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Sexta-feira, 16 de Março de 1990 I Série - Número 53

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1989-1990)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 15 DE MARÇO DE 1990

Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo

Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Calo Roque
Júlio José Antunes
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos

Deu-se conta da apresentação dos projectos de lei n.ºs 490/V (PCP) e 491/V (PS) e das ratificações n.ºs 116/VI 117/V (PCP).
Foi aprovado um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos não autorizando um deputado do PSD a depor em tribunal.
Procedeu-se à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 489/V (PS) - Lei reguladora da actividade publicitária, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado do Ambiente e da Defesa do Consumidor (Macário Correia), os Srs. Deputados Teresa Santa Clara Gomes (PS), Natália Correia (PRD), André Martins (Os Verdes), Sérgio Ribeiro (PCP), António Guterres (PS), Narana Coissoró (CDS), Mota Veiga (PSD), Luís Filipe Madeira (PS), Barbosa da Costa (PRD), Arons de Carvalho (PS) e Alexandre Manuel (PRD).
Foi aprovada, na generalidade, na especialidade e em votação final global, a proposta de lei n. º 133/V - Revê o processo de emissão e colocação de empréstimos pelo Estado (revoga disposições da Lei n.º 1933, de 13 de Fevereiro de 1936, e do Decreto-Lei n. º 42 900, de 5 de Abril de 1960), tendo proferido declarações de voto os Srs. Deputados Octávio Teixeira (PCP), Rui Carp (PSD), António Guterres (PS), Carlos Lilaia (PRD) e Narana Coissoró (CDS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda Queirós.
António Augusto Ramos
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Amónio da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Gilberto Parca Madaíl.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Álvaro Poças Santos.
João Cosia da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Licinio Moreira da Silva.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Augusto Pinto Barros.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Maria Antónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.
Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.

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António Manuel Henriques de Oliveira.
António Manuel de Oliveira Guterres
António Miguel de Morais Barreto.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Luís.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Edmundo Pedro.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Barbosa Mota.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria do Céu Oliveira Esteves.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaião Rodrigues.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Luís Maria Bartolomeu Afonso Palma.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Octávio Augusto Teixeira.
Sérgio José Ferreira Ribeiro.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Rui José dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PEV):

André Valente Martins.
Herculano da Silva P. Marques Sequeira.

eputados independentes:

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Maria Helena Salema Roseta.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, foram admitidos e baixaram às competentes comissões os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 490/V, sobre o combate à discriminação dos representantes eleitos dos trabalhadores, apresentado pelos Srs. Deputados Carlos Brito e outros, do PCP; projecto de lei n.º 491/V, lei que regula o exercício do direito de petição, apresentado pelos Srs. Deputados Almeida Santos e outros, do PS; ratificação n.º 116/V - Decreto-Lei n.º 70/90, de 2 de Março, que define o regime de bens do domínio público hídrico do Estado, apresentada pela Sr." Deputada Ilda Figueiredo e outros, do PCP; ratificação n.º 111/V - Decreto-Lei n.º 74/90, de 7 de Março, que aprova as normas de qualidade da água, apresentada pelos Srs. Deputados João Amaral e outros, do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai ainda dar com de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - A solicitação do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, a Comissão de Regimento e Mandatos emitiu um parecer no sentido de não autorizar o Sr. Deputado João Domingos Fernandes Abreu Salgado a ser inquirido como testemunha no referido tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o parecer que acabou de ser lido.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca e Pecado Lis.

Srs. Deputados, do nosso período da ordem do dia consta a apreciação do projecto de lei n.º 489/V - Lei reguladora da actividade publicitária, apresentado pelo PS, e, eventualmente, a votação da proposta de lei n.º 133/V - Revê o processo de emissão e colocação de empréstimos pelo Estado (revoga disposições da Lei n.º 1933, de 13 de Fevereiro de 1936, e do Decreto-Lei n.º 42 900, de 5 de Abril de 1960).

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Inscreveram-se para intervir, para além do Sr. Secretário de Estado do Ambiente e da Defesa do Consumidor, os Srs. Deputados Teresa Santa Clara Gomes, Mota Veiga, Arons de Carvalho e Sérgio Ribeiro.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes.

A Sr.ª Teresa Santa Clara Gomes (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A reflexão sobre o papel da publicidade na economia, na vida social e na cultura contemporânea é de uma actualidade indiscutível.
Com o sentido de oportunidade política que, cada vez mais, o tem vindo a caracterizar, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresenta hoje nesta Câmara um projecto de lei regulador da actividade publicitária.
Em matérias como esta toma-se necessário começar por balizar um certo número de referências de carácter geral, indispensáveis à compreensão do contexto em que o fenómeno da publicidade se enquadra.
Deixamos, pois, para um segundo momento a justificação e argumentação sobre a matéria específica do diploma, embora reconhecendo, desde já, que muitas das soluções propostas são, como todas, controversas, susceptíveis de correcção e abertas à crítica construtiva que, esperamos, virá a ter lugar em sede de especialidade.
Num relance breve apercebemo-nos de que, do anúncio ao reclamo, do reclamo à publicidade, da publicidade nacional à publicidade sem fronteiras, a lógica daquilo a que hoje chamamos publicidade passou, ao longo dos anos, por múltiplas, e por vezes inesperadas, mudanças de rumo.
Longe vão os anos da publicidade directa, marginal, artesanal nos seus modos de comunicar, empírica nos objectivos que pretendia atingir. Com o aprofundamento do modo capitalista de consumo, a produção publicitária tornou-se cada vez mais dependente de intermediários. Profissionalizou-se e passou a ocupar um lugar central na gestão pública e privada.
Da publicidade/informação à publicidade persuasiva e manipuladora, das mensagens de comunicação racional às mensagens baseadas na irracionalidade dos afectos e da sensibilidade, da ordem mercantil à ordem do espectáculo, as transições foram-se sucedendo de forma velada, quando não imperceptível.
Gradualmente, a publicidade viu ultrapassada a sua vertente instrumental pela dimensão onírica, de tal modo que ela se apresenta hoje como um grande sistema autónomo de sinais substituto, dizem alguns, «do sistema totem iço ou do politeísmo pagão das sociedades primitivas». Não fora essa, aliás, a percepção de Roland Barthes, ao classificar, já nos anos 50, o anúncio publicitário como o «mito moderno»?
O certo é que, independentemente de quaisquer outras considerações de ordem técnica ou económica, a estética publicitária tem hoje um papel decisivo na construção de identidade social e individual.
À volta dos objectos consumidos ou desejados, organizam-se espaços imaginários que determinam, em larga medida, as aspirações e os comportamentos dos cidadãos. Do pequeno comerciante ao empresário, do administrador ao homem político, todos se regem, cada vez mais, pela nova ordem da comunicação tecnológica ditada pelas leis da publicidade: todos procuram conhecer os seus públicos para melhor os condicionarem; todos usam a «arma» da sedução; todos se preocupam não só com a gestão dos seus serviços, produtos ou ideias, mas, sobretudo, com a imagem que através deles pretendem veicular.
Para todos, o modelo de organização das relações sociais pode resumir-se, afinal, em poucas palavras: o empirismo como método, a retórica como mediação, o pragmatismo como objectivo.
A questão não é, já, Sr.ªs e Srs. Deputados, a de nos limitarmos a distinguir entre boa e má publicidade, entre um melhor ou pior uso das técnicas publicitárias.
Aos que defendem que a publicidade é fundamento da concorrência do mercado, estimula o desenvolvimento e a inovação, estabiliza o emprego, contribui para o esclarecimento dos consumidores e traz uma contribuição essencial ao financiamento dos media, respondem outros que a publicidade é sinónimo de desperdício, escoa recursos necessários à satisfação das necessidades básicas, conduz à constituição de monopólios, aumenta os custos e os preços, estabelece falsas diferenciações entre os produtos, vicia a informação e a comunicação social.
Para além desta polémica binária - tanto mais acesa quanto mais superficial é o conhecimento da questão - importa atingir o nó. do problema: o que está em causa, ninguém o poderá negar, é o próprio modelo de desenvolvimento que a publicidade reforça e sustém.
Sabido, como é, que a lógica económica de que a publicidade é reflexo, se encaminhou, na última década, para as grandes mega fusões das indústrias publicitárias, concentradas no triângulo EUA/Europa/Japão; verificada a impossibilidade material de cerca de três quartos dos habitantes do planeta acederem, num futuro previsível, aos níveis de consumo que a publicidade consagra; reconhecida a incapacidade ecológica do planeta em suportar os níveis de hiperconsumo que, em escalada crescente, nos são propostos, não podem, à consciência ética do cidadão e do político, deixar de colocar-se duas questões fundamentais: será legítima a perpetuação de um sistema cujo universo material permanece vedado à maioria dos cidadãos e contraria as leis da sobrevivência?

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Será a lógica do sistema publicitário, enquanto tecnologia de gestão económica e social, uma lógica imparável, destinada a integrar num universo simbólico irreal pessoas e culturas cuja situação de vida e cujos valores lhe são alheios?
Ponderados os custos sociais e culturais da publicidade, seria normal esperar que, ao menos, os seus benefícios de ordem estritamente económica fossem incontroversos.
Ora, o que se verifica é que, mesmo nessa área, permanecem incógnitas que os analistas de diversas formações não foram ainda capazes de clarificar. Não foi, até hoje, possível traduzir em termos claros a equação custos/benefícios da actividade publicitária, como não é também possível conhecer, com exactidão, os encargos reais da publicidade nos orçamentos das empresas e nos orçamentos da Administração Pública.
Se, face a esta situação, a publicidade permanece como actividade rentável e os capitais nela investidos são cada vez mais vultosos, a chave da leitura do seu sucesso terá de ser outra.
O professor de Ciência da Informação e da Comunicação da Universidade de Rennes, Armand Mattelart, diz, de forma clara: independentemente da sua eficácia directa e imediata, a publicidade e, hoje, «um modo de comunicação que, quer queiramos quer não, estrutura as escolhas, fixando um horizonte de prioridades e de hierarquias sociais à utilização que as nossas sociedades fazem quer

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dos seus recursos colectivos quer dos recursos de cada indivíduo, simultaneamente consumidor e cidadão».
É pois, Sr.ªs e Srs. Deputados, nesta «floresta de enganos», em que todos nos deixamos encantar, que a luta publicitária se trava e que ao legislador cabe regular interesses, estabelecer normas e, acima de tudo, acautelar os direitos dos consumidores.
O projecto de lei, apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista - lei reguladora da actividade publicitária -, não é senão um «ponto de partida», como diz o seu preâmbulo, para o aperfeiçoamento da legislação existente, colmatando lacunas, corrigindo soluções ultrapassadas e, sempre que necessário, adequando as normas nacionais à legislação comunitária, cada vez mais rica nesta matéria.
Caberá ao meu colega de bancada Arons de Carvalho a apresentação do projecto, nas suas vertentes inovadoras.
Por meu lado, cumpre-me ainda sublinhar que, ao agendar para o dia de hoje a legislação relativa à publicidade, o Grupo Parlamentar Socialista teve em mente associar-se, pública e solenemente, à comemoração do Dia Mundial dos Direitos do Consumidor.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - É certo que, quando considerada globalmente, a lógica do sistema publicitário tende, como livre ocasião de apontar, a desenvolver-se à margem, quando não ao arrepio, dos interesses dos consumidores. Mas é precisamente porque encaramos com realismo esta situação que mais nos importa reforçar, nesta data, o primado que atribuímos à defesa dos direitos dos consumidores, «consumidores que todos somos», segundo a expressão consagrada pelo Presidente Kennedy, na mensagem que dirigiu ao Congresso, em 15 de Março de 1962, e que veio a inspirar a comemoração do dia de hoje.
Ao longo das últimas décadas, legisladores e governos de quase todos os países tem-se esforçado por criar enquadramentos jurídicos e por tomar medidas tendentes a incentivar uma maior participação dos consumidores na definição das políticas que lhes dizem respeito.
As normas comunitárias sobre a matéria tomam-se cada ano mais rigorosas e mais exigentes. Mas, ao mesmo tempo que se precisam os instrumentos de intervenção que vêm dar resposta a esta preocupação, cresce a consciência de que, anterior à própria defesa dos consumidores contra as agressões do mercado e da publicidade, está o direito de acesso de todos os cidadãos ao consumo, isto é, à satisfação das suas necessidades básicas e ao seu bem-estar.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - A alínea j) do artigo 81.º da Constituição comete ao Estado a incumbência prioritária de proteger o consumidor.
Ora, na sociedade contemporânea, uma política de protecção do consumidor afirma-se e credibiliza-se por níveis elevados de protecção da saúde e da segurança dos cidadãos, com base na melhoria dos padrões de qualidade dos produtos e serviços disponíveis.
É sabido que em Portugal um terço das famílias vive ainda em condições de pobreza ou precariedade que as privam do consumo de bens essenciais. Não estará esse vasto sector da população que vive, como muito tem dito a deputada Elisa Damião, «constrangido entre a tenaz do trabalho e a miragem da publicidade e do consumo» automaticamente excluído da problemática da defesa do consumidor?
Não cabe talvez hoje, aqui, o debate sobre estas questões, mas nunca é demais repetir que, «se os homens e as mulheres nascem iguais perante a lei, não nascem iguais perante o mercado».

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Essa desigualdade torna imperativo que, num país como o nosso, as políticas de protecção dos consumidores não visem apenas a melhoria da qualidade de vida dos que tem já um poder de compra médio ou elevado, mas tenham também presente a situação dos mais desfavorecidos. O nosso objectivo primeiro é o bem-estar global da população e não o reforço dos privilégios de alguns.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - «Vivemos numa sociedade em que o apelo ao consumo de produtos para a pseudo-satisfação individual nos pode facilmente levar a novas formas de escravidão que permitam pagar os luxos que somos induzidos a comprar», afirmou o secretário-geral do PS, na passada sexta-feira, na abertura do colóquio promovido pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista sobre individualismo e solidariedade.
É porque está consciente desse perigo que o meu grupo parlamentar apresenta hoje na Mesa o seu projecto de revisão da Lei de Defesa do Consumidor, no qual se procuram reforçar os mecanismos de intervenção dos consumidores e das suas associações.
Sabemos que o Governo tem também em elaboração legislação sobre a mesma matéria e, uma vez mais, mostramo-nos disponíveis para o diálogo sobre as melhores soluções a adoptar, na esperança de que essa lei venha a ser, como foi a de 1981, aprovada nesta Câmara por unanimidade.
Tanto o regime legal relativo à publicidade como o código de defesa do consumidor são, para nós, Grupo Parlamentar do Partido Socialista, diplomas da maior importância, cujo debate desejaríamos ver colocado ao nível dos interesses superiores da sociedade. Pela nossa parte, tudo faremos para isso.

