecção, já que a Constituição diz expressamente que o Estado é o responsável por essa garantia. Penso que aí o Partido Socialista seguiu em muito, ou quase totalmente, a formulação que desse preceito faz o Partido Social-Democrata ou o Governo.
Gostava que me esclarecesse quanto a este ponto, porque é aquele que realmente me oferece dúvidas.
A Sr.ª Presidente: -Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.
0 Sr. Nuno Delerue (PSD): -Sr. Deputado Ferraz de Abreu, V. Ex.a, na sua intervenção o já numa resposta que foi dada a um pedido de esclarecimento que lhe foi feito, colocou, de uma forma clara, o entendimento que tem do relacionamento entre as entidades públicas e privadas no campo da saúdo.
Diz V. Exª: «Tudo que seja privado com fins lucrativos é para quem lá quiser ir.» E eu digo: «Sim, Sr. Deputado.» Só que, então, o verdadeiro defensor de uma medicina para pobres e de uma medicina para ricos é o Partido Socialista e não o Partido Social Democrata, porque é evidente, Sr. Deputado, que no sistema que propõem só tem acesso às unidades privadas de saúde, exclusivamente, quem pudor pagar os custos o é também evidente que, como consequência directa disso, a população mais carecida continuará a ter de recorrer, e só, ao Serviço Nacional do Saúde.
A medicina para pobres e a medicina para ricos está expressamente consagrada na vossa proposta e, nesse aspecto - faço-lhe essa justiça -, ela traça esta fronteira de forma clara e inequívoca.
A segunda questão, Sr. Deputado Ferraz de Abreu, é o problema da administração do sistema, a sua descentralização e a participação.
Consta da proposta de lei do Governo que as administrações regionais de saúde dependem directamente do Ministro, enquanto o projecto de lei apresentado pelo PS diz que estas dependem de um conselho de administração central de saúde.
Bom, Sr. Deputado Ferraz de Abreu, em relação a esta questão gostaria de colocar-lhe duas perguntas.
Primeira: se, eventualmente, o vosso projecto de lei fosse aprovado, o que é que faria neste país o Ministro da Saúde? Com certeza, teria pouca coisa para fazer!
Segunda questão, e esta é bem mais grave: deduz-se da vossa proposta que é o conselho geral desta administração central de saúde que aprova o orçamento do Serviço Nacional de Saúde. Ora bem, como a administração central de saúde tem representação quadripartida e nela têm assento representantes dos trabalhadores o patronais,...
0 Sr. Ferraz de Abreu (PS): -Não têm nada!
0 Orador: -... pergunto-lhe se nesse conselho geral seria ou não possível fazer a votação do orçamento do Serviço Nacional de Saúde, E mais: é que, se o vosso projecto de lei fosse aprovado, um dia ainda iríamos ver o nosso ex-colega e querido amigo Torres Couto ou o Dr. Pedro Ferraz da Costa entrarem pela bancada do Governo, aquando da aprovação do Orçamento do Estado, para discutir o orçamento do Serviço Nacional de Saúde.
A Sr, Presidente: -Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.
0 Sr. Ferraz de Abreu (PS): -Srs. Deputados, vou responder muito rapidamente, porque ainda há camaradas meus que têm de intervir e o tempo já não é muito.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, não me espanta nada a forma como interpreta a questão da socializaç5o dos custos, porque sei quais as suas ideias em matéria de saúde; aliás, penso que não podia ter outra interpretação que não essa.
Quanto ao Sr. Deputado João Camilo, confesso que não «apanhei» bem a sua pergunta, mas, de qualquer forma, suponho que colocou a questão de saber se queremos ou não responsabilizar o Estado pela garantia da saúde dos cidadãos. De facto, queremos! Não cedemos uma vírgula nesse aspecto, pois o Estado é o garante não só da prestação de cuidados, mas também do seu financiamento -aliás, isso está claro no nosso projecto de lei.
Sr. Deputado Nuno Delerue, o senhor não leu, certamente porque tem muito que fazer, o nosso projecto, A administração central de saúde não tem representação quadripartida; o conselho nacional de saúde é que tem...
0 Sr. Nuno Delerue (PSD):- Está na base xxv, nº2, do vosso projecto!
0 Orador: - O Sr. Deputado, a administração central de saúde tem uma direcção! 0 conselho geral é que tem representação quadripartida...
0 Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Deputado, está aqui no vosso projecto.
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0 Orador: -0 Sr. Deputado falou na administração central cuja direcção é presidida pelo ministro.
0 Sr. Nuno Delerue (PSD): -Sr. Deputado, é verdade ou mentira o que está escrito no nª 2 da base xxv?
0 Orador: -É verdade! 0 Sr. Deputado é que não soube citar!
Bom, em segundo lugar, quero dizer-lhe que a medicina para pobres e para ricos, que o senhor «pintou», não é nada disso...
0 Sr. Nuno Delerue (PSD): -A «lei Arnaut» não é nada disso!...
0 Orador: -Em primeiro lugar, defendemos e aceitamos que haja convenções com a medicina privada, com fins lucrativos, quando for necessário.
Em segundo lugar, o que pretendemos, Sr. Deputado, é dotar os nossos hospitais com meios técnicos.e humanos de modo que possam rivalizar com a medicina privada dos consultórios ricos. Compreende, Sr. Deputado?
Eu não tive necessidade de recorrer aos consultórios ricos para ser operado -e foi uma operação grave! -, pois fui para um hospital público. E o Sr. Deputado sabe porquê.
0 Sr. Nuno Delerue (PSD): -Porque têm capacidade de resposta!
0 Orador: -Portanto, não há medicina para pobres e medicina para ricos nos casos difíceis; aliás, quando os ricos recorrem à medicina privada e as coisas se agravam, sabe o que é que lhes acontece? Vão parar ao sector público! Quando estive na unidade de tratamento intensivo, a UTIC, foi também para lá uma senhora - de quem não digo o nome, mas é esposa de uma pessoa muito importante neste país- que foi operada numa clínica privada. Contudo, quando as coisas se complicaram teve de ir para o sector público, porque é aí que estão os equipamentos e os grandes técnicos.
0 Sr. Nuno Delerue (PSD): -Pois é, Sr. Deputado!
0 Orador.- -Portanto, não há medicina para pobres e medicina para ricos da forma como o senhor salientou. 0 Sr. Deputado estava era a querer significar que os pobres - coitadinhos! - não tinham acesso à medicina de qualidade. Mas têm, porque nós queremos que os hospitais sejam bem dotados. Por isso, pretendemos que os dinheiros do Serviço Nacional de Saúde não sejam parasitados pela medicina privada.
Sr. Deputado, creio que respondi a todas as suas questões, embora gostasse muito de continuar esta discussão.
Aplausos do PS.
A Sr.ªPresidente: -Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
0 Sr. Rui Silva (PRD): -Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em 1987, o PRD apresentou nesta Câmara um projecto de lei de bases do sistema de saúde. Foi o primeiro partido a fazê-lo com a consciência de que um cidadão saudável é a primeira e principal matéria-prima de um país, por isso todos os
responsáveis, sem excepção, devem manifestar uma regular e obrigatória preocupação quanto ao sistema de saúde de cada um dos seus países.
A preocupação pela saúde das populações é uma vitória e conquista dos Estados modernos. Portanto, Portugal, país novo, europeu e democrático, deverá estar na vanguarda da promoção e prevenção da saúde.
As sucessivas mudanças governativas e consequentes alterações e alternâncias ideológicas provocaram uma ausência de definição de política de saúde e motivaram o aparecimento e a adopção de diferentes concepções sobre a organização, funcionamento e princípios gerais orientadores do sistema de saúde em Portugal, acarretando prejuízos e adiamentos, avanços e recuos, cujo resultado se evidencia na degradação das instituições e serviços, na desmotivação dos profissionais de saúde, bem como, e em especial, no descrédito dos utentes a quem se vulgarizou chamar, algo contraditoriamente, beneficiários.
Daí que a elaboração da lei de bases da saúde, instrumento de natureza legal que permite definir a política global da saúde, se apresente como a solução ansiosamente esperada, capaz de albergar consensos alargados, desejáveis e necessários, em cuja amplitude se congreguem pontos de vista e convicções desapaixonadas e responsáveis, pontes de diálogo e de entendimento que ajudem a transformar o documento teórico em fonte de orientações práticas, consequentes e satisfatórias.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputactos: Ao apontar, nos considerandos preambulares, os objectivos fundamentais prosseguidos pela proposta de lei do Governo, extraídos de compromissos assumidos no Programa do Governo, interessa recordar que nem todas as promessas foram cumpridas nos últimos quatro anos c, com tudo o que ainda falta fazer, permitimo-nos pensar que são sombrias as esperanças de concretização do programa anunciado.
Quando se afirma que se tem em vista o estabelecimento de um sistema de saúde, que visa, antes de mais, privilegiar os utentes dos serviços, não podemos nem devemos esquecer a tão falada implantação de um escalão de comparticipação de medicamentos, que lesou os utentes, principalmente quando não foram poupadas doenças crónicas, como o cancro, a asma, a epilepsia, a diabetes e a própria doença de Parkinson.
Recordamos a «asfixia» financeira a que foram votados os centros de saúde, onde, por vezes, as queixas vão ao ponto de referir que não há verbas para a aquisição de material de limpeza e higiene, já para não falar da abolição da apresentação do cartão de sanidade aos trabalhadores cujas profissões antes o impunham por razões ligadas à defesa da saúde pública. Aliás, se outro mérito não tivesse a apresentação do cartão, obrigava a uma prévia inspecção médica que, em nosso entendimento, deveria ser obrigatória para o exercício de certas profissões... Enfim, situações que esperamos ver acauteladas mediante regulamentação desta lei, num futuro tão próximo quanto desejável.
Quando se menciona a descentralização efectiva, ao nível das decisões, no domínio da gestão, recordamos que a nova lei de gestão hospitalar provocou uma enorme ccicuma quanto ao seu critério, considerado demasiado governanientalizado, e quanto à nomeação dos directores hospitalares.
Defendemos que o modo de gestão deverá ser desburocratizado, motivando os profissionais do foro médico e
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administrativo, mediante a implementação de dois ciclos: um comportamental, que melhore as relações das pessoas umas com as outras; outro organizacional, respeitante às próprias estruturas em si.
0 Governo defendeu, aquando dos debates da revisão constitucional, pela voz da então Sr.ª Ministra da Saúde, Dr.ª Leonor Beleza -hoje nossa colega parlamentar-, que o que se modificava no artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa era, pura e simplesmente, uma palavra, Rebatemos, contestámos essa tese e cremos que a evolução que esta lei terá permitir-nos-á concluir se tínhamos ou não razão. A bem de todos os cidadãos esperamos poder afirmar que afinal não tínhamos razão!
0 tempo que decorreu, extremamente limitado, entre a apresentação dos diversos projectos de lei e a sua discussão, facto pelo qual também nos penitenciamos, impede-nos de fazer hoje e aqui uma apreciação tão profunda e cuidada como desejaríamos; aliás, é o sentimento de todos os grupos que integram a Comissão e a razão que justificou o parecer que acompanhou os diversos diplomas hoje apreciados.
