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Sexta-feira, 9 de Março de 1990

I Série - Número 50

DIÁRIO

Da Assembleia da República

V LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1989-1990)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 8 DE MARÇO DE 1990

Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo

Secretários: Exmos. Srs. Daniel Abílio Ferreira Bastos

Vítor Manuel Caio Roque
Júlio José Antunes
João Domingos F. de Abreu Salgado

SUMÁRI0

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de lei n.º 133/V, do projecto de resolução n.º 47/V e da ratificação n.º 114/V, bem como da apresentação de requerimentos.
A propósito da apresentação na Mesa do voto n. º 134/V (apresentado por deputadas do PS, do PCP e do PRD), de protesto pela recusa do agendamento da celebração do Dia internacional da Mulher, e da sua apreciação no decorrer da sessão - que, posteriormente, veio a ser rejeitado -, intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Edite Estrela (PS), Luísa Amorim (PCP), Natália Correia (PRD), Joaquim Marques, Silva Marques e Lemos Damião (PSD), Ilda Figueiredo (PCP), António Guterres e Helena Torres Marques (PS), Carlos Brito (PCP) e Montalvão Machado (PSD).
O Sr. Deputado Gilberto Madaíl (PSD) referiu-se à realização, em Portugal, do Campeonato Mundial de Futebol de Juniores.
O Sr. Deputado Luis Geraldes (PSD) abordou a questão do ensino e cultura portuguesa no estrangeiro.
Ordem do dia. - Foi aprovada uma proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação autorizando a viagem, de carácter oficial, do Sr. Presidente da República ao Chile e ao Brasil.
A Câmara aprovou também um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de um deputado do PSD.
Foram discutidos, em conjunto e na generalidade, o projecto de lei n. º 457/V (PS), sobre o exercício da actividade de Radiotelevisão, e a proposta de lei n. º 130/V - Aprova o regime da actividade de Radiotelevisão no território nacional. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Ministro Adjunto e da Juventude (Couto dos Santos) e do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro Adjunto e da Juventude (Albino Soares), os Srs. Deputados Herculano Pombo (Os Verdes), João Corregedor da Fonseca (Indep.), Natália Correia e Alexandre Manuel (PRD), Jorge Lacão (PS), José Manuel Mendes (PCP), Narana Coissoró (CDS), Arons de Carvalho (PSD), Rui Machete (PSD), Costa Andrade (PSD), Manuel Alegre (PS), Sottomayor Cardia (PS), Silva Marques e Pedro Pinto (PSD), Armando Vara (PS), Rui Silva (PRD), José Magalhães (PCP) e Marques Júnior (PRD).
A Assembleia procedeu à eleição de um membro para o conselho directivo do instituto Nacional do Ambiente.
Entretanto, foram rejeitados um requerimento de recusa de ratificação dos Decretos-Leis n.º 354/88, que estabelece os princípios gerais de acesso ao ensino superior, e 33/90, que aprova o regime de acesso ao ensino superior, apresentado peto PCP, e os projectos de lei n.» 479/V (PS/CDS) - Acesso ao ensino superior e 488/V (PCP) - Cria um novo regime de acesso ao ensino superior.
Em votação final global, foram aprovados o projecto de deliberação n. º 30/V - Estatuto dos Grupos Parlamentares de Amizade com Parlamentos e Parlamentares de Outros Países e o texto elaborado pela comissão para a proposta de lei n.º 126/V - Regula as atribuições orgânicas e funcionamento da Alta Autoridade para a Comunicação Social, após terem sido rejeitados requerimentos de avocação pelo Plenário de vários artigos do diploma, apresentados peto PS e pelo PCP, tendo Intervindo, além do Sr. Ministro Adjunto e da Juventude e do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação), os Srs. Deputados José Magalhães (PCP), Guilherme Silva (PSD), Alexandre Manuel (PRD), Leonor Beleza (PSD), Jorge Lacão (PS), Mário Raposo (PSD), Marques Júnior (PRD), Herculano Pombo (Os Verdes), Nogueira de Brito (CDS) e António Filipe (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 22 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda de Queirós.
António Augusto Ramos
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Maria Pereira.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando A. Lopes Correia Costa.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Flausino José Pereira da Silva.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Gilberto Parca Madaíl.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Carlos Marta Soares.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Licinio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Maria Antónia Pinho e Melo.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Augusto Pinto Barros.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.

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Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.
António Manuel Henriques de Oliveira.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Luís.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Pedro Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaião Rodrigues.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo Brito.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Luís Maria Bartolomeu Afonso Palma.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Luísa Amorim.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Sérgio José Ferreira Ribeiro.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Natália de Oliveira Correia.
Rui José dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PEV):

André Valente Martins.
Herculano da Silva P. Marques Sequeira.

Deputados independentes:

Carlos Matos Chaves de Macedo.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Maria Helena Salema Roseta.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Deram entrada na Mesa e foram admitidos os seguintes diplomas: proposta de lei n.º 133/V - Revê o processo de emissão e colocação de empréstimos pelo Estado (revoga disposições da Lei n.º 1933, de 13 de Fevereiro de 1936, e do Decreto-Lei n.º 42 900, de 5 de Abril de 1960), que baixou à 7.ª Comissão; o projecto de resolução n.º 47/V (PCP) - Alterações ao Regimento e a ratificação n.º 114/V, da iniciativa do Sr. Deputado Jorge Lacão e outros, do PS, relativa ao Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março, que disciplina o regime jurídico dos planos municipais de ordenamento do território.
Foram igualmente apresentados na Mesa, na última reunião plenária, os seguintes requerimentos: ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Edite Estrela e Rui Vieira (PS) e Barbosa da Costa (PRD); ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulado pela Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira (PCP); a diversos Ministérios e à Câmara Municipal de Guimarães, formulados pelo Sr. Deputado Herculano Pombo (Os Verdes); ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação e à Câmara Municipal de S. João da Pesqueira, formulado pelo Sr. Deputado André Martins (Os Verdes), e ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Filipe (PCP).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, no período de antes da ordem do dia, que terá a duração máxima de 60 minutos, estão inscritos os Srs. Deputados Gilberto Madaíl, Rui Vieira, Luís Bartolomeu e Luís Geraldes.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, nos termos regimentais, peço a interrupção da sessão por 10 minutos.

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O Sr. Presidente: - O pedido é regimental, pelo que será concedido. Está interrompida a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 40 minutos.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): -Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

A Sr.ª Luísa Amorim (PCP): - Sr. Presidente, peço também a palavra para esse efeito.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, nos tempos limites de que dispomos (esse é o nosso acordo), tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): -Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: Começo por dizer que não precisarei de mais de dois minutos, que é o tempo regimental para fazer uma interpelação à Mesa.
Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: Que no dia 8 de Março se comemora o Dia Internacional da Mulher não constitui novidade para ninguém, o que já pode causar espanto, especialmente aos observadores menos atentos, é a insustentável leveza com que a Assembleia da República trata os problemas das mulheres.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Não apoiado!

A Oradora: - Temos assistido, serenamente, à subalternização progressiva do debate em tomo da igualdade dos direitos e da participação da Mulher.
Porque as mulheres não se submetem às regras que os homens, sozinhos, definem, impondo-lhes quando, como e onde devem falar e durante quanto tempo, porque elas aceitam as regras democráticas que são estabelecidas pelos homens e pelas mulheres,...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, isto não pode ser! Isto não é uma interpelação! Nós protestamos!...

A Oradora: -... a Subcomissão Permanente da Assembleia da República para a Igualdade de Direitos e Participação da Mulher decidiu, unanimemente, apresentar um voto de protesto nesta Assembleia, voto esse que vou entregar de imediato na Mesa com o pedido expresso de que seja lido integralmente e votado ainda hoje.

Aplausos do PS e do PCP e protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço a serenidade da Câmara e a conformidade com o Regimento.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Amorim.

A Sr.ª Luísa Amorim (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: A minha interpelação vai também no sentido de chamar a atenção para o facto de este voto de protesto ter sido aprovado na Subcomissão Permanente, como foi acabado de frisar.
Queremos salientar que, desde o ano passado, temos vindo a tentar que esta Assembleia da República, neste 8 de Março - Dia Internacional da Mulher -, não transforme este dia numa efeméride, num ritual falso, hipócrita e vazio e discuta, nesta data, projectos concretos que respondam aos problemas reais das mulheres, as quais continuam, em Portugal, a ser discriminadas e marginalizadas.
Nós próprios, PCP, temos cinco projectos de lei, cuja discussão o partido da maioria tem sistematicamente obstaculizado...

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Não é verdade!

A Oradora: - É verdade, Sr. Deputado, mas, se assim não é, prove-o!

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Façam o agendamento!

A Oradora: - E vamos fazê-lo, Sr. Deputado!

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Isto é ridículo! Isto não é uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente!

O Sr. José Lello (PS): - Você é um machista!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que na Câmara se faça silêncio.

A Oradora: - Que dificuldades têm os Srs. Deputados da maioria em, uma vez por ano, no 8 de Março, ouvir as mulheres falar!... Apresentámos um voto de protesto e não aquilo que os senhores querem, que são votos de congratulação, de seguidismo, em relação à política governamental.
Nós, as mulheres, não somos figuras decorativas, aqui, na Assembleia!

Aplausos do PS e do PCP e protestos do PSD.

Srs. Deputados, a nossa interpelação vai no sentido de hoje e aqui se discutir, pelo menos, o nosso voto de protesto. Temos esse direito, que conquistámos pela luta das mulheres, em Portugal e no mundo.

Vozes do PSD: - Isto não é uma interpelação!

A Oradora: - É uma interpelação à Mesa, Srs. Deputados.
Acalmem-se, Srs. Deputados, porque já acabei a minha interpelação. Não fiquem incomodados com as mulheres, Srs. Deputados!

Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - É óbvio que não têm sido feitas interpelações...

Vozes do PSD: -Ah!...

O Sr. Presidente: -... tal como não são interpelações 99% dos pedidos de palavra que se fazem nesta Casa ao abrigo dessa figura regimental.
Para uma interpelação, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

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A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, muito . obrigada, não por fazer uma excepção, visto ter sido V. Ex.ª quem reconheceu que isto é o ritmo habitual desta Casa.
É entre a ironia e o desgosto, que inspiram as tristes figuras, que sou forçada a dizer que esse voto de protesto não abona o comportamento em relação ao sexo feminino dos deputados que o motivaram.
Poder-se-ia não consentir, mas concluir, que o desdém que aqui e hoje subestima o dia da mulher, relegando-o para o espaço fatalmente exíguo num período de antes da ordem do dia, sem prolongamento, seria um agónico espumar desse decrépito mito da superioridade viril, que nenhuma mulher a sério tomou, mas fazia de conta, porque a então florescente androcracia a tanto a constrangia.
Mas, a ser essa a razão do amesquinhamento a que se vota o dia da mulher na instituição que representa um povo maioritariamente feminino, esperar-se-ia ao menos que o cavalheirismo - que, em galanterias rendidas à mulher, era coalescente à hegemonia viril - se curvasse em vénia, ainda que hipócrita, ao dia da mulher, dando-lhe comemoração condigna nesta Assembleia.
Mas nem mesmo isso. Cuidado, Srs. Deputados, não acirreis com essas birras residualmente machistas, sem contrapartida de ramo de flores e beija-mão, um feminismo gerador do poder da mulher, que já alastra por esse mundo fora e que está a acelerar vertiginosamente o crepúsculo da soberania do varão.

Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Marques.

O Sr. José Lello (PS): - Quem é esta senhora que vai falar?

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Sr. Deputado José Lello, já o conheço há muito tempo, assim como V. Ex.ª também me conhece.
Devo dizer-lhe, já agora, que estamos numa pequena brincadeira, aqui, na Assembleia da República...

Risos do PSD.

Vozes do PS: - Não é, não!

O Orador: - É! É uma brincadeira, reconhecida, aliás, pelo Sr. Presidente da Assembleia da República, que disse que 99,9% das interpelações que aqui são feitas não são verdadeiras interpelações.

Protestos do PS.

Peço, no entanto, desculpa ao Sr. Presidente da Assembleia da República por lhe lembrar que é ele quem tem o dever de, enquanto Presidente da Mesa, chamar a atenção dos membros desta Assembleia que, eventualmente, estejam a utilizar, abusivamente, as figuras regimentais.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, era previsível que esta encenação aqui montada -que, aliás, já se anunciava em alguma comunicação social- fosse feita. Estávamos à espera disso, mas pensávamos que era possível, da parte das Sr.ª Deputadas - que têm toda a legitimidade de intervir em defesa dos seus pontos de vista, como nós também temos - fazê-lo de acordo com as normas regimentais.
Peço desculpa, mas não é possível afirmar-se aqui, seja por quem for, que é o PSD que impede o agendamento de projectos de lei do PCP, como disse a Sr.ª Deputada Luísa Amorim.

Vozes do PCP: - É, é!

O Orador: - De acordo com o Regimento, os diversos grupos parlamentares têm direito de agendamento e o PCP, se entende que tem iniciativa legislativa tão válidas como isso, que as agende, como tem agendado outras coisas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Mas não posso deixar de salientar que o que estou a fazer é que é, verdadeiramente, uma interpelação à Mesa. Efectivamente, neste momento, estou a questionar a forma como a Mesa está a conduzir os trabalhos.
Creio que é indispensável que, aqui, na Assembleia da República, se respeitem, de facto, os direitos e os deveres regimentais. Temos direitos mas também deveres. O povo português vê quem cumpre os seus deveres e respeita também os dos outros.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, o meu colega de bancada acabou de dizer o substancial, mas gostaria de referir que, em meu entender, a principal responsabilidade da situação lastimável a que acabámos de assistir deve ser atribuída à Mesa, pois é a ela que compete conduzir os trabalhos nesta Câmara.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Agora, já querem mandar na Mesa?!

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Presidente, V. Ex.ª vai permitir-me que, como homem, me solidarize com as mulheres.

Risos do PSD.

Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. José Lello (PS): - Ah! Valente!

O Orador: - Como homem, permita-me que diga às mulheres que, quando não protestam, são mais belas.

Risos do PSD.

Como homem, permita-me que diga às mulheres que devem conquistar a igualdade pelos seus méritos e não por serem mulheres.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Como homem, permita-me que diga: respeitemo-nos!
Finalmente, como homem, peço, empenhadamente, às mulheres que ajudem a criar o Dia Mundial do Homem.

Risos do PSD e do PS.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr/Deputada?

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - É para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, gostaria que informasse a Mesa se pretende utilizar essa figura regimental para fazer uma semideclaração.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): -Não, Sr. Presidente, é para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, é ou não verdade que foi entregue na Mesa da Assembleia da República um projecto de resolução, assinado por todas as deputadas da oposição, visando a necessidade de haver um dia para debate de iniciativas legislativas relacionadas com a situação da mulher?
É ou não verdade que foi proposto pelo PCP, na conferência de líderes, que o dia de hoje fosse consagrado ao agendamento de iniciativas legislativas relacionadas com a problemática feminina e que o PSD não aceitou esse agendamento?
É ou não verdade que, por causa disso, o PCP foi obrigado a usar uma das três marcações a que, regimentalmente, está reduzido -por um Regimento que foi imposto pelo PSD -, marcando para o dia 22 de Março um debate sobre os problemas da mulher portuguesa?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente:- Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, nesta Câmara, foram feitas acusações à forma como a Mesa - e em particular o Sr. Presidente - tem gerido o acesso dos, deputados à palavra na figura da interpelação.
É evidente que, muitas vezes, nesta Câmara, existe algum excesso na utilização das figuras regimentais, mas quero dizer e testemunhar que a Mesa o tem permitido com total isenção.
Quero ainda afirmar que, na maior parte dos casos, os incidentes se criam muito mais pelas reacções despropositadas à forma como esses direitos são utilizados do que pela utilização desses mesmos direitos.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - É para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Se não vai utilizar a forma de semideclaração, tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, quero comunicar à Mesa e à Câmara que para o Partido Socialista há símbolos que são muito importantes. Ora, o dia 8 de Março é um dia importante, é um dia de festa para a mulher e, em nosso entender, a Assembleia da República não se deveria restringir a um período de antes da ordem do dia para tratar esta matéria.
Gostaria ainda de informar a Mesa e a Câmara de que nenhum deputado do Partido Socialista se inscreverá no período de antes da ordem do dia para intervir sobre esta matéria.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. José Lello (PS): - Nem para tratar desta matéria, nem de outra!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, permito-me assinalar a presença, na tribuna, do Sr. Presidente da Assembleia Regional da Madeira, Dr. Nélio Mendonça, a quem cumprimentamos e saudamos.

Aplausos gerais, de pé.

Srs. Deputados, vou ser muito breve, mas não posso deixar de esclarecer a Câmara sobre alguns aspectos.
Em primeiro lugar, devo salientar que, quase desde o primeiro dia em que assumi o mandato de Presidente da Assembleia da República, tenho inscrito para debate, na conferência de líderes, a discussão sobre o uso de figuras regimentais, designadamente a da interpelação e a da defesa da honra, e tecido diversas considerações. Debate que tem vindo a repetir-se, tornando-se mesmo fastidioso.
No entanto, devo dizer que nenhum partido apoiou que se adoptasse uma forma mais radical de acabar com estas figuras regimentais no uso da palavra nos debates.
Em segundo lugar, gostaria de afirmar que todos os partidos reconheceram que, em determinado momento, desde que usado com parcimónia e bom senso, essas figuras podem contribuir não só para dar algum dinamismo à actividade parlamentar como também para prestigiar o Parlamento.
Srs. Deputados, não estava tão distraído que não me tivesse apercebido de que a situação, há pouco criada, provocou um atraso dos trabalhos. Ainda ontem, na conferência de líderes, quando foi levantada, pelo Sr. Presidente de um dos grupos parlamentares, a questão da manutenção do período de antes da ordem do dia de hoje, de se verificar ser necessário, dado estar carregada a agenda, optou-se pela positiva, uma vez que se tratava do Dia Internacional da Mulher. Confesso que fiquei surpreendido ao verificar que não havia nenhuma mulher inscrita para intervir.
No entanto, não é ao Presidente que compete organizar os trabalhos dos grupos parlamentares. Não é a mim que compete divulgar o que se passa na conferência de líderes, onde muito se tem conseguido, exactamente por se poder discutir com liberdade e franqueza, tornando-se possível conciliar as várias posições.
Apenas lamento que, por vezes, algumas das decisões tomadas sejam divulgadas particularmente quando de forma deturpada, pecado que -julgo- ninguém me poderá atribuir, pois se o fizer, faz mal!

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Assim, em face do que se passou em conferência de líderes, embora prevendo que as interpelações não eram verdadeiras interpelações, decidi permitir que, no início da sessão, as Sr.ªs Deputadas com assento nesta Câmara pudessem, sob a forma de interpelação à Mesa, expressar alguns comentários sobre o dia que hoje se comemora internacionalmente.
Quanto à questão da apresentação de um voto aprovado por uma subcomissão, o problema é mais complexo. Apesar de não ter quaisquer dúvidas na interpretação do Regimento, nesta matéria. Está, desde hoje e por decisão da conferência de líderes, pedido um parecer à Comissão de Regimento e Mandatos que defina se as subcomissões funcionam ou não da mesma maneira que as comissões.
Para intervir no período de antes da ordem do dia - que tem, como decidido, a duração de 60 minutos - está inscrito o Sr. Deputado Gilberto Madaíl.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gilberto Madaíl.

O Sr. Carlos Brito (PCP): -Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Nos termos regimentais, é para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, em face do voto que deu entrada na Mesa e da vontade manifestada por alguns grupos parlamentares da oposição em relação a esse voto, gostaria de saber se V. Ex.ª apesar das considerações que teceu, não acha que seria oportuno proceder ao seu agendamento ou, pelo menos, proceder a uma consulta a todas as bancadas no sentido de saber se há ou não consenso para que o texto do voto seja considerado e votado hoje, a única data oportuna para o fazer.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a primeira etapa foi a distribuição do voto, mas outras etapas se seguirão.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gilberto Madaíl.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, pergunto se não está de acordo...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu disse «outras etapas se seguirão».

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dá-me a palavra, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu disse: «outras etapas se seguirão».
Mais explicitamente, se V. Ex.ª quiser, o que eu quero dizer é que a Mesa vai consultar todos os grupos parlamentares no sentido de saber a posição que assumem sobre esta matéria.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, nestas circunstâncias, sugerimos que convoque, de imediato, uma conferência de líderes para a consideração desta questão.
Se o Sr. Presidente não estiver de acordo, o Grupo Parlamentar do PCP, desde já, solicita não só uma interrupção dos trabalhos por 15 minutos como, ainda, que V. Ex.ª convoque uma conferência de líderes para se considerar a questão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, nestas circunstâncias, por uma questão de eficiência, costumo utilizar um intermediário para fazer a sondagem aos vários grupos parlamentares, e depois, em face da sondagem, decido.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gilberto Madaíl.

O Sr. Gilberto Madaíl (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: A recente decisão da FIFA em atribuir ao nosso país a organização do Campeonato do Mundo dos Juniores de 1991 traduz, sem margens para dúvida, o reconhecimento da importância e do contributo que Portugal vem dando à causa do futebol e, muito particularmente, ao seu fomento, através do futebol juvenil.
Na base desta decisão, e para além da conquista do título mundial e do empenho dos dirigentes do futebol português, estarão, certamente, os clubes e os seus dirigentes, que constituem um exemplo de abnegação e dedicação no seu interesse pela juventude, em todas as modalidades desportivas. Justo é, pois, que se reconheça que o desporto nacional muito deve a estes dirigentes, que, por todo o País, muitas vezes sem infra-estruturas condignas e com o seu próprio esforço financeiro, incentivam nos jovens o gosto pelo desporto e pela competição.

Aplausos do PSD.

Torna-se, por isso, urgente que, a nível da Lei de Bases do Sistema Desportivo -instrumento orientador, por excelência, do desporto português-, se regulamente o disposto no seu artigo 13.º, de forma a dotar o desporto com o estatuto do dirigente desportivo.
Mas também as associações distritais têm tido, neste campo, um papel de grande relevo. Mau grado as suas actuais dificuldades financeiras - que urge resolver -, elas completam o trabalho desenvolvido pelos clubes, apoiando financeiramente, e sempre que possível, os de menores recursos, que constituem a esmagadora maioria dos clubes portugueses, para além de, através das suas selecções, dos seus cursos de formação e de outras acções, procurarem, permanentemente, uma maior valorização e incremento do futebol português.
Gratificante é, contudo, verificar que todo este trabalho que vem sendo desenvolvido e superiormente coordenado a nível nacional teve já os seus frutos com a obtenção de títulos europeus e até de um título mundial, que muito honraram o nosso país.
Aliás, ainda ontem, a nossa Selecção de Subdezasseis venceu mais um desafio internacional.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Felizmente, não é só no futebol que o desporto português se vem impondo a nível mundial, mas também em outras disciplinas, onde se verificam as mesmas articulações entre clubes, as suas associações e federações, grandes êxitos têm sido con-

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seguidos: no atletismo, que, na sua senda de vitórias, recentemente, conseguiu para o nosso país mais dois títulos europeus, para além de outros olímpicos e mundiais já obtidos; no hóquei em patins, que, agora como no passado, tantos momentos de glória tem proporcionado ao desporto nacional; no handebol e basquetebol, onde o crescente interesse que suscitam tem provocado uma evolução espectacular e a sua difusão maciça e ainda em tantas outras disciplinas desportivas que, de uma forma ou de outra, tem atraído, cada vez mais, desportistas e erguido bem alto o nome de Portugal!
De facto, parece inegável a importância crescente do desporto em Portugal e a sua consequente influência na opinião pública.
Diariamente, todos os meios de comunicação social, especializada ou não, dedicam ao desporto grande parte da sua programação. Aliás, dirigido ao desporto existe o jornal de maior tiragem no nosso país.
Constituindo um factor de ligação entre os povos, proporciona também o desporto importantes receitas, através da sua capacidade de mobilização de massas, para além de cumprir uma acção formadora da juventude, oferecendo-lhe uma excelente aplicação dos seus tempos livres.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Assume, pois, especial relevância, merecedora de toda a atenção desta Câmara e do Governo, a realização em Portugal do Campeonato Mundial de Futebol Juniores.
Mau grado poder o nosso País vir a ser palco de outras grandes realizações a nível europeu e até mundial, é agora no futebol - desporto rei por excelência - que irá estar centralizada a atenção de todos os portugueses e da opinião pública, em geral. É que, pela sua dimensão e envolvimento, a organização deste Mundial é principalmente um «desafio» que se coloca ao nosso país e que certamente todos desejaremos vencer.
Daí que, para conhecimento desta Câmara e do País, traga à presença de VV. Ex." alguns breves dados sobre a problemática deste Campeonato Mundial, que constituirão, certamente, motivo para alguma reflexão.
Assim, o Campeonato será disputado por um total de 16 equipas, que serão distribuídas geograficamente em quatro grupos, disputando um total de 32 jogos. Para o efeito, estarão presentes 16 comitivas oficiais, uma delegação da FIFA de 60 elementos, 30 árbitros, tudo num total de cerca de 550 elementos.
O impacte deste acontecimento é bem patente na presença de 200 representantes da comunicação social estrangeira, aos quais se deverão ainda adicionar mais de uma centena de profissionais portugueses, que divulgarão o Campeonato em mais de 50 países.
O interesse que este Campeonato tem vindo a suscitar no público é elucidativo pela análise dos seguintes dados estatísticos: no Chile, em 1987, a média de espectadores por jogo foi de 21 000 pessoas; na Arábia Saudita, em 1989, aquela média foi de cerca de 20 000. Só o jogo final foi presenciado por mais de 70 000 espectadores.
Atente-se agora nos meios necessários para a montagem e organização deste Mundial, tendo em conta os requisitos impostos pela FIFA: os campos.
Serão necessários entre quatro a seis estádios para as competições oficiais, aos quais se deverão acrescentar outros para treino das equipas, tudo num total de 16. Tais estádios deverão possuir sauna, posto médico devidamente equipado, tanques para banhos, etc.
Todos os campos serão relvados, com as medidas oficiais, túneis de acesso aos balneários, e, em cada estádio, para além das bancadas para o público, deverão existir bancadas e instalações especiais destinadas aos órgãos de comunicação social. Esta é, aliás, uma das grandes exigências da FIFA.
Quanto às unidades hoteleiras, serão necessárias cerca de seis unidades para albergarem simultaneamente quatro delegações por grupo e respectivas comitivas oficiais.
Tais unidades deverão estar equipadas com áreas sociais e recreativas, centros para utilização de meios vídeo, salas para prelecções teóricas, para conferências de imprensa, etc.
Também as áreas de assistência, segurança e meios televisivos merecem uma particular atenção pela mobilização necessária de efectivos policiais, de uma assistência médica permanente, de intérpretes, de assistentes, para além da necessidade de existência de 10 carros de exterior para efeito de TV (e penso que, no nosso país, estamos longe de ter esta dotação de carros para efeitos exteriores).
Por estes breves indicadores, poderão VV. Ex.ªs avaliar do grande esforço que terá de ser efectuado para que este Campeonato do Mundo se realize dignificando o nome do nosso país.
Se bem que alguns dos encargos inerentes a esta organização sejam naturalmente cobertos com receitas oriundas de jogos, da publicidade e outras, outros encargos haverá que só através de fundos oriundos do Governo e das autarquias, poderão ser ultrapassados.
É sabido que, para além dos estádios situados em Lisboa e no Porto, poucos outros terão as condições necessárias para responderem aos requisitos desta organização. Por isso, e para que este grande acontecimento desportivo possa ser levado a outras áreas do País, particularmente àquelas que mais atenção têm dedicado ao futebol jovem, assume particular importância uma efectiva descentralização nos grandes investimentos que será necessário efectuar nalguns campos de futebol do nosso país. À semelhança do que foi efectuado noutros países, palcos de acontecimentos relevantes desta natureza (Mundiais, Jogos Olímpicos etc.), estes investimentos irão enriquecer o nosso património desportivo, permitindo, no futuro, uma maior amplitude na organização de outros acontecimentos, quer nacionais quer internacionais.
Torna-se, pois, urgente que o Governo, em colaboração com a própria FPF e, eventualmente, através de um órgão criado para este efeito, defina cuidadosamente, tendo em atenção os parâmetros relevantes, as áreas onde se deverá disputar este Mundial, para, de imediato, serem delineadas as acções de investimento que se revelarem necessárias.
De primordial interesse será também a colaboração das autarquias - sede deste acontecimento -, pela enorme contribuição que podem prestar. Aliás, o interesse de qualquer autarquia em ser uma das sedes do Campeonato do Mundo é bem evidente, se considerarmos que uma situação deste tipo ocorrerá, provavelmente, apenas uma vez na vida de um concelho!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Serão provavelmente necessários investimentos imediatos, totalizando várias centenas de milhares de contos.
Não se contesta a existência de outras eventuais aplicações, tão importantes e necessárias como aquelas que temos vindo a descrever. No entanto, se considerarmos que está em jogo não só o prestígio do País como também uma particular motivação da grande maioria da nossa

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juventude, parece-nos que, de facto, não haverá que hesitar. Aliás, é aparentemente esta a decisão do Governo.
Por isso, terá então o Governo de fazer um esforço para constituição de uma dotação financeira para este efeito; terão as autarquias envolvidas de prestar a sua inteira colaboração, dentro do âmbito das suas possibilidades, em meios financeiros e humanos; terão todos os agentes de futebol de contribuir, com o seu esforço e saber, para uma impecável organização deste Campeonato.
A menos de um ano e meio deste grande acontecimento, impõe-se a todos nós, Portugueses, justificarmos a confiança que justamente foi em nós depositada e demonstrarmos, uma vez mais, a nossa enorme capacidade de vencer qualquer desafio que nos seja colocado.
Para isso, aqui deixo este apelo, perante esta Câmara, certo de que, com o apoio de VV. Ex.ª, conseguiremos sensibilizar ainda mais o Governo e as autarquias para uma conjugação de esforços, visando este objectivo comum: o Campeonato Mundial de Juniores de 1991, do qual o nosso país é actualmente detentor do respectivo título.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em primeiro lugar, e conforme consta quer do boletim informativo quer da agenda de reunião plenária, informo que hoje se vai proceder à votação para um membro do Instituto Nacional do Ambiente (INAMB) na Sala de D. Maria. Portanto, é necessário que os partidos que normalmente delegam nos seus escrutinadores - o PSD, o PS e o PCP - se desloquem à Sala de D. Maria, onde está tudo preparado para darmos início à votação, que termina às 18 horas.
Quero também informar que o voto n.º 134/V (apresentado por deputadas do PS, do PCP e do PRD), de protesto pela recusa de agendamento da celebração do Dia Internacional da Mulher -que foi distribuído-, será votado, sem declarações de voto e sem discussão, no termo do período de antes da ordem do dia. Este é o consenso obtido entre os grupos parlamentares.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Geraldes.

O Sr. Luís Geraldes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: São muitos, complexos e de difícil solução os problemas com que o País se debate, resultantes do fenómeno da emigração. Da diversidade das causas que o motivam à imprevisão das consequências em que se traduz, vai todo um vastíssimo campo de questões que positivamente a todos submerge.
O Governo e o PSD têm consciência da situação e não se poupam a esforços no sentido de modificá-la, mas estão também conscientes das dificuldades que, naturalmente, se levantam quando em causa está o atendimento de comunidades dispersas pelo mundo, numa área geográfica que vai do Canadá à Austrália ou da Suécia à África do Sul, atendimento que se centra em sectores tão diversos como os que vão da economia à segurança social, da habitação à poupança, da cidadania à justiça, da cultura ao ensino.
Ensino que, ultimamente, tem estado na ordem do dia e sido aproveitado como pretexto para intervenções mais ou menos hipócritas de alguns sectores da oposição, nomeadamente o Partido Socialista, não com o objectivo de contribuir para a procura de soluções adequadas e tendencialmente justas, mas tão apenas pelo prazer da maledicência.
Sabemos que o ensino da língua e da cultura portuguesa no estrangeiro, particularmente junto das comunidades portuguesas, não vai pelo melhor caminho, mas sabemos também -sabe-o toda a gente com responsabilidade política- que o mal não se cura ao nível do tratamento epidérmico, que as suas causas são bem profundas e de natureza institucional. Só por hipocrisia se pode exigir que o País, a braços com reformas estruturais profundas dentro do limitado espaço geográfico que ocupa, resolva satisfatoriamente questões pontuais que, sobre o mesmo sector de actividade, surgem em França, perspectivadas de forma diferente das que surgem na Venezuela, no Luxemburgo, em Espanha ou nos Estados Unidos da América. Os problemas que o ensino da língua e da cultura portuguesas levantam ao País só se resolvem com a satisfação pontual das reivindicações de cerca de três centenas de professores portugueses que exercem, em comissão de serviço, figura jurídica ao abrigo da qual foram conscientemente ali colocados, usufruindo dos direitos e regalias correspondentes.
A resolução dos problemas que o ensino português no estrangeiro põe a todo o País - e não apenas ao Governo e a outros órgãos de soberania - passa não só por uma definição clara dos objectivos que nos propomos como povo e como nação, mas também pela capacidade de afirmação da nossa língua e cultura no contexto das nações, não como língua e cultura de emigrantes, mas como instrumento de estudo e de compreensão da história universal, cujo sentido marcámos profundamente com a epopeia das descobertas.
Mas passa ainda pelo conhecimento rigoroso da realidade social e cultural dos países em que se pretende afirmar essa língua e essa cultura, para que se possa manter a estratégia adequada à consecução dos objectivos para cada caso definidos. Objectivos e estratégias que, imperiosamente, diferem de país para país e de continente para continente.
Nesta perspectiva, é evidente que o que se passa no ensino português no estrangeiro não está bem e não serve os interesses nacionais. Aliás, o Governo e o PSD estão disso mesmo conscientes e não se resignam com a situação existente. Não se pode, efectivamente, tolerar que os resultados alcançados com o esforço desenvolvido por Portugal no ensino português no estrangeiro se quedem muito aquém do investimento feito e das expectativas criadas. Nem se pode admitir a desigualdade de tratamento que se vem verificando entre as várias comunidades.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Parece que a distribuição da rede de ensino português no estrangeiro não foi planificada nem minimamente programada a nível oficial. Apareceu. Não digo que de geração espontânea, mas, seguramente, devido ao voluntarismo de uns quantos entusiastas que, cheios de boas intenções, admitiram ser importante a acção educativa e cultural a desenvolver junto dos emigrantes portugueses no estrangeiro, muito particularmente nos países da Europa. E assim aconteceu. Aos primeiros, seguiram-se outros e mais outros, sempre animados de inelutáveis sentimentos pátrios, mas sem qualquer estrutura, mesmo rudimentar, que desse garantia de um mínimo de segurança, de eficácia, de qualidade e de rigor.
Por isso, as discrepâncias que se verificam: em França, são 330 os professores oficiais, mas na África do Sul, onde a comunidade não é menor, apenas 28; no Luxemburgo, 49, enquanto no Canadá, nenhum. Aqui, mistura-

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se o ensino estatal com o privado, enquanto ali apenas o privado existe. Acolá, é o ensino português da responsabilidade exclusiva do Governo de Portugal, mas além é-o também do governo local, que o admite como língua de opção nos seus planos curriculares.
Como se observa, o ensino da língua e da cultura portuguesas no estrangeiro anda ao sabor do voluntarismo de uns, do arbítrio de outros, do amadorismo de terceiros, sem rumo nem programa. Nem sequer há a preocupação de lhe garantir qualidade e genuinidade, do que - certamente todos estão de acordo! - são testemunhas a forma como vem sendo coordenado e os critérios que presidem à nomeação dos coordenadores.
Em boa verdade, a situação neste campo - o da coordenação- terá que ser profundamente alterada, porque dificilmente se compreende que aqui haja um coordenador por país e além dois países para o mesmo coordenador, mesmo que sejam diferentes as suas raízes culturais. Este é o caso da República Federal da Alemanha e da Suíça, dois países onde são significativas as comunidades lusas e cujos professores de Português são «coordenados» pelo mesmo coordenador, que pode estar de manhã em Bona e à tarde em Berna ou, pelo contrário, de manhã em Zurique e à tarde em Colónia, sendo difícil saber o que efectivamente coordena, como coordena e quando coordena.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É, a todos os títulos, digno de louvar o esforço desenvolvido pelos vários governos -e particularmente por este- no sentido de levar o ensino da língua e da cultura portuguesas perto das comunidades lusas dispersas pelo globo.
Reconheça-se, porém, que esta não é a estratégia mais adequada para promover a sua afirmação no mundo, o que implica, naturalmente, a mudança de rumo. A língua portuguesa que, no virar do milénio, deve ser falada por mais de 200 milhões de pessoas, impõe que o País vele pela sua preservação, difusão e prestígio, de modo a ser reconhecida como instrumento de trabalho nos organismos internacionais e meio indispensável ao estudo e compreensão de importantes e decisivos fenómenos sociais, políticos e culturais da história universal. Além de que ela constitui o elemento mais valioso de união entre as várias gerações de lusodescendentes que são a garantia da presença de Portugal no mundo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O problema é sério e de dimensão nacional, pelo que urge solução. Amanhã é tarde. Há que actuar já.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos agora à votação do voto n.º 134/V (apresentado por deputadas do PS, do PCP e do PRD), de protesto pela recusa do agendamento da celebração do Dia Internacional da Mulher, uma vez que houve consenso no sentido de não haver discussão nem declarações de voto.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Presidente, o facto de não ser permitida uma declaração de voto oralmente, isso não invalida que a apresentemos por escrito.

O Sr. Presidente: - Com certeza que não, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Então, Sr. Presidente, em nome do PS, apresentarei uma declaração de voto por escrito.

O Sr. Presidente: - Vamos, então, passar à votação do voto n.º 134/V (apresentado por deputadas do PS, do PCP e do PRD), de protesto pela recusa do agendamento da celebração do Dia Internacional da Mulher.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP e do PRD.

Era o seguinte:

Voto n.º 134/V

Considerando que, no ano transacto, a Assembleia da República transformou a Comissão Parlamentar da Condição Feminina em subcomissão, desvalorizando, deste modo, o tratamento, em sede institucional, das questões relativas à mulher;
Considerando a sistemática escusa de agendamento de um projecto de resolução, subscrito por deputadas dos partidos da oposição e por deputadas independentes, a propor a discussão e votação de iniciativas legislativas sobre a problemática feminina;
Considerando o não cumprimento, reiterado por parte do Governo, de leis aprovadas pela Assembleia da República, cujo exemplo mais recente é a Lei das Associações de Mulheres, aprovada em 1988, e até hoje sem regulamentação;
Considerando que a celebração do dia 8 de Março pela Assembleia da República tem sido sucessivamente esvaziada de conteúdo e transformada em mera liturgia de declaração de intenções, que visam eventualmente tranquilizar as consciências, mas que em nada têm contribuído para a resolução dos problemas concretos das mulheres:

As deputadas abaixo assinadas propõem um voto de protesto pela indevida recusa do agendamento da celebração do Dia Internacional da Mulher, em cujo enquadramento se previa a apresentação de legislação da maior importância para a efectivação dos direitos das mulheres.
Este voto de protesto manifesta o nosso repúdio pela solução de reduzir a comemoração do 8 de Março a uma farsa ofensiva do significado histórico e cultural desta data.