Aplausos do PS e da deputada do PRD Natália Correia

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes, ouvi com o maior interesse a sua intervenção; outra não esperava do alto nível cultural em que situa a sua visão das questões que se põem no limiar de uma nova era. E sabe, tão bem como eu, que a publicidade é uma dessas questões.
Nas sociedades possidentistas como a nossa de momento não se enxergam outras na civilização que partilhamos- a problemática da publicidade coloca-nos entre Cila e Caríbdis. Estamos em tempos da soberania do económico que tudo submete aos seus imperativos.
De tal forma chamo a atenção dos Srs. Deputados para isto que há dias, ao anunciar-se na televisão que os

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doentes cardíacos aumentavam em Portugal, se aduzia o espantoso informe que esse mal linha um lado positivo porque, sendo próprio das sociedades economicamente desenvolvidas, era um sinal de que estávamos no bom trilho do progresso económico. Pasme-se!
De facto, neste império do rendimento o ser humano vai sendo degradado numa coisificação aquisitiva, e cá temos a lavagem de cérebro da publicidade, relevante componente estrutural do dirigismo das vontades e das escolhas arrebanhadas rumo ao mercado pela publicitação consumista.
Poderão os efeitos nefastos da publicidade «sem rei nem roque» ser minorados, como pretende o projecto do PS. Mas o mal é na sua substância inamovível, pois que é inerente à economocracia vigente.
Tudo o que se faça para arrancar pela raiz esse mal que está a desfigurar o ser, com uma concomitante crise ontológica - como muito bem sabe a Sr.ª Deputada -, num objecto de mercado que está a degradar o ser humano, não passa de uma dose de tranquilizantes para acalmar a consciência dos que felizmente a tem nesta questão complexa que, como disse, nos coloca entre Cila e Caríbdis.
Qual a saída, Sr.ª Deputada? Acabar com a hegemonia do económico que subentende o enxame publicitário? As sociedades que temos não nos permitem qualquer ilusão a esse respeito.
Só se encontra, então, uma saída numa sociedade alternativa que na área de um socialismo democrático aberto a uma nova cultura poderá deparar com um espaço para ir germinando?
E uma pergunta que faço à Sr.ª Deputada que nos habituou a encarar estas questões numa perspectiva cultural da prevalência do ser sobre o ter.
Entretanto assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes, o projecto do Partido Socialista traz, de facto, inovações em relação à legislação anterior. Infelizmente, o Governo, a quem competia actualizar e melhorar atempadamente a legislação adequando-a à legislação comunitária, não o fez.
O projecto de lei do Partido Socialista é, de facto, inovador, introduz determinadas questões de regulamentação mais em pormenor em relação a matérias que consideramos também fundamentais, nomeadamente no que se refere à importância da defesa da língua portuguesa na publicidade. É um exemplo.
Há vários outros exemplos, mas a questão que lhe queria colocar, e tendo em atenção as preocupações que manifestou na sua intervenção, é a seguinte: esta lei reguladora da actividade publicitária, para alem de pôr em pé de igualdade a possibilidade de divulgação e promoção dos produtos em termos de quem os produz e os serviços, é também reguladora no sentido da defesa do consumidor. Ela é também inovadora porque propõe a criação de uma comissão jurisdicional da publicidade e, em relação à legislação anterior, avança com uma composição bastante diferente do Conselho de Publicidade.
Tendo em atenção as preocupações que manifestou sobre o Conselho de Publicidade e suas competências e que, segundo a proposta, é composto por quatro membros do Governo, dois membros das associações dos consumidores, um dos sindicatos, um dos empresários, um das agências de publicidade, um dos anunciantes, um da imprensa escrita, um da radiodifusão, um da radiotelevisão e por três membros cooptados por maioria qualificada, verificamos que, na sua grande maioria, os membros não representam os consumidores, apenas dois são representantes dos consumidores.
Atendendo às competências deste Conselho, gostaria de saber se o Partido Socialista entende que esta é a melhor forma de fazer representar os consumidores e de respeitar os seus direitos no que se refere à publicidade.
Do meu ponto de vista, esta situação ainda é mais agravada quando se propõe que a comissão jurisdicional de publicidade seja constituída por três membros - atendendo lambem às competências que esta comissão tem-, sendo um nomeado pelo Conselho Superior de Magistratura, um designado pelo Ministério da Justiça e outro representante do Conselho de Publicidade, que, como atrás já indiquei, é maioritariamente constituído por representamos de entidades não representativas dos consumidores.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes.

A Sr.ª Teresa Santa Clara Gomes (PS): - Sr.ª Deputada Natália Correia, em primeiro lugar, uma palavra de agradecimento pelos cumprimentos que me dirigiu. Não esperava outra coisa da sua amizade e da sua seriedade intelectual.
É evidente que partilho muitas das preocupações que a Sr.ª Deputada aqui enunciou no início da pergunta que me dirigiu, e no que com certeza teremos muito ainda a reflectir é na procura de soluções para os problemas que ambas reconhecemos.
A Sr. Deputada ilustrou, ainda melhor do que eu, os efeitos aberrantes de certa publicidade com o exemplo que deu das doenças cardíacas. Quando me pergunta qual é a saída para esta situação, dir-lhe-ei que, em meu entender, essa saída está, sobretudo, no trabalho de consciencialização dos cidadãos e dos consumidores em que todos lemos de nos empenhar.
Por isso, tem especial significado este debate ter lugar no Dia Mundial da Defesa do Consumidor. É que, se os cidadãos não se tornarem eles próprios mais conscientes do significado e dos enganos possíveis de que a publicidade e portadora, nunca poderão defender-se e o problema persistirá sem saída.
Dir-lhe-ia que há pouco tempo li, num artigo de um sociólogo indiano, que hoje é um ao político tão importante não comprar como comprar. Como sabemos, em quase todos os países, quer da Europa, quer da América do Norte, as associações dos consumidores têm desenvolvido acções no sentido de elas próprias denunciarem as fraudes que existem em relação a certos produtos induzindo mesmo os consumidores ao seu boicote. Entre nós essas práticas tem pouca tradição, mas aqui fica a sugestão de que o trabalho de informação e consciencialização dos consumidores é a tarefa prioritária em que iodos leremos de nos empenhar se quisermos protegê-los contra os abusos da publicidade.
Sr. Deputado André Martins, devo dizer-lhe que estou de acordo com as questões que me colocou. Considero

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que esta é matéria ainda em aberto e que a sua análise em especialidade poderá vir alterar. Penso que o grupo parlamentar socialista será favorável a sugestões no sentido de reforçar a presença de associações de consumidores quer no Conselho de Publicidade quer, de alguma forma, na comissão jurisdicional.
Esta é a primeira aproximação que fazemos. Como tive a ocasião de dizer na minha intervenção, estamos abertos para a corrigir se outras sugestões melhores se vierem a apresentar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e da Defesa do Consumidor.
O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e da Defesa do Consumidor (Macário Correia): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por salientar que em 364 dias do ano é o Governo que tem a iniciativa de promover acções sobre a defesa do consumidor. No entanto, hoje, dia 15 de Março, a iniciativa coube, aqui, ao Partido Socialista.
Queria assinalar este dia começando por oferecer ao Sr. Presidente o Guia do Consumidor e uma serigrafia de uma autor português bem conhecido alusiva a esta data, que também já fiz chegar aos Srs. Presidentes dos diversos grupos parlamentares.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, o Dia Mundial da Defesa do Consumidor imporia ser assinalado condignamente, e este é o momento e o lugar adequado para se fazer essa referência, esse discurso e essa reflexão.
Nós, Governo, entendemos que em matéria de defesa do consumidor, a mensagem publicitária tem um lugar especial. Por isso, importa que, quando se fala desta questão, se faça sempre uma referencia àquilo que lhe está associado, que é a actividade publicitária. Mas são coisas distintas.
A proposta legislativa apresentada pelo Governo, que já se encontra em fase final, consagra claramente essa distinção.
Uma coisa é a clarificação de princípios e conceitos quanto às mensagens publicitárias, outra é a regulamentação da actividade publicitária e outra ainda é a transposição completa para o nosso direito de duas directivas comunitárias, uma sobre a publicidade enganosa e outra vulgarmente chamada «televisão sem fronteiras».
E esta perspectiva articulada e integrada que o Governo está a desenvolver a fim de responder, em termos de ordenamento jurídico e político, da melhor forma sobre esta matéria.
É a primeira vez que uma proposta legislativa tem este conteúdo, esta forma e esta filosofia.
A compreensão do fenómeno áudio-visual e a sua evolução convidam a saber olhar mais longe e a ler o cuidado de fazer bem o que vai regulamentar: uma área de negócios de milhões de contos. Segundo estimativas de alguns, no ano de 1989, foi uma área que mobilizou cerca de 50 a 70 milhões de contos e que tem a ver com todos nós, em cada instante, no dia-a-dia.
Desde 1983, pouco depois da publicação do código da publicidade, que se começou a reflectir sobre a sua própria reformulação. O processo assumiu altos e baixos, teve uma evolução que é de alguns conhecida, mas, nos dois últimos anos, assumiu para nós uma importância especial.
Por isso, uma equipa se dedicou em especial a essa tarefa, com peritos especializados, foram solicitados muitos pareceres, fizeram-se estudos comparados, ouviram-se consumidores, anunciantes, publicitários, órgãos de comunicação social, além de outros, que também deram a sua opinião nesta matéria, como foram as apreciações cuidadas feitas pelo Conselho de Publicidade.
Este processo tem sido aberto e tem desafiado a participação, estando agora, como é sabido, nos passos finais. Sabendo disso, o Partido Socialista apresenta um projecto de lei que, em nosso entendimento, é incoerente e incompleto, mas querendo talvez com isso dizer que faz alguma coisa. Lá fazer faz, só que neste caso não está a fazer mais nem melhor do que aquilo que o Governo faz, está a fazer e fará.
O Governo prepara a legislação em profundo diálogo com todas as entidades e agentes económicos porque quer resolver com realismo os problemas que existem e não visa apenas a apresentação de factos políticos fortuitos e sem grande sequência.
O Governo, como órgão superior da Administração, tem a grata responsabilidade de executar e acompanhar os resultados da legislação que produz, por isso, e de forma responsável, tem de fazer bem! Não nos basta lançar debates e ideias, é preciso também que saibamos gerir as normas que definimos para o funcionamento da sociedade e das suas entidades.
Mas como papel de oposição não fica mal antes, pelo contrário, fica bem! - a qualquer partido lançar debates e ideias e ter a ousadia de fazer propostas. Cabe também ao Governo, nestas circunstâncias, ajuizar dos objectivos e dos conteúdo e alcance dessas propostas. As que entendemos como oportunas, úteis e importantes serão sempre bem acolhidas, as outras naturalmente que não - e certamente compreenderão as razões!...
Mas o Partido Socialista deverá explicar entre outras as seguintes questões: por que não propõe em simultâneo a transposição integral das directivas em complementaridade e articulação com o texto que nos propõe; por que não propõe acções de modernização administrativa e, antes pelo contrário, advoga a criação de novas entidades à custa, naturalmente, dos contribuintes; por que razão não tem em conta a opinião, ao contrário do que diz, dos agentes envolvidos e interessados.
Assim como está, não será uma boa proposta, de acordo, aliás, com o próprio critério que é exposto no. preambulo, porque não corresponde aos quesitos que aí mesmo diz defender naquilo que deve ser uma boa proposta.
Outra pergunta que se pode fazer é por que condiciona o acesso à actividade publicitária à emissão de um alvará de licenciamento, restringindo a actividade individual dos criativos e revelando, com isso, um certo desconhecimento do sector.
Por outro lado, e apenas a título excepcional, permite que nesse exclusivo das agências de publicidade possam entrar entidades que se dediquem à planificação e distribuição de publicidade e ao caso dos comerciantes individuais que em princípio leriam de prestar uma caução superior a 100 vezes o salário mínimo nacional.
Por outro lado, da leitura do texto apresentado pelo Partido Socialista ficam-nos perguntas acerca do que define e distingue expressões como «ilícitos em geral»,

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«genericamente ilícitos», «especificadamente ilícitos», «genericamente desleal», «especificadamente desleal», «desleal» e outras cujo alcance, substância e objectivo alguns juristas tem dificuldade em compreender.
Muitos outros aspectos de outra natureza mas com este espírito poderiam ser referidos, o que, embora prove que o Partido Socialista ainda está no ponto de partida, é bom porque revela que tem interesse na matéria e que quer ir mais longe, mas o que é facto é que o Governo está perto do ponto de chegada, estando, por isso e de facto, mais adiante!
Nós queremos comemorar condignamente o Dia do Consumidor sabendo da importância das mensagens publicitárias nos fenómenos de consumo! Por. isso entendemos que é honroso e digno que, hoje e neste lugar, se comemore o Dia Mundial do Consumidor.
Nesta Câmara, nos últimos 10 anos deram-se passos fundamentais na consagração em lei dos direitos dos consumidores.
A aprovação da Lei de Bases de Defesa do Consumidor em 1981, a revisão constitucional de 1982 e agora a de 1989 marcam de forma muito relevante a evolução desta política e é importante que isto se diga neste dia e neste lugar.
Mas este Governo tem tido, indiscutivelmente, uma intensa actividade neste campo: organizou a Comissão de Segurança de Bens e Serviços; promoveu a abertura de cerca de uma dezena de centros de informação autárquica ao consumidor; reorganizou o Conselho de Prevenção do Tabagismo e aprofundou a legislação de defesa dos cidadãos e da sua saúde; mandou fazer testes a bens e serviços, levando a correcções no mercado em defesa da segurança dos cidadãos e da sua saúde; tem feito campanhas de divulgação e exposições por todo o continente e regiões autónomas; introduziu a defesa do consumidor na reforma educativa em marcha; apoiou, técnica e financeiramente, as associações de consumidores; apoiou dezenas de milhares de cidadãos que apresentaram as suas queixas e reclamações - e mais de metade delas têm sido resolvidas com êxito; promoveu a abertura de um centro de arbitragem de conflitos de consumo onde hoje mesmo, ao fim da manhã, mais um passo importante foi dado quando a ele aderiram algumas das principais empresas públicas que têm a ver com o nosso dia-a-dia ,(são os casos da EDP, da EPAL e de outras); aprovou cerca de 30 diplomas sobre defesa do consumidor; descentralizou a política de defesa do consumidor criando estruturas e competências nas Direcções Regionais do Ambiente e dos Recursos Naturais.
Muito, muito mais se fez, Sr. Presidente e Srs. Deputados. O Governo tem uma política de defesa do consumidor com uma visão de Estado, acima dos partidos e mobilizadora de todos os agentes e da sociedade em geral!
Essa política tem como princípios orientadores, entre outros, os seguintes: acompanhar a realização do mercado interno e preparar as adequadas políticas preventivas em matéria de protecção dos consumidores; garantir uma mais eficaz actuação da Administração Pública na formulação e execução das políticas de protecção dos consumidores; fazer com que os consumidores beneficiem de níveis de segurança e de protecção da saúde idênticos aos da generalidade dos países da CEE; criar as condições necessárias à concertação de interesses dos vários parceiros sociais em matéria de política dos consumidores prosseguir a formação crítica dos cidadãos, fomentando da sua parte a procura de informação e assegurando a resposta aos seus pedidos de informação, que nós queremos que cresçam; aproximar das populações a informação, a formação e o apoio aos consumidores, através das estruturas locais - incluem-se aqui os centros de informação, que estamos a abrir, e que até ao fim do ano, como já disse nesta Casa, serão, pelo menos, mais uma dezena; contribuir, de uma forma geral, para uma melhoria da qualidade de bens e serviços; aprofundar o enraizamento social da defesa do consumidor através do reforço das respectivas associações - este é um passo fundamental para que as associações de defesa do consumidor cresçam, se formem e tenham a pujança que já hoje as associações da área do ambiente tem; aprofundar a transparência do mercado e a segurança dos consumidores através da realização de testes em articulação com outras entidades da Administração Pública e com as associações de consumidores.
Por outro lado, importa ainda reforçar a divulgação dos direitos dos consumidores através dos canais de comunicação social, procurando, assim, aumentar o conhecimento e a consciência do seu papel activo no mercado, pelo que apostamos na promoção de campanhas específicas que alertem os consumidores para a defesa da qualidade e segurança de importantes produtos e equipamentos, como, por exemplo, a habitação, sector sobre o qual vai ser publicado um guia com o objectivo de aconselhar o comprador de habitação. E porquê? Porque a habitação é não só a principal compra que faz uma jovem família como também é a principal compra que habitualmente uma família faz por muitos e muitos anos!
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, além disso, o Governo tem precauções relativas a novos sistemas de vendas e serviços bancários e de seguros (compras em grupo, televenda, venda ao domicilio, juros reais de prestações, seguros por correspondência sem resposta e outras formas inovadoras), que, se o Estado não tiver a inovação de, atempadamente, criar legislação e mecanismos preventivos em toda esta evolução tecnológica, deixarão o consumidor desprevenido, desprotegido, enfim, vulnerável a situações que não queremos que se repitam.
A defesa do consumidor, perante a abertura de novos mercados e diante dos desafios desta nova tecnologia de comércio, assume-se como uma nova aposta a todos os quadros políticos, e é bom e importante que isso se diga nesta Casa e neste dia.
Num mercado de 320 milhões de consumidores, com produtos de diversas proveniências e comercializados por formas electrónicas sofisticadas, o cidadão consumidor, se não estiver adequadamente protegido, torna-se vulnerável, muito vulnerável mesmo, a estes novos mecanismos e condições que o mercado está a criar.
Cabe-nos a nós, políticos desta geração, um especial empenhamento no desenvolvimento desta política de defesa do consumidor.
É preciso banalizar os direitos do consumidor! É preciso que a juventude, que o vulgar cidadão lenha conhecimento dos direitos que lhe assistem em qualquer acto de comércio, dos direitos a que tem de fazer apelo sempre que algo de um contrato ou de uma compra possa não estar bem, possa não assegurar e acautelar todos os seus direitos enquanto consumidor.
O que nós queremos é, pois, banalizar, vulgarizar essa política para que todos dela tenham conhecimento, para que todos possam fazer valer esses seus direitos.