A grandeza e a responsabilidade desta matéria obrigam a uma preocupada reflexão, pelo que a análise em sede de comissão permitir-nos-á a recolha de todos os bons contributos que todos os diplomas, estou certo, contêm.
A abordagem que hoje iremos fazer irá ser essencialmente sumária da generalidade dos projectos.
Nos princípios gerais do diploma apresentado pelo Governo refere-se que o Estado garantirá o «(...)acesso de todos os cidadãos aos cuidados de saúde nos limites dos recursos humanos, técnicos e financeiros disponíveis [ ... ]», o que nos leva a afirmar, perante uma formulação desta índole, que se autoriza a existência de um álibi permanente de que qualquer Governo pode socorrer-se para limitar a sua actuação no sentido da garantia defendida.
Recordamos os artigos 3º e 4º do nosso projecto, que ajudam a enquadrar alguns dos princípios gerais. Entendemos que se deve controlar e evitar os cuidadãos desnecessários, mediante definição prévia de critérios precisos e claros dos recursos humanos e materhiis, mas esta definiço nRo pode nem deve ser ambígua, sob pena da sua aplicabilidade puder vir a tornar-se injusta.
Também para nós a prevenção da saúde terá de ser prioritária no planeamento das actividades do Estado e não apenas fazer parte das prioridades. A saúde diz respeito a todos os cidadãos e, como atrás recordamos, só cidadãos saudáveis produzirão e poderão proporcionar riqueza e desenvolvimento ao País. E assim que propomos uma actuação total e concertada de acções pluridepartamentais sincronizadas, envolvendo vários sectores, tais como saúde, trabalho, segurança social, educação, dcsporto, economia, alimentação, qualidade de vida e comunicação social.
Poder-se-á perguntar: por que razão a comunicação social? Porque pensamos, tal como defendemos no nosso projecto de lei, que cada cidadão é também co-responsável pela manutenção da sua saúde. A conservação e promoção da saúde exige que cada cidadão cumpra no seu dia-a-dia determinadas regras de segurança na higiene, alimentação e autoprevenção. Nesta matéria competirá ao Estado, através dos meios da comunicação social, como propomos, divulgar as regras básicas e mínimas de prevenção e segurança, pois cremos que com estas reciproridades e colaboração teremos, com certeza, um país saudável.
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Ainda no seguimento dos princípios, também o PRD defendo que a gestão dos recursos deve ser rentabilizada; no entanto, na terminologia utilizada na proposta do Governo ficam implícitas muitas interpretações abusívas, possíveis no campo da actuação futura.
A gestão dos recursos deve ser racional e socialmente útil, mas nunca baseada numa redacção de que a mesma tenha de ficar dependente dos recursos económicos enquanto factor de limitação da prossecução dos objectos gizados, pelo que tal submissão a oscilações e recuos é contrária ao desenvolvimento de uma política de saúde fascada e coerente.
É preciso, diríamos, abandonar a ideia de evolução ao sabor das conjunturas, recusando uma política de contornos bem definidos.
Reconhece-se a liberdade de prestação de cuidados de saúde «com as limitações decorrentes da lei», expressão esta que, aliás, consolida interpretações múltiplas, que poderão servir de álibis para algumas insuficiências organizativas no futuro.
Quando se diz que o Governo define a política da saúde dever-se-á acrescentar que a define ouvidas as organizações representativas dos profissionais e o conselho nacional de saúde, que, em nosso entendimento, deverá ser sempre, com carácter obrigatório, consultado para as grandes opções da política da saúde.
Preconizamos também a criação dos conselhos locais e regionais de saúde. Aliás, pensamos que com estes organismos -já hoje, de algum modo, implementados, embora nunca tenham funcionado- poderá vir a alcançar-se uma descentralização e participação mais alargada.
Sr. Presidenle, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A participação das autarquias locais na promoção e prevenção da saúde merece o nosso apoio. Às câmaras municipais compele saber quais as principais necessidades dos seus concidadãos e qual o melhor caminho para a saúde e bem-estar locais.
Não se pode esquecer, em primeiro lugar, que a competência terá de ser sinónimo de maiores receitas para fazer face èLq mesmas, caso contrário o que o Estado atribuirá às câmaras serão novos encargos e não distribuição de competências. Recordamos o caso da responsabilidade das autarquias em algumas áreas do ensino básico e no alargamento da rede viária municipal, que para algumas autarquias foi uma autêntica asfixia e a total inoperância por falta de recursos dos objectivos pretendidos.
Em segundo lugar, entendernos que as competências deverão ser sempre no âmbito dos cuidados primários e no máximo extensivas ao apoio na construção e manutenção de edifícios e material utilizado nesses serviços mediante a respectiva compensação financeira.
No que se refere à política dos recursos humanos, será importante salientar a proposta do PRD nesta matéria. Assim, propomos: apelo à regionalização da execução da política de recursos humanos; ideias de adequação às necessidades da população, à segurança e ao estímulo dos profissionais. Esta proposta, aliás, está mantida no diploma do Governo, mas complementada por um dado deveras importante -que tem sido esquecido por sucessivos governos, através do «tratamento político» dos números solicitados, todos os anos, para o preenchimento de vagas no internato complementar-, que é traduzido na seguinte referência: «As necessidades do pessoal serão avaliadas tendo em vista os objectivos quantitativos do Serviço Nacional de Saúde.»
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Propomos a criação de incentivos à fixação de profissionais de saúde em áreas de menor atracção, bem como a criação de remunerações especiais que permitam a qualidade e a produtividade dos profissionais.
São estas duas propostas que, em nosso. entender, mexem nas pedras de toque das mudanças, por forma a atingir uma melhor rentabilização dos recursos humanos, têm a ver com a necessidade de descentralização das carreiras, com o relacionamento dos sistemas de retribuição, com o volume e qualidade dos serviços efectivamente prestados, recusando uma orientação tendencialmente uniformizadora, que tem vingado até aos dias de hoje e que se aponta como responsável da desmotivação dos médicos do Serviço Nacional de Saúde.
Pretende o Governo, o em nosso entender bem, combater o pluriemprego, mas como vai conseguir conciliar esta medida com a de, por exemplo, nas classes de enfermagem, o próprio Estado necessitar de celebrar contratos, na qualidade de tarefeiros, com profissionais em hospitais diferentes daqueles onde eles figuram como efectivos dos quadros, pela simples razão de em Portugal haver grande carência de enfermeiros?
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Muitas e diversas questões se, nos colocam, como naturalmente se colocaram a Lodos os Srs. Deputados das diferentes bancadas, que têm a ver com formação profissional, formação humana, serviço público o privado, gestão e autonomia de gestores, deveres e obrigações de utentos e profissionais, articulação entre hospitalização privada e o Serviço Nacional de Saúde, articulação entre Hospitais Civis de Lisboa e algumas unidades de internamento, seguro de saúde, quem paga, quem subsidia, quem usufrui, etc.
Matéria suficiente que justifica, tal como apoiámos em sede de comissão, um debate público, profundo, consciente e responsável, de modo a não só responder ao artigo 147º do Regimento desta Câmara, mas também, e principalmente, a recolher todos os contributos úteis e necessários para que a Comissão obtenha um texto final exequível, prático e justo, que dê a cada cidadão português a certeza de uma assistência na sua saúde que responda não só à sua exigência humana, mas, principalmente, à razão constitucional que lhes assiste do direito à saúde.
Por essa razão, Sr. Presidente, Srs. Membros do Govemo, Srs. Deputados, em sede de comissão, de forma isenta e construtiva, apresentaremos as propostas que consideramos convenientes para que o texto final obtido seja aquele que todos, sem dúvida, desejamos e venha responder à melhoria dos cuidados de saúde de toda a população portuguesa.
Aplausos do PRD.
A Sr.ª Presidente: -Para formular pedidos d e esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Bacelar,
0 Sr. António Bacelar (PSD): - Sr. Deputado Rui Silva, vou ser muito breve, porque, embora no início da sessão parecesse que tínhamos muito tempo, o que é facto é que, ao fim e ao cabo, o tempo não chega.
Parecia-me desclcgante, da nossa parte, se não lhe dirigíssemos uma palavra depois da sua intervenção, até porque o vosso grupo parlamentar leve o trabalho de apresentar um projecto de lei sobre o tema hoje em debate.
Vou fazer-lhe apenas uma pergunta em relação à comparticipação dos medicamentos.
V. Ex.ª criticou a lista de comparticipação dos medicamentos e quanto a este aspecto queria dizer-lhe que essa lista não é imutável, pois o que é verdade hoje pode ser mentira amanhã. Por isso, estou convencido - e foi isso que disse em sede de comissão -que as listas de medicamentos irão mudar de acordo com as necessidades.
Para finalizar, poderei dizer-lhe que não estou muito preocupado com isso, pois estou convencido, como já disse, de que, no futuro, muitas outras coisas serão remediadas.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
0 Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Deputado António Bacelar, muito obrigado por ter colocado essa questão, pois perinitir-me-á recordar que há aproximadamente um ano coloquei nesta Câmara, numa sessão de perguntas ao Governo, esta questão à então ministra da Saúde, Dr.ª Leonor Beleza.
Na altura, trouxe elementos conclusivos e demonstrativos do desagrado demonstrado pelos utentes às alterações à lista das comparticipações nos medicamentos. Recordo que, na altura, a Sr.ª Ministra acolheu, e bem!, uma sugestão que lhe fiz no sentido de que deveria servir-se dos órgãos de comunicação social para solicitar às pessoas que não utilizassem indiscriminadamente os medicamentos.
De facto, passado algum tempo a Sr.ª Ministra implementou esse esquema e passámos a ver na comunicação social avisos para que não houvesse utilização desnecessária de medicamentos, mas a lista de comparticipação em nada foi alterada. 15to foi há cerca de um ano!
Registamos, pois, com agrado a disponibilidade que V. Ex.ª, como deputado do PSD que apoia o Governo, demonstrou para poder vir a rever, num curto espaço de tempo, o que é uma injustiça nacional. V. Ex.ª sabe perfeitamente bem que hoje há reformados que não conseguem pagar os medicamentos quando têm doenças crónicas e continuas.
Srs. Deputados, aqui fica esta mensagem para o Governo: o Grupo Parlamentar do PSD, tanto quanto nos apercebemos pelo intervenção do Sr. Deputado António Bacelar, apoiará as medidas que visem a alteração das listas de comparticipação pela nossa parte, diremos, desde já, sem dúvida alguma, que também apoiaremos tal medida se ela vier a ser tomada.
Vozes do PRD: -Muito bem!
A Sr., Presidente: -Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Camilo.
0 Sr. João Camilo (PCP): -Sr.ª, Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ao iniciarmos cte dcbate sobre matéria de tão grande relevância política e social gostaríamos de exprimir o desejo de que uma lei sobre a saúde resultasse de um amplo consenso nacional, onde comunidades, Estado e trabalhadores da saúde pudesse,n encontrar um referencial de confiança dentro das normas constitucionais.