A Sr.ª Luísa Amorim (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para comunicar que o Grupo Parlamentar do PCP irá apresentar uma declaração de voto contra o escândalo que se passou hoje aqui, na Assembleia.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - A Sr.ª Deputada da bancada do PCP acaba de dizer que se passou aqui, hoje e agora, um escândalo.
A Mesa deixou passar, porque, certamente, não se apercebeu do termo utilizado, mas, em campo democrático, não admito que alguém classifique de escandaloso qualquer coisa que se passe nesta Casa.

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O Sr. Presidente: - Na realidade, Sr. Deputado, a Mesa não valorizou as palavras da Sr.ª Deputada, até porque eu não estive presente antes de assumir a presidência.

A Sr.ª Luísa Amorim (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Luísa Amorim (PCP): -Para defesa da honra, gostaria de dizer ao Sr. Deputado - que, por acaso, também não se lembrou do meu nome (chamo-me Luísa Amorim) - que também não preciso de lições de democracia. É, quando falei em escândalo, referia-me ao que se passou nesta Assembleia (e continuo a afirmar), nomeadamente quando se tentou obstaculizar o debate do voto de protesto. Mas -e fruto da nossa pressão-, conseguimos pô-lo à votação, a qual também foi expressão de uma determinada forma de estar.
Admito, porém, o direito de os senhores votarem como entenderem, porque sou democrata e o meu partido já deu exemplos de luta pela democracia.

Risos do PSD.

Não sei por que é que se riem, Srs. Deputados. Recusam que o PCP, na sua história, é o partido que mais lutou pela democracia? Os Srs. Deputados querem reescrever a história?

Protestos do PSD.

Srs. Deputados, as cadeias portuguesas estiveram cheias de democratas que lutaram pela democracia, em Portugal, quer gostem quer não!... Esta foi a nossa realidade!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Montalvão Machado, se deseja dar explicações, tem a palavra.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr.ª Deputada, Dr.ª Luísa Amorim, quero dizer-lhe que, há pouco, não citei o seu nome por lapso de memória momentâneo.
Porém, dir-lhe-ei agora - porque, agora, tenho a memória mais fresca - que o partido que V. Ex.ª representa, depois de 1974, lutou pela democracia de uma maneira diferente da minha, porque, até aí, lutava pela ditadura do proletariado.

Aplausos do PSD.

Quero também dizer-lhe que aqui não se passou nada de escandaloso. Se escândalo tivesse havido, teria sido o propósito da sua bancada em querer introduzir aqui um debate abusivamente contra o Regimento e, mais ainda, com um texto totalmente contrário à verdade, porque nunca ninguém recusou, em qualquer parte, o agendamento, para hoje, deste problema. Eu, pelo meu lado, não o recusei.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar no período da ordem do dia com a leitura de um parecer e proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação.

Foi lido. É o seguinte:

Parecer e proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação.

A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação da Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República em que solicita o assentimento para se deslocar, em viagem de carácter oficial, ao Chile e ao Brasil, entre os dias 10 e 21 do corrente mês, apresenta ao Plenário a seguinte proposta de resolução:

Nos termos do n.º 1 do artigo 132.º da Constituição, a Assembleia da República dá o assentimento à viagem de carácter oficial de S. Ex.ª o Presidente da República ao Chile e ao Brasil, entre os dias 10 e 21 do corrente mês.
Srs. Deputados, vamos votar a proposta de resolução que acabou de ser lida.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se as ausências do CDS, de Os Verdes e dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.

Srs. Deputados, vamos proceder à leitura e apreciação de um relatório da Comissão de Regimento e Mandatos.

Foi lido. É o seguinte:

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos

Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos, realizada no dia 8 de Março de 1990, pelas 15 horas, foi observada a seguinte substituição de deputado:

Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata:

Manuel Albino Casimiro de Almeida (círculo eleitoral de Aveiro) por Maria Antónia Corga de Vasconcelos Dias Pinho e Melo [esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), para o período de 7 a 31 de Março corrente, inclusive].
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.

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Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD), presidente - José Manuel M. Antunes Mendes (PCP), secretário- Manuel António Sá Fernandes (PSD), secretário-Alberto Monteiro de Araújo (PSD) - Carlos Manuel Pereira Baptista (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD)- João Álvaro Poças Santos (PSD)- José Augusto Ferreira de Campos (PSD)- José Augusto Santos da S. Marques (PSD)- José Manuel da Silva Torres (PSD)- Júlio da Piedade Nunes Henriques (PS)- Mário Manuel Cal Brandão (PS)-José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP)-Francisco Barbosa da Costa (PRD) -Herculano da Silva Pombo M. Sequeira (PEV).

Srs. Deputados, está em discussão.

Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do CDS, de Os Verdes e dos deputados independentes Carlos Macedo, João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

Vamos agora dar início à discussão, conjunta e na generalidade, do projecto de lei n.º 457/V (PS), sobre o exercício da actividade de radiotelevisão, e da proposta de lei n.º 130/V - Aprova o regime da actividade de radiotelevisão no território nacional.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto e da Juventude.

O Sr. Ministro Adjunto e da Juventude (Couto dos Santos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao iniciar a apresentação da proposta de lei que permite a abertura da televisão à iniciativa privada, gostaria de realçar a importância de que a mesma se reveste no processo de modernização do sector da comunicação social e, neste caso particular, dos audiovisuais. Este sector, que se encontra numa fase de profundas alterações e desenvolvimento tecnológico, ficará, após a aprovação desta lei, com um quadro normativo moderno e à altura de responder aos desafios que se nos colocam, designadamente na Europa.
Com efeito, passaremos a dispor de um modelo quase completo e de um conjunto de mecanismos coerentes entre si e que se expressam na Lei da Rádio, na Lei das Privatizações da Imprensa, no Estatuto da Imprensa Regional, na criação do Secretariado Nacional para os Audiovisuais, na criação da Alta Autoridade para a Comunicação Social e agora nesta lei.
Foi neste quadro e nesta perspectiva que, por diversas vezes, afirmámos, após a revisão constitucional, que as prioridades legislativas nesta matéria impunham que a Lei da Televisão fosse apresentada após a Lei da Alta Autoridade para a Comunicação Social.
Por isso, ao fazê-lo neste momento, o Governo respeita essas prioridades legislativas.
Pena é que este processo não possa já estar numa fase mais avançada, permitindo que os operadores privados pudessem já beneficiar dos avanços tecnológicos que,
entretanto, ocorreram. Mas, nesta matéria, o Governo está de consciência tranquila, porque sempre foi claro quanto ao papel da iniciativa privada e à importância da sociedade civil na modernização do País. E para o afirmar de forma explícita não precisamos de, à pressa e atabalhoadamente, correr para a Assembleia da República com iniciativas que apenas têm por objectivo cobrir lacunas programáticas ou a falta de estratégia própria em relação à iniciativa privada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Programa do Governo é claro. A vontade política é inabalável.
Outros há, porém, que para não serem absorvidos pelo «caruncho» da história ou para enganar o espírito com estados de alma precisam insistentemente de vir a terreiro afirmar princípios e opções que, pela sua prática política, será de esperar que não passarão de um mero avolumar no regaço das promessas que um dia talvez se transformem em rosas.
Mas aqui o povo português já se habituou a diferenciar os que prometem e cumprem dos que não passam das promessas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Iniciando agora a apresentação desta proposta de lei, gostaria de realçar quatro aspectos que se me afiguram como os mais importantes.
O primeiro tem a ver com o facto de se tratar de uma verdadeira lei quadro, que enuncia os princípios fundamentais em matéria de actividade radiotelevisiva, com transparência e precisão e com respeito integral pelas regras constitucionais e legais e pelos valores democráticos.
Se analisada em termos de direito comparado, verificamos que a proposta de lei, ora apresentada, reveste um carácter mais regulamentador do que leis de outros países. Tal circunstância fica apenas a dever-se a exigências de carácter técnico, pois entendemos que uma lei de televisão não é um regulamento, mas, sim, um documento político-jurídico, que deve ter subjacente uma base cultural, um ideal democrático e uma opção estratégica para a política audiovisual.
Nestas questões, não entendemos por que é que o Partido Socialista não nos acompanha, já que noutras matérias de mudanças estruturais se mantém na nossa sombra, talvez por falta de estratégia própria.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Exacto!

O Orador:- Com efeito, numa sociedade moderna, democrática e ocidental - se é que ainda se pode falar destas fronteiras políticas - não se compreende a posição do Partido Socialista, que transforma grande parte da sua lei quadro na definição de um estatuto de empresa pública.
Srs. Deputados, a comunicação social é cada vez mais a expressão da liberdade e dos valores democráticos; é cada vez mais a expressão dos que não têm voz ou dos que não se deixam acomodar pelas regras do status quo.
Por isso, não vale a pena inventar processos indirectos de controlo de gestão ou nomeação político-partidária em nome da democracia. Hoje, são os valores e a prática da democracia política que impõem a dinâmica da sociedade e mobilizam a vontade dos homens.

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O segundo aspecto a salientar é o facto de esta proposta de lei acompanhar a modernização ocorrida no sector televisivo e encerrar em si mesma potencialidades que lhe permitem responder às evoluções tecnológicas que venham a verificar-se no sector.
Neste sentido, consagra-se a utilização simultânea dos meios técnicos disponíveis para transporte de sinal, por cabo, via hertziana e satélite, deixando ao operador a possibilidade de escolha, em face da análise custo/benefício ou mesmo recorrendo a outros factores considerados de interesse colectivo.
Estabelecem-se, ainda, os princípios gerais a respeitar na regulamentação sobre a televisão por cabo.
Por outro lado, uma lei de televisão não pode esquecer a espantosa evolução tecnológica que, nos campos da electrónica e das telecomunicações, está a verificar-se e que acaba por criar novas ofertas alternativas à televisão via hertziana e ainda por introduzir novos serviços e produtos, pondo em causa a conformação do mercado televisivo face às fronteiras geográficas nacionais. Por exemplo, 15% dos portugueses têm acesso normal à televisão espanhola e 7% à televisão por cabo.
A tendência para ofertas alternativas é tal que um inquérito feito nas Comunidades Europeias prevê que, no ano 2005, mais de 80% dos lares estarão equipados para a recepção de 20 ou mais canais, 60% a 80% terão vídeos domésticos e 40% a 60% estarão preparados para a ligação de pay-TV, videotexto, redes digitais de serviços integrados, disco-vídeos e écrans de projecção.
Entramos, assim, na televisão da abundância, que já ultrapassa o estatuto de simples meio de comunicação de massas, passando a ser um veículo de comunicação de grupo.
O terceiro aspecto prende-se com as quotas de produção e a salvaguarda da língua, do património e da cultura portuguesa.
Nesta matéria, por um lado, respeitam-se os acordos internacionais, nomeadamente a directiva da CEE, e, por outro, pretende-se que os operadores privados de televisão estimulem a produção nacional, considerando ainda o enorme esforço de cooperação que, com os PALOP, temos vindo a desenvolver.
Entendemos que a evolução previsível dos audiovisuais impõe a adopção de algumas regras que valorizem a comunidade da língua portuguesa e- reafirmem a nossa matriz cultural.
Em termos de programação, impõe-se uma atenção muito especial, porque, a partir de estudos efectuados, a nível europeu, sobre televisão, conclui-se que a concorrência entre si de muitos canais de televisão para captar as mesmas audiências pode provocar uma homogeneidade de oferta e uma diminuição dos níveis de qualidade. Prova disto é que, apesar de se assistir hoje a um aumento considerável do número de horas de emissão, os índices de produção estão estacionários e nalguns casos, como sejam as películas cinematográficas e as ficções televisivas, estarão mesmo a diminuir.
Está ainda salvaguardada a utilização e protecção do património audiovisual actualmente existente, quer através do diploma regulamentar que definirá as condições de acesso aos arquivos da radiotelevisão, quer através do Secretariado Nacional para os Audiovisuais, recentemente criado.
O quarto aspecto prende-se com a dimensão do serviço público. Entendemos que o serviço público de televisão assume particular importância nas sociedades modernas, quer como meio de difusão da cultura e de formação dos cidadãos, quer ainda pelo seu importante contributo para o pluralismo democrático de informação e programação, com salvaguarda dos princípios de qualidade. Foi, aliás, nesta perspectiva que, no desenvolvimento histórico da RTP, apareceu um segundo canal, que tem funcionado como complemento do primeiro.
Com efeito, a multiplicidade e diversidade de fins que o serviço público de radiotelevisão deve prosseguir, aliados à diversidade de públicos a que o mesmo se dirige, exigem, para a sua correcta e adequada realização, uma dualidade de tipos de programação.
Veja-se que, por exemplo, para 1990, no seu conjunto, a programação para minorias, educativa e formativa, a programação informativa e infantil-juvenil, bem como o tempo de antena, deverão totalizar mais de 3000 horas. E, neste caso, trata-se de programas que só o serviço público poderá, eficazmente, assegurar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei que o Governo hoje apresenta a esta Câmara é uma proposta equilibrada, coerente com o seu programa e que corresponde aos compromissos eleitorais anteriormente assumidos.
Assim, em matéria da televisão para a Igreja, muito embora tenhamos ficado aquém do que desejaríamos e daquilo que o pensamento e vontade do partido que sustenta o Governo reclamaria, fomos tão longe quanto o nosso entendimento dos limites constitucionais nos permitiu.
A proposta do Governo estabelece uma preferência legal para a Igreja Católica, reconhecendo deste modo o papel desta confissão religiosa na sociedade portuguesa.
Outra foi a opção do Partido Socialista, que, voluntária e deliberadamente, omite qualquer referência à Igreja Católica, podendo mesmo dizer-se que infringiu o dever ético do reconhecimento devido ao relevo e importância social da Igreja e ao seu papel na construção da identificação cultural da sociedade portuguesa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tivemos em conta os nossos compromissos do passado e do presente. Fomos fiéis àquilo que constitui o nosso património mais valioso, àquilo que verdadeiramente nos distingue dos outros e, em particular, do Partido Socialista, ou seja, o procurar sempre honrar os compromissos assumidos no programa eleitoral e do Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, porque somos responsáveis, ponderamos cuidadosamente as soluções possíveis no quadro constitucional e consideramos que as encontradas são as que conferem maiores garantias à Igreja Católica, tendo presente que, em nosso entender, a atribuição de um canal de televisão a uma confissão religiosa só poderá ser por concurso público ou seria inconstitucional.
Com a última revisão constitucional, e como escreve o Professor Jorge Miranda, que passo a citar:...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Cite integralmente!

O Orador: -... «[...] os novos preceitos dos artigos 38.º, n.º 7, e 39.º, n.º 3, ao referirem-se ao licenciamento de canais privados de televisão, vieram impor a regra do

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concurso público, naturalmente aberto a outras entidades que não apenas as confissões religiosas.
Deste modo, continuam as confissões religiosas - até por maioria de razão-a usufruir do direito constitucional de acesso à televisão, mas, para obterem um canal próprio de televisão, não podem deixar de ficar em condições de igualdade com quaisquer outros interessados. Se houvesse um número ilimitado ou suficientemente elevado de canais disponíveis, o problema quase não se suscitaria; havendo, como há, um número limitado, o princípio constitucional é o do concurso.»
Poderíamos ter seguido caminho diverso: o caminho da reserva mental, da intenção escondida, do sofisma irresponsável. Não é essa a nossa postura, nem o nosso estilo de acção. Só seguimos em frente com aquilo que nos parece factível, em função de uma análise séria e cuidada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entende o Governo que a sua análise sobre o enquadramento constitucional desta questão, tão relevante para o interesse nacional e para a sociedade portuguesa, é uma entre as várias possíveis. Conhecemos as nossas competências e atribuições, mas não conferimos, porém, a nós próprios a capacidade de juízos infalíveis sobre a constitucionalidade de opções legislativas. Para esse efeito, existem órgãos próprios e competentes, no quadro do equilíbrio dos poderes democráticos.
Por isso, o Governo mostra-se, desde já, disponível para analisar outras soluções e aberto para introduzir um regime de preferências que, em sede da Assembleia da República, venha a ser estabelecido no âmbito de um consenso alargado, tendo presente os mecanismos de verificação de constitucionalidade das leis e o facto de estarmos perante um bem escasso e limitado do domínio público.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Assim, estando o espectro limitado a um número de quatro canais disponíveis e tendo presente as exigências do serviço público de televisão, consideramos essencial que a consagração de preferências legais para acesso a canais de televisão, por parte de entidades não públicas, se verifique sempre no quadro de uma concertação política alargada.
Acresce que o serviço público de televisão deve, em princípio, ser assegurado por dois canais, dadas as necessidades de programação de responder aos gostos e interesse das minorias, para assegurar a existência de programas educativos e formativos, para dar acolhimento às necessidades específicas das regiões autónomas, para emitir programas culturais sem interesse comercial e ainda para garantir o exercício dos direitos de antena previstos na lei, bem como para, em função dos custos, se poder manter a abolição da taxa de televisão.
Por tudo isto, o Governo mostra-se aberto a que seja encontrada na Assembleia da República outra solução, em matéria de atribuição de preferências, diferente da agora proposta, com consistência constitucional, desde que sejam salvaguardados dois princípios, que reputamos como essenciais: em primeiro lugar, a salvaguarda da qualidade do serviço público e, em segundo lugar, a abolição da taxa de televisão, sem sobrecarregar os contribuintes portugueses, através do Orçamento do Estado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Como a bancada do Governo não pode visionar o quadro electrónico dos tempos, informo que foram utilizados 17 minutos e 30 segundos.
Encontram-se inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca - em tempo cedido por Os Verdes -, Natália Correia, Alexandre Manuel, Jorge Lacão, José Manuel Mendes e Narana Coissoró.
Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Ministro Adjunto e da Juventude, parece que cada vez se toma mais difícil ao Governo e ao PSD estarem de bem com Deus e com a Constituição.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Julguei que era consigo!

O Orador: - Andou o PSD durante a campanha eleitoral - e perdoem-me a expressão - «a fazer filhos em mulher alheia» e agora é difícil assumir a paternidade. Não se pode prometer aquilo que não é nosso, aquilo que não nos pertence, e, pelos vistos, foi isso o que o PSD fez durante sucessivas campanhas eleitorais.
Prometeu à Igreja, a troco sabe-se lá de quê, um canal de televisão ou um espaço de televisão, ainda não chegámos a conclusão alguma sobre isso, e agora que é chamado, perante o tribunal divino, a cumprir, não sabe o que fazer com essa promessa. É uma bota a cujo descalçar todos vamos assistir com muito entusiasmo.
De qualquer modo, gostaríamos de saber, porque não nos foi dito no seu discurso, quais as razões que objectivamente justificam ou uma infracção flagrante à Constituição ou um favor que se tem de fazer, a quem e porquê. Porque se levarmos em consideração os argumentos que responsáveis pelo pedido da Igreja têm aduzido, para se sentirem no direito a um espaço privilegiado em detrimento não só das outras confissões religiosas, mas de todas as outras entidades que conformam esta nossa democracia e este nosso viver social, é difícil encontrar um que seja atendível.
Reparemos, por exemplo, neste argumento: «Quem ainda poderá invocar uma representatividade sociológica do povo português comparável à da Igreja Católica, já sem falar no seu papel determinante ao longo de oito séculos de história?» Várias vezes ouvi dizer que se há duas entidades no País que alguma coisa têm a ver com a nossa história de oito séculos e que sempre têm estado presentes a confirmar o País que somos são a Igreja Católica e as forças armadas. E já agora, se vamos optar por soluções simplistas, dêem-se dois canais: um à Igreja e outro às forças armadas.

Risos do PS.

Aceitemos -por que não?! - esta solução simplista que aqui proponho. Seria interessante verificar o seu resultado.
Sr. Ministro, explique-nos, por favor, qual é, de facto, a posição do Governo face à exigência que a Igreja Católica faz...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não era essa a função dele!

O Orador: -... e que até, em determinados aspectos, é legítima, ou seja, cumpram os senhores a promessa que

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fizeram porque dela terão de dar conta, provavelmente até muito antes do Juízo Final, talvez até nas próximas eleições. Diga-nos como é que vai cumprir esta promessa e por que é que a vai cumprir.
Gostaria ainda de colocar outra questão, Sr. Ministro. O Sr. Ministro disse, na sua intervenção, que a comunicação social era cada vez mais a expressão dos que não têm voz. Não estou a perceber como é que aqueles que não têm voz podem ter 10 milhões de contos para fazer uma televisão privada, como também não percebo como é que a Igreja dos pobres consegue esse montante para assumir de per si a feitura de um canal de televisão. Não estou a perceber, mas há muitas coisas nesta Igreja que não percebo...
Gostaria que o Sr. Ministro explicasse, se fizesse o favor, já que quer dar voz a quem não a tem e àqueles que têm menos capacidade económica, a razão de a sua proposta não referir sequer a atribuição de frequências locais de televisão, como faz, por exemplo, o projecto de lei do Partido Socialista. Porquê a omissão? Haverá ou não espaço para frequências locais de televisão?
Eram estas as questões que queria colocar-lhe, face ao seu discurso, que nada esclareceu.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao próximo orador, quero lembrar aos Srs. Deputados que ainda não votaram que o podem fazer na Sala de D. Maria.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Sr. Ministro, pegando na última parte da sua intervenção, que diz respeito ao tal regime de preferências e ao convite inesperado - mesmo bastante inesperado - que V. Ex.ª vem agora aqui apresentar, no sentido de que no quadro da Assembleia da República deve haver uma concertação política alargada para se arranjar outro tipo de preferências, convinha, Sr. Ministro, que dissesse claramente a que é que V. Ex.ª quer referir-se.
Perante os conflitos abertos a que todos nós temos tido oportunidade de assistir, através dos órgãos de comunicação social, será alguma coisa relacionada com a atribuição de um canal especificamente à Igreja Católica? Que tipo de namoro faz o Governo à Assembleia da República para se arranjar uma concertação alargada, isto é, uma solução, como disse, constitucional? Mal seria que o Governo defendesse qualquer coisa não constitucional!
Gostaria, pois, Sr. Ministro, que me dissesse, em relação ao artigo 9.º «(Confissões religiosas») da proposta de lei - e não vou aqui especular coisa alguma -, para que fim pretende conceder espaço à Igreja Católica. Apenas para ser utilizado na transmissão de missas, homilias e fins específicos da Igreja ou vamos assistir à atribuição de um espaço para que a Igreja Católica, através da Rádio Renascença, seja concorrencial com as outras entidades privadas que vão ter de gastar fortemente e que têm de ter um mínimo de capital para serem concorrenciais com a Radiotelevisão Portuguesa e também com outras entidades privadas? Seria bom que isto ficasse claro porque até agora nada se sabe.
Sr. Ministro, há que pegar também em certas questões específicas, e chamo desde já a atenção para uma que considero bastante grave, porque V. Ex.ª presume, talvez inadvertidamente, que o Governo, na sua proposta de lei, avança já com processos censórios. No n.º 2 do artigo 16.º, pode ler-se: «O exercício da actividade de radiotelevisão é independente em matéria de programação, salvo nos casos contemplados na presente lei, não podendo qualquer órgão de soberania, excepto os tribunais ou a Administração Pública (...)»
Sr. Ministro, queira informar-nos claramente - porque isto nos inquieta, inquieta os jornalistas e a todos em geral - o que significa dizer isto? Que a Administração Pública pode impedir um qualquer programa da Radiotelevisão Portuguesa? E se é um qualquer programa, podem ser os serviços noticiosos! Parece-me que isto é bastante grave, Sr. Ministro.
V. Ex.ª referiu-se às taxas, quando falou nas questões preferenciais, e fez o namoro à Assembleia da República para se chegar à tal concertação, dizendo que «desde que não sobrecarregue»... Bom, gostaria, então, que nos explicasse claramente a situação, porque a verdade é que o Sr. Primeiro-Ministro disse que iam acabar as taxas e agora V. Ex.ª diz que poderíamos ir para uma concertação, desde que não houvesse um agravamento. Vão ou não acabar as taxas? Se elas acabarem, certamente só o Orçamento do Estado poderá acorrer à Radiotelevisão Portuguesa, e V. Ex.ª manifestou-se agora mesmo contra isso.
Ora bem, o Sr. Primeiro-Ministro diz uma coisa e V. Ex.ª vem aqui e diz outra. Sr. Ministro, em que ficamos? Vão ou não acabar as taxas? O que é que se passa em relação ao futuro da Radiotelevisão Portuguesa?
Quero ainda colocar-lhe uma outra questão, Sr. Ministro.
Há muitas coisas que vão ser regulamentadas - o plano técnico, a utilização de outras coisas, etc. O que é que vai acontecer, por exemplo, com a filmoteca e os arquivos da Radiotelevisão Portuguesa, onde se gastaram e investiram milhões de contos e muito trabalho?
Era bom que também soubéssemos se realmente a utilização vai ser assim tão aberta ou, então, que tipo de regras vão ser aprovadas para que não seja, de um momento para o outro, destruído muito do trabalho positivo, apesar de tudo, que a Radiotelevisão Portuguesa fez.
Finalmente, pegando na questão que o Sr. Deputado Herculano Pombo levantou, gostaria de saber se está ou não o Governo receptivo, através desta lei, à abertura de espaços para televisões regionais e locais.

O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu o favor de me substituir por uns momentos e relembro aos Srs. Deputados que estão a decorrer votações na Sala de D. Maria.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Ministro, em primeiro lugar, reponho um assunto que já aqui abordei e que actualmente preocupa os sociólogos do audiovisual europeu. Com a abertura da televisão à iniciativa privada, que visava obter uma maior diversidade, deu-se precisamente o contrário, ou seja, a uniformização da linguagem televisiva como resultado de a televisão do Estado ter abdicado da sua competência cultural para entrar em competição com os canais privados.
Ora, na proposta de lei que o Governo nos apresenta não se vê qualquer definição da especificidade cultural da evolução da TV pública. Por isso, pergunto: dispõe-se ou não o Governo a evitar esse perigo de lesa-cultura, in-

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traduzindo neste diploma a garantia legislativa de que os canais públicos subordinarão o interesse financeiro à mais-valia cultural?
A outra questão é quente!

O Sr. Licinio Moreira (PSD): - Quente?!

A Oradora: - É quente, sim!

Risos.

É quente e põe problemas de âmbito constitucional, de que me afasto deixando-os a quem de direito e tomo um caminho que me conduz a preocupações quanto a mim bem mais profundas. Concernem elas à atribuição de um espaço destinado à Igreja Católica num dos canais a licenciar, o que ocorre - e eis o que é inquietante - no quadro da crise espiritual que, à semelhança do que se passa na civilização em que nos inserimos, corrói a nossa sociedade.
Visto pelo domínio do audiovisual, é na televisão que a espectacularidade se manifesta e as coisas nos entram pelos olhos. O espectáculo comercial da exploração da publicidade por uma instituição religiosa, cuja missão evangélica é o encarecimento do espírito face às materialidades que o querem esmagar e que na, publicidade têm um instrumento nefastamente actuante, só pode contribuir para minar o que resta da crença e agravar a desespiritualização. Os efeitos deste vazio espiritual bem os conhecemos: é o refúgio da juventude nos paraísos artificiais da droga e a proliferação dos embusteiros, das crendices, substitutas das instituições religiosas!
Se há que procurar uma terapêutica espiritual para uma sociedade desacralizada não é comerciando na cenografia televisiva com os alienadores do furor consumista, que muito contribuíram para essa desacralização, que a Igreja se mostra empenhada em iluminar o caminho para regenerar o poluído espaço sacral.
Mas essa é a opção da Igreja e o seu direito ao erro. É apenas sobre a sociedade que desabarão os maus efeitos de uma Igreja, que sendo, ainda que esmorecidamente, a referência dominante dos valores espirituais e morais da Nação, os subverte se, numa actividade televisiva com fins lucrativos, se apresentar como protagonista da sociedade do ter.
Esses maus efeitos que atrás referi não podem deixar de inquietar um governo que tanto se preocupa com a boa saúde da sociedade civil, que será enferma caso nela mais se rasguem os abismos da descrença em que se afundam as existências sem sentido.

O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Estou a concluir, Sr. Presidente.

É, portanto, legítimo perguntar ao Governo, dadas as responsabilidades que tem face à nossa sociedade, se se dispõe a enfraquecer mais os já de si dobeis valores morais e espirituais a que o cristianismo deu fundamento, proporcionando à Igreja um espaço televisivo de exibição de um golpe desferido contra esses valores por fins lucrativos, que ferem a missão da Igreja imposta pela responsabilidade eclesial da fé.

Vozes do PRD: - Muito bem!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu..

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Manuel.

O Sr. Alexandre Manuel (PRD): -Sr. Ministro, afirmou V. Ex.ª que esta era uma lei quadro.
Como pode, pois, uma «chamada» lei quadro entrar por caminhos secundários e esquecer questões fundamentais como, por exemplo, o estatuto de uma empresa pública que irá deter, por certo, 50% do previsível espaço televisivo disponível? Como pode, por exemplo, uma lei quadro esquecer a regulamentação referente à televisão por cabo, hoje comummente aceite?
Considera V. Ex.ª que uma lei regulamentadora de um bem tão finito como a televisão possa, à imitação do que acontece com a rádio, permitir que os noticiários não sejam obrigatórios?
Que entende o Governo - e isto é muito importante - por «programas de expressão portuguesa»?
Como será - e estou a referir-me apenas às questões gerais - regulamentado esse período de emissão especial destinado às confissões religiosas e o que, no caso, deverá ser entendido por «emissão especial»?
Finalmente, Sr. Ministro, a Igreja Católica deve ser aqui entendida por Rádio Renascença, ou vice-versa? É que se assim for aconselho também que uma concessão desse tipo seja também feita à Antena 1, que dedica bom espaço (e de qualidade) a questões religiosas, designadamente da Igreja Católica!

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Ministro, foi muito curioso verificar o cuidado que teve na sua intervenção para procurar desqualificar a iniciativa que o PS, muito antes do Governo, teve ocasião de apresentar na Assembleia da República. Antes, o Governo criticava o PS porque dizia que ele não apresentava alternativas; agora critica-o porque as alternativas do PS vêm antes das do Governo e, portanto, é o Governo que tem de vir, de certa maneira, a acompanhar a própria passada que o PS imprime ao trabalho parlamentar. Esse, considerará, é um problema seu e do seu Governo, mas não valerá a pena esgrimir críticas só porque tomamos iniciativas e não pedimos licença para o fazer.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quero ainda dizer que achei também muito curioso que o Sr. Ministro tenha estranhado que no projecto de lei-quadro, apresentado pelo PS, se tenha ido longe na definição do que deve ser o estatuto do serviço público.
V. Ex.ª está em desacordo pelo facto de essa matéria constar deste projecto de lei ou pela solução apresentada pelo PS? Gostaria que me clarificasse o seu ponto de vista, porque se ele for meramente o de que a matéria está mal enquadrada, então, poderemos consensualizar a solução proposta num diploma autónomo.
Mas, porventura, a sua questão é outra e o que sou levado a concluir é que o Sr. Ministro está de acordo quanto à substância da proposta apresentada pelo PS, ou seja, não quer criar um estatuto de independência para as empresas públicas que garantam o serviço público da televisão e da rádio! Gostava que clarificasse a posição do Governo nesta matéria.

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Por outro lado, o Sr. Ministro disse que o PSD se honra de respeitar os seus compromissos. Com certeza que penso que isso fica muito bem ao PSD, mas o que V. Ex.ª não precisava de ter dito é que a honra do PSD, relativamente aos seus compromissos, se estabelece ao contrário daquilo que o PS faz. Qual foi, Sr. Ministro, o compromisso que o PS não cumpriu na matéria a que o Sr. Ministro aludiu?

Protestos do PSD.

Finalmente, o Sr. Ministro admitiu que, na discussão na especialidade da matéria da proposta, se poderia vir a encontrar, certamente por iniciativa do seu grupo parlamentar, um outro quadro de referência para o direito de preferência. Ora, lembrei-me das recentes declarações do Sr. Primeiro-Ministro quando afirmava, nas jornadas parlamentares do PSD, que «o Grupo Parlamentar do PSD não tinha estratégia própria». Terá hoje o Sr. Ministro desautorizado o Sr. Primeiro-Ministro ao admitir que, futuramente, o Grupo Parlamentar do PSD pode vir a ter uma estratégia diferente daquela que a proposta do Governo, neste momento, nos apresenta, definindo um critério diverso para as preferências?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Membros do Governo: A proposta governamental, ao contrário do que o Sr. Ministro afirmou, não é nem transparente, nem precisa, nem cabalmente constitucional.
Não é transparente nem precisa, porque, desde logo, refugiando-se numa extrema generalidade, remete para o conforto do Conselho de Ministros decisões em áreas absolutamente fundamentais, que, a nenhum título, podem ser subtraídas à consideração dos deputados.
É assim em matéria de concurso público, do regime de titularidade dos meios de transporte e difusão do sinal, em quanto respeita aos actuais arquivos da RTP, em tudo o que tem a ver com o plano técnico de frequências, no que se prende directamente com as televisões regionais e locais, para só enumerar alguns dos múltiplos aspectos sobre os quais o Governo, desta feita, se não pronuncia.
Não é cabalmente constitucional porque, apesar da pirueta que fez do alto da tribuna, fica por responder a questão central: a de saber se, sim ou não, a postura do Governo, ao pretender privilegiar a Igreja Católica, contende com o artigo 38.º da lei fundamental do País e com o que aí, de uma forma expressa, se estabelece.
Penso mesmo que releva de um acto de estrito farisaísmo político afirmar, como afirmou, que o Executivo tem uma posição clara, adiantar um passo em relação ao que estava previsto na proposta de lei e, depois, incitando à co-autoria de uma inconstitucionalidade, devolver aos agentes parlamentares o ónus da decisão final, convocando a acção da sociedade civil para arrematar e decidir numa área em que o PSD, manietado, constrangido por dilacerações várias, não é capaz de assumir, com dignidade e coerência, aquilo que pensa.
Lembrar-lhe-ei, Sr. Ministro, o que diz o artigo 9.º, no seu n.º l, que rapidamente passo a ler: «O regulamento a que se refere poderá fixar, num dos novos canais a licenciar, um período de emissão especial destinado à
Igreja Católica e demais confissões religiosas, a atribuir nos termos do número seguinte.»
Ora, o que o Sr. Ministro aqui disse foi alguma coisa que, na lógica da preferência legal, pretende, desde já, dar como estabelecido que a Igreja Católica deterá um espaço com outorga de alvará, violando, assim, de uma forma iniludível, o princípio do concurso público e as normas constitucionais aplicáveis.
Gostaria que respondesse a estas questões.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Sr. Ministro, em 19 de Dezembro de 1985, o primeiro governo de Cavaco Silva, na exposição de motivos da proposta de lei n.º 5/IV, escrevia aquilo que, com muito agrado, vou ler: «Sem embargo do respeito escrupuloso pelo princípio da separação das igrejas e outras comunidades religiosas do Estado, a prática constitucional revelou um tratamento específico devido à Igreja Católica, em vários domínios da vida colectiva e também no da comunicação social.
Assim se explica o relevo concedido à Igreja Católica na programação televisiva, e muito especialmente no caso particular da emissora de radiodifusão Rádio Renascença.
Nenhum governo constitucional pôs em causa este estatuto diferenciado, o que se compreende sem dificuldade devido à vigência da Concordata, celebrada entre o Estado Português e a Santa Sé, cuja constitucionalidade e plena eficácia jurídica nunca foi contestada por nenhum partido político com assento na Assembleia da República.
O artigo 41.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa consagra o direito das diferentes confissões religiosas à utilização dos meios de comunicação social próprios para o prosseguimento das suas actividades.
E continua, dizendo: «O princípio da igualdade» e isto é muito importante, «constante do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, implicando a ideia de proporcionalidade, supõe que o regime legal de efectivação do direito acima mencionado seja diverso para a Igreja Católica, atendendo ao regime concordatário e à consequente prática constitucional. De facto, o aludido princípio implica o mesmo tratamento para situações idênticas e diverso regime para situações diferentes.
A particular relevância da Igreja Católica na sociedade portuguesa explica, assim, a especificidade do seu tratamento também no que respeita ao acesso à actividade da radiotelevisão.»
Aquilo que o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho vem dizer agora às emissoras, aquilo que o presidente do Grupo Parlamentar do PSD vem dizer ao público e aquilo que V. Ex.ª disse no Telejornal, no sentido de que o Governo ia dar um privilégio à Igreja Católica, não se harmoniza com aquilo que foi considerado, em 1987, pelo governo de Cavaco Silva «de que não era um privilégio», mas simplesmente a aplicação do «princípio do mesmo tratamento para situações idênticas e de diverso regime para situações diferentes». Isto, como sabe, já vem de Aristóteles: as coisas semelhantes em direito tem tratamento semelhante, as coisas dissemelhantes tem de ter tratamento diferenciado. Assim nos ensinaram no liceu - como diria o meu amigo Pacheco Pereira- na Filosofia, e depois os nossos mestres de Direito.

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Ora bem, aquilo que, em 1986, para o Ministro dos Assuntos Parlamentares Fernando Nogueira e para o António Capucho, presidente do grupo parlamentar, era uma diferenciação (deve ser dado tratamento diferente para situação diferente), para Cavaco Silva, com a maioria absoluta, para outro Ministro dos Assuntos Parlamentares e para outro presidente do grupo parlamentar passou a ser «um privilégio a dar à Igreja».
Faça o favor de nos dizer, Sr. Ministro, o que é que mudou para esta reviravolta?
Seguidamente, diz V. Ex.ª que, em face da actual Constituição, não é possível dar à Igreja um canal de igreja.
Ora, eu vou ler a V. Ex.ª a brilhante defesa que, sobre a outorga do canal à Igreja, fez o Sr. Deputado Rui Machete, no dia 28 de Fevereiro de 1986, aquando do debate da proposta de lei n.º 5/IV, de 1985. Disse aquele ilustre deputado: «A igualdade de oportunidades tem de ser interpretada à luz da própria conformação que o legislador constitucional lhe deu ao consignar um regime especial de vantagem para as confissões religiosas no artigo 41.º, n.º S», que se mantém intacto e nem sequer mudou uma vírgula de 1986 para agora, depois da segunda revisão constitucional. «Por força da Concordata, da história e da própria realidade sociológica, a Igreja Católica tem, em Portugal, um lugar ímpar entre as diferentes religiões, situação específica que há que ter em conta na ponderação a atribuir a diversas solicitações que, eventualmente, vierem a ser feitas.»
E aqui registaram-se, como sempre, vozes do PSD exclamando: «Muito bem, muito bem!»
E continuava: «Compete à discricionaridade do legislador ordinário - isto é, a esta Assembleia, em primeiro lugar-, guiar-se por um quadro básico de valores constitucionais, escolher as soluções que, preservando a pluralidade de expressão das diversas opiniões em todos os domínios do pensamento - nota característica de uma sociedade aberta como pretendemos ser-, venha respeitar a especial posição dada às confissões religiosas no artigo 41.º, n.º S, da Constituição, até pelo peso particularíssimo, quer jurídico, quer histórico, quer sociológico, que, entre nós, tem a Igreja Católica.
Sinceramente, entendo que, dentro da ampla gama de soluções possíveis, a concessão à Igreja Católica de um canal de televisão não prejudica a outorga de outras concessões a quem nisso se mostrar interessado e tenha condições para tal.» E continua: «A negação de concessão à Igreja de meios televisivos» -ouça, Sr. Ministro! -, «tendo esta formulado o respectivo pedido, essa sim, viola frontalmente o artigo 41.º, n.º 5, da Constituição.»
Quer dizer, o Governo veio hoje optar por aquilo que o Sr. Deputado Rui Machete dizia, claramente, que era uma violação expressa do artigo 41.º, n.º 5, da Constituição.
Diz V. Ex.ª que, entre as duas datas, se interpôs o problema do concurso público, que consta do artigo 39.º.
Sr. Ministro, se é concurso público, a Igreja não pode «beneficiar de concurso alheio»! Isto é, quem faz o concurso público é uma empresa privada e não a Igreja Católica. E V. Ex.ª mete a Igreja Católica no concurso privado a que se submete uma empresa privada para o efeito de licenciamento. V. Ex.ª não obriga, na sua proposta, a Igreja Católica a licenciar-se por meio de concurso público! Onde está, afinal, esta inconstitucionalidade, tal como V. Ex.ª, do alto da tribuna, referiu ao dizer que «é o concurso público que prejudica a solução do artigo 41.º, n.º 5»? Por que é que VV. Ex.ª abandonaram a tese do Dr. Rui Machete? Por que é que V. Ex.ª vai violar o artigo 41.º, n.º 5, da Constituição? Por que é que V. Ex.ª deixou de achar que este é um assunto essencialmente político e não jurídico, como dizia o Ministro Fernando Nogueira, aqui, nesta Assembleia, ao apresentar a proposta n.º 5/IV, para hoje renegar tudo isto? Porque talvez lhe não interesse já a Igreja Católica como lhe interessava durante o governo minoritário!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro-Adjunto e da Juventude.