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É essa aposta que fazemos nas escolas, na educação, na população em geral!
Quando em Portugal existirem muitas e fortes associações de defesa do consumidor, quando todas as estruturas do Estado e das empresas aceitarem com grande respeito o desenvolvimento dos direitos do cidadão consumidor, direitos de uma nova cidadania responsável, quando a força dos consumidores também puder orientar o mercado por força de testes por eles promovidos através das suas associações, de estruturas não governamentais, quando existirem muitas dezenas de centros de informação autárquicos ao consumidor espalhados pelo País, quando tudo isso existir, sentiremos que valeu a pena ter estimulado e apoiado tudo isso.
Assim, aproveito este dia e este local para salientar quanto é importante para o Governo esta política de defesa do consumidor como uma nova aposta e um novo desafio a todos os políticos para que isto se faça em defesa das novas gerações, dos novos consumidores, na defesa de todos nós, porque, como disse, e muito bem, há alguns anos, John Kennedy, uma coisa temos de comum: todos nós somos consumidores!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra aos Srs. Deputados que se inscreveram para pedir esclarecimentos, a Mesa expressa ao Sr. Secretário de Estado o agradecimento pela sua iniciativa e pelo gesto simpático que teve para com a Assembleia da República, formulando ao mesmo tempo votos para que este bom relacionamento, assim demonstrado, se venha a acentuar cada vez mais.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Ribeiro.

O Sr. Sérgio Ribeiro (PCP)): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A acompanhar o seu gesto simpático, afirmou o Sr. Secretário de Estado que em 364 dias se dedica à defesa do consumidor, concedendo que um dia, este, seja adoptado por outros para o fazerem. Por hoje ser também dia para outra matéria, pergunto: quantos são os dias que o Governo dedica à publicidade e propaganda próprias? Não nos dá um dia de folga, a nós, seus forçados consumidores?

Risos do PCP.

O Sr. Presidente: - Dado que o Sr. Secretário de Estado deseja responder no fim, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, quero começar por sublinhar como positivo o facto de o Governo estar presente no agendamento promovido pelo Partido Socialista. Consideramos que essa deveria ser uma prática corrente e espero que a sua atitude seja devidamente publicitada junto dos seus colegas para que eles possam imitá-lo.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É publicidade enganosa!

O Orador: - Devo dizer que um dos aspectos essenciais da publicidade é a identificação. Isto ó, quando uma entidade, na televisão ou na rádio, faz. publicidade esse acto deve ser antecedido de separadores que indiquem claramente que o está a fazer. O Sr. Secretário de Estado vem aqui fazer publicidade à acção do Governo e por isso o Sr. Secretário de Estado Carlos Encarnação devia ter um placarzinho a dizer «segue-se tempo de antena do Governo para a actividade publicitária». Dessa forma enquadraria melhor a sua intervenção.
O que parece fundamental sublinhar em relação àquilo que disse é o seguinte: o Grupo Parlamentar do Partido Socialista tem uma lógica de intervenção legislativa. Este projecto de lei foi por nós anunciado há dois meses quando entregámos o projecto de lei sobre o exercício da actividade televisiva pela iniciativa privada, tendo incluído nesse projecto de lei tudo quanto se refere à publicidade televisiva, que, por essa mesma razão, está omissa neste, dado que os dois projectos tem que ser vistos em concatenação. Fizemo-lo num processo de consultas que, aliás, conduziu à introdução de algumas alterações e aperfeiçoamentos, processo que queremos continuar no futuro com os contributos daqueles que vierem depois de nós, incluindo, naturalmente, o contributo positivo que esperamos da proposta de lei do Governo.
E vamos manter esta prática de actuação que é embaraçosa para um Governo e para um partido maioritário que trabalham pouco e fazem poucas leis fundamentais. Nós percebemos isso porque cada vez que fazem uma arranjam um sarilho no País. Isto tem acontecido recentemente com os mais diversos exemplos, e por isso percebemos as enormes dúvidas, dificuldades, tempos de atraso que tem para produzir legislação. Por esta matéria esperámos três anos. Como já não podíamos esperar mais, avançámos com a nossa iniciativa. Veio agora a do Governo, o que é excelente. Juntemos os nossos esforços.
Desde já lhe digo: já aqui está outra. Vamos apresentar hoje na Mesa um projecto de lei que altera a Lei de Defesa do Consumidor, introduzindo-lhe um conjunto de aperfeiçoamentos que, ao fim destes anos, pensamos se justificam. Já sabemos que, provavelmente, o Governo estará a fazer o mesmo. Óptimo! Quando o fizer, traga-nos a sua proposta de lei para ver se, em conjunto com a nossa iniciativa e o com o vosso lento trabalho de processamento, podemos ir a algum lado em conjunto, porque, como disse, estes problemas são do País e devem ser vistos com espírito de diálogo e de consenso.

Aplausos do PS.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito papel, pouca obra!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: já aqui foi dito que é um bom começo ter vindo V. Ex.ª à Assembleia apesar de fazer publicidade enganadora do Governo, e de tal maneira que se enquadra neste projecto de lei. V. Ex.ª disse que tinha dificuldade em compreendê-lo porque, realmente, na sua intervenção omitiu dados essenciais, e quis provocar a falsa impressão na Câmara de que o Governo tinha prosseguido nos últimos anos uma grande actividade sobre matéria publicitária.
O que se verifica, em primeiro lugar, é que esta lei não precisa de ser feita pela Assembleia da República porque não é da competência absoluta nem relativa da

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Assembleia e, por isso, o Governo devia tê-la feito no uso de competência própria, não precisando, sequer, do pedido de autorização legislativa. No entanto, verifica-se que desde 1983 não existe esta legislação, apesar, de agora existirem imensas directrizes comunitárias, principalmente sobre a actividade ilícita, sobre a actividade enganosa, sobre proibições de publicidade em diversos temas, etc. O Governo não foi capaz de anunciar, e muito menos de fazer o que quer que seja. Vem V. Ex.ª hoje, como 6 costume quando a oposição apresenta qualquer iniciativa, dizer: «nós já temos pronto, um diploma que é muito melhor», minimizando a actividade da oposição.
Esta atitude está em flagrante contradição com o que dizia o ex-ministro Álvaro Barreio, ontem, num almoço público quando afirmava que não concordava com a prática deste Governo quando minimiza as iniciativas legislativas da oposição e não as aproveita, segundo a prática de apresentar a correr diplomas alternativos aos da oposição, e depois, votar favoravelmente só o seu, e rejeitando o diploma concorrente para em seguida apresentar a sua lei ao mundo, urbi et orbi, dizendo que e uma lei de Governo.
Esta é uma prática condenável, criticada publicamente pelos próprios dirigentes do PSD e V. Ex.ª devia ter ouvido isso, ao contrário do que faz o Prof. Cavaco Silva na sua moção de estratégia quando diz que as actividades da oposição só servirão para preencher as lacunas do Governo. Devia ser o Governo, antes, a preencher as lacunas da oposição quando este toma as iniciativas.
Mas o ponto principal que queria perguntar a V. Ex.ª é o seguinte. Diz V. Ex.ª que as definições que o Partido Socialista dá de certos conceitos como, por exemplo, «actos genericamente ilícitos sob o ponto de vista publicitário e especificamente ilícitos» ou quanto à publicidade enganosa, de casos, «genericamente enganosos» e «especificamente enganosos» farão com que muitos juristas tenham dificuldade em compreender tais conceitos. Gostava de saber que espécie de juristas são esses que tem tanta dificuldade em compreender isso, quando esta é uma prática normal hoje em dia. Isto é, antigamente havia sobre o erro, dolo, coacção, e outros vícios de formação da vontade. Mas o Código Civil, está totalmente ultrapassado quanto a estas práticas publicitárias novas. Os preceitos do Código Civil sobre o erro na formação ou erro sobre o consentimento, dolo, coacção, etc., estão totalmente ultrapassados, não se podendo aplicar minimamente a estes casos de publicidade. Deste modo é preciso buscar novas formas sobre o conceito de erro, de dolo, de violação das normas, do que é verdade da concorrência, o que é autenticidade da concorrência, etc. Isto é feito no projecto socialista tentativamente, com exemplos do direito comparado. Foram buscar estes conceitos aos direitos inglês, americano e germânico, que têm trabalhado mais esses institutos, mais do que quaisquer outros países e por isso não sei que espécie de juristas são os assessores de V. Ex.ª quando dizem ter dificuldade em compreender este esforço.
Se V. Ex.ª traz aí uma proposta de lei não sabendo de antemão ou tendo manifesta dificuldade em compreender estas noções basilares, então desde já podemos dizer: Sr. Secretário de Estado, é bem possível que V. Ex.ª leve o seu diploma de volta para melhor compreender esses conceitos, trabalhando-os, e posteriormente apresentar uma proposta que seja minimamente aceitável segundo os conceitos modernos destas figuras.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Secretário de Estado, chamava a atenção da Câmara para a presença nas galerias de grupos de alunos, acompanhados dos respectivos professores, da Escola Secundária de Anadia, da Escola Secundária de Alves Martins de Aveiro e da Escola Secundária n.º 1 de Abrantes

Aplausos gerais, de pé.

Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e da Defesa do Consumidor.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e da Defesa do Consumidor: - Srs. Deputados, relativamente às questões colocadas, devo dizer que o Governo não faz publicidade, apenas divulga o bom produto das boas medidas que toma, e foi isso que fiz aqui!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Compreendo que a oposição não pode fazer o mesmo, porque, normalmente, a qualidade do produto é diferente e os consumidores ficariam muito mal servidos. Por isso, compreendo o papel da oposição e o do Governo.
Em relação às afirmações do Sr. Deputado António Guterres, aproveito para o saudar pelas iniciativas que tem tomado, mas penso que compreenderá que não posso concordar com as afirmações que proferiu, nem com a forma como classificou a actividade do Governo, na medida em que - e só para comparar - enquanto os senhores apresentaram duas propostas, nós, como já há pouco referi, apresentámos 30, apenas em dois anos e meio. Por isso, se quem faz 30 propostas é chamado de lento, aquele que apenas faz duas como e que pode ser classificado?!

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - De caracol!

O Orador: - É esta a resposta que posso dar à questão que me colocou, Sr. Deputado.
Por outro lado, valerá a pena referir ainda que, em matéria tão delicada como esta, que tem a ver com tantos sectores, de uma forma tão rica e tão criativa, é importante ouvir muitas opiniões e reflectir profundamente. É o que estamos a fazer.
Penso que o Partido Socialista compreenderá este método, até porque três dias depois de ter sido apresentada a proposta de lei, fez-lhe logo emendas.

O Sr. António Guterres (PS): - Quinze dias depois!

O Orador: - Chego à conclusão de que, enquanto o Governo tem uma estratégia persistente, dinâmica e insistente, o PS tem uma técnica do soluço, de fazer pouco e aos soluços, com emendas sucessivas.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E, sem mais detalhes, quero apenas dizer que a última grande directiva comunitária sobre esta matéria foi apresentada há cerca de quatro meses; é a directiva da televisão sem fronteiras, que é projectada pelo grande mercado interno para a grande evolução do audio-

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-visual da Europa do pós-1992. Nilo podíamos deixar de a ter em conta, consagrando-a na nossa proposta. É o que estamos a fazer, em termos finais e definitivos, tendo em conta os dias que se aproximam.
Quanto às questões colocadas pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, devo dizer que não ó minha intenção iniciar aqui uma profunda discussão em matéria de direito, mas gostaria de salientar que os juristas que me apoiam, nestas matérias, tom uma profunda consciência do que pretendemos fazer, tom muitas preocupações em relação aos conceitos, aos princípios e à respectiva clarividência. Portanto, não basta conhecermos e importarmos os conceitos de direito de outros países, mas importa-nos, sobretudo, conhecer o que tem aplicação no nosso país, o que faz parte do nosso direito e doutrina na nossa jurisprudência.
Em meu entender, a proposta que o Governo apresentou consagra, de facto, este grande cuidado e esta criatividade, coisa que não vejo no projecto do Partido Socialista nem nas afirmações que o Sr. Deputado acabou de proferir e que, em relação a esta matéria, nada clarificaram.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Veiga.