Se a revisão constitucional beliscou um princípio que reputamos muito importante do Serviço Nacional de Saúde, não alterou as características essenciais do artigo que consagra o direito à protecção da saúde.
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0 alcance o significado deste debate sobro a lei de bases da saúde foram, porém, inquínados pelas insólitas declarações do Grupo Parlamentar do PSD em conferência de imprensa anteontem realizada, em que afirmava ter já decidido «chumbar» os projectos de lei apresentados pela oposição.
Não é só o debate democrático que é ameaçado, mas é também a dignidade da própria Assembleia da República que é posta em causa quando, sem que tenha havido confronto e justificação de opiniões, se reduz o imprescindivel diálogo em matéria de tão desejável consenso, ao estéril monólogo do Governo o do seu obediente grupo parlamentar. É caso para dizer que a bancada da maioria pretende impor aos descrentes que «só Cavaco é grande e o PSD o seu profeta», Só que
isso não basta, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados do PSD, é preciso antes de mais provar que se tem razão, que há argumentos válidos o sólidos que justifiquem a vossa proposta, que o sector público pode ter peso igual - ou, quem sabe, inferior -, no sector privado no assegurar dos cuidados de saúde à população, que os custos sociais e económicos serfio menores para o Estado, que aos cidadãos tem condições para pagar a factura que lho querem impor, que os cuidados serão mais e melhores.
Se pensam que com tal habilidade se pode silenciar o debate público que se impõe em matéria de tal relevância, então desenganem-se! 0 PSD impediu na Comissão de Saúde o na conferência de líderes, contra a opinião de todos os outros partidos, o debate público que muitas organizações sindicais e sociais solicitaram; pensamos também que deve reconsiderar, dado que a importância da matéria sobejamente o justifica.
Nesse sentido, vamos requerer, ao abrigo do artigo 147º do Regimento, a baixa à Comissão do todos os projectos em apreço, a fim de permitir um período do discussão pública. A nBo ser assim, promoveremos a divulgação nacional do nosso projecto, denunciando os gravíssimos perigos para o exercício do direito constitucional h protecção da saúde que a proposta do Governo encerra. Porque é aqui, Sr. Presidente, Srs, Deputados, que tudo começa, na garantia pelo Estado do direito à protecção da saúde, conforme preceitua o artigo 64º da lei fundamental.
Com efeito, a Constituiçao estipula com total limpidoz que compete ao Estado assegurar o direito à promoção da saúde a todos os cidadãos o que o instrumento parti a garantia desse direito do Serviço Nacional da Saúde, Mas o que diz o Governo do PSD na sua proposta? Que «a protecçâo da saúde [...] se efectiva pela responsabilidade conjunta, isto é, partilhada, dos cidadãos, da sociedade e do Estado». Esta diluição do responsabilidade do Estado é não só a porta aberta para a partilha dos custos da saúde, mas é a perda de facto do direito à proteção da saúde como direito fundamental e universal dos Portugueses,
Estão assim criadas condições para, à revelia da Constituição, se justificarem pagamentos de cuidados públicos e privatizações do serviços e estabelecimentos do Estado para taxas progressivamente mais moderadoras do acesso dos cidadãos, para menores prestações concebidas. Que uma tal formulação surja da parte deste Governo não nos espanta o justifica até a pressa da discussão, o silenciar das alternativas, a fuga ao debate público. 0 que se torna para nós incompreensivel a posição do Partido Socialista, que ao subscrever idêntico articulado deixa cair este ponto fulcral da «Lei Arnaut», que constitui uma das suas «bandeiras», pelo menos até revisão constitucional.
0 Serviço Nacional de Saúde que a Constituição aponta é o instrumento da satisfação do direito à protecçâo da saúde e incumbe ao Estado disciplinar e controlar as formas privadas de prestação de cuidados de saúdo, articulando-as com o Serviço Nacional de Saúde. 15to é o que diz o artigo 64º da Constituição. E o que faz o Governo? Legisla sobro um sistema de saúde em que serviços públicos e privados em igualdade e sã promiscuidade competem para a transferência de verbas do Orçamento do Estado para o sector privado da saúde.
Está mais que provado que é hoje impossivel garantir cuidados de saúde aos Portugueses em quantidade e qualidade o a custos comportáveis por outra forma que não seja o Serviço Nacional de Saúde. Sobre isto são unânimes todos os especialistas em economia da saúde que analisam objectivamente a situação portuguesa. Mas trata-se também de uma questão que a nível internacional reúne um consenso cada vez maior. Veja-se a experiência altamente positiva na relação custo/benefício da Suécia o a anterior experiência do Serviço Nacional de Saúde inglês, que compatibilizam serviços públicos de grande qualidade o inovação com bons resultados sociais e custas aceitáveis, Note-se a tendência que se verifica hoje em Espanha da criação de serviços públicos antes praticamente inexístentes. Constate-se a experiência italiana da rede pública de hospitais o de clínicos gerais. Verifique-se como o sistema de seguro de saúde dos Estados Unidos da América suscita generalizados protestos, que podem ser comsultados nas páginas das mais prestigiosas publicações médicas como o New England e o Lancet, que podem consultar se quiserem, referentes aos últimos anos. A tendencia mundial que se verifica é para uma assumpção cada vez mais clara pelo Estado da garantia do direito A protecçãoo da saúde, através de serviços públicos desburocratizados o participados, deixando iniciativa privada, em plena independência, o papel de competir para a prestação de cuidados onde se achar com condições para o fazer.
A defesa do seguro de saúde e da grande empresa privada, em que o Estado é o financiador e o cliente, eis o conceito que o Governo defendo e que a vida ultrapassou. Nós não partilhamos desta visão e por isso apostamos decididamente no futuro.
Uma questão urge ainda clarificar, no sentido do não deixar que passe sem resposta. Será que no quadro de uma lei de bases como o Governo propõe já haveria lugar para uma dotação orçamental que ultrapasse os actuais míseros 3,5% do produto interno bruto que tôm estrangulado e degradado os serviços públicos de saúdo? A ser assim, cair-se-la na imoralidade de se negar ao Serviço Nacional de Saúde verbas indispensáveis ao seu eficaz funcionamento, que surgiriam no futuro a financiar a grande iniciaLiva privada a partir dos impostos pagos pelos cidadãos.
Vozes do PCP: -Muito bem
0 Orador: - Multiplicar-se-iam as «clipóvoas», as «hospitálias» e outras «marginálias» formas de apropriação privada de dinheiros públicos que fizeram a tristemente célebre fama do anterior ministério.
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: um serviço nacional de saúde tem como características fundamentais para merecer esse nome a universalidado, a generalidade e a gratuitidade. Se parece, ser consensual a atribuição das suas primeiras características,
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já quanto à gratuitidade só o PCP optou decididamente pela sua consagração. Que não subsistam dúvidas quanto à legitimidade de tal opção, sobretudo se tivermos em conta que a gratuitidade é o limite para que tende o tendencialmente gratuito e, sobretudo, porque ficou claro, aquando da discussão do artigo 64.º em sede de revisão constitucional, que se entendia que a expressão nunca poderia significar qualquer recuo em relação ao que já era adquirido, e isso, Sr., Presidente, Srs. Deputados, era, à época, a própria gratuitidade.
Mas se deixamos clara a forma como caracterizamos os princípios básicos de um verdadeiro serviço nacional de saúde, queremos igualmente aqui enunciar os principais traços definidores do nosso projecto que o tornam a solução dinâmica e malcável que pretendemos para os problemas de saúde dos Portugueses, fazendo revelar todas as suas potencial idades, até aqui asfixiadas pela caricatura grosseira que os sucessivos governos têm dado, pretendo desvirtuá-lo e descaracterizá-lo.
Com efeito, nunca foi realmente implernentada a Lei n.º 56/79. Através do estrangulamento financeiro, da manutenção de estruturas paralelas de direcção e controlo e da intencional negligência que permite serviços não funcionais, a resposta fria e impessoal aos utentes e a proliferação da mentalidade do profissional/funcionário, criou-se a ficção de que era isto o Serviço Nacional de Saúde. Daí que toda a virtude estivesse em soluções de seguro/saúde, de convenção ou quando muito em «sistemas híbridos» ou «mistos». «Mistas?! Só fiambre e queijo e mesmo assim não sei.»
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: 0 Serviço Nacional de Saúde que propomos tem como opção fundamental a regionalização- dos serviços de saúde. Tal opção tem em vista a sua desgovernamentalização ao conceder às regiões de saúde autonomia administrativa e financeira e ao devolver à comunidade que os paga e utiliza e aos trabalhadores da saúde, que são o motor da sua actividade. Pela regionalização passa também, em grande parte, o dinamismo e desburocratização dos serviços, tornando-os mais adaptáveis às realidades de cada região e às necessidades e aspirações dos utentes.
Indissociável da regionalização e descentralização é, na nossa óptica, a participação organizada dos cidadãos no planeamento, gestão e, controlo dos serviços a todos os níveis. Um melhor conhecimento das possibilidades assistenciais, um interesse e empenhamento maior nas suas carências e limitações são algumas das virtualidades que a gestão participada pode introduzir no Serviço Nacional de Saúde. A participação dos cidadãos na gestão é também uma questão estratégica fundamental para ganhar a população para a cooperação com os profissionais e os serviços na promoção e detesa da saúde.
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Uma das críticas mais difundidas pela vulgata neoliberal é a de que se instalaria inevitavelmente nos serviços públicos a rotina e a falta de qualidade. É falsa tal opinião, pois a experiência internacional e, ainda limitada, a própria experiência nacional confirmam que a coincidência entro qualidade e serviço público pode ser um objectivo exequível desde que se respeitem certos pressupostos. Para isso, propomos no nosso projecto a institucionalização de experiências piloto a nível de serviço, estabelecimento ou região, nas áreas da gestão, organização e métodos de trabalho, de articulação entre os vários níveis e serviços e mesmo das formas de participação da comunidade.
Por outro lado, criamos o incentivo à investigação científica, dotando o Serviço Nacional de Saúde, aos vários níveis, de verbas próprias a atribuir a projectos e programas, de acordo com as prioridades da política de saúde, do seu mérito intrínseco e da sua articulação com os planos de saúde.
Lançamos a possibilidade de concessão de autonomia de gestão a serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde de grande qualidade e inovação para que, dentro de normas claramente definidas, possam utilizar verbas para a aquisição de material e equipamento, para incentivos remuneratórios aos profissionais e para apoio à formação e reciclagem dos seus trabalhadores. Definimos critérios de capacidade e competência, de idoneidade e independência técnica para o acesso ou ingresso nos lugares de gestão, direcção e cargos de natureza técnica do Serviço Nacional de Saúde.
Finalmente, criamos o instituto de controlo de qualidade da saúde, que, dotado de personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira, será o promotor e o garante da qualidade, através da definição de critérios de idoneidade, modernização e produtividade. Este instituto permitirá a indicação dos serviços e estabelecimentos que pelos elevados padrões de qualidade alcançados possam ser candidatos à autonomia de gestão. Estamos por issso certos, ao contrário dos detractores do Serviço Nacional de Saúde, que serviço público e qualidade podem e devem estar em perfeita consonância.