O Sr. Ministro Adjunto e da Juventude: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Nesta matéria, queria deixar aqui bem claro que o Governo, com o privilégio que apresenta e com as soluções alternativas que deixou a esta Câmara, reafirma, mais uma vez, o importante papel histórico, cultural e social que reconhece à Igreja e quer reafirmar ainda que, contrariamente aos Srs. Deputados da oposição, este papel foi, será e continuará a ser relevante na sociedade portuguesa, como, aliás, Srs. Deputados, já o foi muito recentemente nos próprios países do Leste, ajudando a derrubar muros e a combater ideologias.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS, do PCP e do PRD.

Se há uma crise de valores, penso que uma sociedade como a portuguesa, onde a maioria é católica, mais preocupada deve estar em reconhecer esse papel da Igreja e em atribuir-lhe importância nos meios de comunicação social.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS e do PRD.

Mas não me admiro que os Srs. Deputados da oposição pensem de maneira diferente, porque é aí que está a nossa diferença, é aí que o povo português reconhece, num governo como o nosso, a capacidade para assumir compromissos e responder àquilo que são as suas grandes virtualidades e que se traduzem em mais de oito séculos de história.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS, do PCP e do PRD.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Não vos tenho visto na missa!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Hipocrisia política!

O Orador: - Volto a reafirmar nesta Câmara...

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, peco-lhe o favor de interromper por alguns momentos.

Srs. Deputados, a Mesa solicita a necessária contenção para que o Sr. Ministro possa ser ouvido.

Pausa.

Pode continuar no uso da palavra, Sr. Ministro.

O Orador: - Srs. Presidente, Srs. Deputados: Volto a reafirmar que é com importância política que reconhe-

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cemos esse papel da Igreja. E apresentámo-nos aqui com humildade, dizendo que, depois de estudadas profundamente todas as soluções possíveis, é esta que, do nosso ponto de vista, nos parece a que consegue salvaguardar os privilégios da Igreja. Mas acrescentei também, Sr. Deputado Corregedor da Fonseca, que, em função dos compromissos assumidos, estamos aqui, nesta Câmara, que é a sede legislativa própria, para encontrar todas as soluções. E se há alguma inconstitucionalidade técnica - que não a vemos, Sr. Deputado-, pois nada melhor do que esta sede para ela ser resolvida.
Apresentámo-nos, nesta matéria, com humildade e abertos ao diálogo, Srs. Deputados.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado Jorge Lacão, deixe-me dizer-lhe, com toda aquela frontalidade que é, aliás, característica sua, que nós somos frontais e cumprimos os nossos compromissos. Mas talvez o PS tenha alguns compromissos incumpridos quanto à liberdade de informação em Portugal ...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jorge Lacão (PS):- Já que é frontal, exemplifique!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Porque com esta introdução já abrangi um conjunto de observações, passarei a algumas questões que me foram colocadas mais na especialidade.
À primeira delas, formulada pelo Sr. Deputado Herculano Pombo, respondo que ou o Sr. Deputado não ouviu o meu discurso ou não leu a proposta de lei em causa.
Garanto-lhe que, no futuro, quando vier a esta Assembleia, distribuir-lhe-ei previamente o discurso que farei. Talvez assim ponhamos fim a mal-entendidos.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Não era o primeiro-ministro a fazer isso!... Mas olhe que os resultados não são bons!

O Orador: - Quanto às televisões de âmbito local, essa é uma opção política da proposta do Governo. Em todos os países civilizados a opção de televisão local tem sido sempre remetida para televisões por cabo, pois, como os Srs. Deputados do Partido Socialista sabem, o espectro radioeléctrico é escasso, e se ele for utilizado em âmbito local certamente que não haverá coberturas de âmbito nacional.
O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca levantou uma questão relacionada com o artigo 9.º da proposta do Governo.
Sintetizando as perguntas que me fez, dir-lhe-ei ser evidente que a nossa proposta, ao remeter a Igreja Católica para um espaço utilizável por dois operadores, certamente teria em mente que a distribuição dos tempos respectivos e a sua gestão fosse objecto de análise por parte da Alta Autoridade para a Comunicação Social.
Aliás, este modelo não é inovador na Europa!... Um tal sistema já existe em dois países europeus e a funcionar há largo tempo.
Sr.ª Deputada Natália Correia, compreendo as observações que fez quanto à preservação dos nossos valores culturais.
Penso, no entanto, Sr.ª Deputada, que, pela leitura do texto da nossa proposta de lei e por aquilo que assumi politicamente no discurso que fiz, se poderá verificar que a nossa preocupação fundamental é a de nunca, num serviço público de televisão, submeter as questões culturais a questões financeiras. Jamais!... Por isso mesmo, Sr.ª Deputada, demonstrei que o serviço público deve obedecer a determinados parâmetros.
Sr. Deputado Alexandre Manuel, relativamente ao problema do estatuto da empresa pública, entendemos que na nossa lei, tal como acontece em todas as leis de televisão ou de rádio de países civilizados, deveria prever um quadro normativo geral, remetendo para lei posterior as formas de gestão de uma empresa pública. Nesta matéria estamos à vontade!... Contrariamente ao que o Sr. Jorge Lacão disse, não estamos preocupados com a gestão do sector comercial nem temos preocupações politíco-partidárias. Entendemos que os profissionais da comunicação social são capazes de encontrar as melhores soluções, como o têm demonstrado muitas vezes em Portugal, sem nunca precisarem nem do chapéu nem da tutela de poderes político-partidários.

Risos do PS.

Não vou, Sr. Deputado, entrar na questão do papel da Igreja, pois penso que, sobre isso, já lhe respondi.
Sr. Deputado Narana Coissoró, penso que, em parte, respondi às questões que me colocou.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não respondeu, não!

O Orador: - O Sr. Deputado esqueceu-se, certamente, que leu textos de 1985 e de 1986, como se esqueceu também que houve, posteriormente, uma revisão constitucional e que, como o Dr. Jorge Miranda disse muito claramente, é preciso combinar o artigo 41.º, n.º S, com o artigo 38.º, n.º 7.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Mas por que é que não segue o parecer do Sr. Deputado Rui Macheie? ... Por que é que opta pelo do Dr. Jorge Miranda?!...

O Orador: - O que eu lhe disse é que esta é a interpretação do Governo. Estamos abertos, Sr. Deputado, a outras soluções, mas esta foi a interpretação que o Governo fez. Não podíamos deixar a Igreja «pendurada» por causa de um compromisso!

Aplausos do PSD.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideração da bancada do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, começo por dizer ao Sr. Ministro Adjunto e da Juventude que ele está a prestar hoje, neste Plenário, um péssimo serviço à Igreja Católica.

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

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O Sr. Silva Marques (PSD): - Daqui a pouco está a benzer-se!

O Orador: - Numa sociedade democrática, Sr. Ministro, existem direitos e, com base no princípio constitucional da igualdade, sempre que for necessário defendem-se direitos.
A Igreja Católica, pelo seu relevante papel social em Portugal, tem jus a que se lhe reconheçam os direitos correspondentes.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas não os privilégios!... Os privilégios eram um regime próprio da Idade Média e hoje vivemos num Estado de direito democrático.

Aplausos PS, do CDS e de Os Verdes.

Por outro lado, o Sr. Ministro não pode invocar que deputados da oposição, designadamente desta bancada, aqui tenham negado os direitos e o papel relevantemente social da Igreja Católica no nosso país.

O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Quantas vezes!...

O Orador: - Ninguém aqui negou essa realidade. Todos reconhecemos essa circunstância.
Coisa diferente, Sr. Ministro, é o facto de, em nome dos privilégios que V. Ex.ª invocou e não nós, pretender reconhecer à Igreja Católica o direito à exploração comercial de um canal de televisão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Ministro, ponha as coisas no seu devido lugar. A confusão é a pior inimiga da dignidade do debate e do rigor intelectual que devemos pôr nesse mesmo debate.

Aplausos do PS e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto e da Juventude.

O Sr. Ministro Adjunto e da Juventude: - O Sr. Deputado Jorge Lacão disse que prestei um mau serviço à Igreja. No entanto, o que o Sr. Deputado fez foi demonstrar, mais uma vez, a verdadeira face do Partido Socialista, isto é, que o PS tem um discurso e uma teoria, mas, quando chega a hora da verdade, a hora de reconhecer na prática tudo aquilo que enunciou, refugia-se e não é capaz de o fazer.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS, do PCP e do CDS.

O que o Sr. Deputado faz - e bem, devo reconhecê-lo - foi um bonito jogo de palavras que, para o povo português - e, neste caso, para a Igreja - nada traz.
Sr. Deputado, tive fundamentos para fazer as afirmações que aqui fiz, acredite.
Recordo-lhe também que no semanário Tempo, de 21 de Janeiro de 1985,...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): -Ah!... Em 1985!...

O Orador: -... dizia o Dr. Almeida Santos:...

Pausa.

Como o Dr. Almeida Santos não se encontra presente, não vou citá-lo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Que elegante! ...

Vozes do PSD e do PS: - Cite, cite!...

O Orador: - Então, eu cito.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Faça lá a aleivosiazita! ...

O Orador: - Considerava o Sr. Deputado Almeida Santos que, «no momento, a concorrência na TV teria consequências nefastas, que o PS está disposto a adiar enquanto puder». Admitiu, contudo, que «a evolução técnica inviabilizaria, mais tarde ou mais cedo, o monopólio do Estado».

O Sr. Manuel Monteiro (PSD): - Chega ou querem mais?!...

O Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideração.

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Não percebo a razão do riso! ...
O Sr. Ministro deturpou as minhas palavras, não as entendeu. O que eu disse, precisamente, foi que dava um papel relevante à Igreja. Não fiz outra coisa na minha intervenção!
É precisamente por causa dessa relevância que se toma negativa a imagem de uma Igreja comercial, que só pode concorrer para a descrença e, implicitamente, para a descristianização.

Risos do PSD.

Agradeço que os senhores não riam, pois o que eu estou a dizer é muito sério e talvez amanhã a responsabilidade caia sobre os senhores.
E, já agora, acrescento mais. Digo, muito serenamente, que Cristo estará muito mais comigo do que com aqueles que oferecem à sociedade a imagem de uma Igreja lançada no mercado da publicidade, uma Igreja dos interesses, o que só pode concorrer para a descrença que implica a descristianização a que me referi. E recordo-lhes que sou das terras do Espírito Santo... Não sou jacobina, sou religiosa!... O que está a fazer-se é uma blasfémia contra o Espírito Santo!

Aplausos do PS e do PRD.

Risos do PSD.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Arons de Carvalho.

O Sr. Arons de Carvalho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Permitam-me que comece por voltar a falar-vos da chamada questão da «bandeira da televisão privada» no nosso país.

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Face à acusação que o Partido Socialista fez ao Governo e ao PSD de atrasarem propositadamente o início da televisão privada para depois das eleições de 1991, a única resposta encontrada consistiu - conforme se recordam - na acusação de reconversão apressada dos socialistas às vantagens da televisão privada.
Não é necessário lembrar que cerca de um ano antes de um dirigente político, com responsabilidades do Primeiro-Ministro, dizer, em vésperas de campanha eleitoral, que em matéria de televisão «o PS perfilhava o modelo da Albânia», já o PS propusera, sem apoio do PSD, uma lei de bases do audiovisual, que constituía a primeira tentativa de quebrar o monopólio do Estado no sector.
Importa antes verificar a legitimidade do PSD na matéria. O programa do PSD, em matéria de televisão, é bem claro: o PSD é contra «a liberdade de fundação de empresas capitalistas».
Claro que concordo num facto: só as vicissitudes da vida político-partidária mantêm ainda formalmente em vigor o programa do então Partido Popular Democrático. O programa social-democrata de 1974 não é, naturalmente, já o texto referência do partido.
Procuremos, então, outras referências. O comportamento do PSD na Assembleia Constituinte é, a este respeito, igualmente inequívoco. O Grupo Parlamentar do PPD votou unanimemente, como um bloco, a favor do n.º 6 do artigo 38.º: «A televisão não pode ser objecto de propriedade privada».
Mais tarde, em Dezembro de 1978, o Grupo Parlamentar do PSD apresentou um «projecto de lei de televisão». Cito o artigo 3.º, de epígrafe «A televisão como serviço público»: «o serviço público de televisão não pode ser objecto de propriedade privada e está sujeito à fiscalização do Estado, nos termos da lei.»
Consequências do espartilho constitucional? É possível!
No entanto, o Programa do VI Governo Constitucional, dirigido pelo Dr. Sá Carneiro, nada diz sobre a televisão privada. Estávamos significativamente perto da revisão constitucional.
Mudemos de página. No projecto de revisão constitucional apresentado em 27 de Abril de 1981, a Aliança Democrática preconiza regimes diversos para a rádio e para a televisão.
Para a primeira, o articulado é claro: «O estabelecimento de estações emissoras de rádio privadas ou cooperativas depende de autorização, nos termos da lei».
Em relação à TV, há muito menos ambição: «A televisão é objecto de propriedade pública, sem prejuízo da possibilidade de concessões de exploração a entidades privadas ou cooperativas.» Timidez do CDS? Ninguém acreditará!
Os programas dos governos posteriores, com participação do PSD, ou não referem qualquer projecto nesta matéria ou limitam essa abertura à Igreja Católica. Em todo o caso, já nessa altura alguma doutrina se inclinava para a possibilidade de compatibilizar o texto constitucional com a abertura à iniciativa privada desde que se mantivesse a propriedade pública das redes de difusão do sinal.
Voltamos ao início desta história: só o PS tentou aproveitar essa nesga. O PSD, esse, opôs-se.
Esta enumeração de alguns factos não representa uma visão maniqueísta do passado nem é uma peça da acusação.
O PSD não tem nada que se envergonhar de, no passado, ter defendido posições que, à luz da evolução do meio televisivo, podem hoje ser consideradas estatistas ou antiliberais.
O PSD não teve no passado razão contra a razão dos outros nem teve razão antes de tempo. Limitou-se a acompanhar a evolução europeia.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - Até há cerca de duas décadas, o carácter finito do espectro radioeléctrico, o elevado custo das tecnologias, a herança da guerra mundial, o conformismo da indústria do audiovisual, entre outros motivos, generalizaram no nosso continente a ideia de um exigente serviço público, preferencialmente prosseguido por empresas, institutos ou corporações públicas.
Estes condicionalismos foram sendo progressivamente ultrapassados, mas a evolução europeia não se reflectiu tão rapidamente em Portugal, país periférico, com problemas de desenvolvimento, com um ainda frágil mercado publicitário e, até certa altura, com mais interesse popular por uma maior oferta do que candidatos à exploração de canais privados.
A evolução europeia, a evolução portuguesa, impuseram-se-nos a todos. O PSD convenceu-se primeiro que o PS? É possível, mas nunca quis ou foi capaz de provar isso. E foi repetidamente avisado. Relembro apenas um requerimento que dirigi ao Governo em Janeiro de 1988. Nessa altura, há mais de dois anos, perguntava ao Executivo quando tencionava apresentar à Assembleia da República uma proposta de lei sobre a televisão privada, quando anunciaria o seu entendimento sobre o futuro do segundo canal da RTP, quantas coberturas nacionais de televisão estavam já tecnicamente disponíveis e o que estava o Governo a fazer para alargar e organizar o mapa de frequência em matéria de televisão.
Nunca recebi qualquer resposta a este requerimento. Mais grave do que isso: o Governo ainda não encetou as negociações internacionais para disponibilizar as quatro coberturas nacionais necessárias.
Voltemos à evolução europeia. Ela aponta para a consolidação do princípio segundo o qual o serviço público deve manter dois canais. Um deles será mais concorrencial face à iniciativa privada, o segundo mais respeitador dos direitos das minorias, mais sensível à difusão da cultura e mais atento aos interesses regionais.
O PS já se pronunciou claramente a favor desta tradição europeia de serviço público e regista que, aparentemente, o Governo não aliena esse património europeu.
A realidade, todavia, é bem diversa: exceptuando algumas boas palavras na exposição de motivos da proposta de lei, o exercício dos direitos de antena e réplica política, a difusão de notas oficiosas, mensagens e comunicados dos órgãos de soberania e a cedência de emissão para a Universidade Aberta, nada distingue as obrigações do serviço público de televisão dos deveres dos operadores privados.
Ao contrário das legislações estrangeiras, que impõem ao serviço público um conjunto de compromissos que justificam a reserva de um espaço televisivo vedado a interesses e objectivos predominantemente comerciais, a proposta do Governo é totalmente omissa nesta matéria.
Neste quadro, para quê, então, um serviço público de televisão? Ninguém poderá contestar uma resposta deste tipo: o Governo entende o serviço público como coutada privada, onde a sua influência não é posta em causa nem limitada por qualquer outro interesse.

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Eu sei que a acusação é grave. Tenciono tentar prová-la com quatro argumentos.
O primeiro tem a ver com a questão do modelo de gestão da empresa pública RTP.
A proposta governamental nada diz sobre a forma de garantir a independência da Radiotelevisão Portuguesa face ao poder político.
Conheço de cor a resposta do PSD: «É matéria para ser analisada em sede de revisão dos estatutos da RTP.»
Permito-me manifestar a minha total discordância.
A Constituição impõe aos órgãos de comunicação social como a RTP uma utilização «de modo a salvaguardar a sua independência perante o Governo, a Administração e os demais poderes públicos e a assegurar a possiblidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião».
Será que o cumprimento deste preceito constitucional, que representa a mais relevante regra que se aplica a dois dos quatro canais nacionais de televisão e a única com a dignidade de figurar na lei fundamental, não deve ser integrada na lei quadro da actividade da radiotelevisão? Matéria como esta que é decisiva para assegurar o direito dos cidadãos a uma informação isenta e pluralista, não é da competência da Assembleia da República?

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - O segundo argumento é complementar do primeiro.
A proposta do Governo não tem uma linha sequer sobre os direitos dos jornalistas, designadamente sobre aqueles que deverão ter uma regulamentação específica nos meios audiovisuais, a garantia de independência e o direito de participação na vida do órgão de comunicação social. Continua, visivelmente, a cruzada do Governo contra os conselhos de redacção.
O terceiro tema diz respeito ao direito de réplica política dos partidos da oposição. Ao limitar esse direito apenas àqueles que tenham sido directamente postos em causa pelas declarações políticas do Governo, o Executivo está a restringir uma das mais importantes regras democráticas que fundamentam a garantia da possibilidade de alternância do poder.
O quarto argumento consiste no alargamento da possibilidade de o Governo utilizar o serviço público de televisão para dirigir ao País mensagens e comunicados. Até agora, o Governo poderia utilizar o mecanismo das notas oficiosas, limitadas, no entanto, no seu conteúdo, a circunstâncias cuja gravidade e urgência o impusessem e limitadas, também, na sua dimensão, a um determinado número de palavras.
Segundo esta proposta de lei, deixa de haver qualquer regra que balize a utilização deste mecanismo.
Devo dizer-vos que não sobrevalorizo, evidentemente, o perigo desta alteração para a vida democrática. No entanto, o detalhe da alteração indicia um estilo...
Voltamos, pois, a uma importante limitação na vida democrática portuguesa: a tremenda e grave dependência das empresas públicas audiovisuais perante os governos.
O PS não desistirá de formular outras propostas que entenda adequadas para pôr cobro a esta dependência sem paralelo na Europa comunitária. Elas impõem-se não só para o serviço público de televisão como para o de rádio. A propósito, aliás, da RDP, dirijo uma pergunta ao Governo: considera-se à margem das pressões que têm sido feitas para marginalizar o director de programas desta empresa pública, José Manuel Nunes, um dos mais competentes e sérios profissionais de rádio do nosso país?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vou iludir a expectativa criada em torno da posição do PS face à atribuição à Igreja Católica de um canal ou de um período de emissão especial.
Não nos pronunciaremos sobre o cumprimento ou não cumprimento de promessas realizadas no passado. É um tema a que o PS é totalmente alheio. Saber se o Governo ou o PSD são ou não bons pagadores de promessas é uma questão que nos ultrapassa.
Importa antes equacionar a reivindicação da Igreja Católica com serenidade e equilíbrio. A atribuição de canais de televisão, sendo ainda limitadas as possibilidades oferecidas pelo espectro radioeléctrico, é uma questão de vital importância para o regime democrático.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A Constituição prevê por isso a atribuição de licenças através de concurso público. Este deve decorrer de forma clara, com rigor de procedimentos e transparência, de forma a colocar todos os concorrentes em situação de igualdade.
A Igreja Católica deverá submeter-se a este concurso. Poderá até usufruir da capacidade e da experiência que se reconhecem à Rádio Renascença. Não cremos que se possa agir de outro modo.
A atribuição de um período de emissão especial que a Igreja Católica pudesse rentabilizar comercialmente, difundindo programação concorrencial com outros operadores, não é uma solução justa nem adequada, nem tem tradição em qualquer país europeu, mesmo naqueles onde a Igreja tem representatividade idêntica à que se lhe reconhece em Portugal.
A única experiência confessional no âmbito da televisão europeia é a holandesa. Os casos não são, todavia, comparáveis. Os chamados «pilares sociais» em que assenta toda a vida democrática daquele país não têm nenhuma equiparação com a pretensão agora em análise.
Entretanto, o espaço atribuído à Igreja Católica deverá confinar-se à programação específica ligada ao seu apostolado. Ela poderá eventualmente ser maior, mas isso deveria ser objecto de um debate entre o próprio serviço público de televisão e a Igreja Católica.
Aliás, não obstante respeitarmos e defendermos o cumprimento rigoroso do princípio constitucional da separação das Igrejas e do Estado, no entender do PS, deveria ser reconhecido à Igreja Católica o direito de tomar parte, através de representantes seus, num dos órgãos sociais da RTP, o conselho geral, a par de outras entidades representativas da sociedade civil, participando na designação dos gestores e na definição das grandes linhas da programação.

Aplausos do PS.

O projecto de lei do PS que aqui votaremos hoje prevê isso expressamente, no seu artigo 58.º

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se o Sr. Deputado Rui Machete e o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro Adjunto e da Juventude.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

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O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Deputado Arons de Carvalho, ouvi com toda a atenção a sua intervenção e quero felicitá-lo pela maneira elevada como analisou as questões, o que, aliás, não é de espantar por ser seu timbre.
Todavia, há dois pontos sobre os quais gostaria que explicitasse o seu pensamento mais claramente, sendo o primeiro de ordem filosófica.
V. Ex.ª fez uma larga referência à evolução do Partido Social-Democrata - vamos deixar isso de barato -, mas não mencionou dois factos extremamente importantes.
É que, aqui, neste Plenário, justamente a propósito da discussão de uma proposta de lei, há pouco referida pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, ficou claro, por parte do Partido Socialista, que só por razões relacionadas com a evolução tecnológica é que este partido abandonava a sua ideia do monopólio do Estado. Ora, V. Ex.ª esqueceu-se deste facto.
Igualmente se esqueceu, ou porventura desconhece, a maneira como foi discutido - sem dúvida em termos elevados, mas com posições extremamente contrárias e opostas - o problema do posicionamento do Estado, do seu papel e do da iniciativa privada em matéria de comunicação social, em sede da Comissão de Revisão Constitucional.
Recordo-o porque, para mim, é claro que, nesta matéria, o Partido Socialista entende que o que vem do Estado é bom, é positivo, e que o que procede da iniciativa privada contém um «pecado original» que tem de ser redimido, isto é, que há uma presunção que tem de ser dividida. Ora, isto é absolutamente contraditório com o que há pouco V. Ex.ª discorreu, na sua brilhante intervenção.
O segundo ponto diz respeito à forma como V. Ex.ª encarou o problema da relevância a dar às confissões religiosas, designadamente à Igreja Católica. Não o percebi bem porque V. Ex.ª fez duas afirmações.
Em primeiro lugar, V. Ex.ª disse que deveria ser submetida a um concurso a pretensão de acesso da Igreja Católica a um canal privado de televisão. Ora, se assim for, não há nenhuma relevância específica em relação ao que é dado no artigo 41.º, n.º S. É que seria por de mais espantoso que organizações ligadas à Igreja Católica fossem excluídas da hipótese de concorrer em igualdade de circunstâncias com outras. Portanto, não percebo onde é que, nesse caso, estaria o princípio da igualdade.
A seguir, V. Ex.ª acrescentou algo que não percebi.
É que pareceu-me que, mesmo naquelas condições, V. Ex.ª quereria circunscrever as emissões a um carácter confessional do tipo «os padres devem estar na sacristia», embora, eventualmente, esta minha interpretação possa ser incorrecta.
Ora, se assim tiver sido, gostaria que me explicasse porquê; se não, também lhe fico grato pelas explicações que queira dar-me.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro Adjunto e da Juventude.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro Adjunto e da Juventude (Albino Soares): - Sr. Deputado Arons de Carvalho, apenas queria colocar-lhe uma questão.
É que disse que, em matéria de comunicação social, mais propriamente de televisão, o Partido Socialista nada modificou da sua posição nem «deu cambalhotas».
Assim, gostaria de ler umas palavras proferidas nesta sede, em 1986, pelo Sr. Deputado Gomes de Pinho, do CDS. Diz ele: «Ô que mudou, se é que mudou, foi o PS, mas é importante que fique esclarecido o que mudou no PS, se a doutrina, se a estratégia, ou, pura e simplesmente, a posição. Isto é, se o PS é estatizante quando está no Governo e liberal quando está na oposição.»
Gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Arons de Carvalho se continua a manter a afirmação que tinha sido feita pelo Sr. Deputado Almeida Santos, segundo a qual a concorrência na televisão terá consequências tão nefastas que o PS «está disposto a adiar, enquanto puder, a abertura da televisão à iniciativa privada».
Como é que o Sr. Deputado coaduna a pressa do Partido Socialista em apresentar à Assembleia um projecto de lei sobre a abertura da televisão à iniciativa privada com a sua posição de há poucos meses atrás, em que dizia que a concorrência da televisão privada com a pública seria nefasta para esta última?
Ora, uma vez que, em 1982, o Partido Socialista, juntamente com o Partido Comunista Português, impediu que a Aliança Democrática tivesse votado a revisão da Constituição no sentido de ser retirado do texto constitucional o imperativo que obrigava a que a televisão apenas fosse propriedade do Estado, gostaria de saber como é que agora, repentinamente, o Partido Socialista vem dizer que «nós salvámos o País com a televisão privada e porque acabámos com o anacronismo do monopólio da televisão do Estado, viva a liberdade, viva a iniciativa privada».
Sr. Deputado, como é que isto se coaduna com as anteriores atitudes do Partido Socialista? Afinal, quem é que mudou?

O Sr. Arons de Carvalho (PS): - Eu nunca disse isso!

O Sr. António Guterres (PS): -O Sr. Secretário de Estado está distraído!

O Orador: - Finalmente, queria dizer-lhe que, durante a revisão constitucional, igualmente pela voz do Sr. Deputado Almeida Santos, o Partido Socialista defendeu que só seria possível a existência de um único canal privado de televisão em Portugal.
Então, como é que, à semelhança do que faz o Sr. Deputado Arons de Carvalho, é possível defender-se agora que o número de canais privados possa vir a atingir 368, de modo a abranger cidades, vilas e municípios?
O Partido Socialista é mágico, ou faz milagres, ou é anarquista, Sr. Deputado!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostaria de relembrar que dentro de minutos encerrarão as umas para a votação que, entretanto, tem estado a decorrer. Assim, quem ainda não votou e o deseja, é favor fazê-lo imediatamente.
Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Arons de Carvalho.

O Sr. Arons de Carvalho (PS): - Começaria por responder simultaneamente ao Sr. Deputado Rui Machete

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e ao Sr. Secretário de Estado Albino Soares sobre as críticas que fizeram em relação à evolução do Partido Socialista.
Devo dizer que, da parte de ambos, esperaria uma melhor defesa da evolução do PSD e confesso que sinto que foi perfeitamente vigorosa e indesmentível a descrição que fiz dos factos, isto é, da evolução tremenda que, ao longo dos anos, o PSD sofreu nesta matéria. Ou seja, no passado, o PSD teve uma posição estatista, extremamente anti-liberal, e foi mudando ao longo dos anos. Portanto, eu disse isso e nenhum dos senhores me desmentiu.
Quero dizer-vos que o Partido Socialista assume perfeitamente que, no passado, defendeu a existência de apenas um serviço público de televisão. Na minha intervenção nunca afirmei o contrário, isto é, o Partido Socialista evolui.
A questão está em saber quem evolui mais depressa e, sobretudo, quem concretizou primeiro a mudança.

Uma voz do PS: - Muito bem!

O Orador: - O PSD e o Governo nunca foram capazes de concretizar, nesta Assembleia, um projecto de diploma de abertura da televisão à iniciativa privada. E relembro um facto. Há pouco, o Sr. Secretário de Estado referiu-se a 1985. Pois foi precisamente nessa altura que o Partido Socialista apresentou um projecto de lei de bases do audiovisual, em que, como tive ocasião de referir, se «abria a porta» para a concessão de televisão à iniciativa privada.
Ora, qual foi a atitude do PSD face a esse projecto de lei? Foi de apoio? O PSD não deu qualquer apoio! Antes pelo contrário, preparava-se para o reprovar, caso o Partido Socialista não tivesse desistido de o submeter a votação.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Estávamos a preparar a nossa própria legislação!

O Orador: - Estavam a preparar a vossa legislação e, pelos vistos, levaram bastantes anos a fazê-lo, já que, hoje mesmo, ainda não sabem bem que legislação vão ter no final deste mesmo debate.
Quanto à questão da Igreja Católica, creio que se tratou de um caso nítido de maledicência por parte do Sr. Deputado Rui Machete.
A posição do Partido Socialista é muito clara neste aspecto. Assim, se trata de a Igreja Católica se candidatar a um órgão de comunicação social concorrencial, com exploração comercial, então, deve submeter-se ao princípio do concurso público e estará em pé de igualdade com todas as outras entidades. Eventualmente, como eu disse, poderá ter benefícios decorrentes da experiência e da capacidade já conhecidas no caso da Rádio Renascença.
Por outro lado, se trata de uma emissão, embora mais alargada, mas semelhante àquela de que a Igreja Católica usufrui no 1.º canal da RTP aos domingos de manhã, consideramos que, no âmbito da própria programação da radiotelevisão e em diálogo com os órgãos competentes da RTP, pode permitir-se reivindicar - até talvez tenha razão para tal - um espaço um pouco mais alargado, sem exploração comercial e, portanto, sem utilização de publicidade.

Uma voz do PS: - Muito bem!

O Orador: - Esta questão é muito clara para mim e penso ter sido suficientemente explícito, quer há pouco na minha intervenção, quer agora nesta resposta.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Somos hoje confrontados com um processo legislativo cujo significado político e cultural -quase ousaria adiantar civilizacional - é por de mais ostensivo.
No plano mais exposto e mais óbvio trata-se de pôr termo ao monopólio estadual do mais decisivo e poderoso meio de comunicação social, um monopólio que mergulha as suas raízes na noite da ditadura fascista, mas que foi tão zelosamente continuado nos tempos de penumbra do imediato pós-25 de Abril, tão propícios à emergência de novos e insuspeitados fantasmas de opressão.
Para além disso, e no seu significado mais profundo, o acto que nos aprestamos a protagonizar traz com ele todo o simbolismo de um rasgar de peias e de cortinas - ou, se preferirmos, por concessão ao imaginário da conjuntura, de derrubar de muros - e, por isso, um alargamento sem precedentes do horizonte do sonho e da aventura.
Para nós, sociais-democratas, o início deste debate representa já um importante ponto de chegada. É o termo da longa e penosa caminhada de mais de uma década, durante a qual assumimos, quase sempre sós, a bandeira desta liberdade que a abertura da televisão mediatiza, como quando, em 1982, propusemos a revisão do artigo 38.º da Constituição em termos que nos permitiriam ter antecipado, em 10 anos, o futuro, ou quando, no mesmo ano, sustentámos aqui a proposta de lei n.º 80/11, retomada no essencial em 1985 com a proposta de lei n.º 5/IV, ou ainda quando, pela mão dos nossos deputados Agostinho Branquinho e Jaime Ramos, apresentámos na Mesa a ousada proposta de desmantelamento do monopólio estadual da televisão.
É certo -e aqui reside o primeiro sinal de vitória e o primeiro motivo de júbilo - que a nossa voz deixou de conhecer como eco o silêncio opaco e imperscrutável do deserto.
Hoje, pelo contrário, a nossa posição tem a celebrá-la um coro que cresce exponencial e incontroladamente. Vindos dos caminhos que menos esperávamos, acotovelam-se hoje na primeira linha da defesa da televisão privada -e acabamos de ouvir- aqueles que sempre encararam a liberdade de criação e mediação televisiva como saco de Pandora e, como tal, a esconjuraram.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - As Parcas que tecem as malhas do destino foram, manifestamente, mais generosas connosco do que o haviam sido com Prometeu, que também antes roubara o fogo aos deuses, pois Prometeu viu-se tragicamente agrilhoado na rocha e nós vemo-nos espantosamente rodeados pelos sacerdotes e guardiões dos velhos templos, de onde roubámos o fogo, a quererem ganhar a dianteira na celebração de uma causa que nunca haviam perfilhado.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Seja como for, Sr. Presidente e Srs. Deputados, prometemos não sindicar a autenticidade das profissões de fé destes neófitos. Mais, compreendemos os tiques de zelo ou os complexos destes neoconvertidos. Levamo-los, naturalmente, à conta de um não logrado equilíbrio entre a interiorização dos novos valores e os sacrifícios e rituais com que se vêem compelidos a honrá-los.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para se ganhar a perspectiva necessária ao correcto desenho da lei que temos nas mãos e, ao mesmo tempo, antecipar referências hermenêuticas, úteis para o futuro intérprete e aplicador, nada mais indicado do que uma menção apressada ao significado crescente da própria comunicação, sem mais.
Tudo, com efeito, deixa adivinhar que o mundo que se avizinha será o mundo da comunicação, tanto aos níveis mais imediatos da circulação de mensagens culturais, ideológicas, políticas, comerciais e da criação e preservação dos consensos básicos sobre que assentam, estrutural e funcionalmente, os sistemas sociais, como, e sobretudo, ao nível mais fundo da interpretação filosófica do mundo, do ser e da existência.
Sabe-se como na interpretação da filosofia contemporânea se assiste à chamada «deshelenização» do pensamento, isto é, ao abandono da compreensão do mundo privilegiadamente assente nas categorias substancialistas aristotélico-tomistas ou nos seus sucedâneos de matriz cartesiana ou hegeliana.
Em vez disso, vemos emergir uma compreensão do mundo e da vida polarizada pelas categorias de relação e da intersubjectividade comunicativa do ser com outrém sob a mediação necessária da palavra. Como, entre nós, acentua o ilustre filósofo Baptista Pereira, o caso da metafísica helenista corresponde ao advento «da filosofia da liberdade e da pessoa, em que a transcendência serve a realização da essência humana, sempre futura porque nossa tarefa fundamental, dialógica, porque só com o outro e no mundo somos autenticamente nós mesmos, e estar fora, junto de outrem, não é queda nem alienação, mas sentido e valor».
Resumidamente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o mundo que se avizinha parece apostado em dar expressão prática à intuição de Heidegger, segundo a qual «são os poetas - os que comunicam e agem através da palavra- que preparam as fundações da casa em que os deuses entram como hóspedes». Nesta acentuação da comunicação, como topos privilegiados de interpretação do mundo, acabam, de resto, por convergir as mais excêntricas correntes de pensamento.
Para além de filósofos existencialistas como Heidegger e de adeptos do pensamento novo, de mais ou menos directa inspiração teológica, os conceitos e os imperativos de acção, mediatizados pela ideia de comunicação, colhem hoje também os favores de pensadores marxistas, como sucede paradigmaticamente com Habermas, que define o universo contrafáctico e ideal, porque há-de aspirar-se e lutar-se, optando não pelas categorias e discurso do mecanicismo economicista, mas antes pela ideia de acção comunicativa ideal, isto é, isenta de coerção.
É à luz do horizonte que procurámos assinalar e das premissas de valoração nele contidas que nos propomos apreciar a proposta de lei n.º 130/V em exame, nos termos compatíveis, com o instituto regimental da discussão na generalidade.
Como início de abordagem, importa ter presente o carácter ambivalente e invencivelmente antinómico do discurso sobre a actividade televisiva, do ponto de vista da comunicação.
Na sua irrenunciável conotação axiológica, a acção comunicativa apela para os valores da liberdade e autenticidade, de criatividade e crítica, reclama, noutros termos, o reforço da autonomia da pessoa no contexto relacional da intersubjectividade.
Ora, e por um lado, as virtualidades da televisão para alargar e generalizar a comunicação são praticamente sem limites.
Na medida em que informa, esclarece e forma, a televisão mediatiza uma compreensão mais radical do mundo e da vida, oferece alternativas, relativiza e dissipa construções assentes na irracionalidade e no tabu.
Na medida em que generaliza uma cultura urbana e secularizada, a televisão dissemina aquele ar da cidade que liberta, abre rupturas na força vinculativa da consciência colectiva, induzindo a heresia e a dissonância.
Por outro lado, e inversamente, não pode desatender-se a tensão da comunicação televisiva para a homogeneização padronizadora, a demiurgia na indiferença da impessoalidade e do monolitismo cultural, o que, do ponto de vista individual, pode representar o primado da heteronomia e da coerção não exposta, e, do ponto de vista colectivo, pode desencadear consequências catastróficas sobre modelos subculturais ou contraculturais de conhecimento, de vivência estética, experiência religiosa ou organização comunitária de inestimável valor antropo-lógico-cultural.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ora, isso confronta o legislador com um desafio a reclamar o melhor do engenho, na procura dos necessários equilíbrios de concordância prática.
Feita esta reserva, e apelando para aquela capacidade de renúncia que nos permita passar, por instantes, por sobre os nossos empenhamentos ideológicos e partidários, não será arriscado acreditar que todos conviremos no aplauso da proposta de lei que, ao ser apresentada a esta Assembleia, nos colocou - e, através de nós, ao País - numa dívida de gratidão que saberemos honrar.