O Sr. Mota Veiga (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Comemora-se hoje o Dia Mundial dos Direitos do Consumidor. Não é muito longínquo o caminho percorrido, antes, mesmo, podemos considerar que a configuração típica dos direitos do consumidor é relativamente recente e, para além do mais, está em constante mutação e evolução.
Na verdade, foi a partir do pós-guerra e das transformações tecnológicas dos novos sistemas económicos que, com o aumento do nível de vida e com o bem-estar, esbatendo-se os conflitos ao nível do consumo, evidenciaram a problemática do apoio ao cidadão consumidor. Sem dúvida que esta evolução está bem contornada na história da CEE na sua evolução recente quanto às preocupações políticas com os interesses dos consumidores e com o intenso debate entre os programas a desenvolver.
Foi em vésperas das adesões à Comunidade Europeia do Reino Unido, da Irlanda e da Dinamarca que os chefes de Estado e de Governo dos seis países fundadores, reunidos em Paris de 19 a 21 de Outubro de 1972, sublinharam, pela primeira vez, a importância da dimensão humana da Comunidade Europeia.
E foi como consequência desse alargamento que se veio a reconhecer que o desenvolvimento económico devia traduzir-se, prioritariamente, por uma melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, com um relevo igual ao da realização da União Económica e Monetária.
Desde então para cá, o desenvolvimento do conceito da Europa dos Cidadãos vem consagrar, cada vez mais, um maior protagonismo dos interesses dos consumidores.
Desde o reconhecimento, em 1975, das cinco categorias de direitos fundamentais dos consumidores: o direito à protecção da saúde e à segurança; o direito à protecção dos seus interesses económicos; o direito à reparação dos danos; o direito à informação e à educação e o direito à representação, até ao presente, muitas acções e programas, no sentido da defesa do consumidor, têm sido empreendidas, continuando tais direitos a servir de referencial primário.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Contudo, há que reconhecer que estamos ainda, mais de 15 anos volvidos, com o reconhecimento da necessidade de relançamento da política de defesa e promoção dos interesses dos consumidores, pois estamos ainda numa fase extremamente evolutiva.
Com o desafio do Acto Único, da «nova fronteira para a Europa», surge um inegável relançamento de diversas propostas regulamentares relativas ao interesse económico dos consumidores, na sequência da resolução do Conselho de 23 de Junho de 1986, redefinindo os seus objectivos e prioridades relativas à orientação futura da política da CEE nesta matéria. Mas ainda recentemente, em 9 de Novembro de 1989, o Conselho divulga nova resolução, referindo que é necessário considerar mais abertamente os interesses dos consumidores nas outras políticas da Comunidade, melhorar a representação dos consumidores, promover a segurança geral dos produtos e serviços e a melhoria da informação respeitante à qualidade e ao acesso à justiça.
Um longo caminho está, portanto, por percorrer!
Portugal é um dos países que tem acompanhado este movimento desde logo realçado pela inclusão na Constituição de princípios que reconheceram os direitos dos consumidores, hoje expressamente consagrados no seu artigo 60.º, no âmbito dos chamados direitos económicos, sociais e culturais.
Mas foi lambem desde os anos 70 que tal problemática surgiu com a constituição de um grupo interministerial para preparação do projecto de lei de bases de defesa do consumidor, que viria a ter consagração apenas em 1981, com a sua promulgação. Foi, na verdade, um marco histórico decisivo na concretização efectiva dos direitos dos cidadãos consumidores, que só se tornou possível com a aprovação por parte desta Câmara.
De então para cá, todos os governos tem referenciado este objectivo, reconhecendo a interdisciplinaridade da política de defesa do consumidor, abrangendo todos os ministérios com variadíssimas actuações aos mais diversos níveis.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD esteve sempre na frente de batalha pela defesa do consumidor que, em última análise, são todos os cidadãos, visão personalista que integra o cerne do ideário social-democrata.
Por isso, o PSD retira sempre os corolários mais claros, mais precisos e mais realistas da defesa do consumidor na realização das diferentes políticas.
Os princípios e as políticas que o PSD defende tem sempre, em última análise, em vista a defesa dos consumidores na política social, na saúde, na segurança social, na habitação, na protecção do ambiente, na política de concorrência, etc.
Bem ao contrário daqueles que defendem uma política centralizadora, proteccionista e de direcção central, é com o desenvolvimento económico e social virado para o cidadão, com a diminuição do proteccionismo e com a diversificação de oportunidades que melhor se defende o consumidor.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Por isso mesmo, é lamentável a situação dos consumidores, por exemplo, nos países de Leste, demonstrando à saciedade o quão permissivo e pernicioso têm sido aqueles regimes também em matéria de defesa dos interesses dos cidadãos consumidores.
Convirá, sem dúvida, hoje, Dia Mundial do Consumidor, reflectir sobre o quão nefastas tem sido as políticas que nesses países vêm sendo aplicadas.
Vale a pena reflectir sobre os nefastos efeitos do proteccionismo sobre o consumidor, na medida em que funciona como um obstáculo às trocas, reduzindo a oferta de bens e serviços disponíveis, aumentando os preços e originando efeitos nefastos de maior incidência nos consumidores de menores rendimentos.
É por uma política de defesa da concorrência, em que o consumidor seja visto como agente económico, e não como um mero sujeito passivo, que defendemos o consumidor.
É por uma política de maior transparência e informação, nas relações económicas e sociais, que vamos ao encontro do consumidor.
É por uma política de maior garantia das condições de exercício dos seus direitos, de maior intervenção e de maior representatividade que pugnamos pelos interesses do consumidor.
Assinalar, hoje, o Dia Mundial do Consumidor é também uma forma de realçar os seus interesses, de contribuir para a sua informação e de chamar a atenção para o sentido das políticas a desenvolver, a que o PSD, de forma solene, se associa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas o PSD quer ir mais longe e, neste dia, exorta esta Assembleia a associar-se à iniciativa da Comissão do Meio Ambiente, de Saúde Pública e de Defesa do Consumidor do Parlamento Europeu, declarando o ano de 1991 como o Ano Europeu do Consumidor, no qual seria organizada uma campanha pública de sensibilização e informação às preocupações e questões neste domínio.
Porém, o PS vem, hoje, à liça com um projecto de lei - diríamos oportunista- sobre um dos aspectos que envolve os interesses económicos do consumidor: um novo diploma sobre a publicidade.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É matéria que não está incluída em qualquer das reservas de competência da Assembleia da República, pelo que se está no domínio da concorrência legislativa do Governo e da Assembleia, podendo os decretos-leis revogar, alterar, suspender, interpretar leis da Assembleia e vice-versa, como eu próprio referi, na qualidade de relator, no parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Aliás, esta disciplina consta do Decreto-Lei n.º 303/83, de 28 de Junho, e de alguma legislação dispersa que o Governo tem não só anunciado mas também, efectivamente, concluído. Entretanto, o Governo já anunciou que iria proceder à sua revisão e iniciou o processo respectivo, que envolve a audição de todos os interessados, como é imperativo legal e constitucional, sendo do domínio público os textos apresentados pelo Governo, tanto mais que ele, obrigatoriamente, terá de ouvir o Conselho de Publicidade e os demais parceiros sociais.
Nessa medida, o PS sabia já, a escassos dias de distância, que aquela iniciativa governamental ia para publicação.
Nestas circunstâncias, não podemos deixar de considerar que é um oportunismo lamentável, diria mesmo eticamente condenável, vir, em simultâneo, apresentar nesta sede um diploma sobre a mesma matéria.
No mínimo, cumpre ao PS demonstrar que não tinha conhecimento dessa iniciativa. E tanto assim é que, sempre que o Governo anuncia um diploma e o submete a discussão pública, temos uma iniciativa idêntica da oposição.
Não é, nem deve ser, assim quer quanto aos princípios éticos que devem reger a política quer até pelo princípio da separação de poderes e da consequente possibilidade de revogação recíproca em matéria de competência concorrente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas o projecto do PS não só é um oportunismo lamentável como ainda uma atabalhoada iniciativa, que prova à evidência tratar-se de um mero expediente legislativo sem consistência quanto à forma e quanto ao conteúdo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não é assim que se comemora o Dia Mundial do Consumidor!

O Sr. Caio Roque (PS): - É, sim, senhor!

O Orador: - Não é assim que se anuncia a primazia da qualidade. Bem pelo contrário, um diploma desta natureza é um mau serviço que se presta em prol da qualidade e da defesa do cidadão, enquanto «consumidor» político!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Que assim é provou-o o próprio partido proponente ao entregar ontem, menos de meia dúzia de dias após a sua apresentação nesta sede, um circunstanciado rol de alterações formais e até substanciais ao projecto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quem, em tão pouco tempo, já está a alterar tanto o que apresentou tem, certamente, a convicção de que o texto está, no mínimo, tecnicamente mau e politicamente inconsistente.
Mas mais: o diploma enferma ainda de variadíssimos erros, de escolhas claramente tendenciosas - a nosso ver inaceitáveis - e de omissões muito graves. Nem sequer vai ao ponto de receber, ao menos, aquilo que a directiva comunitária sobre publicidade estabelece no seu artigo 6.º

O Sr. Silva Marques (PSD): - É um mau publicitário!

O Orador: - De facto, apesar de uma proliferação de disposições sobre publicidade enganosa, o PS não inclui

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em qualquer delas a inversão do ónus da prova que a directiva refere como ponto essencial nesta matéria.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Além disso, todo o diploma inclui anacronismos, começando logo no artigo 2.º quando refere «causas ideais que incorporem valores», o que é um conceito de tal maneira vago que será sempre impossível na sua aplicação defini-lo com clareza, ou, logo a seguir, quando define uma agência de publicidade como um estabelecimento e inclui nessa definição entidades equiparadas a essa mesma realidade. É, de facto, do ponto de vista jurídico, no mínimo, um inaceitável erro palmar.
Mais adiante, assistimos a um desdobramento do conceito de ilícito verdadeiramente curioso: ilícito em geral, ilícito só por si, ilícito genérico e ilícito específico. Enuncia-se, ainda, vários tipos de deslealdade: só desleal, desleal genericamente e desleal especificamente.
No mínimo, o que pode dizer-se é que, tecnicamente, é deplorável um tal enunciado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Se ainda tal divisão, teoricamente abstrusa, tivesse ao menos uma correlação com o regime sancionatório, ainda, tant bien que mal, haveria algum sentido. Mas não, as sanções são, para todos os casos, graduadas da mesma forma, pela mesma tabela. Não faz, pois, qualquer sentido!
E a propósito de tabela, que opção mais contrária ao interesse do consumidor aquela do artigo 50.º, que obriga a que o preço e condições de pagamento sejam estabelecidos, pública e uniformente, em sistema da tabela! Que disposição tão claramente atentatória da lei da concorrência, que proíbe as práticas concertadas nos preços e, além do mais, contrária aos princípios do Tratado de Roma!
É caso para dizer que o PS apregoa a defesa do consumidor e da concorrência, mas, quando apresenta projectos, actua bem à maneira intervencionista e disciplinadora.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, o projecto de lei chega ao absurdo ponto de definir o que é preço como se ninguém soubesse o que era- para (aberração das aberrações) dizer que preço é toda e qualquer contraprestação fixa ou variável, com juros ou outros encargos, com espécies, formas, prazos de pagamento, com penalidades ou não, enfim uma monstruosidade, do ponto de vista jurídico! É um dos pequenos reflexos do princípio palmar de que omnis definitio in jure periculosa est.
Em muitos aspectos substanciais, o diploma peca pelo absurdo. Por exemplo, no projecto, os menores são tratados a par, não dos maiores, mas dos adultos, e de tal forma que acaba por admitir a utilização de menores nas mensagens publicitárias, desde que não o seja como prescritores. Não é admissível!
Mais ainda, o diploma visa, de uma forma espantosa, proteger claramente as agências de publicidade face aos anunciantes. Quer dizer, em vez de o projecto fazer uma natural composição dos interesses em presença, o PS toma partido relativamente aos parceiros sociais e avança para a defesa inequívoca das agências de publicidade, o que, a nosso ver, é verdadeiramente inaceitável.
De facto, o PS vem exigir aos criativos individuais as mesmas condições, quanto à caução, das agências, o que inviabiliza na prática a acção daqueles. Ora, tal opção, além de reprovável, distorce completamento a concorrência relativamente ao exterior e manifesta o grau último de burocratização em que o PS quer lançar esta actividade.
Até as empresas com departamentos de marketing ver-se-iam obrigadas a transformar-se numa agência de publicidade para poderem funcionar. Isso reflecte-se no próprio regime sancionatório, em que se pune sempre a negligência ao anunciante, mas iliba as agências dessa punição. É, de facto, espantoso!
Que mau serviço que hoje, no Dia Mundial do Consumidor, o PS presta ao País e ao cidadão!

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Que visão tão proteccionista e tão contrária ao espírito da concorrência e da liberdade de estabelecimento, expoentes máximos da realização do mercado único!
Ressaltaria ainda a opção do PS de criação de mais uma comissão, esta de natureza jurisdicional. Basta olhar para a sua composição, como já aqui foi enunciado pelo deputado de Os Verdes, para descortinar que dele podem vir a fazer parte membros do Conselho de Publicidade, que representam as entidades eventualmente a sancionar. E completamento inacreditável que sejam as entidades sancionadas que vão fazer parte do Conselho quem vai aplicar as correspondentes sanções. Isto é ser juiz em causa própria, o que, a nosso ver, não é aceitável nem admissível, face aos princípios de independência e isenção dos órgãos jurisdicionais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O diploma apresentado pelo PS é um texto tecnicamente desastroso, anacrónico, incoerente; é um texto que formula opções contrárias aos princípios do nosso direito e até aos princípios do direito comunitário, como sucintamente exemplifiquei.
Além disso, tal diploma encerra um comportamento eticamente reprovável pelo oportunismo condenável que evidencia.
Em particular, podemos dizer que é lamentável que se comemore desta forma o Dia Mundial do Consumidor.
No entanto, eu próprio tentarei suprir esta lacuna. Preocupado com a clarificação da intervenção do Estado no domínio dos preços; consciente de que é através da concorrência que se promovem as escolhas e o interesse do consumidor; certo de que os consumidores representam uma força fundamental contra o proteccionismo, apresento na Mesa um projecto de lei sobre esta matéria, tendo em vista alterar o esquema geral de intervenção neste domínio que, em Portugal, data de 1974 e que hoje tem os seus nefastos efeitos bem evidenciados em tudo o que se está a viver no Leste da Europa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, estão inscritos os Srs. Deputados Teresa Santa Clara Gomes e Luís Filipe Madeira.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes.

A Sr.ª Teresa Santa Clara Gomes (PS): - Sr. Deputado Mota Veiga, creio estar aqui a lavrar-se num grande

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equívoco, pois não sei se os Srs. Deputados tem a consciência de que o Grupo Parlamentar Socialista anunciou que linha este projecto de lei em preparação já há vários meses. Entregou-o à Mesa no prazo devido, há cerca de 15 dias, e, como iodos sabemos, nos actos políticos há sempre um coeficiente de oportunidade e outro de qualidade, pelo que lemos de tentar conciliar os dois da melhor maneira. Não pudemos fugir ao prazo de entrega e mantivemos em aberto, para discussão, o projecto que tínhamos apresentado. Foi este o motivo das emendas apresentadas. Parece-me um procedimento normal e correcto, uma vez que permite que algumas das eventuais correcções possam ser supridas ainda mesmo antes de o projecto de lei ser apresentado em Plenário.
Não quero tomar-lhe muito tempo, mas gostaria ainda de colocar-lhe uma questão, Sr. Deputado Mota Veiga. Tanto o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e da Defesa do Consumidor como V. Ex.ª referiram-se, efusivamente, ao Dia Mundial de Defesa do Consumidor - e nisso associaram-se à iniciativa que tomámos nesta Câmara -, mas nem um nem outro se referiu, mesmo ao de leve, ao facto de um terço das famílias que existem no nosso país não terem possibilidade de dar satisfação às suas necessidades básicas, pois não tem aquilo a que se chama hoje, na Europa e em toda a pane, o direito de acesso ao consumo, embora, como eu disse na minha intervenção, todos tenhamos nascido iguais perante a lei, mas nem todos nascemos iguais perante o consumo.
Como parece que tanto o Sr. Deputado como o Sr. Secretário de Estado não tem a menor consciência disso, pergunto se para o PSD e para o Governo essa terceira parcela da população portuguesa não existe.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Deputado Mota Veiga, apesar de sair da bancada do PS, quero manifestar a minha solidariedade consigo.
É, de facto, inadmissível que o PS se atreva a apresentar um projecto de lei antes do seu!... Isso é, de facto, algo inqualificável, e só leis brandas como as nossas e uma maioria tolerante como a de VV. Ex.ªs pode permitir isto!...
Atrever-se, no Dia Mundial do Consumidor, o PS, minoritário, a retirar, ao partido maioritário, a coroa de glória de ter uma iniciativa deste género é, de facto, um atrevimento que não posso deixar de condenar, e, portanto, junto o meu voto ao de V. Ex.ª, em sinal de protesto!...

Risos do PS.

Aliás, aproveito para recordar ao deputado Mota Veiga que fará bem, no futuro debate sobre a defesa do consumidor, em recorrer aos anais desta Casa, onde há uma memória de um outro debate notável em que um deputado da sua bancada também manifestou excelsas qualidades e um grande brio em bater-se pelo esclarecimento, pelos direitos e pela defesa do consumidor. V. Ex.ª lerá aí, com certeza, um precursor ilustre e não deixará de seguir-lhe as pisadas!...

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Veiga.

O Sr. Mota Veiga (PSD): - Sr.ª Deputada Santa Clara Gomes, quando referi que a iniciativa do Partido Socialista ó oportunista, quis dizer que este partido sabia perfeitamente (não tenho qualquer dúvida sobre isso!) que o Governo estava a ultimar um diploma sobre esta matéria.

O Sr. António Guterres (PS): - Há quantos anos?!