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Só pode haver competição saudável entre o sector público e privado se o paternalismo da proposta do Governo for abandonado e se se separarem claramente as águas entre o que é de um e o que é de outro. Pensamos que deve ser dada total liberdade de estabelecimento e actividade ao sector privado, sem ingerências nem tutelas; do Estado e sem limitações que não as que resultem da lei geral. Mas também devemos dizer que não aceitamos que seja o Estado a financiar o desenvolvimento do sector privado ou que serviços e estabelecimentos públicos sejann entregues à exploração ou gestão privada. 15to não invalida que se estabeleçam convênios onde tal seja imperioso para a satisfação das necessidades dos utentes a que o Serviço Nacional de Saúde não possa de momento dar resposta, nem significa que não possa nem deva haver cooperação e articulação, sempre que tal se revele mutuamente vantajoso. Contudo, a regra deve ser a da total separação de bens, para evitar a tentaçâo de casamentos interesseiros.
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Custos, acesso e qualidade, são hoje as três questÕes que mundialmente se colocam aos serviços de saúde, qualquer que seja a sua Filosofia, estrutura ou tipo de cuidados que propiciam. A estas três questões damos uma resposta clara e inovadora no nosso projecto. Desafiamos aqui o Governo a mostrar como é que responde a elas na anacrônica e inconsistente proposta que nos apresenta.
0 nosso projecto enquadra-se numa concepção que definimos há dois anos e a que chamámos reforma geral dos serviços de saúde. Ele incorpora, em si, o que de mais moderno e progressivo percorre o debate que hoje se fala a nível mundial entre os que reflectem sobre a presuição de cuidados de saúde. Ao contrario dos que procuram inverter o princípio constitucional no sentido caduco, nós apostamos num projecto de futuro.
Aplausos do PCP.
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23 DE FEVEREIRO DE 1990
A Sr.ª Presidente: -Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
0 Sr. Nogueira de Bríto (CDS): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Por uma razão ou por outra, todas as forças políticas representadas na Assembleia da República consideram o Serviço Nacional de Saúde criado pela então célebre «lei Arnaut» como carecido de revisão, o que mais não é, convenhamos, do que uma manifestação de são realismo.
Por outro lado, o facto de todas as forças políticas terem apresentado iniciaúvas nesta matéria é por si só significativo de que todas consideram que a revisão da Constituição implica alterações no domínio da legislação ordinária ou, o que é o mesmo, a nova redacção do artigo 64º da Constituição não é mais compatível com o Serviço Nacional de Saúde monopolista como o conccbeu o ministro socialista da Saúde do II Governo Constitucional, o advogado e político beirão Dr. António Arnaut.
E dizemos todos porque o PSD, embora não sendo autor formal de qualquer projecto, deve, para csse efeito, considerar-se mais representado pela sua actual deputada, Dr.ª Leonor Beleza, -que infelizmente hoje não vemos no hemiciclo- do que pelo Governo, autor (formal, repete-se) da proposta e, particularmente, pelo actual ministro, Dr. Arlindo de Carvalho.
Por sua vez, o PCP, pese embora a tímida manifestação de fé na permanência das características essenciais do referido artigo 64º, não deixa, com o pretexto de pôr termo a situações menos claras nas relações do sector público e privado, de considerar uma realidade mais complexa e mais vasta do que a que cobria o Serviço Nacional de Saúde.
Há, portanto, uma zona, bastante reduzida é certo, em que pode afirmar-se que existe acordo entre todos os partidos representados na Assembleia sobre esta matéria: é a que respeita à inadequação da lei actual às novas realidades, bem como à necessidade de considerar, na perspectiva da realização do direito à saúde, a iniciativa privada, nas suas múltiplas manifestações.
Já é alguma coisa, e ainda bem que assim é. Não é, porém, este consenso mínimo, mas abrangendo todas as forças políticas, o único que aqui se formou,
As forças socialistas e as que se reciamam -c com razão demonstrada neste caso- da social -democracia, assim como os parentes renovadores de ambas as famílias, mostram-se indiscutivelmente unidos no apoio de soluções idênticas -escandalosamente idênticas em alguns pontos - não apenas do ponto de vista da substância como até da forma. Dir-se-ia que, para além de um primeiro núcleo de defesa dos salvados do Serviço Nacional de Saúde, identificado com o projecto cio PCP, como que se constitui uma segunda linha, integrando todos os que, confessando claramente as debilidades do Estado, enquanto prestador dos serviços, pretendem manter nas suas mãos um poder forte não apenas de regulamentação, mas também de orientação, coordenação, fiscalização, vigilância e controlo das actividades situadas fora do âmbito da administração directa ou indirecta do Estado.
Esta segunda linha seria formada pelo sistema de saúde delineado em termos quase idênticos nos projectos socíalísta e social-democrata e com algumas diferenças, para melhor, diga-se de passagem, no projecto renovador.
No CDS, entendemos que a coexistência em círculos concêntricos de um serviço nacional de saúde e de um sistema de saúde não é a melhor maneira de traduzir aquilo que, apesar de tudo, incluindo as interpretações redutoras do PCP, acabou por ficar consagrado na nova versão do artigo 64º da lei fundamental.
Convirá, na verdade, recordar o que há de novo e que é fundamentalmente: a definição do Serviço Nacional de Saúde, não como serviço gratuito conforme era até agora, mas como serviço tendencialmente gratuito, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos: a inclusão nas incumbências prioritárias do Estado, nesta matéria, da oricntaçflo da sua acçÃo para a socialização dos custos dos cuidados médicos e medicamentosos e não para a socialização da medicina e dos sectores médico-medicamentosos, como era, também, até agora.
Aparentemente inócuas ou destituídas de grande importância para um observador menos atento ou de má fé, trata-se, com efeito de duas modificações de grande importância, ditadas ambas pela necessidade de flexíbílizar os modos ou processos através dos quais é dada ou deve ser dada satisfação ao direito à saúde conferido constitucionalmente a todos os cidadãos e até a alguns estrangeiros.
A primeira das modificações assenta, com certeza, na constatação, partilhada por quase todos, de que estamos em Portugal e no condicionalismo presente, prestes a atingir o limite máximo da possibilidade de angariação fiscal de receitas para financiar -as várias modalidades da política social, com destaque para a saúde, sector em que a satisfação pelo Estado de necessidades pouco mais do que basicas continuará a implicar um crescimento exponencial da despesa.
A segunda, partindo de certo modo da mesma constatação, assenta também naquela outra que tem a ver já com a ineficácia dos serviços públicos e na impossibilidade em que se encontram de satisfazer as necessidades dos utentes cin condições satisfatórias de humanidade, bem como dos próprios profissionais que nelas exercem a sua actividade profissional.
Não se trata, no fundo, senão de um dos aspectos,talvez o mais expressivo da crise do Estado-providência, de que no limiar dos anos oitenta nos falava o socialista francês Pierre Rossenvallon, recordando que os mecanismos de produção estadual da solidariedade se tomam formais, abstractos e incompreensíveis para os seus beneficiários, que sentem cada vez mais dificuldades para entender a burocracia acrescida e a densidade de regularização que alimentam tal abstracção e que a multiplicam. Bastará, aliás, interrogar qualquer utente dos hospitais ou dos centros de saúde para verificar, em muitos casos de forma dramática, que assim é.
Ora, ao incumbir o Estado de orientar a sua acção para a socialização dos custos dos cuidados médicos e medicamentosos, o legislador constitucional como que colocou o limite ao crescimento do monstro burocrático em que começa a tornar-se o Serviço Nacional de Saúde, incapaz de rentabilizar em termos minimamente aceitáveis os cerca de 400 milhões de contos que está já a absorver todos os anos.
Temos, portanto, que a Constituição, na redacção revista do artigo 64º, passou a conferir maior margem de inanobra ao legislador ordinário no que toca à satisfação do direito à saúde ou, o que é o mesmo, a política da saúde tem agora à sua disposição a faculdade de fazer escolhas de modo a evitar o caos financeiro, a rentabi-
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lizar os meios ao dispor do País e a dar, acima de tudo,
maior satisfação aos doentes e a ir ao encontro das rei
vindicações dos profissionais de saúde.
Para nós, no CDS, tal escolha deve fazer-se, não red
uzindo a gama de possibilidades aberta com a,revisão,
mas aproveitando-a até aos seus limites, na perspectiva,
que é a nossa, de que a construção e o fomento da so
lidariedade deverá sempre compatibilizar-se com a con
fiança no homem e na capacidade e iniciativa.
A abordagem da problemática importantissima entre
nós da satisfação do direito à saúde - à sua protecção o
à sua recuperação - é feita por nós na convicção de que
não será necessariamente através do crescimento dos
mecanismos estaduais de produção da solidariedade que
poderemos encontrar o caminho adequado e justo para a
sua solução.
Na recusa dos modelos bipolares que contrapõem à
atomização social, ligada à actuação cega e pura do
mercado e das suas regras, o papel salvifico do Estado.
Para nós, não há necessariamente o económico de um
lado e o social de outro, Para nós, o económico e o social
devem integrar-se através das múltiplas formas intermé
dias de socialização que constituem por via de regra fonte
espontânea de solidariedade, portadora de soluções hu
manizadas para os problemas sociais.
Por isso, recusamos, não apenas a tentativa de con
servação da tendência monopolista do Serviço Nacional
de Saúde, defendida embora com concessões já, e isso é
importante no projecto do PCP, como, também, a segunda
linha de defesa de um Estado poderoso, regulador e in
tervencionista, defendida através do Sistema Nacional de
Saúde, criado na proposta do Governo e nos projectos do
PS e do PRD.
Essa, aliás, a razfto determinante da apresentação do
nosso projecto, sem o qual estarlamos confrontados com
a necessidade de escolher apenas entre manter tudo mais
ou menos como está ou modificar um pouco as coisas,
reservando para o Estado o papel dirigente próprio dos Risos.
esquemas corporativos anteriores a 1974. Aliás, não será
de todo dispiciendo fazer, neste momento, a história do
aparecimento da ideia e da solução do sistema de saúde,
que apareceu, com efeito, na proposta de revisão cons
titucional do PSD, mas com sucedâneo para o Serviço
Nacional de Saúde universal, geral e gratuito. Quer isto
dizer que para o PSD, enquanto autor de uma proposta
de revisão do artigo 64º da ConstituiçÃo, o Sistema
Nacional de Saúde, como então se chamava, deveria
substituir, enquanto meio através do qual o Estado asse
guraria a efectivação do direito à saúde, o Serviço Na
cional de Saúde.
0 PS, no entanto, já então apostado em confessar
publicamente a sua fidelidade pelo menos à letra da «lei
Arnaut», fez questão em conservar o Serviço Nacional de
Saúde, muito embora tenha sido autor da proposta, aliás
douta, de substituição nas incumbências prioritárias do
Estado da socialização da medicina pela socialização dos
respectivos custos. E como assim o quis o PS, assim
acabou por ficar, com um Serviço Nacional de Saúde
embora tendencialmente gratuito e não com sistema como
pretendia o PSD.