Aplausos do PSD.

Neste sentido joga, desde logo, a sua invulgar qualidade e rigor técnico-jurídico. No plano meramente formal, o texto do Governo passa com folgada vantagem o confronto com o projecto de lei n.º 457/V da responsabilidade do Partido Socialista, já noutra sede discutido e agora retomado.
São, na verdade, permita-se-me a observação, muitas e comprometedoras as debilidades e incorrecções técnico-legislativas que inquinam o projecto de lei do PS, que, a ser convertido em lei, condenaria o futuro intérprete e aplicador a mover-se num invencível labirinto de Ariana. Ele enferma, por exemplo, de uma complexa e confusa enunciação dos fins da actividade televisiva; abunda em preceitos de inconsequente e viciada estrutura normativa; amálgama em teia, por vezes inextrincável, normas de dignidade legal a par de outras de índole regulamentar;

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estende-se, sem critério aparente e bastante, a áreas problemáticas que transcendem a matéria em causa, tudo resultando em indisfarçados entorses.
O projecto de lei do PS deixa, em síntese, a impressão de uma invencível falta de orientação nas coordenadas da ordem jurídica portuguesa, pecado capital que o legislador não pode permitir-se.

Aplausos do PSD.

Mas é sobretudo no plano material do acerto político-legislativo das metas ideológicas a prosseguir e dos meios pré-ordenados à sua prossecução que mais notoriamente avultam os méritos da proposta de lei n.º 130/V.
Na impossibilidade de levar mais longe o nosso exame e a nossa demonstração, limitar-nos-emos ao enunciado de três tópicos que erigiremos em outros tantos argumentos.
Decisivo, a começar, o tratamento reservado pelo artigo 6.º aos fins da radiotelevisão. Um preceito que, demarcando o horizonte teleológico-axiológico do diploma, lhe empresta, ao mesmo tempo, a necessária e consistente legitimação material.
Neste plano há-de sobretudo enfatizar-se, pelo seu conteúdo e alcance normativo, o disposto na alínea b) do n.º 1, segundo o qual são fins da actividade de televisão «contribuir para a formação de uma consciência crítica, estimulando a criatividade e a livre expressão do pensamento».
Uma norma que tem o significado unívoco de proclamar o primado dos valores da pessoa e da liberdade improgramável, sobre os interesses da conformidade e os valores da racionalidade sistémico-funcional, que vale, em síntese, como enunciado do dogma da prevalência da ordem da autonomia sobre a ordem da heteronomia.
Ora é, por exemplo, em vão que na pletora dos fins autonomizados pelo projecto socialista se procura um preceito idêntico. Facto que há-de, também ele, levar-se à conta da tendência que inspira este projecto, de privilégio do transpersonalista e da ordem da heteronomia.
Marcante, em segundo lugar, o propósito de abrir a actividade de televisão à iniciativa privada, aspecto que, em definitivo, empresta ao texto a sua transcendente relevância e justifica, só por si, as expectativas que suscitou e as paixões que polarizou. E afirmamo-lo, de olhos postos no eminente significado filosófico-cultural e antropológico de que releva a ideia de comunicação e que começámos por tentar pôr a descoberto.
Pesem embora as garantias oferecidas pelo Estado de direito e pela independência dos jornalistas, televisão estatal é sempre o monólogo ancorado no horizonte estreito da construção oficial da realidade e das representações de valor que ela segrega e induz.
A abertura à iniciativa privada vai, pelo contrário, libertar as energias que pulsam na alma colectiva da nossa sociedade, densificando de alternativas e de polifonia o nosso ambiente cultural. E dizemo-lo, não tanto em nome do existente, mas, sobretudo, atentos aos ventos do futuro que se deixam adivinhar.
Somos, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, a geração privilegiada que atinge o promontório do fim do século e do fim do milénio com a experiência enriquecida do espanto e do milagre.

Aplausos do PSD.

Cada dia que alvorece é um renovado oitavo dia da criação que desloca, para níveis impensáveis, a fronteira do possível. Importa, por isso, estar despertos para o simbolismo e a eficácia do nosso gesto. Com ele antecipamos o futuro.
Deter-me-ei, em terceiro e último lugar, na proposta adiantada pelo Governo, no sentido de assegurar, de antemão, uma presença na comunicação televisiva às confissões religiosas, ajustada ao seu relevo e representatividade na história, na sociedade e na cultura portuguesas, o que redundará -importa afrontá-lo sem subterfúgios- na garantia de uma presença destacada e ímpar da Igreja Católica.

Aplausos do PSD.

Também esta inovação legislativa que a proposta de lei n.º 130/V anuncia se nos afigura inteiramente justificada, político-legislativamente adequada e a contar, por isso, com o nosso restrito aplauso.
Em ordem a uma melhor dilucidação das questões e para obviar ao perigo de nos perdermos e gastarmos no instrumental e no acessório, deixemos, por enquanto, de remissa as vias possíveis de concretização deste objectivo. Na certeza de que o desenho técnico das soluções há-de, em definitivo, encontrar-se a partir da plasticidade de soluções abertas pela lei fundamental e tendo em conta as múltiplas considerações de oportunidade que aqui não cabe recensear nem sindicar.

Aplausos do PSD.

Mais, para afrontar directamente o problema à luz dos princípios que informam a acção legislativa e das premissas que a condicionam, porei mesmo entre parênteses um aspecto que, para nós, sociais-democratas, é decisivo- o imperativo categórico de honrar compromissos e promessas.
Por razões de brevidade, a decisão de assegurar à Igreja Católica a possibilidade efectiva de comunicar através da televisão não está, necessariamente, vinculada a qualquer intromissão de representações teológicas no universo do político. Contra ela não valerão, por isso, os argumentos e as críticas que se louvam da separação entre o Estado e a Igreja e, nessa medida, do carácter laico e secularizado da República. Pelo contrário, aquela decisão releva directamente do discurso político-legislativo, decorre de forma impressiva e cogente da própria lógica auto-referente da acção política no horizonte da história e da sociedade portuguesas.
Para a assumir não será necessário recolhermo-nos ao silêncio e ascese de um convento. Podemos fazê-lo aqui, no fórum onde palpita o coração da República, hospedado - ironia das ironias! - também ele sob um tecto que ficámos a dever à Igreja.
Bastará, para o concluir, um olhar minimamente atento para a história que honramos, a sociedade e o povo que servimos, certo como é que a Igreja Católica está incindivelmente ligada a quase todos os nosso grandes projectos e realizações culturais. Por exemplo - e como não recordá-lo quando festejamos os 700 anos da Universidade de Coimbra, o mesmo é dizer da Universidade Portuguesa-, foi uma petição dirigida ao Papa por 27 bispos, abades e superiores de convento (reunidos em 12 de Novembro de 1288 em Montemor-o-Novo) que desencandeou a instauração dos Estudos Gerais em Lisboa. É outrossim sabido e relevante que aqueles eclesiásticos assumiram o encargo de fazer face às despesas com os professores das quatro faculdades.

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E será necessário recordar que as Descobertas, nossa ímpar gesta civilizacional, foi também obra de missão? E que a língua portuguesa, a jóia do nosso tesouro cultural, deve muito da sua indelével presença no mundo às sucessivas legiões de missionários que a difundiram, preservaram e modelaram nos sertões e nas quatro partidas do mundo? E que a defesa da liberdade - no fundo a maior criação da cultura-, em 1975, passou tanto pelas portas do jornal A República como pelas portas da Rádio Renascença?

Aplausos do PSD.

Por último - e retomando mais directamente o tema da comunicação audiovisual -, quem, de boa-fé, poderá questionar a qualidade da experiência da Rádio Renascença, que tem, diariamente, encontro marcado com amplíssimos sectores do povo que nós representamos e queremos servir, e que o reconhecimento deste facto pode, de algum modo, avalizar o sucesso dos novos umbrais da aventura que nos aprestamos a transpor?
Tais são, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, expostas com as limitações que a avareza do tempo impõe, as razões que nos levam a votar, na generalidade, favoravelmente a proposta de lei n.º 130/V.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento inscreveram-se os Srs. Deputados Manuel Alegre, Sottomayor Cardia e Herculano Pombo.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): -O Sr. Deputado Costa Andrade referiu-se ao facto de honrar compromissos e promessas. Hoje, as promessas e os compromissos do PSD são problema dele! Porém, o cumprimento, pelo Governo, de eventuais promessas ou compromissos inconstitucionais é já um problema do regime.
Não vou discutir aqui o problema da forma como a Igreja Católica configurou a história de Portugal. Houve períodos diferentes e sobre eles opiniões diferentes! Sobre isso, recordo um magnífico opúsculo de uma grande figura da cultura portuguesa - Antero de Quental - por causa da decadência dos povos peninsulares, cuja opinião não é muito lisonjeira; recordo o período da fundação da nacionalidade, da Inquisição, e ainda o período mais recente dos últimos 48 anos da história de Portugal.
É um facto que a Igreja Católica faz parte da história de Portugal para o bem e para o mal. Mas não é isso que vou discutir, pois há aqui uma questão de regime, ou seja, o problema da independência ou não do poder político relativamente aos chamados poderes de facto - Igreja Católica e forcas armadas.
Esse problema foi, satisfatoriamente, resolvido nos países de civilização democrática da Europa, países comunitários e não só. Porém, foi resolvido com sacrifício - mesmo em Espanha - e nós estamos aqui a pôr outra vez em causa, a suscitar e a levantar o problema da independência ou não do poder político e do poder democrático relativamente aos chamados poderes de facto.
Como o Sr. Deputado sabe, Salazar foi um homem levado ao Poder com o apoio da Igreja Católica e das forças armadas, e, nesse aspecto, manteve uma certa autonomia do poder político relativamente aos poderes de facto. Essa a questão de fundo!
O Sr. Deputado citou o ano de 1975. Ora, devo dizer que nesse ano os socialistas portugueses bateram-se em defesa do Patriarcado e da Rádio Renascença. Mas bateram-se pela liberdade religiosa, que é parte integrante da liberdade, e não para que o regime democrático viesse consagrar privilégios que não são do nosso tempo, nem da história do Poder.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, Sr. Deputado, gostaria de saber se V. Ex.ª aconselha ou não o Governo a cumprir promessas inconstitucionais. V. Ex.ª está ou não de acordo de que o Governo - porque me parece que a pressão por parte dos deputados do PSD vai mais longe do que a proposta de lei, isto é, o Governo tomou cautelas que os senhores não tiveram em conta, segundo notícias vindas nos jornais - deve consagrar privilégios relativamente à Igreja Católica? Se o Sr. Deputado e o seu grupo parlamentar estiverem de acordo em relação a isso, então estão a convidar o Governo a cometer um pecado -e um Governo não pode cometer esse pecado -, que é violar o n.º 2 do artigo 13.º da Constituição da República.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Costa Andrade deseja responder já ou no fim?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, não desejava responder ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Manuel Alegre, mas sim defender a minha honra em relação a algumas considerações que foram feitas por ele.

O Sr. Presidente: - Como sempre tenho dito, dentro do espírito e da letra do Regimento, tem V. Ex.ª a palavra para defesa da honra.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, a minha indisponibilidade para responder directamente e quo tale ao Sr. Deputado Manuel Alegre funda-se exclusivamente na escassez de tempo que nos resta.

Protestos do PS e do PCP.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É uma fraude à lei!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, perante uma confissão tão clara peco-lhe que defenda a honra com a brevidade possível!

O Orador: - Penso que o Sr. Presidente terá apressado o juízo sobre a minha intervenção!
Como estava a dizer, não respondo ao Sr. Deputado Manuel Alegre porque não disponho de tempo! Em todo o caso, o Sr. Deputado referiu algumas coisas que ofenderam a minha consideração, pelo que gostaria de, em relação a elas, usar do exercício deste direito, quanto mais não seja por consideração para com ele.
Sr. Deputado Manuel Alegre, irei começar por invocar um facto que aparentemente é ad hominem - e só não é ad hominem, não é à pessoa do meu ilustre amigo, porque assumiu relevância política, uma vez que foi praticado por V. Ex.ª revestindo a qualidade de membro de um governo - para lhe dizer o seguinte: assumir promessas é, para nós, um imperativo categórico. Na verdade,

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se tivéssemos prometido - como V. Ex.ª fez como membro do governo - que O Século não cairia, O Século não cairia...

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): -Sr. Deputado Costa Andrade, V. Ex.ª invocou a figura regimental de defesa da honra, mas a verdade é que nunca me passaria pela cabeça ofender a sua honra -prezo muito a honra de todas as pessoas - ou a sua consideração, uma vez que, como sabe, tenho amizade e consideração por si.
Contudo, o Sr. Deputado não pediu a palavra para se defender, mas para fazer um ataque e para confundir alhos com bugalhos. Com efeito, estamos a discutir aqui uma questão de regime, e o que é facto é que o Sr. Deputado não respondeu a uma pergunta muito concreta que lhe coloquei, no sentido de saber se convida ou não o Governo a cumprir uma promessa inconstitucional. Ora, isso nada tem a ver com um acto de governo, com o qual se pode concordar ou discordar, embora não tivesse, necessariamente, a ver com uma questão de regime.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Deputado Costa Andrade, ouvi, com a atenção possível neste Hemiciclo, embora seja matéria da minha especialidade, a conferência filosófica que V. Ex.ª produziu sobre o valor da comunicação, invocando diversos filósofos acerca da importância desse fenómeno.
Efectivamente, a conferência de V. Ex.ª contribuiu para retirar tempo ao PSD, à Câmara e, consequentemente, aos deputados para discutirem o problema em apreço. Com certeza que V. Ex.ª, que é um jurista, um homem de espírito positivo -não penso que seja uma pessoa de pendor essencialmente intelectual e metafísico-, me desculpará por não poder ter tempo para dialogar sobre questões de natureza jurídica, política e constitucional.
Sr. Deputado Costa Andrade, falou-se aqui do PS, da Rádio Renascença e de tudo o resto.
Bem, eu conheço a pessoa que foi porta-voz do PS no «verão quente» - salvo erro, em Setembro - em defesa da Rádio Renascença, e até sei que essa pessoa agiu sponte sua, por decisão própria, apenas tendo conversado sobre a matéria, de forma sigilosa, com o Srs. Drs. Mário Soares e Salgado Zenha. Se, de facto, fui eu quem tomou a posição do PS sobre essa matéria, o redactor foi o Dr. Salgado Zenha.
Como não posso falar em nome do Dr. Salgado Zenha falo apenas em meu nome próprio, embora faça parte da história do PS que ele assumiu essa posição. No entanto, posso dizer-lhe que a minha motivação foi apenas a da defesa da liberdade religiosa e a da liberdade de comunicação social.
Na verdade, o que quis foi combater o privilégio de grupos que, em nome de ideologias ao tempo, pretendiam limitar a liberdade. Ora, V. Ex.ª faz parte de um grupo de pessoas que actualmente, em nome de ideologias, pretende limitar a liberdade!

Protestos do PSD.

Isto porque criar um privilégio é limitar a liberdade! Ora, o Governo teve a sinceridade de dizer que queria atribuir um privilégio a uma confissão religiosa!
A nossa cultura democrática já está muito obnubilada, sendo que, por consequência, uma autoridade pública permite-se reconhecer que tem intenção de atribuir um privilégio - coisa extraordinária que ainda há pouco aqui ouvimos repetida pela voz de um Sr. Ministro. No entanto, V. Ex.ª, naturalmente porque é uma pessoa experiente, teve o cuidado de não utilizar o termo «privilégio», embora tenha referido uma «garantia de presença ímpar». Ora, «garantia de presença ímpar» é, por lei, um privilégio, sendo precisamente isso que traduz a proposta de lei sustentada quer pelo Governo e pelo PSD (somos tão bons que até somos a favor dos privilégios da Igreja Católica ...), quer por V. Ex.ª, que fez uma conferência de filosofia para se limitar a referir a «presença ímpar».
Isto é um privilégio, é inconstitucional, é contra o espírito democrático e é triste, Sr. Deputado! Contudo, é também triste que não haja, na Assembleia da República, tempo para discutir o fundo da questão.

Aplausos do PS e do deputado independente Raul Castro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Deputado Costa Andrade, muito respeitosa e rapidamente gostaria de dizer que do seu esotérico discurso consegui retirar uma angústia: a quem será lícito preparar a casa em que entrarão os deuses?
Neste caso não se trata da casa, mas da caixa que, no dizer de muitos e no entender de todos, mudou o mundo! Em que caixa queremos encaixotar um deus?
Por outro lado, penso que ambos temos formação religiosa católica quanto baste para nos lembrarmos que a única vez que tanto Cristo como os primeiros apóstolos beneficiaram de privilégios, concedidos pelo poder instituído em termos de audiência pública, foi aquando dos respectivos martírios. Antes disso não precisaram, para arrastar multidões, que os levassem perante o circo romano ou perante o sinédrio, que os mostrassem à populaça em fúria e dissessem «que faremos com estes homens?». Repetiremos agora, de novo, o suplício de um Deus representado na terra por esta Igreja Católica?
Penso que nenhum de nós os dois, que, em termos de formação, muito devemos à Igreja Católica, quer ver uma igreja perseguida por Nero ou por Calígula, nem uma igreja de Constantino ou de Bórgia arvorada em religião oficial, ocupando um espaço que deve ser repartido por mais; ocupando ilegitimamente um espaço.
Penso que dizer, hoje, que os Portugueses são católicos é uma falácia tão grande como dizer-se que os Romenos são comunistas - é uma coisa da mesma e exacta natureza. Na realidade, por razões históricas que não discutiremos aqui, a Igreja Católica beneficiou, em Portugal, durante anos, de um regime de privilégio constante.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Ó Pombo, ó ave...

O Orador: - O Sr. Deputado Silva Marques não tem ido à missa ultimamente e por isso não tem direito a participar no debate! Não tem direito a intervir, pois não o tenho visto na missa!

Risos.

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Como ia dizendo, quererão os senhores - o PSD e o Governo - continuar a sustentar este manancial de privilégios que só têm causado engulhos à Igreja? Quereremos nós ver a Igreja, que é uma comunidade de fé, uma comunidade viva - é isso que esperamos dela -, transformada em agência publicitária, em vendedora televisiva de champô! E essa a Igreja que queremos?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Encaixotaremos a Igreja numa caixa que mudou o mundo e que será, como alguém o disse, «uma caixa de esmolas electrónica»? É isso que a Igreja nos pede ou solicita-nos o respeito pelos direitos inalienáveis que tem como Igreja - isto ninguém o nega -, que tem conformado esta consciência social de ser português? Respeitemos a Igreja até ao fim, dando-lhe o tempo de antena no canal público a que tem direito! Um direito de antena privilegiado e correspondente à implantação social que tem!
Igreja, Governo ou entidades públicas, senhores, faça-se uma estatística para saber a que igreja pertence cada um de nós! Deixemo-nos de utilizar falácias no sentido de dizer que todos somos católicos! Todos somos é portugueses, embora todos tenhamos raízes católicas! Já agora - porque não lembrar?-, se todos somos portugueses há 800 anos, também 800 anos aqui estiveram os Árabes e daqui os expulsámos. Vamos oferecer também um canal aos Muçulmanos?...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Para a defesa da consideração, Sr. Presidente. Com efeito, o Sr. Deputado Herculano Pombo fez uma apreciação que me chocou profundamente...

Risos.

O Sr. Presidente: - Dentro da letra e do espírito do Regimento, para a defesa da consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Herculano Pombo, este debate implica grande conflitualidade é normal. No entanto, o afrontamento dos diferentes pontos de vista sobre questão tão importante como esta dispensa, perfeitamente, observações completamente - peco-lhe desculpa pelo adjectivo- despropositadas.
Não se trata do facto de o Sr. Deputado ter dito que eu não vou à missa, pois isso é exacto.

Vozes do PS: - Mas faz mal!

O Orador: - Não me refiro a isso, porque pertenço ao país católico relativamente ao qual o Sr. Deputado tem dúvidas. Só que, pelos vistos, o Sr. Deputado não é deste mundo, visto que acabou de nos comunicar que afirmar que Portugal é um país de católicos seria a mesma coisa que afirmar que a Roménia é um país de comunistas.
Não, Sr. Deputado! É que a Igreja em Portugal ainda não caiu, ao passo que o regime comunista já caiu na Roménia!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Eu estou sempre a inaugurar coisas. Não corto fitas, mas estou a inaugurar aqui uma nova prática. É que o Sr. Presidente está a permitir que responda a um aparte...

Vozes do PSD: - Um aparte?!

O Orador: - Segundo presumo, é a primeira vez que se faz isto nesta Casa, ou seja, é a primeira vez que um aparte tem direito a uma resposta com tempo regimental. Contudo, o meu tempo é tão escasso que vou aproveitar!
Sr. Deputado Silva Marques, obviamente que cada um vai à missa que quer, ou não vai a nenhuma - não é isso que está em causa. Apenas tentei fazer humor com o seu afã de me interromper!
Quanto à questão do regime de genocídio que imperava na Roménia e que, felizmente para todos e para bem da Humanidade, caiu, só lembrava que se calhar ele não caiu mais depressa porque o Sr. Deputado passou algum tempo a segurá-lo.

Risos.

Quanto à Igreja Católica, não queremos que ela caia. Nem a Igreja, nem as suas igrejas, como os senhores têm permitido que caiam, a começar pelos Jerónimos - outras cairão, nomeadamente a Batalha, que é lá no seu distrito.
Sr. Deputado, como referi, apenas tentei fazer um pouco de humor. V. Ex.ª é um deputado bem-humorado, eu também o sou; portanto, estamos pagos - até à próxima!

Risos.

O Sr. Presidente: - Para responder às questões que lhe foram formuladas, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - O Sr. Deputado Herculano Pombo não formulou abertamente alguma questão, pelo que não sou devedor de qualquer resposta.
O Sr. Deputado Sottomayor Cardia falou de uma coisa que eu sei. Peco-lhe desculpa, Sr. Deputado, mas tento abrir algum caminho!
Afirmou também que isso não era chamado quando se tratava de discutir uma lei. Nada de mais errado, Sr. Deputado! Definir o horizonte material de uma lei ainda antes de ela ser aprovada é, como V. Ex.ª bem sabe, precisamente o que se deve fazer. Depois ela sai-nos da mão. Porém, que fiquem ao menos algumas reflexões. O bom legislador faz assim, Sr. Deputado Sottomayor Cardia, e peco-lhe desculpa se lhe roubei o tempo.
Quanto à palavra «ímpar» é óbvio que, como se nota da pergunta, o Sr. Deputado ouviu a minha intervenção com algum cuidado, mas não a ouviu em termos correctos quanto a essa palavra. Com efeito, usei cuidadosamente a palavra «ímpar» quando relacionei, no universo das religiões com presença em Portugal, a religião católica com as demais. E, pelo menos do meu ponto de vista, e salvo melhor parecer, o papel da Igreja Católica no confronto com as demais religiões é ímpar.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, existe consenso para que todos os tempos distribuídos sejam ampliados até ao máximo de sete minutos por agente parlamentar.
Seguidamente, o Sr. Secretário vai proceder à leitura da acta relativa à eleição de um membro para o conselho directivo do Instituto Nacional do Ambiente.

Foi lida. É a seguinte:

Acta

Aos 8 dias do mês de Março de 1990, na Sala de D. Maria deste Palácio de S. Bento, e ao abrigo do artigo 39.º, n.º 7, alínea 6), da Lei n.º 11/87, de 7 de Abril, e do artigo 280.º do Regimento, procedeu-se à eleição de um membro para o conselho directivo do Instituto Nacional do Ambiente.
Foi presente a sufrágio uma lista única constituída com o seguinte candidato:

Armando Abel Castelo Trigo de Abreu.

O resultado da votação foi o seguinte:

Total de votos -109;
Brancos - 47;
Nulos - 5;
Total de votos entrados -161.

Em face dos resultados, foi declarado eleito o candidato Armando Abel Trigo de Abreu.

Nada mais havendo a tratar se lavrou a presente acta, que vai ser devidamente assinada.
Srs. Deputados, em face da acta que foi lida, proclamo eleito membro do conselho directivo do Instituto Nacional do Ambiente o candidato Armando Abel Castelo Trigo de Abreu.
Recordo aos Srs. Deputados que teremos de proceder, por volta das 19 horas e 30 minutos, a um conjunto de votações.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: No presente instante do debate é curial extrair uma primeira e importante conclusão: a proposta de lei, que chegou tarde à Assembleia da República, não define soluções em zonas medulares do regime da actividade radiotelevisiva entre nós e, travestida embora de uma pretensão de completude e brilho, não responde sequer às interrogações que moram na ordem do dia. Opaca e insuficiente, nada aprendeu com a fecunda reflexão em tomo do projecto do Partido Socialista, dentro e fora da Câmara. Promove, como temos vindo a constatar, deambulações acirradas de um verbo periférico, remetendo para o Conselho de Ministros algumas das decisões fundamentais.
O que contém ou omite é, todavia, bastante para destemperar os ventos da opinião qualificada e instalar a crise no Grupo Parlamentar do PSD. A iniciativa do Governo, depois de quanto se fez para engrandecê-la, saiu, de facto, pela culatra...
Entre as áreas problemáticas diferidas para opção ulterior do Executivo contam-se, por exemplo, as que se prendem com as regras do concurso público, a titularidade das infra-estruturas para emissão, os mecanismos e prazos de efectivação de estações regionais e locais, o destino dos arquivos da RTP, a viabilização atempada da TV por cabo e satélite, os direitos dos jornalistas, de resposta e réplica política, o plano técnico de frequências. O rol não é exaustivo, mas, bem se depreenderá, sinaliza muito do essencial, e nenhum argumento que releve componentes técnicas e administrativas pode subtraí-lo à apreciação dos deputados.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Acresce que, recentemente, suscitámos no hemiciclo a apreciação, uma a uma, destas questões, sustentando, com inteira legitimidade, o imperativo de serem elas resolvidas com transparência institucional, aos olhos de todos, no orgão próprio. O carácter vago, quase só indicatório de uma intenção difusa, de inúmeras das normas do articulado constitui, assim, uma deliberada sonegação de conteúdos sem os quais a intervenção do Parlamento corre o risco de se degradar.
Não é indiferente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que os operadores que venham a ser licenciados se achem confrontados com a necessidade de edificar de raiz os meios de transporte e difusão do sinal (mobilizando valores que rondam os 15 milhões de contos) ou, segundo um modelo alternativo, possam aceder, mediante condições, a estruturas criadas pelos investimentos do Estado. Fizemos a pergunta e repomo-la agora: qual é a opção governamental?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A pender, ao que se indicia, para a última hipótese, importa sublinhar, uma vez mais e com uma ponta de ironia, que, para a televisão privada em Portugal, são, apesar do flatulento discurso dos arautos do liberalismo, inevitáveis, afinal, vultosos empreendimentos públicos...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não se aplaudirá, por outro lado, o desiderato de mergulhar na arca frigorífica dos compromissos a frustrar quanto respeita a uma adequada disponibilização de licenças para o exercício de radiotelevisão de âmbito regional e local. O viver quotidiano das comunidades de maior dimensão, o seu dinamismo e as suas singulares características reclamam hoje, neste particular, uma justa e tempestiva atenção, incompaginável com calendários de conveniência laranja, relutância ou inépcia do poder central.
Estabelece o artigo 38.º da lei fundamental do País que as estações emissoras de televisão poderão ser licenciadas apenas por concurso público. Ao clarividente preceito não correspondem, de modo algum, através dos desenvolvimentos normativos indispensáveis, os artigos 8.º e seguintes do texto governamental em análise. Primeiro, porque, contra o que elementarmente se exigirá, se limitam a um charro enunciar de propósitos regulamentadores que não dão a menor garantia de escorreiteza, exigência, não manipulação em favor de interesses grupais, procedimentos equânimes na fixação e controlo do condicionalismo concorrencial. Ora, convirá lembrar que não cabe nesta sede a atitude displicente e indébita que os diversos ministérios vêm adoptando no recurso à faculdade da autorização legislativa e, bem ao invés, se impõe o máximo de substância, clareza e precisão. Segundo, porque, ao escolher um caminho sinuoso, discrimina posi-

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tivamente, em violação da Constituição, a Igreja Católica, prescrevendo o cativar de um espaço num dos dois novos canais, sem contornos nítidos, embora como parte de um todo, implicando uma outorga de alvará.
Não andou, pois, depressa nem bem o Governo de Cavaco Silva. Pior: ao prometer o que não podia, ao recuar atabalhoadamente, dando o dito por não dito ou o ambiguamente redito pelo que dito fora sem espírito continente, semeia tempestades e dilacerações, bem ostentatórias, na bancada da maioria, de alma dividida entre amores possessivos e rangendo de incomodidade.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sabe-se qual a situação presente e qual a solução que flui da Constituição da República, fasquia juridicamente inultrapassável pelo legislador ordinário. Sabe-se também que, para efeitos de proselitismo religioso, em igualdade com as outras confissões, pode a Igreja Católica, obviamente não impedida de participar no concurso público a abrir, ser destinatária de tempos de emissão, conquanto se não vislumbre a lidimidade para neles inserir, eventualmente, blocos de publicidade, que, ademais, representem receitas não despiciendas ...
O reconhecimento da funda respeitabilidade pelo princípio da liberdade de religião e, em harmonia com ela, do peso concreto incomparável da Igreja Católica nos sentimentos das pessoas, bem como do seu papel cultural e sociológico, não coonesta a mínima propensão para o assegurar de privilégios inconstitucionais, com repercussões inaceitáveis a todos os níveis, designadamente quando atentas as vertentes económicas e comerciais que se intersticiam nos benefícios fruídos em função da invocada natureza pastoral das emissões. Entendemos que devem ser retiradas ilações judiciosas, no plano das grelhas programáticas dos operadores públicos e privados, da relevância relativa das igrejas, tal como vem ocorrendo, sem atritividade sensível, desde há longos anos, na RTP. Essa salutar experiência ajudará, por certo, a morigerar ambições que, fazendo tábua rasa do paradigma da igualdade dos concorrentes em quanto se ligue com as condições de acesso aos licenciamentos, não alentam suficientemente no imenso que fica para lá dos seus estritos desígnios.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma abordagem de especialidade, que não colhe, em dimensão exaustiva, neste momento, questionará aspectos técnicos, tendências preferenciais de entalhe político, a índole e subsistência de lacunas. Não se afigura ao PCP, ainda assim, impertinente aludir já a umas quantas passagens significativas.
Haverá, antes de mais, que assegurar a isenção e a pluralidade na informação a produzir pelas estações com alvará, a multipolaridade estética e a convivência de géneros, a protecção da produção nacional de acordo com indicadores que se não bastem com a indigência ou a banalidade em voga e a obrigação, na mesma linha, de quotas mínimas de prestação autónoma. Bem certo que a via idónea, em todo este domínio, não será a da imposição de percentagens desequilibradas, impraticáveis, mesmo que nascidas de uma intencionalidade estimável.
O atribulado pretérito da Lei da Música, aprovada unanimemente pela Câmara, desafia ao encontrar de mecanismos que associem rigor e realismo, não pusilanimidade e bom senso. É, por isso, imprescindível considerar, como no projecto de lei do PS, esquemas de sindicação eficaz, impedindo que vingue, entre outros, o entendimento e a prática de que um talk-show intérmino, degradante, preencha o requisito de um contingente dado de produção própria.
Onde se prevê, entretanto, o estímulo à criação de originais e protocolos para a salvaguarda e vitalização da língua comum, sem menosprezo de injunções razoáveis que evitem os fenómenos de colonização e abastardamento do português? O artigo 20.º da proposta de lei, para lá de uma patente debilidade, destituía importantes preocupações manifestadas pelos nossos autores e artistas.
Ao aludir a um imperativo de «50 % de programas de expressão portuguesa», sem mais, facilitará o recurso corrente à aquisição de espécimes oriundos dos países africanos e, sobretudo, do Brasil, a custos atractivos porventura, o que, esteirando-se numa óptica de empresa - em si compreensível -, não satisfaz credivelmente os apelos irrecusáveis da defesa da nossa cultura e, em conexão, dos que por ela se batem. Urge ir bem mais longe e, nesta esfera sensível, erigir a máxima concertação interpartidária em objectivo inquestionável.
Paralelamente, é ocasião de recordar o que afirmámos noutras oportunidades: a discussão em torno da atribuição de dois feixes de tele-emissão privada não esgota nem é a medula de uma exegese séria, nesta época das céleres e incisivas metamorfoses tecnológicas, do audiovisual, da sua mundividência e dos seus reptos. As relações da TV com o homem comum, apontando à premência de uma regionalização tanto como à busca de linguagens inovatórias, os riscos graves de estandardização da mediocridade e fomento de adinamias conservadoras (rastreados por Simone Weil em textos cuja leitura não será propícia ao propagandismo cego) colocam à mesa das nossas ponderações centralíssimas problemáticas.
Reiteramos também uma posição indeclinável em prol do sector público de radiotelevisão. Em mar de disputas de ordem múltipla, a RTP terá de ver-se dotada, para os seus canais, de elevados montantes e providências de modernização, apetrechamento com infra-estruturas que permitam a efectivação dos escopos a que está adstrita - conciliando apetências sem concessões pauperizadoras nem subjugação aos ditames das sondagens de audiências, promovendo uma franca diversificação da oferta cultural, recreativa, de informação imparcial, desenvolvendo perfis interventores de peculiar desinência social.
Duas notas terminais.
O artigo 16.º, n.º 2, da proposta governativa contém um inciso da maior gravidade - para o qual chamo a atenção da bancada do Governo -, pondo nas mãos da Administração Pública (o Conselho de Ministros? O Gabinete do Presidente do Conselho de Ministros? O ministro da tutela? Quem?) a hipótese de impedir ou condicionar o exercício independente e livre, em matéria de programação, das estações licenciadas. Trata-se, é bem de ver, de um instrumento de censura prévia, absolutamente intolerável, prado deleitoso para as perversões autocráticas ou os apetites controlacionistas do poder. A eliminação do pretendido constitui uma reclamação radical, de partida, em torno da qual se não concebe sequer a hesitação ou o intuito negocial.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por último, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não é dissociável o diploma que o Executivo nos submete do resultado adquirido na Lei da Alta Autoridade para a Comunicação Social. Consagradas aqui a inuma-

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cão do Conselho de Imprensa e a fragilização dos conselhos de redacção, bem como uma rotunda projecção, no elenco do órgão, da voz do Governo (que, portanto, numa pregnante heteronímia, passa a dispor de uma quase nova crisma), mais permissivas e perigosas se tornam as disposições que, a seu tempo, criarão poderes verdadeiramente discricionários para o PSD maioritário. A vida democrático-constitucional exigia o inverso, o prestígio das instituições não se compadece com uma tal voracidade monocromática. Acresce, para a formulação do nosso voto, que, no cômputo global, a iniciativa legiferante aqui baçamente arroubada pelo Sr. Ministro Couto dos Santos é inferior à sua congénere do Partido Socialista - bem menos recheada de erros e anomias e, como adrede dissemos, capaz de fornecer uma positiva base de edificação de normas precisas e bem-vindas.
Os trabalhos que nos mobilizarão prenunciam a renúncia a toda a negligência, ao sectarismo arrogante, à tentação juguladora. E se é facto que se não compadecerão com ritmos de empreitada que, como é uso imputar-se às cadelas frenéticas, parem filhos invisuais, não é menos verdade que, por nós, não corroborarão o anelo do Primeiro-Ministro, atentas as eleições que se avizinham, de dilatar os prazos até lograr a prossecução do monopólio vigente, mantendo os poderosos meios de comunicação de massas, sem reservas, à sua mercê.
Cooperaremos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para uma lei frutuosa e não relapsa!