O Orador: - Sabia-o, até porque o Governo já tinha apresentado vários diplomas, o que, aliás, foi aqui referido pelo Sr. Secretário de Estado do Ambiente e da Defesa do Consumidor. Simplesmente, recorreu aos mecanismos legais e constitucionais, que são os de convocar o Conselho de Publicidade e de submeter os diplomas à apreciação dos parceiros sociais. Eles suo do domínio público e do conhecimento generalizado de todas as pessoas que se interessam por essas matérias.
Ora, se num momento em que isto sucede, o Partido Socialista vem a esta Assembleia apresentar um determinado projecto de lei exactamente sobre a mesma matéria, de certa maneira, está a inverter esta separação de poderes, dado que não e uma matéria da competência reservada da Assembleia da República mas matéria concorrente e, ainda por cima, com um carácter técnico acentuado. Ora, isso justifica plenamente que se façam estes diplomas através de sistemas próprios de Governo, através da consulta aos vários parceiros, através da consulta dos órgãos que estão criados na lei para esse efeito, e não através de uma iniciativa perfeitamente gratuita, apresentada nesta Assembleia para demonstrar apenas que estão a fazer trabalho à pressão, como se vê, aliás, por este diploma de uma qualidade extremamente má. É um diploma que, do pomo de vista jurídico, é canhestro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Efectivamente, não é um procedimento normal - e isso, aliás, é o próprio Partido Socialista que acaba por reconhecê-lo - que, apresentando um diploma na Mesa, porventura há mais de uma semana, mas que chegou ontem à Comissão, no dia seguinte, ou seja, oito dias depois de apresentado, seja entregue uma série de alterações, de iodas as naturezas, a um diploma que vai ser apreciado na generalidade.
É evidente que isto é o claro reconhecimento de que este é um diploma de muitíssima má qualidade.
Posso dizer-lhe - aliás, isto é devido à minha formação como jurista- que enunciei apenas as casos mais evidentes do diploma. É que, se fôssemos analisar artigo a artigo, quase que não havia um único que não tivesse aspectos deploráveis, do ponto de vista jurídico, na forma como estão enunciados e alguns, evidentemente, melhoraram no texto apresentado. Aliás, alguns deles eram de tal modo inconsistências que tiveram que ser retirados! Mas é evidente que esse não é um procedimento normal e, do meu pomo de vista, e eticamente reprovável.
A Sr.ª Deputada disse que nos associámos à iniciativa do PS, mas isso não é verdade, uma vez que o Dia dos Direitos do Consumidor é comemorado, nesta Assembleia, há longos anos. Desde que foi instituído, aqui se comemora, e com intervenção dos deputados do PSD, o Dia dos Direitos do Consumidor. Aliás, a própria Secretaria de Estado desenvolveu inúmeras acções no sentido de divulgar esse dia, que não é uma iniciativa do Partido Socialista. Esse dia é uma iniciativa que existe há muito

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16 DE MARÇO DE 1990 1895

c à qual sempre nos associámos. Não vamos, pois, hoje, associar-nos a uma iniciativa do Partido Socialista.
Por outro lado, direi à Sr.ª Deputada que não desconhecemos um terço de portugueses que, eventualmente, tem dificuldades em fazer valer os seus direitos ao consumo, mas existem, nesta Assembleia, determinados meios para os fazer valer, nomeadamente o direito de petição. Existem vários meios para fazer valer esses direitos, se bem que, do nosso ponto de vista, eles devam ser ampliados, devam ser incentivadas as formas de os resolver, através, inclusive, do fomento do associativismo nesta maioria.
Infelizmente, o projecto do PS, no Conselho de Publicidade, mantém apenas os dois representantes dos consumidores quando, do nosso ponto de vista, muitos mais representantes dos consumidores seriam necessários nesse Conselho.
Por fim, gostaria de responder ao Sr. Deputado, que de certa forma «atirou para o ar» esta matéria de retirar a iniciativa, dizendo que, se o PS só tem iniciativas deste tipo ou seja, quando o Governo está para apresentar um diploma, ele vai a correr apresentar um diploma de uma forma tão desastrada -, então, mal vai o PS na sua iniciativa!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Ribeiro.

O Sr. Sérgio Ribeiro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Coincide a discussão deste projecto de lei com o Dia do Consumidor. Se não coincidência feliz, trata-se de uma feliz, escolha. A publicidade é, tem sido, o passaporte ou o visto que leva à passagem da fronteira do consumo, que satisfaz necessidades humanas, históricas e sociais, para a alienante terra prometida do consumismo. E se esse é malefício que se pode assacar a alguma publicidade, não menor mas de outro tipo é o de, muitas vezes, ser enganosa, veicular informações falsas ou dolosas. Em qualquer dos casos, é o consumidor que, por ela estimulado ou por ela mal informado, cria ilusórias necessidades ou não satisfaz como esperava as que eram suas e reais necessidades.
Mas a força deste fenómeno social que acompanha a invasão acelerada dos media é tal que não se fica pelo condicionamento das necessidades humanas. Não há hoje cão nem gato de estimação que não sejam tentados pelo consumismo ou, talvez, candidatos a serem enganados na qualidade de um produto que a publicidade lhes oferece. Ou, o que não será menos grave, se donos dos bichanos ou dos fiéis «amigos número um» do homem resistirem à mensagem da publicidade, pode esta estar na origem de eventuais problemas de relacionamento doméstico.
Não se trata, como é evidente, nem da oportunidade nem do lugar para fazer uma espécie do processo dirigido à publicidade. Quanto e quando muito será pertinente reforçar a estranho a por não ter o Governo tomado uma iniciativa que, a nosso juízo, a ele competia, aliás assim traduzindo em disposições ou propostas de disposições legislativas, regulamentares e administrativas o que directivas comunitárias consagram, incluso com o objectivo expresso de aproximar as legislações em vigor nos Estados membros, e também com o objectivo explícito de defesa dos consumidores. Na verdade, não serão disposições como as que fazem com que os anúncios dos automóveis incluam informações técnicas e de custos, tal
como obrigam, e que ninguém consegue ler ou ouvir, que podem ilustrar ou exemplificar acções moralizadoras e, até, prestigiadoras de actividade que não merece a leviandade com que por vezes é tratada. Para o mal e para o bem.
Não fiquem por isso dúvidas sobre o respeito que nos merece a actividade, como se poderia apressadamente retirar do começo desta intervenção. Diríamos mesmo que, no caso português, tem a publicidade a seu crédito um passado a que não são estranhos nomes grandes da cultura portuguesa. Alves Redol, Alexandre O'Ncil, Ary dos Santos, e muitos outros se poderiam juntar a estes, deixaram o traço do seu talento na publicidade portuguesa. Talvez seja permitido dizer que, pela importância que tiveram na actividade e pela importância que a actividade teve neles, se justificaria a dúvida se a publicidade roubou tempo de criação literária ou se é a literatura que deve reconhecimento à publicidade pelo que esta contribuiu para o que eles foram e fizeram.
E já que por aqui me meti, e da publicidade não saí, por que não referir o Sr. Engenheiro naval Álvaro de Campos, que, na sua Ode Triunfal, escrevendo o que Fernando Pessoa não sabia o quo mas era um impulso, já denunciava como excessos da publicidade, já ironizava, em 1914, Srs. Deputados, como sinais de consumismo:

Ó fazendas nas montras! Ó manequins! Ó últimos figurinos! Ó artigos inúteis que toda a gente quer comprar! Olá grandes armazéns com várias secções! Olá anúncios eléctricos que vem e estão e desaparecem! Olá tudo com que hoje se constrói, com que hoje se é
diferente de ontem![...]

O projecto que ora se discute tem a virtude das suas intenções e a vantagem de vir preencher obrigações que, sendo de outros, outros não cumprem. Mas, como se reconhece na exposição dos motivos, «não se conseguirá uma boa lei sem que se tenha em conta a opinião dos consumidores» - todos os dias, e não só hoje por ser o seu dia padroeiro - «dos anunciantes e dos agentes publicitários».
Acrescentaríamos, também, que necessário nos parece aprofundar o cotejo do documento proposto com o que, em directivas comunitárias, se encontra já legislado sobre estas matérias.
Por isso, pelo que é e pelo que ainda não é, pelo explícito auto-reconhecimento de que não se pretende um texto acabado, consideramos de aceitá-lo como um texto de trabalho, que se diz plataforma e ponto de partida para a recolha de indispensáveis sugestões e aperfeiçoamentos, estando nós certos de que só um excesso de modéstia pouco habitual mas que, ate para compensar, não fica de lodo mal, terá levado a escrever ponto de partida ou a não ter acrescentado que esse ponto de partida era para a recolha de mais outras indispensáveis sugestões e aperfeiçoamentos.
Aproveite-se este documento de trabalho para que se regulamente a publicidade, com vista a que ela, ao serviço de interesses que por detrás dela se escondem e douram, não contribua para a nós todos, consumidores todos os dias e neste dia especialmente lembrados, nos desregular.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, parece-me que há consenso de todos os grupos parlamentares no sentido de votarmos imediatamente a proposta de lei n.º 133/V.

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Assim sendo, a Mesa vai submetê-la à votação e, depois, cada grupo parlamentar disporá de dois ou três minutos para fazer declarações de voto, se assim o entender.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, na especialidade e final global, da proposta de lei n.º 133/V - Revê o processo de emissão e colocação de empréstimos pelo Estado (revoga disposições da Lei n.º 1933, de 13 de Fevereiro de 1936, e do Decreto-Lei n.º 42900, de 5 de Abril de 1960).
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

É a seguinte:

Artigo 1.º-1 -As condições gerais dos empréstimos a emitir pelo Estado em cada exercício orçamental são estabelecidas por lei da Assembleia da República, de que constarão obrigatoriamente os seguintes elementos:

a) O montante máximo global dos empréstimos a emitir ou o acréscimo de endividamento deles resultante;
b) As finalidades dos empréstimos;
c) Os sublimites relativos a empréstimos internos e externos;
d) Os sublimites relativos a empréstimos de curto prazo, médio e longo prazo e não amortizáveis;
e) O limite dos encargos a assumir com os empréstimos a emitir, podendo aquele ser referido às condições de mercado;
f) Os potenciais tomadores dos empréstimos, considerados segundo as seguintes grandes categorias: instituições de crédito incluindo o Banco de Portugal, outras instituições financeiras, público residente e instituições e público não residentes.

2 - Os sublimites referidos nas alíneas c] & d) do número anterior deverão ser estabelecidos por forma flexível, com vista a possibilitar a adequação da gestão da dívida pública às condições dos mercados e às necessidades da política monetária.

Art. 2.º O Conselho de Ministros definirá, através de resolução, as condições específicas de cada empréstimo, tendo em conta as condições e os mecanismos do mercado.
Art. 3.º São revogados o artigo 19.º da Lei n.º 1933, de 13 de Fevereiro de 1936, e o artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 42 900, de 5 de Abril de 1960.
Art. 4.º A presente lei produz efeitos a contar da entrada em vigor do Orçamento do Estado para 1990.
Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar da unanimidade na votação, julgámos que seria conveniente - tal como foi visto em sede de Comissão de Economia, Finanças e Plano - que ficasse um breve registo sobre este consenso.
A razão da urgência, reconhecida por todos os grupos parlamentares, em aprovar uma lei sobre esta matéria é conhecida e as razões são públicas, na medida em que, neste momento, o Governo está sem qualquer instrumento para poder emitir empréstimos. A situação, em termos do país, é insustentável, e daí esse consenso para a urgência.
Há igualmente consenso - e logicamente nele está incluída a nossa posição - de que a lei que agora é aprovada é demasiado genérica. No entanto, a delicadeza da matéria impõe que possa ponderar-se, com tempo, eventuais medidas que tomem a malha da lei um pouco mais apertada. Contudo, como isso necessita de tempo, houve um consenso generalizado no sentido de votarmos favoravelmente esta lei, com a perspectiva, que é colocada por todos os membros da Comissão de Economia, Finanças e Plano, de que, no futuro, possa produzir-se uma lei eventualmente mais adequada.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uso da palavra para salientar a rapidez com que a Assembleia da República respondeu a este problema da necessidade de interpretar fielmente a sensibilidade da jurisprudência do Tribunal de Contas, que decorre da sua reforma, e de dar ao Governo os instrumentos mínimos necessários para poder realizar a sua política de crédito público.
É evidente que o Governo trará aqui legislação fundamental e complementar no domínio da reforma das finanças públicas, designadamente da reforma do Tesouro e da Lei de Enquadramento do Orçamento, em que esta matéria poderá ser afinada, no sentido de dar, por um lado, a perspectiva de gestão macroeconómica da dívida pública - vivemos ainda num âmbito da política do Estado-ditadura dos anos 30 - e, por outro, a garantia de que a contracção de empréstimo é sempre feita Tias melhores condições possíveis para o Estado e dentro de um princípio de transparência, mas obedecendo também, como disse, à perspectiva macroeconómica que esta matéria deve ter, em primeiro lugar.
Daí que - digo-o mais uma vez! - tenha havido aqui uma resposta rápida dos órgãos de soberania - Governo, que apresenta a proposta de lei, e Assembleia da República, que a aprova - ao problema levantado e suscitado por um outro órgão de soberania, que é o Tribunal de Contas, cuja reforma entrou em vigor no início deste ano.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, embora não possamos ter a certeza de que a solução encontrada seja a melhor, uma vez que o Governo considera de extrema urgência a aprovação deste texto em defesa das finanças públicas do País, o Partido Socialista concordou não só no seu agendamento precipitado, numa sessão reservada a agendamento próprio do PS, como também votou a favor porque não deseja criar quaisquer dificuldades.
Posteriormente, o tempo permitirá a introdução de correcções que parecerem mais necessárias.

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O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, por parte do PRD, também direi que respondemos de forma pronta à solicitação do Governo no sentido do agendamento desta matéria para a sessão de hoje, porque temos a convicção de que carecia de urgente regulamentação, ml como, por diversas vezes, foi afirmado por deputados do Partido Renovador Democrático, durante as discussões do Orçamento do Estado.
Em qualquer caso e tal como é reconhecido pelo próprio relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano, é bem evidente que, da aplicação desta legislação, resultará a necessidade de lhe serem introduzidas algumas correcções. É que, dada a celeridade posta na elaboração desta proposta de lei, porventura teremos de introduzir-lhe, a prazo, alguns ajustamentos.
No que diz respeito ao Partido Renovador Democrático, estaremos atentos à execução destas normas e, se for caso disso, tomaremos a iniciativa de propor as correcções que se nos afigurarem necessárias.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, embora não queiramos abrir um precedente, aprovámos esta proposta de lei, na generalidade, na especialidade e em votação final global, só na medida em que queremos colaborar lealmente com os outros órgãos de soberania na prossecução dos fins essenciais do Estado.
Oxalá o Governo saiba compreender este nosso gesto, sem extrair outras consequências que não sejam as tiradas pela própria Assembleia, neste momento.
Aproveitando o uso da palavra, solicito a V. Ex.ª que determine uma interrupção regimental da sessão por 15 minutos, logo que estejam concluídas as declarações de voto e demais assuntos extremamente urgentes.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra também para solicitar a interrupção dos trabalhos por mais 15 minutos, dado que as deputadas comunistas vão dar uma conferência de imprensa.

O Sr. Presidente: - Os dois pedidos de interrupção da sessão são regimentais, pelo que estão concedidos.
Assim, o intervalo regimental será de 30 minutos e retomaremos os nossos trabalhos às 17 horas e 35 minutos, continuando a apreciar o projecto de lei n.º 489/V (PS).

Srs. Deputados, está interrompida a sessão.

Eram 17 horas e 5 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão. Eram 18 horas.

Srs. Deputados, encontram-se nas galerias, acompanhados pelos respectivos professores, grupos de alunos da Escola Secundária de Valbom, da Escola Secundária de Homem Cristo, de Aveiro, e da Escola Secundária de José Régio, de Vila do Conde.

Aplausos gerais.