Daí o não se entender que o PSD apareça agora, pela
voz do seu Governo, a recuperar a ideia do sistema,
fazendo o cúmulo das soluções, ou seja, teremos Serviço
Nacional de Saúde mais sistema de saúde, e não o se
gundo a substituir o primeiro,
Não pode deixar de se tratar de um simples meio de multiplicar a intervenção do Estado, duplicando as formas organizatórias de criação estadual e acabando por meter todas as iniciativas presentes e futuras que venham a despontar no País com o objectivo do exercício de actividades ligadas à promoção ou defesa da saúde dentro de um colete ou espartilho regulamentar e, mais do que isso, dentro de uma organização dotada de órgãos próprios e de um estatuto interno, atribuindo a todos direitos e principalmente deveres.
Estaremos, sem dúvida, perante uma verdadeira primeira linha de defesa da intervenção do Estado, destinada no fundo a proteger um núcleo fundamental constituído pelo Serviço Nacional de Saúde, como o prova a adesão do PSD à ideia e ao esquema do -PS, que, à cautela e nas primeiras linhas da justificação do seu projecto, se não esquece de a todos recordar que o seu objectivo, ao apresentá-lo, se encontra no fortalecimento do Serviço Nacional de Saúde.
Quer isto dizer que a flexibilidade do quadro constitucional do direito à saúde e principalmente do papel dominante e omnipresente do Estado, apenas se aceitando as pequenas alterações impostas pelas necessidades mínimas de adaptação a uma realidade tragicamente vivida no quotidiano de milhões de portugueses,
0 Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!
0 Orador: - Estão de parabéns o ex-ministro Arnaut e o PCP e estão credores do seu agradecimento o Governo, na pessoa do autor ou autora da proposta de lei e do Ministro que aqui se apresentou para a defender.
Afinal, sempre é verdade que a mudança no Ministério da Saúde se reconduz a questões de feitio pessoal e que quem continua a ditar as linhas mestras da política no sector é a Sr.ª Deputada Leonor Beleza. Ao menos aí estamos de parabéns: manda agora o Parlamento!...
Para nós, o objectivo principal a atingir não pode situar-se na defesa desta ou daquela solução, mas fundamentalmente na defesa dos direitos e dos interesses legítimos dos utentes, dos que procuram a prestação de cuidados ou os meios necessários à defesa da sua saúde.
Ncsia perspectiva, o Estado deve apenas ir até onde pode ir com eficiência e com respeito pela satisfação humanizada de tais direitos e interesses.
Quanto ao mais não deve demitir-se, mas deve seguir a linha apontada pela socialização dos custos e promover o aparecimento de iniciativas que se alargarão desde as instituições de solidariedade social até ao exercício privado, organizado ou não, da medicina e das actividades médico-medicamentosas numa multiplicidade de formas que, com maior eficiência, possam dar resposta adequada às necessidades dos cidadãos.
E, em relação a todas estas iniciativas e na medida do interesse público prosseguido pela sua actividade, exercer os poderes que lhe são próprios, mas não mais do que estes, não a LcnLativa de tudo englobar num abraço que não será de vida mas de morte.
E é da saúde que estamos a tratar nesta Câmara,
Aplausos do CDS.
A Sr.ª Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Meneses.
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0 Sr. Luís Filipe Meneses (PSD): Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Nogueira de Brito: Numa época em que
alguns dirigentes do CDS se afirmam próximos do Par
tido Socialista é, de facto, compreensível que V. Ex.ª tente
utilizar uma problemática tão importante como esta que
estamos a discutir para tentar afastar-se do PSD. Mas,
paradoxalmente, também não está a cumprir completa
mente a estratégia actual do seu partido, porque também
se está a afastar do Partido Socialista.
Portanto, talvez seja a política de saúde, hoje em dia, Risos.
a única que afasta o CDS do Partido Socialista.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não! As privatiza
ções e a televisão privada também!
0 Orador: -Por isso, gostaria de lhe perguntar se
existem outras políticas que possam levar a esse afasta
mento.
Contudo, o esforço de V. Ex.ª cai por terra se lhe
disser que o PSD considera que o projecto de lei do CDS
é uma excelente autorização legislativa do projecto de lei
apresentado pelo PSD. Dessa forma, estamos até a pon
derar votá-lo favoravelmente.
A Sr. Presidente: -Para responder, tem a palavra o
Sr. Deputado Nogueira de Brito.
0 Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado,
quanto à estratégia do meu partido, trata-se de um par
tido democratico, Temos um congresso no próximo mês
de Março e teremos muito gosto em ver lá o Sr. Depu
tado Luís Filipe Meneses, para aprender alguma coisa
sobre aceitação da iniciativa e da capacidade das pessoas.
Talvez o Sr. Deputado não precise de aprender, mas está
aí nesse mare magnum e não consegue manifestar-se
Risos.
Talvez no Porto o Sr. Deputado consiga impor qual
quer coisa!
Uma voz do PSD: - Mare nostrum!
0 Orador: -Diz muito bem: mare nostrum! E esta
mos arriscados a que seja mesmo nostrum, não só aqui,
como em toda a parte. Mas suponho que esse risco se
vai afastando.
Vamos ter um congresso, no qual se vai definir,
democraticmente, a estratégia do partido. Não vejo ao
que é que V. Ex.ª vem agora aqui falar-me da estratégia Risos.
do partido. Estamos bem com a nossa estratégia e o que
digo nesta Assembleia integra-se nela perfeitamente.
0 que nos separa do ParLido Socialista é mais do que
aquilo que separa os senhores do Partido Socialista. Não
tenha dúvida disso! Essa é uma questão, em termos de
estratégia, fundamental de defesa de programas.
Outra é porventura a que diz respeito ao convívio
político nesta Assembleia, na oposição, à queixa da for
ma como todos somos tratados por um mare nostrum
constituído por VV. Ex.ª essa é uma outra questão.
0 Sr. Silva Marques (PSD): -Como é possível? Não
são bem tratados? Que ingratidão!
nisso - para dizer que, em matéria de privatizações e de abertura da televisÃo à iniciativa privada, as nossas posições...
0 Sr. Nuno Delerue (PSD): -Vamos ver!...
0 Orador: -Meu caro amigo, a vossa posição, em matéria de televisão, é um mons parturiens. Já todos sabemos, ...
... principalmente a Igreja Católica.
Efectivamente, a nossa posição é claramente demarcada. E não precisamos de habilidades, ou seja, não precisamos de mistificar os debates. A nossa posição é frontal e claramente, em muitos casos, oposta à do ParLido Socialista. Não há as parentelas do socialismo e da social-democracia. Não temos esse problema, graças a Deus -digo eu!
Quanto ao mais, diz V. Ex.ª que a nossa lei é uma autorização legislatíva da vossa. Estou certo de que era o que V. Ex.ª pretendia que fosse a vossa, não que fosse uma autorização legislativa, mas que fosse uma verdadeira lei de bases, ou seja, que não pré-anunciasse, pela sua gordura, pelo seu excesso de regulamentação, o que vai ser a prática o a implementação do que nela se contém. 15so é que é grave, Sr. Deputado! E que o excesso regulamentar já está presente na vossa lei, que é uma lei manifestamente excessiva, estatizante.
0 Sr. Nuno Delerue (PSD): -15so não!
0 Orador: - Desculpe, Sr. Deputado, mas isso é verdade. E é verdade porque agora nós temos uma solução completamente estatizante, mas essa solução é ineficaz. Sabem-no todos os portugueses, principalmente os doentes. Essa solução é ineficaz e, portanto, temos de abandonar essa solução, nos limites consentidos pela Constituição. Os senhores não o fazem, ou fazem-no timidamente. E isso é que é grave. 0 que é grave é os senhores o fazerem timidamente e anunciarem, através do que é a vossa lei, o que vai ser a vossa intenção prática no domínio da implementação dessa mesma lei.
Nós pretendemos, propositadamente, que a nossa lei fosse uma lei magra -era o que eu pretendia também para mim, mas infelizmente não consigo.
Pretendemos uma verdadeira lei de bases, uma lei a desenvolver.
0 Sr. Nuno Delerue (PSD): - Mas a nossa pode levar uma «dietazinha»!...
0 Orador: - E nunca a nossa lei poderá ser a autorizadora de uma lei que venha a consagrar um sistema de saúde. Esteja descansado, Sr. Deputado! Somos contra essa ideia terrível e avassaladora do sistema de saúde.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: -Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.
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0 Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A discussão hoje nesta Assembleia de iniciativas legislativas referentes à lei de bases da saúde, resulta da apresentação a esta Câmara da proposta de lei do Governo, consequência directa de um compromisso oportunarnente assumido e prontamente cumprido. Este facto, para além de meras questões de iniciativa na marcação do calendário político, cuja valorização importa contudo assinalar, traduz sobretudo uma preocupação que no PSD vem de longe e que em alguns outros porventura ainda fiéis a complexos que uma visão mais moderna e mais livre deveria ter permitido ultrapassar.
Possível pela recente revisão constitucional, na qual, como é sabido, as teses iniciais do PSD cederam perante a força da necessidade de votação por dois terços, o texto da Constituição limita a liberalização possível, mas não impõe barreiras à socialização quase total. É pois evidente que os vários partidos orientem as suas propostas pelo ideário político que professam, sendo possível o entendimento que da revisão constitucional não resulta necessariamente nenhuma alteração à «lei Arnaut». A pouca convicção, o incumprimento de ameaças públicas e, posteriormente, o articulado das propostas demonstram à sociedade que hoje discutimos basicamente dois grupos de projectos: o dos que mudam porque a exaustilo do sistema que temos a isso obriga e o dos que apresentaram projecto porque pareceria mal não o fazrem, mas no essencial, no fim, fica tudo bem se ficar na mesma.
Mas, se a revisão da Constituição não introduziu nesta as alterações que o PSD teria desejado, nem por isso deixou de se revestir de grande significado o conteúdo do acordo que foi possível obter. Com efeito, a eliminação da referência à obrigatória «socialização da medicina», trocada pela simples e indispensável «socialízaçgo dos custos», permite hoje ao PSD acolher nesta Câmara uma proposta de lei que significa um largo passo no sentido, que nos é caro, da promoção da iniciativa privada, que o mesmo é dizer da confiança nas iniciativas dos indivíduos e das suas instituições. A distância que vai entrar por um lado, a «lei Arnaut», largamente retomada nos seus contornos essenciais pelos projectos de lei do PS, do PRD e do PCP, e, pelo outro, a proposta do Governo e o projecto de lei do CDS é a que medeia entre a ciençia na total capacidade do Estado para resolver todos os problemas e a que acredita que só um equilíbrio com base em novas regras do sector público e do sector privado de prestação de cuidados terá virtualidades de gerar melhor qualidade e renovadas condições- de acesso.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: -E essa distância, também na saúde, foi viabilizada pela revisão constitucional.