Aplausos do PCP.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A proposta do Governo vem tarde e mal-amanhada, como se diz na linguagem do nosso povo. O PSD e o Primeiro-Ministro pretenderam manter o monopólio da televisão até 1991, para assim coarctar o acesso das oposições a este meio fundamental de comunicação, do mesmo modo como quis condicionar os jornalistas pela Lei da Alta Autoridade para a Comunicação Social. Habituado a uma informação unidimensional, o Governo teme o facto de poder haver em Portugal, até 1991, uma pluralidade de canais de televisão privada, criando assim a possibilidade de passarmos a ter uma informação televisiva isenta e independente do Governo.
Ao manter, por motivos estritamente partidários e políticos, o monopólio da RTP, o Governo contribui para o fraco nível dos seus programas culturais e de entretenimento e para a discriminação dos artistas portugueses, que ainda hoje procuraram os diversos grupos parlamentares para se queixarem da falta de convites para colaborações remuneradas. O telespectador, privado da escolha, vê-se sujeito a programas medíocres, aos imprescindíveis enlatados e às telenovelas brasileiras.
Os mais abastados tiveram sempre acesso a canais estrangeiros, através das parabólicas, e os habitantes da raia à televisão espanhola, o que lhes permitiu ter programas em alternativa ao primeiro canal, porque o segundo nem chega em boas condições de captação em todo o território nacional.
Proliferam, até com o beneplácito das altas autoridades nomeadas pelo PSD, as TV piratas, num vigoroso impulso tendente a encontrar alternativas à monotonia do Telejornal. A juventude substitui os programas da RTP pela maior liberdade pessoal da escolha proporcionada pelos vídeos. Isto é, a própria sociedade tomou a dianteira ao Governo fazendo romper o seu monopólio, que, aliás, perdeu todo o sentido face ao progresso técnico a que dia a dia se assiste.
Simplesmente, todas as alternativas que os Portugueses tentam para contrariar o monopólio do Estado na TV - a televisão espanhola, as parabólicas e os vídeos - são alternativas provenientes do exterior e expressas em línguas estrangeiras. Daí que tenha sido sempre considerada uma tarefa urgente criar as condições para a existência da televisão privada em Portugal, para que as alternativas à RTP fossem, fundamentalmente, alternativas representativas da cultura e da língua portuguesas, o mesmo é dizer, ditadas por razões de identidade nacional.
Foi em face deste imperativo nacional que o CDS, em 14 de Maio de 1987, apresentou o projecto de lei n.º 387/IV, e, em 24 de Maio de 1988, o seu presidente, Freitas do Amaral, numa conferência de imprensa, sugeriu um calendário que previa três fases para actuação imediata. Na primeira fase, que iria de Maio a Outubro de 1988, nomear-se-ia uma comissão de especialistas para estudar as medidas necessárias à abertura da televisão ao sector privado; na segunda fase, que terminaria em Dezembro de 1988, o PSD e o PS firmariam o consenso - que aliás se verificou-, no âmbito dos trabalhos da revisão constitucional, para prever expressamente que a televisão pudesse ser objecto de concessão a empresas privadas; a terceira fase, que se esgotaria no 1.º semestre de 1989, serviria para a preparação dos textos legais e a adopção de decisões administrativas convenientes à efectiva abertura da televisão ao sector privado antes do fim de 1990.
Se este calendário tivesse merecido a aceitação do Governo, os portugueses teriam logo, após a publicação da Lei Constitucional n.º 1/89, em tempo útil, e já durante o corrente ano, a televisão privada a funcionar. O Primeiro-Ministro Cavaco Silva, em boa verdade, nunca teve vontade política, como agora se demonstra, de cumprir a sua promessa eleitoral de o País ter os canais privados de TV nesta legislatura.
O povo português, por isso, não deixará de tirar daí as devidas conclusões.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na referida «proposta concreta para a televisão privada» que o CDS apresentou em 1988, enunciou os seguintes princípios, que devem presidir à abertura da televisão à iniciativa privada.
Primeiro: deve haver tantos canais nacionais e regionais privados quantos os que forem tecnicamente possíveis. Aceitamos que sejam quatro os canais nacionais.
Segundo: o Estado deve ficar apenas com um canal na sua posse.
Terceiro: o outro canal nacional, agora na posse da RTP, deve ser atribuído à Igreja Católica. Este princípio é fundamental para o CDS, e recorda-se que foi essa a proposta que um governo AD (proposta de lei n.º 80/II) enviou à Assembleia da República em 1982 e que o governo minoritário de Cavaco Silva defendeu na proposta de lei n.º 5/IV, que hoje aqui foi referida.
O CDS mantém-se absolutamente fiel ao princípio e aos compromissos sempre assumidos, juntamente com o PSD, desde 1979, face à Igreja Católica. Mais: não

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encaramos esta atribuição como um privilégio a conceder à Igreja - como há pouco diziam o Sr. Ministro e o Sr. Deputado Sottomayor Cardia -, mas como um direito da Igreja que se impõe reconhecer. Esse direito deriva da Concordata e do n.º 5 do artigo 41.º da Constituição, que garante às confissões religiosas «a utilização de meios de comunicação social próprios para o prosseguimento das suas actividades». Aliás, a experiência, extremamente positiva, da Rádio Renascença é penhor do êxito que a televisão da Igreja não deixará de alcançar.
Quarto: os canais da televisão privada que houver para atribuir deverão ser objecto da concessão do Estado a empresas privadas expressamente constituídas para o efeito, sendo a escolha das concessionárias feita por concurso público transparente.
Quinto: a exploração de canais privados de televisão deve ser reservada a empresas com capitais maioritariamente portugueses -como sucede na proposta do Governo -, por razões de identidade nacional.
Sexto: a lei deve assegurar a qualidade, a isenção política, o pluralismo, de todos os canais.
Sétimo: um órgão independente (que é a Alta Autoridade) velará pelo respeito dessas condições.
Desde que o Governo propõe a existência de quatro canais, teríamos, segundo os princípios acabados de enunciar, o primeiro canal a continuar na posse da RTP, como serviço público; o segundo canal deveria ser dado em concessão à Rádio Renascença -como queriam Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Rui Macheie em 1980 e 1987 - ou a uma empresa a constituir pela Igreja Católica, conforme for por ela decidido, ao abrigo da Concordata e do n.º 5 do artigo 41.º da Constituição da República Portuguesa; o terceiro e o quarto canais nacionais deveriam ser dados em concessão a empresas privadas, dentro das condições enunciadas.
Com a nossa proposta de atribuir à Igreja Católica um canal nacional, afirmamos a autenticidade dos nossos princípios, a coerência com as propostas anteriores, a fidelidade a promessas eleitorais e - queremos crê-lo - a capacidade de corresponder a aspirações profundas do povo português.
Que os outros partidos possam dizer o mesmo.

Aplausos do CDS.

O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Deputado Narana Coissoró, o grande argumento que tem sido apresentado para ser concedido um tratamento preferencial, privilegiado ou ímpar - como se lhe quiser chamar - à Igreja Católica é o de que houve uma promessa nesse sentido. Há pouco, na sua exposição, V. Ex.ª recordou, salvo erro, que essa promessa foi feita em 1980.
Pergunto a V. Ex.ª o seguinte: qual foi a razão por que essa promessa foi feita? Importa que isso possa ser conhecido pela Assembleia da República. E isto não é, de modo nenhum, dirimente, porque não há promessas que valham contra a Constituição. Todavia, uma vez que esta questão é tão suscitada, penso que seria útil, como elemento de ponderação para esta Câmara, conhecer as circunstâncias em que tal promessa foi feita, os motivos por que ela foi feita e os termos em que foi formulada.
V. Ex.ª reconhecerá que é uma promessa um pouco estranha e insólita na Europa. A Igreja Católica não dispõe em nenhum país de um canal de televisão. Por que é que em Portugal aconteceu isso?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS):- O Sr. Deputado Sottomayor Cardia dá-me o ensejo de explicitar melhor a nossa posição.
Em primeiro lugar, quero dizer que, ao contrário do que agora vem sendo dito constantemente, a promessa não foi feita apenas pelo Dr. Sá Carneiro. Foi a AD, quando se constituiu, que fez esta proposta e o Dr. Sá Carneiro apresentou-a na qualidade de primeiro-ministro.
Antes, porém, de fazer a proposta, fez a promessa eleitoral. E por que é que fez a promessa eleitoral? Foi simplesmente para dar cumprimento a um normativo constitucional. Desde 1976 que existe o normativo constitucional do artigo 41.º, n.º 5, que não é uma novidade e que diz o seguinte: «É garantida a liberdade de ensino de qualquer religião praticada no âmbito da respectiva confissão, bem como a utilização de meios de comunicação social próprios para o prosseguimento das suas actividades.» Este normativo constitucional garante a todas as confissões religiosas o direito de utilização dos meios de comunicação social próprios para o prosseguimento das suas actividades.

Protestos do PS e do PRD.

Li o texto constitucional. O que a AD fez foi preencher, executar, concretizar o n.º 5 do artigo 41.º da Constituição, partindo do pressuposto de que nem o Partido Socialista nem o Partido Comunista Português nem ninguém nesta Câmara põe em dúvida que a confissão religiosa mais representativa em Portugal é a Igreja Católica.
Estando a Igreja Católica prevista nas condições referidas no n.º 5 do artigo 41.º, nada mais natural que o Governo da AD tivesse feito a promessa eleitoral e depois a tivesse cumprido, apresentando a esta Assembleia uma proposta de lei para executar o n.º 5 do artigo 41.º, o que este Governo não faz.
Este Primeiro-Ministro, Cavaco Silva, prometeu uma coisa, na senda do Dr. Sá Carneiro, mas depois verificou que não lhe convinha dar o canal à Igreja. Por isso voltou atrás e anda «embrulhado» com concursos públicos/não concursos públicos e juristas da Igreja/não juristas da Igreja, quando a promessa é clara e as propostas e os princípios são igualmente claros, sendo certo que o n.º 5 do artigo 41.º da Constituição dá um direito à Igreja e não um privilégio, porque não é, de facto, um privilégio. É um direito, e pergunte-se aos constituintes por que é que foi incluído este preceito. Talvez noutras constituições europeias não haja um preceito como este, mas, como V. Ex.ª dizia há pouco, estamos a raciocinar e a debater o problema em Portugal, onde desde 1976 existe este preceito, que agora vai ser mal executado, ou melhor, ignorado por este Governo. A verdadeira execução desse preceito, desde 1976, só deveria ter sido no sentido de entregar à Igreja um canal para sua utilização.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

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O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Deputado Narana Coissoró, afigura-se-me que esta 6 uma questão que deve ser discutida, pelo que a circunstância de a Assembleia da República não o estar a fazer 6 extremamente grave.
De facto, o n.º 5 do artigo 41.º da Constituição comporta mais de uma interpretação. Admito, sem conceder, que possa comportar a interpretação que V. Ex.ª lhe deu, mas tenho também a minha interpretação para o que está disposto nesse artigo.
Do meu ponto de vista, o que está contido no n.º 5 do artigo 41.º é que não pode ser prejudicado o direito de expressão de pensamento, ou melhor, o direito de liberdade de consciência, de religião e de culto com fundamento...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desculpe-me interrompê-lo, mas o CDS está a ficar sem tempo, pelo que peço-lhe que termine.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Termino já, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, penso que o direito inscrito no n.º 5 do artigo 41.º não pode ser prejudicado com o fundamento de que se trata de uma confissão religiosa. Esta é a minha interpretação!
No momento em que este artigo foi elaborado havia, efectivamente, uma ameaça contra a liberdade religiosa e foi isso, do meu ponto de vista, que o constituinte quis garantir.
Não sou partidário de interpretações históricas, mas, sim, de interpretações globais! Não importa o facto histórico, importa, sim, a solução hermenêutica que pode obter-se da compatibilização do n.º 5 do artigo 41.º da Constituição com o restante articulado da Constituição.
Pelos vistos, a interpretaçâo do n.º S do artigo 41.º induziu o Governo da República a fazer uma promessa à Igreja Católica. Ora, como o Estado Português é responsável por esta situação, este problema deve ser debatido na Assembleia da República, sob pena de não respeitarmos a nossa missão, ou seja, a de representar o povo português.
De facto, esta discussão, como já disse, não está a ter lugar, nomeadamente quanto às promessas e aos lermos em que elas foram feitas e quanto à possibilidade da sua concretização no plano constitucional.
Por consequência, travamos um debate incompleto e insuficiente para se tomar qualquer deliberação sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, o tempo do CDS já se esgotou, de forma que a Mesa concede-lhe 30 segundos para poder continuar a responder.

O Orador: - Sr. Deputado Sottomayor Cardia, devo dizer-lhe que a sua interpretação fica prejudicada pela própria evolução histórica deste artigo. Isto é, se formos cotejar este artigo na Constituição de 1976, na primeira revisão que foi feita em 1982 e agora na que foi feita em 1989 verificaremos que. apesar de muita coisa ter sido alterada, o n.º 5 do artigo 41.º ficou inalterado. Tal deveu-se ao facto de esta norma não ser, digamos assim, datada.
Portanto, Sr. Deputado, a sua interpretação fica prejudicada pela evolução histórica deste preceito.
Em segundo lugar, devo dizer-lhe que nada tenho a ver com as promessas eleitorais que o Prof. Cavaco Silva fez, e que não cumpre!... Não estou aqui a defender essas promessas, mas, isso sim, a promessa eleitoral que o CDS, desde 1980, mantém e com a qual se congratula.
Não concordamos com o que está a ser feito e, por isso, gostaríamos que finalmente fosse cumprido o n.º 5 do artigo 41.º da Constituição. Repito, não desta maneira, porque o que está hoje a ser discutido fica muito aquém do que a Igreja, o CDS e o povo português querem. O Governo do Prof. Cavaco Silva não quer dar à Igreja um canal de televisão, como obriga, no meu entender, o n.º S do artigo 41.º, e para isso arranja falsas justificações. Isso é lá com ele! O eleitorado julgá-lo-á.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Manuel.

O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Ultrapassada, e bem!, a importante questão do monopólio público televisivo, talvez pudesse repetir, hoje aqui, a intervenção feita há precisamente três anos, quando, em nome do PRD, fiz a apresentação de um projecto de lei visando a abertura da televisão à iniciativa privada. É que, hoje, apesar do tempo passado -ou, talvez, até por isso mesmo, como as circunstâncias o têm vindo a confirmar-, idêntica é a minha opinião sobre a importante questão da abertura da televisão à iniciativa privada, sua dimensão, limites, vantagens e inconvenientes.
Bem vistas as coisas, talvez tivesse de acrescentar um lamento pelo tempo perdido. De facto, o futuro encarregou-se de confirmar que a razão estava do lado dos que, advogando essa urgência, buscavam apoio nos constitucionalistas que torneavam os limites da Constituição, através do regime de concessão e consequente contrato de atribuição.
Tudo isto se afirma, Sr. Presidente, Srs. Deputados, com o à-vontade de quem, advogando atempadamente a abertura da televisão à iniciativa privada, continua a temer que a uma maior oferta poderá corresponder apenas uma menor qualidade - como, aliás, acontecerá se a legislação daqui saída permitir uma liberalização «selvagem» que, para além de nada trazer de novo, e de bom, ao público consumidor (todos nós, afinal!), colabore na destruição do que de bom ainda temos!
É que - importa dizê-lo por bem da verdade - é notório o esforço que, no campo da programação, tem vindo a ser feito pela RTP. Não ainda, talvez, totalmente bem -e refiro-me aqui mais à qualidade do que à quantidade-, em termos de produção nacional, mas na importação do muito que de melhor se produz lá fora: e não apenas do made in América, mas também do produzido e realizado na Europa.
De facto, e como se defendia no nosso projecto de lei, a abertura da televisão à iniciativa privada deverá ter em conta o país real que somos, designadamente o mercado publicitário, tudo fazendo para evitar que a televisão venha a cair nos abismos da mediocridade - que começa a ser a situação verificada em alguns países europeus, mesmo até em termos de investimento, reconhecidamente despropositado ao interesse e ao mercado publicitário.
E, pois, neste contexto que se advoga o princípio de que o serviço público até agora desempenhado pela RTP se mantenha através dos dois canais terrestres actualmente existentes, que nos concursos seja respeitado o princípio

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da igualdade de oportunidades, e que na regulamentação do licenciamento sejam consagrados critérios de qualidade que, respeitando o pluralismo ideológico, assegurem a livre expressão e o confronto de opiniões.
Atentos os nossos valores culturais, dever-se-á também ter em conta a produção nacional -talvez uma das razões primeiras a justificar o fim do monopólio televisivo-, para dar cumprimento aos preceitos constitucionalmente estabelecidos, apontando-se, deste modo, para a criação de espaços, mais ou menos alargados e gratuitos, de emissões destinadas às confissões religiosas públicas e, notoriamente, implementadas no nosso país - evidentemente que se terá em conta a sua representatividade - em ordem à divulgação e prossecução dos seus valores e objectivos espirituais. Apenas e tão-só!
Mas se alguns destes princípios são tidos em conta na proposta de lei hoje aqui em debate, outros, importantes e decisivos, são olhados de modo menos claro ou estrategicamente ignorados. Há casos, mesmo, em que não se vai além da mera enumeração de hipóteses.
É assim, por exemplo, que se remetem para posterior legislação governamental questões tão importantes como o plano técnico de frequências, o número de canais nacionais, o número de canais regionais, quais os canais que serão possíveis e quantos serão postos a concurso. É assim, também, que, enquanto aqui e além se exagera na regulamentação - refiro-me, apenas como exemplo, à publicidade que deveria merecer diploma próprio, visando a globalidade dos media-, se esquecem questões tão importantes como, por exemplo, a do estatuto da RTP, a televisão por cabo, quem passará a deter, a partir de então, os meios de transmissão, etc.
Nada, ou quase nada, se adianta sobre as condições de utilização pelas entidades privadas dos arquivos audiovisuais existentes na RTP ou sobre o modo como será fixado (benefícios e limites, duração e horário) o tal período de «emissão especial, destinado à Igreja Católica e demais confissões religiosas», previsto no artigo 9.º da proposta de lei. Além de que parecerá de menos a exigência de 5 horas de emissão diária e 40 semanais para um operador actuar em todo o País, pelo que não parecerá muito curial que, como se advoga no artigo 16.º, o desdobramento de emissão fique dependente, sem mais, de autorização governamental.
Deixando de lado questões não menos importantes como a da regulamentação do «sempre possível», e aqui deve salientar-se o montante de cerca de dois milhões e meio de contos de capital social exigido às empresas candidatas - aliás, sabe-se que, para valores referentes a Janeiro deste ano, uma rede de emissores, incluindo a emissão e transmissão de sinal, poderá rondar os 8 milhões de contos e 2 milhões serão, talvez, insuficientes para a instalação de estúdios.
Mas, como estava a dizer, deixando de lado questões como, por exemplo, a da indefinição de certas normas que, tal como se encontram consignadas, poderão permitir a censura indiscriminada (o que, por exemplo, deverá entender-se por incitamento à violência?), talvez valha a pena fazer mais duas reflexões.
A primeira diz respeito aos serviços noticiosos, que, no caso, não aparecem como um imperativo. Transcrever aqui a norma aplicada às rádios parecerá de menos, já que a finitude de ambos os bens é profunda e imensamente desigual.
A outra reflexão tem a ver com a programação, isto é, ao determinar-se que 50% da produção terá de ser constituída por programas de expressão portuguesa, está a dar-se um bónus às televisões brasileiras, que, neste momento, já devem estar a «sacudir o pó» nas telenovelas de anos e de inferior qualidade, que até agora ainda não conseguiram impingir-nos... E mais: os 10% de produção própria integram os noticiários, as manifestações desportivas, as transmissões futebolísticas, a publicidade e o serviço de teletexto. E f onde entra aqui a produção portuguesa para a ficção? É que, insiste-se, abertura da televisão: «sim e de imediato», mas desde que a uma oferta maior corresponda também uma melhor qualidade, maior diversidade, e não o contrário!
Televisão privada, sim, mas com aquilo a que todos pertence suficientemente resguardado, com garantias dadas a quem tanto vai investir (só assim se poderá exigir!...) e, sobretudo, com os interesses dos telespectadores - quase todos nós, afinal - devidamente acautelados.

Aplausos do PRD.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, são 19 horas e 30 minutos, pelo que vamos passar de imediato às votações que estão agendadas para hoje e que passo a referir.

Votação na generalidade do grupo de diplomas referentes ao acesso ao ensino superior, ou seja, as ratificações n.º 35/V e 108/V, da iniciativa do PCP, e os projectos de lei n.º 479/V, apresentado pelo CDS e pelo PS, e 485/V, do PCP.

De seguida, faremos a votação final global do projecto de deliberação n.º 30/V e a votação final global da proposta de lei n.º 126/V.
Quanto à votação final global desta proposta de lei, ficou previsto que os grupos parlamentares utilizariam e geririam, conforme entendessem, os 10 minutos a que cada um tem direito, não havendo declarações orais, mas apenas por escrito.
Srs. Deputados, deu entrada na Mesa um requerimento, apresentado pelo PCP, de recusa de ratificação dos Decretos-Leis n.ºs 354/88, estabelece os princípios gerais do acesso ao ensino superior, e 33/90, aprova o regime de acesso ao ensino superior -ratificações n.º 35/V e 108/V -, que vamos votar.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do CDS e do deputado independente Carlos Macedo e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

Srs. Deputados, vamos passar à votação do projecto de lei n.º 479/V, acesso ao ensino superior apresentado pelo CDS e pelo PS.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do PRD, votos a favor do PS, do PCP, do CDS, da deputada do PRD Natália Correia e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro e abstenções de Os Verdes, do deputado do PRD Alexandre Manuel e do deputado independente Carlos Macedo.

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Srs. Deputados, vamos votar o projecto de lei n.º 488/V - Cria um novo regime de acesso ao ensino superior apresentado pelo PCP.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, do CDS, da deputada do PRD Natália Correia e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro e abstenções do PRD, de Os Verdes e do deputado independente Carlos Macedo.

Srs. Deputados vamos passar à votação final global do projecto de deliberação n.º 30/V, apresentado pelos Grupos Parlamentares do PSD, PS, PCP, PRD e CDS, que tem a ver com o Estatuto dos Grupos Parlamentares de Amizade com Parlamentos e parlamentares de Outros Países.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados vamos passar à votação final global da proposta de lei n.º 126/V, que regula as atribuições orgânicas e funcionamento da Alta Autoridade para a Comunicação Social.

No entanto, neste caso, existem vários requerimentos de avocação que teremos de votar em primeiro lugar.
Pela ordem dos artigos, a primeira avocação é apresentada pelo Grupo Parlamentar do PCP. Trata-se do aditamento do artigo 2.º-A.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença que o interrompa?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, para que efeito?

O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Presidente, era para interpelar a Mesa, no sentido de requerer que seja lido o requerimento que se encontra fundamentado.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, os textos dos requerimentos já foram distribuídos e se V. Ex.ª concordar penso que é dispensável a sua leitura.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, os grupos parlamentares têm direito a fazerem a sua apresentação e, por isso, estabeleceu-se uma grelha de tempos.

O Sr. Deputado José Magalhães pediu a palavra para que efeito?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, uso da palavra para interpelar a Mesa.
Além do direito para apresentar os requerimentos de avocação, os grupos parlamentares têm o direito à sua leitura. Só quando entendam dever fazê-lo é que os grupos parlamentares podem aditar explicitações e razões de outro cariz, para isso é que está fixado o tempo.
Para este efeito e para este artigo, requeremos apenas a leitura, Sr. Presidente. Se for solicitado que façamos essa leitura, fá-lo-emos; se não, a Mesa pode fazê-la nos termos regimentais.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se apenas pretende a leitura deste requerimento, peço-lhe que o leia e não conta no seu tempo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O requerimento de avocação para Plenário da votação na especialidade da proposta do PCP do aditamento de um artigo 2.º-A, tem como fundamento que o texto aprovado não define rigorosamente, como exige o artigo 39.º da Constituição, quais são as entidades sujeitas à jurisdição da Alta Autoridade para a Comunicação Social. Podem suscitar-se, assim, dúvidas sobre se esta jurisdição abrange, por exemplo, as agências noticiosas e as entidades que, embora não tendo 51 % de capital público, sejam controladas por entes públicos...

A norma avocada é a seguinte:

Artigo 2.º-A

Âmbito de actuação

1 - A Alta Autoridade para a Comunicação Social exerce a sua competência em todo o território nacional em relação aos órgãos de comunicação social em geral, designadamente os pertencentes ao Estado e a outras entidades públicas ou a entidades directa ou indirectamente sujeitas ao seu controlo económico, bem como, nos termos da lei, em relação aos emissores privados de radiodifusão e radiotelevisão.
2 - Para efeitos da presente lei, consideram-se órgãos de comunicação social todas as publicações periódicas, agências noticiosas e canais de rádio e televisão.
3 - Consideram-se entidades directa ou indirectamente sujeitas ao controlo económico do Estado e de outras entidades públicas aquelas em cujo capital o Estado e estas entidades detenham a maioria.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há pedidos de palavra, vamos passar à votação.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma curta intervenção.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, faça favor.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É absolutamente espantoso que os Srs. Deputados do PSD sejam insensíveis a esta questão!
Fica indefinido qual é o leque de entidades que cabe à Alta Autoridade fiscalizar. Srs. Deputados do PSD, as agências estão abrangidas? Não têm resposta. Que péssima técnica de legislar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, não é verdade a afirmação que acaba de fazer nem tem pertinência alguma a vossa proposta.
Resulta rigorosamente do texto da proposta de lei, tal e qual foi aprovada em comissão, que está definido o leque de entidades. Não é minimamente obrigatório

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- pelo contrário, em boa técnica legislativa isso nem deve ser adequado- estar definido à partida quais os destinatários das normas que se estão a aprovar. Isso é até contrário ao princípio geral da abstracção das normas e, consequentemente, não há absoluta necessidade de fazer um catálogo de entidades. Há uma definição de competências da Alta Autoridade e é óbvio que ela as usará para todos os sujeitos que efectivamente por ela estejam abrangidos.
Esta proposta é o resultado da vossa filosofia, excessivamente regulamentadora e excessivamente tutelar, que mais uma vez querem fazer vingar.

O Sr. José Magalhães (PCP): - As agências noticiosas estão ou não abrangidas?

O Sr. Presidente: -Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Manuel.

O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Srs. Deputados, penso que tem lógica este aditamento, designadamente por causa das agências noticiosas. Era bom que isto ficasse explícito, só beneficiaria a lei. Trata-se apenas de uma explanação do texto constitucional, nada melhor do que ficar claro e expresso.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais pedidos de palavra sobre o requerimento apresentado pelo PCP, relativamente ao aditamento do artigo 2.º-A.
Portanto, vamos fazer a votação do requerimento de avocação.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS. do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

Vamos passar ao requerimento de avocação, apresentado pelo PCP, relativamente ao aditamento do artigo 3.º-D.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, peço que seja feita a leitura.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, perguntei-lhe se só queria ler aquele primeiro requerimento e nessa hipótese acedi.
Agora se vamos ler todos os requerimentos, teremos que voltar à regra que combinámos, ou seja, 10 minutos para tudo. Se o Sr. Deputado quiser ler, pode fazê-lo, mas isso será descontado no tempo atribuído ao seu partido.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os Srs. Deputados do PSD recusaram que a Alta Autoridade interviesse na concessão de emissores nos casos de a concessão se fazer a entidades de serviço público.
Não existe qualquer razão para que a Alta Autoridade, se for verdadeiramente constitucional e isenta, não intervenha no licenciamento deste tipo de actividades. É incoerente e incongruente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): -Sr. Deputado José Magalhães, como sabe, o PSD não dará o seu acordo à engorda das competências da Alta Autoridade. O Sr. Deputado sabe isso muito bem.
Por isso, mantemos esta posição da nossa filosofia política que, necessariamente, e ainda bem, é muito diferente da vossa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há outros pedidos de palavra, vamos passar à votação do requerimento de avocação, apresentado pelo PCP.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e dos deputados independentes Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

O requerimento de avocação seguinte, relativo ao artigo 4.º, n.º 1, alínea a), é também apresentado pelo Partido Comunista Português.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD não quer a criatura gorda, mas quer a criatura com poderes ténues, diáfanos, e não sabe distinguir que poderes é que ela vai ter em matéria de relacionamento com os órgãos de comunicação social.
Faz directivas! Mas o PSD não sabe o que é uma directiva!... A directiva pode vincular um jornal privado a ter que fazer uma tal reportagem ou um tal artigo? É vinculativa? É obrigatória ou não é? Bem, se é, a Alta Autoridade é autoritária e é um monstralhão gordo politicamente.

Risos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Beleza.

A Sr.ª Leonor Beleza (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me que, sendo a primeira vez que uso da palavra no Plenário desta Assembleia, manifeste a esta Câmara e ao Sr. Presidente desta Assembleia o meu mais profundo respeito e manifeste a todos os meus colegas de todas as bancadas o meu desejo de franca e leal colaboração.

Aplausos gerais.

Permita-me ainda, Sr. Presidente, porque o faço no Dia Internacional da Mulher, que manifeste aqui, neste momento, a minha adesão aos respectivos objectivos sem qualquer reserva.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Em relação a este ponto avocado pelo Partido Comunista, que tem a ver com fazer, porventura, uma distinção ou explicar melhor o que é que quer dizer directivas, quero dizer que do texto aprovado em comissão não resulta qualquer dúvida em relação a esse aspecto. Além do mais, porque a expressão «directivas» não tem no direito português qualquer sentido preciso, tem apenas no direito comunitário.

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Portanto, e dado que o texto aprovado no artigo 5.º diz com toda a clareza qual 6 o efeito de cada uma das decisões da Alta Autoridade, o seu respectivo alcance, e toma perfeitamente claro que determinados actos só têm esse efeito em relação a entidades do sector público, entende o meu partido que não existe qualquer razão para especificar mais as coisas do que elas estão.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há outros pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS. do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e dos deputados independentes Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca e Raul Castro e a abstenção do deputado independente Carlos Macedo.

Vamos passar à discussão do requerimento de avocação relativo à proposta de aditamento de uma nova alínea ao artigo 4.º, apresentada pelo PCP.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD recusou em comissão que a Alta Autoridade tivesse, sequer, competência para propor legislação necessária, para intervir nas reestruturações de empresas ou para desempenhar outras funções fundamentais, de forma que possa chamar-se «alta», talvez porque querem uma «baixa» autoridade. Será isso? É este o momento de corrigir esse lapso ou esse vezo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: É manifestamente falso o que disse o Sr. Deputado José Magalhães. É evidente que a Alta Autoridade tem competência nessas matérias.
Em todo o caso, o PCP vai de engorda em engorda até à matança final, mas nós não vamos por aí.

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Dado não haver mais inscrições, vamos passar à votação do requerimento de avocação.

Submetido â votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS. do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

Vamos passar à discussão dos requerimentos de avocação, relativos ao artigo 9.º, apresentados pelo PS e PCP.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estamos, em nosso entender e também no entendimento da Câmara, no cerne de um problema que afecta a verdadeira natureza da Alta Autoridade, que é a sua composição.
Aquando da revisão constitucional e da consagração da solução que ficou expressa na Constituição, a Alta Autoridade foi concebida com um órgão de 13 elementos,
presidida por um magistrado, dos quais três são directamente indicados pelo Governo e cinco eleitos pela Assembleia da República pelo método de Hondt.
Daqui deriva que a maioria governamental disporá na Alta Autoridade, à cabeça, de seis elementos. Mas a Constituição diz ainda que quatro elementos serão representativos - e sublinho a expressão «representativos» - das áreas da comunicação social, da cultura e da opinião pública.
Srs. Deputados, o que a Constituição manifestamente pretende é que a composição da Alta Autoridade estabeleça uma relação de compromisso entre membros indicados por órgãos de soberania e por membros representativos de áreas significativas da sociedade civil.
Quando há pouco aqui ouvimos o deputado Rui Machete sugerir que era o PS que aderia àquilo que vinha do Estado e o PSD aquele que não unha dúvidas em aderir à iniciativa da sociedade civil, nessa altura, o Sr. Deputado estava equivocado.
É exactamente ao contrário, na medida em que, tal como a Constituição prescreve, foi o Partido Socialista que mais ardorosamente se bateu para que a sociedade civil tivesse uma representação ao nível da Alta Autoridade e justamente naquelas áreas em que essa representação contribuiria para melhor consolidar direitos fundamentais, que fazem parte daquela natureza de direitos autónomos e que, por isso mesmo, se opõem ao próprio poder político, tenha ele a cor política que tiver.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - Por isso mesmo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que está em causa é saber se uma alta autoridade, em que quatro elementos que deveriam ser representativos da sociedade civil vão ser cooptados pela maioria governamental, ainda pode ser, institucionalmente, verdadeiramente um organismo independente.
Em nosso entendimento, está significativamente ferida a condição de independência institucional da Alta Autoridade e ela corre o risco de não vir a ser senão um orgão de administração indirecta do Governo.
Ora, não foi para constituir um órgão de administração indirecta do Governo que se consagrou na Constituição uma entidade independente para exercer atribuições e poderes de garantia da isenção, independência e pluralismo, nos domínios da comunicação social, e ter ainda uma participação activa e efectiva em garantir as condições de isenção no licenciamento das estações emissoras de radiotelevisão.
Por tudo isto, Srs. Deputados, aquilo a que estamos a assistir é uma verdadeira obsessão por parte da maioria governamental no sentido de tudo controlar e agora, também, por via da Alta Autoridade, controlar aonde não devia, que é a própria garantia de direitos fundamentais de liberdade dos cidadãos portugueses.
Mas para que não restem dúvidas sobre qual era o verdadeiro espírito aquando da revisão constitucional, permito-me citar, já que as citações estão tão em moda no Governo, uma passagem do agora Secretário de Estado Carlos Encarnação, então deputado comprometido no processo da revisão constitucional.
Dizia o então deputado Carlos Encarnação, quando, num debate com o meu camarada de bancada Alberto Martins, com ele reflectia sobre a natureza da composição que a Alta Autoridade deveria ter: «Quero dizer-lhe que, na verdade, com toda a certeza, será a lei ordinária a

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definir a matéria, mas não admito que na lei ordinária haja» e permito-me chamar a atenção dos Srs. Deputados para isto, «a inconsciência de inventar processos de designação.»

A Sr.ª Leonor Beleza (PSD): - Ninguém inventou.

O Orador: - Afinal de contas, foi aquilo que o Governo e a maioria governamental fizeram, isto é, tiveram a inconsciência de inventar processos de designação, precisamente para estes quatro elementos, que subvertem o espírito com que este órgão foi constituído.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A questão é séria e afecta o próprio regime dos direitos de liberdade no domínio da comunicação social no nosso país.
Por isso mesmo é que o problema está centrado como uma questão nevrálgica, já que se trata de um órgão de garantia de direitos fundamentais.
Assim, suscitamos esta avocação e apelamos directamente à bancada do PSD que, por uma vez, seja capaz de ter uma estratégia autónoma e, em nome das liberdades públicas, assuma a capacidade de discutir, aqui e agora, este problema até ao fim.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação): - Sr. Presidente, pretendia fazer uma curtíssima intervenção. E porque disponho de tempo, não gostaria de usar a figura da defesa da consideração, dado que o Sr. Deputado Jorge Lacão não me ofendeu em nada.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, seguimos a ordem predeterminada, a não ser que os Srs. Deputados inscritos autorizem a alteração.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Dado o que está em causa e dado que se trata de tirar uma teima histórica, creio que seria útil fazer sequência imediata.

O Sr. Presidente: - Dado que o Sr. Deputado Alexandre Manuel também concorda, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, vamos tentar desembaraçar esta teima histórica e vamos provar que o Sr. Deputado Jorge Lacão não tinha razão quando disse o que disse.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Citou-o mal, ou citou-o bem mas inoportunamente?!

O Orador: - De facto, o Sr. Deputado Jorge Lacão citou-me incorrectamente.
É evidente que quando falei em inconsciência não podia nem queria nunca referir-me ao método de cooptação, que é já utilizado no Conselho de Imprensa e que vem num diploma assinado, curiosamente, pelo primeiro-ministro da altura, Dr. Mário Soares. É um método indigno, que até ofende a independência. Não era capaz de fazer uma alusão deste género nem uma indelicadeza destas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em relação a esta matéria, gostaria de dizer que, na minha opinião, inconsciência seria não estarem representados nesta Alta Autoridade para a Comunicação Social os sectores indicados na Constituição.
Na verdade, o que diz a Constituição é bem claro. Certamente, V. Ex.ª, designadamente, o Partido Socialista, pela sua voz, em muitos casos, não quiseram fazer na revisão constitucional, ou da revisão constitucional, qualquer coisa que, neste domínio, ofendesse a independência, a isenção e o pluralismo. Se VV. Ex.ªs acordaram na redacção do artigo 39.º e, designadamente, da alínea d) foi por pensarem que estes quatro elementos cooptados seriam, necessariamente, representativos, designadamente - como V. Ex.ª disse, e muito bem, e diz também a Constituição -, da opinião pública, da comunicação social e da cultura.
Se os elementos que viessem a ser designados não obedecessem a esses requisitos, não fossem verdadeiramente representativos, então, havia inconsciência de quem os indicou e nomeou.
Era este o sentido exacto contido nas minhas palavras.
Como deriva desta minha curta intervenção, é evidente que V. Ex.ª não tem razão.
No entanto, penso que tinha o direito de expressar as suas ideias e, mais, até lhe agradeço que tenha levantado esta questão, pois assim ela pôde ser devidamente esclarecida.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Segundo presumo, para exercer o direito de defesa da honra e da consideração, nos termos regimentais, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Secretário de Estado, não há forma mais legítima para assumir com rigor o direito de defesa que invoquei do que citar, mais uma vez, as palavras proferidas por V. Ex.ª, aquando da intervenção então produzida e já referida.
Assim, dizia o então deputado Carlos Encarnação, e volto a citar: «Não admito que na lei ordinária haja a inconsciência de inventar processos de designação, precisamente destes últimos quatro elementos, que subvertam o espírito com que esta Alta Autoridade para a Comunicação Social foi constituída.»
Na sequência do debate, perguntou-lhe, então, o meu camarada Alberto Martins: «E quanto aos quatro elementos representativos da Alta Autoridade?» Respondeu-lhe V. Ex.ª: «Já expliquei a minha opinião sobre a composição da Alta Autoridade para a Comunicação Social.» «Eu registo», disse o meu camarada, «tomo boa nota desta informação e precisão do Sr. Deputado Carlos Encarnação, quando aponta para que os quatro elementos representativos da opinião pública, da comunicação social e da cultura», no entender dele, e parece-me ser esta a interpretação adequada, «devam ser quatro elementos que

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representem a opinião pública, a comunicação social e a cultura, isto é, representam de acordo com os métodos da representação democrática.»
E ainda mais à frente diz: «Os métodos da representação democrática são, naturalmente, os métodos electivos.»
Foi este o teor do debate entre o Sr. Secretário de Estado, então deputado, e o Sr. Deputado Alberto Martins.
Sr. Secretário de Estado, mais importante do que o tira-teimas - e as palavras são suas, não minhas, é o senhor que tem de as sustentar, se nisso estiver de acordo, ou infirmá-las, se, entretanto, tiver mudado de opinião - é a questão em si mesma, que é a de saber se V. Ex.ª, como representante do Governo, ou a sua bancada admitem que o método de cooptação pode ser sinónimo de representatividade democrática.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Deputado Jorge Lacão, em primeiro lugar, gostaria de agradecer-lhe a maneira como se referiu à minha pessoa e como - e há pouco, indesculpavelmente, esqueci-me de dizer - me veio avisar de que me iria citar. É um acto que o honra de sobremaneira, pois já vai sendo raro. No entanto, em relação à minha pessoa tem sido praticado, nesta Câmara, por todos os Srs. Deputados.
De qualquer maneira, queria aqui salientar o cavalheirismo da sua atitude e agradecê-lo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Agora é a parte má!

O Orador: - Em relação à parte nobre e importante desta magna questão, em primeiro lugar, queria dizer-lhe que não quis pôr em causa o método de cooptação, exactamente pelo respeito que me devia, uma vez que se trata de um método que foi praticado e inventado algum tempo antes, noutros governos e noutras circunstâncias. Foi exactamente isto que, por outras palavras, lhe tentei dizer há pouco, mas que agora, porque V. Ex.ª não entendeu, voltei a repetir mais claramente.
Por outro lado, gostaria de dizer-lhe que, na verdade, quem governa é uma maioria, e, neste caso, é uma maioria democraticamente eleita, mas que pode estar sujeita a sanção.
Deste ponto de vista, penso que V. Ex.ª não pode pôr em causa ou infirmar as nomeações, porque elas derivam de uma maioria democraticamente eleita que possui um governo.
Por outro lado, V. Ex.ª - e aí é que, na verdade, se excede, e cede, as suas possibilidades - arroga-se o direito da interpretação autêntica das minhas palavras. Ora, salvo o devido respeito, a interpretação tem de ser minha e tem de ser dada nos termos em que eu a der - põe na boca do meu querido amigo, Sr. Deputado Alberto Martins, coisas que ele gostava e queria dizer, mas que, eu, manifestamente, não disse.