Estilo inscritos, para intervir, os Srs. Deputados Barbosa da Costa, André Martins, Arons de Carvalho, Alexandre Manuel e Narana Coissoró.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A sociedade de consumo, característica da época em que vivemos, criou os mais diversificados mecanismos tendentes à sensibilização das populações para a aquisição e o uso de bens e de produtos com discutível qualidade e aplicação.
Assim, surgem as máquinas publicitárias, crescentemente complexas e agressivas, que procuram meter pelos olhos dentro as coisas mais diversas. Bem sabemos os efeitos práticos que tais acções provocam e que condicionam, muitas vezes, a legítima e saudável livre escolha dos utentes que, quase inconscientemente, aceitam placidamente o que lhe é apresentado, sob as mais apetitosas roupagens.
E, nesta matéria, usa-se e abusa-se do ser humano, de forma quase iníqua, designadamente através da coisificação da mulher, reduzida à condição de objecto tentador, ou das cedências virtudes da eterna juventude.
E lá aparecem figuras públicas dos domínios da arte, cultura, desporto ou de mera diversão a servirem - passe a expressão - de embrulho dourado e apetecível aos mais exóticos e inúteis produtos.
E aqui atenta-se gravemente a dignidade dos visados, a sua inteligência e a sua opção consciente. Pode afirmar-se que só compra quem quer, o que quer e quando quer. Há, naturalmente, alguma resta de razão em tal argumentação.
Todavia, as formas utilizadas pelos esquemas publicitários são de tal forma sofisticados e eficazes, que as carapaças defensivas que os visados possam utilizar se revelam manifestamente insuficientes.
Se a publicidade apresenta aspectos negativos e reprováveis, é também verdade que pode constituir uma forma de animação da actividade económica, que, bem utilizada e correctamente enquadrada, pode constituir um processo benéfico para a sociedade.
Assim, não discordamos da existência dos meios publicitários. Seria, aliás, uma posição perfeitamente anacrónica e sem sentido, numa época em que muita coisa gira à sua volta.
É para nós indiscutível o interesse do projecto de lei n.º 489/V, da iniciativa do Partido Socialista, que pretende criar uma lei reguladora da actividade publicitária e que procura substituir o Decreto-Lei n.º 303/83.
Tendo em conta os objectivos enunciados na nota introdutória, julgamos que o articulado proposto os concretiza minimamente, devendo, contudo, haver uma maior prudência para não se correr o risco de alguma forma de censura.
Há, de facto, boas intenções na iniciativa em causa. Contudo, entendemos que se foi longe de mais na preocupação de pormenorização talvez excessiva.
Consideramos que o projecto de lei é uma boa base de trabalho, como, aliás, o Decreto-Lei n.º 303/83 é uma boa base para experiência. Sc, por um lado, é necessário um maior rigor, por outro, receia-se que se caia em excesso de regulamentação. É que, não podemos esquecê-lo, em publicidade, o essencial é a criatividade. Ora, só existe o recurso ao imaginário e criatividade quando existe liberdade.

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E liberdade e criatividade é algo que dificilmente é avaliável, fora do campo da subjectividade e com critérios objectivos.
Analise-se, por exemplo, o artigo 9.º O que se entende por dados essenciais, com que critérios se define que não deve haver omissão ou quando não há omissão? O que significa provocar falsa percepção do objecto de mensagem publicitária, nomeadamente, se existem indivíduos, talvez por serem mais inteligentes - será este o critério ou o de mera inteligência? -, que se apercebem, apesar de tudo, da pretensa omissão do objecto da mensagem? Por outro lado, o objecto será o presente que se quer vender.
Ora, o truque será identificar o objecto com precisão senão a mensagem falha. Ora, a publicidade serve para vender.
Ninguém está interessado em falar em sabonete-creme para as pessoas irem procurar, nos supermercados, o sabonete sólido.
Outro exemplo, agora relativo ao artigo 10.º Qual é a responsabilidade do anunciante ou da agência de publicidade por ter elogiado um determinado produto de beleza, por os consumidores terem aplicado esse produto sem atender às características da sua pele ou do seu cabelo?
O artigo 11.º, ao referir as características essenciais dos bens ou serviços publicitados, peca pela pormenorização. Qual é a necessidade, quando a essência do produto nada tenha a ver com a origem geográfica e comercial?
Temos reservas quanto ao artigo 18.º e gostaríamos de saber qual é o seu objectivo, pois e difícil de aferir se está a afectar-se não o consciente mas o subconsciente.
Relativamente à alteração da composição do Conselho de Publicidade, julgamos que a proposta apresentada é limitativa, enquanto a prevista no diploma em vigor e excessiva.
Pensamos que deveria haver um peso maior da Administração Pública e não vemos razões plausíveis para a participação de representantes quer das centrais sindicais quer das confederações empresariais. Saudamos, entretanto, o reforço da sua intervenção pedagógica e fiscalizadora e a sua independência. Consideramos importante a criação de uma comissão jurisdicional dotada de significativos poderes, à qual se comete a instrução e o julgamento das infracções contra-ordenacionais previstas na legislação que rege a actividade publicitária e, concomitantemente, a aplicação das formas e medidas acessórias, nos termos do regime aplicável ao ilícito da mera ordenação social.
É, também, da sua competência a instrução e o julgamento do incidente de suspensão da difusão da mensagem publicitária, sempre que esteja em causa o risco de lesão significativo de vectores acautelados pela presente lei.
Aliás, consideramos que esta comissão constitui a grande novidade deste diploma. No decurso do articulado proposto evita-se a solução exclusiva do recurso das coimas e contra-ordenações para as entidades oficiais e tribunais comuns.
Trata-se de um processo mais expedito, podendo qualquer pessoa recorrer para a comissão. Sendo uma medida de indiscutível importância, estamos de acordo quanto à sua composição e às suas competências.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Julgamos que o diploma em análise pode ser bastante melhorado, mas, por si só, já representa um trabalho significativo, salvaguardadas as questões que já expusemos e outras que deverão ser colocadas em sede de especialidade, e que consideramos deverem ter soluções mais correctas e precisas.

Aplausos do PRD e do deputado do PS António Guterres.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: A minha intervenção terá de ser breve devido ao pouco tempo de que disponho; no entanto, tentarei expressar qual o entendimento de Os Verdes - creio que, também, do movimento ecologista - no que diz respeito às questões da publicidade e do seu relacionamento e importância relativamente à defesa dos direitos dos consumidores.
Estamos nesta sede para debatermos o projecto de lei do Partido Socialista, hoje, dia 15 de Março, Dia Mundial do Consumidor. Este é um dia como muitos outros que comemoramos e a que damos devido destaque - dias comemorados a nível mundial, europeu, internacional, nacional, e não sei se há a nível ibérico!... e que, de facto, são importantes, como o foi o 15 de Março de 1962.
Em relação a estas matérias, destacamos, em primeiro lugar, a importância que, para nós, tem os movimentos populares de defesa dos direitos dos consumidores, que, desde meados do século passado e em todos os países do mundo, tem vindo u implementar a defesa daqueles direitos quanto à qualidade de vida, à segurança e ao bem-estar dos cidadãos.
Na verdade, aqueles movimentos é que constituem a essência da transformação da sociedade, já que as leis da publicidade e de defesa do consumidor apenas suo instrumentos justificativos da implementação da publicidade e o impacte desta na qualidade de vida e na defesa dos interesses dos cidadãos reveste-se, de facto, de formas de actuação e de intervenção em defesa de outros interesses que não os dos cidadãos nem os do futuro das próprias sociedades.
Estes movimentos populares emergiram espontaneamente ao longo dos anos e, de facto, vieram a impor que não só fosse lida em conta a importância da defesa dos direitos dos consumidores como se tivesse procedido à organização destes no sentido de .uma confrontação com os produtores, os quais, tendo-se organizado de forma mais sofisticada em defesa dos próprios interesses, já tinham poderes para fazerem vingar os respectivos produtos.
É que, no entender do nosso partido, o importante numa sociedade não é esta ou aquela lei de regulamentação da actividade publicitária, mas, sim, a necessidade da transformação da própria essência da sociedade - sua organização e seu funcionamento - no sentido da defesa dos direitos dos cidadãos.
Ora, nos Estados Unidos da América do Norte, em 15 de Março de 1962, o que aconteceu foi que o próprio governo reconheceu que devia intervir como medianeiro entre os interesses dos produtores e dos consumidores.
De lacto, para nós, o importante são estes movimentos sociais, porque estão em causa as contradições desta sociedade, erigida num sistema baseado na democracia liberal, que sustenta todos estes conflitos e contradições que põem em causa a saúde e a qualidade de vida das populações.

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Atentando em dois ou três exemplos concretos, reportar-me-ei àquilo que todos conhecemos e que suo as insistentes manifestações do Prof. Fernando Pádua, que, ao longo dos anos, nos tem alertado para a importância da defesa do coração. Por isso, chamo a atenção para o não consumo excessivo de bebidas alcoólicas, de açúcar, de sal e de gorduras.
Também já ouvi o Prof. Fernando Pádua dizer que propunha um dia, uma semana, um mês, um ano... uma década destinada ao coração!... Espero ainda ouvi-lo falar no século do coração!... E isto porque, de facto, no meio de todas estas contradições da sociedade em que vivemos, através de um estudo oficial do Instituto Nacional de Defesa do Consumidor, realizado em Agosto de 1988, foi constatado que, no espaço publicitário entre as 19 e as 23 horas, no primeiro canal da televisão portuguesa - e repare-se que a lei em vigor, desde 1983, refere que é proibida a publicidade de bebidas alcoólicas até às 22 horas-, 38 % do espaço publicitário ocupado referia-se a produtos alcoólicos, 38 % a produtos contendo excesso de gorduras, 32% a produtos com açúcar e 15,7 % a produtos com sal.
São, pois, estas as contradições desta sociedade.
Embora o projecto de lei em discussão não vá resolver os grandes problemas e contradições que põem em causa mio só a saúde como a manutenção e o futuro das sociedades, o nosso grupo parlamentar vai votá-lo favoravelmente por entender que ele contribui para que os conflitos e as contradições diminuam na nossa sociedade.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Arons de Carvalho.

O Sr. Arons de Carvalho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não será necessário sensibilizar-vos para a crescente importância da publicidade. Ela acompanha-nos de tal forma por toda a parte que, há alguns anos, um especialista na matéria escrevia significativamente que o «ar que vivemos é composto de oxigénio, azoto e publicidade»...
A publicidade pode ser encarada nas suas diversas vertentes: como expressão artística que a técnica foi aperfeiçoando de forma extrema; como actividade quo faz apelo não só ao rigor científico dos estudos de audiência como à imaginação criadora; como indicador sintomático do estado de saúde da economia e sector de investimento indispensável no País, ou até como ponto de contacto entre os anunciantes e os destinatários consumidores.
A crescente sofisticação das mensagens publicitárias transforma aquilo que poderia ser apenas um estratagema comercial num verdadeiro acto de criação estética e cultural, com visíveis eleitos nos comportamentos sociais dos cidadãos.
A regulamentação da publicidade não pode ser, pois, já encarada como disciplina menor, e alguns dos seus aspectos tem já dignidade constitucional. Isso decorre seguramente muito mais da necessidade de proteger os direitos dos consumidores do que da natural valorização da importância económica do fenómeno publicitário.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - O direito da publicidade evoluiu, de facto, do direito da concorrência como mero direito comercial para um direito onde os interesses dos cidadãos, enquanto consumidores ou utentes, adquirem um relevo evidente.
Esta vertente valorizadora da perspectiva dos consumidores assim como a importância dos meios de comunicação social no fenómeno publicitário só podem conduzir à conclusão de que toda esta matéria respeita também aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e, como tal, deve ser debatida na Assembleia da República.
Parece não ser esse, lamentavelmente, o ponto de vista do Governo, o que não posso deixar de criticar com veemência.
A iniciativa legislativa que o PS hoje apresenta visa também fazer terminar a manifesta incapacidade do Governo em rever a actual lei da publicidade, datada já de 1983.
De facto, o Decreto-Lei n.º 303/83 está, em alguns pontos, desadequado da realidade sócio-económica e cultural actual. O próprio Governo reconhece-o há muito, mas até à data apenas conseguiu fazer multiplicar sucessivas versões de anteprojectos contraditórios entre si, sem nunca ultrapassar as visíveis hesitações que manifestamente limitam a sua capacidade de decidir.
O projecto de lei do PS que hoje debatemos tem em conta, naturalmente, a Convenção do Conselho da Europa sobre Televisão Transfronteiriça e as directivas comunitárias sobre publicidade enganosa e televisão sem fronteiras.
Por outro lado, o projecto de lei do PS é completamento inovador ao regulamentar o exercício da actividade publicitária, definindo os tipos, limites e deveres emergentes dos contratos a celebrar no sector, desde o contraio de publicidade stricto sensu, aos de difusão e criação publicitárias e de patrocínio, o que constitui um importante contributo para a harmonização da legislação portuguesa a directivas comunitárias e para a consequente adaptação do sector a regras internacionalmente vigentes.
De notar que em matéria de regulamentação de actividade publicitária a única regra existente na legislação actualmente em vigor era a que obrigava à existência de um registo das agencias de publicidade na Direcção-Geral da Comunicação Social, mas, significativamente, esse registo nunca foi constituído.
Dão-se ainda garantias acrescidas aos anunciantes, que passam a poder fazer o acompanhamento de todo o processo de produção da mensagem ou a contratar directamente a difusão das mensagens publicitárias com o titular de um dado suporte.
Importante inovação do projecto socialista - bem recebida, aliás, pelas entidades com intervenção no sector - é a comissão jurisdicional da publicidade, composta por um juiz de direito, um representante do Ministério da Justiça e uma personalidade eleita pelo Conselho de Publicidade.
Trata-se manifestamente de uma importante forma de desgovernamentalizar a aplicação das sanções relativas às infracções publicitárias, garantindo ao mesmo tempo a isenção e o rigor característicos da sua natureza para-judicial.
É uma solução bem mais adequada e justa do que o sistema actual, que confere ao membro do Governo encarregado da área da defesa do consumidor a responsabilidade de decidir sobre a matéria.
Um terceiro aspecto que merece relevo tem a ver com as alterações introduzidas na composição do Conselho de Publicidade. Órgão já existente na legislação em vigor, o Conselho de Publicidade vê assim a sua composição remodelada através da diminuição do número dos representantes institucionais, ou seja, de organismo público, e

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do reforço da representação dos parceiros sociais e das entidades com acção no sector. De sublinhar a inclusão de representantes do movimento sindical, dos anunciantes e de sectores da opinião pública particularmente sensíveis às questões de publicidade.
O projecto de lei do PS consagra uma regulamentação moderna e inovadora para o sector da publicidade, pretendendo regular, sem espartilhar, uma actividade em que a liberdade de criação é essencial e que significa um volume de negócios de mais de 50 milhões de contos/ano.
O projecto não deixa, todavia, de ter em conta os direitos do público consumidor - do destinatário da publicidade - por reconhecer-se que a publicidade ou certas das suas formas perversas podem ter efeitos muito negativos, imperceptíveis para o cidadão comum.
Finalmente, acrescente-se que é intenção do PS fazer da discussão deste projecto na sua sede própria, a Assembleia da República, um processo de criação participado, fazendo apelo aos profissionais do sector, às associações de consumidores, aos jornalistas e homens da comunicação social e aos anunciantes, para que contribuam ainda para a sua melhoria e, assim, chegar-se a uma versão final tão consensual quanto possível.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Informando que o PRD dispõe de 5,8 minutos e que está inscrito, para uma intervenção, o Sr. Deputado Alexandre Manuel, dou a palavra à Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Deputado Arons de Carvalho, o projecto de lei do PS é uma iniciativa muito estimável, porque pretende pôr um travão na publicidade selvagem.
Porém, permita-me alguns reparos: impropriedade de conceitos, tais como o de partir-se do princípio de que numa economia de mercado a publicidade serve a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos - pelo menos, falta o «deve servir», não está lá! - e que se torna negativa se forçar o consumismo. Como se não fosse esse o objectivo da publicidade!...
Também me parece votada ao insucesso a proibição de mensagens publicitárias subliminares, dada a sua subjectividade e considerando que elas se infiltram, sobretudo na televisão, na programação em geral, portanto fora do quadro da publicidade propriamente dita, em filmes, por exemplo, como 6 o caso de nocividades a que o projecto pretende pôr cobro.
Outra exigência utópica 6 a de que a mensagem publicitária deve respeitar a verdade. Mas como? A lanterna de Diógenes buscando a verdade, que nenhum filósofo até hoje enxergou num universo em que a publicidade tem como função vender aquilo que o consumismo quer fazer passar por verdadeiro?
Mas, vendo bem, até aqui considero positivas estas quiméricas exigências, pois que só vêm criar embaraços a esse instrumento de acefalia aquisitiva que é o massacre publicitário das mentes.
Por isso, percorri com agrado o projecto do PS até que esbarrei num Conselho de Publicidade, órgão de tutela, desejável, sim, mas cuja composição resulta desfavor à protecção do consumidor.
Em doze membros, só três, os representantes das centrais sindicais e das associações de consumidores, não estão envolvidos nos interesses da máquina publicitária. O Governo e não só o actual como todos, na civilização em que nos encontramos-, que se faz representar por quatro membros, por melhores que sejam as suas intenções, não pode furtar-se aos ditames da economocracia dominante, que lhe impõe uma política de estímulo, de desenvolvimento económico, de investimento e de dinâmica empresarial que tem como um dos mais fortes motores a publicidade. Alem disso, temos mais cinco elementos designados por entidades directamente empenhadas no reforço da publicidade.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, já gastou três minutos.