Para nós, sociais-democratas, o Estado não pode alhear-se da sua responsabilidade como garante da pro[ccção da saúde das populações e primeiro actor das actividades de promoção da saúde. Mas não deve recusar a partilha de esforços no domínio vital da defesa da -saúde pública, como, sobretudo, não pode nem deve dispensàr-se de apelar às iniciativas, sem ou com fins lucrativos, daqueles indivíduos ou instituições que, com qualidade, desejam prestar cuidados de saúde.
E não deve, para nós, sociais-democratas, limitar-se o Estado a tolerar que aqueles que têm mais meios - e só esses- tenham acesso a tudo o que o sector privado pode conduzir e prestar. Por isso, e porque o que está em
causa é prestar cuidadós de saúde a cidadãos, deve o Estado suportar o custo de tais cuidados da forma mais eficaz e com a maior qualidade possível, e não há princípio que reconheçamos que impeça que, onde é melhor e custe menos, o Estado.pague ao sector privado para tratar os cidadãos.
Vozes do PSD: -Muito bem!
0 Orador:- É isto, meus,senhores, sobretudo isto, que separa profundamente o texto-da proposta do Governo dos textos dos projectos de lei do PS, do PCP e do PRD. É que para estes partidos da oposição o cidadão deve suportar, se não tem dinheiro, o serviço do hospital do Estado, seja bom ou não; o só pode dirigir-se ao sector privado, mesmo se é melhor e com custos.mais baixos, se é rico. Decisivamente não é esta a visão da minha bancada!
ApÍausos do PSD.
Compreendem-se estas diferenças. São as mesmas que ainda há dias separavam o PSD dos partidos referidos em relação às privatizações. São as que resultam da distância real que vai entre ter a boca cheia de profissões de fé na iniciativa privada e as propostas senicadas de pequenos e grandes obstáculos ao seu livre desenvolvimento.
Mas o papel que desejamos para o sector privado tem um pressuposto para nós essencial, a um tempo para a seriedade e a eficácia de todo o sistema. Consiste ele em só admitirmos a compra de serviços ao sector privado se este é verdadeiramente independente -e por isso pode ser concorrencial - do sector público. E esta independência tem um preço: a não partilha dos profissionais que trabalhem de um e de outro lado do sistema.
Compreende-se o facto de até agora não haver sido assim. Até se entende a legitimidade de dar atenção a quem moldou a sua vida às possibilidades de um sistema coxo.
Mas o caminho do futuro, na defesa de um sector público e de um sector privado ambos fortes, não permitirá, por certo, que -e permitam-me a expressão- se dilua a concorrência saudável pondo jogadores do Sporting a jogar às quartas-feiras as competições da UEFA com camisolas vermelhas pelo Benfica.
Vozes do PSD: -Muito bem!
0 Orador: - Mas para que o sector privado floresça é condição essencial permitir as transferências; entenda-se, dar a possibilidade de quem trabalha para o Estado passar ao sector privado, retornando ao Estado se assim o entender.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um país com recursos limitados tem de entender que, se a saúde não tem preço, o Ministério da Saúde tem um orçamento. A gestão eficaz da máquina burocrática, a sua simplificação e o grau de articulação que ela atingir são peças fundarnentais para o atingimento de graus de eficácia que os cidadãos pagadores do serviço exigem. Importa, neste aspecto, referir que só uma visão integrada entre cuidados primários e diferenciados de saúde e a responsabilização total de entidadcs mais próximas dos profissionais e dos utentes rentabilizará os meios disponíveis, permitirá a tomada de decisões céleres e, mais importante, será passo decisivo para união real preocupação de prestadores e utilizadores na humanização dos cuidados.
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A promoção da saúde é responsabilidade do Estado e da sociedade organizada-daí o tempo e a preocupação que lhe estamos a dedicar. Mas, antes de mais, é um bem individual que cabe a cada um e a todos defender. Na sua complexidade e multidísciplinarídade as linhas orientadoras que expressamos permitirão mais e melhor saúde num sistema para todos e em que todos, sem excepção -os prestadores dos cuidados e os cidadãos que a eles recorrem-, tenham lugar.
Criam-se assim as condições para uma sociedade mais saudável. Os resultados não serão imediatos, mas, estamos certos, são seguros. A obra que empreendemos terá sempre de começar não à flor do solo -para ser logo vista, que é o que quer quem se limita à obra de fachada-, mas na profundidade da terra, lançando aí alicerces sólidos, sobre os quais assentarão, com Firmeza e segurança, as construções destinadas a proporcionar um futuro à medida do homem.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: -Srs. Deputados, foi apresentado na Mesa um requerimento subscrito por deputados do PSD, do seguinte teor:
Os deputados abaixo assinados requerem, nos termos regimentais aplicáveis, que os projectos de lei n.º 465/V e 480/V baixem à comissão especiilizada permanente, antes da votação na generalidade.
Vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca, Pegado Lis e Raul Castro.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Amorim.
A Sr.º Luísa Amorim (PCP): -Sr. Deputado Nuno Delerue, se a parte do Orçamento do Estado destinada à saúde, nomeadamente à saúde pública actual, é insuficiente para que as instituições públicas respondam às necessidades da população e se ainda se desviar o financiamento do Orçamento para as instituições privadas, gostaria que me explicasse como é que é possível responder de uma forma eficaz através dos serviços privados. Ou, enulo, o que o Sr. Deputado defendo como opção é que as verbas do Orçamento dcsúnadas aos serviços públicos baixem de tal modo que se entro numa situação de tal ruptura dos serviços públicos que o financiamento ao privado não só trará grandes proveitos para o sector privado, como também terá respostas alternativas em relação ao serviço público.
Mas pergunto-lhe: se no nosso Orçamento, nomeadamente em relação ao produto interno bruto, as verbas são já tão baixas, como é que quer financiar ainda o sector privado, ficando em situação de igualdade concorrencial de resposta às necessidades da população? Explíque-me isto, Sr. Deputado.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.
0 Sr. Nuno Delerue (PSD): -Sr.ª Deputada Luísa Amorim, a questão do financiamento do serviço nacional de saúde público e dos operadores privados é uma questão
crucial, como V. Ex.ª reconheceu com a pergunta que colocou, e muito bem. 15to porque quem prescreve não é quem toma e quem toma não é quem paga. É um pouco este o círculo vicioso que convém alterar radicalmente.
Devo dizer que a resposta à pergunta concreta que me coloca é uma resposta fácil, que é esta: penso que esta é uma solução barata para o Estado. Dou-lhe um exemplo concreto: imagine uma situação de carência de 100 camas de medicina interna na cidade do Porto. 0 Estado, no sistema actual, é obrigado a grandes e vultosos investimentos no sentido de conseguir prestar esse cuidado de saúde que as populações reclamam. Se a proposta de lei for aprovada, garanto-lhe que o Estado conseguirá prestar esse serviço, se a sociedade civil tiver capacidade de resposta, como acreditamos, de uma forma mais barata, porque não implica todo o investimento que implicaria na situação actual, e pelo menos a um custo idêntico -e isso aparece indiciado na proposta do Governo - ao que lhe custaria no sector público.
Nestes termos, o Estado não tem de construir nem de manter os hospitais. Há-de reconhecer que é uma boa solução e a sua pergunta indicia que o Partido Comunista Português nos acompanha nesta preocupação de conseguir mais capacidade de resposta e melhor qualidade. Garanto-lhe que, embora não seja esse o pressuposto, esta solução é também um excelente negócio para o Estado, pois, sendo uma solução barata, permite cuidados de saúde de maior qualidade.
A intenção do Estado não é a de fazer uma «desnatadeira» de tudo o que são serviços públicos, porque estes têm de existir e têm de funcionar com qualidade e rentabilidade, mas isso só é possível se houver uma concorrência do lado do sector privado. Há muitos cuidados de saúde para prestar neste país e o que sc tem verificado -nós somos os primeiros a reconhecer isso - é que o Orçamento do Estado é incapaz para conseguir prestar esses cuidados na forma e na quantidade em que seriam imediatamente necessários.
É essc apelo que fazemos à iniciativa privada e estamos convencidos de que cio vai ser correspondido. Garanto-lhe que o modelo de financiamento das actividades privadas, desde que convencionidas e respeitadas algumas regras que referi na minha intervenção, permitirá encontrar soluções que são de certeza, pelas razões que expliquei, mais baratas do que se for o Estado a prestar esses serviços directamente.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidenle: -Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.
0 Sr. João Rui de Almeida (PS)-. - Sr.º Presidente, Srs, Membros do Governo, Srs. Deputados: A última revisão constitucional não foi um requiem ao Serviço Nacional de Saúde (SNS).
0 novo artigo 64º da Constituíção continua a realçar:
0 direito à protecção da saúde é realizado:
a) Através de um serviço nacional de saúde
A proposta de lei - lei de bases de saúde-, que agora discutimos, incorre intencionalmente no erro interpretativo do novo artigo 64º, pois não considera o SNS como instrumento fundamental de acção e através do qual se deve continuar a promover e garantir o acesso equitativo de todos os cidadãos aos cuidados de saúde.
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Em toda a proposta de lei, quer no seu preâmbulo quer
no seu articulado, existe uma intenção implícita de des
truição do SNS
Este Governo decididamente não gosta do Serviço
Nacional de Saúde, que, apesar de todos os ataques que
lhe têm sido dirigidos, adquiriu relevo indiscutível na
igualização de acesso das populações a cuidados de qua
lidade boa, se tivermos em conta as restrições financeiras
que lhe têm sido impostas. 0 SNS, além de ser um pilar
da solidariedade social, é uma estrutura que inspira con
fiança aos Portugueses, onde eles sabem poder encontrar
cuidados gratuitos em qualquer situação de crise da saúde.
E dos escombros que, restam do SNS, tolerado pelo
Governo, constata-se que o princípio de gestão participada
e descentralizada não está devidamente contemplado.
0 SNS da proposta de lei pretende ser descentralizado,
mas é acéfalo, não tem órgãos centrais. Será afinal o Go
verno que reserva para si a direcção exclusiva do SNS,
distribuindo os recursos por critérios da sua conveniência.
Nesta importante área, o Governo optou ainda pela
habilidade de omitir a forma de constituição e de desig
nação dos órgãos que compõem a estrutura orgânica do
SNS, tudo indiciando (e estamos a lembrar-nos das no
meações escandalosas para os órgãos de gestão hospitalar)
que o Governo vai também nesta matéria manter a
fórmula errada de «mais Estado, pior Estado». ,
Esta atitude centralizadora defendendo uma intervenção
excessiva do Estado está também expressa noutras áreas
importantes, como a que se refere ao estatuto dos pro
fissionais de saúde, cujo articulado deixa sérias dúvidas
quanto à intenção do Governo em insistir no erro da
exclusividade obrigatória.