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão ainda inscritos dois Srs. Deputados para o debate deste requerimento de avocação do artigo 9.º
Informo a Câmara que, auscultados todos os grupos parlamentares, foi estabelecido consenso no sentido de continuarmos os trabalhos até ao final da ordem do dia.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é, de facto, uma questão crucial e este é um debate triste, porque a solução constitucional, que é a matriz deste debate, foi mal negociada e é uma má solução.
A extinção do Conselho de Comunicação Social foi uma má opção e a criação desta Alta Autoridade para a Comunicação Social, desta maneira, foi não uma benfeitoria, mas, precisamente, o contrário.
Avisámos, dissemos e redissemos: «Meus senhores, não se fiem nos colóquios do Sr. Deputado Carlos Encarnação.» As palavras leva-as o vento, um colóquio faz-se e desfaz-se, «coloquia-se» e «descoloquia-se», o que hoje se «coloquiou» amanhã desfaz-se, assim como ele aqui acaba de fazer, como se estivesse a desfazer um soufflé, e evaporou-se o que ele disse naquele dia.

Risos.

E dissemos: «Mais vale o acto na acta. Faça-se uma Constituição que garanta então a representação inequívoca dos jornalistas, da opinião pública e da cultura.»
Não quiseram, não conseguiram e não se empenharam. O resultado está à vista. O PSD ri, passou o tempo todo a rir, na Comissão.
Propusemos: cooptação só, não!, pensem em maiorias qualificadas, pensem num colégio eleitoral, pensem nos jornalistas a intervirem nesse processo, directamente, através até da realização de uma eleição geral ou ainda através da participação num colégio eleitoral.
O Sr. Ministro Couto dos Santos, com a sua presença carregada, ia resmungando: «Não! não! não!» E os Srs. Deputados do PSD, depois de tergiversarem, entrarem e saírem da sala, prometerem e desprometerem, talvez sim... não sabemos... vamos pensar... voltaram e, por fim, disseram: «Não!» Uns diziam: «Talvez!...» Outros diziam: «Sim, estamos de acordo.»
Mas o resultado final está aqui: «Não!» O Governo quer a Alta Autoridade para a Comunicação Social como um mostrengo alaranjado, ponto final, não quer mais nada.
Todavia, o Sr. Deputado Mário Raposo, que ali está soterrado na quinta fila, teve ocasião de, num parecer douto sobre a televisão privada, sublinhar, a certa altura, esta verdade irretorquível: «Ilusório seria pensar», dizia o Sr. Deputado Mário Raposo, então não soterrado, «que um órgão mesmo mediatamente sujeito à intencionalidade decisória do Governo, num ponto de vista prático, tendesse com isenção, no plano dos princípios, a condicionar a sua actuação.»
O que o Sr. Deputado Mário Raposo disse é uma verdade evidente. Com efeito, um órgão assim solidado ao Governo como é que pode ser independente? Devia conseguir-se uma composição que garantisse uma independência genuína, mas o PSD apanhando-se com a vara na mão disse: «Não!»
É disso que apelamos, aqui, para que a questão seja reconsiderada agora.

Aplausos do PCP.

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O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideração.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Presidente, no exercício do direito de defesa, antes de mais, de defesa numérica da bancada, porque estou na quarta fila e não na quinta.

Risos do PSD.

Este é o primeiro erro em que labora o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, presumo que o Sr. Deputado está a exercer o direito da defesa da honra ou da consideração.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Da honra e da consideração.

O Sr. Presidente: - Nos termos do Regimento, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Esse é o primeiro lapso em que incorreu o Sr. Deputado José Magalhães.
Depois, é evidente que não posso de forma alguma dizer que não escrevi isso. Escrevi-o, e continuo a subscrever o que escrevi. Entendo, porém, que a representatividade não colide necessariamente com o modo de designação dos membros de um orgão colegial, composto numa parcela, numa área, por elementos representativos de alguma coisa.
Em suma, uma coisa é a forma de designação, outra é o universo onde são encontrados os elementos representativos.
Quando o Sr. Deputado José Magalhães, aliás sempre muito brilhante e versátil, vocabular e intelectivamente, fez uma série de trocadilhos e de troca de palavras - apenas isso- eu estava um pouco em dúvida sobre qual era a sua verdadeira intencionalidade, porque começou por pôr em causa a bondade do órgão da Alta Autoridade - o Conselho da Comunicação Social era melhor, a Alta Autoridade é péssima. Afinal de contas, é péssima, mas o Sr. Deputado, na sua perspectiva, quer que ela, apesar de péssima, se convalide. Ora, não é por essa forma que ela se convalidará, Sr. Deputado.
Além disso, há um aspecto que me parece extremamente importante. Os Srs. Deputados do PS, que muito considero e que ainda mais fico a considerar por este elogio que fizeram ao meu partido, temem que o PSD se perpetue para todo o sempre no Poder neste país e que nós estejamos a legislar para a eternidade. Mas não. É evidente que, neste momento, e de acordo com as regras da alternância, poderá haver um outro governo, não direi daqui a um ano mas daqui a vinte ou quinze anos.

Risos do PSD.

Não concedo, nem concebo! Portanto, mesmo a letra da lei, quando refere «designadamente» (da comunicação social) é meramente indicativa do universo onde são encontradas essas personalidades.
Consequentemente, entendo que outro sistema qualquer também poderá ser adoptado. Só que este não está ferido de nulidade insanável ou de qualquer vício que o disforme por completo.
Terminarei agora, Sr. Presidente, dizendo que muito me regozijo por ter sido citado pelo Sr. Deputado José Magalhães, mas considero que a citação não é muito exemplificativa daquilo que pretende demonstrar, porque aquilo que escrevi não se coaduna com o que ele conclui. Se pudesse discutir mais alongadamente consigo - o que, evidentemente, o Sr. Presidente não me consentirá-, poderia demonstrar a bondade da minha afirmação.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputadas: Devo, de facto, um pedido de desculpas ao Sr. Deputado Mário Raposo. Confundir filas é um erro gravíssimo, mas eu faço a rectificação: não é, de facto, a quinta mas a quarta fila, e tiro daí todas as ilações políticas, porque, suponho, foi também nesse sentido que V. Ex.ª falou.
Mas gostaria de sublinhar um aspecto: houve da parte do presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias um esforço que deve ser sublinhado, no sentido de procurar que as diversas alternativas à péssima solução fossem consideradas. É que a solução que vinha proposta pelo Governo era, e é, péssima. O que o Sr. Deputado Mário Raposo fez, em diversas alturas, foi equacionar, com uma certa amplidão de espírito, outras soluções menos más.
Devo dizer, também, que não há nenhuma incoerência nossa em lutarmos por soluções menos más. Seria desastroso e kamikaze se quiséssemos o péssimo só por uma razão de fustigação - quiseram o mal, comam o péssimo! Não é esta a nossa lógica.
Mas esse espírito, curiosamente, contrasta com a cena espantosa que se passou na comissão quando, ao arrepio do mínimo rigor, nos apareceu um ministro adejando e disse pura e simplesmente isto: «Tem de ser cooptação, porque a Constituição prevê a cooptação.» Aí todos nós nos assustámos, agarrámos na Constituição e dissemos: «Mas, com mil diabos, o ministro não conhece a Constituição!» Tem 300 assessores, mas não houve um que lhe chegasse com a Constituição e lhe dissesse: «Sr. Ministro, a Constituição não prevê a cooptação.» E o Ministro deu em plena comissão o espectáculo incrível e sem precedentes da ignorância mais bruta sobre uma questão absolutamente fundamental do ponto de vista constitucional.

Protestos do PSD.

Ignorância bruta, Srs. Deputados, no sentido científico.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu, sendo um homem de ciência, não conheço, no sentido científico, ignorância bruta. Portanto, peço-lhe que modere a sua linguagem, por favor.

O Orador: - Sr. Presidente, V. Ex.ª não é, de facto, um especialista de ciências sociais, mas eu terei em conta a observação.
Ou seja, aconteceu absolutamente o inacreditável: foram excluídas pelo PSD, por razões de vezo político, mas sem argumentos constitucionais, todas as alternativas. Ainda tivemos esperança, quando vimos o relatório que

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o Sr. Deputado Mário Raposo elaborou, que esta questão fulcral - ou seja, como pode ser independente uma entidade que está dependente da intencionalidade decisória do Governo - fosse considerada sem preconceitos, com abertura, para se encontrar uma solução menos má. Os Srs. Deputados do PSD não quiseram. Isso é gravíssimo politicamente!
Mas é aqui, repito ainda, o momento não de fazer mais gravame, mas de fazer correcção. Estamos abertos a que se encontre essa solução; encontre-se essa solução! É possível uma solução mista, é possível uma solução mitigada! Apostem nessa solução! Tenham a coragem de apostar nessa solução! Isso, sim, será fino-o contrário de bruto, como é óbvio.

O Sr. Presidente:- O Sr. Ministro Adjunto e da Juventude pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Ministro Adjunto e da Juventude: - Para uma intervenção, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto e da Juventude.

O Sr. Ministro Adjunto e da Juventude: - Sr. Presidente foi aqui evocada a minha pessoa pelo Sr. Deputado José Magalhães. Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que a linguagem que utilizou me chocou, porque não estava habituado a que isso acontecesse vindo da sua parte. Nesta Câmara, não estava habituado. E eu, que ainda pensava que o Sr. Deputado era daqueles que pudesse passar pelo tal instituto, na tal reflexão de abertura, afinal, chego à conclusão que não tem lá lugar, não vai a lado nenhum, porque não conseguiu ainda ver que há claridade num sistema que V. Ex.ª não percebe.
Sr. Deputado, o que eu disse em comissão foi, quando o Sr. Deputado Mário Raposo me alertou que na Constituição não está «cooptado»: «É verdade, Sr. Presidente. Mas quando eu disse cooptado é porque na Constituição está designadamente e, no espírito do legislador, quer dizer que se identificaram essas áreas da opinião pública, da comunicação social e da cultura».
Portanto, não são correctas as observações que fez.
Neste caso, ficava-me por aqui, porque não vale a pena continuar.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Magalhães (PCP): -Para exercer o direito de defesa, Sr. Presidente, uma vez que, a ser verdade aquilo que o Sr. Ministro disse, isso teria alguma gravidade.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lacão pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Na sequência das palavras do Sr. Ministro, e não querendo utilizar o direito de defesa, inscrevo-me para uma intervenção, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Pedindo brevidade, porque estamos a ultrapassar os tempos normais para as várias figuras regimentais, dou a palavra ao Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Ministro Couto dos Santos, creio que V. Ex.ª se perturbou com alguma coisa que não deve originar, em termos normais, perturbação. V. Ex.ª não tem vindo o suficiente à Assembleia da República para saber que, entre nós, não hesitamos em trocar impressões com grande vivacidade sem que isso prejudique as regras de relacionamento ...

Protestos do PSD.

Os Srs. Deputados, hoje, estão com uma crise epidérmico-dermatológico-política estranhíssima. Deve ser por causa da Alta Autoridade.

Risos do PS e do PCP.

Isto é, Sr. Ministro, a violência vem do PSD, devo dizer. A violência política é a instituição da Alta Autoridade em termos governamentalizados. Essa é a violência indisfarçável.

Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

O Orador: - E o que eu sublinhei, Sr. Ministro Couto dos Santos, é que V. Ex.ª na Comissão, numa performance que constará das actas e que pode ser testemunhada por quantos lá estiveram, revelou uma extraordinária insegurança - veja como eu reformulei a frase utilizada anteriormente - na análise da discussão constitucional como se a solução cooptativa fosse constitucionalmente imposta.
Ninguém pode fazer a demonstração de que a solução cooptativa é constitucionalmente imposta; bem pelo contrário, tudo na Constituição aconselha a busca de fórmulas que permitam uma representatividade dos sectores referidos pela Constituição e outros que podem ser aditados de forma que se garanta a genuína independência do órgão.
O que é verdadeiramente impossível é num órgão constituído maioritariamente, monocolormente, ver assegurado o princípio de independência que a Constituição deseja.
Quanto às confusas observações com que o Sr. Ministro arranhou - e espero que não se ofenda- o inicio da sua intervenção, deixo-as para exegese de alguns analistas exotéricos, porque elas fazem parte do foro do exoterismo e são absolutamente inextricáveis para qualquer observador médio. Talvez V. Ex.ª possa agora trocar por limpo aquilo que quis dizer, a não ser que saiba tanto disso como da Constituição, naturalmente!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Essa parte deixou-o à defesa!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto e da Juventude.

O Sr. Ministro Adjunto e da Juventude: - O Sr. Deputado José Magalhães aproveitou este momento para fazer mais uma intervenção. Felicito-o!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Manuel.

O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Sr. Presidente, na mesma lógica que permitiu que o Sr. Ministro falasse antes de mim, na sequência de uma intervenção do

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Sr. Deputado José Magalhães, penso que também poderei ceder a minha vez, no uso da palavra, ao Sr. Deputado Jorge Lacão, porque veio na sequência da intervenção do Sr. Ministro. Por mim não há qualquer problema, pois falaria a seguir, se a Mesa concordar.

O Sr. Presidente:- Com certeza, Sr. Deputado. Para uma intervenção, tem então a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, informo a Mesa que, por amabilidade do Sr. Deputado Herculano Pombo, posso dispor de três minutos do tempo de Os Verdes.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Quanto à questão dos quatro elementos da Alta Autoridade para a Comunicação Social, a Constituição diz: «De quatro elementos representativos,...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Exacto. Tem lógica!

O Orador: -... designadamente, da opinião pública, da comunicação social e da cultura.» Isto significa que são quatro elementos para três áreas que a Constituição expressamente refere. É um exercício de pura lógica, Srs. Membros do Governo: a Constituição, ao consagrar quatro elementos e três áreas, admite que mais alguma área possa ainda ser aposta àquelas que já quis que aqui ficassem referidas, daí a expressão «designadamente». É tão simples como isto. Basta ir à escola, não é preciso qualquer curso de direito constitucional para interpretar esta disposição.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Exacto!

O Orador: - Quanto à questão em si mesma, e é essa que importa valorizar, devo dizer que o presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias tem razão quando, com coragem intelectual - e presto aqui, mais uma vez, aliás, como tive oportunidade de fazer noutras ocasiões, homenagem ao Dr. Mário Raposo, quer como deputado de uma comissão quer, acima de tudo, como seu presidente -, assume a lógica vocacional dessa mesma Comissão, que é a de cumprir a sua missão, ou seja, de, no âmbito da Assembleia da República, velar pelo cumprimento dos direitos, liberdades e garantias. E por isso mesmo muito nos congratulamos que, por intermédio do Sr. Presidente, muitas diligências pudessem ter sido feitas para se procurar encontrar outra solução.
A verdade, porém, é que o Governo não quis, minimamente, participar desse esforço e portanto a questão política central é a seguinte: admitem os Srs. Membros do Governo que uma alta autoridade num domínio, pela sua natureza corripletamente independente no que toca à actividade governativa, deva ser na sua composição esmagadoramente afectada pela própria maioria governamental? Como é que os Srs. Membros do Governo podem compatibilizar o princípio da independência institucional da alta autoridade com uma maioria de composição que é esmagadoramente oriunda do Governo e da maioria que o apoia?
E esta contradição política que a nós se nos afigura ser insanável, na base da qual está um verdadeiro temor, da parte do PSD e do Governo, em abrir a porta à participação de entidades organizadas da sociedade civil, e é aqui, verdadeiramente, que bate o ponto. O discurso do PSD, aceitemo-lo uma vez por todas, é liberal - e é liberal quando é - no domínio económico, mas demonstra uma postura autenticamente autoritária no domínio das liberdades públicas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E é isto que se está a reflectir no domínio da Alta Autoridade, ou seja, os problemas surgem precisamente no que se refere à composição deste órgão, à extinção do Conselho de Imprensa e à diminuição drástica dos direitos de participação dos jornalistas ao nível dos meios de comunicação social. Com efeito, tudo somado, o resultado é o mesmo e a filosofia fica inequívoca: este Governo tem uma vocação autoritária no domínio das liberdades públicas e é deste labéu que não se livra!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Manuel.

O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É evidente que já quase tudo foi dito sobre esta questão. Serei, pois, muito breve. Apenas quero lamentar que não se tenha tido em conta algumas das sugestões avançadas na comissão da especialidade. É evidente que não é apenas por isto que iremos votar contra este documento, é também, por exemplo, pela diminuição dos poderes dos conselhos de redacção ou pela extinção do Conselho de Imprensa.
Esta é, no entanto, uma questão de fundo que poderia dignificar enormemente este documento. A maioria está suficientemente representada, logicamente, como maioria que é. Mas é preciso também não esquecer que o artigo 39.º da Constituição, aqui tão abundantemente referido, antes de «designadamente» diz «representativos». E para ser representativo tem de representar. As pessoas precisam de se sentir representadas. Importa pouco escolher elementos de uma determinada profissão se eles, de facto, não representam essa profissão.
Se há documentos em que valeria a pena algum trabalho, alguma luta, para que houvesse consenso, este seria seguramente um deles. Assim não se quis, assim não aconteceu, e é mau para todos nós, muito mau para o direito de informar e para o direito de ser informado.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Beleza.

A Sr.ª Leonor Beleza (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O discurso liberal do PSD, que acaba de ser invocado pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, não levaria por si à criação de uma entidade como esta que, neste momento, estamos a discutir.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - O PSD mantém, em relação àquilo que deseja ver aprovado no que respeita ao Estatuto da Alta Autoridade para a Comunicação Social, o seu pensamento perfeitamente intacto no que toca à consideração que nos merece a sociedade civil e sobre o que deve ser a intervenção do Estado.

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Estamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, perante a criação de um orgão de carácter administrativo que, no nosso entender, não tem pretensões a representar a sociedade civil. Trata-se de um órgão criado pelo Estado, pela Constituição, regulamentado na lei, com as suas funções estabelecidas na lei, e não de um órgão que representa a sociedade civil.
Não temos, em relação a este ponto, qualquer espécie de dúvidas nem queremos ver as coisas misturadas. E um órgão de tutela da comunicação social, para além daquilo que teríamos desejado que acontecesse, como se vê com toda a clareza do projecto de revisão constitucional apresentado pelo Partido Social-Democrata.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não há que haver dúvidas em relação à constitucionalidade da solução adoptada na proposta de lei, tal como foi aprovada em sede de comissão, como, aliás, consta do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, aprovado por unanimidade. Isto é, todos os membros desta Comissão aceitaram, expressamente, que a solução proposta pelo Governo é constitucional.
Mas ela é constitucional como poderiam ser outras, e trata-se aqui, em sede de política legislativa, de explicar por que é que a solução proposta pelo Governo foi aceite pela minha bancada. Ela é, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quer queiramos quer não, a solução que menos mexe no equilíbrio estabelecido pela Constituição quando determina expressamente como é que os outros membros da Alta Autoridade são escolhidos. Esse equilíbrio não é minimamente tocado, quando a proposta do Governo, adoptada neste ponto pelo meu partido, diz que são os membros escolhidos, nos termos da Constituição, que determinam quem são os outros membros da Alta Autoridade.
Mas há mais, a Constituição diz, com efeito, que essas quatro entidades são representativas, designadamente, da opinião pública, da comunicação social e da cultura.
De facto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, debruçámo-nos muito em, eventualmente, saber se haveria outra solução que fosse também aceitável.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Haver, há!

A Oradora: - Chegámos à conclusão de que a solução proposta pelo Governo é a mais razoável e a mais realista.
É que a Constituição não diz - e se dissesse teríamos dificuldade em encontrar a forma de lhe dar cumprimento - que estas entidades são representantes...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Representativos!

A Oradora: -... de sectores suficientemente fluidos para ser extremamente difícil, senão impossível, encontrar uma representação desses sectores suficientemente clara e inequívoca para, por essa via, designar representantes.
E senão, vejamos o que poderia acontecer em cada um destes sectores.
Fala-se em entidade representativa da comunicação social, mas as propostas que foram apresentadas iam em sentidos diferentes: o projecto de lei do PS ia no sentido de que se tratasse de um jornalista designado pelas associações profissionais; por parte do PCP, que se tratasse de um jornalista indicado pelo Sindicato dos Jornalistas e de dois profissionais da Radiotelevisão indica-
dos pelos respectivos sindicatos; por parte do projecto dos Srs. Deputados Independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro, tratava-se de um jornalista designado pelas respectivas organizações profissionais e de pessoas indicadas pelas associações da imprensa diária e não diária.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estas entidades, por representativas que sejam do sector, e com todo o respeito que naturalmente nos merecem, não representam toda a comunicação social. E mesmo que a representassem seria extremamente difícil discutir em relação a cada uma delas qual era a margem de representatividade relativa.
Mas há mais, e as coisas são ainda mais claras em relação aos outros sectores. Como é que é possível, Sr. Presidente e Srs. Deputados, entender que a cultura portuguesa é representada, no projecto do PS, pelo Conselho de Reitores e pelo organismo representativo dos autores; no projecto do PCP, pela Sociedade Portuguesa de Autores, e no projecto apresentado pelos Srs. Deputados Independentes, simplesmente, pela Sociedade Portuguesa de Autores?
Mas será que estas entidades, só por si, representam toda a cultura portuguesa? Será fácil adoptar qualquer outro método que permita escolher até à exaustão quais são as entidades da sociedade civil que têm representatividade neste sector e depois determinar a representatividade relativa de cada uma dessas entidades?
E isto acresce ainda em relação à opinião pública, que merecia propostas por parte dos partidos da oposição. No entanto, no caso do PS, eram as associações de defesa dos consumidores que designavam uma pessoa; em relação à do PCP, não encontro entidades que pudessem representá-la, e em relação ao projecto dos Srs. Deputados Independentes, eram também as associações de defesa dos consumidores.
Pergunto: a opinião pública portuguesa ficaria devida e suficientemente representada apenas por estas entidades? Que entidades poderíamos somar a estas e com que representatividade relativa para, de facto, encontrar uma ou várias entidades que pudessem designar quem é, em Portugal, representante da opinião pública?
Seria muito difícil encontrar entidades suficientemente representativas da totalidade destes sectores e ainda mais difícil determinar a respectiva representatividade relativa. E isto já para não falar no facto de a própria Constituição consagrar «quatro entidades representativas, designadamente,» referindo depois três sectores, e do que é que poderia eventualmente acontecer a mais, para além de que podem existir entidades representativas desses sectores que representem simultaneamente mais de um.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós não aceitamos esta lógica aparente de que a independência, o rigor e a isenção com que esta entidade tem de funcionar são minimamente beliscadas pelas entidades que designam as pessoas que vão fazer parte deste órgão. Entendemos que a independência na actuação é um valor essencial que pode ser perfeitamente garantido, como é óbvio, por entidades designadas por aquelas que, por sua vez, designam aqueles que vão escolhê-las por cooptação.
A Administração Pública, nos termos da Constituição, está sujeita ao dever de imparcialidade. Mas será que o dever de imparcialidade da Administração Pública é minimamente beliscado pelo facto de ela depender hierarquicamente do Governo? Será que essa imparcialidade só poderia resultar, por exemplo, se os respectivos dirigentes fossem designados de uma outra forma? Isto não

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faz qualquer espécie de sentido! E a minha bancada rejeita completamento qualquer ideia de que o Governo e a Assembleia da República, que designam os membros que estão referidos no artigo 39.º da Constituição, os quais, por sua vez, por cooptação escolham os outros, sejam entidades que não sejam representativas dos Portugueses ou que o processo que por esta via é instituído não seja um processo democrático.
Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quero apenas referir que a minha bancada não vê qualquer razão para deixar que outros aproveitem esta ocasião para, eventualmente, emendar a posição que tomaram aquando da revisão constitucional.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, devo informar que o CDS cedeu, em bloco, o seu tempo ao PSD. Eis a razão por que o CDS tem zero e o PSD aumentou, em determinado momento, o tempo de que dispunha.
Antes de passarmos à discussão dos dois requerimentos de avocação do artigo 9.º, apresentados pelos PS, pelo PCP e pelos Srs. Deputados Alexandre Manuel e Marques Júnior, dou a palavra ao Sr. Deputado Alexandre Manuel.

O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Sr. Presidente, como não posso pedir esclarecimentos neste momento, quero, ao abrigo desta intervenção, fazer umas perguntas à Sr.ª Deputada Leonor Beleza.
É evidente que sei qual é o pensamento da Sr.ª Deputada, porque ele foi expresso suficientemente bem em sede da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

A Sr.ª Leonor Beleza (PSD): - Por acaso, não foi!

O Orador: - Neste caso, foi!
Sr.ª Deputada, estou de acordo com a sua argumentação. Posso ou não concordar com ela, mas é uma argumentação brilhante e lógica. Agora, quando diz que este método não representa toda a cultura nem toda a comunicação social concretamente, isso é que já arrasta alguma confusão. Será a cooptação que vai possibilitar a representação de toda a cultura, de toda a comunicação social?
Sr.ª Deputada, o que é preciso, neste caso, é que haja representatividade dessas áreas determinadas constitucionalmente.
É evidente que isto é uma questão de fundo, tem a ver com a revisão constitucional, que, neste ponto, foi mal feita.
A bancada do PSD não estaria disponível para aceitar um sistema mitigado, ou seja, uma espécie de colégio eleitoral onde fosse feita a cooptação? Esta solução seria importante. É preciso, de facto, dar dignidade a este órgão e uma solução destas poderia ajudar bastante a essa dignificação.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, muito rapidamente, tecer algumas considerações relativamente a um ponto que penso ser um dos mais importantes da própria revisão da Constituição. Ficaria mal com a minha consciência se neste debate não manifestasse, embora de uma forma singela, a minha grande preocupação.
No debate da revisão da Constituição, tive oportunidade, como outros deputados, de abordar esta questão através de uma intervenção que fiz e de vários pedidos de esclarecimento que coloquei às várias bancadas, nomeadamente em relação à composição da Alta Autoridade. É manifestamente evidente que a composição da Alta Autoridade resulta de um acordo entre o Partido Socialista e o PSD, que provavelmente tiveram de desbravar caminhos vários para chegarem a esta conclusão. Mas também é evidente - e isso foi manifesto aqui ao nível da revisão - que nenhum dos partidos estava suficientemente satisfeito com esta composição, porque ela encerrava em si dificuldades de ordem vária.
Uma das grandes dificuldades era precisamente a destes quatro representantes. Faria ao Sr. Deputado Jorge Lacão, a propósito de uma intervenção que então produziu, a seguinte pergunta: como é que o Sr. Deputado admite que sejam indicados os quatro representantes da comunicação social, da opinião pública e da cultura? É o Governo que vai indicar estes representantes ou haverá um processo electivo em relação a eles? É a comunicação social que os vai eleger através dos órgãos próprios específicos da comunicação social? São as organizações da cultura? Que organizações? Ou será pura e simplesmente o Governo que determinará que em representação da cultura é o elemento A e em representação da opinião pública o elemento B?
A resposta que tive da parte do Sr. Deputado Jorge Lacão foi uma resposta institucional: remeteu-me para a lei que hoje estamos aqui a aprovar. Ficou subjacente, pelo menos no meu espírito, que iria haver um esforço no sentido de que, nomeadamente no desenvolvimento deste acordo de revisão da Constituição, o PS e o PSD pudessem, pelo menos, entender-se de modo que estes quatro representantes pudessem, no mínimo, na proposta de lei que agora estamos a discutir, obter um consenso muito mais alargado do que simplesmente a maioria a votar a favor desta lei.
Permito-me, provavelmente sem nenhum sucesso -e não participei nos trabalhos da Comissão-, fazer um última apelo a que a Alta Autoridade para a Comunicação Social, que em si já tem tantos elementos passíveis da sua contestação, não fique ferida, e eu diria de morte, quanto à sua composição com um processo relativamente aos representantes da comunicação social, da opinião pública e da cultura.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Marques Júnior, o seu apelo ecoa no nosso apelo. Têmo-lo reiterado ao PSD - ainda há pouco o fiz - e estamos abertos a consensualizar uma solução. O Grupo Parlamentar do PSD que diga se também está de acordo.
Sr.ª Deputada Leonor Beleza, a sua intervenção foi clara, e da sua clareza resulta, em nossa opinião, que não tem razão e que esgrimiu com argumentos que demonstram mesmo a inconstitucionalidade da solução que o PSD defende. A Sr.ª Deputada escamoteou que a Alta Autoridade é, antes de mais, um órgão de garantia de direitos fundamentais no domínio da comunicação social. Nesse sentido, não pode ser entendido como um mero órgão de administração indirecta do Governo, como a Sr.ª Deputada quis fazer crer que ele seria, designadamente ao chamar-lhe órgão de tutela para a comunicação social.

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A Sr.ª Leonor Beleza (PSD): - Eu não disse isso!

O Orador:- Que não é, igualmente, um órgão representativo da sociedade civil foi o que a Sr.ª Deputada aqui também nos disse. Ou seja: onde a Constituição diz que elementos são representativos de áreas significativas da sociedade civil, a Sr.ª Deputada demonstrou-nos que onde se lê «representação» se deve ler o contrário disso. Pela nossa parte registámo-lo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero fazer uma brevíssima declaração, um pouco à laia de declaração de voto prévia.
O que hoje aqui somos chamados a votar é o verdadeiro Frankenstein desta revisão constitucional.

Vozes do PSD: - Oh!...

O Orador: - Na altura do processo de revisão batemo-nos por que se evitasse esta espécie de manipulação genético-constitucional que havia de dar este monstro, que hoje não sabemos bem como é que haveremos de aturar e suportar no nosso seio. Tivemos, durante anos, um Conselho de Comunicação Social que se portou à altura da missão que lhe foi conferida. Tivemos e ainda temos um Conselho de Imprensa do qual se pode dizer, pelo menos, o mesmo. É, pois, injusto que hoje nos preocupemos aqui com a sobrevivência do monstro, quando poucos estão preocupados com a sobrevivência daqueles órgãos que legitimamente, com qualidade, capacidade e responsabilidade, souberam lutar para nos garantir a liberdade de imprensa e a dignidade daqueles que trabalham na comunicação social.
Nesta medida, e em conformidade com o trabalho que desenvolvemos no processo de revisão constitucional para evitar que se criasse esta monstruosidade, a que agora não sabemos muito bem o que fazer, votaremos, obviamente, contra não só a existência desta Alta Autoridade, mas, sobretudo, contra o perfil que para ela aqui se está a desenhar.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Beleza.

A Sr.ª Leonor Beleza (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero responder a algumas das coisas que aqui foram ditas.
Antes de mais, quero referir o espírito de grande abertura com que o PSD trabalhou na comissão respectiva, ao aceitar inúmeras sugestões feitas por partidos da oposição.

O Sr. Ferreira de Campos (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Devo dizer que elenquei 13 sugestões desse tipo, que passo a referir, para que não se possa pensar que de alguma maneira não estivemos abertos a sugestões que entendêssemos correctas e adequadas à visão que temos do que deve ser a Alta Autoridade.
Em relação às atribuições desta entidade, aceitámos que ela assumisse as funções da comissão consultiva da rádio.
Aceitámos também, ainda em relação às suas atribuições, que ela se constituísse em garantia da independência e do pluralismo de cada órgão de comunicação social do sector público.
Quanto às competências, aceitámos que ela fizesse a classificação das publicações periódicas, apreciasse queixas sobre violação da lei neste domínio e exercesse funções relativas à publicação de sondagens. Aceitámos ainda que ela pudesse solicitar informações a todas as entidades públicas e não apenas ao Governo, como constava da proposta inicial.
No que respeita à nomeação de directores em situação de urgência, aceitámos que fosse dada à Alta Autoridade comunicação prévia da urgência na nomeação, quando eventualmente não se possa aguardar o período previsto na lei para esse efeito.
Em relação à recusa do direito de resposta, admitimos que fosse incluído um prazo para o recurso contra essa recusa.
No que toca ao dever de colaboração, aceitámos uma proposta no sentido de tornar claro um dever geral de colaboração de todas as entidades do sector de comunicação social e não apenas das entidades públicas.
Relativamente ao regime de perda do mandato, aceitámos que a violação do dever de segredo dos membros da Alta Autoridade só pudesse ter efeitos, em relação aos seus membros, depois de comprovada por decisão judicial.
Quanto aos deveres dos membros da Alta Autoridade, aceitámos precisar o conteúdo do dever de exercer o cargo com isenção, rigor e independência.
Em relação ao presidente da Alta Autoridade, aceitámos retirar o voto de qualidade que lhe estava inicialmente atribuído.
Quanto, finalmente, à publicidade dos actos, admitimos incluir um disposição que alargue a publicidade dos actos praticados pela Alta Autoridade.
Tivemos, portanto, uma grande abertura em relação às propostas que foram feitas pela oposição.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Deveriam é ter maior!

A Oradora: - Não aceitámos mais, Sr. Presidente, Srs. Deputados, dado o entendimento que temos do que é a Alta Autoridade e de quais são as respectivas funções.
Eu não disse que a Alta Autoridade não é um órgão de garantia de direitos, liberdades e garantias, de coisas que consideramos extremamente importantes. O que eu disse é que é uma criação do Estado, da Constituição e da lei, com funções atribuídas na Constituição e na lei, e não um organismo que represente a sociedade civil, por oposição - se quiserem - ao Governo e à Assembleia da República, aos órgãos do Estado.
O que acontece e que tentei explicar é que a formação de qualquer colégio eleitoral que, mais directa ou mais indirectamente, contribuísse para a designação destes membros encontraria dificuldades intransponíveis na selecção, extremamente difícil e já mais exaustiva, de todas as entidades que representam os sectores em causa e, sobretudo, na representatividade relativa de cada uma dessas entidades.
Foi por isso que rejeitámos o sistema que algumas vezes foi falado, por entendermos que ele não dava garantias suficientes de representatividade desses sectores. E - repito - a Constituição não diz que as entidades em

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causa são representadas ou que se trata de representantes dos sectores em causa. Fala de entidades representativas e, Srs. Presidente e Srs. Deputados, seria perfeitamente ridículo que o Governo, a Assembleia da República e os membros por eles designados não fossem capazes de encontrar, com todo o equilíbrio, entidades representativas desses sectores.
Foi exactamente pela natureza desta Alta Autoridade para a Comunicação Social que nos recusámos a aumentar muito as respectivas funções. E devo dizer que vejo com alguma dificuldade as propostas que foram repetidamente feitas no sentido de aumentar essas funções por quem quer pôr tantas dúvidas em relação à isenção de funcionamento da Alta Autoridade para a Comunicação Social.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Repito que a solução que adoptámos é aquela que consideramos razoável e realista. Outras seriam possíveis, mas nenhuma delas garantiria, da mesma maneira, o equilíbrio do que foi escolhido na revisão constitucional e não vemos qualquer razão, neste momento, para permitir que outros a emendem.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD não tem outra razão que não seja a razão da força. Mas não tem, seguramente, a forca de argumentos razoáveis. A Sr.ª Deputada Leonor Beleza acabou de fazer uma excelente demonstração disso mesmo.
Em primeiro lugar, e desde logo, acabou de demonstrar como era realmente péssima e mal confeccionada a proposta que o Governo aqui apresentou originariamente. Realmente, suámos bastante para que VV. Ex.ªs aceitassem, ao fim de longas horas de discussão, fazer essas emendas.
Permitam-me, no entanto, uma imagem: a proposta do Governo era o Frankenstein!... VV. Ex.ªs aceitaram mudar os óculos do Frankenstein, o casaco do Frankenstein, o relógio do Frankenstein, os anéis e a gravata do Frankenstein!... Mas a cara do Frankenstein, não!...
E podiam dizer: «Não, porque não, o Frankenstein é bonito! O vosso conceito de bonito é horrível, o horrível é bonito, o bonito é horrível! O nosso é assim, somos a maioria... até logo!...»
Podiam dizer isto, mas não dizem. Procuram argumentos, e os argumentos são péssimos.
Ó Sr.ª Deputada Leonor Beleza, então V. Ex.ª diz e é um sofisma, como sabe - ser impossível encontrar um método perfeito para conseguir desnatar, democrática, pluralisticamente, os bons representantes da cultura!...
O que é, de facto, a cultura? O rosto diáfano da Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia ou o rosto do monge beneditino de cenho carregado?... O que é a cultura? São os arqueólogos da Frechada, são os musicólogos, são os iconoclastas, até? O que é isso? Como é que encontraríamos nós uma boa solução para escolher o culto?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Íamos ao INES!...

O Orador: - Democraticamente, como? Onde encontrar o cineasta? Isto poderia continuar infinitamente, pois V. Ex.ª utiliza sempre o mesmo critério. Nenhum método democrático! Um bom escritor «cavaquista» é o expoente da cultura!... Será?... Não será?... Dúvida metafísica terrível... Não se pode encontrar!
Mas eu pergunto a V. Ex.ª, sofismaticamente: então e a maioria coopta-o? Isso é bom. Aí são eliminadas todas as dúvidas. A maioria coopta como quiser, escolhe o da SPA ou escolhe o da SPE, escolhe o do sindicato dos homens do teatro ou escolhe o do sindicato dos homens da calçada!... Mas coopta, opta e é bom!
As dificuldades todas que V. Ex.ª, com fina «relojoaria», elenca, essas dificuldades de carácter cultural, metafísico e filosófico, dissipam-se! A maioria coopta... logo, nada disso que V. Ex.ª elenca existe! Esfuma-se!... Puff... Desaparece!
Sr.ª Deputada, é puro sofisma e oculta a vontade que a maioria tem de impor uma solução governamentalizadora. O resto é lindíssimo, é poético. A hora é má para isso, mas é pura roupagem diáfana. Debaixo está o rosto horrível do Frankenstein.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Partido Ecologista Os Verdes cedeu um minuto ao CDS.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sem exemplo!

O Sr. Presidente: - Encontra-se também inscrita, para intervir imediatemente a seguir ao Sr. Deputado Nogueira de Brito, a Sr.ª Deputada Leonor Beleza.
Para uma intervenção, no minuto cedido pelo Partido Os Verdes, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Foi realmente trágico, Sr. Presidente. A Sr.ª Deputada Leonor Beleza está inscrita para me responder com tempo cedido pelo CDS e eu vou questioná-la em tempo que me foi cedido pelo Partido Os Verdes!...

Risos.

É um péssimo exemplo de gestão de tempos, mas tenho a impressão de que houve aqui um certo abuso da parte do PSD no cumprimento de um contrato que não está muito esclarecido.

Sr.ª Deputada Leonor Beleza, não posso deixar de colocar-lhe uma questão. V. Ex.ª tem insistido fortemente na natureza administrativa deste órgão, criação que já foi qualificada por outros deputados de várias formas - da Constituição, da lei- e, por isso mesmo impossivelmente, de instituição emanada da sociedade civil.
Ó Sr.ª Deputada Leonor Beleza, estou de acordo consigo! Simplesmente, é a própria lei e é a Constituição que lhe conferem um carácter de instituição ou órgão representativo da sociedade civil, isto é, de movimentos, de instituições, que são próprias da sociedade civil...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir a sua intervenção.

O Orador: -... ao dizer que ela tem de ser representativa da opinião pública, da comunicação social e da cultura. É a própria lei que a fez assim, que a fez representativa de movimentos ancorados na própria sociedade civil.

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O Sr. José Magalhães (PCP): - Permite-me uma interrupção, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Deputado Nogueira de Brito, permita-me esta interrupção por uma mera razão de oportunidade.
V. Ex.ª está de frente para a bancada dos jornalistas - o que não é o meu caso - e consegue observar o que se passa ali. Poderia dizer-me alguma coisa sobre o facto insólito de haver elementos policiais nessa tribuna?