A Oradora: - Já?!

O Sr. Presidente: - Pode verificar isso através do placará!

A Oradora: - Sr. Presidente, toda a gente tem mais um minuto, não é verdade?!

O Sr. Presidente: - Não, Sr.ª Deputada! Nem toda a gente tem mais um minuto.

A Oradora: - Porque o Sr. Presidente é sempre tão gentil e porque, ultimamente, está tão cavalheiresco em ceder um pouquinho mais de tempo, peco-lhe que o seja também com uma senhora! Está bem, Sr. Presidente?!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Discriminação sexual?!

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada pode gastar cinco minutos, como é habitual. Contudo, deixa o seu colega de bancada sem tempo para intervir.

A Oradora: - Estou a terminar, Sr. Presidente.
Ora, são esses nove membros em doze que constituem a maioria qualificada que irá decidir na cooptação dos restantes três membros do Conselho.
Pergunto: porque esta composição, Sr. Deputado Arons de Carvalho? Aqui tropeça o meu desejo de adesão a uma lei que, lendo aspectos muito positivos na contenção da praga publicitária, comete o erro de produzir uma estrutura desindicada para defender os valores que pretende salvaguardar.
Fui rápida, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Arons de Carvalho.

O Sr. Arons de Carvalho (PS): - Sr.ª Deputada Natália Correia, agradeço as suas palavras em relação ao projecto de lei do PS e, ainda muito mais, as críticas, que me parecem pertinentes.
Devo dizer-lhe - e certamente que a Sr.ª Deputada saberá isso- que sou particularmente sensível aos modelos de representatividade social. Penso que este projecto ganharia ainda mais se se pudesse ainda mais reduzir o papel do Estado nesta matéria e aumentar o papel dos cidadãos. Creio que a solução estará, em sede de especialidade, se a isso a tolerância, ou a intolerância, do PSD nos permitir, em aumentar o número de elementos designados pelas associações de consumidores.
Gostaria, finalmente, de sublinhar que, praticamente no fim deste debate, o que se verifica, do conjunto das in-

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tervenções dos Srs. Deputados, é, mais uma vez, o tremendo isolamento do Governo e do PSD nesta matéria. Não houve um partido político que acompanhasse o Governo e o PSD nas críticas que dirigiram ao projecto de lei do PS. Mais uma vez, o PSD fica só com a sua maioria e com o seu umbigo.

Uma voz do PSD: - Não é verdade!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Manuel, que poderá utilizar tempo cedido pelo PCP.

O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Gostaria de proferir duas breves palavras apenas para referir a oportunidade deste debate e também a sua urgência mio apenas por, como se afirma no preâmbulo do diploma em análise, a actual legislação ser exígua e se encontrar demasiado sectorializada, mas também porque começa a ficar desactualizada, sobretudo a partir das exigências trazidas pela nossa adesão ao mercado comum e pela revisão constitucional, designadamente quando coloca no capítulo dos direitos e deveres económicos, imediatamente a seguir aos direitos dos trabalhadores e antes ainda do direito de propriedade privada, os direitos dos consumidores. E a publicidade muito tem a ver com este direito.
Em causa, de facto, estuo questões tão importantes como a saúde pública, a qualidade de vida ou até mesmo, muitas vezes, a própria dignidade humana. Em causa - importa não esquecer - estão também questões económicas, não apenas pelos dinheiros que movimenta, apesar da pequenez do nosso mercado, mas também pelos dinheiros que faz movimentar, com todas as consequências daí inerentes, designadamente as concorrenciais.
Não se poderá também esquecer, por exemplo, o perigo que poderia constituir para alguns sectores da economia portuguesa se a legislação portuguesa, por exemplo, fosse mais exigente do que a espanhola, cuja televisão, como se sabe, faz chegar produtos seus a muitas zonas do nosso país.
Por isso mesmo, defende-se que esta legislação deve ser olhada com muito cuidado, como, aliás, o afirmam os seus autores no preambulo, quando consideram este documento como inacabado e aberto à colaboração. Em causa, de facto, está um discurso, por vezes acusado de dolo, o confronto entre os eventuais benefícios e os rendimentos disponíveis da população para o consumismo, a sua eficácia (sempre e em que condições?) e os interesses que movimenta atrás de si, incluindo frequentemente os do próprio Estado. Em causa está também, neste momento e no que concretamente nos diz respeito como povo e como país, um sector ao qual ultimamente se parece estar a pedir demais, designadamente em termos de subsistência da generalidade dos media. É que, de acordo com os especialistas, perante os meios de comunicação social existentes e os que se perfilam no horizonte, seriam necessários, a breve prazo, uns 80 milhões de contos de receitas publicitárias (números de Janeiro do corrente ano), quando, de momento, ainda estamos um pouco distantes dos 50 milhões. Além de que, por razões outras, que não vem agora ao caso, mas nas quais importa atentar muito seriamente, se agarraram à publicidade actividades não concorrenciais, como, por exemplo, as desportivas ou o próprio mecenato cultural.
É certo que nos últimos anos o crescimento foi grande, enorme mesmo, mas porque partiu do quase zero em que ainda eslava nos anos 80 (atrás da Grécia e da Turquia, muito atrás da Espanha e atrás mesmo de países africanos, como Marrocos ou a Argélia) e por razões conjunturais que, por certo, não irão repetir-se com a mesma dimensão. Assim, por exemplo, a publicidade dos meios financeiros, até então quase inexistente (refiro-me à banca, às companhias de seguros, ao leasing, etc.); a publicidade institucional destinada a promover as OPV, designadamente de empresas a privatizar; o crash da bolsa, que aumentou enormemente o mercado automóvel; a defesa «territorial» das empresas portuguesas perante a «invasão» trazida pela adesão à CEE, e, finalmente, a publicidade utilizada pelo Governo em determinados sectores, como as finanças, a saúde e a segurança social.
É que a publicidade não irá, a partir de agora, continuar a crescer, como aconteceu, 14 ou 15 vezes mais do que o PIB. É dos livros, e a prática externa assim o diz.
É neste contexto, pois, que deve ser olhado e discutido este projecto, atendendo a casos concretos, como, por exemplo, a avaliação da qualidade através dos prémios recebidos (muitos deles verdadeiras fraudes, mesmo internacionalmente falando), a constituição do Conselho e a definição do que deve ser entendido por publicidade subliminar. Essa publicidade ou é tosca, e não é subliminar, ou é clara, e então deixa de o ser. E onde entra aqui a imaginação de quem vê? Coisas iguais podem ser vistas de modo diferente, conforme o modo, a disposição, etc., de quem as vê. E não será subliminar, por exemplo, toda, ou quase toda, a comunicação política?
Mas essas são questões para a especialidade.
Por agora, fiquemo-nos por aqui, partindo do princípio, no entanto, de que também por aqui passa o direito a informar e o direito a ser informado.
Aproveito, finalmente, para agradecer ao Partido Comunista o tempo que me cedeu.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: À nossa maneira, comemoramos hoje o Dia do Consumidor, mediante o debate de uma iniciativa legislativa, e espera-se que, segundo um relatório do Parlamento Europeu, o ano de 1991 seja designado como o ano europeu do consumidor.
À medida que o ano de 1992 se aproxima, a questão da defesa do consumidor nos Estados membros da Comunidade vai assumindo uma importância cada vez maior. Tentou proceder-se à harmonização, a nível comunitário, de todas as normas e padrões de qualidade nacionais, mas isso revelou-se uma tarefa impossível. A abordagem alternativa do reconhecimento mútuo das normas nacionais, advogado pelo Tribunal de Justiça no caso «Cassis de Dijon», peca por falta de uma norma mínima aceitável a nível europeu. Isto teve como resultado que os países com normas mais estritas de defesa do consumidor receassem a entrada de produtos provenientes de países com normas eventualmente menos exigentes.
O Acto Único Europeu dispõe que a Comissão proporá normas mínimas de defesa do consumidor e utilizará «um

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nível de protecção elevado» como base das suas propostas. Porém, não é dada qualquer definição desta última frase: «um nível de protecção elevado».
Os países com requisitos menos exigentes de defesa do consumidor temem que lhes sejam impostos requisitos complexos e dispendiosos que as suas economias menos robustas dificilmente poderiam suportar sem uma redução significativa da sua competitividade, anulando assim, em larga medida, as vantagens potenciais de um «mercado único».
Do ponto de vista do consumidor, estas considerações traduzem-se no receio de que venham a verificar-se, por um lado, aumentos significativos dos preços e, por outro, um afluxo de produtos, cujos níveis de qualidade não correspondam aos praticados nos respectivos países.
É necessário, assim, que os consumidores, representados por diferentes organizações, possam debater publicamente, com os produtores, as suas organizações sindicais e laborais e outras, os seus interesses nesta matéria, bem como as suas preocupações. Por exemplo, os consumidores tem todo o interesse em que a política de livre concorrência não seja substituída por acordos ou práticas anticoncorrenciais ou potencialmente monopolistas.
A disciplina da actividade publicitária integra-se, exactamente, nestas preocupações basilares das comunidades, e daí a sua importância tanto a nível interno como a nível europeu.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - Mais uma razão, portanto, para felicitar o Partido Socialista pela oportunidade, pelo interesse e pelo alcance da iniciativa do seu projecto, visto na perspectiva comunitária.
A actividade publicitária entre nós está hoje sujeita a alguns princípios gerais, entre os quais se destacam o da legalidade, o da autenticidade, o da livre concorrência e o da veracidade.
Devido à escassez de tempo, farei apenas referencia a duas das formas de publicidade que me parecem mais importantes no meio destes princípios e que levantam alguns problemas de compatibilização do direito interno com as directrizes comunitárias, e que são as da livre concorrência ou lealdade concorrencial, como se diz no projecto do Partido Socialista, e da publicidade enganosa.
A lealdade da concorrência em matéria publicitária condena toda a prática contrária aos bons costumes mercantis, não só sob o ponto de vista do competidor, mas, fundamentalmente, do interesse superior do público em geral. Daí que a jurisprudência alemã adopte, para efeitos de ilicitude, o critério da «opinião generalizada», sendo o consumidor considerado como árbitro do mercado. Sucede, porém, que, na falta de um direito dos consumidores, não existe em nenhum país membro da CEE uma harmonização das legislações sobre o que se deve entender por «opinião generalizada», embora todas elas se reportem à noção difusa de protecção do interesse geral ou de uma acção de concorrência desleal com resultados muito limitados. Ao dar uma noção aproximativa do conceito genérico e dos casos específicos, o autor do projecto socialista dá uma primeira contribuição ao nosso direito, embora essa definição não seja de todo em todo abrangente e possa ser melhor trabalhada. Mas desde já constitui um contributo face ao direito comparado, principalmente se tivermos em conta os dois direitos que mais trabalharam esta noção - o direito americano e o direito germânico.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - O problema fundamental da publicidade enganosa é o de compatibilizar o nosso direito vigente com as exigências do direito europeu. Diz Garrigues que «a concorrência é uma regra a que deve submeter-se a publicidade, mas a verdade é que a própria concorrência se deve submeter à norma de direito». Daí que o direito da publicidade seja o direito-matriz do direito concorrencial.
Em Portugal, as normas centrais, ainda hoje, são do direito civil quanto aos institutos do erro, do dolo, dos vícios redibitórios, ou seja, dos relevantes para a formação da vontade negocial e dos vícios do consentimento, os quais, como e sabido, são manifestamente insuficientes, porque não foram pensados pelo legislador civil para aquilo que se costuma designar por «mensagem mecanizada». Por outro lado, lodo o instituto da prova tem de ser revisto e invertido, porque agora não é necessário demonstrar que alguém foi enganado. O que interessa é que o consumidor tenha sido efectivamente induzido em erro através da «opinião generalizada». Isso tem grande importância para os nossos propósitos. O que está em causa não e o erro essencial, nem o sujeito efectivamente enganado, nem o cidadão isolado que recorre aos tribunais por ler sido dolosamente induzido em erro, mas sim a probabilidade de os destinatários em geral, através da publicidade, não poderem vir a conhecer a verdade, invertendo-se assim o ónus da prova para o lado de quem faz a publicidade enganosa e não de quem é vítima dela. Daí também a dilatação do prazo de caducidade, porque não ficaria consentâneo com os interesses um prazo estritamente reduzido como é o do nosso Código Civil, que apenas tem em vista um contrato efectivo celebrado entre duas parles, quando agora existe um interesse difuso que é de protecção do consumidor e uma acção da própria sociedade e não de um indivíduo determinado.
O projecto do Partido Socialista enseja, portanto, este debate e coloca perante nós problemas nucleares e centrais da publicidade. Não seria bom que minimizássemos este projecto com atitude própria de quem apenas vê a árvore e não quer ver a floresta. Nós queremos que este projecto seja amplamente debatido na Comissão, porque outros problemas relevantes e actuais podem ser trazidos à discussão.
Pode perguntar-se, à face da nossa Constituição e da nossa legislação, se algum organismo administrativo pode substituir a soberania dos tribunais, ou seja, daqueles órgãos que foram criados, soberanamente, para velar pelo cumprimento dos princípios e normas e sua violação, principalmente a violação através da ilicitude a que corresponde acção penal.
Em segundo lugar, poderá perguntar-se se os órgãos criados para assessorar a Administração Pública poderão decretar coimas e indemnizações.
Em terceiro lugar, poderá questionar-se se podemos atribuir o poder jurisdicional a órgãos que ficam fora do universo dos nossos tribunais.
São problemas importantes, que são colocados pelo projecto do Partido Socialista e que tem de ser tornados em consideraçâo para debatermos seriamente esta matéria.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em quarto lugar, é preciso redefinir o nosso direito publicitário. O decreto-lei de 1983 está quase

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desactualizado. Não basta o Governo prometer que vai fazer. Seria sua obrigação fazê-lo, e demasiado depressa, porque o ano de 1992 está à porta. Sc o Governo, como prometeu, quer trazer aqui a sua proposta de lei, seria aconselhável que a trouxesse o mais cedo possível e não congelasse como é habitual o projecto do Partido Socialista por dois, três ou quatro meses, para depois vir dizer que tudo quanto o Governo traz é novo e que tem o mérito de fazer todas as leis novas ou reformas importantes. Ao CDS não interessa quem é o autor do projecto, mas sim a matéria legislada.
Por isso mesmo, congratulamo-nos com esta iniciativa do Partido Socialista, que foi uma louvável forma de comemorar o Dia do Consumidor, de mostrar e dar ao povo português a consciência de que a actividade publicitária é hoje uma actividade europeia, e não apenas da lei portuguesa, de chamar a atenção dos juristas para intrincados problemas que a actividade publicitária coloca hoje em dia, mas que em Portugal ainda não está suficientemente estudada. Esta maneira de comemorar os dias internacionais parece-nos a melhor forma de uma assembleia legislativa, como a nossa, cumprir a sua missão.
Sabemos que em alguns artigos ou, como quer o PSD, em muitos artigos - haverá grande obra de modificação a fazer, mas isto não retira o mérito da iniciativa, não retira o mérito ao bom diploma sob o ponto de vista da filosofia que o anima, isto é, dos princípios que arroga, e não retira o mérito de, pelo menos, apressar o trabalho do Governo, que sempre se mostrou afoito a trazer a esta Câmara as suas propostas quando a oposição toma a iniciativa de para elas chamar a atenção do País.
Bem haja o Governo por preparar rapidamente a sua legislação quando a oposição aqui deposita os seus projectos de lei.
Temos, uma vez mais, a certeza de que o Governo não faltará à chamada que lhe fazemos para apresentar a sua proposta de lei sobre a matéria de publicidade o mais cedo possível, na certeza de que todos contribuiremos para que o direito publicitário em Portugal seja uma realidade até 1992.