Mas, como para compensar estas e outras medidas de
excessiva intervenção do Estado, o Governo «pisca o
olho» à iniciativa privada, abrindo as portas à privatização
injustificada de estabelecimentos oficiais e oferecendo-lhè
condíções de vantagem em relação ao sector público, na
corrida ao magro orçamento da saúde. Esta situação
conduzirá certamente ao que tem acontecido em tantos
outros países, com consequências gravosas, ao que hoje
em dia é conhecido pelo fenómeno da «desnatação».
15to é, teremos em breve os hospitais oficiais para os
casos difíceis, de elevado risco e custo financeiro, e os
estabelecimentos privados (não esqueçamos que são
financiados com verbas do SNS) para quem? Para as
situações fáceis, sem riscos, economicamente rentáveis e
que quando sofcem alguma evolução negativa apressam
-se a bater à porta do sector público.
Verifica-se, pois, que a proposta do Governo, no que
se refere ao modo de relacionamento entre o sector pú
blico e privado, não apresenta soluções que conduzam a
uma desejavel e salutar clarificação, baseada no princípio
tia independência mútua. Antes, pelo contrário, esta pro
posta ambígua conduzirá inevitavelmente a permanentes
contratualidades de interesses, permitindo que alguns
sectores privados continuem a ser parasitários do sector
público.
0 Partido Socialista reconhece a importância do sector
privado prestador, tanto lucrativo como não lucrativo, mas
defende que deve existir uma total clatificação das suas
relações com o sector público
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: -... e também uma clara definição; das condições de apoio do Estado, por forma que não continuem a subsistir mais dúvidas e equívocos.
Finalmente a proposta do Governo deixa antever que os Portugueses
Vão ver gravadas as despesas que têm de efectuar com a saúde,...
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: -... pois prevê que, para além das taxas moderadoras, os doentes paguem ainda mais outras taxas, «as taxas por serviços prestados ou utilização de instalações ou equipamentos».
Sr.º Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta do.Governo, para além de tornar a saúde mais cara para os Portugueses, não tem uma linha política coerente e está cheia de contradições e ambiguidades.
Se não vejamos:
Num artigo [base II, nº 1, alínea b) afirma-se defensor da igualdade de todos no acesso aos cuidados de saúde, mas noutros artigos [base XX111, nº 2, alínea d), e base XXVII, nº 2] cria condições objectivas de acentuação das desigualdàdes;
Num artigo (base XXVI, nº 2) é pela privatização, mas noutros artigos (bases XXVI, XXVII, XXVIll o base XXX1,nº 4) é pela estatização;
Num artigo.[base XX1V, alínea e)] diz-se defender uma gestão descentralizada e participada, mas noutros artigos (bases XXVI, XXVII e XXVIII) já não consegue esconder a sua apetência para uma gestão -altamente centralízadora.
Vozes do PS: - Claro!
0 Orador: - Noutros artigos (como, por exemplo, a base XXII, nº 6, e a base XXVII, nº 2) defende a medicina privada, mas já noutro artigo [base XXX1, nº 4) é pela exclusividade obrigatória, isto é, pela medicina estatizada.
Mas o documento do Governo não é somente rico em contradições-e ambiguidades, é-o também nas omissões, como são,os exemplos da forma de constituição e de designação da estrutura organica do SNS e também o exemplo escandaloso dos seguros de saúde, cuja importaníè matéria é tratada apenas numa linha.
Sr., Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: 0 Governo perde uma oportunidade histórica de mclborar'o sistema de saúde em Portugal.
0 documento que o G ovemo apresentou não terá vida longa se não sofrer profundas alterações.
Aplausos do PS
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Amorim.
A Sr." Luísa . Amorim (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr.- e Srs. Deputados: A proposta do Governo de lei de bases da, saúde, agora em discussão na generalidade, é bem a expressão,da filosofia de princípios da política deste Governo, que na saúde, tal como noutros campos, deférido, a desresponsabilização do Estado e a entrega de sectores fundamentais da vida nacional, como a saúde, à iniciativa privada. Se a protecção da saúde é um direito consagrado na Constituição, no entanto na proposta do Governo, para a sua concretização, as responsabilidades são iguais, Governo e entidades privadas, com ou sem fins lucrativos.
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Se para nós nada temos a opor à iniciativa privada na medicina, no entanto o que a proposta de lei do Governo nos diz é que o Estado não é o garante fundamental da implementação do Serviço Nacional de Saúde.
0 Estado equipara-se, às entidades privadas para responder às necessidades. E, Srs. Deputados, o Estado tem de ser o principal garante de um Serviço Nacional de Saúde se o queremos geral, universal e tendencialmente gratuito, entendendo neste tendencial que nos queremos aproximar da gratuitidade.
Na verdade, a filosofia da proposta de lei tem sido a prática da política de saúde do Governo. Assiste-se ao aumento galopante dos preços dos medicamentos, cada vez menos comparticipados, e ao empurrar dos doentes para a clínica privada por falta de resposta dos serviços públicos.
São os centros de saúde onde os médicos de família têm quatro horas de consulta para atender 1500 potenciais utentes, com uma média de 15 doentes por consulta/dia, naturalmente de qualidade duvidosa!
São os tempos de espera de consulta também nos médicos de especialidades em zonas onde o tempo de espera para consulta chega a ser de seis meses! E.devo dizer que a Comissão de País, onde verificou exactamente isto, e o tempo de espera para consulta de algumas dessas especialidades era de nove meses.
É o encerramento de maternidades e de valências básicas em muitos hospitais distritais, etc.
0 desvirtuamento e o mau funcionamento do Serviço Nacional de Saúde só têrn acarretado que a saúde se tem tornado mais cara para o Estado e para os utentes.
A partir de agora, com esta proposta de lei, tudo se torna mais claro. Nos deveres dos próprios utentes já se prevê mesmo, textualmente, que ele deve «pagar os encargos que derivem das prestações dos cuidados de saúde, quando for caso disso», e acrescentam-se as taxas moderadoras.
Com esta proposta de lei, os lesados serão os utcntes e os cidadãos, nomeadamente os mais carenciados, que não pocIcráo recorrer à medicina privada, com ou sem seguros de doença.
Sr.ª Presidente, Sr.- e Srs. Deputados: Nada se diz também na proposta do Governo sobre as características dos cuidados de saúde a promover pelo Serviço Nacional de Saúde a cargo do Estado, nomeidamente cuidados de promoção e vigilância da saúde e prevenção da doença, cuidados médicos de clínica geral e de especialidade, cuidados domiciliários, de enfermagem e internamento hospitalar, transporte de doentes, elementos complementares de diagnóstico e reabilitação, suplementos alimentares dietéticos, medicamentos e produtos medicamentosos, cuidados de reabilitação, próteses e ortóteses e outros aparelhos complementares terapêuticos, apoio social em articulação com os serviços de segurança social.
Fica-se a proposta cio Governo pela responsabilidade vaga de o Estado garantir «o acesso de todos os cidadãos aos cuidados de saúde, nos limites dos recursos humanos, técnicos e financeiros disponíveis», tendo essa política de saúde «um carácter evolutivo, adaptando-se permanentemente às condições da realidade nacional, às suas neccssídades e recursos».
Se se diz que a promoção da saúde e a prevenção da doença fazem parte das prioridades no planeamento das actividades do Estado, no resto é-se omisso e vago.
A preocupação parece ser deixar desde já claro na lei de bases que se vai fazer o que, se pode, acautelando-se desde já o que não se pode fazer.
Na perspectiva do Governo, a saúde não é um bem fundamental, do ponto de vista humanístico e civilizacional, a defender que o Estado se obriga a promover, numa perspectiva de desenvolvimento e de progresso da própria sociedade. É algo a que o Estado de forma acessória responderá.
A interdependência da política de saúde com a necessidade de promoção de uma política de emprego, de segurança social, de habitação e educação, desporto e cultura, para uma efectiva promoção da saúde e prevenção da doença, não está explícita na proposta da lei de bases de saúde do Governo.
Sr.ª Presidente, Sr.- e Srs. Deputados: Preocupa-se a proposta de lei do Governo com a avaliação permanente do funcionamento do Serviço Nacional de Saúde sobre a qualidade dos serviços, a utilização dos recursos, em termos de custos/benefícios, o que nos parece justo e necessário. Mas nada se diz sobre os critérios de avaliação das capacidades para o acesso ou ingresso nos lugares do quadro ou nos órgãos de gestão ou de direcção dos serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde.
Por isso, no nosso projecto de lei, explicitamos que sejam a capacidade e a competência os valores que definem os perfis para o acesso aos lugares. Também por essa razão, propomos que se salvaguarde, com rigor, a idoneidade, a independência e a competência técnica dos júris ou órgãos que realizam as selecções.
Aceitar isto pressupõe pôr em causa a actual lei de gestão hospitalar, que, ao nomear os gestores, mais não faz que favorecer critérios de compadrio político e de governamentalização do Serviço Nacional de Saúde e não a qualidade dos serviços e a contenção de custos.
Não nos parece que o Governo esteja interessado nisso com a sua avidez de, cada vez mais, governamental izar o aparelho de Estado, como não está interessado que o direito de participação dos profissionais de saúde inclua a expressão da sua opinião pública sobre o funcionamento dos serviços e órgãos do Serviço Nacional de Saúde. É com clara e afrontosa violação da Constituição a portaria que proíbe os profissionais de saúde de se pronunciarem publicamente sobre todas as questões de funcíonamento e qualidade dos serviços onde se integram.
É evidente que com este direito não se lesariam as normas éticas e deontológicas nem o sigilo profissional!
0 projecto de lei do PCP, ao salvaguardar estes princípios, garante a transparência na administração e na gestão do Serviço Nacional de Saúde aos vários níveis.
Para nós, a regionalização, a gestão descentralizada e participada, a gratuitidade na acessibilidade e nos cuidados prestados pelo Serviço Nacional de Saúde, em que o Estado é o principal garante, silo essenciais para que este seja universal e geral.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente: -Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Bacelar.
0 Sr. António Bacelar (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Como sector especializado das Nações Unidas, a Organização Mundial de Saúde (OMS) preocupa-se, e bem, com a saúde dos cidadãos a nível internacional e com notória preocupação com a saúde pública.
É seu objectivo facultar aos cidadãos do mundo até ao ano 2000 um confortável nível de vida no domínio da saúde e do bem-estar social e económico.
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Na Europa funciona um sector regional da Organização Mundial de Saúde, com adesão de 33 Estados membros, nos quais Portugal se inclui.
Nesse sentido, o nosso país, altamente preocppado com a saúde dos cidadãos e tentando atingir esses objectivos, começa a preparar as acções necessárias ao bem-estar dos Portugueses.
Por isso mesmo, hoje e após a última revisão constitucional, o Governo apresenta uma proposta de lei de bases de saúde para modificar a que existe e que não satisfazia os doentes e os profissionais de saúde na sua grande maioria.
Os Estados membros devem proceder de Uil modo que as respectivas políticas e estratégias estejam de acordo com os princípios das metas da saúde para todos.
Cito a meta 33 da OMS:
Esta meta será realizável se todos os países Orocederem a um exame sistemático das respectivas políticas e, legislação de saúde na óptica da estratégia e das meias regionais de saúde para todos, ao mesmo tempo que elaboram estratégias e metas nacionais para todos e modificam ou reforçam a sua própria legislação, tendo em conta as condições legais, políticas e estruturais próprias.