O Orador: - Noto realmente, Sr. Deputado, que há uma certa agitação na bancada dos jornalistas, mas não consigo verificar...
Neste momento, os jornalistas presentes na bancada reservada à imprensa exibem cartazes com os dizeres «Liberdade de informação» e «Competências dos conselhos de redacção».

O Sr. Presidente: - Srs. Jornalistas, estão suficientemente habituados a viver nesta Casa para saberem que não são permitidas manifestações. Se não são permitidas manifestações para o público em geral ainda menos o são para quem está habituado a viver nesta Casa.
Solicito que retirem os cartazes, pois, caso contrário, terei necessariamente de solicitar que abandonem a bancada, o que não gostaria de fazer.
Neste momento, os jornalistas depositam os cartazes, de maneira visível, na bancada, que de seguida abandonam.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Antes de terminar pedia ao Sr. Deputado José Magalhães que, da próxima, em vez de tentar ver pelos meus olhos, que são capazes de não ser os mais adequados para lhe transmitir a informação que me pediu, procure voltar-se e ver pelos seus.
Sr.ª Deputada Leonor Beleza, gostaria também de saber se a sua preocupação é no sentido de evitar as dificuldades de encontrar um justo critério de representatividade ou de assegurar um certo domínio para este órgão? Mas que domínio? O domínio da maioria? O domínio do Governo?
Essa é uma regra democrática, não a nego, mas, efectivamente, não é isso que diz a Constituição e não é isso, definitivamente, o que deve querer a lei.

Aplausos do CDS e dos Srs. Deputados do PS Alberto Martins, António Guterres, Jorge Lacão e Arons de Carvalho.

O Sr. Presidente: -Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Beleza.

A Sr.ª Leonor Beleza (PSD): - Sr. Presidente, muito rapidamente e em relação a esta observação que acaba de ser feita do que diz a Constituição, lembro que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias aceitou, por unanimidade, a ideia de que a proposta do Governo, neste ponto, especificamente, era constitucional.
É evidente que cada um pode mudar de ideias ou colocar agora novas questões a esse respeito. É evidente que a Constituição diz que deve haver elementos representativos desses sectores, mas não diz como eles são designados, não diz que são elementos representantes, repito, e o que parece corripletamente inaceitável é que julguemos que o Governo, a Assembleia da República ou quem eles designem não sejam capazes de encontrar pessoas representativas desses sectores.
Quanto ao que aqui disse o Sr. Deputado José Magalhães, lembro-lhe apenas que em relação à cultura - dado que falou especificamente na cultura - o PCP propunha apenas que a cultura fosse, para esse efeito, a Sociedade Portuguesa de Autores.
Com todo o respeito que a Sociedade Portuguesa de Autores nos merece, é francamente pouco para ser a cultura portuguesa!
Em relação ao resto, apenas quero dizer uma coisa.
Se os deputados da maioria não tivessem aceitado coisa nenhuma do que a oposição sugeriu, era porque «não estávamos abertos às propostas». Como aceitámos muitas das propostas que a oposição fez, então, é porque, afinal, a proposta do Governo é que era má.
Limito-me a deixar-vos esta reflexão.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições para a apreciação dos requerimentos de avocação do artigo 9.º, apresentados pelo Partido Comunista Português e pelo Partido Socialista.
Não havendo objecções, vamos passar à sua votação conjunta.

Submetidos à votação, foram rejeitados, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e dos deputados independentes Carlos Macedo, João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, é para uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Em relação ao artigo que acaba de ser votado, gostaria de, em nome da minha bancada e do meu partido, assumir, perante a Câmara, um compromisso solene.
Caso este preceito não venha a ser declarado inconstitucional, como desejamos, assumimos o compromisso de que, assim que esta Câmara tiver a sua composição revista nas próximas eleições legislativas, tudo faremos - esperamos, até, contar com maioria para tal, mas também em diálogo com outros partidos e grupos parlamentares - para que a composição deste órgão seja alterada, para que seja devolvida à sociedade civil a sua autonomia,...

Uma voz do PS: - Muito bem!

O Orador: -... deixando de estar submetida a uma tutela intolerável do Estado.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Registamos a declaração feita pelo Sr. Deputado António Guterres, no que disse e no que não disse. O que não disse foi o que disse anteriormente e que foi que, se esta composição fosse aprovada, o Partido Socialista não apresentaria candidatos à lista de cinco elementos que têm de ser eleitos por esta Câmara.
Já estamos habituados a estas posições de recuo sucessivo.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, é para exercer o direito de defesa da honra e da consideração.

O Sr. Presidente: - É regimental, pelo que tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, em nome da bancada do PS quero significar que não há nenhuma contradição entre a declaração política que acaba de ser feita pelo líder do Grupo Parlamentar do Partido Socialista e as afirmações produzidas por mim próprio no âmbito da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Efectivamente, nessa sede, em diálogo com o Sr. Ministro da tutela, tive ocasião de lhe dizer que, se a composição deste órgão se mantivesse, o Grupo Parlamentar do PS não deixaria de ponderar se tomaria ou não a iniciativa de, na devida altura, apresentar elementos a concurso na Assembleia, para votação.
Essa mesma afirmação mantém-se de pé. Não deixaremos de ponderar a nossa posição.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Então, por que é que não decidiram já?

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue, se assim o desejar.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Muito obrigado, Sr. Presidente, mas a intervenção do Sr. Deputado Jorge Lacão deixa-me satisfeito.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão o requerimento de avocação do artigo 16.º, apresentado pelo Partido Comunista Português.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Presidente, nos termos das regras estabelecidas, não disponho de tempo para fazer a apresentação desta matéria, mas creio que seria, pelo menos, injusto que a Mesa não delimitasse o objecto deste requerimento de avocação.
Portanto, proponho que assim se proceda para se saber o que vai estar em votação.

O Sr. Presidente: - A Mesa considera preferível que seja o próprio Sr. Deputado José Magalhães a enunciar o requerimento de avocação.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta proposta tem como fundamento o facto de que a possibilidade de acumulação de cargos, com exercício em par-time do cargo de membro da Alta Autoridade para a Comunicação Social, em nosso entender, debilita as condições de autonomia dos titulares da função. Portanto, consideramos que a ocupação deveria ser exclusiva.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Beleza.

A Sr.ª Leonor Beleza (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apenas quero dizer que o meu partido não aceitou a explicitação apresentada pelo Sr. Deputado José Magalhães pelo simples facto de que a Lei n.º 9/90, publicada no dia l de Março, submete os membros da Alta Autoridade para a Comunicação Social ao mesmo regime de incompatibilidades dos titulares de cargos políticos e dos titulares de altos cargos públicos.
Na referida lei está previsto praticamente tudo o que o Partido Comunista pretendia, agora, consagrar por esta via.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Manuel.

O Sr. Alexandre Manuel (PRD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: É, exactamente, para dizer à Sr.ª Deputada Leonor Beleza que não está tudo previsto na lei a que se referiu.
De facto, a lei tem algumas falhas e, para se dar dignidade ao órgão Alta Autoridade, seria muito importante que ficasse consagrado o princípio da exclusividade. Caso contrário, parece-nos existir uma contradição em relação a tantas afirmações públicas que têm sido proferidas por membros da bancada do PSD e do próprio Governo, segundo as quais se torna urgente conferir dignidade aos órgãos políticos. Ora, este é precisamente um desses casos.
É que, realmente, parecerá pouco curial que uma pessoa trabalhe lá em part-time -«vou ali escrever um artigo e volto já...»- ou, entre uma passagem pelo escritório, tome decisões que envolvem milhões, julgue da independência das rádios, ou opine sobre a atribuição de frequências.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Beleza.

A Sr.ª Leonor Beleza (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Lamento imenso que o Sr. Deputado Alexandre Manuel não conheça a Lei n.º 9/90.
E que, de facto, se a conhecesse em pormenor, veria que as ocupações em simultâneo a que está a referir-se são proibidas por esta lei. Na verdade, trata-se do mesmo regime a que os ministros estão submetidos.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Manuel.

O Sr. Alexandre Manuel (PRD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é verdade o que afirma a Sr.ª Deputada Leonor Beleza.
Há determinados cargos que podem ser ocupados cumulativamente, o que, de facto, é mau.
Faça o favor de ver a lei, Sr.ª Deputada.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Como refere o artigo 16.º, n.º 6.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se não houver mais inscrições, vamos votar.

Pausa.

O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Sr. Presidente, é para uma intervenção.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Sr.ª Deputada Leonor Beleza, gostaria de chamar-lhe a atenção para o artigo 16.º, n.º 3, desta proposta de lei. Aí se diz que «membros da Alta Autoridade, quando não tenham qualquer acumulação com cargo ou função pública».
Ora, se isto não é possível, acabe-se com este artigo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Claro!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Beleza.

A Sr.ª Leonor Beleza (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, o que acontece é que há um lapso.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ah! Há um lapso!

A Oradora: - Há um lapso, o que acontece a qualquer um.
É que aquela referência não deveria lá constar porque, de facto, na outra parte, a lei submete os membros da Alta Autoridade para a Comunicação Social ao mesmo regime a que estão submetidos os ministros.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sugiro que, para corrigir esse lapso a que alude a Sr.ª Deputada Leonor Beleza, se vote favoravelmente o requerimento de avocação proposto pelo PCP a fim de se proceder à correcção.
É que essa será a única forma de o fazer e, caso contrário, em comissão de redacção não há possibilidade.
Srs. Deputados, por favor, não vamos repetir a «brincadeira» da lei das privatizações!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que já dispusemos do tempo necessário para reflexão e, portanto, vamos votar.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, é para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): -Sr. Presidente, para obstar a alguns comentários que aqui foram feitos por outras bancadas, o artigo 16.º foi votado por unanimidade em sede de comissão, portanto, é manifestamente uma incongruência. Penso que em sede de comissão de redacção pode ser resolvido.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, para interpelar a Mesa no sentido de saber se, tanto quanto consigo perceber, é entendimento da bancada do PSD que a redacção correcta do n.º 3 do artigo que está a ser citado -o artigo 16.º- deve referir apenas isto: «Os membros da Alia Autoridade beneficiam das seguintes garantias:», seguindo-se diversas alíneas, de a ) a e).
Será assim, Sr. Presidente? É que, se for assim, nós retiramos o requerimento de avocação e tem de se dar por corrigido o texto que incorpora o parágrafo ou o inciso com o seguinte teor: «Quando não tenham qualquer acumulação com cargo ou função pública ou privada», não deve constar do texto, deve considerar-se expurgado ou eliminado. É este o entendimento?

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - É assim!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Se for este o entendimento, Sr. Presidente, retiramos o requerimento. Mas só assim...

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - É!

O Sr. Presidente: - Para ficar bem no registo, é esse o entendimento e, assim, o PCP retira o seu requerimento de avocação.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Para ficar inteiramente no registo, declaro que retiramos.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): -Ou então, fica como está!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Manuel.

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O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Sr. Presidente, era bom que fosse lido o artigo tal e qual cie vai ficar, caso contrário...

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Todo!?...

O Orador: - Não, não, só o n.º 3, tirando as alíneas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, para evitar dificuldades adicionais, pedia ao Sr. Secretário o favor de ler a parte relevante.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes):- Trata-se do n.º 3 do artigo 16.º, que fica com a seguinte redacção: «Os membros da Alta Autoridade beneficiam das seguintes garantias:», seguindo-se depois as alíneas que constam do próprio texto.

O Sr. Presidente: - Estamos todos esclarecidos.
O próximo requerimento de avocação que vamos apreciar é relativo ao artigo 21.º e foi apresentado pelo PCP.
Não há inscrições?
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estamos a concluir este debate sem a presença de qualquer jornalista na bancada da imprensa, o que é um facto significativo...

Protestos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É significativo, é!...

O Orador: - Como dizia, é um facto extremamente insólito aquele que lhe deu origem, mas, para além de insólito, é verdadeiramente significativo.
A Alta Autoridade para a Comunicação Social, com a natureza e composição que irão ser aprovadas provavelmente, mas com os votos contrários do PCP, é incompatível com o estatuto de órgão independente que na segunda revisão constitucional, apesar das soluções defeituosas e governamenializantes então adoptadas, lhe foi atribuído.
A lei que hoje será aprovada para a Alta Autoridade extravasa o texto constitucional no sentido da governamentalização, retira ilações, ao arrepio da Constituição, no sentido da limitação dos direitos dos jornalistas e da liquidação dos mecanismos independentes de fiscalização da actividade da imprensa e significa o assalto do governo PSD e da ordem laranja a um sector de crucial importância democrática como é a comunicação social.
A adopção do mecanismo da cooptação dos membros da Alta Autoridade representativos da comunicação social, da opinião pública e da cultura pelos restantes membros designados pelo Governo e eleitos pela Assembleia da República põe definitivamente em crise a independência que constitucionalmente deveria ser atribulo da Alta Autoridade, e torna-os representativos, não da cultura, não da comunicação social, não da opinião pública, mas apenas de si mesmos e da maioria governamentalizada que os irá eleger.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De entre as más soluções hoje aprovadas, assumem particular gravidade a extinção do Conselho de Imprensa e o direito dos conselhos de redacção em aprovar a nomeação dos directores e chefias de redacção dos respectivos Órgãos de comunicação social.
São soluções que a Constituição não impõe nem sequer pressupõe. Nada no texto constitucional indicia, antes pelo contrário, quaisquer novas limitações aos direitos dos jornalistas.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A extinção do Conselho de Imprensa, com uma experiência de IS anos, prestigiada em Portugal e no estrangeiro, para além de representar a tendência para a monopolização dos mecanismos fiscalizadores da comunicação social num órgão dependente como a Alta Autoridade que com esta lei se configura, representa ainda a criação de um vazio de competências de fiscalização em matéria deontológica, até agora decorrentes das atribuições do Conselho de Imprensa e só exercitáveis por um órgão com a sua natureza.
Apesar de, por propostas e empenhamento do PCP, se ter conseguido colmatar algumas lacunas a este nível, atribuindo à Alta Autoridade a competência para a classificação das publicações periódicas, não se resolve a dimensão dos problemas que a extinção do Conselho de Imprensa irá suscitar no futuro.
A lei que hoje será aprovada define mal e irresponsavelmente todo um conjunto de competências e poderes, podendo vir a criar espaços de arbítrio e cómodos fechar de olhos perante a selva mediática que caracteriza os anos 90.
Em síntese, a Alta Autoridade, tal como fica configurada na presente lei. significa uma porta aberta ao arbítrio e à governamentalização da actividade da comunicação social e dos mecanismos da sua fiscalização. Tal configuração contou e conta com a oposição do PCP, que não deixará de se bater pelo exercício livre e democrático de, uma actividade crucial como é a da comunicação social.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está a ser feita uma correcção dos tempos devido a transferências. Três minutos do Partido Ecologista Os Verdes para o PCP e cinco minutos do Governo para o PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva, para uma intervenção.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): -Sr. Presidente, é apenas para dizer que o PCP não tem a menor razão nesta proposta, pois ela é extremamente perigosa, porque introduz uma diferença de estatuto entre os membros da Alta Autoridade perfeitamente inconcebível, de constitucionalidade duvidosa e perfeitamente aberrante, dada a disponibilidade desta entidade. Curiosamente, era aos cooptados que o PCP pretendia dar um estatuto maior, em relação aos restantes membros.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Aos cooptados na sua visão...!

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições para a apreciação do requerimento de avocação relativo ao artigo 21.º, pelo que vamos votar.

Submetido â votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do deputado independente Carlos Macedo, votos a favor do PCP, de Os Verdes e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro e abstenções do PS, do PRD e do CDS.

Srs. Deputados, passamos agora à discussão do requerimento de avocação do artigo 25.º-A. («Recurso dos actos da Alta Autoridade para a Comunicação Social)» apresentado pelo PCP.
Não há inscrições, Srs. Deputados?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apelava a uma reflexão serena sobre este artigo e sobre este tema.
A Sr.ª Deputada Leonor Beleza mil vezes já pronunciou o termo «autoridade administrativa» para qualificar a Alta Autoridade. Aliás, tem razão: é uma autoridade administrativa independente... pelo menos deveria sê-lo, se fosse escrupulosamente cumprida a receita constitucional.

Vozes do PSD: - É! Disse muito bem!

O Orador: - Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se é uma autoridade administrativa, então não sobeja nenhuma dúvida de que tem de caber recurso dos actos administrativos que ela pratica! Mas recurso para onde? Os Srs. Deputados não especificam a entidade, sendo isso susceptível de bloquear a reacção contra actos ilegais da Alta Autoridade.
Se é isso que VV. Ex.ªs desejam, confessem-no! No entanto, se não é isso que desejam, sejamos capazes de prever qual é a exacta entidade para a qual caiba recurso dos actos administrativos. É este o momento, e apelamos para que isso seja feito.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Beleza.

A Sr.ª Leonor Beleza (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado José Magalhães disse que não sobejavam dúvidas de que esta entidade praticava actos administrativos. Ora, é precisamente porque não sobejam dúvidas sobre isso que não vemos nenhuma utilidade em acrescentar este artigo.
Na verdade, ele só teria um efeito útil, que seria limitar ao Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa a possibilidade de julgar este tipo de acções. De qualquer modo, não vejo nenhuma razão para tirar ao Porto e a Coimbra e aos respectivos tribunais administrativos, de acordo com as regras gerais que regulam estas acções, esta intervenção, assim como não vejo nenhuma razão para privilegiar exclusivamente o pessoal de Lisboa, nomeadamente os seus advogados, em relação a estas acções.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições no que concerne ao requerimento de avocação do artigo 25.º-A, apresentado pelo PCP, vamos passar à sua votação.

Submetido â votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e dos deputados independentes Carlos Macedo, João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

Srs. Deputados, vamos passar agora ao requerimento de avocação do artigo 27.º, sobre o qual recaem dois requerimentos de avocação apresentados pelo PS e pelo PCP.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra para uma intervenção, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma palavra apenas, para que ela não deixe de ser pronunciada, em relação à decisão infundada, injustíssima e premeditada de extinguir o Conselho de Imprensa.
Trata-se de um conselhicídio absolutamente inaceitável, feito em relação a um órgão com uma esplêndida tradição histórica e com o vezo de criar espaços em branco na fiscalização para que possa crescer e florescer na selva mediática toda a espécie de produtos.
O desejo do PSD é o de que isso possa começar, neste momento, como início do processo de revisão da Lei de Imprensa e como anúncio de outros elementos limitativos da liberdade de imprensa e de informação em Portugal. Trata-se de um péssimo começo, que começa com uma morte para abrir caminho a limitações da liberdade. É, portanto, princípio de liberticídio!
Aqui fica pois o nosso protesto e também o nosso combate até ao fim dos fins!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ocorre que também nesta matéria estamos centrados sobre uma das questões mais sensíveis da proposta governamental. Trata-se de, cumulativamente, pretender a extinção do Conselho de Imprensa e de diminuir significativamente os direitos participativos dos jornalistas no âmbito dos órgãos de comunicação social.
Quanto à primeira questão, lembramo-nos aqui como em vários momentos, designadamente pela voz do CDS, se pretendeu constitucionalizar o Conselho de Imprensa, com o argumento de que este órgão desempenhou no nosso país, ao longo de muitos anos, uma verdadeira magistratura moral, propiciando a criação de um ambiente ético no domínio da informação no nosso país.
Assim, um órgão autenticamente pluralista na sua composição, com assento de muitas entidades detentoras de um papel relevante no domínio da imprensa, vai agora ser extinto pela intenção expressa da maioria governamental em liquidar, afinal, uma entidade que muito tem

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contribuído para reflectir os problemas e a ética da informação no nosso país.
Do ponto de vista da economia dos meios, não penso que Portugal ganhe grande coisa com esta medida económica. No entanto, seguramente perde ao impedir a continuação de vigência de um órgão que foi autenticamente interlocutor para uma área onde os problemas éticos estão permanentemente na ordem do dia.
No que concerne à outra vertente do problema, a última revisão constitucional veio acentuar, e bem, o reforço do papel dos jornalistas nos órgãos de comunicação social, designadamente conferindo aos jornalistas o direito a participarem na orientação editorial desses órgãos de informação, fossem do sector público ou do sector privado.
Porém, simultaneamente, a Constituição manteve a consagração do direito de os jornalistas elegerem conselhos de redacção. Só que, com esta medida, vão agora retirar-se atribuições significativas aos conselhos de redacção. Daí a pergunta: que sentido faz que os jornalistas possam eleger conselhos de redacção se depois esses conselhos não possuem atribuições e competências capazes de justificar os direitos participativos dos jornalistas?
Em matéria de estatuto fundamental dos jornalistas, é aqui também que se dá um verdadeiro golpe na sua capacidade de manter a independência e de fazerem prosseguir nos órgãos de comunicação social em que trabalham as condições da independência, do rigor e do pluralismo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é também uma razão, e séria, pela qual não podemos, de maneira nenhuma, estar de acordo quanto às intenções verdadeiramente distintivas que a maioria governamental aqui mais uma vez nos deixa.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se mais razões não houvesse, as razões que foram aqui explicitadas pelo Sr. Deputado Jorge Lacão dariam ao Grupo Parlamentar do PSD a garantia suficiente de que a sociedade civil dará cabal resposta àquilo que é o desiderato final do PSD em relação a um Conselho de Imprensa.
Disse-o e repito-o aqui: não há razão nenhuma para que Portuga] seja um país original nesta matéria, tendo um Conselho de Imprensa de origem estadual. E V. Ex.ª, Sr. Deputado Jorge Lacão, há-de pelo menos reconhecer que, quando o PS foi incessantemente solicitado a dar exemplos de países com situações similares, o exemplo que deu foi - e é verdadeiro - a índia!...
Sr. Deputado Jorge Lacão, quanto à questão do Conselho de Imprensa, penso que a vossa argumentação é frouxa. Nós acreditamos, de facto, na sociedade civil, a nossa lógica e a nossa coerência estão exactamente aqui, sendo que a sociedade civil não precisa da chancela do Diário da República para ter um órgão com legitimidade nesta matéria.
A segunda questão que o Sr. Deputado colocou diz respeito à revogação da alínea a) do artigo 22.º da Lei de Imprensa.
Há uma promessa solene que quero fazer aqui: não está em marcha qualquer revisão da Lei de Imprensa. E na revogação desta alínea a) está, apenas, em causa uma questão simples, qual seja a de dar ao director de um jornal a liberdade de constituir a sua equipa. Caso contrário, e penso que isso seria inaceitável, estaríamos - permitam-me a imagem - como que a obrigar um treinador de futebol a aceitar a equipa contratada pelo presidente do clube!...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Só!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, vamos passar à votação de dois requerimentos de avocação relativos ao artigo 27.º e que, por serem idênticos, serão votados em conjunto.

Submetidos à votação, foram rejeitados, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e dos deputados independentes Carlos Macedo, João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

Srs. Deputados, em resultado desta votação, vamos proceder à votação final global do texto provindo da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e relativo à proposta de lei n.º 126/V, que regula as atribuições, orgânica e funcionamento da Alta Autoridade para a Comunicação Social.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e votos contra do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e dos deputados independentes Carlos Macedo, João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, se me permite, gostaria de informar que tanto eu como o Sr. Deputado Raul Castro vamos apresentar, na Mesa, uma declaração de voto escrita.

O Sr. Presidente: - Está anotado, Sr. Deputado.

Srs. Deputados, de acordo com o combinado, vamos continuar os nossos trabalhos, retomando a discussão, conjunta e na generalidade, do projecto de lei n.º 451/V e da proposta de lei n.º 130/V.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Pinto.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de lei que hoje aqui discutimos representa para nós, deputados do PSD, um dos pontos mais altos desta sessão legislativa.
Com esta proposta, damos cumprimento a mais uma promessa que fizemos ao povo português, continuando assim, independentemente das vontades das oposições, a responder à razão de estar nesta Casa, que mais não é do que respeitar integralmente os compromissos que estabelecemos com o eleitorado.
Para nós, esta lei não é feita por condicionalismos de ordem tecnológica. Para nós, esta lei não é feita apenas porque no mundo moderno já não existe nenhuma situação paralela com a nossa.
Não fazemos parte dos homens que só percebem as mudanças da história quando elas nos batem à porta.
Não fazemos parte dos políticos que, ainda ontem, consideravam que a abertura da televisão à iniciativa privada era um mal que tinha de ser protelado pelo maior

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tempo possível e que, quando verificam já não ser possível adiar mais, porque sabem que o PSD e o seu Governo darão cumprimento integral às promessas que fizeram, se põem em bicos de pés procurando ganhar o combate numa área que, quando puderam, tudo fizeram para impedir.
Srs. Deputados, o povo português sabe quem não permitiu que esta proposta de lei tivesse sido possível há muito mais tempo, assim como sabe que só a estabilidade que o PSD representa a tornou numa realidade.
Esta proposta de lei não representa, para nós, uma posição de hoje; faz parte do património do Partido Social-Democrata e foi razão de luta, e de luta muito dura, para homens como Francisco Sá Carneiro, Pinto Balsemão, Mota Pinto e muitos outros.
Esta proposta de lei é o reconhecimento de que, em política, mais importante do que as jogadas oportunistas para caçar alguns votos, importa manter a coerência das nossas posições.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Olha quem fala!

O Orador: - Esta proposta de lei representa, antes de mais e fundamentalmente, o reconhecimento que o PSD dá aos diferentes agentes da sociedade civil, considerando-os o motor do desenvolvimento do País.
É uma proposta que não tem medo e, muito menos, vergonha dos diversos protagonistas sociais; muito pelo contrário, incentiva a sua participação, reconhecendo as especificidades de cada um, o seu papel passado e presente, ao mesmo tempo que reconhece, também nesta área, a falência de um modelo excessivamente interventor por parte do Estado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador:- Esta proposta de lei constitui, sem dúvida, uma ruptura clara com a ideia socialista de que ao Estado compete definir, controlar e planificar uma parte substancial da vida dos cidadãos; esta proposta de lei é a garantia da independência e da pluralidade da informação, única maneira de se responder a essa crescente exigência dos nossos tempos com rigor e transparência.
O confronto com a modernidade, nesta sociedade da informação, passa também por aqui, por fornecer aos cidadãos a possibilidade de acesso a uma diversificada informação de qualidade, que constitua fonte de valorização de cada um e permita a cada qual formular juízos informados, isto é, não manipulados.
Num mundo em profundas mutações, restrições à produção televisiva, como as que temos vivido, podem constituir autênticas perversões democráticas.
Mas não só a intenção e o objectivo político desta proposta são claros: também o seu conteúdo e a sua formulação obedecem a requisitos precisos.
É uma proposta que permite a utilização dos meios tecnológicos mais avançados; que define bem o exercício da actividade; que permite uma cobertura eficaz; que realça as exigências da programação; que defende os interesses portugueses em detrimento dos estrangeiros; que limita o controlo das empresas a criar através da sua estrutura de participações.
É, em suma, uma proposta que se aproxima muito do que de mais moderno se produz nos países mais desenvolvidos.
Sendo, como já disse, uma proposta com todos os requisitos que atrás enunciei, não deixa, contudo, de ser uma proposta balizada pelo actual quadro constitucional, com todas as limitações que o mesmo impõe e que têm dificultado o encontrar de uma solução que permita ao PSD e ao Governo responder, de forma cabal, aos compromissos que assumiu, nomeadamente face à Igreja Católica.
Que não haja dúvidas sobre este ponto, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo: o PSD quer reconhecer o espaço próprio da Igreja Católica! E das propostas em discussão apenas a do Governo prevê essa possibilidade expressa.
A solução aí proposta é uma; outras poderão ser apresentadas com idêntico propósito.
Esperamos que, em sede de comissão, seja possível, com a contribuição de todos, melhorar o texto apresentado, para o que, desde já anunciamos, iremos tomar iniciativas na especialidade.
A complexidade desta matéria obriga a que a sua reflexão apenas se esgote aquando da discussão final, obrigando todos a uma atitude ponderada e reflectida.
Custe a quem custar, é o PSD que, através da iniciativa do seu Governo e da reflexão do Grupo Parlamentar Social-Democrata, concretiza mais esta grande reforma e dá resposta aos compromissos eleitorais.
Estamos, com modéstia, abertos aos contributos que possam melhorar o texto ora proposto, mas com fundado orgulho de sermos os protagonistas de mais uma reforma que o País reclamava e o sentido da nossa responsabilidade não permite adiar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.

O Sr. Armando Vara (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Começarei por referir um aspecto da proposta de lei que tem sido, de certa forma, passado por alto ao longo do debate, o que me deixa algo espantado, confesso, na medida em que isso, por um lado, tem muito a ver com a forma como o Governo vem encarando uma série de questões relacionadas com pequenos lobbies -se me permitem a expressão - e, por outro lado, na medida em que acaba por ter em conta aquilo que vem sendo considerado como os grandes lobbies nacionais.
Ao longo de todo o debate travado sobre a privatização da televisão e a abertura de canais de televisão à iniciativa privada perpassou, a dada altura, a ideia de que o Governo estaria na disposição de abrir canais de televisão regionais à iniciativa privada ou a empresas que quisessem explorar esses canais de televisão.
Contudo, verificámos que o Governo apresentou, essencialmente, dois conjuntos de razões para não dar mão dessa pretensão, que começa a ser generalizada ao longo do País. Por um lado, o Governo argumenta dizendo que não há espaço no espectro radioeléctrico, o que não permitiria que houvesse canais locais e regionais de televisão. Assim sendo, haveria uma opção a fazer, isto é, ou há canais nacionais ou canais regionais - as duas coisas não!
Gostaria de saber em que estudos é que o Governo se fundamenta para dizer que não há espaço no espectro radioeléctrico que permita a existência de canais, no-

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meadamente de canais regionais. Aliás, não me admiro nada se no futuro o Governo vier a fazer, em relação aos canais regionais de televisão, um pouco mais daquilo que fez em relação aos canais regionais de rádio, ou seja, autorizar um a norte e outro a sul do Tejo, pelo que não me espantaria se, no futuro, o Governo autorizasse um a norte do Minho e outro a sul do Guadiana, de forma que não houvesse instalações de televisão privada dentro do território nacional...
O segundo grande argumento defendido pelo Governo é, no meu ponto de vista, mais grave, porque todas as pessoas que defenderam, em nome do Governo e do grupo parlamentar da maioria, a tese da não existência de canais regionais ou locais, fundamentaram-se no princípio de que não havia ao nível das regiões do País meios financeiros capazes de gerar empresas sólidas e mercado publicitário que permitisse às empresas viverem por si.
Do meu ponto de vista, este é um argumento ainda mais grave, na medida em o Governo, que faz jus da defesa da livre iniciativa e da iniciativa privada, põe como que um travão a uma iniciativa que teria por base o papel dinamizador das entidades privadas, dizendo que as empresas não se aguentariam, que não haveria capitais, que não haveria mercado. De certa forma, isto é uma posição restrita, fechada, quando o natural seria que se deixasse à iniciativa privada o risco de intervir quando muito bem entendesse.
No fundo, o que está em causa é, mais uma vez, aquela velha tentação centralizadora de que este Governo vem dando conta e que, de certa forma, tem enfermado e travado o desenvolvimento do nosso país. De facto, essa posição é muito mais fácil, perante aquilo que é o instrumento poderoso e de comando da comunicação social - aliás, vários oradores já referiram aqui o papel e a importância da televisão na formação, na informação e também, por que não?, na manipulação...
Vendo o País a partir de Bragança -e isso dá logo uma ideia contrária à que têm a maioria das pessoas, que vêem o País a partir de Lisboa, o que são perspectivas diferentes-, eu diria que o que está em causa é essa velha tentação centralizadora e manipuladora do Governo, uma vez que, em termos de investimento, tanto custará montar um canal de televisão para emitir na região de Lisboa como para emitir para todo o País.
Nestas circunstâncias, não deixa de ser estranho que, com base nestes dois argumentos -e um deles contraria aquilo que têm sido a política e os princípios gerais defendidos pelo Governo-, o Executivo não abra essa iniciativa aos pequenos lobbies locais e regionais, uma vez que já abriu essa iniciativa aos grandes lobbies nacionais e não teve quaisquer problemas - aliás, aí está a lei para que eles se possam exprimir.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se ainda para intervir os Srs. Deputados Rui Silva e Rui Machete, que encerrará o debate.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, olhando o hemiciclo, creio que todos poderemos objectivamente comprovar que não se encontram reunidas as condições para que qualquer deputado use decentemente da palavra, pela simples razão de que já não há quórum para tal.
Nestas circunstâncias, sugiro, Sr. Presidente, que não se produzisse a insistência perante uma tão grande evidência, perdoe-me a rima.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que poderemos fazer uma pequena pausa por forma que os deputados que não estão presentes possam vir para a Sala.

Pausa.

Srs. Deputados, penso que estamos em condições de prosseguir o debate.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Debatemos hoje uma matéria que se reveste da maior importância pelos reflexos que manifestamente se projectam na nossa vida colectiva.
As duas iniciativas legislativas, postas à nossa consideração e julgamento, visam, por formas diversas, aprovar o regime de exercício e de actividade da radiotelevisão.
Diríamos que o seu impacte e alcance são irrefutáveis, pois o seu objecto e conteúdo têm sérias implicações na sociedade. Já em 1938, quando a televisão dava os primeiros passos, ainda cautelosos e inseguros, White afirmava: «Acredito que a televisão será o teste do mundo moderno. Nesta nova oportunidade de vermos além do alcance da nossa visão e de descobrir uma nova e insuspeitável perturbação da paz ou um brilho redentor no céu, a televisão manter-nos-á de pé ou, estou certo, derrubar-nos-á.»
Não é, pois, por acaso que se multiplicam os apetites pelo domínio de tão decisivo meio de comunicação social, seja pela forma de formação ou de informação, pela tentativa de influência política, religiosa ou cultural, seja, ainda, pela conquista de influência económica e social.
Temos vivido, desde a criação da televisão em Portugal, sob o espectro da influência do poder reinante, que a tem manipulado a seu bel-prazer, para benefício dos interesses dos seus fautores e agentes, num desprezo preocupante pela inteligência e dignidade da maioria dos cidadãos.
Aqui não temos dúvidas em afirmar que, por formas subtis e bem calculadas ou por meios canhestros e até ofensivos, tudo quanto tem sido poder no nosso país tem feito tudo o que pode, e não devia, para fins, no mínimo, discutíveis.
Por outro lado, os monopólios, sejam eles de que natureza forem, são campo fértil para a instalação da inércia, da ausência de criatividade, de inovação e de mudança. É natural que, salvo alguns sectores com decrescente significado e representatividade, se generalize o desejo da possibilidade de abertura da televisão à iniciativa privada, de tal modo que essa matéria constitui hoje um largo consenso na sociedade portuguesa.
Este fenómeno decorre, aliás, de princípios de filosofia política subjacente a uma sociedade de democracia pluralista como a nossa e de realidades de uma evolução tecnológica imparável, que faz que a televisão, cada vez

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mais, ultrapasse as fronteiras, de modo que não seja possível a qualquer país, sem um regime repressivo, impor uma única televisão do Estado.
Se é verdade que o monopólio estatal da televisão é um princípio insustentável, tão ou mais insustentável seria uma liberalização selvagem, do domínio de um meio tão poderoso como a televisão, pelos grupos económicos, pelo poder político ou por grupos de pressão, permitindo-se a proliferação desordenada e indisciplinada de emissores de televisão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O PRD defende, neste domínio, uma abertura à iniciativa privada feita no respeito pelos princípios e valores democráticos, indiscutíveis, tendo em conta o interesse público, a realidade nacional e o respeito pela empresa pública concessionária da televisão, que, em nosso entendimento, deverá ser preservada e que poderá valorizar-se através da salutar e leal concorrência que, como se pretende, terá efeitos profundos na actividade futura.
Um problema candente coloca-se quanto ao licenciamento às confissões religiosas. O Governo, no artigo 9.º da proposta de lei, anuncia que, no decurso de um regulamento a elaborar, poderá fixar-se, num dos novos canais a licenciar, um período de emissão especial destinado à Igreja Católica e demais confissões religiosas, lembrando princípios que identifiquem o concorrente com diversos valores da sociedade portuguesa, da sua maior representatividade na comunidade nacional, bem como a manifesta capacidade do concorrente para satisfazer os interesses do público.
Entretanto, desde que se anunciou esta intenção governamental, têm-se multiplicado as formas de pressão de vários sectores da Igreja Católica, designadamente da Conferência Episcopal Portuguesa, criticando a solução, que julgam mitigada, desejando ir mais além no usufruto do espaço televisivo.
Tais posições, ao que sabemos, encontraram já eco no seio do grupo parlamentar da maioria, onde um número significativo de deputados iniciou um processo de pressão junto do Governo para que este vá ao encontro da vontade da hierarquia da Igreja Católica e do conselho de administração da sua empresa de radiodifusão, a Rádio Renascença.
Compreendemos os pressupostos que enformam a posição da Igreja, que pretende estar na televisão em espírito de emissão e de serviço, anunciando-se «como dinâmica, aberta e dialogante, numa atitude de permanente serviço à comunidade».
Não esquecemos o papel determinante, e quase exclusivo, da Igreja em determinadas épocas, nos domínios da assistência e do ensino, embora hoje tenha uma dimensão supletiva.
Temos em conta o papel da Rádio Renascença na comunicação social. No entanto, é a contragosto que constatamos que a Rádio Renascença, que constitui, inegavelmente, um espaço qualificado de radiodifusão, não se distingue substancialmente dos seus concorrentes, quer pelo uso e abuso da publicidade quer pela sua programação, onde não se evidenciam os princípios cristãos anunciados como principal objectivo da sua acção. É, pois, com legítima reserva que, para além de outras, não vemos razões fundadas para a concessão de um canal de televisão à Igreja no todo ou em parte, que seria - e lamentamos dizê-lo- a expressão televisiva da Rádio Renascença.
Contudo, não podemos concordar com as perspectivas que se abrem, muito menos com as pressões da hierarquia da Igreja e dos responsáveis da Rádio Renascença, pois entendemos que deverá ser atribuído às confissões religiosas públicas, notoriamente reconhecidas e implantadas no nosso país, um tempo semanal de emissão a distribuir segundo o seu grau de representatividade para a divulgação e prossecução exclusiva dos seus valores e objectivos espirituais.
Entendemos que ir mais além neste processo, pesem embora todos os benefícios enunciados, será a subversão dos princípios da independência e de pluralismo da informação.
Julgamos que haverá formas diversificadas e eficazes de fazer impregnar a mensagem cristã no tecido social português e de influenciar a comunidade através de todos os seus membros, sacerdotes ou leigos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Retomando as afirmações iniciais, lembramos que o processo, ora encetado de forma determinante, deve ter em conta contribuições diversificadas e deve ser conduzido com as cautelas necessárias para que sejam respeitados os princípios essenciais que devem reger tão importante domínio da comunicação social.

Aplausos do PRD e do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Macheie.