Aplausos do PS.

O Sr. Silva Marques (PS): - Inversão completa da situação!
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia Mendes de Almeida.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e da Defesa do Consumidor.
O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e da Defesa do Consumidor: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta Assembleia teve a ocasião de, durante algumas horas, discutir e debater a publicidade e os direitos dos consumidores. Fê-lo num dia assinalável e de uma forma que me parece bastante positiva.
No entanto, há um certo número de aspectos que merecem aqui ser comentados e, naturalmente, farei esse comentário começando, para já, por responder à questão que o Sr. Deputado Narana Coissoró colocou.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que o Governo não vai trazer aqui nenhuma proposta de lei sobre o assunto porque, em decreto-lei que aprovará dentro de dias, fará
muito melhor do que aquilo que foi consagrado na proposta que aqui foi apresentada.

O Sr. António Guterres (PS): - Traga-o cá para o discutirmos!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sim, traga-o cá!

O Orador: - É nesse espírito que trabalhamos, conforme disse logo no princípio da minha intervenção.
Os contributos dados nesta discussão não nos levarão a alterar o que quer que seja do nosso projecto de decreto-lei, pois não ouvi nada de especial a nível qualitativo que possa enriquecer o projecto que temos em fase final de aprovação. Aliás, gostaria de dizer que a proposta apresentada pelo Partido Socialista foi objecto de críticas claras de todas as bancadas. Sc o Partido Socialista diz que o PSD e o Governo não obtiveram o apoio das outras bancadas e dos outros partidos, também eu posso manifestar que cheguei a essa conclusão em relação ao projecto que o Partido Socialista aqui apresentou, pois, na verdade, com alguns acordos pontuais, mas também com críticas diversas, todos os partidos manifestaram a sua divergência em relação a esse projecto.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Exacto!

O Orador: - Por outro lado, devo dizer que retirei do debate uma outra conclusão: a de que o projecto do Partido Socialista não consegue provar que defende os consumidores. Faz; apenas uma defesa profunda das agências de publicidade, dos seus desejos e anseios e manifesta-se contraditório com aquilo que suo os direitos dos consumidores, hoje já consagrados em legislação e que, no projecto do Partido Socialista, recuam liminarmente em vários aspectos, o que não posso cie maneira alguma aceitar. Defendemos um mercado livre, defendemos a livre concorrência, queremos que os consumidores tenham opinião, que sejam livres, que possam participar e que, naturalmente, tenham um peso significativo nas esferas de decisão, coisa que o Partido Socialista lhes quer retirar de uma forma acentuada.
Devo ainda dizer que não há também qualquer inovação no projecto do Partido Socialista no tocante à revisão da própria Lei de Bases da Defesa do Consumidor, que quis igualmente anunciar.
O Governo, através de várias intervenções públicas recentes, tem deixado claro que é sua intenção (consta do seu programa) fazer essa revisão. Mais uma vez o Partido Socialista, tendo conhecimento público de factos notórios e evidentes, procura antecipar-se, com algum sentido de oportunidade mas, naturalmente, com menor qualidade. Consoante as palavras da Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes, tem a oportunidade mas não tem a qualidade de vir fazer também essa proposta.
Devo dizer-lhe, para que fique publicamente claro, que também nesta matéria temos uma proposta em fase final de elaboração e que, essa sim, será apresentada nesta Casa para ser amplamente discutida. Tem como eixos a nossa preocupação de criação de uma nova extensão do dever geral de protecção dos consumidores, até agora cometido ao Estado e que, naturalmente, deverá ser reforçado no que loca às autarquias e no que loca às próprias regiões autónomas.
Por outro lado, entendemos que com a inclusão recente na lei, após a revisão constitucional, do direito à quali-

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dade dos bens e serviços consumidos, importa desenvolver melhor esses conceitos e consagrá-los de uma forma mais segura em legislação derivada.
Importa também consagrar claramente na lei aquilo que hoje vimos fazendo na prática mas que tem de ser acentuado, ou seja, o dever de inserção nos programas escolares das matérias respeitantes à protecção dos consumidores. É pela escola, pela prevenção, pela educação, pela pedagogia, que estas matérias têm de fazer a sua entrada no consciente e no direito conhecido de cada um dos cidadãos no dia-a-dia.
Por outro lado, entendemos que importa fazer uma maior adequação do direito de representação dos consumidores e das suas associações, designadamente em tribunal.
Esclareço que na passada quinta-feira, em Conselho de Ministros, o Governo aprovou três diplomas sobre defesa do consumidor. Isto quer dizer que, numa só semana, o Governo aprovou mais diplomas sobre a matéria do que aqueles que o Partido Socialista apresentou ao longo destes tempos. Outros tem, no entanto, para aprovação a curto prazo e num deles, em matéria de fixação de preços, consagra às associações de defesa do consumidor um certo número de direitos de intervenção e de acompanhamento dos processos, o que, isso sim, é de facto inovação.
Por outro lado, entendemos que deverá ser também consagrada em lei a possibilidade de as associações se apresentarem a juízo para defender os interesses colectivos dos consumidores, aquilo que em alguns direitos aqui tilo invocados por alguns dos Srs. Deputados, em particular no direito inglês e no direito norte-americano, já é matéria que faz escola.
Entendemos também que deverá ser feito um efectivo reconhecimento da diversidade e pluralidade das formas de organização dos consumidores, o que hoje se vem consagrando, quer na área sindical, quer na das cooperativas, quer na das associações de família e não só na área das associações de defesa do consumidor.
Entendemos igualmente que o actual conselho-geral do Instituto de Defesa do Consumidor deve dar lugar a um conselho nacional do consumo, como orgão de consulta alargado, onde, aí sim, deve ter assento lodo esse conjunto de entidades que foram referidas no vosso diploma em relação ao Conselho de Publicidade, onde não faz sentido que alguns deles estejam. Faz, no entanto, sentido que muitas dessas entidades participem a outro nível, se é que tem a ver com o consumo, como seria o conselho consultivo do consumo, a ser consagrado em lei de forma diferente daquilo que é hoje o conselho-geral, que consideramos desadequado àquilo que tem de ser uma política do consumidor moderna e na perspectiva do mercado interno, na perspectiva de 1992.
Naturalmente que achei estranha a posição do Partido Comunista a este respeito, mas o Partido Comunista fará, certamente, ainda alguma intervenção, uma vez que dispõe de tempo. Gostaria muito de conhecer um pouco da posição que tem, em termos ideológicos, nesta matéria e aquilo que tem sido a experiência em alguns países onde a economia de mercado não se tem feito sentir tanto mas onde, certamente, haverá política de defesa do consumidor. Para enriquecimento do debate e das nossas propostas, gostaríamos de conhecer essa matéria, pois sobre ela devem ter uma experiência concreta, que nós não temos, e é sempre útil conhecê-la, sobretudo aqui nesta Casa.
Obviamente que poderia fazer outras considerações e outros comentários. Fá-los-ei oportunamente mas, para já, a conclusão que tiro é a de que os consumidores portugueses estilo de parabéns pelo debate e reflexão que mereceram neste dia e nesta Casa. Estou seguro de que em outras ocasiões e futuramente teremos ocasião de fortalecer, aprofundar e fazer prevalecer esses direitos, para que, de facto, os consumidores, que somos todos nós, os exerçam no dia-a-dia, na rua e em cada acto.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Sérgio Ribeiro está a pedir a palavra para que efeito?

O Sr. Sérgio Ribeiro (PCP): - Para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Sérgio Ribeiro (PCP): - Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª fez um convite a esta bancada que, de certo modo, me surpreendeu e me leva a pedir-lhe este esclarecimento: quando é que a bancada do PCP teve, alguma vez, a possibilidade de poder responder à pergunta que colocou?
Penso que, quando fez essa pergunta, a fez no sentido de saber qual era a nossa experiência, como governo, para poder legislar em prol da defesa do consumidor e daquilo que hoje tem a ver com a regulamentação da publicidade. Penso que a pergunta que nos fez foi nesse sentido, pois não posso, de modo nenhum, entender que fosse noutro sentido qualquer.

O Sr. Silva Marques (PSD): - E agora perderam completamente a oportunidade! Nem no Ocidente, nem no Oriente!...

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e da Defesa do Consumidor.

O Sr. Secretário de Estudo do Ambiente e da Defesa do Consumidor: - Sr. Deputado Sérgio Ribeiro, discutiu-se aqui, do ponto de vista biológico, uma matéria que é importante, que tem a ver com uma economia do mercado e com posições políticas e ideológicas que as várias formações políticas têm e que, de algum modo, exprimiram neste debate.
Estranhei o facto de o Partido Comunista não ter dado também o seu contributo, pois sei que e capaz de o fazer e que certamente o fará, tendo uma experiência ideológica especial, que nenhuma outra formação tem e porque certamente terá contactos com modelos de governo doutros países que tem experiência nessa matéria e que nós não conhecemos muito bem. Importava aqui conhece-la e saber ale que ponto essa experiência pode enriquecer a nossa reflexão e o nosso debate. Foi esse o sentido da minha pergunta.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Inscreveu-se, para uma intervenção, em tempo cedido pelo Grupo Parlamentar do PCP, o Sr. Deputado Arons de Carvalho.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

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16 DE MARÇO DE 1990 1905

O Sr. Arons de Carvalho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria apenas, nesta fase do debate, de fazer duas pequenas observações.
Tivemos ocasião, no decorrer deste debate, de ouvir duas sessões de auto-elogio, de autopromoção do Sr. Secretário de Estado, do estilo «se eu não me elogio, quem é que me elogiará?» ...

Risos do PSD e do CDS.

... que suo uma nota de que, de facto, o Governo precisava mesmo desta oportunidade para vir aqui trazer um longo rol das coisas que fez ao longo dos anos, como se outro fosse o papel do Governo senão fazer algumas coisas!
De facto, só lamento que o Sr. Secretário de Estado tenha agora um ministro cujo Ministério o impede de vir mais vezes à Assembleia expor, com maior frequência ainda, o rol das suas realizações.
Mas a primeira razão de ser do meu pedido de intervenção foi outra: a de fazer notar uma diferença profunda. É entre o Partido Socialista e o Governo nessa matéria. É que o Partido Socialista apresentou o seu projecto nesta Assembleia, que obteve apoios genéricos de todas as bancadas menos da do PSD e críticas pontuais que nós, modestamente, estamos dispostos a considerar em sede de especialidade. O Governo, sobranceiramente, acaba de anunciar que não se digna entregar nesta Assembleia a sua proposta - que, ao que parece, já vai na 6.º versão e na 3.ª desde que o Sr. Secretário de Estado se ocupa do sector e com isso revela um indiscutível medo das críticas pontuais ou gerais que existam sobre essa matéria.
Ninguém tem dúvidas, nesta Assembleia e na opinião pública, de que a questão da publicidade é um tema em relação ao qual é possível haver um consenso. Seria extremamente fácil as diferentes bancadas encontrarem plataformas consensuais em relação a esta matéria. Pergunto: qual é a legitimidade que o Governo tem para criticar destrutivamente um projecto de lei do PS e dizer, sobranceiramente, «então, tudo bem,... mas vamos apresentar um decreto-lei e depois acabou a questão».

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e da Defesa do Consumidor.
O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e da Defesa do Consumidor: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação ao que o Sr. Deputado Arons de Carvalho referiu, devo dizer que o que mais dói a quem foi governo e nada fez é ver outros anunciar o que tem feito e querem fazer. E não há qualquer publicidade aos actos, há apenas uma divulgação rígida e rigorosa daquilo que temos feito!
Devo dizer-lhe que não era preciso o Governo trazer a esta Assembleia aquilo que é da sua competência exclusiva, que está consagrado no seu programa e que naturalmente...

O Sr. António Guterres (PS): - Não é exclusiva! É concorrencial!

O Orador: - Muito obrigado pela correcção, que poderei aceitar, mas de qualquer maneira não retiro o que disse, que é de facto...

O Sr. António Guterres (PS): - Claro! Tem medo!

O Orador: - Parece que há socialistas com dúvidas.
Não retiro o que disse, porque o Governo tem competência para legislar sobre esta matéria. Está a fazê-lo claramente e vai continuar.
Em relação ao facto de a nossa crítica ser destrutiva, devo dizer-lhe que as minhas críticas, e penso que bastante reforçadas pelas do Grupo Parlamentar do PSD, suo claras, construtivas, provam, em matéria de filosofia e em matéria jurídica de precisão, quanto o vosso projecto de lei carecia de ser reformulado, se fosse levado por diante. Penso que ficou claro - e de resto no preambulo do vosso próprio diploma isso é dito - que ele é um ponto de partida. Portanto, como ponto de partida, teria muito ainda que andar para chegar à meta. E como ficou claro e provado -embora possa, naturalmente, clarificar melhor -, o Governo está perto da meta, perto do ponto de chegada.

O Sr. Arons de Carvalho (PS): - O vosso projecto já ultrapassou a meta!

O Orador: - Portanto, mais vale pegar naquilo que temos em vias de conclusão e faze-lo passar a mela do que estar à espera do PS, que ainda está no ponto de partida.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - O projecto de lei do PS é muito fraco!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, dou por encerrado o debate relativamente ao projecto de lei n.º 489/V (PS); a votação far-se-á na próxima sessão.
A nossa próxima reunião plenária terá lugar no dia 20, às 15 horas, e lerá como ordem do dia a discussão do projecto de lei n.º 164/V (Os Verdes), sobre a criação do promotor ecológico com vista à defesa da vida e do meio ambiente.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António José de Carvalho.
António Maria Ourique Mendes.
António Maria Pereira.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Dinah Serrão Alhandra.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Flausino José Pereira da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Jaime Carlos Marta Soares.
João José da Silva Maças.
Joaquim Eduardo Gomes.

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1906 I SÉRIE - NÚMERO 53

Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Assunção Marques.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Luís António Martins.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Margarida Borges de Carvalho.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Rui Gomes da Silva
Rui Manuel Almeida Mendes.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
João António Gomes Proença.
José Luís do Amaral Nunes.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa

Partido Comunista Português (PCP):

António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo Brito.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Manuel Anastácio Filipe.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria de Lourdes Hespanhol
Maria Luísa Amorim.
Maria Odete Santos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados.

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Henrique Nascimento Rodrigues.
Manuel da Cosia Andrade.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Pedro Augusto Cunha Pinto.

Partido Socialista (PS):

António Domingues de Azevedo.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Lage.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Jaime José Matos da Gama.
José Apolinário Nunes Portada.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Rui Pedro Machado Ávila.

Partido Comunista Português (PCP):

Octávio Rodrigues Pato.

Centro Democrático Social (CDS):

José Luís Nogueira de Brito.

Deputados independentes:

Carlos Matos Chaves de Macedo.

As REDACTORAS: Ana Maria Marques da Cruz - Isabel Barral - Mana Amélia Martins.

DIÁRIO da Assembleia da República

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