Orientado por estes princípios e outros similares, o Governo, no quadro do seu importante papel de mobilização de apoio e participação dos profissionais e do público para o desenvolvimento e'controlo das novas políticas de saúde, descentraliza o poder criando e reforçando estruturas, tais como comissões consultivas de saúde a diferentes níveis: nacional, regional, concelhio e local.
Em Portugal, com a proposta de lei n.º 127/V, agora em discussão, o Governo assume o compromisso do seu programa eleitoral. Tomou as iniciativas necessárias à alteração da Lei do Serviço Nacional de Saúde, tendo em vista o estabelecimento de um sistema de saúde que dê, antes de mais, aos utentes dos serviços a garantia efectiva da igualdade de todos no acesso aos cuidados de saúde e que, ao mesmo tempo, satisfaça os profissionais que nele trabalham.
A descentralização efectiva ao nível da tomada de decisão na gestão e participação por parte dos'utentes e das confunidades é uma faceta importante nestes princípios.
É necessário alterar a Lei nº 56/79, que consagrava a existência de um Serviço Nacional de Saúde estatizante.
Continuamos a defender que o Estado é o primeiro garante na prestação dos cuidados de saúde aos cidadãos.
Este princípio não impede que defendamos que o sector privado tenha no novo sistema de saúde uma importante acção nesses mesmos cuidados. Esta é a base principal do novo Serviço Nacional de Saúde, pois engloba um sistema de saúde em que o Estado assume as suas responsabilidades e o sector privado, competindo com -ele, mas utilizando o seu potencial profissional e de instalação, se torna complemento importante na prestação desses mesmos cuidados. São as potencialidades destes dois sectores que formarão o novo sistema de saúde e vão fazer a inversão de um Serviço Nacional de Saúde estatizante e socializante, que os utentes e profissionais de saúde,há muito tinham rejeitado.
Pelo que ficou dito e porque queremos melhores cuidados neste domínio para os Portugueses é.que o PSD defende e apoia a proposta de lei do Governo.
Além disso, porque acreditamos que será o início de uma nova era neste Portugal, tantas vezes adiado.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Catarino.
0 Sr. Jorge Catarino (PS): - Sr.& Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Da análise dos projectos de lei de bases da saúde, apresentados pelo PRD, pelo CDS e pelo PCP, ressalta claramente a ideia base de que o SNS, com maior ou menor relevância, consoante a perspectiva política dos partidos, constitui a entidade fundamental de qualquer sistema de saúde para os Portugueses. Esta ideia aparece mesmo no projecto de lei do CDS, que, embora em coerência com o seu ideal e defendendo uma quase total liberalização, não prescinde de referir o SNS como estrutura de grande relevância.
De facto, se atentarmos, por exemplo, na evolução das desigualdades e assimetrias de acesso aos cuidados de saúde entre 1972 e 1982, nos diferentes distritos, que, em relação à frequência hospitalar, passou de um para sete, de um para dois, em 10 anos de SNS, temos a noção clara da sua importância.
De salientar que quer o PRD quer o PCP como o PS e até o PSD assentam basicamente os seus projectos de lei de bases de saúde no SNS, sendo apenas excepção o CDS, que o considera ao nível de qualquer outra entidade prestadora de cuidados de saúde, privada ou não.
Sucintamente, pensamos que todos os projectos de lei apresentados traduzem uma grande preocupação política quanto à problemática da saúde em Portugal, situação grave que urge remediar rapidamente, procurando amplos consensos e convergências num denominador comum das enormes carências, dificuldades e desigualdades existentes.
Furtando-se ao debate público prévio, furtando-se ao debate em sede de comissão e preparando-se, conforme foi anunciado em conferência de imprensa, para derrotar todas as propostas, o PSD assume perante o País, mais uma vez, a postura da intolerância, do desprezo pelos projectos da oposição, numa matéria que, pela sua importâncía para os Portugueses, deveria ser objecto de estudo aprofundado e possibilitar uma ampla discussão, em que a opinião pública, através das organizações cívicas, políticas, sindicais, patronais e outras, pudesse participar activamente.
A política da ditadura da maioria, do negativismo desmobiliiador de uma arrogância ainda recentemente penalizada nas eleições autárquicas, não augura nada de bom, em termos do futuro, para a saúde dos Portugueses.
Se ao projecto de lei do PRD criticamos a omissão da necessidade das taxas moderadoras, bem como a indefinição dos limites entre os sectores público e privado e um qualquer financiamento também pelas autarquias locais -já tão sacrificadas - e ainda a instalação gradual do SNS (que não compreendemos), pensamos que, tal como nos demais projectos, há alguns aspectos positivos, pelo que deveriam ser aprovados, na generalidade, para posterior estudo e aperfeiçoamento em sede de comissão respectiva.
Ao CDS criticamos a medicina para ricos e pobres que prefigura no seu projecto, o aparecimento do SNS por decrcto-lei, a total indefinição de quem traça as grandes linhas da política de saúde e de quem as executa. Pensamos ser apenas uma proposta para «tempo de antena» em Plenário.
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0 projecto de lei do PCP retoma a velha ideia de um SNS centralizador, com aspecto regionalista, ignorando a realidade e a importância da iniciativa privada, omitindo também demagogicamente a aplicação de taxas moderadoras, que até existem no SNS inglês, desde o seu criador Beveridge, formulando um fogacho de novidade o Instituto de Controlo Qualidade de Saúdo, porventura resposta política à figura do Provedor de Saúde do projecto de lei do Partido Socialista, esquecendo completamente a figura do seguro de saúde, realidade que não podemos escamotear.
Em resumo, o País só poderá ganhar com uma ampla discussão pública dos projectos de lei de bases de saúde, participando em soluções que, ao exigirem a responsabilização de todos, só podem vir a melhorar a performance da nova lei.
De notar que, mesmo na Inglaterra da Sr.ª Tbatcher, a revisão da lei do SNS -e digo revisão e não destruição - demorou quatro anos a ser aprovada. Dois anos para discussão pública de um «livro branco» que analisava a experiência do que tinham sido 30 anos de SNS e dois anos para a implementação da revisão da legislação, com promulgação prevista para início do próximo ano.
Na impossibilidade já manifestada pelo PSD, resta-nos anunciar que, durante os próximos 18 meses, desenvolveremos o aperfeiçoamento do nosso projecto de lei, através dessa discussão pública -agora adiada-, para, naturalmente, o aplicarmos em 1991.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Jorge Catarino, disse V. Ex.ª que apresentámos o projecto de lei para «tempo de antena» no Plenário.
Risos do PS.
É talvez a sua ideia, porque, mesmo se não apresentassemos um projecto de lei, teríamos tempo para rebater o vezo estatizante e colectívísLa da vossa nova versão da «lei Arnaut», agora um bocadinho mais limada, digamos assim, e não precisaríamos de «tempo de antena». Aliás o vosso projecto de lei é ele mesmo um «tempo de antena» para o colectivista ex-ministro Arnaut.
Simplesmente é, é deselegante da vossa parte dizer o que disse. 15to porque os senhores não tiveram quaisquer críticas para fazer e não quando entendem que pode haver um serviço nacional de saúde que seja estritamente limitado ao que a Constituição prevê.
Aliás, fizemos perguntas aos vossos camaradas de bancada, que não souberam responder. A única coisa que disseram foi que tinham uma interpretação diferente sobre a «socialização dos custos», que substitua a «socializaçâo dos incios», na actual Constituição, mas não disseram qual cri a interpretação, porque isso não vos era possivel.
Ora bem, é sobre isto que V. Ex., devia falar e criticar-nos, e não do modo infeliz como fez, que não Ficou bem nem para si pessoalmente nem para os socialistas da sua bancada.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Sr. Jorge Catarino (PS): - Sr. Deputado Narana Coissoró, lamento que tenha feito essa interpretação da minha intervenção. Apenas quero dizer-lhe que a vossa bancada nos tem habituado a melhor e, como tal, daí decorreu a minha crítica.
Vozes do PS: -Muito bem
A Sr., Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrado o debate e informo que a votação destes diplomas será agendada posteriormente, sendo precedida da votação de um requerimento apresentado por deputados do Partido Comunista Português no sentido de os diplomas baixaram à comissão respectiva antes da votação na generalidade, para que possam ser submetidos a discussão pública, nos termos previstos do artigo 147º do Regimento.
Informo que a próxima reunião plenária terá lugar amanhã, sexta-feira, dia 23, e da ordem do dia constarão perguntas ao Governo.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 10 minutos.
L:ntraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
António José Caeiro da Mota Veiga. Arménio dos Santos. Carlos Lélis da Câmara Gonçalves. Cecilia Pita Catarino. Dinah Serrão Alhandra. Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira. Fernando José R. Roque Correia Afonso. Filipe Manuel Silva Abreu. Jaime Gomes Míl-Homens. João Álvaro Poças Santos. Joaquim Vilela de Araújo. José de Vargas Bulcão. Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida. Manuel Ferreira Martins. Margarida Borges de Carvalho. Mary Patrícia Pinheiro e Lança. Mário Fcrreira Bastos Raposo. Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre. Rui Alberto Limpo Salvada. Rui Gomes da Silva, Rui Manuel Almeida Mendes. Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete. Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho. António de Almeida Santos. António Miguel de Morais Barreto. Carlos Cardoso Lage. Helena de Melo Torres Marques. Jorge Lacão Costa. José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Lino António Marques de Carvalho.
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1 SÉRIE - NÚMERO 47
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:.
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Álvaro José Rodrigues Carvalho. António Fernandes Ribeiro. Fernando José Antunes Gomes Pereira. Fernando Monteiro do Amaral Flausino José Pereira da Silva.Henrique Nascimento Rodrigues. João Costa da Silva. José Manuel Rodrigues Casqueiro. Licínio Moreira da Silva. Manuel Albino Casimiro de Almeida. Manuel Joaquim Baptista Cardoso. Maria Leonor Beleza M.Tavares.
Partido Socialista (PS):
Armando António Martins,Vara.
Francisco Fernando Osório,Gomes. José Carlos P. Basto da Mota Torres. José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos. Maria do Céu Oliveira Esteves. Maria Julieta Ferreira B. Sampaio. Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Partido Comunista Português (PCP):
Ana Páula Silva Coelho. Domingos Abrantes Ferreira. João António Gonçalves do Amaral. Maria Odete Santos. Octávio Rodrigues Pato. Sérgio José Ferreira Ribeiro.
Partido Renovador Democrático (PRD):
José Carlos Pereira Lilaia.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PEV):
André Valente Martins.
Daputado índependente:
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Rectificação nº 38, de 30 de Janeiro de 1990
Na p. 1303, col. 2ª, 1. 36, onde se lê «A História é facho de vitórias ... » deve ler-se «A História faz-se de vitórias...».
Os REDACTORES: Ana Maria Marques da Cruz Maria Amélia Martins - José Diogo - Cacilda Nordeste.
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