O Sr. Rui Macheie (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Devo dizer, como abertura, que este debate marca de uma maneira significativa o que é a importância do Parlamento como espaço de análise, de discussão e de decisão política.
Quando o Partido Socialista e o Governo apresentaram os seus respectivos projectos de diploma, para cumprimento daquilo que a Constituição permitiu, isto é, a propriedade privada em relação à televisão, gerou-se naturalmente uma grande expectativa e não faltaram vozes que de algum modo criticaram de antemão as soluções propostas, julgando que o Governo faria funcionar, em termos cegos, a lei da maioria e que, portanto, a discussão se tornaria inútil.
Penso que é importante sublinhar que a forma como o Governo aqui hoje defendeu a sua proposta, a maneira clara como significou que se tratava de um contributo pensado e importante, mas naturalmente aberto a todas as outras contribuições, e sobretudo sujeito à dialéctica da discussão e do convencimento, são uma prova muito significativa e importante de que a democracia em Portugal está robustecida, está viva e actuante.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não vou, naturalmente, debruçar-me sobre os problemas que já foram oportunamente dilucidados pelos meus colegas de bancada, tanto mais que, infelizmente, a hora tardia a que podemos prosseguir o debate não aconselha a grandes floreados, mas, pelo contrário, impõe que sejamos áticos.
Gostaria, por isso, de quase em termos telegráficos sublinhar alguns pontos que reputo particularmente importantes e sobretudo, dentro desta óptica, dar uma con-

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tribuição livre dentro das convicções sociais-democráticas, que são as convicções do partido a que pertenço, para que se chegue a um resultado positivo.
A primeira observação é a de que importa de uma maneira clara separar águas. Foi dito aqui, numa intervenção, aliás, brilhante, do Sr. Deputado Arons de Carvalho, que o Partido Social-Democrata tinha feito uma evolução - o que é verdade! - e que o Partido Socialista também - ele acabou por reconhecer isso!... Mas o ponto fundamental, Srs. Deputados, é o de saber em que ponto estamos a propósito da evolução de cada um.
Julgo que uma das características que mais nitidamente divide o Partido Social-Democrata do Partido Socialista diz respeito ao entendimento do papel do Estado e à importância da sociedade civil. E, digamo-lo sem subterfúgios, nesta matéria, como, aliás, na das privatizações, evidenciam-se bem as diferenças, e diferenças legítimas: para o Partido Socialista há uma convicção profunda de que a imparcialidade da comunicação social, as garantias do pluralismo têm de ser fundamentalmente dadas se preservarmos a propriedade pública dos meios de comunicação social.
Há uma condescendência -e foi como condescendência que isso foi apresentado no debate sobre a revisão constitucional, tal como no debate que aqui fizémos - em relação à evolução técnica e, porventura, talvez não seja completamento mau admitir algum tipo de iniciativa privada.
Mas a principiologia que domina nesta matéria é esta: aquilo que o Estado faz é bom por natureza - pode, aqui ou além, haver uma pequena deformação-, mas aquilo que cabe à iniciativa privada, em princípio, está ferido de um pecado original que pode ser redimido através da demonstração dos resultados positivos que eventualmente venha a ter. Esta é uma diferença extremamente importante, que, aliás, é uma diferença importante no pensamento contemporâneo, e que eu gostaria aqui de sublinhar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Sócrates (PS): - Tem mais de 50 anos!

O Orador: - Tem mais de 50 anos, mas hoje é actual na maneira em que está conformada, Sr. Deputado.
Eu estou a fazer uma afirmação que reputo séria, V. Ex.ª poderá naturalmente contraditar-me, mas, se puder evitar apartes que não têm em consideração a importância do problema, eu agradeço-lhe.
Quanto à questão que agora me proponho abordar, ela - e justamente pela limitação de tempo que tenho - diz respeito fundamentalmente ao problema da atribuição ou não atribuição, e em que termos deve ser feita, de privilégios - como foi dito-, ou de prioridades ou da importância com que a Constituição, efectivamente, trata a questão dos meios de comunicação social às confissões religiosas e, em particular e naturalmente, como avulta neste país, à Igreja Católica.
Não é segredo para ninguém que a minha posição pública - e quero sublinhar que o meu partido não fez qualquer pressão (pelo contrário, está aberto ao debate) para que eu a exprima e, naturalmente, o estar aberto ao debate significa que todas as soluções dentro de um determinado quadro são possíveis, senão isso seria falsear a questão e instrumentalizar os oradores...! -, não é segredo para ninguém, dizia eu, que a solução que o Governo preconizou, e que é uma solução que procura resolver o problema, e procura de boa-fé, é uma solução que me suscita algumas dificuldades. Qual é a solução que o Governo tem?
O Governo tem a solução de dizer: bem... temos um serviço público de televisão em dois canais, temos dois canais que vão ser atribuídos, nos termos constitucionais, por licenciamento, e é neles que vamos dar a relevância às confissões religiosas, submetendo-as a um concurso especial, que, pelas características que lhe são atribuídas, permite facilmente antever os seus resultados.
Penso que esta solução é uma solução que, embora eu compreenda que tenha sido procurada com interesse, tem um problema importante por detrás, que foi já sublinhado pelo Sr. Ministro Adjunto e da Juventude. E esse problema é o de que nós não podemos esquecer que nesta nova era que se abre à televisão é importante resolver questões de ordem financeira, existindo uma ideia - que aplaudo, embora não seja uma ideia que tenha de resolver todos os problemas-, que é a da eliminação das taxas.
Portanto, no entendimento do Governo isto significa um passo, e um passo significativo. E, já agora, permitam-me, para fazer justiça, dizer, em comparação com esta, qual é a solução que o Partido Socialista dá ao problema: é a solução da omissão, o que considero uma omissão inconstitucional.
Prosseguindo na análise, por que é que julgo que esta posição é superior à do Partido Socialista? Porque o Partido Socialista entende que a Igreja Católica deve concorrer como outra qualquer se quiser ter um canal ou, então, deve confinar-se a uma coisa que concebe basicamente como um direito de antena, eventualmente alargado, mas que é um direito de antena de prédica, é uma direito de antena de transmissão religiosa.
Portanto, eu diria - e penso que é de sublinhar isto, porque é de justiça - que a posição do Governo faz jus à posição de predominância, do ponto de vista sociológico e cultural, que tem a Igreja Católica e, sobretudo - e eu gostava de sublinhar isto-, faz jus ao artigo 41.º, n.º 5, da Constituição. Não penso é que faça jus inteiramente, e daí a minha crítica!
Há um problema técnico de inconstitucionalidade na proposta, visto que, numa matéria de direitos fundamentais, ela não pode ser regulada por via de uma resolução do Conselho de Ministros. Mas, deixando este aspecto, que naturalmente sempre teria de ser retocado, o que julgo importante sublinhar é que se interpretarmos correctamente o artigo 41.º, n.º 5, da Constituição, artigo que já foi aqui várias vezes lido, ele significa claramente uma afirmação positiva, e daí o facto de o Sr. Deputado e meu amigo Sottomayor Cardia, quando põe o problema da liberdade, o põe apenas numa das dimensões da matéria, isto é, na parte negativa, não o põe pela positiva... Infelizmente, o adiantado da hora e o facto de ele já não estar aqui presente não permitem discutir esta questão em profundidade, mas teremos oportunidade de voltar ao assunto noutro dia.
Portanto, dizia eu, o Governo submete a um concurso; e a minha ideia, a minha posição é a de que, justamente em função do artigo 41.º, n.º 5, da Constituição, a solução correcta é uma destas: ou - o que naturalmente cria problemas de outra ordem - se atribui à Igreja Católica e às outras confissões religiosas, em proporção da sua representatividade, um canal privado, mas não a título de concurso, não a título, digamos, da regulamentação que

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é dada no artigo 38.º, n.º 7, mas por via do artigo 41.º, n.º S, e esta é uma solução; ou se adopta a outra solução, que é a mais lógica, que é a mais normal, e que é a de um canal público - e naturalmente no segundo canal - vir, ou por considerar que 6 um aspecto de relevância e de serviço público ou por considerar que não sendo um serviço público, de qualquer modo, tem uma relevância pública, atribuir esse espaço de emissão à Igreja Católica.
Parece-me que só assim é que se dá a devida importância a algo que instituímos no artigo 41.º da Constituição, artigo que está lá por alguma razão e que, porventura, por alguma razão também, não se encontra em outras Constituições.
Portanto, quando me dizem: isso não existe noutros países, eu respondo: mas, meus caros senhores, nós fizemos uma Constituição própria, fizemos uma opção clara, e não é reduzindo as confissões religiosas à sacristia ou a aspectos, pura e exclusivamente, de carácter, como eu lhe dizia, de culto religioso ou de prédica que fazemos jus àquilo que aí está escrito de uma maneira inequívoca.
Penso que já não tenho muito tempo, mas gostaria de referir ainda um ponto ou dois.
É claro que eu não desconheço que estas matérias carecem de ser analisadas, discutidas. São matérias delicadas, complexas, que impõem opções filosófico-políticas extremamente sérias.
Mas são matérias que também tem relevo económico; por exemplo, o problemas, eliminação das taxas é uma decisão que deve ser ponderada, embora eu presuma que seja importante não desconhecer que hoje os réditos resultantes da publicidade do segundo canal, suponho, são da ordem dos S % ou dos 8 % em relação aos réditos totais...
Enfim, são tudo matérias que têm de ser discutidas e também, naturalmente, importará - e eu compreendo isso - considerar que há limites àquilo que pode ser atribuído às confissões religiosas e que elas lerão de fazer sacrifícios de ordem financeira se não quiser, digamos, permitir que se financiem pela via da publicidade.
Aliás, a outra palavra que eu vos queria dizer era em matéria de publicidade.
É, a meu ver, farisaico - e temos de o entender de uma maneira clara - pensar que é possível financiar uma actividade televisiva por uma via que não seja uma de duas: ou é o Estado que financia por via do Orçamento do Estado ou é-o pela via da publicidade. De outro modo querer dar um canal, querer atribuir relevância, e depois considerar que, do ponto de vista instrumental, que é aquilo que é a publicidade, se fica proibido de fazê-lo, então é melhor dizer-se que se pretende esmagar, afogar, do ponto de vista económico, essa possibilidade de atribuição de um canal a uma confissão religiosa.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Muito mais haveria a dizer, mas, como são 22 horas e 17 minutos, fico por aqui.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições.
O Sr. Deputado Rui Machete não tem tempo para responder, mas quem tiver tempo disponível pode fazer os seus pedidos de esclarecimento.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, devo dizer, interpelando a Mesa, que creio que o Sr. Deputado Rui Macheie vai dispor de tempo para esse efeito.
Neste momento vejo sinais de bancada do Governo de que poderá dispor de tempo governamental.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Nós não precisamos de tempo do Governo!

O Orador: - Por outro lado, ainda que lhe falecesse esse tempo, outro se haveria de inventar!...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, chegou à Mesa a informação de que o Governo cedia tempo ao Sr. Deputado Rui Machete.
Estão inscritos para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados José Magalhães, Jorge Lacão, Alexandre Manuel e Marques Júnior.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Rui Macheie: Creio que existe, de facto, muito boa vontade da parte de V. Ex.ª ao qualificar como exemplar o debate, particularmente na fase em que teve de intervir nele!...
Exige, de facto, alguma disciplina parlamentar - mas também não andamos cá para outra coisa - usar da palavra em tais circunstâncias, só que isso não abona, naturalmente, a forma como uma questão desta natureza, desta importância, deve estar a ser discutida, naquele que é (qualificado por V. Ex.ª) um centro importante de reflexão, de decisão, etc. Portanto, não estamos a trabalhar nas melhores condições.
E sublinho que o Sr. Deputado Rui Machete proeurou adoptar aquilo a que eu chamaria uma aproximação relativista, que é sempre creditada por alguma humildade no encarar dos factos. Isso, devo dizer, parece-me muito positivo, porque contrasta muito com a posição de fogo em todos os azimutes com que o Governo aqui entrou, no princípio da tarde, e com que dali disparou um dos Srs. Deputados do PSD que mais fogosamente discreteou sobre esta matéria.
De facto, em matéria de TV todos fizeram uma evolução, e é isto que tem de ser dito.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Também o PCP.

O Orador: - É óbvio, Sr. Deputado! Aliás, até já ficou exarado no Diário em que termos. Mais: o nosso sentido de voto em relação às propostas até distinguirá, muito claramente, a proposta governamental e o projecto do Partido Socialista, como aqui abundantemente foi fundamentado pelos meus camaradas, no primeiro debate havido, António Filipe e, agora, José Manuel Mendes. E de tal modo assim foi que até o Sr. Deputado Silva Marques conseguiu aperceber-se disso.

Risos do PS.

O que sucede é que o Governo nos traz um mau produto. E eu pergunto ao Sr. Deputado Rui Machete se é capaz de dizer muito francamente, sendo jurista e tendo feito a exegese da proposta, quando é que poderá haver televisão privada em Portugal por este mecanismo. É que

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a proposta devolve para o Governo a definição de opções fundamentais, fulcrais em relação a, praticamente, tudo o que é relevante para se fazer esse prognóstico. Nesta matéria, o poder do Conselho de Ministros é, em bom rigor, superior ao da Assembleia da República - isto é uma aberração, não pode ser!
V. Ex.ª sabe que esta matéria é de reserva da Assembleia da República e não se pode deferir para o Governo e dizer: imaginem como é o concurso; imaginem como é o regime das infra-estruturas; imaginem como é que é o regime do uso dos arquivos dos audiovisuais nacionais; imaginem como é o regime da TV local e da TV regional, etc.. Isso não pode ser!
A proposta de lei, desse ponto de vista, é, de facto, antitransparente; é, de facto, não uma lei quadro, mas uma lei buraco, o que é diferente, como V. Ex.ª, que é jurista, sabe!
Em segundo lugar, o que nos divide não é o problema da maldade do Estado, porque eu sou absolutamente incapaz de dizer que aquela TV do Estado, «do Moniz», é boa... Ela é do Estado, mas sendo do Estado é do Sr. Moniz, e sendo do Sr. Moniz é péssima, porque é a TV do Telejornal, é a TV laranja, é a TV com a qual os senhores se sentem intimamente relacionados, identificados; é do Estado, do Estado laranja; é péssima! E nós somos contra isso! Mais: até proponho que o Sr. Deputado subscreva algumas propostas que morigerem essa péssima televisão desse péssimo Estado!... Nesse campo, por exemplo, há algumas sugestões do PS curiosas, interessantes, e nós também estamos disponíveis para morigerar esse péssimo Estado. Portanto, Sr. Deputado, está a ver como somos antiestatistas quando o Estado é péssimo!...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Parem!

O Orador: - Não é isso que nos divide. O que nos divide é, desde logo, a Alta Autoridade!
Sr. Deputado Rui Machete, pergunto-lhe como é que os licenciamentos podem ser isentos se a Alta Autoridade não é isenta e tem aquela pérfida composição de que falámos durante larga parte do nosso tempo!?
Este é o primeiro aspecto em que estamos muito divididos, e felizmente!...
Outro aspecto em que estamos divididos: como é que é possível que o Governo venha aqui e nos diga: «Resolvam os senhores o caso. Nós assumimos uns compromissos...» E é indecente fazer o que fez um dos Srs. Deputados do PSD, que foi utilizar a técnica da camisola laranja, isto é, dizer: «Nós carregámos a bandeira. Nós nunca nos alienámos... Podia ter sido antecipado o futuro, nós antecipamos o futuro» - parece um anúncio de sabões -, etc.
Isso é falso! Os senhores não antecipam coisa alguma... Neste momento nem sequer se sabe quando é que são capazes de prever o futuro da TV privada, e isso está nas vossas mãos! Portanto, VV. Ex.ªs não antecipam coisa alguma, não dizem coisa alguma!
Mas em matéria de espaço televisivo para confissões religiosas, então aí, é uma coisa surrealista: VV. Ex.ªs vão para umas jornadas e saem com um texto; V. Ex.ª, Sr. Deputado Rui Macheie, vai para a televisão e diz que o artigo 9.º, n.º 2, desse texto é inconstitucional, e chega-se aqui e o Governo diz-nos que a sua proposta é esta mas que se não se arranjar outra a culpa é nossa!... Isto é, os senhores invertem tudo! São aventureiros e fazem compromissos que a Constituição não corrobora; depois envolvem-se em complicações com a hierarquia da Igreja Católica e não sabem como hão-de recuar, finalmente, depositam «essa criança» nos braços da oposição e dizem: baptizem-na! Só que nós não a baptizamos!
Como é que V. Ex.ª, Sr. Deputado Rui Machete, sai disso, em termos constitucionais, face à regra do concurso público? Como é que V. Ex.ª, face à regra do concurso público, consegue isentar este tipo de uso da televisão da regra do concurso público? De jurista para jurista é esta a pergunta que lhe deixo.

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado Rui Machete responderá no fim, para pedir esclarecimentos, em tempo cedido pelo PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Agradeço ao Partido Comunista a gentileza da cedência do tempo, permitindo-me assim dizer ao Sr. Deputado Rui Machete que, em minha opinião, a sua intervenção revelou alguns apriorismos, sobretudo quando se reportou à actual posição do PS e do PSD, em matéria de relacionamento e de compreensão do papel do Estado e da sociedade civil.
Ficou bem patente no debate sobre a Alta Autoridade para a Comunicação Social quem acredita na dinâmica da sociedade civil e quem suspeita desse dinamismo.
Mesmo em relação à proposta de lei sobre o exercício da actividade de radiotelevisão, gostaria de esclarecer o Sr. Deputado Rui Machete de que no projecto de lei do PS se prevê que o serviço público de televisão, o tal que está constitucionalizado, possa ter um modelo social de gestão com a participação das entidades da sociedade civil. Também isto o seu partido e o Governo continuam a rejeitar.
Mas a questão que, neste momento, gostaria de colocar-lhe é outra. Quem ouviu com atenção, como foi o meu caso, a intervenção do Sr. Deputado Rui Machete concluiu que também hoje ela foi uma intervenção de oposição ao Governo e à sua proposta. As palmas que a sua bancada - e, evidentemente, não discuto a legitimidade dessas palmas - entendeu ministrar à sua intervenção estabelecem na bancada do PSD uma contradição: ou estão de acordo com a sua intervenção que é contra a proposta do Governo ou, então, essas palmas foram meramente formais. Gostaria que V. Ex.ª esclarecesse esta minha dúvida.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, para quem tem o entendimento de que o que prevalece na Constituição é o artigo 38.º, o do princípio geral do concurso público - e é esta a posição do PS -, a questão está esclarecida.
Para quem tem o entendimento, como é o caso do Sr. Deputado Rui Machete, de que o que deve prevalecer é o efeito do n.º 5 do artigo 41.º, resulta que a solução do Governo é completamento abstrusa.
E quando o Sr. Deputado Rui Machete diz, e bem, que a Igreja Católica tem - e todos lhe reconhecemos - uma verdadeira predominância sociológica e cultural na sociedade portuguesa, é chocante verificar que, no quadro das soluções apresentadas pelo Governo, se tenha para com a Igreja Católica - permitam-me a expressão - a desfaçatez de obrigá-la a ter de negociar, previamente, com entidades privadas, subordinando-se, ainda por cima,

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a um concurso público sem qualquer autonomia, mas integrado numa lógica de consórcio com outras entidades. Se alguém contínua a tratar mal a dignidade que à Igreja Católica deveria ser conferida, esse alguém não são os grupos parlamentares da oposição, mas é, manifestamente, o Governo com a solução que apresenta. Penso que, de alguma maneira, foi isto o que o Sr. Deputado Rui Macheie quis dizer.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Manuel.

O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Embora não disponha de muito tempo para intervir neste debate, gostaria de dizer que o Sr. Deputado Rui Machete trouxe a esta Câmara questões muito importantes que, em meu entender, deveriam merecer ser tratadas com mais tempo e em hora mais adequada.
Sr. Deputado Rui Machete, sou levado a concordar com V. Ex.ª quando defende que deve ser atribuído à Igreja um dos canais do serviço público, por exemplo o segundo canal.
Mas, agora, pergunto: como é que se vai fazer a exploração da publicidade? Muito sinceramente, Sr. Deputado, penso que esta é que é a questão de fundo. Devo dizer que discordo da leitura, no sentido positivo, que V. Ex.ª faz do n.º S do artigo 41.º, pois o que lá diz é que a Igreja não pode ser impedida de utilizar os meios de comunicação social. De facto, a Igreja Católica não tem utilizado iodos os meios à sua disposição; bem pelo contrário, tem apenas utilizado aqueles que lhe convém e na dimensão que lhe convém.
Por outro lado, Sr. Deputado Rui Machete, gostaria de colocar-lhe a mesma questão que, há pouco, coloquei ao Sr. Ministro Couto dos Santos. Sr. Deputado, se esta concessão for feita à Igreja Católica, vamos ver o Sr. Cardeal Patriarca transformado em presidente do conselho de administração de uma sociedade? Ou esta concessão é feita à Rádio Renascença?
É bom que esta questão fique muito clara, para não continuarmos a laborar em erro. Se a concessão é feita à Rádio Renascença, tudo é diferente, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marques Júnior, V. Ex.ª inscreveu-se para intervir, mas não dispõe de tempo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, o PCP cede um minuto ao PRD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, em tempo cedido pelo PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Agradeço ao Partido Comunista o tempo que me cedeu, dando-me a oportunidade de colocar ao Sr. Deputado Rui Macheie uma questão muito breve que tem também a ver com a concessão de um canal de televisão à Igreja.
A propósito desta questão, não posso deixar de fazer um pequeno comentário: ainda se fosse para dar um canal a Deus! A Jesus Cristo! Agora à Igreja?! Nas condições que já foram aqui referenciadas...
Sr. Deputado Rui Machete, gostaria de colocar-lhe uma questão que, em minha opinião, tem sido uma mistificação.
Sr. Deputado, a Igreja possui ou não o direito constitucional de ter acesso a um canal de televisão, público ou privado? Pensa o Sr. Deputado que através da leitura do n.º 5 do artigo 41.º a Constituição garante à Igreja que o Estado lhe ceda - e não é através de um concurso público-, ou melhor, obriga o Estado a ceder, de uma ou de outra forma, à Igreja um canal de televisão ou, pura e simplesmente, proíbe que o Estado impeça as igrejas de terem os seus meios privativos por efeito das suas actividades próprias?
Para mim, que não sou jurista, esta questão é muito importante. Já hoje foi aqui dito que, desde 1976, este preceito constitucional exigiria ser cumprido -e o Estado não o tem cumprido-, ou seja, o Estado deveria atribuir à Igreja o canal a que ela tem direito.
É assim que o Sr. Deputado Rui Machete interpreta o n.º 5 do artigo 41.º?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Srs. Deputados, começo por agradecer as perguntas que me foram feitas, apesar da hora tardia.
Em relação ao Sr. Deputado José Magalhães, diria, primeiro num tom um pouco jocoso, que V. Ex.ª me surpreende, porque, como sabe, o Estado, na vossa interpretação - suponho que ainda não a abandonaram -, é um instrumento ao serviço da classe dominante.
V. Ex.ª reconhece que a classe dominante é laranja, mas quando for de outra cor, irão dizer que é por ser de outra cor. Não percebo qual é a vossa crítica! Se fosse verdade o que o Sr. Deputado diz, só estava a verificar-se a aplicação da doutrina... isto é, o êxito do marxismo-leninismo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ah!

O Orador: - Porquê espantar-se? Porquê espantar-se?! Enfim, estamos em época revisionista e congratulo-me com isso. É uma manifestação de inteligência, todos evoluímos - diz V. Ex.ª -, e, neste caso, trata-se de uma manifestação de inteligência.
Em segundo lugar - e agora mais a sério -, quanto à questão do concurso público, julgo que na minha intervenção fui muito claro, pelo menos tentei ser. Mas V. Ex.ª quer dizer que a ideia expressa no artigo 41.º, n.º S, não vale nada e que, portanto, tal como qualquer empresa capitalista, as entidades que representam confissões religiosas, isto é, que traduzem, do ponto de vista organizatório, confissões religiosas têm de concorrer lado a lado com as entidades capitalistas? Essa ideia - salvo o devido respeito - não tem qualquer sentido, Sr. Deputado José Magalhães. Não levo o capitalismo tão longe!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Permite-me que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Deputado Rui Machete, a sua linha de raciocínio tem este pequeno problema: na vigência do texto não revisto da Constitui-

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cão era proibido o acesso de entidades não públicas ao exercício de actividades televisivas. O artigo 41.º, como V. Ex.ª sabe, não foi revisto, não sofreu qualquer revisão, mas, em contrapartida, quebrou-se o monopólio público de actividades televisivas e vem dizer-se que haverá acesso mediante concurso público. A articulação e a interpretação sistemática dos artigos 38.º e 41.º resultam neste produto...

O Orador: - Peço desculpa por interrompê-lo, mas gostaria de saber se o tempo que está a utilizar está a ser descontado no seu partido?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, estou a intervir no tempo do seu partido, mas ceder-lhe-ei todo o tempo que gastar. Eis como é feito um negócio justo e lícito em termos parlamentares!...

Risos.

Da concatenação entre os actuais artigos 38.º e 41.º resulta que o acesso das entidades religiosas previstas no artigo 41.º a actividades previstas no artigo 38.º tem de respeitar as regras do artigo 38.º Qual é a regra basilar e essencial do artigo 38.º que estabelecemos na revisão constitucional? É a regra do concurso público. Aliás, não é por outra coisa que há jurisconsultos que chamam a atenção -designadamente o Prof. Doutor Jorge Miranda- para isso mesmo ao sublinharem que se pretender obter canais próprios sem quaisquer condicionamentos específicos deverão entrar, por imperativo do princípio da igualdade, no concurso público previsto na Constituição, embora na apresentação das suas eventuais candidaturas devam relevar factores económicos e técnicos, factores culturais e espirituais. Se não for assim, estaremos perante uma outra figura.

O Orador: - É isso mesmo, estaremos perante outra figura!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas, na sua opinião, que figura? Como é que a compatibiliza com a Constituição?

O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães (e aproveito para responder também ao Sr. Deputado Jorge Lacão), em primeiro lugar, o seu argumento da evolução histórica da Constituição não me impressiona porque continuo a pensar como já pensava (e disse-o nesta Câmara) que, mesmo antes da abertura da televisão à iniciativa privada e à propriedade privada, esta solução já era possível, e era-o justamente por essas razões. E que a atribuição do título de concessão fundamenta-se no artigo 41.º, n.º 5, e não nos artigos 37.º ou 38.º, n.º 7, da Constituição (não é o problema da licença). Não é um direito de antena, contrariamente ao que aqui foi dito, mas, sim, a expressão, nos meios de comunicação social, das confissões religiosas - é, aliás, aquilo que resulta da Constituição.
Quanto às questões levantadas pelo Sr. Deputado Jorge Lacão direi que há aspectos muito actuais na atitude do PS, por exemplo em matéria de privatizações. Não segui com a atenção suficiente todos os pormenores do debate aqui travado (li as propostas), mas devo dizer que não subscrevo inteiramente a sua posição quanto à Alta Autoridade, embora a crítica seja livre - e eu também tenho algumas críticas a fazer.
Mas a questão essencial, sob o ponto de vista filosófico, Sr. Deputado Jorge Lacão, é esta: o PS (e eu compreendo) tem uma posição de princípio em matéria de comunicação social. Isso foi expresso de uma maneira inequívoca e brilhante na revisão constitucional pelo Sr. Deputado Almeida Santos, meu querido amigo, que o disse de um modo muito claro, e foi analisado até ao pormenor. Mas não é só aí, pois em matéria de privatizações passou-se o mesmo. E legítimo. A não ser que o PS queira agora dizer que «não senhor», e que privilegia sempre a sociedade civil em relação ao Estado. Este seria um socialismo assaz singular!... Se já a social-democracia está a evoluir, então o socialismo evoluiu enormemente. Mas, enfim, tudo é possível.
Em relação à questão que me coloca em matéria de concurso, a minha resposta é igual à que dei ao Sr. Deputado José Magalhães. Para mim, o título resulta da relevância peculiaríssima que as confissões religiosas têm na Constituição e que lhes dá essa possibilidade. E não se trata, ao contrário do que disse o Sr. Deputado Marques Júnior, de ser impedido. O que se diz é que «é garantida a liberdade de ensino de qualquer religião praticado no âmbito da respectiva confissão, bem como a utilização de meios de comunicação social próprios para o prosseguimento das suas actividades».
Trata-se, pois, de uma questão diferente. O problema (e voltarei, daqui a pouco, atrás), Sr. Deputado Marques Júnior, é que o espaço radioeléctrico é limitado, portanto há que encontrar uma solução. Quer dizer, se fosse o ar - que, em princípio, não é um bem económico (salvo quando estamos no fundo do mar e num escafandro) -, o problema não tinha importância. Mas, como o espaço radioeléctrico é limitado, isso já tem toda a importância, Sr. Deputado Marques Júnior. E não se trata de impedir o acesso porque impedindo-se o acesso, se concederem quatro, não há um quinto; ou, se houver um quinto, não há um sexto. Portanto, o problema não pode ser o de impedir o acesso porque não é um espaço livre; é um problema de garantir um acesso que é o que diz a Constituição!
Assim sendo, ou V. Ex.ª tem um título autónomo ou, então, remete para um concurso em que, efectivamente, nada o deve distinguir de outras entidades.
O Sr. Deputado Alexandre Manuel (a quem também já esclareci, ao dizer que a leitura e a terminologia correctas da Constituição não é «não pode ser impedido») coloca um problema que é, a meu ver, importante acerca da Rádio Renascença. Vamos ser claros: a Igreja Católica - como qualquer outra confissão, como os protestantes - tem fórmulas organizatórias e tem formas de as traduzirem na realidade sociológica. Que V. Ex.ª tenha, eventualmente, uma posição negativa e gravame em relação à Rádio Renascença, pode ser importante e até pode levar a condicionar as ideias, a melhor solução, nesse capítulo. Mas V. Ex.ª compreenderá que há uma visão redutora das confissões religiosas quando se vêem apenas as confissões religiosas reconduzidas ao clero, aos padres na missa, no altar. Isso não é assim. Essa é uma visão que vejo muito enraizada na sociedade portuguesa - talvez se trate de uma sequela ainda remanescente do «setembrismo», mesmo quando as pessoas já não se recordam disso-, mas que não é, a meu ver, aquela que deve ser a perspectiva de uma sociedade aberta e pluralista.

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V. Ex.ª interroga-me sobre se não haverá alguns riscos de clericalismo em Portugal. É natural que existam e devem ser cuidadosamente ponderados, como há riscos de anticlericalismo. Devemos ser uma sociedade aberta, uma sociedade democrática, onde os assuntos devem ser colocados e discutidos.
E, já agora, Sr. Deputado José Magalhães, gostaria de explicar o meu regozijo de há pouco (apesar do tardio da hora e das condições não muito apropriadas do debate). É que discutir estes problemas nesta Câmara, com serenidade, e fazê-lo de forma como o temos vindo a fazer é uma demonstração de maturidade da democracia.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encerrado este debate, informo que amanhã a nossa sessão começará às 10 horas, com uma sessão de perguntas ao Governo.

Está encerrada a sessão.

Eram 22 horas e 40 minutos.

Declarações de voto enviadas à Mesa para publicação e relativas, respectivamente, ao voto n.º 134/V, ao projecto de deliberação n.º 30/V e à proposta de lei n.º 126/V.

O Grupo Parlamentar do PS votou favoravelmente o voto de protesto apresentado pela Subcomissão para a Igualdade de Direitos e Participação das Mulheres por considerar inadmissível a recusa de agendamento para o Dia Mundial da Mulher dos diplomas relativos às mulheres, apresentados pelos partidos da oposição.
O PS lamenta o teor de algumas intervenções de deputados do PSD e repudia energicamente afirmações que ousaram classificar de «brincadeira» e de «lastimável situação» um acto a que as deputadas signatárias desejariam ter visto revestido da maior dignidade.

Os Deputados do PS: Elisa Damião-Edite Estrela, Carlos Luís-Sottomayor Cardia - Edmundo Pedro.

A criação de grupos de amizade entre parlamentares portugueses e parlamentares de outros países, destinados a fortalecer o respectivo relacionamento, corresponde, mais do que a uma necessidade, a um anseio sentido por todos nós. Neste aspecto verificou-se a total unanimidade de opiniões.
Onde as opiniões divergiram foi a respeito do quadro legal para a criação e funcionamento destes grupos de amizade. Deviam eles ser constituídos em total ou quase total discricionariedade, com pouca ou nenhuma intervenção dos órgãos da Assembleia da República, designadamente do seu Presidente? Devia ou não ser assegurado p pluralismo no seu seio? A partir de quando se deveriam considerar constituídos os grupos de amizade? Qual o número mínimo de seus membros? Deviam ou não ser os grupos de amizade abertos a novas inscrições? Devia ou não exigir-se a reciprocidade?
Foram estes, entre outros, os problemas que longamente foram debatidos em sede de comissão, mas em relação aos quais foi possível encontrar soluções equilibradas, constantes do articulado do projecto aprovado.
Estas soluções foram aprovadas por unanimidade, com a única excepção de quatro números do artigo 2.º, em que a aprovação se verificou por maioria. Importa, no entanto, sublinhar que, mesmo quanto a estes, só houve votos contra relativamente do n.º 6, que prevê a constituição dos grupos de amizade através de uma assembleia constituinte dos próprios.
Como resulta do disposto nos diferentes números do artigo 2.º, o processo de constituição dos grupos de amizade começa por um requerimento dirigido ao Presidente da Assembleia da República, subscrito por um mínimo de 25 deputados e acompanhado de um projecto de estatutos. Publicado esse projecto no Diário da Assembleia da República, correrá um prazo de um mês dentro do qual qualquer deputado poderá requerer a sua admissão no grupo. Terminado esse prazo, o Presidente da Assembleia da República fixará uma data para a assembleia constitutiva do grupo, que aprovará os seus estatutos e elegerá os órgãos directivos.
A razão desta regra é simples de compreender: qualquer sociedade ou organização é normalmente criada de uma assembleia constitutiva em que os fundadores declaram a sua vontade de proceder a esta constituição. E é precisamente isto que se prevê nesta regra do n.º 6, artigo 2.º, que, incompreensivelmente, não foi aprovada pelo PCP, pelo PS e pelo deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Deputado do PSD, António Maria Pereira.

O Grupo Parlamentar do PSD votou favoravelmente a proposta de lei n.º 126/V, que regula as atribuições, orgânica e funcionamento da Alta Autoridade para a Comunicação Social, impondo-se-lhe, porém, face a questões suscitadas no debate na generalidade e na especialidade, consignar, através da presente declaração de voto, o seguinte:
1) O PSD, no seu projecto de revisão constitucional, apontava, em coerência com a sua filosofia política, para soluções liberalizadoras também na área da comunicação social, reconhecendo-lhe a maturidade cívica a que ganhou jus nestes 15 anos da democracia;
2) Tais soluções foram inviabilizadas pelo Partido Socialista, que impôs a criação da Alta Autoridade para a Comunicação Social com o recorte e desenho que veio a ser consagrado na proposta de lei, ora aprovada;
3) Em confirmação do que acima se deixou expresso reproduz-se aqui parte das intervenções dos Srs. Deputados do Partido Social-Democrata Rui Machete e Costa Andrade, aquando do debate da revisão constitucional, na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e no Plenário da Assembleia da República.
Afirmou, então, relativamente à Alta Autoridade para a Comunicação Social o deputado Costa Andrade: «Não era manifestamente esta a solução almejada pelo PSD; não eram estas as soluções para que apontava o projecto de revisão da constituição, a seu tempo subscrito pelos deputados do PSD (in Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 71, p. 3440).
Por sua vez, o deputado Rui Machete afirmou, então, sobre esta matéria, o seguinte: «[...] para nós, PSD, essa questão de haver um esquema de vigilância em relação à sociedade civil e ao exercício dos direitos políticos que é consubstanciada num organismo de tipo marcadamente político não é algo que nos seja extremamente grato. Pensamos que é muito mais por um exercício reforçado dos direitos próprios dos indivíduos e dos grupos que eles livremente compõem que essa liberdade de expressão do

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pensamento deve ser obtida e alcançada.» (in Diário da Assembleia da República, 2.º série, n.º 14, de 1 de Junho de 1988.)
Estranham-se, pois, as posições assumidas pelo Partido Socialista no sentido de imputar ao PSD a criação desta Alta Autoridade para a Comunicação Social, quando ela resultou claramente das posições daquele partido assumidas em sede de revisão constitucional, confirmando-se, mais uma vez, que coerência e fidelidade a princípios é algo que não constitui apanágio daquela força política.
O Partido Social-Democrata, tal qual afirmara aquando da discussão na generalidade, mostrou a maior abertura durante o debate na especialidade e introduziu na lei 13 alterações de fundo decorrentes de propostas dos partidos da oposição.
A composição da Alta Autoridade que a lei consagra é a mais fiel ao texto constítucional e impede que o universo de representatividade que constitucionalmente se pretende assegurar fosse, de alguma forma, comprometido com soluções propostas pelos demais partidos, redutores e subsectorizantes.
Relativamente à extinção do Conselho de Imprensa, ela decorre da circunstância de a Constituição cometer à Alta Autoridade para a Comunicação Social a parte mais significativa das funções que competiam àquele órgão.
O PSD deixou claro que apenas acompanhava a extinção do actual Conselho de Imprensa, como entidade estatizada na sua origem e desenvolvimento, mas que veria com agrado a constituição de um conselho de imprensa que emanasse da sociedade civil com espontânea representatividade do respectivo sector e chamasse a si as questões deontológicas no âmbito da imprensa, as quais, pela sua natureza, devem ser resolvidas inter pares.
Por todas as razões referidas, o Grupo Parlamentar do PSD votou favoravelmente a proposta de lei n.º 126/V, adiantando a esperança de que, em próxima revisão constitucional, à comunicação social seja dado o estatuto de maioridade, sem tutelas administrativas interferentes na sua livre acção e criação, e sem prejuízo da responsabilização cível e criminal de abusos de desvios, exclusivamente no âmbito dos tribunais, que a todos garante a protecção adequada, com a isenção e independência necessárias em relação ao poder político e à Administração.

Os Deputados do PSD: Leonor Beleza - Nuno Delerue - Guilherme Silva.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António José Caeiro da Mota Veiga.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Henrique Nascimento Rodrigues.
Jaime Gomes Mil-Homens.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Pereira Lopes.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Gomes da Silva
Rui Manuel Parente Chancerelle de Macheie.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

António Miguel de Morais Barreto.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
João Rui Gaspar de Almeida.
José Apolinário Nunes Portada.
Maria do Céu Oliveira Esteves.

Partido Comunista Português (PCP):

António da Silva Mota.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Santos Magalhães.

Partido Renovador Democrático (PRD):

José Carlos Pereira Lilaia.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
José Luís Nogueira de Brito.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Fernando Monteiro do Amaral.
Manuel José Dias Soares Costa.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.

Partido Socialista (PS):

António José Sanches Esteves.
Carlos Cardoso Laje.
José Barbosa Mota.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.

Partido Comunista Português (PCP):

Domingos Abrantes Ferreira.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Octávio Rodrigues Pato.

Os REDACTORES: Isabel Barral, Maria Amélia Martins - Anita Pinto da Cruz - José Diogo - Cacilda Nordeste - Maria Leonor Ferreira.

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DIÁRIO

da Assembleia da República

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9 DE MARÇO DE 1990 1761 A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, muito . obrigada

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